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ZINES: ideologia e estética marginal São Paulo 2014 Larice Barbosa de Morais Centro Universitário SENAC

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Extrato da pesquisa teórica desenvolvida em meu TCC, apresentado ao Centro Universitário Senac como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Design com Habilitação em Comunicação Visual. 2014.

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ZINES: ideologia e estética marginal

São Paulo

2014

Larice Barbosa de Morais

Centro Universitário SENAC

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ZINES: ideologia e estética marginal

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Senac - Campus Santo Amaro, como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Design com Habilitação em Comunicação Visual.

Orientador: Marcos de Almeida Prado Pecci

São Paulo

2014

Larice Barbosa de Morais

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Agradeço ao meu orientador, amigo e professor Alan Richard da Luz, que continuou e continua me ensinando além das fronteiras acadêmicas. Ao meu segundo orientador Marcos Pecci, que me acolheu de braços abertos e acreditou em mim, mesmo em meus momentos de dúvida e insegurança.

À minha mãe, que acalentou meus nódulos de tensão e me presenteia com o mais forte amor todos os dias.Ao Tiago, por permanecer meu irmão e porto seguro.

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Este projeto tem como objetivo o estudo gráfico de zines, evidenciando a lin-guagem visual como ferramenta de identidade, liberdade e oposição ao status quo de indivíduos social e culturalmente marginalizados. Para desenvolvimento teóri-co, foram expostos contextos históricos e sociais elucidando motivações e espaços viabilizadores de produção e exploração de publicações independentes. A partir deste traçado, diferentes aspectos visuais foram abordados considerando suas re-lações entre movimentos artísticos e princípios políticos. Com a fundamentação conceitual, foi possível entender a relação entre comunidades subculturais e a uti-lização de artifícios expressivos da anarquia estética para inserção e valorização de diversidades ideológicas e culturais, além do establishment dominante. Como resultado prático, foi desenvolvido um zine que conversa visualmente e concei-tualmente com as conclusões tomadas a partir da base teórica, demonstrando no exercício de experimentação gráfica, a encarnação de propósitos persuasivos.

PALAVRAS CHAVE zine, cultura underground, DIY, mídia alternativa, linguagem visual.

Resumo

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This project aims to study zines graphically, pointing the visual language as a tool for identity, freedom and opposition to the status quo of social and culturally marginalized individuals. For theoretical development, were exposed historical and social contexts elucidating motivations and open spaces for production and exploration of independent publications. From this base, different visual aspects were approached considering its relations between art movements and political principles. With the conceptual fundamentation, it was possible to understand the relationship between subcultural communities and the use of expressive artifices of anarchy aesthetic for insertion and appreciation of ideological and cultural dif-ferences, beyond the main establishment. As a practical result, it was developed a zine that dialogues visually and conceptually with the conclusions taken from the theoretical base, demonstrating in the exercise of graphical experimentation, the incarnation of persuasive purposes.

KEYWORDS

zine, underground culture, DIY, alternative media, visual language.

AbstRAct

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SumárioINTRODUÇÃO

1. DEFINIÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO:

DO FANZINE AO ZINE ATUAL

1.1 O que são zines?

1.2 Ficção científica e o pioneirismo fandom

1.3 Literatura e movimento Beat

1.4 Na política

1.5 Movimento punk e cultura alternativa

1.6 Queercore e militância gay

1.7 Riot Grrrls e o punk feminista

1.8 Internet e os novos suportes digitais

1.9 Fanzine x Zine

2. ZINES E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE,

COMUNIDADE E ESTÉTICA

2.1 O indivíduo e a identidade marginal

2.2 Ética DIY e comunidades alternativas

2.3 Influências visuais

2.4 Movimento Dada

2.5 Situacionismo

2.6 Mail Art

2.7 Linguagem visual como resistência

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3. ANÁLISE DE ZINES

3.1 Pesquisa de campo e critérios de análise

3.2 Análise de objetos

3.3 Conclusões de análise de objetos

4. PROJETO FINAL

4.1 Conceito

4.1.1 Temática

4.1.2 Nome

4.1.3 Capa

4.1.4 Miolo

4.2 Descrição de projeto final

4.2.1 Capa

4.2.2 Miolo

4.3 Considerações pós produção

4.4 Resultado

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

LISTA DE IMAGENS

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IntroduçãoDesde a época dos mimeógrafos e

máquinas de escrever até os dias de hoje, zines, modestas publicações de caráter amador e muitas vezes artesanal, circu-lam como veículo alternativo propagando diferentes propósitos. Com o surgimento de computadores pessoais e softwares de edição na década de 90, o trabalho de edição gráfica tornou-se mais fácil e rá-pido, acarretando a incorporação de uma estética mais “clean” e organizada seme-lhante a revistas e jornais profissionais em muitas publicações, afastando-as do aspecto sujo e manual característico da linguagem tradicional de zines. O de-senvolvimento de recursos digitais au-xiliou consideravelmente a simplificação e aperfeiçoamento gráfico de diversos zines, entretanto, a estética manual de colagens e experimentação de outrora ainda se encontra atual e recorrente em muitas publicações.

Sob esta circunstância, presume-se que na escolha de tal linguagem visu-

al, existam razões substanciais além da suposição popular que justifica as dis-posições gráficas de zines apenas pela inexperiência e falta de recursos de seus criadores. É na intenção de considerar, compreender e demonstrar algumas dessas razões que este trabalho se com-põe, levando em conta situações nas quais indivíduos que produzem e conso-mem se encontram e as influências histó-ricas, artísticas e políticas que afetaram e afetam a configuração de zines. É impor-tante frisar que o objetivo do estudo não é dar respostas definitivas ou desqualifi-car fundamentos alternativos, mas colo-car em evidência o potencial simbólico e visual que certos elementos estéticos re-presentam em um determinado cenário.

O recorte feito na atuação de zines em comunidades alternativas e “margi-nais” busca demonstrar o valor cultural que transcorre em movimentos under-ground e como o subsídio da linguagem amadora elabora e fortalece posições de luta e visibilidade destes grupos. Diante de um campo de pesquisa e ma-terial escasso sobre a temática, a opor-

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tunidade do espaço acadêmico também é aproveitada para expor qualidades de zines como veículo de comunicação al-ternativo e experimentação gráfica fle-xível e provocante.

Dois estágios foram elaborados para desenvolver a investigação e análise do objeto de pesquisa: pesquisa teórica e desenvolvimento de projeto gráfico. Para contextualização teórica, inicia-se o pri-meiro capítulo apresentando conceitos, definições e considerações do que são zines fornecidas através de pesquisa re-ferencial e bibliográfica. Na ponderação de significado, são adotadas ambienta-ções e argumentações que serão aplica-das para especificar zines e aqueles que os consomem e produzem nos demais capítulos. Em seguida é apresentado um breve histórico que procura revelar o percurso de publicações independen-tes conforme os anos, elucidando suas raízes em movimentos revolucionários e contestadores. Desde seu surgimento, em resposta a fãs com pouca influência e visibilidade, até a evolução do suporte como propagação de ideais e expressão

artística, traça-se uma ordem compre-endendo perfis que caracterizam indiví-duos que vivem ou pensam de maneira contrária às normas de sociedade, cultu-ra e mídia mainstream.

No capítulo seguinte volta-se a aten-ção para o contexto social destes indiví-duos, inseridos na cultura do zine como membros de comunidades subculturais. Como Duncombe (2008) determina em seu livro Notes from Underground, por trás de todo zine produzido e comparti-lhado, existe uma série de micro comu-nidades que interagem e se sustentam entre si. Através do processo criativo e propagação de comunicação livre, emol-da-se uma cultura que se conceitua na apropriação de conceitos pejorativos que discriminam minorias, transforman-do-os em qualidades positivas de repre-sentação e resistência. Deste modo, são identificadas culturas underground, que defendem caminhos e escolhas diferen-ciadas, geralmente dialogando com a ética DIY (Do-It-Yourself), em oposição ao sistema capitalista vivido por grande parte da sociedade ocidental.

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A partir daí, tendo destacado fenô-menos que caracterizam a existência e atividade de zines como veículo que suporta marginais sociais e culturais, o trabalho busca relacionar influências ar-tísticas e visuais inseridas desde cedo na prática de publicação independente com o intuito de entendê-las como atuações políticas e sociais que são. Entende-se na linguagem amadora, a faceta ideológica e de resistência a valores vigentes no mer-cado editorial e artístico, assim como a linguagem discursiva, contra o status quo. Como aspecto visual, a linguagem gráfica de zines integra e identifica valo-res de membros da cultura underground.

Adotando essa premissa, a próxima etapa expõe análises visuais de zines que coincidem com a fundamentação teórica estabelecida nos capítulos ante-riores. O intuito é identificar e averiguar os diferentes elementos visuais com ba-ses estabelecidas de Gestalt e da própria defesa da problemática, utilizando não mais material teórico, mas documental, para acréscimo substancial através de conteúdo prático e real. Em resultado

a conclusão especulativa obtida até en-tão, apresenta-se o projeto prático, que se consistiu no desenvolvimento de um zine condizente com aspectos visuais e ideológicos do estudo. A partir de expe-riências pessoais, é demonstrada a com-petência representativa que a linguagem amadora adotada em zines é capaz de manifestar, enfatizando o papel da pu-blicação independente como importante veículo de expressão visual, liberdade gráfica experimental e subjetividade.

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Com o intuito de estabelecer a ambientação do objeto zine como estudo e introduzir sua problemática, este capítulo apresenta o recorte conceitual adotado em todo o trabalho, relatando suas principais características e finalidades, como também o exame de sua estrutura contextual, conforme seu surgimento, passagem e evolução ao longo da história.

1. Definição e contexto históRico: Do fAnzine Ao zine AtuAl

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Devido à natureza efêmera que zines possuem, suas definições podem aderir diversas facetas, comumente caracteri-zadas por conceitos pessoais de quem os produz e consome. Este trabalho consi-dera a análise de alguns pesquisadores sobre o fenômeno dos zines ao longo da história, admitindo uma abordagem am-pla, como elucida Magalhães:

Os Fanzines são o resultado da iniciativa e esforço de pessoas que se propõem a veicular produções artísticas ou informações sobre elas, que possam ser reproduzidas e enviadas a outras pessoas, fora das estruturas comerciais de produção cultural (MAGALHÃES, 2000, p.05).

Tratam-se de publicações de pouca circulação, baixo ou nenhum orçamen-to, normalmente adotadas por culturas alternativas como veículo de comuni-cação. Magalhães (2004) explica que zines não possuem ligação alguma com o grande mercado editorial, preservan-

do a liberdade de expressão e escolha editorial de seus criadores (conhecidos como “zineiros”) que produzem, editam, publicam e divulgam suas próprias edi-ções; sustentadas principalmente pela paixão e interesse acerca do assunto retratado, quando não são gratuítas, seus preços visam cobrir apenas custos de produção, sem a intenção de lucro. Como a circulação ocorre independen-te de grandes editoras, a distribuição acontece via correspondência, em feiras culturais, shows, e com a chegada da era digital, através de emails ou sites que disponibilizam scans das páginas por download (MAGALHÃES, 2000).

A princípio, fanzines caracterizavam-se como publicações primordialmente textuais, propondo materiais de caráter informativo e opinativo, entretanto, após sua popularização em diversos contex-tos, outras possibilidades surgiram, tor-nando-os veículo tanto para propagação de informação, quanto espaço de divul-gação para trabalhos artísticos e autorais de qualquer natureza. Assim, na visão de Magalhães (2000), qualquer publicação

1.1 O que são zines?

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de caráter amador e independente pode ser considerada como zine.

Por outro lado, Duncombe (2008) apresenta outro elemento que distingue conceitualmente zines de outros tipos de publicações: o senso de consciência polí-tica depositado no conteúdo. Magalhães (2009) sintetiza o mesmo argumento ao apontar que grande parte das publica-ções dispõe de cunho contestador e crí-tico, dando voz ao indivíduo contrário a um sistema político, cultural ou social.

Os fanzines são, pois, um produto de grupos marginalizados cultural e geograficamente, bem como porta-vozes de um tipo de cultura que denominamos genericamente de underground, contracultural ou independente (MAGALHÃES, 2009, p.107).

Apesar dos limites e transpasses do que define ou não seus conceitos, é clara a distinção presente entre zines e publicações comerciais. Propondo ser uma antítese do que existe na grande mídia, Spencer (2005) também escla-rece que, dada a possibilidade de fugir do convencional, diferentes linguagens visuais e discursivas são exploradas,

compondo um agente ideológico e ex-pressivo completamente moldado pelo editor. Ao contrário de revistas e jornais profissionais, a importância de zines não se calcula através de popularidade ou benefício financeiro, mas em fatores como o controle de criação e autentici-dade, livre de censuras e manipulações que alterariam a intenção original do conteúdo produzido.

De maneira descompromissada e pessoal, zines transmitem a impressão de que qualquer um é capaz de produ-zir suas próprias publicações, além de criar um contato e proximidade entre criadores e leitores, estabelecendo cone-xões de amizade, trocas e debates entre pessoas de mesmos interesses e caracte-rísticas em comum (MAGALHÃES, 2000; SPENCER, 2005). Por serem publicações de ampla abrangência, capazes de repro-duzir qualquer tipo de assunto e visão, é improvável conseguir identificar um único padrão de público alvo. Duncom-be (2008) afirma que zines alcançam di-ferentes classes sociais e faixas etárias, considerando o modo como pessoas

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pensam, não quem são, como são ou a posição que se encontram na sociedade.

Considerando principalmente os argumentos de Duncombe (2008) e Ma-galhães (2000), os subitens e capítulos a seguir serão embasados na compreen-são de zine como meio alternativo que comporta éticas políticas e sociais de natureza libertária, dirigindo-se a gru-pos julgados inferiores ou minorias que desempenham atividades de produção criativa, comunicação e autonomia atra-vés da autopublicação.

As primeiras publicações reconhe-cidas como fanzines foram introduzidas nos Estados Unidos por amantes de fic-ção científica nos anos 30. Considerado como subliteratura, o gênero era des-valorizado no meio editorial da época e oferecia pouco espaço para leitores in-teragirem. Com isso, fã-clubes (conheci-dos como fandoms) começaram a formar seus próprios circuitos de comunicação, compartilhando suas ideias e trabalhos autorais de maneira independente (MA-GALHÃES, 2003; SWADOSH, 2007).

The Comet é considerada uma das primeiras edições deste tipo de publica-ção, como declaram Magalhães (2014) e Spencer (2005). Chamadas ainda de “fan-mags”, as publicações independentes só se tornariam “fanzines” em 1941, sob neologismo de Russ Chauvenet, ao fazer uma melhor junção das palavras fanatic e magazine, que traduzidas do inglês, significam “revista de fã”.

Entusiastas preenchiam edições atrás de edições amadoramente confec-cionadas, com conteúdos autorais, en-trevistas com escritores ou ilustradores, novidades sobre o assunto e reviews de suas obras preferidas, encorajando ou-tros a também apresentarem suas opini-ões, tornando o espaço em verdadeiros fóruns de discussão (SWADOSH, 2007).

Uma vez que o fanzine foi criado a partir da necessidade de comunicação entre fãs, opiniões compartilhadas e dis-cutidas em cartas adicionais às publica-

1.2 Ficção científica e o pioneismo fandom

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ções eram a prova do contentamento e comprometimento de indivíduos em in-teragir e partilhar conteúdo com outras pessoas de mesmo interesse, como evi-dencia Swadosh

O fanzine encoraja a participação ativa ao invés de um consumo passivo. Este modo de comunicação incentiva leitores a se tornarem produtores e usarem seus fanzines como troca entre outros

produtores num sistema de intercâmbio fora, porém interligado à grande mídia (SWADOSH, 2007, p.07, tradução nossa)1.

Com o incentivo de fanzineiros ao defender que qualquer um poderia criar sua própria publicação de maneira sim-ples e fácil, outros tipos de fãs aderiram o fanzine conforme se passaram os anos. Num círculo de interesses fechado, car-regando opiniões, trocando cartas e edi-

Fig. 2: Capa do fanzine “The Fanscient”, nº 8, verão de 1949.

Fig.1: Capa do fanzine "The Comet", edição de Maio/Jun. de 1940.

1 The fanzine encourages active participation rather than passive consumption. This mode of communication encourages all readers to become producers and use their fanzines to trade with other fanzine publishers in a system of exchange outside of but linked to the media at large (SWADOSH, 2007, p.07).

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Nos anos 40, um grupo de escritores começou a considerar a publicação inde-pendente como forma de distribuir seus trabalhos literários. Conhecidos como “beats”, eram homens e mulheres que viviam em uma América pós-guerra bas-tante conservadora, onde enxergavam como sua única opção, rejeitar aquela sociedade e literatura que não condi-ziam com suas éticas (WRIGHT, 1997; SPENCER, 2005).

Spencer (2005) explica que, além de escritores beats serem geralmente ro-mantizados e considerados ícones de sua época pela rebeldia e diferentes visões, o estilo de vida e literatura destes escrito-

res não foi a única diferença que fizeram na história, mas também o modo de au-topromoção que praticavam através dos meios de publicação independente. Não se tratava de uma escolha, mas uma ne-cessidade; publicar por conta própria era a única forma de difundir suas visões repetidamente rejeitadas pela grande

Fig. 3: Página de chapbook "WOW", do poeta Ted Joans.

ções entre outros aficionados, a prática de produção e troca de fanzines logo se espalhou pelo mundo e evoluiu em di-ferentes contextos, criando novas opor-tunidades e adaptações para a mídia (SPENCER, 2005).

1.3 Literatura e movimento Beat

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mídia por possuírem ideais que não es-pelhavam as convenções políticas e lite-rárias de revistas e cultura dominante.

Por conta disso, tais escritores de-cidiram criar seus próprios canais de comunicação, uma das formas de terem seus trabalhos impressos e divulgados era produzindo suas próprias publica-

Fig. 4: Capa de chapbook "For Artaud", de Michael McClure.

ções. De aspecto e constituição barata, seguindo um modelo entre revista e li-vro, os chamados chapbooks eram rea-lizados e distribuídos por seus próprios criadores. Através dessa forma de pro-dução que compreendia desde conteú-dos opinativos sobre política até poesia experimental, esses escritores beats dos anos 40 e 50 formavam uma comunidade que se apoiava e desejava que suas ideias fossem ouvidas, buscando também uma identificação com outras pessoas de mesmo descontentamento diante da ex-periência cultural e social oferecida pela mídia mainstream (SPENCER, 2005).

Com o espaço cedido a jovens es-critores, alguns foram reconhecidos e valorizados, tendo seus trabalhos pu-blicados em veículos da grande mídia e considerados grandes autores logo depois. Spencer (2005) argumenta que sem aquele primeiro contato através do circuito independente, grande parte da-queles escritores jamais seriam conheci-dos e teriam alcançado sucesso.

Spencer (2005) e Wright (1997) concluem que os chapbooks são fontes

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diretas ao conceito de zine, considerados precursores dos zines atuais de literatu-ra, através da atividade de publicação independente, um senso de comunidade artística se estabeleceu na época, onde jovens escritores eram celebrados como novos talentos da literatura, ao invés de rejeitados por serem considerados re-beldes e confrontadores. Essa posição de incentivo e espírito de “faça-você-mesmo”, segundo Wright (1997), ainda é recorrente nos editores de zines de hoje em dia.

Durante a metade dos anos 50, a massificação do processo de impressão offset tornou a reprodução mais acessí-vel nos Estados Unidos. Com a guerra do Vietnã acontecendo, zines contestadores surgiam em solo americano represen-tando um descontentamento popular que logo se difundiria no decorrer dos anos. Um grande número de publicações também se espalhou entre recrutados

do exército americano, muitos deles con-trários à guerra. Essa atividade fazia com que uma comunidade cada vez maior de leitores e escritores se estabelecesse, re-sistindo até a represálias militares que tentavam interromper a circulação das edições, deferindo punições aos associa-dos (SPENCER, 2005).

Porém, Spencer (2005) lembra que este tipo de prática não era inédita, forças

Fig. 5: "The Bond: The Voice of the American Servicemen's Union", nº 9, vol. 5.1.4 Na política

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populares desde muito tempo já expri-miam seus ideais políticos e atividades em panfletos e jornais distribuídos inde-pendentemente. Publicações feitas na re-volução americana são um dos exemplos que se assemelham muito ao conceito de produção e utilização do zine.

Outro paralelo é o chamado Samiz-dat (auto publicação), que se referia ao ato de publicar material autoral e sem

Fig. 6: Página de publicação Samizdat.

censura em oposição ao regime da União Soviética (BARTEL, 2004). Considerado como o “faça-você-mesmo” da Rússia, admitiam-se posições de rebeldia e não conformismo nas publicações, registran-do relatos e protestos de indivíduos que viviam num contexto totalitário mun-dialmente conhecido.

Nos Estados Unidos, uma época de mudanças surgia nos anos 60 em con-sequência a movimentos de oposição à guerra e reivindicação de diversos direi-tos civis. Mais pessoas tinham acesso à educação e a libertação social era atesta-da por fatos como o aumento de uso de drogas recreativas e a criação da pílula contraceptiva. Valores tradicionais se-riam contestados e entrariam em confli-to nos anos seguintes com uma nova ge-ração de jovens que buscavam revolução (SPENCER, 2005).

Na avaliação de Wright (1997) e Spencer (2005), é óbvia a relação entre assuntos políticos e a mídia alternativa, uma vez que a publicação independente consegue se desprender de consensos comuns e comunicar ideias livremen-

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te. Seguindo essa ideia, diversos zines foram criados ao longo das décadas, discorrendo sobre tópicos que a cada dia entravam mais em pauta na vida da população, como racismo, feminismo, direito dos animais, liberdade sexual, corrupção, poder corporativo etc.

Fenômeno cultural e social de ordem contestadora, o movimento punk surgiu no começo dos anos 70 dando continua-ção à ascensão de publicações indepen-dentes dos anos 60. Conduzindo cada vez mais jovens a exporem suas indignações contra o sistema capitalista, a ética punk oferecia uma posição de controle sobre escolhas, ideias e independência em um sistema opressor (SPENCER, 2005).

Com o estouro do movimento, zines se tornaram a materialização do ideal punk, enaltecendo uma abordagem amadora onde qualquer um poderia criar e expres-sar-se livremente, como sustenta Swadosh:

Punks assumem uma postura de auto produção cultural. Suas éticas - Faça-Você-Mesmo ou – D.I.Y. aliam-se a modos de produção de fanzines. Na verdade, o termo punk|| usado para descrever este movimento subcultural originou-se do nome de um fanzine musical publicado por Legs McNeil e John Holstrom (SWADOSH, 2007, p.07, tradução nossa)2.

De início, as publicações não con-sideravam tanto um aspecto artístico e se focavam em escrever sobre bandas e a cena punk, reunindo um círculo de interessados que acompanhavam e con-tribuíam para a proliferação daquela comunidade excêntrica. Spencer (2005) argumenta que estes jovens, cansados do movimento hippie, demonstravam suas frustrações e raiva contra o padrão de sociedade contemporânea, defenden-do atitudes que boicotavam o controle exercido sobre minorias.

Mas logo o espírito rebelde e protes-tante do punk não se resumiria somente em suas músicas e atitudes, mas também nas publicações. Com layouts caóticos e confusos, zines punks utilizavam técnicas inspiradas em movimentos artísticos do começo do século, como Dada e Situacio-

2 Punks embrace a culture of self-directed cultural production. Their ―Do It Yourself or ―D.I.Y. ethic coalesces with established modes of fanzine production. In fact, the term ―punk‖ used to describe this sub-cultural movement originated in the name of a music fanzine published by Legs McNeil and John Holstrom (SWADOSH, 2007, p.07).

1.5 Movimento punk e cultura alternativa

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nismo, que condiziam visual e ideologi-camente com suas intenções energéticas e imediatistas. Wright (1997) e Spencer (2005) apontam exemplos como cola-gens, apropriação de imagens da mídia de massa e detournement nas produções dos anos 70, técnicas que permanecem como elementos visuais corriqueiros em zines até os dias atuais.

Fig. 7: Capa do fanzine “Punk Magazine”, nº 4, edição de Julho de 1976.

Foi neste período de constante cons-trução e evolução da cena punk que sur-giu um dos zines mais difusores e impor-tantes da ideologia, o Sniffin’ Glue por Mark Perry. Em suas 12 edições, Mark escreveu sobre a emergência de bandas como Sex Pistols, The Clash e Ramones, além de sua paixão pelo movimento. Re-fletindo a opinião e atitude de outras pes-

Fig. 8: Capa do fanzine “Sniffin' Glue”, nº 3 1/2, edição de Setembro de 1976.

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soas que participavam do movimento, o zine obteve grande notoriedade e logo al-cançou milhares de leitores em um curto espaço de tempo (SPENCER, 2005).

O intuito de Mark era o mesmo que os demais entusiastas de zines punks: documentar e compartilhar suas expe-riências e percepções do mundo dentro da cena, tendo o estilo de vida e musi-

cal como inspiração para confrontarem costumes e cultura mainstream da época (SPENCER, 2005; WRIGHT, 1997).

Zines punks eram modestas publica-ções preenchidas de conteúdo chocante, fotos estranhas, escritas mal soletradas e feitas à mão que remetiam a um esti-lo rústico e fácil de fazer, diferente de qualquer regra praticada no mercado editorial mainstream. Esse cenário mos-trou que qualquer um era capaz de criar sua própria mídia e conteúdo cultural através de uma abordagem DIY, ou Do-It-Yourself (WRIGHT, 1997).

Após a grande disseminação dos zines através do punk, as publicações to-maram grande impulso dentro da cena alternativa e milhares de outras pessoas começaram a se interessar pela mídia. Segundo Spencer (2005), o ato de escre-ver zines fornecia um senso de identida-de às pessoas, que se viam motivadas a deixarem de ser apenas fãs e tomarem parte produzindo algo de maneira com-pletamente autônoma.

Fig. 9: Capa do fanzine “Sniffin' Glue”, nº 6, edição de Janeiro de 1977.

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Outros grupos marginalizados co-meçaram a utilizar zines como veículos de comunicação, entre eles, uma verten-te do punk conhecido como movimento Queercore ou Homocore. Criado devido à insatisfação de homens homossexuais que participavam da cena punk, muitas vezes homofóbica, ou do movimento gay mainstream, estes assumiram parte de ambos movimentos, desafiando e criti-cando os limites de tolerância ao redor dos punks gays (SPENCER, 2005).

O primeiro zine queer surgiu em Nova Iorque pelas mãos de Ralph Hall, ativista dos direitos LGBT, apresentan-do ilustrações homoeróticas, poemas e comentários políticos. Diferente de qualquer coisa produzida na época, em pouco tempo a quantidade de leitores cresceu, assim como a popularização de zines dessa categoria (SWADOSH, 2007; SPENCER, 2005).

Diferentes comunidades LGBT in-

1.6 Queercore e militância gay

cluíram o zine como veículos de comuni-cação, visibilidade e apoio, estabelecen-do uma força válida dentro da cultura underground, como complementa Swa-dosh (2007), onde pessoas dividiam his-tórias, frustrações e relatos de vida.

Fig. 10: Capa do zine “Homocore”, nº 4, com foto do artista Jerome Caja, edição de 1989.

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Assim como integrantes do Que-ercore, mulheres que se consideravam parte do movimento punk se viam mui-tas vezes em posição de desigualdade em relação aos homens, assim como dentro de suas casas e pela sociedade. No começo dos anos 90, surgiu então o movimento feminista Riot Grrrl, visando dar voz a estas punks e criar uma rede de suporte e conscientização política, cultural e social entre outras mulheres (SWADOSH, 2007).

O termo “Riot Grrl” foi apresentado pela primeira vez em um zine das ativis-tas Kathleen Hanna e Alisson Wolfe, ex-plicando e convocando outras mulheres a participarem do movimento. Logo a criação de zines tornou-se parte integral das atividades do Riot Grrrl, com a mes-ma estética punk de colagens e textos manuscritos, serviam como mídia para divulgação de manifestos e comparti-lhamento de experiências de opressão

e resistência dentro de uma sociedade patriarcal (SWADOSH, 2007).

Muitos do zines publicados por membros do movimento continham tópicos sobre assuntos que lidam dire-tamente com mulheres, como abuso se-xual, violência, lesbianismo, disfunções alimentares e doenças mentais. O obje-tivo era que mulheres tivessem a opor-tunidade de compartilhar experiências

Fig. 11: Página do zine “Bikini Kill”, nº 2, com o manifesto do movimento Riot Grrrl.

1.7 Riot Grrrls e o punk feminista

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33

de forma livre e respeitosa. Spencer (2005) afirma que a popularidade de zines Riot demonstrou a necessidade de mulheres possuírem vias para livre expressão e apoio numa sociedade es-truturalmente machista.

Fig. 12: Capa do zine “Girl Germs”, criado por Allison Wolfe e Molly Neuman.

Com a chegada da era digital e po-pularização de computadores pessoais nos anos 90, zines sofreram significan-tes mudanças no processo de produção e distribuição. Ao substituir máquinas datilográficas e mimeógrafos, softwares de computadores possibilitavam a cria-ção e edição de conteúdo num tempo muito menor e em qualidade superior. O formato eletrônico tornou-se cada vez mais vantajoso para editores, reduzin-do consideravelmente tempo e custo de produção e distribuição.

Diante da constante evolução tec-nológica, Magalhães (2003) explica que além de instrumento para realização das publicações, o computador tornou-se aos poucos o próprio veículo de dissemina-ção. Alguns editores e produtores come-çaram a lançar seus materiais digitalmen-te, experimentando a Internet como a rede de comunicação e compartilhamen-to que gradativamente se confirmava ser.3

1.8 Internet e os novos suportes digitais

3 Embora a divulgação e criação de e-zines já ocorresse antes, através do sistema precursor da Internet, BBS.

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Conhecidas como e-zines, essas no-vas publicações surgiam rapidamente dos mais diferentes lugares, contemplan-do tanto cópias de conteúdo impresso quanto criações inéditas e exclusivas, se-guindo fácil distribuição através de email ou disponibilização em sites próprios dos editores, incentivando leitores e cria-dores de outros zines a usar cada vez

mais o ambiente virtual (BARTEL, 2004).Com essa nova maneira de divulgar

material próprio, logo surgiram os blo-gs que, semelhantes aos zines pessoais, registravam opiniões pessoais e relatos de rotina dos usuários. Logo a Internet se tornou uma ferramenta indispen-sável de auto publicação que pode ser comparada em vários aspectos ao zine, entretanto, Duncombe (2008) esclarece que apesar de possuir mesmo conteúdo de alguns sites e blogs, a importância de zines não se limita apenas na configura-ção de palavras e imagens em uma publi-cação, mas envolve também a represen-tação de uma ética que valoriza aspectos como criatividade e inclusão

A auto publicação pode ter sido democratizada com a ascensão da Internet, mas dentro da cena zine o Faça-Você-Mesmo é mais que apenas uma prática de publicação, é uma completa maneira de pensar, ser e criar; um ideal coletivo do que cultura, comunidade e criatividade poderiam ser. É uma visão subterrânea que precisa ser estimulada... e compartilhada (DUNCOMBE, 2008, p.212, tradução nossa).4

Fig. 13: Capa do zine "Girls Get Busy", nº 18, disponível online pelo site Issuu.

4 Self-publishing may have been democratized with the rise of the Internet, but within the zine scene Do-It-Yourself is more than just a publishing practice, it is an entire way of thinking, being and creating; a shared ideal of what culture, community, and creativity could be. It is this subterranean vision that needs to be nurtured... and shared (DUNCOMBE, 2008, p.212).

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Bartel (2004) e Swadosh (2007) complementam ressaltando que, embo-ra vários editores tenham migrado com-pletamente para o digital, a produção de zines impressos ainda existe e permane-ce ativa. Ao invés de adotar a tecnologia e Internet de forma integral, muitos edi-tores as utilizam como suporte comple-mentar para produção e maior visibili-

dade. A distribuição impressa ainda é mantida, assim como o exercício de inte-ração e formação de micro comunidades que diariamente criam novos canais onli-ne auxiliando a produção e divulgação de zines, como sites, fóruns e blogs contendo informações sobre editores, novidades e reviews de edições (MAGALHÃES, 2003).

Diferente da Internet que não apre-senta necessariamente uma cultura al-ternativa, Duncombe (2008) declara que zines permanecem vivos e nas margens da sociedade, como sempre foi constata-do no percurso da história. Suportando mudanças e expandindo desde a década de 30, o formato de zine impresso so-brevive assim como jornais, livros e re-vistas, se mantendo ativo como prática cultural de comunicação em paralelo à tecnologia digital.

Fig. 14: Capa do zine "The Fly53 zine", nº 13, disponível online pelo site Issuu.

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Apesar dos termos “fanzine” e “zine” serem comumente usados para remeter a um mesmo tipo de publica-ção, Wright (1997) defende que subs-tancialmente, tratam-se de dois tipos de publicações diferentes. Embora a distinção não seja tão explícita em com-paração a revistas comerciais, ainda há uma considerável diferença entre am-bos os termos e significados.

Surgido a partir da necessidade de fãs compartilharem e se comunicarem com outros fãs desde ficção científica, músicas e bandas, com o passar do tem-po outros grupos começaram a aderir o fanzine como veículo de comunicação e este sofreu alterações na forma em que era utilizado, tornando-se o que hoje é conhecido apenas como “zine”. No lugar de apenas fãs que consomem um pro-duto cultural, indivíduos começaram a produzir seus próprios materiais, expe-riência conectada diretamente à cultura DIY, como Spencer (2005) acentua, onde

todos são encorajados a produzirem por si próprios, contribuindo ativamente para a construção de um ambiente cul-tural autônomo.

Na liberdade de não focar apenas ou necessariamente em um único assunto ou movimento, várias pessoas começa-ram a escrever sobre os mais inusitados temas, desde assassinatos como relatos pessoais e rotineiros. Wright (1997) e

1.9 Fanzine x Zine

Fig. 15: Capa do zine “The Duplex Planet”, nº157, que aborda a vida de idosos em um asilo.

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Spencer (2005) sustentam a ideia de zines serem a evolução de fanzines, que por conceituação, se embasam em pro-dutos já estabelecidos para fundamen-tar conteúdo, geralmente de acordo com as experiências de seus consumi-dores (os fãs). Já zines se consistem na atividade de criação e valorização de um cenário autônomo, onde não existe a necessidade de algo que precise ser

consumido antes; são experiências criadas independentemente de produtos de terceiros como base para produção.

Fig. 16: Capa do zine "The Future Generation", nº 5 II, sobre experiências da maternidade.

Fig. 17: "Murder Can Be Fun", nº 16, que relata sobre mortes, crimes e desastres pelo mundo.

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Após contemplar conceito e emprego de zines em diferentes cenários, este capítulo mensura princípios que determinam a motivação e posição de indivíduos que produzem zines, levando diretamente à metodologia de criação e problematização do estudo: a estruturação e relevância da linguagem visual de zines.

2. zines e A constRução De iDentiDADe, comuniDADe e estéticA

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Uma das questões mais relevantes dentro da cultura do zine se desdobra entre os motivos que levam pessoas a produzirem suas próprias publicações independentes, mesmo com a existência de revistas profissionais e a populariza-ção da Internet que facilita a dissipação de conteúdo de forma ágil e rápida. Para entender como e porque zines permane-cem atuantes, é necessário cogitar não somente processos de produção em si, mas também o contexto por trás destas publicações que, apesar de englobarem diferentes grupos sociais e culturais, certos padrões característicos e compor-tamentais podem ser identificados entre aqueles que as produzem e consomem.

Na visão de Duncombe (2008), escri-tores e editores de zines geralmente são pessoas que não se encaixam totalmente em um padrão de “normalidade” dentro da sociedade, possuindo escolhas, visões e interesses fora do comum. Nos zines,

estes indivíduos considerados “margi-nais” conseguem alcançar um poder de voz e expressão que lhes é normalmente vetado dentro da cultura mainstream.

Marginalidade que, segundo o con-ceito de Beltrão (2007), sintetiza con-juntos de pessoas em posições social-mente inferiorizadas, dentro de classes subalternas, discriminadas e com pou-co acesso. Spencer (2005) e Magalhães (2014) acrescentam dizendo que estes grupos comumente sustentam posturas de objeção contra princípios e estrutu-ras socioculturais, adotando de maneira subversiva o termo “marginal”, até então de significado pejorativo. Com o zine, estes indivíduos são capazes de compor uma mídia que traduz realidades igno-radas com o olhar pessoal de quem as vivencia, ao contrário de revistas e jor-nais que assumem um discurso indireto e alheio a estes cenários.

Nos materiais publicados, Duncom-be (2008) reconhece na combinação de registro factual e testemunho pessoal, uma intenção de não proferir discursos, mas informar e educar para que outros

2.1 O indivíduo e a identidade marginal

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41

formem opiniões próprias, livres de posturas autoritárias e manipuladoras. Ao invés de ditar “verdades”, o objetivo é expressar colocações pessoais; opi-niões que incitam o interlocutor a bus-car suas próprias posições e não acei-

tar apenas uma visão como principal e dogmática só porque esta é transmitida em grandes veículos. O autor continua, considerando na autoafirmação de pen-sar e escrever sobre interesses e opini-ões, o processo de criação e exposição

Fig. 18: Capa do zine pessoal “Pathetic life: Diary of a Fat Slob”, nº23, de Doug Holland.

Fig. 19: Capa do zine colaborativo “Artistas do Underground”, nº4, de David Beat.

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de ideias como elemento de reconheci-mento e definição de si.

Não se tratando apenas do exercício de criação e desenvolvimento crítico, o editor de zines enxerga em sua publica-ção uma validação e valorização pessoal, apesar de sua posição enquanto inte-grante de uma sociedade que enaltece valores que não compatibilizam com

seus conceitos e lhe dá a oportunidade de se relacionar com outras pessoas que lidam com situações semelhantes e pos-suem interesses em comum (DUMCOM-BE, 2008; SPENCER, 2005).

Tomada a importância de expres-sar a voz tanto do indivíduo que publica como o grupo de pessoas que se relacio-nam a ele, zines manifestam posições

Fig. 20: Capa do zine “Deafula” de Kerri Radley sobre suas experiências sendo surda.

Fig. 21: Capa do zine “Transexual Fury”, sobre transexualidade em forma de quadrinhos.

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do que é declarado por Pereira (1981) como contracultura

(...) o termo aponta para uma realidade cuja natureza extremamente radical, questionadora, e bastante “diferente”, se comparada às formas mais tradicionais de oposição ao status quo, sugere a ideia de que estamos de fato diante de algo situado fora da ou contra a cultura oficial (PEREIRA, 1981, p.22).

Considerados como veículos radi-cais, zines propõem a exposição de di-ferentes ângulos e conceitos, exaltando estilos alternativos de vida, costumes e ideais daqueles que são ofuscados den-tro de sistemas normativos e elitizados.

Além de constituir uma mídia alter-nativa que concede reconhecimento de minorias e liberdade de expressão, gran-de propósito do zine está na constituição de comunidades. Duncombe (2008) ex-plica que, uma vez distribuídos e divul-

2.2 Ética DIY e comunidades alternativas

gados pelos próprios criadores, zines formam interações diferentes da ma-neira convencional de comunicação po-pular entre leitores. Através da conexão direta entre emissor e receptor, comuni-dades são construídas desestruturando posições estabelecidas de criador e con-sumidor, tornando-as atividades mútuas e democráticas. Spencer (2005) ressalta

Fig. 22: Capa do zine “Dropping Out”, com nota do editor: “Isto é um manual, uma ferramenta, feita por um ser humano, com medos e falhas, assim como você (...)”, nº1.

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que tais práticas caracterizam a ética Do-It-Yourself ou DIY, que sempre acompa-nhou o espírito da cultura zine.

A ética DIY parte do princípio que qualquer um é capaz de exercer a ativi-dade de produção normalmente domina-da por sistemas capitalistas. Numa forma de afastamento ou alternativa a este con-sumo limitado, encontra-se o exercício

de incentivo, apoio e educação a pessoas produzirem algo por elas próprias (PÉ-REZ, 2009), o mesmo que é defendido entre leitores e criadores de zines. Neste cenário, a interação entre indivíduos cria oportunidades de socialização e constru-ção de comunidades independentes do sistema capitalista, implicando na agre-gação e legitimação efetiva de setores

Fig. 23: Cartaz do movimento “Revenge of Print”, organizado por zineiros em incentivo à criação de zines manuais e impressos.

Fig. 24: Capa do zine sobre reviews “Factsheet Five”, nº 20, de Mike Gunderloy.

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marginalizados da sociedade. Duncombe (2008) e Spencer (2005)

argumentam que na falta de um espaço físico onde as pessoas pudessem se en-contrar e interagir diretamente, eventos para divulgação e distribuição de zines começaram a surgir, assim como a cria-ção de zines sobre outros zines, levando reviews das mais diferentes publicações

Fig. 25: Cartaz da 2ª edição do evento “Ugra Zine Fest”, por Ugra Press e Zinismo.

e temáticas para criadores e leitores te-rem a oportunidade de conhecer mais edições e outras pessoas envolvidas na cena zine de todo o mundo.

Duncombe (2008) destaca diferen-ças que a comunidade zine apresenta em relação às tradicionais ao examinar sua estruturação. Por comunidade, acredita-se numa homogeneização de grupo, onde pessoas detêm componentes em comum, porém, no círculo de zines, apesar de serem compartilhados diversos ideais e contestações mútuas, uma das princi-pais propostas é a diversidade dentre os membros, onde cada um tem o direito de compartilhar sua originalidade. Con-verte-se então, numa comunidade de es-sência libertária e o principal ponto em comum é ser incomum e acessível.

Dada tal liberdade nas comunidades de zine, micro divisões entre círculos que falam sobre um mesmo tema e ideais são comuns. Com isso, a cena zine torna-se vasta o suficiente para percorrer por va-riados cenários ou optar em fazer parte de um círculo mais concentrado de pes-soas com maior grau de identificação.

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Duncombe (2008) conclui que ambas as experiências são válidas dentro da cultu-ra underground e dão lugar ao indivíduo que se sente desconectado com a socie-dade a compartilhar com seus seme-lhantes interesses, opiniões e criações. Por fim, na formação de comunidades, zines não só expressam vozes que desa-parecem em um sistema repressor, como também as afirmam parte significativa e influente dentro da cultura alternativa.

Junto à ética DIY, uma estética in-fluenciada principalmente pelo movi-mento punk dos anos 70 se mantém pre-sente em zines até hoje. Desenvolvida a partir do mesmo senso de imediatismo que bandas punks usavam ao criar suas músicas, o uso proposital de desenhos à mão, colagens e layout caótico em ma-teriais gráficos (cartazes, álbuns, zines etc) remetia a processos rápidos e ins-tantâneos de criação, se desprendendo totalmente de padrões editoriais e ar-

tísticos, que além de dar mais liberdade criativa, representava o teor crítico con-tido no material textual das publicações (PÉREZ, 2009; DUNCOMBE, 2008).

A “antiestética” desenvolvida a par-tir do sentimento de ódio e protesto presente no punk usava o “feio”, nonsen-se e caótico para representar atitudes e ideologias.5 Tratava-se da manipulação, sabotagem e apropriação de imagens e

Fig. 26: Cartaz/Flyer das bandas punks “Social Distortion” e “The Vandals”, Janeiro de 1985.

5 A incorporação de elementos visuais desarmoniosos se assemelha à adoção do conceito pejorativo de “marginal” como atributo positivo na comunidade de zines, como é vista no subitem 2.1.

2.3 Influências visuais

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técnicas para propósitos políticos. Em pouco tempo, diversos zines começaram a utilizar elementos similares ao aspecto de improviso da estética punk, populari-zando-a como representação de princí-pios e atitudes revolucionárias (TRIGGS, 2006; POYNOR, 2003).

É importante ressaltar que tal estética não se desenvolveu apenas sob desempenho empírico dos punks. Movi-

Fig. 27: Cartaz/Flyer das bandas punks “Operation Ivy” e “Hand Of Doom”, 1988.

mentos artísticos como Dada e Situacio-nismo contribuíram de maneira essen-cial para a construção política e visual da linguagem, como determinam Spencer (2005) e Duncombe (2008). No exame comparativo de alguns destes movimen-tos, é possível compreender melhor a estrutura e motivação por trás da anties-tética recorrente em zines.

Fig. 28: Ilustração de Jon Weed para artigo sobre zines punks e técnicas DIY.

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Fig. 29: Cartaz de show da banda punk “Sex Pistols”, Dezembro de 1977.

Fig. 30: Cartaz/Flyer de show da banda punk “The Slits”, Julho de 1980.

Fig. 31: Cartaz/Flyer de show da banda punk “Wasted Youth”, Janeiro de 1982.

Fig. 32: Cartaz/Flyer de show de bandas punks/hardcore.

Fig. 33: Cartaz/Flyer de show de diversas bandas punks, Janeiro de 1982.

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Iniciado na década de 10 em Zuri-que, o movimento radical e internacio-nal Dada defendia a desconstrução de conceitos tradicionais, culturais e de civilização estabelecidos na arte e socie-dade. Artistas dadas produziam obras de caráter pessimista e irracional, valo-rizando fatores como espontaneidade e primitivismo em recusa a técnicas e dogmas de arte clássica. Uma das práti-cas mais subversivas, nomeada como re-ady-made, representava bem o conceito do movimento ao transformar objetos banais de produção industrial em obras de arte, criticando o valor estético do sis-tema das artes (ARGAN, 1992).

Tendo a imprensa independente como um de seus principais veículos de comunicação por conta da autonomia, facilidade e baixo custo, os dadas encon-traram uma forma de coexistir com a cultura de massa e alcançar um público mais amplo, aumentando a disseminação de seus ideais e interagindo com diferen-

2.4 Movimento Dada

tes tipos de pessoas através de revistas, livros e zines de arte (SPENCER, 2005).

Do ano 1915 até 1922, o movimento ficou conhecido por experimentar técnicas visuais como colagens nonsense, detourne-ment (prática de subverter uma imagem, demonstrado normalmente pela substitui-ção de tiras em quadrinhos), montagens

Fig. 34: Capa do catálogo da exposição “Erste Internationale Dada-Messe” por John Heartfield e Wieland Herzfelde, Julho de 1920.

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50

tipográficas e apropriações (utilização de elementos visuais da cultura de massa e adaptação para diferentes propósitos) em suas obras e publicações, incorporadas mais tarde por outros movimentos artísti-cos como o neodada, surrealismo e situa-cionismo, que por sua vez, influenciaram artistas envolvidos na cena punk dos anos 70 (SPENCER, 2005; WRIGHT, 1997).

Fig. 35: Foto montagem “ABCD” de Raoul Hausmann, Paris, 1923-24.

Os situacionistas, grupo de cunho artístico e político conhecido como “In-ternacional Situacionista”, assim como os dadas, foram pioneiros em estilos e recursos encontrados muito depois como linguagem de diversos zines. Sur-gido na Itália em 1957, um dos objetivos do movimento era redefinir conceitos de arte de forma radical, partindo do prin-cípio que esta era uma atividade de to-dos e feita por todos (SPENCER, 2005; WRIGHT 1997).

Além do circuito ativo entre pesso-as do movimento, artistas situacionistas estabeleceram uma forma inédita de contato com outras pessoas através da distribuição e disseminação aleatória de seus panfletos e revistas visualmen-te abstratas, conforme encontravam endereços em páginas amarelas. Numa tentativa de criar familiaridade e apro-ximação entre arte e população, avisos “anti-copyrights” eram enviados com as edições, incentivando leitores a usarem,

2.5 Situacionismo

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reproduzirem e adaptarem suas obras da maneira que desejassem, sem neces-sidade de creditá-los (SPENCER,2005).

Spencer (2005) comenta que ideias semelhantes a esta foram passadas anos depois em diversos tipos de zines. Além do uso comum de apropriação de imagens, zineiros encorajavam seus lei-tores a publicarem ou colaborarem na criação de novas edições e mantinham

Fig. 36: Capa da revista “The Situationist Times”, nº3, editada por Jacqueline de Jong, 1963.

sempre espaços reservados para dis-cussão, feedback e troca de cartas em seus zines, consolidando relacionamen-tos que diferiam do consumo passivo e criação individual recorrentes em re-vistas profissionais.

Embora o movimento tenha durado pouco tempo, seu impacto no meio in-dependente é amplamente reconhecido e permanece como influência até hoje.

Fig. 37: Página da revista “The Situationist Times”, por Jacqueline de Jong, Maio de 1962.

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6 "No small number of the thousands of zines which have come out in the last fifteen years look like messy versions of Situationist International publications." (BLACK, 1970 apud WRIGHT, 1997, online).

Conceitos de ideologia, estética e distri-buição são regularmente comparados entre publicações situacionistas e zines, como comprova Wright (1997) “uma quantidade significativa dentre os milha-res de zines que surgiram nos últimos 15 anos parecem versões bagunçadas das publicações da Internacional Situacionis-ta” (BLACK, 1970 apud WRIGHT, 1997, online, tradução de Douglas Utescher).6

Mail Art ou Arte Postal é outro mo-vimento de forte influência Dada que levou algumas de suas características para a estética de zines desde seu surgi-mento nos anos 60, até os dias de hoje, ainda em ativa. Autoexplicativo em sua nomenclatura, o movimento consiste no envio postal de peças de arte não fi-nalizadas em cartões, envelopes, zines ou até objetos tridimensionais a artis-tas que executam suas contribuições e prosseguem com o percurso, enviando para outras pessoas realizarem o mes-

2.6 Mail Art

mo processo (SPENCER, 2005).Assim como em zines, Starbuck

(2003) esclarece que produções de Mail Art refletem diferentes discussões cul-turais e políticas, seja pela abordagem de um tema específico ou na exposição e difusão de trabalhos autorais. Além da experiência artística em conjunto, o

Fig. 38: Mail-art “Numbers in Movement” por Claudia Garcia, Argentina, 2012.

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movimento foi introduzido com o obje-tivo de integração cultural, reafirmando o que situacionistas e dadas defendiam em aproximar arte ao dia-a-dia de qual-quer tipo de pessoa.

No ato de levar atividades de criação para um instrumento banal do cotidia-no, como o serviço postal, cria-se maior

Fig. 39: Capa da revista de Mail art “TAM-Bulletin”, nº1, por Ruud Janssen, 1984.

acessibilidade e interatividade dos ma-teriais compartilhados, gerando obras de arte de diversas autorias, assim como aconteceu no movimento situacionista e acontece em zines colaborativos (STAR-BUCK, 2003; SPENCER, 2005).

Influenciados pelo teor provocati-vo de movimentos artísticos e a rebel-dia do punk, artistas como Jamie Reid, Winston Smith e Shawn Kerri consoli-daram uma linguagem visual particular, assumidamente contrária a padrões de produção e conceitos da mídia mains-tream nos anos 70. Golding (2012) res-salta que “(...) deve-se reconhecer que política, poder e resistência possuem estéticas distintas, e frequentemente estas estéticas possuem importância política.” (DUNN, 2008 apud GOLDING, 2012, p.09, tradução nossa)7. Assim, o emprego de técnicas como fotocópia, colagens, letras cursivas, xerox e ilus-

2.7 Linguagem visual como resistência

7 “(...) it should be recognised that politics, power, and resistance have distinct aesthetics, and often those aesthetics have political import.” (DUNN, 2008 apud GOLDING, 2012, p.09).

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trações excêntricas converte-se em uma linguagem de “resistência”, assumindo parte essencial da postura underground e política que zines carregam.

Triggs (2006) constata o alcance desta linguagem que passou a se exten-der além do circuito punk, moldando analogias de uma estética que configura a expressão de certos valores. Compar-tilhada por outras comunidades, através

de seus ruídos e qualidade amadora, essas técnicas atuam como representa-ção de liberdade criativa e confronto de arquétipos visuais e éticos pré-estabe-lecidos. Duncombe (2008) acrescenta que a composição gráfica, além de fun-damentar posicionamento cultural, so-cial e político, distingue e desvirtualiza publicações independentes de revistas profissionais e cultura mainstream.

dada situacionismo mail art punk

zines

Fig. 40: Diagrama de influências visuais

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55

Apesar das práticas corriqueiras dis-cutidas até aqui, a linguagem de zines tem a diversificação como natureza. Segundo Triggs (2006), cada publicação consegue manter características próprias e indivi-duais de cada criador e organizador, ou seja, ao invés de abraçar completamen-te uma estética exclusiva, tais técnicas e abordagem DIY permitem e encorajam uma exploração ampla de linguagem, an-corada nas experiências e atuação direta do criador sobre as edições.

Fig. 41: “Tear Down Babylon”, nº1, por Mike Dawson e Matt Crawford, 1995.

Fig. 42: Página do zine “True Lies”, nº5, por Carla Duarte, 2009.

Fig. 43: Capa do zine “Tonight On QI”, por Thomas Blatchford, 2011.

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Neste capítulo realiza-se uma análise visual e conceitual de zines, examinando aspectos gráficos e linguísticos conforme foi concluído em revisão teórica. A proposta é apresentar resultados documentais além do plano científico e indireto, trazendo exemplos reais que fortalecem a conclusão da problemática do estudo.

3. Análise De zines

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A pesquisa de campo se compôs através da busca de zines disponibiliza-dos na Internet, acervo próprio, contato com colecionadores e na visita à segun-da edição da Feira Plana, evento que reúne workshops, shows e publicações independentes em São Paulo. Com o pro-pósito de salientar e examinar algumas das abordagens visuais adotadas dentre a vasta gama de zines encontrados, cinco publicações divergentes entre si foram selecionadas para análise e comparação de artifícios linguísticos e conceituais. Cada edição exemplifica em sua singula-ridade a fundamentação teórica adqui-rida até aqui, apresentando temáticas e composições visuais enquadradas den-tro da cultura underground.

A análise se apoia em fundamentos perceptivos de acordo com a teoria da Gestalt apresentados por Dondis (1997) e Gomes Filho (2003) e características relevantes para a cultura do zine conti-

das em cada edição. Considerando zines impressos como objetos bi e tridimen-sionais, o exame da esfera física e mate-rial de elementos que configuram cada zine se mostra necessário e influente na linguagem visual, portanto, foram esco-lhidos critérios que comportam tanto o aspecto gráfico de cada publicação, quanto dos suportes impressos.

3.1 Pesquisa de campo e critérios de análise

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ESCENA OBSCENA

Ano: 2011Formato: A4Número de cores: 1Tipo de impressão: XeroxAcabamento: NenhumPapel: SulfiteNúmero de cópias: -Método de distribuição: -

Escena Obscena é um zine argentino que trata primordialmente sobre skate-boarding e uma comunidade local em Buenos Aires. Além de divulgar eventos, informações e novidades relacionadas ao esporte, outro tema recorrente que incorpora as edições é o punk. Entre fo-tografias e artes produzidas por skatis-tas, boa parte do espaço concede entre-vistas, resenhas de bandas e artigos de cunho ativista, revelando a influência

que o punk efetua desde música e ide-ologia, até a linguagem visual, bastante semelhante ao estilo “cut and paste” de zines punks.

Utilizando o xerox em papel comum como método de reprodução, o zine emprega o ruído do preto e branco de baixa resolução no decorrer de todas as páginas, acarretando um alto grau de complexidade que força uma observação mais cuidadosa ou até desmotiva a leitu-

Fig. 44: Capa do zine “Escena Obscena”, nº2.

3.2 Análise de objetos

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ra, numa espécie de agressão voluntária que simboliza o caráter underground e energético da publicação. A capa da edi-ção nº 2 (Fig.: 44) é um exemplo ao apre-sentar uma personagem em cena polê-mica de alusão à prostituição do filme “Gremlins”, sintetizando uma mensagem de provocação e controvérsia.

O uso de tipografia sólida, colunas de texto e fotos ilustrativas no layout de

páginas com entrevistas e resenhas (Fig.: 45) recorda ligeiramente um padrão uti-lizado em revistas tradicionais. Entre o papel branco e o preto das reproduções, as imagens apresentam opacidade pra-ticamente completa e em consequência cria-se uma poluição visual entre ele-mentos sobrepostos, formando grandes borrões escuros que desestruturam a percepção de fechamento e estruturação

Fig. 45: Páginas de “Escena Obscena”, nº2. Fig. 46: Página de “Escena Obscena”, nº2.

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de forma. Embora a predominância de imagens e composições visuais desar-mônicas seja superior, é possível perce-ber certa preocupação em manter uma estabilidade dentro do conteúdo textual que não sofre alterações significantes, permitindo uma continuidade na leitura.

Muitos zines utilizam imagens de publicidade em suas páginas, assim como diversas revistas fazem, entretan-to, essa apropriação costuma ter dife-rentes objetivos. No caso do Escena Obs-cena (Fig.: 46), com um toque cômico, as propagandas são dirigidas ao público do próprio zine, simulando a diagramação e tipografia de anúncios.

Acompanhando a influência política, ilustrações satíricas com apropriações de elementos da cultura pop completam páginas de menor predominância textu-al, como na composição razoavelmen-te harmoniosa da figura 47, na qual os componentes de mais peso sequenciam a parte superior e inferior do layout. As imagens dispõem de grande estilização por meio de falhas e texturização das linhas, conversando diretamente com a

nitidez e qualidade provida pela limita-ção do xerox.

A documentação de eventos e roti-nas de movimentos underground é co-mum em zines, no exemplo da edição ar-gentina (Fig.: 48), flyers, cartazes e fotos da cena punk skatista ilustram uma série que se prolonga em outros números. O sutil desequilíbrio na posição das ima-gens sustenta uma atmosfera familiar

Fig. 47: Páginas de “Escena Obscena”, nº2

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e espontânea, embora a disposição seja bem regrada e livre de grande poluição visual ao seu redor.

O zine também dá lugar à inclusão de escrita manual, componente clássico da configuração visual de zines punks e experimenta o ruído proveniente das bordas de uma folha de caderno para fa-zer parte da composição visual. Um com-parativo pertinente se encontra no zine Fuh Cole (Fig.: 50), de Davey Houle, que

usa a impressão de papéis usados como fator integrante da mensagem e utiliza tanto tipografia como letra cursiva.

Na opacidade, estilização e uso de texturas, obtem-se um experimento vi-sual expressivo num cenário de circuns-tâncias restritas. Outro recurso utilizado no zine é a repetição de fotografias ou ícones ilustrativos representando uma espécie de borda ou moldura envolta das páginas, como pode ser visto nas

Fig. 48: Páginas de “Escena Obscena”, nº2. Fig. 49: Páginas de “Escena Obscena”, nº2.

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figuras 47 e 48. Ainda que linguagem e estética se relacionem de maneira evi-dente com zines punks, em sua estrutura geral, o exemplar de Escena Obscena nº 2 sustenta uma regularidade maior que as publicações caóticas dos anos 70, se-guindo um modelo de layout em pratica-mente todas as suas páginas e ousando ocasionalmente na desconstrução e es-travagância do arranjo gráfico.

Fig. 50: Página do zine “Fuh Cole”, nº2.

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WASTE COAST

Ano: 2012Formato: A4Número de cores: 4Tipo de impressão: DigitalAcabamento: Customização manual de papelPapel: SulfiteNúmero de cópias: 6Método de distribuição: Correios, feiras especializadas, mão a mão e internet

Waste Coast é um zine criado pela artista canadense Keren MD que reune amigos para contribuir com arte, foto-grafia, literatura e música em suas edi-ções. Envolvendo a costa oeste norte americana como cenário principal, Ke-ren se diferencia da maioria de zines de mesmo estilo pessoal em conduzir suas temáticas envolvendo sempre a maconha como componente influente, seja em fo-tos, ilustrações ou até receitas de fumo.

A carga pessoal deste zine transpas-sa inclusive para seu suporte, utilizan-do um papel colorido de fichário que se

destaca pela cor vermelha na capa (Fig.: 51) e em parte das páginas interiores. Na escolha de um material que costuma ser de fácil acesso, cria-se a alusão de uma publicação mais artesanal e casei-ra, como também se observa na capa do zine Westside Angst (Fig.: 52).

A letra manual personalizada em caneta hidrográfica e lápis de cor se re-pete em todo o conteúdo, configurando uma linguagem vernacular, junto a ma-

Fig. 51: Capa do zine “Waste Coast”, nº2.

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teriais encontrados no cotidiano. A falta de tipografia e manchas aparentes no papel (Fig.: 53) comprovam a natureza manual de produção. O desalinhamento da escrita exprime uma espontainedade no ato da criação, embora não atrapalhe demasiadamente a pregnância do con-teúdo que, apesar de desequilibrado, se apresenta de forma simples, sem outras intervenções e ruídos no segundo plano.

Seguindo uma disposição simples,

outras páginas do zine (Fig.: 54) apresen-tam desenhos em ordem regular e embo-ra alguns elementos não estejam mui-to claros, a pregnância visual é alta por conta da organização das composições separadas em cada página. Fica clara a temática ilustrativa desde o conceito que o zine carrega, como na frase “Get high on life” (Fique chapado na vida) e alguns elementos que podem ser reconhecidos facilmente (pílulas, cogumelos...).

Fig. 52: Página do zine “Westside Angst”, nº1. Fig. 53: Páginas de “Waste Coast”, nº2.

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A edição também conta com recor-tes e fotografias que se combinam entre rabiscos e escritos (Fig.: 55). A harmonia do conjunto neste caso já é mais desre-grada e inclinada a uma aleatoriedade representada pela sobreposição do re-corte na fotografia e a fragmentação do texto em pequenos blocos e cores dife-rentes. Este é um exemplo de composi-ção que parece se preocupar mais com o conteúdo divulgado do que o aspecto

e organização visual, embora ainda haja uma ligação entre o conteúdo e as pági-nas pelo uso de caneta grossa preta e o vermelho como moldura na fotografia, elementos que permanecem presentes em toda a publicação.

O uso de fotografias segue presente em outras páginas, mas num contexto diferente. No lugar de elemento ilus-trativo, as fotografias se apresentam como próprio conteúdo expositivo. De

Fig. 54: Páginas de “Waste Coast”, nº2. Fig. 55: Páginas de “Waste Coast”, nº2.

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volta a uma estrutura mais alinhada, as imagens se separam a fim de ocupar o espaço de cada página de forma equili-brada. As linhas feitas manualmente não deixam a página perder a individualida-de despretenciosa e amadora do zine. O arranjo sistemático de fotografias é recorrente em zines colaborativos e de arte, lembrando muitas vezes layouts de livros e portfolios de fotografia. O zine de Tucker Phillips (Fig.: 57) é um exemplo

que se assemelha tanto no uso de papel diferente, como na organização das ima-gens, que facilita a visualização e priori-za o foco nas fotos.

Waste Coast nº 2 se apresenta de maneira íntima, através de poucos re-cursos e a falta de aspectos digitais uma originalidade se compõe desde seu teor analógico, quanto no conteúdo excêntri-co. Em totalidade, a pregnância da edi-ção é mediana, sem muitos exageros,

Fig. 56: Páginas de “Waste Coast”, nº2. Fig. 57: Páginas do zine de Tucker Phillips.

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mas também sem se manter visualmente sóbria. No modo improvisado de ilustra-ções e escritos, como também em assu-mir “falhas visuais” no papel enrugado e correções visíveis, o zine se assemelha a trabalhos infantis que se constituem de maneira desprendida, assumindo ape-nas a livre expressão como objetivo.

Fig. 58: Página de “Waste Coast”, nº2.

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TORTURA

Ano: 2004Formato: A5Número de cores: 4Tipo de impressão: XeroxAcabamento: NenhumPapel: SulfiteNúmero de cópias: 1ª tiragem: 20 / 2ª ti-ragem: 50 com dinheiro arrecadado da 1ª remessa. Método de distribuição: Mão a mão

Tortura é um zine brasileiro de Ma-riana Bandarra em resultado ao acúmu-lo de papéis e recortes que possuía em seu quarto. Na tentativa de organizar e reduzir o volume, Mariana reuniu seus melhores recortes em um “boneco”, re-sultando em sua própria publicação. A edição nº 2 (Fig.: 59) conta com a parce-ria de Melissa Dullius e participação de Luzia Lindenbaun que contribuiram na composição e diagramação do zine. Por meio de textos, desenhos e colagens, um cenário de situações coditianas e refle-xões pessoais se apresenta com um to-

que nostálgico e provocativo. Apesar de não carregar o mesmo

aspecto de zines punks, Tortura envolve vários elementos recorrentes na linguagem “cut and paste” como apropriações e recorte de textos fragmentados. O tom rosado do papel utilizado entra em sintonia com os demais elementos ao longo das páginas, que raramente utilizam cores vibrantes, mas sim tons desgastados e neutros.

Fig. 59: Capa do zine “Tortura”, nº2.

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A aglomeração e intervenção entre recortes, textos e ilustrações demonstra uma espontainedade intencional, como exemplifica a figura 60, que além de de-sarmonizar as páginas, causa certa con-fusão visual, uma vez que a maioria dos componentes possuem traços e cores semelhantes. Dialogando entre o analógi-co com desenhos e escritas manuais e o

digital, com colagens e texto tipográfico, o zine estabelece sua linguagem na com-plexidade e autenticidade de suas formas.

Aparecendo muitas vezes sem co-nexões entre si, recortes representam e ilustram de maneira literal e metafóri-ca a mensagem textual, que por sua vez também se fragmenta em tiras de frases e palavras assimétricas, como no caso da

Fig. 60: Páginas de “Tortura”, nº2.

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figura 61. Na composição desordenada e parcialmente sobreposta, o mesmo sen-so de improviso e adaptação encontrado em zines punks (Fig.: 62) é exposto numa diferente temática e contextualização.

Salvo em alguns casos, as páginas do zine não seguem nenhuma regra ou padrão de layout, dando lugar para ele-mentos desagrupados de forma aleató-

ria nos espaços em branco que por ve-zes se intercalam com o elemento mais próximo, como é percebido na ilustraçao formada entre recortes e desenhos na figura 63. Na descontrução e aleatorie-dade de forma, a leitura torna-se preju-dicada, na qual o leitor precisa percorrer diversas informações visuais sem uma direção estabelecida.

Fig. 61: Páginas de “Tortura”, nº2. Fig. 62: Página do zine “Femmes Unite”.

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Tortura é um zine que mantém um diálogo com um “universo feminino” nas ilustrações e temáticas e reproduz de forma irregular, fragmentada e es-pontânea sua composição visual. O uso constante de apropriação e detourne-ment na edição exprime um tom pejo-rativo ou subversivo característico de muitos zines, resignificando ilustrações e fotografias para um cenário irônico e

provocativo. Sua diversidade de estilos e materiais representa adequadamente a liberdade criativa permitida em zines, moldada a partir da preferência de seu criador, independente de regras ou con-ceitos pré-estabelecidos.

Fig. 63: Páginas de “Tortura”, nº2.

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Fig. 64: Capa de “LOKI Zine”.

LOKI ZINE

Ano: 2013Formato: A5Número de cores: 3 Capa/1 MioloTipo de impressão: Capa – xerox e Silk/Miolo - xeroxAcabamento: NenhumPapel: Capa – Papel perolado/ Miolo - OffsetNúmero de cópias: 60 Método de distribuição: Venda em lo-jas de música e arte independente, mão à mão, evento de lançamento, feiras especializadas e banquinhas em shows

LOKI é um zine colaborativo brasi-leiro que envolve música independen-te e arte como proposta principal. O objetivo é reunir pessoas que estejam apoiando artistas e bandas indepen-dentes, seja na organização de shows, através de fanzines, divulgação etc. Compreendendo uma diversificada sé-rie de ilustrações dos 35 artistas par-ticipantes, a edição ainda disponibiliza um CD contendo projetos dos colabora-

dores e faixas das bandas beneficiadas. Como a maioria dos zines coletivos,

LOKI não possui um padrão estético pa-drão, incluindo dos mais diversos esti-los, técnicas e até suportes. Voltado para a exposição dos trabalhos, a edição não contém grande conteúdo textual. Embo-ra exista aplicação de tipografias diver-sas nas composições artísticas, os únicos

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lugares que possuem composição textual são a segunda e penúltima página, com escritos feitos à mão explicando o objeti-vo da edição e os créditos de cada artista contribuinte. A presença de cor aparece apenas na capa (Fig.: 64) pelo papel em cor lilás e impressão silk de duas cores sobre reprodução, dando destaque ao nome do zine e a ilustração que segue no mesmo padrão de sobreposição do

rosa sobre azul. Possuir acabamento mais aprimorado em capas e páginas li-mitadas de zines é característica comum, como também é o caso da publicação “Plan B” (Fig.: 65) que utiliza um método de impressão diferenciado chamado Ri-sografia. Em ambos os casos, a limitação de cores traz destaque à composição, in-citando curiosidade e interesse.

Fatores como o ruído da impressão

Fig. 65: Páginas do zine “Plan B”, nº2.

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e correções de escrita aparentes são co-nhecidos por incorporar uma linguagem autêntica em zines como já foi observa-do em Escena Obscura e Waste Coaste. No caso do LOKI zine, são contracapa e página inicial (Fig.: 66) que exempli-ficam o uso deste método, resultando numa elaboração despretensiosa e ori-ginal. Existe também o forte contraste da contracapa que não apresenta uma

ilustração em si, mas uma imagem com-plexa e difusa, incorporando o “errado” e “sem sentido” como parte integrante da comunicação visual inusitada.

Diante da diversidade substancial da edição, é possível encontrar compo-sições mais moderadas (Fig.: 67), que ocupam as páginas de maneira parcial, deixando espaços vazios e configuran-do uma leitura mais clara e equilibrada,

Fig. 66: Páginas de “LOKI Zine”.

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ainda que de forma geral os elementos se apresentem complexos e irregulares. O mesmo recurso também é observa-do na comparação das colagens do zine “Paraíso Fiscal” (Fig.: 68), apresentando grande similaridade.

Já em outras páginas, a antítese acontece num exagero de informações e formas que tomam conta de praticamen-te todo o espaço das páginas (Fig.: 69).

Ao mesmo tempo em que a composição causa desconforto e confusão visual, fragmentos de contextos familiares são reconhecidos como carimbos e registros financeiros, aproximando elementos do cotidiano com arte e expressão. De ma-neira caótica e excessiva, a composição apresenta-se carregada e praticamen-te ilegível, no intuito de incomodar e fomentar sentimentos, qualidade co-

Fig. 67: Páginas de “LOKI Zine”. Fig. 68: Página do zine “Paraíso Fiscal”.

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mum em publicações de punk/hardcore e arte underground como no zine ¡QUÉ SUERTE! (Fig.: 70).

LOKI zine se mantém primordial-mente como plataforma expositiva para as ilustrações excêntricas dos artistas, sem interferir na disposição ou ordem de cada uma, a falta de cor acentua o con-texto de material e temática undergrou-nd. Sua linguagem torna-se o conceito de

Fig. 69: Páginas de “LOKI Zine”. Fig. 70: Páginas do zine “¡QUÉ SUERTE!”.

conceber diferentes estilos e propostas num mesmo veículo, representando tan-to artistas como cena musical indepen-dente brasileira.

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GODZILLA FANZINE

Ano: 2013Formato: 21.59 cm x 35.56 cmNúmero de cores: 4Tipo de impressão: DigitalAcabamento: NenhumPapel: Capa – Opalina lisa/Miolo - Sul-fiteNúmero de cópias: 20Método de distribuição: Correios, fei-ras especializadas e internet

Godzilla Fanzine é uma publicação chilena que reune principalmente as-suntos da cultura pop como games, ci-nema, música e quadrinhos. Seu intuito também é dar oportunidade a artistas exporem seus trabalhos (fotografias, co-lagens, tirinhas etc) que ilustram as pá-ginas no intervalo entre conteúdos tex-tuais. Com um material amador e muitas vezes cômico, o fanzine incorpora par-cialmente um padrão editorial de revis-tas profissionais, promovendo reviews e artigos em diagramação semelhante.

Partindo para uma estética mais di-

gital, o fanzine utiliza de elementos do começo da cibercultura como pixelização e cores chapadas, além de ícones de vide-ogames antigos para estabelecer sua lin-guagem (Fig.: 71). O aspecto excêntrico transpassa uma atmosfera de nostalgia e descontração, permitindo uma desestru-turação que apesar de desarmonizar as composições, não impossibilita a leitura. Mesmo após os anos 2000 e a superação dessa estética rudimentar, diversas pu-blicações costumam utilizá-la como di-

Fig. 71: Capa de “Godzilla Fanzine”, nº5.

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ferencial, outro exemplo do mesmo uso destaca-se na capa do zine “Diversity Now”, de 2013/2014 (Fig.: 72).

As seções textuais geralmente não se apresentam de maneira desordenada, mas possuem o aplique de diversos ruí-dos que acabam competindo com o tex-to, desde elementos soltos contornando a redação, até planos de fundo coloridos e chamativos. No caso da figura 73, a fal-ta de acabamento no contorno e recorte dos rostos mostra-se intencionalmente

amadora e em desequilíbrio com o res-to da composição, tornando-a levemente desconfortante. O uso de fontes digitais pode acarretar clareza e maior sobrieda-de de leitura como se observa em “Roll zine” (Fig.: 74), entretanto, no fanzine Godzilla, as tipografias corroboram para um cenário nonsense e incerto pela di-vergência de formas e cores, destoando equilíbrio e projeto visual.

Entre as artes exibidas, a cultura pop também está sempre presente, seja para

Fig. 72: Capa do zine “Diversity Now”. Fig. 73: Página de “Godzilla Fanzine”, nº5.

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ser explorada de maneira diferente ou até subvertida. É possível criar um para-lelo entre certas preferências de Godzilla Fanzine e zines punks: o interesse pelo feio, estranho e grotesco. Seja na aborda-gem de filmes B ou ilustrações descomu-nais (Fig.: 75), o fanzine se mostra parti-cular em explorar o incomum.

Diferente de um zine totalmente co-laborativo, Godzilla Fanzine carrega uma linguagem própria que apesar de não remeter ao estilo artesanal e manual de

publicações independentes, se mantém distante da estética editorial mainstre-am. Cada elemento integra de maneira singular uma proposta amadora, ainda que primordialmente digital. Seu foco no exótico e inusitado da cultura pop fica claro através de reproduções e sig-nos visuais, valorizando uma cultura que apesar de produzida para a massa, per-manece alternativa. No quesito teórico, a edição cumpre o papel de fanzine clás-sico: Enaltecer produções culturais no

Fig. 74: Página de “Roll Zine”, nº8. Fig. 75: Página de “Godzilla Fanzine”, nº5.

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papel de fã através de opiniões, artigos e reviews, como também oferecer espa-ço para outras pessoas divulgarem suas produções criativas. A presença de dese-nhos, fotografias e quadrinhos (Fig.: 76) relembram o leitor que se trata de uma publicação diversificada e independente na forma mais democrática e acessível possível, disponibilizadas também onli-ne para leitura completa.

Fig. 76: Páginas de “Godzilla Fanzine”, nº5.

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Dentro da limitação ou escolha de recursos e técnicas visuais, cada edição analisada apresenta uma faceta diferen-te de visões, ideias e posições, estabe-lecendo linguagens efêmeras e ousadas por pessoas inseridas numa realidade além da cultura predominante. Essa va-riação demonstra a infinidade de pos-sibilidades e poder que zines podem alcançar, desafiando em suas poucas pá-ginas padrões estéticos e temáticos.

O exame técnico evidenciou a natu-reza amadora de zines que geralmente utilizam métodos baratos e fáceis - como o uso de papéis em formatos padroniza-dos e reprodução em xerox - para faci-litar a produção e tornar a distribuição acessível por seu baixo custo. Também se observou a ligação próxima de téc-nicas visuais recorrentes na cultura de zines, ainda que usadas de formas dis-tintas, promovendo publicações únicas e originais conforme as preferências e objetivos de seus editores.

3.3 Conclusões de análise de objetos

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Nesta etapa apresenta-se o registro e argumentação do projeto prático. Tópicos como temática, objetivos e desenvolvimento são brevemente discorridos na intenção de elucidar o processo de conceituação e criação do produto final.

4. PRojeto finAl

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A partir da pesquisa e desenvolvi-mento teórico foi possível compreender o papel da publicação independente na cultura underground, apresentando di-ferentes influências históricas e artísti-cas que moldaram e moldam uma con-duta de criação e compartilhamento de experiências culturais que aproximam indivíduos de interesses e realidades em comum. Zines apresentam substan-cialmente um vasto conteúdo histórico, social e cultural que merece ter sua rele-vância evidenciada tanto no meio acadê-mico quanto no conhecimento popular.

Como ferramenta de veiculação e exposição de ideias, zines oferecem um meio de interação democrática que re-leva e valoriza comunidades marginais e discriminadas, personificando-se na própria manifestação cultural ao invés de apenas condutor de mensagens. Atra-vés de estruturas projetuais e visuais inusitadas, publicações tornam-se ex-clusivas à seus criadores e abordagens

cometidas que, afastadas dos regula-mentos e padrões do mercado editorial, integram um conceito de liberdade cria-tiva e de expressão.

No exame exploratório de conteú-do e linguagem foram constatados não somente conceitos expressivos, mas também políticos que caminham para-lelamente com movimentos e cena alter-nativa. Em todos os seus contextos, zines problematizam e visibilizam concepções e realidades através de recursos delibe-radamente diferenciados, demonstran-do ideologias e condições daqueles que de algum modo se desconectam da cul-tura e mídia mainstream.

Através do exercício prático, pôde-se concluir o estudo de maneira inerente e concordante ao desfecho teórico, de-monstrando no experimento de estética e suporte, a representatividade de cená-rios que menosprezam ou não se aten-tam somente a cultura predominante, mas se adequam a uma perspectiva “anti glamour”, que se desloca e desafia pa-drões higienizados e comedidos.

Conclusão

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