a relaÇÃo famÍlia, escola e deficiÊncia auditiva

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A RELAÇÃO FAMÍLIA, ESCOLA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autor: Ivan Álvaro dos Santos

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Page 1: A RELAÇÃO FAMÍLIA, ESCOLA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA

A RELAÇÃO FAMÍLIA, ESCOLA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Programa de Pós-Graduação EAD

UNIASSELVI-PÓS

Autor: Ivan Álvaro dos Santos

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Jamile Delagnelo Fagundes da Silva

Revisão Gramatical: Sandra Pottmeier

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2012Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

371.912S237r Santos, Ivan Álvaro dos A relação família, escola e deficiência auditiva / Ivan Álvaro dos Santos. Indaial : Uniasselvi, 2012. 97 p. : il Inclui bibliografia ISBN 978-85-7830- 608-3 1. Surdos - Educação. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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Ivan Álvaro dos Santos

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Regional de Blumenau (FURB); licenciado em Matemática pelo Centro Universitário de Jaraguá do Sul (UNERJ); Especialista em Gestão e Metodologia do Ensino, pela Faculdade Dom Bosco do Paraná e Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB).

Atua como professor em escolas públicas e privadas há dez anos, sete dos quais na modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

Participou da elaboração da “Série Educação para a Nova Indústria – Elevação da Escolaridade na Indústria” - guia de estudos desenvolvido pelo SESI – Serviço Social da Indústria -, com o objetivo de orientar a ação de professores no desenvolvimento de currículos de educação básica de jovens e adultos contextualizados a diferentes setores industriais.

Também participou com apresentação oral de artigos em renomados eventos nacionais, dentre eles o VI Congresso

Internacional de Educação: Educação e Tecnologias: sujeitos (des)conectados? (UNISINOS – São Leopoldo-

RS); IX Congresso Nacional de Educação (EDUCERE – Curitiba-PR) e XV Encontro Nacional de Didática e

Prática de Ensino (ENDIPE – Belo Horizonte-MG), tendo como foco a Educação de Jovens e Adultos e os recursos tecnológicos aplicados à educação.

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Sumário

APRESENTAÇÃO ......................................................................7

CAPÍTULO 1A Família e o Deficiente Auditivo......................................... 11

CAPÍTULO 2A Escola e o Deficiente Auditivo ....................................... 39

CAPÍTULO 3A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva ............. 71

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APRESENTAÇÃO

Caro(a) pós-graduando(a):

A Constituição da República Federativa do Brasil - lei maior do nosso país – discute na Seção I do Capítulo III a questão da Educação, referindo-se a ela no artigo 205 como um “[...] direito de todos e dever do estado e da família...” (BRASIL, 1988, p. 84).

Ao fazer uso do termo “todos”, a referida lei estende os benefícios propiciados pela educação a qualquer cidadão brasileiro, independentemente de sua raça, classe social, credo ou qualquer outro meio de distinção existente. Nesse sentido, fica entendido que o acesso à educação deve ser oportunizado não somente àqueles que a ela podem chegar com facilidade, mas, também, deve ser colocado ao alcance e garantido a qualquer cidadão que, de alguma forma, possa apresentar algum tipo de dificuldade de chegar até os meios sociais onde a educação formal é oferecida. Ao falar em dificuldades de acesso à educação, subtraímos da lista as barreiras geográficas ou culturais que não é, nesse ensaio, nosso foco, para restringirmo-nos àquelas relacionadas às pessoas que apresentem algum tipo e/ou grau de necessidade especial, seja ela física, intelectual, visual e/ou auditiva etc.

Em relação à questão do dever do estado, a Constituição brasileira complementa por meio do Artigo 208 que o dever do Estado para com a educação deverá ser concretizado, dentre outras ações, por meio de “[...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988, p. 84). Porém, a simples observância do acesso e até da permanência do cidadão na escola não lhe garante uma educação formal propriamente dita ou uma educação de qualidade. Apesar de o acesso e a permanência serem sim, a nosso ver, um passo importante na conquista desse direito, Prieto (2006) nos alerta que os desafios da educação como um direito de todos ainda são muitos e, não podemos cair na ingenuidade de achar que com o simples cumprimento legal do acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais nas classes comuns estejamos lhes garantindo tal direito. Se a melhoria na qualidade do ensino não tornar-se a base da ação pública e da sociedade como um todo, a presença dos alunos com necessidades especiais na escola comum pode tornar-se fator de rejeição junto aos demais alunos. Nesse caso, segundo a autora, os alunos com necessidades especiais “[...] podem ter acesso à escola, ou nela permanecer, apenas para atender a uma exigência legal, sem que isso signifique reconhecimento de sua igualdade de direitos” (PRIETO, 2006, p. 36).

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Não obstante, a referida lei já mencionada estende à família a obrigação de oferecer o acesso à educação a todos os membros que a constituem, parecendo não haver qualquer obstáculo que possa se mostrar intransponível a esse fim. Sendo assim, quando falamos em acesso à educação formal, entendemos que aos indivíduos com necessidades especiais deve ser despendido pela família o mesmo tratamento destinado àqueles que não apresentem tais necessidades. Dessa forma, concretiza-se a possibilidade de oferecer-lhes a apropriação dos conceitos científicos ofertados pela escola, a convivência social com os seus pares, o conhecimento dos mecanismos, das normas e de toda a dinâmica que regem a sociedade e suas instituições, além da qualificação para o trabalho. Assim, como consequência, estar-se-á garantindo-lhes os mesmos direitos de exercício da cidadania, a partir da conquista da autonomia e da capacidade de inferência no meio social em que vivem.

Todas essas questões trazidas de maneira breve podem ser alinhavadas no que concerne à importância da parceria necessária quiçá obrigatória entre o oferecimento de educação formal pelo Estado por meio da escola e instituições congêneres e a contrapartida oferecida pela família. Essa reação da família à ação do Estado diz respeito à oportunidade de acesso de seus membros, sobretudo a facilitar esse acesso para aqueles que apresentem algum tipo de necessidade especial, à escola que lhes é oferecida por direito. Em outras palavras, de pouco ou nada adianta contar com a garantia do direito à Educação oferecida pelo Estado se não existir a necessária correspondência por parte da família em efetivar tal direito em todos os sentidos, não simplesmente pelo acesso e permanência, mas pelo acompanhamento e pelo zelo ao equilíbrio entre a sua adequação à escola com sua rotina e a adequação da escola às suas necessidades. Ao mesmo tempo, salienta-se, que a recíproca também é verdadeira já que todo o esforço despendido pela família seria em vão se não houvesse o acesso aos serviços educacionais cuja responsabilidade está recaída sobre o poder público.

Esses pontos discorridos até então dão o mote do presente caderno de estudos que traz à luz a discussão da importância que reside no trabalho conjunto que deve existir entre a escola e a família em favor da educação do alunado em geral, sobretudo de alunos com necessidade especiais, com ênfase ao deficiente auditivo. Desde tenra idade, família e escola coexistem na vida do aluno e não pode haver uma educação segregada nem muito menos contraditória entre elas. Como salienta Corrêa (2006, p. 162), “família e escola são dois contextos diferentes, com objetivos distintos. Um e outro, no entanto, são mediadores de ações educativas e ambos têm foco de atenção comum – a criança”. A comunhão de ações e intervenções é primordial para a concretização dos objetivos que dão

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a razão de existir para a escola, da mesma forma que esta deve complementar a educação trabalhada pela família, em harmonia de atitudes e valores. O elo entre duas instituições tão importantes na vida do aluno certamente fortalecerá o seu vínculo com a escola e com os conhecimentos que a partir dela ele poderá se apropriar.

Nesse sentido, para chegarmos até aqui, que é o ponto chave do presente caderno, faremos algumas discussões prévias, mas nem por isso menos importantes, que nos servirão de base para compreendermos a necessária, porém complexa relação que deve se estabelecer entre a família, a escola e o deficiente auditivo para que este aprenda e se desenvolva a partir dos elementos que lhes são oferecidos por uma e por outra instituição.

Assim, no capítulo 1 aprofundaremos as discussões sobre o papel da família como instituição social primeira, sobre a sua importância na socialização do indivíduo e seu papel na educação. Nesse capítulo, o foco recairá sobre a forma como a família age diante de um membro com deficiência auditiva, o que muda e o que permanece nas formas de convivência e de educação desse indivíduo.

O capítulo 2 traz ao foco discussões sobre a escola enquanto instituição social legitimada pela sociedade como disseminadora de conhecimentos científicos. Indo adiante nas discussões do papel da escola, recaímos sobre a relação entre a escola a educação especial, que cada vez mais exige a busca de novos dados de forma a atender a essa demanda de alunos com necessidades tão específicas e delicadas. Por fim, o capítulo concentra-se na especialidade do deficiente auditivo e naquilo que este pode esperar e ao mesmo tempo ajudar a construir na escola em seu benefício.

O capítulo 3 encerra o caderno propondo reflexões sobre o assunto propriamente dito que é a importância da relação entre a escola, a família e o deficiente auditivo, na constante busca da aprendizagem e do desenvolvimento deste último. Nesse capítulo, discutimos não somente a importância da presença da família na vida escolar do deficiente auditivo e, das relações que os profissionais da escola devem buscar estabelecer com a sua família, como também buscamos compreender e avaliar maneiras como pode se estabelecer a integração entre a escola e a família e até que ponto a família pode e deve interferir nessa etapa da vida do estudante, no intuito de facilitar e otimizar a sua vida escolar.

O autor.

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CAPÍTULO 1

A Família e o Deficiente Auditivo

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Refletir a respeito do papel da família como instituição social primeira na vida do ser humano;

3 Compreender a importância da família no desenvolvimento integral do ser humano;

3 Identificar as características da deficiência auditiva;

3 Caracterizar os tipos de surdez e as possibilidades de tratamento;

3 Identificar a influência de um membro deficiente auditivo nas relações familiares;

3 Compreender o papel exercido pela família na inserção social do deficiente auditivo;

3 Compreender a família como agente de educação do ser humano e em especial do deficiente auditivo.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

ContextualizaçãoNesse primeiro capítulo, estaremos dedicando nossa atenção à família

e à magnitude de seu papel enquanto instituição encarregada de oferecer as primeiras experiências sociais e educativas do indivíduo. Além disso, estaremos propondo reflexões acerca da importância da convivência familiar como elemento favorecedor do desenvolvimento do indivíduo, na constituição de sua personalidade, de seu caráter e nos primeiros passos na construção de sua história particular dentro da história geral em que está inserido. Um olhar mais restrito será dado ao entrarmos nas questões familiares que giram em torno da presença de um indivíduo com necessidades especiais e, em particular, de um indivíduo deficiente auditivo. Nesse ponto, abordaremos de forma sucinta do que realmente se trata uma deficiência auditiva, seus sintomas mais comuns e como fazer para diagnosticá-la. Além disso, discutiremos o que muda e o que se mantém com a presença desse indivíduo - as formas como ele vive, como convive e como ele aprende no seio da família e a partir das relações familiares que se estabelecem.

A Família como Instituição Social Entramos em pleno acordo com Oliveira (1999, p. 91) quando este afirma

que “a família é o primeiro grupo social a que pertencemos”. É pelas mãos da família que nós aprendemos a noção de certo e de errado, de bom e de ruim, que nos deparamos com sentimentos de amor, carinho, ternura, raiva, ódio, alegria, tristeza. Nesse sentido, a família torna-se nossa primeira referência no que se refere às ideias de mundo, de gente, de convivência, de ações e reações diante das mais variadas situações, enfim, de compreensão de nossa estada e inferência em todas as circunstâncias da vida.

Buscaglia (1997, p. 79), por sua vez, define família “[...] como um sistema social pequeno e interdependente, dentro do qual podem ser encontrados subsistemas ainda menores, dependendo do tamanho da família e da definição de papéis”. Logo, entendemos que é também a família um pequeno exemplo de convívio social, composto de suas regras, com sua hierarquia própria, seus modos de ação e de relação que não demora muito a se estender do portão de casa para fora, chegando até aos vizinhos da rua, aos moradores do bairro, além dos parentes e dos amigos da família. Nesse sentido, a família prepara suas crianças para os desafios da convivência na complexa rede de relações sociais da qual o indivíduo fará parte quando passar a frequentar os demais meios, cada um em seu momento certo e com suas particularidades. Buscaglia (1997, p. 81) complementa

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

afirmando que é dentro da família “[...] que a criança aprenderá a ser o tipo de ser humano que a sociedade determina como normal. Mas, além disso, [...] aprende a ser único, a desenvolver a individualidade [...] em busca de auto-realização” e estende a discussão para os laços afetivos que se estabelecem entre aqueles que compõem a família, que por sua vez se constitui de pessoas que “apóiam e amam umas as outras, fazem planos juntas e partilham do processo da vida de uma forma cooperativa, para o bem e a realização de todos” (BUSCAGLIA, 1997, p. 78).

Dessa forma, a família influencia sobremaneira as forma de pensar e de agir de seus integrantes, participando tanto consciente quanto inconscientemente da formação de seus valores morais, na definição de seus objetivos de vida e daquilo que espera alcançar no futuro. Buscaglia (1997, p. 78-79) ratifica essa ideia afirmando que a família

[...] desempenha importante papel na determinação do comportamento humano, na formação da personalidade, no curso da moral, na evolução mental e social, no estabelecimento da cultura e de suas instituições. Como influente força social, não pode ser ignorada por qualquer pessoa envolvida no estudo do crescimento, do desenvolvimento, da personalidade ou do comportamento humano.

Logo, podemos concluir que a forma como a família estiver estruturada seja nos aspectos morais, sociais, econômicos e/ou espirituais interferirá na personalidade e no caráter daqueles que a compõem. Uma família em que seus membros se amam e se respeitam mutuamente, que são companheiros entre si, que dialogam sobre todos os assuntos, que ficam juntos seja por ocasiões boas ou ruins, enfim, que compartilham dos momentos que lhes cabe, apresenta praticamente todos os elementos necessários a ser uma família equilibrada, feliz, bem vista e bem quista pela comunidade a qual pertence e pela sociedade como um todo. E, de igual maneira, seus integrantes possuem boas chances de incorporarem em suas personalidades traços dessa convivência pacífica, de bons ideais e de boa conduta. Por outro lado, a família que não consegue manter uma estabilidade em seu interior, que não convive com a harmonia entre seus membros tende a produzir indivíduos que algumas vezes não entram em acordo com o que a sociedade julga como moralmente correto ou que fogem aos preceitos da ética que regem a vida coletiva dessa sociedade. Logo, até certo ponto a família conduz e interfere na vida integral do indivíduo. (como esse parágrafo já está extenso, não vou acatar a ideia dada pela revisora).

Porém, é importante frisar que a família também é tocada pelo meio social em que vive, e de uma forma ou de outra é influenciada por esse meio. Como nos assevera Buscaglia (1997, p. 80),

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

Embora seja em si mesma uma unidade social significativa, a família não vive em um vácuo social. Ela é, na verdade, uma parte de uma unidade social maior, a comunidade imediata e a sociedade total em que existe. Em uma certa perspectiva, trata-se de uma pequena cultura dentro de uma outra mais ampla, sobre a qual age e à qual reage. Qualquer ocorrência sociopatológica dentro da sociedade mais ampla também exercerá seus efeitos sobre a família e todos os seus membros.

Logo, ao mesmo tempo em que o indivíduo e sua família contribuem para a história do meio em que vivem, inferindo e transformando a cultura local, também são reconstruídos e transformados pelos elementos culturais da sociedade em que estão inseridos.

Ao longo das últimas décadas, a configuração “tradicional” da família vem se alterando e se naturalizando perante a sociedade. A ascensão da mulher à condição de chefe de muitas famílias, o divórcio sendo aceito como algo natural assim como a união de pessoas de mesmo sexo, dentre várias outras situações, têm contribuído para essas mudanças. Como bem nos coloca Mittler (2003, p. 213-214),

Mudanças fundamentais aconteceram na estrutura das famílias e na vida familiar. Muitas crianças estão experimentando a separação e o divórcio de seus pais, estão morando em casas com apenas um dos progenitores ou com mais de um padrasto ou madrasta. De repente, podem ver-se com vários meio-irmãos novos e com mais de quatro avós. O conceito de família estendida ficou muito mais complexo, sobretudo quando incluímos as parcerias de uma casa que não está relacionada. Isto significa que muitas outras pessoas estarão envolvidas na vida de uma criança com necessidades especiais, assim como com todas as crianças, e não somente os pais e as mães.

Logo, a criança, assim como toda a família, estará sofrendo a influência de mais pessoas do que estaria caso convivesse somente com os pais biológicos e com os irmãos, por exemplo. Essa situação pode variar dependendo de cada novo indivíduo que se integra na família e do nível de harmonia e de empatia que se estabelece entre os envolvidos. Por exemplo, como se relaciona a criança com o padrasto, ou com o irmão adotivo, ou ainda, como a mãe se relaciona com o novo marido e com os seus enteados. Nesse caso, todas as relações entre os integrantes da “nova” família que se reorganiza e o clima do lar que juntos constroem e habitam, contagiam todos que ali vivem. Essas relações e possíveis problemas que por ventura surjam podem se acentuar quando da presença de indivíduos com algum tipo de deficiência, como por exemplo, um indivíduo com deficiência auditiva.

Embora seja em si mesma uma unidade social significativa, a

família não vive em um vácuo social. Ela é, na verdade,

uma parte de uma unidade social maior,

a comunidade imediata e a

sociedade total em que existe.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Paniagua (2004) corrobora com essa questão da grande variedade de estruturas familiares que compõem a sociedade atual e, acrescenta, afirmando que mesmo as “[...] famílias com uma composição similar também são muito diferentes entre si quanto a ideologia, recursos, envolvimento na educação dos filhos ou atitudes diante das deficiências” (PANIAGUA, 2004, p. 330). Dessa forma, sendo entre famílias configuradas nos moldes ditos normais, cujo núcleo é o casal heterossexual com toda a prole gerada em comum ou então entre famílias constituídas de maneiras diversas daquelas famílias tradicionais e baseadas num modelo padrão, não é simples encontrar regularidades que permitem estabelecer formas únicas de ação ou estabelecer o que é totalmente certo ou errado no tratamento e na convivência com um indivíduo deficiente auditivo.

Porém, acreditamos que apesar de existirem formas de ação e recursos disponíveis que podem ser utilizados por praticamente todos os indivíduos deficientes auditivos (tratamentos próprios, profissionais especializados, equipamentos tecnológicos, etc.) é fundamentalmente a convivência, o bom senso e o conhecimento mútuo entre os envolvidos que apontará as formas apropriadas de ação que devem ser utilizadas. É o conhecimento do deficiente auditivo pela família e a confiança que aquele deposita nesta que emitirá dados para as melhores formas de intervenção junto ao deficiente auditivo e que o ajudará a desenvolver-se e a conquistar relativa autonomia, de acordo com as suas capacidades e as suas limitações.

Atividades de Estudos:

Veja a seguir a letra da música “Família”, de autoria do grupo Titãs e, na sequência, responda aos questionamentos propostos.

Família (Titãs)

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

Família, família Papai, mamãe, titia, Família, família Almoça junto todo dia, Nunca perde essa mania Mas quando a filha quer fugir de casa Precisa descolar um ganha-pão Filha de família se não casa Papai, mamãe, não dão nenhum tostão Família ê Família á Família Família, família Vovô, vovó, sobrinha Família, família Janta junto todo dia, Nunca perde essa mania Mas quando o nenê fica doente

Procura uma farmácia de plantão O choro do nenê é estridente Assim não dá pra ver televisão Família ê Família á Família Família, família, Cachorro, gato, galinha Família, família, Vive junto todo dia, Nunca perde essa mania A mãe morre de medo de barata O pai vive com medo de ladrão Jogaram inseticida pela casa Botaram um cadeado no portão Família ê Família á Família

Fonte: Disponível em <http://www.vagalume.com.br/titas/familia.html#ixzz2052LlRQR>. Acesso em: 08 jul. 2012.

1) Que tipo de família é retratada na letra da música: tradicional, moderna, careta, certinha? Escreva sobre a família que você percebe “sair” da música.

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2) Você acha que esse tipo de família trazido pela música predomina na sociedade moderna? Por quê?

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3) Em nosso texto, trouxemos a seguinte citação de autoria de Buscaglia (1997, p. 80): “Embora seja em si mesma uma unidade social significativa, a família não vive em um vácuo social. Ela é, na verdade, uma parte de uma unidade social maior, a comunidade imediata e a sociedade total em que existe. Em uma certa perspectiva, trata-se de uma pequena cultura dentro de uma outra mais ampla, sobre a qual age e à qual reage. Qualquer

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

ocorrência sociopatológica dentro da sociedade mais ampla também exercerá seus efeitos sobre a família e todos os seus membros”. Aponte de dois ou três trechos da música que têm identificação com essa citação. Não esqueça de explicar de que forma eles se identificam.

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4) Se você trabalhasse esta música com crianças dos anos finais do ensino fundamental e tivesse entre eles, um deficiente auditivo na sala, como procederia? Que estratégia utilizaria? Comente a respeito.

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Deficiência Auditiva: o que é e como Identificar

Seria redundante abordar aqui a importância dos cinco sentidos na vida de qualquer indivíduo, o que, dentre outras inúmeras coisas, lhe garantem a sua autonomia de vida, pelo menos no que tange às ações básicas de sobrevivência. Restringindo essa discussão particularmente ao sentido da audição, principalmente se quisermos pensar tal questão sob a ótica da comunicação entre as pessoas como ponto fundamental da convivência social, caímos obrigatoriamente no ponto em que a audição ou a falta dela pode interferir de maneira significativa nas formas como usufruímos dessa convivência social. Dito de outra forma, a audição é decisiva nas relações que estabelecemos com nossos interlocutores e com o mundo em geral e, por consequência, a perda auditiva vai influenciar essas relações e, de certa forma, conduzir outras formas de contato com o mundo que nos cerca. Obviamente, o indivíduo deficiente auditivo consegue comunicar-se com as demais pessoas que o cercam, porém, a falta do sentido da audição modifica

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

de forma acentuada essa comunicação e, em alguns casos, a limita tanto em relação ao número de pessoas com quem se relaciona quanto na intensidade da compreensão do teor das conversas que se estabelecem durante essa comunicação.

Como as pessoas ouvem? Veja a explicação sintética a seguir e confira na ilustração.

O ouvido humano possui três partes – ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno –, sendo que cada uma desempenha funções específicas:

• Ouvido externo: é composto pelo pavilhão auricular e pelo canal auditivo, que é a porta de entrada do som. Nesse canal, certas glândulas produzem cera, para proteger o ouvido.

• Ouvido médio: formado pela membrana timpânica e por três ossos minúsculos, que são chamados de martelo, bigorna e estribo, pois são parecidos com esses objetos. Em contato com a membrana timpânica e o ouvido interno, eles transmitem as vibrações sonoras que entram no ouvido externo e devem ser conduzidas até o ouvido interno.

• Ouvido interno: nele está a cóclea, em forma de caracol, que é a parte mais importante do ouvido: é responsável pela percepção auditiva. Os sons recebidos na cóclea são transformados em impulsos elétricos que caminham até o cérebro, onde são ‘entendidos’ pela pessoa.

Fonte: REDONDO, M. C. da F. CARVALHO, J. M. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a Distância, 2000 (sem página).

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Figura 1 – Ouvido Humano

Fonte: Disponível em: <http://www.if.ufrj.br/teaching/fis2/ondas2/ouvido/ouvido.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012.

Todo distúrbio que afete a normalidade da audição de uma pessoa não importando aí a sua causa, tipo ou grau constitui uma deficiência auditiva. De acordo com Marchesi (2004, p. 172), “uma surdez ou uma deficiência auditiva é qualquer alteração produzida tanto no órgão da audição como na via auditiva”. A deficiência auditiva traz consigo, além do próprio problema em si, várias limitações para o desenvolvimento do indivíduo, dentre elas e talvez a mais importante que é a interferência na aquisição de sua oralidade, ou seja, de sua linguagem falada. Segundo Marchesi (2004), o tipo de surdez é dado segundo o local

onde se localiza a lesão, sendo classificado do ponto de vista médico de forma mais usual em três tipos, conforme apresentado na tabela 1.

Tabela 1 – Tipos de surdez e suas principais características

TIPO DE SURDEZ CARACTERÍSTICAS GERAIS

Surdez Condutiva ou de Transmissão

A zona lesada situa-se no ouvido externo ou no ouvido médio, o que impede ou dificulta a transmissão das ondas sonoras até o ouvido interno. Não é um tipo de surdez grave nem duradoura e há possibi-lidade de tratamento médico ou cirúrgico.

Todo distúrbio que afete a normali-dade da audição de uma pessoa

não importando aí a sua causa, tipo ou grau constitui uma deficiência

auditiva.

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

Surdez Neurosensorial ou de Percepção

A área prejudicada situa-se no ouvido interno ou na via auditiva para o cérebro. Esse tipo de surdez afeta tanto a quantidade quanto a qualidade da audição. Até pouco tempo atrás era um tipo de surdez que costumava ser permanente, mas que, nos últimos anos vem sendo desenvolvida uma nova técnica de implante coclear* que pode abrir novas possibilidades para as pessoas surdas.

Surdez MistaNesse tipo de surdez, tanto o ouvido interno ou a via auditiva quanto o canal auditivo externo ou médio são prejudicados. O tratamento da surdez mista decorre de cada um dos dois tipos que engloba.

Fonte: Marchesi, A. (2004, p. 172-174).

O implante coclear consiste na introdução, no ouvido interno, por meio de uma operação, de um dispositivo eletrônico que transforma os sons externos em estimulação elétrica, agindo sobre as aferências do nervo coclear. Dessa forma, as pessoas surdas recebem uma sensação auditiva e, no melhor dos casos e mediante um lento processo de reeducação, conseguem discriminar a linguagem (MARCHESI, 2004, p. 173).

De acordo com Redondo e Carvalho (2000), é sempre mais fácil identificar uma surdez severa ou profunda do que uma surdez mais leve ou moderada. De qualquer forma, uma criança excessivamente quieta ou que não reage a estímulos sonoros pode demonstrar sinais de perda auditiva. O ideal é que essa possível perda na audição seja descoberta o mais breve possível, porém, o que acontece na maioria dos casos é a descoberta somente quando a criança passa a frequentar a escola. Sintomas como falar muito alto, pedir que o interlocutor repita várias vezes a mesma coisa, necessidade de ouvir rádio e televisão em alto volume ou pronunciar de forma errada certas palavras podem ser sinais de que alguma coisa está errada em relação à audição.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Por meio do site http://www.ufscar.br/~integra/audicao.htm você pode conhecer alguns sintomas de perda auditiva, divididos por faixa etária.

Há mais de uma forma de se comprovar se uma pessoa possui algum tipo ou grau de deficiência auditiva. Redondo e Carvalho (2000) assinalam que quando a criança é bem pequena, pode ser realizado um teste chamado BERA (Brain Stam Evocated Response), cujo significado em português é respostas evocadas do tronco cerebral. A partir desse teste, se avalia a perda de audição por via auditiva. Já a criança mais velha que compreende o processo e tem condições de colaborar com o mesmo, pode realizar o teste audiométrico, teste esse realizado pelo fonoaudiólogo e que identifica o seu nível mínimo de audição.

BERA (Brain Stam Evocated Response)

BERA é um exame digital que analisa o potencial evocado auditivo (uma resposta emitida pelo nervo auditivo ao ser percorrido por um impulso nervoso que neste caso é desencadeado por um som). O ouvido humano está ativo vinte e quatro horas por dia quer o indivíduo esteja acordado, dormindo ou sob efeito de sedativos e mesmo anestésicos. Para que o impulso nervoso seja desencadeado é necessário que o som chegue ao tímpano, percorra os ossículos do ouvido (martelo, bigorna e estribo) e chegue à cóclea, onde a energia mecânica é transformada em energia elétrica e assim “começa” o impulso nervoso.

À medida que o impulso nervoso caminha pelo nervo auditivo para chegar ao cérebro ele vai gerando um potencial (chamado de potencial evocado auditivo) que é captado pelo equipamento conectado à pessoa e transformado em dados que são armazenados na memória de um microcomputador para posteriormente serem analisados e transformados numa curva que é interpretada pelo médico.

Assim, o BERA pode ser realizado em qualquer idade, desde

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

recém-nascidos até idosos, acordados, dormindo (sono natural ou anestesia geral) ou em coma.

Fonte: Disponível em: <http://www.clinicalucano.com/otorrinoefono/bera.htm>. Acesso em: 02 jul. 2012.

De qualquer forma, ao menor sinal de algum tipo de dificuldade em ouvir com normalidade os sons dos ambientes que frequenta e as pessoas com quem se relaciona, é aconselhável encaminhar o indivíduo a um médico especialista e de um fonoaudiólogo que poderão detectar se há ou não perda auditiva e, caso haja, o tipo e o grau dessa perda para então proceder no melhor tratamento para o caso. Somente o profissional especializado está capacitado para diagnosticar a perda auditiva assim como analisar cada caso de forma singular e indicar as intervenções corretas e necessárias. Segundo Redondo e Carvalho (2000, p. 8), “o diagnóstico precoce permite que a família seja orientada desde o primeiro momento, recebendo informações de profissionais (médico, psicólogo, fonoaudiólogo) e tendo apoio para cuidar do desenvolvimento da criança”. Dessa forma, mais precocemente se identificará o nível de gravidade da deficiência e se buscará a terapia adequada ao caso.

Algumas famílias tendem a ignorar tais sintomas ou então a utilizar técnicas e medicamentos caseiros para tentar reverter o quadro. Esses tipos de procedimentos podem ser senão paliativos, prejudiciais ao indivíduo, retardando e até aumentando o nível de gravidade do caso. Certamente, algumas receitas caseiras funcionam em casos específicos e de pouca gravidade, mas, ainda assim o mais aconselhável é a procura de um especialista que tem conhecimento científico e respaldo técnico para avaliar e indicar o tratamento mais indicado.

Atividade de Estudos:

1) Você conhece a especialidade médica “otorrinolaringologia”? E as atribuições de um “fonoaudiólogo”, você sabe quais são? Mesmo que já conheça, procure pesquisar em livros e na Internet e aprofundar seus conhecimentos sobre cada uma das duas profissões, quais são os principais campos de atuação dos profissionais que optam por essas áreas que são de fundamental importância para o deficiente auditivo. Especificamente, você

Algumas famílias tendem a ignorar

tais sintomas ou então a

utilizar técnicas e medicamentos

caseiros para tentar reverter o

quadro.

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pode pesquisar dados como: origem etimológica do nome da profissão, áreas gerais e específicas de atuação, origem e breve história da profissão, tempo de estudo para tornar-se profissional etc. Ao final, coloque tais informações de maneira organizada e perceba de que forma o trabalho do fonoaudiólogo e do otorrinolaringologista se complementam no tratamento do deficiente auditivo.

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A Família e o Deficiente AuditivoAo esperar por um novo integrante na família, o casal e seus demais

familiares criam as melhores expectativas possíveis em relação ao filho que a mulher carrega em seu ventre. Ninguém faz planos para um filho deficiente, obviamente. Como sinaliza Corrêa (2006), nenhuma família se prepara para receber um filho ou uma filha diferente, com algum tipo ou grau de deficiência. O que todas as famílias querem e esperam é uma criança saudável, “perfeita” e “normal” perante os olhos da sociedade e a frustração de ter essa expectativa negada geralmente causa algum tipo de sofrimento, de sentimento de culpa, de angústia, de rejeição e até de revolta.

Nesse caso, um período de adaptação é necessário e este se divide em várias etapas que vão da negação até a aceitação completa e a incorporação dessa nova condição na rotina normal da família. Sim, o processo de naturalização acontece, porém, não se dá de um momento para outro e tampouco existem regras ou um momento específico para que aconteça. É um processo que varia de família para família e onde vários fatores como união familiar, cumplicidade e disponibilidade a mudanças interferem de forma significativa. Como ratificam Donaduzzi e Fertig (2008, p. 62), “a reorganização familiar fica mais fácil quando há apoio mútuo entre o casal. Nesse caso, o ambiente familiar pode contribuir para o desenvolvimento e crescimento da criança”. De igual maneira, a participação

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nas discussões e na divisão de tarefas de todos aqueles que habitam a casa e daqueles que a frequentam de forma contínua também é muito bem vinda. Quanto mais familiares puderem contribuir mais fácil se tornará para o núcleo familiar em se adaptar e também em aceitar o problema como algo natural, diminuindo o tempo e a intensidade do choque inicial e das etapas que se sucedem.

Paniagua (2004) insere-se nessa discussão e compara a situação de receber a notícia da deficiência de um filho com a da perda de um ente querido, já que as etapas que compõem a fase da descoberta até a aceitação do filho deficiente são semelhantes às do luto. Seligman (1979) e Hornby (1995) (apud PANIAGUA, 2004, p. 334-335) apresentam um modelo de adaptação constituído das reações mais frequentes que ocorrem a partir do momento em que os pais ficam sabendo da deficiência do filho até o momento em que passam a aceitar e a incorporar tal situação em sua rotina normal. O referido modelo está colocado de forma sucinta na tabela 2.

Tabela 2 - Modelo de adaptação – da descoberta à aceitação do filho deficiente

FASE CARACTERÍSTICAS

Choque

Nessa fase que compõe o momento em que a família recebe a notícia da deficiência, pode acontecer um atordoamento ou um bloqueio emocional nos familiares devido à surpresa e à decepção do fato. Essa fase pode durar des-de alguns minutos até vários dias e pode ser leve ou inexistente caso a família já tenha uma suspeita da deficiência.

Negação

A fase que se segue após o choque inicial é aquela em que os pais podem tender a ignorar a notícia recebida e a situação em si. Nessa fase, a família age como se nada tivesse acontecido, o que pode ser prejudicial ao filho deficiente que deixa de contar desde esse primeiro momento com as interven-ções médicas e/ou educativas necessárias.

Reação

A etapa subsequente consiste num esboço da aceitação dos pais, já que aqui eles começam a enxergar o problema como algo possível, embora não de forma positiva. Nessa fase, sentimentos como os de ansiedade, desa-pego, fracasso, irritação, culpa e até o desenvolvimento de uma depressão podem aparecer. É importante frisar que um certo nível de depressão pode ser saudável, porque supõe a melhor compreensão das dificuldades e o sentimento gerado por ela.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Adaptaçãoe Orientação

Depois de passar por algumas das características citadas nas fases anterio-res, os pais chegam a um nível de calma emocional suficiente para avançar para uma visão mais realista e concreta em relação ao problema do filho, voltando-se aos procedimentos necessários para atendê-lo da forma mais eficaz possível e provê-lo de todos os recursos materiais e humanos de que tem necessidade. Progressivamente, veem-se em condições de orientar suas vidas, até alcançar um certo nível de reorganização baseado na consciência do que ocorre.

Fonte: PANIAGUA (2004, p. 334-335).

Paniagua (2004) alerta que essas etapas são descrições gerais, mas que, obviamente, não excluem as particularidades de cada pai, mãe ou família. De igual maneira, não significa que toda família passará obrigatória ou isoladamente por cada etapa, tampouco que a ordem em que se sucede cada etapa seja a mesma que está descrita.

É de fundamental importância que todos aqueles que têm contato com o deficiente e com suas famílias, sobretudo os profissionais da saúde e da educação conheçam essas etapas para poder ajudar e também contar com a ajuda dos familiares do deficiente auditivo. As terapias modernas apostam alto no preparo e na colaboração que os familiares mais próximos da criança deficiente possam auxiliar no tratamento e na adaptação frente à sua deficiência. Paniagua (2004) alerta para o fato de que nos últimos anos é que se deixou de dar atenção à família do deficiente somente em relação à contribuição que esta poderia oferecer aos profissionais que trabalham com a pessoa deficiente. Segundo o autor,

Progressivamente, evoluiu-se para uma visão mais global e interativa, na qual se levam em conta não apenas as necessidades da criança, mas de todos os afetados: o que significa para os pais e para o resto da família ter um filho com uma incapacidade, qual é o papel da família em seu processo educativo e como se coordenam e se relacionam os diferentes sistemas educativos que afetam a criança (PANIAGUA, 2004, p. 330).

Agindo dessa forma, preocupando-se com todo o universo da criança deficiente, podem obter-se melhores resultados quanto ao seu desenvolvimento em geral. Dito de outra forma, somente há pouco tempo percebeu-se que não é suficiente trabalhar apenas com o indivíduo deficiente, pois muitas vezes o que o profissional trabalha

pode ser desfeito pela família e muitas vezes sem que essa perceba esse desserviço. Assim, trabalhando-se concomitantemente com o próprio indivíduo e com sua família, podem ser estabelecidas ações conjuntas e mais eficazes em

Assim, trabalhan-do-se concomi-tantemente com o próprio indiví-duo e com sua família, podem

ser estabelecidas ações conjuntas e mais eficazes em relação ao

desenvolvimen-to do indivíduo

deficiente.

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relação ao desenvolvimento do indivíduo deficiente. Como contrapartida, durante esse trabalho paralelo realizado com a família, essa também poderá ser ajudada inclusive na superação de possíveis vestígios de traumas e revoltas que podem ter ficado mal resolvidos durante o período de adaptação do filho com deficiência. Ao mesmo tempo em que a família busca compreender melhor a deficiência com o intuito de ajudá-lo, também vai se inserindo de forma mais ativa e participativa do processo de sua inserção na vida educacional e social e todo o processo pode se tornar menos doloroso e mais prazeroso, chegando até mesmo a naturalizar-se.

Marchesi (2004) salienta que aquilo que ocorre no âmbito familiar de qualquer estudante se reflete de forma significativa em seu desenvolvimento e em sua aprendizagem. “As relações que existem na família, o clima social e emocional, o acompanhamento dos progressos da criança e as expectativas em relação a ela são fatores de grande influência na evolução de todas as crianças” (MARCHESI, 2004, p. 185). Mas, além disso, há segundo Marchesi (2004), outro fator de significativa importância no que diz respeito à relação estabelecida entre a família e a criança surda: o tipo de comunicação que ocorre no contexto familiar. Nesse caso, Marchesi (2004, p. 185) salienta que,

no caso de os pais também serem surdos, haverá maior conhecimento das consequências da surdez e uma comunicação habitual com a linguagem de sinais, o que facilitará as relações familiares. Quando os pais são ouvintes, necessitam de mais informações sobre o mundo do surdo e sobre o modo de comunicação mais adequado para seu filho. Em qualquer caso, é importante que haja uma estreita coordenação entre o modo de comunicação que se emprega na família e o modo de comunicação que se emprega na escola.

Logo, os pais e demais familiares que convivem na casa têm que buscar estar em sintonia com as necessidades do deficiente auditivo no que diz respeito ao seu próprio preparo para a convivência que terá com ele. Para tanto, devem buscar orientação de profissionais preparados que saberão indicar as iniciativas mais indicadas para cada caso. Ao mesmo tempo, os pais também deverão entrar em acordo com a escola sobre as formas de ação e de interação junto ao indivíduo deficiente auditivo, para que possam “falar a mesma língua” e contribuir de maneira conjunta com a educação dele.

De igual maneira, é importante que o deficiente participe ativamente da vida familiar, que suas opiniões sejam levadas em consideração e que mesmo de forma inconsciente, não seja visto como alguém inferior. Como alertam Donaduzzi e Fertig (2008, p. 62, grifo das autoras),

É importante que o indivíduo com necessidades

especiais ocupe um espaço na

dinâmica familiar que não seja

exclusivamente “o deficiente”, “o problemático”, “o incapaz”, “o

dependente”; mas sim participe, na medida de suas possibilidades, da vida familiar

cotidiana, inclusive nas

situações sociais.

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é importante que o indivíduo com necessidades especiais ocupe um espaço na dinâmica familiar que não seja exclusivamente “o deficiente”, “o problemático”, “o incapaz”, “o dependente”; mas sim participe, na medida de suas possibilidades, da vida familiar cotidiana, inclusive nas situações sociais. Não se trata de negar a deficiência ou os limites, mas sim de aceitar e incorporar esse filho à vida familiar, apesar de suas deficiências e limites.

Essa forma de fazer com que o indivíduo deficiente sinta-se útil e que suas opiniões sejam válidas nas discussões familiares certamente agirão positivamente em sua autoestima, o que consequentemente se refletirá em seu desenvolvimento, em sua aprendizagem e em sua convivência social. Ele poderá perceber o seu valor e se perceber como parte integrante e atuante no meio familiar e sentir-se seguro para estender, até certo ponto, essa participação ativa, para outros meios sociais, como a escola, por exemplo.

Caso você queira conhecer mais sobre o assunto que gira em torno das relações entre o deficiente e seus pais, sugerimos o livro:

BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais: um desafio ao aconselhamento. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.

Atividades de Estudos:

Veja o anúncio desse espetáculo e depois responda às questões propostas.

O espetáculo “Palhaços Surdos” é inspirado no humor, na magia e felicidade da vida e da cultura de todos nós. O ator Cleber Couto é o criador das oito esquetes que fazem parte da primeira encenação da Companhia de Teatro Mãos Livres. Nesta montagem a

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diretora Lourdes Maria, conhecedora da cultura de surdos e de ouvintes integrou elementos e símbolos do cotidiano e da fantasia. Apresenta do mais inocente ao mais crítico humor circense. Desde o ruído da comunicação entre um casal aos “malas” da vida, até aos enganadores e políticos com toda a pureza do sorriso frouxo de uma criança à crítica ligeira, livre e inteligente das ruas. Venha dar boas gargalhadas no silêncio com a leveza e a doçura dos Palhaços Surdos.

Fonte: Disponível em: <http://www.lucianacapiberibe.com/2006/11/16/hoje-tem-marmelada-tem-sim-senhor/>. Acesso em: 02 jul. 2012.

1) De que forma você acha que esse tipo de espetáculo pode ser útil ao deficiente auditivo? E ao público ouvinte? Comente a respeito.

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2) Qual o proveito que uma família que possui um membro deficiente auditivo pode tirar de espetáculos como esse?

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3) E os profissionais da saúde e da educação, podem utilizar elementos distintos do cotidiano do deficiente auditivo para contribuir com o seu desenvolvimento? E esse espetáculo poderia ser um desses elementos? E de que forma poderia ser utilizado?

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4) Na descrição do espetáculo, há um trecho que fala que “[...] a diretora Lourdes Maria, conhecedora da cultura de surdos e de ouvintes integrou elementos e símbolos do cotidiano e da fantasia”. Você acha importante que as pessoas envolvidas com o deficiente auditivo (família, amigos e profissionais) transitem de

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

forma igualitária pelos universos dos surdos e dos ouvintes? Por quê?

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Assista a algumas imagens dessa Companhia de Teatro por meio do link: http://www.youtube.com/watch?v=cZoeGJsyolY.

A Família como Instituição Educacional

A família, por sua própria condição diante dos indivíduos que a compõem, assume as mais diversas atribuições de que tais indivíduos necessitam para que estes se adequem aos seus e aos paradigmas da sociedade de que fazem parte. Dentre essas atribuições, a questão educacional é uma das que mais se destaca visto que desde o momento em que nascemos até o dia em que morremos estamos passando por constantes processos de aprendizagem, ou seja, passamos todos os dias de nossa vida aprendendo. Como o meio em que nascemos é a família é através dela que temos nossas primeiras experiências de aprendizagem. Segundo Buscaglia (1997, p. 83), “na maioria das vezes de maneira inconsciente, a criança aprende sobre o mundo e a vida através de cada

pessoa da família. [...] os membros da família são os nossos primeiros mestres”. Esse autor complementa afirmando que a família

oferece aos bebês um lugar onde realizar suas experiências com o repertório de atitudes disponível, ao mesmo tempo em que lhes assegura o preenchimento de suas necessidades físicas de comida, água e abrigo. Desse modo, as crianças descobrirão os comportamentos compatíveis com seus sentimentos e necessidades crescentes e com aqueles da pequena sociedade em cujo meio estão crescendo. Embora não estejam cientes desse fato, essa unidade menor – a família – é na maioria dos casos uma miniatura daquilo que irão encontrar ao se tornarem parte da unidade maior – a sociedade (BUSCAGLIA, 1997, p. 82).

A chave para o processo do cres-cimento está na

oportunidade que a família oferece à criança de ter um lugar seguro

para descobrirem a si mesmas e às outras pessoas no

seu mundo.

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Oliveira (1999, p. 92) corrobora com nossa opinião ao afirmar que a família possui dentre outras funções, a função educacional, que “é responsável pela transmissão à criança dos valores e padrões culturais da sociedade. A família é a primeira agência que socializa a criança”. Às vezes podemos carregar a ilusão de que só se aprende na escola e que o professor é o único responsável por nossa aprendizagem e nossa educação. Porém, em todos os momentos de nossa vida e, muitas vezes de forma inconsciente, estamos aprendendo com as mais diversas pessoas que passam por nossas vidas e que de alguma forma, contribuem com algum ensinamento.

Brandão (1994, p. 9) comenta que “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante”. Logo, os pais, as mães e outros parentes próximos como irmãos e avós são educadores das crianças, muitas vezes os primeiros, ensinando-lhes não somente os valores e costumes da sociedade em que vivem como também a falar, a conviver com os seus pares, a se expressar publicamente e, em alguns casos, a escrever as primeiras palavras, os números e as operações básicas da matemática. “Basicamente, a família serve como um campo de treinamento para seus membros” (BUSCAGLIA, 1997, p. 82), oferecendo um ambiente amistoso e propício às tentativas, às experiências, sem uma preocupação excessiva com o erro e sim proporcionando vivências que mais tarde serão úteis na vida social como um todo.

Dessa forma, “[...] a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender...” (BRANDÃO, 1994, p. 10). Assim, práticas educacionais se misturam nas atividades rotineiras e nos momentos informais de convivência entre os pares, que aprendem e também ensinam, se fazendo e se refazendo individual e coletivamente a cada momento vivido. Logo,

a chave para o processo do crescimento está na oportunidade que a família oferece à criança de ter um lugar seguro para descobrirem a si mesmas e às outras pessoas no seu mundo. Em essência, a família é o primeiro campo de treinamento significativo para o recém-nascido (BUSCAGLIA, 1997, p. 82).

Paralelamente ao processo de incorporação da cultura geral do meio social em que vive, dos valores vigentes, dos preceitos da ética e do moral, das regras de conduta e de convivência, a família também pode ensinar às crianças

Brandão (1994, p. 9) comenta

que “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o

único lugar onde ela acontece e

talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a

sua única prática e o professor

profissional não é o seu único praticante”.

A chave para o processo do

crescimento está na oportunidade

que a família oferece à criança de ter um lugar

seguro para descobrirem a

si mesmas e às outras pessoas no

seu mundo.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

determinados conteúdos que, tradicionalmente, estão delegados à escola. O princípio da alfabetização, que mais tarde pode ser trabalhado ainda em casa em um nível mais avançado, os primórdios das operações matemáticas, dos desenhos artísticos, dentre outras coisas também podem ficar a cargo da família, mas de forma distinta daquela trabalhada na escola. Em casa, a criança pode aprender de maneira livre, sem cobrança e sem juízo de valor. Os horários predeterminados e fechados e o local próprio também estão descartados, na maioria dos casos, nas práticas de ensino de conteúdos “escolares” trabalhados precocemente em casa pelos pais e demais familiares. Nesse momento, é mais valorizada a evolução e o prazer em aprender do que o resultado, embora este seja também um dos objetivos. Aqui o processo também parece fluir de forma mais natural, já que a pressão e o tempo de conclusão estão afastados da rotina. Principalmente porque essas ações de educação podem e geralmente estão diluídas nas brincadeiras entre os pares ou entre as crianças e os familiares, fazem parte de uma demonstração para um adulto das capacidades que a criança já desenvolveu. Enfim, aprender deixa de ser uma obrigação, como geralmente se vê na escola, para se tornar um ato de iniciativa da criança que ao fazê-lo, recebe um elogio e é encarada com admiração pelos familiares. Assim, a família acaba por cumprir um dos seus papéis, que é, segundo Buscaglia (1997, p. 84),

[...] oferecer um campo de treinamento seguro, onde crianças possam aprender a ser humanos, a amar, a formar sua personalidade única, a desenvolver sua auto-imagem e a relacionar-se com a sociedade mais ampla e mutável da qual e para a qual nascem.

Agindo dessa forma, a família além de oferecer os primeiros e bastante importantes ensinamentos à criança, está preparando-a social e cognitivamente para avançar para o ensino e a educação sistematizados que serão oferecidos na escola, tão logo atinja a idade escolar. Em breve, a criança terá que conviver e que incorporar a educação escolar e a educação familiar de forma concomitante. Nesse sentido, é de suma importância que exista um “contrato” entre os dois meios para que a educação oferecida por um e por outro se complementem e não se contradigam, o que poderia provocar confusão na mente da criança. Em função disso é que se estabelece a importância de um diálogo constante entre esses dois meios, onde a maior beneficiada será a criança que poderá se apropriar do que de melhor cada um pode oferecer. Como bem nos coloca Buscaglia (1997, p. 84),

a família continua a desempenhar seu papel mesmo depois que a criança está apta a interagir no ambiente fora do lar. As crianças passam por novos e por vezes frustrantes períodos de crescimento, à medida que se tornam parte da estrutura social

É de suma importância

que exista um “contrato” entre os dois meios para que a educação

oferecida por um e por outro se com-plementem e não se contradigam, o que poderia

provocar confusão na mente

da criança.

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

mais ampla. Seus amiguinhos lhes farão novas exigências, verão a elas de forma diversa e lhes proporcionarão novos insights de si mesmas. Seus professores e escolas poderão lhes impor exigências adicionais e forçá-las a estruturas mais restritas, onde será esperado delas a conformação a certos padrões de comportamento e o cumprimento de certos objetivos estipulados.

E nesse momento em que a criança passa a conviver com outras realidades alheias ao convívio familiar é que a educação que recebeu da família será colocada à prova e que se poderá avaliar se foi correta, suficiente e se está de acordo com a sociedade mais ampla que agora lhe recebe e lhe ajuda a se reconstruir.

Atividades de Estudos:

Observe e reflita sobre a charge abaixo. Depois, responda aos questionamentos propostos.

Fonte: Disponível em: <http://www.observatoriodainfancia.com.br/tousarticles-4.php?id_rubrique=4>. Acesso em: 02 jul. 2012.

1) O que você compreendeu da mensagem que a charge quer transmitir? Socialize com os demais colegas da turma e veja se as opiniões convergem.

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2) Você acha que a charge representa um ato de educação trabalhado pela família? Por quê?

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3) Você acha importante que existam regras no interior das famílias e que, caso sejam desrespeitadas, deva haver algum tipo de punição, principalmente em relação às crianças?

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4) Você acha que um castigo, se aplicado com moderação e em casos extremos, serve para educar uma criança? Por quê?

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5) Você acredita que as punições que são aplicadas pelos pais às crianças servem como exemplo das punições que o indivíduo sofre na sociedade, como por exemplo as multas, os processos, uma demissão, uma reprovação etc? Por quê?

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6) Em sua opinião, que tipos de medidas educativas os pais devem trabalhar com os filhos para que estes se habituem a perceber e a respeitar os direitos dos outros e a cumprir os seus deveres?

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

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Algumas ConsideraçõesNesse primeiro capítulo, pudemos dedicar atenção especial ao papel que a

família assume na vida de qualquer ser humano, com ênfase à família que possui entre seus membros um deficiente auditivo. Oferecemos um olhar especial às formas como a família encara a chegada de um indivíduo com essa deficiência e quais as reações mais comuns que ocorrem em todo o contexto familiar.

Como complemento, oferecemos um olhar voltado ao ouvido humano e sua importância na comunicação social e uma definição para deficiência auditiva, os seus tipos e graus, assim como possíveis tratamentos.

Por fim, trouxemos a foco a função educacional que a família possui, destacando a importância que a estrutura familiar, suas regras e seus valores oferecem à formação integral do indivíduo. Dessa forma, pudemos refletir e compreender que a família nos oferece os primeiros ensinamentos ao mesmo tempo que nos prepara para aprender em outros espaços, o que não está preparada para ensinar.

Nesse ponto, entra em cena o papel da escola como instituição encarregada de encaminhar o indivíduo para o caminho dos conhecimentos científicos e, é esse o ponto que está em destaque no capítulo 2 que você verá a seguir.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

ReferênciasBRANDÃO, C. R. O que é educação. 33. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. No texto aparece 1994.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais: um desafio ao aconselhamento. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.

CORRÊA, M. A. M. Educação Especial V. 1. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2006.

DONADUZZI, A. FERTIG, R. P. Fundamentos da educação especial. Blumenau: Edifurb; Gaspar: Sapience Educacional, 2008.

MARCHESI, A. Desenvolvimento e educação das crianças surdas. In.: Coll, C. MARCHESI, A. PALACIOS, J. e colaboradores. Tradução: Fátima Murad. 2. ed. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Volume 3. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 171 – 192.

MITTLER, P. Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. 22. ed. São Paulo: Ática, 1999.

PANIAGUA, G. As famílias de crianças com necessidades educativas especiais. In.: Coll, C. MARCHESI, A. PALACIOS, J. e colaboradores. Tradução: Fátima Murad. 2. ed. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Volume 3. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 330 – 346.

PRIETO, R. G. Atendimento escolar de alunos com necessidades educacionais especiais: um olhar sobre as políticas públicas de educação no Brasil. In: ARANTES, Valéria Amorim (org). Inclusão Escolar: Pontos e Contrapontos. São Paulo: Summus, 2006.

REDONDO, M. C. da F. CARVALHO, J. M. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a Distância, 2000.

SALLES, H. M. M. L. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos:

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A Família e o Deficiente Auditivo Capítulo 1

caminhos para a prática pedagógica. Volume 1. Brasília: MEC. Secretaria de Educação Especial. 2004. Não localizei no texto esta referência.

STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2 ed. Florianópolis: Editora da UFSC. 2009. Não localizei no texto esta referência.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

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CAPÍTULO 2

A Escola e o Deficiente Auditivo

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Refletir sobre o papel da escola enquanto um dos agentes encarregados da construção de conhecimentos científicos;

3 Compreender a importância da escola na inclusão social de deficientes e, em particular, do deficiente auditivo;

3 Conhecer e refletir sobre os aspectos históricos e institucionais que configuram a Educação dos Surdos;

3 Analisar conceitos relacionados à educação especial e, em particular, à educação do deficiente auditivo;

3 Discutir a importância do convívio social e escolar do deficiente auditivo para o seu desenvolvimento integral;

3 Compreender a importância da LIBRAS e sua relação com a Língua Portuguesa na escola. Contextualização

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

Contextualização

Agora, no segundo capítulo, nosso olhar recai sobre o ambiente escolar e a sua missão de oferecer ao indivíduo, com ou sem deficiência, o acesso aos conhecimentos científicos. No entanto, é importante destacar que ao mesmo tempo em que a escola oferece a educação formal, também contribui com a socialização do indivíduo com os seus pares, em relações distintas daquelas por ele vivenciadas até então. Ao frequentar a escola, a aproximação entre os indivíduos deixa de ser feita totalmente por afinidade e empatia, como acontece em outros espaços sociais e passa a ser, de certa forma, guiada pela coincidência de objetivos daqueles que se encontram por conta do ingresso na vida escolar. Na complexa rede de relações que se estabelecem nesse novo ambiente, os indivíduos entram em contato com o que para alguns, ou para muitos, pode ser diferente. Dentre as diferenças que poderão passar a fazer parte de suas vidas, caso já não façam, pode estar a presença de indivíduos com algum tipo de necessidade especial, como é o caso do deficiente auditivo. Compartilhar o mesmo ambiente com um indivíduo com deficiência auditiva certamente causará estranhamento por parte daqueles demais indivíduos para os quais essa situação seja uma novidade. De igual maneira, o deficiente auditivo também se depara com um território desconhecido, somando-se a isso o fato de que nem todos que ali se encontram conhecem e aceitam a sua deficiência de maneira natural e pacífica. E esse é um dos pontos cruciais em que entra o papel da escola não somente na questão da inclusão social, mas, sobretudo, no papel da educação em seu sentido mais próprio, que inclui aí a naturalização da participação de todos, sem nenhum tipo de distinção. Como asseveram Redondo e Carvalho (2000, p. 33), “a inclusão da criança com surdez na escola regular requer uma boa preparação tanto do aluno quanto da escola, para que ambos se sintam capacitados a participar dessa integração”.

Logo, nesse capítulo vamos compreender a importância do exercício desse papel pela escola, analisar suas possibilidades e seus desafios na inclusão do deficiente auditivo, de forma que ele possa não somente ter acesso aos conhecimentos científicos que serão trabalhados, como também conviver de maneira harmoniosa e integrada com os demais integrantes do grupo. De igual maneira, discutiremos de que forma o cumprimento desse papel pela escola facilitará o desenvolvimento integral do deficiente auditivo, para que ele possa ser preparado para o exercício de sua cidadania, como todos os demais que não apresentam nenhuma deficiência.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

A Escola e a Educação FormalA educação faz parte da nossa vida desde o momento em que

nascemos e nos acompanha durante toda a nossa existência. Logo, vida e educação se confundem, já que todas as experiências pelas quais passamos podem nos acrescentar coisas e interferir em nosso jeito de ser, de pensar e de agir. Como assevera Brandão (1995, p. 7), “[...] ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela [...] todos os dias misturamos a vida com a educação”.

Oliveira (1999), por sua vez, comenta que a educação é uma das atividades básicas da sociedade humana, pois contribui de forma decisiva para a transmissão da herança cultural aos indivíduos jovens e inseri-los assim, na cultura local e universal. a partir de inseri-los penso que ficou deslocada esta frase, faltou concordância. O autor complementa a ideia afirmando que a educação, ao transmitir ao indivíduo o patrimônio cultural da humanidade, acaba por “[...] integrá-lo na sociedade e nos grupos em que vive. Ela tem por objetivo, portanto, ajustar os indivíduos à sociedade, ao mesmo tempo que desenvolve suas potencialidades e a própria sociedade” (OLIVEIRA, 1999, p. 128).

Embora algumas instituições sociais como a família, a igreja, o clube, além dos meios de comunicação de massa, dentre outros exerçam influência na educação dos indivíduos, é a escola a instituição encarregada de oferecer-lhes oficial e formalmente o acesso aos conhecimentos científicos (OLIVEIRA, 1999). No início dos tempos a educação dos indivíduos dava-se de forma assistemática e difusa, e diluía-se nas experiências práticas que esses indivíduos vivenciavam em seu dia a dia, na convivência com os seus pares, sobretudo os mais velhos e experientes. Santos (2011) destaca que a partir da evolução das instituições sociais, o homem foi percebendo a necessidade de determinar formas específicas de transmissão dos conhecimentos acumulados, de organização desses conhecimentos em categorias a partir de critérios preestabelecidos que facilitassem a sua apropriação pelos indivíduos. Nesse novo contexto, as experiências práticas deixam de predominar no processo e os conhecimentos teóricos passam a dominar as práticas de ensino entre os indivíduos. Paralelamente, também foi se instituindo um espaço físico delimitado, com horários específicos e uma sequência lógica dos conteúdos a serem ensinados, além de pessoas “legitimadas” pela sociedade para realizar o “serviço” de promover o conhecimento entre os indivíduos jovens daquele local. É o advento da educação formal, que passa a acontecer de forma paralela e como importante elemento complementar à educação informal, sendo muito mais valorizada do que está perante a sociedade. Surge assim, a escola.

“[...] ninguém escapa da edu-cação. Em casa, na rua, na igreja

ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida

com ela [...] todos os dias mistura-

mos a vida com a educação”.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

Segundo Oliveira (1999, p. 167), considerada como uma reunião de indivíduos com objetivos comuns, num processo de interação contínua, a escola é um grupo social. Mas pode também ser vista como uma instituição, ou seja, um conjunto de normas e procedimentos padronizados altamente valorizados pela sociedade, cujo objetivo principal é a socialização do indivíduo, a transmissão de aspectos determinados da cultura. [...] Como grupo social, a escola pode ser vista como um conjunto de alunos, professores e funcionários que desenvolvem um processo contínuo de cooperação, com o objetivo primordial de transmitir cultura.

Conforme afirmam Leontiev e Luria (apud VYGOTSKY, 1998, p. 174), “o processo de educação escolar é qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na escola a criança está diante de uma tarefa particular: entender [...] um sistema de concepções científicas”. Logo, por meio da escola, além das características culturais locais, os indivíduos entram em contato com os conceitos estabelecidos em âmbito regional e global, legitimados pela comunidade científica e aceitos pela sociedade em geral. Portanto, a escola é o local que, dentre outras funções, prepara formalmente os indivíduos para intervirem no meio social do qual fazem parte, a partir dos conceitos que em seu interior são disseminados.

Nesse sentido, Vygotsky (1989) nos fornece elementos para a compreensão da forma como acontece a aprendizagem de conceitos pelo ser humano. Segundo o autor, os conceitos que o homem adquire ao longo de seu processo de desenvolvimento, podem ser divididos em dois tipos: conceitos espontâneos ou cotidianos e conceitos científicos.

A ideia de conceito que utilizamos nesse caderno é baseada na obra de Vygotsky (1989) e de Ausubel, Novak e Hanesian (2000). Logo, conceitos podem ser entendidos “como objetos, eventos, situações ou propriedades que possuem atributos essenciais e são designados numa determinada cultura por algum signo ou símbolo aceito” (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1980, p. 74), expressando os conhecimentos que o indivíduo adquire ao longo de sua história.

Assim, segundo Vygotsky (1989), os conceitos espontâneos ou cotidianos são aqueles que o sujeito constrói de maneira informal, a partir das experiências que vivencia em seu dia a dia. Esses conceitos são adquiridos pelo sujeito de

O processo de educação escolar é qualitativamente

diferente do processo de educação em sentido amplo.

Na escola a criança está

diante de uma tarefa particular:

entender [...] um sistema de

concepções científicas.

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maneira inconsciente, ou seja, sem que ele perceba essa aquisição e, além disso, não existe uma sistematização ou uma sequência lógica preestabelecida dos componentes desses conceitos. Por outro lado, os conceitos científicos, na concepção de Vygotsky (1989), são aqueles oriundos de estudos realizados pela comunidade científica, nas mais diversas áreas do conhecimento, sendo assim reconhecidos e aceitos pela sociedade em geral e possuindo como característica a sistematização e a organização. Além disso, os conceitos científicos são adquiridos de forma consciente pelo indivíduo, que sabe que estará aprendendo ou que já aprendeu aquele determinado conceito.

Logo, podemos perceber que no período que antecede o acesso à escola, ou uma vez tendo ingressado na escola, nos momentos fora dela, a criança passa pelo processo de construção de conceitos espontâneos. Já na escola, o que predomina são os conceitos científicos. No entanto, embora os dois tipos de conceitos sejam trabalhados predominantemente em situações distintas, Vygotsky (1989) assevera que o estudo dos conceitos científicos deve apoiar-se nos conceitos espontâneos para serem apreendidos pelo indivíduo. O autor afirma que o conceito espontâneo origina-se da vivência direta com a situação concreta trazida pelas experiências do cotidiano, enquanto que o conceito científico se caracteriza com a sua definição verbal e com sua utilização em situações não-espontâneas. Logo, Vygotsky (1989, p. 93-94) esclarece que “[...] É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato”. Assim,

é nessa profunda relação que se estabelece entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos que reside a importância da valorização daquilo que o estudante já sabe para que o professor inicie o ensino de novos conceitos. As vivências cotidianas que todo indivíduo possui servem como ponto de partida para novas aprendizagens e podem contribuir para que tal aprendizagem seja significativa (SANTOS, 2011, p. 87).

Logo, podemos compreender que os conceitos que o indivíduo adquire na escola e aqueles que ele adquire no seu dia a dia se relacionam intrinsecamente. Dessa forma, ao investigar os conceitos oriundos das experiências cotidianas do aluno, o professor pode descobrir maneiras de abordar os conceitos científicos a partir da familiaridade que esse aluno possui com tais conceitos.

Os conceitos espontâneos ou cotidianos são aqueles que o

sujeito constrói de maneira infor-

mal, a partir das experiências que vivencia em seu

dia a dia.

Por outro lado, os conceitos científi-cos, são aqueles

oriundos de estudos realizados pela comunidade

científica, nas mais diversas

áreas do conheci-mento, sendo as-sim reconhecidos e aceitos pela so-ciedade em geral e possuindo como

característica a sistematização e a

organização.

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Atividades de Estudos:

De acordo com as ideias trazidas até aqui, baseadas na obra de Vygotsky (1989), podemos compreender que, em geral, os conceitos espontâneos ou cotidianos são aprendidos pelo indivíduo na informalidade de suas experiências cotidianas, enquanto que os conceitos científicos são, de forma predominante, trabalhados na escola de acordo com um padrão estabelecido pelo currículo.

1) Você acha importante a valorização dos conhecimentos que o estudante já possui quando chega à escola (conceitos espontâneos ou cotidianos) para o trabalho com os novos conhecimentos (conceitos científicos) pelos quais ele passará? Por quê?

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2) Vygotsky (1989) afirma que é necessário que os conceitos espontâneos tenham atingido determinado nível na cognição do indivíduo para que ele possa aprender o conceito científico correlato. Você concorda? Apresente uma situação em que essa afirmação se concretiza.

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

3) No caso de um deficiente auditivo, você acha que ele passa fora da escola por todas as experiências que uma criança sem essa deficiência geralmente vivencia? Comente a respeito.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

4) Sendo assim, como você acha que a escola pode intervir pedagogicamente, para que o estudante deficiente auditivo consiga se apropriar dos conceitos científicos? Argumente.

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

A Escola e a Educação EspecialAo falar em escola e educação especial, não há como fugir do

termo integração que, segundo Marchesi (2004), sempre esteve relacionado à ideia de necessidades educativas especiais. Segundo esse autor, “a integração é o processo que permite aos alunos que habitualmente foram escolarizados fora das escolas regulares serem educados nelas” (MARCHESI, 2004, p. 22-23). Fazendo-se uma análise superficial desse termo e pensando a escola e a sociedade como integradoras, pode-se admitir que a integração é extremamente benéfica e suficiente para garantir todos os direitos aos indivíduos com necessidades especiais. Em relação a isso, Mantoan (2006, p. 20) comenta que,

a igualdade de oportunidades é perversa, quando garante o acesso, por exemplo, à escola comum de pessoas com alguma deficiência de nascimento ou de pessoas que não têm a mesma possibilidade das demais, por problemas alheios aos seus esforços, de passar pelo processo educacional em toda a sua extensão. Mas não lhes assegura a permanência e o prosseguimento da escolaridade em todos os níveis de ensino. Mais um motivo para se firmar a necessidade de repensar e de romper com o modelo educacional elitista de nossas escolas e de reconhecer a igualdade de aprender como ponto de partida e as diferenças no aprendizado como processo e ponto de chegada.

Nesse sentido nos vem à tona outro termo cujo significado, de certa forma, pode preencher as lacunas deixadas por aquele que define integração. Estamos nos referindo à inclusão. Mas de que maneira esses termos convergem e onde eles divergem?

A integração é o processo que per-mite aos alunos

que habitualmente foram escolari-zados fora das

escolas regulares serem educados

nelas.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

Donaduzzi e Fertig (2008) nos auxiliam a compreender isso, afirmando que enquanto a integração defende a incorporação física e social do indivíduo com necessidades especiais na escola e em toda a sociedade, desfrutando dos mesmos direitos que os demais cidadãos, a inclusão vai além e postula uma postura de colaboração e respeito entre todos os setores da escola para com os indivíduos deficientes, com mudança de papéis, responsabilidade compartilhada, estabelecimento de novas metodologias de trabalho, com currículo e ambientes sociais flexíveis e adequados a todos os indivíduos que compõem esse meio social. Corrêa (2006, p. 97) insere-se nessa questão e, de forma resumida difere os dois termos da seguinte maneira: “enquanto na integração a pessoa deficiente era preparada para viver com os outros na sociedade, na inclusão, a sociedade precisa se modificar para receber a pessoa com necessidades especiais para que ela possa se desenvolver”.

Logo, numa sociedade e numa escola inclusiva todos os envolvidos precisam se adequar: o deficiente se adequa à sociedade e à escola, dentro de suas possibilidades e, a própria sociedade e a escola se adequam para receber esse indivíduo. Apesar da diferença que caracteriza os dois termos e os seus significados sociais, muitos autores continuam a usar o termo integração, mas a ele atribuindo as características da inclusão. Por esse motivo e também pelo fato de já termos deixado claras as duas concepções e as diferenças que existem entre elas, no decorrer do texto vamos utilizar os dois termos, mas sempre no sentido mais amplo e interessante que é o da inclusão. Dessa forma, poderemos recorrer a uma maior gama de autores que pensam e pesquisam a respeito da inclusão e podem contribuir sobremaneira para com esse nosso estudo.

Nesse sentido, é importante que se situe nesse tema partindo-se da análise das condições educativas e nas mudanças que devem ser feitas nas escolas comuns para que o ensino recebido pelo aluno com necessidades educativas especiais seja satisfatório (MARCHESI, 2004). Para tanto, vamos iniciar tal análise tendo como ponto de partida o que nos traz sobre esse assunto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), que é a lei maior brasileira a oferecer as maneiras de pensarmos e conduzirmos a educação em nosso país.

De acordo com o Artigo 58 de tal lei (BRASIL, 1996), educação especial é “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. Como complemento ao Artigo 58, a referida lei salienta que sempre que necessário será

Enquanto a integração defende a

incorporação física e social do

indivíduo com necessidades especiais na

escola e em toda a sociedade, desfrutando dos mesmos

direitos que os demais cidadãos,

a inclusão vai além e postula uma postura de colaboração e respeito entre

todos os setores da escola para

com os indivíduos deficientes,

com mudança de papéis,

responsabilidade compartilhada,

estabelecimento de novas

metodologias de trabalho,

com currículo e ambientes

sociais flexíveis e adequados

a todos os indivíduos que compõem esse

meio social.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

oferecido ao educando com algum tipo de deficiência, serviços de apoio especializados ou, caso não seja possível sua permanência na turma ou na escola regular, lhe será garantido o atendimento escolar por meio de classes, escolas ou serviços especializados de acordo com o tipo de deficiência (BRASIL, 1996).

Adicionalmente, o Artigo 59 da LBD 9394/96 (BRASIL, 1996) ainda estabelece alguns direitos que são garantidos aos educandos com necessidades especiais, tais como: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos de forma que atendam

às suas necessidades; professores com especialização adequada tanto para atendimento especializado quanto para atendimento também nas classes comuns, além de educação especial voltada para o trabalho, visando a sua qualificação profissional de forma a garantir a sua efetiva integração na vida em sociedade, dentre outras garantias.

Esses artigos da LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) nos permitem a interpretação de que a criança deficiente que, no passado era encaminhada para escolas especiais, hoje possui total direito de matricular-se na escola regular de sua preferência, como qualquer outra criança sem deficiência. Redondo e Carvalho (2000, p. 34) afirmam que “essa mudança gerou um intercâmbio de experiências, de profissionais e de material, provocando a aproximação dos dois sistemas educacionais: o especial e o regular”. Nesse sentido, é importante salientar que hoje a escola regular é um direito ao educando com necessidades especiais, onde o mesmo terá a oportunidade que qualquer criança tem de entrar em contato com os conhecimentos científicos, deles aproveitando o que lhe for capaz. A escola especial, nesse contexto, serve como um complemento ao que a escola regular faz, já que o aluno que possui algum tipo de deficiência necessita de um atendimento especializado, voltado para essa deficiência, de forma a buscar atividades que atuem em seu desenvolvimento e contribuam na sua adequação e no seu melhor rendimento na escola regular. Logo, o atendimento educacional especializado e os serviços de apoio especiais são instrumentos que, às vezes, podem ser necessários para contribuir para que a educação do aluno com algum tipo de deficiência seja de qualidade e sem nenhum tipo de discriminação, porém, não substitui e não pode impedir o acesso desse educando a rede regular de ensino (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2004).

O Decreto número 7.611, de 17 de novembro de 2011 dispõe sobre a educação especial e sobre o atendimento educacional especializado. Você pode acessá-lo por meio da página: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011

Educação especial é “[...] a modalida-de de educação

escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para edu-candos portadores de necessidades

especiais”.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

/Decreto/D7611.htm#art11).

Mantoan (2006, p. 26) também insere-se nessa discussão afirmando que,

se ainda não é do conhecimento geral, é importante que se saiba que as escolas especiais complementam, e não substituem, a escola comum. E as nossas leis prescrevem esse (novo?) fato há quase duas décadas. As escolas especiais se destinam ao ensino do que é diferente da base curricular nacional, mas que garante e possibilita ao aluno com deficiência a aprendizagem desses conteúdos quando incluídos nas turmas comuns de ensino regular; oferecem atendimento educacional especializado, que não tem níveis, seriações, certificações.

Falta às escolas especiais e às instituições para pessoas com deficiência a compreensão do papel formador da escola comum, que jamais será exercido em um meio educacional segregado, assim como lhes falta a consciência de que as escolas especiais se descaracterizaram, perderam sua identidade.

Apesar de reconhecermos que essas garantias legais representam um avanço em relação ao tratamento que já foi dispensado ao deficiente no passado, não foge ao nosso olhar a forma como a nossa lei muitas vezes é colocada em prática. Tanto a interpretação distorcida quanto a má vontade em concretizar o seu teor, faz com que ela acabe por ser mal utilizada e subaproveitada, prejudicando aqueles que poderiam através dela se beneficiar e ter garantidos todos os seus direitos de cidadão. Prieto (2006, p. 33) faz uma crítica à forma como a escola está configurada, resultando na exclusão de pessoas com ou sem deficiência. Segundo a autora,

as instituições escolares, ao reproduzirem constantemente o modelo tradicional, não têm demonstrado condições de responder aos desafios da inclusão social e do acolhimento às diferenças nem de promover aprendizagens necessárias à vida em sociedade, particularmente nas sociedades complexas do século XXI. Assim, neste século em que o próprio conhecimento e nossa relação com ele mudaram radicalmente, não se justifica que parte expressiva da sociedade continue apegada à representação da escola transmissora de conhecimentos e de valores fixos e inquestionáveis.

Mesmo que assim seja compreendido seu papel, a escola não tem conseguido cumpri-lo, pois esse modelo assenta-se em pressuposto irrealizável, ao exigir que todos os alunos se enquadrem às suas exigências. Essa escola não tem, dessa maneira, conseguido se configurar como espaço educativo para significativo contingente de alunos, independentemente de apresentarem ou não necessidades denominadas como

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

educacionais especiais (PRIETO, 2006, p. 33).

Para Sousa (1999), a inclusão da criança deficiente na escola regular consiste em garantia de seu desenvolvimento de acordo com as suas virtudes e limitações, fugindo da obrigatoriedade de seguir padrões colocados pela sociedade e acreditando em sua capacidade de aprender. Porém, Redondo e Carvalho (2000) salientam que a integração, considerada como a prática mais apropriada à educação de crianças com necessidades especiais exige reciprocidade e, além disso, que esse processo de integração seja gradual e dinâmico e adequado às particularidades de cada indivíduo. Essas autoras complementam afirmando que “[...] a integração efetiva implica uma mudança total de atitude. Implica desmistificar a questão do convívio e da educação da criança [...] e, para isso, é da máxima importância o papel dos profissionais e especialistas” (REDONDO, CARVALHO, 2000, p. 34). Isso equivale a dizer que garantir o direito dessa criança através de sua inclusão na escola regular não significa simplesmente permitir ou facilitar o seu acesso ao espaço escolar. Essa atitude, além de irresponsável e inútil, estaria ensejando a repetição do que foi feito por muito tempo no passado em que a criança deficiente auditiva frequentava a escola e “se convertia em uma ‘grande copiadora’” (REDONDO, CARVALHO, 2000, p. 35), ficando à margem do processo de ensino e aprendizagem que se estabelecia na sala de aula. Assim, mais do que o acesso e permanência dessa criança na escola regular, é fundamental que tudo o que gira em torno do projeto educacional seja levado em consideração e que a escola realmente esteja preparada para recebê-la. E cabe salientar que, quando mencionamos que a escola precisa estar preparada, não estamos nos referindo somente ao ambiente físico como sala de aula, mobiliário, sinalização e tudo o que envolve as instalações da escola. Os professores, os alunos, os

coordenadores, os zeladores e todas as demais pessoas que compõem a escola é que farão com que o projeto se concretize e tenha êxito, devendo assim, estar técnica e culturalmente preparadas para que os objetivos sejam atingidos.

Marchesi (2004), por sua vez, comenta que a inclusão não deve ser compreendida como um movimento cujo objetivo seja simplesmente retirar os alunos das escolas especiais e incorporá-los na escola regular. Logo, não se pode ter a visão simplista de que se trata meramente da transferência da educação especial às escolas comuns e sim, compreender a complexidade do processo que é a educação dos alunos com necessidades educativas especiais. Como afirma Marchesi (2004, p. 23), o objetivo principal da integração é

Garantir o direito dessa criança através de sua

inclusão na escola regular não signi-fica simplesmente permitir ou facilitar o seu acesso ao espaço escolar.

Mais do que o acesso e per-

manência dessa criança na escola regular, é funda-

mental que tudo o que gira em torno do projeto educa-cional seja levado em consideração e que a escola

realmente esteja preparada para

recebê-la.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

educar os alunos com necessidades educativas especiais na escola regular. A finalidade do esforço é a educação desses alunos. O meio é a integração. Isso supõe que é o sistema educacional em seu conjunto que assume a responsabilidade de dar uma resposta para alcançar tal objetivo, e não uma parte dele, a educação especial, que se descola acompanhando os alunos com deficiência que já não são escolarizados nas escolas especiais.

Como complemento, Marchesi (2004, p. 24) reitera e aprofunda o tema, afirmando que

o conceito de integração não significa simplesmente escolarizar os alunos nas escolas regulares, mas exige uma mudança nas escolas. Além disso, a integração não é uma opção rígida, com limites precisos e definidos e igual para todos os alunos. Ao contrário, a integração é, antes de tudo um processo dinâmico e mutável, cujo objetivo central é encontrar a melhor situação educativa para que um aluno desenvolva ao máximo suas possibilidades e, por isso, pode variar conforme as necessidades dos alunos e o tipo de resposta que as escolas podem proporcionar. Por essa razão, a forma de concretizar a integração pode variar à medida que as necessidades educativas dos alunos vão se modificando.

Aqui, percebemos claramente que Marchesi (2004) utiliza o termo “integração”, mas na verdade, atribui a ela as características da “inclusão”. Nesse sentido, as diretrizes para que a inclusão seja feita de fato na educação como um todo já estão postas, restando apenas o interesse e o comprometimento de todas as instituições sociais envolvidas para que ela seja colocada em prática. Com a união entre o poder público, através da legislação e da provisão de recursos, com as instituições educacionais, através das adequações necessárias e do preparo dos profissionais e de toda a comunidade escolar, a inclusão escolar poderá ser uma realidade em que todos os envolvidos saiam ganhando. Logo, os alunos com necessidades especiais têm a oportunidade de ter acesso aos conceitos científicos trabalhados na escola em condições de igualdade com os demais alunos, além de poder socializar e interagir com os seus pares, o que favorece sobremaneira o seu desenvolvimento. Da mesma forma, os alunos sem deficiência passam a conhecer de perto e a conviver com as diferenças e passam a respeitá-las. O senso de colaboração, reciprocidade e de tolerância também são valores fundamentais para a vida em sociedade e a inclusão na escola favorece a sua naturalização. E, por fim, a inclusão “mexe” no currículo de forma profunda, que passa a ser mais flexível e dirigido a todos os estudantes, com ou sem deficiência, ficando subentendido aí o tratamento igualitário a todos. “A integração, finalmente, desenvolve em todos os alunos atitudes de respeito e de solidariedade em relação a seus colegas com maiores dificuldades, o que constitui um dos objetivos mais importantes da educação” (MARCHESI, 2004, p. 23).

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Redondo e Carvalho (2000) sugerem algumas condições para que integração da criança com deficiência auditiva na escola regular alcance o devido êxito. A primeira e talvez a mais importante é que a integração seja feita de forma gradativa e resulte de um estudo de caso particular de cada criança. Mas, além disso, segundo as autoras,

• É necessário que a criança esteja preparada para frequentar uma classe com colegas ouvintes, em que as diferenças ficarão mais evidentes, principalmente em relação à linguagem;

• A criança precisa ter adquirido um nível de linguagem suficiente de forma a poder comunicar-se com colegas e professores, além de certo domínio de leitura e escrita. Dessa forma, ela poderá expressar seus pensamentos e sentimentos, além de conseguir se apropriar dos conceitos científicos trabalhados nas diferentes disciplinas;

• A família precisa fornecer aos professores e coordenadores todos os dados necessários para que estes tenham conhecimento das particularidades da criança e de sua deficiência (tipo, grau etc.), através de pareceres dos médicos e da fonoaudióloga;

• A escola também precisa dispor de recursos como assessoria em relação à língua de sinais; material concreto e visual para servir de apoio ao trabalho com os conceitos; apoio de professores de educação especial itinerantes ou de salas de recursos, dentre outros.

Atividade de Estudos:

1) Pensando no processo de inclusão na escola, vamos refletir um pouco sobre a escola que conhecemos e aquela que almejamos no que diz respeito à inclusão:

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a) Procure na Internet uma imagem que remeta à ideia de educação escolar;

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b) Copie essa imagem e cole-a no programa Paint; __________________________________________________

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c) Utilizando os recursos desse programa, “mexa” na imagem, acrescentando ou alterando detalhes de forma que ela passe a possuir uma identidade mais dirigida à inclusão, de acordo com o que foi apresentado sobre o assunto até agora no caderno de estudo;

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d) Após trabalhar com a imagem, recorte-a e cole-a novamente, agora em um editor de textos e escreva, a partir da imagem e do que foi estudado até aqui, a sua concepção de inclusão e qual a importância que você percebe nesse processo para a evolução da educação como um todo.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Educação de Surdos: Aspectos Históricos e a Importância da Libras

Buscando compreender de forma mais ampla o processo de educação de surdos e seu status nos dias atuais, vamos, nesse tópico, revisitar a história desse processo ao longo do desenvolvimento da humanidade, além de traçar um breve panorama do uso da LIBRAS no Brasil. Não nos restam dúvidas de que, a partir de um contexto histórico, mesmo que traçado de forma breve e sucinta, podemos juntar elementos que servirão de base para essa compreensão que ora é nossa pretensão obter. Nosso percurso histórico será desenhado com base nos escritos de Moura, Lodi e Harrison (1997) e de Silva (2008), que investigaram a fundo a questão da educação dos surdos ao longo da história e as principais correntes que a permearam e que perduram até hoje, e reuniram os recortes mais importantes em suas respectivas obras.

Iniciamos nossa trajetória ainda na Antiguidade (4000a.C. – 476d.C.) que foi um período em que os deficientes auditivos não eram considerados seres competentes e sim seres inferiores. Essa ideia partia do pressuposto de que o pensamento não poderia se desenvolver sem a fala. Como a fala não se desenvolvia sem a audição, quem não ouvia consequentemente não falava e não pensava, logo, não poderia aprender. Os romanos, inclusive, privavam os surdos do acesso aos seus direitos legais.

Na Idade Média (476-1453), os surdos continuavam a ser vistos como não-humanos, porém, a partir da perspectiva da igreja católica, que argumentava que os surdos não seriam considerados seres imortais, pois não poderiam falar os sacramentos. Contudo, foi no fim desse período que se obtiveram os rudimentos da educação do surdo, que tinha a sua disposição um professor particular para

que pudesse aprender a falar, a ler e escrever e assim obter o direito de herdar os títulos e a herança da família (SKLIAR apud MOURA, LODI, HARRISON, 1997).

O que pode ser considerado o verdadeiro início da educação de surdos iniciou-se com Pedro Ponce de León (1520-1584), já na Idade Moderna (1453-1789). Segundo Lane ( apud MOURA, LODI, HARRISON, 1997), este é considerado o primeiro professor de surdos da história, tendo conseguido ensiná-los a falar, a ler e a escrever e demonstrando, com isso, a fragilidade das crenças que se tinham em relação aos surdos na época. O reconhecimento do surdo como sujeito capaz teve no interesse das famílias dos nobres um ponto forte a seu favor, já que dessa forma poderiam manter

O reconhecimento do surdo como sujeito capaz

teve no interes-se das famílias dos nobres um

ponto forte a seu favor, já que dessa

forma poderiam manter na família

suas heranças caso tivessem na prole algum des-cendente surdo.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

na família suas heranças caso tivessem na prole algum descendente surdo. Logo, percebe-se que o poder econômico da nobreza teve uma contribuição importante para impulsionar o oralismo, que naquele momento iniciava-se, perdurando-se até os dias atuais.

De acordo com Brito (apud Silva, 2008, p. 21), a corrente oralista “enfatiza o aprendizado da língua oral com o objetivo de aproximar o surdo, o máximo possível, do mundo ouvinte, a fim de integrá-lo socialmente, sendo a língua vista muito mais com objetivo do que como instrumento do aprendizado global e da comunicação”. Nesse sentido, a corrente oralista, segundo Fernandes (apud Silva, 2008, p. 21), “não admite outros recursos que não sejam os que levam o surdo a adquirir uma leitura orofacial e a expressão através da fala”. Nesse caso, Silva (2008, p. 21) afirma que “para os oralistas, a fala, seguida de um exaustivo treinamento de leitura labial, tem como objetivo promover a adequação do indivíduo surdo ao meio de comunicação da sociedade ouvinte, falante”.

Esse método foi reproduzido por Juan Pablo Bonet (1579-1629) por meio de um livro que publicado no ano de 1620, onde o próprio Bonet se apresenta como o inventor da arte de ensinar o surdo a falar, utilizando um alfabeto digital, da forma escrita e da Língua de Sinais para ensinar os surdos a ler e, por meio da manipulação dos órgãos fonoarticulatórios, ensiná-los a falar. Sem entrar no mérito da questão da discussão da originalidade de tal método, vale destacar que o livro chamou muito a atenção dos intelectuais da Europa, pela sua possibilidade de dar voz ao surdo, literalmente. Esse trabalho de vanguarda oralista serviu de modelo para três ícones da educação oral: Jacob Rodrigues Pereire (1715-1780) – nos países de língua latina; Johann Conrad Amman – nos países de língua alemã e John Wallis – nas ilhas britânicas. Um destaque no trabalho desses três grandes nomes é que, apesar de precursores da educação oralista, sempre utilizaram os sinais e o alfabeto digital em alguma etapa de seu trabalho, por considerá-los fundamentais aos seus objetivos.

Por outro lado, a corrente não-oralista teve no francês Charles Michel de L’Epée o seu mais importante representante, que foi o primeiro a estudar uma Língua de Sinais utilizada por surdos. Segundo Silva (2008, p. 19), tal metodologia utilizada por L’Epée defendia que “[...] os professores deveriam aprender tais sinais para se comunicarem com os surdos: eles aprendiam com os surdos e, a

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partir daí, ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente majoritário”. O método de L’Epée é criticado na atualidade por não ter considerado a Língua de Sinais uma língua que poderia ser utilizada para o ensino da leitura e da escrita, desde que adaptada a esse fim. Contudo, não há como desconsiderar a importância que foi o fato de L’Epée tê-la reconhecido como uma língua, de ter considerado os surdos como seres humanos e assim, ter proporcionado a estes indivíduos o desenvolvimento e a aprendizagem necessários para que pudessem demonstrar o seu valor em diversos campos do conhecimento, que até então eram dominados pelos ouvintes.

Já na Idade Contemporânea (1789-1900), o trabalho com sinais começou a ser utilizado em diferentes países da Europa e nos Estados Unidos. Em 1878 aconteceu em Paris o I Congresso Internacional sobre a instrução de surdos, onde foi discutido o papel da família na educação e a integração social do surdo. O II Congresso Internacional aconteceu em Milão, no ano de 1880, tendo sido considerado um marco histórico para a corrente oralista. Segundo Silva (2008, p. 20), “a eficácia da oralidade foi apontada pela apresentação de surdos que falavam bem e o uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista foi pregado em detrimento do uso de gestos e sinais...”.

A partir do século XX e no seu decurso, novas técnicas foram adotadas pelo oralismo. A década de 1950 trouxe consigo os avanços tecnológicos que impulsionaram a vocalização a partir do desenvolvimento de próteses. A educação passou então, a desenvolver vários métodos que tinham por finalidade levar a criança surda a ouvir e a falar. Porém, muitas críticas são feitas à abordagem oralista já que esta se fundamenta na premissa de que, pela precocidade da ação educacional faria com que as crianças atingissem a fala. Várias pesquisas mostraram que mesmo com o atendimento precoce, os surdos, na maioria das

vezes, não falam.

Logo, o insucesso do oralismo e as pesquisas sobre a Língua de Sinais deram ensejo para que, na década de 1970, fosse pensada uma nova metodologia chamada de comunicação total, que segundo Stewart (apud Silva, 2008, p. 23) tem o objetivo de “usar sinais, leitura labial, amplificação e alfabeto digital para fornecer input linguístico para estudantes surdos, para que eles pudessem se expressar nas modalidades preferidas”. Stewart ( apud Silva, 2008) esclarece ainda que a dinâmica da comunicação total não enfatiza a apresentação concomitante da língua oral em sinais e fala e sim, defende “[...] a seleção consciente das modalidades baseadas nas necessidades comunicativas e educacionais dos estudantes” (STEWART apud SILVA, 2008, p. 23). Nesse sentido, a comunicação total parte do pressuposto da utilização de todas as formas para se comunicar

Comunicação total, que segundo

Stewart ( apud Silva, 2008, p. 23) tem o objetivo de

“usar sinais, leitura labial, amplifica-ção e alfabeto di-gital para fornecer

input linguístico para estudantes surdos, para que eles pudessem se expressar

nas modalidades preferidas”.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

com a criança surda, porém, com nenhum método ou sistema devendo ser omitido ou enfatizado durante o processo. Logo, embora a oralização não seja o objetivo da comunicação total, esta aponta-a como uma das áreas a ser trabalhada para facilitar a integração social do surdo.

As práticas pedagógicas desencadeadas a partir da corrente da comunicação total trouxeram à tona novas alternativas voltadas para uma educação bilíngue. Segundo Silva (2008, p. 25),

o modelo bilíngue parte do reconhecimento de que os surdos estão em contato com as duas línguas. Esta afirmação aponta para o reconhecimento da língua de sinais como uma língua natural que, mesmo sendo usada por uma comunidade minoritária, deve ser aceita sem restrições. A educação bilíngue parte do pressuposto de que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, que, mesmo sem ouvir, são capazes de desenvolver uma língua espaço-visual.

A educação bilíngue se afasta tanto dos pressupostos do oralismo, quanto dos da comunicação total. Ao considerar o canal espaço-visual como fator preponderante para a aquisição da linguagem, no caso da pessoa surda, essa abordagem descarta o oralismo. Por outro lado, defende o espaço da língua de sinais, advogando que cada uma das línguas seja apresentada e trabalhada sem simultaneidade. Sob esta ótica, a proposta é que se ensinem as duas línguas, começando pela de sinais e, passando a seguir, para a língua falada pela comunidade ouvinte.

As abordagens educacionais voltadas aos surdos que apresentamos aqui refletem posturas diferentes ao processo educacional desses e a maneira como aprendem e se comunicam. Assim, segundo Silva (2008), a opção por qualquer uma das abordagens está intimamente relacionada com a visão de mundo e de homem que cada um tem. “Além disso, a educação de surdos não está desligada do processo educacional brasileiro como um todo, mas sim, de forma integrada ou segregada, incluída nele” (SILVA, 2008, p. 27).

No Brasil e em vários outros países, a utilização da educação bilíngue ainda é bastante restrita e a resistência ao reconhecimento da Língua de Sinais como uma verdadeira língua é um dos principais motivos. Segundo Falcão (2010), apesar de a Língua Brasileira de Sinais apresentar status de língua oficial, esta ainda continua restrita a alguns segmentos e instituições. Este autor complementa afirmando que,

a língua de sinais não é nativa da maioria dos surdos, pois muitos deles só a conhecem se o ambiente familiar for em sinais (pais surdos)

A opção por qualquer uma

das abordagens está intimamente relacionada com

a visão de mundo e de homem que

cada um tem. “Além disso, a educação

de surdos não está desligada do processo educacional

brasileiro como um todo, mas sim, de forma integrada

ou segregada, incluída nele”

(SILVA, 2008, p. 27).

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ou adaptado, ser forem para escolas, igrejas, clubes e associações e conviverem com outros surdos falantes da Libras, ou aprenderem em escolas com professores Bilíngues, do contrário, permanecem falando com seus pais sinais caseiros, espontâneos, sem o direito à língua nem à educação e cognição visual (FALCÃO, 2010, p. 387).

Nesse sentido, defendendo a ideia de que é por meio da educação, da leitura crítica do mundo e da participação ativa nesse mundo que se obtém a cidadania, não se pode negar ao indivíduo surdo o acesso a LIBRAS, um importante artefato cultural que servirá de poderoso instrumento para a conquista desta cidadania.

Marchesi (2004) comenta que diversos estudos já comprovaram que a evolução da aquisição da linguagem de sinais pelos surdos é muito semelhante àquela obtida pela linguagem oral nas crianças ouvintes. Contudo, “essa semelhança básica [...] não impede que se manifestem determinadas diferenças devidas a sua modalidade distinta de expressão, manual ou oral” (MARCHESI, 2004, p. 180). Dentro desse contexto,

A Libras deve estar atrelada a uma ferramenta cognitiva visual que se estrutura na cognição visual sinalizada. Nesta perspectiva educacional diferenciada, a pessoa surda em comunhão com a sociedade, enquanto cidadã e usuário de Libras, consciente, participativa, colaborativa e criativa, torna-se construtora do próprio ser (pessoa) enquanto sujeito cidadão, e não mais sujeitados a ditames de qualquer natureza, manipulativos ou fidelizantes. Com esta renovação estrutural e conceitual defendemos que cada surdo ou surda tome consciência de como, porque e para que ocorrem ações e deliberações configurando para cada renovada direção do saber, novas e velhas proposições que se reinventam como aprendizagem por um modelo crítico e reflexivo que se justifica pela autonomia e emancipação humana (FALCÃO, 2010, p. 388).

Assim sendo, entra nessa questão a importância do papel da família para que esse direito não seja negado ao sujeito surdo. Ao mesmo tempo em que a Libras precisa ter o seu reconhecimento garantido de forma abrangente e, além disso, ser “[...] reestruturada como padrão linguístico e cognitivo para ser apreendida pelas famílias e na mesma condição, em sala de aula com os professores ensinada aos surdos...” (FALCÃO, 2010, p. 391), é visível o fato de que “as famílias precisam correr contra o tempo para resgatar o acolhimento e a afetividade dos filhos apreendendo a aprender e ensinar a vida pela língua de sinais” (FALCÃO, 2010, p. 390).

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

O artigo em que você pode obter de forma mais detalhada a história da educação de surdos está disponível em:

ht tp: / /www.salesianol ins.br/areaacademica/mater iais/posgraduacao/Educacao_Especial_Inclusiva/Topicos_Especiais_Libras/Aula%20Profa,%20Cristina%20Cinta%20Surdez.pdf.

Caso você queira conhecer mais sobre a legislação brasileira relacionada à LIBRAS, acesse a página http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm, em que consta a lei de número 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências.

Atividades de Estudos:

Nessa atividade, vamos refletir um pouco sobre a sua experiência com pessoas com deficiência auditiva.

1) Ao longo de sua vida escolar como aluno ou como professor, você já teve em seu meio social uma pessoa surda? Caso tenha sido seu colega de escola, quando você era aluno, tente lembrar e comente sobre como era o tratamento dado a essa pessoa pelos professores, colegas e demais pessoas da escola.

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2) Você acha que ele teve um bom aproveitamento da educação escolar? Por quê?

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____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________

3) Comente um pouco sobre alguma experiência obtida a partir da convivência com um aluno seu ou aluno de algum colega seu, o faça destacando a forma que era utilizada para trabalhar com ele os conteúdos escolares. Procure detalhar ao máximo de forma a compreender se o trabalho teve êxito, se foi bem sucedido e caso não, o que ficou faltando e quais as alternativas que poderiam ser usadas para corrigir as falhas.

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

A Relação Escola e Deficiente Auditivo

Quando nos concentramos nas discussões acerca do processo de inclusão na escola, tentamos evidenciar um conceito para o termo e também as diretrizes gerais para que esta aconteça de forma genuína e concreta e não, que apenas leve o nome de inclusão, mas na prática, não contemple a proposta desejada. Nesse sentido, Mantoan (2006, p. 23) comenta que,

a inclusão escolar tem sido mal compreendida, principalmente no seu apelo a mudanças nas escolas comuns e especiais. Sabemos, contudo, que sem essas mudanças não garantiremos a condição de nossas escolas receberem, indistintamente, a todos os alunos, oferecendo-lhes condições de prosseguir em seus estudos, segundo a capacidade de cada um, sem discriminações nem espaços segregados de educação.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

O que se percebe em muitos casos é que ainda se mantém em muitos locais e também nas escolas, as ideias de que somente o deficiente precisa se adaptar aos ambientes que quer frequentar, sendo que tais ambientes, apesar de estarem disponíveis ao deficiente, não estão adequados às suas necessidades e expectativas. Logo, o que se percebe é que além das mudanças que a legislação indica que devem ser feitas nas estruturas escolares, há também a mudança cultural que necessita permear todas as demais. Segundo Marchesi (2004, p. 45),

a cultura da escola constitui o principal suporte sobre o qual se apoiará o desenvolvimento do currículo. Os valores, as normas, os modelos de aprendizagem, as atitudes dos professores, as relações interpessoais existentes, as expectativas mútuas, a participação de pais e alunos e a comunicação que existe na escola entre todos os membros da comunidade educacional são os elementos que determinam o tipo de projeto que a escola vai elaborar e a orientação a ser seguida em relação ao currículo.

Em relação ao currículo, Marchesi (2004) salienta que mais do que o teor das disciplinas e a forma como estas são abordadas, é a diversidade que faz a grande diferença em uma escola que pretenda ser inclusiva. Sem menosprezar o valor fundamental que as disciplinas e os seus conteúdos científicos têm para todos os indivíduos e que, de certa forma, são a “espinha dorsal” da escola em termos de razão de sua existência, não podemos deixar de observar que a educação como um todo abrange várias outras questões que também precisam ser supervalorizadas no ambiente escolar. Nesse sentido, Marchesi (2004, p. 44) comenta que,

um currículo aberto à diversidade dos alunos não é apenas um currículo que oferece a cada um deles aquilo de que necessita de acordo com suas possibilidades. É um currículo que se oferece a todos os alunos para que todos aprendam quem são os outros e que deve incluir, em seu conjunto e em cada um de seus elementos, a sensibilidade para as diferenças que há na escola. A educação para a diversidade deve estar presente em todo o currículo e em todo o ambiente escolar. A diversidade dos alunos é uma fonte de enriquecimento mútuo, de intercâmbio de experiências, que lhes permite conhecer outras maneiras de ser e de viver e que desenvolve neles atitudes de respeito e de tolerância juntamente com um amplo sentido de relatividade dos próprios valores e costumes. As pessoas constroem melhor seus conhecimentos e sua identidade em contato com outros grupos que têm concepções e valores distintos (MARCHESI, 2004, p. 44).

No caso do deficiente auditivo, a convivência deste com os colegas ouvintes pode ter um impacto positivo ou negativo, dependendo das condições em que

Ainda se mantém em muitos locais e também nas

escolas, as ideias de que somente o deficiente precisa

se adaptar aos ambientes que quer frequen-tar, sendo que tais ambientes,

apesar de estarem disponíveis ao deficiente, não

estão adequados às suas necessi-dades e expecta-

tivas.

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se opera essa convivência. Nesse sentido, é importante frisar que a escola e as turmas específicas que possuem um deficiente auditivo também precisam ser preparadas para isso, através de programas que os levem a conhecer o deficiente auditivo e a compreendê-lo e enxergá-lo como um ser humano normal como qualquer outro. A riqueza da diversidade é colocada em prática através da convivência com o diferente, de intercâmbio de experiências e de colaboração. E nesse fato reside a importância de uma presença fundamental mediando essas relações: o professor.

Para tanto, a formação de professores também é um fator determinante no sucesso do processo de inclusão do deficiente auditivo (assim como das demais deficiências) desejado pela escola. Porém, há que se ter consciência que não se trata somente de preparar os profissionais voltados à educação especial e sim, todos os profissionais envolvidos com o trabalho com os alunos.

Nesse sentido, para subtrair o estigma de que o aluno surdo é diferente ou é incapaz que está há muito tempo com a ideia fixa no imaginário de muitos profissionais da educação, há que se fazer um trabalho de formação permanente voltado à compreensão da diversidade. O professor que não teve em sua formação inicial o preparo necessário para trabalhar com o deficiente auditivo e no decurso de sua atuação profissional também não recebeu uma atualização para esse fim, certamente se achará incompetente e despreparado para atender a esse público. Esse pensamento equivocado se refletirá em sua prática de forma que dedicará menos atenção ao surdo, e obterá, como consequência, resultados negativos, confirmando assim suas expectativas pessimistas, num ciclo que se retroalimenta e não leva a lugar algum. Por isso, há que se investir fortemente na formação permanente, nas discussões em grupos, em projetos de trabalhos conjuntos e interdisciplinares, para que todos tenham consciência de

que a responsabilidade não é apenas sua, mas também sua e que é a partir da união de esforços, da divisão de tarefas e da comunhão de experiências que fluirão os bons resultados.

Além disso, Marchesi (2004, p. 44) nos recorda que outros fatores também são de suma importância para uma mudança de postura por parte dos professores e irão impulsionar sua motivação e dedicação: “sua retribuição econômica, suas condições de trabalho, sua valorização social e suas expectativas profissionais, ao lado da formação permanente...”.

Essas questões trazem à tona a figura da liderança na escola, que deve ser efetiva, fazendo a parte que lhe cabe e quando não, buscando a ajuda junto às

Para tanto, a formação de professores

também é um fator determinante

no sucesso do processo de inclu-são do deficiente auditivo (assim

como das demais deficiências)

desejado pela escola. Porém, há que se ter consci-ência que não se trata somente de

preparar os profis-sionais voltados à educação especial

e sim, todos os profissionais

envolvidos com o trabalho com os

alunos.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

autoridades públicas. Segundo Marchesi (2004) existe um amplo consenso na ideia de que uma liderança competente pode fazer muito para que os objetivos da inclusão sejam alcançados a partir das mudanças necessárias na escola. Essa liderança será assumida por quem lhe cabe e pela sua equipe, mas também pode ser planejada e articulada no sentido da delegação, sendo distribuída em todos os níveis organizativos da escola. Nesse sentido, não podemos pensar somente no diretor que fica enclausurado em sua sala, colocando regras e cobrando resultados, sem menosprezar essas que também são suas atribuições. Mas, nos referimos a importância de uma equipe diretiva “de pátio”, que acompanhe as tarefas e as mudanças in loco, que contribua com suas opiniões, que corrija com sua experiência e conhecimentos e, assim, tenha elementos para manter o que está correto e corrigir as imperfeições encontradas, de acordo com as metas estabelecidas. Como nos orienta Furlan (apud MARCHESI, 2004, p. 46) quanto a necessidade de manutenção de “[...] uma tensão constante entre a pressão da organização para manter a continuidade de seu passado e de suas práticas e a busca de novas formas de desenvolvimento que permitam responder às novas situações”. A partir dessa dinâmica é que a escola inclusiva vai se configurando, não nascendo pronta, mas sendo edificada a partir de ações isoladas e conjuntas, com pessoas que trabalhem em harmonia e voltadas a um mesmo fim.

No caso da deficiência auditiva, caso exista algum aluno matriculado em alguma escola de ensino regular, esta irá providenciar as adequações necessárias e ter entre os professores, um intérprete de Língua de Sinais além de contar com o apoio de profissionais da saúde, como é o caso do fonoaudiólogo, por exemplo. Caso a escola seja pública, são as secretarias municipal ou estadual que devem provê-la com o material e o pessoal necessário com urgência. A escola também precisa providenciar um instrutor de LIBRAS, preferencialmente surdo, para trabalhar com os alunos que ainda não aprenderam esta língua e que cujos pais tenham autorizado o seu uso (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2004). “Obedecendo aos princípios inclusivos, a aprendizagem da Libras deve acontecer preferencialmente na sala de aula desse aluno e ser oferecida a todos os demais colegas e ao professor, para que possa haver comunicação entre todos” (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2004, p. 24). No entanto, essas adaptações precisam ser feitas sem que seja um peso para a escola e para as pessoas que nela trabalham e convivem. Por isso, a importância de se estabelecer uma cultura voltada às ideias da inclusão, onde todos percebam mais que o direito e a necessidade de o surdo frequentar a escola, e sim percebam a naturalidade de uma pessoa ter acesso à escola em busca de seu desenvolvimento. Segundo Marchesi (2004, p. 45), é fundamental “a mudança para uma cultura educacional em que se valorize a igualdade entre todos os alunos, o respeito às diferenças, a participação dos pais e a incorporação ativa dos alunos no processo de aprendizagem”.

Obedecendo aos princípios inclu-sivos, a aprendi-zagem da Libras deve acontecer

preferencialmente na sala de aula

desse aluno e ser oferecida a todos

os demais colegas e ao professor, para que possa haver comunica-ção entre todos

(MINISTÉRIO PÚ-BLICO FEDERAL,

2004, p. 24).

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Marchesi (2004) comenta que em relação às adaptações que são necessárias na sala de aula para o atendimento de pessoas com deficiência auditiva, a utilização de um sistema de comunicação manual na sala de aula é condição imprescindível de modo a facilitar a troca de informações com o aluno surdo e dele com o professor e com os colegas, favorecendo a sua aprendizagem. De igual maneira, faz-se necessária também uma atenção especial à comunicação oral, devido à importância de sua aprendizagem pela criança surda e das dificuldades que essa pode encontrar nesse processo. O Quadro 1 traz algumas sugestões de cuidados que devem ser tomados com a comunicação oral na sala de aula e assim, caminhar para a correta inclusão da criança surda no processo de ensino e aprendizagem.

Quadro 1 – Sugestões para favorecer a comunicação oral na sala de aula

• Cuidar das condições acústicas e de visibilidade na classe;• Utilizar equipamentos individuais de FM;• Falar dirigindo o olhar à criança;• Empregar todo tipo de meios de informação;• Facilitar a compreensão por meio de mensagens escritas: lousa, transparências etc.;• Empenhar-se para que todos os alunos empreguem meios visuais de comunicação.

Fonte: Marchesi, 2004, p. 190.

Logo, é visível que as adequações precisam acontecer no ambiente físico, mas também de forma mais profunda no ambiente psicológico criado pelas pessoas, através da postura para com essa nova realidade, através do currículo e da metodologia empregada, que deverá ser dirigida a todos e não somente à maioria. Assim, segundo Marchesi (2004) é importante que o professor planeje suas atividades privilegiando tanto a dinâmica de cooperação entre os colegas quanto a ação tutorial de colegas com maiores níveis de conhecimentos e experiências, sempre com a sua vigilância, fazendo com que o deficiente auditivo veja nos colegas um estímulo à apropriação dos conhecimentos trabalhados em sala.

Em relação às disciplinas específicas que são trabalhadas na escola que tenha entre seus alunos, algum ou alguns que sejam deficientes auditivos, Marchesi (2004, p. 190) comenta que,

em todas as áreas, deve-se dar mais ênfase aos procedimentos de aprendizagem, e não tanto à acumulação de informação. Para os alunos surdos, embora também para os ouvintes, é particularmente importante desenvolver o desejo de saber, o interesse pela busca de informação, o gosto pela leitura e a satisfação pela resolução de um determinado problema. A esses objetivos, deve-se adaptar a metodologia que se desenvolve na sala de aula. Quatro princípios devem

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

ser particularmente levados em conta:1. Favorecer a atividade própria dos alunos.2. Organizar as atividades de aprendizagem em pequenos grupos.3. Possibilitar que os alunos realizem tarefas diversas.4. Utilizar métodos visuais de comunicação.

Ou seja, sugere-se aqui a quebra de um paradigma estabelecido há bastante tempo, em que o professor é o único a ensinar, onde o conteúdo é o mais importante e as formas como tal conteúdo é trabalhado são tradicional, unilateral e fixa. Quando se propõe a mudar tal modelo, dando abertura a novas práticas educativas em que os próprios estudantes podem intervir no processo, inclusive os deficientes auditivos, se percebe uma ruptura que é imprescindível para aqueles que pretendem estar em uma escola inclusiva. Assim, através do estabelecimento de uma cultura de colaboração e de sociabilidade, o indivíduo surdo é chamado à convivência não somente em sala de aula, mas a partir do trabalho que nela é realizado, também sente-se a vontade para socializar com os demais alunos nos momentos informais onde as brincadeiras acontecem e onde as amizades se estabelecem. Dessa forma, podemos perceber um espaço propício à inclusão, em que o meio se adequa para receber o deficiente auditivo e nele enxerga um ser humano com os mesmo direitos, deveres, anseios e necessidades que qualquer um dos outros que não possuem tal deficiência. Somente assim contemplaremos uma escola que abre as portas, de fato, para receber o deficiente auditivo e, com ele e para ele, estabelecer uma relação sadia e eficiente, em que todos crescem, se desenvolvem e são educados, no sentido mais próprio da palavra.

Atividades de Estudos:

1) Nessa atividade, vamos exercitar um pouco a questão do planejamento escolar voltado à escola inclusiva, pensando de forma particular no deficiente auditivo. Nesse sentido:

a) Escolha um conteúdo escolar dentro de sua área de formação; __________________________________________________

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

Sugere-se aqui a quebra de um

paradigma estabe-lecido há bastante

tempo, em que o professor é o único a ensinar,

onde o conteúdo é o mais importante e as formas como

tal conteúdo é trabalhado são tra-dicional, unilateral e fixa. Quando se propõe a mudar

tal modelo, dando abertura a novas práticas educa-tivas em que os

próprios estudan-tes podem intervir

no processo, inclusive os defi-cientes auditivos, se percebe uma

ruptura que é imprescindível

para aqueles que pretendem estar em uma escola

inclusiva.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

b) Elabore um pequeno planejamento de trabalho, onde você vai detalhar: conteúdo, objetivos, número de encontros, material necessário, metodologia e outros tópicos que você julgar necessário.

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

OBS.: Nesse planejamento, principalmente no tópico “metodologia”, coloque de que maneira você trabalhará tal conteúdo de forma que um deficiente auditivo possa acompanhar o desenrolar do trabalho com os conceitos trabalhados e de realização das atividades.

Algumas ConsideraçõesAo longo desse capítulo, procuramos discutir sobre o papel da escola na

educação do indivíduo, oferecendo um olhar especial à educação do indivíduo com deficiência auditiva.

Nessa discussão, ficou evidente a ideia de que não é a escola a única encarregada de propiciar a construção de conhecimentos ao indivíduo, sendo que os conhecimentos estão presentes em todos os aspectos de nossa vida cotidiana. Porém, a escola dedica-se a trabalhar com o indivíduo os conhecimentos científicos, de forma sistêmica e planejada, diferentemente da forma como os conhecimentos espontâneos são adquiridos por esse indivíduo na informalidade das experiências do dia a dia.

Chegando ao foco a que dedica-se esse caderno de estudos, direcionamos nosso olhar ao papel da educação especial e da forma como a escola e toda a comunidade escolar precisa preparar-se para atender de forma inclusiva o deficiente auditivo. Para tanto, revisitamos a história da educação de surdos de

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

forma a compreender o contexto atual, os avanços obtidos e as necessidades que ainda perduram no atendimento educacional desse público específico.

Nesse contexto, discutimos vários aspectos relacionados à educação de surdos como o currículo e suas características, o papel da escola especial no processo de educação de sujeitos surdos e a utilização da LIBRAS como linguagem voltada à aprendizagem e ao desenvolvimento.

No capítulo seguinte que encerra o caderno, nossas reflexões recaem sobre as formas como família e escola devem atuar, de forma harmoniosa, para que ambas possam oferecer elementos para que o indivíduo deficiente auditivo aprenda, se desenvolva e tenha condições de exercer sua cidadania.

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A Escola e o Deficiente Auditivo Capítulo 2

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

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CAPÍTULO 3

A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Discutir a importância da presença da família na vida escolar do estudante e, em especial, do estudante deficiente auditivo;

3 Compreender como se estabelece a integração família e escola no desenvolvimento integral do estudante e no seu desempenho escolar;

3 Avaliar o necessário nível de envolvimento da família na vida escolar do deficiente auditivo e os resultados que podem ser obtidos;

3 Conhecer aspectos primordiais da Pedagogia Surda, suas principais ferramentas e sua importância no processo educacional e na relação escola e família.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva Capítulo 3

ContextualizaçãoAo longo desse nosso percurso, conseguimos analisar de maneira isolada

a influência e os benefícios propiciados tanto pela família quanto pela escola em diversos pontos da formação do indivíduo: caráter, valores, aprendizagem de conceitos científicos, sociabilidade, criticidade, autoestima dentre outros elementos que contribuem em seu desenvolvimento integral. Além disso, abordamos tópicos importantes para a compreensão da forma como o deficiente auditivo vive e como ele aprende, passando pelos tipos e graus de surdez, suas causas e consequências. Adicionalmente, buscamos traçar um breve contexto histórico das formas como era visto e o tratamento que a ele foi dispensado ao longo da evolução das civilizações, para compreendermos os avanços obtidos e o que no momento atual acontece, além de tentar traçar perspectivas futuras.

Nesse terceiro e último capítulo, faremos reflexões baseadas no que foi discutido nos dois capítulos anteriores, reunindo os dados acerca das duas instituições: família e escola, cuja harmonia de ideias e de ações é fundamental para o desenvolvimento do estudante, sobretudo daquele com algum tipo de deficiência, com ênfase ao deficiente auditivo. Logo, nesse momento, iremos discutir a importância da presença da família na vida escolar do estudante deficiente auditivo e apontar alternativas de como pode ser estabelecida a relação entre as duas instituições com vistas a oportunizar a esse estudante uma participação exitosa na escola. Para finalizar, fazemos uma breve alusão à pedagogia dos surdos, apenas para localizar o leitor acerca dessa nova corrente relacionada à educação escolar do deficiente auditivo.

A Integração Família-Escola para a Aprendizagem do Estudante – Aspectos Gerais

Conforme já discutimos aqui, a família é o primeiro local de aprendizagem de qualquer criança, onde a mesma vai incorporando os seus valores e costumes e obtendo os primeiros aprendizados de sua vida. Em determinado momento, em geral por volta do 6º ano de idade, a criança, por lei, deve passar a frequentar a escola, onde terá a oportunidade de acessar os conhecimentos científicos que lá são trabalhados. Nessa etapa de sua vida, a escola passa a complementar e aprofundar os conhecimentos que até então ficavam restritos à família e a outros ambientes sociais, porém, de uma forma sistematizada e de um ponto de vista científico.

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Logo, a criança passa por uma mudança radical e às vezes traumática em sua rotina de aprendizagem e de convivência, que deixa de se dar na informalidade e de ser diluída nas vivências cotidianas, para passar a acontecer dentro de um contexto planejado, com regras claras, locais e horários definidos e tarefas bem delineadas. Esse processo muitas vezes não é fácil nem para a família e muito menos para a criança, que antes estava acostumada a brincar nos horários que queria e com as brincadeiras que escolhia.

A partir da entrada na escola, suas vontades passam a depender também das vontades dos colegas, do planejamento da professora, do cronograma estipulado. Em virtude disso muitas vezes os pais são informados de mau comportamento, de rebeldia e do não cumprimento das normas da escola e, esse período de adaptação pode ser mais rápido ou mais demorado, dependendo da criança e das formas como esta foi educada em casa pelos pais. Se em casa as regras eram poucas e não havia muita energia dos pais em estipular horários e tarefas, em definir normas próprias, o trabalho na escola pode ser mais prolongado e mais penoso para todos os envolvidos. E essa pode ser a primeira e talvez uma das mais difíceis tarefas educacionais da escola: fazer com que o aluno se adeque a uma sociedade maior, onde seus pares também se encontram e estão passando pelo mesmo processo que ele. E essa convergência de vivências com os pares tanto pode ser boa ou ruim, dependendo das afinidades que forem se estabelecendo entre eles.

Quando chega esse momento, muitas famílias podem ter a ilusão de que o papel de educar deixa de estar sob sua guarda, sendo completamente transferido para a escola que, a partir daquele momento, passa a ser a única responsável pela educação de suas crianças. Porém, é essa uma visão distorcida, equivocada e que pode prejudicar imensamente a aprendizagem da criança na escola, a sua socialização com os demais indivíduos e por fim, o seu desenvolvimento. Conforme já mencionamos anteriormente, família e escola são dois contextos sociais bem diferentes e possuem, assim, objetivos igualmente distintos. No entanto, as ações educativas desencadeadas em favor da criança é o elo que os aproxima e os caracteriza (CORRÊA, 2006). Logo,

Proporcionar o pleno desenvolvimento dessa criança, transmitir os conhecimentos adquiridos e necessários à sobrevivência e à vida em sociedade, além de dar informações sobre cuidados pessoais, são alguns objetivos comuns tanto para uma quanto para outra instituição (CORRÊA, 2006, p. 162).

Por isso, é importante que as famílias tenham a consciência da importância da parceria que irá ser estabelecida entre ela e a escola, para que atuem

Família e escola são dois contextos sociais bem dife-

rentes e possuem, assim, objetivos

igualmente distin-tos. No entanto, as ações educativas desencadeadas

em favor da criança é o elo

que os aproxima e os caracteriza

(CORRÊA, 2006).

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como instituições complementares na formação do indivíduo, trabalhando conjuntamente os valores humanos e sociais e os conhecimentos científicos. É papel da família prover a escola com todas as informações sobre a criança para que sejam levadas em consideração na intervenção dos professores e demais profissionais da escola através de sua proposta pedagógica. Da mesma forma, a escola fornecerá com frequência detalhes sobre a forma como a criança interage, como se comporta e como aprende, para que a família possa fazer em casa o seu papel de acompanhar, de estimular e de contribuir nas tarefas escolares. É importante que a escola tenha esse feedback por parte da família, que facilita e muito o trabalho realizado em sala de aula em termos de resultados na aprendizagem e interesse por parte do aluno em aprender. Assim, esse processo de busca constante por novos conhecimentos se naturalize e se integre à vida do estudante. Segundo Mittler (2003, p. 212),

por muitos anos, conhece-se o fato de que as crianças aprendem a ler melhor e com maior prazer se os seus pais escutam suas leituras, até mesmo se isso acontecer durante somente alguns minutos por dia, e são significativamente ajudadas quando os pais lêem para elas.

E essa facilidade encontrada pela criança quando amparada pelos pais em seu processo de aprendizagem escolar está também nos mais diversos conteúdos que são trabalhados na escola. A criança sente-se valorizada nos dois locais, família e escola e, percebe que o que está fazendo é importante para ambos e principalmente para ela. O elogio dos pais assim como a sua correção mostram a sua conivência com o processo. A participação nessa etapa e nesse “departamento” de sua vida causam maior motivação e também a percepção de que não está sozinha e de que sua família se importa com ela e com os resultados que obtém na escola. Quanto a isso, Franch e Bastiani (1985, p. 70) afirmam que

se queremos ver nosso filho bem sucedido, bem adaptado à vida social, necessitamos desenvolver em nós a capacidade de escutá-lo. Ele precisa sentir que temos prazer em ouvi-lo e de entender seus relatos, ao mesmo tempo que podemos lhe dar as palavras exatas para se expressar. Ele sempre terá coisas a nos dizer ao chegar em casa, se nos encontrar receptivos. Temos em nossas mãos inúmeras possibilidades para ampliar seus interesses, sua linguagem, sua visão de mundo e da vida, evitando que permaneça uma pessoa egocêntrica e infantil.

Ao mesmo tempo, a escola precisa valorizar a história de vida que essa criança já carrega desde tenra idade, suas vivências, sua experiência na família e na comunidade e assim, compreender o que ela já sabe e como aprendeu. Dessa forma, fica muito mais fácil intervir através do processo que se estabelece dentro da sala de aula. Com certeza, não há como dirigir um planejamento escolar de acordo com a história particular de cada criança, numa turma que conta com 30 ou 40 estudantes.

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Porém, conhecendo um pouco de cada um pode se obter as regularidades existentes na turma e as semelhanças que os caracterizam para aproximar-se ao máximo de suas realidades. Assim, a escola conseguirá cumprir a sua tarefa de forma mais próxima e dentro daquilo a que se propõe.

Nesse sentido, podemos perceber como é importante o papel desempenhado tanto pela escola quanto pela família na tarefa de educar nossas crianças. Não há instituição que sobreviva sozinha nesse mar de acontecimentos tão complexos que povoam a vida de um ser humano. Cada escola precisa encontrar maneiras particulares de se relacionar com as famílias das crianças e dos adolescentes que recebe, de acordo com suas características igualmente particulares. Como afirma Mittler (2003, p. 213), as famílias “[...] são diferentes entre si e têm necessidades distintas. Conhecer a individualidade de cada família é uma das tarefas mais difíceis para qualquer professor, pois há poucas oportunidades para conhecer os pais e as mães como pessoas”. Muitas vezes não é fácil para a escola encontrar o caminho, mas, ele precisa ser desvelado para que assim se possa desempenhar o seu papel. Os resultados certamente virão e servirão como motivo para o

estreitamento maior ainda de laços e de colaboração mútua. Inserindo-se nesse assunto, Mittler (2003, p. 208) comenta que “qualquer escola necessita de sua própria política de relação casa-escola para ir além de palavras bonitas e para incluir propostas concretas a fim de alcançar melhores relações de trabalho com os pais e com a comunidade local”. Uma associação de pais e professores bem constituída, as reuniões de pais e os conselhos de classe são situações que podem contribuir para o encontro das partes e para o estabelecimento de metas e de normas de atuação. Havendo vontade e percebendo-se a necessidade, o melhor caminho para essa parceria aparece nos diálogos que se estabelecem e podem ser afinados e reconduzidos, se for o caso, em todo o decorrer do processo.

Essa parceria deixa sua importância ainda mais evidente no caso de alunos com algum tipo de deficiência, como é o caso do deficiente auditivo. De acordo com Mittler (2003, p. 206), “pais de crianças com necessidades especiais têm uma grande necessidade de relações de trabalho com professores baseadas no entendimento e na confiança”. Nesse caso, os laços entre a família e a escola devem ser ainda mais próximos, já que a criança além das características que todas as crianças possuem e de todas as barreiras que têm que transpor quando ingressam na escola, tem a deficiência auditiva que é vista, pelo menos pela maioria, como uma diferença significativa em relação aos demais estudantes e que pode interferir tanto na sua socialização com os colegas e professores, quanto na aprendizagem de conceitos científicos propriamente dita. Sendo assim, no próximo tópico nosso olhar se restringe à participação do deficiente auditivo na

As famílias “[...] são diferentes entre si e têm

necessidades dis-tintas. Conhecer a individualidade de cada família é uma das tarefas

mais difíceis para qualquer profes-sor, pois há pou-

cas oportunidades para conhecer os pais e as mães como pessoas”.

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escola regular, com ênfase ao papel exercido pela colaboração entre a família e a escola para que tal participação seja a mais exitosa possível para esse estudante.

Atividades de Estudos:

Como no próximo tópico, conforme já anunciado, estaremos discutindo acerca da participação da família no trabalho realizado pela escola, propomos de forma prévia algumas reflexões que serão úteis para introduzirmos o tema. Para tanto, observe a imagem da Figura 1 que vem a seguir:

Figura 2 - Aula expositiva com auxílio do intérprete de Libras

Fonte: Disponível em: <http://blog.cancaonova.com/maosqueevangelizam/2009/08/12/historia-da-educacao-

do-surdo/>. Acesso em: 29 ago. 2012.

1) Você acha que o surdo pode acompanhar o conteúdo científico trabalhado em sala de aula por meio do intérprete de Libras? Comente a respeito.

__________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________

2) Em relação à educação trabalhada pela família, que tipo de ações você julga válidas para iniciar esse processo antes mesmo do

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estudante frequentar a escola? Justifique suas escolhas. _____________________________________________________

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3) Você acha importante a presença da escola especial para trabalhar com o deficiente auditivo antes dele frequentar a escola regular e também, paralelamente a essa, de forma a favorecer um melhor acompanhamento do estudante na sala de aula comum? Por quê?

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

4) Como você percebe a presença da família nesse terreno, em relação ao acompanhamento a ser prestado aos estudos do deficiente auditivo?

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

5) Que tipo de ações você acha importante que sejam realizadas tanto pela família quanto pela escola para que ambas possam trabalhar em harmonia na aprendizagem e no desenvolvimento do deficiente auditivo? Comente.

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

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6) Veja a capa da Revista Nova Escola – edição de outubro de 2006 que “fala sobre os caminhos da inclusão no país, mostra os fundamentos para incluir pessoas com diferentes síndromes e deficiências, além de trazer uma reportagem sobre as políticas públicas para a inclusão”.

Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-especiais/011.shtml>. Acesso em: 28 jul.2012.

Você concorda com a manchete principal? Argumente de forma contundente a sua resposta. _____________________________________________________

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

A Presença da Família na Educação Escolar do Deficiente Auditivo

É nosso entendimento e Franch e Bastiani (1985) corroboram com a opinião de que para que a criança deficiente auditiva possa ter acesso a todos os momentos de ensino e aprendizagem e assim, se desenvolver cognitivamente a partir da intervenção realizada no espaço escolar, é indispensável que se forme uma unidade de trabalho entre a família da criança e a escola que ela vier a frequentar. “Ambas devem trabalhar de forma integrada, coesa, harmoniosa” (FRANCH; BASTIANI, 1985, p. 68).

Nesse sentido, não há como negar a interdependência que existe entre família e escola, condição essa que se acentua ainda mais no caso do deficiente auditivo. Por isso, é importante que os pais tenham uma participação ativa e aguerrida na vida escolar do filho, porém sem tornar-se invasiva, iniciando essa cultura mesmo antes de ele frequentar a escola, oferecendo-lhe estímulos que instiguem a aprendizagem, a autoconfiança e a independência. Franch e Bastiani (1985) alertam que, mesmo depois que o filho passa a frequentar a escola, ele continua pertencendo à família e permanecendo com ela a maior parte do seu tempo. Logo, é desejo da família que ele cresça e se desenvolva, sendo essa uma das razões para que ela o coloque em contato com o mundo que o rodeia, para fora dos portões da casa. Nesse sentido, é preciso que o deficiente auditivo tenha contato com as pessoas que fazem parte de sua comunidade para que, desde cedo, saiba lidar e se comunicar com eles e, da mesma forma, que os outros também saibam interagir com ele.

Conforme já discutimos, é por meio da família que toda pessoa dá os primeiros passos e aprende as maneiras como agir de acordo com os valores da sociedade de qual faz parte. É ali, no seio da família que ela começa a obter suas primeiras experiências de vida, ou seja, o processo de aprendizagem pelo qual as pessoas passam no decorrer de toda a sua vida, se inicia bem antes de ela frequentar a escola. Muitas vezes, no caso do deficiente auditivo, por questões de auto preconceito ou de superproteção, a família pode retardar ou até restringir esses contatos sociais que antecedem a vida escolar. Porém, a família não pode se furtar a essa responsabilidade, mesmo que de forma inconsciente, pois “as experiências reais são a base sobre a qual escola poderá desenvolver seu programa de linguagem” (FRANCH;

Para que a criança deficiente auditiva possa ter acesso a todos

os momentos de ensino e aprendi-zagem e assim, se desenvolver

cognitivamente a partir da interven-ção realizada no espaço escolar, é indispensável que se forme

uma unidade de trabalho entre a

família da criança e a escola que ela vier a frequentar.

Prover a criança com situações que

lhe instiguem a utilização do racio-cínio e lhe incitem

à socialização e à participação na sociedade

contribuirão de forma significativa em seu desenvol-vimento integral

e, em especial, no desenvolvimento

de sua linguagem. E vale lembrar que o desenvolvimento da linguagem será a porta de entrada de novas aprendi-

zagens.

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BASTIANI, 1985, p. 68). Logo, prover a criança com situações que lhe instiguem a utilização do raciocínio e lhe incitem à socialização e à participação na sociedade contribuirão de forma significativa em seu desenvolvimento integral e, em especial, no desenvolvimento de sua linguagem. E vale lembrar que o desenvolvimento da linguagem será a porta de entrada de novas aprendizagens. Franch e Bastiani (1985, p. 68) completam essa ideia afirmando que

nosso filho se sentirá como um, entre os demais, quando estiver seguro e independente para fazer as suas próprias coisas. [...] Ele necessitará de toda espécie de oportunidade e a escola virá ao nosso encontro nos orientando quanto ao desenvolvimento e reforço da linguagem adequada a cada uma destas circunstâncias.

Porém, conforme também já foi mencionado, é preciso que desde o início do

processo de socialização do filho, a família dispa-se de seus próprios preconceitos, de seu senso de inferioridade despertado através desse filho, tendo consciência de seus limites, mas, sobretudo, assumindo suas possibilidades. Não há como negar que, se antes de o filho frequentar a escola a família tenha conseguido isso, quando ele alcança a idade escolar e de fato, passe a frequentar esse espaço, a tendência ao retrocesso é grande. É inevitável a comparação com os demais alunos de sua idade, com o nível de desenvolvimento que já possuem e dos avanços que conseguem. Donaduzzi e Fertig (2008, p. 62) contribuem nessa discussão, afirmando que

a problemática da aceitação da família frente às necessidades especiais da criança é evidenciada quando se tenta a inclusão na vida escolar e social, uma vez que é nesses ambientes que a diferença fica estampada. Na escola, por ser a primeira instituição social que a criança frequenta, a comparação com seus pares acaba sendo inevitável. Portanto, mais uma vez, vemos a necessidade de um trabalho cuidadoso e minucioso junto aos familiares para dar aos pais a possibilidade de transformação de seus antigos conceitos. Quando este trabalho é feito ou quando as famílias conseguem realizá-lo de maneira natural a criança está pronta para ser inserida numa esfera maior.

Para tanto, há que haver um acompanhamento maior ainda da criança por parte da escola não somente enquanto ela está em suas instalações, na sala de aula e nos demais ambientes escolares como também quando ela está em casa. Nesse caso, esse acompanhamento se dará através do relacionamento que mantém com os seus familiares. Segundo Leal, Palmeiro e Fernandez (1985, p. 73), “é na atitude da família e de educadores que a criança se espelha para enfrentar as dificuldades sociais. Se houver constrangimento, ela se sentirá diferente, preterida; se houver naturalidade, tudo se tornará mais fácil para ela”.

É na atitude da família e de

educadores que a criança se espelha

para enfrentar as dificuldades

sociais. Se houver constrangimento, ela se sentirá dife-rente, preterida; se houver naturalida-de, tudo se tornará

mais fácil para ela.

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Uma outra possibilidade que pode ajudar de forma significativa é, no período que antecede a idade escolar, a criança ser encaminhada para a escola especial, onde poderão ser trabalhadas algumas habilidades e conhecimentos que farão com que ela possa acompanhar os trabalhos na escola regular com mais facilidade. Segundo Leal, Palmeiro e Fernandez (1985, p. 75), a tarefa elementar a que dedicar-se-á a escola especial é “[...] a preparação do deficiente auditivo para se integrar, de uma forma mais ampla na sociedade e, especificamente, para que possa ingressar na escola comum”. Assim, é de suma importância que tão logo a família tome consciência da deficiência auditiva da criança, procure uma escola especial para que seja trabalhada sua comunicação, não esperando até que a mesma atinja a idade escolar. Na escola especial, o trabalho de desenvolvimento da fala será feito levando-se em consideração as mesmas etapas de aquisição da linguagem pela criança ouvinte (LEAL, PALMEIRO, FERNANDEZ, 1985). “Assim, quanto mais cedo a criança começar a ser estimulada, menor será a defasagem, já que posteriormente deverá se integrar na escola comum” (LEAL, PALMEIRO, FERNANDEZ, 1985, p. 75). Nada impede, outrossim, que a criança, mesmo após ingressar na escola regular, continue tendo o acompanhamento da escola especial, conforme suas necessidades e possibilidades.

Ao mesmo tempo, a escola regular precisa ter um caráter de inclusão, da forma como já tratamos nesse caderno de estudos. Somente assim a família sentir-se-á segura em deixar que a criança seja de fato acolhida nesse ambiente e também, que essa família dispa-se de possíveis vestígios de preconceito e auto preconceito, deixando de ver seu filho como inferior perante os demais. Segundo Corrêa (2006, p. 163), “pensar em uma escola inclusiva implica ter uma sociedade também inclusiva. A escola sempre refletirá, de forma exemplar, o que a sociedade vive e pratica”. Mantoan (2006) insere-se nessa discussão, afirmando que diversos fatores impedem

a transformação nas escolas verdadeiramente inclusivas. Um desses casos, segundo a autora, é “[...] a ignorância de muitos pais, a fragilidade de grande maioria deles diante do fenômeno da deficiência de seus filhos” (MANTOAN, 2006, p. 24). Nesse sentido, Donaduzzi e Fertig (2008, p. 62) afirmam que

para que a família cumpra com as suas funções socialmente designadas, precisamos, enquanto educadores, auxiliar os pais a desenvolver uma aceitação frente à situação do seu filho, um equilíbrio emocional necessário para lidarem com as situações conflituosas que por ventura aparecerem e, principalmente, devemos auxiliá-los a realizarem-se como pais, mostrando-lhes as etapas vencidas e os sucessos alcançados. Enfim, para que consigam educar convenientemente seus filhos, necessitam de certa tranquilidade e aceitação da situação, pois cabe a eles um papel decisivo na formação dessas crianças.

Pensar em uma escola inclusi-va implica ter

uma sociedade também inclusiva. A escola sempre refletirá, de forma exemplar, o que a

sociedade vive e pratica.

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva Capítulo 3

Logo, mais uma vez se percebe a importância do trabalho da escola juntamente com o dos pais serem realizados em colaboração, de forma complementar e harmoniosa, onde quem sai ganhando é o próprio estudante. Mittler (apud MITTLER, 2003, p. 213) complementa afirmando que

uma parceria verdadeira é estabelecida como resultado de um processo, em vez de uma meta de chegada. Assim como a inclusão, esta é uma jornada empreendida como expressão de certos valores e princípios. Uma verdadeira parceria, como em qualquer relação próxima, implica respeito mútuo baseado em uma vontade para aprender com o outro, uma sensação de propósito comum, um compartilhamento de informação e, alguns acrescentariam, um compartilhamento de sentimentos.

Dessa forma, é preciso que pais e professores ou pais e escola tenham essa consciência de que não se trata de uma briga de egos ou de relações de poder. Trata-se tão somente de buscar a parceria para que se atinja um objetivo comum, não focando somente no resultado, que também é preciso e desejado, mas trabalhando para que o processo que leva até esse resultado seja enriquecedor para a família, para a escola e, sobretudo para o aluno. Se todos trabalham para que esse processo seja dotado de conhecimentos, de aprendizagem, de crescimento, o resultado é uma consequência grata e natural e que a deficiência do filho/aluno deixe de ser o seu ponto de referência, passando a ser um estímulo ainda maior na busca de crescimento.

Resumindo, o primeiro fato a ser considerado na educação escolar do deficiente auditivo é o olhar que tanto a família quanto a escola e a sociedade como um todo têm sobre ele. Damázio (2007, p. 13) concorda ao afirmar que “estudar a educação escolar das pessoas com surdez nos reporta não só a questões referentes aos seus limites e possibilidades, como também aos preconceitos existentes nas atitudes da sociedade para com elas”. Nesse sentido, não há que depositar no deficiente auditivo falsas expectativas, supervalorizando suas capacidades, convertendo sentimentos como de pena e de superproteção em excesso de confiança para que ele se sinta valorizado e mais motivado. Por outro lado, e talvez mais importante ainda, é o fato de não considerá-lo alguém inferior aos demais colegas da turma, como incapaz de atingir os objetivos traçados pela escola em relação a qualquer criança, enfim, um olhar de diferença frente aos seus pares. O mais seguro, em tal situação, é encarar a sua presença na escola com naturalidade, como parte do curso normal da vida de qualquer pessoa que dará a essa etapa a sua característica particular e única. Segundo Franch e Bastiani (1985, p. 61), “quando há conflito entre o que a criança é e as nossas expectativas

O primeiro fato a ser considerado na educação es-

colar do deficiente auditivo é o olhar

que tanto a família quanto a escola e a sociedade como um todo têm sobre

ele.

Estudar a edu-cação escolar

das pessoas com surdez nos reporta não só a questões

referentes aos seus limites e possibilidades,

como também aos preconceitos exis-tentes nas atitudes da sociedade para

com elas.

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sobre ela, é provável que haja também dificuldades no seu desenvolvimento emocional, intelectual e social”.

Nesse contexto, o necessário é encontrar o equilíbrio entre o que queremos que o filho/aluno alcance e o que ele é capaz de conquistar. Somente dessa forma, ele se sentirá seguro sem se sentir pressionado, favorecendo sua estada na escola e o proveito que dela ele tirará. De acordo com Leal, Palmeiro e Fernandes (1985, p. 73)

às vezes, por uma questão de superproteção, a família cria o deficiente num círculo fechado, onde não há perigo de ele se expor e sofrer. Entretanto, com seu ingresso na escola e, mais precisamente, na adolescência e na idade adulta, o contato com indivíduos ouvintes se dará. Se não consciente de sua problemática, o indivíduo enfrentará esse contato com muita insegurança e as chances de recuo, em contatos posteriores, serão bem maiores. À proporção em que a criança se conscientiza de sua deficiência, devemos atuar como elemento facilitador de seu contato direto com a sociedade, aproveitando todas as oportunidades para esclarecer a respeito de sua problemática.

No caso específico do deficiente auditivo, estabelecer momentos de diálogo e de reflexão para que ele se perceba, se assuma e encontre sua identidade própria dentre todas as demais, de forma a sentir-se seguro e conhecedor de seus limites, mas também de suas possibilidade e de suas oportunidades, quando chega à escola. Segundo Damázio (2007, p. 13)

as pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma como se estruturam as propostas educacionais das escolas. Muitos alunos com surdez podem ser prejudicados pela falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político-cultural e ter perdas consideráveis no desenvolvi-mento da aprendizagem.

Porém, se a família cumprir bem com o seu papel, muitos dos problemas que

o deficiente auditivo enfrentaria com dificuldades fora de casa, podem ser bem resolvidos antes mesmo de ele frequentar a escola e a sociedade como um todo. Logo, para que a etapa em que o aluno deficiente auditivo ingresse na vida escolar seja a mais natural e a menos traumática possível, entra em cena o papel a ser desempenhado pela família bem antes de chegar esse momento. Apesar de sua deficiência ser “apenas” auditiva, sem nenhum problema de ordem cognitiva, é importante a consciência de que ele é um sujeito surdo em um mundo constituído em sua maioria por sujeitos ouvintes, o que requer alguns cuidados especiais que facilitarão a sua participação igualitária nesse mundo. Nesse sentido, Leal, Palmeiro e Fernandes (1985, p. 71) chamam a atenção para o fato de que

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a família precisa acreditar que o deficiente auditivo, se for trabalhado desde cedo, e se houver uma estimulação correta e intensa, será capaz de integrar-se perfeitamente no mundo dos ouvintes, já que, intelectualmente, não tem nenhum comprometimento que o impeça de aprender, desenvolver-se e consequentemente apresentar um desempenho semelhante ao do indivíduo de audição normal.

Logo, a família precisa ter a consciência de que o fato de buscar a educação escolar o quanto antes não se trata de assumir uma condição de inferioridade para o deficiente auditivo que se quer compensar através do encaminhamento prematuro à escola. Trata-se de adotar uma postura cujo objetivo seja o de oferecer ao deficiente auditivo, o mais cedo possível, todos os recursos e oportunidades disponíveis para que ele possa dar conta de estar em sintonia com os seus pares e assim ter uma participação exitosa em toda a sua trajetória escolar. O quanto antes ele se habituar com a vida escolar, com as regras que dela fazem parte, com a dinâmica dos trabalhos de aprendizagem e de socialização com os colegas, enfim, com o contexto escolar como um todo, a tendência é que ele da mesma forma mais cedo comece a se desenvolver de acordo com a conjuntura dos conhecimentos científicos que são predominantes nesse contexto. Isso certamente o ajudará no momento presente e, também, no futuro tanto na escola quanto fora dela. Damázio (2007, p. 14) corrobora com essa ideia, afirmando que

a inclusão do aluno com surdez deve acontecer desde a educação infantil [...], garantindo-lhe, desde cedo, utilizar os recursos de que necessita para superar as barreiras no processo educacional e usufruir seus direitos escolares, exercendo sua cidadania, de acordo com os princípios constitucionais do nosso país.

Dessa forma, encarar o deficiente auditivo como uma pessoa normal, apesar de às vezes ser difícil, é o primeiro passo para que ele também se perceba assim, e não se esconda atrás de sua deficiência e nem a utilize para não esforçar-se o necessário para aprender e se desenvolver. Também é importante destacar que o fato de encarar a surdez com naturalidade pode contribuir para que o estudante não se sinta oprimido, reduzido, sentindo-se a vontade para participar da vida escolar, não somente na sala de aula, mas também fora dela, no pátio, onde a sociabilidade e suas vivências também ensinam e contribuem em sua formação.

Uma vez esclarecida essa questão do olhar dispensado sobre o aluno deficiente auditivo, é necessária uma atenção prolongada e profunda às

A família precisa ter a consciência de que o fato de

buscar a educação escolar o quanto

antes não se trata de assumir uma condição de infe-rioridade para o

deficiente auditivo que se quer com-pensar através do encaminhamento

prematuro à escola. Trata-se de adotar uma

postura cujo obje-tivo seja o de ofe-recer ao deficiente

auditivo, o mais cedo possível,

todos os recursos e oportunidades disponíveis para

que ele possa dar conta de estar

em sintonia com os seus pares e assim ter uma

participação exito-sa em toda a sua trajetória escolar.

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formas como intervir pedagogicamente em sala de aula para que este aprenda os conteúdos ali trabalhados e se desenvolva da forma mais natural possível, otimizando o seu aproveitamento escolar e, qual o papel que a família assumirá nesse processo. Nesse ponto entra a questão do currículo e da didática, ou seja, o olhar recai tanto em relação aos conteúdos que serão programados para serem trabalhados em sala de aula quanto no que diz respeito às formas como tais conteúdos serão trabalhados. Segundo Redondo e Carvalho (2000), o trabalho realizado pelo professor terá como norte os objetivos que ele pretende alcançar na área da linguagem e por um programa concreto canalizado para o cumprimento de tais objetivos. Além disso, é fundamental o diálogo com os pais a respeito desses objetivos e também que o programa seja adequado de tal forma que a família possa colaborar, aproveitando os contextos do cotidiano da criança para lhe estimular a linguagem. Além disso, “é importante utilizar os mais variados recursos de comunicação: além da linguagem oral, recorrer sem restrições aos gestos, às expressões faciais e corporais e a um sistema estruturado de sinais” (REDONDO, CARVALHO, 2000, p. 31).

Você pode aprofundar seus conhecimentos sobre a questão da aquisição da linguagem pelos sujeitos surdos, por meio da página:

http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/maria-cristina-pereira-fala-aprendizagem-lingua-portuguesa-criancas-surdas-612889.shtml.

Damázio (2007) contribui defendendo que a escola precisa implementar ações pedagógicas dotadas de sentido para o alunado em geral e que esse sentido possa ser compartilhado com os alunos surdos, de forma a se estimular a unidade entre todos. “Mais do que a utilização de uma língua, os alunos com surdez precisam de ambientes educacionais estimuladores, que desafiem o pensamento, explorem suas capacidades em todos os sentidos” (DAMÁZIO, 2007, p. 14). Essa autora também nos chama a atenção para uma questão óbvia e de extrema importância, mas que muitas vezes não nos damos conta:

Se somente o uso de uma língua bastasse para aprender, as pessoas ouvintes não teriam problema de aproveitamento escolar, já que entram na escola com uma língua oral desenvolvida. A aquisição da Língua de Sinais, de fato, não é garantia de uma aprendizagem significativa.

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Logo, precisamos fugir do pensamento simplista de que a utilização da Libras com os alunos surdos por si só garante a inclusão escolar e uma aprendizagem efetiva. Sem querer negar que é esse um passo importante à educação do aluno surdo, porém, não é a única ação e sim uma medida dentro de todo um conjunto de ações a ser levado em consideração ao se pensar e ao se planejar a forma como irá se trabalhar com uma turma que contenha entre os alunos, um ou mais deficientes auditivos. Da mesma forma, essas medidas utilizadas pela escola precisam ser sabidas e seguidas pela família em casa, que assim se converterá em uma extensão da escola, ao dar continuidade ao processo estabelecido pela escola e dentro dos moldes que lá são seguidos, utilizando sempre as mesmas dinâmicas de modo que o estudante perceba uma unidade de ações e uma integração entre a escola e a família.

Nesse sentido, é importante que além da linguagem, o próprio ambiente escolar criado pelas pessoas que o compõem favoreça a construção de situações de aprendizagem propícias ao desenvolvimento do estudante surdo. Segundo Poker (2001), é fundamental que se propicie ao surdo trocas simbólicas com o meio físico e social, exigindo dele coordenações mentais em níveis cada vez mais complexos e elaborados, que favoreçam o mecanismo da abstração de elementos resultantes desses processos e provoquem, assim, avanços cognitivos.

Quanto a isso, Franch e Bastiani (1985) nos auxiliam, lembrando que no caso de qualquer criança, mas, sobretudo no caso da criança com deficiência auditiva, a linguagem só se desenvolve e se fortalece quando apoiada em suas vivências. E essas vivências se proporcionadas em colaboração e em sincronia entre a escola e a família tendem a se converterem em ótimos processos de aprendizagem e de consequente desenvolvimento. Logo, o contato constante entre a escola e a família, propiciará o necessário intercâmbio de informações: “a família sempre proporcionando experiências novas e a escola enriquecendo seu vocabulário e estruturando a linguagem correspondente” (FRANCH, BASTIANI, 1985, p. 68-69), de forma a unir as duas experiências em torno de um objetivo comum.

Franch e Bastiani (1985) sugerem como exemplo de prática pedagógica, a experiência em que a escola trabalhe pedagogicamente utilizando como auxílio alguns animais domésticos. Nesse caso, os pais se encarregariam de oferecer à criança a oportunidade de vivenciar algumas situações onde fosse proporcionado o contato pessoal e direto com animais, como no caso da visita a uma fazenda, registrando essas experiências por meio de fotografias ou de vídeos, de forma

Logo, precisamos fugir do pensa-

mento simplista de que a utilização

da Libras com os alunos surdos por

si só garante a inclusão escolar

e uma aprendiza-gem efetiva. Sem querer negar que é esse um passo importante à edu-cação do aluno

surdo, porém, não é a única ação e sim uma medida dentro de todo um conjunto de

ações a ser levado em consideração ao se pensar e ao se planejar a forma como irá

se trabalhar com uma turma que contenha entre

os alunos, um ou mais deficientes

auditivos.

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a serem constantemente relembradas. A professora, por sua vez, quando fosse se referir novamente a esses animais, poderia recorrer às fotos ou aos vídeos, fazendo com que a criança relembrasse suas emoções vivenciadas no seu contato direto com cada um deles. Segundo Franch e Bastiani (1985, p. 69), “essas lembranças agradáveis facilitam sua memorização mantendo seu interesse voltado para a aprendizagem” e fazendo com que esse processo torne-se dotado de sentido prático e real.

Também pode-se utilizar essa mesma dinâmica, segundo Franch e Bastiani (1985), quando a escola estiver trabalhando frutas e legumes. A professora pode levar os alunos a alguma horta para que eles conheçam todas as etapas do processo, participando ativamente dessas etapas, desde o plantio, acompanhando o broto das sementes, os cuidados necessários à manutenção de sua vida e de sua saúde como a adubagem e a irrigação, todo o período de crescimento das plantas até o momento da colheita. Além disso, seria uma experiência muito rica proporcionar um momento onde os próprios alunos preparassem uma salada de verduras ou de frutas que eles mesmos ajudaram a cultivar, sem falar de toda a aprendizagem que se criou desde o início do processo, no plantio da semente até a degustação do fruto por eles colhido. Nesse caso, como complemento em casa, a família pode dar sequência ao processo, repetindo a experiência em que a criança participa do preparo da salada e é questionada sobre todas as etapas que ela mesma vivenciou na escola. Assim, a criança pode perceber a utilidade do que aprendeu e o processo de aprendizagem passa a ser natural e prazeroso. Quanto à essa dinâmica de trabalho, Redondo e Carvalho (2000, p. 31) contribuem afirmando que

devemos evitar transmitir apenas o nome dos objetos, procurando sempre mencionar outros aspectos importantes que suscitem a curiosidade da criança, levando-a a perguntar (por quê? para quê? o que é?) e a expressar seus sentimentos (eu quero, eu não quero, eu gosto). Isso permitirá estabelecer uma comunicação mais completa, natural e próxima à da criança ouvinte, sem se limitar à mera nomeação verbal de objetos.

Outras experiências práticas podem ser utilizadas, que contribuirão tanto para a aprendizagem quanto para a socialização do deficiente auditivo, em que a parceria entre a família e a escola mais uma vez propiciam uma aprendizagem mais significativa para ele. Franch e Bastiani (1985) sugerem que algum familiar faça, junto com a criança, uma lista de compras em que ela mesma poderá ir ao supermercado para auxiliá-lo na localização dos gêneros como frutas, legumes, cereais, verduras, latarias etc. e se possível, no pagamento ao caixa. Tudo isso será feito nomeando cada coisa sem a preocupação com uma aprendizagem imediata já que com a repetição periódica, a criança irá aos poucos, dominando este vocabulário, sem esforço excessivo. “Com uma participação assim ativa,

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a família estará contribuindo para o trabalho realizado pela escola” (FRANCH, BASTIANI, 1985, p. 69).

Franch e Bastiani (1985) também alertam para a importância de que a família sempre relate aos professores os interesses que a criança e o adolescente revelam em certos períodos, para que os assuntos relacionados possam, de alguma maneira, serem introduzidos no planejamento escolar e fazerem jus a essa motivação espontânea por parte do aluno deficiente auditivo. E as autoras esclarecem que, “como nós, a criança também aprende mais rapidamente as coisas que lhe interessam” (FRANCH, BASTIANI, 1985, p. 68-69)! Já Redondo e Carvalho (2000, p. 31) afirmam que

precisamos abordar o desenvolvimento da linguagem de uma criança surda em toda sua variedade e em todas suas possibilidades, dando um papel significativo às funções comunicativas que ela realiza com suas próprias expressões e ao vínculo comunicativo que ela estabelece com o outro (adulto ou criança).

Para a criança, não é importante apenas ‘falar algo’, mas ser capaz de utilizar a linguagem para transmitir diferentes intenções, como pedir, afirmar, perguntar, etc.

Com o avanço do tempo e dos conteúdos, com a criança já familiarizada com a escola, com os seus colegas e também com a rotina bem estabelecida e, contando com a participação ativa da família em sua formação, o processo de ensino e aprendizagem passa a acontecer de forma mais natural e podendo passar por níveis mais elaborados, favorecendo a evolução cognitiva do aluno surdo. Porém, não existe fórmula pronta e exclusiva, sendo que a rotina da sala de aula e da escola como um todo, os acontecimentos e as concepções que estão constantemente diluídas nas intervenções pedagógicas que ditarão o ritmo, que indicarão as atividades específicas e as adequações necessárias para que o deficiente auditivo e toda a sua turma possam evoluir constantemente a níveis mais complexos de aprendizagem e consequentemente, de desenvolvimento.

Atividades de Estudos:

No ano de 1957, através do então Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro, foi composto o Hino ao Surdo Brasileiro (SOARES, 1999), cuja letra está abaixo:

A rotina da sala de aula e da

escola como um todo, os acon-

tecimentos e as concepções que estão constan-

temente diluídas nas intervenções pedagógicas que ditarão o ritmo, que indicarão as atividades específicas e

as adequações necessárias para que o deficiente auditivo e toda a

sua turma possam evoluir constan-temente a níveis mais complexos

de aprendizagem e consequente-

mente, de desen-volvimento.

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Em nossa Pátria queremosDos surdos a Redenção;Aos surdos todos levemosAs luzes da EducaçãoNão mais o ensino antiquadoNos simples dedos das mãosCom um processo avançadoSalvemos nossos irmãos!

Oh! Felizes os que aprendem,Sem poderem mesmo ouvir;Com olhos a Fala entendem,Na esperança de Porvir!Os surdos podem falar:São decerto iguais a nós;Compreendem pelo olhar:Aos surdos não falta a VozAvante, Mestres, avante!Com orgulho prazenteiro,Lidemos, a todo o instante,Pelo surdo brasileiro!

Oh! Felizes os que aprendem,Sem poderem mesmo ouvir;Com olhos a Fala entendem,Na esperança de Porvir!(DÓRIA apud SOARES, 1999, p. 96).

1) Você acha que a letra do Hino ao Surdo Brasileiro, composta em meados do século passado está muito antiquada em relação às ideias que se têm hoje sobre a educação desse público alvo em nosso país? Por quê?

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2) Você acha que a criação de um hino voltado ao surdo pode

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significar um ato de segregação desse público diante do restante da sociedade, ou trata-se de um ato benéfico a valorização dos surdos no Brasil? Por quê?

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3) Quais trechos você acha que mais se identificam com o momento presente e quais já se tornaram obsoletos frente à atualidade? Justifique sua escolha.

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4) Você concorda com o trecho “Não mais o ensino antiquado / Nos simples dedos das mãos”? Por quê?

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5) Exercite sua criatividade e crie você mesmo um hino ao surdo, em que fiquem salientes as suas ideias sobre a educação de surdos, de acordo com o que estudamos ao longo desse caderno de estudos. Não esqueça de socializar sua composição por meio de um mural na sala de aula ou através do ambiente virtual. Bom trabalho!

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A Relação Família, Escola e Deficiência Auditiva

Pedagogia dos Surdos: Aspectos Pedagógicos Importantes na Relação entre Escola e Família

Nesse tópico, daremos uma breve atenção a um movimento relacionado à educação de surdos, que está em voga na atualidade chamado pedagogia dos surdos. Nossa abordagem dar-se-á de forma sucinta e superficial, visto que esse não é o foco do presente caderno de estudos, Porém, não podemos nos furtar de trazê-lo até você leitor que, caso tenha interesse, poderá aprofundar seus conhecimentos por conta própria. Destacamos que nossa exposição se dará sempre com base nas ideias de Perlin (2008).

A pedagogia de surdos surge da ideia e da necessidade observadas pelas comunidades surdas de “[...] uma pedagogia que se posicione na história, na língua, no olhar surdo e no seu cotidiano. Que não necessite diplomas, mas que surja da própria vocação do surdo para ensinar outro surdo” (PERLIN, 2008, p. 96). Segundo a autora, os surdos sempre perceberam a necessidade de elaboração a uma proposta pedagógica distinta para a sua inclusão na escola e assim, na sociedade. A educação que resulta dessa proposta não pensa somente o currículo que será posto em prática na escola, mas também a formação dos professores surdos sejam eles atuantes em sala de aula ou como professores de Libras. Segundo Perlin (2008, p. 97), “Trata‐se de uma prática alternativa de educação que surge entre os educadores surdos, e por ser alternativa, encontra uma entonação forte no contexto

da pedagogia surda” (PERLIN, 2008, p. 97).

Esse movimento originou-se de forma gradual e como reação aos anos em que os surdos eram submetidos na escola, à cultura dos ouvintes, tendo que adaptar-se a ela e sendo seguidamente excluídas pelos resultados insatisfatórios dessa adequação que se convertia em defasagem e fracasso escolar. A “nova” pedagogia, entretanto, “[...] visa introduzir a diferença surda, isto é, utilizar mecanismos introduzidos pela alteridade surda” (PERLIN, 2008, p. 99), de acordo com as peculiaridades e explorando as potencialidades dos sujeitos surdos.

Em relação ao currículo para surdos, Perlin (2008) salienta que ele não precisa diferir do currículo ouvinte, com exceção ao que se refere à oralidade e à sonoridade. O currículo também deve conter princípios que contemplem a

A educação que resulta dessa proposta não

pensa somente o currículo que será posto em prática na escola, mas

também a forma-ção dos professo-res surdos sejam eles atuantes em sala de aula ou

como professores de Libras.

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identidade do surdo, como os aspectos culturais e sociais. Nesse ponto, é importante salientar que a Língua de Sinais precisa ser, por excelência, o instrumento de comunicação do conhecimento, predominando sobre a Língua Portuguesa, que deve compor o currículo como segunda língua, não devendo ser usada na comunicação, a não ser em casos em que os surdos tenham sobre ela o domínio adequado. Perlin (2008, p. 102) complementa afirmando que “no currículo para surdos, os elementos culturais além da Língua de Sinais possuem os artefatos culturais da história, da literatura e das artes surdas como elementos de identificação” e ainda que “a visualização deve estar presente no ensino, pois o surdo se comunica pela visão. No currículo dos surdos, o material didático deve ser visual e estar adaptado às situações de transmissão de conteúdos”.

Nesse contexto, a formação de professores surdos ganha espaço e força como elemento essencial à concretização da pedagogia dos surdos. Perlin (2008, p. 101) defende “[...] a presença do professor surdo e de sua habilidade para proporcionar um contexto cultural na escola. Ele pode fazer este espaço transformador [...], sendo o elo que identifica o surdo com sua cultura”.

Contudo, para que a pedagogia dos surdos possa realmente ser colocada em prática, são necessários alguns elementos pedagógicos significativos. Segundo Perlin (2008, p. 102), “eles são presentes em vista de diferentes momentos em que surgem diferentes necessidades salientes e, como tal, enfatizam esta pedagogia da diferença”. Perlin (2008, p. 103) complementa afirmando que

[...] os elementos assumem forma na elucidação dessa pedagogia. Eles são o que poderíamos chamar de marcas, legados ou significantes da pedagogia dos surdos, e estão presentes para diferenciá‐la, para mostrar sua identidade, mesmo quando se mantém no interior colonial, e mesmo no povo surdo que surge do pós‐colonial, dos contextos culturais (PERLIN, 2008, p. 103).

O conjunto desses elementos apresentados aqui não se esgota e não pretende ser a totalidade dos princípios pedagógicos. São elementos dos discursos com significações surdas mais salientes. Funcionam como um conjunto de condições e de princípios para que a pedagogia dos surdos seja pensada e determinada. Vejamos alguns deles: a) enfatizar o fato de “ser surdo”; b) conservar a identidade como povo surdo; c) exaltar a Língua de Sinais; d) transmitir valores culturais; e) constituir a interculturalidade. [...] suas leituras não dizem que a pedagogia dos surdos está por vir, mas que ela está aí (PERLIN, 2008, p. 103).

No currículo para surdos, os ele-

mentos culturais além da Língua de Sinais possuem os artefatos culturais

da história, da literatura e das artes surdas

como elementos de identificação” e ainda que “a

visualização deve estar presente

no ensino, pois o surdo se comunica pela visão. No cur-rículo dos surdos, o material didático deve ser visual e estar adaptado às situações de transmissão de

conteúdos”.

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Como todo movimento, entendemos que a pedagogia dos surdos carrega a nobre missão de trazer ao foco e colocar em discussão processos de ensino e aprendizagem que estão instituídos há muito tempo e que, por que não, podem ser aprimorados ou modificados. Assim sendo, queremos deixar claro que nosso objetivo de apresentá-la é meramente o de suscitar a reflexão acerca da educação de surdos, de um ponto de vista distinto daqueles até então conhecidos.

Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre esse assunto, sugerimos duas obras que contém artigos da escritora Gládis Perlin, que usamos para fundamentar nossa discussão:

• PERLIN, Gládis. Identidade Surda e Currículo. In: LACERDA, Cristina B. F.; GÓES, Maria Cecília R. de. Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Editora Lovise, 2000. p. 23- 28.

• PERLIN, Gládis. O lugar da cultura surda. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (orgs.). A invenção da surdez: cultura, alteridade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 74 – 82.

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Algumas ConsideraçõesNesse capítulo, procuramos evidenciar as maneiras como família e escola

podem interagir tendo como objetivo comum a aprendizagem e o desenvolvimento da criança deficiente auditiva. Salientamos que, não se trata de cada uma das duas instituições querer interferir no trabalho da outra ao mesmo tempo em que, também não é objetivo que cada uma realize a tarefa que lhe cabe de forma individual e isolada. Como duas instituições fundamentais na vida da criança, é necessário que seja encontrado o equilíbrio de atuação entre ambas no momento em que essa criança passa a frequentar a escola. Nesse sentido, durante nossas reflexões acerca desse assunto, alguns pontos ficaram evidentes e merecem uma breve rememoração.

Primeiro, a importância da aceitação por parte da família da deficiência de seu filho, da quebra do preconceito e do oferecimento a ele de todas as oportunidades disponíveis para aprender e para desenvolver-se bem antes de ele frequentar a escola, seja na comunidade onde vive, seja em alguma instituição especializada no trabalho com deficientes auditivos.

Em segundo lugar, destacamos justamente a importância da busca de ajuda especializada, como é um dos exemplos a escola especial, antes de ele atingir a idade escolar e passar a frequentar a escola regular. A escola especial poderá oferecer ao deficiente auditivo, ferramentas de aprendizagem e de desenvolvimento que o prepararão para o ingresso na escola regular, de forma igualitária aos alunos ouvintes, evitando constrangimentos que poderão surgir quando as diferenças ficam mais evidentes.

E, por fim, o terceiro ponto, em que defendemos a própria parceria que precisa se estabelecer entre a família e a escola durante todo o tempo em que o filho/aluno estiver frequentando o espaço escolar, de forma que ele possa ser ajudado a desenvolver suas atividades, estimulado a gostar e lutar pelos objetivos que lhe levam até à escola e, também, para que ele perceba o interesse da família em sua aprendizagem e em seu desenvolvimento. Dessa forma, a tendência é que o estudante surdo sinta-se motivado em participar de todos os processos de ensino e aprendizagem que se desencadeiam na sala de aula e na escola como um todo, contribuindo para o êxito dessa etapa tão importante em sua vida.

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DONADUZZI, A.; FERTIG, R. P. Fundamentos da educação especial. Blumenau: Edifurb; Gaspar: Sapience Educacional, 2008.

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LEAL, D. B.; PALMEIRO, M. T. S.; FERNANDEZ, S. M. M. A integração do deficiente auditivo. In COUTO, A. F.; COSTA. A. M. et al. Como compreender o deficiente auditivo. Rio de Janeiro: Rotary Club do Rio de Janeiro. Comissão de Assistência ao Excepcional: EXPED – Expansão Editorial. 1985. p. 71-82.

MANTOAN, M. T. E. Igualdade e Diferenças na escola: como andar no fio da navalha. In: ARANTES, V. A. (org.). Inclusão Escolar: Pontos e Contrapontos. São Paulo: Summus, 2006. p. 15-30.

MITTLER, P. Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

PERLIN, G. A pedagogia dos surdos. In SESI. Educação Inclusiva: Caderno 2: Educação inclusiva de pessoas surdas. SESI-SC, 2008.

POKER, R. B. Troca simbólica e desenvolvimento cognitivo em crianças surdas: uma proposta de intervenção educacional. UNESP, 2001. 363 fls. Tese de Doutorado.

REDONDO, M. C. da F.; CARVALHO, J. M. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a Distância, 2000.

SOARES, M. A. L. A educação do surdo no Brasil. Campinas-SP: Autores Associados; Bragança Paulista – SP: EDUSF, 1999.

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