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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÉDERSON ANDRADE POLÍTICA DE CURRÍCULO PARA A ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO: ARTICULAÇÕES, DISCURSOS E SIGNIFICANTES NAS ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A REDE ESTADUAL DE MATO GROSSO Cuiabá MT 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÉDERSON ANDRADE

POLÍTICA DE CURRÍCULO PARA A ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE

FORMAÇÃO: ARTICULAÇÕES, DISCURSOS E SIGNIFICANTES NAS

ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A REDE ESTADUAL DE MATO GROSSO

Cuiabá – MT

2013

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ÉDERSON ANDRADE

POLÍTICA DE CURRÍCULO PARA A ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE

FORMAÇÃO: ARTICULAÇÕES, DISCURSOS E SIGNIFICANTES NAS

ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A REDE ESTADUAL DE MATO GROSSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do

título de Mestre em Educação, na Área de Concentração

Educação, Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e

Práticas Pedagógicas.

Orientadora: Profa. Dra. Jorcelina Elizabeth Fernandes

Cuiabá – MT

2013

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A553p ANDRADE, Éderson

Política de currículo para a escola organizada por Ciclos de Formação: articulações,

discursos e significantes nas orientações curriculares para a rede estadual de Mato

Grosso /Éderson Andrade. – Cuiabá, MT, 2013. 174f.

Dissertação – (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em

Educação. Instituto de Educação. Universidade Federal de Mato Grosso.

Orientação: Profa. Jorcelina Elizabeth Fernandes

1. Escola em Ciclos – Mato Grosso. 2. Currículo escolar – Políticas Públicas 3.

Formação escolar – Mato Grosso. I.FERNANDES, Jorcelina Elizabeth, orient. II.

Título.

CDU371.214.1(817.2)

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Aos meus pais, Aécio e Maria, e ao meu companheiro Sávio,

que sempre acreditaram e acreditam em mim.

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Agradecimentos

À minha Profa. Jorci, por ter possibilitado o crescimento político pedagógico em minha

trajetória de vida como profissional, e principalmente como pessoa.

À Profa. Ozerina, pelas grandes contribuições nesta pesquisa, e pelas múltiplas discussões

em espaços tempos dessa minha trajetória acadêmica.

À Profa. Tura, que colaborou com o aprofundamento teórico dos escritos deste texto,

obrigado pelas contribuições e ensino nos tempos que estive na UERJ.

À Profa. Alice Casimiro Lopes, pelas discussões, orientações nas aulas e participação em seu

Grupo de Pesquisa da UERJ.

Aos meus colegas de turma do Mestrado, Silva Rosa, Edson e Kátia, pelos momentos de

debates e pela cumplicidade nos momentos difíceis durante estes anos de mestrado.

À Janaína Pereira Monteiro, amiga mãe, que me introduziu ao mundo dos estudos

curriculares, e por todas as atenções até hoje dispensadas para discussões de quaisquer

assuntos, na vida pessoal e profissional.

Ao Marcelo, que contribuiu com o trabalho árduo de transcrever algumas das entrevistas.

A todos e todas do CEJA Prof. Alfredo Marien, que me apoiaram e me apoiam em minhas

discussões acerca de múltiplas questões que me inquietam no campo educacional.

Aos colegas do Cefapro de Rondonópolis, Flávia, Cris, Rafa, Bere, Lili, Carlos, Aline, Thaís,

que sempre me ouviram, me ouvem, e me apóiam.

A todos e todas que pacientemente me concederam as entrevistas desta pesquisa.

Ao meu companheiro Sávio Antunes dos Santos, que pacientemente e impacientemente

ajudou-me na compreensão enquanto gente.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

SEDUC/MT Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso

EJA Educação de Jovens e Adultos

CEJAs Centros de Educação de Jovens e Adultos

CEFAPROS Centros de Formação dos Profissionais da Educação de Mato Grosso

GPCFOPE Grupo de Pesquisa Currículo, Formação e Práticas Pedagógicas.

PT Partido dos Trabalhadores

PSDB Partido Social Democrata Brasileiro

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

UNIC Universidade de Cuiabá

UNIVAG Centro Universitário de Várzea Grande

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

MEC Ministério da Educação

CNE Conselho Nacional de Educação

GTs Grupos de Trabalho

CBA Ciclo Básico de Alfabetização

PEC Projeto Escola Ciclada

LDB Lei de Diretrizes e Bases

OCs Orientações Curriculares

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RESUMO

Nesta pesquisa, dedicamo-nos a compreender o processo de produção da política curricular

para a Escola Organizada por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato Grosso,

destacando quais as articulações, os discursos e os significantes estão presentes nesse

processo. Essa política curricular é desenvolvida pela SEDUC/MT, envolvendo professores

consultores, professores da Secretaria e professores da rede estadual. Para a compreensão

desse movimento optamos metodologicamente em articular o Ciclo Contínuo de Políticas

proposto por Stephen Ball e colaboradores e a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e

Chantal Mouffe. Com o foco na abordagem qualitativa na pesquisa educacional fizemos

análise documental e entrevista semi estruturada com os Gestores da SEDUC/MT e

Professores Consultores que estiveram no processo de produção dos textos curriculares. Nesse

sentido buscamos aportes teóricos que nos potencializou a compreensão do currículo como

uma política cultural pública, marcada por arenas em que as fronteiras culturais são espaços

tempos de negociações constantes. Estamos ancorados para esta discussão em Canclini (2011,

2012), Lopes (2005, 2006, 2008, 2011), Macedo (2004, 2006, 2011). No tocante aos Ciclos de

Formação nos aportamos em Freitas (2002, 2003, 2004), Fernandes (2012), Mainardes (2007,

2009), Alavarse (2002), Barreto e Mitrulis (1999), Barreto e Souza (2004), Jacomini (2009).

Os resultados nos demonstram que a política curricular para o ensino fundamental nasce de

influências internas da SEDUC/MT, dos discursos circulantes nas escolas da necessidade de

se ter um documento curricular, nas propostas curriculares advindas do Governo Federal, e do

discurso de que as propostas curriculares se tornam mais potentes na articulação de todas as

etapas da Educação Básica. A produção do texto curricular apresenta sua organização em

Áreas do Conhecimento, e no final de cada Ciclo há um quadro com eixos, capacidades e

descritores, sendo estes dois pontos considerados como potencializadores de possíveis

estrangulamentos das políticas curriculares que se espera para os Ciclos de Formação, pois

apresentam uma excessiva disciplinarização e fechamento dos quadros sinalizando uma

perspectiva tecnicista de currículo. A produção do texto passou por discussões em Seminários

Escolares, Municipais e Regionais, com o discurso de democracia, contudo com tempo

limitado para debates. Para o fechamento provisório da produção do texto a SEDUC/MT

propôs grupos de sistematização para discussões entre os membros deste e os Professores

Consultores. Há em todo esse movimento um processo de hibridação cultural entre as teorias

de currículo, fato visto não de forma celebratória, mas sim de uma constatação que nos

possibilitou compreender uma fragilidade na política de currículo para a escola Organizada

por Ciclos de Formação, uma vez que a mesma apresenta uma excessiva visão tecnicista de

currículo. As articulações, discursos e significantes nos evidenciaram a não articulação entre a

propositura da política curricular e as concepções de Ciclos de Formação. Consideramos

dessa forma que a política curricular proposta pela SEDUC/MT não levou em consideração as

concepções dos Ciclos de Formação que deveriam nortear toda a formulação de políticas de

currículo para essa forma de organização escolar. É preciso dessa forma que professores e

professoras que estão trabalhando nessas escolas compreendam quais as intencionalidades

presentes nesta política curricular, a Escola Organizada por Ciclos de Formação, que traz

concepções tecnicistas, podendo estes desta forma, produzirem suas próprias políticas

curriculares que rompam com essa lógica.

Palavras-chave: Ciclo Contínuo de políticas. Teoria do Discurso. Ciclos de Formação.

Política Curricular.

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ABSTRACT

In this research, we are dedicated to understanding the production process of curriculum

policy for the School Organized by Formation Cycle of the State of Mato Grosso, drafting

what articulations, discourses and signifiers are present in this process. This curriculum policy

is developed by SEDUC / MT, it is involving consultants professors, teachers from the

Secretariat of the state and teachers of schools. To understand this movement

methodologically we chose to articulate the Continuous Cycle Policy proposed by Stephen

Ball and collaborators and Discourse Theory of Ernesto Laclau and Chantal Mouffe. In the

focus on the qualitative approach in educational research we made it by document analysis

and semi-structured interviews with the managers of SEDUC / MT T and Consultants

professors who have been in the production process of curriculum texts. We searched

theoretical support that enhanced the understanding of the curriculum as a public cultural

policy, marked by arenas in which cultural boundaries are spaces of time constant

negotiations. We are anchored to this discussion in Canclini (2011, 2012), Lopes (2005, 2006,

2008, 2011), Macedo (2004, 2006, 2011). About formation cycles we found in Freitas (2002,

2003, 2004), Fernandes (2012), Mainardes (2007, 2009), Alavarse (2002), and Mitrulis

Barreto (1999), Barreto and Souza (2004), Jacomini (2009). The results show that the new

curriculum policy for the school comes from the internal influences of the SEDUC / MT,

discourses circulating in the schools need to have a curriculum document, the curriculum

proposals coming from the Federal Government, and the discourse that curriculum proposals

become more powerful in articulating all stages of Basic Education. The production of the

text presents its curricular organization Knowledge Areas, and at the end of each cycle there

is a box with axes, capabilities and descriptors, and these two points considered as

potentiators of possible strangulation policy curriculum expected for Cycle Training since

they show an excessive disciplining and closing frames signaling a technical one curriculum.

The production of the text passed through discussions Seminars School, Municipal and

Regional, with the discourse of democracy, however with limited time for discussions. For the

temporary closure of the production of the text SEDUC / MT proposes to systematize groups

for discussions among members of the Teachers and Consultants. There's in this whole

movement a process of cultural hybridization between the theories of curriculum, not actually

seen so celebratory, but rather an observation that allowed us to realize a weakness in policy

curriculum for a school Organized by Formation Cycle, since it presents excessive technical

view of curriculum. The joints, speeches and showed us the significant link between not

bringing the curriculum policy and conceptions of Formation Cycles. We believe that in this

way the curriculum policy proposed by SEDUC / MT did not take into consideration the

views of Formation Cycles that should guide all policy formulation resume to this form of

school organization. It takes so that teachers and teachers who are working in these schools

can understand what intentions in proposing a curriculum policy that brings technicist

conceptions to the School organized in Formation Cycles and where they can produce their

own curriculum policies who break with this logic.

Key words: Continuous Cycle Policy. Discourse Theory. Formation Cycles. Curricular

Policy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

Origem e tipo da pesquisa 21

Os sujeitos e os instrumentos da pesquisa 29

1. POLÍTICA CURRICULAR COMO POLÍTICA CULTURAL 34

1.1 Pensando o currículo como política cultural pública 37

1.2 A centralidade cultural nos estudos, teorias e políticas curriculares 46

1.2.1 A centralidade cultural nas teorias curriculares: uma compreensão importante na

leitura das políticas de currículo

53

1.2.1.1 Currículo e cultura na perspectiva Tecnicista 54

1.2.1.2 Currículo e cultura na perspectiva Crítica 57

1.2.1.3 Currículo e cultura na perspectiva Pós-Crítica 59

1.3 Processos de hibridação cultural nas políticas de currículo 61

1.4 Políticas curriculares: um híbrido com discursos, articulações e significantes 66

1.4.1 Articulação 68

1.4.2 Discurso 69

1.4.3 Significantes Vazios

71

2. A PRODUÇÃO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO PARA A ESCOLA

ORGANIZADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO DA REDE ESTADUAL DE MATO

GROSSO

74

2.1 Ciclos de Formação: uma postura pedagógica e política 74

2.1.1 A escola organizada por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato Grosso

2.2 A produção e as Influências na emergência da política curricular para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação de Mato Grosso

78

80

2.2.1 EIXO 1: A produção do texto da política curricular 80

a) O processo de construção dos textos das orientações curriculares 80

b) Currículo organizado em áreas versus currículo organizado em disciplinas 94

c) Hibridação das perspectivas curriculares na produção do texto da política 107

d) Os quadros organizativos: eixos, capacidades e descritores 113

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2.2.2 EIXO 2: Influências presentes nas Orientações Curriculares 120

a) Emergência Curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

b) Influências do Governo Federal na produção da política curricular

120

125

c) Propostas Curriculares de outros estados e as Orientações Curriculares de MT 130

d) A presença e voz de uma “comunidade epistêmica” 136

e) Organização, sistematização e produção dos GTs das Orientações Curriculares 142

2.2.3 EIXO 3: Política de Currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação

147

a) Desconsideração dos pressupostos pedagógicos e políticos dos Ciclos de Formação

na construção da política curricular

147

b) Os Pedagogos na produção do texto curricular 152

c) Concepções políticas-pedagógicas e a Escola Organizada por Ciclos de Formação 157

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 162

REFERÊNCIAS 170

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INTRODUÇÃO

A escola, um cenário de muitas disputas, tem sido um espaço tempo1 marcado por

muitas discussões, envolvendo múltiplos atores: pais e alunos falam da escola, das que são

boas, das que são ruins; professores, coordenadores e diretores falam sobre como ter melhores

condições pedagógicas e financeiras; estudiosos e pesquisadores falam sobre como formar

professores, como organizar melhor o currículo, como o professor deve ensinar; políticos e

governantes falam de como alavancar o País, de como ter melhores índices. Todos falam

sobre a escola, sobre suas potencialidades e fragilidades. Estar na escola é estar em um

entrecruzamento de dúvidas, de certezas, de incertezas, de interrogações. Professores

experientes e professores iniciantes estão nesse espaço tempo cheios de perguntas e anseios

para melhorar a qualidade da educação de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Uma temática que vem assumindo um relevo significativo nesse cenário é o estudo

sobre currículo. Uma palavra muito comum do vocabulário escolar, contudo sem muitas

discussões teóricas para entender e compreender o peso que esta tem para com as práticas

pedagógicas. Ao se perguntar nas escolas para os professores o que significa currículo, um

emaranhado de proposições surge marcado principalmente por experiências de vida de cada

um. É perceptível uma mistura de ideias, teorias e práticas. É uma configuração complexa

originada de um processo de hibridação da constituição dos currículos escolares.

Durante a minha graduação em Educação Física pouco se falava sobre essa temática,

muitas vezes era resumida apenas aos conteúdos a serem ensinados, quais os jogos e

brincadeiras fariam parte do currículo, qual o programa curricular seria seguido. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, sempre serviam de sustentação para a construção

das práticas pedagógicas referentes aos estágios e em trabalhos para as aulas. Lembro-me que

havia uma disciplina em que discutíamos questões referentes à organização curricular do

ensino de Educação Física, mas as relações de poder, os discursos, os processos de construção

do currículo e as relações culturais não faziam parte das reflexões, talvez porque eu mesmo

não tivesse condições de fazer essa discussão com os meus professores.

1 Espaço tempo é compreendido, em nossa dissertação, como múltiplas interações que vivenciamos nas

construções das práticas pedagógicas e curriculares, entrecruzando as memórias e as experiências de todos e

todas, independentes de estarem num determinado espaço e tempo, ou seja, a temporalidade e a espacialidade

são entendidas como não fixadas, e ao mesmo tempo relacionadas (MACEDO, 2006).

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Ao chegar à escola, como professor me deparei com vários desses contextos em que

professores ansiosos, cheios de dúvidas diziam que a escola era ruim e que não tinham

condições nenhuma de se trabalhar ali, que escola não tinha mais futuro, outros diziam que

mesmo nas condições precárias o futuro de qualquer pessoa passava pelas mãos dos

professores. Nessa situação as questões de formação de professores, de processos de ensino e

de aprendizagem, de currículo, sempre ficavam em segundo plano, falavam-se mais de

salários do que de como melhorar as condições de ensinar às pessoas que estavam dentro da

escola. Penso que não eram todos os professores, apenas “os malvados,” que não queriam

fazer nada, acredito que muitos professores estavam em uma situação tão crítica de incertezas

que os deixavam muitas vezes sem saída, sem saber o que dizer e o que fazer.

A discussão sobre currículo não era muito diferente da que tive na graduação e da

mesma forma falar em currículo significava falar em conteúdos. Embora na escola falar em

currículo fosse mais frequente que na minha graduação, a visão era a mesma. O livro didático,

e por algumas vezes as políticas curriculares nacionais como os PCNs, eram o ponto de

partida para as discussões e construções sobre os conhecimentos a serem ensinados, ou seja,

ao currículo. Um olhar reducionista e prescritivo, com fortes marcas da concepção Tecnicista

de Currículo, com objetivismo e eficientismo, o qual só iria descobrir durante os meus estudos

no Mestrado.

A partir de 2008 tive a oportunidade de trabalhar na Sede da Secretaria de Estado de

Educação – SEDUC/MT. Fui trabalhar na Coordenadoria de Educação de Jovens e Adultos,

espaço destinado a discutir as questões de organização e funcionamento pedagógico nas

escolas que atendiam à modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA. O currículo

escolar estava mais uma vez em voga. Mesmo estando em um espaço macro de construções

de políticas educacionais e curriculares não conseguia ver, no início dos meus trabalhos,

tantas diferenças quanto às discussões acerca do currículo feitas na graduação e na escola em

que iniciei a minha carreira docente. Na Coordenadoria de EJA tive primeiramente o contato

com os documentos de Política Curricular para a modalidade, fato que me levou inicialmente

aos estudos curriculares ligados à produção do documento pelo Governo para a escola, uma

vez que os Parâmetros e Orientações Curriculares para EJA estavam longe de se pensar na

constituição de políticas curriculares em múltiplos contextos, em instâncias micro e macro.

Como sugestão da Profa. Janaína Pereira Monteiro, membro da equipe EJA da

SEDUC/MT na época, foram montados Grupos de Estudos entre alguns membros da

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Coordenadoria, Coordenadores Pedagógicos e de Área dos Centros de Educação de Jovens e

Adultos – CEJAs, de Cuiabá-MT e Várzea Grande-MT num total de três grupos: um sobre

Avaliação, outro sobre Metodologia e o último sobre Currículo. Como a discussão sobre

questões curriculares muito me intrigava fiquei responsável pelo grupo de Currículo. O

Currículo: uma reflexão sobre a prática de Jose Gimeno Sacristán foi o meu primeiro contato

com uma obra que dava sustentação para os múltiplos contextos de produção das políticas

curriculares. Com uma matriz crítica passei a então pensar as questões de poder enviesadas na

produção de políticas de currículo articuladas no Estado.

Quando cheguei à SEDUC/MT, estava em processo de construção uma política de

currículo para toda a rede, denominada Orientações Curriculares para a Educação Básica. De

uma forma tímida comecei a adentrar nas discussões para a formulação do documento para a

EJA. O que no início era tímido se tornou um marco em minha vida, mergulhei nas discussões

da produção desse documento. Participei de vários encontros formativos com as professoras

consultoras da EJA, Profa. Jane Paiva e Profa. Inês Barbosa de Oliveira e de muitos

momentos para a decisão de como o documento deveria ser encaminhado. Embora Paulo

Freire não falasse sistematicamente sobre currículo, as suas obras têm muito impacto sobre

esse campo, e naquele momento as obras Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática

da Liberdade foram basilares em meus estudos, e por isso a minha compreensão de Currículo

passou a ser sustentada pelas concepções de emancipação, libertação, poder, hegemonia,

dentre outras ligadas à Teoria Crítica de Educação e de Currículo.

Mantendo-me ainda na discussão destes documentos da política curricular, em 2009,

fui transferido de setor dentro da própria secretaria. Fui convidado para ser Gerente de

Organização Curricular para o Ensino Fundamental. Um desafio gigante era lançado na minha

vida profissional, contudo aceitei cheio de expectativas. Assim como a EJA, o Ensino

Fundamental também estava passando pela construção de uma proposta curricular. Um

espaço tempo diferente que me provocou novos estudos para entendimento dessas novas

discussões. Com o interesse sempre crescente pela temática currículo, organizamos junto à

Coordenadoria de Ensino Fundamental, um Ciclo de Debates com professores e

coordenadores das Escolas Organizadas por Ciclos de Formação em vários polos dos Centros

de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação – Cefapros. Foram momentos de

grandes embates que me instigaram a buscar e compreender com maior profundidade as

questões referentes à construção curricular na e para as escolas de Ensino Fundamental da

rede estadual de Mato Grosso.

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Munido de um corpus teórico sobre Currículo, um pouco mais elaborado, pude

perceber muitas fragilidades no documento curricular proposto pela SEDUC/MT para o

Ensino Fundamental organizado por Ciclos de Formação. Tive muitas interrogações acerca da

organização e as perspectivas postas para essa etapa da Educação Básica. Algumas marcas

tecnicistas, como a organização de quadros com grandes listagens de conteúdos, articuladas

com o Ciclo de Formação (uma proposta de emancipação dos sujeitos), não eram concebidas

por mim. Eu não as aceitava, pois pensar em uma Escola em Ciclos é potencializar as suas

possibilidades de organização e flexibilização do currículo, e não promover uma tentativa de

engessamento, ora apresentado nesses quadros.

Essas interrogações e indignações me levaram a buscar a entrada no Programa de Pós

Graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal de Mato Grosso, a fim de me deter

mais ao foco dos estudos curriculares. Por todo esse movimento, ao passar no Mestrado

busquei junto ao GPCFOPE (Grupo de Pesquisa Currículo, Formação e Práticas Pedagógicas)

compreender as relações entre as concepções de currículo para o ensino fundamental, e

principalmente na organização por Ciclos de Formação. O GPCFOPE já possuía uma grande

trajetória com pesquisas e estudos acerca das práticas pedagógicas e das questões curriculares

nas escolas de ensino fundamental com a organização por Ciclos de Formação, possibilitando

maior compreensão de sua complexidade no cenário escolar, munindo professoras e

professores de ferramentas para melhorar a qualidade da educação para as crianças e

adolescente que frequentam essas escolas. Munido do interesse crescente em compreender

questões referentes ao currículo e com a intenção de corroborar com o grupo iniciei os meus

estudos acerca da Política de Currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

proposta pela SEDUC/MT.

Para compreender melhor esse movimento tive um breve olhar sobre as políticas

construídas pela SEDUC/MT ao longo da década de 1990 até os anos 2000, destacando este

último ano como ponto chave para pensar as questões curriculares para o ensino fundamental.

Segundo dados do GPCFOPE, levantados por Bordalho (2008) as discussões na SEDUC/MT

iniciaram-se com a propositura do Projeto Terra em 1996, uma proposta de trabalho em

algumas unidades escolares a fim de refletirem, discutirem e analisarem uma alternativa

pedagógica que rompesse com as rígidas séries, o alto índice de reprovação e apresentasse

uma nova maneira flexiva de organizar o currículo.

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A SEDUC/MT encerra o Projeto Terra (com o fim da Gestão da Secretaria) e em

1997 (com uma nova Gestão) inicia-se um novo projeto pedagógico, o Ciclo Básico de

Alfabetização, o qual tinha como objetivo o enfrentamento ao fracasso escolar. Este projeto

eliminava a reprovação das crianças na passagem da 1ª para a 2ª série (MENEGÃO, 2008).

Em 2000, o governo do Estado de Mato Grosso assume depois de vários momentos de

debates com a sua rede de ensino, a proposta política de organizar o Ensino Fundamental da

rede estadual por Ciclos de Formação. Uma nova forma de organização da escola que trouxe

desafios de se pensar as questões curriculares de forma mais flexível, bem como uma

possibilidade de formação de sujeitos críticos e emancipados.

Nesse momento foi construída uma proposta com pressupostos pedagógicos para a

organização escolar, discutindo os papéis dos profissionais como: professor regente, professor

articulador, o coordenador pedagógico, dentre outros, bem como o processo avaliativo e

metodológico. A questão curricular assumiu um ponto importante na produção do texto e

trouxe consigo uma reflexão em torno das áreas do conhecimento e das disciplinas. Do debate

entre as escolas e a SEDUC/MT nasceu o texto oficial Escola Ciclada de Mato Grosso: novos

tempos e espaços para ensinar – aprender a sentir, ser e fazer. Esse texto oficial destaca em

seu terceiro capítulo a concepção de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação – que foi de certa maneira pouco trabalhada pela própria Secretaria de Educação.

Em 2007, a SEDUC/MT reinicia o debate acerca do currículo para toda a Educação

Básica, constituindo grupos para as discussões e proposições da política de currículo para a

Escola Organizada por Ciclos de Formação. Essa política, publicada em 2012, foi intitulada

de “Orientações Curriculares para a Educação Básica de Mato Grosso”. No que se refere ao

ensino fundamental há uma discussão em um texto introdutório, o qual traz as concepções

gerais sobre Ciclos de Formação, e um segundo bloco de textos divididos em três áreas as

quais possui como foco a organização curricular para o Ensino Fundamental.

A SEDUC/MT vem num movimento de quase duas décadas pensando em propostas

para a organização do ensino fundamental. Dentro deste contexto um fato interessante diz

respeito ao tempo em que a proposta Ciclos de Formação vem tendo na rede estadual. É

importante salientar também que a proposta de Organização das Escolas por Ciclos de

Formação tem sido implantada principalmente por governos progressistas, liderados pelo PT

(Partido dos Trabalhadores), e no caso de Mato Grosso, o mesmo foi implantado em um

governo neoliberal, PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), uma apropriação do

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18

discurso inovador dessa política, o que para esse governo era fundamental para a sua

afirmação no governo (FERNANDES, 2012).

Nessas discussões, embates e lutas para a implantação da Escola Organizada por

Ciclos de Formação, a Política Curricular é um ponto de destaque, é o espaço tempo de

articulações e proposições que se destinam aos processos de identificações coletivas que os

sujeitos que nela estão irão significar precariamente, dessa forma nossa pesquisa tem como

foco o processo de produção da política de currículo, suas intencionalidades, suas

articulações, seus discursos e seus significantes que foram produzidos e estabelecidos

contingencialmente.

Junto às organizações e propostas curriculares está um jogo de intencionalidades

políticas e pedagógicas, ou seja, pensar políticas curriculares para a educação é uma forma de

criar uma postura social, de sociedade. Dessa forma ao proporem políticas para o ensino

fundamental, os governos possuem intencionalidades. Por que construir uma proposta

curricular? Quais identidades sociais tais políticas pretendem? São questões que nos movem

em direção a interrogar e propor questões relevantes para pensar as políticas de currículo em

instâncias macro e micro.

Entendendo Discurso a partir de Laclau e Mouffe (2010), que salientam a não fixação

verbal do mesmo, compreendendo-o como sentidos material e simbólico, entende-se que

nesse espaço tempo de articulação muitas negociações foram travadas, e nesse momento

discursos foram produzidos, discursos esses que nos levaram a levantar as seguintes questões

para este estudo: como foi o processo de produção do texto curricular? Como o texto

curricular está estruturado? Quais as influências levaram a produção dessa política? Quais

influências estão presentes na produção do texto? Quais as articulações, discursos e

significantes foram construídos/identificados para o ensino fundamental organizado por

Ciclos de Formação? Os discursos produzidos levaram em consideração as concepções

políticas e pedagógicas de Ciclos de Formação na construção curricular? São questões

inquietantes que nos levaram a realização desta pesquisa, pois é exatamente nesses pontos que

muitos sentidos são hegemonizados e postos em uma tentativa de fixação.

A Escola Organizada por Ciclos de Formação preconiza a educação como um direito a

cidadania (FERNANDES, 2011), como uma forma de atender às necessidades educativas dos

alunos dentro de cada contexto pedagógico, “deve ser visto como um processo aberto à

mobilização e tomada de consciência” (FREITAS, 2003, p. 88), ou seja, organizar a escola

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desta forma implica pensar uma lógica pedagógica e uma lógica política, em que posturas são

postas em ambos os pontos.

Consideramos tal discussão imprescindível para que esta proposta se efetive de forma

crítica e reflexiva dentro das escolas. Dessa forma temos como objetivo compreender como

foi o processo de produção dessa política curricular buscando entender quais as articulações,

discursos e significantes foram produzidos no Contexto de Influência e no Contexto de

Produção do Texto Curricular destinados à Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Nesse contexto, procuramos compreender e refletir acerca do processo de produção da

política curricular a partir do Ciclo Contínuo de Políticas, proposto por Stephen Ball e

Colaboradores, destacando as Influências para a sua emergência e para Produção do Texto,

destacando as articulações, os discursos e os significantes que circulam nessas arenas

políticas, a partir da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Propomos

também entender quais as articulações entre a política curricular e as concepções dos Ciclos

de Formação estão presentes nessa proposta, pois acreditamos que isso seja fundamental para

a produção de políticas macro e micros para essa organização escolar.

Todo esse contexto conflituoso, conturbado e intrigante nos levou a pesquisar sobre

currículo para o ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação. Temos que destacar

que um dos pontos fundamentais para a busca dos objetivos propostos em nossa pesquisa se

deu por meio das nossas inquietações políticas, que inevitavelmente nos levaram a estudar e

tentar compreender o campo da Política de Currículo para essa etapa da Educação Básica no

estado de Mato Grosso. Interessa-nos muito compreender os sentidos políticos e pedagógicos

que circulam as arenas de produção dessa política curricular, pois nos permite visualizar como

podemos pensar a formação dos sujeitos sociais e de que maneira podemos reconfigurar os

currículos em cada escola.

A produção da política de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

foi marcada por articulações políticas, discursos foram produzidos em torno de uma escola

que garantisse a qualidade de ensino, sentidos de currículo para esta escola foram lançados

nos discursos e textos. Esse movimento foi marcado por intenções que muitas vezes foram

colocadas publicamente de uma forma, mas como pano de fundo apareciam outras intenções,

como, por exemplo, alcançar índices elevados em avaliações externas propostas em esfera

nacional.

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Dentro da produção da política de currículo para o ensino fundamental organizado por

Ciclos de Formação, muitas vozes se fizeram presentes, umas com mais poder outras com

menos. Discursos foram produzidos em torno de desejos dos atores sociais que dela fizeram

parte. Espaços de articulações políticas foram estabelecidos a todo o tempo. Lutas foram

travadas para a significação de concepções de currículo e de educação para o ensino

fundamental. E é exatamente nesse espaço tempo que esta pesquisa irá se aprofundar.

As articulações políticas construídas durante esse processo pode nos levar a

compreender as tentativas de hegemonização de currículos para as Escolas Organizadas por

Ciclos de Formação. Sendo as articulações espaços tempos em que engendram desejos

políticos em torno de demandas (LACLAU e MOUFFE, 2010), os atores que fizeram parte da

construção da política em seus debates calorosos tentaram “impor” o que desejavam enquanto

posição política pedagógica para estar presente no texto curricular. Tais articulações são

sempre contingenciais e as lutas são provisórias, e a cada momento novas articulações podem

surgir, e nesse sentido é que passamos a pensar quais articulações foram realizadas em torno

dessa política para tentar compreender os sentidos educativos construídos pelos múltiplos

produtores da política para o ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação.

A educação, bem como as questões curriculares, foram e sempre se constituirão em

grandes desafios, pois não se tratam de algo fixo e acabado, mas sim de um território de lutas

e de constantes mudanças. O trabalho com a pesquisa talvez seja um das possibilidades mais

profícuas para o entendimento desse fenômeno, tendo-a como ponto de partida para o

desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras no cenário escolar. É nesse sentido que

buscamos através da articulação entre Ciclo Contínuo de Políticas e Teoria do Discurso

(OLIVEIRA e LOPES, 2011) captar as intencionalidades propostas na política de currículo

para a Escola Organizada em Ciclos de Formação no estado de Mato Grosso, consideramos

tal articulação como uma forma potente e inovadora para a compreensão da produção de

políticas curriculares, uma vez que esta amplia a visão sobre a complexidade do campo

político.

Dessa forma esperamos que esta pesquisa possa corroborar com as práticas

pedagógicas e curriculares nas Escolas Organizadas por Ciclos de Formação da rede estadual

de Mato Grosso, uma vez que aborda um aspecto importante dentro dos estudos curriculares:

o contexto político.

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Origem e tipo da pesquisa

A metodologia utilizada nesta pesquisa assume uma postura qualitativa, descritiva e

interpretativa, e ancorados em Lopes (2011b) e Oliveira e Lopes (2011) operamos com a

integração entre o Ciclo Contínuo de Políticas, proposto por Stephen Ball e colaboradores

(1992, 1994) e a Teoria do Discurso proposta por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2010).

Pensamos que esta articulação se torna profícua, pois através dos sentidos de articulação,

discurso e significantes propostos nesta Teoria do Discurso, nos permite ampliar os sentidos

de circularidade nas arenas políticas propostas pelo Ciclo Contínuo de Políticas.

Os estudos de Stephen Ball e seus colaboradores (BOWE, BALL e GOLD, 1992 e

BALL, 1994) trazem-nos potencialidades maiores de análise e compreensão de políticas de

currículo, pois alargam o nosso campo óptico, permitindo-nos vislumbrar a rede complexa de

atores na produção de políticas curriculares. O autor britânico faz uma crítica em seus estudos

sobre as pesquisas no campo das políticas educacionais que focam apenas a lógica de poder

estatal em suas análises, restringindo ao Estado como o único construtor de políticas, cabendo

aos professores e as escolas implementarem tais políticas, além disso o autor discute a

possibilidade e a importância de nos atermos às relações culturais que estão presentes em

múltiplos espaço tempo de construção de políticas curriculares.

É nesse sentido que pensamos o estudo da política de currículo na Escola Organizada

por Ciclos de Formação no estado de Mato Grosso, acreditando que na formulação das

propostas já sinalizadas há um processo contínuo de disputas e articulações em torno da

produção de sentidos de educação escolar. Toda organização curricular proposta para os

Ciclos de Formação na rede estadual possui uma articulação entre os produtores de políticas

macro, nas instâncias estatais, com os produtores de políticas micro, os agentes sociais

envolvidos diretamente no processo educativo: os professores, os alunos, os pais, a

comunidade escolar. Ao ler a política de currículo procuramos romper com a lógica de pensar

que somente o Estado tem o poder de produzir políticas curriculares para as escolas

consumirem, pois mesmo no momento de produção via Estado havia influências da escola

presentes nos produtores do texto curricular.

Os estudos focalizados apenas no contexto estatal, no macro contexto, simplesmente

confirmam e reforçam que professores e escolas são meros reprodutores e acatadores de

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políticas que os governos prescrevem. Contudo é preciso ter muita atenção, pois pesquisas

que focam apenas na cotidianidade escolar, destacando apenas o micro contexto político

podem descartar a força que as relações governamentais e econômicas possuem sobre a

produção de políticas educacionais e curriculares, por isso preocupamo-nos com estes

múltiplos espaços tempos de produção de políticas curriculares e suas articulações.

As relações e produções no contexto micro político são relevantes para os estudos

curriculares, e ganham relevo nesses campos uma vez que são destacadamente espaços de

grandes lutas, de recontextualizações, de hibridismos, ou seja, as políticas entendidas a partir

dos seus micros espaços tempos evidencia que são produzidas e transformadas em políticas de

currículo para o contexto escolar. Essa complexidade apresentada acima também pode ser

vista no contexto macro político, nas grandes discussões para a elaboração de políticas

curriculares, pois entrecruzam nesses espaços, lutas de poder entre variados atores, como

dirigentes de secretarias de Estado e consultores contratados para a formulação do texto da

política curricular, consultores e intelectuais em nível nacional ou internacional, políticos de

governo e dirigentes de secretarias, enfim, uma emaranhada rede de complexidade em que

articulações e discursos são construídos.

Nesta pesquisa optamos em não desconsiderar nenhum lugar de produção de sentidos

da política curricular, decidimos não polarizar sentidos de bem ou mau, de certo e errado, de

estado e de escola, de produção e de implementação. Ancorados em Stephen Ball (1992,

1994) tentamos a todo o momento de nossa pesquisa pensar a articulação entre o macro e o

micro, sem manter centralidade em um ou em outro. Para compreender a produção da política

curricular, articulando uma visão plural e cultural, de contextos micros e macros, optamos em

operar com o método analítico proposto pelo autor britânico denominado Ciclo Contínuo de

Políticas. Em entrevista à Mainardes e Marcondes (2009), Stephen Ball deixa claro que o

Ciclo se denomina como um método, uma maneira de pesquisar e teorizar sobre as políticas.

O seu modelo analítico inicialmente constituiu-se em três contextos: o contexto da

influência, o contexto da produção de textos e o contexto da prática, e posteriormente o Ciclo

de Políticas foi expandido acrescentando-se outros dois contextos ao referencial original: o

contexto dos resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política. Mainardes (2006)

esclarece que os dois últimos contextos podem ser integrados nos três anteriores,

didaticamente mais explicado na obra Education reform: a critical and post-structural

approach de Stephen Ball (1994).

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Segundo Ball apud Mainardes (2006) o Contexto de Influência é geralmente o espaço

tempo onde políticas educacionais se iniciam, estão presentes nele os discursos de seus

formuladores e de outras figuras importantes no cenário político e acadêmico. É um espaço

tempo de efervescência de ideias e de posições. Há sempre uma tentativa dos atores

envolvidos em emplacarem os seus discursos como sendo os verdadeiros, em uma luta para

definir os sentidos de educação. As arenas políticas nesse contexto são marcadas por jogos de

interesses, pela grande circulação de ideias e pela disputa para influenciar o que será definido

como princípios para a política curricular.

As agências multilaterais, os grupos dos governos, os grupos de partidos políticos, as

comunidades epistêmicas e disciplinares, a mídia em suas múltiplas estruturas, grandes

eventos, práticas pedagógicas, dentre outros, são agentes responsáveis pela influência na

produção de políticas curriculares, constitui-se numa composição de esferas que articula

componentes internacionais, nacionais e locais. Buscamos nesse sentido compreender os

discursos e as articulações construídas durante o processo de construção das Orientações

Curriculares captando as influências circulantes em múltiplos contextos.

Em nossa pesquisa destacamos dentro do Contexto de Influências para a produção da

política curricular para o ensino fundamental na rede estadual de Mato Grosso os documentos

oficiais propostos pelo MEC, principalmente os PCNs para o Ensino Fundamental e Ensino

Médio. Estes são documentos que influenciaram marcantemente a produção da política de

currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação. A referência a estes documentos

estão presentes tanto nos textos da política, quanto nos discursos registrados nas entrevistas

com os consultores e gestores da SEDUC/MT envolvidos diretamente na produção da política

curricular.

Já o Contexto da produção do texto político é o espaço tempo de produção de

documentos, de pronunciamentos, afirmação da política curricular. Cabe salientar que essa

afirmação não se configura como algo acabado, pois as políticas curriculares não se resumem

a algo pronto, elas sempre estão a vir, sempre estão em processos de produções. Os textos

produzidos são representações da própria política em várias formas como documentos

oficiais, comentários formais ou informais, pronunciamentos oficiais, vídeos, dentre outros

(BALL apud MAINARDES, 2006). Esses textos são resultantes de muitas tensões verificadas

em embates e negociações dos múltiplos atores produtores da política curricular. Lopes e

Macedo (2006, p. 06) salientam que:

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O contexto de produção dos textos das definições políticas é constituído pelo

poder central propriamente dito, que mantém uma associação estreita com o

primeiro contexto, e formula os textos visando ao direcionamento das ações

nas práticas.

Muitas vezes os textos são considerados como uma prescrição estatal, uma vez que

cabem aos governantes organizarem a produção e a distribuição dos produtos (Orientações,

Diretrizes, Pareceres, Pronunciamentos, e outros.), contudo, os textos são marcados por

influências que emanam de múltiplos espaços tempos havendo sempre negociações,

articulações e produções de discursos que se configuram provisoriamente.

Em nossa pesquisa nos atemos ao texto oficial das Orientações Curriculares lançado

em setembro de 2010, sendo disponibilizado na mesma data via on line no site da

SEDUC/MT, e que somente em 2012 foram publicados e encaminhados às escolas da rede

estadual de ensino. Os documentos formam uma coletânea com cinco volumes: um volume

para discussão de concepções gerais da Educação Básica, três volumes divididos em áreas do

conhecimento e um volume destinado as modalidade e especificidades educacionais. Atemos-

nos aos volumes/textos que se dedicam a trazer as concepções curriculares para o ensino

fundamental organizado por Ciclos de Formação, foco da pesquisa.

Para Ball apud Mainardes (2006) o Contexto da Prática é onde a política está sujeita a

sua interpretação e a ressignificação nos contextos escolares. É o local das vivências práticas

das ações políticas. Um exemplo disso são as ações que professores e professoras podem

desenvolver a partir da chegada de documentos nas escolas, dando o tom e a cor, de acordo

com as suas crenças, leituras e influências das mais diversas, vindas de outros contextos. Um

perigo o qual não podemos correr é pensar que toda a ressignificação, reinterpretação seja

algo positivo, é preciso lembrar que o contrário também é verdadeiro, ou seja, pode haver

ressignificações ruins, trata-se então de não pensar em certo ou errado, mas sim de tentar

captar os significados que esses documentos estão tendo na prática.

Cabe esclarecer que mesmo sendo focalizado no cenário escolar (BALL, 1992, 1994),

o Contexto da Prática não fica isolado dos demais, ele apresenta características imbricadas

nos textos, bem como nas influências, o que dá ao Ciclo seu caráter de circularidade e de

articulação entre os contextos (LOPES e MACEDO, 2006). Dessa forma, mesmo não se

tratando diretamente do Contexto da Prática em nossa pesquisa, uma vez que a política de

currículo ora analisada tem pouco tempo de produção, pois as escolas ainda estão iniciando

suas leituras, trabalhos e ressignificações acerca dos mesmos, acreditamos que várias

influências advindas da escola Organizada por Ciclos de Formação estão presente na

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produção do texto. Podemos perceber isto nos discursos de vários entrevistados, em que para

a produção foram às escolas para discutirem com alguns professores, e outros que fizeram

análises das propostas político pedagógica das mesmas.

Nesse sentido um importante ponto de destaque nos estudos de Stephen Ball é sua

discussão do entendimento das políticas enquanto texto e enquanto discurso. Segundo

Mainardes (2006, p. 53) o autor britânico diz que a “política como texto baseia-se na teoria

literária que entende as políticas como representações que são codificadas”, e a política

como discurso “incorpora significados e usam proposições e palavras, onde certas

possibilidades de pensamento são construídas (p. 54)”.

Os textos são configurações que representam a política e devem ser vistos como

marcas de muitas disputas, texto aqui são entendidos como um meio material, uma forma

codificada, que no caso da rede estadual de ensino de Mato Grosso geralmente são conjuntos

de orientativos ou instruções normativas, documentos escritos, bem como propostas como já

salientamos anteriormente: o texto do Projeto Terra, do Projeto CBA, o livro Escola Ciclada

de Mato Grosso, e as Orientações Curriculares (textos analisados em nossa pesquisa).

Compreendemos que ao pensar as políticas curriculares devemos pensar que as

mesmas são expressões do currículo que se pretende nas/para as escolas, e que as políticas

curriculares são marcadas por um grande movimento conflituoso, cheio de intenções e lutas

para significação de currículo, tendo a política então que ser compreendida como textos e

como discursos (PARASKEVA, 2008).

Entendemos, em nosso estudo, que a política curricular para o ensino fundamental da

rede estadual de Mato Grosso como textos e discursos, tendo o foco nos Contextos de

influência e o Contexto da produção do texto político. O Ciclo Contínuo de Políticas não é

visto por nós como um aglomerado de contextos que se justapõem, mas sim como um modelo

heurístico que nos possibilita visualizar um contexto mais amplo onde são constituídas as

políticas educacionais e curriculares (LOPES e MACEDO, 2011), o que quer dizer que

mesmo utilizando para a pesquisa entrevistas com os atores produtores do texto e a análise

dos textos da política (contexto de influência e contexto da produção do texto) não nos

desligamos dos efeitos que este possa ter no Contexto da Prática, os resultados por ele

constituídos, pelas práticas vistas nos discursos, ou seja, pretendemos analisar a política

através do Ciclo Contínuo de Políticas vislumbrando a sua circularidade, os seus meandros, os

seus múltiplos espaço tempo de constituição. Como evidencia Mainardes (2006, p. 50) “esses

contextos estão inter-relacionados, não tem uma dimensão temporal ou sequencial, e não são

etapas lineares”.

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Stephen Ball em entrevista a Mainardes e Marcondes (2006, p. 306) reforça essa ideia,

dizendo que os contextos podem ser pensando uns dentro dos outros, ou seja,

[...] dentro do contexto de prática, você poderia ter um contexto de

influência e um contexto de produção de texto, de tal forma que o contexto

de influência dentro do contexto da prática estaria em relação à versão

privilegiada das políticas ou da versão privilegiada da atuação. Assim,

podem existir disputas ou versões em competição dentro do contexto da

prática, em diferentes interpretações de interpretações... pode haver ainda um

contexto de produção de texto dentro do contexto de prática, na medida em

que materiais práticos são produzidos para utilização dentro da atuação.

Assim, podem existir espaços dentro de espaços. Podemos refletir a respeito

das políticas em termos de espaços e em termos de tempo, de trajetórias

políticas, movimentos de políticas através do tempo e de uma variedade de

espaços.

Para fazer a leitura da produção das políticas curriculares à luz do Ciclo contínuo de

políticas articulando os contextos em um processo de circularidade é preciso estar atento que

em cada um deles há arenas de embates, negociações, marcadas por discursos e por textos

presentes também nos outros contextos.

A partir do Ciclo contínuo de Políticas passamos a entender a política curricular como

um processo conflituoso, de lutas e de negociações, e não meramente como um produto de

governo a ser consumido. A política curricular é viva, é pulsante, marcada por embates em

muitos lugares que ficam além de gabinetes governamentais. A produção da política se

configura num processo de hibridação cultural entrelaçando significações culturais de

múltiplos atores. Sentidos escapam de uma fixação esperada por agentes governamentais, e a

produção da política curricular recebe influências de vários meios, práticas são cruzadas,

hibridizadas, fazendo com que a política seja uma representação sempre precária, provisória.

Vimos na proposta de Stephen Ball a possibilidade de compreendermos esses fluxos

contínuos de produção de políticas de currículo. Os processos de hibridação cultural que

acontecem na produção da política curricular entrelaçam os contextos propostos por Stephen

Ball permitindo assim maior circularidade entre eles.

A utilização do Ciclo Contínuo de Políticas permite a análise das políticas curriculares

entendendo-as como um processo que não tem um início e um fim fixado. É possível

compreender a trajetória da política. Operando com esse corpus teórico-metodológico

pretendemos romper com a lógica de produção e implementação, com a visão top down, bem

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como a visão down top. Articulando os contextos micro e macro políticos esse referencial

possibilita focalizar a natureza complexa da produção de políticas curriculares.

Além dos contextos do Ciclo Contínuo de Políticas, estamos operando com a Teoria

do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2010), pois ela nos dá potência no sentido

de permitir entender os discursos circulantes em múltiplos contextos a partir das articulações

estabelecidas contingencialmente entre os atores produtores das políticas curriculares.

Procuramos nesta dissertação compreender a análise das articulações, dos discursos e dos

significantes presentes nas arenas contextuais propostas por Stephen Ball. Ancorados em

Lopes (2011b) e Oliveira e Lopes (2011) articulamos Ciclo Contínuo de Políticas e Teoria do

Discurso, dando potência à compreensão dos processos de negociações e articulações entre os

produtores da política curricular.

A Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (2010), uma matriz pós-estrutural, possui

uma rede conceitual relacionada a discurso e poder que possibilita o descentramento de

análises políticas localizadas apenas na visão econômica, com centralidade no Estado. Permite

que entendamos como as articulações por demandas diferentes se aglutinam em uma luta

política, produzindo discursos que buscam a hegemonização em projetos diversos. Por meio

da rede conceitual: articulação, práticas discursivas, significantes vazios e flutuantes,

equivalência e diferença, ponto nodal e hegemonia, há a possibilidade de uma visão da

construção social através do discurso e das identidades dos atores sociais sempre construídas a

partir de articulações discursivas, provisórias e contingentes. Nesta tal rede se hibridizam

aportes marxistas, o desconstrucionismo de Jacques Derrida, a psicanálise de Jacques Lacan, a

linguística e o pós-estruturalismo (OLIVEIRA E LOPES, 2011), o que dá potência a visão

ampla de deslocamento de análises com foco no Estado.

Destacamos em nossa pesquisa três conceitos que estão presentes na Teoria do

Discurso: as articulações, as práticas discursivas e a produção de significantes vazios e

flutuantes. A intenção é pensar esses conceitos imbricados nos Contextos propostos por

Stephen Ball. Consideramos a articulação entre Ciclo Contínuo de Políticas e a Teoria do

Discurso muito profícua, pois na análise de políticas curriculares é preciso pensar sua

produção em múltiplos contextos (influência, produção de texto, da prática) pensando as

tensões que acontecem em cada um deles, bem como compreender como são travadas as

negociações, as produções de discursos e as articulações entre os atores produtores da política,

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uma vez que lutas constantes são travadas nesses espaços tempos para a tentativa de

hegemonização de sentidos para os currículos escolares.

São realizadas articulações em torno de demandas coletivas para a produção das

Orientações Curriculares. Os sujeitos produtores sempre se articulam politicamente e

pedagogicamente a fim de produzirem discursos que firmam, provisoriamente, determinadas

posições, intenções sociais por meio da educação. Esse movimento é visto tanto nas

entrevistas com os consultores e gestores da SEDUC/MT, quanto nos próprios textos da

política curricular. São formas de se “aglomerarem” para tornar um corpo forte e consistente,

momentaneamente, na tentativa de hegemonizar uma ideia. Dessa forma iremos discutir em

nossa dissertação quais as articulações são produzidas dentro do Contexto de influências e do

Contexto de produção do texto político.

Como produtos das articulações emanam os discursos, formas materiais e não

materiais, linguísticos e extra-liguístico (LACLAU e MOUFFE, 2010). Podemos ver os

discursos acerca de como deve ser o currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação nos pronunciamento dos consultores e gestores da SEDUC/MT, bem como nos

próprios escritos dentro do texto político curricular. Os discursos são proferidos a fim de

tentar garantir uma determinada posição para organização do currículo das escolas

organizadas por Ciclos de Formação. Nesse sentido podemos captar e tentar compreender

quais as intencionalidades de se construir um proposta curricular para o ensino fundamental

da rede estadual de Mato Grosso, pois estes discursos são carregados de compreensões de

mundo, de desejos de se formar uma sociedade, de formulações de proposituras políticas

dentro do mundo em que vivemos.

Desta forma são constituídos significantes, como qualidade da educação através do

currículo organizado por áreas de conhecimento, no qual se pretende fixar um determinado

sentido, hegemonizando-o. Os significantes são meios que propagam sentidos de

hegemonização dentro do contexto escolar. Na política de currículo são vistos alguns

significantes que aglomeraram sentidos de um currículo que dê conta da dinamicidade e

flexibilidade da Escola Organizada por Ciclos de Formação. Os significantes são importantes

na análise de políticas, pois possibilitam a nossa compreensão dos sentidos que se pretendem

hegemonizar, ou seja, nos permitem compreender quais ideias são postuladas pela política

curricular no tocante a formulação de currículos na escola.

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Dentro dos Contextos de Influência e de Produção do Texto Político são vistas as

práticas discursivas, que estão marcadas por constantes articulações e propagação de

significantes, produzindo provisoriamente os sentidos que tentam ser hegemonizados. Dessa

forma operamos metodologicamente com a articulação destes dois aportes a fim de nos

possibilitar uma leitura mais ampla da complexidade que é uma política de currículo. A

Escola Organizada por Ciclos de Formação possui peculiaridades na construção curricular

principalmente no que se refere à flexibilidade e autonomia, e, entrecruzando estes

referenciais metodológicos a nossa análise se torna mais profícua, pois poderemos captar as

lutas travadas nas arenas políticas.

Os sujeitos e os instrumentos da pesquisa

Sujeitos

Nossa pesquisa busca compreender os jogos políticos dentro do processo de produção

e de influências nos discursos e textos das Orientações Curriculares, bem como as

intencionalidades propostas para a construção dessa política curricular à Escola Organizada

por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato Grosso. Sendo assim, para chegarmos a

estas discussões, elegemos como sujeitos desta pesquisa os produtores dos textos e os gestores

da SEDUC/MT que fizeram parte da construção da política curricular para o ensino

fundamental organizado por Ciclos de Formação.

Desta forma foram selecionados inicialmente oito professores consultores contratados

pela SEDUC/MT. Estes professores em sua maioria eram da UFMT (Universidade Federal de

Mato Grosso), os demais eram um da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso),

um da UNIC (Universidade de Cuiabá) e um da UNIVAG (Centro Universitário de Várzea

Grande). A intenção foi buscar os professores consultores que escreveram os componentes

curriculares previstos para o Ensino Fundamental, desta forma escolhemos quatro professores

da Área de Linguagens (um de Arte, um de Educação Física, um de Língua Portuguesa e um

de Língua Estrangeira), dois da Área de Ciências Humanas (um de Geografia e um de

História) e dois de Ciências da Natureza e Matemática (um de Ciências e um de Matemática).

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Após o primeiro contato com cada um dos professores consultores o número de

sujeitos diminuiu para seis, pois o consultor de Educação Física não se predispôs a conceder a

entrevista e a consultora de Arte, apesar de se predispor a ser entrevistada, não conseguiu

organizar um tempo e um espaço para que a entrevista fosse realizada.

Um segundo grupo de sujeitos foram os gestores da SEDUC/MT. Elegemos nesse

sentido os gestores que estavam em cargos de níveis estratégicos dentro da Secretaria, ou seja,

aqueles que tinham possibilidades diretas de se posicionarem em torno da produção de textos

e discursos políticos. A justificativa pela escolha assenta-se na intenção de captar quais as

influências, discursos e articulações foram produzidas pelas pessoas que detinham certo poder

de deliberação na produção do texto curricular. Todos os gestores escolhidos estavam na

época envolvidos com a construção da política de currículo para o ensino fundamental. Desta

forma foram selecionados sete gestores da SEDUC/MT, todos em cargos estratégicos: Sub

Secretária, Superintendente da Educação Básica, Superintendente de Formação dos

Profissionais da Educação, Coordenadora e Gerente do Ensino Médio, Coordenadoras e

Gerente do Ensino Fundamental.

Não conseguimos entrevistar a Coordenadora do Ensino Médio, nem a

Superintendente de Formação dos Profissionais da Educação, a qual na época da produção

inicial da política curricular estava diretamente envolvida na produção da política curricular.

Foram marcadas várias entrevistas, contudo não conseguimos tempo e espaços para realização

das mesmas devido à justificativa de não haver tempo, dada a demanda de trabalho que

estavam tendo. Também não conseguimos entrevistar uma das Coordenadoras do Ensino

Fundamental, pois a mesma mudou-se para um município distante de Cuiabá-MT, o que

dificultou a realização da entrevista com a mesma. Totalizamos no final cinco gestores da

SEDUC/MT.

Os sujeitos foram identificados da seguinte forma: os professores consultores com a

sigla PC acrescida da primeira letra do nome do entrevistado, se o entrevistado tiver a

primeira letra do seu nome I, a sigla será PCI. Os gestores da SEDUC/MT com a sigla GS,

acrescida da primeira letra do nome do entrevistado, se o entrevistado tiver a primeira letra do

seu nome J, a sigla será GSJ.

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Instrumentos da pesquisa

Para levantar os dados desta pesquisa utilizamo-nos de dois instrumentos: a análise

documental e entrevista semi estruturada.

Segundo Lüdke e André (2004) a análise documental é uma técnica valiosa para o

levantamento de dados na pesquisa qualitativa, identificando questões de interesse, sendo

assim uma fonte poderosa para considerações da pesquisa.

Na análise documental da Política de Currículo desencadeada a partir de 2007 pela

SEDUC/MT, denominada de Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de

Mato Grosso, optamos por estudar os documentos produzidos para o ensino fundamental

Organizado por Ciclos de Formação, um dos focos de estudos do Grupo de Pesquisa

Currículo, Formação e Práticas Escolares. Estes textos são organizados em quatro cadernos:

um com as concepções para a Escola Organizada por Ciclos de Formação e outros três

destinados à organização curricular definidos em três textos: Orientações Curriculares para a

Área de Linguagens, para a Área de Ciências da Natureza e Matemática e para a Área de

Ciências Humanas. Em nossa análise nos dedicamos a analisar os três documentos das áreas

de conhecimento, uma vez que o primeiro texto foi encomendado, não sendo sujeito a

discussões, reflexões e/ou alteração, além disso, este texto encomendado não faz referência à

Política de Ciclos de Formação de Mato Grosso, mantendo características políticas e

pedagógicas da Escola Cidadã de Porto Alegre.

No primeiro momento foi dedicado um tempo para leitura e releitura dos textos da

versão final a fim de se ter uma compreensão geral das concepções políticas e pedagógicas da

política curricular proposta. Após esse primeiro momento de leitura, fizemos os apontamentos

/ destaques dos principais significantes presentes nos mesmos. Destacamos para a organização

das análises nesse sentido, a organização do texto curricular, os processos de hibridação

curricular, as influências de documentos federais, estaduais e municipais na produção do texto

curricular, a organização do currículo em áreas de conhecimento versus a organização

disciplinar, as concepções políticas e pedagógicas dos Ciclos de Formação e a política

curricular.

Além dos estudos das Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de

Mato Grosso, fizemos também, o estudo da proposta anterior para o ensino fundamental da

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rede estadual de Mato Grosso (Escola Ciclada de Mato Grosso), das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Básica, lançadas também em 2010, e de outros textos não oficiais,

produzidos pela SEDUC/MT, estes se referem a recomendações às escolas, a forma de estudar

as Orientações Curriculares, a forma de organização da produção dos documentos, as

primeiras sínteses produzidas e discutidas pelos consultores e a SEDUC/MT, disponibilizados

via e-mail, por dirigentes da secretaria, e/ou via site da SEDUC/MT. As análises destes

documentos ajudaram-nos a ampliar algumas discussões acerca do processo de produção da

política curricular, bem como compreender que influências de outros espaços tempos estarão

sempre entrecruzando os movimentos de construção de documentos.

A análise documental nos proporcionou a captação de algumas articulações, discursos

e significantes presentes no texto da política de currículo para o ensino fundamental.

Após a realização das análises documental fomos para as entrevistas. Utilizamos o

modelo de entrevista semi estruturada, pois é mais flexível e permite que o entrevistado tenha

uma abertura de discussões em suas respostas. Para Lüdke e André (2004) esse tipo de

entrevista talvez seja o mais adequado para o campo educacional, pois mesmo possuindo um

roteiro básico ela não é aplicada rigidamente, permitindo adaptações necessárias para captar

dados, permitindo-nos ampliar as questões a fim de nos permitir uma compreensão maior do

processo de produção das Orientações Curriculares.

As entrevistas foram realizadas durante o primeiro semestre de 2012. Os espaços

escolhidos pelos entrevistados, em sua maioria, ambientes silenciosos (local de trabalho e em

domicílio), onde pudemos dialogar tranquilamente, permitindo que captássemos com maior

clareza as nuances do processo de produção.

As entrevistas foram gravadas e depois transcritas. Após esse primeiro passo, lemos as

transcrições e posteriormente as encaminhamos, via e-mail a cada entrevistado, a fim de que

os mesmos fizessem a leitura e a devolutiva. Os mesmos fizeram a leitura e devolveram-nas,

também via e-mail.

A intenção desse movimento foi a de possibilitar aos entrevistados momentos de

reflexões sobre suas falas, permitindo-lhes ajustes, comentários ou correções. Após o

recebimento da devolutiva de cada entrevistado ocorreu um novo processo de leitura e

destaque dos pontos significativos para a pesquisa tais como: o pensamento sobre organização

curricular por área de conhecimento e por disciplina, as perspectivas teóricas educacionais e

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curriculares assumidas pelos consultores, a articulação entre as concepções de Ciclos de

Formação e a produção do texto curricular, a obliquidade dos poderes nos momentos de

produção, bem como todo o jogo articulatório nas influências advindas de múltiplos espaços

tempos, de cenários macro e micros políticos.

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1. POLÍTICA CURRICULAR COMO POLÍTICA CULTURAL

Estamos vivendo num tempo em que as preocupações com a educação são imensas.

Pais, mães, professores, professoras, governantes, todos e todas pensam em soluções que

possam alavancar o país do caos educacional. Como solucionar os problemas de reprovação?

Da falta de acesso à escola? Da permanência na escola? Como construir propostas

educacionais e curriculares que promovam possibilidades de ensino e de aprendizagem

adequadas a cada etapa da educação básica? Há uma efervescência de ideias em múltiplos

lugares e tempos. Na escola estão pensando em como melhorar a aprendizagem. Nos

gabinetes governamentais estão pensando em como atingir melhores índices. E é nesse

emaranhado de soluções e interrogações que muitas políticas educacionais e curriculares são

desenvolvidas.

Na rede estadual de ensino de Mato Grosso um desses pontos de discussões refere-se à

Escola Organizada por Ciclos de Formação. Preocupados com as formas em que a

SEDUC/MT vem organizando esta escola, operamos com um referencial teórico para pensar e

refletir sobre a política curricular construída pela Secretaria, considerando este um dos pontos

destacados para pensar e organizar tal escola. Pois, acreditamos que a educação escolarizada

não é neutra, não é um espaço tempo vazio, é um espaço marcado por disputas de

hegemonização de projetos sociais, dessa forma ao se propor a construção curricular nessa

organização escolar podemos considerar que há múltiplas intencionalidades políticas e

pedagógicas.

Ancoramo-nos então em Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2010) para potencializar

os sentidos políticos e não apenas os de políticas governamentais para compreender as

políticas curriculares na construção de uma identidade social. Nos múltiplos espaços tempos

pensamos como o político vem assumindo uma necessidade de emergência na constituição de

políticas curriculares, pois esse é um terreno de constituição da formação da sociedade em

que vivemos. Acreditamos que o ato político está marcado por conflitos e disputas, por

contestações e lutas, pois nesse sentido as políticas assumem uma ação democrática radical

em que múltiplos projetos entram em negociação.

Isso significa dizer que o político sendo uma ação ontológica do ser humano, uma

constituição da própria ação humana (MOUFFE, 1992) necessita de estar articulado aos

momentos de decisões e proposição de políticas públicas. Necessitamos que todos estejam

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envolvidos no processo de construção de políticas de currículo a fim de discutir, refletir e

desenvolver propostas para tentar responder as interrogações ligadas às problemáticas da

educação, pois os currículos são formas de construção das identidades pessoais e sociais.

Defendemos dessa forma que para compreender uma política pública é preciso tentar

captar as diferentes ações que estão marcadas na mesma, afastando-se do pensamento de que

ela está localizada apenas em uma instância governamental, mas que existe uma

potencialidade quando nos assumimos como agentes produtores de políticas em qualquer

nível. As políticas não são constituídas apenas em uma visão de produção por governos e em

sua implementação pelas escolas, se pensarmos desta maneira estaremos desconsiderando

toda a potencialidade de produção dos sentidos políticos do ser humano.

Dessa forma acreditamos que para se produzir políticas curriculares na Escola

Organizada por Ciclos de Formação é preciso que escola e governo assumam a articulação

entre os sentidos políticos na propagação de políticas. A propositura dessa escola é

possibilitar a democratização do ensino, e para que se efetive a construção de políticas

curriculares, seja no âmbito micro ou macro, será mais potente assumirem essa arena como

um espaço de definição coletiva, de projetos coletivos.

Coadunamos aqui com o que Mouffe (1993) chama de regresso do político,

evidenciando a importância que se tem o pensamento voltado para além de sistematizações

políticas, como partidos e governos, senado e câmara, documentos e propostas, pensamento

este voltado para as possibilidades democráticas radicais da ação humana, de envolvimento na

luta social.

É por isso que iremos operar teoricamente pensando a política curricular do Estado de

Mato Grosso com a lógica da política cultural, uma forma de pensar e analisar o campo

político curricular a partir de vários prismas das relações humanas e suas significações.

Embora destaquemos esse fio condutor em nosso estudo sabemos que no Brasil as

análises dos estudos sobre políticas curriculares ainda mantém o foco preferencialmente nas

questões econômicas, com centralidade no Estado. Em brilhante trabalho que nos ajuda a

compreender as tendências teórico-metodológicas em estudos de política curricular

(OLIVEIRA, 2005) nos mostra que essa centralidade econômica liga-se às produções

materiais, sempre pensando as políticas sob um prisma mercadológico, tendo as relações

simbólicas e discursivas em segundo plano.

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Lopes e Macedo (2006) também afirmam que são muito frequentes as pesquisas sobre

currículo centralizarem nas ações do governo, contudo está sendo cada vez mais vista no

cenário de pesquisas, a utilização de outras perspectivas que salientam outros aspectos

políticos ligados a noções de poder imbricados no processo cultural. E esse é o caso desta

pesquisa.

Na intenção de ampliar a nossa visão sobre o nosso objeto de estudo, passamos a

compreender a produção de políticas curriculares a partir de suas significações culturais.

Entendemos dessa forma a política curricular como uma produção cultural, como política

cultural pública: Cultural, pois é marcada por processos de significação dos múltiplos atores

sociais envolvidos na constituição do movimento de produção de políticas curriculares, e

Pública pelo caráter que assume diante da formação de uma sociedade, uma vez que

currículos são documentos de identidades (SILVA, 2010).

Pensar a política de currículo enquanto cultura é pensar uma lógica não fixa de

construção de saberes, é permitir que as vozes da diferença estejam presentes nas

configurações dos conhecimentos. Aqui destacamos a cultura e o currículo como processo de

significação, como um espaço tempo de negociações contingentes e provisórias. Dar

centralidade cultural aos estudos das políticas curriculares significa ampliar a visão dos

meandros da constituição curricular, pois as questões das diferenças culturais, os processos de

poder marcados nas relações culturais, as formas de significar discursivamente o mundo, as

experiências dos sujeitos, podem ser evidenciadas na produção de políticas curriculares

(GIROUX, 2012).

Em nosso estudo temos a preocupação de destacar questões referentes às tensões

travadas entre os produtores curriculares, de compreender os discursos circulantes em

múltiplos espaços tempos que configuram a política, bem como não ter a intenção de destacar

o Estado como uma entidade que formula políticas para serem implementadas em escolas.

Pretendemos entender quais as relações simbólicas de poder estão presentes na produção da

nova política de currículo para o ensino fundamental em Mato Grosso em vários espaços

tempos.

Pretendemos assim não polarizar e nem centralizar um espaço tempo, fixo, único e

verdadeiro para a produção de políticas de currículo (LOPES e MACEDO, 2011), mais sim

pensar que estas são produtos híbridos, marcados por processos de descoleção, de

desterritorialização e de proliferação de gêneros impuros (CANCLINI, 2010), onde podemos

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captar e compreender as articulações e práticas discursivas, construídas pelos atores sociais

envolvidos na constituição de políticas (LACLAU e MOUFFE, 2010), bem como entender

como estão engendradas as relações de poder na produção de uma política de currículo para a

Escola Organizada por Ciclos de Formação, que se faz cheia de intencionalidades

pedagógicas e políticas (FREITAS, 2003).

Dessa forma, neste capítulo, discutiremos como compreender a política de currículo na

Escola Organizada por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato Grosso a partir dos

sentidos políticos, o que potencializa seu caráter público, bem como a centralidade que a

cultura tem na constituição dos currículos escolares, compreendendo-a dessa forma como

política cultural, entendendo-a como uma produção híbrida, marcada por articulações,

discursos e significantes.

1.1 Pensando o currículo como política cultural pública

Os estudos sobre currículo nos guarda um emaranhado de situações. Pensar e refletir

acerca do mesmo significa estar atento aos múltiplos espaços tempos de sua constituição. Sua

construção é marcada por lutas, embates, conflitos dentro das escolas, das Secretarias de

Educação, do Ministério da Educação (MEC), dos Programas de Pós-Graduação em

Educação. Tema este, que deveria ser discutido por todos os pais, alunos, professores,

políticos, gestores, e outros.

Em nossa pesquisa optamos em pensar o currículo a partir das políticas públicas,

entendendo que nessa arena existe um ponto forte para a construção dos currículos nas

escolas, este se refere aos processos de significação cultural, ou seja, as lutas, embates e

negociações entre todas e todos pertencentes ao espaço tempo escolar. Buscamos

compreender como as políticas de currículo são pensadas pelos Governos e quais as

configurações em que o currículo vem sendo pensado nas escolas via essas políticas. Aqui

operamos com a política de currículo construída pelo Governo do Estado de Mato Grosso, que

teve um processo de produção de três anos, e como nos assinala Ball (1992, 1994) a mesma

foi sujeita a muitos contextos para a sua construção, como influências de outros Estados,

práticas escolares, dentre outras situações.

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É preciso buscar então como o currículo se configura como política e nas políticas.

Desde o início do pensamento curricular, ou melhor, da teorização curricular, com os estudos

de John Franklin Bobbit, John Dewey e Ralph Tyler, já existe no campo do currículo uma

forte produção de políticas governamentais para alinhar as escolas a uma mesma perspectiva,

formulações de políticas educacionais em que as escolas devem seguir o mesmo padrão.

O modelo americano para educação, fundamentada principalmente nestes três

primeiros estudiosos, buscava a construção de currículos nas escolas que dessem conta de

uma necessidade econômica que o país estava passando. A Crise de 29 foi um motor

propulsor para que o governo americano propusesse para as escolas uma política de currículo

capaz de alavancar o país. Várias reformas, de lá até os dias atuais, no campo educacional,

vem mostrado que os governos possuem uma prática constante de construir políticas para a

organização escolar.

No Brasil, um dos movimentos mais fortes na contemporaneidade, foi a partir da

construção dos PCNs para o Ensino Fundamental. O Governo Federal lançou em todo

território nacional documentos para parametrizar os currículos escolares. A partir daí vários

outros documentos foram sendo construídos e publicados na esfera nacional, configurando

assim políticas de currículo, tais como PCNs para o Ensino Médio, PCNs +, Coleção

Indagações sobre Currículo, e mais recentemente as Diretrizes Curriculares para a Educação

Básica CNE/2010, dentre outros.

Não olhamos estas políticas a partir da lógica top down, visão que encara que o Estado

constrói e as escolas implementam, porque as políticas não devem se constituir em produtos

elaborados por experts do governo (como consultores contratados) e reproduzidas nas escolas

simplesmente, ou seja, como políticas são marcadas por disputas e recontextualizações

(LOPES, 2005), sendo impossível controlar um fluxo de posições e de reconstruções

curriculares que as escolas fazem, por exemplo. Seria ingênuo, também, pensar somente pela

lógica inversa, down top (LOPES e MACEDO, 2011), que os currículos são construídos

apenas no cotidiano escolar, pois as políticas produzidas pelos Governos estão presentes nas

escolas, os professores e professoras fazem uso destas políticas dentro das escolas, sendo

assim, tais políticas curriculares produzidas pelo Governo exercem influência na construção

dos currículos nas práticas pedagógicas escolares. É por isso que consideramos tão relevante

compreender a trajetória das políticas de currículo, pois isso nos potencializa entender a

configuração de práticas pedagógicas dentro da escola.

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Como pensamos a política para além de uma mera constituição instrumental,

passamos a nos ancorar nos estudos de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe a fim de mostrar a

constituição das políticas curriculares a partir de sentidos políticos dentro das políticas,

compreendendo esse movimento como uma ação inerentemente humana, que marca toda a

vida das pessoas. A intenção é desmitificar a ideia de que política é algo distante da vida

cotidiana das pessoas, principalmente dos professores e professoras, mostrando que o sentido

político faz parte de todas as nossas ações, que elas são culturais, portanto, fruto das relações

das pessoas. Dessa forma, pensar e construir o currículo na escola está ligado às questões de

políticas micros e políticas macros, sempre a compreendendo como uma política cultural

pública.

Assim, travaremos uma discussão em torno do político e de sua relação cultural,

entendendo que estes dois pontos dão o caráter público das políticas curriculares. Pois, a

nosso ver, o sentido político na constituição das políticas potencializa a visão de que a

constituição de currículos para a Escola Organizada por Ciclos de Formação não são meros

aglomerados de textos, são textos e discursos marcados de sentidos e intencionalidade, que

não podem ficar guardados a sete chaves nas mãos de alguns privilegiados, é uma discussão

que necessita da participação de todos e todas, portanto pública.

Passamos então a tentar elucidar como podemos entender melhor os sentidos políticos

dentro da constituição de políticas. Ao buscarmos os significados de política e de político em

dicionários encontramos talvez uma visão restrita a concepções de ações governamentais,

entendendo por política a ciência do governo das nações, arte de regular as relações de um

Estado com outros Estados, sistema particular de um governo, tratado de política e por

político aquele que se dedica à política, estadista, dedicado, cortês. Queremos ampliar essa

noção de modo a pensar o currículo como uma política cultural pública, ou seja, uma ação que

envolve múltiplos atores sociais, que significam e (re) significam suas ações, na sociedade e

para uma sociedade, entendendo a política curricular como um projeto de formação de

sociedade.

O currículo, e as políticas curriculares, não podem ser vistos apenas como um

conglomerado de conhecimentos, como uma forma de essencializar as pessoas, eles são uma

forma de constituição e de posicionamento das pessoas frente a uma sociedade, imprimindo

formas de pensar e agir nas instâncias políticas que todos e todas estão envolvidos (SILVA,

2012), portanto é uma política cultural pública.

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Por isso não pode ser pensada apenas a partir de uma produção governamental em que

os sujeitos atores produtores do tecido social apenas sejam os receptores das ações

pretendidas pelos governantes. Ela é marcada pelas ações cotidianas das pessoas em vários

espaços. Isso implica dizer que somos produtores de políticas públicas e que não podemos

fechar os olhos para esta propositura. Isso se torna potente quando pensamos no sentido

cultural de sua produção, e nesse caso precisamos nos afastar aqui do pensamento de cultura

como um produto apenas midiático, um artefato pronto e acabado. Para Giroux (2003, p.18),

A cultura torna-se política não apenas quando é mobilizada pela mídia e por

outras formas institucionais que atuam de maneira a garantir certas

manifestações de autoridade e relações sociais legítimas, mas também como

um conjunto de práticas que representam e empregam o poder, assim

identidades particulares, mobilizando uma variedade de paixões e

legitimando formas precisas de cultura política. A cultura, nesse sentido,

torna-se produtiva, inextrincavelmente ligada às questões relacionadas ao

poder e de protagonismo.

A política curricular entendida como política cultural pública permite a compreensão

de múltiplas vozes, desejos e disputas por significações que estão presentes na construção de

currículos, a todo o momento os sujeitos estão disputando discursivamente o que é melhor, ou

mais adequado para a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido a mesma é tida como uma ação

política humana, em um sentido político ontologicamente humano (MOUFFE, 2011).

Queremos dizer que, ao assumir uma postura cultural, esta articula os sujeitos na produção de

políticas, e, dessa forma as políticas curriculares assumem-se como políticas culturais

públicas.

As políticas curriculares são marcadas por disputas, por conflitos, em que não há um

consenso permanente, está sempre em transitoriedade, não há fixidez permanente, sempre

provisória, sempre contingente, é um produto hibridizado, marcado pelas lutas de poder,

constantemente reinterpretadas e recontextualizadas, é um espaço tempo de fronteira em que

embates são travados constantemente, de articulações, de discursos, de significantes, de

hegemonias provisórias (LOPES, 2005, 2006, MACEDO, 2004, 2006, LOPES e MACEDO,

2011).

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Iremos articular a estas concepções sinalizadas anteriormente os estudos de dois

cientistas políticos, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, para potencializar as discussões dos

sentidos políticos dentro da política de currículo analisada.

Como dito anteriormente o primeiro ponto a ser compreendido é o da distinção entre o

político e a política. Mouffe (2011) considera importante essa distinção, pois pode trazer

novos caminhos de se pensar a ação das pessoas no campo de constituição de políticas

públicas sociais.

A política pode ser entendida como as organizações, instituições, sistematizadas de

representatividade, como as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, os textos políticos.

Como uma atividade que cuida da organização da vida das pessoas, não de uma forma

distante, mas sim articulada aos processos de construções de identidades coletivas, sem

individualismo, marcada pelas negociações e pelas paixões (MOUFFE, 1993). A

compreensão do currículo como uma política passa a ser vista como uma ação articulada entre

vários atores sociais, contudo emplacada em uma produção sistematizada. Documentos,

vídeos, propostas, pronunciamentos, formações, dentre outros discursos, são produzidos para

representar o que se espera acerca das concepções de currículo.

Dessa forma a política de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

está sendo constituída, a partir da série de documentos publicados pela SEDUC/MT. É uma

proposta sistematizada, produzida pelo Governo, que se pretende organizar os currículos nas

práticas escolares.

Já por político, Mouffe (1993) compreende a não limitação às instituições, sendo o

mesmo inerente a toda e qualquer pessoa, é uma ação ontológica, do conhecimento da própria

ação enquanto homem e mulher. É na dimensão do político que as relações sociais se formam

e são simbolicamente ordenadas, num terreno de conflitos, em que o antagonismo tem

fundamental importância. Dessa forma o movimento de produção de uma política de currículo

necessariamente se torna mais potente democraticamente ao assumir uma postura no âmbito

do sentido do político, permitindo a constante configuração das identidades coletivas, dentro

das particularidades, em uma relação de conflitos, de propositura de projetos diversos, em que

a hegemonização destes projetos seja sempre provisoriamente construída.

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A partir de uma afirmação de contraposição à filósofa Hannah Arendt, Mouffe (2011,

p. 16) nos esclarece a distinção entre o político e a política,

[...] Hannah Arendt vê o político como um espaço de liberdade e de

deliberação pública, enquanto outros vêem-no como um espaço de poder,

conflito e antagonismo. Meu entendimento do ‘político’ claramente pertence

à segunda perspectiva. Mais precisamente, esta é a forma como eu distingo o

‘político’ da ‘política’: por ‘o político’ eu entendo a dimensão do

antagonismo a qual eu tomo como constitutiva das sociedades humanas,

enquanto que por ‘política’ eu significo uma série de práticas e instituições

através das quais uma ordem é criada, organizando a coexistência humana

no contexto de conflitualidade provido pelo político.

As políticas curriculares dessa forma se tornam mais potentes quando assumem o

caráter político, pois como explica a autora o sentido antagônico permite que múltiplas vozes

estejam presentes na constituição de uma política, ou seja, posições distintas em ampla

negociação em torno do projeto social que pretende pôr em voga. Isso não significa negar o

sentido das políticas, pois como veremos adiante entre os dois sentidos há uma necessidade

de articulação, salientamos apenas que a Escola Organizada por Ciclos de Formação sugere a

formulação de políticas de currículo que promovam a luta contra as mazelas sociais, portanto,

requerem uma ampla participação na produção das mesmas.

Dentro desse jogo político e de política, Mouffe (2011) nos chama a atenção referente

ao nível ôntico da política e do nível ontológico do político. Para a autora o ôntico se refere à

multidão de práticas das políticas tradicionais e o ontológico se refere ao modo mesmo de se

constituir as ações do homem. A política está no nível ôntico porque ela é atrelada a algo

existente, a um ente, a uma matéria, a um objeto, por exemplo, as instituições políticas como

os sindicatos, é algo que está além do homem, já estabelecido do exterior. O político está no

nível ontológico, pois se liga a visão de um entendimento do ser enquanto ser, indo além de

aparências materiais, preocupa-se com a coisa em si, depende da existência do homem para

existir, há no nível ontológico a possibilidade de significação constante, pois o mesmo não é

fixo e inacabado, esse nível estabelece arenas de lutas, conflitos, em busca da hegemonização

provisória.

Há uma separação entre os dois níveis, contudo um necessita do outro. Toda mudança

substancial no nível ôntico, ou seja, no sentido das políticas, irá trazer uma nova concepção

do nível ontológico, no sentido político. E o nível ôntico só tem sentido na existência no nível

ontológico, pois ele promove a significação das construções sociais (LACLAU e MOUFFE,

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2011). Os autores ainda dizem que há um “processo de feedback mútuo de adição de novos

objetos e campos de categorias ontológicas gerais que governam, ao longo do tempo, o

campo geral da objetividade” (p. 10). Pensar o político é dar sentidos às políticas, afastando-

se de uma relação produção e implementação.

Dessa forma compreendemos que seja importante buscar analisar as políticas de

currículo na articulação dos sentidos políticos, potencializando seu caráter cultural público.

Vislumbrar a política apenas no nível ôntico é fixá-la, é pensá-la de uma forma imutável, feita

por governantes, sem ter a possibilidade de reconfigurações no cenário escolar, nas práticas

pedagógicas. Por isso defendemos a tal articulação do nível ontológico, do sentido político,

pois nele reside à possibilidade da significação do currículo por múltiplos atores sociais, é o

espaço tempo de conflitos, de lutas, de poder, do antagonismo.

Mouffe (1993, 2003, 2005, 2011) postula em seu projeto de democracia radical que as

políticas devem estar sendo articuladas em um campo antagônico. Chantal Mouffe parte da

tese de Karl Schmitt sobre a constituição da democracia liberal e a relação amigo/inimigo.

Esta relação para ele se configura como hostil entre os seres humanos, e afirma que é preciso

haver um consenso para que haja democracia, consenso provisório.

A distinção entre amigo e inimigo é frutífera na tese de Karl Schmitt no sentido de

possibilitar a leitura do antagonismo no campo político. Nesse campo sempre há a

necessidade de uma distinção nós e eles, amigo e inimigo. Contudo, não em um sentido de

destruição do outro (MOUFFE, 2011). O jogo de poder nas políticas públicas acontece na

dimensão dessa constituição identitária coletiva, existe uma necessidade de constituição de

um nós e de um eles, não podemos acreditar, contudo, em uma fixação de posições, essas

relações são sempre precárias, e podem mudar a qualquer momento.

As relações antagônicas, ou seja, as lutas contraditórias existentes na sociedade

sempre irão existir. Na produção de políticas curriculares sempre irá existir grupos que irão se

configurar na relação amigo/inimigo, na constituição de identidades coletivas, em um nós e

um eles. Os projetos sociais são constituídos nesse jogo de poder, e as políticas de currículo

também. Acreditar nessa proposição é aceitar que existem projetos plurais dentro do contexto

social, que os currículos nas e das escolas podem ser configurados de múltiplas formas. É

admitir a presença do outro em uma lógica salutar de dissenso.

O movimento do antagonismo para o agonismo é uma necessidade nesse processo,

pois permite pensar a relação amigo/inimigo não com a intencionalidade de destruição mútua,

mas sim de acreditar que o outro é um adversário (MOUFFE, 2011). O antagonismo é o

espaço do contraditório e o agonismo permite uma luta sem destruição do outro. O sentido

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ontológico permite uma leitura do campo político a partir dos conflitos entre adversários.

Diferentemente de ver o outro e tentar apagá-lo, o adversário luta por muitos princípios em

comum como sinaliza Mouffe (2005, p. 20),

A categoria adversário, todavia, não elimina o antagonismo e ela deve ser

distinguida da noção liberal do competidor com que ela é identificada

algumas vezes. Um adversário é um inimigo, mas um inimigo legítimo, com

quem temos alguma base comum, em virtude de termos uma adesão

compartilhada aos princípios ético-políticos da democracia liberal: liberdade

e igualdade.

Na elaboração de políticas de currículo a disputa por legitimar aquilo que um grupo

acredita está sempre em jogo. Se partirmos do princípio de uma relação amigo/inimigo

pensado no apagamento do outro, as políticas possivelmente não avançarão no sentido

democrático. Se ao contrário acreditarmos que os grupos que estão em disputa por

hegemonização dos sentidos de currículo, buscam ambos, por exemplo, a qualidade do

ensino, existe uma relação de adversário, pois mesmo tendo posturas distintas, lutam em torno

de um mesmo significante. Pensar a política curricular pelo viés agonítico sem a exclusão do

antagonismo potencializa a necessária pluralidade de projetos sociais. É pensar o movimento

já sinalizado do antagonismo para o agonismo, pois o primeiro é a luta entre inimigos, afim da

destruição e o segundo representa a luta entre adversários, sem destruição (MOUFFE, 2005).

Sendo assim coadunamos com Mouffe (2011, p. 27) quando a autora pontua a

importância para as políticas da ruptura dessa visão de destruição do outro,

[...] o adversário constitui uma categoria crucial para a política democrática.

O modelo de adversário deve ser considerado como constitutivo da

democracia porque permite a política democrática transformar o

antagonismo em agonismo. Em outras palavras, nos ajuda a conceber como

se pode domesticar a dimensão antagônica, graças ao estabelecimento de

instituições e práticas através das quais o antagonismo potencial pode

desenvolver-se de um modo agonista.

Acreditamos ser potente analisar as políticas de currículo a partir da presença da

categoria adversário, da mudança do antagonismo para o agonismo, pois nos permite

visualizar os embates, as lutas, os conflitos, entre os produtores, entendendo que na produção

de políticas múltiplos atores estão envolvidos. Assumimos essa posição, pois acreditamos que

analisar as políticas de currículo é pensar além de uma visão consensual, em que governos

produzem e escolas reproduzem. Que os embates, discussões não devem ser apagados ou

vistos como algo negativo, mas sim como positivos cheios de possibilidades de avanços. Não

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podemos negar os dissensos, pois podem nos permitir avanços na constituição de políticas

curriculares, sendo um espaço em que múltiplas vozes podem ser ouvidas.

É justamente nessa situação que vislumbramos a necessidade de analisar as políticas

curriculares em uma perspectiva cultural, pensando-a como processo de significação. É nesse

cenário que múltiplas culturas entram em conflito, em negociação. Isso porque o currículo não

é um terreno fixo e acabado, é um espaço tempo de permanentes configurações e

reconfigurações.

Mouffe (2011) afirma que é preciso compreender que no terreno político, no campo

das políticas, o conflito é um elemento propulsor de um processo democrático, que permite

múltiplos projetos entrar em disputas por hegemonizações provisórias, o que chamamos de

conflito consensual. E todo esse movimento está intrinsecamente ligado às questões culturais,

uma vez que as relações humanas e políticas na contemporaneidade não conseguem se furtar

desse movimento. É como nos elucida Hall (1997) dizendo que na sociedade moderna tardia a

cultura tem um impacto incontrolável. O sentido político torna-se potente ao pensarmos nas

práticas de significação cultural. Assim a cultura realmente se torna política, e deixa de ser

vista como um artefato.

Pensando a política de currículo como política cultural, assumimos uma postura de

creditar o poder em relações assimétricas, que o currículo é construído em cada escola em

torno de disputas. Existe um terreno fixo, um consenso, sempre acompanhado de um

dissenso, de uma provisoriedade. São produzidos discursos, são feitas articulações,

significantes e significados giram em torno da produção de uma política de currículo, pois a

cultura é esse elemento que permite as nossas negociações, as nossas posturas sociais e

políticas na sociedade.

A política curricular é pensada para e em um projeto social, do que se pretende em

uma sociedade, esses projetos são imbricados por relações de poder, das lutas sobre o quê e

como as pessoas identificam o que é bom ou o que é ruim, em fim, o que as pessoas pensam

que a escola deve fazer para que os alunos tenham uma educação de qualidade. Esses projetos

são marcados então pelo processo de significação cultural, e é por isso então que entendemos

tais políticas como políticas culturais, ou seja, de como as pessoas veem o mundo.

Resgatando a compreensão do sentido político nas relações sociais e fortalecendo a cultura

como processo de significação teremos potência para ver as políticas de currículo como

políticas culturais públicas, de ação permanente dos sujeitos, em que o conflito, o

antagonismo e o agonismo sejam vistos como fundamentais para a construção curricular.

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Para a ampliação do contexto da centralidade da cultura na educação escolarizada no

que tange às questões curriculares, neste próximo capítulo discutiremos como podemos

compreender a feitura de currículos e de políticas curriculares, tendo como ponto central os

sentidos da cultura. Isso nos possibilitará potencializar o entendimento da política curricular

como política cultural pública.

1.2 A centralidade cultural nos estudos, nas políticas e teorias curriculares

Os significados que o termo currículo já possuiu e vem possuindo no cenário

educativo é amplo e conflituoso. Uns o significam como tudo aquilo que acontece na escola e

outros como uma listagem de conteúdos dentro de um planejamento. Consideramos ambas as

posições generalistas e simplistas, pois não conseguem caracterizar as lutas travadas para o

que se ensina dentro da escola, ou seja, descartam o movimento da busca de significados que

se vão constituindo a cada disputa em o que vale ou não vale ensinar.

No início de 1990, no Brasil, Antonio Flávio Barbosa Moreira e Tomaz Tadeu da

Silva, sinalizavam que os estudos curriculares travavam uma das lutas mais significativas no

campo, o que demonstra essa complexidade: o combate às fixações tecnicistas acerca do

currículo. Ancorados, à época, em uma perspectiva crítica da educação e do currículo os

autores destacavam que,

O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente

técnica, voltada para as questões relativas a procedimentos, técnicas,

métodos. Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo, guiada

por questões sociológicas, políticas, epistemológicas (1994, p. 07).

Muitas perspectivas e conceitos giram em torno do que o currículo venha a ser. Nesse

sentido três movimentos são marcos dentro dos estudos curriculares: os estudos de Ralph

Tyler, em que a sua principal preocupação reside na busca da eficiência na educação, uma

busca permanente de resultados técnicos (TYLER, 1981), conhecido no Brasil como

movimento Tecnicista; os ancorados na perspectiva da Teoria Crítica e nos pressupostos

Marxistas, em que estão os currículistas como Michael Apple (2008) e Henry Giroux (1997),

uns dos que mais impactou os estudos no Brasil, conhecido como movimento Crítico; um

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terceiro movimento ancorado nos Estudos Culturais, Pós-Estruturais, Pós-Coloniais, destina-

se a discutir o currículo a partir dos significados culturais construídos pelos sujeitos atores

sociais, os estudo de movimento Pós-Crítico.

Tomaz Tadeu da Silva, um dos mais importantes estudiosos do campo do currículo no

país, em sua obra Documentos de Identidade (2010) nos apresenta uma cronologia de tais

perspectivas curriculares. O autor faz a divisão entre os três momentos do campo em que as

Teorias Tecnicistas, construídas no início do século passado, se preocupavam com questões

como ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento,

eficiência e objetivos; as Teorias Críticas, construídas em meados do século passado, se

preocupavam com questões como ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social,

capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação, libertação e

resistência; e as Teorias Pós-Críticas, mais atuais, que se preocupam com identidade,

alteridade, diferença, subjetividade, significação, discurso, saber e poder, representação,

cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo.

Aparentemente, uma lógica linear, contudo coadunamos com Lopes (2011) quando

esclarece que tais perspectivas estão em constantes lutas, e que as encontraremos em muitos

espaços tempos atuais, além disso, pontos como saber poder são elementos caros em

discussões de estudos Pós-Estruturais. Currículo como seleção de conteúdos para alcançar o

sucesso escolar ou currículo como espaço de luta para emancipação do sujeito, estão presentes

em políticas e práticas curriculares na atualidade, portanto longe de estarem sepultadas em um

passado recente.

Pensamos que dentro dessas conflituosas disputas o que consiste em um ponto de

destaque no campo curricular está ligado à centralidade que a cultura e seus processos

assumem na contemporaneidade. Percebemos que mesmo com focos e referenciais distintos,

conscientes ou inconscientes, os estudiosos do currículo mantém centralidade a cultura. A

cultura assume nesse sentido possibilidades distinta de visualizações. Para Lopes e Macedo

(2011) a cultura dentro dos estudos curriculares pode ser vista como a ação do homem e suas

produções, pode também ter uma noção de repertórios de significados; e na perspectiva Pós-

Estrutural entendida como processo de significação.

Na concepção tecnicista de currículo, embora não de forma explicita, acreditamos que

a cultura esteve e está presente, contudo com uma gigantesca vantagem da concepção estática

da mesma, ou seja, cultura como elemento fixo a ser repassado ao outro – aos alunos. Na obra

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de Ralph Tyler (1981), por exemplo, existe uma busca de objetivos a ser alcançados que são

selecionados a partir da cultura da sociedade, uma cultura em que os alunos devem

eficientemente adquirir em suas trajetórias escolares. Autores dessa perspectiva assumem a

Administração e a Psicologia Comportamental como fontes de organização curricular, tendo

como objetivo básico que os alunos atendem determinadas demandas sociais econômicas, ou

seja, responder com eficiência aos preceitos culturais do mundo capitalista. Embora o ápice

dessas formulações estivesse nos meados do século passado ainda temos práticas engendradas

em tal perspectiva, currículos que se destinem a atender a uma determinada demanda

econômica.

A cultura também é discutida nas perspectivas críticas de currículo, os mesmo estão

ancorados principalmente nos estudos marxistas, em que a lógica da luta de classes e de

mercado são centrais. Jose Gimeno Sacristán (2008), curriculista ancorado na Teoria Crítica,

também trata da cultura quando define currículo como projeto de seleção cultural. Embora o

autor assuma uma perspectiva diferente de Ralph Tyler, em que existam culturas dos alunos, o

autor dá ênfase na seleção de culturas, fato que nos leva a crer em sua estaticidade dentro de

um quadro plural. Paulo Freire (2008) autor que não se dedicou, explicitamente, aos estudos

curriculares, tem uma grande contribuição para o campo, quando constrói o seu método dos

temas geradores; o autor explica detalhadamente como construir o currículo escolar por meio

da busca de temáticas que fazem parte da cultura dos sujeitos que serão ensinados, a

alfabetização é efetivada a partir da realidade cultural dos alunos, perspectiva que

consideramos importante, contudo acreditamos que mantém a cultura como um repertório

construído e fixo.

Os estudos ligados ao que se denominou de Pós-críticos assumem a cultura como

objeto de estudos. As correntes Pós-Colonialistas, os Estudos Culturais e Pós-Estruturalistas

são exemplos desse movimento. Tais pesquisas são desenvolvidas a partir da concepção de

cultura como processos de significações, ou seja, a cultura não é algo dado como fixo, mas

sim um processo contínuo em que atores sociais vão significando ao passo de suas interações,

nesse sentido todas as ações sociais é cultural, portanto o currículo assume-se literalmente

como cultura. Dessa forma a necessidade de se pensar o currículo como política cultural

pública se amplia, pois em torno das múltiplas propostas curriculares residem às questões

sobre cultura, pois ela é a forma como nós sujeitos sociais significamos as nossas vidas.

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Na próxima sub sessão discutiremos algumas conceituações acerca da cultura

pensando-as nas teorias de currículo, dessa forma iremos nos aprofundar mais no sentido de

compreender como a cultura teve e tem tido relevância na construção de currículo e de

políticas curriculares, uma vez que em qualquer que seja a postura teórica a cultura assume

uma papel importante, a partir dessa compreensão podemos analisar e entender a propositura

de políticas de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Consideramos que a cultura é central nos estudos curriculares. Pensamos que o

deslocamento da concepção de cultura – da fixação pregada principalmente pelo Iluminismo,

ou seja, das grandes coleções de objetos e saberes, para o entendimento de cultura a partir dos

processos de significações realizadas pelas negociações entre vários sentidos culturais – seja o

ponto primordial para os estudos contemporâneos de currículo, pois potencializa a

visualização de meandros e detalhes antes não captados pela concepção que mantém a

localização da cultura como um objeto fixo.

Pensar na cultura como central em educação é entendê-la como um processo de se

tornar, de vir a ser, e não como um repertório fixo de ações, fato que nos permite acreditar na

construção curricular sempre em momentos de dialogicidade e de tensões, de lutas e de busca

incessante de construção de um projeto social, pois somos sujeitos em permanente formação

cultural que nunca se fecha, permanecendo em constantes mudanças (HALL, 2009).

A Escola Organizada por Ciclos de Formação requer uma postura dialógica e reflexiva

na construção dos seus currículos, em que a cultura assuma uma postura dinâmica e flexível,

tomada não como um repertório a ser seguido de forma homogênea em todos os espaços

tempos. A forma de compreender como a cultura é vista e colocada em diversas posturas

teóricas nos possibilita visualizar como está à constituição das políticas curriculares para os

estudantes, uma vez que em cada visão ela irá assumir uma função social, uma forma de

compreender e ver o mundo.

Para Stuart Hall (1997) a cultura sempre foi vista como importante, contudo não com

tanta relevância. Para o autor, nas Ciências Humanas e Sociais, esse reconhecimento já vem

de longa data,

Nas humanidades, o estudo das linguagens, a literatura, as artes, as idéias

filosóficas, os sistemas de crença morais e religiosos, constituíram o

conteúdo fundamental, embora a idéia de que tudo isso compusesse um

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conjunto diferenciado de significados - uma cultura - não foi uma idéia tão

comum como poderíamos supor (p. 15).

Como podemos ver nas relações sociais a cultura tem um papel fundamental no

tocante a organização e desorganização da sociedade, ele passa por múltiplos espaços tempos

da configuração da nossa vida, todos esses sistemas estão imbricados nas relações humanas,

portanto, ponto de partida de constantes discussões a serem travadas dentro da escola, por

meio dos currículos. Mesmo como sinaliza o autor, a cultura está presente em toda e qualquer

relação social. Acreditamos nesse sentido que é por isso que se torna uma ação política

relevante, e como já salientamos, só reforça o sentido de publicidade, sendo mais uma

prerrogativa de sinalizarmos o currículo como uma política cultural pública.

É interessante resaltar que para Stuart Hall, a centralidade da cultura vista como uma

ação política necessita ser pensada a partir de dois processos destacados: a globalização e a

virada cultural (LOPES e MACEDO, 2011).

Para Hall (1997, p. 17):

Sem sombra de dúvida, o domínio constituído pelas atividades, instituições e

práticas expandiu-se para além do conhecido. Ao mesmo tempo, a cultura

tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à

estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de

desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos

econômicos e materiais. Os meios de produção, circulação e troca cultural,

em particular, têm se expandido, através das tecnologias e da revolução da

informação.

As trocas culturais sempre ocorreram, contudo um ponto fundamental que altera essa

lógica e torna a cultura como um elemento central é justamente a velocidade que a

globalização trouxe. Hoje as trocas são muito rápidas, a cultura circula em muitos espaços em

pouco tempo. A internet permite que signifiquemos a nossa cultura a todo o momento.

Pensando nesse sentido assumir a cultura como central, a partir de grande fluxo, é

potencializar o currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação, pois no momento

que esta se assume como uma escola para atender às necessidades educativas, e também

políticas, de todos os sujeitos, esta visão traz as várias diferenças presentes em nossa

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sociedade para um processo de negociação em que todas as vozes podem ser ouvidas na

construção de políticas curriculares, macro e micros.

A globalização é um elemento que transcende as fronteiras locais e assume aspectos

homogeneizadores, contudo nunca fechados, pois como Bhabha (2003) salienta, o localismo é

um grande processo de construção para os globalismos. As políticas curriculares vistas a

partir dos sentidos políticos são compreendidas dentro de jogo articulatório presente nas

fronteiras culturais, que são apagadas pelo dinamismo da globalização. Nas práticas

curriculares das escolas estão presentes culturas de muitos lugares distintos. As crianças,

adolescentes, jovens e adultos, provenientes de várias localidades precisam ser ouvidas a fim

que se possam efetivar currículos que estejam ligados à dinamicidade que a cultura assume

em nossas relações sociais, são formas variadas de significar a vida e as coisas, que se

deixadas de lado, podem levar a constituição de currículos monolíticos, estanques e elitizados.

O segundo momento que emerge a centralidade da cultura está ligado à virada cultural,

que “trata-se do deslocamento dos estudos culturais em direção a abordagens Pós-

Estruturais que implica dar destaque à linguagem na construção e circulação de significado,

concebê-la como instituinte: ela não reflete o mundo real, mas o constitui” (LOPES e

MACEDO, 2011, p. 197).

A cultura passa a ser mais central, um destaque que vai além das proposições materiais

econômicas advindas da teoria marxista, pois a constituição da vida social passa então pelas

significações culturais, os sentidos são produzidos pela linguagem, de forma que nunca é algo

estático e fixo (HALL, 1997).

Um exemplo brilhante do autor nos revela como a linguagem torna os significados em

realidade,

Trata-se aqui da relação total entre a linguagem e o que podemos denominar

“realidade”. Os objetos não existem no mundo independentemente da

linguagem que utilizamos para descrevê-los? Num sentido, é óbvio que sim.

Para voltarmos ao exemplo familiar discutido anteriormente: uma pedra

ainda existe a despeito de nossas descrições dela (ver Hall, 1997, p 45).

Entretanto, a identificação que fazemos da mesma como “pedra” só é

possível devido a uma forma particular de classificar os objetos e de atribuir

significado aos mesmos (isto é, a palavra pedra vista como parte de um

sistema de classificação que diferencia pedra de ferro, madeira, etc.; ou, por

outro lado, num sistema de classificação diferente — a pedra, em oposição

ao penedo, rocha, seixo, etc.). Os objetos certamente existem também fora

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destes sistemas de significação (cada qual dando um significado diferente a

mesma coisa, a “pedra”); os objetos certamente existem, mas eles não podem

ser definidos como “pedras”, ou como qualquer outra coisa, a não ser que

haja uma linguagem ou sistema de significação capaz de classificá-los dessa

forma, dando-lhes um sentido, ao distingui-los de outros objetos (HALL,

2003, p. 40).

Como processo linguístico de significação, a cultura nos possibilita vislumbrar como

as coisas e o mundo são, é a partir desses sentidos que compreendemos o quê está sendo

ensinado dentro das escolas, então a partir da constituição do currículo vamos dando sentidos

as nossas ações e as nossas vidas. A cultura como explicita o autor é a forma de como nós

vivemos e como damos sentidos ao mundo, é a maneira como construímos o nosso currículo

diz o que queremos que os alunos das escolas sejam.

Dessa forma entendemos que o currículo como qualquer outra ação social é um

processo de significação cultural, que não deve ser tratado como um objeto estático a ser

ensinado na escola, mas sim como uma arena de luta em que atores sociais disputam os

sentidos a serem hegemonizados. Por isso aceitamos e acreditamos que a cultura é central

para o estudo de currículo, como traduz Lopes e Macedo (2011) o currículo é uma prática de

atribuir significados, um discurso que constrói sentidos.

A partir dessa centralidade cultural assumimos o currículo como cultural. Uma cultura

que não é estática, que não é fixa, mas que está em permanente movimento, com uma

diversidade viva e repleta de significações. Diversidade presente em constantes e permanentes

negociações, no espaço tempo que serão produzidos os currículos escolares. Tais negociações

produzem sempre híbridos culturais. O currículo escolar não deve ser um amontoado de

saberes considerados como únicos e verdadeiros, pois os alunos trazem suas culturas vivas

que entram em negociações umas com as outras gerando sempre novas culturas, é nesse

movimento de hibridizações que o currículo está sendo sempre produzido.

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1.2.1 A centralidade cultural nas teorias curriculares: uma compreensão importante

na leitura das políticas de currículo

Como vimos, a centralidade cultural tomou corpo nos estudos curriculares e

educacionais. Nesse sentido a partir desse momento faremos uma breve conceituação de um

termo extremamente polissêmico e contestado a fim de esclarecer como estamos

compreendendo a cultura no campo das políticas curriculares a partir da compreensão dos

seus significados nas teorias de currículo. Isso se justifica pela necessidade que temos de

compreender a política curricular analisada nesta pesquisa, a partir dos processos híbridos

culturais entre as múltiplas possibilidades de construção curricular.

Sabemos que a cultura é carregada de significados e que não será tarefa fácil tentar

conceituá-la, será sempre possível haver contestações e correções, pois a “cultura é

considerada uma das duas ou três palavras mais complexas da nossa língua” (EAGLETON,

2011, p. 9). No entanto, sem querer fazer uma trajetória da significação da cultura, optaremos

por fazer um recorte mais amplo que ela assumiu e vem assumindo no campo social e

educacional destacando três momentos: o primeiro em que esta é vista como um repertório

elitizado, o segundo em que aparecem estudos postulando que todo e qualquer sujeito possui

cultura e o terceiro em que a mesma é vista como um processo de significação.

Um dos primeiros conceitos construídos sobre cultura foi formulado por Edward

Burnett Tylor, em 1871. Segundo Tylor apud Eagleton (2011), cultura são as manifestações

das crenças, das artes, os hábitos construídos pelo homem, são as capacidades construídas

pelo homem na sociedade. Isso nos remete a uma visão que perdura até hoje em muitos

discursos, de que existe uma cultura única e verdadeira, a cultura em que todos devem se

submeter e consumir para ser um bom cidadão.

Exprime-se aqui um caráter classista de cultura, em que somente a classe burguesa

possui cultura. É um sentido de cultura ligado às artes, à apreciação de músicas eruditas,

literatura, cinema, teatro, pintura, todos os bens construídos historicamente pelo homem

(MOREIRA, 2008). Pensando no currículo escolar, temos uma visão de que a escola “deve”

permitir que todos os alunos tenham acesso a essa cultura, a cultura da elite.

A partir do alargamento do conceito construído por Franz Boas, a cultura toma corpo e

amplia a visão das possíveis culturas em múltiplos espaços preocupando-se com “as culturas”,

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ou seja, todos os sujeitos têm cultura (NEIRA e NUNES, 2008). Um movimento mais

contemporâneo que embora tenha trazido uma grande contribuição no tocante à possibilidade

de que todos e todas tenham cultura, dando ênfase à possibilidade do evidenciamento da

cultura popular, ainda dicotomizava a cultura, no sentido de que o rico tem uma cultura

elevada (ligada aos estudos) e o pobre tem a cultura do seu cotidiano (ligada aos saberes

populares).

Uma terceira conceituação, utilizada nesta dissertação, se refere à significação que

todas as pessoas constroem sua cultura em qualquer espaço tempo social que a mesma se

insere. Tomamos como ponto de partida e chegada as relações simbólicas construídas pela

linguagem, pelo discursivo. A cultura se torna aqui um sistema de significação e de

representação (LOPES e MACEDO, 2011), em que a cultura é negociação, disputa, luta.

Assume aqui uma postura de fluidez e rompe com o caráter fixo salientado anteriormente.

Nesse espaço tempo as pessoas significam as suas vidas sociais e políticas pela cultura.

Nas três subsessões a seguir iremos destacar a cultura nas teorias curriculares a fim de

possibilitar uma visão de como a mesma possuiu relevância na constituição das políticas de

currículo na contemporaneidade.

1.2.1.1 Currículo e cultura na perspectiva Tecnicista

A perspectiva tecnicista de currículo talvez seja a que mais teve e tem impacto na

construção dos currículos escolares brasileiros. Destacaremos aqui dois teóricos importantes

desse cenário, John Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, a fim de nos possibilitar a compreensão

de como a cultura foi vista em seus pressupostos. O primeiro destaque a ser feito é que estes

autores não escreveram sobre cultura em suas formas de arquitetarem os currículos, essa é

uma leitura que nós fazemos, dada a importância sinalizada anteriormente sobre a cultura,

currículo e políticas curriculares.

Um dos primeiros teóricos a sistematizar acerca do campo curricular foi Bobbitt, a sua

obra O currículo de 1918 foi um marco para os estudos curriculares (SILVA, 2010). Nela o

autor destaca as finalidades técnicas do currículo e como o mesmo deve ser organizado. Já no

início de sua obra (BOBBITT, 2004) salienta que existi no campo educacional os que

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defendem a cultura na formação das pessoas e os que defendem o fazer, a prática. E qual a

opção correta ele se pergunta e responde: os dois.

Embora sua resposta seja que os dois campos sejam importantes, no decorrer de sua

obra ele enfatiza o campo da prática social, em que os currículos escolares devem incidir

sobre o mesmo. A cultura é vista como patrimônio que os estudantes devem ter acesso. Para

Bobbitt (2004), a escola é uma entidade que deve funcionar como uma fábrica, tendo o

currículo o dever de processar crianças capazes de serem eficientes onde elas estiverem. O

currículo para Bobbitt deve preparar o aluno para a vida adulta economicamente ativa,

selecionando as grandes áreas a serem trabalhadas encontradas na sociedade, ou seja,

construir os objetivos a serem atingidos pelos alunos futuramente na sociedade (LOPES e

MACEDO, 2011).

Para Kliebard (2011), Bobbitt adaptou os princípios da administração científica,

proposta principalmente por Frederick Taylor, para pensar a organização escolar: usar toda a

área escolar o maior tempo possível, reduzir o número de trabalhadores possível dentro da

escola, fazendo com que cada um dê o máximo em suas funções, uma escolarização de

pudesse diminuir os gastos supérfluos, dentre outros. Segundo o autor (2011, p. 10),

A extrapolação desses princípios da administração científica para a área do

currículo transformou a criança no objeto de trabalho da engrenagem

burocrática da escola. Ela passou a ser o material bruto a partir do qual a

escola-fábrica deveria modelar um produto de acordo com as especificações

da sociedade. O que de início era simplesmente uma aplicação direta dos

princípios de administração geral à administração das escolas tornou-se uma

metáfora central em que se fundamentaria a teoria moderna do currículo.

Nesse sentido a escola e o currículo não deveriam centralmente se preocupar com a

cultura, mas sim em trabalhar com o “indivíduo” segundo as suas potencialidades, sendo

assim os objetivos e a eficiência seriam sempre centrais. É uma busca constante de como

preparar os sujeitos para atender bem o contexto social, ou mais precisamente o contexto

econômico. Seguindo os princípios de Bobbitt as políticas curriculares deveriam dar conta da

sistematização burocrática da escolarização, a cultura ficaria em segundo plano, como objeto

a ser consumido.

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John F. Bobbitt foi um dos pioneiros na sistematização curricular, contudo a obra de

Ralph Tyler, Princípios Básicos de currículo e ensino de 1949, teve um impacto grandioso

nos estudos curriculares nos Estados Unidos e também no Brasil, tomando mais força ainda a

ideia de currículo como organização escolar de uma forma técnica administrativa (SILVA,

2010).

Nesta obra Tyler (1981, p. 2), logo de início, postula quatro questões cruciais, que

devem ser pensadas e respondidas, para a construção do currículo escolar:

1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que

experiências educacionais podem ser oferecidas que possibilitem a

consecução desses objetivos? 3. Como podem essas experiências

educacionais ser organizadas de modo eficiente? 4. Como podemos

determinar se esses objetivos estão sendo alcançados?

Estas questões são basilares para a construção de programas curriculares. As políticas

de currículo pensadas à luz destes princípios devem postular como se chegar à eficiência dos

alunos, focando-se principalmente nos objetivos. Tais objetivos são selecionados a partir do

conhecimento dos alunos, de estudos da vida contemporânea e de sugestões oferecidas por

especialistas (TYLER, 1981).

Consideramos, nesse sentido, que Ralph Tyler lida com a cultura, contudo pensando-a

como um elemento estático e elitizado, pois ao pensar a seleção de conteúdos para dar conta

de educar os alunos, o autor vai ao universo cultural, ao solicitar as sugestões dos

especialistas, e estes estão lidando com conhecimento, ou seja, o autor pensa a cultura, mesmo

que de forma linear e fixa. Salientamos que Tyler não fala diretamente acerca da cultura,

contudo acreditamos que ao pensar a fonte dos objetivos ele inevitavelmente lida com cultura.

A cultura pensada por ele é elitizada, selecionada por poucos, são artefatos a serem

repassados aos alunos.

A compreensão destas perspectivas é fundamental para o estudo das políticas

curriculares. Como já salientado, tais concepções não foram eliminadas com o aparecimento

de outras perspectivas curriculares. O modelo proposto por Ralph Tyler e John Franklin

Bobbitt é visto em muitos documentos de políticas de currículo hoje pelo Brasil. Por isso, ao

entendermos que a política de currículo se configura como uma política cultural, é mister que

façamos um exame de como a cultura é encarada nessas perspectivas curriculares a fim de que

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possamos realizar uma discussão que corrobore com alternativas curriculares que permitam o

fazer cotidiano do professor.

1.2.1.2 Currículo e cultura na perspectiva Crítica

O movimento Tecnicista dominou o pensamento curricular por muitos anos, isso não

significa dizer que este já não exista mais. Contudo, a partir da década de 1960 outros

movimentos iniciaram o combate a tal perspectiva curricular. Referimos-nos a combate, pois

a sensação ao realizarmos os estudos sobre currículo essa talvez seja a palavra mais adequada.

O surgimento de perspectivas Críticas de currículo nasceu justamente para tentar romper com

a lógica de que a escola é uma indústria, mostrando que os alunos são mais do que meros

reprodutores para o mercado capitalista.

Enquanto o movimento das perspectivas Tecnicistas estava preocupado em postular

como deveria ser a organização dos currículos para chegar a maior eficiência dos alunos, ou

seja, no como fazer um currículo, as perspectivas Críticas se preocupavam e se preocupam

com conceitos chave como: ideologia, classe social, emancipação, currículo oculto,

resistência, os quais nos permitem compreender o que o currículo faz com os alunos e com a

escola (SILVA, 2010). Muitos teóricos e obras são emblemáticos nas críticas a modelos

tecnicistas de currículo, iremos selecionar três, que consideramos importantes para

entendermos como a cultura é pensada nos currículos e nas políticas curriculares: Paulo

Freire, Michael Apple e Jose Gimeno Sacristán.

Começamos por Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros. Paulo Freire não

escreveu nenhuma obra especificamente sobre currículo, contudo as suas obras tiveram e

ainda têm um impacto forte no campo do currículo. Suas obras combatem veementemente as

perspectivas tecnicistas de currículo. Em Pedagogia do Oprimido (2010), talvez encontremos

os principais pontos para a discussão acerca da cultura e currículo, bem como discussões

importantes para o campo das políticas curriculares. Nesta obra o autor trava uma discussão

aportada em várias perspectivas, contudo a marxista tem uma fundamental importância, pois é

a partir daí que o autor irá pensar a relação de classe na construção curricular: a relação

opressor e oprimido. Paulo Freire pensa na construção curricular a partir do diálogo, sendo

esse o ponto chave no emergir da cultura dos alunos e alunas. Ele cria os Círculos de Cultura,

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um espaço tempo de reflexão e aprendizagem. Segundo Freire (2010, p. 47), o educador

propicia momentos de diálogo em que os conteúdos e as culturas são aflorados,

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo

programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um

conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução

organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que

este lhe entregou de forma desestruturada.

A cultura é um operante significativo no processo educativo. A cultura do povo é

apresentada como possibilidade de se compreender o mundo que cerca os alunos. Os

professores se tornam aqui os construtores curriculares, e as políticas de currículo nesse

sentido podem auxiliar a efetivação de uma postura dialógica, caso contrário esta pode se

tornar impositiva e arbitrária. É uma sinalização que traz a cultura em um sentido político, em

que todos e todas possuem cultura.

Seguindo na esteira das perspectivas críticas, as obras de Michael Apple, curriculista

estadunidense, tiveram grande impacto no campo curricular brasileiro. O autor tece críticas

severas às concepções tecnicistas de currículo. A principal discussão travada por Apple está

ligada às questões econômicas e a seus impactos no campo curricular, contudo a cultura não é

vista por ele como um simples reflexo da economia (SILVA, 2010), pois esta tem sua própria

dinâmica. Na mesma lógica Freiriana, Apple (1982, p. 44) sinaliza que temos que pensar que

a cultura não é uma produção apenas da classe burguesa,

Existe uma singular combinação de cultura popular e cultura de elite nas

escolas. Como instituições, elas se constituem em áreas excepcionalmente

interessantes e fortes, política e economicamente, para a investigação dos

mecanismos de distribuição cultural numa sociedade.

Irá existir uma divisão entre culturas, a do pobre e a do rico. Embora o autor traga a

cultura como um ponto importante, a mesma ainda é vista dicotomizada. No cenário da

perspectiva crítica a cultura assume um papel importante no que tange a distribuição cultural

nas escolas, é nesse sentido que reside uma das críticas de Michael Apple, para o autor o

importante não reside em saber quais os conhecimentos verdadeiros devem estar no currículo,

mas sim o porquê deles estarem no currículo, porque políticas curriculares tendem a imprimir

uma cultura, porque a cultura elitizada é privilegiada, são estas e outras questões que movem

o pensamento do autor.

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Em torno destas e outras indagações está Jose Gimeno Sacristán, curriculista espanhol

ancorado na perspectiva crítica de currículo. Segundo Sacristán (2000) o currículo se define

como o “projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente

condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das

condições da escola tal como esta se acha configurada” (p. 34). Sendo um projeto de seleção

exige que alguém escolha o que é certo, e neste momento a cultura se torna um artefato. Há

uma grande contribuição para a discussão da cultura no cenário escolar, contudo ela acaba

tendo uma posição fixa, que seja da cultura de elite, que seja da cultura popular.

Na perspectiva tecnicista de currículo a cultura toma um corpus muitas vezes fixo, ou

seja, um conjunto inerte e estático a ser transmitido, mesmo sendo considerado vindo de

múltiplos lugares. Na perspectiva crítica de currículo a cultura é vista politicamente, não é

única, é um campo de produção, um campo de contestação (MOREIRA e SILVA, 2008).

Nesse sentido a cultura é pensada não como algo a ser repassado, mas sim como algo que

todos e todas possuem, ela está ligada intimamente às classes sociais.

Contrariamente ao que muitas pesquisas e debates vêm sinalizando atualmente,

acreditamos que as perspectivas críticas se constituem como um método potente para a

compreensão de muitos pontos das políticas curriculares. A cultura nos permite compreender

como as relações econômicas e estatais são importantes no momento de produção de políticas

de currículo. Elas fazem uma importante discussão acerca do poder na constituição de

políticas curriculares, acenderam as discussões contra as perspectivas tecnicistas, possuem um

arcabouço teórico importante no campo curricular. Contudo, a cultura ainda é secundarizada.

Há uma forte concepção de cultura de elite e de cultura popular, e isso pode enfraquecer o

debate acerca das potencialidades de compreender as políticas curriculares como políticas

culturais. Nesse sentido apresentamos a seguir como a cultura tem sido pensada e operada nas

perspectivas pós-críticas de currículo, uma visão aberta e flexível, que permite compreender

as relações de poder em múltiplos espaços tempo na produção de políticas curriculares,

tirando a centralidade das mesmas de um único foco: o Estado.

1.2.1.3 Currículo e cultura na perspectiva Pós-Crítica

Neste último ponto destacamos a importância das concepções pós-estruturalistas no

campo curricular. Nesse sentido iremos operar com construções teóricas de três curriculistas

importantes no Brasil: Tomaz Tadeu da Silva, Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo. A

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intenção é trazer uma discussão que descentre as concepções de currículo que se pretendem

fixadas, ou seja, é pensar possibilidades de currículo e de políticas curriculares que se

distanciem de qualquer centralização. Nas perspectivas Pós-críticas, contudo, não temos

apenas concepções pós-estruturais, nelas estão presentes um conjuntos de outras fontes

teóricas como: os Estudos Culturais, o Pós-colonialismo, a Teoria Queer, o Pós-modernismo,

em fim, uma série de concepções que auxiliam a pensar o currículo não como algo dado, mas

sim como práticas de significações.

Pensando currículo a partir dessas matrizes teóricas temos como um dos pioneiros no

Brasil o estudioso Tomaz Tadeu da Silva, foi ele que na década de noventa começou os

escritos de currículo a partir destes aportes, além de fazer uma série de traduções de textos

que alavancou os estudos curriculares à luz do pós-estruturalismo (LOPES e MACEDO,

2011). Segundo Silva (2003, p. 17) “o currículo, tal como a cultura, é compreendido como:

1) uma prática de significação; 2) uma prática produtiva; 3) uma relação social; 4) uma

relação de poder; 5) uma prática que produz identidades sociais”.

A cultura e a linguagem nessa perspectiva assumem lugar de destaque. O currículo

passa a ser pensado não como uma estrutura a ser seguida, mas como algo a ser significado

pelos sujeitos viventes dos currículos. As relações de poder travadas no momento da produção

curricular, da sua significação, são descentralizadas de um órgão central (o Estado), e dessa

forma passa a ter múltiplos espaços de disputas.

Lopes e Macedo (2011), ancoradas nos estudos mencionados inicialmente,

compreendem o currículo como uma prática discursiva, uma intrínseca relação de poder nas

construções de sentidos, a realidade curricular, o currículo é construído a partir do discurso,

um processo constante de criação e recriação. Para as autoras,

O currículo é, como muitas outras, uma prática de atribuir significados, um

discurso que constrói sentidos. Ele é, portanto, uma prática cultural... Não

estamos tratando a cultura como objeto de ensino nem apenas como

produção cotidiana de nossas vidas. Estamos operando mesmo com uma

compreensão mais ampla de cultura como aquilo mesmo que permite a

significação (2011, p. 203).

Assumimos nesta dissertação esta concepção de currículo e de cultura,

compreendendo que as políticas curriculares não podem ser um amontoado de “coisas” que as

escolas devem fazer. As políticas curriculares pensadas à luz da cultura, nesta perspectiva,

podem potencializar as negociações e construções curriculares no cenário escolar.

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A cultura passa a ser pensada não como um produto a ser consumido, mas como um

processo de significar o mundo, as coisas, a vida, a escola, tudo o que nos cerca. Essa leitura

potencializa o rompimento com preconceitos no tocante aos que possuem cultura elitizada ou

popular, ela despolariza essa visão. O currículo é significado num fluxo constante, tendo a

possibilidade de negociar culturas múltiplas. Os alunos e professores podem nas práticas

pedagógicas construir e reconstruir seus currículos.

1.3 Processos de hibridação cultural nas políticas de currículo

A visão de múltiplas formas de pensar o currículo, a forma de conceber as políticas

curriculares, vem sendo marcadas por essa efervescência cultural, mostrando as constantes

negociações que temos na construção de práticas pedagógicas inovadoras e de políticas. Nesse

sentido destacamos agora como nos estudos curriculares e educacionais, no mesmo caminhar

das ciências humanas, como um todo vem se destacando estudos que se dedicam a explorar a

noção de hibridismo, um conceito caro para compreender como as políticas curriculares tidas

como políticas culturais públicas são produzidas e reproduzidas. Para Macedo (2004, p. 13),

trata-se de uma noção que lida com a diferença – assim com a aparente homogeneidade – e

perturba tanto as fronteiras entre o eu e o outro quanto à própria ideia de eu e de outro.

Buscamos então elucidar, ou pelo menos tentar, como um conceito tão caro como o

hibridismo entrou no cenário educacional e curricular, bem como ele se desenvolveu e vem se

desenvolvendo dentro desses contextos, nos possibilitando fazer uma leitura menos linear

possível das políticas curriculares. Esse processo se faz importante para que possamos

entender como as compreensões sobre cultura, identidade, diferença, dentre outros conceitos

importantes para a educação se reconfiguraram a partir do híbrido (CANCLINI, 2012).

Para Dussel (2005), falar no termo hibridismo requer uma leitura não apriorística,

entendendo a complexidade do seu uso em muitas áreas. A autora nos mostra a partir de uma

breve trajetória histórica o uso do termo híbrido, que:

[...] começou a ser utilizado no idioma inglês no século XIX com referência

à botânica e à zoologia. Embora presente na literatura desde o século XVII,

fortaleceu-se com o impulso classificatório da ciência do século XIX,

preocupada em identificar as espécies em taxionomias de conhecimento. Em

1828 no dicionário Webster, o híbrido, era “um mestiço ou mula”; um

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animal ou planta produzido pela mistura de espécies. O uso do termo

aplicado a humanos data de meados do século XIX (p. 58).

Canclini (2012) salienta que esse termo é tão antigo como as trocas que as sociedades

faziam e fazem entre os seus bens materiais e simbólicos; as migrações e as mestiçagens entre

os povos também já se configuravam como híbridos há muito tempo. A diferença entre o

antes e o agora reside na velocidade desses processos, pois com o advento das tecnologias,

esse processo tem sido cada vez maior.

Alguns outros termos como mestiçagem, sincretismo e crioulização, advindos desde

estes tempos ainda continuam a ser utilizados em estudos atuais como formas particulares de

hibridação, contudo não dão conta de explicar fusões como culturas de bairros e midiáticas,

estilos de consumos, sendo o termo hibridação o mais favorável para nomear os processos

políticos sociais na contemporaneidade (CANCLINI, 2011), escolhemos no para ser utilizado

por nós neste trabalho, pois o mesmo aproxima-se das produções de políticas públicas

culturais.

Uma das potencialidades ao se usar o termo híbrido na atualidade é buscar entender

que somos sujeitos formados sem determinações fixas, seres impuros, sem predeterminações

(DUSSEL, 2005), ou seja, não produzimos uma identidade permanente, mas sim processos de

identificações, que se reconfiguram e se hibridizam permanentemente.

Canclini (2011), ao estudar as relações entre Modernidade e Pós-Modernidade na

América Latina, nos traz uma grande contribuição para compreendermos esse processo de

hibridização permanente. A partir de três processos o autor explica como se dá o hibridismo:

a quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais, a desterritorialização

dos processos simbólicos e a expansão dos gêneros impuros (p. 284).

A descoleção é uma referência às grandes coleções culturais da Modernidade. A

humanidade, ou melhor, o poder constituído na Europa, construiu um grupo de bens

simbólicos considerados como a própria configuração da cultura, certos conhecimentos eram

tidos como de alta cultura, e quem os detinham eram tidos como os sujeitos cultos, puros.

Podemos perceber ainda presentes na contemporaneidade discursos que “tentam” manter as

grandes coleções culturais, como a música erudita, o gosto e o acesso a certos quadros

pintados por grandes artistas, as grandes Barsas que detinham todo o conhecimento

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culturalmente correto e verdadeiro. Além disso, podemos ver que existia o discurso do

popular, das coleções populares, ligadas às questões folclóricas que mantinham a sua cultura

com os seus costumes, seus objetos, suas coleções, ou seja, uma visão bipolar entre o culto e o

popular (CANCLINI, 2011).

Contudo estas coleções nunca foram e nunca serão puras, sempre serão produtos de

grandes hibridações culturais, e nós mesmos temos a possibilidade de construirmos as nossas

próprias coleções, e também podemos a cada momento ressignificá-las, ou seja, as coleções

são descolecionadas permanentemente, em que a

[...] agonia das coleções é o sintoma mais claro de como se desvanecem as

classificações que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo. As

culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e, portanto desaparece

a possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das grandes obras, ou

ser popular porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos

por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma

classe). Agora essas coleções renovam sua composição e sua hierarquia com

as modas, entrecruzam-se o tempo todo, e, ainda por cima, cada usuário

pode fazer sua própria coleção (CANCLINI, 2011, p. 304).

Pensando na produção de políticas curriculares e de práticas curriculares a partir do

processo de descolecionar, de quebrar as grandes coleções de saberes, potencializa a

construção dos sujeitos que estão em cada espaço tempo, ou seja, de significação cultural de

acordo com as demandas circulantes. Essas descoleções podem romper com hierarquias no

tocante à construção de currículos, em que as coleções teóricas tradicionalmente constituintes

de um currículo podem ser dissolvidas (LOPES, 2005).

Um segundo processo trazido por Canclini (2011) é a desterritorialização. A cultura

passa a ser significada em suas negociações permanentes nas zonas de fronteiras. A cultura

pertencente a um determinado território ou nação se enfraquece. O que se tem como cultural

só é construído nas relações entre distintos espaços e tempos entre pessoas que se comunicam

cada vez mais com a globalização.

Canclini (2011) aponta que na entrada e na saída da Modernidade existem uma tensão

entre a desterritorialização – a perda de uma relação natural da cultura com um determinado

território geográfico ou social – e a reterritorialização – certas relocalizações assumidas

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parcialmente entre as velhas e novas produções simbólicas. É um movimento constante que

acontece nas tênues linhas fronteiriças.

A desterritorialização acontece principalmente por dois aspectos: a

trasnacionalização e o grande fluxo migratório. O primeiro está ligado à articulação entre o

nacional e o estrangeiro, a cultura produzida em cada país não é consumida e produzida em

um único espaço, os cenários são múltiplos e extrapolam fronteiras, esse movimento é

marcado por negociações entre os diversos atores sociais que fazem parte desse processo, ou

seja, a cultura nunca é pura de um único território. O segundo aspecto liga-se ao grande fluxo

de migrações de artistas, escritores e políticos exilados, bem como de toda a população de

todos os extratos sociais econômicos (CANCLINI, 2011).

Esses mecanismos permitem que as culturas se toquem e haja permanente troca entre

os povos, construindo assim momentos de negociações, uma descoleção de estruturas que

tentavam certa fixidez, fato que promove automaticamente novas coleções provisórias e

contingentes que se expandem por territórios diversos, ou seja, a cultura é sempre um híbrido,

uma mistura, uma significação que acontece a cada novo contato com novos atores sociais.

Para Lopes (2005, p. 57) “a desterritorialização – perda da relação suposta como

natural entre cultura e territórios geográficos e sociais – e reterritorizalização –

relocalizações territoriais, relativas e parciais, das velhas e novas produções simbólicas”.

As políticas de currículo nesse sentido são/estão em um constante processo de

hibridação, no que se refere à circularidade de múltiplos conceitos, posturas, enfoques

(BALL, 2005). Na produção de uma política de currículo via Governo, as fronteiras são

quebradas e assumem-se posturas de outros lugares, de outros países, de outros estados. Na

produção de uma política de currículo na escola as fronteiras também são apagadas e os atores

sociais que estão produzindo tal política curricular trazem de vários outros lugares posturas

teóricas, concepções de ensino, e outros.

O terceiro mecanismo apresentado pelo autor são os gêneros impuros. Para Canclini

(2011) esses são gêneros constitucionalmente híbridos, pois se constituem em pontos de

intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular, o artesanal e o industrial. O autor

apresenta o grafite e as histórias em quadrinhos como dois gêneros impuros:

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O grafite é um meio sincrético e transcultural. Alguns fundem a palavra e a

imagem com um estilo descontínuo: a aglomeração de signos de diversos

autores em uma mesma parede é como uma versão artesanal do ritmo

fragmentado e heteróclito do videoclip (CANCLINI, 2011, p. 338).

A história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, consegue que

interajam personagens representativas da parte mais estável do mundo –

folclore – com figuras literárias e dos meios massivos, introduz em épocas

diversas (CANCLINI, 2011, p. 345).

Os dois exemplos de gêneros impuros, já de nascimento impuros, citados pelo autor

são produtos culturais mesclados por formas midiáticas diversas, nos quadrinhos e nos

grafites são colocados discursos políticos severos, o drama diário, a sátira da vida, a comédia

da vida privada e pública. É importante salientar que a proliferação de gêneros impuros não se

trata de uma polarização puro ou impuro, pois não existe pureza. O processo de hibridação

acontece por descoleções, por desterritorializações e por gêneros que se constituem ou irão se

constituir impuros por estes outros processos. Dessa forma as políticas curriculares podem ser

analisadas a partir de uma lógica de deslocamento de poderes, do espaço estatal para

múltiplos espaços tempos, em que gêneros impuros nos possibilitam visualizar a configuração

dos discursos circulantes.

Esses processos nos elucidam como podem ser constituídos produtos híbridos, que

perdem o poder centralizado e verticalizado na significação cultural, o que Canclini (2011)

chama de propagação de poderes oblíquos. Há rupturas nas fixações que funcionam como

válvulas de escape para a proliferação de culturas híbridas. Para o autor aparentemente os

grandes grupos concentrados de poder são os que subordinam a arte e a cultura do mercado,

os que disciplinam o trabalho e a vida cotidiana (p. 346), contudo com uma acuidade

ampliada nos mostram que a verticalização nunca é pura, e o poder é sempre oblíquo,

Os cruzamentos entre o culto e o popular tornam obsoleta a representação

polar entre ambas as modalidades de desenvolvimento simbólico e

relativizam, portanto, a oposição política entre hegemônicos e subalternos,

como se se tratasse de conjuntos totalmente diferentes e sempre

confrontados (p. 346).

O processo de hibridação visto por essa relação não verticalizada permite analisar as

questões do poder, sendo este não eficaz quando mantém uma visão binária entre burgueses

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sobre proletariados, brancos sobre indígenas, mídia sobre receptores, dentre outros na

produção cultural, a eficácia acontece no entrelaçamento de uns com os outros, na obliquidade

(CANCLINI, 2011).

A partir dos processos de hibridação os discursos nas políticas curriculares e nas

práticas pedagógicas reconhecem a fragilidade de um possível/impossível processo de

originalidade, pois são rompidas as coleções produzidas historicamente para o processo de

ensino, e há produção de novas coleções, os processos de significação nos evidenciam que a

cultura e suas fronteiras são frágeis e porosas, ou seja, professores, alunos, gestores, deslocam

as fronteiras na produção curricular, bem como consultores contratados para produzirem

políticas curriculares via Estado apagam fronteiras no momento de suas escritas, no momento

de suas produções, e dessa forma podemos dizer que há uma proliferação dos gêneros

impuros (LOPES, 2008).

1.4 Política curricular: um produto híbrido com articulações, discursos e

significantes

A leitura das políticas curriculares, pensadas a partir do hibridismo cultural, é

potencializada nesta dissertação a partir da análise da luta política, na produção das práticas

discursivas vindas das articulações dos sujeitos envolvidos no processo de produção da

política curricular analisada. Estes conceitos nos auxiliam a compreender a política curricular

em seu processo de hibridação cultural.

Assumimos dessa forma, na política curricular cultural pública, que no processo de

produção das Orientações Curriculares para a Escola Organizada por Ciclos de Formação, há

articulações, há discursos e há significantes que produzem sentidos que tentam

hegemonização. Nessa dimensão fica claro que nos aportamos ao seu entendimento a partir

dos processos linguísticos, em que toda produção humana passa por um processo de

significação, só é assim que as coisas e as ações têm sentidos.

Aportar-nos-emos em Laclau e Mouffe (2010) para nos dar sustentação teórica, a fim

de compreendermos os jogos de negociações e disputas no momento de produção de uma

política social. Os autores (re) significam a Teoria Linguística de Ferdinand Saussure a partir

dos estudos de Jacques Lacan na construção de conceitos que captem a dinamicidade e a

flexibilidade na produção de políticas sociais.

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Para Laclau (1995), a forma estrutural da língua, formulada por Ferdinand Saussure,

apresentou limites para a constituição de uma teoria linguística do discurso, pois o discurso se

fixava em qualquer sequência linguística mais extensa que uma oração, sendo essa um

conjunto construído pelo falante sem nenhuma representação social e política.

Essa visão dinamiza a leitura e compreensão das políticas curriculares, pois como

salienta Burity (2010), há como preocupação maior na dimensão política das práticas

discursivas que até então não eram abordadas, retirando então o discurso do seu campo apenas

linguístico transpondo-o para o campo político.

Analisar e compreender as políticas curriculares a partir das significações discursivas

potencializa os sentidos políticos no momento de luta (MENDONÇA, 2009), que é

constituído por um fechamento provisório possibilitando o entendimento dos acontecimentos

por uma cadeia articulatória, fato que gera os discursos em torno desta luta.

A partir da análise dos sentidos discursivos podemos analisar e entender a constituição

de projetos hegemônicos dentro da proposição de políticas de currículo. A relação entre

discurso e poder se torna evidente nas produções políticas, uma vez que são postos na mesa os

sentidos de educação que os produtores possuem. Os atores sociais envolvidos na luta política

se movimentam em um processo de articulação a fim de garantir determinadas posições.

Desse movimento são produzidos os discursos que se pretendem hegemonizar.

Queremos dizer que no momento de produção da política de currículo para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação há tentativas de hegemonizar projetos políticos e

pedagógicos. Como salienta Freitas (2003) em toda e qualquer proposta de organização

escolar por Ciclos de Formação reside um emaranhado de proposições e intenções, ou seja, ao

analisar e pensar a organização curricular através da constituição de políticas temos que estar

atentos para captar quais as intencionalidades estão postas.

A seguir apresentamos os três elementos que consideramos chaves para refletir sobre o

processo de produção da política de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação da rede estadual de Mato Grosso. Acreditamos que seja importante compreender as

políticas curriculares a partir da rede conceitual construída por Laclau e Mouffe (2010), dando

destaque principalmente aos discursos, articulações e significantes, pois estes elementos

podem nos auxiliar na visualização e compreensão dos sentidos políticos dentro da política

curricular ora analisada.

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1.4.1 Articulação

Existem no jogo político as articulações entre os sujeitos, a constituição dos processos

identificatórios é fruto de uma articulação discursiva (LACLAU e MOUFFE, 2010), a

constituição social é realizada a partir das articulações. Esse é um movimento que irá produzir

as práticas discursivas que irão, de forma provisória e contingente, constituir os projetos

hegemônicos. Os sujeitos possuem projetos políticos e desejam que estes sejam

hegemonizados, e nesse momento se dá o início das articulações. Os sujeitos se unem em

torno de projetos e começam a produzir um discurso que acreditam ser a melhor opção para a

sociedade.

A articulação se dá inicialmente por posições diferenciais que estabelecem

posteriormente ligações. Para Laclau e Mouffe (2010, p. 142) a articulação é toda prática que

estabelece uma relação entre elementos, em que a identidade desses é modificada como

resultado dessa prática.

É importante ressaltar que as articulações construídas não são fechadas, e são sempre

contingentes e precárias, ou seja, a todo o momento novas articulações podem ser

estabelecidas na luta política (LACLAU, 2011). Porém, não devemos confundir com os

processos de mediações presentes na cadeia articulatória, como salientam Laclau e Mouffe

(2010, p. 131), nos elucidando que “somente a primeira forma de “organização” pode ser

considerada como articulação; a segunda é, no sentido estrito do termo, uma mediação”.

Para Mendonça (2009) a articulação é constituída por um jogo de diferenças entre os

atores sociais, uma cadeia permanente de práticas articulatórias, que não possuem um

essencialismo nas relações sociais políticas, sendo emerso desse processo é o discurso.

Esse processo articulatório para Laclau e Mouffe (2010) se configura como uma

prática entre elementos que se articulam, contingencialmente, tornando-se momentos. Tais

elementos são identificados e começam as negociações em torno das demandas. E neste

momento é preciso distinguir as articulações das mediações que acontecem no jogo político.

As articulações são estabelecidas e consequentemente são produzidos momentos, e as novas

negociações efetivadas dentro destes momentos, quando não alteram os sentidos, são apenas

mediações entre os sujeitos. Para Burity (s/d, p. 14), a articulação,

[...] implica na construção de uma nova síntese, na qual a recomposição dos

fragmentos é artificial, contingente. Ela não repõe uma unidade orgânica

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original. No caso da mediação, a relação entre os fragmentos e sua forma

recomposta é necessária. “Mediação” descreve um sistema de transições

lógicas em que as relações entre os objetos são concebidas como

reproduzindo relações entre conceitos (e vice-versa). No caso da articulação,

a natureza das relações que se estabelecem entre os elementos tem que ser

determinada. Não somente isto, mas se as relações entre os elementos não

são necessárias, tampouco o são as identidades desses. O discurso que

articula elementos ao mesmo tempo modifica suas identidades.

No contexto das políticas curriculares implica dizer que os sujeitos (ao entrar na luta

política) inicia um processo de articulação, os elementos vão constituindo assim uma cadeia

articulatória, em que as diferenças são apagadas em torno de um significante. Dentro dessa

cadeia (marcada por diferenças) os sujeitos podem discursivamente estabelecer ou não outras

discussões, e isso não significa dizer que estes estão formando outras cadeias articulatórias.

Essas articulações são sempre provisórias. Isso porque a qualquer momento os sujeitos

podem se aglutinar em torno de outras demandas que os farão construírem uma nova

articulação. Isso não significa dizer que não existe uma fixação nas posições dos sujeitos, mas

significa dizer que os sujeitos são descentrados, o que nos mostra que a qualquer momento

podemos trocar de posição, podemos ter outra opinião, podemos produzir outros discursos.

A produção de políticas curriculares é fruto de intensas articulações estabelecidas entre

múltiplos sujeitos (consultores, professores, alunos, membros das secretarias de educação,

dentre outros). E o sentido político, sendo construído nessas relações, é efetivado nas

articulações (SOUTHWELL, 2008). Compreender as articulações nesse sentido é importante

para pensar as políticas curriculares a partir da multiplicidade dos seus atores produtores.

Assumindo assim uma postura em que as pessoas ao entrarem na arena pública de

constituição das políticas curriculares se articularão em torno das demandas circulantes em

um dado espaço tempo. É preciso reiterar que o processo articulatório é sempre contingencial,

ou seja, apesar de em dado momento haver uma fixação acerca do que significa currículo, ela

pode mudar a quaisquer instantes (só não podemos confundir com as mediações citadas

anteriormente).

1.4.2 Discurso

Laclau e Mouffe (2010) não veem distinção entre práticas discursivas e não

discursivas, concebem que todo objeto é constituído pelo discurso, ressaltam ainda que a

separação entre os aspectos linguísticos e os aspectos da prática em um contexto social são

distinções incorretas. Os autores esclarecem que pensar no sentido em que todo o objeto se

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constitui como discurso não tem nada a ver com a existência de um mundo exterior ao

pensamento, nem com a distinção realismo/idealismo. Em um pequeno exemplo eles

demonstram essa situação: um terremoto acontece em qualquer momento independente da

nossa vontade, contudo a sua constituição como objeto resultante de um fenômeno natural ou

a ira de Deus, depende da construção discursiva.

Coadunando com essa posição Oliveira e Lopes (2011, p. 33) dizem que o “discurso é

uma consequência de práticas políticas articulatórias que unem palavras e ações, no sentido

de produzir sentidos que vão disputar espaço social.” Dessa forma o social é constituído pelo

discurso.

O discurso é uma categoria fundamental para a compreensão da realidade social. Toda

e qualquer realidade é significada, ou seja, não existe a objetividade dada e acabada. Os

sujeitos significam as coisas, dão sentidos para a realidade. Portanto o real só é real quando

significado discursivamente. Segundo Burity (2010) os autores se ancoram no discurso para

explicar que as coisas, o social, são sempre, contingente, provisórias, e os sentidos são

produzidos a todo o momento. Para Mendonça e Rodrigues (2008, p. 27),

Discurso, não dever ser entendido como um simples reflexo de conjuntos de

textos. Discurso é uma categoria que une palavras e ações, quem tem

natureza material e não mental e/ou ideal. Discurso é prática – daí a ideia de

prática discursiva – uma vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos,

identidades, grupos sociais são ações significativas. O social, portanto, é um

social significativo.

Nesse sentido compreender os discursos produzidos na política de currículo nos

possibilita entender qual ou quais os projetos de educação os governos estão significando,

como escolas e professores entendem o processo educativo. Unindo palavras e ações, operar

com esse sentido de discurso, podemos compreender a constituição das políticas curriculares a

partir do emaranhado de sentidos que são postos em jogo.

O discurso é para Burity (2008, p. 42), “uma unidade complexa de palavras e ações,

de elementos explícitos e implícitos, de estratégias conscientes e inconscientes”, ou seja, é a

constituição da nossa realidade. Ao assumir essa postura estamos diante de uma ação potente

para compreensão do jogo articulatório nas disputas políticas. Os sujeitos políticos ao se

envolverem na luta se articulam e produzem discursos na tentativa de hegemonizar conceitos

que os mesmos consideram importantes para a educação e para o currículo. Os discursos

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circulantes na constituição de uma política de currículo são processos para a produção de

significantes e de significados.

Para Lopes (2006, 40),

Como todo e qualquer discurso, não são fenômenos apenas linguísticos, mas

se articulam com as práticas e as identidades dos sujeitos, bem como estão

sujeitos a mudanças e constituem um repertório que pré-configura

possibilidades para as relações sociais. Dessa forma, esses discursos, estão

imbricados com instituições, processos econômicos e culturais, normas e

técnicas que constituem as relações sociais.

A produção das políticas curriculares são ações sociais que estão marcadas por

processos econômicos e principalmente culturais, elas constituem o real discursivamente e

representam, precariamente, os sentidos do que os atores sociais nela envolvidos pretendem

construir na realidade.

1.4.3 Significantes vazios

Como mencionado anteriormente os significantes fazem parte do processo de

compreensão da nossa realidade, eles são formas simbólicas que articulados nos permitem

compreender a constituição do social. O jogo significante e significado a partir da

compreensão Lacaniana nos permite entender o mundo a partir de múltiplas relações

discursivas. Jacques Lacan constrói uma importante conceituação da relação significante e

significado a partir da Teoria de Ferdinand de Saussure, para esse a articulação entre o

significante e o significado se configura como o signo linguístico, que representa não uma

mera coisa a uma palavra, mas sim um conceito a uma imagem acústica, apesar de manter

uma relação biunívoca entre o significante e o significado, ele privilegia o primeiro; Lacan

também privilegia o significante quando apresenta o algoritmo S/s (Significante sobre o

significado), contudo o mesmo irá dizer que se caracteriza pela articulação e pela introdução

da diferença que funda os diferentes (COUTINHO e FERREIRA, 2011). É exatamente nessa

lógica que Ernesto Laclau e Chantal Mouffe trabalham com a categoria significante vazio,

aquele que se constitui nas articulações e nas diferenças. Nesse jogo de linguagem precisamos

compreender a lógica dos significantes vazios.

Sobre os significantes vazios Laclau (2011, p. 67) diz que “um significante vazio é, no

sentido estrito do termo, um significante sem significado”. Há um esvaziamento dos seus

sentidos, fazendo com que ele se torne um aglutinador dentro da cadeia de equivalência. O

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significante se torna vazio quando ele representa uma série de demandas diferentes, ou seja,

há uma grande gama de significados que se destinam a ele na luta política.

Segundo Mendonça (2009, p. 162),

O significante vazio ocorre quando um discurso universaliza tanto seus

conteúdos a ponto de ser impossível de ser significado de forma exata. Isso

se dá, segundo Laclau (1996), quando, numa prática articulatória, a cadeia de

equivalências (elementos/momentos articulados) expande polissemicamente

seus conteúdos, inflaciona-se sobremaneira de sentidos.

Laclau (2011, p. 68), diz que:

[...] um significante vazio só pode surgir se há uma impossibilidade

estrutural da significação e apenas se essa impossibilidade puder significar

uma interrupção (subversão, distorção, etc.) da estrutura do signo. Ou seja,

os limites da significação só podem enunciar a si mesmos como

impossibilidade de realizar aquilo que está no interior desses limites – se

estes pudessem significar-se de modo direto, seriam internos a significação;

logo, não seriam limites em absolutos.

O significante vazio emerge por alguns limites, e um deles é a ambivalência dos atores

sociais. Na luta política cada um possui uma identidade, o que representa as diferenças e ao

mesmo tempo todas essas diferenças se equivale, no instante que elas pertencem a um sistema

de exclusão. Nesse momento existe um significante que irá se esvaziando conforme a entrada

de outras diferenças que vão se equivalendo.

Os significantes vazios, muitas vezes, são compreendidos de forma contraditória: um

esvaziamento de sentidos ou um excesso de sentidos. Contudo, falar em significante vazio não

significa dizer que ele não tem significado, e por isso remeter a ideia de vazio, pois dessa

forma seria apenas uma sequência de sons sem sentido algum, ele representa algo. O contrário

também não pode ser sua conceituação, pois um significante vazio não se configura por uma

multiplicidade de significados, pois se assim o fosse, ele teria plenitude de significação em

algum espaço tempo discursivo.

Existe um limite para que o processo seja significado, as diferenças não conseguem

significar. Nesse instante é que surge o significante vazio, aquele que dentro da

impossibilidade, cancela as diferenças possibilitando um fechamento provisório, produzindo

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um processo, contingente, hegemônico. Ele é dentro de uma cadeia articulatória um

significante da ausência. O que seria a ideia de “renunciar a sua identidade diferencial a fim

de representar a identidade puramente equivalencial de um espaço comunitário”

(GIACAGLIA, 2008, p. 78).

Entender os significantes dentro do contexto das políticas está ligado ao entendimento

dos sentidos que são hegemonizados provisoriamente (significantes vazios), dado os seus

limites de significação, só é no jogo político, na análise das políticas de currículo, que

podemos compreender que significantes se tornaram vazios ou não. É na disputa, nas

articulações, nas práticas discursivas, que podemos localizar quais as tendências de

hegemonizações pretendidas pelos sujeitos que estão envolvidos com uma dada política de

currículo.

Esse cenário político é compreendido por nós nesse trabalho marcado pelo processo de

significação cultural. Entendemos o currículo como um jogo político em que a cultura

entrecruza todas as relações sociais. Dessa forma, compreender os significantes vazios dentro

do contexto das políticas curriculares é ver que as pessoas e as sociedades mudam que as

identidades não estão prontas e acabadas, portanto passíveis de mudanças a qualquer

momento, e que nesse inacabamento identificatório múltiplos projetos pretendem

hegemonizar os significantes vazios (LACLAU, 2011).

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2. A PRODUÇÃO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO PARA A ESCOLA

ORGANIZADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO DA REDE ESTADUAL DE MATO

GROSSO

2.1 Ciclos de Formação: uma postura pedagógica e política

Ao investigar a política de currículo discutida em nossa dissertação destacamos o local

de seu destino, de sua chegada, o espaço tempo de suas negociações, reinterpretações,

recontextualizações: a escola. Lembramos ainda que esta escola tem uma organização política

pedagógica, sustentada em concepções educacionais, estamos falando aqui na Escola

Organizada por Ciclos de Formação. Uma forma de organização escolar a qual vem sendo

debatida na rede estadual de Mato Grosso desde final do século passado. É por isso que

iremos fazer uma discussão acerca das concepções sobre Ciclos que nos orientam nessa

pesquisa.

Os Ciclos, como organização escolar, aparecem no cenário educacional com Plano de

Reforma Langevin-Wallon, elaborado pelo governo Francês pós II Guerra Mundial, com o

intuito de melhorar a qualidade do ensino, favorecimento do aperfeiçoamento dos professores,

valorização e preservação da dignidade, reconstrução dos prédios, dentre outros, já no Brasil a

organização da Escola com a denominação de Ciclos iniciou-se a partir da década de 1980,

com o Ciclo Básico de Alfabetização na rede estadual de São Paulo (MAINARDES, 2007,

2009).

Antes de pensar em Ciclos no Brasil já pairava uma preocupação com o alto índice de

reprovação e de desistência nos primeiros anos de escolaridade desde a década de 1920

(BARRETO e MITRULIS, 1999), e talvez esse fosse o grande gargalo da educação brasileira

que culminaria mais tarde na adoção de políticas que tentassem acabar com essa

problemática, dentre elas os Ciclos sob suas várias formas. Dentre os vários debates e

propostas para essa problemática se destacariam a promoção em massa proposta por Oscar

Thompson, Diretor Geral de Ensino do Estado de São Paulo em 1921; a promoção

automática destacada como uma ação de sucesso à reprovação pelo então Presidente da

República Juscelino Kubitscheck em 1957; a organização por níveis da rede estadual de

Pernambuco 1968; a promoção por rendimento efetivo da rede estadual de São Paulo em

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1957; e os avanços progressivos na rede estadual de Santa Catarina em 1970 (BARRETO e

MITRULIS, 1999, MAINARDES, 2007, 2009).

Como já mencionado os Ciclos como forma de organização escolar apareceu no Brasil

em 1984 com a implantação do CBA, sendo a década de 1990 a propulsora de múltiplas

formas de Ciclos, destacando-se os Ciclos de Aprendizagem, Ciclos de Formação e o Regime

de Progressão Continuada (MAINARDES, 2009).

Segundo o autor os Ciclos de Aprendizagem são organizados em Ciclos Plurianuais

(dois anos, três anos ou até mais), o tempo de aprendizagem é alongado, compreendendo a

flexibilização do atendimento aos alunos que possuem formas e tempos de aprendizagens

diferentes, contudo mantém a reprovação no final de cada Ciclo, caso o aluno não alcance os

objetivos esperados. A Progressão Continuada divide o Ensino Fundamental em dois ou mais

Ciclos, geralmente propõe pouca ruptura com a Escola Seriada, bem como mudanças pouco

substanciais no currículo escolar, a reprovação muitas vezes só é eliminada do primeiro para o

segundo ano de escolaridade. Já os Ciclos de Formação propõe uma ruptura mais radical com

o modelo Seriado, baseia-se nos ciclos de desenvolvimento humano, sendo os alunos sempre

agrupados pelas idades, sua operacionalização é complexa e exige um grande trabalho

coletivo (MAINARDES, 2009).

Os Ciclos como forma de organização da Escola de Ensino Fundamental não é uma

novidade contemporânea no cenário educacional Brasileiro, contudo como aponta pesquisa de

Souza e Barreto (2004) eles ainda são a minoria na forma de organização do ensino, mesmo

apresentando uma postura crescente em todo o país. Outro ponto importante ao se discutir os

Ciclos é a sua gama de conceituações e intencionalidades que giram em torno da propositura

de forma de organização escolar.

A rede estadual de Mato Grosso vem desde 1996 implantando novas formas de

organização para o Ensino Fundamental,

Uma das alternativas foi posta em prática em 1996, com a experiência piloto

Projeto Terra, implantada em 22 escolas rurais, tinha como fundamento a

organização em ciclos de formação. Em 1997, a SEDUC implantou a

segunda experiência: o Ciclo Básico de Alfabetização, nos dois primeiros

anos do ensino fundamental de todas as escolas, tendo por finalidade

promover automaticamente o aluno no processo de alfabetização. Entre os

anos de 2000 e 2002, a Secretaria de Educação implantou os ciclos de

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formação para todo o ensino fundamental que, desde então, passou a ser de

nove anos (BORDALHO, FERNANDES e MENEGÃO, 2007, p. 169).

Em nossa pesquisa defendemos que a Escola Organizada por Ciclos de Formação

possa ser uma das possibilidades mais profícuas para o Ensino Fundamental, pois possibilita

um movimento constante de luta pela democratização, pelos múltiplos projetos de sociedade,

pela valorização do ser humano, um espaço de resistência às injustiças no mundo. Assumimos

dessa forma que a política curricular dentro desse espaço tempo precisa reconhecer as

relações de poder no processo de formação de identidades sociais.

Freitas (2003) defende que a problematização das relações de poder dentro das escolas

organizadas por Ciclos assumem sua complexidade, pautando-se na noção de formação e não

apenas na instrução, na introdução do desenvolvimento humano como ponto importante para

a organização, na reflexão crítica sobre o mundo, dentro outros pontos.

É nessa esteira que acreditamos que possa ajudar a construir um processo educacional

que compreenda as significações culturais advindas de cada sujeito pertencente a um

determinado espaço tempo escolar, ou seja, uma postura dos Ciclos de Formação em que as

concepções políticas e pedagógicas não se distanciam, mas se aglutinam em um constante

movimento de embates, de lutas, de forma que a escola não seja um bloco monolítico de

reprodução de uma sociedade elitizada. Como salienta Freitas (2002, p. 320):

A luta por uma escola para todos somente poderá ser consequente quando a

escola for, além de um local de aprendizagem, um local de tomada de

consciência e de luta contra as desigualdades sociais em estreita relação com

os movimentos sociais emancipatórios, quando então a escola encontrará seu

lugar formativo/instrutivo no nosso tempo. Além de conteúdo, a escola deve

ensinar novas relações com as pessoas e com a natureza. Mais do que nunca,

temos que saber ler as medidas que estão sendo propostas usando um

instrumental teórico que nos permita desvelar as reais intenções e as práticas

das atuais políticas públicas e armar a resistência.

Assumindo uma postura política e pedagógica de luta por projetos diversos, a Escola

Organizada por Ciclos de Formação ancora-se em uma concepção de sociedade e de

educação, que preza pela posição crítica sobre o mundo, com ruptura ao currículo

enciclopédico, que flexibiliza os tempos formativos, que organiza o trabalho coletivamente,

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que acredita no processo democrático de acesso, permanência e qualidade da educação

pública (FREITAS, 2002b, ALAVARSE, 2009, FERNANDES, 2012).

Dessa forma “trata-se de politizar as soluções organizativas da escola e levar ao

extremo suas possibilidades” (ALAVARSE, 2009, p. 38). Assim, as transformações

curriculares que constroem as identidades escolares, não podem ser apenas nominalistas, mas

precisam romper com lógicas excludentes e caminhar em direção a produções de políticas de

currículo que ampliem as possibilidades de participação de todos e todas dentro da escola.

A Escola Organizada por Ciclos de Formação ao buscar formas de participação e

eliminação da exclusão da diversidade promove a compreensão da educação como direito de

todos, atendendo às múltiplas necessidades dos alunos, articulando politicamente e

pedagogicamente as demandas culturais trazidas de múltiplos espaços e tempos de vivências

dos alunos (JACOMINI, 2009).

Ancorados em Freitas (2003), Barreto e Souza (2004), Mainardes (2009) e Fernandes

(2012), acreditamos que a organização da escola por Ciclos de Formação não pode ser vista

como uma mudança apenas no tocante à forma de organização das turmas e dos alunos, pois

essa organização há uma grande e complexa mudança na cultura política pedagógica de cada

unidade escolar. Dentre essas mudanças, uma das mais radicais está na política curricular

construída ao pensar as concepções educacionais, já sinalizadas anteriormente.

O currículo na Escola Organizada por Ciclos de Formação se potencializa quando sua

organização e produção assumem um caráter provisório, uma articulação entre os

conhecimentos e as vivências culturais e sociais dos alunos, promove integração curricular,

rompe com a lógica de seletividade cultural elitizada, promove a democratização nas práticas

pedagógicas, problematiza a diferença cultural, quando possibilita ser pensado como política

cultural pública.

2.1.1 A escola organizada por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato

Grosso

A proposta da Escola Organizada por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato

Grosso vem sendo construída a partir de 1996, desde então muitas discussões vêm sendo

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travadas para a sua compreensão e construção de práticas pedagógicas em cada contexto

escolar.

Na intenção de romper com as rígidas séries e os seus processos de exclusão,

principalmente a retenção, os movimentos de implantação do Projeto Terra em 1996 e do

CBA em 1997 organizados pela SEDUC/MT promoveu a produção da primeira proposta

pedagógica da Escola Organizada por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato Grosso,

tendo como fruto desses processos a publicação do documento no ano de 2001: Escola

Ciclada de Mato Grosso – novos tempos e espaços para ensinar, aprender a sentir, a ser e

fazer (MENEGÃO, 2008, BORDALHO, 2008).

Neste documento é apresentada a forma de organização da Escola Organizada por

Ciclos de Formação, contendo as concepções de Ciclos, as possibilidades de construção

curricular, metodológica e avaliativa, bem como outras questões pedagógicas.

O capítulo I dedica-se a contextualização da Escola Organizada por Ciclos na rede

estadual, discutindo a trajetória do processo de sua implantação. Destaca-se a concepção

ampla de garantir a educação como direito subjetivo, promovendo o amplo acesso e

permanência dos estudantes na escola, propondo o rompimento com a escola organizada em

séries (MATO GROSSO, 2001). Essa preocupação não residia apenas a essa concepção, pois

sendo um governo neoliberal (PSDB) destacamos aqui que o mesmo se ancora em uma

necessidade de proferir um discurso inovador para manter-se no governo.

Em seu segundo capítulo o livro dedica-se a uma discussão necessária para a escola

organizada por Ciclos de Formação: os ciclos de desenvolvimento humano e a sua estrutura

organizacional. O texto da política de Ciclos destaca que “o redimensionamento da educação

escolar de crianças e adolescentes pressupõe a compreensão dos significados atribuídos à

infância e à adolescência na esfera da cultura e da vida social contemporânea” (MATO

GROSSO, 2001, p. 30), evidenciando a sua atenção na relação entre Ciclos de Formação e

desenvolvimento humano nesta fase de escolarização (infância, pré-adolescência e

adolescência).

Em seguida a proposta trata da estrutura dos Ciclos de Formação, discutindo temas

como a progressão, a enturmação, a forma de organização dos profissionais da educação e a

retenção. Este último ponto é alvo de grandes discussões, pois assume uma concepção que vai

de encontro com os Ciclos de Formação. Assim como Brandini (2011), consideramos este

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ponto como um processo de hibridação entre Ciclos de Formação e Ciclos de Aprendizagem,

pois há a organização ancorada nos ciclos de desenvolvimento humano, pressuposto dos

Ciclos de Formação, sendo ao mesmo tempo permitida a retenção no final de cada ciclo,

pressuposto dos Ciclos de Aprendizagem.

No capítulo III da proposta são debatidas as questões curriculares. Propõe-se a

organização por Área de Conhecimento, trazendo as concepções dos componentes

disciplinares, evidenciando a importância da interdisciplinaridade, propondo o fim das

listagens de conteúdos (MATO GROSSO, 2001). A concepção de currículo vem do

movimento da teoria crítica refletindo a todo o momento as relações de emancipação dos

sujeitos a partir da escolarização, contudo, embora não traga listagem e nem quadros de

conteúdos, hibridiza-se a concepções tecnicistas de currículo, fundamentando-se em Cesar

Coll e nos PCNs. Mesmo apresentando essa problemática acreditamos que esta proposta

possibilita uma maior flexibilização na construção curricular do que a proposta publicada

recentemente, que se apresenta mais endurecida.

Além disso, este texto traz como propostas metodológicas para organização curricular

os Temas Geradores, Complexo Temático, Pedagogia de Projetos e Unidades Temáticas

(MATO GROSSO, 2001), deixando que as escolas debatessem e fizesse a escolha da melhor

proposta para cada unidade, diferente das Orientações Curriculares, publicadas em 2010, que

trazem apenas o Complexo Temático como proposta metodológica para a Escola Organizada

por Ciclos de Formação.

Na última parte do documento são tratadas as concepções de avaliação que coadunem

com a Escola Organizada por Ciclos de Formação. Além da descrição de instrumentos

avaliativos, a proposta discute a importância da avaliação reflexiva, pautada na emancipação

dos sujeitos (MATO GROSSO, 2001).

A política curricular para/na Escola por Ciclos de Formação é complexa e exige um

debate permanente em sua construção, tendo os professores e professoras a considerá-la como

um processo em constantes negociações culturais para a sua efetivação. Nesta proposta

inicial, publicada nesse texto político em 2011, o currículo é dado com um ponto importante

para a construção de uma educação democrática, contudo, como podemos ver apresenta

limitações, como a citada acima.

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80

Com o início da reformulação da proposta curricular para a Educação Básica em

2007/2008 a SEDUC/MT, o grupo que estava a frente do processo de produção da proposta

também começa um movimento de (re) pensar o texto curricular do Ensino Fundamental

Organizado por Ciclos de Formação, processo que encaminhou a produção do texto curricular

das Orientações Curriculares em 2010.

2.2 A Produção e as Influências na emergência da Política Curricular para a

Escola Organizada por Ciclos de Formação de Mato Grosso

2.2.1 EIXO 1 – A produção do texto da política curricular

a) O processo de construção dos textos das orientações curriculares

Os professores e professoras da rede estadual de ensino de Mato Grosso contam desde

2010 com uma série de documentos que orientam a produção e organização curricular em

suas escolas. No dia 27 de setembro de 2010 no auditório da Escola Superior do Tribunal de

Contas do Estado de Mato Grosso foi lançada a nova política de currículo para toda a

Educação Básica da rede estadual. A disponibilidade dos documentos, a partir dessa data, foi

através do site da SEDUC/MT (www.seduc.mt.gov.br). A versão impressa dos documentos

somente chegou às unidades escolares a partir de 2012 (MATO GROSSO, 2012, site da

SEDUC/MT – Notícias).

Dessa maneira iremos discutir o processo de produção dos documentos da política

curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação. Traremos o processo como um

todo, apresentando e debatendo as etapas de produção, buscando articular esse processo ao

nosso objeto, que reside na discussão do currículo para a Escola Organizada em Ciclos de

Formação, a fim de refletirmos como o mesmo foi pensado durante a produção da política

curricular. Debateremos as articulações, os discursos e os significantes relevantes dentro desse

processo no tocante ao ensino fundamental, tentando fazer um movimento em busca das

intencionalidades políticas e pedagógicas.

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A partir da década de 1990 muitos investimentos no campo educacional foram postos

no Brasil. Tais investimentos vieram carregados de lutas de poder, além de muitas críticas e

controvérsias. Organismos como Banco Mundial e OCDE injetaram verbas em muitos países

para o fortalecimento educacional e uma das determinações destes organismos aos governos

era a produção de documentos orientativos para a organização e produção curricular. No

Brasil a produção dos PCNs para o Ensino Fundamental publicado em 1997 foi um grande

marco desse processo. Ademais, outra determinação era que os Estados da Federação também

se organizassem para produção e publicação de documentos próprios.

Como nos salienta Ball (2001) é inevitável com o processo de globalização que as

políticas nacionais ou estaduais não sofram as influências advindas de vários lugares no

globo, elas sofrem uma processo de “bricolagem”, um processo de empréstimo e de recortes

de outros lugares, e são marcadas por influências das agências financiadoras de políticas

educacionais e curriculares, como no caso brasileiro, como podemos ver.

Nesse mesmo movimento de produção, nesse fluxo de proposição de políticas

educacionais, Mato Grosso em 1998 também propõe a produção de textos curriculares.

Primeiro com a publicação do livro para o Ensino Médio: Novas perspectivas para o Ensino

Médio em Mato Grosso, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Maximo e Acácia Zeneida

Kuenzer. Documento que de certa forma não obteve tanto impacto na rede, pois os produtores

dos documentos eram todos do Estado do Paraná, fato que provocou certo distanciamento das

realidades sociais, culturais, econômicas, políticas do Estado do Mato Grosso (Entrevista com

GST).

Em 2000 o governo do Estado de Mato Grosso assume depois de vários momentos de

debates com a sua rede de ensino (via Projeto Terra, Projeto CBA e Projeto PEC, citados

anteriormente) a proposta de organizar o Ensino Fundamental por Ciclos de Formação. Essa

foi e ainda está sendo uma nova forma de organização da escola que trouxe desafios de como

pensar as questões curriculares de forma mais flexível, bem como uma possibilidade de

formação de sujeitos críticos e emancipados (FERNANDES, 2012).

Nesse momento foi construída uma proposta com pressupostos pedagógicos para a

organização escolar em geral, discutindo os papéis dos profissionais como: professor regente,

professor articulador, o coordenador pedagógico, dentre outros, o processo avaliativo e

metodológico. A questão curricular assumiu uma parte importante, trazendo uma reflexão em

torno das áreas do conhecimento e das disciplinas. Do debate entre as escolas e a SEDUC/MT

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nasceu o texto oficial publicado no livro Escola Ciclada de Mato Grosso: novos tempos e

espaços para ensinar – aprender a sentir, ser e fazer. Esse texto oficial destaca em seu

terceiro capítulo a concepção de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

(MATO GROSSO, 2001), que foi de certa maneira pouco trabalhada pela própria Secretaria

de Educação (FERNANDES, 2012).

Enredados por uma série de discursos circulantes a nível nacional, somados aos

discursos dos professores e professoras da rede estadual da necessidade de documentos

orientativos, mais a necessidade de (re) pensar as propostas produzidas anteriores (citadas

acima), bem como das demandas de trabalho formativo oriundos da Superintendência de

Formação dos Profissionais da Educação, a Superintendência de Educação Básica em meados

de 2007 assume a responsabilidade da produção de novos documentos para a orientação

curricular das escolas da rede estadual (Entrevista com GSA).

A tomada de decisão para a produção da política curricular se deu pelo

posicionamento da Superintendente de Educação Básica da época, Profa. Aidê Fátima de

Campos, como podemos ver no trecho abaixo:

Eu disse a professora Rosa Neide que era nossa Secretária Adjunta que nós

faríamos. Eu vi essa necessidade porque eu era da superintendência de

formação em 2006, e quando eu estive lá por um ano em 2006, o tempo

todas as colegas da SUFP diziam que não tínhamos como discutir formação

se não tínhamos os parâmetros que deveriam vir da superintendência que

deveria discutir currículo, então de certa forma já havia uma cobrança

interna por parte da superintendência que a SUEB deveria dar o tom

(Entrevista com GSA).

Percebemos nesse sentido que houve um jogo articulatório em que a Superintende da

Educação Básica inicia entre os membros de sua Equipe Pedagógica da SUEB, e enreda a

Secretária Adjunta de Políticas Educacionais (cargo estratégico de deliberações pedagógicas e

financeiras), assumindo assim após entrar na articulação o discurso da necessidade de se

produzir um documento que desse o tom para todo o acompanhamento das escolas da rede.

Essa articulação é feita a partir das necessidades de outras equipes, bem como a forte

marca de estar coadunando com os propósitos do governo federal. É importante salientar que

todo esse movimento inicial se deu para a produção de um documento curricular para o

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Ensino Médio, somente depois de algumas discussões que se torna concreto a política

curricular para toda a Educação Básica (Entrevista com GST).

Com o discurso de integração da Educação Básica começou-se a ideia de produzir um

documento integrando a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio,

A princípio a gente tava organizando cada qual na sua etapa, educação

básica, ensino fundamental e ensino médio, e depois houve uma parada pra

refletir, porque se a educação básica ela é dividida em etapas, é uma

continuidade, então pra tentar aproximar mais de uma prática

verdadeiramente é que se buscou essa integração (Entrevista com GSAS).

[...] uma proposta que se iniciaria do ensino infantil até o ensino médio, mas

a proposta não deu conta de incorporar a educação infantil por ausência de

profissionais para discuti-la (Entrevista com GSA).

Como podemos perceber foi produzido um discurso com a necessidade de se produzir

um documento integrando toda a Educação Básica, contudo no texto curricular a Educação

Infantil acabou não aparecendo como salientado no último trecho acima, fato que de certa

forma constitui uma falha.

Com relação ao ensino fundamental, mais precisamente acerca da Escola Organizada

por Ciclos de Formação, já havia na SEDUC/MT uma discussão interna iniciada em 2005,

sendo tomada a decisão de reestruturação da Política de Ciclos em Mato Grosso (BRANDINI,

2011), o que gerou a produção de vários documentos de (re) organização da escola, através de

Portarias e Instruções Normativas elaboradas a partir desse movimento. Foram debatidas as

temáticas relacionadas à organização da Articulação, da Sala de apoio pedagógico, da

permanência do mesmo professor em uma única turma dentro de cada ciclo, dentre outros

mecanismos importantes. Contudo, mesmo a Equipe do Ensino Fundamental, pensando e

organizando tais documentos, muitas vezes outros setores da própria SEDUC/MT não

coadunavam com as mesmas proposituras, o que levava muitas vezes a uma dificuldade de

implantação (dos mecanismos citados acima) da Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Mesmo após o Ensino Fundamental já ter iniciado um movimento de (re) estruturação

dos Ciclos de Formação, onde o currículo tinha uma parte significativa, a SEDUC/MT inicia

somente em 2007 as discussões internas com as equipes da Educação Básica num movimento

de produção da política curricular para toda a Educação Básica.

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Inicialmente, estas discussões centraram-se na Equipe do Ensino Médio. Alguns

membros da Secretaria pensaram, junto a Superintendente da Educação Básica, a necessidade

de contratação de uma consultoria externa para pensar a produção da proposta. Fruto desses

debates foi a definição de viagem da Equipe do Ensino Médio à Secretaria de Estado de

Educação do Paraná, a qual vinha de um movimento de produção de documentos curriculares,

bem como manter contato com a Profa. Dra. Acácia Kuenzer. Essa escolha, de ir ao Paraná,

deu-se por dois motivos: o primeiro pelos trabalhos desenvolvidos pela professora Acácia em

momento anterior e o segundo por ela fazer parte do grupo que estava pensando as diretrizes

curriculares para o País (Entrevista com GSA).

Isso nos mostra as relações de poderes oblíquos existentes no campo educacional, uma

vez que a consultora foi contratada por vários motivos, contudo destacamos nesse momento

as questões referentes ao campo que lhe conferiu posteriormente o poder de definições de

toda a organização da política curricular, principalmente o fato de que a mesma desenvolvia

trabalhos junto ao MEC.

Depois de aceitar o convite para produção da política curricular a Profa. Acácia

Kuenzer sugeriu que a SEDUC/MT contratasse professores consultores do Estado de Mato

Grosso, a fim de permitir que os documentos tivessem as especificidades culturais, políticas e

sociais da região. A fim de não correr o risco de realizar um trabalho que tivesse as

características de outros espaços tempos, afastando-se mais uma vez das especificidades de

Mato Grosso, a sugestão foi acatada pela SEDUC/MT (Entrevista com GST).

Na intenção de promover uma proposta articulada com as escolas, a SEDUC/MT

promoveu um primeiro encontro com os consultores contratados para a produção,

acompanhamento e assessoramento das disciplinas, eram Professores da Universidade Federal

de Mato Grosso, Universidade do Estado de Mato Grosso e Professores da SEDUC/MT sede

e dos Cefapros. Esse encontro foi realizado em Cuiabá-MT em abril de 2008 e teve como

ponto fundamental a discussão das linhas gerais de orientação do processo de construção das

concepções de educação para todas as etapas e modalidades, bem como as orientações das

consultoras que iriam coordenar inicialmente todo o processo: Profa. Dra. Acácia Kuenzer e

Profa. Dra. Jorcelina E. Fernandes (SEDUC/MT, 2008 - Documento Sistematizador do

Encontro).

Nesse momento foi apresentado aos consultores das disciplinas que a política

curricular teria um documento introdutório com as concepções teórico, filosóficas e

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metodológicas que norteariam as diretrizes pedagógicas da educação básica e modalidades,

texto construído pela Profa. Dra. Acácia Kuenzer.

Nesse primeiro momento a ideia da SEDUC/MT era produzir um documento que

articulasse as três etapas da Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e

Ensino Médio, mostrando para os professores e professoras da rede uma visão de integração e

não de etapas fragmentadas (SEDUC/MT, 2008 - Documento Sistematizador do Encontro).

Contudo, no desenrolar do processo de produção a Educação Infantil não foi posta em cena,

tendo os documentos a discussão apenas sobre Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Em 2008 por motivo de estar em outra consultoria na produção de um documento para

a Escola Organizada por Ciclos de Formação (processo iniciado em 2006) a Profa. Dra.

Jorcelina E. Fernandes se afasta da consultoria das Orientações Curriculares para se dedicar

somente a esse primeiro trabalho (Entrevista com GSA). Nesse momento esta consultora

orienta a SEDUC/MT a contratar um especialista em Alfabetização para o acompanhamento

da construção dos Documentos para o Ensino Fundamental. Esse fato leva a SEDUC/MT a

colocar a Profa. Dra. Acácia Kuenzer como consultora geral da política curricular, a qual iria

orientar a todos os demais consultores, bem como contratar a Profa. Dra. Martha Lourenço

Vieira da Universidade Federal de Minas Gerais para tratar das especificidades da

alfabetização, no ensino fundamental.

Embora as intenções das SEDUC/MT fosse a organização, sistematização e

distribuição dos documentos ainda em 2008 este ano foi reservado aos debates entre

consultores e professores e dirigentes da Secretaria, sem envio às escolas. A Profa. Dra.

Acácia Kuenzer escreveu o documento preliminar com as concepções de Educação e os

professores consultores das disciplinas se destinaram a escrever os documentos em três

grandes áreas: Ciências Humanas, Linguagens e Ciências da Natureza e Matemática.

Além dessa organização para as etapas da Educação Básica, também foram

construídos textos orientativos para as Modalidades e Especificidades: EJA, Educação

Especial, Educação Escolar Indígena, Diversidade, Educação do Campo. A produção desses

documentos tiveram caminhos muito peculiares, cada um com sua trajetória.

Esse primeiro documento (mencionado anteriormente) só foi enviado às escolas no

início de 2009, primeiramente via e-mail e posteriormente impresso. A partir da leitura desse

primeiro documento as escolas deveriam realizar discussões e encaminhar à SEDUC/MT

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sugestões de alterações e/ou acréscimo de outras proposituras. Conhecido como Caderno

Amarelo, a primeira parte foi encaminhada no dia 03 de abril de 2009 às escolas estaduais.

Depois desse envio a Secretaria organizou o dia “D” das Orientações. Neste dia todas as

escolas públicas estaduais deveriam realizar uma mobilização para estudos, debates e

sistematização de propostas a serem encaminhadas para a SEDUC/MT (MATO GROSSO,

2009, site da SEDUC/MT – Notícias).

Esse movimento foi repleto de confusões e conflitos. Muitas escolas não realizaram os

encontros. Outras acharam um dia extremamente ilusório para as discussões. Algumas

encaminharam até mesmo resumos para a SEDUC/MT. Comungamos com as escolas que se

puseram contra o movimento de um dia apenas para um documento tão importante para as

práticas pedagógicas dos professores e professoras.

As unidades escolares receberam uma carta da SEDUC/MT com orientação para que

houvesse uma articulação com toda a Comunidade Escolar para a leitura e debate do texto

preliminar. Contudo, cada escola teve suas formas de organização. Em alguns casos, as

escolas convocaram apenas os professores, dispensando a presença dos demais profissionais e

alunos, realizaram uma divisão do número de professores pelo número de páginas do texto, e

cada um deveria fazer um resumo de sua parte, cabendo posteriormente ao Coordenador da

escola encaminhar o resumo completo à Secretaria. Em outros casos as unidades escolas

conseguiram travar uma discussão ampla com a sua Comunidade Escolar, realizando um

debate sobre como o texto curricular poderia colaborar com a formação dos sujeitos da escola.

Em suma, podemos dizer que foi um movimento com poucos dias, limitando-se em alguns

casos a uma discussão mais ampla, pois com o tempo reduzido muitas escolas não

conseguiram terminar a leitura e nem fazer o debate de todo o texto.

Depois dessa etapa a produção das Orientações Curriculares dirigem as atenções à

produção dos documentos por área do conhecimento, construídos preliminarmente pelos

consultores das disciplinas. Nessa etapa as discussões iniciais foram internas entre os

membros da SEDUC/MT, professores consultores das Universidades e a Profa. Dra. Acácia

Kuenzer. Um movimento articulado com as escolas só retornaria em 2010.

Como podemos ver, nas primeiras fases de produção da política curricular não há uma

preocupação em discutir as questões referentes à Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Embora houvesse alguns discursos proferidos pelos consultores e por gestores da SEDUC/MT

circulando nos meandros do processo, pouco de fato se discutiu acerca da articulação entre as

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concepções de Ciclos de Formação e a propositura da política de currículo. A preocupação foi

dada principalmente aos conhecimentos disciplinares e suas possíveis integrações em áreas de

conhecimento.

No que se refere aos Ciclos de Formação, há na política de currículo um texto

encomendado ao Prof. José Clovis do Rio Grande do Sul. Tal texto apresenta a perspectiva da

Escola Cidadã (proposta construída em Porto Alegre – Rio Grande do Sul), com suas

características pedagógicas e políticas. É um texto bem fundamentado, contudo de certa forma

se distancia da realidade mato-grossense. Foi feito um convite para que este professor

escrevesse sobre os Ciclos de Formação, mesmo sem o mesmo ter vindo ao Estado travar uma

discussão com os professores consultores, bem como com nenhum professor ou professora da

rede estadual, como podemos ver no trecho abaixo:

[...] pra discutir o Ciclo, a concepção de ciclo também, a gente procurou o

professor José Clovis da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que

atualmente está como secretário do estado... foi tido com ele uma conversa, e

como a gente precisava escrever a concepção de ciclo de forma objetiva, de

forma clara, e ele é um estudiosos de Ciclo no país, então foi convidado o

professor José Clovis (Entrevista com GSR).

O Prof. José Clovis não participou do movimento de produção da política de currículo

para a Escola Organizada por Ciclos de Formação, ele apenas escreveu sobre os Ciclos e suas

concepções, sem haver um diálogo com os demais produtores consultores. É como se

apresentasse um texto, mas que ninguém poderia mudar o que está colocado, sem tocar o

movimento articulatório de produção na política curricular, e isso a nosso ver é um ponto

negativo, pois ficou desarticulado com a proposta.

Após muitas discussões internas da SEDUC/MT em 2009, a Superintendência de

Educação Básica, através da Coordenadoria de Ensino Fundamental – Profa. Janaína Pereira

Monteiro retoma os debates com as escolas. Esta Coordenadoria sistematiza e organiza o

processo final de produção das Orientações Curriculares para toda a Educação Básica

(Entrevista com GCA e GSJ).

Com os documentos preliminares das disciplinas, organizadas em Áreas de

Conhecimentos construídos, a Secretaria encaminha às unidades escolares, via e-mail, no final

de maio de 2010, para apreciação e discussões internas em cada escola (Entrevista com GSA).

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A orientação dada era de que fossem utilizadas as horas de trabalho pedagógico – as 10 horas

atividades para os primeiros debates (SEDUC/MT, 2010 - Carta de Orientação às escolas).

Contudo, um problema foi lançado a esta proposta, pois grande parte dos professores da rede

estadual é contratada temporariamente e não possui tais horas. Isso gerou um desconforto

dentro de muitas escolas. Fato não solucionado pela Secretaria. As escolas tiveram todo o mês

de junho para a realização destes primeiro estudos, que culminou de um debate coletivo de 30

de junho a 02 de julho (MATO GROSSO, 2010, via site SEDUC/MT – Notícias).

Semanalmente os professores deveriam se organizar durante as horas atividades fora

de classes de aulas, para o estudo e debate da segunda parte do texto curricular. Destacamos

que mais uma vez o Ciclo de Formação não foi tratado diretamente nesses momentos, pois

essa segunda parte trata das concepções disciplinares e tenta propor uma articulação por Área

de Conhecimento.

Destes estudos, cada escola selecionou membros para participar e representar a sua

unidade em um Seminário Municipal das Orientações Curriculares. Todos os municípios do

Estado de Mato Grosso organizaram encontros sob a coordenação das Assessorias

Pedagógicas. Os representantes das escolares levaram para estes encontros municipais todas

as sugestões, acréscimos ou supressões que a escola de origem havia debatido em estudos

anteriores. O mês de julho de 2010 foi reservado para que estes Seminários Municipais

fossem realizados. Após os debates nestes encontros, foram produzidos um documento de

cada município, com suas sugestões e outros encaminhamentos. Este processo foi

sistematizado por membros dos Cefapros (Entrevista com GSJ).

Assim como os estudos nas escolas, os Seminários Municipais também foram

conturbados, conflituosos e profícuos. Muitos Seminários Municipais tiveram uma discussão

muito distante do esperado para a construção da proposta da política de currículo em

construção. Discussões em torno de salários, infraestrutura, eram evidenciadas a todo o

momento. Não que isso não fosse importante, mas a propositura a ser debatida e refletida

girava em torno de questões curriculares. O inverso também é verdadeiro. Boas discussões em

torno de questões curriculares pertinentes foram travadas, principalmente em torno de

temáticas como diversidade e as tecnologias da informação e comunicação, que não estavam

presentes diretamente nos texto curriculares (MATO GROSSO, 2010 – Relatório GTs).

Estes Seminários tiveram seus relatórios encaminhados aos Seminários Regionais. A

partir da leitura de alguns dos quadros sistematizadores dos Seminários Municipais podemos

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detectar a presença de algumas discussões acerca de uma necessidade de se pensar a Escola

Organizada por Ciclos de Formação, contudo não diretamente as questões curriculares, mas à

organização e funcionamento geral dessa escola.

Destes Seminários foram eleitos representantes de cada município para a participação

no Seminário Regional, a mesma lógica esperada entre os Estudos Internos nas Escolas e o

Seminário Municipal deveria ser feita entre o Seminário Municipal e o Seminário Regional.

Foram organizados 15 Seminários Regionais no Estado (um em cada polo Cefapro) sob a

responsabilidade dos Gestores dos mesmos. Estes seminários aconteceram na primeira

quinzena de agosto de 2010. Foram debatidos nestes encontros os documentos provenientes

dos Seminários Municipais. As sugestões eram votadas e definidas pelos representantes.

Mais uma vez os membros dos Cefapros tinham nesse evento a responsabilidade de

sistematização de um documento do seu polo, de forma a representar os desejos provenientes

das cidades que o compunha (Entrevista com GSJ).

A intenção nesse processo foi de promover a construção de uma política com cunho

democrático representativo. Acreditamos que essa tentativa democrática seja importante,

contudo acreditamos na democracia radical, que requer uma ampla arena de negociação de

sentidos, de disputas, em que o antagonismo se transforme em agonismo, em que inimigos

sejam vistos como adversários (MOUFFE, 2011), sendo este espaço tempo destinado às

discussões dos textos da política extremamente limitados, fato que nos leva a pensar em uma

possibilidade de que se pretendeu democrática, mas que não se efetivou nesses seminários de

forma ampla.

Uma problemática vista nesse processo foi exatamente a representação. O que

significa representar? Será que os membros conseguiam representar? Os desejos de cada

escola foram representados? São questões extremamente complexas que possuem uma carga

de poder muito grande. A representação é algo tão subjetivo que muitas vezes escapa da sua

legitimação final, provocando certo descolamento do que iria representar, por isso muito

difícil de acontecer (LOPES, 2012).

Após todo esse processo foram reunidos em Cuiabá um Grupo de Sistematização para

organização dos quinze documentos provenientes dos Seminários Regionais. Esses Grupos de

Trabalhos (GTs) foram formados por membros da SEDUC/MT sede e professores

Formadores dos Cefapros. Estes GTs tiveram a grande responsabilidade de dialogar com os

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Professores Consultores produtores dos documentos das Áreas de Conhecimento, a partir dos

documentos vindos dos Seminários Regionais.

Foi dada uma responsabilidade grande aos GTs, que deveriam ser excelentes

professores para essa atividade. Mas, uma pergunta se faz necessária: como foram escolhidos

os membros destes GTs? Primeiramente foram selecionados internamente pelas

Coordenadorias e pela Superintendência da Educação Básica os Técnicos Pedagógicos da

SEDUC/MT mais envolvidos no processo de produção da política curricular. Já os membros

dos Cefapros foram selecionados a partir da participação no Encontro Formativo dos Cefapros

dedicado aos estudos e debates das Orientações Curriculares. A SEDUC/MT observou e

convidou os professores formadores que tiveram maiores intervenções e participações nos

debates sobre as Orientações Curriculares no Encontro realizado em março de 2010

(Entrevista com GSJ).

Foram organizados quatro GTs: Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza

e Matemática e Alfabetização. Os membros dos GTs realizavam a leitura dos documentos

vindos dos Seminários Regionais e logo após faziam uma discussão com o consultor de cada

texto. A proposta era de que a partir deste dialogo o Professor Consultor fizesse os ajustes

para adequar aos anseios dos professores da rede estadual de todo o Estado. Esse momento foi

tenso e conflituoso, o que para nós é extremamente importante para o processo democrático.

Em algumas áreas não foram encaminhadas sugestão alguma, em umas só foram

encaminhadas reclamações acerca do processo salarial. Sendo assim, uma das discussões nos

GTs era o processo de “limpeza” do que fosse importante para a produção do documento de

Orientações Curriculares (Entrevista com GSJ e GSAS). Reiteramos como anteriormente que

as demandas sobre salário e outros são importantes, contudo para outro cenário.

Embora um dos GTs de sistematização final das Orientações Curriculares fosse

formado por um grupo de Pedagogas, que ficaram responsáveis pelo debate do Ensino

Fundamental, mais uma vez a discussão acerca do currículo para uma escola que está

Organizada por Ciclos de Formação ficou distanciada desse processo. As discussões estavam

centradas nos saberes disciplinares.

Acreditamos que a participação desse grupo de Professores Pedagogos foi importante

para a produção da política curricular, pois são professores dessa formação que lidam com as

especificidades das crianças na infância e na pré-adolescência, portanto fundamentais para a

discussão da construção de propostas pedagógicas para os mesmo, contudo o foco dos GTs

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eram as sistematizações dos campos disciplinares e não a produção de um currículo que iria

ser destinado às Escolas Organizadas por Ciclos de Formação. E tal temática é fundamental

para esse processo, uma vez que a propositura curricular se destina a um espaço tempo, que

no caso da rede estadual de Mato Grosso é a Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Percebemos que esse ponto reforça o que salientam Macedo e Lopes (2002) a estabilidade

disciplinar no currículo escolar, ou seja, mesmo com um grupo amplo de profissionais de

diversas áreas tentando realizar um trabalho integrado, os saberes e o poder disciplinar ainda

imperam na produção de uma política de currículo.

Outro ponto refere-se às fronteiras entre os membros dos GTs e os Professores

Consultores. As discussões com alguns Consultores foram desgastantes, pois os mesmos não

aceitavam as alterações advindas dos Seminários Regionais. Alguns dos consultores até

mesmo se afastaram do processo, caso de Educação Física e Sociologia. Contudo, embora

tenham ocorrido estes percalços na maioria dos casos as mudanças foram recebidas

positivamente, sendo a maioria aberta às alterações propostas (Entrevista com GSAS).

Esse movimento de discussões nos GTs durou aproximadamente dois meses (agosto e

setembro). Depois destes trabalhos o texto da política curricular foi publicado oficialmente em

27 de setembro de 2010. Inicialmente os textos foram disponibilizados no site da

SEDUC/MT, e só foram encaminhados às unidades escolares no formato impresso em 2012

(MATO GROSSO, 2010, via site SEDUC/MT – Notícias).

De todo esse movimento, consideramos que a falta de discussões acerca dos

significados de construção do currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação foi

um dos pontos mais problemáticos, pois isso diminuiu a possibilidade de efetivação de uma

política de currículo que atendesse aos princípios de produção autônoma das escolas, tentando

enquadrar o movimento que a construção curricular necessita.

O processo de produção foi longo, do início das ideias em 2007 à chegada dos

documentos às escolas em 2012 foram feitas e (re) feitas várias articulações em torno da

necessidade de se produzir esta política curricular. Desse movimento de produção podemos

captar vários discursos como: foi o tempo necessário para se produzir um documento

educacional; a produção foi longa devido à participação de todos os profissionais da educação

do estado; a proposta tem uma visão orgânica de unicidade de toda a Educação Básica.

Destacamos nesse jogo linguístico a imersão do significante democracia. Todo movimento

articulatório entre os consultores e gestores da SEDUC/MT nos leva a pensar a produção

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destes discursos que se pretenderam hegemonizar com o nome de um processo democrático,

ou seja, um documento que dado o seu processo de produção representa os professores e

professoras da rede estadual.

Nos discursos proferidos por Gestores da SEDUC/MT há uma clara posição de que

esse movimento de produção foi democrático e que representa os professores e professores da

escola, mesmo que não de forma geral, mas que em sua maioria, como podemos ver nos

trechos abaixo:

Eu não sei se representa na sua totalidade, porque algumas escolas acharam

que estava bom e aceitaram. Já outras não. Mas tivemos regiões que

participaram intensamente que deram sugestões que foram incorporadas por

parte dos consultores, porque até as sugestões nós precisávamos negociar

com os consultores (Entrevista com GSA).

[...] não vou dizer que foi 100% democrática, como a gente tinha tempos

delimitados, então o tempo pede que a gente amadureça democraticamente,

mas o ir e vir na escola, a escola ter a oportunidade de se pronunciar sobre o

que ela vai fazer, acho que nesse sentido foi um processo democrático, a

gente usou a possibilidade de democracia, não que ela tenha sido atingida na

sua totalidade... mas eu conceituo que foi um processo que teve um veio

democrático (Entrevista com GSR).

Isso foi uma coisa que depois desse seminário integrador que eu tive a

oportunidade de estar com a minha equipe do ensino fundamental dividida

por área, eu já via naquilo ali um processo democrático (Entrevista com

GSJ).

Acreditamos que o processo de construção da política curricular para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação, embora tenha passado por várias fases, não se propõe

como um processo democrático radical como defendemos nessa dissertação. Como podemos

ver os dias para o debate foram poucos e os embates em torno do currículo para a escola em

Ciclos não foram promovidos, pois o texto que se refere às perspectivas foi encomendado.

E no que se refere à segunda parte dos documentos (divididos em Áreas de

Conhecimento) houve uma tentativa de um processo democrático radical entre os consultores

e os participantes dos GTs (selecionados via Seminário Integrador dos Cefapros), como

salienta o último trecho acima, esse foi um espaço de disputas, de lutas de adversários

(MOUFFE, 2011) defendendo um projeto político e pedagógico para os componentes

disciplinares e não para uma escola que se organiza em Ciclos de Formação. Além disso,

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vemos a profusão dos poderes oblíquos, pois mesmo sendo um espaço de debates, muitas

vezes era necessário fazer um grande processo de negociação com os consultores para que

estes aceitassem as mudanças no texto curricular.

“A representação é um processo de se colocar algo no lugar de outro” (LOPES,

2011, p. 5, no prelo), ou seja, a intencionalidade dos discursos é a de que eles possam dizer ao

outro, ou sobre o outro, em outro espaço tempo, contudo ela sempre é precária, e nunca

consegue representar com plenitude.

Dessa forma os textos da política podem “tentar” representar os professores e

professoras, contudo são sentidos que escapam desse contexto e podem acabar representando

apenas interesses de quem produzir o texto. De fato, como nos aponta Mainardes (2006, p.

52),

Os textos políticos representam a política. Essas representações podem

tomar várias formas: textos legais oficiais e textos políticos, comentários

formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais,

vídeos etc. Tais textos não são, necessariamente, internamente coerentes e

claros, e podem também ser contraditórios.

Contudo é preciso refletir como e quem estes textos estão representando politicamente,

uma vez que podem ser claros e também contraditórios. Pensar que esse movimento de

produção da política curricular foi um processo democrático de representação é complexo,

uma vez que a dinamicidade da representação deve ser pensada em uma lógica de disputas,

dentro das arenas políticas. A representação dos processos educativos, processos que

necessitam da intelectualidade não podem partir de uma forma logística, como a produção de

documentos e outros, pois isto pode nos levar a uma representação crua (BALL, 2004), uma

vez que a construção de políticas curriculares exigem processos de interação humana em um

movimento contínuo e não apenas com a produção de documentos, pois estes não garantem a

representação dos professores e professoras.

Salientamos que nesse processo de produção houve momentos, possibilidades

democráticas. Um exemplo foram os Seminários citados anteriormente que debateram as

questões relativas às Áreas de Conhecimento, onde professores e professoras tiveram a

possibilidade de se pronunciar. Contudo, com tempo e espaços reduzidos, sem

amadurecimento político e pedagógico acerca da complexidade da efetivação de uma política

curricular no contexto escolar. Sinalizamos ainda a não discussão ampla acerca dos princípios

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da Escola Organizada por Ciclos de Formação, uma vez que tal política curricular se destina a

este espaço tempo.

Dentro desse contexto pensamos que discursos sinalizando a importância de se propor

uma política de currículo para uma escola que se organiza por Ciclos de Formação ficou,

aparentemente, sem uma discussão profícua. Não percebemos uma preocupação no sentido de

pensar as concepções dos Ciclos de Formação, ficando um vazio significativo nesse sentido.

Embora se tenha um texto falando das concepções da Escola Organizada por Ciclos de

Formação, este não se refere às características de Mato Grosso, e nem ao menos foi discutido

em qualquer momento com a participação dos professores.

b) Currículo organizado em Áreas versus currículo organizado em disciplinas

A política de currículo para o ensino fundamental da rede estadual de Mato Grosso

está organizada em várias partes, constitui-se em quatro cadernos divididos da seguinte forma:

uma parte contendo a introdução dos princípios educativos norteadores para o ensino

fundamental organizado por Ciclos de Formação e as outras três para a organização e

sistematização dos conhecimentos pertinentes a Área de Linguagens (Língua Portuguesa,

Língua Estrangeira, Educação Física e Arte), à Área de Ciências Humanas (História,

Geografia e Educação Religiosa) e à Área de Ciências da Natureza e Matemática (Ciências e

Matemática). Em nossa análise nos ateremos, principalmente, aos três cadernos das Áreas de

Conhecimento, nos discursos dos interlocutores da SEDUC/MT que estiveram articulados na

produção dos mesmos, bem como aos consultores que produziram os textos para esta etapa da

Educação Básica. Não iremos fazer análise do texto introdutório que traz os princípios

norteadores, pois este documento foi encomendado pela SEDUC/MT ao Prof. José Clóvis de

Azevedo (Professor da UFRGS, atualmente Secretário de Estado de Educação do RS), devido

a sua experiência com a Escola Cidadã de Porto Alegre, não passando por discussões,

sugestões e/ou alterações durantes o processo de produção da política curricular analisada.

Há uma disputa de sentidos, um deslizamento, no processo de produção dos

documentos no que se refere a sua organização. A estrutura do documento oficial da política

de currículo é em Áreas de Conhecimento, contudo as Disciplinas que compõem estas Áreas

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são evidenciadas a todo o instante, é enfática a posição dos discursos em torno da importância

dos saberes das disciplinas escolares tradicionais.

Como salientam Macedo e Lopes (2002, p. 82) “independente dos discursos de

articulação disciplinares, a matriz disciplinar persiste como instrumento de organização e

controle do currículo”, como é o caso da política curricular para o Ensino Fundamental

organizado por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato Grosso, em que as disciplinas

mostram todo o seu poder de organização curricular.

A organização do currículo em Áreas de Conhecimento é uma preocupação que gira

em torno de todos os textos da política curricular organizada pela SEDUC/MT, vem como

discurso balizador para a efetivação da proposta, é visto nos discursos dos consultores e

gestores da Secretaria. A organização do currículo em Áreas é vista pela SEDUC/MT como

uma forma de integração dos saberes disciplinares e como uma possibilidade de melhorar o

processo de ensino e a aprendizagem dos alunos e alunas. O que podemos ver em um das

falas dos Gestores da SEDUC/MT que fizeram parte do processo de produção dos

documentos:

[...] (as áreas) asseguram um processo de aprendizagem de qualidade

onde o foco seja a aprendizagem, e que as disciplinas que compõe

aquela área sejam trabalhadas realmente articuladas (Entrevista com

GSAS).

Como sinaliza Lopes (2008) as políticas curriculares de integração não são novas, e

em muitas delas há uma defesa dessa forma de organização, é preciso compreender quais os

interesses estão marcados nessa organização curricular, uma vez que eles são muitos, pois tal

perspectiva é assumida em documentos nacionais e internacionais com múltiplas

intencionalidades. Sendo as políticas curriculares um produto hibridizado em múltiplos

contextos (BALL, 2001), os discursos circulantes em outros espaços tempos acabam

migrando de um território para outro, um processo de desterritorialização (CANCLINI, 2011),

trazendo também muitas vezes as mesmas necessidades e intencionalidades. Um exemplo

trazido por Lopes (2008) é o das necessidades que agências multilaterais apresentam para os

Estados, a fim de que estes organizem currículos integrados para permitirem a formação de

pessoas que estejam mais engajadas na organização das relações sociais e econômicas que o

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mundo contemporâneo assumiu. Estas e outras posturas globais em circulação podem

influenciar a produção de políticas locais.

Iremos ver então como as articulações foram estabelecidas para a produção do

documento trazendo a organização do currículo em Áreas de Conhecimento, como uma forma

de integração, enviesado por discursos em torno das disciplinas escolares, bem como tentar

identificar, como nos aponta Lopes (2008) algumas intencionalidades nesse jogo articulatório.

Houve de fato, uma articulação em torno da demanda de organização do currículo em

Área de Conhecimento. Esta articulação (concebida no Contexto de Influência) foi construída

a partir das políticas nacionais, trazidas por vários documentos do MEC (PCN, PCNs + EM,

dentre outros), e da postura da consultoria “geral” dos documentos da política curricular

(Profa. Acácia Z. Kuenzer) junto aos membros Gestores das SEDUC/MT. Desse movimento

articulatório foram produzidos os discursos de Áreas de Conhecimento para a organização do

currículo para o ensino fundamental. Fato que podemos ver nos seguintes trechos das nossas

entrevistas:

[...] as discussões do conselho nacional das diretrizes, do conselho 2010 e

2011, então... a Acácia já vinha acompanhando e já sabia que existia um

indicativo de organização curricular por Área de conhecimento, integrado

para toda a educação básica via MEC, conselho nacional. As normativas já

vinham apontando isso, desde 1996 a LDB já vinha apontando a necessidade

de organização de um currículo integrado, que rompesse com a ideia de

disciplina do conteúdo que não complementa dentro de uma área, então a

ideia foi buscar uma proposta curricular que desse conta de apontar e sugerir

pra escola e que a escola também desse conta de interpretar e entender as

necessidades de integrar as áreas do conhecimento, buscando a

interdisciplinaridade, trabalhar com eixos curriculares ou categorias que

descem conta de integrar o conhecimento dentro das áreas (Entrevista com

GSA).

[...] Foi um direcionamento da Secretaria. E a Legislação maior já dizia isso

né... a que vigorava era a 003, e ela já estabelecia que teria que organizar por

área do conhecimento. Então a gente seguiu essa orientação. E

principalmente por conta de dois princípios isso ficaria mais fácil, que era o

princípio da interdisciplinaridade e da contextualização. E então nas áreas,

pelo menos nas áreas, poderia se começar um trabalho de integração. E a

contextualização é aquilo que a nossa sociedade é, e é o que ela exige, e com

a cultura você acaba contextualizando (Entrevista com GST).

[...] (a organização por Áreas de Conhecimento) foi pelo referencial do

Plano Curricular Nacional, porque lá é por área de conhecimento, porque se

é um programa nacional, aqui também, o que do qual eu também participei

(Entrevista com PCE).

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A organização curricular em Áreas de Conhecimento foi concebida na política de

currículo pelo processo articulatório entre os múltiplos atores produtores e os documentos de

nível nacional. A Profa. Acácia Kuenzer (consultora geral) teve um papel preponderante nesse

momento, uma vez que a mesma já vinha acompanhando as discussões para a produção das

Diretrizes Curriculares Nacionais, lançada em 2010, o que lhe conferia certo poder nos

momentos de definições de como seria a organização da política curricular. Além disso, em

vários momentos os sujeitos evidenciavam a articulação com os documentos do MEC, em que

a proposta do Estado tinha que ser adequada aos pressupostos do governo federal.

Documentos oficiais como os PCNs e a LDB foram fundamentais nessa discussão. Houve

uma articulação em torno dessas propostas para a produção e sustentação do currículo

organizado em áreas de conhecimento. Esse fato potencializa a visão de que mesmo com o

desejo de se fazer uma proposta curricular que desse conta das especificidades do Estado

havia uma circularidade (BALL, 1992; LOPES, 2005) de discursos que hibridizam as

políticas curriculares com a mesma forma de organização curricular e com múltiplos

interesses.

E quais os interesses em organizar o currículo em Áreas de Conhecimento? Ao tentar

responder esta questão chegamos a uma lógica das negociações em torno das demandas as

quais pretendem se legitimar (ORSINI, 2007). São vistas, nas discussões das necessidades da

organização do currículo em Áreas de Conhecimento, práticas articulatórias que emanam de

posições diferenciais, com interesses diferentes, e com formas diferentes de conceberem a

integração, evidenciando a propagação de poderes oblíquos que circulam nos momentos de

produção de políticas curriculares, e que depois estabelecem as ligações formando uma cadeia

de equivalência em torno do currículo em áreas, ou seja, todas as diferenças foram apagadas

provisoriamente para o estabelecimento de tal organização, o que Laclau e Mouffe (2010) vão

chamar de articulação no jogo político, uma vez que as identidades, pessoas, os sentidos

pessoais são momentaneamente apagadas, modificando-as. A lógica da diferença se

transforma na lógica da equivalência. Os discursos produzidos depois desse jogo articulatório

nos mostram as múltiplas diferenças, as várias posições apresentadas, que são apagadas e se

equivalem em torno de Área de Conhecimento,

[...] nós entendemos que o fragmento da disciplina é altamente prejudicial...

a gente parte da concepção que o cérebro humano não aprende por

pedacinhos, por caixinhas, aprende na sua totalidade, então a equipe da

secretaria, tendo em vista toda a discussão nacional, as concepções mais

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aceitas no mundo, e aqui também o que faz a nossa cabeça, na nossa

identidade educacional fez com que a gente não tivesse dúvida de orientar

que fosse por área (Entrevista com GSR).

[...] (área) parece ser mesmo a forma correta, ter esse direcionamento, ainda

mais que o ensino fundamental onde uma disciplinação é muito excessiva

pode ser prejudicial ao desenvolvimento do acesso ao ensino da

aprendizagem (Entrevista com PCM).

[...] Nós sabemos que o conhecimento não é separado na nossa cabeça. Daí

fica só uma forma de fragmentar, pra ficar... para ensinar com mais

profundidade. Agora... essa fragmentação acaba quando o professor assume

um outro discurso dentro da sala de aula, no momento que ele ensina, no

momento que ele constrói (Entrevista com PCO).

[...] (em áreas) eu acredito que a cabeça da gente melhora muito, melhora

muito da gente no sentido do aprender. Você aprende que a língua

portuguesa, não é língua portuguesa só, ela tá lá na outra, que a arte não é só

ver desenho, figura, sei lá, fazer teatro, nada disso isso, aí também está

dentro a palavra, também está dentro corpo, sabe, e sei lá, o que mais a

imaginação, a sensibilidade e um monte das outras coisas. Isso ajuda e não

só isso, mas como também, a vida é isso. A vida é um conglomerado de tudo

isso (Entrevista com PCI).

Nos três trechos acima podemos perceber uma necessidade de organizar o currículo

em Áreas de Conhecimento, uma vez que o currículo organizado em disciplinas é visto como

altamente prejudicial para quem aprende. Os discursos giram em torno de que o cérebro das

pessoas não é fragmentado, o ensino em caixinhas disciplinares e disciplinação excessiva

prejudicam as crianças do ensino fundamental, que o conhecimento na cabeça não é separado,

ou seja, são apresentadas justificativas ligadas aos processos mentais de aprendizagem para se

legitimar o currículo integrado, o currículo em Áreas de Conhecimento. Contudo, há outras

justificativas, outras necessidades. Vejamos os trechos abaixo:

[...] Área do conhecimento tem como característica possibilitar a percepção

do processo de transformação da natureza e suas relações, desvelando as

interações entre as partes e o todo, as entidades multidimensionais e os

problemas essenciais. A partir desse pressuposto, é possível desencadear

procedimentos pedagógicos que promovam ações coletivas (OC Ciências da

Natureza e Matemática, p. 8).

Ao se optar pela organização curricular em áreas de conhecimento, pretende-

se que cada campo do saber adquira dinamicidade e articulação, tanto entre

suas disciplinas quanto entre as próprias áreas, possibilitando maior

flexibilidade, pontos de interesse e metas comuns no que diz respeito à

construção do conhecimento pelo estudante (OC Ciências Humanas, p. 7).

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Os discursos apresentados nos documentos se referem à organização do currículo em

Áreas de Conhecimento como uma necessidade de melhorar o processo de ensino, uma vez

que tal organização possibilita compreender como os fenômenos são construídos, bem como

esta forma de organização pode tornar o processo mais dinâmico para a aprendizagem.

Podemos ver também um terceiro movimento no tocante à articulação estabelecida para a

construção da nova política em Áreas de Conhecimento

[...] se você busca uma proposta inovadora que tenha como norte a

emancipação humana, que já tem uma pista metodológica que é dialética,

que e a transição entre pensamento e ação, entre o abstrato e o concreto, e

para interpretar esse concreto que é a realidade que é o ponto de partida para

a organização do currículo você precisa da interpretação das disciplinas,

seria bem melhor não deixar tão soltas e organizar a princípio por áreas...

Então a princípio você organiza em área, e a disciplina não deixa de existir,

pois ela e importante para o processo de compreensão da área do

conhecimento, pois ela soma com as demais outras disciplinas, para

interpretar àquela realidade, e é claro que ela precisa extrapolar porque a

área de linguagem que integra a área das humanas que integra a área de

ciências da natureza (Entrevista com GSA).

[...] a Área de Conhecimento... possibilite a construção e/ou a apropriação

dos significados sócio-histórico-culturais elaborados e que favoreçam aos

sujeitos envolvidos no processo, a ampliação da visão de si, de sua família,

da escola, do bairro onde mora, da sociedade e cultura em que vivem e

busquem transformações (OC Linguagens, p. 7).

Neste terceiro ponto identificamos que a organização em Áreas de Conhecimento se

torna um mecanismo que pode possibilitar a leitura de mundo, em que os sujeitos aprendizes

construam sua emancipação e busquem transformações no mundo a partir da articulação dos

conhecimentos construídos de forma integrada.

Mesmo as intenções não estando diretamente ligadas aos interesses econômicos, elas

são várias. Contudo as articulações estabelecidas entre estes sujeitos nos mostram que todas

as intencionalidades, que todas as diferenças foram apagadas e os mesmos entraram em uma

cadeia de equivalências, produzindo o significante que tentou hegemonizar os sentidos de

integração: Área de Conhecimento. As necessidades de se adequarem a propostas nacionais, o

prejuízo da fragmentação disciplinar, uma melhor forma de ensinar, uma possibilidade de

leitura de mundo de forma articulada e integrada, são elementos que se articularam

produzindo discursos em defesa da organização curricular em Áreas de Conhecimentos.

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Embora a decisão para a produção das Orientações Curriculares para Educação Básica

do Estado de Mato Grosso tenha sido feita por influências dos documentos federais e da

própria consultora geral (Acácia Kuenzer) junto aos dirigentes da SEDUC/MT, percebe-se a

produção de uma cadeia articulatória em torno da demanda de integração curricular, o que

produziu discursos em torno de sua necessidade na organização dos currículos escolares para

o ensino fundamental. Houve uma intensa articulação em torno da demanda Área de

conhecimento, uma vez que os sujeitos coletivos se entrecruzaram na luta para tal

significação, o que podemos chamar de construção das identidades políticas coletivas, ou seja,

houve uma luta política em torno do significante Área de conhecimento, fazendo com que os

sujeitos se identificassem em torno desse significante, na busca por hegemonização de

sentidos (LOPES, 2008). Houve um conflito consensual (MOUFFE, 2011) em torno desse

momento político, embora aparentemente a decisão de organizar o currículo por Área de

Conhecimento na política de currículo seja visualizada a partir da hibridação de discursos em

torno do mesmo, é um processo hibridizado que nos mostrou o poder em torno do discurso na

relação de cultura (significação) e poder (CANCLINI, 2011), no qual houve muita disputa.

Esse jogo nos mostrou uma tentativa de hegemonização do currículo organizado em

Áreas de Conhecimento. Por que falamos em tentativa? Porque mesmo com todos esses

discursos, vistos anteriormente, o poder da disciplinarização está presente na organização dos

documentos. São frequentes as retomadas aos sentidos de currículo partindo das disciplinas

escolares tradicionalmente conhecidas e reconhecidas. O que ressalta mais uma característica

advinda de outras propostas em circulação nacional, em que são fortes as marcas de um

currículo que se predispõe a uma organização integrada, contudo salientando formas de como

integrar as disciplinas, ou seja, a força do currículo disciplinar ainda continua a ter uma forte

presença mesmo em proposições de integração (LOPES, 2008).

Macedo e Lopes (2002, p. 93) evidenciam que,

[...] a disciplina escolar é um padrão de estabilidade curricular porque legitima

legitimando a própria idéia de escolarização. Trata-se de um dos maiores

padrões curriculares da Modernidade e não deve ser encarado como um

esquema neutro e burocrático de controle do ensino, mas como um esquema

de conservação e estabilidade.

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Percebemos que na política curricular analisada essa disciplinarização, mantendo essa

estabilidade curricular, está presente em vários momentos nas três Áreas de Conhecimento da

política curricular,

[...] (a área) é difícil, mas interessante e importante... é difícil mesmo.

Porque você está ensinando por área, mas você não deixa de priorizar aquilo

que a gente ensina. Já pensou... você tá ensinando por área e de repente, você

ensina aquilo que você prioriza... e a partir dela eu vou articular com as

outras, daí você vai na matemática para ensinar as medidas, mas o seu foco é

(na sua disciplina), e você faz essas relações a partir dela (Entrevista com

PCO).

[...] nos anos finais do ensino fundamental foram trabalhados com temas,

assim... energia era um tema, poluição parecia que era outro tema, recursos

renováveis, então o trabalho era mais por tema, por conta do grupo de

ciências, então a matemática prevalecia menos... a matemática ficava mais

distante... (Entrevista com PCER).

Os produtores da política curricular, embora salientem a possibilidade de integração

curricular, mantêm fortemente a noção das disciplinas. Percebemos que a coleção de bens

simbólicos (CANCLINI, 2011), apesar de ser outra coleção, apresenta-se de forma fechada,

salientando que os conceitos das disciplinas darão conta de sustentar todo o processo

educativo do ensino da própria Área de Conhecimento,

[...] “a matemática é a ferramenta especialmente adaptada ao tratamento

das noções abstratas de qualquer natureza e, neste domínio, seu poder é

ilimitado”. Dessa forma, a linguagem Matemática como ferramenta auxilia

na compreensão e interpretação do conhecimento das outras ciências (OC

Ciências da Natureza e Matemática, p. 10).

[...] ficava uma fala assim... que a matemática seria uma outra área... meio

que assim... queria que a matemática fosse mais uma área, porque a gente

não conseguia dialogar legal com a química, com a física e com a biologia,

com as ciências (Entrevista com PCER).

O documento de Ciências da Natureza e Matemática, talvez seja o que mais salienta

essa dicotomia. De um lado apresenta possibilidade de integração nas Ciências, pensando a

integração dos fenômenos vistos à luz dos conhecimentos físicos, químicos e biológicos,

trazendo como grande foco a Alfabetização Científica, porém por outro lado, traz a

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matemática em uma tentativa de ser uma área em si, como visto no último trecho acima. São

construídos discursos nos três ciclos de formação acerca dos conhecimentos de ciências e de

matemática, ou seja, há uma disciplinarização. Em nenhum momento é efetivada proposituras

de integração entre os dois campos disciplinares nos textos curriculares da Área.

Isso não é diferente nas outras Áreas de Conhecimento. Em Linguagens, por exemplo,

inicialmente é apresentado um discurso de integração da Área, como podemos ver nos trechos

abaixo:

Pelo fato de se pensar que o conceito de linguagem envolve indivíduo,

história, cultura e sociedade em uma relação dinâmica entre produção,

circulação e recepção, compreende-se a linguagem como o espaço da

interlocução da atividade sociointeracional e possibilita reafirmar as práticas

sociais de linguagem constituídas pela/na inter e transdisciplinaridade (OC

Linguagens, p. 11).

Essa compreensão de linguagem permite a construção de um currículo por

área de conhecimento. As disciplinas de Artes, Educação Física, Língua

Estrangeira Moderna e Língua Portuguesa integram o que denominamos a

área de Linguagens. Esses campos de conhecimento apresentam

características comuns que autorizam a articulação didático-pedagógica

interna da área (OC Linguagens, p. 11).

Na caracterização da Área de Linguagens são apresentados elementos de articulação

entre as disciplinas por meio da concepção que a política opera com o termo linguagem, em

seguida apresenta também três objetos comuns às disciplinas da área: o código, o texto e a

leitura, e se espera que destes três elementos se configurem a articulação que promoverá a

integração na Área de Linguagens. Contudo logo em seguida, e isso vai do primeiro ao

terceiro ciclo, há uma fragmentação em disciplinas, sem apresentação ou discussão de

integrações entre tais componentes disciplinares,

Na disciplina de Arte, a leitura tem se efetivado em caráter mais teórico e a

releitura, como a produção a partir do objeto de estudo (OC Linguagens, p.

13).

Em Educação Física, a construção do sujeito e da linguagem aponta para um

universo de possibilidades que precisa ser considerado, a fim de contemplar

essa perspectiva (OC Linguagens, p 13).

Em Língua Portuguesa, o trabalho é orientado pelo texto, unidade básica de

estudo que se refere às atividades discursivas em uso, sejam elas orais,

escritas e/ou multimodais, pertencentes aos variados gêneros discursivos

(OC Linguagens, p. 13).

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A Língua Estrangeira Moderna (LEM) é componente curricular da Área de

Linguagens, na parte diversificada do Currículo da Educação Básica, a partir

dos anos finais do Ensino Fundamental, com o objetivo de iniciar os

estudantes no conhecimento das línguas ofertadas e dessa forma oportunizar

o conhecimento dos códigos pertinentes à LEM, para produção e leitura dos

textos que circulam socialmente (OC Linguagens, p. 14).

Como visto nos discursos acima, há um forte matiz disciplinar na organização da

política curricular. São apresentadas sequencialmente estas fragmentações. Arte, Educação

Física, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna são apresentadas sem articulação,

sem integração, sem estarem em Área. Em seguida, na proposta para os três ciclos de

formação, a mesma situação é vista. Em uma tentativa de integração, a proposta da Área de

Linguagens, organiza o texto sem colocar tópicos específicos das disciplinas que a compõe,

contudo o que se percebe é um texto recortado, em que de uma ora para outra se muda para

outra disciplina.

No documento de Ciências Humanas há uma prevalência da disciplina Geografia,

embora no texto introdutório desta área seja apresentada a organização de forma a promover a

integração curricular, salientando a importância da intersecção entre as disciplinas, no restante

do texto há prevalência daquele componente disciplinar. No primeiro ciclo de formação, por

exemplo, não há referência direta à disciplina História (há apenas uma referência tênue). O

texto é bem organizado e apresenta conceitos importantes para o processo de aprendizagem

das crianças de seis a oito anos, como por exemplo, a alfabetização cartográfica, as noções de

espaço, lugar, paisagem, localização, mapas, urbano, rural e rurbano (OC Ciências Humanas,

2010), contudo são conceitos da Geografia. É apenas no terceiro ciclo de formação que as

disciplinas História e Educação Religiosa aparecem com maior sistematização, até porque,

neste ciclo, nesta área, há uma divisão dos três em que cada um escreve sobre as suas

especificidades separadamente, há tópicos separados das disciplinas.

Percebemos que há na política de currículo para o ensino fundamental um

deslizamento de sentidos (LACLAU e MOUFEE, 2010), no tocante a organização curricular,

existem discursos operando em torno da área de conhecimento, contudo a disciplinarização é

uma forma de organização potente dentro destas áreas. Espera-se que haja integração, contudo

é apresentada uma disciplinarização em todas as partes. É preciso salientar que na maioria dos

discursos não são vistos posicionamentos contrários à existência das disciplinas, pelo

contrário, há um discurso que para existir as áreas de conhecimento, estas devem emergir dos

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conhecimentos disciplinares, o que de certa forma reforça a lógica da organização disciplinar

nos currículos escolares.

Nesta arena de disputas, marcada por conflitos, dissensos, consensos (BALL, 1992,

1994), percebemos a constituição de múltiplas articulações entre os atores sociais envolvidos

nas lutas para a construção da política de currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação. Lutas travadas em torno de demandas dos sujeitos coletivos (LACLAU e

MOUFFE, 2010), produziram os discursos de integração em Áreas de Conhecimento, que

circulou em torno deste significante, bem como do significante disciplina, dessa forma

compreendemos que os sentidos de integração não se hegemonizaram, uma vez que os

sentidos das disciplinas tomam espaço significativo na formulação das propostas. Há uma

tentativa de hegemonização, contudo não se concretiza, pois a forte presença das disciplinas

ainda sobrepõe às Áreas de Conhecimento na organização curricular. Vejamos alguns trechos

que sinalizam estas disputas,

[...] se o ensino é por área de conhecimento como é que a estrutura da escola

continua por disciplina? A começar pelos horários. Então nós achamos que

não pode ter horário de aula de química, física e biologia, você tem que ter

no horário de ciências da natureza, e outra coisa que é confusão também... é

bom registrar porque foi um impasse terrível, a ideia que as pessoas estavam

tendo que o ensino por área de conhecimento, todo mundo tinha que ser

polivalente, agora eu tenho que saber química, física... tenho que saber tudo?

(Entrevista com PCE).

[...] a alfabetização até então, vista como se fosse só língua portuguesa e

matemática, e a gente sabe, quem é pedagogo sabe, que é muito mais que

essas duas disciplinas, então a gente já defendia... os pedagogos... também

defendiam, que deveria organizar um documento onde também as outras

disciplinas de uma forma globalizado pudesse compor o currículo

(Entrevista com GSAS).

[...] Não (vejo a área) como algo isolado, mas que se articula e se

complementam, porque eu acho que o objetivo e objeto de conhecimento de

cada área, às vezes quando foi pensado qual o objeto de conhecimento das

ciências naturais, das humanas ou da linguagem, no processo de

alfabetização ou no desenvolvimento no segundo e terceiro ciclo, só pra

definir esse objeto de conhecimento já era muita discussão, porque cada

disciplina tem seu objeto de estudo, e agora como que faz isso, então eu vejo

que cada disciplina dentro de uma área, ele se articula ela não perde sua

especificidade, integrando e complementando dentro de uma área e de uma

área para outra (Entrevista com GSAS).

[...] Olha (a organização em área)... uma coisa é a ideia, outra é o que tá

escrito, é uma das coisas que principalmente na área de ciências humanas, eu

acho que consegue perceber melhor essa articulação (Entrevista com GSAS).

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[...] nós queríamos (a organização em área) pelo menos desestabilizar essa

concepção de disciplina, de que eu tenho uma disciplina, de que eu trabalho,

de que eu sou autônomo, eu reprovo, e já havia uma proposta nacional de

trabalho por área e então julgamos que nada seria melhor que isso

(Entrevista com GSJ).

Como podemos perceber, nos trechos das entrevistas acima, houve um discurso em

torno da organização do currículo em Áreas de Conhecimento. Em torno deste significante,

muitas negociações para tentar hegemonizar os sentidos desta forma de organização curricular

foram realizadas. Como vemos no último trecho, há uma tentativa de desestabilizar a força da

organização disciplinar, contudo podemos sinalizar que não houve hegemonização, (apesar

dos documentos da política curricular estar estruturado em áreas), pois o currículo está

fortemente marcado pela disciplinarização, salientando o que Macedo e Lopes (2002) nos

evidenciam como estabilidade curricular, onde as disciplinas escolares possuem grande

poder na organização do currículo.

O interessante é que muitos dos atores partícipes da produção da política de currículo

(como em um dos trechos acima) reconhecem a disputa em torno do currículo organizado em

Áreas de Conhecimento e em Disciplinas, salientando “uma coisa é a ideia, outra é o que

está escrito”. Um dos consultores dá um exemplo muito propositivo para a organização

curricular em Áreas de Conhecimento,

[...] Se você tem um eixo norteador, por exemplo, você pega a árvore, aquilo

ali é um fenômeno, ele é um ser vivo, ele enquanto ser vivo ele tem célula,

mas essa célula pra funcionar precisa de quê? Precisa de substâncias,

substância é o quê? É química, então os professores de química, podem

muito bem trabalhar junto comigo pra dizer como é que o material

inorgânico, se transforma em orgânico, através de quê, da energia, essa

energia, a física explica muito bem, e como é que mensuro isso?

Matemática, e posso trabalhar conforto térmico, tudo isso numa árvore,

então se eu tenho um eixo, então se eu vejo aquilo como fenômeno, como

que aquele fenômeno funciona? Então aí sim, que eu vou ver os conteúdos,

que colaboram, pra explicar aquele fenômeno, olha que bonito... se nós

pudéssemos fazer isso? (Entrevista com PCE).

Veja, o consultor apresenta uma articulação entre os saberes disciplinares na Área de

Ciências da Natureza e Matemática, mostrando que a organização em área é uma forma

positiva, que funciona, contudo o mesmo finaliza com uma interrogação que sinaliza a

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dificuldade em realizar o mesmo: “olha que bonito... se nós pudéssemos fazer isso?”.

Salientamos também que exemplos como este não são apresentados nos textos da política

curricular desta área.

Embora o discurso de área do conhecimento estivesse fortemente presente contra o

inimigo comum (LACLAU e MOUFFE, 2010), existia outro discurso: a defesa dos

conhecimentos disciplinares. É unânime nos discursos que há uma necessidade de se

organizar a Área de Conhecimento a partir dos saberes de cada disciplina. É importante dizer

que em momento algum houve uma negação de que o currículo para a escola Organizada por

Ciclos de Formação tivesse que ser organizado por Áreas de Conhecimento, contudo que ele

deveria ser necessariamente pré-concebido por saberes de cada campo disciplinar,

fortalecendo no texto curricular da política as suas especificidades.

Não descartamos que seja possível que haja integração a partir das disciplinas, até

porque o poder das disciplinas é muito forte na organização curricular, e nos ancoramos em

Lopes (2008, p. 82) para salientar isso,

A utilização da tecnologia de organização disciplinar, no entanto, não

impede, ao longo da história do currículo, a organização de diferentes

mecanismos de integração, seja pela criação de disciplinas integradas ou pela

tentativa de articulação de disciplinas isoladas.

A análise das recentes propostas curriculares evidencia esse argumento, pois

o atual discurso em defesa do currículo integrado, nas definições curriculares

oficiais e no pensamento curricular, não implica a superação das disciplinas

escolares ou mesmo a diminuição de seu poder na seleção e na organização

do conhecimento escolar.

Não negamos isso, contudo os discursos presentes nos textos das Orientações

Curriculares, para o ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação, não apresentam

possibilidades de se organizar de forma integrada, eles enunciam as áreas, mas, depois trazem

apenas as disciplinas isoladamente. Os discursos dos produtores dessa política curricular são

de organização em Áreas de Conhecimento de forma integrada, contudo isso não se

concretiza na proposta curricular.

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c) Hibridação das perspectivas curriculares na produção do texto da política

A partir da discussão feita anteriormente, em nosso quadro teórico, acerca das

perspectivas curriculares e os processos de hibridação, pretendemos agora apresentar como a

política de currículo para o ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação da rede

estadual de Mato Grosso foi construída em um movimento de luta afirmada pelas posições

assumidas nas articulações e nos discursos presentes nos sujeitos protagonistas do processo de

produção.

Ao analisar os documentos divididos nas três Áreas de Conhecimento, percebemos

que a política curricular para a Escola Organizada em Ciclos de Formação se configura como

um gênero impuro (CANCLINI, 2011), hibridizado pelas três principais perspectivas teóricas

curriculares (a Teorias Tecnicistas de currículo, as Teorias Críticas de currículo e as Teorias

Pós-Críticas de currículo). As três estão presentes nos discursos da política curricular. Este

fato confirma que não podemos pensar as Teorias de Currículo de forma linear (LOPES,

2011), pois as discussões de uma não rompem totalmente com a presença de outra nas

políticas curriculares e nas práticas pedagógicas. Esses discursos para Lopes (2005, p. 57),

Não se trata de elementos contraditórios em que um não existe sem o outro,

tampouco podem ser explicados apenas por distinções e oposições. São

discursos ambíguos em que as marcas supostamente originais permanecem,

mas são simultaneamente apagadas pelas interconexões estabelecidas em

uma bricolagem, visando sua legitimação. Dessa forma, os múltiplos

discursos das políticas assumem a marca da ambivalência, pela qual há

possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria.

Não se trata então de pensar que posturas críticas de currículo necessitem de alguma

coisa que é boa na postura tecnicista, ou que ao assumir essas hibridações ficam claro que em

determinado momento da construção curricular deve-se posicionar a partir dos campos pós-

críticos de currículo se opondo aos campos da teoria crítica de currículo. Nos documentos das

Áreas de Conhecimento, aparentemente uma lógica de emancipação, ancorada nos

pressupostos da teoria crítica de currículo, é vista como fundamental para a Escola

Organizada em Ciclos de Formação, contudo podemos visualizar que essa marca é apagada, e

aparecem fortemente concepções tecnicistas hibridizando a produção dos documentos.

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Esse discurso é assumido no texto da política curricular, bem como é fortalecido em

discursos de alguns consultores. O produto híbrido é visto, por exemplo, no momento em que

perguntamos qual a postura teórica assumida na produção do texto da política curricular:

Tem que ter uma?! Eu não tenho uma postura teórica! Depende. Eu fui

formada dentro de uma postura marxista, crítica. Só que eu não sou

extremista. Em alguns momentos eu penso que o positivismo funciona muito

bem no sentido de ensinar os conceitos, por exemplo, eu tenho que ensinar

escala, e escala é escala, eu uso um conceito matemático, eu ensino

(Entrevista com PCO).

Percebemos que há um discurso que se “pretende” ser original, em que os documentos

estão ancorados principalmente em perspectivas críticas de currículo, contudo ele é quebrado

com o processo de hibridação no momento em que perspectivas positivistas e tecnicistas

entram na constituição da política curricular.

A questão não é tão simples assim. Cada teoria curricular é marcada por

intencionalidades pedagógicas e políticas, ou seja, cada uma visa alcançar determinados

objetivos. Quando dizemos que o positivismo pode funcionar, mesmo que seja em alguns

casos, estou assumindo a forma que o mesmo pensa a organização social, bem como a

formação identitária de um aluno, de forma que se pode causar certa problemática na

constituição de currículos escolares.

Iremos a partir de agora trazer alguns pontos que destacamos a fim de mostrar a

configuração híbrida da política curricular. Na Área de Linguagens podemos perceber nos

trechos a seguir como se deu esse processo:

[...] a construção de conhecimentos e a formação cidadã mediante a

interação ativa, crítica e reflexiva com o meio físico e sociocultural, de

modo que os educandos desenvolvam a autonomia para o tratamento da

informação e para expressar-se socialmente utilizando as múltiplas formas

de linguagens (OC Linguagens, 2010, p. 8).

[...] eixos articuladores... foram pensados considerando que as crianças, os

pré-adolescentes e os adolescentes possuem “identidades de classe, raça,

etnia, gênero, território, campo, cidade e periferia... as quais são constituídas

por valores e conhecimentos produzidos nos contextos de vivências e

experiências mediadas pela linguagem nas relações estabelecidas

socioculturalmente (OC Linguagens, 2010, p. 8).

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[...] capacidades referem-se ao conhecimento e aplicação de estratégias e

técnicas apropriadas, relacionadas aos conteúdos aprendidos, que o aluno

busca, em suas experiências anteriores, para analisar e resolver novos

problemas (OC Linguagens, 2010, p. 8).

Os trechos acima sinalizam um processo de hibridação entre as três concepções de

currículo já citadas. O primeiro trecho nos mostra a concepção de formação de sujeitos

críticos e autônomos ligados às concepções críticas, que estão ancoradas nos pressupostos

marxistas, ou seja, a escola deve preparar e formar sujeitos que possuam liberdade, que sejam

emancipados de qualquer forma de opressão, principalmente ligada a questões econômicas

(MOREIRA e SILVA, 2008). Já no segundo trecho é possível perceber uma ampliação da

noção anterior em que discussões como identidade e gênero, por exemplo, devem estar

presentes na formação dos sujeitos, preocupação de perspectivas pós-críticas (como nos

Estudos Culturais e no Pós-Colonialismo). E no último trecho a clara preocupação com os

conteúdos, com a formação de capacidades, uma visão tecnicista.

Além disso, assim como em todas as áreas, a Área de Linguagens apresenta quadros

sistematizando capacidades, descritores e eixos articulatórios, notadamente mostrando grande

preocupação com as competências que os professores devem construir com os seus alunos, ou

seja, uma marca forte da perspectiva Tecnicista de Currículo.

Como nos elucida Canclini (2010), esses processos são marcados por descoleções,

desterritorializações e produção de gêneros impuros, ou seja, um processo de hibridação. Ao

mesmo tempo em que são propostas grandes coleções quando o foco são as capacidades, os

conteúdos, prática da perspectiva tecnicista de currículo, o texto propõe um processo de

descoleção das grandes metanarrativas no momento que traz a necessidade de trabalhar com

as múltiplas identidades presentes na escola.

Ao questionarmos alguns consultores da Área de Linguagens acerca da matriz teórica

percebemos essa mesma lógica

[...] as próprias orientações, a própria Área de Linguagem, não sei educação

física, mas a própria área de linguagem, todo conteúdo está estruturado a

partir de uma base materialista histórica onde a prática social que justifica

tudo. Aí sim... muitas pessoas chamam de marxismo é isso (Entrevista com

PCS).

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[...] do lado cognitivo nós trabalhamos com construtivismo, nós trabalhamos

com os sócio-interacionistas. Trabalhamos depois a teoria do discurso em

termos assim desde a aprendizagem até teoria linguística. Foram às bases

(Entrevista com PCI).

As fronteiras são rompidas e a proposta passa por processos de desterritorialização e

descoleção entre várias perspectivas teóricas na constituição do currículo.

Esse mesmo movimento é realizado no documento da Área de Ciências da Natureza e

Matemática. O texto desta área inicia trazendo uma discussão Pós-Crítica de Currículo, ligada

a uma perspectiva Pós-Estruturalista, no que tange a uma não fixação de saberes absolutos,

contudo no decorrer do texto é possível visualizar a presença de uma lógica de Currículo

Crítico, com discursos para a formação de sujeitos críticos e emancipados, bem como de

concepções tecnicistas que permeia muitas partes do texto, mostrando uma sustentação e

afirmação com foco no ensino de conceitos, de conteúdos. Vejamos nos trechos a seguir:

[...] a Ciência compreende um dos instrumentos de leitura, interpretação e

explicação dos fenômenos e das transformações da natureza, resultante da

construção coletiva de experiências e da criatividade humana. Nesse

entendimento, segundo Chassot (2006), a ciência não possui a verdade, mas

aceita algumas verdades transitórias, provisórias, em um cenário inacabado,

onde os seres humanos não são o centro da natureza, mas parte dela (OC

Ciências da Natureza e Matemática, 2010, p. 8).

]...] Na escola, o ensino de Ciências pode ser respaldado pela pedagogia

histórico-crítica. Nesse enfoque pedagógico, cabe à escola o papel de

oportunizar às novas gerações a socialização do saber (OC Ciências da

Natureza e Matemática, 2010, p. 9).

[...] o ensino das Ciências como um direito, um dever social e um

reconhecimento de que os conceitos nesta disciplina, bem como nas outras

ligadas à área das CNM, favorecem a interação dos sujeitos com a realidade

social e natural (OC Ciências da Natureza e Matemática, 2010, p. 9).

Acreditamos que o movimento presente nesses discursos não foi fruto de consensos,

mas sim espaços de lutas, espaços de conflitos que o processo de hibridação nos possibilita

visualizar (CANCLINI, 2011, LOPES, 2005). Os produtores da política curricular são sujeitos

com diferenças, e tais estão presentes nos discursos. É possível perceber tensões na

organização do documento que nos revelam a luta por significações acerca de currículo. No

caso das Ciências da Natureza e Matemática acreditamos que mesmo sendo possível

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visualizar as perspectivas Críticas e Pós-Críticas engendradas no texto, existe certa

prevalência da perspectiva tecnicista, uma vez que por várias passagens têm-se o foco nos

conceitos, nas capacidades e nos objetivos.

a gente trabalho no sistema emancipatório. Porque o técnico é reproduzir o

que a escola vem reproduzindo, e não dá certo, e a escola está um caos. O

prático não dá conta, porque você precisa ter o sentido da reflexibilidade do

professor, a questão da crítica sobre o que tá posto. Contudo, eu fico me

perguntando como construir um currículo emancipatório (Entrevista com

PCER).

[...] utilizamos a aprendizagem crítica... eu tenho um ditado, nós quatro

temos um ditado que achei ótimo, eu prefiro a leveza do e, do que a ditadura

do o. Não! É isso ou aquilo! Tanto que você pode ver que nosso documento

nós nos reportamos a outras teorias também como possibilidade...

aprendizagem crítica é aquela que é questionadora, aquela que passa pela

problematização e não só com foco no conteúdo... ele (aluno) pode ter um

espírito crítico (Entrevista com PCE).

A todo o momento percebemos o deslizamento de sentidos. Existe a produção de

discursos em defesa da construção de um currículo ancorado nos pressupostos da teoria

crítica, contudo com fortes marcas tecnicistas. Não defendemos que as políticas curriculares

permaneçam fixas, contudo salientamos a necessidade de se ter uma forma de pensar

curricular que garanta uma possibilidade sustentada em uma perspectiva de formação

humana.

Os discursos acima poderiam até justificar a necessidade de não fixidez quando falam:

“preferimos a leveza do e do que a ditadura do o”, em um sentido de somar múltiplas

possibilidades. A fluidez, a não fixação, são pontos caros em nossa dissertação, contudo ao

ver, a partir dos processos híbridos, esse ecletismo, nos perguntamos quais interesses estão

marcados quando se propõe hibridizar concepções distintas de currículo, ou seja, concepções

distintas de formação de identidades sociais. Fica claro dessa forma que não se trata apenas de

usar perspectivas diferentes, é preciso pensar na organização e nos sentidos que tal postura irá

produzir.

Nos documentos da Área de Ciências Humanas podemos perceber uma aproximação

maior com as concepções críticas de currículo. O texto, já em sua introdução, salienta que a

Área:

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[...] busca fundamentação na concepção do método histórico-dialético com o

entendimento de que o conhecimento é construído sócio-historicamente na

relação entre homens e destes com o contexto social, político, econômico,

cultural, natural e tecnológico em constante processo de transformações, e

que envolve diretamente o cotidiano dos professores e estudantes (OC

Ciências Humanas, 2010, p. 9).

O trecho acima mostra que o currículo para essa Área deve ser refletido e construído a

partir dos pressupostos das teorias críticas. O método histórico-dialético é fundamentado nas

bases marxistas em que o foco é a economia política. Dessa forma espera-se que as questões

curriculares sejam capazes de garantir emancipação dos alunos através de uma visão crítica.

Contudo, existe a presença das outras concepções como o caso das concepções

tecnicistas trazendo, assim como em todas as Áreas, quadros sistematizadores com

capacidades e descritores a serem construídos nos alunos, além desses quadros esse

documento possui uma grande listagem de objetivos a serem alcançados pela Área, no

primeiro e segundo Ciclos, e objetivos para cada disciplina no terceiro Ciclo. Essa forma de

organização curricular está ancorada nos princípios de organização postulados por Ralph

Tyler, a preocupação é estar atento a que objetivos deve se alcançar e na forma de

sistematização dos conteúdos (quadros com capacidades e descritores).

Esta área também se ancora, em alguns momentos, nos pressupostos das teorias pós-

críticas de currículo como podemos ver abaixo:

Cultura é concebida, nestas Orientações Curriculares, como conjunto de

práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados.

Diversidade, do ponto de vista cultural é explicada como construção

histórica e social das diferenças. As diferenças são construções humanas no

contexto sociocultural e histórico (OC Ciências Humanas, 2010, p. 11).

O trecho acima nos evidencia uma concepção de cultura a partir das concepções pós-

estruturalistas, uma vez que o conceito da mesma é apresentado como um processo de

significação, ou seja, uma lógica linguística. Nesse sentido, é construído em alguns trechos do

texto desta área o discurso de que a escola tem que operar com a cultura em um sentido de

significação.

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Existe uma disputa clara nos discursos produzidos no texto da política de currículo

para a Escola Organizada por Ciclos de Formação acerca da afirmação de concepções de

currículo nas três perspectivas apresentadas. Em cada momento existe a ênfase em uma delas.

Coadunando com os estudos de Nestor Garcia Canclini (2011) acreditamos que entender a

produção dessa política de currículo a partir dos processos de hibridação permite compreender

os jogos de poder existentes na política, fato que nos possibilita entender como certos sentidos

acerca de currículo podem ser hegemonizados discursivamente.

Foram produzidos discursos de que o currículo deve promover a autonomia e a

emancipação, bem como formas de pensar e construir currículos que respeitem e valorizem as

culturas de todos e todas, contudo ao mesmo tempo a política curricular apresenta uma forma

firme de poder quando coloca no final do texto de cada Ciclo de Formação quadros que

delimitam as condições que os alunos devem sair (perfil de saída) da escola, isso denota uma

forma extremamente tecnicista, em que a prescrição de mínimos é o ponto chave para a

melhora da educação.

Na produção do texto curricular não existe uma postura teórica curricular para a

organização do currículo para a Escola Organizada em Ciclos de Formação, há uma

hibridação, uma bricolagem (BALL, 2001) de várias formas. Encaramos que isso é um

problema, uma vez que não orienta à construção curricular nas escolas no tocante a pensar a

formação humana. Não acreditamos na fixação de posturas teóricas, mas é preciso ter uma

postura para a formação das crianças que estão na escola, uma concepção a ser construída.

Embora se mostre como um produto híbrido, a política curricular, tendencialmente se

aproxima mais da perspectiva tecnicista de currículo, uma vez que prescreve um currículo

mínimo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação por meio da listagem de objetivos

e da construção dos quadros organizativos com eixos, capacidades e descritores, os quadros

nos mostram uma postura marcada por objetividade e fixidez na organização dos currículos.

d) Os quadros organizativos: eixos, capacidades e descritores

Além da organização dos documentos da política curricular para o ensino fundamental

estar dividido em três Áreas de Conhecimento, como já discutimos, a cada final de cada texto

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para um Ciclo de Formação são organizados quadros de sistematização para a organização

curricular. Estes quadros são estruturados com eixos, capacidades e descritores.

Os eixos são trazidos como forma de integração entre as disciplinas de cada Área de

Conhecimento. As capacidades são consideradas como ações teóricas práticas que

estabelecem ligações entre sujeito e objeto. E os descritores como um meio de tradução

diagnosticada da realidade do processo de ensino e aprendizagem (OC Linguagens, 2010).

Segundo discursos presentes nos textos da política curricular os quadros visam um

processo facilitador da produção de currículos nas Escolas Organizadas por Ciclos de

Formação, sempre ligado à questão conceitual. São meios de garantir que os alunos aprendam

o mínimo durante a sua escolarização fundamental.

[...] os quadros apresentados foram também encomendados pela importância,

que não é no grupo de produção, porque a priori não existiam os quadros,

eles vieram depois por uma necessidade, assim como, no desenvolvimento

humano a gente, principalmente no ensino fundamental, a gente vai trabalhar

com capacidades, aí a preocupação que não era, também sem fundamento,

de assegurar no núcleo comum, alguns descritores que outros podem, até

falar assim, olha temos lista do que precisamos ser trabalhado, mas o que o

aluno precisa saber, então, para assegurar o perfil. Partiu da própria

superintendência de currículo, pra assegurar o perfil. Na época o diálogo era

acerca do perfil de saída, porque dá impressão assim, que a gente prepara a

educação infantil, tem um perfil de saída, para que ela integre na

alfabetização, com perfil de saída para o segundo ciclo, e aí também o perfil

de saída, para assegurar que realmente no processo de alfabetização...

assegurar um perfil de saída, não com um critério para que ele pudesse

avançar para o segundo e terceiro ciclo, mas para assegurar um processo de

qualidade de construção de conhecimento, que ninguém aprende do nada,

então para estabelecer um perfil de saída mesmo (Entrevista com GSAS).

A necessidade da construção dos quadros foi vista como uma possibilidade de garantir

um perfil de saída para todos os estudantes, uma preocupação ancorada nas perspectivas

tecnicistas de currículo. Essa ideia partiu da Superintendência de Educação Básica e logo se

espalhou por todos os sujeitos envolvidos no processo de produção da política curricular para

a Escola Organizada por Ciclos de Formação. Apensar de ser uma definição da SEDUC/MT

não foi um processo tranquilo, a elaboração desses quadros foi algo extremamente polêmico,

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e em sua própria estruturação podemos ver os poderes oblíquos circulando em torno do que

seria colocado ou não.

Isso deu o maior pau, esse foi o maior ponto de estrangulamento, e

estávamos muito resistentes a não fazer aqueles quadros, muito resistente,

entretanto como tinha que ter uma lógica geral, então acabou tendo os

quadros, mas a todo o momento, nós tivemos muita resistência de aceitar

isso, porque nós achávamos que a partir daqueles quadros aquilo poderia ser

um elemento engessador, e ele seria só aquilo, isso foi colocado, mas durante

nossos encontros com os Cefapros e os professores nós colocávamos isso,

explicava que aquilo era apenas uma síntese de entendimento, mas que eles,

nas suas práticas, poderiam fazer da forma que lhe convier, desde que

atendesse aos princípios mínimos, daqueles eixos colocados, e os conteúdos

que fossem inerentes, e se você observar, todas as séries, são os mesmos

eixos, o que muda é o aprofundamento, só isso que vai mudar, é o

aprofundamento dentro daqueles eixos, e esse quadro deu muito problema

(Entrevista com PCE).

Como podemos ver alguns dos sujeitos produtores da política curricular consideraram

a constituição dos quadros como um dos maiores pontos de estrangulamento do processo.

Contudo, mesmo tendo essa concepção no processo final de produção do texto um consenso

pairou em torno da necessidade de se garantir com os quadros um currículo mínimo a ser

trabalhado com as crianças nas Escolas Organizadas por Ciclos de Formação.

Então... eu diria pra você... tanto que pra mim o grande parâmetro é o

livrinho da Escola Ciclada, o livro branco.... ele não tem quadro, ele não tem

nada, e eu dei capacitação, eu trabalhei com capacitação de 1998 até hoje... e

o professor não se encontra... então... quando não tem uma coisa dizendo

assim: é por aqui! Os professores não se encontram, e daí qualquer coisa

serve. Às vezes os professores se sentiam muito desamarrados... será que

precisa? Porque o professor que aposta na emancipação de um currículo e

que tem um compromisso social não precisaria dos quadros, mas... é esse o

perfil de professores que nós temos? Então nesse momento... mas, eu me

pergunto: qual é o professor que nós temos? Qual é a concepção dele em

fazer ciências, em fazer matemática? É claro, é distante? É! É, mas é um mal

necessário! O quadro diz minimamente o que o aluno tem que saber

(Entrevista com PCER).

Em alguns casos, como podemos ver acima, os quadros são vistos como o que os

professores minimamente devem ensinar aos seus alunos, uma vez que estes não têm

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condições de estabelecer os conhecimentos necessários a ser construído por seus alunos, o que

contraria a própria constituição de um dos princípios basilares da Escola Organizada em

Ciclos de Formação: a emancipação. No trecho acima, a proposta produzido no Livro Escola

Ciclada de Mato Grosso é evidenciada como uma política que não garantiu os conteúdos

mínimos, fato que deixou os professores em condições adversas para a constituição dos

currículos em seus contextos escolares.

Ancorados em Ball apud Mainardes (2006) acreditamos que estes quadros sejam os

mais próximos da prescrição curricular, sendo um texto que limita a leitura dos professores e

professoras, tendo estes que garantir as capacidades ali presentes, dando o caráter de

alimentação textual dentro do contexto da prática. Sabemos que estes textos, mesmo com esta

intencionalidade, podem ser reinterpretados e ressignificados pelos professores e professoras,

contudo a sua estrutura é tecnicista. Fato que podemos ver em um dos discursos com algo que

possa ser negativo dentro da construção curricular nas escolas:

[...] o que eu acho de negativo em relação a isso, aí também não pode dizer

que fosse acontecer assim, mas vem um pensamento nesse sentido, de que

ele pode tornar o quadro em currículo, e questões muito mais importantes

do que estão escritos lá no quadro, podem deixar de ser trabalhado, então o

que eu vejo de negativo... é o receio de que o quadro se torne o currículo da

escola (Entrevista com GSAS).

Como podemos ver o discurso de currículo mínimo, onde o quadro se torne o currículo

da escola, foi posto como um desafio a ser superado pelas escolas. Contudo, é fato que ele

pode se tornar um elemento engessador dentro da política curricular, embora outros discursos

sejam proferidos em torno de uma necessidade de se ter uma proposta com o currículo básico,

retirando o peso dos sentidos do currículo mínimo, o que em nossa leitura configura como a

mesma coisa.

[...] a Secretaria de Estado de Educação, hoje ela não concebe a ideia de um

currículo mínimo para a escola, entende que a gente tem que ter um

currículo básico, isso sim, não o mínimo, e que a escola é responsável pelo

seu projeto político pedagógico, a escola é responsável por isso, mas

compete ao estado, enquanto política pública fazer suas orientações dentro

dos princípios basilares que a escola vai completar e vai organizar o seu

fazer (Entrevista com GSR).

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Houve uma preocupação com os sentidos cognitivos de aprendizagem dos alunos,

como nos revela o trecho abaixo, há sempre um deslizamento de sentidos, nos mostrando que

a constituição dos quadros dentro dessa política curricular tem um forte marca tecnicista.

A escola em todas as correções devolvidas... a escola... a escola aponta um

pouco isso, e tem todos os estudos que os próprios formuladores que

estavam juntos olhando os ciclos de vida das crianças, dos adolescentes e

dos jovens puderam definir, qual era o eixo que melhor atraía os alunos

nessas idades, porque nós nos baseamos na idade, idade pra este

conhecimento e também nós temos a área de diversidade posta nas

orientações curriculares, foram ouvidos os indígenas, a educação

quilombola, todo mundo olhando seus pares, então quais são os

conhecimento que um aluno, por exemplo, de oito anos de idade teria? No

final de 11 anos de idade o que a escola deixou de capacidade naquele aluno,

ela teve no seu trabalho pedagógico, condição de desenvolver o aluno, então

utilizando a idade como referência, a gente construiu as capacidade que os

alunos devem ter não uma coisa fixa, verdadeira, única e exclusiva, a gente

sabe que não é assim, alguém tem oito anos e todo mundo de oito anos é

igualzinho, não é um Admirável Mundo Novo que a gente quer, a gente quer

os meninos próximos na mesma idade, eles têm valores parecidos, têm

brincadeiras que fazem a cabeça dele e conhecimentos também, então de

uma forma mais tranquila fomos organizando por idade os tempos dos

alunos, e o que ele deve ter de capacidade em cada tempo da vida dele

(Entrevista com GSR).

Isso nos mostra como as perspectivas tecnicistas de currículo não ficaram mortas

quando apareceram no campo curricular às teorias críticas de currículo, isso reforça o que

compreendemos pela não linearidade de perspectivas de currículo no contexto da produção de

políticas. A racionalidade tyleriana, com sua formulação curricular em torno das quatro

questões básicas formuladas por Ralph Tyler não faz parte do passado, está profundamente

marcada nas reformas curriculares nacionais (LOPES e MACEDO, 2011), e também mato

grossense.

O modelo fornecido por Cesar Coll para elaboração de currículo, fortemente

influenciado pela racionalidade posta por Ralph Tyler (LOPES e MACEDO, 2011), teve um

impacto sobre a organização destes quadros na política curricular em Mato Grosso. Segundo

as autoras (2011, p. 59),

[...] seu modelo curricular tem por horizonte um projeto curricular para a

escolarização obrigatória a ser implementado nacionalmente ou por um

poder central... o currículo é organizado linearmente envolvendo as decisões

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sobre as finalidades do sistema educacional, legalmente estabelecidas; sobre

os objetivos gerais do ensino obrigatório; sobre os objetivos gerais de cada

ciclo e sobre o projeto curricular básico de cada área para o ciclo.

Os quadros sistematizadores apresentam um projeto político e pedagógico que as

escolas têm a obrigatoriedade de trabalhar com os mínimos, ou os básicos, postos na política

curricular, construído pelo poder central. São apresentados, por exemplo, antes de cada

quadro nos textos das Áreas de Ciências da Natureza e Matemática e Ciências Humanas, uma

grande listagem de objetivos a serem alcançados na efetivação da proposta curricular das

escolas.

A constituição das capacidades reforça ainda mais a proximidade da perspectiva

tecnicista na formulação da nova política curricular. Para Lopes e Macedo (2011), o modelo

proposto por Cesar Coll (impregnado da racionalidade tyleriana) organiza os conteúdos em

conceituais, procedimentais e atitudinais. Na produção do texto da política curricular o

significante conteúdo não é abordado diretamente, porém as capacidades são divididas da

mesma forma em que os conteúdos são divididos por Cesar Coll. Vejamos a seguir como as

capacidades são divididas

[...] as capacidades cognitivas, socioculturalmente construídas estão relacio-

nadas aos processos ou operações mentais quando o ser humano constrói o

conhecimento, tais como: a abstração, a análise, a síntese, a correlação, a

percepção, a identificação, a aplicação, a fruição... As capacidades

atitudinais dizem respeito às convicções e modos de ser, sentir e se

posicionar mediante situações concretas... As capacidades procedimentais

estão relacionadas a ser, saber, fazer e saber fazer determinadas coisas (OC

Linguagens, 2010, p. 9).

As capacidades são desenvolvidas da mesma forma que os conteúdos. Os alunos

devem construir saberes ligados ao saber pensar, refletir, fazer, bem como ter bons

relacionamentos com as outras pessoas que o mesmo interage. Mesmo sendo aparentemente

coisas que realmente os alunos no processo de escolarização devam construir, acreditamos

que as mesmas são tidas como possíveis pontos de estrangulamento da construção curricular

dentro das escolas, pois possuem um alto grau de prescrição.

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Queremos retornar aqui aos sentidos das tencionalidades visualizadas no processo de

produção destes quadros. Como mostramos em alguns trechos esse foi um movimento de

negociações e disputas de poder travada entre os produtores da política curricular. Segundo

entrevista com GSA a proposta da Secretária Adjunta de Política Educacionais da época era

de que a política curricular deveria ter conteúdos, tinha que garantir o mínimo para as escolas.

Ao mesmo tempo a Superintendente de Educação Básica (nível estratégico inferior)

acreditava que não seria necessário. Nesse sentido houve um movimento articulatório que

produziu o discurso de que os quadros seriam estruturas que iriam nem ser tão abertos, nem

tão fechados, possibilitando maior flexibilidade curricular.

Foi uma luta de poderes, sem vencedores, sem perdedores. Nessas “mediações, de vias

diagonais para gerir conflitos, dá às relações culturais um lugar proeminente no

desenvolvimento político” (CANCLINI, 2011, p. 348), é uma luta cultural discursiva e

metafórica, em que os sujeitos se articularam para significar o que acreditavam ser melhor na

constituição dos quadros.

Nessa arena política houve muitas tentativas de manter e romper com a formatação

dos quadros. É interessante ressaltar as fugas de sentidos que este espaço tempo promoveu,

pois “em toda fronteira há arames rígidos e arames caídos” (CANCLINI, 2011, p. 349), ou

seja, os subterfúgios nessa zona nos mostra as possibilidades de poderes oblíquos circulantes

na constituição de políticas curriculares, há momentos em que alguns discursos conseguiram

sustentar a significante necessidade dos quadros, em outros não, em momentos alguns

discursos conseguiram retirar capacidades estanques, por capacidades mais flexíveis.

Mesmo a constituição dos quadros estando marcadas pelo fluxo contínuo de poderes,

sendo uma arena política de disputas de sentidos, mostrando-se como um produto híbrido

consideramos que os mesmos são extremamente tecnicistas, com possibilidades de

engessamento curricular nas escolas organizadas por Ciclos de Formação. Tais quadros não

garantem que tenha qualidade nos processos de ensino e de aprendizagem, como sinalizam

alguns discursos, pelo contrário podem transformar-se na própria constituição do currículo

escolar, reduzindo toda a complexidade do campo.

A Escola Organizada por Ciclos de Formação seria potencializada curricularmente a

partir de uma política que propusesse a reflexão e a construção em cada espaço tempo escolar

e não com quadros burocráticos que nos remetem a uma lógica tecnicista de pensar e

organizar o currículo escolar. Com esses quadros são postas em cena várias intencionalidades

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de formação dos sujeitos que estão no processo de escolarização, que, ancorados na

racionalidade tyleriana, nos remetem a pensar na formação de alunos e alunas que respondam

às necessidades do modo de produção capitalista, sentido oposto ao que se espera da

organização por Ciclos de Formação, que é justamente romper com as lógicas excludentes de

mercado, diminuindo e até mesmo erradicando as injustiças postas no mundo contemporâneo.

2.2.2 EIXO 2: Influências presentes nas Orientações Curriculares

a) Emergência Curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

As políticas curriculares são frutos de fluxos de proposições vindas de vários espaços

tempos. As políticas curriculares se configuram como ‘“uma produção de múltiplos contextos

sempre produzindo novos sentidos e significados” (LOPES, 2006, p. 39). A circulação de

vários documentos de políticas curriculares produzidos pelo governo federal, bem como

governos estaduais e municipais é hibridizada na constituição de uma política de currículo,

umas de uma forma mais contundente, outras menos. E no caso de Mato Grosso não foi

diferente, percebemos na configuração da política curricular para o ensino fundamental

organizado por Ciclos de Formação a presença de outras propostas curriculares.

A partir desse contexto iremos discutir a emergência curricular para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação, pensando nas influências do seu surgimento e nas

necessidades de (re) organização curricular através desta proposta política produzida a partir

de 2007.

O pensamento sobre políticas educacionais que rompessem com a forte exclusão do

sistema seriado no Brasil não surge imediatamente com a proposta de Ciclos, desde o início

do século passado propostas para a redução das taxas de reprovação e evasão, bem como o

aumento do número de vagas na escola pública já eram pensadas (MAINARDES, 2007).

Segundo Barreto e Mitrulis (2001) esse movimento se alargou no Brasil a partir das

décadas de 1950 em diante, nessa década, na Conferência Regional Latino-Americana sobre

Educação Primária Gratuita e Obrigatória, promovida pela UNESCO, já era recomendado,

cautelosamente, que gradativamente se implantasse um sistema que garantisse a promoção de

todas as crianças sem prejuízo de aprendizagem.

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Outras propostas foram sendo debatidas e implantadas nas décadas seguintes. O termo

Ciclo aparece no cenário nacional em 1984, no sistema educacional paulista. Esse discurso

entra no cenário nacional a partir da circulação dos modelos europeus, que surgem a partir da

reforma do sistema francês no Plano Langevin-Wallon. Após o surgimento da proposta

paulista houve uma disseminação pelo Brasil (MAINARDES, 2007).

A intenção dessa breve exposição é esclarecer que os Ciclos de Formação não são

invenções que surgem sem um respaldo teórico prático histórico internacionalmente. E o mais

importante, que tal forma de organização escolar requer que seja pensado o currículo de forma

a compreender os novos tempos e espaços para a formação dos sujeitos que nela está. A

emergência de proposituras curriculares para a Escola Organizada por Ciclos de Formação

talvez seja uma das mudanças mais necessárias para uma nova configuração no processo de

ensino e de aprendizagem (MAINARDES, 2007).

O surgimento da Escola Organizada por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato

Grosso se deu com as primeiras experiências no Projeto Terra, desde então novas proposituras

foram sendo implementadas com o intuito de romper com o massacre das reprovações e

evasões dos estudantes desta rede. Deste momento até a sua implantação efetiva na rede em

2000, muitas influências operaram para a sua gênese e reconfiguração, sendo mais latentes as

propostas da Escola Plural de Belo Horizonte e a Escola Cidadã de Porto Alegre

(MENEGÃO, 2008; BORDALHO, 2008; BRANDINI, 2011).

As influências dessas propostas não se restringiram apenas na configuração da

proposta da implantação da política de ciclos, na produção da política curricular, as

circulações dos pressupostos curriculares daquelas propostas estiveram presentes na produção

do texto político curricular. Em entrevista com vários consultores foi mencionada a leitura dos

documentos dessas propostas, embora alguns deles mencionassem que a SEDUC/MT não

provocou a discussão sobre Ciclos.

[...] nós fomos recuperar estudos antigos, era tema integrador, era ensino por

projetos e trabalhos... então, era por onde iríamos começar, o que nós já

sabíamos e como seria a estrutura do documento. Então, ninguém foi nos

questionar, por exemplo, seu eu acreditava na Escola Organizada em Ciclos

de Formação Humana. Se eu achava que era uma proposta exequível. Se era

um proposta eficiente para a proposta de educação para o ensino de Mato

Grosso. Ninguém nos questionou. A mim não! Nem coletivamente. Nós já

começamos um conversa de como seria o documento, por onde nós

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começaríamos isso, que leitura nós tínhamos, quem já conhecia o documento

anterior (Escola Ciclada). Eu já conhecia. Outras pessoas não conheciam.

Então nós teríamos que fazer uma leitura inicial, mas isso não foi orientado

(Entrevista com PCO).

A proposta inicial foi a de construir uma política curricular revisitando estudos sobre

formas de integração dos saberes, mas as discussões sobre como pensar essas integrações

dentro da Escola Organizada por Ciclos de Formação não foram postas em jogo para a escrita

dos consultores. Encaramos isso como uma problemática, pois o currículo é pensado para uma

forma de organização escolar específica devendo levar em consideração as suas

especificidades. Foi proferido um discurso acerca das necessidades de integração curricular,

fato que consideramos importante, contudo ficou falha a discussão acerca dos pressupostos do

Ciclo de Formação.

Além disso, como já mencionado, a SEDUC/MT encomendou a produção de um texto

ao Prof. José Clóvis, que fez parte da equipe que construiu a proposta da Escola Cidadã de

Porto Alegre, para trazer as concepções do Ciclo de Formação. Um texto bem elaborado,

contudo com as concepções voltadas para as características e necessidades daquele lugar, ou

seja, com concepções políticas e pedagógicas já definidas.

O currículo para a Escola Organizada por Ciclos de Formação deve ser flexível,

adaptável, politicamente articulado com as necessidades dos alunos e alunas que nele serão

formados (FERNANDES, 2012), dessa forma exige-se uma política curricular que promova o

debate e a produção curricular em cada contexto, permitindo a circularidade de discursos e a

articulação entre os sentidos macro e micros na constituição do currículo escolar, e não cópias

a serem repetidas.

Consideramos que mesmo o governo produzindo ou (re) produzindo políticas

curriculares impregnadas de concepções estaques, como as dos PCNs e outras, sempre serão

reconfiguradas no contexto da prática, contudo nesses movimentos macro e micros, as

políticas como textos são significativas nas práticas pedagógicas, tendo essas que possibilitar

reflexões nesse contexto, e não prescrever os saberes mínimos a serem ensinados.

Os discursos proferidos no Contexto de Influência e de Produção da política curricular

são os de rompimento com a proposta anterior no livro “Escola Ciclada de Mato Grosso”,

bem como o de reconfigurar o currículo com a política proposta atualmente, contudo o que

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percebemos é uma produção marcada por um processo de bricolagem (BALL, 2001) dos

PCNs e outros documentos federais.

Concordamos que a proposta produzida no documento Escola Ciclada de Mato Grosso

apresenta alguns problemas, como a hibridação entre Ciclos de Aprendizagem e Ciclos de

Formação, como explicitado anteriormente, principalmente no tocante a retenção no final de

cada Ciclo de Formação, contudo no tocante às questões curriculares, ela apresenta pontos

importantes que ainda não foram superados até hoje, como a articulação dos saberes em Áreas

de conhecimento. Essa preocupação é vista do discurso de alguns gestores da SEDUC/MT à

época,

[...] desde 2000 a proposta política é a Organização por Ciclos de Formação

Humana, a gente percebia assim ainda um desencontro, muitas pessoas nas

escolas, nem conheciam ainda bem o livro Escola Ciclada de Mato Grosso, e

que ele tinha assim, um desencontro com a formação humana, porque tem

horas que ele puxa para como se fosse o Ciclo de Aprendizagem, e a gente

precisava desse alinhamento, para a formação, e também para o

desenvolvimento do currículo do ensino fundamental (Entrevista com

GSAS).

Percebemos que essa foi uma preocupação dos profissionais da SEDUC/MT que

estavam à frente do setor específico para pensar o Ciclo de Formação, eles discutiam a

necessidade de se romper com essa hibridação, pois talvez uma das piores concepções do

Ciclo de Aprendizagem estava enviesada no Ciclo de Formação, a retenção, um dos

mecanismos mais perversos de exclusão humana no processo de escolarização. Além disso,

esta e outras preocupações já vinham sendo discutidas antes da proposição das Orientações

Curriculares,

A gente dentro dessa tentativa de organizar propriamente na concepção de

Organização por Ciclo de Formação Humana, a gente teve portarias, que

houve participação da equipe que trabalhava, junto com a consultora, e

alguns momentos até a consultora mesmo, na produção de portarias que

orientam as escolas, pra o desenvolvimento organizacional na escola, tanto

de recurso humano, quanto articulado para a prática pedagógica, o professor

articulador, o processo de alfabetização sendo unidocente porque isso... para

implementação da proposta é fundamental, e a reorganização do livro Escola

Ciclada de Mato Grosso, que era um ponto fundamental, pra que ela fosse

alinhada ao desenvolvimento humano, e não essa mescla de Ciclo, e esse a

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gente deu terminalidade, mas não chegou ainda a publicação (Entrevista com

GSAS).

Antes da produção da política curricular alguns membros da SEDUC/MT já se

preocupavam com a formação e atribuição do professor articulador, com o professor

acompanhar a turma durante todo um Ciclo, com a não retenção. Tais preocupações foram

publicadas em Portarias e Instruções Normativas, era uma preocupação paulatina com as

concepções do Ciclo de Formação, que de certa forma desembocavam na configuração

curricular para essa organização escolar, pois para se pensar o currículo para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação é preciso se debruçar nas concepções que o cercam.

Contudo percebe-se que isso não foi uma lógica nos discursos de muitos consultores,

pois a preocupação maior residia em manter um currículo com uma listagem mínima de

capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos.

[...] a proposta antiga... quanto à reformulação da proposta, aquele livro que

nunca saiu, aquele da escola ciclada, nunca tinham escritos os conteúdos

mínimos... porque pra mim currículo são os conteúdos mínimos. Então

nunca tinham sido escrito nada pontual, só geral sobre o que seria o ciclo de

formação humana... pra mim o grande parâmetro é o livrinho da escola

ciclada, o livro branco.... ele não tem quadro, ele não tem nada, e eu dei

capacitação, eu trabalhei com capacitação de 1998 até hoje... e o professor

não se encontra... então... quando não tem uma coisa dizendo assim: é por

aqui! Os professores não se encontram, e daí qualquer coisa serve

(Entrevista com PCER).

Como podemos perceber a preocupação não estava na reflexão e discussão acerca das

concepções da Escola Organizada por Ciclos de Formação, mas sim em garantir os mínimos.

Há, por vezes, alguns discursos que desconsideram a produção curricular dos professores que

estão no contexto da prática, como se eles não fossem capazes de produzirem os currículos

que deem conta das especificidades do processo educativo a ser desenvolvido na Escola

Organizada por Ciclos de Formação.

A escola organizada por Ciclos de Formação necessita de políticas curriculares que

pensem toda a sua lógica de conceber os tempos e espaços formativos, os professores que nela

estão não necessitam de listagem de conteúdos mínimos a serem reproduzidos, que já estão

encontrados em propostas como PCNs ou até mesmo nos livros didáticos, os professores

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precisam de subsídios teóricos práticos para pensar e refletir como produzir e organizar os

currículos em cada contexto, para cada necessidade que houver no seu dia a dia,

compreendendo que a retenção não faz com que os alunos aprendam mais, que quando os

alunos permanecem com seus pares de idade a aprendizagem se torna mais profícua, que os

conteúdos precisam ser integrados e que devem possibilitar à compreensão de mundo em que

cada um deles vive e poderão viver.

A seguir discutiremos a influência que os PCNs e outros documentos oficiais do

governo federal tiveram na produção do texto da política curricular para o ensino fundamental

organizado por Ciclos de Formação.

b) Influências do Governo Federal na produção da política curricular

As políticas de Ciclos no Brasil tiveram como um dos grandes propulsores os

Governos do PT, na entrada dos comandos políticos em vários municípios e estados este

partido implantou a política de Ciclos de Formação. Uma marca registrada para o avanço da

educação, com princípios democráticos, uma escola para todos (MAINARDES, 2007;

FREITAS, 2003). No estado de Mato Grosso temos um movimento contrário a este, pois foi

no Governo do PSDB, com características neoliberais, que o Ciclo de Formação foi

implantado como forma de organização do ensino fundamental.

Nesses movimentos articulatórios entre partidos progressistas e neoliberais residem

preocupações distintas, percebe-se a proliferação de discursos que aparentemente coadunam

com a mesma intenção, contudo é preciso ter um olhar sagaz para perceber quais as

intencionalidades que cada um espera (FREITAS, 2003). Nesse bojo, salientamos que o

currículo constrói identidades sociais, dessa forma a sua organização e as influências que nele

se fazem querem dizer quais as intencionalidades se têm na formação de um aluno (a). Como

esse olhar sagaz, buscamos compreender quais os discursos tentaram hegemonizar tais

sentidos em torno dessa política curricular.

Percebemos que os PCN talvez sejam os documentos que mais tiveram impacto na

construção da política curricular para o ensino fundamental. Em torno da sua utilização há um

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discurso de que a política do estado deve coaduanar com as políticas nacionais, e para

consultores e gestores da SEDUC/MT os PCNs são os documentos basilares.

[...] havia a necessidade de implementar um programa curricular que

superasse alguns problemas diagnosticados, e que também tivesse alinhado

com os Parâmetros de Currículo Nacional, porque o principal problema foi

esse, como que nós podemos também... quer dizer também não... nós temos

a obrigação de adequar o currículo do estado com a proposta do MEC, que

era os PCNs (Entrevista com PCE).

O discurso de adequar, de acompanhar o que o governo federal desenvolve influenciou

marcadamente a produção dos documentos no estado de Mato Grosso. Tal adequação foi um

discurso circulante entre Gestores da SEDUC/MT e entre vários consultores. Um sentido de

obrigação, em que o Governo Federal dita a “regra” e o estado tem que seguir essa “regra”,

podendo fazer alguns ajustes, porém mantendo a mesma lógica, como reforça o trecho abaixo:

[...] a organização curricular por área de conhecimento, integrado para toda a

educação básica via MEC e Conselho Nacional de Educação. As diretrizes

nacionais já estão postas, o Conselho Nacional já estabelece essas

normativas, então o papel do estado é apresentar para a sociedade

educacional qual é a sua concepção e isso precisa estar estruturado em um

documento, e porque orientações, porque elas não são obrigatórias

(Entrevista com GSA).

Percebemos a forte influência dos PCNs e outros documentos do Governo Federal

como as Diretrizes Curriculares Nacionais CNE/2010, que foram lançadas no mesmo ano das

Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso. Visualizamos um sentido de obrigação

do estado de produzir e seguir o que estes documentos ditam. No trecho abaixo a entrevistada

reforça esse visão afirmando a igualdade de termos e concepções sinalizadas nas Diretrizes

Nacionais CNE/2010 que Mato Grosso já utilizou nas Orientações Curriculares:

[...] ela (Acácia Kuenzer) foi extremamente importante, porque ela já vinha

acompanhando essas discussões no conselho nacional, ela era uma das

consultoras junto ao MEC para rever as diretrizes nacionais, depois ela

acabou se afastando. Então ela já sabia o que já vinha sendo discutido em

nível nacional pelo MEC e conselho nacional, e ela trouxe isso para o Mato

Grosso. As diretrizes do governo federal saíram depois, e quando saíram as

nossas já estavam atualizadas, até as categorias trabalho, conhecimento e

cultura (Entrevista com GSA).

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A consultora geral da política curricular de Mato Grosso, Profa. Acácia Kuenzer, era

consultora do MEC na produção das Diretrizes Curriculares Nacionais (publicadas em 2010).

Quando a mesma começa os trabalhos em Mato Grosso, várias das concepções sinalizadas no

documento do Governo Federal são colocadas como carro chefe. As próprias categorias

trabalho, conhecimento e cultural são assumidas como basilares na proposta mato-grossense,

a única diferença é que neste documento tais categorias são chamadas de eixos articuladores,

mostrando-nos como os documentos federais foram influenciadores da proposta curricular da

rede estadual de Mato Grosso. Mais uma vez evidenciamos o poder oblíquo, pois se percebe

uma espécie de concepções garantidoras de que Mato Grosso estava no caminho certo e,

portanto deveria seguir o que a consultora estava orientando.

Mesmo as Diretrizes Curriculares Nacionais CNE/2010 tendo esse grande impacto nas

concepções educativas gerais na política curricular, percebemos que a grande referência para

a produção do texto para o Ensino Fundamental foi mesmo os PCNs como podemos ver nos

trechos de algumas entrevistas:

[...] a grande referência é claro que são os parâmetros nacionais... a

documentação fundamental para produzir as Orientações sem sombra de

dúvida foram os PCNs (Entrevista com PCM).

[...] os PCNs sempre foram os documentos balizadores de tudo... foram

muito utilizados. Eu sempre uso então os PCNs... é claro que nós tivemos

como inspiração maior os PCNs, que as OCs seriam o desdobramento dos

parâmetros maiores (Entrevista com PCER).

O discurso de coadunar com os documentos do MEC ficou fortalecido na posição dos

consultores das disciplinas. Eles são enfáticos ao dizer que a política curricular para o ensino

fundamental da rede estadual de Mato Grosso deveria ser um desdobramento dos PCNs. O

que podemos ver é que em alguns casos são retirados trechos dos PCNs e utilizados na integra

nos documentos de Mato Grosso, apresentando muitas vezes certo distanciamento do próprio

Ensino Fundamental como podemos ver no caso do texto de Ciências da Natureza e

Matemática, em que os eixos articuladores para o Ensino Fundamental são retirados dos

PCNs +, documentos destinados para o Ensino Médio: Representação e Comunicação,

Investigação e Compreensão e Contextualização Sociocultural adaptados dos PCNs+ do

Ensino Médio (OC Ciências da Natureza e Matemática, 2010, p. 10).

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No texto de Linguagens há várias referências aos PCNs, sendo a disciplina de Língua

Portuguesa a que mais faz essa evidência,

No processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, os eixos

temáticos já apontados nos PCNs – oralidade, práticas de leitura, produção

de textos escritos e análise linguística – constituem norteadores de uma

proposta interlocutiva de ensino (OC Linguagens, 2010, p. 28).

Em Ciências Humanas as referências dos PCNs são tomadas constantemente no corpo

do texto, são trazidos trechos diretos ou fazendo referência ao mesmo. Vejamos os trechos

abaixo:

Com maior autonomia em relação à leitura e à escrita, as possibilidades de

aprendizagem dos estudantes ampliam-se, permitindo o uso crescente dos

procedimentos de observação, descrição, explicação e representação,

construindo compreensões mais complexas e realizando analogias e sínteses

mais elaboradas (BRASIL, 1997) (OC Ciências Humanas, 2010, p. 22).

Sobre organizações populacionais, ver Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Fundamental (BRASIL, 1997) (OC Ciências Humanas, 2010, p. 23).

Em um estudo do meio o estudante depara-se com o todo cultural, o presente

e o passado, o particular e o geral, a diversidade e as generalizações, as

contradições e o que se pode estabelecer de comum no diferente (BRASIL,

1997) (OC Ciências Humanas, 2010, p. 34).

As categorias geográficas “região” e “território” estão inseridas no espaço

geográfico e, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)

(OC Ciências Humanas, 2010, p. 40).

Não olhamos negativamente esse processo de circularidade de outras políticas

curriculares serem evidenciadas na política curricular analisada, até porque acreditamos que

há sempre movimentos migratórios de discursos e textos, e que estes influenciam as novas

produções. Também não descartamos a potência dos processos de hibridação na configuração

de políticas curriculares, uma vez que os processos de descoleção e desterritorialização são

capazes de promover mudanças constantes na produção de políticas educacionais e

curriculares. Contudo, não podemos deixar de salientar que a insistente postura de evidenciar

os PCNs, deixa nas Orientações Curriculares um empobrecimento no tocante a feitura

curricular nas Escolas Organizadas por Ciclos de Formação.

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Além da forte influência dos PCN, percebemos também na configuração da proposta

para o Ensino Fundamental a presença dos eixos e capacidades solicitados em programas e

avaliações de larga escala realizados pelo Governo Federal, como podemos ver no trecho

abaixo:

[...] eu me ative muito à experiência que eu tive no Gestar, e também no

INEP, Prova Brasil... nós tínhamos muito presente a questão dos PCNs, do

PISA, das avaliações do SAEB, dos descritores da Prova Brasil, do Gestar,

que eles tinham os descritores, as habilidades que as crianças tinham que

alcançar (Entrevista com PCER).

Em algumas Áreas de Conhecimento a influência dos descritores da Prova Brasil foi

forte evidenciando que a preocupação, muitas vezes, não residiu em produzir uma política

curricular que atendesse às necessidades da Escola Organizada por Ciclos de Formação, mas

sim a responder os índices propostos por organismos mundiais.

Voltamos aqui nas intencionalidades destes discursos. Embora sejam proferidos

discursos de que os PCNs são apenas basilares, e que não devem ser seguidos, e que o Estado

reorganizou os mesmos, percebemos que em relação ao Ensino Fundamental, as Orientações

Curriculares de Mato Grosso (2010), somente reafirmam o que os PCNs e outros documentos

nacionais já estabelecem. Há uma clara intenção de que o Estado dê conta de atingir os

patamares exigidos nas avaliações externas, deixando à mercê as concepções a serem

refletidas acerca do Ciclo de Formação na produção de Orientações Curriculares.

A política curricular foi influenciada de tal maneira pelos documentos federais,

principalmente pelos PCNs, que desconectou as singularidades das concepções do Ciclo de

Formação. Há uma ruptura com os pressupostos progressistas da proposta ao se propor um

currículo que atenda às necessidades capitalistas via exames como Prova Brasil. A política

curricular analisada apresenta problemas quanto às concepções de emancipação e autonomia

na produção dos currículos para as Escolas Organizadas por Ciclos de Formação, pois tentou

fixar caminhos, como por exemplo, para se chegar a resultados satisfatórios em exames de

larga escala.

Sabemos que emancipação e autonomia são duas condições impossíveis de se

conquistar plenamente na vida humana, contudo acreditamos que dentro da precária fixação

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de ambas os professores e as escolas podem construir propostas autônomas, criativas,

flexíveis, atingindo, ou tentando atingir, às necessidades que residem em cada espaço tempo

formativos, em cada processo de ensino e de aprendizagem, possibilitando a construção de

saberes para todas e todos.

c) Propostas Curriculares de outros estados e as Orientações Curriculares de MT

Além das influências dos documentos curriculares do Governo Federal na emergência

e produção do texto da política curricular para o Ensino Fundamental, a circularidade de

outras propostas curriculares de alguns estados do Brasil esteve presente nos documentos.

Algumas propostas foram fortemente influenciadoras e outras menos, umas mais legitimas ou

menos legitimas (LOPES, 2006). Destacaremos as sinalizadas nos discursos dos produtores

do texto da política curricular, a proposta do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São

Paulo, Espírito Santo e Pará.

A proposta construída pelo Estado do Paraná foi talvez a mais influenciadora, não no

sentido de cópia ou de produção em uma mesma estrutura, mas das concepções teóricas.

Consideramos que isso ocorreu principalmente pelo fato de que a consultora geral, Profa.

Acácia Kuenzer, é deste Estado. No momento de definição para a produção da política

curricular para toda a Educação Básica este foi o Estado “visitado” por membros da

SEDUC/MT.

[...] o grupo mesmo que montamos no início foi Ema e Terezinha que foram

para o Paraná e conversaram com a professora Acácia Kuenzer (Entrevista

com GSA).

[...] a Ema era coordenadora do ensino médio, e ela foi até o Paraná e tomou

conhecimento das orientações, ou qualquer coisa parecida e fez a defesa na

SEDUC/MT (Entrevista com GSJ).

As pessoas mencionadas acima, Ema e Terezinha, eram Assessoras Técnicas

Pedagógicas da SEDUC/MT, ambas ocupavam cargos de Coordenação e Gerência da Equipe

do Ensino Médio. Elas foram ao Paraná conhecer a proposta deste Estado, bem como entrar

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em contato direto com a consultora que seria posteriormente quem coordenaria toda a

proposta para a Educação Básica.

Inicialmente as Orientações Curriculares seriam produzidas para o Ensino Médio, após

as discussões com a Profa. Acácia Kuenzer a proposta se ampliou para toda a Educação

Básica, englobando assim o Ensino Fundamental organizado por Ciclos de Formação. A

Equipe do Ensino Fundamental já havia iniciado um movimento para a discussão dos Ciclos

de Formação desde 2006, esse movimento foi estabelecido para discussões mais amplas, e não

apenas para as questões curriculares. Neste movimento a proposta de Minas Gerais, bem

como estudos realizados por um grupo de pesquisa da UFMG, tiveram influências na

produção dos documentos para o Ensino Fundamental, tanto nessas discussões gerais quanto

posteriormente na produção do texto curricular para essa etapa da Educação Básica. O trecho

abaixo nos mostra esse processo:

[...] em 2007 já tinha... quem era Gerente de Organização Curricular no

Ensino Fundamental, chegou a fazer uma viagem para Minas pra olhar como

que era a organização da Escola Plural e a partir da viagem... e assim... os

documentos que a gerente de organização curricular da época, Profa.

Catarina... a partir daquelas propostas estruturadas lá em Minas a gente

começou a também a se organizar, e o diferencial e as leituras que a gente

faziam em equipe... já tinha uma leitura da própria produção de Minas,

depois a gente conseguiu ter o diferencial, porque tem que levar em conta o

letramento, que na Escola Plural também é a partir do letramento (Entrevista

com GSAS).

As concepções da Escola Plural foram referenciadas nas discussões acerca da forma de

se pensar a Organização da Escola em Ciclos de Formação. Destaca-se como fundamento

observado na proposta de Minas Gerais a fundamentação em torno do Letramento, conceito

utilizado fundamentalmente na proposta curricular nos dois primeiros Ciclos de Formação,

termos como Alfabetização e Letramento Científico, Alfabetização e Letramento Cartográfico

e Alfabetização e Letramento nas múltiplas Linguagens, foram levantados como pontos chave

para o processo de construção de conhecimentos das crianças, consideramos que estes pontos

sejam destacados como fortes dentro da produção da política curricular para o ensino

fundamental por Ciclos de Formação.

Veja, estamos tratando de dois momentos, o primeiro em que a Equipe do Ensino

Fundamental remete-se a discussões da reorganização dos Ciclos de Formação e depois à

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construção das Orientações Curriculares, em ambos os processos a proposta de Minas Gerais

teve influências. O contato com a proposta da Escola Plural de Minas Gerais, bem como as

fundamentações do Grupo CEALE/UFMG influenciaram a contratação de uma consultoria do

mesmo estado para trabalhar com os primeiros Ciclos e orientar aos professores consultores

das disciplinas na escrita específica das disciplinas.

[...] decidiu (após sugestão da Jorci) que teria uma consultoria de Minas, e

acho que duas ou três vezes, tem que olhar nos meus registros... só que ela

tinha... a formação dela era na área de Linguagem, trabalha nesse grupo de

Formação de Alfabetizadores, só que depois a contribuição dela foi

interessante, mas ainda focava muito em língua portuguesa e matemática

(Entrevista com GSAS).

Nós tivemos uma consultora específica para o primeiro e para o segundo

ciclos. Foi... a Professora de Minas (Professora Martha). Eu,

particularmente, incomodei muito! Ela sempre me respondeu. Ela corrigiu.

Ela corrigiu os descritos, e sempre devolvia com considerações, com

considerações bem pertinentes (Entrevista com PCO).

Como podemos ver a contratação veio após a sugestão da consultora que

acompanhava e orientava a reorganização das concepções da Escola Organizada por Ciclos de

Formação, contudo com influências de visitas e estudo da proposta do Estado de Minas

Gerais. Alguns Consultores das Disciplinas tiveram contato frequente com a mesma, outros

nem se lembraram da existência de uma consultora para tratar das questões disciplinares dos

Ciclos de Formação durante as entrevistas realizadas. Como podemos ver essa consultoria

desenvolveu um trabalho mais específico em Língua Portuguesa e Matemática, auxiliando e

corrigindo alguns pontos das outras disciplinas.

[...] como alfabetização no estado a gente não tem grupo de pesquisa tão

fortalecido, com representações mais fortes, a gente procurou fora, a

Universidade de Minas Gerais, pra discutir o ciclo a concepção de ciclo

(Entrevista com GSR).

Os pressupostos destas propostas, principalmente acerca da alfabetização e letramento,

tiveram influências na produção do texto da política curricular para o ensino fundamental em

Mato Grosso, evidenciando a circularidade dos discursos curriculares na produção das

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políticas. Mesmo que alguns discursos de Gestores da SEDUC/MT sinalizassem que tais

propostas serviram apenas para se fazer comparações, pontuando que a proposta de Mato

Grosso foi totalmente diferente, outros discursos evidenciam o processo de

desterritorialização ocorrido na produção da política curricular,

[...] toda vez que você vai elaborar um documento é comum você procurar

saber o que outros estados já fizeram, parece-me que foi apresentado a nós

propostas de Minas Gerais, São Paulo, mas era bem fora daquilo que

queríamos, pois eles chegam a nível de conteúdo, o que não era nossa

intenção, então a equipe leu todos esses inclusive o do Paraná, mas não

tomamos com referência, foi só pra conhecimento, pois nós ousamos

construir algo nosso, no Paraná, nós fomos atrás de consultoria (Entrevista

com GSA).

[...] pegamos o material de Minas e tomamos como parâmetros para tomar

uma decisão pra não ficar tão engessado, mas também não muito aberto

(Entrevista com GAS).

Mesmo que outras proposições e formas de conceber o currículo na construção de

políticas sejam subjulgados, eles não são completamente excluídos da arena política (LOPES,

2006). Os discursos acima nos evidenciam justamente esse processo ambivalente que

constitui a construção de políticas curriculares, pois mesmo tentando excluir a circulação de

sentidos de outros espaços tempos, os discursos são reconfigurados e hibridizados na

constituição da política curricular. Mesmo negando que as propostas de outros locais não

foram utilizadas como referência direta, pode-se perceber que indiretamente elas estão

marcadas na produção do texto curricular da rede estadual de Mato Grosso.

Como salienta Canclini (2011), a tentativa do estabelecimento de rígidas fronteiras é

extremamente porosa, pois as situações culturais se constituem como unidades instáveis, ou

seja, pensar a proliferação de discursos fechados em uma política curricular que os

hibridismos acontecem a todo o momento é praticamente impossível, mesmo tentando se

fechar, postulando questões como a limitação territorial, os poderes oblíquos imbricados em

múltiplos espaços tempos circulam e deixam as suas marcas em novas produções culturais,

como o caso da política curricular, com as influências vindas de outros lugares.

Para além da proposta dos estados brasileiros já sinalizados, podemos vislumbrar esse

processo de desterritorialização cultural em outros lugares, como salientam os trechos abaixo,

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[...] a equipe daqui conheceu outros estados, conheceu Paraná, Rondônia, o

Ensino Fundamental também conheceu o Ciclo do Rio Grande do Sul, o

modelo que São Paulo faz, a equipe visualizou... a professora Acássia

Kuenzer que foi orientadora da primeira discussão de Ensino Médio aqui no

estado... ela acabou fazendo a discussão em outros estados da federação

como Minas e o próprio Paraná (Entrevista com GSR).

A proposta da Escola Cidadã, da Secretaria Municipal de Educação do Rio Grande do

Sul, que trata dos Ciclos de Formação, foi tomada principalmente do texto encomendado ao

Prof. José Clóvis, como já mencionado. Talvez seja um ponto falho nas Orientações

Curriculares do Ensino Fundamental, pois ao contrário do processo de hibridização

evidenciado, por exemplo, junto à proposta de Minas Gerais, foi um texto sem discussões

com consultores e professores de Mato Grosso.

Segundo alguns Gestores da SEDUC/MT aos consultores foram encaminhados e

sugeridos as leituras de outras propostas, sendo a da rede estadual de São Paulo evidenciada

por alguns deles,

A Secretaria nos deu... eles nos deram exemplares, diretrizes de dois, três, eu

acho que uns três Estados para nós. Víamos em que pé, ou até então, as

sistemática deles. Eu me lembro que eu fiquei com um, a Maria Rosa com

outro, depois...deixe-me ver, deixe-me ver... foram documentos de São

Paulo, depois eu devolvi pra Terezinha lá da Secretaria. Foi São Paulo... eu

fiquei com São Paulo, não me lembro se foi Santa Catarina ou Paraná, Maria

Rosa ficou com outro. Ah! Ela ficou com Paraná e eu fiquei com São Paulo

e Santa Catarina foi bem assim (Entrevista com PCI).

O discurso da Secretária Adjunta de Políticas Educacionais, à época, era que se

construísse um documento que discutisse e apresentasse claramente os conteúdos básicos,

uma ideia vinda da proposição do Estado de São Paulo, talvez seja por isso o

encaminhamento dela aos consultores. Essa influência pode ser devida algumas visitas que a

mesma teve a este estado. Segundo entrevista com GSA esse era o “desejo” da Secretária,

contudo não se efetivou diretamente como a proposta Paulista, descrevendo diretamente os

conteúdos a serem trabalhados, mas nos quadros com os eixos, capacidades e descritores são

evidenciados os conteúdos de forma indireta.

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Políticas Curriculares de outros estados também foram destacadas como podemos ver

a seguir:

[...] nós tivemos conhecimento de Orientações Curriculares de Espírito

Santo, recebemos materiais de outros estados, e a partir dos momentos que a

gente vai conhecendo colegas de outros estados a gente vai recebendo,

conhecendo as propostas de outros estados. Conhecemos também a proposta

do Pará, trouxemos pessoas do Pará para fazer capacitação interna, porque

isso também. Isso nesse momento é exigido na secretaria, para gente fazer

comparações, melhorar, aproveitar as experiências de outros lugares. E

assim foi feito (Entrevista com GST).

O contato que os membros da SEDUC/MT tiveram com equipes de outros estados

durante encontros no MEC promoveu um processo migratório de outras ideias acerca da

organização de políticas curriculares, tais como as do Espírito Santo e Pará. Esse movimento

foi realizado até mesmo com formações internas através da vinda de pessoas do Pará.

Acreditamos que essas circulações estão extremamente vinculadas ao processo de construção

do texto da política curricular de Mato Grosso, promovendo de certa forma uma aproximação

com as realidades destes Estados e o afastamento das discussões da própria política de Ciclos

de Formação da rede estadual de Mato Grosso.

Percebemos que a arena de influências de outros estados brasileiros na constituição da

política curricular para o ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação promoveu a

quebra das fronteiras que alguns discursos tentaram estabelecer, evidenciando a relação

intrínseca entre o particular e o universal (LACLAU, 2011), entre as questões locais e

estaduais na configuração da política curricular. Mesmo havendo uma vontade de se construir

uma proposta “pura”, os processos de hibridação promovidos pelas várias proposituras

curriculares de outros espaços tempos e a circulação dos múltiplos discursos em outras

políticas estão marcadas na produção da política curricular para o ensino fundamental da rede

estadual de Mato Grosso.

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d) A presença e voz de uma “comunidade epistêmica”2

As produções de políticas curriculares emergem e se constituem a partir de um

emaranhado de influências, já destacamos uma grande influência de discursos dos PCNs na

produção da política de currículo para o Ensino Fundamental da rede estadual de Mato

Grosso, e queremos potencializar o nosso debate mostrando que as influências também

nascem de outras instâncias, as vozes de muitos setores públicos ou privados, dos professores

e professoras, dentre outros discursos que circulam no momento da produção de uma política

são encarados aqui nesta dissertação como potentes para a produção dos textos políticos.

Sabemos que são muitas vozes presentes nas produções das políticas de currículos, e

como Mainardes (2007) explica, algumas são ouvidas outras não, umas são incluídas e outras

excluídas, algumas podem até mesmo serem silenciadas ou mesmo ausentadas. Destacamos

para evidenciar a presença dessa arena conturbada e marcada por conflitos a presença da

consultora Profa. Dra. Acácia Kuenzer, que durante o processo de produção se tornou a

consultora geral influenciando todo o processo de produção da política curricular para a

Educação Básica de Mato Grosso.

Os discursos proferidos por ela foram de fundamental relevância na construção dos

textos da política curricular. A sua contratação se deu pelos trabalhos desenvolvidos

anteriormente no estado,

[...] procuramos a professora Doutora Acácia Kuenzer, que tinha feito uma

orientação anterior, aqui no estado de Mato Grosso para o ensino médio, e

tem um trabalho fortificado no País nessa discussão e reflexão sobre o

ensino médio, e aí ela ficou como coordenadora geral do grupo (Entrevista

com GSR).

Além dos trabalhos realizados anteriormente em Mato Grosso, seu trabalho realizado

no MEC foi outro ponto destacado para o convite. Na sua vinda para ser consultora geral da

2Comunidades epistêmicas constituem uma rede de especialistas com perícia e competência

reconhecidas, associadas a um conhecimento específico, capaz de atuar nas políticas em geral

(ABREU, 2010). Em nossa pesquisa tratamos comunidade epistêmica entre aspas para destacar que

compreendemos que este conceito abrange mais de um intelectual, contudo queremos evidenciar que a

Profa. Acácia Kuenzer teve um papel preponderante em toda a organização e produção da política de

currículo analisada, entrelaçando e relacionando múltiplos sentidos pedagógicos e políticos.

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política curricular a mesma trouxe todas as concepções de educação e sociedade, que

posteriormente seriam matizes para a produção da política curricular em Mato Grosso. Os

conhecimentos trazidos pela Profa. Acácia transformou a arena de influência em um espaço

de circulação das suas concepções educacionais.

Toda nossa construção do processo das orientações curriculares a professora

Acácia foi muito importante, ela foi nossa consultora chefe, as vindas dela

mesmo tendo sido poucas foram de grande importância, pois ela deixava

tudo estruturado, ela foi extremamente importante, porque ela já vinha

acompanhando essas discussões no conselho nacional, ela era uma das

consultoras junto ao MEC para rever as diretrizes nacionais (Entrevista com

GSA).

Os gestores da SEDUC/MT salientam que toda a construção das Orientações

Curriculares de Mato Grosso teve as considerações enfáticas da Profa. Acácia Kuenzer, sendo

todas acatadas pelos núcleos estratégicos da Secretaria. O peso dessas influências pode estar

ligado ao fato de que a mesma era também consultora do MEC, e como o discurso era

coadunar com as propostas deste órgão, os gestores da SEDUC/MT de imediato acatavam as

definições de Acácia Kuenzer. Como se pode ver, mesmo não estando tão presente,

fisicamente, em Mato Grosso ela deixava todo o trabalho estruturado.

Houve nesse sentido uma ampla negociação entre esta consultora geral e os demais

consultores, tendo esse segundo grupo de organizar e reorganizar os textos políticos a partir

desses momentos. Entendemos que as influências da Profa. Acácia Kuenzer ancoravam-se em

duas instâncias, uma dada a sua experiência e produção intelectual em todo território nacional

e outra dada pelo poder que a própria SEDUC/MT lhe conferiu nesse processo. Por isso

podemos dizer que em muitos momentos as articulações estabelecidas entre os dois grupos

nos revelam certo apagamento de diferenças fazendo com que discursos sinalizassem uma

lógica de equivalência (LACLAU e MOUFFE, 2010), como, por exemplo, o caso da

organização do currículo em Áreas de Conhecimento.

Embora fosse uma deliberação da SEDUC/MT, via influência da Profa. Acácia

Kuenzer, foi um discurso assumido como importante por todos os demais consultores durante

o processo de produção, como já discutimos anteriormente.

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Essa tentativa de organizar o documento tem muito da participação da

Professora Acácia Kuenzer, nossa consultora geral... então em conversas

com professora Acácia, que participava das discussões do Conselho

Nacional das Diretrizes do Conselho 2010 e 2011... então ela já vinha

acompanhando e já sabia que existia um indicativo de organização

curricular por Área de Conhecimento, integrado para toda a educação básica

via MEC, Conselho Nacional (Entrevista com GSA).

[...] já na segunda reunião a Professora Acácia propôs que fizéssemos um

documento conjunto pra educação básica, dividido por Área de

Conhecimento, e já que estavam todos os consultores juntos conosco, nós

acatamos a ideia (Entrevista com GSA).

Como podemos ver a definição foi dada pela Profa. Acácia Kuenzer, e acatada pela

Secretaria, contudo nas entrevistas com vários consultores das disciplinas, a importância dessa

organização é evidenciada, de formas diferentes, mas com intencionalidades equivalentes,

como potencializadora do currículo no Ensino Fundamental.

A área... então... foi uma grande discussão que nós tivemos, ela é uma

discussão muito antiga. Foi um consenso. Essa discussão já vinha da própria

SEDUC/MT, da Acácia, de todos os consultores que eles tinham arrumado

lá... todos vinham com essa discussão. Uma discussão muito interessante

(Entrevista com PCO).

Essas negociações revelam a potencialidade que os poderes oblíquos possuem. A sua

disseminação e sua entrada em múltiplos espaços revelam que a dinâmica dos fluxos de poder

não centralizam apenas em uma localidade (CANCLINI, 2010), os consultores e os gestores

da SEDUC/MT criaram muitas vezes zonas de escape, possibilitando a entrada e saída de

múltiplas concepções na produção da política curricular. Reforçamos aqui nesse jogo

articulatório que a “voz” da Profa. Acácia foi fundamental em toda a estruturação, contudo

sem apagamento de outras vozes.

Como já salientado, as Orientações Curriculares eram inicialmente para o Ensino

Médio, pois o Ensino Fundamental vinha em outro movimento de reorganização de toda a

proposta dos Ciclos de Formação. Foi a partir de mais uma proposta da Profa. Acácia Kuenzer

que a estruturação do documento aglomerou o ensino fundamental, cessando a discussão geral

sobre Ciclos de Formação e direcionando-se para as questões do currículo.

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[...] a viagem foi feita até Curitiba, onde em conversa com a Secretaria de

Educação do Paraná ela (Acácia Kuenzer) nos alertou para o fato de que

agora tínhamos a Educação Básica envolvendo todos os estudos da

Educação Infantil até o Ensino Médio e que não deveríamos ter Orientações

em separado por quanto isso poderia gerar dificuldades em escolas que

trabalham com as diversas etapas da Educação (Entrevista com GST).

[...] o ponta pé inicial partiu das concepções orientadas e discutidas pela

Professora Acácia (Entrevista com GST).

A orientação de organização do currículo para a Educação Básica nasce das

proposições que o MEC vinha desenvolvendo, bem como a importância de auxiliar as escolas

a pensar a Educação de uma forma integrada e não etapista e factual, ambas as posturas

acompanhadas pela Profa. Acácia Kuenzer. “O pontapé inicial” de como organizar e

estruturar o Documento Curricular de Mato Grosso, como sinaliza a entrevistada, foi da Profa.

Acácia, sendo a responsável por toda a organização do documento. Esse discurso foi

referenciado como uma necessidade para o fortalecimento da proposta, pois uma proposta

orgânica deveria englobar todas as etapas da Educação Básica,

[...] até pra pensar o mesmo princípio para a Escola Básica, não seria o

princípio que nós iríamos trabalhar a organização das orientações para o

médio ou para o fundamental, a gente trabalhou no geral, a gente tem toda a

orientação baseada nos mesmos princípios, então nesse sentido a gente foi

construindo esses grupos de trabalho, fortemente com a presença da

Universidade Federal de Mato Grosso, com a professora Acássia (Entrevista

com GSR).

A ideia veiculada pela Profa. Acácia foi fortalecida pelos Gestores da SEDUC/MT

para que a política curricular garantisse uma unicidade, uma organicidade para todas as etapas

da Educação Básica. Esse fortalecimento foi dado em outros discursos: “nós a convidamos

(Acácia Kuenzer) novamente para que ela fizesse os primeiros textos, o documento que

tivesse as concepções que depois iriam embasar todas as nossas orientações curriculares”

(Entrevista com GST).

Foi uma orientação da professora Acácia fazer tudo junto. Tinha necessidade

de serem os mesmos, ela começou com esse discurso, ia fazer separado

depois de certo tempo, inclusive a introdução da área de linguagens foi feita

pensando no ensino médio, depois nós tivemos que rever pra ver se estaria

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bem ou não para pegar também o fundamental. Foi bem assim (Entrevista

com PCI).

Através desse trecho percebemos que a articulação para a organização da política de

currículo como uma proposta orgânica para toda a Educação Básica não foi apenas com os

gestores da SEDUC/MT, mas também em negociações com os consultores das disciplinas.

Essa definição foi dada pela consultora, fazendo com que muitos textos fossem reelaborados,

como o caso da Área de Linguagens.

Dentre os discursos influenciadores produzidos pela Profa. Acácia Kuenzer temos a

organização das capacidades para cada Ciclo de Formação. A mesma realizou um encontro

formativo com os GTs de Sistematização das Orientações e os Assessores Técnicos

Pedagógicos da SEDUC/MT para realizar uma discussão que superasse a proposição das

habilidades e competências, sistematizando quadros organizativos para o Ensino Fundamental

com eixos, capacidades e descritores. O trecho abaixo sinaliza esta discussão que resultou em

um dos discursos defendidos dentro da política de currículo para o ensino fundamental:

[...] um dia eu ouvi a fala (da Acácia) sobre capacidades e disse tá aí a

mulher, ela diz exatamente o que eu aprendi sobre isso, o que é competência

e a quem cabe ter competência é o professor, ao profissional cabe ter

competência, não ao aluno (Entrevista com GSJ).

Como salienta Ball apud Mainardes (2006), as influências aparecem de várias formas,

uma delas são as formações, e desta vez no processo de produção da política foi esse o

caminho influenciador advindo das proposições da Profa. Acácia Kuenzer. Durante a sua fala

houve um convencimento e também um fortalecimento de convicções acerca das capacidades

as quais foram encaradas como essenciais para a construção dos conhecimentos dos

estudantes do ensino fundamental organizado por Ciclos de Formação.

Mesmo não estando presente fisicamente por muitas vezes em Mato Grosso, Profa.

Acássia Kuenzer foi a grande influenciadora da construção das Orientações Curriculares,

Muitas questões eram tratadas por email, a Professora Acácia não tinha

disponibilidade para vir, parece que ela veio em 2008 umas 2 ou 3 vezes, em

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2009 mais umas 2 ou 3 vezes, e em 2010 uma vez. Então eram poucas as

vindas, mas conversávamos muito por telefone e por email, e a professora

Sueli foi importante em 2008, pois ela fazia a reunião com os consultores,

com os GTs que nos constituímos por área de conhecimento na SEDUC/MT

em 2008, eles se reuniam ora na UFMT, ora nas escolas do governo, e a

professora Sueli acompanhava as reuniões repassando as orientações da

Acássia (Entrevista com GSA).

Esse movimento articulatório se consolida nos discursos de alguns consultores:

[...] fizemos algumas reuniões para que a gente pudesse construir a ideia da

proposta para que depois a gente pudesse começar a redigir os textos.

Tivemos inclusive algumas reuniões também com a consultora maior, com a

Professora Acácia que dava as direções mais gerais, mais importantes... as

linhas gerais eram da Professora Acácia. Ela é quem dava a linha geral do

trabalho que a gente trazia pra especificidades da área de humanidade

(Entrevista com PCM).

[...] a Acácia delineou tudo lá, escreveu muito comprometida, tá tudo lá

(Entrevista com PCER).

Percebemos que a influência dos discursos da Profa. Acácia Kuenzer é vislumbrada

com muita propriedade pelos consultores das disciplinas. As linhas gerais da produção, as

concepções gerais vinham dos seus posicionamentos. E suas concepções eram vistas com

muito respeito, e com propriedade de que todos e todas ao construírem seus currículos devem

seguir, pois “tá tudo lá” no texto escrito por ela.

As suas posições e proposições eram vistas com tanto respeito que alguns consultores

se orgulhavam de ter o trabalho elogiado pela mesma.

[...] eu só consigo enxergar alguma coisa fazendo desde o início. Então eu

sentei e comecei a pensar desde o primeiro ciclo. Até mesmo quando nós

tivemos uma reunião aqui na Escola de Governo, daí a Acácia disse que o

único que havia pensado isso era o da Geografia. E eu fiquei muito honrada

com isso (Entrevista com PCO).

Dialogando com uma das entrevistadas acerca a integração de toda a Educação Básica,

traçando concepções que se articulam entre os Ciclos e vai até o Ensino Médio, sendo este

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mais um discurso da Profa. Acácia Kuenzer nos é evidenciada a preocupação de estar

atendendo às colocações da consultora geral.

Pensar a produção dessa política curricular para o ensino fundamental a partir das

várias influências na emergência da mesma, bem como nas influências que circulam a

produção do texto, nos mostra como as articulações e as negociações em múltiplos espaços

tempos são evidenciadas, não é só uma instância macro que tem impacto na formulação de

políticas curriculares, tais como PCNs e outros, mas instâncias micros, como as práticas

pedagógicas das escolas e a voz de uma consultoria também exercem uma função de poder

nessa configuração.

O poder na produção da política curricular analisada é visto por nós de uma forma

descentralizada e multideterminada (CANCLINI, 2011), fato evidenciado com a presença da

consultora geral, Profa. Acácia Z. Kuenzer, uma vez que os seus discursos são vistos como

proliferadores de toda a organização da política curricular, ou seja, as produções políticas são

sempre enviesadas por poderes oblíquos, que circulam e quebram qualquer fronteira cultural e

política.

e) Organização, sistematização e produção dos Grupos de Trabalho das Orientações

Curriculares.

Após discussões dos textos curriculares preliminares, construídos pelos consultores,

nos Seminários nas Escolas, Seminário Municipal e Regional a SEDUC/MT organizou

Grupos de Trabalho (GTs) para organização, reflexão e sistematização das considerações

vindas dos Seminários Regionais promovidos para o debate da política curricular. Foram

organizados quatro GTs (Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Humanas

e Alfabetização). Os GTs eram constituídos por professores dos Cefapros, da SEDUC/MT

Sede e de um professor de cada escola da rede estadual de ensino de Mato Grosso. Cada GT

tinha no mínimo um professor de cada componente disciplinar correspondente à Área. Os

GTs tiveram a tarefa de negociar com os consultores todas as contribuições dos professores e

professoras da rede estadual de ensino.

Segundo entrevista com a Coordenadora do Ensino Fundamental SEDUC/MT a

formação dos GTs se deu a partir do Seminário Integrador realizado com todos os Cefapros

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do Estado de Mato Grosso para discussão do texto curricular. Esse encontro foi realizado em

junho de 2010 (como já mencionado) para que todos os Professores Formadores dos Cefapros

fizessem a discussão de todos os documentos da política de currículo:

[...] no início havia pessoas na sala que eram da minha coordenadoria e eu

pedi que eles prestassem atenção nas pessoas que iam à frente, que falavam

que teciam comentários, não aleatórios, mas comentários com fundamento

que estudaram o documento que diziam não é por aí, que propunham

mudanças no documento e eles anotaram o nome dessas pessoas, e esse foi o

critério (Entrevista com GSJ).

Foi a Coordenadoria do Ensino Fundamental, por intermédio de sua Coordenadora

Janaína Pereira Monteiro, a equipe responsável pela organização e sistematização dos GTs.

Os seus membros observaram os Professores Formadores dos Cefapros que mais se

destacaram durante o Seminário Integrador e os convidaram para compor os GTs junto aos

membros da SEDUC/MT sede. Os Professores Técnicos Pedagógicos da SEDUC/MT

Alvarina, Israel, Maristela e Fernando, membros daquela Coordenadoria, foram os

coordenadores dos GTs, responsáveis pela organização dos debates internos, bem como o

diálogo entre os GTs e os professores consultores.

Os membros dos GTs tiveram o trabalho de sistematizar, organizar, discutir e em

alguns casos produzir partes do documento da política de currículo. Eles receberam quadros

sistematizadores dos Seminários Regionais, que vieram dos quinze polos Cefapros, fizeram a

leitura e discussão no GT, e depois negociaram possíveis mudanças com os professores

consultores.

Esse foi um espaço tempo de articulações, de disputas de significantes. Uma arena

política marcada por influências de múltiplos lugares. Foi o espaço tempo de finalização

provisória da produção dos textos da política curricular. Após os trabalhos dos GTs o texto da

política curricular foi publicado e disponibilizado pela SEDUC/MT via site.

Como toda arena, foi marcada por lutas e debates para amplas negociações,

principalmente por se constituir em um espaço tempo de se organizar e sistematizar as

posições que vinham dos professores e professoras da rede estadual de ensino. Como

podemos ver no trecho abaixo:

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[...] foi muito tenso, foi quando os textos base ficaram prontos e mandamos

pras escolas, e que nos dissemos pra escolas que eles deveriam fazer muitas

críticas e sugestões, quando os documentos vieram pra nós, muitos dos

consultores ficaram chocados, e não aceitavam de forma alguma que aquele

material poderia ter recebido tantas críticas, e então foram necessárias novas

negociações (Entrevista com GSA).

O trecho acima mostra as tensões ocorridas no processo de sistematização final da

produção do texto curricular. Esse movimento pode ser visto como uma possibilidade de um

processo democrático radical, marcado pela luta entre adversários (MOUFFE, 2011) que

pretendem hegemonizar seus projetos educativos. Foi um espaço tempo em que todos e todas

puderam dizer o que desejavam, onde lutas para significação foram travadas, em que ninguém

se via como inimigo, pois o objetivo era um só, tentar garantir um documento de pudesse

organizar da melhor forma os currículos nas escolas, mesmo não aceitando as críticas, como

mencionado no trecho acima, os professores consultores entravam em novas negociações com

os membros dos GTs a fim de poder organizar novamente os textos.

Nesse momento muitas articulações foram realizadas para a constituição dos

significados de currículo, de ensino, das disciplinas, das áreas. Foi um movimento entre os

membros dos GTs inicialmente, e posteriormente com os professores consultores. No

primeiro momento os membros dos GTs tinham que entrar em consenso acerca do que estava

vindo dos Seminários Regionais. Depois disso era o momento de articulação entre os

membros dos GTs e os professores consultores. Desse resultado articulatório muitas coisas

foram mudadas nos textos,

[...] havia momentos que a gente pensava o GT ali sistematizando, fazendo

articulação das contribuições que vinham com o que estavam escrito, e o que

precisava avançar e o que não está dando conta ainda de dizer... a gente

procurou se articular com os consultores das áreas, ciências naturais

humanas e linguagem, mas tinha na sistematização não, mas no momento de

produção dava muita discussão, porque aquilo que eu já tinha dito

inicialmente, quando a gente tem um hábito e uma prática fragmentada, o

que eu tô chamando de fragmentada só a sua disciplina sem fazer articulação

coletiva, depois na hora de sistematizar, eu acho que, a gente teve mais

problemático assim no texto, assim na hora de sistematização, textos que

tiveram que ser refeitos, pelo próprio consultor, depois com as discussões

com o próprio GT (Entrevista com GSAS).

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Dessas articulações foram produzidos alguns discursos principalmente ligados à

constituição de uma proposta que garantisse a representação dos professores e professoras.

Além disso, os discursos de integração disciplinar em áreas de conhecimento e de currículo

que tivessem as características de Mato Grosso foram os mais relevantes.

Como já citado anteriormente, o movimento dentro dos GTs teve características

democráticas, foi construído coletivamente.

Não foi um documento exclusivamente escrito por consultores como foi da

primeira vez. Essa é uma característica da Superintendência, uma postura da

Secretária Adjunta de Política Educacionais, que sempre nos orienta que

tudo dever ser construído e debatido coletivamente... se a produção ficasse

só na mão de consultores... olha... pode ser que tenha erros, mas foi um

consenso possível. Então foi um documento construído com a participação,

com o coletivo, ele é mais valorizado por que são ouvidas as diversas vozes.

E isso deve ser também na escola (Entrevista com GST).

Este discurso foi proferido pelos GTs, um movimento de trabalho coletivo, que mesmo

que não ficasse tão bom foi escrito com muitas mãos (dos membros dos GTs), ou seja, foi um

processo com potencialidades do processo democrático. É interessante ressaltar que se espera

que a escola faça o mesmo, e isso é extremamente importante. Contudo, podemos inferir que

esse movimento não foi promovido dentro dos contextos escolares. Segundo a Coordenadora

que organizou todo esse processo, Profa. Janaína Pereira Monteiro, a intenção era que fossem

organizados grandes GTs com a participação sólida de muitos professores, contudo isso não

foi possível devido ao tempo e ao gerenciamento de gastos da SEDUC/MT.

Outro discurso era que a organização curricular em Áreas de Conhecimento seria a

garantidora do sucesso da política curricular,

[...] nós fazíamos uma defesa veemente disso (Áreas de Conhecimento), a

gente via que era uma maneira de transpor o que estava posto, e nas

orientações nós podemos dizer que pelo menos com os profissionais que

trabalharam, não os professores consultores, mas os professores aqui da

SEDUC/MT e os que estavam nos Cefapros, eles trabalharam juntos com

áreas (Entrevista com GSJ).

[...] (o trabalho em área) foi difícil, não foi fácil. Foi difícil! Depois que nós

elaboramos, muitos de nós, passaram a ver aquilo de uma forma melhor, eu

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não tinha experiência antes, que dá certo. Sim! Exato! É possível! Sabe, é

possível! (Entrevista com PCI).

Nos GTs, o discurso do trabalho em Áreas de Conhecimento foi visto como

fundamental para a melhor organização da política curricular. Mesmo sendo encarado como

um ponto de dificuldade, o discurso de integração foi dado como o garantidor de uma política

curricular de qualidade.

Segundo GST, o GT foi fundamental, pois além da articulação entre professores

formadores dos CEFAPROS, professores da SEDUC/MT sede e professores consultores,

possibilitou a constituição de uma política curricular escrita por pessoas que conhecem o

Estado de Mato Grosso, fato que pode aproximar das características das escolas do estado,

diferenciando-se de propostas anteriores que foram escritas por professores consultores de

outros estados.

As lutas e negociações travadas dentro desta arena de definições políticas foram

interessantes. Ancorados na lógica da política cultural, podemos vislumbrar, mais uma vez, os

processos de hibridação, destacando nesse momento a descentralização do poder, pois mesmo

a Secretaria “ditando” algumas regras, o movimento nos GTs foi construído por fugas, em que

os embates políticos pedagógicos lançavam em disputas por significação de sentidos dentro

da política curricular, o que nos mostra a obliquidade do poder.

Nesse momento de discussões e produção da política curricular sinalizamos a ruptura

com a verticalização e a polaridade nas definições políticas, nos mostrando uma possibilidade

de descentralização multideterminada. As articulações nos GTs se entrelaçam em uma luta

democrática radical, com múltiplos projetos educacionais em negociações, mostrando a

multiplicidade de poderes. Como salienta (CANCLINI, 2011, p. 346), “o que lhes dá eficácia

é a obliquidade que se estabelece na trama”, mostrando mais uma vez como é importante a

compreensão dos múltiplos poderes na produção da política curricular.

Consideramos que os GTs foram uma possibilidade democrática dentro do processo de

produção da política curricular, se constituindo em uma arena de lutas, influenciando

fortemente o texto curricular. Foram espaços tempo profícuos em que as vozes foram ouvidas,

onde os seus membros, representantes dos professores e professoras da rede estadual de

ensino, puderam debater, refletir e propor mudanças na configuração textual.

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No entanto, não podemos deixar de sinalizar, que a reflexão acerca dos sentidos da

política curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação não foi debatida

substancialmente. Percebemos que embora tenha sido um espaço tempo interessante dentro do

processo de produção do texto, os GTs discutiram com maior profundidade às questões

referentes aos conhecimentos disciplinares e a sua articulação em Áreas de Conhecimento.

Como a política de currículo é endereçada às escolas (MAINARDES, 2007), seria

preciso que houvesse uma ampla discussão acerca dos princípios e fundamentos políticos e

pedagógicos dos Ciclos de Formação, uma vez que a escola na rede estadual em Mato Grosso

possui esta organização.

2.2.3 EIXO 3: Política de Currículo para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação

a) Desconsideração dos pressupostos pedagógicos e políticos dos Ciclos de Formação

na construção da política curricular

Produzir uma política curricular é possuir intencionalidades para a formação de

pessoas. Sinalizamos dentro deste contexto que tais intencionalidades não são apenas dos

governantes, do poder do Estado, há muitos poderes oblíquos na configuração dos currículos

escolares, e estes também possuem suas intencionalidades. Os Assessores Técnicos

Pedagógicos da SEDUC/MT, que não estão fixados nos postos de deliberações políticas e

educacionais possuem suas intenções no momento da configuração das políticas curriculares,

influenciados pelas suas crenças, formação e vozes que lidam de vários espaços tempos, como

as dos professores das escolas; os Consultores da mesma forma operam com seus desejos, que

estão traduzidos em suas escritas, pois mesmo produzindo um texto com várias deliberações

dos Gestores da SEDUC/MT eles transferem em seus discursos uma série de concepções

educativas.

Se uma política curricular possui a possibilidade de formação de identidades sociais,

ela não é direcionada para um vácuo, ela tem uma local a ser colocada, possui um espaço

tempo de negociações e (re) negociações, nesse caso específico estamos falando da Escola

Organizada por Ciclos de Formação, uma proposta inovadora para a organização escolar, que

traz em seu bojo uma série de concepções a serem pensadas e refletidas no coletivo escolar.

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148

Dessa forma, a nossa questão é discutir se os discursos circulantes na política curricular

refletem ou possibilitam uma reflexão acerca das concepções políticas e pedagógicas desta

escola.

Iniciaremos com um debate já sinalizado que é a propagação de uma política curricular

para toda a Educação Básica. Esse não era o discurso da Equipe do Ensino Fundamental da

SEDUC/MT, que vinha em um importante movimento de discussões dos Ciclos de Formação

da rede estadual de ensino de Mato Grosso, e não apenas curricular. No momento

influenciatório da Consultora Profa. Acácia Kuenzer no tocante a organização de uma

proposta para toda a Educação Básica inicia-se um movimento articulatório a fim de que o

Ensino Fundamental se deslocasse também para essa nova demanda, em um texto curricular

integrando todas as etapas da educação básica.

Na luta política há sempre a busca por hegemonização de concepções, essa luta é

estabelecida pela construção de articulações, provocando a desestabilidade nas relações dentro

de certa arena política, o que provoca uma universalização provisória e precária de uma

particularidade (LOPES, 2006). A equipe do Ensino Fundamental entrou na cadeia

articulatória promovida pelos outros setores da SEDUC/MT iniciando um novo movimento

de produção específico às questões curriculares.

Desse jogo articulatório os discursos sobre uma política curricular para a Educação

Básica foi fortalecido, e logo um novo projeto político pedagógico foi encampado por aquela

equipe. “Esse jogo é marcado por uma negociação entre discursos culturais em que

resistência e dominação não ocupam posições fixas, nem se referem a sujeitos ou classes

sociais específicas” (LOPES, 2006, p. 40), ou seja, o movimento articulatório que produziu

aqueles discursos nos processos de produção da política curricular para o ensino fundamental

não foi uma determinação pontual e factual, mas uma negociação de sentidos que

independente de classe social enredou todo o grupo partícipe para que fosse produzido um

texto curricular para as Escolas Organizadas por Ciclos de Formação.

Talvez nesse exato momento aconteceu uma ruptura com as profícuas discussões

acerca das concepções dos Ciclos de Formação, fato que levou a constituição de uma política

curricular desconectada dos pressupostos das escolas que se organizam desta forma. Nas

discussões iniciais, por exemplo, não foram discutidas com os consultores das disciplinas as

concepções que deveriam nortear o pensamento curricular para os Ciclos de Formação:

[...] ninguém foi nos questionar, por exemplo, seu eu acreditava na Escola

Organizada em Ciclos de Formação Humana. Se eu achava que era uma

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proposta exequível. Se era uma proposta eficiente para a proposta de

educação para o ensino de Mato Grosso. Ninguém nos questionou. A mim

não! Nem coletivamente. Nós já começamos uma conversa de como seria o

documento, por onde nós começaríamos isso (Entrevista com PCO).

As discussões iniciais centraram-se em como seria a estrutura dos documentos da

política curricular, não foi remetida a uma discussão acerca de como seria uma política

curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação. Consideramos isso como uma

primeira ruptura com as concepções da proposição da escola Organizada por Ciclos de

Formação, uma vez que se espera um amplo debate sobre a suas potencialidades educativas

para o processo de organização do espaço tempo escolar, da avaliação, do currículo, dentre

outras práticas pedagógicas. Iniciar e ampliar a produção de uma política curricular com

destino às escolas de Ciclos de Formação, sem as discussões dos seus pressupostos, foi um

ponto falho no processo de produção das Orientações Curriculares.

Essa situação é reforçada no momento que a Secretaria encomenda o texto para trazer

as concepções dos Ciclos de Formação. Estamos nos referindo ao texto introdutório

produzido pelo Prof. José Clóvis, pois na elaboração do mesmo não houve nenhum debate em

Seminários ou mesmo com os consultores das disciplinas. Este texto foi solicitado ao mesmo

devido a sua experiência com a proposta da Escola Cidadã de Porto Alegre, segundo a

seguinte justificativa: “gente precisava escrever a concepção de ciclo de forma objetiva, de

forma clara, e ele é um estudiosos de ciclo no País, então foi convidado o professor José

Clóvis” (Entrevista com GSR).

Na política curricular para o Ensino Fundamental há o texto que traz concepções de

Ciclos de Formação, contudo com as características de outro Estado. O texto foi escrito de

forma objetiva, clara e “rápida” para compor o documento. Tais concepções não foram

discutidas no sentido de ampliação da construção da segunda parte (objeto de nossa análise)

dos documentos, a organização das disciplinas e áreas, desconsiderando esses pressupostos

basilares nos textos.

Outro ponto que evidencia essa ruptura foi a construção dos quadros com os eixos,

capacidades e descritores, pois nos evidenciaram uma forma tecnicista de organização

curricular, contrariando as concepções emancipatórias do currículo nas Escolas Organizadas

por Ciclos de Formação. Constatamos que a elaboração desses quadros traz as concepções

preconizadas por Tyler (1981), no tocante a como organizar currículos com eficiência técnica

marcada por uma seleção de conteúdos que deem conta do processo de absorção de saberes

sem conexões com os contextos específicos de cada sujeito aprendiz.

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150

Essa característica tecnicista na produção do texto curricular está centrada na

organização do currículo concêntrico, que reside na elaboração de pré requistos básicos para a

promoção do aluno para o próximo nível de escolarização, ou seja, um currículo da/para a

Escola Organizada em Séries (FERNANDES, 2012). Dessa forma podemos concluir que a

estruturação desses quadros contradizem as concepções da Escola Organizada por Ciclos de

Formação no que se refere à construção do currículo, bem como na proposição dos tempos de

aprendizagem, que nas Séries são curtos (um ano) e nos Ciclos de Formação devem ser mais

longos (3 anos).

Ainda no que se refere às concepções para a construção do currículo nas Escolas

Organizadas por Ciclos de Formação, há uma padronização do perfil do aluno, que visa cessar

as possibilidades de vislumbrar as necessidades dos alunos em espaços tempos distintos. Isso

pode ser visto na preocupação com o “currículo básico”, já mencionado, e com o perfil de

saída, preconizando que todos “devem” chegar a tal perfil.

[...] que capacidade deve ter uma criança em todas as idades, é pensando que

nós temos que dar o tom nesse sentido, de criar capacidades para as idades

(Entrevista com GSR).

[...] a Superintendência de Currículo solicitou os quadros pra assegurar o

perfil. Na época o diálogo era acerca do perfil de saída, porque dá impressão

assim, que a gente prepara a educação infantil, tem um perfil de saída, para

que ela integre na alfabetização, com perfil de saída para o segundo ciclo, e

aí também o perfil de saída, para assegurar que realmente no processo de

alfabetização, alguns pensam assim (Entrevista com GSAS).

A preocupação com os sentidos de que as escolas não trabalhassem o “currículo

básico”, leva os Gestores da SEDUC/MT a estabelecerem a construção dos quadros para

assegurar que todas as crianças tenham no mínimo o mesmo perfil de saída, ou seja, as

mesmas aprendizagens. Como salienta o segundo trecho das entrevistas acima, o pensamento

reside na lógica de que para seguir para uma próxima etapa, para o próximo Ciclo é

necessário que se tenha determinado pré requisto, o que reforça a ideia de um currículo

seriado dentro de uma escola organizada por Ciclos de Formação.

Uma das principais concepções da Organização por Ciclos de Formação é justamente

contrária a essa posição, pois nessa escola a enturmação por idades deve ser basilar para a

efetivação da construção de saberes. Enturmar os alunos por idade é dar mais uma

possibilidade de aprendizagem aos mesmos, é compreender que as fases de desenvolvimento

humano (infância, pré-adolescência e adolescência) potencializam as relações sociais dos

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sujeitos, o que promove uma maior interligação com o meio social em que eles vivem,

promovendo a aprendizagem (KRUG, 2001; FERNANDES, 2012).

Nesse contexto a interação social é potencializada com um currículo para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação que promova a integração dos saberes para a

problematização das situações vivenciadas pelos alunos e professores. Apesar de a política

curricular estabelecer em sua organização textual as Áreas de Conhecimento não

compreendemos que estas estejam dialogando com os princípios de integração, uma vez que

reforça a disciplinarização. Como vimos anteriormente há uma intensa disputa em torno

desses significantes, contudo é notória a excessiva caracterização das disciplinas na produção

do texto para o ensino fundamental.

Como uma política pública cultural a construção do currículo para as Escolas

Organizadas por Ciclos de Formação exige um movimento de debates contínuos acerca das

suas concepções. O currículo não está desconectado de uma realidade, e para ser mais potente

ele necessita manter uma arena de disputas e conflitos em que múltiplos projetos de formação

social negociam (MOUFFE, 1993, 2011) em torno de alcançar possibilidades de melhorar as

condições de aprendizagem para todas as crianças.

Nessas possibilidades reside à força dos processos de significação cultural, pois se o

mesmo fosse compreendido como potente para a produção de currículos escolares respeitar-

se-ia as reflexões e considerações locais, mediadas pelas negociações entre as particularidades

e as universalidades. As práticas culturais evidenciadas nos diversos espaços tempos

promovem maiores discussões e promoções de currículos flexíveis de que estes não sejam

engessados em paradigmas de quadros ou listagens de objetivos, como encontrados na

política curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato

Grosso.

Para Canclini (2011) as práticas culturais são mais do que ações, elas são atuações,

representam e nos revelam as condições das sociedades, e isso se revela não apenas nas

atividades culturais organizadas e reconhecidas dentro das sociedades, mas também os

comportamentos das pessoas nos mostram as suas atuações sociais.

Uma vez desconsiderando esses processos de significação cultural há uma ruptura com

as concepções assumidas dentro das Escolas Organizadas por Ciclos de Formação, refletindo

as fragilidades dos consultores e Gestores da SEDUC/MT no tocante a pensarem a proposta

refletindo às necessidades dessa forma de organização.

A não discussão sobre as concepções dos Ciclos de Formação, na produção da política

curricular, mostra a fragilidade da SEDUC/MT em gerir a proposta política pedagógica em

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suas escolas. Dada às especificidades dessa forma de organização escolar, no momento de se

propor uma política curricular é preciso articular o currículo às concepções dos Ciclos de

Formação, pois caso contrário o currículo proposto, mesmo que seja com a intenção de

reformulação no contexto da prática escolar, pode ficar distanciado dos sentidos de formação

humana dos sujeitos que estão no processo de escolarização fundamental.

Compreendemos que a política curricular proposta pela SEDUC/MT não levou em

consideração os pressupostos pedagógicos e políticos dos Ciclos de Formação, mostrando que

ainda existe uma falta de esclarecimentos teóricos e metodológicos para a gestão das escolas

Organizadas por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato Grosso, evidenciado em nosso

estudo pelos distanciamentos das concepções dos Ciclos de Formação apresentadas acima.

b) Os Pedagogos na produção do texto curricular

O Ensino Fundamental Organizado por Ciclos de Formação em Mato Grosso atende

crianças de 6 a 14 anos desde 2000, com a implantação desta proposta na rede Estadual. Desta

forma atuam nessas idades professores pedagogos e especialistas nas disciplinas. No primeiro

e segundo Ciclos o atendimento deve ser feito preferencialmente pelos pedagogos e no

terceiro Ciclo pelos professores especialistas. Entendemos dessa forma que durante a

produção de uma política curricular para os Ciclos de Formação deveria haver estes dois

grupos de profissionais realizando as escritas dos textos curriculares, o que não aconteceu

efetivamente na produção das Orientações Curriculares em Mato Grosso, por isso

consideramos relevantes salientar esta não participação na produção do texto política

curricular.

A formação de professores pedagogos promove o estudo dos princípios e as

concepções para o trabalho pedagógico com as crianças, principalmente no que se referem aos

primeiros anos de escolarização, compreendendo como se concebem os processos de ensino e

de aprendizagem das crianças, promovendo dessa forma maiores possibilidades para o

desenvolvimento das mesmas. Segundo o Parecer CNE/CP n. 03/2006 espera-se que o

Professor formado em Pedagogia acompanhe e produza políticas públicas específicas para a

Educação Infantil e Ensino Fundamental, dentre outras; ensine as múltiplas disciplinas de

forma integrada; compreenda e respeite as fases do desenvolvimento humano no processo de

ensino; dentre outras concepções que como podemos ver estão alinhadas com algumas

perspectivas pedagógicas da Escola Organizada por Ciclos de Formação.

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Nesse contexto os mesmos podem corroborar com a produção de políticas curriculares

que se destinam às crianças pequenas (da infância e da pré-adolescência). Sendo o currículo o

responsável por aquilo que se ensina nas escolas, dentro de uma arena marcada por lutas e

poder, a compreensão das concepções pedagógicas e políticas para o ensino de crianças,

principalmente nos dois primeiros Ciclos (6 a 11 anos) é de fundamental importância para a

construção de políticas curriculares que irão promover debates e reflexões acerca da

construção de identidades, tendo o pedagogo um papel importante na construção de textos

curriculares, bem como auxiliar outros níveis de escolarização, pois ele possui condições, a

partir dos pressupostos estabelecidos para a sua formação, de fomentar as discussões acerca

dos processos pedagógicos na formação dos sujeitos escolares.

Como já mencionado a Equipe do Ensino Fundamental da SEDUC/MT já vinha de um

movimento de (re) estruturação da Escola Organizada por Ciclos de Formação desde 2006,

com a participação de professores especialistas e professores pedagogos travando debates e

reflexões acerca das concepções dos Ciclos de Formação, contudo com a propagação do

discurso de Orientações Curriculares para a “Educação Básica” esse movimento se rompe

direcionando-se para a construção de uma política curricular especificamente. Tal ruptura

provoca certo afastamento dos pedagogos, pois os textos preliminares foram escritos por

especialistas das disciplinas, salvo algumas exceções que iremos destacar a seguir. Esse

rompimento é evidenciado no trecho a seguir:

[...] se tivesse continuado na perspectiva que vinha, talvez até rompesse,

avançou, mas não foi assim... Têm coisas que a gente percebe que poderia

ser melhor, quando você faz seleção de conteúdos, ou que dá uma pista, de

conteúdo para a escola, quando a gente sabe que no desenvolvimento

humano, deveria pautar mais na realidade da escola, a escola já ter o preparo

pra entender essa articulação do currículo com a própria realidade, aí ela iria

fazer a seleção dos conteúdos a partir do desenvolvimento dos alunos dentro

daquela realidade, claro que articulando com as outras realidades, mas ainda,

a gente tem que avançar nisso, as orientações da forma como elas foram

instituídas, a gente teve que reformular muitas coisas, e ainda no final dela, a

gente pega pra ver e tem pontos que a gente pode avançar melhor (Entrevista

com GSAS).

A entrevistada, que é pedagoga, ressalta que se o movimento que a Equipe do Ensino

Fundamental da SEDUC/MT tivesse continuado talvez o texto curricular rompesse com

vários equívocos acerca das concepções da Escola Organizada por Ciclos de Formação da

rede estadual de Mato Grosso, contudo com o advento de produção das orientações

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curriculares ela salienta que algumas coisas mudaram, mas não o satisfatório, principalmente

relativo ao currículo, pois ela percebe que para a escola organizada dessa forma não

necessitaria de listas de conteúdos, uma vez que mesmo sendo feitos quadros com eixos,

capacidades e descritores, o que se vê são grandes listagens de conteúdos.

Com esse silenciamento dos pedagogos na produção dos textos para o Ensino

Fundamental ficou apenas os professores consultores especialistas, que haviam sido

contratados inicialmente para a construção dos textos curriculares do Ensino Médio, o

processo de construção do texto curricular para o ensino fundamental. Esse foi um movimento

de certa forma doloroso para as concepções dos Ciclos de Formação, uma vez que os cursos

de licenciatura, em sua maioria, não oferecem respaldos teóricos metodológicos para a

compreensão no processo de ensino e aprendizagem das crianças de 6 a 11 anos (primeiro e

segundo Ciclos).

Não queremos fixar a ideia de que a produção do texto curricular feito por professores

pedagogos seria a solução dos problemas até aqui levantados, como a estabilidade disciplinar,

contudo queremos evidenciar que este profissional, possui em sua formação possibilidades

pedagógicas que potencializariam os textos curriculares para o ensino fundamental

organizado por Ciclos de Formação.

Ressaltamos que a produção do texto de Linguagens do Primeiro Ciclo, o que

concerne à Alfabetização, foi feito por uma Consultora Especialista em Alfabetização,

contudo não é pedagoga, o que fez com que a escrita apresentasse alguns problemas acerca da

temática, limitando esse processo à Língua Portuguesa e Matemática.

A entrada dos pedagogos novamente na produção dos textos curriculares se deu com a

constituição dos Grupos de Trabalho de Sistematização, sendo uma deles sobre a

Alfabetização, que reuniu três profissionais da área para o debate, bem como para propor

sugestões aos consultores das disciplinas. A voz do pedagogo nos GTs não foi silenciada,

porém ela foi secundarizada, uma vez que o texto era construído, (re) construído ou alterado

pelos professores especialistas das disciplinas. Acreditamos que um ponto positivo foi

estabelecido, por exemplo, para a construção do texto curricular para o terceiro Ciclo, pois os

pedagogos puderam colaborar com a construção dos textos, mas para o primeiro e segundo

Ciclos o movimento não deu conta de atender às necessidades pedagógicas referentes às

concepções dos Ciclos de Formação, uma vez que os pedagogos, que poderiam colaborar com

as concepções pedagógicas, só fizeram “sugestões” aos textos.

Como a construção de políticas curriculares são arenas de articulações de poder,

percebemos uma grande tensão em torno dos sentidos de importância da formação durante a

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produção curricular, bem como no atendimento das crianças. Havia uma disputa discursiva de

empoderamento em torno de que os professores das disciplinas especializadas dão “conta” da

aprendizagem das crianças dos dois primeiros Ciclos de Formação, por isso durante a

produção do texto, não necessitaria de pedagogos.

[...] tinha uns embates porque assim a minha compreensão é de que um

professor para trabalhar bem o ensino da matemática... ele deve primeiro

gostar da matemática e é uma das questões que um pedagogo não tem

identidade de trabalhar com a matemática ou dificilmente tem... eu batia

duro nisso tanto que tinha uns embates (Entrevista com PCER).

Como podemos ver acima, alguns consultores das disciplinas desconsideram o

trabalho do pedagogo, acreditando que o mesmo dificilmente consegue trabalhar bem com o

conhecimento disciplinar. Evidencia-se uma luta de poder por espaço de trabalho, bem como

de autoridade no conhecimento, como podemos ver no trecho abaixo:

Gente! Agora querem tirar a aula do professor de matemática. Porque assim,

no primeiro ciclo e parte do segundo ciclo é o pedagogo, mas tem o

matemático... sabe ... a matemática... sabe... a educação física, a história,

nem tanto... mas a matemática e a língua portuguesa tem identidades, é

muito peculiar... é um trabalho de amor... olha a dificuldade que a gente tem

de fazer as pontes (Entrevista com PCER).

Na disputa de poder há um rechaçamento acerca dos saberes que os pedagogos têm

sobre o ensino das disciplinas, bem como a ideia de que os professores de matemática irão

perder espaço de trabalho. Além disso, esse trecho só endossa a fragilidade que os professores

especialistas muitas vezes têm na compreensão dos Ciclos de Formação, uma vez que acaba

enviesando as concepções de Séries dento dos Ciclos, fazendo a ruptura do Segundo Ciclo,

por exemplo.

Em alguns casos há o reconhecimento de que escrever para essa etapa da Educação

Básica não é fácil, contudo em nenhum momento é evidenciada a necessidade do trabalho do

professor pedagogo:

[...] o ensino fundamental foi muito mais complicado, talvez como te falei

pela nossa falta de experiência, de trabalho dentro dessa área, se bem que

todos nós, que participamos na área de ciências da natureza tivemos

experiências no ensino fundamental, isso também foi entre a gente, já

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tínhamos uma noção, e também pelos trabalhos que a gente sempre faz com

os professores (Entrevista com PCE).

A falta de experiência é tida como principal problema ou desafio, sendo

posteriormente reconhecida na fala de que algumas experiências do grupo auxiliaram na

produção do texto.

Essas negociações são estabelecidas para o fortalecimento da autoridade (LOPES,

2005) durante o processo de produção da política curricular, e como salienta a autora, “há

relações de poder oblíquas que favorecem determinados sentidos e significados em

detrimento de outros nos processos de negociação” (2005, p. 61). No caso da política

curricular para o ensino fundamental os conhecimentos dos professores consultores das

disciplinas esses significados foram privilegiados.

Havia uma disputa nessas negociações em torno do controle dos sentidos e

significados (LOPES, 2006), ou seja, durante os momentos de negociações para garantir quem

deveria escrever o texto curricular para o ensino fundamental era disputado discursivamente

quem iria ter o poder de dizer o que deveria estar presente nos textos ou não, constituía-se

numa busca por legitimação dos saberes, é importante salientar que as disputas sempre

acontecerão na luta para significação social (LACLAU e MOUFFE, 2010), dentro desta arena

percebemos que a derrota, mesmo que provisória, dos discursos sobre a importância dos

pedagogos nesse processo foi prejudicial à articulação entre a proposição de uma política

curricular para a Escola Organizada por Ciclos de Formação, pois era preciso que houvesse a

efetiva participação dos professores pedagogos na produção de textos curriculares que se

destinavam aos primeiros anos de escolarização das crianças.

A participação dos professores pedagogos na produção do texto curricular é

considerada por nós como uma necessidade para potencializar as discussões referentes aos

processos de ensino e de aprendizagem para as crianças, não acreditamos que essa

participação seria o ponto chave para a produção de um texto curricular integrado e com

respeito às fases de desenvolvimento preconizada na Escola Organizada por Ciclos de

Formação, porém seria importante que este profissional estivesse integrado ao processo de

produção da política curricular para o ensino fundamental.

c) Concepções políticas-pedagógicas e a Escola Organizada por Ciclos de Formação

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Na configuração de políticas curriculares é importante salientar quais as concepções de

educação e de políticas públicas estão em jogo, pois se estas concepções não forem coerentes

podem limitar as possibilidades dos Ciclos de Formação (FREITAS, 2002). Destacamos que

na política curricular para o ensino fundamental é justamente essa limitação que estamos

visualizando, pois há um distanciamento entre as concepções políticas-pedagógicas dos Ciclos

de Formação e a propositura curricular.

Para Freitas (2004), “os ciclos propõem alterar os tempos e os espaços da escola de

maneira mais global, procurando ter uma visão crítica das finalidades educacionais da

escola.” Nesse sentido espera-se que o currículo evidencie uma problematização sobre os

contextos sociais e não uma mera possibilidade de atingir um perfil de saída. Pensar em uma

política curricular para os Ciclos de Formação implica pensar em perspectivas políticas e

pedagógicas mais amplas.

Queremos chamar a atenção de que estamos nos referindo às questões mais amplas e

não apenas curricular, assim como a Escola não é Ciclada o currículo também não é em

Ciclos (FERNANDES, 2012), ele deve ser pensado a partir das concepções desta forma de

organização. É preciso que o coletivo escolar passe a pensar todas essas concepções no

momento de produção curricular, marcadas por concepções de sujeitos, de escola e de

educação (BARRETO e MITRULIS, 2001).

A Escola Organizada por Ciclos de Formação possui finalidades educativas diferentes

das apresentadas nas séries (FREITAS, 2004), portanto não cabem em políticas curriculares

para os Ciclos de Formação concepções das séries, como evidenciamos na política curricular

para o Ensino Fundamental da rede estadual de Mato Grosso quando esta apresenta listas de

objetivos e quadros com capacidades e descritores. Como salienta o autor, a Escola Organiza

por Ciclos de Formação busca romper com essa lógica, ela é herdeira de uma lógica

progressista, que combate o tecnicismo,

Do ponto de vista político e ideológico, a proposta de ciclos é herdeira

de uma postura progressista, que vê a escola como um espaço

transformador e que para tal, deve ser igualmente transformado em

suas finalidades e em suas práticas, em seus espaços de gestão e em

seus tempos de formação (FREITAS, 2004, p. 15).

No bojo dessas concepções as políticas curriculares destinadas a este espaço tempo

deve promover uma transformação nas questões curriculares (MAINARDES, 2006), e não o

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engessamento por meio de um currículo básico, como salientam alguns discursos dos

produtores da política curricular.

Consideramos que os movimentos de produção de uma política curricular iniciados

pelas instâncias governamentais são extremamente importantes, contudo não podemos deixar

de salientar as suas falhas no tocante a não compreensão e debate acerca do espaço tempo que

tal a política é destinada, no caso a Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Nesse sentido iremos discutir alguns pontos acerca da necessidade da articulação entre

concepções políticas-pedagógicas e os Ciclos de Formação. Destacamos para esse debate: as

influências dos PCNs, o texto encomendado ao Prof. José Clóvis, o processo de produção dos

textos nos Seminários e nos GTs, a disciplinarização curricular, a hibridação de concepções

curriculares e os quadros sistematizadores dos eixos, capacidades e descritores.

As influências dos PCNs na produção do texto da política curricular para o ensino

fundamental por Ciclos de Formação na rede estadual em Mato Grosso talvez seja uma das

mais fortes. Como vimos anteriormente esses documentos foram aclamados como a grande

referência para a produção dos textos curriculares. Alguns aspectos são importantes de

ressaltar nesse sentido: o primeiro é que os PCNs são documentos escritos 1996, ou seja,

outro tempo histórico, com necessidades diferentes que o mundo atual exige; segundo que a

propositura de organização apresentada nesses documentos se refere aos Ciclos de

Aprendizagem; e terceiro o currículo nos PCNs é um modelo proposto por César Coll, que

busca seus pressupostos nas concepções de Ralph Tyler (LOPES e MACEDO, 2011).

Ao assumir os PCN como referência basilar na produção curricular em Mato Grosso

está estabelecendo um distanciamento aos pressupostos pedagógicos e políticos dos Ciclos de

Formação, promovendo pouca mudança no currículo escolar. Como salienta Mainardes

(2001) há diferentes formas de Ciclos, umas promovem maiores mudanças no currículo e

outras menos,

Em algumas redes de ensino, a implantação dos ciclos configura-se como

uma reestruturação radical no currículo, enquanto que em outras as

mudanças são menos substanciais. No primeiro grupo, enquadram-se as

experiências de ciclos que formulam propostas curriculares que buscam

romper com concepções tradicionais/convencionais de currículo. Nesse caso,

o processo de reorientação curricular envolve a explicitação de concepções

teóricas e epistemológicas mais amplas sobre educação, conhecimento, papel

da escola e processo de constituição do sujeito. O modelo disciplinar

geralmente é substituído pela organização em áreas do conhecimento mais

amplas ou outras alternativas. Além disso, em geral, são propostas formas de

integração curricular ou metodologias de ensino específicas (por exemplo,

projetos de trabalho, temas geradores, complexos temáticos, entre outras), a

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incorporação de questões como pluralidade/diversidade cultural, relações de

gênero, diversidade sexual, meio ambiente, etc. No segundo grupo, as

alterações propostas são menos radicais. De modo geral, a organização

disciplinar é mantida e os conteúdos (ou objetivos, competências ou

expectativas de aprendizagem) são organizados a partir desse modelo. As

propostas de integração curricular ou de interdisciplinaridade algumas vezes

são mencionadas nos textos oficiais, mas pouco enfatizadas no processo de

formação continuada dos profissionais da educação (MAINARDES, 2011, p.

8).

Acreditamos que a política curricular para a Escola Organizada por Ciclos de

Formação da rede estadual em Mato Grosso se enquadra na segunda opção, pois com a

influência maciça dos PCNs vimos uma mudança menos radical no currículo. Além disso,

apresentam quadros de capacidades, e embora se proponha integração curricular, na maior

parte do texto é evidenciada a disciplinarização, trazendo problemas quanto ao currículo que

se espera na Escola Organizada por Ciclos de Formação.

O texto encomendado ao Prof. José Clóvis é compreendido como outro afastamento

das concepções políticas-pedagógicas dos Ciclos de Formação da rede estadual de Mato

Grosso, como já dissemos é um texto teoricamente bem organizado e com boa sustentação,

embora traga as concepções para os Ciclos de Formação, como a não retenção e a enturmação

por idade, é destinado a outro espaço tempo, as escolas municipais de Porto Alegre – Rio

Grande do Sul. E como salienta Freitas (2002) mesmo sendo duas propostas Ciclos de

Formação, as intencionalidades políticas e pedagógicas são outras.

Sabemos que os processos de desterritorialização e descoleção, fenômenos que

produzem híbridos culturais (CANCLINI, 2011) são impossíveis de serem regulados, pois as

fronteiras simbólicas e materiais na contemporaneidade são quase invisíveis, contudo o que

apresenta esse texto não é um processo de hibridação, mas sim uma “colocação” dentro de

outro contexto.

Sabemos que um dos pressupostos da Escola Organizada por Ciclos de Formação é o

processo de democratização das suas práticas pedagógicas e políticas. Nesse sentido

retratamos aqui o processo de produção dos textos nos Seminários e nos GTs, como pontos de

atenção para debate do processo democrático.

Defendemos aqui a democracia radical, marcada por conflitos, disputas e lutas por

hegemonizações de múltiplos projetos sociais (LACLAU e MOUFFE, 2010; MOUFFE, 1993,

2011), destacando que para que haja projetos que pensem e possibilitem a diferença é preciso

propiciar um espaço tempo em que possam ser travados embates em torno daquilo que

defendemos em um contexto social.

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A SEDUC/MT promoveu debates em que todos os professores puderam, mesmo que

representativamente, questionar, sugerir, refletir o texto da política curricular, contudo é

preciso salientar que a discussão foi sobre as disciplinas e as áreas e não sobre currículo para

uma escola que se organiza por Ciclos de Formação. Consideramos também que o processo

democrático foi representativo, não podemos nos esquecer de que a representação sempre é

marcada pelas intenções de quem a representa, tornando o processo de certa forma falho.

Os GTs são um exemplo de uma aproximação das concepções à democracia radical,

uma arena de muitos embates, de conflitos, de articulações, negociações. Um espaço tempo

em que os antagonismos se tornaram agonismos, em que conflitos foram vistos como pontos

de crescimentos, em que os atores sociais se mantiveram como adversários e não como

inimigos (MOUFFE, 1993, 1999, 2005, 2011). Contudo, precisamos salientar que

infelizmente foram poucos os partícipes desse processo, foram Assessores Técnicos

Pedagógicos da SEDUC/MT, Professores Formadores dos Cefapros e os Professores

Consultores. Esse movimento não foi promovido aos professores da rede estadual nos

momentos de discussões, entendemos que o número de professores é grande e que não se

pode dispensar da jornada de trabalho em sala de aula durante muitos dias, contudo é preciso

propiciar alternativas para que o processo democrático promova reais condições em que as

múltiplas vozes sejam ouvidas e reconhecidas.

Nesses Seminários e nos GTs a organização curricular por Área de Conhecimento foi

sempre evidenciada, até mesmo na organização dos GTs e dos Seminários os seus

participantes eram separados por Áreas de Formação. Promover o currículo integrado é uma

premissa dos Ciclos de Formação defendida por nós. Para Mainardes (2011) geralmente essa

organização tenta romper com a disciplinarização do currículo, contudo muitas vezes não são

efetivadas, pois como esclarece (LOPES, 2008) tais mudanças exigem alterações profundas

nas concepções sociais e educacionais.

Acreditamos que a disciplinarização curricular foi um ponto que seguiu a lógica

apresentada acima, pois evidencia os saberes disciplinares tanto no corpo textual quanto na

confecção dos quadros com eixos, capacidades e descritores. Nos Ciclos de Formação

necessita-se de uma mudança mais complexa principalmente no que se refere ao currículo

(MAINARDES, 2006), e somente uma mudança de nomenclatura e divisão de documentos

específicos em áreas de conhecimentos não consegue garantir a integração dos saberes. O

currículo disciplinar é uma concepção para a Escola Organizada por Séries e não por Ciclos

de Formação, pontuamos dessa forma essa organização curricular.

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A hibridação de concepções curriculares, trazendo as concepções das Teorias

Tecnicistas, Críticas e Pós-Críticas de Currículo, nos evidenciou mais uma afastamento das

concepções políticas-pedagógicas ancoradas aos Ciclos de Formação. Reforçamos aqui a

nossa compreensão da não celebração dos processos híbridos culturais (CANCLINI, 2010),

mas que estes nos potencializam vislumbrar processos “esquizofrênicos” nos currículos

escolares. A política curricular apresenta no texto marcas das três concepções citadas acima.

Salientamos que o aparecimento de concepções Tecnicistas de Currículo neste texto curricular

é um problema, pois não se trata de ver algo bom nessas concepções tecnicistas e pinçá-las

para serem usadas na Escola Organizada por Ciclos de Formação, pois carregam concepções

que rompem com a formação humana. Discursos como “um pouco de tecnicismo não faz mal

a ninguém”, como vimos numa de nossas entrevistas, revela a total descompreensão das

intencionalidades pedagógicas e políticas que residem nas posturas teóricas assumidas em um

texto curricular.

Essas intencionalidades enfraquecem a postura política pedagógica para a gestão das

Escolas Organizadas por Ciclos de Formação. Freitas (2003) evidencia que muitas vezes são

propostas Políticas de Ciclos de Formação que se revestem de máscaras progressistas, mas

que na realidade são proposituras neoliberais. Uma marca do tecnicismo dentro da política

curricular para o ensino fundamental são os já mencionados quadros sistematizadores dos

eixos, capacidades e descritores, que reforçam a formação de sujeitos para uma lógica

capitalista e não humanista. Por isso é importante que compreendamos que há um afastamento

da lógica dos Ciclos de Formação nesse sentido, pois os quadros são mecanismos neoliberais

de formulação educacional.

Acreditamos que “é fundamental que compreendamos qual é de fato o nosso inimigo”

(FREITAS, 2003), pois só assim saberemos que nas políticas curriculares que se dizem

progressistas, logo em prol dos Ciclos de Formação, temos na verdade uma preconização de

perspectivas mercadológicas de educação, e continuaremos tendo políticas curriculares que

afastam as concepções que defendemos como aquelas que podem melhorar a formação das

pessoas durante o processo de escolarização.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A produção de políticas de currículo é marcada por articulações, discursos e

significantes que buscam hegemonizar provisoriamente sentidos de educação e de sociedade

no processo de formação dos sujeitos escolares. Isso se configura porque o currículo é um

espaço tempo de fronteira cultural em que há lutas por significações e sentidos em torno do

que é válido ou não na construção de conhecimentos.

Como arena de conflitos, as políticas de currículo, entrecruzam nos processos de

negociações por disputas para hegemonizar os sentidos de formação dos sujeitos, os desejos,

as demandas individuais de cada sujeito que está no processo de produção dos textos

curriculares, que durante a luta política se tornam demandas coletivas.

Sendo as políticas de currículo uma produção coletiva, marcada por múltiplos

contextos, muitas vozes são ouvidas (umas mais e outras menos), contudo não é uma

instituição que deve produzi-la para ser consumida nas escolas. Pensando dessa maneira, elas

se tornam políticas públicas, num espaço tempo em que as pessoas podem e devem se

envolver na produção dos textos curriculares, assumindo a responsabilidade que temos na

formação das pessoas.

Acreditamos que a cultura nesse sentido tem uma grande contribuição nas ações das

pessoas no processo de produção de políticas. Ressaltamos que compreendemos a cultura não

como repertórios fixos construídos por uma determinada sociedade, mas sim como um

processo de significação em que discursivamente as pessoas dão sentidos as suas coisas e

vivências em cada espaço tempo em que vive. Assim, entendemos que o currículo se torna

uma política pública cultural, em espaços macros, como nos textos curriculares propostos por

Governos, e em espaços micros, como os textos curriculares produzidos nos contextos

escolares (BALL, 1992, 1994).

Esse movimento de configuração e de (re) configuração permanente do currículo para

o Ensino Fundamental organizado por Ciclos de Formação na rede estadual de Mato Grosso

vem acontecendo acentuadamente desde 1996 com a implantação do Projeto Terra, passando

pelo Projeto CBA em 1998, pelo Projeto Escola Ciclada que culminou com a implantação

dos Ciclos de Formação em 2000 e recentemente com a produção das Orientações

Curriculares em 2010. Proposições foram feitas e são feitas até hoje no tocante às questões

curriculares, pois esta tem uma força gigante na formação de identidades pessoais e coletivas

dentro de uma sociedade, cabendo a todos os professores e professoras a pensarem

constantemente a (re) configuração das políticas curriculares.

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Nesse contexto, essa pesquisa foi desenvolvida a fim de compreender como foi o

processo de produção dessa política curricular buscando entender quais as articulações,

discursos e significantes foram produzidos no Contexto de Influência e no Contexto de

Produção do Texto Curricular destinados à Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Destacamos a importância da relação entre produção do texto currículo e Ciclos de Formação,

pois entendemos que esta forma de organização escolar é marcada por concepções específicas

que buscam a formação humana dos sujeitos escolares, desta forma os textos curriculares

destinados à mesma necessitam compreendê-las para não ficarem distanciadas das concepções

políticas e pedagógicas entrecruzadas entre currículo e Ciclos de Formação.

Por meio da articulação entre o Ciclo Contínuo de Políticas (BALL, 1992, 1994) e a

Teoria do Discurso (LACLAU e MOUFFE, 2010) compreendemos que a política curricular

proposta para as Escolas Organizadas por Ciclos de Formação da rede estadual de Mato

Grosso é marcada por um processo de hibridação cultural de teorias curriculares, com

articulações que emanaram dos discursos de processo democrático e garantidor de qualidade

do ensino a partir dos textos curriculares propostos, contudo desconectada em muitos pontos

dos pressupostos políticos e pedagógicos dos Ciclos de Formação, fazendo com que tais

sentidos não se hegemonizassem.

Destacaremos agora as articulações, os discursos e os significantes no Contexto de

Influência e no Contexto de Produção do Texto, relacionando com as questões curriculares da

Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Foram produzidos discursos dentro da cadeia articulatória formada entre Gestores da

SEDUC/MT para a emergência da produção da política curricular para a Educação Básica de

Mato Grosso, tais discursos evocaram a necessidade de atualização do currículo das escolas

estaduais em Mato Grosso. Influências internas, como as demandas vindas da

Superintendência de Formação, os discursos circulantes nas escolas dos professores e

professores, bem como a ideia de coadunar com propostas curriculares produzidas pelo

Governo Federal formaram uma cadeia discursiva em torno da necessidade de se escrever um

texto curricular para a Educação Básica.

O Ensino Fundamental entra diretamente como demanda na produção destes textos

com o discurso de que há a necessidade de se ter uma proposta orgânica com a articulação de

todas as etapas da Educação Básica. Houve um processo articulatório entre os membros da

SEDUC/MT, que teve como grande influenciadora os discursos da Consultora Acácia

Kuenzer, para que a Equipe do Ensino Fundamental da SEDUC/MT introduzisse os estudos

que vinham desenvolvendo acerca das concepções da Escola Organizada por Ciclos de

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Formação ao texto curricular. Contudo, apensar da Equipe ter entrado na cadeia articulatória e

assumido o discurso de produção de uma política curricular articulando a Educação Básica, as

concepções dos Ciclos de Formação não continuaram sendo discutidas, houve uma parada nos

estudos mais amplos acerca dos Ciclos de Formação e as discussões centraram-se na produção

do texto curricular apenas.

O processo de significação cultural mostra a potência dos discursos na produção de

uma política curricular, pois pensando o currículo como uma política cultural pública,

conseguimos captar que os poderes oblíquos estão em múltiplos espaços tempos promovendo

a produção de sentidos. No contexto de influência para a emergência dessa política de

currículo percebemos a produção de um significante importante, que foi a integração

curricular. Esse significante é estabelecido e produziu sentidos de necessidade de se ter uma

política que não faça rompimentos com a formação dos estudantes, que tenha sentido “único”

em sua trajetória, assumindo uma mesma perspectiva de formação durante toda a sua

escolarização (infantil, fundamental e média), contudo percebemos que os sentidos

produzidos por esse significante não se hegemonizou, pois a estabilidade disciplinar ainda é

preponderante na política curricular para o ensino fundamental organizado por Ciclos de

Formação da rede estadual de Mato Grosso.

Nesse movimento de produção do texto curricular para o ensino fundamental, com a

ruptura dos estudos e debates acercas das concepções do Ciclo de Formação, houve a

proliferação de alguns distanciamentos na articulação política pedagógica dos Ciclos de

Formação e a construção curricular, fato que consideramos relevante, uma vez que nossa

compreensão é de que uma política curricular não é produzida para permanecer em um vácuo.

Ela possui espaços tempos de debates e reflexões permanentes, tendo a necessidade de serem

consideradas no processo de produção do seu texto as formas de organização política

pedagógica desse espaço tempo. Na produção do texto curricular, as influências dos PCNs,

bem como a estabilidade disciplinar são consideramos como alguns dos principais problemas.

Os discursos na política curricular nos mostraram que um dos grandes propulsores da

produção do texto foram os PCN, bem como a lógica de organização disciplinar. A ideia

sempre seguiu a lógica de coadunar com a proposta nacional, pois segundo vários Gestores da

SEDUC/MT e Professores Consultores, o Estado não pode destoar das propostas do Governo

Federal. Ancorado a esse movimento temos uma forte influência de documentos que

organizam as avaliações de larga escala no país, principalmente a PROVA BRASIL.

A articulação dos produtores dessa política curricular proliferou o discurso de que a

política curricular de Mato Grosso para o Ensino Fundamental deve dar condições para que as

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escolas preparem bem os alunos para responderem às demandas de altos índices no IDEB,

mostrando que a educação em Mato Grosso tem qualidade, uma posição que em muitos casos

vem fortalecendo os sentidos de performatividade na construção curricular, transformando as

discussões do currículo na escola em responder o que está prescrito nas orientações dessas

avaliações.

Esse discurso toma corpo em Mato Grosso com a Conferência das Escolas

Organizadas em Ciclos de Mato Grosso, que aconteceu no segundo semestre de 2012. O

documento que a SEDUC/MT organizou para os debates da avaliação da Escola Organizada

por Ciclos de Formação em Mato Grosso estava repleto de gráficos como os resultados da

PROVA BRASIL, bem como os índices do IDEB, nos mostrando que a preocupação está em

elevar os índices, pois estes indicam a qualidade da educação e da Escola Organizada por

Ciclos de Formação.

Dentro dessa arena política o significante qualidade é evidenciado dentro da cadeia

discursiva dos Gestores da SEDUC/MT e dos Professores Consultores. A preocupação de

coadunar com propostas do Governo Federal e atingir as metas proposta por este é alcançar a

própria qualidade. Isso tem gerado em muitas escolas um processo de performatividade, que

Ball (2005, p. 543) denomina de:

[...] uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que

emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de

controle, atrito e mudança. Os desempenhos de sujeitos individuais ou de

organizações servem de parâmetros de produtividade ou de resultado, ou

servem ainda como demonstrações de “qualidade” ou “momentos” de

promoção ou inspeção.

Ou seja, há uma busca por atingir bons resultados em avaliações, pois estes podem

garantir a qualidade. Essa situação gera um estado de estrangulamento do currículo em

Escolas Organizadas por Ciclos de Formação, pois a preocupação não é a formação humana

dos estudantes, mas que os mesmos respondam aos exames, atingindo os patamares de

qualidade. Acreditamos que os dados do IDEB, dentre outros resultados não devem ser

desconsiderados para pensar como está a Educação, contudo não aceitamos que estes índices

sejam as bases para a produção de currículos dentro das Escolas Organizadas por Ciclos de

Formação.

Se o texto curricular está ancorado principalmente nos PCNs, talvez possamos dizer

que há uma dificuldade na significação de uma proposta genuinamente mato-grossense, como

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proferido discursivamente por vários Gestores da SEDUC/MT e Professores Consultores, pois

há um forte processo de hibridação cultural nessa articulação. A cadeia articulatória

estabelecida no processo de produção do texto nos revelou a proliferação de discursos que

sinalizaram o desejo de se ter uma proposta curricular genuinamente do Estado de Mato

Grosso. “Uma proposta nossa!” como muitos diziam, contudo como visto em nossas análises

é impossível possuir uma proposta genuína, uma vez que os fluxos migratórios sempre

promovem processos de hibridação.

Além desse processo, a circulação das influências de propostas pedagógicas e

curriculares de outros estados do Brasil, como Porto Alegre - RS e Belo Horizonte – MG,

também nos mostrou que tal “pureza” não foi alcançada. Como salienta (CANCLINI, 2011)

tal pureza nos processos culturais são inalcançáveis, uma vez que as fronteiras materiais e

simbólicas na contemporaneidade não são fixas, fazendo com que a pureza desapareça de

qualquer processo cultural.

O coro acerca da proposta genuinamente do estado é aumentado dentro dos GTs de

sistematização de produção dos textos das Orientações Curriculares. Acreditamos que os GTs

constituíram-se em um ponto de destaque na produção do texto curricular, uma vez que

buscou compreendê-los como um processo democrático radical (LACLAU e MOUFEE,

2010; MOUFEE, 1993, 2011). A cadeia discursiva estabelecida dentro dos membros dos GTs,

além de reforçar o discurso de genuinidade da proposta, produziu o significante democracia.

Os GTs lidaram com as propostas vindas dos Seminários Municipais e Regionais, realizados

com representantes das escolas, e esse processo foi tomado como democrático. Consideramos

que dentro dos GTs houve um processo com características democráticas radicais, mas o

movimento anterior não alcançou a necessidade de democratização para a produção e

organização de currículos para a Escola Organizada por Ciclos de Formação.

Na produção do texto curricular há a proliferação do discurso de que a organização do

currículo para o Ciclo de Formação deve ser em Áreas de Conhecimento, pois esta forma

pode garantir melhor qualidade para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Esse

discurso vem de uma grande cadeia articulatória que defende essa forma de organização,

mesmo alguns posicionamentos sendo diferentes acerca da compreensão dos sentidos de

integração curricular, houve um apagamento destes sentidos diferentes a fim de garantir que a

organização por Áreas de Conhecimento fosse mantida dentro dos textos curriculares,

evidenciando o significante área de conhecimento, tentando hegemonizar os sentidos de

qualidade educativa.

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Embora esse discurso tenha sido circulado e o texto apresentar uma divisão em Áreas

de Conhecimento há uma grande confusão, uma vez que no desenrolar do texto curricular o

currículo em disciplinas entra com grande força, perdendo assim a potencialidade do currículo

integrado. Nas Orientações Curriculares a preocupação dos textos das Áreas de Conhecimento

foi em listar “conteúdos” (capacidades e descritores), não destacando possibilidades de

integração, tornando assim um currículo funcionalista, o que contraria a Organização da

Escola por Ciclos de Formação, que espera que seja construído um currículo flexível e

integrado. O que se vê é que a tradição dos saberes disciplinares possui poder e acaba

estabilizando-se na construção dessa proposta.

Essa situação toma corpo, por exemplo, na organização dos quadros com os eixos,

capacidades e descritores, pois essa é uma perspectiva que vem das propostas de Ralph Tyler

em meados do século passado, de um currículo tecnicista e funcionalista. Essas concepções se

hibridizam com outras concepções curriculares, contudo como podemos ver assumem uma

grande parte do texto curricular destinado ao ensino fundamental organizado por Ciclos de

Formação.

O processo de hibridação no texto curricular não é visto por nós celebradamente, mas

sim, como uma possibilidade de refletirmos em como pensar e problematizar a presença das

três concepções de currículo na política para o ensino fundamental. Destacamos esse último

ponto (os quadros) que são ancorados na Teoria Tecnicista de Currículo, pois trazer

concepções desta perspectiva, mesmo que seja hibridizada com outras perspectivas críticas, é

assumir a formação de sujeitos técnicos, fora de um processo humanizador preconizado pelos

Ciclos de Formação.

Dentro do Contexto de Influência e do Contexto da Produção do Texto foram

mantidas muitas articulações entre os Gestores da SEDUC/MT, Professores Consultores,

Membros dos GTs de Sistematização e a Consultora geral Profa. Acácia Kuenzer. Essas

articulações já salientadas no decorrer dessa dissertação promoveram a configuração de várias

cadeias discursivas, que por sua vez produziu alguns significantes, dentre eles destacamos

democracia, áreas de conhecimento e qualidade.

Analisar e pensar a produção dessa política curricular a partir dessas arenas políticas,

marcadas por conflitos e disputas, nos evidenciou como é importante tentar captar os

discursos circulantes nas influências e nos textos de uma política curricular, mostrando a

potência que os poderes oblíquos possuem na configuração de políticas públicas. Isso só

reforça a nossa compreensão de que não há como pensar o currículo como uma política

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cultural pública em uma via top down ou down top, pois a força do processo de significação

cultural nos mostra a proliferação de poderes oblíquos existentes dentro das arenas políticas.

Nesse sentido, acreditamos que a política curricular para a Escola Organizada por

Ciclos de Formação da rede estadual de Mato Grosso seria mais profícua se propusesse

formas de pensar, refletir, produzir, questionar as questões curriculares em cada contexto.

Embora esse seja um discurso circulante entre os membros da SEDUC/MT, de que essa é a

proposta das Orientações Curriculares, percebemos que essa não é a maior preocupação no

tocante à produção da política para o ensino fundamental da sua rede. Percebemos que há uma

preocupação maior em garantir bons resultados nas avaliações externas, principalmente na

PROVA BRASIL.

Consideramos dessa forma, com essa dissertação, que é preciso na análise de políticas

educacionais e curriculares buscarmos referenciais teóricos e metodológicos que possam

captar os meandros no processo de influência e de produção do texto. Destacamos nesse

sentido os estudos de Stephen Ball acerca do Ciclo contínuo de Políticas, de Ernesto Laclau e

Chantal Mouffe sobre os discursos e articulações que circulam a luta política, bem como os

processos de hibridação cultural proposto por Nestor Garcia Canclini. Estes referenciais nos

potencializaram a compreensão do currículo como uma política cultural pública, mostrando

que as relações de poder não estão centralizadas em um único espaço tempo, mas sempre de

forma oblíqua.

Acreditamos que as pesquisas no campo do currículo operando com esses referenciais

podem nos evidenciar as relações de poder existentes na configuração de políticas curriculares

em níveis macro e micros, ou seja, as escolas e professores, além do Estado, também

produzem políticas de currículo. Esperamos que com essa pesquisa, os professores e

professoras da rede estadual de ensino de Mato Grosso, possam compreender que eles são

produtores de currículos, e que os mesmos devem se ver como tais, promovendo debates e

reflexões acerca do currículo dentro da escola. Que ao verem o processo de hibridação das

teorias curriculares evidenciado em nosso estudo reflitam e compreendam que não é uma

mera justaposição de ideias, mas que esse processo tem intencionalidades políticas e

pedagógicas e que os poderes oblíquos permitem que haja circulação de ideias e a formação

de cadeias articulatórias em que a produção de textos de políticas seja arenas de constantes

conflitos.

Destacamos que pensar o currículo como política cultural pública para a Escola

Organizada por Ciclos de Formação exige um rompimento drástico e profundo com as formas

excludentes e tecnicistas. Não se pode pensar o currículo articulando-o com o aumento de

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índices de avaliações de larga escala, pois a elevação desses índices serão as consequências de

um projeto de política curricular em que todos e todas no contexto escolar estão integrados. É

preciso pensar as concepções dos Ciclos de Formação para propor políticas curriculares que

possam garantir um processo de escolarização humanizador e democrático.

Como última sinalização, das provisórias considerações, esperamos que esta pesquisa

possa contribuir no processo de ensino e de aprendizagem das crianças que estão na Escola

Organizada por Ciclos de Formação. Que o estudo de nossa pesquisa acerca do movimento

inicial construído pela SEDUC/MT, de produção de textos curriculares, seja importante para

que professores e professoras possam entender e se verem como produtores de currículo em

múltiplos contextos escolares, que é preciso assumir os sentidos político de luta, afim de todos

e todas façam parte do compromisso com a educação escolar.

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