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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL NA DÉCADA DE 1980: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA ENIRSON FERNANDO MACAGNAN ITAJAÍ (SC), 2013

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP

A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO

BRASIL NA DÉCADA DE 1980: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

ENIRSON FERNANDO MACAGNAN

ITAJAÍ (SC), 2013

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP

A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO

BRASIL NA DÉCADA DE 1980: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

ENIRSON FERNANDO MACAGNAN

Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob orientação do Professor Doutor Paulo Rogério Melo de Oliveira como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas.

ITAJAÍ (SC), 2013

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DEDICATÓRIA

A vocês que sempre me fizeram acreditar na

realização dos meus sonhos e que sonharam

comigo - a minha Família.

A você Debora minha esposa, por me

incentivar em iniciar mais essa jornada de busca de

conhecimento, que foi compreensiva nas horas

difíceis, e me deu forças para prosseguir e chegar à

conclusão deste trabalho. Teu amor foi

fundamental para esta conquista.

As minhas filhas Maria Eduarda e Beatriz,

pedaços da minha vida, que pacientemente

souberam aguardar minha chegada, perdoando

minha ausência, a vocês dedico este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por conceder-me força, saúde e coragem para prosseguir, e que nas

horas difíceis me faz crer que tudo é possível! Obrigado por ter confiado em mim e me dado

os “talentos” para administrá-los;

A São Cristovão, protetor dos motoristas que nos guiou durante as inúmeras viagens

nos mais de 30.000 km de estradas rodados durante os dois anos de curso, obrigado pela

proteção;

Aos meus pais, meu agradecimento especial por terem me concedido a vida, uma vida de

luta e de sonhos, de provações e de muitas vitórias. Uma vida de amor, vinda do amor e por

amor.

Meus agradecimentos especiais aos professores do curso de Mestrado pela

oportunidade a mim conferida de poder aprender e apreender sempre. Neste contexto,

ressalto o apoio e estímulo do Prof. Dr. Flávio Ramos e da professora Doutora Adriana

Rosseto, ex-coordenadora deste mestrado.

Ao Professor Doutor Paulo Rogério Melo de Oliveira meu orientador, que me

honrou com sua sabedoria, transmitiu a mim seus conhecimentos, me acolheu, acreditou em

mim mesmo quando nem eu mesmo acreditei, me conduziu com compreensão e firmeza à

conclusão deste trabalho, meu muito obrigado.

Ao Prefeito do município de Cruzeiro do Iguaçu (2005-2012) Dilmar Túrmina, pela

compreensão na minha ausência do trabalho e no desenvolvimento da minha vida

profissional durante os dois anos de curso, essa conquista se deu graças a sua colaboração;

À amiga, colega de trabalho e chefe Sandra Ghedin Túrmina, presteza e

companheirismo. Sem a sua colaboração, a trajetória teria sido muito mais difícil.

Registro meus agradecimentos a todos os que compartilharam o trilhar de mais esse

caminho percorrido, contribuindo de forma direta e/ou indiretamente, para que eu realizasse

este trabalho, auxiliando-me e dando-me forças nos momentos em que mais precisei.

Muito obrigada por vocês existirem e estarem ao meu lado.

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Mas que pampa é essa que eu recebo agora Com a missão de cultivar raízes

Se dessa pampa que me fala a história Não me deixaram nem sequer matizes?

Passam as mãos da minha geração

Heranças feitas de fortunas rotas Campos desertos que não geram pão

Onde a ganância anda de rédeas soltas

Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás

Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai...

(Herdeiros da pampa pobre – Engenheiros

do Havai)

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RESUMO O presente trabalho tem como tema a emergência da Assistência Social como Política Pública no cenário brasileiro na década de 1980. Inicia-se com a identificação da origem dos direitos sociais e a conceituação de políticas públicas como parâmetro para a análise da presença dos direitos sociais na legislação brasileira, em especial em suas constituições, desde 1891. A partir da posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro há uma profunda transformação na concepção de desenvolvimento, apontando para a priorização da industrialização como caminho para a modernização econômica, social e política do país e as políticas de assistência social passam a ser condicionadas pela nova concepção, ficando vinculadas durante o processo histórico posterior ao trabalho assalariado. Vinculação esta, que foi aprofundada pelos governos militares e que somente foi rompida com a Constituição de 1988. A nova constituição brasileira é fruto de um período de grande mobilização social, que coloca em cena os novos movimentos sociais que, a partir da luta contra a ditadura, conseguiram se articular e influenciar decisivamente para a configuração política que desembocou numa constituição que afirma uma nova concepção de proteção social. A constituição de 1988 cria um modelo de seguridade social, incluindo em sua abrangência a previdência, a saúde e a assistência social, e esta já numa perspectiva de universalização do acesso e superando a histórica fragmentação que caracterizou sua presença nas políticas sociais brasileiras até então. A novidade foi a superação do assistencialismo, que transformava os assistidos em dependentes e submissos politicamente, a partir da universalização de acesso, da gestão social e da sua articulação como política não-contributiva de um sistema mais amplo de proteção social. Embora ainda dependendo de avanços na construção do sistema de proteção social, a Assistência Social passa a ter seu papel instituído de forma clara e uma estrutura que a caracteriza em plenitude como Política Pública. Palavras chave: Políticas Públicas, Assistência Social, Constituição Federal de 1988.

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ABSTRACT

The theme of this work is the emergence of Social Welfare and Public Policy inBrazil in the 1980s. It starts by identifying the origin of social rights and the concept of public policy, as a parameter for the analysis of the presence of social rights in the Brazilian legislation, particularly in its constitutions since 1891. From the time Getúlio Vargas took office in the Brazilian government, there has been a profound transformation in ideas of development, pointing to a prioritization of industrialization as the path to economic, social and political modernization of the country, and its social welfare policieshave become conditioned by the new concept, becoming connected during the historical process subsequent to salaried work. This link was deepened by the military governments and was only broken by the 1988 Constitution. The new Brazilian constitution is the result of a period of great social mobilization, which puts into play the new social movements that, from the fight against the dictatorship, managed to articulate and decisively influence the political configuration, culminating in a new constitution that affirms a new concept of social protection. The 1988 Constitution creates a model of social security, including, within in its scope, pensions, health and social welfare, with a perspective of universal access and overcoming the fragmentation that had characterized its presence in the Brazilian social policies up until then. The novelty was overcoming a welfare mentality that transformed its recipients into dependents, politically submissive, based on a universalization of access, social management, and its articulation as a non-contributory policy of a wider system of social protection. While still dependent on the advances in the construction of the system of social protection, the role of Social Welfare is clearly established, as a structure that fully characterizes it as Public Policy. Keywords: Public Policies, Social Welfare, 1988 Federal Constitution.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................

2 DE VARGAS A JANGO..................................................................................................

2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS - QUESTÕES CONCEITUAIS............................................

2.2 A ORIGEM DOS DIREITOS SOCIAIS........................................................................

2.3 A PERCEPÇÃO DO ESTADO NO BRASIL COLÕNIA.............................................

2.4 A INDEPENDÊNCIA, A CONTRADIÇÃO E A CONTINUIDADE............................

2.5 A REPUBLICA VELHA: RUPTURAS E CONTINUIDADES....................................

2.6 A REVOLUÇÃO DE 1930 E SEU SIGNIDICADO.....................................................

2.7 DIREITOS SOCIAIS, DITADURA E POPULISMO....................................................

3 OS GOVERNOS MILITARES.......................................................................................

3.1 CENÁRIO INTERNACIONAL E SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL..........................

3.2 O GOLPE MILITAR DE 31 DE MARÇO DE 1964......................................................

3.3. POLÍTICAS SOCIAIS NO PERÍODO DE GOVERNOS MILITARES......................

3.4. A LUTA CONTRA A DITADURA COMO EIXO MOBILIZADOR...........................

4 A DÉCADA DE 1980 E A CONSTITUIÇÃO DE 1988................................................

4.1 CONTEXTO POLÍTICO E EMERÊNCIA DAS DEMANDAS SOCIAIS...................

4.2 A CRISE ECONÔMICA E A LUTA SOCIAL...............................................................

4.3 A EMERGÊNCIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A PERSPECTIVA

DA PARITCIPAÇÃO SOCIAL NA COSNTRUÇÃO DAS POLÍTICAS NO

BRASIL................................................................................................................................

4.4 ASPECTOS SOCIAIS DO BRASIL NA DÉCADA DE 1980.......................................

4.5 A DEMOCRATIZAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO COMO NOVIDADE........................

4.6 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS........................

4.7 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988........................................

5 CONCLUSÃO..................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Constituição Brasileira de 1891 e os direitos civis, políticos e

sociais...................................................................................................................................

Quadro 02 – Constituição Brasileira de 1934 e as identificações dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

Quadro 03 – Constituição Brasileira de 1937 e a identificação dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

Quadro 04 – Constituição Brasileira de 1946 e a identificação dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

Quadro 05 – Constituição Brasileira de 1967 e a identificação dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

Quadro 06 – Constituição Brasileira de 1969 e a identificação dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

Quadro 07 – Constituição Brasileira de 1988 e a identificação dos direitos civis,

políticos e sociais ….............................................................................................................

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LISTA DE SIGLAS

ABC Paulista Cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul

AI Ato Institucional

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNH Banco Nacional da Habitação

CEAS Centro de Estudos e Ação Social

CEB Comunidade Eclesial de Base

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNA Confederação Nacional da Agricultura

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNC Confederação Nacional do Comércio

CNI Confederação Nacional da Indústria

CONTAG Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

CPT Comissão Pastoral da Terra

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

CUT Central Única dos Trabalhadores

DASP Departamento Administrativo do Serviço Público

DIEESE Departamento de Intersindical de Estatísticas e Estudos

ESG Escola Superior de Guerra

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor

FLBA Fundação Legião Brasileira de Assistência

FMI Fundo Monetário Internacional

FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

IAP Instituto de Aposentadorias e Pensões

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

LBA Legião Brasileira de Assistência

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MDB Movimento Democrático Brasileiro

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MMA Movimento de Mulheres Agriculturas

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONU Organização das Nações Unidas

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PL Projeto de Lei

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNBEM Política Nacional do Bem Estar do Menor

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PROMORAR Programa de Apoio Habitacional

SALTE Plano de Saúde, Alimentação, Transportes e Energia

SAM Serviço de Assistência ao Menor

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SEPLAN Secretaria de Planejamento

SESC Serviço Social do Comércio

SESI Serviço Social da Indústria

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

UDN União Democrática Nacional

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo central a interpretação histórica da

constituição da Assistência Social no Brasil enquanto política pública. Para cumprir com

esse objetivo não basta apenas analisar a situação atual, com as diversas legislações e

estruturas criadas pelo Estado para o desenvolvimento dos serviços de assistência social à

população, mas sim, é necessária uma releitura da caminhada histórica da estruturação dos

direitos civis, políticos e sociais durante toda a história brasileira para que se possa não

apenas conhecer as diversas formas como o tema foi tratado e desenvolvido pelos governos,

mas para compreender de forma mais clara a origem de muitos dos fundamentos que ainda

regem não somente as legislações, mas inclusive os aspectos culturais que influenciam na

compreensão da sociedade brasileira sobre o papel dessas políticas.

A pesquisa foi realizada a partir da compreensão de que toda estrutura política,

social, cultural e econômica que hoje existe no país é consequência de um processo histórico

que expressa às opções da sociedade brasileira na construção de sua identidade. Por essa

razão, para compreender a constituição da Assistência Social como política pública é

imprescindível o estudo da trajetória histórica das políticas sociais e, em especial, da

assistência social desenvolvida pelos governos e traduzida nas estruturas do Estado.

O estudo foi realizado através da pesquisa bibliográfica sobre as políticas sociais

expressas nos textos constitucionais que vigeram no Brasil desde sua independência, dando-

se mais atenção aos textos constitucionais republicanos. Para que essas políticas sociais

adotadas pudessem ser melhor compreendidas houve a preocupação de contextualizá-las em

seus momentos históricos.

No trabalho se busca, também, estabelecer um processo comparativo entre as

políticas sociais adotadas em cada momento histórico, visando a compreensão das

influências econômicas, sociais, políticas e culturais que influenciaram a sua adoção.

Na medida em que a trajetória histórica das políticas sociais foi contextualizada,

tendo como parâmetro fundamental a compreensão de que a história é a trajetória do ser

humano e da sociedade humana no espaço e no tempo (BLOCH, 2001, p. 50), o processo de

interpretação da Assistência Social como política pública na Constituição de 1988 tornou-se

mais fácil, especialmente pela percepção dos avanços em relação à sua estrutura durante a

história brasileira.

Para a compreensão de um tema tão complexo a pesquisa foi dividida em três

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capítulos. O primeiro capítulo analisa os direitos civis, políticos e sociais e as formas de

assistência desenvolvidas na história brasileira, priorizando o estudo da sua estruturação a

partir do ano de 1930, quando da posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro, estendendo-

se até o ano de 1964, quando ocorreu o golpe militar, que implantou uma ditadura com uma

duração relativamente grande, chegando ao ano de 1985, com uma sucessão de governos

autoritários.

O segundo capítulo é dedicado ao estudo dos governos militares e sua influência na

construção das políticas sociais no Brasil. Normalmente com princípios constitucionais

expressos como meras formas de maquiar o verdadeiro sentido da ditadura, os militares

aliaram governos autoritários com atendimento às demandas sociais focalizadas para

eliminação ou redução das tensões sociais. Ao final da década de 1970 esses governos

começam a ter problemas para controlar a população, os movimentos sociais e os diversos

setores da sociedade civil que assumiam a bandeira da democratização.

Depois de muitas concessões, finalmente a abertura gradual e segura pregada pelos

militares se concretizou, com a eleição indireta para um presidente civil. Durante esse

período surgem os novos movimentos sociais que, pela sua ação e mobilização, conseguiram

influenciar de forma expressiva o processo de democratização do país e a concepção de

novos papéis para o Estado, cuja consolidação deveria ocorrer através de um processo

constituinte. A superação da ditadura foi um dos aspectos unificadores dos movimentos

sociais e, para superação de todos os resíduos ditatoriais presentes na estrutura do Estado,

esses mesmos movimentos defendiam a imediata convocação de um processo constituinte.

O terceiro capítulo inicia com o estudo do contexto político brasileiro e a emergência

das demandas sociais, buscando resgatar alguns elementos dos capítulos anteriores que

permitem uma análise mais apurada dos processos sociais que trouxeram à tona um grande

conjunto de demandas sociais. A emergência dos novos movimentos sociais, que tinham

como elemento unificador a luta contra a ditadura militar, abre a perspectiva da participação

social na construção do processo de redemocratização do país.

Para permitir uma análise das permanências e das mudanças ocorridas no trajeto dos

direitos civis, políticos e sociais no Brasil, foram incluídas as sínteses dos direitos em cada

uma das Constituições Brasileiras. Na medida em que se faz a análise comparativa entre as

Constituições, pode-se perceber permanências e mudanças adotadas no processo constituinte

brasileiro.

O desafio que a adoção do conceito de Seguridade Social mais amplo poderá ensejar

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novos estudos, especialmente a partir da análise das legislações geradas para materializar as

decisões constitucionais. Neste aspecto, torna-se muito desafiante o estudo da Lei Orgânica

da Assistência Social e a estruturação do Sistema Único de Assistência Social.

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2 DE VARGAS A JANGO

O presente capítulo tem por finalidade abordar as políticas públicas brasileiras de um

ponto de vista histórico e conceitual por meio de uma revisão da literatura e apresentar um

panorama histórico da evolução das políticas públicas e sociais do Brasil Colônia ao

governo de João Goulart. O tema proposto no capítulo será abordado em três partes. A

primeira trará as questões conceituais sobre políticas públicas brasileiras; a segunda aborda

as diferenças entre políticas públicas e políticas sociais e a terceira analisa os governos de

Getúlio Vargas a João Goulart, mais conhecido como Jango, no período de 1930 a 1964

focalizando os pontos considerados importantes para a história da assistência social no

Brasil.

2.1 Políticas públicas - questões conceituais

Compreender o significado de políticas públicas é fundamental para o entendimento

das questões abordadas nesta pesquisa, especialmente porque se refere à política pública de

Assistência Social no Brasil tendo como horizonte a Constituição de 1988, que estabeleceu

uma conceituação de Seguridade Social que, além da Assistência Social, inclui a Saúde e a

Previdência, propondo a articulação entre as três áreas para definir o sistema brasileiro de

Proteção Social.

Iniciamos com a definição de Maria das Graças Rua (2012, p. 12 ss) quando

estabelece a relação entre decisão política e política pública. A autora define a decisão

política como uma escolha entre diversas alternativas possíveis e que é tomada de acordo

com os interesses predominantes entre os atores envolvidos. A política pública envolve

muito mais que uma decisão política. Envolve um conjunto de ações que visam implementar

a decisão política e atingir os seus objetivos.

Para Rua (2012, p. 12) a compreensão de política pública começa pela compreensão

do significado de sociedade, que ela define como um conjunto de pessoas com interesses e

recursos de poder diferenciados que interagem continuamente em busca da satisfação de

suas necessidades. A diferenciação é a principal característica de uma sociedade. Além das

diferenças de idade, sexo, religião, estado civil, renda e profissão, existem as diferenças de

valores, idéias, interesses e papéis sociais, envolvendo múltiplas possibilidades de

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cooperação, de competição e de conflito. Normalmente a sociedade, ainda de acordo com

Rua (2012, p. 14), a partir da diferenciação de seus componentes, busca formas de

administração dos conflitos em busca de consensos, para estabelecimento de formas de

convivência administráveis. A administração dos conflitos pode ser conseguida através de

duas formas principais: pela coerção, em que a aceitação de uma solução é imposta a

determinados grupos, e pela política, que é um conjunto de procedimentos formais e

informais que expressam relações de poder que levam à solução pacífica dos conflitos.

As políticas públicas não ocorrem de forma isolada, mas fazem parte de um contexto

sociopolítico que passa por mudanças constantes dentro de um processo dialético onde as

forças políticas e sociais determinam sua direção, assim como suas motivações e suas

consequências. As políticas públicas podem ser entendidas como um conjunto de ações

governamentais que se interligam para o cumprimento de determinado fim. Para Peters 1986

apud Souza (2006, p. 24) “política publica é a soma das atividades dos governos, que agem

diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.” Para Dye

(2009, p. 104) política publica é “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. Mas, a

definição mais conhecida continua sendo a de Laswell: “decisões e análises sobre política

publica implicam responder às seguintes perguntas: quem ganha o quê, por que e que

diferença faz.”

A política pública enquanto área de conhecimento nasce nos EUA. Enquanto a

Europa se concentrava no estudo sobre o Estado, os EUA dedicavam-se a estudar a ação dos

governos, não estabelecendo relações com o papel do Estado. Segundo ela, as políticas

públicas podem ser definidas como o campo do conhecimento que almeja, ao mesmo tempo,

“colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças

na trajetória dessas ações (SOUZA, 2006, p. 22).

Já Klaus Frei (2000) apresenta quando se iniciam os campos específicos das políticas

publicas:

Nos Estados Unidos, essa vertente de pesquisa da ciência política começou a se inserir já no início dos anos 50, sob rótulo de “policy science”, ao passo que na Europa, particularmente na Alemanha, a preocupação com determinados campos de políticas só toma força a partir do início dos anos 70 [...]. Já no Brasil, estudos sobre políticas públicas foram realizados só recentemente […] (FREI, 2000, p. 214)

Novamente Celina Souza nos apresenta a contribuição dos quatro grandes

fundadores da área de políticas públicas:

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Laswel (1936) introduz a expressão policy analysys (análise de política pública), ainda nos anos 30, como forma de conciliar conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica [...]. Simon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers), argumentando, todavia, que a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhecimento racional. Para Simon a racionalidade dos decisores é sempre limitada [...]. Lindblon (1959; 1979) questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à analise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria necessariamente um fim ou um princípio [...]. Easton (1965) contribui para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo Easton, políticas públicas recebem inputs dos partidos políticos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos (SOUZA, 2006, p. 23-24).

Pode-se perceber que apesar das políticas públicas terem se iniciado nos anos de

1930, somente por volta de 1950 é que campos específicos começam a ser analisados,

buscando a compreensão da sua gênese e estruturação, sendo no Brasil uma área recente de

estudos.

De acordo com Frey (2000), a ciência política diferencia a política em três

dimensões. Para essa ilustração tem-se adotado na ciência política o emprego de conceitos

em inglês: a dimensão institucional ‘polity’ se refere à ordem do sistema político, delineada

pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; a

‘politics’ tem-se em vista o processo político, frequentemente de caráter conflituoso no que

diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição, no quadro

da dimensão processual; e na dimensão material ‘policy’ refere-se aos conteúdos concretos,

isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo

material das decisões políticas.

Igualmente importante, são as definições dos elementos proposta por Souza (2006, p.

36-37) a respeito dos modelos sobre políticas publicas,

A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz. A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes. A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras. A política publica é uma ação intelectual, com objetivos a serem alcançados. A política publica, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo. A política pública envolve processos subsequente após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação.

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Os principais modelos de políticas públicas apresentados por Souza vêem nos

auxiliar a uma melhor compreensão das ações apresentados pelos governantes que de

maneira direta afeta a vida da população, que muitas vezes não percebem o real objetivo de

muitas das políticas públicas existentes, já que não existe um conceito único do que vem a

ser políticas publicas.

Pereira apud Degennzajh (2000, p. 59) define as políticas publicas como:

Linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídas ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é o direito coletivo e não individual.

Quando se fala em política pública é necessário entender o termo público e sua

dimensão. De acordo com Pereira (1994 apud CUNHA, 2003, p. 12):

O termo público, associado à política não é uma referencia exclusiva do Estado, como muitos pensam, mas sim à coisa publica, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas e frequentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política publica expressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos.

O tratamento das políticas públicas requer alguma forma de abordagem que abarque

suas diversas dimensões e diferenciações, permitindo contextualizar tais programas, e

visualizar a inserção e efetividade social, complementações e superposições entre estruturas

governamentais. O termo políticas públicas não se refere especificamente às políticas do

Estado, mas pode incluir outras ações igualmente publicas originarias de instituições não

governamentais, movimentos (LEITE e FLEXOR, 2006).

Para Lopes e Amaral (2008, p. 07), as Políticas Públicas:

São o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses. Tais interesses podem ser específicos – como a construção de uma estrada ou um sistema de captação das águas da chuva em determinada região – ou gerais – como demandas por segurança pública e melhores condições de saúde.

Teixeira (2002, p. 2) define as políticas públicas como “diretrizes, princípios

norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder

público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”.

Carvalho (2003, p. 186), considera o sistema das políticas públicas como um

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processo em fluxo, assim para ele:

A abordagem que melhor expressa o quadro real das políticas públicas é a que a considera um processo contínuo de decisões que, se de um lado pode contribuir para ajustar e melhor adequar as ações ao seu objeto, de outro, pode alterar substancialmente uma política pública.

As políticas públicas podem ser definidas como o campo do conhecimento que

almeja, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando

necessário, propor mudanças na trajetória dessas ações. Assim, “a formulação de políticas

públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos

e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no

mundo real” (SOUZA, 2006, p. 26).

A apresentação de reivindicações por parte dos setores ou grupos sociais nem sempre

implica na geração de uma política pública. A reivindicação de um setor ou grupo social

normalmente implica em disputa com outros setores, cujos interesses normalmente não são

coincidentes e, não raras vezes, são conflitantes entre si. A transformação de uma

reivindicação em política pública necessita do reconhecimento de sua importância e

adequação pelos poderes públicos, compreendidos como os poderes executivo, legislativo e

judiciário.

Esses grupos ou setores sociais que apresentam suas reivindicações fazem parte do

Sistema Político, e são reconhecidos como atores sociais, que se caracteriza pela permanente

disputa em função da diferenciação de situação e de interesses que tornam as relações

sociais extremamente complexas. Os atores sociais podem ser divididos em dois tipos

principais: os estatais, oriundos do governo ou do Estado, e os privados, oriundos da

sociedade civil (CALDAS E CRESTANA, 2005).

Os atores públicos fazem parte do sistema político, ou seja, tem função pública.

Dentre eles destacam-se os funcionários (políticos e concursados), os políticos, o Poder

Executivo, o Poder Legislativo e o Corpo Técnico. A categoria dos políticos diz respeito aos

membros da alta equipe administrativa do Poder Executivo e Legislativo. O Poder

Executivo, por sua vez, é a peça chave do governo, que tem autoridade constitucional para

colocar em vigor as decisões tomadas. O Poder Legislativo tem como função a

representação, legislação, articulação e acomodação de interesses, a garantia de

legitimidade, bem como o controle do Executivo. Esses poderes estão diretamente ligados

ao processo de formulação das políticas públicas. Já o corpo técnico é formado pelos

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funcionários de carreira contratados em caráter permanente, que tem como função assistir os

titulares do Poder Executivo (CALDAS E CRESTANA, 2005).

Já os atores sociais são os que fazem parte da sociedade civil e não tem cargos ou

nomeações políticas e, segundo Caldas e Crestana (2005), são chamados Grupos de Pressão,

como por exemplo, as federações de empresários (CNI, CNC, CNA) e sindicatos (CUT,

Força Sindical), a imprensa, os centros de pesquisa e as Organizações Não-Governamentais

(ONGs). Dentre esses, para os autores, os mais importantes e que merecem destaque são: a

imprensa ou mídia, os quais determinam a opinião pública, e tem o papel de manter a

população informada; os grupos de pressão, que manifestam suas necessidades, traduzindo-

as em demandas específicas de legislação ou de outro tipo de ação governamental; as

Organizações Não Governamentais, que objetivam a promoção do Interesse Público,

influenciando nas deliberações das políticas e na implementação das decisões; as empresas

transnacionais, responsáveis pelo enorme fluxo produtivo e comercial da economia

internacional; e, por fim os centros de pesquisas, os quais conduzem os programas de

pesquisa com o objetivo de solucionar os problemas econômicos, sociais e políticos.

Como conclusão pode-se afirmar que as políticas públicas se diferenciam das demais

políticas sociais pela presença do controle social, exercido principalmente pelos Conselhos,

normalmente paritários entre governo e sociedade civil. Uma política pública ou política

social é estabelecida a partir de uma idéia que se converte em normativa legal, estabelecendo

os programas, os serviços sociais ou serviços públicos e os instrumentos de acesso por parte

dos usuários. Os serviços públicos ou sociais são os benefícios diretos que materializam a

execução das políticas públicas e, a partir deles, se torna executável.

2.2 A origem dos direitos sociais

Os direitos sociais, que na sociedade atual estão incorporados e consolidados tanto na

sociedade civil quanto no Estado, foram surgindo e se ampliando a partir de um conjunto de

transformações sociais, que geraram novos conflitos entre classes, grupos e setores da

sociedade, iniciadas no século XVII e, em sua evolução, foram refletindo a complexificação

da sociedade. De uma política de assistência aos pobres, esses direitos sociais foram

produzindo novas formas de tratar as questões sociais até chegar à concepção que temos,

atualmente, de assistência e de proteção social.

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O surgimento da idéia de assistência social, que é o objeto desta pesquisa, aparece na

Inglaterra com a instituição da Lei dos Pobres (Poor Law), que foi implantada no ano 1601,

que estabelecia uma taxa que deveria ser recolhida para as paróquias para que fossem

assistidos os pobres sem condições de se manterem por suas próprias condições, e que

somente foi revogada em 1834 quando foi implantada a Nova Lei dos Pobres (Poor Law

Reform), que foi considerada como marco inicial da formação do mercado de trabalho

(SCHONS, 2003, p. 66).

Quando foi implantada a primeira Lei dos Pobres era considerada pobre a pessoa que

passava necessidade, podendo ser o povo em geral quando passava necessidades e os

indigentes. Além dos velhos, dos enfermos e das crianças, existiam os pobres capacitados,

que poderiam ser considerados como desempregados. A implementação da assistência era

feita pelas paróquias, que eram as únicas instituições que tinham condições de arrecadar

fundos e de prestar assistência de forma mais capilarizada pelo país. Aos pobres capacitados

as paróquias tinham a obrigação de arranjar trabalho para que pudessem prover seu sustento.

Para os membros da burguesia, que já despontava como classe e se destacava pelo

controle sobre os processos de produção de mercadorias, essa assistência era considerada

nociva porque retirava uma grande quantidade de pessoas da reserva de mão de obra para

suas indústrias. Essa indústria precisava de uma numerosa e móvel reserva de mão-de-obra e

toda e qualquer ação estatal que pudesse comprometer a formação dessa reserva era

combatida.

Selma Maria Schons (2003) situa, no entanto, como nascedouro dos direitos sociais a

formação do Estado Moderno, que passa a se fundamentar no direito do cidadão ao invés do

dever dos súditos. Para a autora, antes da formação do Estado Moderno a relação das

pessoas com o Estado era de súditos, normalmente imperadores ou reis, não havendo

possibilidades de discutir cidadania pela forma como a população se posicionava frente a

eles. Os benefícios ou formas de assistência promovido pelo Estado não podiam ser

discutidos a partir da ótica dos direitos.

O Estado Moderno se diferencia do Estado absolutista pela forma como as pessoas

passam a se posicionar na sociedade e na relação com os governantes. O processo

econômico gerado a partir do surgimento da classe burguesa, cuja primeira base foi a livre

comercialização e, posteriormente, a livre fabricação de mercadorias, estabelecia uma

necessidade de limitar o poder do Estado e criar um espaço de relação livre entre as pessoas

nas suas atividades econômicas.

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A implantação do Estado Moderno teve como marco político fundamental a

Revolução Francesa, quando foram instituídos os poderes estatais e passou a ser superada a

situação das pessoas humanas como súditas dos imperadores para uma nova situação de

sujeitos de direitos sociais, políticos e econômicos que foi denominada de cidadania. A

estrutura do Estado gerado pela Revolução Francesa permanece até hoje, com a definição

dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), o estabelecimento de instrumentos de

participação política das pessoas, através das eleições e a definição da representação política

através do processo eleitoral que se consolidou na sociedade a partir daí.

No entanto, a Revolução Francesa foi um dos movimentos que geraram o Estado

Moderno. A Revolução Industrial, que teve seu início na Inglaterra, gerou uma nova

organização da sociedade a partir da constituição da classe burguesa, dona dos meios de

produção, e do operariado urbano. Essas duas classes, burguesia e operariado, são

consideradas as classes características de uma sociedade industrial.

Segundo Marshall apud Schons (2003, p. 72) o período entre 1795 e 1834 foi

estabelecido a Speenhamland Law que oferecia um salário mínimo e um salário família a

todos os trabalhadores, como renda mínima a ser obtida mesmo quando empregados, sendo

um substancial conjunto de direitos sociais. Durante este período havia uma forte defesa do

direito social dos cidadãos, o que se confrontava com a demanda da burguesia, que queria

eliminar toda e qualquer intervenção do Estado na relação entre o industrial e o trabalhador

na questão salarial.

A pressão da burguesia conseguiu efeitos muito fortes em 1834, quando foi editada a

Nova Lei dos Pobres, que eliminou todas as interferências no sistema salarial e na oferta de

mão de obra. A nova lei estabeleceu o primado do trabalho como forma de sustentação de

quem não possuía outros meios para se manter, eliminou todos os direitos sociais antes

instituídos e transformou todos os que deles dependiam em indigentes, que tinham que

renunciar a quaisquer direitos para receber a assistência. A partir dessa nova lei dos pobres

houve a formação do mercado de trabalho, que era a grande aspiração da sociedade

industrial que começava a se consolidar na Inglaterra.

Na primeira Lei dos Pobres a assistência era realizada pelas paróquias, através de um

processo de arrecadação de fundos para assistir os pobres da sua jurisdição. Na segunda Lei

dos Pobres, de 1834, a assistência passa a ser controlada diretamente pelo Estado, e os

abrigos onde eram acolhidos eram de muito baixa qualidade para inibir ao máximo que essas

pessoas fizessem uso da benemerência estatal. Nessa nova lei, o pobre passa a ser

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considerado de forma diferente, especialmente porque previa a perda de seus direitos civis e

políticos em função de sua incapacidade de manutenção e pela sua dependência da

sociedade para a sobrevivência.

De acordo com Couto (2006, p. 63), quando analisa a aplicação da legislação na

Inglaterra:

[…] os pobres abdicaram de seus direitos civis e políticos em troca de sua manutenção pela coletividade. Por meio de uma taxa, paga pelos cidadãos, e com a preocupação de que os pobres representavam um problema para a ordem pública e de higiene para a coletividade, o tratamento deveria ser feito pelas paróquias, que tinham a tarefa de controlá-los. Evitavam, assim, que as populações empobrecidas prejudicassem o funcionamento da sociedade e, ao atendê-las dessa forma, não criavam situações indesejáveis para a expansão do capitalismo e para o necessário sentimento de competição que deveria pautar a integração dos homens na vida social.

Sob o argumento de eliminação da pobreza, a segunda lei deixou ao desamparo a

maioria das pessoas necessitadas em função da drástica redução da assistência. O pobre

sempre foi considerado um problema para a sociedade e por isso precisava ser retirado das

ruas e da mendicância.

Larissa Pereira faz uma síntese da estruturação dos direitos civis, políticos e sociais

que permitem uma visualização da forma como os diversos sistemas de direitos foram se

constituindo a partir da estruturação do Estado Moderno, permitindo uma compreensão mais

ampla em relação à nova configuração que se estabelece na relação entre as pessoas e o

Estado, apontando a cidadania como uma situação nova e o cidadão um sujeito de direitos.

As políticas públicas são compostas por políticas de cunho social e econômico e foram construídas ao longo do desenvolvimento da ordem burguesa, com a emergência do Estado-Nação, a partir do século XVI. […] O século XVIII marca, através das Revoluções Industrial (1769), Americana (1776) e Francesa (1789), a passagem definitiva para a nova ordem burguesa, cujo princípio é o da acumulação e o fundamento é a propriedade privada dos meios de produção. Aquele século inaugura a era dos direitos civis, necessários à ordem burguesa, pois era preciso o direito de ir e vir, de vender “livremente” a sua força de trabalho e, principalmente, ter a garantia – através da força estatal - da segurança à propriedade privada. O século XIX assistirá à emergência da classe trabalhadora, organizada, que passou - frente às terríveis condições de vida - a exigir o direito de organização em sindicatos e de participar da vida política, até então reservada aos detentores de renda e propriedade. Este século, através de lutas sangrentas, vê nascer os direitos políticos. Já o século XX testemunha o nascimento dos direitos sociais, resultado das inúmeras lutas enfrentadas pela classe trabalhadora desde meados do século XIX. Tal processo – de nascimento do que conhecemos hoje como cidadania (direitos civis, políticos e sociais) – desenvolveu-se na Inglaterra, centro do desenvolvimento capitalista, e espraiou-se, de formas diferenciadas e de acordo com as lutas de classes, nos demais países. (PEREIRA, SD, p. 03)

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Para Norberto Bobbio, citado por Schons (2003), a partir da constituição do Estado

Moderno a relação passa a evoluir cada vez mais claramente da situação de soberano/súdito

para a de Estado/cidadão. A relação passa a ser encarada cada vez mais do ponto de vista dos

direitos dos cidadãos e menos dos direitos dos soberanos.

A implantação do Estado Moderno marca a entrada da burguesia e de sua ideologia

no poder político, passando para uma visão individualista da sociedade e para um Estado

que tem como principal atribuição o de garantir o direito de propriedade, a liberdade de

iniciativa e de contrato, não mais intervindo nas relações econômicas.

As transformações nas relações entre as pessoas e o Estado, no entanto, não surgem

de forma abrupta, mas se constituem a partir de uma nova configuração das relações sociais,

tendo como base relações que passam a criar espaços onde a intervenção do Estado passa a

ser inconveniente, especialmente porque o mercado que vai se construindo tem como

fundamento a livre troca de mercadorias onde os valores são estabelecidos pelo grau de

necessidade das pessoas e não mais pelas regras vindas dos soberanos.

Esses direitos civis de livre relação econômica e social criaram na sociedade uma

pressão cada vez maior para que o Estado assumisse um novo papel, o que levou a essas

novas classes surgidas a se impor no exercício do poder, gerando uma situação de

constitucionalização que estabelecia direitos de participação no exercício do poder, criando-

se um conjunto de direitos políticos.

Na medida em que os direitos civis e políticos se estabelecem nas sociedades

humanas surgem situações históricas de conflito entre as classes sociais que se constituíram,

especialmente a burguesia e o proletariado, necessitando de uma regulação especial para

evitar que esses conflitos gerassem situações de insegurança para o exercício dos direitos

civis e políticos. Os conflitos entre as classes, gerados a partir das desigualdades surgidos a

partir das diferentes posições das pessoas e classes frente às relações econômicas,

pressionaram os próprios capitalistas, donos dos meios de produção, a aceitar um novo papel

do Estado para possibilitar uma ação distributiva e assistencial que possibilitasse o

funcionamento da sociedade com as tensões provocadas pela desigualdade amenizadas pela

atuação do Estado. Assim começam a se constituir os direitos sociais.

A partir dessa evolução pode-se afirmar que os direitos foram se constituindo na

medida em que a sociedade foi se estruturando e enfrentando novos desafios.

[…] direitos dos homens, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de

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novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez para todos. (BOBBIO, apud SCHONS, 2003, p. 55)

A afirmação acima nos permite perceber que todos os direitos surgiram dentro de

determinada circunstâncias e podem deixar de existir em outras, dependendo do contexto

político e social de cada sociedade. Também é necessária a percepção que, cada sociedade,

avançou na constituição de suas relações civis, políticas e sociais, estabelecendo um papel

para o Estado na mediação das relações entre as pessoas e instituições. Mais recentes que os

dois outros, os direitos sociais passam a ter o Estado como garantidor, ou melhor, a partir do

papel que o Estado assume, tendo os governos um papel fundamental no sentido da relação

entre sociedade e Estado, os direitos passam a ser constituídos ou desconstituídos. No

entanto, não basta apenas o reconhecimento.

Para que um direito social possa realmente se constituir enquanto direito é necessário

que o Estado, ou as suas instituições, o assumam de forma positiva, o que significa que não

basta apenas o reconhecimento do direito, mas se faz necessária a ação do Estado. Ainda se

pode afirmar que os direitos sociais têm como uma das principais marcas a sua historicidade,

por surgirem a partir de determinadas circunstâncias e que podem desaparecer a partir de

outras condições. Conclui-se que os direitos sociais passaram a se constituir na medida em

que houve o seu reconhecimento através de sua institucionalização, através de leis ou

regulamentos, e da ação do Estado para garantir o acesso a esse direito (BOBBIO apud

SCHONS, 2003, p. 58).

A passagem do Estado Liberal de Direito, cujos princípios fundamentais eram o

individualismo e a não intervenção, para o Estado Social de Direito, que admitia o

individualismo como um direito social e com a intervenção bastante acentuada nas relações

econômicas, sociais e políticas, foi provocada pela pressão dos movimentos sociais, dos

partidos socialistas e, mais tarde, pela Revolução Socialista Soviética. A nova conformação

passa a ser chamada de Estado de Bem Estar. Schons (2003, p. 119) alerta para a

necessidade de perceber que não se pode imaginar que este novo estado tenha como base a

distribuição igualitária dos benefícios sociais. Com certeza os fundamentos capitalistas de

diferenciação social continuaram a existir e as classes mais organizadas e politicamente mais

fortes continuaram a ter maiores benefícios sociais, enquanto que as classes mais fracas e

mais pobres continuaram a depender de muitas concessões estatais, que poderiam ser

classificadas ainda de benemerências.

A partir da crise de 1929 e a introdução das teorias de Keynes sobre a regulação

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econômica e a intervenção do Estado na economia o Estado de Bem Estar passa a se

consolidar com maior força. Na questão econômica o processo se caracteriza pelo modelo

fordista-keynesiano de produção em massa articulado ao consumo em massa, assentado em

uma ação estatal de fortalecimento da economia capitalista a partir de políticas econômicas,

fiscais e monetárias, desenvolvendo políticas sociais capazes de transformar os

trabalhadores em consumidores dos produtos colocados no mercado. Esse modelo

predomina até a década de 1970, quando entra em crise, especialmente a partir da primeira

crise do petróleo.

O Estado passa a ter co-responsabilidade com o desenvolvimento econômico e busca

atuar no processo de mercado de tal forma que garanta as condições de consumo dos

excedentes produzidos através das compras para fins de defesa, que envolvem os gastos

militares, os gastos de transferências financeiras, principalmente para o pagamento de

seguros sociais de desemprego, velhice e veteranos das guerras, e os gastos não destinados à

defesa, onde se incluem os gastos com a educação pública, com a saúde pública, com a

assistência, a conservação de estradas e outros, envolvendo os gastos que possibilitam o

funcionamento e o bem estar da sociedade. (SCHONS, 2003, p. 124).

2.3 A percepção do estado no Brasil colônia

A chegada dos portugueses no Brasil em 1500 marca uma nova fase para o território

que, até então, era ocupado e explorado por uma população de milhões de pessoas, dividida

em duas grandes subdivisões que foram denominadas de tupi-guarani e de tapuias. Os tupi-

guarani ocupavam praticamente toda a costa brasileira, sendo que os tupis, também

denominados de tupinambás, tinham presença muito forte na faixa litorânea e os guaranis na

bacia dos rios Paraná-Paraguai e em grande parte do território que formaria mais tarde o sul

do Brasil. Em alguns pontos do litoral brasileiro a presença dos tupi-guarani era

interrompida pela presença dos grupos goytacazes, aimorés e tremembés, que eram

denominados de forma geral de tapuias, a partir da própria denominação adotada pelos tupi-

guarani por serem povos de língua diferente. (FAUSTO, 1996, p. 37)

Os portugueses tomaram posse deste território como seu, sem considerar a existência

das populações nativas, que eram consideradas atrasadas e sem nenhum tipo de civilização,

sem condições de contribuir de forma mais consistente para o projeto colonizador. Esses

índios, pelas suas condições de vida, passaram a ser considerados como possibilidade de

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mão de obra para alguns setores, como estorvo a ser eliminado por outros setores e, para os

padres, como um enorme contingente de pagãos a serem cristianizados.

Inicialmente os portugueses adotaram uma política de formação de feitorias no litoral

brasileiro, repetindo a experiência que haviam desenvolvido no litoral africano. As feitorias

tinham como papel, além de garantir a posse do território pelos portugueses, de realizar

atividades econômicas, especialmente o comércio, para gerar recursos para a metrópole. As

feitorias, no entanto, não tinham condições de garantir o povoamento e a ocupação efetiva

do território, sendo sua função apenas marcar a presença lusitana pelo processo de

exploração de atividades econômicas de comércio.

A primeira atividade econômica significativa foi a exploração do pau-brasil, que se

utilizou a mão de obra indígena para derrubada e preparação das árvores para serem

transportadas para a Europa onde eram comercializadas. A exploração do pau-brasil não

constituiu povoações nem a formação de processos econômicos mais permanentes. Ao

contrário, impôs uma atividade de extração predatória cujo único sinal de sua passagem se

caracterizava pela devastação das florestas onde se localizava o pau-brasil.

Para formar essas feitorias o território brasileiro foi arrendado pelo rei de Portugal a

um consórcio de comerciantes, liderado por Fernão de Noronha, que recebeu o monopólio

comercial em troca do compromisso de realizar seis viagens por ano para exploração do

litoral e do território recém-conquistado. (FAUSTO, 1996).

A implantação de feitorias como forma de apossamento do território foi abandonado

em função da ameaça de outros países na exploração do litoral brasileiro. A partir de sua

coroação, em 1530, o rei Dom João III determinou a mudança na forma de ocupação para a

colonização, quando foram instituídas as quinze Capitanias Hereditárias, concedidas a

capitães donatários entre a pequena nobreza, burocratas e comerciantes simpáticos à coroa.

A alta nobreza não manifestou interesse pelas concessões tendo em vista as dificuldades para

a ocupação e as poucas perspectivas de lucros percebidas na época, especialmente frente aos

negócios nas Índias a partir da descoberta da rota comercial contornando a África por Vasco

da Gama.

Os donatários receberam uma doação da coroa, pela qual se tornavam possuidores mas não proprietários. […] A posse dava aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica (arrecadação de tributos) como na esfera administrativa. A Instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados de pesca cabiam também aos capitães-donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos

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para fins militares e formar milícias sob seu comando (FAUSTO, 1996, p. 44)

A concessão de capitanias transformava os donatários em representantes do Estado

português no Brasil, agindo em seu nome e organizando a ocupação do território sempre

tendo em conta a sua dependência da Coroa portuguesa. Centralizavam os poderes

administrativos, político e da justiça, exercendo de forma muito semelhante ao próprio

monarca o seu poder.

A primeira forma de ocupar efetivamente as terras foi a possibilidade de concessão

de terras para o exercício de atividades econômicas, principalmente no litoral nordestino,

identificado como adequado para a produção de açúcar. Pela semelhança climática com suas

colônias no litoral africano e nas ilhas atlânticas próximas ao litoral africano e europeu, os

donatários passaram a ser incentivados a formar engenhos de produção de açúcar e garantir,

através da concessão de terras, a produção da cana de açúcar, utilizando as formas já

tradicionais em suas possessões anteriores.

O poder de doar sesmarias deu origem a vastos latifúndios, cujos limites estavam

muito mal definidos e possibilitaram o apossamento de quantidades muito grande de terras

por parte dos sesmeiros.

O insucesso da maioria das capitanias levou o governo português a retomar para seu

domínio as concessões em busca de novas formas de exploração e de domínio sobre o

território através da implantação de um governo geral no Brasil. O primeiro Governador

Geral, Tomé de Souza, que chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive

quatrocentos degradados (FAUSTO, 1996, p. 46)

Pela descrição da estrutura social brasileira feita pelos Historiadores (FAUSTO,

1996, p. 45ss) percebe-se que a população no Brasil estava então formada por uma elite

portuguesa que era dona de sesmarias, por colonos que tinham como tarefa a exploração das

terras, especialmente com a implantação de canaviais para abastecer os engenhos que se

formavam em todo o nordeste e que poderiam ser chamados a compor o exército em caso de

necessidade, pelos portugueses degredados, cuja vinda para o Brasil era uma forma de

cumprir suas penas e pelos índios que, na maioria das capitanias foram fortemente

agredidos, especialmente quando tentavam defender os seus territórios tradicionais.

Da mesma forma, infere-se que a relação dessa população com os organismos

estatais implantados no Brasil era de submissão, especialmente os mais pobres e os índios.

As populações indígenas rebeldes ao domínio português recebiam um combate sistemático

até o seu extermínio ou submissão (FAUSTO, 1996, p. 47 s).

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A forma de exploração das terras adotada por Portugal exigia uma grande quantidade

de mão-de-obra e não haviam trabalhadores disponíveis na metrópole para trabalhar como

assalariados no Brasil. A opção foi o trabalho compulsório, que começou com a escravização

dos índios e, posteriormente, de africanos trazidos por mercadores. O custo do negro,

enquanto escravo era muito mais alto e somente foi adotado inicialmente nas regiões de

maior força econômica, como no nordeste onde se estabeleceu a economia açucareira. Nas

regiões mais periféricas foi mantida a escravização de índios, especialmente em São Paulo,

de onde saíram inúmeras bandeiras para apresamento de índios para trabalharem como

escravos. (FAUSTO, 1996, p. 49).

Os índios, pela sua cultura, tinham muitas dificuldades de adaptar-se à atividade

agrícola intensiva e, normalmente, tinham uma vida útil como escravo muito curta em

função dessa inadequação cultural. Por mais que conhecessem a agricultura, essa era

desenvolvida sem a necessidade de um trabalho intenso e que fugisse dos seus padrões

culturais. Os negros eram considerados mais adequados ao trabalho escravo por algumas

razões principais, entre elas por serem exímios agricultores, por serem mais acostumados às

atividades regulares da agricultura e, em função da organização social de seu território de

origem, ter mais familiaridade cultural com a escravidão, adotada especialmente nas guerras

entre suas tribos.

Na prática, os escravos eram considerados membros de uma espécie inferior, e tratados como bestas de carga a serem guiadas e inventariadas como gado. E como todas as ideologias racistas, esta estava permeada de má-fé. Os escravos eram úteis aos fazendeiros exatamente por serem homens e mulheres capazes de compreender e executar ordens complexas e de usar intrincadas técnicas cooperativas. A característica mais perturbadora dos escravos, do ponto de vista do dono, não era a diferença cultural, mas a semelhança básica entre ele e a sua propriedade (BLACKBURN, 2003, p. 26).

A forma como os portugueses tratavam os escravos refletem claramente que se

consideravam uma civilização superior e que tinha direito de dominar e escravizar a todos os

que fossem inferiores, fossem eles índios ou africanos. Por maiores que fossem, no entanto,

as convicções de que eram seres inferiores, havia clareza de que se tratava de seres

inteligentes e que precisavam ser controlados com ferocidade para que não se rebelassem. O

perigo da rebeldia era compensado pela capacidade que tinham para o trabalho.

As relações sociais da escravidão colonial adotaram um antigo conjunto de fórmulas legais, usaram técnicas contemporâneas de violência, desenvolveram em grande escala a manufatura e o transporte marítimo e anteciparam modernos de

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coordenação e consumo. A escravidão no Novo Mundo foi, acima de tudo, uma mistura do antigo e do moderno, do comércio europeu e da agropecuária africana, de plantas americanas e orientais e de processos e elementos do patrimonialismo tradicional com a contabilidade e a propriedade individual moderno (BLACKBURN, 2003, p. 33).

Durante todo o período colonial o processo de exploração da mão de obra escrava foi

a base das relações econômicas. Os grandes proprietários de terras, os senhores de engenhos

e os senhores de escravos que exploravam minas de ouro formavam uma elite poderosa e

pouco numerosa. Os trabalhadores livres e os funcionários da coroa formavam uma espécie

de classe média que vivia à sombra do processo de dominação da elite agrária e, a grande

massa populacional era formada pelos escravos, que eram tratados como animais de

trabalho.

Havia no Brasil, ainda uma população bastante dispersa formada pelos camponeses

que se internavam cada vez mais para o interior, fugindo da dominação territorial do

latifúndio e de peões que trabalhavam na criação de gado, em áreas imensas e de muito

baixa densidade populacional.

Uma das características básicas da economia desenvolvida no Brasil era a virtual

inexistência de mercado interno e a fragmentação territorial. Em relação ao mercado interno

pode-se afirmar que se limitava a uma parca comercialização de produtos alimentícios

fornecidos pelos camponeses às famílias de funcionários estatais ou pequenos prestadores de

serviço livres e alguns produtos que eram fornecidos aos grandes proprietários.

A maioria dos produtos consumidos era importado diretamente de Portugal,

especialmente pela elite, na troca pelo açúcar fornecido para a metrópole. A maioria dos

alimentos, da roupa, dos utensílios e das ferramentas eram trazidas de Portugal, embora a

maioria delas não fosse produzida pelos portugueses. Até a roupa dos escravos era

importada.

O período colonial produziu uma sociedade cujas desigualdades eram brutais e onde

a maioria da população não tinha acesso a nenhum tipo de assistência por parte do estado.

A população livre e pobre abrangia pessoas de condição diversa. Roceiros, pequenos lavradores, trabalhadores povoaram os campos; as poucas cidades reuniram vendedores de rua, pequenos comerciantes, artesãos. Lembremos, de passagem, que este quadro não foi estático. A descoberta do ouro e dos diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, a partir do século XVIII, e a vinda da família real para o Rio de Janeiro, no início do século XIX, foram, cada um à sua maneira, fatores de diversificação social e de alteração das relações entre o campo e a cidade (FAUSTO, 1996, p. 70).

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A diversidade de personagens que compunha a população brasileira livre associava-

se aos milhões de escravos que estavam em praticamente todo o território, aos quilombos

formados por negros que fugiam da escravidão, às aldeias indígenas que ainda não haviam

sido destruídas pelo preamento ou pela perseguição branca, por serem consideradas

estorvos, para formar uma massa populacional significativa que não tinha acesso a nenhum

benefício do Estado e, ao contrário disso, eram obrigadas a manter-se permanentemente

submissas às determinações da elite representante da nobreza governante de Portugal.

Essa configuração da população, somada à questão da inexistência de acesso à terra a

não ser através de concessões feitas aos que demonstravam ter poder suficiente para explorá-

las e que eram simpáticos à coroa, demonstra claramente a inexistência de qualquer direito

social no Brasil Colonial. As únicas formas de assistência eram as desenvolvidas pela Igreja,

através da catequese e dos processos de conversão para o cristianismo como passo decisivo

para a salvação e a integração na sociedade, sem que isso desse direito a se tornar um igual

aos brancos dominantes.

Nos anos 1600 a Igreja Católica, através dos Jesuítas, atuava de forma muito intensa

no território onde atualmente é o Brasil, especialmente junto aos povos indígenas, pela

catequese e pela formação de reduções, organizadas através de processos coletivos, sob os

princípios do cristianismo. As reduções jesuíticas, embora em território atualmente

brasileiro, estavam sob a jurisdição de padres espanhóis e sua destruição teve muito a ver

com a disputa territorial entre espanhóis e portugueses, tanto na região do Tape quanto na

região de Guairá. Os índios reduzidos na época permaneceram, em grande parte, mesmo

depois da destruição de suas reduções, nas terras próximas das reduções, formando

posteriormente a população brasileira.

Várias foram as experiências de reduções jesuíticas formadas pela atuação dos

padres. Podem ser citadas, na região Sul do Brasil, as Reduções Jesuíticas do Guairá, que

envolviam os atuais territórios noroeste e oeste do Paraná, que na década de 1630 foram

destruídas pelos bandeirantes que buscavam escravos para a economia paulista e as reduções

jesuíticas do Tape, localizadas no Rio Grande do Sul, e que também foram destruídas pelas

incursões de bandeirantes e pelos conflitos armados na disputa dos limites territoriais entre

portugueses e espanhóis.

Nas reduções a população tinha uma intensa assistência religiosa que se estendia para

a assistência às suas necessidades alimentares e de saúde, em troca de uma submissão total

aos princípios religiosos do catolicismo. Essas reduções, no entanto, não tinham nenhum

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tipo de relação com o estado. Este, ao contrário, apoiou as diversas iniciativas que levaram à

destruição de praticamente todas elas no decorrer da história.

A penetração dos jesuítas entre os Guarani e a articulação de um expressivo sistema de missões – as reduções – permanecem um dos capítulos mais interessantes e problemáticos da história do continente. Objeto de acirradas controvérsias desde o século XVII, as reduções estimularam uma ampla literatura que, por um lado, enxergava na experiência jesuítica a realização de autênticas sociedades cristãs e socialistas e, por outro, condenava a mesma experiência pelo despotismo e cerceamento da liberdade humana (CUNHA, 1992, p. 486)

A experiência das reduções jesuíticas pode ser interpretada de várias formas, mas se

observarmos a questão da população indígena e a forma como o Estado português a

considerava, veremos que a única forma de proteção social recebida por essas populações,

em que ocorria uma intransigente defesa de sua humanidade e de sua possibilidade de

cristianização, foi feita a partir da ação dos Jesuítas.

Considerados como povos sem civilização, a ação do Estado normalmente tinha

como objetivo o seu extermínio ou sua expulsão para dar lugar à ocupação civilizada, ou o

apresamento e a transformação em mão de obra escrava para as regiões periféricas da

economia colonial, onde a aquisição de escravos negros era considerada inviável em função

da falta de dinamismo econômico.

Num contexto mais geral se pode afirmar que a ocupação territorial do Brasil e a

formação de sua população se deu de forma fragmentada e praticamente sem comunicação

entre as diversas regiões. No entanto, é importante perceber que a homogeneização

populacional que normalmente se salienta na história é uma idéia completamente

equivocada. Havia, no território brasileiro, uma grande diversidade de populações, com

situações de vida e cultura completamente diferentes uma das outras, e que praticamente não

sentiam a presença do Estado, a não ser em casos de conflitos de interesses com os setores

dominantes.

2.4 A independência, a contradição e a continuidade

A partir da vinda da família real portuguesa ao Brasil e a elevação do Brasil como

sede do império português foram se constituindo as condições para a independência. Dom

João VI, ao manter a aliança entre Portugal e a Inglaterra, desafiou o poder de Napoleão

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Bonaparte que, para impor um bloqueio continental contra a Inglaterra, resolveu invadir o

território português. Antes da chegada dos exércitos franceses a família real, acompanhada

por uma enorme quantidade de nobres e funcionários estatais, transportados por navios

ingleses, embarcou para o Brasil, fugindo da dominação. A abertura dos portos para os

povos amigos, leia-se especialmente a Inglaterra, deu ao Brasil uma condições nova de

relação com outros povos e não somente com a metrópole.

Na chegada ao Brasil a delegação imperial foi desalojando a população local para

abrigar os nobres e funcionários estatais, obrigando muita gente que habitava no Rio de

Janeiro a deixar suas casas para serem ocupadas pelos que chegavam de Portugal.

A presença do Estado português passou a ser sentida mais de perto pela população

colonial, mas numa relação de submissão e de imposição, como se fosse uma invasão ao

território brasileiro.

Muitas instituições foram constituídas, como bancos, teatros, academias literárias e

científicas, bibliotecas, escolas e outras que tinham como finalidade reproduzir

minimamente as condições de vida existentes anteriormente na metrópole. No entanto, não

havia nenhuma preocupação em estender esses benefícios sociais e econômicos para a

população nativa ou para os habitantes, mesmo os portugueses, que já estavam no Brasil.

(FAUSTO, 1996, p. 135 ss) O processo econômico fundamentado no latifúndio e na

escravidão foi mantido intacto. A única vantagem que os latifundiários produtores e cana-de-

açúcar e algodão conseguiram foi a de não depender mais da mediação metropolitana para

poder comerciar com a Inglaterra os seus produtos.

O retorno da família real para Portugal após o fim da guerra contra Napoleão deixou

o Brasil na incerteza se manteria a sua condição de reino unido ou se voltaria à condição de

colônia. Financiados pela Inglaterra, que tinha muitos interesses comerciais, os partidários

da independência pressionaram Dom Pedro I a buscar a autonomia em relação a Portugal.

Voltar à condição de colônia não interessava justamente porque os donos de terra não

queriam mais depender da mediação de Portugal para a realização de suas atividades

comerciais.

O Estado brasileiro, desde sua independência, assumiu a estrutura constitucional,

tendo sua primeira constituição sido objeto de uma primeira disputa entre uma constituinte

convocada e dissolvida pelo imperador em função de suas divergências de concepção. A

constituição outorgada manteve a mesma estrutura de poder presente durante o período

colonial, em que a oligarquia agrária detinha todos os benefícios e a população praticamente

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só tinha algumas possibilidades de acesso a um sistema educacional incipiente para as

primeiras letras, sem qualquer outro tipo de assistência. Inclusive na educação, as melhores

escolas tinham como finalidade a formação da elite com um ensino propedêutico baseado no

ensino das letras, especialmente a partir da criação do Colégio Pedro II em 1838.

(BITTENCOURT, 2003).

A independência não alterou em praticamente nada a situação da população

brasileira. O seu acesso aos benefícios do Estado, como a educação, a saúde e a assistência

praticamente continuou sem existir e nem ser muita preocupação para o governo imperial

brasileiro. A escravidão foi mantida, mesmo com a oposição da Inglaterra ao tráfico de

escravos africanos para o Brasil. Somente algumas ações na área da educação, especialmente

para permitir o acesso às “primeiras letras” foi organizado pelo governo brasileiro, embora

sem muita efetividade. Normalmente o acesso à escola era ainda provido através de

iniciativas locais das comunidades, sem intervenção do Estado. A criação do Colégio Dom

Pedro I, no Rio de Janeiro, ocorreu somente na década de 1830, mas com a preocupação de

garantir o acesso aos filhos das classes mais abastadas. O acesso à terra, depois da

independência, passou por um grande período sem regulamentação alguma. O imperador

determinou a suspensão das concessões de terras com o objetivo de aguardar o processo de

regulamentação do império, mas que somente ocorreu em 1850. O maior problema

enfrentado era o processo de ocupação de terras, que não estavam regularizadas e, o motivo

imediato da suspensão das concessões foi a forma confusa como vinha se dando a

solicitação de regularização das posses. Durante o período sem legislação a única forma de

acesso à terra era a ocupação, considerada irregular pelo império, mas que se disseminou em

grande velocidade pela inexistência de outros instrumentos. Os setores dominantes passaram

a ampliar seus domínios a partir de seu poder de coação, normalmente expulsando os

camponeses das áreas já abertas, com a finalidade de ampliar as propriedades e suas grandes

lavouras (POLI, 2009, p. 42)

Os camponeses e índios que haviam se apossado ou ocupavam terras mais próximas

das explorações econômicas dos grandes proprietários passaram a ser desalojados e

obrigados a entrar cada vez mais para o interior em busca de um espaço não reclamado pelos

grandes proprietários.

Em 1850 foi publicada a Lei de Terras, que estabelecia que a única forma de acesso

seria através da compra em dinheiro, que a mantinha distante das camadas mais populares.

Ao mesmo tempo começou um movimento que tinha como centro a expectativa de

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que o intuito da escravidão poderia deixar de existir no Brasil que incentivava a imigração

de europeus para o Brasil para servir de mão de obra, principalmente para as explorações

cafeeiras. A imigração tinha como grande objetivo substituir a mão de obra escrava por

trabalhadores livres e assalariados.

Esse movimento foi crescendo até o momento em que o Brasil declarou abolida a

escravatura. A vinda de europeus, além de substituir os escravos no trabalho, tinha como

base uma intenção de branqueamento da população, tendo em vista que negros e índios eram

considerados incapazes para o trabalho livre (POLI, 2009, p. 44).

O processo de substituição da mão de obra escrava pela livre promoveu a completa

exclusão dos negros do acesso ao trabalho. A libertação da escravatura os deixou em

completo abandono, pois eram considerados incapazes de assumir um trabalho livre. A

contratação de mão de obra livre se deu principalmente através da imigração de europeus e a

população negra ficou sem opções de trabalho e nem de acesso à terra, provocando sua

marginalização social.

2.5 A república velha: rupturas e continuidades

A proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889, pouco tempo

depois da Abolição da Escravatura. O Brasil, a partir desses dois fatos históricos, aparenta

uma mudança bastante profunda em sua realidade política, econômica e social. No entanto,

as mudanças nos espaços de governo e na forma de constituição do Estado produziram

poucos efeitos sobre a realidade brasileira. A continuidade foi uma das características mais

marcantes dessa transição.

No entanto, por menores que fossem os efeitos práticos sobre a realidade social

brasileira, podem ser identificados alguns aspectos de mudança que podem ser salientados. No Brasil, a instauração do mercado livre de trabalho data do final do século XIX, com a Abolição da Escravatura, logo seguida pela Proclamação da República. A nova ordem política, consagrada pela Constituição de 1891, estendeu o direito de votar e de ser votado a todo o cidadão brasileiro do sexo masculino maior de 21 anos, excetuando-se os mendigos, analfabetos, praças de pré e religiosos sujeitos ao voto de obediência que importasse em renúncia da liberdade individual. Os direitos civis, por sua vez, foram consagrados nos 31 incisos do artigo 72, não havendo qualquer menção aos direitos de natureza social (LUCA, 2003, p. 56)

Até 1930 a pobreza não era vista como parte da questão social, mas como um

problema dos indivíduos. Grande parte dessas pessoas era internada em asilos para

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tratamento como se fosse necessário afastá-los da sociedade.

(...) os pobres eram considerados como grupos especiais, párias da sociedade, frágeis ou doentes. A assistência se mesclava com as necessidades de saúde, caracterizando o que se poderia chamar de binômio de ajuda médico-social. Isto irá se refletir na própria constituição dos organismos prestadores de serviços assistenciais, que manifestarão as duas faces: a assistência à saúde e a assistência social. O resgate da história dos órgãos estatais de promoção, bem-estar, assistência social, traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada (SPOSATI, 2007, p. 42).

Por maior que fosse a predominância da economia de agro-exportação,

especialmente o café, o Brasil passou por um processo lento de industrialização,

principalmente na região Centro-Sul. Conforme Brum (2012, p. 156), esse processo de

industrialização teve como uma das principais causas as dificuldades de acesso aos

mercados internacionais durante o período da primeira Guerra Mundial. Vários pólos de

industrialização começavam a se destacar no cenário brasileiro, embora ainda com pouca

expressão no conjunto da economia do país.

Foi justamente no início do período republicano, quando do primeiro surto industrial na região Centro-Sul do país, que os trabalhadores surgiram na cena política. A concepção vigente em grande parte da primeira República, de nítida inspiração liberal, relegava as relações entre assalariados e patrões no âmbito privado, abstendo-se o Estado de qualquer interferência nesse mercado, ainda que o Decreto 1637, de 1907, houvesse reconhecido o direito de associação e reunião para todos os que exercessem profissões similares ou conexas, tendo em vista a defesa e o desenvolvimento de interesses comuns. As agremiações estavam livres da ingerência estatal e não dependiam de autorização prévia para funcionar. Esse ponto é importante na medida em que se admitia, pelo menos em tese, a presença no mercado de compra e venda de força de trabalho dos sindicatos, que são entes coletivos (LUCA, 2003, p. 471)

A presença do operariado e de suas organizações no Brasil pode ser identificado em

diversos momentos, podendo ser salientada a ocorrência de uma greve geral em São Paulo

no ano de 1917. A agitação provocada pela primeira Guerra Mundial e a implantação da

primeira república operária, no caso a Rússia, onde ocorreu a revolução comunista em 1917,

de certa forma começou a gerar pressão sobre os governos, especialmente em função dos

patrões que buscavam maior estabilidade nas condições de produção industrial e maior

amparo nas suas dificuldades de relação com o operariado, especialmente m função da

fragilidade do mercado industrial brasileiro.

A primeira norma legislativa a regular o processo de acumulação data de 1919 e reconhecia a obrigação do empregador em indenizar o operário em caso de

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acidentes de trabalho. Seguiu-se a lei de férias (1925), que estabelecia o direito dos trabalhadores urbanos a 15 dias de descanso anual remunerado, e o Código de Menores (1927), que proibia o trabalho de crianças com menos de 14 anos e estipulava jornada de seis horas até os 18 anos de idade. Por meio de suas associações, os empregadores tentaram obstruir ao máximo toda e qualquer intervenção no mercado de trabalho, alertando os perigos de tal intromissão, sobretudo pelo fato dela provir de legisladores que desconheciam o cotidiano das fábricas (LUCA, 2003, 473).

Em 1923 foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos ferroviários que

assegurava aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou invalidez, pensão para os

dependentes em caso de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica.

Essa foi a primeira das instituições do sistema previdenciário brasileiro e que seguiu a

receita de várias iniciativas anteriores feitas por empresas, para se desonerar do conjunto das

indenizações a que eram obrigadas em função de acidentes (LUCA, 2003, p. 475). O

patronato aderiu e apoiou a implantação desses planos previdenciários, pois entendiam que

tinham um amplo poder de desmobilização do operariado. Até 1930 a expansão do modelo

de CAP foi rápida, chegando a 47 fundos naquele ano.

O decreto n° 17.943-A, de 12 de outubro de 19271, criou o Código de Menores do

Brasil, consolidando as regras sobre a proteção, a assistência e o controle das crianças e

adolescentes, de 0 a 18 anos. O Código de Menores, elaborado nesse contexto, tinha um

caráter protecionista e de controle total dos adolescentes, estigmatizando os chamados

menores, como um segmento potencialmente perigoso e diferente do restante da juventude.

No texto do decreto há uma permanente referência da necessidade de proteção de menores

em relação à situação de abandono, exercício de atividade ilegal e contrária à moral e bons

costumes. A situação social dos menores foi tratada neste código muito mais no sentido da

vigilância do que da proteção.

Os direitos sociais passam a fazer parte das políticas governamentais, embora

timidamente. A política econômica dos governos nunca priorizou os setores de comércio,

indústria e serviços. As políticas de apoio aos setores econômicos urbanos foram resultado

da pressão social que já fazia se sentir no Brasil. Na medida em que as cidades cresciam em

função do aumento das atividades comerciais, industriais e de serviços, a pressão para a

solução dos problemas que começaram a aparecer levou o Estado a adotar algumas políticas

de cunho social, sem abandonar sua postura de priorização econômica dos setores

tradicionais. A base da ação econômica governamental estava assentada na exportação do

café, como o único produto brasileiro com peso no comércio internacional. Sua política 1 Acessada no sítio eletrônico www.planalto.gov.br.

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estava assentada na garantia de preços e de comercialização do produto para a geração de

divisas visando o financiamento da política interna do país.

Sua ação na área dos direitos sociais se manteve tímida, somente assumindo algumas

ações na medida em que o processo social o pressionasse. Para Bóris Fausto (1996, p. 293)

os movimentos sociais foram muito importantes para que o processo de transformação das

políticas ocorresse de forma efetiva no Brasil. Esses movimentos se originam das

transformações sociais ocorridas, tanto no espaço urbano, com o fortalecimento da classe

média e a formação do proletariado, e do espaço rural com a formação de vários

movimentos sociais, que Fausto (1996, p. 295) classifica em três tipos: 1) os que

combinaram o conteúdo religioso com carência social, tendo como exemplo o movimento

organizado pelo padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro (CE) entre 1872 e 1924; 2) os que

combinaram conteúdo religioso com reivindicação social, tendo como exemplo mais

próximo o Contestado, entre 1911 e 1915, na fronteira entre os estados do Paraná e de Santa

Catarina e: 3) os que expressaram reivindicações sociais sem conteúdo religioso, tendo

como exemplos as greves dos trabalhadores rurais por salários e melhores condições de

trabalho ocorridas em São Paulo, sendo a mais importante em 1913.

Os movimentos sociais urbanos foram surgindo na medida em que a sociedade

brasileira se diversifica e se forma uma classe trabalhadora mais numerosa que começa a se

mobilizar. Em São Paulo houve uma forte influência dos imigrantes e predominou a

inspiração anarquista. No Rio de Janeiro a predominância foi da inspiração socialista e

sindicalista de resultados, conforme descrição de Boris Fausto em seu livro História do

Brasil (1996, p. 297). Esse movimento raramente preocupou a classe patronal pela sua

desarticulação, com algumas exceções, especialmente em 1917, quando ocorreu a Greve

Geral em São Paulo.

Refletindo com Boris Fausto (1996) pode-se afirmar que o Brasil, durante as

primeiras duas décadas do século XX vivenciou uma fase de muitos conflitos e de muitas

transformações mundiais, podendo ser citadas a primeira Guerra Mundial, a Revolução

Russa, a profunda crise econômica vivida pelos países europeus, em especial durante a

década de 1920, a emergência dos totalitarismos europeus, especialmente na Alemanha e na

Itália e, como fato econômico mais marcante, a crise de 1929, com a quebra da bolsa de

valores de New York, provocando a falência de centenas de grandes empresas e de muitas

economias nacionais.

O mundo todo vivenciou uma fase de desestruturação do liberalismo clássico, que foi

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incapaz de, a partir da concepção da liberdade de mercado e da não intervenção do Estado

na regulação da economia, de superar os desequilíbrios oriundos da primeira guerra mundial

e da desestruturação das economias européias e nem de encontrar mecanismos de evitar a

super-produção industrial e agroexportadora que provocaram a quebra do sistema financeiro

e econômico estruturado desde o final do século XIX.

Além de todos esses problemas, a economia capitalista vivia a ameaça permanente

dos movimentos revolucionários, que tomaram enorme impulso a partir da Revolução Russa

de 1917. Enquanto as economias capitalistas viviam uma época de profunda crise, a

economia socialista implantada pela Revolução Russa manifestava forte vitalidade e muita

estabilidade.

É neste contexto que surgem movimentos mais fortes também no Brasil,

especialmente a criação do partido comunista em 1922 e o movimento tenentista de 1924.

A velha República brasileira, com sua política do “café com leite” vinha sendo

questionada pela emergência de novos setores sociais que começavam a exigir seu lugar na

política brasileira, totalmente dominada pela oligarquia agrária desde a independência.

A crise econômica vivida pela Europa no pós-guerra e a superprodução industrial

provocada pelos Estados Unidos levaram à crise na Bolsa de Valores de New York em 1929,

deixando o Brasil sem condições de exportar o café pela falta de compradores e de preços.

As eleições de 1930 e a crise econômica vivida abriram espaço para que Getúlio

Vargas, apoiado pelos setores ligados à indústria, comércio e serviços, se rebelasse contra os

resultados eleitorais e tomasse o poder.

Importante ressaltar, ainda, que a partir de 1930 o Brasil começa a superar o sistema

de poder que sustentava a República, assentada nas oligarquias regionais, e começa a

desenvolver um processo de articulação nacional das políticas e do poder. A Revolução de

1930, além de atuar de forma decisiva na superação da fragmentação do poder, passa a

inserir na agenda nacional a solução dos conflitos e dos problemas que afetavam diretamente

a reprodução da força de trabalho.

2.6 Revolução de 1930 e seu significado

O ano de 1930 é considerado por quase todos os historiadores como um marco no

processo de desenvolvimento do Brasil que, a partir daquele ano, assume uma política de

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industrialização e de modernização em contradição com a sociedade agrário-exportadora e

oligarca que até aquele momento dominava o país. No entanto, nenhuma das transformações

ocorridas nasce por acaso. Foram, todas, resultado do processo histórico vivido pelo Brasil

desde a chegada dos portugueses. Para contextualizar o processo histórico vivenciado pelo

Brasil a partir de 1930 é importante realizar uma revisitada panorâmica sobre as bases que

permitiram as transformações ocorridas a partir de 1930.

A posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro, com a posterior implantação do

Estado Novo, o processo de industrialização pela substituição de importações, a implantação

da indústria siderúrgica e a associação entre a produção agroexportadora do café com o

processo de industrialização, em que as divisas geradas pelo café produziam condições de

importação das tecnologias necessárias às novas indústrias, permite ao Brasil avançar na

construção de uma nova identidade.

O modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir de 1930 foi influenciado

de forma direta pela crise interna e externa e foi denominado de industrialização por

substituição de importações.

A tese da substituição de importações como processo específico da industrialização latino-americana consiste principalmente na idéia de que o processo é resultado de uma interação dinâmica entre o desequilíbrio externo e as novas demandas por importação. O processo se inicia pela substituição de bens finais não duráveis, que envolve uma tecnologia simples e pouco capital. As novas indústrias requerem a importação da maioria dos bens intermediários e de capital, necessários ao processo de produção, que as economias periféricas especializadas permanecerão incapazes de produzir até um estágio muito posterior da industrialização […] Isso reforça a insuficiência da capacidade para importar, ampliando as substituições de importações, num processo que tende a se estender aos setores de bens duráveis finais e de bens intermediários e de capital. A rapidez e profundidade do processo como um todo depende, primeiro, da capacidade de cada economia no sentido de adaptar sua estrutura produtiva às novas demandas de expansão industrial […] e, segundo, da evolução da capacidade de importação da economia (BIELSCHOWSKI, 1996, p. 25).

A crise internacional e a crise da exportação do café deixaram o Brasil sem recursos

para a importação de bens e serviços, paralisando praticamente toda a economia e

provocando um processo de crise geral da economia.

A concepção do desenvolvimento industrial através do processo de substituição de

importações obrigava o Estado a duas ações bem concretas: a primeira, tinha que garantir

uma capacidade mínima para a importação para adquirir no exterior as máquinas,

equipamentos e tecnologias que pusessem em movimento as indústrias que poderiam

promover a substituição dos bens importados demandados pela população; a segunda, para

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gerar recursos para importações era necessário ter produtos exportáveis, com compradores e

preços. (BIELSCHOWSKI, 1996, p. 226 ss)

A falta de recursos para o pagamento da dívida pública externa levou o governo a

centralizar o câmbio, obrigando a todos os exportadores a trocar os recursos advindos das

exportações por moeda nacional junto ao Banco do Brasil, centralizando nas mãos do

governo federal todo o estoque de moeda externa (FAUSTO, 1996, p. 334).

A crise mundial influenciou de forma decisiva o processo de desenvolvimento Brasil.

As teorias Keynes, apontando para a intervenção do Estado na regulação do processo

econômico inspirou novas formas de ação estatal para superação da crise e geração de novas

perspectivas de desenvolvimento.

Na medida em que a opção do governo Vargas foi pela industrialização como base de

todo o processo de desenvolvimento havia necessidade de atuar de forma concreta na

formulação de políticas de apoio às indústrias, através de facilitação da importação de

máquinas e equipamentos, organização do crédito e do mercado. No entanto, a ação mais

ampla realizada pelo governo foi na área da regulação do mercado de trabalho, com a

criação de estruturas e legislação própria para dar mais segurança aos empresários em seus

investimentos. A legislação trabalhista permitia que as relações entre patrões e empregados

tivessem uma maior segurança e, principalmente, as empresas passaram a ser desoneradas

das obrigações ligadas à saúde e assistência do seu empregado e de suas famílias.

O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado em novembro de 1930 […] apresentou, nos seus primeiros anos de existência, um conjunto de anteprojetos relativos a duração da jornada de trabalho, regulamentação do trabalho feminino e de menores, férias para comerciários e industriários, convenções coletivas de trabalho, salário mínimo, juntas de conciliação e julgamento, porcentagem de estrangeiros empregados nas empresas, criação da carteira de trabalho, e nova lei de sindicalização […](LUCA, 2003).

O governo Vargas enfrentou a Revolução Constitucionalista em 1932 e vários outras

manifestações de contestação durante a década de 1930, levando-o a decretar o Estado

Novo.

Houve um pequeno período de democracia entre os anos 1933, quando foi eleita a

Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou uma nova Constituição, promulgada em

1934 e 1935, quando foi aprovada a Lei de Segurança Nacional e decretado o estado de

guerra, que suspendeu todos os direitos e garantias concedidas pela nova Constituição. A

efervescência política e a influência cada vez maior de setores que contestavam o governo

levaram ao Estado Novo, que destruiu as bases democráticas e passou a exercer o poder de

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forma ditatorial.

No ano de 1937 o governo Vargas outorga uma nova Constituição, implantando uma

ditadura, que perdurou até sua queda em 1945.

2.7 Direitos sociais, ditadura e populismo

A primeira e a segunda guerras mundiais são, para muitos historiadores, parte de um

mesmo processo de disputa de poder e de mercados entre os países na busca da consolidação

de um processo imperialista que o capitalismo monopolista trouxe como consequência.

Iniciada em 1914 e encerrada em 1918, essa guerra teve um acordo final muito prejudicial

aos países perdedores, impondo a eles uma condição muito difícil de suportar, especialmente

no processo de recuperação econômica.

A crise econômica e social vivida depois da guerra, provocou uma guinada muito

forte para os totalitarismos como consequência das agitações políticas provocadas pelos

partidos de esquerda, impulsionados pela evolução Socialista Soviética, e pelo desequilíbrio

das economias dos países. Os Estados Unidos apoiavam a recuperação econômica dos países

europeus, fornecendo os produtos e financiando as aquisições.

Na medida em que os países foram recuperando sua capacidade e entrando

novamente no mercado internacional houve a ocorrência de uma superprodução industrial,

especialmente porque as indústrias americanas não reduziram sua produção, confiando que

suas vendas seriam mantidas pelo sistema de associação entre o financiamento e a

comercialização. O processo foi se agravando até ocorrer a quebra da bolsa de valores de

New York, que foi o evento mais marcante de todo esse processo de crise internacional.

A Revolução Russa, ocorrida em 1917, e a implantação do socialismo, provocaram

uma forte onda de fortalecimento dos movimentos revolucionários em todo o mundo e a

formação dos partidos comunistas e socialistas em praticamente todos os países, tornando-se

uma forte ameaça às estruturas capitalistas. Os movimentos de esquerda passaram a ameaçar

seriamente a estrutura capitalista da sociedade e, na medida em que essa ameaça se tornava

mais concreta, havia uma reação dos partidos liberais que se direcionava ao apoio de opções

ditatoriais, capazes de restabelecer a ordem através do processo de repressão. Na Europa

foram os casos típicos da Itália e da Alemanha, seguidos depois por Espanha e Portugal.

No Brasil ocorreu um processo semelhante, com uma reação muito característica do

processo descrito acima. Getúlio Vargas, que assumiu o governo em 1930, que havia

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convocado eleições para uma assembléia constituinte que produziu uma constituição que foi

promulgada em 1934, que enfrentou uma revolução constitucionalista em São Paulo, propôs

e o congresso aprovou uma lei de Segurança Nacional que reagia à ameaça comunista e

permitiu a implantação do Estado Novo, ditadura que durou até 1945.

A Constituição de 1934 foi a primeira constituição do país a destinar um capítulo

para a ordem econômica e social, definindo as responsabilidades sociais do Estado,

especialmente a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante. Essas obrigações

do poder público representavam um avanço nos serviços sociais, redefinindo as relações

entre o Estado e a sociedade civil mas, além de terem um caráter assistencialista, eram

usadas como instrumentos de controle e de repressão das demandas sociais por melhores

condições de vida apresentadas pela classe trabalhadora, através de suas organizações. O

principal controle sobre as organizações estava na obrigatoriedade de registro junto ao

Ministério do Trabalho, que mantinha uma fiscalização permanente sobre sua atuação.

Pereira (2007, p. 94 ss) afirma o surgimento do serviço social como resultante da

industrialização e da necessidade de controle da classe trabalhadora. Além da verticalização

da estrutura sindical e do aparato repressivo, o Estado passa a adotar as políticas sociais

como forma de controle da população trabalhadora. A criação da profissão de Serviço

Social, conforme a autora, teve como elemento base a necessidade de um profissional que

atuasse como difusor da ideologia dominante e executor de suas políticas sociais.

A crise da economia de agroexportação durante as duas primeiras décadas do século

XX e a adoção de uma política de industrialização provocou, no Brasil, a necessidade de

uma nova visão da questão social e levou à criação das primeiras escolas de serviço social.

Neste contexto de luta por hegemonia, foi criado com o incentivo e sob o controle da hierarquia da Igreja Católica o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) de São Paulo, considerado como “manifestação original do Serviço Social no Brasil” (IAMAMOTO e CARVALHO, 1995: 172). O seu início oficial se deu após a realização do “Curso Intensivo de Formação Social para Moças”, promovido pelas Cônegas de Santo Agostinho, sendo convidada Mlle. Adèle Loneux, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas (PEREIRA, 2007, p. 98)

Com a instauração do Estado Novo com uma nova Constituição, outorgada em 1937,

de caráter autoritário, centralizador, antidemocrático, que suprimiu os direitos políticos,

aboliu o poder legislativo em todos os níveis, dissolvendo os partidos políticos, com a

proibição de greves, censura aos meios de comunicação e perseguição política aos

adversários do regime, pode-se questionar a forma como os direitos sociais avançaram. A

manutenção e o avanço dos direitos sociais durante a ditadura caracterizou a postura

populista do governo que buscava se legitimar a partir do apoio das classes mais

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desfavorecidas, sendo chamado de pai dos pobres. Todo o processo dos direitos sociais

estava vinculado à ética do trabalho (LUCA, 2003, p. 480).

Conforme a mesma autora, a cidadania passou a ter nova conceituação, que não mais

era resultado da luta política e pelos direitos sociais. Eram considerados cidadãos as pessoas

que estavam inseridos em uma ocupação regulamentada por lei e ampliação dos direitos

associados a essas profissões. Os sindicatos, desde o início do governo Vargas eram

considerados como parte do Estado, regulados pelo Ministério do Trabalho.

Os cidadãos que exerciam qualquer profissão não reconhecida e regulamentada pela

lei, como é o caso das profissões ligadas ao espaço rural e os trabalhadores urbanos de

profissões não regulamentadas legalmente, eram considerados como pré-cidadãos (LUCA,

2003, p. 481). A regulamentação da profissão, a carteira profissional e o sindicato público

eram as características para a cidadania.

Conforme Fausto (1996, p. 370 ss) a partir da implantação do Estado Novo o

processo de desenvolvimento econômico amparado na concepção de substituição de

importações foi aprofundada, com a intenção de implantar no Brasil uma Indústria de Base,

que teve como uma de suas maiores conquistas a implantação da indústria siderúrgica de

Volta Redonda e a constituição da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional. Essa indústria

foi financiada por capitais americanos no contexto da negociação da entrada do Brasil na

segunda Guerra Mundial.

Na política trabalhista podem ser salientados alguns aspectos importantes: a unidade

sindical, as greves tanto de trabalhadores quanto de patrões foram proibidas,

aprofundamento da dependência dos sindicatos ao Estado, criação do imposto sindical como

instrumento de financiamento do sistema sindical, implantação da Justiça do Trabalho,

criação e implantação do salário mínimo nacional, sendo os valores fixados de acordo com

as regiões.

No serviço público, que desde a primeira república tinha base no clientelismo, sem

concurso público e com uma pequena elite de quadros especializados, o Estado Novo

buscou reformular a administração pública com o objetivo de transformá-la em agente de

modernização. Foi criado o DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público com a

intenção de implantar um controle central sobre o pessoal e o material. Houve uma tentativa

de implantação de uma carreira no serviço público. Os servidores públicos foram divididos

em duas categorias: os funcionários públicos, que deveriam fazer concurso público para

assumir suas funções, e os extranumerários, que eram pessoas admitidas sem concurso, por

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tempo determinado. Na prática essa categoria de servidores serviu para a continuidade da

política clientelista (FAUSTO, 1996, p. 378).

Os problemas enfrentados pela sociedade brasileira nas áreas urbanas eram novos

justamente porque o processo de urbanização mais acelerada era um fenômeno recente e que

trazia à tona situações que a legislação brasileira não previa e que o Estado não tinha

estruturas específicas para o trato das questões. Na área da assistência social, visando o

enfrentamento da questão social que se agravava pela urbanização, o governo criou uma

instituição que pudesse orientar todas as ações na área. Gomes (2008) aborda o tema

afirmando:

Cabe retomar aqui a configuração da Legião Brasileira de Assistência. [...]a concepção de um órgão central criado para expandir e integrar, ao mesmo tempo, as ações voluntárias benemerentes vinham se dando no interior do Estado, antes da entrada do país na Segunda Guerra Mundial. Interessava ao Governo Central fomentar as iniciativas civis, pois já atendiam as demandas sociais que se avolumavam nos centros urbanos, principalmente nas regiões onde a industrialização avançara, e antecipar-se a pressões sociais exercidas pelas precárias condições de vida dos segmentos sociais excluídos econômica e socialmente; controlá-las era fundamental. Há indícios de que a própria sigla – Legião – pode ser originária de outro movimento semelhante empreendido pela esposa do então presidente do estado gaúcho, Getúlio Vargas, em 1930, quando Darcy Vargas organizou no Rio Grande do Sul a Legião da Caridade, movimento assistencial de atendimento aos combatentes e aos seus familiares na Revolução de 30 (GOMES, 2008, p. 115)

Interessante notar que as ações voluntárias e de benemerência caracterizaram o

processo a partir da figura da primeira-dama, Darcy Vargas, que criou, inclusive, em 1942, a

Fundação Darcy Vargas, que ainda existe, e logo em seguida a Casa do Pequeno Jornaleiro,

que também continua a atuar até o presente momento2.

Após a queda de Getúlio Vargas, em 1945, o Brasil passou por um período

democrático que perdurou até 1964, quando houve o Golpe Militar que implantou um novo

e longo período de ditadura.

O primeiro presidente eleito após a queda do Estado Novo foi Eurico Gaspar Dutra,

que recebeu apoio de Getúlio Vargas e manteve a orientação desenvolvimentista e

preocupada com a formação de mão de obra de obra para a modernização do país. Conforme

Gomes:

[...] foram criados, logo no início do Governo Dutra (1946), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), o Serviço Social do Comércio (SESC) e o

2Acessado no sítio eletrônico www.fdv.org.br.

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Serviço Social da Indústria (SESI) que, conjugados ao Serviço Nacional da Indústria (SENAI) – criado em 1942 –, compuseram o reconhecido Sistema S, o que avalizou o ingresso de setores do mercado na gama de ofertas de serviços sociais, de recorte ora corporativo ora ampliado para a população. Esse conjunto institucional representa, sobejamente, a característica datada do período da filantropia partilhada sob o âmbito educacional (idem, 2001). A perspectiva formadora da força de trabalho, exigida pelos setores da indústria e do comércio em plena expansão, era parte integrante do horizonte desenvolvimentista da época (GOMES, 2008, p. 112).

Após a posse do novo presidente foi instaurado o processo constituinte que elaborou

uma nova constituição para o país, promulgada em 1946. Com base liberal e democrática, a

nova constituição estruturou o Estado em formato muito semelhante ao que temos

atualmente.

No seu capítulo da ordem social praticamente manteve os mesmos benefícios e

direitos da constituição de 1937. A novidade ficou por conta da introdução do mecanismo de

participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, embora não tenha entrado em vigor

por falta de sua regulamentação. (FAUSTO, 1996, p. 400) Na questão da cidadania ficou

estabelecida a igualdade entre homens e mulheres na questão dos direitos eleitorais,

eliminando-se a questão que restringia a obrigatoriedade de voto apenas para as mulheres

que exerciam função pública remunerada, estabelecido pela constituição de 1934. Na

questão da organização dos trabalhadores ficou mantida a organização corporativista e a

concepção de sindicato como órgão de colaboração com o estado. O padrão paternalista e protetor, próprio da ação política getulista, foi substituído por um padrão nacionalista e democrático que, todavia, preserva o populismo como traço dominante do governante. De um lado, a dependência dos países industrializados para obter equipamentos, tecnologia e financiamento se colocava como questão a ser superada com a industrialização plena do Brasil, um atraso a ser superado. De outro lado, o estilo de liderança política, do modo de governar, o carisma pessoal, a não vinculação orgânica partidária encontraram sua expressão em governantes da época como Jânio da Silva Quadros, João Goulart, além do retorno do próprio Getúlio Vargas a Presidência da República, e em Adhemar Pereira de Barros nas gestões estadual e municipal paulistas (GOMES, 2008, p. 110).

O sucessor de Dutra foi novamente Getúlio Vargas, agora eleito democraticamente.

Sua posse ocorreu em 1951, não tendo completado seu governo em função do suicídio em

1954. Entre os grandes debates que enfrentou foi a questão da exploração de petróleo, com a

criação da Petrobrás. Sucedeu-o, depois de uma confusa transição, o presidente Juscelino

Kubitscheck, que teve um governo de grande estabilidade política e de altos índices de

crescimento econômico. Sua obra mais gigantesca foi a construção de Brasília, transferindo

a capital federal para a região Centro-Oeste do Brasil. Conforme Fausto (1996, p. 426), as

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bases do programa de metas de Juscelino caracterizavam-se pelo nacional-

desenvolvimentismo.

O sucessor de JK foi Jânio Quadros, que renunciou pouco tempo depois de assumir.

A posse de seu vice-presidente João Goulart foi contestada pelos militares. Um movimento

político para garantir sua posse levou a uma experiência parlamentarista no Brasil, que

pouco tempo depois foi abandonada depois de um plebiscito nacional que aprovou o retorno

do presidencialismo.

Na questão social esse período democrático ficou caracterizado por alguns períodos

de maior intensidade democrática, especialmente no período que se seguiu à segunda Guerra

Mundial. No entanto, já durante o governo Dutra iniciou-se um processo de repressão aos

movimentos dos trabalhadores e o Partido Comunista foi novamente declarado ilegal.

(LUCA, 2003, p. 482). No espaço rural, a expulsão de posseiros e a substituição dos

foreiros, meeiros e arrendatários por diaristas, que passaram a ser chamados de “boias frias”

provocaram uma ampla mobilização social no campo, com a formação das Ligas

Camponesas e outras formas de associação, perdurando essa movimentação até 1964.

Somente no governo de João Goulart é que os trabalhadores do campo conseguiram o direito

de se organizar em sindicatos. Foi implantado um planejamento racional de suas atividades, sob forte influência do Serviço Social enquanto profissão emergente na sociedade brasileira, com o objetivo de reformular a política assistencial adotada até então. A perspectiva era adotar uma metodologia de estudo da realidade, para a criação de serviços dotados de programação adequada, baseados em padrões mínimos necessários à superação do assistencialismo, válidos tanto para as obras próprias quanto para aquelas objeto de convênio com a LBA. As iniciativas implantadas pela LBA serviam de modelo para a criação de outras similares, tal qual os centros de proteção à mãe e à criança, na forma dos Postos de Puericultura, Creches, Comissões Municipais, Hospitais Infantis e Maternidades. Sob o exemplo modelar da LBA, foram criadas, por iniciativa da sociedade civil, as Associações de Proteção à Maternidade e à Infância – APMI. Além disso, a LBA tomava a iniciativa de atender e estimular o atendimento às necessidades socioeconômicas de populações atingidas por catástrofes como secas, incêndios, desabamentos e enchentes. (GOMES, 2008. p. 117).

O processo de mobilização dos trabalhadores foi muito intensa, especialmente

durante o governo de João Goulart, dando argumento aos militares para o golpe de Estado

que desencadearam em 1964.

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3 OS GOVERNOS MILITARES

A implantação dos governos militares no Brasil tornou a experiência democrática,

vivida pelo país depois da segunda Guerra Mundial e da derrubada do Estado Novo, muito

efêmera para possibilitar à população uma cultura democrática capaz de mobilizá-la de

forma massiva contra seu rompimento. Desde 1930 o Brasil vivera uma experiência de

ditadura mesclada com políticas populistas que geraram a cultura de um Estado paternalista

e que atuara na garantia de direitos sociais pela população, sem que houvesse necessidade de

mobilização e de luta por esses direitos.

Na medida em que a mobilização popular começou a se intensificar durante o

período democrático, em que as vozes não mais eram silenciadas de forma tão repressiva

como durante a ditadura, a mobilização em busca dos direitos sociais passou a fazer parte da

agenda popular, ao mesmo tempo que impunha aos governos uma agenda política cada vez

mais intensa. O ambiente internacional de Guerra Fria, a política anti-comunista dos Estados

Unidos e a vitória da Revolução Cubana colocavam em alerta os setores mais

conservadores, interpretando toda a movimentação popular como um perigo de movimentos

comunistas.

3.1 O cenário internacional e sua influência no Brasil

O golpe militar ocorrido no ano de 1964 foi se construindo a partir das contradições

políticas, econômicas e sociais vivenciadas pelo país nos anos finais da década de 1950 e

nos anos iniciais da década de 1960.

No final da década de 1950 e no início da década de 1960 o processo político no

Brasil apresentava uma instabilidade bastante acentuada, especialmente pela forte

mobilização social em alguns setores, como no caso dos estudantes universitários e as Ligas

Camponesas. Boris Fausto cita como importante o surgimento das Ligas Camponesas como

reação dos setores esquecidos do campo (FAUSTO, 1996, p. 443 s).

No plano da sociedade, houve um avanço dos movimentos sociais eu surgimento de novos atores. Os setores esquecidos do campo – verdadeiros órfãos da política populista – começaram a se mobilizar. O pano de fundo dessa mobilização parece se encontrar nas grandes mudanças estruturais ocorridas no Brasil entre 1950 e

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1964, caracterizadas pelo crescimento urbano e uma rápida industrialização. Essas mudanças ampliaram o mercado para os produtos agrícolas e a pecuária, levando a uma alteração nas formas de posse da terra e de sua utilização. A terra passou a ser mais rentável do que no passado, e os proprietários trataram de expulsar os antigos posseiros ou agravar suas condições de trabalho, o que provocou forte descontentamento entre a população rural. Além disso, as migrações aproximaram campo e cidade, facilitando uma tomada de consciência de uma situação de extrema submissão, por parte da gente do campo (FAUSTO, 1996, p. 443 s).

Depois da eleição de Jânio Quadros o quadro de instabilidade foi se agravando, tendo

seu momento mais crítico com a renúncia do presidente recém-eleito e a reação dos militares

à posse do Vice-presidente João Goulart. A negociação para a implantação do

Parlamentarismo foi a saída para a manutenção da legalidade e da ordem democrática. No

entanto, foi uma solução que se manifestou efêmera pela sua rejeição em plebiscito nacional,

voltando o país ao presidencialismo. Boris Fausto, em seu livro História do Brasil

(FAUSTO, 1996, p. 446 ss) descreve todo o processo de mobilização social dos diversos

setores, desde os mais conservadores, formados pelos proprietários de terras e industriais,

até os mais progressistas, entre eles os estudantes, o movimento sindical e uma grande

parcela da Igreja Católica que passara a defender as reformas como único caminho para a

pacificação social. Ao mesmo tempo a Juventude Agrária Católica e a Juventude

Universitária Católica passaram a assumir posições políticas cada vez mais radicais na

defesa das reformas. As propostas de reforma urbana, que possibilitariam o acesso dos

inquilinos à propriedade das casas, afastou a classe média urbana das reformas, com receio

de perder as suas propriedades. Todo esse movimento se assentava em uma parcela dos

partidos políticos que assumiram de forma mais aberta a defesa do nacionalismo, com

propostas de desapropriação de todas as refinarias de petróleo para vinculá-las à Petrobrás, e

outras medidas para fortalecer o controle do Estado sobre a economia.

No cenário internacional a Guerra Fria entre os blocos socialista e capitalista,

capitaneada, de um lado, pelos Estados Unidos e, do outro, pela União Soviética, criava um

ambiente de anticomunismo muito forte. A vitória da Revolução Cubana em 1959 acirrou

ainda mais os ânimos e os Estados Unidos atuavam fortemente pressionando os governos

latino-americanos a reprimirem os movimentos de esquerda em todo o continente.

Desse modo, entendia-se que a “agitação” e a “subversão” comunistas deveriam ser combatidas in loco, dentro do próprio país “ameaçado” pela insurgência social. O que os Estados Unidos poderiam fazer para conter esta situação? Como mobilizar apoio político suficiente para levar adiante a causa do combate à insurgência? Naturalmente, a América Latina não escapou destas preocupações e foi uma das áreas nas quais as políticas inspiradas pela doutrina da contra-insurgência mais influenciaram a ofensiva do governo norte-americano. (SILVA,

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2008, p. 132)

A ameaça comunista, real ou utilizada como desculpa para a repressão contra os

movimentos populares, foi motivo para uma política muito intensa da parte dos Estados

Unidos visando a manutenção de todos os países alinhados à suas políticas e ao seu

posicionamento internacional da Guerra Fria com o Bloco Socialista. A Revolução Cubana

foi um mau exemplo que não poderia acontecer novamente. Mesclando programas de ajuda

com programas de treinamento e aparelhamento militar e com pressão política sobre os

governos dos países americanos, os Estados Unidos foram influenciando na política interna

de todos os países, e incentivando os militares a assumir o poder em todos os países onde o

poder civil não fosse capaz de garantir o alinhamento ao seu projeto de poder.

Para ilustrar a importância dada ao tema, reproduzimos parte de um relatório da

Força-Tarefa instituída pelos Estados Unidos para estudar os problemas imediatos da

América Latina e propor soluções para o governo americano.

Os esforços norte-americanos devem competir e defender-se contra o atual programa do bloco comunista, e operar em uma escala sete vezes maior do que os atuais esforços dos Estados Unidos, medido por comparações entre as despesas. (Somando-se todas as agências dos Estados Unidos gasta-se aproximadamente quinze milhões de dólares. Os países do bloco comunista estão gastando pela região cem milhões de dólares). Em muitos países latino-americanos o estrato de intelectuais e de pessoas politicamente conscientes é estreito. As agências do bloco comunista podem então infiltrar os sistemas educacionais, selecionar grupos para treinamento especial, e conquistar a vida intelectualmente consciente de países menos desenvolvidos. Na ausência de algum outro sistema, ao promover algumas centenas ou (como planejado no caso do Brasil) alguns milhares de comunistas treinados anualmente, os esforços do bloco comunista pode, após poucos anos de operação, virtualmente tomar o controle de um país. Países subdesenvolvidos com adequado sistema educacional são alvos prontos para este tipo de imperialismo. Não há razão para deixar com que este vácuo seja preenchido por nossos inimigos. O desenvolvimento organizativo de um plano de educação-informacão-propaganda, e o desenho de uma legislação para torná-la efetiva, levará algum tempo. Este assunto alinha-se à política e à defesa militar. Isto está para além das atribuições da Força-Tarefa. Eu sugiro, portanto, a constituição de um grupo patrocinado pela Casa Branca para lidar com estas questões (SILVA, 2008, p. 48)

Percebe-se no texto acima a forte influência das políticas comunistas sobre a ação

dos americanos. A maior preocupação era manter a influência sobre os povos, visando inibir

as ações comunistas que atuavam no sentido de promover a expansão de suas influências no

mundo ocidental. A confusão de conceitos, intencional talvez, de educação, informação e

propaganda podem dar uma dimensão da forma como os americanos pensavam sua

influência. Para eles a ação deveria associar as três dimensões visando tornar a influência

americana uma presença constante na vida das pessoas.

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Os americanos, especialmente a partir da Revolução Cubana, mantiveram-se atentos

aos movimentos políticos dos países latino-americanos, agindo de forma muito contundente

quando seus interesses estavam em jogo.

Para além da ação direta do Estado, os americanos incentivavam a expansão das

empresas americanas nos países e colocavam como parte essencial de sua política a defesa

dos interesses dessas empresas no cenário econômico internacional.

3.2 O golpe militar em 31 de março de 1964

Com o lançamento, pelo presidente João Goulart, da proposta de Reformas de Base

em um comício no Rio de Janeiro, e a reação dos setores conservadores da Igreja Católica,

que organizaram a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo as

condições para o Golpe Militar estavam dadas. No dia 31 de março de 1964 os militares

tomaram o poder e implantaram uma ditadura que duraria 20 anos (FAUSTO, 1996, p. 460).

O Golpe de Estado tornou-se uma solução para o processo de mobilização política

que se estabeleceu no país. De um lado, os movimentos sociais reivindicando melhores

condições de vida, maior democracia, maior distribuição de riquezas, e do outro, a reação

das classes ameaçadas pelo aspecto revolucionário comunista que rondava toda a América

Latina. Se houve mobilização popular, apoiada nas organizações de caráter popular e

progressista, houve uma reação social muito forte da parte dos setores conservadores.

A burguesia internacional objetivava implementar o projeto capitalista no Brasil, de modo a fazer com que o capitalismo e a hegemonia burguesa persistissem. A realização desta meta necessitava da parceria e do sucesso de uma burguesia nacional forte que, por sua vez, precisava do capital externo para proporcionar as condições de desenvolvimento capitalista. Em paralelo, havia uma interpenetração civil-militar. Muitos dos civis que fundaram o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) haviam frequentado a Escola Superior de Guerra (ESG), o que levou à congruência de posições [...] como resultado desta aliança, enquanto a campanha do IPES unificava a oposição e minava o governo, a ação dos militares protegia a burguesia e dissimulava as características de classe do movimento [...] visando a defesa de seus interesses, as diversas frações e setores da classe dominante buscaram reconciliação política, o que resultou no desenvolvimento de uma solidariedade de classe burguesa, de caráter conservador e de comportamento reacionário. Mas, sem auxílio do poder estatal, esta união não seria suficiente para impedir que as pressões vindas de baixo e as divergências no interior das classes burguesas ameaçassem as bases de equilíbrio. Para solucionar esta questão e realizar as tarefas que estavam fora do alcance burguês no campo privado a ação, os recursos e o poder do Estado mostravam-se fundamentais. (VASCONCELOS, 2010, p. 17)

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Os militares assumiram o governo e estabeleceram imediatamente uma legislação de

exceção, através de Atos Institucionais, garantindo o poder para cumprir os objetivos do

Golpe que eram os de estabelecer a ordem e promover o desenvolvimento. O grande

objetivo do Golpe de Estado foi colocar o Estado brasileiro à serviço de um projeto de

desenvolvimento econômico subordinado ao mercado internacional e aos rumos

desenvolvimentistas promovidos pelos países centrais. No contexto da Guerra Fria, o

fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado na solução dos conflitos sociais,

através de processos ditatoriais, foi um fenômeno latino-americano. As ditaduras militares

ocorreram em praticamente todos os países sul-americanos e todos os países do cone sul.

O AI-1 visava a reforçar o Poder Executivo, dotando-o de poderes excepcionais, e reduzir o campo de ação do Congresso, através de prazos restritos de apreciação dos Projetos de Lei, o que culminava na aprovação dos PLs “por decurso de prazo”. De saída, o AI-1 suspendia as imunidades parlamentares e autorizava o comando do governo central a cassar mandatos – nos âmbitos federal, estadual e municipal – e a suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos. As garantias de vitaliciedade (dos magistrados) e de estabilidade (dos servidores públicos) foram suspensas (GOMES, 2008, p. 134).

O governo militar inicia seu programa de recuperação econômica e de combate à

inflação pela redução da capacidade de consumo da população e, em especial, pela redução

da capacidade de compra dos salários. O salário mínimo perdeu muito de seu valor real e, se

considerado em 1960 igual a 100, equivalia a 69 em 1970, a 62 em 1980 e a 45 em 1984.

Essa redução do valor no salário mínimo foi acompanhada de uma perda geral dos salários

na economia e foi acompanhada por uma forte tendência de concentração de renda.

A repressão aos movimentos sociais e populares tinha como objetivo, também,

eliminar a possibilidade de que as reivindicações por direitos sociais e por políticas sociais

fossem colocadas na agenda da sociedade brasileira, gerando pressões políticas sobre o

governo. A ausência de uma agenda social deixava o governo militar em condições de

implantar seus programas de corte de direitos e de redução dos investimentos sociais.

Nos primeiros anos dos governos militares o processo de repressão às manifestações

populares, a cassação de direitos e a prisão dos líderes dos movimentos sociais e de esquerda

e a intervenção nas entidades e organizações de classe foram consideradas suficientes para

manter o controle sobre a sociedade brasileira.

No entanto, as mobilizações de trabalhadores e a eclosão de movimentos populares

levaram o governo a impor o AI-5 (Ato Institucional nº 5) em 1968, tornando a ditadura

mais violenta e o processo de repressão mais institucionalizado. O sucesso nas políticas

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econômicas, baseadas no capital externo e na ação governamental, o crescimento econômico

acelerado, caracterizado como o “milagre brasileiro”, a redução do desemprego, a forte

censura à imprensa, a adesão da grande imprensa ao ufanismo dos militares, a conquista da

Copa do Mundo em 1970 e os grandes projetos de integração nacional criaram um ambiente

favorável à desmobilização social e à camuflagem das ações de repressão.

3.3 Políticas sociais no período de governos militares

Os direitos sociais foram profundamente afetados durante a vigência da ditadura

militar no Brasil, especialmente no que diz respeito aos salários, aos direitos de organização

e de manifestação e nas condições de vida da população (LUCA, 2003, p. 484).

A edição da Lei 4725, de 1965, transformou completamente a relação entre patrões e

empregados na discussão salarial. A lei colocou sob estrito controle governamental o

reajuste dos salários e o submeteu à política de combate à inflação e de promoção do

crescimento econômico. A política salarial passou a ser encarada como uma política

monetária e não mais como uma política de bem estar social.

Conforme Luca (2003, p. 484) os dados de saúde mortalidade infantil, educação,

infra-estrutura urbana, habitação e distribuição de renda indicam que, apesar do crescimento

do PIB de mais de 10% ao ano, que foi denominado de milagre brasileiro, houve um

crescimento substancial da desigualdade social e da concentração da riqueza no país.

As principais mudanças promovidas pelos governos militares na questão das

políticas sociais tiveram como ponto de partida a restrição aos direitos políticos e à liberdade

de expressão das pessoas, com a cassação de dirigentes de entidades sindicais, organizações

populares e estudantis que representassem oposição ou risco de reação contra o regime. Ao

mesmo tempo o governo conseguiu aparelhar as organizações sindicais como executoras de

suas políticas, em especial na questão da saúde e da assistência social. Exemplo disso são os

programas de convênios realizados com sindicatos para a contratação de serviços médicos,

odontológicos e de assistência social para trabalhadores. Aprofundou-se a concepção de

assistência vinculada ao trabalho.

Um importante direito, valorizado pelo trabalhador assalariado e garantido na CLT – a estabilidade no emprego após dez anos de serviço – foi praticamente substituído pelo Fundo de Garantida por Tempo de Serviço (FGTS), em 1966. Caracterizado pela adesão voluntária, era quase impossível obter emprego sem ele,

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além de ser desvantajoso em relação à estabilidade de outrora, pois a correção monetária se dava abaixo da inflação e o não-recolhimento de parcelas devidas ao FGTS era comum (GOMES, 2008, p. 135).

Uma das mais polêmicas ações do governo militar foi eliminar a possibilidade de

aquisição da estabilidade no emprego, que era muito combatida pelo empresariado, que

considerava um entrave para o desenvolvimento das relações trabalhistas nas empresas. A

criação do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço gerava um instrumento de

proteção ao trabalhador externo às empresas, permitindo aos trabalhadores o saque dos

valores recolhidos no caso de demissões imotivadas. Ao mesmo tempo em que se combatia a

estabilidade como nociva para as relações trabalhistas, se fazia ampla propaganda sobre as

vantagens da criação do fundo, que poderia, além de dar uma garantia em caso de

desemprego imotivado, garantir o financiamento do trabalhador para acesso aos programas

habitacionais. Fruto dessa propaganda foi o aprofundamento das políticas relacionadas à

utilização do fundo através do BNH – Banco Nacional de Habitação. Criado no ano de 1964,

através da Lei 4.380, de 27 de agosto, representou a primeira iniciativa de uma política

habitacional nacional, que vinha compensar os trabalhadores urbanos em função das perdas

salariais e pela insegurança gerada pelo processo de quebra da estabilidade no emprego. A

utilização do FGTS teve como uma de suas características a implantação de grandes

conjuntos habitacionais, com financiamento da aquisição de casas por trabalhadores das

mais diversas faixas salariais.

Uma outra consequência da quebra da estabilidade e da possibilidade de demissão

sem as consequências anteriormente previstas pela CLT foi a utilização, pelas empresas, do

expediente das demissões para redução dos gastos salariais quando se aproximavam os

momentos de aumento dos salários. Conforme Luca (2003, p. 486), esse expediente

aumentou ainda mais a perspectiva de lucros das empresas, que já estavam beneficiadas

pelos redutores utilizados pelo governo no repasse das perdas salariais provocadas pela

inflação.

Assim como nas políticas habitacionais, o Estado passou a exercer uma função

assistencial compensatória visando eliminar ou baixar as tensões sociais provocadas pela

repressão e pela redução dos salários.

[...] durante o regime militar, consolidou-se o Estado assistencial, traduzido em medidas compensatórias pontuais do achatamento salarial, da ausência de renda, da repressão exacerbada sobre as manifestações e reivindicações dos trabalhadores. Um Estado secundário e marginal às manifestações da pobreza e da miséria, que alimentou oficialmente a rede de solidariedade reconhecida como a

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viga mestra da proteção social brasileira, em que o patamar compensatório de atenção provocado por essa aliança seria suficiente para a dispersão das tensões sociais. Por outro lado, a bandeira levantada era a da integração social como solução para a situação de marginalização social – são as teses do nacional – desenvolvimentismo que prevalecem no período. (GOMES, 2008, p. 136).

A ação de governo para equilibrar as finanças do Estado, assentada na repressão,

redução de direitos e achatamento da renda provocavam insatisfações, que eram

compensadas por medidas assistencialistas que visavam apagar a imagem de abandono

social e, ao mesmo tempo, aliviar as tensões sociais a níveis aceitáveis, de tal forma que não

houvesse perigo de uma reação popular, mesmo que espontânea. A desestruturação de todos

os movimentos sociais por parte do governo e esses programas assistencialistas davam ao

governo militar a segurança de que não haveriam muitas reações às suas pretensões na

direção da política econômica.

O nacional-desenvolvimentismo, adotado pelo Estado brasileiro desde os governos

civis anteriores ao Golpe de Estado, e o projeto de um Brasil industrializado iniciado em

1930, foram mantidos como vigas mestras para o processo de desenvolvimento brasileiro.

No entanto, os militares, ao assumirem o governo, adotaram a integração nacional como

meta fundamental, associada ao processo de desenvolvimento econômico.

Das metas de integração nacional podem ser citadas a implantação da rodovia

Transamazônica e a unificação em todo o território nacional das políticas sociais.

A educação foi uma das políticas sociais que mais recebeu atenção dos governos

militares. Isso não significa, no entanto, que tenham buscado o aprofundamento no processo

de qualidade da educação do país. O aprofundamento da reforma educacional que culminou

com a publicação da Lei 5.692, de 1971, e com a Reforma Universitária consolidada através

da Lei 5.540, de 1968, tinha como objetivo central dotar o sistema educacional brasileiro

com capacidade para formação de mão de obra para o desenvolvimento. A educação

profissionalizante já estava presente no ensino médio, na época denominado de segundo

grau, que passou a ser prioritariamente um curso destinado a inserir no mercado de trabalho

os jovens, especialmente das classes populares.

A Reforma Universitária buscou, também o aperfeiçoamento dos cursos na direção

da formação profissional, com sua departamentalização, desestruturação das estruturas que

permitiam a mobilização social de estudantes e professores, matrícula por disciplina e outros

instrumentos de controle sobre a estrutura das universidades. A desmobilização das

universidades era um importante instrumento para controlar as reações populares por

direitos sociais. A experiência dos movimentos estudantis durante o período democrático

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anterior ao Golpe de Estado demonstrava claramente aos militares a necessidade de um

controle efetivo sobre as universidades para evitar o risco de conflitos sociais.

Na área da assistência social os governos militares adotaram algumas políticas que

podem ser destacadas. Uma delas é a política de assistência à criança e ao adolescente. Que

levou à criação da FUNABEM – Fundação Nacional de Bem Estar do Menor, e da FEBEM

– Fundação Estadual de Bem Estar do Menor, que foram implantadas nas Unidades da

Federação, de forma articulada à FUNABEM.

Como na maioria de suas políticas, o governo central estruturou o setor de tal forma

que o controle e a responsabilidade ficavam centralizadas no governo federal, sendo que os

governos estaduais tinham um papel secundário, de aplicação das determinações vindas do

governo federal. Conforme Gomes:

A Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em Assembléia Geral da ONU em 1959, impulsionou a alternativa brasileira de FUNABEM e FEBEM por entender que, com isso, responderia ao disposto quanto à responsabilidade do Estado pelo bem-estar da criança, reconhecida pela ONU como portadora de direito à vida digna. O governo central criou a FUNABEM pela Lei no 4513, de 01 de dezembro de 1964, e extinguiu o SAM, vinculando-a ao Ministério da Justiça com a competência de definir uma Política Nacional do Bem-Estar do Menor – a PNBEM. Dessa forma, o Estado central dava mostras de que passou a deter toda a responsabilidade com relação à infância e à adolescência abandonada e/ou infratora (GOMES, 2008, p 137).

A partir da criação da FUNABEM o governo buscou envolver a sociedade, em

especial a classe média, na constituição de comissões locais e na formação do Conselho

Nacional, que fazia parte da gestão do novo órgão.

O desenvolvimento de ações assistenciais por parte de entidades filantrópicas foi

incentivado pelo Estado para garantir que os serviços sociais chegassem até os seus

beneficiários e, ao mesmo tempo, que essas entidades se mantivessem articuladas aos

programas governamentais para sua sustentação. O primeiro aspecto, relacionado com os

serviços públicos, apontava para a necessidade de que a população fosse atendida

minimamente em suas necessidades e demandas para diminuir as tensões e conflitos,

despolitizando as relações entre as entidades e seus associados. Do outro lado, a garantia de

isenções e benefícios fiscais para o cumprimento de programas governamentais deixava as

entidades atreladas ao Estado, tornando-as submissas em função da sua dependência

governamental enquanto processo de sustentação financeira. Os autores Sposati e Mestriner

(2001 apud GOMES, 2008, p. 140) afirmam:

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Por sua vez, o marco regulatório das relações do Estado com as entidades sociais teve produção intensificada nesse período inicial da ditadura militar. Logo em 1964, foram estabelecidas condicionalidades para a isenção do imposto de renda – a não-remuneração da diretoria e a aplicação de recursos afinados com os objetivos institucionais -, ao mesmo tempo em que regulamentou a dedução do imposto de renda de pessoa jurídica sobre doações efetuadas a entidades filantrópicas (lei no 4506). A lei federal no 4917 aprimorou a isenção fiscal dos impostos de importação e de consumo, de emolumentos consulares e outras taxas e impostos relacionados à doação de alimentos e utilidades adquiridos no exterior. Em 1966, as entidades sociais foram dispensadas da contribuição de 1% ao BNH – Banco Nacional da Habitação (lei no 5127) e a Constituição Federal de 1967 previa a isenção de impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços de instituições de educação e assistência social, observados os requisitos fixados em lei (art 20, III, alínea c), benefício esse ampliado por outro dispositivo constitucional de 1969, que estendeu as isenções de impostos estaduais e municipais, mediante lei complementar (art 19, III, §2). Foi dispensado o recolhimento do FGTS dos funcionários das entidades filantrópicas (decreto-lei no 194/67), bem como a arrecadação da taxa rodoviária única dos veículos das instituições de caridade (decreto-lei no 999/69).

Para além da atuação através das entidades representativas dos trabalhadores e das

entidades beneficentes, o governo atuava através da LBA.

A LBA – Legião Brasileira de Assistência se constituía, junto com a FUNABEM, no

principal organismo governamental para a assistência social. Durante os governos militares

sofreu várias alterações em suas ações e no seu processo de sustentação.

Quando o governo federal unificou os Institutos de Aposentadorias e Pensões no

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) ocorreu um corte na sustentação da LBA

que recebia sua principal contribuição dos IAP desde 1946, tendo em vista que a receita da

LBA passou a ser repassada diretamente pelo Tesouro Nacional.

A unificação dos institutos de previdência e a criação do INPS transformou

profundamente o setor de previdência, tornando-o nacional e com controle centralizado. Foi

um passo importante para que o governo federal assumisse o controle de um setor de

importância vital na constituição do sistema de seguridade social.

Conforme Luca (2003, p. 485) “é inegável que a centralização dos serviços de saúde

atendia à lógica da racionalização administrativa, além de representar um considerável

avanço em termos de cidadania” em função da uniformização dos serviços para todas as

categorias de trabalhadores, independentemente de sua capacidade de reivindicação. No

entanto, na medida em que ocorreu a unificação, tanto os patrões quanto os trabalhadores

perderam a condição de participação na gestão dos seus institutos, passando essa nova

instituição ser administrada exclusivamente pelo estado. A forma como a política de saúde

foi implantada, ao invés de ampliação da rede pública de assistência à saúde, com a

contratação de hospitais privados levou à consolidação do acesso apenas às categorias mais

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organizadas e fortes. Além disso, houve, por parte do estado, a desresponsabilização das

empresas para a implantação de serviços de atendimento à saúde de seus trabalhadores, por

ter assumido de forma completa a responsabilidade de coordenação do processo.

Outra mudança importante na origem dos recursos para a assistência se deu em 1967

quando o presidente Artur da Costa e Silva cria a Loteria Esportiva Federal com destinação

de 40% de sua arrecadação para a LBA, tornando-se a única fonte de arrecadação estável da

instituição. Conforme Gomes (2008, p. 143) a transformação da LBA em fundação, no ano

de 1969, dando maior autonomia no funcionamento, embora ainda permanecesse vinculada

ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, foi considerado um passo muito

importante para a construção de uma política mais autônoma de assistência.

Em síntese, pode-se dizer, nesse início do período militar, que a gestão federal da assistência social pública encontrava-se bipartida entre a FUNABEM e a FLBA, essa última assumindo iniciativas em prol criança abandonada e/ou fragilizada por contingências familiares e sociais que, em tese, seriam da alçada da FUNABEM. Dessa forma, estabeleciam-se vias paralelas e superpostas de condução das iniciativas governamentais, somado ao fato de robustecerem a execução direta da FLBA com iniciativas típicas do campo da saúde, até porque o predomínio privatista da saúde na época expurgava a atenção ao cidadão empobrecido. Ao lado da capilarização profusa de serviços próprios das duas fundações federais, o governo militar investiu acentuadamente no incentivo fiscal à iniciativa civil das entidades sociais, o que sugere um movimento duplo de ampliação da oferta de serviços sociais diretos e indiretos, distante, porém, da possibilidade de configurá-los como um conjunto uniforme e integrante de uma política social articulada e equilibrada, sobre competências partilhadas entre os entes federados (GOMES, 2008, p. 144).

O sistema de saúde assentado numa perspectiva privatista, tendo nas entidades

sindicais e de classe a única forma de assistência mais barata e acessível para as categorias

de trabalhadores, tornando a presença do Estado mais próxima da população, mas de forma

desarticulada.

Pela Lei no 6036, de 01/05/1974, o governo federal estabelece uma reforma

administrativa, dividindo o Ministério do Trabalho e da Previdência Social em dois novos

ministérios, sendo os Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência e Assistência

Social – MPAS. A FLBA foi transferida para a gestão do MPAS e passou a integrar-se como

órgão do governo na Assistência Social, deixando de ser apenas um órgão complementar das

ações governamentais. Nessa transição foram incorporados à FLBA o FUNRURAL, o

atendimento ao idoso e ao excepcional. Conforme Gomes (2008, p. 163) é nesse momento

que se inicia a constituição de um sistema nacional para a assistência social.

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3.4 A luta contra a ditadura como eixo mobilizador

A ditadura militar conseguiu seu intento de manter completamente sob controle todos

os conflitos sociais até a metade da década de 1970. Depois da implantação do AI-5, no ano

de 1968, quando todos os instrumentos repressivos foram aprofundados e colocados à

disposição das forças armadas e das polícias, os governos mantiveram rígido controle sobre

todos os movimentos e conflitos sociais de tal forma que, em 1970, puderam comemorar

indicadores expressivos como do crescimento da economia, da conquista da copa do mundo

e um ano inteiro sem greves ou protestos sociais.

Sader, em seu estudo sobre os movimentos sociais identificados na Grande São Paulo

entre os anos 1970 e 1980, nos aponta uma profunda mudança no processo de combate à

ditadura militar. Já não eram mais movimentos armados que buscavam a guerrilha urbana ou

rural, nem eram movimentos tributários de algum movimento revolucionário, mas eram

movimentos que aconteciam de forma intensa nos espaços das relações familiares e de

bairros, de debate do cotidiano e não das questões nacionais imediatas, constituindo um

sujeito novo nas relações sociais brasileiras. Por que sujeito novo? Antes de mais nada, porque criado pelos próprios movimentos sociais populares do período: sua prática os põe como sujeitos sem que teorias prévias os houvessem constituído ou designado. Em segundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo e descentralizado, portanto, despojado das duas marcas que caracterizaram o advento da concepção burguesa de subjetividade: a individualidade solipsista ou monádica como centro de onde partem as ações livres e responsáveis e o sujeito como consciência individual soberana de onde irradiam idéias e representações, postas como objeto domináveis pelo intelecto. O novo sujeito é social; são os movimentos sociais populares em cujo interior indivíduos, até então dispersos e privatizados, passam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a decidir e agir em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas. Em terceiro lugar, porque é um sujeito que, embora coletivo, não se apresenta como portador da universalidade definida a partir de uma organização determinada que operaria como centro, vetor ou tê-los das ações sociopolíticas e para a qual não haveria propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora. (SADER, 1988, p. 10).

A nova característica dos movimentos sociais populares, enquanto sujeito coletivo,

que atua de forma autônoma, mas sem líderes identificados como essenciais para a

mobilização, sem uma teoria que os definisse de forma clara, tornaram o seu controle

praticamente impossível pelos militares e pela polícia. Conforme o autor, esses movimentos

passaram a se constituir a partir de programas de alfabetização de adultos, como o foi o

MOBRAL, implantado pelos governos militares para combater o analfabetismo, a partir de

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sua religiosidade e pela organização de grupos para catequese e que mais tarde passaram a

ser constituir enquanto comunidades de base, a partir da necessidade de busca de soluções

para os problemas cotidianos vividos nos bairros, a partir de uma inspiração vinda de

pessoas que haviam participado de movimentos armados ou de movimentos políticos

anteriores e que haviam sobrevivido à repressão.

O estudo de Eder Sader abrange a Grande São Paulo, mas o movimento pode ser

encontrado em praticamente todo o Brasil, nas cidades e no campo e, sempre, buscando

alternativas capazes de romper com as imensas dificuldades enfrentadas pela falta de

assistência, pela falta de cobertura de programas de saúde, pela ausência do Estado para a

garantia de direitos sociais, pela luta intensa em busca da cidadania, e que tinha como mote

central o combate à ditadura militar.

Podem ser identificados como articuladores dessa construção coletiva algumas

instituições como a Igreja, o sindicato, as esquerdas, mas não em sua função clássica de

liderança, mas como instituições em crise, que vivenciavam essa crise muito mais pelo seu

descolamento do seu público e em busca de novas condições de reatar relações com esse seu

público, em novas condições e novos parâmetros (SADER, 1988, p. 11).

O processo que nasce nesses novos movimentos sociais populares constitui um

sujeito coletivo, sem indivíduos a representá-los e sem um lugar para serem combatidos,

Estavam em todos os espaços e de forma difusa. Foi a partir dessa nova característica dos

movimentos sociais que o processo de combate à ditadura militar toma corpo.

O Brasil passou a viver um período de intensas mobilizações de trabalhadores, como

as grandes greves ocorridas no ABC paulista e na Grande São Paulo, especialmente entre os

metalúrgicos, e que se espalhou pelo país inteiro.

O governo do General Ernesto Geisel recebeu como herança de seus antecessores um

país cujo modelo de desenvolvimento se esgotara completamente. As crises do petróleo

ocorridas em 1973 e nos anos finais da década de 1970 obrigaram a uma forte adaptação das

economias do mundo inteiro a uma nova realidade frente a questão energética.

A maioria dos países desenvolvidos optaram por cortes profundos nos gastos

públicos, medidas visando reduzir drasticamente o consumo de petróleo e liberação das

taxas de câmbio visando a redução dos déficits em suas balanças comerciais. As

consequências imediatas foram uma ampliação significativa do desemprego, do corte de

benefícios sociais e um aprofundamento do processo de recessão.

O Governo Brasileiro, ao contrário, optou por uma estratégia denominada

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desaceleração progressiva sob as alegações de que uma política de tratamento de choque geraria desemprego em massa e poderia provocar grande desorganização do setor produtivo, de consequências imprevisíveis, e de que a crise havia aberto importantes oportunidades para substituir importações as quais deveriam ser imediatamente aproveitadas. Assim adotou-se uma estratégia que se caracterizou (a) pela manutenção das taxas relativamente elevadas, ainda que declinantes, dos investimentos públicos globais, (b) pela manutenção de elevado ritmo de importações de petróleo, (c) pela intensificação do processo de substituição de importações na área de insumos básicos e bens de capital, via importação de equipamento e "know-how" estrangeiros, e (d) pelo estímulo às exportações de produtos manufaturados. Além disso o governo iniciou também vultosos projetos para a produção de álcool destinado a substituir gasolina automotiva. Conforme se sabe esta estratégia sucedeu em manter um elevado nível interno da atividade econômica e do emprego mesmo durante os períodos no decorrer dos quais os países desenvolvidos se defrontaram com uma profunda recessão. Em contrapartida acarretou substancial aumento da nossa Dívida Externa. (MARTINS, 1977, p. 02).

Conforme Fausto (1996, p. 496), embalado pelo resultado do I PND (Primeiro Plano

Nacional de Desenvolvimento, que se concentrou na industrialização para produção de bens

de consumo duráveis, e que havia levado a economia brasileira ao crescimento médio de

10% (dez por cento) no seu PIB – Produto Interno Bruto entre os anos 1969 e 1972, ao

enfrentar a crise do Petróleo o governo brasileiro apostou na capacidade de manter o

crescimento, a partir de ações encadeadas a partir do II PND (Segundo Plano Nacional de

Desenvolvimento) que concentrava os esforços no incentivo às grandes empresas privadas

de produção de bens de capital. Ao mesmo tempo, exigia das grandes empresas estatais um

esforço muito grande, pois se situavam o centro dinamizador desse processo de

industrialização. Conforme o autor, os gigantescos investimentos da Eletrobrás, da

Petrobrás, da Embratel e de outras empresas estatais foram exemplo desse esforço. O BNDE

(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) utilizou todo o seu sistema de crédito e

de incentivos tanto para as empresas privadas quanto para as empresas estatais.

A crise do petróleo de 1973 teve como consequência mais imediata a desestruturação

do denominado milagre brasileiro, assentado em altos índices de crescimento econômico,

pela substituição das importações na área dos bens duráveis e no alto investimento do

Estado na formação de infraestrutura para o capital, através do endividamento externo.

A crise do petróleo levou o Brasil a buscar uma forma de adaptação que lhe

permitisse garantir uma maior industrialização e o direcionamento das importações para

determinados campos, como foi o caso da estruturação das indústrias de bens de capital. A

importação de petróleo e de equipamentos, conhecimentos e tecnologias para a produção de

bens de capital e de insumos de base estabeleceram os critérios para a limitação das

importações. Com o aumento dos gastos com petróleo as divisas do Brasil se tornaram

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insuficientes para bancar toda a pauta de importações.

Outro aspecto que se tornou significativo foi a elevação do custo dos produtos

exportáveis, pois dependiam do petróleo em suas cadeias produtivas, especialmente em

relação ao transporte. No entanto, não foi somente esta a consequência: a redução das taxas

de crescimento da renda nacional, atingida de forma imediata em função do aumento do

gasto com o petróleo, e a redução dos rendimentos dos bens de capital investidos nas

economias em função do aumento dos custos na economia.

Uma das formas de combater a crise do petróleo utilizada no Brasil foi a adoção da

produção de álcool combustível para substituir a utilização da gasolina. O Pró-Álcool foi um

programa muito incentivado pelos governos, e a produção de carros movidos a álcool

recebia incentivos especiais. O novo combustível recebia subsídios a partir do próprio preço

da gasolina, visando torná-lo atrativo enquanto custo para o consumidor.

Na área da geração de divisas para a importação, o Brasil passou a fortalecer as

estratégias de exportação de bens industrializados, mas sua maior fonte de recursos

continuava ainda a ser na agroexportação.

Os programas de apoio para a agricultura tinham como base o incentivo para as

culturas exportáveis, tendo a soja como o produto que mais tomava impulso pelo seu amplo

mercado internacional e que se tornava cada vez mais promissor. Ao mesmo tempo,

continuava a política de apoio à exportação de café e outros produtos exportáveis de menor

expressão.

A intensa urbanização que se verificava no Brasil, com a formação de fluxos

migratórios das mais diversas dimensões, especialmente do campo para a cidade, começava

a colocar para o Brasil uma nova gama de problemas sociais. O esvaziamento do campo

ocorrido nas regiões de pequenos agricultores do sul do país, a redução do número de

empregos rurais pela paulatina incorporação de tecnologias modernas na produção agrícola,

a intensa migração nordestina para o centro do país em busca de uma nova vida e novas

oportunidades faziam com que os indicadores sociais brasileiros sofressem profundas

alterações de forma permanente.

O conjunto de transformações que atingiam o Brasil elevavam muito o grau das

tensões sociais e das demandas por políticas de assistência à população. As taxas de

desemprego, a miséria, a concentração de riqueza e renda e todo o conjunto de demandas

sociais por cidadania e democracia criaram um ambiente insuportável para os governos

militares, que passaram a ver como saídas únicas a abertura democrática. Para que não

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ocorresse uma erupção social que provocasse a derrubada do governo, os militares passaram

a acenar com uma abertura democrática progressiva, sob a alegação de que a democratização

deveria ocorrer dentro da normalidade, sem conflitos sociais e sem confrontos.

O movimento operário veio à tona, no governo Geisel, com novo ímpeto e novas feições. A reconstrução do sindicalismo populista era inviável porque o regime não se assentava, nem pretendia se assentar, no movimento operário organizado. Desse modo, o movimento sindical ressurgiu adotando formas independentes do Estado, a partir muitas vezes da vivência no interior das empresas onde os trabalhadores organizaram e ampliaram as comissões de fábrica. O eixo combativo se deslocou das empresas públicas para a indústria automobilística, que tinha sido um setor pouco atuante até 1964. A grande concentração de trabalhadores em um pequeno número de empresas e a concentração geográfica no ABC paulista foram fatores materiais importantes para a organização do novo movimento operário. (FAUSTO, 1996, p. 499).

Durante o mês de agosto de 1977 o governo federal admitiu que havia manipulado os

índices de inflação dos anos 1973 e 1974, provocando perdas salariais na ordem de 31,4% e

esse fato desencadeou um movimento que cobrava do governo federal a recomposição dos

salários. O foco do movimento se deu justamente entre os metalúrgicos do ABC. Foi uma

mobilização que provocou um despertar dos trabalhadores em busca de seus direitos e, além

de 1977, o movimento se repetiu nos dois anos seguintes, ainda com mais força e

organização.

Além das greves dos metalúrgicos, diversas categorias também se mobilizaram com

uma pauta de reivindicações muito ampla: aumento de salários, garantia de emprego,

reconhecimento das comissões de fábrica e liberdades democráticas.

Na sua trajetória em busca de uma organização nacional esse novo sindicalismo

constituiu a CUT – Central Única dos Trabalhadores, no ano de 1983.

Em relação aos movimentos sociais Fausto (1996, p. 498) aponta que a ditadura

militar reprimiu as direções dos sindicatos ao assumir o poder, mas não desmantelou os

sindicatos. Buscou, através de suas políticas, mantê-los sob estrito controle para que não

provocassem mais conflitos sociais. Para isso, foram aparelhados para a implantação de

políticas sociais, como é o caso das políticas de providência. Pode-se observar, como

exemplo, o número de sindicatos rurais em todo o país que experimentaram um crescimento

muito grande de trabalhadores sindicalizados durante o período dos governos militares: em

1968 eram 625 sindicatos e em 1980 chegaram a 2.144 sindicatos; o número de

trabalhadores associados passou de 2,9 milhões em 1973 para mais de 5,1 milhões em 1979.

Esse crescimento, no entanto, não estava vinculado à capacidade de organização e

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mobilização política das entidades, mas aos seus serviços relativos aos programas da

previdência social, através de convênios com o governo federal.

Por mais que a situação estivesse sob controle do governo, começaram a ocorrer

movimentos contestatórios entre os sindicatos rurais, acompanhando o movimento geral de

fortalecimento do movimento operário no meio urbano. No mesmo período das grandes

greves urbanas do final da década de 1970 correram as primeiras oposições sindicais

vitoriosas no Sul do País, em três cidades que serviam de referência para o sindicalismo

rural: Francisco Beltrão (PR), Chapecó (SC) e Erechim (RS).

No final da década de 1970 surgem, também, diversos movimentos de trabalhadores

rurais sem terra que passaram a atuar na ocupação de fazendas e na luta pela reforma agrária

em diversas regiões do país, especialmente nos três estados do Sul.

Esses diversos movimentos de trabalhadores rurais sem terra decidiram por um

processo de unificação em 1985, com a criação do MST – Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra.

Com a crise da dívida externa, que afetou praticamente todos os países latino-

americanos, ao final da década de 1970 e início da década de 1980, a economia brasileira

entrou em sérias dificuldades para manter sua capacidade de pagamento dos compromissos

internacionais e, ao mesmo tempo, não conseguia garantir o refinanciamento da dívida para

estender o prazo ou para aliviar a pressão sobre as contas do Brasil. Fausto (1996, p. 500)

aponta que as grandes mobilizações sociais, o aumento do desemprego, o aumento da

inflação, a redução da moeda corrente no mercado, a desaceleração da economia e o corte

profundo nos investimentos públicos tornaram o início da década de 1980 uma das mais

complexas para a ditadura militar. O PIB negativo durante três anos seguidos tornava cada

vez mais impopular o governo Figueiredo, que tentava manter as rédeas do processo de

abertura democrática em plena crise econômica.

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4 A DÉCADA DE 1980 E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição Brasileira de 1988 foi um marco essencial para a formatação da

seguridade social brasileira. É o momento inicial da estruturação de uma seguridade social

envolvendo a previdência, a saúde e a assistência social. Adailza Sposati (2009) afirma que,

além da nova estrutura, o texto constitucional estabelece mudanças de concepção profundas

em relação ao que o Brasil até o momento havia vivenciado.

A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, ao afiançar os direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual. Nesse caminho, inaugurou uma mudança para a sociedade brasileira ao introduzir a seguridade como um guarda-chuva que abriga três políticas de proteção social: a saúde, a previdência e a assistência social. As constituições anteriores já reconheciam o papel da previdência social em assegurar a maior parte das atenções da legislação social do trabalho. (SPOSATI, 2009, p. 13)

Ao conceber a seguridade social como um grande guarda-chuva envolvendo a

proteção social, unificada enquanto processo integrador da ação do Estado e da sociedade,

mantém uma divisão entre previdência, saúde e assistência social, que permanece

desagregada na estrutura administrativa do país pela existência de três ministérios que atuam

de forma independente e desarticulada.

Mesmo assim, o avanço é significativo. Essa decisão apresenta uma novidade que é

apontada por Sposati (2009) de forma muito clara.

A inclusão da assistência social na seguridade social foi uma decisão plenamente inovadora. Primeiro, por tratar esse campo como de conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais. Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade, pelo qual a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. O apoio a entidades sociais foi sempre o biombo relacional adotado pelo Estado para não quebrar a mediação da religiosidade posta pelo pacto Igreja-Estado. Terceiro, por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais. A inclusão da assistência social significou, portanto, ampliação no campo dos direitos humanos e sociais e, como consequência, introduziu a exigência de a assistência social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos do cidadão em seu raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção (SPOSATI, 2009, p. 14).

As mudanças implementadas na Constituição de 1988 superam, também, concepção

que historicamente reduziam esse campo de direitos a uma faixa da população considerada

como pessoas incapazes de uma ação cidadã, excluídas da sociedade de consumo pela sua

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baixa renda e pela sua incapacidade de contribuir de forma positiva para o desenvolvimento

do país. Ao ser inserida no âmbito da seguridade social, a Constituição abre caminho para

que o público da assistência social passasse a assumir sua cidadania de forma plena, sem

passar pelos constrangimentos sociais da segregação da baixa renda e da miséria.

Conforme Sposati (2009, p. 15),

Sob a concepção hegemonizada, principalmente pela visão conservadora, liberal e neossocial-liberal, a assistência social é transversal, porque está dedicada a possibilitar acessos materiais que não estão disponíveis no mercado aos convencidamente pobres, com explícita demonstração de sua precariedade. Confrontar essa maneira de ver, significa adotar a concepção de que a assistência social é uma política que atende determinadas necessidades de proteção social e é, portanto, o campo em que se efetivam as seguranças sociais como direitos. Trata-se de uma forte guinada de concepção, pois, como segurança social, está sendo tratada como bem público e social do estatuto de uma sociedade para alcançar todos os seus membros. Portanto, trata-se de um pacto que inclui a universalidade da proteção social na seguridade social. E até a promulgação da CF/88 não se dispunha de uma concepção nacional sobre assistência social, embora já existisse há mais de dez anos uma Secretaria Nacional de Assistência Social instalada no Ministério da Previdência e Assistência Social.

A superação da subsidiariedade da ação do Estado na Assistência Social e sua

inclusão como política pública aparecem realmente como resultado de um amplo processo

de debate na sociedade brasileira. Não foi apenas um ato de inspiração dos constituintes que

resultou nessa nova configuração da seguridade social e, em espacial, da Assistência Social.

A constituição de 1988 foi denominada de “cidadã” por ter se caracterizado pela

participação da sociedade civil na sua elaboração através de movimentos específicos ou

através dos movimentos sociais já constituídos e que pressionaram para incluir suas

demandas e projetos de sociedade na nova lei maior do país.

A participação social no processo de elaboração da carta constitucional adquiriu

importância decisiva na formulação da nova lei maior por ter feito chegar aos constituintes

as necessidades, demandas e compreensões dos mais diversos setores da sociedade civil em

áreas específicas, especialmente as relacionadas aos direitos sociais. A participação se deu

através de movimentos sociais tradicionais que passaram a dedicar parte de suas energias na

reflexão, formalização de propostas e acompanhamento do processo de elaboração no

Congresso Constituinte. Também houve muitos setores sociais que organizaram movimentos

sociais específicos para o processo constituinte, dedicando todas as suas energias e recursos

na mobilização, discussão e formulação de propostas para a nova Constituição, bem como

no acompanhamento da sua discussão e elaboração no Congresso Nacional.

Além da influência direta na elaboração da Constituição, a participação na defesa de

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direitos gerou uma forte mobilização social que se caracterizou como um processo educativo

em relação à cidadania e à democracia. Na medida em que esses novos atores sociais

passaram a se organizar para a defesa de interesses, começaram a aparecer na cena política

nacional.

Maria da Glória Gohn (2011) compreende que a participação nas lutas se caracteriza

como um processo educacional, gerando aprendizados tanto em que participa dos

movimentos quanto para os que dialogam com eles na construção das propostas.

Um dos exemplos de outros espaços educativos é a participação social em movimentos e ações coletivas, o que gera aprendizagens e saberes. Há um caráter educativo nas práticas que se desenrolam no ato de participar, tanto para os membros da sociedade civil, como para a sociedade mais geral, e também para os órgãos públicos envolvidos – quando há negociações, diálogos ou confrontos (GOHN, 2011, p. 1).

A postura participativa enfatizada enquanto processo educativo deixa clara a

crescente capacidade de atuação cidadã, enquanto atitude individual dos participantes, e a

ação democrática enquanto organizações e nas práticas coletivas. Além disso, a autora

salienta que cada movimento social está situado historicamente e promove uma rede de

relações que possibilita a disseminação de suas atitudes e idéias, não apenas nas suas

especificidades enquanto atuação, mas avançando em compreensões que abrangem a sua

situação econômica, política e sociocultural.

É importante ressaltar que a maioria desses movimentos sociais não surgiu

simplesmente no momento em que o país se debruçou na elaboração da nova Constituição. A

grande maioria deles fez parte da intensa luta pela democratização do país, tendo chegado ao

período de trabalhos constituintes com um acúmulo de muitos anos de debate e de

mobilização social.

Outro aspecto importante a destacar é o de que nem todos os movimentos sociais que

participaram ativamente no processo constituinte buscavam a transformação da realidade

social, econômica, política e cultural do Brasil. Houve diversos movimentos que se

organizaram para impedir as mudanças, assumindo um caráter conservador das estruturas

existentes no país.

Como salienta Gohn (2011), nas suas ações sociais coletivas os movimentos

expressavam suas demandas fazendo crescer a consciência social das pessoas que

participavam e, ao mesmo tempo, colocando na agenda da sociedade civil e do Estado

carências de direitos que se originavam pela inserção desigual da população nos processos

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econômico, político, social e cultural. Essa participação enfatizava dois aspectos

fundamentais: de um lado a participação das pessoas, como atitude individual assumida a

partir do sentimento de pertencimento junto ao grupo social ou frente à demanda em causa e,

do outro, a ação coletiva, que se manifestava a partir da organização e das mobilizações

promovidas. A ação individual pode ser caracterizada como ação de cidadania, em que as

pessoas se posicionavam como sujeitas de direitos, e a ação coletiva como ação democrática,

pela busca de construção do espaço social reconhecido pelo conjunto da sociedade civil e

pelo Estado.

Para compreender a denominação do processo constituinte como construtor de uma

Constituição cidadã é fundamental que se explicite a compreensão de cidadania como

elemento chave do momento político vivido no Brasil em sua trajetória de democratização.

A cidadania, conforme Marshal (1967, p. 63) possui três dimensões básicas: a)

Direitos civis, necessários para o exercício da liberdade individual, como a liberdade de ir e

vir, de imprensa, de pensamento, de fé, de propriedade e de justiça; b) Direitos Políticos,

compreendidos como direito de participação no poder político, como autoridade ou como

eleitor, acesso às instituições políticas, direitos eleitorais, como o voto secreto, e de criação e

participação em partidos políticos; c) Direitos Sociais, desde o direito a um mínimo bem

estar econômico e segurança até o direito de participar da herança social, o que implica em

uma vida de acordo com os padrões sociais, a educação e os serviços sociais.

Enquanto muitos movimentos estavam focalizados na garantia de direitos civis,

especialmente na eliminação de todas as restrições à liberdade individual e à organização

social, outros movimentos tinham como objetivo mais concreto a superação de todas as

formas de limitação dos direitos políticos, algumas impostas pela ditadura e outras pelos

limites do conceito de democracia no Brasil, como foi o caso do voto para os analfabetos.

No entanto, a maior incidência de movimentos sociais foi na defesa de direitos sociais. Em

Sader (1988) e Poli (1999) podem ser identificadas as diversas formas de organização

articuladas a partir do cotidiano das pessoas e setores sociais que, pela sua vivência, foram

elaborando propostas e colocando a público suas demandas, embora nem sempre tivessem

um fim explícito de participação na elaboração da Constituição. Quirino & Montes (1986, p

59) complementam o conceito afirmando que a cidadania não envolve apenas direitos, mas

também os deveres que as pessoas assumem na medida dos seus direitos.

É importante salientar que a cidadania pode ser ativa ou passiva, isto é, construída a

partir da ação da sociedade ou concedida pelo Estado. Nos países europeus, cuja formação é

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mais antiga, normalmente o processo de construção da cidadania foi se fortalecendo

historicamente a partir das lutas sociais que envolveram as grandes transformações,

especialmente na transição para o mundo moderno e contemporâneo. Nos países mais

recentes, e que Souza (2003, p 31) denomina de periféricos, a cidadania normalmente já foi

assumida a partir de conceitos construídos em outros países, especialmente os centrais,

como a Inglaterra e a França.

Souza (2003, p. 91) analisa a questão da abolição da escravatura no Brasil que

deixou os libertos sem alternativas de acesso à terra em função da Lei de Terras de 1850 e

nem de acesso ao trabalho em função do incentivo à imigração de trabalhadores europeus.

Criou-se no Brasil uma “ralé estrutural” que não conseguia oportunidades de acesso às

políticas e nem à renda. Sem considerar essas condições de marginalização provocada pelo

próprio sistema implantado no país, essas pessoas são tratadas como fracassadas por não

terem condições sociais se sobrevivência e de renda. Durante toda a história brasileira não

foram adotadas políticas e nem ações da sociedade civil que tivessem como objetivo corrigir

as causas da marginalização social e econômica dessas populações. Na medida em que, na

atualidade, a partir da pressão dos movimentos sociais, foram estabelecidas políticas para

correção das injustiças cometidas no passado, há uma reação social de alguns setores da

sociedade considerando essas políticas afirmativas como injustas e geradoras de

diferenciações sociais, impedindo a livre concorrência ou a igualdade de condições de

acesso aos benefícios sociais.

Da mesma forma como os negros e seus descendentes, as populações indígenas

sempre foram consideradas como incapazes do exercício da cidadania, sofrendo um

processo de segregação que os confinou em reservas insuficientes para sua sobrevivência. A

luta pela conquista de seus direitos sempre enfrentou a resistência de muitos setores da

sociedade, em especial das elites agrárias, por serem considerados vagabundos e incapazes

de trabalhar. As políticas de valorização das populações indígenas, da mesma forma como as

políticas afirmativas em relação à população negra, são consideradas injustas por parte dos

ideólogos liberais e neoliberais, por subverterem a máxima da igualdade de oportunidades

na sociedade.

Conforme Souza (2009, p. 17) o sistema capitalista tem na desigualdade um fator de

dinamização. A propaganda da mobilidade social como conquista pela capacidade de

aproveitamento das oportunidades leva a uma concepção de que todos os que não

conseguem uma situação social digna são incompetentes ou fracassados. Tanto os

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capitalistas quanto os trabalhadores internalizaram essa concepção que ela se naturalizou no

conjunto da sociedade, de tal forma que, mesmo sabendo que não existem oportunidades

para todos e nem emprego para todos os que o demandam, há uma permanente pressão para

que o Estado promova condições de qualificação e requalificação profissionais, como fator

de acesso a melhores condições de vida e de acesso ao trabalho.

Na questão dos direitos que compõe a cidadania percebe-se que a sociedade

brasileira sempre manteve como centrais os direitos relativos à liberdade de iniciativa

econômica, sendo que os demais direitos normalmente foram relativizados de acordo com a

situação econômica e política do país. Durante o período ditatorial, iniciado em 1964 e

encerrado em 1985, as liberdades de ir e vir, de imprensa e de manifestação, foram

cerceados e, raramente, foram ouvidas vozes dissonantes nas classes mais abastadas.

Somente entre os trabalhadores e classes subalternas houve reação. Da mesma forma

ocorreu em relação aos direitos sociais, que somente foram concedidos na medida da

pressão social provocada pelas lutas dos setores organizados dos trabalhadores.

A partir da adoção das teorias econômicas neoliberais esses direitos, como a

estabilidade do emprego, passaram a serem combatidos como privilégios e como causas da

falta de competitividade das empresas brasileiras frente o mercado internacional. No

entanto, a adoção dessas políticas ocorreu após a promulgação da Constituição, tendo como

marco inicial mais concreto o governo Collor de Mello, e que ultrapassa o período dedicado

a esse estudo.

4.1 Contexto político e emergência das demandas sociais

O Golpe de Estado de 1964 interrompeu a experiência democrática que vinha se

desenvolvendo no Brasil a partir da década de 1940. Por mais conturbada que fosse a

relação política em vigor depois de 1945, era a primeira experiência de democracia mais

ampla vivenciada pelo país, muito embora ainda houvesse vários limites à ação cidadã e

democrática, como era o caso do Partido Comunista que, durante a maior parte do período

considerado, estava na clandestinidade.

O regime ditatorial implantado no Brasil seguiu uma tendência do conjunto dos

países da América Latina provocada pela Guerra Fria entre os dois grandes blocos

(capitalista e socialista). A pressão norte-americana para o combate ao comunismo, aliada ao

conservadorismo interno do país, levou os países latino-americanos a uma feroz repressão

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aos movimentos sociais e populares, denominados genericamente de subversivos e

comunistas. Conforme Fausto (1996, p. 457 e ss), o processo de preparação do golpe militar

estava amadurecendo durante os primeiros anos da década de 1960 em função das diversas

crises enfrentadas pelo governo nos aspectos econômicos e sociais. A presença cada vez

mais forte das Ligas Camponeses, a rápida disseminação de sindicatos rurais, as invasões de

terras para pressionar a execução da Reforma Agrária, as greves de trabalhadores em busca

da recomposição dos salários corroídos pela inflação, as diversas lutas que foram

promovidas no espaço urbano em busca de direitos sociais criaram os argumentos para que o

comando militar brasileiro se convencesse da necessidade de uma mudança radical na

estrutura política brasileira. Na área da assistência social, por exemplo, não havia uma

preocupação de universalização de amparo às populações pobres e que necessitava de

amparo social. O atendimento era praticado somente a partir de interesses governamentais

na manutenção da ordem ou na eliminação de tensões sociais. A pressão dos diversos setores

sociais, como os pequenos agricultores, os operários urbanos, os estudantes e suas

organizações eram interpretadas pelos setores conservadores como sinais do avanço do

comunismo e da subversão política. Esses setores conservadores, apoiados em alguns

partidos, como a União Democrática Nacional – UDN, e nas forças armadas, passaram a

buscar alternativas para a construção da ordem e da paz social, embora sem passar pela

solução das demandas sociais evidenciadas pelos movimentos.

O empresariado, os setores ligados à grande propriedade rural, a Igreja Católica, em

especial a partir de sua hierarquia, que tinham posturas anticomunista, começaram a se

expressar publicamente pela necessidade de uma “revolução” capaz de conter o clima de

instabilidade, que poderia levar a convulsões sociais com resultados imprevisíveis.

Conforme Boris Fausto (1996), houve também, reações por parte da esquerda do PTB,

comandadas por Brizola, que estava descontente em função da falta de definição do governo

federal na implantação das reformas sociais prometidas. Brizola e seu grupo passaram a

organizar grupos de resistência para combater a possibilidade de golpe militar. O Grupo dos

onze, conforme denominado pelo movimento, passou a representar mais uma ameaça à

estabilidade política no Brasil, dando mais argumentos aos militares na gestação do golpe.

A vitória dos militares e a consolidação do Golpe de Estado foram resultado da

situação social vivida no Brasil durante o período. A efervescência social que ocorreu nos

anos finais da década de 1950 e nos anos iniciais da década de 1960 produziu uma forte

mobilização de vários setores, com muitas manifestações populares, sem conseguir se

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enraizar culturalmente e politicamente no conjunto da população. A participação nas

manifestações públicas, a defesa de direitos sociais, políticos e econômicos e a contestação

ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil não conseguiram gerar uma organização

social capilarizada e com capacidade de reação autônoma. Um exemplo claro dessa

fragilidade foi a desarticulação completa do movimento sindical e dos movimentos sociais a

partir do afastamento de seus principais líderes.

A partir de Fausto (1996) pode-se perceber que em 1968 o regime ditatorial se

enrijece e aprofunda a política repressiva, com um combate sistemático a toda e qualquer

manifestação popular. O regime implantado procurou manter a aparência democrática, com

a manutenção do Congresso Nacional e das Assembléias Estaduais, depois de um amplo

processo de cassação dos deputados considerados comunistas ou com tendências

revolucionárias. Os presidentes da República eram indicados por uma Junta Militar formada

por representantes das três Forças Armadas e tinham seus nomes ratificados pelo Congresso

Nacional, completamente hegemonizado pelos aliados do governo militar. Os demais

poderes estavam completamente subordinados ao Poder Executivo.

O auge da hegemonia militar ocorreu no início da década de 1970, com o “milagre

brasileiro”, que se caracterizou pelo dinamismo da economia e do ufanismo desencadeado

na sociedade pela ampla propaganda governamental, reforçada pela conquista da Copa do

Mundo em 1970. Além disso, a forte censura à imprensa e a cooptação dos órgãos de

comunicação estabelecia uma coerência muito grande no processo de divulgação e

propaganda do regime.

O bipartidarismo implantado eliminou as possibilidades de manifestação da

pluralidade política presente na sociedade brasileira, dividindo o Brasil em situação e

oposição ao regime militar. A oposição presente na política nacional era definida como

consentida, pois os setores da sociedade contrários ao regime haviam sido afastados da arena

política através das cassações ou da emigração forçada.

Na medida em que o modelo de desenvolvimento adotado foi se esgotando e a

conjuntura internacional se tornou menos favorável, os governos militares passaram a

enfrentar maiores resistências, como expresso em Sader (1988), especialmente a partir da

segunda metade da década de 1970.

Durante as décadas de 1970 e 1980 os movimentos sociais atuaram na construção de

alternativas para a superação das difíceis condições de vida enfrentadas em suas relações

cotidianas. Sader (1988) salienta, em seu capítulo “Sobre as experiências da condição

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proletária em São Paulo” a forte influência da problemática cotidiana no processo de

organização popular que começa a se estruturar. Essa atuação política, para além das ações

dos partidos, fez parte da grande articulação social e política que se formou na busca da

democratização do Brasil. No entanto, muitos dos que lutavam não tinham a intenção

expressa de combater a ditadura. Suas bandeiras estavam situadas mais próximas de seu

cotidiano de dificuldades para a sobrevivência e para a conquista de condições mínimas de

conforto. Eram ações de donas de casa que promoviam ações contra a carestia, eram os

trabalhadores que lutavam para melhores condições de moradia e transporte, educação e

saúde, que envolviam uma população que, em momento alguma da história brasileira, havia

participado ativamente na pressão explícita em busca de maior atenção por parte o Estado.

Evidentemente que o rápido processo de urbanização e industrialização ocorrido

provocava o surgimento de novas formas sociais, como os bairros pobres e as periferias cada

vez mais distantes dos locais de trabalho, além de uma explicitação muito clara das

desigualdades sociais, expressas nas diferenças brutais de condições de vida entre os ricos e

os pobres. A reação popular às suas condições de vida gerou um processo de educação para a

cidadania construído a partir da participação social. Conforme Maria da Glória Gohn (2011,

p. 2):

A relação movimento social e educação foi construída a partir da atuação de novos atores que entravam em cena, sujeitos de novas ações coletivas que extrapolavam o âmbito da fábrica ou os locais de trabalho, atuando como moradores das periferias da cidade, demandando ao poder público o atendimento de suas necessidades para sobreviver no mundo urbano.

A busca pelo atendimento de suas necessidades apontava claramente para a conquista

de direitos sociais. A educação, a saúde e a assistência social passaram a fazer parte do

debate e do confronto que passou a ocorrer em todos os espaços da cidade, muito além dos

locais de trabalho. Certamente a luta sindical passou a repercutir de forma mais intensa pelo

seu impacto junto às empresas e ao mercado, mas a pressão por outros direitos foi

encurralando os governos militares, que passaram a promover concessões em busca da

estabilização do regime, principalmente porque a repressão deixou de ser um instrumento

eficaz para combater a mobilização social.

Conforme Éder Sader (1988, p. 26) o período entre 1978 e 1985, das greves no ABC

paulista até a eleição direta de Tancredo Neves para a presidência da República,

provavelmente vai ficar marcado como o momento decisivo para a estruturação de uma

forma de sistema político no Brasil, que estava acompanhado de sensíveis mudanças no

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conjunto da sociedade civil. O autor considera que, entre as rupturas ocorridas no período, a

mais impressionante está relacionada com a história do movimento operário e com as classes

ou setores populares que, mesmo sem ter uma dimensão completa do que estavam

provocando, tinham consciência que algo novo estava emergindo na história social e política

do Brasil.

A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada sob a forma de imagens, narrativas e análises referindo-se a grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena política reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos. O impacto dos movimentos sociais em 1978 levou a uma revalorização de práticas socialmente presentes no cotidiano popular, ofuscadas pelas modalidades dominantes de sua representação. Foram assim descobertos os movimentos sociais desde a sua gestação no curso da década de 70. Eles foram vistos, então, pelas suas linguagens, pelos lugares onde se manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores da emergência de novas identidades coletivas (SADER, 1988, p. 26 s)

O início da mobilização dos trabalhadores, especialmente a partir do ano de 1977,

com as greves dos metalúrgicos, trouxe à tona novos setores sociais se mobilizando contra a

ditadura, gerando instabilidade no regime. As novas formas de organização popular, as

novas formas de lutas, os novos argumentos utilizados, as novas demandas sociais

apresentadas começaram a minar a capacidade de controle social exercido pela ditadura.

A pressão dos militares sobre as manifestações populares, a intervenção em

sindicatos que coordenavam greves, a imposição de barreiras ou proibições para ocupação

de espaços públicos para suas atividades provocaram uma onda de solidariedade que foi

fortalecendo cada vez mais a luta por novas condições de vida e passou a representar a luta

pela democratização do país. A emergência desses novos sujeitos coletivos, articulados entre

si para fortalecer-se colocaram no cenário político brasileiro uma grande quantidade de

novas lideranças que passaram a influenciar cada vez mais no direcionamento das ações da

luta pela democratização do país e começaram a colocar na pauta da sociedade civil os

direitos sociais sempre esquecidos pelos governos militares (SADER, 1988, p. 27 ss.).

As lutas contra a carestia, pela saúde, pela assistência aos marginalizados sociais

produzidos pelo sistema de concentração de renda e de priorização da economia de

exportação, a pressão para a abertura de novos canais de representação política que

rompessem com a estrutura política e partidária mantida sob rígido controle pelos militares e

as lutas dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho criaram o ambiente

fez desembocar no grande movimento político que tinha a democratização como centro de

suas articulações.

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O debate da abertura política levou à construção de opção pluripartidária e da anistia

política, embora limitada em função da pressão dos militares. Com a abertura política e a

superação do bipartidarismo foram criados vários partidos de base popular, como o PT –

Partido dos Trabalhadores, o PSB – Partido Socialista Brasileiro, o PCB – Partido

Comunista Brasileiro e o PCdoB – Partido Comunista do Brasil. Também foram criados o

PDT – Partido Democrático Trabalhista e o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, de caráter

populista e incorporando as bases do antigo PTB. O MDB – Movimento Democrático

Brasileiro foi transformado em PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. O

movimento das “Diretas Já” iniciado no ano de 1984 e que tomou corpo em 1985 avançou

para a eleição indireta de um governo civil. A morte de Tancredo Neves, presidente eleito, e

a posse de José Sarney, seu vice-presidente, frustrou muito a expectativa popular. A posse de

Sarney, no entanto, inaugura uma fase que foi denominada de nova República e que se

caracterizou a grosso modo, pela presença de um governo civil, representando a superação

da ditadura militar.

Ainda na expectativa de recuperação de Tancredo Neves, o presidente Sarney lança

um programa de emergência que definiu como principais prioridades a merenda escolar, a

alimentação de gestantes, jovens mães e crianças, concessão de cesta básica de alimentos,

saneamento e habitação popular e construção de presídios e delegacias. A forma como foi

lançado esse primeiro conjunto de medidas sociais demonstrava claramente que a

fragmentação dos processos de assistência à população continuava nos moldes dos últimos

governos militares, muito embora a tentativa de incluir novos públicos como beneficiários

dos programas. Em 1985 o presidente Sarney lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento

da Nova República que tem como diferencial a tentativa de promover o desenvolvimento do

país a partir de critérios sociais. A base da política estabelecida no plano foram as seguintes,

conforme Patrícia de Oliveira Matos (2002, p. 72)

Este primeiro plano de desenvolvimento do governo de José Sarney foi publicado pela SEPLAN, com metas para o período de 1986 a 1989 e elaborado sob a coordenação do ministro João Sayad. O I PND-NR se concentrou nos seguintes aspectos: crescimento econômico; combate à pobreza, às desigualdades e ao desemprego; educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social;

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justiça e segurança pública.

O planejamento do desenvolvimento, no entanto, sofreu muitos revezes e

praticamente foi esquecido como base de orientação da ação governamental. A amplitude

das propostas na área das políticas sociais era significativa, pois a maioria das áreas

apontava para a priorização dos aspectos sociais do desenvolvimento. A fragilidade

econômica do Brasil, ainda sob o efeito das crises de 1981 e 1983 e a aceleração da inflação

destruíram as possibilidades de uma aplicação mais significativa do plano.

Segundo Maciel (2008, p. 121 ss.), uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo

novo presidente foi a questão da dívida externa, que vinha aprofundando a crise econômica e

fiscal no Brasil, especialmente pela necessidade de desembolsos cada vez maiores para o

serviço da dívida. Embora o auge da crise da dívida tenha ocorrido no governo de

Figueiredo, muitos dos seus efeitos ainda se mantinham. A suspensão dos pagamentos do

principal da dívida e, depois, do pagamento dos juros da dívida, foram instrumentos

utilizados pelo governo para pressionar os organismos financeiros internacionais para o

estabelecimento de condições mais adequadas de negociação.

Na área econômica o Plano Cruzado foi a marca, de curta duração e de poucos

efeitos na estabilização econômica brasileira. Na área da assistência social a identidade

governamental se dá pela política do “TUDO PELO SOCIAL”. A Legião Brasileira de

Assistência era o grande instrumento governamental de aplicação de políticas de assistência

social. Sua forte centralização deixava todos os estados e municípios dependentes de suas

decisões e orientações, bem como de liberação de recursos para a sua execução.

O processo eleitoral que se seguiu, em 1986, após a edição do Plano Cruzado para

estabilização econômica e sob o impacto da eleição de um presidente civil, se caracterizou

pela ampla vitória do PMDB em todo o território nacional e pela fragorosa derrota dos

partidos que apoiaram a ditadura militar. No entanto, o processo eleitoral demonstrou que os

novos partidos, especialmente os caracteristicamente de esquerda, ainda não haviam

conseguido conquistar espaço eleitoral, a não ser o PT, o PDT e o PTB, que conseguiram

cadeiras no Congresso Nacional de forma mais significativa. O PMDB, que abrigou muitos

dos descontentes com o processo ditatorial, e muitos outros oportunistas que aproveitaram o

momento eleitoral favorável à oposição, se destacou nas eleições por ser representativo de

uma posição mais moderada e conservadora, embora representasse uma alternativa concreta

contra a ditadura no olhar do eleitorado brasileiro. Além disso, o PMDB conseguiu se

fortalecer em função de sua característica fragmentada e contraditória nas diversas unidades

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da federação, tornando-se uma sigla que poderia ser identificada como uma confederação de

oligarquias regionais e estaduais (MACIEL, 2008, p. 155 ss.).

A eleição de 1986 teve uma importância decisiva para o processo político brasileiro

em função da formação do Congresso Nacional Constituinte. Os deputados federais e

senadores eleitos tinham como missão principal a elaboração de uma nova Constituição para

o país, e os deputados estaduais eleitos tinham como tarefa a elaboração das constituições

estaduais a partir das bases estabelecidas pela nova Constituição Federal.

Um elemento importante percebido no processo constituinte foi a formação do

“Centrão”, que foi o nome dado ao conjunto de deputados e senadores que se articularam,

independentemente dos partidos políticos, para a defesa dos interesses das oligarquias

agrárias e empresariais, buscando evitar um maior avanço nas conquistas sociais,

especialmente na questão da reforma agrária e na normatização do direito de propriedade. A

ação desses deputados conseguiu alterar o regimento da Constituinte para obrigar a que

todas as propostas contidas na minuta apresentada como sistematização pela Mesa Diretora

tivesse que obter maioria para ser aprovada. Originalmente as mudanças nas propostas

contidas na minuta sistematizada teriam que obter maioria dos votos para serem válidas.

Além de uma ação muito forte de mobilização conservadora, os deputados participantes do

“Centrão” articularam as organizações sociais ligadas aos setores empresariais e agrários

para exercerem pressão sobre os parlamentares (MACIEL, 2008, p. 151 ss).

Como resultado imediato da nova Constituição foi realizado, em 1989, a eleição do

primeiro presidente da República pelo voto direto da população.

4.2 A crise econômica e a luta social

Após a Revolução Cubana houve uma intensificação do processo de combate à

subversão comunista em toda a América Latina. Conforme Leslie Bethell (2009, p. 210 s),

ocorreu uma mudança de estratégia militar, passando da defesa nacional para a segurança

nacional e, no período de 1962 a 1966, ocorreram nove golpes militares nos países latino-

americanos. A deposição dos governos considerados muito frouxos no combate à ameaça

comunista mudou completamente a configuração da América Latina.

O modelo de desenvolvimento adotado no Brasil a partir de 1964 assume algumas

características semelhantes ao restante da América Latina, como uma economia dependente

em relação aos países ricos, em que o foco estava voltado para a modernização e a

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industrialização, principalmente pensado a partir da atração de capitais externos (BETHEL,

2009, p. 130 ss). O Estado brasileiro assumiu o papel de gerador de infraestrutura para

garantir às empresas que aqui se instalavam a condição de competitividade para o processo

de exportação. Um dos aspectos mais importantes da ação estatal estava na garantia de

estabilidade nas relações trabalhistas, de tal forma que os investidores industriais não

tivessem problemas para encontrar mão de obra abundante, barata e qualificada. Do lado das

infraestruturas o Estado promoveu uma ampla melhoria nos sistemas de transportes

rodoviários e portos, produção de aço e outros setores metal-mecânico com altos subsídios,

energia elétrica e comunicações.

Na questão da mão de obra houve um forte investimento na área da educação

profissional, a ponto que, na edição da Lei 5692/71 houve uma opção pela obrigatoriedade

do ensino médio profissionalizante (LIRA, 2010, p. 280).

Ao mesmo tempo que adotava uma política de apoio à industrialização, o Estado

atuava fortemente na regulação das relações de trabalho, com políticas salariais centralizadas

e definidas a partir de uma legislação em que os aumentos salariais já eram determinados

sem dar espaço para a ocorrência de dissídios coletivos nas categorias profissionais. Os

aumentos salariais com reposição apenas parcial da inflação foram minando a capacidade de

compra dos salários, provocando o surgimento de insatisfação popular (SADER, 1988, p.

308). A opção clara de favorecimento do empresariado nas suas políticas foi minando,

também, a capacidade do Estado em controlar as manifestações populares e de

trabalhadores, fazendo com que o clima de tensão social começasse a se manifestar,

especialmente a partir do governo do presidente Ernesto Geisel.

Um dado importante sobre a mudança estrutural da economia brasileira é citado por

Fausto (1996, p. 535) que aponta o ano de 1978 como o ano em que as exportações de

origem industrial ultrapassam as de origem primária, formadas pela agricultura e mineração.

Cita que, embora alguns itens da exportação industrial tivessem um baixo grau de

transformação, esse dado se torna muito importante na análise da economia nacional. O

processo de industrialização, que era focado principalmente na produção de bens de

consumo duráveis, na década de 1970 assume uma proposta de produção de bens de capital,

especialmente a partir do governo do presidente Ernesto Geisel. No entanto, essa opção foi

prejudicada pela conjuntura internacional desfavorável. A crise do petróleo de 1973

estabeleceu uma nova configuração no processo de crédito internacional. Os recursos

gerados pela elevação do preço do petróleo passaram a gerar abundância de crédito

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internacional, o que levou a um enorme endividamento dos países latino-americanos, entre

eles o Brasil.

Ao final da década de 1970, com a nova crise do petróleo e a desaceleração do

crescimento da economia mundial geraram uma crise de crédito e provocaram uma crise da

dívida externa nesses países endividados, cujo momento mais agudo foi no ano de 1980,

quando o Brasil passou a ter muitas dificuldades para honrar seus compromissos externos,

obrigando a ajustes recessivos na economia do país. O reflexo dessa situação foi a

ocorrência de PIB (Produto Interno Bruto) negativo durante três anos seguidos. A

intervenção dos organismos internacionais, como o FMI – Fundo Monetário Internacional -

obrigou o governo brasileiro a adotar políticas de redução dos programas sociais, de redução

do crédito interno e de arrocho salarial visando a geração de superávit para o pagamento das

dívidas.

Por maiores que tenham sido os problemas enfrentados, Boris Fausto (1996, p. 540)

destaca que em 1985 o Brasil já produzia quatro quintos de sua necessidade de bens de

capital (máquinas e equipamentos), garantindo um bom nível de autonomia econômica. No

entanto, o Brasil teve que enfrentar um desafio importante na área de produção de alimentos,

que havia sido deixada em segundo plano durante muitos anos.

Berenice Rojas Couto (2006, p. 139 e ss) analisa o processo ocorrido durante a

década de 1980, incluindo também a década de 1990, como paradigmática e paradoxal na

configuração dos cenários político, econômico e social do Brasil. De um lado ocorreram as

reformas que caminharam na direção da construção da democracia e de uma grande

reformulação política e jurídica, especialmente pela Constituição de 1988, e por outro uma

grande recessão econômica, permeada por diversas tentativas de controlar a inflação e

retomar o crescimento econômico, com seu eixo baseado nos princípios da macroeconomia,

sempre em detrimento da área social.

4.3 A emergência dos novos movimentos sociais e a perspectiva da participação social

na construção das políticas no Brasil

Eder Sader em seu livro “Quando novos personagens entraram em cena” faz uma

análise do surgimento dos novos movimentos sociais na grande São Paulo, depois de um

período de refluxo provocado pela repressão do governo militar. Os novos movimentos

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sociais e populares se constituíram tendo como elementos unificadores a luta pela

democracia, pelos direitos sociais, por melhores condições de vida, contra a carestia, por

melhores salários dos trabalhadores e o combate à ditadura militar. O autor destaca a

importância das questões do cotidiano, compreendidas por eles enquanto expressões de

resistência, autonomia e criatividade, transformando-as em eixos da luta política. Assim, os

movimentos populares passaram a reivindicar novos direitos relacionados às questões de

moradia, educação, saúde, trabalho, lazer, e dos direitos da criança e do adolescente, entre

outros.

Além das questões relacionadas ao trabalho, estavam em pauta nas reivindicações

populares as bases para a assistência social por parte do Estado para as populações

marginalizadas pelo processo econômico. Esses movimentos conseguiram ampliar as suas

propostas a partir das suas lutas, especialmente colocando em debate direitos sociais que

envolviam a saúde, em função do abandono vivido pelas populações da periferia das grandes

cidades, a assistência social, especialmente quando levantam seus direitos à proteção social

em função dos riscos sociais vividos pela população, e a necessidade de um debate mais

amplo da previdência quando colocam, a exemplo das mulheres, tanto do espaço urbano

quanto rural, para o reconhecimento de suas atividades econômicas, como o trabalho

doméstico, no espaço urbano, e de agricultoras, no espaço rural.

Os movimentos populares surgidos na segunda metade da década de 1970 tiveram

como fontes inspiradoras as seguintes vertentes (SADER, p. 141 ss):

a) Comunidades Eclesiais de Base, caracterizados como grupos de pessoas nos

bairros que se reuniam em busca da solução de seus problemas locais e imediatos e para o

combate da ditadura, inspirados na Teologia da Libertação, que se constituiu como uma

corrente teológica específica da América Latina surgida após o Concílio Vaticano II, que

promoveu profundas modificações na estrutura e nas linhas pastorais da Igreja Católica. O

episcopado católico da América Latina promoveu uma intensa interpretação dos novos

princípios eclesiais, buscando uma releitura do evangelho. A principal base da teologia da

libertação foi a opção preferencial pelos pobres adotada pela Igreja da América Latina,

levando uma parte significativa do clero a optar por uma ação pastoral voltada para os

pobres e sua organização em busca dos seus direitos sociais e por melhores condições de

vida. Uma das características mais acentuadas da ação eclesial de inspiração libertadora foi a

organização comunitária como base do processo de solidariedade dos pobres em busca da

superação de seus problemas.

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b) Remanescentes dos movimentos revolucionários, a grande maioria de inspiração

marxista, que combatiam a ditadura militar. Nos primeiros anos da ditadura militar, diversos

movimentos revolucionários assumiram uma luta, classificada como subversiva, de combate

ao regime, especialmente através da luta armada, inspirados em diversas experiências

ocorridas em outros países. Uma das principais inspirações vinha da Revolução Cubana, que

em 1959 assumiu o poder em Cuba a partir de sua estratégia de combate através de focos

revolucionários que, pela sua ação armada, provocaria o desgaste do regime e as condições

favoráveis para sua derrubada. Esses movimentos revolucionários foram duramente

combatidos pelos militares a partir de uma ação repressiva sistemática. Os sobreviventes da

repressão passaram a atuar de forma mais disfarçada e através de outros métodos, Um dos

instrumentos utilizados por esses militantes foi a alfabetização de adultos, aproveitando o

programa governamental de combate ao analfabetismo denominado de MOBRAL –

Movimento Brasileiro de Alfabetização.

c) Novo sindicalismo: surgido a partir da mobilização dos trabalhadores na base,

normalmente por fábrica, com a formação das comissões de fábrica de inspiração

gramsciana, os trabalhadores foram se organizando para tomar as estruturas sindicais através

de eleições. As oposições sindicais passaram a atuar a partir de outra concepção de papel dos

sindicatos, buscando romper com o atrelamento às políticas governamentais e tendo como

principal eixo de motivação a recuperação do poder de compra dos salários, a ampliação dos

direitos trabalhistas, a melhoria das condições de trabalho, assistência à saúde, acesso à

educação e a conquistas de novos direitos sociais. O movimento sindical estava

completamente aparelhado pelo Ministério do Trabalho, que mantinha sob rígido controle as

estruturas verticais de federações e confederações e o controle ideológico das diretorias

sindicais, que eram obrigadas a manter registro no ministério.

O processo de urbanização ocorrido no Brasil transformou o operariado industrial

urbano um segmento muito amplo e com peso social significativo. A mobilização dos

trabalhadores, que nas décadas anteriores tinha como principal base o funcionalismo público

e de empresas governamentais, passou a ter como categoriais mais fortes aquelas ligadas à

grande indústria, especialmente metalúrgica.

A força do movimento sindical urbano era a grande novidade no país e passava a

influenciar de forma decisiva nas políticas governamentais a partir de suas mobilizações. O

início das mobilizações foi seguido de um processo de repressão rigoroso por parte do

governo federal, mas que foi insuficiente para deter a organização dos trabalhadores. Na

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medida em que os sindicatos passaram a adotar uma postura mais agressiva em relação ao

processo de negociação salarial e de direitos trabalhistas, houve uma adesão cada vez mais

forte dos trabalhadores e articulação com outros movimentos sociais, passando a colocá-los

como protagonistas na luta pela democratização do país (SADER, 1988, p. 313).

No espaço do campo os movimentos sociais se caracterizaram especialmente pela

vinculação às comunidades eclesiais de base. Os trabalhadores assalariados rurais passaram

a exigir melhores condições de trabalho e salário, enquanto os agricultores de base familiar

agiam em busca de políticas de apoio à produção e acesso às políticas sociais.

Nessa época (década de 70), a partir do Concílio Vaticano II e dos encontros episcopais de Medellin e Puebla, a Diocese de Chapecó inaugurou uma nova orientação para a sua atuação, na qual assumiu explicitamente a opção preferencial pelos pobres. Desde então a sua inserção junto às classes populares passou a estimular a organização e também a difundir uma visão de mundo calcada no igualitarismo comunitário e na ênfase à participação popular. Sua estratégia baseava-se sobretudo na criação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Grupos de Reflexão e criação de serviços de assessoria e apoio às lutas populares como a Comissão Pastoral da Terra (CPT)...(POLI, 1999, p. 74)

O intenso êxodo rural provocado pelo processo de modernização agrícola, acelerado

a partir das políticas governamentais, provocou o surgimento de movimentos de luta pela

terra e de combate ao latifúndio.

No final da década de 1970 surgiram os primeiros movimentos de oposição sindical.

Nos anos de 1977 e 1978 ocorreram movimentos de oposição sindical vitoriosos nas cidades

de Francisco Beltrão (PR), Chapecó (SC) e Erechim (RS), provocando uma verdadeira

avalanche de novos processos oposicionistas, que modificaram completamente a feição do

movimento sindical do campo, que passou a realizar grandes mobilizações em defesa dos

direitos dos agricultores de base familiar (POLI, 1999, p. 76 ss).

As oposições sindicais, a partir dos mesmos fundamentos do novo sindicalismo que

surgia nos grandes centros urbanos, buscava romper com o assistencialismo praticado nas

organizações sindicais especialmente a partir da Lei de Valorização da Ação Sindical de

1970 e do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, criado em 1971, que destinava aos

sindicatos recursos para a assistência à saúde, a assistência médico-hospitalar e

odontológica, ao cadastramento das terras e até a cobrança do imposto territorial rural. As

oposições sindicais surgiram em busca do rompimento dessa visão assistencialista e assumir

uma postura de defesa dos interesses e necessidades dos trabalhadores rurais,

compreendidos aqui como os assalariados rurais e os agricultores de base familiar (POLI,

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1999, p. 76).

Em 1983 foi fundada a CUT – Central Única dos Trabalhadores, agregando todos os

sindicatos vinculados ao novo sindicalismo, tanto no campo quanto na cidade. A criação da

central, desvinculada da estrutura tradicional de federações e confederações provocou

conflitos muito grandes no meio sindical, com reações bastante fortes dos demais sindicatos,

federações, confederações e centrais sindicais.

De forma simultânea e articulada ao processo de tomada dos sindicatos ocorreu a

organização de diversos movimentos de agricultores sem terra em busca da reconquista da

terra perdida no processo de modernização e de expulsão provocada pelo latifúndio. No ano

de 1985, os diversos movimentos de agricultores sem terra se reuniram e organizaram um

movimento unificado de luta pela terra, que foi denominado de MST – Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra. Outro movimento social, contemporâneo ao MST, foi o

Movimento e Atingidos por Barragens – MAB, que começou a se estruturar a partir da

década de 1970 com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, e tomou forma

de movimento estruturado a partir da década de 1980 quando da construção de novas

barragens, especialmente a de Itá (SC).

Durante a década de 1980 e a partir dos debates constituintes, estruturou-se o MMA

– Movimento de Mulheres Agricultoras que tinham como objetivo central a discussão dos

direitos e a estruturação de políticas específicas para as mulheres. A maior reivindicação era

a equiparação de direitos com as mulheres do espaço urbano na assistência à saúde,

maternidade, previdência e licença maternidade.

Um dos aspectos importantes a perceber é o processo de articulação entre os diversos

movimentos sociais, tomado aqui o exemplo do que ocorreu no Oeste de Santa Catarina.

Com a vitória das oposições sindicais também ocorreu uma mudança significativa na relação entre os sindicatos e outros movimentos sociais da região (MST, MAB e MMA). O sindicato passou a ser um ponto de referência, apoio e até um agente de organização de tais movimentos. De modo geral, o sindicato passou a organizar, internamente e nas comunidades, comissões específicas com representantes de cada movimento, responsáveis por dinamizar a organização do movimento e promover o intercâmbio entre sindicato e movimento (POLI, 1999, p. 89).

Essa ação articulada entre os movimentos foi fortalecendo a luta dos agricultores e

trabalhadores rurais, transformando-os em atores sociais significativos nas disputas por

políticas públicas específicas e na capacidade de articulação com as demais organizações de

trabalhadores no Brasil.

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4.4 Aspectos sociais do Brasil na década de 1980

O início da década de 1960 marca o início de um forte movimento de urbanização

provocado pela industrialização e pelo acentuado êxodo rural. A migração interna em busca

de oportunidades de emprego e renda não foi apenas do campo para as cidades, mas de uma

região para outra. Pode-se citar o movimento migratório do Nordeste brasileiro para a região

Sudeste como um dos maiores. As grandes cidades industrializadas como São Paulo e Rio de

Janeiro eram destino da maioria das famílias migrantes. A construção de Brasília também

absorveu grande contingente de migrantes nordestinos.

No entanto, os processos migratórios não foram exclusivamente para as regiões

industrializadas. Houveram movimentos acentuados em direção ao norte e noroeste do

Paraná em busca de empregos na produção de café, bem como de famílias agricultoras do

Rio Grande do Sul em direção ao oeste de Santa Catarina, sudoeste e oeste do Paraná e para

o Centro Oeste, onde se abriam novas fronteiras agrícolas. Esse intenso movimento de

migração povoou e estruturou uma grande quantidade de novos municípios, assentando um

processo de ocupação territorial de regiões ainda não ocupadas.

O processo de modernização da agricultura brasileira, iniciada na década de 1950,

que se acelerou a partir da metade da década de 1960 e se generalizou durante a década de

1970 (DELGADO, 1985, p. 33 ss), provocou um novo ciclo migratório formado pelas

famílias que deixavam o campo em direção às cidades pela falência do modelo de produção.

As regiões que sofreram os maiores impactos desse movimento foram as que haviam sido

colonizadas por agricultores de base familiar, nos três estados do Sul do país especialmente.

O motivo mais forte para esse processo migratório foi o abandono das terras por parte das

famílias que tentaram se modernizar a partir de tecnologias inadequadas às pequenas

propriedades ofertadas pelo complexo agroindustrial brasileiro. A entrada de tratores e

equipamentos de grande porte, a produção de grãos a partir da monocultura, a utilização

intensiva dos insumos modernos, como adubos químicos, sementes híbridas e defensivos

agrícolas, mostraram-se adequados apenas para as grandes produções. Os pequenos

produtores que buscaram essas tecnologias para suas propriedades não conseguiram manter

a sustentabilidade de suas unidades produtivas em função do alto custo de produção e da

incapacidade de gerar renda para pagamento de seus empréstimos oriundos da aquisição de

máquinas, equipamentos e insumos modernos.

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A contradição entre a pobreza, as dificuldades econômicas, as dificuldades para o

acesso às políticas governamentais e a atração exercida pelo ambiente urbano e suas

oportunidades de trabalho e renda provocaram a opção pela migração de todo esse

contingente populacional para os grandes centros industriais.

A urbanização acelerada e desordenada provocou a emergência de uma enorme gama

de novos problemas sociais envolvendo desde a relação entre patrão e assalariados até a

questão da moradia, do transporte, da saúde, da educação e da alimentação. Na grande

maioria das grandes cidades formaram-se cinturões de pobreza e miséria, com a presença de

bairros pobres e sem estrutura, de favelas, cortiços e outras realidades de abandono social.

A economia brasileira, assentada num modelo de desenvolvimento com concentração

de renda e riqueza, apoiados principalmente nas atividades de produção para a exportação,

deixava em segundo plano a produção para o mercado interno, especialmente o mercado de

alimentos e de produtos consumidos pela população pobre. As políticas governamentais

estavam direcionadas para o incentivo aos empreendimentos industriais e de exportação,

com a compreensão de que, com a geração de empregos a partir de novas indústrias e novas

explorações econômicas, haveria automaticamente uma absorção dessa população pobre,

resolvendo a questão social que se apresentava cada vez mais aguda.

Todo esse contexto de urbanização desordenado provocou a emergência dos novos

movimentos sociais em busca de melhores condições de vida. As greves que se espalhavam

pelo país todo, os movimentos de reivindicação de melhores condições de saúde, de

assistência social, de educação, de moradia, de transporte e, no campo, de produção por

parte dos agricultores de base familiar e assalariados rurais, formaram uma base que obrigou

os governos militares a buscar o caminho da abertura democrática visando articular o

conjunto dos atores sociais na solução dos problemas sociais vividos no país (FAUSTO,

1996, p. 496 s).

4.5 A democratização e a participação como novidade

Com a eleição do novo governo civil a demanda pela democratização se colocou de

forma intensa, com ampla participação da sociedade civil, especialmente dos movimentos

sociais populares. A instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte estava na agenda

de toda a sociedade. Os movimentos sociais defendiam a eleição de uma assembléia

exclusiva, mas o governo Sarney encaminhou ao Congresso um projeto de Emenda

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Constitucional dando poderes constituintes ao Congresso a ser eleito em 15 de novembro de

1986. Os movimentos sociais reagiram encaminhando mais de setenta mil telegramas ao

relator do projeto na Câmara Federal que, atendendo ao clamor popular, propôs a realização

de um plebiscito popular para definir se haveria uma assembléia unicameral exclusiva ou se

o Congresso a ser eleito teria poderes constituintes. O PMDB exerceu seu papel de maioria e

derrubou o parecer do relator e aprovou a realização de eleições em novembro de 1986,

dando aos deputados e senadores o poder constituinte. Dessa forma, os deputados e

senadores eleitos, além de suas atividades normais do legislativo, tinham a atribuição de

elaborar a nova constituição do país.

Apesar da derrota, a disputa demonstrou claramente a capacidade de mobilização da

sociedade civil em torno da Constituinte. Durante os anos de 1985 e 1986, muitas foram as

manifestações em defesa de uma maior participação da sociedade no processo de

democratização e de elaboração da nova Constituição. Dom Paulo Evaristo Arns (1985, p

70) afirmou,

Se queremos que nossa gente simples aceite a próxima Carta Magna como sendo sua, impõem-se, no mínimo, duas condições: a primeira, que ela tenha origem na própria vontade do povo, alertado para a importância do assunto. Depois, que o mesmo povo possa propor os tópicos que mais influem na sua vida. Além disso, a nação como tal quer asseguradas as medidas que lhe possibilitem a tutela da nova Constituição.

A mobilização popular para participar do processo constituinte se fortaleceu com a

criação de diversas organizações sociais com finalidade específica de participar no debate e

influenciar na elaboração da nova constituição. Para essa participação se tornar efetiva

deveria ocorrer a construção de instrumentos concretos de participação, para além da

capacidade dos movimentos em influenciar diretamente os parlamentares. Com a instalação

do processo constituinte, a primeira providência foi a elaboração do Regimento Interno

específico. O regimento interno da Assembléia Nacional Constituinte, em seu artigo 24,

previu a possibilidade de apresentação de emendas populares, que deveriam ter, no mínimo,

30.000 assinaturas e três instituições sociais responsáveis. Foi uma importante porta de

entrada das demandas populares e que deu uma característica nova para o processo.3

Conforme Brandão (2011, p. 83 ss) o instrumento das emendas populares foi

utilizado pelos movimentos sociais progressistas e conservadores, com propostas 3 DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. Resolução No 2 de 1987 – Dispõe sobre

Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte. Brasília, Ano I, no 33, quarta-feira, 25 de março de 1987, p. 876.

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contraditórias entre si. Um exemplo da contradição foram as emendas populares relativas à

Reforma Agrária e o direito de propriedade. A CONTAG e o MST apresentaram uma

proposta e os setores ruralistas apresentaram outra, completamente diferente, tentando

proteger o direito de propriedade e evitar as desapropriações com a finalidade social. A

mobilização popular foi muito grande, com 288 entidades diferentes apresentando 122

emendas populares que registraram um total de 12.265.854 assinaturas.

Além da participação popular na elaboração da constituição, houve a inclusão do

mecanismo de participação popular em decisões legislativas através dos instrumentos de

referendo, plebiscito e emendas populares, previstos no artigo 14 da nova constituição. Todo

esse processo de mobilização permitiu um crescimento muito acentuado do conceito de

cidadania como participação direta na vida política do país através da organização social. A

pressão popular que se manifestou no movimento das “Diretas Já” tinha como um dos

objetivos a implantação de uma Constituinte que desse ao país uma carta magna que

superasse todos os resquícios ditatoriais.

4.6 A assistência social nas constituições brasileiras

Uma breve observação sobre o tema da Assistência Social nas Constituições

brasileiras nos ajuda a realçar as novidades que aparecem com a constituição de 1988. As

políticas de proteção social, como a saúde, a previdência e a assistência social são

consideradas como produtos das lutas dos trabalhadores em busca do atendimento de suas

necessidades que são reconhecidas pelo Estado e pelos patrões em função dos riscos do

trabalho assalariado. Mota (1995, p. 15) firma que essas políticas estruturadas pelas lutas

dos trabalhadores está assentada nas contradições da sociedade capitalista e em permanente

disputa.

O processo histórico da consolidação dos direitos sociais pode ser visualizado num

estudo comparativo das constituições brasileiras desde a proclamação da República. Os

quadros a seguir foram sistematizados por Berenice Rojas Couto em seu livro “O Direito

Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível?” (COUTO,

2006) permite uma análise da estrutura dos direitos civis, políticos e sociais presentes na

organização da sociedade e do Estado brasileiro. Uma constatação inicial é que, mesmo

instituídos nas Constituições, nem sempre esses direitos se converteram em benefícios

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efetivos para os cidadãos em função das particularidades dos regimes de governo. A partir da

derrubada do império e da implantação do regime republicano ocorreram várias

transformações na estruturação da sociedade brasileira, especialmente pela laicização do

Estado, com a separação entre Estado e Igreja, passando a população a ter liberdade de

professar outros credos que não o católico, antes considerado como oficial.

Na estrutura de poder praticamente houve continuidade, com a oligarquia rural sendo

predominante nos espaços de decisão política. Os processos eleitorais, embora a expansão

do colégio eleitoral pela inclusão de todos os homens acima de 21 anos, desde que não

fossem mendigos, militares da base, denominados de praças, e religiosos, continuaram a ser

viciados pelo coronelismo e pelo mandonismo local, estrutura que predominou até o final da

década de 1920. Em relação aos direitos sociais houve apenas o reconhecimento do livre

exercício profissional. A pobreza, tanto urbana quanto rural, não estava entre as

preocupações prioritárias do governo, com raros programas que combatiam algum foco de

tensão social.

Sposatti et al. (2008, p. 41) afirma que, no Brasil, até 1930, a consciência social não

apreendia a pobreza como expressão da questão social, mas era considerada como um

problema pessoal dos indivíduos e os problemas gerados por ela era tratados como caso de

polícia. É o caso da legislação sobre as crianças e adolescentes da década de 1920, cujo

conteúdo basicamente tem sua centralidade no enfrentamento policialesco dos problemas

gerados por eles.

Abaixo o quadro síntese dos direitos civis, políticos e sociais presentes na

Constituição Brasileira de 1891, a primeira da era republicana. Quadro 01 – A Constituição brasileira de 1891 e os direitos civis, políticos e sociais Constituição 1891 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

Artigos 70, 71 e 72 Todos são iguais perante a lei; Direito de credo diferenciado; Direito de propriedade; Inviolabilidade do lar; Liberdade de imprensa; Habeas corpus; Direito à defesa; Sigilo da correspondência;

Votar e ser eleito, para os maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos, analfabetos, praças e religiosos. Direito de associação em qualquer instituição.

Livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.

FONTE: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 91).

Conforme IAMAMOTO e CARVALHO (1983), a questão social se relaciona à

generalização do trabalho livre numa sociedade marcada pela escravidão. No Brasil a

sociedade percorreu um longo processo de transição para a formação do mercado de

trabalho nos moldes capitalistas.

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Na primeira república o capital já havia superado o custo de manutenção e

reprodução da mão de obra, característico do período da escravidão, para contratá-la como

mercadoria no mercado.

O trabalhador livre tem sob sua responsabilidade e de sua família a tarefa de

manutenção e reprodução. Essa nova situação desonerou o capital da necessidade de prover

a reprodução dos trabalhadores. Na nova formulação, estabelecia-se uma relação contratual

entre as duas partes e o capitalista pagava uma remuneração ao trabalhador para contar com

seu trabalho durante algumas horas. A vida privada e familiar do trabalhador e a forma como

vivia passou a não mais fazer parte das preocupações de quem contratava o trabalho.

No entanto, os capitalistas, conforme os mesmos autores, tinham uma preocupação

em relação ao conflito gerado pela exploração do trabalho e a sua organização para lutar por

melhores condições passou a ser considerada ameaça. A partir desta preocupação, os

capitalistas passam a delegar ao Estado a tarefa de controle social.

As leis sociais aparecem como resposta aos movimentos sociais reivindicatórios que

buscavam cidadania.

Esses movimentos caracterizam-se como pólos dinâmicos das transformações

sociais, que colocam problemas e exigem modificações na composição das forças dentro do

Estado e na relação entre as classes sociais. Na medida em que esses movimentos se

constituem, novos atores sociais passam a figurar na cena social, gerando, pela contradição

de interesses, conflitos sociais que exigiam novas soluções.

A formação de bairros insalubres, a existência de empresas com prédios sem higiene

e segurança, os salários insuficientes para os trabalhadores manterem um nível de vida

mínimo, a pressão gerada pelo grande desemprego, as jornadas de trabalhos longas e

exaustivas passaram a fazer parte da realidade das maiores cidades brasileiras.

Entre os anos de 1917 e 1920 ocorreu uma ampla mobilização dos trabalhadores

pressionando o Estado a mediar os conflitos sociais através de ações sociais. Em 1919, por

exemplo, foi publicada a primeira lei social responsabilizando as empresas pelos acidentes

de trabalho.

Por um lado, para o Estado e para setores dominantes ligados a agro-exportação, as relações de produção são um problema de empresa, por outro, o movimento operário também não consegue estabelecer laços politicamente válidos com outros segmentos da sociedade que constituem a maioria da população. Assim, a classe operária, apesar de seu progressivo adensamento, permanece sendo uma minoria fortemente marcada pela origem européia, estando social e politicamente isolada (IAMAMOTO. & CARVALHO, 1983, p. 13)

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A oligarquia agrária manteve uma postura de distância em relação aos problemas

oriundos da relação entre empresários e trabalhadores industriais e comerciais até a sua

desestruturação em 1930, quando ascende ao poder Getúlio Vargas com uma proposta mais

voltada ao processo de industrialização.

No texto constitucional os direitos estavam definidos apenas na área civil e político e

os direitos sociais ficavam restritos ao livre exercício profissional, sem estabelecer nenhuma

ordenação na relação de trabalho assalariado.

A Constituição de 1891 teve sua vigência até sua substituição pela constituição de

1934, que apresenta uma significativa ampliação dos direitos sociais. A inclusão dos direitos

trabalhistas, como o salário mínimo, a proibição de diferenças salariais para as mesmas

funções, a regulação da atividade sindical e outras estabelecem claramente a vinculação

desses direitos à relação entre patrão e empregado urbano e industrial na perspectiva de

garantir uma base legal atraente para os investimentos na industrialização da economia

brasileira. No entanto, embora o previsto no texto constitucional, a historiografia mantém

silêncio sobre a real situação da assistência à população e ao cumprimento dos direitos dos

cidadãos.

O amparo aos desvalidos, à maternidade e à infância e às famílias com prole

numerosa já inclui a pobreza como questão social embora de forma bastante desarticulada de

um sistema de seguridade social, que ainda está muito longe de ser constituído. Conforme

Couto (2006, p. 99), a Constituição tinha uma base ideológica liberal em sua compreensão

de direitos, tendo o Estado como responsável para a solução dos problemas sociais gerados

pela relação de exploração das relações capitalistas.

IAMAMOTO e CARVALHO (1983) apontam ainda a ação da Igreja na área da ação

social, buscando reconquistar seu espaço, em grande parte perdido com o fim do império. A

política social da Igreja direcionou grande parte do processo de assistência à população

pobre, especialmente porque o Estado não assumia de forma mais concreta a realização de

ações sociais de amparo a essas populações.

A crise de 1929 acelera o surgimento das condições que possibilitam o fim da supremacia da burguesia cafeicultora, porque mantém uma política de equilíbrio financeiro, abandonando a política de defesa de preços e subsídios aos produtores. Aglutina as oligarquias regionais não vinculadas à economia cafeeira, setores do aparelho do Estado e fração majoritária das classes médias urbanas que reclamavam o alargamento da base social do regime, a fim de assegurar área de influência para defesa de seus interesses econômicos. Assim, forma-se uma coalizão heterogênea sob a bandeira da diversificação do aparato produtivo e da reforma política, que desencadeia o movimento político-militar de 1930, pondo

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fim a Velha República (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983. p. 15)

A partir do início do governo Vargas o Brasil passa a viver uma nova orientação

política, assentada na priorização da industrialização e na urbanização acelerada, mantendo a

burguesia cafeicultora como geradora de divisas para financiamento da importação de

máquinas e equipamentos industriais.

Os princípios constitucionais ampliam consideravelmente os direitos sociais em

relação à Constituição de 1891. No entanto, o principal diferencial que se estabelece é a

concentração dos direitos sociais no processo do trabalho urbano e assalariado.

A educação passa a ser pensada como formadora do trabalho para a indústria, com

profundas alterações que vão se processando desde 1930, especialmente no sentido de

aprofundar os controles sociais a partir de legislação trabalhista que mais tarde se estrutura

na Consolidação das Leis do Trabalho. Quadro 02 - Constituição Brasileira de 1934 e as identificações dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1934 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

106 a 115 120 a 123 125 138 a 141 144 a 158

Todos são iguais perante a lei. Não distinção de credo, sexo, raça e classe social; Liberdade de consciência e de credo; Sigilo de correspondência; Inviolabilidade do lar; Direito de segurança; Habeas Corpus

Direito de voto aos maiores de 18 anos com exceção dos analfabetos, praças e mendigos; Liberdade de associação; Pluralidade sindical; Criação da Justiça do Trabalho;

Legislação trabalhista; Proibição da diferença de salário para o mesmo trabalho; Salário Mínimo Jornada diária de 8 horas; Proibição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno para menores de 16 anos, do trabalho insalubre para menores de 18 anos e mulheres. Repouso remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Regulamentação especial para o trabalho agrícola; Domínio do solo após 10 anos de ocupação da terra (garantidos 10 hectares) Amparo aos desvalidos Estimular a educação eugênica; Amparo à maternidade e à infância; Atendimento às famílias de prole numerosa; Direito à educação primária integral e gratuita;

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 99)

Um dos mais polêmicos institutos da Constituição de 1934 foi a inclusão da

educação eugênica, cuja interpretação social estava vinculada à idéia de aperfeiçoamento

racial, especialmente na legislação alemã nazista, contemporânea à sua promulgação. É um

princípio que não mais se repetiu nas outras cartas magnas do Brasil.

Finalmente, em relação à Constituição de 1934 pode ser citado o aumento da

intervenção do Estado nas relações sociais, com vários mecanismos de apoio às classes

menos favorecidas. A partir da obrigatoriedade do Estado de fornecer educação pré-

vocacional percebe-se a clara intenção de garantir a formação de mão de obra adequada à

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nova realidade industrial do país.

Um elemento importante para a história dos direitos sociais no Brasil foi a

implantação, em 1936, do Serviço Social através do Centro de Estudos e Ação Social –

CEAS – que atuava como organizador da Ação Católica em São Paulo. O seu surgimento foi

uma reação em busca da superação da assistência fundamentada na benemerência e no

voluntarismo da solidariedade social. Foi uma contraposição com a atuação de profissionais

contra as ações voluntárias. Tinha como objetivo trabalhar o autodesenvolvimento das

pessoas, grupos e comunidades, tendo compromisso com a justiça e com a liberdade.

Negava a assistência em função da dependência e da sujeição que gerava (SPOSATTI et all,

2008, p. 43 s)

A constituição de 1934 vigorou até 1937, quando o governo de Getúlio Vargas

implantou o Estado Novo, que se caracterizou como um regime ditatorial e populista. O seu

projeto social era de caráter autoritário e tinha a intenção de estabelecer um forte controle

sobre a classe operária, que poderia, a partir de sua organização, tornar-se um incômodo,

especialmente em função das idéias comunistas que circulavam no Brasil e na América

Latina (COUTO, 2006, p. 102). A nova constituição outorgada em 1937, cujas bases estão

explicitadas no quadro 03 adiante, não alterou muito a área dos direitos sociais, mas

transformou o controle sindical por parte do Estado mais rigoroso e estabeleceu uma

proibição pura e simples do direito de greve sob o argumento de que era anti-social e nociva

aos interesses do país e da sociedade. A política social do Estado Novo está vinculada a uma estrutura corporativista, em que reprime e desmantela a organização política e sindical autônoma. As medidas de legislação social e sindical são relacionadas à crise de poder e a redefinição das relações do Estado com as diferentes classes sociais, acompanhadas de mecanismos que visam integrar os interesses do proletariado através de canais dependentes e controlados, com o objetivo de expandir a acumulação, intensificando a exploração da força de trabalho (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983, p. 17)

Todo o processo social se assenta na perspectiva da conciliação de classes mediada

pelo Estado através do Ministério do Trabalho e da legislação trabalhista.

Pereira (2007) analisa a criação das escolas de Serviço Social no âmbito dos Institutos de

Ensino Superior isolados, constituídos de acordo com o Estatuto das Universidades Brasileiras,

instituído pelo Decreto 19.851, de 11.04.1931.

No contexto acima explicitado é possível apreender, de forma mais substancial, como as primeiras unidades formadoras de assistentes sociais surgiram no país. A articulação entre Estado, Igreja Católica e empresariado marcou a criação das

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primeiras ESSs: mesmo onde houve a ação direta da Igreja Católica, o Estado participou através da disponibilização de fundos públicos, conforme pudemos constatar ao pesquisar sobre as origens das ESSs por todo o país. Outra característica foi a criação destas ESSs fundamentalmente em estabelecimentos isolados, direcionamento dado pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931. Portanto, o movimento de criação de ESSs naquelas duas décadas deve ser apreendido também no contexto de reaproximação entre Estado e Igreja Católica -na luta da Igreja para conquistar espaços mais alargados, principalmente no âmbito educacional – além da participação do empresariado, cujas elites locais e regionais também se organizavam e disputavam hegemonia (PEREIRA, 2007, p: 112)

O Serviço Social se inseriu de forma muito intensa na ação do Estado, especialmente

a partir da aliança entre o Estado autoritário e a Igreja Católica.

Na área da assistência pode-se destacar o Decreto nº 525, de 1938, que estabelece a

organização nacional do Serviço Social enquanto modalidade de serviço público, através do

Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao Ministério de Educação e Saúde (SPOSATTI

et all, 2008, p. 45) e a criação da LBA em 1942, inicialmente como entidade para prestar

apoio às famílias dos combatentes nas guerras e depois ampliando sua atuação para o

desenvolvimento de programas de assistência aos pobres. Quadro 03 - Constituição Brasileira de 1937 e as identificações dos direitos civis, políticos e sociais

Constituição de 1937

Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

115 a 130 132 a 133 136 a 142 148 151

Todos são iguais perante a lei; Direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade; Habeas corpus

Direito ao voto aos maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos, dos militares em serviço ativo e mendigos; Liberdade de associação; Direito a reuniões; Direito à posse da terra para os índios, sem direito de alienação; Lei pode prescrever: a) censura prévia à imprensa, ao cinema, ao teatro e ao rádio; b) medidas podem impedir manifestações públicas; c) crimes contra o Estado serão julgados; Dissolução da Câmara dos Deputados, Senado Federal, das assembléias legislativas dos estados e das câmaras municipais.

Ensino pré-vocacional e educacional destinados às classes menos favorecidas, enquanto prioridade do Estado; Amparo à infância e à juventude; Aos pais miseráveis assiste o direito de serem auxiliados na educação da prole; Ensino primário obrigatório e gratuito; Legislação trabalhista; Proibição da diferença de salário para o mesmo trabalho; Salário mínimo regional; Jornada diária de 8 horas de trabalho; Proibição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno para menores de 16 anos, do trabalho insalubre para menores de 18 anos e mulheres; Repouso remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Necessidade de reconhecimento do sindicato pelo Estado; Greve considerada anti-social e nociva.

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 101)

Conforme IAMAMOTO & CARVALHO (1983), a partir de 1937 se aprofunda a

opção corporativista do Estado, com uma vertente industrialista cada vez mais clara e

fundamentada numa aliança entre a burguesia e a oligarquia rural que apresentava poucas

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contradições e com a ampliação do ritmo da urbanização, que transforma profundamente o

ambiente e a situação política brasileira. Conforme Iamamoto e Carvalho (1983):

O surgimento das grandes instituições sociais está relacionado ao aprofundamento das contradições desencadeadas a partir da Segunda Guerra Mundial e à crise política e social que precede a desagregação do Estado Novo. Após 1939, assiste-se a uma retomada do aprofundamento capitalista (expansão da produção industrial, atividades produtivas e agro-exportação), que exige do Estado maior intervenção no mercado de trabalho. Surge o SENAI para responder à necessidade básica de qualificação da força de trabalho necessária a expansão industrial. A pretexto do engajamento do país na Segunda Guerra, surge a primeira campanha assistencialista de âmbito nacional a partir da criação da Legião Brasileira de Assistência (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983, p. 22)

No ano de 1942, dia 28 de agosto, foi criada a Legião Brasileira de Assistência –

LBA, inspirada na ação de Darcy Vargas, primeira dama brasileira e apoiada pela Federação

das Associações Comerciais e pela Confederação Nacional da Indústria. Conforme

OLIVEIRA (2001), a criação da LBA provocou uma redefinição do Estado Brasileiro com a

incorporação da pobreza e da miséria no discurso oficial. Uma das características da ação da

LBA foi a utilização de mão de obra voluntária em suas ações complementares.

O objetivo inicial da criação da LBA era mobilizar o trabalho civil no esforço de

guerra. Este objetivo se ampliou durante sua trajetória histórica.

As principais marcas da ação da LBA podem ser sintetizadas como:

apoio ao surgimento de escolas de serviço social em diversas capitais dos estados

brasileiros. Esta ação se deu principalmente através de parcerias com movimentos de

ação social e da ação católica.

Trabalho assentado na ação das primeiras damas nos estados e municípios,

construindo uma cultura de vinculação das primeiras damas com a assistência social.

A partir do seu trabalho em todo o território nacional, a LBA se transformou na

maior agência de assistência social do país, mas se caracterizou pelas políticas

assistencialistas de cunho paternalista, emergencial e compensatória.

O trabalho da LBA, conforme OLIBEIRA (2001) fragmentou a pobreza em grupos

(menor, gestante, idoso) e necessidade (lazer, educação, alimentação) para atendimento das

demandas sociais. Por não aplicar uma política universalizante, estabeleceu critérios de

elegibilidade em cada uma de suas ações.

A ação junto à população excluída do mercado levou à caracterização de grande parte

da população como sub-cidadãos, conforme citado por Oliveira (2001). Esses, pela sua

dependência e submissão, não participavam das conquistas sociais.

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No conjunto, Oliveira (2001) classifica as ações da LBA em três tipos básicos.

O primeiro tipo se relacionava ao apoio à família, com a oferta de creches, ações

básicas de saúde, apoio nutricional, banco de leite humano, educação social, documentação e

acesso aos direitos civis e com programas de auxílio econômico e financeiro.

O segundo tipo se situava no incentivo ao trabalho e à geração de renda, tanto no

espaço rural como no urbano. Normalmente eram desenvolvidas através de cooperação

técnica e financeira com outras entidades e organizações para atividades de reciclagem

profissional.

O terceiro tipo relacionava-se ao desenvolvimento comunitário, especialmente as que

se relacionavam à assistência técnica e financeira para melhoria habitacional da população

pobre.

Em todas as áreas de atuação utilizava-se de convênios com entidades para ampliar

sua ação, dando prioridade para a assistência à maternidade e à infância, aos velhos e aos

desvalidos.

A partir de sua fundação até a sua extinção a LBA foi utilizada pelos governos para a

implementação de suas políticas na área da assistência social. Pelas características da

atuação da entidade e pela forma como os governos atuavam, a Assistência Social não se

transformava numa política pública em seu sentido pleno de universalidade, assentada num

direito social, que somente ficou mais caracterizado a partir da Constituição de 1988.

O surgimento e o desenvolvimento das grandes entidades sociais, como a LBA, o

SESI, o SENAI e a Previdência Social é, conforme Iamamoto e Carvalho (1983, p. 24)

coincide com o fortalecimento do Serviço Social que,aos poucos, rompe com os limites de

sua origem na ação social católica para se inserir no mercado de trabalho.

O Serviço Social deixa de ser uma forma de intervenção política de determinadas frações de classes para ser uma atividade institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo conjunto do bloco dominante, constituindo-se numa das engrenagens de execução das políticas sociais do Estado e de corporações empresariais. Contudo, o Serviço Social mantém sua ação educativa e doutrinária de “enquadramento” da população cliente (IAMAMOTO e CARVALHO, 1983 p 25)

Em 1945, seguindo a onda mundial pela democratização ocorrida em função do fim

da segunda guerra mundial, a pressão pelo retorno da democracia foi enfraquecendo a

posição de Getúlio Vargas, até que uma Junta Militar o destituiu do poder, inaugurando uma

etapa democrática na história do Brasil. A Constituição promulgada em 1946 teve como

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característica básica a eliminação de todas as restrições à liberdade contidas na anterior,

especialmente o direito à greve, à livre associação sindical, mantendo de forma bastante

explícita sua prioridade de regulação dos direitos trabalhistas (COUTO, 2006, p. 104).

Outros avanços que podem ser citados foram os relativos à propriedade da terra,

sendo a primeira a incluir as questões de regulação das posses, o direito de acesso à

propriedade aos posseiros, garantida constitucionalmente uma área de 25 hectares, e

incluindo a função social da terra como fator essencial para o desenvolvimento da sociedade.

Durante o início da década de 1940 ocorre, também, uma grande mudança na

compreensão das políticas sociais, com a implantação de uma política mais global, que se

refletiu diretamente na ação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)

quando, em 1942, passa a adotar medidas assistenciais e educativas para a adequação da

força de trabalho às necessidades das indústrias, que estavam em plena expansão. Em 1946

se constitui, também, o SESI (Serviço Social da Indústria) que segue a mesma orientação

(SPOSATTI et all, 2008, p. 46).

Reflexo da nova postura, o governo brasileiro lançou em 1948 o Plano SALTE, que

tinha como base a planificação das áreas da saúde, da alimentação, do transporte e da

energia para o desenvolvimento do país. Com resultados não muito animadores, grande parte

dos seus princípios não conseguiram ser efetivados em função da incapacidade do Estado

em capitalizar os seus investimentos nas áreas estratégicas que apontava.

Abaixo o quadro com a síntese dos direitos sociais contidos na Constituição

Brasileira de 1946. Quadro 04: A Constituição Brasileira de 1946 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais

Constituição 1946 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

129 a 148 156 a 168

Todos são iguais perante a lei; Direito à liberdade; Habeas corpus; Mandado de Segurança; Liberdade de pensamento e de crença; Proíbe a pena de morte;

Direito a voto aos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, dos praças de pré e dos que não saibam exprimir-se em língua nacional; Voto secreto; Liberdade de associação; Direito a reuniões;

Direito ao trabalho Uso da propriedade condicionada ao bem estar social; Salário mínimo para satisfazer as necessidades do trabalhador e de sua família; Jornada diária de oito horas de trabalho; Proibição de salários desiguais para o mesmo trabalho por motivo de sexo, nacionalidade ou estado civil; Salário do trabalho noturno superior ao do diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Higiene e segurança no trabalho; Proibição do trabalho de menores de 14 anos e de mulheres e menores de 18 anos em indústrias insalubres; Direito da gestante de descanso antes e depois do parto; Estabilidade no emprego e indenização na dispensa de trabalhador urbano e rural; Convenção coletiva de trabalho; Assistência aos desempregados; Previdência com contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e da União;

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Seguro para acidente de trabalho; Reconhecimento do direito de greve; Educação primária gratuita e obrigatória; Empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de 100 empregados são obrigadas a manter ensino primário e de aprendizagem ao trabalho; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Assistência à maternidade, à infância e à adolescência.

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 106)

A experiência democrática brasileira durou apenas até 1964, quando os militares

assumiram o poder através de um Golpe de Estado que foi construído durante o período

inicial da década de 1960 sob a forte influência da Guerra Fria e da pressão dos setores

empresariais para garantia de estabilidade nas relações entre capital e trabalho,

convulsionadas em função da crise econômica sofrida naqueles anos. Ao assumir o governo

os militares estabeleceram um regime de exceção sem, no entanto, mudar a constituição.

Somente no ano de 1967 outorgaram à nação uma nova carta constitucional, incorporando

todas as medidas de exceção que haviam adotado nos primeiros anos de governo.

O sonho nacionalista acabou e os militares adotaram um caráter nacional-

desenvolvimentista com uma forte internacionalização e modernização da economia

brasileira, não apenas na área industrial, mas com a expansão do processo modernizador da

agricultura de forma integrada ao setor industrial, gerando a constituição do complexo

agroindustrial brasileiro. A base de todo o processo, inclusive na área do serviço social, foi o

do planejamento. Pelo planejamento, como técnica de consenso social, transformou as

classes trabalhadoras e subalternizadas como elementos passivos do serviço social, que

recebiam todos os benefícios enquanto concessão do Estado (SPOSATTI et all, 2008, p. 50

ss).

Houve a sistemática exclusão dos trabalhadores dos espaços de decisão,

especialmente na área da previdência onde ocorreu a unificação de todos os institutos das

categorias em uma única organização sob o controle do Estado, com a criação do INPS –

Instituto Nacional de Previdência Social. Quadro 05: A Constituição Brasileira de 1967 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1967 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

140 142 a 151 157 a 159 168 170

Direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; Todos são iguais

Direito ao voto para os maiores de 18 anos com exceção dos analfabetos, dos que não saibam se exprimir em língua nacional e os privados dos

Direito ao trabalho; Valorização do trabalho como condição de dignidade humana; Função social da propriedade; Proibição de greve em serviço público e serviços essenciais;

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perante a lei; Habeas corpus Mandado de segurança;

direitos políticos; Liberdade de associação profissional ou sindical; Eleição do Presidente por Colégio Eleitoral.

Salário mínimo para a satisfação das necessidades de trabalho e familiar; Salário família; Proibição de diferenças de salário e de critérios de admissão por sexo, cor e estado civil; Salário do trabalho noturno superior ao do diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Jornada de trabalho de oito horas; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Higiene e segurança no trabalho; Proibição do trabalho de menores de 12 anos, de trabalho noturno aos menores de 18 anos, do trabalho insalubre para mulheres e para menores de 18 anos. Descanso remunerado a gestantes, antes e após o parto; Previdência social; Assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva aos trabalhadores; Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais; Direito à educação primária.

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 125)

O ano de 1968 ficou mundialmente marcado pela mobilização social em busca dos

direitos sociais e do aprofundamento da proteção social, tendo a Europa como principal

espaço irradiador das mobilizações. No Brasil também ocorreram vários movimentos

grevistas e sociais em busca da superação da ditadura militar. A forte pressão social levou os

militares a intensificarem o processo de controle social sobre os trabalhadores e movimentos

sociais com a adição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que tornou a constituição de 1967

completamente inadequada para a nova realidade política vivida pelo país. Por isso, em 1969

foi outorgada nova constituição, incorporando grande parte dos dispositivos do AI-5 ou

estabelecendo condições para sua legitimação.

Conforme Mestriner (2001, p. 168), em 1969 o governo federal transforma a LBA

em Fundação que passa a ser vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social,

ampliando seus programas e sua estrutura de funcionamento.

Em 1974, o governo Geisel cria o Ministério da Previdência e Assistência Social que

abrigava em sua estrutura a Secretaria de Assistência Social, que passou a ser o órgão

responsável pela elaboração e formulação da política nacional de assistência social que tem

como um de seus principais focos o combate à pobreza.

A nova constituição manteve todos os direitos dos trabalhadores de forma individual

e concentrando as grandes mudanças na área dos direitos civis e políticos. Além de

implantar a pena de morte, prisão perpétua, banimento dos que transgrediam a ordem, o

confisco dos bens e a censura prévia aos jornais, revistas e demais meios de comunicação.

Ao meso tempo, as ações governamentais conseguiram desencadear um processo de rápido

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crescimento econômico, que foi denominado de “milagre brasileiro”. Neste processo

econômico adotou-se o princípio de que primeiro a economia deveria crescer para depois

serem repartidos os seus benefícios. A forte pressão sobre os salários e a proteção aos lucros

das empresas provocou uma forte concentração de renda e riqueza. Quadro 06: A Constituição Brasileira de 1969 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1969 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

145 a 154 160 a 166 175 a 176

Direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; Todos são iguais perante a lei; Inviolabilidade do lar; Habeas corpus; Mandado de segurança.

Direito ao voto para os maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos, dos que não saibam se exprimir em língua nacional e dos privados dos direitos políticos.

Direito ao trabalho; Trabalho noturno superior ao diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Jornada diária de oito horas de trabalho; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Higiene e segurança o trabalho; Proibição do trabalho aos menores de 12 anos, do trabalho noturno para os menores de 18 anos, do trabalho insalubre para mulheres e para os menores de 18 anos; Descanso remunerado a gestantes, antes e depois do parto; Salário família; Aposentadoria a mulheres com 30 anos de trabalho; Proibição de greves no serviço público e atividades essenciais; Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e à educação de excepcionais; Necessidade de apontar a fonte de custeio para benefícios assistenciais.

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 126) Os principais programas desenvolvidos na área dos direitos sociais foram a criação

do Funrural, em 1972 a regulamentação do trabalho doméstico e do autônomo, o Plano

Nacional de Habitação popular, o PIS-PASEP, como fundos com recursos da folha de

pagamento, o programa de alimentação do trabalhador, o programa de erradicação da sub-

habitação – Promorar, a criação, em 1972, do Ministério da Previdência e Assistência Social.

A LBA continuava como a principal instituição da assistência social, desenvolvendo seus

programas de forma focalizada para eliminação das tensões sociais.

4.7 A assistência social na Constituição de 1988

A desestruturação da ditadura militar, descrita anteriormente neste capítulo, permitiu

a estruturação de um Congresso Constituinte que, articulado a um grande movimento social,

elaborou a nova constituição, promulgada em 1988.

Partindo de uma grande pressão social para a superação das estruturas estatais

produzidas pela ditadura militar, como analisado antes neste capítulo, o Congresso

Constituinte produziu um novo modelo de proteção social, ampliou os direitos sociais,

universalizou o direito ao voto, incluindo os analfabetos que historicamente sempre foram

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excluídos e, na área dos direitos civis, promoveu garantias de inviolabilidade da vida privada

das pessoas.

Pode-se afirmar, como ponto de partida, que o processo de construção da

Constituição de 1988 se deu em um ambiente de ampliação dos direitos e numa tendência de

universalização de direitos. No entanto, quando inicia o processo de sua regulamentação

enquanto política pública o Estado brasileiro já vivia um ambiente de crise de financiamento

das políticas sociais, influenciado pela crise geral do estado de bem estar social e a opção

pelo modelo neoliberal iniciado pelos governos Tatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados

Unidos.

Como afirma Sposati (2009), em relação ao conceito de Seguridade Social, que

inclui a Assistência Social, juntamente com a Saúde e a Previdência, no sistema de proteção

social:

A inclusão da assistência social significou, portanto, ampliação no campo dos direitos humanos e sociais e, como consequência, introduziu a exigência de a assistência social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos do cidadão em seu raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção (SPOSATI, 2009, p. 13)

Por mais que ainda esteja em construção, o Brasil adotou um modelo que abre

perspectivas para a articulação entre sistemas contributivos e não contributivos nos direitos

dos cidadãos, ultrapassando definitivamente o conceito de pessoa assistida para assumir o

conceito de cidadão usuário.

Sposatti (2009) continua afirmando que essa decisão do Congresso Constituinte foi a

grande novidade trazida pela nova Constituição Federal. Compreende-se que, sendo uma

novidade, para se tornar realidade, obrigará aos governos e à sociedade civil a uma

construção nova, superando a fragmentação sempre presente nas estruturas do Estado

brasileiro desde sua origem.

Para que possamos iniciar uma análise mais aprofundada da forma como se

estruturou a Seguridade Social no Brasil, iniciamos pela síntese dos direitos presentes no

texto constitucional. Abaixo a síntese dos direitos civis, políticos e sociais instituídos pela

Constituição de 1988.

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Quadro 07: A Constituição Brasileira de 1988 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1988 Síntese dos Direitos

Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais

05 a 17 170 e 184 194 a 232

Todos são iguais perante a lei; Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando-se o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Habeas corpus; Habeas data; Mandado de segurança coletivo; Mandado de injunção.

Expansão do voto aos analfabetos; Voto facultativo para maiores de 16 anos até 18 anos e para os maiores de 70 anos; Flexibilização da organização dos partidos políticos, podendo um partido ser criado a partir da assinatura de 30 pessoas; Liberdade de imprensa e o debate político como regra dos processos eleitorais.

Redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais; Férias anuais remuneradas e mais um terço do salário; Extensão do FGTS a todos os trabalhadores; Licença paternidade; Direitos iguais entre trabalhadores urbanos, rurais e domésticos; Vinculação da aposentadoria ao salário mínimo; Extensão aos aposentados dos benefícios concedidos aos trabalhadores ativos; Ampliação de 90 para 120 dias do período de licença gestante; Reconhecimento do direito de greve e de autonomia e liberdade sindical; Inclusão do seguro-desemprego como direito dos trabalhadores urbanos e rurais; Universalização do ensino fundamental; destinação de recursos públicos para esse nível de ensino e para a erradicação do analfabetismo; Gratuidade do ensino público em todos os níveis; Transformação da creche em um serviço educacional; Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços; Irredutibilidade do valor dos benefícios; Diversidade de sua base de financiamento; Gestão administrativa descentralizada e com controle social; Acesso a todo o serviço de saúde, com princípios da universalidade e da equidade; Reconhecimento da assistência social como componente da seguridade social; Salário mínimo para os idosos e portadores de deficiência que não puderem se manter;

Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 157)

Entre os anos de 1940 e 1970 houve um acentuado crescimento na construção de

sistemas de seguridade social. A partir da década de 1970 o sistema capitalista enfrentou

uma séria crise de acumulação, provocando uma reação ao sistema para adequá-lo às novas

condições. A reação inicia pela negação da possibilidade de existência de um sistema

alternativo ao capitalismo. As classes dominantes passaram a pregar a substituição do

modelo de sociabilidade do trabalho protegido pelo modelo de regulação pelo mercado,

negando a intervenção do Estado e afirmando a responsabilidade da sociedade pelas

políticas sociais, institucionalizando um terceiro setor para a sua execução.

No Brasil, a partir dos escritos de Sposatti (2009) e Couto (2006), pode ser percebido

que, embora as iniciativas ocorridas nas décadas de 1940 e 1950, foi somente a partir dos

anos 1980, com a superação da ditadura, a sociedade avança na institucionalização e

constitucionalização do exercício da cidadania, da democracia e dos novos direitos sociais,

trabalhistas e políticos. A partir de 1964 a trajetória das políticas evidencia a fragmentação,

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com espaço para a iniciativa privada naqueles que são lucrativos, como a saúde, a

previdência e a educação. A inclusão dos setores não assalariados ou em situação de

vulnerabilidade social nas políticas, afastaram os setores médios assalariados para o

consumo de serviços privados, seja na saúde, na previdência ou na educação. Esse processo

apontou a tendência clara da seguridade social atual: fragmentação das necessidades e

interesses dos trabalhadores, uma previdência com característica de seguro social, a saúde

como uma mercadoria e a assistência social como uma política estruturadora. Novos

mecanismos de consenso são estimulados: descentralização, parcerias, participação

indiferenciada das classes, focalização, responsabilização individual. O centro da questão

social deixa de ser a ação distributiva para se centrar no combate à pobreza.

O grande capital consegue, através das iniciativas dos trabalhadores, especialmente

na previdência, parceiros e provedores do capital financeiro e proprietários de grandes

negócios, como ocorrem com os fundos de pensão das maiores empresas estatais, que

investiram enormes recursos em empresas quando do processo de privatização desenvolvido

durante a década de 1990. A seguridade social brasileira, concebida a partir de 1988,

caminhou em direção ao estado de bem-estar social, mas as características excludentes do

mercado de trabalho, a alta concentração de renda, a grande pauperização da população e a

baixa publicização do Estado impediram a universalização do acesso aos benefícios sociais.

Mesmo assim, houve um alargamento da oferta de benefícios, como a assistência social e a

saúde, mesmo que essa trajetória tenha sido combatida pelas concepções neoliberais que

passaram a predominar na esfera estatal e classes dominantes. A nova política em relação ao

trabalho assume a precarização como inevitável, a mercantilização como caminho sem volta

e a subordinação do público ao privado como parte de uma nova forma de gestão.

De acordo com Sposatti (2007, p. 449), a partir do momento em que a Assistência

Social passa a ser incluída no conjunto das políticas de proteção social e assume a

característica de ser não-contributiva, tem como missão a geração de ações preventivas e de

proteção frente às situações de vulnerabilidade, de riscos e de danos sociais,

independentemente da situação e da contribuição financeira dos usuários e sem levar em

conta sua situação legal.

A autora aponta uma questão que se torna essencial para compreensão da nova

formulação política da Assistência Social contida na Constituição Federal de 1988: se

fundamenta nas “situações instaladas no campo relacional da vida humana” (SPOSATTI,

2007, p. 449), assumindo a perspectiva de assumir a proteção das pessoas e comunidades a

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partir dos riscos sociais originados a partir da insustentabilidade dos vínculos sociais e das

incertezas que provocam esses riscos, atuando de forma deliberada na construção de

processos de desenvolvimento humano e social.

É neste aspecto que passa a ser percebida a novidade da concepção da política na

Constituição: ao invés de atuar para remediar situações de exclusão e de risco social

provocados pelo processo de desenvolvimento do país, a Assistência Social assume o papel

de promover, a partir de suas ações, processos de desenvolvimento que incluam seus

usuários na partilha dos bens sociais gerados pelo processo de desenvolvimento. Isso

implica, necessariamente, a sua articulação com o conjunto de políticas adotadas pela

sociedade na construção de seu desenvolvimento social, econômico, cultural e político. É o

momento mais claro da superação das políticas de caridade e de clientelismo para assumir

uma política de inclusão dos seus usuários na cidadania plena.

Observa-se, a partir da autora acima, a constatação de uma caminhada em busca da

universalização do direito à assistência social, embora permaneça a seletividade do

atendimento a partir das condições sociais dos cidadãos. A vulnerabilidade, os riscos e os

danos sociais passam a ser critérios de seleção para inclusão nos programas da área de

assistência social. Os objetivos de sua ação, no entanto, passam a ser ampliados de forma

significativa. Não se restringem mais ao mero socorro, às ações imediatas de superação das

situações de risco. Passa a ser fundamental a atuação com a perspectiva do desenvolvimento,

no sentido de que os usuários tenham condições de superar as situações de vulnerabilidade

social para se inserir de forma sustentável na partilha dos benefícios do desenvolvimento

econômico, social, cultural e político do país. O trabalho voluntário ou através de

Organizações não Governamentais ou de empresas socialmente responsáveis aumentam a

participação da sociedade na execução das políticas sem, no entanto, assumir características

de mero assistencialismo ou de caridade. Os programas de renda mínima passam a exercer o

papel de integração das pessoas na sociedade.

Conforme a Constituição Federal, a seguridade social envolve os direitos à saúde,

previdência e assistência social. No seu artigo 194 explicita essa concepção, que precisa ser

compreendida de forma clara.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento;

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II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988).

A Emenda constitucional nº 20 de 1998 estabeleceu a participação quadripartite na

gestão da política de seguridade social, considerando o governo, os trabalhadores, os

empresários e os aposentados. O primeiro princípio que se destaca é a universalidade do

acesso dos cidadãos aos benefícios da seguridade social. Considerando que a saúde, a

previdência e assistência social fazem parte da seguridade social, a universalidade deve ser

garantida de forma articulada entre as três áreas. Isso implicaria uma necessária integração

na gestão dos processos que, observada a organização do governo federal, mantém a

separação dos ministérios da saúde, da previdência e da assistência social, dificultando

sobremaneira o processo de articulação entre as políticas.

Da mesma forma como no governo federal, os estados e municípios mantêm a

fragmentação, impedindo que as ações possam ser articulada de forma a garantir a

complementaridade e a capacidade de prover a universalidade prevista na lei.

Para Sader (2006, p. 49) a universalidade prevista no inciso I somente se aplica à

saúde, que todo o cidadão, independentemente de sua condição social tem o direito de

acessar. Não se aplica à assistência social, que somente será acessado pelos cidadãos em

estado de vulnerabilidade social e a previdência, que é uma política contributiva. No

entanto, pode-se contestar esse conceito de universalidade interpretando que todos,

independentemente de sua condição social e de renda, têm direito de acesso à assistência

social se chegar ao estado de vulnerabilidade social. A partir do momento que, embora tenha

tido renda para se manter em situação de auto-sustentação, houver uma situação de

vulnerabilidade o acesso estará garantido. No mesmo sentido pode-se afirmar a

universalidade a partir dos benefícios sociais concedidos aos idosos, sem necessidade de

prévia contribuição.

Um dos aspectos que até o momento não se conseguiu avançar foi na equiparação

entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, mantendo o Brasil uma forma

previdenciária específica para os primeiros, com vários conteúdos considerados pela

sociedade como privilégios.

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Outro setor que ainda não conseguiu ser contemplado no processo de equivalência de

benefícios são os trabalhadores informais, cujo acesso ao sistema ainda é precário,

especialmente quando se leva em consideração a questão da previdência. Essa diferenciação

se acentuou muito a partir da Emenda Constitucional nº 20, que eliminou o tempo de serviço

como medida de acesso aos benefícios previdenciários e o substituiu pelo tempo de

contribuição.

É questionável a opção pelo tempo de contribuição sendo que não foram criados

mecanismos claros de acesso aos trabalhadores informais no que se refere às condições de

renda e capacidade de contribuição para a previdência. Por mais que a previdência seja

considerada uma política contributiva, a definição de mecanismos de garantia de

contribuição de acordo com a realidade social de quem não é assalariado ou não tem formas

de arrecadação regulamentados a partir das empresas ou da venda de produtos da agricultura

provoca uma quebra no princípio da universalidade de acesso e na equivalência dos

benefícios.

Quanto à seletividade e distributividade, a Constituição prevê o que se pode chamar

de políticas positivas de inclusão, na medida em que estabelece a ampliação dos benefícios a

todos os cidadãos que deles necessitam.

Conforme o DIEESE (2006, p. 3), a Constituição, ao prever essa concepção de

seguridade, obriga o Estado brasileiro a assumir a responsabilidade de um processo

integrado, que vai muito além das ações em cada uma das áreas. A universalidade do

atendimento inclui a proteção a todos os cidadãos que, de alguma forma, tenha sua

sobrevivência comprometida ou ameaçada, indo muito além da mera concessão de

benefícios. É neste aspecto que reside o sentido estratégico que se reveste o planejamento

das ações em cada uma das áreas, que precisam visualizar não apenas o atendimento

específico, seja na saúde, na previdência ou na assistência social, mas serem estruturadas de

tal forma que sejam mediadoras de um processo de construção da inclusão dos usuários nas

perspectivas de um desenvolvimento social, econômico, cultural e político que possibilitem

a segurança social e uma vida integrada ao conjunto da sociedade, usufruindo dos benefícios

do desenvolvimento.

Essa nova política desafia o Estado a constituir um processo que supere a visão de

“seguro”, em que os beneficiários sejam inseridos nos processos de proteção sem o limite de

contribuições, em que as necessidades dos cidadãos preponderem em relação às questões

orçamentárias ou contributivas.

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Adailza Sposati (2009, p. 16) afirma que a nova Constituição estabeleceu um modelo

de proteção social e que isso não significa que ele já exista. Para ela, esse modelo é uma

construção e que orienta todo o processo de sua implantação. Ao prever um avanço na

concepção e acesso à proteção social, a Constituição Federal desafia o Estado a atuar de

forma decidida na construção do modelo e sua materialização enquanto processo.

Complementa, a autora, afirmando que o ritmo e a forma de implantação sofre problemas

em função dos diferentes ritmos de atuação dos entes federados e sofre a influência das

múltiplas territorialidades que abrigam sujeitos sociais diversos.

Sposatti (2009, p. 17) identifica três mudanças significativas no modelo

constitucional: a primeira em relação a responsabilidades do órgão público pelas políticas; a

segunda quando pressupõe uma ação social planejada e proativa em relação às questões

sociais; e a terceira pela criação de espaços democráticos de decisão sobre as políticas e sua

execução. A mudança do papel do gestor público que não mais considera como público da

proteção social como carente ou como assistido, mas como cidadão usuário de direitos.

A compreensão do DIEESE aponta para a necessária integração entre os setores da

saúde, da previdência e da assistência social para garantir o bem estar dos cidadãos. Essa

integração de políticas é uma das garantias básicas para a cidadania das pessoas pobres e que

estejam em situação de vulnerabilidade social. Na compreensão de “um conjunto integrado

de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988. Art. 194) o novo

modelo criado associa ao tradicional seguro social articulado à previdência a um conjunto de

políticas sociais de caráter universal e distributivo, ampliando de forma significativa o papel

do Estado e da Sociedade na sua relação com a cidadania (SADER, 2006, p. 48).

Os recursos necessários para o financiamento da seguridade social devem ser

originários de fontes diversas, e não apenas do orçamento da União. No artigo 195 da Carta

Magna está prevista a forma como será o seu financiamento, apontando para a necessária

articulação de toda a sociedade em seu financiamento.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento;

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c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos; IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)

Interpretando o texto constitucional acima se percebe que há uma unificação das

fontes de financiamento da seguridade social. Isso aponta para o Estado a necessidade de

unificação do orçamento das três áreas, de tal forma que todas as ações, integradas,

pudessem ser financiadas por esses recursos. Observando a estrutura do governo federal

pode-se perceber a presença de três ministérios diferentes, com separação entre a

previdência social, a saúde e a assistência social. A existência de três ministérios diferentes

não é um pressuposto que caracterize a fragmentação. Poderia o Estado manter as três áreas

atuando de forma específica, mas mantendo uma integração política capaz de superar essa

fragmentação. No entanto, pela percepção das ações na oferta dos serviços públicos aos

cidadãos, nas agências de acesso utilizadas pelo cidadão, que ainda estamos muito distantes

de uma ação de proteção social e não meramente de saúde, de assistência social ou de

previdência. Por mais que o texto da Constituição unifique as três áreas como seguridade

social, ainda se percebe que não houve a unificação da gestão em função da fragmentação

em três ministérios sem que tenha sido construído um instrumento mínimo para articular as

políticas, os programas e os serviços públicos.

Uma dificuldade enfrentada na implantação do sistema de seguridade social foi a

necessidade de regulamentação dos dispositivos da nova constituição. Embora estivesse

prevista para ser realizada em seis meses após a sua promulgação, a maioria das leis que

regulamentaram as diversas áreas levaram alguns anos para serem elaboradas.

– A lei Orgânica da Saúde - Lei 8.080 – só foi aprovada em 1990; a Lei de

Organização e Custeio da Seguridade e de Benefícios da Previdência – Lei 8.212 – em 1991;

e a Lei Orgânica da Assistência Social somente em 1993, devido à forte pressão social,

principalmente dos setores sociais mais relacionados com a área, após haver sofrido um veto

total do presidente Collor em 1990. Enquanto não havia uma regulamentação específica, os

governos podiam atuar sem respeitar a constituição sob a alegação de sua inaplicabilidade.

Uma ação governamental que comprometeu seriamente a capacidade de

financiamento da seguridade social foi a adoção da desvinculação de receitas aos gastos

específicos que inicialmente, em 1994, foi denominado de Fundo Social de Emergência, que

depois foi redefinido como Fundo Social de Emergência e, posteriormente, de

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Desvinculação das Receitas da União – DRU. O mecanismo reduz sensivelmente a

destinação dos recursos da União para o financiamento da seguridade pela destinação de um

percentual da arrecadação federal para a estabilização financeira das contas da União e para

o cumprimento das metas fiscais estabelecidas a partir das determinações orçamentárias.

Se observada a forma de gestão utilizada pelos governos depois da Constituição de

1988, pode-se perceber claramente que não houve a preocupação em elaborar um plano

orçamentário da Seguridade Social brasileira e esta tem se caracterizado pela fragmentação

nas ações da saúde, da previdência e da assistência social. A existência de três ministérios

diferentes para a gestão da seguridade e a forma como os orçamentos são definidos tornam a

articulação da seguridade social bastante complexa, com a duplicação de estruturas e

diferenciação nas orientações políticas.

Outro aspecto que se torna essencial observar na aplicação dos princípios

constitucionais é a vinculação da garantia dos direitos sociais aos ditames orçamentários. A

necessidade de contenção de gastos por parte do governo retira a incondicionalidade e a

universalidade dos direitos sociais, deixando-os contingenciados de acordo com os valores

previstos no processo de arrecadação. A forte pressão dos setores dominantes para que o

Estado reduza os gastos sociais para garantir a capacidade de investimentos econômicos

tornam a previdência, a saúde e a assistência social vilões do desequilíbrio fiscal.

A Constituição Federal de 1988 definiu de forma bastante precisa a concepção de

assistência social quando estabelece a universalidade de acesso, independentemente das

contribuições que sejam feitas para a seguridade social. Ao mesmo tempo em que estabelece

que qualquer pessoa, independentemente de sua condição de contribuinte, tenha acesso aos

seus benefícios, estabeleceu como públicos especiais a família, a maternidade, a infância, a

adolescência e a velhice, ensejando a necessidade construção de leis específicas para a

implantação das políticas públicas para o atendimento.

O Artigo 203 da Constituição, em seu inciso III, aponta para a necessidade de

articulação do processo de assistência às necessidades e carências com a integração das

pessoas ao mercado de trabalho. Embora com o limite de apenas pensar o processo enquanto

mercado de trabalho e não de geração de condições de acesso à renda e ao trabalho,

independentemente do assalariamento, é possível visualizar a possibilidade de uma forte

intersecção entre as políticas de assistência social às políticas de acesso à terra para as

famílias de agricultores, especialmente da agricultura de base familiar. Com essa observação

aponto como uma das vertentes de debate que a sociedade terá que colocar em seu horizonte

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a integração da assistência social às políticas de reforma agrária, de assistência técnica e

extensão rural para as famílias de agricultores de base familiar, bem como o avanço na

construção de políticas e serviços sociais específicos para as populações do campo,

especialmente os remanescentes de quilombolas, de faxinais, de comunidades indígenas e

outras, que sempre foram tratadas como objetos de um mero assistencialismo, normalmente

assumido de forma setorial pelo INCRA ou pela FUNAI.

A amplitude dos direitos sociais constituídos colocava como absolutamente

necessária a organização de um sistema de assistência social articulado nacionalmente,

capaz de abranger a todos os cidadãos, a estabelecer instrumentos de acesso aos serviços

sociais capazes de ser um dos fatores de garantia da cidadania.

A ampliação dos direitos obriga, também, a alocação de recursos compatíveis com a

complexidade de sua disponibilização para a população. Para tanto a Constituição Federal

estabeleceu as fontes de financiamento da assistência social de forma articulada com o

conjunto da Seguridade Social.

No seu Artigo 204 a Constituição Federal aponta para o financiamento da Assistência

Social com base nos recursos orçamentários da seguridade social, mas aponta para outras

fontes de financiamento que sejam oriundas do processo de descentralização político-

administrativa do Estado. Neste ponto se entende que os entes federados (estados, distrito

federal e municípios) não sejam apenas executores das políticas, mas que devem destinar

recursos de seus próprios orçamentos para garantir os objetivos da Assistência Social.

O dispositivo constitucional aponta, também, os papéis assumidos no processo de

descentralização, cabendo à União a coordenação e o estabelecimento de normas gerais, e

aos estados, municípios e entidades assistenciais e beneficentes a coordenação e a execução

em sua esfera de atuação.

Também, no Artigo 204, está determinada a participação da população, através de

suas representações, na formulação das políticas e no controle de sua execução. É o

dispositivo que estabelece o controle social sobre as políticas de assistência social, que ainda

precisa avançar significativamente. Poderá ser objeto de estudo específico o papel

desempenhado pelos Conselhos da Assistência Social nos estados e municípios para

compreender de forma mais significativa a constituição dos espaços de controle social.

Pode-se estabelecer, desde já, o questionamento sobre a relação que se estabelece entre o

Estado e a Sociedade Civil no processo de controle social das políticas públicas, não se

restringindo o questionamento à área da Assistência Social.

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A maior dificuldade enfrentada na constituição da Assistência Social como política

pública, articulada à seguridade social, era a concepção que se tinha desde a criação da LBA

– Legião Brasileira de Assistência em 1942, cuja base era fragmentada e assistencialista.

Conforme PINHEIRO (2008, p. 53), essa dificuldade não era uma prerrogativa apenas dos

movimentos e partidos de direita, mas também dos partidos e movimentos de esquerda. Para

o autor, a proteção social veio historicamente se confundindo com a “subsidiaridade”, o

favor e o clientelismo.

O processo de implantação da Assistência Social enquanto Política Pública sofreu

vários percalços em função da tradição e da concepção histórica adotada pelo serviço no

Brasil. Uma das questões que mais emperraram a compreensão do novo processo foi a

tendência ao assistencialismo fragmentado e focado, normalmente com muitas

características clientelistas. O clientelismo, que está na raiz das práticas políticas tradicionais

no Brasil, tem sua perenização apoiada nas práticas dos mandatários políticos, que

normalmente se apóiam nessas políticas para construir bases eleitorais atreladas a benefícios

concedidos como favores.

O Movimento de Assistência Social, conforme Pinheiro (2008, p. 54), o modo de

gestão da política federal tem reproduzido as mesmas condições de execução aplicadas

quando da atuação da LBA, formando um modelo segmentado e centralizado, com várias

blindagens contra a participação social. Para o movimento, a ampliação da esfera pública e a

noção de direitos propostos pela CF/88 não estão respaldados no modelo de Estado existente

no Brasil.

Pinheiro (2008) afirma que a criação, pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso,

do programa Comunidade Solidária, coordenado pela primeira-dama, como a negação de

todas as políticas definidas pela Constituição Federal e pela visão da assistência como

política pública. Focado nos bolsões de pobreza e direcionado apenas aos indigentes e aos

mais pobres, atuou de forma pontual, negando o princípio da universalidade e da articulação

com as demais políticas de proteção social.

Da mesma forma como a LBA havia desenvolvido suas atividades, o programa

Comunidade Solidária manteve a estrutura de funcionamento, apelando para ações focadas e

de grande impacto na opinião pública. Sem se consagrar como política pública, o programa

conseguiu retardar a implantação de uma política de caráter mais universal, com

perspectivas mais amplas de amparar o público previsto na Constituição Federal. Assentado

numa concepção neoliberal de gestão pública, os recursos aplicados eram condicionados aos

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recursos orçamentários disponíveis, sem a preocupação de gerar novas fontes de

financiamento capazes de permitir maior amplitude de ação.

Não é objeto deste estudo a análise da implantação do SUAS – Sistema Único de

Assistência Social, ensejando novos estudos sobre a capacidade do novo sistema de atender

aos preceitos constitucionais, mas é possível prever a possibilidade de que possa avançar na

concepção e implantação de um sistema que respeite os elementos básicos capazes de

caracterizar a Assistência Social enquanto política pública.

O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, que deveria representar a

participação popular conquistada na Constituição Federal, conforme Pinheiro (2008) foi

mantido, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, apenas como legitimador da

aplicação dos recursos, especialmente para repasse às entidades da assistência social,

obrigatória pelos preceitos constitucionais. Durante os governos de Itamar Franco e de

Fernando Henrique Cardoso o CNAS não obteve condições para atuação, não sendo

reconhecido no seu papel de elaborador de políticas e de promotor de um processo de

aperfeiçoamento institucional. O autor ainda cita o duro embate entre o CNAS e o governo

Fernando Henrique Cardoso como emblemático para representar uma posição de Estado

assistencialista se contrapondo claramente ao avanço na construção de políticas públicas

universais, capazes de romper com o clientelismo.

O processo de representação e gestão social conforme previsto na Constituição se

articulou de forma mais ampla para poder dar sustentação a uma luta pela transformação da

Assistência Social enquanto política pública, articulada de forma orgânica com o novo

conceito de seguridade social. Conforme Pinheiro (2008, p. 56), formou-se no Brasil um

campo político em busca da construção da Assistência Social como política pública da

Seguridade Social, denominado de “movimento da assistência social” que passaram a

disputar as vagas nos conselhos, representando a sociedade civil ou o governo, dependendo

da posição onde atuava, agrupando-se em Fóruns da Sociedade Civil, dos Secretários

Municipais ou Estaduais. Organizando conferências, encontros e debates, esse campo

político estruturou a Frente de Defesa da Política de Assistência Social no Congresso

Nacional no ano de 1999.

O conflito com o governo federal, que apostava na manutenção de um sistema de

assistência social fragmentado, os fóruns de debate conseguiram gerar uma pressão

significativa. A reação do governo se fez sentir com a tentativa de esvaziamento da

participação social, para reduzir a capacidade de pressão gerada pela sociedade civil

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organizada.

O auge do conflito entre o CNAS e o governo federal foi a aprovação da Lei

9720/1998, que alterou vários aspectos da LOAS, inclusive na periodicidade da realização

das Conferências Nacionais de Assistência Social. O conflito entre o CNAS e o governo

federal se manteve como uma tônica do período, caracterizando as ações governamentais até

o final do mandato do então presidente (PINHEIRO, 2008, p. 57)

A opção de uma convocação extraordinária de Assistência Social que foi promovida

uma ampliação do debate na sociedade civil. As conferências têm sido muito valorizadas

como geradoras de políticas de acordo com a representação social. Foi através dessas

conferências que foram lançadas as bases para a constituição do SUAS, cujos objetivos era o

enfrentamento da questão da inclusão social com ações articuladas, com a formação de redes

de proteção social hierarquizadas de acordo com os níveis de complexidade e tendo como

elementos básicos a participação social, a territorialização e como matriz estruturante a

família.

Por mais que houvesse conflitos e por maiores que fossem as dificuldades impostas

pelas concepções de Estado e de ação de governo, o debate sobre a política pública de

Assistência Social avançou significativamente.

Outros estudos poderão avançar para além do horizonte objeto deste estudo,

especialmente nos processos de implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência

Social, buscando discutir até que ponto esse novo sistema responde aos princípios

constitucionais e às demandas da sociedade civil na construção das políticas públicas,

transformando a Seguridade Social uma política de proteção social com a amplitude

estabelecida no modelo construído pelo Congresso Nacional Constituinte de 1988.

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5 CONCLUSÃO

O processo de constituição da Assistência Social no Brasil precisa ser identificado na

história da organização política, social e econômica da sociedade e do Estado, desde a

chegada dos portugueses até a estruturação do processo constituinte que desembocou na

Constituição Federal de 1988.

Durante toda a trajetória dos direitos sociais, expressos neste trabalho a partir dos

primeiros capítulos e, no terceiro capítulo pela síntese dos direitos civis, políticos e sociais

presentes nas Constituições Brasileiras desde 1891, observam-se um caminho de

fragmentação e de concessão por parte do Estado, sendo os beneficiários considerados

apenas como um público-alvo passivo e sem condições de interferir no processo de

concessão e de gestão dos benefícios.

Somente a Constituição de 1988 implantou o princípio da gestão social das políticas

públicas, tornando os beneficiários dos programas em usuários, com instrumentos concretos

de gestão. Embora os conselhos, nas mais diversas áreas, ainda não tenham tido uma ação

realmente substantiva, o princípio enseja uma trajetória de maior participação social na

concepção, gestão e controle das políticas sociais e públicas.

O sistema de seguridade social somente se constituiu em um sistema de forma mais

efetiva a partir dos governos militares, embora tenham preservado a fragmentação entre as

políticas de saúde, de previdência e de assistência social.

Houve, também, uma trajetória de ampliação paulatina dos públicos da seguridade

social, com a universalização do acesso a partir da constituição de 1988 e a posterior

implantação do SUS e do SUAS.

Percebeu-se como novidade trazida pela Constituição de 1988 a criação de um novo

modelo de proteção social, com a inclusão da saúde, previdência e assistência social como

parte de um único sistema de Seguridade Social. Embora ainda não implementado, esse

novo conceito desafia a sociedade brasileira para avançar na estruturação de um processo de

gestão capaz de cumprir a intencionalidade constitucional de unificação associado à gestão

social das políticas públicas.

Certamente o resgate da história da constituição dos direitos sociais e da assistência

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social no Brasil nos permite uma percepção clara das lutas dos trabalhadores e das classes

subalternizadas na busca de se constituírem enquanto cidadãos, como base para a construção

da democracia.

O trabalho não avançou para a análise do período pós-constituição de 1988 por não

estar dentro dos seus objetivos, mas aponta para a possibilidade de novos estudos, que

analisem a constituição dos direitos sociais e a implantação da assistência social enquanto

serviço público, universalizado a partir da condição de uma das partes essenciais do sistema

de seguridade social.

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