investigação policial e inteligência policial - revista jus navigandi

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Investigao policial e inteligncia policial - Revista Jus Navigandi

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Jus Navigandi http://jus.uol.com.br

Investigao policial e inteligncia policialhttp://jus.uol.com.br/revista/texto/15084Publicado em 06/2010

Marcelo Augusto Couto

A presente pesquisa identifica os critrios necessrios para reconhecer a inteligncia policial como uma categoria independente de trabalho policial, permitindo por conseguinte que a mesma realize integralmente seu potencial como uma funo efetivamente especializada.Resumo As crescentes taxas criminais observadas nas ltimas duas dcadas, principalmente nas grandes cidades ocidentais, impem a segurana pblica como uma questo central na pauta de governos e sociedades. Essa constatao consensual induz, todavia, debates interminveis acerca das causas e solues do fenmeno. Entre os controversos arranjos que se propem a superar o problema da criminalidade existe um, com efeito, que aparentemente rene o reconhecimento geral de governos, academia e populao, qual seja, a busca da inteligncia policial. Quando se trata, porm, de inteligncia policial, as abordagens usuais tendem a confundir essa atividade com a investigao policial propriamente dita. Assim, a presente pesquisa objetiva identificar os critrios necessrios para reconhecer a inteligncia policial como uma categoria independente de trabalho policial, permitindo por conseguinte que a mesma realize integralmente seu potencial como uma funo efetivamente especializada. Estes critrios que permitem estabelecer as diferenas entre inteligncia policial e investigo policial, conforme consta nas fontes consultadas, dizem respeito aos pressupostos, meios e finalidades de cada qual dessas atividades policiais. Abstract The increasingly crime rates observed in the last two decades, mainly in major western cities, imposes law enforcement as a core issue of public and social agenda. This consensual statement induces, however, endless debates about the causes and solutions to this phenomenon. Among these often controversial arrangements that proposes to overcome the criminality problem there is one, indeed, that seems to gather general acknowledgment from governments, academic and public fields, that is, the pursue toward criminal intelligence. But when it comes to criminal intelligence, the usual approaches tend to confuse this activity with the criminal investigation itself. Thus, the present research aims to identify the criteria needed to recognize criminal intelligence as an independent sort of police work, therefore enabling it to achieve it''s full potential as an actually specialized function. These criteria that allows to establish the differences between criminal intelligence and criminal investigation, as put in the inquired sources, concerns the requirements, the means and the goals of each one of these police activities. SUMRIO: 1. Consideraes iniciais; 2. Insegurana pblica: diagnose e prognose; 2.1. Crescimento da criminalidade; 2.2. Reaes polticas e sociais; 2.3. Segurana pblica e informao; 3. Inteligncia policial; 3.1. Inteligncia de Estado; 3.2. Investigao policial; 3.3. Critrios distintivos; 3.3.1. Pressupostos; 3.3.2. Finalidade; 3.3.3. Meios; 3.3.4. Posies doutrinrias; 3.4. Especificidade funcional; 4. Concluso; 5. Referncias.

1 CONSIDERAES INICIAIS A inteligncia policial est definitivamente na ordem do dia, incensada como ferramenta apta para revitalizar os obsoletos paradigmas da segurana pblica brasileira. Partindo dessa premissa, o presente trabalho tenta esboar, com base em pesquisa bibliogrfica, os caracteres que conferem especificidade a essa atividade, extremando-a da inteligncia clssica, por um lado, e da investigao policial, por outro. No item 2.1 cuidaremos ento de retratar a premncia com que o tema da segurana pblica vem se impondo no mbito poltico e social, remetendo para o item 2.2 uma anlise panormica das reaes que esse estado de coisas suscita, com destaque para a perplexidade das polticas governamentais e dos consensos populares que orbitam o setor. No item 2.3, que fecha a segunda seo do texto, procuramos demonstrar como a inteligncia policial emerge desse contexto, s vezes como se fosse uma verdadeira panacia. Importa notar que a validade dessa constatao prescinde do julgamento meritrio dos diagnsticos e prognsticos inventariados nos itens anteriores, de modo que procuramos nos fiar nessa iseno. A terceira seo dedicada ao argumento central do trabalho, tratando de fundar os marcos conceituais que, conforme entendemos, delimitam o nicho ocupado pela inteligncia policial no catlogo das ferramentas coercitivas do Poder Pblico. Os itens 3.1 e 3.2 enfocam, portanto, a

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inteligncia clssica e a investigao policial, respectivamente, preparando o terreno para que, no item 3.3, apresentemos uma proposta de sistematizao dos critrios distintivos da inteligncia policial, lanando mo, para tanto, dos referenciais tericos ali explicitados. Ao tratar da inteligncia clssica, vale registrar, nos eximimos deliberadamente de tecer consideraes de cunho histrico, uma vez que esse ponto de vista j desfruta de franca hegemonia na bibliografia disponvel. Fechamos a seo sustentando a necessidade de que a inteligncia policial, bem compreendida, deve ser institucionalizada nas corporaes policiais segundo parmetros claros de especializao funcional, tanto no que diz respeito atividade em si, como no atinente aos rgos que a desempenham. Na terceira e ltima seo alinhavamos o percurso argumentativo anterior, com o cuidado de destacar brevemente a pertinncia do tema para o debate sobre os direitos humanos. Se j no bastassem todas as outras razes gravadas ao longo do texto, apenas essa, dos direitos humanos, seria suficiente para que seja enaltecida, enfim, uma compreenso fundamentada do que seja inteligncia policial, em termos teorticos e pragmticos, conforme enfatizamos no encerramento. Subjacentes a todo o texto ora apresentado, repousam dois conceitos operacionais que o leitor deve ter presente, ambos inspirados tosomente na perspectiva pessoal do autor. Em primeiro lugar, a inteligncia policial entendida, aqui, como expresso equivalente inteligncia de segurana pblica e inteligncia criminal todas essas modalidades, e mais outras que se queira, pressupondo apenas, guisa de denominador comum, a exigncia de se tratar de uma aplicao da inteligncia ao substrato da criminalidade. Em segundo lugar, a investigao policial, materializada no inqurito policial, tomada como suporte modelar de procedimento investigatrio criminal, interessando mais, por conseguinte, o contedo da funo do que o sujeito que a pratica, seja a Polcia Civil ou o Ministrio Pblico. O recorte temtico nos faculta fazer abstrao das infindveis controvrsias que discusso desse jaez decerto ensejaria. Admitimos sem impostura que o trabalho assumidamente modesto em sua extenso e em suas pretenses, nem por isso ficando isento das imperfeies ditadas pelos condicionamentos do formato monogrfico e pelas nunca subestimadas limitaes do autor. Nossa sincera esperana, em todo caso, que as consideraes aqui declinadas contribuam de alguma forma para o processo de amadurecimento do meio policial com relao aos assuntos da inteligncia. O signo da inteligncia policial no deve se prestar a rotulaes voluntaristas de atividades dspares, levadas a efeito sem compromisso com a essncia da funo. Acima de tudo, a segurana pblica no Brasil se ressente de maior profissionalizao, e profissionalizao a anttese do amadorismo que se lana execuo daquilo que sequer chegou a compreender. Sendo o auto-engano uma toxina para o progresso, faamos uma inteligncia policial verdadeira ou melhor que no faamos "inteligncia policial" nenhuma.

2 INSEGURANA PBLICA: DIAGNOSE E PROGNOSE A transio do sculo XX para o sculo XXI se fez acompanhar de um sentimento generalizado de que as sociedades ocidentais esto prestes a sucumbir diante do crime e da violncia, como se fitassem um desafio esfngico na tentativa de decifr-lo ou ser por ele devorado. Poucos setores da vida poltica de um Estado, porm, so to suscetveis a influxos polemizantes como o da segurana pblica. Se o reconhecimento da criminalidade como uma ameaa iminente ao processo civilizatrio objeto de relativo consenso, o mesmo no se diga, portanto, com relao s causas e natureza do fenmeno, nem tampouco s solues agenciveis para combat-lo. O dissenso nessa temtica remonta j ao carter real ou aparente da ascenso contempornea da criminalidade, pois h quem interprete a atmosfera de pnico instalada no corao das grandes cidades como nada mais do que uma iluso decorrente da "espetacularizao" da violncia, engendrada pela mdia e explorada por interesses escusos de governos e corporaes, perspectiva popularizada pelo socilogo Barry Glassner em sua obra "Cultura do medo"[01]

. O problema, nos termos desta concepo, seria menos de "insegurana" do que de "clima de insegurana", radicado[02]

talvez no fato de a vitimizao estar alcanando estratos sociais com maior poder de verbalizar suas demandas

.

A maior parte dos autores perfilha, porm, posio mais moderada, sustentando que embora o problema da criminalidade seja deveras grave em si mesmo, acaba sofrendo uma hiperbolizao por obra dos veculos de comunicao. Nessa linha segue, entre outros, Marcos Rolim[03]

,

comentando que, ao alardear preferencialmente os episdios mais violentos do cotidiano, a mdia promove uma "inverso de realidade", difundindo na opinio pblica o sentimento de que o produto desse vis noticioso seria menos extraordinrio do que realmente . "Os estudos j realizados", afirma Marcos Rolim,

concordam, tambm, que os noticirios sobre o crime induzem superestimao do risco real enfrentado pelas pessoas e, especialmente, criam uma imagem irreal sobre os riscos enfrentados pelas elites, pelas pessoas brancas de classe mdia e pelas mulheres brancas.[04]

E, mais adiante, prossegue:

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Os discursos de "lei e ordem", as demandas punitivas e a "inverso" produzida pelos noticirios aumentam a angstia pblica diante da violncia e promovem uma sensao de insegurana normalmente desproporcional aos riscos concretos. O mesmo processo inspira menor tolerncia social e estimula formas agressivas de defesa. A mdia pode amplificar as chamadas "ondas de crime" e produzir pnico entre as pessoas. E, o que mais grave ainda, quando essa forma de se relacionar com o crime e a violncia a regra, cria-se uma tendncia de que as polcias respondam com mais prises e, quase sempre, mais violncia. Ocorre, tambm, que o poder judicirio passa a responder com sentenas criminais mais duras e que os polticos aprovam leis que criam novos tipos penais e agravam as penas. Como resultado, teremos mais violncia e mais crime, o que conforma o fenmeno das "profecias que se autocumprem".[05]

A mesma percepo compartilhada por Carlos Alberto Batista:

Em decorrncia de imagens e informaes que cotidianamente, atravs da mdia, assoberbam a sociedade, o tema segurana pblica tornou-se a neurose do momento, fazendo com que se crie uma infinidade de anlises e frmulas de resoluo dos problemas. O mais comum, quando se l ou ouve falar do assunto, uma reduo simplista da questo ao problema da criminalidade, o que origina um crculo vicioso onde a violncia que tenta se combater gera mais violncia e desemboca numa crescente criminalidade.[06]

Esse ngulo interpretativo no , entretanto, pacfico. Luiz Eduardo Soares e Miriam Guindani, por exemplo, advertem quanto ao risco de subestimar os nveis reais de criminalidade violenta [07]:

A violncia criminal alcanou patamares insuportveis cuja gravidade no deve ser subestimada A mdia tem focalizado os dramas , . cotidianose o tem feito destacandoos casos que atingemcamadas socialmenteprivilegiadas invertendoas caractersticasdo processoem curso. , Entretanto a despeito de manchetes alarmistas da retrica fetichista e de nfases espetaculares seria insensato afirmar que a insegurana , , , brasileiratem sido causadapela atenoque lhe conferemos meios de comunicao por mais que saibamosquo desagregador o medo, fonte, , em si mesma, de violnciae da reproduode desigualdadese preconceitos .No contexto brasileiro, a cultura do medo, guardando a autonomia relativa que a distingue, no amplifica a magnitude dos problemas, apenas desloca a hierarquia de prioridades e reinterpreta segundo interesses ideolgicos e polticos especficos, nada universalistas linhas de conexo causal.

Tambm na vertente da constatao dos nveis crescentes galgados pela criminalidade, Angelina Peralva identifica uma correlao positiva entre o processo de consolidao da democracia no Brasil, ao longo das ltimas duas dcadas, acompanhado por inegveis avanos dos indicadores sociais, e o recrudescimento da violncia, fenmeno que a autora chamou de "paradoxo brasileiro" a armas de fogo [09]. Outra explicao em voga para as comoes da criminalidade contempornea atribuda a uma inflexo ascendente operada na curva no mais do volume numrico, mas da complexidade do fenmeno criminal. Sob essa chave epistemolgica, a literatura especializada focaliza temas como o da fragilizao do Estado-nao perante as organizaes criminosas transnacionais, o trfico de drogas, armas e pessoas tambm em mbito internacional, a criminalidade informtica e o desvio ilcito de tecnologias de ponta, a lavagem de dinheiro etc. Manuel Castells um dos autores que se debrua sobre a questo, em seu livro "Fim de Milnio", terceiro volume da trilogia dedicada ao estudo da "Era da Informao"[10] [08]

. O paradoxo seria explicvel, em sntese, pelo

trfico de drogas, que penetra insidiosamente nas comunidades metropolitanas perifricas, recrutando suas vtimas e algozes entre jovens com acesso

. Explica o

socilogo espanhol, a propsito, que o chamado "crime global" constri redes em escala planetria que so capazes de impactar a economia, a poltica e a segurana dos Estados, enquanto estes mesmos Estados, limitados por fronteiras geogrficas, ficam mngua de instrumentos repressivos consentneos com a envergadura da ameaa [11]. Seja portanto funo de uma parania coletiva ou de uma efetiva escalada das dinmicas criminais, resta induvidoso que a preocupao com a segurana pblica se inscreveu definitivamente na agenda poltica das sociedades ocidentais em geral, no sendo exceo, nesse particular, a sociedade brasileira. o que demonstram vrias pesquisas de opinio recentemente divulgadas, como a realizada pelo IBOPE entre 30 de novembro e 5 de dezembro de 2007, revelando, em suma, que a segurana pblica figura como o principal tema a exigir ateno especial da sociedade [12]. Outra sondagem, promovida pelo Datafolha, chegou a resultados semelhantes:

A questo da segurana pblica est definitivamente na pauta dos brasileiros. Pesquisa realizada pelo Datafolha mostra que a questo apontada por 21% como o principal problema do pas, taxa recorde e 11 pontos superiores verificada em dezembro de 2001. Alm disso, h uma forte disposio para a adoo de medidas extremas para o combate criminalidade: cerca de metade (51%) dos brasileiros querem a adoo da

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pena de morte no pas, 72% defendem a adoo da priso perptua e 84% so favorveis convocao do exrcito para combater a violncia nas ruas das grandes cidades.[13]

Por mais fecundo que seja o acervo de teorias sobre as matrizes geradoras do crime, porm, rivaliza com o igualmente prolfico receiturio com que a opinio pblica e a verve poltica se propem a debelar o problema. 2.2 Reaes polticas e sociais Em qualquer parte do mundo o crime e a violncia constituem, decerto, fenmenos da mais alta complexidade ftica, poltica e sociolgica, sendo tal contingncia, de resto, confessada pela prpria esfera acadmica. Os arranjos institucionais mobilizados pelo Estado na tentativa de equacionar esse desafio monumental, todavia, s fazem agravar o problema, variando entre o cinismo e a perplexidade, entre o experimentalismo e a demagogia. Em suas mltiplas manifestaes histricas, em todo caso, a crnica dificuldade que os governantes demonstram em lidar com a segurana pblica parece residir numa viciosa praxe de tentar adaptar o problema s solues disponveis, quando correto seria fazer o inverso. Passada a celeuma pertinente s foras causais da criminalidade, discutida no item anterior, seria razovel extrair a concluso de que a complexidade inerente ao crime e violncia, envolvendo variveis virtualmente infinitas e amide incontrolveis, no se coaduna com os reducionismos de uma racionalidade poltica que tenha seus horizontes limitados pela fugaz longevidade de legislaturas e mandatos. A interface entre poltica e segurana pblica, nessa ordem de idias, portadora de uma incongruncia congnita, sobredeterminada pelo descompasso existente entre as racionalidades que regem uma e outra. Significa dizer que, descartadas as solues ilusrias, as medidas efetivas em matria de segurana pblica no costumam render dividendos polticos a curto prazo, e vice-versa, ou seja, medidas de cunho demaggico contam, por definio, com incauto respaldo popular. Segue-se da que quando so instados a optar entre uma poltica de resultados consistentes, mas diferidos, e outra absolutamente incua, mas de imediato retorno poltico, os governantes tendem a deliberar em favor da segunda alternativa[14]

.

Ora, se o provimento de segurana pblica foi avocado pelo Estado com foros de monoplio, e se a mentalidade que preside o equacionamento da complexa questo criminal pautada por interesses de curto prazo, seria inusitado, sim, se os resultados fossem positivos. Como resumiu Carlos Alberto Baptista, o "diagnstico da segurana pblica nacional" poderia ser este: "falncia mltipla de rgos" [15]. Esse carter ensastico das polticas pblicas de segurana lembrado por Lus Flvio Sapori, socilogo que ocupou o cargo de secretrio adjunto de Defesa Social em Minas Gerais, entre 2003 e 2007:

Uma caracterstica comum marca as polticas federal e estadual de segurana pblica na sociedade brasileira nos ltimos 20 anos: a prevalncia do gerenciamento de crises. A ausncia de uma racionalidade gerencial mais sistemtica nesse mbito das polticas pblicas fator determinante da ineficincia da atuao governamental e, conseqentemente, potencializa o fenmeno da criminalidade. [. . .] No casual, portanto, que a interveno pblica na proviso desse bem coletivo tenha se pautado ao longo de todo esse perodo pela improvisao e falta de sistematicidade. Planejamento, monitoramento, avaliao de resultados, gasto eficiente dos recursos financeiros no tm sido procedimentos usuais nas aes de combate criminalidade, seja no Executivo federal, seja nos executivos estaduais. Desse ponto de vista, a histria das polticas pblicas de segurana na sociedade brasileira nas duas ltimas dcadas se resume a uma srie de intervenes governamentais espasmdicas, meramente reativas, voltadas para a soluo imediata de crises que assolam periodicamente a ordem pblica.[16]

No sabendo exatamente o que fazer, os governos cuidam de fazer exatamente o mesmo, apostando na ingnua convico de que um remdio comprovadamente falho pode levar cura se ministrado em posologia superior. Nesse sentido, referindo-se particularmente ao papel das polcias, Marcos Rolim observa:

Muitas vezes, diante dos indicadores pouco recomendveis de eficincia no trabalho policial, imagina-se que, em lugar de uma nova receita, o que se precisa aumentar os ingredientes da mesma frmula. O que se observa, invariavelmente, uma forte presso para que se faa mais do mesmo, uma espcie de "isomorfismo reformista". Os gestores, ento, em vez de alterarem o discurso, falam as mesmas coisas s que em um tom cada vez mais estridente. Assim, as "polticas de segurana" reconhecidamente fracassadas costumam ser retomadas com mais nimo e alarde a cada nova gesto, quando novos investimentos so anunciados, medidas "de impacto" ocupam os noticirios, trocam-se chefias, promessas de ordem e rigor so seladas e tudo, rigorosamente tudo o que importa, permanece como est.[17]

Mas alm de facilitar a capitulao da sociedade diante do crime, a erraticidade subjacente aos programas polticos de segurana pblica cobra outro preo social, ensejando a polarizao do senso comum ao redor de um repertrio vazio e maniquesta de pretensas solues para o problema.

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Essa polarizao emblematizada pela controvrsia que ope, de um lado, os reformistas sociais da criminologia, enxergando nas iniqidades sociais a causa remota do crime e da violncia, para concluir ento que qualquer iniciativa de segurana pblica ser baldada se no implicar uma reforma das estruturas mais basilares da sociedade; de outro lado, os sectrios do movimento "Lei e Ordem", advogando o endurecimento do direito penal e do processo penal como a nica resposta altura da criminalidade hodierna[18]

.

Entretanto, se as ideologias polticas no se fartam de explorar a fora retrica desses discursos estereotipados, at como forma de ocultamento de seu costumeiro vcuo propositivo, cumpre admitir que essa explorao s possvel por encontrar terreno frtil no imaginrio da populao melhor dizendo, no dficit educacional dessa populao. salutar o embate dialtico de teses contrapostas na arena pblica, como aquele estabelecido entre as citadas tendncias do minimalismo e do maximalismo penal. pernicioso, em contrapartida, que estas mesmas teses convivam no interior da subjetividade de cada pessoa, merc da seduo exercida pelos discursos populistas, como ocorre cotidianamente no cenrio brasileiro. "Devido a essa falha interinstitucional e falncia de armas para enfrentamento da criminalidade crescente" repara Carlos Alberto Baptista "a sociedade tem uma demanda ambgua frente segurana pblica: pede menos violncia policial em termos gerais e exige a prtica de violncia quando o problema pessoal" [19]. Como as casas legislativas fazem as vezes, como se diz, de caixas de ressonncia dos anseios populares, acabam refletindo e retroalimentando as expectativas do povo no que elas tm de melhor e de pior, inclusive na maneira anfibolgica e qui esquizofrnica de encarar o crime e a violncia:

Amedrontada com a criminalidade violenta, as pessoas, de um lado, so capazes de aceitar qualquer tipo de soluo para o problema [. . .] Mas, de outro lado, bom lembrar que a represso violenta e margem da lei, que as pessoas so capazes de aceitar, tem uma condio: a de que ela no as atinja. No fundo, todo mundo, mesmo quem fala asneiras contra, defensor dos direitos humanos, pois quando a represso se abate sobre si, a primeira coisa que invocam o respeito aos seus direitos.[20]

Eis o preo da frmula democrtica faturando seus encargos tambm na seara da segurana pblica. Afinal, se o governo do povo, pelo povo e para o povo, insta reconhecer que a responsabilidade pelo mau governo reconduzvel, em ltima instncia, ao prprio povo [21]. 2.3 Segurana pblica e informao A despeito das inmeras contendas que permeiam o universo da segurana pblica, consoante se discutiu at aqui, inclusive no que concerne aos fatores predisponentes da criminalidade violenta e s formas de combat-la, a depurao do discurso proveniente dos segmentos polticos e acadmicos j permite vislumbrar os contornos de uma zona de relativo consenso. As linhas de convergncia apontam, in casu, para a necessidade de se fazerem as polticas pblicas de segurana menos vulnerveis s modulaes populistas e mais permeveis ao conhecimento sedimentado sobre o que funciona e o que no funciona nesse campo [22]. Editorial do jornal Folha de So Paulo registrou esse entendimento na edio de 9 de fevereiro de 2008, patenteando a dimenso assumida pelo tema:

Informao de qualidade condio necessria para traar polticas pblicas eficazes. No setor de segurana pblica, revela-se crucial. Programas de sucesso para reduzir a criminalidade, como em Nova York, tiveram como ingrediente fundamental o uso inteligente de estatsticas para compor diagnsticos e orientar intervenes da polcia. No Brasil, at mesmo em seu Estado mais desenvolvido, toda iniciativa nessa direo esbarra em dados precrios.

Em que pese existir mais informao "sobre o que no funciona do que sobre o que pode funcionar", como recorda Marcos Rolim, a pretenso de racionalidade e efetividade que deve condicionar a atuao estatal no pode se dar ao luxo de negligenciar os aportes oriundos da pesquisa cientfica ou da experincia internacional, ambas enfatizando em unssono que as polticas de segurana pblica sero to mais efetivas quanto mais se fizerem balizar pela informao[23]

:

Sendo assim, portanto, no seria demais insistir no pressuposto de que uma poltica sria de segurana pblica s pode ter origem em um diagnstico competente daquilo que h de especfico na evoluo da criminalidade e da violncia em uma determinada regio, em um determinado momento. Esse diagnstico, por sua vez, pressupe o acesso a dados fundamentais sobre a incidncia dos eventos criminais e sobre suas circunstncias (perfil das vtimas, local, data e horrio das ocorrncias, modus operandi dos infratores etc.). Sem esses dados, no h sequer a chance de uma poltica de segurana, e o que teremos ser uma seqncia de iniciativas desencontradas e de improvisaes, meras decorrncias dos diferentes tipos de presso percebidas pelos gestores, por um lado, e dos resultados de seus interesses polticos e concepes ideolgicas, por outro.[24]

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Reconhecer o papel essencial dos insumos informacionais na elaborao e execuo de polticas de segurana pblica implica direcionar o foco analtico para o instrumento de segurana pblica que faz da informao a sua prpria essncia: a inteligncia policial. Compulsando a bibliografia especializada ou auscultando as verberaes miditicas, invariavelmente surgem aluses inteligncia policial como recurso digno de investimento no esforo de fazer frente criminalidade que acossa a sociedade com uma contundncia sem paralelo na histria. Exemplos ilustrativos da tendncia so inmeros[25]

.

Em artigo publicado no terceiro nmero da "Revista Brasileira de Inteligncia", Josemria da Silva Patrcio observa, a propsito, que "a inteligncia figura como principal alternativa" para combater a criminalidade, a ponto de ser elencada como um dos compromissos do Plano Nacional de Segurana Pblica apresentado pelo governo no ano de 2000 [26]. No mesmo peridico Alexandre Lima Ferro ressalta que a inteligncia de segurana pblica

tem sido apontada ultimamente no Brasil como um instrumento essencial para o enfrentamento do problema da criminalidade crescente que o Pas atravessa. comum a referncia, tanto entre os operadores polticos quanto da Segurana Pblica, que "o problema da criminalidade e da violncia deva ser combatido com o suporte das aes de Inteligncia Policial".[27]

Celso Moreira Ferro Jnior e George Felipe de Lima Dantas relacionam ainda diversas referncias importncia da inteligncia policial extradas de matrias jornalsticas, valendo citar, por todas, a declarao do ento candidato Presidncia da Repblica, Ciro Gomes: "No vamos inventar a roda. Temos que nos espelhar no que deu certo l fora. No mundo se combate o crime investindo em inteligncia" [28]. Em sede governamental, a inteligncia recebeu especial destaque no documento intitulado "Modernizao da Polcia Civil Brasileira", elaborado sob a coordenao da Secretaria Nacional de Segurana Pblica - SENASP[29]

. Ali a inteligncia policial elencada como uma

macropoltica incumbida de articular todas as demais polticas estratgicas da instituio (administrao logstica, ensino e pesquisa, correio e administrao ttico-operativa) com o plano ttico, "segundo uma poltica de captao, tratamento e difuso de dados e conhecimentos produzidos no mbito de toda a organizao policial", promovendo, assim, o "fluxo entre o saber e o fazer da instituio". Tambm sob os auspcios da SENASP encontra-se atualmente em fase de elaborao a chamada Doutrina Nacional de Inteligncia de Segurana Pblica, que, em sua verso provisria, tambm enfatiza a necessidade da adoo da inteligncia policial:

O aumento populacional, o avano tecnolgico e a globalizao, dentre outros, so fatores que vm contribuindo para o aumento da criminalidade, que se apresenta com formas cada vez mais elaboradas e complexas de ao, principalmente em razo de novas tecnologias e de sofisticados "modus operandi", dificultando sobremaneira o trabalho investigatrio Neste contexto os rgos de SeguranaPblicapassaram a , , . , desenvolverformas de investigaoque tornam mais eficienteo combate delinqncia cada vez mais organizada , . A Atividade de Inteligncia de Segurana Pblica se apresenta como instrumento para resposta e apoio ao combate violncia em geral e, principalmente, aos crimes de alta complexidade, procurando identificar, entender e revelar aspectos ocultos da atuao criminosa que seriam de difcil deteco pelos meios tradicionais de investigao policial, servindo, ainda, para assessorar as autoridades governamentais na elaborao de Planos e Polticas de Segurana Pblica.[30]

Nos Estados Unidos e no Reino Unido, desde o final dos anos 80, a inteligncia policial j se constitui no prprio ncleo de um modelo especfico de policiamento denominado "policiamento orientado pela inteligncia"[31]

, servindo ainda de subsdio estratgico para outras prticas,[32]

como o policiamento comunitrio e o policiamento orientado para a soluo de problemas inovao introduzida pelo Decreto n 3.695, de 21 de dezembro de 2000.

, os quais j exercem influncia no Brasil. Entre ns vale

destacar, ainda, a criao do Subsistema de Inteligncia de Segurana Pblica - SISP, no mbito do Sistema Brasileiro de Inteligncia - SISBIN,

O diploma legal referido estabelece que o SISP integrado pelos Ministrios da Justia, da Fazenda, da Defesa e da Integrao Nacional e o Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, tendo como rgo central a Secretaria Nacional de Segurana Pblica, do Ministrio da Justia, e sendo facultada a adeso dos rgos de Inteligncia de Segurana Pblica dos Estados e do Distrito Federal. A finalidade do SISP, na dico do decreto, "coordenar e integrar as atividades de inteligncia de segurana pblica em todo o Pas, bem como suprir os governos federal e estaduais de informaes que subsidiem a tomada de decises neste campo", competindo aos seus integrantes, "no mbito de suas competncias, identificar, acompanhar e avaliar ameaas reais ou potenciais de segurana pblica e produzir conhecimentos e informaes que subsidiem aes para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza".

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Todos esses indicativos sinalizam uma tendncia digna de louvor, posto que firmada sobre slidos fundamentos doutrinrios e subsdios empricos sedimentados no plano internacional. Para que a iniciativa, contudo, no se desvirtue em reles modismo, como si acontecer recorrentemente nas quadras da segurana pblica, se faz necessrio que o tema seja objeto de uma detida delimitao prtica e conceitual. Fernando do Carmo Fernandes externa preocupao nesse sentido, sublinhando que o sensacionalismo criado ultimamente em torno desse assunto encerra o risco de que a atividade de inteligncia sofra institucionalizaes em desconformidade com suas notas essenciais:

No Brasil em particular assistiu a uma proliferaode unidadesde Inteligncia nas mais diversasestruturasdo Estado Expertos das , , -se , . , mais diversasreas, passarama discorrersobre a necessidadede dotar essa ou aquelainstituiode um Serviode Inteligncia .As solues para o esclarecimento de todos os ilcitos e ameaas correntes "passaram a depender" das muitas unidades de Inteligncia, criadas no mbito da Segurana Pblica e nas estruturas de fiscalizao e controle do pas. No entanto, as prticas adotadas, a partir de ento, tm deixado de levar em considerao aspectos relevantes da doutrina mundialmente reconhecida seja na estruturao das unidades responsveis por "fazer Inteligncia", seja nos conhecimentos por elas produzidos, seja na orientao de seus trabalhos inerentes.[33]

Uma observao mais cuidadosa dos apelos inteligncia policial mostra que a preocupao sobrescrita justificada. Quanto mais se presta aos abusos polissmicos, mais uma expresso se torna opaca, e isso aparentemente tem ocorrido com a "inteligncia policial", utilizada para designar vagamente diferentes aspectos do servio policial ordinrio. Colhem-se exemplos da inteligncia policial sendo referida como se fosse ora uma investigao policial "sofisticada", ora uma investigao "complexa" ou "eficaz", sendo usada mais comumente, entretanto, para indicar os trabalhos policiais levados a efeito sem emprego da truculncia que estigmatiza os rgos de segurana. Leia-se, a respeito, a advertncia de Jorge da Silva:

Quem ser contra a idia de que, em qualquer atividade, se deva trabalhar com inteligncia? Alis, virou lugar-comum ouvir-se esta afirmao, partida at mesmo de adeptos da truculncia: "a polcia tem que trabalhar com a inteligncia!". Entre o que a palavra inteligncia denota na lngua portuguesa, contudo, e o que, num determinado contexto, venha a conotar, pode haver um fosso profundo. Basta admitir a hiptese, nada implausvel, de que agentes dos "servios de inteligncia", de boa f, trabalhem sem qualquer compromisso com essa faculdade humana, e que, mesmo diante de um grande volume de informaes recolhidas pelo sistema, no saibam o que fazer com elas. Ou que, de m-f, utilizem o setor em proveito prprio ou de grupos.[34]

A inteligncia policial, no entanto, no se confunde com a investigao policial. Se a chamada inteligncia de Estado est entre a guerra e a diplomacia, a inteligncia policial se situa aproximadamente entre a inteligncia de Estado e a investigao policial propriamente dita. Logo, a adequada demarcao do permetro da inteligncia policial passa pela compreenso do que seja, de um lado, a inteligncia de Estado e, de outro lado, a investigao policial.

3 INTELIGNCIA POLICIAL A inteligncia de Estado, cognominada tambm de inteligncia clssica, se insere na cadeia de ancestralidade da inteligncia policial, sendo, nessa medida, um passo necessrio na aproximao do objeto deste trabalho. E nessa matria, conforme adiantado alhures, as referncias tericas em lngua portuguesa so reconhecidamente escassas. Isso no obstante, duas obras de peso destacam-se no panorama, ambas publicadas pela editora da Fundao Getlio Vargas, e, portanto, serviro de referncia para o assunto tratado neste item. A primeira, publicada por Marco Cepik, em 2003, se intitula "Espionagem e democracia: agilidade e transparncia como dilemas na institucionalizao de servios de inteligncia", consistindo numa verso revisada da tese com a qual o autor obteve seu doutoramento, dois anos antes, no Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ. A segunda, "SNI & Abin: uma leitura da atuao dos servios secretos brasileiros ao longo do sculo XX", de autoria de Priscila Carlos Brando Antunes, resultou de adaptao da dissertao de mestrado apresentada pela autora na Universidade Federal Fluminense, tendo Marco Cepik, por sinal, como um dos co-orientadores. Os dois pesquisadores citados preocupam-se, inicialmente, em precisar o conceito de "inteligncia", uma vez que o termo, sem embargo de uma prvia filtragem das conotaes alheias ao aspecto informacional, conserva um extenso espectro semntico. Tendendo para o extremo de maior generalidade, assim, inteligncia compreenderia "toda informao coletada, organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador de decises qualquer", como pontua Marco Cepik, designando, pois, qualquer forma de conhecimento resultante do tratamento analtico de dados brutos.

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Tamanha a amplitude dessa acepo, porm, que se mostra incapaz de circunscrever a idia de inteligncia em face de suas vizinhanas conceituais. Por essa razo, Marco Cepik sustenta a necessidade de restringir o raio de significaes da inteligncia atravs da identificao de duas dimenses integrantes da essncia do objeto sob exame. Em primeiro lugar, uma dimenso operacional, que predica a inteligncia como uma modalidade de "coleta de informaes sem o consentimento, a cooperao ou mesmo o conhecimento por parte dos alvos da ao", fazendo-a corresponder, grosso modo, idia de "informao secreta":

Inteligncia lida com o estudo do "outro" e procura elucidar situaes nas quais as informaes mais relevantes so potencialmente manipuladas ou escondidas, em que h um esforo organizado por parte de um adversrio para desinformar, tornar turvo o entendimento e negar conhecimento.[35]

Sob esse ngulo, a inteligncia se distingue de outras atividades de aquisio sistemtica de informaes pelo

grau de interveno humana requerido para a anlise e a disseminao dos dados obtidos, associados ao grau de vulnerabilidade das fontes de informao s contramedidas de segurana e conseqente necessidade de segredo para a proteo das atividades de inteligncia.[36]

Em segundo lugar, especificando a natureza da inteligncia, intercede uma dimenso analtica, consistente na capacidade explicativa e/ou preditiva da informao coletada. A atividade de inteligncia se singulariza, nessa perspectiva, em funo dos fins que lhes so peculiares, a saber, incremento do grau de conhecimento sobre os adversrios e sobre os problemas que afetam a segurana do Estado, especialmente no que diz respeito poltica internacional, defesa nacional e provimento de ordem pblica. As atividades de inteligncia, assim definidas, esto a cargo de servios especializados institudos no aparelho estatal sob diferentes denominaes, como "servios de inteligncia", "servios secretos", "servios de informao" ou, ainda, "servios de espionagem". Como explica Marco Cepik:

Sistemas governamentais de inteligncia consistem em organizaes permanentes e atividades especializadas em coleta, anlise e disseminao de informaes sobre problemas e alvos relevantes para a poltica externa, a defesa nacional e a garantia da ordem pblica de um pas. Servios de inteligncia so rgos do Poder Executivo que trabalham prioritariamente para os chefes de Estado e de governo e, dependendo de cada ordenamento constitucional, para outras autoridades na administrao pblica e mesmo no Parlamento. So organizaes que desempenham atividades ofensivas e defensivas na rea de informaes, em contextos adversariais onde um ator tenta compelir o outro sua vontade. Nesse sentido, pode-se dizer que essas organizaes de inteligncia formam, juntamente com as Foras Armadas e as polcias, o ncleo coercitivo do Estado contemporneo.[37]

Ainda na clave das definies da inteligncia clssica, Priscila Antunes empreende um excurso pela literatura correspondente [38]. A autora cita, em primeiro lugar, Jennifer Sims[39]

, para quem inteligncia qualquer informao colhida e organizada para auxiliar no[40]

processo de tomada de deciso, no envolvendo necessariamente segredo

. Abram Shulsky [41], por outro lado, adota uma definio mais restritiva,

cingindo o mbito da inteligncia s informaes sujeitas a trs condies, quais sejam: a uma, segredo e proteo; a duas, formas especficas de organizao; e, a trs, carter conflitivo decorrente da competio entre os Estados. Priscila Antunes filia-se, porm, concepo de Michael Herman [42], que considera inteligncia aquilo que os rgos de inteligncia fazem, de modo que a essncia da atividade no estaria no seu contedo, mas em seu contexto organizacional. Sobre o processo de constituio histrica dos servios de inteligncia, Priscila Antunes comenta[43]

:

Paralelamenteao seu desenvolvimentodentro do campomilitar, a atividadede intelignciapassoutambm a se especializarcomo funo policiale repressiva As polcias secretas surgiram no princpio do sculo XIX e tinham como objetivo evitar revoluespopulares a exemplo da . , revoluofrancesa Passarama desenvolvermecanismosde vigilncia de informaoe de interceptaode cartas. . ,No sculo XX, aps o fim da II Guerra, o medo de uma nova revoluo popular j havia declinado no mundo ocidental, mas o comunismo permaneceu como uma forte ameaa. Em decorrncia, emergiram os departamentos criminais de investigao, que comearam a recorrer ao uso das tcnicas cientficas para os problemas de deteco, apreenso, vigilncia e armazenamento de informaes sobre populaes criminosas. O

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crescimento internacional das organizaes de segurana e o medo da espionagem estrangeira ainda levaram os pases a desenvolverem suas agncias de contra-espionagem. Houve, neste processo, uma mudana no status da atividade de inteligncia, que passou a se organizar e se institucionalizar, tornando constante o processo de coleta e anlises de informaes. A partir de meados dos anos 1940 firmou-se a crena de que a inteligncia seria uma atividade fundamental para o processo de tomada de decises governamentais. A autonomizao da atividade acompanhou, de alguma forma, o processo de racionalizao e complexificao estatal ocorrido nas formas de governo do sculo XX, vinculado expectativa liberal e ao otimismo cognitivo das cincias sociais. A atividade de inteligncia, enquanto instituio permanente, permitiria uma maior racionalizao da ao governamental, afastando-a da conduta ideolgica.[44]

Em conformidade com as consideraes respeitantes ao seu contedo e sua conformao histrica, Marco Cepik conclui que as atividades de inteligncia objetivam, em resumo: otimizar a utilizao de recursos e a posio internacional de um pas ou organizao, agregando valor s funes governamentais em tarefas como a racionalizao do processo decisrio nas reas de poltica externa, defesa nacional e ordem pblica; especializao de policymakers atravs do contato continuado com oficiais de inteligncia; apoio s capacidades ofensivas e defensivas atravs do monitoramento das tecnologias adversrias; apoio s negociaes diplomticas e ao planejamento de operaes de combate, paz, assistncia e misses tcnicas, entre outras; preveno contra surpresas nas reas militar, diplomtica e poltica; monitoramento de alvos e ambientes externos prioritrios; e, finalmente, preservao de segredo sobre necessidades informacionais, fontes, fluxos, mtodos e tcnicas do prprio segmento de inteligncia [45]. Em linhas bem gerais so essas, pois, as feies que se propagam da inteligncia clssica e, incidindo sobre a matria-prima da segurana pblica, se refratam como inteligncia policial, sem se confundir, todavia, com a investigao policial. 3.2 Investigao policial O inqurito policial instrumentaliza a finalidade da investigao policial de apurar as infraes penais em sua materialidade e autoria. No sistema escalonado da justia criminal, entre o crime e sua conseqncia jurdica a pena , intervm necessariamente o processo penal, fazendo as vezes de um sistema de garantias institudo em nome do rigoroso controle de legalidade que deve preceder a incidncia das mais drsticas sanes manejadas pelo Estado. Embora anteceda o sancionamento criminal, porm, o processo penal representa, ele prprio, um nus jurdico imposto aos direitos fundamentais do acusado, de modo que sua prpria deflagrao deve contar com um juzo de pr-admissibilidade. Esse juzo de pr-admissibilidade instrudo pelo inqurito policial, que fornece ao sujeito ativo da acusao Ministrio Pblico ou querelante elementos de convico indicativos da razoabilidade de sua pretenso, evitando, assim, sejam deduzidas em juzo demandas infundadas, em detrimento, principalmente, do sujeito passivo da imputao, mas tambm da prpria Justia Criminal[46]

.

"A investigao criminal" na sntese de Denilson Feitoza Pacheco " um procedimento preliminar, de carter administrativo e normalmente feito pela polcia investigativa (polcia judiciria), por meio do qual se procura reunir um mnimo de provas que permita ao acusador pedir o incio do processo penal" [47]. No documento "Modernizao da Polcia Civil brasileira", da SENASP, consta:

O Inqurito Policial e demais procedimentos de polcia judiciria so instrumentos jurdicos e descritivos da atuao investigativa. So garantias da preservao de direitos individuais e coletivos no cenrio tipicamente conflituoso que envolve a apurao da ocorrncia criminal. Alm dos aspectos jurdico-formais, se submetem ao mtodo cientfico, incorporando tcnicas de pesquisa das cincias sociais, humanas e naturalsticas, em regime de interdisciplinariedade [sic] epistemolgica. , portanto, veculo da neutralidade da ao investigativa, destinado, no plano jurdico, a formar opinio no mbito da persecuo penal movida pelo Ministrio Pblico, ofendido ou seu representante legal perante o Judicirio. No plano descritivo, os dados e conhecimentos acumulados e consolidados, constituem uma base cognitiva de cenrios e pessoas envolvidas na trama criminal, dando suporte a outras polticas de Estado.[48]

Mais frente o texto conclui:

O inqurito policial fonte de rigorosa captao de informaes, porque o ncleo dos registros sobre a ao estatal de investigao e a realidade social e comunitria. Portanto, a sua elaborao deve ser orientada por rigorosa observncia da metodologia lgico-cientfica na produo de conhecimentos, no apenas para consignar informaes sobre o infrator da lei, mas tambm sobre o ambiente do crime e a ao dos operadores pblicos. Nesta medida, o inqurito policial se reveste como verdadeiro instrumento de defesa do interesse pblico, dos direitos e garantias fundamentais e da dignidade da pessoa humana.[49]

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O ciclo de funcionalidade do inqurito policial, em concluso, deve ser desencadeado vista da notcia de uma infrao penal para, atravs de uma srie de medidas investigativas preordenadas em lei, chegar a subsdios idneos que habilitem o titular da ao a postular a abertura do processo penal propriamente dito, visando a aplicao da pena ao infrator. 3.3 Critrios distintivos O cotejo das atividades de inteligncia clssica e de investigao policial revela, com efeito, algumas analogias interessantes. Um dos bvios pontos de contato dos respectivos desenhos funcionais consiste no fato de que tanto a inteligncia quanto a investigao envolvem processos de coleta e tratamento de informaes sensveis. Outra semelhana est na verificao de que inteligncia clssica e investigao policial procuram ambas instruir processos de tomada de deciso de um usurio determinado, como o chefe do Executivo, no primeiro caso, ou os atores da persecuo penal, no segundo caso, incluindo delegado de polcia, promotor de justia e juiz criminal. Baseando-se nessa lgica comparativa, Denilson Feitoza Pacheco concluiu que tanto a inteligncia policial como a persecuo penal estruturam-se como procedimentos de busca da verdade, cujos pilares se assentam, em ltima instncia, no modelo comum da pesquisa cientfica. Aceitar, porm, que a inteligncia clssica se assemelha investigao policial no induz a inferncia de que a inteligncia policial idntica investigao policial. A inteligncia policial no , por assim dizer, uma modalidade particularmente "inteligente" de investigao, mas antes uma legtima modalidade de inteligncia de Estado aplicada aos problemas da segurana pblica, mormente em sua expresso mais visvel da atuao das polcias. Nessa ordem de cogitao, quando se projeta sobre a segurana pblica, a inteligncia continua sendo inteligncia, ao invs de se amalgamar com a investigao a ponto de se tornarem realidades indistintas. Josemria da Silva Patrcio argumenta que essa confuso conceitual est por trs dos posicionamentos que preconizam a incomensurabilidade da inteligncia clssica com a inteligncia policial, dificultando, conseqentemente, a implementao da inteligncia dentro das instituies policiais. Situando esse posicionamento em relao ao Sistema Brasileiro de Inteligncia - SISBIN e ao Subsistema de Inteligncia de Segurana Pblica - SISP, a autora explica:

Os fundamentos doutrinrios e a metodologia utilizada na rea da segurana pblica so os mesmos utilizados pelo rgo central e pelo os [sic] demais componentes do sistema. O que difere o Sisp do Sisbin a especificidade do objeto trabalhado e dos objetivos a se atingir. Enquanto o Sisp atua na rea especfica de segurana do cidado, o Sisbin investe em todas as reas de interesse do Estado em conhecer, prevenir, proteger e decidir, interna e externamente. Decorre logicamente dessa diferena de objeto: os existentes nveis de atuao do subsistema (ttico e estratgico) , a visibilidade das aes, a transformao do conhecimento produzido em indcios quando subsidia os procedimentos investigativos e a obrigatoriedade de resultado da utilizao desse conhecimento, conforme a lei processual penal.[50]

Mas dizer que a inteligncia, especificada no campo policial, no se confunde com a prpria investigao policial, dizer muito pouco, a menos que a assertiva seja devidamente justificada luz de caractersticas objetivas que demonstrem os termos em que se d a diferenciao. A tese, porm, de que tais caractersticas j dispem de lastros esparsos nas fontes bibliogrficas coligidas, cumprindo pesquisa apenas coloc-las em evidncia e organiz-las, por convenincia esquemtica, ao redor de trs eixos, designadamente os pressupostos, os meios e os fins inerentes a cada qual das atividades. A apresentao de tais critrios distintivos, portanto, visa estabelecer um painel descritivo do status quaestionis, no se revestindo, por conseguinte, de qualquer pretenso normativa pretenso que, embora plenamente vivel, pediria distintos vetores de fundamentao. Obedecendo ao plano projetado, cumpre, pois, analisar preliminarmente a precitada trilogia de caracteres de distino para, na seqncia, ilustrar a conjuntura da matria em trs autores referenciais. Se essa prospeco for bem sucedida, conduzir indiretamente definio de inteligncia policial. 3.3.1 Pressupostos A investigao policial se origina da necessidade de averiguar a existncia de uma infrao criminal possivelmente ocorrida, inclusive no que concerne respectiva autoria. Os canais de introjeo na atividade, portanto, so restritos, exigindo que se configure, pelo menos em tese, a ocorrncia de um fato penalmente relevante. A inteligncia policial, de sua parte, no sofre semelhante constrangimento. Qualquer demanda informacional que se ajuste aos interesses de seu usurio razo necessria e suficiente para que sejam mobilizados os seus recursos. justamente dessa maior versatilidade originria que a inteligncia retira uma de suas mais propaladas foras, isto , sua conformao proativa, contrastando com o carter reativo que, por sua prpria natureza, limita o escopo da investigao policial. Essa reviravolta envolve, naturalmente, uma reperspectivao dos paradigmas policiais vigentes, como adverte Richard Wright [51]:

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Most law enforcement managers learned policing from the street up and have been trained throughout their careers to deal with problems in a reactive mode. Criminal intelligence requires a new mindset since it is an effort to change the perspective from a reactive approach to a proactive one. In essence, intelligence attempts to learn of criminal activity before it occurs and prepare the agency to deal with specific crime issues when they are small and can be managed with minimal resources. Once a crime problem takes root, it becomes more difficult to manage and requires additional resources.[52]

Ao dispensar o pressuposto mais restritivo do crime, em contraposio investigao policial, a inteligncia policial se emancipa, tambm, do nvel ttico para o nvel estratgico. Nesse sentido, Fernando do Carmo Fernandes sustenta que os rgos de segurana pblica, quando colhem dados sobre ilcitos consumados, fazem apenas "investigao", pois o produto desse trabalho s poderia ser chamado de "inteligncia" quando implicasse uma dimenso prospectiva e se situasse no nvel estratgico:

As investigaes levadas a efeito por esses rgos se aproximam da Inteligncia ao se valerem de tcnicas especializadas, oriundas da atividade operacional de Inteligncia vigilncias, monitoraes eletrnicas, recrutamento, etc. Mas, ao se situar no nvel ttico-operacional, o conhecimento produzido estar no nvel informao.[53]

3.3.2 Finalidade A investigao policial visa angariar subsdios probatrios, ainda que em carter indicirio, para assegurar o exerccio profcuo da ao penal por parte do sujeito ativo legitimado. E embora a fase preambular da ao penal isto , a prpria investigao policial no se ocupe de provas judicirias stricto sensu, a aferio da viabilidade da acusao, exercida por seu respectivo titular, implica necessariamente uma previso da possibilidade de converter em prova os insumos da investigao. As restries de valorao probatria que galvanizam o processo penal, por conseguinte, acabam repercutindo na investigao policial. O mesmo no se passa com a inteligncia policial. Ainda que submeta seus inputs a uma criteriosa classificao, a inteligncia se interessa pela aquisio de quaisquer informaes capazes de reduzir o estado de incerteza de um dado usurio, instruindo, pois, seu processo decisrio fora dos condicionamentos tpicos da dinmica jurisdicional. O maior rigor exigido para convolar uma informao em prova processual, rigor esse que reflete na fase pr-processual da investigao, justificado pelas repercusses mais gravosas que o processo penal enseja, afetando direitos fundamentais. Ou a investigao policial serve para orientar a deciso do dominus litis, no sentido de acionar ou no o juzo penal, ou ento no serve para nada. O grau de influncia que os aportes da investigao exerce sobre o decisor depende da aptido de que tais aportes so dotados para sobreviver ao crivo da instruo processual e essa aptido, repita-se, guarda proporo direta com a observncia, na investigao, dos condicionamentos legais do valor probatrio. Se esses parmetros limitativos impem-se na investigao criminal, em tributo de um necessrio sistema de garantias, constituem, porm, um peso de que a inteligncia policial pode prescindir, logrando, com isso, um ndice superior de flexibilidade A esse respeito, George Felipe de Lima Dantas e Nelson Gonalves de Souza preceituam:[54]

.

bastante sutil a diferenciao entre a atividade de Inteligncia e a de investigao policial. Ambas lidam, muitas vezes, com os mesmos objetos (crime, criminosos e questes conexas), com seus agentes atuando lado-a-lado. Enquanto a investigao policial tem como propsito direto instrumentar a persecuo penal, a Inteligncia Policial um suporte bsico para a execuo das atividades de segurana pblica, em seu esforo investigativo inclusive. A metodologia (de abordagem geral e de procedimentos especficos) da Inteligncia Policial est essencialmente identificada com a da Inteligncia de Estado.[55]

da natureza de sua finalidade mais ampla que deriva, tambm, a necessidade do sigilo nas prticas de inteligncia, clssica ou policial. Alm do fato de as fontes serem vulnerveis s contramedidas de segurana por parte dos alvos das perquiries, a inteligncia lida cotidianamente com informaes de todo quilate, e no apenas com as informaes suficientemente confirmadas que circulam na investigao policial, na qual, por exemplo, o falseamento de depoimentos assinados configura crime. Como explica Richard Wright:

Frequently, the criminal intelligence process involves "soft" information, which cannot be used in court. "Soft" information can include hearsay information from rumors, suggestions, and beliefs for the building of files. In collecting initial raw data, intelligence officers often go to sources that investigators would seldom consider for their investigative needs. In addition to surveillance observations and materials selected from public

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databases, intelligence officers may note anonymous comments about people who they believe may be planning a crime or listen to others they feel might be in a position to know. Their speciality is the nurturing of this type of soft data into refined and useful criminal intelligence.[56]

Desta forma, ainda que os produtos de inteligncia policial estejam imbudos de algum valor probatrio pela perspectiva da investigao policial, no convm que se rendam a esse uso pela perspectiva da inteligncia policial. 3.3.3 Meios Partindo, cada qual, de seus especficos pressupostos e mirando, via de conseqncia, seus fins igualmente especficos, a investigao policial e a inteligncia policial se valem, naturalmente, de um rol especfico de instrumentos, reciprocamente irredutveis, ainda que sujeitos a eventuais sobreposies. Para que a investigao satisfaa a expectativa de que depositria, portanto, deve eleger seus mtodos entre aqueles legitimados pelo norteamento jurdico prprio do processo penal. Esses mtodos, enumerados exemplificativamente no art. 6 do Cdigo de Processo Penal - CPP, tm em comum o trao de consubstanciarem manifestaes do chamado poder de polcia. A inteligncia policial, por seu turno, avessa ostensividade do poder de polcia, valendo-se de tcnicas especiais de aquisio e processamento de informaes que compem, em suma, o chamado ciclo de inteligncia. O ciclo de inteligncia um dos assuntos mais cogitados na literatura especializada, de modo que no ser objeto de ulteriores aprofundamentos [57]. 3.3.4 Posies doutrinrias Todos os critrios distintivos apresentados encontram, conforme anunciado, respaldo nas referncias bibliogrficas afins. Cumpre ento demonstr-lo, recorrendo letra de trs autores representativos do cnone da matria na bibliografia nacional, quais sejam, Jorge da Silva, Guaracy Mingardi e Denilson Feitoza Pacheco, a comear pelo primeiro. Jorge da Silva dedica um item de seu livro problemtica dos limites da investigao e da inteligncia em ambiente policial fins. Comparando ambas as atividades[59] [58]

, pontuando

posicionamentos que chancelam os critrios distintivos acima compendiados tanto no que diz respeito aos seus pressupostos como tambm aos seus

, o autor entende que a investigao policial, praticada por investigadores, visa apenas elucidar crimes

especficos, caso a caso, possuindo, portanto, um carter reativo. A inteligncia policial, por outro lado, praticada por agentes de inteligncia policial, cuida de coletar, reunir, sistematizar e disseminar quaisquer informaes de interesse policial, revestindo-se, por conseguinte, de um carter proativo. A inteligncia policial, conseqentemente, pode ser aplicada tanto na formulao de polticas pblicas como tambm no planejamento operacional ostensivo e investigativo; pode mesmo auxiliar a investigao policial atravs do compartilhamento de informaes relevantes para casos especficos, especialmente aqueles relacionados ao crime organizado [60]. Ao modo de uma "memria de toda a organizao", a inteligncia policial se vale de dados provenientes de vrias fontes, como investigaes anteriores, informaes fornecidas por policiais e informantes, publicaes, registros civis e criminais, registros de veculos, cadastro de movimentao e modus operandi de criminosos, bases de dados de outras instituies pblicas e privadas, como Judicirio, Ministrio Pblico, sistema penitencirio, seguradoras, concessionrias de servios pblicos etc. Jorge da Silva aduz ainda importantes observaes apartando as mentalidades subjacentes inteligncia na esfera policial e militar, aquela empenhada na luta contra o crime, esta exercida "contra potenciais inimigos, reais ou imaginrios, internos ou externos". Mais do que diferentes, adverte, as inteligncias policial e militar possuem paradigmas incompatveis verdade e na legalidade. Guaracy Mingardi, por sua vez, cuidou do tema em dois artigos, ambos tendo como pano de fundo o problema do crime organizado. No primeiro artigo, includo na obra coletiva "Segurana pblica e violncia"[62] [61]

, pois, enquanto a inteligncia militar visava um inimigo do Estado e

por isso se estribava em tortura, desinformao e contra-informao , a inteligncia policial lida sempre com um cidado, e logo deve pautar-se na

, o autor devotou-se tentativa de individualizar a investigao policial

ante a inteligncia, tanto policial como de Estado, afirmando, nesse sentido, que o conceito legal de inteligncia [63], positivado no art. 1, pargrafo 2, da Lei n 9.883/1999, refere-se apenas inteligncia de Estado, "que tem escopo mais amplo do que a inteligncia policial ou criminal, que lida basicamente com as questes de investigao e preveno ao crime e da represso aos criminosos", atravs da sistematizao das informaes resultantes da produo de conhecimentos. Mais adiante, na mesma pgina, complementa que, "na verdade, as principais diferenas entre a inteligncia de Estado e a policial so o foco mais restrito e o maior controle da legalidade da segunda. Fora isso, os mtodos e as tcnicas so muito parecidos". Guaracy Mingardi exemplifica a distino comparando os dois rgos britnicos de inteligncia:

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A Diviso Especial uma unidade policial, voltada para combater o delito. Seus membros atuam para impedir que o crime ocorra ou para identificar os autores dos crimes j ocorridos. Qualquer ao que no envolva comportamento ilcito no deveria estar, pelo menos em tese, dentro de suas atribuies. Os relatrios e anlises da Diviso muitas vezes acabam por ser utilizados no tribunal, o que implica seguir algumas normas mais restritas para no invalidar as provas. J o MI5 um organismo de segurana interna. Realiza trabalhos como seguir diplomatas estrangeiros, manter contatos com organismos de espionagem britnicos ou do exterior, infiltrar agentes nos sindicatos, grampear telefones sem ordem judicial etc. Seus relatrios servem apenas para orientar o governo ou direcionar o trabalho das unidades policiais. Por exemplo, o MI5 no pode prender um suspeito; para efetuar uma priso seus agentes tm de contatar a diviso especial. Ou seja, embora os fins das duas organizaes sejam os mesmos, uma utiliza meios legais (pelo menos em teoria) enquanto a outra utiliza qualquer meio disposio para atingir seu objetivo. Outra diferena o cliente final do trabalho de cada agncia. A diviso tem como cliente final o judicirio, portanto tem de apresentar provas de suas afirmaes. O MI5 tem como cliente preferencial o ministrio e a administrao superior, para quem apresenta relatrios analticos.[64]

Dadas as diversidades observadas entre as atividades de inteligncia e investigao policial, conclui o autor, ser tanto melhor quanto mais estiverem separadas:

Uma quer resultados imediatos, a outra pode esperar um tempo mais longo. Isso facilmente notado na forma de utilizar as fontes. Um policial operacional s procura seu informante quando necessita de uma informao especfica. J um agente de inteligncia tem de cultivar o relacionamento com o informante, procurando-o periodicamente e extraindo dele informes, que podem no ter utilidade imediata, mas analisados em conjunto com outros podem gerar conhecimento til.[65]

Guaracy Mingardi voltou ao tema em artigo recentemente publicado na revista "Estudos Avanados"

[66]

. Retomando alguns materiais do

trabalho anterior, o cientista poltico apresenta inicialmente trs crticas oponveis ao apelo inteligncia na "guerra" contra o crime organizado: em primeiro lugar, porque, onde no h um inimigo claramente identificvel, no se pode falar em guerra, mas apenas em "represso"; em segundo lugar, porque a inteligncia, por si s, no d conta do problema, como j registrou John Keegan [67]; em terceiro e ltimo lugar, porque a afirmativa enseja uma confuso entre inteligncia e investigao. Nesse sentido:

A todo o momento somos bombardeados com notcias de que o "servio de Inteligncia" da polcia X ou Y teria detectado isso ou aquilo. Na realidade, ocorre geralmente uma confuso entre o uso de escuta telefnica numa investigao e o trabalho de Inteligncia. Na maioria dos casos que vm a pblico, o que apresentado como trabalho de Inteligncia nada mais do que uma investigao policial um pouco mais sofisticada.[68]

Invocando mais uma vez o conceito legal de inteligncia rectius, inteligncia de Estado , Guaracy Mingardi reconhece que esta possui deveras semelhanas com a inteligncia policial [69], divergindo ambas, porm, em relao abrangncia e aos meios empregados:

Enquantouma trabalhacom vrias reas do conhecimento(poltico tecnolgico militar etc.), a modalidadecriminalatua apenasna rea da , , SeguranaPblica ou seja, na obtenode conhecimentoque ajude a tomadade decisesquanto repressoou prevenocriminal , .Quanto questo dos meios, a Inteligncia Criminal tem muito mais limitaes legais do que sua prima. Na realidade, , das duas, a nica que se preocupa, historicamente falando, com as limitaes legais. Mesmo que um organismo de informaes seja muito respeitador das leis em seu pas, o que rarssimo, o mesmo no ocorre quando atua no exterior.[70]

Denilson Feitoza Pacheco, finalmente, aparece como um dos autores que primeiro enfrentaram, entre ns, as molduras da interseo entabulada entre inteligncia e direito ou, mais especificamente, entre inteligncia policial e persecuo penal, atentando em particular para o enquadramento terico dos meios e dos fins peculiares inteligncia e investigao criminais. Sobre a diferente destinao das atividades confrontadas, o autor parte de sua clebre analogia entre pesquisa cientfica, inteligncia e investigao para concluir:

As diferenas fundamentais so os critrios de aceitabilidade da verdade, os objetivos, os marcos tericos e as regras formais especficas de produo. Por exemplo, no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessria tomada de deciso judicial, enquanto, numa atividade de inteligncia destinada a um "processo poltico", o grau de aceitabilidade do carter de verdade de um fato o necessrio para uma deciso poltica.[71]

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Denilson Feitoza Pacheco sustenta, outrossim, a possibilidade jurdica do aproveitamento probatrio dos produtos da inteligncia dentro do universo da persecuo penal, desde que observados os condicionamentos legais aplicveis ao caso:

Essa possibilidade de utilizao decorre do princpio da liberdade probatria do processo penal. Tal aplicabilidade ocorre mais intensamente na fase de investigao criminal, tendo em vista sua finalidade de servir de base propositura de aes penais e s medidas cautelares pessoais (prises provisrias, busca-apreenso pessoal) e reais (seqestro, arresto, busca-apreenso de coisas etc.). [. . .] No processopenal propriamente

dito, a aplicabilidade menor, tendoem vista as normas probatriasmais limitativas como princpiodo contraditrio princpioda ampladefesaetc. , ,Ademais, a busca tem mais limitaes ticas que legais, enquanto ocorre o contrrio na investigao criminal, devido as limitaes legais formais impostas ltima. Entretanto, h um ncleo essencial, nos direitos fundamentais, que no pode ser atingido pela investigao criminal e tampouco pelas operaes de inteligncia.[72]

Identificando, tambm, o critrio distintivo das finalidades, o autor conclui nos seguintes termos:

Os servios de inteligncia, todavia, no tm como objetivo, geralmente, a coleta ou busca de provas processuais, mas a produo de um conhecimento que permita ao decisor de uma instituio tomar suas decises estratgicas. Ademais, em razo do segredo de certas matrias ou dos sigilos funcionais a que esto submetidos agentes de inteligncia, geralmente no possvel a utilizao dos elementos probatrios colhidos durante as atividades de inteligncia no mbito do direito processual penal, no porque no sejam reconhecidos pelo direito processual como elementos probatrios ou investigativos, mas por fora dos sigilos legalmente impostos aos agentes de inteligncia ou s matrias sigilosas.[73]

Marco Cepik no foi trazido ao painel comparativo porque no se ocupa propriamente da diferenciao entre inteligncia policial e investigao policial, mencionando apenas perfunctoriamente a dificuldade de delimitao da jurisdio das polcias e dos servios de inteligncia:

As culturas organizacionais, os mandatos legais e os objetivos da coleta e anlise de informaes so muito diferentes nesses dois tipos de organizaes estatais. Mesmo levando-se em conta que uma das matrizes organizacionais dos servios de inteligncia contemporneos foi o policiamento poltico voltado para a represso dos dissidentes, h pelo menos duas linhas de separao entre polcia e inteligncia que tm sido persistentes ao longo do tempo e em diferentes contextos nacionais: a) tipicamente, enquanto as investigaes criminais buscam elucidar a autoria de crimes e contravenes penais especficas, os alvos dos servios de inteligncia so atores e fenmenos mais abrangentes, os quais precisam ser conhecidos para que polticas pblicas mais eficazes possam ser desenhadas. O produto final de uma investigao criminal a instruo de um processo judicial, enquanto o produto de uma operao de inteligncia um relatrio sobre o conhecimento adquirido; b) grosso modo, polcia cuida de problemas "internos" do pas, enquanto inteligncia est mais voltada para o "exterior".[74]

Ao contextualizar essa "delimitao de jurisdies" na histria dos rgos de segurana norte-americanos, Marco Cepik toca o tema da inteligncia policial sugerindo entender que essa atividade se afina mais com a investigao policial do que com a inteligncia clssica:

Nos Estados Unidos, o National Security Act of 1947 as amended prev, na seo que trata das atribuies do DCI, que as responsabilidades da CIA (uma organizao diretamente subordinada ao DCI) envolvem a coleta de inteligncia de fontes humanas e atravs de outros meios, com a exceo de que a CIA no deve exercer quaisquer funes de polcia, de intimao judicial, de imposio da lei ou de segurana interna. [. . .] Essa restrio legal foi justificada pelos legisladores norte-americanos do imediato ps-II Guerra como necessria para evitar que a CIA se transformasse numa espcie de Gestapo nas mos de presidentes inescrupulosos. Mas ela tambm refletia o lobby do FBI contra o que era considerado uma violao de sua jurisdio. Afinal, desde pelo menos 1919, a polcia federal norte-americana tambm tinha uma diviso especializada em inteligncia e segurana (security intelligence) contra a espionagem internacional, a sabotagem, a "subverso comunista" e, mais tarde, voltada para a obteno e anlise de informaes sobre o crime organizado, terrorismo internacional e domstico, alm de organizaes clandestinas utilizando "violncia politicamente motivada" (PMV). Na prtica, nem a CIA acatou 100% a prescrio legal de no se envolver em operaes de inteligncia domstica, nem o FBI absteve-se 100% de ir ao estrangeiro e montar suas prprias redes de informaes sobre temas determinados pelo diretor. Alm de abusos de poder e extrapolao de mandatos, isso decorreu das dificuldades inerentes a uma separao entre as funes de inteligncia externa, inteligncia de segurana para fins internos, contra-inteligncia (em suas dimenses defensivas e ofensivas) e inteligncia policial, mais prxima da investigao criminal propriamente dita. Mesmo nos pases que procuram delimitar legalmente as jurisdies sobre essas reas, a complexidade atual do fenmeno criminal e o crescimento de ameaas transestatais ordem pblica e aos ordenamentos legais dos pases esto forando uma significativa reviso de fronteiras.[75]

O balano das consideraes desenvolvidas at aqui permite concluir que a investigao policial constitui uma atividade sujeita a limitaes mais rigorosas em funo da natureza dos direitos subjetivos que afeta. Sua instaurao deve pressupor a ocorrncia de uma infrao penal e sua

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finalidade retratar um estado probatrio, de modo que os procedimentos envidados nesse caminho devem, via de conseqncia, revestir-se de certo valor processual penal. A inteligncia policial, por outro lado, possui uma vocao mais ampla de prover subsdios de informao a respeito de qualquer matria que seu usurio entender relevante. Pode nascer, portanto, a partir de demandas variadas, e no carece, enfim, de pautar seus procedimentos em ditames mais rgidos, pois no lhe compete o mister de validar seus produtos perante a justia criminal. As distines referidas podem ser representadas na seguinte tabela: Atividade policial Pressupostos Meios Diligncias policiais Investigao Infrao penal (art. 6, CPP) Demanda Inteligncia informacional 3.4 Especificidade funcional Examinados, suficientemente, os critrios distintivos das atividades de investigao e inteligncia no contexto policial, foroso concluir que ambas devem ser objeto de processos autnomos de institucionalizao capazes de maximizar os potenciais de cada qual. Negligenciar a especificidade que caracteriza cada uma dessas prticas de segurana pblica, significa, talvez, ficar com o pior dos dois mundos. Para Richard Wright: Ciclo de inteligncia Processos decisrios de segurana pblica Processo penal Fins

The criminal intelligence function is a separate and distinct activity that requires special consideration when positioning it within an agencys organizational structure. [. . .] Intelligence differs considerably from investigations, and it is important to understand why these legitimate law enforcement functions must be treated differently.[76]

Marco Cepik tambm adverte contra a tentao de prodigalizar os usos da inteligncia, neste caso, inteligncia de Estado:

Nem todos os problemas nacionais e internacionais possivelmente relevantes para um governo so adequadamente tratados por servios de inteligncia. Mesmo que a lista de temas sobre os quais as agncias precisam informar seus usurios seja crescente, indo desde aspectos culturais de outras sociedades at detalhes sobre tecnologias de uso dual, novos itens deveriam ser incorporados agenda de trabalho das agncias de inteligncia somente quando estas tivessem condies de "agregar valor" em reas que no so de sua especialidade, mas nas quais suas fontes e mtodos fossem julgados necessrios pelos usurios civis e militares. Enfim, quanto mais ostensivas (pblicas) as fontes de informao, quanto menos conflitivos os temas e situaes, menos as anlises de inteligncia tm a contribuir para o processo de tomada de deciso governamental.[77]

As vantagens da utilizao comedida e teleologicamente predisposta da inteligncia policial so enfatizadas tambm por Frederick T. Martens:

As we enter yet another millennium, we face a world that is no longer constrained by geography nor time. Eletronic media are changing the very nature of crime and crime control. Intelligence systems are essential to maintaining some sort of "knowledge" that can aid law enforcement in containing the growth of crime. We must use our resources in more creative and intelligent ways if we are to maintain the delicate balance between crime control and personal liberty and freedom. To accomplish this, we must understand and carefully constrict our use of intelligence to those threats that poses the greatest harm to our domestic tranquility and allow the tradicional, reactive law enforcement methodologies to address the routine forms of crime. It is through understanding the mistakes of the past that we can avoid corrupting the intelligence process and diminishing its value in maintaining a free and open society in the future.[78]

A par de se impor no plano funcional, a especializao da atividade de inteligncia policial deve desdobrar-se, tambm, na estrutura organizacional da instituio, sendo cometida a unidades especializadas. Isso porque a inteligncia policial reclama um cabedal de competncias sensivelmente distinto daquele disponvel entre os policiais versados nas artes da investigao policial propriamente dita. No vai a, contudo, qualquer juzo depreciativo dos atributos profissionais de uma ou outra atividade, at porque pressupor que nenhum investigador policial est altura da inteligncia seria to insensato quanto pressupor que qualquer investigador possa desempenh-la a contento. As especificidades que distinguem as atividades policiais da inteligncia e da investigao aconselham, por conseguinte, diferentes padres de recrutamento.

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o que advoga Ian Wells em vrios excertos do captulo que lhe cabe na obra "Intelligence 2000", verdadeira bblia da inteligncia policial:

The trained intelligenceofficer who seeks only the rapid arrest shouldbe avoided This type os intelligenceofficer while often very effective . , in other areas, is unlikelyto be able to work well in a world where a complexinvestigationmight go on for months and where the ultimatearrestis the responsabilityof anotherunit.There are characteristics of intelligence work which creates difficulties for the management of intelligence staff. First of all is the circumstance that, unlike most law enforcement personnel, intelligence professionals rarely enjoy concrete triumphs in the conduct of their duties. A vice squad officer may antecipate personally arresting individuals and subsequently testifying in the proceedings that may remove them temporarily from society. A patrolman may, by quick thinking and an evenhanded approach to a street brawl, head off a dangerous conflagration; or a district attorney may see his name in newspaper headlines the day after a major criminal figure is prosecuted and is found guilty of conspiracy charges. None of these situations apply for the intelligence professional; yet, the intelligence professional may have contributed to the outcome. [. . .] Intelligence is often an anonymous business, and it certainly is a business where success is difficult to measure statistically by headlines or by the awarding of medals of valor.[79]

No difcil perceber a infinidade de danos germinveis a partir de uma miscigenao desavisada entre atividades de inteligncia policial e investigao policial. Pretender que os servios de inteligncia policial, por exemplo, reprogramem seus expedientes operacionais e analticos para agregar valor probatrio aos seus produtos implica lhes privar da versatilidade que confere inteligncia o poder de chegar a resultados inacessveis para a investigao. Considere-se, ainda, que os mesmos dados tachados de decisivos para o destinatrio da inteligncia policial podem ser inservveis sob o prisma da investigao, com um agravante: sua introduo no inqurito policial, alm de estril, pode expor o flanco policial a toda sorte de questionamento, principalmente se se considerar a fora mitigada que o sigilo tem nessa sede[80]

. Por outro lado, sempre que se cuidar de

situao capaz de tangenciar direitos fundamentais, ocioso ser o recurso inteligncia policial seno como iniciativa precursora e preparatria , sendo prefervel recorrer, desde logo, aos instrumentos da investigao policial, com sua inerente aptido probatria. Como os ramos da inteligncia policial e da investigao policial no so estanques havendo, de acordo com o que se afirmou acima, diversas superfcies de contato , o encaminhamento de uma demanda concreta a uma ou outra atividade acaba sendo objeto de deliberao do usurio. Essa deliberao, porm, ser tanto melhor quanto mais se basear nas especificidades de cada qual.

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Notas 1. GLASSNER, Barry. Cultura do medo. So Paulo: Francis, 2003. 2. Cf. BUCCI, Eugnio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televiso. So Paulo: Boitempo, 2004. 3. O autor reconhece, em todo caso, que a violncia sempre fascinou as pessoas, mesmo antes do advento da televiso. 4. ROLIM, Marcos. A sndrome da rainha vermelha: policiamento e segurana pblica no sculo XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 197. 5. ROLIM, Marcos. A sndrome da rainha vermelha