teoria geral do direito civil 1 2012-13

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Teoria Geral do Direito Civil I 2012/2013 Exame 28. Responsabilidade por factos ilícitos; r. pelo risco e por factos ilícitos. Evoluções recentes (cont.) III- Consagrar a culpa no nosso sistema de responsabilidade civil, é consagrar uma ligação com o conceito de responsabilidade moral. Distinção entre uma e outra: a segunda pertence ao domínio da consciência e dos deveres do homem consigo próprio, prescindindo- se da consideração das consequências externas da conduta – está apenas sujeita a sanções do ordenamento ético . Estas diferenças devem ter-se em conta. O que se pretende transmitir é que uma responsabilidade assente na culpa terá o mesmo fundamento que a responsabilidade moral – a aceitação da liberdade do homem, de um indeterminismo ao menos relativo, na execução das suas condutas. - Agir do homem com vista a fins, e não a um mero mecanismo impelido por uma propulsão causal: o agente identifica-se com os resultados do seu actuar (homem pode escolher entre fins e meios para os conseguir), e assume-se que podia ter agido diversamente. A Responsabilidade objectiva Responsabilidade subjectiva factos ilícitos culpa Para além deste tipo de responsabilidade, o nosso direito também consagra alguns casos excepcionais de responsabilidade sem culpa, objectiva. É caso disto a responsabilidade pelo risco – trata-se de domínios em que o homem tira partido de actividades que, 1

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Resumo para o exame de 2013 da Universidade de Coimbra, 1ª turma

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Teoria Geral do Direito Civil I

2012/2013

Exame

28. Responsabilidade por factos ilcitos; r. pelo risco e por factos ilcitos. Evolues recentes (cont.)

III- Consagrar a culpa no nosso sistema de responsabilidade civil, consagrar uma ligao com o conceito de responsabilidade moral.

Distino entre uma e outra: a segunda pertence ao domnio da conscincia e dos deveres do homem consigo prprio, prescindindo-se da considerao das consequncias externas da conduta est apenas sujeita a sanes do ordenamento tico. Estas diferenas devem ter-se em conta. O que se pretende transmitir que uma responsabilidade assente na culpa ter o mesmo fundamento que a responsabilidade moral a aceitao da liberdade do homem, de um indeterminismo ao menos relativo, na execuo das suas condutas.

- Agir do homem com vista a fins, e no a um mero mecanismo impelido por uma propulso causal: o agente identifica-se com os resultados do seu actuar (homem pode escolher entre fins e meios para os conseguir), e assume-se que podia ter agido diversamente.

A Responsabilidade objectiva

Responsabilidade subjectiva factos ilcitos

culpa

Para alm deste tipo de responsabilidade, o nosso direito tambm consagra alguns casos excepcionais de responsabilidade sem culpa, objectiva.

caso disto a responsabilidade pelo risco trata-se de domnios em que o homem tira partido de actividades que, potenciando as suas possibilidades de lucro, acarretam um aumento de risco para os outros. Estamos perante: ou casos de utilizao de mecanismos tcnicos por um agente como fonte de riqueza ou de comodidade; ou casos de utilizao de outras pessoas ou animais no interesse prprio.

Tendo em conta que esse agente cria para outros riscos acrescentados, justo pr a cargo dele a indemnizao dos danos originados pelas suas actividades lucrativas. Isto corresponde ao velho princpio conforme justia e solidariedade social: ubi commoda, ibi incommoda.

Hoje em dia, assiste-se a uma tendncia para o aumento da extenso da responsabilidade objectiva, introduzindo-se novas espcies:

Responsabilidade do produtor ou fabricante, decorrente de produtos defeituosos. Esta insere-se na linha da defesa do consumidor.

Responsabilidade ambiental, inserindo-se na linha da defesa de interesses difusos, como a proteco do ambiente, e est de acordo com uma tendncia mais geral de defesa do lesado.

Por outro lado, a complexa organizao industrial, origina uma diluio de culpa por um conjunto de pessoas tambm denominados danos annimos. Este um dos argumentos da doutrina que defende uma alterao profunda nas regras de responsabilidade civil.

Casos de responsabilidade pelo risco no CC:

Danos causados pelos comissrios Artigo 500

Danos causados por animais Artigo 502

Acidentes causados por veculos de circulao terrestre Artigo 503

Danos causados por instalaes de energia elctrica ou de gs Artigo 509

Responsabilidade por acidentes de trabalho, sendo obrigatrio transferir-se o risco a uma seguradora Artigos 281 e segs. do Cdigo de Trabalho)

(ver o resto dos exemplos na pgina 135)

A criao de seguros obrigatrios e de fundos de garantia concorre da mesma forma para uma maior proteco da vtima. Aventam-se mesmo propostas no sentido de cobertura dos danos, resultantes de um acidente de certo tipo, ou mesmo de qualquer acidente, se passar a fazer no mbito da segurana social.

V-Tambm existe outro tipo de responsabilidade previsto no nosso direito, em casos excepcionais: a responsabilidade por actos lcitos ou intervenes lcitas.

Poder parecer paradoxal que o direito considere um acto como lcito e imponha ao seu autor a obrigao de indemnizar outrem. Tal situao , sem dvida, excepcional, mas no contraditria. Pretende-se compensar um sacrifcio de um interesse menos valorado, porque a prevalncia absoluta ou total do interesse oposto seria injusta.

Nestas hipteses, os danos no so causados por uma actividade contrria ao sentido em que o Direito resolveu o conflito de interesses. A actividade do agente secundum jus, ao contrrio do que sucede nos actos ilcitos, em que o direito prevalecente lesado pelo comportamento rebelde do infractor. Apesar do carcter lcito da actuao do agente, so casos em que pareceu excessivo no dar, pessoa sacrificada, uma reparao.

EXEMPLOS: Responsabilidade emergente de certos casos de estado de necessidade (art. 339/2); de escavaes (art. 1348/2); da passagem forada ou momentnea (art. 1349/3); da apanha de frutos (art. 1367); decorrente da revogao do mandato (art. 1172); da desistncia do dono da obra na empreitada (art. 1229); etc.

29. Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual; a chamada terceira via

Uma tradicional dicotomia da cincia jurdica a de responsabilidade extracontratual e responsabilidade contratual. A segunda originada pela violao de um direito de crdito ou obrigao em sentido tcnico; a responsabilidade do devedor para com o credor pelo no cumprimento da obrigao. A primeira, tambm denominada responsabilidade aquiliana ou delitual, resulta da violao de um dever geral de absteno contraposto a um direito absoluto (direito real, direito de personalidade).

Existem diferenas de regime (ver artigos na p. 137), mas quanto aos pontos fundamentais da obrigao de indemnizao (arts.562 e segs) haja coincidncia da disciplina respectiva.

As obrigaes cujo inadimplemento acarreta responsabilidade contratual, podem provir de uma fonte diversa do contrato por ex. Gesto de negcios ou negcio unilateral. Por isso mesmo so propostas por alguns autores outras denominaes, como: responsabilidade negocial ou responsabilidade obrigacional.

Mas a utilizao da expresso responsabilidade contratual a que mais adeso tem, sendo aceite sobretudo pela sua adequao tendencial.

Tem sido defendida para um conjunto de hipteses de responsabilidade civil culpa in contrahendo, responsabilidade pela confiana, violao de deveres laterais uma terceira via, que seria justificada pelo fundamento destas hipteses e pelo regime particular a que estariam sujeitas.

A concesso de personalidade jurdica s pessoas colectivas

30. A personalidade colectiva e os tipos de pessoas colectivas

Verificados certos requisitos, o Direito atribui personalidade jurdica s chamadas pessoas colectivas.

Pessoas colectivas So colectividades de pessoas ou complexos de patrimoniais organizados em vista de um fim comum ou colectivo, a que o ordenamento jurdico atribui a qualidade de sujeitos de direitos. So centros de imputao de direitos e deveres, com esfera jurdica prpria, autnoma em relao ao conjunto de direitos e deveres encabeados pessoalmente nos seus membros. Possuem patrimnio prprio, separado do das pessoas singulares a si ligadas. So titulares de direitos e destinatrios de deveres jurdicos, praticando actos jurdicos nesse mbito.

A terminologia abrange em geral todas as entidades a que nos temos vindo a referir. Encontra-se por vezes na doutrina o uso, em sinonmia com esta expresso, as expresses: pessoas jurdicas, em oposio s pessoas naturais; e pessoas morais, em oposio a pessoas fsicas.

Num sentido restrito, utilizado em alguns artigos do nosso CC, a expresso pessoas colectivas no abrange as sociedades.

Considerando a expresso em sentido lato, podemos distinguir trs modalidades fundamentais de p.c's: as associaes (no tm por escopo o lucro econmico dos associados), as fundaes (complexos materiais ou massas de bens afectados por uma liberalidade prossecuo de uma finalidade estabelecida pelo fundador ou em harmonia com a sua vontade), e as sociedades (conjunto de pessoas que contribuem com bens ou servios para o exerccio de uma actividade econmica dirigida obteno de lucro, que depois distribudo pelos scios).

31. Natureza da personalidade colectiva

A sua existncia resulta de interesses humanos duradouros e de carcter comum ou colectivo. Estes exigem , para a sua realizao, um concurso dos meios e das actividades de vrias pessoas, ou pelo menos, nelas esto interessadas vrias pessoas.

A criao de um centro autnomo de imputao das relaes jurdicas necessrias prossecuo desses fins, permite uma mais fcil e eficaz consecuo do escopo visado. A personalidade colectiva , pois, um mecanismo tcnico-jurdico, justificado pela ideia de, com maior comodidade e eficincia, organizar a realizao dos interesses colectivos e duradouros.

TEORIA DA FICO E TEORIA ORGANICISTA

Para alguns autores, a natureza das pessoas colectivas seria diferente exposta. o caso de Savigny (e Windscheid), para quem as pessoas colectivas seriam uma fico. A lei, ao estabelec-la, estaria a proceder como se as pessoas colectivas fossem pessoas singulares, visto que s as pessoas singulares podem ser sujeitos de direitos e deveres. (Teoria da fico)

Para outros, como Otto Von Gierke, as pessoas colectivas seriam uma realidade idntica das pessoas singulares, uma associao com uma personalidade derivada dela mesma; o seu esprito seria uma vontade comum unitria. Para esta concepo, a personalidade jurdica no resulta de uma concesso discricionria do legislador, mas a consequncia imposta pela natureza das coisas, da existncia de um organismo real a chamada Teoria Organicista ou Realista.

Nenhuma delas poder ser aceite. Com efeito, para atribuir personalidade jurdica aos entes colectivos, o direito civil no carece de fingir estar perante uma pessoa fsica ou singular. A p.j um conceito jurdico, uma realidade situada no mundo jurdico criada em ordem realizao de fins jurdicos.

H uma importante diferena no campo valorativo entre a personalidade jurdica singular e a colectiva. A primeira imposta pelas concepes tico-jurdicas do tipo humanista , como uma exigncia forosa da dignidade da pessoa humana e do direito ao respeito inerente a todo o ser humano. A segunda um mecanismo tcnico-jurdico um operador para a polarizao das relaes jurdicas ligadas realizao dos fins colectivos.

Quanto teoria organicista parte do princpio que se torna necessrio construir um organismo antropomrfico, com vontade e esprito, para justificar a personalidade jurdica. Parece uma teoria marcada fortemente pela perspectiva biolgica das sociedades; sem dvida que as pessoas colectivas so um fenmeno sociolgico, mas a personalidade colectiva no algo de forosamente inerente sua realidade sociolgica, como no foi forosamente inerente realidade do homem singular.

(Ver tese de Manuel de Andrade: pgina 142 e segs)

A propriedade privada

32. O problema do domnio sobre os bens como problema fundamental de uma sociedade

No desenvolvimento da sua vida, o homem serve-se das coisas para satisfazer as suas necessidades e para conseguir os seus fins.

Enquanto as pessoas so fins em si mesmas, as coisas so meios ao servio dos fins das pessoas, desprovidos de valor autnomo. Por sua vez, o homem tem necessidade de se servir das coisas como condio da sua sobrevivncia e do seu progresso. O domnio e o uso das coisas permite ao homem talhar para si um espao, maior ou menor, de liberdade.

O domnio e o uso das coisas no pode traduzir-se, porm, numa mera sujeio de facto dos bens ao poder do homem, numa simples relao de posse.

O poder de facto sobre as coisas submete-as materialmente vontade do homem. Mas se o Direito se desinteressasse, por absurdo, de submeter os poderes dos homens sobre as coisas sua disciplina, o poder de facto sobre as coisas no se impunha ao respeito das outras pessoas. Tornar-se-ia inseguro.

Uma tal situao seria a negao da ordenao jurdica da sociedade. Constitui assim misso fundamental do direito organizar, segundo os valores jurdicos, os poderes dos homens sobre as coisas e o contedo das relaes entre os homens a respeito das coisas.

34. Caractersticas do direito de propriedade no nosso sistema jurdico

A tutela constitucional da propriedade privada est expressamente consagrada no artigo 62, n1, da CRP, segundo o qual a todos garantido o direito propriedade privada e sua transmisso em vida ou em morte, nos termos da Constituio., bem como nos artigos 61, 82 e 86, relativos tutela da iniciativa e da propriedade privadas. S mediante pagamento de justa indemnizao pode ser efectuada a expropriao por utilidade pblica. A CRP refere no artigo 82 a existncia simultnea de trs sectores de propriedade dos meios de produo:

Sector pblico meios de produo cuja propriedade ou gesto pertencem ao Estado ou a outras entidades pblicas.

Sector privado meios de produo cuja propriedade ou gesto pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas.

Sector cooperativo e social compreende meios de produo possudos e geridos por cooperativas, em obedincia aos princpios cooperativos; os meios de produo possudos e geridos por comunidades locais; meios de produo objecto de explorao colectiva por trabalhadores; e os meios de produo geridos e possudos por pessoas colectivas sem carcter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social (art. 82/2, 3, 4)

O actual texto constitucional reconhece e protege a propriedade privada, e no contm mesmo expressamente, nenhuma clusula limitativa do tipo da que continha o artigo 35 da Constituio de 1933.

O Cdigo Civil portugus no define o direito de propriedade, mas o artigo 1305 caracteriza-o - o proprietrio goza de modo pleno dos direitos de uso, fruio e disposio das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observncia das restries por ela impostas.

Esta parece inspirada por princpios individualistas extremos. No repercute aqui, directamente, nenhuma ideia ligada chamada funo social da propriedade. O que no implica que no conjunto do ordenamento no haja possibilidade de nos socorrermos de princpios limitativos desde logo a proibio do abuso de direito, no art. 334 CC.

1 nota: O proprietrio tem poderes indeterminados no se limitam os poderes do proprietrio seno atravs das das concretas restries pela lei impostas. H uma indeterminao na delimitao dos poderes, ao contrrio dos do usufruturio ou dos do titular de um outro direito real limitado que so apenas queles especificamente atribudos por lei. No direito de propriedade, o proprietrio tem, em princpio, todos os poderes.

2 nota: O direito de propriedade elstico, ou pelo menos, dotado de uma certa elasticidade, de uma fora expansiva extinto um direito real que limite a propriedade da coisa, reconstitui-se a plenitude da propriedade sobre ela.

3 nota: A sua classificao como direito perptuo, o que imediatamente implica no poder extinguir-se pelo no uso. A actual CRP veio prever expressamente, j na sua verso originria, a situao e o problema do abandono dos bens de produo artigo 88.

Por suscitarem problemas especficos, tambm merecem relevo a compropriedade (art.1403) e a propriedade horizontal (art.1414)

35. Os direitos reais limitados

A propriedade o direito real mximo. Em confronto com ele podem ser considerados os chamados direitos reais limitados. A sua nota comum , em contraposio propriedade, a de serem direitos reais que no conferem a plenitude dos poderes sobre uma coisa. So portanto, direitos sobre coisas que em propriedade pertencem a outrem. So direitos que pressupem assim, uma concorrncia de direitos. So direitos sobre coisa alheia, ou pelo menos sobre coisa no prpria.

Dentro deles distinguimos direitos reais de gozo, direitos reais de garantia e direitos reais de aquisio:

Direitos reais de gozo- so aqueles que conferem um poder de utilizao total ou parcial duma coisa, e por vezes, tambm dos frutos que essa coisa produza. No nosso direito so exemplos: o usufruto, o uso e habitao, o direito de superfcie e servides prediais, bem como direito real de habitao peridica. - estamos num domnio em que vigora o princpio da tipicidade (numerus clausus). Definem-se como poderes de utilizar, total ou parcialmente, uma coisa, conferindo, por vezes, alm disso, o poder de apropriao dos frutos da coisa. Mas, por exemplo, no direito de uso e habitao h apenas um direito de usar a coisa.

Direitos reais de garantia conferem o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um credor obter, com preferncia sobre todos os outros credores, o pagamento da dvida de que titular activo. O direitos reais de garantia so: o penhor, a hipoteca, os privilgios creditrios especiais, o direito de reteno e a consignao de rendimentos (anticrese). J se sustentou entre ns que tais direitos seriam meramente acessrios dos direitos de crdito, no constituindo verdadeiros direitos reais. H de facto, funcionalmente, uma conexo entre direitos reais de garantia e direitos de crdito. Aqueles esto ao servio do pagamento ou da satisfao do interesse do credor. Os direitos reais de garantia so, sem dvida, acessrios dos direitos de crdito, designadamente no que se refere sua extino extinguindo-se o direito de crdito, extingue-se tambm o real; esse facto, no quer dizer porm que este no tenha uma natureza jurdica prpria.

Direitos reais de aquisio so direitos reais que conferem a um determinado indivduo a possibilidade de se apropriar de uma coisa, de adquirir uma coisa. Estas situaes no se identificam com a faculdade geral de apropriao de algo. Falamos antes em situaes especiais, em que certas pessoas podem exercer uma especial faculdade de, em determinadas circunstncias, adquirir a propriedade sobre uma coisa. Como por exemplo: o direito real de preferncia.

A relevncia jurdica da famlia

36. A famlia como realidade natural e social, perante o Direito legislado

O direito civil portugus contm entre os seus princpios bsicos o reconhecimento e ordenao da famlia. A famlia uma realidade natural e social, cuja existncia material se manifesta em planos anteriores/estranhos ao plano jurdico. O surgimento e a vida em famlia assentam numa srie de comportamentos pessoais e realidades psicolgicas e morais, que o Direito considera relevantes, isto , reconhece, aceita e considera, ao formular a sua regulamentao da instituio familiar.

Tem base em valores e sentimentos que no so criados pelo Direito, que no existem por este determinar a sua existncia trata-se antes de consequncias da realidade fsica e espiritual do homem e das concepes tico-sociais.

Tendo esta natureza em conta, porque regula o Direito esta matria? Temos normas que estabelecem, por exemplo, os deveres dos cnjuges entre si, e os deveres dos pais e dos filhos. Estes no so criados pelo direito ex uihilo; so normas segregadas pela instituio familiar, normas realizadoras de um sentido pr-jurdico. O legislador reconhece essa ordenao espontnea e natural da famlia. esta caracterstica que correntemente se traduz dizendo que o Direito da Famlia um direito institucional.

A disciplina legislativa da instituio familiar impe-se, atentas as seguintes razes, algumas das quais correspondem a justificaes de carcter geral do direito do legislado:

A ordenao concreta e institucional da famlia no contm uma disciplina de todos os problemas respectivos em termos acabados e categricos, tornando-se necessria uma formulao certa, precisa e completa do regime jurdico correspondente.

Consagrao legislativa de um regime, mesmo que coincidente com a disciplina institucional da famlia, vinca mais vivamente o sentimento dos deveres e direitos dos membros da famlia, facilita o fluente curso da vida familiar e permite, em situaes de crise, disciplinar com justia e certeza a posio dos sujeitos;

Pode o Estado visar uma modificao da disciplina da famlia para um sentido diverso ao correspondente ao direito vivido espontaneamente na realidade social.

O Direito da Famlia apresenta algumas caractersticas peculiares caracterizado pelo acentuado predomnio de normas imperativas, que os particulares no podem afastar. , como dissemos, um direito institucional. um ramo do direito civil muito permevel s modificaes das estruturas polticas, econmicas e sociais, designadamente religiosas. evidente que a soluo dada a estes outros problemas est na ntima dependncia de posies em matria poltica, social, econmica e religiosa (divrcio, casamento, unio de facto, posio da mulher na sociedade conjugal, estatuto de filhos ilegtimos).

37. Referncia sumria ao Direito da Famlia portugus

Na actual CRP, os artigos 36, 67, 68 e 69, contm normas dirigidas disciplina de aspectos variados, respeitantes famlia. Decorrem delas os seguintes princpios:

Direito celebrao do casamento (36/1, 2 parte)

Direito a constituir famlia (36/1, 1 parte) a famlia parece no assentar necessariamente no casamento, prevendo-se a constituio de famlia no fundada no matrimnio.

Competncia da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissoluo, por morte ou divrcio, independentemente da sua forma de celebrao (36/2)

Admissibilidade do divrcio para qualquer casamento (36/3)

Igualdade dos cnjuges, quanto sua capacidade civil e manuteno e educao dos filhos (36/3). Este princpio da igualdade no mais do que uma aplicao do princpio da igualdade geral do cidado consagrado no artigo 13.

Atribuio aos pais do poder-dever de educao dos filhos (art.36/5)

Inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores, salvo quando estes no cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante deciso judicial (36/6)

No-discriminao entre os filhos nascidos dentro do casamento, e os filhos nascidos fora do casamento (36/4) acabando-se com a distino entre filhos legtimos e ilegtimos, nomeadamente em matria sucessria

Reconhecimento e proteco da adopo (36/7)

Reconhecimento da constituio de famlia e sua proteco (67)

Proteco da paternidade e da maternidade como valor social (68)

Proteco da infncia (69)

O CC dedica um livro a esta matria como exigncia directa e imediata dos novos princpios constitucionais acabados de analisar, no mbito dos quais o legislador deve mover-se. Alteraes mais significativas efectuadas em 1977: a continuao da admissibilidade do divrcio, inclusive para os casamentos catlicos; ampliao das causas do divrcio e da separao judicial de pessoas e bens; efectivao do princpio da igualdade entre cnjuges; extino da categoria de filhos ilegtimos; maior incremento da adopo plena.

De acordo com o art. 1576, podemos considerar a famlia como: conjunto das pessoas unidas por vnculos emergentes do casamento, do parentesco, da afinidade e da adopo.

A reforma de 1977 deu uma nova redaco ao artigo 1577, passando a definir o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente (esta parte alterada em 2011, permitindo o casamento homossexual) que pretendem constituir famlia mediante uma plena comunho de vida, nos termos das disposies deste Cdigo.

Verifica-se no ordenamento jurdico portugus, uma coexistncia da ordem jurdica estadual com a ordem cannica. Efectivamente, o artigo 1625 permaneceu intocvel, pelo que o conhecimento das causas respeitantes nulidade do casamento catlico e dispensa do casamento rato e no consumado reservado aos tribunais e reparties eclesisticas competentes. Aquela coexistncia , hoje, mais restrita do que aps a entrada em vigor do CC, enquanto permitida a dissoluo do casamento catlico por divrcio. Nos termos do artigo 1587, o casamento catlico ou civil. As duas formas de casamento tm efeitos idnticos, agora sem qualquer diferena quanto dissoluo por divrcio.

O casamento civil dissolve-se pois, por morte ou por divrcio. Quanto ao divrcio basta notar as duas modalidades actualmente permitidas (1773): por mtuo consentimento e litigioso. O primeiro encontra-se regulado nos arts. 1775 a 1778, enquanto que o litigioso est regulado nos arts. 1779 a 1787. Nota-se, no regime jurdico, a preferncia do legislador pela modalidade do divrcio por mtuo consentimento, impondo ao juiz, no processo de divrcio litigioso, o dever de procurar obter acordo dos cnjuges para divrcio por mtuo consentimento (1774/2). Pode porm, sem dissoluo do vnculo conjugal, ter lugar uma separao dos cnjuges e dos bens. Esto previstas na lei civil:

a) Simples separao judicial de bens (art. 1767, na redaco de 1977): qualquer dos cnjuges (no administrador) pode requerer a simples separao judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que seu pela m administrao do outro cnjuge.

b) Separao judicial de pessoas e bens (1794) pode ser requerida nos mesmos termos do divrcio (1773) e, portanto, pode ser requerida por ambos os cnjuges, de comum acordo (separao por mtuo consentimento) ou por um deles contra o outro, com algum dos fundamentos previstos nos artigos 1779 e 1781 (separao litigiosa)

IV- O parentesco definido no artigo 1578 trata-se de um vnculo entre duas pessoas, resultante de uma delas descender da outra ou de ambas terem um progenitor comum. Na primeira hiptese: parentesco em linha recta, na segunda hiptese: parentesco em linha colateral.

A modalidade de parentesco que reveste maior interesse jurdico a filiao traduz-se essa relevncia sobretudo, na disciplina da relao entre pais e filhos menores, sujeitos ao conjunto de direitos subjectivos e poderes-deveres, que se chama poder paternal. O parentesco revestir interesse para algumas normas jurdicas dispersas por vrios institutos. No que toca ao estabelecimento da filiao (1796 e segs), regula-se separadamente o estabelecimento da maternidade (1803 e segs) e o da paternidade.

De salientar ainda, a eliminao da categoria legal de filhos incestuosos.

V- A adopo uma fonte de relaes familiares que foi reintroduzida no nosso ordenamento jurdico pelo actual CC. O artigo 1586 define a adopo como: o vnculo que, semelhana da filiao natural, mas independentemente dos laos de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas, nos termos do artigo 1973 e segs.

O vnculo de adopo constitudo por sentena judicial, e o nosso sistema jurdico reconhece duas espcies de adopo: a adopo plena e a adopo restrita.

O fenmeno sucessrio ou sucesso por morte

38. O destino das relaes jurdicas aps a morte do seu titular

Pe-se em qualquer comunidade o problema de saber qual o destino das relaes jurdicas existentes na titularidade de uma pessoa singular aps a morte desta. Razes de relevante convenincia social tornam contra-indicado um regime de extino de todas as relaes jurdicas no momento da morte do seu titular.

Tal regime, implicando a exonerao de devedores morte do seu credor, o prejuzo dos credores por morte dos seus devedores e a vacatura ou aquisio pelo Estado dos bens do falecido, seria um contra-estmulo s actividades e iniciativas de carcter patrimonial das pessoas, uma fonte de risco para os credores e causa de litgios e perturbao da paz social.

Justifica-se assim, o fenmeno sucessrio, isto , o chamamento de uma ou mais pessoas titularidade das relaes patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devoluo de bens que a esta pertenciam; excludas esto as relaes pessoais.

A transmisso das relaes jurdicas patrimoniais para outra pessoa por fora da morte do seu titular reconhecida pelos sistemas jurdicos na actualidade e ao longo da Histria. Duas linhas de evoluo se registam :

1) Uma correspondente evoluo conhecida dos direitos germnicos, parte da propriedade familiar e da sucesso reservada aos membros da famlia para um reconhecimento posterior da liberdade de dispor de uma quota da herana.

2) Outra corresponde evoluo estabelecida no Direito Romano, e nos povos latinizados, parte da total liberdade de testar, para o estabelecimento ulterior de restries em ordem a dar cumprimento ao dever de auxlio e assistncia aos familiares, assim surgindo a legtima.

A legtima a excepo, uma restrio liberdade de testar; para o direito germnico, a quota disponvel que excepo, uma limitao da reserva hereditria destinada famlia.

Hoje, o nosso ordenamento jurdico conhece, lado a lado, uma sucesso testamentria e uma sucesso legitimria. Para esta ltima ressaltam duas linhas evolutivas:

A conservao na famlia de um patrimnio para que todos, em maior ou menor medida, concorreram, e que assegura a permanncia e a coeso do agregado familiar.

Cumprimento do dever moral de assistncia recproca entre familiares, mesmo para alm da morte.

39. (saltar)

TEORIA GERAL DA RELAO JURDICA, PRELIMINARES

40. Conceito de relao jurdica

A expresso relao jurdica pode ser tomada:

Num sentido amplo toda a relao da vida social relevante para o Direito, isto , produtiva de efeitos jurdicos e portanto, disciplinada pelo Direito.

Num sentido restrito ou tcnico a relao da vida social disciplinada pelo Direito, mediante atribuio a uma pessoa de um direito subjectivo e a imposio a outra pessoa de um dever jurdico ou de uma sujeio.

Podemos considerar a expresso como referncia a um modelo, ou paradigma contido na lei. o que sucede quando falamos da relao na qual o inquilino deve pagar a renda ao senhorio estamos ento perante uma relao jurdica abstracta.

Podemos considerar a expresso como referncia a uma relao jurdica existente na realidade, entre pessoas determinadas, sobre um objecto determinado, e procedendo de um facto jurdico determinado relao jurdica concreta.

Encontra-se frequentemente na linguagem dos juristas a referncia expresso instituto jurdico entende-se o conjunto de normas legais que estabelecem disciplina de uma srie de relaes jurdicas em sentido abstracto, ligadas por uma afinidade, normalmente a de estarem integradas no mesmo mecanismo jurdico ou ao servio da mesma funo. Relao jurdica matria sobre que incide a regulamentao; instituto jurdico disciplina normativa dessa matria.

41. Estrutura da relao jurdica

Quando falamos em estrutura, falamos do seu contedo. Toda a relao jurdica existe entre sujeitos; incidir sobre um objecto; promana de um facto jurdico; a sua efectivao pode fazer-se mediante recurso a providncias coercitivas, adequadas a proporcionarem a satisfao correspondente ao sujeito activo da relao, isto , a relao jurdica est dotada de garantia. Estes so os quatro elementos da relao jurdica, no os consideramos, todavia, integrados na estrutura da relao. So, quanto a ela, algo de exterior, de perifrico. Para ns, a estrutura o seu cerne, ou seja, o vnculo, o nexo, a ligao entre os sujeitos. Ao definirmos a relao jurdica, consideramo-la integrada por um direito subjectivo e por um dever jurdico ou por uma sujeio. So eles que constituem a estrutura interna, o contedo da relao jurdica.

42. Estrutura da relao jurdica: direitos subjectivos propriamente ditos e direitos potestativos

Direito subjectivo: poder jurdico (reconhecido pela ordem jurdica a uma pessoa) de livremente pretender ou exigir de outra um comportamento positivo (aco) ou negativo (omisso) ou de por um acto de livre vontade, s de per si ou integrado por um acto de autoridade pblica, produzir determinados efeitos jurdicos que inevitavelmente se impem a outra pessoa (contraparte ou adversrio).

S se nos depara um direito subjectivo quando o exerccio do poder jurdico respectivo est dependente da vontade do seu titular. O sujeito livre de o exercer ou no, sendo por isso o direito subjectivo uma manifestao e um meio de actuao da autonomia privada. Por falta desta liberdade de actuao, por existir uma vinculao ao exerccio dos poderes respectivos, no so autnticos direitos subjectivos os chamados poderes-deveres ou poderes funcionais, ou ofcios (ex: poder paternal). Quando no forem exercidos como a lei prev, so passveis de sanes inibio do poder paternal.

Por outro lado, tambm no so direitos subjectivos os poderes jurdicos stricto sensu ou as faculdades (ex: faculdade de testar). Nestes casos no existem relaes jurdicas so manifestaes imediatas da capacidade jurdica do sujeito de direitos.

Definimos o direito subjectivo como um poder jurdico, considerando um aspecto estrutural, e no mencionmos na definio do direito o lado funcional, que se identifica com o interesse visado pelo direito subjectivo. Isto afasta-nos das posies que fazem concorrer com aquele elemento estrutural o elemento funcional, e da posio de Ihering: definio do direito subjectivo como um interesse juridicamente protegido.Quando falamos na excluso de determinadas hipteses do domnio dos direitos subjectivos, o elemento funcional, de facto, repercute-se na estrutura do direito, pois no se trata de poderes de livremente exigir um comportamento, mas de poderes-deveres; ou seja, a considerao exclusiva do elemento estrutural no nos evidencia a razo de ser de certas diferenas, mas evidencia-as, reflectindo o elemento funcional.

Argumentos contra a doutrina de Ihering:

O interesse o escopo, a finalidade do direito subjectivo, mas este algo distinto o mero instrumento, ou meio de realizao desse fim. O interesse caracteriza a funo do direito, mas no define a sua estrutura.

Se certo que a todo o direito subjectivo corresponde um interesse humano, j o contrrio no se verifica. H interesses tutelados por outros meios que no a concesso de direitos subjectivos. Outras vezes, a lei protege interesses, no mediante a concesso de direitos, mas atravs do estabelecimento de restries capacidade dos particulares.

O interesse, com vista ao qual foi estabelecido o direito subjectivo, no pauta rigorosamente o contedo e as condies do exerccio do direito. No conhece o nosso sistema jurdico uma estrita funcionalizao dos direitos. S em casos extremos, de manifesta contrariedade entre o exerccio do direito e o seu fim social ou econmico, o comportamento do titular do direito se torna ilegtimo, por fora da doutrina do abuso de direito (artigo 334 CC).

III- Ao relembrarmos a definio de direito subjectivo, logo constatamos que este conceito cobre duas modalidades fundamentais:

Os direitos subjectivos propriamente ditos ou stricto sensu;

Os direitos potestativos;

O direito subjectivo stricto sensu consiste na primeira das variantes assinaladas o poder de exigir ou pretender de outrem determinado comportamento positivo ou negativo. Contrape-se-lhe o dever jurdico da contraparte um dever de facere ou non facere. Este dever a necessidade (ou vinculao) de realizar o comportamento a que tem direito o titular activo da relao jurdica. Exemplos de direitos subjectivos: os direitos de crdito, os direitos de personalidade, os direitos reais (estes dois ltimos so direitos absolutos, e o primeiro um direito relativo), direitos de famlia quando no forem poderes-deveres, etc.

O PODER DE EXIGIR OU PRETENDER

Na quase totalidade das hipteses de direito subjectivo, se a contraparte no cumpre o dever jurdico, pode o titular do direito obter dos tribunais e autoridades subordinadas a estes providncias coercitivas, aptas a satisfazer o seu interesse faa-se aqui em poder de exigir. Isto porque, ao titular do direito pode, recorrendo autoridade pblica, ser reposto, ao menos por equivalente, na situao lesada ou obter outras sanes.

H porm um crculo de hipteses em que o o titular do direito no pode reagir, com impugnao judicial, contra o adversrio. Entende-se porm, estar-se ainda perante deveres jurdicos, porque, se o adversrio cumprir voluntariamente, a lei trata da situao como se o comportamento em questo lhe pudesse ter sido exigido poder de pretender. o que chamamos de obrigaes naturais (art. 402). Exemplos de obrigaes naturais arts. 304/2; 1242. O devedor no tem a possibilidade de repetir o indevido, no tem a condictio indebiti (403).

Os direitos potestativos so poderes jurdicos de, por um acto de livre vontade, s de per si, ou integrado num acto de autoridade pblica (exemplo: deciso judicial), produzir determinados efeitos jurdicos que inelutavelmente se impem contraparte.

Corresponde-lhes a sujeio situao de necessidade em que se encontra o adversrio de ver produzir-se forosamente consequncias na sua esfera jurdica, mediante o exerccio do direito pelo seu titular. Em certas situaes afecta-se assim a esfera jurdica de outrem sem consentimento deste; consentimento que normalmente seria exigido. Os direitos potestativos, consoante o efeito jurdico que tendem a produzir, podem ser: constitutivos (produzem a constituio de uma relao jurdica por acto unilateral do seu titular); modificativos (tendem a produzir uma simples modificao numa relao jurdica existente e que continuar a existir, embora modificada.); ou extintivos (tendem a produzir a extino de uma relao jurdica existente). ----Ver exemplos na pgina 184.

43. O dever jurdico e a sujeio

Numa acepo muitssimo lata podemos englobar as duas situaes na noo de obrigao. Pode tambm falar-se em vinculao (Castro Mendes)

No dever jurdico (contraposto a direitos subjectivos) o sujeito do dever, expondo-se embora a sanes, tem a possibilidade prtica de no o cumprir. O direito ordena o titular do dever que observe um determinado comportamento e apoia esta ordem ou comando com as sanes dirigidas ao obrigado, que dolosa ou negligentemente, se exime do seu cumprimento.

Por vezes os deveres impendem sobre uma ou mais pessoas determinadas caso dos direitos de crdito, onde falamos em direitos relativos. Outras vezes os deveres jurdicos de absteno impem-se a todas as pessoas (obrigao passiva universal) no caso dos direitos absolutos ou relaes jurdicas absolutas, sobretudo no mbito dos direitos de personalidade (dever geral de respeito) ou reais.

Nas sujeies existe uma necessidade inelutvel em que est constitudo o adversrio do titular de um direito potestativo, de suportar na sua esfera jurdica as consequncias constitutivas, extintivas ou modificativas do exerccio daquele direito.

Aqui diversamente do dever jurdico, trata-se de uma necessidade inelutvel o sujeitado no pode violar ou infringir a sua situao, est necessariamente exposto produo dos resultados do exerccio do direito potestativo.

44. Relao jurdica simples ou singular e relao jurdica complexa

Ao referirmos como contedo da r.j o direito subjectivo propriamente dito e o dever jurdico, ou o direito potestativo e a correspondente sujeio, estamos a considerar a relao jurdica simples ou singular.

A realidade jurdica apresenta-nos porm, uma srie de direitos subjectivos e deveres ou sujeies conexionadas ou unificadas por um qualquer aspecto; por exemplo: promanarem do mesmo facto j. ou visarem o mesmo escopo. Fala-se ento de relao jurdica complexa.

Trata-se de relaes emergentes de contratos obrigacionais, numa posio de recproca de instrumentalidade e interdependncia, coordenados pela sua procedncia do mesmo contrato e pela sua colocao ao servio de um fim contratual amplamente entendido.

Assim, a relao formada entre comprador e vendedor de uma mquina no s constituda no dever de pagar o preo e o correlativo direito ao preo. O devedor do preo simultaneamente credor da entrega da mquina e existem outros vnculos. Este quadro ou sistema de vnculos, que a relao obrigacional complexa por vezes imageticamente caracterizado como um organismo, no sentido da psicologia da forma, e, pondo-se em relevo a sua adequao a um fim e a sua adaptao evoluo das circunstncias, como um processo.

NUS E EXPECTATIVA JURDICA

Por nus entendemos a necessidade de adopo de determinado comportamento para a realizao de um interesse prprio. O onerado no deve, pode livremente adoptar ou no este comportamento, mas se no o adoptar no realizar certo interesse. O onerado, se no acatar o nus, no infringe nenhum dever, nem a sua conduta ilcita, mas perde ou deixa de obter uma vantagem.

A expectativa jurdica a situao activa, juridicamente tutelada, correspondente a um estdio no processo complexo de formao sucessiva de um direito. uma situao em que se verifica a possibilidade, juridicamente tutelada de aquisio futura de um direito, estando parcialmente verificada a situao jurdica complexa, constitutiva deste direito.

(ver exemplos na p. 188)

45. Elementos da relao jurdica: sujeitos, objecto, facto jurdico e garantia

Sujeitos so as pessoas entre quem se estabelece o enlace, o vnculo respectivo. So os titulares do direito subjectivo e das posies passivas correspondentes (o dever jurdico ou a sujeio). Os sujeitos so pessoas podem tratar-se de pessoas singulares ou pessoas colectivas.

Objecto aquilo sobre que incidem os poderes do titular do direito subjectivo (posio activa). No , pois, o prprio direito subjectivo e o correspondente dever jurdico: estes formam o contedo da relao jurdica. No se trata, igualmente, dos poderes que integram o direito subjectivo: estes so o contedo do referido direito.

Trata-se do objecto do direito subjectivo propriamente dito, que constitui a face activa da sua estrutura. Podem ser objecto de r.j: outras pessoas, coisas corpreas ou incorpreas, modos de ser da prpria pessoa e outros direitos. Quanto aos direitos potestativos, parece que, bem vistas as coisas, no tm objecto, mas apenas contedo.

Facto jurdico todo o facto (acto humano ou evento natural) produtivo de efeitos jurdicos. Pode tratar-se de uma eficcia constitutiva, modificativa ou extintiva de relaes jurdicas. O facto tem um papel condicionante do surgimento da relao condio ou pressuposto da sua existncia. Algumas vezes, o facto jurdico vai modelar o contedo da relao jurdica por ex. No domnio da liberdade contratual o contrato que, nestes casos, vai fixar o objecto dos direitos das partes, e at o contedo dos mesmos.

Garantia conjunto de providncias coercitivas postas disposio do titular activo de uma relao jurdica, em ordem a obter a satisfao do seu direito, lesado por um obrigado que infringiu, ou que ameaa infringir. Trata-se da possibilidade de pr em movimento o aparelho sancionatrio estadual. A garantia da relao jurdico-privada s entra em movimento sob impulso do titular do direito subjectivo violado ou ameaado.

TEORIA GERAL DOS SUJEITOS DA RELAO JURDICA

46. O sujeito de direito. Personalidade e capacidade jurdica

Sujeitos de direito so os entes susceptveis de serem titulares de direitos e obrigaes, de serem titulares de relaes jurdicas. So sujeitos de direito as pessoas, singulares ou colectivas. A personalidade jurdica traduz-se na aptido para ser titular autnomo de relaes jurdicas. Esta aptido , nas pessoas singulares uma exigncia de direito ao respeito da dignidade da pessoa humana, que se deve reconhecer a todos os indivduos.

Todo o sujeito de direito titular de facto de r.j's. Para alm de um crculo mnimo de direitos patrimoniais, o sujeito de direito necessariamente titular, pelo facto de ser pessoa, de um crculo de direitos de personalidade.

Definio de Manuel de Andrade: Idoneidade ou aptido para receber para ser centro de imputao deles efeitos jurdicos. personalidade jurdica inerente a capacidade jurdica ou a capacidade de gozo de direitos. O artigo 67 traduz esta inerncia, estatui que as pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relaes jurdicas, salvo disposio legal em contrrio: nisto consiste a capacidade jurdica. Fala-se pois de personalidade para exprimir a aptido para ser titular de um crculo, com mais ou menos restries, de relaes jurdicas. -se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade.

47. Capacidade jurdica e capacidade para o exerccio de direitos

Distinta da noo de capacidade jurdica a de capacidade jurdica para o exerccio de direitos. Esta frmula utilizada na lei e no meio doutrinrio jurdico. A expresso no , todavia, a mais feliz, uma vez que sugere tratar-se unicamente da susceptibilidade de exercitar direitos, deixando de fora o cumprimento das obrigaes. Melhor se falaria em capacidade de agir.

A capacidade de exerccio ou de agir a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos, cumprindo deveres, adquirindo direitos e assumindo obrigaes, por acto prprio e exclusivo ou mediante representante voluntrio ou procurador. A pessoa dotada de capacidade de exerccio de direitos actua pessoalmente, ou seja, no carece de ser substituda.

Faltando essa aptido para actuar pessoal e autonomamente, depara-se-nos uma incapacidade de exerccio de direitos genrica ou especfica, consoante se refira aos actos jurdicos em geral ou em especial. A incapacidade de exerccio de direitos pode ser suprida pela representao legal ou pela assistncia.

A capacidade de exerccio de direitos reconhecida aos indivduos que atingem a maioridade (art. 130). Porm, no so apenas os menores, os incapazes para o exerccio de direitos (123); tambm temos a incapacidade dos interditos (139) e a dos inabilitados (152 e segs). Quanto s pessoas colectivas a afirmao da existncia, em geral, dessa capacidade repousa na concepo da relao entre a pessoa colectiva e as pessoas que, segundo os estatutos, agem em seu nome, como uma relao de organicidade.

A capacidade de exerccio, ao contrrio da de gozo, pode faltar de todo em todo a uma pessoa jurdica singular que a aptido para agir supe uma capacidade natural de querer e entender. No podem ter esta capacidade pessoas que no possam determinar com normal esclarecimento ou liberdade interior, os seus interesses. Da que a lei tenha fixado taxativamente essas situaes.

48. O problema dos direitos sem sujeito

Toda a relao jurdica tem de estar conexionada a um sujeito. O poder pressupe um titular, um portador; a vinculao ou obrigao, um onerado, um suporte.

H, todavia, situaes, como a atribuio de bens por doao ou por sucesso mortis causa, a um nascituro ou at mesmo a um concepturo (952 e 2033), em que parece existir um direito sem titular activo entre o momento da doao ou da morte e o nascimento do beneficirio, pois neste momento que surge a pessoa jurdica.

Pode igualmente verificar-se a aparncia de falta do sujeito passivo pense-se na hiptese das obrigaes do de cujus includas na herana jacente. Alguns autores afirmam, nestes casos, a existncia de direitos sem sujeito. Outros autores negam a possibilidade lgica de direitos sem sujeito, tratar-se-ia de um absurdo lgico as situaes apresentadas seriam estados de vinculao de certos bens, em vista do surgimento futuro de uma pessoa com um direito sobre eles. O objecto no estaria integrado em nenhuma relao jurdica, mas tambm no estaria livre. Estas tambm correspondem, em regra, a situaes provisrias, durante as quais a relao se mantm de uma forma imperfeita ou h uma indeterminao transitria do titular.

Responder afirmativamente, ressalvando-se o carcter transitrio da situao, soluo bastante. Mas tendo em conta que estamos no campo da harmonia lgica, h que reconhecer que as noes de poder e dever implicam a ideia de um sujeito. Logo, no se descortinando um sujeito nas hipteses apresentadas parece prefervel da relao jurdica imperfeita (estados de vinculao dos bens), tese na qual no chegam sequer a existir direitos subjectivos.

49. Modalidade do sujeito das relaes jurdicas: pessoas singulares e pessoas colectivas

Ao lado dos seres humanos, individualmente considerados, atribui o nosso direito civil personalidade jurdica s pessoas colectivas a personalidade jurdica como meio tcnico de organizao de interesses, pode ser atribuda pelo Direito a entes que no sejam indivduos humanos.

A expresso pessoa colectiva reveste na terminologia do CC um sentido amplo: abrangendo todas as organizaes de bens e agrupamentos de homens, personificados pelo Direito; e um sentido restrito: abrangendo todas essas organizaes e agrupamentos com excepo das sociedades.

PESSOAS SINGULARES

50. Personalidade jurdica. Noo, comeo e termo da personalidade. Condio jurdica dos nascituros.

Comeo da personalidade jurdica artigo 66/1 CC a personalidade jurdica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. O nico requisito o nascimento completo e com vida, no h qualquer prazo ou forma que condicione. Basta que a criana nasa completamente e com vida para ter personalidade jurdica, mesmo que no seja vivel a sua sobrevivncia.

Pe-se-nos a questo de saber qual a condio jurdica dos nascituros, quer dos j concebidos, quer dos que ainda esto por conceber. A lei permite que se faam doaes a nascituros concebidos e no concebidos (952) e se defiram sucesses quanto aos concebidos (2033/1), e apenas testamentria e contratualmente quanto aos no concebidos (2033/2). A lei admite o reconhecimento dos filhos concebidos fora do matrimnio. Estabelece no entanto, o artigo 66/2 que os direitos concedidos pela lei ao nascituro dependem do seu nascimento. Apesar de ainda no ter p.j e, por isso, no serem sujeitos de direito, reconhece a nossa lei aos nascituros direitos, embora dependentes de um nascimento completo e com vida (66/2)

At ao nascimento temos o problema dos direitos sem sujeito; seja qual for a posio que se adopte (direitos sem sujeito, estados de vinculao ou retroaco da personalidade ao momento da atribuio do direito) de admitir uma tutela jurdica do nascituro concebido, no que toca s leses nele provocadas. O surgimento deste direito de indemnizao no impe forosamente a atribuio de personalidade jurdica aos nascituros; o direito surge s no momento do nascimento se o feto agredido no ventre materno no chega a nascer com vida, ele no ter direito a qualquer indemnizao.

TERMO DA PERSONALIDADE JURDICA

A morte Nos termos do n1 do artigo 68, a personalidade cessa com a morte cessao irreversvel das funes do tronco cerebral. No momento da morte, a pessoa perde os direitos e os deveres na sua esfera jurdica, extinguindo-se os de natureza pessoal, e transmitindo-se para os sucessores os de natureza patrimonial

Mota Pinto discorda da posio de Pires de Lima e de Antunes Varela, segundo a qual o artigo 71/1 seria um desvio cessao da personalidade com a morte. A discordncia fundamenta-se no entendimento de que a tutela deste artigo uma proteco de interesses e direitos de pessoas vivas (as indicadas no n2), que seriam afectadas por actos ofensivos da memria do falecido.

Outra questo pertinente a de saber se as leses do direito vida so reparveis. Entre ns a reparao admitida com base no artigo 70 que protege os indivduos contra qualquer ofensa ilcita sua personalidade fsica ou moral, constituindo a ofensa vida, a mxima ofensa possvel de personalidade artigo 496 (ressarcimento de danos no patrimoniais), n3 prescreve a possibilidade de atender aos danos no patrimoniais sofridos pela vtima. Ao admitir esse ressarcimento, no se est a contrariar o n 1 do art. 68, pois o que est em causa no uma transmisso do direito vida, mas sim do direito a uma compensao (atribuvel pela ilcita supresso da vida), que nada impede que integre o patrimnio da vtima.

Presuno de comorincia Nos termos do artigo 68/2, quando certo efeito jurdico depender da sobrevivncia de uma outra pessoa, presume-se, em caso de dvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo. Esta presuno ilidvel mediante prova em contrrio. Esta presuno tem enorme importncia prtica, especialmente no que respeita a efeitos sucessrios: no se verificaro fenmenos de transmisso entre os comorientes (ver exemplo p.206).

O desaparecimento da pessoa (art. 68/3) o desaparecimento de uma pessoa nas circunstncias previstas neste artigo implica a abertura do chamado processo de justificao ao judicial do bito. Se mais tarde se vier a verificar ter havido engano ou incorreco, requerer-se- a invalidao ou rectificao do assento de bito.

Neste caso, parece deverem aplicar-se as regras de morte presumida (art. 114 e segs.).

51. Direitos de personalidade

Designa-se por esta forma, um certo nmero de poderes jurdicos pertencentes a todas as pessoas, por fora do seu nascimento verdadeiros Direitos Humanos no sentido das Declaraes Universais sobre a matria. No entanto, deve-se atentar que no estamos no mbito do direito pblico estes so direitos integradores de relaes entre particulares, e o Estado, claro est, deve respeit-los. A doutrina civilstica dos direitos de personalidade cura apenas de relaes de direito privado.

Sempre a pessoa titular de um certo nmero de direitos absolutos, que se impem ao respeito de todos os outros indivduos, incidindo sobre vrios modos de ser fsicos ou morais da sua personalidade direitos de personalidade, artigos 70 e segs. Estes direitos so gerais (todos deles gozam), extrapatrimoniais (no tm em si mesmos, valor pecunirio) e absolutos (impem-se erga omnes).

este o crculo mnimo necessrio de direitos; um contedo mnimo imprescindvel da esfera jurdica de cada pessoa. A violao de alguns destes aspectos da personalidade um fato ilcito criminal, que desencadeia a respectiva punio estabelecida pelo tipo legal de crime. Nessas hipteses bem como naquelas em que, por no assumir o facto um especial relevo para a colectividade, existe um facto ilcito civil este desencadeia o artigo 70/2 a responsabilidade civil do infractor, obrigao de indemnizar + certas providncias no especificadas e adequadas s circunstncias dos caso, com fim de evitar a consumao da ameaa ou atenuar os efeitos da ofensa j cometida.

QUAIS SO OS DIREITOS DE PERSONALIDADE?

O artigo 70 contm uma norma de tutela geral dos direitos de personalidade. A consagrao desta proteco geral da personalidade, permite conceder tutela a bens pessoais no tipificados, designadamente protegendo aspectos da personalidade cuja leso ou ameaa de violao, s com o evoluir dos tempos assumam um significado ilcito. Mantm-se, depois da morte do respectivo titular, a proteco dos que possam continuar a ser ofendidos (artigo 71/1). Esta formulao , porm, infeliz pois a tutela incide sobre direitos ou interesses das pessoas mencionadas no n2 do mesmo artigo e no significa que se mantenham os direitos na titularidade do defunto, cuja personalidade cessou com a morte. Em caso de leso que provenha da morte, o direito indemnizao deferido s pessoas referidas nos artigos 495 e 496. Seria inslito porm falar num verdadeiro e prprio direito de uma pessoa conservao da vida de outrem o direito indemnizao, nestes casos, resulta da leso de um interesse prprio dos seus titulares (artigo 483), sendo por outro lado, tambm considerados os danos patrimoniais sofridos pela vtima.

O CC no disciplinou exaustivamente os direitos de personalidade, para alm do regime geral, limitou-se a prever alguns direitos de personalidade que poderiam suscitar particulares problemas. Hoje a clusula da tutela geral deve, porm, ser concretizada tendo em ateno, quer o regime dos direitos, liberdades e garantias (art. 24 e segs CRP) a que correspondem os direitos de personalidade; quer os tipos de crime que visam proteger bens jurdicos correspondentes aos direitos de personalidade.

Para afastar quaisquer dvidas previsveis sobre a sua incluso na tutela geral do artigo 70, prev expressamente o artigo 80 o chamado direito reserva sobre a intimidade da vida privada pequenas acomodaes da vida quotidiana podem nada ter a ver com a honra e o decoro, e no ser apreciados desfavoravelmente no ambiente externo, mas h neles algo de ntimo e privado que basta para considerar lesiva qualquer forma de publicidade. O n2 do artigo 80 prev, porm, a possibilidade de a extenso da reserva variar conforme a natureza do caso e a condio das pessoas. Mesmo as pessoas clebres tm o direito a fixar os limites do que pode ser publicado ou no sobre a sua vida ntima embora esta complacncia no possa deixar de significar a renncia a uma esfera de intimidade to extensa como a dos restantes cidados.

Outro direito especificamente previsto o direito imagem (art.79), por fora do qual o retrato de uma pessoa no pode ser exposto, reproduzido ou lanado no comrcio sem o consentimento dela. No n2 enumeram-se algumas circunstncias que justificam a desnecessidade do consentimento. No n3 contm-se um afloramento da proteco civil do direito honra (para alm do que se encontra no art. 484) como limite divulgao da imagem.

O CC disciplina tambm o direito ao nome (art. 72) e o direito ao pseudnimo (reconhecido quando a pessoa tiver notoriedade (art. 74). Tutela assim o bem da identidade pessoal. Inclui-se neste direito pois o bem da identidade, o que faz todo o sentido, uma vez que um dos aspectos morais da personalidade, ao lado dos bens da honra, da liberdade e da reserva sobre a intimidade. Intimamente ligado portanto pessoa, mas, de alguma forma, exterior a ela. Importante saber que o artigo72 consagra, com carcter absoluto e inviolvel, um direito ao nome. Qual o contedo do direito ao nome? - Abrange a faculdade de o usar para exprimir a identidade prpria e de exigir que os outros, nas relaes sociais, o atribuam ao seu titular; abrange igualmente a faculdade de defender o uso exclusivo do nome contra uma usurpao por parte de terceiro. A violao do direito ao nome desencadeia a responsabilidade civil, desde que haja danos e d ao titular a possibilidade de requerer as providncias adequadas s circunstncias do caso (art.70/2). Neste artigo, contempla-se a hiptese, no rara, da homonmia. Esta no proibida, mas o titular do nome no pode, designadamente no exerccio de uma actividade profissional, us-lo por forma a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idntico.

Os direitos de personalidade so inalienveis e irrenunciveis. Esta irrenunciabilidade no impede a eventual relevncia do consentimento do lesado; este no produz a extino do direito, e tem um destinatrio que beneficia dos seus efeitos. A limitao voluntria do exerccio dos direitos de personalidade deve, no entanto, para ser vlida como negcio jurdico, ou para ser relevante como circunstncia que exclui a licitude do acto lesivo, e consequentemente a responsabilidade civil do lesante, ser conforme a princpios da ordem pblica (81 e 280). Assim deve ter-se por nulo ou irrelevante o consenso na leso do bem da vida. J se pode ter por admissvel, dentro de certos limites, uma limitao voluntria do direito integridade fsica: consentimento para intervenes mdicas, operaes estticas, etc. O critrio decisivo a este respeito sempre o do artigo 81: no contrariedade aos princpios da ordem pblica. Quando o consenso do titular do direito seja legal, no poder ter lugar uma execuo em forma especfica e o consentimento pode ser revogado, com indemnizao dos prejuzos causados s legtimas expectativas da outra parte (81/2). Os direitos honra, reserva sobre a intimidade da vida privada e imagem podem, em princpio, ser objecto de limitaes voluntrias vlidas. O consentimento do lesado, quando nulo ou ilegal, no faz perder ao acto violador do direito o seu carcter de ilicitude e consequentemente no isenta o autor deste da obrigao de indemnizar o lesado por danos resultantes da violao. Todavia, em muitos casos, ser pertinente invocar o artigo 570.

WRONGFUL LIFE E WRONGFUL BIRTH

Questo muito interessante a de saber se h um direito a no nascer, especialmente quando se nasce com graves malformaes, de tal modo que a pessoa, com essas deficincias possa agir judicialmente contra os mdicos que, por negligncia, ou no detectaram antecipadamente tais anomalias, ou no informaram devidamente os pais, impedindo-os de interromper licitamente a gravidez.

Esta questo normalmente conhecida por wrongful life e wrongful birth. Convm partida distinguir as situaes em que so os pais a pedir indemnizao por danos prprios, daquelas em que os pais intervm como representantes do filho menor, pedindo uma indemnizao por danos deste, sofridos pelo filho. Trata-se no primeiro caso da situao de wrongful birth, e no segundo caso, trata-se de wrongful life. No primeiro, os pais invocam danos por eles sofridos, quer patrimoniais, quer morais poder estar em causa, de algum modo, o poder de autodeterminao dos pais quanto ao planeamento familiar. J no segundo caso, o que se pretende indemnizar o dano sofrido pelo filho, por ter nascido com graves deficincias fsicas e/ou mentais, deficincias essas que os mdicos no detectaram ou no informaram convenientemente os pais as wronful life actions baseiam-se assim, na omisso, pelos mdicos, do dever de informao, ou no negligente cumprimento de tal dever isto pelo dano de ter nascido. Estas situaes levantam problemas de vria ordem, no plano estritamente jurdico, podemos enunciar:

O pedido de indemnizao pressupe a responsabilidade dos mdicos, a qual depende da culpa. Esta responsabilidade tanto pode ser contratual como extracontratual, admitindo-se em conformidade com a posio dominante entre ns, que o lesado pode optar por uma ou por outra, e at cumular na mesma aco regras de ambas as modalidades.

Assim como se permite, em geral, a reparao tanto de danos patrimoniais como de danos morais, quer na responsabilidade delitual, quer na contratual. E haver ainda que identificar o direito lesado, o dano ocorrido e o nexo de causalidade.

(ver exemplo elucidativo na p. 219 e 220)

52. Capacidade jurdica e capacidade para exerccio de direitos

personalidade jurdica inerente a capacidade jurdica ou capacidade de gozo de direitos. O artigo 67, traduz esta inerncia . Fala-se de capacidade jurdica para referir a aptido para ser titular de um crculo, maior ou menor, de relaes jurdicas, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade - ou h uma pessoa jurdica ou no h. H uma capacidade jurdica maior ou menor.

A capacidade de exerccio ou de agir- a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos e cumprindo deveres , adquirindo direitos ou assumindo obrigaes; por acto prprio e exclusivo ou mediante um representante voluntrio ou procurador, isto , um representante escolhido pelo prprio representado. Se esta aptido para actuar pessoal e autonomamente falta, depara-se-nos uma incapacidade para o exerccio de direitos genrica ou especfica, e pode ser suprida.

53. Capacidade negocial. Modalidades da capacidade negocial de gozo (capacidade jurdica negocial) e capacidade negocial de exerccio.

Estas noes traduzem-se na referncia de noes, mais genricas, de capacidade jurdica e de capacidade para o exerccio de direitos ao domnio dos negcios jurdicos. Contrape-se-lhes a incapacidade negocial de gozo e a incapacidade negocial de exerccio. A primeira provoca nulidade dos negcio jurdicos respectivos e insuprvel. A segunda provoca anulabilidade dos negcios jurdicos respectivos e suprvel, no podendo os negcios a que se refere ser realizados pelo incapaz ou por um seu procurador, mas podendo s-lo atravs de meios destinados justamente ao suprimento da incapacidade estes meios so:

Instituto da representao legal (art.124 suprimento da incapacidade dos menores pelo poder paternal, e subsidiariamente, pela tutela; art. 125/2 : representante do menor; art. 139)

Instituto da assistncia, quer na hiptese de assistncia propriamente dita (art. 153), quer na do consentimento conjugal (arts. 1682, -A, -B, 1683 e 1684). Esta ltima era designada no Cdigo de Seabra por assistncia por outorga ou autorizao

A representao a forma de suprimento da incapacidade traduzida em ser admitida a agir outra pessoa em nome e no interesse do incapaz. Essa pessoa denominada representante legal, por ser designada pela lei ou em conformidade com ela no se admite aqui um representante voluntrio, isto , escolhido pelo titular, dada a sua incapacidade.

A assistncia tem lugar quando a lei admite o incapaz a agir, mas exige o consentimento de certa pessoa ou entidade. Enquanto o representante legal actua em lugar do incapaz, o assistente destina-se a autorizar o incapaz a agir impede o incapaz de agir ou intervm ao lado dele.

54. Determinao da capacidade negocial de gozo

A regra geral a que as pessoas jurdicas tenham capacidade jurdica, que inerente sua qualidade de ser pessoa. H, no entanto, alguns casos que exigem restries:

Incapacidades nupciais (impedimentos dirimentes absolutos e relativos: 1601 e 1602);

Incapacidade de testar pelos menores no emancipados, ou por interditos por anomalia psquica (2189);

Incapacidade para perfilhar dos menores de 16 anos, dos interditos por anomalia psquica e dos notoriamente dementes no momento da perfilhao (art. 1850).

As doaes quando feitas a determinadas pessoas so nulas, tal como as disposies testamentrias nas mesmas condies, por fora do artigo 953 e dos artigos 2192 e 2198. Assim disposies feitas por um menor a favor do tutor, curador ou administrador legal de bens; as disposies feitas a favor de um mdico ou enfermeiro que tratar o testador, ou o sacerdote que lhe prestar assistncia espiritual, bem como as disposies feitas a favor da pessoa com quem o disponente cometeu adultrio, a favor do notrio ou de outros intervenientes no acto.

No se trata, todavia de incapacidade absoluta , pois a indisponibilidade no resulta da considerao de uma qualidade do disponente em si, mas sim uma restrio do poder de disposio em certa direco e por isso o CC qualifica estes casos como de indisponibilidade relativa. Este termo refere-se, todavia, ao objecto do negcio. Se queremos traduzir a situao do sujeito, devemos falar em incapacidade relativa . Por vezes um negcio proibido a um certo sujeito em virtude da posio em que se encontra perante outro sujeito; trata-se todavia de ampliao infundada do conceito de ilegitimidade.

O CC estabelece certas proibies no domnio da compra e venda. Assim, a dos artigos 876 e 579, a e a do artigo 877 (da proibio da compra e venda de pais ou avs a filhos ou a netos, se os outros filhos ou netos no consentirem no acto). Existe tambm o caso da proibio do negcio consigo mesmo (art. 261).

Havia tambm um caso especial previsto no Cdigo de Seabra, no mbito do qual se proibia a compra e venda entre cnjuges, fundamentava-se no intuito de impedir que os cnjuges dissimulassem atrs de uma falsa compra e venda, uma doao, a fim de fugirem ao regime especial das doaes entre casados (livre revogabilidade). O legislador do actual cdigo manteve a revogabilidade das doaes entre casados (1765) e o princpio da imutabilidade das convenes antenupciais (1714/1), proibiu os contratos de compra e venda e sociedade entre cnjuges (1714/2) tais situaes no constituem, porm, manifestaes de incapacidade jurdica negocial absoluta; alguns autores reconduzem-nas ao conceito de ilegitimidade no resultam da considerao de um modo de ser do sujeito em si, mas de uma posio, de um modo de ser para com os outros. As pessoas abrangidas por tal regime tm plena capacidade para a prtica de quaisquer actos, -lhes vedada simplesmente a prtica de certos negcios, definidos no pela sua categoria genrica, mas em razo de uma certa relao com o objecto do negcio e com a outra parte aqui prefervel de legitimidade a noo de incapacidade jurdica relativa.

A capacidade jurdica negocial das pessoas colectivas , tambm, objecto de duas restries, resultantes do artigo 160.

55. Determinaes da capacidade negocial de exerccio. Generalidades.

a) Quanto s pessoas colectivas: Admitida a teoria organicista, pode afirmar-se com toda a legitimidade, que elas possuem plena capacidade negocial de exerccio. Esta capacidade negocial s

o sofrer restries quando, excepcionalmente, estiverem privadas dos seus rgos, agindo outras entidades em seu nome e no seu interesse, ou quando seja necessria a autorizao de outras entidades alheias pessoa colectiva (assistncia). A esta ltima hiptese se referia o artigo 161, que foi revogado.

b) Quanto s pessoas singulares: Em princpio todas as pessoas singulares tm capacidade de exerccio. Tal regra resulta dos artigos 130 e 133. O quadro de incapacidades de exerccio fixado por lei, quer no que toca aos casos respectivos, quer no que se refere sua amplitude. As incapacidades so excepcionais e, onde a lei as no estabelea estamos no campo da capacidade de exerccio.

56. Enumerao das incapacidades de exerccio estatudas pelo CC

As incapacidades de exerccio estabelecidas pelo novo cdigo civil resultam:

a) da menoridade

b) da interdio

c) das inabilitaes

d) do casamento (incapacidades conjugais)

e) da incapacidade natural acidental, consistindo no no entendimento, por qualquer causa, do sentido da declarao negocial ou na falta de livre exerccio da vontade (art. 257).

O interesse determinante das incapacidades o interesse do prprio incapaz. Pense-se na incapacidade dos menores, na dos interditos e na dos prprios inabilitados. No Cdigo de 66 a inabilitao no depende do requisito estabelecido no Cdigo de Seabra (interesse de outras pessoas cnjuges ou herdeiros legitimrios), exigindo-se apenas a verificao das deficincias da personalidade natural, referidas no artigo 152. Quanto s pessoas com legitimidade para requerer a inabilitao, ou para arguir a anulabilidade dos actos praticados pelo inabilitado, aplica-se a este tipo de incapacidade o regime das interdies e da menoridade (arts. 125 e 141, aplicveis por fora dos arts. 139 e 156) Pode concluir-se que o interesse visado em primeira linha, com o instituto da inabilitao , tal como na incapacidade dos menores ou dos interditos, o interesse do prprio inabilitado.

comum afirmar-se uma certa espcie de incapacidade as incapacidades conjugais visa tutelar os interesses de outras pessoas tm elas em vista salvaguardar os interesses do outro cnjuge e os interesses gerais da famlia. Simplesmente parece tratar-se antes de ilegitimidades, e no de incapacidades.

57. Incapacidade dos menores

1) Amplitude

Abrange, em princpio, quaisquer negcios de natureza pessoal ou patrimonial. uma incapacidade geral (art. 123). Existem no entanto, algumas excepes incapacidade. Os menores podem praticar actos:

De administrao ou disposio de bens que o menor haja adquirido por seu trabalho [art. 127/a)]

So vlidos os negcios jurdicos prprios da vida corrente do menor, que, estando ao alcance da sua capacidade natural, s impliquem despesas ou disposies de bens de pequena importncia [art. 127/b)]

So vlidos os negcios relativos profisso, arte ou ofcio que o menor tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exerccio dessa profisso [art.127/c)]

Podem contrair validamente casamento desde que tenham idade superior a 16 anos (1601), sendo certo, todavia, que a oposio dos pais constitui um impedimento impediente, dando lugar a sanes especiais (arts. 1604, al. a), 1627 e 1649)

Podem fazer testamento se emancipados (art. 2189);

Podem perfilhar quando tiverem mais do que 16 anos (art. 1850, especialmente o n2)

2) Durao

Com a Reforma de 1977, a incapacidade passou a terminar quando o menor atingir a idade de 18 anos, ou for emancipado (arts. 122, 129, 130 e 133), salvo se, na primeira hiptese, estiver pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, aco de interdio ou inabilitao (art.131) funda-se esta antecipao em vrias razes, nomeadamente numa mais rpida maturao e maior independncia dos jovens do nosso tempo, em virtude de uma escolaridade obrigatria mais prolongada, do desenvolvimento dos mass media, e na equiparao da maioridade civil maioridade eleitoral activa e passiva.

Com a antecipao, o instituto da emancipao perdeu importncia e razo de ser, porquanto no se julgou razovel reconhecer ao menor, abaixo dos 18 anos, a capacidade de exerccio que a emancipao acarreta. O nico facto constitutivo da emancipao o casamento (art.132) fixada a idade nbil de 16 anos, conviria manter a emancipao como efeito do casamento, uma vez que situao de casado convm a plena capacidade de exerccio de direitos decorrente da emancipao.

3) Efeitos

Os negcios jurdicos praticados pelo menor contrariamente proibio em que se cifra a incapacidade esto feridos de anulabilidade (art.125). As pessoas com legitimidade para arguir essa anulabilidade so o representante do menor, dentro de um ano a contar do conhecimento do acto impugnado; pelo prprio menor, dentro de um ano a contar da cessao de incapacidade; ou qualquer herdeiro, igualmente dentro de um ano, a contar da morte, se o hereditando morreu antes de ter expirado o prazo em que podia, ele prprio, requerer a anulao (art.125).

A anulabilidade pode ser invocada normalmente por via de excepo, sem dependncia de prazo, se o negcio no estiver cumprido. Neste caso, a pessoa com legitimidade, para arguir a anulabilidade no vem intentar uma aco para esse fim, mas defende-se com a referida anulabilidade, numa aco judicial em que se pea o cumprimento o acto ou este seja invocado.

O direito de invocar anulabilidade precludido (perda do direito de agir) pelo comportamento malicioso do menor, caso este, no uso de dolo ou m f, se faa passar por maior ou emancipado (art.126). Nesta hiptese, entendemos que ficam inibidos desse direito tambm as restantes pessoas com legitimidade para arguir a anulabilidade. O especial merecimento de tutela da contraparte, e das suas legtimas expectativas, implicam que todos os legitimados sejam inibidos. No nos parece coerente com a ratio do preceito a soluo que s pretende aplicar a inibio ao menor.

No caso acima descrito, a lei considera no existir, ou estar atenuado, o nus geral de diligncia do contratante relativamente ao menor, donde resulta no ser invocvel a anulabilidade, seja por quem for. Por outro lado, no basta que o menor declare ou inculque ser maior; tm de haver artifcios, manobras ou sugestes de carcter fraudulento (art. 253/1).

COMO SE SUPRE A INCAPACIDADE DO MENOR ?

A incapacidade suprida pelo instituto da representao. Os meios que esta fornece para esse suprimento so o poder paternal, e, subsidiariamente, a tutela (art. 124); eventualmente pode haver lugar instituio, com os mesmos fins, do regime de administrao de bens (art. 1922). no pode hoje falar-se de uma incapacidade nupcial dos menores (maiores de 16), suprvel pelo instituto da assistncia. Quanto ao casamento esto os menores, ou feridos de uma incapacidade de gozo de direitos (menores do que 16 anos), como tal, insuprvel, ou tm capacidade de gozo e capacidade de exerccio, por a falta de consentimento dos pais no ser causa da anulabilidade, mas apenas de sanes especiais, previstas no artigo 1649.

claro que s suprvel a incapacidade dos menores, na medida em que seja uma mera incapacidade de exerccio; quando se tratar de uma incapacidade de gozo, esta insuprvel.

- Poder paternal o contedo do poder paternal est hoje regulado no artigo 1878/1, competindo aos pais agir no interesse dos filhos. O poder paternal pertence, pois, aos pais, no distinguindo a lei poderes especiais do pai ou da me em virtude do princpio da igualdade (art. 1901). H que salientar a diviso poder paternal relativamente pessoa dos filhos (1885 a 1887-A) e poder paternal relativamente aos bens do filho (arts. 1888 a 1900). No primeiro domnio, salienta-se o poder de educar os filhos ou de custdia; direito ao respeito mtuo. No segundo salientam-se o poder de administrao de bens (arts. 1878/1 e 1897), e o recproco dever de alimentos (1874 e 1878/1). De mencionar a inexistncia, hoje, de qualquer usufruto legal dos pais sobre os bens dos filhos, embora possam utilizar o seu rendimento nos termos do artigo 1896 na satisfao das necessidades da famlia.

Comuns ao poder paternal so o poder de representao (arts. 1878 e 1881) e o poder de autoridade ou de comando a que os filhos devem obedincia (1878/2). Esto excludos da administrao dos pais certos bens mencionados no artigo 1888. O artigo seguinte enumera actos cuja validade esteja dependente da autorizao do tribunal: trata-se de actos mais graves, relativamente aos quais se entendeu conveniente controlar a actuao dos pais. Outra limitao resulta do artigo 1892, mera concretizao da proibio genrica do negcio consigo mesmo (261).

As infraces dos artigos 1889 e 1892 geram anulabilidade dos respectivos actos, nos termos do 1893 e 1894.

- Tutela o meio normal de suprimento do poder paternal. Deve ser instaurada sempre que se verifique alguma situao das previstas no 1921. Esto nela integrados o tutor, o protutor, o conselho de famlia e, como rgo de controlo e vigilncia, o tribunal de menores.

O tutor tem poderes de representao abrangendo, em princpio, tal como os dos pais, a generalidade da esfera jurdica do menor. O poder tutelar , todavia, menos amplo do que o poder paternal. As suas limitaes resultam, sobretudo, dos arts. 1937 e 1938. H certos actos que so vedados ao tutor e que os pais podem praticar, pelo menos com autorizao judicial; assim como h actos que os pais podem praticar livremente e o tutor necessita de autorizao judicial.

As sanes para a infraco das proibies impostas ao tutor constam dos artigos 1939 e 1940, sendo predominantemente, invalidades do tipo misto e no puras nulidades ou anulabilidades.

Administrao de bens A instituio deste regime, como meio de suprimento da incapacidade do menor, ter lugar, coexistindo com a tutela ou com o poder paternal, nos termos do artigo 1922:

Quando os pais esto inibidos ou suspensos da administrao de todos os bens do menor, ou de alguns deles;

Quando a entidade competente para designar o tutor confie a outrem, no todo ou em parte, a administrao dos bens do menor.

A designao do administrador de bens regulada nos artigos 1967 e 1968. O administrador o representante legal do menor dos actos relativos aos bens cuja administrao lhe pertena e os seus poderes so idnticos aos do tutor (1971).

58. Incapacidade dos interditos

A incapacidade resultante da interdio aplicvel apenas a maiores, uma vez que os menores, embora renam as condies para a interdio, esto protegidos pela incapacidade da menoridade. A lei permite, todavia, o requerimento e decretamento da interdio dentro do ano anterior maioridade (art. 138/2).

So fundamentos da interdio as situaes de anomalia psquica, surdez-mudez ou cegueira, quando pela sua gravidade tornem o interdito incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens (138). Quando a anomalia psquica ou a surdez-mudez/cegueira no chegam ao ponto de afectar totalmente o discernimento requerido para gerir os seus interesses, o incapaz ser inabilitado.

Essas deficincias que fundamentam a interdio tm de ser habituais ou duradouras, o que significa continuidade absoluta e actualidade. Mas alm da existncia efectiva de tais deficincias, exigida sentena judicial que, no termo de um processo especial, declare incapacidade. O CC no faz qualquer referncia possibilidade de interdies parciais, pelo que parece haver apenas alternativa entre interdio e inabilitao, consoante a gravidade das deficincias.

O regime desta incapacidade idntico ao da incapacidade dos menores, quer quanto ao valor dos actos praticados em contraveno da proibio em que se cifra, quer quanto aos meios de suprir a incapacidade (art. 139)

COMO SE SUPRE A INCAPACIDADE DOS INTERDITOS

suprida a interdio mediante o instituto da representao legal. uma tutela regulada pelas mesmas normas que regulam a dos menores, que deferida pela ordem estabelecida pelo 143. Poder ter lugar eventualmente, a administrao de bens. Quando a tutela recair nos pais, estes exercem o poder paternal como se o interdito fosse menor. A competncia atribuda ao tribunal de menores deferida, no que se refere incapacidade dos interditos, ao tribunal comum (140).

A sentena de interdio definitiva deve ser registada sob pena de no poder ser invocada contra terceiro de boa f (art. 147). Tendo em conta que apenas suprvel a incapacidade de exerccio, relativamente ao casamento no h possibilidade de suprimento da incapacidade quanto aos interditos por anomalia psquica (art.1601/b) incapacidade negocial de gozo.

Tambm quanto ao testamento, s os interditos por anomalia psquica esto feridos de uma incapacidade de gozo, tendo os surdos-mudos e cegos capacidade testamentria de gozo e de exerccio. No h qualquer lugar para o instituto da assistncia no suprimento de uma incapacidade por interdio.

59. Valor dos actos praticados pelo interdito

O regime legal, aplicvel generalidade dos negcios jurdicos, obriga-nos a distinguir trs perodos:

1) Depois do registo da sentena de interdio definitiva os negcios jurdicos praticados neste perodo esto feridos de anulabilidade (art.148). Quanto ao prazo para invocao da anulabilidade, e s pessoas com legitimidade para a arguir, aplicvel, por fora do artigo 139, com as necessrias aplicaes, o artigo 125. Assim, podem requerer anulao o representante do interdito durante a vigncia da interdio no prazo de um ano a contar do conhecimento do negcio; o prprio interdito, no prazo de um ano a contar do levantamento da interdio; qualquer herdeiro, no prazo de um ano a contar da morte do incapaz. Trata-se de uma invalidade sanvel por confirmao das pessoas com legitimidade para a invocar. A anulao no pode ser excluda com fundamento na ocorrncia de um intervalo lcido do demente, falta de prejudicialidade do acto ou desconhecimento, pela outra parte, da interdio.

2) Na pendncia do processo da interdio se o acto for praticado depois de publicados os anncios da proposio da aco, e a interdio vem a ser decretada, haver lugar a anulabilidade, desde que se mostre que o negcio causou prejuzo ao interdito (art.149). A doutrina punha o problema de saber se o prejuzo se devia apreciar com referncia ao momento em que o acto foi praticado, ou se devia fazer uma apreciao actual, isto , no momento em que se decidia sobre a anulao. Em face do artigo 149 do CC de se considerar que no se poderia admitir uma considerao actual, mas sim no momento em que o acto fora praticado, tendo em vista o elemento literal do preceito. Assim, esses actos s sero anulveis se forem considerados prejudiciais numa apreciao reportada ao momento da prtica do acto, no se tomando em conta as eventualidades ulteriores, que tomariam agora vantajoso no o ter realizado. Se os actos posteriores propositura da aco fossem anulveis sem mais requisitos, ou mediante simples prova de cognoscibilidade da demncia (art. 150 e 257), ningum quereria contratar com um interdicendo, sujeito a ver o negcio desabar.

Isto relativamente aos negcios onerosos, mas e quanto aos gratuitos (doaes)? Manuel de Andrade sustentou a opinio, segundo a qual, as doaes devem considerar-se sempre prejudiciais ao interdito, para efeito de anulao de actos, mesmo que as circunstncias concretas da sua realizao tornassem razovel a prtica daquele acto, por uma pessoa normal. Esse ponto de vista parece impor-se tambm hoje, pois uma doao importa sempre um imediato empobrecimento do doador, podendo, por fora de ulteriores vicissitudes, vir a causar-lhe grave dano.

3) Anteriormente publicidade da aco rege estas situaes o artigo 150, cuja estatuio remete para o disposto acerca da incapacidade acidental. A incapacidade acidental est prevista e regulada no artigo 257, nos termos do qual a declarao negocial feita por quem se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela, ou no tinha o livre exerccio da sua vontade anulvel, desde que o facto seja notrio ou conhecido do declaratrio. Aqui no h distino dos que vm a ser decretada interdio por surdez-mudez ou cegueira e os de anomalia psquica, em ambos os casos, a anulabilidade tem como condies necessrias e suficientes, os seguintes requisitos:

1. Que, no momento do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declarao negocial ou falte livre exerccio de vontade.

2. Que a incapacidade natural existente seja notria ou conhecida do declaratrio. O n 2 do artigo 257 no d margem s dvidas ento surgidas, pois esclarece que notrio um facto que uma pessoa de normal diligncia teria podido notar.

Em face do exposto resulta que, para a anulabilidade destes actos no basta a prova de incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa f do declaratrio e da segurana jurdica, a prova de cognoscibilidade da incapacidade. Por outro lado, torna-se necessrio provar a existncia de uma perturbao psquica no momento em que a declarao de vontade foi emitida, o que ser difcil.

Tambm parece no ser exigvel a prova de qualquer prejuzo para o incapaz, requisito este necessrio para a anulao dos actos praticados na pendncia do processo quer porque o teor do artigo 257 no lhe faz qualquer referncia , quer porque a ratio da sua exigncia para os actos praticados na pendncia da aco de interdio no impe que a mesma exigncia seja estendida aos actos anteriores aco

4) Quanto a alguns actos em especial esto desprovidos de capacidade para o casamento, perfilhao e testamento os interditos por anomalia psquica (arts. 1601, 1850 e 2189). Trata-se de uma incapacidade jurdica insuprvel (por ser de gozo). Os restantes interditos tm plena capacidade jurdica para a prtica daqueles actos.

E existindo anomalia psquica, mas no estando o demente interdito, quid juris? Para o casamento e a perfilhao haver incapacidade desde que haja demncia notria e, no primeiro caso, mas no j no segundo, mesmo que o acto seja praticado num intervalo lcido (arts. 1601/b e 1850) pretende-se que se trate de uma demncia inequvoca, sem dvidas, mesmo que no seja cognoscvel pelo declaratrio. Para o testamento, s os interditos por anomalia psquica so directamente considerados incapazes. Na hiptese de incapacidade natural, mas faltando interdio, o acto poder, porm, ser anulado desde que se verifiquem os pressupostos da incapacidade acidental (art. 2199).

As consequncias da celebrao de qualquer um desses negcios pelo incapaz so a anulabilidade no casamento e na perfilhao (arts. 1631/a, e 1861) e, para o testamento, a nulidade no caso de interdio (2190) e a anulabilidade no caso de incapacidade acidental (art. 2199).

60. Quando cessa a incapacidade dos interditos

No basta o trmino da incapacidade natural, necessrio o levantamento da interdio. Podem requerer o levantamento o prprio interdito ou qualquer das pessoas com legitimidade para requerer a interdio (art. 151).

61. Incapacidade dos inabilitados

As inabilitaes so uma fonte de incapacidade, resultam, tal como as interdies, de uma sentena judicial.

As pessoas sujeitas a inabilitao esto especificadas no art. 152 indivduos cuja anomalia psquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carcter permanente, no seja to grave que justifique a interdio; indivduos que se revelem incapazes de reger o seu patrimnio por habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcolicas e/ou estupefacientes. A segunda categoria abrange os indivduos que praticam habitualmente actos de delapidao patrimonial (no confundir com administrao infeliz ou pouco perspicaz); a terceira categoria representa uma inovao do CC, pois anteriormente tais pessoas no podiam ser declaradas incapazes. O abuso de bebidas alcolicas ou de estupefacientes tem de importar uma alterao de carcter; deve, por outro lado, atender-se ao estado actual do sujeito e no eventualidade de uma deteriorao futura. Em qualquer dos casos basta que se prove a existncia de um perigo actual de actos prejudiciais ao patrimnio do visado, mesmo que ainda se no tenha verificado dano concreto.

A inabilitao abranger os actos de disposio entre vivos (est excludo o testamento ou pactos sucessrios) e os que forem especificados na sentena judicial, dadas as circunstncias do caso (art. 153). Pode, todavia, a prpria administrao do patrimnio do inabilitado ser-lhe retirada e entregue ao curador (art. 154).

A incapacidade dos inabilitados no existe pelo simples facto da existncia das circunstncias referidas no artigo 152. Torna-se necessria uma sentena de inabilitao, no termo de um processo judicial a sentena pode determinar a extenso maior ou menor da inabilitao.

A incapacidade dos inabilitados suprida pelo instituto da assistncia (em princpio); pois esto sujeitos a autorizao do curador os actos de disposio entre vivos, bem como os especificados na sentena (art. 153). Pode determinar-se que a administrao do patrimnio do inabilitado seja entregue pelo tribunal ao curador (art. 154/1) nesse caso funciona, com forma de suprimento o instituto da representao. A pessoa encarregada de suprir a incapacidade dos inabilitados o curador. Constata-se assim, que distino entre os dois (inabilitao e interdio), no corresponde necessariamente, diversidade de formas de suprimento as inabilitaes so tendencialmente supridas por assistncia, e as interdies por representao; mas nas primeiras tambm pode haver lugar para a representao.

A lei no regula directamente o problema do valor dos actos praticados pelo inabilitado, sendo aplicveis as disposies que vigoram acerca do valor dos actos do interdito, por fora do artigo 156. Estes artigos sero o 148, 149 e 150 (este ltimo raramente conduz anulao nos casos de inabilitao)

As caractersticas da anulabilidade so, com as necessrias adaptaes, as do artigo 125, aplicvel por remisso dos artigos 139 e 156.

62. Quando cessa a incapacidade dos inabilitados

A incapacidade s deixa de existir quando for levantada a inabilitao. O artigo 155 contm, acerca do levantamento da inabilitao, um regime particular. Estabelece-se que, quando a inabilitao tiver por causa a prodigalidade ou o abuso de bebidas alcolicas ou de estupefacientes, o seu levantamento exige as condies seguintes:

Prova de cessao daquelas causas

Decurso do prazo de 5 anos sobre o trnsito em julgado da sentena de inabilitao ou da sentena que desatendeu o ltimo