universidade tuiuti do paranÁ -...

70
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DAIANA CONSTANTINO OS PROTESTOS DE JUNHO DE 2013 SOB A PERSPECTIVA DA PÚBLICA CURITIBA 2014

Upload: ledat

Post on 10-Dec-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

DAIANA CONSTANTINO

OS PROTESTOS DE JUNHO DE 2013 SOB A PERSPECTIVA DA

PÚBLICA

CURITIBA

2014

DAIANA CONSTANTINO

OS PROTESTOS DE JUNHO DE 2013 SOB A PERSPECTIVA DA

PÚBLICA

Trabalho de Conclusão do Curso

apresentado na pós-graduação do MBA

em Jornalismo: Gestão Editorial, da

Universidade Tuiuti do Paraná, como

requisito para a obtenção do grau de

especialista.

Orientador: Ângelo Augusto Ribeiro, Dr.

CURITIBA

2014

RESUMO

Esta monografia aborda a cobertura dos protestos realizados em junho de 2013 no

Brasil, feita pela Agência Pública, uma organização de jornalismo investigativo, sem

fins lucrativos. Os objetivos perseguidos foram os de diagnosticar a abordagem

editorial dada ao assunto e como ele foi explorado no site da organização. Esse

estudo se justifica pela importância dos episódios, sob ponto de vista político e

social. Aliás, o período teve grande repercussão midiática devido à realização da

Copa das Confederações no Brasil, uma prévia da Copa do Mundo. Também com o

estudo da Pública, essa monografia pretendeu despertar o interesse nos jornalistas

para outras possibilidades de trabalho, para além do mercado consolidado da

grande mídia. Aplicaram-se, nesse trabalho, técnicas da análise de discurso e de

conteúdo, além de entrevista aberta e pesquisa exploratória. Entendeu-se que a

cobertura dos episódios foi feita a partir de duas perspectivas editoriais: uma de

crítica à realização da Copa do Mundo e outra de questionamento à atuação da

polícia militar. Como uma pesquisa nunca se esgota, esse estudo deixa espaço para

outras interpretações.

Palavras-chave: Jornalismo; protestos; cobertura; agência de notícias.

ABSTRACT

This monograph discusses the coverage of protests that happened in June 2013 in

Brazil, made by Agência Pública, an organization of investigative journalism

nonprofit. The objectives persecuted were to diagnose editorial approach given to the

subject and how it was exploited in the organization's website. This study is justified

by the importance of episodes, from the political and social point of view. Besides,

that period had a big media repercussion because of the realization of the

Confederations Cup in Brazil, a preview of the World Cup. Also with the study of

Pública, this monograph intended waken the interest in journalists to the others

possibilities of works. Beyond the consolidated market of the mainstream media.

Were applied in this work techniques of discourse and content analysis, interviews

and exploratory research. It was understood that the coverage of the episodes were

taken from two editorial perspectives: a critical to the realization of the World Cup

and another questioning the actions of the military police. As a research never runs

out, this study open spaces to another interpretations.

Keywords: Journalism; protests; coverage; news agency.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6

2 MÍDIA E GESTÃO DE CONTEÚDO ....................................................................... 9

3 O CASO DA PÚBLICA .......................................................................................... 18

4 UM ESTUDO DA COBERTURA DOS PROSTESTOS FEITA PELA PÚBLICA ... 22

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 29

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 31

APÊNDICE ................................................................................................................ 34

ANEXOS ................................................................................................................... 45

6

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho de conclusão de curso, foi feito um estudo da cobertura dos

protestos realizados no Brasil, durante o mês de junho de 2013, a partir de textos

produzidos e publicados pela Agência Pública – uma organização de jornalismo

investigativo, sem fins lucrativos. Considerou-se a perspectiva editorial adotada na

abordagem do assunto e o modo como se deu a exploração do tema no ambiente

digital. No período, oito textos foram veiculados no site da organização.

O estudo iniciou-se com uma pesquisa exploratória sobre a Pública, uma

agência que segue uma tendência de produção alternativa ao modelo tradicional da

grande mídia. Organizações de jornalismo investigativo como a Pública começaram

a surgir em 1976, com a criação da Investigative Reporters and Editors, nos Estados

Unidos. Na Europa, jornalistas começaram a fundar suas associações no fim da

década de 1980 em países como a Dinamarca (1989), Suécia e Noruega (1990) e

Filândia (1992).

Essas entidades influenciaram a realização do evento da Conferência Global

de Jornalismo Investigativo, realizada pela primeira vez em Copenhague, no ano de

2001, constituindo então uma rede global de jornalismo investigativo. O evento

acontece a cada dois anos e o último ocorreu no Rio de Janeiro, em outubro de

2013, marcando a oitava edição – promovida pela Global Investigative Journalism

Network (GIJN).

Fundada em 2011, a Pública está presente apenas na plataforma digital,

tendo como fonte financeira “doações” feitas por organizações, entidades

filantrópicas e pessoas físicas. Ela não recebe verba de publicidade comercial e

governamental, como os veículos tradicionais. Por adotar esse modelo, garante que

faz um trabalho independente.

A vontade de aprofundar o conhecimento sobre a Pública surgiu a partir da

aula Relações com anunciantes e agências de propaganda, ministrada pelo

professor Jacques Mick, no curso de MBA em Jornalismo: Gestão Editorial. Na

disciplina, foram apresentados modelos de produção jornalística alternativos aos

negócios de comunicação em vigência. O interesse pelo assunto foi determinante na

escolha do tema para esse trabalho de conclusão de curso.

Depois da pesquisa exploratória sobre a Pública, a intenção era visitar a

equipe da agência e acompanhar de um a três dias a rotina de trabalho. No dia 2 de

7

novembro de 2013, o primeiro contato foi feito, por e-mail, com a editora do online da

Pública, Luiza Bodenmüller, explicando a proposta dessa monografia e solicitando

uma entrevista pessoalmente com a organização. Infelizmente, o pedido foi negado

sob a justificativa de que os responsáveis pela agência estavam concentrados

integralmente em um novo projeto de pautas investigativas e que não seria possível

receber a visita entre novembro e dezembro.

A negativa esteve acompanhada do comentário de que a redação da Pública

não se difere das demais redações do Brasil. Curiosamente, em uma das perguntas

da entrevista aplicada especialmente para essa monografia, Bodenmüller responde,

por e-mail, que a Pública é uma redação completamente diferente das demais

redações. Todas essas informações estão registradas em e-mails e anexas ao

trabalho.

Sendo assim, a entrevista foi feita em duas etapas. Uma por e-mail, com

Bodenmüller, e a outra por telefone, com a diretora da agência, Natalia Viana. A

entrevista completa pode ser consultada nas últimas páginas dessa monografia. As

primeiras questões buscaram saber sobre o surgimento da Pública, a organização

das pautas, prática do jornalismo investigativo e digital. Na segunda rodada, a

entrevista questionou informações sobre o modelo de sustentação financeira da

agência, prestação de contas e transparência nos nomes dos apoiadores e os

valores das contribuições por projetos bancados.

A pesquisa exploratória sobre a Pública e a entrevista com os integrantes da

agência foram necessários para dar subsídios ao estudo da cobertura dos protestos

realizados em junho de 2013, a partir de oito textos produzidos e publicados pela

organização. Isso porque, segundo Eni Orlandi (2010), o discurso não pode ser

deslocado daquele que o criou e revelou ao público.

Já a contribuição dessa monografia para os jornalistas deve ser no sentido de

despertar o interesse profissional para outras possibilidades de trabalho, para além

do mercado consolidado da grande mídia.

No capítulo Mídia e gestão de conteúdo, apresenta-se uma reflexão teórica

sobre jornalismo investigativo, narrativa jornalística, ambiente digital, convergência

midiática, negócios dos jornais e produção de conteúdo alternativa ao modelo

vigente. Foram estudados os autores Carlos Castilho, Manoel Chaparro, Venício

Lima, Roger Silverstone, Lourival Sant’anna, Philip Meyer.

8

O capítulo O caso da Pública traz informações retiradas da entrevista feita

com integrantes da agência – conforme mencionado anteriormente. Também foi feita

uma comparação entre a Pública e duas organizações estrangeiras de jornalismo

investigativo, que inspiraram a criação da agência no Brasil. A proposta era observar

no que elas se assemelham e se diferem. Ainda, foi feita uma pesquisa sobre dois

doadores financeiros da Pública, os quais estão em destaque na página principal do

site da Pública. A intenção era entender um pouco mais sobre a relação entre os

financiadores e a agência.

Já o capítulo Um estudo da cobertura dos protestos feita pela Pública,

apresenta um estudo sobre a cobertura dos protestos, feita pela agência. Com base

na reflexão teórica e nas informações retiradas da entrevista feita com a

organização, buscou-se perceber como o assunto foi abordado editorialmente e

explorado no ambiente digital. Ainda, o estudo da cobertura foi feito a partir de

técnicas da análise do discurso e de conteúdo.

Já nas Considerações finais mostra-se o resultado do estudo da cobertura

dos protestos, realizados em junho de 2013, feita pela Pública.

9

2 MÍDIA E GESTÃO DE CONTEÚDO

Embora o jornalismo investigativo esteja presente na grande mídia desde os

anos de 1970, a reportagem investigativa recebeu pouco estudo teórico no Brasil. A

constatação foi feita pelo autor Sequeira (2005), que, ao fazer uma revisão

bibliográfica sobre o assunto, percebeu que, até 2003, apenas os profissionais

Alberto Dines e Nilson Lage haviam se dedicado ao tema. Os dois jornalistas

brasileiros apontaram duas categorias específicas presentes nos jornais: a

reportagem investigativa e a interpretativa. Ambos também observaram a carência

de espaço para esse trabalho nos veículos do País.

Segundo Sequeira (2005), a percepção dos dois jornalistas brasileiros acabou

sendo comprovada pelo autor Chaparro (1997), que analisou um período de 50 anos

da imprensa brasileira (1945-1994), enfocando o jornalismo diário dos veículos:

Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, por cinco décadas; Última Hora e Diário

Carioca, de 1945 a 1954; Correio da Manhã e Diário de São Paulo, de 1955 a 1964;

O Globo e Jornal da Tarde, de 1965 a 1974; e Folha de S. Paulo e O Globo, de 1975

a 1955. Os dados levantados indicaram que na amostra de 1955, a reportagem

investigativa ocupava apenas 2,32% do espaço total da Folha de S. Paulo e 1,73%

em O Globo; na amostra de 1945-1994, 0,20% no O Estado de S. Paulo, e 0,50% no

Jornal do Brasil.

A reportagem investigativa aparece pouco nos jornais, segundo Dines (1986

apud SEQUEIRA, 2005), porque as empresas preferem não se comprometer com

assuntos que possam causar algum problema para os negócios. Seguindo essa

linha, veículos utilizam muitas vezes os relises, informações produzidas por fontes

oficiais – recurso que surgiu no autoritarismo pós 1964. Nesse contexto, Lage (2001

apud SEQUEIRA, 2005) identifica dois tipos de profissional: o repórter factual e o

investigativo. O primeiro se atém às informações oficiais e o segundo, às fontes das

fontes.

Para Sequeira (2005), toda prática jornalística demanda algum tipo de

investigação. Mas, segundo ele, o jornalismo investigativo é uma categoria que se

diferencia das outras porque precisa de método e de estratégias. Na visão do

jornalista, Caco Barcellos (2003 apud KONOPCZYK, 2003), a reportagem precisa

ser justificada pela relevância pública, assim como as denúncias que chegam até a

10

redação devem ser criteriosamente avaliadas para que se decida o que vale ser

divulgado ou não.

Outro profissional renomado, Roberto Cabrini (2003 apud BIAZOTO, 2003)

acredita que o segredo do repórter investigativo está no modo de entrevistar e de

buscar as informações. Para ele, o profissional precisa ser um pouco psicólogo para

conseguir o que precisa. “Com algumas pessoas o jornalista precisa ser calmo,

tranquilo e não valorizar muito as informações que recebe, já que com outras deve

ser duro para conseguir tirar o que quer (CABRINI apud BIAZOTO, 2003, p. 155)”.

Já Barcellos (2003 apud KONOPCZYK, 2003) avisa que o jornalista, muitas

vezes, acaba sendo usado e pode cair facilmente em armadilhas ao divulgar

informações plantadas por fontes interessadas em prejudicar outras pessoas. Na

visão do jornalista Willian Waack (2003 apud ASSIZ, 2003), não existe receita, mas o

repórter precisa ter maturidade para saber o momento certo de ouvir os envolvidos

no caso investigado, como o acusado. Segundo ele, antes de tudo, o repórter

precisar estar familiarizado com o tema.

Ainda, Waack (2003 apud ASSIZ, 2003) afirma que o jornalismo investigativo

pode ser feito em qualquer mídia, desde que respeite as características de cada

plataforma. Segundo ele, as novas tecnologias possibilitaram avanços no processo

de produção: a tecnologia ajuda o repórter na busca de informações públicas, fontes

e contatos. Para Barcellos (2003 apud KONOPCZYK, 2003), a internet democratiza

a informação, mas, ao mesmo tempo, pode tornar o jornalismo superficial.

Com o advento da internet, a narrativa jornalística teve de ser repensada ao

passo que os veículos começaram a reproduzir a versão da notícia do papel em

plataforma digital. O Jornal do Brasil foi o primeiro impresso da grande mídia a

lançar um site, em 1995, segundo Castilho (2005). Em seguida, os diários Folha de

São Paulo e O Globo aderiram portais de notícias.

O produto que começou a surgir neste ambiente passou a ser conhecido como jornalismo online ou ciberjornalismo, uma modalidade de jornalismo que adapta os valores tradicionais da profissão ao espaço cibernético e de toda a cultura informativa que começa a ser construída na internet (CASTILHO, 2005, p. 234).

Nos primeiros anos, Castilho (2005) constatou a dificuldade dos profissionais

em reportar os fatos em ambiente digital e observou o predomínio da cultura das

grandes redações. Os sites de jornais, rádios, revistas emissoras de televisão

divulgavam as notícias originais quase sem alterações e poucas ferramentas da

11

web, como hiperlinks e interatividade, eram utilizadas. Apesar da necessidade de

avanços, a convergência midiática era então permitida graças ao processo de

digitalização e circulação da notícia em diversas plataformas (PALÁCIOS, 2003, p.

24). Segundo Almeida (2012), os sites evoluíram para uma interface com mais

condições de ações e navegação, o que é positivo para os leitores. Mas, para o

pesquisador, também há necessidade de repensar o papel dos jornalistas.

Em 2010, durante uma palestra, Tim Berners-Lee pontuou que o futuro do jornalismo está na análise de dados. Na opinião do inventor da World Wide Web, a responsabilidade de explicar o que acontece na sociedade é do jornalismo e, com disponibilização de dados públicos essa tarefa é reforçada [...] Se no século passado, o Jornalismo de Precisão e a Reportagem Assistida por Computador foram essenciais para potencializar o jornalismo investigativo, atualmente hackear as bases de dados podem ser vista, metaforicamente, como uma versão pós-moderna do jornalismo investigativo (ALMEIDA, 2012, p. 8).

Henry Jenkis (2006 apud ALMEIDA, 2012) escreveu que o processo de

convergência da mídia ocorre em duas dimensões: primeiro, ela possibilita a

distribuição multiplataforma dos conteúdos e o processo de integração das redações

jornalísticas; segundo, ela abre espaço para a colaboração de leitores na produção

de notícias, além de dar chances de interação, como compartilhamentos por meio de

redes sociais, blogs, e-mails.

Para Chaparro (2012), as mudanças trazidas pelo avanço tecnológico

profissionalizaram a capacidade de criar a pauta com conteúdos adequados à

linguagem jornalística. Já Traquina (2001) percebe o desenvolvimento de um campo

jornalístico autônomo e a profissionalização dos envolvidos na atividade jornalística

– mas defendendo sempre a hierarquização na hora de decidir o que é notícia. Na

visão de Castilho (2005), a notícia ganha um novo conceito com o jornal na internet,

pois a definição de pautas deixa de ser exclusiva dos profissionais da comunicação.

Antes da web, a notícia era vista como um produto acabado no momento em que era impressa ou transmitida por meios audiovisuais. Ela podia render desdobramentos (suítes) que na verdade eram consideradas novas notícias. Além disso, ao ser publicada ou transmitida, a notícia off-line tinha um período de vida muito curto e ia rapidamente para o arquivo, onde perdia quase todo o seu valor jornalístico (CASTILHO, 2005, p. 239).

Para a designer de narrativas visuais interativas do La Nación, da Costa Rica,

Mariana Santos (2013), as novas tecnologias mudaram a concepção do fazer

jornalístico. “Agora o público pode dar a sua versão de uma história e isso muda o

12

jeito que vemos o mundo. Por que competir se você pode colaborar? Precisamos

mudar a mentalidade que se tinha anos atrás” (SANTOS, 2013). Já a editora de

visualização do The New York Times, Amanda Cox (2013) analisa que o jornalista

responde por ondas ao dar o furo de notícia imediatamente no site para depois

produzir uma narrativa multimídia. “O jornalismo não está acabando, só está

mudando. Precisamos entender, por exemplo, que os números também podem

contar histórias” (SANTOS, 2013)1. Para Chaparro (2012), a “crise” deve ser

superada pelas redações dos meios impressos, que devem se impor diante do poder

massivo do telejornalismo.

Ao delimitar o ‘mundo noticiado’ com o qual trabalha e se realimenta obsessivamente, a televisão cria, ainda que sem querer, a noção de um ‘mundo não noticiado’, que deveria ser entendido e assumido como desafio pelo jornalismo impresso. Para dar conta do “mundo não noticiado”, e das suas relações umbilicais com o “mundo noticiado” (relações de poder, por exemplo), o jornalismo impresso tem de reinventar formas e combinações para as ações de narrar e argumentar – e isso inclui o resgate criativo da notícia, para papéis sociais diferentes dos que teve na segunda metade do século 19 (CHAPARRO, 2012, p.3).

Com base em pesquisas de leitura e medições de jornais diários, Chaparro

(2012) descobriu que uma fatia de 95% do espaço impresso é ocupada por uma

agenda controlada. “E o fazem com tal competência, que obrigam jornais

concorrentes a repetir não só as notícias, mas até os critérios de relevância na

edição” (CHAPARRO, 2012, p.7). Para o autor, é dado um tratamento superficial à

cobertura de temas da atualidade.

Talvez me digam, e talvez até seja verdade, que não há nos grandes diários, mais espaço nem tempo para a grande reportagem. Pois então é preciso criar novas formas e novos métodos de desvendar o que a aparência agitada da superfície esconde. Se não há espaço para a “grande reportagem” no tamanho, que se desenvolvem espécies de “grande reportagem” na qualidade. Ou seja: precisamos repensar e recriar as formas de uso da linguagem jornalística (CHAPARRO, 2012, p.8).

Para Lima (2001), a mídia passou por um processo acelerado de

modificações e avanços tecnológicos nos últimos 50 anos. No século XX, o telefone,

o cinema, o rádio e a televisão se tornaram objetos de consumo essenciais

(SILVERSTONE, 2002). O advento da internet tornou o mundo mais interativo. A

1 As declarações das duas profissionais foram feitas na Conferência Global de Jornalismo

Investigativo, realizada em outubro de 2013, no Rio de Janeiro, profissionais do mundo inteiro discutiram a temática da narrativa jornalística (OLIVEIRA, 2013)

13

partir da evolução tecnológica no campo midiático, de acordo com Silverstone

(2002), a mídia passou a ser concebida como um processo social, político e

econômico. Nesse procedimento, significados são oferecidos e produzidos pelas

várias comunicações.

Lima (2001) faz referência a Wolf ao mencionar que os meios de

comunicação de massa constituem simultaneamente um importantíssimo setor

industrial, no qual a mídia é tida como um universo simbólico, produto mercadológico

e tecnológico, experiência humana. Rüdiger (1998) cita McLuhan para defender o

uso da tecnologia das mídias que atuam como responsáveis pela constituição dos

sentidos, de modo que uma mídia implica predomínio de percepção da realidade

sobre outra mídia. A partir do uso de estruturas técnicas para formar a opinião

pública, a vida em sociedade é modelada pela comunicação. Segundo Rüdiger

(1998), ao passo que mídia fica refém de empresas de comunicação, formam-se

monopólios para comandar a distribuição de poder. Segundo Silverstone (2002), a

presença da mídia em nossa vida acontece constantemente enquanto mudamos de

ambiente para outro, do rádio para o jornal, para o telefone, da televisão para o

aparelho de som, para a internet.

É no mundo mundano que a mídia opera de maneira mais significativa. Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para condução da vida diária, para a produção e a manutenção do senso comum (...) A mídia depende do senso comum. Ela o reproduz, recorre a ele, mas também o explora e o distorce (SILVERSTONE, 2002, p.21).

Na sociedade contemporânea, é comum o passeio por vários espaços

midiáticos que funciona como um processo de mediação. A partir dessa ideia,

Silverstone (2002) faz referência a Manuel Castells:

Para Castells, o espaço de fluxos sinaliza as redes eletrônicas, mas também das físicas, que fornecem dinâmica grade de comunicação ao longo da qual a informação, os bens e as pessoas se movem incessantemente em nossa era da informação emergente (...) Castells chama a “era da informação” nos translados dentro e através da experiência, pois é ai que eles ocorrem: como sentidos, conhecidos e, às vezes, temidos (SILVERSTONE, 2002, p. 25).

Ainda segundo Silverstone (2002), a preocupação com a mídia como

processo de mediação está ligada à necessidade de focar no movimento dos

significados por meio das representações e da experiência, de compreender a

relação entre o significado público e privado, entre textos e tecnologias.

14

Nas últimas décadas, ocorreram mudanças na gestão empresarial do

jornalismo e hoje se fala da crise dos jornais. Registros dão conta de os impressos

perderam leitores seja por causa do rádio, televisão ou da internet. Nos Estados

Unidos da América (EUA), até primeira metade do século XX, o jornal era a principal

fonte de informação da maior parte da população, sendo que o volume de jornais

vendidos era de 35% maior que o número de residências. Mas no final da década de

80, a circulação dos diários caiu, atingindo 67% dos lares (NETO, 2003, p. 55).

A Associação Mundial de Jornais e Publishers compilou dados de 90% das

publicações no mundo e apontou que os jornais tiveram queda de 0,9% na

circulação e de 2% na receita publicitária no ano de 2012. No Brasil, a circulação dos

jornais vem crescendo pouco – o aumento do número de leitores foi de 2,7% em

2012 – mas seria por causa dos jornais populares como o Extra, do Rio, e Super

Notícias, de Belo Horizonte. Já a circulação de revistas caiu 4,6% em 20122.

De acordo com os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), oito dos

15 maiores jornais brasileiros são populares. As razões para esse crescimento

seriam os preços, promoções e jornalismo de serviço. O Plano Real, lançado em

1994, teria dado impulso à criação de um novo consumidor: os leitores das classes

C a E. Em 2002, o Brasil tinha 176 milhões de habitantes, o que correspondia 92,6%

das classes C, D e E. Em 2010, o Brasil superou os 190 milhões de habitantes,

sendo 87,2% nas classes C, D e E. Na Região Sul, são 28 milhões de habitantes:

55,3% da população é da classe C3. De fato, o modelo de negócios tem se

transformado e, segundo Philip Meyer (2007), a fórmula do sucesso pode surgir de

modo inesperado. “No último século, o bom jornalismo sobreviveu – mesmo sem

prevalecer sempre – a muitas mudanças tecnológicas. A internet é apenas o mais

recente de uma série de avanços que contribuíram para a ‘segmentação’ da mídia”

(MEYER, 2007, p.272).

Nesse processo de mudança, os profissionais sentem na pele os reflexos,

como a integração das redações impresso-online, corte de pessoal, redução de

investimentos e estrutura, entre outras adequações. Em São Paulo, foram

2 Informações retiradas da matéria A pior profissão do mundo, publicada na data de 10.06.13,

escrita por Camila Rodrigues, Bruno Fonseca, Luiza Bodenmüller e Natalia Viana. Disponível em: <goo.gl/395bWd>. 3 Dados apresentados na disciplina Mídia impressa, no MBA em Jornalismo: Gestão Editorial,

pelo professor Claudio Thomas, em 2013.

15

registradas 280 demissões de janeiro a abril de 2013, 37,9% a mais que no mesmo

período de 2012, quando foram registradas 203 homologações por conta de

demissões. Até a metade de 2013, mais de 1.230 jornalistas foram demitidos de

redações no Brasil. No exterior, segundo dados da Associação Americana de

Editores de Notícia, em 2012 havia 40 mil jornalistas empregados em redações nos

EUA: o número é o menor desde que o levantamento anual passou a ser feito, em

1973, quando havia 43 mil jornalistas empregados. Apesar das demissões em

massa no Brasil, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) tem uma visão otimista de

que os anúncios em jornais têm aumentado – de R$ 3,36 bilhões em 2011 para R$

3,38 bilhões em 20124.

Diante deste cenário de mudança, surgem muitas especulações, como o fim

dos jornais impressos. Um estudo da Future Exploration Network, centro de

consultoria norte-americana, publicado em 2013, apontou que em 2027 circulará o

último jornal impresso brasileiro. O relatório avaliou 20 países e diz que a crise que

levará ao fim do jornal começará pelos Estados Unidos, em 2017. Ainda, segundo o

estudo, no Brasil, as razões para o fim do impresso seriam: “o desenvolvimento

econômico, urbano e desigualdade social, a absorção da tecnologia, o

desenvolvimento da banda larga, a penetração de smartphones e tablets, a receita

de publicidade no jornal, o suporte para a mídia, censura e comportamento do

consumidor”5.

Segundo Sant’anna (2008), o jornalismo deve expandir para outros meios de

comunicação, pois “o jornal impresso será um meio ultrapassado igual aos rolos de

filme das máquinas fotográficas”. O mesmo pensamento é compartilhado por Neto

(2003) – que analisa que as novas tecnologias pressionam a indústria da

comunicação na disputa por espaço no mercado, enquanto surgem novos negócios

para atuação específica na plataforma digital. Os jornais tradicionais representam

um modelo de negócio característico da sociedade industrial e devem se sair bem

nesse processo de mudança na busca do lucro porque estão habituados ao sistema

competitivo do monopólio ou oligopólio (NETO, 2003, p.71).

Em paralelo a esse universo competitivo, há iniciativas que fogem do modelo

4 Informações disponíveis para consulta em matéria A revoada dos passaralhos, publicada na

data de 10.06.13, por Camila Rodrigues, Bruno Fonseca, Luiza Bodenmüller e Natalia Viana. Disponível em: <goo.gl/7SV4WK>. 5 Dados da ANJ. Disponível em: <goo.gl/LNozgf>.

16

de negócio das grandes empresas de comunicação. É o caso da Agência Pública –

uma organização sem fins lucrativos atuante no Brasil. A entidade é objeto de estudo

deste trabalho de conclusão de curso. Desde que foi criada em 2011, a Pública

passou a ser considerada uma referência nacional em produção de reportagem

independente por conseguir financiar projetos jornalísticos com contribuições

financeiras doadas por entidades, pessoas físicas ou jurídicas que se interessam

pela proposta de trabalho.

Para a diretora da Pública, Natalia Viana (2013), a internet provocou uma

“mudança profunda em todo o mundo” como um “impacto industrial”. “Antes um

pequeno número de industriais produzia informação. Com a internet veio a mudança

e o impacto resultou na crise econômica. Como consequência, a decisão de

negócio, industrial foi cortar pessoal e outros custos” (VIANA, 2013)6. Se o avanço

tecnológico provoca uma crise no negócio das empresas de comunicação, não

significa que o mesmo aconteça com o jornalismo, segundo a editora online da

Pública, Luiza Bodenmüller (2013). Para ela, o jornalismo está passando por uma

fase de renovação em que o leitor cansou do produto oferecido pela grande mídia.

“As pessoas estão procurando cada vez mais conteúdos de qualidade e bem

apurados, que não estejam atrelados a interesses comerciais ou ideológicos, que

acabam interferindo diretamente no produto jornalístico final” (BODENMÜLLER,

2013).

Nesse processo de transformação, a criatividade tem sido aliada na busca de

dinheiro para bancar projetos independentes. No Brasil, o primeiro projeto de

crowdfunding (financiamento coletivo) de jornalismo foi financiado em 2011 e teve

autoria da profissional Natália Garcia, do Cidades para Pessoas. A Pública lançou,

em 2013, o primeiro projeto crowdfunding, o Reportagem Pública, e concedeu bolsas

para a realização de reportagens investigativas. O projeto teve o duplo objetivo de

ampliar as bolsas concedidas aos repórteres e a participação do público, que pôde

votar nas pautas e selecioná-las para o financiamento, numa espécie de “vaquinha”

pelo site <catarse.me/pt/reportagempublica>. O Catarse (catarse.me/pt) é

considerada a maior comunidade de financiamento coletivo no Brasil. Além de ser

boa uma alternativa ao modelo de negócio atual, o jornalista fica livre para propor e

6 As citações e declarações dos integrantes da Agência Pública foram obtidas a partir de uma

entrevista feita especialmente para esse trabalho. As perguntas e as respostas estão anexas a monografia.

17

criar conteúdos sem amarras editoriais impostas, muitas vezes, pelas empresas de

comunicação.

Outra ferramenta que vem sendo utilizada, inclusive pela Pública, é o CC

(Creative Commons), uma organização sem fins lucrativos que permite o

compartilhamento de projetos por meio de licenças jurídicas de direitos autorais, sem

custos. Segundo Bodenmüller (2013), “todo o conteúdo produzido pela Pública é

distribuído por meio da licença Creative Commons e fica disponível para

republicação gratuita, desde que citada a fonte e que não tenha uma edição

significativa”. As licenças CC concedem autorização de forma padronizada, de

acordo com as condições que o autor/criador escolher. Assim, não há necessidade

de uma assessoria jurídica determinar as regras de como o conteúdo pode ser

utilizado e compartilhado pelo público ou empresas e entidades.

18

3 O CASO DA PÚBLICA

A Pública não é um modelo de negócio, mas, sim, uma ONG (Organização

Não Governamental), de acordo com Viana (2013). A agência trabalha centrada em

três eixos temáticos: Amazônia, Copa do Mundo e megaeventos e Violações de

Direitos Humanos com enfoque especial na Ditadura. Segundo ela, que é uma das

fundadoras da Pública, decidiu-se por esses temas porque eles merecem atenção

para além da cobertura da grande mídia.

As principais decisões da Pública passam pelo conselho da organização –

pautas e projetos. “Além disso, é ao conselho que recorremos quando há algum tipo

de dúvida ética acerca de uma pauta, por exemplo”, explica Bodenmüller (2013). No

site da Pública, os nomes e os perfis dos conselheiros estão disponíveis para

consulta. Eles vão desde Carlos Azevedo, Eliane Brun a Leonardo Sakamoto e Ivana

Moreira.

A Pública está presente somente na internet porque, de acordo com

Bodenmüller (2013), o “jornalismo digital permite inovar na narrativa, na forma

organizacional e no modelo de sustentação da entidade.” Ainda, conforme ela, a

Pública não acredita mais no impresso, “pois ele ficará cada vez mais especializado,

mantendo o público que sempre teve”.

Da inspiração de uma experiência de centros de jornalismo investigativo

independentes e sem fins lucrativos, como o ProPublica (propublica.org) e o Center

for Public Integrity (publicintegrity.org), nasceu a Pública. As duas organizações

estrangeiras surgiram, respectivamente, em 2007 e 1989.

Por estarem mais tempo em atividade, o ProPublica e o Center for Public

Integrity têm uma equipe de profissionais maior do que a Pública. A organização

brasileira conta com dez profissionais fixos, enquanto a redação do ProPublica

chega a 40 jornalistas e a do o Center for Public Integrity, a 47. Por outro lado, as

três permitem que outros veículos utilizem seus conteúdos. Aliás, a Pública utiliza

licenças jurídicas do CC (Creative Commons), assim como o ProPublica, para

disponibilizar matérias para republicação em outros meios de comunicação.

Contudo, a Pública fica atrás das duas entidades quando se trata de

transparência sobre as contas financeiras da organização. Nos sites do ProPublica e

do Center for Public Integrity, é possível consultar relatórios periódicos das

contribuições em dinheiro, feitas por apoiadores e pelo público leitor, para financiar

19

os projetos de produção jornalística.

Já no site da Pública, a lista de parceiros e apoiadores financeiros é

divulgada, mas sem mencionar os valores das contribuições. Estão disponíveis

somente os valores das bolsas concedidas por meio do projeto crowdfunding – de

coleta coletiva de recursos para pautas específicas sugeridas por profissionais

interessados. Viana (2013) afirma que a Pública vai se tornar mais transparente a

partir de abril de 2014, quando deve ser lançado um novo site da agência, com

espaço para divulgação de informações relativas às finanças da organização.

Atualmente, na página principal do site da Pública há apenas a divulgação de

dois apoiadores financeiros da organização – a Ford Foundaution e a Open Society.

Estas duas entidades são filantrópicas e contribuem financeiramente com várias

organizações e iniciativas no mundo todo, seja por meio de projetos da área da

educação, do jornalismo ou social. A Ford Foundaution foi criada em 15 de janeiro

de 1936, sob a liderança da família Ford. Já Open Society (Sociedade Aberta)

começou em 1979, por George Soros, do ramo de fundo hedge (um meio de

investimento coletivo administrado por uma empresa de gestão profissional,

estruturada como uma sociedade limitada).

Ainda que sejam filantrópicas, as duas fundações estão ligadas a interesses

econômicos do ramo empresarial. Contudo, segundo Viana (2013), nenhuma

reportagem investigativa da Pública esbarrou em algum doador/apoiador financeiro

da organização. “A Pública acredita na idoneidade dos seus apoiadores” (VIANA,

2013). Segundo ela, a Pública tem dois tipos de fontes financeiras, como as

instituições apoiadoras CLUA – Climate and Land Use Alliance; Fundação Carlos

Chagas; Fundação Ford; Omidyar Network; Open Society Foundations. Mas também

há parceria para projetos temporários, como já houve, segundo ela, com o Eco

Debate e a Rede Brasil Atual.

Além de apoiadores financeiros, a Pública tem parceiros, como centros

independentes de jornalismo da América Latina, dos Estados Unidos e Europa, além

de veículos tradicionais e outros das novas mídias. Segundo Bodenmüller (2013),

são os parceiros de conteúdo e de republicação. A lista deles pode ser encontrada

no site (apublica.org/parceiros).

Nós traduzimos o material deles (parceiros de conteúdo) e publicamos em nosso site e vice-versa. Já os republicadores são veículos, de blogs a grandes portais, que têm interesse em publicar o conteúdo produzido pela

20

Pública em seu site, jornal ou revista. Todo o conteúdo produzido pela Pública é distribuído via licença Creative Commons e fica disponível para republicação gratuita, desde que citada a fonte e que não tenha uma edição significativa (em caso de edição, pedimos que o veículo contate a redação antes para que a edição seja feita em conjunto) (BODENMÜLLER, 2013).

Por ser uma organização sem fins lucrativos, a Pública não tem um setor de

Recursos Humanos e os profissionais prestam serviço como pessoas jurídicas (PJ),

sendo pagos mensalmente pelos trabalhos realizados. “A Pública trabalha por

projeto financiado independentemente. Por isso, as pessoas são contratadas

também por projeto, que podem se estender ou não. Todas são contratadas como

pessoas jurídicas, por conta dessa peculiaridade,” segundo Bodenmüller (2013).

Conforme Viana (2013), a Pública conta com uma empresa que gerencia as finanças

da organização. Viana (2013) enfatiza que a Pública recebe “lances e

financiamentos” dos apoiadores, o que ela não vê como doações.

A Pública não tem carro próprio e o escritório é alugado, que fica na Casa de

Cultura Digital, em São Paulo. Ainda, a Pública não tem um banco de dados

estruturado. As informações ficam em HDs dos computadores da redação e em HDs

externos.

Desde que surgiu em 2011, a Pública teve poucas mudanças na equipe.

Começou com oito integrantes. De lá para cá, ganhou três profissionais e perdeu

um. Inicialmente, a equipe era formada pelos profissionais Natalia Viana, diretora,

Marina Amaral, diretora, Roberta Carteiro, gerente administrativa, Jessica Mota,

repórter, Andrea Dip, repórter especial, Luciano Onça, vídeo, Luiza Bodenmüller,

secretária de redação, Ciro Barros, repórter. Agora, os novos integrantes são Bruno

Fonseca (repórter e infografista), Giulia Afiune (estagiária) e Maurício Moraes (um

dos editores do projeto Reportagem Pública). Segundo Luiza, a repórter Ana Aranha

saiu temporariamente, pois se mudou para o exterior. Além desta equipe, alguns

freelancers prestam serviços e a Pública distribuiu microbolsas para produção de

conteúdo jornalístico.

A organização já lançou três concursos de microbolsas e o primeiro projeto

crowdfunding, que também concedeu bolsas para a realização de reportagens

investigativas. “As bolsas não são necessariamente destinadas a jovens repórteres,

por exemplo, no último concurso, uma das escolhidas foi a jornalista Lena Azevedo,

que já ganhou vários prêmios e já tem alguns bons anos de carreira”, segundo

Bondemüller (2013). Ela conta que a pauta é sugerida por editores e repórteres,

21

fontes, sugestões de leitores, microbolsas, enquanto o texto é escrito pelo repórter e

as fotos utilizadas pela Pública são de Creative Commons ou feitas por fotógrafos

parceiros. “O tempo de apuração depende muito de matéria para matéria: o blog

Copa Pública, por exemplo, tem uma periodicidade semanal, já reportagens

especiais podem levar até seis meses para ser publicadas, como foi o caso da série

Amazônia Pública” (BODENMÜLLER, 2013).

A redação da Pública é extremamente diferente de qualquer redação que existe no Brasil. Trabalhamos num modelo que aprendemos com o Serjão, fundador da Realidade: o modelo que busca formar grandes repórteres. Basicamente, por isso, nossa redação dá muito mais protagonismo a eles. Pegamos jovens jornalistas que têm muito potencial e os estamos treinando e ajudando-os a se desenvolver, com apoio financeiro modesto, mas com muito carinho e uma vivência, autonomia e possibilidade de participação que eles jamais teriam em nenhum outro lugar. Vemos a nossa redação como um processo de aprendizagem (BODENMÜLLER, 2013).

Como a Pública trabalha com reportagens investigativas que acabam

mexendo com interesses econômicos e ideológicos de pessoas poderosas, precisa

saber lidar com situações de riscos e, principalmente, proteger a equipe. Segundo

Bodenmüller (2013), a Pública adota “medidas básicas de segurança, como o

repórter deixar a equipe ciente de que a pauta é arriscada, não se expor a riscos

desnecessários, sempre deixar claro qual é o objetivo da pauta, manter

comunicação com a redação, etc.” Conforme ela, as ameaças são veladas, mas

nada que fizesse com que a Pública interferisse ou tomasse uma atitude.

22

4 UM ESTUDO DA COBERTURA DOS PROSTESTOS FEITA PELA PÚBLICA

Com base na reflexão teórica e nas informações apresentadas nos capítulos

anteriores, trago um estudo sobre a cobertura dos protestos realizados em junho de

2013, feita pela Pública. Os objetivos são diagnosticar como a agência tratou o

assunto e como utilizou a plataforma online na divulgação desses episódios. No

período, a organização produziu oito textos sobre as manifestações. Eles estão

disponíveis para consulta no site da organização (apublica.org) e anexos ao

trabalho.

Para facilitar a leitura e organizar as principais informações dos oito textos,

uma tabela foi criada para apontar data, título, repórter, produção, tema, lead, fontes,

multimídia e a frequência com que apareceram as palavras Copa (do Mundo 2014),

ditadura militar, violência e polícia. Destas publicações, cinco são grandes

reportagens. Há uma nota, uma matéria infográfica e uma carta do jornalista

britânico Andrew Jennings. Os responsáveis pelas produções textuais foram os

repórteres Mariana Simões, Andrea Dip, Ciro Barros, Lena Azevedo, Bruno Fonseca,

Luiza Bodenmüller e Marina Amaral – integrantes da Pública.

As palavras Copa (do Mundo 2014), ditadura militar, violência e polícia

guiaram o estudo feito a partir dos oito textos sobre os protestos. Elas apareceram

nas publicações 28 vezes, 2, 15 e 15, respectivamente. Segundo Bardin (1977),

quando o estudo trata de um assunto temático, busca-se perceber os sentidos que

compõe a comunicação, pois a presença e a frequência de ideias e símbolos podem

significar alguma coisa para o objeto em diagnóstico.

O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, etc. As respostas a questões abertas, as entrevistas (não directivas ou mais estruturadas) individuais ou de grupos, de inquérito ou de psicoterapia, os protocolos de testes, as reuniões de grupos, os psicodramas, as comunicações de massa, etc., podem ser, e são frequentemente, analisados tendo o tema por base (BARDIN, 1977, p.106).

O mês de junho de 2013 entrou para a história brasileira devido à mobilização

de milhares de pessoas em todo o País. Vozes tomaram contam das ruas

levantando todos os tipos de bandeiras. A repercussão midiática foi mundial porque,

além da grandeza das manifestações, acontecia no Brasil a Copa das

Confederações, uma prévia da Copa do Mundo 2014. A largada dos protestos se

deu em São Paulo, com o Movimento Passe Livre, lutando contra o aumento da

23

passagem de ônibus e pedindo melhorias no transporte público. O clima foi de

grande tensão em quase toda a parte. A cobertura desse momento significativo, sob

o ponto vista político e social, foi feita a partir de duas perspectivas editoriais da

Pública. Uma direcionou o debate e a crítica à realização da Copa do Mundo, em

2014, no Brasil. A outra mirou a atuação da polícia militar nos movimentos sociais.

Na cobertura dos protestos, realizados em junho de 2013, a Pública produziu

reportagens dentro do eixo temático Copa 2014, editoria que investiga os gastos

públicos com o evento esportivo e suas consequências para a população. O tema é

um dos focos de investigação da agência, desde que ela foi criada.

As reportagens “Copa das Confederações? Não das remoções” e “Que Copa

é essa?”, ambas escritas pelo repórter Ciro Barros, falam sobre a Copa Popular

Contra as Remoções, jogos realizados em comunidades do Rio Janeiro, em junho

de 2013, ao mesmo tempo em que acontecia a Copa das Confederações. A primeira

reportagem comunica a realização do evento comunitário e a segunda conta como

ele aconteceu. Os textos receberam uma abordagem humanizada com a presença

de depoimentos de pessoas afetadas negativamente pelas obras da Copa 2014,

além de relatos feitos por líderes de organizações e de protestos como forma de

legitimar os movimentos sociais.

Ao fugir da cobertura da Copa das Confederações no Brasil, a Pública não

compactou com a espetacularização da mídia em eventos esportivos. A mídia,

sobretudo, a televisiva, se apropria de representações simbólicas e as transmitem

como um retrato da vida real (BUCCI, 2000). A transformação da vida comum em

mera representação favorece a espetacularização na sociedade (DEBORD, 1997).

Quando tratados na televisão, os assuntos ganham ainda mais visibilidade em

virtude do alcance do veículo televisivo e da influência dos donos das empresas de

comunicação em formar ou direcionar a opinião pública.

Na reportagem Copa das Confederações? Não das remoções, a Pública fez o

perfil de algumas das comunidades participantes da Copa Popular Contra as

Remoções como protesto contra a Copa das Confederações e a Copa 2014. Nesses

perfis, a agência contou como os moradores foram afetados com as obras da Copa

do Mundo. Muitos deles foram removidos, sem ter escolha. As obras também já

fazem parte de um plano de ação para as Olimpíadas de 2016, segundo o repórter.

Ciro Barros contou a história e o drama das comunidades do Morro da

Providência, do Muzema e Indiana. Na reportagem, o jornalista reforça uma

24

preocupação social com a vida das pessoas menos favorecidas no País. Nesse

caso, se evidencia o lado negativo da Copa 2014, chamando atenção do público

(leitor) para as ações tomadas a partir de decisões políticas. Nesse sentido, julgo

prudente recorrer à filósofa Hannah Arendt (2001), que escreveu que a política

deveria organizar a sociedade para que diferentes pessoas nela convivam. Contudo,

no texto produzido pela Pública, percebe-se que o País está distante do ideal em

prol das obras da Copa. Já a mobilização dos moradores significa uma ação política.

Segundo Dallari (1984), a participação política organiza a sociedade, pois manter-se

alheio à política, cuidando apenas de interesses particulares, significa ser conivente

com todas as decisões do governo.

Sem dúvida, a Pública fez um contraponto à cobertura da grande mídia ao

voltar o olhar para a Copa Popular Contra as Remoções. Na reportagem Que Copa é

essa?, o repórter Ciro Barros narra o texto em primeira pessoa, apresenta suas

impressões e aproxima o leitor do fato. Outra vez o repórter construiu uma narrativa

rica em detalhes. Ele não se limitou à cobertura dos jogos comunitários, mas, sim,

aprofundou o texto nos problemas vividos pelos moradores que sofrem com as

remoções forçadas em áreas pobres. Ciro Barros saiu do conforto da redação e

gastou sola de sapato na busca de informações – condição cada vez mais difícil nas

redações tradicionais por falta de tempo e estrutura dos jornais.

Na chegada ao Rio de Janeiro, era impossível falar de outro assunto com o taxista. Em cada canto, esquina e ponto da cidade, a publicidade oficial estampava o logo da Copa das Confederações e dava boas-vindas aos turistas. No dia seguinte, domingo, era dia de México e Itália e o motorista falava sobre a Seleção Brasileira, criticando o atacante Hulk – que “o Felipão insiste em botar em campo”-, enquanto eu me preparava para cobrir outro tipo de evento: a “Copa Popular Contra as Remoções”, campeonato de futebol entre moradores de comunidades atingidas pelas obras da Copa, organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Todos com quem eu conversei – dos turistas gringos aos brasileiros – queriam saber dos jogos, dos craques, dos gringos, das baladas do Rio. Falar sobre remoções parecia destoar da festa, mas era pra isso que eu estava ali (BARROS, 2013).

Na reportagem Por que protestam contra a Copa? a palavra Copa, referindo-

se ao evento esportivo a ser realizado em 2014 no Brasil, aparece 21 vezes,

recendo atributos desfavoráveis e sendo associada aos prejuízos trazidos à

população mais carente. A palavra Copa foi classificada como intensificação da

desigualdade social no País. Este é um exemplo: “...enquanto 200 mil pessoas

25

assistiram a partida final contra o Uruguai em 1950 no Maracanã, apenas 74 mil

ingressos serão colocados à venda para a final no mesmo estádio em 2014. Em

1950, 80% dos ingressos eram populares (arquibancada e geral) extintas para dar

lugar a assentos na área Vip” (AMARAL, 2013).

Os movimentos sociais contabilizam 170 mil pessoas ameaçadas ou já removidas e/ou recebendo indenizações de 3 a 10 mil

reais, para os que comprovam a propriedade do lote, e bolsas-aluguel de menos de 1 salário mínimo para os demais. Não raro os despejos são feitos de forma violenta, sem transparência nem diálogo entre poder público e

moradores. No morro da Providência no Rio de Janeiro, por

exemplo, as pessoas descobriram que seriam expulsas quando suas casas apareciam marcadas, sem nenhuma negociação prévia. Já foram gastos 27,4 bilhões de reais na Copa e a previsão atual é de custo total de 33 bilhões, uma quantia que se aproxima do aumento planejado para o orçamento federal em educação neste ano: 38 bilhões de reais. Uma priorização de recursos que a população questiona nas ruas, assim como a concentração do dinheiro público na construção de estádios, em muitos casos, como em Manaus e Cuiabá, “elefantes brancos” sem futuro aproveitamento (AMARAL, 2013).

A Pública volta a evidenciar sua posição editorial contra a Copa 2014 ao

publicar a carta do jornalista britânico, Andrew Jennings. O repórter investigativo,

que denunciou a Fifa por corrupção, repudia os “lucros ultrajantes com a Copa do

Mundo e a não-aplicação desses recursos em necessidades sociais básicas”. Para

ele, o governo federal deu apoio à violência policial contra os participantes de

protestos em todo o País naquele período.

Outra imagem clara do que tem sido feito no Brasil são as fotografias de dois anos atrás que mostram o chefão da FIFA, Jérôme Valcke, abraçado a Ricardo Teixeira, no Rio. Teixeira é visto como um corrupto, suspeito de envolvimento em casos de propinas com as construtoras dos estádios da Copa. E Valcke não é bobo. Ele fez o maior barulho sobre a necessidade do Brasil por esses novos estádios. Onde estão os policiais federais? O trabalho começou, lentamente, em São Paulo mas precisa ser espalhados por todas as doze cidades-sede (JENNINGS, 2013).

Ainda na reportagem Por que protestam contra a Copa? a Pública, em tom

crítico, levanta a preocupação com o Projeto de Lei 728/2011, que, segundo a

agência, é uma tipificação do crime de “terrorismo”, “algo que não existe na atual

legislação desde a ditadura militar”. De acordo com a Pública, para os movimentos

sociais, o texto do projeto, pode criminalizar as manifestações desde que “essas

sejam enquadradas como causadoras de pânico generalizado”.

26

Observou-se que a cobertura dos protestos, feita Pública, recebeu um olhar

enviesado à atuação da polícia militar. Na nota, A Pública está mapeando

ocorrências de violência policial, a agência se coloca à disposição do público (leitor)

para denunciar a interferência (de força e de violência) policial nos manifestos contra

os participantes pacíficos. Nesse caso, a leitura interpretativa é de que a

organização associou a cobertura dos protestos, realizados em junho de 2013, com

a investigação feita no eixo temático ditadura, editoria existente desde a criação da

agência, com a finalidade de apurar jornalisticamente os tempos de chumbo no

Brasil.

Três reportagens, feitas em junho de 2013 no site da agência, abordaram

ações da polícia militar nas manifestações. Uma é a Polícia Militar pra quem? em

que a Pública lança uma previsão de que a violência, que estava havendo nos

protestos do ano passado, seria intensificada durante a Copa 2014. Na voz da

representante do Comitê Popular da Copa São Paulo, Juliana Machado, o governo é

acusado de tentar resolver os problemas sociais por meio da intervenção policial,

“com caráter militar da ditadura”. Embora o discurso tenha sido enunciado por uma

fonte da reportagem, a Pública toca em um assunto que faz parte do seu foco de

investigação.

Nos dois textos citados acima, A Pública está mapeando ocorrências de

violência policial e Polícia Militar pra quem? entende-se que eles não podem ser

descolados dos sujeitos responsáveis pela sua criação e o responsável por colocar

essa criação em cena, os quais são os repórteres e a Pública. Leva-se em

consideração, o dito e o não dito, as condições de produção das matérias, as

possíveis marcas históricas e ideológicas deixadas ou subentendidas na prática

discursiva e o papel dos autores dos enunciados (ORLANDI, 2010).

Desse modo, considera-se que as matérias de qualquer veículo de

comunicação estão sujeitas a restrição, uma vez que os fatos noticiosos mexem com

interesses econômicos, políticos ou ideológicos dos anunciantes ou da própria

empresa. Assim, antes de publicar as matérias, houve um processo de seleção do

texto e da imagem. Nesse sentido, é compreensível que as matérias tenham

passado por um crivo na edição.

Ainda na reportagem Polícia Militar pra quem?, notou-se o aspecto positivo da

pluralidade de fontes no texto. Além de Juliana (fonte mencionada acima), são

citados: Renato Cosentino, membro da Ancop (Articulação Nacional dos Comitês

27

Populares); Amanda Couto, integrante do Copac (Comitê Popular dos Atingidos pela

Copa); Isabela Cunha, integrante do Comitê. Os discursos, em sua maioria, de

pessoas ligadas às manifestações, questionaram ações do governo e das polícias.

Contudo, a Pública deixou de fazer o contraponto e dar espaço para os criticados

exporem sua opinião. Afinal, o jornalismo não é uma via de mão única.

Já na reportagem “Inteligência da PM na Bahia infiltra agentes nos

movimentos”, a polícia ganhou voz para falar sobre sua atuação nos manifestos. A

Pública mostrou duas maneiras dos militares agirem, a oficial e a não oficial. O que

não é habitualmente divulgado na mídia foi revelado por um policial militar da Bahia,

que não quis se identificar. Ele contou que a polícia se infiltra na organização de

manifestações e criam perfis falsos nas redes sociais. O intuito da Polícia Militar

seria descobrir quem são os líderes para desestabilizar os participantes durante os

protestos – tendo como pano de fundo o combate à violência e a prisão de vândalos.

“A gente busca saber quem é o líder, porque se ele for neutralizado o

movimento perde a cabeça. Isso é estratégia militar para qualquer situação do

gênero: a gente identifica para ter noção de espaço, coordenação, de norte.”, disse o

oficial. A Pública conseguiu fazer com que a própria polícia “confessasse” uma ação

(ainda que com nova roupagem) herdada dos tempos de ditadura – que é a

infiltração de militares em busca de informações para “reprimir” alguém e de alguma

maneira. Autora do texto, a repórter Lena Azevedo foi sutil na construção do texto,

sem fazer adendos opinativos. Ainda, diferentemente da matéria “Polícia Militar pra

quem?”, a Pública abriu espaço para a polícia se expressar e informou sobre o

trabalho oficial dos militares para a Copa 2014.

A segurança da Copa 2014 faz parte de um Sistema Integrado de Controle e Comando (SICC), formado por 14 Centros Integrados de Comando e Controle (CICC), com centros regionais implantados nas 12 cidades-sedes do evento, inclusive na capital baiana. A configuração de segurança foi estabelecida pela Secretaria Extraordinária para a Segurança de Grandes Eventos (Sesge), criada em 2011 pelo MJ. Desde o início de 2012, policiais têm participado de cursos de formação em segurança para grandes eventos, com grade curricular do Ministério da Justiça (MJ). A qualificação uso da força em vários níveis, planejamento, metodologia, investigação em crimes cibernéticos, inteligência, direitos humanos, salvamento e contenção de incêndio, desarmamento de bombas. Somente a Polícia Militar da Bahia deve qualificar, até 2014, mais de 10 mil homens (AZEVEDO, 2013).

No estudo dos oito textos sobre os protestos, realizados durante junho de

2013, produzidos pela Pública, percebeu-se que, diferentemente dos demais

veículos presentes no ambiente digital, a agência não fez uma cobertura diária sobre

28

o assunto. Aliás, foi possível constatar que a organização demora a atualizar o site

apublica.org, em média, uma semana – independente do assunto que está sendo

coberto por ela. Não há uma ânsia pela quantidade de publicações. Sua linha

editorial prioriza a produção e divulgação de grandes reportagens investigativas.

Mas apesar de estar presente somente na plataforma digital, a Pública fez

pouco uso de ferramentas online e multimídia. Ela se apropriou da narrativa

jornalística não linear no ambiente digital, intercalando texto e foto, além de ter

usado hiperlinks. O melhor exemplo, entre os oito textos estudados nesta

monografia, está na “Copa das Manifestações”, uma matéria infográfica que traz

informações resumidas em tópicos e números, reunidas em blocos, sobre os

protestos nas cidades-sede da Copa.

29

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho versou sobre um estudo da cobertura dos protestos, realizados

em junho de 2013, feita pela Agência Pública – uma organização de jornalismo

investigativo, sem fins lucrativos. Para perceber se a agência conseguiu oferecer um

conteúdo diferenciado ou não, tentei diagnosticar a perspectiva editorial adotada na

cobertura das manifestações e como o assunto foi aproveitado e explorado no

ambiente digital.

A seleção dos oito textos, produzidos e publicados no site (apublica.org), se

explica pela necessidade de delimitação do objeto a ser estudado. Ainda, a limitação

da pesquisa ao mês de junho de 2013 justifica-se pela importância do período ter

sido o pontapé inicial das manifestações.

A Pública fez a cobertura dos episódios a partir de duas perspectivas

editoriais. Uma de crítica à realização da Copa do Mundo e outra de questionamento

à atuação da polícia militar. Foi possível chegar a esse entendimento pela expressão

da narrativa jornalística adotada na cobertura feita pela agência em junho de 2013. A

presença significativa das palavras Copa (do Mundo 2014), ditadura, violência e

polícia ajudaram a nortear o estudo dos oito textos sobre os protestos e também

contribuíram na percepção de como se deu a composição deles. No geral, as

palavras ficaram na memória do público (leitor) como um alerta para o que estava

acontecendo em todo o País.

A palavra “copa” foi classificada como intensificação da desigualdade social e

esteve relacionada à corrupção e ao abuso de poder político e econômico. Já a

palavra ditadura, que apareceu apenas duas vezes no conjunto dos oito textos, foi

associada à atuação da polícia e a violência contramanifestantes nas ruas. Apesar

das manifestações de junho terem tido diversos tipos de bandeiras, a cobertura da

Pública focou os protestos contra a Copa. Os textos foram trabalhados dentro do

eixo temático Copa 2014, editoria que investiga os gastos públicos com o evento

esportivo e suas consequências para a população.

Também foi possível chegar ao entendimento de que a Pública fez um

contraponto à cobertura da grande mídia ao voltar o olhar para a Copa Popular

Contra as Remoções, conforme relatado em duas grandes reportagens. Constatou-

se, então, que a agência não compactou com a espetacularização feita pela mídia

na cobertura de megaeventos e, principalmente, dos esportivos.

30

No que se refere à exploração da cobertura dos protestos no ambiente digital,

a Pública fez pouco uso de ferramentas online e multimídia. Ela se apropriou da

narrativa jornalística não linear no ambiente digital, intercalando texto e foto, além de

ter usado hiperlinks.

Nesse trabalho, julgo importante considerar que a Pública é uma organização

com apenas três anos de atividade e que ainda está em fase de amadurecimento.

Ela precisa desenvolver a equipe, a estrutura, a plataforma digital e a própria prática

de investigação jornalística. Ainda, a agência deve avançar em transparência

pública, para divulgar ao leitor quanto cada apoiador repassa à organização para

cada projeto financiado, e como esse dinheiro está sendo aplicado. Enfim, o caso

da Pública daria por si só uma pesquisa de monografia.

De qualquer forma, o breve estudo sobre a organização justificou-se, nesse

trabalho, pela necessidade de conhecer a agência e os interesses que a cercam.

Afinal, o estudo da cobertura dos protestos não poderia ter sido feito de modo

separado da organização que a produziu e a divulgou.

Desse trabalho, levo aprendizados, mas, sobretudo, percebi que uma

pesquisa nunca se esgota. Os protestos continuam sendo realizados no Brasil,

mesmo que em outras dimensões, e muitos outros estão por vi. As possibilidades de

estudos são imensas, sob o ponto de vista da comunicação, da política e do social.

Assim, entrego esse trabalho com a certeza de ter deixado espaço aberto para

outras interpretações e para mais aprofundamento do tema. Concordo com Orlandi

(2010) que afirma que o resultado de uma análise sempre diferenciará de outro

devido aos conceitos trabalhados. Portanto, estou ciente que a cobertura estudada

poderá ter outra direção e compreensão.

31

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Yuri. Jornalismo em bases de dados e o hackeamento dos jornais. In: SBPJOR, Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 10., 2012, Curitiba. Disponível em: <goo.gl/Syd46n>. Acesso em: 15 fev. 2014. AMARAL, Marina. Porque protestam contra a copa. 19 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/KHqob7>. Acesso em: 12 jan. 2014. ARAUJO, Déborah. Diretora da IRE realiza treinamento sobre investigação através de análise de redes sociais. In: CONFERÊNCIA GLOBAL DE JORNALISMO INVESTIGATIVO, 8., 2013, Rio de Janeiro. Disponível em: <goo.gl/yjMqLc>. Acesso em: 15 out. 2013. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 2001. ________. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

ASSIZ, Antonio Lúcio. Um país rico em boas histórias. In: LOPES, Dirceu; PROENÇA, José (Orgs.). Jornalismo investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003.

AZEVEDO, Lena. Inteligência da PM na Bahia infiltra agentes nos movimentos, revela capitão. 21 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/8XIJMj>. Acesso em: 27 jan. 2014. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1997.

BARROS, Ciro. Copa das Confederações? Não, das remoções. 12 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/Ubfb5X>. Acesso em: 12 jan. 2014.

_________. Que copa é essa? 18 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/EYxcnM>. Acesso em: 12 jan. 2014. BIAZOTO, S. Exercício de psicologia e dedicação. In: LOPES, Dirceu; PROENÇA, José (Orgs.). Jornalismo investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 153-159. BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CASTINHO, Carlos. No próximo bloco... O jornalismo brasileiro na TV e na internet. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005. CHAPARRO, Carlos. Ideias para um novo jornalismo nos meios impressos, 2012. Disponível em: <oxisdaquestao.com.br>. Acesso em: 10 fev. 2014. CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. DALLARI, Dalmo. O que é política participativa. São Paulo: Braziliense, 1984.

32

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FONSECA, Bruno; BODENMÜLLER, Luiza. Copa das manifestações. 21 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/tYNgBF>. Acesso em: 12 jan. 2014. IRE. Investighative Reporters and Editors. Disponível em: <ire.org>. Acesso em: 12 jan. 2014.

JENNINGS, Andrew. Andrew Jennings: continuem vaiando. 18 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/dAAsMb>. Acesso em: 12 jan. 2014. KONOPCZYK, Samantha. Jornalismo ativo. LOPES, Dirceu; PROENÇA, José (Orgs.). Jornalismo investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 161-167. LAGE, Nilson. Controle da opinião pública: um ensaio sobre a verdade conveniente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. LIMA, Venício A. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer. São Paulo: Contexto, 2007. OLIVEIRA, Juliane. Pensar a narrativa em diferentes formatos é dever do jornalista. In: CONFERÊNCIA GLOBAL DE JORNALISMO INVESTIGATIVO, 8., 2013, Rio de Janeiro. Disponível em: <goo.gl/rsTbjY>. Acesso em: 17 out. 2013. ORLANDI, Eni. Análise de discurso: princípios e procedimentos. São Paulo: Pontes, 2010. PALÁCIOS, Marcos. Ruptura, continuidade e potencialização do jornalismo online: o lugar da memória. Modelos de jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003. PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: Introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker, 1999. RÜDIGER, Francisco. Introdução à teoria da comunicação. São Paulo: Edicon, 1998. SAN’ANNA de Lourival. O destino do jornal. Rio de Janeiro: Record, 2008.

SEQUEIRA, Cleofe Monteiro. Jornalismo investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo: Summus, 2005. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002.

SIMÕES, Mariana; DIP, Andrea; BARROS, Ciro. Política militar de quem? 28 jun. 2013. Disponível em: <goo.gl/2nUIPt>. Acesso em: 27 jan. 2014. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2004.

33

________. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001.

34

APÊNDICE

APÊNDICE A – Entrevistas

Primeira rodada de perguntas, respondidas, por e-mail, pela editora online da

Agência Pública, Luiza Bodenmüller.

Como surgiu a Agência Pública?

“A Agência Pública surgiu há cerca de três anos, inspirada pela experiência de

centros de jornalismo investigativo independentes e sem fins lucrativos, como é o

caso do ProPublica, Center for Public Integrity e outros.”

Hoje a equipe da AP é formada pelos seguintes integrantes: Natalia Viana, diretora,

Marina Amaral, diretora, Roberta Carteiro, gerente administrativa, Jessica Mota,

repórter, Andrea Dip, repórter especial, Luciano Onça, vídeo, Luiza Bondenmüller,

secretária de redação, Ciro Barros, repórter.

Estas pessoas estão desde o começo da fundação da AP? Quem de lá para cá

entrou ou saiu? Pretendem ampliar a equipe? Há mais pessoas da AP?

“Na verdade, hoje a redação da Pública já está um pouco maior. Além da equipe que

você citou, trabalham conosco: Bruno Fonseca (repórter e infografista), Giulia Afiune

(estagiária) e Maurício Moraes (um dos editores do projeto Reportagem Pública). A

Ana Aranha, repórter, saiu temporariamente da Pública pois mudou-se para o

exterior.

Sobre há quanto tempo cada um está na Pública, pode-se dizer que a equipe citada

no enunciado está desde o primeiro ano e os demais, integraram a equipe a partir de

2013. Fora isso, trabalhamos com alguns frilas em pautas específicas.”

A AP tem parceiros, como centros independentes de jornalismo da América Latina,

dos Estados Unidos e Europa, além de veículos tradicionais e expoentes das novas

mídias. A parceria consiste em que tipo de relação e troca? Também há os

apoiadores? Que tipo de apoio é dado a AP?

35

“A Pública tem, basicamente, dois tipos de parceria: de conteúdo e de republicação

(a lista dos parceiros pode ser encontrada aqui: (apublica.org/parceiros). Com os

parceiros de conteúdo há troca de reportagens e histórias: nós traduzimos o material

deles e publicamos em nosso site e vice-versa. Já os republicadores são veículos,

de blogs à grandes portais, que têm interesse em publicar o conteúdo produzido pela

Pública em seu site, jornal ou revista. Todo o conteúdo produzido pela Pública é

distribuído via licença Creative Commons e fica disponível para republicação

gratuita, desde que citada a fonte e que não tenha uma edição significativa (em caso

de edição, pedimos que o veículo contacte a redação antes para que a edição seja

feita em conjunto).”

Quais programas de mentorias para jovens jornalistas e bolsas de reportagem já

foram realizados pela AP? Este pode ser a contrapartida da organização da AP para

a sociedade enquanto prestadora de serviço?

“A Pública já lançou 3 concursos de microbolsas e o crowdfunding, que também

concedeu bolsas para a realização de reportagens investigativas. As bolsas não são

necessariamente destinadas a jovens repórteres, por exemplo, no último concurso,

uma das escolhidas foi a jornalista Lena Azevedo, que já ganhou vários prêmios e já

tem alguns bons anos de carreira. A distribuição dessas microbolsas faz parte da

missão da Pública, que é “incentivar, produzir e difundir conteúdo jornalístico de

qualidade pautado pelo interesse público, resgatando o papel do jornalismo como

ferramenta da sociedade”.

Se o jornalismo não está em crise e a AP diz que o jornalismo está em renovação,

como percebe que a mudança está acontecendo?

“A mudança está acontecendo porque as pessoas estão cansadas de consumir a

mesma informação de sempre, que é apresentada pelos grandes veículos com uma

linha editorial muito específica, que raramente dá conta de toda a pluralidade de

fontes e abordagens de uma história. Cada vez mais as pessoas procuram

conteúdos de qualidade, bem apurados e que não estejam atrelados a interesses

36

comerciais ou ideológicos, que acabam interferindo diretamente no produto

jornalístico final.”

A AP tem um conselho. Qual foi processo de escolha dos integrantes? Qual função

do conselho? Qual a rotina e a participação prática do conselho? Como funciona?

“O conselho foi escolhido logo no início da Pública. Convidamos jornalistas que

admiramos e que nos inspiram e a participação deles vai desde sugerir pautas a

pensar um projeto, como foi o caso do crowdfunding. Além disso, é ao conselho que

recorremos quando há algum tipo de dúvida ética acerca de uma pauta, por

exemplo.”

Não seria redundante dizer que o jornalismo investigativo já que a investigação

deveria fazer parte da atividade do profissional? É o que defende o jornalista

colombiano Gabriel Garcia Márquez.

“A Pública acredita na reportagem e no repórter, e que uma reportagem bem feita é

aquela com apuração aprofundada e rigorosa. Que essa prática deve fazer parte da

atividade do profissional, não é novidade, mas sabemos que nem sempre é assim.”

A AP tem retorno do público depois da publicação das reportagens?

“Sim, através de comentários, mensagens e e-mails.”

Qual a reportagem que rendeu mais repercussão ou desdobramentos, como

processo na Justiça ou prisões?

A Pública nunca foi processada e nenhum membro da equipe jamais foi preso por

conta de uma reportagem. A repercussão vem através de comentários,

compartilhamentos e da republicação feita pelos nossos parceiros.

O que difere o jornalismo da AP do que é feito pela grande mídia?

“Basicamente, o tempo de apuração, que permite o repórter se aprofundar na pauta

por mais tempo, e o trabalho centrado em três eixos temáticos: Amazônia, Copa do

Mundo e megaeventos e Violações de Direitos Humanos com enfoque especial na

Ditadura.”

37

Por que a AP escolheu a plataforma digital?

“O jornalismo digital é uma revolução nos meios de produção, que permite inovação

não só na narrativa, mas na forma organizacional e modelo econômico.

Simplesmente não acreditamos mais no impresso.”

Acreditam no fim do jornalismo impresso? Por quê?

“Não, pelo contrário, acreditamos que o jornalismo impresso ficará cada mais

especializado e manterá o público leitor que sempre teve.”

Como é o processo de trabalho dos profissionais da Agência Pública que coloca o

jornalismo da organização em uma categoria diferenciada do jornalismo feito pela

mídia tradicional (ou pela grande mídia)?

“A redação da Pública é extremamente diferente de qualquer redação que existe no

Brasil. Trabalhamos num modelo que aprendemos com o Serjão, fundador da

Realidade: o modelo que busca formar grandes repórteres. Basicamente, por isso,

nossa redação dá muito mais portagonismo a eles. Pegamos jovens jornalistas que

têm muito potencial e os estamos treinando e ajudando-os a se desenvolver, com

apoio financeiro modesto, mas com muito carinho e uma vivência, autonomia e

possiiblidade de participação que eles jamais teriam em nenhum outro lugar. Vemos

a nossa redação como um processo de aprendizagem.”

Como a AP se organiza: quem faz a pauta? As reuniões de pauta têm periodicidade?

Quem escreve o texto? Quem faz a foto? Quem edita? Qual é o tempo que a equipe

tem para colocar uma matéria no ar? Como o trabalho é dividido? Quem decide

sobre tudo isso?

“Varia bastante. A pauta é sugerida por editores e repórteres, fontes, sugestões de

leitores, microbolsas etc. O texto é escrito pelo repórter e as fotos utilizadas pela

Pública são de Creative Commons ou feitas por fotógrafos parceiros. O tempo de

apuração depende muito de matéria para matéria: o blog Copa Pública, por exemplo,

tem uma periodicidade semanal, já reportagens especiais podem levar até 6 meses

para ser publicadas, como foi o caso da série Amazônia Pública.

O trabalho é dividido entre a equipe descrita numa das perguntas anteriores e a

divisão de tarefas é feita em equipe, de acordo com a demanda de cada projeto e

cada pauta.”

38

A AP tem um banco de dados interno? Utiliza quais recursos e ferramentas para

armazenar as informações?

“A Pública não tem um banco de dados estruturado. As informações estão em HDs

dos computadores da redação e em HDs externos.”

Já aconteceu de um repórter ter começado a apuração de uma matéria e ter de

parar por conta de alguma ameaça, interferência de pessoas influentes e poderosas

(na política e na economia) no País? Como administram essas situações? Tem

algum episódio inusitado nessa linha que gostariam de mencionar?

“Para responder a essa pergunta, relembro a resposta dada por Natalia Viana,

diretora da Pública, ao portal dos Jornalistas: ‘Quanto às ameaças, recebemos, sim,

veladas. Alguns de nossos repórteres foram ameaçados. Quando isso acontece,

destacamos na própria reportagem. Certa vez um entrevistado falou a uma de

nossas repórteres que não queria vê-la acordar esticadinha no chão atravessando a

rua... Ameaça nunca é daquele jeito, colocando um revólver na sua cara e dizendo

que se você publicar, vai morrer. É uma coisa velada. Mas nada que nos obrigasse a

tomar uma postura.’”

Como a AP garante a segurança da equipe?

“Com medidas básicas de segurança, como o repórter deixar a equipe ciente de que

a pauta é arriscada, não se expor a riscos desnecessários, sempre deixar claro qual

é o objetivo da pauta, manter comunicação com a redação etc.”

A AP conta com um setor de RH? Profissionais batem cartão, têm férias, salário

mensal, plano de carreira, benefícios?

“A Pública não tem RH. Todas as pessoas que trabalham na Pública, são PJ e

recebem salário mensal. Como organização sem fins lucrativos, a Agência Pública

trabalha por projeto financiado independentemente. Por isso, as pessoas são

contratadas também por projeto, que podem se estender ou não. Todas são

contratadas como pessoas jurídicas, por conta dessa peculiaridade.”

A AP tem carro próprio? O escritório fica em sala alugada?

“A Pública não tem carro próprio e o escritório é alugado, e fica na Casa de Cultura

39

Digital, em São Paulo, um local que agrega vários coletivos ligados à tecnologia e

produção de conteúdo digital.”

Gostariam de ressaltar mais alguma coisa?

“Se você quiser tirar mais alguma dúvida, entre em contato com a diretora da

Pública, Natalia Viana, pelo telefone (11) 3661-3887.”

Ficaram sem respostas:

O jornalismo investigativo começou na mídia tradicional. Na visão da AP, ainda se

faz jornalismo investigativo na mídia tradicional? O que aconteceu ao longo dos

anos?

O jornalismo investigativo nunca é vilão? É sempre o mocinho (que está tentando

fazer o bem, salvar o mundo)? Qual a opinião da AP?

Segunda rodada de perguntas, respondidas, por telefone, pela diretora da

Agência Pública, Natalia Viana.

A Agência Pública é uma organização sem fins lucrativos e que realiza seus projetos

por meio de doações. Por que optaram por escolher este modelo de negócio?

“Primeiro, a Pública não é um modelo de negócio; é uma ONG. A ONG faz

jornalismo sem fins lucrativos porque o jornalismo é importante para democracia.

Além disso, a Pública já conheceu outras modelos de ONGs, que não se baseiam no

modelo comercial, mas sim no aprofundamento da democracia.”

O modelo de negócio da AP se sustenta hoje com doações financeiras. Certo? Há

outros meios que a AP utiliza para conseguir dinheiro para manutenção da

organização? Se sim, quais?

Segundo Natalia Viana, existem dois tipos de fontes financeiras, como as instituições

apoiadoras CLUA – Climate and Land Use Alliance; Fundação Carlos Chagas;

Fundação Ford; Omidyar Network; Open Society Foundations.

Também há parceria para projetos temporários, como houve com o Eco Debate e a

Rede Brasil Atual. Ainda, há os projetos financiados pelo Catarse. É importante

destacar que todo o conteúdo é gratuito.

Em média quanto a AP recebe em doações por mês ou por projeto? E em média

40

quanto do dinheiro recebido é investido em manutenção da equipe e quanto fica

como reserva em caixa? Como é feita esta administração financeira?

Natalia disse que hoje a Pública não divulgação de todas as finanças. Os valores

dos projetos financiados pelo Catarse estão disponíveis no site. Em março e abril a

Pública deve lançar um novo site. Um tópico específico será feito para divulgação

valores e seus doadores. Ela enfatiza que são lances e financiamentos, mas não

doações. Os apoiadores estão no site.

A AP contrata serviço de contabilidade? Por que?

Natalia disse que a Pública tem uma empresa que gerência a parte financeira da

ONG.

As contas da AP são abertas para a população e todos os integrantes da

organização? Por que?

Segundo Natalia, a Pública vai lançar um novo site em abril, contemplando um

espaço para prestação de constas aos leitores.

Já aconteceu de alguma reportagem investigativa esbarrar em algum conhecido ou

até mesmo doador financeiro da AP? Se sim, como lidaram com a situação? Se não,

como pretende lidar se um dia acontecer?

Segundo Natalia, os lances financeiros são feitos por apoiadores da Pública, que

são fundações, entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.

A Pública não tem verba de empresas. E a Pública acredita na idoneidade dos seus

apoiadores.

O jornalismo financiado por doações (sem fins lucrativos, financeito projeto por

doações, público, editais) (como a AP) tem mais credibilidade ou é mais isento do

que jornalismo feito pela grande mídia tradicional, que se sustenta com publicidade

empresarial e governamental? Por que?

A ONG não é um modelo comercial, pois não faz render lucro, explica Natalia.

Qual o conselho da AP para os jornalistas que querem fazer jornalismo com

financiamento coletivo?

“Ficar ligado, iniciativas pipocando, experimentar sempre, dar atenção ao novo e

41

trocar ideia, com a própria Pública.”

A AP pretende descentralizar a agência no País? Conte sobre os projetos futuros da

AP. O que os leitores podem esperar?

Segundo Natalia, a Pública já faz isso, com o projeto de cobertura do BNDS

Amazônia. “Outra maneira consiste na distribuição de microbolsas para reportagem

investigativa e jornalismo independente. A Pública não tem intenção de abrir

escritórios pelo País.”

Por que a AP toma como principais eixos investigativos os preparativos para a Copa

do Mundo de 2014; megainvestimentos na Amazônia; e a ditadura militar?

Segundo Natalia, em 2011, quando decidiram criar a Pública, foi colocado em

discussão e decidiu-se pela cobertura do que a grande mídia deixaria de fazer ou se

faria, faria sem profundidade.

O jornalismo investigativo começou na mídia tradicional. Na visão da AP, ainda se

faz jornalismo investigativo na mídia tradicional? O que aconteceu ao longo dos

anos?

“Ocorreu uma mudança profunda em todo o mundo com a internet, que causou um

impacto industrial. Antes um pequeno número de industriais produzia informação,

com a internet veio a mudança e o impacto resultou na crise econômica. Como

consequência, a decisão de negócio, industrial foi cortar pessoal e outros custos.”

42

Data Título Repórter Produção Tema Lead Fontes Multimídia Palavras repetidas

12/jun

COPA DAS CONFEDERAÇÕES? NÃO, DAS REMOÇÕES!

Ciro Barros Pública Copa das Confederações

Às nove horas da manhã do próximo sábado, dia 15 de junho, um evento promovido pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro pretende se opor ao entusiasmo que circunda a chegada da Copa das Confederações.

Paula Paiva Paulo, integrante do Comitê Popular da Copa; Roberto Marinho, morador do Morro da Providência;Presidente da Associação de Moradores da Muzema, Leandro Corrêa; Membro da comissão de moradores da Indiana, Maria do Socorro;

Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 3; ditadura: 0; polícia: 0; violência: 0.

14/jun

A Pública está mapeando ocorrências de violência policial

Sem nome Pública Violência Policial

A Pública está mapeando ocorrências de violência policial durante as manifestações contra o aumento da tarifa em São Paulo. Se você foi vítima de violência e documentou o episódio, mande para nós via [email protected]

Sem fontes Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 0; ditadura: 0; polícia: 0; violência: 3 vezes.

18/jun QUE COPA É ESSA? Ciro Barros Pública

Copa das Confederações e Copa Popular Contra as Remoções

Na chegada ao Rio de Janeiro, era impossível falar de outro assunto com o taxista. Em cada canto, esquina e ponto da cidade, a publicidade oficial estampava o logo da Copa das Confederações e dava boas-vindas aos turistas.

Moradora do Indiana, Maria do Socorro; Capitã do Criciúma-Salgueiro, estudante de massoterapia Aline França; Jogador do Verdão, Matheus; Vitor Lira, de 31 anos, morador do Morro Santa Marta; Luan Santos, de 21 anos, Desempregado e atleta do Cruzeiro-Providência;Marcelo Edmundo, da CMP (Central de Movimentos Populares);

Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 4 vezes; ditadura: 0; polícia: 3 vezes; violência: 0.

43

18/jun

ANDREW JENNINGS: CONTINUEM VAIANDO!

ANDREW JENNINGS

Pública Manifestações Aos meus queridos ANDREW JENNINGS Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 5 vezes; ditadura: 0; polícia: 0; violência: 1 vez.

19/jun POR QUE PROTESTAM CONTRA A COPA

Marina Amaral

Pública Copa e protestos

Já foram gastos 27,4 bilhões de reais na Copa e a previsão atual é de custo total de 33 bilhões, uma quantia que se aproxima do aumento planejado para o orçamento federal em educação neste ano: 38 bilhões de reais. Uma priorização de recursos que a população questiona nas ruas, assim como a concentração do dinheiro público na construção de estádios, em muitos casos, como em Manaus e Cuiabá, “elefantes brancos” sem futuro aproveitamento.

advogada Magnolia Said; dados públicos dos governos

Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 21 vezes; ditadura: 1 vez; polícia: 0; violência: 2 vezes.

21/jun COPA DAS MANIFESTAÇÕES

Bruno Fonseca e Luiza Bodenmüller

Pública Copa e protestos

Confira no especial que a Pública preparou, um resumo das manifestações nas cidades-sede da Copa das Confederações. As informações serão atualizadas ao longo dos protestos.

Sem fontes Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 1 vez; ditadura: 0; polícia: 0; violência: 0.

44

27/jun

INTELIGÊNCIA DA PM NA BAHIA INFILTRA AGENTES NOS MOVIMENTOS, REVELA CAPITÃO

Lena Azevedo

Pública Protestos e militarismo

Policiais militares da Bahia se infiltraram nas redes sociais depois das manifestações nacionais nas últimas semanas, e estão participando clandestinamente de reuniões dos grupos que organizaram as passeatas na Bahia, na semana passada, filmando e fotografando pessoas identificadas como “lideranças”.

capitão da PM baiana; Secretaria de Segurança Pública da Bahia, Titular da Delegacia de Simões Filho, cidade na Região Metropolitana de Salvador, Adailton Adan

texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 5 vezes; ditadura: 0; polícia: 4 vezes; violência: 3 vezes.

28/jun POLÍCIA MILITAR PRA QUEM?

Mariana Simões, Andrea Dip e Ciro Barros

Pública Protestos e militarismo

A final da Copa das Confederações não será jogada apenas em campo. Fora do gramado do Maracanã, repaginado a um custo de 1 bilhão de reais para abrigar a elite “com ingresso”, os comitês populares da Copa – criados para defender os interesses da população nos megaeventos – preparam manifestações no Brasil inteiro, a começar pelo Rio de Janeiro, a sede da final Brasil x Espanha.

Renato Cosentino, membro da ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares); Juliana Machado, representante do SP Copa; Amanda Couto, integrante do COPAC; Isabela Cunha, integrante do Comitê.

Texto e foto

Copa (do Mundo 2012): 9 vezes; ditadura: 1 vez; polícia: 8 vezes; violência: 6 vezes.

45

ANEXOS

ANEXO A – TEXTOS DA PÚBLICA

POLÍCIA MILITAR PRA QUEM?

28.06.13 Por Mariana Simões, Andrea Dip e Ciro Barros#CopaPública

Em todo o país haverá protesto na final da Copa das Confederações; em São

Paulo, o foco é a desmilitarização da polícia que agride em remoções e atos públicos

A final da Copa das Confederações não será jogada apenas em campo. Fora

do gramado do Maracanã, repaginado a um custo de 1 bilhão de reais para abrigar a

elite “com ingresso”, os comitês populares da Copa – criados para defender os

interesses da população nos megaeventos – preparam manifestações no Brasil

inteiro, a começar pelo Rio de Janeiro, a sede da final Brasil x Espanha.

Ali está prevista uma caminhada saindo da praça Saens Peña, na Tijuca, até

o Maracanã, com encerramento na Praça Afonso Pena. As principais reivindicações

são a imediata anulação da privatização do Maracanã (reformado com dinheiro

público), com a reabertura e reconstrução dos equipamentos públicos em seu

entorno – o Parque Aquático Julio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros,

a Escola Municipal de Ensino Fundamental Friedenreich – além da devolução da

Aldeia Maracanã, o antigo Museu do Índio, simbolicamente ocupado por

representantes de diversas etnias.

Igualmente importante é a reivindicação pelo fim das remoções e despejos em

nome da Copa e das Olimpíadas – há 11 mil pessoas que correm o risco de perder

suas casas no Rio – com destaque para a permanência e urbanização da Vila

Autódromo, ameaçada pela construção do Parque Olímpico, e a regularização

fundiária do Horto, encravado no bairro nobre do Jardim Botânico.

“Nós estamos abertos ao diálogo com a presidenta e sempre estivemos

abertos ao diálogo com os governantes. Entregamos o Plano Popular da Vila

Autódromo ao Eduardo Paes no ano passado e até hoje não tivemos resposta” diz

Renato Cosentino, membro da ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês

Populares).

46

Em São Paulo, que não faz parte das cidades-sede da Copa das

Confederações mas tem sido um dos principais palcos dos protestos que tomaram o

país nas últimas semanas, a principal palavra de ordem do Comitê Popular da Copa

(SP Copa) é a desmilitarização da Polícia Militar, com ênfase no protesto contra a

criminalização e repressão à população decorrente dos megaeventos. Com essas

bandeiras, o comitê pretende fazer um ato no domingo às 15h no Vale do

Anhangabaú naFan Fest, espaço de eventos públicos onde se realizam os jogos da

Copa em São Paulo.

A desmilitarização da PM é uma pauta que “atravessa todas a outras pautas

dos movimentos sociais no Brasil” diz Juliana Machado, representante do SP Copa.

“As remoções forçadas é a polícia que executa; a perseguição aos ambulantes é a

polícia que faz, a população de rua é a polícia que age de maneira truculenta, enfim,

a própria repressão aos movimentos sociais” explica.

O Comitê Popular da Copa também lançou um manifesto destacando que

“entre 2000 e 2011, foram mais de 4.600 mortos pela PM em São Paulo,

considerando apenas as denúncias que chegaram até a Ouvidoria da própria

corporação”. E chama a atenção para a expansão dessa violência na onda de

protestos do país: já no dia 13 de junho, nas primeiras manifestações, “200 pessoas

foram presas e muitas outras feridas – entre elas, 20 jornalistas, com um deles tendo

perdido a visão de um olho”.

O que, segundo o manifesto, vai se agravar na Copa 2014. A Força Nacional

de Segurança, que reúne polícias militares de diversos estados, esteve presente em

5 das 6 cidades-sede da Copa das Confederações: Rio de Janeiro, Salvador,

Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. Daqui a um ano, essas forças ocuparão as 12

cidades-sede da Copa da FIFA “e as notícias de violência nas manifestações que

recebemos hoje certamente se repetirão”, afirma.

Lembrando os acontecimentos recentes em Brasília, em que o

recrudescimento da repressão policial contra os manifestantes foi anunciado na

segunda-feira passada pelo tenente coronel da PM Zilfrank Antero, Juliana Machado

diz: “A gente tá percebendo que as forças armadas estão cada vez mais presentes

no cotidiano das cidades, qualquer problema político elas são chamadas a intervir.

Mas em vez de coibir a violência, a PM faz parte dessa violência”. E acrescenta: “A

PM é uma instituição militar e isso faz com que tenha pouco ou nenhum controle

47

externo”. Ou, como afirma o comunicado: “Porque não se trata de maus policiais ou

de falta de preparo: é a própria existência de uma polícia com caráter militar, oriunda

da ditadura também militar, que tem que ter um fim.”

NÃO SOMOS CONTRA O FUTEBOL

Criados a partir de 2010, os comitês populares estão presentes nas 12

cidades-sede da Copa 2014. E fazem questão de dizer: eles não são contra a Copa

do Mundo e menos ainda contra o futebol. “Para nós o problema maior é que o

Estado está se endividando mas não são os setores sociais que estão recebendo os

benefícios”, enfatiza Juliana. Por isso o Comitê Popular de São Paulo incluiu uma

bola e uma rede para jogar futebol durante o ato de domingo: a brincadeira é tentar

pegar o goleiro vestido de PM de surpresa, chutar a bola e marcar um gol para o

povo.

Perguntada como repercutiu entre o movimento o discurso da presidenta

Dilma com promessas de maior investimento em transporte, saúde e educação,

plebiscito para reforma política e penas mais duras para corruptos, Juliana responde:

“Nenhuma das propostas realiza aquilo que a gente precisa, ela prometeu mais

dinheiro pro transporte, mas a gente não sabe se vai ser transporte público mesmo.

Ela não disse nada em relação à possibilidade do transporte ser gratuito; também

falou sobre um plebiscito que pode ser interessante, mas vai ser necessário

esclarecer sobre o que vai ser essa reforma política”.

Sobre a posição do governo nos megaeventos é mais dura: “Com relação às

demandas da Copa, a presidente mentiu. Disse que não havia gasto público na

Copa, mas só no estádio Mané Garrincha houve mais de 1 bilhão de reais, e o

Estado brasileiro está se endividando. A presidente deixou de falar sobre a questão

da Copa porque a mídia tradicional não está ouvindo a verdadeira pauta dos

movimentos sociais – os ambulantes, as remoções, a violência e o uso das forças

militares na segurança desses eventos, a criação de zonas de exclusão em torno

dos estádios… A presidente simplesmente não ouviu a voz das ruas”.

Além de Rio de Janeiro e São Paulo, os comitês de Salvador, Porto Alegre,

Curitiba e Brasília já têm atividades de protesto programadas para o final da Copa

das Confederações. Natal e Belo Horizonte ainda estavam discutindo na sexta-feira

eventuais atividades para o domingo. Na capital mineira, após a violência policial

48

durante a semifinal da Copa das Confederações nessa quarta-feira, o Comitê

Popular de Atingidos pela Copa (COPAC) propôs uma atividade mais lúdica para o

domingo, dia da final da competição. “Vai ter um ato, mas ainda temos que decidir

isso na Assembleia Popular Horizontal hoje a noite (sexta-feira)”, diz Amanda Couto,

integrante do COPAC.

REMOÇÕES, EXPULSÃO DE AMBULANTES, GASTO PÚBLICO:

BANDEIRAS DO DOMINGO

Em Salvador, onde ocorre a disputa pelo 3o e 4o lugar, a manifestação

seguirá até o estádio Fonte Nova reivindicando transparência nos gastos públicos,

legado das obras para a população, liberdade e expressão e trabalho para os

ambulantes (com destaque para as baianas do acarajé) e denunciando a

“higienização do centro de Salvador”, que segundo o Comitês, tem expulsado

moradores de rua e prostitutas.

Na capital gaúcha, o tema central é a luta contra as remoções e está prevista

uma caminhada na Avenida Tronco, onde o projeto Corredor Avenida Tronco, ligado

à Copa de 2014, ameaça o direito à moradia de 4 mil pessoas, segundo

levantamento da Prefeitura de Porto Alegre. Em Curitiba, onde o ato acontece no

sábado, as remoções, principalmente da comunidade Nova Costeira, ameaçada

pelas obras do aeroporto, também são o foco do protesto. Os moradores não

querem sair dali para as unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida, como

propõe o poder público. “Os moradores avaliam que as casas do Minha Casa Minha

Vida são piores que as casas que eles já tem”, afirma Isabela Cunha, integrante do

Comitê.

Em Brasília a manifestação está marcada para às 13h, em frente ao Conjunto

Nacional. Entre as pautas dos manifestantes estão: a restituição dos R$ 2,8 milhões

gastos na compra de ingressos para a final da Copa das Confederações pela

TERRACAP, companhia imobiliária do governo do Distrito Federal; a restituição da

verba pública gasta no estádio Mané Garrincha; o fim das remoções; o fim da

exploração sexual relacionada ao mundial e a precariedade do transporte público. A

manifestação vem sendo organizada pelo Comitê Popular da Copa no Distrito

Federal pelo Facebook.

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra

como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de

49

2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

INTELIGÊNCIA DA PM NA BAHIA INFILTRA AGENTES NOS MOVIMENTOS,

REVELA CAPITÃO

27.06.13 Por Lena Azevedo

Identificação de lideranças, monitoramento de “suspeitos” e tentativa de

influenciar passeatas estão entre ações, de acordo com oficial da PM que pediu

sigilo de identidade

Policiais militares da Bahia se infiltraram nas redes sociais depois das

manifestações nacionais nas últimas semanas, e estão participando

clandestinamente de reuniões dos grupos que organizaram as passeatas na Bahia,

na semana passada, filmando e fotografando pessoas identificadas como

“lideranças”.

A revelação foi feita em entrevista por um capitão da PM baiana há duas

semanas na Academia da Polícia Militar, onde acontecem os cursos de formação

para policiais civis e militares para a Copa de 2014. Embora afirme considerar esse

tipo de operação “normal”, o oficial pediu para que seu nome não fosse revelado

pela reportagem por temer punições do comando da corporação. As informações

foram confirmadas e detalhadas ontem, dessa vez em entrevista realizada por

telefone.

Segundo o capitão, o acompanhamento dos movimentos pela Coordenadoria

de Missões Especiais (CME), a central de inteligência da PM, na Bahia, começou a

ser realizado antes mesmo do primeiro protesto em Salvador, dia 17 de junho. A

essa altura, as manifestações já eclodiam pelo país, e a inteligência da PM passou a

vigiar a troca de informações pelo Twitter e, principalmente, pelo Facebook. Agentes

criaram perfis falsos e se inseriram em comunidades com objetivo de obter

informações sobre os eventos marcados, os locais das reuniões preparatórias, o

trajeto das passeatas e para identificar os possíveis líderes.

“A gente busca saber quem é o líder, porque se ele for neutralizado o

movimento perde a cabeça. Isso é estratégia militar para qualquer situação do

gênero: a gente identifica para ter noção de espaço, coordenação, de norte”, explica

50

o oficial da PM.

Nos protestos de hoje, diz ele, os líderes não se apresentam, o que dificulta a

atuação da PM. “A gente busca informações até para subsidiar as negociações, mas

há uma certa dificuldade. O perfil do líder pode surgir tanto nos comentários nas

redes como nas reuniões. Monitoramos também as pessoas que estão à sua volta,

porque é normal, se algo acontecer com aquele líder, ter um outro para assumir. Tem

que identificar a segunda cabeça e verificar se tem uma organização pensante”, diz.

Outros alvos de atenção são definidos através de “bandeiras sociais”, “dos

partidos políticos” a que pertencem e pela atitude dos manifestantes, “se as pessoas

estão escondendo o rosto, ou se declaradamente se apresentam e como agem”,

detalha.

Com os dados e fotos levantados pelos infiltrados, um grupo específico de

policiais, via de regra oficiais da PM, faz a “análise técnica” para planejar as ações

na hora do conflito, ele explica: “Hoje no Brasil não existe possibilidade de prisão

para averiguação. Então, o que fazemos é dar corda para essas pessoas que

identificamos como suspeitas. O infiltrado sugere algo, a liderança não acata, pode

também incitar atos. A ideia é esperar que ela cometa ações previstas em lei, como

incitação à violência, ou outros atos criminosos, gravar e ter, com isso, respaldo

jurídico para a sua responsabilização”, afirma o capitão.

Apesar do monitoramento, o oficial da PM diz que também eles foram

surpreendidos nas últimas manifestações. “Pessoas atiraram coquetéis molotov

contra os policiais. A gente não tem como prever, como dizer, que ‘esse grupo é

radical, então vamos descer madeira’ (partir para o confronto), mas também é muito

raro que a gente identifique a liderança na hora do conflito. Normalmente, fazemos

isso antes, mas nem sempre esse tipo de radical se manifesta nas redes ou nas

reuniões”.

A Polícia Militar prendeu dezenas de pessoas nas últimas manifestações em

Salvador durante a Copa das Confederações. A primeira, do dia 17/06, convocada

pelo Movimento Passe Livre foi mais branda. Mas a partir do segundo dia de

protestos, em 20 de junho, data do jogo Uruguai e Nigéria, os confrontos se

intensificaram, principalmente em Campo Grande e no entorno da Arena Fonte

Nova. Dois dias depois, houve mais violência em Campo Grande, Vale dos Barris e

Iguatemi (Avenida Paralela), no centro financeiro da cidade. Dezenas de pessoas

51

foram atendidas em hospitais intoxicadas com gás lacrimogêneo, feridas por balas

de borrachas e até com fratura nas pernas. Entre os feridos, vários jornalistas. Três

PMs forçaram ainda o fotógrafo de um jornal local a apagar as fotos do conflito. Os

abusos estão sendo investigados pelo Ministério Público Estadual da Bahia.

INFILTRADOS MAS MANIFESTAÇÕES

Os infiltrados da PM atuam não apenas na investigação prévia da

organização das manifestações mas também durante os eventos, diz o mesmo

oficial, referindo-se a esses protestos.“Encontramos vários coquetéis molotov.

Fomos descobrindo isso na hora. Até porque, a manifestação surgiu pacífica. A partir

de determinado momento ela foi ganhando dimensão que não era esperada e

passamos a nos atentar mais pra isso. Tanto que, por conta das informações das

reuniões, das pessoas que foram sendo presas e da possibilidade de serem usados

esses mesmos produtos (bombas caseiras) por manifestantes em outros protestos,

começamos a aumentar a segurança no entorno da Fonte Nova”, afirmou.

O oficial disse ainda que os agentes de inteligência da PM tentam influenciar

os manifestantes. “O infiltrado tenta, dentro daquela organização, identificar os

pacíficos do grupo e sensibilizá-los para que eles mesmos retirem ou censurem os

radicais”. Cita como exemplo, a postura adotada pelos manifestantes no Rio de

Janeiro: “As pessoas começaram a sentar no chão. Quem tivesse errado ficava em

pé. Esses seriam recriminados pela própria organização, sem a presença da polícia.

A PM, não só da Bahia mas de todo o país, se aproveitou dessa informação para

disseminar isso na rede, porque facilita a identificação de quem é quem naquele

grupo”.

Ele afirmou que, apesar da violência policial e de considerar normal ações

como infiltração, a grande maioria dos policiais que conhece se posiciona

favoravelmente às manifestações. “Muitos estão expondo suas opiniões pelas redes

sociais. Eles querem um país melhor, estrutura diferente do que está hoje, mas

dentro de um respeito, de uma ética. A grande maioria dos governos não tem

atendido os anseios da tropa e ela tem demonstrado insatisfação. Isso é fato. A

gente tem mostrado através do diálogo, estabelecido cronogramas de ação, tentado

discutir de maneira legal, nas câmaras temáticas, enfim temos buscado um acordo

para não chegar ao ponto de parar o serviço”, alerta.

Ele diz ainda que, na rede, os policiais militares que criticam o fechamento de

52

ruas foram cobrados por terem feito a mesma coisa durante a violenta greve dos

policiais na Bahia, entre 31 de janeiro e 11 de fevereiro de 2012. Na ocasião,

Salvador tornou-se um cenário de guerra, com avenidas interditadas por

manifestantes, ocupação da Assembleia Legislativa, queima de ônibus e denúncias

de execução ou facilitação da ação de grupos de extermínio. Das 187 mortes

ocorridas nesses 12 dias, a Polícia Civil atribuiu pelo menos 45 a essas

organizações paramilitares.

“Na greve da PM, avenidas foram fechadas, teve gente que tocou fogo em

ônibus e houve pessoas que mataram, mas aquilo não era um posicionamento oficial

do grupo. A dificuldade de você fazer um movimento como esse é manter o controle.

Tem sempre um que vai se infiltrar e fazer algo que está além do previsto no script.

Todas aquelas ações de incêndio em coletivo, de militares que comprovadamente

assassinaram moradores eles vão responder, tem de ser punidos. A gente não pode

usar o erro de alguns e generalizar. Existem pessoas honestas, que respeitam o

direito dos outros e que precisam também ser ouvidas”, argumenta o oficial.

VEJA AQUI COMO FUNCIONA OFICIALMENTE O ESQUEMA DE

SEGURANÇA NA BAHIA

A segurança da Copa 2014 faz parte de um Sistema Integrado de Controle e

Comando (SICC), formado por 14 Centros Integrados de Comando e Controle

(CICC), com centros regionais implantados nas 12 cidades-sedes do evento,

inclusive na capital baiana. A configuração de segurança foi estabelecida pela

Secretaria Extraordinária para a Segurança de Grandes Eventos (Sesge), criada em

2011 pelo MJ.

Desde o início de 2012, policiais têm participado de cursos de formação em

segurança para grandes eventos, com grade curricular do Ministério da Justiça (MJ).

A qualificação uso da força em vários níveis, planejamento, metodologia,

investigação em crimes cibernéticos, inteligência, direitos humanos, salvamento e

contenção de incêndio, desarmamento de bombas. Somente a Polícia Militar da

Bahia deve qualificar, até 2014, mais de 10 mil homens.

Um dos grupamentos criados pela PM baiana a partir do anúncio da Copa foi

o Batalhão Especializado em Policiamento de Eventos. Ele existe há um ano, conta

com mais de 200 policiais e substitui a Tropa de Choque dentro da Arena Fonte

53

Nova. Desse efetivo, 50 PMs foram treinados e integram o Grupo de Controle de

Tumulto e Distúrbios Civis para intervir em caso de confrontos. Se a situação ficar

fora de controle, o Choque é acionado.

Além da PM, a Polícia Civil tem participado de cursos específicos para a

Copa. O titular da Delegacia de Simões Filho, cidade na Região Metropolitana de

Salvador, Adailton Adan, se qualificou recentemente em Sistema de Comando de

Incidentes – acionado em caso de ameaças de bomba ou atos terroristas. “Ficamos

dentro da Arena Fonte Nova, no Centro Integrado, junto com outros especialistas. A

Polícia Civil, em casos como esse, tem a responsabilidade de isolar a área de fazer

levantamentos, inclusive estruturais”.

Titular da Delegacia de Simões Filho, cidade na Região Metropolitana de

Salvador, Adailton Adan fez curso antiterrorismo para a Copa (Foto: Lena Azevedo)

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia foram investidos

R$ 95 milhões para a Copa das Confederações, recursos do governo estadual e

União, e empregados 4 mil profissionais da segurança das instituições estaduais e

federais. A distribuição dos agentes de segurança é feita em pontos considerados

estratégicos, como o entorno da Arena Fonte Nova, o aeroporto, a rodoviária, portos,

rodovias estaduais e federais, além das escoltas especiais para as delegações

envolvidas nos jogos.

Além das tradicionais câmeras de monitoramento (215 ao todo), pela primeira

vez o governo está usando “imageadores” (no total de três), câmeras especiais

acopladas em helicópteros que têm por finalidade ajudar na identificação de

suspeitos e localização de tumultos. Adan também conta que fez recentemente um

curso promovido pela Secretaria Nacional da Segurança Pública (Senasp) sobre

manuseio de explosivos e identificação de atos terroristas. “Estamos preparados

para isolar a área e tomar todas as providências na ocorrência, desde levantamento

de agente químico que possa ter sido usado na bomba, de dano estrutural causado”,

diz.

A equipe é multidisciplinar e dividida conforme a especialidade. “A Marinha

tem pessoal formado em agentes químicos, bacteriológicos, radiológicos e nuclear

(QBRN), o Exército em controle de tumultos e distúrbios civis, a Aeronáutica faz esse

monitoramento do espaço aéreo e temos ainda todos os especialistas da federal,

54

PM, Abin que atuam de forma organizada e articulada”, explica Adan.

COPA DAS MANIFESTAÇÕES

21.06.13 Por Bruno Fonseca e Luiza Bodenmüller#protestoBR

Confira no especial que a Pública preparou, um resumo das manifestações

nas cidades-sede da Copa das Confederações. As informações serão atualizadas ao

longo dos protestos.

POR QUE PROTESTAM CONTRA A COPA

19.06.13 Por Marina Amaral#CopaPública

Em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Fortaleza

protestos contra a Copa se misturam às bandeiras por participação política,

transporte e serviços públicos de qualidade. Veja aqui 7 razões para que a festa

esteja se transformando em manifestação.

CUSTO X LEGADO

Já foram gastos 27,4 bilhões de reais na Copa e a previsão atual é de custo

total de 33 bilhões, uma quantia que se aproxima do aumento planejado para o

orçamento federal em educação neste ano: 38 bilhões de reais. Uma priorização de

recursos que a população questiona nas ruas, assim como a concentração do

dinheiro público na construção de estádios, em muitos casos, como em Manaus e

Cuiabá, “elefantes brancos” sem futuro aproveitamento.

Além disso, as obras de mobilidade urbana – apresentadas pelo governo

como o principal legado para as cidades-sede – atualmente orçadas em 12 bilhões

de reais – privilegiam os acessos viários para carros (viadutos, alargamentos de

avenidas) e a rota aeroportos-hoteis-estádios que não é necessariamente a

prioritária para a mobilidade urbana no cotidiano das cidades. Um exemplo claro é

Itaquera, onde as obras reivindicadas pela comunidade foram suspensas enquanto

se investe a todo vapor nas obras de acesso ao estádio. Promessas em

investimento em transporte público, como a construção do metrô de Salvador e o

Monotrilho da linha Ouro em São Paulo foram retiradas da Matriz de

Responsabilidades (o orçamento federal para a Copa) e o transporte público chegou

a ser prejudicado no Rio de Janeiro, onde os moradores e comércio sofrem com a

55

falta do tradicional bondinho – que não circula desde 2011 – depois de um acidente

denunciado pelos moradores como resultante de um projeto equivocado de

modernização (que teve de ser refeito e ainda não está pronto)

Por fim, as obras de mobilidade urbana são as principais responsáveis pelas

remoções de comunidades, ameaças ambientais e perda de equipamentos públicas.

REMOÇÕES VIOLENTAS E DEMOLIÇÕES INDESEJÁVEIS

Os movimentos sociais contabilizam 170 mil pessoas ameaçadas ou já

removidas e/ou recebendo indenizações de 3 a 10 mil reais, para os que comprovam

a propriedade do lote, e bolsas-aluguel de menos de 1 salário mínimo para os

demais. Não raro os despejos são feitos de forma violenta, sem transparência nem

diálogo entre poder público e moradores. No morro da Providência no Rio de

Janeiro, por exemplo, as pessoas descobriram que seriam expulsas quando suas

casas apareciam marcadas, sem nenhuma negociação prévia.

Além das casas, os moradores perdem também suas comunidades, em

alguns casos centenárias, amigos, vizinhos, tradições. Via de regra são enviados

para longe de suas raízes e cotidiano e perdem a infraestrutura urbana dos bairros

mais centrais, caso por exemplo, da ameaçada comunidade da Paz, em Itaquera,

São Paulo. As indenizações recebidas são muito menores que os preços de aluguéis

e imóveis nos bairros atingidos pelas obras da Copa, forçando a ida para longe

também dos que podem decidir seu rumo. A especulação imobiliária em torno dos

estádios e melhorias feitas para tornar a cidade mais atraente para os turistas

expulsam moradores que seriam beneficiados pela evolução, dos morros Rio de

Janeiro à zona leste de São Paulo, agravando o problema extenso de carência de

moradias nas grandes cidades brasileiras.

O patrimônio social e cultural também foi prejudicado, como mostrou a

expulsão de representantes das etnias indígenas que ocupavam o antigo Museu do

Índio, no Rio de Janeiro,reconhecido pelos antropólogos como marco da relação

entre indios e brancos no Brasil, o histórico estádio do Maracanã foi

descaracterizado por uma reforma que já custou 1,2 bilhões aos cofres públicos e

acompanhado da destruição de equipamentos públicos esportivos, como oginásio

56

Célio Barros para construir estacionamentos e acessos viários em torno do estádio.

LEGISLAÇÃO DE EXCEÇÃO PARA CUMPRIR AS EXIGÊNCIAS DA FIFA

Desde que o Brasil fechou o acordo com a FIFA, o governo vem criando leis

por Medidas Provisórias para assegurar os interesses da FIFA e de seus parceiros

(Lei Geral da Copa), permitir que Estados e Municípios se endividem além do

exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para investir em obras da Copa,

abreviar licenciamento ambiental e dispensar licitações.

Alguns exemplos do prejuízo que essa legislação traz para a população:

- as zonas de exclusão: a FIFA estabelece uma área em um raio de até 2

quilômetros em volta do estádio - a zona de exclusão - como seu território. Ali

controla a circulação de pessoas, a venda de produtos, fiscaliza o uso de marcas

que considera suas – o próprio nome do evento Copa 2014 e o mascote, entre

outros – protege a exclusividade de venda dos produtos de seus patrocinadores –

da cerveja ao hamburger – e se encarrega da segurança. Segundo a ONG Streetnet,

na África do Sul 100 mil ambulantes perderam a fonte de renda durante a Copa e

situação semelhante – caracterizada como violação ao direito ao trabalho e

perseguição por trabalhar em espaço público – está prevista no Brasil onde mais de

mil ambulantes já perderam postos de trabalho por causa das obras da Copa,

principalmente em Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Fortaleza e Porto Alegre

- isenções fiscais, exceções legais: a criação de punições e tipificação de

crimes para proteger os interesses da FIFA e seus parceiros – que pune por

exemplo, quem utiliza símbolos da Copa para promover eventos em bares e

restaurantes ou que fere a exclusividade das marcas da FIFA – é um dos abusos

permitidos pela Lei Geral da Copa, que também isenta de impostos uma série de

entidades e indivíduos indicados pela FIFA prejudicando as receitas do país que arca

até com toda a responsabilidade jurídica em acidentes/incidentes, danos e

processos, incluindo o pagamento dos advogados da FIFA e parceiros.

- obras estaduais e municipais faraônicas e/ou contra os interesses da

população: o caso mais gritante é da construção de um Aquário em Fortaleza , sem

laudo arqueológico e com diversas falhas no EIA-Rima, a um custo superior a 280

milhões de reais enquanto o Ceará vive uma de suas piores secas. Em São Paulo,

57

no Rio de Janeiro, Salvador e outras cidades-sede os governos estaduais e

municipais também participam do investimento em dinheiro público em estádios que

serão posteriormente explorados pela iniciativa privada . Em Natal, a construção do

estádio põe em risco as dunas, e em Recife uma área até então preservada está

sendo completamente alterada para instalar equipamentos relacionados à Copa,

como hotéis e centros de apoio ao estádio.

- superfaturamento, custos elevados e desvios de recursos públicos: as sete

maiores empreiteiras do Brasil – que são também as principais doadoras de

recursos eleitorais para os principais partidos e políticos – beneficiaram-se da Lei

12.462/2011 RDC – Regime Diferenciado de Contratações Públicas – para

determinar preços, aumentá-los através de cláusulas e aditivos frequentemente

justificados pelo ritmo das obras e pela reformulação de projetos equivocados. O

TCU já comprovou irregularidades na arena Amazonas, na reforma do Maracanã, na

construção do estádio em Brasília, no aeroporto de Manaus. O Ministério Público do

Distrito Federal entrou com ação contra superfaturamento e outras irregularidades

no VLT de Brasília.

VIOLAÇÃO AO DIREITO À INFORMAÇÃO E À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Os movimentos sociais denunciam no Dossiê de Violações de Direitos

Humanos que também o direito à informação e à participação nos processos

decisórios são “atropelados por autoridades FIFA, COI e comitês locais” porque

“projetos associados à Copa e às Olimpiadas não são objeto de debate público”. A

falta de informações e debate sobre os projetos, que não raro desrespeitam os

planos diretores aprovados nas câmaras municipais, que atingem comunidades e

bairros é denunciada por movimentos sociais em todas as cidades-sede.

Associações de moradores também se queixam de audiências públicas pró-forma e

da inexistência de mecanismos mais eficazes para a participação da sociedade nos

projetos que atingem suas casas, bairros, cidades.

RECRUDESCIMENTO DA VIOLÊNCIA POLICIAL E DOS SEGURANÇAS DA

58

FIFA

O orçamento da área de segurança da Copa prevê investimentos de R$ 1,8

bilhão do governo federal. O Ministério da Justiça declara ter investido 562 milhões

de reais até agora e o Ministério da Defesa, a 630 milhões de reais para gastos

relativos ao evento. Por um total de 49,5 milhões, ogoverno federal fechou a compra

de milhares de armamentos não-letais da empresa Condor – a mesma que forneceu

as bombas usadas contra manifestantes – da Turquia às capitais brasileiras– para a

Copa das Confederações, em andamento, e a Copa do Mundo de 2014

O contrato, com vigência até 31 de dezembro de 2014, prevê o fornecimento

de 2,2 mil kits não-letais de curta distância (sprays de pimenta, granadas

lacrimogêneas com chip de rastreabilidade, granadas de efeito moral para uso

externo e indoors e granadas explosivas de luz e som); 449 kits não-letais de curta

distância com cartuchos de balas de borracha e cartuchos de impacto expansível

(balas que se expandem em contato com a pele, evitando a perfuração); 1,8 mil

armas elétricas para lançamentos dardos energizados (as pistolas “taser”), e mais

8,3 mil granadas de efeito moral, 8,3 mil granadas de luz e som, 8,3 mil granadas de

gás lacrimogêneo fumígena tríplice e 50 mil sprays de pimenta. Dentro dos estádios

e na zona de exclusão a segurança é privada, escolhida e orientada pela Fifa mas

paga pelo governo federal. Nas recentes manifestações no Rio de Janeiro e em Belo

Horizonte a quantidade de equipamentos e munição chamou a atenção, exatamente

por já estar sendo usado o material de segurança da Copa das Confederações.

Além da legislação de exceção abordada no item anterior – que inclui a

tipificação de novos crimes para proteger marcas e exclusividade dos parceiros da

FIFA e a zona de exclusão – o PL 728/2011, no fim de sua tramitação, inclui a

tipificação do crime de “terrorismo”, algo que não existe na nossa legislação desde a

ditadura militar, e prevê penas duras para quem promover “o pânico generalizado” .

Para os movimentos sociais, o texto do projeto, bastante vago, pode criminalizar as

manifestações desde que essas sejam enquadradas como causadoras de pânico

generalizado.

ELITIZAÇÃO DOS ESTÁDIOS E DOS INGRESSOS PARA OS JOGOS DA

COPA

59

As reformas nos estádios brasileiros para seguir as recomendações da FIFA

reduziram ou extinguiram lugares populares nos estádios, ampliando a área de

camarotes e lugares marcados, principalmente no Maracanã e no Mineirão, que

perderam quase 50% da capacidade. Como resultado, o preço dos ingressos

subiram mesmo nos jogos comuns – passando de 40 a 60 reais cobrados nas

arquibancadas para preços mínimos de 160 reais no Maracanã, por exempo.

Quanto aos ingressos para a Copa 2014, enquanto 200 mil pessoas

assistiram a partida final contra o Uruguai em 1950 no Maracanã, apenas 74 mil

ingressos serão colocados à venda para a final no mesmo estádio em 2014. Em

1950, 80% dos ingressos eram populares (arquibancada e geral) extintas para dar

lugar a assentos alcochoados nas área Vips.

A FIFA também impôs padrões de comportamento aos torcedores

completamente avessos à cultura da alegria e da participação da torcida brasileira

de futebol, com platéia sentada, sem as coreografias, as baterias percussivas, o

baile das bandeiras a que estamos acostumados.

INCREMENTO AO TRÁFICO E VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES,

ADOLESCENTES E CRIANÇAS

Fortaleza, Natal e Salvador estão entre os principais destino do turismo

sexual, que traz homens para o país em busca de mulheres, travestis, adolescentes

e crianças, o que deve se agravar com a Copa. O Esplar, ONG que trabalha com

mulheres cearenses e participa da Articulação dos Comitês Populares da Copa,

lançou em parceria com a Fundação Heinrich Boll, um folheto informativo em um

DVD para chamar a atenção para o esperado aumento do turismo sexual na Copa.

Segundo a advogada Magnolia Said, que coordenou a produção desse material, já

se detectou um aumento de tráfico interno (do interior para as capitais do Nordeste)

de mulheres e adolescentes por causa dos preparativos da Copa do Mundo.

Reportagem da agência Públicatambém detectou o trânsito de travestis de Fortaleza

para São Paulo para colocar próteses de silicone em troca de trabalho gratuito para

as cafetinas que bancam as cirurgias.

60

ANDREW JENNINGS: CONTINUEM VAIANDO!

18.06.13 Por Andrew Jennings#CopaPública

O jornalista britânico manda uma mensagem para aqueles que protestam

contra a Copa das Confederações e a Copa do Mundo

Aos meus queridos amigos dos Comitês Populares, com quem me reuni no

ano passado; aos jornalistas e estudantes com quem conversei naquela mesma

semana; e a todos que estão nas ruas protestando.

Oscar Niemeyer ficaria tão orgulhoso da noite passada! Foi a união da arte

com a ação política! Aquele lindo Congresso construído por ele, decorado e

aprimorado por uma nova geração de radicais no telhado, pedindo mudanças, o fim

da corrupção e o fim da cooperação com a gananciosa máfia da Fifa.

As fotos dessa ocupação respeitosa foram vistas mundo afora. E são mais do

que fotos novas. Elas mandam um sinal ao resto do mundo: você não precisa mais

sofrer pagando impostos que são roubados por políticos corruptos e empreiteiros

tortos, que distribuem esse dinheiro aos cartolas internacionas e à guarda avançada

do capitalismo McDonalds, Coca-Cola, Visa e Castrol, que vêm tomando de assalto

o seu país.

A mensagem era clara: nós repudiamos veementemente os lucros ultrajantes

com a Copa do Mundo e a não-aplicação desses recursos em necessidades sociais

básicas.

A resposta de Dilma e de Aldo Rebelo foi dar apoio à violência policial contra

as pessoas que foram às ruas nas cidades brasileiras.

Eu acabei de ler as 676 páginas da CPI coordenada por Aldo Rebelo em

2001, para investigar a corrupção de Ricardo Teixeira na CBF, os acordos íntimos

com a FIFA e a notória manipulação do contrato com a Nike, que vendeu o futebol

que era do povo à fabricante de calçados dos EUA.

A raiva de Rebelo contra a máquina era muito clara.

Onde estava Aldo Rebelo ontem? Ele estava… Na favela? Ou explicando aos

torcedores que ele não teve outra escolha a não ser deixar que os contratos

fraudulentos com as construtoras fossem executados? Talvez ele estivesse se

encontrando e simpatizando com a causa das famílias removidas por especuladores

61

que lucraram com a Copa do Mundo?

Não. Rebelo preferiu a companhia do inimigo. Ele foi escolhido como

palestrante principal durante uma conferencia no Copacabana Palace organizada

pela voz do mercado internacional, o Financial Times. Apresentado como

‘aquecimento para o ritmo da política e dos negócios do futebol em Copacabana’,

Rebelo abraçava seu novo camarada, companheiro de discurso na noite, Sepp

Blatter.

Junto deles havia patrocinadores, empreendedores do futebol nacional e

mundial, e o grupo cativo de parasitas que se alimentam dos jogos do povo, e o

chefe incrivelmente rico da Copa de 2022 no Qatar. E claro, a Globo.

Como o poder mudou o camarada Rebelo. O que houve com a raiva de

Rebelo?

Será que Rebelo foi visto nas ruas do Rio, tentando impedir o roubo do

Maracanã, que pertencia ao povo? Não ouvi nada a respeito.

Será que Rebelo protestou contra a construção de luxuosos camarotes que

reduziram o espaço do Maracanã a torcedores comuns? Esses camarotes estão

sendo vendidos a preços exorbitantes para membros da comunidade internacional

de negócios.

Outra imagem clara do que tem sido feito no Brasil são as fotografias de dois

anos atrás que mostram o chefão da FIFA, Jérôme Valcke, abraçado a Ricardo

Teixeira, no Rio. Teixeira é visto como um corrupto, suspeito de envolvimento em

casos de propinas com as construtoras dos estádios da Copa. E Valcke não é bobo.

Ele fez o maior barulho sobre a necessidade do Brasil por esses novos estádios.

Onde estão os policiais federais? O trabalho começou, lentamente, em São Paulo

mas precisa ser espalhados por todas as doze cidades-sede.

Em dezembro do ano passado, em São Paulo, quando as plateias

começaram a me aplaudir depois das palestaras, eu as interrompi. “Não! Me vaiem”,

exigi! “Treinem para quando chegar a hora do Blatter. Me vaiem. Mais alto! Mais alto

ainda!”

E, essa semana, vocês vaiaram. A prática leva à perfeição.

Continuem vaiando, camaradas. Continuem vaiando Blatter e os ardilosos da

FIFA seja lá onde eles aparecerem durante a Copa das Confederações.

62

Tirem os ladrões das ruas, dos hotéis, das extravagantes celebrações

regadas a champanhe e, principalmente, tirem eles dos futuros elefantes brancos

que vão se tornar os estádios.

Vaiem e assobiem quando as limousines deles chegarem, vaiem nos

camarotes VIPs, vaiem tão alto que impeça o início dos jogos, que o apito do juiz

não seja ouvido.

Forcem o Blatter e a FIFA a deixarem os estádios. Tirem a FIFA da Copa do

Mundo.

E depois disso? Direcionem sua raiva para reclamar seu país de volta e tirar

de cena os seus próprios trapaceiros.

QUE COPA É ESSA?

18.06.13 Por Ciro Barros#CopaPública

Sábado na Copa Popular Contra as Remoções, protestos no domingo no

entorno do Maracanã: assim foi a chegada da Copa das Confederações no Rio de

Janeiro

Na chegada ao Rio de Janeiro, era impossível falar de outro assunto com o

taxista. Em cada canto, esquina e ponto da cidade, a publicidade oficial estampava o

logo da Copa das Confederações e dava boas-vindas aos turistas. No dia seguinte,

domingo, era dia de México e Itália e o motorista falava sobre a Seleção Brasileira,

criticando o atacante Hulk – que “o Felipão insiste em botar em campo”-, enquanto

eu me preparava para cobrir outro tipo de evento: a “Copa Popular Contra as

Remoções”, campeonato de futebol entre moradores de comunidades atingidas

pelas obras da Copa, organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do

Rio de Janeiro.

Todos com quem eu conversei – dos turistas gringos aos brasileiros – queriam

saber dos jogos, dos craques, dos gringos, das baladas do Rio. Falar sobre

remoções parecia destoar da festa, mas era pra isso que eu estava ali.

A COPA POPULAR

Alguns minutos depois das nove horas da manhã do sábado, dia 15 de junho,

eu já estava no Quilombo da Gamboa, espaço de atividades culturais no bairro da

Gamboa, na zona portuária do Rio. Choveu muito durante todo o dia, entre

63

pancadas, garoas e agora um cinza nublado, mas mesmo o público – entre 100 e

200 pessoas – compareceu na quadra surrada de futebol society, os tapetes de

grama sintética em desnível.

Nas paredes, muitas faixas. “Porto Maravilha para quem?”, questionava uma

delas em alusão ao projeto Porto Maravilha, de “revitalização da região portuária”,

como define o poder público. “Estradinha: área de risco ou de rico?”, “SMH:

Secretaria de Habitação ou Remoção?”, “Não às remoções”, “Brasil: economia

verde, Copa vermelha de sangue”, protestavam outras.

Além de meios de comunicação nacionais, como a TV Record e o Portal

Terra, havia repórteres estrangeiros, como do jornal britânico “The Guardian”. Os

rapazes estavam conseguindo o que queriam: atenção para os problemas das

comunidades afetadas.

Os jogos começaram com a partida do campeonato feminino entre Indiana-

Nova Geração e Criciúma Providência. Além dos atletas, representantes das

comunidades davamentrevistas aos jornalistas, como Maria do Socorro, da Indiana,

que mostrava um álbum de fotografias para denunciar a situação de sua

comunidade.

“O que está nos segurando naquele lugar é uma liminar que ainda impede a

remoção, e a minha divulgação”, acredita ela, que faz uma peregrinação entre

encontros populares e atos públicos pela comunidade. “Temos o futebol aqui, temos

lazer, mas podemos divulgar a nossa tristeza. As comunidades que estão aqui, umas

estão vendo a luta das outras”, disse, Socorro, enquanto um repórter canadense

pedia uma entrevista.

A Indiana está “em área de risco”, segundo a prefeitura, sem apresentar

nenhum laudo técnico. Após muita luta e uma ação junto à Defensoria Pública, os

moradores conseguiram uma liminar que impede a remoção das famílias até que a

Prefeitura apresente esse laudo. Na semana passada, em decorrência de outra

ação, essa do Ministério Público, foi apresentado um laudo de “baixo risco”,

realizado entre 1996 e 2010, e obviamente conhecido pela Prefeitura do Rio.

Em quadra, era possível admirar o desempenho dos jovens moradores do

Indiana. Os domínios de bola, numa quadra dura em que a bola quicava muito, eram

quase sempre muito bem executados. Os toques de bola pelo alto lembravam as

“petecadas” das praias cariocas mas o jogo era levado a sério, com torcida,

64

reclamações com o juiz, cobranças entre companheiros de equipe, empenhados em

vencer a partida.

Entre as mulheres, o destaque foram as finalistas: os times das comunidades

Salgueiro e da Providência. As garotas dos dois times jogam juntas no Criciúma,

time que disputa torneios de futebol de salão na Associação de Futebol Feminino, e

para o jogo das comunidades formaram as equipes Criciúma-Salgueiro e Criciúma-

Providência. Com apenas seis meses, o time já foi campeão municipal – e invicto. O

técnico do Criciúma, Eduardo Tacto, de 29 anos, era só alegria.

“Ao fazer um campeonato entre comunidades, também lutamos contra o

preconceito, então seria um absurdo não ter times femininos. Tenho muito orgulho

das meninas. Elas estão levando a sério e o resultado está aí: fizemos a final entre o

nosso time”, disse.

Capitã do Criciúma-Salgueiro, equipe campeã, a estudante de massoterapia

Aline França, de 24 anos, comemorou mais do que o título. “O campeonato serviu

para mostrar que a gente tem que estar sempre unido. Tem que se ajudar bastante,

eu soube de muita gente aqui que estava perdendo as suas casas. Se a gente não

juntar, não vai para frente”, disse Aline, ressaltando que a partir daquele dia iria “se

mexer mais e lutar pela comunidade”.

No masculino, só deu Morro da Providência. A comunidade, ameaçada pelas

supostas obras de melhoria do projeto “Morar Carioca” da Prefeitura do Rio,

emplacou seus dois times na final: o Verdão-Providência e o Criciúma-Providência.

Em uma partida disputada a sério – os dois goleiros fizeram defesas milagrosas – o

Verdão levou a melhor, ao vencer por 2 a 0 (gols de Matheus e João Marcos).

“Ser campeão é bom, mas jogar contra os amigos é melhor ainda. A

Providência foi campeã aqui hoje!”, comemorou Matheus, autor do primeiro gol. “É

muito gratificante representar a comunidade”, disse o também campeão João

Marcos, artilheiro da Copa Popular com cinco gols marcados.

ENTREVISTADOS APAIXONADOS

“Cada favelado é um universo em crise”, diz uma letra dos Racionais MC’s,

que voltava à minha cabeça a ouvir cada entrevistado, ansioso por falar. Vitor Lira,

de 31 anos, morador do Morro Santa Marta, na zona sul carioca, mostra as marcas

na sobrancelha esquerda, fruto de agressão da polícia, segundo o rapaz negro e

magro que diz ter ido à Copa Popular “só para prestigiar”. Ele é guia de turismo do

65

“Tour Santa Marta”, uma cooperativa de turismo criada pelos moradores do morro

que busca “mostrar um pouco da realidade da favela, o ponto de vista de quem vive

o dia a dia ali, e não só a vista”, explica, o também estudante de curso técnico na

área de turismo.

“Sou morador do pico do Santa Marta e desde janeiro de 2011 convivemos

com a ameaça de remoção porque a Prefeitura alega que estamos em área de risco.

Já fizemos um contra-laudo com engenheiros que comprova que ali não é área de

risco e que só precisa de algumas obras de contenção”, conta. “Mas por que eles

querem essa área? Essa área dá vista para Lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema-

Leblon, Arpoador, Copacabana, Urca, Ponte Rio-Niterói, então tirando essas

pessoas de lá é possível fazer qualquer tipo de empreendimento privado para se

fazer o que eles chamam de embelezamento da cidade”, acredita ele.

Ele se orgulha da família há cinco gerações no Santa Marta na mesma

medida em que se indigna com a situação de ameaça. “Acho muito estranho que

esse processo de remoção todo venha a acontecer depois da chegada da UPP.

Agora que eu não convivo mais diariamente com balas cruzando a minha casa, eu

tenho que ir pra Triagem, um lugar bem afastado, para os brancos chegarem?”,

revolta-se.

“É muito difícil morar em comunidade no Rio de Janeiro”, concorda Luan

Santos, de 21 anos, desempregado e atleta do Cruzeiro-Providência. “E agora tem

essas obras de melhoria que são melhoria só pra quem é de fora, pra quem tá lá eu

não vejo nada, só vejo ameaça dos meus amigos e da minha família de perder a sua

casa”, diz.

A zona portuária, onde se realiza o Copa Popular, também abriga diversas

comunidades ameaçadas de remoção pelas obras do Porto Maravilha, como

lembrou o mestre de cerimônias, Marcelo Edmundo, da CMP (Central de

Movimentos Populares) que disse ter “imitado o Marin” ao colocar uma medalha no

bolso durante a premiação. “É um exemplo de luta, um contraponto à Copa das

Confederações e do Mundo, que estão trazendo tanto sofrimento a todos aqui”,

afirmou.

Uma grande roda de funk promovida pela APAFUNK (Associação de

Profissionais e Amigos do Funk) fez a confraternização final com três MC’s cantando

funks carregados de críticas sociais. “Quem é você para falar dos meus erros, tu não

66

me conhece não sabe quem sou/A luta que tive, a fome que minha família

passou/Aonde tava você na hora do perrengue, porque você não tava lá seu doutor?

A sociedade hoje fala de mim mais ninguém me ajudou”, dizia uma das letras.

DOMINGO NO MARACANÃ

No dia do jogo Itália e México, o protesto começou lá pelas duas da tarde na

Estação São Cristóvão de metrô e trem, que fica à beira das rampas de acesso ao

Maracanã, tomada por faixas com dizeres como “Da Copa eu abro mão, quero

dinheiro para saúde e educação”, “Basta” e o já célebre “Copa pra quem?”. Embaixo

da passarela da estação, que fica sobre as avenidas Maracanã e Castelo Branco, os

manifestantes entoavam cantos e palavras de ordem trazidas também dos recentes

protestos contra o modelo de transporte público que se espalharam pelo Brasil.

Saúde e educação também apareciam nas reivindicações.

A massa, a essa altura com cerca de mil manifestantes segundo a imprensa,

tentou fazer dois movimentos para alcançar o Maraca, onde os torcedores

chegavam para ver o jogo entre Itália e México, pela segunda rodada da Copa das

Confederações, mediante o pagamento de ingressos que variam entre R$ 57 e R$

228.

Primeiramente, o grupo tentou avançar pelo viaduto Oduvaldo Cozzi, que dá

acesso à entrada do estádio mas foi barrado pelos policiais. Tentou o acesso pela

rua General Canabarro, mas recuou novamente diante da presença da polícia. Por

volta das 15h, apareceu um aparato de segurança impressionante: Polícia Civil,

Militar, Tropa de Choque, Guarda Municipal, Força Nacional.

O tumulto começou depois de um policial lançar um spray (que mais parecia

um extintor) em direção aos manifestantes. A partir daí começou uma verdadeira

chuva de bombas, tanto as de gás lacrimogêneo quanto as de efeito moral. Era difícil

respirar, a reação de fuga foi instantânea e o corre-corre em direção à passarela

quase causou um desastre.

Após esse primeiro embate, uma manifestante passou por mim e disse que

estava havendo outra aglomeração, desta vez, na Quinta da Boa Vista, do outro lado

dos trilhos. Quando cheguei, vi os manifestantes, já em número bem reduzido,

gritando, levantando cartazes e às vezes sentando-se no chão. Pou depois dos

manifestantes cantarem o hino nacional diante do Choque, houve o primeiro estouro.

Em um movimento espontâneo, todos viraram-se para correr em direção da Quinta,

67

um parque onde as famílias curtiam o domingo de clima ameno que logo se tornou

caótico. Havia muitos homens, bombas, helicópteros. Os policiais vestiam roupas

que nunca tinha visto, pareciam ninjas, super-heróis ou qualquer coisa assim.

Corri para o parque na esperança que ali dentro, por estar misturado aos

“cidadãos de bem”, como se diz por aí, não correria risco. Ledo engano. Em poucos

instantes, vi três cápsulas de gás caírem a menos de um metro das minhas costas. A

correria foi ainda maior. Já havia policiais dentro do parque e ouvi até mesmo de um

deles que uma bomba quase o atingiu.

Alguns manifestantes tentaram se juntar a uma festinha de criança que

acontecia ali para se proteger, mas os pais ensandecidos gritavam “Rala daqui! Sai

fora!”. Encontrei uma família meio perdida por ali, e fiquei junto deles. João Vicente,

o pai da família que me abrigou, estava revoltado. “Isso é um absurdo! Pra que isso!

Por que a minha enteada é obrigada a ver isso? Isso é um excesso”, dizia,

apontando para os fuzis dos policiais. Relativamente protegido, vi as bombas caírem

no parque até que poucos manifestantes foram negociar a saída da Quinta da Boa

Vista.

O jogo já acabara, não fazia nem ideia de quem tinha ganhado. A estudante

Cecília Souza, de 23 anos, me mostrou o braço completamente inchado, e com uma

marca nítida da bala de borracha. Disse que estava de costas quando levou o tiro.

Passei por alguns policiais que ironizavam os manifestantes que iam embora. “Ué, já

correram? Vão embora de metrô, não era por isso que vocês tavam reclamando”,

disse um deles.

Segundo a PM, seis manifestantes foram detidos. A corporação também

afirmou que encontrou seis artefatos explosivos pelos policiais sendo um deles um

coquetel molotov e que um soldado do 4º Batalhão da PM ficou ferido.

As fotos dessa reportagem foram feitas por André Mantelli

#SP13J

14.06.13 Por Agência Pública#ViolênciaPolicial

A Pública está mapeando ocorrências de violência policial durante as

manifestações contra o aumento da tarifa em São Paulo. Se você foi vítima de

violência e documentou o episódio, mande para nós via [email protected]

68

COPA DAS CONFEDERAÇÕES? NÃO, DAS REMOÇÕES!

12.06.13 Por Ciro Barros

No próximo sábado, o Comitê Popular da Copa do Rio promove campeonato

de futebol entre membros de comunidades já atingidas ou ameaçadas de remoção

Às nove horas da manhã do próximo sábado, dia 15 de junho, um evento

promovido pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro

pretende se opor ao entusiasmo que circunda a chegada da Copa das

Confederações.

Sete horas antes de o Brasil estrear contra o Japão na competição da FIFA,

que será uma “prévia” para a Copa do Mundo de 2014, outra bola vai rolar no

Quilombo da Gamboa (Rua da Gamboa, 345) na zona oeste da capital fluminense.

Trata-se da “Copa Popular – Contra as Remoções”, um torneio de futebol disputado

entre comunidades que sofrem com as remoções no Rio – desde comunidades já

removidas até comunidades que, em algum momento da preparação para os

megaeventos, sofreram ameaças de remoção.

“Escolhemos o dia 15 porque é o dia da estreia da Copa das Confederações e

estamos em busca de manifestações mais criativas”, diz a jornalista Paula Paiva

Paulo, integrante do Comitê Popular. “Atos a gente já faz bastante, eles são

importantes, mas queríamos algo um pouco mais criativo”. O Comitê também vai

distribuir materiais com informações sobre as comunidades a quem comparecer ao

evento.

No dia da Copa Popular, também será lançado o mascote popular da Copa,

que será o Saci. Ao contrário do mascote oficial da Copa – que só pode ser

estampado por comerciantes autorizados pela FIFA – o Saci, que será

disponibilizado em copyleft para que os comerciantes, principalmente os populares,

possam usar à vontade.

COMUNIDADES PARTICIPANTES

Até agora, já há dez equipes confirmadas para a Copa Popular. Serão duas

equipes masculinas do Morro da Providência, comunidade que fica na região central

do Rio; uma da Muzema, comunidade da zona oeste da cidade; um da Estradinha,

situada em Botafogo; um time da Indiana, comunidade que fica no bairro da Tijuca, e

outro da Vila Autódromo, que fica em Jacarepaguá. Haverá também quatro equipes

69

femininas: além de Providência e Indiana, haverá boleiras do Morro Santa Marta e

do Salgueiro.

Roberto Marinho, de 37 anos, morador do Morro da Providência, foi o

responsável por amealhar participantes da sua comunidade. “Foi difícil, porque o

pessoal que não está envolvido nas remoções fica com medo de participar de

qualquer coisa”, conta. Apesar disso, reuniu dois times de moradores diretamente

envolvidos nas remoções –e aposta na experiência das equipes para conquistar o

caneco do torneio. “Esse pessoal já joga junto faz um tempo, alguns deles jogaram a

Copa das UPPs e quando eu contei o espírito da coisa, eles gostaram. Eles vão

poder jogar futebol e mostrar a situação em que estão vivendo”.

Na Muzema, o presidente da Associação de Moradores Leandro Corrêa, de

32 anos, diz que o pessoal “está animado”: “Eu achei legal a ideia porque é um

modo de unir o útil ao agradável, ou melhor, ao desagradável porque se trata de uma

remoção, né”, brinca. Para Maria do Socorro, da Indiana, o teor político está também

na reunião. “Vai ser bom porque várias comunidades ameaçadas vão poder

conversar e se unir. A luta tem que ser de todos que estão nessa situação”, afirma.

MUITA HISTÓRIA PRA CONTAR

Confira abaixo um pequeno perfil de algumas dessas comunidades, e saiba

como elas foram marcadas pela avalanche das remoções. Segundo o dossiê

“Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro”, só na capital

carioca cerca de 11 mil pessoas podem ser removidos por conta de intervenções

urbanas ligadas à Copa das Confederações, à Copa do Mundo e às Olimpíadas de

2016.

Morro da Providência – Localizado na região portuária do Rio de Janeiro, o

local é um pedaço da história do Brasil. Considerada a primeira favela da cidade, o

morro foi ocupado por remanescentes da Guerra de Canudos nos últimos anos do

século 19. O local, antes chamado de Morro da Favela, teria dado origem, inclusive,

ao nome “favela”.

O drama da comunidade começou, ironicamente, com o Programa Morar

Carioca, criado em julho de 2010 pela prefeitura, e que faz parte do planejamento

para a Copa. Estão previstas a abertura de vias, a implantação de um teleférico, um

plano inclinado e a espaços para visitação turística. Mas, segundo os moradores,

não houve informações claras sobre os impactos e nem envolvimento da

70

comunidade na discussão do projeto. A Prefeitura do Rio diz que 380 famílias terão

que ser removidas por estarem em áreas de risco e outras 291 famílias sairão para

dar lugar ao teleférico e ao plano inclinado. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro

conseguiu a paralisação das obras em outubro do ano passado, pela ausência do

EIA/RIMA e a falta de informação dos moradores. A Prefeitura conseguiu depois

continuar as obras, mas as remoções estão suspensas.

Algumas casas, porém, já foram marcadas com spray com a sigla da SMH

para serem removidas. Os moradores rebatizaram a sigla para “Sai do Morro Hoje”.

Muzema – Situada próxima ao Itanhangá, Barra da Tijuca, zona oeste do Rio

de Janeiro, a comunidade já tem mais de 30 anos e está ameaçada de remoção por

conta das obras de dragagem de um canal próximo. Porém o córrego já passou

outras vezes por canalização e, nas etapas anteriores, a remoção não foi

necessária, segundo os moradores.

Indiana – No mesmo lugar desde 1957, a comunidade Indiana, situada na

Tijuca, foi símbolo da postura dúbia da Prefeitura do Rio. Em 16 de janeiro de 2012,

os moradores receberam a visita do então secretário de Habitação, Jorge Bittar, que

prometeu obras de melhoria para a região; duas semanas depois, representantes da

prefeitura voltaram à comunidade para dizer aos moradores que deveriam aceitar a

oferta de apartamento do programa Minha Casa Minha Vida na região de Triagem,

longe da Indiana, ou o “trator passaria por cima por ser área de risco”, segundo

conta a membro da comissão de moradores da Indiana, Maria do Socorro.

Junto com a Defensoria Pública, em outubro, os moradores entraram com

uma ação contra a Prefeitura pedindo a apresentação de um laudo técnico que

comprovasse a situação de risco. Em 10 de dezembro de 2012, foi expedida uma

decisão favorável a comunidade cobrando a paralisação imediata das remoções (já

em curso) e a retirada do entulho. Até agora, cerca de 110 famílias já foram

removidas, algumas delas contempladas com unidades habitacionais do Minha Casa

Minha Vida em Triagem. Outras 510 querem ficar. Em 9 de maio deste ano, o

Ministério Público apresentou um laudo da própria secretaria de habitação do Rio

afirmando que a região era de “baixo risco” e não seria necessária a remoção.