bpi novo papel da china na economia global

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015 37 Novo papel da China na economia Global Nos últimos meses, os mercados financeiros têm revelado um crescente clima de inquietação, que reflecte em parte os receios relativamente à situação económica na China. Às evidências de abrandamento económico, juntaram-se as decisões do Banco Central de permitir uma desvalorização mais acentuada da moeda e perturbações significativas no mercado accionista (com as bolsas a perderem cerca de 40% desde Junho). Ao mesmo tempo, os dados económicos continuam a dar evidência de que o crescimento económico está a desacelerar, aumentando os receios do efeito que isto poderá ter na economia global. Neste artigo procuramos analisar os desenvolvimentos recentes da China de forma a avaliar quais as principais vulnerabilidades da economia, e quais os riscos adjacentes ao processo de transição em curso do crescimento económico da China para uma “nova normal”. Perante o novo posicionamento da China na economia mundial, como grande potência económica, as decisões de política económica na China passaram a ter maior impacto sobre o comportamento dos mercados financeiros globais. As taxas de crescimento elevadas dos últimos anos permitiram à China a concretização de avanços notáveis em termos de desenvolvimento económico e uma rápida convergência relativamente aos países em desenvolvimento. Com uma taxa de crescimento económico média de 10% desde o início dos anos 90, a China tornou-se em 2014 a maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra, ultrapassando os EUA, ainda que continue distante dos níveis de rendimento per capita das economias avançadas. Este factor torna-se relevante porque actualmente a China representa em termos nominais 13% da economia mundial e 12.3% das exportações mundiais (dados de 2014, medidos em USD). Com efeito, o impacto da desaceleração da economia chinesa deverá ter efeitos bastante significativos na economia mundial. Ainda que se considere que o abrandamento económico seja um factor já antecipado, e mesmo desejado para que se torne mais sólido e qualitativo, receia-se que as vulnerabilidades acumuladas nos últimos anos possam ter tomado proporções excessivas, constituindo assim um risco para a economia global. O modelo assente no investimento e no crédito como principal veículo de crescimento económico, resultou em diversas fragilidades do sistema financeiro, que se têm vindo a agravar em particular desde a crise financeira de 2008. Em particular destaca-se (i) o excesso de oferta no mercado imobiliário (ii) o desenvolvimento de um sistema bancário sombra (shadow banking), ou seja, um conjunto de entidades, infra-estruturas e práticas financeiras que se desenvolvem fora do alcance das entidades reguladoras e a (iii) alavancagem do sector empresarial. Para além disso, do lado do sector público, salienta-se o excesso de endividamento dos governos locais e a elevada proporção do sistema de empresas públicas que peca por ser menos eficiente. Opinião Com o investimento a perder dinamismo, mas o consumo a manter-se resiliente (pontos percentuais) O crescimento económico mantém tendência de abrandamento (yoy %) Numa perspectiva mais positiva, a verdade é que as autoridades parecem estar comprometidas em proceder com as reformas e políticas necessárias para diminuir estas vulnerabilidades. Em particular, adoptaram políticas para trazer os rácios do crédito para patamares mais sustentáveis, conter o alargamento da actividade do shadow banking, e reduzir o excesso de capacidade na indústria. Com efeito, o crescimento da base monetária desceu gradualmente para um mínimo histórico de 10.1% y/y em Abril de 2015, enquanto as taxas de juro reais aumentaram face à desaceleração do crescimento dos preços. No sector público, as autoridades adoptaram uma postura mais restritiva em termos de finanças públicas, e para além disso avançaram com reformas para controlar o crescimento da despesa pública fora do orçamento e através dos governos locais (por exemplo, através da introdução da nova lei orçamental), e com uma reforma do estatuto das empresas públicas 1 . Com estas medidas pretendeu-se acomodar da melhor forma o processo de transferência de um crescimento sustentado por um forte sector industrial orientado para as exportações (suportado pelo investimento publico), para um crescimento assente no sector dos serviços, que deverá ser sustentado pelo crescimento do consumo. 1 As primeiras medidas que dizem respeito à reforma das empresas públicas foram anunciadas só em Setembro, e visam aumentar os níveis de produtividade e eficiência destas empresas, e permitir que as forças de mercado permitam uma melhor alocação dos recursos. 4 6 8 10 12 14 16 jun-07 jun-08 jun-09 jun-10 jun-11 jun-12 jun-13 jun-14 jun-15 PIB Real Fonte: Bloomberg/NBSC -5% 5% 15% -10% 0% 10% 20% 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 Contributos para o crescimento económico Investimento Consumo Final Exportações Líquidas Crescimento do PIB (Real) Fonte: Bloomberg/NBSC

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Análise financeira

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Page 1: BPI Novo Papel Da China Na Economia Global

E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

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Novo papel da China na economia Global

Nos últimos meses, os mercados financeiros têm revelado um crescente clima de inquietação, que reflecte em parte os receios relativamente à situação económica na China. Às evidências de abrandamento económico, juntaram-se as decisões do Banco Central de permitir uma desvalorização mais acentuada da moeda e perturbações significativas no mercado accionista (com as bolsas a perderem cerca de 40% desde Junho). Ao mesmo tempo, os dados económicos continuam a dar evidência de que o crescimento económico está a desacelerar, aumentando os receios do efeito que isto poderá ter na economia global. Neste artigo procuramos analisar os desenvolvimentos recentes da China de forma a avaliar quais as principais vulnerabilidades da economia, e quais os riscos adjacentes ao processo de transição em curso do crescimento económico da China para uma “nova normal”.

Perante o novo posicionamento da China na economia mundial, como grande potência económica, as decisões de política económica na China passaram a ter maior impacto sobre o comportamento dos mercados financeiros globais. As taxas de crescimento elevadas dos últimos anos permitiram à China a concretização de avanços notáveis em termos de desenvolvimento económico e uma rápida convergência relativamente aos países em desenvolvimento. Com uma taxa de crescimento económico média de 10% desde o início dos anos 90, a China tornou-se em 2014 a maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra, ultrapassando os EUA, ainda que continue distante dos níveis de rendimento per capita das economias avançadas. Este factor torna-se relevante porque actualmente a China representa em termos nominais 13% da economia mundial e 12.3% das exportações mundiais (dados de 2014, medidos em USD). Com efeito, o impacto da desaceleração da economia chinesa deverá ter efeitos bastante significativos na economia mundial.

Ainda que se considere que o abrandamento económico seja um factor já antecipado, e mesmo desejado para que se torne mais sólido e qualitativo, receia-se que as vulnerabilidades acumuladas nos últimos anos possam ter tomado proporções excessivas, constituindo assim um risco para a economia global. O modelo assente no investimento e no crédito como principal veículo de crescimento económico, resultou em diversas fragilidades do sistema financeiro, que se têm vindo a agravar em particular desde a crise financeira de 2008. Em particular destaca-se (i) o excesso de oferta no mercado imobiliário (ii) o desenvolvimento de um sistema bancário sombra (shadow banking), ou seja, um conjunto de entidades, infra-estruturas e práticas financeiras que se desenvolvem fora do alcance das entidades reguladoras e a (iii) alavancagem do sector empresarial. Para além disso, do lado do sector público, salienta-se o excesso de endividamento dos governos locais e a elevada proporção do sistema de empresas públicas que peca por ser menos eficiente.

Opinião

Com o investimento a perder dinamismo, mas o consumo a manter-se resiliente

(pontos percentuais)

O crescimento económico mantém tendência de abrandamento

(yoy %)

Numa perspectiva mais positiva, a verdade é que as autoridades parecem estar comprometidas em proceder com as reformas e políticas necessárias para diminuir estas vulnerabilidades. Em particular, adoptaram políticas para trazer os rácios do crédito para patamares mais sustentáveis, conter o alargamento da actividade do shadow banking, e reduzir o excesso de capacidade na indústria. Com efeito, o crescimento da base monetária desceu gradualmente para um mínimo histórico de 10.1% y/y em Abril de 2015, enquanto as taxas de juro reais aumentaram face à desaceleração do crescimento dos preços. No sector público, as autoridades adoptaram uma postura mais restritiva em termos de finanças públicas, e para além disso avançaram com reformas para controlar o crescimento da despesa pública fora do orçamento e através dos governos locais (por exemplo, através da introdução da nova lei orçamental), e com uma reforma do estatuto das empresas públicas1. Com estas medidas pretendeu-se acomodar da melhor forma o processo de transferência de um crescimento sustentado por um forte sector industrial orientado para as exportações (suportado pelo investimento publico), para um crescimento assente no sector dos serviços, que deverá ser sustentado pelo crescimento do consumo.

1 As primeiras medidas que dizem respeito à reforma das empresas públicas foram anunciadas só em Setembro, e visam aumentar os níveis de produtividade e eficiência destas empresas, e permitir que as forças de mercado permitam uma melhor alocação dos recursos.

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PIB Real

Fonte: Bloomberg/NBSC

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Contributos para o crescimento económico

Investimento Consumo FinalExportações Líquidas Crescimento do PIB (Real)

Fonte: Bloomberg/NBSC

Page 2: BPI Novo Papel Da China Na Economia Global

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

Do lado da oferta, desaceleração do sect. secundário compensada pelo maior dinamismo no sect. terciário

(yoy %)

Mantém-se a tendência de longo prazo de transf. de recursos da indústria para o sector dos serviços

(yoy%)

Opinião

O grande desafio das autoridades no curto prazo, será o de proceder com as reformas necessárias sem que com isso produza um arrefecimento económico indesejado. São as decisões em torno deste trade-off que entretanto estão a gerar uma certa inquietação nos mercados, reflectida por exemplo no forte movimento de desinvestimento nas bolsas do país. De facto, se em parte o abrandamento económico reflecte este processo natural de transformação económica, por outro lado, as medidas implementadas pelas autoridades para corrigir os desequilíbrios da economia, têm-se reflectido negativamente em alguns indicadores, em particular nos do crédito e de investimento. A boa notícia é que se a desaceleração resultou da implementação de políticas mais restritivas, então pelo menos parte deste efeito pode ser atenuado com medidas de estímulo. Foi neste contexto, que as autoridades decidiram intervir nos últimos meses, em particular, através da decisão do Banco Central de permitir uma desvalorização mais expressiva do câmbio (cerca de 4.7% em 3 dias), de forma a reanimar a competitividade da indústria (ainda que também se especule que este possa ter sido um sinal de uma vontade de transferência para um regime cambial mais flexível). Em termos de política monetária, foram também adoptadas medidas adicionais por parte do Banco Popular da China, que incluíram uma redução de 25 pontos base tanto na taxa de juro dos depósitos a um ano como na taxa de juro dos empréstimos a um ano (para 1.75% e 4.6% respectivamente), e uma diminuição do coeficiente de reservas obrigatórias em 50 pontos base, para 18%. Por outro lado, o governo foi também anunciando algumas medidas de estímulo fiscal (promovendo por exemplo o financiamento de investimento em infra-estruturas), que devem ajudar a estimular a economia, mas por outro lado não se prevê que este tipo de programa possa atingir grandes proporções dado que o espaço fiscal é reduzido.

De acordo com a informação oficial, o crescimento económico manteve-se nos 7% mas começam-se a evi-denciar os efeitos da alteração da estrutura da economia. O PIB da China manteve um crescimento de 7% y/y nos primeiros dois trimestres do ano. Ainda que esta seja a taxa de crescimento mais baixa da última década, salienta-se a alteração estrutural da economia, que se traduz numa maior contribuição do consumo e dos serviços para o crescimento económico. O crescimento económico na primeira metade do ano foi impulsionado pelo crescimento do consumo interno, que apresenta agora um peso de 60% no total da economia (comparativamente a 51.2% do PIB em 2014), enquanto o investimento detém um peso de 35.7% no total da economia e as exportações líquidas 4.3%. Do lado da oferta, o crescimento da indústria desacelerou para 5.9% y/y (vs. 6.4% y/y no 1T 2015), enquanto o crescimento no sector dos serviços acelerou para 8.8% y/y (vs. 7.9% no 1T2015), a taxa de crescimento mais elevada dos últimos 14 meses. Em relação à estrutura por sector de actividade, o peso do sector da indústria transformadora diminuiu ligeiramente, em detrimento do sector terciário, mas não alterando a tendência de longo prazo de transferência de recursos da indústria para o sector dos serviços.

A manutenção do nível de crescimento económico nesse patamar, resultou em parte dos estímulos do governo que conseguiram travar uma queda mais acentuada do investimento, através de um impulso ao investimento em infra-estruturas. O crescimento do investimento em activos fixos continua a apresentar uma tendência de acentu-ada desaceleração. Em termos cumulativos até Agosto, o investimento em activos fixos cresceu 10.9% y/y, mantendo a tendência de contínua desaceleração, e que compara com uma taxa de crescimento de 11.2% y/y no mês anterior. Mas desagregando os dados por sectores de actividade, verifica-se de facto que a desaceleração tem sido mais acentuada nos sectores do imobiliário e indústria transformadora, enquanto no sector de infra-estruturas, a taxa de crescimento se manteve relativamente mais robusta. Em particular, em Agosto a taxa de crescimento do investimento em infra-estru-turas subiu para 18.4% y/y (vs. 18.2% y/y), reflectindo o impacto das medidas de incentivo introduzidas pelo governo.

Do lado do consumo privado, as vendas a retalho apontam para uma recuperação do consumo no 3T. Nas vendas a retalho registou-se uma recuperação a partir de Junho, que foi relativamente sustentada em Julho e Agosto. Apesar da tendência de desaceleração relativamente às taxas de crescimento históricas, o indicador proxy do consumo continua a registar taxas de crescimento anuais acima dos 10%. A taxa de crescimento das vendas a retalho recuperou em Junho para 10.6% y/y (vs. 10.1% y/y no mês anterior), e depois sustentou taxas de crescimento de 10.5% y/y e 10.8% y/y em Julho

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jun-12 jun-13 jun-14 jun-15

PIB Real

Sector primário Sector SecundárioSector terciário Fonte: Bloomberg/NBSC

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Contributos para o crescimento económico

Sector Primário Sector SecundárioSector Terciário Crescimento real do PIB

Fonte: Bloomberg/NBSC

Page 3: BPI Novo Papel Da China Na Economia Global

E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

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Confiança na economia chinesa cai para níveis não registados desde a crise financeira

(índice)

Crescimento da produção industrial abaixo dos níveis históricos

(yoy %)

Opinião

Os indicadores PMI continuam sobre pressão...

(ndice)

…apesar de os indicadores PMI oficiais apontarem para uma situação mais sólida

(ndice)

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Indicador de Clima Económico (leading Index, SA)

Fonte: DataStream/NBSC

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Produção Industrial(Volume)

Prod. Energia (yoy %) Prod. Ind. (yoy %)Fonte: Bloomberg/NBSC

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PMIs

Compósito Ind. Transf.Serviços Fonte: Bloomberg/Markit

O crescimento do investimento desacelerou rapidamente

(yoy %)

Vendas a retalho em tentativa de recuperação, mantêm taxas de crescimento elevadas

(yoy %)

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set-12 mar-13 set-13 mar-14 set-14 mar-15 set-15

PMIs oficiais

Ind. TransformadoraOutros sectores Fonte: Bloomberg/

China Federation of Logist. and Purchasing

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Investimento em activos fixos

Investimento em activos fixosInd. Transf.Imobiliário Fonte: Bloomberg/NBSC

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Vendas a Retalho

Nominal Real Fonte: Bloomberg/NBSC

e Agosto respectivamente, em termos nominais. Em termos reais, a taxa de crescimento das vendas manteve-se estável em 10.4% y/y em Julho e Agosto. As vendas de smartphones tem sido uma das principais componentes a impulsionar o crescimento das vendas a retalho mas também de artigos relacionados com a casa (tais como materiais de construção e de decoração), reflectindo as novas tendências de consumo da população chinesa.

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

Taxa de inflação a oscilar em mínimos históricos…

(yoy %)

Mercado trabalho continua sólido, com a taxa de desemprego a diminuir e o salário médio a aumentar

(percentagem; CNY)

Opinião

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jun-

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Mercado de trabalho

Salário médio (CNY) (ELD) Taxa de desempregoFonte: Bloomberg/NBSC

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Índice de Preços do Consumidor

IPC - yoy % IPC subjacente - yoy%Fonte: Bloomberg/NBSC

Por outro lado, a produção da indústria transformadora continua apresentar fragilidade e poucos sinais de recuperação. O indicador PMI para a indústria transformadora mantém-se em queda desde Julho de 2014. O indicador caiu em Setembro para 47.0 pontos, o nível mais baixo desde Março de 2009. Tanto o indicador que avalia as novas encomendas (46.0 vs. 46.6), como o indicador da produção (45.7 vs. 46.4) continuam a apresentar uma tendência de queda. O indicador dos níveis de stocks ascendeu a 52.8 pontos, sugerindo que se está perante uma acumulação de stocks não voluntária, que deverá ter um impacto ainda maior sobre a produção nos próximos meses, e o indicador que avalia a criação de emprego diminuiu para o patamar mais baixo desde Fevereiro de 2009. (Note-se que estes são os dados do PMI Caixin, publicados pela empresa Markit, que diferem dos indicadores publicados por entidades locais que reflectem uma imagem mais positiva da actividade, quer nos sectores da indústria transformadora quer nos outros sectores). O crescimento da produção industrial avançou ligeiramente em Agosto para 6.1% y/y, face a 6.0% no mês anterior. Contudo este ligeiro acréscimo reflecte o facto de o indicador ter uma base mais favorável, face a uma queda do indicador para +6.9% em Agosto de 2014 vs. +9% y/y em Julho de 2014. Em geral o indicador continua a perder dinamismo face aos níveis de crescimento históricos, a mesma tendência que sugerem os indicadores PMI. A desaceleração ficou patente em vários sectores de actividade, destacando-se a produção de aço (-3.5% y/y) e de cimento (-4.2% y/y), mas também a queda da produção de veículos a motor (-6.5% y/y) e de automóveis (-23.3% y/y).

Relativamente ao mercado imobiliário, verifica-se que apesar de as vendas continuarem a aumentar (e os preços a subir), o investimento no sector começa a abrandar. As vendas de habitações registaram taxas de cresci-mento de 4.5% y/y, 6.9% y/y e 8% y/y, nos meses de Junho, Julho e Agosto, contrariando a forte contracção das vendas que se arrastou por 14 meses consecutivos. Neste contexto, também os preços das habitações recuperaram ligeiramente nos mesmos meses, ainda que parte deste aumento seja explicada fundamentalmente pela subida dos preços apenas em algumas cidades, onde a procura continua a exceder a oferta. Do lado da oferta, os indicadores apontam para uma clara desaceleração do investimento no sector de imobiliário e para uma queda dos inícios de novas construções. Em geral, o mercado imobiliário tem vindo a ser alvo de um claro ajustamento desde 2014, e os dados sugerem que os investidores estão mais cautelosos em particular no que diz respeito ao mercado habitacional, onde se verifica um excesso de oferta, que deverá ser agravado face ao envelhecimento da população e ao grande número de projectos ainda em curso. No en-tanto, deve-se ter em conta que este ajustamento, ainda que necessário, deverá continuar a ter um impacto inevitável no crescimento do PIB, face ao peso elevado do sector no investimento (formação bruta de capital fixo no sector imobiliário representa cerca de 9% do PIB).

O crescimento do financiamento agregado (Total Social Financing - uma medida mais abrangente do total do crédito que engloba não só os empréstimos bancários como o financiamento através da actividade do shadow banking, que inclui o credito através de trust loans, entrustud loans and undiscounted bankers’ acceptances, ou seja componentes mais obscuras do sistema bancário) mantem a tendência de desaceleração desde inícios de 2013. Este movimento resultou de medidas implementadas pelas autoridades ao introduzir regulamentações mais rigorosas em particular nos trust loans e nas transacções interbancárias e de regulação do crédito ao sector empresarial e público. Para além disso, estas medidas alertaram os investidores para os riscos incutidos nos produtos não bancários. Com efeito, o crescimento do total social financing diminuiu de taxas de variação em torno dos 20% y/y em meados de 2013, para uma taxa de crescimento de 11.5% y/y em Junho de 2015. Contudo, o efeito destas medidas mais restritivas ao financiamento foi posteriormente compensado por um conjunto de medidas de estímulo, que as autoridades decidiram introduzir de forma a evitar uma desaceleração excessiva do crescimento económico. Como tal, voltou a registar-se uma ligeira aceleração do crescimento do total social financing, para 11.82% y/y em Julho e 11.8% em Agosto.

Ainda que estas medidas possam ter sido adequadas no sentido de evitar um arrefecimento excessivo da ac-tividade económica, este movimento voltou a fomentar preocupações de que os esforços para reduzir o grau

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

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Opinião

de alavancagem da economia possam ter sido postos em causa. De facto os níveis de endividamento, medidos através do total social financing (que agrega o financiamento a sociedades não financeiras e famílias) mantêm-se elevados, acima de 200% do PIB, espelhando um modelo de crescimento demasiado assente no crédito. Por outro lado, realça-se o facto de o grosso do ajustamento ter vindo a ser feito através de uma redução do shadow banking, que incide em actividades mais arriscadas e com poucas garantias, e que poderia ameaçar a estabilidade do sistema financeiro. O peso do shadow banking no total do financiamento tem vindo a diminuir, em particular a partir do final de 2014, mas mantendo um rácio elevado de cerca de 17%.

As novas construções caem mas o excesso de oferta mantém-se

(yoy %)

Políticas de estímulo voltam a despertar o sector, mas o investimento continua a diminuir

(yoy %)

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Mercado imobiliário

Crescimento da construção residencialInvestimento no sector imobiliário (ELD)

Fonte: Bloomberg/NBSC

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010203040

jul-11 jan-12 jul-12 jan-13 jul-13 jan-14 jul-14 jan-15 jul-15

Novas Construções (habitação)

Habitações em construção (área) (yoy %)Novas construções de habitações(área) (yoy %)

Fonte: Bloomberg/NBSC

As vendas de habitações corrigiram, mas voltaram a recuperar nos últimos meses.

(YTD milhões por pessoa; yoy %)

Preços das habitações recuperam, mas mantêm tendência de correcção

(yoy %)

…mas em termos nominais mantêm uma posição importante no mercado global

(milhares de toneladas; milhões de barris p/pessoa)

Fluxos comerciais perdem dinamismo…

(Média Móvel 3m y-o-y %)

-8-6-4-202468

101214

ago-07ago-08ago-09ago-10ago-11ago-12ago-13ago-14ago-15

Preços das habitações

Preços das habitações recentementeconstruídas para 70 cidades

Fonte: Bloomberg/NBSC

-40-20020406080100

0200400600800

100012001400

ago-07ago-08ago-09ago-10ago-11ago-12ago-13ago-14ago-15

Mercado imobiliário área de construção residencial vendida

Milhões por pessoa (YTD) yoy % (ELD)

Fonte: Bloomberg/NBSC

-40%

-20%

0%

20%

40%

60%

80%

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Exportações e Importações

Exportações - (yoy%) Importações - (yoy%)S

Fonte: DataStream/NBSC

05101520253035

02000400060008000

1000012000

mar

-05

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12m

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14fe

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Comércio Externo

Exportações de produtos siderúrgicosImportaçõesde petróleo (ELD)

Fonte: Customs General Administration PRC

Page 6: BPI Novo Papel Da China Na Economia Global

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

Opinião

A acumulação de reservas internac. está em queda desde final de 2014, mas o stock mantém-se elevado

(mil milhões de USD)

O excedente comercial cresce suportado pela queda dos preços das importações

(var. anual acum. 12-m; milhões USD)

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Exportações, Importações e S.Comerc.

Saldo Comercial (USD)Exportações - (yoy% 12m)Importações - (yoy% 12m)

Fonte: DataStream/NBSC

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Reservas internacionais

Reservas InternacionaisUS treasuries detidos pela China… Fonte: Bloomberg/NBSC

O crescimento das exportações tem vindo a abrandar, traduzindo a queda da actividade na indústria transfor-madora. Em termos homólogos, o ritmo de contracção das exportações diminuiu no mês de Agosto, para -5.5% y/y (vs. -8.3% y/y no mês anterior), mas ainda assim não conseguiu deixar de ser entendido como um sinal de clara fraqueza da actividade económica (ainda que estes dados ocultem um efeito de diferentes bases de comparação). Do lado das impor-tações, a contracção também foi mais acentuada em Agosto (-13.8% y/y vs. -8.1% y/y), salientando-se que a queda das importações resulta essencialmente do efeito da deflação dos preços das commodities em particular dos metais. Como resultado, o excedente comercial foi beneficiando com a redução dos custos com as matérias-primas e voltou a subir em Agosto para um patamar acima dos USD 600 milhões. Note-se ainda, que em termos cumulativos de 12 meses, as ex-portações continuam a crescer ainda que a um ritmo mais moderado. Em particular, em termos de volume, por exemplo as exportações de produtos siderúrgicos aumentaram cerca de 28% y/y no acumulado dos primeiros oito meses do ano. Para além disso, é de realçar que apesar da desvalorização da taxa de câmbio nominal face ao USD, em termos efectivos não se registou qualquer sinal de um aumento de competitividade cambial. O que se explicará pelo significativo peso do comércio internacional da China com outras economias emergentes, cujas moedas têm sofrido também forte depreciação.

A taxa de crescimento dos preços do consumidor tem oscilado também em mínimos históricos, reflectindo a queda dos preços das commodities nos mercados internacionais, a relativa apreciação da moeda (em termos reais efectivos) e também a desaceleração do crescimento da actividade. Apesar disso, nos últimos meses tem-se vindo a verificar uma gradual subida da taxa de variação homóloga (+2% y/y em Agosto, vs. +1.6% y/y em Junho), impulsionada pelo crescimento dos bens alimentares e da habitação. Apesar de os custos energéticos continuarem a pesar negativamente na taxa de inflação, foram compensados pelo crescimento dos preços da alimentação e do imobiliário. Sen-do assim, a taxa de inflação subjacente (que exclui os preços dos bens alimentares e energia) manteve-se relativamente estável em torno dos 1.7% y/y em Junho, Julho e Agosto.

O crescimento do crédito total do sistema tem desacelerado…

(billion CNY; yoy %)

…mas mantém-se em níveis elevados, evidência de um modelo de crescimento muito assente no crédito

(% PIB)

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Total Social Funding

Total endividam. (empresas e social) - Total Social Fundingyoy % (ELD)

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Total Social Finance (% PIB)

Fonte: Bloomberg/NBSC

Por seu turno, o índice de preços do produtor continua acentuar a tendência de contracção, o que resulta es-sencialmente da queda dos preços das matérias-primas (inputs importados pelos produtores que constituem o grosso do índice), mas também de algum excesso de capacidade da indústria. Contudo, não se pode considerar que este seja um factor de preocupação dado que no mercado interno os preços permanecem sólidos, e os salários a

Page 7: BPI Novo Papel Da China Na Economia Global

E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

43

…mas mantém um peso elevado sobre o total do financiamento social

(billion CNY; percentagem)

Opinião

O grosso do ajustamento foi através da redução do shadow banking…

(billion CNY; percentagem)

O mercado accionista continua sobre pressão

(índice)

O crescimento do crédito desacelerou

(yoy %)

Contudo em termos efectivos a taxa de câmbio continuou a apreciar

(índice)

China promove uma desvalorização histórica do yuan

(mil milhões de euros)

crescer. Para além disso, este factor poderá funcionar mesmo como um impulso para a actividade das empresas na in-dústria transformadora que se estão a deparar com outros constrangimentos. Acresce referir que o efeito deflacionista provocado pela queda dos preços das commodities deverá começar a diluir-se nos próximos meses, à medida que a base de comparação se começa a ajustar à nova realidade de preços, e que a ligeira desvalorização da moeda pode auxiliar na subida dos preços, ao contrário do que tinha acontecido até agora.

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Fluxos do Total Social Financing (TSF)

Empréstimos Bancários Shadow bankingMercado accionista Mercado de ObrigaçõesStock TSF (yoy%) Fonte: Bloomberg/NBSC

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Shadow Banking

Shadow Banking % Shadow banking/total financingFonte: Bloomberg/NBSC

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Crescimento do Crédito e da Base Monetária

M2 yoy %Crescimento do total do endividamento financeiro yoy%

Fonte: Bloomberg/NBSC

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Shanghai Stock Exchange Composite Index

Fonte: Bloomberg/NBSC

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USD/CNY (spot)

Fonte: Bloomberg/NBSC

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Taxa de Câmbio Efectiva

Nominal RealFonte: BIS

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E.E.F. Mercados Financeiros Outubro 2015

Opinião

Ajustamento fiscal em curso…

(yoy %; acumulado 12 meses, milmilhões CNY)

E o elevado endividamento deixa reduzido espaço fiscal para políticas contracíclicas

(%PIB)

Conclusão

Os principais indicadores económicos mensais sugerem que no 3T vamos continuar a assistir a uma desaceleração do crescimento do PIB, que na melhor das hipóteses se manterá nos 7%. Ou seja, as medidas de estímulo parecem estar a conseguir evitar que a desaceleração se acentue, mas provavelmente vão ser necessárias medidas mais agressivas para manter o crescimento económico acima dos 7%. As opções em discussão passam por (i) uma política monetária mais acomodatícia (dado que as pressões inflacionistas são reduzidas), o que no entanto poderia contribuir para impulsionar a saída de capitais estrangeiros (tendência que já se tem intensificado em particular desde a decisão de desvalorização da moeda); (ii) uma desvalorização mais acentuada da moeda (iii) novas medidas de estímulo fiscal, ainda que o espaço fiscal seja limitado face ao aumento do endividamento nos últimos anos. Convém no entanto salientar, que se alguns indicadores têm vindo a perder robustez, nomeadamente na actividade industrial e mercado imobiliário, existe também evidência de que o sector privado continua a beneficiar de um mercado de trabalho sólido, com a taxa de desemprego a descer e os salários a aumentarem, o que deverá ser essencial para estimular o consumo interno e assim apoiar o processo de transformação em curso, em que deverá ser o sector dos serviços a suportar o crescimento económico. Para além do potencial do mercado interno, também não se deve desvalorizar o potencial de dinamismo das empresas do sector privado, um assunto que foi recentemente analisado pela revista Economist, que realça o potencial de inovação, desenvolvimento tecnológico e capacidade de gestão das empresas do sector privado na China.

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Défice orçamental (acum. 12 meses, CNY Billions) (ELD)Despesas (yoy %)Receitas (yoy %) Fonte: Bloomberg

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Dívida Pública

Fonte: WEO IMF

Luísa Teixeira Felino