18398284 historia da filosofia 11

Upload: rita-andrade

Post on 03-Apr-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    1/233

    HISTRIA DA FILOSOFIADcimo primeiro volumeNICOLA ABBAGNANO

    obra digitalizada por ngelo Miguel Abrantes.Se quiser possuir obras do mesmo tipo ou, por outro lado, tem livrosque no se importa de ceder, por favor, contacte-me:ngelo Miguel Abrantes, R. das Aucenas, lote 7, Bairro Mata daTorre, 2785-291, S. Domingos de Rana.telef: 21.4442383.mvel: 91.9852117.Mail: [email protected]@hotmail.com.

    VOLUME XI

    EDITORIAL PRESENA

    TITULO ORIGINAL STORIA DELLA FILDSOFIACopyright by NICOLA ABBAGNANO

    Reservados todos os direitos para a lngua portuguesa EDITORIAL PRESENA, LDA. - R. Augusto Gil, 2 clv.-E. - Lisboa

    XII

    O POSITIVISMO EVOLUCIONISTA

    647. POSITIVISMO EVOLUCIONISTA: O PRESSUPOSTOROMNTICO

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    2/233

    A outra orientao do positivismo a evolucionista. Esta orientaoconsiste em tomar o conceito de evoluo como o fundamento deuma teoria geral da realidade natural e como manifestao de umarealidade - sobrenatural ou metafsica - infinita e ignota. O pontode partida desta orientao, ou seja, o conceito de evoluo, extrado da doutrina do transformismo biolgico, que foi elaboradapor Lamarck e Darwin: ele apresenta-se, efectivamente, como ageneralizao de tal doutrina. Mas tal generalizao condicionadapelo pressuposto romntico de que o finito a manifestao ourevelao do infinito, j que s em virtude deste pressuposto, os

    processos evolutivos singulares, que a cincia pode

    verificar fragmentariamente em alguns aspectos da natureza, seunem num processo nico, universal, contnuo e necessariamenteprogressivo. Sob este aspecto, o evolucionismo positivista aextenso ao mundo da natureza do conceito da histria elaboradopelo idealismo romntico. Tal como a histria na doutrina de Fichteou de Schelling, a natureza, na teoria de Spencer, um processo de

    desenvolvimento necessrio, cuja lei o progresso. 648. HAMILTON E MANSEL

    A introduo da filosofia romntica na Inglaterra fez-se atravs daobra de Hamilton, que, com a doutrina da incognoscibilidade doabsoluto, constitui tambm um precedente do positivismo deSpencer.

    William Hamilton (nascido em Glasgow a 8 de Maro de 1788,falecido em Edimburgo a 6 de Maio de 1856) foi uma figura notvelsobretudo pela sua

    vastssima erudio filosfica, que o levou a contactar

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    3/233

    directamente com a filosofia alem do romantismo.O seu primeiro escrito foi um estudo intitulado Filosofia de Cousin,aparecido na "Edinburgh Review" de 1829. Em 1836, foi nomeadoprofessor de lgica e metafsica na Universidade de Edimburgo. Assuas

    Lies de metafsica e de lgica, compostas no primeiro ano deensino, foram depois repetidas por ele durante vinte anos semqualquer alterao e publicadas postumamente por Mansel (4 vol.,1859-60). Em 1852, Hamilton publicou uma recolha de artigos com ottulo Discusses de filosofia e literatura;

    e, em 1856, as Obras de Thomas Reid com notas e comentrios.

    As Lies, de Lgica de Hamilton constituem um

    dos mais brilhantes tratados da lgica tradicional no sculo XIX.Foram to importantes as correces que fez lgica tradicional,que estas viriam a revelar-se fecundas no campo da lgica

    matemtica; nomeadamente, o princpio da quantificao dopredicado, segundo o qual nas proposies se deve considerar aquantidade no s do sujeito mas tambm do predicado. Talquantificao efectua-se, de facto, ou mediante o uso dosquantificadores (por exemplo, "Pedro, Joo, Jaime, etc., so todosapstolos") ou

    mediante modos indirectos como a limitao e a

    excepo ou, de uma maneira subentendida, como quando se diz:"Todos os homens so mortais", devendo entender-se: "Todos oshomens so alguns mortais".

    As Lies de metafsica apresentam em primeiro lugar uma verso

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    4/233

    da teoria da percepo imediata prpria da escola escocesa, de que,sob certos aspectos, Hamilton um continuador. Hamilton, todavia,traz a esta teoria uma modificao importante, negando que apercepo imediata faa conhecer as coisas tais como so em simesmas. "A teoria da percepo imediata, diz ele, no implica quens percebamos a realidade material absolutamente e em si mesma,isto , fora da relao com os outros rgos e as

    nossas faculdades, pelo contrrio, o objecto total e

    real da percepo o objecto exterior em relao com

    os nossos sentidos e com a nossa faculdade cognitiva. Mas, emborarelativo a ns, o objecto no representao, no umamodificao do eu. Ele o

    no-eu-o no-eu modificado e relativo, talvez, mas sempre no-eu"(Lectures on Metaphisics, 1, 1870, p. 129). A teoria da percepoimediata, no elimina, portanto, segundo Hamilton, o relativismo do

    conhecimento, o qual se baseia em trs razes: 1.o a existncia no cognoscvel absolutamente em si mesma mas s de modosespeciais, 2.o estes modos s podem ser conhecidos em relao comas nossas faculdades,3.o no podem estar em relao com as nossas faculdades senocomo determinadas modificaes dessas mesmas faculdades (Ib., 1,p. 148). Decerto que nesta forma a doutrina da percepo imediatano tem o mesmo significado que a escola escocesa do senso comum

    lhe conferira: esta escola, de facto, entendia aquela doutrina nosentido de que os objectos so percebidos imediatamente e em simesmos. Alm disso, entre um objecto condicionado e tornadorelativo pela sua relao com as faculdades humanas e uma "ideia"no sentido de Descartes e de Berkeley a diferena puramenteverbal.

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    5/233

    A relatividade do conhecimento permite a Hamilton afirmar aincognoscibilidade, e no a inconcebilidade, do Absoluto. ContraCousin e Schelling, Hamilton afirma esta incognoscibilidade, aopasso que, de acordo com eles, defende a existncia do Absoluto,cuja realidade se revelaria na crena.

    "Pensar condicionar, afirma (Discussions, p. 13), e uma limitaocondicional uma lei fundamental das possibilidades do pensamento.O Absoluto no concebvel seno como uma negao da possibili-

    10

    dade de ser concebido". Por outro lado, "a esfera da nossa crena muito mais extensa do que a esfera do nosso conhecimento; e,portanto quando nego que o

    Infinito possa ser conhecido por ns, estou bem longe de negar que

    ele possa e deva ser crido por ns" (Ib., II, p. 530-31). Estasuperioridade da crena sobre o conhecimento vincula Hamilton escola escocesa; mas para Hamilton, a crena , romanticamente, arevelao imediata e primitiva que o prprio Infinito faz de si aohomem e que, por conseguinte, condiciona o prprio processo doconhecer. Falando da percepo da realidade externa, Hamiltonreconhece que, propriamente falando, ns no sabemos se o

    objecto de tal percepo um no-eu, e no uma percepo do eu;s a reflexo faz crer que o seja "porque obedecemos f numanecessidade originria da nossa natureza que nos impe tal crena"(Reid's Works, p. 744-50).

    Ao nome de Hamilton est ligado o de Henry Longuevifie Mansel

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    6/233

    (1820-71) que foi o seu intrprete. Em dois livros, Os limites dopensamento religioso (1858) e Filosofia do condicionado (1866),Mansel construiu sobre as premissas de Hamilton uma

    teologia negativa. Deus como absoluto e infinito inconcebvel. Eleno pode no entanto ser concebido como causa primeira, j que acausa existe apenas em

    relao ao efeito e ao absoluto repugna toda a relao. Toda atentativa de o conceber de algum modo d lugar a dilemasinsolveis. "0 absoluto no pode ser

    concebido nem como consciente nem como inconsciente; nem comocomplexo nem como simples; no

    II

    pode ser definido nem mediante diferenas nem mediante aausncia de diferenas: no pode ser identificado com o universo

    nem pode ser distinto dele"(Limits of Rel. Thought, p. 30). Do mesmo modo, o infinito quedeveria ser concebido como todo em potncia e nada em acto revelaprecisamente nisto a sua impossibilidade de ser concebido, j que"se pode ser o que no , incompleto, e se todas as coisas, notem nenhum sinal caracterstico que o possa distinguir de uma coisaqualquer" (Ib., p. 48). Esta incognoscibilidade do Infinito e do

    Absoluto , todavia, relativa ao homem, no pertence natureza doprprio Absoluto. "Ns somos obrigados, diz Mansel (1b., p. 45),pela prpria constituio do nosso esprito a crer na existncia deum Ser absoluto e infinito". Esta crena funda-se na nossaconscincia moral e intelectual, na estrutura e no curso da naturezae na revelao" (Phil. of the Conditioned. p. 245). Mas to-pouco

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    7/233

    estes fundamentos da crena permitem afirmar alguma coisa sobreos atributos de Deus. Subsiste uma diferena enorme entre a maisalta moralidade humana concebvel e a perfeio divina, distnciaque pode ser de algum modo abolida pelo conceito escolstico deanalogia.

    A doutrina de Hamilton e Mansel ao mesmo tempo um cepticismoda razo e um dogmatismo da f. O cepticismo da razo foiutilizado como fundamento do agnosticismo que caracterizava emboa parte o positivismo evolucionista. O dogmatismo da f iria ter asua continuao histrica no espiritualismo ingls contemporneo.

    12

    649. A TEORIA DA EVOLUO

    Se o princpio romntico do infinito que se revela ou realiza nofinito a categoria tacitamente pressuposta pela filosofiapositivista da evoluo, a teoria biolgica da transformao da

    espcie , de facto, oseu ponto de partida. Com efeito, o evolucionismo umageneralizao desta doutrina biolgica, generalizao tacitamentefundada nesta categoria.

    Podem-se encontrar antecedentes imediatos da teoria dotransformismo biolgico nalgumas intuies de Buffon (1707-88). O

    famoso autor da Histria natural (1749-88), embora declarando-seexplicitamente partidrio da doutrina tradicional da fixidez dasespcies vivas, admite hipoteticamente a possibilidade de que setivessem desenvolvido a partir de um tipo comum, atravs de lentasvariaes sucessivas, verificadas em todas as direces. Foi aindaem Buffon que Kant, provavelmente, se inspirou ao propor a

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    8/233

    hiptese (1790), no pargrafo 80 da Crtica do Juzo, de "umverdadeiro parentesco" das formas vivas e

    da sua derivao de uma "me comum", assim como a ideia de umaevoluo contnua da natureza da nebulosa primitiva at ao homem.Porm, tais hipteses eram apenas intuies genricas, no apoiadasnum sistema coordenado de observaes. O primeiro a apresentarde um modo cientfico a doutrina do transformismo biolgico foi onaturalista francs Joo Baptista Lamarck (1744-1829). Na suaFilosofia zoolgica (1809) e na Histria natural dos animais semvrtebras (1815-22), Lamarck enunciava quatro leis que deviampresidir formao dos organismos ani-

    13

    mais: 1.o a vida, pela sua prpria fora, tende continuamente aaumentar o volume de cada corpo vivo e a estender as suas partes;2.1> a produo de um

    novo rgo animal resulta do aparecimento de umanova necessidade e do novo movimento que esta necessidade suscitae encoraja; 3.o o desenvolvimento dos rgos e a sua fora de acoesto constantemente na razo directa do uso dos prprios rgos;4.o tudo o que foi adquirido, perdido ou modificado na organizaodos indivduos conservado e transmitido mediante a gerao dosnovos indivduos. Estas quatro leis so a primeira formulao

    cientfica do modo por que se verificaria a transformao dosorganismos. Tal modo reportado substancialmente ao princpio deque o uso dos rgos, requerido pelas necessidades e, portanto, peloambiente exterior, pode modificar radicalmente os prprios rgos.

    As ideias de Lamarck no tiveram nenhuma ressonncia imediata

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    9/233

    devido sobretudo ao enorme apoio que a tese oposta da fixidez dasespcies teve durante alguns decnios merc da autoridade deGeorge Cuvier (1769-82), o fundador da paleontologia, ou seja, doestudo dos restos fsseis das espcies extintas. No seu Discursosobre as revolues do globo (1812), Cuvier explicou a extino dasespcies fossilizadas mediante catstrofes, gerais queperiodicamente destruiriam as espcies vivas de cada pocageolgica, dando ensejo a que Deus criasse novas. O transformismobiolgico s pde afirmar-se quando esta teoria das catstrofes foieliminada; e

    essa eliminao foi obra do gelogo ingls Charles Lye11 (1797-1875). Nos seus Princpios de geologia

    14

    (1833), Lye11 exps a tese de que o estado actual da terra no devido a uma srie de cataclismos mas aco lenta, gradual einsensvel das mesmas causas que continuam a actuar sob os nossos

    olhos. Tal doutrina tornava impossvel explicar a gnese e aextino das espcies vivas mediante causas extraordinrias ousobrenaturais e abria definitivamente a via ao transformismobiolgico.

    Este fez a sua entrada triunfal na cincia com a obra de CharlesDarwin (12 de Fevereiro de 1809-19 -Abril de 1882). Sobrinho deum naturalista, chamado Erasmo, Darwin foi o tipo do cientista

    inteiramente dedicado s suas pesquisas. Depois de uma

    viagem por mar durante cinco anos, dedicou-se a recolher e aordenar o material para a sua grande obra A origem das espcies,que apareceu em 1859. O livro teve um sucesso fulgurante e aprimeira edio, de mais de 1.000 exemplares, esgotou-se no

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    10/233

    primeiro dia de venda. Seguidamente, Darwin publicou A variaodos animais e das plantas no estado domstico (1868) eDescendncia do homem (1871). O ltimo trabalho notvel deDarwin foi a Expresso das emoes no homem e nos animais(1872), a que se seguiram alguns trabalhos cientficos menores. Em1887, o filho de Darwin, Francisco, publicou dois volumes intituladosA vida e a correspondncia de Charles Darwin, que contm tambmuma breve autobiografia do filsofo, e que so indispensveis para acompreenso da sua personalidade.

    O mrito de Darwin consiste em ter elaborado uma completa esistemtica teoria cientfica do transformismo biolgico, fundando-a num nmero enorme

    15

    de observaes e de experincias, e em a ter apresentadoprecisamente no momento em que a ideia romntica do progresso,nascida no terreno da investigao histrica, alcanava a sua

    mxima universalidade e parecia indestrutvel. A teoria de Darwinassenta em duas ordens de factos: LO, a existncia de pequenasvariaes orgnicas que se verificam nos

    seres vivos ao longo do curso do tempo e por influncia dascondies ambientais, variaes que, em parte, pela lei dasprobabilidades so vantajosas aos indivduos que as apresentam:2.O a luta pela vida, que se verifica necessariamente entre os

    indivduos vivos pela tendncia da cada espcie a multiplicar-sesegundo uma progresso geomtrica. Este ltimo pressuposto evidentemente extrado da doutrina de Malthus ( 638). Destasduas ordens de factos se segue que os indivduos em que semanifestam mutaes orgnicas vantajosas tm mais probabilidadesde sobreviver na luta pela vida; e em virtude do princpio de

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    11/233

    hereditariedade haver neles uma tendncia pronunciada paradeixar em herana aos seus descendentes os caracteres acidentaisadquiridos. Tal a

    lei da seleco natural, que "tende, diz Darwin (Origens dasespcies, 4.O, 18), ao aperfeioamento de cada criatura viva emrelao com as suas condies de vida orgnicas e inorgnicas, e,por conseguinte, na

    maior parte dos casos, com um progresso da organizao. Todavia,as formas simples inferiores podem perpetuar-se por muito tempose forem convenientemente adaptadas s suas simples condies devida. "A acumulao das pequenas variaes e a sua conservao pormeio da hereditariedade produzem as

    16

    variaes dos organismos animais que, nos seus termos extremos, a passagem de uma espcie outra.

    O que o homem faz com as plantas e os animais domsticosproduzindo gradualmente as variedades que so mais teis s suasnecessidades, pode faz-lo a natureza numa escala muito maisvasta, pois "que limites se podem pr a esse poder que actuadurante longas eras e perscruta rigorosamente a estrutura, aorganizao inteira e os hbitos de cada criatura, para favorecer oque est bem e rejeitar o que est mal?" (1b., 14, 2).

    Desta teoria se segue que entre as vrias espcies devem terexistido inmeras variedades intermdias que ligavamestreitamente todas as espcies de um mesmo grupo; mas,evidentemente, a seleco natural exterminou estas formasintermdias de que, no entanto, se podem encontrar traos nosfsseis (Ib., 6.o, 2). Alm do estudo dos fsseis, o dos rgos

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    12/233

    rudimentares, das espcies chamadas aberrantes e da embriologiapode conduzir a determinar a ordem progressiva dos seres vivos."Se ns, escreve Darwin, no possumos rvore genealgica, nemlivro de oiro, nem brases hereditrios, temos, no entanto, apossibilidade de descobrir e seguir os traos das numerosas linhasdivergentes das nossas genealogias naturais, mediante a herana,desde h muito conservada, dos caracteres de cada espcie" (Ib.,14.O, 5). A concluso de Darwin nitidamente optimista: cr terestabelecido o inevitvel progresso biolgico do mesmo modo que oromantismo idealista e socialista acreditava no inevitvel progressoespiritual. "Ns podemos concluir com alguma confiana que nosser

    17

    permitido contar com um futuro de durao incalculvel. E como aseleco natural actua apenas para o bem de cada indivduo, todo odom fsico ou intelectual tender a progredir para a perfeio" (1b.,14.-, 6).

    A outra obra fundamental de Darwin, A descendncia do homem,tende, em primeiro lugar, a estabelecer que "no existe nenhumadiferena fundamental entre o homem e os mamferos maiselevados no que respeita s faculdades mentais". A nica diferenaentre a inteligncia e a linguagem do homem e a dos outros animais uma diferena de grau que se explica pela lei da seleco naturale tambm, em parte, pela escolha sexual a que Darwin atribui, para

    a evoluo do homem, uma importncia bastante maior do que para aevoluo dos animais. Darwin no cr que o conhecimento dadescendncia do homem de organismos inferiores diminua de algummodo a dignidade humana. "Quem visse um selvagem na sua terranatal, escreve em As origens do homem, (trad. ital., p. 579) nosentiria muita vergonha se se visse obrigado a reconhecer que o

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    13/233

    sangue de uma criatura mais humilde lhe corre nas veias. Quanto amim, preferia muito mais ter descendido daquele herico macacoque enfrentou o seu terrvel inimigo para salvar a vida ao seuguardio ou daquele velho babuno que desceu da montanha paraarrancar

    triunfante o seu jovem companheiro a uma furiosa matilha de ces,do que de um selvagem que se compraz em torturar os seusinimigos, oferece sacrifcios de sangue, pratica o infanticdio semremorsos, trata as

    18

    suas mulheres como escravas, no conhece o que a

    decncia e dominado por grosseiras supersties".

    Darwin, foi e quis ser exclusivamente um cientista. S raramente, edir-se-ia contra vontade, se decidiu a exprimir as suas convices

    filosficas e religiosas; e sempre em privado, em cartasparticulares no destinadas publicao. Contudo, estas convices,foram-lhe inspiradas pela sua doutrina da descendncia inferior dohomem, descendncia que no pode autorizar uma grande f nacapacidade do homem para resolver certos problemasfundamentais. "Per-unto a mim mesmo, escreve numa carta (Vida e

    corresp., trad. franc., p. 368), se as convices do homem, que se

    desenvolveu a partir do esprito de animais de ordem inferior, tmalgum valor e se se pode ter alguma confiana nelas. Quem poderiaconfiar nas convices do esprito de um macaco, se que existemconvices num esprito semelhante?" Noutra carta de 1789 (1b., p.353-54) exprime-se assim: "Sejam quais forem as minhasconvices sobre este tema, elas s podem ter importncia para

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    14/233

    MI prprio. Mas, j que mo perguntais, posso assegurar-vos que omeu juzo sofre amide flutuaes... Nas minhas maiores oscilaes,nunca cheguei ao

    atesmo no verdadeiro sentido da palavra, isto , nunca cheguei anegar a existncia de Deus. Eu penso que, em geral (e sobretudo medida que envelheo), a descrio mais exacta do meu estado deesprito a

    de agnstico". O termo agnosticismo fora criado em1869 pelo naturalista Thomas Huxley (1825-956) que chegara,antes da publicao da Origem das espcies, a inferir por si prprioa transformao das espcies

    19

    biolgicas e que se tornou logo um dos mais entusiastas partidriosde Darwin. "0 termo, diz HuXley (Collected Essays, V, p. 237 e sgs.)

    veio-me mente como anttese de "gnstico" da histria da Igrejaque pretendia saber muito sobre coisas que eu ignorava". Tal termoimplica j, na mente de Huxley, uma referncia quelaimpossibilidade de conceber o

    Absoluto e o Infinito em que haviam insistido Hamilton e Mansel.Mas, para Darwin, este termo tem um

    sentido menos explcito, significando simplesmente a

    impossibilidade de encontrar no domnio da cincia quaisquerasseres que confirmem ou desmintam decisivamente as crenasreligiosas tradicionais. Darwin, no entanto, supunha possvel negardecididamente qualquer "inteno" da natureza, isto , toda a causa

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    15/233

    final, e aduzia a este propsito a existncia do mal e da dor (Vida ecorresp., trad. franc., 1, p. 361-62). Porm, estava convencido deque "o

    homem ser no futuro uma criatura bastante mais perfeita do que actualmente" (1b., p. 363); e, na

    realidade, as suas convices cientficas e toda a estruturasistemtica da sua teoria da evoluo se fundam no pressuposto daideia do progresso que dominava o clima romntico da poca.Atravs da obra de Darwin, a cincia inseriu o mundo inteiro dosorganismos vivos na histria progressiva do universo.

    650. SPENCER: O INCOGNOSCVEL

    A poca era, pois, propcia a uma teoria do progresso que no orestringisse ao destino do homem no mundo, mas sim o estendesseao mundo inteiro, na

    20totalidade dos seus aspectos. Elaborar a doutrina do progressouniversal e pr em relevo o valor infinito e, portanto, religioso(mesmo quando s misteriosamente religioso) do progresso, tal foi oobjectivo que Spencer se props ao difundir em Maro de 1860 o

    plano do seu Sistema de filosofia, de vastas propores.

    Herbert Spencer nasceu a 27 de Abril de 1820 em Derby, emInglaterra e foi engenheiro dos caminhos de ferro em Londres.Publicou primeiramente alguns artigos de carcter poltico eeconmico; em1845, tendo recebido uma pequena herana, obedeceu sua vocao

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    16/233

    filosfica e abandonou a carreira de engenheiro para se dedicar sua actividade de escritor. De 1848 a 1853 pertenceu redacodo "Economist". O primeiro resultado da sua actividade foram osPrincpios de psicologia, publicado em 1855. Em1857, publicou um ensaio sobre o progresso (0 progresso, sua lei esua causa), que muito significativo pela sua orientaofundamental. E em 1862 saa o primeiro volume do Sistema defilosofia sinttica projectado em 1860, Primeiros princpios que asua

    obra filosfica fundamental, a que se seguiram os

    dois volumes dos Princpios de biologia (1864-67), e em seguida:Princpios de psicologia (2 vol., 1870-72), Princpios de sociologia(Parte 1, 1876; Instituies cerimoniais, 1879; Instituiespolticas, 1882; Instituies eclesisticas, 1885), Princpios demoralidade (Parte I, As bases da tica, 1879); Parte IV, A justia,1891-, Parte 11 e Parte 111, 1892; Parte V,1893). A estas obras seguiram-se: A classificao das cincias

    (1864); A educao (1861); O estudo da21

    sociologia (1873); O homem contra o estado (1884); Os factores daevoluo orgnica (1887); Ensaios (2 vol., 1858-63); Esttica social(1892); A inadequao da seleco natural (1893); Fragmentosvrios, (1897); Factos e comentrios (1902); Autobiografia (2 vol..

    1904)-, Ensaios sobre a educao (1911). Estes ltimos dois escritosso pstumos. Spencer morreu a 8 de Dezembro de 1903 emBrigton.

    No artigo sobre o progresso de 1857 (recolhido mais tarde nosEnsaios) que o primeiro esboo do seu sistema, pode-se ver

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    17/233

    claramente qual a inspirao fundamental do evolucionismo deSpencer: devia este servir para justificar, mediante a sua lei e asua causa fundamental, o progresso, entendido como

    facto universal e csmico. "Quer se trate, dizia Spencer, dodesenvolvimento da terra, do desenvolvimento da vida suasuperfcie, do desenvolvimento da sociedade, do governo, daindstria, do comrcio, da linguagem, da literatura, da cincia, daarte, sempre o

    fundo de todo o progresso a mesma evoluo que vai do simples aocomplexo atravs de diferenciaes sucessivas. Desde as maisantigas mutaes csmicas de que h sinais at aos ltimosresultados da civilizao, veremos que a transformao dohomogneo em heterogneo a essncia mesma do progresso". Nomesmo artigo considerava-se o carcter divino e, portanto, religiosoda realidade velada, mais do que revelada, do progresso csmico.Este carcter o

    ponto de partida dos Primeiros princpios.A primeira parte desta obra intitula-se "0 incognoscvel". Tende ademonstrar a inacessibilidade da realidade ltima e absoluta, deacordo com o sen-

    22

    tido que Hamilton e Mansel deram a esta tese. Mas Spencer serve-se dela para demonstrar a possibilidade de um encontro e de umaconciliao entre a religio e a cincia. Religio e cincia, de facto,tm ambas a sua base na realidade do mistrio e no podem ser

    inconciliveis. Ora, a verdade ltima includa em

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    18/233

    todas as religies que "a existncia do mundo com tudo o quecontm e com tudo o que o rodeia um mistrio que exige sempreser interpretado" (First Princ., 14). Todas as religies falham aodar esta interpretao, as diversas crenas em que se exprimemno so logicamente defensveis. Atravs do desenvolvimento dareligio, o mistrio cada vez mais reconhecido como tal de modoque cumpre reconhecer a essncia da religio na convico de que afora que se manifesta no universo completamenteimperscrutvel. Por outro lado, tambm a

    cincia esbarra no mistrio que envolve a natureza

    ltima da realidade cujas manifestaes estuda. O que seja o tempoe o espao, a matria e a fora, o que a durao da conscinciafinita ou infinita -e o que o sujeito do pensamento, so para acincia enigmas impenetrveis. As ideias cientficas ltimas sotodas representativas de realidades que no podem sercompreendidas. Isto deve-se ao facto de o nosso conhecimento,

    como Hamilton e Mansel puseram a claro, estar encerrado dentrodos limites do relativo. Decerto, por meio da cincia, oconhecimento progride e se estende incessantemente. Mas talprogresso consiste em incluir verdades gerais; e

    verdades gerais noutras mais gerais ainda de maneira que se seguedaqui que a verdade mais geral, que

    23

    no admite incluses numa verdade ulterior, no compreensvel eest destinada a permanecer como mistrio (Ib., 123). Spenceradmite, pois, integralmente, a tese de Hamilton e Mansel, segundo a

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    19/233

    qual o

    absoluto, o incondicionado, o infinito (ou como se queira chamar aoprincpio supremo da realidade) inconcebvel para o homem, dada arelatividade constitutiva do seu conhecimento. Contudo, no sedetm no conhecimento do absoluto, tal como tinha sido defendidopor aqueles pensadores que haviam tomado como nica definiopossvel do mesmo a sua prpria incognoscibilidade. Dado que orelativo no tal, observa Spencer, seno em relao ao absoluto, oprprio relativo impensvel se impensvel a sua relao com ono relativo. "Sendo a

    nossa conscincia do incondicionado, em rigor, a

    conscincia incondicionada ou o material em bruto do pensamento,ao qual, pelo pensar damos formas definitivas, segue-se que osentido sempre presente da existncia real a verdadeira base danossa inteligncia" (First Princ., 26). Cumpre, pois, conceber oabsoluto como a fora misteriosa que se manifesta em todos os

    fenmenos naturais e cuja aco sentida positivamente pelohomem. No possvel, todavia, definir ou conhecer ulteriormentetal fora. A tarefa da religio ser a de advertir o homem domistrio da causa ltima, ao passo que o escopo da cincia ser o deestender incessantemente o conhecimento dos fenmenos. Religioe cincia so assim necessariamente correlativas. Oreconhecimento da fora imperscrutvel o limite comum que asconcilia e as toma solidrias. A cincia chega inevitavelmente. a

    24

    SPENCER

    este limite ao atingir os seus prprios limites, e bem assim a

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    20/233

    religio na medida em que irresistivelmente orientada pela crtica.O homem tentou sempre, e continuar a tentar, construir smbolosque lhe representam a fora desconhecida do universo. Mascontinuamente e sempre se dar conta da inadequao de taissmbolos. De sorte que os seus contnuos esforos e os seuscontnuos reveses podem servir para lhe dar o devido sentido dadiferena incomensurvel que existe entre o condicionado e oincondicionado e encaminh-lo para a mais alta forma da sabedoria:o reconhecimento do incognoscvel como tal.

    O facto de a cincia estar confinada ao fenmeno no significa paraSpencer que ela esteja confinada na aparncia. O fenmeno no aaparncia: antes a manifestao do incognoscvel. E a primeiramanifestao do incognoscvel o agrupar-se dos prpriosfenmenos em dois grupos principais que constituemrespectivamente o eu e o no-eu, o sujeito

    e o objecto. Estes dois grupos formam-se espontaneamente mercda afinidade e da desigualdade dos prprios fenmenos. O eu e o

    no-eu so fenmenos, realidades relativas; mas o seu carcterpersistente permite relacion-las de algum modo com oincognoscvel. Spencer admite o princpio de que "as impressespersistentes, sendo os resultados persistentes numa causapersistente, so praticamente idnticos para ns causa mesma epodem ser habitualmente tratados como seus equivalentes" (1b., 46). Em virtude deste princpio, o espao, o tempo, a matria, o

    movimento, a fora, noes estas persistentes e imu-

    25

    tveis, devem ser consideradas de certo modo como produtos doprprio incognoscvel. No so decerto idnticas ao incognoscvel,

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    21/233

    nem so modos dele: so "efeitos condicionados da causaincondicionada". Todavia, correspondem a um modo de ser ou de a-irdesconhecido por ns, desta causa; e neste sentido so reais.Spencer chama realismo transfigurado a

    esta correspondncia hipottica entre o incognoscvel e o seufenmeno. "0 nmeno e o fenmeno so aqui apresentados na suarelao primordial como os dois aspectos da mesma mutao, de quesomos obrigados a considerar no s o primeiro como o segundo"(1b., 50).

    651. SPENCER: A TEORIA DA EVOLUO

    Entre a religio, a que cabe o reconhecimento do incognoscvel, e acincia, a que cabe todo o domnio do cognoscvel, que lugar tem afilosofia? Spencer definiu-a como o conhecimento no seu mais altograu de generalidade (First Princ., 37). A cincia conhecimentoparcialmente unificado; a filosofia, conhecimento completamenteunificado. As verdades da filosofia so em relao s verdades

    cientficas mais altas o que estas so em relao s verdadescientficas mais baixas, de modo que as generalizaes da filosofiacompreendem e consolidam as mais vastas generalizaes dacincia. A filosofia o produto final desse processo que comeacom a recolha de observaes isoladas e termina com asproposies univer-

    26

    sais. Por isso, deve tomar como material prprio e

    ponto de partida os princpios mais vastos e mais gerais a que acincia chegou.

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    22/233

    Tais princpios so: a indestrutibilidade da matria, a continuidadedo movimento, a persistncia da fora-com todas as suasconsequncias entre as quais se encontra a lei do ritmo, ou seja, daalternncia de elevao e queda no desenvolvimento de todos osfenmenos. A frmula sinttica que estes princpios geraisrequerem uma lei que implica a

    contnua redistribuio da matria e da fora. Tal , segundoSpencer, a lei da evoluo, que significa que a matria passa de umestado de disperso a um

    estado de integrao (ou concentrao), enquanto a

    fora que operou a concentrao se dissipa. A filosofia , portanto,essencialmente uma teoria da evoluo.

    Os Primeiros princpios definem a natureza e os caracteres geraisda evoluo: as outras obras de Spencer estudam o processoevolutivo nos diversos domnios da realidade natural. A primeira

    determinao da evoluo que ela uma passagem de umaforma menos coerente a uma forma mais coerente. O sistema solar(que saiu de uma nebulosa), um organismo animal, uma nao,mostrando, no seu desenvolvimento, esta passagem de um estado dedesagregao a um estado de coerncia e de harmonia crescentes.Mas a determinao fundamental do processo evolutivo o que ocaracteriza como passagem do homogneo ao heterogneo. Esta

    caracterizao sugerida a Spencer pelos fenmenos biolgicos.Todo o organismo, planta ou animal, se desenvolve atravs

    27

    cia diferenciao das suas partes, que a princpio so, qumica ou

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    23/233

    biologicamente, indistintas, e logo se diferenciam para formartecidos e rgos diversos. Spencer cr que este processo prpriode todo o desenvolvimento, em qualquer campo da realidade: nalinguagem, primeiro constituda por simples exclamaes e sonsinarticulados e que logo se diferenciam em palavras diversas comona arte, que, a partir dos povos primitivos, cada vez mais se vaidividindo nos seus ramos (arquitectura, pintura, escultura, artesplsticas) e

    direces. Finalmente, a evoluo implica tambm urna passagem doindefinido ao definido: indefinida , por exemplo, a condio de umatribo selvagem em

    que no existe especificao de tarefas e de funes; definida a deum povo civilizado, assente na diviso do trabalho e das classessociais. Spencer usa, pois, esta frmula definitiva da evoluo (FirstPrinc., 145): "A evoluo uma integrao de matria e

    uma concomitante dissipao do movimento, durante a qual a

    matria passa de uma homogeneidade indefinida e incoerente a umaheterogeneidade definida e

    coerente; e durante a qual o movimento conservado sofre umatransformao paralela".

    A evoluo um processo necessrio. A homogeneidade, que o seuponto de partida, um estado instvel que no pode durar e deve

    passar ao estado de heterogeneidade para alcanar o equilbrio. Porisso, a evoluo deve comear; uma vez comeada, deve continuarporque as partes que permanecem homogneas tendem, por seuturno, para a sua instabilidade, para a heterogeneidade. O sentidodeste processo necessrio e contnuo optimista. Spencer ad-

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    24/233

    28

    mite que, na lei do ritmo, a evoluo e a dissoluo, onde quer que severifique, a premissa de uma

    evoluo ulterior. Pelo que respeita ao homem, a evoluo devedeterminar uma crescente harmonia entre a sua natureza espirituale as condies de vida. "E esta , diz Spencer (1b., 176), agarantia para crer que a evoluo s pode terminar com oestabelecimento da maior perfeio e da mais completa felicidade".

    Spencer nega que a sua doutrina possa ter um

    significado materialista ou espiritualista e considera a disputaentre estas duas orientaes como uma mera

    guerra de palavras. Quem esteja convencido de que o ltimomistrio h-de permanecer sempre, est disposto a formular todosos fenmenos, seja em termos de matria, movimento e fora, seja

    noutros termos, mas sustentar firmemente que s numa doutrinaque reconhea a causa desconhecida como coextensiva a todas asordens dos fenmenos, pode haver uma religio coerente e umacoerente filosofia. Ver que a relao de sujeito e objecto tornanecessrias as concepes antitticas de esprito e matria; masconsiderar uma e outra como sinais da realidade desconhecidasubjacente a ambas (Ib., 194).

    652. SPENCER: BIOLOGIA E PSICOLOGIA

    As obras de Spencer dedicadas biologia, psicologia, sociologiae tica constituem a aplicao do princpio evolutivo ao campodestas cincias.

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    25/233

    29

    A biologia , para Spencer, o estudo da evoluo dos fenmenosorgnicos e da sua causa. A vida consiste na combinao defenmenos diversos, contemporneos e sucessivos, a qual seencontra em correspondncia com mutaes simultneas ousucessivas do ambiente exterior. Eis porque consisteessencialmente na funo da adaptao; e precisamente atravsdesta funo que se formam e se diferenciam os rgos, a

    fim de corresponderem cada vez melhor s solicitaes do exterior.Spencer atribui assim o primeiro lugar, na

    transformao dos organismos vivos, ao princpio lamarckiano dafuno que cria o rgo; reconhece, porm, a aco do princpiodarwiniano da seleco natural (a que ele chama "sobrevivncia, domais apto"), que, todavia, no pode actuar seno atravs daadaptao ao ambiente e, portanto, do desenvolvimento funcionaldos rgos. Insiste, sobretudo, na

    conservao e na acumulao das mudanas orgnicas individuais porobra da hereditariedade; e concebe o progresso da vida orgnicacomo adaptao crescente dos organismos ao ambiente poracumulao das variaes funcionais que respondem melhor aosrequisitos ambientais.

    A conscincia um estdio desta adaptao; e, mais, a sua fase

    decisiva. Spencer no admite a

    reduo integral da conscincia s impresses ou s ideias, segundoa doutrina tradicional do empirismo ingls. A conscincia pressupeuma unidade, uma fora originria; por conseguinte, uma substnciaespiritual que seja a sede desta fora. Mas, tal como se verifica na

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    26/233

    substncia e na fora material, tambm a substncia e a foraespiritual so, na sua natureza

    30

    ltima, incognoscveis; e a psicologia deve limitar-se a

    estudar as suas manifestaes. Todavia, possvel uma psicologiacomo cincia autnoma; e Spencer afasta-se da tese de Comte, quea negara. H uma

    psicologia objectiva que estuda os fenmenos psquicos no seusubstracto material; e h uma psicologia subjectiva, fundada naintrospeco que " constitui uma cincia completamente parte,nica no seu

    gnero, independente de todas as outras cincias e C1,1

    antiteticamente oposta a cada uma delas" (Princ. of Psych. 56).

    S a psicologia subjectiva pode servir de apoio lgica, isto , podecontribuir para determinar o desenvolvimento evolutivo dosprocessos do pensamento. Tal desenvolvimento explica-se, contudo,como qualquer outro desenvolvimento; um processo de adaptaogradual que vai da aco reflexa, que a primeira fase do psquico,atravs do instinto e da memria, at razo. No que respeita aesta ltima, Spencer admite que existem noes ou verdades priori no sentido de serem independentes da experincia pontual e

    temporal do indivduo; e nesse sentido reconhece a parciallegitimidade das doutrinas "apriorsticas", como as de Leibniz eKant. Mas o que neste sentido priori para o

    indivduo, no o para a espcie humana, dado que resulta daexperincia acumulada pela espcie atravs de um longussimo

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    27/233

    perodo de desenvolvimento, e que se fixou e tomou hereditria naestrutura orgnica do sistema nervoso (1b., 426-33). evidenteque aqui o a priori entendido no sentido da uniformidade e daconstncia de certos procediinentos intelectuais, no no sentido davalidez.

    31

    No se poderia, de facto, excluir a possibilidade de que asexperincias acumuladas fixadas pela sucesso das geraescontenham, alm de verdades, erros, prejuzos e distores. Masuma possibilidade deste gnero tacitamente excluda por Spencerdevido ao

    significado optimista ou exaltante que o processo evolutivo revestepara ele em todos os campos. Uma evoluo intelectual , como tal,aquisio e incremento de verdade; mais ainda, a prpria verdadeem progresso atravs da sucesso das geraes.

    653. SPENCER: SOCIOLOGIA E TICAEmbora utilizando alguns resultados da sociologia de Comte eaceitando o nome da cincia que Comte inventara, Spencer modificaradicalmente o conceito desta. Com efeito, para Comte, a sociologia a disciplina que, descobrindo as leis dos factos sociais, permiteprev-los e orient-los, o fim da sociologia a sociocracia, a fase dasociedade em que o positivismo se tornar regime. Para Spencer, ao

    invs, a sociologia deve limitar-se a uma tarefa puramentedescritiva do desenvolvimento da sociedade humana at ao ponto aque chegou hoje. certo que pode determinar as condies a que odesenvolvimento ulterior dever satisfazer; mas no as metas e osideais a que ele tende. Determinar as metas, isto , estabelecerqual deve ser o homem ideal numa sociedade ideal, o objectivo da

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    28/233

    moral. A sociologia e a moral, que eram uma s coisa na obra deComte, so assim distinguidas claramente por Spencer.

    32

    A sociologia determina as leis da evoluo super-orgnica econsidera a prpria sociedade humana como um organismo, cujoselementos so, primeiro, as famlias, e depois os indivduossingulares. O organismo social distingue-se do organismo animal pelofacto de a conscincia pertencer apenas aos elementos que acompem. A sociedade no tem um sensrio como o animal: vive esente s nos indivduos que a compem. A sociologia de Spencerest nitidamente orientada para o individualismo e, por conseguinte,para a defesa de todas as liberdades individuais, em contraste coma sociologia de Comte e, em geral, com a orientao social dopositivismo. Um dos temas principais, tanto dos Princpios desociologia, como

    das outras obras complementares (0 homem contra o estado, 1884-,

    Estatstica social, 1892), tema que domina de ponta a ponta asociologia de Spencer, o princpio de que o desenvolvimento socialdeve ser abandonado fora espontnea que o dirige e o

    impulsiona para o progresso e que a interveno do estado nosfactos sociais no faz seno perturbar e

    obstar esse desenvolvimento. objeco de que o

    estado deve fazer alguma coisa para extinguir ou

    diminuir a misria ou a injustia social, Spencer responde que oestado no o nico agente que pode eliminar os males sociais, queexistem outros agentes, os quais, deixados em liberdade, podem

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    29/233

    conseguir melhor esse objectivo. Ademais, nem todos ossofrimentos devem ser evitados, j que muitos so curativos, eelimin-los significa eliminar o remdio. Alm disso, quimricosupor que todos os males podem ser debelados; existem defeitos danatureza

    33

    humana que, se se lhes aplicar um pretenso remdio, voltam a surgirnoutro ponto e se tomam ainda mais graves (Social Statics, ed.1892). O homem contra o

    estado visa a combater "o grande preconceito da poca presente": odireito divino do Parlamento, que substituiu o grande preconceitoda poca passada: o direito divino da monarquia. Um verdadeiroliberalismo deve negar a autoridade ilimitada do Parlamento, como ovelho liberalismo negou o ilimitado poder do monarca (Man versusthe State, ed. 1892, p. 292, 369). De resto, a crena naomnipotncia do governo gera as revolues que pretendem obter

    pela fora do estado toda a espcie de coisas impossveis. A ideiaexorbitante do que o estado pode fazer, por um lado, e osinsignificantes resultados a que o estado chega, geram sentimentosextremamente hostis ordem social (Social Statics, p. 131).

    O conceito de um desenvolvimento social lento, gradual e inevitvel,torna Spencer extremamente alheio s ideias de reforma social quehaviam sido acariciadas pelo positivismo social, incluindo nestes os

    utilitaristas e Stuart Mill. "Da mesma maneira que no se podeabreviar a vida entre a infncia e a maturidade, evitando aquelemontono processo de crescimento e de desenvolvimento que seopera insensivelmente com leves incrementos, tambm no possvel que as formas sociais inferiores se tornem mais elevadas,sem atravessarem pequenas modificaes sucessivas" (The Study

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    30/233

    of Soc., 16, Concl.).O processo da evoluo social de tal modo predeterminado quenenhum ensino ou disciplina pode fazer com que ultrapassem aquelelimite de velocidade

    34

    que lhes imposto pela modificao dos seres humanos. Antes quese possam verificar nas instituies humanas transformaesduradouras, que constituam uma verdadeira herana da raa, necessrio que se repitam at ao infinito nos indivduos ossentimentos, os pensamentos e as aces que so o seu fundamento.Por isso, toda a tentativa de forar as etapas da evoluo histrica,todos os sonhos de visionrios ou de utopistas tm como nicoresultado retardar ou subverter o processo natural da evoluosocial.

    Isto no implica, segundo Spencer, que o indivduo devapassivamente abandonar-se ao curso natural dos eventos. O prprio

    desenvolvimento social determinou a passagem de uma fase decooperao humana constritiva e imposta a uma fase de cooperaomais livre e espontnea. esta a passagem do regime militarcaracterizado pela prevalncia do poder estatal sobre os indivduos,aos quais impe tarefas e funes, ao regime industrial, que fundado, pelo contrrio, na actividade independente dos indivduos,a quem leva a reforar as suas exigncias

    e a respeitar as exigncias dos outros, fortalecendo a

    conscincia dos direitos pessoais e decidindo-os a resistirem aoexcesso do controlo estatal. Contudo, Spencer no julga definitivo oregime industrial (no qual, alis, a sociedade actual ainda agoraentrou). possvel antever-se a possibilidade de um terceiro tipo

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    31/233

    social, o qual, embora sendo fundado, como o

    industrial, na livre cooperao dos indivduos, imponha mbeisaltrustas em vez dos egostas, que regem o regime industrial; ou,melhor ainda, concilie o al-

    35

    trusmo com o egosmo. Tal possibilidade porm, no pode serprevista pela sociologia, mas unicamente pela tica.

    A tica de Spencer , substancialmente, uma tica biolgica, quetem por objecto a conduta do homem, isto , a adaptaoprogressiva do homem mesmo s suas condies de vida. Taladaptao implica no s um prolongamento da vida mas a sua maiorintensidade e riqueza. Entre a vida de um selvagem e a de umhomem civilizado no existe s uma diferena de durao, mastambm de extenso: a do homem civilizado implica a consecuo defins muito mais variados e ricos, que a tornam mais intensa e

    extensa. Esta crescente intensidade aquilo que se deve entenderpor felicidade. Dado que bom todo o acto adequado ao seu fim, avida que se apresenta, em conjunto, mais bem adaptada s suascondies tambm a vida mais feliz e agradvel. Por conseguinte,o bem identifica-se com o prazer; e a moral hedonstica ouutilitarista , sob um certo aspecto, a nica possvel. Spencer,contudo, no admite o utilitarismo na forma que ele assumira naobra de Bentham e dos dois Mill. O mbil declarado e consciente da

    aco moral do homem no nem pode ser a utilidade. A evoluosocial, acumulando com a sua herana um nmero enorme deexperincias morais que permanecem inscritas na estruturaorgnica do indivduo, fornece ao prprio indivduo um a priorimoral, que o para ele embora o no seja para a espcie. Deveadmitir-se que o homem individual age por dever, por um sentimento

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    32/233

    de obrigao moral; mas a tica evolutiva d conta do nascimentodeste

    36

    sentimento, mostrando como ele nasce das experincias repetidas eacumuladas atravs da sucesso de inmeras geraes. Estasexperincias produziram a

    conscincia de que o deixar-se guiar por sentimentos que sereferem a resultados longnquos e gerais , habitualmente, mais tilpara se alcanar o bem-estar do que deixar-se guiar porsentimentos que devem ser

    imediatamente satisfeitos, e transformaram a aco externapoltica, religiosa e social, num sentimento de coaco puramenteinterior e autnomo.

    Mas esta reflexo sobre a evoluo demonstra tambm que o

    sentido do dever e da educao moral transitrio e tende adiminuir com o aumento da moral. Ainda hoje acontece que otrabalho que deve ser imposto ao rapaz como uma obrigao seresolve numa manifestao espontnea do homem de negciossubmerso nos seus assuntos. Assim, a manuteno e a proteco damulher por parte do marido, a

    educao dos filhos por parte dos pais, no tm, o

    mais das vezes, nenhum elemento coactivo, mas so deveres que secumprem com perfeita espontaneidade e prazer. Spencer prev,por isso, que "com a

    completa adaptao ao estado social, aquele elemento da

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    33/233

    conscincia moral que expresso pela palavra obrigao,desaparea de todo, As aces mais elevadas, requeridas pelodesenvolvimento harmnico da vida, sero factos to comuns como oso agora as aces inferiores a que nos impele o simples desejo"(Data of Ethics, 46). Esta fase final da evoluo moral no implicaa prevalncia absoluta do altrusmo a expensas do egosmo. Aanttese entre egosmo e

    altrusmo natural na situao presente, que se ca-

    37

    racteriza pela prevalncia indevida das tendncias egostas e naqual, por isso, o altrusmo assume a forma de um sacrifcio destastendncias. Mas a evoluo moral, fazendo coincidir cada vez mais a

    satisfao do indivduo com o bem-estar e a felicidade dos outros( e nisto que consiste a simpatia), provocar o acordo final doaltrusmo com o egosmo. "0 altrusmo que dever surgir no futuro,

    diz Spencer, no um altrusmo que esteja em oposio ao egosmo,mas vir, por fim, a coincidir com este em grande parte da vida, eexaltar as satisfaes que so egostas por constiturem prazeresfrudos pelo indivduo, embora sejam altrustas pela origem de taisprazeres" (Data of Ethics, App.).

    654. DESENVOLVIMENTO DO POSITIVISMO

    O positivismo de Comte e de Spencer determinou rapidamente aformao de um clima cultural que deu os seus frutos fora docampo da filosofia, na

    crtica histrica e literria, no teatro e na literatura narrativa. EmInglaterra, o positivismo seguiu (salvo algumas excepes, 638

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    34/233

    sgs.) a orientao evolucionista. Os seguidores de Spencer foram,nos ltimos decnios do sculo XIX, numerosos, e numerosssimasas obras que defenderam, difundiram e expuseram, em todos osaspectos positivos e polmicos, os pontos fundamentais dopositivismo. Trata-se, porm, de uma produo mais divulgadora doque filosfica, dado que nela os elementos de investigao originalso mnimos e raramente apresentam novos

    38

    problemas ou novas abordagens dos mesmos problemas. J nosreferimos a Toms Huxley (1825-95), que foi o inventor do termoagnosticismo (0 lugar do homem na natureza, 1864; Sermes laicos,1870; Crticas e orientaes, 1873-, Orientaes americanas,1877; Hume, 1879; Cincia e cultura, 1881; Ensaios,1892; Evoluo e tica, 1893; Ensaios recolhidos,9 vol., 1893-1894; etc.). Nas obras de Huxley no se

    encontra o carcter religioso e romntico da especulao de

    Spencer. Matria e fora no so para ele manifestaes de umincognoscvel divino, mas

    apenas nomes diversos para determinar estados de conscincia;nem to-pouco corresponde lei natural uma realidadetranscendente qualquer, porque apenas uma regra comprovadapela experincia e que se supe o seja no futuro. Explicam-se desteponto de vista as simpatias de Huxley por Hume, ao qual dedicou

    uma monografia, reprovando-o contudo por no

    ter reconhecido, juntamente com as impresses e as

    ideias, uma terceira ordem de impresses: "as impresses derelaes" ou "impresses de impresses", que correspondem ao

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    35/233

    nexo de semelhana entre as prprias impresses.

    William Clifford (1845-79) procurou elaborar uma

    doutrina da coisa em si do ponto de vista do evolucionismo (Lies eensaios, 1879). O objecto fenomnico um grupo de sensaes queso mutaes na minha conscincia. As sensaes de um outro serno podem, porm, tornar-se objectos da minha conscincia: soexpulses (ejections), que consideramos como objectos possveis deoutras conscincias e que nos do a convico da existncia darealidade exte-

    39

    rior. A teoria da evoluo, mostrando-nos uma ininterrupta srie dedesenvolvimentos, desde os elementos inorgnicos aos mais altosprodutos espirituais, torna verosmil admitir que todo o movimentoda matria seja acompanhado por um acto expulsivo que podeconstituir o objecto de uma conscincia. E dado que estes actos

    expulsivos no so outra coisa seno as prprias sensaes, asensao a verdadeira coisa em si, o ser absoluto, que no exigerelaes com nenhum outro, e nem sequer com a conscincia. Ela otomo psquico, cujas combinaes constituem as conscinciasmesmas. O pensamento no mais do que a imagem inadequadadeste mundo de tomos originrios. A estas estranhas especulaesde Clifford se encontra ligado G. S. Romanes (1848-94), autor deUm cndido exame do tesmo (1878), que conclui negativamente

    acerca da possibilidade de conciliar o tesmo com o evolucionismo, ede outros escritos (Esprito, movimento e monismo,1895; Pensamentos sobre a religio, 1896), nos quais se inclina parao monismo materialista de Haeckel.

    Outros pensadores desenvolveram o positivismo evolucionista em

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    36/233

    Inglaterra no campo da antropologia e da psicologia, como FrancisGalton (1822-1911) e como Grant Allen. (1848-99), que estudousobretudo a psicologia e a filosofia dos sentimentos estticos e foitambm autor de uma obra intitulada a Evoluo da ideia de Deus(1879), que uma crtica do tesmo. Outros desenvolveram oevolucionismo no terreno das anlises morais, como Leslie eStephen (1832-1904), autor de uma obra intitulada Cincia da tica(1882), assim como de meritrios estudos hist-

    40

    ricos sobre a filosofia inglesa do sculo XVIII e dos princpios dosculo XIX; e como Eduardo Westermarck, autor de uma vastaobra, Origem e desenvolvimento das ideias morais (1906-08).Exerceu uma influncia notabilissiraa sobre as investigaespsicolgicas do sculo XIX a obra de Alexandre Bain (1818-1903),que foi um rigoroso defensor do associacionismo psicolgico eadmitiu, justamente com a associao por contiguidade esemelhana, uma terceira forma de associao, a "construtiva", que

    actuar nafantasia e na investigao cientfica. O sentido e o entendimento(1855), As emoes e a vontade (1859) so as principais obraspsicolgicas de Bain, que se

    ocupou tambm de lgica, de tica e de educao (Cincia mental ecincia moral, 1868; Lgica, 1870; Esprito e corpo, 1873; A

    educao como cincia,1878).

    655. CLUDIO BERNARD

    No clima do positivismo, de que no entanto no partilhava todas as

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    37/233

    teses, se inscreve a obra do fisilogo francs Cludio Bernard(1813-78), autor de um

    dos mais importantes escritos oitocentistas de metodologia dacincia, a Introduo medicina experimental (1865).

    A filosofia e a cincia, segundo Bernard, devem unir-se, sem queuma pretenda dominar a outra. "A sua separao - afirma - serianociva aos progressos do conhecimento humano. A filosofia quetende incessantemente a elevar-se, faz remontar a cincia causaou origem das coisas. Mostra que fora da cincia

    41

    existem questes que atormentam a humanidade e que a cinciaainda no resolveu" (Intr. Ptude de Ia mdecine exprimentale,111, IV, 4). Se o liame entre a filosofia e a cincia se rompe, afilosofia perde-se nas nuvens, e a cincia, ficando sem direco,pra ou procede ao acaso. Nesta relao, todavia, a

    cincia deve ter a liberdade de proceder segundo o

    seu mtodo e deve, sobretudo, evitar fixar em sistemas oudoutrinas as suas hipteses directivas. A cincia no temnecessidade de sistemas ou doutrinas, ruas sim de hipteses quepossam ser submetidas verificao. " O mtodo experimental,enquanto mtodo cientfico, baseia-se inteiramente na verificao

    experimental de uma hiptese cientfica. Esta verificao podeobter-se tanto por meio de uma nova observao (cincia deobservao) como por meio de uma

    experincia (cincia experimental). No mtodo experimental, ahiptese uma ideia cientfica que se

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    38/233

    tem de submeter experincia . A inveno cientfica reside nacriao de uma hiptese feliz e fecunda, que dada pelosentimento ou pelo gnio do cientista que a criou" (Ib., 11, IV, 4).O axioma fundamental do mtodo experimental odeterminismo, isto , a concatenao necessria entre um facto eas suas condies. "Perante qualquer fenmeno dado, um

    experimentador no poder admitir nenhuma variao na expressodeste fenmeno sem admitir que ao

    mesmo tempo tenham sobrevindo condies novas,

    na sua manifestao; alm disso, ter a certeza a priori de queestas variaes so determinadas por relaes rigorosas ematemticas" (Ib., 1, 11, 7). Bernard distingue o determinismocomo axioma experimental

    42

    do fatalismo como doutrina filosfica. "Demos o

    nome de determinismo causa prxima ou determinante dosfenmenos. No operamos nunca sobre a essncia dos fenmenos danatureza mas apenas sobre o seu determinismo e pelo prprio factode operarmos sobre ele, o determinismo difere do fatalismo sobreo qual no se poderia actuar. O fatalismo supe a manifestao

    necessria de um fenmeno independente das suas condies, aopasso que o determinismo a condio necessria de um fenmenocuja manifestao no forada" (1b., 111, IV, 4). Trata-se,diremos ns, de um "determinismo metodolgico": do ponto de vistado qual, observa Bernard, "no h nem espiritualismo, nem matriabruta, nem matria viva; existem s fenmenos de que necessrio

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    39/233

    determinar as condies, isto , as circunstncias que constituem acausa prxima dos mesmos" (1b., HI, IV, 4).

    Deste ponto de vista, Cludio Bernard recusa-se a

    operar a reduo (to cara ao materialismo do seu tempo) dosfenmenos vitais aos fenmenos fsico-qumicos. Os fenmenosvitais podem ter, sem dvida, caracteres prprios e leis prprias,irredutveis aos da matria bruta. No obstante, o mtodo de que abiologia dispe o mtodo experimental das cincias fsico-qumicas. A unidade do mtodo no implica a reduo destesfenmenos s leis que os regem Qb., 11, 1, 6). Maisespecificamente, os organismos vivos, embora podendo serconsiderados como "mquinas", manifestam com respeito smquinas no vivas um maior grau de independncia em relao scondies ambientais que lhes permitem o funcio-

    43

    namento. Aperfeioando-se, tomam-se pouco a pouco mais "livres"do ambiente csmico geral no sentido de que j no esto mercdeste ambiente. O determinismo interno, todavia, no desaparecenunca, antes se torna tanto mais rigoroso quanto mais o organismotende a subtrair-se ao determinismo do ambiente externo" (1b., 11,1, 108).

    As ideias de Cludio Bernard conservam ainda hoje, nas linhas

    gerais que aqui lembramos, um equilbrio que as torna apreciveis,no apenas como fase histrica importante no desenvolvimento dametodologia das cincias, mas tambm como uma indicao aindavlida para os desenvolvimentos das cincias biolgicas. Bernardpartilha com o positivismo a averso metafsica e a f naspossibilidades da cincia: no partilha, porm, as tendncias

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    40/233

    reducionistas; recusa-se a reduzir a filosofia cincia, como serecusa a reduzir o esprito matria ou a

    vida aos fenmenos fsico-qumicos. As teses reducionistas dopositivismo foram difundidas em Frana por Taine e Renan.

    656. TAINE E RENAN

    Hiplito Taine (1828-93), j no seu Ensaio sobre as fbulas de LaFontaine (1853), exprimia nestes termos o seu conceito do homem:"Pode-se considerar o homem como um animal de espcie superiorque produz filosofias e poemas, pouco mais ou menos como osbichos de seda fazem os seus casulos e as abelhas os seus alvolos".Em Os filsofos fran-

    44

    ceses do sculo XIX (1857), Taine condenava em bloco o movimentoespiritualista e via o progresso da cincia na anlise dos factos

    positivos e na explicao de um facto pelo outro. Um passo daintroduo da Histria da literatura inglesa (1836) tornou-sefamoso como expresso caracterstica do mtodo que Tainepretende aplicar crtica literria e histria como aos problemasda filosofia. "0 vcio e a virtude, - escreve ele - so produtos cornoo cido sulfrico e o acar, e todo o dado complexo nasce doencontro de outros dados mais simples de que depende". Porconsequncia, Taine cr que a raa, o ambiente exterior e as

    condies particulares do momento determinam necessariamentetodos os produtos e os valores humanos, e bastam para os explicar.A Filosofia da arte (1856) obedece ao princpio de que a

    obra de arte o produto necessrio do conjunto das circunstnciasque a condicionam e que, consequentemente, se pode extrair destas

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    41/233

    no s a lei que regula o desenvolvimento das formas gerais daimaginao humana, mas tambm a que explica as variaes doestilo, as diferenas das escolhas nacionais e at os caracteresoriginais das obras individuais.

    A obra Sobre a inteligncia (1870) talvez a mais rigorosa, edecerto a mais genial tentativa de reduzir toda a vida espiritual aum mecanismo sujeito a leis em tudo semelhantes, pela suanecessidade rigorosa, s naturais. Taine afirma que " preciso prde lado as palavras razo, inteligncia, vontade, poder pessoal e, ato termo eu; como tambm se devem pr de parte as palavras foravital, fora curativa, alma vegetativa. Trata-se de metforasliterrias, cmodas,

    45

    quando muito, como expresses abreviativas e sumrias paraexprimir estados gerais e efeitos de conjunto" . A observaopsicolgica no descobre outra coisa mais do que sensaes e

    imagens de diversas espcies, primrias ou consecutivas, dotadasde certas tendncias e modificadas no seu desenvolvimento peloconcurso ou pelo antagonismo de outras imagens simultneas oucontguas (De Vnte11--- 1903, 1, p. 124). Por outros termos, toda avida psquica se reduz ao movimento, ao choque, ao contraste e aoequilbrio das imagens, que, por seu turno, derivam totalmente dassensaes. "Chegados sensao, estamos no

    limite do mundo moral; daqui ao mundo fsico h um abismo, um marprofundo que nos impede de praticar as nossas sondagensordinrias" (1b., p. 242). Mundo fsico e mundo psquico so duasfaces da mesma realidade, uma das quais acessvel conscincia,a outra aos sentidos. Mas, ao passo que o

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    42/233

    ponto de vista da conscincia o imediato e directo, a percepoexterna indirecta. "No nos informa dos caracteres prprios doobjecto; informa-nos somente de uma certa classe dos seus efeitos.O objecto no nos mostrado directamente mas -nos indicadoindirectamente pelo grupo de sensaes que ele desperta oudespertaria em ns" (1b., 1, p. 330). Taine apoia-se, neste ponto, naautoridade de Stuart Mill: mas acha possvel, contra Stuart Mill,"restituir aos

    corpos a sua existncia efectiva", reduzindo o testemunho daconscincia e a percepo sensvel externa (que so as nicas duasmaneiras de conhecer) a um

    mnimo de determinao comum que seria a sua comumobjectividade e, portanto, o seu objecto real.

    46

    Neste caso, sensao e conscincia reduzem-se ao movimento

    (porque o movimento a mnima objectividade comum que elaspossuem), e podem, por isso, ser consideradas como duas traduesdo texto originrio da natureza (Ib., 11, p. 117, n. 1). quanto aosconceitos, so, para Taine, simplesmente "sons significativos",produzidos originariamente pelos objectos e empregados depois,independentemente deles, por razes de semelhanas ou analogias.O conhecimento racional constitudo por juzos gerais que socpias de signos ou sons deste gnero. Assim como os ltimos

    elementos de uma catedral so rgos de areia ou de silexaglutinados em pedras e formas diversas, assim tambm os ltimoselementos do conhecimento humano se reduzem a sensaesinfinitesimais, todas iguais, que com as

    suas diversas combinaes produzem as diferenas do conjunto

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    43/233

    (1b., 11, p. 463),

    Emesto Renan (1823-92) foi outro grande expoente do positivismofrancs da segunda metade do sculo XIX. Na sua obra filolgica,histrica e crtica, Renan inspirou-se constantemente numpositivismo que, embora no tendo a lucidez e a fora do de Taine,deixando-se arrastar s vezes por nostalgias espiritualistas ereligiosas, no , em substncia, menos rigoroso. O futuro dacincia, escrito em 1848 mas publicado em 1890, o credofilosfico positivista de Renan e um verdadeiro hino de exaltaoromntica cincia. A se pode ver, decerto, a influncia queexerceu sobre Renan o materialismo do qumico Marcelino Berthelot(1827-1907), seu companheiro de juventude; mas, conquanto Renandepressa tenha dei-

    47

    xado esmorecer o seu entusiasmo optimista pela cincia, as suasideias permaneceram substancialmente imutveis. "A cincia, e s a

    cincia, pode dar humanidade aquilo que lhe indispensvel paraviver, um smbolo e uma lei", escrevia Renan (Av. de la sc.,1894, p. 3 1) -, e via o fim ltimo da cincia na "organizaocientfica da humanidade". A religio do futuro ser o "humanismo,o culto de tudo o que pertence ao homem, a vida inteira santificadae elevada a um valor moral" (1b., p. 101). A prpria filosofia dependeda cincia, pois que o seu escopo recolher e

    sintetizar os resultados gerais desta ltima. "A filosofia a cabeacomum, a regio central do grande feixe do conhecimento humano,em que todos os raios se confundem numa luz idntica" (1b., p. 159).Ela no pode resolver os problemas do homem seno dirigindo-se scincias particulares que lhe fornecem os

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    44/233

    elementos destes mesmos problemas. . Mas, dado que a humanidadeest em permanente devir, a histria a verdadeira cincia dahumanidade (1h., p, 149). E histria Renan dedicou boa parte dasua actividade. Os estudos sobre Averris e averrosmo (1852)tendem a demonstrar que a ortodoxia religiosa impediu entre osmaometanos a evoluo do pensamento cientfico e filosfico. Asorigens do cristianismo, cujo primeiro volume a famosa Vida deJesus (1863), baseiam-se inteiramente no pressuposto de que asdoutrinas do cristianismo no podem ser valorizadas do ponto devista do miraculoso ou do sobrenatural, mas apenas como amanifestao de um ideal moral em perfeito acordo com a paisageme com as condies materiais em

    48

    TAINE

    que nasceu. A Histria do povo de Israel, que Renan comeou acompor aos sessenta anos, devia mostrar como se formou entre os

    profetas uma religio semdogmas nem cultos. Os Dilogos e fragmentos filosficos (1876) e oExame de conscincia filosfico (1889, em Folhas soltas, 1892)confirmam substancialmente a atitude positivista de Renan. Nestasobras, a

    filosofia ainda concebida como "o resultado geral de todas as

    cincias"; e afirma-se que a filosofia decaiu e degenerou quandopretendeu ser uma disciplina parte, como aconteceu com aescolstica medieval, na poca do cartesianismo, e nas tentativas deSchelling e de Hegel. Nestes ltimos escritos de Renan acentua-sea nostalgia sentimental pela religio; contudo, no lhe reconheceoutra utilidade seno a de uma hiptese capaz de sugerir

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    45/233

    determinadas atitudes morais. "A atitude mais lgica do pensadorperante a religio, afirma Renan (Feuilles dtaches, 1892, p. 432), a de proceder como se ela fosse religiosa. preciso agir como seDeus e a alma existissem. A religio entra assim no nmero demuitas outras hipteses, como o ter, os diversos fludos, oelctrico, o luminoso, o calrico, o nervoso e o prprio tomo, osquais sabemos bem serem apenas smbolos, meios cmodos paraexplicar os fenmenos, e que, no entanto, conservamos".

    A psicologia positivista francesa parte de Taine e tem por fundadorTeodoro Ribot (1839-1916), cujo primeiro trabalho precisamenteum estudo intitulado A psicologia inglesa contempornea (1870) eque em seguida se dedicou, sobretudo, ao estudo psicolgico

    49

    da vida afectiva, reivindicando a independncia desta contra asteses clssicas do associacionismo.

    657. POSITIVISMO: A SOCIOLOGIAO clima positivista foi particularmente favorvel aodesenvolvimento da sociologia no sentido que Spencer dera a estadisciplina, ou seja, como cincia descritiva das sociedades humanasna sua evoluo progressiva.

    Em Inglaterra John Lubbock (1834-1913) procurou mostrar,

    atravs do estudo e interpretao de um abundante materialetnolgico, que existiram e

    existem povos que nunca conheceram qualquer forma de religio(Tempos pr-histricos, 1865). E. B. Taylor (1832-1917) viu, aoinvs, no mito o precedente no s das religies mas tambm das

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    46/233

    filosofias espiritualistas modernas. Considera o animismo, isto , acrena difundida em todos os povos primitivos, de que todas ascoisas esto animadas, a forma primitiva da religio e da metafsica(Investigaes sobre a histria primitiva da humanidade, 1865; Acultura primitiva, 1870; Antropologia, 1881; Ensaios, antropolgicos,1907).

    Nos Estados Unidos da Amrica a sociologia spenceriana foiintroduzida por William. G. Summer (1840-1910), cuja obraprincipal, Folkways (1906),

    considerada clssica como estudo comparativo dos modos de vida edos costumes prprios de grupos sociais diversos.

    50

    Em Frana, a sociologia sofre a primeira viragem metodolgicaimportante por obra de Emilio Durkheim (1858-1917), cujo ensaioAs regras do mtodo sociolgico (1895), ao mesmo tempo que pe

    emcrise a sociologia sistemtica de Comte e Spencer, que pretendeser o estudo do mundo social na sua totalidade, delineia as normasque devem guiar as

    investigaes sociolgicas particulares. A primeira destas regrasprescreve que se devem considerar os factos como "coisas", isto ,

    como entidades objectivas independentes das conscincias dosindivduos que esto envolvidos nelas e tambm da conscincia doobservador que os estuda. Durkheim insistiu tambm no carcternon-nativo ou construtivo que os factos sociais assumem, sendoantes eles que determinam a

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    47/233

    vontade dos indivduos e, no esta que os determina, e constituindoportanto uniformidades de tipo cientfico, das quais possveldeterminar as leis. Esta preeminncia do factor social sobre oindividual conduz Durkheim a ver na religio o mito que a

    sociologia constri a partir de si mesma",, no sentido de que asrealidades admitidas pelas religies seriam objectivaes oupersonificaes do grupo social (Formes lmentaires de la vierligieuse, 1912).

    A orientao iniciada por Durkheim foi depois continuada no perodocontemporneo por uma numerosa pliade de socilogos; e, maisdirectamente, por Lucien Lvy-Brhul (1857-1939) (A moral e acincia dos costumes, 1903; As funes mentais nas sociedadesinferiores, 1910; O sobrenatural e a natureza lia mentalidadeprimitiva, 1931).

    51

    Mas desde ento a sociologia cada vez mais se desligou das suasconexes sistemticas com o positivismo e, em geral, com todo otipo de filosofia, reivindicando a sua natureza de cincia autnomae definindo de um modo cada vez mais rigoroso os caracteres e oalcance dos seus instrumentos de investigao. A esta orientaoveio dar um contributo fundamental a obra de Max Weber ( 743).

    658. POSITIVISMO EVOLUCIONISTA: ARDIG

    O positivismo evolucionista teve na Itlia um vigoroso defensor emRoberto Ardig, que exerceu notvel influncia sobre o climafilosfico italiano dos ltimos decnios do sculo XIX. Nascido emCasteldidone (Cremona) a 28 de Janeiro de 1828, foi padre catlicoe abandonou o hbito aos 43 anos (em 1871) quando considerou

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    48/233

    incompatveis com o mesmo as

    convices positivistas que tinham vindo a amadurecer lentamenteno seu crebro. Em 1881, foi nomeado professor de histria dafilosofia na Universidade de Pdua. Ardig ps termo vida a 15 deSetembro de1920, quando o clima filosfico italiano se orientara j para oidealismo, que tenazmente combatera nos ltimos anos da sua vida.A sua primeira obra um ensaio intitulado Pedro Pomponazzi(1869), no

    qual v um precursor do positivismo. Seguiram-se: A psicologia comocincia positiva (1870); A formao natural no fenmeno do sistemasolar (1877); * moral dos positivistas (1889); Sociologia (1879); *facto psicolgico da percepo (1882); O verda-

    52

    deiro (1891); Cincia da educao (1893); A razo (1894); A unidade

    da conscincia (1898), A doutrina spenceriana do incognoscvel(1899) e outros numerosos ensaios de carcter doutrinrio oupolmico que expem, sem os alterar, os pontos fundamentaiscontidos nas principais obras citadas.

    A doutrina de Ardig anloga de Spencer: como Spencer, Ardigconsidera que a filosofia se reduz organizao lgica dos dadoscientficos; como Spencer, admite que esta organizao se efectua

    em virtude do princpio de evoluo; como Spencer, finalmente,sustenta que os dados fundamentais da filosofia, o sujeito e oobjecto, o eu e o mundo exterior, no so duas realidades opostas,mas sim duas organizaes diversas de um nico contedo psquico(segundo a doutrina que Hume fizera prevalecer no empirismoingls). Sobre o primeiro ponto, Ardig reivindica para si uma certa

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    49/233

    originalidade em

    relao a Spencer e, em geral, concepo positivista da filosofia,urna vez que divide esta em cincias especiais, que seriam duas: apsicologia (compreendendo a lgica, a gnstica ou teoria doconhecimento, e a esttica) e a sociologia (incluindo a tica, adiceica ou cincia do justo e a econoraia); e numa cincia geral, queteria por objecto o que est para alm dos domnios particularesdestas cincias e a

    que, por isso, d o estranho nome de peratologia (cincia do queest para alm). Mas, precisamente, a

    peratologia no tem outro objecto seno as noes mais gerais dasdisciplinas cientficas e filosficas, e por isso considerada porArdig como a sn-

    53

    tese das noes gerais destas cincias, segundo o conceito habitualdo positivismo.

    De Spencer, distingue-se Ardig em dois pontos: na gerao doincognoscvel e na determinao do conceito de evoluo; ambos ospontos se fundam na orientao emprico-psicolgica da suadoutrina. Acima de tudo, Ardig rejeita o raciocnio que ascende darelatividade do conhecimento humano necessidade do

    incondicionado que Spencer tomara de Hamilton. Todo oconhecimento particular relativo, mas isto no significa que oconhecimento seja relativo na sua totalidade. Os conhecimentosparticulares acham-se, de facto, concatenados, de modo que unsso relativos aos outros; mas desta concatenao nenhuma ilao sepode extrair sobre a relatividade do conhecimento total. Por

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    50/233

    conseguinte, o

    incognoscvel no o absoluto ou o incondicionado que est para ldo conhecimento huniano e o sustenta, mas antes o ignoto, ouseja, o que no se tornou ainda conhecimento distinto, Opere, 11,1884, p. 350). Tais consideraes implicam j o conceito de umindistinto, isto , de um algo apercebido confusa ou genericamente,que, todavia, impele o pensamento para a anlise e, por conseguinte,para um

    conhecimento articulado e distinto. Ora, precisamente estapassagem do indistinto ao distinto o que constitui a evoluo ou,corno Ardig diz, a "formao natural" de todo o tipo ou forma darealidade. Enquanto Spencer extrara da biologia o seu

    conceito de evoluo como passagem do homogneo ao heterogneo,Ardig preferiu definir a evoluo em termos psicolgicos ou deconscincia. O indis-

    54tinto tal relativamente, isto , em relao a um

    distinto que dele procede assim como todo o distinto , por sua vez,um indistinto para o distinto sucessivo, porque o que produz,impele e explica tal distinto. Toda a formao natural, no sistemasolar como no

    esprito humano, uma passagem do indistinto ao

    distinto; tal passagem d-se necessria e incessantemente, segundouma ordem imutvel, regulada por um ritmo constante, quer dizer,por uma alternncia harmnica de perodos. Mas o distinto nunca

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    51/233

    exaure o indistinto, que permanece por debaixo dele e ressurgepara alm dele; e dado que o distinto o finito, necessrioadmitir, para alm do finito, o infinito como indistinto. "Talnecessidade do infinito - diz Ardig - como fundo e razo do finito,no existe s na natureza mas tambm no pensamento. Mais ainda:existe no pensamento precisamente porque existe na

    natureza. Mesmo quando o pensamento o perde de vista, fixando-seno distinto finito, ele, oculto, assiste-o e constitui a prpria forada lgica do seu discurso... Um pensamento isolado da mente de um

    homem aquele pensamento que existe com a evidncia que possui,pelo conjunto de toda a vida psquica do homem, no qual se formou;mais ainda: que existe pela vida de todos os outros homens desde oprimeiro; e, portanto, pela participao com o todo, na actualidade eno passado" (Op., 11, p, 129). E Ardig defende este infinito, que um incessante desenvolvimento progressivo, contra todas asnegaes que queiram interromp-lo com o recurso a uma causa

    ou a um fim ltimo transcendente. Toda a formao natural,incluindo o pensamento humano, um "me-

    55

    teoro" que, nascido do indistinto, acabar de novo

    por afundar-se no indistinto e perder-se nele (1b., p. 189).

    Uma atenuao do determinismo rigoroso que o

    positivismo admite em todos os processos naturais introduzida

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    52/233

    por Ardig com a doutrina do acaso. A ordem global do universopressupe infinitas ordens possveis, e a actualizao de uma ou deoutro devida ao acaso. Isto sucede porque um acontecimento ,em geral, o produto da interseco num dado ponto do tempo, desries causais diversas e divergentes; e, embora cada uma destassries seja necessria e determinada, o encontro delas no o (1b.,p. 258). O pensamento humano um destes produtos casuais daevoluo csmica. "0 pensamento que hoje encontramos nahumanidade um pensamento que se

    formou pela continuao de acidentes infinitos, que se sucederam ese juntaram por acaso uns aos outros; por isso, a justo ttulo, sepode chamar ao pensamento global da humanidade uma formaoacidental, tal qual como a forma bizarra de uma nuvenzinha, que nocu impelida, antes de se desvanecer, pelo vento e dourada pelosol" (lb., p. 268). A aco do acaso determina a imprevisibilidade e arelativa indeterminao de todos os acontecimentos naturais,incluindo as aces humanas. Mas a imprevisibilidade e

    indeterminao no significam liberdade para a vontade humana, domesmo modo que no livre qualquer fenmeno natural. "Aliberdade do homem, ou

    seja, a variedade das suas aces, afirma Ardig (Op., 111, p. 122), o efeito da pluralidade das sries psquicas, ou dos instintos, seassim os quisermos

    56

    chamar. E se ela imensamente maior do que nos

    outros animais, isso depende unicamente do facto de que acomplexidade da sua constituio psquica, quer pela sua disposio

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    53/233

    intima, quer pelas suas relaes com o exterior, se presta a umnmero de combinaes imensamente maior". A liberdade humana ,portanto, um efeito daquele acaso que se

    encontra em todas as ordens de fenmenos e que procede davariedade de combinaes das diversas sries causais.

    O eu e o no-eu, a conscincia humana e o mundo exterior so, elestambm, combinaes causais e variveis, e so constitudos ambospelas sensaes. As sensaes so a "nebulosa" em que se forma

    e se organiza a psique, o indistinto, subjacente aos

    distintos que se constituem, ligando-se, num nico organismo lgico.Mas so tambm a nebulosa e o indistinto de que se origina o mundoexterior na distino dos seus objectos. Ardig chama auto-sntese formao do eu e hetero-sntese formao do mundo objectivo;mas, salvo a do nome, no existe qualquer diferena entre osprocessos formativos. "Assim como no cosmo material os elementos

    que lhe pertencem, o hidrognio, o oxignio, o carbono, o azoto, socomuns e se convertem ou no indivduo orgnico ou nas coisasambientais mediante os agrupamentos formativos que as fixam ouno indivduo ou nas coisas, assim no cosmo mental os elementos dasensao so de si comuns e se convertem ou no eu ou no no-eumediante os agrupamentos formativos que os fixam ou na auto-sntese ou na hetero-sntese" (1b., V. p. 483-84).

    57

    Os escritos morais de Ardig so essencialmente uma polmicacontra todas as formas de tica religiosa, espiritualista eracionalista e respeitam a tentativa, empreendida por Spencer, dereproduzir a

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    54/233

    formao das ideias morais do homem a factores naturais e sociais.Segundo Ardig, as idealidades e as mximas da moral nascem dareaco da sociedade aos actos que a prejudicam; reaco que,impressionando o indivduo, acaba por se fixar na sua conscinciacomo norma ou imperativo moral. Os caracteres intrnsecos dodever, a sua obrigatoriedade, a sua

    transcendncia, e a responsabilidade que lhe inerente, sodevidos, pois, interiorizao progressiva, atravs das experinciasconstantemente repetidas, das sanes exteriores que o acto moralencontra na sociedade, enquanto acto anti-social (1b., 111, p. 425sgs.; X, p. 279). Assim, Ardig entende a sociologia como "a teoriada formao natural da ideia de justia". Por consequncia, a justia a lei natural da sociedade humana e, precisamente, regula oexerccio do poder jurdico, que se transforma, interiorizando-se,em exigncia moral. Assim a primeira forma da justia o direito,como a primeira forma do direito a prepotncia; mas ao direitopositivo contrape-se em seguida o direito natural, que o ideal do

    direito, que se reforma nas conscincias sob o mesmo impulso que odireito positivo, mas se realiza imperfeitamente nas formas deste.O direito positivo est sempre atrasado em relao ao direitonatural, que exprime as idealidades sociais mais avanadas; e a lutadestas contra o direito positivo, para o reformar

    58

    sua imagem, constitui a incessante evoluo da justia (lb., IV, p.165, sgs.).

    659. O EVOLUCIONISMO MATERIALISTA (MONISMO)

    O positivismo evolucionista , na sua forma mais rigorosa,

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    55/233

    igualmente alheio ao materialismo e ao espiritualismo. Spencerafirma explicitamente (First Princ. 194) que o processo daevoluo pode ser interpretado em termos de matria e demovimento como

    em termos de espiritualidade e de conscincia; e, por outro lado, oAbsoluto que este processo manifesta, enquanto incognoscvel,no pode ser definido como matria nem como esprito. Mas ainsuprimvel tendncia romntica do positivismo dificilmente podiaconservar-se nesta posio de equilbrio; e as tentativas parainterpretar num sentido ou noutro o significado da evoluo foramtanto mais repetidas e

    enrgicas quanto, numa ou noutra das duas formas, a evoluo seprestava melhor a adquirir um significado, infinito e divino e a

    justificar uma exaltao religiosa ou pseudo-religiosa.

    Mais numerosas talvez, e decerto de maior ressonncia, foram asorientaes para o materialismo. Nos ltimos decnios do sculo

    XIX, uma pliade de cientistas, fsicos, bilogos e psiclogos detodos os

    pases, adoptaram o credo positivista, declarando ater-serigorosamente ao estudo dos factos e das suas leis e repudiandoqualquer explicao no mecnica dos mesmos. A resposta que oastrnomo Laplace

    59

    deu a Napoleo, que o interrogava sobre o lugar que reservava aDeus na sua doutrina astronmica: "No tenho necessidade dessa

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    56/233

    hiptese", torna-se o lema da poca. Combatem-se todas as formasde transcendncia religiosa e de "metafsica", entendendo-se pormetafsica toda a explicao no mecnica do mundo mas cai-seamide, e sem se dar conta de tal, na metafsica: numa metafsicamaterialista.

    Na Alemanha o florescimento positivista teve incio com adescoberta que Robert Mayer (1847-78) fez do equivalentemecnico do calor, que permite formular o princpio da conservaoda energia. Este principio e a tentativa de reduzir a vida a umconjunto de fenmenos fsico-qumicos, excluindo o que at entose chamara "fora vital", constituem o ponto de partida dametafsica materialista. O zologo Carlos Vogt (1817-1895)afirmava, numa obra de 1854, A f do carbonrio e a cincia, que "opensamento est para o crebro na mesma relao em que a blisest para o fgado ou a urina para os rins". E esta tese eraapresentada identicamente e condimentada com a mesma violentapolmica antireligiosa nas obras de Jacob Moleschott (1822-93),um alemo que foi, desde 1879, professor de filosofia em Roma, e

    numa obra famosa de Ludwig Bchner (1824-99), Fora ematria (1855).

    Outros naturalistas mantiveram, em compensao, uma atitude maiscauta e cingiram-se, como Darwin, a um rigoroso agnosticismo. Ofisilogo alemo Emlio du Bois-Reymond (1818-96) publicou umescrito em 1880 intitulado Sete enigmas do mundo. Eis os

    enigmas: 1.11 a origem da matria e da fora; 2.O a

    60

    origem do movimento; 3.o o aparecimento da vida;

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    57/233

    4.o a ordenao finalista da natureza; 5.O o aparecimento dasensibilidade e da conscincia; 6.o o pensamento racionalista e aorigem da linguagem; 7.o a

    liberdade do querer. Perante estes enigmas, Du Bois-Reymondpensava que o homem devia pronunciar no s um ignoramus mastambm um ignorabimus: a

    cincia nunca poder resolv-los.

    Ernesto Haeckel (1834-1919) teve, ao invs, a pretenso de osresolver com a doutrina do evolucionismo materialista. Haeckel foiprofessor de zoologia na Universidade de lena; e a sua actividadede cientista , indubitavelmente, notvel. Em 1866 publicou aMorfologia geral dos organismos, que aduzia um grande nmero deobservaes e de factos em apoio da teoria darwiniana da evoluo,e era a primeira tentativa para estender esta tentativa a todas asformas orgnicas. Este ensaio antecipava-se, por conseguinte, segunda obra de Darwin, Descendncia do homem, que s apareceu

    em 1871. J nesta obra, porm, Haeckel concebia a teoria dotransformismo biolgico como uma nova filosofia, destinada asuplantar inteiramente todas as outras filosofias e todas asreligies. Dois anos depois expunha em forma popular as suas ideiasna Histria da criao natural (1868), qual se seguiram:Antropogenia (1874), O monisino como elo entre a religio e acincia (1893) e Os enigmas do mundo (1899). Esta obra, que aexposio mais completa e menos prolixa das ideias de Haeckel,

    teve uma difuso enorme. Venderam-se, ao todo, cerca de 400 000exemplares, mas depois de1920 a venda cessou e no se publicaram mais edies. Haeckelpublicou ainda numerosas outras obras de polmica e de divulgaocientfica que, todavia, nada acrescentam ao contedo das obrascitadas.

  • 7/29/2019 18398284 Historia Da Filosofia 11

    58/233

    O principal contributo que Haeckel trouxe teoria da evoluo aque ele chama "a lei biogentica fundamental", isto , o paralelismoentre o desenvolvimento do embrio e o desenvolvimento da espcie qual pertence. Pelo que respeita ao homem, "a ontognese, ouseja, o desenvolvimento do indivduo uma breve e rpida repetio(uma recapitulao) da filognese ou evoluo da estirpe a quepertence, isto , dos precursores que formam a cadeia dosprogenitores do indivduo, repetio determinada pelas leis daherana e da adaptao" (Natur. Schpfungesch, 1892). Haeckelefectuou sobre esta lei uma

    srie de investigaes que ilustravam e confirmavam em vastaescala a hiptese da transformao da espcie. Mas a par destaque, segundo lhe parecia, demonstrava de maneira indubitvel acontinuidade e a unidade do desenvolvimento orgnico, Haeckelpropunha uma outra lei fundamental que deveria demonstrar aunidade e a continuidade de todo o mundo real, isto , a chamada leida substncia, cujos pressupostos seriam a lei da conservao da

    matria descoberta por Lavoisier (1789) e a lei da conservao dafora, descoberta por Mayer (1842). Esta lei, demonstrando aunidade e uniformidade do universo inteiro e concatenao causalde todos os fenmenos, leva concluso, segundo Haeckel, de que a

    matria e a fora no so mais que dois atributos inseparveis deuma nica substncia (Weltrtsel, trad. franc., 1902, P. 248). Omonismo assim estabelecido

    62

    sobre estas duas leis e, em nome do monismo, Haeck