historia da filosofia emile brehier completo

110
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP Bréhier, Émile, 1876-1952. B844h v.l- História da filosofia / Émile Bréhier; Sicupira Filho. São Paulo: Mestre Jou, Bibliografia. tradução de Eduardo 1977- Conteúdo: t. 1. A Antigüidade e.a Idade Média. Fase. 1. Intro- dução. Período helênicp. fase. 2. Período helenístico e romano. Faoc. 3. Tdade Média e Renascimento. — t. 2. A filosofia moder- na. Fase. 1. O século XVII. 1. Filosofia História I. Título. 79-0687 CDD-109 Índice para catálogo sistemático: 1. Filosofia: História 109

Upload: nrodrigorios950

Post on 24-Nov-2015

521 views

Category:

Documents


83 download

TRANSCRIPT

  • CIP-Brasil. Catalogao-na-Fonte

    Cmara Brasileira do Livro, SP

    Brhier, mile , 1876-1952. B844h v . l -

    Histria da filosofia / mile Brhier; S i cup ira Fi lho . So Paulo : Mestre Jou,

    Bibliografia.

    traduo de Eduardo 1977-

    Contedo: t. 1. A Antigidade e . a Idade Mdia. Fase . 1. Intro-duo. Perodo helnicp. fase. 2. Per odo helenstico e romano. Faoc. 3. Tdade Mdia e Renascimento. t. 2. A filosofia moder-na. Fase. 1. O sculo X V I I .

    1. Filosofia Histria I. Ttulo.

    79-0687 C D D - 1 0 9

    ndice para catlogo s is temtico: 1. Filosofia: Histria 109

  • M I L E B R H I E R

    H I S T O R I A D A FILOSOFIA

    T O M O SEGUNDO

    A Filosofia Moderna

    1

    O Sculo X V I I

    Traduo de E D U A R D O SUCUPIRA F I L H O

    E D I T O R A M E S T R E JOU S A O P A U L O

  • CARACTERSTICAS GERAIS DO SCULO XVII

    I. A CONCEPO DA NATUREZA H U M A N A : AUTORIDADE E A B S O L U T I S M O

    N enhum sculo manifestou menos confiana nas foras espont-neas de uma natureza abandonada a sua sorte do que o sculo XVII . Onde se poderia entontrar pintura mais desfavorvel do homem natural, do homem sem regras, entregue ao embate das paixes, do que entre os polticos e moralistas desse sculo? Hobbes, nesse parti-cular, coincide com La Rochefoucauld, e este com o jansenista Ni-cole. Para Hobbes, os sinistros animais predadores, que so os homens efri estado de natureza, no podem ser dominados seno por um so-berano absoluto. E para os jansenistas era inadmissvel que movimento algum de caridade e amor proviesse de outra parte a no ser da graa divina em favor do homem entregue, pelo pecado, concupiscncia.

    Analogamente, o sculo XVII o da Contra-Reforma e do abso-lutismo real. A Contra-Reforma pe fim a o , paganismo do Renasci-mento. Constitui a expanso de um catolicismo que se atribui como ta-refa necessria a direo das inteligncias e das almas. A ordem dos jesutas proporciona educadores, diretores de conscincia, missionrios; chega a ter na Frana mais de duzentos colgios. O tomismo, conforme

  • 10 mile Brhier

    interpretao dada pelo jesuta Surez, ensinado em todos os lu-gares e chega a suplantar, mesmo nas universidades dos pases pro-testantes, a doutrina de Melanchthon. A Contra-Reforma um mo-vimento que vem de Roma, cujo xito assegurado pelas iniciativas privadas: a monarquia galicana, na Frana, e anglicana, na Ingla-terra. Entretanto, prprio poder real, na Frana, que no vacila em utilizar meios violentos para assegurar a unidade religiosa, at que, com a revogao do edito de Nantes, suprime, pura e simplesmente, o pro-testantismo.

    O absolutismo real no o poder de um indivduo forte, capaz de manter os "sditos m obedincia por fora do prestgio pessoal ou por meios violentos; funo social, independente da pessoa que a exerce, e que persiste atravs de grandes minorias, em que ministros todo-po-derosos exercem o poder em nome de um prncipe. Essa funo social, de origem divina, impe mais deveres do que direitos; e o rei, absoluto por direito divino, v-se submetido a seu cargo como eleito por Deus, sem que se assemelhe aos antpodas do tirano do Renascimento.

    Essas disciplinas, religiosas ou polticas, so, portanto, admitidas, consentidas, consideradas necessrias pelos benefcios implcitos. A ri-gidez da regra no se afigura escravido, mas enquadramento, sem o qual o homem cai, desarticulado e indeciso, como o Montaigne dos Ensaios. O cerimonial orienta-o nas relaes sociais como o ritual Igreja.

    H, entretanto, resistncias numerosas. Na Inglaterra, o absolutis-mo por direito divino colide duas vezes com a vontade geral, e. su-cumbe. Na Frana, a unidade religiosa no se estabelece seno custa de perseguies. A Holanda, por todo o sculo XVII , torna-se refgio dos perseguidos de todos os pases, dos judeus da Espanha e Portugal, dos socinianos 1 da Polnia e, mais tarde, dos protestantes da Frana. Era, contudo, refgio precrio, em que se sentiam, freqentemente, ameaados. A p r o p r i a religio catlica, na Frana, seu pas de eleio, est minada pela querela entre jansenistas e molinistas 2 e, em fins do sculo, pelo escndalo do misticismo de Madame Guyon. sombra desses fatos, que se tornam pblicos, vinga um labor intelectual que se

    1. Socinianos: partidrios do italiano. Ll io Soc ino (1525-1562), criador da doutrina antitrinitria e de rejeio divindade de Jesus. ( N . do T.)

    2. Molinistas: doutrina criada pelo te logo espanhol Lus Mol ina (1535-1600), tendente a conciliar a liberdade c o m a graa e a prescincia divina. ( N . do T.)

  • Histria da Filosofia 11

    traduz em milhares de livros e libelos, hoje esquecidos. Os reclamos em favor da liberdade e da tolerncia no comearam no sculo XVIII . Em verdade,, no deixaram de ouvir-se durante o transcurso do sculo XVII , sobretudo na Inglaterra e na Holanda. E o sculo finda com a spera discusso entre Bossuet, que sustenta o direito divino dos reis, e o ministro protestante J u r i e u , 1 que defende a soberania do povo.

    Todavia, vistos de perto, tais reclamos e debates trazem a' marca do sculo: no promanam de individualistas em favor do respeito para suas opinies particulares.

    Uma das produes caractersticas do sculo, nesse particular, o De jure belli et pacis ( 1 6 2 5 ) , de Hugo Grcio (1583-1645) , autor da doutrina do direito da natureza, que pretende encontrar regras uni-versais e obrigatrias para todos os homens, at mesmo nas relaes de violncia entre eles. No mais em nome do indivduo, mas-de uma razo impessoal que se coloca para decidir se uma guerra justa ou injusta, se o prncipe tem o direito de impor ou no uma religio a seus sditos e qual a extenso legtima de seu poder. Onde Maquiavel, por toda parte, via conflitos de foras individuais, solucionveis ape-nas, pela violncia, Grcio via relaes definidas de direito. O direito natural uma ordem da razo qu dirige ou defende uma ao, . se-gundo acordo ou desacordo com a natureza do ser racional. Trata-se de uma regra sem nenhum arbtrio, e que o prprio Deus no poderia modificar. A esse direito natural , alia-se o direito positivo, que esta-belecido, seja por Deus, quando se refere religio positiva, seja pelo soberano, quando se trata da legislao civil. A grande e nica regra do direito positivo de no contradizer o direito natural. Em contra-partida, nesses limites, cabe ao direito natural respeitar o direito posi-tivo. Por isso, o sistema de Grcio conclui, em larga extenso, na obrigao de respeitar os poderes estabelecidos. No admite, por exem-plo, o direito de existncia do povo contra o soberano. Com efeito, a razo pela qual o povo se rene em sociedade e prope um soberano se baseia no fato de que os indivduos so muito fracos para subsistir isolados. Ora, nada os impede de dar ao soberano o poder supremo, o de um senhor sobre seus escravos. claro o sentido dessa tentativa: justificar, ante a razo, certos direitos positivos, direito de guerra, di-

    1. Pierre J U R I E U ( 1 6 3 7 - 1 7 1 3 ) , te logo francs que se tornou famoso por sua polmica c o m B O S S U E T . ( N . do T>

  • 12 mile Brhier

    reito de punir, direito de propriedade, direito de soberania. O direito no feito para tornar os homens independentes, mas para uni-los uns aos outros. E se Grcio reclama tolerncia para com todas as religies positivas, no a admite quando se trata de ateus e de nega-dores da imortalidade da alma. H uma religio natural que obriga tanto como o direito natural.

    nesse mesmo esprito que se apresenta a questo da tolerncia. Na Inglaterra, por exemplo, as defesas do esprito de tolerncia so de duas espcies: ou emanam de homens que crem alcanar a razo por uma religio natural bem compreensiva, capaz de unir^ todas as igrejas e pr fim s dissenes; ou reclamam a liberdade de interpre-tao da Bblia, "nica religio dos protestantes", segundo .proclama Chillingworth. primeira corrente pertence Herbert de Cherbury, que, em De Veritate ( 1 6 2 8 ) , prope um meio de fazer cessar as contro-vrsias religiosas e de acabar com "a obstinao pela qual o desgra-ado homem abraa todas as opinies dos doutores ou rejeita todas, como se no soubesse escolher". 1 Essa eleio dever distinguir as noes comuns, que so primitivas, independentes, universais, neces-srias, certas em todas as crenas adventcias. Tais noes comuns formam verdadeiro credo, ao afirmarem um poder soberano que deve ser objeto de culto, ensinando que esse culto consiste," sobretudo, nu-ma vida virtuosa, que os vcios devem ser expiados pelo arrependimento e sero castigados aps a morte, assim como a virtude ser recompen-sada: religio natural, que estabelece a paz universal, no sem severa crtica iluso das "revelaes particulares" e, sobretudo, da pretensa necessidade de certa graa divina, particular a cada um, para sua sal-vao. Em fins do sculo, Locke no fala outra linguagem.

    Na segunda corrente, mantm-se o esprito de livre-exame da Re-forma; contudo, esse livre-exame no se faz, segundo a inteno dos que o defendem, seno para suprimir, gradualmente, por uma crtica independente, aquilo a que Bossuet chamava de "opinies particulares" e "variaes". , pois, um meio de chegar "catolicidade", embora por uma via diferente da autoridade. Tal liberdade, com os conflitos impl-citos, , para Milton (Areopagitica, escrito em 1644, aps a vitria de Cromwell) , a condio de uma verdade que deve ser conquistada por um progresso contnuo. As guas da verdade "corrompem-se nos ma-

    1. Edio de 1639, p. 52 .

  • Histria da Filosofia 13

    res lamacentos da ortodoxia e da tradio". 1 Sem dvida, a verdade assume formas cambiantes e "talvez ponha a voz em unssono com os tempos". No se trata de cepticismo. A prpria verdade "o que h de mais forte, depois do Onipotente".

    Se a tolerncia est unida a um forte sentimento religioso, que une os homens, inversamente, o cepticismo dos livres-pensadores con-duz intolerncia religiosa, outra maneira de alcanar a unidade. So eles, os discpulos de Maquiavel, que sustentam a necessidade de uma religio de Estado. Hobbes dar-nos- o exemplo. E James Harrington, em seu Oceana, descreve uma Igreja de Estado que controlaria a for-mao do clero nas universidades. Inversamente, nos meios religiosos que se forma, na Inglaterra, a idia de um Estado laico, completamente independente de assuntos religiosos: 2 so os anabatistas que, no co-meo do sculo, proclamam que uma igreja nacional, qual -se per-tence desde o nascimento, est em contradio com a f, dom pessoal do Esprito Santo. So eles que pregam a revolta contra os prncipes intolerantes. ;

    Apesar de todos esses conflitos, partidrios da religio natural e sustentculos da revelao, defensores da tolerncia e apologistas da religio de Estado buscam a mesma coisa, uma unidade capaz de unir e reter o conjunto de indivduos.

    O socinianismo, tambm, movimento que, desde o fim do sculo XVI , se expande da Polnia Holanda e Inglaterra, repele tudo o que, na religio, est sujeito controvrsia e divergncia. como um novo arianismo, a que empresta seu nome o italiano Fausto Socino, refugiado na Polnia, em 1579. Negadores da Trindade, da divindade de Cristo, do valor sacramentai da Eucaristia e do batismo infantil; ne-gadores, sobretudo, da teoria da satisfao, segundo a qual a justia de Deus no podia ser satisfeita a no ser pela paixo de seu prprio Filho, os socinianos simplificam a religio, suprimindo-lhe todos os mis-trios e o aspecto sobrenatural. No que se recusem a apoi-la sobre a revelao das Escrituras, mas porque "pensam no excluir a razo, mas inclu-la, ao afirmar

    t que as Santas Escrituras so suficientes para a salvao". A essa racionalidade de crenas, acresce o reclamo da to-

    1. Ci tado por Deni s S A U R A T , Milton et le matrialisme chrtien en Angle-terre, Paris, 1928, p. 206.

    2. F R E U N D , Die Idee der Toleranz im England der grossen Revolution, Halle , 1927, pp. 224 sq.

  • 14 mile Brhiei

    lerncia, de que fazem a condio de estabilidade social: "Quando o lao, escrevem eles aos Estados da Holanda ( 1 6 5 4 ) , que mantm sob uma lei igual todos os que n*o partilham da mesma opinio acerca das coisas divinas, comea a romper-se, tudo desmorona e retroage."

    Os armnios ou remontrantes, que, a partir do snodo de Dordrecht (1618) , se desligam do calvinismo, procuram, paralelamente, afastai da teoria da graa tudo o que nela h de misterioso, de incomensurvel com as noes humanas de justia: Armnio (1560-1609) nega o "de-creto absoluto" de Deus, que, segundo Calvino, se determina, sem qual-quer motivo inteligvel, a salvar as almas que lhe aprouverem. E ope a seu adversrio Gomar (1563-1641) a opinio de que cada um deve ser responsvel pela sano em que incorrer.

    Por outro ngulo, os catlicos buscam, tambm, apaixonadamente, a unidade. No a encontram seno na autoridade de procedncia divi-na, na tradio contnua e disciplinada da Igreja, ao passo que as seitas, que acabamos de referir, se apoiavam na razo. O debate sobre a graa, que pe em tela o jansenismo e o molinismo, a partir de 1640, uma discusso entre telogos que se acusam, mutuamente, de ser infiis tradio ou de faltar disciplina. Tal conflito envolve a prpria vida crist, e no discusses tericas.

    Doutra parte, trata-se da poltica constante dos jesutas de trans-por o debate do terreno doutrinai e dogmtico para o da disciplina. Fizeram condenar Port-Ryal, no por ter sustentado tal ou qual dog-ma sobre a graa, mas por ter resistido autoridade do papa e do rei. Desde 1638, se Richelieu, por instigao do rei, aprisiona So Cirano no forte de Vincennes, porque ele sustentara, contra os je-sutas, os direitos da hierarquia secular.

    , com efeito, a questo dos limites da autoridade espiritual que pe em questo o principal incidente dessa luta. O sndico da Facul-dade, P. Cornet, em 1649, apresenta Faculdade cinco proposies sobre a graa eficaz, com a inteno de fazer condenar a doutrina sus-tentada por Jansnio e seus partidrios, sem, entretanto, nomear o autor. Essas cinco proposies so condenadas, em 1653, pelo papa Inocn-cio X. Ms essa deciso, aceita, sem protesto, por Arnauld e seus amigos, no foi suficiente aos jesutas, que queriam, alm disso, que as cinco proposies fossem reconhecidas como extradas do Augustinus, de Jansnio. questo de direito: essas cinco proposies so herti-cas? vem juntar-se a questo de fato: esto em Jansnio? Para firmar

  • Histria da Filosofia 15

    o valor de direito no h outro mtodo seno o da autoridade. Mas, para estabelecer o de fato, s a experincia. Acontece que, em 1654, uma assemblia de bispos decide que as cinco proposies esto no Augustinus, no porque ali as encontraram, mas porque a bula de 1653 parece relacion-las com Jansnio. Em 1655, o papa Alexandre VII renova a condenao, tachando de "filhos da iniqidade" os que no acreditam que as proposies esto em Jansnio. Redige-se uma for-mulao que afirma, ao mesmo tempo, tal direito e tal fato e que deve ser assinada por todos os eclesisticos e religiosos da Frana. Em 1665, nova bula prescreve a assinatura do formulrio, proibindo de se o acompanhar de qualquer restrio. Os religiosos de Port-Royal protes-taram sempre, pois, perfeitamente submissos ao papa quanto ao direito, no podiam afirmar a existncia de um fato que no estavam em con-dies de controlar por si mesmos.

    Quanto ao cerne do debate, a teoria da graa, trata-se, para os partidrios de Port-Royal (apodados, apesar deles, de jansenistas), de fazer sentir ao homem toda sua fraqueza, quando se isola e se aparta do princpio universal dos seres. O homem no pode aprender aquilo que e aquilo que pode seno pela revelao; e o poder de sua vontade para o bem no se exerce, efetivamente, a no ser pela influncia de uma "graa eficaz: forma aguda de hostilidade profunda entre o huma-nismo naturalista do Renascimento, pretendendo encontrar, nas ma-ravilhas da Antigidade, o testemunho do poder da natureza humana, e as condies de vida crist. , entretanto, forma nova e bem atual, pois preciso notar que o jansenismo deixa passar, e at favorece, tudo o que h de vivo e fecundo na corrente intelectual provinda do sculo XVI . Diz Nicole, a respeito da geometria: "Seu objeto no tem qual-quer ligao com a concupiscncia." 1 H, assim, todo um conjunto de cincias, as cincias das coisas do mundo material, astronomia, fsica, em que o interesse de nosso amor prprio no participa, e onde a luz, que no diminuiu pelo pecado, permite ao homem encontrar a ver-dade por si mesmo. Arnauld vai ainda mais longe, ao conceder que uma sociedade, qualquer que seja, no poderia existir sem observar as mximas de justia provinda de uma lei natural, cujo conhecimento

    1. Citado por J. L A P O R T E , La doctrine de la grce chez Arnauld, p. 111, n. 74 .

  • 16 mile Brhier

    inato no homem. Os jansenistas, at' nisso hostis escolstica, aceitam todo o inatismo do Renascimento. So humanistas a seu modo.

    No apenas as verdades conhecidas pela luz natural e a conduta por ela inspirada bastam para justificar-nos diante de Deus e salvar--nos. Arnauld refuta, em 1641, o livro de La Mothe Le Vayer, De la vertu des payens, em que o autor, fazendo alarde dos grandes exem-plos da Antigidade, conclua ser intil a salvao pelo Cr i s to . 1 So virtudes estreis e aparentes, responde Arnauld, se se procuram os mveis: ambio, vaidade, busca de satisfao interior; em suma, o pecado fundamental, que consiste em crer em sua prpria suficincia. que nada se parece mais aos efeitos da caridade do que os do amor prprio. "Nos Estados em que (a caridade) no tem guarida, porque a verdadeira religio.foi banida, pode-se viver com tanta paz, segu-rana e comodidade como se se estivesse numa repblica de santos." 2

    que o amor prprio "imita as principais aes da caridade" e promove a "honradez humana", humildade, beneficncia, moderao. Os janse-nistas adotam o mesmo ponto de vista que o duque de La Rochefou-cauld, cujas clebres Senences et maximes morales foram compostas em 1665. Conhece-se o testemunho que esse grande senhor deu de si mesmo: "Sou pouco sensvel piedade, e gostaria de no s-lo em absoluto. Entretanto, nada h que eu no faa para aliviar uma pessoa aflita; e creio, tambm, que se deve fazer tudo, at mesmo demonstrar a maior compaixo por sua d e s g r a a . . . ; mas sustento que preciso contentar-se com testemunh-la e preservar-se de possu-la." 3 Que me-lhor comentrio se poderia encontrar para as opinies jansenistas!

    Destarte, no h outra moral, outra virtude, seno a moral e a virtude crists. Devem ser separadas da vida mundana, que tem nor-mas diferentes. Mas no encontram qualquer apoio na natureza e na sociedade. No so possveis seno por um espcie de transmutao de nossa vontade, sob a influncia da graa divina; influncia irresis-tvel que, entretanto, no destri, mas, ao contrrio, fortalece o livre--arbtrio, se verdade que Deus e a alma no so duas realidades jus-tapostas e exteriores uma outra, mas, sob a influncia da graa, se penetram e se unem intimamente.

    1. J. L A P O R T E , La doctrine de la grce chez Arnauld, p. 137. 2. N I C O L E , "Essais de morale", em Oeuvres philosophiques et morales, de

    N I C O L E , editadas por C. Jourdain, p. 181, Paris, 1845. 3 . Retrato do duque, fe i to por ele mesmo , em 1658.

  • Histria da Filosofia 17

    I I . A CONCEPO DA NATUREZA EXTERIOR: G A L I L E U , GASSENDI E o A T O M I S M O

    Desse modo, a idia que o homem faz de sua prpria natureza se transforma: o arrebatamento individualista do Renascimento coisa do passado. Cr-se qe o indivduo deve agora regular-se pela uni-dade e a ordem, e q u e essa unidade seja a da razo ou a da autori-de. A imagem que o homem faz da natureza exterior tambm mu-da: a espontaneidade viva, desbordante, que Bruno proclamava, subs-tituda pelas rgidas regras do mecanicismo. O animismo do Renasci-mento, que Campanella ainda representa, no revela seno fracos traos. No s se rouba a vida natureza, mas Descartes rouba-a mesmo, se assim se pode dizer, ao ser vivo, de que faz simples mquina. As for-mas substanciais de Aristteles so condenadas n^s prprias universi-dades. Em Leyde, desde antes de 1618, pergunta-se o que so os seres "realmente distintos da matria e entretanto materiais, se no \ uma parte da matria que se muda em forma, se a forma no preexiste na matria, como um banco na madeira de que f e i t o " . 1

    Por toda parte domina uma concepo mecanicista, que afasta da natureza tudo o que poderia parecer espontaneidade viva. Essa ten-dncia domina tanto Galileu, Hobbes ou Descartes como os filsofos mais obscuros, renovadores de Demcrito ou de Epicuro, Gassendi, Basson ou Brigard.

    Galileu (1564-1642) no precisamente autor de uma teoria do mecanicismo universal, mas perfilha-a, ao criar uma cincia psicoma-temtica da natureza, capaz de prever os fenmenos. No diz o que so as coisas, mas mostra, com provas, que as matemticas, com seus tringulos, crculos e figuras geomtricas, constituem a nica linguagem capaz de decifrar o livro da natureza. Interessa-se mais por esse m-todo de deciframento do que pela natureza dos seres. O "mtodo com-positivo" rene, em uma nica frmula matemtica, grande nmero de fatos observados, como nas frmulas em que descobre as leis da gra-vidade; e o "mtodo resolutivo" permite deduzir dessas leis grande nmero de fatos. Pela primeira, vez, deparamos com uma idia ntida e pura da lei natural como relao funcional. E, a partir desse momento, os progressos das matemticas vo marchar a par com os da fsica, o

    1. Citado em B A Y L E , Dictionnaire critique, artigo "Heidanus".

  • 18 mile Brhier

    que impor ao filsofo nova maneira de apresentar o problema da r j

    lao do esprito, em relao s matemticas, e da natureza interpre-tada por elas. Doutra parte, tais mtodos no so possveis seno n medida exata dos fenmenos, e os dados numricos da experincia so os nicos que contam, quando se trata de encontrar leis. Galileu . le-vado a considerar como unida realidade verdadeira aquilo que se mede. V-se, pois, nele reviverem as idias de Demcrito. As qualidades sen-sveis, como a cor ou a dor, no residem nas coisas, porque possvel representar as coisas sem a presena delas. O som e o calor no so, fora do esprito, seno modos de movimento. Galileu v-se inclinado, por idntica razo, teoria corpuscular da matria, conquanto no acredite esteja ela certa. Sustenta, tambm, o sistema de Coprnico, de que busca provas experimentais. E sabe-se que foi condenado pela Inquisio, em 1632, a abjurar sua opinio ante o Santo Ofcio. vi-svel, pois, como o mecanicismo universal se insinua em Galileu, como descoberta tcnica e no como necessidade fundada na natureza do esprito e das coisas. Ele deixa, por essa razo, subsistir em seu pen-samento elementos superados, tais como a.distino de Aristteles entre movimento natural e movimento violento, e a tendncia espontnea do astro a descrever um movimento circular (o que a negao implcita do princpio de inrcia^ fundamento do mecanicismo un ive r sa l ) . 1

    O movimento atomista e antianstotlico, que se v esboar na Frana no comeo do sculo XVII , e que continua o atomismo do Renascimento, comprova a mesma tendncia. Sbastien Basson, em um livro, cujo prprio ttulo agressivo (Philosophiae naturalis adversus Aristotelem libri XII, in quibus abstrusa veterum physiologia restaura-tur, et Aristotelis errores solidis rationibus refelluntur2), d-nos uma imagem do universo em que se vem partes elementares de natureza diferente, que so, ademais, superfcies, como no Timeu, mais do que corpsculos, como em Demcrito. Esses tomos, agregados em corpos, no esto no vcuo, mas se banham num ter fluido e contnuo, que o agente motor pelo qual se exerce a potncia-divina. Verifica-se, por

    1. Sobre esse ltimo ponto , cf. A. K O Y R , Galile et la loi d'inertie, Paris-, Hermann, 1939, pp . 45-78.

    2. "Contra Aristteles, doze livros de fi losofia natural, nos quais se restaura a seqestrada fisiologia ds antigos e se desmentem os erros de Aristteles com sl idas razes."

  • listaria da Filosofia 19

    essa hiptese do ter, com que timidez se introduz aqui a fsica me-canicista.

    Claude Brigard (1578-1663) , francs, professor em Pdua, pu-blicou no Circulus Pisanus ( 1 6 4 3 ) , uma srie, de comentrios sobre a fsica de Aristteles, nos quais lhe ope a fsica corpuscular sob a forma que se apresentava em Anaxgoras. Imagina uma infinidade de cor-psculos qualitativamente diferentes. Como Descartes, e diferentemente de Demcrito, admite o espao cheio, e explica o movimento por um anel contnuo de corpos em que cada um substitui imediatamente o precedente (a fsica de Anaxgoras era, alm disso, uma fsica de tur-bilhes). O Democritus reviviscens ( 1 6 4 6 ) , de Jean Magnien, francs, professor em Pavia, admite tomos, no s indivisveis, como capazes de mudar de forma. Orienta-se por uma teoria de Epicuro, a dos m-nima, segundo a qual o tomo no simples, mas composto de trs pequenas partes, cuja disposio em relao umas s outras produz a forma do tomo. Magnien acrescenta a hiptese de que essa disposio interna pode mudar, ainda que o nmero dos minima permanea idn-tico para um nico tomo. Quanto causa motriz dos tomos, o fato de que ele a procure na simpatia dos tomos entre si ou na tendncia dos tomos a se reunirem para produzir um corpo de determinada essncia, prova quo tmido era, igualmente, seu mecanicismo. curioso notar que nenhum desses atomismos veja no choque a razo do movimento. O ter de Basson, o turbilho de Brigard, as simpatias de Magnien mostram a que ponto a idia do mecanicismo universal era pouco clara, quando Descartes a forjou de novo.

    Mais prximo de Lucrcio e mais ligado ao movimento de idias contemporneo o atomismo de. Pierre Gassendi (1592-1655) , cujas explicaes de detalhes dos fenmenos rivalizaram muito tempo com as de Descartes. Gassendi, prebste do bispo capitular de Digne, era afei-oado a observaes astronmicas, partidrfb do sistema de Coprnico, e correspondente de Galileu, a quem escreveu durante seu processo no Santo Ofcio: "Sinto-me em grande ansiedade ante a sorte que vos espera, a maior glria do sculo. . . Se a Santa S decidir algo contra vossa opi-nio, suportai-a como convm a um sbio. suficiente que vivais com a persuaso de que no haveis buscado seno a verdade." Do epicurismo, admite a teoria sensualista do conhecimento; reprova a Descartes seu ina-tismo e, sobretudo, sua pretensa idia de Deus, pois que Deus permanece incompreensvel a um esprito apegado s coisas sensveis. A Herbert de

  • 20 mile Brhier

    Cherbury, objeta que. a pesquisa da natureza ltima das coisas provm-da inemperana em nosso desejo de conhecer, e que o conhecimento humano deve limitar-se ao que indispensvel vida, isto , s qualida-des externas que caem sob os sentidos, dado que somente o artfice das coisas pode conhecer-lhes a na tureza . 1 Seu atomism no apresenta ori-ginalidade alguma. o de Lucrcio e das Cartas, de Epicuro, com seus tomos invisveis, de forma variada e imersos no vcuo. H somente dois traos que o distinguem: quanto ao princpio do movimento inerente ao tomo, a gravidade, Gassendi dele faz "uma propenso ao movimento, inegendrado, inato, impossvel de perder-se", dado ao tomo por Deus. Todos os tomos esto animados, no vcuo, de uma velocidade igual-mente rpida, e os encontros dos tomos tm por efeito fazer mudar a direo do movimento, no o prprio movimento: o que diretamente contrrio aos princpios da mecnica cartesiana, que faz depender a velo-cidade aps o choque, no s da velocidade, mas da massa dos corpos que se encontram. Segue-se, em todo o caso, que no h nenhum corpo em repouso. O repouso aparente oculta movimentos intestinos muito rpidos, ainda que de fraca amplitude. O segundo trao distintivo con-siste em considerar o universo como um todo ordenado e regular, que no pode ser devido ao concurso fortuito de tomos, mas exige um Deus todo-poderoso para explic-lo. Ao atomismo epicrio encontra-se, pois, superposta uma teologia que introduz a finalidade. Do mesmo modo, teologia materialista da alma, de Epicuro, superpe Gassendi uma teoria espiritualista: a alma motriz, vegetativa e sensitiva, no , com efeito, seno corpo muito sutil e tnue, e a sensao, principalmente, explica-se claramente pela impresso que fazem sobre essa substncia os idola emitidos pelos corpos. Mas, acima dessa alma, que perece com o corpo, h uma substncia incorprea, capaz de reflexo sobre si, de razo e de liberdade.

    Tal combinao de mecanicismo e espiritualismo, to infiel ao autntico esprito de Epicuro, caracterstica da poca: a natureza abandonada a seu mecanicismo. Convertida em objeto da inteligncia que a penetra, afigura-se como se o esprito, ao no encontrar ali sustentao alguma, dela desertasse. Ver-se-o melhor em Descartes e Hobbes as conseqncias.

    1. Opera, t. III, p. 413 .

  • Histria da Filosofia 21

    I I I . ORGANIZAO DA V I D A I N T E L E C T U A L : ACADEMIAS E R E U N I E S CIENTFICAS

    As aspiraes do sculo traduzem-se por profundo desgosto pro-vocado pela luta de seitas que apaixonara o Renascimento. No se trata mais de meditar acerca dos textos de Plato ou d Plotino. La Mothe Le Vayer considera como um dos mais importantes resultados de sua "cptica crist" voltar as costas a Plato e Aristteles, ambos opostos teologia, e deixar, assim, "a alma do cptico cristo como um campo desbastado e limpo de plantas d a n i n h a s " . 1 Essa averso s seitas corresponde a um notvel desinteresse pelo estudo do grego. Salvo o caso de Port-Royal, os mtodos de educao no comportam mais esse estudo: receia-se o esprito pago que se introduz com ele. O grande pedagogo tcheco, Comenius (1592-1670) , no o admite em seu plano de estudos, bem como autores latinos perigosos. "Cm exce-o de Sneca, Epicteto, Plato e outros mestres de virtude e de honra semelhantes, gostaria de ver banidos das escolas crists os outros auto-res pagos." 2 Os estudos antigos, quase reduzidos ao latim, no que-rem seno formar o gosto literrio, auxiliar, atravs de frmulas repi-sadas, a educao moral, e proporcionar o hbito da lngua cientfica corrente. o que Descartes conservou de seus estudos clssicos entre os jesutas, isto , nada que pudesse servir formao filosfica. O desprezo dos filsofos pela erudio atinge o auge com Malebranche; e, em fins do sculo, Locke suprime o grego de seu plano de edu-cao.

    A Antigidade greco-latina , portanto, por seu particularismo sectrio, to suspeita para a cincia, como para a piedade slida. A fi-losofia busca a verdadeira universalidade. E encontra o estilo nas tc-nicas matemticas e experimentais, que se desenvolvem sem ligao algu-ma com nenhuma filosofia conhecida. Cavalieri, Fermat, Harvey e, j no sculo precedente, Ambroise Par e Bernard Palissy, so to inde-pendentes dos filsofos de seu tempo como Arquimedes, Apolnio ou Heron de Alexandria poderiam ter sido com os esticos seus contem-porneos. No h, evidentemente, nada mais intil a esses progressos efetivos da inteligncia, nas matemticas e cincias da natureza, do que as teorias da inteligncia elaboradas na Idade Mdia e a prtica de

    1. Prose chagrine, em Oeuvres completes, Dresde , 1756, t. V, pp. 299-318. 2. A n n a H E Y B E R G E R , Jean Amos Comenius, Paris, 1928, p. 146.

  • 22 mile Brhier

    uma dialtica destinada a demonstrar o acordo ou desacordo entre as opinies.

    A filosofia abandona, em suas exposies, todo o aparato tcnico. Discursos, ensaios, meditaes, conversaes ou dilogos so formas literrias que o humanismo do sculo XVI fizera reviver, emprestan-do-as da Antigidade crist ou pag. So essas formas, diretas, isentas de discusso escolar, que gozam da preferncia dos pensadores do s-culo XVII . No queria Descartes que se lessem, de incio, seus Prin-cpios, como se l um romance? Bacon, grande admirador de Maquiavel, escreveu, como Montaigne, Ensaios, em que aplicou toda sua experincia de corteso e homem do mundo.

    Essa generalidade encontramo-la at na vida externa de grandes filsofos, que no se portam como homens de escola: Bacon, corteso, que consumiu tanta atividade em sustentar na prtica judiciria as ten-tativas de absolutismo de Jaime I; Descartes, gentil-homem francs, que viveu retirado; Hobbes, secretrio de um grande senhor ingls, e em permanente viagem pelo continente; Spinoza, judeu expulso da si-nagoga, que ganhou a vida polindo lentes; Malebranche, um religioso do Oratrio; Leibniz, ministro de pequeno prncipe alemo, esprito sempre repleto de vastos projetos polticos; Locke, representante da autntica burguesia liberal inglesa.

    fora e margem ds universidades que se formam meios inte-lectuais novos, de comeo em crculos privados, como a sociedade de sbios e filsofos que se reuniam em torno do padre Mersenne, da ordem dos Mnimos, amigo e correspondente de Descartes, de quem disse Pascal: "Proporcionou muitas e belas descobertas que, talvez, nunca se houvessem realizado, se no tivesse estimulado os sbios." 1

    Vem depois a Academia de Cincias ( 1 6 5 8 ) , que nasce dessas reunies privadas, que comearam com o baro de Montmor, em 1636, e que freqentavam Roberval, Gassendi e os dois P a s c a l . 2 O mesmo mo-vimento observa-s na Itlia, onde a Aca3emia dos Lincei, fundada em 1603, acolhia Galileu, em 1616. e em que o. Cimento, fundado em

    1. Essa atividade foi-nos revelada por Correspondance du P. Mersenne, cujos dois primeiros vo lumes (cartas de 1617 a 1630) foram publ icados por Mme. Paul T A N N E R Y , Paris, Beauchesne, 1933 e 1937. A seqncia dessa publicao foi assegurada por M. C. DE W A A R D , c o m o concurso do abade L E N O B L E e de M. B. R O C H O T ; o tomo V (1635) apareceu em 1959.

    2. Alfred M A U R Y , Les Acadmies d'autrefois, Paris, 1864.

  • Histria da Filosofia 23

    Florena, em 1657, se punha em relao com a Academia parisiense para comunicar-lhe o resultado de alguns de seus t r aba lhos . 1 Na Ingla-terra, a Sociedade Real de Londres rene, desde 1645, todos os que tratam de "matrias filosficas, fsica, anatomia, geometria, astronomia, navegao, magnetismo, qumica, mecnica, experincias sobre a na-tureza", tendo por norma que "a sociedade no tomar como sua ne-nhuma hiptese, sistema ou douirina sobre os princpios da filosofia natural, propostas ou mencionadas por qualquer filsofo, antigo ou moderno". Antes de tudo, no querem expor-se "a apresentar como ge-. rais pensamentos que lhes so particulares". S a experincia dec ide . 2

    , finalmente, no ltimo ano do sculo, que Leibniz funda, em Berlim, uma Sociedade de cincias que se tornou, mais tarde, Academia.

    Correspondncias.volumosas, como a de Descartes e Leibniz, cujas cartas so verdadeiras memrias, testemunham a atividade do inter-cmbio intelectual. Mas, na segunda metade do sculo, surge, ademais, uma imprensa de informaes cientficas. Na Frana, em 1644, o Journal des, Savants\ em 1684, Nouvelles de la Republique des Lettres, revista cnaa por Bayle. que se transforma, de 1687 a 1709, em Histoire des ouvrases des savanis, redigida por protestantes. Os jesutas t m ' a sua: as Mmoires de Trvoux, que comeam em 1682. Finalmente, Leibniz funda, em Leipzig, em 1682, as Acta eruditorum.

    Nada no passado se assemelha a esse esforo coletivo, contnuo, tenaz, por uma verdade de ordem universal e, portanto, humana. Os trinta anos que decorrem de 1620 a 1650 so decisivos para a histria desse movimento. Bacon lana o Novum organum (1620) e o De digni-tate et augmentts scientiarum ( 1 6 2 3 ) . Galileu escreve o Dialogo (1632) e Discorsi ( 1 6 3 8 ) ; Descartes publica Discours de la mthode ( 1637 ) , Mditations (1641) e Prncipes ( 1 6 4 4 ) ; a filosofia do direito e a filo-sofia poltica tornam-se o objetivo dos trabalhos de Grcio (De jure belli ac pacis, 1623~) e de Hobbes (De eive, 1642) . Todos esses tra-balhos indicam que a era do humanismo do Renascimento, que sempre confundiu, em maior ou menor grau, a erudio com a filosofia, esta definitivamente encerrada. E inicia-se um racionalismo, que tem por tarefa considerar a razo humana, no em sua origem divina mas em sua atividade efetiva.

    1. A . - M A U G A I N , Eiude sur Vvolution intellectuelle de Vltalie, Paris, 1 9 0 9 . 2. P. JFLORIAN 'De Bacon a N e w t o n " , Revue de philosophie, 1914.

  • 24 mile Brhier

    Ser essa razo o princpio de ordem, de organizao, procurado por todos no sculo XVII? Ser capaz, se "bem conduzida", de fazer progredir os conhecimentos humanos e at, mais alm, de introduzir uma unio social entre todos os homens? Tal a questo que constitui o interesse durvel da vasta experincia espiritual que ento se inicia.

    BIBLIOGRAFIA

    N A M E R , E. , Machiavel, Paris, 1961.

    I .

    B O D I N , Jean, Oeuvres philosophiques, I, ed. P. M E S N A R D , Paris, 1951. B U S S O N , H., La pense religieuse franaise de Charron Pascal.-L A P O R T E , J., La doctrine de la grce chez Arnauld. M E S N A R D , P., Uessor de la philosophie politique au XVI' s., Paris, 2 . a ed., 1956.

    M O R E A U - R E I B E L , J., Jean Bodin et le droit compare dans ses rapports avec la philosophie de Vhistoire, Paris, 1933; Le droit de socit interhumaine et le jus gentium. . . jusqu' Grotius, Paris, 1950.

    P I N T A R D , R., Le libertinage rudit dans la 1 moiti du XV*II* s., Paris, 1943; La Mothe Le Vayer, Gassendi, Guy Patin.

    P O L I N , R., "conomique et politique au X V I C s., L'Oceana de James Harrington", Revue franaise de science politique, 1952, pp. 24-41.

    S N Y D E R S , Georges , La pdagogie en France aux XVII' et XVIII' s., Paris, 1965.

    I I . BERR, H., Le scepticisme de Gassendi, tese em latim, 1898, traduo em francs,

    Paris, 1966. G A S S E N D I , P., Dissertations en forme de paradoxes contre les Aristotliciens, ed .

    B. R O C H O T , Paris, 1959. K O Y R , A. , tudes galilennes, Paris, 1939, 2 . a ed., 1966; La rvolution astrono-

    mique: Copernic, Kepler, Borelli, Paris, 1961; Du monde cios 1'Univers infini, Paris, 1962; tudes d'histoire de la pense scientifique, Paris, 1966.

    P. Gassendi, sa vie et son oeuvre, Paris, Centre de Synthse, 1955.

    R O C H O T , B., Les travaux de Gassendi sur Epiur et sur 1'Atomisme, Paris, 1944; "Gassendi et la logique de Descartes", Revue philosophique, 1955.

  • Histria da Filosofia 25

    I I I .

    Correspondance de Mersenne, ed. por M m e . T A N N E R Y , C. DE W A A R D , L E -N O B L E , R O C H O T , Paris; I, 1933 a V, 1959.

    D A U M A S , M. e col. , Hisloire de la science, Paris, 1957, pp. 369 sq.

    K O E S T L E R , Arthur, The sleep walkers, Londres, 1959. Cf. a recenso deste livro por Mlle . T U Z E T , na Revue philosophique, 1960, I, pp. 105-118.

    L E N O B L E , R., Mersenne ou la naissance du mcanisme, Paris, 1943.

    Lettres de Peiresc, ed. T A M I Z E Y DE L A R R O Q U E , Paris, 1893. T A T O N , R. e col . , La science n.oderne {1450-1800), Paris, 1958.

  • II

    FRANCIS BACON EA FILOSOFIA EXPERIMENTAL

    I . V I D A E O B R A S D E B A C O N

    T T I R A N C I S B A C O N (1561-1626) , filho do guarda do grande selo.. X Nicolas Bacon, foi destinado pelo pai ao servio do Estado. Eleito para a Cmara dos Comuns, desde 1584, nomeado pela rainha Elisabete conselheiro extraordinrio da Coroa, atingiu os mais altos cargos judicirios durante o reinado de Jaime I. Bacon teve, pois, for-mao de jurista. Terminando a advocacia, em 1582, lecionou na escola de Direito de Londres, a partir de 1589. Em 1599, redigiu as Maxims of the Law, que prepararam a codificao das leis inglesas. Ambicioso, intrigante, inclinado a todos os subterfgios teis e, ademais, lison-jeador das pretenses absolutistas de Jaime I, elevou-se, pouco a pouco, chegando a procurador-geral, em 1607, procurador pblico, m 1613, guarda dos selos, em 1617, grande chanceler, em 1618. Nomeado ba-ro de Verulmio, em 1618, e visconde de Santo Albano, em 1621, foi sempre defensor das prerrogativas reais. Fez condenar Talbot, membro do Parlamento irlands, que aprovara s idias de Surez quanto legitimidade do tiranicdio. Em certo assunto d interesse eclesistico, fez triunfar o princpio de que os juizes deviam adiar os julgamentos e conferir com o rei, cada vez que este considerasse seu poder enyol-

  • 2 8 mile Brhier

    vido em causa pendente. A reunio do Parlamento, em 1621, ps firri a sua fortuna. Acusado de concusso pela Cmara dos Comuns, con-fessou haver recebido presentes de demandantes antes de fazer justia. A Cmara dos Lordes condenou-o a uma multa de 40 mil libras c proibiu-o de exercer qualquer funo pblica, de ter assento no Par-lamento e residir perto da Corte. Bacon, envelhecido, enfermo e arrui-nado, tentou, em vo, reabilitar-se, vindo a falecer cinco anos depois..

    Em meio a vida to agitada, Bacon no cessou de cuidar da re-forma das cincias. A obra de Bacon, vista em conjunto, oferece sin-gular aspecto: ele concebe, sem dvida, desde cedo, a obra de con-junto, a que chamou, mais tarde, Instauratio magna e cujo plano apresentado no prefcio do Novum organum ( 1 6 2 0 ) . Em carta de 1625, reporta-se a quarenta anos antes, ao trabalho de redao de um opsculo intitulado Temporis partus maximus ( "A Maior Produo do T e m p o " ) , que se referia a esse tema. O opsculo , talvez, idntico ao Temporis partus masculus sive de interpretatione naturae, pequeno tra-tado pstumo, onde se encontra plano quase idntico ao do prefcio do Novum organum. Seja ou no, esse ltimo plano contm seis divises: 1) Partitiones scientiarum (Classificao das Cincias) ; 2) Novum orga-num sive indicia de interpretatione naturae; 3) Phaenomena universi sive Historia naturalis et experimentalis ad condendam philosophiam; 4) Scala intellectus sive filum labyrinthi; 5) Prodromi sive anticipationes philosophiae secundae; 6) Philosophia secunda sive scientia activa. A realizao desse plano comportava uma srie de tratados que, partin-do do estado atual da cincia, com todas suas lacunas ( I ) , estudava, de incio, o organon novo a substituir o de Aristteles!; ( I I ) ; descrevia, a seguir, a investigao dos fatos ( I I I ) ; passava pesquisa das leis ( I V ) , para remontar s aes que esses conhecimentos permitiam exer-cer sobre a natureza (V e V I ) . Dessa obra de conjunto, que Bacon no tardou em considerar como impossvel de realizar por uma s pessoa, os tratados que possumos so como os. disjecta membra. Citmos a maio-ria deles, classificando-os segundo o plano da Instauratio (embora no fossem escritos em tal o rdem) . S a primeira parte, de acordo com confisso prpria, est terminada: De dignitate et augmentis scientiarum livri IX, publicado em 1623. Essa obra era o desenvolvimento e a traduo latina de um tratado em ingls, publicado em 1605, Of Pro-ficience and Advancement of learning. Seus papis continham, entre outros esboos, sobre o mesmo assunto, o Valerius Terminus, escrito

  • Histria da Filosofia 2 9

    em 1603 e publicado em 1736, e o Descriptio globi intellectualis, escri-to em 1612 e publicado em 1653. segunda parte corresponde o Novum organum sive indicia vera de interpretatione naturae, surgido em 1620. A terceira parte, cuja finalidade est indicada num opsculo publicado em continuao ao Novum organum, a Parasceve ad historiam natura-lem et experimentalem, tratada na Historia naturalis et experimentalis ad condcndam philosophiam sive Phaenomena universi, publicada em 1622. Essa obra anunciava certo nmero de monografias, das quais algumas foram escritas ou esboadas depois da queda do chanceler: a Historia vitae et mortis, publicada em 1623; a Historia densi et rari, em 1658; a Historia ventorum, em 1622; a coleo de materiais, Sylva sylvarum, publicada em 1627. quarta parte se referem o Filum la-byrinthi sive inquisitio legitima de niotu, composto em 1608 e publi-cado em 1653; Tpica inquisitionis de luce et lumine, em 1653; Inqui-sitio de magnete, em 1658. quinta parte (Prodromi sive anticipa-tionis philosophiae secundae, publicada em 1653) ligam-se o De fluxu et rejluxu maris, composto em 1616; o Thema coeli, composto em 1612; as Cogitationes de natura renim, escritas de 1600 a 1604, todas publicadas em 1653. Finalmente, a filosofia segunda objeto de Co-gitata et visa de interpretatione naturae sive de scientia operativa e do terceiro livro do Temporis partus masculus, publicados em 1653.

    sempre grande obra que se referem, ainda, os tratados que dela fazem parte, a Redargutio philosophiarum, publicada em 1736, e, sobre-tudo, o New Atlantis, projeto de uma organizao de pesquisas cien-tficas, publicado em 1627. Deveriam ser acrescentadas as obras lite-rrias, os Ensaios ( 1 5 9 7 ) , de que cada edio nova (1612 e 1625) ampliao da precedente, e grande nmero de obras histricas e ju-rdicas.

    Tal a atividade literria do arauto do esprito novo, do bucci-nator, que visa a despertar os espritos e a ser o iniciador de um mo-vimento que deve transformar a vida humana, assegurando o domnio do homem sobre a natureza: o mpeto de um iniciador, a imaginao forte, que grava os preceitos em traos inolvidveis. Mas, tambm, de legista e administrador, ressalta-lhe o esprito de organizao, a pru-dncia quase minuciosa, o desejo, na obra secular que comea, de dis-tribuir a cada um (observador, experimentador, inventor de leis) certa tarefa limitada e precisa.

  • 3 0 mile Brhier

    I I . O I D E A L B A C O N I A N O : E N T E N D I M E N T O E C I N C I A E X P E R I M E N T A L

    Bacon examina a situao das cincias e do mundo intelectual. V nelas (alm de ignorar ou desconhecer os trabalhos de grandes sbios da poca, sobretudo os de Galileu) fixidez, estagnao e, ao mesmo tempo, conformidade, que so sintomas precursores de seu fim. E procura o modo de a cincia poder tornar-se sucetvel de progresso e crescimento. Que censura ele, sobremodo, nas cincias de seu tempo? "A reduo prematura e precoce a artes e mtodos, pelo que a cincia progride pouco ou quase nada . . . Enquanto a cincia se dispersa em aforismos e observaes, pode crescer e desenvolver-se; uma vez encer-rada nesses mtodos, estar bem polida e desbastada pelo uso, mas no aumentar em substncia." 1 Os "mtodos" no so mais do que pro-cessos de exposio mais ou menos artificiais, que fixam as cincias em seu estado atual. A cincia no encontra livre expanso, segundo o processo do prprio Bacon, no Novum organum, seno quando se expri-me mais livremente e sem plano preconcebido. Bacon preocupa-se de tal maneira com a fixidez, que chega a temer a prpria verdade. "Nas especulaes, diz ele, se se comea pela verdade, acabar-se- pela d-vida; se se comea pela dvida e se a suporta com pacincia, durante algum tempo, acabar-se- na ve rdade . " 2 Trata-se, aparentemente, da dvida metdica de Descartes. Em realidade, algo de oposto, porque Descartes "comea" realmente pela certeza implcita na prpria dvi-da, a do Cogito, e essa certeza geratriz de outras certezas. Em Bacon, a certeza no o comeo, mas o fim que encerra toda investigao.

    As crticas de Bacon derivam todas deste fato: crtica dos huma-nistas, que no vem nas cincias seno um tema de desenvolvimento literrio; crtica dos escolsticos, que, "encerrando sua alma em Aris-tteles, como seus corpos nas clulas", tm dogmas solidificados {rigor, dogmatum); crtica de todos aqueles para os quais a cincia coisa j feita, coisa do passado; crtica dos especialistas, que, renunciando fi-losofia primeira, se encerram em suas disciplinas e tm a iluso de que sua cincia favorita contm o todo das coisas, como os pitagricos ge-metras, cabalistas, que, com Robert Fludd, viam nmeros em todas as partes. Tudo o que classifica, tudo o que fixa mau.

    1. De augmentis, liv. I, cap . X L I . 2. Novum organum, I, afor. 45.

  • Histria da Filosofia 3 1

    Dai se explica a desconfiana contra o prprio instrumento da classificao, o intellectus ou entendimento. Deixado a si mesmo (per-missus sibi), o intelecto no pode proporcionar seno distino sobre distino, como se verifica nas disputas dos "intelectualistas", em que a precariedade da matria no permite mais do que um estril exerccio do esp r i to . 1

    Bacon jamais conheceu outro intelecto do que o intelecto abstrato e classificador que vem- de Aristteles, atravs dos rabes e de Santo Toms. Ele ignora o intelecto que Descartes encontrava no trabalho de inveno matemtica. No , pois, de acordo com ele, por fora de uma reforma interior do conhecimento, que a cincia poder tornar--se flexvel e enriquecer. A esse respeito, Bacon perfeitamente claro: as idias do entendimento humano jamais tero ver com as divinas idias, segundo as quais o criador fez as coisas. "No pequena a di-ferena existente entre os dolos da mente humana e as idias da mente divina, entre as opinies inteis e os verdadeiros marcos e im-presses gravados por Deus nas criaturas." 2 Entre o intelecto humano e a verdade no h qualquer parentesco natural. como um espelho anamorftico; sem metfora, experimenta a necessidade de ver em tudo igualdade, uniformidade, analogia. E Bacon pode aqui pensar, com jus-tia nas metafsicas mais clebres do Renascimento, como as de Para-celso ou de Giordano Bruno.

    Se a sutileza do esprito no pode igualar a sutileza da natureza, prpria natureza que devemos dirigir-nos para conhec-la, pois a experincia a verdadeira mestra. Bacon remonta a essa tradio da cincia experimental da natureza, que,' desde Aristteles, viveu sempre de maneira mais ou menos aparente no Ocidente, e que reencontramos no medievo com Roger Bacon. Essa cincia apresenta dois aspectos: de uma parte, as Historiae, coleo de fatos da natureza, como a Histria dos Animais, de Aristteles, e, sobretudo, a Histria Naturai, de Plnio, compilao que abrange todos os reinos da natureza e que tem sido, durante sculos, a inspiradora dos que buscavam no mundo uma ima-gem mais concreta e mais viva do que a dos filsofos. Ao lado das His-toriae, as tcnicas operativas, misturadas a toda espcie de supersties, que se vangloriam de forar a natureza a obedecer aos desgnios do

    1. Novum organum, I, afor. 19;. De augmentis, I, 43 . 2. Novum organum, I, afor. 2 3 .

  • mile Brhier

    homem, a magia natural, que constrange as vontades, a alquimia, que busca a fabricao do ouro. Essas cincias, como a astrologia, fundam--se todas sobre uma representao do universo que deriva do estoicismo e do neoplatonismo, a de simpatias ou antipatias misteriosas, cujo se-gredo s a experincia pode revelar-nos. Essas histrias, como cincias operativas, apaixonaram o sculo XVI . Tinham, apesar das supersti-es que carreavam consigo, esse aspecto concreto, progressivo, que Bacon buscava na cincia, e, verdadeiramente, davam ao homem a espe-rana de dominar a natureza, mas com a condio de obedecer-lhe (na-tura non vincitur nisi parendo), isto , de conhecer-lhe as leis. Bacon no desconhece o que h de credulidade e de impostura nessas cincias. Entretanto, aprova, sem reservas, os fins a que se propem: investigar a "influncia das coisas do alto sobre as coisas de baixo", como a, astro-logia; "recordar a filosofia natural das mil formas de especulao importncia das prticas operatrias", como a magia natural; "separar e extrair as partes heterogneas dos corpos, onde se ocultam e se mis-turam, e purific-las de suas impurezas", como a qumica. Esses so fins dignos de ser aprovados. 1 E os meios empregados, por absurdos que fossem, resultaram em frutferos descobrimentos.

    A Instauratio magna no se inscreve, pois, na linha das matem-ticas nem da fsica matemtica, cujo progresso caracteriza o sculo XVII . Consiste, ao abandonar as cincias de argumentao, em organizar, ra-zoavelmente, esse conjunto confuso de asseres sobre a natureza, de processos operatrios, de tcnicas prticas, que constituem as cincias experimentais.

    I I I . A Drviso D A S C I N C I A S

    Vejamos o primeiro propsito da Instauratio, o que est assinalado em De dignitate et augmentis scientiarum. uma classificao das cin-cias destinada menos a pr em ordem as j existentes do que a indicar as que ainda faltam. A diviso mais geral a diviso em Histria ou cincia da memria; Poesia, cincia da imaginao; Filosofia, cincia da razo.

    1". De augmentis, III, 5, edio Spedding, p. 5 7 4 , sobre a transmutao em ouro: S P I N O Z A (ed . minor V A N V L O T E N , II, 3 3 0 ) , M A L E B R A N C H E (Entretiens sur la mtaphysique, X, 12) e L E I B N I Z (Nouveaux essais, III, 9, 2 2 ) consideram esse problema perfeitamente legtimo e so lvel .

  • Histria da Filosofia 3 3

    A Histria e a Filosofia tm, cada uma, dois objetos distintos: a natureza e o homem. A Histria subdivide-se, pois, em histria natural e histria civil; e a Filosofia, em filosofia da natureza e filosofia do homem.

    A histria natural, por sua vez, divide-se em historia generationum, praetergenerationum, artium. Essa diviso corresponde de Plnio, o Antigo: a "histria das geraes" relativa, como o segundo livro de Plnio, s coisas celestes, aos meteoros e, por ltimo, s massas com-postas de um mesmo elemento, o mar e os rios, a terra, os fenmenos vulcnicos. Segue-se a "historia praetergenerationum", histria dos mons-tros, e a "historia art ium" ou histria das artes, pelas quais o homem muria o curso da natureza: so esses os dois objetivos do livro V I I , de Plnio (a parte compreendida entre os livros II e V I I sendo consagrada geografia). O mrito de Bacon no o de haver feito entrar na histria natural o estudo dos casos anormais e das artes, mas o ter afirmado que ela no simples apndice de fatos curiosos, e sim uma parte indispen-svel, dado que monstros e tcnicas pem em evidncia as mesmas foras que, nas geraes naturais, estavam mais dissimuladas: natura omnia regit. O homem, em relao s artes, por exemplo, no cria fora alguma que no exista na natureza. Seu nico poaer o de aproximar ou afastar os corpos uns dos outros e de, assim, criar condies novas para a ao das foras naturais. Esse novo esprito justificado por Bacon, ao dispor essas duas subdivises entre as cincias que ainda faltavam (desiderata). (Liv. I I , cap. I I . )

    Quanto histria civil, as subdivises correspondem aos gneros literrios histricos, que Bacon via adotados em seu tempo e que, ade-mais, remontavam a um passado mais ou menos distante. Tais so a his-tria eclesistica, fundada por Eusbio de Cesaria, e a histria civil propriamente dita, que subdivide, de acordo com os documentos que utiliza: as memrias (fastos), as antigidades, histrias antigas, como as Antigidades Judaicas, de Flvio Josefo, a histria justa ou completa, como as biografias, as crnicas de um reinado, as relaes de tal ou qual acontecimento. uma vasta organizao de pesquisas eruditas, de que Bacon traa o plano,. acrCscenta/ido-lhe a "histria literria", que , antes de tudo, a do progresso das tcnicas e das cincias. A erudio de .todo o sculo X V I I no ter outro programa.

    Consideremos, depois da histria, as divises da filosofia. Aqui, tambm, as divises so tradicionais, mas seu esprito novo. "Desejo, declara Bacon, afastar-me o menos possvel das opinies ou modos de

  • 34 mile Brhier

    falar dos antigos." (III , cap. IV, 1.) Deus, a natureza e o homem (ou como dizem os perspectivistas da Idade Mdia: a fonte luminosa, seu raio refratado, seu raio refletido), eis os trs objetos das trs grandes cincias filosficas. a diviso de Aristteles em teologia, ou filosofia primeira, fsica e moral. Mas o esprito, a, bem diferente. Em Aris-tteles, a filosofia primeira ou metafsica era, ao mesmo tempo, cincia de axiomas, cincia de causas ou princpios de toda substncia, sensvel ou inteligvel, e cincia de Deus. Encontram-se todos esses elementos em Bacon, mas com disposio inteiramente distinta. cincia de axio-mas reservado o nome de filosofia primeira; das causas, o nome de metafsica; de Deus, o de teologia.

    A filosofia primeira, ou cincia dos axiomas, o tronco comum das trs cincias de Deus, da natureza e do homem. Esses "axiomas" so, para Bacon, espcies de adgios bastante universais para se apli-carem, igualmente, s coisas divinas, naturais e humanas. Por exem-plo: "Aquilo que capaz de conservar a ordem das coisas (conser-vativum formae) tambm o que tem mais potncia." De onde se explica, em fsica, o horror ao vcuo, que conserva a massa terrestre. Em poltica, a preeminncia de foras conservadoras do Estado sobre o interesse dos particulares. Em teologia, a preeminncia da virtude da caridade, que une os homens entre si. Bacon quer, m suma, que se trate das noes universais "segundo as leis da natureza, e no do dis-curso, fisicamente e no logicamente"; como, por exemplo, os adgios sobre o pouco e o muito servem para fazer-nos compreender porque tal produto, como o ouro, raro, e outro, como o ferro, abundante.

    A teologia torna-se a primeira das cincias filosficas. Vem, depois, a cincia da natureza, que se subdivide em metafsica ou cincia das causas formais e das causas finais, e em fsica especial ou cincia de causas eficientes e de causas materiais. Sabe-se como o aristotelismo medieval considerava o conhecimento das formas ou verdadeiras dife-renas de coisas como inacessveis ao esprito humano. , pois, sob o nome de metafsica, uma nova cincia, que Bacon quer criar, intima-mente ligada s pesquisas sobre a natureza. Veremos, mais adiante, em que isso consiste.

    A terceira e ltima das cincias filosficas, a cincia do homem,-subdivide-se, segundo as faculdades humanas, em cincia do intelecto ou lgica, cincia da vontade ou tica e, finalmente, cincia dos homens

  • Histria da Filosofia 3 5

    reunidos em sociedades. Bacon separa, pqis, a cincia das sociedades e a moral.

    A lgica baconiana nada mais que a descrio dos processos na-turais da cincia: primeiramente, a inveno ou descoberta de verdades, descoberta que no se pode levar a termo seno pela experincia (expe-rientia-liUerata, isto , experincia da qual se notam as circunstncias por escrito) e a induo, objeto particular do Novum organum. Aps a inveno, v e n r o julgamento das verdades propostas, cujo instrumento principal o silogismo aristotlico, que tem funo precisa, mas limi-tada, a de reduzir as verdades propostas a princpios universais. A l-gica ensina, tambm, a refutar os sofismas; desfaz o emprego incorreto de palavras gerais de mltiplo sentido, utilizadas em todas as discus-ses, como pouco e muito, mesmo e diferente. Ela faz conhecer, final-mente, os "dolos" do esprito humano, ou seja, suas razes de erro.

    A moral, como concebida por Bacon, no se ope menos dos antigos, como sua fsica de Aristteles. Aos antigos, censura por no terem dado qualquer meio prtico de atingir o fim proposto, de espe-cularem sobre o bem supremo na ignorncia da vida futura, opde o cristianismo nos ensina a procur-lo e, sobretudo, de no terem subor-dinado o bem do indivduo ao bem da sociedade, de que ele faz parte. devido a tal ignorncia, que Aristteles declara, falsamente, ser a vida especulativa superior vida ativa, que toda a Antigidade busca o so-berano bem na tranqilidade da alma do indivduo, sem cuidar do bem comum, que um Epicteto quer que o sbio s em si mesmo encontre o princpio de sua felicidade: rejeio do individualismo antigo, em seu desejo de enclausurar-se na vida privada, livre de embaraos, com pre-ferncia dada serenidade sobre a grandeza da alma, fruio passiva sobre o bem ativo, que irradia atravs de suas obras. A moral de Bacon, como sua cincia, mais operativa do que especulativa. Prefere o tirano de Maquiavel com seu amor ao poder pelo poder, ao sbio estico, com sua virtude inerte e sem alegria. Prefere, aos Caracteres, de Teofrasto, um verdadeiro tratado das paixes, cujos materiais seriam tomados aos historiadores. Finalmente, termina a cincia do homem pr uma poltica, distinta da moral, e que , sobretudo, uma doutrina do Estado e do poder.

    Com a Histria e a Filosofia, Bacon admite uma terceira cincia, a Poesia, cincia da imaginao. Sabe-se com que fervor o Renascimento se dedicava interpretao de mitos e fbulas, onde buscava uma cin-

  • 3 6 me Brhier

    cia de enigmas e de imagens. O prprio Descartes, em sua juventude, prestava ateno a essas fantasias. So elas objeto do De Sapientia ve-terum, em que Bacon encontra, na fbula de Cupido, a idia do mo-vimento originrio do tomo com a da ao, a distqcia, dos tomos, uns em relao aos outros; no canto de Orfeu, o prottipo da filosofia natural, que se prope o restabelecimento e renovao das coisas cor-ruptveis. todo esse conjunto de fbulas, interpretadas no sentido da grande reforma das cincias, que Bacon chama de poesia.

    Mas, no fundo, essas trs cincias, histria, poesia e filosofia, no so mais do que trs tentativas sucessivas do esprito na formao das cincias: a histria, acmulo de materiais; a poesia, primeira execuo, quimrica, espcie de sonho da cincia, na qual os antigos se deti-veram; a filosofia, finalmente, construo slida da razo. dessa for-ma que as coisas se afiguram a Bacon, cada vez que cuida, no de todas as cincias, cuja lista est em De augmentis, mas da nica de que verdadeiramente se ocupa, a cincia da natureza.

    I V . O " N O V U M O R G A N U M "

    Para ter xito nas cincias novas, a que Bacon assinala o lugar sis-temtico, faz-se preciso um instrumento igualmente novo. o Novum organum que deve cri-lo. Haver entre o Novum organum e o De aug-mentis a diferena que h entre um plano sistemtico das cincias e um mtodo de conjunto universal, capaz de promov-los? De modo algum. Em realidade, o contedo do Novum organum coincide exatamente com certas partes do De augmentis. Se se retira a essa obra tudo o que, na cincia do homem, tem relao com a moral e a poltica, resta o pro-grama da cincia da natureza e da lgica. Ora, o Novum organum precisamente isto, e nada mais: um programa de cincias da natureza, com a parte da lgica que a elas se refere. Os erros entrevistos na teoria dos dolos concernem, unicamente, viso que o homem tem da natu-reza; e o organum ou instrumento, que auxilia o entendimento, como o compasso auxilia a mo, relaciona-se, exclusivamente, com a cincia da natureza.

    A descrio dos "dolos", ou erros do esprito, que segue seu im-pulso natural, descrio pela qual comea o Novum organum, , pois, o preldio oportuno que deve conduzir-nos a compreender a necessidade

  • Histria da Filosofia 3 7

    desse instrumento. H quatro espcies: Idola tribus (dolos da t r ibo) , defeito natural do esprito, espcie de preguia e de inrcia. Generali-zamos, no levando em conta seno os casos favorveis, de que decor-rem as supersties, como a astrologia, porque no pensamos nos casos em que as predies falharam. Desejamos ver realizadas, na natureza as noes que, por sua simplicidade e uniformidade, quadram melhor com nosso esprito, e, destarte, nascem esta astronomia antiga, que recusa aos astros outra trajetria que no a circular, e toda a falsa cincia da Cabala (renovada na Inglaterra, no tempo de Bacon, por Robert F ludd ) , que imaginam realidades inexistentes, para faz-las cor-responder com nossas combinaes numricas. Representamos a ativi-dade da natureza ao estilo de nossa atividade humana; e a alquimia encontra, entre as coisas, simpatias e antipatias, como entre os homens. Idola specus (dolos da cave rna ) : inrcia de hbitos, de educao, que aprisionam o esprito, como a caverna de Plato. Idola fori (dolos de praa pbl ica) : palavras que determinam nossa concepo das coisas. Queremos classificar as coisas? A linguagem vulgar a isso se ope- com sua classificao j estabelecida. Ora, quantas palavras denotam sentido confuso; quantas no tm correspondncia com nenhuma realidade (como quando falamos ao acaso das esferas celestes). Idola theatri (dolos do tea t ro) , provindos do prestgio de teorias filosficas, a de Aristteles, "o pior dos sofistas", a de Plato, "esse gracejador, poeta inflado, telogo entusiasta". Bacon, alm disso, censura os empiristas, que acumulam os fatos, como a formiga acumula suas provises; e os racionalistas, que, alheios a toda experincia, constrem teias de aranha de suas teorias. Os dolos no so, portanto, sofismas, erros de racio-cnio, mas disposies viciosas do esprito, como uma espcie de pecado original, que nos faz ignorar a natureza.

    O objetivo de Bacon no , propriamente falando, o conhecimento, mas o domnio sobre a natureza, a cincia operatria. Contudo, o co-nhecimento um meio, cujas regras esto sujeitas ao fim proposto. Bacon enuncia, assim, esse fim: "Engendrar uma ou muitas naturezas novas e introduzi-las em dado corpo." 1 Por natureza, entende proprie-dades especficas, tais como o denso e o raro, o quente e o frio, o pesado e o leve, o voltil e o fixo, em uma palavra, essa dupla de pro-priedades, cuja lista apresentou Aristteles no livro IV dos Meteorol-

    1. Novum organum, II, afor. 1.

  • 3 8 mile Brhier

    gicos, que serviu de modelo a todos os fsicos. A tcnica operatria, em particular a dos alquimistas, consiste em engendrar uma ou vrias dessas propriedades em um corpo que no as possui, em torn-lo de frio, quente, de fixo, voltil etc. Ora, Bacon pensa, com Aristteles, que cada uma dessas naturezas a manifestao de certa forma ou essncia que a produz. Supondo que sejamos senhores da forma, seremos se-nhores da propriedade. Mas no seremos senhores da forma, seno quando a conheamos.

    Aqui se insere a tarefa positiva do Novum organum. Tem por fim o conhecimento das formas, cuja presena produz as naturezas. Vimos, no tomo 1 (fase. 1, pp. 139 sq.), a razo por que Aristteles falhara nesse problema e como esse insucesso fora consagrado pelo tomismo: as diferenas pelas quais determinamos um gnero para definir uma essncia especfica no so as "verdadeiras diferenas". So precisa-mente essas verdadeiras diferenas que Bacon se vangloria de atingir: forma, diferena verdadeira, coisa em si (ipsissima res), natureza natu-rante, fonte de emanao, determinao do ato puro, lei so outras tantas expresses equivalentes que indicam, claramente, as intenes de Bacon. Recorda-se, tambm, que um dos meios de Aristteles para determinar a essncia e a lei era a induo. E tambm esse raciocnio que Bacon emprega com o mesmo fim.

    O Novum organum revela o mesmo lineamento exterior que o an-tigo: o conhecimento de formas ou essncias, partindo dos fatos, por meio da induo. Mas ele se jacta de ter xito onde Aristteles falhou. Ademais, faz do conhecimento das formas no a satisfao de uma ne-cessidade especulativa, mas o preldio de uma operao prtica. Como isso possvel?

    A pesquisa das formas comparada, por Bacon, ao mister do al-quimista, que, por uma srie de operaes, separa a matria pura, que quer obter, daquela que est misturada. A observao, com efeito, apre-senta-nos a natureza, cuja forma procuramos, misturada, em amontoado inextricvel, com outras naturezas. Est ali, mas no a obteremos seno separando-a de tudo o que no faz parte dela. A induo um processo de eliminao.

    De como conduzir a observao para chegar a operar essa elimi-nao, eis o que o preocupa, antes de tudo. Baoon no pergunta jamais quais as condies de uma boa observao, tomada em si mesma, e quais as precaues crticas adotadas. No tem sobre esse ponto a no

  • Histria da Filosofia 39

    ser observaes vagas e superficiais. Na prtica, dispe-se a tomar fatos ao acaso, o que os cientistas profissionais, como Liebig, reprovaram vivamente. O que lhe importa multiplicar e diversificar as experincias, para impedir o esprito de fixar-se e imobilizar-se. Da os processos da caa de P (venatio Panis), essa caa s observaes, em que a saga-cidade do caador desempenha o maior papel, como, na fbula antiga, a sagacidade de P lhe serviu para encontrar Ceres. necessrio variar as experincias (variado), por exemplo, enxertando as rvores florestais, como se faz para obter rvores frutferas, vendo como varia a atrao do mbar friccionado se se o aquece, fazendo variar a quantidade de substncias utilizadas em uma experincia. necessrio retomar a expe-rincia (repetitio), por exemplo, destilar, de novo, o lcool obtido de uma primeira destilao; estend-la (extensio), por exemplo, ter, com certas precaues, a gua separada do vinho no mesmo recipiente, pro-curar no vinho, se possvel, separar as partes pesadas das partes leves; transferi-la (translatio) da natureza para a arte, como se produz, arti-ficialmente, um arco-ris em uma queda d'gua; invert-la (invrsio), por exemplo, aps haver comprovado que o calor se propaga por mo-vimento ascensinal, saber se o frio se propaga por movimento des-cendente; suprimi-la (compulsio), por exemplo, saber se certos corpos interpostos entre o m e o ferro suprimem ou no a atrao; aplic-la (applicatio), isto , servir-se das experincias para descobrir alguma propriedade til (por exemplo, determinar a salubridade do ar, em di-versos lugares ou em diversas estaes, pela velocidade mais ou menos grande da putrefao). Finalmente, reunir diversas experincias (copu-latio), como Drebbel, em 1620, fez baixar o ponto de congelao da gua, misturando-lhe gelo e salitre. Restam os acasos (sortes) da expe-rincia, consistentes em modificar, ligeiramente, suas condies, produ-zindo, por exemplo, em vaso fechado, a combusto, que, ordinariamente, tem lugar ao ar* l i v re . 1

    Esses oito processos de experimentao no indicam o modo de provocar determinado resultado, porque no se sabe, por anterioridade, o que produziro as variaes, a repetio etc. Por exemplo, sob a ru-brica variatio, Bacon prope saber se a velocidade da queda dos graves aumentar quando seu peso aumente; e (parecendo, alm disso, ignorar as clebres experincias 'de Gali leu) , pensa que no se deve prever a

    1. De augmentis, liv. V, cap. II, 8 a 14.

  • 4 0 mile Brhier

    priori se a resposta ser positiva ou negativa. As experincias da caa de P no so experincias fecundas (fructifera), posto que no se poderia prever se o resultado responder ao que se espera, mas expe-rincias luminosas (lucifera), capazes de fazer-nos ver, sobretudo, a falsidade das ligaes que supomos e preparar a eliminao.

    Ainda mais claramente ligada ao fim da induo a repartio das experincias em trs ndices: presena, ausncia, graduao. No ndice de presena ou essncia esto consignadas, com todas as circunstncias, as experincias em que se produz a natureza, cuja forma se procura. No ndice de ausncia ou declinao, aquelas em que a mesma natureza est ausente. No ndice de graduao ou comparao, aquelas em que a natureza varia. Entende-se, ademais, que, no ndice de presena, in-troduzir-se-o experincias em que a natureza exista nos aspectos mais diversos possveis. E, no ndice de ausncia, anotar-se-o as experin-cias que sejam as mais semelhantes possveis s do ndice de presena.

    A induo consiste, em tudo e por tudo, na inspeo desses ndices. suficiente compar-los entre si para que, por eles mesmos e com se-gurana de certo modo mecnica, sejam eliminados da forma procurada grande nmero de fenmenos que acompanham a natureza. evidente que ser preciso eliminar todos os que no estejam em todas as expe-rincias do ndice de presena; depois, eliminar-s-o, dentre os que restam, todos os que estejam presentes nas experincias do ndice de ausncia. Finalmente, eliminar-se-o todos os que, no ndice de compa-rao, sejam invariveis quando a natureza varie. A forma encontrar--se-, necessariamente, no resduo que persiste, "uma vez feitas as re-jeies e excluses de maneira conveniente". Seja, por exemplo, deter-minar a forma do calor. Bacon aponta vinte e sete casos em que o calor se produz; trinta e dois, anlogos aos primeiros, em que no se produz (por exemplo, ao sol que aquece o solo, caso de presena, ele ope o sol que no funde as neves eternas, caso de ausncia), e qua-renta e um, onde varia. O resduo que persiste, aps a eliminao, o movimento de trepidao, cujo efeito se comprova na chama ou na gua fervente, e que Bacon assim define: movimento expansivo, dirigido de baixo para cima, que no alcana o todo do corpo, mas suas menores partes, e logo rechaado, de modo a tornar-se alternativo e trepidante.

    fcil ver em que essa operao difere da induo de Aristteles, que se faz por enumerao simples. Aristteles enumerava todos os casos em que determinada circunstncia (a ausncia de fel) acompa-

  • Histria da Filosofia 41

    nhava o fenmeno (a longevidade), cuja causa buscava. Limitava-se apenas aos casos anotados por Bacon em seu ndice de presena: a utilizao de experincias negativas , nesse domnio, a verdadeira des-coberta de Bacon.

    V . A F O R M A : O M E C A N I C I S M O D E B A C O N

    Uma das condies para que a induo triunfe que a forma seja no a coisa misteriosa que Aristteles procurava, mas um elemento observvel nas experincias possveis de comprovar, efetivamente, pelos sentidos ou pelos instrumentos que auxiliem os sentidos, como o micros-cpio. A forma no se determina, mas objeto de observao; a induo apenas permite limitar cada vez mais o campo de observao, em que se encontra a. forma.

    Acrescente-se que, em todos os problemas deste gnero, de que Bacon delineou uma soluo, esse resduo sempre, como no caso do calor, certa disposio mecnica constante da matria: se buscamos em que consiste a forma da brancura que vemos surgir na neve, na gua espumejante, no vidro pulverizado, vemos que, em todos esses casos, h "mistura de dois corpos .transparentes, com certa disposio simples e uniforme das partes pticas". 1 Ademais, em certo trecho que Descartes reproduziu, quase palavra por palavra, em Regulae, v a "forma" das cores em uma certa disposio geomtrica de linhas. Vemos que a induo tende a eliminar, para encontrar a forma, tudo o que h de qualitativo, de propriamente sensvel em nossa experincia. Pode-se dizer, em certo sentido, que Bacon mecanicista, uma vez que v a essncia de cada coisa da natureza em uma estrutura geomtrica e me-cnica permanente. Tenta-se, s vezes, certo, distinguir a forma daquilo que Bacon chama esquematismo latente, isto , a constituio ntima dos corpos, que nos escapa em virtude da pequenez de seus elementos: a forma acrescentar-se-ia, ento, estrutura mecnica, ao esquematismo, de que seria a condio material, e no a substncia. Mas Bacon iden-tifica-as formalmente. Alm disso, quando fala de progresso latente (progressus latens), isto , de operaes insensveis pelas quais um corpo adquire suas propriedades, trata-se, ainda, de um processo mec-nico: estruturas e movimentos ocultos (occultos schematismos et motus),

    1. De augmentis, l iv. III, cap. IV, 11.

  • 4-2 mile Brhier

    eis os verdadeiros objetos da fsica. 1 Seu pensamento penetra em cheio na grande tradio mecanicista que se estabelece no sculo XVII. Se restasse nele algo da noo aristotlica da forma, teria acoimado de virgem estril a investigao das causas finais, que, em Aristteles, inseparvel da pesquisa da forma?

    Mas, trata-se de um mecanicismo de tipo particular: primeiro, apa-rece como algo inesperado, como simples resultado da induo. A es-trutura mecnica o que resta depois da "rejeio e excluso". Ademais, h muitas formas e estruturas mecnicas que so postas como absolutos inexplicveis; e, enquanto essas estruturas so, para Descartes ou Gas-sendi, coisas que devem ser explicadas, para Bacon, as coisas que explicam. Tampouco as matemticas assumem para ele o papel domi-nante que apresentam em Descartes; desconfia delas, sobretudo depois que v o que produz a concepo matemtica da natureza em seu con-temporneo, o cabalista Robert Fludd, que se contenta em realizar, na natureza, combinaes arbitrrias de figuras e nmeros. Ele quer que as matemticas permaneam "servas" da fsica, isto y que se limitem a fornecer-lhe uma linguagem para suas medidas.

    V I . A P R O V A E X P E R I M E N T A L

    Voltemos ao organon. A induo permite, diz-nos Bacon, limitar o campo em que se deve buscar a forma; mas, se ela nos indica as exclu-ses que devem ser feitas, claro que no nos pode indicar em que momento terminam. Novos fatos poderiam obrigar-nos a novas exclu-ses. O resultado da induo provisrio. uma primeira vindima ( vindemiatio prima ) .

    De como chegar a um resultado definitivo o que Bacon promete explicar, por via de "auxlios mais poderosos", que vai proporcionar r a z o . 2 Redige uma lista de nove desses "auxlios", mas no cuida seno do primeiro, a que chama "prerrogativas dos fatos" (praerogativae instantiarum). Aponta vinte e sete espcies de "fatos privilegiados". Que entende ele por essa expresso? Por que esses fatos no entram nos

    1. Novum organum, II , afor. 6 e 39; De augmentis, III, cap . IV, 11: cf. L A L A N D E , Quid de mathematica senserit Baconius, Paris, 1899, p. 38 .

    2. Novum organum, II , afor. 21 e seg.

  • tiistria aa Filosofia 4 3

    ndices preparatrios da induo? Eis, por exemplo, as "instncias soli-trias", isto , as experincias em que a natureza procurada se mani-festa sem nenhuma das circunstncias que, ordinariamente, a acompa-nham (por exemplo, a produo de cores pela luz, ao atravessar um pr isma) . Trata-se de um fato a incluir no ndice de presena. H, assim, instantiae migrantes, casos em que a natureza se manifesta, de chofre (a brancura na gua espmea) ; instantiae ostensivae et clandestinae, casos em que a natureza est em seu mximo e em seu mnimo, entram no ndice de graduao; instantiae monodicae et deviantes, em que determinada natureza se mostra sob aspecto excepcional (o m entre os minerais, os monstros) , pertencem ao ndice de presena; instantiae divortii, que mostram desunidas duas naturezas ordinariamente unidas (por exemplo, a baixa densidade e o calor: o ar pouco denso, mesmo sem estar aquecido), tm lugar no ndice de ausncia. No restam seno os clebres fatos cruciais {instantiae crucis), que no entram nos ndices: quando hesitamos entre duas formas para explicar determinada natu-reza, os fatos cruciais devem mostrar "que a unio de uma dessas formas com a natureza fixa e indissolvel, enquanto a de outra varivel" (afor. 36 ) . Como entender essa frmula? Compreende-se muito bem como os fatos do ndice de ausncia demonstram, com segurana, essa variabilidade ( a instantiae divortii}. Mas difcil de compreender, em relao lgica baconiana, como se poderia demonstrar uma unio fixa e indissolvel. Pode-se restringir o campo em que se deve buscar a forma, mas nunca se poder dizer se se pode restringir ainda mais. Por exemplo, aos olhos de Bacon, demonstrar-se- que a causa ou a forma da gravi-dade a atrao da Terra sobre os corpos graves, se se comprova que um relgio de pndulo marcha mais rpido quando se aproxima do centro da Terra. Mas claro que se trata de simples caso a acrescer ao ndice de presena, e que s ser provado quando no contraditado po r outro fato. No h, em Bacon, qualquer prova decisiva para u m a ' afirmao; s as negaes so comprovadas. Assim, essas "prerroga-tivas dos fatos" nada acrescentam de importante ao novo instrumento criado por Bacon. E quando, entre elas, cita as instantiae lampadis, que so simples meios de ampliar nossa informao, seja por meio de instrumentos que auxiliam os sentidos, como o microscpio e o teles-cpio, seja por signos, como o pulso nas enfermidades, est' mais aten-to aos meios de acumular materiais do que sua. utilizao possvel.

  • 4 4 mile Brhier

    V I I . A s U L T I M A S P A R T E S D A " I N S T A U R A T I O M A G N A "

    O Novum organum no mais do que a descrio de uma das fases da constituio das cincias da natureza. As quatro ltimas partes da Instauratio deviam realizar a cincia natural, desde seu ponto de par-tida, a Historia, at seu ponto de chegada, a cincia operativa. A terceira parte concerne s Historiae: obra de que, particularmente, se ocupou Bacon no fim de sua vida, de 1624 a 1626, em que, ajudado por seu secretrio Rawley, compulsa, em Sylva sylvarum, todos os fatos curiosos que pde encontrar nos livros de viagens, de fsica, de qumica ou de medicina. As autoridades a que recorre no so das melhores. Aproveita muito de Paracelso; recolhe dos alquimistas receitas para a fabricao do ouro. Pelo contrrio, encontra melhores guias nos trabalhos de Drebbel. Sylva uma histria geral. Bacon prescreve, a propsito, para cada "natureza" uma histria particular. Ele mesmo redige algumas, porcexemplo, a Historia vitae et mortis, geralmente dirigida contra Har-vey, que, por experincias decisivas, vinha demonstrando a circulao do sangue. Pouco cioso da observao direta, comete, em sua Historia, o mesmo erro de Roger Bacon, unindo-se tradio (vinda de Plnio) de uma pretensa experincia, mais do que prpria experincia.

    A quarta parte da Instauratio, a Scala intellectus, devia retomar, aplicando-o, o tema do Novum organum. Seu ttulo, escala do entendi-mento, faz aluso necessidade de no saltar das observaes particula-res para os axiomas gerais, mas de a chegar, gradualmente, passando pelos axiomas mdios.

    A quinta parte, apoiada nos axiomas gerais, prepara esta cincia operativa que realiza a sexta e que deve dar, ao homem, o domnio da natureza. Entretanto, cada vez mais, medida que avana para esse fim, a obra permanece em estado de esboo mais ou menos vago. Bacon compreendeu que seu fim no poderia ser alcanado por um empirismo cego, mas ao preo de uma revoluo intelectual da qual se faz anun-ciador; e no lhe faltava o cuidado de chegar ao antes que essa revoluo tivesse terminado. Compreendeu que o trabalho cientfico devia ser um trabalho coletivo, distribudo entre uma multido de pes-quisadores, e consagrou uma de suas ltimas obras, New Atlantis, para descrever uma espcie de repblica cientfica, em que atribui uma tarefa a cada um: primeiro, os pesquisadores de fatos, os mercatores lucis, que vo ao estrangeiro em busca de observaes curiosas; os depraeda-

  • Histria da Filosofia 45

    ores, que fazem coleta de livros antigos; os venatores, que se pem ao corrente dos segredos dos artesos; os fossores, pioneiros, que instituem experincias novas. Depois vm os que distribuem os fatos nos trs n-dices, os divisores. Em seguida, os que exprimem uma lei provisria; depois, os que imaginam as experincias que devem prov-la. Final-mente, os que executam essas experincias sob suas ordens. Nessa viso imaginria, Bacon est, jtinda, bem longe da cincia operatria, para a qual contribuiu, no obstante os bices encontrados.

    V I I I . A F I L O S O F I A E X P E R I M E N T A L N A I N G L A T E R R A

    Voltaire, em Lettres philosophiques, d, sobre Bacon, uma opinio que devia estar generalizada na Inglaterra, em comeos do sculo XVII I : "A mais singular e melhor de suas obras hoje a menos lida e a mais intil. Quero falar de seu Novum scientiarum organon. o andaime com o qual se edificou a nova filosofia; e quando esse edifcio foi er-guido, pelo menos em parte, o andaime no teve mais nenhum uso. O chanceler Bacon no conhecia ainda a natureza, mas conhecia todos os caminhos que conduzem a ela." Houve, de fato, na Inglaterra, a partir de 1650, aproximadamente, um admirvel impulso do que se chamava a nova filosofia, filosofia experimental ou filosofia eficaz (effective philosophy), isto , o conjunto de cincias experimentais da natureza. A Sociedade Real de Londres, fundada em 1645, e oficialmente reco-nhecida em 1662, a obra do fsico Robert Boyle (1627-1691) , sobre-tudo a obra de Newton (1642-1727) , assinalam os momentos desse desenvolvimento. A obra coletiva da Sociedade Real, o catlogo que tenta inventariar os fenmenos da natureza, um ensaio destinado a realizar a primeira exigncia da cincia baconiana: a Histria. E Glan-vill, em seu Scepsis scientifica ( 1665 ) , v "na Nova Atlntida, o projeto proftico da Sociedade Real". O mesmo Glanvill, nessa obra, exprime bem o esprito da Sociedade, ao mostrar a incerteza de nossos conheci-mentos acerca de todas as matrias de que trata a filosofia cartesiana: unio da alma e do corpo, natureza e origem da alma, origem dos corpos vivos, ignorncia das causas ("no podemos conhecer, dissera Hume, que uma coisa causa de outra, seno enquanto a esperamos; esse ca-minho no infalvel"); mas ope-lhe a fecundidade em descobertas da parte prtica e experimental da filosofia, essa "nova filosofia para a qual dirige seu discurso". Toda demonstrao deve ser experimental,

  • 46 mile Brhier

    tal o preceito essencial da Sociedade, que, desde logo, no pretenderia atingir seno resultados provisrios, pois " provvel que as experin-cias de idades futuras no concordem com as da era presente, mas que, ao revs, as contrariaro". Hooke, secretrio da Sociedade, admirador do "incomparvel Verulmio", reprova "aos que querem transcrever, unicamente, seus pensamentos e se expem, assim, a dar como gerais, coisas que lhes so particulares". Dessa Sociedade, Boyle foi, at New-ton, o membro mais eminente. Ora, Boyle, que se ocupa, sobretudo, de qumica, era um terico da matria, partidrio da teoria corpuscular e do mecanicismo ao deduzir as "qualidades segundas" de qualidades primeiras, que so a extenso e a impenetrabilidade. Tal o mecanicismo de um filsofo experimental ingls. De Descartes usa os mesmos termos empregados por Hooke. Trata-se de uma viso particular: "A expli-cao mecnica que Descartes d das qualidades depende inteiramente de suas noes particulares sobre certa matria sutil, dos glbulos do segundo elemento e de outras coisas semelhantes; e tais noes so d tal modo entrelaadas com o restante de sua hiptese, que raramente se pode fazer uso delas se no se adota toda sua filosofia." O pensamento de Descartes, demasiado sistemtico e pessoal, sufoca o livre jogo de um pensamento que deve curvar-se experincia. O ponto de partida do mecanicismo de Boyle experimental: a teoria matemtica das m-quinas, teoria "que permite aplicar a matemtica pura produo ou modificao dos movimentos nos corpos"!

    BBLIOGRAFIA

    I .

    B O U I L L E T , ..M. N. , Oeuvres philosophiques de Bacon, 3 vols . , Paris, 1834.

    G I B S O N , R. W., F. Bacon, a bibliography of his works and of Baconiana to the year 1750, Oxford, 1950.

    S O R T A I S , G., La philosophie moderne depuis Bacon jusqu' Leibniz, t. I, pp. 99-278, Paris, 1920.

    S P E D D I N G , J., Account of the life and times of Francis Bacon, 2 vols . . Lon-dres, 1879.

    , The Letters and the Life of F. Bacon including ali his occasional Works, 7 vols. , Londres, 1861. (Reimpresso em 1890.)

  • Histria da Filosofia 4 7

    , ELLIS, R. L. e H E A T H , D . , The Works of Francis Bacon, 7 vpls . , Londres, 1857. (Reimpresso em 1887.)

    The New Organon and related writings, ed. por Ful ton H. A N D E R S O N , N o v a Iorque, 1960.

    II a V I I .

    A D A M , Ch. , Philosophie de F. Bacon, Paris, 1890.

    B R O C H A R D , V., "La philosophie de Bacon" (tudes de philosophie ancienne et de philosophie moderne, pp. 303-313, Paris, 1912).

    F A R R I N G T O N , B., Francis Bacon, philosopher of industrial science, N o v a Ior-que, 1949.

    J A N E T , Pierre, Baco Verulamius alchemicis philosophis quid debuerit, Angers , 1889.

    K O C H E R , Paul H. , "Bacon on the science of jurisprudence", Journal of the His-tory of Ideas, janeiro, 1957.

    K O T A R B I N S K I , T , " L i d e directrice de la mthodolog ie de F . Bacon", Revue philosophique- de VInstitut de Varsovie (em polons) . (Anlise em Revue d'histoire de la philosophie, I, 1927, p. 490.)

    L A L A N D E , A. , Quid de mathematica vel rationali vel naturali senserit Baconius Verulamius, Paris, 1899; Les thories de Vinduction, pp . 40-82, Paris, 1929.

    , "Sur quelques textes de Bacon et de Descartes" (Revue de Mtaphy-sique, X I X , 1911, pp . 296-311).

    L E V I , Ad. , // pensiero di F. Bacone considerato in relazione con le filosofie-delia natura dei Rinascimento e col razionalismo cartesiano, Turim, 1925.

    LIEBIG, J. von , Ueber F. Bacon von Verulam und die Methode der Naturfor-schung, Munique, 1863. (Traduo francesa, Paris, 1866-1867.)

    M A G A L H E S - V I L H E N A , V. de, "Bacon et lAnt iqui t" , Revue philosophique, 1960, II, pp. 181 sq; 1961 , I, pp. 25 sq; 1965, IV, r* 465.

    M A I S T R E , J. de, Examen de la philosophie de Bacon (t . VIII e IX das Oeuvres completes, Lyon, 1839).

    SCHXJHL, P.-M., La pense de Bacon, Paris, .1949; exposies sobre o mtodo de Bacon em La synthse, ide-force dans Vvolution de la pense, "Quinzime semaine de synthse", Paris, 1951, pp. 42 sq.; e em Vinvention humaine..., "Dix-septime semaine de synthse; Revue de synthse, julho-dezembro, 1953, PP. 6-13.

  • 4 8 mile Brhiei

    V I I I .

    B O Y L E , R., English works, ed. de T h . BIRCH, 5 vo ls . , Londres, 1744 ( 2 . a ed., 1772).

    , Opera omnia, Veneza, 1697.

    F L O R I A N , P. "De Bacon a Newton", Revue de philosophie, 1914.

    K O Y R , A., Newtonian Studies, Cambridge, 1965. M A S S O N , F., R. Boyle, Edimburgo, 1914.

    S P R A T , History of the Royal Society.

  • III

    DESCARTES E O CARTESIANISMO

    I . V I D A E OBRAS

    RE N DESCARTES (1596-1650) provm de uma famlia de gentis--homens de Touraine; o av, Pierre Descartes, combatera nas guerras de religio. O pai, Joaquim, tomou-se conselheiro no parlamento da Bretanha, em 1586, e teve de sua mulher, Jeanne Brochard, filha do tenente-general de Poitiers, trs filhos. O mais velho, Pierre Descartes, sucedeu ao pai, e Ren foi o terceiro. De 1604 a 1612, tornou-se aluno do colgio de La Flche, fundado por Henrique IV e dirigido pelos jesutas. Recebeu ali, nos trs ltimos anos, um ensino de filosofia con-sistente em exposies, resumos ou comentrios das obras de Ari