concubinato adulterino_ uma entidade familiar a ser reconhecida pelo estado brasileiro - revista jus...

Upload: luis-villander

Post on 23-Feb-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    1/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 1/32

    Concubinato adulterino:uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro

    http://jus.com.br/artigos/9624Publicado em 03/2007

    Anderson Lopes Gomes (http://jus.com.br/948630-anderson-lopes-gomes/artigos)

    O chamado concubinato adulterino, que compreende tambm os casos em que ao menos um dos

    participantes mantm unio estvel, no raro produz injustias em face de uma das partes invariavelmente, a

    concubina.

    "O distanciamento dos parmetros comportamentais majoritrios ou socialmente aceitveis no pode ser fonte geradora de

    favorecimentos. No ver fatos que esto diante dos olhos manter a imagem da Justia cega. Condenar invisibilidade situaesexistentes produzir irresponsabilidades: olvidar que a tica condiciona todo o Direito e, principalmente, o Direito de Famlia" (Maria

    Berenice DIAS, 2004:32).

    RESUMO

    A verificao, no meio social, de formaes familiares simultneas, em que geralmente o homem casado, ao tempo em que mantm

    convivncia conjugal com sua esposa, enlaa tambm uma outra mulher, a concubina, requer do direito uma ateno e um melhor estudo

    de suas relaes. O chamado concubinato adulterino, que compreende tambm os casos em que ao menos um dos participantes mantm

    unio estvel, no raro produz injustias em face de uma das partes invariavelmente, a concubina. Esta, ao fim do relacionamento

    amoroso, quando muito, recebe parte do patrimnio adquirido em comum esforo, isso se contribuiu efetivamente para sua aquisio. De

    outra forma, percebe uma indenizao pelos servios prestados ao homem. Essas so as tradicionais respostas dos tribunais brasileiros

    para evitar-se uma situao odiosa de enriquecimento ilcito, j que, segundo eles, a relao amorosa a verificada no de cunho familiar,

    mas social uma sociedade de fato. Tudo isso em virtude do esquecimento jurdico a que o concubinato adulterino sempre foi relegado

    ou mesmo pelo falso moralismo arraigado na sociedade que impede a apreenso pelo direito desse fenmeno. A despeito disso, partindo

    da compreenso de famlia como formao humana em que reinam a afetividade, a publicidade e a estabilidade; e tendo em vista que a

    Constituio Federal de 1988, em seu art. 226, caput, no repetiu, como fizeram suas precedentes, a norma geral de excluso de outras

    tramas familiares que no a decorrente do casamento, instaurando um novo horizonte para o direito de famlia com o princpio da

    pluralidade familiar; este trabalho vem demonstrar que o concubinato adulterino uma entidade familiar passvel de proteo estatal. Ora,

    no cabe ao Estado determinar qual espcie familiar merece seu selo de legitimidade. Cabe-lhe, de outra maneira, proteger o bero em

    que se cria o ser humano, seja qual for o escolhido por ele, sob pena de desobedincia ao macroprincpio da dignidade da pessoa

    humana, que impede o tratamento preconceituoso e desigual do membro da famlia de concubinos. Nessa esteira, o princpio damonogamia sofreu uma relativizao com o intuito de expurgar do direito o tratamento excludente dado ao concubinato adulterino, devendo

    o Estado brasileiro tambm dispensar-lhe uma proteo especial. Atualmente, algumas vozes j tm se manifestado de forma positiva

    quanto ao problema, tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, mormente, no direito previdencirio. No entanto, mais discusses so

    necessrias para que sejam esclarecidos os exatos limites da proteo estatal ao concubinato adulterino olhos postos nos princpios

    constitucionais da famlia. Longe de emitir idias hermticas sobre o tema, nessa direo que caminha este trabalho.

    Palavras-chave: Famlia. Afetividade. Pluralidade. Dignidade. Concubinato. Adulterino. Proteo. Estado.

    1 INTRODUO

    A famlia sempre foi vista como base da sociedade. Por isso, o Estado a manteve continuamente sob seu controle, amoldando-a deacordo com seus prprios interesses. A posio estatal reinante at pouco tempo atrs era de reconhecer como nica forma de

    constituio familiar o casamento, mais especificamente, o casamento indissolvel, em que o homem gozava de posio hierrquica

    privilegiada em face da esposa e dos filhos. A transpessoalidade era o prisma de proteo da famlia, cujo objetivo era a preservao e

    transmisso do patrimnio descendncia.

    Jus Navigandi

    http://jus.com.br

    http://jus.com.br/948630-anderson-lopes-gomes/artigos
  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    2/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 2/32

    A despeito disso, as tramas familiares que no o casamento sempre existiram. Geralmente, aconteciam na surdina, pois a situao

    revelava um estado de perverso moral. A sano para aqueles que tinham suas relaes expostas sociedade era o estigma e a

    excluso.

    O Cdigo Civil de 1916 demonstra bem a situao acima descrita. Tudo aquilo que no se enquadrasse no modelo da famlia

    patriarcal fruto do casamento indissolvel era excludo da proteo legal, pois representava uma negao prpria famlia.

    Contudo, as mudanas desencadeadas pelas revolues feminina e sexual, que no Brasil remontam dcada de 60, mudaram

    profundamente as relaes familiares. A descoberta pela mulher da independncia em relao ao homem levou a sociedade a questionar a

    indissolubilidade do casamento. Por outro lado, o advento do divrcio fez com que o objetivo familiar passasse da manuteno dopatrimnio para o afeto.

    Nesse nterim, vrias formaes familiares se verificaram. Alm do casamento, j podamos encontrar o concubinato, que dividia-se

    em puro e impuro. O puro era aquele em que os participantes no tinham impedimento para casar, enquanto que o impuro era o contrrio.

    A proteo estatal de ento direcionava-se principalmente ao concubinato puro, com a aplicao da smula 380 do Supremo

    Tribunal Federal, segundo a qual "Comprovada a existncia de sociedade de fato entre os concubinos cabvel a sua dissoluo judicial

    com a partilha do patrimnio adquirido pelo esforo comum". Com os anos, essa proteo ao concubinato puro se ampliou, o que lhe

    conferiu um statusde casamento informal ou de fato.

    Por sua vez, o concubinato impuro, tambm chamado de adulterino, era a relao afetiva, duradoura e pblica entre homem e

    mulher, na qual uma das partes estava casada, configurando-se a existncia de famlias simultneas. Nesses casos, a proteo do Estadoera mnima, fazendo-se com que surgissem muitos episdios injustos de enriquecimento ilcito. No raro, a concubina saa da relao em

    situao de penria, tendo em vista que o concubino casado arrebanhava todo o patrimnio a construdo.

    A Constituio Federal de 1988, rompendo esse perodo de clausura conceitual de famlia, trouxe o princpio da pluralidade

    familiar, reconhecendo expressamente, alm do casamento, as famlias decorrentes da unio estvel (conhecida antes por concubinato

    puro) e as famlias monoparentais, formada por um dos pais e os filhos. Em verdade, a carta poltica vigente fez meno geral famlia,

    mostrando, ao contrrio de suas antecessoras, no ter qualquer preconceito com relao ao formato das entidades familiares. Alm disso,

    o foco da proteo estatal famlia passou a ser o ser humano que nela vive por sua dignidade que o Estado deve proteger famlia.

    Ocorre que os doutrinadores, jurisprudentes e legisladores, mesmo aps a mudana paradigmtica das relaes familiares falada,

    mantiveram-se travados em nome de um tradicionalismo, demorando muito por reconhecer a unio estvel.

    Se assim foi com uma entidade expressamente reconhecida, imaginemos como foi com as famlias no expressas na Lei Maior,

    como o caso do concubinato adulterino.

    A apreenso jurdica do fenmeno do concubinato adulterino, hodiernamente, no condiz com a realidade. O que nos leva a

    concluir que o Estado resiste em conceder efeitos jurdicos a entidades familiares que no o casamento. Indevidamente, pois a sociedade

    que deve dar o tom da ordem jurdica e no o contrrio.

    Assim que nesse estudo, demonstraremos que o concubinato adulterino, to logo preencha os requisitos da publicidade, da

    afetividade e da durabilidade, comuns a todas as famlias, deve ser reconhecido como entidade familiar. Como conseqncia, o Estado

    brasileiro deve cominar-lhe direitos, conquanto limitados.

    Pelos captulos que se seguem traaremos a origem, a evoluo, as formas histricas e o conceito de famlia, bem como suanatureza jurdica. Partindo da, localizaremos a famlia dentro da interpretao constitucional correta, qual seja, a da famlia plural, sem

    modelos pr-definidos. O passo seguinte apresentar a ambincia atual que rodeia o concubinato adulterino e seu conceito. Por fim,

    demonstraremos que o concubinato se encaixa no conceito de famlia, merecendo proteo especial do Estado. Nesse ponto,

    apresentaremos alguns precedentes jurisprudenciais que denunciam uma mudana lenta no quadro.

    Longe de querermos esgotar o assunto ou impormos soluo para o caso, o que pretendemos trazer o tema para discusso com

    vistas evoluo. uma realidade sociolgica a que o direito poder atribuir eficcia. Sem dvidas. Comporta, no mnimo, debate no

    mbito acadmico. isso que queremos.

    2 DA INSTITUIO FAMLIA

    Assumindo qualquer nome, entidade natural, pessoa moral, organismo social, organismo familiar etc., o certo que a famlia a

    base slida e fundamental de qualquer sociedade e, por extenso, Estado j que este a sociedade politicamente organizada que se

    prezem. A partir dela que o indivduo adquire as principais lies e se insere no tecido social. Natural, ento, que devamos proteg-la,

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    3/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 3/32

    sob pena de se instaurar o imprio da desordem e da anarquia. Ccero, citado por Washington de Barros MONTEIRO (2004:1), escreveu

    que, "... onde e quando a famlia se mostrou forte, a floresceu o Estado; onde e quando se revelou frgil, a comeou a decadncia geral".

    A importncia da famlia foi constatada h muito tempo. E pelos anos, ela passou por vrias mutaes/fases para se adequar

    melhor aos anseios de cada perodo histrico, ora sendo ressaltado certo fator tronco ancestral comum, religio, moral, costume,

    patrimonial-econmico etc. , ora outro. Particularmente, o pensamento moderno acena para uma famlia movida principalmente pelo

    vnculo scio-afetivo e pela melhor proteo de seus membros. a insero, como alguns dizem, do amor como elemento fundante do

    organismo familiar de nossos tempos, que passa a ser visto pelo prisma dos direitos humanos e do respeito dignidade da pessoa

    humana. Por via de conseqncia, como veremos no decorrer deste trabalho, vrios so os arranjos atuais de famlia (captulo 3).

    Discute-se, nos dias de hoje, a crise da famlia. E com grande preocupao! Porm, o que est acontecendo, diferente do

    reducionismo de perda dos valores morais, que novas formaes familiares esto surgindo e pedindo sua assimilao pela sociedade

    civil e pelo Estado. Ocorre que essa assimilao no est acompanhando a velocidade das mudanas. O que uma pena, pois esse

    desajuste contribui para a dita "crise". Nas palavras de Rodrigo da Cunha PEREIRA (2000:26),

    certo que a famlia hoje est muito diferente daquela do incio do sculo passado. Estamos vivendo um processo histrico

    importante de transformao, em que a quebra da ideologia patriarcal impulsionada pela revoluo feminista so os elementos

    determinantes. Mas no se pode falar em desagregao. irrefutvel a premissa de que a famlia , foi e ser sempre a clula bsica da

    sociedade. a partir da que se torna possvel estabelecer todas as outras relaes sociais, inclusive os ordenamentos jurdicos .

    Nos itens que seguem abaixo, tentaremos demonstrar de forma bem simples e objetiva, o que famlia, abordando desde sua

    origem at sua natureza jurdica.

    2.1 ORIGEM

    O problema da origem da famlia foi enfrentado por diversos estudiosos. Em suas pesquisas, eles formularam teorias contraditrias

    de tal forma que alaram a questo condio semelhante aos da origem do mundo, da civilizao e do prprio homem. Isso se explica,

    talvez, porque

    Quem rastreia a famlia em investigao sociolgica encontra referncias vrias a estgios primitivos em que mais atua a fora da

    imaginao do que a comprovao ftica; mais prevalece a generalizao de ocorrncias particulares do que a induo de fenmenos

    sociais e polticos de franca aceitabilidade (Caio Mrio da Silva PEREIRA, 2005:24).

    Com efeito, trs teorias principais procuram explicar a origem da famlia: da monogamia originria, da promiscuidade primitiva e das

    unies transitrias.

    A teoria da monogamia originria, doutrina desenvolvida principalmente por etnlogos e zologos como H. E. Ziegler, prega a

    existncia de "dados psicolgicos irresistveis" como elementos instintivos inerentes espcie humana, que empurram a unio entre

    homem e mulher ou entre pais e filhos. Contudo, esquecem esses tericos que faz parte da psicologia humana o desejo tambm

    irresistvel de variar, de novidade. Segundo Pontes de MIRANDA (2001:63),

    Nem mesmo se pode saber, ao certo, em que data apareceram tais fatos mentais, que H. E. Ziegler considera, ab initio,

    consubstanciais natureza humana. Esse mtodo falsssimo. "... Ziegler, partindo do amor filial, desgarrou de sua posio de naturalista

    e cometeu o erro de concluir do amor paterno encontrado na Histria a existncia primitiva da monogamia, em vez de admitir, como fora

    mais lgico, que com a monogamia nasceram o amor filial e a afeio conjugal que dura toda a vida". [...] Se algum dado psicolgico

    haveria de ser estudado para se investigar o elemento dinmico, interior, das formas monogmicas, seria o sexual, e no o parental.

    A segunda teoria, a da promiscuidade primitiva, musa entre os socilogos Spencer e Durkheim, fala que o estado elementar

    correspondia a um perodo em que homens se relacionavam com as mulheres, independentemente da forma, surgindo da os primeiros

    traos da poligamia. Encontra guarida na correlao com o surgimento do matriarcado, pois, na fala de Slvio de Salvo VENOSA (2003:17),

    da promiscuidade (estado de anomia ou ausncia de regras) "... decorria que sempre a me era conhecida, mas se desconhecia o pai, o

    que permite afirmar que a famlia teve de incio um carter matriarcal, porque a criana ficava sempre junta me, que a alimentava e a

    educava". Mas como assim pensar se "... dado sociolgico que a mulher, na histria, quando dela depende a fixao das formas, prefere

    a monogamia... (Pontes de MIRANDA, 2001:65). Alm do mais, "... aceitar como certa a existncia de um tipo de famlia preenchendo todo

    um perodo evolutivo, no qual mulher estaria reservada a direo do lar, parece pouco provvel" (Caio Mrio da Silva PEREIRA,2005:25).

    A teoria das unies transitrias sugere que as relaes originais entre homem e mulher se devem procriao. Aps o nascimento

    do filho, eles permaneciam juntos por algum tempo, a exemplo de certas espcies de animais. Em verdade, essa teoria parece ser um misto

    das outras. Por via de conseqncia, as crticas feitas anteriormente servem para esta corrente que, ainda, encontra oposio na

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    4/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 4/32

    existncia tambm de certos grupos de animais em que o casal continua unido mesmo aps a procriao e o afastamento da prole.

    Podemos dizer que a teoria da promiscuidade primitiva encontrou mais defensores entre os cientistas sociais, entre eles, Friedrich

    Engels em seu livro A or igem da famlia, da propriedade privada e do Estado, e Robert Lowe, que escreveu sobre a famlia nas culturas

    pr-letradas na obra Tratado da sociedade primitiva. Porm, no nos filiaremos a uma ou outra teoria, sob pena de incorrermos em grave

    erro. Ora, se verdade que as famlias primitivas se formaram a partir de uma atrao natural entre os sexos, essa afirmao no nos

    autoriza concluir que se deu atravs de unies transitrias, promiscuidade ou monogamia.

    2.2 EVOLUO

    O assentamento da famlia na histria humana e sua evoluo pressupem a adaptao do homem aos meios sociais. E segundo

    Pontes de MIRANDA (2001:47), sete so os principais processos adaptativos: o religioso, o moral, o esttico, o gnoseolgico

    (conhecimento), o jurdico, o poltico e o econmico. Continua o mestre afirmando que, de acordo com o processo, a sociedade ser mais

    ou menos estvel. A relao a seguinte: proeminente a religio, mais estvel; o econmico, mais instvel; o gnoseolgico, aproxima-se do

    equilbrio. Giselda Hironaka, citada por Tiago de Almeida QUADROS (2004), acrescenta o processo instintivo, representado pela energia

    sexual do ser humano.

    Uma vez adaptado ao meio, o ser humano tende interao, que acontece dentro de crculos sociais. Dependendo do perodo

    histrico-cultural, esses crculos sociais tinham uma conformao diferente, representando estgios evolucionrios da famlia.

    Inicialmente, tnhamos o crculo dos cls, formado em torno de um mesmo totem, o que conduzia relao de parentesco entre os

    indivduos. Pinto FERREIRA (1995:341), citando Durkheim, "... define o totemcomo o ser animado ou inanimado, via de regra um animal ouvegetal, que serve de emblema a um grupo, reputado como um ancestral comum desses grupos e mesmo adorado como um deus". O cl

    era a sociedade sem um espao territorial definido, caracterstica que no determinava a perda de sua individualidade.

    "Com o comeo de incluso do fator geogrfico espacial, d-se a evoluo interna do cl, com a apario do fato social de

    transmisso masculina do tteme" (Pontes de MIRANDA, 2001:53). O cl principal passou a segmentar-se em cls secundrios formando

    algo maior, mas com mesma origem, a fratria. Os membros da mesma fratria no poderiam relacionar-se entre si, pois pertenciam a um

    mesmo culto religioso que lhes conferia o parentesco familiar.

    As tribos se formaram num passo frente com o desenvolvimento da agropecuria. Elas eram exatamente a unio das fratrias, que

    aos poucos foram se estabelecendo definitivamente em determinado territrio. Com essa sedentarizao, o territrio ganhou grande

    importncia, tendo a soberania passado de conceito mstico para territorial. Dessa sedentarizao, ainda, veio tambm a necessidade de

    criarem-se mecanismos de garantia da passagem da propriedade territorial para as geraes seguintes, dando-se azo ao aparecimentodas relaes de parentescos conforme a linhagem materna ou paterna.

    Nesse particular, impende falarmos das teorias sobre a evoluo da famlia. De um lado, temos a escola evolucionista, que se

    resume na passagem de quatro fases: a promiscuidade inicial (poligamia), o matriarcado, o patriarcado e a monogamia. Segundo essa

    escola, a famlia, inicialmente, foi fruto de um estado de ausncia de regras (anomia) prprio da promiscuidade, surgindo da o

    matriarcado, em face da criao materna exclusiva dos filhos pois nesse perodo, como disse Slvio de Salvo VENOSA (2003:17), em

    regra desconhecia-se a figura do pai. A seguir, veio o patriarcado. Caio Mrio da Silva PEREIRA (2005:24-25), analisando essa corrente,

    como j citamos, aponta como pouco provvel a existncia anterior de um matriarcado como estgio obrigatrio da famlia. O que certo,

    no sentir do autor, a existncia do patriarcado, que conta com a presena de registros histricos, entre os quais, o monumento histrico

    A cidade antiga, de Fustel de Coulanges, em que consta que na Roma Antiga a famlia se formava em torno do culto religioso aos

    antepassados do homem. Por fim, como representao de maior evoluo familiar, chega-se monogamia, que traz como benesses a

    melhor criao da prole e o fator econmico de produo.

    Do outro lado est a escola ciclo-cultural, com as seguintes fases: monogamia, com direitos e deveres relativamente iguais entre

    homem e mulher; o matriarcado, a partir do aparecimento das primeiras civilizaes, onde a famlia assumiu a forma clnica, passando-se

    ao patriarcado, por causa dos pastores nmades; numa terceira etapa surgem os povos mistos: os criadores-agricultores, que variavam

    entre o matriarcado e o patriarcado; e os criadores-caadores, inclinados poligamia. Por ltimo, com o surgimento das "civilizaes

    tercirias", estabeleceu-se a monogamia baseada no casamento indissolvel, partindo-se da para o estgio mais moderno do divrcio.

    Em que pese tal embate entre as escolas, o que podemos inferir que a estabilidade familiar se fez a partir da noo de

    monogamia como fruto de um casamento indissolvel, inicialmente, de cunho religioso, que perdurou at o sculo do XVIII sob a inspirao

    do direito cannico. ("A vontade do pai lei.") Pinto FERREIRA (2001:349) nos conta que os dogmas da Igreja Catlica foram bastante

    influentes na famlia da Idade Mdia. Seno, vejamos:

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    5/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 5/32

    A influncia do cristianismo foi benfica e persuasiva na reestruturao da famlia europia medieval, sobretudo porque considerava

    o matrimnio como uma instituio sagrada, vendo com simpatia a posio da mulher na sociedade conjugal, eliminando a velha

    caracterizao do mundo antigo, o statusfeminino conseguindo de feito uma posio de relevo. [...] Naturalmente a famlia medieval ainda

    possua um vivo sentido patriarcalista, porm se evitando a poligamia prpria dos hebreus, gregos e romanos, e se vendando outrossim o

    divrcio como uma inst ituio to caracterstica da sociedade antiga.

    Com a Revoluo Industrial e o capitalismo, a famlia se transforma no seio onde se desenvolvem os valores do indivduo,

    ressaltando-se a procriao como principal finalidade do casamento. A partir da, mais exatamente no sculo XIX, o Estado passou a

    regulamentar o casamento, que deixou de ter somente um cunho religioso.

    Modernamente, a famlia adquiriu novos contornos, mormente, aps a revoluo feminista e sexual do sculo passado que trouxe

    como conseqncias o reconhecimento pelo Estado da igualdade entre o homem e a mulher, bem como a possibilidade de dissoluo do

    vnculo conjugal, dando ensejo ao nascimento de novas formaes familiares. Assim que, atualmente, presente est o sentido plural de

    famlia, que veremos mais frente no captulo 3.

    2.3 FORMAS

    O que podemos entender como forma de famlia? A resposta, vlida ainda hoje, quem nos traz o grande jurista Pontes de

    MIRANDA (2001:61), em seu livro Tratado de Direito de Famlia:

    Chama-se forma de famlia o critrio pelo qual se estabelecem as relaes entre os cnjuges e entre esses e os filhos. Aestruturao familial ou concerne a laos sexuais denominados pelos lgicos "um-um", "um-dois (ou mais)", "dois (ou mais) um", "dois (ou

    mais) dois (ou mais)", ou a laos de relao parentais "pai-filhos", "me-filhos", "pai e me-filhos".

    Tal qual seu conceito, as formas de famlia variaram durante sua evoluo atravs da histria.

    Verificamos, com base na escola evolucionista acima citada, que parte do pressuposto de um estado de promiscuidade absoluta na

    evoluo humana, a poligamia. Esta pode ser entendida como sendo a unio conjugal entre uma mulher e dois ou mais homens (poliginia,

    monandria ou polignecia) ou um homem e duas ou mais mulheres (poliandria). Aquela mais rara de acontecer do que esta, a exemplo dos

    povos muulmanos. A poligamia se deu principalmente em lugares em que havia escassez dos homens ou das mulheres. Contudo, nos

    dias de hoje, no comum esta forma de famlia em face da disseminao da monogamia.

    A monogamia a unio conjugal entre um homem e uma mulher. Tida por socilogos e bilogos como a mais vantajosa, tendo emvista que representa a culminncia da evoluo amorosa e sentimental, permitindo uma melhor criao da prole e uma estabilidade do

    grupo social, alm de estar respaldada pelo Cristianismo. H quem acredite, como Westermack, citado por Pinto FERREIRA (1995:344),

    num instinto monogmico do homem.

    Pontes de MIRANDA (2001:61) afirma que "A poliginia. .. tida pelos antropologistas e socilogos como anterior monogamia, ao

    passo que a poliandria existitu por determinadas e excepcionais circunstncias depois da monogamia...". Porm, segundo ele, "Tudo isso

    , em verdade, assaz inseguro, porquanto no se provou que haja perodo polindrico na sucesso das formas de famlia...".

    Autores como Cunow, Ogburn e Ninkoff defendem que, onde houve abundncia econmica, preferiu-se a poligamia; seno, a

    monogamia. Vale ressaltar que a famlia monogmica se firmou, principalmente, por questes econmicas, pois esse formato permitiu uma

    maior segurana na administrao e transmisso do patrimnio familiar aos descendentes. Nesse particular, Pontes de MIRANDA (2001:61-

    62) escreve que h uma discrepncia extraordinria da repercusso psicolgica do poder econmico para o homem e para a mulher:

    ... onde quer que se encontre oatlier familial entregue mulher (preponderncia feminina na produo dos meios de vida), vemos

    que a mulher impe a monogamia, em vez de querer a poliandria, ou a promiscuidade; ao passo que, nos momentos de poder econmico

    ou capitalismo nas mos do varo, aparece a prostituio ou a poligamia.

    Um dos pilares que firmaram a monogamia na cena ocidental foi o casamento, sendo comum em passado no to distante

    apresent-lo como sinnimo da famlia. Caracteriza-se como a unio social de pessoas de sexo oposto reconhecida, a priori, pela religio,

    da qual herana, e, aps, pelo direito civil. Com o casamento monogmico, houve largo perodo de proibio das relaes marginais, ou

    seja, dos relacionamentos extraconjugais que, a despeito disso, sempre existiram. A evoluo das relaes familiares, no entanto, fez

    com que muitos pases do mundo ocidental passassem a reconhecer tambm a unio estvel e informal entre pessoas de sexos diferentes,desde que respeitados os parmetros do sistema monogmico.

    Dentro dessa idia de casamento, podemos localizar as famlias endogmicas e as exogmicas. Aquelas nascem de um casamento

    em que seus membros fazem parte do mesmo meio social, da mesma classe ou casta. o caso da vedao do casamento dos monarcas

    com plebeus. As exogmicas, que na fala de Slvio de Salvo VENOSA (2003:17) aconteceram aps a endogamia em virtude das guerras,

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    6/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 6/32

    carncia de mulheres e inclinao natural, dizem respeito aos casamentos feitos fora do meio social domstico. Por exemplo, os

    relacionamentos entre os participantes de cls diferentes nas sociedades primitivas.

    E quando falamos em relaes de dependncia, parentesco e autoridade, damos azo a outras formas histricas: as decorrentes do

    patriarcado, em que a famlia centrava-se na figura do pai; as do matriarcado, de acordo com a linhagem materna; e da mista, que o que

    acontece hoje no Brasil, em que homem e mulher tm direitos e deveres iguais.

    Por ltimo, no esqueamos de falar de fenmeno relativamente recente em nossa ordem jurdica, consolidado pelo Estatuto da

    Criana e do Adolescente no incio da dcada de 90: a famlia substituta. Para o Estado, importante que os menores desenvolvam

    plenamente sua personalidade dentro do seio familiar, de preferncia o natural ou biolgico. Ocorre que nem sempre isso possvel, poruma srie de motivos, entre os quais, a morte dos pais biolgicos e a inidoneidade moral, econmica e/ou afetiva dos mesmos para criao

    da prole. Assim que, para remediar essa situao, as crianas e os adolescentes so colocados em famlias substitutas mediante os

    institutos da guarda, da tutela e da adoo. Na verdade, no estamos exatamente diante de uma nova forma familiar, pois, como veremos a

    seguir, a famlia atual no se constitui pelo vnculo sangneo, mas pelo scio-afetivo.

    2.4 CONCEITO

    A famlia teve conceitos diversos pela histria da humanidade. "Entre os organismos sociais e jurdicos, o conceito, a compreenso

    e a extenso de famlia so os que mais se alteraram no curso dos tempos" (Slvio de Salvo VENOSA, 2003:17). No direito romano, por

    exemplo, poderia compreender o pai, a me e os filhos, ou todos os parentes. Algumas vezes, poderia significar a reunio de pessoas sob

    a batuta do ptrio poder ou mesmo o conjunto do patrimnio ou escravos pertencentes ao senhor.

    Pinto FERREIRA (2001:339), citando Cooley, diz que "... a famlia um grupo social pr imrio, onde se travam relaes face-to-face,

    exercendo uma grande influncia sobre a modelao da personalidade". Sombart, tambm citado por Pinto FERREIRA (2001:339), diz que

    "A famlia a pluralidade de geraes integradas em uma s comunidade domstica e qual eventualmente se associam pessoas

    estranhas".

    Influenciada pela Igreja Catlica durante a Idade Mdia, a famlia ficou conhecida eminentemente como sendo a unidade social

    decorrente dos laos do casamento legtimo e indissolvel conjuntamente com sua filiao. Slvio de Salvo VENOSA (2003:19), a propsito

    do assunto, fala que a famlia sempre foi a clula bsica da Igreja Catlica, tal qual fosse uma miniatura sua, com local para culto e

    hierarquia.

    O clebre jurista Clvis Bevilqua, citado por Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004a:5), conceituou a famlia como sendo

    ... o conjunto de pessoas ligadas pelo vnculo da consanginidade, cuja eficcia se estende ora mais larga, ora mais restritamente,

    segundo as vrias legislaes. Outras vezes, porm, designam-se por famlia somente os cnjuges e a respectiva prognie.

    A Declarao Universal dos Direitos do Homem, em seu art. XVI, 3, reza que "A famlia o ncleo natural e fundamental da

    sociedade e tem direito proteo da sociedade e do Estado". Comungando de quase idntica prescrio, a Conveno Americana sobre

    os Direitos Humanos, no seu art. 17, traa que "A famlia o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela

    sociedade e pelo Estado".

    Atualmente, a famlia vista principalmente sob o ponto de vista restrito, compreendendo, em regra, o pai, a me e os filhos.

    Contudo, estamos evoluindo para uma conceituao mais simples e receptiva, de modo a instituir o respeito dignidade da pessoa

    humana e a abarcar um maior nmero de formaes familiares.

    Em nosso ordenamento jurdico, por exemplo, j se fala h algum tempo em famlia scio-afetiva em oposio viso da famlia

    como conseqncia de uma relao de consanginidade, como definia Bevilqua. Queremos dizer que, hodiernamente, a afetividade, mais

    do que a biologia, rege o vnculo familiar. E a afetividade uma das trs caractersticas comuns a todos os tipos de famlia conhecidos,

    perceptveis nos vrios estgios da histria. Paulo Luiz Netto LBO (2002) as enumera:

    a) afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com desconsiderao do mvel econmico; b) estabilidade, excluindo-se

    os relacionamentos casuais, episdicos ou descomprometidos, sem comunho de vida; c) ostensibilidade, o que pressupe uma unidade

    familiar que se apresenta ass im publicamente.

    Podemos dizer que a famlia atual deixou de ter no elemento sexual consistente na funo de procriao e/ou no econmico a

    fundamentao principal para sua constituio. No que tenha perdido essas funes. Em verdade, elas deixaram de ser causas para se

    transformarem em conseqncias, ou no, da afetividade. As outras funes de transmisso cultural e formao da personalidade

    continuam plenamente presentes. Maria Berenice Dias, citada por Tiago de Almeida QUADROS (2004), diz que

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    7/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 7/32

    A nenhuma espcie de vnculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o statusde famlia, merecedora da proteo

    do Estado, pois a Constituio Federal, no inc. III do art. 1, consagra, em norma ptrea, o respeito dignidade da pessoa humana.

    Em mesmo sentido, Paulo Luiz Netto LBO (2002), ao concluir que "... onde houver uma relao ou comunidade unidas por laos

    de afetividade, sendo estes suas causas originria e final, haver famlia".

    No podemos olvidar da manifestao de Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004a), em seu livro Concubinato e unio estvel,

    merecedora de destaque. Segundo o autor, a famlia decorre de uma estruturao psquica, onde cada membro ocupa um lugar: do pai, da

    me, do filho etc., sem necessariamente serem ligados por laos biolgicos. Assim sendo, compreensvel o caso da adoo, pois o

    adotando passar a ocupar o lugar de filho na estrutura familiar, tornando-se sem dvidas um descendente dos adotantes, seus pais. Afamlia, pois, seria conseqncia no da natureza mais de um elemento cultural estruturante. Na Roma Antiga, foi a religio e o culto aos

    antepassados; nos cls, o totem, representando a figurado do ptrio poder. Em suas palavras:

    A constituio de famlias, como se v, no propriamente um fato natural; , antes, uma decorrncia da cultura, que se

    estabelece de uma forma ou de outra, mas sempre como uma estruturaodo sujeito. a que o indivduo se forma, torna-se sujeito e se

    sujeita s normas morais. A partir de ento, torna-se possvel estabelecer relaes jurdicas ( idem, ibidem, p. 12).

    Entendemos, tal qual Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004a), mais do que uma simples decorrncia da natureza, que a famlia

    representa uma estrutura psquica em que cada membro ocupa um lugar, ligados que so pela afetividade. Ressaltamos que essa

    estruturao no nica, podendo se apresentar de diversas formas, por exemplo: pai e filhos; me e filhos; pai, me e filhos; cnjuges

    etc.. No esqueamos as outras caractersticas presentes em qualquer organismo familiar: a ostensibilidade e a estabilidade, que compe

    o conceito.

    2.5 NATUREZA JURDICA

    No passado, a idia de famlia como pedra fundamental da sociedade levou Savatier a sustentar a existncia de uma pessoa moral,

    que nada mais era do que a famlia como sujeito de direitos, com personalidade jurdica distinta das de seus membros. Acreditava-se ter

    ela direitos extrapatrimoniais como o nome e o ptrio poder; e patrimoniais, como o caso da propriedade do bem de famlia e dos

    sepulcros.

    A bem da verdade, essa teoria de forma alguma se encaixa em nossa ordem jurdica e nem na cultura ocidental em geral. Somente

    detm personalidade jurdica aquele que apto a exercer direitos e a contrair obrigaes. O que no a situao da famlia, mas de seus

    membros. So estes que possuem direitos patrimoniais e extrapatrimoniais em virtude de fazerem parte de um ambiente familiar.

    Tentou-se falar tambm em famlia como organismo jurdico, como se fosse ela um fruto do ordenamento jurdico. Mas, adverte

    Slvio de Salvo VENOSA (2003:22), como pode o Estado esquecer que a famlia , antes de tudo, um fenmeno natural preexistente ao

    direito positivo? Sua natureza decorrente da Sociologia, que a v como instituio permanente, derivada da unio afetiva de pessoas

    dentro da sociedade.

    Particularmente, Slvio de Salvo VENOSA (2003:22) inclui a famlia no grupo das entidades com "personificao anmala". Segundo

    ele,

    Ao estudarmos as pessoas jurdicas, ressaltamos que existem entidades com muitas caractersticas das pessoas morais, mas que

    no chegam a receber personalidade. Faltam-lhes os requisitos imprescindveis personificao, embora, na maioria das vezes, tenham

    representantes processuais, isto , podem agir no processo ativa e passivamente. [...] No entanto, ao contrrio de outras situaes

    transitrias patrimoniais, como a massa falida, a herana jacente e o esplio, a famlia, como instituio, nem mesmo possui representaoprocessual, tendo em vista que essa atividade deve ser exercida por seus membros. No h interesse em atribuir personalidade famlia,

    tendo em vista que suas atividades jurdicas, de natureza patrimonial ou no, podem ser realizadas sem esse atributo.

    A maior parte dos doutrinadores, no entanto, v a famlia como uma instituio jurdica, onde pessoas vivem sob autoridade maior,

    devendo observncia s condutas sociais, objetivando a procriao e educao dos filhos. Sobre elas pairam um conjunto de normas

    regulando os direitos e deveres de cada uma.

    Essa viso parece-nos a mais correta, uma vez que ela guarda coerncia com a Sociologia, colocando a famlia como fenmeno

    social reconhecido pelo Direito. Porm, acreditamos que o objetivo de procriao no seja imprescindvel. Do contrrio, terminaramos por

    desconsiderar os casais que, por questes biolgicas, no podem procriar. Alm disso, h tipos de casais que simplesmente no desejam

    ter filhos e nem por isso deixam de formar uma famlia.

    3 DA PLURALIDADE FAMILIAR PELA CONSTITUIO DE 1988

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    8/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 8/32

    A evoluo das constituies brasileiras nos informa que, por muito tempo, o modelo estatal de famlia tinha o formato de um

    casamento. Na prpria Constituio de 1824, embora implicitamente, o Imprio, adotando a religio catlica apostlica romana, reconhecia

    o casamento religioso constituinte da famlia (art. 5.).

    J nessa poca, o patriarcalismo era vigente, havendo concentrao exacerbada de poderes nas mos do cnjuge varo, que

    detinha controle sobre o cnjuge virago e sobre a prole, que faziam parte de seu patrimnio era o pater familia romano. Eram tempos

    em que a mulher era criada para ser submissa ao marido; e o homem, o provedor da famlia. A finalidade familiar, por excelncia, era

    econmica, embora a famlia manifestasse uma representatividade religiosa, poltica e procracional.

    sua vez, a Constituio de 1891 traou em seu art. 72, 4., que "A Repblica s reconhece o casamento civil, cuja celebraoser gratuita". Quer dizer, a primeira Carta de Direitos da Repblica brasileira colocou explicitamente o casamento civil como sinnimo de

    famlia. E diante dessa viso transpessoal da famlia como instituio econmica, veio a lume o Cdigo Civil de 1916.

    O Texto Civil de 1916 era cheio de normas de excluso. Outra coisa no podamos esperar, tendo em vista que o prprio Estado

    oprimia toda e qualquer relao que no se concebesse pelo casamento vlido e indissolvel. Consentia o Diploma Civil com que a mulher

    casada fosse considerada relativamente incapaz, sendo seu marido o representante legal; que o poder sobre os filhos s fosse visto pela

    tica do pai (ptrio poder); e que os filhos havidos fora do casamento no fossem reconhecidos. Isso s para citar alguns exemplos. Ou

    seja, o homem desfrutava de uma superioridade incrvel com o aval legal.

    Contudo, no tardou muito e o homem foi, aos poucos, perdendo sua posio hierrquica de destaque. Mesmo que as

    Constituies de 1934, 1937, 1946 e 1967-69 repetissem claramente que a famlia era constituda pelo casamento e que o Estado devia

    proteg-la, continuando vigente o sistema patriarcal, a mulher foi buscando lentamente uma situao de igualdade dentro da sociedade edo casamento.

    Aps a Segunda Guerra Mundial e com o advento da Declarao Universal dos Direitos Humanos, que pregava a igualdade entre

    os homens, o movimento feminista foi ganhando expressividade. As mulheres saram de suas casas para o mercado de trabalho, tornando-

    se parte importante para a economia do lar. Por via de conseqncia, o homem teve de reformular seus deveres para adaptar-se ao trato

    domstico.

    No Brasil, a dcada de 60 foi o ponto chave das mudanas nas relaes familiares. Foi nessa dcada que as mulheres brasileiras

    descobriram que podiam ser auto-suficientes, desaparecendo a dependncia econmica ao homem dentro do casamento. Em seu lugar,

    passou a viger a solidariedade mtua entre os cnjuges. Nessa dcada ainda, o Estatuto da Mulher Casada transmutou a mulher de objeto

    a sujeito de direitos.

    Em corrente paralela, a revoluo sexual que assomava trouxe consigo a idia de que o casamento poderia ser dissolvido. A busca

    pela felicidade passou a dar o tom das relaes conjugais e, conquanto no existisse o respaldo legal para o divrcio, os casais foram se

    separando de fato e formando novas relaes informais. Isto , aquela resignao feminina de outrora, que era a base de sustentao do

    casamento, foi se esvaindo.

    Quando do advento da Lei do Divrcio, na dcada de 70, a famlia j era nuclear e com poucos filhos. Havia ainda grande

    interveno estatal em suas relaes. Contudo, sua evoluo fez com que ela superasse esses impasses, e o ser humano passou a ser o

    alvo da proteo do Estado famlia.

    Na dcada de 80, o afeto transformou-se na principal finalidade da famlia em substituio ao patrimnio. A Constituio Federal de

    1988, ento, empunhando o princpio da dignidade da pessoa humana como fundamento da Repblica Federativa do Brasil, e embasada

    no princpio da afetividade que se descortinava no direito de famlia, declarou o pluralismo familiar.

    Contrariando seus precedentes, o Texto Constitucional de 1988 no mais trouxe a norma de excluso de outras formaes

    familiares que no o casamento. Diz seu art. 226, caput, que "A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado". Nos

    pargrafos em que se desdobra esse artigo, alm do casamento, a Constituio reconhece expressamente a unio estvel de pessoas de

    sexos diversos que chama de entidade familiar e as famlias monoparentais formada pela comunho do pai ou da me e os filhos.

    (Entidade familiar a, adverte Carlos Eduardo Pianovski RUZYK (2005:33), sinnimo de famlia.) A partir de ento, famlia passou a ser

    uma relao humana pblica e duradoura fundada no afeto.

    Outras mudanas se desvendaram no novel Texto Constitucional, dentre as quais a igualdade dentro da sociedade conjugal; os

    filhos, sejam havidos dentro ou fora do casamento, sejam adotados, passaram a ter o mesmo tratamento; e a famlia passou a ser

    encarada como seio de desenvolvimento da dignidade do homem.

    O Estado abandonou sua figura de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-assistencialista, cuja

    tnica no de uma total ingerncia, mas, em algumas vezes, at mesmo de substituio a eventual lacuna deixada pela prpria famlia

    como, por exemplo, no que concerne educao e sade dos filhos (cf. art. 227 da Constituio Federal) (Rodrigo da Cunha PEREIRA,

    2004b:112).

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    9/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 9/32

    Importa ventilarmos que, mesmo aps a Carta de 1988, custou muito aos legisladores e aplicadores da lei aceitar essa pluralidade

    familiar. Tanto que somente em 1994 foi que se tentou, pela primeira vez, regular a unio estvel. Por outro lado, o Cdigo Civil de 2002

    encontra-se mais adaptado aos preceitos constitucionais, conseqncia do processo de constitucionalizao do direito civil que se

    desencadeou com a Constituio Federal de 1988. Esse processo influenciou decisivamente o direito de famlia, que passou a ser regido,

    principalmente, pelo macroprincpio da dignidade da pessoa humana. As conseqncias disso poderemos observar nos pontos seguintes.

    3.1 PRINCPIOS APLICVEIS FAMLIA CONSTITUCIONAL

    A complexidade caracterstica peculiar famlia, corolrio da busca incessante do ser humano pela felicidade. Assim sendo, o

    surgimento constante de novos conceitos e conjugaes familiares exigem do operrio do direito maior cuidado ao interpretar a lei, porquenem sempre se encontrar a regra aplicvel ao caso seja pela impreviso do fato social, seja pela prescrio incompleta feita pelo

    legislador. Isso representaria um grave problema se vivssemos numa ordem jurdica estritamente positivista, segundo a qual o fato no

    enquadrado nos limites legais no lograr qualquer efeito.

    As exigncias para criar-se um Estado "... destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

    segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

    preconceitos..." (Prembulo da Constituio Federal de 1988) no se coadunam com o positivismo tradicional. Mormente quando esse

    Estado preza pela dignidade da pessoa humana. No podemos conceber nossa ordem jurdica como estritamente positivista. A prpria lei

    nos diz que, ao ser aplicada, deve o juiz observar seus fins sociais e as determinaes do bem comum, sendo que, quando for omissa,

    dever o julgador buscar auxlio na analogia, nos costumes e nos princpios gerais do direito (art. 4. e 5., Lei 4.657/42, Lei de Introduo

    ao Cdigo Civil).

    Nesse nterim, os princpios gerais do direito ganham maior relevo, pois so ferramentas de interpretao, sistematizao e

    integrao do ordenamento jurdico. Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004b:24-25), exprimindo sua posio de destaque, escreve que

    Com a crescente tendncia de const itucionalizao do Direito Civil, conseqncia dos movimentos sociais e polticos de cidadania

    e incluso, os princpios gerais tm-se reafirmado cada vez mais como uma importante fonte do direito e tm-se mostrado para muito

    alm de uma supletividade. Eles se revestem de fora normativa imprescindvel para a aproximao do ideal de justia. [...] equivocada a

    idia e o pensamento de que os princpios vm por ltimo no ato interpretativo integrativo. Ao contrrio, os princpios, como normas que

    so, vm em primeiro lugar e so a porta de entrada para qualquer leitura interpretativa do Direito. [...] Pode-se dizer que os princpios

    gerais significam o alicerce, os pontos bsicos e vitais para a sustentao do Direito. So eles que traam as regras ou preceitos, para

    toda espcie de operao jurdica e tm um sentido mais relevante que o da prpria regra jurdica. [...] Os princpios constituem, ento, os

    fundamentos da cincia jurdica e as noes em que se estrutura o prprio Direito. [. ..] Eles no necessitam estar escritos por que eles j

    so inscritos no esprito tico dos ordenamentos jurdicos. ..

    Diante disso, no podemos estudar o direito de famlia e olvidarmos os princpios pertinentes. A despeito das rpidas mudanas

    das relaes familiares que desguam na falta de regulamentao legal, os princpios gerais surgem para apreender novos fatos afetivo-

    sociais e distribuir justia.

    Os princpios aplicveis famlia constitucional so:

    1) Princpio da dignidade da pessoa humana. A dignidade da natureza humana, assim como foi apresentada por Immanuel

    Kant em sua obra Fundamentao da Metafsica dos Costumes, decorrente da idia de que o homem, como ser racional, no pode fazer

    de outro homem meio para buscar seus prprios desideratos. Diz o filsofo:

    No reino dos fins tudo tem ou um preo ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preo, pode-se pr em vez dela qualquer

    outra como equivalente; mas quando uma coisa est acima de todo o preo, e portanto no permite equivalente, ento tem ela dignidade

    (apudPaulo Luiz Netto LBO, 2002).

    Assim sendo, temos que a dignidade do homem lhe d um carter de fim e no de meio.

    Foi com esse sentido que a dignidade humana apareceu pela primeira vez de forma expressa no campo jurdico, na Declarao

    Universal dos Direitos Humanos de 1948, espalhando-se da para as vrias Cartas Magnas dos Estados Democrticos de Direito.

    E embebida dessa filosofia, a Constituio Federal de 1988 alou a dignidade da pessoa humana condio de princpio

    fundamental da Repblica Federativa do Brasil, colocando-a em posio topogrfica de destaque. Constante do art. 1., III, o

    macroprincpio da dignidade da pessoa humana representa um dos vrtices da ordem jurdica brasileira, permeando todas as relaesjurdicas. A partir de ento, qualquer interpretao de leis constitucionais e infraconstitucionais deve partir desse pressuposto, de forma

    que no h norma de ordem pblica que resista sua ao.

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    10/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 10/32

    No campo especfico do direito de famlia, respeitar a dignidade da pessoa humana significa reconhecer o homem como finalidade

    de proteo da famlia, o que nos remete vedao de excluso de entidades familiares; respeitar a autonomia privada do indivduo ao

    escolher o arranjo familiar mais adequado a si mesmo; privilegiar o afeto como elemento embrionrio do organismo familiar; tratar

    igualmente os cnjuges dentro da relao afetiva; no excluir filhos havidos fora do casamento; pregar a poltica do fim do preconceito e

    louvar as diferenas.

    Ressaltamos que a grandiosidade do princpio da dignidade da pessoa humana deve muito universalidade de sua significao.

    Qualquer Estado que se preze deve-lhe observncia, de modo que sua falta implica ilegitimidade. Nos dias de hoje, no basta garantir o

    direito vida, mas sim vida digna.

    2) Princpio da afe tividade. J dissemos que a famlia do incio do sculo XX se estruturava em volta de seu patrimnio e que o

    patriarcalismo dava o tom das relaes familiares. As mulheres eram as "donas do lar".

    Eis que a evoluo social levou a mulher para o mercado de trabalho; a revoluo sexual, ao fim do casamento indissolvel. A

    auto-suficincia feminina determinou o fim do aspecto patrimonial familiar. Pouco a pouco, o afeto comea a surgir como finalidade da

    famlia.

    A Constituio Federal de 1988, ento, demonstrando assimilar o novo princpio, passa a reconhecer expressamente como

    entidades familiares relaes fundadas no afeto; expurgou de vez o estigma sobre os filhos havidos fora do casamento e adotados;

    outrossim, entendeu que o fim do afeto determina o fim do lao conjugal. Segundo Paulo Luiz Netto LBO (2002),

    Projetou-se, no campo jurdico-constitucional, a afirmao da natureza da famlia como grupo social fundado essencialmente noslaos de afetividade, tendo em vista que consagra a famlia como unidade de relaes de afeto, aps o desaparecimento da famlia

    patriarcal, que desempenhava funes procracionais, econmicas, religiosas e polticas. [...] Pode ser assim traduzido: onde houver uma

    relao ou comunidade unida por laos de afetividade, sendo estes suas causas originria e final haver famlia.

    Diante disso, a afetividade ganhou statusde princpio implcito no Texto Constitucional. J possvel encontrar na jurisprudncia a

    chamada paternidade scio-afetiva, conforme a qual a relao entre pai e filho decorre mais da demonstrao social de afetividade do que

    da gentica.

    Por fim, impende lembrarmos que no qualquer afeto que forma a famlia, mas to-somente o afeto familiar. Nas palavras de

    Srgio Resende de Barros (apud Rodrigo da Cunha PEREIRA, 2004b:128),

    "um afeto que enlaa e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espao, por uma solidariedade

    ntima e fundamental de suas vidas de vivncia, convivncia e sobrevivncia quanto aos fins e meios de existncia, subsistncia e

    persistncia de cada um e do todo que formam".

    3) Princpio da autonomia e da menor interveno estatal. A Constituio de 1988, em seu art. 226, estabelece que o Estado

    deve enderear proteo especial famlia. Mas qual o limite dessa proteo?

    Discute-se bastante sobre se o direito de famlia faz parte do direito pblico ou do direito privado. Daquela, por causa do interesse

    do Estado em preservar sua base que a famlia; deste, por causa da autonomia do homem para decidir sobre sua vida privada. Porm,

    anda melhor aquele que se respalda no princpio da menor interveno estatal, pois o direito de famlia genuinamente um ramo do direito

    privado.

    O princpio da mnima interveno estatal ressai claro do Texto Constitucional de 1988, no seu art. 226, 7., que diz: "Fundado

    nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o planejamento familiar livre deciso do casal...". Por sua

    vez, o Cdigo Civil, no art. 1.513, estatui que " defeso a qualquer pessoa, de direito pblico ou privado, interferir na comunho de vida

    instituda pela famlia".

    Luiz Edson Fachin, citado por Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004b:111), em posicionamento esclarecedor, leciona:

    "No se deve confundir, pois, esta tutela com poder de fiscalizao e controle, de forma a restringir a autonomia privada, limitando

    a vontade e a liberdade dos indivduos. Muito menos se pode admitir que esta proteo alce o Direito de Famlia categoria de Direito

    Pblico, apto a ser regulado por seus critrios tcnico-jurdicos. Esta delimitao de fundamental importncia, sobretudo para servir de

    freio liberdade do Estado para intervir nas relaes familiares".

    Ora, certo que a famlia merece proteo estatal. Porm, no porque uma instituio alicerce do Estado, mas porque no seio

    familiar que o indivduo encontra as lies iniciais para se desenvolver salutarmente. Quer dizer, o foco da proteo constitucional da

    famlia o ser humano (art. 226, 8., CF/88). Portanto, respeitar a autonomia privada do indivduo obrigao do Estado. Doutra

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    11/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 11/32

    maneira, infringir-se-ia o macroprincpio da dignidade da pessoa humana.

    4)Princpio da igualdade . Previsto no art. 5., caput, da Constituio Federal de 1988, a igualdade perante a lei uma exigncia

    do Estado Democrtico de Direito. Mais do que isso, a igualdade pressuposto do exerccio da cidadania, e para ser cidado se faz

    necessrio o respeito s diferenas.

    Em nosso caso, interessa-nos a igualdade dentro do mbito familiar como corolrio do megaprincpio da dignidade da pessoa

    humana.

    Por muito tempo, o modelo patriarcal de famlia produziu uma srie de odiosas excluses. Assim que a mulher ocupava lugarhierarquicamente inferior ao homem dentro do casamento, devendo mesmo obedincia a ele. Por sua vez, os filhos havidos fora do

    casamento eram alvos de preconceito, condenados invisibilidade legal. Tudo isso num perodo em que j havia se falado em igualdade

    como direito do homem nas declaraes de direitos humanos.

    Nesse particular, a revoluo feminista acabou por contribuir para o fim da desigualdade. A auto-suficincia feminina ps em xeque

    o poder de controle que o homem tinha dentro da famlia. Paralelamente, a afetividade, que continuamente se firmou como finalidade da

    famlia, promoveu a igualdade dos filhos "legtimos" e "ilegtimos".

    Do ponto de vista constitucional, o 5., do art. 226 j garante que "Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so

    exercidos igualmente pelo homem e pela mulher". A essncia desse preceito inspirou os art. 1.511, 1.567, 1.630 e 1.631, do Cdigo Civil,

    sendo que, pelo menos abstratamente, podemos falar em igualdade conjugal.

    5) Princpio da pluralidade familiar. Norberto Bobbio, apud Rodrigo da Cunha Pereira (2004b:25), disse que "Muitas normas,

    tanto dos cdigos como da Constituio, so normas generalssimas e, portanto, so verdadeiros e autnticos princpios gerais

    expressos". Esse o caso do princpio da pluralidade familiar, previsto na norma geral constante do art. 226, da Constituio Federal de

    1988, conquanto possamos conclu-lo de outros preceitos constitucionais.

    E como veremos no ponto seguinte, a interpretao constitucional nos levar ilao de que o pluralismo familiar compreende no

    somente as famlias explicitamente reconhecidas pela Carta Magna casamento, unio estvel e famlia monoparental , mas tambm as

    implcitas, que so todos os arranjos em que se visualiza a afetividade, a estabilidade e a publicidade, como bem aponta Paulo Luiz Netto

    LBO (2002).

    Por ltimo, importante que coloquemos que vrios civilistas resistem ao entendimento de que a Constituio vigente reconheceu

    entidades familiares implcitas. Segundo Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004b:119), "Uma das dificuldades e resistncias de se reconhecera pluralidade e as vrias possibilidades dos vnculos parentais e conjugais reside no medo de que estas novas famlias signifiquem a

    destruio da verdadeira famlia". Ocorre que a proteo constitucional famlia, como j falamos, dirige-se pessoa humana,

    independentemente da formao familiar escolhida. E conforme Paulo Luiz Netto LBO (2002), "A excluso no est na Constituio, mas

    na interpretao".

    Poderamos ainda enumerar o princpio da monogamia, mas no o faremos. Este ainda no o momento certo para tratarmos do

    assunto, vez que, como ponto nevrlgico do prprio trabalho, guardamos para o captulo 5 quando falaremos do concubinato adulterino

    em face do sistema monogmico.

    3.2 A INTERPRETAO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS CONCERNENTES FAMLIA

    A Constituio Federal, como norma fundamental de nossa ordem jurdica, deve ser interpretada de modo que haja harmonia entreseus princpios e sua finalidade. Aplicar o Texto Constitucional significa adapt-lo realidade social, de forma que suas prescries

    ganhem maior relevo com a viabilizao dos direitos e garantias fundamentais. Assim que at seu prembulo, a despeito da falta de

    poder normativo, deve ser utilizado como ferramenta de direo do hermeneuta em momentos de obscuridade ou integrao, eis que

    conforma um conjunto de princpios orientadores das normas constitucionais.

    Alexandre de MORAES (2002:44-45), citando a doutrina do grande constitucionalista Canotilho, elenca, entre regras e princpios

    interpretativos, os seguintes:

    da unidade da constituio: a interpretao constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradies entre suas normais;

    [...]; da mxima efetividade ou da eficincia: a uma norma constitucional deve ser atribudo o sentido que maior eficcia lhe conceda; [...];

    da concordncia prtica ou da harmonizao: exige-se a coordenao e combinao de bens jurdicos em conflito de forma a evitar o

    sacrifcio total de uns em relaes aos outros; da fora normativa da constituio: entre as interpretaes possveis, deve ser adotadaaquela que garanta maior eficcia, aplicabilidade e permanncia das normas constitucionais.

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    12/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 12/32

    So essas as balizas que o intrprete dever obedecer ao analisar os preceitos maiores que regem a famlia. Alis, a Carta Magna

    de 1988 rompeu com a tcnica de hermenutica equivocada que imperava at ento, quando se interpretava o direito de famlia da

    codificao para a constituio. Esse fenmeno foi chamado pelos estudiosos como a constitucionalizao do direito de famlia.

    Das ponderaes acima, temos que o aplicador do direito deve ter em mente, ao estudar os preceitos maiores da famlia, a

    interpretao sistemtica e teleolgica, de modo que suas especificaes devem cercar-se de maior efetividade e eficcia. Destarte,

    continuando a idia de pluralidade familiar, conclumos que a Constituio Federal de 1988, em seu art. 226, caput, ao estatuir que "A

    famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado", instituiu um conceito familiar amplo.

    Utilizando-se a lio de Carlos MAXIMILIANO (1993:204) sobre critrios de interpretao ampla, conclumos, ainda, que o preceitoem tela deve abranger todos os casos possveis (implcitos ou explcitos) que derivem lgica e necessariamente dele, vez que a famlia, da

    forma em que foi promulgada no artigo transcrito, tem ares de princpio ou origem.

    Isso nos faz chegar a uma primeira constatao: que a regra citada uma norma geral de incluso. Importa dizer que, se o

    legislador, diferentemente das constituies anteriores que traaram explicitamente que a famlia uma instituio constituda pelo

    casamento, a exemplo da de 1967 e 1969, no discriminou no caput qualquer arranjo familiar, quis ele incluir na proteo especial do

    Estado todas as outras formaes constitudas sob o plio da afetividade. Por via de conseqncia, o pluralismo familiar compreende no

    somente as tramas familiares contidas expressamente nos pargrafos do art. 226, mas tambm todas as unies ostensivas e estveis que

    se formaram a partir de um elo afetivo que, por isso, esto protegidas implicitamente. No teve o legislador originrio de 1988 o objetivo

    nico de proteger a famlia proveniente do casamento, como fizeram seus antecessores. Quis ele, em verdade, resguardar o a pessoa

    humana, que deve encontrar na convivncia familiar condies para desenvolver-se plenamente (art. 226, 8., CF/88).

    Complementando o raciocnio, Paulo Luiz Netto LBO (2002) afirma que o 4., do art. 226, da Constituio Federal de 1988

    integra a clusula de geral de incluso. Segundo o professor, a palavra "tambm" contida a

    ... tem o significado de igualmente, da mesma forma, outrossim, de incluso de fato sem excluso de outros. Se dois forem os

    sentidos possveis (incluso ou excluso), deve ser prestigiado o que melhor responda realizao da dignidade da pessoa humana, sem

    desconsiderao das entidades familiares reais no explicitadas no texto.

    O Superior Tribunal de Justia, comungando de mesma interpretao, prolatou a seguinte deciso no Recurso Especial n.

    205.170-SP, publicado no DJ de 07/02/2000:

    1. O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1 da Lei 8.009/90 e 226, 4 da CF/88, agasalha, segundo a aplicao da

    interpretao teleolgica, a pessoa que, como na hiptese, separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte,

    proteger os bens mveis guarnecedores de sua residncia. 2. Recurso especial conhecido e provido.

    Nesse nterim cabe nova lio de Carlos MAXIMILIANO (1993:204), o qual nos ensina que a interpretao de normas que tenham

    por finalidade desconstituir males ou injustias, como caso do art. 226, caput, da Constituio Federal de 1988, deve ser ampla.

    Portanto, no h falar-se em dvidas quanto proteo constitucional de entidades familiares no explcitas em seu texto.

    A segunda e ltima constatao a que chegamos nos fala que, se houver discriminao, essa discriminao deve vir expressa.

    Ora, como j anotado, a Carta Magna vigente no repetiu a mesma dico das anteriores, que instituram norma geral de excluso. Se

    assim no quis o legislador originrio, no cabe ao derivado e muito menos ao hermeneuta assim determinarem-se.

    3.3 AS ENTIDADES FAMILIARES CONSTITUCIONALIZADAS

    A famlia plural, como vimos, compreende tanto as entidades familiares expressamente citadas na Constituio Federal como

    tambm as implcitas, abarcadas que so pela norma geral de incluso prevista no art. 226, caput, e, mormente, pelo macroprincpio da

    dignidade da pessoa humana.

    Em verdade, no podia ser diferente com o Direito, j que outros ramos do conhecimento de h muito vm constatando uma

    ampliao das formaes familiares. Paulo Luiz Netto LBO (2002) nos diz que a perspectiva da Sociologia, da Psicologia, da Psicanlise e

    da Antropologia, dentre outros segmentos, mesmo antes da Lei Maior de 1988, j reconhecia outras tramas familiares que no a

    decorrente do casamento.

    Como sabemos, o fato social precede a norma legal. E o que vemos na sociedade brasileira uma diversidade de formaes

    familiares, fruto do maior exerccio das liberdades pblicas pelo cidado. No pode o ordenamento jurdico passar inclume por essa

    realidade, tabulada pelo IBGE no Censo Demogrfico de 2000:

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    13/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 13/32

    TABELA 1: Distribuio das famlias por tipo e a situao do domiclio, segundo as classes de tamanho da populao dosmunicpios do Brasil 2000

    Classes de

    tamanho da

    populao dos

    municpios

    Unipessoal

    2 ou +

    pessoas

    sem

    parentesco

    Casal

    sem

    filhos

    Casal

    com

    filhos

    (1)

    Mulher

    sem

    cnjuge

    com

    filhos

    Casal

    com

    filhos

    (2)

    Outras

    modalidades

    Total 8,3 0,2 15,6 52,4 12,6 3,0 7,9

    At 20.000 8,0 0,1 15,3 57,4 10,1 1,5 7,5

    De 20.001 at

    100.0007,6 0,1 15,1 55,3 11,8 2,3 7,7

    De 100.000 at

    500.0008,1 0,2 15,6 52,2 13,2 3,3 7,4

    Mais de 500.000 9,5 0,4 16,1 46,4 14,4 4,2 9,0

    Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000

    Nota: (1) Casal com filhos sendo o responsvel do sexo masculino.

    (2) Casal com filhos sendo o responsvel do sexo feminino.

    Abolida, ento, qualquer forma de excluso de composies humanas em que se vislumbram a afetividade, a durabilidade e a

    publicidade por inconstitucionalidade, e estribados nos dados demogrficos anteriores, reconhecemos as seguintes entidades familiares

    constitucionalizadas:

    1) Casamento. Previsto no 1., do art. 226, da Constituio Federal de 1988, o casamento , nas palavras do saudoso civilista

    Silvio RODRIGUES (2004:19), "... o contrato de direito de famlia que tem por fim promover a unio do homem e da mulher, de

    conformidade com a lei, a fim de regularem suas relaes sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mtua assistncia".

    Pilar forte do sistema monogmico reinante nos pases ocidentais, como o nosso, o casamento foi, por muito tempo, considerado a

    nica forma de constituio de famlia. Sem dvidas, por influncia da Igreja Catlica e do Cristianismo, que o v como reflexo da famliasagrada.

    Ainda hoje, mesmo aps o advento do pluralismo familiar pela Carta Magna de 1988, percebemos um apego dos legisladores e

    jurisprudentes essa tradio, demandando-se grande esforo para o reconhecimento de outras composies familiares. Isso se deve,

    qui, pela falsa concluso do Estado de que o casamento representa a famlia perfeita para seus interesses, o que o faz regul-lo em

    mincias.

    2) Unio estvel. Conforme traado no Cdigo Civil de 2002, em incremento a Constituio Federal de 1988, " reconhecida

    como entidade familiar a unio estvel entre o homem e a mulher, configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura e

    estabelecida com o objetivo de constituio de famlia" (art. 1.723).

    A unio estvel se reporta dcada de 60, quando, no Brasil, veio tona o movimento feminista. A mulher que, em face de suaresignao, sustentou por muito tempo a indissolubilidade do casamento, buscava igualdade perante o Estado, a sociedade civil e a

    relao conjugal. Junto com isso, veio o grito de liberdade e autonomia pelos cidados brasileiros que, buscando a felicidade, nem sempre

    a encontraram no bero conjugal.

    Demorou muito at que o Estado reconhecesse a unio estvel como entidade familiar, tudo por culpa de um duvidoso moralismo.

    E mesmo aps a Lei Maior de 1988, que a declarou como tal, o Poder Judicirio foi renitente, concebendo-a sociedade de fato e lhe

    conferindo efeitos exclusivamente obrigacionais na medida do esforo efetivo de cada parte para a aquisio dos bens comuns (smula

    380 do STF). Doutra forma, determinavam os tribunais o pagamento pelo varo de indenizao pelos "servios prestados" pelo virago,

    tudo para repelir situao injusta de enriquecimento ilcito.

    No foi diferente com o Poder Legislativo, que s em 1994 promulgou a Lei n. 8.971, a qual disciplinava os direitos sucessrios e

    alimentares dos conviventes. Reconhecia a lei de antemo como entidade familiar a unio estvel por mais de cinco anos ou com filhoformada por homem e mulher desimpedidos de casar. Em seguida, veio a lume a Lei n. 9.278/96, que trouxe, entre outras mudanas, a

    excluso de impedimento para casar do conceito (aludindo proteo do concubinato adulterino), a regulamentao da partilha e a

    determinao da competncia absoluta das varas de famlia para apreciar o assunto.

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    14/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 14/32

    Mais recentemente, o Cdigo Civil regulamentou a matria trazendo o conceito inicialmente transcrito e regulando com poucas

    mincias a entidade familiar em questo situao que suscita ainda dvidas aos aplicadores da lei.

    3) Famlias monoparentais. Tambm conhecida como unilineares, so aquelas formadas pela convivncia afetiva entre um dos

    pais e os filhos ( 2., art. 226, CF/88). Ela se verifica especialmente com a me assumindo o posto de "chefe da famlia", representando,

    de acordo com o IBGE, no ano de 2000, 12,6 % dois lares brasileiros.

    Vrios motivos podem explicar a formao das famlias monoparentais. Maria Celina BRAVO e Mrio Jorge Uchoa SOUZA (2002)

    esclarecem que vai

    ... desde a pobreza, a liberdade sexual, o controle da natalidade, a independncia econmica das mulheres, a instabilidade das

    unies afetivas, a possibilidade de adoo por maior de 21 anos seja qual for o seu estado civil, e at mesmo o desejo da maternidade

    independente, estimulado pelo desenvolvimento da cincia no campo da inseminao artificial.

    A despeito disso, a proteo constitucional est garantida.

    4) Concubinato adulterino. Tecnicamente, chama-se concubinato. Na dico do art. 1.727, do Cdigo Civil, so "As relaes no

    eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato".

    Deixamos aqui de tecer maiores comentrios, j que, sendo o cerne de nosso trabalho, dedicamos-lhe ateno especial nos

    captulos 4, 5 e 6 que seguem.

    5) Unies homoafetivas. Podemos verificar a unio homoafetiva sempre que a convivncia entre duas pessoas de mesmo sexo

    estejam seladas pela afetividade, a estabilidade e a ostensibilidade. O fundamento que sustenta essas entidades familiares esto entre os

    direitos fundamentais enumerados no art. 5., da Constituio Federal de 1988, quais sejam, a liberdade, a igualdade e a inviolabilidade da

    intimidade. O prembulo constitucional tambm a fundamenta ao argumento de criao de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

    preconceitos.

    As unies homoafetivas so um exemplo de como os fatos sociais precedem o direito. Ora, j h algum tempo, o Brasil vem

    batendo recordes em vista do contingente de homossexuais nas paradas do orgulho gay da cidade de So Paulo. To logo, no tardou o

    aparecimento de questes diante dos tribunais, que, sob o rtulo inadequado de sociedades de fato, tm demonstrado considervel

    receptividade, notadamente, no campo previdencirio.

    No Poder Legislativo Federal j tramita h alguns anos um projeto de lei com o objetivo de regulamentar a unio civil de pessoas

    do mesmo sexo, valendo ressaltarmos que alguns pases de cultura ocidental j aceitam o casamento de "iguais".

    Em comentrio brilhante, s para arrematarmos, trazemos a doutrina de Paulo Luiz Netto LBO (2002):

    A ausncia de lei que regulamente essas unies no impedimento para sua existncia, porque as normas do art. 226 so auto-

    aplicveis, independentemente de regulamentao. Por outro lado, no vejo necessidade de equipar-las unio estvel, que entidade

    familiar completamente distinta, somente admissvel quando constituda por homem e mulher ( 3 do art. 226). Os argumentos que tm

    sido utilizados no sentido da equiparao so dispensveis, uma vez que as unies homossexuais so constitucionalmente protegidas

    enquanto tais, com sua natureza prpria.

    6) Entidades familiares desprov idas de poder familiar. Chamamo-las dessa forma porque em sua configurao no existem a

    figura do pai e da me. So de dois tipos: duas ou mais pessoas sem parentesco cujo elo o afeto, sem finalidade sexual ou econmica,

    que correspondiam no Censo de 2000 a 0,2% dos lares familiares; e duas ou mais pessoas com parentesco unidas pela afetividade. O

    Superior Tribunal de Justia, acatando a tese decantada, j decidiu:

    EXECUO. Embargos de terceiro. Lei n. 8.009/90. Impenhorabilidade. Moradia da famlia. Irmos solteiros. Os irmos solteiros

    que residem no imvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteo de

    impenhorabilidade, prevista na Lei n 8.009/90, no podendo ser penhorado na execuo de dvida assumida por um deles (REsp 159.851-

    SP, DJ de 22.06.98).

    7) Entidade familiar por equiparao ou unipessoal. formada por uma nica pessoa, inclusive, solteira. Os "solitrios", em

    2000, correspondiam a 8,2% dos domiclios brasileiros. So considerados equiparados porque sua verificao como entidade familiar se d

    somente para proteo dos direitos pessoais decorrentes de relaes familiares. Em verdade, no percebemos neles a caracterstica da

    afetividade que se faz presente nas entidades familiares genunas, j que afeto subentende a existncia de no mnimo duas pessoas.

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    15/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 15/32

    Assim se manifestou o Superior Tribunal de Justia:

    CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAO. BEM DE FAMLIA. MVEIS GUARNECEDORES DA RESIDNCIA.

    IMPENHORABILIDADE. LOCATRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAO.

    INTERPRETAO TELEOLGICA. LEI 8.009/90, ART. 1 E CONSTITUIO FEDERAL, ART. 226, 4. RECURSO CONHECIDO E

    PROVIDO (REsp 205.170-SP, DJ de 07.02.2000).

    Por ltimo, bem lembra Paulo Luiz Netto LBO (2002), verificamos a "... comunidade afetiva formada com filhos de criao,

    segundo generosa e solidria tradio brasileira, sem laos de filiao natural ou adotiva regular". A jurisprudncia ptria j se posicionou

    da seguinte forma:

    Negatria de paternidade. "Adoo brasileira". Confronto entre a verdade biolgica e a socioafetiva. Tutela da dignidade da

    pessoa humana. Procedncia. Deciso reformada. A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendncia de personificao do direito

    civil, v a famlia como instrumento de realizao do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histrico de vida e

    condio social, em razo de aspectos formais inerentes irregular adoo brasileira, no tutelaria a dignidade da pessoa humana,

    nem faria justia ao caso concreto, mas, ao contrrio, por critrios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilcitos e as

    negligncias utilizadas em benefcio do prprio apelado (TJPR, Ac. 108.417-9, rel. Des. Acccio Cambi, j. 12/12/2001, DJPR 4/2/2002).

    Somente as trs primeiras esto explcitas na Carta de 1988. Isso se explica pela maior incidncia dessas formas familiares na

    sociedade brasileira. Aproximadamente 84% de nossa populao, em 2000, se encaixavam entre as entidades familiares explcitas, contra

    aproximadamente 16% das implcitas.

    3.4 EXISTE HIERARQUIA AXIOLGICA ENTRE AS ENTIDADES FAMILIARES?

    Disse o legislador originrio, ao incluir explicitamente a unio estvel entre as entidades familiares: "Para efeito da proteo do

    Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em

    casamento" [grifo nosso] (art. 226, 3., CF/88).

    Entre os doutrinadores que acreditam que a Constituio Federal de 1988 declinou rol exaustivo de entidades familiares, essa

    escrita deu ensejo a interpretaes de duas ordens: 1) o casamento ocupa posio hierarquicamente superior s outras entidades, que

    devero ter efeitos jurdicos limitados pelo ordenamento jurdico; e 2) as entidades familiares ocupam patamar de igualdade, pois o

    megaprincpio da dignidade da pessoa humana garante a liberdade de escolha das relaes afetivas.

    No correto extrair da norma transcrita a primeira interpretao, pois o legislado originrio, ao colocar o trecho que grifamos, no

    pretendeu fazer distino entre as entidades familiares. Nem assim poderia, sob pena de ferir a harmonia e sistematicidade da Carta

    Magna. Ora, de que adianta garantir como direito fundamental do indivduo a liberdade para escolher o melhor arranjo familiar para si, se

    mais a frente diz que a famlia do casamento o melhor caminho para seus interesses (ou para os do Estado)?

    Em verdade, quis o legislador originrio dizer que o legislador derivado dever, ao promulgar leis infraconstitucionais cujo contedo

    a unio estvel, incluir uma forma simples para que os conviventes venham a contrair, se assim quiserem, um casamento civil.

    Paulo Luiz Netto LBO (2002) leciona que

    A tese II, da igualdade dos tipos de entidades, consulta melhor o conjunto das disposies constitucionais. Alm do princpio da

    igualdade das entidades, como decorrncia natural do pluralismo reconhecido pela Constituio, h de se ter presente o princpio da

    liberdade de escolha, como concretizao do macroprincpio da dignidade da pessoa humana. Consulta a dignidade da pessoa humana a

    liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda sua realizao existencial.

    Portanto, pensamos que o legislador no foi feliz ao incluir o trecho causador da dvida. Conquanto no tenha querido propor uma

    hierarquia de entidades familiares, o certo que deixou entrever uma predileo do Estado pelo casamento, com certeza pelo rano de

    longo perodo em que a singularidade familiar reinou na ordem jurdica ptria.

    Ningum mais indicado do que a prpria pessoa para dizer do melhor para sua dignidade e sua afetividade. E como veremos

    adiante, o objetivo do Estado ao determinar proteo especial famlia, no outro seno o de assistir aos seus integrantes ( 8., art.

    226, CF/88). Ento, sua influncia na famlia se restringe to-somente proteo do ambiente familiar, seja qual for ele.

    3.5 A PROTEO ESTATAL S ENTIDADES FAMILIARES E A SEUS MEMBROS

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    16/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 16/32

    J dissemos que a famlia a base da sociedade e que, por isso, o Estado deve conferir-lhe uma proteo. Esse discurso

    permeou-se de forma clara pelas constituies brasileiras desde 1934 (art. 144, CF/34; art. 124, CF/37; art. 163, CF/46; art. 167, CF/67-

    69).

    A Carta Magna vigente, em seu art. 226, caput, assevera que "A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado". Vai

    alm no 8., do mesmo artigo, quando diz que "O Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um que a integra, criando

    mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes". Nesse particular, cabe-nos questionar a quem se dirige a proteo estatal:

    famlia ou pessoa que a integra?

    As constituies anteriores faziam meno expressa famlia como sendo conseqncia de um casamento indissolvel. A tutelaestatal a significava proteger em primeiro lugar a famlia e no a seus membros. Em outros termos, a proteo estatal reduzia-se a afastar

    toda sorte de "unies ilcitas", objetivando consagrar o casamento como instituio essencial para assegurar os interesses do prprio

    Estado. Tanto era assim que, por muitos anos, falou-se em filhos "legtimos" e "ilegtimos" os provenientes de relaes fora do manto

    civil, que tinham tratamento discriminatrio pela sociedade e pela lei.

    Em tese adversa, a Constituio de 1988, desviando o foco para a pessoa humana e sua dignidade, repensou a famlia e a

    declarou objeto de proteo mediata do Estado. Para tanto, passou a amparar cada pessoa que integra o ncleo familiar sob o argumento

    de lhe despender proteo especial ( 8., art. 226). Ratificando nossa viso, temos os art. 227 e 230, os quais determinam que dever da

    famlia, da sociedade e do Estado garantir o desenvolvimento saudvel e digno da criana, do adolescente e das pessoas idosas.

    Com efeito, como nos ensina Gustavo Tepedino,

    "... a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalstico da proteo estatal, para cuja realizao

    devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de famlia, regulando as relaes mais

    ntimas e intensas do indivduo social" (apudMaria Celina BRAVO e Mrio Jorge Uchoa SOUZA, 2002).

    Alm do mais, complementa Paulo Luiz Netto LBO (2002),

    Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, no podem ser protegidas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a

    excluso refletiria nas pessoas que as integram por opo ou por circunstncias da vida, comprometendo a realizao do princpio da

    dignidade da pessoa humana.

    Assim sendo, mais um motivo para vedar-se a interpretao que expe que a Constituio declinou rol exaustivo de entidades

    familiares, sob pena de infringncia ao princpio da dignidade da pessoa humana.

    4 DO CONCUBINATO

    O concubinato, em seu sentido etimolgico, vem, conforme lio de lvaro Villaa AZEVEDO (2002:186),

    ... do vocbulo latino concubinatus, us, que, ento, j significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is,

    ubui, ubitum, ereou concubo, as, bui, itum, are(derivado do grego), cujo sentido o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com,

    repousar, descansar, ter relao carnal, estar na cama.

    Pode ser entendido sob duas formas: 1) ampla: conhecida por alguns pelo nome de concubinagem, compreende toda e qualquer

    unio afetiva e sexual entre homem e mulher fora do casamento, indo da posse de estado de casado unio adulterina; e 2) estrita:

    relao duradoura que pressupe o nimo societrio e a lealdade.

    Na Roma Antiga, o concubinatus era uma relao estvel permitida entre homem e mulher livres e solteiros que, conquanto

    vivessem como se casados fossem, no detinham, para o direito da poca, o affectio maritalis e a honor matrimonii. Inicialmente, no tinha

    qualquer efeito jurdico, embora no fosse proibido ou moralmente reprovvel. As relaes passageiras e instveis recebiam o nome de

    stuprumou adulterium.

    Aps sua incluso no direito romano como prtica lcita e usual pelas leis Iulia e Papia Poppaea, ele alcanou pior momentodurante as administraes dos imperadores cristos, que o consideraram imoral, chegando, inclusive, a ser abolido pelo Imperador Leo

    (886 a 912 d. C.).

  • 7/24/2019 Concubinato Adulterino_ Uma Entidade Familiar a Ser Reconhecida Pelo Estado Brasileiro - Revista Jus Navigandi -

    17/32

    05/11/13 Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas

    jus.com.br/artigos/9624/concubinato-adulterino/print 17/32

    A religio crist, representada pela Igreja Catlica teve papel primordial na viso reservada que detinha o concubinato dentro da

    sociedade e do prprio Estado. Contudo, como nos conta lvaro Villaa AZEVEDO (2002:155), citando Gustavo A. Bossert,

    ... desde o incio de sua elaborao, o Direito Cannico captou o sentido da realidade social do concubinato, tratando de regula-lo

    e de conceder-lhe efeitos, com critrio realista, procurando, com isso, assegurar a monogamia e a estabilidade do relacionamento do

    casal, mas sem ratific-lo.

    Em verdade, a Igreja Catlica se voltou mesmo contra o concubinato no momento em que ele comeou a ser praticado pelos

    clrigos, pondo em xeque sua prpria estrutura. Foi nesse tempo que os padres foram proibidos de conviverem com mulheres que no as

    suas parentes e, mesmo assim, contanto que no se despertasse qualquer suspeita.

    Santo Agostinho foi um dos grandes combatentes do concubinato, tendo essa reprovao aumentado com a expedio de vrios

    conclios pela Igreja. Por exemplo,

    Com o Conclio de Trento, em 1563, restou proibido o casamento presumido, determinando-se a obrigatoriedade de celebrao

    formal do matrimnio, na presena do proco, de duas testemunhas, em cerimnia pblica. Essas celebraes passaram, ento, a ser

    assentadas em registros paroquiais. Desse modo, condenou-se o concubinato. Foram estabelecidas penalidades severas contra os

    concubinos que, sendo trs vezes advertidos, no terminassem seu relacionamento, podendo ser excomungados e, at, qualificados de

    hereges (lvaro Villaa AZEVEDO, 2002:157).

    A despeito disso, o concubinato sempre resistiu, encontrando seu lugar no mundo jurdico a partir do sculo XVI, quando ento se

    sentiu a necessidade de legislar-se sobre o tema. J para a metade do sculo XIX, os tribunais franceses comearam a verificar na relao

    concubinria uma sociedade econmica, resultando da alguns efeitos jurdicos, inclusive, com a aplicao do princpio do enriquecimento

    sem causa (Rodrigo da Cunha PEREIRA, 2004a:15).

    No Brasil, o concubinato nunca teve uma posio de prestgio, vez que representava a negao do casamento indissolvel que era

    prezado pelo Estado. Os concubinos eram vtimas de preconceito, como se fossem desertores da moral e dos bons costumes.

    O Cdigo Civil de 1916 no permitia expressamente o concubinato, porm, no o proibia. O Diploma Civil dedicava-se, no mximo,

    a negar alguns possveis direitos ao concubino, sob o propsito de proteger a