apontamentos direito das sucessões

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1 Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro INTRODUÇÃO 1. UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO AO DIREITO DAS SUCESSÕES 1.1. Noção e objeto do Direito das Sucessões Ocupando-se da sucessão por morte, o Direito das Sucessões regula o destino das situações jurídicas das pessoas singulares que se não extinguiram por morte do respetivo titular. Por vezes contrapõe-se a sucessão à transmissão. A transmissão consiste numa aquisição (ou vinculação) derivada translativa, na passagem de direitos e obrigações da esfera jurídica de uma pessoa para a de outra, o que pressupõe identidade entre as situações que existiam na esfera jurídica de uma pessoa e as que agora se encontram na esfera jurídica de outra. Frequentemente haverá transmissão por morte. Todavia, conhecem-se hipóteses de sucessão por morte que se não traduzem na aquisição, ex: cláusula testamentária que se exprima no perdão de uma dívida. A sucessão por morte em direitos é uma liberalidade à custa do património do de cujus. 1.2. O âmbito da sucessão O conceito de sucessão adotado só abrange situações jurídicas patrimoniais (art. 2024º + art. 2030º/2). Há contudo um conjunto de situações que se extinguem à data da morte do respetivo titular, ex.: dto usufruto; dto uso e habitação; dto de alimentos; direito de aceitação da proposta contratual; direito convencional de preferência. 1.3. Espécies de sucessão e espécies de sucessores O regime jurídico português da sucessão tem como trave-mestra uma classificação a que alude o art. 2026º permitindo identificar 4 espécies de sucessão: a sucessão legítima, a sucessão legitimária, a sucessão testamentária e a sucessão contratual. Nos termos dos arts. 2132º e 2133º, a sucessão legítima, que opera na ausência de vontade válida e eficaz do de cuius (art. 2131º), tem como beneficiários o cônjuge, os parentes próximos do falecido e, na falta de cônjuge e destes parentes, o Estado. Nos termos do art. 2157º, a sucessão legitimária reserva uma porção de bens que o de cuius não pode dispor (art. 2156º) ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido. Em contrapartida, a sucessão testamentária constitui o espaço de manifestação da autonomia da vontade do de cuius no domínio sucessório. O testamento é o ato unilateral pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte e a título gratuito, do seu património (art. 2179º/1). Há outra classificação significativa que é a de espécies de sucessores, consagrada no art. 2030º. A classificação exprime-se na dicotomia herdeiro-legatário. O nº2 do 2 Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro mencionado artigo determina que é herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuius e legatário o que sucede em bens ou valores determinados. Por conseguinte, as pessoas são chamadas à sucessão ou como herdeiros ou como legatários. A relevância principal da distinção traduz-se na responsabilidade pelos encargos da herança, que, em princípio, incumbe aos herdeiros, e apenas aos herdeiros. Efetivamente, o herdeiro sucede na totalidade ou numa quota do património, o que abrange ativo e passivo, enquanto o legatário sucede em ativo determinado (bens ou valores). PARTE I – A ESTÁTICA SUCESSÓRIA 1. NOÇÃO DE DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA 1.1. Conceito de designação sucessória A designação consiste na operação feita em vida do de cuius mediante a qual se indicam as pessoas que podem vir a suceder-lhe, por morte dele. As pessoas designadas são os sucessíveis. Sucessível é o beneficiário de um facto designativo que ainda não foi chamado á sucessão ou que, já tendo sido chamado, ainda não a aceitou. Sucessor é a pessoa que foi chamada à sucessão e que a aceitou. A pessoa é designada para suceder como herdeiro ou legatário. Em vida do autor da sucessão, é indicada também a qualidade que virá a caber ao sucessível no momento do chamamento. 1.2. A designação sucessória em razão do objeto O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário vem estabelecido no art. 2030º (critério qualitativo e não quantitativo). Nos termos do nº2, diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário aquele que sucede em bens ou valores determinados (mesmo que se apure que o de cuius não tinha outros bens na altura da sua morte). A quota é uma fração abstrata, representativa de uma relação numérica com todo o hereditário. Para além dos bens ou valores designados concretamente são igualmente legados as deixas de herança ou de quota de herança não partilhadas à qual foi chamado o testador, bem como a deixa da meação nos bens comuns. A qualidade de herdeiro pressupõe uma conexão da atribuição mortis causa com todo o património, no momento da designação.

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Resumo do Manual "Direito das Sucessões Contemporâneo" de Jorge Duarte Pinheiro

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Page 1: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

INTRODUÇÃO

1. UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO AO DIREITO DAS SUCESSÕES

1.1. Noção e objeto do Direito das Sucessões

Ocupando-se da sucessão por morte, o Direito das Sucessões regula o destino das

situações jurídicas das pessoas singulares que se não extinguiram por morte do

respetivo titular.

Por vezes contrapõe-se a sucessão à transmissão. A transmissão consiste numa

aquisição (ou vinculação) derivada translativa, na passagem de direitos e obrigações da

esfera jurídica de uma pessoa para a de outra, o que pressupõe identidade entre as

situações que existiam na esfera jurídica de uma pessoa e as que agora se encontram

na esfera jurídica de outra. Frequentemente haverá transmissão por morte. Todavia,

conhecem-se hipóteses de sucessão por morte que se não traduzem na aquisição, ex:

cláusula testamentária que se exprima no perdão de uma dívida.

A sucessão por morte em direitos é uma liberalidade à custa do património do de

cujus.

1.2. O âmbito da sucessão

O conceito de sucessão adotado só abrange situações jurídicas patrimoniais (art.

2024º + art. 2030º/2). Há contudo um conjunto de situações que se extinguem à data

da morte do respetivo titular, ex.: dto usufruto; dto uso e habitação; dto de alimentos;

direito de aceitação da proposta contratual; direito convencional de preferência.

1.3. Espécies de sucessão e espécies de sucessores

O regime jurídico português da sucessão tem como trave-mestra uma classificação

a que alude o art. 2026º permitindo identificar 4 espécies de sucessão: a sucessão

legítima, a sucessão legitimária, a sucessão testamentária e a sucessão contratual.

Nos termos dos arts. 2132º e 2133º, a sucessão legítima, que opera na ausência de

vontade válida e eficaz do de cuius (art. 2131º), tem como beneficiários o cônjuge, os

parentes próximos do falecido e, na falta de cônjuge e destes parentes, o Estado.

Nos termos do art. 2157º, a sucessão legitimária reserva uma porção de bens que o

de cuius não pode dispor (art. 2156º) ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido.

Em contrapartida, a sucessão testamentária constitui o espaço de manifestação da

autonomia da vontade do de cuius no domínio sucessório. O testamento é o ato

unilateral pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte e a título gratuito, do seu

património (art. 2179º/1).

Há outra classificação significativa que é a de espécies de sucessores, consagrada no

art. 2030º. A classificação exprime-se na dicotomia herdeiro-legatário. O nº2 do

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

mencionado artigo determina que é herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota

do património do de cuius e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.

Por conseguinte, as pessoas são chamadas à sucessão ou como herdeiros ou como

legatários.

A relevância principal da distinção traduz-se na responsabilidade pelos encargos da

herança, que, em princípio, incumbe aos herdeiros, e apenas aos herdeiros.

Efetivamente, o herdeiro sucede na totalidade ou numa quota do património, o que

abrange ativo e passivo, enquanto o legatário sucede em ativo determinado (bens ou

valores).

PARTE I – A ESTÁTICA SUCESSÓRIA

1. NOÇÃO DE DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA

1.1. Conceito de designação sucessória

A designação consiste na operação feita em vida do de cuius mediante a qual se

indicam as pessoas que podem vir a suceder-lhe, por morte dele. As pessoas designadas

são os sucessíveis.

Sucessível é o beneficiário de um facto designativo que ainda não foi chamado á

sucessão ou que, já tendo sido chamado, ainda não a aceitou. Sucessor é a pessoa que

foi chamada à sucessão e que a aceitou.

A pessoa é designada para suceder como herdeiro ou legatário. Em vida do autor da

sucessão, é indicada também a qualidade que virá a caber ao sucessível no momento do

chamamento.

1.2. A designação sucessória em razão do objeto

O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário vem estabelecido no art.

2030º (critério qualitativo e não quantitativo). Nos termos do nº2, diz-se herdeiro o que

sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário aquele que

sucede em bens ou valores determinados (mesmo que se apure que o de cuius não tinha

outros bens na altura da sua morte).

A quota é uma fração abstrata, representativa de uma relação numérica com todo o

hereditário. Para além dos bens ou valores designados concretamente são igualmente

legados as deixas de herança ou de quota de herança não partilhadas à qual foi chamado

o testador, bem como a deixa da meação nos bens comuns.

A qualidade de herdeiro pressupõe uma conexão da atribuição mortis causa com

todo o património, no momento da designação.

Page 2: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

É concebível um legado sem especificação, como o comprova a previsão legal do

legado de coisa genérica (art. 2253º). O legado pode ter por objeto bens meramente

determináveis no momento da abertura da sucessão.

O art. 2030º/4 prevê que o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a

totalidade do património, é havido como legatário.

No legado por conta da quota, a um sucessível são atribuídos bens determinados em

preenchimento e uma quota que também lhe cabe ou de uma quota que lhe é atribuída

pelo autor da sucessão. Ex.: em testamento, o autor da sucessão pode deixar ao seu

filho um bem x destinado a preencher a quota que lhe assiste a título de sucessível

legitimário.

O beneficiário do legado por conta da quota sucede simultaneamente numa quota

e em bens determinados da herança.

Se o valor dos bens ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar o

legado por conta tem o direito de exigir a diferença. Se o valor dos bens exceder o valor

da quota, o legatário por conta será herdeiro até ao limite do valor da quota e legatário

quanto ao valor dos bens em excesso.

O legado por conta distingue-se do legado em substituição da quota. O legado em

substituição da quota consiste numa disposição mortis causa de bens determinados cuja

aceitação pelo beneficiário implica a não aquisição de uma quota hereditária em que,

de outra forma, ele teria o direito de suceder (art. 2165º/1/2). Aquele que aceita o

legado em substituição não sucede numa quota; é um simples legatário e, por esse

motivo, só ode reclamar os bens determinados que lhe foram atribuídos.

1.3. A designação sucessória em razão da fonte

A lei alude impropriamente aos factos designativos no art. 2026º, que, subordinado

à epígrafe “Títulos de vocação sucessória”, dispõe que a sucessão é deferida por lei,

testamento ou contrato.

O testamento e o contrato não são títulos de vocação: aqueles negócios atribuem a

qualidade de sucessível antes da morte do de cuius, enquanto a vocação só se concretiza

no momento da abertura da sucessão.

1.4. Hierarquia das modalidades de sucessão, segundo o critério do facto

designativo

A sucessão legítima cede perante qualquer outra modalidade de sucessão por ter

carácter supletivo. Nos termos do art. 2027º, a sucessão legítima é aquela espécie de

sucessão legal que pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão e opera quando

o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens que

podia dispor para depois da morte (art. 2031º).

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A sucessão legitimária tem carácter injuntivo, prevalecendo sobre as outras

modalidades, incluindo a sucessão contratual e a sucessão testamentária. Confere ao

sucessível o direito à legítima, porção de bens que o de cuius não pode dispor, por ser

legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art. 2156º).

As liberalidades que ofendam a legítima, ditas inoficiosas, são redutíveis em tanto

quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (arts. 2168º e 2169º). É a

redução por inoficiosidade que, na prática, assegura a posição cimeira da sucessão

legitimária relativamente à sucessão voluntária.

A ordem relativa das sucessões contratual e testamentária reflete-se no regime da

revogação. Sendo o conteúdo patrimonial do testamento livremente revogável pelo de

cuius (arts. 2179º/1 e 2311º+ss), a participação do mesmo de cuius num pacto

sucessório incompatível com testamento anterior prejudica a eficácia deste negócio

unilateral.

O pacto sucessório pode, portanto, revpgar o testamento do disponente, mas, em

princípio, não é afetado por um testamento do autor da sucessão: em regra o pacto

sucessório não é unilateralmente revogável (arts. 1701º/1, 1705º/1, 1755º/2 e 1758º).

2. A SUCESSÃO LEGÍTIMA

2.1. Noção e espécies de sucessão legítima

A sucessão legítima ou ab intestato, é uma modalidade de sucessão legal, supletiva,

que se verifica quando o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em

parte, do património de que podia dispor para depois da morte (art. 2131º) quer por via

testamentária (ainda que o testamento só se refira a uma parte do património) quer por

via contratual.

O modo de cálculo da herança varia de modalidade para modalidade de sucessão.

Na sucessão legítima, há que distinguir consoante esta coexista ou não com a sucessão

legitimária.

Se for aberta a sucessão legitimária, o valor total da herança legítima é igual ao valor

da quota disponível menos o valor das liberalidades (imputáveis na quota disponível)

válidas e eficazes. Se não houver sucessão legitimária, ao valor do relictum é abatido o

valor do passivo e das liberalidades mortis causa.

2.2. Categorias e classes de sucessíveis legítimos (comuns)

Do art. 2132º, conjugado com o art. 2133º/1 resulta que são sucessíveis designados

como herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes na linha reta, os parentes na linha

colateral até ao quarto grau, os descendentes do irmão do de cuius, independentemente

do grau de parentesco na linha colateral, e por fim o Estado.

Page 3: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A

B 1/3 C 1/3

D

E 1/6 F 1/6

O elenco de sucessíveis legítimos comuns mostra que a finalidade geral da sucessão

legítima, evitar o abandono das situações jurídicas de que era titular o de cuius, é

assegurada pela designação de certos familiares do de cuius ou, na falta destes, pela

designação do Estado (art. 2152º).

A designação de familiares do de cuius permite atingir outra finalidade, que é a

proteção da família – da família constituída pelo vínculo conjugal, pelo vínculo parental,

pelo vínculo adotivo e pelo vínculo de filiação por consentimento não adotivo.

2.3. Regras gerais da sucessão legítima

A sucessão legítima está submetida a 3 regras gerais: preferência de classes,

preferência de graus de parentesco e divisão por cabeça.

O elenco de sucessíveis legítimos é vasto, mas nem todos são chamados a suceder.

O direito de suceder é atribuído apenas aos sucessíveis legítimos prioritários e essa

prioridade decorre da aplicação das duas aludidas regras de preferência.

Identificados os sucessíveis prioritários, é preciso saber como se repartirá a herança

legítima entre eles. O critério geral é dado pela regra da divisão por cabeça.

A regra da preferência de classes determina que os sucessíveis de uma classe

preferem aos sucessíveis das classes subsequentes, pelo que só aqueles são chamados

à sucessão (arts. 2133º e 2134º).

A disciplina do art. 2137º enquadra-se na lógica da regra de preferência de classes:

os sucessíveis de uma classe só são chamados a suceder se nenhum dos sucessíveis da

classe precedente quiser ou puder aceitar a herança.

A regra da preferência de graus de parentesco estabelece que, dentro de cada

classe, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado (art.

2135º). Esta regra pode ser posta em causa pelo instituto do dto de representação (art.

2138º). Ex.: se ao autor da sucessão sobrevivem dois filhos e um neto, filho de um

terceiro filho pré-morto, os dois filhos e, por direito de representação relativamente ao

pai pré-falecido (art. 2140º), o mencionado neto são sucessíveis legítimos (e

legitimários) prioritários.

A regra da divisão por cabeça determina que os sucessíveis legítimos prioritários

sucedem em partes iguais e aplica-se, normalmente, entre parentes de cada classe (art.

2136º) e na situação de concurso de cônjuge com descendentes (art. 2139º). Nos termos

do art. 2138º, a regra da divisão por cabeça não prejudica o dto de representação. Ora

no dto da representação, a divisão faz-se por estirpe (art. 2044º), cabendo ao conjunto

dos descendentes de um sucessível que não pode ou não quis aceitara a herança aquilo

em que este sucederia. Por conseguinte, ao tomar a estirpe como unidade de referência,

o funcionamento do dto de representação pode afastar a regra da sucessão em partes

iguais, que tem em vista cada sucessível individualmente.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

O Estado é um herdeiro legítimo especial: sucede após declaração de herança vaga,

que implica o reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis legítimos

designados como herdeiros (art. 2155º) e não precisa de aceitar nem pode repudiar (art.

2154º).

3. A SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

3.1. Aspetos gerais

A sucessão legitimária é uma modalidade autónoma da sucessão. Atendendo à

injuntividade e à extensão do património do de cuius que tende a abranger, a sucessão

legitimária é a “coluna vertebral” do sistema sucessório.

Mas a sucessão legitimária é injuntiva apenas no sentido de que não pode ser

afastada pelo autor da sucessão. O sucessível legitimário não é obrigado a suceder.

Excetuando o Estado, na sucessão legítima, qualquer sucessível, incluindo o legitimário,

é sempre livre de aceitar ou repudiar a herança ou o legado.

3.2. Legítima e legitimários

São sucessíveis legitimários, o cônjuge e os parentes na linha reta do de cuius, pela

ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima (art. 2157º). Os

ascendentes sucedem na falta de descendentes e, não operando o direito de

representação, vigora o princípio da preferência de graus de parentesco (arts. 2157º,

2133º, 2134º, 2135º e 2138º).

O art. 2156º refere-se à legítima objetiva ou global, que corresponde à chamada

quota indisponível (QI) ou “herança legitimária”.

À quota indisponível opõe-se a quota disponível (QD), porção de que o de cuius pode

dispor livremente a título gratuito, seja por ato inter vivos seja por ato mortis causa.

A legítima subjetiva é a quota da herança que cabe a cada sucessível enquanto

legitimário. Coincide com a quota indisponível quando haja um único sucessível

legitimário.

A legítima objetiva ou quota indisponível vai de um terço a dois terços (arts. 2158º

a 2161º). A divisão da quota indisponível faz-se por cabeça, a não ser nos casos de direito

de representação, de concurso do cônjuge com mais de 3 filhos ou com ascendentes

(arts. 2157º, 2136º, 2138º, 2139º e 2141º). Não se discriminam os filhos nascidos fora

do casamento relativamente aos restantes. Havendo concurso com mais de 3 filhos, ao

cônjuge caberá uma legítima subjetiva coincidente com um quarto da quota

indisponível. Havendo concurso com ascendentes, ao cônjuge caberá uma legítima

subjetiva coincidente com dois terços da quota indisponível.

O cônjuge sobrevivo é um sucessível legitimário privilegiado. A respetiva legítima

subjetiva é superior à dos ascendentes e será superior à dos filhos, se concorrer com

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

quatro ou mais filhos. Não será sujeito a colação. Na partilha tem o direito a ser

encabeçado no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do

respetivo recheio (art. 2103º-A). E as vantagens de índole sucessória do cônjuge

sobrevivo podem cumular-se com as vantagens patrimoniais eventualmente

decorrentes de um regime matrimonial diferente do da separação de bens.

3.3. Cálculo da legítima

Para se obter o valor total da herança (VTH) para efeitos de sucessão legitimária,

deve somar-se o valor do relictum (R) ao do donatum (D) e abater-se o valor do passivo

(P).1 O relictum abarca os bens existentes no património do autor da sucessão à data da

sua morte, o seu valor refere-se à data da abertura da sucessão.

Se o de cuius era casado num regime diferente do da separação de bens, o valor do

relictum será igual à soma do valor dos seus bens próprios com o valor da meação nos

bens comuns do casal. Os bens deixados por testamento ou doados por morte integram

o relictum, uma vez que a transmissão da propriedade não ocorre em vida do autor das

liberalidades.

O donatum engloba os bens doados e as despesas sujeitas a colação.

Por bens doados entende-se os bens doados em vida. O art. 2110º aponta quais são

as despesas que estão e as que não estão sujeitas a colação. O valor dos bens doados é

o que eles tiverem no momento de abertura da sucessão (art. 2109º), valendo o mesmo

para as despesas sujeitas a colação. Para fixação do valor da herança, não são

consideradas as coisas doadas que tiverem perecido em vida do de cuius por facto não

imputável ao donatário (art. 2162º/2).

O passivo inclui todos os encargos da herança, à exceção dos legados (art. 2068º).

Note-se que os bens legados se enquadram no relictum; nunca no donatum ou no

passivo.

Apurado o valor total da herança, nos termos do art. 2162º, procede-se à

determinação do valor da quota indisponível, a que se segue o momento de

quantificação das legítimas subjetivas.

O valor total da herança varia em função das modalidades da sucessão, aspeto que

não pode ser ignorado sempre que se torne necessário quantificar a quota que cabe a

cada um herdeiro. Na sucessão testamentária e na sucessão legítima, não é

contabilizado o donatum2.

1 Solução da Escola de Lisboa porque segundo a Solução de Coimbra (adotada pela Prof. Zamira) primeiro abate-se o passivo e depois soma-se o donatum 2 Nunca abordado em aula.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

Ex.: O autor da sucessão deixa por testamento ¼ da herança ao seu amigo T. Sobreviveram

ao de cuius dois irmãos germanos. R=100, D=30, P=40. Qual o valor da quota que cabe a cada

um dos irmãos na sucessão legítima?

VTH para efeitos de cálculo da quota testamentária = R-P=100-40=60. Valor da deixa testamentária

em favor de T= ¼ x 60=15.

VT da herança legítima= R-P-liberalidades mortis causa= 100-40-15=45.

Valor da quota de cada um dos irmãos na herança legítima= ½ x 45= 22,5.

Se for aberta a sucessão legitimária, o valor total da herança legítima é igual ao valor

da quota disponível menos o valor das liberalidades (imputáveis na quota disponível)

válidas e eficazes. A massa de cálculo tem por referência a quota disponível, dada a

autonomia da sucessão legitimária perante a sucessão legítima (que, portanto, só pode

operar no âmbito da quota disponível).

3.4. Imputação de liberalidades

A imputação de liberalidades negociais é uma operação de enquadramento

contabilístico de liberalidades numa quota. Precede a redução de liberalidades

inoficiosas, a partilha na sucessão legitimária e a abertura da sucessão legítima.

São imputadas na quota disponível as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em

benefício de terceiro, isto é, de alguém que não seja sucessível legitimário prioritário.

As liberalidades feitas pelo autor da sucessão a favor de sucessíveis legitimários

prioritários são imputadas ou na quota disponível ou na legítima subjetiva do

beneficiário.

Em princípio, as liberalidades são imputadas onde o autor disser, desde que a quota

escolhida não esteja preenchida. Se não for possível apurar qual a vontade do autor da

sucessão relativamente à imputação há que distinguir entre liberalidades em vida e

liberalidades por morte.

Em regra, as liberalidades em vida, como é o caso das doações em vida, são

imputadas na legítima subjetiva do donatário e as liberalidades mortis causa, p.e. as

deixas testamentárias, são imputadas na quota disponível.

3.5. A intangibilidade da legítima

O princípio da intangibilidade qualitativa assenta nos arts. 2163º e 2165º. À luz

destas disposições, o de cuius não pode, contra vontade do legitimário, substituir a sua

legítima por uma deixa testamentária, preencher a quota legitimária do mesmo com

bens determinados ou onerá-la com encargos de qualquer natureza.

De acordo com o princípio da intangibilidade quantitativa, o autor da sucessão está

impedido de privar injustificadamente o legitimário do valor, total ou parcial, que lhe

Page 5: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

assiste a título de legítima. A proteção quantitativa do legitimário é assegurada pelo

regime da deserdação e pelo instituto da redução de liberalidades.

São redutíveis as liberalidades inoficiosas.

Dizem-se inoficiosas as liberalidades que impeçam o sucessível legitimário de obter

o montante da respetiva legítima. Há, p.e., inoficiosidade quando o valor das

liberalidades feitas a favor de alguém que não um sucessível legitimário prioritário

excede o da quota disponível. A diferença entre o montante das liberalidades e o da

quota disponível equivale ao valor da inoficiosidade.

As liberalidades inoficiosas são redutíveis, em tanto quanto for necessário para que

a legítima seja preenchida. Todas as liberalidades são suscetíveis de redução, incluindo

as doações em vida (art. 2168º).

A redução abrange em primeiro lugar as deixas testamentárias a título de herança,

em segundo lugar, as deixas testamentárias a título de legado, e, por último as doações

inter vivos (art. 2171º). No âmbito da ordem de redução, as doações mortis causa3 são

equiparadas às doações inter vivos em nome de uma certa identidade quanto ao regime

de revogação.

3.6. A tutela dos sucessíveis legitimários em vida do de cuius

A massa de cálculo da legítima inclui os bens doados em vida; as doações em vida

que ofendam a legítima são suscetíveis de redução, embora esta só possa ser requerida

após a abertura da sucessão.

Os legitimários podem arguir a nulidade dos negócios simulados feitos pelo autor da

sucessão com o intuito de os prejudicar, antes ou depois da abertura da sucessão.

A venda feita pelo autor da sucessão a filhos ou netos que sejam legitimários

prioritários carece do consentimento dos outros descendentes que também sejam

legitimários prioritários.

A partilha em vida não pode ser feita sem consentimento de todos os sucessíveis

legitimários conhecidos e existentes na altura.

PARTE II – A DINÂMICA SUCESSÓRIA

1. DA ABERTURA DA SUCESSÃO E DA VOCAÇÃO

1.1. Momento e lugar da abertura da sucessão

3 Ex.: deixou por testamento toda a quota disponível a E e o bem y a D

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último

domicílio dele (art. 2031º).

É no momento da abertura da sucessão que as situações jurídicas transmissíveis

por morte deixam de ter titular, que se fixa o mapa dos sucessíveis e do de cuius e em

que se concretiza a vocação dos sucessíveis designados, como resulta do art. 2032º/1.

1.2. A morte enquanto pressuposto da sucessão

A abertura da sucessão é desencadeada pela morte de uma pessoa,

necessariamente uma pessoa física. No domínio sucessório, a morte corresponde quer

à morte física quer à morte presumida, nos termos do art. 115º.

2. A VOCAÇÃO SUCESSÓRIA

2.1. Noção de vocação sucessória

A vocação ou chamamento traduz-se na atribuição ao sucessível do direito de

suceder ou ius delationis.

O direito de suceder é o direito de aceitar ou repudiar a herança ou o legado,

consistindo num direito subjetivo potestativo, originário e com carácter instrumental.

Originário porque não preexistia na esfera jurídica do de cuius e instrumental porque se

destina a permitir a aquisição dos bens deixados pelo falecido. Dada a sua

instrumentalidade, o direito de suceder esgota-se automaticamente com o seu exercício

e não é suscetível de ser transmitido, isoladamente e de modo voluntário. Quando o

sucessível declara que dispõe do ius delationis em benefício de outrem, está a aceitar

tacitamente a sucessão e a transmitir a herança ou legado que lhe cabia.

2.2. Pressupostos gerais da vocação sucessória

O art. 2032º/1 alude expressamente a dois pressupostos da vocação: titularidade

da designação prevalente e capacidade. Há porém um terceiro pressuposto, a existência

do chamado, sem a qual nenhum dos outros pressupostos é suscetível de se verificar.

O sucessível titular da designação tem de sobreviver ao de cuius e, em regra, tem

de possuir personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão. Assim sendo, o

pressuposto da existência do chamado desdobra-se em dois elementos: sobrevivência

e personalidade jurídica.

Relativamente ao art. 2033º resulta o seguinte: podem ser chamadas pessoas

singulares que ainda não tinham nascido ao tempo da abertura da sucessão, mas que já

tinham sido então concebidas; e podem também ser chamadas pessoas singulares que

nem sequer tinham sido concebidas ao tempo da abertura da sucessão, se tiverem sido

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

designadas como sucessíveis voluntários pelo de cuius enquanto filhos de pessoa

determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão.

Note-se que os nascituros enquanto tais não beneficiam da vocação. A atribuição

do direito de suceder depende do seu nascimento (art. 66º/2). Entre a abertura da

sucessão e a data do nascimento, a administração da herança ou legado a favor de

nascituro é regulada pelo art. 2240º.

O art. 2033º atribui capacidade sucessória geral a “todas as pessoas nascidas ou

concebidas ao tempo da abertura da sucessão”. Apesar de o preceito consagrar,

indistintamente, a capacidade sucessória de pessoa já concebida à data da morte do de

cuius, há quem afirme que não caberá a qualidade de sucessível legítimo e legitimário

ao filho resultante de uma transferência póstuma de embriões, já existentes no

momento da abertura da sucessão.

No entanto o princípio da não discriminação com base no nascimento resultante

da utilização de técnicas PMA é capaz de não legitimar uma interpretação restritiva que

negue a qualidade de sucessível legal ao filho, resultante de uma implantação post

mortem de embrião já existente no momento da abertura da sucessão, só porque

nasceu decorridos mais de 300 dias contados da morte do pai.

O último pressuposto é a titularidade da designação prevalente. São chamados

à sucessão aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, os chamados

sucessíveis prioritários.

Se o sucessível prioritário chamado não quiser ou não puder aceitar a sucessão,

é chamado o sucessível subsequente, retroagindo a vocação deste último ao momento

da abertura da sucessão (art. 2032º/2).

2.3. A capacidade sucessória

Em sentido amplo, a capacidade sucessória designa a idoneidade para se ser

chamado a suceder com herdeiro ou legatário de toda e qualquer pessoa e para se ser

chamado a suceder como herdeiro ou legatário de certa pessoa.

Não beneficiam de idoneidade para suceder a certa pessoa aqueles que tenham

sido deserdados por essa pessoa ou que tenham sido declarados indignos quanto a ela.

A indignidade e a deserdação apresentam carácter relativo. São ilegitimidades

sucessórias passivas: um sucessível é declarado indigno ou é deserdado relativamente à

sucessão de uma certa pessoa e só quanto à sucessão desta pessoa é que não pode ser

chamado

2.4. Indignidade

As circunstâncias enunciadas nas alíneas do art. 2034º constituem causas de

incapacidade sucessória por motivo de indignidade.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A condenação mencionada nas alíneas a) e b) pode ser posterior à abertura da

sucessão, mas só o crime anterior releva enquanto causa de indignidade (art. 2035º).

Estando a vocação do sucessível dependente de condição suspensiva, é relevante o

crime cometido até à verificação da condição (art. 2035º/2).

As causas enumeradas no art. 2034º são as únicas que podem implicar

indignidade – princípio da legalidade das sanções punitivas.

A indignidade não opera automaticamente. O art. 2036º prevê que a ação

destinada a obter declaração de indignidade pode ser intentada dentro do prazo de dois

anos a contar da abertura da sucessão ou dentro de um ano a contar, quer da

condenação pelos crimes que a determinam, quer do conhecimento das causas de

indignidade previstas nas als. c) e d) do art. 2034º.

A declaração judicial de indignidade tem como efeito principal o afastamento da

pessoa da sucessão legal e da sucessão testamentária do de cuius relativamente ao qual

ela foi declarada indigna.

Se a declaração for prévia à abertura da sucessão, o indigno não é chamado. Se

posterior, a vocação do indigno “é havida como inexistente, sendo ele considerado, para

todos os efeitos, possuidor de má fé” dos bens da herança (art. 2037º/2).

O sucessível que for declarado indigno é também excluído da sucessão

legitimária.

Aquele que tiver incorrido numa causa de indignidade pode ser reabilitado. A

reabilitação incumbe ao autor da sucessão; e pode ser efetuada antes da declaração

judicial de indignidade, desde que ele tenha conhecimento do facto que constitui

fundamento da indignidade.

Havendo reabilitação anterior à declaração judicial, esta não será eficaz. Não

chega a verificar-se a incapacidade de suceder. Havendo reabilitação posterior à

declaração, o que tiver incorrido em indignidade “readquire a capacidade sucessória”

(art. 2038º). A reabilitação pode ser total ou parcial, expressa ou tácita, mas só a

reabilitação expressa permite a concretização de vocação no campo da sucessão legal.

A reabilitação tácita a que alude o nº2 do art. 2038º confere ao indigno uma

suscetibilidade de vocação confinada à sucessão testamentária.

2.5. Deserdação

Em sentido amplo, a deserdação abrange o ato mediante o qual o de cuius

pretende expressamente afastar da sua herança alguém que foi designado para suceder

como herdeiro legitimário, legítimo, testamentário ou contratual.

Em sentido restrito, a deserdação abrange o ato mediante o qual o de cuius

pretende expressamente privar um sucessível da posição que lhe caberia enquanto

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herdeiro legitimário. A lei usa o termo “deserdação” em sentido restrito (art. 2166º/1)

e é nesse sentido que a doutrina alude à deserdação enquanto incapacidade sucessória.

Ao abrigo do art. 2166º/1, o de cuius pode, em testamento, com expressa

declaração de causa, deserdar o sucessível legitimário privando-o da legítima, quando

se verifique, relativamente ao sucessível, alguma daquelas causas. A deserdação tem de

ser feita por testamento, estando, por isso, também sujeita às regras próprias do

negócio testamentário (matéria de forma e revogação).

A deserdação obsta à aquisição da totalidade da legítima. O princípio da

indivisibilidade da vocação, que não tem exceções no âmbito da sucessão hereditária

legal, não autoriza uma deserdação parcial. A cláusula testamentária que contenha uma

(pura) deserdação parcial é nula.

Mas a deserdação não se repercute somente no campo da sucessão legitimária:

impede o acesso à sucessão legítima e à sucessão testamentária, quer por força do art.

2166º/2 que equipara o deserdado ao indigno para todos os efeitos legais, quer por

força de um argumento de maioria de razão. Afinal a deserdação afasta o sucessível de

uma espécie de sucessão que é tida como intangível e que precede hierarquicamente as

outras espécies de sucessão.

O art.2038º, sobre reabilitação, aplica-se, com as devidas adaptações, à

deserdação, nos termos do art. 2166º/2.

O art. 2167º estabelece que a ação de impugnação da deserdação com

fundamento na inexistência da causa invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da

abertura do testamento.

2.6. Vocação originária (imediata) e subsequente

A classificação que opõe a vocação originária, ou imediata, à subsequente, parte

do critério do momento da concretização do chamamento.

A vocação originária ou imediata é a que se verifica na data da morte do de cuius

(art. 2032º/1); a vocação subsequente é a que se concretiza em momento posterior ao

da abertura da sucessão. A vocação originária é a regra.

Exemplos de vocação subsequente: art. 2032º72; nascituros (embora o direito

só se adquira com o nascimento completo e com vida); art. 2229º; art. 2293º/1 + 2294º.

No seio das vocações subsequentes, há que distinguir aquelas que retroagem ao

momento da abertura da sucessão das demais.

2.7. Vocação pura e vocação condicional, a termo ou modal

A classificação que separa a vocação pura da vocação condicional, a termo ou modal,

tem por base o critério da sujeição, ou não, da vocação a uma cláusula acessória. A

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

vocação pura constitui a regra. A vocação legal é necessariamente pura. A vocação

voluntária pode estar sujeita a condição, termo ou encargo.

2.8. Vocação única (una) e múltipla

A vocação diz-se una quando o sucessível é chamado a suceder num único título

de vocação e numa única qualidade sucessória. A sucessão é múltipla se o sucessível é

chamado em mais do que um título de vocação ou na dupla qualidade de herdeiro e

legatário.

A vocação única é absolutamente indivisível e a vocação múltipla só

excecionalmente o é.

2.9. O princípio da indivisibilidade da vocação

Tradicionalmente, o princípio da indivisibilidade da vocação é relacionado com a

matéria da aceitação e do repúdio, exprimindo-se na ideia de que um sucessível não

pode aceitar nem pode repudiar em parte a herança ou o legado a que foi chamado.

O princípio manifesta-se nos arts. 2054º/2, 2064º/2, 2055º/1/1ªparte, e

2250º/1/1ªparte.

À luz do princípio da indivisibilidade da vocação, aquele que é chamado a suceder

por um só título de vocação e numa só qualidade sucessória ou aceita ou repudia

totalmente a sucessão (indivisibilidade da vocação una). Por exemplo, se o filho do de

cuius é chamado a suceder coo herdeiro legitimário, ele não pode aceitar metade da

legítima subjetiva e repudiar o resto.

No caso de vocação múltipla, o princípio da indivisibilidade da vocação aplica-se

somente à sucessão legal comum e à sucessão testamentária. O sucessível chamado

como herdeiro legitimário e como herdeiro legítimo não pode aceitar por um título e

repudiar pelo outro; e, em regra, o sucessível chamado como herdeiro legal e como

herdeiro testamentário não pode aceitar por um título e repudiar por outro (ver arts.

2050º e 2055º quanto a exceções).

2.10. Vocação direta e indireta

A classificação de vocações em diretas e indiretas assenta no critério da pessoa

que serve como ponto de referência.

A vocação direta dá-se quando alguém é chamado à sucessão unicamente em

atenção à relação que existe entre si e o de cuius; há vocação indireta quando alguém é

chamado à sucessão em consideração da ligação existente entre o sucessível e o de cuius

e da posição que se estabelece entre o sucessível chamado e um terceiro, que não entra

na sucessão mas serve como ponto de referência da vocação. A vocação direta constitui

a regra.

Page 8: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

Na vocação indireta, um sucessível é chamado a ocupar a posição de outro

sucessível que não quis ou não pode aceitar a sucessão e esse chamamento ocorre por

força de uma ligação que se estabelece entre ambos. A figura distingue-se do

chamamento do sucessível subsequente pois este é unicamente chamado por causa da

relação que o liga ao de cuius e nem sempre ocupa uma posição sucessória idêntica á

que cabia ao outro sucessível.

Cabem no conceito de vocações indiretas a substituição direta, o direito de

representação e o direito de acrescer.

2.11. Vocação imediata (adquirida originariamente) e derivada (adquirida

por transmissão)

A vocação imediata é aquela que foi adquirida originariamente pelo sucessível;

a vocação derivada é aquela que foi adquirida pelo sucessível na sequência do

chamamento à sucessão e outro de cuius. A classificação parte do critério da aquisição

originária ou derivada da vocação.

A vocação imediata representa a situação normal. A vocação derivada4 é a que

decorre da transmissão do direito de suceder e implica a abertura sucessiva de duas

sucessões, chamamento do segundo de cuius à primeira sucessão, morte do segundo de

cuius sem que tenha exercido o direito de suceder que lhe foi atribuído quanto ao

primeiro, chamamento de um terceiro à segunda sucessão na qualidade de herdeiro e

aceitação da segunda sucessão pelo terceiro que à mesma foi chamado como herdeiro.

A vocação derivada não se confunde com a vocação indireta. A vocação derivada

é uma vocação que foi transmitida. A vocação indireta é adquirida originariamente: a

vocação do sucessível que não pode ou não quis aceitar a sucessão não chegou a

concretizar-se (p.e., por pré-morte) ou, tendo-se concretizado, extinguiu-se

retroativamente (v.g., por repúdio).

2.12. O direito de representação

Nos termos do art.2039º dá-se a representação sucessória quando a lei chama

os descendentes de um herdeiro ou legatário (representantes) a ocupar a posição

daquele que não pode ou não quis aceitar a herança ou legado (representado).

O direito de representação é inequivocamente uma vocação indireta: um

sucessível, o representante, é chamado à sucessão do de cuius em consideração da sua

4 Exemplo: A deixa um quarta da sua herança a B; B morre um ano depois, sem que tenha aceitado ou repudiado a deixa testamentária de A. B, solteiro e sem parentes na linha reta, tinha feito testamento em que deixou a C todos os seus bens. C sobreviveu a B. Em favor de B, concretizou-se uma vocação imediata relativamente à sucessão de A. Em favor de C, concretizou-se uma vocação testamentária relativamente à sucessão de B. Se C aceitar a deixa testamentária de B, exerce o direito de suceder que ele próprio adquiriu originariamente. Mas, com a aceitação da herança de B, C adquire por transmissão mortis causa,

todas as situações jurídicas patrimoniais que pertenciam a B, incluindo o direito de suceder a A. C virá a

beneficiar de uma vocação derivada relativamente à sucessão de A.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

ligação familiar (parentesco na linha reta descendente) com outro sucessível que não

pode ou não quis aceitar a sucessão, o representado; e ao representante cabe a posição

sucessória que corresponderia ao representado.

São beneficiários exclusivos do direito de representação os descendentes

daquele que não pode ou não quis aceitar a sucessão. O instituto visa proteger os

parentes na linha reta descendente do sucessível designado.

Não há normalmente, direito de representação quanto à posição do fiduciário:

não podendo ou não querendo ele aceitar a sucessão, a substituição, no silêncio do

testamento, converte-se de fideicomissária em direta (art. 2293º/3), aplicando-se

plenamente o art. 2041º/2/a.

O art. 2042º ocupa-se do direito de representação na sucessão legal. Não

contendo nenhuma limitação ao art. 2039º, o direito de representação opera se um

sucessível não quis ou não pode aceitar a herança legal.

Os pressupostos comuns do direito de representação na sucessão legal são a pré-

morte, o repúdio e qualquer caso de impossibilidade jurídica de aceitação (p.e.

indignidade, como esclarece expressamente o art. 2037º/2). Mas o direito de

representação só ocorre na sucessão legal em que os representados sejam: filhos,

irmãos ou pessoas adotadas restritamente pelo de cuius.

O direito de representação na designação legal de filhos refere-se à sucessão

legítima e legitimária (arts. 2040º e 2160º). Na sucessão legal, o chamamento de

descendentes de filhos, de irmãos e de pessoas que foram adotadas restritamente pelo

autor da sucessão faz-se sempre por direito de representação.

O representante ocupa a posição do representado na sucessão do de cuius. Ele é

chamado aos direitos e obrigações em que sucederia o representado: beneficia do

direito de suceder nos mesmos bens e mediante o mesmo título de vocação; está

obrigado a suportar o resultado da aplicação das regras de imputação e colação das

liberalidades que foram feitas pelo de cuius ao representado quando este era sucessível

legitimário prioritário.

O chamamento do representante representa uma exceção ao princípio da

preferência de grau de parentesco na sucessão legal (arts. 2135º, 2138º e 2157º).

Os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que tenham repudiado

a sucessão deste ou sejam incapazes em relação a ele (art. 2043º). Por conseguinte, os

representantes não sucedem ao representado mas ao de cuius cuja sucessão o

representado não pode ou não quis aceitar. Este aspeto distingue a representação da

transmissão do direito de suceder: para beneficiar da vocação derivada, o transmissário

tem de ser também capaz relativamente ao transmitente e não pode ter repudiado a

sucessão deste.

Page 9: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

O direito de representação opera por estirpes ou subestirpes. A cada estirpe cabe

aquilo em que sucederia o ascendente respetivo (art. 2044º/1). Quando a estirpe

compreenda vários ramos, a cada ramo cabe aquilo em que sucederia o ascendente

daqueles que formam esse ramo (art. 2044º/2).

A representação tem lugar, ainda que todos os membros das várias estirpes

estejam relativamente ao autor da sucessão no mesmo grau de parentesco, ou exista

uma só estirpe (art. 2045º).

A transmissão do direito de suceder demarca-se do direito de representação.

Para operar o direito de representação, a morte do sucessível que não aceitou a

sucessão não pode ser posterior à morte do de cuius; o sucessível que é chamado à

posição do sucessível falecido tem de ser descendente deste e não precisa de aceitar a

herança deste último para suceder ao primeiro de cuius.

Na transmissão do direito de suceder, a vocação do transmitente concretizou-se;

pode ser transmissário qualquer herdeiro prioritário do transmitente; e a aquisição do

ius delationis relativamente ao primeiro de cuius exige normalmente aceitação da

herança do transmitente.

2.13. O direito de acrescer

O direito de acrescer é uma vocação indireta que implica a designação de vários

sucessíveis para sucederem em conjunto num mesmo objeto (herança ou direito

determinado) e a atribuição a pelo menos um deles do direito de suceder relativo à parte

que outro (ou outros) não pode (puderam) ou não quis (quiseram) aceitar; ou, na

eventualidade de designação contratual, a atribuição a pelo menos um deles do direito

de suceder relativo à parte que outro (ou outros) não pode (puderam) adquiri.

Apesar de se tratar de uma vocação indireta, o direito de acrescer emerge de

uma vocação direta. Só tem acesso ao acrescer aquele que é beneficiário de uma

vocação direta.

Para haver direito de acrescer na sucessão legal, exige-se cumulativamente: a)

designação de vários sucessíveis para sucederem em conjunto na herança legal; b)

impossibilidade jurídica de aceitação ou repúdio por um desses sucessíveis; c)

inexistência de direito de representação (arts. 2138º e 2157º). Por razões de certeza e

segurança jurídica, o direito de acrescer opera já nos casos de incapacidade sucessória

por indignidade ou deserdação.

A aceitação por um sucessível prioritário de um legado em substituição da

legítima, inferior à sua quota na sucessão legal desencadeia o acrescer em benefício dos

outros co sucessíveis legitimários prioritários.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

O acrescer funciona dentro de cada título. No âmbito da vocação legal, se o

cônjuge concorrer com descendentes e nenhum destes puder ou quiser aceitar, o

cônjuge recebe a totalidade do que lhes caberia, por direito de acrescer (art. 2141º).

Quando haja efetivamente concurso do cônjuge com ascendentes na sucessão

legal, a parte que algum ou alguns dos ascendentes não puderam ou não quiseram

aceitar acresce à dos outros ascendentes chamados (art. 2143º). Só se não existirem

outros ascendentes é que a parte daquele que não pode ou não quis aceitar acresce à

do cônjuge sobrevivo.

No domínio da quota disponível, o de cuius pode determinar que o acrescer não

observe a regra da proporção das quotas.

Havendo concurso de cônjuge com quatro ou mais filhos (art. 2139º/1/2ªparte +

2157º), na sucessão legal, se um dos filhos não puder ou não quiser aceitar a herança, o

acrescer opera por cabeça e não na proporção das quotas. Ou seja, o cônjuge não é

favorecido relativamente aos demais co beneficiários do acrescer porque já lhe foi

garantido o limite mínimo de um quarto, que apresenta natureza excecional.

2.14. A substituição fideicomissária

Ao abrigo do art. 2286º, diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a

disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído (o fiduciário) o encargo de

conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem (o

fideicomissário). A substituição fideicomissária pode ser feita num pacto sucessório (art.

1700º/2); aplica-se aos legados (art. 2296º); e pode verificar-se quando falte a

estipulação do encargo de conservar ou da reversão.

Na substituição fideicomissária, concretizam-se e subsistem duas vocações

relativamente ao mesmo autor da sucessão: a do fiduciário e a do fideicomissário.

Contudo, as vocações dos sucessíveis designados mediante a cláusula de substituição

fideicomissária são sucessivas, e não simultâneas: a vocação do fideicomissário produz-

se depois da morte do fiduciário (art. 2293º/1).

Na substituição fideicomissária, o chamamento do substituto (enquanto

fideicomissário) pressupõe um chamamento prévio do substituído (enquanto

fiduciário), que adquire a sucessão, sendo reconhecido como titular (onerado) da

herança ou do legado desde a abertura da sucessão até à data da sua própria morte

(art.2293º). Um sucessível designado pelo de cuius substitui-se a outro.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

Ao proibir a imposição de encargos sobre a legítima, contra a vontade do

herdeiro, o art. 2163º obsta à validade de substituições fideicomissárias no âmbito da

quota indisponível, salvo aplicação analógica do art. 2164º.5

A vocação do fiduciário concretiza-se no momento da morte do autor da

substituição fideicomissária. Está onerada: sobre ele recai o encargo de conservar os

bens deixados para que eles revertam, por sua morte, para o fideicomissário. Esta é

também uma vocação a termo incerto: a sua vocação cessa quando ele morre,

concretizando-se então a vocação do fideicomissário.

Enquanto fiduciário, o herdeiro ou legatário tem o gozo e a administração dos

bens sujeitos ao fideicomisso (art.2290º/1). Em princípio, não é admitida a alienação ou

oneração de bens sujeitos ao fideicomisso, que não corresponda a um ato de

administração ordinária.

Em coerência com as restrições impostas ao fiduciário em matéria de disposição,

o art.2292º prescreve que os credores pessoais daquele não têm o direito de se pagar

pelos bens sujeitos ao fideicomisso, mas tão-somente pelos seus frutos. Por tudo isto é

semelhante o estatuto do fiduciário e o do usufrutuário, estabelecendo aliás o art.

2290º/2 que são extensivas ao fiduciário, no que não for incompatível com a natureza

do fideicomisso, as disposições legais relativas ao usufruto.

A vocação do fideicomissário concretiza-se no momento da morte do fiduciário

(art.2293º). Só a partir desta altura é que o fideicomissário pode dispor dos bens

abrangidos pela substituição e, se tiver sido designado por testamento, aceitar ou

repudiar a sucessão (art.2294º).

No entanto, entre o momento da morte do autor da sucessão e o momento da

morte do fiduciário, o fideicomissário é titular de uma expetativa sucessória. É o que

resulta dos limites impostos à prática de atos de disposição pelo fiduciário

(designadamente, art. 2291º/2 e 2295º/3/2ªparte).

Se o fideicomissário não sobreviver ao fiduciário, a substituição fica sem efeito

(art.2293º/2) pelo que a vocação do fideicomissário é uma vocação sob condição

suspensiva, em que a condição é a morte do fiduciário em vida do fideicomissário. Além

disso, a vocação do fideicomissário é subsequente à do fiduciário e não retroage à data

da morte do autor da sucessão, que é também o autor da substituição fideicomissária.

3. A VOCAÇÃO LEGITIMÁRIA

5 O art. 2295º/2 ao determinar que são havidos como fideicomissários os herdeiros legítimos do fiduciário, não contém uma manifestação de funcionamento da substituição fideicomissária na sucessão legítima. Trata-se de uma norma que procede à integração de uma lacuna do testamento.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

3.1. A interpretação do art.2162º

O art.2162º regula o modo de cálculo do valor total da herança para efeitos de

apuramento da legítima objetiva.

Fórmula de Lisboa: R+D-P � primeiro atende-se ao valor dos bens existentes

no património do autor da sucessão; depois soma-se o valor do donatum, sob a dupla

forma de bens doados e despesas sujeitas à colação; por fim, abate-se o montante das

dívidas da herança.

Argumento: a ponderação do passivo após adição do donatum ao relictum não significa que os credores possam exigir a satisfação dos seus interesses junto dos donatários. O art.2162º/1 visa somente permitir o cálculo da legítima; são outros os preceitos que definem a responsabilidade pelos encargos da herança (arts. 2068º, 2069º e 2071º). Por conseguinte o legitimário paga o passivo com todo o relictum; os credores hereditários não podem reclamar mais, porque a responsabilidade do herdeiro está confinada às forças da herança entendida como relictum.

Fórmula de Coimbra6: R-P+D � nesta ótica, o valor do passivo hereditário é

subtraído ao do relictum, antes de ser considerado o donatum.

Argumento: as doações não respondem pelas dívidas da herança – a lei manda agregar o donatum unicamente para proteger a expetativa sucessória dos herdeiros legitimários; os credores hereditários não se podem pagar senão pelos bens existentes no património do devedor à data da sua morte.

Os resultados das fórmulas apenas vão variar se o relictum for inferior ao

passivo7.

3.2. A legítima objetiva e o número de sucessíveis legitimários prioritários

O montante da quota indisponível varia em razão da qualidade e da quantidade

dos sucessíveis (ver arts. 2158º a 2161º).

O sucessível legitimário que não sobreviver ao de cuius não conta para a

determinação da legítima objetiva, a não ser que haja direito de representação.

Diversamente, e por razões de certeza e segurança jurídica, o sucessível

legitimário deserdado ou declarado indigno é tido em consideração para o apuramento

da legítima objetiva, ainda que não haja direito de representação.

6 Adotada pela Profa. Zamira 7 O de cuius deixa bens no valor de 60, tem dívidas no valor de 100 e fez doações no valor de 50. Sobreviveu-lhe um filho.

• Escola de Lisboa: VTH=60(R)+50(D)-100(P)=10. A legítima subjetiva do filho é 5 (art.2159º/2).

• Escola de Coimbra: VTH=60-100+50=50 (como as dívidas da herança só podem ser satisfeitas à custa do ativo, converte-se o valor negativo de 40 em 0 e soma-se o donatum de 50). A legítima subjetiva do filho é 25.

Page 11: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

3.3. As liberalidades em favor de sucessíveis legitimários

Os sucessíveis legitimários são também sucessíveis legítimos. Além disso, nada

impede que o autor da sucessão lhes faça liberalidades. Essas liberalidades podem ser

inter vivos ou mortis causa. As liberalidades mortis causa, feitas por pacto sucessório ou

testamento, podem consistir em deixas de bens determinados ou deixas a título de

herança.

A relevância sucessória das liberalidades feitas pelo de cuius a sucessíveis

legitimários que as aceitam não é idêntica: há umas que preenchem a quota hereditária

legal ou a legítima subjetiva, há aquelas que visam substituir a quota hereditária legal e

há ainda liberalidades que dão ao legitimário uma vantagem patrimonial acrescida, já

que com ele soma à sua quota hereditária legal os bens que foram deixados ou doados.

3.4. Noção de colação. Âmbitos subjetivo e objetivo da colação

A colação é um instituto que visa a igualação dos descendentes na partilha do de

cuius, mediante a restituição (fictícia ou real) à herança dos bens que foram doados em

vida por este a um deles (art.2104º).

A colação tem por fundamento uma presunção legal iuris tantum de que o autor

da sucessão quando faz uma doação a um dos filhos (ou a outro descendente que, na

altura, seja um sucessível legitimário prioritário) não pretende avantaja-lo

relativamente aos demais. Normalmente a doação em vida que é feita a um e não a

outros é motivada pela intenção de ajudar imediatamente o donatário num momento

concreto em que este carece de maior auxílio económico do que os demais.

Na falta de uma manifestação de vontade do autor da liberalidade em vida,

entende-se que a doação se limita a preencher antecipadamente a quota que caberá ao

donatário na herança do de cuius: porque recebe mais agora, o donatário receberá

menos do que os irmãos na altura em que falecer o progenitor comum.

Estão sujeitos à colação:

a) Os descendentes que sejam titulares de uma pretensão atendível de

entrada na sucessão legal e que eram à data da doação presuntivos

herdeiros legitimários do doador (art. 2104º/1 + 2105º);

b) Os representantes do descendente que era à data da doação presuntivo

herdeiro legitimário do doador, ainda que aqueles não hajam tirado

benefício da liberalidade (arts.2105º + 2106º);

c) Os transmissários do direito de suceder que foi originariamente adquirido

pelo descendente que era à data da doação presuntivo herdeiro

legitimário do doador, ainda que aqueles não hajam tirado benefício da

liberalidade;

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

d) Os adquirentes do quinhão hereditário alienado pelo descendente que

era à data da doação presuntivo herdeiro legitimário do doador (art.

2128º) e os credores desse descendente que tenham exercido a

faculdade de sub-rogação prevista no art.2067º, ainda que tais

adquirentes ou credores não hajam tirado benefício da liberalidade em

vida.

Sublinhe-se que o cônjuge do de cuius não está entre os sujeitos obrigados à

colação.

Estão sujeitos à colação os bens doados em vida aos descendentes que à data da

doação eram sucessíveis legitimários prioritários (arts. 2104º/1 e 2105º) e a outros

sujeitos que nessa mesma data já estejam obrigados à colação. São havidas como

doação todas as despesas realizadas gratuitamente pelo falecido em proveito dos

descendentes, com exceção das que são referidas no art. 2110º/2.

Os frutos da coisa doada sujeita a colação, percebidos desde a abertura da

sucessão, devem ser conferidos (art.2111º). Mas não é objeto de colação a coisa doada

que tiver perecido em vida do autor da sucessão por facto não imputável ao donatário

(art.2112º).

Para efeitos de colação, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da

abertura da sucessão (art. 2109º). Se os bens doados forem consumidos, alienados ou

onerados, ou perecerem por culpa do donatário, atende-se ao valor que esses bens

teriam na data da abertura da sucessão (art.2109º/2). A doação em dinheiro, bem como

os encargos em dinheiro que a oneraram e foram cumpridos pelo donatário são

atualizados à data da abertura da sucessão nos termos do art. 551º (art. 2109º/3).

Se a doação tiver sido feita simultaneamente em favor do descendente obrigado

a colação e do seu cônjuge, a colação recai apenas sobre a parte daquele (art.2107º/2).

Ao abrigo do art.2107º/3 está sujeito a colação tudo o que for doado

nominalmente ao descendente obrigado a colação, mesmo que ele se encontre casado

no regime da comunhão geral, sendo, portanto, indiferente que o bem doado assuma a

qualidade de bem próprio ou comum.

No caso de doação feita por ambos os pais, casados entre si, em benefício de

descendente comum obrigado a colação, que tenha por objeto um bem integrado na

comunhão conjugal, o art. 2117º esclarece que haverá colação por morte de cada um

dos doadores. Por morte de cada um dos doadores, a colação abarcará metade do bem

(nº1), pelo valor que a metade a conferir tiver ao tempo da abertura da sucessão

respetiva (nº2).

3.5. Funcionamento e dispensa da colação

Page 12: Apontamentos Direito das Sucessões

23

Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A colação visa a igualação na partilha, pelo que pressupõe pluralidade de

descendentes que pretendam entrar na sucessão e que sejam sucessíveis legitimários

prioritários, desde que não sejam chamados todos a suceder como representantes de

uma única pessoa.

A colação faz-se por imputação do valor da doação ou da importância das

despesas na quota hereditária, ou pela restituição dos próprios bens doados (restituição

real, em espécie), se houver acordo de todos os herdeiros (art. 2108º).

Em regra, a colação faz-se pela imputação do valor da doação ou da importância

das despesas na quota hereditária (a chamada restituição fictícia).

Os bens ou valores doados são imputados primeiro na legítima subjetiva do

beneficiário; se o valor da liberalidade exceder o da legítima subjetiva, a diferença é

imputada na quota disponível, mais precisamente na quota hereditária restante do

donatário.

O donatário só tem direito a receber do relictum que for deferido por via da

sucessão legal o que faltar para preencher a sua quota hereditária.

Se os bens ou valores doados excederem a quota hereditária do donatário, não

haverá igualação ou haverá uma igualação confinada ao que for possível. A doação não

será afetada, salvo se for inoficiosa (art.2108º/2) ou se outra coisa tiver sido estipulada

no contrato de doação. Porque a colação não importa a redução das doações, o

art.2118º, ao prever um ónus real associado à eventual redução das doações sujeitas a

colação, deve ser alvo de interpretação abrogante.

Sempre que o valor da doação sujeita a colação é superior ao da legítima

subjetiva do beneficiário, e há bens livres na quota disponível, a igualação faz-se à custa

destes, ocorrendo então um fenómeno de sucessão legítima corrigida.

O art.2113º admite que a colação possa ser dispensada pelo doador, mostrando

que o instituto da colação assume carácter supletivo. A dispensa da colação pode ser

expressa ou tácita (art.217º). A dispensa pode ser efetuada no ato de doação ou

posteriormente, pela mesma forma pela qual foi feita a doação ou por testamento.

Sendo posterior à doação, de harmonia com o princípio invito beneficium non

datur, a dispensa tem de ser aceite pelo donatário, porque, no fundo, equivale a uma

liberalidade.

A dispensa da colação obsta à imputação da doação na quota hereditária do

donatário. É prioritariamente imputada na quota disponível (art. 2114º), valendo como

uma vantagem patrimonial efetiva do donatário perante os demais legitimários.

3.6. Doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não quis ou não pode

aceitar a sucessão

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

Não há colação se o donatário não quiser ou não puder aceitar a sucessão, sem

ter descendentes que o representem.

Se, porém, não houver lugar à colação pelo facto de o donatário repudiar a

herança sem ter descendentes que o representem, o art. 2114º/2 estabelece que a

doação é imputada na quota indisponível. A doação feita ao repudiante é imputada

numa legítima subjetiva fictícia, destinada apenas a suportar o valor da liberalidade; se

for inferior à respetiva quota hereditária legal, opera o acrescer na sucessão legal em

favor dos co-herdeiros, relativamente à diferença nos termos gerais.

As doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não pôde aceitar a sucessão

por motivo de indignidade ou deserdação, sem ter descendentes que o representem,

são imputadas na quota indisponível, por aplicação analógica do art.2114º/2.

Já as doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não pôde aceitar a

sucessão por motivo de não sobrevivência ao de cuius, sem ter descendentes que o

representem, são imputadas na quota disponível.

3.7. Tipos de liberalidades mortis causa de bens determinados

As liberalidades mortis causa de bens determinados feitas a sucessíveis

legitimários podem corresponder a legados por conta da legítima, legados em

substituição da legítima ou a pré-legados.

O legado por conta da legítima imputa-se numa quota hereditária legal fictícia,

numa lógica semelhante à das doações sujeitas a colação. O legado em substituição da

legítima imputa-se prioritariamente na legítima subjetiva e, sendo inferior ao valor

desta, implica a perda do valor da diferença. O pré-legado imputa-se na quota

disponível.

O legado por conta da legítima e o pré-legado podem ser feitos por testamento

ou pacto sucessório. O legado em substituição da legítima só pode figurar em

testamento, não sendo admissível em pactos sucessórios.

Na opinião de DUARTE PINHEIRO, as liberalidades por morte imputam-se

tendencialmente na quota disponível, as liberalidades inter vivos na quota indisponível.

As liberalidades mortis causa, ao contrário das doações, não traduzem uma

antecipação da sucessão, mais precisamente da sucessão legal; constituem a própria

sucessão e uma sucessão que se distingue da legal. A área por excelência dos negócios

mortis causa é a quota disponível, porque, em princípio, a outra quota, justamente

designada indisponível, está subtraída à vontade do de cuius.

3.8. O pré-legado em favor de sucessível legitimário prioritário

Sempre que não existam elementos que permitam considerar a deixa

testamentária de bens determinados como sendo imputável na quota indisponível, ela

Page 13: Apontamentos Direito das Sucessões

25

Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

será imputada na quota disponível, valendo como um legado testamentário puro ou

pré-legado.

O sucessível legitimário pode adquirir o legado para além da sua quota (para

além da legítima subjetiva). Ou seja, pode adquirir simultaneamente a herança e o

legado, somando o valor daquele ao valor deste.

O sucessível não é obrigado a aceitar um legado testamentário, pode repudiar o

legado e ainda assim conservar a legítima subjetiva (art.2055º/2 aplicável aos legados

ex vi do art.2249º). E pode repudiar toda a sucessão.

3.9. Noção, regime e natureza do legado por conta da legítima

O legado por conta da legítima é uma deixa por conta da quota hereditária, cujo

recorte se extrai de uma interpretação a contrario do art.2163º.

O testador (ou o doador, no caso de sucessão contratual) pode designar os bens

que devem preencher a quota de um sucessível legitimário, se ele consentir nesse

preenchimento.

Como o testamento é, em princípio, um negócio singular, o consentimento do

destinatário, no caso de legado por conta da legítima feito por via testamentária, só se

pode exprimir pelo ato de aceitação da própria deixa, que ocorre após a abertura da

sucessão.

O legitimário não é obrigado a aceitar o legado por conta da legítima nem a

legítima por preencher. Ele pode escolher entre repudiar toda a sucessão (se repudiar a

sucessão legitimária repudia a sucessão legítima e o legado, que pressupõe a existência

de uma legítima subjetiva), aceitar o legado por conta da legítima ou aceitar a legítima

por preencher.

A aceitação do legado por conta da legítima não o priva da qualidade de herdeiro

legitimário, mas impede-o de reclamar outros bens do relictum livre que não aqueles

que faltem para preencher a sua quota hereditária legal fictícia.

O legado por conta da legítima imputa-se prioritariamente na quota indisponível;

se exceder o valor da legítima, é imputado na quota disponível. O legado por conta da

legítima é uma deixa por conta da quota hereditária legal fictícia e com ele o autor da

sucessão procura atingir uma finalidade de igualação, pelo que é analogicamente

aplicável o regime de funcionamento da colação.

3.10. Noção de legado em substituição da legítima

O legado em substituição da legítima identifica-se com a disposição mortis causa

de bens determinados em benefício de um sucessível legitimário que, conformando-se

com ela, nada mais pode reclamar a título de legítima, independentemente do valor que

lhe foi atribuído pelo de cuius (art.2165º/2).

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

Nesta figura que o art.2165º/1 expressamente admite, dois elementos estão

invariavelmente presentes: a ideia de opção entre legítima e legado e a ideia de que o

aceitante do legado em substituição não pode reclamar a eventual diferença entre o

valor do legado e o valor da legítima.

A lei manifesta preferência pela eficácia do legado em substituição da legítima

(em detrimento do chamamento à sucessão legitimária), ao estabelecer que o silêncio

do sucessível a quem foi deixado o legado vale como aceitação, se ele tiver sido

notificado nos termos do art. 2049º/1.

O sucessível designado legatário em substituição é chamado à sucessão

simultaneamente por testamento e por lei. Aplicam-se cumulativamente as regras da

sucessão legal e da sucessão testamentária ao chamamento indireto ao legado em

substituição da legítima. P.e., é inválida a substituição direta no legado; o descendente

do sucessível que foi declarado indigno não pode suceder ao legado, em representação.

Se o sucessível legitimário não quiser ou não puder aceitar a sucessão, os seus

descendentes são chamados, por representação, ao legado em substituição, desde que

se preencham os pressupostos da representação na sucessão testamentária, já que o

legado é atribuído por via testamentária.

A aceitação do legado em substituição implica a perda imediata do direito à

legítima (e à totalidade da herança), enquanto a aceitação da herança tem como

consequência legal a perda do direito ao legado.

O legatário em substituição não é um herdeiro legitimário. Ele não chega a

adquirir a legítima. Com a aceitação do legado, verifica-se a resolução da vocação

legitimária, pelo que o sucessível é tido como nunca chamado à sucessão legitimária.

Se o sucessível legitimário aceitar um legado inferior à sua quota hereditária

legal, nada mais pode reclamar. Por conseguinte, os descendentes beneficiam do direito

de representação quanto ao valor do excesso da quota hereditária legal sobre o legado

em substituição da legítima nos termos do art.2042º.

3.11. A tutela quantitativa da legítima em geral

A propósito da designação legitimária já se falou da intangibilidade da legítima e

da dupla vertente que a mesma comporta – a vertente quantitativa e a vertente

qualitativa.

Na altura, afirmou-se que a proteção quantitativa do legitimário é assegurada

pelo regime da deserdação, pelo instituto da redução das liberalidades e,

acessoriamente, pelo regime do legado em substituição em legítima. O respetivo regime

assegura a proteção quantitativa da legítima porque o legado em substituição inferior à

legítima implica perda da diferença, mas só produz efeitos se houver aceitação do

legitimário.

Page 14: Apontamentos Direito das Sucessões

27

Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

3.12. A redução das liberalidades

A redução das liberalidades inoficiosas é o meio por excelência de proteção da

legítima, em geral, e da sua dimensão quantitativa, em particular. Têm legitimidade para

requerer a redução os herdeiros legitimários ou os seus sucessores (art. 2169º), aqueles

que tenham adquirido o quinhão do herdeiro legitimário, por alienação de herança, e

os credores do legitimário repudiante que exerçam a faculdade prevista no art. 2067º

(e em tanto quanto for necessário para a satisfação dos respetivos créditos).

Não é permitida em vida do autor da sucessão a renúncia ao direito de reduzir

liberalidades (art.2170º). Desta proibição extrai-se a nulidade (art.294º) de qualquer

negócio unilateral ou bilateral contrário à intangibilidade quantitativa da legítima, que

seja feito pelo sucessível legitimário antes da abertura da sucessão.

A liberalidade feita a sucessível legitimário que se destine a ser imputada na

quota disponível, mas que exceda o valor dessa quota, só será inoficiosa se o excedente

não puder ser imputado subsidiariamente na legítima subjetiva do beneficiário.

Nem sempre a inoficiosidade relevante para redução é aquela que se traduz na

diferença entre o valor da quota disponível e o das liberalidades exclusivamente

imputáveis nessa quota.

Em traços gerais, a redução abrange em primeiro lugar as disposições

testamentárias e depois as doações, mortis causa ou inter vivos, ordem que se funda na

revogabilidade unilateral daquelas liberalidades. No seio das disposições

testamentárias, as deixas a título de herança reduzem-se antes dos legados (art.2171º),

o que é coerente com a natureza do legado enquanto encargo geral da herança.

Se bastar a redução de liberalidades testamentárias a título de herança, será feita

proporcionalmente (art.2172º/1). Se não houver liberalidades testamentárias ou não

for suficiente a redução destas, passa-se aos legados atribuídos por testamento

(incluindo os legados em substituição e por conta da legítima, na parte que for imputada

na quota disponível). Nota: a ordem de redução não é imperativa. O testador pode

determinar que uma disposição testamentária seja reduzida totalmente antes de outra,

ainda que aquela seja um legado e esta uma deixa a título de herança.

Uma vez identificada a liberalidade que será reduzida, interessa saber como vai

operar a respetiva redução. O art.2174º/1 fixa a regra da redução em espécie ou in

natura.

Em todas as hipóteses de redução, o donatário é considerado, quanto a frutos e

benfeitorias, possuidor de boa fé até à data do pedido de redução (art.2177º).

A ação de redução caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança

pelo legitimário (art.2178º). O direito de redução extingue-se também com a renúncia

ao mesmo, posterior à abertura da sucessão.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

O donatário não pode opor a usucapião ao legitimário, se não tiverem decorrido

os prazos correspondentes, contados a partir da morte do de cuius. Antes da abertura

da sucessão, o legitimário está impedido de reagir (art.2178º).

A redução tem carácter pessoal, e não real: os atos de alienação e oneração não

são prejudicados; os terceiros adquirentes não podem sequer ser demandados (arts.

2175º e 2176º).

A redução consiste numa impugnação negocial de natureza constitutiva que

implica a ineficácia relativa e superveniente da liberalidade inoficiosa. A inoficiosidade

verifica-se à data da abertura da sucessão pelo que a liberalidade inoficiosa não sofre

qualquer tipo de vício quando é efetuada.

3.13. A tutela qualitativa da legítima em geral

O princípio da intangibilidade qualitativa da legítima assenta nos arts. 2163º,

2164º e 2165º.

A primeira parte do art.2163º proíbe ao testador a imposição de encargos sobre

a legítima. A segunda parte do mesmo artigo proíbe ao testador a designação de bens

que devem preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro. O art.2164º consagra a

figura da cautela sociniana. O art.2165º/2 confere ao legitimário a faculdade de aceitar

a legítima por preencher em vez de abdicar dela, adquirindo um legado que a substitui.

Os arts. 1678º72/d/2ªparte e 1729º/2 também traduzem uma preocupação com

a tutela qualitativa da expetativa do legitimário.

3.14. A cautela sociniana

Se, apesar da proibição estabelecida pelo art. 2163º/1ªparte, a legítima for

onerada, há que distinguir. Se o encargo em apreço é um legado de usufruto ou pensão

vitalícia e a quota disponível está, total ou parcialmente livre, o legitimário pode adotar

uma de duas atitudes: aceitar a disposição testamentária e então ela é cumprida;

“entregar ao legatário tão-somente a quota disponível”.

À segunda atitude refere-se o art.2164º. A faculdade que é prevista neste artigo,

designada por cautela sociniana, pode ser exercida por cada legitimário em separado e

independentemente de serem várias as deixas que atingem a legítima.

Para funcionar a cautela sociniana, não é preciso que o legitimário “entregue” ao

beneficiário a totalidade da quota disponível: basta que sejam entregues os bens

correspondentes àquilo que ele receberia se se abrisse a sucessão legítima.

3.15. A natureza da legítima subjetiva

Page 15: Apontamentos Direito das Sucessões

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A legítima é pars hereditatis, parte ou quota da herança, se os legitimários forem

herdeiros, sucessíveis aos quais cabe uma parcela do ativo e do passivo hereditário para

satisfação dos seus direitos injuntivos.

A lei concebe a legítima estritamente como uma quota da herança, embora

pretenda que o legitimário seja mais do que um herdeiro simbólico. O legitimário é,

portanto, um herdeiro, cuja posição é delimitada por um valor fixado com base no

art.2162º.

4. DA PENDÊNCIA DA SUCESSÃO À PARTILHA

4.1. A fase da pendência da sucessão ou herança jacente

À fase da vocação segue-se a da pendência da sucessão ou herança jacente.

Segundo o art.2046º, diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem

declarada vaga para o Estado.

Aberta a sucessão, verifica-se a vocação. Esta consiste, normalmente, na

atribuição ao sucessível do direito de aceitar ou repudiar a herança ou o legado. As

situações jurídicas patrimoniais abrangidas pela sucessão adquirem-se pela aceitação

(art.2050º/1). No entanto, entre a morte do de cuius e a aceitação, pode decorrer um

período relativamente longo (art.2059º).

Se o Estado for chamado enquanto sucessível legítimo, a aquisição depende de

declaração de herança vaga, dispensando-se uma aceitação (arts.2154º e 2155º).

A pendência da sucessão corresponde ao momento que medeia entre a morte

do de cuius e a aquisição por outrem das situações jurídicas patrimoniais de que ele era

titular, na sequência de aceitação ou de declaração de herança vaga.

Não obstante o termo “herança jacente”, a pendência da sucessão estende-se

aos legados.

A pendência da sucessão pode ser total ou parcial e cessa assim que todas as

situações jurídicas transmissíveis por morte tenham sido adquiridas.

4.2. Administração da herança jacente

No nosso ordenamento, em regra, a gestão das situações jurídicas cabe incumbe

ao seu respetivo titular. De qualquer modo, o princípio da legitimidade do titular não

obsta à intervenção de terceiro na qualidade de gestor de negócios (arts. 464º a 472º).

A gestão de negócios aplica-se igualmente à herança jacente. Todavia, os

requisitos da gestão e da condição jurídica do gestor não estimulam uma administração

de terceiro não autorizada pelo dono do negócio. Os arts. 2047º e 2048º consagram

instrumentos adicionais, específicos de administração dos bens na fase da pendência da

sucessão.

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Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

4.3. A notificação do sucessível para declarar se aceita ou repudia

De acordo com o art.2059º/1, o direito de suceder caduca ao fim de dez anos,

contados desde que o sucessível sabe que é seu titular. Para limitar o período da

pendência da sucessão, a lei consagra um mecanismo de notificação dos sucessíveis no

art.2049º, a chamada actio interrogatória, que assume a forma de um processo

cominatório de aceitação ou repúdio, sujeito às regras dos arts. 1467º e 1468º do CPC.

4.4. A fase da aquisição sucessória

A aquisição sucessória é a última fase do fenómeno sucessório propriamente

dito. No ordenamento jurídico português vigente, a regra é a da aquisição por aditio ou

aceitação. Efetivamente, à luz do art.2050º/1 (aplicável aos legados, nos termos do

art.2249º), a herança e o legado adquirem-se por aceitação.

A aceitação é a declaração de vontade através da qual o sucessível manifesta a

intenção de adquirir a herança ou o legado a que foi chamado. Mas o sucessível não é

obrigado a aceitar – pode repudiar. O repúdio é uma declaração de vontade de sentido

oposto ao da aceitação, que obsta à aquisição sucessória no sistema de aditio.

Dada a opção pela regra da aquisição por aditio, a sucessão fica pendente entre

o momento da morte do de cuius e o da aceitação pelo sucessível. A aquisição verifica-

se portanto, numa altura necessariamente posterior à da abertura da sucessão.

Contudo, a lei determina que os efeitos da aceitação se retrotraem ao momento da

abertura da sucessão (art. 2050º/2 e 2249º), pelo que o sucessível aceitante é tido como

titular das situações jurídicas compreendidas pela herança ou pelo legado desde essa

data. Paralelamente, os efeitos do repúdio retrotraem-se ao momento da abertura da

sucessível, considerando-se como não chamado o sucessível repudiante, “salvo para

efeitos de representação” (art.2062º e 2249º).

De assinalar que, na configuração concreta do sistema português de aditio, a

aceitação não se limita a conferir o domínio, ou a propriedade, dos bens deferidos por

via sucessória, atribui também a posse dos bens ou, pelo menos, a posse jurídica.

4.5. Aceitação e repúdio

O CC dedica um capítulo à aceitação da herança (arts. 2050º-2061º) e outro ao

repúdio (arts.2062º-2067º), mas nos termos do art.2049º é extensível este regime aos

legados.

A aceitação e o repúdio cabem na categoria dos negócios jurídicos unilaterais,

assumem carácter singular (art.2051º), não podem ser feitos sob condição nem a termo

(art.2054º e 2064º), são indivisíveis, irrevogáveis e anuláveis com fundamento em erro-

vício qualificado por dolo e coação moral. Não estão sujeitos ao princípio da

pessoalidade aplicável ao negócio testamentário e por isso é admissível o exercício do

direito de suceder por representante, quer legal quer voluntário.

Page 16: Apontamentos Direito das Sucessões

31

Direito das Sucessões O Direito das Sucessões Contemporâneo – Jorge Duarte Pinheiro

A aceitação pode ser expressa ou tácita (art. 2056º/1). O legislador determina

que não importa aceitação tácita a prática de atos de administração pelo sucessível

(art.2056º/3), nem a alienação de herança, quando feita gratuitamente em benefício de

todos aqueles a quem ela caberia se o alienante a repudiasse (art.2057º/1).

Em contrapartida, por força do art.2057º/2, entende-se que aceita a herança a

aliena aquele que declara renunciar a ela, se o faz a favor apenas de algum ou alguns

dos sucessíveis a que seriam chamados na sua falta.

O silêncio do sucessível notificado no âmbito da actio interrogatoria vale como

aceitação (arts. 218º e 2049º/2).

O repúdio é um negócio solene (art.2063º). Tem de ser feito por escritura pública

ou documento particular autenticado se existirem na sucessão repudiada bens cuja

alienação deva ser feita por uma dessas formas. Nos demais casos, o repúdio deve

constar de documento particular.

4.6. Aceitação pura e simples; aceitação a benefício de inventário

O art.2052º/1 prevê duas espécies de aceitação da herança: aceitação pura e

simples e aceitação a benefício de inventário. A aceitação a benefício de inventário faz-

se requerendo inventário ou intervindo em inventário pendente (art.2053º). A aceitação

pura e simples, mais comum, abarca todos os restantes casos de aceitação.

A aceitação a benefício de inventário está relacionada com a responsabilidade

externa pelos encargos da herança: esta está limitada pelo valor do ativo hereditário.

Incumbe ao herdeiro que aceitou pura e simplesmente provar que o ativo hereditário é

insuficiente para o cumprimento dos encargos (art.2071º/2); se a herança tiver sido

aceite a benefício de inventário, os bens são inventariados, só respondendo estes pelos

encargos da herança, salvo se os credores e os legatários demonstrarem a existência de

outros bens (art.2071º/1).

4.7. Sub-rogação dos credores do repudiante

Tendo em conta a pretendida definitividade do ato de repúdio, subjacente ao

disposto no art.2066º, o art.2067º consagra um mecanismo que suscita alguma

perplexidade – a chamada sub-rogação dos credores do repudiante.

Esse art.2067º confere aos credores do repudiante a faculdade de aceitação da

herança em nome dele, nos termos dos arts.606 e ss.; fica para o exercício da

mencionada faculdade de aceitação, o prazo de sies meses, a contar do conhecimento

do repúdio; e estabelece que, uma vez pagos os credores do repudiante, o

remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos.

A sub-rogação, imprecisamente descrita no art.2067º, tem como consequência

a integração fictícia dos bens abrangidos pela situação sucessória repudiada na esfera

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jurídica daquele que não quis aceitar, na medida do estritamente necessário para a

efetivação do pagamento das dívidas pessoais do repudiante.

4.8. A herança adquirida

A aquisição encerra o fenómeno sucessório stricto sensu. Depois da aquisição,

pode decorrer um período mais ou menos longo até que os bens adquiridos por morte

se confundam no património do sucessor (art.2070º), este entre na posse material dos

mesmos ou que ele venha a beneficiar de direitos sobre bens determinados.

Muitas vezes exige-se a prova da qualidade de sucessor e em alguns casos os

bens adquiridos por morte podem estar na posse de terceiro, contra quem o sucessor

tenha de fazer valer os seus direitos. Com este objetivo, a lei consagra os instrumentos

da petição de herança e da reivindicação da coisa legada.

4.9. A petição de herança

A ação de petição de herança permite ao herdeiro “pedir judicialmente o

reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os

bem das herança ou de parte deles contra quem os possua como herdeiro, ou por outro

título ou mesmo sem título” (art.2075º/1). Quando não tiver havido aceitação prévia da

herança, a própria propositura da ação exprime uma aceitação tácita.

A petição de herança deve ser intentada antes da partilha. Partilhada a herança,

o meio adequado para o herdeiro pedir a restituição dos bens que ficaram a preencher

a sua quota é a ação de reivindicação.

O art.2075º/2 determina que a ação pode ser intentada a todo o tempo,

prevendo, todavia, dois limites: os decorrentes da aplicação das regras da usucapião

(arts. 1278º e ss.), relativamente a cada uma das coisas possuídas, e os respeitantes ao

prazo de exercício do direito de suceder (art.2059º), que obstam á propositura da ação

por aquele cujo direito de aceitar a herança tenha caducado. A estes dois limites acresce

um terceiro, o momento da partilha da herança.

Só o herdeiro pode efetuar a petição da herança. Têm legitimidade passiva, na

ação de petição de herança, os possuidores dos bens da herança ou de parte deles e os

meros detentores dos mesmos bens.

Se o possuidor de bens da herança tiver disposto deles, no todo ou em parte, a

favor de terceiro, a ação de petição pode ser também proposta contra o adquirente,

sem prejuízo da responsabilidade do disponente pelo valor dos bens alienados

(art.2076º). Contudo, a boa fé pode ter relevância na exclusão ou limitação da ação de

petição.

Page 17: Apontamentos Direito das Sucessões

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4.10. O cumprimento do legado; a reivindicação da coisa legada

Na falta de disposição em contrário, o cumprimento do legado incumbe aos

herdeiros (art.2265º/1). O nº3 estabelece que os sucessores sobre quem recaia o

encargo ficam a ele sujeitos na proporção dos respetivos quinhões hereditários ou dos

respetivos legados, se o testador não tiver estipulado proporção diversa.

Ao abrigo do art.2275º, as despesas feitas com o cumprimento do legado ficam

a cargo de quem deva satisfazê-lo.

Não havendo declaração do de cuius, o legatário tem direito aos frutos da coisa

legada desde a abertura da sucessão, com exceção dos que tiverem sido percebidos

adiantadamente pelo falecido.

4.11. O cabeça-de-casal

O cabeça-de-casal constitui o órgão normal de administração da herança

adquirida (art.2079º) e pode ser designado por acordo de todos os interessados. Na falta

de acordo é feita nos termos do art.2080º.

Enquanto administrador da herança, o cabeça-de-casal tem poderes relativos

aos bens próprios do falecido, mas não aos bens doados em vida pelo autor da sucessão,

que, por não fazerem parte da herança, continuam a ser administrados pelo donatário

(art.2087º).

O cabeça-de-casal está obrigado a prestação anual de contas (art.2093º/1). O

cargo é necessariamente gratuito, se não for exercido por testamenteiro (art.2094º) e é

intransmissível, em vida ou por morte (art.2095º).

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