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    Pro-Posies- vol. 13,N. 3 39 - set./dez. 2002

    ercepes sobre jovens nas polticas pblicas

    de reduo da violncia em meio escolar

    anlia Pontes Sposito

    Resumo: Este artigo examina algumas das aes do poder pblico, visando reduzir a

    violncia escolar, que podem ser observadas desde o incio da democratizao do pas,

    na dcada de 80. As iniciativas oscilam entre duas nfases: de um lado, os programas e

    aes de carter educativo e, de outro, medidas de segurana e equipamentos de proteo

    aos estabelecimentos, Esse conjunto de aes desenvolvidas j permite, tambm, traar

    os principais obstculos que impedem a constituio de polticas pblicas de reduo da

    violncia no meio escolar.

    Palavras-chave: Escolas pblicas, violncia escolar, polticas pblicas.

    Abstract: This artide examines the actions undertaken by the Public Power in the city

    of So Paulo/Brazil, towards the reduction of violence in the network of public schools,

    since the start of the recent democratization process in the 80 s. These initiatives are

    characterized by two emphasis: on the one hand, the programs and actions of an educative

    character, and on the other hand, security measures and protection equipment for these

    establishments. This group of actions developed also permits the tracing of the main

    obstades that prevent the formation of public policies for reduction of violence in the

    network of schools.

    Key-words: Violence at school, public schools, public policies.

    o exame das relaes entre a violncia e a escola adquire maior complexidade

    em virtude do difcil cenrio hoje enfrentado2. Episdios recentes envolvendo

    professores, alunos e funcionrios em situaes de assaltos e de crime, observa-

    dos no interior dos muros escolares, exprimem o grau de ins,egurana que afeta a

    todos aqueles que diariamente circulam nas escolas pblicas, quer como usurios,

    quer como funcionrios. .

    A divulgao dessas ocorrncias pela mdia possibilitou, sobretudo nos

    ltimos meses, maior visibilidade da questo, estabelecendo presses sobre o

    Professora associada do Departamento de Filosofiae Cincias da Educao da Faculdade de Educao

    da USP.Doutora e livre-docente em Sociologia da Educao. Presidente de Ao Educativa. organizao

    no-governamental voltada para o trabalho de assessoria. pesquisa e informao na rea de educao de

    jovens e adLdtos. [email protected]

    1.

    Textoapresentado em Mesa Redonda no Seminrio Internacional Violncia e Criana. USPNniversidade de

    TeIAviv (Israel). Campus da USP. novembro de

    2000.

    2. Alguns das temas aqui apresentados foram debatidos em encontro promovido pela USP USPfala sobre

    violncia , Consultar tambm Spasito (1998),

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    poder pblico para a sua resoluo. Mas inegvel, por outro lado, que o

    sentimento de urgncia, derivado do medo e da insegurana e intensificado

    diante dessa visibilidade, pode produzir conseqncias adversas para a reso-

    luo do problema em foco. Na atual conjuntura so freqentes a adoo de

    medidas antidemocrticas e a busca de solues emergenciais, em geral pon-

    tuais e descontnuas.

    Esse quadro se agrava quando h o reconhecimento de que a violncia em

    meio escolar, sobretudo nas escolas da rede pblica, no fenmeno recente,

    tendeu a se agravar e gerou, inclusive, um significativo ceticismo quanto s

    possveis solues. Por outro lado, verifica-se, tambm, que esse tipo de proble-

    ma no privilgio de pases pobres, pois atinge, de formas diversas, pases

    desenvolvidos.

    Apesar de ser questo presente no debate pblico h duas dcadas, a pesquisa

    sobre violncia e escola ainda incipiente no Brasil. H um primeiro grupo de

    investigaes que exprime tentativas de diagnsticos em mbito local ou mais

    geral que, mesmo no oferecendo um quadro preciso sobre a dimenso, a diver-

    sidade e a magnitude da questo, apresenta informaes importantes sobre a

    ocorrncia desses episdios em vrias cidades brasileiras. Essas investigaes so

    empreendidas, sobretudo, por organismos pblicos da educao, associaes de

    classe e, de modo menos freqente, por institutos privados de pesquisa ou por

    pesquisadores ligados s universidades. Nem sempre, diante das condies mate-

    riais em que se realizam ou das precrias definies de amostragem, permitem

    generalizaes confiveis. No buscam criar um quadro terico interpretativo

    sobre o fenmeno, mas oferecem indicaes importantes, tanto sob ponto de

    vista do estmulo a novas pesquisas, como do quadro em que ocorrem os princi~

    pais eventos observados nas relaes entre a escola e a violncia.

    O segundo grupo rene o conjunto de trabalhos realizados nos estudos da

    Ps-Graduao e algumas equipes de pesquisadores ligados Universidade. A

    pesquisa nas Cincias Sociais vem incorporando, nesses ltimos 20 anos, o

    tema da violncia e seus vrios desdobramentos, tornando-se um campo pro-

    missor de interesse dos investigadores. Mesmo assim, um levantamento empre-

    endido junto a vrias instituies do Pas no registrou nenhum estudo sobre

    violncia escolar. Na rea da Educao, por exemplo, essa temtica muito tardi-

    amente comea a ser objeto de preocupao na Ps-Graduao, refletindo-se,

    assim, na produo discente3.

    Apesar do intenso debate pblico em torno da violncia e de sua relao com

    os segmentos juvenis, quer como protagonistas, quer como vtimas, as equipes de

    pesquisadores demoram a assimilar no conjunto de seus interesses o tema das

    relaes entre violncia e escola. Verifica-se, tambm, nesse ltimos vinte anos, a

    3. Somando-se o conjunto de teses e dissertaes produzidas entre 1980 e 1998 em toda a Ps-Graduao

    em Educao no Brasil.verificamos que. de um total de 8.667 trabalhos. somente 9 invesflgaram o tema

    da violnciaescolar SPOsrro.2000 . EmCincias Sociais.considerada a produo de Programasde

    Ps-Graduao compreendendo centros de intensa produo como Rio de Janeiro. So Paulo. Minas

    Gerais. Santa Catarina e RioGrande do Sul .verifica-seque ness mesmo penodo nenhuma dissertao

    ou tese de doutorado foi defendida sobre o tema. em relao a um total de 2.495 ttulos objetos de

    exame

    sPOsrro.

    1999 .

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    inexistncia de um programa nacional de investigaes sobre violncia escolar

    proposto pelo Poder Pblico atravs de suas agncias de fomento pesquisa4.No

    entanto, se preciso reconhecer a fraa induo por parte dos organismos pbli-

    cos, no possvel desconsiderar, tambm, que o interesse acadmico pela ques-

    to ainda bastante incipiente.

    Visando a uma melhor delimitao da questo, sobretudo porque se trata de

    examinar a instituio escolar como agncia socializadora voltada para a consti-

    tuio de sujeitos democrticos, examinarei em um primeiro momento as mlti-

    plas relaes entre violncia e escola e, a seguir, os dilemas das polticas pblicas

    que tentam enfrentar a questo.

    Violncia em meio escolar5: um fenmeno de mltiplas faces

    preciso examinar as diferenas existentes entre as vrias modalidades de

    violncia. Embora a mdia trate o tema como violncia escolar, os pesquisadores

    tm buscado distinguir as vrias modalidades de sua expresso:

    Existe a violncia que se observa na escola e suas proximidades decorrente do

    aumento da criminalidade e do incremento da violncia social na cidade. Esta

    tem sido a modalidade que mais tem atemorizado pais, alunos e professores,

    quando percebem que a escola devassada pelas prticas de delitos criminosos

    que afetam a metrpole em seu dia-a-dia. O sentimento de insegurana decorre

    da sensao de que o local de trabalho, onde convivem crianas e jovens, est

    exposto violncia sem qualquer mecanismo de proteo. importante reiterar

    que, embora esteja situada na escola, esta no violncia escolar. Nessa equao

    escola e violncia social, preciso considerar que a acentuao dos processos de

    excluso social constitui fator de risco para a violncia, embora no possamos

    estabelecer, rigorosamente, uma relao de causalidade entre violncia e misria.

    Observa-se, tambm, um outro padro de prticas e episdios que se configu-

    ram, nesse caso, como violncia escolar. Nesse caso poderamos pensar em duas

    modalidades:

    -

    a primeira seria caracterizada por atos de violncia contra a escola, produto

    de aes que danificam o patrimnio escolar, perpetram agresses a bens em

    geral automveis de funcionrios ou professores;

    - a

    segunda decorre de um padro de sociabilidade, das relaes interpessoais

    que hoje atinge a escola, tanto a pblica como a privada. Trata-se tanto de uma

    srie de prticas que compreendem os alunos e seus pares, crivadas pela forma-

    o de grupos que podem ou no se enfrentar de modo belicoso, como envolvem

    agresses,tanto fsicascomo verbaispor meiode ameaas,

    a

    professorese funci-

    onrios.

    Parte das ocorrncias resulta das prticas cotidianas de discriminao, pre-

    conceito, da crise da autoridade do mundo adulto ou da fraca capacidade dos

    4. Aprincipal agncia de pesquisas do Estado de So Paulo. FAPESP.ma das mais slidas no pas. lanou um

    programa especial de pesquisas sobre a escola pblica no inciode 1996. Al meadas de 2001 foram

    conlemplados 65 projelos de um 10101de 279 Inscries. Nenhuma das propostas encaminhadas leve

    conno lema a violncia escolar.

    5. Esta expresso foi cunhada por Dbarbieux 1996

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    profissionais de criar mecanismos justos e democrticos para a gesto da vida

    escolar. Nesse caso os sentimentos de injustia, de excluso e de falta de

    perspectivas ou significados positivos para a escolaridade esto na raiz desses

    episdios cotidianos de pequenas violncias. Trata-se, assim, de fenmeno

    mais permanente, perceptvel nas instituies pblicas a partir dos anos 80,

    com o processo de transio, quando as demandas de professores, pais e alu-

    nos por segurana comea a adquirir fora, sobretudo diante das depredaes

    e invases dos prdios nos fins de semana; a partir dos anos 90 essas ocorrn-

    cias passam tambm a ter lugar em escolas privadas que atendem a segmen-

    tos das classes mdias, sendo bastante precrio o conhecimento ainda desta

    questo.

    Em geral so aes cometidas por alunos ou ex-alunos, e nem sempre redun-

    dam em conseqncias graves; tm sido tratadas pelos pesquisadores como inci-

    vilidade, embora, de modo gradual, a noo de incivilidade tenda a ser incorpora-

    da pelo seu fecundo uso em outras situaes e pases6.Indicando a ocorrncia de

    pequenos delitos e transgresses que no se caracterizariam como atos de

    criminalidade ou delinqncia, a noo de incivilidade indica a crise de um pa-

    dro civilizatrio ocidental caracterizado pela conteno da agressividade e dos

    impulsos e pelo crescente papel do Estado como instncia que rene o monop-

    lio da fora e da coero (ELIAS, 1989).

    Por outro lado, a violncia como padro das relaes interpessoais e sua con-

    seqente banalizao, tem adquirido uma caracterstica nova, nos anos 90, pois

    muitas vezes tem terminado em desenlaces fatais, como mortes por armas de

    fogo. As escaramuas juvenis e o acerto de contas, tradicional na cultura de rua

    masculina, revestem-se hoje de consequncias mais graves, diante da facilidade

    do acesso a armas por parte de jovens e adolescentes.

    No entanto, os poucos diagnsticos realizados revelam que as unidades de

    ensino no vivem um quadro de violncia generalizada. Comportamentos como

    ir escola portando arma de fogo so bastante raros entre os estudantes

    paulistas 7. Tomando-se como base o ano de 1999 os dados apresentados so

    reveladores:

    Em todo o Estado foram noticiados pela imprensa 24 homicdios em escolas, em

    1999. Levando em conta que somente as escolas pblicas estaduais abrigam mais

    de 6 milhes de estudantes, teramos uma taxa de homicdios de 0,40 por 100 mil

    alunos, bem inferior aos 25 homicdios por 100 mil observados no Pas. As mor-

    tes em escolas so ainda mais raras, do ponto de vista do risco estatstico, se

    incluirmos no cmputo os alunos da rede privada e das escolas municipais. Inde-

    pendentemente de sua pequena proporo, o temor que estas mortes provocam

    entre escolares e seus familiares bastante real. A idIa transmitida pela srie de

    report~e~s sobre violncia na escola de que o risco de morte alto e generali-

    zao (lLf\NUD, 2000).

    6. O estudo de Laterman

    2000 .

    realizado em Florianpolis.onstituium bom exemplo. .

    7. De modo geral. obseNa-se que as modalidades mais freqentes de vitimizao foram o furto de objetos

    de pequeno valor dentro da escola (48.1% dos alunos). ameaa de agresso (36.5%). pertences danificados

    (33.1%) e agresso flSicapor colega (4.6%). Asviolaes auto-assumidas

    selfreported ofensas

    incidiriam

    sobre 25.4% dos alunos que afirmaram de alguma forma ter depredado a escola. 1.9% que declararam

    ter levado armas de fogo a 8.9%armas brancas

    lLLANUD.2000 .

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    k3 vici~itudes das polticas de reduo da violncia nas escolas

    Desde os anos 80,.as iniciativas de combate violncia oscilam entre o plo

    da mera represso e o da formulao de projetos educativos voltados para a

    preveno. Nesse equilbrio instvel, as medidas de segurana tm sido mais fre-

    qentes do que aquelas voltadas para o enfrentamento da questo do ponto de

    vista de suas implicaes educativas.

    inegvel, sob a tica da violncia social que atinge a escola, a necessidade de

    maior segurana. Reivindica-se uma ao justa dos aparelhos de segurana, pois

    hoje est disseminado um clima de revolta entre professores, alunos e pais, diante

    da ausncia de policiamento preventivo e comunitrio nos bairros e nas imedia-

    es das escolas. No entanto, as lies a serem extradas das medidas j tomadas

    no so poucas e, em geral, no so consideradas a cada nova proposta que chega

    da sociedade civil esfera pblica ou que nela nasce.

    O nico levantamento nacional que abordou o tema da violncia escolar, pu-

    blicado em 1998, traz um retrato bastante sugestivo, embora tenha sido decorren-

    te de uma investigao realizada apenas com professores (CODO, 1999)8. Trs

    tipos de situaes foram identificadas como as mais freqentes: as depredaes,

    furtos ou roubos que atingem o patrimnio, as agresses fsicas entre os alunos e

    as agresses de alunos contra os professores. Os ndices dos estados quanto ao

    vandalismo, furtos e roubos, oscilam numa escala de 68 no Par, na regio

    norte do Brasil, a 33 em Alagoas, situado na regio Nordeste. Aparentemente,

    no h correlao entre nvel de desenvolvimento socioeconmico do Estado e

    os ndices de depredao, mas a pesquisa verificou que os estabelecimentos de

    maior tamanho (com mais de 2.200 alunos) so os mais suscetveis a essas prti-

    cas, acentuando-se naqueles que so localizados nas capitais. Segundo os autores,

    a pesquisa tambm evidenciou que no existe relao entre a menor ou maior

    extenso de recursos de segurana interna nas escolas pblicas brasileiras e as

    ocorrncias de roubo e/ou vandalismo nos estabelecimentos, ou melhor, a exis-

    tncia de maiores problemas de vandalismo coincide exatamente com a presena

    de segurana ostensiva (BATISTA e EL-MOOR, 1999, p. 155)9.

    As agresses a alunos dentro da escola so registradas pelos professores en-

    trevistados, variando a intensidade por Estado da Federao. Os ndices mais

    altos incidiram sobre o Distrito Federal (58,6 ) e os menores sobre o Estado de

    Gois (8,5 ). As agresses a professores no interior do estabelecimento so tam-

    bm registradas pelos sujeitos investigados, mas em menor nmero: Mato Gros-

    so o Estado em que os professores relataram o maior nmero de agresses

    (33 dos entrevistados) e Rio de Janeiro (1,2 ) apresenta os menores ndices.

    Do mesmo modo, as prticas de agresses, tanto entre os alunos como contra os

    professores, so mais comuns nos estabelecimentos de grande porte e nas capi-

    tais (BATISTA e EL-MOOR, 1999, p. 151 - 153).

    8. O universo da pesquisa foi constitudo por 52.000 profISSionaisdos sistemas pblicos de ensino. distribudos

    em todo o pas. O trabalho de campa teve Inicioem 1997 e foip roduto do apoio da CNTE-Confederao

    Nacional dos Trabalhadores em Educao. UNICEFe CNPq.

    9. Asegurana externa. por sua vez. apresenta uma correlao importante com a diminuio dos ndices de

    depredao e de vandalismo.

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    o policiamento nas escolas foi visto como soluo em vrias administraes

    que enfrentaram, sempre, o problema do despreparo dos profissionais de segu-

    rana e dos servidores pblicos no trato das questes de violncia que atingem a

    escola. Olvida-se um fato primeiro e irrecusvel: a escola um ambiente educativo,

    produto da convivncia, muitas vezes, conflituosa, das geraes adultas com aqueles

    que esto em processo de desenvolvimento. Qualquer ator que passe a integrar o

    cotidiano escolar deve estar preparado para orientar suas aes a partir dessa

    premissa. Mas esse no constitui o tom dominante das aes: atos arbitrrios de

    violncia contra os alunos tm sido, s vezes, uma das conseqncias perversas

    das medidas de segurana demandadas pela comunidade escolar.

    Por outro lado, o pnico e o medo so fatores que corroem prticas democr-

    ticas, calcadas na idia de direitos. Algumas medidas recentes - detetores de me-

    tal na porta de entrada de unidades escolares, as cmaras espalhadas nos corredo-

    res e ptio de colgios particulares e alguns estabelecimentos pblicos, a proposta

    do exame

    nti oping

    para identificar usurios de drogas

    -

    exprimem necessidades

    extremas de controle disciplinar sobre crianas e jovens e o reconhecimento dos

    sinais de mudana e de crise das instituies socializadoras.

    Os programas especiais para escolas pblicas:

    o exemplo de So Paulo

    Algumas iniciativas marcaram as administraes - estaduais e municipais -

    que buscaram respostas variadas ao problema da violncia escolar, a partir da

    dcada de 80. A cidade de So Paulo, caracterizada por elevados ndices de vio-

    lncia nos bairros perifricos e por episdios de agresses atingindo a escola j

    nesse perodo, oferece um bom exemplo dessas aes.

    O governo estadual e o poder executivo municipal, gestores dos primeiros

    anos de distenso democrtica, diante da presso da populao para melhoria da

    segurana nas escolas, tentaram encontrar respostas que oferecessem alternativas

    ao tom dominante dessas demandas advindas dos profissionais da educao, pais

    e alunos tO.

    A conjuntura poltic, marcada pelo debate em torno da democracia, interfe-

    riu no tipo de resposta oferecida pelo Poder Pblico. Havia um consenso, tanto

    no discurso acadmico, como no meio poltico progressista do perodo, que o

    cerne da questo residia, sobretudo, na necessidade de se democratizar a escola,

    no apenas sob o ponto de vista do maior acesso dos setores populares ao siste-

    ma formal de ensino, mas tambm da melhoria de sua qualidade, eliminando

    processos de excluso, como a evaso e a repetncia. Neste eixo, o tema da demo-

    cracia vinha articulado idia da participao dos vrios atores na vida escolar.

    Era proposta a democratizao da gesto interna da escola 11e, tambm, a sua

    10. Para uma descrio mais minuciosa de algumas dessas Iniciativas ver Sposito. 1993 e 1998.

    11. No fird da dcada de 70 e Hcio dos anos 80. lideranas de associaes de professores e alglJ 1Seducadores

    propuseram a criioo de conselhos escolares deliberativos. cons1itudios por representao de todos os

    segmentos ak.nos. professores. funcionrios e pois) como vetor Importante pora a consolidao de prticas

    democrticas na educao. Em So Paulo. as primeiras administraes trataram de criar dispositivos legais

    que assegurassem a formao desses organismosVersposrro. 1993; GHANEMJUNIOR,20 0 .

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    abertur~ para uma interao mais intensa com os alunos e demais moradores dos

    bairros perifricos, mediante a ocupao dos espaos nos fins de semana para o

    desenvolvimento de atividades esportivas, culturais ou de lazer.

    Assim, nesse primeiros anos da transio, as administraes mais progres-

    sistas desenvolveram iniciativas que deveriam resultar em uma abertura de-

    mocrtica da escola. Admitia-se, claramente, a idia de que os estabelecimen-

    tos de ensino precisavam estar melhor equipados para enfrentar a onda de

    violncia urbana, pois grande parte deles vivia em condies de absoluta pre-

    cariedade. Mas a proposta de maior segurana no poderia estar dissociada de

    uma outra idia central: criar outras modalidades de interao da escola com

    seus usurios por meio de novos canais institucionais e pelo aumento dos

    espaos de participao . A idia de participao consistiria, assim, em cha-

    ve simblica importante que operaria como matriz de prticas capazes de

    neutralizar a violncia nas escolasl2. Nesse momento a violncia era entendi-

    da, em grande parte, como expresso do isolamento da unidade escolar em

    relao aos seus usurios. O autoritarismo poltico e social era considerado

    na sua expresso educativa e as prticas escolares, caudatrias desse contexto,

    tenderiam a ser igualmente autoritrias.

    Nesse perodo, duas iniciativas semelhantes so observadas, caracterizando

    uma modalidade importante de resposta do Poder Pblico para a diminuio da

    violncia escolar. Uma delas, no plano estadual, tornou obrigatria, por meio de

    decreto do poder executivo, a abertura das dependncias dos estabelecimentos

    escolares nos fins de semana para uso da populao em atividades de lazer, cultu-

    ra e esporte. A segunda, tambm de abertura dos espaos escolares, parte da

    Secretaria Municipal de Educao

    -

    gesto Mrio Covas 83/85) - que estabelece

    o projeto Fim de Semana , incentivando a adeso das unidades escolares, pois

    aquelas que se inscrevessem para participar receberiam o material necessrio para

    o desenvolvimento das atividades a serem propostas a partir de consultas a alu-

    nos, grupos organizados e moradores do bairro.

    Os resultados dessas atividades, sobretudo no mbito das unidades mu-

    nicipais de ensino, foram diferentes e muito desiguais. H inmeras experi-

    ncias de sucesso: os portes abertos para atividades esportivas, culturais e

    de lazer reduziram ndices de violncia anteriormente observados na esco-

    la; o clima de trabalho e as interaes entre o corpo de profissionais e alu-

    nos tendeu a alcanar um patamar mais adequado, facilitando o prprio

    processo pedaggico.

    Parte do sucesso decorria da possvel articulao entre os eventos do fim de

    semana e as prticas escolares que buscavam alterar orientaes bastante cristali-

    zadas na rede de ensino. Outro fator positivo residia no grau de organizao das

    comunidades usurias das escolas. Tanto a presena de movimentos associativos

    como a ao de moradores portadores de alguma liderana eram elementos posi-

    tivos capazes de potencializar as atividades e oferecer uma outra imagem da esco-

    la para jovens e crianas moradores de bairros pobres.

    12. Os diagnsticos no penado sempre apontaram as horas ociosas, sobretudo nos finsde semana, como

    aquelas propcias s depredaes e invases.

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    Mas houve, tambm, na maioria das vezes, experincias de fracasso13. Para

    muitos profissionais a abertura dos prdios causou mais problemas do que cons-

    truiu novas modalidades de interao da escola com seu entorno. Maior desgaste

    dos equipamentos sem rpida reposio, maior exigncia de recursos humanos

    sem contrapartida efetiva financeira e, principalmente, pouca repercusso das

    atividades na prticas escolares cotidianas. Nesse caso a ocupao dos espaos e

    tempos ociosos exprimia uma ao isolada sem efeitos positivos que colaboras-

    sem para rever a vida escolar.

    Apesar das dificuldades, no entanto, episdios de violncia tenderam a dimi-

    nuir, sobretudo quando a experincia bem sucedida da atividade no fim de sema-

    na traduzia uma continuidade das prticas e projetos educativos que tentavam

    alterar a cultura e criar um clima favorvel no interior da unidade escolar.

    A onda em defesa da idia de participao, no entanto, rapidamente se esvaneceu

    nas administraes seguintes, durante a dcada de 80, prevalecendo tanto no mbito

    municipal como estadual uma busca forte, em parte decorrncia de presses das

    unidades escolares pela implantao de medidas de segurana

    -

    rondas escolares,

    zeladorias, instalao de alarmes

    -

    que culminaram com a colocao de policiais

    no interior de estabelecimentos considerados de alto risco na Grande So Paulo,

    no incio dos anos 90.

    Como herana negativa dessas prticas, desde o final da dcada de 80 esprai-

    ando-se at os dias atuais, grande parte dos episdios ligados indisciplina fora

    da sala de aula, ameaas de agresso, brigas entre alunos ou jovens moradores

    dos bairros resultam em demandas de interferncia dos organismos da polcia na

    vida escolar. Sobretudo nos ltimos anos disseminou-se a prtica de registrar as

    ocorrncias em delegacias policiais, na ronda escolar ou, em muitos casos, de

    chamar a polcia para intervir nas escolas. O prprio corpo responsvel pela segu-

    rana pblica, delegados e policiais, ressente-se pela freqncia com que cha-

    mado para dirimir questes cotidianas que, a seu ver, seriam resolvidas no mbito

    interno da escolal4. Por outro lado, escolas situadas em reas difceis, contam com

    a presena em seu interior de elementos da polcia feminina que, em algumas

    situaes chegam a intervir no interior da sala de aula, a partir de solicitaes de

    professores, para manter um patamar mnimo de ordem que a presena docente

    j no mais assegura BATISTA, 2001 .

    Sendo considerada a violncia em meio escolar apenas questo de segurana

    e, portanto, passvel de interveno policial, as medidas de cunho educativo ten-

    deram a ficar minimizadas, reiterando certas concepes enraizadas na sociedade

    brasileira, que tendeu a tratar a questo social como questo de polcia.

    De modo geral, na cidade de So Paulo, durante a dcada de 90, no se obser-

    vam grandes avanos na formulao de programas. Inflexes podem ser observa-

    13. O sucesso. em alguns casos. foi produto mu~as vezes das aes de vigias que trabalhavam nos fins de

    semana e. na condio de moradores dos bairros. conseguiam responsabilizar-se pelas atividades.

    funcionando mu~as vezes como animadores culturais. em decorrncia de seu empenho pessoal. sem

    qualquer apoio ou treinamento insfflucional do poder pblico.

    14. Registrei esse tipo de depoimento com o assessor militardo gabinete do Secretaria da Educao em 1992

    e em novembro de 2000. em encontro na cidade de Ribeiro Preto sobre violncia escolar. quando

    estavam presentes representantes da Polcia Mil~ar.

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    das no plano municipal, como o caso da administrao Luisa Erundina, (1989/

    1992) que lanou o projeto Pela vida, no violncia . Naquele momento, os

    dados coletados pela Secretaria Municipal de Educao indicavam certa alterao

    no padro de episdios ligados violncia em meio escolar na cidade. Se a dcada

    de 80 registrava as depredaes e invases em perodos ociosos como os princi-

    pais problemas, no incio dos anos 90, em escolas municipais da cidade as prti-

    cas de violncia contra a pessoa atingiam quase 62 das ocorrncias (agresses a

    usurios e funcionrios, ameaas, invases para prticas ilcitas) e aquelas contra

    o patrimnio (roubos e furtos de equipamentos, depredaes) 38 (SME, 1992).

    Por meio da criao de um grupo de profissionais, as formas de atuao fo-

    ram variadas: atendimento a situaes crticas mediante solicitaes de escolas,

    formao permanente de profissionais que atuariam em instncias intermedirias

    da burocracia educacional municipal e aes preventivas em unidades escolaresJ5.

    Alm da execuo de um programa de formao de operacionais lotados nas

    escolas, iniciado com os vigias, o grupo estimulou a interao dos alunos com

    grupos de r pp rsque desenvolveram o Projeto RAP nas escolas, destinado a

    discutir o racismo e a violncia nos estabelecimentos pblicos municipais da pe-

    riferia (SPOSITO, 1994,1994a).

    Esse conjunto de aes poderia correr o risco de permanecer paralelo din-

    mica escolar, reiterando prticas observadas no incio da dcada de 80, como j

    foi observado. Um dos modos possveis para responder a esse desafio residiu na

    proposta de autonomia e apoio s unidades escolares, para que buscassem cons-

    truir seus prprios projetos educativos. Em muitas delas o tema da violncia

    articulou as novas orientaes e prticas, configurando um quadro integrado de

    iniciativas: democratizao da gesto; abertura dos espaos escolares para uso do

    bairro nos momentos ociosos; e, finalmente, novas propostas pedaggicas que

    combatessem o fracasso escolar e diminussem o grau de resistncia dos alunos

    ao processo de ensino-aprendizagem.

    Parte da fragilidade das diretrizes inovadoras decorre de mudanas do quadro

    dos partidos responsveis pela gesto municipal e estadual, que expressam pro-

    gramas e orientaes para aspolticas na rea educativa extremamente contrastantes.

    Como devem ser prticas que demandam alteraes da cultura escolar, seus re-

    sultados nunca so imediatos e sempre pressupem ritmos desiguais, pois o grau

    de adeso do corpo de profissionais e o modo como novas propostas chegam

    base do sistema de ensino so extremamente dspares. Assim, iniciativas que po-

    deriam provocar reverso de prticas no chegam a se enraizar diante da instabi-

    lidade administrativa, como o caso da cidade de So Paulo, que sofre tanto as

    injunes do executivo municipal como do estadual na sua rede escolar. Obser-

    va-se, no entanto, que algumas unidades escolares consolidam seus projetos a

    despeito da descontinuidade das diretrizes, exprimindo capacidade de ao de

    alguns diretores e conjunto de professores. Mas a maioria dessas experincias

    15. Algumas aes foram realizadas em parceria com a sociedade civil.sobretudo organismos voltados para

    o trabalho com crianas e adolescentes em processo de excluso social. os movimentos negros e aqueles

    atuantes na esfera dos direitos humanos. O relatrio publicado pela SMErelata aes em 76 escolas

    municipais para um total de 687 estabelecimentos (SME.1992).

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    permanece submersa e sofre pelo seu isolamento e falta de apoio das instncias

    administra6vas intermedirias e centraisl6.

    Em toda a dcada intensificam-se alguns tipos novos de ocorrncia tratados

    com grande alarde pela mdia. Os episdios por ela registrados do conta da

    existncia de homicdios envolvendo alunos, brigas, tiroteios e invases de qua-

    drilhas, aumentando o clima de insegurana nas unidades escolares. A visibilida-

    de do fenmeno propiciada pela imprensa favoreceu, para muitos estabelecimen-

    tos na regio metropolitana de So Paulo, a sedimentao de um desejo coletivo

    de medidas fortes que trouxessem o aparato policial mais prximo da vida esco-

    lar, consolidando o clima de medo e de desconfiana no ambiente escolar.

    A formulao de programas, no mbito das escolas estaduais da cidade de So

    Paulo, voltados para a questo da violncia ocorre, de forma mais sistemtica, a

    partir de 1998. Essas iniciativas configuram tipos diversos de aes que buscam

    oferecer, tanto no interior da burocracia escolar como na base da escola, alterna-

    tivas ao senso comum construido em torno da necessidade de maior segurana e

    de recursos humanos da polcia nas unidades escolares17.

    Tanto os acontecimentos de 97 em Braslia, envolvendo jovens de classe m-

    dia, como os episdios registrados pela imprensa sobre vrios homicdios prati-

    cados por estudantes nos EUA e alguns crimes registrados no Estado de So

    Paulo entre 98 e 99, criaram certo clima de pnico, no diretamente proporcional

    a uma real disseminao da violncia em meio escolar na cidade.

    nesse clima que o Projeto Comunidade Presente , sob a responsabilidade

    do poder estadual, entra em execuo em 1998, erigindo a questo da violncia

    como foco de suas aes. A iniciativa prope-se a sensibilizar e instrumentalizar

    assistentes tcnico-pedaggicos (ATPs), diretores, professores, funcionrios, pais

    e alunos, para que as escolas sejam espaos de exerccio de participao e de

    organizao dessa comunidade (SEE/Projeto Comunidade Presente).

    No ano de 1998, o projeto foi implementado em 89 Diretorias de Ensino,

    envolvendo um total de 715 escolas de todo o Estado de So Paulo. Dessas

    unidades inicialmente envolvidas, cerca de 80 permanecem at o fim do ano

    2000, quando o projeto passa a atingir 1158 unidades. A equipe da SEE/FDE,

    trabalhou inicialmente com 286 Assistentes Tcnicos Pedaggicos por DE, indi-

    cados pelos dirigentes regionais de ensino. Aps passarem por um processo de

    capacitao, realizado em trs etapas, num total de 40 horas, os ATPs assumiram

    16. Uma das iniciativas da rea federal no Interiordo Mnistrio da Justia, no final da dcada, foi a de apoiar

    com recursos financeiros pesquisa realizada por organizao no-govemamental que buscou conhecer

    e reunir o conjunto de experincias bem sucedidas empreendidas por escolas que conseguiram reduzir os

    ndices de violncia em seu Interior.

    17. preciso considerar que esses programas ocorrem em um quadro de amplas medidas tomadas pela SEE

    de reestruturao da rede escolar que suscitaram reaes negativas por porte significativa do magistrio

    pblico. Os organismos de classe criticaram o tom fortemente impositivo das reformas para o conjunto do

    mogistrio e a permanncia das condies precrias de trabalho. No cabe aqui uma anlise criteriosa

    de todos as orientaes, pois muitas delas ainda demandam estudos sistemticos de modo a verificar seu

    grau de eficcia, sua capocidade de Induo de novas prticas tendo em vista a melhoria do ensino

    pblico estadual em So Paulo. De qualquer forma, os lfimos anos da dcada de 90 ainda comportam

    grandes dificuldades no revertidos, em profundidade, por uma srie de medidas que lidam, em ltima

    instncia, com recursos financeiros escassos diante de um amplo conjunto de unidades de ensino e

    profissionais que trabalham em condies precrias.

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    a coordenadoria regional, ficando responsveis pelo desencadeamento e acompa-

    nhamento do projeto nas escolas.

    Por sua vez, mediante a realizao de Oficinas Pedaggicas, os ATPs deveriam

    sensibilizar e capacitar os representantes das escolas selecionadas. A fim de identi-

    ficar os nveis e tipos de participao existentes na unidade escolar, como tambm

    os problemas relacionados aos diferentes tipos de violncia, o grupo deveria cons-

    truir um quadro diagnstico da situao atual de cada escola, como ponto de parti-

    da para elaborar suas aes/projetos. Para tanto, foi necessrio hierarquizar as pri-

    oridades e encaminhar as discusses, buscando estratgias de aes e parcerias.

    Tentando abordar o tema da violncia tendo em vista sua superao, o Progra-

    ma busca introduzir uma nova definio denominada cultura pela paz , em que

    os temas da cidadania, participao e gesto democrtica so eixos fortes que

    deveriam alicerar a ao das unidades escolares que se mobilizassem para cons-

    truir seu prprios projetos.

    Uma avaliaopreliminar realizadaem 2000 pelos tcnicos responsveispelo Pro-

    grama indicaque 40 das unidades envolvidasestavamaquecidas,em 28 haviacerta

    prontido para que as atividades fossem retomadas e 32 poderiam ser consideradas

    desaquecidas.O maior desafio,reconhecido por seusorganizadores, residena capacida-

    de de o Programa se afirmar como um conjunto de prticas articuladas ao projeto

    pedaggico da escola, que deveriamcontinuar aps a fasede sensibilizao.Segundo o

    coordenador do Projeto Comunidade Presente, as metas principaistambm incidem na

    superao de certa vulnerabilidade- observada nesses anos iniciaisde sua execuo

    -

    expressa pela necessidade de maior envolvimento na unidade escolar e abertura de

    maior espao para a participao dos alunos. Essas aes implicam ampla reviso das

    relaesde autoridade e das formas de gesto dos conflitos que caracterizamas aes

    cotidianasdas unidades e seus atores (mundo adulto e mundo juvenil)18.

    Ao lidar com os canais existentes no mbito da burocracia escolar, a SEE

    potencializou sua capacidade de ao ao recorrer aos tcnicos situados nos esca-

    les intermedirios, mas, ao mesmo tempo, afirmou certo risco de ser a inovao

    absorvida pelas prticas rotineiras e, assim, no chegar base do sistema ou

    aparecerde modo distorcido em relaos propostas originais19.

    Se o primeiro programa estava voltado para o trabalho com os professores, o

    segundo, lanado em 1999 pela Secretaria de Estado da Educao, o Projeto Par-

    ceiros do Futuro tornou os jovens destinatrios privilegiados das aes20.Trata-se

    de uma iniciativa ainda em andamento que busca desenvolver aes que promo-

    vam, entre os jovens, a solidariedade, o respeito pluralidade e um convvio social

    mais justo e tico . Segundo seus idealizadores,as escolas que aderissem ao progra-

    ma seriam transformadas em ncleos de convivncia comunitria capazes de con-

    18.0utros problemas a serem superados tambm foram apontados: a concepo do projeto restrita a uma

    prtica de eventos, ausncia de construo de novas parcerias com as associaes locais, excessiva

    centralizao na figura de alguns atores, entre outros (Entrevistaem 15/021200 1).

    19.k, anlises de Webef (1977)sobre a rotinizaodas tarefas como elemento inerente s organizaes burocrticas

    permcnecem atuais para a compreenso de certos entraves observados nas Inovaes pedaggicas.

    20. Convm lembrar que foi um ano marcado por intenso noticirio dos homicdios cometidos por alunos ou

    de aes que tiveram professores e estudantes como vtimas. Nesse mesmo ano os trotes violentos foram

    prolbdos por lei, aps a morte de um calouro do curso de medicina de universidade pblica estadual da

    cidade de So Paulo durante o trote.

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    gregar crianas e adolescentes, pais, moradores de bairro e lderes comunitrios em

    torno de atividades que atendam ao interesse desses segmentos, desenvolvidas nos

    fInais de semana (SEE/Projeto Parceiros do Futuro, 1999).

    O diagnstico estabelecido reconhecia que nas regies marcadas pelos mai-

    ores ndices de violncia, h carncias de todo tipo e nenhuma escola isoladamen-

    te poder supri-Ias, pois refletem aspectos conjunturais e de educao integral

    que so de competncia da famlia e de outras instncias sociais. Dai a necessida-

    de de criar espaos prprios e condies concretas que permitam a cada indiv-

    duo e comunidade a possibilidade de crescer e exercer, em conjunto com as

    lideranas locais, suas competncias e responsabilidades (SEE/Projeto Parcei-

    ros do Futuro). Assim, o projeto estimularia a formao de um ncleo gerador de

    aes, inicialmente localizado na escola, que deveria tender para a autonomia, de

    modo a se enraizar na vida do bairro, abrindo-se para aes de interesse dos

    segmentos jovens21.

    Iniciado ainda no segundo semestre de 1999, o Projeto atingiu, no segundo

    semestre de 2000, 115 unidades da regio metropolitana de So Paulo, em reas

    consideradas pelos rgos tcnicos como de risco social. Cerca de 70 das esco-

    las esto envolvidas desde o incio das atividades. De modo diverso das iniciati-

    vas observadas no incio da dcada de 80, que no contaram com recursos huma-

    nos especficos para as atividades, houve a contratao de um grupo de

    organizadores, responsveis pela programao do fIm de semana, que recebem

    capacitao de tcnicos da secretaria22.

    As principais atividades realizadas foram palestras, cursos na rea cultural e

    ofIcinas, apresentaes de grupos de dana, competies esportivas e estmulo

    criao de grmios. Cada escola, com seus espaos ocupados nos fIns de semana,

    mediante sua programao de atividades, funcionaria como plo irradiador,

    aglutinando cerca de 10 unidades circunvizinhas. As avaliaes preliminares indi-

    cam que o pblico majoritrio que freqenta a programao constitudo pelos

    alunos da escola que sede das atividades.

    H ainda ausncia de estudos sistemticos que permitam aferir: a presena

    real desses projetos na base do sistema de ensino; a prpria realizao das metas

    iniciais junto aos jovens e demais usurios das localidades; e, tambm, eventuais

    alteraes educacionais relevantes para melhoria do clima dos estabelecimentos

    de ensino e conseqente diminuio da violncia.

    No entanto, todas essas iniciativas podem no propiciar uma reflexo cuida-

    dosa nem a alterao das imagens e prticas que o mundo adulto - professores e

    funcionrios

    -

    consolida sobre as crianas e os jovens que freqentam a escola

    pblica radicada nos bairros perifricos. Estigmatizados pela condio social de

    excluso e pobreza, alm de preconceitos de outra natureza, essas crianas e jo-

    21.Por

    essas rmes. o projetobusca a capacitao das lideranas comunitriaspara o estabelecimento de

    parcerias com outras instncias da sociedade civilque garantam apaio tcnico ou financeiro necessrios

    manuteno, a longo prazo, dos seus ncleos; criao de estratgias para fomentar, nas comunidades

    atingidas. o estmulo apropriao dos ncleos instalados (nas escolas ou em outros locais. tais como:

    centros comunitrios, associaes de bairros. centros desportivos) e a transformao dos mesmos em

    espaos permanentes e solidrios de convivncia social e atividades construtivas'.

    22. O organizador o responsvel pela relao com o corpo de profissionais da escola.sede das atividades.

    Aqualidade dessa interao interfere tambm no sucesso das aes.

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    vens tm sido vistos cada vez sob a tica do medo e, assim, tratados como virtu-

    ais crimi~osos e delinqentes. Hoje a instituio escolar j no teme apenas os

    que esto alm dos muros, mas enfrenta o pnico interno. As possibilidades do

    convvio democrtico se esgaram, acentuando o medo, a desconfiana e a neces-

    sidade de medidas que reforcem a vigilncia e o controle. Nesse caso, pode haver

    uma reinveno perversa da escola: mais do que espao educativo voltado para o

    desenvolvimento humano, torna-se lugar do medo, da sociabilidade cindida e da

    ausncia da tolerncia. Projetos e programas especiais devero empreender esfor-

    os para lidar com essas questes substantivas, se quiserem fomentar a transfor-

    mao da cultura escolar.

    Jovens e adolescentes so sujeitos de direitos em processo de desenvolvimento

    e devem ser protagonistas importantes das aes e no apenas eventuais usurios

    de programas que, embora em suas formulaes busquem a promoo da cidada-

    nia, podem, de fato, consolidar os mecanismos de tutela e subordinao social.

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