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Série Temas em Educação Escolarn.18 – 2013

PESQUISA, ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA

INGLESA: OLHARES E POSSIBILIDADES

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Faculdade de Ciências e Letras, UNESP – Univ Estadual Paulista, Campus AraraquaraReitor: Julio Cezar DuriganVice: Marilza Vieira Cunha RudgeDiretor: Arnaldo CortinaVice: Cláudio César de Paiva

Programa de Pós-Graduação em Educação EscolarCoordenador: Prof. Dr. Ricardo RibeiroVice-Coordenador: Prof. Dr. Newton Duarte

SÉRIE TEMAS EM EDUCAÇÃO ESCOLAR Nº 18

Conselho Editorial Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação EscolarProf. Dr. Ricardo RibeiroProf. Dr. Newton DuarteProfa. Dra. Lígia Márcia MartinsProf. Dr. Luiz Antônio C. Nabuco LastóriaProf. Dr. Cláudio Benedito Gomide de SouzaProf. Dr. Sebastião de Souza LemesProfa. Dra. Luci Regina MuzzetiProf. Dr. Denis Domeneghetti Badia

Editoração eletrônicaNatália de Melo Castilho

Montagem da CapaEron Pedroso Januskeivictz

Arte da capaAlexandre Aparecido Fachinette

NormalizaçãoAna Cristina Jorge

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PESQUISA, ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA

INGLESA: OLHARES E POSSIBILIDADES

Dirce Charara MonteiroRenata Maria Moschen Nascente

(Organizadoras)

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Copyright © 2013 by Laboratório Editorial da FCLDireitos de publicação reservados a:

Laboratório Editorial da FCL

Rod. Araraquara-Jaú, km 114800-901 – Araraquara – SP

Tel.: (16) 3334-6275E-mail: [email protected]

Site: http://www.fclar.unesp.br/laboratorioeditorial

Pesquisa, ensino e aprendizagem da Língua Inglesa: olhares e possibilidades / Dirce Charara Monteiro; Renata Maria Moschen Nascente (Organizadoras). – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2013. 230 p. - (Série Temas em Educação Escolar, 18)

ISBN: 978-85-7983-422-6

1. Educação Escolar. 2. Língua Inglesa. I. Monteiro, Dirce Charara. II. Nascente, Renata Maria Moschen. III. Série Temas em Educação Escolar.

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SUMÁRIO

ApresentaçãoDirce Charara Monteiro e Renata Maria Moschen Nascente .................. 7

PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE PESQUISA, ENSINO E APRENDIZAGEM

O ensino das línguas estrangeiras no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológicaRosângela Sanches da Silveira Gileno ................................................... 13

Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010Dirce Charara Monteiro ......................................................................... 45

Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiênciasLusinilda Carla Pinto Martins ................................................................ 63

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Promovendo formação refl exiva para professores de inglês por meio do uso de instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças Valdicea Moreira ..................................................................................... 97

Caminhos para o ensino criativo: desafi os para a educação e a formação de professores de língua inglesa do novo milênioDenise Maria Margonari ....................................................................... 111

ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA

Estilos de aprendizagem e canais de percepção: contribuições para um ensino de língua estrangeira mais inclusivoRenata Maria Moschen Nascente ......................................................... 153

A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede públicaCláudia Jotto Kawachi Furlan ............................................................. 179

Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São PauloElizabete Aparecida Bernardino ........................................................... 209

Organizadoras e autores ................................................................ 227

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APRESENTAÇÃO

Esta coletânea é fruto de pesquisas sobre ensino-aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira (LE) produzidas no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara, São Paulo.

Os capítulos constantes desta publicação abordam questões importantes para os professores e pesquisadores da área e podem trazer contribuições para um melhor entendimento de alguns dos aspectos relacionados ao ensino-aprendizagem da Língua Inglesa em nosso contexto. Desse modo, os capítulos foram agrupados, de acor-do com suas temáticas, em três seções: perspectivas históricas sobre pesquisa, ensino e aprendizagem; formação de professores e ensino e aprendizagem de Língua Inglesa (LI).

Os dois capítulos que compõem a primeira parte da coletânea abordam questões mais amplas voltadas para a história do ensino e aprendizagem de LE e as tendências atuais de pesquisa nessa área.

Em O ensino das línguas estrangeiras (LE) no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológica, Rosângela Sanches da Silveira Gileno tem por objetivo contextualizar histórica e metodologicamente o ensino das LE no Brasil, focalizando algumas mudanças importantes ocorridas nesse ensino, mais especifi camente no ensino da LI nos níveis fundamental e médio, referentes às legislações, aos currículos escolares e às metodologias de ensino. Consideramos que essa

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Apresentação

contextualização possa facilitar a compreensão da trajetória do ensino desse componente curricular nas escolas de ensino regular, principalmente nas escolas públicas, em contexto nacional.

O capítulo Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010, de autoria de Dirce Charara Monteiro, oferece um pano de fundo, apontando os principais temas de pesquisa na área de ensino-aprendizagem de inglês como LE nos principais centros de pós-graduação nessa área, no Brasil, no período 2005-2010. A metodologia utilizada na coleta de dados incluiu o levantamento de teses e dissertações defendidas no período mencionado nas principais universidades do país e que constam dos sites dos programas de pós-graduação que possuem áre-as ou linhas de pesquisa em Linguística Aplicada. Este levantamen-to permitiu apontar, não apenas as categorias mais produtivas no período investigado, bem como prever algumas tendências na área.

A segunda parte da coletânea é composta de três capítulos volta-dos para a formação do professor de Língua Inglesa.

O texto Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências, de Lusinilda Carla Pinto Martins, tem como objetivo discutir o papel do estágio supervisionado na formação do professor de LI, problematizando os sentidos atribuídos e os saberes produzidos por esses professores durante sua formação inicial. Este estudo concentra-se em dados provenientes dos relatórios dos esta-giários, dos projetos pedagógicos do curso de Letras da Universidade Federal de Rodonia – UNIR, das matrizes curriculares e das leis que regulamentam os estágios. A análise dos dados revelou que a dimen-são social e heterogênea da prática desenvolvida no estágio permite aos professores em formação a construção de um conhecimento profi ssional e pessoal necessários ao exercício da docência.

No capítulo Promovendo formação refl exiva para professores de inglês por meio do uso de instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças, Valdicea Moreira apresenta um trabalho cujo objetivo foi proporcionar aos professores de uma escola de LI no interior de São Paulo a oportunidade de refl etir e discutir sobre suas crenças, ati-tudes, e ações na prática. Nesta pesquisa qualitativo-interpretativista,

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Dirce Charara Monteiro e Renata Maria Moschen Nascente

de natureza etnográfi ca, a autora investiga alguns instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças e como esses poderiam contribuir no processo de formação refl exiva desses professores. O referencial teórico foi constituído de estudos sobre o pensamento do professor, crenças de professores e metodologia na investigação de crenças.

O texto Caminhos para o ensino criativo: desafi os para a educação e a formação de professores de língua inglesa do novo milênio (LE), de Denise Maria Margonari, tem por objetivo explicitar a importância da criatividade no processo de formação de professores de modo geral, e, em particular, de professores de inglês como LE, oferecen-do um panorama sobre suas defi nições, o estudo da trajetória de suas concepções ao longo da história, demonstrando que, em cada abordagem teórica, a criatividade é enfocada a partir de um prisma diferente. A autora fi naliza o capítulo oferecendo exemplos de ati-vidades de ensino de LI que se baseiam em procedimentos criativos de ensino.

A terceira parte da coletânea contém um conjunto de textos que podem contribuir para o ensino e aprendizagem de LI.

Em Estilos de aprendizagem e canais de percepção: contribuições para um ensino de língua estrangeira mais inclusivo, Renata Maria Moschen Nascente apresenta uma síntese de estudos relativos a estilos de aprendizagem e canais de percepção relacionando-os ao campo específi co do ensino e aprendizagem de LE. Por meio das discussões e refl exões explicitadas, a autora acredita que seja possível contribuir para a ampliação e aprofundamento do conhecimento docente tanto sobre o papel dos estilos de aprendizagem e dos canais de percepção em diversos campos da educação escolar, como especi-fi camente sobre alguns dos possíveis caminhos pelos quais é possível aprender e ensinar uma LE, propiciando adequações pedagógicas que possibilitem incluir o maior número de pessoas possível nesses processos.

Mais voltado para a questão da busca de recursos motivadores para os alunos do Ensino Fundamental e Médio, o texto A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede

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Apresentação

pública, de Cláudia Jotto Kawachi Furlan, apresenta os resultados de uma pesquisa sobre as potencialidades da música como recurso didático-pedagógico na aula de LI buscando investigar se e como atividades musicais podem contribuir para o envolvimento dos alu-nos com atividades na língua-alvo, infl uenciando positivamente na motivação desses estudantes.

O texto fi nal de Elizabete Aparecida Bernardino, Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo analisa o novo currículo de Língua Estrangeira Moderna (LEM) – Inglês, implementado em 2008, no estado de São Paulo, focalizando mais especifi camente a necessidade de sua proposição, seus fundamentos e as atividades propostas, apontando algumas possibilidades e difi culdades na sua implementação.

Não basta que pesquisas sejam realizadas nos programas de Pós-Graduação. É preciso que sejam divulgadas para que possam, de alguma forma, trazer novos olhares sobre temas relevantes da área de ensino-aprendizagem de Inglês como LE, auxiliando na formação e atuação dos profi ssionais da área. Este foi nosso objetivo com esta coletânea. Esperamos tê-lo atingido.

Boa leitura!

Dirce Charara Monteiro Renata Maria Moschen Nascente

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PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE PESQUISA, ENSINO E

APRENDIZAGEM

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O ENSINO DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL:

UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-METODOLÓGICA

Rosângela Sanches da Silveira GILENO

Introdução

O presente capítulo tem por objetivo contextualizar historica-mente o ensino das línguas estrangeiras (LE) no Brasil. A base para essa contextualização foi Silveira (2002), complementada por outras informações decorrentes de alterações surgidas após 2002. Nesse sen-tido, aponta-se a necessidade de focalizar algumas mudanças impor-tantes ocorridas no ensino de LE nos níveis fundamental e médio, referentes às legislações, aos currículos escolares e aos métodos de ensino, de modo que essa contextualização possa facilitar a com-preensão da trajetória do ensino desse componente curricular nas escolas de ensino regular, em contexto nacional, principalmente nas escolas públicas, focalizando a importância atribuída ao estudo de LE, mais especifi camente da língua inglesa, em diversos momentos da educação brasileira. Ademais, esse resgate histórico, mostrando os “movimentos de centralização e descentralização”, “ascensão e

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O ensino das línguas estrangeiras no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológica

declínio da língua estrangeira” (LEFFA, 1999), pode elucidar alguns aspectos do panorama atual do ensino da LE no Brasil.

O ensino das línguas no período colonial

Tendo em vista que tanto a língua portuguesa quanto o latim eram línguas estrangeiras para os índios que aqui habitavam no início da colonização, pode-se dizer que os padres jesuítas, com a tarefa de catequizar os referidos índios, foram os pioneiros no ensi-no das línguas (HOLANDA, 1978). Nessa perspectiva, os jesuítas, e especialmente, o padre José de Anchieta, não só aprenderam a falar o tupi, como fi zeram “[...] cantar e rezar nessa língua os anjos e santos do catolicismo medieval nos autosque encenavam com os curumins” (BOSI, 1995, p.31)e ainda compuseram gramáticas1 daquela que foi denominada a língua geral, “a língua mais usada na costa atlântica”.

Nesse panorama, as gramáticas do tupi produzidas pelos jesu-ítas “[...] foram um genuíno esforço de invenção de uma língua padrão que fi zesse referência aos dialetos falados”por toda a referida costa (EISENBERG, 2000, p.71). Este esforço, no entanto, levou a uma“latinização da língua nativa”, à medida que o tupi – língua exclusivamente falada, sem tradição escrita – passa a ser grafado no alfabeto latino e a seguir a estrutura das línguas neolatinas. Assim, a partir da gramaticalização da língua tupi, verifi ca-se o surgimento de uma língua padrão que se transforma no principal instrumento de comunicação entre as duas culturas. Além desse fato, a dicionari-zação e a gramaticalização das línguas indígenas tornaram possível a produção escrita de uma variedade de textos catequéticos na língua geral: o catecismo romano (incluindo a doutrina cristã), as cartilhas, as orações, os sermões, os cantos, autos e poemas religiosos2.

1 O padre José de Anchieta compôs à mão, em apenas seis meses, a Arte de grammatica da lingua mais usada na costa do Brasil em 1554, sendo esta gramática editada em 1595 (DAHER, 1998).

2 Sobre o assunto, consultar Daher (1998).

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Rosângela Sanches da Silveira Gileno

No plano pedagógico, a obra dos jesuítas alcançaria dimensões ainda maiores com a fundação dos seminários e colégios. Nos colé-gios jesuítas, no que correspondia ao ensino secundário, havia classes de: Retórica, Humanidades e Gramática. Segundo Franca (1952), nas Humanidades, o Latim e o Grego eram as disciplinas domi-nantes; as outras disciplinas, tais como o vernáculo, a História e a Geografi a, eram ensinadas concomitantemente na leitura, versão e comentários dos autores clássicos.

O monopólio exercido pelos jesuítas na educação brasileira foi atacado quando o ministro de Portugal, o Marquês de Pombal, com o propósito de reformar o ensino das humanidades, em 1758, proi-biu o ensino e o uso do tupi e instituiu o português como única língua do Brasil. E com a fi nalidade de enfraquecer ainda mais o poder da Igreja Católica sobre a colônia, expulsou os jesuítas em 1759. Desse modo, houve o desmantelamento de um sistema educa-cional organizado, graduado, e que foi reduzido ao sistema das “aulas régias” e avulsas de Gramática Latina, Grego e Retórica.

De acordo com Chagas (1984), cada aula régia representava uma unidade de ensino, com professor único nomeado por indicação ou sob concordância de bispos e que se tornava “proprietário vitalício” de suas aulas régias. Instalada para determinada disciplina, a aula régia era autônoma e isolada, pois não se articulava com outras, nem pertencia a qualquer escola. Também não havia currículo, no sentido de um conjunto de estudos ordenados e hierarquizados e o aluno poderia se matricular em tantas aulas quantas fossem as disci-plinas que desejasse. Para agravar essa situação, os professores eram geralmente mal preparados para a função, já que eram improvisados e mal remunerados.

O ensino das línguas clássicas e modernas no período imperial

Mesmo com a vinda da família real em 1808, a situação do ensi-no primário e secundário pouco mudou no Brasil, tendo em vis-ta que as medidas de D. João VI, no que se referiram à instrução

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O ensino das línguas estrangeiras no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológica

pública, limitaram-se à criação de escolas superiores (NEEDELL, 1993). No tocante ao estudo das “línguas vivas”3, em 1809, foram nomeados, por carta régia, para lecionar no Rio de Janeiro, um professor de inglês e um professor de língua francesa. A cadeira de língua inglesa foi criada em consequência da “difusão e riqueza de assuntos escritos nessa língua”, e a de língua francesa, “por ser a língua mais difundida e, por assim dizer, universal”(ALMEIDA, 2000, p.42). É fato que as duas línguas passaram a ter prestígio na Europa depois da Independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789), o que de certo modo colaborou para a ofi cialização de ambas na corte imperial.

Quanto ao inglês, cabe ressaltar que, com a abertura dos portos para o comércio estrangeiro em 1808, esse idioma passou a ter expressiva fi nalidade prática durante os anos correspondentes ao reinado de D. João VI no Brasil (1808-1821). Nesse sentido, o ensino de inglês, restringindo-se aos seus objetivos mais imediatos – instrumento de comunicação nas relações comerciais da nação portuguesa com a inglesa, justifi cadas, principalmente, pelo aumento do tráfi co – não teve o mesmo prestígio que o francês já que aquele não era exigido para o ingresso nas academias, configurando-se apenas como “disciplina complementar aos estudos primários”, ou de “primeiras letras”4.

A língua inglesa só passou a fazer parte do currículo obrigatório das escolas com a inauguração, em 1837, do Colégio Pedro II, pri-meira instituição de “ensino secundário” criada na corte e mantida pelo governo para servir de modelo às demais. No entanto, embora fosse introduzido o estudo das línguas vivas nos currículos escolares, o latim ainda era considerado “indispensável para o estudo do por-tuguês” e “igualmente para o estudo do francês” (ALMEIDA, 2000,

3 O termo é utilizado em oposição às “línguas mortas” não faladas, apenas escritas como o latim. Sobre o assunto consultar Chagas (1984).

4 Essas revelações podem ser constatadas no prefácio do Compêndio da gramática inglesa e portuguesa para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras, escrito por Manuel José de Freitas e publicado pela Imprensa Régia em 1820. Trata-se da primeira obra do gênero escrita e publicada em território nacional, sendo desenvolvida dentro da perspectiva teórico-metodológica da aprendizagem comparativa das gramáticas das línguas. Sobre o assunto, consultar: Lajolo e Zilberman (1996).

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Rosângela Sanches da Silveira Gileno

p.103). Não só o latim, mas também o grego – as chamadas “línguas clássicas” - foram por muito tempo as mais prestigiadas nos vários currículos do Colégio Pedro II, e em segundo lugar, fi guravam as línguas modernas (francês e inglês). Dentre as reformas curriculares, destacam-se a de 1841 – que introduz o estudo do alemão como língua obrigatória, ao lado do francês e do inglês, e a de 1855, a Reforma Couto Ferraz, que aumentou o número de anos de estudos das línguas modernas que, pela primeira vez, ganharam destaque nos currículos escolares, à semelhança das línguas clássicas. Em 1857, os estudos das línguas modernas, compreendendo os estudos de fran-cês (três anos), inglês (quatro anos) e alemão (dois anos) e o estudo facultativo de italiano (um ano), perfaziam um total de nove anos o que equivalia aos estudos obrigatórios das línguas clássicas: sete anos de latim e dois anos de grego (CHAGAS, 1967). Nesse sentido, até o fi m do regime imperial, o equilíbrio entre o estudo das línguas clássicas e modernas permaneceu estável, no entanto, reduziu-se, gradualmente, o número de anos de estudo das mesmas. Em 1881, passou-se a estudar quatro anos de latim, dois anos de grego, dois de inglês, dois de francês, dois de alemão e um ano facultativo de italiano, com uma média de 3 horas semanais tanto para as línguas clássicas como para as línguas modernas (CHAGAS, 1967).

Com relação à orientação didática para o ensino das línguas modernas, observou-se a falta de uma específica, já que as cha-madas “línguas vivas” eram estudadas à semelhança das “línguas mortas”5, ou seja, por meio de traduções de textos e da análise gra-matical (LEFFA, 1999). Este método, que vigorou exclusivo até o início do século XX, era conhecido como o “método da gramática--tradução”(grammar-translation method), e tinha como objetivo transmitir um conhecimento sobre a língua, permitindo o acesso a textos literários e ao domínio da gramática normativa. Para o estu-do da literatura, propunha-se a tradução e a versão como base de compreensão da língua em estudo. O dicionário e o livro de gra-mática eram, portanto, os materiais de ensino. A aprendizagem da 5 É a concepção de ensino do latim, língua morta, considerada como disciplina mental,

necessária à formação do espírito que vai servir de modelo ao ensino das línguas vivas (GERMAIN, 1993).

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O ensino das línguas estrangeiras no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológica

língua estrangeira era vista como uma atividade intelectual em que o aluno deveria memorizar as regras e os exemplos com o propósito de dominar a morfologia e a sintaxe. Para isso, recebia e elaborava listas exaustivas de vocabulário, exercícios de aplicação das regras de gramática, ditados, tradução e versão. Em contrapartida, o professor detinha o controle da aprendizagem, não sendo permitido o erro. Assim, pouca iniciativa era atribuída ao aluno de modo que a inte-ração professor/aluno era praticamente inexistente.

De acordo com Richards e Rodgers (1986), a crítica feita é que a aprendizagem da língua estrangeira poderia signifi car, para os alu-nos, uma experiência maçante de memorização de listas sem fi m de regras gramaticais e vocabulário sem utilidade e de produção de traduções perfeitas da literatura. A insatisfação com o método da gramática-tradução levou muitos educadores a reconhecerem a necessidade de se privilegiar a profi ciência oral nos programas de ensino de língua estrangeira. Segundo Almeida Filho (1998), no Brasil, somente após 1931, com a Reforma Francisco de Campos, houve um esforço ofi cial para se introduzir um método alternativo que enfatizasse a autoexpressão oral.

O ensino de língua estrangeira com a Reforma Francisco de Campos (1931)

De 1890 a 1930, continuou-se a verifi car o gradual declínio das línguas estrangeiras nos currículos escolares: o total de horas foi reduzido pela metade, o ensino de grego foi extinto, o de italiano quase não era oferecido e o de inglês e alemão eram exclusivos, isto é, o aluno poderia estudar um ou outro idioma. De acordo com Chagas (1967, p.109), além desses fatos, “o anacronismo dos méto-dos aliado à quase certeza das aprovações gratuitas” – já que tanto os liceus quanto os colégios particulares transformaram-se “[...] em meros cursinhos preparatórios para os exames de admissão ao ensi-no superior” – contribuíram para “[...] o descrédito do estudo de idiomas e da escola secundária de um modo geral” no período que antecedeu a Reforma de 1931.

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Rosângela Sanches da Silveira Gileno

Com a Reforma Francisco de Campos, as línguas estrangeiras modernas passaram a ser mais privilegiadas do que as línguas clás-sicas pela redução nos anos de estudo de latim. De acordo com Romanelli (1978), o estudo das línguas estrangeiras, durante os cinco anos obrigatórios do ciclo fundamental6, fi cou assim distri-buído: francês (quatro séries), inglês (três séries), latim (duas séries) e alemão (facultativo). No ciclo complementar, os alunos poderiam estudar mais duas séries de latim ou inglês.

No que se refere à orientação didática para o ensino das lín-guas modernas, foi adotado, pela primeira vez, um método ofi cial, o “método direto indutivo”que era, em essência, “o ensino da língua estrangeira diretamente na língua estrangeira”. Surgindo como uma reação ao método da gramática-tradução, o método direto (direct method) recebe esta denominação ao postular que a LE deve ser ensi-nada sem tradução ou o uso da língua nativa do aprendiz. Embora se trabalhe desde o início com as quatro habilidades (ler, escrever, falar e ouvir), o objetivo principal é que os alunos aprendam a falar na língua-alvo e para que isso ocorra o aluno é encorajado a pensar na língua estrangeira. Dessa forma, os alunos devem, a princípio, ouvir a língua para depois vê-la na forma escrita. Na fase inicial do curso, espera-se que o professor utilize objetos que envolvam o aluno na sala de aula para, posteriormente, por meio de gravuras, desenhos, ir ampliando o vocabulário inicialmente adquirido. As habilidades comunicativas orais são ensinadas progressivamente por meio de perguntas e respostas. Especialmente na fase inicial, grande cuidado é conferido ao ensino da pronúncia correta. Em uma etapa seguin-te do curso, enfatiza-se a leitura extensiva. A gramática é ensinada indutivamente de modo que o aluno tenha que descobrir as regras depois ter se familiarizado com diversos exemplos. Quanto ao papel do professor, continua central e ativo; por outro lado, o papel do aluno é menos passivo do que no método da gramática-tradução. O sistema de avaliação está baseado no uso das habilidades orais e

6 Com a Reforma de 1931, extinguiram-se os “preparatórios” e institui-se, em seu lugar, o sistema obrigatório de “regime seriado”. A frequência tornou-se obrigatória e a duração do curso secundário, que era de seis anos desde 1900, voltou a ser de sete anos – cinco anos para o “ciclo fundamental” e dois para o “complementar”.(ROMANELLI, 1978).

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O ensino das línguas estrangeiras no Brasil: uma perspectiva histórico-metodológica

escritas e, sempre que possível, o professor tenta fazer com que o aluno se autocorrija.

A crítica a esse método é que os exercícios ditos de conversação eram baseados em perguntas/respostas, perguntas essas fechadas, em que se fazia uma preparação oral dos exercícios que deveriam seguir um modelo, anteriormente proposto. Ademais, a comunicação era organizada por perguntas e respostas artifi ciais e descontextualizadas entre professores e alunos na língua-alvo. Na Europa, os linguistas reconheceram as limitações do método direto, ao verifi carem que, embora oferecesse inovações com relação aos procedimentos de ensi-no, carecia de uma base metodológica mais desenvolvida. No Brasil, segundo Leff a (1988, p.217), “[...] em que pese seu prestígio e apoio ofi cial”, o método direto teve sempre difi culdade de ser implantado ao sistema educacional em âmbito nacional7 devido, principalmente, à falta de “pré-requisitos linguísticos” (fl uência oral e boa pronúncia na língua-alvo) dos professores e à carência de formação pedagógica para uma metodologia tão avançada para a época. Assim, na prática, os professores acabavam “sistematicamente regredindo” a uma versão da gramática-tradução.

A Reforma Capanema: os “anos dourados das línguas estrangeiras modernas”

Com a reforma de 1942, não só o estudo do latim e do grego, mas também o estudo das línguas estrangeiras modernas foi privile-giado. Segundo Leff a (1999, p.19), “[...] vistas de uma perspectiva histórica, as décadas de 40 e 50 foram os anos dourados das línguas estrangeiras no Brasil” já que o latim estava previsto para todas as séries do ciclo ginasial8 e para as três séries do curso clássico e o gre-go, extinto desde 1915, voltou a aparecer nos currículos escolares.

7 O método direto foi introduzido no Brasil em 1932, no Colégio Pedro II, pelo professor Carneiro Leão, por meio de uma reforma radical: turmas de 15 a 20 alunos; seleção rigorosa de professores; escolha de material adequado; etc. (LEFFA, 1988, 1999).

8 Em 1942, o Ministro Gustavo Capanema decretou que o ensino secundário passou a ser reestruturado da seguinte forma: um primeiro ciclo denominado “ginásio” (quatro anos) e um segundo ciclo ou “colégio” (três anos). Confi ra Romanelli (1978).

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Rosângela Sanches da Silveira Gileno

No entanto, de acordo com Chagas (1967), na prática, as línguas modernas foram mais estudadas do que as línguas clássicas uma vez que o grego não chegou a ser ensinado, pois, dado seu caráter optati-vo, era preterido por uma língua moderna. Por outro lado, o ensino do francês e do inglês foi incentivado desde o ginásio até os cursos clássico e científi co. A novidade foi a introdução do ensino da língua espanhola nas duas modalidades do colegial. Segundo Capanema (1974, p.257), a justifi cativa para a inclusão do espanhol seria “[...] por ser uma língua de antiga e vigorosa cultura e de grande riqueza bibliográfi ca”, cuja adoção, por outro lado, seria “[...] um passo a mais que damos para a nossa maior e mais íntima vinculação espi-ritual com as nações irmãs do continente”.

Para o ensino das línguas estrangeiras, recomendava-se o uso do método direto, com ênfase prática, levando em consideração não só objetivos instrumentais “compreender, falar, ler e escrever”, como também objetivos educativos “formação da mentalidade, observação e refl exão” e culturais “conhecimentos da civilização estrangeira”. Os procedimentos que deveriam ser utilizados para atingir esses obje-tivos foram também detalhados até o nível da aplicação pedagógica na sala de aula, a saber: a escolha do vocabulário deveria “obedecer a critérios de frequência” em contexto frasal; a leitura deveria iniciar--se por manuais “de preferência ilustrados” dentro e fora da sala de aula, depois em “trechos mais longos, com o fi to de compreensão do sentido geral”, e afi nal em “livros de histórias fáceis” que pre-parassem para a leitura de obras literárias completas; os exercícios deveriam variar desde a cópia, o ditado e os jogos de vocabulário até as composições orais e escritas, a conversação, as reproduções de trechos literários, as cartas e as descrições e narrações; e como “meios auxiliares” eram aconselhados o uso de recursos audiovisuais (LEFFA, 1999, p.18).

De um modo geral, Chagas (1967) considera a Reforma Capanema positiva no sentido em que instituiu ou recomendou o que havia de mais avançado na época para o ensino de língua estrangeira no secundário. Mas, durante os vinte anos de sua vigência, o que de fato foi realizado nas escolas esteve muito longe

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do planejado. Na prática, “[...] venceram ainda uma vez a rotina e a improvisação, expressas no sonolento leia-e-traduza” (CHAGAS, 1967, p.119, grifo do autor). Assim, no “caminho entre o Ministério e a escola”, o método direto foi substituído por uma versão simplifi cada do método de leitura9, usado nos Estados Unidos.

O ensino das línguas estrangeiras nas Leis de Diretrizes e Bases de 1961 e 1971

Em 20 de dezembro de 1961, foi promulgada a Lei nº 4024, regulamentando as diretrizes e bases da educação nacional (BRASIL, 1961). No que diz respeito ao ensino secundário, foi mantida a estrutura anterior que o dividia em dois ciclos: o ginasial de quatro anos e o colegial de três anos. Contudo, iniciou-se o processo de descentralização na divisão de responsabilidades para a elaboração do currículo. Com relação às línguas estrangeiras clássicas e modernas, sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE), elas passaram a ser consideradas “disciplinas complementares” ou “optativas”.

De fato, a não obrigatoriedade do estudo das línguas estran-geiras no ensino secundário levou à redução do seu estudo. Como prova disso, temos que o latim, com raras exceções, foi retirado do currículo, o francês, quando não retirado, teve sua carga semanal diminuída, e o inglês, de modo geral, permaneceu sem grandes alterações. Dessa forma, o início da década de 60, ao mesmo tem-po em que inaugura a supremacia do inglês como língua estrangei-ra marca também o fi m “dos anos dourados do estudo das línguas estrangeiras” em matéria de extensão e variedade, pois, conforme Leff a (1999, p.20), a LDB de 61 “[...] reduziu o ensino das lín-guas estrangeiras a menos de 2/3 do que representava durante a Reforma Capanema”.

9 O método da leitura, com objetivos práticos, se expandiu pelas escolas secundárias dos Estados Unidos na década de 1930, tendo permanecido até o fi m da II Guerra Mundial, uma vez que esse país não aderiu ao método direto. Sobre o assunto, consultar Leff a (1988).

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Após dez anos de vigência, a Lei nº 4024 foi reformada pela Lei nº 5692/71 (BRASIL, 1971a). Embora tenha incorporado os objeti-vos gerais da lei anterior, mudanças signifi cativas ocorreram quanto à estrutura e funcionamento dos sistemas de ensino: os anos de estudo foram reduzidos de 12 para 11 anos, sendo introduzido o 1º grau com 8 anos e o 2º com 3; e a habilitação profi ssional foi enfatiza-da nos currículos escolares. Com relação às línguas estrangeiras, a redução de um ano de escolaridade e a necessidade de se introduzir a habilitação profi ssional provocaram uma redução drástica nas suas horas de ensino.

A situação piorou com o Parecer nº 853/71 (BRASIL, 1971b) “recomendando”que, em Comunicação e Expressão, “a título de acréscimo”, se incluísse uma Língua Estrangeira Moderna (LEM) dentro das condições de cada estabelecimento. Como consequên-cia, muitas escolas retiraram a língua estrangeira do 1º grau e, no 2º grau, não ofereciam mais do que uma hora por semana, às vezes durante apenas um ano. Inúmeros alunos, principalmente do suple-tivo, passaram pelo 1º e 2º grau, sem nunca terem visto uma língua estrangeira (LEFFA, 1999). Dadas as controvérsias suscitadas, o Conselho Federal de Educação (CFE), em 1976, com a Resolução nº 58/76 (BRASIL, 1976), determinou que o estudo de LEM passasse então a fazer parte donúcleo-comum, com “obrigatoriedade”para o ensino do 2º grau. Desse modo, em Comunicação e Expressão, deveriam estar incluídos os estudos de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna. Para o 1º grau, ainda fi caria a título de “reco-mendação”, preferencialmente a partir da 5ª série. Assim, a extensão da obrigatoriedade do estudo de LEM para o 1º grau só seria atingi-da com a Lei nº 9394 (BRASIL, 1996), com a regulamentação das novas diretrizes e bases para a educação nacional, em 1996.

Quanto à orientação didática, as Leis de Diretrizes e Bases de 1961 e 1971 indicaram que o ensino deveria atender “à variedade de métodos de ensino e formas de atividade escolar, tendo em vista as peculiaridades da região e de grupos sociais” (BRASIL, 1961, 1971a). No entanto, de acordo com Almeida Filho (1998, p.47), nos anos 60 e 70, predominaram para o ensino de LE “[...] o estru-

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turalismo linguístico acoplado às bases psicológicas behavioristas do ensino áudio-lingual”.

O “método audiolingual” ou “áudio-oral” foi desenvolvido nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial em razão da necessidade de se aprender línguas estrangeiras rapidamente por pro-pósitos militares. Nesse sentido, o exército americano desenvolveu programas que tinham por objetivo a profi ciência oral dos alunos em uma variedade de línguas estrangeiras, por meio do contato inten-sivo com a língua-alvo. Os princípios básicos desse método são: “a língua é fala e não escrita”, (com isso restabelecia-se a ênfase na língua oral) e “a língua é um conjunto de hábitos condicionados” que se adquire por meio de um processo mecânico de estímulo e resposta (LEFFA, 1988, p.223). As repostas certas dadas pelo aluno deveriam ser imediatamente reforçadas pelo professor. Isso porque o método áudio-oral teve como suporte os princípios da psicologia da aprendizagem behaviorista10 – que advogava que a aprendizagem é um comportamento observável, produto de estímulo e resposta, ou seja, de condicionamento – e as contribuições da Linguística Estrutural e dos estudos da Análise Contrastiva (análise comparativa entre duas línguas). Fundamentado em uma concepção estrutura-lista, o método áudio-lingual concebe a língua como um sistema de formas ou elementos que podem ser organizados em um número limitado de estruturas linguísticas. O termo “estrutural”, de acor-do com Richards e Rodgers (1986), é utilizado tendo em vista as seguintes características:

a. os elementos em uma língua devem ser considerados como sen-do linearmente produzidos de maneira governada (estruturada) por regras;

b. as amostras de linguagem poderiam ser exaustivamente descritas em qualquer nível estrutural de descrição (fonético, fonêmico, morfológico, etc.);

c. os níveis linguísticos devem ser considerados como sistemas dentro de sistemas, ou seja, como sendo hierarquicamente estru-

10 Sobre o assunto, consultar Skinner (1957).

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turados: sistema fonêmico leva aos sistemas dos morfemas, e estes, por sua vez, levam aos níveis mais elevados: sistemas das frases, das orações.

Para o exercício da prática oral eram fornecidos modelos de diá-logos que vinham, geralmente, acompanhados de ilustrações. O uso da língua materna era evitado a todo custo tanto para explicações como para traduções. Uma variante desse método era o audiovisual, cujo material consistia de textos, slides e fi tas gravadas de forma a expor os aprendizes ao som dos falantes nativos (PAIVA, 2005). Nesse contexto, o laboratório de línguas passou a constituir um elemento de extrema importância, onde o aluno repetia oralmente as estruturas apresentadas, a fi m de serem totalmente memorizadas e automatizadas.

Como o conceito de aprendizagem era baseado no condiciona-mento, considerava-se que o erro era algo a ser evitado a todo preço, pois a interiorização de estruturas sintáticas ou sonoras erradas pode-ria criar hábitos incorretos. Nesse sentido, a gramática era ensinada indutivamente por meio de uma série de exemplos ou modelos, que serviam também para o aumento do vocabulário. Como técnica, fazia-se uso dos drills (exercícios que levavam à prática de padrões de memorização e repetição), conduzidos com base nos padrões estruturais (patterns) apresentados nos diálogos. Os vários tipos de exercícios estruturais eram repetidos pelos alunos de modo que o professor atuava como um maestro, decidindo sobre as dinâmicas das repetições (PAIVA, 2005). Desse modo, o professor continuava no centro do processo do ensino-aprendizagem, dirigindo e contro-lando o comportamento linguístico dos alunos.

O método audiolingual é criticado por Almeida Filho (1998, p.47) quando“[...] tudo se resume numa lista de formas gramaticais” que vão sendo exercitadas “ativamente em pequenas porções situa-cionalizadas para eventualmente um dia possibilitar alguma forma de uso autônomo pelo aluno”. Segundo Richards e Rodgers (1986), a crítica dos alunos a esse método é o excesso de exercícios de fi xação que, muitas vezes, torna a aula monótona e cansativa. Além disso, os diálogos preparados didaticamente para apresentar ou fi xar uma

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estrutura são, frequentemente, artifi ciais e não representam amostras de comunicação real.

Pode-se verificar nos métodos apresentados, que, embora a maioria deles tenha como objetivo capacitar o aluno a se comuni-car usando a língua-alvo, enfatizam o desenvolvimento da compe-tência linguística. O foco está no ensino das regras gramaticais, no vocabulário e na acuidade da expressão.

Nesse sentido, os métodos até aqui descritos podem ser classifi -cados como pertencentes à “macroabordagem gramatical”de ensinar língua estrangeira11.

Por outro lado, a discussão sobre comunicação, atos de fala, competência comunicativa e outros conceitos da Pragmática fi zeram avançar uma visão mais semântica e mais social da língua, ou seja, mais comunicativa, com consequências para o ensino das línguas estrangeiras.

A abordagem comunicativa e a Proposta Curricular de Língua Estrangeira Moderna: Inglês (1986)

De acordo com Richards e Rodgers (1986), o movimento para o ensino comunicativo teve origem a partir dos trabalhos do Conselho da Europa e dos estudos de Wilkins (1972), Widdowson (1979), Brumfi t e Johnson (1979), além de vários outros linguistas aplicados britânicos. De fato, na metade da década de setenta, o ensino comunicativo já era considerado como uma abordagem entre britânicos e americanos. O princípio básico da abordagem comunicativa é a suposição de que os aprendizes devem aprender não somente a construir sentenças gramaticalmente corretas, mas desenvolver habilidades para usar a língua em situações de comunicação uma vez que tal abordagem está fundamentada

11 Segundo Almeida Filho (1997, p.25), as abordagens de ensinar língua estrangeira podem ser agrupadas em duas macroabordagens: a gramatical e a comunicativa, uma vez que nestas macroabordagens, “[...] encontram-se os múltiplos métodos que seriam mate-rializações mais ou menos estáveis desses polos fi losófi cos constituídos por concepções amalgamadas de língua, ensinar e aprender línguas”.

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na concepção da língua como comunicação dentro de um contexto. Halliday (1970), introduzindo a noção de função da linguagem, preocupa-se com o contexto da situação, no qual se pode compreender para qual função serve determinada estrutura gramatical. A noção de função da linguagem apresentada por Halliday (1970) está relacionada aos atos de fala. De acordo com essa teoria (AUSTIN, 1990), o falante utiliza-se de uma grande variedade de formas para desempenhar diversas funções: comandos, pedidos, relatos, descrições, entre outras. A teoria dos atos de fala tornou-se de grande importância para os estudos da Pragmática, que estuda os princípios da linguagem em situações de uso12. Os estudos sobre as funções da linguagem contribuíram também para desenvolver o conceito de “competência comunicativa”.

O conceito de competência comunicativa, que tem como foco a aquisição de conhecimentos e habilidades para o uso da língua, foi introduzido nos Estados Unidos por Hymes, em 1972, como uma reação à noção de competência linguística proposta por Chomsky (1965). A teoria de Chomsky está concentrada na competência gramatical de um falante-ouvinte de línguas ideal. Em oposição, Hymes focaliza seu modelo no falante-ouvinte real em interação, que interpreta, expressa e negocia signifi cados em vários contextos. Para Hymes (1972), a competência não é apenas o conhecimento da gramática e do vocabulário da língua, mas também o conhecimento das regras socioculturais que regem o comportamento verbal, ou seja, o conhecimento do uso da língua em situações concretas.

Widdowson (1979), linguista aplicado inglês, aponta que o objetivo primordial é adquirir competência comunicativa e se concentra em alternativas para atingir essa meta, principalmente em como ensinar as quatro habilidades relacionando a forma gramatical (usage) ao uso para a comunicação (use) e associando-as às várias disciplinas do currículo escolar. Já os linguistas aplicados canadenses Canale e Swain (1980) referem-se ao conceito de competência comunicativa como o conhecimento consciente ou inconsciente que o falante possui sobre a língua e sobre outros aspectos do seu

12 Sobre o assunto, consultar Levinson (1983).

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uso comunicativo e que os aplica por meio de habilidades quando interage em situações de real comunicação. Assim, Canale e Swain (1980) propuseram um esquema teórico no qual quatro dimensões básicas relacionadas ao conhecimento e às habilidades integram o conceito de competência comunicativa: competência gramatical, competência sociolinguística, competência discursiva e competência estratégica13.

Outra questão extensivamente discutida na abordagem comuni-cativa tem sido o modelo de syllabus (seleção e ordenação do conte-údo do programa) apropriado. O primeiro modelo apresentado foi o syllabus nocional proposto por Wilkins (1976), como resultado dos trabalhos do Conselho da Europa. Wilkins (1976) defende o planejamento de conteúdos de programas nocionais, levando em consideração: a competência comunicativa; os fatos comunicati-vos, sem deixar de considerar os fatos gramaticais e situacionais; o uso; o conteúdo do ponto de vista semântico; e materiais autênti-cos para relacionar o conhecimento adquirido na sala de aula com a capacidade efetiva de participar em eventos reais de linguagem. Expandindo o trabalho de Wilkins, o Conselho da Europa publica a obra Th reshold Level English (VAN EK; ALEXANDER, 1980). As especifi cações contidas nesse trabalho que, a princípio, se restrin-giam a um syllabus que visava à competência mínima comunicati-va, passaram a exercer forte infl uência na elaboração de programas comunicativos de línguas e livros didáticos na Europa. A partir do conjunto dessas especifi cações foi possível elaborar programas fun-cionais/nocionais com o objetivo de ensinar habilidades comunica-tivas por meio de funções e noções (conceitos) gerais e específi cas, além de itens lexicais e gramaticais. No Brasil, o programa funcional/

13 A competência gramatical diz respeito ao domínio do conhecimento e das habilidades sobre o código linguístico verbal ou não-verbal. A competência sociolinguística engloba um entendimento dos contextos sociais e culturais nos quais a comunicação acontece. A competência discursiva implica saber como combinar formas gramaticais (coesão) e signifi cados (coerência) para a estruturação de um texto escrito ou falado em diferen-tes gêneros (narrativos, argumentativos, científi cos, etc.). E a competência estratégica engloba estratégias verbais e não verbais que podem entrar em ação para compensar as falhas na comunicação, devido às variáveis do desempenho ou à competência insufi ciente (CANALE, 1996).

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nocional infl uenciou o aparecimento de vários livros didáticos para o ensino de línguas sob o rótulo de comunicativos ou funcionais. O uso desses materiais foi incentivado no Estado de São Paulo, a partir da elaboração da Proposta Curricular para o ensino de Língua Estrangeira Moderna: Inglês (SÃO PAULO, 1991), pela Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo e pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) para o primeiro grau em versão preliminar em 1986.

A Proposta Curricular para o ensino de Língua Estrangeira Moderna, redigida após vários debates, envolvendo professores14 e especialistas na área, tornou-se um documento importante para as discussões sobre as razões para se ensinar língua estrangeira nas escolas e, consequentemente, para a tentativa de recuperação do prestígio do estudo da LEM, fortemente abalado pela Resolução da Secretaria da Educação de 07/01/85 que estabeleceu a mudança de status da Língua Estrangeira de “disciplina” para “atividade”15. A partir dessa medida, verifi cou-se, nas escolas públicas estaduais paulistas, certo descrédito com relação a esse componente curricular, constatado pelo desinteresse e desmotivação por parte de alunos e de professores.

Nessa perspectiva, um dos objetivos principais da Proposta Curricular foi tentar resgatar a importância da LEM na escola como “peça complementar”16 à educação formal, concorrendo, assim, para o desenvolvimento global do indivíduo, na medida em que contribui para sua formação e desenvolvimento psicológico e social, aperfei-

14 Em 1985, foi fundada a Associação dos Professores de Língua Inglesa do Estado de São Paulo – APLIESP, uma associação voltada para os interesses dos professores de língua inglesa cuja missão é organizar, compartilhar e promover questões relacionadas ao ensino/aprendizagem de língua inglesa de forma política e acadêmica em todo o estado de São Paulo.

15 O aluno só poderia ser reprovado neste componente por falta de assiduidade. Sendo assim, a avaliação do aproveitamento dos alunos é feita apenas para fi ns de acompanha-mento e planejamento.

16 A proposta curricular cita as palavras da Profa Maria Antonieta A. Celani em palestra realizada na CENP em 24/04/85: “[...] a língua estrangeira na escola é, portanto, uma peça complementar à educação formal. Ela complementa. Ela não é uma peça suple-mentar que eu possa tirar a qualquer hora. E nem limítrofe, algo inferior, escondido no cantinho” (SÃO PAULO, 1991, p.14, grifo do autor).

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çoando as habilidades de compreensão e produção, por meio de estratégias cognitivas; benefi cia o estudo da língua materna, levando à conscientização de que há semelhanças e contrastes entre ambas; além de contribuir para o desenvolvimento cultural do indivíduo por meio da ampliação de seu conhecimento de mundo e do con-traste entre o conhecido e o novo e para a formação educacional do aluno, oferecendo situações concretas de aprendizagem que o ajudam a aprender a estudar. Neste sentido, a LEM deve ser vista como um componente curricular que tem a mesma importância das outras disciplinas dentro do currículo (SILVA, 1992).

Como orientação didática, a Proposta Curricular para o ensino de Língua Estrangeira Moderna (SÃO PAULO, 1991) coloca como enfoque a comunicação, a interação, sugerindo que o trabalho do professor de LEM esteja inserido dentro da abordagem comunicativa para o ensino de línguas. A proposta sugere aos professores a adoção de um programa baseado nos usos ou funções da linguagem. Ao lado das funções, são sugeridas estruturas gramaticais com as quais o professor possa trabalhar para ensinar as funções. As estruturas gramaticais mais simples são privilegiadas nos níveis iniciais, sendo que o professor poderá retomar cada função com uma estrutura gramatical mais complexa nos níveis mais adiantados. Esta retoma-da mostrará ao aluno que há várias maneiras de expressar a mesma função, o que amplia sua capacidade de se comunicar.

O programa funcional/nocional, embora amplamente utilizado, tem sido alvo de muitas críticas. Morrow (1981) afi rma que a mera adoção de um programa nocional, ou mais especifi camente funcio-nal, não garante que vamos ensinar nossos alunos a se comunicarem, pois a comunicação depende crucialmente da habilidade do uso apropriado das formas. Ademais, a crítica feita aos livros didáticos funcionais da primeira geração é que eles têm concentrado excessiva atenção em estabelecer formas e não em praticar comunicação.

Em que pese as críticas ao programa funcional/nocional, con-vém aqui reiterar a importância da Proposta Curricular da CENP uma vez que tal documento, embora se restringisse a uma iniciativa estadual, foi o pioneiro na reformulação curricular que acompa-

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nhou o processo de redemocratização do país entre 1980 e 1990, de modo que muito do que foi discutido e produzido naquele momento no estado de São Paulo infl uenciou as orientações cur-riculares de outros estados e até mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais.

As línguas estrangeiras na atual LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

De acordo com a atual Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em 20 de dezembro de 1996, o ensino de 1º e 2º graus passa a ser denomi-nado “ensino fundamental” e “médio”, os quais, ao lado da educação infantil, passam a constituir a “educação básica”. Quanto à orga-nização curricular para o ensino fundamental e médio, as línguas estrangeiras se encontram, especifi camente, na parte diversifi cada do currículo, de modo que deve ser incluído, obrigatoriamente, a partir da 5ª série, “[...] o ensino de pelo menos uma língua estran-geira moderna, cuja escolha fi cará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição” e, no ensino médio, além da inclusão obrigatória de uma língua estrangeira moderna poderá ser incluída uma segunda, “[...] em caráter optativo, dentro das dis-ponibilidades da instituição” (BRASIL, 1996, p.15).

A ideia de um único método certo é fi nalmente abandonada, já que o ensino será ministrado com base no princípio do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (Art.3º, Inciso III), dentro de uma grande fl exibilidade curricular. Por outro lado, a Lei 9394/96, no seu artigo 9º, reconhece como obrigação da União, ou seja, do Ministério da Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabelecer “competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio as quais nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a asse-gurar formação básica comum” (BRASIL, 1996, p.4). Desse modo, o Ministério da Educação e do Desporto passa a assumir a condu-ção do currículo escolar, estabelecendo os Parâmetros Curriculares Nacionais.

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Os PCN, confi gurando-se como uma proposta aberta e fl exível, uma vez que o termo parâmetro pressupõe a “construção de referên-cias” diante das diversidades, e baseados no princípio da transver-salidade, destacam o contexto maior em que deve estar inserido o ensino de LE e incorporam questões como: a relação entre a escola e a juventude, a diversidade cultural, os movimentos sociais, educação ambiental, educação para a segurança, orientação sexual, educação para o trabalho, tecnologia da comunicação, entre outras.

Nos PCN, o papel educacional da língua estrangeira (LE) é enfa-tizado, considerando que sua aprendizagem vai muito além da aqui-sição de um conjunto de habilidades linguísticas. Em linhas gerais, a aprendizagem de uma LE levaria a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumentaria a compreensão de como a linguagem funciona e desenvolveria maior consciência do funcionamento da própria língua materna. Ao mesmo tempo, ao promover uma apre-ciação dos costumes e valores de outras culturas, contribuiria para desenvolver a percepção do aluno da própria cultura por meio do contraste com as culturas estrangeiras. Essa “compreensão intercul-tural” promoveria, ainda, a aceitação das diferenças“nas maneiras de expressão e de comportamento”, e, por conseguinte, aumentaria “a autopercepção do aluno” como ser humano e como cidadão. Sendo assim, os PCN procuram resgatar a aprendizagem de LE como parte integrante da educação formal (BRASIL, 1998).

Para o nível fundamental, a orientação dos PCN de LE é feita para o terceiro e quarto ciclos, período que corresponde para a maioria dos alunos aos primeiros contatos com a aprendizagem de LE de manei-ra formal e sistematizada. Embora os PCN não proponham uma metodologia específi ca para o ensino de línguas estrangeiras, sugerem uma abordagem sociointeracional17, na qual a linguagem é concebida como “prática social” por meio da qual as pessoas agem no mundo,

17 No enfoque sociointeracional, aprender é uma forma de estar no mundo social com alguém, em um contexto histórico, cultural e institucional. O processo de aprendizagem, mediado pela interação, vai levar à construção de um conhecimento conjunto entre o aluno e o professor ou um colega. E para que isso ocorra, o processo envolverá difi culda-des e sucessos na compreensão, negociação das perspectivas diferentes dos participantes e o controle da interação por parte deles até que o conhecimento seja compartilhado.

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considerando-se as condições não só de produção como também de interpretação. Quanto às habilidades, ênfase é dada no desenvolvimen-to da leitura, uma vez que a leitura não apenas atende às necessidades da educação formal, mas também é a habilidade que o aluno mais terá chance de usar em seu contexto social imediato. Outro objetivo para o Ensino Fundamental é que o aluno possa, por meio da LE, construir conhecimento sistêmico, sobre a organização textual e sobre como e quando utilizar a linguagem nas situações de comunicação, tendo como base os conhecimentos da língua materna (LM).

Para o nível médio, no ano de 2000, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Neste documento, as Línguas Estrangeiras Modernas (LEM) – inseridas na área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, e não mais como disciplina isolada no currículo - assumiram a função de veículo de acesso ao conhecimento para levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações. Nesse sentido, busca-se a competência comunicativa, contudo, considera-se que ela só será alcançada se forem desenvolvidas as demais competências como a sociolinguística, a discursiva e a estratégica. Assim, espera-se que, ao fi nal do ensino médio, o aluno saiba distinguir entre as variantes linguísticas, escolher o registro e o vocabulário adequados à comu-nicação, compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão de aspectos sociais e/ou culturais, com-preender em que medida os enunciados refl etem a forma de ser, pensar, sentir e agir de quem os produzem, utilizar mecanismos de coerência e coesão e ainda estratégias verbais e não verbais. De modo geral, busca-se a interdisciplinaridade e que o aluno conheça e use a língua estrangeira como instrumento de acesso a outras culturas e grupos sociais.

Complementando os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em 2006, foram desenvolvidas as novas orientações para o ensino médio numa nova publicação sob o título de PCN+ Orientações Curriculares para o Ensino Médio, cujo volume 1 cons-ta de um item sobre os “Conhecimentos de línguas estrangeiras” e de um outro específi co para a disciplina espanhol: “Conhecimentos

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de espanhol”. Com relação à inserção do espanhol, esta novidade está respaldada na sanção da Lei nº 11.161 de 05 de agosto de 2005 (BRASIL, 2005) que torna obrigatória a oferta da Língua Espanhola em horário regular nas escolas públicas e privadas brasileiras que atuam no nível médio de ensino, facultando a inclusão do ensino desse idioma nos currículos da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental.

As orientações curriculares para as Línguas Estrangeiras, contidas nos PCN+ Orientações Curriculares para o Ensino Médio, têm como objetivo, além de retomar a refl exão sobre o papel educacional do ensino de LE no ensino médio, introduzir as teorias sobre a linguagem e as novas tecnologias (letramentos, multiletramentos, multimodalidade, hipertexto) e dar sugestões para a prática do ensino de LE por meio dessas tecnologias. No que se refere às habilidades a serem desenvolvidas no ensino de LE no ensino médio, esse documento focaliza a leitura, a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. Considera-se que o uso da linguagem seja composto por conjuntos complexos de habilidades que antes eram isoladas e chamadas de “leitura”, “escrita”, “fala” e “compreensão oral” e passa-se a preferir o uso do termo “letramento” para se referir aos usos heterogêneos da linguagem. No letramento, as formas de “leitura” interagem com formas de “escrita” em “práticas socioculturais contextualizadas”. A partir desse conceito e diante dos complexos usos da linguagem por novas comunidades de prática, surgem termos como “letramento visual”, “letramento digital” e “multiletramentos”.

As orientações para o ensino da disciplina Língua Estrangeira Moderna: Espanhol estão pautadas nos mesmos princípios dos PCN uma vez que se caracterizam pela fl exibilidade, abertura e dinamismo no desenho curricular, sugerindo um sequenciamento de conteúdos e atividades e propondo uma refl exão de caráter amplo, incluindo nessa refl exão as discussões já levantadas como a valorização da LE e especifi camente do espanhol como disciplina formativa no pro-cesso educativo global dos alunos, expondo-os “[...] à alteridade, à diversidade, à heterogeneidade, caminho fértil para a construção da sua identidade” (BRASIL, 2006, p.129).

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Nessas orientações, o que é importante destacar é o tratamen-to dado a questões específi cas do ensino da língua espanhola para alunos brasileiros como a questão da heterogeneidade do espanhol, ou seja, que espanhol ensinar? O espanhol peninsular tido como “puro”, “clássico” ou as variedades hispano-americanas, ou ainda um “espanhol padrão”, mais neutro? É claro que o mais natural é que os alunos tendam a adotar a variedade que o professor adote. Assim, a orientação é que o professor crie condições para que o aluno conheça outras variedades “tão rica e válida quanto a usada por ele”. Deste modo, o professor precisa criar condições para que os alunos possam optar pela variedade que considerem “[...] mais viável, seja pela facilidade que encontram, seja pelo gosto pessoal, seja porque se identifi cam mais com a sua cultura e com os seus falantes”. Por outro lado, considera-se a impossibilidade de “abarcar toda a riqueza linguística e cultural do idioma” (BRASIL, 2006, p.137), no entanto, a exposição dos educandos às variedades levaria ao entendimento da heterogeneidade que marca todas as culturas, evitando-se a reprodução de estereótipos e preconceitos.

Convém ainda esclarecer que nos objetivos a serem estabeleci-dos para o ensino de Língua Espanhola no nível médio, coloca-se a refl exão de se pensar o ensino de espanhol como “um conjunto de valores interculturais”, na questão do “estrangeiro” e nas suas “(inter)relações com o nacional”, nas noções de identidade, de plu-rilinguismo e de multiculturalismo. E por ser um documento aber-to e fl exível, privilegia-se a autonomia do professor na escolha dos materiais didáticos, escolha e articulação dos conteúdos, levando em consideração o seu contexto de ensino e necessidades de seu alunado. Além do mais, espera-se que os conteúdos e estratégias de ensino possam desenvolver no aluno, além da competência comunicativa, incluindo a competência linguística, sociolinguística e pragmático--discursiva, a competência “inter(pluricultural)”. Enfatiza-se tam-bém o desenvolvimento da compreensão e produção oral, assim como a compreensão leitora e produção escrita.

Embora os PCN priorizem o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, o que se observou, de fato, foi o domínio insa-

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tisfatório de tais habilidades pelos alunos da escola pública por meio de avaliações realizadas pelo SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo no ano de 2005. Esse foi um dos motivos que levou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2008 a lançar a nova Proposta Curricular para os vários componentes do Ensino Fundamental e Médio, incluindo a Língua Estrangeira Moderna (LEM) – Inglês.

O ensino de Língua Estrangeira Moderna (LEM) – Inglês – no atual Currículo Ofi cial do Estado de São Paulo18

A nova orientação para o ensino da língua inglesa no ciclo II do Ensino Fundamental e no Ensino Médio tem como enfoque os “letramentos múltiplos”, baseados no “saber” e no “fazer”, “em múl-tiplas linguagens e gêneros discursivos” (SÃO PAULO, 2008, p.42). Na perspectiva do letramento, busca-se trabalhar a língua situada histórica, social e culturalmente por meio de textos que possibilitem conhecê-la e usá-la, e ainda refl etir sobre os conhecimentos e usos da língua. Nesse sentido, privilegia-se a prática da leitura e escrita por meio de diferentes gêneros textuais, em detrimento da gramática ou das funções comunicativas que eram privilegiadas nas orientações anteriores. Convém aqui reiterar que o enfoque nas “funções comu-nicativas” pertence, como afi rma Bizon (1994) à primeira fase do movimento comunicativo19.

No atual Currículo Ofi cial do Estado de São Paulo, tendo em vista que o currículo é considerado um “[...] espaço de cultura e 18 As orientações para o ensino do inglês no atual Currículo Ofi cial do Estado de São Paulo

serão aprofundados em outro capítulo desta coletânea.19 De fato, o que se tem observado nos trabalhos sobre o movimento comunicativo é que

este não tem sido um movimento uniforme. Bizon (1994) esquematiza cinco tendências diferentes de materialização da abordagem comunicativa: os “comunicativizados”, aqueles que tentam dar ao estruturalismo uma roupagem nova; os “funcionalizados” da primeira geração do movimento que organizam o ensino a partir de uma listagem de funções; “os inocentes” que realizam o ideal da negociação da interação propositada, do encontro e da troca no discurso, mas não colocam como primordial a necessidade de tomar o discurso na sua dimensão histórico-crítica; “os espontaneístas ou ultracomunicativos” que almejam apenas muita comunicação; e os “críticos” que se preocupam com as refl exões teóricas acerca da abordagem.

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de articulação de competências e conteúdos disciplinares” (SÃO PAULO, 2008, p.8), aescola passa a ser vista como “aquela que aprende”, “aprende a ensinar”. Nesse contexto, a capacidade de aprender terá de ser trabalhada não apenas nos alunos, mas na pró-pria instituição educativa. Assim, tanto a escola como os docentes terão de aprender. O aluno, por sua vez, deve adquirir autonomia para gerenciar sua própria aprendizagem, “aprender a aprender”, por meio do engajamento em projetos que levem à produção de objetos concretos e que possibilitem intervenções no ambiente, ou seja, “aprender a fazer”.

O Currículo Oficial do Estado de São Paulo, seguindo os princípios da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 que deslocou o foco “do ensino” para o “da aprendizagem”, considera importante que um “currículo referenciado em competências” aponte o que o aluno vai aprender. Neste sentido, para completar a Proposta Curricular foram lançados, para o ano letivo de 2009, os Cadernos do Professor, organizados por bimestre, por série e por disciplina, distribuídos pela Secretaria de Educação para professores da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental e Médio. Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do professor no que se refere ao ensino dos conteúdos disciplinares específi -cos. Os conteúdos, habilidades e competências são organizadas por série e seguidas de orientações para “[...] a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de méto-dos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares” (SÃO PAULO, 2008, p.9).

Uma vez estabelecidas as novas orientações para o ensino da LEM no ensino regular, torna-se imprescindível a avaliação de tais propos-tas tanto nos seus fundamentos teóricos como na sua implementação em sala de aula, como o trabalho de Bernardino (2010) que avalia o primeiro ano de implantação da Proposta Curricular em uma classe do ensino fundamental de uma escola da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, mostrando, entre outras categorias, as difi cul-dades enfrentadas pelos professores para aplicar as atividades propos-

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tas, mas, por outro lado, a motivação dos alunos para desenvolver várias atividades e tarefas sugeridas.

Considerações fi nais

O panorama apresentado revelou a queda gradual do prestígio do estudo das línguas estrangeiras nos currículos escolares ofi ciais, sobretudo das línguas clássicas, como o latim e o grego. Verifi cou-se que no século XX, a partir da década de 60, a língua inglesa fi rmou--se como a língua estrangeira mais estudada no Brasil, tanto nas grades curriculares do ensino regular das escolas públicas ou privadas quanto nos institutos de idiomas. Hoje, deve-se considerar também a valorização da língua espanhola no contexto educacional brasileiro, tendo em vista que, a partir de 2005, com a Lei nº 11.161 (BRASIL, 2005), ela passou a integrar as grades curriculares, sendo sua oferta obrigatória nas escolas públicas e privadas do ensino médio e ainda pela inserção dessa língua no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) como item avaliativo possível ao lado da língua inglesa como opções de avaliação em língua estrangeira, a partir de 2010. Embora a implantação da língua espanhola na rede pública de ensino tenha progredido lentamente, de maneira gradual, essa língua está se fi r-mando como a segunda língua estrangeira mais ensinada no Brasil. É certo que hoje o mandarim também é bem procurado nas escolas de idiomas já que é considerado como uma das “línguas da moda ou do momento”, em função do fortalecimento da China como potência econômica, no entanto, a demanda ainda é pequena em relação ao espanhol e ao inglês.

Especifi camente sobre a língua inglesa, como foi possível obser-var, ela foi introduzida no contexto nacional de ensino com caráter instrumental e este caráter se perpetua, de certo modo, até os dias de hoje. Se no império, ela servia como instrumento de comunicação nas relações comerciais com a Inglaterra, ainda hoje é procurada, frequentemente, por objetivos instrumentais como passar no vesti-bular ou em exames de profi ciência, para viajar, para se comunicar pela Internet, entre outros. Por outro lado, os documentos ofi ciais

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aqui apresentados, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares da CENP, mostram uma tentativa de discus-são sobre a importância do estudo do inglês e das LEM de modo geral na formação do educando como indivíduo e como cidadão, visto que possibilita o contato com outros modos de sentir, viver e expressar-se, contribuindo para o desenvolvimento de aspectos psicológicos, sociais, culturais e afetivos.

No que diz respeito às orientações didáticas, os métodos de ensi-no sugeridos nos documentos ofi ciais sempre tiveram problemas para serem implementados na rede pública de ensino de maneira efi caz devido, principalmente, a fatores como o reduzido número de horas que acabou sendo reservado ao estudo das línguas estran-geiras nos currículos escolares, à carência na formação linguística e pedagógica dos professores e à própria estrutura escolar que muitas vezes impedia e ainda impede o desenvolvimento da disciplina, des-motivando alunos e professores. Além desses problemas de imple-mentação, muitas vezes, os próprios métodos não eram adequados aos interesses/necessidades dos alunos e, por outras vezes, revelam-se anacrônicos. De fato, as línguas estrangeiras nas escolas regulares de ensino quase sempre se pautaram “apenas” no estudo das formas gramaticais descontextualizadas, na memorização de regras e na prio-ridade da língua escrita e na norma culta.

No que se refere ao desenvolvimento de habilidades na LE, a insistência na ênfase na leitura, sugerida pelos próprios PCN, acabou gerando muitas críticas. Segundo Leff a (1999), “embora haja muitos argumentos a favor dessa ênfase, a escola não vai recuperar o ensino da língua estrangeira, ‘deslocado para os cursos de línguas’”. Isso porque o aluno percebeu que para “falar” uma língua estrangeira, só frequentando um curso de idiomas.

A ênfase na leitura continua presente no novo Currículo Ofi cial da Secretaria de Estadual de Educação (SEE), contudo, a ênfase está nos letramentos múltiplos, de modo que o aluno deve tornar-se um leitor que entende que aquilo que lê é uma representação textual de valores, ideologias, discursos e visões de mundo. Mas e o professor?

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Será que ele está preparado para fazer as transposições didáticas dessas orientações?

Este é um grande obstáculo para que novas propostas, embo-ra “antenadas” com as exigências de ordem mundial, consigam ser implementadas com efi cácia no ensino regular, principalmente, por-que fi cam distantes da realidade do aluno, do professor e do próprio ambiente de ensino.

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TENDÊNCIAS DE PESQUISA EM ENSINO-APRENDIZAGEM

DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL: 2005-

20101

Dirce Charara MONTEIRO

Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar as principais tendências de pesquisa em ensino de inglês como língua estrangeira (LE) no Brasil no período de 2005 a 2010, com base em levantamento realizado nas dissertações e teses realizadas nos programas de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (LA) das principais universidades brasileiras bem como em alguns programas de Pós-Graduação em Letras, como é o caso da USP, ou em Linguística, da UFSCAR, entre outros, que possuem linhas de pesquisa em LA nos seus Programas de

1 Este capítulo foi publicado na Revista Estudos Linguísticos. Cf. MONTEIRO, D. C. Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010. Revista Estudos Linguísticos, São Paulo, v.41, n.2, p.495-508, 2012.

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Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010

Pós-Graduação. Algumas pesquisas sobre ensino-aprendizagem de inglês vêm sendo produzidas em programas de Pós-Graduação em Educação, como acontece na UNESP, Araraquara-SP.

Essa dispersão de pesquisas por programas de pós-graduação diversos pode facilmente ser explicada pela natureza transdiscipli-nar de grande parte das dissertações. Entendemos transdisciplinar de acordo com Celani (1998) que contrapõe de maneira clara uma postura multi/pluri/interdisciplinar à transdisciplinar. Na primeira, “[...] disciplinas plurais colaboram no estudo de um objeto, de um campo, de um objetivo em uma situação de integração.” (DURAND apud CELANI, 1998, p.131).

Para Celani (1998, p.132, grifo do autor), “uma visão transdis-ciplinar, no entanto, tenta destacar nessa colaboração de disciplinas um fi o condutor e até mesmo uma fi losofi a epistemológica, a ‘fi losofi a da descoberta’”. Complementa dizendo que “transdisciplinaridade envolve mais do que a justaposição de ramos do saber. Envolve a coexistência em um estado de interação dinâmica”.

Após essas breves considerações sobre o significado de visão transdisciplinar, retomo Lopes (1999) e Monteiro (2004) para rever as categorias utilizadas por esses autores para agrupar as produções de pesquisa da área naqueles dois momentos (1999 e 2004).

Lopes (1999) faz uma retrospectiva da área desde a década de 60, apontando as tendências iniciais nas quais se destacavam estudos des-critivos de aspectos sistêmicos das LE, ressaltando, nessa tendência, os trabalhos desenvolvidos sob a orientação de Carly Silva na UFRJ e UFF e de Marta Steinberg na USP, por exemplo. Acreditava-se que essas pes-quisas poderiam oferecer subsídios importantes para o ensino de inglês.

Já na década de setenta e início de oitenta começaram a aparecer pesquisas contrastivas em grande número, geralmente baseadas em modelos behavioristas de aprendizagem, comparando aspectos fono-lógicos, morfossintáticos e lexicais nas duas línguas. Considerava-se que o levantamento das diferenças e semelhanças estruturais entre as línguas poderia auxiliar o professor de LE a prevenir problemas na aprendizagem de L2, evitando os erros dos alunos. Nessa perspectiva, os erros não eram desejáveis no processo de aprendizagem de uma

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Dirce Charara Monteiro

língua e, com base nos resultados dos trabalhos contrastivos, era pos-sível antecipar aos professores os principais problemas de interferência da língua materna no processo de aprendizagem da segunda língua.

Segundo Lopes (1999), o que realmente desencadeou um aumento signifi cativo de pesquisas na área de ensino-aprendizagem de línguas foi, na década de 80, a criação de inúmeros programas de pós-graduação voltados para LA ou linhas de pesquisas em LA den-tro dos Programas de Linguística, Letras ou Educação. Cita como exemplo os programas da UNICAMP, UFRJ, UFSC, USP, UFMG, UFPE, UFF, UFRN, UFRGS, UFSM, UFAL, UNESP- São José do Rio Preto, SP, UCPEL, UECE, entre outros.

Em seu artigo sobre o estado da arte, Lopes também destaca a impor-tância do Projeto Nacional de Ensino de Inglês Instrumental, coordenado por Maria Antonieta Alba Celani da PUC-SP, tendo como participantes--alvo professores universitários de inglês, cuja preocupação foi desenvolver pesquisas sobre o ensino de inglês para fi ns específi cos. Celani et al.(2005) apresentam um excelente balanço crítico de 25 anos desse Projeto.

Outro aspecto abordado por Lopes foi o número crescente de publicações (livros e revistas) na área bem como a criação de asso-ciações profi ssionais congregando docentes e pesquisadores na área de ensino-aprendizagem na área de língua estrangeira, como é o caso da ALAB (Associação de Linguística Aplicada do Brasil), fi liada à AILA2 (International Association of Applied Linguistics).

Monteiro (2004) também avaliou a produção de pesquisa em LA com foco no ensino-aprendizagem de Inglês como LE, apresentando um panorama geral da área e aprofundando a análise da produção da UNESP de Araraquara-SP.

Ela também discutiu o conceito de LA em diferentes momentos desde sua interpretação como aplicação da Linguística até a perspec-tiva atual de atividade transdisciplinar, com base em Celani (1992), Cavalcanti (1986), entre outras.

Em Monteiro (2004) encontramos ainda uma apresentação rápi-da da evolução dos paradigmas vigentes no início das pesquisas na

2 A sigla AILA é originária do francês Association Internationale de Linguistique Appliquée.

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Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010

área, o paradigma estrutural, de base behaviorista, até o modelo comunicativo, ainda vigente no início deste século, mas que já pas-sou por uma revisão crítica.

A trajetória da pesquisa

Para o levantamento das teses e dissertações do período 2005-2010, foram utilizadas as informações constantes nos sites dos prin-cipais programas de pós-graduação em LA ou em Linguística, Letras ou Educação com linhas de pesquisa em ensino-aprendizagem de LE.

O Banco de Teses e Dissertações da CAPES também forneceu material para a pesquisa, principalmente completando informações existentes nos sites dos Programas.

As seguintes instituições tiveram as produções de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como LE levantadas e ana-lisadas:

1. UNB – Universidade Nacional de Brasília

2. USP – Universidade de São Paulo

3. UFRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

4. UNISINOS – Universidade Jesuíta do Rio Grande do Sul

5. UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

6. UECE – Universidade Estadual do Ceará.

7. UFBA – Universidade Federal da Bahia

8. UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

9. UNESP (IBILCE) – Universidade Estadual Paulista

10. UNESP (FCLAR) – Universidade Estadual Paulista

11. PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LAEL- Linguistica Aplicada e Estudos da Linguagem)

12. PUC-RS – (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

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Dirce Charara Monteiro

13. UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos

14. UNICAMP – (IEL- Instituto de Estudos da Linguagem) Universidade de Campinas

15. UFG – Universidade Federal de Goiás

16. UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

17. UFPA – Universidade Federal do Paraná.

Apresento, a seguir, a tabela 1 para melhor visualização do total da produção das 17 universidades mencionadas, no período de 2005 a 2010, totalizando 568 teses e dissertações em ensino-aprendizagem de Inglês como LE.

Tabela 1 - Teses e dissertações em ensino-aprendizagem de inglês como LE, defendidas no período de 2005 a 2010, nos principais programas de pós-

graduação do Brasil.

Instituição 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total

1. LAEL 17 20 15 20 18 07 97

2. UNB 16 12 21 15 14 09 87

3. IEL 15 12 10 05 07 08 57

4. UNESP (IBILCE) 08 08 06 09 12 09 50

5. UFMG3 08 03 05 04 06 22 49

6. UECE 07 08 10 04 - 08 37

7. UFRJ 07 07 11 06 - 05 36

8. USP - 04 06 06 - 17 33

9. UFRS 03 01 02 02 04 16 28

10. UFG4 01 03 04 03 - 05 16

11. UNISINOS - 04 01 01 04 06 16

12. PUC RS - - 03 04 01 04 12

13. UNESP (FCLAR)5 - 03 - 04 02 02 11

3 A UFMG possui uma linha de pesquisa em LA no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos.

4 A UFG possui curso de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Mestrado e Doutorado).5 A UNESP de Araraquara contempla pesquisas de LA nos Programas e de Linguística

Educação

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Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010

Instituição 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total

14. UFB 03 - 02 03 03 - 11

15. UFPARANÁ 04 03 01 02 01 - 11

16. UFSCAR6 - - 05 - 05 - 10

17. UFPE 02 01 - 01 02 01 07

Total 91 89 102 89 79 118 568Elaboração própria.

A tabela 1 revela instituições muito produtivas na área desde as mais tradicionais como a PUC - SP (LAEL) e a UNICAMP (IEL) e outras mais recentes como é o caso da UNB e da UNESP-SJRP (IBILCE) que apresentam, numericamente, uma produção bastante expressiva na área de ensino-aprendizagem de Inglês como LE.

Quantitativamente, a tabela revela a manutenção de uma média de pesquisas nos últimos seis anos, apontando um aumento signifi -cativo no ano de 2010.

A fi gura 1, a seguir, permite uma melhor visualização dos totais de pesquisas por ano no período estudado:

Figura 1 - Total de teses/dissertações no período 2005/2010

Elaboração própria

6 O Curso começou a funcionar em 2005 e possui três linhas de pesquisa, sendo uma delas em ensino-aprendizagem de LE. A primeira defesa foi em 2006, mas na linha de linguagem e discurso

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Dirce Charara Monteiro

Os dados nos permitem afi rmar que, após um pequeno aumento no ano de 2007, houve um declínio acentuado nos dois anos seguintes, seguido de um aumento signifi cativo em 2010. A média do período foi de 94,6 pesquisas na área de ensino-aprendizagem de Inglês como LE.

As “categorias” utilizadas para agrupar a produção pesquisada foram, em parte, baseadas nas propostas de Lopes (1999) e de Monteiro (2004), mas tiveram que ser ampliadas, perfazendo um total de 35. Uma maior especifi cação das categorias se justifi cou para se obter uma visão mais aprofundada das pesquisas na área e também para atender às novas neces-sidades de pesquisa surgidas no período analisado que serão apresentadas, a seguir, na tabela 2, distribuídas pelas instituições investigadas:

Tabela 2 - Teses e dissertações distribuídas por categorias e por instituiçõesInstituições

Categorias

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N

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R

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P

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B

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PAR

T

O

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A

L

Formação do professor de L2 22 2 1 3 7 8 3 3 11 3 2 9 3 3 80

Tradução 12 6 5 12 19 4 1 5 64

Linguagem/tec-nologia 2 1 10 5 10 14 2 2 4 2 52

Estudo sobre crenças 19 2 2 1 1 9 5 2 4 45

Leitura/ingles instrumental 2 1 1 1 4 6 6 1 2 2 3 29

Ensino/gramá-tica/vocabulário 6 4 1 1 2 1 2 1 2 2 2 2 1 27

Material didá-tico 2 1 3 6 2 7 2 1 24

Aprendizagem/aquisição/L2 3 4 3 1 6 1 2 20

Ensino de skills 3 2 1 4 1 1 2 2 1 17

Recursos peda-gógicos 2 2 1 5 1 1 2 1 1 16

Linguística de corpus 1 14 15

Avaliação 1 5 2 1 2 2 13

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Instituições

Categorias

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R

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Análise de pro-posta pedag. 1 1 1 1 4 1 2 1 12

Representações 9 2 1 12

Interlíngua/erro 4 1 1 1 1 1 2 11

Inglês para dife-rentes idades 4 1 2 3 1 11

Lexicografi a 1 2 3 2 1 9

Construção da identidade 1 3 1 1 3 9

Aspectos afe-tivos 3 1 1 2 1 1 9

Inglês na educa-ção bilíngue 1 1 5 1 8

Descrição lin-guística 1 3 1 1 2 8

E n s i n o d e inglês/inclusão 2 1 1 2 1 1 8

Interação em sala de aula 3 2 2 1 8

Análise contras-tiva 1 1 1 1 3 7

Pro f e s s o r d e inglês/educador 5 2 7

Inglês na escola pública 2 2 1 1 6

Abordagem e ensino 1 2 1 1 1 6

Inter-relação lín-gua/cultura 1 1 1 1 4

Descr ição de gêneros 1 3 4

Heterogeneidade/indisciplina 2 1 3

L i t e r a t u r a e ensino 2 2

Política (impe-rialismo) 1 1 2

Diversos 5 8 1 4 1 1 20

Total 87 12 28 16 36 37 50 97 10 33 57 16 11 49 7 11 11 568

Elaboração própria

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Dirce Charara Monteiro

De acordo com a tabela 2, que apresenta as categorias dispostas de forma decrescente, é possível constatar que a categoria “formação do professor de LE” ainda é a que congrega o maior número de pes-quisas em LA. Gil e Vieira-Abrahão (2008), obra que apresenta os resultados do CLAFPL (Congresso Latino-Americano de Formação de Professores de Língua), realizado em Florianópolis, em 2006, apontam algumas tendências de pesquisa sobre o tema: a) o ensino de inglês na contemporaneidade; b) formação do professor para um ensino que conduza à autonomia; c) implicações da formação de professores a distância; d) metodologias mais usadas na formação de professores, com destaque para a pesquisa participativa para a pesquisa-ação, visando a um profi ssional refl exivo.

Nesse conjunto é importante relatar um subgrupo importante (8 trabalhos), focalizando “a relação teoria e prática”dos profi ssionais de ensino de língua inglesa como L2. Metodologicamente essas pesqui-sas geralmente são de natureza etnográfi ca e identifi cam concepções dos professores envolvidos e observação de sua prática pedagógica, no sentido de verifi car até que ponto o discurso do professor está relacionado com sua real atuação em sala de aula.

Essa categoria inclui também pesquisas voltadas para os “saberes docentes”, considerando como saberes não apenas o domínio de conteúdos e habilidades (competência oral, por exemplo), como da parte metodológica, principalmente no que se refere à relação teoria e prática.

Alguns programas de Pós-Graduação em LA contemplam uma linha de pesquisa voltada para “tradução”. É o caso, por exemplo, do IBILCE, UNESP, SJRP. Geralmente são instituições que possuem o curso de graduação em tradução. A USP, embora não possua a área de pesquisa em LA, também apresentou um número expressivo de trabalhos dessa natureza. Embora essa categoria não tenha sido con-templada por Lopes (1999), não há dúvida de que essa área merece ser incluída em LA, considerando-se não apenas a sua natureza, mas também o grande número de dissertações e teses sobre tradução encontradas em nossa pesquisa. Destaco a prevalência de pesquisas relacionadas com problemas de tradução de obras literárias.

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Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010

Foram incluídas na categoria “linguagem e tecnologia” as várias pesquisas sobre ensino mediado por computador, analisando, por exemplo, o papel do professor mediador no contexto in-tandem7, a interação entre os participantes em programas de educação a dis-tância, bem como a produção de softwares e o uso da Internet (blogs, chats, e-mails, etc.) no ensino de inglês como L2.

Outro tema fértil em gerar pesquisas em ensino-aprendizagem de L2 é o relacionado a “crenças” de professores e de alunos bem como à metodologia de pesquisa sobre crenças (MOREIRA, 2008). A maioria das pesquisas incluídas nessa categoria está voltada para a promoção do pensamento refl exivo dos professores de L2, com vistas ao aperfeiçoamento de sua formação, estando, por isso, inti-mamente relacionadas com o tema formação do professor. Embora quantitativamente as pesquisas sobre crenças estejam concentradas na UNB e no IBILCE, o tema desperta o interesse de muitos outros programas de Pós-Graduação em LA no país, como por exemplo, os do IEL e da UFMG, conforme ilustra a tabela 2.

A habilidade de “leitura” foi considerada separadamente das demais skills em razão do grande número de pesquisas com foco no desenvolvimento dessa habilidade, considerada prioritária no contexto brasileiro. Atualmente, a infl uência crescente do uso dos meios de comunicação intensifi cou a necessidade de aprendizagem da leitura não apenas em contextos escolares como não escolares. Grande parte das pesquisas sobre leitura aborda a questão de uma perspectiva instrumental. É importante citar aqui a obra organi-zada por Celani et al. (2005) que apresenta um excelente balanço crítico de 25 anos do Projeto Instrumental e que forneceu ele-mentos teóricos importantes para o desenvolvimento dessa área de pesquisa.

7 Teletandem Brasil- línguas estrangeiras para todos é um projeto usando a metodologia tandem via Internet. Essa metodologia de ensino de segunda língua, ou de LE, consiste em intercâmbio linguístico e cultural. O projeto citado é coordenado pelos professores Doutores João Antonio Telles (UNESP de Assis), Maria Helena Vieira Abrahão e Ana Mariza Benedetti (UNESP de São José do Rio Preto) e tem produzido muitas pesquisas envolvendo pesquisadores nacionais – professores e alunos de Pós-Graduação – bem como internacionais.

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Dirce Charara Monteiro

Os dados coletados revelaram um conjunto de pesquisas voltadas para o ensino-aprendizagem de aspectos específi cos da língua, ou seja, o ensino do vocabulário, de elementos gramaticais, de pronúncia, entre outros.

A categoria “material didático” contempla pesquisas sobre análise e avaliação de livros didáticos existentes bem como a produção e avaliação de unidades didáticas. O tema, por constituir-se num dos principais instrumentos do trabalho do professor, tem despertado um interesse constante e já estava incluído nas categorias de Lopes (1999) e de Monteiro (2004).

Na categoria “aprendizagem/aquisição de L2” foram incluídos trabalhos com foco no aluno, descrevendo aspectos como estratégias de aprendizagem, busca da autonomia, entre outros.

Na categoria voltada para o “ensino de skills”foram consideradas pesquisas que se propuseram a investigar a produção e a compre-ensão oral bem como a produção escrita, não incluindo pesquisas sobre a habilidade de leitura que foi considerada uma categoria à parte pelas razões anteriormente explicitadas.

A categoria “recursos pedagógicos” abriga pesquisas voltadas para o uso de outras linguagens, como, por exemplo, da música, da dra-matização, do teatro, dos fi lmes e dos jogos, para auxiliar na moti-vação dos alunos e na obtenção de melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem de inglês como L2.

A categoria “linguística de corpus” contempla pesquisas voltadas para o ensino de LE, envolvendo descrição de gêneros, ensino de pronúncia, linguagem e tecnologia, elaboração de material didático, descrição linguística, entre outras. As pesquisas incluídas nessa cate-goria apresentam um elemento unifi cador: a metodologia de pesquisa quantitativa baseada em corpus (SARDINHA, 2000) e encontram-se concentradas no programa de Pós-Graduação da PUC-SP (LAEL). Apesar de referir-se mais à metodologia do que aos temas, julgamos importante nomear assim esta categoria, pela especifi cidade e concen-tração dos trabalhos numa única instituição de ensino.

A categoria “avaliação” engloba pesquisas sobre práticas avaliativas usadas por professores tanto na abordagem comunicativa como em

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Tendências de pesquisa em ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira no Brasil: 2005-2010

abordagens voltadas para o letramento. Estão ainda incluídas nessa categoria duas propostas de exames de profi ciência para professores de inglês. Esse componente importante do processo de ensino-aprendizagem ainda tem merecido poucas pesquisas.

Foram localizadas várias pesquisas com o objetivo de analisar “propostas pedagógicas” seja no Ensino Fundamental, seja no Ensino Superior.

Embora outras duas instituições tenham realizado pesquisas sobre o tema “representação”, o LAEL é a instituição que congrega um conjunto signifi cativo de pesquisas sobre representações feitas por professores e alunos. No primeiro caso, podemos citar pesquisas voltadas para representações produzidas por professores do ensino fundamental, ou por professores em serviço, representando sobre a abordagem instrumental. No caso dos alunos, cito como exem-plo, pesquisas em que eles representam sobre o processo de ensinar--aprender inglês bem como sobre seu interesse ou desinteresse em estudar essa língua estrangeira.

A categoria “interlíngua/erro” inclui pesquisas que procuram analisar os sistemas linguísticos intermediários que podem ser identifi cados no processo de aquisição de uma segunda língua. Embora o conceito de interlíngua tenha se originado no âmbito de abordagens mais mecani-cistas, ele ainda desperta o interesse, mas não necessariamente com o foco de investigar a interferência da língua materna nos erros produzidos pelos aprendizes. O objetivo principal dessas pesquisas é investigar como se dá a apropriação do sistema de uma segunda língua.

Estudos sobre “inglês para faixas etárias específi cas”, a saber, crianças, jovens e adultos e meia-idade também foram encontrados, mas confi rmam os resultados encontrados por Monteiro (2004) que apontaram o pequeno interesse por esse tema.

Foi identifi cado um pequeno conjunto de pesquisas voltadas para a elaboração de dicionários e glossários. A inclusão da categoria “lexicografi a” nesse levantamento se justifi ca, pois as pesquisas con-sideradas visavam a suprir uma demanda específi ca de ensino de lín-guas, como é o caso de elaboração de um dicionário para crianças e de glossários para áreas específi cas (turismo, hotelaria, entre outras).

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Dirce Charara Monteiro

É preciso apontar algumas pesquisas voltadas para a “construção da identidade” em sala de aula, incluindo tanto a identidade do professor como a dos alunos.

Embora muitos dos estudos acima mencionados levem em conta a importância de fatores como afetividade e autoestima, foi possível identifi car um conjunto de pesquisas especifi camente voltado para “fatores afetivos” no ensino de LE, com ênfase na motivação e na autoestima.

Pesquisas voltadas tanto para a formação do professor como para a sua atuação em contextos bilíngues, principalmente em escolas que oferecem este tipo de educação em grandes centros, também foram encontradas. É importante assinalar que este tema parece restrito a um pequeno grupo de alunos e professores, considerando-se que não está entre as necessidades prioritárias em nosso país, mais voltadas para pesquisas em ambientes escolares monolíngues.

Alguns trabalhos descrevendo alguns aspectos da língua inglesa considerados problemáticos para os aprendizes, como, por exemplo, alguns tempos verbais (present perfect tense) foram encontrados, prin-cipalmente em programas não específi cos de LA, com o objetivo de oferecer subsídios para o ensino. Essa tendência já havia sido apon-tada por Monteiro (2004) e pode ser considerada uma interface de programas de Linguística Teórica, utilizando modelos de descrição da Linguística Geral (como o da gramática funcional, por exemplo) com preocupações pedagógicas.

Foram localizadas oito pesquisas voltadas para o tema ensino de “inglês para inclusão”, com propostas para o ensino de alunos surdos e/ou cegos. Este tipo de pesquisa é bastante recente e justifi ca-se em razão da preocupação com o tema inclusão na área de educação como um todo, e na busca de caminhos para que a proposta seja efetivada em sala de aula.

A “interação em sala de aula”, tema importante principalmente na abordagem comunicativa, que privilegiava atividades em pares ou em grupos em sala de aula, apareceu em escala muito reduzida no período, explicável, provavelmente, pelas difi culdades de implemen-tação do modelo comunicativo em salas de aulas muito numerosas.

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Trabalhos de “análise contrastiva” aparecem em pequeno número o que é explicável por estarem baseados em paradigmas behavioristas, atualmente substituídos por outros, principalmente de base comunica-tiva ou voltados para o letramento. Retomando Monteiro (2004, p.21):

O foco em estudos contrastivos, comparando aspectos do inglês e do português, predominou principalmente no fi nal da década de oitenta, com base principalmente em pressupostos behavio-ristas, com a intenção de prevenir problemas de aprendizagem de uma língua estrangeira.

Foi identificado um pequeno grupo de pesquisas voltadas para o professor de inglês não somente preocupado com o ensino do conteúdo, mas também com a transmissão de valores éticos. Considerando-se o papel do “professor como um educador”, esse tipo de preocupação em termos de pesquisa revela a valorização dos aspectos educacionais e não apenas de uma educação conteudística.

Embora muitas das pesquisas levantadas anteriormente tenham se realizado no contexto da escola pública, nesta categoria, foram incluídas aquelas que apresentam uma preocupação com a análise da “relevância” do ensino de inglês nesse contexto específi co.

Apesar daquestão da abordagem estar presente em muitos dos trabalhos inseridos em outras categorias, julgamos relevante dar destaque a um conjunto de pesquisas voltadas especifi camente para a relação entre “abordagem e ensino”, contemplando paradigmas como o das inteligências múltiplas, o comunicativo e o estrutural. Trabalhos isolados com outras abordagens também podem ser apon-tados como aqueles que propõem, de acordo com Paiva (2005), um modelo de aquisição baseado na teoria dos sistemas complexos ou teoria do caos.

Embora poucos, foram encontrados trabalhos voltados especifi -camente para a “inter-relação língua-cultura”, tema que, do nosso ponto de vista é de grande importância para os pesquisadores e pro-fessores da área de ensino-aprendizagem, uma vez que a língua é o meio principal de expressão da cultura de um povo.

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A categoria “descrição de gêneros” abriga pesquisas descritivas das características de algumas modalidades textuais, mas, geral-mente, com preocupações pedagógicas. É importante lembrar que o trabalho com textos de gêneros variados também faz parte da maioria dos trabalhos inseridos na categoria de inglês instrumental. Considerando-se o grande interesse por modelos de descrição de gêneros na Linguística Textual bem como na área de Análise do Discurso, é de se esperar o crescimento de pesquisas voltadas para esse tema.

Embora em pequena escala, aspectos recorrentes e difi cultadores do trabalho do professor, como é o caso da heterogeneidade dos alunos e da indisciplina, ainda mereceram algumas pesquisas.

Pesquisas relacionadas com o “ensino da literatura em Inglês” não ocupam um lugar central nas pesquisas em LA, mas constituem ainda objeto de estudo de um pequeno grupo. É preciso lembrar inclusive que grande parte dos estudos sobre tradução baseia-se em questões relacionadas a textos literários.

Embora a preocupação com a política do ensino de inglês como LE em nosso país ainda esteja bastante presente nas associações de profi ssionais da área, localizo apenas uma dissertação tratando de questões políticas, relacionada com a expansão do inglês, abordan-do a questão do imperialismo. É preciso lembrar que o ensino de línguas estrangeiras atualmente, principalmente da língua inglesa, não apresenta problemas institucionais tão graves como os ocorri-dos na década de 80, quando o inglês teve seu status alterado pelo Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, passando de “disciplina” para “atividade”, acarretando consequências sérias não apenas para os profi ssionais de ensino como para os alunos que tiveram que enfrentar o processo de desvalorização da língua inglesa em relação aos demais conteúdos escolares.

Foi necessário incluir uma categoria para agrupar pesquisas iso-ladas como, por exemplo, na UFRJ, um estudo de caso sobre a extensão universitária e o ensino de línguas; outra pesquisa investi-gando um modelo de supervisão no ensino de língua inglesa; outra

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ainda voltada para a construção do conhecimento em sala de aula no ensino fundamental, focalizando aspectos da relação de poder.

Considerações fi nais

O paradigma comunicativo ainda parece predominar nos traba-lhos investigados, embora a previsão para os próximos anos seja o aparecimento de pesquisas com base em abordagens mais centradas no desenvolvimento do letramento dos alunos. Uma justifi cativa para tal previsão, principalmente no estado de São Paulo, é que já começam a surgir pesquisas, como a de Bernardino (2010), com o objetivo de avaliar o impacto da nova proposta curricular para o ensino de inglês que começou a ser implantada em 2008, baseada na perspectiva de letramentos múltiplos e cujo principal fundamento está em Kern (2000).

Na verdade, a proposta atual, centrada no reconhecimento e pro-dução de diferentes gêneros textuais, auxiliando inclusive o letra-mento em língua materna, não propõe a substituição do modelo comunicativo pelo novo modelo. Segundo o próprio Kern (2000), a preocupação maior com os gêneros textuais e não apenas com o desenvolvimento da capacidade de comunicação em diferentes situações, representa uma ampliação da proposta comunicativa, não apresentando incompatibilidade com a proposta de ênfase na com-petência textual, uma das competências desejáveis na abordagem comunicativa. Explicando melhor, a proposta comunicativa, ao tra-tar da competência discursiva (CANALE, 1983), já trazia embutido o trabalho com os gêneros, embora a ênfase anterior estivesse voltada para a interação em situações de fala.

Embora nosso objetivo tenha sido mapear e categorizar as pes-quisas dos últimos seis anos, da perspectiva temática, é relevante fazer algumas considerações sobre a “metodologia” nelas predomi-nante. A maioria dos estudos é constituída de pesquisas qualitativas de várias naturezas, com preferência para as investigações de cunho etnográfi co, de estudos de caso e de pesquisas de intervenção, entre outras.

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Pesquisas quantitativas não parecem ser as preferidas em LA, com exceção de um conjunto de investigações centralizadas no LAEL que utilizam dados coletados em linguística de corpus.

Algumas previsões em Monteiro (2004) se confi rmaram princi-palmente no que diz respeito a pesquisas sobre formação do profes-sor refl exivo bem como um número razoável de dissertações inves-tigando aspectos afetivos como motivação para aprender inglês e autoestima, entre outros.

Considerando o contexto atual, a relação entre ensino-aprendi-zagem e tecnologia, também apontada por Monteiro (2004) tem se revelado uma temática forte de pesquisa e só tende a crescer.

Apesar das lacunas no levantamento realizado e das difi culdades de incluir as diferentes pesquisas da área de LA em categorias, essas tentativas de mapeamento são importantes e necessárias para que se possa ter uma visão mais abrangente dos rumos que as investigações em ensino-aprendizagem de inglês como LE vêm tomando em nosso país, indicando as questões de pesquisa consideradas mais relevan-tes nos principais centros universitários que produzem dissertações e teses voltadas para o ensino-aprendizagem da língua inglesa como LE.

REFERÊNCIAS

BERNARDINO, E. A. Análise e implementação da nova proposta pedagógica estadual para o ensino de língua inglesa no ensino fundamental. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) - Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara, 2010.

CANALE, M. From communicative competence to communicative language pedagogy. In: RICHARDS, J.; SCHMIDT, R. Language and communication. London: Longmans, 1983. p.2-27.

CAVALCANTI, M. C. A propósito de linguística aplicada. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v.7, p.5-12, 1986.

CELANI, M. A. A. Afi nal o que é linguística aplicada? In: PASCHOAL, M. S. Z; CELANI, M. A. A. (Org.). Linguística aplicada: da aplicação

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA SALA DE AULA DE LÍNGUA

INGLESA: PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS

Lusinilda Carla Pinto MARTINS

Introdução

Os estudos sobre formação que se associam ao trabalho docente, ao cotidiano escolar, às práticas pedagógicas, à relação teoria-prática, à formação do professor formador, dentre outros, têm contribuído sobremaneira para a consolidação da área de investigação sobre o ensino, mas sinalizam ainda lacunas existentes no campo do estágio supervisionado.

Mediante os novos modelos de formação que ampliam as possi-bilidades do ensino pautado pela prática, o estágio supervisionado divide a responsabilidade pelo componente prático da formação com as demais disciplinas do currículo. Ainda que a intensifi cação desse componente de ordem prática na formação do professor da educação básica encontre-se distribuída na carga horária de outras disciplinas, é ainda o estágio que propicia o maior contato com

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

a prática docente. No entanto, Caires e Almeida (2000, p.220) afi rmam que a discussão nesse campo é estéril e se refl ete na pro-dução bibliográfi ca restrita porque o estágio supervisionado ainda é considerado o “parente pobre” de todas as disciplinas do currículo da licenciatura.

Apesar dos estágios supervisionados terem conquistado quanti-tativamente maior espaço nos currículos recentemente, e venham se constituindo em uma experiência formativa em potencial para a profi ssão docente (PIMENTA, 1997; PIMENTA; LIMA, 2008; CAIRES; ALMEIDA, 2000; MIZUKAMI; REALI, 2004, 2005; SILVA; MARGONARI, 2005; ABRAHÃO, 1992, 2004), as inves-tigações nessa área ainda são escassas, em especial as que se realizam com base na perspectiva dos professores em formação.

Este capítulo tem como objetivo discutir o papel do estágio supervisionado na formação do professor de língua inglesa, proble-matizando os sentidos atribuídos e os saberes produzidos pelos pro-fessores de língua inglesa em formação nessa experiência formativa, com base nos resultados de pesquisa obtidos por Martins (2010).

O papel do estágio na formação inicial

Afi rmando que o estágio sempre foi identifi cado como a prática dos cursos de formação de profi ssionais, em contraposição à teoria, Pimenta e Lima (2008, p.41) assumem que “o estágio é teoria e é prática”. Na condição de prática, o estágio associa-se ao conceito de ação e implica atividades pedagógicas desenvolvidas por sujeitos em formação profi ssional. Por fundamentar e instrumentalizar a prá-tica docente é considerado uma atividade teórica. Desse modo, a contribuição da unidade teoria-prática presente no estágio reforça ainda a pesquisa como princípio cognitivo que orienta a formação de professores (PIMENTA, 2000).

Freire (2001) salienta que, além de espaço de aprendizagem a partir da ação, o estágio possibilita a investigação de práticas e divul-gação de pesquisas referentes a saberes profi ssionais e concepções de ensino.

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Lusinilda Carla Pinto Martins

De igual modo, Barreiro e Gebran (2006, p.29) afi rmam que o estágio “[...] constitui-se em espaço para trabalhar com as represen-tações dos formandos acerca do papel do professor e dos alunos”, e consideram-no uma atividade teórica e instrumentalizadora da práxis.

Relativizando o papel do estágio na formação, Mateus (2002, p.44) considera que o papel do estágio supervisionado, muitas vezes, se traduz em uma prática elementar para o desenvolvimento profi s-sional do futuro professor. Ao discutir o impacto do estágio, a partir da perspectiva dos estagiários, conclui que tal impacto fi ca aquém no que se refere ao processo de ensinar de uma perspectiva crítica. A pesquisadora revela dados cuja experiência do estágio acaba por legi-timar as práticas adotadas pelos professores regentes. Dessa forma, assinala a necessidade de implementação de um programa de for-mação voltado para a formação refl exiva de uma perspectiva crítica.

Concordando com as discussões apresentadas, entendemos que, para o estágio se constituir como uma experiência signifi cativa e transformadora para a prática profi ssional já na formação pré-servi-ço, é necessário considerá-lo como uma prática social e, a nosso ver, uma prática simbólica

A partir das considerações sobre o papel do estágio como espaço de aprendizagem, de investigação e de interação, como experiência signifi cativa, discutiremos, a seguir, o estágio como prática simbólica e como experiência inaugural da docência.

Estágio: a prática e a experiência

Para Severino (2001, p.44), “[...] a existência humana é mediada e só se realiza através de ações concretas”, portanto:

[...] o sujeito não é aquilo que pensa ou fala de si mesmo, mas é o que faz concreta e objetivamente. Não adianta, por exemplo, o professor ter feito um curso de formação, obter um diploma, ser registrado na burocracia estatal, prestar concur-so e assinar um contrato. Ele só será efetivamente professor

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

quando agir como docente, atuando na sala de aula concreta, executando ações próprias da docência. (SEVERINO, 2001, p.47, grifo nosso).

Neste estudo, podemos relacionar esse sujeito ao estagiário, o qual só passa a ser considerado professor no momento da regência, isto é, quando adentra a sala de aula e, imerso nesse espaço de acon-tecimentos, interage com os alunos, com o conteúdo, com as suas crenças e concepções sobre ensinar e aprender.

Buscaremos na noção de tridimensionalidade do existir, referen-dada por Severino (2001), subsídios para ampliarmos nossa refl exão sobre o estágio - componente prático da formação inicial -, uma vez que a existência humana, enquanto agir, se efetiva a partir de três esferas: a prática produtiva, a prática política e a prática simbólica.

A prática produtiva refere-se ao relacionamento do homem com a natureza, resumindo-se à noção de trabalho. Se for pelo trabalho que o homem se constrói, conforme nos ensina Severino (2001), o estágio, neste estudo, será pensado como uma prática produtiva, visto que é pelo trabalho na sala de aula, atuando como professor, que o estagiário dá seus primeiros passos na docência, construindo--se na e pela profi ssão.

A prática política relaciona-se ao caráter da sociabilidade da exis-tência humana que se vai construindo, não individualmente, mas coletivamente, permeado por relações de poder e por “temporalidade e espacialidade históricas” (SEVERINO, 2001, p.52-53). Interessa a este estudo o agir como prática política, vinculado à dimensão sócio-histórica e, ainda, ao fato do ser/estar professor como um tempo/espaço marcado por condicionamentos sociopolíticos. O estágio, nesse sentido, permite ao estagiário a vivência da condição ambivalente da sociabilidade humana ao constituir-se em espaço de personalização e despersonalização na aprendizagem/construção da profi ssão (ora como aluno, ora como professor).

Finalmente, a prática simbólica ou simbolizadora se realiza por meio de intervenções simbólicas na relação com a natureza e com a sociedade. Essa relação de mediação constrói um mundo diferente,

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o mundo dos símbolos, o qual se diferencia da natureza gerando a cultura. Para uma melhor compreensão da dimensão simbólica, ima-ginemos o indivíduo que, ao aprender a ler, passa a compreender e a dominar o mundo mediante novos símbolos (palavras). Essa autono-mia, com base em uma economia linguística e simbólica, promove uma relação de mediação entre a interioridade e a exterioridade do indivíduo marcando a subjetividade do processo educacional. Da mesma forma, entendemos que alguém que está se tornando pro-fessor começa a enxergar a sala de aula, a escola, por outro viés e essa compreensão vai se constituindo, a partir de um conhecimento de base proporcionado pelo curso de formação, pelas situações práticas que vivencia, por ocasião do estágio e pela sua própria história de formação que irrompe nesse contexto formativo.

Faz-se oportuno esclarecer que o entendimento sobre o termo “simbólico”está relacionado à “[...] toda representação da subjetivi-dade de dados e situações de sua experiência” (SEVERINO, 2001, p.60). A subjetividade se expressa toda vez que o agir humano se ser-ve da conceituação e da valoração. Esses conceitos e valores, na ótica de Severino (2001, p.57), dão sentido à prática e são socialmente construídos e historicamente consolidados. Tanto é verdade que os sentidos e valorações atribuídos à experiência do estágio não apre-sentam homogeneidade, conforme poderemos constatar na seção referente à apresentação e análise dos dados. Para este estudo, impor-ta considerar a prática como uma atividade não mecânica e nem transitiva, mas como um agir intencional e prenhe de simbolização.

Associaremos à noção de ação como existência humana, a dis-cussão referente à epistemologia da prática profi ssional defi nida por Tardif como

[...] um processo de aprendizagem através do qual professores e professoras retraduzem sua formação anterior e a adaptam à profi ssão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes, de uma maneira ou de outra, para resolver os pro-blemas da prática educativa. (TARDIF, 2002, p.256).

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

O objetivo de uma epistemologia da prática consiste em eviden-ciar os saberes presentes nas atividades profi ssionais e compreender o modo como os sujeitos incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam esses saberes no exercício da docência. Os saberes experienciados (TARDIF, 2002) subsidiam nossa compreensão de como se dá a articulação dos conhecimentos adquiridos durante os quatro anos de curso com os conhecimentos que se vão delineando no contexto de realização do estágio. A natureza e o papel desses saberes em relação ao trabalho docente e à identidade profi ssional dos professores (TARDIF, 2002) interessam a este estudo visto que podem nos dar pistas dos sentidos que o professor em formação atribui à sua prática mediante a experiência de aprender a ensinar durante o estágio.

Além de prática simbolizadora, o estágio pode ser pensado como experiência de trabalho cuja diversidade de conhecimentos produzi-dos implica sentidos para a profi ssão e propicia a atuação dos futuros professores em uma produção coletiva de saberes. A discussão sobre a experiência nos permite entender por que, após tanto descompasso entre os conteúdos dados durante o curso e as situações inusitadas no tempo/espaço de realização do estágio, os alunos conseguem se sentir professores. Como essa mudança de posição acontece? Como passam a enxergar a escola, a sala de aula, o aluno? O que muda com a experiência do estágio?

Neste estudo, com base nos princípios arrolados, consideramos a experiência não apenas como atividade, como ação, mas como princípio de formação.

Contexto e metodologia do estudo

Este estudo é parte de minha pesquisa de doutorado desenvolvida junto a estagiários do curso de Letras-Inglês da Universidade Federal de Rondônia - UNIR, durante as disciplinas de Estágio III e Estágio IV, no período letivo de 2008-2009.

Tal estudo se insere em uma abordagem qualitativa e se desenvol-ve mediante uma perspectiva fenomenológica-hermenêutica – con-

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centrando-se em dados provenientes das experiências dos estagiários e das condições nas quais as experiências ocorrem – aliada à análise documental. Os dados constantes dos relatórios dos estagiários, dos projetos pedagógicos do curso de Letras da UNIR, das matrizes curriculares, das leis que regulamentam os estágios, constituem a fonte primeira de nossa análise não somente pela estabilidade dos dados desses documentos, mas também por propiciar uma visão ampliada sobre o nosso objeto de pesquisa. Os dados referentes às manifestações linguísticas dos estagiários foram coletados a partir de entrevistas, questionários e notas de campo.

O curso de Letras-Inglês, campus de Porto Velho, tem sua origem no antigo curso de Letras, que oferecia habilitação dupla Português-Inglês. Após várias reformulações curriculares - dentre elas a que promoveu a divisão do referido curso em dois departamentos: o departamento de Letras-Vernáculas e o departamento de Letras-Línguas Estrangeiras - as habilitações de inglês e espanhol passaram a compor o curso de Letras – Línguas estrangeiras que, hoje, oferece 25 vagas para cada habilitação, com o horário de funcionamento no período vespertino1. É bom salientar que se trata do único curso de Letras –Línguas Estrangeiras do Estado de Rondônia.

O projeto pedagógico em vigor do curso de Letras – Línguas Estrangeiras, em suas linhas gerais, pretende formar profi ssionais que lidem criticamente com o ensino e a aprendizagem das diversas formas de linguagem, especialmente com a linguagem verbal nos contextos oral e escrito. O documento reforça o discurso vigente nas resoluções2 referentes à formação de professores para a educação básica, cujas diretrizes privilegiam as competências e as habilidades.

A matriz curricular do curso de Letras-Inglês, a partir de 2005, apresenta uma carga horária de 3100 horas, distribuídas em 1870

1 Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA, 1999, 2005.2 Para maior detalhamento consultar Resolução 01, de 18 de fevereiro de 2002 (BRASIL,

2002a) que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Resolução 02, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002b) que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

(mil oitocentos e setenta) horas de atividades teóricas, 630 (seiscen-tos e trinta) horas de atividades práticas, 400 (quatrocentas) horas de estágios supervisionados e 200 (duzentas) horas de atividades acadêmico-científi co-culturais. A lógica e organização das discipli-nas na referida matriz classifi cam-se em específi cas, estruturantes e pedagógicas3. Seguindo o proposto pela resolução, a matriz curri-cular conta, ainda, com os estágios supervisionados e as atividades acadêmico-científi co-culturais4. No quadro abaixo podemos obser-var a distribuição das disciplinas constantes da matriz curricular e como ocorre a inserção do componente prático bem como a posição dos estágios no curso.

Quadro 1- Carga horária total da habilitação em letras/inglês

DISCIPLINAS Teórica Prática Total Créditos

ESPECÍFICAS 1410 470 1880 94

ESTRUTURANTES 160 60 220 11

PEDAGÓGICAS 300 100 400 22

Subtotal 1870 630 2500 127

ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS 400

ATIVIDADES ACADÊMICO - CIENTÍFICO – CULTURAIS 200

TOTAL GERAL 3.100 127Fonte: Elaboração própria a partir da Matriz Curricular do Curso de Letras - Inglês (UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA, 2005).

Os estágios no curso de Letras – Línguas Estrangeiras são realizados a partir do quinto semestre do curso, distribuídos em Estágio I, II, III

3 Conforme o projeto do curso (UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA, 2005) em seu item 6, as disciplinas específi cas envolvem os estudos linguísticos e literários fundamentais para o estudante de Letras. As disciplinas estruturantes são aquelas que dão apoio às disciplinas específi cas, promovendo o embasamento das discussões socio-lógicas, fi losófi cas e metodológicas. As disciplinas pedagógicas se destinam a dar suporte ao trabalho pedagógico do profi ssional de Letras. Os estágios supervisionados integram as disciplinas pedagógicas.

4 As atividades acadêmico-científi co-culturais - são defi nidas no projeto do curso como outras formas de atividades acadêmico-científi co-culturais, à escolha dos alunos, para composição de seu currículo. Tais atividades compreendem 20 (vinte) créditos, corres-pondentes a 200 (duzentas) horas/aula.

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e IV com uma carga horária de 100h cada. Cada estágio tem objetivos e atividades específi cas. De acordo com o projeto pedagógico, os estágios I e II têm como tema, respectivamente, “conhecendo a escola e conhecendo a sala de aula”. A proposta do estágio I é compreender a estruturação hierárquica e lógica de organização da escola, e do estágio II, observar e compreender a interação na sala de aula, seu futuro lócus de trabalho.

Os estágios III e IV, porque se realizam no interior da sala de aula - local onde se concentra a maior parte das atividades referentes ao ofício do professor - retratam mais efetivamente momentos da atividade docente. No estágio III, o professor em formação auxilia o professor regente nas atividades da sala e ministra aulas seguindo o plano do docente da turma. No estágio IV, por sua vez, seu papel é mais intenso pelo fato de elaborar e executar um projeto de ensino (pesquisa e extensão) próprio. Para este estudo, escolhemos como campo de investigação os estágios III e IV, justamente pela intensifi -cação da experiência em sala de aula e por retratar, de acordo com as sugestões constantes nasentrevistas realizadas, como o tempo-espaço mais signifi cativo do processo de aprender a ser professor.

Fizeram parte deste estudo dez estagiários, com idade entre 20 e 30 anos, que haviam cursado os estágios supervisionados III e IV, no período de 2008 a 2009. A maioria desses alunos terminou o nível médio em escola pública e ingressou no curso em 2005 por exame vestibular. Apenas um deles cursou magistério e quatro já apresen-tavam uma graduação respectivamente em História, Administração, Direito e Matemática. No total dos dez (10) colaboradores da pes-quisa, dois atuavam como técnicos da administração pública (uma na Secretaria de Administração do município e outro na Secretaria Estadual de Educação), uma como profi ssional liberal, uma como professora da escola pública, quatro como professores de escolas de idioma, uma como artista e outra não trabalhava.

De acordo com informações oriundas de entrevistas e de questio-nários, a escolha pelo curso de Letras-Inglês baseou-se na afi nidade, na identifi cação com o idioma como também na curiosidade, na con-veniência. Todos eles tinham noção de que o curso de licenciatura se

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

volta para a formação de professores, no entanto, até o momento da realização dos estágios, a maioria afi rmou não ter ainda a convicção de que seria professor ou professora. Somente dois destes estagiários não fi zeram curso de inglês antes de ingressar na graduação, porém tiveram vivência na língua inglesa: um por trabalhar numa escola de línguas e outro por ter morado fora do Brasil. Por esse motivo todos se consideravam em um nível intermediário de inglês.

Mediante essa breve caracterização dos sujeitos, podemos defi -nir que é comum a todos o fato de se encontrarem em situação de experiência formativa, responsáveis pela elaboração e execução de um projeto de estágio e tendo que encarar a realidade da sala de aula. Dessa forma, os sujeitos deste estudo são considerados protagonistas de sentidos e de saberes, nesse cenário formativo, marcado pela urgência da ação prática e pela força da experiência.

A experiência: sentidos e saberes

De acordo com Severino (2001, p.8) “[...] a prática humana é opaca. Ela não se esclarece apenas por efetivar-se”. É preciso buscar as signifi cações e os valores dessa ação. Nesta seção, apresentare-mos a análise dos registros enfocando alguns sentidos atribuídos à experiência prática do estágio, bem como os saberes aí produzidos.

Na exposição dos registros, utilizaremos segmentos numerados ([S1], [S2]...)5que confi guram as vozes dos estagiários expressas nos instrumentos utilizados para esta pesquisa. Os sujeitos pesquisados serão aleatoriamente identifi cados como E1, E2. Nas entrevistas, a entrevistadora será identifi cada por C.

Dos sentidos

Observemos, inicialmente, alguns sentidos dados pelos estagiá-rios a experiência em sala de aula na fase de regência, a partir de suas defi nições sobre os estágios.

5 Todos os grifos (destaques em negrito) nos registros são nossos.

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Momento de “cair a fi cha”

O estágio III é o momento em que “cai a fi cha”, isto é, a ocasião em que o aluno de Letras se dá conta de que será professor.

[S1]

É na verdade, assim, isso fi ca assim mais... mais fi xo, né, diga-mos cai a fi cha mesmo quando começa o estágio. Até então não, até então, né, o curso é teórico... a gente tá vendo a teoria, mas quando começa o estágio é que realmente a gente se sente.(E9).

Batismo

O “cair a fi cha” pode ser associado ao sentido de batismo e de ritual de iniciação conforme segmento abaixo:

[S2]

E10 - Então digamos que é um batismo, né, um batismo para a sala de aula, você é batizado.

C- (risos) E no um e no dois, não é batismo?

E10 - não, porque você não ta lá na frente sentindo realmente. Porque no dois você critica mais do que é...[...] não tá na qua-lidade de professor. [...] não vê as difi culdades dele também, né. Só criticando a estrutura da escola, que não tá boa, que os alunos... reclama dos alunos, reclama do professor que tá usando um método antiquado. E no três a gente vê qual é a difi culdade. Não é tão fácil também dar aula. Tem que ter muito cuidado.

[...] O estágio foi meu primeiro contato com a sala de aula. Foi um ritual de iniciação. (E10).

A simbologia do batismo enunciada por E10 confere ao estágio um valor iniciático pelo fato de promover a imersão do ser alu-no na prática docente, especialmente na sala de aula, e faz emergir um novo ser: o professor. O sentido de ritual de iniciação nos faz

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

lembrar que, no âmbito dos cursos de licenciatura, o licenciado só recebe seu diploma, sua outorga, quando cumpre os estágios supervi-sionados. Associando, ainda aos ritos de instituição6 (BOURDIEU, 1996), o ritual do estágio ao mesmo tempo em que consagra juridi-camente o estagiário em professor, o faz reconhecer-se enquanto tal diante da sociedade. Ao sentido de rito de passagem, de iniciação, E10 também tem a percepção do estágio como um fi ltro uma vez que seleciona a ação didática do professor.

Desafi o/difi culdade/confl ito

O sentido de desafi o é uma constante nas vozes dos estagiários, pois é hora de atuar na sala de aula, juntamente com o professor--regente (estágio III) e sozinhos (estágio IV). Para a maioria trata-se de um momento desafi ador e difícil por conta do abandono do papel de aluno e da assunção do papel de professor, por isso o medo, a insegurança, conforme expresso nos segmentos abaixo:

[S3]

Foi o momento em que eu enfrentei o meu medo. Porque quando eu cheguei na primeira atividade...[...] Você vai de fato assumir o papel de professor e você tem que driblar todas as difi culdades. Ter fé e encarar. (E2).

[S4]

Eu senti muita difi culdade porque eu não tinha nenhuma expe-riência em sala de aula embora nós tivéssemos conhecimentos teóricos, né, mas assim pra mim... eu tive muita difi culdade. (E9).

6 Segundo Bourdieu (1996), os rituais sociais podem ser entendidos como ritos de insti-tuição, uma vez que qualquer rito tende a consagrar ou a legitimar, isto é, a fazer des-conhecer como arbitrário e a reconhecer como legítimo e natural um limite arbitrário. O ritual, através do ato de constituição, promove uma consagração, isto é, sanciona um estado de coisas, uma ordem estabelecida.

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O sentido de difi culdade, recorrente nas vozes dos estagiários, caracteriza bem essa fase na vida acadêmica do futuro professor por desencadear confl itos, de acordo com E10:

[S5]

Neste momento surgem muitos confl itos, pois o aluno estagiário não é professor ainda de fato, mas precisa comportar-se como tal. Precisa de autonomia para executar seu plano de metas, pre-cisa de apoio e orientação para executá-los bem e principalmente coragem para encarar as situações do dia-a-dia das instituições de ensino. (E10).

Este confl ito provém do fato de que o estagiário não sendo ainda professor, não possui autonomia para dar conta do cotidiano escolar. Decorrente desse fato, observamos também a relação confl ituosa entre estagiário - alunos - professor regente.

[S6]

Em todas as salas, a principal difi culdade era colocar ordem na turma, uma vez que a professora ofi cial da sala tem como costume deixar os alunos livres em sala de aula, fazendo o que quiserem sem nenhuma repreensão. Por esse motivo, tivemos que por ordem através de conversas e regras. (E5 e E6).

As principais difi culdades encontradas por E5 e E6 para desenvol-verem seu trabalho em sala de aula foram: bagunça, falta de educação de certos alunos, situação de preconceito7, algumas brigas e confusões, a falta da professora em sala. Por isso E5 e E6 priorizaram “o colocar ordem na turma”. No entanto, ao afi rmarem que são “[...] situações comuns em sala de aula, portanto não houve nada que pudesse ser diferente do que acontece na rotina escolar”, aprenderam, com a expe-riência, que tais situações são constitutivas da rotina da sala de aula.

Se as difi culdades com os alunos foram de ordem disciplinar, com a professora regente as difi culdades enfrentadas pelas estagiárias foram de ordem conteudística, de absenteísmo.

7 Preconceito racial em relação à cor da pele (negra) de E6.

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

[S7]

Ela [a professora regente] queria uma pessoa que fi casse no lugar dela. Tanto que ela saía de sala e me deixava lá.[...] Ela não fi cava nem para ver como é que eu estava trabalhando. Chegou ao ponto de algumas vezes ela ir embora para casa e me deixar na Escola. Então, eu não era nem uma estagiária, era uma substi-tuta mesmo! (E6).

[S8]

Na verdade foi uma oportunidade para ele tirar um descanso. Porque ele sempre dizia: Vocês podem fi car à vontade. Enquanto a gente estava ali numa sala, ele já estava adiantando na outra, que era para sair mais cedo. Era assim. Inclusive no último dia passamos só para nos despedirmos dos alunos... ele disse: “Não! Fica aqui no meu lugar que eu vou adiantar a minha aula”. (E2).

Se esses segmentos apontam condutas inadequadas por parte de professores regentes - ao invés de oferecerem acompanhamento neces-sário ao estagiário, se ausentam da sua tarefa de professor e do papel de orientador -, descortinam a jornada de trabalho a que um pro-fessor, principalmente o de língua estrangeira, encontra-se submeti-do. Preferimos, portanto, compreender tais atitudes como refl exos da intensifi cação do trabalho docente e do desconhecimento, por parte do professor regente, do papel da escola como lócus de formação inicial.

No que se refere a essa questão, S6, S7 e S8 nos fazem refl etir acerca da necessidade urgente das instituições formadoras desenvol-verem uma proposta colaborativa de formação.

Mesmo com todas as difi culdades enfrentadas, a maioria dos estagiários admite estar mais preparada para o exercício da docência depois da experiência do estágio. Se no estágio III, os sentidos de desafi o e de difi culdade imperam, no estágio IV, à medida que vão encontrando espaço e desenvolvendo as atividades necessárias ao ofício do professor, os estagiários vão se integrando à profi ssão e despertando a vontade de dar aula. Os sentidos que atribuem a esse momento agora é de liberdade, responsabilidade e vontade.

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Liberdade

[S9]

C- Você se sentia professor mais do que no estágio III agora no quatro?

E6 – Sim, porque era liberdade (risos). Porque eh... antes fi cá-vamos presas na professora que queria que fosse dada aula de gramática, a professora da sala, né. [...] era gramática, “tinha que usar esse livro porque senão”... já que os alunos tiveram que comprar o livro, “por que a gente não ia usar aquele livro? Tinha que usar aquele livro senão os pais iam brigar” então a gente teve que...Uma coisa ou outra a gente foi alterando mas, algumas coisas a gente não podia [...] escolhemos os textos de vários livros, escolhemos a maneira de trabalhar aí então era mais, era, era....não éramos mandado “você tem que fazer desse jeito”. Então era mais livre mesmo.

A liberdade em S9 aparece como algo positivo por permitir um melhor desenvolvimento das atividades programadas pela estagiária e não pela professora regente. Escolher textos, livros e não fi car presa à aula de gramática, não ser mandado são atitudes elencadas por E6 que denotam uma independência didática e profi ssional. Esse mes-mo pensamento de liberdade ecoa nos relatos de outros estagiários e, desta feita, aparece subliminarmente associada à responsabilidade das escolhas na tomada de decisões.

Responsabilidade

[S10]

E3 - eu acho que se tornar professor é um processo muito lento, né? Até você ter ciência das suas responsabilidades, que elas vão aumentado... No estágio 3 a gente [...] tinha uma responsa-bilidade aparentemente um pouco menor. No estágio 4 essa responsabilidade se tornou maior.

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C - elabora, defi ne?

E3 - elabora, defi ne e a carga horária, o tempo que você vai pas-sar em sala de aula também é maior. Então você tem autonomia e responsabilidades pra cumprir.

Estar ciente das responsabilidades e cumpri-las, conforme E3, proporciona autonomia que, por sua vez, condiciona a efetivação da docência. A responsabilidade parece ampliar o campo de atuação do estagiário, despertando-o para a diversidade de ações e atividades de um professor.

Por esses segmentos, observamos que o tornar-se ou o sentir-se professor passa por questões fundamentais, a saber: liberdade, auto-nomia e responsabilidade. Ao exigir o cumprimento de responsabi-lidades, o estágio IV coloca o estagiário cara a cara com a profi ssão, por isso é “o que mais marca, é o ponto decisivo do curso” (E5).

Acompanhando o mesmo raciocínio, E8 reforça a importância do último estágio e faz uma avaliação de todos, defi nindo o que cada um consegue realizar em prol da formação.

[S11]

C- então, enquanto uma experiência de formação o que você considera que foram os estágios todos?

E8 – foram essenciais. Primeiro porque no início você não vai com essa mentalidade de você produzir, você vai pra testar... ¨será que é isso mesmo que eu quero ser?” E quando você passa pelo 2, você “não, vou testar ainda”. Quando você passa pelo 3 a gente“ou é agora ou nunca.” E o quatro é a confi rmação. Ou você tá dentro ou você tá fora. É o que aconteceu com um colega de desistirem eles fi zeram o estágio...

De acordo com E8, O “testar”(estágios I e II), a “escolha” (estágio III) e a “confi rmação” da escolha (estágio IV) reforçam o percurso formativo proporcionado pelos estágios ao promover a identifi cação (ou não) com a profi ssão. Esse percurso confere ao estágio um papel formador. Além da função formadora do estágio, os estagiários reco-nhecem também sua função de legitimação, conforme S12.

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[S12]

Embora não exista nenhuma obrigação por parte dos alunos, que passam por esse processo de formação docente, em efetivamente ingressarem neste mercado de trabalho é necessário de qualquer maneira passar por esse estágio. [...] independentemente se o esta-giário vai seguir ou não os caminhos do magistério, podemos afi rmar com toda certeza que o processo de formação do professor é um desafi o para todos os envolvidos. [...] Avaliamos como satis-fatório todo o processo do estágio, pois é no dia-a-dia da sala de aula que se descobre o que realmente signifi ca ser professor. (E10).

Mesmo afi rmando que nem todos os licenciados vão ingressar na profi ssão, E10 considera o estágio o momento mais importante da formação, porque agencia desafi os e nos permite “descobrir o que realmente signifi ca ser professor”.

Vontade/querer

Outro sentido que prevalece ao fi nal dos estágios associa-se à vontade. Conforme podemos perceber nos segmentos, a vontade aparece como mais importante do que o mero preparo técnico e científi co para o exercício da profi ssão de professor.

[S13]

C – Mas você acha que está preparada pra aula no mundo real?

E6 – (risos) pro mundo real? Sim, sim, tem que ter vontade, né?

C – Tem que ter o quê?

E6 – É vontade de dar aula, vontade de ensinar,

C – Discernimento, conhecimento teórico?

E6 – também, com certeza, mas se você sabe tudo mas sabe pra si e não quer passar também não adianta, né?

Entendendo a formação como um continuum (GARCIA, 1999), todos esses segmentos nos permitem afi rmar que a experiência na

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Estágio supervisionado na sala de aula de língua inglesa: práticas e experiências

sala de aula, durante a realização dos estágios, ganha contornos que ultrapassam o sentido de uma atividade acadêmica. Os segmentos analisados deixam resvalar os sentidos que envolvem a realização pessoal e profi ssional que a experiência promove: desde o “cair a fi cha”, o “batismo” até a “confi rmação” pela “vontade” de tornar-se (ou não) professor.

Dos saberes

Feitas as considerações sobre alguns sentidos que os estagiários atribuíram à experiência do estágio supervisionado, faz-se necessário também apresentar alguns saberes produzidos a partir dessa experi-ência formativa.

A intensifi cação da atividade docente, nessa fase de regência, não nos permite abordar em sua totalidade a gama de saberes produzidos resultantes da interdisciplinaridade e da transversalidade constitutiva da prática docente. Apresentaremos aqueles que emergem da relação teoria/prática e da dinâmica do ser/estar professor.

Relação teoria-prática

Acerca da relação teoria-prática, os estagiários apontaram para dois aspectos relevantes: o domínio do conteúdo e o conhecimento da sala de aula. As experiências iniciais na sala de aula proporcionam o seguinte saber: apenas o conhecimento do conteúdo não garante a formação:

[S14]

Logo de cara a gente quer mostrar que é muita boa em Inglês, depois a gente vê que, claro, que não é a questão de sermos bons falantes, bons ouvintes, bons leitores da Língua Estrangeira. Nós precisamos algo mais. [...] eu acho que a gente não pode ser simplista, e dizer que para sermos professores de inglês a gente precisa dominar o Inglês, a gente precisa de muitas outras coisas, sem dúvidas. (E7).

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A aluna assevera que um bom conhecimento de língua inglesa, em termos de falar, ler, ouvir é importante, mas há a necessidade de “algo mais”, “outras coisas” para ser um professor de inglês. A refl exão de E7 põe em cheque as consequências de uma lógica ins-trumental que separa as disciplinas de conteúdo de um lado e as “ditas” pedagógicas (ou de formação) de outro. Ao sugerir que o domínio do conteúdo, no caso do idioma inglês, é simplifi car a tare-fa do professor, E7 sinaliza que a formação envolve conhecimentos que ultrapassam a dimensão cognitiva e disciplinar e estendem-se a outros âmbitos.

Na avaliação de E8, o conteúdo sozinho não garante a formação do professor, por isso o conhecimento da sala de aula é essencial para uma atuação efetiva do futuro professor e para aprender a lidar com os imprevistos desse espaço.

[S15]

Hoje posso trabalhar com o Inglês de várias formas e para várias necessidades. Lidar com os imprevistos que acontecem dentro de sala de aula ajuda a desenvolver outras habilidades. (E8).

Tecendo uma crítica à formação conteudística proporcionada pela universidade, E8 afi rma que durante as disciplinas pedagógicas e nos estágios “gasta-se muito tempo na apresentação e discussão dos métodos e das abordagens de ensino de língua estrangeira e discute--se pouco sobre a sala de aula”.

S16 também apresenta pistas de que se aprende a ser professor no exercício da sala de aula.

[S16]

As primeiras aulas foram as mais difíceis. Cometi erros, fi quei perdida em alguns momentos, insegura com relação ao conteú-do gramatical a ser ministrado, mas, percebi que à medida que minha prática em sala de aula evoluía, a qualidade da minha aula também melhorava e aquela insegurança e desorientação inicial desapareceu. (E4).

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A avaliação positiva feita por E4, sobre suas primeiras aulas, apre-senta inicialmente reações e sentimentos de insegurança, de desorien-tação para depois reforçar a experiência da aula e da sala de aula como dispositivos da prática que articulam saberes disciplinares, pedagó-gicos e culminam em um saber-fazer. Em outros momentos, os esta-giários deixam resvalar a ideia de que a sedimentação da experiência em um saber-fazer ocorre a partir das rotinas de trabalho, na sala de aula, e qualifi ca gradativamente a prática do professor, conforme S17:

[S17]

[...] apesar de não ter executado a aula exatamente como havia ima-ginado, senti-me satisfeito com o resultado obtido e com a recep-tividade dos alunos nesse primeiro momento. Sendo os resultados iniciais positivos, mantive a mesma postura e método nas aulas seguintes, contudo decidi que o conteúdo gramatical, caso apareces-se, deveria vir sutilmente e não de modo explícito como na primei-ra aula. Repeti, então, praticamente os mesmos ingredientes: um vídeo, uma música e o poema na apresentação do PowerPoint. (E3).

Com base no comentário de E3, podemos observar que o resul-tado positivo das ações proporcionadas pela experiência favorece o domínio da profi ssão. Fugindo à regra dos estagiários com relação ao sentimento de desconforto e de fracasso causados pela assimetria entre o planejado e o realizado, S17 vai na contramão desses senti-mentos e nos permite afi rmar que o trabalho do professor assenta--se na tensão entre a rotinização e a imprevisibilidade. Tal fato nos remete à noção de experiência como uma aprendizagem espontânea que ocorre, segundo Tardif e Lessard (2005), a partir de uma repeti-ção de situações de trabalho e de um progressivo controle dos fatos. A repetitividade de situações e o consequente controle dos fatos permitem ao professor desenvolver um repertório de atitudes que o ajudam a “solucionar” problemas e respaldam sua atuação, dando--lhe confi ança para agir conforme tais certezas.

Todos esses segmentos apontam para uma relativização do aprender a ser professor e para a não dissociação da teoria e da prática, isto é, aprende-se a ser professor pelo conteúdo e aprende-se a ser professor

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pela prática. O conhecimento promovido pela universidade e a capacidade de invenção, improvisação do professor em formação, face à realidade da sala de aula, são elementos constitutivos do processo de aprender a ensinar, conforme podemos perceber em S18.

[S18]

C – você acha então que a sala de aula forma realmente um professor? Que a experiência de sala de aula...

E4 – Eu acho que é um conjunto, C. Eu acho que não só... a sala de aula é importante sem sombra de dúvida mas a forma-ção do professor envolve muito mais do que você estar numa sala de aula, falando, falando, falando, né? Acho que tem o próprio conteúdo que o professor tem obrigação de ter, essa... essa qualidade no conteúdo esse cuidado com o preparo das aulas... [...] se você se propõe a fazer um trabalho bom e tentar pegar um pouquinho de cada... sei lá, um pouquinho de relação interpessoal, um pouquinho de conteúdo, um pouquinho de psicólogo... acho que... é um conjunto de coisa e é lógico que a prática é fundamental, mas envolve mais coisa.

A noção de conjunto enunciadas por E4 nos remete ao fato de que a formação é constituída de um saber heterogêneo (TARDIF, 2002; TARDIF; LESSARD, 2005) e compósito (NÓVOA, 2005). Por isso, a sala de aula, o conteúdo específi co, o preparo das aulas, uma relação interpessoal são exemplos dados por E4 para reforçar a ideia de conjun-to presente na formação. O enunciado “a prática é fundamental, mas envolve mais coisa” explicita claramente a complexidade da formação e a heterogeneidade dos saberes necessários ao exercício da docência.

Esses segmentos relativos à experiência dos estagiários nos ajudam a compreender a articulação e a incorporação dos saberes presentes na formação de professores como uma atividade (trans)formadora.

Ser/estar professor

Outro saber decorrente da situação transitória que o estagiário encara refere-se à dinâmica do ser e estar professor. Essa dinâmica é

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atravessada por um confl ito que condiciona boa parte da experiência formativa: a condição de estagiário.

[S19]

Você é uma interrogação ali. Você ainda não tem a formação. [...] Por exemplo, quando nós pedimos pra usar o Data Show. Que a gente passava pelas salas, eu percebi que uma das pro-fessoras fi cava olhando assim, Ah! Vocês vão usar o Data Show. Com certo ar... É... só porque é estagiária que está usando... Mas não deu a menor, não deu apoio não. É difícil essa posição de você ser uma interrogação nesse período, é complicado. (E4).

[S20]

C- Afi nal, o que é ser estagiário?

E8 – Era... era ser o... tem o protagonista, tem o coadjuvante, né? O coadjuvante. (risos)

Mesmo habitando os espaços acadêmicos e escolares, os estagiários não são reconhecidos na escola nem como professores nem como alunos. A falta de autonomia, de segurança veiculadas nesses segmentos parecem acender, nos professores em formação, o desejo por uma identidade pro-fi ssional. A respeito da identidade, Bauman (2005, p.35) nos ensina que

O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele pró-prio um sentimento ambíguo. [...] flutuar sem apoio num espaço defi nido, num lugar teimosamente, perturbadoramente “nem-um-nem-outro”, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade.

Após os momentos iniciais de confl ito, de instabilidade, e de pro-visoriedade próprios dos processos identitários, o excerto abaixo nos fornece pistas de uma adequação à dinâmica do ser e estar professor:

[S21]

Dessa forma, sinto-me mais realizada em sala de aula, à medida que percebo que a confiança dos alunos aumenta

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e, com ela, a cumplicidade, o respeito, o carinho e a pró-pria segurança de ambas as partes. Eles já me reconhe-cem como sendo sua professora e não apenas como a estagiária. Escrevem bilhetes demonstrando o carinho que sentem. (E7).

Deslocando-se da condição “nem-um-nem-outro”vivenciada pelo estagiário, S21 nos dá mostras de que o futuro professor vai se cons-truindo, durante a experiência do estágio, no dia a dia da sala de aula, na convivência com os alunos, no domínio da matéria, inclu-sive, no reconhecimento da estagiária como professora pelos alunos. Os sentimentos de confi ança e de segurança desbancam, pouco a pouco, o sentimento de ansiedade e o “sentir-se professora” emerge a partir da interação na sala de aula, marcada pela cumplicidade, pelo respeito, pela afetividade.

Desse modo, a identidade de professor vai surgindo mediante um processo de nominação, como podemos depreender de S22:

[S22]

C- E você se sentiu mais professora agora no estágio IV?

E8 – me senti.

C- é... tem alguma coisa... algum fator que tenha assim...

E8 – ah sim. Eu acho que é o básico: chamar de professora, ué!(risos) os alunos só conheciam a gente como professora. [...] agora eu tenho certeza que vou ser professora porque eu tava na parada de ônibus depois que o curso terminou e eu vi um aluno e de longe ele falou assim: “professora” e eu atendi na hora é claro (risos) é comigo. Então assim houve um reconhecimento mútuo vamos dizer assim. Em outras circunstâncias eu não me acharia professora. Talvez eu nem olharia prontamente. (mais risos).

C- então, assim... você não estava professora, era professora só na sala de aula? Quando você saia?

E8- Me sentia professora. Exatamente. Ah, é a minha identidade [...].

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Os enunciados ventilam a ideia segundo a qual a identidade pro-fi ssional é atribuída mediante a presença do Outro (SILVA, 2000; MOITA, 1995). O fato de os alunos denominarem as estagiárias de “professora”, nos permite entender a identidade profissional como um construto de origem idiossincrática, como resultado das interações sociais e expressão sociopsicológica que interagem nas aprendizagens, nas formas cognitivas, nas ações dos seres humanos. Se a nominação contribui para o desenvolvimento do processo de identifi cação com a profi ssão, os segmentos abaixo nos dão mostras de que são constitutivos do estágio o trabalho de refl exividade e também a (re)construção constante de uma identidade (NÓVOA, 1995). Em S23 temos uma refl exão marcada pela transição do papel de aluno para o de professor.

[S23]

Então, no momento em que eu estava lá como professora eu me lembrei do tempo em que eu era aluna lá na Escola pública. Meu Deus! Como às vezes tinha coisas que a gente não enten-dia, mas naquele momento eu comecei a entender muita coisa bem antes. Do porquê o professor quer ter atenção, ele está ali. Ele quer que os alunos prestem atenção no que ele está falando porque ele sabe que é importante. Ele sabe que o aluno vai ganhar muito com aquilo, entendeu?! Mas, nós quando aluno, não temos essa consciência. Meu Deus, agora eu vim entender como é importante você ter um pouquinho de atenção. Você tem muita coisa para dar. Eu sabia que o que eu tinha para ensinar era importante naquele momento, eles tinham que me escutar, entendeu? E, muitas vezes, antes, há muito tempo atrás eu acho que não tinha entendido isso. (E5).

A experiência do estágio força o estagiário a se desfazer de uma identidade de aluno (supostamente fi xa) e a agir como professor. O tempo passado vem à tona e se mistura ao tempo presente amplian-do os sentidos da ação. O diálogo interno de E5, marcado por modalizações temporal e pessoal (“me lembrei do tempo em que eu era aluna, a gente não entendia, eles tinham que me escutar”), nos remete à perda do “sentido de si” (HALL, 2005, p.9) que, por um

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lado desarticula as identidades estáveis do passado (a de aluno, por exemplo), e por outro cria novas (a de professor). Nesse sentido é que Nóvoa (1995, p.16) defi ne a identidade profi ssional dos profes-sores como “[...] um lugar de lutas e de confl itos, como um espaço de construção de uma maneira de ser e de estar na profi ssão”. Em S24, podemos capturar mais vestígios desses momentos de identifi -cação, de lutas e confl itos:

[S24]

[...] uma das coisas que eu fi quei assim foi... até um pouco frustrada foi que eu no início... nas primeiras semanas eu fui muito carismática... muito boazinha... e aí do meio pro fi m eu já fui pegando pesado e parece que assim eu não... não... não pude conquistá-los pela... pela disciplina em si mas pelo meu jeito parece que eu tinha que mudar mais o meu jeito de passar a disciplina do que a disciplina em si. (E8).

Os segmentos apresentados confi rmam o pensamento de Severino (2001) segundo o qual ser professor é uma função social complexa, que envolve as condições pessoais muito mais do que outras profi s-sões. Permite também considerar o professor (mesmo o professor em formação) não como mero executor de técnicas e metodologias, mas um sujeito pensante, por isso apto a articular saberes diversos e promover refl exões profícuas proporcionadas pela experiência.

A par desta análise, podemos admitir o papel formador do estágio a partir da prática e da experiência cuja repetitividade de situações e o consequente controle dos fatos permitem ao professor desenvolver um repertório de atitudes que o ajudam a “solucionar” problemas e respaldam sua atuação, dando-lhe confi ança para agir conforme tais certezas. A dimensão social e heterogênea da prática desenvolvida no estágio permite aos professores em formação a construção de um conhecimento profi ssional e pessoal necessários ao exercício da docên-cia. Nesses termos, permitimo-nos sugerir, em estudo anterior, que:

[...] à formação inicial caberia, dentre outros papéis, promover atividades e refl exões que considerassem essa dimensão intera-tiva e simbólica do trabalho docente. Com efeito, os sentidos

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da experiência, por ocasião do estágio supervisionado, se dis-tanciariam da esfera da experimentação positivista ou da expe-rienciação psicologizante, e instaurariam, ao invés disso, uma relação de aprendizagem e de interação entre saberes de natureza diferenciada, de construção da identidade e da subjetividade do professor (MARTINS, 2008, p.134).

Considerações fi nais

Em geral, o caráter instrumental atribuído à experiência prá-tica do estágio, em detrimento de sua dimensão simbólica, ofus-ca os saberes e os sentidos construídos nessa fase de formação. Considerando o estágio como prática simbólica (SEVERINO, 2001) e como experiência (TARDIF, 2002), o presente estudo bus-cou acessar os sentidos atribuídos e os saberes produzidos pelos futu-ros professores de língua inglesa em seus estágios supervisionados.

Os registros apresentados nos permitiram compreender ações e pensamentos do futuro professor durante o exercício da docência. Ficaram bem marcadas, nas ações dos professores em formação, a aprendizagem (i) do ensinar como trabalho interativo, (ii) da sala de aula como célula base do trabalho docente e (iii) do agir do professor como algo não mecânico mas orientado pela teoria, por suas vivên-cias anteriores e pelo contexto sócio-cultural. A análise dos registros nos permite também fazer a seguinte formulação: o estágio é o dis-positivo prático da formação inicial que proporciona, em geral, os primeiros passos para o desenvolvimento da profi ssionalidade e da professoralidade.

A profi ssionalidade, no sentido dado por Contreras (1997), refe-re-se à qualidade da prática profi ssional exigida do docente para o exercício da profi ssão. A articulação dos saberes oriundos da forma-ção acadêmica confrontados com as demandas da prática promove uma reestruturação de saberes que compõem o saber docente. O estágio, dessa forma, mobiliza saberes acadêmicos e profi ssionais, desenvolve atitudes e ações, insere o acadêmico no campo teórico do ensino, mediante um saber-fazer, e o legitima professor.

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Como experiência inaugural da docência, o estágio alavanca o desenvolvimento da professoralidade (PEREIRA, 2002), ou seja, uma diferença que o sujeito produz em si mesmo. No nosso estudo, esta diferença associa-se ao fato do estagiário vir a ser algo que não vinha sendo: professor. Tal situação é marcada pelo confl ito e pelo dese-quilíbrio provenientes da própria condição de estagiário que inscreve o sujeito em um tempo/espaço de insegurança, de incerteza, mas também de buscas e descobertas. Iniciar o estágio afi rmando “não pensar em ser professor, e não entrar numa sala de aula”e concluir essa experiência formativa pontuando “estar preparada para a tarefa, achar importante, querer de fato essa profi ssão” nos permite reforçar essa professoralidade sendo tecida na experiência do estágio. A professora-lidade, como fruto da experiência, parece confi gurar-se, assim, como o resultado mais concreto e signifi cativo produzido pelo estágio.

Se como prática simbólica o estágio se presta à construção da base da profi ssionalidade, como experiência ele aciona processos identitários que na dinâmica do ser e estar professor culminam na professoralidade.

Entretanto, observamos lacunas no desdobramento dessa experi-ência formativa. Dentre estas, a pouca ligação entre universidade e escola. Um maior estreitamento desta ligação permitiria uma melhor qualidade na formação inicial e continuada. A universidade sozinha não pode dar conta de promover a formação, por não se ocupar dos saberes escolares, mas dos saberes propriamente acadêmicos. A escola, por sua vez, também não conseguiria formar um professor com base somente nos saberes escolares. Assim, se faz necessária uma parceria dessas instituições em um projeto de formação efetiva que englobe professor-formador, estagiários e professor-regente.

Ao invés de silenciar a discussão, essas lacunas sugerem mais ações e possibilidades investigativas que podem contribuir para a área da formação de professores. Dentre elas: (i) a investigação da interação estagiário-universidade-escola uma vez que pode iluminar questões relativas ao encaminhamento da tarefa formativa na universidade e na escola; (ii) a elaboração e viabilização de projetos de formação inicial pautados em outras racionalidades (INFORSATO; SILVA 2006) que,

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além de incluir programas disciplinares, possa desenvolver estratégias de ação e considere as demandas formativas dos professores do ensino básico; (iii) a necessidade de melhor organização e sistematização das ações e atividades formativas constantes do estágio supervisionado, principalmente no que concerne à reestruturação dos currículos no interior dos cursos de licenciaturas e ao melhor preparo científi co e pedagógico dos formadores (da universidade e da escola).

Este trabalho refl ete a necessidade de se problematizar a formação inicial, cujos objetivos não podem ter a pretensão de intervir no contexto escolar para promover grandes transformações. Parece-nos mais concreto e prudente promover uma imersão do futuro profes-sor em seu futuro contexto de trabalho, a partir de uma perspectiva da aprendizagem, pela prática e pela experiência, visando à profi s-sionalidade e à professoralidade e proporcionando as bases para a prática da investigação.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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PROMOVENDO FORMAÇÃO REFLEXIVA PARA PROFESSORES

DE INGLÊS POR MEIO DO USO DE INSTRUMENTOS E

PROCEDIMENTOS DE PESQUISA SOBRE CRENÇAS

Valdicea MOREIRA

Introdução

A preocupação com a formação em serviço de professores de inglês de uma escola de idiomas no interior de São Paulo levou-nos ao desenvolvimento deste estudo. Ele se insere na linha investigativa sobre o pensamento do professor, paradigma surgido na década de 70, pelo qual se deixou de conceber o professor como um simples executor de planos, elaborados exteriormente à sua profi ssão e se passou a vê-lo como um profi ssional que refl ete, emite juízos, tem crenças e atitudes e toma decisões racionalmente baseadas em seu conhecimento prático. Esse professor atua segundo sua sensibili-dade e sua crença sem ter, muitas vezes, sufi ciente refl exão sobre

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Promovendo formação refl exiva para professores de inglês por meio do uso de instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças

suas ações na prática. Os estudos realizados dentro desse paradig-ma concentraram-se num contexto psicossocial, dentro do qual se passou a investigar como construtos, crenças, teorias implícitas, juízos e dilemas dos professores infl uenciavam sua prática e ação (CHAKUR, 2000).

A necessidade de se investigar as crenças já havia sido apon-tada na década de 30 pelo fi lósofo da educação, o norte ameri-cano John Dewey. Em seu ensaio sobre o pensamento refl exivo, Dewey, em 1933, distingue três sentidos de pensar. O primeiro, que chama de “corrente da consciência”, refere-se a situações nas quais não estamos pensando em algo específi co, mas vários pen-samentos passam em sequência pela nossa cabeça. No segundo sentido, o ato de pensar “[...] aplica-se a coisas não sentidas ou diretamente percebidas pelos sentidos, a coisas que não são vistas, ouvidas, tocadas, cheiradas, nem provadas” (DEWEY, 1959, p.15). O terceiro sentido de pensamento, segundo ele, corresponde ao sentido de crença, que deve ser investigado:“As crenças, por outro lado, é que envolvem precisamente essa realização intelectual e prática; e, por conseguinte, cedo ou tarde, requerem investigação a fi m de se descobrirem as bases em que repousam” (DEWEY, 1959, p.17).

A partir dos estudos dentro da abordagem do pensamento do professor surgem as novas tendências da formação de professores, baseadas na refl exão. Considera-se necessário formar professores que venham a refl etir sobre a sua própria prática, na expectativa de que a refl exão será um instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação (MARCELO GARCIA, 1997).

Com o objetivo de proporcionar aos professores de uma escola de inglês do interior de São Paulo a oportunidade de refl etir e discutir sobre suas crenças, atitudes, e ações na prática, investigamos alguns instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças e como eles poderiam contribuir no processo de formação refl exiva desses professores. Ao fi m da investigação, sugerimos uma combinação desses instrumentos e procedimentos para o desencadeamento do processo refl exivo.

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Valdicéa Moreira

Passamos agora a relatar os fundamentos teóricos de nosso estu-do e, em seguida, descrever os passos da nossa investigação.

A importância das crenças no processo refl exivo

Muitas pesquisas no Brasil e no exterior relatam a importância do conhecimento das crenças e refl exão sobre as mesmas durante a formação pré ou em serviço dos professores de língua estrangei-ra. Dentre elas, podemos citar algumas: Pajares (1992); Almeida Filho (1998, 1999); Abrahão (1999, 2001, 2006); Felix (1999); Donaghue (2003); Barcelos (2000, 2001, 2004, 2006).

Para Pajares (1992), as crenças do professor infl uenciam suas percepções e julgamentos, os quais, por sua vez, afetam seu compor-tamento na sala de aula, desde a maneira como ele escolhe trabalhar os conteúdos até como ele avalia o aluno.

De acordo com Almeida Filho (1999), todo professor age orien-tado por uma dada abordagem de ensino, que opera com conheci-mentos explícitos e implícitos. O autor afi rma que os conhecimentos implícitos são as teorias informais e pessoais que se manifestam mui-tas vezes na forma de crenças culturalmente marcadas pelo incons-ciente coletivo. Os conhecimentos explícitos, por sua vez, são teoria formalizada, aprendida, (re)construída e citável na forma de pressu-postos e princípios estabilizados. Segundo o autor, “[...] é desejável [...] a crescente explicitação pelos professores da sua abordagem de ensinar”(ALMEIDA FILHO, 1999, p.16).

Concordamos que o conhecimento e compreensão das crenças, que estão na base da formação do professor (teorias / competência implícitas), e, a partir daí, a refl exão sobre elas, são fundamentais para que o desenvolvimento ocorra, possibilitando uma refl exão crí-tica e, então, talvez uma mudança (DONAGHUE, 2003). Sendo assim, buscamos a defi nição do conceito de “crença” que pudesse nortear nosso trabalho.

Segundo Barcelos (2006), a visão mais atual do conceito de crenças está situada na área de cognição, em sua concepção atual

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que incorpora componentes como capacidade simbólica, o eu, a vontade, “crenças”e desejo. Diferentemente do que se acreditava no início dos estudos sobre crenças (décadas de 1970 e 1980 e no Brasil, 1990), essas não são mais entendidas como estruturas mentais, estáveis e fi xas, localizadas dentro da mente das pessoas e distintas do conhecimento. Com os avanços na área da cognição, passa-se a entender a natureza das crenças dentro de uma perspec-tiva mais situada e contextual:

Entendo crenças, de maneira semelhante a Dewey (1933), como uma forma de pensamento, como construções da rea-lidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenôme-nos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (BARCELOS, 2006 p.18).

Os passos do processo refl exivo

Em sua obra sobre “A autonomia de professores”, Contreras (2002) propõe o processo de reflexão crítica da prática de ensi-no sugerida por Smyth(apud CONTRERAS, 2002)1, por meio do qual acredita ser possível reconstruir a origem de nossas práticas e sua natureza ideológica, desenvolvendo assim, nosso papel como intelectuais críticos.

1 Cf. Quadro 1.

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Quadro 1- O processo de refl exão crítica da prática de ensino

1. DESCRIÇÃO

“Quais são minhas práticas?”Exemplos de práticas que refl etem:• regularidade• contradições• fatos relevantes• fatos não relevantesIncluindo os elementos?• Quem ?• O que?• Quando?

4. RECONSTRUÇÃO

“Como poderia mudar?”

• O que poderia fazer de forma diferente?

• O que considero pedagogicamen-te importante?

• O que tenho de fazer para intro-duzir essas mudanças?

2. INFORMAÇÃO

“Quais teorias se expressam em minha prática?”

Analisar as descrições para identifi car as relações entre os elementos. Sobre esta base, formular proposições do tipo: “parece como se...”

3. CONFRONTO

“Quais são as causas?”• Pressupostos, valores, crenças?• De onde procedem?• Que práticas sociais expressam?• O que é que mantém as minhas

teorias?• O que limita minhas teorias?• Que conexões há entre o pessoal

e o social?• Servem a que interesses?

Fonte: Smyth (apud CONTRERAS, 2002, p.167).

Considerando o modelo de refl exão crítica acima descrito, Alarcão (1996) avalia que as perguntas são essenciais nesse processo, pois per-mitem passar do nível descritivo ao nível interpretativo, além de trans-formar os confrontos em potenciais de reconstrução e mudança:

Só após a descrição do que penso e do que faço me será possí-vel encontrar as razões para os meus conceitos e para a minha actuação, isto é, interpretar e abrir-me ao pensamento e à expe-

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riência dos outros para, no confronto com eles e comigo pró-prio, ver como altero – e se altero – a minha praxis educativa. (ALARCÃO, 1996, p.182).

Julgamos que é de extrema importância a investigação sobre como estas perguntas podem ser colocadas ao professor e de que forma elas realmente podem proporcionar refl exão sobre sua prática. Portanto, decidimos estudar alguns instrumentos e procedimentos que são geralmente usados em pesquisa sobre crenças com o intuito de sugerir quais são os mais efi cientes para que o processo refl exivo aconteça.

Abordagens, instrumentos e procedimentos na investigação de crenças

Duas autoras que tratam de metodologia de pesquisa das crenças são Barcelos (2001) e Abrahão (2006). Elas discutem abordagens para o estudo de crenças e os instrumentos utilizados na coleta de dados desses estudos.

Conforme Barcelos (2001), existem três abordagens para o estu-do das crenças: abordagem normativa, abordagem metacognitiva e abordagem contextual.

Na abordagem normativa inferem-se crenças por meio de ques-tionários do tipo Likert-scale, que são questionários contendo afi r-mações com alternativas que vão desde “eu concordo inteiramente” até “eu discordo inteiramente”. Nesse tipo de abordagem, a relação entre crenças e ações não é investigada.

Estudos que se baseiam na abordagem metacognitiva defi nem crenças como conhecimento metacognitivo e as inferem utilizando entrevistas semiestruturadas, autorrelatos e questionários semiestru-turados. Nessa abordagem dá-se mais importância à linguagem dos participantes da pesquisa, pois lhes proporciona a chance de falar e refl etir sobre suas ações e potenciais para a aprendizagem e/ou para o ensino (BARCELOS, 2001).

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Já nos estudos baseados na abordagem contextual as crenças são investigadas por meio de observações de sala de aula e análise do contexto específi co onde os participantes da pesquisa atuam. A rela-ção entre crenças e ações não é mais apenas sugerida, mas passa a ser o objeto da investigação.

Barcelos (2001) aponta que estudos recentes têm combinado abordagens múltiplas, usando questionários, entrevistas, observações em sala de aula, metáforas, diários, narrativas, desenhos e estudo de caso. Os resultados desses estudos, muitas vezes, mostram que as crenças não somente infl uenciam ações, mas as ações e refl exões sobre experiências podem levar a mudanças e/ou criar outras crenças.

Abrahão (2006) também considera que um estudo adequado das crenças, que esteja dentro de uma perspectiva qualitativa de pesqui-sa, exige uma combinação de instrumentos e não o uso de apenas um. Após a coleta de dados com esses instrumentos, faz-se necessária a triangulação desses dados e perspectivas. Os instrumentos podem ser: questionários, entrevistas, autorrelatos, observações de aulas, notas de campo e diários, gravações em áudio e vídeo, sessões de visionamento das aulas e desenhos.

Além desses instrumentos, o grupo focal, uma técnica na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público--alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema específi co (CRUZ NETO; MOREIRA; SUCENA, 2002), se confi gura como um procedimento adequado para a promoção de refl exão coletiva.

Consideramos relevante esclarecer aqui o que entendemos por “instrumentos”, “procedimentos” e “técnica”. Na literatura pesquisa-da (BOGDAN; BIKLEN, 1994; DIEHL; TATIM, 2004; NUNAN, 1992; SELIGER; SHOHAMY, 1989; SEVERINO, 1986) parece não haver consenso nas defi nições, portanto resolvemos adotar a seguinte terminologia na nossa pesquisa:

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Promovendo formação refl exiva para professores de inglês por meio do uso de instrumentos e procedimentos de pesquisa sobre crenças

1) Técnicas: termo genérico que engloba instrumentos, procedi-mentos. No entanto, fazemos uma distinção entre instrumentos e procedimentos:

2) Instrumentos são meios de coleta de dados, como por exemplo, questionários, autorrelato, entrevista, observação de aulas. Nessa pesquisa, além se serem nossas “ferramentas” para coleta de dados, são também objeto de nossa investigação.

3) Procedimentos são as formas como utilizamos cada instrumento. Por exemplo, a maneira como aplicamos o autorrelato, com ou sem o pesquisador presente; ou o modo como observamos as aulas, usando um roteiro de observação ou não.

Promovendo a reflexão entre professores de inglês: um modelo

Fundamentados nas questões acima mencionadas sobre formação refl exiva e sobre a importância das crenças nessa formação, decidi-mos investigar quais instrumentos e procedimentos poderiam faci-litar e promover a refl exão entre um grupo de professores de inglês.

Realizamos uma pesquisa qualitativa de natureza etnográfi ca, com cinco professoras de inglês de uma Escola de Língua Inglesa no inte-rior de São Paulo. Neste estudo, foram usados cinco instrumentos e procedimentos de pesquisa: questionário misto (com itens abertos e em escala), grupo focal, autorrelato, observação de aulas e entrevistas.

O primeiro instrumento aplicado a essas professoras foi o ques-tionário elaborado pela pesquisadora com perguntas abertas e fechadas sobre ensino e aprendizagem de língua inglesa, baseado nos questionários encontrados em Félix (1999). As respostas obtidas nos permitiram agrupar as crenças em duas grandes categorias, cada uma com duas subdivisões:

A. Crenças sobre aprendizagem de língua inglesa:1. A melhor maneira de se aprender inglês2. O bom aprendiz de língua inglesa

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B. Crenças sobre ensino de língua inglesa:3. A melhor maneira de ensinar inglês4. O bom professor de língua inglesa

Em seguida, usamos as afi rmações dos itens em escala do mesmo questionário, dessa vez colocados oralmente, numa discussão em grupo (“grupo focal”). Com base nos resultados, concluímos qual dos dois procedimentos (aplicação do questionário ou grupo focal) seria mais efi ciente para a refl exão sobre crenças para o professor no contexto estudado.

Para a aplicação do outro instrumento analisado, o autorrelato, promovemos encontros individuais com cada uma das professoras participantes, seguindo a recomendação de pesquisadores como Abrahão (2006) e Woods (1987 apud ABRAHÃO, 2006), que res-saltam ser a técnica mais efi caz quando existe um interlocutor que oferece ouvidos interessados, informados e empáticos, oferece ajuda e pistas para a memória, sugere interpretações e contrasta experiên-cias enquanto o professor investigado conta a sua história.

A pesquisadora iniciava a conversa, propondo que a professora investigada contasse sobre sua experiência de aprendizagem e de ensino de língua inglesa. Quando se fazia necessário, pedia esclareci-mentos para algumas colocações da professora, procurando não fazer julgamento ou expressar suas opiniões, pois entendemos o autorre-lato como o momento em que a professora deve fi car livre para falar sobre sua história.

Para avaliarmos o autorrelato, também dividimos as crenças encontradas nos discursos das professoras em categorias e, para podermos defi nir a sua efi cácia como instrumento de pesquisa, pro-curamos evidência dessas crenças nas aulas observadas e na posterior entrevista.

As observações das aulas das duas professoras mencionadas anteriormente foram gravadas e, juntamente com as notas de campo da pesquisadora, foram a base para a procura de evidências das crenças previamente apontadas tanto pelo questionário quanto pelo autorrelato. Essas observações também tornaram possível o

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levantamento de novas crenças. Depois de transcritas e analisadas, as aulas ainda serviram de ponto de partida para o questionamento na entrevista.

Nessa entrevista, além de apresentarmos as aulas transcritas às professoras para que refl etissem sobre sua própria prática (stimu-lated recall)2, apresentamos as crenças encontradas às professoras e perguntávamos se elas confi rmavam pensar daquela forma ou não. Questionávamos ainda se tais crenças as ajudavam ou atrapa-lhavam em suas funções como professoras. Fazendo desta forma, consideramos que pudemos avaliar a validade de tal instrumento de pesquisa.

Ao fi nal do processo de aplicação dos instrumentos e procedi-mentos na investigação de crenças, contamos ainda com as respos-tas de cada professora participante a um questionário de avaliação dos mesmos instrumentos e procedimentos. Portanto, ao fazermos a análise dos resultados, pudemos contar com a visão do professor participante na pesquisa sobre a mesma. Após analisarmos os resul-tados apontados pelos instrumentos e procedimentos de pesquisa, pudemos sugerir quais formas de combinação entre eles são efi cazes para a promoção de refl exão sobre crenças dos professores.

Conclusão

Usados em conjunto, os instrumentos e procedimentos de pes-quisa analisados e avaliados neste estudo - questionário misto, grupo focal, autorrelato, observação de aulas e entrevista - podem integrar uma estratégia adequada para se dar início ao processo de refl exão crítica. Além de serem boas ferramentas para o levantamento de crenças, proporcionam também, momentos de refl exão muito pro-fícuos para as professoras.

Sugerimos essa combinação, pois constatamos nesta pesquisa que um instrumento complementa o outro. Por exemplo, os dados obti-dos com o questionário misto foram confusos e ambíguos. Logo,

2 Cf. NUNAN, 1992.

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precisamos do procedimento grupo focal para esclarecer algumas dúvidas que os itens em escala do questionário nos haviam deixado. Da mesma forma, a entrevista fi nal dependeu dos dados obtidos nas observações das aulas e das crenças levantadas por meio dos outros instrumentos para que tivesse efeito de refl exão para as professoras entrevistadas.

Consideramos, ainda, que eles sirvam como intermediários e como fornecedores de subsídios para iniciar o processo de refl e-xão (SMYTH, 1992). Esses instrumentos auxiliam o professor a “descrever” sua prática (questionário, grupo focal e autorrelato), fornecem subsídios para ele “informar” que teorias e crenças se expressam nessa prática (autorrelato e entrevista), e para ele “con-frontar” e avaliar as infl uências que essas teorias e crenças exercem sobre ela (entrevista). Fazendo dessa forma, o professor se encon-tra mais preparado para “reconstruir” a sua prática, incluindo as mudanças desejadas.

A ordem em que esses instrumentos e procedimentos são aplica-dos também deve ser considerada antes de se iniciar sua utilização. Certamente teríamos obtido resultados diferentes se houvéssemos partido de outros instrumentos que não o questionário misto. Este, de certa forma, nos limitou o olhar para as crenças das professoras participantes, pois as pré-defi nia com os itens em escala. As crenças levantadas, pelo questionário misto também nos guiaram na aplica-ção dos outros instrumentos e procedimentos. Se se pretende ter um panorama mais geral sobre as crenças do professor, recomendamos iniciar a investigação com instrumentos menos diretivos, como a observação de aulas ou o autorrelato.

Temos plena consciência que não basta somente a aplicação des-ses instrumentos e procedimentos. É necessário que, juntamente a isso, aliem-se estudos e muita leitura e discussões das teorias que embasam a ação do professor. Além disso, para que se tenha uma refl exão crítica nos moldes propostos por Smyth (1992), é necessário que o professor considere o contexto em que se encontra, os aspectos políticos e sociais da realidade que o cerca. Para o autor, “[...] ser refl exivo signifi ca mais que meramente ser especulativo; signifi ca

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começar com a realidade, vendo injustiças, e começar a superar a realidade através da confi rmação da importância da aprendizagem”3 (SMYTH, 1992, p.300, tradução nossa).

Concluindo, os instrumentos e procedimentos pesquisados neste estudo, se usados em combinação, podem auxiliar no desencadea-mento de um processo de refl exão.

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CAMINHOS PARA O ENSINO CRIATIVO: DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO

DE PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA DO NOVO MILÊNIO

Denise Maria MARGONARI

Introdução

Este capítulo é dedicado à apresentação da criatividade, incluindo suas defi nições, o estudo da trajetória de suas concepções ao lon-go da história, demonstrando que, em cada abordagem teórica, a criatividade é enfocada a partir de um prisma diferente. O objetivo principal é apresentar um panorama sobre a mesma, com destaque especial para a sua relevância na educação e, mais especifi camente, no ensino de língua estrangeira (doravante LE).

Em relação às origens e concepções na história do pensamento ocidental, foram selecionadas passagens que procuraram ilustrar que, durante muito tempo, acreditou-se que a criatividade huma-na era produto de um “talento” específi co de pessoas geniais e que essa facilidade dependia de uma herança biológica ou predestinação

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espiritual. Essa crença foi verifi cada especifi camente na abordagem fi losófi ca sobre a criatividade, que era encarada de uma perspectiva negativa desde a Antiguidade, pois, para alguns, até hoje, o indi-víduo muito criativo é visto como “louco”, “esquisito”, “estranho” ou “anormal”.

Além disso, relatamos as três dimensões de se conceber a criativi-dade, ou seja, o enfoque na pessoa criativa, no processo e no produto criativo, ressaltando as características da personalidade criativa e as estratégias para o seu desenvolvimento, as quatro fases do processo criativo de Wallas e as concepções do produto como inovador e criativo.

Descrevemos, ainda, a teoria bissociativa de Koestler (1967), sua relevância para o estudo do humor integrado à criatividade e o papel desempenhado pela escola e pelos professores de LE no desenvolvi-mento do potencial criativo dos alunos. Nesse sentido, foi exposto o contexto educacional atual, que também revelou a escola como uma instituição triste, onde a aprendizagem se dá de uma forma rigorosa, desinteressante e distante da realidade dos alunos. Assim, a necessidade de se redescobrir o prazer e a alegria de aprender pare-cem fundamentais e o estímulo à criatividade foi apontado como um possível caminho para se concretizar essa tarefa.

No caso específi co do ensino-aprendizagem de Língua Inglesa, a ênfase na necessidade do desenvolvimento da competência humorística e da criatividade durante o processo de formação dos futuros professores de Inglês destaca-se pelas vantagens e pelos papéis positivos que desempenham, podendo formar profi ssionais aptos a transformar o processo de ensino-aprendizagem em algo prazeroso e motivador para os aprendizes.

Nesse sentido, apresentamos um exemplo de atividade desen-volvida em um estágio de regência em uma escola pública do inte-rior de São Paulo no ano de 2002, que demonstrou que, por meio da vivência criativa, é possível despertar o interesse dos alunos, criando uma atmosfera descontraída em sala de aula e que permita o desenvolvimento de suas competências.

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As defi nições de criatividade

Segundo a defi nição apresentada pela Enciclopédia Britânica1, a palavra criatividade deriva, etimologicamente, do latim creare, que signifi ca fazer, engendrar, produzir, inventariar, gerar, imaginar, e do grego krainen que signifi ca realizar.

De acordo com uma série de autores (ANTUNES, 2003, BODEN, 1999, FRYER, 1996, FORD; HARRIS, 1992), o con-ceito de criatividade sempre intrigou os humanos.

Para Ford e Harris (1992), assim como outros termos das ciências sociais e do campo psicológico, tais como inteligência e realização, o conceito de criatividade permanece impreciso e o grande desafi o daqueles que lidam com o tema é gerar uma defi nição universal e culturalmente aceita.

De acordo com Spinelli et al. (1999, p.14):

A questão da defi nição ou conceituação é a primeira difi culdade com que se depara quem se propõe a estudar a criatividade. Trata-se de um fenômeno tão complexo que os estudiosos não têm ain-da um consenso, a despeito dos quase cinquenta anos de pesquisa científi ca decorridos desde a descoberta de sua importância [...].

Porém, essa imprecisão começou a receber atenção de profi ssio-nais de diversas disciplinas e, como exemplo recente, pode-se citar o I Congresso Internacional de Criatividade realizado na UNESP, campus de São Paulo, de 16 a 18 de novembro de 1998, que reuniu pesquisadores de diversas áreas do conhecimento para refl etir sobre o que é, para que serve e como se manifesta a criatividade.

Apesar de as opiniões acerca da criatividade serem diversas, segundo D’Ambrosio (1999), estudos na área de neurologia apon-tam a interrelação entre os dois hemisférios cerebrais nos atos de criação como responsável por respostas originais.

Essa conceituação de criatividade coincide com a descrição expressa por Young (apud FORD; HARRIS, 1992) que salienta essa integração entre o lado lógico e o intuitivo resultando em soluções inovadoras.1 Cf. CRIATIVIDADE, 2006

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Dessa forma, a criatividade decorre da possibilidade de manifes-tar o mundo interior de forma variada, juntando diferentes elemen-tos para formar um terceiro. Criatividade signifi ca mudança, ou seja, o indivíduo que deixa sua posição de subordinado, de ser passivo, passando para a de ativo, criador.

As diversas contribuições para o conceito de criatividade propostas por diferentes estudiosos se complementam e, pode-se tentar resumi-las da seguinte forma: criatividade é um processo identifi cável, modifi cável, deliberado, que existe em algum grau em cada indivíduo. Ela é verificada pela singularidade do(s) produto(s) criado(s) e varia dentre as diferentes culturas e classes sociais. Mesmo assim, ela pode ser aprendida e estimulada, levando ao desenvolvimento de seres ativos, questionadores, imaginativos e desafi adores.

As origens da criatividade ao longo da história do pensa-mento ocidental

A criatividade tem acompanhado o homem em suas buscas, rea-lizações e questionamentos desde que este existe.

De acordo com o arqueólogo e professor da Universidade da Noruega e da Universidade Estatal de Nova York, Christopher Henshilwood (apud FOX, 2004), a descoberta de delicadas contas feitas de conchas, com mais de 75 mil anos de idade, prova que a criatividade é mais antiga do que se pensava.

As pequenas conchas, achadas na caverna de Blombos, na costa do Índico da África do Sul, foram deliberadamente furadas e colocadas em fi os, conforme descrição de Henshilwood (apud FOX, 2004), que liderou a pesquisa. Para ele, elas mostram a capacidade de criação e abstração dos humanos primitivos, que já eram intelectualmente desenvolvidos há muito mais tempo do que se imaginava.

Segundo o arqueólogo, as contas achadas na caverna podem ter sido usadas como bijuteria, para enfeitar roupas ou até como

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uma forma primitiva de fazer cálculos, pois, embora não saibamos exatamente o signifi cado das conchas elas certamente têm um caráter simbólico.

Assim como o humor, a criatividade sempre foi e continua sendo uma necessidade do ser humano. O homem cria não somente em função de sua sobrevivência, mas, também, por querer encontrar sentido e dar signifi cado a sua vida, se realizar.

De acordo com Maturana e Varela (1995), a característica chave de um sistema vivo é a propriedade de se estruturar, se organizar e produzir continuamente a si mesmo. É o que chamam de autopoiése ou autocria-ção, num processo contínuo de aprendizado e decisão. A criatividade é, portanto, intrínseca ao ser humano e o sentido da evolução é propiciar cada vez mais capacidade de criação. A natureza do ser humano é, desse modo, potencialmente autocriativa e auto-organizativa.

Saturnino de La Torre (1995) cita H. Rugg ao explicar que o ato de criação está ligado à capacidade de reconstrução mental do mundo que é específi ca do ser humano.

Todos esses estudos abrem novas perspectivas de compreensão sobre a criatividade e a natureza da pessoa humana, sobre as poten-cialidades dos indivíduos de autocriação e de evolução, possibilitan-do uma nova visão do processo criativo.

Entretanto, é ao longo do percurso histórico que podemos per-ceber como os conceitos e as defi nições de criatividade vêm evoluin-do e se modifi cando durante os séculos. Wechsler (1993) apresenta diversas concepções de criatividade, que variam dentro de diferentes abordagens, a saber: fi losófi ca, biológica, psicológica, psicoeducacio-nal, psicofi siológica, sociológica, psicodélica e instrumental.

A mais antiga das concepções, segundo Wechsler (1993), corres-ponde à da “abordagem fi losófi ca”, que se baseia na crença de que o processo criativo ocorria por inspiração divina. Essa concepção de conhecimento tem sua origem no pensamento fi losófi co grego e foi memoravelmente expressa por Platão. Segundo o fi lósofo, o artista, no momento da criação, era movido por um poder superior e perdia o controle de si mesmo.

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A ideia do artista inspirado por forças sobrenaturais permanece até os dias de hoje para alguns. Nessa perspectiva, a criatividade é considerada como um dom divino, sobre o qual a vontade humana não exerce infl uência.

Outra tendência que perdura desde a Antiguidade Clássica é a associação da criatividade à loucura. Frequentemente ouvimos que a pessoa muito criativa é “meio louca”, “esquisita”, “estranha” ou outras considerações nesse sentido. Isso se deve ao fato de o indiví-duo criativo destoar das regras e dos comportamentos estabelecidos e esperados pela sociedade. Sua espontaneidade, irracionalidade, ori-ginalidade de pensamento e ruptura com padrões tradicionais fazem com que seja julgado como “anormal” ou “louco”. Pode-se dizer que as regras e os costumes sociais são, muitas vezes, empecilhos para a pessoa criativa. Muitas histórias sobre a infância de pessoas geniais mostram essa perda de confi ança, desde cedo, nas visões estabeleci-das e nos padrões de pensamento comum. Por essa razão, homens como Newton e Einstein foram considerados por seus professores como terrivelmente lentos para aprender - maus alunos, em suma.

Wechsler (1993) também levantou outra concepção acerca do tema desenvolvida ao longo da história: a criatividade considerada como forma de intuição. Essa concepção foi diretamente infl uen-ciada por Descartes, que em sua noção de dualismo do ser humano (a mente separada do corpo), acreditava que o indivíduo criativo possuía uma capacidade de intuição cujo dom lhe era dado. Segundo essa visão teórica, o sujeito criativo não era mais percebido como louco, mas, sim, como uma pessoa muito saudável e com capacidade intuitiva altamente desenvolvida.

Na “abordagem biológica”, a criatividade é interpretada como de ori-gem hereditária, passando a ser vista como força criadora inerente à vida. Para Wechsler (1993), seus principais representantes são Galton (for-temente infl uenciado pela teoria evolucionista de Darwin) e Edmund Sinnott, que afi rmava que a vida, por si só, era criativa, porque se auto--organizava e se autorregulava, continuamente gerando novidades.

Na “abordagem psicológica”, as concepções de criatividade varia-vam dentro das diferentes teorias. Wechsler (1993) afi rma que para

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as “teorias associativa” (Hilgard) e “comportamental” (Skinner), a criatividade era formada por associações de ideias entre estímulos e respostas. Para a “teoria gestaltista” (Wertheimer), a criativida-de era vista como a procura de uma solução para uma gestalt, ou forma incompleta, que poderia vir por meio de dados concretos ou imaginados. Na “corrente psicanalítica”, Freud compreendia o processo criativo como uma força que emergia do inconsciente (id) e que atingia a consciência. A criatividade era, portanto, uma forma inconsciente de solucionar confl itos. Já para Jung, o processo criativo consistia na ativação do inconsciente pessoal ou coletivo2, elaboran-do ou moldando imagens arquetípicas em trabalhos fi nais. Dentre os “neopsicanalistas”, Wechsler (1993) aponta que Kris acreditava que a fonte principal da criatividade seria o pré-consciente e não o inconsciente. Outro neopsicanalista, Kubie, estudou os bloqueios à criatividade e detectou a sociedade como principal repressora sobre aquela. Em muitos casos, os indivíduos preferem reprimir seus impulsos emocionais para se conformar ou se adequar a papéis prescritos e aceitos pelo grupo social.

Ainda no que diz respeito às abordagens psicológicas, Wechsler (1993) lembra que, na “corrente humanista”3, cujo principal representante é Carl Rogers, a criatividade está relacionada com a tendência do indivíduo à autorrealização. Segundo a autora, Maslow, na mesma corrente de pensamento e semelhantemente a Rogers,

2 O inconsciente pessoal refere-se às camadas mais superfi ciais do inconsciente, cujas fron-teiras com o consciente são bastante imprecisas. Aí são incluídas percepções e impressões subliminares dotadas de carga energética insufi ciente para atingir o consciente; com-binações de ideias ainda fracas e indiferenciadas; traços de acontecimentos ocorridos durante o curso da vida e perdidos na memória consciente; recordações penosas de serem relembradas; e grupos de representações carregadas de forte potencial afetivo incompatí-vel com a atitude consciente (complexos). Acrescente-se a soma das qualidades que nos são inerentes, porém, que nos desagradam e que ocultamos de nós próprios, nosso lado escuro (sombra). O inconsciente coletivo corresponde às camadas mais profundas do inconsciente, aos fundamentos estruturais da psique comuns a todos os homens. Um substrato arcaico da psique, herança comum que transcende os conteúdos puramente pessoais, todas as diferenças de cultura e de atitudes conscientes (JUNG, 1991).

3 A psicologia humanista se baseia nos processos afetivos, nos sentimentos e atitudes, sem desestimular as estratégias e processos cognitivos de aprendizagem. Contempla o estu-dante como a pessoa que precisa de ajuda para se autorrealizar em suas potencialidades e tomadas de decisão.

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acreditava que conceitos como totalidade pessoal e autorrealização tinham o mesmo signifi cado que criatividade.

Finalmente, nas “teorias desenvolvimentais”, Wechsler (1993) mostra que Piaget, em seus estudos sobre a inteligência, afi rmou que a imaginação criadora surgiria do processo de assimilação em estado de espontaneidade. Para ele, a criatividade não diminuiria com a idade, mas, sim, seria integrada à inteligência, como em um processo de acomodação.

Segundo Wechsler (1993), a “abordagem psicoeducacional” compreende as “teorias cognitivista” e “educacional”. Na “corrente cognitivista”4, J. P. Guilford, em 1950, se refere à criatividade como pensamento divergente, sugerindo que os testes de inteligência não mediam todo o potencial do indivíduo e que a mente humana seria muito mais complexa do que se pensava. Desse modo, introduziu o conceito de pensamento divergente como pensamento criativo, justapondo-o ao pensamento convergente, que seria o lógico.

Guilford (apud WESCHSLER, 1993) também propôs quais seriam as operações mentais próprias de cada uma dessas modalida-des de pensamento, desenhando uma série de provas para avaliá-las. O autor ainda ressalta que a educação geral tem se concentrado demasiadamente no pensamento convergente, mostrando ao aluno como encontrar respostas corretas e socialmente aceitas, ao invés de conduzir seu pensamento para várias direções em busca de respostas diferentes e alternativas.

De acordo com Wechsler (1993), Guilford ofereceu grande contribuição à compreensão da estrutura do intelecto e aos fatores cognitivos na sua explicação sobre a criatividade. Além disso, também mostrou que traços da personalidade desempenham importantes papéis na expressão criativa, destacando a importância de se estar aberto a novas experiências, ser tolerante às ambiguidades e de ser sensível às novas informações.

4 A abordagem cognitivista insiste nos processos mentais como pensar, resolver problemas, indagar, levar a cabo propostas heurísticas (aprendizagem por descobrimento), com a intenção de adquirir conhecimentos, a formação de atitudes e ações.

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Na “teoria educacional”, um dos estudiosos de maior destaque na área da criatividade é Paul Torrance (apud FORD; HARRIS, 1992), que teorizou sobre a criatividade como sendo uma combinação de capacidades, habilidades e motivação. Vista como uma habilidade, é possível de ser ensinada e os indivíduos que a aprendem passam a ter um desempenho criativo. Por meio de testes e provas, ainda vigen-tes atualmente, possibilitou a avaliação das principais habilidades do pensamento criativo a partir de estímulos, tais como: adivinhar causas e consequências, sugerir usos pouco habituais ou melhora de um produto, fazer perguntas, realizar desenhos diversos a partir do mesmo estímulo.

O autor também verifi cou que a estrutura familiar e os estilos de vida dos estudantes potencialmente criativos de famílias desfavore-cidas e de ambientes culturalmente diversifi cados, de várias formas os ajudam a desenvolver o seu potencial.

É o caso, por exemplo, de crianças que, na falta de brinque-dos caros, transformam materiais comuns em objetos lúdicos, desenvolvendo também sua habilidade em solucionar problemas (TORRANCE apud FORD; HARRIS, 1992).

Nesse sentido, as escolas e os educadores precisam respeitar e construir as características criativas e positivas dos diferentes grupos culturais e classes sociais, encorajando-as e nutrindo-as ativamente. Entretanto, o próprio autor detectou a repressão da criatividade na sala de aula e constatou que ela é punida pelos professores, que preferem que os alunos sejam obedientes e passivos, ao invés de curiosos e questionadores. Segundo Torrance (apud FORD; HARRIS, 1992), a escola premia e reforça o raciocínio lógico e convergente, em vez de estimular a aprendizagem por meio da criatividade, que parte do interesse do indivíduo e de sua motivação intrínseca.

Ainda no enfoque educacional, Yoshiura (1991, p.66) considerou a criatividade como:

[...] o processo mobilizado por fatores cognitivos e emotivos, em que o indivíduo, sensibilizando-se a situações e problemas, lacu-

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nas ou desarmonias, procura e explora elementos até organizá--los de forma especial, nova e adequada à situação, efetuando as verifi cações necessárias.

Essa concepção de criatividade como processo ou ação e de “criativi-dade construtiva”, tem como base as ideias de Carl Rogers que, segundo as quais, a criação envolve sempre construção, nunca destruição.

Na “abordagem psicofi siológica”, a grande ênfase está voltada para os estudos sobre os hemisférios cerebrais e a criatividade, espe-cialmente sobre a localização do pensamento criativo.

As primeiras pesquisas, realizadas com pacientes epiléticos, mos-travam que após a retirada do corpo callosum, que une os dois hemis-férios cerebrais, podia-se perceber claramente a especifi cidade do funcionamento de cada hemisfério.

O hemisfério esquerdo processa melhor as informações de modo sequencial, lógico, linear, detalhista, organizado e analítico. Nesse hemisfério a aprendizagem que se realiza corresponde às expressões verbais, à leitura, escrita, matemática, computação e aritmética.

O hemisfério direito processa as informações de maneira global, emocional, não-linear ou sem lógica. Ele é responsável pela intuição, pelas analogias, pelas metáforas, pelos sonhos, pelas visualizações e por encontrar soluções verdadeiramente originais aos problemas.

Segundo Wechsler (1993), os resultados de várias pesquisas chega-ram a questionar a noção de que o pensamento criativo se daria somente no hemisfério direito, comprovando que existe o envolvimento dos dois hemisférios cerebrais na criatividade. De acordo com a autora:

[...] nas etapas iniciais de resolução de um problema, o hemis-fério direito apresenta papel primordial no que se refere a intuir soluções originais de problemas, ser fl uente e fl exível nas ideias, sendo a aprendizagem criativa realizada através de ação, explo-ração, manipulação ou questionamentos. Nas etapas posteriores, o hemisfério esquerdo se caracteriza, essencialmente, pela análise detalhista dos fatos e das soluções encontradas, comparando-as, analisando-as, testando-as, modifi cando-as e criticando-as para obter resultados fi nais. (WECHSLER, 1993, p.20).

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Eduardo de Bono (1995) é um dos principais representantes da abordagem psicofi siológica. Suas principais contribuições se referem à mudança de olhar sobre os problemas, que passam a ser encarados como desafi os à imaginação. De Bono propõe a estimulação do que ele denominou como “pensamento lateral na solução de problemas”, pois utiliza uma série de estratégias que são metáforas ordenadoras do processo, criando, assim, uma linguagem positiva para falar do pensamento e da ação.

Na “abordagem sociológica”, o foco principal pelo qual a cria-tividade é vista diz respeito ao ambiente facilitador ao desenvolvi-mento da produção criativa. Nessa abordagem, os critérios e valores utilizados para julgar os produtos criativos advêm do meio social ao qual o indivíduo pertence. Sendo assim, vale lembrar também que o que é criativo em uma cultura ou classe social pode não ser em outra, segundo Mar’l (apud FORD; HARRIS, 1992). Em outras palavras, tanto os procedimentos de defi nição, como os de identi-fi cação da criatividade entre culturas e classes diferenciadas devem ser examinados, cabendo à escola o papel de estimular e desenvolver adequadamente o processo criativo nos indivíduos de classes sociais e culturais distintas.

A “abordagem psicodélica” corresponde aos efeitos de estados alterados de consciência na criatividade e não está relacionada a sensações obtidas por meio de drogas alucinógenas, como fi cou erro-neamente reconhecida em nossa cultura.

Esta abordagem parte do reconhecimento da expansão da cons-ciência, ajudando o indivíduo a abrir novas fontes de inspiração. Os trabalhos nessa área têm enfocado o uso efi caz de processos de relaxamento e meditação, quando as pessoas, em estados incons-cientes e pré-conscientes, encontram grandes fontes de inspiração e descoberta.

Finalmente, na “abordagem instrumental”, a criatividade é vis-ta como propósito, ou compreendida por meio de seu produto. Segundo Wechsler (1993), os principais representantes desse pen-samento que incluem Sternbeg e Lubart, associaram a criatividade a uma teoria de investimento. Para os autores, o indivíduo criativo

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se assemelha ao bom investidor, ou seja, está disposto a correr riscos, age de maneira contrária ao comportamento da maioria, “investe” em atividades desprestigiadas, é percebido como “idiota” pela socie-dade. Mas, no momento em que o contexto se altera e o “investi-mento” parece interessante ao grupo social, passa a ser reconhecido e ser considerado como sábio.

Já em relação às concepções mais atuais sobre a criativida-de, podemos citar as contribuições do Centro de Estudos em Criatividade de Buff alo (desde 1975 em Nova Iorque). Em 1990, os pesquisadores desse centro promoveram um evento5, reunin-do pesquisadores internacionais da área. Um dos resultados desse encontro foi o levantamento acerca do estado do conhecimento sobre a criatividade e os temas abordados foram classifi cados em três grandes grupos: a pessoa criativa, o processo criativo e o pro-duto criativo.

Essas três dimensões de se conceber a criatividade estão intima-mente ligadas e o conhecimento sobre cada um desses âmbitos favo-rece, sem dúvida alguma, o desenvolvimento do potencial criativo. Assim, passo, a seguir, à apresentação de cada um deles.

Criatividade: a pessoa, o processo e o produto

A “pessoa” criativa apresenta algumas características perceptíveis, qualidades que, sem dúvida, permitem a realização e a manifestação de resultados originais.

De acordo com Wechsler (1993, p.48), Barron, em 1955, e Mackinnon, em 1964, foram os pioneiros no estudo da personali-dade criativa. A conclusão dessas investigações aponta para uma série de características comuns nas pessoas criativas, que são:

1) Fluência e fl exibilidade de ideias;

2) Pensamento original e inovador;5 Conferência Internacional de Pesquisadores em Criatividade, organizada pelo Center for

Studies in Creativity, na State College University, em Buff alo, Nova Iorque, de 7 a 10 de agosto de 1990.

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3) Alta sensibilidade externa e interna;

4) Fantasia e imaginação;

5) Inconformismo;

6) Independência de julgamentos;

7) Abertura a novas experiências;

8) Uso elevado de analogias e combinações incomuns;

9) Ideias elaboradas e enriquecidas;

10) Preferência por situações de risco;

11) Alta motivação e curiosidade;

12) Elevado senso de humor;

13) Impulsividade e espontaneidade;

14) Confi ança em si mesmo ou autoconceito positivo;

15) Sentido de destino criativo.

O indivíduo criativo desenvolve as habilidades do pensamento divergente: fl uência na produtividade de ideias, fl exibilidade no olhar, exame dos problemas sob ângulos diferentes, sempre tentan-do outras abordagens. Consegue articular os conhecimentos, pois tem grande poder de elaboração, é original. Integra seus centros: intelectual, emocional, corporal e espiritual e dirige-se à escuta interior.

No que diz respeito ao elevado senso de humor, observamos que o ambiente humorístico tende a favorecer o aparecimento de ideias diferentes, inovadoras e criativas. Além disso, a espontaneidade e a impulsividade das pessoas criativas, combinadas a outras caracte-rísticas acima descritas, lhes oferecem maiores opções para brincar com as ideias e os elementos, justapondo-os e combinando-os de maneiras incomuns, inesperadas e engraçadas. Essa combinação de diferentes elementos que são ou estão, muitas vezes, distantes entre si, nos leva a situações de humor. Esse fenômeno é descrito por Koestler (1967) e será discutido mais adiante.

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Em relação às técnicas e procedimentos criativos para a gera-ção de ideias e o desenvolvimento criativo individual, a bibliografi a consultada6 oferece inúmeras possibilidades. Dentre elas, fi z uma seleção e optei pela sugestão de duas mais conhecidas e que são muito utilizadas na área de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa: o brainstorming ou a “tempestade de ideias” e o “mapa mental”.

A expressão “tempestade de ideias”, proposta por Alex Osborn em 1953 (apud WECHSLER, 1993), é uma analogia ou metáfora que tenta descrever como se geram ou estão as ideias em nosso cérebro. A imagem da tormenta como variedade, imprevisibilidade, rapidez, força, incontrolabilidade, espontaneidade, liberdade, autonomia, se aproxima do conceito básico do processo mental da técnica.

Em primeiro lugar, essa técnica possibilita liberar e estruturar as consciências individuais, potencializando as capacidades individuais. Além disso, assegura uma conexão com as expectativas, interesses, frustrações e temores, pois ela gera confi ança nas próprias capacida-des e ainda contribui signifi cativamente para o trabalho em grupo. Seu objetivo principal é a mudança permanente de forma e conteú-do, sem deixar de ser um processo: livre, rico, variado, espontâneo e rápido; propicia o desenvolvimento da fl uência verbal, da fl exibi-lidade, agilidade mental e da criatividade.

Na perspectiva individual, a “tempestade de ideias” atua no cére-bro de cada sujeito e, portanto, deve ser concebida como instrumen-to, atividade ou processo intelectual. O pressuposto principal é a liberdade e agilidade de pensamento, e, para isso, é preciso superar a inibição de expressar-se e pensar com espontaneidade e indepen-dência, sem nenhuma autocensura nem bloqueio. Na “tempestade de ideias” há que se animar e, às vezes, obrigar-se a escrever ou dizer quantas ideias, sensações, imagens, fantasias, emoções, fi gu-ras, símbolos, gestos apareçam na consciência, sem suprimir nem excluir nada que a lógica social ou urbanizada estimem inadequadas, absurdas ou sem razão.

Na perspectiva grupal os objetivos são os mesmos: contribuir com o máximo de respostas e conceitos de modo rápido, abarcando 6 Cf. VIRGOLIM et al. 1999; VON OECH, 1988; WECHSLER, 1993

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o mais amplo leque de categorias e estimulando a ideação, sugestões pessoais e originais. As normas que regulamentam a dinâmica de atuação se caracterizam pelo respeito e apreciação de todas as ideias; escuta ativa para encadear o próprio pensar com as ideias dos outros, com o propósito de melhorá-las; abandonar radicalmente toda rejei-ção e toda crítica que durante o processo de promoção de ideias se propõe para não inibir ou cortar o pensamento e a avaliação e análise crítica devem ser feitas ao fi nal do trabalho.

Assim, a técnica ou processo intelectual poderia ser defi nido como o pensar o mais possível (produtividade); no menor tempo possível (rapidez); do modo mais completo, complexo e variado possível (agilidade e fl exibilidade); em torno de um tema, proble-ma ou objeto dado. E para cumprir este grande objetivo é preciso desbloquear e desinibir-se; ter segurança e confi ança mínima nas próprias capacidades; suspender os controles, censuras e críticas; habituar-se ao encadeamento das ideias, ou associações de pensa-mentos por conteúdos, imagens, sons e palavras. Esses objetivos podem ser alcançados mediante a prática, habitual, sistemática, da “tempestade de ideias” individual.

Já o “mapa mental” ou “teia de aranha”, criado por Tony Buzan (apud WECHSLER, 1993), constitui-se em um modelo em forma de rede de relações que parte de um elemento central e representa o conjunto das associações de ideias produzidas por alguém. Como a “tempestade de ideias”, sugere o registro das mesmas na forma em que elas aparecem no cérebro.

Toda vez que escutamos ou vemos escrita uma palavra, essa estimu-la todo um conjunto de ideias conexas. A forma como percebemos ou compreendemos o discurso que lemos e escutamos estará marcada por esse “mapa mental” que pré-existe a priori em nós mesmos.

Operar duas formas de linguagem simultaneamente, por meio da construção de um modelo que se materializa em forma de “mapa”, amplia o universo das relações e sugere o uso integrado do cérebro, já que as funções específi cas da linguagem verbal são comandadas pelo hemisfério esquerdo, enquanto a imagem parte do hemisfério direito.

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Essa forma de rede do “mapa mental” nos dá a imagem de “tridi-mensionalidade”, em que as relações se apresentam, todas, ao mesmo tempo, em uma rede instantânea e simultânea de ideias, permitindo ampliar e visualizar novas possibilidades de signifi cação.

A escolha do conceito ou palavra-chave é muito importante e é preciso que se faça o “mapa mental” a partir de uma única palavra ou imagem. Nas primeiras associações é recomendável enfocar o pensamento com associações importantes ou relevantes, pois será a partir destas primeiras que os ramos serão formados. Deve-se enfa-tizar a fl uência e a fl exibilidade nos ramos.

O tempo durante o qual fazemos as associações pode ser entre cinco a dez minutos, que é, aproximadamente, o tempo que podemos focar completamente a atenção sobre um tema em particular. Uma vez fi nalizado o “mapa” é recomendável observá-lo durante uns minutos, não só tratando de entender as sequências de cada um de seus ramos, como tratando de observá-lo de forma global: que setores possui, que tipos de associação foram feitas, o que me sugere em sua totalidade.

Pode-se marcar as associações interessantes que tenham surgido e, posteriormente, desenvolvê-las um pouco mais. Também subli-nhar ou marcar as palavras mais signifi cativas, delimitar com cores diferentes os setores em que apareceram e, inclusive, agregar novas palavras. O “mapa” é algo que podemos recorrer e transformar, evi-denciando quantas ideias podemos desenvolver a partir de um con-ceito, palavra ou imagem.

O “mapa mental” como técnica de criatividade é uma forma de fl uência, uma forma de produzir ideias. Só que não se trata de pro-duzir especifi camente ideias, mas de produzir associações, conexões, relações e interações. Assim, a sua relevância do ponto de vista da criatividade também oferece formas de organização não convencio-nais de enfocar um tema.

Para realizar um “mapa mental” em grupo basta que uma pes-soa registre as associações em uma lousa e cada participante faça várias associações. O professor facilitador também participa do grupo e pode registrar suas ideias. É aconselhável que o grupo não seja muito grande e que as palavras sejam ditas uma de cada

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vez. O inconveniente do “mapa” grupal é que os desenhos serão realizados apenas por quem coordena a atividade. No entanto, a riqueza de associações fi ca multiplicada pela contribuição pessoal de cada participante.

Passando à análise do “processo” criativo, podemos descrevê-lo como o caminho pelo qual percorremos para criar: desaprender para dar lugar ao novo, ao inesperado; redescobrir para abrir janelas e poder ver outros ângulos, novos horizontes; reafi rmar para encontrar o eixo, o foco e, por último, reorganizar tudo isto para fi nalmente chegar à forma.

Graham Wallas (apud KNELLER, 1978), em 1926, em seu livro Th e art of thought, fez a primeira descrição do processo criador baseando-se na experiência pessoal. Assim, Wallas descreveu quatro fases para o processo criativo: “preparação”, “incubação”, “iluminação” e “verifi cação”.

Na “preparação”, acontece a defi nição do problema e a coleta de dados; a “incubação” corresponde ao momento de “trabalho incons-ciente” para que a “iluminação” surja, ou apareça a “ideia feliz” e, fi nalmente, na “verifi cação”, o indivíduo checa as provas de validade e a redução da ideia a sua forma exata.

Posteriormente, George Kneller (1978) amplia o modelo de Wallas, incluindo a “apreensão”, fase em que o indivíduo tem a sensação ou a percepção de que existe um problema a ser resolvido, sente-se perturbado por alguma coisa que é preciso ser solucionada.

Na fase de “preparação”, a pesquisa, a aproximação com ideias alheias, com o que já foi feito ou investigado sobre o problema em questão garante, até certo ponto, um resultado original. O criador deve ler anotar, discutir, indagar, explorar e colecionar o máximo de informações e ideias acerca do problema.

Paul Torrance (apud FORD; HARRIS, 1992)deixa claro que se deve deter muito tempo no estudo dos fatos envolvidos com o pro-blema antes de procurar propor quaisquer soluções. A fase da “incu-bação” é consequência direta da fase anterior, mas conta com um “trabalho inconsciente”. Aparentemente, deixou-se de pensar no pro-

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blema, houve um afastamento, com duração indefi nida que permite alcançar a fase seguinte: a“iluminação”. Segundo Wechsler (1993), a iluminação, o aha, ou o “clímax” do processo de criação vem espon-taneamente, em um dado momento do estado de “incubação”:

A ideia iluminadora pode ocorrer em estado de relaxamento ou não, podendo o sujeito estar acordado ou dormindo, de forma nítida ou sob aparência de analogias, que permitem ao sujeito, que já estava atento ao problema, identifi car aquela relação ima-ginada como a melhor, entre todas pensadas até o momento. (WECHSLER, 1993, p.28).

Nas etapas anteriores, o criador estava se comunicando consigo próprio, mas, agora, deverá comunicar-se com o público, verifi cando o impacto de seu produto. A “verifi cação” permite, assim, dar forma à solução encontrada, checando se realmente ela atende à necessi-dade que a fez surgir, se é exequível ou não, se pode ser produzida ou não, se é válida ou não para o contexto. Muitas vezes, a avaliação pode durar anos, e também mostrar a necessidade de se alterar a ideia original, inspirando o surgimento de novas intuições.

No que diz respeito ao “produto”, podemos considerar que a ação criativa pode levar-nos a dois tipos de resultado: o inovador e o criativo.

A inovação se dá quando a criatividade nos permite chegar a resultados que atribuem um novo signifi cado dentro de um contexto já existente, não cria rupturas, mas agrega valor, melhora o produto. O criativo, por outro lado, se diferencia do vulgar, habitual, reprodutor e adquire valor para o sujeito e para o contexto social. O resultado criativo surpreende, é novo, original e rompe com o estabelecido, cria um novo contexto, muda a realidade, interfere, transforma.

A obra de arte, por exemplo, é produto da ação criadora do homem na realização de formas que expressam imagens primordiais. Produzida por símbolos próprios e específi cos, permite ao espectador entrar em contato com sentimentos manifestados, fazendo-o conhecer o pensamento da época em que foi produzida e reconhecer a visão de mundo dos homens daquele tempo. A obra “aberta”

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expressa um campo geral de sentidos, permite que o espectador a compreenda a partir de seus próprios sentimentos e repertório pessoal. Na experiência da fruição estética, o espectador toma os sentimentos expressos e apresentados em formas artísticas e dialoga com essa obra, exercitando sua imaginação, quando descompõe, compõe, interpreta, julga, valora e atribui novos signifi cados. Essa interação completa esse produto e reforça sua existência.

Demonstramos, assim, a importância das dimensões em que concebemos a criatividade e passamos, a seguir, à compreensão do ato criativo.

O ato criativo

O estudo científi co da criatividade também recebeu contribuições valiosas de pessoas alheias à comunidade científi ca, como o jornalista húngaro Arthur Koestler, na década de sessenta do século passado.

Em seu livro The Act of Creation, Koestler (1967) agrupa e integra as descobertas de várias disciplinas em uma teoria única da natureza da criatividade, tal como ela se revela no humor, na arte, na ciência, baseando-se nas conclusões da Psicologia, da Fisiologia, da Neurologia, da Genética e de diversas outras ciências.

Koestler (1967) afi rma que cada ideia é parte do que chama de “matriz de pensamento” do interior do inconsciente. Essa matriz contém a ideia central somada a todas as conotações, associações e possibilidades daquela ideia, que foi construída pela história social, cultural e pela experiência pessoal do indivíduo.

Quando considera um determinado problema, esse indivíduo passa, através de todas as possibilidades, até a matriz do pensamen-to. Se exaure todas essas possibilidades sem encontrar uma solução, precisa entender que a resposta faz parte de uma outra matriz de pensamento que não associara ao problema até então. O momento em que faz essa ligação, ou a encontra com uma matriz a princípio não relativa ao tema, temos o ponto que Koestler (1967) chama de “bissociação” ou inspiração.

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Sua tese central afi rma que todos os processos criadores parti-cipam de um padrão comum, ou seja, a bissociação, que consiste na conexão de níveis de experiência ou sistemas de referência. No pensamento criador, o indivíduo pensa simultaneamente em mais de um plano de experiência, enquanto que no pensamento rotineiro, ou associativo, ele segue caminhos usados por anterior associação.

Essa teoria inclui, ainda, a ideia de que cada bissociação toma lugar quando ambas as matrizes de pensamento estão maduras para serem bis-sociadas. Segundo Koestler(1967), o ato bissociativo faz com que duas matrizes de experiência antes não conectadas se relacionem, resultando dessa interação o riso ou sua fusão em uma nova síntese intelectual.

A essência do humor, segundo a teoria de Koestler (1967), é resultado da confl uência ou intersecção de duas matrizes de referên-cia bissociadas que se percebem simultaneamente ou que abrupta-mente se deslocam uma da outra. O duplo signifi cado ou o duplo plano referencial é comum a todos os campos da criatividade e é fundamentalmente a base do jogo humorístico.

Figura 1 - Intersecção de duas matrizes bissociadas e que resultam no humor

Fonte: Margonari (2006, p.150).

Segundo o Koestler (1967), o padrão que embasa qualquer pilhéria é aincompatibilidade de dois sistemas de referências per-

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cebidos em uma situação ou ideia. No decorrer dessa experiência, pensamento e emoção separam-se. A corrente do pensamento salta abruptamente de um contexto a outro com associações totalmente diferentes. Esse confl ito de associações cria uma tensão emocional que não consegue seguir com a mesma velocidade o pensamento que a gerou. Assim, resolve-se em riso.

Neste trabalho, adotamos a concepção de “processo criativo” de Koestler (1967).

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Nesta segunda década do novo milênio, caracterizado pela mudan-ça e pela transição, o papel do pensamento criativo se torna crescente na solução de problemas em campos como os da ciência, da tecnolo-gia, dos negócios, da política e, principalmente, na educação.

Graciela Aldana de Conde (1996), em seu livro A Travessia Criativa, ressalta o papel da criatividade na vida cotidiana, salientando a importância de aplicá-la na educação. Lembra que a criatividade sempre foi relacionada a atividades artísticas. Segundo ela, a Psicologia tem colaborado no sentido de procurar compreender os condicionantes de várias naturezas envolvidos no processo criativo, que certamente é fundamental para auxiliar na busca de soluções de vários níveis para as mudanças que precisamos promover no dia a dia.

O pensamento criativo é de grande importância, pois é ele que tem construído a civilização, a ciência e a tecnologia. A imaginação, que é um de seus componentes fundamentais, é a força transfor-madora que tem permitido modifi car contextos e reinventarmos a nós mesmos. A partir desse ponto de vista, na medida em que a humanidade siga refl etindo sobre si própria e siga aberta a buscar novas possibilidades, seguiremos em contínuo desenvolvimento des-ta importante dimensão humana.

Segundo Saturnino de La Torre (1995), a criatividade passou de uma necessidade individual para se tornar um requisito social:

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A criatividade tem passado de um atributo individual a um bem social. O que em outros tempos se explicava como capacidade exclusiva dos gênios, hoje é considerado como qualidade ineren-te, em maior ou menor grau, a todo ser humano.7 (LA TORRE, 1995, p.21, tradução nossa).

Nesse sentido, a criatividade parece constituir uma habilidade necessária à sobrevivência nas próximas décadas, onde as novas infor-mações serão veiculadas com tal velocidade que o conhecimento pré--estabelecido tornar-se-á obsoleto com incrível rapidez. De acordo com Fryer (1996, p.4-5, tradução nossa), que se utiliza dos estudos de Ayman:

As pessoas precisarão ser tanto fl exíveis como desembaraçadas se elas quiserem se ajustar à rápida transformação multidimensio-nal dos aspectos da vida social, política, econômica, demográfi ca e cultural e crescente globalização.8

Uma das tarefas da educação seria a preparação dos indivíduos para lidar com essas transformações de modo consciente, criativo e efi caz, formando sujeitos com sensibilidade e capacidade de refl exão acerca do “novo mundo” ao seu redor.

Fora do ambiente educacional, as habilidades criativas são as de grande demanda, como nunca o foram anteriormente:

Ela é essencial para a sobrevivência. É, portanto, muito sur-preendente que a criatividade seja, geralmente, negligenciada na tendência dominante da educação. Esse não é o caso dos negócios e da indústria. As grandes organizações, especialmente as corporações multinacionais, estão gastando muito dinheiro para assegurar que os seus altos executivos se tornem habilido-sos na solução criativa de problemas. Por quê? Porque eles têm descoberto que tais habilidades os ajudam a permanecer à frente

7 “La creatividad ha pasado de ser un atributo individual a un bien social. Lo que en otros tiempos se explicava como capacidad exclusiva de los genios hoy es considerado como cualidad inherente, en mayor o menor grado, a todo ser humano” (LA TORRE, 1995, p.21).

8 “People will need to be both fl exible and resourceful if they are to adjust to the rapid multi-dimensional transformation of social, political, economic, demographic and cultural aspects of life and increasing globalization.” (FRYER, 1996, p.4-5).

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do seu campo, inventar novos produtos e economizar dinheiro. (FRYER, 1996, p.1, tradução nossa).9

As maiores empresas e organizações perceberam a importância do desenvolvimento da criatividade para o seu sucesso. Ford e Harris (1992) citam o estudo de Rice de 1985 que revela que cerca de três centenas de corporações da nação, dentre elas estão a IBM, a Mead e a Kodak, realizam sessões de treinamento de pensamento criativo ou de busca de soluções inovadoras para as difi culdades enfrentadas.

Entretanto, no âmbito educacional geral, a alegria e a criativi-dade parecem ser tolhidas nas escolas. Uma ênfase exagerada na transmissão, na memorização e na reprodução do conhecimento tem impedido os alunos de desenvolver e realizar seus verdadeiros potenciais para criar.

Dentre os autores estudados, Redin (2002), Alves (1994), Wechsler (1993), Snyders (1993), Ford e Harris (1992), Kneller, (1978) e Eisner (1978), todos são unânimes em afirmar que a diminuição da alegria e da criatividade resultam da estrutura que as crianças encontram ao entrar na escola, onde aprendem a pensar convergentemente e a aceitar somente uma resposta como a certa, abolindo, assim, sua inclinação natural à criação e ao questiona-mento:

A educação geral tem-se concentrado demasiadamente, segun-do Guilford, no pensamento convergente; tem mostrado ao estudante como encontrar respostas que a sociedade conside-ra certas. Dentro dos limites socialmente aceitos, tem ensina-do avaliação ou pensamento crítico, embora costume fazê-lo salientando que para cada pergunta só existe uma única resposta correta. Fora das artes, todavia, ela tem manifestado tendência, a contragosto, para desestimular o desenvolvimento das capa-

9 “It is essential for survival. It is, therefore, all the more surprising that creativity is generally neglected in mainstream education. Th is is not the case in business and industry. Large orga-nizations, especially multinational corporations, are spending a lot of money to ensure that their top executives become skilled in creative problem solving. Why? Because they have found such skills help them stay ahead of the fi eld, invent new products and save money.” (FRYER, 1996, p.1).

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cidades abrangidas pelo pensamento divergente. (KNELLER, 1978, p.55).

A inclinação ao questionamento e a tendência para pensar de forma divergente vem sendo inibida e a criatividade, esmagada.

Ford e Harris (1992) apontam para a forte infl uência escolar em bloquear o desenvolvimento do potencial criativo dos aprendizes. Os autores, que se utilizam dos estudos de Gay realizados no ano de 1978, afi rmam que a sociedade, com o auxílio da escola, frequente-mente sufoca as habilidades das crianças de ver além do “normal”, de imaginar, de desafi ar o status quo.

A infl uência escolar sobre a criatividade é, como já mencionado anteriormente, basicamente composta por forças sociais e culturais. Nagy, cujo trabalho de1988 também é citado por Ford e Harris (1992), apontou dados em que a pressão da observação para estar em conformidade, bem como a pressão dos pais para ser “inteligente” sabotam a criatividade nas crianças. A maioria dos pais prefere que seus fi lhos sejam rotulados de “inteligentes” ao invés de “criativos”, reforçando ainda mais a ênfase excessiva às habilidades acadêmicas do que às habilidades criativas, como se inteligência e criatividade estivessem em lados opostos de um espectro.

Eisner (1978), professor de Educação e Arte da Universidade de Stanford, na Califórnia, e pesquisador dedicado ao estudo, desenvol-vimento e avaliação de currículos e programas educacionais, afi rma que o foco excessivo nas habilidades de ler, escrever e contar tem gerado um grande desequilíbrio curricular que, a longo prazo, rebai-xará a qualidade da educação dos estudantes.

De acordo com o autor, a inclusão ou exclusão de determinados conteúdos no currículo, bem como a localização e a quantidade de tempo dedicado para os mesmos, indicam o que é mais valorizado nas escolas.

Analisando o sistema escolar norte-americano, Eisner (1978) cita como exemplo o caso das disciplinas Arte e Música, as quais são ensinadas no período da tarde, com apenas três por cento do tempo semanal dedicado a esses campos. Segundo ele, no período

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da manhã, as crianças precisam pensar e, assim, leitura e aritmética são ensinadas nessa parte do dia. Quando elas não têm que pensar, ou quando não têm que pensar tão claramente, os campos “não--cognitivos” podem ser atendidos. Portanto, as manhãs são para a cognição e as tardes para a afetividade.

O autor ainda acrescenta que a consequência de um currículo sem equilíbrio e que não faz justiça à vida dos alunos, muito menos ao alcance de suas mentes, é um empobrecimento da qualidade do ensino, pois priva esses estudantes de interagir com determinados campos do saber, além de prejudicar o aprendizado dos conhecimen-tos que esses campos têm a oferecer.

Assim, em âmbito geral, o que se nota é um descompasso entre a estrutura curricular, os objetivos educacionais das instituições esco-lares e a metodologia utilizada para trabalhar determinados conte-údos, impedindo, dessa forma, que a relação ensino-aprendizagem explore todo o campo que abrange. Como consequência imediata, os alunos não são atendidos em suas demandas, recebendo apenas suporte para o desenvolvimento de parte de seu potencial cognitivo, ou seja, aquele especialmente relacionado à memorização e aquisição de conhecimentos.

Assim, não é difícil perceber quanto potencial humano é desper-diçado na escola em consequência de sua estrutura retrógrada e de um projeto educacional que almeja o futuro, mas que ensina para o passado. De acordo com Fryer(1996, p.5, tradução nossa):

Para lidar com as demandas do futuro, as pessoas terão que pensar rápido, ser fl exíveis e imaginativas. Elas necessitarão ser competentes na produção de soluções efetivas para problemas desconhecidos e situações obscuras. Se o desenvolvimento da criatividade tivesse o mesmo nível na educação como tem no cenário corporativo, então as crianças estariam em uma posição muito melhor para lidar com esses tipos de desafi os.10

10 “To cope with the demands of the future, people will have to be quick-thinking, fl exible and imaginative. Th ey will need to be competent in producing eff ective solutions to unfamiliar problems in unclear situations. If creativity development were to have the same status in education as it does in the corporate setting, then children would be in a much better position to cope with these kinds of challenges.”(FRYER, 1996, p.5).

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Repensando o sistema educacional: redescobrindo a criatividade e o prazer do “aprender brincando”

O sistema escolar precisa redirecionar seu olhar para o futu-ro, exercitando a imaginação e a fantasia de seus alunos na tentativa de solucionar problemas ou situações que os “novos tempos” trarão. Nesse sentido, um dos primeiros passos seria repensar a educação quanto à estrutura curricular, aos objetivos, conteúdos e métodos, assim como à forma como os mesmos vêm sendo trabalhados, ou seja, com ênfase excessiva na aqui-sição, memorização e reprodução das informações. Sabe-se hoje que não basta o conhecimento: de fundamental importância é o exercício da capacidade de pensar, imaginar, experimentar e criar.

Vários são os caminhos que o sistema escolar poderá seguir para promover melhores condições de desenvolvimento do potencial criador dos alunos. De modo geral, os educadores pre-cisam cultivar a criatividade, pois, segundo Sapp (apud FORD; HARRIS, 1992) ato criativo manifesta-se ao longo do tempo e varia quanto a sua duração. Isso é verdade tanto para artistas como para escritores ou cientistas. O produto de suas criações não surge instantaneamente, mas precisa ser cultivado ao longo do tempo.

Assim como o humor, a inserção da criatividade no contexto educacional deve ser desenvolvida ao longo do processo de esco-laridade, no intuito de se promover um ensino signifi cativo. Para tanto, alguns requisitos precisam ser observados, como é o caso do ambiente da sala de aula e o papel dos professores.

O clima da sala de aula é um fator que infl uencia diretamente o fl orescimento da criatividade. Segundo Antunes (2003, p.19):

É importante a geração de um ambiente calmo, sereno, tranquilo, marcado pela voz baixa e pela suavidade das rela-ções interpessoais. Quando trabalhamos a criatividade dos alunos, é essencial que o passo inicial seja o de baixar os níveis de ansiedade, através da criação de um clima de con-

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fiança e serenidade onde procura-se evitar, com todo empe-nho possível, os gritos, a voz elevada, a perda de controle, os estados de mau humor, impaciência e irritabilidade. Estas condições devem ser aplicadas sempre que possível, por educadores que sejam sempre bons ouvintes, parceiros atentos e que estejam interessados na evolução mental de seus alunos.

Observamos que Antunes enfoca uma série de variáveis afetivas necessárias ao trabalho com a criatividade, assim como propõem Schmitz (2002), Nascente (2000), Deneire (1995), Stevick (1994), Maurice (1988), Krashen (1982) e Dulay e Burt (1977) para a aqui-sição de línguas. Entretanto, a descrição de Antunes (2003) corres-ponde a um ambiente “ideal” de sala de aula e que, infelizmente, ainda mostra-se muito distante das classes numerosas e indiscipli-nadas das escolas em geral.

Outro aspecto fundamental que deve ser considerado no desen-volvimento do processo criativo diz respeito ao papel dos profes-sores, que muitas vezes não se sentem preparados para lidar com tantas mudanças, a desenvolver e a trabalhar de forma adequada com a criatividade dos aprendizes. Ensinar criativamente exige que o próprio educador também seja uma pessoa criativa, que organize seu material didático com criatividade.

Conceber a atuação docente como criativa e criadora signifi ca ati-vidade, expressividade, movimento contínuo e, nessa perspectiva, a sala de aula deve ser interpretada como uma rede viva de troca, cria-ção e transformação de signifi cados. A atuação docente encaminha--se para observar, compreender os signifi cados dos acontecimentos, deliberar e adotar decisões práticas que orientem e organizem as trocas entre os alunos e o conhecimento, de modo que os sistemas de signifi cados compartilhados que são elaborados sejam enriquecidos e estimulados.

Assim, a criatividade não é somente uma característica que deve ser despertada nos alunos, mas, também, ser nutrida entre os pro-fi ssionais da educação e estimulada nos cursos de formação de pro-fessores pré-serviço de Letras.

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O processo de formação de professores de Língua Inglesa com vistas ao ensino criativo

A formação do futuro profi ssional de nossas escolas requer que se desperte no aluno um aguçado senso crítico. Procura-se, desse modo, formar um professor que se proponha a enfrentar os problemas, bus-cando soluções a partir das leituras e refl exões desenvolvidas ao longo do curso de licenciatura. Esse modelo de professor refl exivo já foi bastante discutido na literatura, sendo que sua formação deve ser feita longitudinalmente, acompanhada por professores das áreas de conte-údo e das áreas pedagógicas. É possível a interação dessas áreas desde que haja uma ampla discussão dos papéis e dos momentos em que cada disciplina irá intervir no processo de formação do ser educador. O aluno, ao longo desse processo, percebe que não irá ensinar apenas um conteúdo curricular, mas que irá formar indivíduos.

Schön (1983, 1987) sugere que o futuro professor seja formado a partir da refl exão sobre sua própria prática, retomando-a, des-crevendo-a, problematizando-a, percebendo as suas difi culdades e apontando possibilidades de solução, testando-as, procurando as razões subjacentes as suas ações, observando as reações dos alunos, verifi cando como aprendem e procurando entender o signifi cado de suas questões. Essas atividades caracterizariam uma postura investi-gativa, em que o eixo de produção do saber pedagógico se deslocaria da universidade para a escola e, mais especifi camente, para a sala de aula. Nesse sentido, o saber sobre o ensino não se daria antes do fazer, como estabelece o paradigma da racionalidade técnica e, sim, seria produzido no esforço de inovação e de procura de novas soluções para os problemas vivenciados.

Zeichner (1993) acrescenta a essa concepção de professor prático refl exivo a questão social, pois valoriza ações de refl exão conjuntas e projetos coletivos, capazes de modifi car os contextos escolares, na medida em que incentiva a formação de uma comunidade crítica de professores.

Basso (2001) explicita claramente a necessidade de mudarmos o panorama da formação de professores de Língua Inglesa. Pensamos

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que sem essa congruência, a formação do professor ainda fi cará rele-gada às estantes de nossas bibliotecas e continuaremos ensinando algo que nós mesmos ainda não conseguimos aplicar em nossos próprios contextos educacionais.

Para tanto, faz-se necessário que o aluno-professor tenha pri-meiramente o exemplo na sua própria formação, apreendendo pela própria experiência universitária, percebendo pelos momentos que vivenciou e não somente pelos textos que leu.

Os conhecimentos e as competências do futuro professor de Língua Inglesa

Ao longo do curso de licenciatura em Letras, o aluno estuda uma série de disciplinas de conteúdo que irão torná-lo profi ciente na língua ou línguas em que atuará profi ssionalmente, além de entrar em contato com um conjunto de matérias pedagógicas que tem como objetivo colocá-lo a par dos aspectos teóricos e práticos do magistério. É nesse período que o aluno-professor passa a se cons-cientizar das responsabilidades de sua futura profi ssão e das várias competências que a envolvem, e a questionar sua capacidade de, como educador, se posicionar em uma sala de aula, proporcionando e construindo a formação daqueles que deverão atuar nos processos de transformação social.

Ele desenvolve, desse modo, uma concepção de linguagem e uma concepção de ensinar e aprender línguas, que, segundo Almeida Filho (1998), constituem a matéria prima das competências dos professores. Além dessas, outras competências se destacam como extremamente importantes para o exercício da profi ssão. Dentre elas, a competência linguístico-comunicativa é relevante, uma vez que para ensinar uma determinada língua, é preciso saber operá-la em situações de uso. A competência aplicada, que se contrapõe às cren-ças e intuições que o futuro-professor carrega consigo – competência implícita – fornece subsídios para o futuro professor desenvolver a sua abordagem, ou seja, capacita-o a verbalizar e explicitar suas ações em sala de aula. Tais competências relacionam-se com os níveis e

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componentes do conhecimento profi ssional do professor, aborda-dos por Garcia (1999). Segundo o pesquisador, há diversos tipos de conhecimento, dentre os quais se destacam: o do conteúdo, o didá-tico do conteúdo e o do contexto que envolvem, respectivamente, os conhecimentos teóricos e conceituais, o saber como, o saber para quê e o saber para quem ensinar.

O conhecimento do conteúdo corresponde aos saberes que os professores apreendem sobre o conteúdo da disciplina que minis-tram, como as informações, ideias e tópicos a conhecer, conceitos específi cos, defi nições, convenções e procedimentos. Esse conheci-mento é importante na medida em que determina o que os professo-res vão ensinar e a partir de que perspectiva. Por outro lado, lacunas nesse tipo de conhecimento podem afetar o nível de discurso da classe, assim como o tipo de perguntas que os professores formulam.

O conhecimento didático do conteúdo diz respeito à combinação adequada entre o conhecimento da matéria ensinada e o conheci-mento pedagógico e didático de como ensinar. Para os professores iniciantes, esse conhecimento deve ser bem detalhado e especia-lizado, para que possam optar adequadamente pelo que for mais apropriado dentro das diferentes abordagens, metodologias e téc-nicas de ensino, bem como desenvolver um ensino que propicie a compreensão do ponto de vista dos alunos.

O conhecimento do contexto corresponde aos saberes que os professores têm que adquirir sobre o local onde se ensina, assim como a quem se ensina. Eles devem adaptar o seu conhecimento geral da matéria às condições particulares da escola e dos alunos que a frequentam. Nesse sentido, é importante que os professores estejam conscientes e sensibilizados para conhecer as característi-cas socioeconômicas e culturais do bairro onde se situa a escola, as oportunidades que ela oferece aos alunos, e as expectativas desses estudantes. Além disso, esse tipo de conhecimento também inclui compreender a realidade da escola, da sua cultura, dos professores e das suas normas de funcionamento.

Assim, os conhecimentos que apresentamos são amplos e englobam uma grande variedade de dimensões importantes para

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a formação da competência profissional do futuro professor. Entretanto, além de conhecimentos, os futuros-professores preci-sam desenvolver competências, habilidades, tanto de conduta em sala de aula como cognitivas. Dentre elas, destacamos as capaci-dades mais gerais, como as de julgamento, resolução de confl itos, análise do contexto, que correspondem às decisões que o professor enfrentará diariamente em sua sala de aula, assim como a compe-tência humorística e o potencial criativo, foco deste estudo e que necessitam ser estimulados nos alunos desde o início do processo de escolarização.

Trabalhando com a criatividade dos alunos no Ensino Médio: a atividade FBI Files

O exemplo de atividade aqui apresentado é fruto da coleta de dados que se realizou na disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa 1, disciplina da grade curricular do Curso de Licenciatura em Letras de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo. A regência foi realizada em uma sala de aula da rede pública de ensino, durante o primeiro semestre letivo do ano de 2002.

As alunas estagiárias apresentaram como proposta de regência uma revisão dos Perfect Tenses, conteúdo que vinha sendo desen-volvido pelo professor responsável pela disciplina de Língua Inglesa para o 2° ano do Ensino Médio matutino.

A atividade FBI Files consistia em dividir a sala em grupos de seis pessoas, distribuir para cada grupo uma fi gura de uma cele-bridade (os escolhidos foram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a apresentadora e atriz Bárbara Xavier (Babi), o cantor Ricky Martin, a modelo Daniela Sarayba e o ator Tom Cruise) e pedir aos alunos que construíssem frases ou textos utilizando Perfect Tenses. Essas celebridades seriam criminosos procurados pelo FBI que cometeram crimes e os alunos deveriam escrever textos sobre eles, como, por exemplo: “He has robbed 10 banks so far. He is a dangerous drug dealer”.

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No plano de aula elaborado pelas alunas-professoras foi feita a seguinte proposta:

Quadro 1 – Proposta de atividade: FBI Files

FBI FILES

Goal: Review of the Past Simple Tense, Present Perfect and Past Perfect.

1) Teach or pre-teach a list of words related to crime. Examples: robbed, drug dealer, stolen, murdered, kidnapped, rapped, escaped, prison, etc. (You can do a brainstorm and elicit the information from the students)

2) Select pictures of celebrities in suspicious or diff erent/uncommon situations.

3) Ask the students to create a story related to the pictures. Th ey should involve the celebrities in a trap, in a situation in which they are involved in something related to crime.

Example: Madonna

Madonna has been a singer for 20 years. But she was a pretender. In fact, she kidnapped two kids that she says are their own children. At the moment she is living in England in a big castle and she is feeding hens in order to pretend that she is a good housewife.

Marília Gabriela

She was a journalist but when she decided to become an actress she was involved in a terrible trap, she robbed a bank and went to Texas. Now she is rich and became a cowgirl.

Th e story is funny because we have a background knowledge about those famous people which correspond to one semantic fi eld. For example: Marília Gabriela is a famous and serious journalist. You would never imagine her involved in anything related to crime or scandals. Th us, when the students create a story involving them in a suspicious case, they are creating another semantic fi eld and this is what causes the feeling of strangeness and makes the story funny.

Fonte: Margonari (2006, p.146).

Foram escritas na lousa palavras-chave relacionadas ao contexto, como crime, murder, robber, thief, disappear, kill, traffi c, prostitution, police offi cer, FBI agent, wanted, kidnap, victim, gun, spy e law.

As estagiárias auxiliaram os grupos na criação de suas frases e textos, pois constataram que os alunos não conseguiam construir

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orações simples, de forma livre, diferentes dos exercícios tradicio-nais aos quais eles estavam familiarizados, como, siga o modelo, ou transforme para a forma interrogativa e negativa. Esse fato gerou certo grau de difi culdade no andamento da atividade, exigindo um acompanhamento individual das alunas-professoras, exercendo o papel de mediadoras, tal como proposto na abordagem comunicati-va. Note-se que a organização espacial da sala de aula, outro pressu-posto fundamental da abordagem comunicativa, facilitou essa tarefa de monitoramento e mediação, pois os alunos estavam organizados em grupos de seis.

Superadas essas difi culdades, observou-se que a atividade des-pertou um grande interesse por parte dos alunos, que inventaram frases e textos engraçados e criativos, como podemos observar no exemplo abaixo:

He has robbed a lot of cassinos a year ago. Now he want do a excep-tional roub. He and more ten friends will roub six cassinos but have a problem, the money is kept in a safe deposit box. Th ey´ll do it just cheat on the banker and go to home how they were policialmen.(MARGONARI, 2006, p.148).

Analisando o texto, notamos que os alunos apresentaram erros ortográfi cos ao escreverem as palavras em Inglês: cassinos (casinos), roub (rob) e policialmen (policemen). É clara a infl uência da língua materna nesses casos. Os alunos também não selecionaram corre-tamente o tempo verbal e, ao invés de utilizarem o simple past, pois a ação estava terminada e não havia conexão com o presente; além do marcador temporal (a year ago), que reforça esse dado; os alunos usaram o present perfect, que expressa ações que começaram no pas-sado e que se estendem até o presente.

Na sentença Now he want do a exceptional roub, notamos um erro simples e comum em estudantes de nível básico ao não utilizarem o artigo an antes da palavra exceptional, pois ela se inicia com vogal.

Outro erro é a falta do –s na terceira pessoal do singular: want e a omissão do sujeito they antes do verbo have. Na sentença how they

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were policialmen também é possível pressupor que os alunos prova-velmente queriam utilizar o verbo pretend (fi ngir).

Entretanto, observamos que os alunos utilizam corretamente a voz passiva (is kept) e o simple past em (they were policialmen). Analisando a proposta na perspectiva da abordagem comunicati-va, podemos notar que os alunos conseguem se comunicar com efi cácia em Língua Inglesa, apesar dos erros diversos apresentados. A sugestão, nesse caso, seria uma atividade de reescrita dos textos, em que o professor pediria que prestassem atenção em seus erros e corrigissem-nos. A atividade poderia ser feita por meio da troca dos textos entre os grupos que, além de detectarem os problemas, compartilhariam o riso entre si.

Ao fi nal da atividade, as alunas-professoras e os alunos expuseram as frases e os textos de cada grupo oralmente nas versões em Inglês e Português.

Em relação às difi culdades encontradas na regência, as graduandas fi zeram o seguinte comentário no relatório de estágio:

Durante a atividade FBI fi les, os alunos demoraram a perceber o objetivo proposto pelo exercício, bem como a tarefa de produzir o mesmo (por parte de alguns grupos). Convém ressaltar que mesmo esses grupos, embora não tivessem competência linguís-tica desenvolvida o sufi ciente para produzir textos em Língua Inglesa, estes apresentaram alto grau de criatividade e humor. (MARGONARI, 2006, p.149).

Apesar da proposta da atividade FBI Files não ter como objetivo principal provocar o riso nos alunos, nem ter sido intencionalmente planejada pelas estagiárias com esse propó-sito, analisando-a, observamos que as celebridades apresenta-das, personagens famosas que, de acordo com o conhecimento prévio da sociedade em geral são pessoas sérias e íntegras, neste exercício são transportadas para outro contexto, ou outro cam-po semântico, ou seja, um cenário de crime, roubo, sequestro, tráfico e prostituição. O riso ocorre pelo “choque” ou “estra-nhamento” causado. A seguir, temos o texto escrito por um dos

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grupos sobre o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e um diagrama proposto para melhor exemplificar a atividade:

He is a dangerous thief. He has (robbed)11 30 bank(s) in a month. He is aisso (also) a drugdealer. He has exaped (escaped) from jail twice He´s been wanted by police office(rs) and too(also) (by) FBI agent(s), and after he toor (?) three victims. And there were a cape and went to Miami Beach. Any notice, call 257-8724. (MARGONARI, 2006, p.150).

Figura 2 - Elementos bissociados que ao se associarem provocaram o riso.

Fonte: Margonari (2006, p.150).

De acordo com o conceito de bissociação de Koestler (1967), quando duas (ou mais) matrizes interagem, elementos de ambas podem se tornar bissociados e, assim, adquirir um signifi cado mais rico, inovador.

Nesse caso, a justaposição da linha de pensamento (ex-presiden-te do Brasil de 1994 a 2002, sociólogo, ex-ministro da Fazenda, sério, honesto) com a linha (perigoso ladrão, roubou 30 bancos, trafi cante de drogas, fugiu duas vezes da prisão), formou uma nova 11 Foram colocadas entre parênteses palavras que consegui identifi car e pressupor e uma

interrogação para aquelas que não consegui reconhecer, devido à caligrafi a do aluno.

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combinação a partir dos elementos originais. O estabelecimento de um novo signifi cado provocou o riso, pois os elementos familiares que faziam parte de um contexto foram transpostos para outro diferente.

Finalmente, na avaliação do conteúdo proposto na regência, as estagiárias12 analisam a aula positivamente:

De maneira geral, houve muito interesse dos alunos no conte-údo proposto em nossa regência [...]. Os alunos das turmas se demonstraram envolvidos com os temas abordados na sala de aula. Foi possível notar que eles se empenharam para realizar cada uma das atividades propostas nas aulas, se envolvendo, fazendo perguntas e fazendo bom uso da criatividade [...].

Observamos que, por meio do envolvimento, os alunos conse-guiram relaxar e superar algumas lacunas em sua competência gra-matical, reorganizando os elementos existentes de modo criativo e produzindo textos engraçados e interessantes.

Para Krashen (1982), as disposições afetivas estão diretamente relacionadas à aprendizagem, ou seja, variáveis como motivação, autoestima e ansiedade fazem com que o aprendiz esteja aber-to (fi ltro baixo) ou fechado (fi ltro alto) para interagir positiva ou negativamente com o conhecimento. Nesse caso, o papel do humor como um recurso redutor do fi ltro afetivo atuou positi-vamente.

Considerações Finais

As experiências com atividades humorísticas durante o curso de formação em Letras foram incorporadas pelos alunos-professores em sua prática docente nos estágios de regência e infl uenciaram a seleção e elaboração de materiais com foco para o humor e o desenvolvimento da criatividade dos alunos. Durante a preparação de materiais para as regências, os futuros professores mostraram-se

12 Cf. MARGONARI, 2006, p.151.

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muito criativos, mesmo aqueles que adaptaram propostas ante-riormente vistas na graduação, conforme a teoria do pensamen-to associativo de Koestler (1967). Assim, conseguiram promover o desenvolvimento da competência humorística entre os alunos do Ensino Médio. Até mesmo os materiais que não haviam sido especifi camente planejados para provocar o humor despertaram uma grande motivação nos alunos, promovendo o relaxamento dos aprendizes, melhorando a atmosfera da classe e, com a mediação das estagiárias, levando-os a produzir textos humorísticos interes-santes e criativos.

Cabe ressaltar a ênfase que este estudo procurou dar à integra-ção do desenvolvimento da competência humorística e da criativi-dade, destacando-se a importância desse trabalho numa perspectiva de ensino comunicativo que tenha início desde os primeiros níveis do processo de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa e que se insira e se baseie na realidade e nas necessidades dos estudantes. Nesse contexto, trabalhar com atividades humorísticas e criati-vas não é adotar um caminho oposto à importância que deve ser dada à educação e, sim, reconhecer o humor e a criatividade como complementares à mesma, que por meio das suas vantagens e dos papéis positivos que desempenham, podem transformar o ensino--aprendizagem em algo prazeroso e motivador para os aprendizes, apesar das difi culdades e obstáculos que ainda precisam ser trans-postos.

Finalmente, podemos observar que a criatividade precisa ser incentivada e desenvolvida ao longo de todo o processo de escolari-zação. Quando o potencial criativo e as competências e habilidades dos alunos são despertados, eles tornam-se fortes como indivíduos livres e independentes, capazes de lidar com o futuro e com suas incertezas. Tornando-os aptos a criar novas formas de adaptação às novas demandas sociais, culturais e naturais e a solucionar as ques-tões e problemas trazidos pelo progresso social, científi co e tecno-lógico, todos terão a possibilidade de se tornar produtores do saber, pois em cada indivíduo há capacidades para inventar, construir, agir e revolucionar.

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ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA

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ESTILOS DE APRENDIZAGEM E CANAIS DE PERCEPÇÃO:

CONTRIBUIÇÕES PARA UM ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA MAIS

INCLUSIVO

Renata Maria Moschen NASCENTE

Introdução

Neste capítulo temos como objetivo apresentar uma síntese de estudos relativos a estilos de aprendizagem e canais de percepção relacionando-os ao campo específi co do ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira (LE). Esse relacionamento nos parece profícuo na medida em que o corpo teórico apresentado foi comprovadamen-te efi caz na tarefa de compreender os diferentes níveis de desenvolvi-mento alcançados por estudantes adultos de Língua Inglesa.

Partimos do pressuposto de que essa compreensão pode contri-buir para a ampliação e aprofundamento do conhecimento docente tanto sobre o papel dos estilos de aprendizagem e dos canais de percepção em diversos campos da educação escolar, como especifi -camente sobre alguns dos possíveis caminhos pelos quais é possível

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Estilos de aprendizagem e canais de percepção: contribuições para um ensino de língua estrangeira mais inclusivo

aprender e ensinar uma LE, propiciando adequações pedagógicas que possibilitem incluir o maior número possível de pessoas nesses processos.

Este trabalho se justifi ca pelo potencial da LE como compo-nente dos currículos escolares regulares, constituindo-se em uma competência fundamental para o desenvolvimento das habilidades de leitura e comunicação na atual sociedade da informação e do conhecimento. Além disso, a aprendizagem de LE pode fomentar o desenvolvimento de habilidades que devem ser coadjuvantes na apropriação de outros conteúdos escolares. Também é importante ressaltar que algum conhecimento sobre estilos de aprendizagem e canais de percepção pode subsidiar professores em suas abordagens de ensino, o que signifi ca um passo adiante no desenvolvimento educacional de crianças, adolescentes e adultos.

Primeiramente apresentaremos alguns estudos sobre os estilos de aprendizagem de uma perspectiva histórica; em seguida, aborda-remos os conceitos de estilos e estratégias de aprendizagem, canais de percepção e abordagens de ensino. Posteriormente, trataremos dos estilos de aprendizagem que nos pareceram mais relevantes na área de LE, globalidade e analiticidade e introversão e extrover-são. Finalmente, explicitaremos como o corpo teórico apresentado pode subsidiar abordagens de ensino efi cazes e includentes, tanto no campo específi co de LE como na educação escolar de maneira geral.

Estudos sobre os estilos de aprendizagem: uma perspectiva histórica

O surgimento de estudos sobre como as pessoas aprendem e, mais especificamente sobre os estilos de aprendizagem, ocorreu na década de quarenta. Segundo Shirahige (1999), o movimento New Look surgido na psicologia americana nesse período originou--se do descontentamento dos psicólogos com os modelos vigentes nas investigações sobre a percepção humana. Esses estudiosos acre-ditavam que até aquele momento as pesquisas não consideravam

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Renata Maria Moschen Nascente

variáveis tais como personalidade, necessidades e valores. As razões práticas para o desenvolvimento desse movimento são explicadas por Griffi ths e Sheen (1992), estando relacionadas a problemas de orientação observados em alguns pilotos durante a Segunda Grande Guerra.

Lemes (1998) explica também que, durante a década de cin-quenta, essa área da psicologia se expandiu, com a proliferação de diversos estudos sobre os estilos que geraram diferentes conceitos de estilos, devido às diferentes escolas de pensamento psicológico que infl uenciaram os estudos sobre estilos cognitivos. As principais infl uências teriam sido a psicanálise, a psicologia da gestalt, a psico-logia cognitiva e a psicologia comportamental.

Esclarecedora da diversidade de pesquisas surgidas sobre os esti-los a partir desses trabalhos iniciais é a obra de Claxton e Ralston (1978), na qual os autores elaboraram um estado da arte sobre as pesquisas realizadas até então sobre estilos cognitivos, de personali-dade e de aprendizagem. Os autores arrolaram os principais modelos de respostas dadas pelos alunos em situações educacionais de ensino superior, assim como a integração desses modelos. Eles fi zeram ainda um mapeamento integrando os diversos estilos. O quadro a seguir constitui-se em uma síntese do trabalho desses autores.

Quadro 1 - Síntese das pesquisas sobre estilos de aprendizagemMODELO DESCRIÇÃO REFERÊNCIAS

1. Dependência ou independência de campo

A dependência de campo se caracteriza pelos modos globais de percepção. Os indepen-dentes de campo, pelos modos analíticos de percepção.

Witkin et al. (1954); Witkin

(1976)

2. Conceituação analítica ou não analítica

O estilo analítico inclui a diferenciação entre atributos e qualidades. O estilo não analítico pode responder de maneira mais relacional ou temática.

Kagan et al. (1960);Messick e Kogan

(1963)

3. Impulsividade e refl exão

A impulsividade é caracterizada por respos-tas rápidas, a refl exão, por respostas mais lentas e deliberadas. A pessoa impulsiva é mais rápida, mas erra mais.

Kagan (1965)

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Estilos de aprendizagem e canais de percepção: contribuições para um ensino de língua estrangeira mais inclusivo

MODELO DESCRIÇÃO REFERÊNCIAS

4. Capacidade de correr riscos ou medo de correr riscos

O indivíduo capaz de correr riscos o faz mesmo quando as chances de sucesso são muito pequenas. O outro tipo, que tem medo de correr riscos, é caracterizado pela relutância em correr riscos a menos que a possibilidade de sucesso seja muito grande.

Kogan e Wallach (1964)

5. Sistemático ou intuitivo

O sistemático demonstra inclinação para transformar dados em conceitos relacio-nados a outros retidos previamente. Ele inclina-se a desenvolver sequências. Já o intuitivo tende a absorver dados de manei-ra bruta, desenvolvendo livremente as suas ideias dos dados propostos e ainda separa as partes do todo.

McKenney e Keen (1965)

6. Nivelador ou agudo

Esses tipos demonstram variações no que se refere à assimilação e à memória. O nivela-dor tende a assimilar novos estímulos den-tro de categorias previamente estabelecidas, enquanto o agudo tende a diferenciar novas informações das que tinham sido previa-mente estabelecidas.

Gardner (1959)

7. Cognitivo com-plexo ou simples

Apresentam diferenças na tendência de ver o mundo de maneira multidimensional. Os complexos se caracterizam pelo uso de integração hierárquica, enquanto os simples mostram-se no uso de dimensões e diferen-ças.

Harvey, Hunt e Schroder (1961);

Kelly (1955)

8. Detalhista e focado

Envolvem a identificação de informação relevante e irrelevante nas tentativas de resolver um problema.

Schlesinger (1954)

9. Controle fl exível e restrito

O tipo controle restrito demonstra maior suscetibilidade a distrações, enquanto o tipo controle fl exível demonstra resistência a interferências.

Klein (1954)

10 . To l e r ânc i a ou intolerância à incongruência

Indivíduos tolerantes à incongruência demonstram facilidade para perceber dados e situações não convencionais. A tolerância é caracterizada por uma grande capacidade de adaptação a percepções não usuais. Os intolerantes revelam-se pela demanda de mais dados e explicações antes que algo não usual seja aceito.

Klein, Gardner e Schelsinger (1962)

Elaboração própria.

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Renata Maria Moschen Nascente

Como se pode observar, em um período de mais ou menos vinte anos de pesquisas sobre os estilos, instituiu-se uma diversidade muito grande de conceitos e paradigmas, que, por sua vez, gerou um núme-ro muito grande de instrumentos de investigação. Deve-se levar em conta ainda o fato de que existe signifi cativa sobreposição entre esses conceitos, o que se refl etiu também nos instrumentos. Essa diversidade tem perdurado nesse campo de estudos, ainda sendo observada na atualidade. Devido a essa complexidade consideramos fundamental que explicitemos os conceitos de estilos e estratégias de aprendizagem e como eles se refl etem nas abordagens de ensino para que melhor possamos compreender como essa inter-relação se concretiza em um contexto educacional específi co.

Estilos, estratégias e abordagens

Claxton e Ralston (1978) abordaram os obstáculos e pressupostos sobre a implementação de planos educacionais que estejam cen-trados nos estilos dos alunos. Os autores esclareceram que se fosse possível combinar determinados estilos, principalmente os relacio-nados à dependência e independência de campo, com os métodos de ensino e, até mesmo, com os estilos dos professores, seria facilitada a interação em sala de aula, o que, a princípio, poderia ser uma vantagem para a efi cácia dos processos de ensino e aprendizagem.

Os estudiosos apontaram para o fato de que tal premissa pode não ser verdadeira em todos os casos. Por exemplo, se o propósito do curso dado for de alguma forma instrumental, a combinação de estilos pode ser particularmente benéfi ca. Por outro lado, se o propó-sito do curso estiver mais voltado ao desenvolvimento do indivíduo como um todo, o contato entre diferentes estilos pode ser benéfi co aos alunos. Claxton e Ralston (1978) defi niram os estilos como uma maneira consistente pela qual um aluno responde a estímulos e como ele os utiliza no contexto de aprendizagem.

Essas respostas dadas pelos alunos, que são formas de apropriação dos estímulos e/ou insumos oferecidos, têm sido conceituadas tanto como estilos e/ou estratégias de aprendizagem. Sternberg

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e Grigorenko (2001) nos ajudam a discernir esses conceitos. Para os autores, os estilos são acionados pelos indivíduos de maneira inconsciente enquanto as estratégias se constituem em escolhas conscientes de alternativas, os estilos seriam preferências individuais e as estratégias as ações derivadas dessas preferências, suas concretizações.

Os autores (STERNBERG; GRIGORENKO, 2001) explicam ainda a ligação intrínseca entre estilos de aprendizagem e estilos de ensino, isto é, os professores baseiam suas estratégias de ensino em seus próprios estilos de aprendizagem. Corrobora essa ideia o modelo tridimensional proposto por Renzulli e Dai (2001), com-posto pelo aluno, professor e currículo. Nesse paradigma, cabe ao professor criar “pontes” emocionais e cognitivas para passar o conteúdo curricular para os alunos. O conhecimento sobre as habilidades, os interesses e os estilos dos alunos é um elemento fundamental nesse processo. Com esse conhecimento, o profes-sor tem condições de criar situações de aprendizagem positivas, que maximizem o potencial de cada indivíduo, para que sejam cientistas, artistas, técnicos, isto é, para que conheçam suas pre-ferências e tracem seus próprios caminhos ao longo de sua vida. Nesse contexto, o ensino deve estar voltado não a um determi-nado produto, mas ao desenvolvimento do indivíduo. A questão dos estilos torna-se crucial nesse modelo na medida em que eles diferenciam o curso do desenvolvimento de cada indivíduo, o que tem efeitos signifi cativos nas práticas educacionais a serem imple-mentadas com esses alunos. A interpretação dada aos estilos pelos autores é essencialmente dinâmica. Eles seriam infl uenciados tanto pelas habilidades inatas dos indivíduos quanto pelo meio social e educacional no qual eles se inserem.

Riding (2001) enfatiza o valor dos estudos sobre os estilos não somente para a educação, mas, notadamente, para a elaboração de instrumentos e estratégias de carreiras a serem seguidas. Isso ocor-re porque os estilos individuais perpassam aspectos fundamentais dentro desse contexto, tais como tomada de decisões, ansiedade, otimismo, nível de stress e adequação ocupacional.

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Biggs (2001) destacou um aspecto importante para a aprendiza-gem em ambientes escolares, defi nindo o conceito de abordagem, que seria tanto os processos adotados para propiciar a aprendizagem, que determinam diretamente os resultados dela, como também as predisposições que alunos e professores trazem para esse processo. O autor explicita ainda que, apesar dos conceitos de estilos de apren-dizagem e de abordagens de ensino serem provenientes de tradições científi cas diversas, respectivamente da psicologia e da educação, isso não impossibilita sua interação. Entendemos que não corremos o risco, neste caso, de “psicologizar” a educação, mas sim de buscarmos conhecer a psicologia para melhor educar.

Entwistle et al. (2001) aprofundam a discussão sobre a inter--relação entre abordagens de ensino e estilos de aprendizagem. Primeiramente, eles estabelecem três instâncias que geram o trabalho do professor em sala de aula: as concepções sobre o ensino, que ele forma ao longo da vida; os estilos de ensino, diretamente derivados de seus estilos de aprendizagem e de sua personalidade, e as abor-dagens de ensino, baseadas em sua formação profi ssional, das quais derivam os métodos e técnicas de ensino que geram determinadas atividades em sala de aula em detrimento de outras. Obviamente, existe uma interação dinâmica entre esses elementos que são infl uen-ciados e infl uenciam o contexto sócio-educacional no qual se inse-rem e apresentam tanto características mutáveis quanto estáveis.

Os resultados das pesquisas de Sternberg (2001), Watkins (2001) e Nascente (2004) nos levam a afi rmar, portanto, que não há limites claros entre os estilos e estratégias de aprendizagem e abordagens de ensino. Fica também estabelecida uma concepção de estilos como características individuais fl exíveis que podem ser pedagogicamente trabalhadas, devendo sempre ser consideradas nas mais diversas situ-ações de aprendizagem como elementos que podem favorecê-las ou difi cultá-las. Assim, esclarecemos que entre estilos, estratégias e abor-dagens de ensino existe uma relação intrínseca, uma inter-relação.

Do ponto de vista concreto, em sala de aula, talvez a estratégia possa ser considerada uma concretização do estilo, que, por sua vez, se reestrutura a partir do retorno fornecido pelo professor de acordo

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com suas abordagens de ensino. Nessa linha de pensamento, fi ca claro o caráter interacional entre indivíduo e o contexto educacional no processo de aprendizagem. Em seguida, percebe-se também o papel fundamental exercido pelo professor na aprendizagem, isto é, o professor traz para a sala de aula seus próprios estilos que infl uen-ciam como ele vai ensinar os alunos e, principalmente, como ele vai lidar com os estilos deles. Dessa maneira de lidar com os estilos de seus alunos dependerá a qualidade da aprendizagem e, notadamente, o surgimento de difi culdades ou não. Essa perspectiva dos processos de ensino e aprendizagem possibilita a compreensão de alguns dos tipos de confl itos que ocorrem cotidianamente nas salas de aula, que por sua vez podem ser os causadores do surgimento e consolidação de algumas das chamadas difi culdades de aprendizagem.

A compreensão por parte dos professores dessa perspectiva pode ser muito signifi cativa, pois quem conhece seus próprios estilos e estratégias de aprendizagem pode intencionalmente modifi car suas abordagens de ensino para atender os estilos e estratégias dos alunos e a partir daí fomentar seu desenvolvimento. Portanto, os professores podem adequar abordagens de ensino aos conteúdos propostos e aos estilos dos alunos para que todos aprendam tanto os conteúdos em si como novas estratégias, em um processo dinâmico, como já colocamos anteriormente.

Dessa forma, os professores podem encorajar estilos de aprendi-zagem que sejam efetivos incentivando a participação dos alunos na escolha de materiais e projetos, uma perspectiva, portanto, dialógica e democrática de educação escolar. Nesse contexto, os alunos devem se tornar mais independentes e autônomos no que concerne aos processos de aprendizagem nos quais estão inseridos, desenvolvendo conscientemente seus estilos e estratégias de aprendizagem de acordo com seus objetivos de vida.

Para Carbo, Dunn e Dunn (1991), o conhecimento dos estilos de aprendizagem de alunos do ensino fundamental tem o potencial de auxiliar professores e coordenadores na tarefa de criar as condi-ções para que essas crianças desenvolvam-se adequadamente no que diz respeito à leitura. Os autores acreditam que o pressuposto de que

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são os alunos que têm que se adaptar ao ensino que lhes é oferecido tem levado ao fracasso de muitos deles por causa do confl ito entre os seus estilos e as situações educacionais a eles oferecidas. Por outro lado, eles comprovaram que quando se permitem que os alunos desenvolvam seus estudos dentro dos seus estilos de aprendizagem não só os resultados são mais satisfatórios, mas eles se tornam mais persistentes e responsáveis em relação a esse processo.

Os autores (CARBO; DUNN; DUNN, 1991) explicam ainda que, raramente, uma abordagem de ensino de leitura tem consegui-do corresponder aos estilos dos alunos. Quando foi possível harmo-nizar os estilos dos alunos e as abordagens de ensino, os problemas de disciplina diminuíram e eles passaram a ter atitudes mais positivas no que concerne à aprendizagem da leitura, tornaram-se mais relaxa-dos em sala de aula e tiveram atitudes mais generosas em relação aos seus colegas, e, além disso, adquiriram o gosto pela leitura.

Carbo, Dunn e Dunn (1991) chamam a atenção ainda para a questão da estruturação do trabalho pedagógico em sala de aula. Enquanto alguns alunos, independentemente de sua faixa etária, necessitam de uma forte estruturação didática por parte de seus professores, outros podem sentir-se sufocados por um alto grau de estruturação, provavelmente porque eles já trazem essa estrutura-ção consigo. Os últimos, geralmente, precisam de certo grau de direcionamento pedagógico e não de uma estruturação propria-mente dita.

Tendo explicitado os conceitos de estilos e estratégias de aprendi-zagem e de abordagem de ensino que norteiam este trabalho e dado alguns exemplos de como esses conceitos se inter-relacionam na realidade escolar, passamos a discutir nossa conceituação de canais de percepção.

Os canais de percepção: auditivo, visual e cinestésico

De acordo com Carbo, Dunn e Dunn (1991), aproximadamente de vinte a trinta por cento da população americana em idade escolar lembra-se do que ouve, quarenta por cento lembra-se do que vê e o

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restante precisa de algum tipo de experiência concreta para lembrar-se de algo.

Os autores defi nem o aprendiz auditivo como aquele que conse-gue lembrar-se mais e melhor de conteúdos que lhe foram ensinados verbalmente. Carbo, Dunn e Dunn (1991) recomendam que estu-dantes que aprendem facilmente ouvindo devem ser introduzidos a novas informações por intermédio desse sentido. Depois de ouvir o novo material, estudantes auditivos devem ser incentivados a apren-der por intermédio de seu segundo mais forte sentido. Portanto, se o segundo sentido do aluno for o visual, ele deve ouvir e depois ler as novas informações. Se o segundo sentido for o cinestésico, depois de ouvir o aluno deverá tomar notas do que aprendeu.

Já os aprendizes cujo canal preferencial é a visão retém deta-lhes e eventos concentrando-se em coisas que tenham visto. Esses aprendizes devem ser ensinados por intermédio desse sentido. Depois de ver e/ ou ler sobre o novo material, a aprendizagem visual deve ser reforçada pelos outros canais, assim como foi des-crito para os aprendizes auditivos (CARBO; DUNN; DUNN, 1991).

Finalmente, os autores (CARBO; DUNN; DUNN, 1991) des-crevem os aprendizes cinestésicos como os que aprendem fazendo, tocando e tendo experiências. Para esses alunos, as novas infor-mações devem ser introduzidas da maneira mais concreta possí-vel, por meio de excursões, entrevistas, atividades de culinária, de construção e de representação. Depois desse estágio, assim como os outros aprendizes, eles devem receber as outras informações pelos outros canais.

Portanto, o professor precisa abordar o conteúdo proposto por meio de atividades que envolvam os três canais de percepção, para maximizar as possibilidades de aprendizagem de todos os seus alu-nos.

Ehrman (1996), em uma pesquisa sobre canais de percepção que teve como sujeitos aprendizes americanos adultos de LE, cons-tatou que a maioria deles diz absorver informação de maneira mais efi ciente pela via visual, em segundo lugar por intermédio de ações

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concretas, pela via cinestésica e, fi nalmente, poucos apontaram a via auditiva como seu canal preferencial. A autora alerta para o fato de que essas tendências devem sofrer uma forte infl uência cultural, portanto só são válidas para os contextos nos quais se inserem. Entretanto o argumento por ela utilizado para explicar a razão pela qual a maioria das crianças demonstra preferência pelo canal cinestésico e a maioria dos adultos pelo canal visual parece pertinente para outros contextos educacionais fora dos Estados Unidos. Ela acredita que essa mudança de preferência ocorra por infl uência da educação escolar na medida em que, paulatinamente, a criança vai sendo “educada” para suprimir sua necessidade de movimento nos contextos escolares até a se sentir envergonhada por possuir essa preferência.

A estudiosa explica que os alunos demonstram claramente seus canais preferenciais na sala de aula de LE. Os estudantes visuais tendem a rejeitar insumos auditivos, a querer seus livros abertos e necessitam tomar notas do que é dado em sala de aula. Alunos auditivos precisam ouvir e não apenas ler o que devem aprender, pedem para ouvir materiais e gostam que tudo seja lido alto, pre-ferem prática oral sem a utilização dos livros. As preferências dos cinestésicos os levariam a querer manipular materiais e andar na sala de aula ou até escapar dela quando se torna excessivamente “chata”(EHRMAN, 1996).

Para Ehrman (1996) é possível ensinar por meio desses três canais de percepção, e as difi culdades surgem se o trabalho do professor em sala de aula concentra-se em um ou dois deles. As atividades a serem realizadas com os livros fechados ou abertos seriam um exemplo disso. Se um aluno é preferencialmente visual, terá muita difi culdade em aprender apenas ouvindo algo. Por outro lado, para um aluno auditivo, apenas a leitura de uma palavra ou de uma frase, prova-velmente, não será sufi ciente para que ele se aproprie dela. A autora recomenda que os professores ofereçam aos alunos que têm uma preferência muito forte por um canal atividades simples e de baixo risco por intermédio dos outros canais, para que gradativamente eles os desenvolvam. A adaptação mais difícil seria a dos alunos cines-

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tésicos, justamente por sua necessidade de “ação” em sala de aula estar fora do que se convencionou conceber como comportamento e trabalho, todos sentados, interagindo com o professor pela palavra e não com o corpo como um todo.

De acordo com Reid (1998), as tendências mais gerais no que concerne aos canais de percepção são que a maioria dos alunos, quando inicia sua instrução em LE, prefere atividades cinestésicas e visuais. Com o passar do tempo, familiarizando-se com atividades de ouvir, tornam-se mais afeitos a elas, portanto a abordagem de ensino de LE deve ser a mais variada possível no que concerne aos canais de percepção.

No que diz respeito ao aprendiz brasileiro adulto de LE, com-provamos (NASCENTE, 2004) que normalmente sua preferência é pelo canal visual, provavelmente pelo fato de nossa escola regular privilegiar esse canal. Assim, percebemos que alunos adultos che-gam à situação de aprendizagem de LE praticamente desconhecendo estratégias que possibilitem aprendizagens pelo canal auditivo, que é fundamental nesse tipo de aprendizagem e cremos, para diversas modalidades de letramento a serem desenvolvidas pela educação escolar. Portanto salientamos a necessidade do desenvolvimento de abordagens de ensino tanto na área de LE como na educação escolar de maneira geral que trabalhem simultaneamente com os três canais de percepção.

Os estilos global e analítico

Comprovamos em nossa pesquisa (NASCENTE, 2004) e expe-riência profi ssional que os estilos global e analítico então entre os mais prevalentes nos processos de aprendizagem de LE, isto é, são ao mesmo tempo muito importantes para compreender as difi cul-dades de aprendizagem nesse campo e facilmente observáveis pelos professores.

Nossa pesquisa demonstrou que essas duas categorias de estilos, globalidade e analiticidade, originam-se das categorias de dependên-cia e independência de campo. Também esclarecemos que a trans-

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mutação dos instrumentos e dos próprios conceitos relacionados à dependência e à independência de campo para a realidade do ensino de LE não se ajustam às especifi cidades desse campo educacional. Por isso preferimos a conceituação dos estilos global e analítico, mais apropriada do que a independência e a dependência de campo para um estudo na área de aprendizagem de LE (NASCENTE, 2004).

Segundo Griffi ths e Sheen (1992), os dependentes de campo seriam aqueles que abordam a realidade externa de forma global enquanto os independentes de campo seriam aqueles que abordam a realidade de maneira analítica. Portanto, indivíduos independen-tes de campo ou analíticos teriam mais facilidade em tarefas que requerem diferenciação e análise. Essa vertente analítica faz com que o indivíduo se diferencie muito bem de seu contexto. Já os dependentes de campo ou globais, tenderiam a se identifi car com o grupo, exibindo uma forte orientação social, sendo mais suscetíveis ao meio e ao isolamento social.

Riding (2001) descreve a dimensão global/ analítica como uma infl uência estrutural na forma pela qual os indivíduos pensam, veem e respondem a informações e situações. Isso afeta como eles organizam esses elementos durante a aprendizagem, percebem suas situações de trabalho e se relacionam com outras pessoas. Os glo-bais veem as situações como um todo e são capazes de obter uma perspectiva geral e apreciá-la dentro de um contexto mais amplo. Em contraste, os analíticos veem uma situação como uma coleção de partes e, frequentemente, focalizam um ou dois aspectos da situação de cada vez, excluindo os outros. Existem os tipos inter-mediários entre os dois que conseguem permanecer no meio dos dois extremos, o que deve dar a esses indivíduos as vantagens dos dois estilos. Fica claro, ainda, que ambos os lados têm vantagens e desvantagens. A desvantagem dos globais é que eles têm difi cul-dades em enxergar as partes e, mesmo quando as enxergam, suas divisões não são nítidas. Por outro lado, os analíticos focalizam apenas um aspecto de cada vez, podendo distorcer e /ou exagerar uma parte do todo. Nesse caminho, ele perde a perspectiva do todo. A vantagem dos globais é justamente a sua visão de todo, o

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que torna a análise baseada nas partes desse todo muito difícil para eles. O lado positivo dos analíticos é justamente a sua capacidade de análise, que faz com que consigam compreender problemas em profundidade. Eles são ótimos para detectar semelhanças e diferen-ças, são muito detalhistas. Perdem, entretanto, a visão balanceada do todo, podendo ainda deter-se muito intensamente em uma determinada parte de uma situação em detrimento das outras, o que pode causar uma exclusão de elementos importantes em determinadas circunstâncias.

Encontramos evidências também de que globalidade e analiticidade são estilos que se colocam nas duas terminações de um contínuo e que a maioria dos aprendizes se coloca em alguma posição entre os dois estilos, portanto, é raro encontrar um indivíduo totalmente global ou totalmente analítico. Normalmente, os indivíduos demonstram possuir algumas características que nos fazem percebê-los como globais ou analíticos. Portanto, analiticidade e globalidade não são conceitos de estilos absolutos, mas tendências relativamente verificáveis e generalizáveis (NASCENTE, 2004).

Com o objetivo de refi nar nossa compreensão dos conceitos dos estilos global e analítico e contribuir para novos estudos tanto no campo do ensino e da aprendizagem de LE como para a educação escolar de forma mais abrangente, sintetizamos no quadro 2 a carac-terização desses estilos elaborada por Kinsella e Sherak (1998).

Quadro 2 - Comparação entre os estilos analíticos e relacionaisEstilo Analítico Estilo Global

Percepção e Processamento de Informações

Características de processamento pelo lado esquerdo do cérebro:Analítico, linear, sequencial, racional, objetivo, abstrato, verbal, matemático, detalhista, refl exivo, cuidadoso, não gos-ta de lidar com excesso de informações simultaneamente.

Características de processamento pelo lado direito do cérebro:Relacional, holístico, seguidor de mode-los, espacial, intuitivo, subjetivo, concre-to emocional, visual, contextual, impul-sivo, responde com facilidade a grandes quantidades de informações.

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Estilo Analítico Estilo GlobalPontos Fortes de Aprendizagem

Prefere atividades previsíveis e familiares.Persistente em atividades estimulantes.Aprende por intermédio de materiais que são abstratos, factuais, impessoais e práticos.Tem afi nidades por estratégias sistemáti-cas e instrucionais.Gosta de trabalhar sozinho ou com um colega que tenha o mesmo estilo.Benefi cia-se de exemplos objetivos, ten-tativas e erros, regras e defi nições.

Exibe capacidades de intuição e impro-visação.Gosta de resolver problemas em grupo, de maneira colaborativa.Prefere atividades variadas e criativas.Foge de atividades que não sejam esti-mulantes.Aprende com mais facilidade por inter-médio de materiais com conteúdos humanos, sociais, caracterizados por relevância cultural.Tem afinidades por estratégias de ins-trução nas quais vários elementos cola-borem entre si de forma realista e sig-nifi cativa.Prefere estruturas explicitas, modelamen-to, orientação e retorno sobre as tarefas realizadas.Benefi cia-se mais da exposição sistemá-tica a padrões associativos, do que de regras específi cas e correção de erros.

Relações Interpessoais

Identidade pessoal e papel social auto-defi nido.Autoestima menos dependente da opi-nião dos colegas.Orientado por tarefas, relativamente insensível a “pistas” emocionais e rela-ções interpessoais.

Vê-se como parte do grupo, para se iden-tifi car e defi nir seu próprio papel.A aprendizagem melhora com o reco-nhecimento do grupo e dos pares.Socialmente orientado e sensível a “pis-tas” verbais e não verbais nas relações interpessoais.

Elaboração própria.

As consequências pedagógicas para o ensino de LE e para a educa-ção escolar do conhecimento por parte de professores sobre os estilos global e analítico é que esse conhecimento deve afetar as abordagens de ensino desses professores. Primeiramente seria importante que os professores conseguissem identifi car suas próprias tendências, mais

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para a analiticidade ou para a globalidade. Assim, eles poderiam enten-der como se concretizam suas abordagens de ensino em sala de aula e porque alguns de seus alunos, provavelmente os mais identifi ca-dos com as suas características, demonstram desenvolvimentos mais signifi cativos do que outros alunos, com tendências opostas às suas. Pensamos que essa clareza em relação aos estilos global e analítico e de como eles se manifestam em sala de aula tem o potencial de contribuir de alguma forma para o aprimoramento dos processos de ensino de aprendizagem em diversas áreas da educação escolar, o que comprova-mos particularmente em um contexto de aprendizagem de LE.

Extroversão e introversão

De acordo com Ehrman (1996), a introversão e a extroversão, assim como a globalidade e a analiticidade, também podem ser consideradas como terminações de um contínuo. Essa bipolaridade estaria ligada ao fl uxo de energia dos indivíduos. Dessa maneira, a pessoa introvertida precisa estar só ou em contato com poucas pes-soas realmente signifi cativas para ela para se “reabastecer” de energia. Por outro lado, a pessoa extrovertida se abastece no mundo em con-tato com as outras pessoas. Se colocarmos uma pessoa introvertida em uma situação em que tem que interagir com muitas pessoas, essa situação “suga” sua energia o que faz com que ela necessite de tempo consigo mesma para se reestruturar. Por outro lado, o extrovertido terá sua energia drenada se tiver que passar muito tempo só, sem poder interagir com outras pessoas. Cada um dos tipos pode operar no terreno preferencial do outro, mas, cedo ou tarde, algum tempo para “reabastecimento” se faz necessário. Os extrovertidos são sen-síveis à baixa estimulação, enquanto os introvertidos são sensíveis à autoestimulação. Os extrovertidos são ativos e impulsivos, os intro-vertidos são contemplativos e refl exivos. Os extrovertidos preferem as atividades orais e auditivas, os introvertidos preferem atividades visuais e escritas.

Assim como os estilos global e analítico, percebemos em nossa experiência profi ssional que as dimensões de introversão e extrover-

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são eram de grande relevância para compreender os processos de ensino de LE, por isso eles foram selecionados como uma das cate-gorias de análise em nossa pesquisa (NASCENTE, 2004). Por meio dela percebemos que os extrovertidos precisam de uma variedade muito grande de estimulação social tanto dentro como fora da sala de aula. Eles precisam se sentir ativos, pelo menos verbalmente. Eles se sentem ainda melhor se puderem estar ativos também fi sicamente. Fica dada aí uma pista de ligação entre o estilo extrovertido e o canal cinestésico. Em outras palavras, indivíduos com tendência extrover-tida também devem utilizar canal cinestésico em seus processos de aprendizagem. Por isso, a maior parte das aprendizagens dos alunos com tendências à extroversão ocorre em sala de aula, sendo que a lição de casa quando prescrita deve aproveitar de alguma forma as experiências vivenciadas em sala de aula e não ser extensa demais, pois para os mais extrovertidos, o trabalho isolado pode ser penoso.

Levantamos ainda que, quando contrastados com os introver-tidos, os extrovertidos preferem de forma signifi cativa estratégias visuais de aprendizagem (NASCENTE, 2004). Cremos que essa preferência poderia estar relacionada à própria defi nição do que é ser extrovertido, que seria a de alguém orientado para o mundo exterior. A visualização seria uma maneira de fazer conexões entre elementos do mundo exterior e os símbolos que compõem a LE. Dessa maneira, pode se inferir, aí, uma ligação entre o canal visual e a extroversão. Não sabemos se os extrovertidos são mais visuais do que os introvertidos, mas fi cou clara uma utilização preponderante do canal visual pelos extrovertidos.

No que se refere aos introvertidos, a sala de aula é fundamental mais pela possibilidade de sistematização do insumo recebido do que pela interação que ela oferece (NASCENTE, 2004). Eles parecem preferir estudar sozinhos, em casa, processando o material de forma cuidadosa, sem a interferência dos outros. Portanto, para eles, nada melhor do que lições de casa bem planejadas, que aprofundem o conteúdo dado em sala de aula. Isso ocorre porque os introvertidos precisam processar o insumo recebido mentalmente antes de utilizá--lo em atividades interativas, notadamente nas de fala. Portanto, eles

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se benefi ciariam de salas de aula nas quais o clima seja de segurança no que concerne à prática da LE, ao engajamento em novos com-portamentos e ao surgimento e correção de erros. Apesar desse tipo de clima benefi ciar todos os tipos de aprendizes, eles são particular-mente benéfi cos aos introvertidos. Atividades em pequenos grupos e individuais, as quais levem a relatos ou produtos fi nais, por exemplo, a elaboração e ensaio de um diálogo para ser apresentado no fi nal da atividade, também devem ser de muita valia para os introvertidos, que precisam primeiramente processar os insumos recebidos para apropriarem-se deles e conseguir colocá-los em prática.

Como se pode perceber, mais uma vez, o conhecimento sobre os estilos, neste caso, extrovertido e introvertido, deve fazer com que o professor se conheça e possa equilibrar as atividades didáticas de forma atender aos seus alunos de acordo com suas tendências. Assim, em alguns momentos, as atividades devem favorecer mais aos extrovertidos, em outros os introvertidos, para que todos de alguma forma sejam incluídos. Defendemos aqui a ideia de que a individu-alização da aprendizagem apesar de ideal não é factível na educação escolar em geral, mormente na brasileira, pois temos ainda uma signifi cativa porção de nossa clientela em idade escolar a ser edu-cada em nossas escolas. Também cremos que ao trabalhar os estilos concomitantemente, introvertido, extrovertido e global e analítico, o professor oferece aos seus alunos possibilidades de aprenderem por meio de estilos que não são suas tendências primordiais, o que é desejável se nosso objetivo é maximizar o seu desenvolvimento.

Contribuições do conhecimento sobre estilos de aprendizagem e canais de percepção para uma educação mais includente

Os princípios democráticos que têm norteado a educação brasi-leira nos últimos trinta anos têm obrigado todos nós, professores e pesquisadores do campo educacional, a buscar caminhos pelos quais todos os nossos alunos possam desenvolver-se de acordo com suas características individuais, por meio da educação escolar. Para que

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esse objetivo possa ser atingido, dada à dimensão da nossa popula-ção em idade escolar, tem sido necessário buscar os mais variados caminhos, dentro de diferentes linhas teóricas e campos de conhe-cimento.

Nesse contexto insere-se este trabalho, baseado predominante-mente em nossa experiência como professora de LE por mais de vinte anos e em nossa pesquisa de doutorado (NASCENTE, 2004). Nele apresentamos uma discussão teórica com algumas sugestões práticas sobre como o conhecimento acerca dos estilos de aprendi-zagem e canais de percepção deve benefi ciar professores que buscam estratégias para aprimorar os processos de ensino e aprendizagem em suas salas de aula. Explicitamos a seguir as possíveis contribuições para o alcance do objetivo proposto.

Primeiramente é preciso que se compreenda a complexidade dos processos pelos quais as pessoas aprendem, isto é se apropriam de determinadas habilidades e conhecimentos. A interação de alunos e professores mediada pelos estilos de aprendizagem, canais de percep-ção e abordagens de ensino constitui-se em um dos possíveis fatores que podem fomentar ou difi cultar o desenvolvimento dos alunos, não se trata, portanto, de uma panaceia que pode resolver todos os problemas relativos às difi culdades de aprendizagem dos alunos.

Por isso, as categorizações dos estilos de aprendizagem que dis-cutimos não deixam de ser uma simplifi cação, para que se possa dar conta dessa complexidade. Geralmente, as dimensões de um deter-minado estilo podem ser analisadas de maneira simples ou compos-ta, ou seja, associadas a outros estilos ou isoladamente. Essas dimen-sões são ainda bipolares, atuando em um determinado ponto de um contínuo, como já foi explicado. Pensamos que cabe ao pesquisador e/ou professor se debruçar sobre a questão do levantamento dos estilos de aprendizagem, decidir quais categorias de análise utilizar e, consequentemente, adequar os instrumentos aos seus objetivos de ensino e/ou de pesquisa.

Portanto, pesquisas que focalizem a relação entre estilos de ensi-nar e aprender podem proporcionar aos professores uma ampliação de seus conhecimentos sobre o assunto, o que deve propiciar ações

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intencionais por parte deles e também dos alunos, notadamente se forem adultos, com o objetivo de maximizar potencialidades indivi-duais de aprendizagem. Um professor que entende, ainda que par-cialmente, os estilos de aprendizagem de seus alunos e que acredita que eles possam aprender dará oportunidades de sucesso a todos eles.

O conhecimento sobre as características e tendências ligadas aos estilos de aprendizagem e aos canais de percepção pode fazer com que os professores compreendam como ensinam, pois suas abor-dagens de ensino estão diretamente ligadas às formas pelas quais aprendem. A partir desse autoconhecimento os professores podem desenvolver um olhar mais apurado sobre quais as tendências de seus alunos no que se refere aos seus estilos de aprendizagem e canais de percepção, diminuindo assim o descompasso entre o que se ensina e o que se aprende em nossas escolas, desmistifi cando da divisão entre alunos “fortes” e “fracos”.

Como outras características do desenvolvimento humano, as tendências de estilos e preferências pela aprendizagem por determi-nados canais de percepção são fruto da interação entre o indivíduo e meio social que está inserido, assim não são fi xos, mas fl exíveis, possíveis de serem trabalhados pedagogicamente de acordo com as necessidades de aprendizagem de cada aluno. Assim, por exemplo, se para apropriar-se da leitura em língua materna ou estrangeira é necessário que um determinado grupo de alunos desenvolva uma utilização mais frequente do canal auditivo, o professor pode e deve buscar caminhos para que isso ocorra.

Nessa perspectiva, em cada sala de aula é desejável que se faça um diagnóstico preciso e individualizado de difi culdades de apren-dizagem focalizando entre outros fatores, estilos e estratégias de aprendizagem e canais de percepção preferenciais para que se pos-sam buscar formas de trabalho para que essas difi culdades sejam superadas.

Os currículos e programas escolares, assim como as suas respec-tivas avaliações, também podem ser adequados às necessidades dos alunos por meio desse conhecimento, pois muito do descompasso entre o que se ensina e o que se consegue aprender relaciona-se à

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divisão de trabalho no campo educacional, no qual um grupo de professores e/ou pesquisadores escreve um currículo que é prescrito por um sistema educacional para que professores o executem em sala de aula. A não correspondência entre os estilos de aprendizagem dos que constroem o currículo, dos que o aplicam e dos que devem aprender por meio dele deve ser entendida como um fator gerador de discrepâncias, propiciador de difi culdades. Portanto se devem existir currículos, programas e avaliações ofi ciais a serem implemen-tadas, aos professores deve ser dada a liberdade de adequá-los aos seus alunos.

Cremos que mais autonomia para os professores pode signifi car mais autonomia para os alunos para que possam fazer escolhas no que se refere as suas aprendizagens. O fomento da autonomia dos alunos passa pela criação de espaços de diálogo em sala de aula, os professores dando aos alunos oportunidades de opinar, quando pos-sível, sobre atividades, trabalhos e projetos a serem realizados para que eles se apropriem das habilidades e conteúdos propostos. Essa abordagem deve ser estendida também às avaliações. Por exemplo, pode-se incluir no programa uma variedade de procedimentos de avaliação que devem permitir aos alunos escolher diferentes manei-ras de demonstrar se eles alcançaram os objetivos propostos. Os formatos das avaliações devem ser fl exíveis, para atender diferentes estilos de aprendizagem. Os alunos devem receber retorno sobre sua aprendizagem de forma regular e sistemática para que o curso do processo possa ser mudado de acordo com suas necessidades.

Portanto, uma maneira preventiva de lidar com os possíveis con-fl itos entre os estilos dos alunos e o trabalho pedagógico do professor é justamente a fl exibilização desse trabalho. Quanto mais fl exível e diversifi cada for a atuação do professor, menores e menos frequentes serão esses confl itos e maior será o aproveitamento dos alunos em sala de aula. Por outro lado, se o programa for rígido, e, mais ainda, se os estilos de ensinar e aprender do professor também forem, maio-res serão os desajustes. Consciente dessa realidade o professor pode adaptar as atividades propostas pelo programa e também adaptar

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Estilos de aprendizagem e canais de percepção: contribuições para um ensino de língua estrangeira mais inclusivo

suas abordagens de ensino para atender da forma mais abrangente possível os estilos dos alunos.

No campo específi co do ensino e da aprendizagem de LE, pode-mos afi rmar que se o programa for metodologicamente muito rígido e o aluno também, em relação aos seus estilos de aprendizagem, ele pode ser rotulado como incapaz de aprender línguas, passando acreditar nisso como se fosse realmente verdade. O aprendiz mais fl exível no que se refere aos seus estilos de aprendizagem é aquele que terá mais facilidade de aprender, independente do contexto ou da área do conhecimento. Entretanto, acreditamos que poucas pessoas sejam completamente fl exíveis. Para a maioria dos indivíduos, prin-cipalmente para os adultos, que costumam ter estilos relativamente consolidados, a aprendizagem efi caz depende de um determinado nível de coerência entre seus estilos, os programas nos quais estão inseridos e o trabalho que seus professores realizam em sala de aula.

Também observamos que aprendizes de LE bem sucedidos são os relativamente mais autônomos, sabendo como manejar seus pró-prios estilos e adequar suas estratégias ao objetivo de aprender a LE. Isso inclui, ainda, ser capaz de superar possíveis defi ciências inerentes a um determinado estilo. Por exemplo, uma pessoa que se entende como sendo excessivamente global, pode, desde que cons-ciente de que isso deve difi cultar sua aprendizagem, tentar superar esse estado, esforçando-se para adquirir algumas estratégias ligadas ao estilo analítico. Esse processo poderá ocorrer se alunos e profes-sores estiverem conscientes da importância dos estilos no processo de aprendizagem.

Pensamos que confl itos estilísticos entre professores e alunos são particularmente prejudiciais quando conjugados com outras difi culdades de aprendizagem. Em outras palavras, para um aluno que, por diversas razões, inclusive as relacionadas a alguns estilos, tem facilidade para aprender uma LE não importa muito o estilo do professor, ele vai conseguir se sair bem de qualquer maneira. Entretanto para o aluno que já traz consigo algum tipo de pro-blema de aprendizagem, o confl ito de estilos pode ser um forte elemento no fomento de suas difi culdades. Explicando melhor, o

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professor deve procurar descobrir os estilos dos alunos que apresen-tam difi culdades, tanto para ensiná-los dentro desses parâmetros como para ampliar as possibilidades desses alunos, por intermédio de estilos diferentes dos seus.

Considerações fi nais

Cremos que atingimos neste capítulo o objetivo de discutir e problematizar alguns estudos relativos aos estilos de aprendizagem e canais de percepção relacionando-os ao campo específi co do ensino e aprendizagem de LE. Pensamos ter conseguido também propiciar refl exões sobre o papel do conhecimento por parte dos professores sobre estilos de aprendizagem e canais de percepção no contexto mais amplo da educação escolar. Esse conhecimento deve criar opor-tunidades para que os professores aprimorem suas abordagens de ensino para incluir todos os seus alunos nos processos de apropria-ção dos conteúdos e habilidades necessárias para o fomento de sua autonomia na sociedade atual.

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A MÚSICA COMO RECURSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO NA AULA

DE LÍNGUA INGLESA NA REDE PÚBLICA

Cláudia Jotto Kawachi FURLAN

Introdução

O presente capítulo visa a apresentar os resultados da dissertação de mestrado intitulada A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa da rede pública de ensino (KAWACHI, 2008), que buscou analisar a potencialidade da utilização da música como recurso pedagógico motivador para a aprendizagem da língua inglesa (LI) na rede pública de ensino.

Além de investigar os efeitos da música no envolvimento dos alunos participantes da pesquisa, pretendíamos, sobretudo, verifi car a possibilidade de utilizá-la como texto a ser lido e interpretado, analisando sua efi cácia para despertar o interesse dos aprendizes.

A vontade de trabalhar com músicas surgiu da experiência desta pesquisadora como professora de língua inglesa que sempre procu-rou utilizar recursos didáticos em aulas, tais como fi lmes, seriados,

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

jogos e, principalmente, músicas, buscando associar essas ferramen-tas ao ensino-aprendizagem de LI. Entretanto, esse cenário não era recorrente na prática de outros docentes, visto que, muitas vezes, esses recursos eram sinônimos de atividades de passatempo.

No que tange ao uso de músicas, durante participações em con-gressos, jornadas e em contato com professores de inglês, percebe-mos que as atividades propostas não exploravam todos os benefícios possíveis, limitando-se a exercícios de fi ll in the blanks, nos quais os alunos escutam a música e completam as lacunas com as pala-vras que estão faltando. A música também era utilizada para tradu-ção ou para mero momento de relaxamento. Essas situações eram destoantes das vivenciadas em um curso de extensão oferecido por uma universidade pública no interior do estado de São Paulo que acompanhamos para o desenvolvimento de um trabalho de inicia-ção científi ca. No referido curso, as atividades propostas utilizavam música para ensinar determinado conteúdo, ou para rever e praticar estruturas importantes da língua. Durante esse período, foi possível observar que a música contribuía para a aprendizagem da língua tendo em vista em que os alunos fi cavam mais receptivos ao apren-dizado, ou seja, a música servia como porta de entrada para o ensino dos conteúdos desejados.

É no sentido de despertar os aprendizes para o processo de ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira (LE) que a música se destaca, pois, segundo Stansell (2000), a música, durante esse processo, dimi-nui a ansiedade, aumenta a motivação, promove o interesse e con-tribui para a diversão dos envolvidos. O autor afi rma ainda que ela tem um papel fundamental em todas as áreas de aquisição de uma língua, ou seja, auxilia no aprendizado de vocabulário, de pronúncia e de gramática, assim como no desenvolvimento da fl uência.

A música também pode ser um recurso importante para a redu-ção do “fi ltro afetivo” (KRASHEN, 1987). Na aquisição de uma segunda língua há variáveis afetivas como motivação, autoconfi ança e baixa ansiedade que estão relacionadas ao sucesso ou ao fracasso da aprendizagem. Assim, de acordo com Krashen (1987), alunos que apresentam essas características tendem a ser bem sucedidos no

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processo de aquisição dessa língua, pois possuem um baixo fi ltro afetivo devido ao clima descontraído da sala de aula.

É nesse aspecto que a música pode representar um elemento efi caz no ensino de uma LE (ou segunda língua – SL, dependendo do contexto), pois, conforme aponta Murphey (2002), um dos aspectos mais importantes com relação à música é a sensação de relaxamento que ela propicia. O autor complementa essa ideia ao apontar que a música proporciona variedade e diversão, bem como a harmonia entre as pessoas. Dessa forma, a utilização de um recurso que, além de pro-mover a interação entre alunos e professores, proporciona um ambien-te favorável à aprendizagem, pode contribuir para que o processo de ensino-aprendizagem de inglês seja mais agradável para os envolvidos.

Visando explorar o papel da música, decidimos investigar se essa ferramenta, no contexto de escola pública, poderia realmente ser uti-lizada como um recurso pedagógico motivador, na medida em que, por meio dela, é possível desenvolver atividades lúdicas e prazerosas que estejam adequadas ao currículo escolar.

As potencialidades da música como recurso didático-pedagógico

Com base nos pressupostos da abordagem comunicativa e bus-cando materiais didáticos que despertassem o interesse dos apren-dizes para o ensino de inglês, destacamos a potencialidade da músi-ca como base para o desenvolvimento de atividades motivadoras e signifi cativas.

De acordo com Leff a (2003), podemos entender a produção de materiais de ensino como uma sequência de atividades que pos-suem o objetivo de criar um instrumento de aprendizagem. O autor defende a produção de materiais com base em textos autênticos, pois esses buscam envolver o aprendiz com o mundo real:

A ideia é que o aluno não deve passar por um curso sem conhecer a língua como ela é realmente usada fora da sala de aula. Muitas vezes os alunos têm difi culdade de transferir para o mundo real aquilo que

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

aprendem na escola. Não vendo aplicação prática para o conheci-mento adquirido, acham-se muitas vezes donos de um conhecimento inútil. O uso de material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem.(LEFFA, 2003, p.12-13).

Larsen-Freeman (2000), ao apresentar certas técnicas da aborda-gem comunicativa, também indica como um dos princípios funda-mentais desse paradigma o uso de material autêntico. Desse modo, é desejável proporcionar oportunidades para que os alunos desenvol-vam estratégias para entender a língua como ela é realmente usada por falantes nativos.

A música, nesse sentido, pode ser caracterizada como material autêntico, tendo em vista que sua produção é feita na língua alvo para falantes nativos. Segundo Terenzi e Augusto-Navarro (2006, p.28) fi lmes e músicas são exemplos de materiais autênticos que motivam e despertam o interesse dos alunos:

O uso de músicas e fi lmes tem não só a fi nalidade de motivar e aguçar o interesse dos alunos, mas também propiciam o contato dos alunos com um material autêntico, mostrando-lhes a língua em uma situação real de uso.

É importante ressaltar que nossa proposta não pretende lidar com a linguagem musical, tal como disciplina obrigatória voltada ao ensino da música. Não discordamos dos benefícios que esse estudo proporciona, mas nos ativemos a utilizar a música como ferramenta para o ensino de língua inglesa.

Mark Huy Le (1999) também revela as potencialidades da músi-ca como instrumento para o ensino de línguas. O pesquisador con-duziu um estudo no Vietnã com o intuito de analisar o papel da música na aprendizagem de uma segunda língua. Para o autor, o ensino da língua inglesa propagou o interesse pelas culturas ociden-tais, sobretudo pelas músicas, as quais se tornaram muito populares, sendo bastante apreciadas principalmente por estudantes.

O pesquisador ressalta o papel da música como um elemento importante na promoção da interação, uma vez que ela proporciona

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a harmonia social, motiva e constitui uma ferramenta para a aprendizagem. Dessa forma, por meio da música, estabelece-se maior interação entre professores e alunos, além de ser possível abordar visões de mundo, história e signifi cados culturais contidos nas canções como fonte para se ensinar língua, sociedade e cultura. Le (1999) conclui seu estudo afi rmando que a relevância da música na aprendizagem de uma língua estrangeira não é somente devido ao fato da mesma constituir um recurso pedagógico, mas também por estabelecer a perspectiva da pesquisa cultural.

Em sua dissertação de mestrado, Jacob (2002) destaca que as atividades consideradas pelos alunos como as mais motivadoras – músicas, jogos e vídeos – não são frequentes nos contextos (salas de aula da rede pública de ensino) observados por ela. Jacob, contudo, defende o uso de músicas uma vez que ela representa um insumo motivador para os aprendizes, caracterizando-se como atividade lúdica e estimulando os alunos a trabalhar com qualquer conteúdo veiculado pela mesma.

Um princípio fundamental para a teoria da aquisição de lin-guagem é o do insumo1 compreensível, pois é por meio dele que a habilidade comunicativa poderá ser desenvolvida, conforme defen-dido por Krashen (1987). Para o autor, os alunos devem receber insumo compreensível um passo à frente de seu conhecimento, (o que ele chama de i + 1), além de ser autêntico e interessante. Para Larsen-Freeman (1991), pesquisas comprovam que aqueles aprendizes que tiveram a oportunidade de usar a segunda língua regularmente e receber insumo considerável demonstraram maior profi ciência.

Desse ponto de vista, a música pode apresentar-se como um insumo importante, na medida em que faz parte do cotidiano dos alunos, além de ser autêntico, por ser produzido na língua alvo.

É desejável que os aprendizes fi quem expostos a tudo aquilo que é produzido na língua alvo. No caso do ensino de inglês como LE no Brasil, sabemos que a aprendizagem da língua, geralmente, ocorre formalmente. São escassas as situações de imersão, prevalecendo o 1 Optamos pela utilização de insumo como correspondente da palavra input.

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ambiente formal e artifi cial da sala de aula; assim, torna-se relevante e pertinente expor os alunos à língua estrangeira.

É nesse sentido que propostas de ensino-aprendizagem que tra-balham com letras de música permitem que os aprendizes tenham contato com textos autênticos na língua-alvo e que fazem parte de sua realidade. Nesse aspecto, essas atividades possibilitam a união entre o dia-a-dia do aluno e a língua estrangeira, contribuindo para conscientizar o aprendiz da relevância da língua inglesa para seu cotidiano, na medida em que ele percebe a necessidade do inglês para cantar e entender suas canções favoritas.

Música e fatores que infl uenciam a motivação

Como nosso interesse de pesquisa foi verifi car o potencial moti-vador da música no ensino de inglês na escola pública, faz-se neces-sário abordar alguns aspectos da teoria de motivação que nortea-ram nossa investigação. Concordamos com a afi rmação de Oxford (1999) que a motivação é um dos fatores decisivos no sucesso da aprendizagem de outra língua, visto que determina o envolvimento do aprendiz com esse processo.

Nosso conceito de motivação identifi ca-se com o de Fita (2006, p.77) que a defi ne como “[...] um conjunto de variáveis que ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para poder alcançar um objetivo”, uma vez que o autor destaca a importância de diversos elementos na ação do indivíduo. Sabemos que há vários fatores que exercem infl uência na motivação dos aprendizes, muitas vezes, exter-nos, sem que o aprendiz seja capaz de controlá-los, como a função do professor, as atividades, o programa do curso, o ambiente de sala de aula, entre outros.

Dörnyei (2001) chama atenção para o fato de muito ter sido teo-rizado a respeito da motivação, mas pouco ter sido salientado com relação à prática, que é o principal questionamento dos professores: afi nal, o que deve ser feito para motivar o aluno? Com o propósito de disponibilizar algumas maneiras para suprir essa necessidade de professores e alunos, o autor criou as estratégias motivacionais.

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Dada a infl uência que elas exercem na motivação do aluno, para que essas estratégias sejam empregadas com sucesso, algumas con-dições precisam ser estabelecidas, conforme afi rma Dörnyei (2001, p.120):

• comportamento adequado do professor e bom relacionamento com os alunos;

• ambiente agradável de sala de aula;

• grupo coeso de aprendizes com normas apropriadas.

Para Dörnyei (2001), o papel desempenhado pelo professor é essencial. Segundo ele, é necessário estabelecer uma relação de con-fi ança e respeito entre professor e aluno, cabendo ao primeiro, ao mesmo tempo em que se mostra engajado e animado com seu tra-balho, despertar o interesse dos alunos para determinado conteúdo, sendo responsável também pelo planejamento das atividades e o controle / organização da sala de aula.

Stipek (2002) também aborda a importância do professor no processo de ensino-aprendizagem de uma língua, atribuindo ao docente a responsabilidade de estimular o interesse e a motivação dos alunos. Outra função do professor é focar a atenção e o enten-dimento dos alunos a fi m de que desenvolvam suas competências e reduzam as preocupações com avaliações externas. O professor precisa adaptar as técnicas e estratégias ao nível e idade dos alunos. Assim, essa autora considera fundamental estabelecer um programa que atenda aos desejos intrínsecos dos aprendizes visando à aprendi-zagem, buscando o entendimento de suas capacidades e valorizando os aspectos acadêmicos.

Percebemos, assim, que a atuação do professor é de extrema rele-vância e faz toda diferença no contexto de ensino-aprendizagem. Sabemos que exercer a carreira de docente no Brasil pode não ser tarefa fácil em razão das diversas difi culdades enfrentadas por eles em algumas situações. Contudo, cabe ao professor a função de planejar e organizar suas aulas de forma que seja possível envolver e motivar os estudantes no processo de ensino-aprendizagem.

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Outro aspecto que infl uencia a motivação, ressaltado por Dörnyei (2001), é a importância de um ambiente favorável à aprendizagem. O envolvimento dos aprendizes será maior em uma sala de aula em que os alunos são estimulados a participar e a expressar suas opiniões enquanto se sentem seguros e livres de serem expostos à situações constrangedoras. Esse fator está em consonância com o postulado de Krashen (1987), pois segundo a hipótese do fi ltro afetivo, a criação de uma atmosfera descontraída diminui o fi ltro afetivo dos aprendizes, controlando a sua ansiedade e deixando-os mais receptivos à aprendizagem da língua.

A terceira condição primordial estabelecida por Dörnyei (2001) está relacionada à estrutura e composição do grupo de alunos. O autor sugere que os membros precisam ser governados por regras para que trabalhem como um grupo coeso.

Concordamos com as premissas propostas pelo pesquisador, visto que o professor, o ambiente de sala de aula e o grupo de alunos com-põem elementos fundamentais do processo de ensino-aprendizagem de uma língua.

Dörnyei (2001) destaca ainda a infl uência de outros fatores na motivação dos alunos, como os valores, dentre os quais selecionamos aqueles que consideramos relevantes para este estudo. O pesquisador aponta para a necessidade de despertar o valor intrínseco – primeiro valor – da aprendizagem de uma língua, e, para isso, é preciso esti-mular a curiosidade e a atenção, bem como criar uma imagem do curso que seja atraente aos alunos. O segundo valor, o integrativo, corresponde às atitudes (sociais, culturais) relacionadas à língua alvo e ao interesse pelo estrangeiro. Para que esse valor seja desenvolvido, é preciso apresentar aos aprendizes a base cultural que envolve a língua, algo que pode ser feito por meio de materiais autênticos e estabelecendo contato com falantes desse idioma. O terceiro valor diz respeito à instrumentalidade que o conhecimento de uma língua oferece. Para tal, os aprendizes devem ser conscientizados dos benefí-cios que o conhecimento de um idioma proporciona, constituindo--se em um meio para atingir objetivos maiores.

Jacob (2002) reitera que estratégias motivacionais podem ser uti-lizadas com o intuito de promover o interesse e o envolvimento dos

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alunos com a aprendizagem. A pesquisadora, pautada nos estudos de Woolfolk, sugere que há três condições fundamentais para a sala de aula: sua organização, a paciência do professor e tolerância aos erros dos aprendizes, além de atividades autênticas.

Com relação ao ensino de inglês no Brasil, sabemos que a maioria dos estudantes é extrinsecamente motivada, ou seja, apresenta motivação com orientação instrumental, não busca o conhecimento da língua pelo próprio desejo de aprendê-la. Existem alunos que se identifi cam com os falantes nativos da língua, ou têm interesse em aprender novos idiomas. Entretanto, de modo geral, os aprendizes simplesmente “toleram” as aulas de inglês, por fazem parte do currículo escolar. Acreditamos que esse fato pode ser decorrente da falta de conscientização por parte dos alunos sobre a importância de se aprender uma LE. Eles partem do prin-cípio que o inglês poderá ser útil no futuro, o que os leva a pensar que, no momento presente, não é necessário se dedicar ao conhecimento do idioma, deixando essa tarefa para depois.

Diante desse cenário, muitas vezes, repleto de experiências nega-tivas com o ensino-aprendizagem de língua inglesa, o sentimento de desmotivação pode ser despertado, já que não há o desejo nem a necessidade de aprender a língua. Assim, o aprendiz considerado desmotivado não estabelece uma relação entre suas ações e consequ-ências, não encontra propósito em sua aprendizagem, preocupando--se, na maioria vezes, com as consequências estruturais como passar de ano, conforme sugerem Noels, Clément e Pelletier (1999).

Por outro lado, alunos motivados desenvolvem atitudes funda-mentais no processo de ensino-aprendizagem de inglês, sejam eles motivados intrinsecamente ou extrinsecamente. De acordo com Masgoret e Gardner (2003), indivíduos motivados são persistentes e se esforçam criando estratégias que os conduzem ao seu objetivo fi nal –  a aprendizagem da língua:

O indivíduo motivado é esforçado, persistente e atento à tarefa que está realizando, possui objetivos, desejos, aspirações, gos-ta da atividade, experimenta o reforço a partir do sucesso e a decepção a partir do fracasso, faz atribuições ao sucesso e/ou fracasso, é animado, utiliza estratégias para ajudá-lo a atingir

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seus objetivos. (MASGORET; GARDNER, 2003, p.128, tra-dução nossa)2

No que concerne à motivação dos aprendizes, outro aspecto que merece atenção, como assevera Dörnyei (2001), é a relevância das atividades. Sabemos que na maioria das situações de aprendizagem, a programação dos conteúdos é elaborada pelo professor responsável pela disciplina, que, por sua vez, segue os parâmetros estabelecidos pela instituição de ensino. Nesse contexto, o aluno não participa como ide-alizador, o que faz com que muitas atividades não tenham sentido para o aprendiz, perdendo assim o interesse e não participando das aulas. Cabe ao professor não apenas mostrar aos estudantes a importância do conteúdo que está ensinando, mas também trabalhar com esse conteúdo por meio de recursos que fazem parte da realidade do educando, para que, desse modo, a motivação para a aprendizagem seja despertada.

Segundo Stipek (2002), atividades que envolvem forte participa-ção dos alunos e despertam a curiosidade são mais agradáveis do que aquelas nas quais os alunos desempenham papéis passivos. A autora também enfatiza as contribuições do uso de tópicos relacionados ao interesse dos alunos: “[...] os alunos também são mais motivados quando os tópicos são de interesse pessoal. Há evidência conside-rável de que quando os alunos leem materiais que eles consideram interessantes, eles compreendem melhor e se lembram mais desse material” (STIPEK, 2002, p.181, tradução nossa)3.

É nesse sentido que apoiamos o uso da música como recurso didá-tico-pedagógico para a aula de língua inglesa. Atividades que envolvem música chamam a atenção dos alunos que são naturalmente interessados por ela, promovendo maior participação e tornando o conteúdo traba-lhado com esse recurso mais atraente e signifi cativo para os aprendizes.

2 “Th e motivated individual expends eff ort, is persistent and attentive to the task at hand, has goals, desires, and aspirations, enjoys the activity, experiences reinforcement from success and disappointment from failure, makes attributions concerning success and/or failure, is aroused, and makes use of strategies to aid in achieving goals”(MASGORET; GARDNER, 2003, p.128).

3 “[…] students are also more motivated when the topics are personally interesting. Th ere is considerable evidence that when students read materials they fi nd interesting they comprehend and remember the material better” (STIPEK, 2002, p.181).

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Campos-Gonella (2007), ao analisar a teoria da auto-efi cácia relacionada aos julgamentos que o indivíduo faz sobre suas próprias capacidades para realizar determinadas tarefas, o que infl uenciará em sua persistência e engajamento nas atividades, afi rma que

[...] em sala de aula, não há aluno motivado ou desmotivado, mas aluno que está ou não está motivado numa situação espe-cifi ca em função de como recebe e lida com ela. (CAMPOS-GONELLA, 2007, p.37).

Concordamos com o que foi exposto pelos autores citados no que se refere ao preparo de atividades, sobretudo com a postura de Jacob (2002) que acredita na importância de variar o currículo escolar, aprimorando as atividades e tornando-as relevantes e interes-santes, pois, uma vez que o professor diversifi ca suas aulas, há mais adesão por parte dos alunos, o que pode contribuir para o aumento da motivação para a aprendizagem de línguas. Visamos, assim, por meio da música, verifi car de que maneiras é possível motivar intrin-secamente os alunos para a aprendizagem da língua inglesa.

Metodologia

A proposta metodológica adotada para este estudo foi de nature-za qualitativa, de cunho etnográfi co, tendo em vista o contexto da pesquisa, os procedimentos de coleta de dados e as interpretações à luz da pesquisa qualitativa etnográfi ca (MOITA LOPES, 1996).

Os procedimentos para a coleta de dados foram observações em sala de aula com registro no diário da pesquisadora, entrevistas semiestruturadas com a professora e aplicação de questionários aos alunos (um questionário diagnóstico e outros aplicados após a rea-lização das atividades com uso de música). A pesquisa constituiu-se de uma etapa inicial de diagnóstico seguido de um momento de intervenção com proposição de atividades variadas com música e avaliação do potencial motivador das mesmas.

As observações foram feitas durante todo o período da coleta de dados, para que fosse possível comparar as turmas antes, durante e depois da

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aplicação das atividades. Nesse período que correspondeu ao segundo semestre do ano letivo de 2006, foram observadas duas séries do Ensino Fundamental – 7ª série A e 7ª série B – e uma série do Ensino Médio – 1º I de uma escola pública em uma cidade do interior paulista.

O contexto educacional da pesquisa

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública loca-lizada em uma região próxima ao centro da cidade. A professora das classes investigadas apresentava as seguintes características: 35 anos de idade, 14 anos de magistério, graduação em Letras (UNESP – Araraquara) e cursos de inglês realizados em institutos de idiomas.

Os participantes da pesquisa foram 32 alunos do primeiro ano do Ensino Médio (1ºI) e 78 alunos da 7ª série do Ensino Fundamental, divididos em dois grupos: turmas A e B. Foram elaboradas e aplica-das dez atividades (4 atividades – 1º ano do Ensino Médio – turma I; 3 atividades – 7ª série – turma A; 3 atividades – 7ª série – turma B) durante o período da coleta de dados.

Resultados obtidos com os alunos do primeiro ano do ensino médio

Os dados foram coletados nas três classes anteriormente citadas. No entanto, com o intuito de explorar os resultados obtidos com a intervenção realizada, apresentaremos aqui os dados colhidos no primeiro ano do Ensino Médio, uma vez que observamos maior envolvimento desses alunos com a aprendizagem de inglês por meio de músicas.

Durante a fase de diagnóstico, constatamos que, ofi cialmente, havia 32 alunos matriculados nessa série, porém o número de estu-dantes em cada aula era bem variado. Na primeira semana obser-vada, a sala estava composta por 29 (vinte e nove) alunos, mas já na semana seguinte esse número foi reduzido para 23 (vinte e três).

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As aulas de inglês ocorriam às terças-feiras das 13h25 às 14h15 e às quintas-feiras das 12h35 às 13h25, sendo essas as únicas aulas de inglês na semana.

A infraestrutura da sala era semelhante à das demais salas da escola, seguindo o mesmo padrão de tamanho da sala de aula, com carteiras enfi leiradas e, à frente, o quadro negro e a mesa do profes-sor. Os materiais usados pela professora nessa etapa foram lousa e giz, acompanhados de um livro didático que a professora utilizava como fonte de exercícios e atividades.

Nesse período, a professora estava abordando como conteúdo gramatical o tempo verbal “passado contínuo”. Questionei-a sobre a existência de alguma programação ou plano de ensino a ser seguido. De acordo com a professora, que já lecionava há bastante tempo (e por essa razão, segundo ela, estava bem familiarizada com o con-teúdo de cada série), o conteúdo previsto era: revisão do “presente contínuo” e “presente simples” e apresentação do “passado contínuo” e “futuro”.

As aulas, em geral, iniciavam-se com 10 minutos de atraso, pois havia a troca de docentes, e quando o professor da disciplina chega-va, era preciso apagar a lousa e esperar os alunos se acomodarem. Na maioria das aulas observadas, os alunos não notavam a presença da professora e davam continuidade às suas atividades, que podem ser descritas como conversas sobre diversos assuntos, fazer exercícios de outras disciplinas, ouvir música utilizando um MP3 player e falar ao celular. Quando os alunos eram alertados de que a professora “daria vistos” em seus cadernos, alguns se preocupavam e procuravam se engajar na aula.

A metodologia de ensino utilizada era a tradicional, na qual a concepção do ensino de língua visa à memorização de regras gramaticais. Assim, é importante dominar a estrutura da língua, desprezando, muitas vezes, o uso real da mesma, cujo objetivo maior é a comunicação.

De modo geral, os alunos apresentavam-se desmotivados e desin-teressados acerca da aprendizagem da língua. Quando a professora pedia silêncio e requisitava atenção dos alunos, eles a respeitavam,

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

porém o desinteresse permanecia, e não havia envolvimento por parte deles com o conteúdo desenvolvido. Alguns alunos solicitavam ajuda para a realização de determinados exercícios e eram auxiliados por meio de explicações mecânicas sobre o uso da língua.

Foi possível estabelecer um bom relacionamento entre a pesquisa-dora e os alunos, na medida em que eles a tinham como “estagiária”, cujo papel era analisar uma ferramenta para o ensino. Dessa forma, na concepção deles, a pesquisadora não iria julgá-los ou avaliá-los; portanto, não se sentiam desconfortáveis com a presença de uma pessoa “estranha” na sala de aula.

O objetivo do questionário (apêndice A) aplicado aos alunos na fase de diagnóstico foi investigar suas concepções com relação ao uso de música, buscando analisar as percepções dos alunos com relação às contribuições desse recurso para o ambiente da sala de aula e à aprendizagem da língua. Cabe ressaltar que 25 alunos responderam a esse questionário.

Ao serem indagados acerca do uso de música pelo professor de inglês, 80% dos participantes disseram que o professor não utilizava esse recurso em sala de aula. Dos 20% que apontaram o uso, 40% indicaram que as atividades propostas tinham como fi nalidade a tradução, 20% destacaram as atividades de listening4, voltadas para a compreensão auditiva, e 40% assinalaram a opção “outros”, não especifi cando o tipo de atividade executada. 80% dos participantes indicaram que o uso de música ocorria raramente, enquanto 20% afi rmaram que a professora aplicava essas atividades em quase todas as aulas.

Há algumas discrepâncias entre os participantes, podendo esse fato ser explicado pela falta de compreensão de algumas pergun-tas do questionário, como, por exemplo, quando indagados se a professora utilizava música na sala de aula. A questão subsequen-te deveria ser preenchida por aqueles que assinalaram “sim”; no entanto, alguns alunos cuja opção anterior havia sido “não” tam-bém responderam. 4 Optamos pela utilização da palavra “listening” por se tratar de um exercício de compre-

ensão auditiva, não é somente o ouvir, mas a habilidade de ouvir e entender.

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Com relação às contribuições que a música pode trazer ao ambiente de sala de aula, as categorias mais citadas foram aquelas relacionadas à alegria. Nas tabelas a seguir, estão detalhadas as cate-gorias e a porcentagem.

Tabela 1 - Em sua opinião, a música traz contribuições ao ambiente da sala de aula?

Opções Frequência

Sim 88%

Não 12%

Elaboração própria.

Tabela 2 - Em caso afi rmativo, quais?

Opções Frequência5

Deixa as pessoas mais animadas 36,3%

Relaxa 50%

Descontrai 54,5%

O ambiente fi ca mais alegre 60%

Motiva 50%

Há mais entusiasmo 69%

Outros 4,5%

Elaboração própria.

Os participantes foram questionados quanto aos aspectos nega-tivos que o uso de música poderia apresentar. Para 75% dos alunos, não havia pontos negativos na utilização desse recurso; já 25% apontaram como negativo o fato de a música ter a “hora certa” no contexto educacional. Esse dado mostra que alguns alunos, embora em número reduzido, estavam conscientes de que a música não deveria ser uma estratégia sem propósito, aplicada em qualquer situação.5 Cada uma das opções apresenta uma frequência de 0 – 100 %, já que os participantes

poderiam assinalar mais de uma alternativa, não podendo totalizar a tabela em 100%

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A tabela 3 contém os conteúdos relacionados com o ensino-aprendizagem de língua inglesa que podem ser trabalhados por meio de música.

Tabela 3 - Em sua opinião, o que pode ser aprendido por meio da música?Opções Frequência

vocabulário 48%

pronúncia 56%

escrita 32%

gramática 32%

cultura 52%

interpretação de textos 40%

listening 28%

nada, a música serve para relaxar e não para aprender 12%

outros 12%

Elaboração própria.

É importante ressaltar que apenas 12% dos alunos não acre-ditavam ser possível aprender com esse recurso, ao passo que os outros participantes indicaram vários aspectos da língua que poderiam ser estudados por meio da música, com destaque para a pronúncia, devido à autenticidade desse material. Observamos que 40% dos alunos percebiam a música como texto a ser lido e interpretado, já que consideravam ser possível aprender interpre-tação de textos. Esse dado é importante, pois a própria professora não via a música dessa maneira, utilizando-a, muitas vezes, como um passatempo, o que pode explicar a razão de 12% entenderem a música como algo destinado ao relaxamento. Em nossa propos-ta, não negamos essa fi nalidade da música, mas nossa intenção era explorar essa característica para criar uma pré-disposição à aprendizagem.

Outro fator que nos chamou a atenção foi a valorização cultural, visto que um número expressivo de alunos acreditava ser possível aprender cultura por meio da música. De acordo com Le (1999), um dos benefícios que a música pode trazer é o da conscientização

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sobre a perspectiva cultural, possibilitando o trabalho com aspectos sociais e culturais por meio da música.

No fi nal do questionário, foi solicitado que os alunos forneces-sem o nome de cantores e bandas de sua preferência, bem como o estilo musical. De maneira geral, o estilo de música favorito dos participantes era o Black Music (denominado assim por eles pró-prios), cujos representantes eram as bandas: Black Eyed Peas, 50 Cent, PussycatDolls, entre outros. Também foram citados grupos correspondentes ao Punk Rock, como Simple Plan, Green Day e, por fi m, cantores Pop como Kelly Clarkson e Mariah Carey.

Consideramos importante conhecer o gosto musical dos envolvi-dos no estudo, pois o ponto de partida seria a utilização de músicas indicadas por eles, para que fosse possível despertar o interesse dos alunos para o trabalho com a música6.

Apresentamos em seguida, os dados obtidos com a aplicação da segunda atividade elaborada para a turma em questão. A atividade abordou a música “Breakaway”, da cantora Kelly Clarkson (canção que foi indicada pelos alunos). Nessa atividade, trabalhamos com o vocabulário (palavras-chave) da música por meio da associação de imagens e iniciamos o tópico gramatical – Futuro Simples com o “Will”, relacionando-o com o texto da canção. O trabalho com essa estrutura gramatical havia sido solicitado pela professora, uma vez que a proposta era integrar a atividade com música ao currículo.

No dia em que a referida atividade foi aplicada os alunos estavam bastante agitados, mantendo-se indisciplinados mesmo com a pre-sença da professora na sala de aula. Quando ela iniciou a atividade, a maioria fi cou em silêncio e prestou atenção ao exercício. Dos 22 (vinte e dois) alunos presentes, somente 03 (três) não se envolve-ram com a atividade. Ao serem indagados se gostaram da mesma, 100% responderam afi rmativamente. Dentre as razões citadas, a categoria com mais destaque foi “a aula é diferente e interessante” (36%). Encontramos na tabela a seguir as categorias mencionadas pelos alunos:

6 Exemplos de atividades didático-pedagógicas com o uso de músicas podem ser encon-trados em Kawachi (2008) e Kawachi e Monteiro (2010).

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

Tabela 4 - Por que você gostou da atividade?

Categorias Frequência

A música relaxa e ajuda a raciocinar 4,5%

Aula diferente e interessante7 36%

A música é educativa 4,5%

Aula divertida e descontraída 14%

Foi possível aprender a letra da música 4,5%

Não teve que copiar lição 4,5%

É um jeito mais fácil de aprender 4,5%

Sentiu-se alegre e interessado 9%

A aula motivou a gostar mais de inglês 4,5%

É sempre bom aprender 4,5%

Elaboração própria.

Tabela 5 - Como você se sentiu durante essa aula?Opção Frequência

Motivado 40,1%

Alegre 63,7%

Cansado 4,6

Com sono 0

Descontraído 18%

Interessado 77,3%

Indiferente 0

Outro 0

Elaboração própria.

Novamente, percebemos que foi possível despertar o interesse dos alunos para a aprendizagem da língua. Em seguida, foi solicitado que os alunos apontassem os pontos positivos e negativos da atividade. Quanto aos positivos, os alunos destacaram o interesse, pois, segundo 23% dos participantes, aulas com música são mais

7 Esse item abrange algumas características citadas pelos alunos, como “a aula é mais legal” ou “saímos da rotina”

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interessantes que as demais, ao passo que, para 18%, não houve fatores negativos.

É conveniente lembrar que nosso propósito com essas atividades foi despertar o interesse dos alunos para a aprendizagem da língua inglesa. Tendo conseguido esse objetivo, nossa preocupação também esteve voltada para o ensino-aprendizagem da língua, sendo assim, ressaltamos que os alunos também tiveram a percepção de estarem aprendendo por meio de música. É nesse sentido que acreditamos no potencial da música como um elemento relaxante por meio do qual pode ocorrer a aprendizagem. Listamos, a seguir, algumas categorias apontadas pelos alunos:

Tabela 6 - Em sua opinião, o que foi possível aprender com essa atividade?Categorias Frequência

Formar frases 9%

A letra da música 13,7%

Tradução 9%

Muitas coisas legais 9%

Pronúncia 18%

Aprender mais inglês 9%

Muitas coisas 9%

O uso correto do “WILL” 9%

Aprender a se soltar 4,5%

Elaboração própria.

A questão do fi ltro afetivo (KRASHEN, 1987) fi cou eviden-te nessas aulas, pois alunos motivados e receptivos ao processo de ensino-aprendizagem tendem a obter resultados satisfatórios. Devido ao uso de música, os estudantes se interessaram pela ati-vidade, diminuindo a ansiedade e tensão que a aprendizagem de uma língua estrangeira pode causar, e tornaram-se “abertos” para esse processo, como descreve uma das participantes deste estudo: “Ela [a música] libera a mente, a gente aprende a se soltar mais, fi car mais à vontade”.

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De acordo com informação presente no diário da pesquisado-ra, os alunos apresentaram difi culdade para realizar o exercício de vocabulário, já que o conhecimento prévio deles era mínimo. Para que eles conseguissem realizar a atividade com sucesso, professora e pesquisadora os auxiliaram. Notamos que esse não era um compor-tamento comum da professora (caminhar entre os grupos e ajudar com possíveis dúvidas), uma vez que sua rotina era passar o conte-údo na lousa e sentar-se, esperando que os alunos terminassem suas tarefas e fossem até ela para ganharem o “visto”.

Sabemos que atender os alunos individualmente é praticamente inviável em uma sala de 30 alunos em uma aula com duração de cin-quenta minutos. No entanto, separá-los em grupos e caminhar pela sala, dirigindo-se a esses grupos, pareceu-nos uma estratégia positiva para manter o interesse dos alunos que, diante das difi culdades, tendem a desistir. Dörnyei (2001) também chama atenção para a importância de promover a interação dos alunos por meio de atividades realizadas em duplas ou grupos para que os estudantes se relacionem e se ajudem.

Julgamos pertinente retomar alguns dados de observação do diário da pesquisadora para relatar as três aulas seguintes a essa, nas quais a música não foi utilizada como recurso, a fi m de comparar o com-portamento dos alunos com as duas aulas anteriormente analisadas.

A aula subsequente contou com a presença de dezessete alunos e já no início, duas alunas perguntaram se haveria o uso da música. A professora respondeu que naquele dia o recurso não seria utilizado e começou a passar exercícios estruturais sobre o uso do will na lousa. A sala, de maneira geral, estava calma, oito alunos copiavam o conteúdo e o restante se mostrava totalmente alheio ao que estava acontecendo: uma aluna estava ouvindo música, dois tiravam fotos, dois meninos jogavam baralho, uma garota brincava com o celular, entre outros.

Na aula seguinte, a professora não compareceu devido a um curso oferecido pela Diretoria de Ensino e foi substituída por uma docente eventual que passou um texto na lousa e pediu aos alunos que copias-sem, seguindo as orientações da professora efetiva. Somente dois alu-nos (dos catorze presentes) realizaram o exercício, e os demais, nem mesmo sob a “ameaça” do visto, se envolveram com a aula.

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A atividade proposta tinha o objetivo de trabalhar com inter-pretação de texto – uma fábula. Esse exercício, porém, não estava relacionado com o conteúdo gramatical da aula anterior e não houve uma apresentação sobre esse gênero textual ou acerca dos propósitos da tarefa. O desinteresse dos alunos pela atividade pode ser explicado pelo fato de eles não a perceberem como relevante, uma vez que as aulas, especialmente a última, encontravam-se descontextualizadas em relação ao conteúdo programado.

Oxford (1999) nos lembra que a questão da falta de interesse diante das atividades está relacionada com a pertinência das mesmas. Para essa autora, quando as tarefas são consideradas irrelevantes e desinteressantes, o nível de engajamento dos alunos tende a dimi-nuir. Dörnyei (2001) argumenta que é papel do professor mostrar a relevância daquilo que está ensinando aos alunos e, ao mesmo tempo, tentar motivá-los com o uso de recursos apreciados pelos aprendizes.

Descubra os objetivos dos seus alunos e os tópicos que eles que-rem aprender, e utilize-os em seu currículo o quanto possível. Os alunos não são motivados a aprender a menos que eles con-siderem que o material que está sendo ensinado vale a pena. (DÖRNYEI, 2001, p.126, tradução nossa).8

Percebemos que nas outras aulas, quando havia o uso da música, o sentimento de interesse esteve bastante evidente devido ao fato dos alunos considerarem as atividades relevantes, já que a música fazia parte da realidade desses aprendizes.

Considerações fi nais

Este trabalho apresenta alguns resultados9 acerca da potencia-lidade da música como recurso didático-pedagógico nas aulas de língua inglesa. O uso de atividades com música na rede pública de 8 “Find out your students’ goals and the topics they want to learn, and build these into your

curriculum as much as possible. Students are not motivated to learn unless they regard the material they are taught as worth learning” (DÖRNYEI, 2001, p.126).

9 Devido à restrição de espaço, nos limitamos a apresentar os resultados obtidos com uma atividade aplicada à uma das turmas participantes do estudo. Os resultados da

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ensino não é tão frequente, e, quando ocorre, geralmente o professor limita-se a tocar a canção e solicitar aos alunos que traduzam a letra.

Podemos afi rmar que é possível incorporar o uso da música ao fazer docente cotidiano, na medida em que ela se caracteriza como recurso motivador, passível de adaptação e adequação aos conteúdos esco-lares por meio da preparação de atividades signifi cativas à aprendi-zagem dos alunos, cabendo ao professor explorar os benefícios que a música traz ao ambiente escolar.

É possível confi rmar, mediante os resultados obtidos, a efi cácia da música em despertar o interesse, a alegria e o clima de bem-estar. Esperamos que este estudo colabore para incentivar o uso de recursos didáticos por meios dos quais ocorra a aprendizagem de inglês como LE de maneira signifi cativa, motivadora e, acima de tudo, efi caz.

REFERÊNCIAS

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DÖRNYEI, Z. Teaching and researching motivation. Edinburgh Gate: Pearson Education, 2001.

FITA, E. C. O professor e a motivação dos alunos. In: TAPIA, J. A.; FITA, E. C. Motivação em sala de aula: o que é, como se faz.7. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p.65-135.

JACOB, L. K. Diferenças motivacionais e suas implicações no processo de ensino/aprendizagem de espanhol como língua estrangeira. 2002. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP, São José do Rio Preto, 2002.

KAWACHI, C. J. A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa da rede pública de ensino.2008. Dissertação

investigação, bem como outros exemplos de atividades com uso de música, podem ser encontrados em textos de nossa autoria citados nas referências deste estudo.

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Cláudia Jotto Kawachi Furlan

(Mestrado em Educação Escolar) – Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara, 2008.

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KRASHEN, S. D. Principles and practices in second language acquisition. New York: Prentice-Hall International, 1987.

LARSEN-FREEMAN, D. Second language acquisition research: staking out the territory. Tesol Quaterly, Washington, v.25, n.2, p.315-350, 1991.

______. Techniques and principles in language teaching. Oxford: Oxford University Press, 2000.

LE, M. H. The role of music in second language learning: a Vietnamese perspective. Trabalho apresentado naConference of Th e Australian Association for Research in Education and Th e New Zealand Association For Research in Education, 1999.

LEFFA, V. J. Como produzir materiais para o ensino de línguas. In: LEFFA, V. J. (Org.). Produção de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: EDUCAT, 2003. p.13-38. Disponível em: <http://www.leff a.pro.br>. Acesso em: 22 dez. 2007.

MASGORET, A. M.; GARDER, R. C. Attitudes, motivation, and second language learning: a meta-analysis of studies conducted by Gardner and associates. Language Learning, Ann Arbor, v.53, n.1, p.123-163, mar. 2003.

MOITA LOPES, L. P. Ofi cina de linguística aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino e aprendizagem de línguas.6.ed. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

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TERENZI, D.; AUGUSTO-NAVARRO, E. H. A aplicabilidade do material didático autêntico para o ensino de inglês em função do contexto e dos recurso (in) disponíveis na escola pública. Relatório de Iniciação Cientifi ca, UFSCar, São Carlos, 2006.

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APÊNDICE A

Questionário para os alunos – diagnóstico

1- Idade: _______________ Série: _________________

2- Seu professor de inglês utiliza músicas em suas aulas? ( ) Sim ( ) Não

Em caso afi rmativo, responda:

a) Como? Quais atividades são propostas? ( ) Atividades para tradução ( ) Atividades para ensinar gramática ou vocabulário ( ) Atividades para relaxar a aula ( ) Atividades para treinar o listening (compreensão auditiva) ( ) outros

b) Quando? ( ) Em todas as aulas ( ) Em quase todas as aulas ( ) Em algumas aulas ( ) Raramente

Em caso negativo, responda:Você gostaria que ele(a) utilizasse? Por quê?

3- Em sua opinião, a música traz contribuições ao ambiente da sala de aula? ( ) Sim ( ) Não

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

Em caso afi rmativo, quais? ( ) deixa as pessoas mais animadas ( ) relaxa ( ) descontrai ( ) o ambiente fi ca mais alegre ( ) motiva ( ) há mais entusiasmo ( ) outros

Há algum aspecto negativo com relação ao uso de música? Qual? Por quê?

4- Em sua opinião, o que pode ser aprendido através da música?

( ) vocabulário( ) pronúncia( ) escrita( ) gramática( ) cultura

( ) interpretação de textos( ) listening( ) nada, a música serve para relaxar e não para aprender( ) outros

5- Que tipo de música você gosta? Dê exemplos de cantores, ban-das e nomes de música em inglês.

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Cláudia Jotto Kawachi Furlan

APÊNDICE B

Atividade desenvolvida com os participantes do estudo (Song activity nº 2)

I) READING

Read the song. Match the strophes to the correct pictures. Write below each picture the word corresponding to it. (Obs: as fi guras abaixo cor-respondem às estrofes da música, o ideal é apresentar a letra da música e as fi guras ao lado)

Kelly Clarkson - Breakaway(Letra da música está disponível no site: www.vagalume.com.br)

+

______________ ______________

+

______________ ______________

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

+

__________ ______________

+

_____________ ______________

+

_____________ ______________

II) GRAMMAR

1- Pay attention to the chorus of the song. Which verb tense is being mainly used? ( ) Simple Past ( ) Past Continuous ( ) Future ( ) Present Continuous

Why do you think this verb tense is being used?

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Cláudia Jotto Kawachi Furlan

How is this verb tense formed?

Take a look at the example below: Ex: I will study tomorrow.What time expressions are commonly used with the future?

Observe these sentences: AFFIRMATIVE: I will study tomorrow. NEGATIVE: I will not study tomorrow. INTERROGATIVE: Will I study tomorrow?

Pay attention to the contractions:

AFF (full form) AFF (contraction) NEG (full form) NEG (contraction)

I will I’ll I will not I won’t

You will You’ll You will not You won’t

He will He’ll He will not He won’t

She will She’ll She will not She won’t

It will It’ll It will not It won’t

We will We’ll We will not We won’t

Th ey will Th ey’ll Th ey will not Th ey won’t

2- Copy from the song one sentence with “will” in the contracted form in the:

a) Affi rmative: _________________________________________b) Negative: __________________________________________

3- Why do you think this verb tense was used in that part of the song?

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A música como recurso didático-pedagógico na aula de língua inglesa na rede pública

4- Choose two words from the song (from the pictures) and write two sentences using WILL.

a) ____________________________________________b) ____________________________________________

5- What is your interpretation of this song?

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CONTRIBUIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DA NOVA

PROPOSTA CURRICULAR PARA LÍNGUA INGLESA NO ESTADO DE

SÃO PAULO

Elizabete Aparecida BERNARDINO

Introdução

A proposta curricular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo de 1988, para o ensino de língua inglesa, propunha um ensino que tinha como foco o desenvolvimento da habilidade oral e da fl uência, embora preconizasse também o trabalho com as demais habilidades (ouvir, ler e escrever) sempre com vistas ao desenvolvi-mento da competência comunicativa dos aprendizes (SÃO PAULO, 2008).

Naquele período passou a vigorar na rede pública estadual o ensino comunicativo de línguas, antagônico ao paradigma anterior, de base estruturalista, que preconizava o ensino-aprendizagem das regras gramaticais como o aspecto principal no estudo de língua estrangeira.

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

Porém, a abordagem comunicativa, dadas as condições adversas presentes nas escolas estaduais, tais como a grande quantidade de alunos por sala, número reduzido de aulas semanais e formação ina-dequada do professor, mal chegou a instalar-se nas escolas públicas. O que prevalecia, apesar das orientações daquela proposta curricu-lar, era um ensino pautado nos aspectos estruturais da língua e na tradução de textos.

Em 2008, uma nova proposta pedagógica foi apresentada aos professores da rede estadual com orientações para a reestruturação de todos os componentes curriculares. Para o ensino de inglês, a contribuição mais importante derivava da construção da compe-tência discursiva, baseada numa nova orientação: a dos letramentos múltiplos.

Não se trata mais de privilegiar a gramática ou as funções comu-nicativas, mas de promover o conhecimento e o reconhecimento de si e do outro, traduzido em diferentes formas de interpreta-ção do mundo, concretizadas nas atividades de produção oral e escrita, desenvolvidas em cada uma das etapas da escolarização (SÃO PAULO, 2008, p.43).

O foco da proposta de 2008 era o desenvolvimento de esquemas interpretativos por meio do trabalho com os textos muito mais do que a habilidade de tradução e visava também desenvolver a percep-ção de como as práticas sociais se concretizam por meio dos diversos gêneros textuais, sejam orais ou escritos, conforme autores como Kleiman (1995), Soares (2006), Tfouni (2006a, 2006b) e Bazerman (2006a, 2006b, 2007).

Tendo em vista iluminar o percurso do ensino de Língua Estrangeira (LE) neste novo contexto que se apresenta desde 2008, o “objetivo” do presente capítulo é, com base, principalmente nas ideias de Kern (2000), principal teórico daquela proposta curricu-lar, elucidar um pouco mais os fundamentos para o trabalho com Língua Estrangeira Moderna – inglês (LEM).

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Elizabete Aparecida Bernardino

Os gêneros textuais

O ponto de partida para o trabalho com língua inglesa, neste novo paradigma, é o texto e o uso de estratégias para a leitura e compreensão. A ênfase é dada aos diferentes gêneros textuais, levan-do-se em conta as características formais dos vários gêneros mais frequentes na sociedade, com o objetivo de propiciar a recepção e a produção desses textos pelos alunos.

A comunicação se dá necessariamente por meio de um texto que pertence a um determinado gênero. Nas mais variadas esferas da vida social, a todo instante, estamos fazendo uso dos inúmeros gêneros. Daí a importância de uma proposta curricular que contemplasse o maior número possível de gêneros textuais, divididos nas várias disciplinas do currículo, ao longo dos níveis de escolaridade.

Pinto (2005) explicita bem essa necessidade de conhecer as exigências estruturais, de conteúdo e das sequências linguísticas que compõem cada um dos gêneros textuais. Para o autor, os alunos deveriam ter contato mais aprofundado com os mais variados gêneros ao fi nal do ensino fundamental e durante o ensino médio. A proposta curricular de LE (Língua Estrangeira) de 2008 já introduzia o trabalho com os gêneros no início do Ensino Fundamental II, ou seja, na 5ª série ou 6° ano.

Bakhtin (2000), ao falar da língua materna, pode nos dar uma dimensão da contribuição do estudo dos gêneros para o ensino de outras línguas.

A língua materna – a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas assumidas pelo enunciado e junta-mente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas de enunciado, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

que sua estreita correlação seja rompida. (BAKHTIN, 2000, p.301-302).

O conhecimento dos gêneros textuais cria uma expectativa no leitor e o leva a reagir de alguma forma, o que em uma língua estrangeira constitui-se num auxílio importante no processo de leitura e entendimento dos textos. Acreditamos que, muitas vezes, é o conhecimento do gênero que está sendo manipulado pelo alu-no que vai fornecer as pistas para a tradução ou compreensão de determinados trechos ou mesmo de textos completos. Kern (2000) afi rma que os alunos precisam saber quais são as expectativas espe-cífi cas para um dado tipo de texto e isto se dá pelo ensino dos gêneros.

Tradicionalmente ligados aos estudos literários, os gêneros incluem, segundo Kern (2000), uma gama de formas discursivas faladas (orais) e escritas como a conversa, o editorial, a entrevista, a piada, a palestra, entre outros.

Os gêneros são vistos como processos sociais dinâmicos e não estáticos. Gêneros são fenômenos sociais que estabelecem formas de interação. A familiaridade com os gêneros é importante na comu-nicação, pois nos permite fazer ligações entre exemplos específi cos de discurso e outros que já tenhamos vivenciado anteriormente. Se formos razoavelmente competentes em uma língua, geralmente podemos identifi car piadas, histórias ou instruções, por exemplo, ao ouvirmos as primeiras palavras. Identifi cado o gênero, podemos antecipar o que virá em seguida (KERN, 2000)

Bazerman (2006a, 2006b, 2007), Almeida Filho (2002) e outros estão de acordo com Kern (2000) ao defenderem o envolvimento dos alunos com práticas sociais reais de letramento.

Bazerman (2006a) afi rma que é na sala de aula que os professores, ao desenvolverem atividades de letramento, têm a oportunidade de trabalhar e de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento da maioria dos membros da sociedade.

O gênero, diz o autor, remete-nos a vários aspectos da vida letra-da e pode levar à formação de agentes sociais qualifi cados para atuar

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Elizabete Aparecida Bernardino

efetivamente no seu contexto social. Ocorre que, às vezes, o ensino de gêneros tem como foco as formas linguísticas apenas.

Quando abordado como disciplina puramente formal, o ensino de gêneros evoca todos os problemas de motivação, atenção, compreensão, aplicação e transferência que surgem quando se tenta ensinar um assunto a alguém, sem considerar o interes-se, o envolvimento, a experiência e a atividade dessa pessoa. (BAZERMAN, 2006a, p.10).

Aliado ao ensino de uma LE com todas as suas especifi cidades, tal abordagem de ensino dos gêneros pode vir a agravar ainda mais as questões relacionadas ao interesse, questão da qual já se ocupa-va Dewey (1954), e à motivação em contexto de aprendizagem escolar, de acordo com diversos estudiosos como Gardner (2001), Tapia e Fita (2006), Dörnyei (2000), Boruchovitch e Martini (2004); Bzuneck (2001), Martini (1999), Oxford (1999) entre outros.

Como a proposta curricular de 2008 (atual currículo) para o ensino de língua inglesa ressaltava a necessidade do desenvolvimento dos letramentos múltiplos, faz-se necessário aprofundar o conceito de letramento principalmente com base em Kern (2000), principal teórico que fundamentou o currículo de LEM- inglês para o Estado de São Paulo.

Letramento: algumas defi nições

De acordo com Kleiman (1995), o conceito de letramento surge no meio acadêmico como forma de diferenciar alfabetização como competência individual do uso social da escrita e suas consequências. O termo letramento, segundo a autora, diferencia-se de alfabetização pelo fato de que indivíduos não alfabetizados podem fazer uso de estratégicas letradas, orais nestes casos, para interagir socialmente.

Para Tfouni (2006a), letramento é um processo mais amplo do que a alfabetização, infl uenciado pelo código escrito, mas não se trata da supremacia da modalidade escrita sobre a oral. Está

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

relacionado aos aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita e ocupa-se dos indivíduos alfabetizados e não-alfabetizados na relação com o social.

O letramento surge como causa de transformações históricas como as relacionadas ao desenvolvimento tecnológico. Tfouni (2006a) afirma que não é possível se pensar em grau zero de letramento, ou seja, não há iletramento nas sociedades modernas, há sim graus de letramento.

A palavra letramento, segundo Soares (2006) surge de uma nova confi guração social em que não basta saber ler e escrever. É preciso fazer uso desta condição para atuar socialmente.

Ocorre que o indivíduo pode ser analfabeto e ser letrado, ou seja, estar envolvido com as práticas de leitura e escrita exigidas socialmente: ouvir a leitura de uma carta ou ditar uma carta para que alguém escreva, por exemplo. O indivíduo não sabe ler nem escrever, mas se utiliza, por meio de outros, dessas habilidades para atuar socialmente, afi rma Soares (2006).

Aqueles que aprendem a ler e escrever podem não desenvolver competências necessárias para atuar nas práticas sociais e, portanto, não podem ser considerados indivíduos letrados.

Para Soares (2006), ler implica o desenvolvimento de uma série de habilidades que vão desde a simples decodifi cação até a leitura de um romance e escrever implica em habilidades que vão desde escrever o próprio nome até desenvolver uma tese de doutorado.

Rojo (2009) ressalta que o conceito de letramentos múltiplos é ainda complexo e ambíguo, envolvendo a multissemiose ou mul-timodalidade das mídias digitais. Mas os letramentos múltiplos, afirma a autora, também podem ser entendidos na perspectiva multicultural (multiletramentos), ou seja, diferentes culturas, nas diversas esferas, terão práticas e textos em gêneros dessa esfera tam-bém diferenciados.

Rojo (2009, p.118) acrescenta que:

[...] trabalhar com leitura e escrita na escola hoje é muito mais que trabalhar com a alfabetização ou os alfabetismos: é trabalhar

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com os letramentos múltiplos – com as leituras múltiplas – a leitura na vida e a leitura na escola – e que os conceitos de gêne-ros discursivos e suas esferas de circulação podem nos ajudar a organizar esses textos, eventos e práticas de letramento.

Da perspectiva de Rojo (2009, p.119), o ensino pautado no desenvolvimento dos letramentos múltiplos deve

[...] garantir que o ensino desenvolva as diferentes formas de uso das linguagens (verbal, corporal, plástica, musical, gráfi ca, etc.) e das línguas (falar em diversas variedades e línguas, ouvir, ler, escrever). Para participar de tais práticas com profi ciência e consciência cidadã, é preciso também que o aluno desenvolva certas competências básicas para o trato com as línguas, as lin-guagens, as mídias e as múltiplas práticas letradas, de maneira crítica, ética, democrática e protagonista.

Letramento e ensino de língua estrangeira na rede pública do estado de São Paulo

Como a proposta curricular de 2008 para o ensino de língua estrangeira (LE) parece fundamentar-se principalmente em Kern (2000), exporemos aqui alguns dos conceitos principais para a com-preensão do tipo de letramento que se pensou para o trabalho em sala de aula com a língua inglesa, na escola pública do Estado de São Paulo. Para Kern (2000, p.16, tradução nossa),

[...] letramento é o uso de práticas socialmente, historicamente e culturalmente situadas de criar e interpretar signifi cados por meio de textos. Implica numa consciência das relações entre as convenções textuais e seus contextos de uso e, de preferência, a habilidade para refl etir criticamente sobre estas relações1.

1 “[…] literacy is the use of socially-, historically-, and culturally-situated practices of creating and interpreting meaning through texts. It entails at least a tacit awareness of the relationships between textual conventions and their contexts of use and, ideally, the ability to refl ect criti-cally on those relationships” (KERN, 2000, p.16).

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

O autor não pretende descrever todas as formas de letramento, mas caracterizar letramento num contexto específi co de ensino aca-dêmico de segunda Língua (L2) e Língua Estrangeira (LE).

Para o autor, o ensino acadêmico deve fomentar o letramento não apenas em termos das habilidades básicas de leitura e escrita, mas em termos de maior competência discursiva que envolve a habilidade de interpretar e de avaliar criticamente uma grande variedade de textos escritos e falados. Kern (2000) defende uma interpenetração de tipos de textos entre os vários níveis de estudo de línguas: o uso de textos literários juntamente com textos da cultura cotidiana por meio de todo o currículo.

Além do cânone literário, Kern (2000) preconiza a inclusão de uma maior variedade de textos escritos e falados que representem as práticas signifi cativas de uma sociedade (por exemplo, anúncio e propaganda, discurso político, cartas, fi lmes, jornais artigos de revistas, vídeos de música, entre outros).

Outra característica da abordagem de letramento defendida por Kern (2000) está relacionada às formas com as quais professores e alunos usam a leitura e escrita na sala de aula de línguas. O autor defende os usos de leitura e escrita que contam como leitura e escrita reais, com usos signifi cativos que promovam o pensamento, a apren-dizagem e, consequentemente, a motivação nos modelos reconheci-dos como parte de uma interação com a cultura.

Muitos aprendizes conhecem muitas palavras da língua inglesa, entretanto, não conseguem compreender muito daquilo que leem, mesmo depois de muitos anos de estudo.

Os alunos das escolas da rede pública do Estado de São Paulo pas-sam ao menos sete anos estudando uma LE (língua inglesa), porém, ao término desse período pouco leem, pouco compreendem e o desem-penho linguístico (oral) é praticamente nulo, mesmo em se tratando das funções básicas como cumprimento, despedidas e pedidos.

A questão é que o signifi cado de palavras, frases e textos não são fi xos, mas dependentes uns dos outros, dos contextos em que estão inseridos e do conhecimento que o leitor traz para sua interpretação (KERN, 2000).

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O que lembramos de nossa leitura, destaca Kern (2000) são nossos signifi cados construídos, não as palavras exatas usadas no texto e mesmo os atos mais simples e básicos de comunicação exigem interpretação, envolvendo o uso de recursos que vão além da gramática e do vocabulário de uma língua.

Diferente das crianças que podem aprender muito por imersão e interação nas suas línguas nativas e nas suas culturas, os aprendizes de LE devem contar, em grande parte, com uma experiência de segunda mão ao aprender uma nova língua e uma nova cultura.

Num contexto de LE, a exposição a uma gama de gêneros, estilos e convenções de uso da língua, bem como aos aspectos culturais, vem principalmente por meio da leitura.

Sem uma extensa exposição a textos de LE, a amplitude e a profundi-dade das habilidades dos aprendizes serão limitadas, afi rma Kern (2000).

Concordamos que, para que a aquisição da língua efetivamente ocorresse, os alunos deveriam ser expostos a muito mais insumo da LE do que são realmente. Seria importante, segundo Krashen e Terrell (1983), que esse insumo, além de interessante, fosse compreensível e estruturalmente, deveria ser um pouco mais avançado do que o conhecimento atual dos aprendizes.

Por outro lado, as habilidades comunicativas são essenciais à habilidade dos aprendizes para aprender por meio da leitura, pois sem elas, eles não podem sequer compreender ou discutir os textos aos quais foram expostos.

Kern (2000) defende a relação entre o letramento e a habilidade comunicativa. Para o autor, uma orientação baseada no letramento não signifi ca abandonar o foco comunicativo ou voltar ao paradigma tradução-gramática. Signifi ca que os estudantes devem perceber a leitura e a escrita como atos de comunicação.

Kern (2000) preconiza a reconciliação da abordagem do ensino comunicativo de língua, com ênfase na interação face-a-face, com o desenvolvimento da habilidade dos alunos para ler, discutir, pensar, e escrever criticamente sobre textos. Os dois conjuntos de objetivos não são em si incompatíveis, afi rma.

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

Almeida Filho (2002, p.36) assim defi ne ensino comunicativo de LE:

O ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a língua-alvo para realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa língua.

Kern (2000, p.5) complementa sua proposta de conciliação da abor-dagem comunicativa com a do letramento ao ressaltar o seguinte ponto:

Estendendo a noção de letramento para além dos limites tra-dicionais das habilidades de leitura e escrita e mesmo além das habilidades de interpretação literária centrada no texto, os pro-fessores de línguas de todos os níveis podem criar um currículo mais coerente – um que mantenha uma atenção contínua nas habilidades comunicativas em língua falada bem como numa variedade de gêneros escritos, desde os níveis iniciais até os níveis avançados do estudo de línguas.

De acordo com Kern (2000), ao praticar letramento numa língua não nativa (ou seja, engajar-se em eventos reais de letramento, não apenas ensaiar as habilidades de leitura e escrita), os alunos apren-dem não apenas sobre vocabulário e gramática, mas também sobre o discurso e os processos pelos quais é criado. Aprendem a lidar com incertezas e ambiguidades. Aprendem novas e alternativas formas de organizar o pensamento e a expressão, caminhos que vão além de aprender fatos sobre a L2 ou a LE.

Para Kern (2000) tornar-se letrado requer um senso intuitivo das formas nas quais as características formais de expressões verbais podem variar nos contextos do uso da língua escrita e falada.

A língua escrita requer uma construção mental por parte do leitor do contexto de interpretação, baseado nos seus conhecimentos prévios de mundo, nos seus objetivos ao ler, e no próprio texto.

Os elementos contextuais não verbais desempenham um papel importante nos discursos escritos e falados. Aspectos visuais, já

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contemplados no novo currículo de língua inglesa, que acompanham textos (tabelas, gráfi cos, diagramas, mapas, ilustração e fotos) bem como a pontuação e a tipografi a e o layout do texto, podem ser fatores importantes na comunicação escrita e por isso, formam um importante componente de letramento, segundo Kern (2000).

O objetivo do ensino baseado no letramento é permitir aos alu-nos perceber como um conhecimento de mundo pode afetar suas interpretações, nos diz Kern (2000). É recomendável que os textos escolhidos lidem com tópicos familiares da cultura do aluno para que o conhecimento prévio compense as difi culdades linguísticas.

Outro objetivo muito importante do letramento apontado pelo autor não é apenas transpor as tradicionais divisões entre as quatro habilidade de falar, ouvir, ler e escrever, mas também transpor o que frequentemente separa o ensino de línguas do ensino da literatura (KERN, 2000).

Dadas as limitações apontadas até mesmo pelos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p.21), quais sejam “[...] carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático reduzido a giz e livro didático, falta de recursos tecnológicos, etc.”, verifi ca-se a inviabilidade de desenvolver as qua-tro habilidades fundamentais na aprendizagem de LE: listening, spe-aking, reading, writing2. Um ensino de língua inglesa que contemple o desenvolvimento das quatro habilidades básicas e que tenha como objetos de estudo também os textos literários parece ainda ser um objetivo muito ambicioso para o ensino de LE na escola pública do Estado de São Paulo.

Quanto à escrita, em todas as situações em que Krashen e Terrell (1983) pensam sobre esta habilidade, ela não tem um fi m em si mes-ma, mas é uma atividade preliminar à execução de uma tarefa cujo objetivo é fornecer uma oportunidade para interagir e ganhar insu-mo na LE. Em oposição ao pensamento de Krashen e Terrell (1983), Kern (2000) defende que a habilidade de escrita é essencial para o aprendizado acadêmico de línguas. Para Krashen e Terrell (1983) 2 Ouvir, falar, ler, escrever.

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

a atividade de escrita não encoraja necessariamente a aquisição de insumo compreensível, a menos que os aprendizes estejam em uma situação de interação trocando cartas ou anotações, por exemplo.

Por meio da escrita, esclarece Kern (2000), os alunos desenvol-vem a habilidade de pensar sobre como organizar e expressar seus pensamentos, sentimentos e ideias de forma compatível com as expectativas do leitor-alvo. Trabalhar para tornar compreensíveis os pensamentos para outros que podem não compartilhar dos mesmos conhecimentos prévios é, com certeza, o centro da habilidade comu-nicativa, afi rma o autor.

Escrever, acrescenta Kern (2000), fornece uma excelente platafor-ma para os alunos testarem hipóteses sobre a nova língua. Testando diferentes palavras, estruturas sintáticas, estilos e padrões de orga-nização e considerando os efeitos que tais manipulações podem ter sobre o signifi cado, os aprendizes ampliam o potencial comunicativo na língua-alvo.

Para Kern (2000), assim como a leitura, escrever permite ao alu-no processar o signifi cado. No processo de escrita o aluno tem tempo para pensar, o que provoca menos ansiedade. No ensino de LE o aprendiz é muitas vezes levado a um estado de ansiedade, ao medo de errar ou a ter vergonha dos colegas e esses sentimentos podem impedir o envolvimento com a língua-alvo e o real aprendizado. Todos esses sentimentos juntos constituem o que Krashen e Terrell (1983) denominam Filtro Afetivo.

O grande desafi o para o professor é diminuir o Filtro Afetivo dos alunos a um nível que favoreça o aprendizado ou a aquisição da LE. O trabalho com a produção escrita pode, concordamos com Kern (2000), constituir-se em um importante fator de aquisição da LE, pois quando os alunos têm a chance de escrever, diz o autor, eles se envolvem mais com as discussões orais subsequentes, pois suas ideias já foram parcialmente desenvolvidas e articuladas, permitindo que eles deem mais atenção à oralidade.

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Elizabete Aparecida Bernardino

Práticas avaliativas

Segundo Kern (2000), língua e letramento são multifacetados e assim devem ser os processos avaliativos. Para traçar um perfi l das habilidades do aluno, o professor precisa, de acordo com este autor, dispor de variados índices de desempenho para que possa analisar e interpretar o processo de ensino-aprendizagem.

Nesse novo currículo para o ensino de língua inglesa, os Cadernos do Professor (São Paulo, 2008), material que contém as sequências didáticas que deverão ser trabalhadas em cada um dos bimestres, apresentam como sugestões três tipos de avaliação: a “somativa”, a “processual” e a “formativa”.

A “somativa” que é uma prova formal, individual e escrita com a qual os professores já estão familiarizados. Trata-se de um tipo tradi-cional de avaliação mais utilizada pela sua objetividade e facilidade de aplicação.

Outro tipo de avaliação sugerida é a “processual”, em que o desempenho e a participação do aluno, durante as aulas, são leva-dos em conta.

Além desses, outro procedimento avaliativo apresentado aos pro-fessores, em 2008, foi a tabela denominada can-do-chart, uma moda-lidade de autoavaliação em que o aluno deve marcar as habilidades e competências que já domina, as que ainda não domina e aquelas para as quais ainda precisa de ajuda para executar. Trata-se de um momento em que o aluno é levado a refl etir sobre as aquisições que tem feito durante cada bimestre do ano letivo e sobre as habilidades que ainda precisa desenvolver. Este outro procedimento confi gura-se como um instrumento de avaliação “formativa”.

Esta visão aproxima-se da forma idealizada na proposta curricular de 1988 que já preconizava que a avaliação deveria ser resultado da autoavaliação, da avaliação do professor e dos pares.

As três perspectivas de avaliação (somativa, processual e formati-va) estão, portanto, de acordo com as ideias de Kern (2000).

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

Ao utilizar a avaliação “processual”o professor avalia o aluno por meio, principalmente, da observação durante a realização das ativi-dades em sala de aula.

Para garantir a aplicação desse meio avaliativo, é sugerida a criação de um sistema de registros das observações feitas. Tal sistema de regis-tros seria mais uma entre as muitas funções que o professor já exerce em sala de aula. Para o professor de língua inglesa que pode ter que lecionar para até dezesseis turmas com uma média de 35 alunos cada, essa se tornaria uma tarefa um tanto difícil de ser viabilizada.

Nos primeiros anos de implementação do novo currículo de lín-gua inglesa, segundo Bernardino (2010), essa prática avaliativa não tem se mostrado de fácil aplicação devido ao grande número de alunos por classe e pelo grande número de classes que o professor de LE precisa ter para constituir sua jornada de trabalho. Além disso, a prática em sala de aula, em muitas escolas, tem demandado uma atenção constante do professor sobre as diferentes ações ocorridas nesse espaço devido, principalmente, às questões ligadas à indisci-plina.

O professor precisa gerenciar as tarefas, motivar aqueles alunos que não estão dispostos a se envolverem com as atividades propostas e ainda administrar os confl itos que frequentemente surgem entre os alunos. São atribuições que o professor de LE deve realizar no curto período de duas aulas semanais com duração de cinquenta minutos cada aula.

Diante dos aspectos apontados, uma prática avaliativa baseada em observações e registros sobre cada um dos alunos torna-se inviável no contexto atual de ensino de LE.

A avaliação “formativa” para LE constitui-se das produções textuais dos alunos previstas para cada final de bimestre e das tabelas de autoavaliação, denominadas can-do-chart em que o aluno deve indicar as competências e habilidades que acredita ter desenvolvido durante cada um dos bimestres. Trata-se de uma novidade dentro do processo avaliativo, em que o aluno é levado a refl etir sobre sua aprendizagem.

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Elizabete Aparecida Bernardino

As produções escritas e as autoavaliações deveriam, segundo sugestão dos elaboradores da proposta curricular de 2008, ser orga-nizadas em “um tipo de portfólio”, que seria uma pasta ou caderno para arquivar as produções mais importantes. Kern (2000) ainda propõe que sejam incluídos os rascunhos das produções escritas, entretanto, na prática verifi camos que poucos são os alunos que se propõem a acrescentar seus rascunhos ao portfólio.

Em geral, os alunos tendem a descartar os trabalhos em que aparecem correções feitas a caneta. Além disso, muitos demonstram não gostar do uso desse instrumento para correções de seus trabalhos. Quando as interferências são assinaladas a lápis, esses alunos costumam apagar e reescrever o trecho corrigido com sua própria caligrafi a, talvez numa tentativa de ocultar suas dificuldades. A produção textual ainda não é percebida pelos alunos como um processo que vai se desenvolvendo, sendo necessárias revisões e, por fi m, a reedição.

A avaliação por meio do portfólio tem, segundo Kern (2000), como primeiro objetivo avaliar as práticas de ensino e aprendizagem baseadas no uso real da língua. Trata-se de um processo dinâmico em que o aluno coleta suas produções e refl ete sobre elas e que vai além, portanto, da avaliação do desempenho linguístico, pois envolve as dimensões cognitivas, sociais e motivacionais.

Entretanto é um instrumento de avaliação para o qual o professor precisa de treino, afi rma Kern (2000), pois requer uma leitura mais atenta e que sejam estabelecidas comparações e que, além disso, demanda tempo para aplicação enquanto prática avaliativa.

Para aumentar a confi abilidade na avaliação por meio do portfó-lio, segundo autor, o professor deve especifi car que tipo de material deve ser incluído e estabelecer critérios claros para avaliação.

Para o início de trabalho com a nova proposta curricular, em 2008, o portfólio apresentou-se apenas como meio de organizar e arquivar os trabalhos mais relevantes produzidos pelos alunos duran-te o ano letivo, por meio do qual o aluno poderia ter uma visão dos avanços que obteve no decorrer dos bimestres. O portfólio, nesse sentido, parece ter ainda um alcance bastante limitado como meio de avaliação nas escolas da rede pública estadual.

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Contribuições para a compreensão da nova proposta curricular para língua inglesa no Estado de São Paulo

Considerações fi nais

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, ao apresentar um novo currículo, teve em vista elevar os níveis de letramento dos alunos das escolas públicas.

Ao propor um currículo pautado no desenvolvimento de compe-tências, o professor também é chamado a desenvolver, para si mesmo como profi ssional da educação, novas competências para atuar como mediador e motivador da aprendizagem.

A uma escola que também aprende enquanto ensina, compete assumir o seu papel de principal “agência” (BAZERMAN, 2006a) ou lugar de letramento e ter a clareza de que a formação escolar deve alavancar o desenvolvimento do aluno, levando-o a fazer uso das habilidades de leitura e escrita para integrar outras agências no seu papel de cidadão crítico e atuante.

Sentimos falta de uma sistematização dos conceitos teóricos relacionada às noções de letramentos múltiplos bem como da noção de gêneros textuais que poderiam ter sido mais amplamen-te abordados de forma a amparar melhor o trabalho do professor em sala de aula. De posse desses conhecimentos que, acreditamos, não são do domínio de muitos docentes, principalmente de LE, tendo em vista a novidade dessa nova perspectiva de ensino, a aplicação prática desse currículo poderia constituir-se em algo mais signifi cativo, em primeiro lugar para o professor e, em seguida, para o aluno.

REFERÊNCIAS

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Elizabete Aparecida Bernardino

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ORGANIZADORAS E AUTORAS

Dirce Charara Monteiro (Organizadora) – Mestre em Letras pela FLCH-USP e Doutora em Letras pela FCL –  UNESP, Araraquara. É professora e pesquisadora na área de Metodologia do Ensino e Prática de Ensino de Línguas em cursos de Graduação na UNIARA e no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP–  Araraquara, dedicando-se a investigações sobre formação de professores e práticas pedagógicas em língua materna e estrangeira (Inglês). e-mail: dcharara@terra. com.br

Renata Maria Moschen Nascente (Organizadora) – Mestre e Doutora em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL – UNESP, Araraquara. É professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos. Foi professora das redes municipal, estadual e privada, nos ensinos fundamental, médio e superior, assim como diretora e supervisora da rede estadual paulista. Tem atuado nas áreas de pesquisa e formação de professores, coordenadores e gestores escolares. e-mail: [email protected]

Cláudia Jotto Kawachi Furlan - Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL – UNESP, Araraquara e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente, é professora substituta do Departamento de Letras Modernas da FCL –  UNESP, Araraquara. e-mail: [email protected]

Denise Maria Margonari - Mestre e Doutora em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL – UNESP, Araraquara. Atualmente é professora de Prática de Ensino de Língua Inglesa, no Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Araraquara. e-mail: [email protected]

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Elizabete Aparecida Bernardino –  Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL – UNESP, Araraquara, na área de concentração Formação do Professor, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas. Atualmente é professora efetiva da rede pública estadual de ensino, lecionando na E.E. “Profa. Maria Virgínia Mansur Biagi”, em Batatais (SP). Suas atividades de pesquisa concentram-se na área de ensino-aprendizagem de Inglês como língua estrangeira. e-mail: [email protected]

Lusinilda Carla Pinto Martins –  Mestre em Linguística Aplicada (UNICAMP), Doutora em Educação Escolar pelo Programa de Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Araraquara. Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de Letras Línguas Estrangeiras da Universidade Federal de Rondônia. Membro dos grupos GECEL (Grupo de Estudos em Culturas Educação e Linguagens) e GELLSO (Grupo de Estudos Linguísticos, Literários e Socioculturais). e-mail: [email protected]

Rosangela Sanches da Silveira Gileno – Mestre e Doutora em Letras pela UNESP – FCLAr. Atualmente é professora de Prática de Ensino de Língua Estrangeira (Italiano e Espanhol) e Materna do Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara. Tem experiência profi ssional na área de Educação, especialmente no ensino de Língua Materna e Língua Inglesa, na Prática de Ensino de Língua Estrangeira e na Prática de Ensino de Língua Materna. e-mail: [email protected] 

Valdicea Moreira –  Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Araraquara. Professora Substituta do Departamento de Letras Modernas no curso de Letras da FCL UNESP – Araraquara (2011-2012). Professora e Coordenadora da escola Trinity English School – Araraquara. [email protected]

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SOBRE O VOLUME

Série Temas em Educação EscolarFormato: 14 x 21 cm

Mancha: 10,4 x 17,4 cmTipologia: Garamond 12/11Polen bold 90 g/m2 (miolo)

Cartão suprema 250 g/m2 (capa)Primeira edição: 2013

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