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À Mesa de Natal Paulo Oliveira Sérgio Luís O simples acto de entrar num automóvel, pegar no volante e conduzir estrada fora, transforma um ser humano num outro ser absolutamente inesperado e até desconhecido para ele próprio. O homo sapiens vira homo mobile. Assim, podemos ver um pacato cidadão travestir-se num acelera perigoso, um doutor diplomadíssimo ser um nabo ao volante ou um peão indefeso transformar-se num motorista furioso. Depois de vários anos a circular nas estradas lusitanas é fácil agrupar os diferentes tipos de condutor por estilos de condução. É como coleccionar cromos e colá-los numa caderneta. Vamos ver então alguns desses cromos. O primeiro é o CONDUTOR DE DOMINGO. O condutor de domingo tem o carro na rua envolto numa cobertura plastificada, cor cinzenta, ou fechadinho na garagem por causa das intempéries. Quando chega Sábado, o popó vê finalmente a luz do dia. Então, com carinho e dedicação, o nosso condutor lava a viatura e de seguida limpa-lhe o pó do tablier e do cachecol da Selecção que envolve o encosto de cabeça. Por fim o esmerado condutor dá brilho à medalha de S.Cristóvão e aspira os tapetes e o carpélio que enfeita o vidro de trás. No Domingo mete a família toda no carrinho e vão dar uma volta aos arredores. Quando passa pelas ruas da cidade o nosso condutor conduz mais devagar (muito devagar) para a patroa poder ver as montras sem se apear. O condutor de Domingo gosta de parar nos cruzamentos e fazer de polícia sinaleiro. Sentado ao volante, e e e e e 6 Os Cromos da Estrada Aproxima-se mais um Natal. A nossa idade, também se mede pelo número de Natais vividos, tal como as árvores, pelo seu cerne, com os seus anéis de Verão / Inverno. Para mim, será o quadra- gésimo oitavo, já que nasci em 1961. Dos que me lembro, e dos que não me lembro, mas que me relataram, existem muitas diferenças físicas e materiais, mas poucas sentimentais e familiares. Há 40 anos, não havia “catedrais do consumo”, em que somos tentados por grandes prendas, em suaves prestações mensais, que nos farão lembrar, que o Natal será todos os dias do novo ano, todos os longos meses do ano novo, em que teremos de desembolsar um sofrido pagamento de uma tentação pontual, e da qual ainda nos poderemos vir a arrepender. Há 40 anos, as montras eram escassas, com poucas luzes e pouca oferta, em produtos que víamos e revíamos todos os dias, com o nariz colado aos vidros..., até ao dia que desapareciam da montra, milagrosamente, deixan- do um vazio imenso que não voltava a ser preenchido..., e esse vazio acompanhava-nos, até à Noite de Natal, na diminuta esperança de o desembru- lharmos. A CARTA A escrita da Carta ao Menino Jesus, era um momento solene e íntimo, em que havia que justificar as boas acções ao longo do ano, para renderem algumas prendas para toda a família, em que o signatário deveria ter o maior quinhão. Após concluída, a carta era metida num envelope e colocada numa pia baptismal sobre a cama, sendo vigiada, dia após dia, até ao momento em que, misteriosamente, desaparecia..., era sinal que o Pai Natal tinha vindo, e levado aquele rol de pedidos. Aconteceu num ano, em que me portei muito mal, que a dita carta voltou... Fiquei aterrado, o Pai Natal, face ao meu mau comportamento, havia devolvido a carta. O que fazer? Como remediar a situação? Foram longos dias de agonia, e excelente comportamento, na expectativa de recuperar a sua confiança..., que lá aconteceu, para meu alivio! A MINHA PRIMEIRA ÁRVORE A par do Altarinho ao Menino Jesus, com trigo e citrinos, havia o momento familiar da montagem e decoração da enorme árvore de Natal, que enchia por completo um canto da sala, com um ritual invariável: primeiro aprumada, depois rodada para o melhor ângulo, e de seguida e e e e e 15 O 1º Concurso de Banda Desenhada promovido este ano pelo jornal Avenida Marginal constituiu, não tenho sobre isso a menor dúvida, o momento mais alto na vida deste periódico. Coordenado pelo faialense Marco Filipe Fraga da Silva, professor na Escola Superior de Educação de Beja, este evento contou com o apoio daquela Instituição, da Bedeteca de Beja, da Cooperativa Cultural micaelense Mal amanhados, e ainda do Centro do Mar, na antiga Fábrica da Baleia, em Porto Pim, onde estará patente ao público, dentro de alguns dias, uma exposição dos trabalhos premiados. Com uma participação de noventa trabalhos, número excepcional para um concurso desta natureza, em ano de estreia, compraz-nos registar a adesão de alguns excelentes artistas que criaram sérios problemas aos elementos do júri na atribuição dos prímeiros lugares, pela qualidade do seu contributo. Os prémios atribuidos nesta primeira edição, conforme foi amplamente anunciado no regulamento do concurso, serão constuidos por um diploma a atribuir e e e e e 13 Deixa-te de brincadeiras PUB. Chão Frio - Praia do Almoxarife Telef. 292 949 028 772 674

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Quinta edição do jornal faialense Avenida Marginal.

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Page 1: Avenida Marginal 5

2 3 d e O u t u b ro d e 2 0 0 8

À Mesa de NatalPaulo OliveiraSérgio Luís

O simples acto de entrar num automóvel, pegar no volante econduzir estrada fora, transforma um ser humano num outro serabsolutamente inesperado e até desconhecido para ele próprio. Ohomo sapiens vira homo mobile. Assim, podemos ver um pacatocidadão travestir-se num acelera perigoso, um doutordiplomadíssimo ser um nabo ao volante ou um peão indefesotransformar-se num motorista furioso.

Depois de vários anos a circular nas estradas lusitanas é fácilagrupar os diferentes tipos de condutor por estilos de condução. Écomo coleccionar cromos e colá-los numa caderneta.

Vamos ver então alguns desses cromos.O primeiro é o CONDUTOR DE DOMINGO.O condutor de domingo tem o carro na rua envolto numa

cobertura plastificada, cor cinzenta, ou fechadinho na garagem porcausa das intempéries. Quando chega Sábado, o popó vê finalmentea luz do dia. Então, com carinho e dedicação, o nosso condutorlava a viatura e de seguida limpa-lhe o pó do tablier e do cachecolda Selecção que envolve o encosto de cabeça. Por fim o esmeradocondutor dá brilho à medalha de S.Cristóvão e aspira os tapetes eo carpélio que enfeita o vidro de trás. No Domingo mete a famíliatoda no carrinho e vão dar uma volta aos arredores. Quando passapelas ruas da cidade o nosso condutor conduz mais devagar (muitodevagar) para a patroa poder ver as montras sem se apear. Ocondutor de Domingo gosta de parar nos cruzamentos e fazer depolícia sinaleiro. Sentado ao volante, e e e e e 6

Os Cromos da Estrada

Aproxima-se mais um Natal.A nossa idade, também se medepelo número de Natais vividos,tal como as árvores, pelo seucerne, com os seus anéis deVerão / Inverno.

Para mim, será o quadra-gésimo oitavo, já que nasci em1961. Dos que me lembro, e dosque não me lembro, mas que merelataram, existem muitasdiferenças físicas e materiais,

mas poucas sentimentais efamiliares.

Há 40 anos, não havia“catedrais do consumo”, em quesomos tentados por grandesprendas, em suaves prestaçõesmensais, que nos farão lembrar,que o Natal será todos os diasdo novo ano, todos os longosmeses do ano novo, em queteremos de desembolsar umsofrido pagamento de umatentação pontual, e da qual aindanos poderemos vir a arrepender.

Há 40 anos, as montras eram

escassas, com poucas luzes epouca oferta, em produtos quevíamos e revíamos todos os dias,com o nariz colado aos vidros...,até ao dia que desapareciam damontra, milagrosamente, deixan-do um vazio imenso que nãovoltava a ser preenchido..., eesse vazio acompanhava-nos,até à Noite de Natal, na diminutaesperança de o desembru-lharmos.

A CARTAA escrita da Carta ao Menino

Jesus, era um momento solenee íntimo, em que havia quejustificar as boas acções ao longodo ano, para renderem algumasprendas para toda a família, emque o signatário deveria ter omaior quinhão.

Após concluída, a carta erametida num envelope e colocadanuma pia baptismal sobre acama, sendo vigiada, dia apósdia, até ao momento em que,misteriosamente, desaparecia...,

era sinal que o Pai Natal tinhavindo, e levado aquele rol depedidos.

Aconteceu num ano, em queme portei muito mal, que a ditacarta voltou... Fiquei aterrado, oPai Natal, face ao meu maucomportamento, havia devolvidoa carta. O que fazer? Comoremediar a situação?

Foram longos dias de agonia,e excelente comportamento, na

expectativa de recuperar a suaconfiança..., que lá aconteceu,para meu alivio!

A MINHA PRIMEIRAÁRVORE

A par do Altarinho ao MeninoJesus, com trigo e citrinos, haviao momento familiar damontagem e decoração daenorme árvore de Natal, queenchia por completo um cantoda sala, com um ritual invariável:primeiro aprumada, depoisrodada para o melhor ângulo, ede seguida e e e e e 15

O 1º Concurso de Banda Desenhada promovido este ano pelojornal Avenida Marginal constituiu, não tenho sobre isso a menordúvida, o momento mais alto na vida deste periódico.

Coordenado pelo faialense Marco Filipe Fraga da Silva, professorna Escola Superior de Educação de Beja, este evento contou como apoio daquela Instituição, da Bedeteca de Beja, da CooperativaCultural micaelense Mal amanhados, e ainda do Centro do Mar, naantiga Fábrica da Baleia, em Porto Pim, onde estará patente aopúblico, dentro de alguns dias, uma exposição dos trabalhospremiados.

Com uma participação de noventa trabalhos, número excepcionalpara um concurso desta natureza, em ano de estreia, compraz-nosregistar a adesão de alguns excelentes artistas que criaram sériosproblemas aos elementos do júri na atribuição dos prímeiros lugares,pela qualidade do seu contributo.

Os prémios atribuidos nesta primeira edição, conforme foiamplamente anunciado no regulamento do concurso, serãoconstuidos por um diploma a atribuir e e e e e 13

Deixa-te de brincadeiras

PU

B.

Chão Frio - Praia do AlmoxarifeTelef. 292 949 028

772 674

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2 • Avenida Marginal • sexta feira 18 de Dezembro 2009

Foi moroso e cansativo o processo burocrático de atribuiçãodos computadores Magalhães nas escolas básicas do 1º Ciclodevido à definição de prioridades ditadas pelo nível de rendimentosdas famílias, mas já quase no final do ano lectivo transacto, foramentregues às crianças na presença dos Pais ou Encarregados deEducação, conforme foi noticiado na altura.

Este tema tem sido amplamente explorado pelos bons, ousobretudo, maus motivos.

Relatou-me uma parente, professora do 1º Ciclo do EnsinoBásico na Ilha de S. Miguel que, uma semana após a entrega dosreferidos computadores, um pai a procurou perguntando:

“Ó Senhora, o rapaz estarrassou o computador e o que é queeu faço agora? Os botões saltaram e não trabalha!!!”

Outros, disse-me ela, venderam a bateria, pelos vistos oscompradores não estavam interessados em “botões” e monitores,vá se lá perceber os objectivos deste negócio. Outros ainda,desinteressaram-se do equipamento porque os jogos eram “muitoestúpidos”, tinham , ao que parece, apetência para um maior nívelde dificuldade dos mesmos.

Aqui no Faial não tive conhecimento de episódios semelhantesdevido provavelmente ao facto de eles terem sido entregues mesmonos últimos dias de aulas do ano lectivo.

A nível nacional, foi-me assegurado por uma professora docontinente e parece que até foi noticiado na televisão, que osaparelhos estão a ser vendidos em feiras.

No primeiro caso era previsível que surgissem situações dessetipo, os equipamentos, não são, em geral, à prova de maus tratose atitudes dessas são , infelizmente, muito comuns.

Pude testemunhar, ao longo de vários anos de trabalho na EscolaSecundária Manuel de Arriaga , em particular nos últimos anos,um crescente desprezo pelo património pessoal e de todos nós,pela maneira descuidada e até agressiva com que os jovensmanipulam os materiais de trabalho, em particular os aparelhos –atiram-se para o chão, para a mesa ou para a cabeça dum parceiro,as mochilas recheadas de livros, cadernos, calculadoras etelemóveis e se admoestados pelos professores, são rápidos aafirmar que não há mal, se avariarem, compram-se outros novos.

As novas e atractivas instalações desta Escola apetrechadascom renovados equipamentos que constituíram uma relevantevalorização em termos tecnológicos, pedagógicos e culturais paraa Ilha do Faial e há muito reivindicada, foram alvo de vandalismo- destruição e danos em mobiliário, pequenos roubos e danosespecificamente no que concerne aos computadores postos àdisposição dos alunos, para trabalho.

Lamentavelmente o acesso aos locais de utilização dosequipamentos informáticos passou a ficar condicionado adeterminados horários, tudo sob a fiscalização rigorosa defuncionários e professores, com evidente transtorno para muitosalunos.

Caberá a todos nós incutir nas crianças e jovens o sentido daresponsabilidade, o sentimento de pertença a uma segunda casaque é a escola, bem como a valorização e preservação dopatrimónio.

Estarrassaramo “Magalhães”

Fernanda Trancoso

O que eu não cheguei a contarà Marília

Lúcia M. de Mello Serpa

Conheço a Marília desde osquinze anos de idade quandoambas começávamos o 6º Anodo antigo Liceu Nacional daHorta. Nessa data o Manuel jáestava fora da ilha, levado pelacrueldade das condiçõessociofamiliares que separavaprecocemente os filhos que nãoqueriam ficar-se pelo trabalhodas terras e cujo recursopassava quase sempre peloSeminário de Angra doHeroísmo.

Só uns bons anos depois mecruzei com o Manuel, naFaculdade de Letras de Lisboaonde completámos os estudos.Acabámos na mesma profissãoe na mesma Escola durante 30anos, até à sua reforma.

O Doutor Manuel Faria deCastro, façanhudo e exigente,era um pedagogo nato. Para ele,ensinar, sempre foi uma arte queultrapassava o estudo daHistória e o âmbito da sala deaula.

Todo o acontecimento quefosse a notícia do dia tornava –se o tema de debate da aula queele inteligentemente explorava ,se possível relacionando-o comfactos históricos.

Habilmente, aproveitou todasas oportunidades para participarem congressos, encontros,fóruns, assegurando sempre, emtrocas com colegas, que os seusalunos não ficassem preju-dicados.

Por uma enorme e cruelironia do destino todos nós,colegas, invejávamos a sorte queo bafejava, pois apesar dos seusimprovisos e arranjos de última

hora, o Faria, optimista até dizerchega, saía-se sempre bem: OFaria viajou para a Itália comum grupo de alunos, semdocumentos (acabara de perdera carteira), conseguiu cumprirtodo o roteiro da viagemludibriando a Segurança, comtanta sorte que quandoregressou a Lisboa já alguémtinha encontrado e entregue acarteira (é preciso assinalar quenunca lhe passou pela cabeçadefraudar as expectativas dosalunos nem perturbar a euforiada viagem por tão azaradopercalço.); o Faria, no último diado prazo de entrega do Relatóriopara a sua mudança de escalãotelefona-me: “Estou na Armé-nia. Vim ver um jogo de futebol.Ajuda aí a Marília, junta meiadúzia de documentos para elaentregar na Escola.”

Mas o Faria tinha o seu “ladoSolar”. E tratava os que eleconsiderava amigos comextremo carinho e afecto. Não

passou um ano sem que ele meviesse bater à porta, trazendo,ora um frasco de mel, ora umadúzia de ovos, laranjas, limões epoucos dias antes do seu trágicofim ofereceu-me uma garrafade vinho doce que acabara deser feito na sua adega da Praiado Norte. Isto tudo, para dizerque o Faria, muitas vezesinoportuno e insuportável, eratambém uma pessoa afectuosae com uma qualidade poucoreconhecida: a solidariedade.

Contudo o que eu queromesmo contar à Marília não énada do que atrás disse. Queisso ela já sabia.

Marília, minha amiga. O teuManel, aquele chato que viajavasem te avisar para onde ia, queme telefonava a desoras só parame perguntar “ Quando é quete reformas? Deixa isso, e seperderes 300 Euros depenalização, vais de certezaganhar muita qualidade devida”. (Sábio Faria, é issomesmo que eu vou fazer!).

O teu Manel, um dia, não hámuito tempo, veio confidenciar-me: Já ouviste aquela canção doRoberto Carlos “Amor semlimite”? (ele sabia que era umadas referências musicais daminha adolescência) Eh pá! Élinda! Ouve e repara na letra.Era aquela canção que eugostava de dedicar à Marília! Euri e ameacei: “Pois, dizes isso amim, mas tens de lhe dizer é aela!”

Não sei se ele te chegou adedicar a canção, Marília, maspodes ter a certeza que ele teamava profundamente e muitas

vezes confirmou a imensaadmiração que sentia pelagenerosidade com que o“aturavas”. Ouve a canção,Marília!

Meu Amigo Manuel Faria deCastro, tirando os que nãogostavam de ti, são muitos,muitos mais, aqueles em cujasvidas deixaste marca e quenunca te esquecerão.

Horta, Setembro de 2009

O Magalhães é reciclável...

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sexta feira 18 de Dezembro 2009 • Avenida Marginal • 3

Frederico Cardigos

Nas vésperas do novo anoaqui fica a minha sugestão deano novo: Visite Istambul! 

Seguindo o meu conselho,suponha o leitor que é umpotencial turista que irá visitar aTurquia em breve. Portanto,sorte sua, irá, a partir destemomento, beneficiar dosconhecimentos de um expe-riente ex-turista que esteve emIstambul durante seis dias!Quando eu parti, não tinha lidoesta crónica e, por isso, tiveenormes dificuldades. E passojá a justificar o exposto com umensinamento Oriental queaprendi no ”Museu de Históriada Ciência e da Tecnologia doIslão “ de Istambul. Segundo assábias palavras de Ibn Magid(proeminente navegador dosséculos XV e XVI), existem trêstipos de profissionais: os queaplicam sem cogitar (marin-heiros), os que pensam emelhoram a sua profissão(mestres) e os que partilham oque aprenderam. Apenas estesúltimos ascendem à excelênciado seu metier. Portanto, aquiestou eu, turista reformado deIstambul, a partilhar a minhanova sapiência.

Primeiro ensinamento.Escusa de trocar dinheiro emPortugal. As flutuações domercado financeiro, as conver-sões mais favoráveis e os muitosgabinetes de câmbio aconse-lham a trocar dinheiro in loco.Atenção, não troque nos bancosporque a conversão é menosfavorável e, como em Portugal,têm um horário mais reduzido.

Ensinamento sobre trans-portes. Viaje nos transportespúblicos. Eu optei pelo chamadoJetOn e por andar a pé. Éuma óptima e saudável combi-nação. Não compre o bilhete(uma pequena moeda quese insere à entrada de unstorniquetes) a qualquerfuncionário que esteja porali perdido. Quando o fiz, fuienganado em 30%. Compre nosguichets que se encontram,habitualmente, a 20 metros dostorniquetes.

Ensinamentos sobre comér-cio. Não sorria, você vai serenganado nas compras que fizer.Mesmo assim, aqui vão algumasindicações. Nunca pergunte opreço. Perguntar o preço é umsinal de fraqueza. Das três uma:o preço está assinalado (o quenão significa que não sejanegociável, mas, normalmente,corresponde a um bom preço);você sugere o preço demons-

Turquia para principiantes, como eu era

trando um enorme saber e umaenorme confiança ou, seperguntar, será enganado. EmIstambul há mais de uma dezenade sinagogas, mais deuma centena de igrejas emilhares de mesquitas. Pareceum número elevado, não é?No entanto, por cada um destesmonumentos, eu vi dezenas delojas. Aqui há uma tradição deenganar o próximo (leia-se,negociar) com centenas deanos. Não será você que iráfazer quebrar esta tradição. Selhe venderem um produtoé porque está a perder dinheiro.Um vendedor em Istambul, seestiver a perder dinheiro, nãovende. Não há amizade ougalanteio. Dou três exemplos: 

1) Reparei, quando entravano Palácio Topkapi, quevendiam duas garrafas de águapor meio euro (vou referir-me aeuros para situar, embora ocomércio seja feito habitual-mente em liras turcas). Quandosaí, encontrei um vendedor quepedia meio euro por garrafa.

Mostrei-me irredutível edisse-lhe que apenas pagaria umquarto de euro. Ele mandou-mepassear com um belo “então,não bebe! “. Apenas 50 metrosà frente, lá estava um vendedorcom o preço certo. Ou seja,apenas porque não estaria aenganar-me o suficiente, oprimeiro vendedor não vendeua água.

2) Perto da enorme basílicade Santa Sofia, agora um museudepois de ter sido uma mesquita,estava um vendedor daquelestradicionais chapéus árabes. Porsugestão, resolvi utilizara aproximação marroquina eofereci metade do preço,disposto a subir 20%.O vendedor olhou para mimcomo se eu o estivesse aofender -  ”eu seria lá capaz deo enganar “. Como planeado,ofereci um pouco mais demetade e dispus-me a comprartrês chapéus. Grande negócio,pensei eu... Tinha acabadode comprar três chapéus por 17euros e meio. Uma bagatela!Mais tarde visitei a Meca docomércio em Istambul, o GrandeBazar. Aí, pude ver os meus trêschapéus por 3 euros...

3) Com as experiên-cias anteriores, eu não poderiaser mais enganado. Agora sabiatudo sobre o comércio naTurquia. Um autêntico profis-sional da sociologia local.Engano. Enganado! À porta daMesquita de Süleymaniye resolvi

comprar postais. Estava naaltura de escrever à família etinha que “queimar tempo “porque estava no período dasorações (em que os turistas nãodevem entrar nas mesquitas).Fui até à loja mais próxima esiderei-me por um lindo postalvermelho com a simbologiaturca. Como estava um poucocarcomido do Sol achei queobteria um bom preço.Perguntei, o dono respondeu-me, “meio euro “. Tinha de

memória que um postal em boascondições, aqui, custaria cercade 5 cêntimos e,por isso, senti-me verdadeiramente enganado.Com um misto de repulsa pelovendedor e orgulho por terescapado, coloquei o postal nolugar e fui à minha vida. Eleainda gritou “quantos quer? “,mas era tarde. Fui-me! Já aoanoitecer passei numa loja queanunciava “10 postais por meioeuro! “Eh, eh... Aqui estava.Dirigi-me ao escaparate, escolhie paguei. No final, a um turistaque tinha acabado de chegar,ainda disse “os postais maisbaratos da Turquia “. Que toloeu sou... Nem 10 passos à frenteestava outra loja que anunciava“12 postais por meio euro! “...

Mesmo que não compre,ficará sempre frustrado. Porqueé que ficará frustrado semcomprar? Porque, há realmenteprodutos muito baratos e, se nãocomprar qualquer coisa, ficarácom a sensação de que perdeuuma excelente oportunidade.Em súmula das questõesde compras, veja primeiro, tomenotas e vá para fora dos centrosturísticos. Vá até aos locais emque os turcos compram. Eu fizisso e pareceu-me queeram preços mais concorren-ciais, não me sentindo maisinseguro por estar fora das zonasturísticas.

Ensinamentos sobre pas-

seios. Ao final da tarde vá atéà beira do Bósforo. O ventotérmico é mesmo agradávele refrescante. Se estiver nazona dos barcos verá uma dasmaiores confusões, commilhares de seres humanos acruzarem-se a velocidadesincríveis para terem a certezaque não falham o último barco.Todos são o último, pelo que vi.

Por falar em Bósforo. Dêum passeio de barco peloBósforo. Às 15 horas, à entrada

do Museu de Santa Sofia irãoprometer-lhe um passeio debarco por 15 liras. Na realidade,depois de estar dentro do barco,o preço transforma-se em 15euros, mas vale a pena.Para além dos Guias serem deuma enorme gentiliza esimpatia, dominam inglês,francês, espanhol e italiano.Fiquei impressionado com a suafluência e conhecimentos. Paraalém disso, uma paragem de 30minutos no outro lado dáum pequeno sabor a Ásia quefica bem a qualquer viajante quese preze. Tenha também ematenção que à ida para o barcoirão levá-lo de minibus, mas àvolta estará por sua conta.Aproveite para ver o Bazar dasEspeciarias que fica ali perto.É imperdível.

O Expresso do Oriente,que terminava em Istambul, foiesquecido. Hoje em dia háapenas umas fotos numaparede de um restaurante edum hotel homónimos. Noentanto, não consegui encon-trar um belo museu quereplicasse o luxo, o bom gostoe as aventuras desse marcodos séculos XIX-XX. Talveztenha sido a minha maiordesilusão nesta viagem.

Considerações finais.Este país, sucessor da influ-ência grega e dos ImpériosRomano, Bizantino e Otomano

é um colosso que não está adormir. A Turquia representauma das 20 maiores economiasmundiais e é também umapotência regional localizada numlocal estratégico na ligaçãoentre o Norte e o Sul e entre oOcidente e o Oriente, com umacultura original e bempreservada. O seu exército é osegundo maior da NATO commais de 1 milhão de homens.Para este país, fundamen-talmente modernizado em 1923,antevejo grandes passos emdirecção a uma democraciaplena (neste momento apenasos partidos com mais de 10%dos votos podem estarrepresentados no Parlamento).Esta é uma terra orgulhosa dosseus. A título de exemplo refiroque os vencedores dos simplesjogos escolares locais têma fotografia exposta no liceu emcartazes com vários andares dealtura.

A cidade de Istambul temmais de 8 mil anos de Históriapara contar. As maiorescivilizações europeias passarampor aqui e isso reflecte-se numacultura diversa e disponível aquem quiser visitar. O visitante,apesar de permanentementeassediado por vendedores,sente-se bem recebido. 

Existem diversas formas deaferir o nível de uma civilização.Entre elas, a forma como tratamas crianças e os animais. Onúmero de vezes que o meufilho David foi acarinhado, semqualquer razão especial, apenasé comparável ao número degatos. Estes omnipresentesanimais são alimentados portoda a gente, especialmentepelos varredores de rua queassim se livram dos restos decomida. Não se admire se, porbaixo de uma mesa derestaurante, aparecer um gatoa roçar-lhe nas pernas. É queesta é uma cidade de gente debem.

O que gostaria de ter feitoe não fiz? Gostava de terfumado um daqueles cachimbosde água. Gostava de ter tomadoum banho turco e de ter viajadopara o interior da Turquia. É bomnão ter esgotado as opções,assim tenho mais razões paravoltar!

Obviamente, estesconselhos são dados por alguémque esteve apenas seis dias naTurquia, somente numacidade. Portanto, manda o bomsenso, siga o seu.

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4 • Avenida Marginal • sexta feira 18 de Dezembro 2009

Era assim, com voz forte, que oHonorino Andrade lançava pelo ar o seuboa tarde dirigido ao Francisco Jacintode Oliveira (o Barbeiro), enquantopassava pelo passeio do lado do Mercadoa caminho do trabalho, na loja deferragens dos srs. Macedos. Do outrolado da rua, na loja da casa do sr. Viana,a malta que enchia a barbearia doFrancisco todo o santo dia da 1 às 2 datarde, aceitava o cumprimento como sefosse para todos. O Chico correspondiacom um ligeiro aceno de mão e umsorriso amigo, até porque, mesmo quequisesse retribuir, sua voz jamaisconseguiria atravessar a Rua Direita,abafada que seria pela barulheira queáquela hora tomava conta do salão.

Com meia dúzia de cadeiras, umamesinha cheia de revistas e jornaisversando obviamente sobre esporte, obengaleiro, o móvel com material de

trabalho, tudo pintado de branco, mais aindispensável cadeira giratória debarbeiro, assim era o ambiente no localonde todos nós, em algum momentoiriamos “entrar na tesoura” do Chico.Ah! E na parede várias fotos demomentos gloriosos do futebol e dohóquei do Fayal Sport – o Chicologicamente era dos verdes – e uma fotomaior, especial, do Misto Fayal/Sportingque um dia logrou ganhar do Barreirense,que foi ao Faial, quem sabe, pensandoque seria fácil ganhar “daquelesmornaças das ilhas”... Deram-se mal!Ainda lembro bem do memorável jogo.

No barbeiro, a gente analisava,discutia, criticava ou elogiava tudo sobreesporte, fosse o local, o do continente ouinternacional. O “Bebé” Sarmentobrincalhão que só ele, auto-elogiava-se,comparando o seu estilo de futebolistaao do Di Pace, jogador do Uruguai, poraqueles tempos campeão do mundo.Tudo isso era motivo para brincadeira eo importante mesmo era rir e ficar bemdisposto. Todo o mundo era“especialista” em tudo e sempre tinha naponta da língua uma opinião, para botarmais lenha na fogueira!

Sentado, com os braços apoiados nas

Oh barbeiro!!!Gustavo M. Ramos da Silveira

costas duma cadeira virada aocontráriom o “São Pedro” (Neves)participava ativamente das discussões,normalmente mais criticando do queconcordando. E de repente, no meio daconversa, chegava o António Jorge com“as últimas em primeira mão”. Era elecomeçar a falar e a turm logo seescangalhava de dar risada. Ele tinha odom de fazer graça e piada, mesmoquando queria contar alguma coisa séria!De vez em quando os irmãos Pinheiro(João e Ludgero) também espreitavamà porta para marcar a presença dossportinguistas, mas logo tinham que voltarpara a farmácia. Sempre tinha alguémquerendo comprar remédios.

A “assistência”, de forma displicente,sentava-se até nos degraus que davamda porta da rua para dentro do salão e,para entrar, a gente tinha que pedirlicença enquanto ia apartando os

sentados. Quando dava um quarto prásduas começava a debandada de volta aotrabalho. As pendências ficavam para odia seguinte. À mesma hora. Uma vezmais ainda no Barbeiro, marcoinesquecível e referência amiga dasnossas vidas daqueles bons tempos!

Uma dele: na esquina da Praça daRepública, perto do cartaz que anunciavao filme do Teatro Faialense – o Romeuamarrava-o bem ali numa árvore – estavaum “Banha da Cobra” vendendounguento que curava desde dor debarriga até unha encravada. Em volta,um magote de curiosos atentos aosconvincentes argumentos do “artista”preparava-se, quem sabe, para comprarum daqueles potinhos milagrosos...

Sentei-me na cadeira para cortar ocabelo e comentei com o Chico como erapossível ainda haver gente que acreditavanaquela conversa. Segurando a tesouranuma mão e apoiando a outra no meuombro ele disparou: “oh Gustavo, omundo tá cheio de tolos. Só precisa ésaber achá-los!” O Barbeiro sabia dascoisas... Valeu Chico!

São Paulo, 11/09/09

Feteira, Setembro de 1957

O verão terminou e, com ele asfestas. Volta-se à rotina usual da época:faina do mar se o tempo o permite(estamos na época dos ciclones) apanhado milho e do tremoço nas terras.

As pessoas andam inquietas; é que aterra começou a tremer. Um sismoocasional, logo seguido por outros demaior intensidade lançam o pânico naspopulações. Até os animais se recusama entrar nos estábulos à noite.

Como sempre, procura-se a ajudadivina e as orações do entardecer naigreja têm maior número de fiéis.

A crise sísmica, aparentemente iguala tantas outras, não diminui, pelocontrário, intensifica-se. A populaçãotenta seguir a sua rotina diária mas aperturbação é cada vez maior.

Os próprios mestres das embarca-ções que regularmente se fazem ao mará força de seis remos movidos cada umpor um homem, tendo como únicos meiosde navegação alguns pontos dereferência em terra, como comunicaçõessinais emitidos com um trapo atado naponta de uma cana e que tal comoescreveu Raul Brandão… orientam-sepor vaga…, dirigindo contudo comprecisão as suas embarcações à “marcada Feteira”, decidem ir somente “alifora” apanhar um “pexinho para comer”.

Relembro a propósito, entre outrosverdadeiros lobos-do-mar, “Mestre JoãoVieira”, “Mestre Manuel Bacalhau”, “MestreManuel Ratinho”, “Mestre Belmiro”,“Mestre Manuel da Panela”, etc.

E no dia 27 surge a notícia. Rebentouum vulcão nos Capelinhos.

Lembro-me perfeitamente deste dia.As ruas da freguesia somentefrequentadas pela “urbana” dos Farias epelo “carrão do Malhado” passam a terum trânsito inusitado.

Na nossa casa apercebemo-nos quealgo de anormal se passa. Mas é a vizinhaMaria Júlia que mete a cabeça entre osbardos e dá a novidade aos meus Pais.

Fico estarrecido, não pelo fenómenoem si, mas pela ânsia demonstrada pelosmeus Pais.

Apesar de me ensinarem na escolaas vias-férreas, rios e seus afluentes dePortugal Continental e Ultramarino (ex– colónias), não sei o que é um vulcão.Tal palavra não faz parte do meuvocabulário. Mas a postura dos meusPais leva-me a concluir que algo de muitograve se passa.

Decorrem os dias: do mar nasce umailhota precedida de fumarolas e de umazona avermelhada no mar. Sucedem-seos sismos e a ilhota continua a crescer.As cinzas, nuvens negras e explosões,sugerem um espectáculo verdadei-ramente dantesco. Diz-se que até na ilhaTerceira se ouvem.

À noite o espectáculo é maisaterrador: algo semelhante a trovoadaque tudo parece desfazer.

Quedamo-nos à janela da nossa casavirada a poente com o meu Pai, cuja

Ângelo Andrade

presença não dispensamos e não damosum passo sem ele. A fraca luminosidadedos candeeiros a petróleo e as sombrasprojectadas tornam o cenário ainda maissinistro.

Muitos cientistas e vulcanólogosdeslocam – se à ilha, destacando-se oEng.º. Frederico Machado que sempreesteve presente.

Um dia corre a notícia. O vulcãoapagou-se e a ilhota desapareceu. O meutio Francisco (que vivia na Praia do Norte)apareceu na nossa casa como sempremontado na sua velha bicicleta (quejamais permitia que eu a utilizasse apesarde todas as minhas artimanhas) e,garantiu que esses senhores teriam dito,e jamais esquecei as suas palavras “ queo vulcão ainda era um menino”

Hoje entendo o que queria dizer; queainda não tinha atingido a sua fase maisexplosiva:

E assim aconteceu.Na noite de treze de Maio de 1958 a

terra tremeu constantemente. A freguesiada Praia do Norte e o lugar do Canto doCapelo foram literalmente arrasados.Diz-se que o Governador Civilestabeleceu planos para a evacuaçãogeral do Faial.

O meu Pai decidiu enviar-me com aminha Mãe para casa de uns tios em S.Jorge, na velha traineira “Urzelina”. Osmeus irmãos ficaram por motivosprofissionais. O meu pai acompanhou-nosa S. Jorge e logo regressou. Durantemuito tempo não percebi porque o fez.Várias vezes lhe perguntei sem obtercontudo, uma resposta precisa.

Foi o pior verão da minha vida. Sentia-me desenraizado no meio, a falta daminha Família, dos meus amigos ecompanheiros de vivência do porto, e domar sempre presente.

Aos poucos tudo volta á normalidade.Não tudo! Adopta-se a política de

facilitar a imigração como forma deobviar os problemas decorrentes da crise.Consequentemente inicia-se o processode redução populacional do Faial.

Acredito que foi nessa época que oFaial a sua economia e a sua relevânciaa nível do arquipélago entrou em declínio.

Uma política errada e mediática queainda hoje impõe as suas marcas econsequente aproveitamento, e quedeveria servir de reflexão para todos.

(Recordações numa tarde de Outono no calhaualgures entre o porto da Feteira e a pedra da Velha)

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A História dos Bombeiros em PortugalHélio Pamplona

Foi a 25 de Agosto de 1395pela carta régia de D. João I que,correspondendo a solicitações doSenado da Câmara de Lisboa, seestabeleceu as primeirasdirectivas escritas, sobre atomada de medidas preventiva ede combate a incêndios.

Assim nasceu a primeiraforma organizada de prestaçãode socorro às populações, omesmo é dizer, o primeiro corpode bombeiros.

Passados 614 anos, a históriados bombeiros portugueses écaracterizada pelo empenho ededicação, de sucessivasgerações de portugueses, àcausa da preservação da vida edos bens dos seus concidadãos.Hoje existem no país 434 Corposde Bombeiros detidas porAssociações Humanitárias deBombeiros, e 27 Corpos deBombeiros detidos pormunicípios, que são anualmenteresponsáveis por mais de 1milhão de serviços deemergência em património deserviço público de grandedimensão.

O Lema VIDA POR VIDA,ou seja a plenitude doCompromisso, de cada homempara com os seus irmãos, naplenitude dos valores entãoassumidos na prática quotidianados cidadãos. A plenitude do ser,do saber ser e do saber fazer.

O lema que orienta umvoluntário nos Bombeiros é:Voluntário por opção!Profissional na acção. Ora estelema conjugado com o lema quecitou e que é comum a todos osbombeiros, conduz-nos àconclusão óbvia de que obombeiro voluntário não pode seramador. O exercício da missãode bombeiros pressupõe a

aquisição permanente de muitascompetências, de muitas horasde treino e de muita formação.

Para além dos bombeirosentende-se que todo e qualquervoluntário tem de ter a humildadede perceber que tem depreparar-se para o exercício dassuas missões. Hoje ninguémpode agir sem os saberesinerentes ao que faz, mesmo quena situação de voluntário.

É também fundamental, digo,

essencial que as entidadespromotoras de voluntariadopromovam o reconhecimentosocial dos seus voluntários. Écom este objectivo queanualmente se elegem, e sereconhecem o mérito aoBombeiro, ou seja, o bombeiroou equipa de bombeiros que porqualquer acto de coragem eabnegação, no exercício da suamissão, possam ser apontados àsociedade como exemplo.

A sociedade deve reco-nhecer aqueles que através deactos, se assumem comoreferência colectiva de valores.É urgente que na próximalegislatura o poder político definauma estratégia consistente dedesenvolvimento e valorizaçãodo voluntariado na sociedadeportuguesa. Chega de retórica.São precisas medidas efectivas,alicerçadas na convicção dovalor do voluntariado comoinstrumento de formação demelhores cidadãos.

Esta é a posição de DuarteCaldeira, Presidente da Liga deBombeiros.

Nós por cá, ainda durante oséculo passado, nenhumaespécie de serviço de incêndioshavia na Horta. As casas ardiammuito à vontade, do princípio aofim, embora numerosas pessoas

acudissem, sempre na heróica eatabalhoada faina de lhes valer.

Por volta de 1850, oGovernador Civil oficiou àCâmara pedindo providências aeste respeito: aquela situação deabandono ante o lavrar do fogoera uma desumanidade. ACâmara responde (of. de 4 deMarço (Tombo da Câmara daHorta, liv.XXVI, fls. 111) que lhenão era indiferente o caso; masassoberbada por múltiplas

despesas obrigatórias e falha derecursos, nada podia fazer. Jáem 1848 o administrador doconcelho expusera o problema,reclamando utensílios para aextinção de incêndios, e então,como agora, fora-lhe impossívelremediar. Em todo o caso nãofoi lembrança deitada em sacoroto, porque, daí a quatro anos,esses utensílios foram adquiridose a autoridade administrativainformada do armazém ondeestavam arrecadados (2). Eramuma pequena bomba manual ealguns baldes.

De novo (1875) emconsequência do grandeincêndio que destruiu a casa deRoberto Augusto de Mesquita,

na esquina da Rua de Jesus, oGovernador Civil solicita àCâmara a adopção de medidaseficientes. Mas, que fazer, se apenúria municipal era sempre amesma ( Tombo da Câmara daHorta, liv.XLV, fls 35).

Em sessão de 21 de Maio de1877 a Câmara estabeleceu oseguinte: uma gratificação de4.800 Réis a cada um dosprimeiros oito homens queacudissem com a bomba aosincêndios.2800 Réis a cada umdos primeiros doze homens quese apresentassem com cestosou potes (Tombo da Câmara daHorta, liv XLVI, fls 148).

Não foi de todo vã adeliberação, porque criou nopúblico o incentivo do socorro.

Pelo menos havia quemquisesse valer.

Faltava, porém, a instruçãoadequada, o método; sobretudofaltava água.

Anos depois( sessão de 8 deFevereiro de 1882) é elaboradoe aprovado um regulamento parao serviço de incêndios, criando-se uma companhia deBombeiros Voluntários, muni-cipais (2).

Louvável ideia; mas,praticamente, de nenhumresultado. As labaredas, quandose ateavam, lambiam tudo coma mesma anterior liberdade. Onecessário era, antes de maisnada, obrigações legisladas,alguma pecúria para material eágua de fartar para a bomba.

O problema veio afinal aresolver-se com a criação doactual corpo de bombeirosvoluntários, que obteve alvará deaprovação passado peloGoverno Civil, em 20 de Maiode 1912.

Devidamente organizados eapetrechados, e tanto quantopossível conhecedores do ofício,os Bombeiros Voluntários daHorta, com o seu fim altruísta eserviços já prestados, bem

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merecem do público incon-dicional simpatia e apoio. Creioque de facto assim sucede,porque à digna Associaçãoconcorrem subsídios (talvezainda não tantos como era dedesejar) de particulares ecorporações.

Com esse ofício a Direcçãoda Associação Faialense deBombeiros Voluntários temvindo nestes seis meses abeneficiar o actual edifício doQuartel. Incluindo a camaratapelo sector feminino, chamamosa atenção dos faialenses que narecruta a levar a cabo pelo corpooperacional, estão habilitados 23cidadãos, sendo 14 do sexofeminino.

Oportunamente a Direcçãocontactará os faialenses nosentido de propor medidas queirão ao encontro do bem-estardos nossos «Soldados da Paz»,que dispendem parte do seudireito ao lazer, depois de um diade trabalho, a colaborar com acomunidade faialense.

Com este editorial, pretendea Direcção da AssociaçãoFaialense de BombeirosVoluntários, Instituição deUtilidade Pública, fundada a 16de Maio de 1912, federada naLiga dos Bombeiros Portu-gueses, Cavaleiro da Ordem deBenemerência, e Medalha deOuro duas estrelas da Liga dosBombeiros Portugueses, dar aconhecer a todos os faialensesa história de tão prestigiadaInstituição.

Cientes de que estamos acontribuir para o engran-decimento dos nossos «Soldadosda Paz», e respeitando o lema«Vida por Vida », damos àestampa a história de quase umséculo, a contribuírem para obem estar dos faialenses, e detoda a Ilha do Faial.

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Os Cromos da Estradaeeeee 1 esbraceja para os outroscondutores, que, coitados, não sabem oque andam ali a fazer. Normalmente, nofim do passeio (dos tristes, como se chama)mede o nível do óleo do motor com a varetada praxe e faz a média do combustívelgasto.

O próximo cromo é o CONDUTORPROFISSIONAL.

Este condutor, que conduz umacarrinha de caixa fechada, está semprecom pressa porque segundo as suaspalavras ele anda ali a trabalhar... não andaa passear. E anda sempre com pressaporque se bater é o patrão que paga. Pagao bate-chapas, paga o combustível e pagao seguro. Para dar um toque demodernidade usa sempre um CDpendurado no espelho retrovisor.

Outro tipo de condutor profissional éo taxista. Conversador nato, tem sempreuma opinião sobre qualquer assuntomesmo que isso não interesse ao cliente.No entanto o futebol e a política são osseus pratos fortes. O mesmo não se podedizer da geografia ou da matemática, já queignora que a menor distância entre doispontos é uma recta e não uma volta pelossubúrbios antes de chegar ao destino. Nãotolera os erros dos demais utentes daestrada e distribui impropérios e gestosbelicosos pela janela do táxi.

Outro cromo que se vê muito nas ruase estradas portuguesas é o CONDUTORDE CHAPÉU NA CABEÇA.

Este condutor já anda pela terceira idadee, com o seu chapéu na cabeça, conduzum daqueles carrinhos que parecem umamáquina de lavar roupa com 4 rodas. Estesmicrocarros têm a alcunha de “papa-reformas” ou “mata-velhos” porque sãoadquiridos por reformados que toda a vidaconduziram uma Famel ou uma Zundappe estão fartos de chuva e sol no capacete.Este condutor anda por aí a empatar otrânsito sem nunca perceber que quandocircula por uma rua leva a trás de si umcortejo doutros condutores furibundos pornão poderem passar dos 20 quilómetros àhora. Ele faz manobras perigosas com amaior das calmas e gaba-se de nunca tertido uma multa na sua vida. Cuidado comos condutores de chapéu na cabeça.

Um cromo da estrada, já antigo, é oEXECUTIVO. Conduz um automóvel dealta cilindrada bem lavado e bem polido.Anda na estrada como se ela fosse umadas suas propriedades. Chateia-se imensopor ter que parar para dar prioridade a um

Fiat Panda e faz ultrapassagens perigosasporque gosta de mostrar a potência dassuas centenas de CV. Outra coisa que ochateia muito são as multas que apanha sópor estacionar em 3ª fila enquanto vairapidamente assinar o expediente doconselho de administração de uma das suasempresas. Faz a autoestrada A1 a 200 Km/hora, com os máximos ligados – comomedida dissuasora – e sempre detelemóvel na orelha para ostentar o seustatus. Costuma dizer, com um certoorgulho, que conduz por intuição e até jáse esqueceu do Código da Estrada.

A seguir vem um cromo muitoconhecido: o MOTARD. Como todos osoutros condutores de veículos de duasrodas o motard também anda sempre cheiode pressa. Com brutas máquinas decromados reluzentes cavalgam o asfaltocomo verdadeiros cowboys na pradaria. Osmotards são assim uma espécie de triboque se veste com roupas de coiro negro,botas de montar e capacetes nazis.Reúnem-se em grandes aglomerações parabeber, beber, beber, conversar sobre motase celebrar não se sabe bem o quê. Depoisdestes ajuntamentos os motards partemestrada fora com excesso de álcool eexcesso de velocidade e vão exigir àsautoridades que coloquem protecções nasbarreiras metálicas das estradas para não

se magoarem muito quando caem da motaque circulava só a 180 Km/hora.

Um dos cromos mais recentes é oTUNING.

Este condutor não tolera modelos defábrica e então transforma um veículoautomóvel numa loja de electro-domésticos. Além de querer mudar o visualdo carro, aplicando ailerons e pára-choquesamaricados, também lhe altera ascaracterísticas técnicas para ter maiscentímetros cúbicos de show off.

Para mostrar os seus níveis de QI e deadrenalina os tuners fazem concentraçõesem locais mais ou menos ermos e testamas suas máquinas a altas velocidades e emmanobras altamente. Fora estasdemonstrações ilegais os tuners passeiamos ailerons pelas ruas da cidade deixandoatrás de si um TUM TUM TUM TUM quesai estridente das 18 colunas de som –caríssimas – montadas dentro do veículo,ocupando todo o espaço destinado aobanco traseiro e ao porta bagagens. Tal éo amor que os tuners têm aos seus carrosque os podemos considerar verdadeirosmoto-sexuais.

Inventário de JunhoMário Machado Fraião

O livro de estreia de Teixeira-Gomes,Inventário de Junho, saiu em 1899, nafase final do «rotativismo», quando o reiD. Carlos já suportava mal as oscilaçõessucessivas entre os Ministériosregeneradores e os progressistas. Osrepublicanos afirmavam-se cada vezmais como a principal força de oposiçãoao bipartidarismo dominante, ealcançaram nesse mesmo ano, na cidadedo Porto, um importante resultadoeleitoral, posteriormente anulado porqueo governo invocou a ocorrência deilegalidades. Conclui-se agora um séculoe mais dez anos sobre o despontar dacarreira literária daquele que seria openúltimo Presidente da I RepúblicaPortuguesa.

A edição das Obras Completas de

M. Teixeira-Gomes, empreendimentoda Imprensa Nacional-Casa da Moeda,teve o seu começo em Outubro de 2007.O primeiro volume inclui precisamenteos três títulos iniciais deste algarvioerrante, Inventário de Junho, Cartas

sem Moral Nenhuma e Agosto Azul. Avolumosa publicação, valorizada comprefácio de Urbano Tavares Rodrigues,notas do mesmo, de Helena CarvalhãoBuescu e Vitor Wladimiro Ferreira,coloca-nos perante o texto actualizado,de acordo com as emendas efectuadaspelo autor ao longo das diversas ediçõesque tiveram lugar durante a sua longaexistência. A capa é apelativa, umairrepreensível reprodução do quadro deMarques d’Oliveira, o retrato do jovemManuel, filho de abastado comerciante,aos vinte e dois anos de idade.

No primeiro caso, este diletanteadmirador da natureza oferece-nosapontamentos de viagens peloMediterrâneo, numa escrita suave eluminosa como os dias longos desse mêsprodigioso, o mês de Junho, mas tambémpequenos contos e crónicas doquotidiano. Enquanto, por outro lado, asCartas, cuja primeira edição é de 1903,causaram, em função da insólitadesignação, apreensão e comentáriosjocosos entre aqueles que nem sequeras leram. Constam, no essencial, decoloridas descrições de um atentocaminhante, algumas das quais nos fazemlembrar as pinturas naturalistas,acrescentadas de curtas experiências deficção, de referências culturais ehistóricas, prova irrefutável do seu gostopela epistolografia. Por último, emAgosto Azul, publicado em 1904,também a imaginação complementa ostextos que descrevem a costa algarviaou o sul de Espanha, e outros, como, porexemplo, «Sobre a Morte de Shelley»,deambulação acerca do naufrágio, nacosta de Itália, deste poeta romântico,amigo de Byron, ou ainda «Uma CenaGrega», quando a paisagem do Algarve,uma vez mais, sobretudo as rochas e omar, lhe inspira variadas fantasias.

De Inventário de Junho retivemos,por exemplo, as suas impressões da Itáliapor parte de um viajante sensível e

comovido: «A ascensão ao monte

Coppola faz-se de carruagem, mas

por verdadeiros caminhos de cabras,

cortando a espessura frondosa dos

castanheiros mansos, dos medron-

heiros e dos rosais silvestres, ou

debruando abismos cavados em

rochas que dominam de muito alto o

golfo até Ischia e Prócida.» De igualmodo as recordações de infância onde aproximidade da água, do vasto oceanoem tempo de claridade é quasepermanente: «O bote viajava ligeiro,

apontando à barra que, suspensa das

duas fortalezas desmanteladas,

ondulava na imensidade azulada

como balouço de espumas ali posto

para recreio das ondinas; das vagas

rebentadas soltavam-se umas

efémeras aparências de corpos

brancos bracejando a espaços, à tona

de água. Nenhum outro movimento

perturbava a serenidade tão

absolutamente calma da manhã; fora

da barra, o mar, sem viração,

esmaltava-se de todo o anil do céu.»Ou ainda um conto breve, narrativa tãoimaginosa como trágica, onde o autor seconsidera a si próprio ser responsávelpela morte de um amigo: «Ali estava o

meu amigo Tomás, amortalhado na

capa de seminarista, cruzando as

mãos roxas sobre o peito, como a

imagem de um santo mártir inocente,

porque devia ter sofrido muito quem

tinha assim as feições transtornadas

ou então tudo se transfigurara

dolorosamente na imobilidade da

morte.»Este livro espelha admiravelmente o

que seria a produção literária de ManuelTeixeira-Gomes, uma escrita fragmen-tada, enriquecida pela diversidade,porque depois das impressionantesobservações a propósito das terras poronde passava, tem lugar a escrita criativa,a elegante correspondência, os diálogos,a crítica do quotidiano, e outra vez apaisagem, o mar, as viagens.

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Terminadas as vindimas e o vinho jádescansado nas pipas, era então a épocaalta das feiticeiras.

“Pelo São Martinho, vai à adega eprova o vinho”

Constava-se que uma vez, o meu avômaterno que bem conheci, ManuelAmaro, convidou o seu amigo ArmandoGarcia da Rosa, mais conhecido peloArmando da Lúcia, para irem à suaadega, na canada dos coxos.

A certa altura, depois de bebidas umavalentes tigelas de vinho, fumados unsquantos cigarros do tabaco cultivado nahorta da porta, e, quando o juízo começavaa baralhar, normalmente entravam naconversa, as feiticeiras.

Já a caminho de casa pela canada doscoxos fora, noite escura, meu avô que

era dado a umas certas baldas, abraçara-se a um cepo seco duma faia que estavana berma do caminho, e grita: Armando…olha aqui uma feiticeira, chega-lheArmando que eu tenho-a bem presa.

Ora o Armando que não estava nadamelhor e tinha uma pancada ainda maiorque a do meu avô, deu-lhe... enquanto asmãos aguentaram. Ficou como umCristo.

Havia muito medo, especialmentedurante a noite. Até o simples molho decana ou espiga de milho que os pastoreslevavam madrugada cedo, às vacas, aoroçar nas pesadas canecas de madeirade cedro, já pareciam almas do outromundo a atacar por todos os lados.Seriam boas? Seriam más? Era a dúvida.

Os rapazes, contavam uns aos outros,histórias que ouviam em casa e aos maisvelhos, do que tinha acontecido a este eàquele, que eram de arrepiar os cabelose fazer pele de galinha.

Meu primo Delfim, já falecido hámuitos anos no Brasil, era um especialistanesta área. A mãe dele, minha tia Virgínia,tinha estado na América, onde nascera,

António Francisco da Silva

As Feiticeiras

muitos anos, e, “muitas delas eram entãoamericanas”, por isso, eram mesmoverdade e muito mais importantes.

Íamos para a casinha de palha de meuAvô na canada dos coxos, e,normalmente, quando a cena acabava, jáao anoitecer, estava-mos os dois a chorar,e com um medo terrível de ir para casasozinhos.

Os mais crentes, falavam das almasdo outro mundo, de várias formas. Uns,imaginavam-nas como pessoas, outroscomo sombras, outros como barulhos,vozes, aragens, arrepios de frio, etc.

O Tio José da Ribeira, velhinhocarismático e sempre bem-disposto,quando bebia qualquer pinguinha a mais,contava muitas histórias sobre feiticeiras,que para ele eram mesmo verídicas.

Dizia ele, que, uma bela noite, quandoregressava da adega mais o filho Caetano,ali pela canada da Emília acima – umavereda estreita onde só se passava a pé,que ligava o caminho do meio ou dasadegas ao caminho municipal, a Rua dosBagaços, que por sua vez ligava às outrasruas da freguesia, olhou para o cabeçoda Prainha lá ao fundo, e, “elas” eram àsdúzias. Umas para baixo, outras paracima, e até outras na direcção dele.

As feiticeiras era descritas na maioriados casos, como que em forma de luzesincandescentes, mulheres, burras, etc.

Faltaram-lhe as forças nas pernas,deitou-se e mandou deitar também oCaetano no chão. Elas eram tantas, quesó madrugada cedo, depois de até ter

pegado no sono, quando levantou acabeça e viu que já tinham desaparecido,puxou por um braço do filho Caetano e,enchendo-se de coragem disse-lhe:Caetano, agora é p’ra frente, morrerou viver.

Dava gosto ouvi-lo, todo convencido,a contar as suas histórias e cantar as suascanções muito antigas e, praticamente

Geraldes Lino, responsável peloblog Divulgando BD escreve assimno seu artigo “Concursos de Banda

Desenhada - Subsídios para um

estudo”:

“Em 2009, no Arquipélago dosAçores, Ilha do Faial, surgiu,facto inédito, um concurso de BDpara uma só prancha, sem limitede idade máxima, num jornal,gratuito, trimestral, intituladoAvenida Marginal. Que conste,esta terá sido a primeirapublicação jornalística acolaborar em tal tipo deiniciativas.”

O primeiro concurso de BandaDesenhada Avenida Marginal, paraalém de ser um caso de estudo,ultrapassou todas as expectativas.Foram enviados exactamente 90trabalhos divididos por autoresnacionais e outros regionais. Destesmuitos trabalhos serão selec-cionados os melhores para fazeremparte de uma mostra que seráexposta em vários locais do País. Aprimeira exposição está já marcadapara este mês de Dezembro noCentro do Mar, ilha do Faial.

Desejo agradecer a todos os quetornaram isto possível, a todos os queparticiparam e a todos os queapoiaram esta iniciativa desde oinício.

Um muito obrigado ao InstitutoPolitécnico de Beja, à Bedeteca deBeja e ao Paulo Monteiro, aoAvenida Marginal e ao JornalFazendo, à Cooperativa CulturalMal-Amanhados, ao Centro do Mare à Sara Luís. Um especial obrigadoaos membros do Júri e ao docenteJorge Soares que implementou noplano de estudos das suas turmas umtrabalho de banda desenhadatornando possível que um maiornúmero de potenciais futuros autoresaçorianos pudesse participar.

A todos um feliz Natal e umpróspero Ano Novo.

únicas. O Frei João, a Nau-Catrineta,etc.

Como já foi dito, naquele tempo, umdos principais divertimentos, era ir à adegacom um petisco, em família ou com umamigo.

Não havia electricidade, porconseguinte, também não haviailuminação pública. Quando saiam da luzda vela, da adega para a rua, viam-semuitas feiticeiras. Eram luzes por todosos lados. Alguns viam-nas sob as maisdiversas formas.

Contavam alguns, que, certo curtidorque ia vender a sua sola para os lados daMadalena, ao passar pela TabernaDaniel – “lugar muito perigoso” - alino lugar do Campo Raso, às tantas danoite, vira uma burra atravessada nocaminho com uma corda de rastos, presaao pescoço. Pensou: este animal vai fazerprejuízo por aí esta noite. E resolveuapanhá-la para amarrar a uma parede,até que o dono aparecesse.

Quando lhe ia pegar na corda, a burradá uma valente gargalhada etransforma-se numa mulher que elebem conhecia e era da sua freguesia,saltou-lhe para as costas, e obrigou-o air pô-la em casa dela, caso contrário, eou a denunciasse a alguém, morreria.

Com estas ordens, quem podia resistir.Foi pegar e andar, e, bico calado.

Nota: A taberna Daniel, era umataberna que ficava isolada das casas àbeira da estrada, no lugar do CampoRaso. Era um lugar onde, diz a lenda, seassustava muita gente. Por estas eidênticas razões, está claro.

Outro caso, fora passado com umindivíduo da vizinha freguesia de SãoMateus, que namorava uma rapariga comquem casou em São Caetano.

Certa noite quando regressava a casajá tarde da noite, encontrou-se no extremodas duas freguesias, também com umafeiticeira, em forma de abóbora,iluminada, com a forma de cabeça depessoa humana.

Ao tentar passar ao lado dela, estatransforma-se em mulher, e, como nocaso anterior, obrigou-o a ir pô-la tambémem casa dela, com as mesmasexigências.

Como as coisas mudaram?! Agora,com a malandrice que por aí prolifera,não sei se teriam tanta sorte.

“Os Bêbados” - Malhoa

Título: Avenida Marginal Periodicidade: Trimestral

Director: Heitor H. Silva Editor e Proprietário: Heitor H. Silva

Tiragem desta edição: 2000 ex. E-mail: [email protected]

Morada para correspondência: Apartado 81, 9901-909 Horta Codex

Impressão: Gráfica “O Telégrapho”, Rua Cons. Medeiros, 30, 9900-144 Horta

Telef. 292 292 245

Registo ERC 125447 de 04 - 06 - 2008 (NIF 161921051)

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Manuel Oliveira

Resquícios da escravidão no Brasil

Numa viagem que fizrecentemente ao norte doEstado de Goiás, tomeiconhecimento da existênciade um quilombo[1] próximoda cidade de Cavalcante,denominado kalunga[2].

Enquanto a maioria dascomunidades tem actualmentecontacto permanente com asociedade nacional, oskalungas de Goiás vivem umasituação especial. Até hápouco tempo atrás, apenas seconseguia chegar aos núcleosonde vivem depois de umademorada viagem em lombode burro por caminhos difíceisao longo de um terrenoacidentado. Os mais velhos,nalguns casos, nuncadeixaram o antigo quilombo

para conhecer as cidades. Masa população mais jovem jácomeça a interessar-se pelomundo à volta e alguns atéparticipam em encontros comoutros grupos, promovidospela Fundação Palmares.

A história:De acordo com dados

históricos, o tráfico de africa-nos para o Brasil terá começa-do na primeira metade doséculo XVI, época em queteve início a produção deaçúcar e em paralelo com otráfico de europeus paraÁfrica.

Os escravos africanos queos portugueses comerciavam,passavam inicialmente porPortugal, onde alguns eramlevados para outros paíseseuropeus e a maior partedestinava-se ao Brasil e àsnossas ilhas.

No caso dos que sedestinavam ao Brasil, otransporte era feito nos porõesdos navios chamadosnegreiros , amontoados emcondições desumanas, ondemuitos morriam antes dechegar ao destino, sendo osseus corpos lançados ao mar.

O tráfico de escravos parao Brasil não era exclusivo decomerciantes brancos euro-peus e brasileiros, mastambém pelos pumbeiros, queeram mestiços, negros livres etambém ex-escravos, que nãosó se dedicavam ao tráfico deescravos, como controlavam ocomércio costeiro, para alémde fazerem o papel demediadores culturais nocomércio de escravos daÁfrica Atlântica.

Nas fazendas de cana deaçúcar ou nas minas de ourodo Brasil, a partir do século

XVIII, os escravos eramtratados da pior formapossível. Trabalhavam de sola sol, recebendo em trocaapenas trapos para se vestireme uma alimentação de péssimaqualidade. Passavam as noitesnas senzalas, galpões escuros,húmidos e com pouca higiene,acorrentados para evitarfugas. Eram constantementecastigados fisicamente, sendoo açoite a punição maiscomum. Eram ainda proibidosde praticar a sua religião deorigem africana ou de realizaras suas festas e rituais, sendo-lhes imposta a religião católicapelos senhores de engenho ea adopção da línguaportuguesa na comunicação.Mesmo com todas asimposições e restricções, nãodeixaram a sua cultura apagar-se. Escondidos, realizavam osseus rituais e as suas festas,mantiveram as suas represen-tações artísticas e atédesenvolveram uma forma deluta, chamada capoeira, muitoem voga hoje em dia.

As mulheres negras tam-bém sofreram muito com aescravidão, embora os senho-res de engenho as utilizassemprincipalmente para trabalhosdomésticos. Eram cozinheiras,arrumadeiras e até mesmoamas de leite.

No “século do ouro”(XVIII) no Brasil, algunsescravos conseguiam comprara sua liberdade apósadquirirem a carta de alforria.Iam juntando alguns “troca-dos” durante toda a vida econseguiam tornar-se livres.Porém, as poucas oportuni-dades e o preconceito dasociedade acabavam por fe-char as portas a essas pessoas.

Muitos reagiram à escra-vidão, procurando uma vidadigna. Eram frequentes asrevoltas nas fazendas em quemuitos escravos fugiam,formando nas florestas osquilombos. Aqui, os quilom-

bolas podiam praticar a sua

cultura, falar a sua língua eexercer os seus rituaisreligiosos. O mais famoso foio Quilombo de Palmares, emPernambuco, comandado pelochefe Zumbi que liderou omovimento negro há 300anos.

Formado em 1604 por umgrupo de 40 negros foragidos,esse núcleo de resistênciasofreu durante 100 anosdiversos ataques dos portu-gueses e também dos holan-deses que então se haviaminstalado em Pernambuco.

Consta que teve de mataro tio, antes de assumir aliderança do movimento,porque não aceitou o acordofeito por ele com osportugueses. Acordo esse queconsistia em parar com o raptode negros, ainda escravizados,aos fazendeiros da época.

Acabou por ser morto em20 de Novembro de 1695,sendo esse dia (20/11)celebrado no Brasil como oDia Nacional da Consciência

Negra.A actualidade:Para fazer o levantamento

dos locais onde vivemcomunidades remanescentesde quilombos, apoiá-los naluta contra a expropriação dassuas terras e estudar estefenômeno foi criada aFundação Palmares, nomedado em homenagem aoquilombo do chefe Zumbi.

Estima-se que aindaexistam mais de duas milcomunidades quilombolas[3],vivas e actuantes espalhadaspelo território brasileiro,lutando pelo direito depropriedade das suas terras,direito esse consagrado pelaConstituição FederalBrasileira desde 1988.

[1] Local de refúgio dos escravosque conseguiam fugir aos seussenhores.

[2] Denominação dada ao quilombodo município de Cavalcante (Goiás).

[3] Denominação dada aosmembros do quilombo.

eeeee 1 aos vencedores nos diversos escalões etários, bem comopor diversos livros de autores açorianos, ou abordando temáticaregional. Ser-lhes-á, igualmente, entregue a colecção “Toupeira” e“Venham + 5”, oferta da Bedeteca de Beja.

Quanto aos livros que irão ser remetidos aos premiados,queremos fazer aqui um público agradecimento aos autores e àsentidades que, correspondendo ao nosso apelo, contribuiram comcerca de uma centena de volumes, para que os “prémios” fossemverdadeiramente interessantes.

Clube de Filatelia “O Ilhéu” coordenado pelo professor CarlosLobão (6), Faialentejo (6), Humberto Moura (3), Valente Araújo(6), Carlos Ramos Silveira (1), Câmara Municipal da Horta (26),Câmara S. Roque Pico (4), Câmara Municipal Praia Vitória (3),Direcção Regional Turismo (5), Assembleia Regional Açores (4),Direcção Regional Comunicades (48).

A todos os nossos sinceros agradecimentos com votos deBoas Festas e um excelente Ano de 2010

Deixa-te de brincadeiras

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Onde pode encontrar diversos artigos para

o seu lar e muitas prendas para oferecer.

Ilumine o seu Natal com as velas da

Yankee Candle

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Administração dos Portos do

Triângulo e do Grupo Ocidental, SA

A Administração dos Portos do

Triângulo e do Grupo Ocidental (APTO),

S.A., formula a todos os seus trabalhadores

e respectivas famílias, aos seus clientes e

fornecedores, às instituições e autoridades

com que trabalha regularmente, a toda a

comunidade portuária e à população em

geral votos de

F E L I Z N A T A LF E L I Z N A T A LF E L I Z N A T A LF E L I Z N A T A LF E L I Z N A T A L

EEEEE

B O M A N O N O V OB O M A N O N O V OB O M A N O N O V OB O M A N O N O V OB O M A N O N O V O

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A AFAMA - Associação Faialensedos Amigos dos Animais tem porobjectivo a ‘defesa e protecção dos

animais com vista a melhorar por

todas as formas ao seu alcance, as

condições de vida destes’.Esta associação criada em Maio de

1999 tem vindo a desempenhar umpapel importante na defesa dosanimais orientado por um plano deacção baseado sobretudo naangariação de fundos para as despesasde manutenção do canil, tais como arealização de actividades, bazares,feiras do livro, etc.

São também consideradas priori-dades as seguintes actividades:realização de acções que visemsensibilizar a população local para aproblemática dos animais abando-nados, accionando campanhas desensibilização; promoção de cam-panhas de adopção de animais juntoda população em geral, promoção decampanhas de sensibilização àpopulação e controle populacional decães e gatos na ilha do Faial

Como pode ajudar:Inscrevendo-se como sócio da

AFAMA pagando uma quota anual de12 euros (1 euro por mês);

Inscrevendo-se como voluntário/tratador de animais nas instalações daAFAMA;

Inscrevendo-se como voluntário narecolha de alimentos;

Colaborando nas actividades deangariação de fundos: peditórios,bazares, e feiras do livro

Mensagem:Nunca abandone o seu animal.Ser responsável é o melhor

caminho, o mais correcto e o maisjusto para a convivência com osnossos amigos.

Associação Faialense dosAmigos dos Animais

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eeeee 1 a decoração, com asluzinhas, os brinquedos, as bolas,os fios..., e lá ficava imóvel eenfeitada, a grande árvore deNatal, com mais de três metrosde altura.

À medida que os anospassavam, lá para a dúzia de anos,entendi que havia de fazer a minhaprópria árvore de Natal, com ummetro de altura, tambémenfeitada, pedindo ao Pai Natal,apenas três presentes: um paramim, e outros dois para meus pais.Assim, aconteceu, e foi um dosNatais mais felizes, pois,felizmente, acreditei no Pai Natal,até muito tarde.

Também a abertura dasprendas, obedecia a um circuitoobrigatório: primeiro na casa dosavós paternos, seguindo-se osprimos, e por último os avóspaternos. Hoje, outro circuitoacontece: primeiro na nossa casa,depois nos sogros, e por últimonos pais.

Hoje, ainda tento acreditar noPai Natal, mas é-me cada vez maisdifícil manter a ingenuidade...

A CEIAInvariavelmente, o Natal era

na casa dos Avós maternos, e aPassagem de Ano na casa dosAvós paternos. Sempre assim foi,enquanto cá estiveram, e a ementatambém foi sempre a mesma:

Nas vésperas, sopa delegumes, bacalhau cozinho, combatatas, cenouras, ovos, grão egrelos muito bem cozidos.

Nos dias, canja, galinha assadarecheada, acompanhada combatata frita aos palitos, em que aondulada, era feita e ensacada diasantes, para não amolecer ao ar...Não havia pacotes, nem micro-ondas, e os frigoríficos eramescassos!

Nas sobremesas, comum eraa melhor salada de frutas (da qualherdei o jeito), com o tronco deNatal, pudim de coco, bolod’argot, frutinhas e salame noNatal, ficando para a passagemde ano o bolo de coco, bolo dechocolate francês, bolomadeirense e pudim de bolacha.

Uma constante, eram asenormes mesas elásticas, que seabriam para receber 12 ou maisfamiliares que a ladeavam, massempre com os avós anfitriões àscabeceiras.

Na noite da passagem de ano,só um relógio era digno deconfiança: o do tio AntónioMateus, mesmo quandodesfasado das sirenes queanunciavam o Ano Novo.

Este, foi o meu Natal ePassagem de Ano, durante osúltimos quarenta anos, com avariável progressiva de que, osmais velhos vão dando lugar aosmais novos, que nem sempreconseguem encher a mesa, apesar

À Mesa de Nataldos meus esforços, com umaementa que se vai afastando dasoriginais...

Fica-me o consolo damemória vivida, e a enormemesa, que fiz questão de herdar...,e que, agora, me cabe a mimencher no primeiro Dia do Ano -o dia que me coube no circuitofamiliar, e que procuro honrar nosúltimos dez anos.

Por respeito, deixo ascabeceiras para o pai e para osogro..., mas lá virá o dia, emque, “infelizmente” a cabeceira,será minha..., pela lei da vida!

A ementa, varia, mas noPrimeiro Dia do Ano, é semprecarne, e a sobremesa obriga asalada de fruta, bolo de chocolatefrancês, e uma inovação: maçãsassadas.

Assim, cada casa da famíliamantém a sua imagem de marca,com uma ementa e com almoçosou ceias obrigatórias, no Natal ena Passagem de Ano.

No Natal, e na Passagem deAno, a nossa festa continua afazer-se em família, e em casa!

A FAVA DO BISAVÔMeu bisavô era uma Santa

criatura, muito calado, pachor-rento, e nada o incomodava...,nada, menos minha bisavó, queandava sempre chamando: “Oh,António”, ao que ele respondia,invariavelmente: “O que é?” aoque Maria nada dizia... era umaespécie de confirmação da suapresença, a que ele já se habituara,como também se habituara a dizer“Está bem” aos seus conselhos,e a fazer o que entendia...

No Natal, e no Ano Novo, umadas tradições era comer o Bolo-Rei, todo, o que não era difícil,pois a mesa estava sempre cheia,e a boa salada de frutas pediamassa, para enxugar..., para verquem era o bafejado com a sorteda prenda, e o que, apanhando afava, era “obrigado” a comprar oBolo-Rei seguinte.

Houve um ano em que aprenda apareceu, mas a favanão... A dúvida instalou-se: ou opasteleiro havia-se esquecido dafava, ou algum “forreta” haviaescondido a fava, para não pagaro próximo bolo. Qual seria averdade?

A discussão já ia adiantada eacesa, pois com promessas nãose brincam, quando o BisavôPacheco disse, com a maiornaturalidade e ingenuidade: “Sóse foi aquela fruta cristalizadamais dura, que comi!”

Foi a gargalhada geral, peranteo alivio de uma família, que assimvia assegurada uma tradição delonga data.

Que saudades tenho dopassado da “minha” actual mesa.

Boas Festas para todos, e umPróspero Ano Novo!

Fazia frio, muito frio. Tantofrio que nem a manta de retalhos,acolchoada com sacas deserapilheira, nos aquecia aesperança de que o Natal estavaaí, e queríamos que fossediferente, nos alegrasse oscorações e não fossem diasiguais aos demais.

Este ano, uma luzinha aofundo do túnel, ténue, ténuedava-nos a indicação que o Natalem casa pela primeira vez ia serNatal.

O meu pai tinha conseguidotrabalho umas semanas antes, ecomo recebia semanalmente,fóra aquele que ficava nataberna com os amigos,assegurava quartilho e meio depetróleo para o candeeiro,duzentos e cinquenta gramas deaçúcar para as papas,quinhentos gramas de sal, cemgramas de café de cevada, umalqueire de milho e pouco mais.

A mãe disse-nos, sentada àmesa em frente de duassardinhas salgadas e umasbatatas doces cozidas divididopor todos nós, que estavadeligenciando apurar as coisasnecessárias para fazer umPudim de Pão e que ia compraruma corneta de lata para o meuirmão e que para mim me fariauma boneca de trapos. O meutocante de sardinha, de repente,pareceu-me um manjar de reis.Na minha cabeça aquelaconversa da boneca transfor-mou-se num hino de alegria e deamor ao Natal, que eu queria quefosse, este ano, bem diferente.

Entretanto aproximou-se odia de Natal e já havia para oPudim de Pão os figos, a canela,um pouco de cacau e algum pãoque a mãe fora guardando darefeição do bebé, e o restohaveria de chegar quando o pairecebesse a féria.

Os dias foram passando e opatrão esqueceu-se que omenino quando nasceu foi paratodos o festejarem e que o S.Nicolau tambem visitava o lardos mais pobrezinhos.

Homem! Vai até aí fora, podeser que o patrão te veja e selembre de te pagar. Dizia aminha mãe.O meu pai contra-riado saiu sabendo que nuncapediria o seu dinheiro ao patrão,mas quem sabe se ele o visse...

Não. O patrão conversavasentado a uma mesa com outroshomens, olhou o meu pai queentretanto se encostara àumbreira da porta da taberna eali ficou hirto pelo frio, pelocansaço e pela desilusão.Anoitecera. Lentamente foram

Com o cheirinho da canela e dos figosIsaura Rodrigues *

saindo da taberna, o patrãopassou na frente do homem queo ajudava a ser rico e tomou orumo do seu lar onde se cozeumassa-sovada, se assavagalinhas e outras coisas boas quea nossa mente naquele temponão era capaz de imaginar.

Quando entrou em casa, omeu pai fechou a porta com atramela e sentou-se no banco aopé da selha de lavar os pés. Eraante-véspera de Natal.

Nada? - perguntou minhamãe - Nada, respondeu. Olha-ram um para o outro e nadadisseram.

Na véspera de Natal, logopela manhã, a minha mãeacordou-me, deu-me a roupapara me vestir, que de agasalhonão tinha nada, e mandou-me aoposto do leite com uma canecagrande buscar leite desnatadoque era dado pelos criadores degado. Ferveu o leite, deitou porcima do pão desfeito e do cacau,e cortou os figos miúdos. Untouum tacho pequeno com banha eencheu o pudim que foi cozer acasa da vizinha que estava emdia da cozedura do pão.

A corneta veio através dopadrinho do meu irmão. A minhaboneca estava bem vestida, mastinha uns olhos tão arregaladose uma boca tão grande, que naaltura fiquei com medo dela, mas

lá me fui habituando e por fim jágostava. Medi com um fio de lãa boca dela e a minha, a minhaera muito maior.

Não sabiamos o que eraconsoada. No dia de Natal,sobre uma mesa de madeiracarcomida pelo tempo, haviauma toalha branca feita de panode lençol com fios puxadoscoloridos e uma pontilha na beirafeita pela minha mãe. Em cimada mesa um jarra partida, comum ramo de galhos decriptoméria e camélias brancasdavam um cheirinho e umafrescura que contrastava com ocheirinho da canela e dos figosdo pudim com que festejámosaquele Natal que apesar de tudonão foi dos piores. Outros játinham sido, e outros viriam.

Não éramos um família felizporque a vida não deixava que ofossemos. Vivíamos num tempoque era nosso e não conhe-cíamos outro e aceitávamos,sem uma queixa, sem nenhumarevolta. Tanto trabalho. Tantaingratidão. Tanta fome enquantocrianças, tanto frio, tanto frio,tanto.

* Proprietáriado restaurante “A Àrvore”

Pudim de Pão

12 papossecos, ou outro pão na quantidade

necessária

Leite que baste, cacau a gosto,

1 colher de café de canela

1 pitada de noz moscada,

1 Kg de figos e raspa de limão ou laranja

Açúcar a gosto: não convém que fique muito doce

(se usar mel não precisa açúcar)

1 cálice de vinho do Porto

1 cálice de aguardente

4 ovos inteiros

Pode levar sultanas, passas, nozes, etc

Mistura-se no pão demolhado, depois de quase frio,

todos os ingredientes

Unta-se uma forma com margarina e polvilha-se

de farinha e vai ao forno a cozer em temperatura

média.

Quando cozido desenforma-se e serve-se partido

aos quadrados.

Pode polvilhar-se com açúcar fino.

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Minha gente: não podemos viver nestemundo de olhos fechados. Temos quesaber as linhas com que nos cosemos!!!Agora pergunto, é preciso enfiar p’losolhos adentro cenas que sabemos, masque ao vermo-las se tornam quase...obscenas? Tem que haver estética naética. Viver tem que ser uma obra de arte,nem sempre bonita, mas sempre bela...eàs vezes até dói !!!

Margarida Madruga

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Ermida de São Pedro, na Feteira

Herberto Dart

As fontes do conhecimento apoiam-se na memória, registada de qualquerforma através dos tempos e transportadaaté aos nossos dias.

É o caso do manuscrito que mechegou às mãos, há mais de 20 anos,oferecido por alguém, cujo nomeinfelizmente não recordo, e que veioconfirmar a existência desta ermida, naantiga canada de São Pedro, hoje rua domesmo nome. Marcelino Lima nadaacrescenta nos seus Anais, naturalmentedado o pouco interesse que o assunto lhesuscitou.

Este manuscrito, diz-nos que a Ermidada invocação de São Pedro, foi mandadaconstruir, entre 1680 e 1720, por Jorgeda Terra, na sua propriedade da Feteira,dotando-a com os seguintes bens:

13 ½ alqueires de terra lavradia, comuma casa coberta de palha e mais 24alqueires de terra com outra casa depalha e ainda 1 pedaço de terra, tudo naFeteira. Tendo este Jorge da Terra,instituído uma terça, vinculada nos seusavultados bens, esta Ermida e sua fábrica,ficaram anexas á referida terça e naposse dos seus herdeiros.

Mais tarde, José de Arriaga, comartimanhas jurídicas, em que era perito,conseguiu a posse desta terça, para seutio, Amaro de Brum, e por morte deste,herdou-a, ficando possuidor das referidasErmida, sua Capela e Fábrica.

Decorridos vários anos passou áposse de António Silveira Bulcão e, pormorte deste, ao filho Francisco SilveiraBulcão.

Nesta Ermida, celebrou-se ocasamento de Guilherme Street comD.Bárbara Nodim d’ Arriaga, no dia16.0.1745, sendo D.Bárbara filha deJoão d’Arriaga, residente na Horta.

O último acto religioso, praticado naErmida, realizou-se em Janeiro de 1834.

Encontrando-se muito arruinada,devido aos abalos de terra, foi demolidaem 1839, pelo referido Francisco SilveiraBulcão, construindo, no mesmo local,casa de morada, para a qual utilizou apedra da mesma, pois, junto à porta dacozinha viam-se pedras lavradasprovenientes da ermida..Esse imóvel temhoje o n.º 30, da Rua de São Pedro.Interessante verificar que a actualproprietária da referida casa, D.MariaAlbertina Pereira da Costa, ainda serecorda de, na sua infância, se queimarempedaços de madeira dourada, no fornoda cozinha da família ( provávelmentetalha do altar da referida ermida).

Luiza Aurora Bulcão, filha deFrancisco Silveira Bulcão, casou comJosé Pereira da Costa, sendo os pais deFrancisco Pereira da Costa, casado comD.Amélia da Glória Goulart que residiramnesta casa, sendo filho deste casalFrancisco Pereira da Costa, residente naHorta, mais conhecido por “Chico dasBicicletas”, que durante algum tempo

“ . . . e adiante da igreja da Feteira, perto de ¼ de légua, está uma ermida de S.Pedro, de muita romagem”. Gaspar Frutuoso

explorou a quinta anexa àquelapropriedade.

O Sr. Chico, como nós o tratávamosna nossa infância e adolescência, foi um

comerciante honesto e afável, comnegócio na Horta, na Travessa do PoisoNovo, reparando e alugando bicicletas,depois também motoretas e mais tarde

com a 1.ª Escola de Condução do Faial.Os miúdos daquele tempo, como eu, quepor ali deambulavam, admiravam aslindas bicicletas, que desejávamos tanto

possuir, depois alugávamos as motoretase, quando já adultos, fomos alunos nacondução que, com grande paciência, nostransmitia. Nasceu em 11.10.925 e

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faleceu em 23.06.1995, tendo casado a15.05.1945 com D.Albina da ConceiçãoRosa, falecida em 13.08.2007. Deixaramdescendência hoje dispersa, nos E.U.A.a filha mais velha, no continenteportuguês a Maria Amélia, que é freira eo Francisco Manuel que nos visitafrequentemente e que já tem tambémdescendência assegurada.

Desta Ermida, segundo o autor domanuscrito, apenas resta a imagem deSão Pedro, em madeira com o seuresplendor de prata, que esteve na possede Francisco António, residente à canadada Ribeira, na Feteira, o qual, na altura,informou, ter esta imagem ficadosoterrada nas ruínas de uma casa, quandodo terramoto de 1926, onde esteve pormuito tempo. Ele próprio a encontrou,depois, mandando pintá-la e tendo feitoas respectivas chaves, que a imagem temna mão, pois as originais não foramencontradas.

Ainda não tive ocasião de seguir apista desta imagem, extremamentevaliosa pela sua antiguidade e história,espero, no entanto, que não tenha sidoadulterada e esteja em bom recato.

Como esta, muitas ermidas foramdesaparecendo ao longo dos tempos,como a de S.Tiago, da Boa Viajem, doLivramento e de Nossa Sr.ª da Nazaré,outras encontram-se bastanteabandonadas e em vias de ruína. Seriaconveniente olhar por elas e juntá-las àsquatro ou cinco que, apesar de tudo, aindasubsistem e são património inestimávelcomo registo da vivência dos nossosantepassados.

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O binómio receitas edespesas é essencial na gestãofinanceira de qualquer entidade,projecto, empresa, instituição ousociedade. Direi mesmo que é o«Calcanhar de Aquiles»! Nosdias de hoje tem de existircapacidade de gestão para quehaja viabilidade financeira e umacerta reengenharia na gestão donosso activo patrimonial nasdiversas vertentes para nos inte-grar na sociedade de mudançaem que vivemos, a m da nossaprópria sustentabilidade e quali-dade de vida. Por isso, as recei-tas geradas e as despesas têmde ser devidamente efectivadase controladas de formasistemática.

O meu querido avô que vai acaminho dos noventa disse-mevárias vezes: «Caro neto quemtem dinheiro é quem o poupa enão quem o ganha». Esta máximada vida vivida é repetida várias

vezes pelo meu avô a este seuneto. Aliás, o meu querido eestimado avô só tem a quartaclasse e é doutor «honoriscausa» pela universidade davida, pelo serviço prestado àfamília e aos outros.

Numa democracia a legiti-midade do poder instituído só severifica verdadeiramente se oseleitos do povo obterem receitade forma justa e legal e gastaremo bem público com parcimóniae necessidade. Muito maisimportante do que a receita é adespesa dos dinheiros públicos.Qualquer orçamento seja emtempo de crise ou de cresci-mento deve conter medidas decontrolo e contenção. O dinheiroé de todos os contribuintes,embora saibamos à partida queos gastos mal efectuadosprejudicam todos aqueles queprecisam duma ajuda estatalefectiva. Os que gastam deforma errada não têm em contaque não haverá suporte finan-ceiro para ajudar os maisnecessitados e os mais pobres.É pobreza de espírito e mais doque isso é delapidar as geraçõesfuturas. Quando os gastos sãosupérfluos quem paga é sempreo «Zé Povinho».

No panorama actual danossa jovem democracia queestá a dar os seus primeirospassos para se instalar, temos

Manuel Bernstein

Receitas e Despesas

ainda que aprender com asdemocracias menos jovens cujosmecanismos de geração e gestãodas receitas, como também ocontrolo e contenção dasdespesas é realmente feito. Paramim, o mim o modelo escan-dinavo é aquele que tem osresultados mais promissores ereais. Altos impostos e apoiossociais que respondem aosproblemas que vão surgido todosdias. Os maiores índices dedesenvolvimento estão perto daslatitudes boreais. É umarealidade insofismável!

Vou expor uma situação queacho um verdadeiro tesourodeprimente e vai ao encontro dosgastos desnecessários. Existemcargos políticos em que os seustitulares têm casa de função pararepresentarem os eleitores coma dignidade tida por convenienteevitando algum desperdício emtermos de deslocações, para

além do respectivo gabinete detrabalho. E não só. Têm viaturae motorista. Numa casa defunção recebem as entidadesoficiais com maior dignidade erespeito. O que não compreendoé que alguns representantes dopovo soberano, que somos todosnós, não tenham o discernimentode exercem as suas funções nolocal previsto e estipulado paraexercerem essas funções. O quequero dizer com isto? Existemeleitos cujos cargos electivos sãode alta importância institucionale exercem funções fora do localprevisto porque a sua árearesidencial está distante, ou seja,duplicaram os gastos públicos.Aumentaram as despesas nasdeslocações, nos funcionários ena criação de novos gabinetesde função. Mas mais grave doque isso, ainda não ouvi na praçapública qualquer comentáriofedorento que denunciasse estacompleta e descabida despesapública com tiques dumdespotismo saloio e boçal. Eisminha estupefacção peranteestes casos em que existe umahibernação protestativa e quecondena a gestão da «coisapública».

Nós às vezes somamospoucos, maus uns para os outrose perfeitamente ridículos.

A bem de Portugal dasportuguesas e dos portugueses.

Este Verão, fomos – eu e aminha família - a Istambul. Teriasido uma viagem como outras senão nos tivesse marcado tanto.Em artigos que escrevi para oAO, onde mantenho uma coluna,falei, na época, dessa viagem -de como foi poderoso estar nossítios das mesquitas reservadosapenas às mulheres, de como omeu filho me ensinou mais sobrecomo comunicação com outrospovos do que quaisqueracademias (e até da barbaridadeque é os fraldários do aeroportode Lisboa estarem dentro doswc femininos porque não tenhode ser obrigatoriamente eu alimpar o rabinho da criança,perdoem-me este aparte).

Mas, na verdade, quandoregressei, lembrei-me de SarahMousavi, uma ex-aluna minhaque usava um véu na cabeça.Era muito comum no Canadáhaver uma enorme diversidadecultural, mas a Sarah foi a únicamuçulmana que ensinei que faziaquestão de tapar os cabelos comum véu e as coxas com roupaslargas. Embora a Sarah fossebem aceite por todos, havia,ocasionalmente, algumas piadasmenos simpáticas e imagino que,fora das aulas, a coisa seincendiava muito mais. A certaaltura, por obrigatoriedadedisciplinar, os alunos tiveram deescrever um texto sobretradições culturais e este foi otexto da Sarah que - corrigidopor mim é certo - segue aqui,para vossa reflexão. Acreditoque toda a literatura deveacordar-nos e abrir-nos os olhospara o real, como se nos desseuma marretada na cabeça.Portanto, o que a Sarah escre-veu, nesta óptica, é literatura.

Antes de o transcrever, tenhode agradecer às centenas dealunos de tantos países que tiveao longo dos anos. Não sei quemmais aprendeu, se eu, se eles…

“Uso um véu nos cabelos einterrogo-me porque é que osmeus colegas pensam que issome faz estar presa a seja o quefor. Este uso é uma escolhaminha, pessoal, ainda quecondicionada pela minha cultura.Mas não é verdade que todoseles estão condicionados pelassuas culturas? Não é verdadeque todos eles estão agarradosa conceitos que trazem do quelhes ensinaram os pais, os avóse até do que lhes disseram osamigos e vizinhos? Os meus paisnão me obrigaram a usar hijab.Educaram-me dentro da filosofiada religião islâmica, é certo, maseu podia ser islâmica e não usar

nenhuma espécie de véus, sequisesse. Sinto-me bem comoestou e, sobretudo, como sou.

O que sabem vocês do Islão?Provavelmente tanto ou menosdo que eu sei do Cristianismo, doJudaísmo, do Hinduísmo. É fácilcriticar quando somos ignorantesacerca de algo. Dizem-me “ohSarah, como podes andar deburka?!” Mas eu não uso umaburka, uso um hijab. Há muitasformas de véus, desde a abaya(aqueles véus negros que tapamas mulheres completamente, sólhes deixando os olhos à vista) emuitas tradições de os usar.Aliás, hijab é também a palavraque usamos para definir a formade vestir das mulheres muçul-manas.

O meu propósito ao escrevereste texto, porém, é outro.Gostava de fazer uma obser-vação: todas vocês, minhascolegas e algumas até minhasamigas, usam burkas e nãosabem. São burkas invísiveis e,por isso, são mais poderosasainda. Algumas até usam abayas:estão tão tapadas que apenas osvossos olhos se vêem e, quandoolhamos para vocês, baixam-nos, envergonhadas de teremabdicado da vossa liberdade.Não têm mãos livres e a vossacara está presa em negros véus.Eu sou um passarinho que voaem eterna Primavera perto dasvossas gaiolas de gradesdouradas, por comparação. Esabem porquê?

Vocês dizem-se livres eemancipadas, por seremmulheres estudantes. Issotambém eu sou. A minhaliberdade é a mesma – participoem todas as actividades,desportivas e culturais. Mas, aocontrário de vocês, eu não sofrode dupla personalidade. Nãotenho de fazer o papel de leoaque dá nas vistas quando está naUniversidade e no café, soltandourros para se fazer mais notadae caçando para alimentar o leão(sim, o leão, e não vocêspróprias… pois vocês passam otempo a satisfazer o machoegocêntrico e dizem-se mulhereslivres). Tanta pintura, tantocreme e tanto gritinho não é paraque se sintam bem… mas puracompetição para que opreguiçoso e aborrecido leão –que pouco vos liga – vos dê umpouco mais de atenção do quetem dado ultimamente. Ou doque dá à leoa do lado. Eu nãopreciso disso.

Ah, mas desculpem. Eufalava de dupla personalidade.Sim, porque ao pé do leão e dos

vossos pais, vocês são unscordeiros. Enfiam a burka porcompleto. Fazem tudo o quelhes mandam. Sim, meu senhor,que mais quereis? Já estaissatisfeito? Julgam que assim elevos dará mais. Mais do quê?Mais ordens? Que prazer ouvantagens retiram vocês davida, para além de umaminúscula prenda no ValentinesDay, dada, com certeza, paraque vocês continuem aobedecer? Ah sim, um sorriso…Pois, tenho notícias: todo otirano, para ser bem obedecido,ordena com ar simpático. Nãodeixa de ser uma ordemcategórica isso que ele vos dá.Já experimentaram serrebeldes? Então porque meaconselham rebeldia?! Vocêsnão conhecem o significado dapalavra. Fazem-me rir com osvossos conselhos sem sentido.

Sou Sarah Mousavi. Cons-ciente das minhas escolhas.Sempre a mesma, em qualquersituação. Feliz e confiante nomeu Deus, na minha família, emmim própria. Não me minto.Não acredito em culturasperfeitas e não sou extremistaem nada. Apenas querosublinhar que eu vivo nummundo que conheço, do qualvocês pouco sabem (e inventamtolices como circuncisãofeminina, que parvoíce!), e nãotenho vergonha de ser comosou. Vocês dizem-se livres masvivem na hipocrisia: vendem-sequase diariamente por dinheiro,por status e até algumas por umacama quente ou por umbocadinho de atenção a quechamam amor. Amor écompanheirismo, viver para umfim comum. Vocês vivem naobediência cega em vez deviverem na comunhão que pregao vosso Deus. Mas eu é que usoburka, segundo me dizem...”

Carla Cook

Poderosas Burkas Invisíveis

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sexta feira 18 de Dezembro 2009 • Avenida Marginal • 19

Retrato de um homem quedesfiava grãos de areia

Lídia Bulcão

Por entre os dedos das mãosdesfias contas de areia, douradacomo os infindáveis sonhos quete invadem o pensamento, negracomo os fugidios desejos que teatrofiam o coração. Desfias umpunhado atrás do outro, numasequência interminável que nãose limita a matar o tempo, masantes a escoá-lo numa redeminuciosa, construída para nãodeixar passar pedaço algum decoisa nenhuma. Desfias e voltas

a desfiar, com a concentraçãoque se exige a uma nobre tarefa,entregue só a quem não tenhamedo de respingar o pedaço depraia deserta que outrosfrequentam.

És um homem submerso.Pela água, pela vida, pelarealidade. Nasceste com o azulno olhar, mas deixaste que anegridão te consumisse a almacom a velocidade das coisas deoutro século, vagarosa edemoradamente.

Enquanto os dias pesados teescorrem por entre os dedos,gastos pela vida e coçados pelomar, vês em cada grão de areiao que podias ter sido e não foste.Analisas cada hipótese decaminho não percorrido com aminuciosidade das coisasprogramadas, esquecendo pormomentos que o trajecto dahipótese é nada mais do que aqueda perfeita no imenso arealonde ontem foste um meninofeliz.

Olhas a areia como seolhasses a perfeição. Como sedentro de cada grãoencontrasses o sumo da vidaque em vão procuraste no fundodo mar, onde as rochas e oscorais se confundiam com osseres humanos e os humanospareciam seres deslocados,forçados a entrar nesse teu

mundo encharcado e triste.Agora, passas os dias à porta

do café, sentado de frente paraos sonhos dos outros e de costasviradas para esse mar, onde emtempos te achaste por inteiro edepois te perdeste, quiçá parasempre.

Passaram muitos anos desdea última vez que sentiste na peleo rebentar das ondas. Já nãomergulhas, nem entras numbarco. Não ousas sequer

passear na tranquilidade damaresia que se desfaz na costa.Dizem que foges da água e detudo o que ela representa.

Sentado na soleira da porta,passas os dias na companhia dabarba branca que esconde o teusorriso amarelecido. A tua peleestá encarquilhada e as costascurvadas, mas o olhar carregaainda o peso da água que umdia te desaguou no peito.

Já não desfias contas de

DistânciaEstar mais perto não é estar à menor distância ente doispontos, mas ter a vontade de lá chegar.Picaroto 1Picaroto é quem vive o e no Pico e gosta do Pico; Picoenseé quem diz gostar, mas não vive o e no Pico.Picaroto 2Picaroto é nome de barco que jaz podre sobre o caisabandonado.Maroiço 1Epopeia de pedra do homem do Pico. (António Duarte)Maroiço 2Do maroiço, o mar… oiço e espreito o sabor do verdeantes do pão e saboreio o veludo dos copos derramados noverdelho.Vida 1Esta vida é muito penar para morrer à beira.Vida 2Só se morre uma vez por ano.Vinho 1É a penicilina que cura os homens, mas é o vinho que ostorna felizes. (Fleming)Vinho 2A vida é tão curta que não devia haver tempo para osmaus vinhos. (Horácio)Vinho 3Há mais filosofia numa garrafa de vinho que em todos oslivros do mundo. (Pasteur)BebedeiraDe meio canal para a terra e sem água no leme.Ser transparenteQuando uma mulher bonita passa por um homem e já nãoo vê.Político 1O político é como a cola de rato, quando levanta um pé, ooutro fica preso.Político 2Quem sabe desafinar é um grande cantor.Tempos difíceisAs figueiras pelaram e os figos ficaram empenados quenem tirantes. (Com sotaque especial: [ As fieiras pelarim

e os figos ficarim impnados que nem trantes].ProfessorQuem repete constantemente inutilidades para si eutilidades para os outros.EducaçãoA família educa. A escola ensina. Mas, há quem prefirafazê-lo com uma mão a dar e a outra a amaciar.EgoístaEgoísta é a pessoa que só pensa nos outros para que todosa vejam.DestinoUma teia tecida de tempo.FilosofiaNão faças hoje o que podes deixar de fazer amanhã (BS/FP), mas nem muito ao mar nem muito à terra, porque nomeio também está o pecado e nem isso já é original, muitomenos o nariz de Cleópatra, quando as ideias estafadasforam conservadas em latas de lustro político.SócratesHá dois: o da ágora e o de agora...MoralistaOs murais são morais ou imorais?, mas também há imoraismoralistas e morais muralistas.BíbliaSe Saramago não tivesse lido a Bíblia, a sorte do Caimtinha sido outra.

FRASES: umas feitas outras quase

Manuel Tomás Gaspar da Costaareia, nem vasculhas os grãosque não conseguiste segurarquando buscavas os teusmomentos cintilantes. Hoje,desfias apenas garrafas decerveja, umas atrás das outras,como se nelas fosses encontraras respostas que nãoencontraste no mar.

Continuas sem ligar a quempassa na rua e a não falar comos amigos de outrora, mas portoda a ilha se ouvem histórias

tuas. De vez em quando, até háquem diga que te voltou a verno fundo do mar, mergulhadonos teus anseios mais profundos,perdido por entre corais e coresbrilhantes.

Não sei se são apenashistórias de mergulhadores ouquase alucinações, mas todosjuram que desfiavas grãos deareia, sentado na escuridão queencharca o fundo do mar.

A Luz dos meus olhos já se afogou com as lágrimasO Sol da minha infância já se pôsAmanhã não vai ser como era hojeJá não me podem ajudar as tuas mãos sábias

Eu guardo uma memória dentro de mimDa vida de criança que uma vez tiveDo mundo protegido em que sempre estiveDo teu abraço que sempre me guardou assim

O trabalho que mata a criatividadeQue mata a minha originalidadeTorna-me naquela que as crianças não se querem tornar

Eu rezo para não me tornarMas a minha infância já não vai poder voltarNem tu, que sempre estiveste ao meu lado.

Charlotte Oliveira Stewart

O Sol já se pôs

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20 • Avenida Marginal • sexta feira 18 de Dezembro 2009

EvocandoManuel Faria de Castro

Victor Rui Dores

Aconteceu subitamente nos últimosalvores daquela manhã de 24 deSetembro. Manuel Faria de Castrosoçobrou ao apelo das ondas no areal daFajã da Praia do Norte…

A notícia correu célere e, naquelafatídica quinta-feira, soubemos, da formamais cruel e brutal, que a existênciahumana é, de facto, coisa efémera. Amorte é sempre injusta, mas no caso doFaria de Castro foi absolutamenteestúpida: é que não faz sentido nenhummorrer quando, aos 63 anos de idade, seestá cheio de saúde…

Faialense incontornável, homemcarismático e voluntarioso, espíritointrigado e inquieto, o Faria de Castroestava em tudo quanto fazia e em tudoquanto dizia. Acima de tudo, mantinha

uma atitude de vigilância em relação aoque se passava à sua volta. Sabia,inteligentemente, gerar parcerias etrabalhar em grupo e em rede. Mas nem

sempre foi uma presença confortável,porque não era pessoa de deitar água apintos… Gostava de contradizer eprovocar… Tanto defendia causas comopolémicas… Era controverso, sub-versivo, especulativo, imprecador, cínicoq.b. com aquele olhar desafiador e aquelear maroto… Tinha o dom da invectiva eutilizava o humor e a ironia como armasde arremesso. Mas também sabia serdelicado, generoso e afectuoso. E erahomem de inusitadas paixões.

Cada um de nós terá do Faria deCastro uma imagem sentida e privada.A que dele mais guardo é precisamenteaquela desbragada ironia que tanto ocaracterizava. Aliás, a minha amizadecom ele foi selada no riso. E rir foi umaconstante num convívio (de mais duas

décadas) nas escolas, nos palcos, nosespectáculos, nos acontecimentos sociaise em muitos outros estádios e arenas.

De baixa estatura, e tendo no bigode

negro e farfalhudo a sua imagem demarca, o Faria de Castro era um homemsimples, terra a terra, autêntico e natural,sem pretensões e sem snobismos. Masera ferozmente teimoso quando seachava na posse da razão. E tinha umaadmirável lucidez e uma genuínacapacidade de ver o lado lúdico dascoisas.

Licenciado em História, aposentadoda função docente da Escola Básica 1/2 António José de Ávila, exercia, desde1985, o cargo de presidente daAssociação de Futebol da Horta, eentregava-se, de alma e coração, àdefesa de causas ambientais, sendopresidente da AZORICA, Associação deDefesa do Ambiente. Participava, comentusiasmo, em campanhas de limpezade zonas poluídas, um trabalho para oqual motivava grupos de jovens. Seduzidopela beleza de certos espaços poucoconhecidos da sua terra, organizavaexcursões e passeios a pé por veredasdo interior da ilha, nomeadamente asapetecíveis levadas. Recentementehavia assumido funções de responsávelno Faial pela Delegação da ACRA,Associação de Defesa do Consumidor.

Com o Faria de Castro privei de pertoem muitas e múltiplas frentes. Estivecom ele em inúmeras reuniões que,

quando dirigidas por ele, eram muitoeficazes e eficientes, e sempre pautadaspelo humor e pela boa disposição.

Este nosso malogrado amigo só namorte conheceu honras a nível nacional:em sua memória, a FederaçãoPortuguesa de Futebol decretou umminuto de silêncio a anteceder as partidasdas suas competições durante o últimofim de semana.

Por uma triste coincidência, Faria deCastro faleceu precisamente na manhãem que eu acabara de gravar, para arádio, o poema “Testamento”, deAlmeida Firmino, a propósito da recentereedição da colectânea “Narcose”(Câmara Municipal de São Roque doPico):

“Eu hei-de sepultar meu coração

Numa fraga, junto ao mar,

Vizinho da névoa e solidão,

Onde as gaivotas, manhã alta, vão pousar.

E o coração ao debruçar-se na água

Verá o céu, falará com Deus,

Que, afinal, a morte é como a vida,

Não passa dum breve e sentido adeus”.

Sabemos (e sentimos) que o Faria deCastro está vivo dentro de nós. Mascomo calar esta imensa e irreparávelsaudade?

PU

B.

A Junta de Freguesia da Conceição

deseja a toda a população da freguesia,

Entidades Oficiais e a todos em geral

Boas Festas e Feliz Ano Novo