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1 ANALISE SOCIO-CULTURAL DO CONSUMO DE QUEIJOS E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO [email protected] APRESENTACAO ORAL-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais MARIE ANNE NAJM CHALITA 1 ; DIRCEU DA SILVA 2 ; ROSANA DE OLIVEIRA PITHAN E SILVA 3 ; REGINA VARELLA PETTI 4 . 1,3,4.IEA/SAA/SP, SAO PAULO - SP - BRASIL; 2.UNICAMP, CAMPINAS - SP - BRASIL. Título ANALISE SOCIO-CULTURAL DO CONSUMO DE QUEIJOS E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO diálogos entre classes sociais, estilos de vida e mercados de qualidade 1 Grupo de Pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais Resumo O tema do consumo, nas ciências sociais, representa um grande potencial de investigação para as análises dos mercados. Os consumidores atuam como agentes econômicos não apenas para diretamente satisfazer suas expectativas materiais, mas também pata atender àquelas simbólicas e subjetivas. Agem na estrutura e funcionamento dos mercados de qualidade em tempo deferido na relação entre a produção e a oferta das mercadorias. Este artigo parte de uma revisão da literatura em sociologia do consumo e da alimentação sobre o tema da diferenciação de grupos de consumidores em relação à alimentação e aos critérios de eleição de um produto em particular, o queijo. Destacam-se suas representações sobre as particularidades e qualidade do produto e sobre os atos alimentares. A pesquisa foi realizada por meio de aplicação de questionário fechado nos Mercados Municipais da Cantareira, Lapa e Santo Amaro, localizados na cidade de São Paulo. Verificou-se que o consumidor expressa uma relação com os ritos que cercam a alimentação bastante importante, enquanto o queijo se insere de forma inespecífica nas refeições, mas altamente catalizador de noções de qualidade. A hipótese que explica esta contradição não é a falta de tradição gastronômica do queijo no Brasil, mas a falta de dispositivos formais de qualidade na estrutura de mercado dominante. Entretanto, é claramente possível verificar o potencial que o queijo tem de particularizar-se junto ao consumidor através das demandas de qualidade, o que nos leva a refletir sobre o potencial papel que os queijos artesanais têm no Brasil. Palavras-chave: consumidor, mercados de qualidade, cultura, queijo Abstract The subject of the consumption, in social sciences, represents a great potential of inquiry for analysis of markets. While economic agents, the consumers not only intends the satisfaction of its material expectations, but also to those symbolic and subjective ones. They act in the structure and functioning of quality markets, in granted time, upon the relation between production and offer of merchandises. This article makes a revision of literature in sociology of the consumption and 1 Este trabalho faz parte do Projeto Análise político-cultural do mercado de queijos no Brasil, financiado pela FAPESP como auxílio regular de pesquisa. Em seu primeiro ano, está sendo desenvolvido no Departamento de Economia da FEA/USP, sob a supervisão do Prof. Dr. Ricardo Abramovay como pós-doutoramento. Agradecimentos à participação especial das duas bolsistas integrantes da equipe Larissa Bellezi e Fabiana Kuroda, alunas do curso de Gestão Ambiental da EACH/USP.

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ANALISE SOCIO-CULTURAL DO CONSUMO DE QUEIJOS E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO

[email protected]

APRESENTACAO ORAL-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais

MARIE ANNE NAJM CHALITA 1; DIRCEU DA SILVA 2; ROSANA DE OLIVEIRA PITHAN E SILVA 3; REGINA VARELLA PETTI 4.

1,3,4.IEA/SAA/SP, SAO PAULO - SP - BRASIL; 2.UNICAMP, CAMPINAS - SP - BRASIL.

Título ANALISE SOCIO-CULTURAL DO CONSUMO DE QUEIJOS E SUA RELAÇÃO

COM A ALIMENTAÇÃO diálogos entre classes sociais, estilos de vida e mercados de qualidade1

Grupo de Pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais

Resumo O tema do consumo, nas ciências sociais, representa um grande potencial de investigação para as análises dos mercados. Os consumidores atuam como agentes econômicos não apenas para diretamente satisfazer suas expectativas materiais, mas também pata atender àquelas simbólicas e subjetivas. Agem na estrutura e funcionamento dos mercados de qualidade em tempo deferido na relação entre a produção e a oferta das mercadorias. Este artigo parte de uma revisão da literatura em sociologia do consumo e da alimentação sobre o tema da diferenciação de grupos de consumidores em relação à alimentação e aos critérios de eleição de um produto em particular, o queijo. Destacam-se suas representações sobre as particularidades e qualidade do produto e sobre os atos alimentares. A pesquisa foi realizada por meio de aplicação de questionário fechado nos Mercados Municipais da Cantareira, Lapa e Santo Amaro, localizados na cidade de São Paulo. Verificou-se que o consumidor expressa uma relação com os ritos que cercam a alimentação bastante importante, enquanto o queijo se insere de forma inespecífica nas refeições, mas altamente catalizador de noções de qualidade. A hipótese que explica esta contradição não é a falta de tradição gastronômica do queijo no Brasil, mas a falta de dispositivos formais de qualidade na estrutura de mercado dominante. Entretanto, é claramente possível verificar o potencial que o queijo tem de particularizar-se junto ao consumidor através das demandas de qualidade, o que nos leva a refletir sobre o potencial papel que os queijos artesanais têm no Brasil. Palavras-chave: consumidor, mercados de qualidade, cultura, queijo Abstract The subject of the consumption, in social sciences, represents a great potential of inquiry for analysis of markets. While economic agents, the consumers not only intends the satisfaction of its material expectations, but also to those symbolic and subjective ones. They act in the structure and functioning of quality markets, in granted time, upon the relation between production and offer of merchandises. This article makes a revision of literature in sociology of the consumption and

1 Este trabalho faz parte do Projeto Análise político-cultural do mercado de queijos no Brasil, financiado pela FAPESP como auxílio regular de pesquisa. Em seu primeiro ano, está sendo desenvolvido no Departamento de Economia da FEA/USP, sob a supervisão do Prof. Dr. Ricardo Abramovay como pós-doutoramento. Agradecimentos à participação especial das duas bolsistas integrantes da equipe Larissa Bellezi e Fabiana Kuroda, alunas do curso de Gestão Ambiental da EACH/USP.

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alimentation about the theme of the differentiation process of consumers groups in relation to feeding and election criteria for purchase of a particular product, the cheese. Its focus is the representations of the product particularities and quality aspects and its relation with the announced manners of food consumption in general. The research was undertaken with applied closed questionnaire in the Municipal Markets of Cantareira, Lapa and Santo Amaro and social network, located in the city of São Paulo. It was verified that the consumer support an important personalized relation with the rites that surround the diary meals, while the cheese is as non-personnalized product in the alimentary acts although object of elevate food quality demands. The hypotheses of these contradictions is not the lack of traditional insertion of the product in Brazilian gastronomy but the lack of formal quality dispositives in the dominant structure of the market. However, it is clearly possible to verify the potential that the cheese has to distinguish itself by the consumer, what it points to the potential role that the artisanal cheeses can have in Brazil. Key-words: consumer, quality markets, culture, cheese 1. Introdução

Barbosa e Campbell (2007) retratam a pouca importância que o consumo teve como objeto de estudo das ciências sociais até os anos 1990. Fundamentalmente, isto se explica pelo fato de que o trabalho era considerado um valor moralmente superior porque fonte de criatividade, auto-expressão e identidade, enquanto o consumo era visto como alienação, ausência ou perda de autenticidade e um processo individualista e desagregador. Quando a problemática do consumo tornou-se privilegiada dentro de um quadro teórico, foi visto como “produto” direto da produção, sem qualquer exterioridade com ela, isto é, o consumidor foi concebido como um sujeito passivo do capitalismo, marketing e propaganda.

Os padrões de consumo não explicitam uma relação unicamente funcional com o mundo material. Eles agem de duas formas. Primeiramente, a formação do gosto e da preferência do consumidor não se constitui de forma inequívoca e simbiótica com as opções de oferta, mas podem orientar decisões e investimentos empresariais, impactando a natureza dos investimentos na produção em termos de recursos técnicos, humanos, financeiros e comerciais. Em segundo lugar, a formação do gosto e da preferência age na criação de sentido, se aproximando da construção de identidades através de referenciais distintivos que demarcam grupos sociais. Quer seja pela segurança e reprodução biológica quer seja por valores simbólicos que se aderem aos produtos, o consumo classifica o mundo à volta e dá um sentido sócio-cultural às análises dos mercados uma vez que esta prática é uma prática socialmente e diretamente relacionada com a produção.

Desta maneira, atentar para as expectativas e escolhas efetivas de consumo de um determinado produto, em torno de características diferenciadoras e singulares, pode trazer elementos importantes para compreender as especificidades dos mercados de qualidade e seus potenciais de desenvolvimento, uma vez que nestes mercados os processos de coordenação procuram atentar para a homologia entre produção e consumo, na busca de um complexo equilíbrio entre raridade e escala dos produtos.

As pesquisas empíricas sobre o consumo de alimentos retratam as supracitadas formas de analisar a relação entre produção e consumo a partir de distintas perspectivas teóricas inseridas em diversos campos de conhecimento. A perspectiva econômica, na qual a relação entre oferta e demanda, o abastecimento, os preços dos alimentos e a renda das famílias são os principais indicadores; a perspectiva nutricional, com ênfase nos constituintes dos alimentos e sua importância na saúde e bem-estar dos indivíduos, nas carências e nas relações entre dieta e doença; a perspectiva social, voltada para as associações entre alimentação e a organização social do trabalho, a diferenciação social do consumo, os hábitos e estilos de vida; a perspectiva cultural, interessada nos gostos, hábitos, tradições culinárias, representações, práticas, repulsões, ritos e tabus, isto é, no aspecto simbólico da alimentação (OLIVEIRA e THÉBAUD-MONY, 1997).

O consumo de alimentos é um estudo instrutivo e crítico para a sociologia porque está conectado a vários outros processos da vida social: uma poderosa indústria, tempo dos indivíduos (compra, planejamento, estocagem, cozinhar, serviço e limpeza), divisão de trabalho por gênero, expressão cultural, reprodução biológica, estilos de

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vida, e o gosto, expressão portadora de grande significado psicológico e emocional em razão da personalização dos padrões alimentares. Dentre as causas das mudanças nos hábitos alimentares encontram-se diversidade na oferta dos produtos, queda nos gastos com alimentação, atenção com saúde e nutrição, rotinas domésticas (queda no preparo doméstico de refeições, deliveries e fast food, propaganda, informações sobre gastronomia e culinária, cuidados com o corpo, movimento a favor da preservação do meio ambiente, direitos dos animais e vegetarianismo. A qualidade dos produtos manifesta-se crescentemente nos processos decisórios quanto à de compra e ingestão dos alimentos, dentro de uma esfera social cada vez mais ampla, isto é, cada vez mais distante da única função da reprodução biológica.

Do ponto de vista da análise sociológica da relação entre produção e consumo pode-se, em termos gerais, situar como objeto da reflexão o estado da oferta dos produtos com vista a entender o comportamento do consumidor ou situar como objeto o consumidor com o objetivo de entender seus agenciamentos e influências na organização dos mercados. Se há crescente socialização do conhecimento dos produtos, disseminação dos seus aspectos distintivos e universalização de estilos de vida, ao mesmo tempo em que cada vez mais os produtos a serem produzidos e ofertados mostram-se indeterminados nas características exógenas e endógenas que os compõem, como analisar o espaço do funcionamento dos mercados de qualidade na sociedade? Pode-se situar esta problemática sobre os mercados de qualidade de duas formas: 1. a primeira é a que parte da análise de um cardápio de diferenciações obedecidas às condições de concorrência entre produtores (neste caso, a produção surge como determinante da característica aleatória da oferta aleatória dos produtos, incitando necessidades e demandas potenciais); 2. a segunda é a que parte da prospecção das singularidades do consumidor, seus desejos sociais permanentemente mutáveis e insatisfeitos, logo indeterminados à curto prazo, e colocando as decisões produtivas no horizonte da construção social do mundo material e simbólico em uma historicidade sempre mutável. Haveria, ainda, a possibilidade, no que diz respeito à alimentação e aos produtos de qualidade, detectar tensões analíticas entre estas duas formas?

A perspectiva sociológica definida neste trabalho procura levantar elementos de reflexão sobre as conseqüências teóricas da relação entre mercados de qualidade e o papel do consumidor, em outras palavras, entre produção-consumo da seguinte forma: haveria, na sociedade contemporânea, uma desestruturação da estratificação social ou uma permanência das classes sociais nos padrões de consumo em torno da qualidade? É possível empreender uma análise sobre este tema a partir da análise de um determinado produto alimentar, no caso, o queijo? Quais as normas estruturadas ou desestruturadas que envolvem as definições de qualidade pelos consumidores e a relação destas normas com as condutas alimentares destes consumidores de forma mais geral? Como medir que tipo de diferenciação entre os consumidores apontam para institucionalizações diferenciadas no nível da compra e consumo queijos? 2. Características gerais do consumo de queijos no Brasil

Dentre os lácteos, o queijo é um produto que, pela sua diferenciação e singularidade, isto é, pela

variabilidade de seus atributos intrínsecos e extrínsecos, mais se insere em um mercado de qualidade. A qualidade do queijo, a partir de sua diferenciação, diz respeito aos diferentes matizes físico-químicos, aos distintos fluxos de produção em que convergem padrões tecnológicos de produção e origens particulares das matérias primas, no caso, essencialmente, o total de sólidos presentes no leite de acordo com a raça do animal e sua alimentação. Estas características são consideradas intrínsecas aos queijos. No caso da singularidade, a qualidade do queijo se associa às capacidades e habilidades sociais e informativas dos produtores em atentar para as expectativas de satisfação do consumidor, cujas características muitas vezes não dizem respeito apenas aos atributos intrínsecos aos produtos, como é o caso dos queijos orgânicos, por exemplo, que têm como atributo exógeno principal características da ordem ambiental e nutricional no seu processo de produção.

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Algumas características do mercado de queijos no Brasil apontam para a dificuldade de incorporação de concepções de qualidade do produto já consagradas mundialmente e que têm como origem a extensa gama de particularidades dos produtos, dentre elas sua origem geográfica e forma tradicional de produção (VITROLLES et al, 2006) para além de sua função unicamente alimentar. Esta dificuldade se explica pela concentração da segmentação do mercado entre queijos comuns e especiais na indústria brasileira (REZENDE, 2004), pela importação de queijos especiais industriais e pelos incipientes processos de valorização dos queijos tipicamente nacionais e artesanais. Em outras palavras, há pouca distinção em termos dos agentes que o produzem e no seu alcance do consumidor ainda que este tenha mostrado crescente interesse pelo acesso a um cardápio mais amplo e variável de queijos. A pequena escala de produção dos queijos finos visa responder eminentemente a uma estratégia comercial de manutenção de preços elevados, de diferenciação apenas de forma, tamanho e rotulagens pela indústria, sem destacar elementos de nossa tradição na produção de alguns queijos artesanais (CHALITA et al. 2009).

O potencial de segmentação do mercado através da variabilidade de queijos é grande, mas ainda depara-se com incipientes processos de certificação dos queijos artesanais onde colabora o destino principal da produção de leite para a produção de queijos industriais, ao contrário da valorização mundial da diferenciação do produto pelas suas características de produção tradicional e fortemente centrada na origem geográfica. Desta maneira, o consumo de queijos no Brasil é principalmente de queijos comuns (padronizados). A atual segmentação na produção e comercialização de queijos no Brasil, distante da valorização das diferenciações e singularidades do produto, faz com que os queijos especiais industriais, tidos como de alta elasticidade-renda, sejam destinados a nichos restritos de mercado, este segmento sofrendo grande concorrência com os importados.

3. As questões sociológicas pertinentes das temáticas da alimentação e da diferenciação sócio-cultural dos grupos de consumidores: classes sociais ou estilos de vida?

Neste item, alguns elementos teóricos a respeito de como o comportamento dos consumidores não é apenas orientado pelo cardápio de produtos disponíveis, mas também por outras esferas da vida social, agindo na distinção entre consumidores e na incorporação da diferenciação e singularidades dos produtos alimentares dos mercados de qualidade, serão explicitados.

Em que pese as restrições de renda na maioria da população brasileira e a universalização do consumo de bens de qualidade, à luz das contribuições de Zimmerman Bauman, Pierre Bourdieu e Alan Warde e dos resultados preliminares da pesquisa realizada, podemos verificar as tensões existentes que fazem coexistir fenômenos de comportamentos de consumo tanto no que diz respeito à classe social quanto à estilos de vida compartilhados coletivamente entre todos os consumidores, tornando os mercados de qualidade um tema que se afasta da restrita noção de nicho ou consumo conspícuo e hedonista.

3.1. Zimmerman Bauman: a liberdade do consumidor e o afrouxamento do determinismo das classes sociais

Bauman (1991, 1998) centra sua interpretação sobre as práticas de consumo em termos de estilo de vida,

deslocando as classes sociais e os temas do trabalho e da produção como princípios organizadores da vida social. Focaliza sua análise interpretativa do consumo a partir dos significados culturais e da comunicação no contexto de uma sociedade de consumo, expressão da sociedade pós-moderna. Nesta perspectiva, o autor assinala a existência de uma democratização do mundo material, isto é, os indivíduos têm igual liberdade para optar entre um objeto e outro, diante de um universo imenso de ofertas disponíveis no mercado. Apegando-se ou não a eles conforme sua

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própria vontade, o sujeito é autônomo. Os agentes sociais são seres descentrados, plurais e fragmentados, capazes, na contingência das manifestações afetivas, de transcender a qualquer lógica de consumo (FILHO e LOPES, 2008).

As necessidades humanas não são tão objetivas de forma que seja possível identificar suas causas e respectivas soluções. Os aspectos que dão sentido ao consumo englobam os valores, desejos, hábitos, gostos e personalidade. Para ele, o consumo de massa não seria regido pelos processos de diferenciação social uma vez que a multiplicidade de oferta possibilitou uma multiplicidade de escolha. O consumo é um investimento a partir das características pessoais do indivíduo e não segundo às dos outros indivíduos. Por isso, sua perspectiva está diretamente relacionada à liberdade de escolha, incondicionada em relação aos gostos introjetados como lógicas unificadoras (princípios organizadores de padrões de consumo), como o é caso do sociólogo Pierre Bourdieu. O gosto, para Bauman, é efêmero, não apresenta regularidades, expressa a livre escolha dos indivíduos.

O consumidor busca prazer para si mesmo e suas necessidades estão no valor de uso, na utilidade aliada à imagem. De certa forma, o mundo material antecipa-se ao simbólico e, por isso mesmo, a qualidade dos objetos e seu valor de uso preponderam sobre a preocupação com que o outro consome. Decorrente com este pensamento, o consumo na atualidade, para aquele autor, é a individualização no processo contemporâneo na autoconstrução das identidades e o mundo das mercadorias desempenha um papel como um lócus privilegiado desta construção. A visão da “construção da identidade” é aqui referida como apresentação do self, através de um corpo lido como texto, encapsulando toda a complexa dinâmica do processo sócio-cultural do consumo, deixando de lado as dimensões da experiência (as ressonâncias no físico e nos sentimentos) e da reflexão (cognitiva), partes constitutivas e centrais das identidades que compõem um continuum no qual também se inclui, mas não única e solitariamente, a “apresentação do próprio self”(BARBOSA e CAMPBELL, 2007) .

Bauman revela uma falta oposição entre consumo e produção, entre compras e trabalho, entre variáveis sociais e variáveis culturais e simbólicas. Para ele, no mundo contemporâneo, pode-se interpretar que a única coisa que as pessoas procuram, dominantemente, nos bens e serviços são suas propriedades simbólicas, como vias expressas de obtenção e manutenção de um status, resultado do que seria a influência do capitalismo tardio e de uma subjetividade moderna superficial, isto é, mesmo que simbólica, o consumo é visto, desta maneira, por uma lógica funcional e utilitária se suprir nossas necessidades básicas a partir do mundo material.

Featherstone (2007) trata do consumo acrescentando o conceito de estilo de vida, que complementa a perspectiva de Bauman. O indivíduo expressa-se através das opções que faz e do comportamento que adota. A multiplicidade de escolhas favorece o rompimento de fronteiras pré-estabelecidas entre os estilos de vida uma vez que estes estilos não requisitam mais prioridade a seus adeptos: há mesclas de costumes, descompromisso com seus princípios e desestabilização de sua autonomia. Os produtos são muito variados e os produtos podem se oferecer parecidos e as ofertas compensatórias, equivalentes, mas a essência revela a diferença. O mercado se fragmenta e os indivíduos consomem cada vez mais produtos diferentes. Os bens assumem, para cada grupo específico, valores culturais distintos. Preservar a singularidade dos produtos é garantir o “privilégio” daqueles que acreditam diferenciar-se por meio de certos elementos. A escolha dos valores que se transformam em bens culturais não se dá necessariamente pelo fator econômico. Cada sistema de valores tem sua própria lógica, gostos e características. Os estilos de vida, através dos quais as pessoas manifestam sua individualidade, se expressam pelo que as pessoas se apropriam e, assim, elas serão classificadas em termos de presença ou falta de gosto. Há disseminação dos estilos de vida através dos intermediários culturais que levam em conta as novas circunstâncias de produção dos bens culturais.

Baudrillard (1972) destitui a noção de estilos de vida como processos classificatórios indeterminados em termos sociais e econômicos ao afirmar, distanciando de Marx, que para além do valor de troca e valor de uso dos objetos, o que prepondera é o valor-signo. Os objetos de consumo são lugares de trabalhos simbólicos, onde se procura constituir uma moral do consumo, baseada em valores “sociais” como o ter, a ostentação e a distinção. Não se consome o objeto em si, pela sua utilidade, e sim pelo que ele representa, pela sua capacidade de diferenciar, de

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remeter o consumidor a uma determinada posição, a um determinado status. Como isto ocorre nas interações humanas, através da linguagem, o que conta é o valor de troca e não o valor de uso dos objetos. Assim, vigora uma classificação dos indivíduos atrelada à constante renovação do material distintivo (objeto de consumo) e seu respectivo uso. Para ele, portanto, o sentido nunca tem origem na relação econômica, racionalizada em termos de escolha e de cálculo entre um sujeito e um objeto, mas numa diferença sistematizável em termos de código. A decorrência desta análise é que a sociedade de consumo seria uma ilusão uma vez que não haveria uma satisfação “real” dos indivíduos.

Há nesta perspectiva pós-moderna, seguindo as palavras de Barbosa e Campbell (2007), uma “dissolução do social”, uma vez que se ela não atenta para os processos de demarcação de fronteiras entre grupos e a “construção” de identidades que passa principalmente por temas como cidadania, filiação religiosa, tradição, desempenho individual. Estes processos de demarcação são necessários uma vez que a produção e o trabalho continuam ocupando, em muito, o tempo e o espaço do social. A crescente “comoditização” da realidade parece ser contrariada por dados empíricos sobre a importância do trabalho e das atividades não-remuneradas no mundo contemporâneo levando a que estilos de vida se ancorem em diferenciações de consumidores na estrutura social.

3.2.Pierre Bourdieu: as classificações sociais pelo gosto e estilos de vida e a permanência dos critérios de classificação de classes sociais

Pierre Bourdieu (1979) traz uma perspectiva oposta à de Bauman. Para ele, o consumo é uma dimensão

estrutural e estruturante de toda e qualquer sociedade humana e, portanto, cabe explorar o papel e o significado da cultura material no mundo contemporâneo em diferentes contextos e para diferentes grupos de forma comparativa. Há racionalidades e subjetividades que atuam mesmo diante dos crescentes processos de desterritorialização e dessubstancialização do consumo. O gosto é um deles.

Bourdieu entende o gosto como uma variável do consumo a ser construída analiticamente através de sua origem social, ao mesmo tempo discriminatória e produtora de hierarquias sociais. O gosto classifica socialmente. É objeto de distinção, portanto, não diferencia de forma neutra: indica, define e sustenta a posição social de quem gosta. Portanto, há no gosto uma dimensão de poder, uma dimensão política, uma vez que se estabelecem lutas pela legitimidade entre os gostos, pelos critérios de classificação do que deve ser considerado de “bom gosto”. Como resume Filho e Lopes (2008), lutas em torno dos princípios de construção e avaliação da representação mais legítima do gosto.

Há uma subjetivização dos critérios de definição do consumo legítimo. O gosto, para ele, é um esquema de percepção, classificação e valoração do mundo social que se convertem em disposições para a apropriação “material e/ou simbólica de uma categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras” (BOURDIEU, 2003). O gosto é este esquema de percepção, um habitus, que é adquirido na socialização e inclina os indivíduos a determinadas práticas de consumo.

O consumidor não tem livre-arbítrio, ele age, nas suas escolhas, independentemente de suas condições materiais de existência, com uma espontaneidade criadora e, portanto, não é um simples produto do meio em que vive, apenas reproduzindo algo que lhe vem do exterior. Nas escolhas de consumo, os indivíduos expressam a atualização de um saber-prático que acumula ao longo de sua trajetória e que possibilita, com um grau de consciência imediato à escolha e compra diante de diversas possibilidades com o objetivo de tentar obter maiores chances de sucesso ou realização. Bem resume Filho e Lopes (2008), “o habitus de consumo faculta ao consumidor a possibilidade de antecipar, sem consciência da antecipação, os efeitos sociais, estruturados e estruturantes, de qualquer aquisição. Uma espécie de antecipação pré-perceptiva permitida por um saber prático não calculado, construído ao longo de experiências vividas em condições sociais de existência análogas”.

O gosto adquire, desta maneira, sua legitimidade de forma relativa a cada grupo social de existência análoga sem que os indivíduos pertencentes a cada um destes grupos, separadamente, tenham que ponderar a todo instante

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a respeito, utilizando-se necessariamente de um cálculo racional. O gosto é uma disposição duradoura e não efêmera. O gosto legítimo não é natural, é uma forma de dominação uma vez que o comportamento de consumo é uma expressão da posição de classe.

O gosto, o conhecimento e o desejo de determinadas mercadorias são elementos necessários no processo de formação das classes e de sua reprodução. As classes podem ser identificadas pelos seus padrões de consumo e o comportamento do consumidor pode ser explicado em termos de expressão e julgamento social na formação das identidades de classe. A capacidade dos indivíduos para apreciar e julgar (classificadamente) suas próprias práticas e a capacidade para fazer o mesmo das práticas dos outros, estão indissoluvelmente ligadas. Estas capacidades de reflexão e julgamento são automáticas e de muitas maneiras, subconscientes e representam disposições profundamente incorporadas para pensar e agir. Em síntese, para Bourdieu há uma coerência inequívoca entre estilos de vida e unidade do habitus, que ele atribui primeiramente às diferentes classes sociais.

De que forma em que condições se dão estas lutas pela imposição da legitimidade de um gosto? Para Bourdieu, estas lutas são, antes de tudo, travadas, em espaços hierarquicamente estruturados, isto é, os diferentes grupos sociais que apresentam diferentes gostos não têm as mesmas condições de fazer impor a legitimidade da representação de um “bom gosto”, o seu gosto. Esta desigualdade de condições é função da posição social que cada grupo ocupa em um determinado espaço social. Desta maneira, indissociável das relações de dominação presentes neste espaço, é pelo gosto e suas manifestações que os dominantes asseguram suas posições. O gosto é, desta maneira, um sistema hierarquizado de significações.

Aqueles espaços – campos - são abstratos no sentido em que eles se definem por relações sociais objetivas, porém, se caracterizam por serem independentes da consciência e das vontades individuais. Portanto, estes espaços são fenomenologicamente definidos através das próprias relações que lhe são constitutivas. São campos de forças que se objetivam numa relação de valores, por exemplo, valores que definem o que é o gosto legítimo. Todos os sentidos presentes – os valores – só se definem relacionalmente entre si, e em torno de uma lógica de distribuição de capitais (econômico, social, cultural, simbólico). O capital é a objetivação da capacidade de que dispõe cada agente para agir e fazer triunfar seus interesses.

Um campo, em suma, é um lócus social definido por relações em torno de um objeto de luta – por exemplo, em torno de concepções de qualidade de um produto – que exige investimentos dos agentes posicionados em torno de diferenciadas concepções que buscam legitimar-se sobre as demais. O campo da definição das concepções de qualidade do queijo pelos consumidores é, portanto, um sub-campo do mercado de qualidade deste produto. Este espaço social de luta pela concepção legítima da qualidade é definido, portanto, por um sistema de diferenças, um sistema de posições que se definem pela sua oposição, como os pontos cardeais se definem em relação a seus opostos, nas palavras de Filho e Lopes (2008).

A autonomia de um campo social é função de sua menor porosidade às variáveis exógenas a ele, isto é, quanto mais estruturado em torno deste objeto de luta e quanto maior é a presença de instâncias normativas que definem regras sobre o comportamento legítimo dos agentes no campo em torno destas regras, maior autonomia ele tem. Sua autonomia depende também do domínio de um tipo de capital em torno do qual se estruturam as posições e, conseqüentemente, torna-se oneroso aos agentes a imposição de outros capitais: é desta maneira que há dominantes e dominados em um campo bem estruturado. 3.3.Alan Warde: as mudanças sociais na alimentação e a novas classificações dos padrões de consumo

Warde (1997) evidencia as múltiplas e recíprocas relações entre oferta e consumo, isto é, entre os

processos de produção econômica e padrões de consumo, como um tema de grande contemporaneidade. Ele abandona as teses pós-modernistas que preconizam a liberdade e o emponderamento individual através das decisões de consumo como resultado da virtude de gostos pessoais que determinam a forma e direção da vida particular das pessoas. Warde defende, ao contrário, que o consumo de alimentos está profundamente assentado

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em disposições sociais e orientações emitidas por experts (aproximar ao que são os dispositivos de legitimação em Bourdieu) e que os gostos são ainda bastante compartilhados coletivamente.

Para ele, hoje não mais se trata de detectar “quem compra o que”, mas quem compra o que, em que condições de acesso e o uso que faz das coisas. Neste sentido, ele compara Pierre Bourdieu e Zimmermam Bauman, como orientações analíticas, a partir da relação entre consumo e classes sociais, para propor que sejam pensadas as mudanças sociais mais amplas, estabelecendo um contraponto entre as concepções teóricas modernas e pós-modernas.

A diferença entre Bourdieu e Bauman, para Warde, é em parte resultado da maneira como ambos estimaram a força de certas forças sociais que operam no mundo contemporâneo. Para Bourdieu permanecem poderosos grupos reguladores e constrangimentos normativos no comportamento dos indivíduos. Bauman, ao contrário, acredita que isto se atenuou muito uma vez que as pessoas ficaram menos ligadas das coletividades sociais e menos sujeitas à regulação autoritativa de padrões sociais e julgamentos. Eles estimam de forma diferente a influência dos vínculos sociais e da regulação moral.

Os defensores da existência da relação entre padrões de consumo e classes sociais opõem-se àqueles que vêem um crescente processo de individualização e informalização. A individualização diz respeito ao processo de busca de integração dos indivíduos pelo seu próprio esforço com construção de um “eu” criando uma identidade de um self, onde o consumo tem grande importância uma vez que a aparência torna-se a medida da validação/valoração de um indivíduo. A ansiedade é inerente à liberdade implicada para se escolher um self. Há risco na escolha e a identidade pessoal é modificável de forma permanente. Desta maneira, a expressão de um consumidor se aparta das normas e ideais afetivos comunais tornando-se, pois, socialmente desenraizados. Já a informalização diz respeito ao declínio do espírito da disciplina na esfera do consumo onde padrões de consumo rígidos, rotineiros, conformistas e estabelecidos se dissolveram. A moral, estética e padrões sociais são relaxados e assim o comportamento se torna irregular.

Warde se distancia da posição acima ao conceber que as decisões de consumo não permitem supor um elevado grau de individualização nos mecanismos decisórios uma vez que, na sociedade contemporânea, observa-se a permanência de processos sociais de disciplinização e atenuadores da ansiedade e do risco para a identidade do “eu”. Se não fosse a presença destes processos, a crescente oferta de bens e serviços diferenciados, a maior disseminação de informações pela mídia e a elevação da renda da maior parte da população, tornaria problemática a seleção e as escolhas individuais - a “liberdade de escolha”. Entre o habitus e a liberdade como identidade de um “eu”, a seleção levaria ao risco. Esta desregulamentação resultaria em um exercício incerto de liberdade.

É neste sentido que para este autor, pensar o consumo alimentar é refletir os padrões que lhe são constitutivos na esfera da mudança social. O autor propõe as seguintes trajetórias analíticas em torno de quatro teses acerca das mudanças alimentares:

1. Diversidade no comportamento do consumidor: afrouxamento das regras e preferências individuais independentes da aprovação e constrangimentos do grupo social, isto é, individualização e desregulamentação devido à extensão das relações de mercado que fragiliza os elos sociais e, portanto, classes e status dos grupos sociais, gerando risco e ansiedade. Há diversidade no consumo alimentar de forma arbitrariamente individual com declínio dos constrangimentos associados com a diferenciação social leva a uma situação patológica de incerteza individual sobre o que comer (gastroanomia);

2. Crescente diferenciação de estilos de vida à medida que a era do consumo de massa vai se atenuando. É o que ele denomina de consumo alimentar pós-fordista: tendências culturais contemporâneas estão mais aumentando que diminuindo os contrastes (estilos alternativos, nichos) (especialização em nichos). Redes sociais e grupos, principalmente as classes sociais, vão se fragilizando e as escolhas individuais são mais efetivas e voltadas a novas identificações. Não há padrões, bases fundacionais para comportamento consensual e disciplinado em termos de classe social. Há identificação compartilhada em grupos porque aprovação social é importante para uma

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dada identidade. Grupos de estilos de vida proliferam temporariamente, mas não há substrato social ou material para isto;

O comportamento do consumidor assume uma interpretação similar nas análises pós-fordistas no que diz respeito à produção econômica. O regime de produção flexível originou novos padrões de consumo que são explicados através da linguagem da cultura pós-moderna e em outras vezes através da segmentação de mercado e consumo de nicho. Os gostos estariam se tornando mais determinados, especializados e discriminantes. Segundo Warde, isto não é apenas uma resposta às novas técnicas de produção. Isto é, o consumidor também tem um papel: estilos de vida simbolicamente reconhecidos, sub-culturas de gosto.

3. Consumo de massa levando à uniformidade do comportamento de consumo. O consumo alimentar de massa é resultado de uma sociedade de massa: incorporação da noção de cozinha nacional que resulta em uniformidade, disciplina e normas nacionais de consumo (estandardização);

4. A classe social está diminuindo seu efeito no consumo em função das oportunidades de estudo, voto e mobilidade social. Outro princípio de diferenciação social estrutural como etnicidade ou nação, região, identidades locais está se tornando mais intenso. Contrariamente, pode haver persistência de diferenciação social em torno de divisões sociais estruturais ou mesmo seu crescimento (distinção coletiva).

4. Metodologia

Foram aplicados 205 questionários nos mercados da Cantareira (120), Santo Amaro (8) e Lapa (11) e rede

social ampliada (66), apenas para consumidores de queijo acima de 25 anos. Na maioria das questões foi adotada a Escala Lieckert. Os resultados preliminares da pesquisa permitem estabelecer um diálogo com os autores uma vez que deixam entrever:

1. critérios de similaridade e diferença das respostas entre os indivíduos que definem grupos de consumidores;

2. grau de homogeneidade dos grupos quanto ao compartilhamento de normas de consumo e grau de diferenças internas entre membros de um determinado grupo;

3. a presença indivíduos que exibem comportamentos suficientemente coerentes que permitem a identificação de um determinado estilo de vida.

4.1.1. Tratamento dos resultados

4.1.1.1. Critério de classificação econômica dos consumidores adotado (ABEP – Associação Brasileira de Empresas de

Pesquisa)

O Critério de Classificação Econômica Brasil, enfatiza sua função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de classificar a população em termos de “classes sociais”. A divisão de mercado definida abaixo é exclusivamente de classes econômicas e a base da classificação é o Censo Demográfico do FIBGE. O Sistema de pontos para classificação econômica dos consumidores é o seguinte: Posse de itens Itens02 3 4 ou + Televisão em cores 0 1 2 3 4 Rádio 0 1 2 3 4 Banheiro 0 4 5 6 7 Automóvel 0 4 7 9 9 Empregada mensalista 0 3 4 4 4 Máquina de lavar 0 2 2 2 2 Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2 Geladeira 0 4 4 4 4

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Freezer (aparelho independente ou parte da geladeira duplex) 0 2 2 2 2

Grau de Instrução do chefe de família Analfabeto / Primário incompleto Analfabeto / Até 3a. Série Fundamental 0 Primário completo/Ginasial incompleto Até 4a. Série Fundamental 1 Ginasial completo/ Colegial incompleto Fundamental completo 2 Colegial completo/Superior incompleto Médio completo 4 Superior completo Superior completo 8

Cortes do critério BrasilL % A1 42-46 A2 35-41 B1 29-34 B2 23-28 C1 18-22 C2 14-17 D 8-13 E 0-7

4.1.1.2. Variáveis investigadas no questionário

Características sociais, demográficas e econômicas do consumidor

Caracterização sócio- cultural da compra e consumo de queijos

Importância do queijo na alimentação

Semântica da qualidade

Sexo Idade Estado civil Filhos presentes no domicílio Número de pessoas que moram na casa Grau de instrução Classe Econômica (domicílio e grau de instrução do chefe do domicílio) (ABEP)

Regularidade no consumo de queijos Ocasiões em que come queijo Como incorpora/serve na refeição Serve a visitas Como incorpora/serve com visitas Motivos do aumento no consumo Motivos da diminuição no consumo

Inserção do queijo nas opções de compra e consumo

Local de compra do queijo Características dos queijos que considera importante na hora de comprá-los Fonte de informações que considera importantes para comprar os queijos Importância do queijo para o consumidor Fidelidade/alternância na compra dos queijos Importância do queijo para o consumidor

5. Resultados preliminares

5.1. Características sociais, demográficas e econômicas dos consumidores de queijo A amostra aleatória compõe-se de 53,7% de mulheres e 46,3 % de homens. Abaixo, estão apresentadas as

principais características sociais, demográficas e econômicas dos consumidores de queijo entrevistados.

Faixa etária do entrevistado (a) Percentual Valid 25-30 anos 16,1 30-40 anos 22,0 40-50 anos 28,3 50-60 anos 21,0 acima 60 anos 12,7 Total 100,0

Estado Civil do entrevistado (a) Percentual Valid Casado(a) ou

morando junto 56,6

Solteiro(a) 23,9 Separado(a) ou

divorciado(a) 11,7

Viúvo(a) 7,8 Total 100,0

Presença de Percentual

11

filhos (as) no domicílio Valid sim 54,6 nao 45,4 Total 100,0

Número de pessoas no domicílio (além do Percentual

entrevistado/a) Valid mora sozinho 17,1 2 pessoas no domicilio 22,9 3 pessoas no domicilio 23,4 mais de 3 pessoas no

domicilio 36,6

Total 100,0

Grau de instrução do entrevistado (a) Percentual Valid Universitário com pós graduação 13,2 Universitário completo sem pós

graduação 35,1

Universitário incompleto/ Colegial completo.

35,1

Colegial incompleto/ Ginásio completo.

9,8

Ginásio incompleto/ Primário completo

6,8

Total 100,0

Grau de instrução do chefe da família Percentual Valid Ginásio incompleto/ Primário

completo 8,8

Colegial incompleto/ Ginásio completo.

9,8

Universitário incompleto/ Colegial completo.

28,8

Universitário completo (com ou sem pós-graduação)

52,7

Total 100,0

5.2. Caracterização sócio-cultural da compra e consumo de queijos

12

13

5.3. Importância do queijo na alimentação

14

15

5.4. Semânticas da qualidade

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18

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6.Discussão dos resultados e considerações finais

Os primeiros resultados indicam o potencial que o queijo tem de particularizar-se junto ao consumidor através das semânticas de qualidade que foram proferidas e da relação este consumidor tem com a alimentação como rito social de grande importância, ainda que a presença do queijo na alimentação seja restrita. Isto leva à reflexão sobre o potencial papel que os queijos artesanais têm no Brasil para além de fatores que colaboram exclusivamente com desenvolvimento local e nichos de consumo. Observa-se uma tendência de formação de grupos – independentemente de sua classificação econômica – em torno de características diferenciadas e singulares dos queijos.

No Brasil há nítidos impedimentos ao reconhecimento da qualidade dos queijos artesanais o que contradiz com os investimentos da indústria de queijo na diferenciação da produção. A singularização das demandas do consumo do produto através da alimentação é facilmente identificada uma vez que os ritos alimentares estão diretamente relacionados ao íntimo, à vivência, aos hábitos familiares e à cultura regional. As semânticas de qualidade pronunciadas evidenciam a existência de uma expansão das exigências de qualidade que vão além dos aspectos técnico-sanitários e nutricionais que integram a maioria dos dispositivos de legitimação formais existentes no mercado (jurídico-legais). Estes dispositivos são apenas uma das referências possíveis para os consumidores que reconhecem e valorizam a diferenciação e singularização do produto, inclusive dentre as classes de econômicas mais baixas e em centro urbanos distantes dos locais de produção artesanal.

Na análise do mercado de queijos, a pesquisa objetiva prosseguir na avaliação de quais são os dispositivos de legitimação – formais – que determinam as concepções legítimas da qualidade dos produtos e às quais, os consumidores, em suas práticas, aderem ou subvertem através de escolhas que lhe são próprias. O gosto legítimo ou ilegítimo – concepções legítimas ou não legítimas de qualidade – são lógicas unificadoras que regem nossas preferências e exprimem as condições de existência nas quais estes gostos ou lógicas foram forjados. Isto, é o gosto é tanto a influência dos dispositivos formais de legitimação da qualidade quanto uma percepção compartilhada por consumidores em função de dispositivos específicos, personalizados e informais (sócio-culturais). Como os consumidores agenciam os mercados de qualidade, seu papel estruturante na definição destes mercados e como, na mão inversa, estes mercados agem da produção destes consumidores, coloca-se no centro desta perspectiva.

A comparação entre estas duas situações é que dá uma idéia dos efeitos do impacto do mercado e dos mecanismos institucionais de formação do gosto pelos agentes da produção e distribuição. O consumo seria um universo de liberdade onde não há penalidades, leis ou sanções na aquisição de mercadorias sendo que há a invenção consciente de uma identidade pessoal, não mais havendo condicionamentos de classe? As pessoas definem-se a si mesmas através das mensagens que eles transmitem para os outros, através dos bens e práticas que eles possuem e utilizam, no sentido observado por Bauman? Ou as concepções de qualidade, no sentido de Pierre Bourdieu, não estão inscritas na natureza das coisas, e sim no sentido e valor das nominações dadas pelos agentes e suas respectivas posições sociais?

A aproximação ou distanciamento entre estas posições é que vai demonstrar as distinções que operam em torno das concepções de qualidade. Algumas vezes não há oposição – distanciamento máximo – mas proximidade que age no sentido da aceitação pelos pares, pertencimento ou integração através de um padrão orientador da decisão da compra e consumo efetivo. Estes movimentos de aproximação ou distanciamento, no caso da alimentação e, em particular do queijo, impõe considerar nas próximas análises a serem realizadas a partir dos resultados obtidos:

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a. A função da alimentação em termos de identidade dos grupos, enquanto vivência íntima, isto é, pessoal e familiar, isto é, a alimentação com plano de manifestação cultural dentro de processos de socialização primária;

b. A função da alimentação em termos de origem geográfica pessoal e/ou sistemas alimentares incorporados exóticos e incorporados ao longo da vida, também como socialização secundária;

c. A autonomia do campo: regras normativas proferidas pela indústria e pelas experiências produtivas existentes dos queijos artesanais, isto é, a relação entre os dispositivos de legitimação nos dois casos, áreas de sobreposição, complementação ou antagonismo;

d. A autonomia do campo, no caso do Brasil, em relação aos dispositivos de legitimação do mercado internacional;

e. As variáveis que atuam ao nível dos consumidores em termos da natureza dos capitais em torno dos quais se dão as disputas de concepções de qualidade;

f. A posição dos grupos em torno destas variáveis e as relações destas posições com os dispositivos de legitimação dominantes no mercado de qualidade (diferenciação), tanto no caso da produção industrial quanto artesanal.

g. A posição dos grupos em torno destas variáveis e que possam indicar dispositivos de legitimação informais reveladores de potenciais desenvolvimentos da qualidade no mercado de queijos (singularidades).

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