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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CAETANO MACHADO PERCEPÇÃO DE JORNALISTAS DE SANTA CATARINA SOBRE DANO MORAL CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CAETANO MACHADO

PERCEPÇÃO DE JORNALISTAS DE

SANTA CATARINA SOBRE DANO MORAL

CURITIBA

2014

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CAETANO MACHADO

PERCEPÇÃO DE JORNALISTAS DE

SANTA CATARINA SOBRE DANO MORAL

Trabalho de Conclusão do Curso apresen-

tado na pós-graduação do MBA em Jorna-

lismo: Gestão Editorial, da Universidade

Tuiuti do Paraná, como requisito para a

obtenção do grau de especialista.

Orientador: Aldo Antonio Schmitz, MSc.

CURITIBA

2014

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RESUMO

Este trabalho é uma investigação sobre ações de dano moral e como os jornalistas

de Santa Catarina as percebem. A bibliografia unindo jornalismo e dano moral é

escassa, e os campos acadêmico e profissional têm poucas referências. O autor do

trabalho já representou, na justiça, um jornal diário em mais de 20 audiências

relativas a processos do gênero. O objetivo é analisar as reações de jornalistas a

questionamentos básicos sobre os assuntos apresentados. Após uma revisão

bibliográfica sobre conceitos de jornalismo e liberdade de expressão, o trabalho

analisa as respostas de uma pesquisa quantitativa feita pela internet e duas

entrevistas em profundidade com profissionais que já foram processados. A

perspectiva encontrada é que jornalistas não tem informações suficientes sobre o

tema, só as conseguindo depois dos processos, não antes. Jornalistas

representados pelos mesmos advogados que os empregadores não recomendam a

experiência e o trabalho sugere uma mudança na legislação para evitar embaraços

desnecessários.

Palavras-chave: Jornalismo. Dano Moral. Liberdade de expressão. Liberdade de

imprensa

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ABSTRACT

This paper is an investigation into sue for libel and how journalists from Santa

Catarina perceive it. The bibliography uniting journalism and moral damage is scarce,

and the academic and professional fields have few references. The author's work has

represented a daily newspaper in more than 20 hearings on libel charges. The

objective is to analyze the reactions of journalists to basic questions about the

subjects presented. After a literature review on concepts of journalism and freedom

of expression, this paper analyzes the responses of a quantitative survey by Internet

and two in-depth interviews with professionals who have been sued. The prospect

found is that journalists do not have enough information on the topic, only getting

after the legal actions, not before. Journalists represented by the same lawyers as

they employers do not recommend the experience and the work suggests a change

in legislation to avoid unnecessary embarrassment...

Key words: Journalism. Libel charges. Freedom of speech. Press freedom

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1 – CONHECIMENTO SOBRE O VEÍCULO DO ENTREVISTADO.........25

GRÁFICO 2 – CONHECIMENTO SOBRE O ENTREVISTADO................................26

GRÁFICO 3 – CONSULTA A ADVOGADOS..............................................................26

GRÁFICO 4 – RESPOSTA A CONSELHO DE ADVOGADOS...................................27

GRÁFICO 5 – TEMPO DE ESPERA PARA O CONTRADITÓRIO.............................28

GRÁFICO 6 – OPINIÃO SOBRE CONDENADO PROCESSAR VEÍCULO DE

COMUNICAÇÃO........................................................................................................28

GRÁFICO 7 – RESPOSTA A PEDIDO DE AUTORIDADE POLICIAL .......................29

GRÁFICO 8 – OPINIÃO SOBRE ARREPENDIMENTO APÓS PUBLICAÇÃO..........32

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................7

1.1 OBJETIVOS............................................................................................................7

1.1.1 Objetivo geral.......................................................................................................7

1.1.2 Objetivos específicos...........................................................................................7

1.2 JUSTIFICATIVA.......................................................................................................7

1.3 MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA...................................................................8

2 LIBERDADE DE IMPRENSA E DANO MORAL.......................................................9

2.1. JORNALISMO........................................................................................................9

2.1.1 Notícia.................................................................................................................11

2.2 BREVE HISTÓRIA DO JORNALISMO.................................................................13

2.2.1 Breve história do jornalismo no Brasil................................................................14

2.3 LIBERDADE DE IMPRENSA................................................................................15

2.3.1 Direitos de personalidade...................................................................................17

2.3.2. Quantificação do dano moral e responsabilidades..........................................18

3 PERCEPÇÃO SOBRE O DANO MORAL...............................................................20

3.1 MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA.................................................................20

3.2 JORNALISMO E RESPONSABILIDADE..............................................................20

3.2.1 Percepções desencontradas..............................................................................22

3.3 RESPOSTAS RECEBIDAS PELA INTERNET......................................................24

3.4. VOZ DOS JORNALISTAS....................................................................................31

3.4.1 Entrevista com Matheus Madeira.......................................................................31

3.4.2 Entrevista com Álvaro Dalmagro.......................................................................35

3.5 QUEM É O CULPADO? QUEM É O RÉU?.........................................................43

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................45

REFERÊNCIAS...........................................................................................................48

APÊNDICES................................................................................................................49

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma investigação sobre ações de dano moral e a

percepção dos jornalistas catarinenses sobre estas, suas consequências e

implicações. O trabalho iniciou no segundo semestre de 2013, com pesquisa

enviada através de e-mail para um grupo de profissionais e entrevistas com dois

jornalistas já processados por este tipo de ação.

1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral

Investigar como os jornalistas de Santa Catarina percebem ações de dano

moral.

1.1.2 Objetivos específicos

• Revisar a bibliografia disponível sobre ações de dano moral, traçando paralelo

com Jornalismo.

• Analisar resultados de pesquisas quantitativa e qualitativas sobre o tema

proposto.

• Identificar os problemas enfrentados pelos jornalistas entrevistados.

• Sugerir alternativas aos problemas da Legislação Brasileira que rege o tema.

1.2 JUSTIFICATIVA

Ações de dano moral são um perigo constante para empresas de

comunicação e de seus empregados, mas os profissionais enfrentam uma série de

problemas para evitá-las, assim como os veículos que os contratam – com

advogados tomando diversas decisões jornalísticas.

A falta de uma bibliografia mais extensa sobre um tema tão importante revela

que as reflexões sobre dano moral e Jornalismo são pequenas. A experiência dos

jornalistas que já passaram por elas não é levada em consideração, motivo pelo qual

procuramos estes profissionais, elencando os problemas anteriores e posteriores à

confecção de uma matéria.

Organizações midiáticas e seus empregados podem ganhar muito com

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análises sobre dano moral: fala tanto sobre necessidade de boas condições no

trabalho de uma redação, como da proteção de veículos e trabalhadores. O presente

estudo também é uma fonte para futuros trabalhos sobre o espinhoso tema, que não

recebe muita atenção de pesquisadores.

1.3 MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA

Buscamos realizar dois tipos de pesquisa complementares, uma quantitativa,

feita com o auxílio de ferramentas disponíveis na internet, e outra qualitativa, com

entrevista em profundidade de dois conhecedores do tema em tela. De acordo com

Gerhardt (apud Fonseca, 2002, p. 20), “a utilização conjunta da pesquisa qualitativa

e quantitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir

isoladamente”.

Na primeira, nossa necessidade era estabelecer números que pudéssemos

analisar, enfocando certo tipo de conhecimento dos profissionais de Jornalismo: “A

pesquisa quantitativa [...] tende a enfatizar o raciocínio dedutivo, as regras da lógica

e os atributos mensuráveis da experiência humana” (GERHARDT apud POLIT;

BECKER; HUNGLER, 2004, p. 201).

Na segunda, nossa intenção era analisar a experiência vivida por dois

profissionais da área de comunicação, estabelecendo como eles tratam do tema da

pesquisa: “o objetivo da amostra é de produzir informações aprofundadas e

ilustrativas: seja ela pequena ou grande, o que importa é que ela seja capaz de

produzir novas informações” (GERHARDT apud DESLAURIERS, 1991, p. 58).

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2 LIBERDADE DE IMPRENSA E DANO MORAL

2.1. JORNALISMO

A atividade jornalística busca a compreensão do momento tanto pelo autor

como pelo público: é uma maneira de conhecer a realidade na qual circulamos,

especialmente pelo seu caráter cotidiano, de periodicamente revisitar as

necessidades de cada indivíduo ou coletivo, sejam estas políticas, econômicas, de

entretenimento, etc. Conforme Eduardo Meditsch (1992, p. 30), o capitalismo

gerou a necessidade do Jornalismo. Antes da existência desse sistema,tínhamos um conhecimento genérico e universal do mundo, mas tínhamosum conhecimento baseado no singular sobre a realidade imediata. [...]Agora não temos uma relação baseada na singularidade com o mundo aoqual estamos ligados, que é o mundo entendido de forma mais ampla,internacional e universal, o mundo inteiro. Já não temos meios pessoaispara nos relacionarmos diretamente com esse mundo. E é precisamente emcima dessa necessidade que surge o Jornalismo, como forma deconhecimento que vai cumprir um papel semelhante que cumpre apercepção individual da singularidade dos fenômenos.

O Jornalismo aparece em múltiplas plataformas, quase do tamanho da

diversidade de seu público. Esta heterogeneidade ajuda-o, em tese, a atingir seu

intento, mas dificulta sua conceituação. Para Traquina (2005, p. 19),

é a vida em todas as suas dimensões, como uma enciclopédia. Uma brevepassagem pelos jornais diários vê a vida dividida em seções que vão dasociedade, a economia, a ciência e o ambiente, à educação, à cultura, àarte, aos livros, aos media, à televisão, e cobre o planeta com a divisão domundo em local, regional, nacional (onde está essencialmente a política dopaís) e internacional. Um exame da maioria dos livros e manuais sobre ojornalismo define as notícias em última análise como tudo que éimportante/ou interessante. Isto inclui praticamente a vida, o mundo e oouterlimits.

A pluralidade de informações e opiniões que proporcionam ao jornalismo

desvendar as nuances de uma sociedade é uma das conquistas do desenvolvimento

humano nos últimos séculos. A prática jornalística pressupõe uma sociedade

democrática, em sua essência. Quando isto não acontece é mais fácil ver as fraturas

numa e noutra. Segundo Martins Neto (2008, p. 67),

se a liberdade de expressão tem por fundamento ensinar e difundirtolerância, é porque se pressupõe que uma sociedade tolerante sejadesejável. A noção de que a tolerância é um valor a implementar assenta,

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em primeiro lugar, sobre a premissa de que a consciência individual ésimplesmente incoercível. Pretender dominá-la não pode pertencer àsatribuições do poder político porque sequer se trata de algo realizável naprática.

A principal função do jornalista é a de trazer à tona (e contextualizar) o que o

seu leitor não saberia por conta própria. Através de um processo com ritos e

interpretações próprias de sua função, este tipo de profissional descobre os dados e

os manipula de acordo com a plataforma a ser divulgada, dando a possibilidade de

conhecimento de dados e opiniões até então desconhecidos. Assim, o jornalista

investiga, interpreta, analisa, escolhe e divulga as informações que seu público

deveria saber – tanto no sentido do que o profissional acha que seria a melhor

informação quanto do interesse do receptor das mensagens. Na visão de Meditsch,

comentando Genro Filho (1992, p. 31),

é evidente que essa forma de conhecimento recebe uma inflexão ideológicasegundo a visão dos intermediários, dos veículos ou dos indivíduos que oproduzem. O Jornalismo também trafica, ao reconstruir o mundo, umaconcepção sobre o mundo.

Em definições sobre jornalismo, há um quê de dramaticidade nas

conceituações. Muitas das atividades são até mais triviais do que aparentam, mas

não deixam de fazer parte do produto entregue ao público. A profissão é carregada

de mitos, como lembra Traquina (2008, p. 54): “na visão comum, em que um

nevoeiro de mitos encobre a profissão, o jornalismo é a antítese do trabalho das 9 às

5, uma outra imagem que atrai muitos jovens à atividade. O jornalismo é identificado

com o imprevisto; o inesperado poderá acontecer ao virar a esquina”.

Os produtos jornalísticos são resultados de rotinas que lembram uma fábrica,

com cada trabalhador manipulando a sua parte e passando-a adiante, até ser

“embalado” e entregue ao destinatário. Entretanto, a matéria-prima desta indústria é

composta de dados e imagens mutantes, relativamente imprevisíveis. Para

exemplificar, é como se um fabricante de bolachas resolvesse trabalhar apenas com

os ingredientes que conseguisse encontrar naquele dia. Alguns ele tem ideia de que

estarão disponíveis, outros ele vai atrás; assim monta seu produto e o envia para

seus entregadores. Por sua vez, os clientes esperam as bolachas, as quais não

sabem exatamente o sabor, mas confiam na qualidade e, acostumados, servem-se

dos quitutes. Há o fato do produto jornalístico ser objeto de luta no espectro político-

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ideológico. Algo como se o dono da fábrica preferisse biscoitos de chocolate, mas

seus empregados encontram e lhe apresentam o caramelo como o sabor

preferencial. Meditsch (1992, p. 80) definiu que a

contradição principal do Jornalismo, tal como é praticado em situaçõescomo a brasileira, é ser, por um lado, produção social de conhecimento –portanto, atividade intrinsecamente criadora – e, por outro mercadoriaproduzida industrialmente para gerar lucros aos monopólios que controlamesta produção – portanto, atividade submetida. Por não poderem produzireles próprios o produto que vendem, os monopólios se veem obrigados acontratar produtores de conhecimento – jornalistas – que precisam terdeterminado senso crítico para exercer com competência suas funções.Mas, ao mesmo tempo, esperam os monopólios que este senso crítico nãose volte contra eles próprios e suas formas de dominação. Para mantersuas linhas de produção equilibradas sobre a fragilidade deste “senso críticosubmetido”, os empresários contam com instrumentos que variam dacooptação à perseguição.

A influência do poder financeiro deve ser levado em consideração na

empreitada jornalística, como Traquina (2005, p. 206) avalia:

O fator econômico é uma força importante na atividade jornalística.Enquanto o polo ideológico define o jornalismo como um serviço público, ojornalismo é feito em empresas que, na sua esmagadora maioria, têm comoobjetivo acabar o ano com lucros. Enquanto o polo ideológico define ojornalismo como serviço público, o polo econômico define o jornalismo comoum negócio, que tem tendência para definir as notícias como umamercadoria que vende jornais ou consegue um bom share na audiência.

2.1.1 Notícia

Na ascensão do jornalismo, em meados do século XIX, a profissionalização

deu um trabalho mais completo e intenso aos novos profissionais, resultando num

produto mais plural, com "a utilização de testemunhas oculares, o desenvolvimento

da reportagem, com a utilização da técnica da descrição" de acordo com a descrição

de Traquina (2005, p. 59):

Não só as peças noticiosas incluíam cada vez mais fontes múltiplas,apresentando uma diversidade de pontos de vista no mesmo artigo, comotambém os jornalistas demonstraram ainda mais agressividade na obtençãode elementos informativos: a prática dos correspondentes do Norte durantea Guerra Civil norte-americana, de viajar disfarçados para o Sul para evitarserem detectados, forneceu um modelo para o jornalismo de disfarce que sedesenvolveu nos anos de 1880.

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Assim, a notícia passou a apresentar uma formato diferenciado com as novas

técnicas utilizadas, segundo o mesmo autor:

À medida que as notícias começaram a ser tratadas como um produto, umaforma nascente de empacotamento apareceu. As notícias tornaram-secrescentemente estandardizadas ao tomarem a forma que chamamos hoje"pirâmide invertida", enfatizando o parágrafo de abertura, o lead(TRAQUINA, 2005, p. 59).

O conceito de "pirâmide invertida" ganhou uma importante contribuição de

Adelmo Genro Filho (1987). Ele aponta para o fato de que as notícias não são

simplesmente construídas de trás para diante, ou com os fatos mais importantes

sendo apresentados em primeiro lugar. "A notícia caminha não do mais importante

para o menos importante (ou vice-versa), mas do singular para o particular, do cume

para a base". Conforme Genro Filho(1987),

sempre que um fato se torna notícia jornalística, ele é apreendido peloângulo da sua singularidade, mas abrindo um determinado leque derelações que formam o seu contexto particular. É na totalidade dessasrelações que se reproduzem os pressupostos ontológicos e ideológicos quedirecionaram sua apreensão.

O jornalismo aproveitou a tecnologia para diminuir a distância e o tempo

necessários para informações circularem pelo globo. Se em 1500 era necessário

que uma caravela atravessasse o Oceano Atlântico para a “descoberta” do Brasil ser

tornada pública, hoje, podemos saber quase em tempo real de assuntos que nos

interessam, intermediados por profissionais dos mais diversos segmentos noticiosos.

Décadas atrás era necessário um aparato tecnológico caro, que só as grandes

corporações poderiam arcar, para uma transmissão ao vivo para todo o país. Hoje,

uma câmera e acesso à internet possibilitam a cobertura de qualquer evento, como

já antecipava Pierre Lévy (1999, p. 239-240):

Qualquer grupo ou indivíduo pode ter, a partir de agora, os meios técnicospara dirigir-se, a baixo custo, a um imenso público internacional. Qualquerum (grupo ou indivíduo) pode colocar em circulação obras ficcionais,produzir reportagens, propor suas sínteses e sua seleção de notícias sobredeterminado assunto.

Com a consolidação da internet, o jornalismo ganhou uma nova plataforma,

acelerando a transmissão de conhecimento, opinião e informações, como no início

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do fenômeno jornalístico. Entretanto, Traquina (2005, p. 205) avalia que nem todas

as notícias tem o mesmo valor, sendo criados com outra função:

Na cultura contemporânea da produção, uma parte significativa dastoneladas de notícias são produzidas diariamente são acontecimentoscriados para os media, em particular para os membros da comunidadejornalística, em grande parte os pseudo-acontecimentos. São uma tática dediversas ações de sedução de luta política e social no jogo do tabuleirojornalístico.

Este autor também aponta para o jornalismo como uma construção de uma

realidade, "muito seletiva", através de

inúmeros processos de interação social entre os profissionais do campojornalístico e as diversas fontes, concebidas como agentes sociais quequerem utilizar o produto essencial do campo jornalístico – as notícias –como um recurso social para suas estratégias de comunicação; e outrosjornalistas, membros de uma comunidade interpretativa, em que partilhamcomo referência de toda a ideologia representada no polo ideológico docampo jornalístico; e a própria sociedade, devido ao fato de que toda a suacultura profissional aponta para um papel fundamental dos valores-notíciaque têm uma estrutura profunda que esboça um mapa do mundo jornalísticoem que há esferas de consenso, controvérsia legítima e desvio (TRAUINA,2005, p. 206).

A rapidez com que as notícias circulam provoca (ou podem provocar) a

participação delas na formação de outras:

Um aspecto a ser considerado nesta velocidade, que já levou o jornalismo aser chamado de história escrita à queima-roupa é a maneira particular comoseus enunciados participaram do diálogo social. Dada a proximidade com osfatos, com seus agentes e com os atingidos por eles, a subjetividade dasnotícias dificilmente é ocultada por sua objetividade formal (MEDITSCH,1992, p. 57).

2.2 BREVE HISTÓRIA DO JORNALISMO

O jornalismo como o conhecemos é fruto da necessidade de circulação de

informações na Europa e Estados Unidos com a expansão do poder da burguesia,

bem como da facilidade de impressão advinda da invenção dos tipos metálicos

móveis de Gutenberg. A história da comunicação se confunde com a do ser humano,

mas ela não deve ser encarada simplesmente como o jornalismo atual. De acordo

com Traquina (2005, p. 33), o jornalismo surge, enfim, no século XIX, com o

"desenvolvimento do primeiro mass media, a imprensa", a partir de um novo

objetivo: "fornecer informação, e não propaganda". Se nos séculos anteriores os

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periódicos faziam parte de causas políticas, a partir do século XIX eles "oferecem

um novo produto – as notícias, baseadas nos "fatos" e não nas "opiniões".

Dois processos fundamentais, segundo Traquina, marcam a evolução da

atividade jornalística, a comercialização e a profissionalização de seus

trabalhadores. "O jornalismo transformou-se num negócio com um número crescente

de proprietários que começaram a o publicar jornais com intuito de ter lucros e o

objetivo central seria a expansão da circulação" (2005, p. 36). Traquina afirma ainda

que as receitas com publicidade e vendas possibilitaram a despolitização da

imprensa, "passo fundamental na instalação do novo paradigma do jornalismo como

informação e não como propaganda".

Desta forma, os jornais passam a prestar importantes serviços como veículo

para a incipiente publicidade, numa época (final do século XIX) em que a economia

estava em expansão. Melhorias tecnológicas durante este período possibilitaram a

massificação do produto jornalístico, como as rotativas, e facilitaram a circulação de

informações, como o telégrafo. Traquina (2005, p. 39) informa: "As linhas

telegráficas juntaram os países da Europa com os Estados Unidos nos anos 50 e 60

do século XIX, e ligaram a Europa com a China, América do Sul e o Japão na

década de 70 do mesmo século".

Os processos de urbanização e o aumento do número de pessoas

alfabetizadas foram outros fatores essenciais para a expansão da imprensa,

conforme Traquina (2005, p. 40):

Outro ingrediente fundamental, mesmo essencial para o crescimento de umcampo jornalístico cada vez mais autônomo e credível, é a liberdade. Aexpansão da imprensa foi alimentada pela crescente conquista de direitosfundamentais, como a liberdade, cerne de lutas políticas seculares queincendiaram revoltas e revoluções, valor central da emergência de um novoconceito de governo – a democracia.

2.2.1 Breve história do jornalismo no Brasil

No Brasil, ainda Colônia portuguesa, a Corte vetou através de uma Carta

Régia a impressão de livros e avulsos em 1747. Afirma Donnini (2002, p. 21): "com a

medida, foi destroçado o primeiro e único empreendimento gráfico da época, uma

tipografia aberta um ano antes no Rio de Janeiro por Antônio Isidoro da Fonseca. A

medida não apenas levou o pioneiro impressor à bancarrota, como ainda atrasou,

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em quase 100 anos, a implantação da imprensa no país”.

A mudança da Corte portuguesa trouxe para o Brasil a Imprensa Régia,

editora estatal que "seria transformada na Imprensa Nacional, a mesma que

continua a publicar o Diário Oficial da União, lançado em 1962" (DONNINI, 2002, p.

21). Ainda assim, o primeiro jornal brasileiro, editado e impresso em Londres por

Hipólito José da Costa, o Correio Braziliense, fundado em 1808, só chegava ao país

clandestinamente. O seu contemporâneo "oficial" era a Gazeta do Rio de Janeiro,

publicação estatal.

O Diário do Rio de Janeiro foi o primeiro veículo a aceitar publicidade paga,

em 1821, e "abordava temas de economia e assuntos gerais, com destaque para o

relato de crimes, fugas espetaculares de escravos e temas afins" (DONNINI, 2002,

p. 21). Na mesma época começou a circular o Reverbero Constitucional Fluminense,

primeiro jornal político local. De acordo com Donnini, ambos tinham "tendência ao

sensacionalismo".

Segundo Sodré (1983, p. 275), no final do século XIX, a imprensa brasileira

segues os caminhos trilhados pelos jornais americanos e europeus, com a atividade

com características mais artesanais sendo substituídas pelas industriais, com

estrutura empresarial, "desaparecendo como empreendimento individual e aventura

isolada nas grandes cidades".

As empresas jornalísticas passam a apresentar suas próprias características,

distinguindo a redação do departamento comercial, ensina Traquina (2005, p. 57):

Com a expansão da imprensa, as empresas jornalísticas eram empresascada vez maiores, mais complexas, mais burocráticas, com uma crescentedivisão do trabalho. A estrutura da indústria tomou forma a partir de umadivisão do trabalho entre departamentos e a emergência de numerosasposições jornalísticas.

2.3 LIBERDADE DE IMPRENSA

A liberdade de expressão das atividades intelectual, artística, científica e de

comunicação é assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil em

seu artigo 5º como um direito fundamental. De acordo com Donnini (2002), o “inciso

XIV do artigo 5º de nossa Lei Maior assegura a todos o acesso à informação e

protege o sigilo da fonte, quando indispensável ao exercício profissional”.

Este autor ressalta a existência de institutos semelhantes para proteção da

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imprensa em outros países e ressalta esta necessidade no Brasil, mas lembra que

esta não pode violar outros direitos fundamentais.

Assim, embora seja vedada a censura de qualquer espécie, na hipótese deabuso do exercício do direito de expressão, cabe ao Poder Judiciário decidirsobre a existência ou não do ilícito penal ou civil praticado, decorrentedesse abuso, bem como limitar eventual excesso (DONNINI, 2002, p. 37).

O autor avalia que o direito de crítica está amparado pela Constituição e que

a “crítica e a notícia compõem o que se denomina direito à informação jornalística”.

Segundo ele, a simples narrativa ou demonstração dos acontecimentos,

por inexistir juízo de valores, não decorre qualquer responsabilidade dojornalista ou da empresa jornalística, pois não há o que se falar em violaçãoao direito à honra, a menos que a notícia seja falsa ou haja a real intençãode caluniar, difamar ou injuriar, o que não constituirá na divulgação de fatoisento de valores, mas nas práticas de crimes (DONNINI, 2002, p. 38).

Entretanto, apesar de a liberdade de imprensa existir, não quer dizer que este

direito seja ilimitado ou incondicional. A própria Constituição e leis federais tutelam

outros bens jurídicos também considerados fundamentais (liberdade, imagem, vida

privada, intimidade, honra). Conforme Donnini (2002), “a liberdade de imprensa não

é um direito que transcende outros da mesma natureza constitucional, mas subsiste

com estes, desde que não os viole”.

A respeito da separação dos conceitos, Martins Neto (2008, p. 47) distinguiu

com propriedade que a comunicação precisa de um valor para ser protegido:

um ato comunicativo tem valor expressivo quando são aplicáveis a ele umaou mais das possíveis razões de proteção que são fundamentos da normaconstitucional que garante a liberdade de expressão. Por outro lado, um atocomunicativo ao qual não corresponda qualquer das razões que possamjustificar a proteção constitucional do direito de comunicar carece de valorexpressivo. A distinção é importante porque a liberdade de expressão nãocompreende atos comunicativos sem valor expressivo. Atos comunicativossem valor expressivo não podem desfrutar de proteção constitucionalporque, a rigor, não constituem expressão. Se a liberdade de expressãoprotege a expressão, o que não é expressão a lei não protege.

O encarregado por decidir sobre excessos ou abusos é o Poder Judiciário,

“por força dos princípios constitucionais da legalidade, da inafastabilidade do

controle jurisdicional, do direito de ação, do direito de defesa, do devido processo

legal e do duplo grau de jurisdição, além de outros princípios” (DONNINI, 2002, p.

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49).

2.3.1 Direitos de personalidade

Direito fundamental na essência de uma sociedade democrática, a liberdade

de expressão e informação tem nos direitos da personalidade (honra, vida privada,

intimidade e imagem) seus limites. Em sentido jurídico, de acordo com Martins Neto

(2008, p. 93),

a liberdade [...] apresenta-se inicialmente como uma autorização para agirconforme se queira em razão da inexistência de impedimentos de caráternormativo que imponham uma ação ou uma omissão de conteúdo diverso,como são as proibições e os mandamentos.

A expressão “vida privada” é utilizada, comumente, num sentido equivalente

ao de intimidade. Para Donnini (2002, p. 57), significa uma das esferas da intimidade

e “representa situações de opção pessoal em que fatos reservados podem em certo

momento, ser compartilhados com outras pessoas”. Já a intimidade é a “parte mais

exclusiva da vida privada, um diário, um segredo íntimo ou sob juramento”. Em todo

caso, “vida privada” seria o contrário da “vida pública”, considerando esta como “os

relacionamentos com os demais integrantes de uma sociedade, numa relação

interdependente”. Donnini (2002, p. 59) qualifica honra como a “virtude de alguém

sob a ótica dos demais e representa uma das primeiras formas de valores da

pessoa”. Ele lembra que, antes da Constituição Cidadã, a honra já era “defendida”

no Código Penal e na extinta Lei de Imprensa.

A Constituição Federal promulgada em 1988 faz uma distinção entre dano

moral e à imagem, tratando estes de forma autônoma, explica Donnini (2002, p.

205). “Nada obsta que de um certo fato decorra apenas a violação ao dano à

imagem, sem que se cogite de qualquer dano material ou moral, assim como pode

surgir um dano exclusivamente moral, material ou à imagem”.

O interesso público deve condicionar a divulgação de uma imagem – e não o

interesse do público, este relacionado à maior vendagem de exemplares ou o

aumento de audiência. Diz Donnini (2002, p. 209): “É indispensável que a veiculação

de uma imagem seja realizada com real interesse jornalístico”. Ele também explica

que

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nossa Lei Fundamental acolhe outra forma de imagem, no inciso V do artigo5º, denominada imagem-atributo, que representa o conjunto de atributos deuma pessoa (natural ou jurídica), identificados no meio social. Essa imagemnão é a forma exterior, mas o conceito de uma pessoa na sociedade, seuretrato moral que, é bem de ver, não se confunde com a honra, na medidaem que esta se relaciona à consideração pública de uma pessoa e éinfringida nos crimes de calúnia, difamação e injúria, enquanto que aquele(retrato moral) não possui uma noção social favorável ou não, boa ou má. Aimagem-atributo situa-se no campo do direito de resposta, no direito àinformação.

O autor destaca que a reparação do dano à imagem é autônoma, “o que

significa que pela simples violação do direito de imagem de uma pessoa nasce um

dever de indenizar, cuja quantificação é realizada de forma independente de

eventuais danos materiais e morais”. Desta forma, “são passíveis de cumulação os

danos materiais, morais e à imagem derivados do mesmo fato” (Donnini, 2002, p.

210).

Da mesma forma que a liberdade de expressão é limitada, o direito à imagem

também o é, “pois quando se defronta com o interesse coletivo tem este prioridade,

como por exemplo nos casos de segurança nacional, saúde pública, pessoas

públicas, interesse histórico e direito de informação”.

2.3.2. Quantificação do dano moral e responsabilidades

Os critérios para o estabelecimento da quantificação do dano à imagem,

segundo Donnini (2002) são a repercussão do ato no meio social em que vive o

ofendido; a constatação se desse fato (divulgação da imagem) decorre ou não

prejuízo (ofensa à honra, à vida privada ou à intimidade), sendo que, em caso

afirmativo, o valor da indenização é aumentado, na medida em que serão cumulados

os danos à imagem e morais, estes calculados segundo a natureza da ofensa, sua

gravidade e o efetivo sofrimento da vítima, assim como a verificação de dolo do

ofensor ou o grau de sua culpa; a possibilidade do ofensor praticar novamente o

mesmo ato e se ele já o praticou em outras oportunidades; na hipótese de danos

morais cumulados com ofensa ao direito de imagem, se o ofensor procurou minorar

a dor suportada pela vítima; a penetração do veículo de comunicação e seu porte; e

a situação econômica das partes.

O autor explica que a Constituição Federal possibilita a qualquer pessoa

agredida na sua honra, dignidade ou intimidade o direito de obter uma indenização

sem limitação de valor, pois os incisos V e X do artigo 5º da CF criaram um sistema

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próprio para a reparação de lesões desta natureza, que asseguram uma indenização

irrestrita. Assim, “qualquer limitação prévia e abstrata no valor da indenização viola

nossa Lei Fundamental”.

A responsabilidade civil pela reparação de dano que decorre de publicação

pela imprensa recai tanto para o autor da matéria, opinião ou reportagem como para

o próprio veículo de comunicação, segundo aponta a súmula 221 do Superior

Tribunal de Justiça.

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3 PERCEPÇÃO SOBRE O DANO MORAL

3.1 MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA

Escolhemos fazer nosso trabalho em três etapas: uma revisão bibliográfica

sobre os temas definidos, uma pesquisa quantitativa pela internet e longas

conversas com dois jornalistas processados mais de uma vez. Entrevistamos dois

profissionais que já foram processados e ainda estão com problemas jurídicos. Os

depoimentos são de repórteres e colunistas de política e polícia, duas editorias que

geram bastante discussão sobre liberdade de expressão e direitos de personalidade.

Eles convergiram bastante nos motivos que os levaram a ter os processos, a

inexperiência à época, no que fariam de diferente e como lidam com a situação hoje.

Também expomos o resultado para um questionário on-line, respondido por

44 jornalistas de Santa Catarina, com duas respostas extemporâneas à análise para

apresentação do trabalho; Os endereços foram fornecidos pelo professor orientador

Foram enviados cerca de 1,2 mil questionários através de correio eletrônico e

achamos que a amostra com respostas, 3,6%, poderia ser maior, caso

conversássemos diretamente com os gestores dos veículos pesquisados para obter

mais colaboração dos empregados; ou talvez, uma maior especificidade na hora de

escolher os pesquisados (por exemplo, jornalistas com mais de cinco anos de

redação). A utilização da ferramenta fornecida pelo Google facilita tremendamente o

trabalho, disponibilizando as respostas em tempo real, facilitando a tabulação das

respostas.

Paralelo aos dois momentos anteriores, examinamos uma bibliografia sobre

teoria do jornalismo, liberdade de expressão, dano moral e história do jornalismo

para analisar os resultados obtidos nas duas fases. Assim, exibimos na sequência

uma análise sobre os temas investigados, seguido da apresentação das respostas,

as entrevistas, uma reflexão e as considerações finais.

3.2 JORNALISMO E RESPONSABILIDADE

O trabalho jornalístico é sujeito a diversas formas de “revisão” (seja uma

crítica de leitor, uma avaliação de seus pares, entre outros), mas nenhuma tem tanta

capacidade para provocar danos financeiros como uma ação de dano moral. É um

processo que tramita na esfera Judiciária, da qual os profissionais de comunicação

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têm certo grau de conhecimento, mas nunca esperam que aconteça consigo –

entretanto, as ações são inevitáveis onde se entendam implantados os princípios

democráticos.

Veículos de comunicação e jornalistas podem responder a ações por dano

moral basicamente por todos que se sentirem ofendidos. Assim como a liberdade de

expressão e, a reboque, a liberdade de imprensa são direitos fundamentais, os

direitos de personalidade, como honra e imagem, também o são.

Liberdade de expressão também engloba arcar com os ônus vindos dos

outros direitos. E isto significa que, além de ser necessária a comprovação dos fatos

noticiados, eles também precisam ser considerados necessários à vida em

sociedade.

Logo que se entra no mercado de trabalho, estas ideias são tão claras como

etéreas. O jornalista começa a formar seus conceitos assim que começa sua função,

qualquer que seja o veículo. Assim como os conceitos jornalísticos que aprendeu na

faculdade, os de liberdade de expressão e de direitos fundamentais também são

postos à prova na hora em que se passa a praticar jornalismo diariamente.

Os repórteres novatos passam a integrar um mundo que ainda não é deles,

mas que tomarão com parte de sua essência em pouco tempo. De forma geral,

serão “ensinados” novamente pelo veículo onde trabalha. Este aprender não

significa uma drástica mudança, mas uma nuance diferente, do tipo “aqui fazemos

assim”, incorporando a cultura da empresa. Em suma, nada diferente das formas de

integração em outras áreas.

Ao buscar esta aceitação, o novo profissional passa a receber e sugerir

pautas e, como em todo empreendimento jornalístico, encarará tarefas que mostrem

à sociedade aspectos positivos ou negativos dela mesma, provendo informações

necessárias ao seu conhecimento. O estímulo maior ao jornalismo é o de descobrir

os desvios, não os acertos, numa postura fiscalizadora de “Quarto Poder”. Aqui

reside a maior armadilha ao profissional imaturo: apontar o erro é visto como a parte

mais importante da função.

Assim, o jornalista incorpora uma versão midiática das funções jurisdicionais.

É o investigador, o acusador e o julgador ao mesmo tempo. Esta função é

necessária para o funcionamento de uma democracia, mas a falta de atenção aos

pormenores e à delicadeza de uma posição desta magnitude podem custar caro

tanto ao profissional como à sociedade.

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Nesta revelação do negativo, o jornalista não decide quem são os culpados

ou inocentes de uma história, ele pode, no máximo dar a largada para uma

investigação “de verdade”, pelos verdadeiros agentes jurisdicionais. Quanto melhor

for o seu trabalho, mais fácil fica o caminho dos que vêm a seguir. Entretanto,

podemos lidar judicialmente com a insatisfação humana, tanto para os que se

sentem injustiçados (culpados), de forma cínica ou não, como para os que realmente

o são (inocentes). Em qualquer, a orientação superior é indispensável para uma

proteção futura, seja de um editor ou de um advogado.

3.2.1 Percepções desencontradas

Com o fim da Lei de Imprensa e suas parcas determinações sobre processos

judiciais, a Constituição Brasileira de 1988 e suas interpretações são quem rege os

processos de dano moral. Mas esta legislação não é clara o bastante, ou melhor,

abarca muitas avaliações, que mudam de tempos em tempos – não à toa os

jornalistas pesquisados neste trabalho tenham ficado confusos;

Um claro exemplo pode ser observado no site do Tribunal de Justiça

catarinense, na seção de notícias. Em “Justiça discute interesse público e limites à

atuação da imprensa em SC”, somos informados de que “os limites à atuação dos

órgãos de comunicação em Santa Catarina foram objeto de discussão em duas

apelações julgadas recentemente[...]. Em ambas, foram confrontados preceitos

constitucionais: direito à informação versus direito à privacidade. O interesse público

prevaleceu nos dois casos”.

Num dos casos, um homem foi apresentado como acusado de atentado

violento ao pudor pela autoridade policial à imprensa, “e assim apareceu em

programas jornalísticos”. De acordo com o relator do caso, “a simples difusão de fato

que está sendo apurado pela polícia não implica ato ilícito, mas se constitui em

direito de informar. Aliás, a imprensa tem o direito e o dever de informar o público.

(…) embora o jornal (...) tenha nominado o requerente como autor do delito, assim o

fez com base em informações policiais, o que leva a crer que tal atitude, em tese, foi

praticada pelo Estado, do qual o Delegado de Polícia é seu funcionário”.

Foi exatamente o que acontece no caso da Escola Base, em 1994: a polícia

informa erradamente os acusados e suspeitos de um crime sexual, a imprensa

divulga, provoca danos à imagem, e prova-se depois que o cidadão não foi o autor

do crime. Esta situação virou, por certo tempo, o paradigma do que não se deve

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fazer em jornalismo. Em 2006, o jornal Folha de São Paulo somou as indenizações

para os atingidos da Escola Base, eram R$ 8 milhões. Em fevereiro deste ano

(2014), o SBT conseguiu reduzir indenizações de quatro ex-suspeitos da Escola

Base no Superior Tribunal de Justiça – as ações seguem na justiça, sem execução

de todas.

Entretanto, constatamos que não só os jornalistas continuam a divulgar casos

com estrutura semelhante, como a justiça não vê nada de errado nestas

publicações. Desta maneira, tanto jornalistas como veículos de comunicação tendem

a ficar perdidos sobre como atuar num caso concreto. Entram aí os conceitos sobre

direitos de personalidade, que deveriam ser melhor analisados para uma

comunicação mais segura, eficiente e precisa ao público, longe de condicionais e

notícias desmentidas pelo tempo.

Durante dez anos de trabalho numa mesma redação de um jornal diário (nove

destes como editor-chefe), não encontramos jornalistas preparados para um

enfrentamento judicial sobre seu trabalho; a princípio, sabem que o devem fazer

para evitar os problemas, sempre com o controle e anuência de seus veículos. Na

maioria das vezes, as recomendações (que vão desde a consulta ao advogado do

periódico ou o simples uso do verbo no condicional) não partem de um exame

consciente sobre deveres e direitos imprensa, mas sobre a vontade de tornar algo

público – legítima e necessária, devemos ressaltar.

Na luta entre a liberdade de expressão e direitos de personalidade, o ponto

fulcral é a preocupação com a comunicação, e não de pesar ambos os princípios: o

desejo de informar atrapalha uma análise mais ponderada dos aspectos éticos de

uma decisão. A vida de redação cria no jornalista uma facilidade em tomar decisões

que afetem outras pessoas sem levar em conta os possíveis danos.

Frequentemente, esta característica se transforma em arrogância, como apontou o

colega Álvaro Dalmagro em entrevista que reproduzimos no final deste capítulo.

A arrogância possibilita que se esqueçam os aspectos elementares dos

direitos humanos em detrimento da vontade do jornalista em fazer prevalecer suas

opiniões sobre a dos demais – ensejando, por exemplo, um conflito que gera uma

ação judicial de reparação de danos. Logicamente, também há um descompasso

entre o publicado sobre uma pessoa ou instituição e o que estas dizem sobre o

assunto: a capacidade de atacar é evidentemente maior que a de defender.

Quando falamos em “jornalista”, enfatizamos uma natureza quase solitária da

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atividade que não corresponde à realidade. Na verdade, é uma fusão entre a pessoa

física, trabalhador assalariado, e empresa, pessoa jurídica. A última é só um veículo,

é um agente, atua através de seus representantes no processo de fabricação da

notícia. Quando jornalistas atuam sozinhos, como em blogs, por exemplo, eles estão

emulando uma empresa jornalística, unindo funções.

3.3 RESPOSTAS RECEBIDAS PELA INTERNET

A pesquisa que apresentamos a seguir corrobora diversos pontos de nossa

análise e mostra como a percepção dos jornalistas faz seu comportamento ser

afetado.

O veículo onde você trabalha responde a algum processo por dano moral?

O questionamento inicial da pesquisa tem a intenção de informar se o

jornalista sabe ou não se o veículo em que trabalha responde a algum processo por

dano moral.

O Sim e o Não ficam empatados, mas o que importa nas respostas é o que

qualificamos de um alto número de desconhecimento do caso (“Não Sei: 23%). Isto

implica que estes profissionais, por algum motivo, desconhecem uma situação que

deveria ser de domínio deles.

Para exemplificar: em determinada situação trabalhamos com um advogado

para que ele lançasse um jornal semanal em Tubarão. Fomos indicados por um

amigo em comum, mas no segundo em que colocamos os pés no escritório dele, a

secretária já estava pesquisando o nome do autor deste trabalho no sistema de

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consulta processual do Judiciário Catarinense. Não é uma simples curiosidade. É

um conhecimento desejável do terreno em que se adentra.

Você responde (ou já respondeu) a algum processo por dano moral?

A segunda pergunta é mais “pessoal”, e achamos alto o número de jornalistas

com processos por dano moral. Pode ser que, ao receber e-mail com o título “Ações

judiciais contra jornalistas”, os que já sofreram tendem a ser mais simpáticos à

proposta da pesquisa.

Mesmo assim, mais de 30%, um em três, certamente não retratam os

jornalistas de Santa Catarina. Abre-se a possibilidade, aqui, para uma pesquisa mais

completa sobre o tema.

Você consultou o advogado do veículo sobre alguma matéria quantas vezes

no último ano?”

Assim como na primeira pergunta, é a resposta negativa que esperávamos

analisar. São 30% que não usaram assistência jurídica em seus trabalhos. Como

muitos jornalistas realmente não precisam deste tipo de profissional no seu

cotidiano, acho interessante que 70% tenham este tipo de auxílio. Certamente não

estão desamparados na hora do trabalho. O conselho profissional é uma outra visão,

diferente da jornalística.

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Você já deixou de veicular alguma matéria depois do conselho de algum

advogado?

É um dado interessante que mais da metade parou o próprio trabalho por

algum motivo jurídico. Faz a gente pensar o que tantos profissionais fizeram para

encontrar algo que deveria ser de interesse público, mas que ao mesmo tempo tinha

algo para suspender a matéria.

É uma pergunta que se faz: o que se perdeu no caminho? A tarefa do

jornalista é julgar o que deve ser publicado, avaliar o interesse público numa história.

Dependendo, prevalecerá sobre direitos de personalidade, é um fardo pesado que a

ajuda de um advogado facilita.

Quanto tempo você esperaria pela resposta de um acusado/ suspeito/

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personagem para a finalização de uma matéria?

Claro que uma pesquisa não dimensiona todas as nuances do trabalho

jornalístico, mas esta predominância clara de "Só até o fechamento", mais de 50%,

mostra o lado arrogante de nossa profissão.

Deixamos claro que, em nossos dez anos de trabalho, esta seria a nossa

resposta. É a natureza corrida, estressante, do ofício que faz as pessoas desta

maneira. Em alguns casos é o que há para fazer.

Em outros é uma postura meio ditatorial, de controle, que nos faz dizer: “É do

meu jeito e pronto. Este é o meu campo, as regras do jogo aqui são minhas, o poder

é meu”. Não é uma situação de relativização, é de centralizar uma decisão, não dar

espaço ao outro.

O positivo é que 27% ou esperam a parte ou aguardam a resposta antes de

publicar. É um respeito que gostaríamos de ter tido anteriormente em diversas

ocasiões e que levamos agora em diante.

Você acha justo que alguém condenado por um crime processe uma empresa

de comunicação por exageros ao noticiar esse crime?

É uma pergunta do tipo pegadinha: enfoca explicitamente "Exageros". Por isto

nos causa espanto que só por que alguém foi condenado não tenha direitos. São

duas coisas separadas, por isto a surpresa com quase a metade tendo a certeza

deste fato.

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Se o jornalismo pretende ser um espaço para a compreensão da realidade,

precisa perder este pendor de punição, justiçamento ter mais serenidade ao lidar

com temas que afetem diretamente a vida das pessoas. O conhecimento do direito é

outra necessidade para o jornalismo sério.

Se uma autoridade policial pedisse para você veicular foto de suspeitos de

algum crime, o que você faria?

Esta é uma pergunta sem resposta clara, há espaço para todas as

interpretações, ainda mais que as respostas foram mais divididas. O curioso é que

só dois pediriam o conselho de um colega: mais da metade tomaria a decisão

sozinho.

Achamos que decisões coletivas tendem a ser mais acertadas do que as

individuais. Sempre que tínhamos dúvida sobre uma manchete, fazíamos uma

pergunta à redação, votando qual seria a melhor.

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Se você fosse processado, qual(is) seria(m) sua(s) reação(ões) inicial(is)?

Aqui poderiam ser anotadas mais de uma resposta. Ficamos surpresos com

as duas mais marcadas, “Encararia com naturalidade” e “Deixaria o veículo de

comunicação indicar o advogado”. Ao sermos processados, as primeiras reações

foram a de surpresa e o medo de perder dinheiro injustamente.

Orgulho e vergonha não entram nesta equação, mas achamos importante que

este mito de ter orgulho de ser processado não seja retratado na pesquisa, com só

3% das menções. Ser processado não são ossos do ofício, na verdade é uma

aberração a ser evitada, não há nada de natural nisto. Encarar com naturalidade

teve 24% do total, mas foi mencionada por metade dos entrevistados, quase o dobro

dos que disseram já terem sido processados. Se é um risco da profissão, não é o

que deveria ser comum.

A outra é o maior problema, na minha opinião. 23%, ou 21 marcações, para

"Deixaria o veículo indicar o advogado" contra 11 anotações, 12%, do "advogado

próprio". Se considerarmos o universo de 44 entrevistados, é quase a metade.

Embora o litisconsórcio obrigue a defesa a ter o mesmo sentido, inúmeras

situações podem ocorrer entre a Petição Inicial do Ofendido e a decisão final. O

advogado do veículo é pago por este e coloca o jornalista na "carona". A própria

relação de patrão-empregado influi nesta escolha, mas é uma relação mais efêmera

que a da justiça brasileira onde os processos se arrastam por anos e anos.

Os dois entrevistados tiveram desligamentos diferentes da mesma empresa,

um amigável e outro não. Mas ambos concordam que se pudessem voltar no tempo,

escolheriam um advogado de sua confiança. Um deles saiu no final de 2007 e os

processos estão ativos até hoje; depois ele procurou um advogado de sua

confiança.

O outro saiu no final do ano passado e mantem relações mais cordiais, com o

advogado do periódico ainda o representando, mas fica “com uma pulga atrás da

orelha”. Os processos são lentos e, em geral, são decididos no Tribunal de Justiça

de Santa Catarina, já que a decisão de primeiro grau é reformada com mais

facilidade – e as de 2º grau tendem a ser mais difíceis de serem alteradas.

O que você acha que um juiz deve levar em consideração para quantificar o

valor de uma indenização por dano à imagem a ser paga por um veículo de

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comunicação?

A pergunta admitia múltiplas respostas e misturamos três opções falsas às

outras que são enumeradas pela fonte jurídica do trabalho como os fatores que o

juiz usa para determinar o valor de uma indenização – “Respeitabilidade do autor da

ação”, “Respeitabilidade do veículo ofensor” e “Que o autor da ação já tenha sido

condenado”. Elas foram pouco mencionadas, 6, 8 e 12 vezes respectivamente, mas,

ainda assim, jornalistas apontaram-nas como certas.

No outro extremo, os diversos ângulos que os juízes encaram para fixar uma

indenização foram desprezados por muitos profissionais de comunicação, incluindo

aí a “Possibilidade do ofensor repetir o ato” e “Que o ofensor já tenha praticado o ato

anteriormente”, pouco citadas (8 e 11 marcações, respectivamente).

Das 44 respostas possíveis, obtivemos no máximo 28 para a mais escolhida

(Gravidade do fato) e 24 para a segunda (Natureza da ofensa), pouco mais da

metade para aquelas onde houve maior consenso. Acreditamos que muitos

jornalistas deveriam tê-las apontado, mas por falta de certeza do seu conhecimento

deixaram em branco alternativas corretas.

Você se arrepende de ter veiculado algo sobre uma pessoa ou instituição,

tendo sido ou não réu de um processo?

As respostas mostram o maior grau de certeza nas respostas que implicam

um juízo. São 75% que não tem arrependimentos, 33, o maior número. Quem nunca

fez algo de errado antes?

Mas há uma diferença entre admitir o arrependimento numa entrevista

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anônima, muito mais fácil, do que formalmente e espontaneamente num veículo, o

que daria margem para um processo por dano moral.

3.4. VOZ DOS JORNALISTAS

Paralelamente à e-survey, entrevistamos dois jornalistas que já foram

processados para analisarmos como enfrentaram determinadas situações e suas

reações

3.4.1 Entrevista com Matheus Madeira

Matheus Roetger Madeira tem 30 anos, e começou cedo, aos 19 no Diário do

Sul, ainda como estudante de Jornalismo na Unisul; desde janeiro de 2013 é

secretário de Governo da prefeitura de Tubarão, cidade onde desenvolveu toda sua

vida profissional. O início foi como repórter da editoria de Esportes. Foi colunista na

mesma área e posteriormente, repórter de Política, editoria na qual também assinou

uma coluna opinativa, até sair do jornal e ser contratado na prefeitura. Ao mesmo

tempo, também assinava um blog sem vinculação com o periódico.

Ele foi processado por duas pessoas, em situações distintas - quando estava

envolvido na editoria de Esportes e depois, na de Política. Na segunda

oportunidade, são múltiplos processos, ainda não decididos totalmente. Ele reflete

que poderia ter feito algumas coisas de forma diferente, tanto na atuação

profissional como ao lidar com os feitos judiciais.

Caetano Machado: Tu respondes a quantos processos atualmente?

Matheus Madeira: Hoje, mais ou menos 10.

CM: Mais ou menos?

MM: É isto, teria que conferir aqui (afirma, ao se dirigir ao sistema do Tribunal

de Justiça pela internet).

CM: São dez “ativos” (pendentes de julgamento), é isto?

MM: É, dez ativos.

CM: E quantos no total?

MM: Os que foram arquivados não aparecem mais aqui. Eu tenho dois que já

foram arquivados, de um ex-presidente do Hercílio Luz (clube de futebol de Tubarão)

e outros de um vereador.

MM: Então... são sete (após conferir no sistema do Tribunal de Justiça).

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CM: E tem algum em grau de recurso?

MM: Tem.

CM: Então, duas pessoas te processaram?

MM: Sim.

CM: São momentos bem diferentes.

MM: Sim, sim.

CM: O presidente do clube era, principalmente Esporte...

MM: Esporte, mas embora o processo em si seja referente à demissão dele

do Fórum

CM: Mas tu soube disso por conta das tuas fontes no Esporte?

MM: Não, neste caso especificamente, não. Chegou até mim por um cara que

sabia das rixas dele lá (no clube de futebol Hercílio Luz).

CM: Mas neste caso não houve maiores problemas?

MM: Não, foi julgado improcedente, e ele nem recorreu.

CM: E no caso do vereador foi uma coisa mais política...

MM: Sim.

CM: E houve uma carga mais forte de opinião tua, também. Por que tu achas

que houve tanto processo contra ti e contra o jornal (Diário do Sul)? Os processos

foram todos juntos (com Matheus e Diário do Sul como réus)?

MM: Sim, foram todos juntos. Não acho que foi tanto de opinião. Tudo

começou com aquela história de uma denúncia objetiva, de uma viagem até

Fortaleza, e daí em seguida começou um ciclo; ele processava, e saíam mais

matérias sobre ele. Então tem processos referentes a matérias, esta de Fortaleza, a

de que ele teria feito uma declaração de hipossuficiência financeira para obter

medicamento judicial para o filho dele, em alguns casos ele entrou contra mim e

contra o jornal e outros só contra mim por eu reproduzir a matéria no blog, tem isto

também. Tem um pouco de opinião e um pouco de matéria objetiva.

CM: Nas matérias objetivas, tu mudarias alguma coisa para evitar um

processo?

MM: Não, acho que juridicamente foi bem cercado, foi bem orientado,

inclusive por advogado, não vejo nenhum erro neste sentido, não.

CM: Todas as matérias em que você foi processado tinha um advogado do

jornal acompanhando os casos?

MM: Acho que não no dia a dia, ele não leu tudo antes de sair. Havia uma

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orientação de fazer deste jeito, não necessariamente lendo tudo, fazendo uma

revisão do material. Orientando, faz isto, faz aquilo, falando bota nome, não bota

nome, aqui pode botar. Mais nesta linha.

CM: Nas opiniões, você mudaria elas ou não (para evitar processos)?

MM: Não, eu acho que chegou um momento que virou birra (não sei como tu

vai aproveitar), eu me arrependo um pouco de duas coisas: ter comprado uma briga

que não era minha, “vestido tanto a camisa” de uma briga que tinha outras razões,

que não era simplesmente a defesa do ético e do moral; e de ter feito a matéria

envolvendo o filho dele na história. Na época, eu discuti, falei que não era para fazer,

mas fiz. Acho que não deveria ter feito. Me arrependo de ter aceitado fazer. Acho

que deu uma brecha, uma oportunidade para ele falar com razão. Tinha coisas

suficientes para falar dele sem este caso, expor a doença do filho, isto expõe, por

mais que a matéria fosse bem fundamentada, houvesse algo de fato questionável,

que é a declaração de hipossuficiência dele, alegando não ter dinheiro, não é

simplesmente pedindo o medicamento judicial, é alegar que não tinha dinheiro para

comprar um remédio que não tinha um valor tão astronômico assim. Mas, eu acho

que o fato de envolver outras pessoas, o filho dele, um menor de idade que tem um

problema grave de saúde, acho que isto, hoje não faria aquilo, especificamente.

CM: E quanto tu entrou em juízo, sempre com advogado do jornal, por que tu

fez isto?

MM: Porque o jornal sempre deu este suporte, ofereceu esta garantia,

inclusive nos casos em que era pessoal, não envolvia o jornal. Não era obrigação

deles, em tese, mas o advogado assumiu a defesa disto também.

CM: Hoje, tu faria isto de novo ou contrataria um advogado próprio?

MM: Acho que manteria, que acho que o interesse do jornal é o mesmo. O

jornal tava no mesmo barco naquela situação. O problema é que o mundo dá

voltas...

CM: Este é o resto da pergunta, hoje tu já saiu do jornal faz um ano e tá

respondendo a oito ações com o advogado do jornal.

MM: É, seria mais prudente ter um advogado próprio, da tua confiança,

independente do que aconteça. Se fosse hoje, talvez na época até nem tivesse

condição financeira de fazer isto, mas é que daqui para frente estudaria a

possibilidade de fazer com um advogado particular.

CM: E quanto tu teve em juízo, como é que tu te sentiu quando em juízo?

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MM: Eu não sei, é uma situação diferente, bate assim um certo nervosismo,

mas, em alguns casos, assim, você acaba se sentindo, estando lá, que é uma

discussão em si é mais do jornal do que sua. Especialmente no caso do vereador,

nem tanto no do outro, aí sim é uma briga do jornal, em que muitos casos estive lá

por ser o intermediário, por ser um funcionário do jornal, mas quem efetivamente

estava brigando era o jornal com o vereador. Existia ali uma briga política, enfim, que

ia além do material. A raiz de tudo não é a matéria, a viagem para Fortaleza, a raiz

de tudo é um problema de relacionamento que surgiu entre eles por outras razões.

CM: E tu pode dar estas razões?

MM: Razões comerciais, que na época ficaram flagrantes, que o vereador, na

época presidente da Câmara, e em detrimento do Diário do Sul deu uma preferência

para o jornal concorrente.

CM: A alegação do vereador é que o jornal começou a fiscalizá-lo mais

quando ele cortou as assinaturas, e do Jornal, que ele cortou as assinaturas porque

houve críticas. Se não tivesse tido isto, talvez não ocorresse isto tudo.

MM: Até porque as denúncias eram alimentadas por opositores políticos dele.

Não era propriamente um trabalho de investigação do jornal, quem trazia os

elementos eram adversários políticos, vereadores que sabiam do trâmite interno da

Câmara e traziam isto, indicavam onde que o jornal poderia investigar que acharia

algo supostamente irregular.

CM: E a primeira foi a viagem à Fortaleza...

MM: Viagem à Fortaleza em que ele ia para um curso, chegou à cidade antes

do começo do curso, dias antes, voltou dias antes de terminara e lá movimentou

uma ação judicial em nome da empresa dele. E levou junto com ele o advogado.

CM: Em outro curso semelhante, outro vereador de Tubarão foi flagrado no

Fantástico, com outros parlamentares na mesma situação.

MM: Isto, é parecido.

CM: Na tua experiência dentro de uma sala de audiência, basicamente tu fica

quieto e raramente fala...

MM: Em algumas audiências tem um momento em que você depõe. De um

modo geral, você fica lá simplesmente assistindo, tirando, especificamente, quando

você depõe, o que nem sempre acontece. Muitas vezes, a participação é totalmente

passiva. Assim, eu fui muito incentivado a fazer. O primeiro processo que sofri foi de

uma coisa muito pessoal. Hoje, sinto que amanhã eles podem fazer comigo o que

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fizeram com o vereador, não vão ter material tão farto assim, mas eles podem pegar

no pé. Sobre processo de um modo geral, acho que a empresa fornece um serviço

que me deu segurança o tempo todo, todas as vezes falaram para não me

preocupar com isto, fazer dentro do que é legal fazer.

CM: Só que nós estamos no final de 2013, e as ações são de 2008...

MM: Sim, passaram-se cinco anos, muita coisa mudou, aquela segurança

toda que eles me davam como é que fica hoje, se eu não trabalho mais lá? E estou

numa função que amanhã posso entrar em conflito com eles. Apesar de tudo, acho

que o jornal não cometeria uma deslealdade, mas que eu teria mais segurança

tendo um advogado contratado por mim, da minha confiança, com certeza. Na

época, nem refleti sobre isto, não imaginei que a coisa poderia demorar tanto. Que a

vida poderia mudar tanto. Hoje buscaria algo que me desse segurança permanente

porque a gente sabe que estes processos podem levar anos e anos.

CM: O que mais tu aprendeu nisto tudo?

MM: O que tenho muito vivo é isto: de comprar a briga que não é sua, uma

briga do veículo, que às vezes tem outras motivações e você embarca e agora

respondo tanto por ela como o veículo.

CM: Na época tu não tinha esta noção?

MM: Tinha condição de ter, mas não tinha esta clareza. Não tive esta visão,

de que o tempo passaria, que você está ali vestindo a camisa, mas você pode deixar

de ser funcionário do jornal e hoje estou respondendo por uma questão... E ao

mesmo tempo esta segurança que a empresa dá acaba servindo como uma maneira

de te impedir de contrariar uma orientação, eles dão tanta certeza que isto acaba te

impedindo de dizer, melhor, inibindo de dizer, “isto aqui eu não vou fazer”. Eu

poderia, na época, se a decisão fosse minha, dizer que não iria fazer. Mas o jornal te

dá segurança jurídica, diz para fazer, Embora hoje eu preferiria estar com a minha

própria defesa.

3.4.2 Entrevista com Álvaro Dalmagro

O outro profissional entrevistado foi Álvaro Dalmagro. Com 47 anos, teve uma

carreira mais diversificada: é formado no Rio de Janeiro nem 1994, trabalhou no Rio

Grande do Sul, onde nasceu durante algum tempo e veio para Santa Catarina, em

1996, para trabalhar como repórter da RBS TV nas regiões de Criciúma e Tubarão.

Também foi professor na Unisul de Tubarão da cadeira de Telejornalismo e, entre

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2005 e 2007, trabalhou num jornal diário impresso. Depois, atuou como assessor de

comunicação de prefeituras da região e da Associação dos Municípios da Região de

Laguna (Amurel), onde está até hoje.

Ele confirma algumas das opiniões de Matheus e opina que os jornalistas tem

total dependência em relação à empresa onde trabalham na hora que respondem

um processo, numa situação que está longe de ser justa.

Caetano Machado: Num período de 20 anos, trabalhando em diversos

veículos, você foi processado apenas ao trabalhar em jornal impresso. É isto?

Álvaro Dalmagro: Sim, é isto.

CM: Você acha que o jornal impresso é mais propenso a ser processado?

AD: Dizem que o jornal, a questão de deixar gravado, ele deixa um rastro

inegável. Na rádio, tu ouviu, a conversa se deturpa muito e até o cidadão descobrir

ou ter a certeza que ele foi caluniado, sofreu dano à moral, ele pode demorar um

bocado e depois de 30 dias o rádio não tem mais registros. Até ele procurar um

advogado, isto é importante porque apagou. Televisão, de certa forma também, ela

tem mais visibilidade que qualquer outro, mas ela está nas mãos de gente que tem

toda uma estrutura e dificilmente ela faz algo, a não ser que tenha um programa com

este perfil policialesco, que naturalmente vá atrair processos.

CM: Quantos processos tu já respondeu?

AD: Ainda tem processo rolando, não tenho certeza se são dois ou três que

estão rolando. E não sei se já foram quatro ou cinco. Sei que alguns deles estão

encerrados.

CM: Não sabe o número, mas lembra dos casos.

AD: Sim, eu sei que teve um dos policiais militares, uma ação conjunta,

coletiva, que já foi arquivado. Não deu nada, nem pro jornal. Aí teve um, que me

parece que também foi arquivado. Eu peguei estes processos e dei na mão de um

advogado para ele acompanhar, que não tem mais o que fazer, já estão em

execução. Eu fiquei preocupado, muito preocupado, porque neste país de injustiças

e desigualdades, porque o jornal, pela estrutura financeira que supostamente tem,

que um dos sócios é advogado...

CM: Bacharel...

AD: Bacharel, mas conhece leis. Na época eu não tinha condições de ter um

advogado próprio, como também em outras situações que não envolvia processo

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judicial. Acho importante isto, o jornalista ter condições, ter direito a um advogado

individual, diferente do jornal.

CM: Na época tu chegou a fazer este raciocínio?

AD: Não, não tinha este entendimento até porque nunca havia sido

processado. Depois é que eu percebi: “Opa”. Pelo comportamento do advogado,

pela forma que ele me tratou, e posteriormente, então, pelo comunicado que ele me

deu. Na verdade eu fui ingênuo, por desconhecer os procedimentos, eu fui por

confiar.

CM: Como tu vê os casos em que tu foste processado? Tu faria alguma coisa

diferente neles?

AD: Não sei se eu faria diferente na matéria, mas eu seria mais cauteloso e

mais precavido, em relação, justamente a este embasamento jurídico. Na minha

avaliação, o que acontece, eu fui estimulado, incentivado, elogiado por um

comportamento, e supostamente eu teria respaldo da empresa por isto, e no

entanto, este respaldo aconteceu meia-boca, até o momento que podia, quando os

conflitos de interesse se cruzaram. Não vejo que nenhuma das matérias tenha sido

ofensiva, a tal ponto de merecer processo. Agora, a questão de iniciais no lugar do

nome, por exemplo, eu não queria botar iniciais, não queria botar nada. Eu me

lembro que quem pediu para colocar iniciais foi o diretor do jornal, e eu não tive

oportunidade de falar isto em nenhum momento. Minha mágoa é nesta questão, e

como não pude constituir advogado, não pude dizer para juiz nenhum que eu tinha

um editor, e logo, não poderia ser responsabilizado pela forma como a matéria foi

escrita. Do ponto de vista jurídico, se havia alguém na redação, era o editor, e

depois a empresa. Depois que eu tive este entendimento, mesmo já com os

processos em execução, eu fiquei mais tranquilo.

CM: Então é certo que procurarias um advogado próprio?

AD: Faria de tudo para ter um advogado. E é uma experiência que eu trago,

que se eu fosse falar, dar uma palestra, por exemplo, para alunos da faculdade de

jornalismo, da judicialização da atividade, diria “Façam de tudo, raspem a poupança,

peçam dinheiro do pai, se não tiver”, porque chega um momento em que vai ter o

conflito. Não necessariamente, mas pode ter um conflito de interesses, num

determinado estágio, numa fase do processo. Dependendo o que moveu, talvez não

haja, do início ao fim. Se tivesse tido a possibilidade financeira de pegar um

advogado para mim, uma das argumentações que eu produziria seria a questão da

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velocidade que você tem de trabalhar. Você tem que fazer, duas, três, quatro

matérias num dia, cinco, depende a pessoa, depende a editoria, você vive correndo.

O que acontece? Quando você faz as coisas às pressas, mesmo que você tenha

condições técnicas, capacitação para fazer uma apuração da forma como se

recomenda fazer a apuração numa matéria, ouvir tintim por tintim todas as partes,

ter tempo de o editor olhar, ter tudo certinho, a possibilidade de você errar e daquela

matéria gerar um processo por dano material ou à imagem, é muito menor. Só que o

jornalista ele faz isto não porque ele quer, ele faz isto porque o veículo, a

precarização das redações, e outros fatores, sociais e sociológicos e de tecnologia,

as pessoas querem as coisas imediatamente, e o jornal quer imediatamente porque

ele tem poucos na redação e quanto menos ele tiver mais deve sobrar, é um

processo industrial. Eu acho que esta questão se tu pegares a essência disto que eu

estou falando e dar uma fundamentação teórica, baseado em estudos de

comunicação, e também na parte jurídica é uma boa argumentação do jornalista

enquanto indivíduo, diminuir a pena que supostamente ele teria e passar mais para

o veículo esta responsabilidade.

CM: Na verdade, então, a culpa do jornalista, parte dela é do veículo? Ele faz

o que faz baseado nas instruções, nas condições de trabalho, certos fatores que o

veículo deixa de fornecer...

AD: É a precarização do trabalho, porque tu faz as coisas às pressas, às

vezes tu sabe que tu não está checando da melhor maneira, ou da maneira como

você gostaria de fazer. E outra coisa, outro aspecto, tem a questão da linha editorial:

o jornalista não tem linha editorial. Quem tem linha editorial é o jornal; e quem

estabelece a forma como o jornal atua, o jornalista se adapta aquilo.

CM: E o jornalista não escreve do jeito que ele quer...

AD: Implicitamente está um jeito da empresa, o estilo linguístico da empresa.

Um comportamento da empresa naquela matéria, porque ele absorve o

comportamento depois de um tempo dentro da empresa. Então, por exemplo, no

meu caso com jornal. Eu tinha pouca experiência com mídia impressa e nenhuma

com polícia. Para mim foi um aprendizado. Eu era um cara relativamente vivido no

jornalismo, mas um recruta, um foca na polícia, tinha feito eventualmente uma

matéria com televisão. O eventual, não o dia a dia. Tem toda uma sistemática, você

começa a ter uma relação com as suas fontes, tem que aprender até onde é legal,

até onde tem que manter uma distância, até mesmo acreditar, a checar aquelas tuas

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fontes, porque tu pensa que a ponte é fonte de polícia, mas é fonte de bandido, tem

tudo isto. Foi um universo novo para mim, um aprendizado novo, tem estas

questões. Quem me dizia para manter aquela linha, aquele estilo de conduta

jornalística não era eu, eu tava tateando no escuro, tentando encontrar um estilo que

agradasse aos meus chefes e me satisfizesse minimamente do ponto de vista

jornalístico. Eu não gosto de polícia e esporte, duas editorias que não somam

intelectualmente em nada para o jornalista. Mas, quando você está naquilo você tem

de tentar fazer o melhor, beleza. Foi o que tentei fazer, “vou tentar fazer o melhor”. É

estranho porque o diretor vivia elogiando, virou um motivo de constrangimento, eu

achava que não merecia aquilo porque eu via isto no meio de pessoas que

considerava bons profissionais. Meu comportamento sempre foi de igualdade. E

aquilo me deixava constrangido e ao mesmo tempo satisfeito, e na verdade foi o

contrário.

CM: Você falou em polícia e esporte, que não as considera muito

jornalisticamente...

AD: Eu acho que elas são editorias limitadas, mexem com um universo muito

repetitivo. Uma coisa é você pegar um episódio de segurança, para não dizer

polícia, usar um eufemismo editorial que surgiu com estas novas expressões, tu

cobrir a polícia diariamente é um negócio muito chato. Agora pegar uma matéria

específica e dizer: “Pega este assunto, usa todo teu lirismo, teu conhecimento, o que

você puder, quero uma matéria especial sobre isto”. Legal. Tu vai usar teu

conhecimento de outras áreas, de psicologia, sociologia, religião, ou outro que

eventualmente a matéria te demandar. Agora ler boletim de polícia para tirar daí

subsídios e dados de uma página, é muito chato.

CM: Mas a orientação foi para usar iniciais...

AD: Existe uma orientação jurídica, aí vai da interpretação do juiz, que tudo

que é documento público tu pode usar e não vai gerar processo de dano moral. Mas

se tu fizeres isto, tu vai colecionar uma quantidade de processos sem fim, então é o

que rola por aí. No entanto, não é bem o que acontece.

CM: Tem aí uma diferença entre o que é interesse público e o que não é. O

conflito entre o direito de personalidade com o direito de liberdade de expressão.

AD: Verdade. No período em que trabalhei na RBS, teve um episódio que

ficou gravado para mim, no tempo que estive lá. Processo inconcluso, que não

transitou em julgado, a orientação era não se fazer matéria, não se dar notícia

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daquilo. Eu fui fazer uma matéria sobre alguma coisa ligada a Capivari de Baixo, um

processo que estava rolando e que foi favorável ao município ou ao prefeito. Entrei

na sala de reuniões, estava o prefeito, mais algumas pessoas, entre elas o

advogado. O cinegrafista começou a fazer imagens e depois de alguns minutos

descobri que o processo cabia recurso. Pedi desculpas, “não posso fazer matéria

sobre isto”, desconversei educadamente e saí fora. Lembro que eles ficaram

perplexos. Hoje, vejo que a empresa não adota mais este procedimento, e ela fazia

isto de medo de processo, o que acho um absurdo, então só pode noticiar o que já

noticiar o que já transitou em julgado? O tempo que vai se vai esperar para dar uma

notícia?

CM: Tu achas que eles tenham aprendido com isto?

AD: Da mesma forma, o que querem fazer com as biografias. Então só vamos

ter biografias chapa-branca. Aquela história oficial, que a gente levou tantos anos

para descobrir que estava toda errada no Brasil. De tempos em tempos, você

descobre uma obra, uma publicação, que não só desfaz a história que a gente

conhece, mas mostra situações opostas ao que foi dito. Se alguém não contar, e

alguém com interesse que esta parte não venha a público.

CM: Mas hoje não dá para ocultar tanto com há 40 anos porque a internet

escancara tudo.

AD: É. Admiro-me que caras como Chico, Caetano, e outros, Gil, caras que a

gente tem uma expectativa positiva, de esquerda, que passaram por tantas coisas,

tenham uma opinião completamente equivocada neste caso das biografias

autorizadas, pensando mais em resguardar a própria imagem do que os direitos de

expressão. No outro dia tive um embate com a minha mulher porque ela é

“legalista”, ela é favorável que tem que ter (a lei) para evitar manchar a honra. Penso

que isto fica na esfera judicial. Tu tem que ter a liberdade de escrever sobre quem

quiser. Se eu sou um homem público, ou não. Beleza. Se eu não me agradar,

depois... A não ser que eu tiver te pagando para escrever sobre mim, aí é outra

história. Agora se é um trabalho teu, como posso dirigir a tua história.

CM: Uma coisa são estes músicos, outra, diferente, é um político, uma coisa

mais séria. Ao proibir o músico, o entretenimento, tá proibindo o político...

AD: Você bota todo mundo na mesma seara. Aí tem a questão da utilidade

pública. Pega um deputado federal, com seis mandatos. Quero escrever sobre ele,

ninguém vai me impedir, pode me impedir sobre ele, nem ele. Mas pelo que estão

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querendo mudar, ele teria esta autonomia, este direito. E aí o cara viveu com 24

anos, com dinheiro público, usando dinheiro público, e eu não tenho direito de

escrever sobre o cara?

CM: Quanto tempo tu acha que seria o ideal para esperar a fonte responder?

(Referência ao questionário on-line distribuído aos jornalistas por e-mail)

AD: Acho que é 24 horas porque acho que é um tempo razoável. Agora

depende das circunstâncias, depende do veículo. Vamos supor que estamos num

veículo diário. E o veículo quer esta matéria hoje, aí já sai da alçada do jornalista,

porque não é o jornalista que vai decidir. Se é uma decisão do jornal, foge do

controle. Mas se tu negocia com o editor, esta matéria é perigosa, ninguém sabe, ela

é exclusiva. Depende a circunstância.

CM: A pessoa que trabalha na redação, ela fica naquele negócio de estar ali

no moedor, de fazer o quanto antes, de uma sensação de autoridade do jornalista...

AD: …que ele não tem…

CM: Cria uma sensação de “eu que julgo”...

AD: Isto é perigoso, extremamente perigoso. Esta arrogância, que se traveste

de outros conceitos, mas para mim não passa de arrogância, ela é muito perigosa.

CM: Como assim, outros conceitos?

AD: O cara, às vezes, acha que ele tem mais autoridade do que tem, que ele

como jornalista exerce uma função melhor que outra qualquer, ele começa a fazer

juízos de valor no trabalho. “Eu sou um jornalista pontual”. Ótimo é uma virtude, mas

não estamos falando de deadline, está falando de direito de resposta, de mexer com

a honra de alguém, com a imagem de alguém, cada caso tem que ser considerado,

algumas particularidades, algumas especificidades, uma coisa não vale para outra

necessariamente.

CM: E isto da polícia pedir para publicar uma foto? Tua primeira impressão é

não publicar.

AD: Acho que dependendo do veículo, ele é uma concessão. A polícia, se

está pedindo isto, ela vai assumir. O jornal tem de dar um jeito de que isto é um

pedido da polícia. Ou então, se valer de outros artifícios, porque daqui a pouco a

polícia errou e o jornal entra de gaiato. Não tenho nada contra publicar uma coisa

que a polícia peça, mas aí tem que se resgatar os aparatos jurídicos para não sobrar

para o jornal. Mas acho que pode ser uma utilidade pública muito grande ao publicar

algo que a polícia pediu. O departamento jurídico do jornal tem que falar mais que o

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próprio editor.

CM: Quando tu pisou pela primeira vez numa sala de audiência, ficaste com

medo? Como te sentiu?

AD: Eu custo a acreditar que ainda tem gente que se orgulhe de levar

processo, achar que isto é mérito de alguma coisa. Não sei como alguém pode

pensar assim. Acho que é um demérito. Não é que necessariamente um demérito,

qualquer um pode processar um jornalista ou jornal e necessariamente vai ter razão

naquilo que ele está pedindo. Se ele não tem razão, se é infundada, não é demérito

você ser processado. Agora é demérito no sentido assim que, se tu deixou furo no

sentido de apuração, não tem nada de mérito em você ser processado. Então eu fui

apreensivo. Se disser que fui com medo, seria exagero. Se disser que fui tranquilo, é

mentira também, fui apreensivo e curioso para saber o que rolaria, por desconhecer

o rito. Sem saber nada do processo, como conduzir, como se comportar. Mais para

tranquilo do que para preocupado, talvez por não ter noção do perigo, acho que não

deveria ser assim. As empresas deveriam ter um outro procedimento em relação aos

processos em si, e até mesmo, a orientação. Quem representa a empresa, no caso

o editor, diretor de redação, seja lá nome que se dê, qual o comportamento que tem

que ter.

CM: Nas primeiras vezes eu ficava muito nervoso. Nas últimas, sabia que ia

ter de ficar quieto o tempo todo, ficar ouvindo, assinar um papel e ir embora

pensando no que estava acontecendo na minha ausência.

AD: Acho uma coisa muito protocolar, muito burocrática. A instrução que o

advogado tem que dar, normalmente é feito isto em cima do laço, sem muita

orientação, e os advogados até mesmo pelo cacoete da profissão, fazem isto com

uma naturalidade espantosa, para quem não é do ramo como nós, preocupa,

principalmente quando o teu está na reta. Os advogados têm um comportamento

tranquilo demais para nós, que estamos envolvidos. Eu me lembro que o advogado

me mandou ficar tranquilo em relação ao processo dos policiais, e outro em seguida.

Mas no seguinte, a coisa foi se estendendo, ele não arredou, não abriu mão, sem

acordo, e aí comecei a ficar preocupado. Parece que já tem uma sentença de 50

salários mínimos. Não sei se houve recurso.

CM: Eu vi, foi de 3 mil reais, retroativo a 2007. Se foi sentenciado, foi para o

segundo grau, se foi 50 salários mínimos, pode ter diminuído.

AD: Deixei os meus processos com um advogado amigo meu, não me deu

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retorno. Creio que não tenha mudado muita coisa. Dei para ele três. Agora vou

procurar.

CM: Depois de um certo tempo já se tranquilizou, nas audiências...

AD: Sim, mas o que me deixou mais intranquilo foi a questão de ter ouvido do

advogado “procura um outro que não te represento mais”, isto depois de um tempo

que eu tinha saído do jornal. Se ele falasse isto no início... Aí fiquei sem saber no

intervalo, da minha saída do jornal até o dia em que ele me disse “Não sou mais teu

advogado, não tenho interesse, procura um outro defensor”. A forma como ele me

falou, preocupou.

3.5 QUEM É O CULPADO? QUEM É O RÉU?

Jornalista e veículo poderiam se ver em trincheiras opostas ao responderem

uma ação judicial por danos morais. A razão de ser de um processo judicial é atribuir

ou não culpa e dolo, descobrir intenções, e, de certa maneire, colocar luz, da

maneira mais equânime possível, num assunto nebuloso. Se seguisse isto à risca,

descobriria que o veículo tem muito mais a ver com o que foi publicado do que a

vontade do jornalista – sem desprezar esta última.

As empresas de comunicação não só influenciam o comportamento dos

jornalistas, como também têm o controle sobre o que é publicado ou não, como bem

apontou Álvaro Dalmagro na segunda entrevista deste capítulo. A iniciativa

individual, da mesma forma, esbarra na força do empreendimento coletivo. Mas se o

jornalista usasse um advogado próprio, e apontasse motivos diferentes dos que o

veículo usa para se defender, colocando este em posição ruim perante a justiça (e

vice-versa), criar-se-ia uma cisma, algo que não só resultaria num confronto entre as

partes do polo passivo da ação, como numa disputa entre patrão e empregado,

culminando no fim da relação de emprego.

Assim, o direito de processar tanto o veículo como o autor da matéria tida

como ofensiva, garantido pela súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça, embrulha

num mesmo pacote entidades com forças distintas. O ofendido pode até mesmo

escolher contra quem deseja processar.

Entre os muitos pontos necessários para uma regulação da comunicação no

Brasil, uma alternativa seria uma legislação que derrubasse a súmula 221,

permitindo ao ofendido o direito de processar veículo, colaborador não assalariado

(incluindo-se aí colunistas e afins) e fontes que prestassem informações inverídicas,

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caluniosas, difamantes, etc. O jornalista assalariado ficaria imune a um processo,

ficando a responsabilidade para a classe patronal.

Esta sugestão não é uma forma simplista de liberar jornalistas de suas

responsabilidades, mas também de forçar as empresas a criarem melhores

mecanismos de proteção e de verificação de sua responsabilidade. A liberdade de

expressão e a sociedade só tem a ganhar com um maior escrutínio das empresas

sobre as informações que coloca diante do público. A chave é esta: uma forma de

fortalecer a democracia com os veículos dando maior atenção ao seu produto; este

é a notícia, e ela precisa ser exata, com a devida dose de contraditório.

Para funcionar, é claro que os veículos devem estar pressionados por uma

melhor legislação relativa ao direito de resposta. As pessoas devem saber como e

quando agirem para consegui-lo; aliás, com as empresas dando o apoio sugerido

acima, diminuem as chances de isto ser necessário. Desta forma, tentariam ao

máximo evitar a exposição de seu erro em suas próprias páginas ou programas.

Estes veículos vivem, em teste, da confiabilidade de suas notícias e não devem

temer desmentidos.

O Brasil é um país heterogêneo, de dimensões continentais, com ´jornais,

emissoras de televisão e rádio, portais de internet de todos os tipos e tamanhos.

Algumas empresas estão melhor preparadas do que outras e até já têm seus

próprios mecanismos de controle. Uma legislação mais clara possibilitaria a todos

entenderem a necessidade destas mudanças, provocando uma diminuição no

número de processos. Como vimos na pesquisa feita pela internet, os jornalistas de

Santa Catarina não conhecem a fundo os meandros da atividade judiciária que

envolve seu próprio trabalho; uma discussão aprofundada sobre o assunto não é um

problema, mas sim uma solução.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito do que imaginamos uma certeza é baseado na nossa interpretação da

realidade, dos elementos que nos são apresentados. Não é uma verdade palpável,

mas nossa representação possível dela. O Jornalismo não fica só nesta seara de

possibilidades encaradas de forma diferente por cada observador. Assim também

funciona o mundo jurídico, com juízes diferentes analisando as mesmas provas com

resultados nem um pouco semelhantes.

Aliás, a justiça funciona de maneira a revisar decisões monocráticas, de

apenas um magistrado de primeiro grau, por tribunais colegiados. E as divergências

continuam nestes últimos. Jornalistas e veículos poderiam aprender muito com esse

exemplo simplista de como funciona a justiça. Uma profunda revisão sobre tudo

antes da publicação é uma necessidade da sociedade, que ganha com informação

de mais qualidade. Empresas e profissionais de imprensa também teriam como

vantagem um aumento de sua credibilidade com o passar do tempo.

Uma fórmula pronta para isto não é possível, já que existem diferentes

empresas com diferentes tipos de jornalistas, com os mais variados tamanhos. É

para isto que funciona uma legislação reguladora: mostrar o que pode e o que não.

“Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, diz a Lei de

Introdução ao Código Civil. Mas precisamos ir além: construir novas normas para

substituir a defunta Lei de Imprensa, incluindo formas concretas da aplicação do

direito de resposta. A sociedade não pode ficar presa a normas etéreas, que são

facilmente vistas por mais de um ângulo.

Por mais que ganhem com isto (repetindo, credibilidade), os grandes veículos

de comunicação são os mais refratários a alterações na regulamentação do

Jornalismo. E também os que mais têm influência na hora de uma mudança. O

próprio fim da Lei de Imprensa foi uma prova disto – a queda no Supremo Tribunal

Federal foi motivada mais pelo fim da exigência do diploma para o exercício da

profissão de jornalista do que qualquer figura de exceção, já extirpadas pela

promulgação da Constituição de 1988.

Se existe algo que a justiça brasileira não pode se gabar é de sua velocidade.

Ações de dano moral demoram anos e décadas para transitarem em julgado e a

execução aplicada. Num dos exemplos vistos aqui em entrevista, um jornalista

trabalhou dois anos num veículo, foi processado e, hoje, sete anos depois, ainda

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46

não viu o fim dos processos.

Uma das características da relação de trabalho no Brasil é a alteridade – ou

seja, os riscos do empreendimento são assumidos pelo empregador. Atualmente,

uma pessoa, na condição de subordinada, pode ser processada por algo publicado

num veículo – que detém todo o controle do que pode ou não ser noticiado, da forma

como o é, e até ensino o jeito que as coisas devem ser feitas. É uma distorção que

foi garantida pela súmula 221 – aliás, é uma sugestão de pesquisa: se a alteridade é

preservada na sentença, com os empregados ficando livres ou não de condenações

que as empresas são obrigadas a cumprir. Mas esta é a análise de um juiz ou de um

colegiado deles, não a lei.

A súmula 221 facilitou o início do processo, mas devemos nos voltar para uma

verdadeira forma de fazer justiça: eliminar seu oposto. Uma das formas, neste caso,

é uma melhor formação do profissional de imprensa – e nem colocamos em

discussão aqui a exigência do diploma. Faculdades deveriam preparar mais os

estudantes em direitos constitucionais e de personalidade; tão ou mais importantes

que disciplinas sobre empreendimento e gestão de negócios.

Acreditamos que nossa base de estudos para a pesquisa, 44 profissionais de

Santa Catarina, é pequena para um retrato fiel da percepção dos jornalistas sobre

ações de dano moral. Seria necessário um esforço maior, concatenado com o

Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, por exemplo, para compilar dados mais

complexos, numa pesquisa futura que continuasse esta investigação.

Mas o resultado que obtivemos não deixa dúvidas: é um tema que confunde,

e muito, empresas e trabalhadores da área. A relação com o poder judiciário na

função de réu é totalmente diferente da do entrevistador em busca de fontes. São

mecanismos e meandros manipulados por advogados, os operadores do direito que

intermediam e traduzem os acontecimentos. É lenta e sofrida, mesmo que não haja

uma condenação, tal qual a espada de Dâmocles (mito grego onde o personagem

que o nomeia ocupa o lugar de um rei, mas tem uma espada sobre seu pescoço,

suspensa com apenas um fio).

Uma nova investigação sobre estes temas poderia levar as questões mais a

fundo, não apenas quantificando, mas analisando um número maior de respostas

qualificadas, atribuindo aí um caráter não só pessoal, mas de como os gestores de

veículo enfrentam os dilemas apresentados por nosso questionário, confrontando os

dados com uma pesquisa mais ampla.

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Definitivamente, novas pesquisas nesta área são necessárias, já que a

bibliografia sobre o tema, unindo Jornalismo e Direito, principalmente, é escassa.

Cremos não ser por acaso: se poucos acadêmicos se inclinam a estudar este tema,

os jornalistas vindos das mesmas escolas também compartilham a falta de interesse

por ele. Entretanto, é um estudo que se faz necessário e útil à vida de jornalistas e

seu trabalho.

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REFERÊNCIAS

DONNINI, Oduvaldo. Imprensa livre, dano moral, dano à imagem e suaquantificação. São Paulo: Método, 2002.

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista dojornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987. Disponível em: <adelmo.com.br>. Acesso em:10 jan. 2012.

GERHARDT, Tatiana Engel (Org.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora daUFRGS, 2009.

MARTINS NETO, João dos Passos. Fundamentos da liberdade de expressão.Florianópolis: Insular, 2008.

MEDITSCH, Eduardo. O conhecimento do jornalismo. Florianópolis: UFSC, 1992.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: MartinsFontes, 1983.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. v. 1.Florianópolis: Insular, 2005.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística – uma comunidadeinterpretativa transnacional. v. 2. Florianópolis: Insular, 2008.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – ROTEIRO DO QUESTIONÁRIO PELA INTERNET

Jornalistas e dano moral

Este questionário faz parte do Trabalho de Conclusão do curso MBA em

Jornalismo: Gestão Editorial, do Instituto Superior de Comunicação do aluno

Caetano Machado. As perguntas pretendem traçar um pequeno perfil das

impressões de jornalistas atuando em Santa Catarina sobre ações de dano moral.

Obrigado pelas respostas.

1. O veículo onde você trabalha responde a algum processo por dano moral?

Sim

Não

Não sei

2. Você responde (ou já respondeu) a algum processo por dano moral?

Sim

Não

3. Você consultou o advogado do veículo sobre alguma matéria quantas

vezes no último ano?

Nenhuma

1

2 a 5

6 a 10

Mais de 10

4. Você já deixou de veicular alguma matéria depois do conselho de algum

advogado?

Sim

Não

5. Quanto tempo você esperaria pela resposta de um

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acusado/suspeito/personagem para a finalização de uma matéria?

Só até o fechamento.

24 horas

O quanto fosse pedido pela parte.

Até obter a resposta.

Não sei

6. Você acha justo que alguém condenado por um crime processe uma

empresa de comunicação por exageros ao noticiar esse crime?

Sim

Não

Não sei

7. Se uma autoridade policial pedisse para você veicular foto de suspeitos de

algum crime, o que você faria?

Publicaria.

Não publicaria.

Pediria a opinião de um colega.

Pediria a opinião de um advogado.

8. Se você fosse processado, qual(is) seria(m) sua(s) reação(ões) inicial(is)?

Mais de uma opção podem ser marcadas nas respostas.

Encararia com naturalidade.

Ficaria surpreso.

Ficaria com medo de perder dinheiro.

Ficaria com medo de perder reputação.

Teria orgulho.

Teria vergonha.

Divulgaria o processo.

Deixaria o veículo de comunição indicar o advogado.

Procuraria um advogado próprio.

9. O que você acha que um juiz deve levar em consideração para quantificar

o valor de uma indenização por dano à imagem a ser paga por um veículo de

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comunicação?

Nas respostas, autor da ação é quem processa e ofensor é o veículo. Mais de

uma opção podem ser marcadas nas respostas.

Repercussão no meio social.

Natureza da ofensa.

Respeitabilidade do autor da ação.

Respeitabilidade do veículo ofensor.

Gravidade do fato.

Que o ofensor já praticou o ato .anteriormente

Que o autor da ação já tenha sido condenado.

Penetração do veículo.

Porte do veículo de comunicação.

Situação econômica do autor da ação.

Situação econômica do ofensor.

Possibilidade do ofensor repetir o ato.

Se houve espaço para as manifestações do autor.

10. Você se arrepende de ter veiculado algo sobre uma pessoa ou instituição,

tendo sido ou não réu de um processo?

Sim

Não

Não sei

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APÊNDICE B – RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO DA INTERNET

1. O veículo onde você trabalha responde a algum processo por dano moral?

Sim 19 41%Não 17 37%Não sei 10 22%

1. O veículo onde você trabalha responde a algum processo por dano moral?

Sem resposta

2. Você responde (ou já respondeu) a algum processo por dano moral?

Sim 15 33%Não 30 67%

3. Você consultou o advogado do veículo sobre alguma matéria quantas

vezes no último ano?

Nenhuma 14 30%1 4 9%2 a 5 16 35%

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6 a 10 5 11%Mais de 10 7 15%

4. Você já deixou de veicular alguma matéria depois do conselho de algum

advogado?

Sim 26 57%Não 20 43%

5. Quanto tempo você esperaria pela resposta de um

acusado/suspeito/personagem para a finalização de uma matéria?

Só até o fechamento. 24 53%24 horas 5 11%O quanto fosse pedido pela parte. 4 9%Até obter a resposta. 7 16%Não sei 5 11%

6. Você acha justo que alguém condenado por um crime processe uma

empresa de comunicação por exageros ao noticiar esse crime?

Sim 21 47%Não 17 38%

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Não sei 7 16%

7. Se uma autoridade policial pedisse para você veicular foto de suspeitos de

algum crime, o que você faria?

Publicaria. 12 27%Não publicaria. 13 29%Pediria a opinião de um colega. 2 4%Pediria a opinião de um advogado. 18 40%

8. Se você fosse processado, qual(is) seria(m) sua(s) reação(ões) inicial(is)?

Encararia com naturalidade. 23 25%Ficaria surpreso. 11 12%Ficaria com medo de perder dinheiro. 8 9%Ficaria com medo de perder reputação. 6 7%Teria orgulho. 2 2%Teria vergonha. 3 3%Divulgaria o processo. 7 8%Deixaria o veículo de comunição indicar o advogado. 21 23%Procuraria um advogado próprio. 11 12%

9. O que você acha que um juiz deve levar em consideração para quantificar

o valor de uma indenização por dano à imagem a ser paga por um veículo de

comunicação?

Repercussão no meio social. 17 10%Natureza da ofensa. 24 14%Respeitabilidade do autor da ação. 7 4%Respeitabilidade do veículo ofensor. 8 5%Gravidade do fato. 28 16%Que o ofensor já praticou o ato .anteriormente 12 7%Que o autor da ação já tenha sido condenado. 13 7%Penetração do veículo. 10 6%Porte do veículo de comunicação. 10 6%Situação econômica do autor da ação. 4 2%

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Situação econômica do ofensor. 11 6%Possibilidade do ofensor repetir o ato. 8 5%Se houve espaço para as manifestações do autor. 24 14%

10. Você se arrepende de ter veiculado algo sobre uma pessoa ou instituição,

tendo sido ou não réu de um processo?

Sim 11 24%Não 34 74%Não sei 1 2%