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05/02/2016 Conceito de cultura jurídica: diálogo entre antropologia e direito Jus Navigandi https://jus.com.br/imprimir/44250/repensandoaculturajuridica 1/23 Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereço https://jus.com.br/artigos/44250 Para ver outras publicações como esta, acesse http://jus.com.br Repensando a cultura jurídica um diálogo entre a antropologia e o direito Repensando a cultura jurídica: um diálogo entre a antropologia e o direito Ivan Furmann Publicado em 11/2015. Elaborado em 07/2015. A conceituação de Cultura Jurídica parte da noção de mundo simbólico e de algumas etnografias clássicas, para construir a abertura ao outro, à diversidade e aos direitos humanos. 1 CULTURA JURÍDICA COMO CHAVE INTERPRETATIVA? O conceito de cultura nas ciências humanas ressurgiu, entre as décadas de 1970 e 1980, como medida para interpretação e análise da diversidade humana. Anteriormente havia caído em relativo ostracismo devido ás tendências evolucionistas que efervesceram durante o final do século XIX e primeira metade do século XX. Após a Segunda Guerra tais teorias foram, em parte, soterradas, ao menos como centrais, no debate sobre o homem. Em seu retorno, o conceito cultura atingiu em especial a Antropologia e a História, que vivenciaram em seus meios intelectuais um verdadeiro boom de problemas e hipóteses. Geertz (1989) apontava que certas idéias serviam para solucionar um enorme rol de problemas centrais de uma ciência que pareciam servir para solucionar quase todos. Susane Langer teria apontado que quase todas as mentes criativas do momento teriam pensado a idéia de “cultura” como uma chave explicativa para compreender o homem. A antropologia, portanto, teria sido posta como missão central: (...) limitar, especificar, enfocar e conter [o conceito de cultura]. É justamente a essa redução do conceito de cultura a uma dimensão justa, que realmente assegure a sua importância continuada em vez de debilitálo. (GEERTZ, 1989, p.14). Ao mesmo tempo que se tornava um recurso significativo para pensar o ser humano, o conceito de cultura sofreu com a impossibilidade de delimitação. Por mais que na prática os antropólogos soubessem seu sentido, não conseguiam chegar a um acordo sobre sua delimitação, “(...) como [afirmava] Murdock (1932): ‘Os antropólogos sabem de fato o que é cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento’.”(LARAIA, 2000, p.63). Parecia existir tantos conceitos de cultura quanto existem antropólogos no mundo.[i] E quando uma palavra pode significar “quase” tudo, em certo aspecto explica “quase” nada. “Quase” um contrasenso lógico e intelectual (talvez uma contradição performativa, como diria Habermas). 2 CULTURA: UMA CHAVE E MUITAS PORTAS Para compreender o sentido de cultura vale inicialmente distinguirlhe, ainda que superficialmente, de sociedade. Esses dois conceitos apesar de serem complementares não são coincidentes. Segundo Giddens (2005, p.38) cultura e sociedade podem ser conceitualmente separadas, mesmo existindo muitas conexões. Enquanto a sociedade está relacionada a um sistema de “interrelações” que conecta indivíduos, a cultura seria a forma como essas interrelações se realizam, de uma forma tipicamente humana. A tal ponto que cultura seria a liga entre os indivíduos. “Sem cultura, não seríamos sequer ‘humanos’ ” (...) ou seja, “Não teríamos línguas em que nos expressar, nenhuma noção de autoconsciência e nossa habilidade de pensar ou raciocinar seria severamente limitada”. (GIDDENS, 2005, p.38) Nesse sentido, é preciso levar em conta alguns pontos significativos que diferem a cultura de sociedade, isso porque cultura deve ser compreendida: 1) dentro de um contexto histórico; 2) não a partir de uma congruência ou coerência com a

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Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereçohttps://jus.com.br/artigos/44250Para ver outras publicações como esta, acessehttp://jus.com.br

Repensando a cultura jurídica

um diálogo entre a antropologia e o direito

Repensando a cultura jurídica: um diálogo entre a antropologia e o direito

Ivan Furmann

Publicado em 11/2015. Elaborado em 07/2015.

A conceituação de Cultura Jurídica parte da noção de mundo simbólico e de algumasetnografias clássicas, para construir a abertura ao outro, à diversidade e aos direitos humanos.

1 CULTURA JURÍDICA COMO CHAVE INTERPRETATIVA?

O conceito de cultura nas ciências humanas ressurgiu, entre as décadas de 1970 e 1980, como medida para interpretação eanálise da diversidade humana. Anteriormente havia caído em relativo ostracismo devido ás tendências evolucionistas queefervesceram durante o final do século XIX e primeira metade do século XX. Após a Segunda Guerra tais teorias foram, emparte, soterradas, ao menos como centrais, no debate sobre o homem.

Em seu retorno, o conceito cultura atingiu em especial a Antropologia e a História, que vivenciaram em seus meiosintelectuais um verdadeiro boom de problemas e hipóteses. Geertz (1989) apontava que certas idéias serviam parasolucionar um enorme rol de problemas centrais de uma ciência que pareciam servir para solucionar quase todos. SusaneLanger teria apontado que quase todas as mentes criativas do momento teriam pensado a idéia de “cultura” como uma chaveexplicativa para compreender o homem. A antropologia, portanto, teria sido posta como missão central:

(...) limitar, especificar, enfocar e conter [o conceito de cultura]. Éjustamente a essa redução do conceito de cultura a uma dimensãojusta, que realmente assegure a sua importância continuada em vezde debilitá­lo. (GEERTZ, 1989, p.14).

Ao mesmo tempo que se tornava um recurso significativo para pensar o ser humano, o conceito de cultura sofreu com aimpossibilidade de delimitação. Por mais que na prática os antropólogos soubessem seu sentido, não conseguiam chegar aum acordo sobre sua delimitação, “(...) como [afirmava] Murdock (1932): ‘Os antropólogos sabem de fato o que é cultura,mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento’.”(LARAIA, 2000, p.63).

Parecia existir tantos conceitos de cultura quanto existem antropólogos no mundo.[i] E quando uma palavra pode significar“quase” tudo, em certo aspecto explica “quase” nada. “Quase” um contra­senso lógico e intelectual (talvez uma contradiçãoperformativa, como diria Habermas).

2 CULTURA: UMA CHAVE E MUITAS PORTAS

Para compreender o sentido de cultura vale inicialmente distinguir­lhe, ainda que superficialmente, de sociedade. Essesdois conceitos apesar de serem complementares não são coincidentes. Segundo Giddens (2005, p.38) cultura e sociedadepodem ser conceitualmente separadas, mesmo existindo muitas conexões. Enquanto a sociedade está relacionada a umsistema de “inter­relações” que conecta indivíduos, a cultura seria a forma como essas inter­relações se realizam, de umaforma tipicamente humana. A tal ponto que cultura seria a liga entre os indivíduos. “Sem cultura, não seríamos sequer‘humanos’ ” (...) ou seja, “Não teríamos línguas em que nos expressar, nenhuma noção de auto­consciência e nossahabilidade de pensar ou raciocinar seria severamente limitada”. (GIDDENS, 2005, p.38)

Nesse sentido, é preciso levar em conta alguns pontos significativos que diferem a cultura de sociedade, isso porque culturadeve ser compreendida: 1) dentro de um contexto histórico; 2) não a partir de uma congruência ou coerência com a

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sociedade em seu sentido amplo, o que algumas vezes pode não acontecer ao primeiro olhar; 3) dentro de um contexto dediversidade de ações, na qual atores num sistema singular podem empregar formas culturais variáveis, mas aceitáveis numamanobra social ampla. (MINTZ, 2010, p.234). Para entender como essa variação cultural ocorre dentro das sociedades, épreciso detalhar o desenvolvimento do conceito de cultura.

E conceito de cultura variou muito junto com o desenvolvimento das ciências sociais. Evolucionismo, Difusionismo,Funcionalismo, Configuracionismo, Estruturalismo, dentre outras correntes, demarcaram a história do conceito de cultura.[ii] Nessa ampla diversidade, os conceitos de cultura estiveram por vezes predeterminados por interesses distorcidos. Não édifícil constatar que o conceito de cultura já foi considerado dogma do evolucionismo,[iii] já serviu para justificar oautoritarismo durante o regime militar brasileiro,[iv] também foi argamassa em teorias rácicas.[v] Todas essas formas,mesmo com marcantes diferenças, tiveram algo em comum. Todas vislumbravam a cultura como destino e o homem comoseu elemento passivo e sujeitado.

Tais concepções não traziam novos problemas às ciências sociais, antes as prendiam num mar de determinismos. Suasconcepções epistemológicas fundamentavam­se num objetivismo raso, justificado a imagem das ciências naturais no séculoXIX. Porém, a “Vida é uma entidade suprema que não pode ser descrita pela física ou química” (CASSIRER, 1984, p.21,trad. livre). Muito menos por conceitos como raça ou evolução. Depois de muito embate de cunho político e as vezes bélico,tais olhares naufragaram.

Freud, mesmo não sendo um especialista em antropologia, e talvez até mesmo por esse motivo, conseguiu visualizar o cernedo conceito de cultura.

A civilização humana, expressão pela qual quero significar tudoaquilo em que a vida humana se elevou acima de sua condiçãoanimal e difere da vida dos animais ­ e desprezo ter que distinguirentre cultura e civilização ­, apresenta, como sabemos, dois aspectosao observador. Por um lado, inclui todo o conhecimento ecapacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar as forçasda natureza e extrair a riqueza desta para a satisfação dasnecessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentosnecessários para ajustar as relações dos homens uns com os outrose, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. (FREUD,1927, p.15­6)[vi]

O conceito de Cultura, portanto, tem dois importantes aspectos a serem levados em consideração. Por um lado articula asinter­relações humanas para o conhecimento do controle da natureza e por outro lado para ajustar as relações entre oshomens.[vii] Esses dois campos não são distintos ou podem ser pensados isoladamente, em especial porque o que lhes écomum é a idéia de conhecimento. E exatamente sobre essa idéia de conhecimento foi construído o conceito de cultura.Passando­se de um conceito de visualizava o conteúdo do conhecimento para outro que visualizava o processo de conhecer.Antes, porém, de aprofundar tal idéia vale ressaltar outros aspectos.

Hoje, ainda se discute se “cultura” é um elemento essencialmente e exclusivamente humano[viii]. Trata­se de um olhar“vislumbrante” do homem em relação e do mundo natural (que nem mesmo Freud parece se desligar) colocando o homemnuma posição evolutiva superior as demais espécies. Ressalte­se que, em seu desenvolvimento biológico, o homemdesenvolveu um mundo próprio, compartilhável com outros homens. Entretanto isso não significa que seja a única espécie ater experiências vividas únicas.

A realidade não é uma coisa singular e homogênea; é imensamentediversificada, e tem tantos esquemas e padrões diferentes quanto háorganismos diferentes. Cada organismo é por assim dizer um sermonádico. Tem um mundo só seu porque tem uma experiência sósua. Os fenômenos que encontramos na vida de uma determinadaespécie biológica não são transferíveis para nenhuma outra espécie.(CASSIRER, 1984, p.25, trad. livre)

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Deixando de lado pesquisas que tente desenvolver novas formas de comunicação entre seres de espécie diferentes, valeressaltar que os homens, mesmo quando de culturas completamente distintas, podem criar estratégias de contatocomunicacional.[ix] Isso ocorre porque o mecanismo elementar da cultura funciona de forma similar em todos os homens.Esse mecanismo elementar, a chave que está no cerne de toda a cultura, é o elemento simbólico.

(...) no mundo humano encontramos uma característica nova queparece ser a marca distintiva da vida humana. O circulo funcionaldo homem não é só quantitativamente maior; passou também poruma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim dizer, umnovo método para adaptar­se ao seu ambiente. Entre o sistemareceptor e o efetuador que são encontrados em todas as espéciesanimais, observamos no homem um terceiro elo que podemosdescrever como o sistema simbólico. (CASSIRER, 1984, p.26, trad.livre)

O sistema simbólico se caracteriza como recurso evolutivo do homem para mediar suas relações com o ambiente, com outrasespécies animais e com outros seres humanos. Assim, o homem amplia sua experiência com a realidade, vivendo numadimensão diferente de outras espécies. Enquanto outras espécies têm como principal forma de reação a estímulos externos aação fundamentada no instinto (reação orgânica), o homem desenvolveu uma resposta diferida, baseada na ação dopensamento (CASSIRER, 1984, p.26, trad. livre).[x]

Isso não significa que o homem não possa agir pelo instinto, o que faz normalmente como qualquer espécie, porém que tendea agir de forma diferida num maior número de situações, inclusive de forma mais intensa e generalizada. A questão daresposta diferida se funda na idéia de reflexão antes da ação. Nem todas as ações realizadas pelos homens são ações diferidas,afinal o homem também compartilha de certo instinto natural, porém as ações consideradas estritamente humanas, quecontém sentido subjetivo[xi], são diferidas. Essas ações com caráter diferido, ou talvez melhor referidas como refletidas, são osubstrato de toda análise cultural. Assim o homem conseguiu criar um novo processo de interação entre seu mundo biológicoe seu mundo próprio, simbólico.[xii]

Essa realidade parece ser insuperável para qualquer estudioso das ciências humanas, pensar o homem fora de sua vidacultural seria perder importante elemento constitutivo do “humano”.[xiii] Sobre a teia de significados que rodeia o homem,forma­se sua própria consistência como ser. Portanto, a idéia de cultura está inserida diretamente na construção peloshomens de representações simbólicas compartilhadas para compreensão diferida da realidade. Assim, não é propriamente aexistência de linguagem que formula certa singularidade à espécie humana.[xiv] A característica da linguagem humana quea demarca é a representação simbólica. Para perceber a diferença entre a linguagem humana e a de animais, segundo ErnestCassirer, pode­se avaliar a diferenças entre linguagem emotiva e proposicional. Ou seja, os animais não conseguem passar dalinguagem emotiva para a proposicional:

A diferença entre a linguagem proposicional e a linguagem emotivarepresenta o verdadeiro limite entre o homem e o animal. Todas asteorias e observações sobre a linguagem animal em que não sereconheça essa diferença fundamental são sem sentido. Ao longo daextensa literatura sobre o assunto parece existir provas conclusivasde que nenhum animal jamais deu o passo decisivo na linguagem dosubjetivo ao objetivo, da linguagem emocional à linguagemproposicional. (CASSIRER, 1984, p. 30, trad. livre)

A proposição de Cassirer supõe que todos os animais conseguem exprimir emoção e inteligência prática (animais), o que ohomem acrescentou a essa habilidade é a razão e inteligência simbólica. Para compreender melhor tal perspectiva pode­sereferir a diferença entre “Sinal” e “Símbolo”. Enquanto o sinal é relacionado a representações objetivas, simplificando arealidade e oferecendo uma linguagem designativa (denotativa), o simbólico supera o sensorial e apresenta uma capacidadede interpretação lingüística, uma linguagem figurativa (conotativa). Em outras palavras, enquanto diversos animaisconseguem desenvolver emoções e inteligência prática a partir da linguagem (incluindo­se aí também o homem), oshomens, além dessa habilidade, têm a capacidade de desenvolver linguagem abstrata, fundamentada na razão, einteligência simbólica. Diferença entre o Sinal e o Símbolo é exposta por Cassirer:

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Todos os fenômenos comumente descritos como reflexoscondicionados não estão apenas distantes, mas em total oposição ànatureza essencial do pensamento simbólico humano, os símbolos,no sentido próprio da palavra, não pode ser reduzido a meros sinais.Sinais e símbolos correspondem a dois universos diferentes dodiscurso: um sinal é uma parte do mundo físico do ser, um símboloé uma parte do mundo humano do significado. Os sinais são"operadores", os símbolos são "designadores". Os sinais, mesmoquando compreendidos ou utilizados como tais, possuem, nãoobstante, uma espécie de ser físico ou substancial, símbolos têmapenas um valor funcional. (CASSIRER, 1984, p. 32, trad. livre)

Para melhor elucidar esse exemplo vale explicitar a capacidade humana de compartilhar o mundo a partir da linguagemfigurativa. Cassirer relembra o famoso caso de Ellen Keller e dos esforços de sua professora Sullivan. Ellen Keller era umaaluna surda, muda e cega, que conseguiu aprender a se comunicar com o mundo exterior devido ao aprendizado mediadopelo mundo simbólico. Cassirer anota parte do diário da professora Sullivan, que apesar de extenso é significativo parademonstrar a importância do elemento simbólico na linguagem humana:

Eu tenho que escrever algumas linhas esta manhã porque algo demuito importante aconteceu. Helen deu o segundo grande passo emsua educação. Aprendeu que tudo tem um nome e que o alfabetomanual é a chave para tudo o que quer saber ... Esta manhã,enquanto eu estava lavando, queria saber o nome da "água".Quando ela quer saber o nome de algo aponta em sua direção eacaricia minha mão. Eu escrevi "á­g­u­a" [com linguagem dossinais] e não pensei mais no assunto até depois do almoço ... Depoisfomos para a fonte e fiz Helen apanhar un jarro com água datorneira, enquanto eu estava na bomba. Ao sair derramei água friada jarra na mão aberta de Helen e indiquei a palavra "á­g­u­a" [coma linguagem de sinais]. A palavra, que foi acoplada à sensação deágua fria que caia em sua mão, pareceu colocá­la em movimento.Ela tomou a jarra e entrou em estado de êxtase. Seu rosto pareciabrilhar. Ela soletrou "água" várias vezes. Ela se inclinou e pediu paraque eu indicasse [na linguagem dos sinais] o seu nome e apontoupara a fonte e rapidamente, pediu para o meu nome. Soletrei"professora". Ao voltar para a casa estava muito animada eaprendeu o nome de cada objeto que ela tocou, de modo que empoucas horas adicionou 30 novas palavras ao seu vocabulário. Namanhã seguinte, ela caminhou como uma fada radiante. Voando deum objeto a outro, perguntando o nome de tudo e me beijando dealegria... Tudo tem que ter um nome agora. Onde quer que você vápergunta ansiosamente pelo nome das coisas que ela não aprendeuem casa. Ela está ansiosa para soletrar com seus amigos e maisansiosa ainda ensina palavras para qualquer pessoa que encontra.(CASSIRER, 1984, p.33­4, trad. livre).

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Esse exemplo demonstra que, mesmo sem compartilhar as mesmas informações sensoriais, o homem compartilha arealidade além da mera constatação feita imediatamente pelos sentidos, Ou seja, é pelo compartilhamento simbólico queEllen Keller pode participar do mundo humano, através da cultura. Em sentido oposto, Cassirer cita exemplos da existênciade diversos casos de crianças perdidas, os chamados meninos lobos, os quais não aprenderam a compartilhar linguagemsimbólica, ficando alheios a outros seres humanos quando reencontrados. Nesse sentido, parece impossível averiguarelementos considerados culturais de forma inata ao homem.[xv]

Ellen Keller aprendeu a utilizar as palavras, não meramente como signos ou sinais mecânicos, senão como um instrumentointeiramente novo de pensamento. A linguagem é a simbologia utilizada pelo homem para referir­se ao mundo. Enquanto osoutros animais, por vezes remetem­se ao mundo de forma descritiva por uma linguagem limitada, o homem abstrai dasimbologia a reflexão sobre a própria simbologia. Assim, através de Cassirer, chega­se a uma conclusão interessante: Oshomens não pensam pela representação física, mas pelos signos (linguagem) (CASSIRER, 1984). O pensamento humano,portanto, é instrumentalizado pela cultura.

Do que foi proposto pode­se concluir que não existe um conteúdo cultural fixo, pré­existente ou pré­determinado. Ou ainda,rememorando a crítica de Norbert Elias, que “[h]oje em dia, o termo "cultura" é empregado freqüentemente como sedesignasse um fenômeno livre e independente, pairando acima dos homens e não em conexão com o desenvolvimento socialde associações humanas, dentro das quais é possível esclarecer e estudar de fato os fenômenos culturais — ou, para usaroutras palavras, as tradições sociais.” (2001, p.194). A própria cultura é aprendida. Por isso não é possível pensar numaperspectiva humana essencial, inata. Aliás, a busca da essência humana, durante a história ocidental, teve como objetivo ajustificativa de certo tipo de dominação. Seja a dominação do homem sobre o animal, seja a dominação de um homem sobreoutro homem. Observar outras culturas ocasiona exatamente a quebra do sentido absoluto da própria forma de enxergar arealidade.[xvi]

O atual contexto das ciências sociais rejeita a idéia de essência humana, ou de natureza humana ínsita.[xvii] Diversos estudostêm demonstrado que a própria biologia humana tem evoluído com o desenvolvimento da cultura. O neo­cortex humanoprecisa, necessariamente, de instruções culturais para tornar­se funcional.[xviii] Um homem que crescesse de forma isoladaprovavelmente não teria nenhum intelecto ou sentimento reconhecíveis.

(...) O fato aparente de que os estágios finais da evolução biológicado homem ocorreram após os estágios iniciais do crescimento dacultura implica que a natureza humana “básica”, “pura” ou “não­condicionada”, no sentido da constituição inata do homem, é tãofuncionalmente incompleta a ponto de não poder ser trabalhada. Asferramentas, a caça, a organização familiar e, mais tarde, a arte, areligião e a “ciência” moldaram o homem somaticamente. Elas são,portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas à suaprópria realização existencial. (GEERTZ, 1989, p.60)

Isso significa que o ser humano se desenvolveu dentro de um ambiente socializado, necessitando de compartilhamentosocial para se tornar um sujeito existencial pleno.[xix] (LARAIA, 2000. p. 45). Assim, o desenvolvimento do arsenalsimbólico humano foi substanciado nas relações sociais desenvolvidas durante a sua vida, na ação.[xx] Pela análise dosacontecimentos humanos e da História, podemos visualizar a cultura, como afirmou Sahlins: “(...) a cultura é historicamentereproduzida na ação (...) um evento é uma atualização única de um fenômeno geral, uma realização contingente do padrãocultural (...)”. (1990, p.7).

Esse embate real (pela ação) na sociedade pode ser visualizado, seguindo Keith Thomas, a partir dos efeitos reais de distinçãoentre seres humanos ocasionados pela noção de essência humana e de ideal de comportamento humano, gerandoexplicações sobre “os mais” e “os menos” humanos.

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Robert Gray declarava que, em 1609 que “a maior parte” do globoera “possuída e injustamente usurpada por animais selvagens oupor selvagens brutais, que, em razão de sua ímpia ignorância eblasfema idolatria, são ainda piores que os animais” (...) relata sirThomas Hebert, a respeito dos habitantes do Cabo da BoaEsperança; “duvido que a maioria deles tenha antepassadosmelhores que macacos” (...) No início dos tempos modernos essaatitude persistia. “Os membros da vasta ralé que parece portar ossinais do homem no rosto”, explicava sir Thomas Pope Blount, em1693, “não passavam de seres rudes em seu entendimento (...) é pormetáfora que os chamamos de homens pois na melhor da hipótesesnada mais são que os autômatos de Descartes, molduras e sombrasde homens, que têm tão­somente a aparência para justificar seusdireitos à racionalidade”. Para outros observadores, os pobres eram“a parcela mais vil e grosseira da humanidade” (...) (THOMAS,1988, p. 50; 52).

Tais afirmações retratam algo que, antes de ser um ajustamento natural entre homens, é uma construção social significativa eque deve ser levada em conta ao se trazer o debate sobre cultura de um plano abstrato para um plano concreto. O preconceitocom o diferente demarcou o que se considerava como culturalmente relevante. Fazer a filtragem do que é cultural dentro doconceito de cultura perpassa por uma análise histórica e crítica da realidade e suas diversas relações de poder.

Para uma primeira reorganização de um conceito de cultura, é possível retirar algumas considerações iniciais.Primeiramente o Direito, assim como outras áreas da vida humana é um fenômeno plenamente cultural. O padrão decomportamento estabelecido nas práticas conhecidas como “Direito” está intimamente ligado ao mundo simbólico humano.

(...) Os padrões de comportamento que constituem a cultura de umgrupo social são ­ para usar a expressão de Cassirer ­ formassimbólicas, "sistemas de símbolos", ou seja cada um dos quais estáorganizado como um mundo em si mesmo, relativamente de formaindependente, a totalidade desses sistemas representa um ambientedistinto, pelo menos em linha em princípio, a partir do ambientenatural em que o grupo tem para viver. Essas formas simbólicasenvolvem uma técnica de organização ­ e sua diferenciação mútua éde fato ligado à diversidade de técnicas elaboradas (técnicas da vidamoral e religiosa, a produção literária e artística, a teoria científica,a investigação filosófica), exceto que tais técnicas não são maistécnicas de adaptação ambiente, mas são em vez disso técnicas paraa criação de um ambiente diferente do natural. (ROSSI, 1983, p. 25­6) [xxi]

Portanto, o Direito é um fenômeno que em sua estrutura elementar é formado por representação simbólica.

Outra consideração inicial é que a cultura é pública, ou em outras palavras, compartilhada em sociedade (socialmente,portanto). Geertz explica que na cultura os significados são compartilhados publicamente[xxii], ou seja, mesmo quandoexistem distinções de acesso a integralidade da informação, muitas vezes inclusive como forma de distribuição de poder nasociedade, tal informação simbólica precisa ser compartilhada entre os membros de uma sociedade. Esses sentidos circulame formam uma cadeia de significação que forma a “cultura”.

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As pessoas adquirem experiência enquanto estão sendo acionadas eenquanto agem. Na maior parte do tempo e na maioria das formas,elas agem de acordo com um código socialmente herdado decomportamento padronizado, um código histórico de longapermanência. Mas esse código não é jamais uma camisa­de­força;existem escolhas e alternativas. Estas – incluindo a opção pela nãoação – são utilizadas em várias permutações, embora finalmentesujeitas às condições externas. (MINTZ, 2010, p.235­6).

Por isso, para Geertz cultura irá ser compreendida como uma “teia de significados que o próprio homem teceu” (1989, p.4).Ou seja, “Cultura é, em última análise e finalmente, comportamento mediado através de símbolos”. (MINTZ, 2010, p.237).Além disso, deve­se ressaltar que ao aceitar­se a necessidade de compreensão individual dos sentidos culturais, é possíveldentro desse conceito criar um importante elo entre o social e o individual. “Clifford Geertz, levando adiante o trabalhoimportantíssimo de Max Weber, é central nesse ponto por causa do que chamei anteriormente de sua teoria da culturaorientada para a subjetividade.”. (ORTNER, 2007, p.400). Ora, nesse sentido cultura é a construção humana necessáriapara viver coletivamente.[xxiii] O seu significado vai variar conforme os valores, conhecimentos e costumes compartilhadosque fazem parte do modo de viver de cada um. Enfim, “(...) creio que temos de renunciar à antiga visão de cultura, lembrarque é a nossa identidade comum de criaturas que utilizam símbolos que faz o mundo único (...)”. (MINTZ, 2010, p.237)

Atualmente, segundo Roque Laraia (2000), atualmente existem três perspectivas conceituais aceitas de cultura, as quaismais se complementam do que se contradizem, são elas:

1) Cultura como sistema cognitivo (Sistema de conhecimento): Cultura é tudo aquilo que é necessário se conhecerpara ser aceito em certa sociedade. Em última análise, não se diferencia da linguagem.

2) Cultura como sistemas estruturais: Cultura é definida como os princípios da mente que organizam os símbolos.Aproxima­se a visão de Cassirer e de Levi­Strauss.

3) Cultura como sistemas simbólicos: Cultura como conjunto de símbolos que estruturam o processo de representaçãohumana, modelo de Clifford Geertz.

Ressalte­se que tais perspectivas podem ser conciliadas, pois são complementares. Parecem demonstrar três faces de ummesmo fenômeno.

Por fim, o grande desafio de trabalhar com o conceito de cultura é superar uma visão simplista. Inclusive em termos depesquisa. Antigamente “A cultura era pensada como um conjunto de comportamentos, cerimônias e gestos característicospassíveis de registro e explicação por um observador treinado” (CLIFFORD, 1998, p.29). O trabalho de um etnógrafo, eraconsiderado antes de mais nada um trabalho físico de observação e descrição, hoje porém é visto como um trabalho deinterpretação.[xxiv] Enfim, “O processo de pesquisa é separado dos textos que ele gera e do mundo fictício que lhes cabeevocar. A realidade das situações discursivas e dos interlocutores individuais é filtrada”. (CLIFFORD, 1998, p.42).

3. CULTURA E DIREITO: OS DEBATES CLÁSSICOS SOBRE CULTURA JURÍDICA

Para iniciar uma caracterização do conceito de “cultura jurídica” relembre­se uma interessante passagem de Plínio Barretoem seu livro “A Cultura jurídica no Brasil (1822/1922)” referida por Alfredo Venâncio Filho:

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Há 100 anos, quando se emancipou definitivamente da soberaniaportuguesa, era o Brasil uma terra sem cultura jurídica. Não a tinhade espécie alguma, a não ser, em grau secundário, a do solo. Jaziamos espíritos impotentes na sua robustez meio rude da alforria dascrendices e das utopias, à espera de charrua e sementes. O Direito,como as demais ciências e, até, como as artes elevadas nãointeressava ao analfabetismo integral da massa. Sem escolas que oensinassem, sem imprensa que o divulgasse, sem agremiações que oestudassem, estava o conhecimento dos seus princípios concentradoapenas no punhado de homens abastados que puderam ir a Portugalapanhá­la no curso acanhado e rude que se processava naUniversidade de Coimbra. (BARRETO apud VENÂNCIO FILHO,2004, P.13)

Percebe­se que o conceito de “cultura jurídica” presente na passagem citada está diretamente relacionado nessa passagem anoção de conhecimento erudito. Rememora a versão francesa de cultura, na qual se identificava cultura a idéia de erudição,cultivo do homem.[xxv] Além disso, percebe­se que a escolarização seria o processo central para a caracterização da “culturajurídica brasileira”. O mesmo Plínio Barreto completava:

O direito era, no Brasil, quando se operou a Independência, umaciência estudada por um grupo insignificante de homens e não eraestudada, mesmo neste grupo, com profundeza e pertinácia. Nempodia sê­lo. Não há ciência que se desenvolva sem ambienteapropriado, e o de uma colônia onde mal se sabia ler não é, comcerteza, o mais adequado para o crescimento de uma disciplina,como a de direito, que supõe um estado de civilização bem definidonos seus contornos e bem assentado nos seus alicerces. (BARRETOapud VENÂNCIO FILHO, 2004, P.14)

Tal autor reflete uma época em que no Brasil a valorização dos ideais europeus ressaltava os valores iluministas dedesenvolvimento e progresso.[xxvi] Para ir além desse conceito de “cultura jurídica”, e resgatar inclusive a possibilidade dedebater o que Plínio Barreto chamou de “cultura do solo” é preciso abrir um diálogo mais amplo entre a Antropologia e oDireito.

Para Geertz (1997) a Antropologia e Direito seriam a princípio duas disciplinas ideais para dialogarem. Isso porque existemdiversas semelhanças em seus métodos (ao menos na cultura anglo­saxã), tanto a presença de linguagem erudita, quantouma aura de fantasia, mas especialmente no tocante a sua artesania local. Tal característica pode ser visualizada na busca deprincípios gerais em fatos paroquiais. As duas disciplinas partem do específico para o geral (ao menos na tradição docommon law), mas sempre buscando uma perspectiva compreensiva. De qualquer forma, e apesar da limitação de talcomparação no sistema da civil law, Geertz aponta duas idéias base para identificar o Direito e a Antropologia (etnografia).

Entre uma simplificação dos fatos que torna as questões morais tãolimitadas que podem ser solucionadas através do simples uso deregras específicas (a meu ver, a característica que define o processojurídico) e a esquematização da ação social de modo que seusignificado possa ser expresso em termos culturais (a característica,também a meu ver, que define a análise etnográfica), existe algomais que uma simples semelhança entre membros de uma mesmafamília. (GEERTZ, 1997, p. 253­4)

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O Direito segundo Geertz se caracterizaria num processo de “simplificação dos fatos que torna as questões morais tãolimitadas que podem ser solucionadas através do simples uso de regras específicas” (p.253). Bruno Latour explica o jogo dasregras específicas, apresentando um esquema de ação de julgamento. Assim, Pode­se afirmar assim que a redução da vidapara a linguagem jurídica visa rapidamente “estabilizar o mundo dos fatos”, tornando­os indiscutíveis (o que significa dizer,em outras palavras, que a defesa não os contesta mais) recolocando o fato numa regra abstrata de direito (na prática, umtexto) para produzir um julgamento (na realidade um freio (definição interpretativa) ao texto). “A redução erudita obtidacria a mesma economia cambaleante, uma vez que substitui o mundo, e sua complexidade, riqueza e inumeráveisdimensões, por um papel e seus textos”. (LATOUR, 2004, p.242, trad.livre) [xxvii]

Esse processo que faz transitar uma linguagem designativa (denotativa) pra uma linguagem figurativa (conotativa), e vice­versa, ou seja, que faz a descrição dos fatos se ajustarem ao julgamento dos mesmos, caracterizaria o que os ocidentaischamam de Direito. Esse processo cognitivo foi certamente pensado através da comparação cultural na obra deMontesquieu. Este considerava a essência (espírito) das leis vinculada à razão, apontando que cada povo detinhacaracterísticas próprias que inclusive impediam uma lei de fazer sentido em locais diferentes de sua origem.

A lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa todos os povosda terra; e as leis políticas e civis de cada nação devem ser apenascasos particulares onde se aplica esta razão humana. Devem ser tãopróprias ao povo para o qual foram feitas que seria um acaso muitogrande se as leis de uma nação pudessem servir para outra.(MONTESQUIEU, 1996, p.16)

Essa “razão” que Montesquieu enxergava como essencial ao Direito era em parte era universalista, compartilhando dosnascentes ideais iluministas, e em parte voltada à diversidade. Montesquieu já percebia que o direito no mundo oriental eraligado a outras dimensões da vida, imbricadas numa dimensão maior da razão. E pensar o Direito desconectado da religião,hábitos, costumes, entre outros, seria impossível.

Daí resulta que a China não perde suas leis com a conquista. Sendoas maneiras, os costumes, as leis e a religião a mesma coisa, não sepode mudar tudo isto ao mesmo tempo. E como é necessário que ovencedor ou o vencido mudem, na China foi sempre preciso quefosse o vencedor a mudar, pois como seus costumes não eram suasmaneiras, suas maneiras suas leis, suas leis sua religião, foi maisfácil que ele se dobrasse pouco a pouco diante do povo vencido doque o povo vencido diante dele. Segue­se ainda daí uma coisa muitotriste: é quase impossível que o cristianismo algum dia se estabeleçana China. Os votos de virgindade, as reuniões das mulheres nasigrejas, sua necessária comunicação com os ministros da religião,sua participação nos sacramentos, a confissão auricular, a extrema­unção, o casamento com uma só mulher, tudo isto subverte oscostumes e as maneiras do país, e fere ainda com o mesmo golpe areligião e as leis. (MONTESQUIEU, 1996, p.326)

Entretanto a geração seguinte a Montesquieu, em especial os filósofos iluministas, apostaram nos valores universais comoresposta a idéia de ser humano. Tal ideal político consagrado nas declarações de Direitos atinentes ao movimento deIndependência Estadunidense e da Revolução Francesa apontavam um sujeito de direitos universal.[xxviii]

Esse apriorismo tem fortes ligações com o jusnaturalismo moderno e com a doutrina liberal. “A idéia da ‘unidade psíquica dahumanidade’ não morreu, apenas se refugiou no credo do liberalismo.” (BOHANNAN, 1973, p.111). O contratualismo foitalvez o maior guardião desses preceitos.

Porém, mesmo prevalecendo os ideais iluministas dentro da visão de Direito, um olhar tipicamente fundamentado nadiversidade continuou a existir quando os interesses políticos não eram convergentes com os valores revolucionários.Influenciados em parte por Montesquieu, existiram opositores aos valores universais do Direito, como exemplo vale referir aEscola histórica alemã.

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O sentido da variedade da história devido à variedade do própriohomem: não existe o Homem (com H maiúsculo) com certoscaracteres fundamentais sempre iguais e imutáveis, como pensavamos jusnaturalistas, existem homens, diversos entre si conforme araça, o clima, o período histórico... De Maistre (considerado opredecessor do historicismo), defensor do Ancien Régime e opositorda Revolução Francesa, num panfleto anti­revolucionário,Considerations Sur Lê France, falando da Constituição francesa de1795, que foi difundida pelos franceses em toda a Europa invadidapelas tropas da Revolução, apresenta uma afirmação que exprimecausticamente essa atitude dos historicistas polemizando com osracionalistas: “A constituição de 1795 é feita pelo homem. Ora, nãoexistem homens no mundo. Tenho visto, na minha vida, franceses,italianos, ingleses; e Montesquieu me ensinou que também existemos persas; mas o homem, essa criatura que chamam de homem, essaeu não vi em lugar nenhum”. (BOBBIO, 1995, p.48).

O debate sobre a universalidade ou particularidade do Direito está inserido numa tradição cultural que enxerga sua forma depensar, a ocidental, como universal. As conseqüências desse debate foram se desenvolvendo durante a construção do campoda chamada Antropologia do Direito, que já durante o século XIX buscava decifrar as diversas manifestações de Direitoorientais e antigas.[xxix] E os primeiros debates no campo estiveram voltados ao que buscar responder a pergunta: o Direito éuniversal?

Certamente a mais curiosa dessas curiosidades é o eterno debatesobre o conteúdo do direito; ou seja, se ele consiste de instituiçõesou regulamentos, de procedimentos ou de conceitos, de decisões oude códigos, de processos ou de formas, e, portanto, se ele é umacategoria tal como o trabalho, que existe praticamente em qualquerparte do mundo onde nos deparemos com uma sociedade humana,ou algo assim como o contraponto, que certamente não é universal.(GEERTZ, 1997, p.250)

Seria o Direito é universal, como uma estrutura social? Talvez como o trabalho (se ele puder ser considerado universal)? Ou oDireito é um instituto cultural não universal? Essas perguntas guardam uma perigosa armadilha acadêmica.

(...) de uma forma muito pouco útil, colocou­se em campos opostoso enfoque forense e o enfoque etnográfico das análises jurídicas, oque nos leva a crer que a série de livros e artigos com títulos como "odireito sem advogados", "o direito sem sanções", "o direito sem ostribunais" ou "o direito sem precedentes" poderia ter, comoconclusão apropriada, um cujo título fosse "o direito sem o direito".(GEERTZ, 1997, 251).

Talvez a melhor pergunta seria: como observar formas de Direito diversas da forma que culturalmente estamos ligados?

4. UM DIREITO “SEM DIREITO”: ETNOGRAFIAS CORROSIVAS

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As etnografias em grupos culturais diversos da tradição ocidental deixaram grande parte da base do conhecimento jurídicoem xeque. A primeira aproximação nesse sentido foi de Bronislaw Malinowski. Em seu estudo “Crime e Costume nasociedade selvagem” fazendo etnografia com algumas tribos das Ilhas Trobiands na Nova Guiné, Indonésia, chega à hesitanteconclusão de que não é possível encontrar um conjunto rígido de normas ou regras que formem algo como um corpus iurisdos nativos. (MALINOWSKI, 2003, p. 94). O próprio título é uma provocação, pois na Ilhas Trobriand a noção de crimepunido com uma sanção pública não existe.

As mesmas conclusões chegaram alguns juristas ao ler a famosa etnografia de Evans­Pritchard denominada “Os Nuers”. Umgrupo social da região do rio Nilo que não tem juízes, tribunais, regras gerais, nem processo, resolvendo os problemas sociaisatravés das denominadas “vendetas” (lutas entre indivíduos, clãs e aldeias) que também não eram obrigatórias ou semprenecessárias. A conclusão diante do diverso foi frustrante, diziam os juristas: Os Nuers não têm Direito! Observe­se a descriçãodo referido antropólogo:

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Em sentido estrito, os Nuer não têm lei. Há ressarcimentosconvencionais por danos, adultério, perda de membros, etc, masnão há qualquer autoridade com poder para pronunciar sentençassobre tais questões ou para fazer cumprir vereditos. Na terra dosNuer, os poderes legislativo, judiciário e executivo não estãoinvestidos em quaisquer pessoas ou conselhos. Entre membros detribos diferentes não há de se falar em ressarcimento; e, mesmodentro de uma tribo, pelo que vi, os danos não são apresentados sobo que chamaríamos de forma legal, embora o ressarcimento pordanos (ruok) seja pago algumas vezes. Um homem que acha ter sidoprejudicado por outro, não pode processá­lo porque não existetribunal para citá­lo, mesmo que este estivesse disposto acomparecer. Vivi em intimidade com os Nuer durante um ano ejamais ouvi uma questão ser apresentada perante um indivíduo outribunal de qualquer tipo e, além disso, cheguei à conclusão de que émuito raro que um homem obtenha ressarcimento a não ser pelaforça ou pela ameaça de empregar a força. A recente introdução decortes governamentais, perante as quais, hoje, algumas vezes asquestões são resolvidas, de modo algum invalida essa impressão,porque sabe­se muito bem que, entre outros povos africanos, sãoapresentadas questões perante cortes sob a supervisão do governoque anteriormente não foram resolvidas num tribunal, ou mesmoconciliadas, e como durante muito tempo depois da instituição detais tribunais governamentais eles vêm operando lado a lado com osantigos métodos de fazer justiça. (EVANS­PRITCHARD, 2005,p.173).

Falamos de "lei", aqui, no sentido que parece mais adequadoquando se está escrevendo sobre os Nuer, ou seja, uma obrigaçãomoral de resolver questões por métodos convencionais, e não nosentido de procedimento legal ou instituições legais. E falamosapenas sobre a lei civil, pois não parece haver ações consideradasofensivas a toda comunidade e punidas por ela. Os informantes quedisseram que algumas vezes as bruxas e os mágicos eram mortos,afirmaram que eram sempre indivíduos ou grupos de parentes queos emboscavam e os matavam como desforra. (EVANS­PRITCHARD, 2005, p.178­9).

Dois detalhes podem ser levantados. Primeiramente a tradução da palavra Law na etnografia do inglês Evans­Pritchard podeser tão confusa para o português quanto à própria diferenciação entre Lei e Direito. (Afinal deve­se traduzir Law como Direitoou como Lei?). Além disso, outra afirmação demonstra a dificuldade para referir culturas jurídicas diversas da ocidental: “OsNuer possuem um agudo senso de direito e dignidade pessoal. A idéia de direito, cuong, é forte.” (2005, p.180). Comodescrever esse “Direito” sem reduzi­lo ao Direito ocidental ou a afirmação de sua inexistência?[xxx]

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Outras pesquisas clássicas acabaram trazendo novos enfoques para esse problema. “The judicial process among the barotseof northern rhodesia” de Max Gluckman; e “Justice and Judgment Among the Tiv” de Paul Bohannan, partindo depressupostos diferentes expuseram culturas jurídicas diversas, ora tentando aproximar o direito de povos não­ocidentais aosocidentais como forma de valorização, como fez Gluckman, ora tentando descrever a cultura jurídica não­ocidental semtentar aproximá­la dos conceitos ocidentais, com fez Bohannan, sempre geraram surpresa e desconfiança nos círculosjurídicos.

Veja­se inicialmente a proposição de Gluckman. Em sua descrição pretende demonstrar que apesar de diferençasexistentes, é possível visualizar semelhanças significativas entre o direito dos africanos e o Direito europeu ocidental:

Aqueles que ocupam diversos status podem ter direitos ao mesmotempo sobre um pedaço de terra ou sobre bens móveis. Todos essesdireitos são descritos por um só termo, "posse". No caso, a ciênciado direito Barotse não refinou ou elaborou sua terminologia. Acomplexidade do vocabulário dessa ciência do direito está nadefinição de posições sociais — status — e de diferentes tipos depropriedade. Como os Barotse estão interessados na propriedade àmedida que ela vincula pessoas em diferentes relações de status,eles tendem a enfatizar as obrigações decorrentes de posse depropriedade, mais do que os direitos sobre ela. (GLUCKMAN, 1973,p.56)

Tal perspectiva pretende gerar o que Gluckman reconhece como empoderamento dos povos africanos num momento emque o colonialismo ainda prevalece. Bohannan porém discorda de tal hipótese pretendendo demonstrar que as categoriasjurídicas dos povos africanos são inconciliáveis com as categorias européias. Bohannan afirma que “É na justaposição deidéias previamente desconexas que se encontra o ato de interpretação.” (1973, p.102). Esse ato de interpretação, paraGluckman deveria ocorrer já na própria descrição. Bohannan ao contrário rechaça tal idéia, apresentando a necessidade deater­se aos conceitos nativos para que a etnografia seja um referencial aos leitores.

Na minha opinião, cada etnógrafo tem o compromisso com elemesmo, com o povo que estuda e com seus colegas de ser rigorosocom seu material. é claro que deve traduzir tanto quanto possível.Ele deve avaliar o momento em que a dificuldade de ler setransforma na impossibilidade de ler. Mas há um momento análogoem que o método da nota explicativa causa dificuldades aindamaiores, porque simula compreensão através do uso das palavrasfamiliares. Esta simulação leva quase inevitavelmente — creio eu —a uma suposição de que tudo o que é denominado pela mesmapalavra é comparável, sendo esta uma dificuldade quase impossívelde ser corrigida. (BOHANNAN, 1973, p.103)

E completa de forma significativa sobre o problema da construção teórica do povo Tiv:

A ciência do direito inglesa desenvolveu um vocabulário paraexprimir o direito inglês (e em menor escala para os ramoscomparativo e internacional privado do direito). Os Tiv nãodesenvolveram uma ciência do direito. Logo. mesmo para tomar asduas matérias comparáveis, o etnógrafo tem que fazer pelos Tiv oque e eles não fizeram por eles mesmos: encontrar uma "teoria" Tivsobre a ação legal (...) (BOHANNAN, 1973, p.104­5)

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Essa dificuldade faz com que a antropologia do Direito busque compreender as culturas dentro de seus próprios referenciaislingüísticos. Tal perspectiva já havia sido percebida anteriormente, por outro enfoque, por Marcel Mauss, quando afirmaque o Direito é um fenômeno essencial para definir um povo, e que “o fenômeno do direito é o fenómeno específico de umasociedade [...] o que nos define não é extensível para além das nossas fronteiras”(1993, p.140). Completava ainda “O direito éo meio de organizar o sistema das expectativas colectivas, de fazer respeitar os indivíduos, o seu valor, os seus agrupamentos.A sua hierarquia. Os fenómenos jurídicos são os fenómenos morais organizados.” (1993, p.141). Nesse sentido, cadasociedade desenvolve valores morais próprios, compartilhados por códigos simbólicos específicos.

Marcel Mauss aprofundou sua perspectiva de Direito no estudo “Ensaio sobre a Dádiva” (1974). Nesse estudo Maus explica aquestão da dádiva em diversas culturas mediante o debate através de etnografias que circulavam em sua época. Chega àconclusão que o próprio Direito tende a delimitar o que o “Direito é”, ou seja, o Direito se autolimita conceitualmente. Essemodelo de reflexão acaba por se limitar a possibilidade do próprio discurso se autoexplicar. Esse mesmo problema encontra­se na definição de Bohannan que usa a própria linguagem nativa para se autoexplicar. E para que serve um conhecimentosobre um formato de Direito incomunicável com outras formas de Direito? Portanto, a grande dificuldade da relação entreAntropologia e o Direito encontra­se no diálogo intercultural.

Por isso, a relação entre a Antropologia e o Direito desenvolveu­se recentemente para considerar o Direito como parte de umfenômeno maior, condizente com a noção de mundo simbólico. A base do Direito para Geertz não é o que os próprios nativosfalam sobre o seu Direito, mas o processo maior de representação que perpassa na linguagem local. Assim está o Direitoligado a:

(....) um fenômeno um pouco mais crucial, um fenômeno aliás que éa base de toda a cultura: isto é, o processo de representação. Adescrição de um fato de tal forma que possibilite aos advogadosdefendê­lo, aos juízes ouvi­lo, e aos jurados solucioná­lo, nada maisé que uma representação: como em qualquer comércio, ciência,culto, ou arte, o direito, que tem um pouco de todos eles, apresentaum mundo no qual suas próprias descrições fazem sentido.Discutiremos, mais adiante, os paradoxos que este tipo de descriçãopode gerar; o argumento aqui, no entanto, é que a parte "jurídica"do mundo não é simplesmente um conjunto de normas,regulamentos, princípios, e valores limitados, que geram tudo quetenha a ver com o direito, desde decisões do júri, até eventosdestilados, e sim parte de uma maneira específica de imaginar arealidade. Trata­se, basicamente, não do que aconteceu, e sim doque acontece aos olhos do direito; e se o direito difere, de um lugarao outro, de uma época a outra, então o que seus olhos vêemtambém se modifica. (GEERTZ, 1997, p.250)

Enfim, é possível delimitar o Direito como um produto puramente cultural, variável no tempo e no espaço e que depende deuma complexa teia de significados culturais para fazer sentido. Nem mesmo sociedades ocidentais têm o mesmo sentido paraa própria palavra “Direito” em todas as suas camadas sociais e diversidade histórica.[xxxi]

Por isso, para compreender o Direito dentro de uma sociedade é necessário não esquecer que não se pode estudá­lodescontextualizado da sociedade aonde faz sentido. A inter­relação entre os conhecimentos responsáveis pelodesenvolvimento da vida do homem em seu ambiente e as relações entre os homens deve ter especial relevância para oestudo da cultura jurídica. Mesmo sendo a ciência, em sua essência cartesiana, um conhecimento repartido, o homem é umanimal completo. “Como escreve Mauss, ‘o homem é indivisível’ e ‘o estudo do concreto’ é ‘o estudo do completo’.”(LAPLANTINE, 2003, p.129). Os fenômenos culturais interagem com o consciente e o inconsciente humano perfazendo suavida na sua existência. “Todos estudam ou deveriam observar o comportamento de seres totais e não divididos emfaculdades” (MAUSS, 1974, p.181).

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Todos esses fenômenos são ao mesmo tempo jurídicos, econômicos,religiosos e mesmo estéticos, morfológicos, etc. São jurídicos, dedireito privado ou público, de moralidade organizada ou difusa,estritamente obrigatórios ou simplesmente louvados e atacados,políticos e domésticos ao mesmo tempo, interessando tanto àsclasses sociais como aos clãs e às famílias. (MAUSS, 1973, p.179)

As ciências políticas se dão por objeto de investigação um certoaspecto do real: as instituições que regem as relações do poder; asciências econômicas, um outro: os sistemas de produção e troca debens; as ciências jurídicas, o direito; as ciências psicológicas, osprocessos cognitivos e afetivos; as ciências religiosas, os sistemas decrença. Mas todos estes são para o antropólogo fenômenos parciais,isto é, abstrações em relação ao enfoque não parcelar que orientasua abordagem. (LAPLANTINE, 2003, p.130)

Para ilustrar como as culturas jurídicas (também referidas como sensibilidades jurídicas) vale destacar os exemplos dadospor Geertz. Durante as etnografias realizadas em sua carreira acadêmica tal autor percebeu três sensibilidades jurídicasorientais diversas. A islâmica com a idéia de haqq, a hindu com a noção de dharma, e a malaia com a perspectiva do adat.

Tentarei, em um espaço demasiado curto para ser de algumamaneira persuasivo e demasiado longo para poder falar total everdadeiramente sobre uma única coisa, esboçar três variedadesbastante distintas de sensibilidade jurídica a islâmica, a índica e ado chamado direito costumeiro que existe na parte malaia daMalásia­Polinésia ­ e estabelecer a conexão entre essassensibilidades e as visões, nelas incorporadas, sobre o que é,realmente, a realidade. E o farei, desdobrando três termos, isto é,três conceitos, que, a meu ver, são centrais para essas visões domundo: haqq, que significa "verdade" e muitas outras coisas mais,para os islâmicos; dharma, que significa "dever" e muitas outrascoisas mais, para os índicos; e adat, que significa "prática" e muitasoutras coisas mais, para os malaios. (GEERTZ, 1997, p. 275­4)

O objetivo de expor tais sensibilidades é demonstrar que o Direito pode manifestar­se de forma totalmente diversa emsociedades com elementos culturais diversos. Obviamente tal apreciação será resumida e recomenda­se a leitura do texto deGeertz (1997) para o aprofundamento de tal descrição. Inicialmente cabe ressaltar que nas sociedades orientais o Direito nãoestá necessariamente ligado a noção de lei.

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Para expressar o que foi dito acima de uma maneira ligeiramentediferente, nossas três palavras têm mais semelhança com a noçãoocidental de "direito" (right, recht, droit) que com a noção de "lei"(law; Gesetz, loi). Ou seja, o ponto central, comum às três, é menosrelacionado com algum tipo de noção de "regulamento", "regras","injunção" ou "decreto" e mais próximo a um outro conceito, aindapouco nítido, que representaria uma conexão interna, original einseparável, entre aquilo que é "próprio", "adequado", "apropriado",ou "condizente" e o que é "real", "verdadeiro","genuíno", ou"autêntico"; entre o "correto" de "um comportamento correto" e o"correto" de "um entendimento correto". (GEERTZ, 1997, p.280)

Geertz compara as sociedades orientais com a cultura ocidental no tocante, em especial a separação da esfera dos fatos daesfera do julgamento. Em suas palavras:

“(...) de que maneira as representações construcionais do "se/então"são traduzidas em representações diretivas do "como/portanto" evice­versa. Ou seja, dadas nossas crenças, como devemos agir; ou,dados nossos atos, em que devemos acreditar.” (GEERTZ, 1997,p.270)

O contexto da prova, do “se/então” relaciona­se a forma com que as comunidades descrevem a existência, ou seja, dizendoo que é real e o que é irreal. Já o contexto do Julgamento, do “como/portanto”, relaciona­se a forma com que as comunidadesexpõe sua experiência, ou seja, dizendo o que é certo e o que é errado. Para Geertz a descrição da realidade e dojulgamento acontece em momentos separados nas sociedades ocidentais. O que poderia, por exemplo, ser visualizado naprópria concepção de normas jurídicas como imperativos hipotéticos (base da teoria da norma de Kelsen).[xxxii] Tal formade representar o mundo não é igual a que existe nas sociedade orientais.

No mundo árabe os fatos se sobrepõem ao julgamento. A palavra “haqq”, traduzida como “verdade­realidade”, apresentaelementos que demonstram como na sensibilidade jurídica árabe os fatos se sobrepõem a esfera do julgamento. Talcaracterística pode ser percebida no ultravalorização da testemunha e de seu relato, contra outras esferas de comprovação darealidade. O que é verdadeiro para um bom islâmico não pode ser contestado. A possibilidade de falso testemunho érelativizada, pois a mentira deve apenas explicações a Deus. Uma prova factual poderia ser mitigada diante de umtestemunho de um fiel. Para tanto existe uma rígida hierarquia de funções testemunhais, Enfim, a esfera dos fatos sesobrepõe a esfera do julgamento no momento que a descrição do fato inclui o que é certo e errado. O fato será descrito de umaforma “correta”.

No mundo Hindu a palavra “dharma”, traduzida como “obrigação­feição”, apresenta elementos que demonstram como nasensibilidade jurídica hindu o julgamento se sobrepõe a esfera dos fatos. Numa sociedade de castas a posição social e aprópria idéia de destino servem de parâmetro de julgamento. Para apresentar tal característica Geertz explica que no mundohindu a própria feição (boa ou má) transparece na vida das pessoas, como se todos os elementos da realidade fossem apenasuma conseqüência da própria essência do ser. Para tanto faz uso de duas parábolas tradicionais em que mesmo tentandomentir, o caráter e qualidade dos personagens acaba se sobressaindo e os fatos são mera conseqüência da moralidadeinterna.

Já no mundo Malaio (Bali) a palavra “adat”, traduzida como “decoro­etiqueta”, apresenta a concepção de justiça malaia apartir da idéia de que as duas esferas, dos fatos e do julgamento, acontecem simultaneamente e estão interligadas peloscostumes sociais. Para explicá­la Geertz conta a história de um morador de Bali denominado Regreg que ao infringir umaregra costumeira (deixando de assumir um cargo no conselho da tribo) acaba sendo banido da sociedade, tornando­se umaespécie de fantasma numa espécie de ostracismo tribal. E mesmo o rei de Bali comparecendo pessoalmente para requerer areconsideração do conselho de tribo que o havia expulsado não gerou resultados. Os acontecimentos e o seu julgamento eramirretratáveis. Para ilustrar tais exemplos elaborou­se o seguinte gráfico:

TABELA 1 ­ ESQUEMA SOBRE AS SENSIBILIDADES JURÍDICAS APRESENTADAS POR GEERTZ (1997)

MUNDO OCIDENTAL Direito Certo ­ Correto

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ARABE

MARROCOSHaqq Verdade – Realidade

HINDU

INDIADharma Feição ­ Obrigação

MALAIO

BALIAdat Decoro – Etiqueta

Fonte: Autor com base em GEERTZ (2007)

Vale ressaltar ainda que Geertz prefere a expressão “sensibilidade jurídica” para descrever tais culturas, explicando talconceito da seguinte forma:

Aquele sentido de justiça que mencionei acima ­ a que chamarei, aodeixar paisagens mais conhecidas na direção de lugares maisexóticos, de sensibilidade jurídica ­ é, portanto, o primeiro fator quemerece a atenção daqueles cujo objetivo é falar de uma formacomparativa sobre as bases culturais do direito. Pois essassensibilidades variam, e não só em graus de definição; também nopoder que exercem sobre os processos da vida social, frente a outrasformas de pensar e sentir (...) (GEERTZ, 1997, p. 261)

Portanto, sensibilidade não tem o objetivo de ser um conceito totalizador ou voltado as práticas em si, mas de um grandereferencial de justiça realizada. Essas sensibilidades têm por objetivo expor uma forma de mentalidade geral, modelocultural trazendo certas noções gerais sobre como o processo de representação se dá em diferentes culturas. Tal perspectivafoi em alguns momentos criticada, mesmo que injustamente.[xxxiii] Porém Geertz em momento algum pretende criar umacaracterização total, nem mesmo completa, explica apenas um processo mental comum. Dentro desse processo comumexistem espaços para diferenças.

Temos também que nos contentar com uma simplificação radicaltanto da dimensão histórica como da dimensão regional dessestemas. "Islã", "Mundo Índico" e, sensu lato, "Malásia" não são ­como dediquei uma grande parte do meu trabalho buscandodemonstrar ­ entidades unitárias e homogêneas, constantes notempo, no espaço e em população. Reificá­los como tais, aliás,sempre foi o artifício principal através do qual o "Ocidente",acrescentando uma outra nulidade à coleção, conseguiu evitarcompreendê­los ou até mesmo vê­los com alguma clareza.(GEERTZ, 1997, p.278)

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Por isso faz referência a não pretensão de homogenizar as culturas, ou seja, nem todo árabe, hindu ou malaio pensa damesma forma. Mas pensá­los como grupo cria uma difícil tarefa de criar uma generalização aceitável. Além disso, valeressaltar que essa tentativa de delimitação não pretende observar a realidade dos povos orientais como peças isoladas, asculturas cresceram interrelacionando­se. Uma visão limitada de sociedade pautada na separação e isolamento cultural nãoestá presente na concepção atual de cultura jurídica.

(…) a etnografia sempre soube que as culturas nunca foram assimdefinidas, auto­suficientes e auto­sustentáveis, como os pós­modernistas afirmam sobre o que os modernistas afirmam.Nenhuma cultura é sui generis, nenhum só povo é único ou mesmoo autor de sua própria existência. A suposição de que aautenticidade significa automodelacão e que perde a dependênciados outros, parece apenas um legado da auto­consciência burguesa.Na verdade, esta determinação auto­centrada de autenticidade é ocontrário da condição social humana. A maior parte dos povosencontra os meios críticos de sua própria reprodução em sereshumanos e poderes presentes além de seus limites normais econtroles habituais. (SAHLINS, 2001, p.312­3, trad. livre)

Por isso, ao avaliar o Direito dentro de uma sociedade diversa, é necessário ressaltar que uma concepção de Direito dopassado pode ser diferente da atual, e a busca dessas diferenças é o grande desafio dos pesquisadores que não queremnaturalizar o passado.

(...) dedicar­se a construir uma teoria geral do direito é umaaventura tão inverossímil como a de dedicar­se à construção de umamáquina de movimento perpétuo. (GEERTZ, 1997, p.327).

Por mais que tal máquina possa ser teorizada, ela se afasta tanto da realidade que perde sua utilidade. Hoje “(...) o estudocomparativo do direito não pode ser uma questão de transformar diferenças concretas em semelhanças abstratas”.(GEERTZ, 1997, p.325).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: CULTURA JURÍDICA UMA SÍNTESE

Para finalizar, sistematizando o conceito de “cultura jurídica”, a fim de facilitar sua utilização em pesquisas empíricas,podem­se apresentar algumas pontuações importantes:

1) Cultura provém da capacidade humana de se expressar mediante símbolos e pertence ao que se denomina “mundosimbólico”.

2) Cultura pode ser entendida como processo de representação global que compartilha sentidos e valores. Porém esse não éum processo homogêneo, existindo dentro de si disputas de poder e conflitos.

3) Cultura pertence a todos os membros da sociedade, ou seja, é pública. Além disso, circula entre os mais diversos estratossociais, porém a circulação e sua intensidade pode ser variável.

4) O Direito é um fenômeno que pertence à cultura, está ligado portanto intrinsecamente a um processo de representaçãomaior.

5) Cultura jurídica representa parte da cultura que não está separada de sua totalidade existencial, porém pode ser analisadaacademicamente a partir da busca de fenômenos morais organizados.

Além disso, tem­se sempre em mente a diversidade do discurso e da cultura. “Uma forma garantida de chegar a um fimtrágico seria imaginar que a diversidade não existe, ou esperar, simplesmente, que ela desaparecesse”. (GEERTZ, 1997,p.331). Por isso, é importante valorizar as diferença da cultura tendo sempre como referência o pluralismo culturalproveniente da antropologia. Isto porque os “(...) antropólogos conhecem (...) o perigo de projetar as nossas categorias sobreculturas remotas” (GINZBURG, 1989, p.99) e talvez por isso deveriam ser ouvidos com mais freqüência pelos juristas queinsistem na idéia de “Teoria Geral do Direito” ou desprezam a importância de um debate dos direitos humanos baseado napluralidade..

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Notas de Fim

NOTAS

[i] Nesse sentido, a dificuldade de apresentar um conceito de cultura foi demonstrado por Geertz relembrando o esforço deantropólogo contemporâneo. “Em cerca de vinte e sete páginas do seu capítulo sobre o conceito, Kluckhohn conseguiudefinir a cultura como: (1) ‘o modo de vida global de um povo’; (2) ‘o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo’; (3)‘uma forma de pensar, sentir e acreditar’; (4) ‘uma abstração do comportamento’; (5) ‘uma teoria. elaborada peloantropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente’; (6) ‘um celeiro de aprendizagem emcomum’; (7) ‘um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes’; (8) ‘comportamento aprendido’; (9)‘um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento’; (10) ‘um conjunto de técnicas para se ajustar tanto aoambiente externo como em relação aos outros homens’; (11) ‘um precipitado da história’, e voltando­se, talvez em desespero,para as comparações, como um mapa, como uma peneira e como uma matriz.” (GEERTZ, 1989, p.14)

[ii] Marconi e Presotto afirmam que existem mais de 160 conceitos de cultura diferentes referendados por diversas correntesantropológicas academicamente relevantes (MARCONI; PRESOTTO, 2007, p.21­2).

[iii] Em relação ao evolucionismo na antropologia recomenda­se o livro CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural. Textosde Morgan, Tylor e Frazer. Textos Selecionados. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

[iv] Um exemplo clássico é de Miguel Reale, Vide: FERNANDES, Pádua. A cultura jurídica brasileira e a chibata: MiguelReale e a história como fonte do direito. In: Prisma Jurídico. Publicação Científica de Ciências Jurídicas. V5. São Paulo:UNINOVE, 2006. p. 237­255. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/934/93400515.pdf Acesso em 04.nov.2012.

[v] Como interessante exemplo de tais justificativas no Brasil Vide: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças –cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870­1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

[vi] Em outro momento vai um pouco além. Afirmando que (...) reconhecemos como culturais todas as atividades e todos osvalores que servem ao homem na medida em que colocam a Terra a seu serviço, protegem­no contra a violência das forças danatureza etc. Acerca desse aspecto da cultura há pouquíssimas dúvidas. Para retroceder o suficiente, acrescentemos que osprimeiros feitos culturais foram o uso de ferramentas, a domesticação do fogo e a construção de moradias. (...) (FREUD,2010, p.87­8).

[vii] “Em 1917, Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiroem detrimento do segundo em seu artigo, hoje clássico, "O Superorgânico" (in American Anthropologist, vol.XIX, n° 2,1917). Completava­se, então, um processo iniciado por Lineu, que consistiu inicialmente em derrubar o homem de seupedestal sobrenatural e colocá­lo dentro da ordem da natureza.” (LARAIA, 2000, p.28)

[viii] “A busca desse esquivo atributo foi um dos mais sérios desafios enfrentados pelos filósofos ocidentais, a maior parte dosquais tendeu a se fixar em um traço e a enfatizá­lo de maneira desproporcional, por vezes até o absurdo. Assim, o homem foidescrito como animal político (Aristóteles), animal de ri (Thomas Willis); animal que fabrica seus utensílios (BenjaminFranklin); animal religioso (Edmund Burke); e um animal que cozinha (James Boswell, antecipando Lévi­Strauss). Comoobserva o Sr. Cranium do romancista Peacock, o homem já foi definindo como bípede implume, como animal que formaopiniões e, ainda, animal que carrega um bastão. O que todas essas definições têm em comum é que assumem umapolaridade entre as categorias “homem” e “animal” e que invariavelmente encaram o animal como inferior”. Na prática,obviamente, o objetivo de tais definições nunca esteve tanto em distinguir os homens dos animais quanto em propor algumideal de comportamento humano, como quando Martinho Lutero e o papa Leão XII afirmaram, um e 1530 e outro em 1891,que a propriedade privada constituía a diferença essencial entre os homens e os animais” (KEITH, 1988,. p.37­8)

[ix] “(...) a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentesdiversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas”. (LARAIA, 2000, p.67). Mas não deixam de usar lentes para ver omundo. Exatamente na possibilidade de diálogo entre culturas reside a possibilidade de reconstituir, ainda que de formamíope, o passado como cultura diversa.

[x] “Muitos filósofos preveniram o homem contra esse pretenso progresso. ‘L’ homme qui médite’, diz Rousseau, ‘est umanimal dépravé’; exceder os limites da vida orgânica não é um melhoramento, mas uma deterioração da natureza humana.”.(CASSIRER, 1984, p.26, trad. livre)

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[xi] Relembrando a teoria da ação de Weber

[xii] “As sociedades humanas são os únicos grupos de todo o reino animal que delinearam formas de cultura que, por sua vez,exercem poderosas influências modificadoras nos mecanismos hereditários dos seus membros individuais. Algumas vezes oselementos culturais e biológicos coincidem ou reforçam­se uns aos outros ao procurarem os mesmos objectivos; outras vezesnão têm nenhum efeito uns sobre os outros; e por vezes chegam a chocar­se ou a opor­se entre si”. (TITIEV, 2000, p.14)

[xiii] “Não estando mais num universo meramente físico, o homem vive em um universo simbólico. A linguagem, o mito, aarte e a religião são partes desse universo. São os variados fios que tecem a rede simbólica, o emaranhado da experiênciahumana. Todo progresso humano em pensamento e experiência é refinado por essa rede, e a fortalece” (CASSIRER, 1984,p.26, trad. livre).

[xiv] Diversas espécies de animais detêm linguagem complexa, como os primatas superiores, as baleias, canídeos, felinos eaté mesmo insetos como as abelhas. A complexidade dessas linguagens ainda não é plenamente compreendida pelo serhumano.

[xv] Roque Laraia relembra um interessante relato sobre o assunto: “Kroeber, em seu artigo ‘O superorgânico’, refere­se aduas experiências que teriam sido praticadas no passado. Embora o autor duvide da veracidade das mesmas, ele as utilizacomo exemplo de reflexão sobre a natureza humana: Heródoto conta­nos que um rei egípcio, desejando verificar qual alíngua­mater da humanidade, ordenou que algumas crianças fossem isoladas da sua espécie, tendo somente cabras comocompanheiros e para o seu sustento. Quando as crianças já crescidas foram de novo visitadas, gritaram a palavra bekos, ou,mais provavelmente bek, suprimindo o final, que o grego padronizador e sensível não podia tolerar que se omitisse. O reimandou então emissários a todos os países a fim de saber em que terra tinha esse vocábulo alguma significação. Ele verificouque no idioma frígio isso significava pão, e, supondo que as crianças estivessem reclamando alimentos, concluiu que usavamo frígio para falar a sua linguagem humana "natural", e que essa língua devia ser, portanto, a língua original da humanidade.A crença do rei numa língua humana inerente e congênita, que só os cegos acidentes temporais tinham decomposto numamultidão de idiomas, pode parecer simples; mas, ingênua como é, a inquirição revelaria que multidões de gente civilizadaainda a ela aderem. Contudo, não é essa a nossa moral da história. Ela está no fato de que a única palavra, bek, atribuída àscrianças, constituía apenas, se a história tem qualquer autenticidade, um reflexo ou imitação ­ como conjeturam há muito oscomentadores de Heródoto ­ do grito das cabras, que foram as únicas companheiras e instrutoras das crianças. Em suma, sefor permitido deduzir qualquer inferência de tão apócrifa anedota, o que ela prova é que não há nenhuma língua humananatural e, portanto, nenhuma língua humana orgânica. Milhares de anos depois, outro soberano, o imperador mongol Akbar,repetiu a experiência com o propósito de averiguar qual a religião natural da humanidade. O seu bando de crianças foiencerrado numa casa. Quando decorrido o tempo necessário, ao se abrirem as portas na presença do imperador expectante eesclarecido, foi grande o seu desapontamento: as crianças saíram tão silenciosas como se fossem surdas­mudas. Contudo, a fécusta a morrer; e podemos suspeitar que será preciso uma terceira experiência, em condições modernas escolhidas econtroladas, para satisfazer alguns cientistas naturais e convencê­los de que a linguagem, para o indivíduo humano comopara a raça humana, é uma coisa inteiramente adquirida e não hereditária, completamente externa e não interna ­ umproduto social e não um crescimento orgânico.” (LARAIA, 1990, p.102­4)

[xvi] “O estudo de culturas diferentes tem ainda outro alcance muito importante sobre o pensamento e o comportamento dehoje em dia. A vida moderna pôs muitas civilizações em contacto íntimo, e no momento presente a reacção dominante a estasituação é o nacionalismo e o snobismo racial. Nunca, mais do que hoje, a civilização teve necessidade de indivíduos bemconscientes do sentido de cultura, capazes de verem objectivamente o comportamento socialmente condicionado de outrospovos sem temor e sem recriminação”. (BENEDICT, 2000, p.23)

[xvii] “O purista racial é a vítima de um mito”. (BENEDICT, 2000, p.27)

[xviii] “As pesquisas recentes da antropologia indicam como incorreta a perspectiva em vigor de que as disposições mentaisdo homem são geneticamente anteriores à cultura e que suas capacidades reais representam a amplificação ou extensãodessas disposições preexistentes através de meios culturais.” (GEERTZ, 1989, p.60)

[xix] “O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo,que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulaçãoadequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da açãoisolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade”. (LARAIA, 2000. p. 45)

[xx] “As produções simbólicas são simultaneamente produções sociais que sempre decorrem de práticas sociais. Não devemser estudadas em si, mas enquanto representações do social. (...) Quando se diz nessa perspectiva que a religião (da mesmaforma que a arte ou a magia) é uma "representação", sublinha­se que não se deve atribuir­lhe nenhuma existência autônomapois está vinculada a uma outra coisa, capaz de explicá­la: as relações de produção, de parentesco, as relações entre faixas deidade, entre grupos sexuais, todos estes níveis de realidade, mas que são sempre relações de poder (...)”. (LAPLANTINE,2003, p.91­2)

[xxi] No original: “(...) i modelli di comportamento che costituiscono la cultura di un gruppo sociale sono ­ per usarel’espressione di Cassirer ­ forme simboliche, vale a diré «sistemi di simboli» ognuno dei quali si organizza come un mondo asé, relativamente autonomo; il complesso di questi sistemi rappresenta un ambiente distinto, almeno inlinea di principio,dall'ambiente naturale in cui il gruppo si trova a dover vivere. Anche queste forme simboliche comportano tutte unaorganizzazione técnica ­ e il loro reciproco differenziarsi é legato infatti alla diversitá delle tecniche elabórate (le tecniche

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della vita morale e religiosa, della produzione letteraria e artistica, della teoria scientifica, della ricerca filosófica); solo chetali tecniche non sono piú tecniche di adattamento dell’ambiente, ma sono invece tecniche per i la creazione di un ambientediverso da quello naturale”

[xxii] “(...) o que queremos dizer, precisamente, quando afirmamos que as tensões sócio­psicológicas são "expressas" emformas simbólicas? — leva­nos, diretamente, a águas muito profundas, na verdade a uma teoria um tanto não tradicional eaparentemente paradoxal da natureza do pensamento humano como atividade pública e não particular, pelo menos nãofundamentalmente. (GEERTZ, 1989, p.121)

[xxiii] “O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmentesemiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mascomo uma ciência interpretativa, à procura do significado”. (GEERTZ, 1989, p.4)

[xxiv] “A interpretação não é uma interlocução. Ela não depende de estar na presença de alguém que fala. (...) Em últimaanálise, o etnógrafo sempre vai embora, levando com ele textos para posterior interpretação (e entre estes "textos" que sãolevados podemos incluir as memórias ­ eventos padronizados, simplificados, retirados do contexto imediato para sereminterpretados numa reconstrução e num retrato posteriores)”. (CLIFFORD, 1998, p.40)

[xxv] Esclarecendo, “Este uso é consagrado, no fim do século, pelo Dicionário da Academia (edição de 1798) que estigmatiza"um espírito natural e sem cultura", sublinhando com esta expressão a oposição conceitual entre "natureza" e "cultura". Estaoposição é fundamental para os pensadores do Iluminismo que concebem a cultura como um caráter distintivo da espéciehumana. A cultura, para eles, é a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada comototalidade, ao longo de sua história.” (CUCHE, 2002, p.20­1)

[xxvi] “‘Cultura’ se inscreve então plenamente na ideologia do Iluminismo: a palavra é associada às idéias de progresso, deevolução, de educação, de razão que estão no centro do pensamento da época. (...) A idéia de cultura participa do otimismodo momento, baseado na confiança no futuro perfeito do ser humano. O progresso nasce da instrução, isto é, da cultura, cadavez mais abrangente.” (CUCHE, 2002, p.21).

[xxvii] No original: “La réduction juridique vise à rapidement stabiliser le monde des faits indiscutables (ce qui signifiesimplement qu'aucun mémoire en défense ne les contestera plus) pour rattacher le fait à une règle de droit (en pratique untexte) de façon à produire un jugement (en réalité un arrêt, un texte). La réduction savante obtient la même stupéfianteéconomie puisqu'elle remplace le monde, sa complexité, sa richesse, ses innombrables dimensions, par du papier et destextes.”

[xxviii] A filosofia do Iluminismo vinculou­se primeiro, sem reservas, a esse "apriorismo" do direito, à idéia de que devemexistir normas jurídicas absoluta e universalmente obrigatórias e imutáveis. A investigação empírica e a doutrina empiristanão ruem nenhuma exceção nesse ponto. (CASSIRER,1994 , 327)

[xxix] Vide: MAINE, Henry. Ancient Law. Londres: Murray, 1961. MORGAN, Lewis H. La Societé Archaique. Paris, ed.Anthropus, 1971.

[xxx] Ressalte­se outra pesquisa clássica que trouxe problemas parecidos para o Direito: “The Cheyenne Way: Conflict andCase Law in Primitive Jurisprudence” de Karl N. Llewellyn.

[xxxi] “Se procurarmos a palavra que mais freqüentemente é associada a Direito, veremos aparecer a lei, começando peloinglês, em que law designa as duas coisas. Mas já deviam servir­nos de advertência, contra esta confusão, as outras línguas,em que Direito e lei são indicados por termos distintos: ius e lex (latim), Derecho e ley (espanhol), Diritto e legge (italiano),Droit e loí (francês), Recht e gesetz (alemão), Pravo e zakon (russo), Jog e tõrveny (húngaro) e assim por diante”. (LYRAFILHO, 1982, p.7)

[xxxii] Vide: BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 181 eSs.

[xxxiii] “Se o conceito de Geertz de cultura tem duas linhas, é bem claro que a linha problemática é a primeira, americana,de sentido, ou seja, a idéia de que grupos particulares “possuem” culturas particulares, cada um com a sua, e que estacultura é “compartilhada” por todos os membros do grupo. As críticas a esse sentido de cultura tomam várias formas. Por umlado, o conceito de cultura é muito indiferenciado, muito homogêneo: dadas várias formas de diferença social e desigualdadesocial, como podem todos em determinada sociedade compartilhar a mesma visão de mundo, e a mesma orientação emrelação a tal visão? Por outro lado, e esta era a crítica mais fatal, a homogeneidade e a falta de diferenciação no conceito decultura, coloca­o muito próximo do “essencialismo”, a idéia de que “os Nuer” ou “os balineses” possuíam alguma essênciaúnica que os tornava do jeito que eram, a qual, além disso, explicava muito do que faziam e como faziam”. (ORTNER, 2007,p.382)

Autor

Ivan Furmann

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Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Educação. Bacharel em Direito. Professor EBTT noIFC (Instituto Federal Catarinense) Campus Sombrio ­ Santa Rosa do Sul. Leciona DireitoAmbiental, Direito do Trabalho, História, Metodologia Científica e Sociologia..

Site(s):

ifpr.academia.edu/IvanFurmannivanfurmann.blogspot.com

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

FURMANN, Ivan. Conceito de cultura jurídica: diálogo entre antropologia e direito. Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 20, n. 4514, 10 nov. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/44250>. Acesso em: 5 fev. 2016.