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INTRODUO

Esta pesquisa visa discutir e analisar a emergncia da Reforma Psiquitrica no Brasil e, tambm a possibilidade desse movimento junto ao atual contexto da Sade Mental em Cabo Verde. Desta forma, pretendemos verificar se existe alguma possibilidade de implementao de uma Reforma Psiquitrica com viso progressista principalmente em favor dos usurios.O meu interesse pelo tema, a Reforma Psiquitrica em Cabo Verde foi impulsionado, em parte, pela realizao do estgio curricular na rea de Sade Mental. Com a realizao do estgio foi possvel cortar o preconceito e o desconhecimento que veio me acompanhando de Cabo Verde. Em seguida veio o desejo de inteirar-me dos possveis avanos na rea da Sade Mental nesses trinta e sete anos (37) como pas independente. No meu estudo, procurei saber como se d a promoo da Sade Mental uma rea da sade que to sensvel e recheada de preconceitos, e tambm realizar uma abordagem crtica a partir do meu conhecimento obtido durante meu perodo de estgio e em algumas disciplinas estudadas ao longo do curso. E quem sabe a partir do meu conhecimento obtido atravs desta pesquisa, poderei contribuir daqui a alguns anos na promoo da Reforma Psiquitrica em Cabo Verde.O objetivo geral desta pesquisa consiste basicamente em analisar a prestao de servios de Sade Mental em Cabo Verde, discutindo-a junto s ideias principais da Reforma Psiquitrica, a qual no s se apresenta, em tese, como um tendncia mundial, como tambm foi implementada no Brasil e, quem sabe, possa ser discutida e comparada em seus prs e contras junto a Cabo Verde. Tm-se ainda os seguintes objetivos especficos:1. Como se d na prtica a promoo e a defesa dos direitos das pessoas portadoras de doena mental, e quais os incentivos que receberiam;2. Como ocorre a capacitao tcnica nacional, com vista ao diagnstico atempado e adequada das doenas mentais, bem como incentivos ao seu trabalho;3. Como se organizam, e quais os estmulos realizao de campanhas de sensibilizao e de solidariedade social, para uma viso integral do homem, isto , enquanto um ser mental, fsico e social;4. Se existe uma absoro, na ordem jurdica interna e na sua plenitude, das principais recomendaes das instncias internacionais, designadamente da Assembleia Geral das Naes Unidas, em matria de deficincia e doenas mentais; 5. Inteirar-me das possveis melhorias na coordenao e na complementaridade do trabalho das organizaes e instituies estatais de sade e de Solidariedade Social em matria de prestao de cuidados aos doentes mentais, designadamente na sua reinsero social.Para alcanar tais objetivos, desenvolveu-se uma pesquisa bibliogrfica sobre o nosso objeto o qual, em termo de suas fontes, as coletamos nas principais obras da Sade de Mental. Tais obras em sntese so: Amarante (1996,1998, 2007), Vasconcelos (1992, 2010), Bisneto (2007), Rodrigues (1996) e debruar-me-ei tambm sobre o Plano Estratgico de Cabo Verde para a Sade Mental (2009).O estudo do objeto no presente trabalho foi produzido atravs de uma pesquisa qualitativa com a realizao de uma reviso bibliogrfica sobre o tema pretendido (Bastos, 2009), pois indispensvel um aporte terico para a discusso e contribuir na anlise a ser realizada no tema pretendido. Em outras palavras, neste ponto, um estudo bibliogrfico sobre a Reforma Psiquitrica no Brasil e em Cabo Verde, ressaltando os prs e os contras do mesmo. Enfim, a partir da argumentao acima apresentada, desenvolverei este projeto atravs dos seguintes captulos: Reforma Psiquitrica no Brasil (Capitulo I), Apresentando Cabo Verde (Capitulo II) e As Condies Histricas Para um Possvel Processo de Reforma Psiquitrica em Cabo Verde (Captulo III). O Captulo primeiro tem como objetivo apresentar a Reforma Psiquitrica, colocando as condies histricas para o seu surgimento, os seus avanos alcanados at hoje e os seus desafios. A estrutura deste captulo se se subdividiu em dois tpicos: Reforma Psiquitrica no Brasil: Breve Histrico; Avanos e Desafios na Reforma Psiquitrica Brasileira.O Captulo segundo tem como objetivo fazer a apresentao de Cabo Verde geograficamente e uma anlise da estrutura da proteo social existente no pas. A estrutura deste captulo se se subdividiu em seis tpicos: apresentando Cabo Verde; a proteo social cabo-verdiana; o sistema de sade cabo-verdiano; Histrico da Sade Mental; Doenas mentais de maior expresso em Cabo Verde; Concepes Populares da Loucura em Cabo Verde.O Captulo terceiro tem como objetivo contextualizar o atual debate da Sade Mental em Cabo Verde. A estrutura deste captulo se se subdividiu em cinco tpicos: As Condies Histricas Para um Possvel Processo de Reforma Psiquitrica em Cabo Verde: da Independncia II Repblica; Contextualizao do Debate sobre a Sade Mental em Cabo Verde; A Descentralizao em Cabo Verde; Descentralizao e Sade Mental; Cabo-verdianos e a Participao Social.

Reforma Psiquitrica no Brasil[footnoteRef:1] [1: Parte deste captulo teve como base o documento: Reforma Psiquitrica e Poltica de Sade Mental no Brasil. Ministrio da Sade. Braslia, 2005. As outras fontes esto devidamente citadas e referenciadas.]

1.1 Breve histricoTem-se a Reforma Psiquitrica como um conjunto de transformaes nas polticas sociais da Sade Mental. um movimento que basicamente se apoia na noo da desospitalizao, procurando muito mais uma ao preventiva e a promoo da Sade Mental, almejando com isso, que o indivduo em sofrimento mental no perca seus laos familiares e a sua socializao conquistada.O Movimento pela Reforma Psiquitrica se fortificou nos anos 1980, foi fortemente impulsionado pelos profissionais e familiares de pacientes internados em hospitais psiquitricos que encetaram denncias em relao condio precria e violenta em que os indivduos em sofrimento mental se encontravam. Assim sendo, foi por meio de um movimento social de lutas que encontramos a construo de uma nova concepo inovadora para o tratamento antimanicomial propondo, desse modo, novas aes ao tratamento aos indivduos em sofrimento mental.No decurso desse trajeto edificado o Projeto de Lei 3.657/89, que ficou conhecida pelo nome do seu autor, a Lei Paulo Delgado, que pela primeira vez, procurava a defesa dos direitos civis dos doentes mentais, indicando que a internao no podia ser realizada sem a vontade do prprio paciente e objetivava-se da substituio dos hospitais psiquitricos por dispositivos de rede de ateno integral comunitria para incluso dos antes excludos e privados de viverem na sociedade.No Brasil, a Reforma Psiquitrica sofre influncia da antipsiquiatria e a psiquiatria democrticas que foram criadas com base nas experincias vividas pelo Franco Basaglia. A antipsiquiatria origina-se na Inglaterra nos anos setenta sob a inspirao de Basgalia, foi determinante na formatao da Reforma Psiquitrica adotada pelas polticas pblicas. a partir de Basaglia que se forma a cultura que decreta a impossibilidade de se conceber a reforma do hospital psiquitrico decreta-se a falncia da pretenso teraputica do hospital psiquitrico e o surgimento de um novo paradigma. Ao invs de reforma do hospital psiquitrico trata-se da sua superao (AMARANTE, 2005). A Reforma Psiquitrica prope uma transformao do modelo assistencial em Sade Mental. Porm, no incita o fim do tratamento clnico da doena mental, mas sim eliminar a prtica do asilamento como forma de excluso social dos indivduos em sofrimento mental. A poltica da desinstitucionalizao sugere que o modelo manicomial seja substitudo pela criao de uma rede de servios de ateno psicossocial.Guiados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, os movimentos sociais, conseguem aprovar em mltiplos estados brasileiros as primeiras leis que originam a mudana progressiva dos leitos psiquitricos por uma rede integrada de ateno Sade Mental.Registrou-se uma expressiva reduo, entre os anos de 1992 a 1995, no nmero de leitos em hospitais psiquitricos, cresceu o nmero de profissionais na atuao em Sade Mental, com incluso de assistentes sociais, aumento de leitos psiquitricos em hospitais gerais e ampliao de uma rede de servios de ateno psicossocial como: hospitais dia, a criao dos CAPS-Centros de Ateno Psicossocial e dos NAPS- Ncleos de Ateno Psicossocial, advindo uma poltica de substituio do tipo de assistncia psiquitrica com base na internao para a criao de servios extra hospitalares.

1.2 Avanos e Desafios na Reforma Psiquitrica BrasileiraDepois de 12 longos anos, a 06 de Abril de 2001 foi aprovada a Lei n 10.216/01 - Proteo a Portadores de Transtornos Mentais. Entretanto, o que se observou, foi a aprovao de um substitutivo do Projeto Lei original, com uma srie de alteraes no texto normativo. Com a Lei 10.216, h um redirecionamento da assistncia em Sade Mental, o tratamento em servios de base comunitria se mostra como a pea chave. A lei dispe sobre a proteo e dos direitos das pessoas em sofrimento mental, mas no estabelece mecanismos claros para a progressiva extino dos manicmios.A promulgao da lei 10.216 vai impulsionar o ritmo para o processo de Reforma Psiquitrica no Brasil. no contexto da promulgao da lei 10.216 e da realizao da III Conferncia Nacional de Sade Mental, que a poltica de Sade Mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquitrica, passa a consolidar-se, auferindo maior sustentao e visibilidade.O texto aprovado constituiu-se em treze artigos. Os dois primeiros artigos tratam dos direitos da pessoa em sofrimento mental, no qual se coloca a importncia do indivduo ser atendido em servios comunitrios de sade mental. O terceiro artigo responsabiliza o Estado pelo desenvolvimento da Sade Mental, pela assistncia e pela promoo de aes de sade aos indivduos em sofrimento mental.Com base na pesquisa bibliogrfica, pode - se considerar que o texto aprovado difere bastante do original elaborado pelo deputado federal Paulo Delgado. O texto aprovado reflete uma disputa de interesses que se colocou no processo de discusso e aprovao da lei. O projeto original previa a extino dos manicmios e proibia a construo e contratao de novos leitos psiquitricos.A Lei Paulo Delgado, na viso de Amarante[footnoteRef:2], acabou sendo rejeitada, mas em compensao, foi aprovado um substitutivo que aperfeioou muitos aspetos do modelo assistencial psiquitrico brasileiro. Atualmente o pas conta com quase mil servios de Sade Mental abertos, regionalizados, com equipes multidisciplinares, envolvendo vrios setores sociais e no apenas o setor da sade. [2: AMARANTE, P. Rumo ao Fim dos Manicmios. Artigo disponvel no seguinte endereo eletrnico: http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/rumo_ao_fim_dos_manicomios_imprimir.html. ]

As legislaes criaram condies para seguir os caminhos que esto sendo projetados, o que se espera, a efetivao dos direitos dos indivduos em sofrimento mental.O iderio da Reforma Psiquitrica no Brasil vem ganhando espao no campo social, no universo jurdico e nos meios universitrios que formam os profissionais de sade. Apesar das conhecidas dificuldades enfrentadas pelo sistema de sade pblica no Brasil, fato que o cenrio psiquitrico brasileiro melhorou em muitos aspetos. O movimento antimanicomial uma das formas de luta contra a excluso e a favor da tolerncia e respeito pela diferena (BEZERRA, 2007, p.249).Para Amarante (1996, p.108):A assistncia psiquitrica privada, de carter predominantemente manicomial, hoje um dos principais obstculos reforma psiquitrica, no apenas por cultivar a cultura manicomial, mas, em igual proporo, por resistir s mudanas que ferem seus interesses. (...) A indstria da loucura como ficou conhecida, contribui desmesuradamente para que as doenas psiquitricas ocupem o segundo lugar das internaes hospitalares, por ano, no Brasil.

No sculo XX, o mundo assiste ao surgimento da psicanlise. H um aumento de hospitais psiquitricos, contudo, esse aumento estava longe de trazer a cura aos indivduos em sofrimento mental. Para os idealizadores da Reforma Psiquitrica, o hospital psiquitrico, tal como concebido, nada contribu para a recuperao do paciente/usurio ou sua reintegrao social.A instituio assumiu caractersticas exclusivamente asilares; no manicmio se entra e l se permanece. A crueldade e o mercantilismo em prol dos interesses pessoais de uma camada entre os profissionais de alguns segmentos da sociedade, vida de lucros, tornou-se um fato evidente[footnoteRef:3]. [3: Dos Emissrios da Divindade Indstria da Loucura. In: http://douglashrhds.blogspot.com/2007/12/dos-emissrios-da-divindade-indstria-da.html.]

Infelizmente de conhecimento, no diria de todos, mas pelo menos de uma grande parte da sociedade [usurios, profissionais da rea (estagirios), familiares], que os hospitais psiquitricos funcionam em precrias condies, sem fiscalizao sequer dos rgos sanitrios responsveis pelo seu gerenciamento, levando-se constituio de espao de violncia e de destruio institucionalizados.Embora os hospitais psiquitricos sejam legitimados e reconhecidos pelo Estado como espaos teraputicos, servem apenas para gerar riqueza para os donos desses hospitais, principalmente nas dcadas de 1960 e 1970, quando o doente mental se tornou importante instrumento de lucro para o setor privado de prestao de servios sade, gerando a indstria da loucura [footnoteRef:4] [4: AMARANTE, P. Rumo ao fim dos manicmios. In:http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/rumo_ao_fim_dos_manicomios.html.]

A terceirizao da assistncia psiquitrica veio a acontecer no pice da ditadura. O Brasil conheceu, nesse momento da sua histria, as ditas Clnicas de Repouso. At os dias de hoje as clnicas privadas so norteadas pela lgica do lucro mximo. Se por um lado, ao longo dos anos 1970/1980, a indstria da loucura crescia e passava a ser hegemnica no panorama da assistncia psiquitrica, por outro lado os hospitais pblicos comeavam a ser abandonados e as condies de vida das pessoas dentro deles pioraram muito (RODRIGUES, 1996; TEIXEIRA, 2003).A anlise de Rodrigues (1996) sobre a desinstitucionalizao vem nos esclarecer que a Reforma Psiquitrica no apenas o resultado de um conjunto de preposies que se impuseram em alternativa ao asilamento, mas como polticas setoriais de Sade Mental estreitamente vinculada ao conjunto de intervenes sistemticas e contnuas do Estado da era do monoplio no enfrentamento da questo social. Rodrigues argumenta que a explorao inaugurada com o capital monopolista coloca novas demandas medicina, e psiquiatria, e que a industrializao de massa e suas sequelas sociais exige cada vez mais a passagem de uma interveno mdica clnica para uma abordagem mdica social. No mbito da psiquiatria exigiu-se uma mutao terica e assistencial que tenha por objeto a comunidade e o deslocamento da ateno hospitalar para servios de base comunitria (RODRIGUES, 1996, p.17-18).Para Teixeira (2003.):"A Reforma Psiquitrica no Brasil est atrelada a uma necessidade de ajuste econmico, o que, na verdade, significa no mexer nos interesses do FMI e dos banqueiros, indiferentes sade da populao" (TEIXEIRA, 2003).

De acordo com o autor supracitado, o receio dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores de Sade Mental confirmou-se. Ao invs das unidades serem transformadas, humanizadas e postas a servio da populao, a pretexto de concordar com a luta antimanicomial, o governo passou a fechar os leitos dos hospitais pblicos, enquanto que os das clnicas particulares conveniadas, apesar de atenderem to mal, e oferecerem condies desumanas iguais ou piores que os hospitais pblicos, foram poupados. O autor admite que a Reforma Psiquitrica trouxe ganhos quanto humanizao do atendimento e ao respeito s diferenas, porm, ele tece criticas quanto aos benefcios que indstria da loucura aufere. A Reforma Psiquitrica no Brasil no atual contexto de ofensiva neoliberal vem se materializando na reduo de servios, e particularmente de Sade Mental, de reduo de leitos psiquitricos em um nmero superior criao de servios psiquitricos comunitrios alternativos ao asilamento. Rodrigues (1996) ainda indica que a maior parte dos servios alternativos internao encontra-se restrito aos usurios de nosologia mais leve e de prognstico mais favorvel. Essa questo vai de encontro com a posio de Vasconcelos (1992, p.89) ao apontar que se se mantivesse a tendncia histrica de se oferecer pouca ateno aos usurios em risco e que demandam ateno continua, o Brasil repetiria os traos predominantes da experincia norte-americana nos anos 60. Para Pedro Gabriel Delgado[footnoteRef:5], a reforma antimanicomial deixa a desejar no mbito sectarizao, ou seja, a fixao em posies ideolgicas e conceituais rgidas, com baixa capacidade de dilogo com os demais setores do amplo campo da Sade Mental, e tambm uma submisso agenda poltica das corporaes profissionais, como no caso dos conselhos profissionais, especialmente os psiclogos. No campo oposto reforma, Pedro Gabriel Delgado frisa que temos uma sectarizao pela defesa da psiquiatria biolgica e uma submisso agenda das associaes profissionais de psiquiatria. E ainda ele aponta a competio entre profissionais como um obstculo poltico pra o movimento da Reforma Psiquiatra. [5: Entrevista em anexo.]

Bisneto (2007, p.31), por seu lado, profere que pela Reforma Psiquitrica h a necessidade de abertura de espao para novos poderes e saberes, porm o autor nos alude contradio existente: os psiquiatras no querem abrir mo do seu privilgio institucional, da sua superioridade hierrquica e nem to pouco do seu status.Bezerra Jr. (2007, p.246) diz que para fazer valer o processo de transformao defendido pelo iderio reformista h a necessidade de: novas formas de organizao das equipes; a transformao dos papis destinados aos tcnicos; o trabalho interdisciplinar e intersetorial; a articulao entre os aspectos clnicos e polticos da ateno psicossocial; o entrelaamento entre estratgias de cuidado e estratgias de responsabilizao ou interpelao do sujeito, etc. No entendimento de Bezerra (2007), Bisneto (2007) e de Iamamoto (2009), para que ocorra uma verdadeira transformao da realidade na nossa prtica profissional h a necessidade de se ter profissionais dotados de capacidade de reflexo crtica. Iamamoto (2009) nos diz que a competncia crtica aquela capaz de desvendar os fundamentos conservantistas e tecnocrticos do discurso da competncia burocrtica. No entanto, Iamamoto elucida-nos que o profissional [assistente social] no deve adotar uma viso heroica e ingnua das possibilidades revolucionrias da profisso e, nem o fatalismo, ou seja, no devemos naturalizar a vida social.Para Iamamoto (ibid.), Suguihiro (1999), as dificuldades postas aos assistentes sociais, seja de natureza terica, sejam de natureza tcnica e/ou polticas, so escamoteadas pelos limites institucionais.Como sabemos, o assistente social ocupa cargos tanto na esfera pblica [no poder executivo, legislativo e no judicirio] como tambm em empresas capitalistas. Podemos perceber que o Servio Social no uma profisso liberal, portanto o assistente social um profissional assalariado com vnculo institucional.Para Heller (apud Siguihiro, 1999), no raro os assistentes sociais tm desprezado a sua prtica quotidiana entendendo-a apenas como espao de mera sequncia emprica de aes na medida em que priorizam as prticas singulares. Para Heller, em sua anlise da cotidianidade:Reagimos a situaes singulares, respondemos a estmulos singulares e resolvemos problemas singulares. Assim o desafio est em apreender e desvelar os limites e as possibilidades potenciais presentes na dinmica da vida cotidiana profissional (HELLER apud SIGUIHIRO, 1999, p.32).

A relao entre o Servio Social e a Sade Mental gira em torno da loucura na sociedade, com isto, de suma importncia investigar o contexto dos indivduos em sofrimento mental, identificando suas necessidades, tanto polticas, sociais, culturais ou at mesmo materiais, pois: se objetivamos certa autonomia dos usurios na reabilitao psicossocial, precisamos fazer uma anlise correta de suas possibilidades de reapropriao das relaes sociais que os atravessam e os determinam". (BISNETO, 2007 p.192).

Quanto aos profissionais de Servio Social na rea de Sade Mental, ao que tudo indica, os desafios so redobrados. Para Rodrigues (s.d.), quando o assistente social percebe que est diante de uma rea deveras complexa, com reflexes conflitantes sobre a loucura e diversas propostas de tratamento, que escapa ao seu entendimento, este profissional adota o que ela chama de escapismo. O profissional, muitas vezes vai buscar o que lhe parece mais prprio para a atuao: um curso de terapia de famlia ou de psicanlise. Outra postura que o assistente social na Sade Mental adota, compreende uma interveno profissional marcadamente burocrtica e rotineira. Aqui o assistente social se coloca a reboque das decises da equipe multiprofissional, geralmente dependente do parecer do psiquiatra. Rodrigues afirma que esta postura escapista leva que ao assistente social se identificar e agir como um profissional clnico da Sade Mental tende a desconsiderar as condies de vida da populao psiquitrica que as demandas de ateno Sade Mental envolvem (RODRIGUES, s.d.).As possveis causas apontadas pela autora so: ausncia de discusses mais aprofundadas, no interior da Reforma Psiquitrica brasileira, sobre os efeitos do neoliberalismo na Sade Mental e a importncia de intervenes que contemplem as demandas de reproduo material dos usurios de Sade Mental: suas condies concretas de vida e de seus cuidadores.O que podemos dizer que mesmo na universidade encontramos pouco debate a cerca da Sade Mental. Logo, acreditamos que a dificuldade de um assistente social nessa esfera de atuao ser maior. A quando da nossa insero no estgio curricular no Instituto Philippe Pinel no ano de 2009, foi nos passado que nunca houvera tanta procura de alunos do Servio Social para este campo de estgio, mesmo se verificando uma oferta razovel para a referida instituio. No raro quando algum se identifica como estagirio no Pinel ou no IPUB, logo agraciado com algumas frases, tais como: bem sua cara, j que voc louco, ou nunca mais voc vai sair de l, eles vo te internar. Essa falta de procura est certamente ligada estigmatizao do individuo em sofrimento mental que a sociedade insiste em reproduzir, ao medo que o louco nos transmite por no sabermos qual ser sua prxima ao ou reao, etc.. Durante a nossa formao no h contato com a loucura, a no ser que ingressamos em um estgio na rea, e salvo a existncia da disciplina de Psicologia Social. Mas isso no algo particular da Sade Mental. No curso de Servio Social a maior parte do nosso contato com as reas de atuao do assistente social s acontecero pelo estgio ou quando ingressarmos no universo laboral. Contudo, essa questo vem frequentemente sendo posta pelos formandos. O que vem se mostrando positivo o visvel aumento a cada semestre de alunos inseridos no campo de Sade Mental, porm no acompanhado de um aumento no nmero de docentes especializados na rea. O Servio Social, uma profisso que est continuamente questionando as suas atribuies, ainda que as mesmas estejam explicitadas na Lei 8662/93, a Sade Mental se coloca como mais um desafio. Assim como nos coloca Bisneto (2007), h a necessidade de ampliao do tratamento terico, estudar, criticar e teorizar sobre as inter-relaes do social com o subjetivo, isto claro, quando se tratar da Sade Mental. Mas este assunto foge ao que a nossa pesquisa se prope.

CABO VERDE E A QUESTO DA SADE MENTALAs diretrizes da Poltica Nacional de Sade de Cabo Verde (2007) indicam a necessidade de assegurar o acesso equitativo aos cuidados de Sade Mental e, integrar no conjunto de cuidados essenciais de ateno primria as atividades de promoo de Sade Mental. Desta forma, neste captulo nos propomos a realizar uma breve anlise tanto do Sistema Nacional de Sade (SNS), quanto a apresentar os dispositivos de proteo social existentes em Cabo Verde.

2.1 Apresentando Cabo Verde[footnoteRef:6] [6: Esta parte do trabalho foi escrita, sobretudo com base no seguinte documento: Relatrio dos Resultados Preliminares do Recenseamento Geral da Populao e Habitao (RGPH) 2010, disponvel em: www.governo.cv e www.ine.cv. E nos dados do stio: http://www.cipsocial.org/. ]

A Repblica de Cabo Verde um arquiplago que conquistou a independncia a cinco de Julho de 1975, na sequncia de uma luta de libertao nacional realizada conjuntamente com a Repblica da Guin-Bissau. O arquiplago formado por dez ilhas, nove habitadas e, oito ilhus. Todas as ilhas so de origem vulcnica. A superfcie terrestre de 4.033 km. Na condio de pas insular, a sua linha costeira considervel, com uma zona econmica exclusiva [ZEE] de aproximadamente 800.000 km. Fica situado no Oceano Atlntico a 450 km da frica Ocidental. O clima tropical seco, com duas estaes, uma de chuvas (Julho a Outubro) e outra de um perodo seco. Tem uma populao residente de 491.575 habitantes (RGPH, 2010), sendo que 62% residem no meio urbano e 38% no meio rural. A densidade populacional de 125 habitantes/km. A capital do pas a Cidade da Praia e situa-se na Ilha de Santiago. O pas tem uma populao muito jovem. A populao menor de 25 anos representa 62% da populao geral. A populao acima de 60 anos representa 10% da populao geral. Segundo o documento do Relatrio dos Resultados Preliminares do Recenseamento Geral da Populao e Habitao (RGPH, 2010) a taxa de crescimento anual da populao passou de 2,4% nas dcadas de 1990-200 para 1,8% em 2010, com tendncia a baixar. Essa situao pode ser o reflexo de uma poltica de controle de natalidade fortemente estimulada entre os anos de 1980 [fortemente estimulada pelo Banco Mundial] a 2000. A prevalncia contraceptiva foi de 31% em 2005. Outros fatores tambm contriburam para essa situao, como o incremento da escolaridade no pas. A taxa de desemprego de 18,7% com maior peso nas zonas rurais.Nas ltimas trs dcadas o PIB do pas multiplicou-se por oitenta (de 950 milhes de ECV8 no ano da independncia para 75 bilhes de ECV em 2002, INE-2002 apud VALDEZ, 2007). Os dados publicados pela PNUD (2011) [footnoteRef:7] mostram que pelo ndice de Desenvolvimento Humano, Cabo Verde situa-se na posio 133. entre 187 pases. [7: Fonte: http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=34270&idSeccao=542&Action=noticia. ]

As Naes Unidas reclassificou o pas como Pas de Desenvolvimento Mdio (PDM) no ano de 2008. Esse crescimento da riqueza nacional foi acompanhado por uma considervel melhoria de vida da populao, especialmente apoiada pelo desenvolvimento alcanado nos setores da Educao, Sade, Habitao, Saneamento Bsico entre outros. O escudo cabo-verdiano [CVE] a moeda nacional e tem uma paridade fixa com o EURO garantido atravs de um acordo cambial com Portugal [membro da UE] desde finais dos anos noventa. Isso confere a moeda nacional uma forte estabilidade cambial na praa financeira (VALDEZ, 2007).Cabo Verde um pas que tem a emigrao como tradio. Desde os finais do sc. XIX com destino principal na poca, para a Costa Leste dos Estados Unidos da Amrica [em 2006 cerca de 3% da populao residente da grande metrpole de Boston tinha ascendncia cabo-verdiana ou eram emigrantes de primeira gerao]. Segundo publicao da OMS (2007 apud VORA, 2008) os descendentes de emigrantes e emigrantes cabo-verdianos a viver no exterior chegam a 518.180, ligeiramente superior populao residente no pas. Este movimento emigratrio deu-se no inicio devido posio geogrfica do pas e a contratao de pescadores e marinheiros locais na poca em que a pesca da baleia estava no seu auge [mas tambm a comercializao do sal, e o carvo na rota martima do Atlntico].Na segunda metade do sc. XX a emigrao teve como destino principal a Europa [Portugal, Holanda, Luxemburgo, Itlia e Frana] e frica continental por motivos de calamidades naturais ligadas seca prolongada [anos 40 do sc. XX] e de padres de vida consideradas de extrema pobreza ainda na poca colonial. Considera-se como a 11 ilha de Cabo Verde toda a populao emigrada. A emigrao contribui atravs de transferncia de rendimentos aos seus familiares. E a emigrao no tem somente um peso econmico para o pas, mas tambm poltico em termos de participao eleitoral. Nas duas ultimas eleies presidenciais, os votos dos cabo-verdianos emigrados decidiram as eleies (VALDEZ, 2007).A estratificao da economia revela que Cabo Verde hoje um pas de economia de servios, pois os servios [turismo, comrcio, servios aeroporturios, etc.] contribuem com 75,3% [ano 2002] na formao do PIB. E os servios so responsveis pela gerao de 55% dos empregos no pas. A esperana de vida ao nascer de 72 anos [49 anos em 1975]. A esperana de vida saudvel ao nascer de 62,9 anos em 2004. A taxa de pobreza em 2007 foi de 26,6. Em 1988-1989 a populao a viver na pobreza era de 49%. (VALDEZ, 2007). A taxa de escolarizao bsica at 06 classes de 98%, e at 09 classes de 89%. A taxa de alfabetizao geral de 82,8% [20% em 1975]. Os gastos com a educao representam (VALDEZ, 2007) cerca de 20% dos gastos totais do pas. Os gastos com a sade representam cerca de 10% das despesas governamentais e cerca de 5% do PIB. Da independncia a 1990, o pas foi governado por um sistema poltico baseado em regime monopartidrio. Com a abertura poltica tiveram lugar as eleies multipartidrias legislativas [1991], e em 1992 foram realizadas as primeiras eleies autrquicas no pas. As mudanas polticas trouxeram consigo reformas econmicas e o pas abraou a economia de mercado alicerada no setor privado. O setor empresarial de servios modernizou-se e o pas aumentou a sua competitividade atrativa para o investimento privado externo, principalmente na rea do turismo. Cerca de 2/3 das empresas existentes em 1998 em Cabo Verde, nasceram aps 1990. Na dcada de noventa, a economia cresceu cerca de 6% ao ano (IDRF- 2001/2002, INE, 2004 apud VALDEZ, 2007).Em termos de governao, existe um nvel de governo central com incumbncias de governao do pas e no nvel municipal o rgo executivo, so as Cmaras Municipais [Prefeituras]. No existem rgos de governo de nvel regional. O parlamento desempenha as funes de centro de poder poltico no pas.

2.2 A Proteo Social Cabo-verdianaNota-se uma crescente preocupao das entidades pblicas com a definio de polticas, medidas, planos estratgicos, projetos de interveno social, etc. A resoluo dos problemas associados ao desemprego, pobreza e excluso social se encontra consubstanciada em vrios documentos de poltica e de estratgia de desenvolvimento, tais como: Grandes Opes do Plano, Plano Nacional do Desenvolvimento, Documento de Estratgia de Crescimento e Reduo da Pobreza bem como nos Programas Setoriais. No entanto, podemos antever que essas preocupaes se registram no quadro geral do desempenho do pas e do cumprimento de objetivos e propsitos estabelecidos pelos doadores e instituies internacionais, nomeadamente na esfera dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio [footnoteRef:8] e dos requisitos para obter a titulao de pas de rendimento mdio [grifo nosso]. Portanto, tais preocupaes se encaixam no objetivo geral de conservar o que se considera a boa imagem internacional de Cabo Verde. [8: Objetivos do Milnio para o Desenvolvimento: 1. Reduzir a pobreza extrema e a fome; 2. Assegurar a educao de base para todos; 3) Promover a igualdade dos sexos e a autonomia das mulheres; 4. Reduzir a mortalidade das crianas de menos de 5 anos; 5. Melhorar a sade materna; 6. Combater o VIH/SIDA, o paludismo e outras doenas; 7. Assegurar um ambiente durvel; 8. Implementar uma parceria mundial para o desenvolvimento.]

(...) entre os critrios de elegibilidade para crditos do AID [Associao Internacional do Desenvolvimento] necessrio que o cliente implemente, ou se comprometa a faz-lo, polticas econmicas consideradas slidas e responsveis. O grau segundo o qual o bom comportamento figura como condicionalidade ao crdito bem como os termos que o definem como tal variam conforme as circunstncias (PEREIRA, 2010, p.53).

Em virtude da boa governana Cabo Verde foi o primeiro pas a receber o II Compacto da agncia norte-americana Millenium Challenge Corporation [MCA]. (COLOCAR A PASSAGEM DA QUE EST NO EDPS, SOBRE O MERCADO)Assim como houve a introduo dos mecanismos de proteo social mnimo permitindo a sobrevivncia dos idosos, portadores de necessidades especiais e rfos nos anos 1980, tambm houve a abertura e o apoio legal [previsto na Constituio Cabo-verdiana] tanto para a criao de sistemas privados de segurana social, como para a iniciativa privada nos cuidados sade desde o ano de 1989, portanto, ainda sobre o regime monopartidrio. Para Behring & Boschetti (2006), quando se verifica a expanso das polticas sociais atrelados a incentivos criao de sistemas privados cria-se um sistema dual, acesso privado aos que podem pagar, e um sistema pblico com polticas focalizadas e seletivas aos que no podem pagar. De observar que essas mudanas ocorridas na Constituio, limitando o monoplio do Estado e liberalizando a economia, decorreram das especificidades da conjuntura internacional, pois o Banco Mundial pressionava os governos africanos a adotarem o que designaram de boas polticas e a introduzirem o processo de democratizao, assunto que abordaremos no captulo terceiro.No ano de 1954, Cabo Verde teve a sua primeira experincia no campo da Previdncia Social[footnoteRef:9] com a criao das Caixas de Previdncia dos Empregados do Comrcio e Ofcios Correlativos e dos Transportes Martimos e Correlativos, com a atribuio de benefcios de reforma por velhice, doena, pagamentos por morte, maternidade e prestaes familiares. Em 1978, aps a independncia nacional, foi criado, atravs do Decreto-Lei n 39/78, de 02 de Maio, o Instituto de Seguros e Previdncia Social - ISPS, uma instituio pblica, com a misso de reunir as condies humanas e financeiras e alargamento do sistema de previdncia. [9: As informaes aqui apresentadas encontram-se disponveis no stio do Instituto Nacional de Previdncia Social. www.inps.cv. O site foi consultado no dia 05 de Fevereiro de 2012. ]

Com a mudana do regime politico no Pas e a consequente mudana na politica econmica, o governo, atravs do Decreto-Lei n 136/91, de 02 de Outubro, cindiu o patrimnio do ISPS dando origem a duas novas instituies: O Instituto Nacional de Previdncia Social [INPS] encarregue da componente de previdncia social e a Garantia, Companhia de Seguros de Cabo Verde S.A, que assumiu o setor dos seguros. Em 2001 iniciou-se uma reforma no sistema que culminou com a aprovao do Decreto-Lei n 02 8/2003, de 25 de Agosto, revogado pelo Decreto-Lei n 48/2009, de 23 de Novembro, que veio formalizar o enquadramento legal dos trabalhadores independentes, com carter obrigatrio, permitindo tanto a proteo na velhice, invalidez e morte, como a concesso de prestaes diferidas ou penses e a proteo na doena e maternidade [grifos nossos]. Recorrendo-nos a Faleiros (2000) entendemos que os trabalhadores autnomos so levados a contribuir para a previdncia social a fim que o Estado seja eximido da sua responsabilidade em garantir os direitos sociais do indivduo, o que envolve a responsabilidade individual em garantir a salvaguarda dos mnimos sociais para a sua prpria reproduo social. De maneira geral, os discursos so voltados para a sustentabilidade do sistema, ou seja, o peso/gasto social que o sistema no contributivo representa para o Estado.Desde o ltimo trimestre de 2006, pelo Decreto-lei n. 40/2006, de 17 de Julho, os funcionrios pblicos [cerca de 30% da populao, incluindo seus dependentes] anteriormente assumidos pelo Tesouro Pblico com encargos relacionados doena, foram integrados no sistema previdencirio pelo INPS. Com o argumento de maior eficincia e eficcia na administrao dos cuidados de sade pela previdncia social, o INPS assinou, em Setembro de 2006, com o Ministrio da Sade um novo contrato de prestao de servio. Esse acordo veio reformular e atualizar o contrato de 1992[footnoteRef:10]. O INPS o principal agente no mercado de seguro social no pas. Tem a natureza de uma instituio semi pblica, portanto, dotada de autonomia administrativa e financeira. [10: Para garantir os cuidados mdicos aos segurados e seus dependentes, o INPS, por no dispor de estruturas prprias de prestao de cuidados, estabeleceu com o Ministrio da Sade (MS) acordos sucessivos de prestao de servios, por meio de contratos. O MS atravs de suas diferentes unidades de sade presta servios ao INPS e este transfere mensalmente ao MS os valores acordados (VALDEZ, 2007, p.57). ]

Segundo o documento Estratgia de Desenvolvimento da Proteo Social [EDPS] constam em Cabo Verde organizaes pblicas e no pblicas, que tm desenvolvido programas e projetos no domnio da proteo social. Contudo, constata-se que nem sempre a articulao e coordenao entre estes atores so o desejvel e o necessrio, o que implica sobre o impacto das aes empreendidas e mesmo sobre a eficcia dos recursos alocados, no produzindo, por conseguinte, as mudanas desejadas na qualidade de vida dos beneficirios nem mesmo na coeso e equilbrios sociais.O governo elaborou a EDPS com o objetivo o desenvolvimento em longo prazo e a reduo rpida da pauperizao das populaes ditas vulnerveis e em situao de risco.EDPS apropria-se do conceito de proteo social como sendo:O conjunto de polticas pblicas que visam: i) ajudar os indivduos, famlias e coletividades a melhor gerir o risco, e ii) fornecer um apoio s pessoas em situao de pobreza. Neste sentido, a proteo social inscrito no quadro da gesto do risco social a que esto sujeitos os indivduos e grupos sociais bem identificados e, por isso, impe-se conceber a Estratgia Nacional como devendo: a) perspectivar a proteo social como um domnio importante de segurana social, particularmente para as populaes mais desfavorecidas necessitando de sair da pobreza extrema e de ter acesso a uma fonte de rendimento; b) assumir a proteo social como um canal importante de investimento no capital humano e, neste quadro, o acesso aos servios sociais de base como o so a educao, a sade, a habitao, gua e saneamento, etc. c) recentrar as aes de luta contra a pobreza buscando atacar as suas causas e no os seus sintomas, significando que polticas ativas de emprego e auto emprego que favoream os riscos associados ao empreendedorismo, mas que possam ser rentveis e passveis de contribuir para a sada da situao de pobreza e no apenas a sua mitigao d) associar as dimenses preveno, atenuao e reao em relao aos riscos sociais ([grifos nosso], EDPS).

Segundo os dados do EDPS, neste caso so dados anteriores ao ano de 2010, portanto no atuais, dos 37% da populao era considerada pobre [dados de 2007 apontam para 26.7%]. Destes, 20% viviam em situao de extrema pobreza. Estas porcentagens correspondem a cerca de 173.000 cabo-verdianos pobres e 93.000 considerados muito pobres, que viviam com 79 ECV por dia. Destes 173.000, 14.888 beneficiavam de uma penso social, ou seja, uma parcela enorme encontrava-se desprotegida. Como pudemos ver anteriormente, os trabalhadores autnomos foram recentemente incorporados previdncia o que poder ter contribudo para a reduo da populao considerada pobre. Baseando-nos em Boschetti (2001), entendemos que deveremos estar atentos importncia da no reduo da pobreza carncia de uma renda, o qual impossibilita que um determinado indivduo satisfaa suas necessidades mnimas, pois esta reduo implica no estabelecimento do que a autora chama de linhas de pobreza [grifo no original]. Com o estabelecimento destas linhas de pobreza h a criao de critrios de acesso s polticas sociais que desconsideram o acesso a servios pblicos que igualmente interferem nas nossas condies de vida. Os mecanismos que Cabo Verde dispe so os seguintes: Os dispositivos tradicionais: as associaes de socorros mtuos constituem um mecanismo informal de proteo social, com carcter associativo que asseguram a cobertura/resposta a certos riscos sociais a que se sujeitam os seus membros. So sistemas de tipo tradicional, baseados na solidariedade e ajuda mtua que asseguram a satisfao de algumas necessidades pontuais dos beneficirios insuficientemente cobertos ou no cobertos por outros sistemas de proteo social. Estima-se que haja no pas por volta de trinta e trs (33) organizaes mutualistas, sobretudo em quatro ilhas da regio sul, [Santiago, Maio, Fogo e Brava], voltadas essencialmente para a proteo na sade e poupana e crdito. Os dispositivos tradicionais no meio rural: Muitas das organizaes tradicionais de solidariedade predominam no meio rural, onde se desenvolvem formas de solidariedade e entreajuda como estratgia de sobrevivncia das classes menos favorecidas. Existem em maior nmero nas ilhas de sotavento, coexistindo com formas de entreajuda espontnea [djuntamon] que permitem resolver algumas necessidades bsicas de certos grupos, nomeadamente, na realizao dos trabalhos agrcolas, construo e melhoria de habitao, alimentao, sade, educao, cultura, bem como o financiamento de atividades econmicas no sector informal. Os dispositivos no meio urbano: Nos meios urbanos h um fraco desenvolvimento do movimento mutualista, embora sejam de se registar algumas iniciativas, sobretudo na rea da sade. Sendo os princpios da solidariedade a fora motora da criao dessas organizaes, muitos tm enfrentado problemas e dificuldades relativas participao, devido perda relativa da solidariedade e do esprito de entreajuda, sobretudo nos meios urbanos, esta questo da participao cvica do cabo-verdiano ser retratada no captulo terceiro. Segundo o prprio EDPS, o porm dos sistemas tradicionais se coloca no seu fraco desenvolvimento. As organizaes que so tidas como partes do setor da economia social, instituies de solidariedade social ou de ajuda mtua, no esto, todavia, enquadradas legalmente. A no existncia de um quadro legal que regule o seu funcionamento e o fato de existirem apenas com base nas relaes de vizinhana ou familiares, poder estar na origem de vrios constrangimentos, nomeadamente, certa desorganizao interna, um funcionamento pontual que atingem grande parte dessas organizaes e contribuem para o seu fraco desenvolvimento.Os dispositivos institucionais modernos: Dispositivos pblicos: A Proteo Social Mnima [PSM] instituda pelo Decreto-Lei n 2/95 de 23/01/95, garante uma proteo, focalizada entre os indivduos com mais de 65 anos ou menores de 18 anos incapacitados para o exerccio de qualquer profisso e que no se encontrem abrangidos por nenhum outro regime de proteo social. A PSM tem como objetivos garantir o mnimo de sobrevivncia dos mais carenciados da populao atravs da prestao gratuita de cuidados de sade, concesso de uma penso social... e beneficia cidados mais carenciados. A gesto assegurada pelo Tesouro e pela Direo Geral de Solidariedade Social [DGSS], departamento governamental responsvel pela rea da proteo social, sendo a execuo a cargo dos Municpios, com base no acordo de municipalizao dos servios de promoo social. As prestaes traduzem-se na concesso de uma penso social [o valor da Penso Social sofreu quatro atualizaes, de 3.150$00 passou a 3.500.$00, depois 4.500$00, e em 2010 para 5.000$00] [footnoteRef:11]. Os beneficirios contam ainda com o acesso a programas sociais bsicos, nomeadamente aos cuidados de sade gratuitos, mediante a apresentao de carto de pensionista ou atestado de pobreza [grifo nosso]. [11: COTAO REAL/ECV]

Abrindo um parntesis, segundo Sposati (1997) a necessidade do indivduo em se identificar como pobre atravs da apresentao de comprovantes de pobreza [atestado de pobreza] impele a que o mesmo seja visto como um no cidado. E mais, a necessidade de comprovao se figura como algo vexatrio, pois implica em se apresentar como aquele que no consegue pagar/comprar. Essa configurao de incluso se d pela chamada: cidadania invertida[footnoteRef:12]. Segundo a autora, caber assistncia social identificar as necessidades e realizar uma anlise das demandas com as devidas propostas e atendimentos devidamente padronizados. [12: ... O indivduo passa a ser beneficirio do sistema pelo motivo mesmo do reconhecimento de sua incapacidade de exercer plenamente a condio de cidado. Nesta condio poltica de cidadania invertida, o indivduo entra em relao com o Estado no momento em que se reconhece como um no cidado. Os seus atributos jurdicos e institucionais so, respectivamente, a ausncia de uma relao formalizada de direito ao benefcio, o que reflete na instabilidade das polticas sociais nesta rea, e uma base institucional inspirada em um modelo de voluntariado das organizaes de caridade, mesmo quando so instituies estatais (SPOSATI; FALCO; FLEURY, 1989).]

Penso de Solidariedade Social: tal como previsto nos Decretos Lei n 122/92 de Novembro/92 e 29/2003 de 25 de Agosto, assegura a proteo social, aos ex- trabalhadores das Frentes de Alta Intensidade de Mo de obra [FAIMO], com mais de 65 anos, afastados por limite de idade, doena ou invalidez contrada no trabalho e que tenham trabalhado mais de 10 anos. Proteo social face ao risco de doena: a proteo sade integra um conjunto de cuidados que vo desde assistncia mdica e medicamentosa evacuao de doentes carenciados, garantia do acesso aos cuidados primrios de sade.O EDPS de opinio que a situao do setor do regime no contributivo de proteo social enfrenta um conjunto de problemas, quer a nvel institucional do setor pblico e privado, quer em nvel dos programas desenvolvidos. No nvel institucional o EDPS destaca os seguintes entraves: A instabilidade institucional do departamento responsvel pela rea da proteo social, com reflexos negativos na sua capacidade de gesto e seguimento dos programas de proteo social a nvel nacional e regional; Uma inexistncia ou inadequada articulao e coordenao entre as instituies intervenientes no setor; A insuficincia de recursos humanos, tcnicos e financeiros para fazer face s necessidades existentes faz com que, as intervenes tenham, no essencial, um carter seletivo e assistencialista, em detrimento de aes que visem prevenir os riscos sociais e contribuir para as efetivas condies de vida sustentveis dos beneficirios; Falta de autonomia financeira de certos servios do Estado e das organizaes da sociedade civil, e forte centralizao das decises em relao s respostas aos problemas dos beneficirios.O EDPS aponta a instabilidade institucional do organismo governamental [instabilidade essa que est relacionada com deficiente enquadramento da DGSS, fruto das sucessivas mudanas de ministrio e de uma viso diferenciada dos respectivos titulares], encarregue da execuo da poltica no setor e a ausncia de uma poltica e de uma estratgia de proteo social, com impacto direto na reduo da pobreza, como algumas das causas para uma interveno menos eficaz face natureza e complexidade das situaes que afetam os chamados grupos vulnerveis.O processo de descentralizao ainda tambm apontado como um dos fatores que originou certo esvaziamento da DGSS, podendo ser identificadas lacunas importantes que tm a ver com a falta de comunicao entre o nvel central/local em matria de proteo social; indefinio em termos de coordenao tcnica das atividades; indefinio de uma poltica de integrao e formao dos quadros descentralizados; etc.A EDPS objetiva com a sua implementao contribuir para a reduo da pobreza e das desigualdades sociais e, de forma particular, os riscos de se ser pobre ou vulnervel, em estreita articulao com as demais polticas sociais definidas pelo governo. A EDPS defende que enquanto instrumento de combate pobreza e excluso social, dever contribuir para o reforo dos laos de solidariedade e da coeso social, devendo consubstanciar-se num conjunto coerente de medidas de poltica que visem: ajudar os indivduos, grupos e comunidades e melhor gerir os riscos que enfrentam, de forma a contriburem para a melhoria progressiva e sustentada das condies de vida; e garantir um apoio s pessoas que vivem em situao de pobreza extrema e de vulnerabilidade. Como se observa, a EDPS uma estratgia de diretriz focalizadora e seletiva. Portanto, ela se configura como um instrumento de combate pobreza. Por isso, podemos dizer que segue conforme as orientaes dos organismos internacionais[footnoteRef:13]. [13: A carteira de emprstimos do Banco Mundial funcionou como instrumento para fazer circular, internalizar e institucionalizar o produto principal: ideias econmicas e prescries polticas sobre o que fazer, como fazer, quem deve fazer e para quem em matria de desenvolvimento capitalista, nas suas mais variadas dimenses. A construo poltico-intelectual do combate pobreza fez parte dessa trajetria a partir do final dos anos sessenta. Aps duas dcadas alimentado por emprstimos, assistncia tcnica a governos, articulaes com outras agncias de desenvolvimento e milhares de publicaes promovidos pelo Banco Mundial, o enfoque orientado pobreza terminou por impor em mbito internacional, no bojo dos programas de ajustamento estrutural, uma maneira especfica de se pensar e se fazer poltica social, baseada na separao terica entre produo da pobreza e produo da riqueza e na noo de mnimos sociais. No se entende como uma mudana poltica e intelectual dessa envergadura foi possvel se no se tem em conta a atuao financeira e no financeira do Banco Mundial (Pereira, 2010).]

As estratgias e polticas em torno da reduo da pobreza em Cabo Verde - tendo em conta o Documento de Estratgia de Crescimento e Reduo da Pobreza- II (2008) - vm ganhando contornos similares aos adotados na Amrica Latina[footnoteRef:14]. Alis, estratgias essas que vo ao encontro da linha poltica do Banco Mundial, [14: A Amrica Latina materializou hegemonicamente as propostas do Consenso de Washington nos ano 1990 com o apoio do Tesouro dos EUA e dos organismos internacionais: FMI, Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No terceiro milnio a Amrica Latina ingressou com quase 150 milhes de pessoas, mais de um tero de sua populao vivendo na pobreza (com renda mnima inferior a US$ 2 dirios) e quase 80 milhes padecem de pobreza extrema, com ingressos inferiores a US$1dirio (IAMAMOTO, 2002).]

Os mercados so essenciais para a vida dos pobres. (...) Em mdia, os pases abertos ao comrcio internacional e dotados de slidas polticas monetrias e de mercados financeiros bem desenvolvidos registram maior crescimento (...) (PEREIRA, 2010, p. 399). Acreditamos que impera a necessidade de reflexo sobre os resultados das estratgias outrora experimentadas por outras naes. Devemos tratar a pobreza no como um fenmeno em si mesmo, mas sim como resultado de um sistema que se baseia na explorao e consequentemente leva excluso. Se o sistema exclui, consequncia da sua contradio, como a poltica de transferncia de renda reduzir o nvel da pobreza? Para Siqueira[footnoteRef:15] e conforme pudemos observar a pobreza no pode ser reduzida ausncia de renda, portanto devemos nos ater que a poltica de assistncia somente ter eficcia se se atrelar com polticas de habitao, saneamento, educao, trabalho, transporte. [15: ]

Mota (2008) sustenta que a poltica da assistncia se configura em um verdadeiro mito social, pois a mesma se transformou em um fetiche de enfrentamento desigualdade, ou seja, h uma naturalizao da pobreza, encobre-se a desigualdade que permeia o modo de produo capitalista. Ao assumir tal caracterstica a assistncia social oculta a responsabilidade que a precarizao do trabalho e o aumento da populao relativa tem no processo de reproduo social. Apossando-nos do pensamento de Sitcovsky (MOTA 2008, p.140), a cerca do enfrentamento da questo social no Brasil, o autor nos diz que a questo social est sendo enfrentada com aes e programas de combate pobreza moda dos organismos financeiros internacionais, ou seja, com centralidade dos programas de transferncia de renda. Sitcovsky relata que entre os anos de 2000 a 2005 houve um aumento no oramento, discreto, porm, com tendncia a expandir na rea da assistncia social. Pois bem, Valdez (2007, p.50) fez uma observao interessante, ao ressaltar que o oramento para a assistncia social em Cabo Verde ganhou a ateno merecida em termos de verbas para o Oramento Geral do Estado [OGE] para o ano de 2007, auferindo um pouco menos do que o setor da sade.

Figura 1, Fonte: B.O I Srie 11 de Janeiro de 2007- Cabo Verde, apud Valdez, 2007.Colocando esse dado em consonncia com o contedo desta seo, acreditamos ser possvel relacionarmos esse aumento no oramento da assistncia social s atualizaes nos ltimos anos das prestaes da Proteo Social Mnima [PSM]. Para (FALEIROS, 2000; MOTA, 2008) a assistncia social assume a responsabilidade de combate pobreza, a qual imposta pelas classes dominantes, e de enfrentamento desigualdade. O governo ao no garantir o pleno emprego, seja pelas orientaes macroeconmicas vigentes, ou pelo nvel de desemprego, o Estado capitalista amplia a ao da assistncia social ao mesmo tempo em que limita o acesso sade e previdncia social do setor pblico. Sendo assim, na prxima seo nos propomos a uma breve anlise crtica do Sistema Nacional de Sade Cabo-verdiano.

2.2.1 O Sistema de Sade Cabo-verdiano[footnoteRef:16] [16: Parte dessa seo do trabalho foi elaborada tendo como base no documento da Poltica Nacional de Sade, disponvel em no seguinte endereo eletrnico: www.governo.cv/.../POLITINACIONALSAUDE_2020%20(2).pdf. ]

No que concerne ao sistema de sade cabo-verdiano, quando o pas acede independncia, o sistema de sade existente concentrava-se nas zonas urbanas e atendia a um nmero reduzido da populao. As aes de sade pblica existiam desde o perodo colonial, mas refletiam geralmente medidas pontuais de higiene e sem uma perspectiva de sade coletiva articulada com a cobertura universal pelos servios (CARVALHO, 2008 apud RODRIGUES, 2010).Desde a independncia, o Sistema Nacional de Sade [SNS] de Cabo Verde baseado no modelo dito "Regionalizado. O SNS se fundamenta nos cuidados primrios de sade escalonados em nveis hierarquizados de atendimento.Como vimos na seo anterior, no ano de 1989 inseriu-se ao sistema um setor privado de sade, o argumento utilizado da oferta da possibilidade de escolha. Porm, O Estado no criou, ainda, as condies para incentivar o desenvolvimento deste setor nem para exercer o seu papel regulador e de fiscalizao. Alm disso, no se dotou dos meios necessrios para o estabelecimento de convnios susceptveis de melhorar a utilizao de recursos disponveis a fim de concretizar a desejada complementaridade entre o setor pblico e privado. O Servio Nacional de Sade [SNS] tutelado pelo Ministro da Sade. No nvel local ou municipal, o SNS est sob responsabilidade do Delegado de Sade que a autoridade sanitria e representante do Ministro da sade. Compem o SNS no nvel central os servios e organismos que assistem o Ministro na formulao de poltica de sade, no exerccio da funo de regulao e gesto do SNS e na avaliao de desempenho [as Direes Gerais].Existem os rgos consultivos como o Conselho do Ministrio da Sade [CMS], O Conselho Nacional de Sade [CNS], este criado em 1990, e instituies dependentes como Hospitais Centrais e O Centro Nacional de Desenvolvimento Sanitrio [CNDS]. Este ltimo criado em 1993, coordena as reas de comunicao, informao e educao em sade.A organizao poltico territorial de Cabo Verde dita a organizao do seu Sistema Nacional de Sade. O pas est dividido administrativamente em concelhos[footnoteRef:17] ou municpios, onde esto implantados os rgos desconcentrados do Sistema Nacional de Sade. Os cuidados de sade so prestados por nveis hierarquizados de ateno. [17: Concelho | ou | (latim concilium, -ii, associao, reunio, assembleia). S. m.1. Subdiviso do distrito administrativo composta de uma ou mais freguesias. = CMARA, MUNICPIO MUNICIPALIDADE. ]

As Unidades Sanitrias de Base [USB], Postos de Sade [PS] e Centros de Sade [CS], constituem o nvel de ateno primria. Nos Hospitais Regionais [HR] funcionam cuidados especializados de menor complexidade [nvel secundrio]. Nos Hospitais Centrais [HC] so prestados cuidados mais especializados de nvel secundrio e tercirio.O Servio Nacional de Sade desconcentra seus servios por meio das Delegacias de Sade, circunscrio essa que vai ao encontro com a do Municpio, base da diviso administrativa do pas. Para uma melhor organizao dos servios de sade e adequar as respostas de acordo com as necessidades da populao, a Lei Orgnica do Ministrio da Sade [Decreto-Lei n 25/2003 de 25 de Agosto] prev a criao de Regies Sanitrias [RS] como entidades descentralizadas de administrao de sade.O Servio Nacional de Sade constitudo pelos seguintes (artigo 3 da Lei de Base da Sade, 2004): a) A universalidade de acesso aos servios em todos os nveis de assistncia sanitria;b) A solidariedade de todos os cabo-verdianos na garantia do direito sade e na contribuio para o financiamento dos cuidados de sade, de acordo com o rendimento individual;c) A defesa da equidade na distribuio dos recursos e na utilizao dos servios;d) A salvaguarda da dignidade humana e a preservao da integridade fsica e moral dos utentes e prestadores;e) A liberdade de escolha de estabelecimento sanitrio e de nvel de prestao de cuidados de sade, com as limitaes decorrentes dos recursos existentes e da organizao dos servios;f) A salvaguarda da tica e deontologia profissionais na prestao dos servios de sade;g) A participao dos utentes [usurios] no acompanhamento da atividade dos servios de sade;h) A natureza multissetorial das intervenes no domnio da sade com ateno especial luta contra a pobreza, em geral, e s condies de abastecimento de gua, saneamento bsico, habitao, educao e nutrio das populaes, em particular.O financiamento da sade assegurado pelos trs principais agentes: o governo, as entidades seguradoras (no caso o Instituto Nacional de Previdncia Social INPS com maior expresso) e os usurios. O principal financiador do setor da sade em Cabo Verde o Estado. A Lei n. 41/VI/2004 que cria a Lei de Bases da Sade no seu artigo n.37 sobre o financiamento da sade estipula que:1. O financiamento das atividades de sade desenvolvidas no mbito do Servio Nacional de Sade assegurado pelo Oramento do Estado, pelos utentes [usurios], pelas entidades gestoras do seguro doena e outros seguros, na parte correspondente s suas responsabilidades legais ou contratuais, pelos subsistemas de sade e por terceiros responsveis pelos fatos determinantes da prestao de assistncia.2. Cabe ao Estado financiar a administrao do Servio Pblico de Sade [SPS] e a prestao de cuidados a doentes vulnerveis e grupos especiais em condies estabelecidas por lei.3. As instituies integradas no SPS, podem ainda inscrever como receitas prprias nos seus oramentos:a) O pagamento de prestaes de sade por usurios no beneficirios do SPS na ausncia de terceiros responsveis;b) O pagamento de outros servios prestados ou de taxas sobre a utilizao de instalaes e equipamentos nos termos previstos na lei;c) O rendimento de bens prprios e o produto de legados ou doaes;d) As taxas estabelecidas por lei para regular a utilizao dos servios de sade. A sade um direito do cidado e dever do Estado Cabo-verdiano. Entretanto, o direito sade do cidado partilhado com os deveres que lhe so imputados no artigo 23 n 2 da Lei de Bases da Sade que regulamenta os Estatutos dos Utentes [usurios], os quais so: a) Absterem-se de atitudes, comportamentos e hbitos que ponham em risco a sua prpria sade ou a de terceiros; b) Contribuir para a melhoria, ao seu alcance, das condies de sade familiar e ambiental; e) Comparticipar, nos termos da lei, nos custos da sade. O direito sade no que diz respeito assistncia est enquadrado no artigo 5 da mesma Lei que estipula os seguintes:1. Todos os cidados tm direito sade e o dever de preservar e o promover independentemente da sua condio social, econmica e das suas convices polticas ou religiosas.4. O direito referido no n. 1 compreende o acesso a todas as prestaes estabelecidas nesta lei, estando sujeito apenas s restries impostas pelo limite de recursos humanos, tcnicos e financeiros disponveis.O Oramento Geral do Estado [OGE] assegura o financiamento do mesmo. O financiamento gerado de forma centralizada pelo Ministrio das Finanas. A execuo do oramento realizada de forma descentralizada, mediante comprovao das despesas previstas no oramento, e apresentao das faturas para suas liquidificaes. O recurso a oramentos suplementares para reforar o oramento inicial algo que ocorre com regularidade. (VALDEZ, 2007)Segundo Valdez (2007) o oramento no considera a populao per capita alvo, o perfil demogrfico, o perfil epidemiolgico, o volume de produo de cuidados. O oramento sujeito correo anual proporcional inflao. A execuo do oramento julgada pelo tribunal de contas. O oramento de investimento para o setor da sade no [ano de 2007] sofreu um acrscimo em cerca de 20% em comparao ao ano de 2005, segundo Valdez mais por fora do aumento significativo das contribuies, Donativos que aumentaram em 44%. A sustentabilidade do SNS tem sido posta em causa e, segundo Valdez, as rubricas Despesas com pessoal e Medicamentos representam 82% do oramento global quando somadas. A par das despesas relacionadas ao pessoal e aos medicamentos, mais de 85% das despesas publicas so destinadas ao setor curativo (Timmermans, apud VALDEZ, ibidem). O restante no cobre as despesas de manuteno das infraestruturas, equipamentos, e outros servios de suporte ao sistema, incluindo as aes voltadas para promoo e preveno (VALDEZ, 2007). Valdez sustenta que este cenrio se revela deveras preocupante e poder conduzir o SNS a um colapso financeiro. Valdez coloca as seguintes questes: o que fazer? Buscar outras fontes de financiamento e continuar a alimentar este crescimento distorcido? Aumentar o oramento da sade para valores prximos de 15% do OGE?O Plano Nacional de Sade[footnoteRef:18] (2007, p.19) aponta, a par do baixo oramento para a sade, como estranguladores do financiamento da sade a fraca comparticipao dos usurios nos custos da sade, que se desdobra em: larga camada da populao isenta por lei do pagamento dos cuidados, etc. Outro motivo apontado o elevado nvel de consumo dos servios de sade, induzidos em grande parte pelo pessoal mdico, com uma progresso descontrolada nas despesas com exames complementares, medicamentos e acessrios. [18: ]

Os dados do INE apresentados em 2002 (VALDEZ 2007) apontam que os cabo-verdianos gastam cerca de 840.579.000 ECV com a sade, pouco mais do dobro que gasto com a educao, e ligeiramente menor que os gastos em bebidas alcolicas e tabaco.

Figura 2: (VALDEZ, 2007)Segundo Valdez (2007) os dois grupos Muito Pobre e Pobre representam cerca de 7% dos gastos com sade, e somente o grupo No Pobre Alto representa cerca de 35% dessas despesas. Este cenrio mostra, portanto, o quanto a sociedade cabo-verdiana desigual, mesmo quando estamos tratando da capacidade de pagamento por servios de sade. Porm, o autor deixa claro que, a olhos nus, o montante gasto pode sugerir baixa participao dos cabo-verdianos nos gastos da sade, mas quando comparado o valor desta percentagem com os gastos pblicos em sade, este valor corresponde a cerca de 56,5% do total das despesas correntes. O cabo-verdiano gasta 840.579.000 ECV, o Estado 1.485.141.542 ECV, orado para 2007.TABELA 1. PARTICIPAO NO FINANCIAMENTO DO SETOR DA SADEInstituioMontante%InstituioMontante%

Governo(OF + OI)

3.187.650.114,00(1.836.723.832,00)61,6Governo1.836.723.832,0048,0

INPS1.142.833.000,0022,1INPS1.142.833.000,0029,9

Famlias840.579.000,0016,3Famlias840.579.000,0022,0

Total5.171.062.114,00 (Intl. US$152.090.050,00)100Total3.820.184.832,00100

Fonte: Os dados relativos ao Governo foram retirados do B.O. I Srie de 11 de Janeiro de 2007; Os dados relativos ao INPS foram obtidos do Relatrio e Contas de 2006; Os dados referentes aos Agregados Familiares foram obtidos do IDRF 2001-2002 (INE), (VALDEZ, 2007).

Valdez demonstra que no considerando o Oramento de Investimento (OI), (o mesmo varia muito ao longo dos anos, dependendo dos projetos governamentais construes, emprstimos, donativos) o setor pblico de financiamento cobre cerca de 48% dos gastos com a sade.Os servios pblicos so os mais utilizados pela populao, independentemente da sua condio social, mas com maior expresso nos grupos Muito Pobre e Pobre. O servio privado utilizado como alternativa ao setor pblico, com maior expresso nos grupos No Pobre Mdio e No Pobre Alto. A despesa com medicamentos dominam o espectro de despesa com sade dos agregados familiares, 54% o percentual dos gastos (453.912.660 ECV). No grupo Pobre a despesa com medicamento chega a 90%. No grupo No Pobre Mdio e No Pobre Alto a despesa chega a atingir 40% no ltimo grupo. Valdez (2007) sustenta que esses dados podem estar ligados ao fato de haver maior concentrao nesses grupos de pessoas que se beneficiam do sistema de previdncia social, cujos seguros assumem o pagamento de 75% das despesas. Essa mais uma demonstrao das desigualdades com os grupos economicamente mais vulnerveis.O Estado por ser o principal provedor financeiro da sade em Cabo Verde confere ao Servio Nacional de Sade [SNS] cabo-verdiano caractersticas de modelo compatvel com os sistemas de sade denominados de Sistema Nacional de Sade [modelos beveridgeanos[footnoteRef:19]]. A recente incorporao dos funcionrios pblicos para o sistema previdencirio levou a que a populao coberta pelo seguro aumentasse de 30% para 60%. [19: O modelo beveridgeano, surgido na Inglaterra aps a Segunda Guerra Mundial, tem por objetivo principal o combate pobreza e se pauta pela instituio de direitos universais a todos os cidados incondicionalmente, ou submetidos a condies de recursos; porm, so garantidos mnimos a todos os cidados que necessitam. O financiamento proveniente dos tributos (oramento fiscal) e a gesto pblica/estatal. Trata-se de um modelo baseado na unificao institucional e na uniformizao dos benefcios (BOSCHETTI, 2001).]

As consequncias previstas por Valdez (2007) que o INPS [empresa de natureza pblica com lgicas empresariais] certamente reforar-se- com poderes de influenciar a poltica de sade no pas, independentemente de que por agora essa instituio esteja sob tutela do Estado. E com o crescimento do mercado de seguros, Valdez antev que poder ocorrer duas situaes: a primeira o surgimento de outras operadoras de seguro e, ento, o SNS cabo-verdiano auferir caractersticas de sistemas de sade denominados do tipo Seguro Social [modelos bismarckianos de sade][footnoteRef:20]; a segunda a possibilidade de a poltica de sade evoluir para uma focalizao do financiamento na populao pobre, neste caso o SNS auferiria caractersticas de um sistema de sade denominado modelo segmentado, o qual caracterizado pela diviso em dois grupos sociais: os que podem pagar, e os que no podem pagar. Para Valdez, a possibilidade da ocorrncia deste modelo no de todo descartada em longo prazo. [20: O modelo bismarckiano, originado na Alemanha no final do sculo XIX, tem como objetivo central assegurar renda aos trabalhadores em momentos de riscos sociais decorrentes da ausncia de trabalho. Ele identificado como sistema de seguros sociais em funo de sua semelhana com seguros privados, j que os direitos aos benefcios so garantidos mediante contribuio direta anterior e o montante das prestaes proporcional contribuio efetuada. As bases do financiamento so recursos recolhidos dos empregados e empregadores, baseados predominantemente na folha de salrios (BOSCHETTI, 2001).]

Em jeito de reflexo, o modelo de sade de Cabo Verde, ainda que possua caractersticas beveridgeanas, contm um vis de sistema segmentado tendo em conta os dados apresentados. A Lei de Bases da Sade no seu artigo 37 n 2, estipula que: Cabe ao Estado financiar a administrao do Sistema Pblico de Sade e a prestao de cuidados a doentes vulnerveis e grupos especiais em condies estabelecidas por lei.

A estipulao supracitada contrria ao princpio da universalidade do acesso sade prevista na Constituio cabo-verdiana. Com esse cenrio temos uma parcela significativa da populao que no abrangida pelos seguros e nem considerada vulnervel [26.7% da populao cabo-verdiana considerada pobre] e, no entanto, paga pela prestao dos cuidados de sade. Para Mendes, no processo de reforma preciso ter em conta que os gastos dos sistemas de sade vo aumentar at atingir o nvel de recursos disponveis de modo que esse nvel deve ser limitado para manter os custos controlados. J na tica de Duarte em qualquer processo de reforma do sistema de sade pode-se considerar que os gastos em sade no so meras despesas de consumo, devendo ser reconhecidos como investimento voltado ao capital humano (DIAS, 2010). O PNS aponta como medida, futura criao de um sistema de faturao das prestaes segundo uma tabela atualizada e outro de cobrana por escales de comparticipao, e a introduo de uma grelha mais fina de critrios que reduza a camada da populao isenta por lei do pagamento dos cuidados. Ou seja, a soluo apontada contm uma diretriz seletiva e focalizada. A partir de Paim (1996), podemos entender que o termo focalizao leva que a crer que diante de um cenrio em que os recursos financeiros se mostrando limitados para responder as inmeras demandas por benefcios sociais, o Estado deve dirigir a sua atuao para as ditas camadas mais desfavorecidas da populao. Boschetti (2001) argumenta que o termo focalizao no necessariamente possui uma conotao ruim. Para Bochetti, focar permite distinguir aqueles que demandam ateno. A focalizao somente adquire um vis negativo quando se associar seletividade. Ou seja, deve-se focar no conjunto, assegurar o acesso aos direitos sociais ao conjunto daqueles que necessitam, mas sem criar regras ou critrios de elegibilidade. Conforme se observa, os cabo-verdianos esto sendo chamados a ter maior engajamento no plano financeiro nos custos da sade. Tanto por parte dos gestores do SNS, como pela parte dos polticos.Nas palavras do Ex-Ministro da Sade, Baslio Mosso Ramos:

Ningum pode ficar sem ter acesso aos cuidados de sade por no ter os cem (100) escudos para pagar. Em Cabo Verde, a virtude primeira do servio nacional de sade ter um rosto humano. (...) a sade cara e tem custos e, para continuarmos a avanar fundamental que o cabo-verdiano pague. Eu no posso aceitar que um indivduo tenha dinheiro para pagar 05 ou 06 cervejas e no tenha dinheiro para pagar uma consulta[footnoteRef:21] (ADECO, 2008). [21: Baslio Mosso Ramos foi Ministro da Sade do ano 2002 a 2011. Atualmente exerce o alto cargo de Presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde. Entrevista disponvel no seguinte endereo eletrnico: http://adecocv.wordpress.com/2008/07/29/basilio-ramos-visita-a-sede-da-adeco-em-sao-vicente/. ]

Na fala supracitada podemos observar certa dose de moralizao, pois indica/orienta o que o indivduo deve ou no fazer para obter os cuidados do servio de sade. Ao mesmo tempo em que se proclama que o sistema de sade de Cabo Verde tem um rosto humano, o individuo deve abdicar das suas 05 ou 06 cervejas para que possa ser considerado um candidato a aceder aos cuidados oferecidos por este sistema de rosto humano.Nas palavras de Faleiros (2000, p.63) criou-se um discurso humanizante para uma realidade desumanizadora. cidade humana, hospital humano, atendimento humano, etc.. Para Manuel Faustino[footnoteRef:22], quando questionado sobre os custos da sade, ele de opinio que: [22: Psiquiatra, foi professor universitrio na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No governo de transio de 1974 foi ministro da Educao, pasta que voltou a titular entre 1991 e 1994. Entre 1975 e 1979, primeiros anos da independncia, foi Ministro da Sade. Entrevista disponvel em: http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/saude--tivemos-avancos--mas-temos-um-grave-defice-na-planificacao. ]

uma questo de alguma complexidade. Eu acho que os custos da sade no devem ser financiados essencialmente pelo utente, e isto tem acontecido. A questo deve ser colocada de outra forma, porque a esmagadora maioria dos utentes gente de baixa renda, que est sobrecarregada, muitas vezes com condies de vida complicada. Ento, o discurso deve ser numa perspectiva de a sociedade assumir as despesas da sade, e colaborar, de acordo com a sua capacidade. Alm disso, no se deve fazer depender a qualidade do servio com a condio econmica do utente (FORTES 2011).

Tanto para Valdez (2007) como para Dias (2010), tendo como base os dados apresentados, qualquer proposta para uma maior comparticipao da populao nas despesas com a sade, dever considerar que o cidado cabo-verdiano est a pagar hoje montantes considerveis para a sua sade. Ento, a poltica de comparticipao nos custos como uma das principais propostas e estratgias que promovam a sustentabilidade financeira do setor da sade em Cabo Verde deve e precisa ser avaliada.Por fim, comprovamos a tese de Faleiros e de Mota de que no combate pobreza e desigualdades o Estado capitalista amplia a ao da assistncia social ao mesmo tempo em que limita o acesso sade. Quanto previdncia social pblica notamos a sua expanso, contudo, a mesma encontra-se sob a direo de uma instituio semi-pblica, com lgicas empresariais.Ao mesmo tempo em que as orientaes da Politica Nacional de Sade indicam maior comparticipao dos usurios como tambm maior seletividade, ela aponta para a necessidade de maior participao dos setores privados. (...) Criao de mecanismos legais e de incentivos que encorajem a prtica privada em sade de forma auto-sustentada, de modo a alargar e diversificar a oferta de cuidados de sade e responder demanda dos diferentes setores da sociedade e da indstria turstica (POLTICA NACIONAL DE SADE, 2007, p.34).

Ora, ento a perspectiva que teremos uma sade para aqueles setores da sociedade que podem dar-se ao desfrute de escolher e outra para aqueles que no podem arcar com as despesas da sade no setor privado. No podemos entender isto como um mecanismo de incluso, mas sim de excluso. Entendemos que a oferta dos cuidados de sade deve responder de igual modo a toda sociedade sem diferenciao de classes.

2.3 Histrico da Sade Mental[footnoteRef:23] [23: Parte do trabalho elaborado com base nos seguintes documentos: Plano Estratgico Nacional para a Sade Mental (2009-2013), Plano Nacional do Desenvolvimento Sanitrio (2008-2011), Volumes I e II.]

A questo da Sade Mental em Cabo Verde comeou a ser abordada pelo pessoal com formao em Psiquiatria no perodo ps-independncia a partir dos Hospitais Centrais nos quais foram criados poca, o Servio de Psiquiatria.Anteriormente, existia a chamada 5 Enfermaria onde estavam internados cerca de 150 doentes que eram tratados por um mdico responsvel de outro setor e que dava assistncia aos doentes. Os mtodos utilizados no tratamento dos doentes eram o eletrochoque e a administrao de medicamentos, existindo, na poca, somente dois psicotrpicos, o Colpromazina [Largarctil] e a Prometazina [Fenergan]. Os usurios ficavam sob os cuidados de dois enfermeiros e alguns serventes e, ao mesmo tempo, de dois em dois anos se deslocava de Portugal um psiquiatra para o controle dos mesmos.Com a colocao de um psiquiatra, em 1976, para atendimento dos doentes mentais, comeou a ser reestruturado o servio de psiquiatria de forma a proporcionar um tratamento mais humanizado aos doentes. Foi abolido o tratamento com eletrochoque, foram introduzidos outros psicotrpicos e o pessoal que lidava com os usurios foi sendo formado. Iniciou-se a descentralizao do atendimento dos pacientes com a introduo da abordagem da psiquiatria comunitria.Em 1976, foi elaborada a 1 Estratgia Nacional de Sade que veio trazer novas orientaes. Nomeadamente, foi prevista a criao de um Centro de Psiquiatria Comunitria, com as seguintes funes: preventiva [despistagem], curativa [tratamento, internamento], de reabilitao, educativa [educao sanitria], didtica [formao do pessoal de sade], administrativa e de saneamento. Para o Centro previa-se a dotao do pessoal considerado indispensvel, incluindo psiquiatras, psiclogos, quatro assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros psiquitricos, serventes, cozinheiros.Hoje, Cabo verde conta com trs hospitais onde se prestam servios psiquitricos, contudo ainda sob regime carcerrio, mas com algumas diferenas entre elas. Essas poucas diferenas constituem, no entanto, uma esperana para que Cabo verde entre no clima de mudana propriamente dito, para que haja deveras uma reforma psiquitrica.Hospitais esses que so: Hospital Geral Dr. Agostinho Neto: O qual se localiza na ilha de Santiago, cidade da Praia capital de Cabo Verde. o maior hospital do pas, tem especialidade no atendimento psiquitrico, ainda no regime ainda carcerrio. Nos primeiros anos desse hospital, o atendimento aos doentes mentais era restritamente mdico, Geral e Psiquitrico. O servio da psicologia no era existente. Os ditos loucos viviam internados e sob efeito de medicamentos. Hospital Dr. Baptista de Sousa: Localiza-se na ilha de So Vicente um instituto pblico de regime especial, dotado de rgos, servios e patrimnio prprio e autonomia administrativa e financeira. Tambm funciona no regime carcerrio. Hospital Psiquitrico Trindade: Localiza-se na ilha de Santiago, na localidade de Trindade, com aproximadamente vinte anos de existncia. Este hospital psiquitrico foi construdo segundo o modelo do hospital Agostinho Neto, onde o servio da psiquiatria no era considerado to bom. A abertura de Trindade melhorou as condies do atendimento aos doentes mentais. Desenvolve-se uma atividade, denominada de hercoterapia em que os pacientes desenvolvem algumas aes, tais como: pintura, bordados, rendas e plantaes de horticultura. Procurando reduzir o potencial de excluso social dos doentes mentais, os internos participam ativamente no tratamento. Eles possuem mais liberdade. O psiquiatra Manuel Faustino e Baslio Ramos, ministro de sade de Cabo Verde disseram em uma declarao: Trindade definida como uma rea natural de expanso do hospital Agostinho Neto. O Centro de Psiquiatria Comunitria viria a ser construdo em Trindade, e equipado no mbito do Projeto de Desenvolvimento Sanitrio financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento [BAD] e pelo Governo de Cabo Verde. A construo ficou concluda entre 1989/1990 e s entrou em funcionamento em 2003. O servio de Psiquiatria do Hospital Dr. Agostinho Neto, Extenso Trindade, atualmente o servio de referncia para as patologias de foro mental em todo o territrio nacional, recebe doentes das diversas ilhas do pas. Junto do Hospital existe um Centro de Sade para atendimento da populao das zonas vizinhas. O HT tem uma lotao de quarenta camas e presta as modalidades de tratamento aos doentes de consultas externas e internamento. Na internao inclui-se o tratamento medicamentoso, psicoterapia, e terapia ocupacional. Funcionam tambm alguns grupos nomeadamente grupos de ajuda mtua, de famlias, e grupo teraputico de alcolicos. No ano 2000, entrou em funcionamento o Centro de Terapia Ocupacional [CTO] na localidade de Ribeira de Vinha, na Ilha S. Vicente, que funciona como um Centro de Dia, de forma integrada com o ambulatrio e enfermaria de psiquiatria do hospital Baptista de Sousa e ligado Delegacia de Sade.Em Outubro de 2008, foi aberta a enfermaria de Sade Mental, no Hospital Regional Joo Morais, em Ribeira Grande na ilha de Santo Anto.Desde 1988 o pas possui um programa de Sade Mental com objetivos de permitir a cada indivduo em sofrimento mental ter acesso ao tratamento psiquitrico, promover aes de preveno das doenas mentais, formar e sensibilizar o pessoal dos cuidados primrios de sade, assim como todos os profissionais que trabalham na preveno e deteco precoce das doenas de foro mental.

2.4 Doenas Mentais de Maior Expresso em Cabo VerdePara o Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais [DSM IV] o abuso do lcool caracterizado por um padro patolgico de longa durao de consumo dirio de lcool e pelo prejuzo consequente causado ao nvel do funcionamento social e laboral. Tem-se o alcoolismo como a maior preocupao nacional em nvel de Sade Mental. Na tentativa de combate a este flagelo, uma quantidade considervel de aes de preveno e reinsero est a ser estabelecida para o combate a esta problemtica. O alcoolismo um tema de grande complexidade e so vrias as causas que contribuem para termos o elevado nmero de alcolicos em Cabo Verde (PENSM, 2009). H um culto da bebida. Bebe-se por todas as razes, comemora-se, espanta-se a tristeza, o nascimento, a morte, o aniversrio. At normal que se beba nessas ocasies, mas isso se traduz numa predisposio para beber e acaba-se por beber em todas as ocasies," (ALMEIDA, 2011) [footnoteRef:24]. [24: As falas reproduzidas nesta seo foram retiradas de uma reportagem do jornal Expresso das Ilhas. Disponvel em: http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/o-outro-lado-da-lua. ]

Em Cabo Verde, como no resto do mundo, o consumo de lcool est em crescente aumento e o primeiro contato com o lcool d-se em idade cada vez mais jovem. O psiquiatra aponta que: Um estudo, que fizemos em 2005, dizia que a idade mdia para o incio do contato com o lcool era de 13 anos. Agora, h um estudo mais recente do Instituto Cabo-verdiano de Ao Social Escolar [ICASE] que aponta para crianas de 11, 10 anos.Outro fenmeno geral, apontado pelos especialistas, o consumo por gnero. H alguns anos, o consumo de lcool era visto como algo essencialmente masculino. Verifica-se, no entanto, que o nmero de mulheres internadas com problemas de alcoolismo tem vindo a aumentar. Infelizmente, aliada aos problemas causados pelo uso abusivo de bebidas alcolicas, encontramos os problemas de adulterao das bebidas, nomeadamente do grogue. Segundo o psiquiatra Manuel Faustino, iniciativas da sociedade civil, como a criao de um grupo de Alcolicos Annimos [AA] seria uma boa ajuda neste captulo.Em tempo, houve um grupo AA na Cidade da Praia, que, entretanto se desmoronou: Neste momento h alguns grupos, na Praia e em so Vicente que funcionam, mas no com a filosofia dos AA., conta Daniel Ferreira, presidente da associao A Ponte. A depresso grave atualmente, a principal causa de incapacitao em todo o mundo e situa-se em quarto lugar entre as dez principais causas do fardo patolgico mundial, a sintomatologia variada e muito diferente de pessoa para pessoa. Cada personalidade manifesta a patologia de maneira distinta (PENSM, 2009).Estima-se ainda que 65% das pessoas deprimidas apresentem sintomas fsicos dolorosos como dores de cabea, dores nas costas ou dores generalizadas. Na verdade, muitas vezes, esses casos no so reconhecidos mesmo nas estruturas de sade. Passam... h queixas somticas e muitas vezes [a depresso] no diagnosticada", declara a psicloga, Francisca Alvarenga (ALMEIDA, 2011). Para Daniel Ferreira: Se consegussemos tratar todas as depresses, isso impossvel, mas iramos ganhar muito. Hoje o Banco Mundial quem diz isso. Atravs de clculos e tendo em conta que as doenas do foro mental, como todas as outras, trazem uma menor produtividade ao pas, pode dizer-se que fica mais barato tratar do que esquecer (ALMEIDA, 2011).Se corretamente identificada e tratada precocemente, os resultados podem ser positivos. Dados da OMS apontam que, a nvel mundial, no tratamento da depresso, 2/3 das pessoas tratadas respondem satisfatoriamente ao primeiro antidepressivo prescrito (PENSM, 2009). Segundo a OMS (2000) o suicdio um problema complexo para o qual no existe uma nica causa ou uma nica razo. Ele resulta de uma complexa interao de fatores biolgico, genticos, psicolgicos, sociais, culturais e ambientais.O mtodo mais utilizado para o suicdio o enforcamento, e este mais frequente entre pessoas do sexo masculino. Dados notificados pelo sistema de sade do arquiplago indicam que, entre 1986 e 2006, se registaram 167 casos dos quais 55 na ilha do Fogo [49 homens e 06 mulheres - 47 dos quais por enforcamento]; 10 no Sal, entre 2001 e 2006 [09 dos quais por enforcamento], 40 na Praia; seis em So Domingos [cinco por enforcamento]; 17 no Tarrafal [todos de homens]; seis em So Miguel e 27 em Santa Cruz [apenas dois casos no feminino, sendo 17 por enforcamento] (PENSM, 2009).Segundo o PENSM (2009), o nmero de suicdios notificados muito inferior ao verdadeiro. Os certificados de bitos tendem a omitir essa inteno de por fim prpria vida. Segundo a OMS, no mundo, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicdio.A taxa de suicdios em Cabo Verde no deve andar longe da verificada em nvel mundial. Analisando essas situaes, os tcnicos concluem que a mdia dever rondar os 16 suicdios por ano. Os estudos e estatsticas internacionais apontam que a quase totalidade das ocorrncias aparece associada a algum sofrimento mental. No entanto, e conforme se tem notado em vrios pases, tem havido um aumento de suicdios entre os jovens, devidos a problemas familiares ou ligados questo amorosa. Cabo Verde no exceo (ALMEIDA, 2011).O que nos tem chamado ateno a frequncia, claramente elevada, das tentativas de suicdio em pessoas jovens. Por que tentam, no se sabe. O que chama a ateno muitas vezes que so motivos relativamente fteis, conta Manuel Faustino. Ainda de acordo com Manuel Faustino, por detrs do ato pode estar a epilepsia, ou uma depresso. Contudo, muitas vezes os especialistas frisam que apenas se deparam com episdios banais de briga amorosa ou conflito geracional (grifo nosso).A Ponte, Associao de Promoo da Sade Mental, a nica instituio que disponibiliza uma linha SOS [800 11 10] para apoio a pessoas com algum sofrimento mental, principalmente pessoas com ideias suicidas.No ano de 2010, a linha recebeu cerca de uma centena de chamadas srias, nem todas relacionadas com suicdio. Atualmente, a linha no est a funcionar a 100%, por falta de pessoal. Alm da linha, a instituio tem organizado palestras e debates sobre o tema. E o esforo j comea a dar alguns resultados (ALMEIDA, 2011).Os dados estatsticos do Ministrio da Sade j apontam alguns nmeros referentes ao suicdio, coisa que no existia h 10 anos, afirma o presidente de A Ponte, Daniel Ferreira.Apesar de a maioria das pessoas com problemas do foro psicolgico recorrer ajuda de profissionais, h uma boa parte da populao cabo-verdiana que associa as doenas mentais a causas espirituais. A convivncia entre os tcnicos de sade mental e as doutrinas espiritualistas tem sido considerada pacfica, e muitas vezes so os prprios mestres que encaminham as pessoas para o mdico."Ns no devemos impor a nossa viso", afirma o psiquiatra Manuel Faustino, muito pelo contrrio: Se as pessoas se sentem bem quando fazem esses tratamentos espirituais no problemas nenhum em faz-los, pelo contrrio. "O que eu digo para o mestre fazer trabalho dele e que me deixa fazer o meu" sublinha o psiquiatra.Francisca Alvarenga, por seu lado, aponta parcerias entre tcnicos e curandeiros tradicionais, que acontecem em outros pases com bons resultados. Os curandeiros recebem formao e encaminham os doentes para o sistema. Deve-se tentar compreender e trabalhar com as pessoas, mesmo com os curandeiros, frisa a psicloga (ALMEIDA, 2011).Daniel Ferreira considera que, ao contrrio do que se pensa isso em Cabo Verde no to forte assim". E partilha da opinio dos seus colegas: Desde que a coisa seja feita com respeito pelas pessoas, eu acredito que em algumas situaes pode ajudar. Continua, no entanto a necessidade de a abordagem espiritual ser um complemento de abordagens cientificamente comprovadas..Para alm dos curandeiros, h doutrinas espiritualistas, que almejam ajudar pessoas em sofrimento mental. O Racionalismo Cristo [RC] uma doutrina filosfica que aposta na evoluo do esprito e em resolver os problemas atravs de limpezas psquicas. Instituda h cem anos em Cabo Verde, trata-se de uma cincia que educa, orienta e espiritualiza, e que tem como objetivo fazer com que as pessoas se conheam", explica Manuel Lima Rocha, Militante do Racionalismo Cristo, no Centro da Prainha [Cidade da Praia] (ALMEIDA, 2011).Uma coisa certa, o RC no substitui a medicina convencional. Cada um tem a sua contribuio. Na opinio do militante supracitado:Ns fazemos a nossa parte. Uma pessoa apresenta-se numa casa RC com alguma anomalia psquica. Ns analisamos situao, dentro dos parmetros que consideramos na nossa doutrina, para ver se ou no um mal psquico, um mal espiritual. Ento desencadeamos a nossa ao. A pessoa que, regra geral, portadora de faculdades medinicas, ignorando-as, acompanhada e socorrida para que fique libertada dos maus espritos e volte normalidade (ALMEIDA, 2011). Ao doente, ou obsedado", como os racionalistas cristos se referenciam aos indivduos em sofrimento mental, frequentemente aconselhado que siga os dois tratamentos: o da medicina e o espiritual (ALMEIDA, 2011).Para Pereira (1989), estudar outras culturas, permite conhecer caractersticas da nossa, e que esse estudo permite tomarmos a cultura como algo revestido de diversidade, e que isto permite que encontremos solues para problemas semelhantes.Em cada sociedade existe uma representao dos espaos de sade e de doena que est intimamente relacionada com uma noo de pessoa (VIEIRA, 1998). Quando se trata das estruturas de conhecimento referentes s perturbaes que se convencionou denominar "psquicas", os estudos desenvolvidos no campo da antropologia nos revelam a importncia dos sistemas de referncia que segmentos da populao criam para explicar estes fenmenos. Portanto, a multiplicidade de fatores culturais e histricos juntamente com outros, biolgicos e ambientais colaboram para a produo dos comportamentos psicossociais. Cada sociedade elabora suas prprias distines em relao aos padres de normalidade, desvio e anormalidade. da interao entre histria, cultura e biologia que germinam os embasamentos para a compreenso do campo da Sade Mental (VIEIRA, 1998).Podem ser chamados de teraputicos todos os recursos que uma sociedade pe disposio de sujeitos que esto doentes ou passando por momentos crticos? importante que reconheamos que as causas de uma doena de cunho