avenida marginal nº 0

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Há mais de cinco séculos, o português Fernão Magalhães descobre a passagem marítima do Oceano Atlântico para o No ar também se navega José Serra Oceano Pacífico. Este navegante, ao serviço da coroa espanhola, morre nas Filipinas, numa luta contra os nativos. Uma nau da sua frota, no entanto, completa a circum-navegação do globo e comprova a teoria de que a terra é redonda. Só agora, muitos anos depois, um português açoriano está a dar a volta ao mundo à vela, em solitário, navegando através do mítico Cabo Horn, tal como fez Magalhães. Falamos, claro, de Genuíno Madruga. Poderia ter sido político, funcionário público ou muitas outras coisas. Mas desde o tempo de liceu que escolheu ser pescador. O mar corria-lhe no sangue. Ao longo dos anos, a pesca, as tempestades e a dureza do mar, aumentaram-lhe o gosto pela aventura. O ambiente do "Peter" e o contacto com os aventureiros de passagem por este porto, moldaram o nosso marinheiro. Sem grandes conhe- cimentos de vela, mas partindo do princípio de que se os ou- tros fazem também posso fazer, adquiriu um veleiro, em 2000, e decidiu dar a volta ao mundo. Primeiro com um amigo, mas na América Central resolve conti- nuar sozinho. Faz esta viagem de circum-navegação, atravessando o Canal do Panamá, e um ano e meio depois é recebido na cida- de da Horta como um herói. Es- creve o seu nome na história dos Açores, como sendo o primeiro Açoriano a dar a volta ao mun- do em solitário. Passados cinco anos, e quan- do todos pensavam que o nosso amigo tinha enrolado as velas e se dedicado de novo à pesca, surge a ideia de centrais O meu regresso à Horta era inevitável, após uma ausência de 8 anos. Oito anos que andei pelo mundo na procura de novas formas de vida, de um novo rumo para a vida, após termos “batido no fundo”, consequência de várias politicas à vista, e que, por falta de estratégia, esgotou-se no fim de uma vida por falta de oxigénio, esvaindo-se numa velhice senil, longe de uma antiguidade gloriosa. Mas passado era passado, e o que interessava era a Horta Nova, aquela que eu iria conhecer 000 – Horta Nova! Paulo Oliveira dentro de momentos, ao aterrar no Aeroporto Internacional da Horta. Lá longe haviam-me contado como oito anos haviam sido suficientes para transformar a nossa ilha, a nossa cidade, numa “coisa nunca vista”, um modelo de desenvolvimento objecto dos mais aturados estudos, das mais profundas teses de doutora- mento, na área política, ou melhor, fora dela! À medida que o avião da TAP se aproximava do Aeroporto, o nervoso miudinho apoderava-se de mim, até porque ainda não me havia esquecido do desconforto que era aterrar na Horta, mais a mais, página 10 Pronto. Já está. Finalmente o Avenida Marginal está na rua. Após alguns meses de gestação, contactos, diligências, insistências, contatos de novo (agora sem o "c" da polémica, por via do acordo ortográfico) e novas insistências depois, lá conseguimos colocar este número zero nas mãos ávidas do público faialense e picoense, que o aguardava sedento... e que agradece. Não foi assim tão difícil como isso, sejamos honestos. Os inúmeros apoios que nos foram surgindo aplanaram, e de que maneira, o nosso esforço tornando o acto de saber onde e como colocar esta edição ao alcance dos leitores, quiçá, no maior obstáculo que encontrámos dada a avalanche de encomendas que recebemos dos mais diversos quadrantes e latitudes, de Santa Maria ao Corvo, por forma a disponibilizarmos o Avenida em tudo o que é café, quiosque, livraria, pronto a vestir, salão de cabeleireiro, talho, mini-mercado... Passada que está essa febre inicial, compreensível pela enorme expectativa que se gerou em torno do novo título em todos os sectores da sociedade açoriana, e agora que o Marginal se encon- tra finalmente na rua, uma pergunta se impõe e que nos foi sendo colocada recorrentemente ao longo destes meses que mediaram entre a concepção do Jornal e a colocação do mesmo ao alcance de todos: Mas vocês acham mesmo que faz algum sentido editar mais um jornal aqui na ilha? Antes de passarmos à efabulação de qualquer resposta a esta e outras questões que nos têm colocado insistentemente por carta, e-mails, sms, telefone e até ( imaginem! ) pessoalmente, de viva voz, gostariamos de partilhar convosco algumas página 2 Nota de Abertura

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Primeira edição do jornal faialense Avenida Marginal de 4 de Julho de 2008.

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Page 1: Avenida Marginal nº 0

Há mais de cinco séculos, oportuguês Fernão Magalhãesdescobre a passagem marítimado Oceano Atlântico para o

No ar também se navegaJosé Serra Oceano Pacífico. Este navegante,

ao serviço da coroa espanhola,morre nas Filipinas, numa lutacontra os nativos. Uma nau dasua frota, no entanto, completa acircum-navegação do globo ecomprova a teoria de que a terraé redonda. Só agora, muitos anosdepois, um português açorianoestá a dar a volta ao mundo àvela, em solitário, navegandoatravés do mítico Cabo Horn, talcomo fez Magalhães. Falamos,claro, de Genuíno Madruga.

Poderia ter sido político,funcionário público ou muitasoutras coisas. Mas desde otempo de liceu que escolheu serpescador. O mar corria-lhe nosangue. Ao longo dos anos, apesca, as tempestades e a durezado mar, aumentaram-lhe o gostopela aventura. O ambiente do"Peter" e o contacto com os

aventureiros de passagem poreste porto, moldaram o nossomarinheiro. Sem grandes conhe-cimentos de vela, mas partindodo princípio de que se os ou-tros fazem também posso fazer,adquiriu um veleiro, em 2000, edecidiu dar a volta ao mundo.Primeiro com um amigo, mas naAmérica Central resolve conti-nuar sozinho. Faz esta viagem decircum-navegação, atravessandoo Canal do Panamá, e um ano emeio depois é recebido na cida-de da Horta como um herói. Es-creve o seu nome na história dosAçores, como sendo o primeiroAçoriano a dar a volta ao mun-do em solitário.

Passados cinco anos, e quan-do todos pensavam que o nossoamigo tinha enrolado as velas ese dedicado de novo à pesca,surge a ideia de centrais

O meu regresso à Horta erainevitável, após uma ausência de8 anos.

Oito anos que andei pelomundo na procura de novasformas de vida, de um novo rumopara a vida, após termos “batidono fundo”, consequência devárias politicas à vista, e que, porfalta de estratégia, esgotou-se nofim de uma vida por falta deoxigénio, esvaindo-se numavelhice senil, longe de umaantiguidade gloriosa.

Mas passado era passado, e oque interessava era a Horta Nova,aquela que eu iria conhecer

000 – Horta Nova!Paulo Oliveira dentro de momentos, ao aterrar

no Aeroporto Internacional daHorta.

Lá longe haviam-me contadocomo oito anos haviam sidosuficientes para transformar anossa ilha, a nossa cidade, numa“coisa nunca vista”, um modelode desenvolvimento objecto dosmais aturados estudos, das maisprofundas teses de doutora-mento, na área política, oumelhor, fora dela!

À medida que o avião daTAP se aproximava doAeroporto, o nervoso miudinhoapoderava-se de mim, até porqueainda não me havia esquecido dodesconforto que era aterrar naHorta, mais a mais, página 10

Pronto. Já está. Finalmente o Avenida Marginal está na rua.Após alguns meses de gestação, contactos, diligências, insistências,contatos de novo (agora sem o "c" da polémica, por via do acordoortográfico) e novas insistências depois, lá conseguimos colocareste número zero nas mãos ávidas do público faialense e picoense,que o aguardava sedento... e que agradece.

Não foi assim tão difícil como isso, sejamos honestos. Osinúmeros apoios que nos foram surgindo aplanaram, e de quemaneira, o nosso esforço tornando o acto de saber onde e comocolocar esta edição ao alcance dos leitores, quiçá, no maiorobstáculo que encontrámos dada a avalanche de encomendas querecebemos dos mais diversos quadrantes e latitudes, de SantaMaria ao Corvo, por forma a disponibilizarmos o Avenida em tudo oque é café, quiosque, livraria, pronto a vestir, salão de cabeleireiro,talho, mini-mercado...

Passada que está essa febre inicial, compreensível pela enormeexpectativa que se gerou em torno do novo título em todos ossectores da sociedade açoriana, e agora que o Marginal se encon-tra finalmente na rua, uma pergunta se impõe e que nos foi sendocolocada recorrentemente ao longo destes meses que mediaramentre a concepção do Jornal e a colocação do mesmo ao alcance detodos: Mas vocês acham mesmo que faz algum sentido editar maisum jornal aqui na ilha?

Antes de passarmos à efabulação de qualquer resposta a esta eoutras questões que nos têm colocado insistentemente por carta,e-mails, sms, telefone e até ( imaginem! ) pessoalmente, de vivavoz, gostariamos de partilhar convosco algumas página 2

Nota de Abertura

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reflexões que achamos de todo

pertinentes e que ajudarão aexplicar, pelo menos parcial-mente, as razões desta aventura.

O Avenida Marginal temaqui o seu número zero que podemuito bem ser a primeira e úni-ca edição deste título. Nessepressuposto aconselhamos, vi-vamente, todos aqueles queainda o conseguirem encontrarnas bancas a guardá-lo religio-samente, pois poderá ter daquipor algumas décadas, como peçade arquivo e coleccionismo, umvalor verdadeiramente incalcu-lável.

Outra reflexão que me apete-ce partilhar convosco prende-secom o facto (talvez deva dizerfato) de ser esta edição de distri-buição gratuita, o que não vindobeliscar em nada, ou diminuirsequer, o valor da mercadoria emcausa, acrescenta-lhe, a meuver, um atributo novo e nãomenosprezável nos dias que cor-rem, ou seja, e traduzindo pormiúdos o que diz o nosso povona sua infinita sabedoria, aburro dado não se olha o dente...

Mas voltando à nossa refle-xão inicial outra pergunta seimpõe desde já: Será que o Ave-nida Marginal tem pernas paraandar? Claro que sim. É só abrir-mos os olhos e atentarmos noque se vem passando todos osdias, de há vários anos a estaparte, entre o Largo do Infante ea praia da Alagoa. Já repararamna quantidade de peregrinos quepor ali circula todos os dias, aofim da tarde, incensando as per-nas e as bem alimentadas barri-guinhas no altar do sedentarismomoderno, lutando por esconju-rar um dos pecados mortais...que mais mata: o da gula.

Em face do atrás exposto e

2 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

Nota de Abertura

sem querermos pretender comisto sermos juizes em causa pró-pria apetece-nos repetir, agoracom maior ênfase, que o Aveni-da, claro que sim, tem mesmopernas para andar. Parafrasean-do o nosso bom amigo FernandoPessoa, sim, o Fernandinho,aquele rapaz da Tabacaria,"Tudo vale a pena se a alma nãoé pequena"...

Para terminarmos estes pro-fundos e sempre interessantespensamentos, que é da praxepartilhar com o público quandoe sempre se edita o número zerode qualquer publicação, perió-dica ou não, resta-nos apenasrecordar-vos uma das frasesmais emblemáticas de Monsieurde La Palisse: Sem leitoresnenhum jornal é viável. Eu iriaainda mais longe: Sem leitores,meus amigos, convivo eu muitobem; sem colaboradores Jamais!( Já! Mé! para quem não teveoportunidade de estudar francêscomo o nosso mediático e que-rido Ministro das Obras Públi-cas). É de vocês, imprescindí-veis colaboradores, que eu pre-ciso como de pão para a boca.

E agora no fecho desta ediçãodo Avenida Marginal e respon-dendo, em definitivo, àquelaquestão inicial que sempre noscolocam, se faz alguma faltaeditar um novo jornal aqui nasilhas de baixo e na cidade daHorta em particular, nós respon-deremos, com o sentido de res-ponsabilidade que sempre nosorientou que quem ainda ontemviu, como nós vimos, encerraras portas ao velho Correio da

Horta e ao saudoso e mais quecentenário Telégrafo, temosque concordar que não senhor,muito sinceramente não faze-mos cá falta nenhuma.

Escrevo estas linhas a bordode um avião da TAP, a meiocaminho entre os Açores eLisboa, e penso no meu bomamigo Heitor Aghá Silva,faialense de gema, bancário atempo inteiro e poeta bissexto…Agrada-me vê-lo, novamente,entregue às ânsias da escrita, eleque é como os vulcões: calmo porfora e agitado por dentro…

Desta vez, para o que der evier, decidiu o Heitor dar corpo,alma e vida a esta AVENIDA

MARGINAL. De onde se vê oPico e o Mundo.

Desde já saúdo este projectoe recordo o grande pensadorAntónio Sérgio quandofalava nas “largas avenidasda discussão”. O caminhofaz-se caminhando, já sesabe. O que é impor-tante é que o diálogosurja e a troca deideias aconteça. Deresto, a opiniãoescrita tem per-gaminhos nosAçores, onde ahistória dasua culturae s t e v es e m p r eintima-m e n t eligada aodesenvolvimentoda sua imprensa.Sobretudo a partir da segundametade do século XIX. A sentidanecessidade de, então, veicular asnovas ideias liberais e anti-absolutistas levou ao surgimentode uma miríade de jornais,gazetas, folhas volantes e outrosperiódicos que eram abundan-temente escritos, publicados elidos nestas ilhas. Somosherdeiros dessa tradição, comresultados surpreendentes seconsiderarmos este dado

inapelável: em nenhuma outraparcela do território nacionalexistem, nos dias de hoje, tantosjornais per capita e porquilómetro quadrado.

Todos sabemos que um jornalé coisa efémera. “A tua melhornotícia de hoje servirá paraembrulhar peixe amanhã” – erao lema de um congresso que, aquihá uns anos atrás, reuniu, emBoston, jornalistas da imprensaescrita norte-americana.

E no entanto osórgãos de comu-

nicação

s o c i a lsão, hoje, parteintegrante das nossasvidas. E isto porque, simulta-neamente, precisamos de estarformados, informados eentretidos.

Na era da globalização e damassificação, vivemos saturadosde informação, de comunicaçãoe de imagem, com resultados jávisíveis nas nossas escolas: osnossos jovens estão cada vezmais informados, mas menoseruditos; mais comunicativos,mas menos cultos.

A questão é estrutural e, diz-se, a culpa é do sistema. Não seinvestiu na Educação comosector prioritário. Apesar dasmuitas e desvairadas reformas dosistema de ensino, não houveainda uma mudança eficaz eeficiente nos nossos hábitosculturais e nos nossoscomportamentos sociais.Passámos da iletracia para ocomputador sem que houvesse,de permeio, uma fase deadaptação.

Apesar de algum desen-volvimento verificado nestasúltimas três décadas, convirá nãoesquecer que Portugal registaainda 18% de analfabetos e, pior

O Heitor está de volta!

do que isso, existem estes dadospreocupantes: 62% de portu-gueses nunca leram um livro e72% não sabem interpretar umtexto.

Por conseguinte, neste tempoespecialmente marcado pelacrescente importância das novastecnologias da informação e dacomunicação, há que reflectir.Até porque só agora é quecomeçámos a fazer a verdadeiraaprendizagem para umacidadania activa. Com um atrasodesmedido em comparação coma maior parte dos nossosparceiros europeus.

Uma coisa é hoje tida comocerta: só com bons e

m e l h o r e scidadãosé que po-

d e r e m o ster mudan-

ças na nossasociedade. E o

busílis daquestão está

precisamente emresolver este dile-

ma: para nós, açoria-nos, o que é difícil não

é aderirmos a ideiasnovas; o que é difícil é

libertarmo-nos das ideiasvelhas…

(Sou interrompido, nestascogitações, por um ex-aluno

meu que já não via há algumtempo. Cumprimenta-meefusivamente e dispara a seguinteanedota:

“Numa viagem de avião, delongo curso, chegou a hora dealmoço e a hospedeira distribuiua lista pelos passageiros, paraestes poderem escolher arefeição. Um canibal que ia abordo olhou demoradamente,franziu o nariz e pediu àhospedeira: - Traga-me a lista depassageiros”.

É óbvio que a anedota já tembarbas, mas eu fingi que não aconhecia e desatei a rir)…

Retomo a escrita e volto aoHeitor. Com a regularidade dossismos, acontecem-lhe desas-sossegos criativos… Porexemplo: Na Raiz da Boca

(1989), Arqueologia da Palavra

(1991), Pedra de Toque (1992)e, de permeio, a coordenação deAntília, antigo suplementoliterário do falecido jornal “OTelégrafo”.

Já há uma mancheia de anosque o Heitor andava calado eadormecido, a apurar planos,escritas e ideias. Agora que saiudo defeso, há que aproveitar aenergia sísmica deste poeta-bancário e, por isso mesmo,quero aqui desejar longa vida àAVENIDA MARGINAL!

Victor Rui Dores

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 3

Ponho-me a viajar meio sé-culo para trás, não num tempo li-near, mas descendo em vórtice,como na pintura do Primeiro Diada Criação, de Francisco deHolanda. Mergulho assim na in-fância em que o tempo parecianunca acabar. Fiat Lux!

Do fundo, bem do fundo es-curo quase a tocar o magma,emergem memórias desse vulcãocujas ígneas asas chamuscarama minha infância.

A descoberta da fragilidadeda canoa-ilha ao embalo dos aba-los nesse mês de Setembro de1957 em que, expectantes, viví-amos na esperança de um desfe-

cho que chegou no dia 27, dei-xou-me de sobreaviso sobre aexistência humana. Quem somosnós sobre este mar telúrico?

Nada conscientes do perigo,subimos o Farol, balouçando nosabalos, a mitigar a sedenta curi-osidade. A água fervilhava e pe-dras enormes saltavam no meiodo caldeirão marítimo. A alqui-mia começava. O que era entãopesado tornava-se agora leve.

Pouco depois, nas nuvensdensas das explosões, faziam-see desfaziam-se monstros, diabi-nhos com forquilhas, anjos e ar-canjos, todos em grande movi-mento, mais inchados uns, maismagrinhos outros, de acordo coma mexida dos novelos brancos ecinzentos e com os riscos de luzdos relâmpagos. Era como se céue inferno tivessem assaltado a ter-ra, numa organizada revolta, qui-çá, das que, provocando o caos,obrigam a um renascimento.

A alquimia continuava. Oclaro virava escuro e o escuroclaro.

Quando a areia em nuvemnos sobrevoava, fazia-se noite oclaro dia. Eram as couves da hor-ta que, como cogumelos pretos,precisavam da nossa ajuda. O re-gador confortava-as e elas lá sub-sistiam. No dia da ComunhãoSolene, os vestidos níveos das jo-vens escureceram de tanta areiaque levaram em cima e cheira-vam a enxofre. Por que não chu-

va de ouro como com Danae?Numa noite, o céu teimou em

não escurecer. Era uma auroraboreal! Bela paisagem, não foraa crença de alguns de que aquiloera sinal do fim dos tempos...Sempre o belo a par do horrível!

Era de pasmar a lavaestromboliana e a escoada! Hou-ve quem enchesse uma concha delava e a arrefecesse no mar.Grande desafio! O homem desa-fiando a criação! E que sorte!Sem grilhetas como Prometeu!Além do desafio ao Criador, atentativa de dominar a Natureza!

Um dia, um senhor, que jul-go ter sido "o poeta do fogo"Haroun Tazieff, deu-nos unsóculos de plástico para areia.Assim o vento, nas suas corridas

brincalhonas com a areia, nãoperturbava. Assim, podíamos vê-lo rodopiar invisível, fazendo parcom a bailarina-areia.

Até que o chão começou a tre-mer forte e a destruir os abrigosdos animais. Foi no dia 12 deMaio de 1958. Nessa noite, o in-ferno manifestou-se no seu des-temido horror. Todos os animaisse sentiram desamparados. Nãohavia vaca que não mugisse, nãohavia cão que não uivasse, nãohavia humano que não gritasse enão rezasse, desacreditados doseu próprio poder. A acrescentarao clima dantesco, o barulho dascasas a cair, a chuva miudinha,o nevoeiro denso e os roncos domar zangado! Tremia tanto a ter-ra que só sentados nos equilibrá-vamos. Uma caixinha com a Sa-grada Família foi posta nummuro e todos se viravam para ela.Salvação?! Foi a única ocasiãoda minha vida em que julguei sero fim. A meio da noite, as pesso-as foram abandonando aquele lu-gar e foram a pé até CasteloBranco. Empacotados no Austinpreto, esperámos que toda a gen-te abandonasse a freguesia (ochefe de família tinha responsa-bilidades autárquicas). Fora, ocão Fiel uivava. O carro inicioua viagem e atrás, o cão Fiel a ui-var. Deixámo-lo entrar. Saudo-so, lambeu-nos a todos e lá fo-mos nós, dez com o cão. Fendasabriam na estrada à passagem.

Parámos ao pé da igreja de Cas-telo Branco e aí ficámos dentrodo carro. De manhã deram-nosleite. Na noite seguinte, dormi-mos no chão da sede de um clu-be, embrulhados em cobertores.No dia seguinte, a professoraEduína levou-nos para sua casana Lombega aonde ficámos trêsmeses. Íamos à Escola da Car-reira onde a professora Fernandanos ensinou para a 4ª classe.

De regresso ao Areeiro, foiuma desolação ver o carrinho dasbonecas todo destruído, mas oschicharros que a mãe tinha dei-xado fritos sobre o mesão esta-vam intactos, apesar de rodeadosde pedras.

Fomos os primeiros sinistra-dos a vir para o Areeiro. Nesse

Verão, divertimo-nos a fazer se-renatas ao vulcão. Levávamosbandolins, violas, rabeca echorumbela. Havia três momen-tos na serenata: tocávamos e can-távamos de casa ao vulcão, jun-to ao vulcão e do vulcão até casa.Foi a altura mais divertida estaem que a lava era um espectáculosublime e nós correspondíamos-lhe com a música. Parecia umdiálogo da Beleza pela Arte como bailado da lava e a sua cor mag-nífica de vermelhos e amarelose a nossa música.

O vulcão é símbolo da forçaprimária da natureza e do fogovital, tal como Xiva, criador edestruidor. Este vulcão, porém,não foi "uma nova ressurreiçãodos deuses", para citar Nerval, apropósito de uma erupção doVesúvio, mas sim o causador deuma grande mudança. Ressurrei-ção das gentes que emigraram?Ressurreição dos que ficaram?

Cinquenta anos depois, vejoo vulcão dos Capelinhos comoum acontecimento de beleza ehorror, indizíveis como o Amor.De tão fenomenal, nunca estaráextinto dentro de quem o viveu.A efemeridade da vida, o vencero medo em situações drásticas,a solidariedade, são apenas algu-mas das aprendizagens que elenos veio proporcionar.

Conta minha mãe: "Sofremosmuito, mas nunca vi nada de tan-to lindo!"

Um Vulcão na infância

Maria Eduarda Rosa

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Façam-se os acordos orto-gráficos que se fizerem, umacoisa que não nos vão levar decerteza são os adjectivos ben-gala. O que seria dos nossosjornalistas, cronistas ecolunistas sem a suabengalinha linguística?

Para não ocupar muito es-paço ou perder-me aqui emdissertações sintácticas, passoimediatamente a dar exemplosdisso a que eu chamoadjectivos bengala e o leitorperceberá onde quero chegar.Ora vejamos.

Quase toda a notícia sobreacidentes de viação fala na ve-locidade vertiginosa do veícu-lo ou na morte fulminante docondutor. O acidente que ésempre brutal deixa o carronum estado lastimoso.

Agora que o leitor já perce-beu do que estou a falar quan-do falo em adjectivos benga-la, vejamos mais exemplos:Numa notícia sobre desportolê-se habitualmente que haviaum ambiente contagiante noEstádio, que a equipa X ga-nhou com uma vantagem con-fortável. A equipa Y ficou-sepor um honroso 2º lugar.

Num texto cujo tema é umcrime, este começa por ser umcrime monstruoso. Alguém ou-viu um grito lancinante. A ví-tima teve um fim desditoso e apolícia tem uma missão espi-nhosa para resolver o casointrincado... Porque é que ocrime em vez de monstruosonão é um crime cruel? E o gri-

to, em vez de lancinante, por-que não é um grito desespera-do?...

E sobre um qualquer even-to artístico é comum ler-se quese trata de uma iniciativa lou-vável e que teve um sucessoestrondoso. Se o evento envol-ve o elemento feminino entãofala-se beleza escultural, oudecote generoso, ou de andarprovocante ou de carreira pro-metedora. E o êxito é sempreassinalável.

Mas procuremos mais ben-galas nos textos jornalísticosou literários. Quem nunca viuum olhar penetrante? Ou sen-tiu ódios viscerais? Há imagi-nações delirantes e ideias lu-minosas. Há desculpas esfar-rapadas e gestos maquinais.Mais vulgares serão a manhãradiante, o prémio aliciante,a cor berrante, o metalsonante, a febre galopante oua notícia alarmante. O calorquando é muito, é asfixiante.Mas quando chove demais,chove copiosamente.

E pronto, mais não acres-cento ao texto. Afinal o queaqui ficou escrito não passa deum amontoado de lugares co-muns que por já estarem in-ventados dão muito jeito tersempre à mão. Posso concluirmesmo que chamar bengala aeste tipo de acessórioslinguísticos não passa de umaideia peregrina.

Mas tenha cuidado…Vejalá como fala. Não caia na ten-tação de usar estas bengalas.Faça os possíveis por inventaroutras.

Veja lá como é que fala...

Sérgio Luís

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4 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

A Feteira é uma das 13 fre-guesias da ilha do Faial. Situa-se muito perto da cidade daHorta, sendo mesmo já conhe-cida pelo seu dormitório. Tal-vez, por isso, se tenha vindo aconstatar uma acentuada cons-trução de moradias, nasCourelas, no Algar e ainda naRua Padre Manuel Madruga.

A Feteira era uma fregue-sia, onde a sua população seocupava da Agricultura (haviaquem lhe chamasse os celei-ros do Faial) pela abundância,de batata-doce e branca e ce-reais, nomeadamente milho etrigo. Devido à boa qualidadedo seu solo, muitos picoenseseram donos de terrenos, que,ou eram cultivados pelos pró-prios ou então, arrendavam erecebiam o valor da renda emmilho já seco. A Feteira, tam-bém era muito procurada porpessoas da ilha do Pico, que sedeslocavam de propósito, parafazerem trocas comerciais, istoé, traziam vinho e fruta e leva-vam milho, batatas e outrosprodutos. Raramente havia di-nheiro nestes negócios, porquetambém não o havia. Era bo-nito no Verão, nas terras pla-

A Feteira e o passado…José Fialho nas dos Quinhões e Eiras se ob-

servar o dourado de tantosalqueires de searas. Inicial-mente o trigo era debulhadonas eiras, utilizando-se instru-mentos rudimentares puxadospor vacas. Mais tarde, esse tra-balho começou a ser feito pordebulhadoras, só aqui naFeteira chegaram a trabalharem simultâneo três, uma deuma associação da Lombega,uma da Firma Casimiro Gon-çalves e ainda uma outra daFirma Teófilo Ferreira Garcia.

Como será facilmentecompreensível, havia grandeprodução, teria de se passar àfase da transformação do mi-lho e trigo em farinha.

Os moinhos de vento, eramconstruídos em lugares vento-sos da freguesia. Chegou-se ater sete em funcionamento, nazona baixa, na Travessa doAlgar, Algar, Atalaia,Farrobim , Portela e Poceirão.Havendo trabalho para todos,chegando mesmo nos dias debom vento, moer-se de dia enoite para dar resposta às ne-cessidades da populaçãofeteirense, e também para com-pensar os dias em que trabalha-vam pouco, ou estavamcompletamento parados, porfalta de vento.

Como curiosidade, e por-que não havia comunicaçõescomo existem hoje, o molei-ro, quando estava sem milhopara moer, vinha à escada domoinho e utilizando um búzio,buzinava durante algum tem-po e a vizinhança, recebia amensagem e lá ia pôr a suamoenda. Também aqui, namaioria das vezes não haviadinheiro, pagava-se ao molei-ro com a maquia, que era umapequena quantia de milho, quedepois de moído, ou era tro-cado por ovos, ou até mesmopor chicharros, quando os ven-dilhões passavam, com os seusdois cestos, suspensos numpau e às costas e por vinho eaguardente aos picarotos.

Convém aqui recordar, queestas pequenas indústrias fami-liares, eram indispensáveis nafreguesia, porque se poderiacontar as casas, onde não se co-zia pelo menos, uma vez porsemana, o tradicional pão demilho e bolo do forno. Este pãoera um bem fundamental naalimentação, pois servia paraser usado com o chicharro as-sado, com o leite, com o tor-resmo, com o ovo, ou até mes-mo com o queijo fresco.

Mais tarde apareceram asmoagens com motores, contri-

buindo para que os moinhosdesaparecessem.

Na freguesia apenas exis-tem vestígios de dois, um noAlgar e outro na Cruz daPortela, que na nossa opiniãodeveriam ser preservados,como uma atracção turística epara assinalar uma época. Sa-bemos, que haverá a possibili-dade do primeiro ser ainda re-cuperado, pois irá fazer partedo empreendimento a construir

O canto do CisneLuís Branco

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Certa vez, quando umainvisual visitava um estúdio derádio foram-lhe apresentadas aspessoas que ouvia todos os diasem sua casa, pelas ondas sono-ras do seu transístor, a sua única

companhia …O senhor fulano de tal, a se-

nhora… depois de algumas apre-sentações confidenciou:

- Gostei de conhecer pesso-almente a maior parte destas vo-zes que ouço todos os dias, sãomuito simpáticos e explicamtudo muito bem. As notícias,

como as apresentam e como mesão transmitidas, compreendo-ase lembro-me delas ao longo dodia…

Depois esta invisualconfidenciou que, não gostariade conhecer o Senhor Fulano eo Senhor Sicrano… não lhe ins-piravam confiança e não pareci-am serem pessoas de bem.

A senhora invisual apenas osconhecia pelas suas vozes, nun-ca antes teve qualquer contactocom essas pessoas nem com assuas vidas pessoais.

Dava-se conta que haviaqualquer coisa… que lhe davaesta impressão.

Isto de um jornalista de rá-dio escrever, para outros meiosde divulgação de notícias, sejatelevisão, sejam os jornais, temmuito que se lhe diga.

Todos eles têm a sua lingua-gem própria… diferente de unspara os outros. Conhecer as re-gras é fundamental. Mais do queisso é também essencial conhe-cer o público a que se destina.

Por isso os órgãos de comu-nicarão social gastam dinheiro eesforços tanto para saber qual o

seu público e quais as pessoasque por uma razão ou outra pro-curam informação em determina-do jornal e não noutro…

Associar um jornalista de rá-dio, habituado a uma particularlinguagem de comunicação, a umjornal que está na sua ediçãozero, sem conhecer, nem o seupúblico, nem das razões das pes-soas para o lerem é uma incons-ciência, talvez mais do que issoé, quase suicidário.

Transpor para "letra de for-ma", uma determinada opiniãosobre a sociedade e sobre as coi-sas da "rés pública" é dar de borlaargumentos àqueles que acusama comunicação social de tenden-ciosa.

Amanhã quando entrevistaralguém… esse alguém irá saberexactamente o que penso sobreo assunto e irá especular: estás-me a fazer esta ou aquela pergun-ta porque és cá dos meus, ou pelocontrário estás contra mim oucontra o meu partido.

É por isso que é tão difícil en-contrar jornalistas no activo queaceitem assinar colunas de opi-nião. Jornalistas, como entendem

que se devem comportar na pro-fissão, onde o rigor e aequidistância sejam objectivospresentes qual quimera, que seprocura na consciência de nun-ca as conseguirmos alcançar por-que não há verdades absolutas.

Apesar de assim pensar, acei-tei esta colaboração com umamigo de longa data, o Heitor,pessoa que prezo e admiro mas:

- Caro Heitor, tal como a saú-de que é um estágio passageiroque não augura nada de bom,esta minha colaboração pode jáconter o veneno insidioso dequem quer participar na vidapública mas, que ainda não opode fazer em liberdade… nãoa liberdade democrática mas, aKantiana que me é imposta pe-los meus cânones da moral e daética…

…afinal como deve ser en-carada uma profissão, como a deJornalista, apaixonante decerto,mas muito exigente no compor-tamento público e intelectual deainda uma parte dos seus profis-sionais, agarrados a esta coisafora de moda da verticalidade eda coerência.

no local, num projecto muitobonito e bastante funcional daautoria dos irmãos Feijão.Quanto ao segundo, penso, queirá ter o mesmo fim dos outrosque aqui existiam, o seu totaldesaparecimento.

Por uma questão de cidada-nia e de princípios, devíamospreservar aquilo que ainda nosresta do legado dos nossos an-tepassados.

Moinho restaurado na Lomba do Pilar

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Moinho em ruínas na Rua do Algar - Feteira

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 5

A história da Ilha e das Ilhasestá repleta de acontecimentostelúricos.

Região arquipelágica, assentena confluência de três placas, des-de os tempos imemoriais que temconvivido com estes fenómenosque são a razão primeira da suaexistência e a "génese" que mol-dou, de forma particular, a almae o coração deste povo ilhéu que,após cada catástrofe, se reerguepara de novo reconstruir as habi-tações e recuperar as fazendas,com elevado estoicismo e espíri-to de entreajuda, de entrega e desolidariedade.

Os povoadores trouxeram doreino o culto do Espírito Santo, aífomentado pela rainha Santa Isa-

bel, sinónimo de igualdade, soli-dariedade e partilha e nos momen-tos de aflição foi à Terceira Pes-soa da Santíssima Trindade quese acolheram na esperança de quea peste ou a fúria da Natureza seaquietassem.

Lacerda Machado, na sua"História do Concelho das Lajes"refere a pág. 127: "No ano de1523 desenvolveu-se na ilha de S.Miguel uma desoladora peste,que ocasionou 2000 vítimas e secomunicou ao Faial no mês de Ju-lho. O pânico foi geral em todasas ilhas e os povos aterrados re-correram a preces públicas, pro-cissões e invocaram em especialo Espírito Santo, prometendo dis-tribuir pelos pobres anualmente,pela festa do Pentecostes, asprimícias dos seus frutos, se es-capassem do terrível flagelo, quese não comunicou ao Pico.

Instituíram-se irmandades doEspírito Santo, celebrando-se em

seu louvor bodos solenes, comfolias e bailes, ao uso do tempo.

Tal foi a origem, no Faial eno Pico, das populares festas doEspírito Santo…"

Na ilha do Pico, há, outrossim,o registo de grandes convulsõesterráqueas das quais resultaram osdenominados "Mistérios".

Registe-se as erupções de1562 da qual dimanou o Mistérioda Prainha, as de 1718 que de-ram lugar aos mistérios de StªLuzia e de S. João e a erupção de1720 que originou o Mistério daSilveira.

Tal como ainda hoje aconte-ce - tenhamos presente as nefas-tas consequências do sismo de1998 e o rol de infortúnios queavassalou as ilhas do Faial e Picoe de forma menos marcante, S.Jorge -, terá sido pavoroso, para

as populações acantonadas naslocalidades afectadas, o convivercom os sismos e o fogo que tudodestruiu.

Em 1718 e 1720 a freguesiade S. João e o lugar da Silveiraforam profundamente devastadase as populações, dada, inclusive,a sua proximidade geográfica,foram obrigadas a procurar refú-gio em outras paragens.

Consta que o lugar daAlmagreira, pertencente à paró-quia da Silveira, e o lugar das Ter-ras da paróquia da SantíssimaTrindade (Lajes do Pico) acolhe-ram aqueles que, esbaforidos,perante o fogo que tudo consu-mia, ali procuraram guarida.

A sua arreigada crença e a suaforte fé, reforçadas pelaincompreensão dos fenómenossísmicos que consubstanciavamos castigos divinos, levou-os aerguer as Irmandades e os Impé-rios que, acolhendo-se sob o es-

pírito protector do Divino, toma-ram a designação quase geral de"União e Caridade".

Em 1723, isto é, três anos apósa tragédia e há, precisamente, 285anos, surge, poder-se-á escreverque com normalidade, o Império"União e Caridade" da Silveira,sendo a maioria dos irmãos daAlmagreira, que tem como parti-cularidade, única para a época, e,ainda hoje, sem réplica na Ilha,ocorrer no Sábado anterior aoDomingo de Pentecostes.

É evidente, que só uma fé ina-balável no Divino Espírito Santoe a necessidade premente do seuauxílio a par do reconhecimentopelas graças concedidas duranteessa fuga em busca de uma novaterra de promissão, levaram essaspobres gentes a unirem-se e, ca-ritativamente, a auxiliarem-se na

reorganizaçãodas suas vidas.

A promessa,o cortejo, o actosacrificial, a co-roação, as sopasde pão branco(específicas daépoca), acompa-nhadas com acarne cozida,carne assada,massa sovada,caspeada, arrozdoce, não faltan-do o queijo típi-co, dedicadas aosirmãos e seus fa-miliares, a con-vidados e passan-tes não esque-cendo os enfer-mos da localida-de e a oferta depão no decorrerdo arraial a todosos presentes, na-turalmente to-mando a funçãodiferentes formasde consumação

em conformidade com o lugar eo evoluir socio-económico dasgentes (segundo Lacerda Macha-do, ao tempo: " Em todos estes im-périos se distribui pão de água atoda a gente que neles compare-ce"), começando a partilha dasoblatas pelos "cabos" das locali-dades, toda estas labutas, que vaida criação e oferta dos animais aodia maior, exigem muito traba-lho, despesa, dedicação e amor aopróximo.

Toda esta prestativa e alegreacção de partilha, consubs-tanciando as mais importantesfestas religiosas do Arquipélago,aquém e além fronteiras, conti-nua, nos nossos dias, a reafirmar,de forma inegavelmente sublime,a Fé, a Esperança, a Caridade e aSolidariedade, princípios queenformaram a Religião abraçadapelos nossos avoengos e que nosacompanha ao longo dos séculos.

O Império do SábadoRuben Rodrigues

O Padre António Xavier en-trou apressado na sacristia, pelaporta de acesso à Igreja.

- Está tudo organizado!…Agora entram os irmãos do Di-vino Espírito Santo, os que vãolevar o pálio, os que levam as va-ras e os que levam o Crucifixo.

O padre António Xavier dis-se isto a uma vintena de homensque, na sacristia, esperavam comas suas opas vermelhas vestidas.Sorriam entre si. Mostravamvontade de dar umas gargalha-das. Só não o faziam porque eraum lugar de respeito.

O Padre António Xavier di-rigiu-se ao mesão da sacristiapara se paramentar. Era a horada Procissão de Nossa Senhorada Ajuda, a Padroeira de PedroMiguel. O dia maior da Paróquia.Enquanto se paramentava, repa-rou nos sorrisos escondidos doshomens. Como era uma pessoasimples, aberta e conhecia todos,virou-se para um canto de ondeparecia vir o "motivo" dagalhofa:

- Senhor Maciel, o que é quefez para toda a gente estar bemdisposta?... O padre AntónioXavier sabia que onde estivesseo José Maciel havia sempre mo-tivo para a boa disposição. Nãoque fizesse palhaçadas, maspelo que dizia, sempre com se-riedade, tom filosófico e a for-ma como o dizia… porque ga-guejava.

O José Maciel olhou entãopara a imagem de Santo Amaro,que estava sobre o mesão, comum estendal de massa sovada nafrente, apontou e disse:

- Senhor Padre, muita massasovada comi eu à custa desteSanto!

Foi uma explosão de garga-lhadas. Nem o Padre AntónioXavier se conteve. Sempre aparamentar-se perguntou:

- Senhor Maciel, como é essade comer massa sovada à custa

O José MacielJosé Fernando Matos de Santo Amaro?

O José Maciel, muito sério, eno meio de um silêncio geral, ex-plicou: Saiba o senhor padre queeste Santo esteve em nossa casamuitos anos. Meu pai é que to-mava conta dele. Iam lá pôr, du-rante todo o ano, promessas demassa sovada: braços, porcos,vacas, pernas, cabeças… Comoéramos pobres, eu e meu irmão,comíamos dessa massa. A maiortristeza da nossa vida foi no diaem que a imagem teve de regres-sar à Igreja. Nunca mais houvetanta fartura em nossa casa!

As gargalhadas pararam por-que estava na hora da procissão.A história ficou gravada na me-mória das gentes de PedroMiguel. Como esta, centenas deoutras que todos os dias são lem-bradas nas conversas. Ainda hojemuitas terminam "como dizia oJosé Maciel…"

Convém explicar como San-to Amaro foi parar à casa daque-la família… Com a implantaçãoda República em Outubro de1910, a Igreja temeu que se veri-ficassem pilhagens nos templos.Muitos sacerdotes, por quasetoda a parte, encarregaram famí-lias de guardar as imagens nassuas casas. Pediam que deixas-sem os cristãos manter as suas de-voções tradicionais.

Foi o que aconteceu com San-to Amaro, o protector dos ani-mais. Em caso de aflição, as pes-soas prometiam dar em massa so-vada o animal, ou membro doanimal que estivesse doente. OJosé Maciel teve sorte! Foi a res-posta que o homem recebeu doPadre António Xavier, quando jáiam a entrar na Igreja, para a Pro-cissão da Senhora da Ajuda.

Quem estava por perto aindase lembra do pároco dizer-lhe: -Senhor Maciel, matar a fome nãoé pecado. Pecado seria desperdi-çar o que Deus deu para o homemse alimentar!

Ao que o José Maciel, com oseu sorriso maroto respondeu: -Desta estou perdoado.

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6 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

É a primeira vez que estou a fazê-lo de 3 em 3 meses, mas é nor-mal, penso eu, que a coisa vá ficando mais espaçada.

Quanto à hipótese de fazê-lo apenas uma única vez, como estáescrito na nota de abertura é que já me parece pior. Porque ninguémgosta de fazer uma coisa pela última vez, pelo menos se for algo deque se goste, se for numa boazona, como é aqui a ilha do Faial.

Claro que a situação de ser de 3 em 3 dá mais tempo para recupe-rar forças, para se ficar com mais vontade, ganhar inspiração. É capazde, assim, sair uma coisa melhor. Mas a falta de treino também podeprejudicar o desenvolvimento artístico da pena. Além disso, passan-do muito tempo, a pessoa pode começar a desesperar, sei lá. Por issoé preciso trabalhar para não se tratar de um coito interruptus, isto é,para que o jornal continue a crescer e a manter-se firme, até mesmohirto, no seu posto. Enfim...

Antes que o senhor leitor pense: "este gajo não diz nada nem sai decima", ou do sítio, digamos assim, sempre vou acrescentar alguns pen-samentos que me assaltam. Na observação que tenho feito sobre estenosso sítio, Portugal, um local bastante mal frequentado, como sabem,tenho reparado que, ou é da minha vista, ou há por aqui algumas coisasque não batem certo, pelo menos para a minha carola.

O governo da república popular de Portugal tem feito, ao longodos últimos anos, algumas auto-estradas. Supostamente para as pes-soas chegarem mais depressa a alguns sítios. Quem é que paga asauto-estradas? Quem passa por elas e os contribuintes em geral. Comoas portagens são muito caras, há cada vez mais gente a circular pelasestradas antigas. Ou seja, fazem-se estradas caras e o pessoal andanas velhas e estreitas porque não tem "monim" para circular naslargas.

A TAP, companhia do Estado, sempre foi deficitária. Em palavrascorrentes, "não ganhava para as despesas". Assim sendo, é o Zé Povoque paga os prejuízos daqueles pássaros de ferro. O Zé paga mas nãobufa lá dentro, porque não tem dinheiro para "andar" de avião.

O Zé Povino também paga os serviços de saúde com os seus im-postos. Mas, quando tem uma aflição, tem que ir ao médico privado.Ou seja, paga duas vezes, paga o do Estado com impostos e paga omédico particular com o seu rico dinheirinho.

O Zé Povo também tem sustentado a televisão do Estado, a rêtêpê,mas prefere ver os outros canais, SIC e TVI.

O Zé Povo paga os comboios com os seus impostos, mas muitagente que paga, por exemplo aqui nas ilhas, nunca viu um comboio aovivo. E há outras pessoas que têm medo de andar neles, porque sãoassaltadas lá dentro, inclusive com facas e pistolas, na linha de Sintra.

Os portugas pagam, com os seus impostos, as forças de segurançada nossa república popular. Mas há cada vez mais empresas a contra-tar seguranças privados porque ninguém segura a malta que rouba.

Eu tinha mais exemplos, mas não vale a pena alongar-me para nãoincomodar o senhor leitor que, com certeza, também terá outros pare-cidos na cabeça. É uma república popular portuguesa, com certeza,irmã das outras, Angola, Guiné, Moçambique (sem ofensa para eles).

Parabéns, boa sorte e que se repita.

José Borges

Uma de três em três meses

O nome "Mosteiro" poderiaindiciar o leitor a pensar num edi-fício conventual dedicado à ora-ção, habitado por monges ou frei-ras e não estaria longe da razão,no entanto o Mosteiro de que va-mos falar é uma paradisíaca fre-guesia na ilha das Flores.

Pertencente ao concelho dasLajes, e actualmente comcinquenta habitantes, fica situa-da no planalto Oeste da ilha a umaconsiderável altura acima do ní-vel do mar.

Tem um bastião, no seu ladosul, a rocha dos bordões, monu-mento geológico de característi-cas ímpares pela sua forma, quevista a uma certa distância, se as-semelha a um gorro colocado so-bre bordões de pedra do maispuro basalto.

O seu nome, que inicialmen-te terá sido Mosteiros, foi altera-do para o singular por altura dasua elevação a freguesia, e terátido, porventura, origem num

cabeço situado a norte que, pelasua aparência, lembrava as torresdum mosteiro. Reinava então, emPortugal, D. Maria II, que pordecreto de 23 de Outubro de 1850a desanexou da Paróquia de Nos-sa Senhora dos Remédios, fregue-sia da Fajãzinha.

Criados, que fomos, nesta fre-guesia, nutre-nos por ela um ca-rinho especial. As suas ribeiras de

águas frescas, correntes durantetodo o ano, alagam as terrascircundantes e de cascata em cas-cata, formando fundos poçosonde a pequenada da freguesiaaprendia a nadar, correm para omar sendo ainda as suas águaspovoadas de trutas e enguias. Atéhá bem poucos anos, faziam gi-rar as mós de dois moinhos deágua, que conhecemos a trabalharem pleno.

Como em quase todas as ilhas,as suas pastagens são divididascom sebes de azuis hortenses que,em cascata descendo dos montesaté ao fim do planalto, dão um co-lorido celestial, contrastando como verde húmido dos pastos, seme-ados aqui e além por pachorren-

Um "Mosteiro" nas FloresJosé da Costa tas vacas e bois, que afinal, ainda

são a principal fonte de rendimen-tos, da sua população.

Conhecemos, na nossa infân-cia e adolescência, a freguesiacom quase cem pessoas, incluin-do a Caldeira, lugar pertencenteao Mosteiro. Nessa altura mora-vam nesse lugar cerca de vintepessoas e as restantes na fregue-sia.

A escola primária que fre-quentámos, cuja professora eratambém a nossa progenitora, fun-cionava na casa do Espírito San-to. Era ali que as (na altura já pou-cas) crianças da freguesia e daCaldeira aprendiam as primeirasletras, até à quarta classe.

Com o passar dos tempos ofluxo de migração também che-gou ao Mosteiro e assim, talvezdevido aos densos e frequentesnevoeiros que escondem a belafreguesia durante longos mesesdo ano ou talvez devido à neces-sidade de estar mais próximo dosmédicos, a população, envelhe-cida, procura outras paragens, no-meadamente as vilas das Lajes eSanta Cruz, o que é uma pena,pois assim será mais uma fregue-sia a extinguir num futuro próxi-mo, a não ser que se inverta a si-tuação e que comece a ser procu-rada por quem goste de belezanatural e sossego.

Quem melhor retratou esta lin-da freguesia, foi sem dúvida opadre Nunes da Rosa, que duran-te alguns anos ali paroquiou. Noseu livro "Pastorais do Mosteiro",descreve duma forma singela oMosteiro com os seus amores edesamores, as suas crenças e osseus medos, a sua paisagembucólica, a singeleza das pessoase as relações entre si, o acreditarno demónio, num dos melhorescontos que compõem o livro, "ACruz da Caldeira".

Para rematar, diríamos que oMosteiro é uma freguesia a visi-tar na ilha das Flores.

Freguesia do Mosteiro com a rocha dos bordões ao fundo

Já lá vão mais de três décadasque conheci o Heitor H. Silva,quer pessoalmente, quer atravésdos seus "contos" para os perió-dicos faialenses, que infelizmen-te, e por razões que não vem ago-ra à colação, fecharam as suasportas; e logo aí me apercebi que,a par da sua actividade profissio-nal, era "um rapaz" (desculpa lá otítulo, mas caiu-me bem), que nãofaz como muito boa gente, mete acabeça na areia, e meia bola e for-ça; mas sim aproveita o poucodescanso que lhe resta ( e que ésagrado ) e vai daí puxa da "suaenxada" do dia-a-dia, e ainda ar-ranja forças para fazer uns"alinhavos", de escrita, claro!

Hélio Pamplona

Primeiro testemunhoAssim, na sua "carta ( quase )

circular" convida-me, o que mui-to me honra, para colaborar na suanobre e oportuna iniciativa de pôra circular (sic) uma (s) edição (ões)de notícias corriqueiras que vão aoencontro da comunidade do canal.

Como todos sabemos, a im-prensa diária do Faial está a atra-vessar uma fase menos boa da sualonga existência, e como sou umapessoa que não gosta de dizer"não", a alguém por quem nutroamizade, aqui estou trazendo umtema que tem actualidade "todosos dias" e que diz respeito, umpouco, a todos os faialenses: o"Stress Pós-traumático".

Pelo Dec. Lei nº 50 / 2000, foiinstituída uma Rede Nacional deApoio a todos aqueles que sofremdo Stress Pós-traumático, por ex-

posição a cenários de guerra! Alémde ser uma Lei "muito simpática",na prática pouca protecção tem e,mais grave, não tem resultadospráticos no todo nacional.

Diz-se na Lei que "materiali-za o reconhecimento que a Naçãoconfere aos que, no cumprimentodos seus deveres militares, foramexpostos a situações causadorasde trauma psicológico, que sereflectem em sofrimento genera-lizado e que em determinados ca-sos evolui para a cronicidade"!

No seu artigo 2º (Atribuiçõesde Rede), diz "são objectivos darede de informação, identificaçãoe encaminhamento dos casos e anecessária prestação de serviçosde apoio médico, psicológico esocial, em articulação com o Ser-viço Naciona de Saúde.

Ora, na prática nada de seme-lhante acontece. A Associação deex-combatentes da ilha do Faial,única Instituição juridicamenteconstituída na Região Autónomados Açores, e considerada de"Utilidade Pública por despachode sua Excelência o Presidente doGoverno Regional dos Açores, a14 de Novembro de 2006, já ofi-cializou à Secretaria Regional daSaúde e Segurança Social, no sen-tido de consertarmos uma situa-ção de disponibilização dum pro-fissional da área do "Stress Pós-Traumático", mas nunca teve aresposta adequada do seu titular,que tem demonstrado alguma in-sensibilidade para o assunto.

A Associação tem em constru-ção a sua sede social, que com-portará um gabinete médico, só

que de titular ainda é uma mira-gem; ou melhor uma situação"manca" do Senhor Secretário.Mas como a esperança é a últimaa morrer, e os ex-combatentes sãopacientes, tenha-se fé de que aque-le governante descerá do seu pe-destal e virá ao encontro do "povohumilde"!

Caro Heitor, é óbvio que mui-to mais teria que dissertar, mascomo tenho esperança que outrosbons dias virão, quero simples-mente dizer-te que sempre sentiadmiração pelo que fazes. Conti-nua com o teu nobre projecto, econta com a colaboração desteamigo que está disponível a ir paraa luta em prol da nossa comunida-de. Um abraço do Hélio Pamplona.

[email protected]

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 7

Depois de uma refeição decoisas más para a saúde - que oMateus, que tem 10 anos, devo-ra deliciado - a TAP sobrevoajá a primeira pérola do triângu-lo. Na careca de são Jorge, algu-mas vacas pastam, como piolhosretardatários…

E a seguir o Pico.O matiz de urze e faias, lado

a lado com os currais de vinhase figueiras ancestrais, emociona-me. Ouço na minha memória umcantar ao desafio.

Na viagem, vim lendo o li-vro A Combinação dos Alimen-tos e dei algumas espreitadelasaos cabeçalhos dos jornais dis-tribuídos pelas hospedeiras, ondepara além do futebol, quase sóse falava na crise alimentar mun-dial - "que os carros vão comera nossa comida".

Ao desembarcar, reparo queestá tudo igual, menos o chão.Muito mais betão, muito menosterra, e automóveis por tudo oquanto é sítio humanizado.

Quando o olhar de algunsconterrâneos se cruza com omeu, não o consigo decifrar. Háuma espécie de revolta, nal-guns, por terem permanecidono calhau. Sinto-me intimidada,como que pecadora, por vir defora para dentro.

Mas ninguém imagina as di-ficuldades que estou a passar naaltura. Sem um tostão, a contabancária em negativo há quase15 dias, e sem comida, porquenão sou agricultora.

A crise rosna ameaçadora-mente na minha vida, rosna emorde. Esfrangalha-me a confi-ança, como um cão esfaimado.

Se não fosse a solidariedadedos amigos e a Câmara da Hortaa me convidar para uma exposi-ção, não sei o que seria do quedepende de mim.

Os dois dias seguintes são deluta, na minha Casa Preta domato em Santa Luzia:

- Não há gás, electricidade,carro, água canalizada, vizinhosou telefone.

À luz de velas e da lua, a noi-te é atroz, com dificuldades res-piratórias do Mateus.

Ficamos toda a noite acorda-dos, assistindo à luta ferina en-tre a esperança e o medo no fioda navalha. O espírito de aven-tura que trazíamos foi-se. Eletenta respirar quanto lhe baste eeu tento tranquilizá-lo, escutan-do cada sibilar, cada golfada,uma a uma, até que os melrosacordem o sol - cada vez quelhe falo em hospital, ele piora.

Na noite seguinte, como a hi-pótese de ficarmos na casa daminha irmã foi veementementerejeitada pelo Mateus, mantemoso esquema residencial, confian-

do nas melhoras. Mas repete-sea tormenta, só que desta vez tam-bém faltaram as velas.

Pego no meu filho ao colo -que ele não consegue andar, como cansaço - e vou 100 metrosabaixo, à luz da lua, para chamaruma ambulância. Mas ele fica tãonervoso com a ideia que volto a

subir tudo na mesma e ficamos oresto do tempo à espera que anoite aluarada se esvaia no dia.

*Esta passagem verídica e re-

cente, fez-me perceber o que pas-saram os nossos avós e pais e oque passam muitos povos ainda.

Podia nunca mais querer sa-ber do mato, e o Mateus pior ain-da, pelo que passou.

Mas, ao contrário, somoscada vez mais naturalistas.

Na nossa pequena vivendaIlha do Pico, em Palmela,começámos a cultivar o quintal,enquanto gulipo sem tréguas oque há escrito sobre alimentação,saúde, recursos e alternativas aodescalabro industrial.

Há muitos anos que estou en-tusiasmada com o naturismo, ci-ente de que a monocultura e oprocessamento dos alimentosnão é sustentável ou saudável.

Muitos gostam de me chamarradical, pensando que me estãoa chamar tipo nomes feios, masa palavra radical muito me lison-jeia - neste dicionário do

Microsoft Word, sinónimo de ra-dical: fundamental; essencial;completo; total; integral; profun-do; decisivo, por exemplo - eluto comigo mesma para memanter radical, pois é muito maisfácil não o ser, numa época comoa presente.

Se na viagem para o Pico lia

a combinação dos alimentos,logo que cheguei cá tive acessoao livro extremista do professorN. Capo, que diz - num textoque à primeira vista parece mes-mo nazista - : " Ódio aos quetêm o ventre cheio de carne po-dre (…) aos que têm ácido úriconos tecidos, humores maus, de-tritos, produtos de fermentação,substâncias estranhas…"

Este naturista furioso adver-te o leitor para o perigo da ali-mentação moderna. No ver dele,tudo deveria ser comido cru enunca em misturas absurdas. Sófrutas - sobretudo o limão! - evegetais.

O mesmo naturista relata osucesso de um casal russo - sen-do ambos trabalhadores do cam-po e vegetarianos - que come-mora - e isto por volta de 1930 -o seu 102º aniversário de casa-mento, contando ele 126 anos eela 128!

Mas o pior vilão dos alimen-tos, dizia ele, seria o açúcar bran-co, bem como as farinhas alvas,margarinas e outras conservas,

por sofrerem processosinimagináveis na tortura indus-trial.

Muitos são os que aceitamque o alimento é um ser vivo emsi. Desde o congelamento até aoforno, o produto vital vai perden-do as características que o fazemsê-lo, até que muitas vezes, se-

gundo, por exemplo, oDr. Hay - que criou tam-bém um método alimen-tar maioritariamente devegetais e frutas devida-mente frescos e combi-nados - se transformanum produto morto,quase putrefacto, que,principalmente se formisturado com determi-nados alimentos, podecausar reacções menosfelizes no nosso organis-mo.

Na roda dos alimen-tos cresce a fatia dosvegetais e frutas, mas aindústria alimentar cadavez nos impinge maisa l i m e n t o sdesvitalizados, numaansiedade ditatorial.

Por aquilo que tenhoaprendido, estou em crerque, mesmo havendo al-gum pó e emotividadepelo meio, a comidahigienicamente servidano ar pode bem ter con-tribuído para a tal criserespiratória do Mateus.

E o que tem a Ave-nida Marginal e os seusestimados leitores a vercom isto?

- Estão vivos, numasilhas plenas de condições para asaúde, onde as doenças aumen-tam.

Os hospitais deviam estarcheios de gente saudável, aaprender a manter a saúde. Isso

A ilha do tesouro e os piratasFátima Madruga

Três solteiras e uma casada - Fátima Madruga

é que era o progresso.E o relvado do jardim devia

ser flores e couves, cenouras, sal-sa e hortelã e a maioria das árvo-res que ocupam o nosso limitadosolo deviam ser de frutos.

As nossas ilhas têm um poten-cial imenso, em matéria agríco-la.

Santa Maria chegou a acudirao Continente, fornecendo-lhe tri-go, em tempo de crise, li algures.

Frances Moore Lappé, no seulivro Dieta Para Um PequenoPlaneta, fala da sua conversão aovegetarianismo por ter visto quese podem conseguir boas proteí-nas através de combinações ex-clusivamente vegetais.

O solo que podia conter cere-ais, vegetais e fruta, está ocupa-do com pastos, e nós a comer osanimais industrializados emquantidade e condições que leva-rão a desequilíbrios - a pecuária ,pela libertação do metano, é umadas grandes causas do efeito deestufa, lê-se em Salvemos a Ter-ra.

O nosso inhame biológico éuma riqueza inestimável!

Nós comemos aqui uns deli-ciosos inhames do Pico como sefosse sobremesa! Que paladar,que conforto estomacal!

Do que é que os açorianos es-tão à espera? Toca a pensar naagricultura alternativa biológica.

A Era dos químicos e das va-cas já era!

Vamos pensar futuro!As ilhas do tesouro existem e

o tesouro também. Cabe-nos de-semaranhar o mapa e descobri-loantes dos piratas.

Funcionários, donas de casa,artistas e desempregados, vamosagricultar! A terra é a nossa mai-or amiga.

Vivenda Ilha do Pico em PalmelaCom amor, vossa Fátima Madruga

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8 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

após uma viagem de longocurso, a bordo de uma das maisavançadas aeronaves – o AirBusA330, avião de grande porte, dealta tecnologia e elevadasofisticação.

A aproximação era algoturbulenta, o que fazia adivinharmais uma aterragem para ahistória, e a visibilidade eradiminuta, não permitindo ver asilhas de São Jorge e Pico, com asua montanha majestosa, única,e, espante-se, já era atéconhecida como o ponto maisalto de Portugal, após a erosãoda Serra da Estrela, que atransformara num inglórioplanalto inóspito e frio, mas nãosuficientemente frio para gelar...

enfim, o azar de uns, era a sortedos Picoenses, que finalmente,haviam deixado de ser a ilha doFuturo, para ter a sua estânciade esqui.

De repente, e com visibi-lidade zero..., aterrámos, parasurpresa geral, e palmas, muitaspalmas, numa aterragemirrepreensível, apoiada porinstrumentos geo-referenciadospor satélite, na nova pista de2400 metros Feteira - CasteloBranco, reorientada, segura edespenalizada... Era a primeiragrande novidade de um FaialNovo.

Saímos do avião directa-mente para a Aerogare pormanga, e nas Chegadas, o meuespanto era geral, tal era aprofusão de balcões deatendimento, das rent-a-car aoPosto de Turismo, das Low-costaos Táxis aéreos, da Hotelaria àAnimação Turística, em queressaltava a Escalada no Morrode Castelo Branco apoiada por

teleféricos, o Centro deInterpretação do Vulcão comdescida ao centro da terra, etc.,etc.

Mas estava ávido por chegarà cidade, e apanhei o caminhomais rápido e curto – a varianteCastelo Branco / Praia doAlmoxarife, e não fosse estaratento à passagem do novoQuartel de Bombeiros, tinhapassado despercebida a saídapara a cidade, por sinal a mesmado Hospital, onde, para alémdas IVG, várias especialidadede 3ª geração o haviamtransformado numa referêncianacional.

Na aproximação à cidade,passei pelo novo Centro

Tecnológico de InvestigaçãoMarinha, onde funcionara aantiga Fábrica do Peixe, que,com a construção da ciclovia daFeteira á Praia do Almoxarife,havia criado novos terraplenosno porto do Alcaide, com umbonito Passeio Marítimo e ondeaportavam vários barcos deinvestigação oceanográfica...Respirava-se Tecnologia!

Mas o que se teria passadono novo porto da Horta?Aproximava-se o porto, e odesvendar desta minhacuriosidade... Mas, e o que eraisto???

Porto Pim havia-se trans-formado completamente, com abaía calma e segura a espelharo contorno da Montanha doPico nas suas águas límpidas,com os raios de sol a romperemaquele irritante nevoeiro quenada deixava ver, e, lá ao fundo,a Bandeira Azul desfraldava-seao vento, para delírio dospoucos banhistas, que se

000 – Horta Nova!deleitavam no areal, nasesplanadas, no pontão flutuanteque conduzia ao ParqueAquático,de lazer e diversões...

As águas haviam sidodescontaminadas, após aconclusão da obra doSaneamento Básico, quetransformara por completo acidade, com a sua requalificaçãourbana, com ruas interditas aotrânsito, prioridade aos peões,esplanadas com animação, quelevavam pela noite dentro ascentenas de turistas que,permanentemente, enchiam adúzia de unidades hoteleiras, quehaviam aproveitado algum domelhor património arqui-tectónico da cidade e arredores,

bem assim o Campo de golfe novale.

O Eco-Turismo desenvol-vera-se, e havia trazido maisriqueza às explorações agro-pecuárias e à Aquacultura, emcerca de 40 pequenas unidadeshoteleiras de grande qualidade,e de carácter familiar, com 30quartos cada, num total de 2400camas de excelência, a par das1600 tradicionais, ofereciam4000 camas faialenses.

O Faial, com a classificaçãodo seu porto, e com o estatutode “Ilha Ecológica”, havia-setransformado num destinoturístico de alta qualidade,promovido e divulgado,preferido pelo jet-set inter-nacional, que, nas diversasQuintas de Agro-Turismo, comperímetros de segurançainultrapassáveis, recarregava asbaterias, longe dos “paparazi”,quer pela insularidade, quer pelaforça dos agentes de segurançaprivada. Deixara para trás os

jactos particulares estacionadosno Aeroporto, na parte Poenteda antiga e desactivada pista,onde por vezes o transporte porterra era preterido, em favor daslanchas rápidas ou helicópteros.

Mas o Porto aproximava-se,já surgiam os mastros dos iates,aqueles que nos deramnotoriedade internacional, e láestava... a baía enorme, calma,tranquila, cheia de embarcaçõesfamiliares, a par das maisestranhas e surpreendentes...

A bacia Sul destinava-seexclusivamente a Passageiros, ànáutica de recreio, das velas aosmega iates, em que osEntrepostos haviam sidoreconvertidos em Hangares deReparação Naval especializada,de apoio ao Centro de Estágiosde Alta Competição Atlântica...No antigo cais comercial, umenorme paquete descansavadois dias, enquanto os seusturistas se passeavam pelas ilhasdo Triângulo, observandobaleias, peixes e golfinhos,submergindo em submarinospanorâmicos... No antigoparque de contentores, umaenorme parque fechado de iates,que aguardavam a próximaépoca, para os seus donoscompletarem as suas travessiasoceânicas, em permanentescharters expresso, comtripulações contratadas.

Uma das grandes surpresashavia sido a relação Mar –Terra, em que, finalmente, acidade se havia virado para omar, sua maior fonte de riqueza,em que o comércio tradicionalse revitalizara, reorientando asua actividade para umapopulação de 18 mil residentes,acrescida de 4 mil flutuantes,num total de 22 mil consu-midores, com poder de compra,graças a uma injecçãopermanente de capitais.

Na Frente Mar, sobressaíaum notável areal e passeiomarítimo. Na cidade, uma faixade 50 metros, havia sidoclassificada como Área deinteresse Turístico, comprioridade aos peões, emactividades de Animação,Comercial, com destaque parao Artesanato e produtosecológicos, de alta qualidade,com um assinalável valoracrescentado, que, nas Lojas doTriângulo e das RegiõesDemarcadas das Freguesias,vendiam e exportavam umaprodução certificada, comcomercialização assegurada.

Mas, e as cargas, e as pescas?Haviam desaparecido. Sim,haviam desaparecido da BaciaSul. As cargas haviam sido

transferidas para a Nova BaciaNorte, com menores exigênciasnas manobras marítimas, commenores fundos, em naviosexpresso, directos de Lisboa eLeixões.

Mas que barulho infernalseria este? Era o da perfuradorado túnel Alagoa – Praia doAlmoxarife, acesso privile-giado e directo à nova VariantePraia do Almoxarife – CasteloBranco.

As pescas foram inseridasno novo Porto do Alcaide,integradas na InvestigaçãoOceanográfica, numa relaçãopróxima entre a excelência doconhecimento e a arte da faina,complementado por um núcleode pescas no Varadouro, emarticulação com a EstânciaTermal.

Todas as freguesias faziamparte do Plano de Desen-volvimento do Faial, e haviamsido contempladas com Mini-planos Estratégicos para a suaauto-suficiência económica,com Flamengos a assumir oAmbiente, Praia do Almoxarifeo Turismo, Pedro Miguel aGastronomia, Ribeirinha aPesca, Salão o Artesanato,Cedros a Indústria, Praia doNorte a Vida Saudável, Capeloo Vulcanismo, Castelo Brancoa Agricultura, Feteira aTecnologia, num planointegrado de fixação dapopulação nas freguesiasrurais.

Mas, afinal, a quem se deviao mérito desta mudança,reposicionando o Faial naoferta regional, propor-cionando aos faialenses umamelhor qualidade de vida,graças ao grande poder deatractividade do destino Horta– porta de entrada noTriângulo.

A resposta, foi simples esurpreendente!

Hoje, em 2017, comple-tavam-se oito anos em que osnossos destinos haviam sidoentregues à gestão de cidadãosindependentes, que, emparceria com o regresso dosnossos cérebros e agenteseconómicos exteriores,conseguiram captar progra-masde investimento, deinvestigação e produção.

Mas teria o Faial sidovendido?

Não, apenas deixou de terum só patrão, e passou apertencer a todos nós, por nóse para nós!...

Palmas ou Assobios, para

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Horta baía com praia - ilustrada por António Machado

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 9

Quando era miúda, sofria deum terrível problema: não pare-cia portuguesa. Tão-pouco pare-cia outra coisa, a julgar pelo queas vizinhas diziam à minha avó"A sua neta parece estrangeira…Mas não sei bem definir de onde"ao que a minha avó, sempre mor-dazmente sarcástica, respondiaque "de outro planeta" seria a hi-pótese mais provável.

Depois, mais crescidinha - sebem que não muito, admito - tivevárias vezes discussões sobre oque fisicamente define o povoportuguês. Há até uma cançãodesse género a que o povo por-tuguês tão carinhosa e sincera-mente apelida de pimba que sechama "A bela portuguesa". Pormais voltas que dê ao miolo, nãofaço ideia do que seja uma belaportuguesa. Consigo, sem difi-culdade, imaginar uma bela an-golana, uma bela brasileira, umabela dinamarquesa, uma belanipónica mas criar um estereóti-po de bela portuguesa é-me im-possível.

Que têm os portugueses detão diferente dos gregos, porexemplo?

A minha tia que é loiríssima,alva de neve e com olhos aquáti-cos podia ser norueguesa e, se ti-vesse sardas e fosse um bocadomais dura de rosto e bem maisde formas, seria bretã francesa.O meu primo tem claramente acor de pele e as feições reserva-das e profundas do Médio Ori-ente (tal como uma boa parte dosportugueses, aliás…) e é costu-me olharem para ele de lado nosaeroportos dos Estados Unidos.Tenho outro primo que é mula-to. A minha irmã tem os olhosrasgadíssimos como as orientaismas a figurinha um pouco esqui-va de uma cigana húngara na ju-ventude… E por aí fora.

Entre as personalidades pú-blicas portuguesas, também háalgumas que, definitivamente,não têm ar de portugueses, co-meçando pelo Primeiro Ministroque é o político com menos carade português que alguma vez ti-vemos. Tanto Durão Barrosocomo António Guterres eram in-finitamente mais portugueses.Consigo imaginá-los saindo dapraia, abrindo os porta-bagagensdo carro onde estão lancheiras devime de onde retiram rissóis debacalhau (e respectivos palitospara o after-meal) que distribu-em pela família. Consigo pensarneles a distribuir amigáveis pipa-rotes pela criançada e a discutircom as bem amadas mulheresnos passeios dominicais de car-ro. Consigo vê-los de bandeiri-nha futebolística em riste. Têm,enfim, um certo ar português.

Foi o rosto do Primeiro-Mi-

Um certo ar de PortuguêsCarla Cook nistro actual que me levou a

equacionar o problema sobre ou-tra luz. Porque é que o PM nãoparece português? Tendo emconta que o símbolo do HomemTuga é o Zé Povinho, não se podedizer que o Eng. Sócrates possaser considerado um seu descen-dente simbólico… Atenção quenão estou a falar das roupagens,nem pensar, até pelos anterioresexemplos dados. O que distingueo PM, para além de um bom as-pecto congénito que, quer se gos-te dele ou não, é inegável e des-confio que foi o que lhe deu me-tade dos votos, é o seu ar adaeternum optimista. Quando sepensa no Português, pensa-se em

alguém cinzentão, saudoso e, so-bretudo, aflito. Quando pergun-taram a um empresário muito vi-ajado com negócios em Portugal(vide aquelas revistas de avião)o que caracterizava os portugue-ses, ele respondeu "um certoolhar triste", o que, embora poé-tico, não deixa de apontar para oeterno fado nostálgico da melan-colia.

Outro homem que não tem arde ser português é o MiguelSousa Tavares. Primeiro, tem tãobom aspecto que não tem medonenhum de ser negligée e daque-le olhar "estou-me nas tintas paravocês todos e ficando de saúde"ao contrário daquela absurda ne-cessidade de aprovação submis-sa tão cauda da UE; depois, por-que tem uma herança genéticamaterna que arrasa qualquer um,abençoada sejas Sophia. Comocorolário, escreve umas opiniõesque demonstram que tambémnão tem medo de dizer o que pen-sa (vide crónicas do Expresso).Só Deus sabe como foi casadotanto tempo com uma senhoramoralmente tão conservadora eexteriormente tão pãozinho semsal como a Laurinda Alves, mas,enfim, errar é humano, arrepen-der-se e arrepiar caminho tam-bém.

Voltando à vaca fria - apro-

veito para dizer que ainda nin-guém me soube explicar esta ex-pressão! - é muito complexo ca-racterizar fisicamente um portu-guês. Naqueles postalinhos daUnicef, onde há crianças de mãodada a dar a volta ao globo, fa-cilmente se percebe que a crian-ça alta e de socas de madeira é aholandesa, que o miúdo de pelecafé com leite e sombrero é o me-xicano, mas o português é quem?Mesmo os judeus, tradicional-mente apátridas, arranjaram ma-neira de se distinguir, sobretudose forem ortodoxos. Os Portu-gueses devem ser o único povoque bem podia ser outra coisaqualquer. Embora o Gabriel

Garcia Marquez fale de"pestanas portuguesas"que, suspeito, seremaquelas longas… lon-gas…

E, no entanto, quan-do estamos noutro país,qualquer português re-conhece outro só deolhar para ele. Ou não é?Mas eu diria que issonão advém tanto de ca-racterísticas morfoló-gicas, nas quais estámais que provado quesomos um imensocaldinho de raças (unsmais que outros, confor-me elas estão mais oumenos geracionalmentelonge) e ainda bem queassim é!, mas da tal ex-pressão no olhar.

Subjectivo? Claro que sim. Ou-tra coisa não se esperaria de gen-te multiracial.

Nos anos 50, um dos nossosantropólogos - Jorge Dias - de-bruçou-se sobre as "Caracterís-ticas do ser português", um textoque, apesar de polémico e discu-tível, nunca foi, até hoje, rebati-do nem actualizado por outro es-tudioso. São uma data de pági-nas interessantíssimas, todas elassobre o fundo temperamental, oque, enfim, constitui a personaportuguesa. Nem uma só palavrasobre características físicas.Como as podia ele fraccionar demodo comum?

Décadas antes, outro estudi-oso - Filinto de Figueiredo- com-pilou as "Características da Li-teratura Portuguesa". Mas, queme conste, ninguém achou, ain-da, um denominador comumpara o look português. Não valedizer que as senhoras têm ancalarga e os senhores têm bigodefarto, porque o último foi maisapanágio de uma geração queoutra coisa e a primeira podeacontecer em todo o mundo (ideà Martinica, ide e espantai-vos!).

Portanto, não me parece gra-ve que me digam que não pareçoportuguesa. Na verdade, ninguémdescobriu ainda o que isso é!

Bailarina - ilustrada por António Machado

Não muitos serão já os faialenses que recordam ou têm ideia daexistência duma base naval inglesa no porto da Horta.durante a 2ª.Guerra Mundial

Tempos de grande movimentação de pessoas e bens com a baía aabarrotar de barcos das mais variadas nacionalidades.

Trabalho para todos e abundância para muitos.A célebre e ainda por alguns lembrada "comida apanhada" per-

maneceu no léxico faialense como sinónimo de "negócios" em queos mais espertos lucravam à custa do "distraimento" ou ingenuidadede outros.

Uma época de grande euforia onde mergulham as raízes dos an-tepassados do nosso mítico "Peter" e em que os "Bensaúdes" e "FayalCoal" não tinham mãos a medir, quer como "ship chandelers" quercomo fornecedores de combustíveis e serviços de oficinas navais.

Estas e outras memórias vieram ao de cima quando alguém, atra-vés da ,agora popular, "Internet", tentava indagar do rasto dum tal"destroyer" inglês, o "Chanticlear", atingido por um torpedo e que,segundo o indagador, ficara "damaged beyond repair".

Na realidade, segundo se apura de alguns testemunhos da épocae as escassas referências que a "censura" permitia nos jornais locais,o "Chanticlear" terá mais tarde mudado o nome para "Hespérides" epermaneceu encostado à doca e fundeado entre o antigo plano devaragem e o cais defronte da antiga central eléctrica.onde funcionoudurante os anos da base, como comando, messe e dormitórios dopessoal adstrito.

Mas não termina aqui a saga do "Chanticlear/Hespérides".O jornal "O Telégrafo" de 11 de Março de 1946, já em pleno

rescaldo da existência da base naval, anunciava que "o navio foi

adquirido por portugueses desde o meio-dia de ontem e em vez dopavilhão inglês flutua já a bandeira nacional". e acrescentava "navéspera à noite o comandante e oficiais da marinha inglesa deramuma festa de despedida".

Nota curiosa: o comandante, oficiais e marinheiros ingleses nãopermaneceram nem mais uma noite a bordo e tiveram que aguardarembarque alojados numa casa em terra…

E o epílogo desta história tem lugar em Lisboa para onde o malo-grado barco foi rebocado pelo navio português "Corvo" com o fimde ser abatido para a sucata e os motores serem instalados no paque-te "Lima" da E.I.N.

Dias depois no mesmo jornal:Telegrama: - "Hespérides chegou Tejo quarta-feira 17 horas vi-

agem um pouco trabalhosa devido a ter rebentado o cabo reboquetoda a tripulação encontra-se saúde portou-se excelentemente nos-so comandante contribuiu incansavelmente bom êxito nossa viagemsaudamos nossas famílias e amigos - Tonin.

Memórias de um tempo desigual e de um Faial diferente.

Em tempos da base

naval inglesaCarlos Silveira

Rua Walter Bensaúde, nº 6

R/C 9900 - 142

Tel./Fax 292 392 155

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10 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

uma segunda volta ao mundo,mas desta vez com passagempelo Cabo Horn. Se assim o pen-sou melhor o fez. Em Agosto de2007, larga da Vila das Lajes doPico no seu veleiro Hemingway,único companheiro para os bonse maus momentos desta viagem.

É aqui que entro nesta histó-ria. Também com o gosto pelomar, mas menos aventureiro,logo percebi que esta passagemdo Genuíno pelo Cabo Horn, se-ria uma boa história para o pro-grama “Mar-à-Vista”, da RTP-Açores. Como ele, mal pensei,mexi os cordelinhos para concre-tizar a ideia. Preparei a minha vi-agem, também em solitário, evoei para a longínqua Ushuaia, acidade Argentina mais a sul,mesmo no extremo austral dofim-do-mundo, como também éconhecida esta região!!!

Combinámos as datas, com acerteza que passar o Cabo Hornnão é quando se quer. Enquantoaguardava o nosso marinheiro,fui reportando as maravilhas da-quela terra: o trem do fim domundo, que cruza as lindas mon-tanhas; os safaris de leões-mari-nhos e pinguins; as visitas aglaciares, etc.

Três dias depois, e à hora Hpara filmar o Hemingway que es-

tava no horizonte, aluguei umbarco local. A cerca de cinco mi-lhas, Canal Beagle afora, dá-se onosso esperado encontro. O Ge-nuíno erguia a bandeira dos Aço-res para a minha câmara. Embo-ra com o cansaço no rosto,espelhando a dureza da última se-mana, a chegada ao porto segurode Ushuaia dava-lhe forças. Jáatracado, no molhe de uma espé-cie-de-marina, gravámos relatosdas etapas da viagem, as boas eas amargas. Nos dois dias seguin-tes, visitámos e filmámos os pon-tos principais desta ilha giganteda Terra do Fogo.

Mas uma das piores aventu-ras do Genuíno estava ainda paraacontecer. Como sabem, o Genu-íno é escuteiro e em todas as pa-ragens convive e troca lembran-ças com estes agrupamentos. Umchurrasco, oferecido pelosescuteiros locais, levou-nos aohangar do aeroclube do Ushuaia.Carlos Smith, um oficial da ma-rinha Argentina, presidente doaeroclube, foi o nosso anfitrião.Aviões!!! Imagens aéreas… elogo ficou combinado: no dia se-guinte, voaríamos trinta minutos,para tentar filmar a Ilha de Horne as montanhas geladas que la-deiam o Canal Beagle. Convideio Genuíno para me acompanhar.

Ele olhou para o ar, sentiu o ven-to forte, encolheu os ombros eexclamou: - É melhor eu ficar emterra.

André Brandão, um pilotoportuguês da Euro Atlantic quepor acaso estava no Ushuaia depassagem, fez questão em cum-primentar o Genuíno. André nãoo conhecia pessoalmente, masacompanhava-o na sua viagem,através do seu site de Internet.Melhor ajuda o Genuíno não po-deria ter tido. O André tinha ti-rado o brevê num avião igual aoque estava reservado para a nos-sa aventura, um Piper Cherokeede 4 lugares. A aeronave foi logoclassificada como muito segura,e isso ajudou a convencer o Ge-nuíno a voar connosco. Tudo apostos e lá levantámos voo. As-sim que atingimos algumas cen-tenas de pés de altitude, o PiperCherokee parecia mais um papa-gaio de papel, do que um avião.Guinava em todas as direcções.Eu, de câmara ao ombro, lá iatentando tirar umas imagens.Sobrevoámos um pouco do Chi-le, para tentar filmar o CaboHorn, lá muito ao fundo. Quantomais nos afastávamos mais oavião sacudia. O Genuíno, cala-do, respondia com um sorrisoamarelo às nossas piadas. Quan-

do saímos do Piper o Genuínosuspirou de alívio. Olhou para océu e disse: - Lá em cima tam-bém se navega, mas eu prefironavegar cá em baixo.

No dia seguinte, Genuínocontinuou a sua grande aventurae eu regressei aos Açores, commuitas imagens para ilustrar oprimeiro programa da 5ª série doMar-à-Vista. Antes de nos des-pedirmos combinámos novasaventuras. Em Dezembro próxi-mo, agendámos um encontro na

África do Sul. Nessa altura, gos-tava de proporcionar ao Genuí-no um mergulho com os grandestubarões brancos, que patrulhamaquelas águas produtivas. Ficadesde já aqui o convite. Caso sejaaceite o próximo episódio destasaga será intitulado "Genuínocom o Rei dos Mares".

Para o amigo Genuíno dese-jo bons ventos para a travessia doPacífico e do ameaçador Ocea-no Índico.

Genuíno Madruga dobrando o Cabo Horn por Eduardo Garcia

Percorro a avenida de lés alés, com a velocidade que o pen-samento permite e a saudade queo coração aguenta. Já lá vai qua-se um ano que não lhe sinto a cal-çada, nem lhe gabo a vista. Masnem por isso deixei de lhe chei-rar o ar de maresia, de lhe ouviro estalar das ondas no paredão,ou de me arrepiar com ossalpicos daquele mar.

Mesmo de olhos fechados,consigo sentir o rossio no ar e osalitre na pele. Mesmo de olhosfechados, consigo saborear o sal-gado dos lábios, que incessante-mente pedem água para matar asede. Só que esta sede não semata apenas com água, porque adoçura do líquido não extinguea sagacidade da alma, que nãodorme sequer a pensar no que ocorpo lhe pede.

Mas será que pode o corpopedir o que a distância não deixa

O poder dessa avenida

ver? Pode a alma sofrer com aausência do que não tem? Nãosó pode, como exige, como an-seia desesperadamente. Como sedisso dependesse a sua existên-cia. Como se todo o mundo nãobastasse para a saciar. Como sea força do mar sugasse a seivado corpo e dele fizesse uma pe-dra de sal, pronta a desfazer-seao mais pequeno estremecer.

De olhos abertos, percorro oTejo, o Sado, o Douro, o Sena eaté o Tamisa. De olhos abertos,vejo o mar de Sesimbra, deSetúbal, do Algarve, do Mediter-râneo e até do Adriático. Mas,por mais que abra os meus olhose desperte os mais profundossentidos, não consigo captar oque os meus olhos vêem quandoestão fechados, pairando sobre amarginal dessa inquieta avenida,que insiste em mergulhar no martodos os meus pensamentos evontades de ser.

[email protected]

Lídia Bulcão

No ar também se navega

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Interessante a forma comosurge o projecto Avenida Mar-ginal, associado à necessidade dese escrever e falar das coisas. Es-crever e falar de nós. Falar davida. Das coisas positivas quenos rodeiam e que nos impulsi-onam constantemente para afrente.

Vivemos momentos que nosmotivam para exercer uma cida-dania activa. A considerar diver-sas perspectivas. A sentir o fu-turo. O futuro que todos deseja-mos para os nossos, os queconnosco diariamente partilhama Ilha e aqueles que nos visitam,sejam eles familiares ou amigos.

Para além do natural e nor-mal desejo de maior desenvol-vimento económico, interessaainda salvaguardar a qualidadede vida que hoje possuimos. De-fendo esta ideia com convicçãoe certeza que será o melhor paranós. Interessa pois assegurar oequilíbrio entre o aumento da po-pulação, o crescimento e desen-volvimento económico e sociale a salvaguarda de valoresambientais.

É natural que se conheça ecompreenda as dificuldades dequem ainda não tem uma habi-tação condigna, independente-mente das razões que subjazem.Pelo menos aquela que promo-veria um estável ambiente fami-liar. Asseguraria a liberdade deser e estar da sua família eperspectivaria um futuro melhor.

É compreensível que se sintaas dificuldades das famílias em

compreender e acompanhar osseus filhos. Porventura algumas.Ou demais, talvez. Écrescentemente preocupante.

É confrangedor aceitarquem diz não ter possibilida-de em acompanhar os filhos à

escola. E nesta.É proposta necessária que a

cultura seja para todos, sobretu-do promovida, realizada ecentrada nas expectativas co-muns. Os equipamentos existem.Há que aproximá-los das pesso-as. Todas as pessoas.

É fundamental partir da Ilhae chegar ao mundo, sem que fi-que a ideia de que estamos a vi-sitar um qualquer outro lugar.Quer se chegue e se parta. Pelomar ou pelo ar. Quer se fiqueou se vá.

É importante que o acesso aosserviços de saúde continue a serpautado pela cordialidade,profissionalismo e espírito deserviço de quem tem o coraçãonas mãos. Para oferecer ou rece-ber.

É indispensável que circule-mos nas nossas estradas com ra-pidez e comodidade, sem perdero gosto do comum passeio defim-de-semana. E como continuaa ser interessante e oportuno opasseio de fim-de-semana!

É prioritário que os faialensesencontrem a melhor solução paraque nos deleitemos com avisualização da baia, daEspalamaca, do Monte da Guiae do sobranceiro Queimado e davizinha Ilha do Pico ao fim deuma qualquer tarde.

É imperioso que a Escola semantenha no centro da Ilha, nocentro de nós como motor do de-senvolvimento intelectual e hu-mano. Porque se quer escolasnovas e renovadas, também do

seu interior.Olhando por esta jane-

la aberta ao mundo, acre-dito no triângulo, nas suasgentes e na potencialidadede que o princípio de quetrês farão mais e melhor doque um continua válido.

Desejo muito mais queum já evidente sucesso aoAvenida Marginal. Desejoque nos seja útil. Que sejaum projecto de todos e paratodos. Associo-me de boavontade, à vontade do meuamigo Heitor.

É por tudo isto e muitomais que vale a pena cola-borar com o Avenida Mar-ginal. Sem preconceitos.Sem esperar outra recom-

pensa que não seja o do sentirque se cumpre um dever. Umdireito. O de expressar uma opi-nião. O de exercer constante-mente a vontade de ser ilhéu eao mesmo tempo um cidadão do(no) mundo.

O falar das coisas.

O falar de nós.José Manuel Braia Ferreira

Estou a escrever-te dos Esta-dos Unidos da América, maisconcretamente de East Provi-dence, onde resido há mais dequarenta anos, como bem sabes.

Ouvi a um velho e comumamigo ( o Mário Vidinha, que jo-gou no Faial Sport nos anos ses-senta, recordas-te?), que moraaqui ao meu lado, que estavaspreparando um novo jornal parasair aí na Horta este Verão. E queo mesmo iria abordar algunstemas relacionados com as nos-sas raízes e com as nossas me-mórias.

Sou, como tantos outros mi-lhares de Faialenses, um filho daemigração que o Vulcão dosCapelinhos, a comemorar os seuscinquenta anos de intensaactividade, atirou borda fora.

O Faial era uma terra pobremas airosa e com gente de pou-cas letras mas honrada e empre-endedora. Durante muitos anosombreámos com a Terceira e SãoMiguel, e até mesmo com a ilhada Madeira, ao nível desportivoe cultural.

Depois foi a emigração ma-ciça para outros continentes, so-bretudo para os Estados Unidose Canadá, o despovoamento ace-lerado da ilha, a fuga de tantos etantos faialenses aproveitando aporta aberta pelo vulcão para fu-gir à pobreza, primeiro, e, maistarde, à guerra colonial.

Agora que tantos anos se pas-saram sobre todos aqueles acon-tecimentos voltamos (se volta-mos, e quando voltamos) às ilhase não podemos deixar de consta-

tar o enorme esforço que tem sidofeito pelos açorianos na constru-ção do seu futuro. Os Açores sãohoje um orgulho para todos nósque vivemos longe e que nos en-chemos de enorme e intensaaçorianidade quando falamos aosoutros da nossa linda terra.

Meu estimado amigo, aplau-do a tua iniciativa e espero, mui-to sinceramente, que ela tenha su-cesso e que contribua para quepossamos, ao revisitar o passadoe conhecendo-o melhor, compre-endermos o presente e construir-mos um futuro radioso para osque atrás de nós já aí vêm.

East Providence, 10 de Junho 2008

José Goulart da Silva

Cartas ao Director

Meu caro amigo

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12 • Avenida Marginal • sexta feira 4 de Julho 2008

"As meninas de SantoAntónio", em dias de procissãoou de exames liceais, apareciamna cidade como se um divinomaná tivesse caído do Paraísopor descuido Celestial ou por sa-botagem do matreiro Cupido.

De arzinho virginal, empare-lhadas duas a duas, escoltadaspor pressurosas "Irmãzinhas" dehábitos cinza claro, certinhas nopasso, cautelosas nos olhares, desorrisinhos disfarçados, desper-tavam-nos assolapadas paixões,sonhos de amores perfeitos,inconfessos apetites, de tão bo-nitinhas que eram, madurinhasque nem ginjas oriundas dessasilhas. Seguíamo-las então nos gi-ros das procissões e demais per-cursos, saindo-lhes pela frente acada esquina, até às redondezasda íngreme ladeira com nome doSanto casamenteiro, que levavaao respeitável Colégio, lá noalto, onde, como internas, vi-nham fazer seus estudos paratranquilidade dos "Papás", que,saudosos, as aguardavam nosperíodos de férias.

Assim se iam elas então deTerra Alta, de StºAmaro ou deEspírito Santo para as ilhas maispróximas, de Ponta Delgada, noLima ou no Carvalho Araújopara as mais distantes, por entresuspiros e ais, lencinhos bran-cos a abanar, promessas de amoreterno, que uma ou outra lágri-ma ajuramentava, tal como asromânticas cartas que a miúdechegavam, tantas delas com res-posta, outras tantas esquecidas,sobretudo com os calores daslongas férias estivais.

Foi, porém, pelos friosinvernais que se deu aí um casosério, que mereceu queixa poli-cial e pedido de desculpas for-mal.

Estava-se então num primei-ro de Janeiro dum ano novo desessenta e poucos, quando, aoprincípio da noite, como era cos-tume, nos juntámos no Interna-cional para o cafezito, o dominó

A Benção EpiscopalJorge Diniz ou a cavaqueira em tom

"moderato" para não incomodaros cavalheiros mais velhos, ca-tedráticos, eles sim, do dito jogoque por vezes gerava entre elesestrondosas discussões de qua-se desabar o céu e às quais nin-guém se opunha, quando, emjogatana de pares, algum parcei-ro jogava a pedra errada, comodaquela vez em que faltava umdos "habitués" e convidaram oJoão Fraga, do nosso grupo,para emparelhar com o enormee volumoso Gaspar burro que,a certa altura, puxou para trás onegro chapéu de feltro a condi-zer com a vestimenta de viúvode longa data e deu um berro detal ordem que por pouco o Cafénão caiu, quando o Fraga, inte-ligente e sagaz, no seu estiloanárquico que lhe permitia de-sorientar parceiros e adversári-os e até mesmo o Zé Mário queconhecia de cor as pedras dosvários dominós, jogou proposi-tadamente a pedra errada paradesestabilizar o jogo. Foi "o fimda macacada" e a forma suigeneris de nunca mais o chatea-rem!

Chateados estávamos todosum pouco naquela primeira noi-te do ano novo, mal dormidosde véspera, tropa às canelas,"Áfricas" à vista, futuros incer-tos, quando, "sem mais aque-las", o Honorato, "o Furtadinho"para os mais íntimos, com aque-le ar pachorrento e finíssimosentido de humor, sinónimo deinteligência, se levantou a cami-nho do telefone junto à antigaporta do Internacional, que osaudoso Mário Banza, de librébranco e cabelo cuidadosamen-te penteado lhe facultou com umsorrisinho cúmplice, que lhe fa-zia subir ligeiramente oaparadíssimo bigode "Gablestyle". Nenhum de nós fazia amais pálida ideia a quem iria te-lefonar o "Nosso Amigo", tan-to mais que nem era seu hábitoandar pendurado nos telefones.Aguçada a curiosidade,rodeámo-lo, o que o fez levar oindicador aos lábios em comum

sinal de "pouco barulho".Ouvimo-lo, então, em simu-

lada voz grave de pseudo tele-fonista, perguntar se era do Co-légio de Stº.António e, obtida aconfirmação, dizer tratar-se deuma chamada da Diocese deAngra, do Sr. Bispo para a Ma-dre Superiora, ao mesmo tem-po que provocava com os de-dos ligeiros estalidos no bocaldo telefone, simulacro dos ha-bituais ruídos das chamadas in-terurbanas da época.

Boquiabertos ou de sorrisoscontidos, aproximámos mais osouvidos e, enquanto apercebía-mos do outro lado grande alari-do de vozes a dizerem chamema Madre, chamem a Madre queé o Sr. Bispo, aguardámos,expectantes, o que iria sair dali.Ouviu-se então uma pressurosavoz feminina de sotaquenortenho a dizer "estou", a quese seguiu do lado de cá em tom"delicato" masculino um "Ma-dre!?" seguido dum suave"sim!?" quase celestial do ou-tro lado, ao qual o safardana doFurtadinho armado em bispo,com a calma que lhe era habitu-al, acrescentou: daqui fala Ma-nuel Afonso de Carvalho, bis-po d'Angra. Do outro lado ou-viu-se a solicita Madre pergun-tar a que se devia a honra doepiscopal telefonema, ao que o"caseiro bispo" respondeu quelhe vinha desejar a ela, às de-mais irmãzinhas e educandas docolégio, um feliz ano novo,cheio de saúde e paz, com a bên-ção do Senhor. Seguiram-se asretribuições e os mútuos agra-decimentos e o desligar do tele-fone. Aí desmanchámo-nos to-dos porta fora, porque numa dasmesas dos "catedráticos dodominó" jogava o Sr. RaimundoLemos "das laranjadas", ao tem-po provedor do Colégio, onde,soubemos depois, teria havidogenuflexão para receber a " bên-ção episcopal".

Dias depois, acabadas as fé-rias, regressada boa parte das"Meninas", reabertas as aulas edescoberta a marosca, esperava-

nos ao fim da rampa do Liceu opolícia Almeida, "Detective Ba-tata", que nos arrebanhou a to-dos para irmos "à Esquadra",por ordem do Sr. Comandanteque, empolgado com a lição demoral que julgou importanteaplicar para tão grave atrevi-mento, nos deu ainda por casti-go o pedido formal de descul-pas à Madre e demaisIrmãzinhas.

Nunca nos passou pela ca-beça castigo tão a preceito! Aosseis ou sete participantes nabrincadeira, juntaram-se maisdo dobro, só para terem a opor-tunidade de entrarem no colé-gio e poderem, com alguma sor-te, catrapiscarem alguma dasMeninas dos seus encantos, oque de facto aconteceu enquan-to a Madre, de estudado ar aus-tero e carregado sotaquenortenho, nos dava o seuraspanete e recebia as nossas se-dutoras desculpas, aproveita-vam algumas delas para passa-rem pelo corredor, junto à por-ta de vidros, com arzinhoangélico e sorrisinhos de desa-fiar.

Porta fora, foi um gozo atéao Internacional, onde todosconcluímos que só podia tersido o Sr. Raimundo Lemos adescobrir-nos a careca, raciocí-nio que até há bem pouco tem-po nos acompanhou a todos,não fora terem-me convidadopara o lançamento de um livrosobre o Colégio, onde minhaMãe fora a primeira aluna ex-terna, escrito por uma antiga"Menina" das Flores. Permitiu-me assim a ocasião cumprimen-tar algumas das "Imãs" e, den-tre elas, uma de mais idade, vin-da de propósito do continentepara a cerimónia, que com arsorridente e sotaque nortenhome perguntou quem eu era. Di-plomaticamente e sabendo jáquem ela era, respondi-lhe sor-ridente: sou um dos piratas queaqui lhe veio pedir desculpapela falsa "Bênção Episcopal".Recebi então um abraço tãoapertado e um beijo em cada

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face dados com uma alegria tal,que só a sabedoria que o passardos anos nos ensina, permitetransformar momentos de reen-contro como aquele, em mo-mentos únicos de saudade detempos e episódios da vida, so-bre o quais somos então capa-zes de falar divertidamente.Confessou-me a enorme von-tade que sentiu de abandonar oar austero e de rir connoscoquando nos fomos desculpar e,quando lhe falei no Sr.Raimundo, contou-me não tersido ele a descobrir-nos a care-ca, como sempre julgáramos,mas sim certa "MeninaCorvina" a quem o irmão maisvelho que parava pelo Interna-cional, para catrapiscar a filhado Gerente da Caixa Geral deDepósitos, contara aespectacular marosca, que elade pronto "bufou". Obviamen-te que hoje, com a sabedoriados tempos, lhe perdoamos apidesca atitude.

PS- Em memória do"Furtadinho" e do MárioGregório, saudosos Amigosque trago no peito e que tãocedo nos deixaram.

À respeitável Irmã, outroraMadre, a quem prometi deixarescrita a saudável patifaria da"Bênção Episcopal".

Ao Humberto Amaral, aoZé Mário e ao João Carlos Fra-ga, companheiros desta e dou-tras faenas, com a amizade desempre.

Em tempo de comemora-ções, ao Colégio de SantoAntónio, instituição de que to-dos nos orgulhamos, da qual fuitambém um dos poucos alunosexternos. Ao seu CorpoDirectivo e a todos aqueles queo dignificam e perpetuam notempo com o seu trabalho eempenhamento.

A Stº António, que no seutempo dizem ter sido matreironesta coisa de "Meninas,"paraque nos perdoe agora, com asua santidade, a saborosapartidinha de outrora.

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 13

Em Portugal, o Sindicato dostrabalhadores bancários começa-va a aumentar de importância,angariando maior número de as-sociados e desenvolvendo acçõespolítico-sociais que seprojectavam, não só ao nível dosindicalismo português, mastambém no ambiente geral, bas-tante efervescente, que se viviaentão no País.

Esta evolução devia-se, so-bretudo, à liderança carismáticade Daniel Cabrita e companhei-ros de luta, os quais arriscandoas suas vidas profissionais, resis-tiam denodadamente àsinvestidas, quer das polícias,quer das entidades patronais dosector, tendo em vista desacre-ditarem os movimentos de clas-se e, mais ainda, aquele que, as-sumindo a vanguarda, entre osdefensores dos direitos funda-mentais, se distinguia pela suaforça.

As acções desenvolvidas porDaniel Cabrita, a partir de 1969,repercutiram-se de tal modo que,depressa, a PIDE, decidiuprendê-lo, no intuito de decepar,uma vez por todas, o cérebro e omotor daquele Sindicato, espe-rando assim, não só atingir o Par-tido Comunista (então na clan-destinidade), pois Daniel Cabritaera conotado com esta forçapolitica, como reduzir ao silên-cio uma classe que se afirmava,na época, com rebeldia crescen-te.

Nestes termos e face à situa-ção de orfandade do Sindicato,o Prof. Marcelo Caetano aprovei-tou a oportunidade para, utilizan-do os seus conhecidos métodos,aparentemente brandos, travar edominar o movimento sindicalque lhe vinha causando grandespreocupações. Para o efeito, atra-vés do Ministro das Corporações,nomeou uma Comissão Admi-nistrativa, da sua confiança,encabeçada por GuilhermeFerreira.

É neste interessante momen-to da vida sindical (1971-72), queeste episódio acontece, pela mãodos que, completamentedespolitizados, à margem dasmovimentações da oposição aoregime e, por mero acaso, inter-vêm, inocentemente, em repre-sentação dos bancários dos dis-tritos de Ponta Delgada e Horta.

Na verdade, naquela altura,nos Açores, tinha-se iniciado, acusto, o recrutamento de associ-ados para o Sindicato dos Ban-cários, com base na informação

por comunicados algoincipientes, que eram distribuí-dos pelas poucas agências ban-cárias do Arquipélago e, pratica-mente, pouco se conhecia do tra-balho sindical a não ser o nomede Daniel Cabrita, tornado heróie mártir, após a referida prisão.Entretanto, a Comissão Adminis-trativa procurava afirmar-se, cau-telosa e sobriamente, desenvol-vendo um bom trabalho de pro-moção, onde pontificava o au-mento dos salários, a saúde e asegurança. Tão pouco existia umrelacionamento, continuado efrutífero, entre as DelegaçõesDistritais Açorianas, apesar dosseus representantes terem sidoeleitos nos respectivos locais detrabalho.

Nesse ano de 1972, fomosconvocados telegraficamente,para uma reunião dos represen-tantes de todos os distritos, coma C.A. na sede do Sindicato, emLisboa.

Recordo-me que, ao recebera convocação, exultei de satisfa-ção, por me darem alguma im-portância. Dirigi-me logo, ale-gremente, ao sub-gerente da mi-nha agência, solicitando autori-zação para me ausentar e exibin-do o telegrama. Em resposta, re-cebi um balde de água fria nomeu entusiasmo - a recusa purae simples, sem mais explicações.Como não adiantava falar com ogerente, em assuntos desta natu-reza, portanto pus-me nas pon-tas dos pés, pois o homem eragrande, e disse: "Saiba o senhorque vou, com ou sem autoriza-ção sua e, na volta, trar-lhe-eilicença do nosso Conselho deAdministração, se for caso dis-so". E … embarquei no dia se-guinte.

Chegado a Lisboa, depois deprocurar uma pensão manhosa,dirigi-me á Rua de S. José, ondetravei conhecimento com os ele-mentos da C.A. e com colegasde outras distritais.

Iniciada a reunião, logo cons-tatei que Angra e Funchal encon-travam-se numa extremidade damesa e Horta e Ponta Delgada naoutra, com o Presidente da C.A.ao centro seguindo-se de ambosos lados as outras distritais se-gundo a sua importância. Afinaltratava-se de decidir se a C.A.,em exercício, prosseguia comoDirecção ou se, simplesmente,cairia, procedendo-se à eleiçãodos novos órgãos do Sindicato.

O dilema apresentava-se comcerta complexidade e delicade-za, porquanto, se o actual elencofosse votado favoravelmente, te-ríamos benesses salariais concer-tadas com o patronato e o bene-plácito do Governo, se, por ou-

tro lado, a votação apontasse parauma nova Direcção, corríamos orisco de ser a mesma edição daque fora dissolvida dando origemá C.A.

Ponderando a questão, desa-gradava-me votar a favor do Go-verno, mas também não gostaranada da conversa que tivera como António Ferreira Guedes, naqual, o Ex-Presidente do Sindi-cato, que substituíra o DanielCabrita antes da nomeação daC.A., me tentara mentalizar parao voto contra, armado em mentore dono da verdade.

Quando a Horta foi chamadaa votar (claro, de braço no ar),tomei a decisão, simultaneamen-te consciente do número de vo-tos que a C.A. já detinha e emitia seguinte declaração: "Abste-nho-me, por não estar mandatadopelos colegas da Horta para de-cisão de tal importância". A vo-

tação prosseguiu com Ponta Del-gada a votar contra a C.A. Pas-mado, acolhi os abraços do JoãoGabriel e dos restantes ganhado-res, felizes por se terem liberta-do da tutela do Governo.

Na verdade aqueles dois vo-tos açorianos tinham sido deci-sivos.

Mais tarde, fomos informa-dos que iria ser difícil chegar à"Voz do Operário" para a gran-de Assembleia Geral dos bancá-rios, pois a policia de choque es-tava a tomar posições no local,para amedrontar os congressis-tas. Depois de várias conjecturas,foi decidido avançar em peque-nos grupos de 3 pessoas, nas vi-aturas dos colegas ou de táxi. Re-solvemos ir a pé e, constatámos,à medida que nos aproximáva-mos, a presença dos polícias decapacete, armados e com algunscães pela trela. Seguimos o nos-so caminho, até à entrada da

"Voz do Operário", sempre pelomeio da rua e ninguém nos inco-modou.

Depois a C.A. ainda "infor-mou" que a policia estava ali,apenas como elemento dissuasorde desordens, uma vez que seprevia a presença de milhares debancários. (não sei porquê, estaconversa, fez-me lembrar outraigual, mas 36 anos depois).

Naquela prestigiada Institui-ção, fomos para os bastidoresonde foram combinadas duascondições simples: Completa se-renidade no palco e audiência enão invectivar o Governo. Estasdisposições procuravam evitarqualquer pretexto da polícia paradissolução da Assembleia, poiso que nos interessava era levarem frente as eleições livres dosÓrgãos do Sindicato.

Após entendimento entre as

diversas forças em presença,instalámo-nos no palco em semi-circulo, com a C.A. à direita,prontos para iniciarmos os traba-lhos.

Quanto a mim, como certa-mente muitos outros, limitei-mea contemplar, com algum receio,aquela fantástica e mítica sala, detão vastas tradições na protecçãoe ensino dos mais pobres e fra-cos e contra os prepotentes dazona metropolitana de Lisboa.

Naquele recinto completa-mente cheio e ruidoso, fez-se umsilêncio aterrador quando Gui-lherme Ferreira tomou a palavrae comunicou, com tristeza, o re-sultado da votação das Distritaise consequente colocação à con-sideração da Assembleia.

Entre palmas, assobios e de-clarações inflamadas, perdi-mecompletamente, só voltando à re-alidade ao verificar que algunscolegas não tinham cumprido a

O Espírito Pré-RevolucionárioHerberto Dart

(Episódio dedicado à memória

do colega e amigo João

Gabriel, do Banco Micaelense)

palavra quanto aos pressupostospara bom funcionamento daAssembleia, não sei se proposi-tadamente ou se, se deixaram le-var pelo entusiasmo do ambien-te, mas a verdade é que algumasintervenções de peso, responsá-veis e acertadas, devolveram acalma à assistência e o supostoperigo passou. Foi então suge-rido que o local fosse abando-nado do mesmo modo utilizadoà chegada - em pequenos gru-pos.

Nós ficámos a aguardar e sónos retirámos, depois de saber-mos que as ruas estavam lim-pas de polícias. Então um pe-queno grupo de 2 raparigas e 6rapazes, dirigimo-nos a pé, paraa "Cervejaria Portugália", ondecomemorámos conveniente-mente a grande vitória, comabundantes canecas e pratinhoscom petiscos.

Trinta e seis anos depois, nãome lembro do nome dos 8 cole-gas, a não ser de um tal La Féria- alentejano, mas ainda recordoas canções do José Afonso quedesafinadamente entoámos e,uma delas, seria famosa -"Grândola, Vila Morena".

A partir desse momento, oSindicato estabilizou transfor-mando-se numa força de gran-de importância no contextopolítico e social de então e ini-ciou uma caminhada segura até1974, pela mão de AnselmoJosé Dias. Depois ..., depois vi-eram os partidos e passaram adominar a vida sindical portu-guesa.

Horta 21 de Maio de 2008

(por ocasião do 75º aniversá-

rio do Sindicato dos Bancári-

os do Sul e Ilhas)

( 1969 - 1974 )

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Alberto era mais infeliz que amãe dele! Os seus dias eram pas-sados numa rotina desenfreadaainda mais infeliz que ele.

Trabalhava como vendedor dealgálias e outros equipamentosdescartáveis hospitalares, traba-lho esse que fazia com muita efi-cácia e responsabilidade.

Todos os dias, muito calma-mente, recebia chamadas e faxesno seu escritório com encomen-das de algálias para todo o país eem algumas situações para o es-trangeiro. As algálias da firma querepresentava eram mesmo muitoboas e o preço que fazia era ain-da melhor, tal como a boa lei domercado ditava.

Alberto fazia muito dinheiropara a sua firma, Alberto ganha-va muito dinheiro, mas, no entan-to, Alberto era muito infeliz.

A sua infelicidade tinha come-çado muito cedo porque nessestempos ele era muito magrinho,tímido e usava uns óculosgarrafais, foi empurrado, puxadoe pontapeado por colegasprimatas durante todo o seu per-curso de escola.

Foi então que, com umarranjinho de um amigo de 110quilos, encontrou a sua primeiranamorada, Eféria LeocádiaPersegonha que vivia na fregue-sia vizinha (faz de conta, comodaqui para os Flamengos!) e quetambém usava óculos garrafais.No entanto, Eféria, era enorme emuito forte para a idade dela, logoninguém a incomodava muito,abriam caminho para ela passar,pois caso isso não acontecesse, asnódoas negras surgiriam com asestrelas que a vítima visitava. Paraalém disto a tia dela presa na Ale-manha por se alistar no NSDAP/AO e espancar um português, (sódescobriu que estava a espancarum compatriota ao ouvir os típi-

cos alhos e cebolas!) enviara-lheum par de botas de combate componteira de aço que ela adoravatestar nos rabos dos colegas e nasportas da escola.

Foram ao baile de finalistasjuntos e Eféria fez muita questãoem dançar toda a noite com oAlberto que ficou com um "an-dar novo" devido aos maus tratosque os seus pés levaram. Toda-via, não foi esse o seu principalproblema, Eféria Leocádia

Persegonha estava decidida a ini-ciar a sua vida sexual naquele anoe nenhum momento seria o maisromântico que o baile definalistas. Coitado do Alberto, quede tanto ser "coitado" nessa noiteteve de declinar as aulas de ginás-tica durante essa semana e todoesse tempo sentia muitas dificul-dades em sentar-se direito nas se-cretárias da escola.

Ainda jovem, Alberto, estariacasado ainda antes do nono mês

seguinte ao turbulento baile de fi-nal de ano e planeando a vida deuma filha que seria uma cópia daprópria mãe.

Passaram então 20 anos de tra-balho na firma do pai de Efériaonde Alberto se tornou um bomvendedor de algálias e outrosequipamentos hospitalares.

A filha de ambos havia cres-cido e tal como a mãe, tinha aque-le jeito "devastador" de pizzas ealgumas dificuldades em conse-

guir amigos e namorados sem queEféria os ameaçasse, "factura"que, geralmente, saía aos filhosdos empregados lá da empresaque de bom grado "atiravam" osfilhos ao "monstro" para não per-der o ganha-pão da família.

Lucrécia Ba-Toque Perse-gonha era o seu nome e um diadecidiu casar com AcácioQuintanilha um rapaz que traba-lhava no controlo de qualidade nasecção de clisteres da fábrica.

Contos da Gaita e do Caneco

Algálias, Nitroglicerina e Pimenta da IndiaMarco Rosa O casamento de ambos foi pla-

neado ao pormenor por Eféria epor Lucrécia e teria sido perfeitonão fosse a cólera de GrumildeSantos que para vingar-se doabandono executado pelo ex na-morado Acácio, despejou umfrasco inteiro de laxante noponche.

Alberto ficou muito contentepor casar a filha. Agora seria sóele e Eféria em casa, pois os noi-vos tinham ido morar a 30

quilómetros de distância numabela casa com piscina e churras-queira. Anos assim passaram.

Eféria levantava-se da camatodos os dias por volta das 11 damanhã. Vestia um fato de ginás-tica com um estilo que se situavaentre os anos 70 e 80, o único quetinha encontrado para o seu tama-nho, e lhe ficava tão justo que pa-recia que iria rebentar a qualquermomento.

Passeava pela vizinhança"bisbilhutando" por todas as ca-sas num passo rápido que dizia atodos que era jogging. Após per-correr todo o seu percurso, regres-sava a casa e depois de muita di-ficuldade em despir o justíssimofato e de tomar um banho deimersão, vestia o seu pijama erobe "de andar por casa" e lia ojornal até à hora do almoço.

Foi enquanto lia o jornal queEféria viu o carro da Polícia esta-cionar em frente da sua casa:

- "Senhora Persegonha, infe-lizmente, temos uma má notíciapara lhe dar!"

O Toyota Corola de 1987 queAlberto levara de casa, logo demanhã muito cedo, jazia no fun-do de uma ravina completamentedestruído e parcialmentesubmerso.

O desgosto de Eféria foiavassalador. Aquele carro havia

sido uma oferta que o senhorPersegonha lhe tinha oferecidoassim que ela tinha completadoos 18 anos. Ela tinha compradoum Jaguar quando tinham casa-do e como não queria que oCorola se estragasse por não serutilizado, obrigava o marido alevá-lo para o trabalho de vez emquando.

Alberto ainda não tinha sidoencontrado, pelo menos a maiorparte dele, pois o carro estavacompletamente despedaçado ecarbonizado. A Polícia encontroualguns pedaços de carne "bempassados" que tiveram de servirpara as cerimónias fúnebres.

Nos dias seguintes à morte deAlberto, Eféria entretinha-se agritar ao telefone com as muitascompanhias de seguros que ti-nham o nome de Alberto numaapólice de vida.

Num desses mesmos dias, per-to das seis da tarde, um Porchedescapotável estacionava emfrente ao um restaurante de altacategoria em Miami, a milharesde quilómetros de distância.

Hannibal Escobar era um ho-mem muito bem parecido e ema-nava charme de dentro do seumais recente fato da Armani. Altoe elegante, com movimentos cal-mos e descontraídos, entregou achave do carro ao rapaz que ocumprimentava e entrou no seurestaurante chamado La Gorda,um dos mais requisitados pela altasociedade americana.

Durante muitos anos Hannibaltinha sido um patrão ausente en-tregando a chefia do restaurantea Arturo Verga um antigooperacional da ETA, que com aajuda de um amigo que trabalha-va numa fábrica de algálias tinhafugido para as américas. Paraalém de ser um terrorista arrepen-dido, Arturo era um fabuloso co-zinheiro que havia preterido as ni-troglicerinas e os C4 pelo azeiteportuguês e pelas pimentas daÍndia.

Hannibal Escobar, aliásAlberto, tinha investido todo o di-nheiro que conseguira guardar dasua mulher na bolsa americana,conseguindo adquirir um restau-rante com boa reputação perto dasmarinas de Miami.

O mais difícil tinha sidoencenar a sua morte, mas com aajuda de um produtor britânico defilmes de efeitos especiais que játinha feito alguns 007, tudo tinhacorrido muito bem.

Depois de algumas horas devoo desde o Rio de Janeiro, iriaesquecer a sua mulher feia e ra-bugenta, assim como a sua filha,aquela que o teste de ADN disseque nem era dele, agora ia dartoda a sua atenção ao seu restau-rante a àquela loira de metro e no-venta que estava encostada aobar!

Gratos pela sua preferência

Cidade futurista - ilustrada por António Machado

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Martinho da Boémia: o mundo a seus pésFlávio Silva

Existem personalidades ímpa-res que, por meio do seucontributo histórico, possuem odom de não só terem marcado aépoca em que viveram como to-das as subsequentes. Almas pro-digiosas cujos actos e conheci-mentos correram os quatro can-tos do globo, alargando sobrema-neira a visão que o Homem tinhado mundo. Quem vos apresen-to nesta crónica foi, indu-bitavelmente, uma dessas gran-des personalidades universais.Falo-vos pois de Martinho daBoémia.

Desse lado, colocará certa-mente o leitor a inevitável ques-tão: "Quem foi Martinho daBoémia?" Pois muito bem, per-mita-me apenas antes felicitarcom imenso orgulho o nascimen-to do Avenida Marginal, que tan-ta falta já fazia à nossa ilha pelasua versatilidade lúdica e cultu-ral, e que através do qual respon-derei à sua questão com o maiorprazer.

Martin Behaim (1459-1507),de seu nome original, foi um ver-dadeiro mestre dos sete ofícios.Entre outras coisas foicosmógrafo, astrónomo e um ex-plorador alemão extremamenteinfluente na época dos Descobri-mentos, que deixou um legado àhumanidade de vital importância.Poucos faialenses conhecerão abiografia deste homem, muitoembora esteja intimamente liga-da à própria história do Faial - detal modo que, à grande maioriados leitores, causará espanto maisque pela certa. Esta pequenacrónica surge no sentido decolmatar tal lacuna. Saiba o lei-tor superar as referências histó-ricas mais maçudas -incontornáveis neste género deartigo - e estou certo de que nãose arrependerá de embarcar nes-ta viagem rumo à descoberta.

Ora diz-nos a história queMartinho da Boémia nasceu nacidade de Nuremberga em 1459no seio de uma família de mer-cadores originária da Boémia. Nagrande obra Famílias Faialenses(1922), o autor - o nosso tão esti-mado conterrâneo MarcelinoLima - erra com larga margemneste parâmetro ao afirmar queMartinho nasceu entre 1430 e14361. No melhor pano cai a nó-doa, diz-se. No entanto, um da-queles enormes que tem que so-bre "para mangas". Fica aqui umagrande homenagem ao autor dosAnais do Município da Horta.

Foi por volta de 1484 queMartinho partiu para Lisboa comobjectivos aparentemente comer-ciais, graças ao bom relaciona-mento que existia na altura entrePortugal e Flandres, onde vivera

anteriormente. Na capital portu-guesa, Martinho fez por se inse-rir na comunidade mercantil li-gada à exploração ultramarina,ganhando um considerável pres-tígio naquele meio. Devo lem-brar ao leitor tratar-se de umaépoca especialmente dourada ealucinante da nossa história: osDescobrimentos.

Não levou muito tempo paraque D. João II o integrasse numambicioso projecto de aperfeiço-amento do astrolábio (instru-mento naval antigo), o qual con-cluiu com notável sucesso. Aoque parece, terá também acom-panhado Diogo Cão numa dassuas expedições de descobri-mento à costa africana, tendo noregresso sido nomeado cavalei-ro da ordem de Cristo pelo pró-prio rei D. João II.

Ilha do Faial

Por volta dessa altura,Martinho da Boémia travou co-nhecimento com uma pequenacolónia de flamengos instaladanuma ilha a meio do Atlântico -este pequeno grande Faial -, queera capitaneada pelo nosso ilus-tre Joss van Hurtere2. Graças àafinidade dos anos vividos emFlandres, tornou-se fácil paraMartinho conquistar a amizadee confiança de Hurtere, pelo quenão levou muito tempo a pedir amão da sua filha em casamento.Martinho e Joana de Macedo,assim se chamava a jovem, con-sumaram o matrimónio por vol-ta de 1486 na Ermida de SantaCruz3 e juntos tiveram um filhoem 1489, baptizado com o mes-mo nome do pai.

A viver na ilha do Faial, jul-ga-se que Martinho da Boémiaterá abdicado da actividade co-mercial para auxiliar o sogro nassuas funções administrativas,permanecendo na ilha por umalargado período de tempo - atéà data da sua morte (que ocor-reu por doença numa viagem aLisboa em 1507), estima-se, umtotal de cerca de quinze anos.

Globo de Nuremberga, a

representação do mundo por

Martinho da Boémia

Numa estadia temporária nasua cidade natal e com a colabo-ração do pintor Glockenthon,Martinho da Boémia construiuem 1492 o célebre globo deNuremberga (visível na ilustra-ção), que muito lhe granjeoufama de inventor e cartógrafopor esse mundo fora - falo-vosdo mais antigo globo terrestrepreservado até aos dias de hoje,e que em muito influenciou osnavegadores e exploradores da-quela época. Martinho baptizouesta sua obra-prima de Erdapfel("maçã do mundo"), estando ooriginal exposto no Museu Na-cional Germânico naquela mes-ma cidade.

De resto, a cidade deNuremberga possui ainda numadas suas praças mais centrais - aTheresienplatz - um excelentemonumento em bronze dedicadoà memória de Martinho. Tam-bém uma das suas principais es-colas, especializada na área téc-nico-científica, foi dedicada a si:a Martin-Behaim-Gymnasium.Confesso, desde já, o profundodesejo que tenho de um dia ver acidade da Horta erigir tambémela um monumento em seu tri-buto. A ver vamos.

A descoberta da América

De acordo com o historiadorespanhol António de Herrera,Martinho da Boémia terá trava-do amizade com CristóvãoColombo, aquando da estadiadeste em Portugal, e influencia-do directamente o amigo no em-preendimento da sua viagem àsÍndias via ocidente. TambémFernão de Magalhães terá sidoinfluenciado por Martinho. So-

bre isto, diz-nos AntonioPigafetta4 que durante a expedi-ção da primeira volta ao mundo,Magalhães tinha em sua posseum mapa secreto elaborado porMartinho da Boémia, no qual fi-gurava um estreito a ocidente(Estreito de Magalhães!) cuja tra-vessia era já conhecida comocrucial para a circum-navegaçãodo globo.

Já na obra de Faustino Fon-seca - A Descoberta do Brazil(1900) - surgem um conjunto depáginas no mínimo controversas,que ligam Martinho da Boémiaà contestação de CristóvãoColombo como descobridor ofi-cial da América no ano de 1492.Faustino, por meio de cartas,documentos e outros registos daépoca resgatados da Torre doTombo e dos arquivos espanhóis

e açorianos, reivindica para Por-tugal a glória de ter descoberto oNovo Mundo. Diz-nos ele que,por volta de 1472 (vinte anosantes de Colombo!), o algarvioJoão Vaz Corte-Real efectuouuma expedição àquele territóriocom grande sucesso - aliás, nomapa-múndi do Atlas de Jomard(século XVI), a América do Nor-te é designada por Terra de JoamVaz; outros mapas da época re-conhecem-na ainda como Terrados Cortes-Reais ou Terra dosBacalhaus. Para grande orgulhodos açorianos, este homem no-tável capitaneou a então Vila deAngra e a ilha de São Jorge de1474 a 14965.

Se porventura o leitor conse-guiu sobreviver a toda esta cas-cata histórica, calculo que poresta altura queira já entrar emdiálogo comigo: "Mas então por-que é que nos manuais escolarescontinuam a insistir que foiColombo quem primeiro chegou

à América?", perguntará. Ora cáestá uma excelente questão àqual lamento não possuir respos-ta, por mais ginástica que exerçaà massa cinzenta. "E logo alguémque até morrer pensou sempre terchegado à Índia, chamando deíndios aos nativos!" Pois, com-preendo bem a indignação do lei-tor.

De volta a Faustino, acrescen-ta ele, de absoluto interesse paraesta crónica, que Martinho terápartido numa expedição deFernão Dulmo (um dos primei-ros colonizadores da ilha Tercei-ra) rumo à América por volta de1487. Sem reservas, Faustinodefende a incrível premissa deque o "faialense" Martinho daBoémia terá chegado à Américacerca de cinco anos antes deColombo!6

Em jeito de conclusão, apro-veito ainda este espaço para darao leitor conhecimento de umaparticularidade deveras interes-sante que vem timbrar o iníciodeste novo milénio. Passo aelucidar: em 2007 ocorreram(muito despercebidos se não to-talmente) os 500 anos sobre amorte de Martinho da Boémia.Como se não bastasse, em 2009contar-se-ão ainda os 550 anossobre o seu nascimento. Torna-se óbvio afirmar que uma perso-nalidade deste calibre merece noFaial um maior reconhecimento.Rectifiquemos, pois, este lapsono próximo ano comemorando osseus 550 anos de uma forma me-recida, e não deixemos nunca queaqueles que tão bem souberamnotabilizar o Faial no panoramamundial caiam no esquecimento.

Se de facto "somos do tama-nho daquilo que vemos e não dotamanho da nossa altura" (Pes-soa), então Martinho da Boémiasoube bem engrandecer-nos emtoda a nossa dimensão.

Miguel Fragazaga([email protected])

(1) Tal imprecisão advém cer-tamente da confusão que algunsautores (incluindo o biógrafoChristoph Murr) cometeram naanálise de cartas escritas pelo seupai, que possuía o mesmo nome.De resto, torna-se fácil compre-ender este engano ao verificar asdatas de nascimento dos pais edos seus seis irmãos: MartinBehaim (pai) terá nascido em1437 e a mãe, Agnes Schopper,em 1440, tendo estes consuma-do o matrimónio em 1458 (E. G.Ravenstein).

(2) Concederam-lhe na bibli-ografia mil e um nomes: Jobstvan Hürter, Jobst van Huerter,Joss de Utra, etc. Natural deFlandres, tornou-se no primeiroCapitão-Donatário das ilhas Faiale Pico. O seu apelido deu origemao nome da cidade da Horta e aosobrenome Dutra.

(3) Foi Joss van Hurtere quemmandou construir esta ermida noPorto Pim - primeiro templo re-ligioso da ilha - no exacto localonde, anos antes, fora celebradaa primeira missa no momento dodesembarque dos primeiros colo-nos (por volta de 1467), coman-dados pelo próprio Hurtere (apósuma sua primeira tentativa falha-da, anos antes). Todavia, é pos-sível que, antes disso, uma em-barcação vinda da ilha de JesusCristo (Terceira) tenha aportadona freguesia dos Cedros e aí cons-tituído uma colónia.

(4) Cronista italiano que par-tiu na famosa expedição deFernão Magalhães. Como resul-tado da viagem, publicou a obraRelazione del primo viaggiointorno al mondo (1525) na qualse pode ler página 19

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Édipo venceu, serenamente, aesfinge, que se lançou, com de-sespero, no abismo, e se desfeznos caminhos da perdição, dei-xando de ser o terror dos transe-untes naquela passagem maldita.

Mas as esfinges não morremtodas repentinamente, e sucedem-se mais ou menos intermitente-mente, no espaço e no tempo,como se fossem acidentes do mes-mo corpo ou aberrações da mes-ma natureza, naturalmente imor-tal e tentacular.

Estas lhas de bruma de RaulBrandão, mas também nossas, porforça das vicissitudes passadas edas heranças presentes, com osseus genes transmissíveis, de beme malfeitorias, não mataram todosos vencedores, nem extermina-ram, infelizmente, todos os con-vencidos e passadores do sistema,que vai fazendo escola entre nós.

Um dos males que nos

as multas são encontradas a esmo,com ou sem razão, e onde os con-dutores de veículos são caçadoscomo moscardos, e acordam to-das as leis e "leises", que se mul-tiplicam entre nós.

Um destes dias, um dos géniosdos bosques mandou-me parar ocarro e, sentado no assento aolado, sussurou-me um episódiolocal: num desses dias de smog,sob a vigilância persistente dosintervenientes, um automobilista,de luzes apagadas, porque o "va-por" já tinha passado naquelazona, foi mandado parar por umdito-cujo, e não lhe serviu de nadaas alegações de que não havia -já - neblina, porque tudo foi emvão, com a argumentação psico-lógica de que, aqui, "eu é que seise está ou não está nevoeiro".

"Chegue-se para ali, porquevai ser autopsiado". O indefesocidadão mandou o homem do ne-voeiro para trás do castelo, o queé costume acontecer sem ofensapara ninguém, mas não se livrou

O homem do nevoeiroJaime Baptista

Trabalho de equipa - Fátima Madruga

Estimados leitores, antes demais aceitem os nossos humildespedidos de desculpa pelo tom pe-tulante (eu diria mesmo insupor-tável) que usámos na Nota deAbertura desta espécie de… Jor-nal.

Sonhámos ser criativos efraturantes um dia, esteticamentefraturantes, mas onde nos sobe-jou atrevimento e inépcia faltou-nos, como de costume, o engenhoe a arte.

Vivemos demasiados anos sobo signo de um certo sufoco e apa-gamento cultural, larvar e depri-mente, como se o buraco de ozonopersistisse em não se deslocalizarpara a Antártida e pairasse sobreas nossas cabeças lançando a suanefasta influência sobre estas ilhas(afortunadas?), com uma perfí-dia avassaladora, tolhendo-nos osmovimentos, o raciocínio, o sen-tido periférico da visão.

O século XX foi pródigo emacontecimentos marcantes da nos-sa memória insular. Na sequênciada afirmação de uma Imprensaculturalmente empenhada no iní-cio do século onde pontificaramnomes grados das letras faialensese açorianas como FlorêncioTerra, Manuel Zerbone, ManuelGreaves, Rodrigo Guerra, entreoutros, e com o advento da Rá-dio, primeiro, e da Televisão de-pois, assistimos ao balizar dasmarcas do desenvolvimento e doprogresso que há muito ambicio-návamos para a nossa ilha naque-la ideia peregrina de colocar, emdefinitivo, o Faial num lugar dedestaque no panorama regional,como bem merece.

Muito se tem feito nos últimostrinta anos, é certo. Contudo ocaminho que nos falta percorrerpara recuperarmos do atraso es-trutural em que nos situamos é umdesafio que se coloca a todos e acada um de nós, com enormeacutilância, nas áreas em que sou-bermos contribuir com o que demelhor houver dentro de nós.

A TAP leva-nos todos os diaspara a grande Metrópole, para osespaços mais vastos de uma Eu-ropa em acelerado processo detransformação. Este é um bem apreservar, a democratizar, aembaratecer um pouco mais, por-que não. O aeroporto da Horta é anossa principal porta de entrada.Cuidemos dele com todo o cari-nho melhorando-o, ampliando-ose isso se revelar necessário.

A outra porta de entrada nanossa ilha situa-se em pleno co-ração da cidade da Horta, é o por-to (o seu porto comercial e de re-creio), o nosso belíssimo porto deabrigo com séculos e séculos demuitas e inestimáveis provas da-das. O porto que é um orgulhopara todos nós, faialenses, que daEspalamaca à Guia nos

Carta aberta aos leitoreshabituámos a expraiar as vistasembevecidos na muda contem-plação desta singular e poéticaenormidade com que mãe-natu-reza nos presenteou um dia, numqualquer Abril ou Maio dos seusprimaveris devaneiros.

Nos últimos tempos muito setem dito e escrito sobre aquelaimportante infra-estrutura. Nãosendo muito entendidos na ma-téria afigura-se-nos contudo quealgo deverá ser feito nos próxi-mos anos por forma a melhorar-mos a sua capacidade em todas

as áreas onde tal se revele util-mente possível e desejável.

O dia oito de Maio deste anofoi exemplarmente elucidativodas graves carências que urge re-mediar no nosso porto. O maiornavio de cruzeiro que alguma vezatracou ao molhe da doca, oSeven Seas, "obrigou" outra em-barcação de médio porte, cu-riosamente um dos maiores iatesdo mundo, o Belíssimo Octopus,a ir fundear a meio canal. Apóstoda a polémica criada ao redordo tema na imprensa e rádio lo-cais, a imagem pareceu-nos algodeprimente, e se calhar com so-luções relativamente fáceis e nãodemasiado onerosas para o erá-rio público. O porto da Horta,ninguém o duvide, historicamen-te merece ser positivamentediscriminado. A História passoupor aqui inúmeras vezes, não oesqueçamos…

Que se discutam apaixonada-mente este ou outros temas acei-tamos de bom grado (aí está ocerne da Liberdade de expressãoe da Democracia participativaque desejamos incentivar), con-tudo apelamos a todos osintervenientes para que ouçam asvárias opiniões que se perfilam.Da conjugação dessa diversida-de de ideias e projectos a luz far-se-á sentir com maior intensida-de, estamos certos. Saibamos serexigentes, empenhada mas sere-

namente exigentes nos momen-tos cruciais da nossa existência.

Mas passemos à frente. Dei-xemos aos técnicos o exercício debaralhar e voltar a dar as cartasas vezes que forem necessáriasaté que se encontre a via maisadequada, a melhor via, para quea obra nasça e se imponha emtempo utilmente aceitável perdu-rando por muitas e muitas gera-ções a exemplo do actual molheda doca, que foi inaugurado háperto de dois séculos, ou destaemblemática Avenida Marginal

do nosso contentamento que vemresistindo solidamente às pioresintempéries há quase meio sécu-lo.

Meus caros leitores a nature-za tem-nos brutalizado demasia-das vezes. A nossa têmpera for-jou-se neste caldo de terramotos,vulcões e vendavais com queciclicamente ela decidiu presen-tear-nos. Contudo, tal como aslapas ou a haste esguia de umavideira saibamos agarrar-nos aestas rochas e construamos ailha, a mítica ilha, pedra a pedracomo nos famosos currais doverdelho…

Queridos leitores, esperamosreceber muitas notícias vossasnos próximos meses. A colabo-ração que daí possa chegar à nos-sa mesa de trabalho será uma dá-diva para os futuros números des-te nosso e vosso Avenida Margi-nal. Tal como vós sentimos a ne-cessidade imperiosa de opinar devez em quando, de dizer de nos-sa justiça, de abrir a boca cá e lápara respirarmos. Vá lá!, façam-nos esse carinho. Experimentemescrever-nos para: Avenida Mar-ginal apartado 81 - 9901 909Horta Codex, ou para o mail:[email protected] e ve-rão que não se arrependerão! Osvossos poemas, contos, crónicas,comentários, ilustrações ou sim-ples desabafos farão toda a dife-rença, podem crer.

Heitor H. Silva

afectam, por aqui e por ali, é o ne-voeiro cíclico que nos abafa. Ne-voeiro de que falam os nossos an-tepassados e coevos, que varreprincipalmente a Ribeira do Cabo,o Capelo, a Lombega de CasteloBranco e a zona da Espalamaca.E nestes curtos arrabaldes da ci-dade escondem-se, nas ervas dochão e nas folhagens das árvores,os duendes e os gnomos mexeri-queiros, que na boquinha da noi-te ou nas tardes cálidas do dia enas sombras do pôr do Sol ouveme vêem tudo, e depois, ciciandoternurentamente contam aos seusamigos chegados, como eu, osacontecimentos da estrada. É que,quando o nevoeiro aparece, osguardas são atraídos, como asmoscas no mel, para os sítios onde

de perder a carta por um mês e depagar uma coima monstruosa eaberrante, pois há entes contra osquais não vale a pena vociferarnem terçar armas. Perde-se o tem-po e "perde-se o feitio", gritava ognomo indignado.

Posto isto a história chega aofim, sem honra nem proveito paraos que vivem na mó de baixo,deixando eufóricos todos aque-les que são atormentados,episodicamente, pelos minotaurosdas nossas lendas.

Não. Não digo o nome doduende. É que eles sempreconfiaram em mim e eu neles. Senão fosse assim, muitas das mi-nhas fábulas e dos meus contosnunca teriam sido, evidentemente,publicados.

Gnomo X interpretado, filoso-ficamente, pelo J. B.

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sexta feira 4 de Julho 2008 • Avenida Marginal • 17

Nos finais do ano de 1959 epor toda a década de sessenta fo-ram muitos os Jorgenses, maisconcretamente, da freguesia deSanto Antão Topo, que migra-ram para a freguesia da Ribeiri-nha no Faial.

Nessa época avida no Topo era di-fícil, existia um gran-de isolamento devi-do à péssima rede deestradas e falta de co-municação o quecondicionava tododesenvolvimento da-quela freguesia eracomo alguém dizia "o Topo é uma ilhadentro de outra ilha".Mas o mais difícilera sem dúvida asubsistência das fa-mílias de menos re-cursos, as terraseram de meia dúziade senhorios, que do-minavam tudo e osoutros trabalhavam de sol a solpara conseguir pagar as rendasque a maior parte das vezes erampagas com o produto das terrasnomeadamente o milho, quemuitas vezes nem chegava paraas pagar.

Assim muitos sonhavam emprocurar melhores condições devida noutras paragens.

Tudo começou após a gran-de emigração que se deu no Faialprovocada pela crise do Vulcãodos Capelinhos.

Assim correu a notícia que noFaial as terras estavam baratas,e um homem que, embora tives-se uma família não muito nume-rosa , esposa e duas filhas, logopensou, que tinha chegado aoportunidade esperada para sairde S. Jorge. Veio ao Faial desti-nado a ir para a Freguesia dosCedros, mas como o "homempõe e Deus dispõe" parou na Ri-beirinha e encontrou o Sr. PadreAntónio Correia de Escobar, quejá tinha estado a paroquiar emSanto Antão, e logo sedisponibilizou a ajudá-lo a en-contrar casa e terras, e assim elejá não passou da Ribeirinha.

Voltou a S. Jorge decidido a

ir para a Ribeirinha. Foi umadecisão difícil de aceitar. O Faialacabava de sofrer uma grandecatástrofe "só gente doida é quevinha para aqui". Embora hou-vesse uma grande oposição daparte da família, principalmenteos mais idosos, que argumenta-vam " o Faial ia desaparecer, que

estava assente sobre areia" masnada o fez desistir. Embora te-nha sido o primeiro a ir inteirar-se das condições de vida naque-la ilha, não foi o primeiro a irpara lá viver uma vez que teveque organizar a sua vida tambémem S. Jorge. Assim a mensagemfoi passando e foram muitos osque se mudaram para a Ribeiri-nha, ali organizaram a sua vidae integraram-se na comunidadeRibeirinhense, e muitos temdado o seu contributo na Juntade Freguesia, Filarmónica e ou-

O Fenónemo da MigraçãoLaçalete Lopes

1. Monte Queimado /

Monte da Guia

É um Circuito muito agradá-vel, pois muito perto de tudo, detal forma que num instanteestamos na cidade, para poucodepois estarmos a subir um mon-te, no caso o Queimado.

Chegados lá cima temos acidade a nossos pés, bem comoo Porto Pim, uma parte signifi-cativa da ilha, o Canal Faial/Picoe ainda as ilhas do Pico, São Jor-ge e Graciosa.

No Monte da Guia temos asCaldeirinhas e panoramas seme-lhantes aos observados anterior-mente. Só nos apetece gritar"Mexe pela tua saúde" e apreciaas nossas lindas paisagens e nãotenha pressa, pois a cidade estáa apenas uns minutos.

2. Monte Carneiro /

Flamengos

Do cimo do Monte Carneiropode-se apreciar uma paisagemespectacular, tanto para o ladoda Horta, em que vemos as trêsilhas, acima referidas, como parao lado dos Flamengos, que emdias sem nevoeiro avistamos aborda da Caldeira, o Vale dosFlamengos, a Lomba e a Feteira.

3. Poço das Asas - Praia

da Almoxarife

Para chegarmos até ao iníciodeste Circuito podemos observarquase tudo o que foi referido em1 e 2.

Pouco depois do início, vi-mos a antiga pedreira doAtafoneiro e daqui para o Poçodas Asas, Lomba da Rocha Ver-melha, em que se passa pelo par-que eólico e depois opta-se poracabar o Circuito na EstradaRegional ou prosseguir o mes-mo até à praia da Praia doAlmoxarife. Tal depende davontade de andar e da fome, poisé lá no fundo da freguesia quehá restaurantes.

4. Cabeço Verde / Vulcão

dos Capelinhos

Circuitos pedestresFaria de Castro O início deste Circuito fica à

volta de 18Km. É um Circuitooficializado e por isso está de-vidamente sinalizado. Basta se-guir as indicações.

5. Rocha da Fajã

Situa-se na Praia do Norteque é a freguesia mais afastadada cidade. O trilho, apesar donome é relativamente fácil defazer-se. Situa-se num antigotrilho utilizado pelos habitantesda freguesia para acederem àFajã. Também é um Circuitooficializado pelo que está devi-damente sinalizado. Para alémdas vistas panorâmicas para oCabeço do Fogo e Fajã com arespectiva baía, ainda se podeobservar o Mistério, cuja origemvem da erupção de 1672.

6. Perímetro da Caldeira

- 16 Km (c 8 Km)

Segundo os vulcanólogos aCaldeira, antes de sê-lo era se-melhante à Montanha do Pico,só que abateu-se formandoaquela. Fazer o perímetro da-quela dá-nos um prazer muitogrande, pois para além das lin-das paisagens panorâmicas paradentro da mesma, temosmagnificas vistas sobre toda ailha e ilhas vizinhas Pico, SãoJorge e Graciosa.

7. Levada

Este Circuito é considerado"a menina dos olhos" daAzórica.

O mesmo aproveita uma le-vada que foi feita na década de1960 para aproveitamentohídrico, na central doVaradouro.

Ao longo da mesma pode-mos aproveitar a caminhadapara entrarmos numa quase per-feita simbiose entre o homem ea natureza.

Ao longo da caminhada teráuma excelente ocasião para oxi-genar-se, acalmar-se e concluirque vale a pena estar naqueleespaço idílico.

tras organizações.Passados que foram 48 anos

já houve grandes alterações umagrande parte faleceu, outros emi-graram para a América ou Ca-nadá e da primeira geração a úl-tima pessoa que restava, AuroraAugusta de Azevedo faleceu nodia 25 de Maio/08 Quando esta-

va na Casa Mortuária, foi passan-do pela minha mente toda esta si-tuação que, embora sendo na al-tura uma criança, acompanhei efui muito marcada por tudo o queisso envolve, deixar amigos e fa-miliares e eu tinha tido uma in-fância tão feliz porque nunca fuiafectada pelos problemas dosadultos pensando em tudo o quese passou agora recordo comemoção que, o meu pai foi umhomem muito corajoso e deter-minado porque , foi o primeiro adecidir que vinha para o Faial.

Barco no cais - ilustrado por António Machado

Título: Avenida Marginal Periodicidade: Trimestral

Director: Heitor H. Silva Editor e Proprietário: Heitor H.Silva

Tiragem média: 1.000 exemplares Tiragem desta edição especial: 2008 exemplares

E-mail: [email protected]

Morada para correspondência: Apartado 81, 9901-909 Horta Codex

Impressão: Gráfica “O Telegrapho”, Rua Cons. Medeiros, 30, 9900-144 Horta - Telef. 292 292 245

Registo Provisório ERC 125447 de 04 - 06 - 2008 (Contribuinte Fiscal 161921051)

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Tenho a imagem de Diogo Silves num passado à beira daextinção.É um corpo branco com crâneo de milhafre, que eleinfelizmente chamou de açor. As mãos flutuam entre a ilha eum astrolábio vazio.

Este não faz parte do mundo, nem do ilimitado. DiogoSilves é a presença já sem ser histórica, personagem imaginá-ria cheirando a tempo e espaço, a fenómeno de penas, garajausà proa com morte instantânea.

Diogo Silves é afinal a memória translúcida de poetas ou deelementos primordiais. Os olhos são água, basalto, em lugar defogo.

Diogo Silves é um número, uma data, cronologia de cordas,velas e poder. Ou apenas um som de uma ilha perdida,angustiada, pela falta de mar. Ela ou eu?

A ilha assoma-lhe na palma da mão, escorre-lhe na pele ocheiro do musgo, um mapa de terra, um grito de garajauà deriva.

Sorriu-lhe porque gosto do nome Diogo Silves. Temqualquer coisa de sargaço, de mar e lua.

Lembra estúpidos astrolábios possessos, a levitarem sobrecasas amareladas, com tectos de colmo.

Diogo Silves é uma máscara de nevoeiro no meu presente,a boca esfumada, ombros cerrados, imóveis de frio.

Separam-nos muitos séculos. Já soube quantos…Agora só me resta as latitudes das noites, as guitarras

sufocadas pelo azoto actual.Tanta ciência! Mataram os homens honrados que sabiam as

coordenadas geográficas.Essas eram verdadeiras.Diogo Silves quantas redescobertas bailaram nos teus

cabelos presos pelos ventos alísios.Quantas lágrimas chorastes neste ilhéu de veleiros, piratas

insónias de verde!Ele ou eu?

Ensaio para Diogo SilvesRosa Maria Castro Neves

" - Mãe, posso ir aos seca-pi-pas?

- Podes. Aproveita e vai aosmelões buscar salsa. Mas antesainda, dá um saltinho aosbogangos e pergunta se os malu-cos já foram à Palmira dos tolos.Talvez a roída tenha mandado apatinha que eu pedi para o jan-tar."

Dialecto usado por algumaremota aldeia num país inventa-do, grosseiramente lembrando J.R. Tolkien?? Linguagem cifradapara espionagem entre os Açorese a Rússia (não vão os America-nos escutarem...)??

Claro que não! Pode parecerininteligível, mas este exemplode diálogo era a linguagem ge-nuinamente utilizada nos anos 50e pelo menos 60, por uma peque-na comunidade, no extremo Sulda freguesia das Angústias, cha-mada " o fim do Pasteleiro" e quese situava (sem nenhum rigor ge-ográfico), entre o Pátio e a casado Sr Guilherme Lemos, maistarde adquirida pelo Chico dasBicicletas, no princípio daLaginha.

Eu fiz parte desse nicho degente, dramaticamente pobre,como eram na generalidade todasas freguesias em todas as ilhas,na era Salazar e que mantinhauma intimidade diária, ao pontode ser considerado normal pediremprestado " duas colheres deaçúcar ", " uma mãozinha de fa-rinha para as papas das crianças"ou até " um pingo de azeite paratemperar a veja escalada".

As famílias eram, quase nasua totalidade, de pescadores oude pequeníssimos agricultores, ecom este...íssimos refiro-me a fa-mílias que se exauriam para ma-tar a fome de todas as horas (poisnunca chegavam a saciar-se) para

Galgar o horizonte,Unir espaços,Dar asas à minha alma.

Envergar uma mochila de sonhos,Partir por cima das ondas,Pisar anémonas e raias.

Levar num bolso 1 euro…Comprar a minha liberdade,

Desprender-me do ódio,Banir o ressentimento;

Gargalhar, Gargalhar da vida,Salvar com o riso o meu ser,Iluminar a minha esperança,Rejuvenescer o meu espírito,

Quero viajar sem responsabilidade,Quero cortar as amarras do dever,Quero dar asas aos meus desejos mais íntimos!

Quero sair deste destino de gira-discos estragados…Sair desta forma aritmética de ser.

Quero morrer sufocada por uma avalanche de livros,Beber toda a sabedoria,Nadar como peixe em água,Refugiar-me do ruído, do desprezo e do medo…

Quero soltar-me deste cárcere,Voar como a Fénix junto a um sol abrasador.

" O Fim do Pasteleiro "Lúcia M. de Mello Serpa tirar todo o provento de um

escasso pedaço de terra de ondemilagrosamente tudo nascia.

E era precisamente dessa li-gação à terra ou ao mar que mui-tos tinham herdado as alcunhaspor que se identificavam. Algu-mas tão antigas que era impossí-vel perceber a relação com asactuais pessoas que carregavampenosamente o estigma dos seusantecessores: os Sardinhas, osCharrinhos, os Cavalinhas, osCabozes, os Melões, osBogangos (de mogango) ou asCebolas. Garanto que raramentelhes conhecíamos os nomespróprios. A não ser alguns elei-tos que por alguma proeza, carac-terística pessoal ou maleita,

ganhavam o direito a mira dosTolos, o António Comprido, aAdelina Pinchinhas, o ManuelPiu e a Alice Bacalhau.

Contavam-se pelos dedos osSenhores, isto é, os que eram fun-cionários públicos e conse-quentemente da Legião Portu-guesa (ai deles...) e os donos dosbotequins, estes por conviveremdiariamente com o tilintar doscentavos, mas que nem por issoestavam completamente salvosde um epíteto, respeitosamenteprecedido por, Senhor: assim o SrJosé Pão de Milho, o Sr JoãoCabrito (Serpa de nome), o SrJosé Carneiro (Gonçalves denome), cujas proles, nessa épocaquase sempre numerosas, herda-vam (sem culpa formada) a mes-ma alcunha, embora, talvez porsermos crianças, esta viesse em-brulhada por um ternurento dimi-nutivo: os Cabritinhos, osCarneirinhos.

Tenho a certeza que este tex-to faz todo o sentido para quemfor da minha geração e tiver vi-vido no Pasteleiro ou nas proxi-midades. Através das alcunhasreferidas no diálogo introdutórioé até perfeitamente possível de-

senhar o trajecto percorrido poraquela criança.

É evidente que o exemplo do" Fim do Pasteleiro" se repetiapor todas as freguesias da Ilha.Aminha adolescência já foi passa-da na cidade e proliferavamigualmente as alcunhas entre va-gamente insultuosas, a Papagaia,e aquelas profundamente depre-ciativas, a Lâmpada fundida. Ali-ás, não resisto a mencionar umadas alcunhas que ainda hoje meprovoca uma irreprimível garga-lhada e cuja história conheço e éverdadeira: O " Mija na garra-finha " - o menino era bastanteincontinente, como é natural emcrianças de menor idade, e pararesistir a eventos de maior dura-

ção a senhora mãe do meninolevava uma garrafinha que resol-via rápida e sorrateiramente anecessidade fisiológica da crian-ça. Com esta brilhante e criativaestratégia nunca era preciso aban-donar o local, onde, quem sabe,tinha sido muito difícil arranjarlugar nas primeiras filas.

Será, na verdade, muito inte-ressante quando alguém se dis-puser a fazer o levantamentoexaustivo das alcunhas da ilha doFaial e paralelamente estudar asconsequências sociais e pessoaisque essas "condenações "tiveramnos respectivos percursos devida. Não tem, de certeza, o mes-mo efeito na auto estima de umser humano, ser apelidado deCambraia ou de Caga-milho ouMola-partida. Nunca será indife-rente para quem quer que seja,ser identificado na rua por Bele-za ou por Espalha-merda ouPata-sem-rabo.

"Cabritinha ", alcunha quehoje até acho simpática, era onome que me chamavam no Pas-teleiro e que, confesso, contribuiuirremediavelmente para muitosmomentos infelizes da minhavida de criança.

Graça Silva

Gira-discos estragados

Fim igual - Víctor Boga

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A ilha do Faial vai passar a terapenas nove ou dez freguesias, aocontrário das actuais treze, já a par-tir das eleições autárquicas do pró-ximo ano, apurou o Marginal juntode fontes municipais geralmentebem informadas e que nos pediramo anonimato.

Na base desta iniciativa que seencontra a ser estudada por umaequipa multidisciplinar e supra par-tidária, sustentada por todos os par-tidos com assento na AssembleiaMunicipal e apoiada por técnicosindependentes de reconhecido mé-rito, existe a forte convicção de quea ilha é demasiado pequena parasuportar tantas divisões administra-tivas, agora que os transportes e asacessibilidades são uma realidade ater em conta, contrariamente a ou-tros tempos, não muito longínquos.

A cidade da Horta, do PortoPim à Alagoa, ou se quisermos sermais abrangentes, da Ponta Fura-da à Espalamaca, constitui umaunidade territorial única e sem bar-reiras visíveis, geográficas ou deoutra natureza, que justifiquem esteproliferar de freguesias urbanas,adiantam-nos. Para uma populaçãoque rondará actualmente as sete milalmas, esta situação torna-se"insustentável" e até potenciadorade um "certo emperramento" doseu desenvolvimento integrado eharmonioso.

Neste sentido, e fazendo fé nosrelatos que nos chegam das fontespor nós contactadas, tudo leva a crerque a Horta passará a ser, adminis-trativamente falando, uma únicaentidade divergindo os promotores

desta revolucionária iniciativaapenas, e tão só, no nome por-que deverá passar a ser desig-nada a futura super-freguesia ci-tadina faialense.

A poupança que daquiadvirá, referem os nossosinterlocutores, será da ordemdos vários milhões de eurosanuais, ao nível das instalaçõese equipamentos, mas também nagestão das diversas equipas queactualmente gerem os destinose lideram as três freguesias dasede do Concelho.

Isto permitirá, garantem-nos, criar um pólo administrati-vo moderno e bem equipado,mais eficaz no apoio ao cidadão,sobretudo daqueles que lutamcom maiores dificuldadeseconómicas em áreas tão sensí-veis como a saúde e o direito,potenciando a criação de umconsultório médico comple-mentar aos vários serviços desaúde, públicos ou privados, jáexistentes na ilha e de um gabi-nete de advogados vocacionadopara dar, em tempo útil, umacompanhamento jurídico aquem dele necessitar.

Outros dois casos de fusãopoderão ainda ocorrer entre asfreguesias do Salão e da Ribei-rinha ou do Capelo com a vizi-nha Praia do Norte, confi-denciaram-nos as mesmas fon-tes. A proximidade geográficadas duas primeiras com os Es-palhafatos a fazerem a pontequase perfeita para a unidade éinquestionável, e "ambas as lo-

Ponto de mira

Martinho da Boémia: o mundo a seus pés

calidades ganhariam em dimen-são e importância no contexto dailha". Recorde-se que o Salão ape-nas foi elevado à categoria de Fre-guesia por volta de 1800... cercade cem anos antes do automóvele do betão ter chegado aos Aço-res.

Já no segundo caso à excep-cional aptidão turística do Capeloe da Praia do Norte( de que a Fajãe o Varadouro serão porventuraos exemplos mais acabados ),como zonas balneares e de lazerpor excelência a Oeste e Noroes-te do Faial, há que salientar osfortíssimos laços que unem asduas comunidades desde há sécu-los, e que desde sempre se irma-naram na luta contra as adversi-dades naturais que as temflagelado e que culminou há pre-cisamente meio século com aerupção dos capelinhos.

Também aqui, estamos emcrer, muito terão as populaçõesdestas duas localidades a ganharnum futuro não muito distantecom uma eventual união adminis-trativa. O Norte Pequeno, o vul-cão, o próprio mistério da Praiado Norte serão outros tantosfactores de união a ter em conta.

Estas iniciativas têm vindo aser acompanhadas de perto, porautarcas de quase todas as ilhasdo arquipélago, com destaquepara os oriundos de S. Miguel ePico, onde estas questões têm vin-do igualmente a ser levantadas edebatidas, nos últimos temposcom o particular pertinência.

A. M.

Margarida Madruga

Porque me olhas assim?

  "Os olhos amam primeiro o coração vê depois"

Daniel de Sá

Porque me olhas assim? O teu sorriso magmático, enigmático, tambémprazeiroso, também redondo, traz a nostalgia dos TEMPOS sem TEMPO.Sustém-te!

Porque me olhas assim? Insidiosamente penetras-me, olhas-me por dentroaté a minha alma se derramar em ondas de mar branco...

Porque me olhas assim? ...talvez breve...talvez efémero esse teu olhar...pausado...

Porque não olhas assim? Já nem olhas, já não vês, apenas desabaste osteus sentidos pelos corredores do universo...e ainda não voltaste!

Porque me olhas assim? com esse olhar oblíquo, longínquo, e pousado...melancolia eterna?

Porque me olhas assim? Serenamente navegas ao sabor de carreiras desonhos emoldurados de canseiras...e és tu?

Já não és tu, que me olhas assim...

Não me olhes assim...Não me olhes!Não quero que me olhes assim.Porque me olhas? Assim...não me olhesPorque me olhas assim?Porque me olhas? AssimAssim, sim!

...olha-me...assim...

...e o TEMPO veio...

...e o TEMPO foi...

....................................................................................................

Acordaste-me e mataste-me de manhã cedo, ao raiar do meu desejo eanoiteceste o meu corpo quando te esqueceste de nós.

...porque me olhaste assim?

E a alma resiste?

Horta, Primavera de 2008

a referência utilizada pelo autor dacrónica.

(5) O cargo de Capitão-Donatário foi-lhe precisamentedestacado como recompensa àque-la expedição. João Vaz terá explo-rado a América do Norte desde asmargens do rio Hudson, EUA, atéà Península do Labrador, no Cana-dá. Aliás, segundo Adérito Vaz,terá sido devido a uma terra lábaptizada pelos Cortes-Reais deCanada (topónimo muito comumnos Açores, como disso é exemploa Canada das Dutras, Canada daBagacina, etc) que originou o nomedaquele país. Mais tarde, por culpada influência da pronúncia france-sa no território, a terceira sílaba ter-se-á tornado tónica dando origemao actual nome de Canadá.

(6) Esta viagem terá sido crucialpara a construção do seu globo deNuremberga. Existem documentosque sugerem a chegada dos portu-gueses à América em períodos maisremotos, como disso são exemploas expedições de João Vogado,Gonçalo Fernandes e ainda a ex-pedição de Sancho Brandão. Estaúltima foi realizada em 1341/1342

sob o reinado de D. Afonso IVe, especula-se, terá chegado aoBrasil mais de 150 anos antesde Pedro Álvares Cabral! A di-ficuldade que existe em deter-minar com precisão o ano emque chegaram os primeirosportugueses à América deve-se ao secretismo com que asexpedições portuguesas eramrealizadas antes do tratado deTordesilhas (1494), receandoque outras nações se pudessemapoderar dos territórios por nósdescobertos.

Recuando ainda mais notempo, existem vestígios ar-queológicos de que os vikingschegaram à Gronelândia e àAmérica por volta do século X.Também os chineses recla-mam lá ter passado por voltadesse período. Na verdade,cerca de 40.000 anos antes, aAmérica havia sido já povoa-da por tribos nómadas oriun-das da Ásia (os índios nativosassim o demonstram).

Fontes de pesquisa:

"Martin Behaim", J. M. Pe-

reira de Oliveira (1960); "Martimde Bohemia (Martin Behaim)",E. G. Ravenstein (196-);"Archivo dos Açores", Ernestodo Canto (1878-1892); "Annaesda Ilha Terceira", FerreiraDrumond (1850-1864); "Famíli-as Faialenses", Marcelino Lima(1922); "Anais do Município daHorta", Marcelino Lima (1943);"O Descobrimento do Brazil",Faustino Fonseca (1900);Relazione del primo viaggiointorno al mondo, AntonioPigafetta; "Anales de laUniversidad de Chile",Universidad de Chile

http://www.martin-behaim-gymnasium.de/BigrBehaim/behaimbio.htm; http://m y w e b . t i s c a l i . c o . u k /greavesandthomas/facsimile/globe_behaim.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/108/Behaim.htm; http://www.marinha.pt/extra/revista/ra_jun2001/pag14.html; http://m a n y b o o k s . n e t / p a g e s /r e d o n d o g 2 4 3 4 4 2 4 3 4 4 - 8 /18.html; http://dark-legion.org/pt/Martin Behaim

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82% dos bovinos açorianosestão satisfeitos com as suasactuais condições de vida, reve-la uma sondagem que o AvenidaMarginal encomendou a umaempresa especializada.

Para um universo de mil ani-mais inquiridos nas diferentesilhas da região constata-se queessa "satisfação" é inversamen-te proporcional às dimensões darespectiva ilha. Enquanto que94% dos bovinos da minúsculailha do Corvo se manifesta "mui-to satisfeita" com a actualvivência, apenas 73% respondede igual forma em São Miguel,contra pouco mais de 81% nailha do Faial.

Quanto aos hábitos alimenta-res dos nossos ruminantes veri-ficamos que é nos círculos raci-ais mais apurados, com destaquepara a estirpe charolesa, que seconstata uma apetência maiorpelas altas pastagens e pelassilagens de elevados índicescalóricos e nutricionais.

Nas ilhas mais pequenas, oumais periféricas, onde ainda pre-dominam os exemplares das ra-ças originariamente intro-duzidas na região, é notória apreferência pelos pastos da bei-ra costa e pelas forragens tradi-

Sondagens

cionais, com destaque para acasca e espiga do milho.

Constacta-se, por outro lado,que é no escalão etário mais ele-vado ( animais com idade supe-rior a treze anos ) que esta ideiaé mais cultivada: 98% afirma pe-remptoriamente que "já não hápastagens como antigamente",enquanto 92% é de opinião quea erva "já não tem o mesmo sa-bor"…

O uso indiscriminado (e ex-cessivo) de adubos, pesticidas,insecticidas, fungicidas e outrosprodutos químicos é referidopela generalidade dos inquiridoscomo estando na origem da de-gradação da qualidade da águae do pasto consumidos, retiran-do-lhes grande parte do sabor eda pureza originais.

De referir aqui que cabe aosvitelos (bovinos com menos deum ano) a preferência irresistívelpelas novas rações que invadi-ram o mercado alimentar regio-nal nos últimos tempos. É nesteescalão etário, curiosamente,que a sondagem por nós enco-mendada revela os pormenoresmais interessantes: 90% dos in-quiridos gostaria de ser "apenas"reprodutor(a) "quando for gran-de".

Quanto aos novilhos (ani-mais com idades compreendidasentre os 12 e 3o meses) só 39%revela interesse pelas mesmas…"actividades", enquanto que amaioria (54%) manifesta já umaforte predisposição para se espe-cializar na produção de carne ouleite e apenas 7% ainda não de-cidiu ou prefere não responder.

Por fim esta sondagem cons-tatou que 97% dos bovinos aço-rianos preferiam ser abatidos noarquipélago contra apenas 3%(bezerros não desmamados)que desejaria ser exportadovivo para os talhos continentais"para conhecer outros ambien-tes", ou experimentar os efeitosdas hormonas de crescimentorápido.

Para além de garantir a qua-lidade da carne a exportar é sa-lientado pela generalidade dosinquiridos a possibilidade de,ao serem abatidos localmente ,se criarem muitas centenas depostos de trabalho para além depermitirem abrir novas fábri-cas, em todas as ilhas, que aoconfeccionarem calçado, bo-tões e pentes, aproveitariam oscoiros e os cornos até agora in-compreensivelmente desapro-veitados. A. M.

António Bulcão

Quero bancos nesta Aveni-da. De madeira. Bancos ondeme sente ao fim da tarde, acomer um gelado feito à mãopelo Vieira da PastelariaIdeal. Bancos de onde possacontemplar o Pico todo desco-berto. Sinto-me cada vez maispequeno. E para meter na ca-beça essa exacta noção da mi-nha insignificância no univer-so, têm sido importante o Picoe as estrelas. Algumas destasjá não existirão, restando ape-nas o que os meus olhos aindavêem. Mas o Pico está ali, nasua imponência. E quero olharpara ele longamente. Sentadonum banco na Avenida Mar-ginal.

Quero ver outra vez osclippers a pousar no meu colo.Quero ver o Jaiminho a apa-nhar sargos no caneiro das pe-dras arredadas pela maré. E oTaborda a apanhar polvos noLargo do Infante, tentáculossobre a relva verde, ventosasa agarrar a vida antes que nosvirem o capucho. Quero outravez a Calheta. E a Velas. E aEspalamaca. Mas de dia. Nãoquero os seus mastros ilumi-nados a chegarem do Pico comossos partidos ou quase mãesaos gritos. Quero jogardominó na esplanada do Inter-nacional. E depois vir sentar-me de novo no meu banco.

Para não chorar mais a areiaque ali havia e ainda teima emmostrar os seus castelos. Domeu banco, quero ver crescera obra nova. Neste mar quetem sido a nossa porta. Já vejo,

O meu banco

senhores. Já vejo os braços desal. E os ancoradouros. E osnavios de cruzeiro. Saem cen-tenas de turistas ávidos. Com-pram o artesanato nas muitaslojas que nasceram ao longodesta marginalidade. E queijo,na outra mais além. Bebem vi-nho de cheiro e dizem "good".Sentam-se ao meu lado e nemme vêem. Mas eu não me im-porto.

Já tenho o meu banco. Queme oferece generosos jurostodos os dias pelo meu depó-sito, pela minha poupança dememória. Não sabíeis? Poispassai por lá. A nova sede doClube Naval já está pronta. Eficou bonita. Sentai-vos nes-te ou noutro banco. Vedes?Vedes a baía cheia de remose velas? Lusitos que já têmoutro nome? E snipes? Epranchas de windsurf? Eveleiros? E canoas baleeiras?E os ferry que unem o triân-gulo? E os outros veleiros, deoutras paragens, de outroslugares deste mundo tão gran-de? Não ouvis? Esta AvenidaMarginal transformou-senuma Babi-lónia. Mas temmúsica, este linguarejar, estaamálgama de palavras comsentido.

Quereis ver o que fomos?Quereis ver o que não somos?Então vinde. Empresto-vos astábuas do meu banco. E sen-tar-me-ei no chão. Ao vossolado. Olhando o Pico, que estálá. Esse sim, todo lá. A ajudar-me a sentir-me cada vez maispequeno.