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SÉRIE-ESTUDOS SÉRIE-ESTUDOS SÉRIE-ESTUDOS SÉRIE-ESTUDOS SÉRIE-ESTUDOS Periódico do Mestrado em Educação da UCDB eriódico do Mestrado em Educação da UCDB eriódico do Mestrado em Educação da UCDB eriódico do Mestrado em Educação da UCDB eriódico do Mestrado em Educação da UCDB

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SÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOS

PPPPPeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 17(junho 2004). Campo Grande : UCDB, 1995.

Semestral

ISSN 1414-5138

V. 23,5 cm.

1. Educação 2. Professor - Formação 3. Ensino 4. PolíticaEducacional 5. Gestão Escolar.

Indexada em:BBE - Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, Inep)EDUBASE - UNICAMPCLASE - Universidad Nacional Autónoma de México

Solicita-se permuta / Exchange is requested

Tiragem: 1.000 exemplares

Série-Estudos publica artigos na área de educação, com ênfase em educação escolar eformação de professores de caráter teórico e/ou empírico.

Missão Salesiana de Mato GrossoUNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

Instituição Salesiana de Educação Superior

SÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOS

PPPPPeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande-MS, n. 17, p. 1-192, jan./jun. 2004.

Chanceler:Chanceler:Chanceler:Chanceler:Chanceler: Pe. Dr. Afonso de CastroReitor: Reitor: Reitor: Reitor: Reitor: Pe. José MarinoniPró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pe. Jair Marques de AraújoPró-Reitor Administrativo: Pró-Reitor Administrativo: Pró-Reitor Administrativo: Pró-Reitor Administrativo: Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luilton Pouso

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDBPublicada desde 1995

Editora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelMargarita Victoria Rodríguez ([email protected])

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOInstituição Salesiana de Educação Superior

Direitos reservados à Editora UCDB Editora UCDB Editora UCDB Editora UCDB Editora UCDB (Membro da Associação Brasileira das Editoras Universitárias- ABEU):::::Coordenação de Editoração: Ereni dos Santos BenvenutiEditoração Eletrônica: Glauciene da Silva Lima SouzaRevisão de Redação: Dulcília SilvaVersão e Revisão de Inglês: Barbara Ann NewmanBibliotecária: Clélia Takie Nakahata Bezerra - CRB n. 1/757Capa: Helder D. de Souza e Miguel P. B. Pimentel (Agência Experimental de Publicidade)

Av. Tamandaré, 6.000 - Jardim SeminárioCEP: 79117-900 - Campo Grande - MSFone/Fax: (67) 312-3373e-mail: [email protected]://www.ucdb.br/editorahttp://www.ucdb.br/editorahttp://www.ucdb.br/editorahttp://www.ucdb.br/editorahttp://www.ucdb.br/editora

Conselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialAdir Casaro NascimentoLeny Rodrigues Martins TeixeiraMariluce BittarRegina Tereza Cestari de Oliveira

Pareceristas Pareceristas Pareceristas Pareceristas Pareceristas Ad HocAd HocAd HocAd HocAd HocEulália Henriques Maimone - UNIUBEMarisa Bittar - UFSCarSonia Vasquez Garrido - PUC/Chile

Conselho ConsultivoConselho ConsultivoConselho ConsultivoConselho ConsultivoConselho ConsultivoAmarílio Ferreira Junior - UFSCarCelso João Ferretti - UNISOEmília Freitas de Lima - UFSCarFernando Casadei Salles - UNISOGraça Aparecida Cicillini - UFUHamid Chaachoua - Universidade Joseph Fourier/FrançaHelena Faria de Barros - UCDBJorge Nagle - UMCJosé Luis Sanfelice - UNICAMP/UNISOLuís Carlos de Menezes - USPManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTVicente Fideles de Ávila - UCDBYoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP

EditorialEditorialEditorialEditorialEditorial

Ao dar seqüência à sua política editorial e oferecer ao leitor um leque de temas atuaisem debate no campo educacional, este número da Série –Estudos disponibiliza uma rica evariada produção de artigos nacionais e internacionais, produto do intercâmbio compesquisadores e instituições brasileiras e estrangeirais, o que reflete o esforço do ConselhoEditorial no sentido de intensificar e ampliar as fronteiras da comunicação acadêmica.

Na seção Ponto de Vista, Ponto de Vista, Ponto de Vista, Ponto de Vista, Ponto de Vista, a pesquisadora Susana Vior, da Universidad Nacional deLuján, aborda a emblemática década de 1990 e as reformas do sistema educativo da Argentinano contexto da reestruturação do Estado, da economia, da sociedade, da ciência e da tecnologia,que condicionaram tanto a definição de conteúdos curriculares, quanto a formação científicae tecnológica do ensino médio.

A seção Artigos Artigos Artigos Artigos Artigos está constituída de dez textos, assim relacionados:

Ana Paula Serrata Malfitano e Roseli Esquerdo Lopez, analisam a experiência de umtrabalho de pesquisa de educação não-formal com crianças e adolescentes em situação derua, bem como usuários de substâncias psicoativas, refletindo sobre a implantação de novasmetodologias para o atendimento desta população.

A preocupação com a formação de professores e a aplicabilidade do método (auto) biográficoé o tema que destaca o artigo da Elaine Sampaio Araújo. A autora transita pela obra de EliasCanetti, indicada como opção metodológica para a formação profissional e pessoal do professor.

Fernando Casadei Salles e Helio Iveson Passos Medrado discutem a Avaliação EscolarDiscente na Graduação, seu significado e finalidade levando em consideração o conceito deavaliação e os princípios e diretrizes que estejam “que componham a construção social deuma nova concepção de avaliação escolar discente”.

A gestão escolar conforme o princípio de ação e construção democrática das relaçõeshumanas é o centro de interesse do artigo de Fernando José Martins que destaca categoriascomo autonomia/autogestão, coletividade e participação, considerados elementos norteadoresda gestão democrática, analisando seus possíveis limites.

Na seqüência, dois dos trabalhos deste número analisam o pensamento e a açãopedagógica de educadores que têm influenciado teoricamente a educação brasileira. O primeirodeles escrito por Josie Agatha Parrilha da Silva e Maria Cristina Gomes Machado exploram aproposta de Carneiro Leão para o curso normal, destacando o interesse do autor na formaçãodos professores como eixo fundamental para a reforma do ensino.

O segundo, de Margarita Victoria Rodríguez, destaca uma proposta da pedagogia dapráxis à luz da experiência pedagógica de Makarenko, enfatizando conceitos como trabalho,disciplina consciente, organização, coletivo, partes constitutivas de uma teoria da educação decaráter marxista.

Maria Rosa Misuraca, da Universidad de Luján, apresenta pesquisa na qual analisa osresultados da política de credenciamento das instituições não universitárias de formação deprofessores na província de Buenos Aires no período de 1994 a 2000, apontando este processocomo um mecanismo de centralização e racionalização da oferta de formação e disciplinamentoinstitucional, no contexto das políticas implantadas no país influenciadas pela “Nova Direita”.

Na continuidade, o artigo de Sonia Regina Landini, destaca a questão da formação deprofessores e as políticas públicas no quadro do capitalismo mundializado, evidenciando a“tendência de formação de um profissional capaz de lidar com situações singulares” quedevem ser compreendidas em sua relação com a totalidade social.

No último texto desta seção, Vera Lúcia Penzo Fernandes, discute a história da educaçãoe o ensino de arte, demonstrando mediante pesquisa documental a presença do conceito deimitação no processo de aprendizagem e na aquisição de conhecimento.

A seção ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas apresenta dois textos que analisam obras sobre educação infantil.O primeiro, de Josefa A.Gonçalves Grigoli, apresenta o livro Educação infantil: política, formaçãoe prática docente, publicado em parceria pelas Editoras UCDB (Mato Grosso do Sul) e Plano(Brasília). Ao comentar os seis artigos que o compõe, a autora conclui que “A ‘unidade nadiversidade’ facilmente identificada no conjunto dos artigos que integram a presente coletâneatorna sua leitura recomendável para os estudantes, profissionais [...]” e pesquisadoresinteressados nas questões candentes que envolvem a educação infantil em nosso país.

A segunda é uma resenha temática, na qual a autora, Maria Izete de Oliveira, analisa aeducação infantil preocupada com a “qualidade do ensino” e com “os rumos” observados tantona prática dos educadores que trabalham com crianças de zero a seis anos, quanto com aspolíticas educacionais voltadas para essa área.

Com a publicação deste número, o Conselho Editorial informa, com grande satisfação,que este periódico foi indexado em mais duas bases de dados: uma de caráter nacional,EDUBASE (UNICAMP), e outra de caráter internacional, CLASE, da Universidad NacionalAutónoma de México. Tal fato revela o esforço institucional da reitoria e do Programa deMestrado em Educação, da Universidade Católica Dom Bosco, no sentido de investir, comqualidade, na publicação da Série Estudos que, sem sombra de dúvida, conquistou sua inserçãonacional e internacional na área da educação.

A Série Estudos apresenta, ainda, reformulações em seu Conselho Editorial e no Conselhode Pareceristas, visando a incorporar mudanças necessárias ao processo de criação do periódico.Neste último anuncia-se a presença importante do professor Hamid Chaachoua, da UniversidadeJoseph Fourier, da França, que ao fazer visita científica a instituições universitárias brasileiras,admirou-se com a qualidade da Série Estudos aceitando, de pronto, o convite para participardesse Conselho.

Finalmente, espera-se que o conjunto de artigos aqui publicados contribuasignificativamente para a melhoria da educação em nosso País. Este é o nosso compromisso.

Conselho EditorialJunho/2004

SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

Ponto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de Vista

Una visión crítica de las políticas educacionales en la Argentina de los ‘90. El casode la enseñanza de las ciencias y la tecnología ............................................................................................... 11

Susana E. Vior

ArtigosArtigosArtigosArtigosArtigos

Apontamentos de campo acerca de uma experiência de educação não-formal comcrianças e adolescentes em situação de rua ....................................................................................................... 29

Ana Paula Serrata MalfitanoRoseli Esquerdo Lopes

Da(r) vida à formação, da(r) formação à vida ........................................................................................................ 43Elaine Sampaio Araujo

Algumas considerações acerca da Avaliação Escolar Discente na Graduação doEnsino Superior ......................................................................................................................................................................... 53

Fernando Casadei SallesHelio Iveson Passos Medrado

Da especificidade da gestão escolar à gestão democrática da escola – uma tomadadialética a partir dos limites atuais ............................................................................................................................ 63

Fernando José Martins

Formação e trabalho docente: uma análise da noção de competências ......................................... 85Jorge Luis Cammarano GonzálezWilson Sandano

Carneiro Leão: a educação popular e a formação de professores ...................................................... 103Josie Agatha Parrilha da SilvaMaria Cristina Gomes Machado

Notas de uma pedagogia da práxis... a experiência pedagógica de Makarenko ..................... 119Margarita Victoria Rodríguez

Política de acreditación institucional para la formación de docentes: entre eldisciplinamiento y la legitimación ........................................................................................................................... 133

María Rosa Misuraca

Formação do ser social: o papel do professor e as políticas para sua formação noquadro do capitalismo mundializado ..................................................................................................................... 145

Sonia Regina Landini

A imitação no processo de aprendizagem: reflexões a partir da história da educaçãoe do ensino de arte ............................................................................................................................................................. 157

Vera Lúcia Penzo Fernandes

ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas

Educação infantil: política, formação e prática docente ............................................................................ 173Josefa A. Gonçalves Grigoli

Resenha temática: polêmicas da educação infantil .................................................................................... 179Maria Izete de Oliveira

Ponto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de Vista

Una visión crítica de las políticas educacionalesUna visión crítica de las políticas educacionalesUna visión crítica de las políticas educacionalesUna visión crítica de las políticas educacionalesUna visión crítica de las políticas educacionalesen la Argentina de los ‘90. El caso de laen la Argentina de los ‘90. El caso de laen la Argentina de los ‘90. El caso de laen la Argentina de los ‘90. El caso de laen la Argentina de los ‘90. El caso de laenseñanza de las ciencias y la tecnologíaenseñanza de las ciencias y la tecnologíaenseñanza de las ciencias y la tecnologíaenseñanza de las ciencias y la tecnologíaenseñanza de las ciencias y la tecnología*

Susana E. Vior

Doutora em Eucação. Directora Maestria en Política yGestión de la Educación da Universidad Nacional de Luján- Argentina.e-mail: [email protected]

Resumen:Resumen:Resumen:Resumen:Resumen:Argentina realizó en la década del ‘90 una reestructuración de su sistema educativo en articulación con lareestructuración del Estado, la economía, la sociedad, la ciencia y la tecnología. Siguiendo pautas definidaspor organismos internacionales para el área de Ciencia y Tecnología, el gobierno redujo la inversión,desalentó su desarrollo autónomo y adoptó medidas que incidieron negativamente sobre los contenidoscurriculares y la formación científica y tecnológica en la enseñanza secundaria.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Política educacional; reforma curricular; ciencia y tecnología.

Abstract :Abstract :Abstract :Abstract :Abstract :In the ‘90s, Argentina restructured its educational system in consonance with the restructuring of the State,the economy, society, science and technology. Following guidelines set by international organizations forthe field of Science and Technology, the government reduced the investment, discouraged autonomousdevelopment and took measures which hindered curriculum contents and scientific and technologicalteaching in high school teaching.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsEducational policies; curriculum reform; science and technology.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 11-28, jan./jun. 2004.

* Una primera exposición sobre este tema fue realizada en el Seminario Internacional sobre Prospectivay Políticas Educativas. Universidad Pedagógica Nacional, Bogotá, 20 y 21 de agosto de 2002.

12 Susana VIOR. Una visión crítica de las políticas educacionales en la Argentina...

PresentaciónPresentaciónPresentaciónPresentaciónPresentación

Este trabajo parte de una concepciónsegún la cual, a fin de no caer en ejerciciosde ciencia- ficción, todo ensayo prospectivodebiera basarse en un diagnóstico funda-do para comprender el interjuego defactores que condujeron a la situación quese pretende superar. Si bien, internacional-mente, se ha difundido información sobrela grave crisis económica argentina, losestallidos sociales y la inestabilidad políti-ca, no abundan los análisis que permitancomprender el por qué de esta situación enun país al cual, en la década anterior, sepresentaba como un caso “exitoso” deaplicación de políticas de apertura,privatización y libre mercado. Aún menosse conoce acerca de lo sucedido en su sis-tema educativo, históricamente destacadoen la región.

Desde inicios de la década del ́ 90 elgobierno argentino impulsó -al igual quelos de la mayor parte de los países de Amé-rica Latina- un proceso de “transformacióneducativa”. En nuestro caso, se trata de unapolítica profundamente articulada con latransformación económico-social y culturalque condujo al país a la peor crisis de suhistoria y de la cual dan cuenta numerososindicadores relacionados, entre otros aspec-tos, con la reestructuración del Estado, ladistribución de la renta nacional, el nivel deocupación, el carácter de la inversión eneducación, ciencia y tecnología, elrendimiento cuantitativo y cualitativo delsistema educativo, etc.

Desde una lógica economicista y através de la adopción acrítica de las

recomendaciones de los organismosinternacionales de financiamiento, seimplementaron medidas que, entre otrasconsecuencias, profundizaron ladesarticulación del sistema científico y tec-nológico y redujeron el número de investi-gadores en los organismos públicostradicionales y de mayor prestigio.

En educación, se dio prioridad aldesarrollo de programas focalizados, a laincorporación de equipamiento informáticoy audiovisual, a la creación del SistemaNacional de Evaluación de la Calidad y dela Red Federal de Formación Docente Con-tinua. Estas medidas insumieron ingentesrecursos cuyo monto contrasta con el dete-rioro de las remuneraciones y de lascondiciones laborales de los docentes detodos los niveles del sistema. Ante esto pa-rece conveniente recordar que lainvestigación nacional e internacionalreconoce la necesidad de atender a esteúltimo factor como el fundamental encualquier proceso de mejoramiento ydemocratización de la educación.

La disminución del nivel de financia-miento y el aumento del control burocráti-co llevados a cabo, contradicen el difundi-do discurso de “autonomía” y “profesionali-zación”, producen una fuerte centralizaciónen los procesos de definición de los currícu-los, desde el preescolar hasta la formacióninicial de los docentes y en los mecanismosadoptados para la evaluación de individuose instituciones. Una de las principalesconsecuencias es la creciente desprofesiona-lización de los educadores.

Paralelamente, la calidad de laeducación, medida a través del rendimiento

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 11-28, jan./jun. 2004. 13

de los estudiantes, a partir de unaconcepción eficientista, ha descendido,comprometiendo seriamente las perspecti-vas de futuros desarrollos (PREAL, 2001).

Finalmente, cabe señalar que las afir-maciones que se realizan en esta ponenciase fundamentan en los resultados obteni-dos en investigaciones que hemos de-sarrollado en el Departamento de Educa-ción de la Universidad Nacional de Luján1.

* * *

Si nos preguntamos acerca del paraqué de las reformas en educación encon-tramos distintas interpretaciones. Paraalgunos, en las reformas subyace una“ilusión meliorística” (Pedró, 1999). Así, lasreformas suelen ser apoyadas por impor-tantes sectores sociales a partir de la ideade que todo cambio es bueno en sí mismo.Esa convicción se apoya en el principiopositivista de que la historia humanasiempre avanza, en sentido progresivo,hacia niveles más altos y más justos dedesarrollo social.

Desde perspectivas no críticas se pos-tula que las reformas pueden ser explicadaspor la dinámica propia del sistema educa-tivo y que los cambios no tienen relaciónalguna con el contexto social más amplio.Desde ellas se sostiene la absolutaautonomía del sistema escolar respecto dela estructura con la que se articula.

Finalmente, y desde una concepcióncrítica, entendemos que las reformas edu-cativas son parte de las reformas econó-micas, sociales, políticas y culturales y sólopueden ser comprendidas en ese marco.

Consecuentemente, en este trabajointerpretamos que el proceso de reforma -autodenominado de “transformación edu-cativa”- vivido en Argentina a lo largo delos años ´90 dependió, en gran parte, delproyecto económico, social y político implan-tado por el gobierno del presidente Menemy sus ministros de Economía. Reconocemostambién en esta reforma, un fuerte compo-nente internacional, a partir de los intentosde formulación de políticas educativas aescala planetaria, realizados por los orga-nismos internacionales de financiamiento.

Coincidimos con la afirmación reali-zada por Popkewitz (1994, p. 55) en el sen-tido de que

La reorganización económica estimulauna retórica del internacionalismo en laque los sistemas educacionales debenproducir trabajadores destinados aintervenir en la competencia internacio-nal (...) se han hecho rutinarias lascomparaciones de logros entre las nacionesy las discusiones sobre la competitividadrelativa de un país.

¿En qué consiste esta transformacióneducativa? Según el documento “Educaciónargentina: una transformación en marcha”,publicado por el Ministerio de Cultura yEducación en 1995, “la educación debeconvertirse en el eje de las políticas desti-nadas a elevar tanto los niveles deproductividad como los de equidad social(...) se ha dado prioridad a las estrategiasdestinadas a realizar profundas transfor-maciones en el sistema educativo paracolocarlo a la altura de los nuevos requeri-mientos de la sociedad”.

La “transformación educativa” está,entonces, explícitamente subordinada tan-

14 Susana VIOR. Una visión crítica de las políticas educacionales en la Argentina...

to a los procesos económicos cuanto a unaconcepción de la sociedad en la que elconcepto de igualdad es reemplazado porel de equidad. 2

Las políticas económicas y susLas políticas económicas y susLas políticas económicas y susLas políticas económicas y susLas políticas económicas y susconsecuencias socialesconsecuencias socialesconsecuencias socialesconsecuencias socialesconsecuencias sociales

A partir de la última dictadura militar(1976-1983) el país atraviesa una etapa dereestructuración económica y social3: sesustituye el estilo de desarrollo sustentadoen las décadas anteriores, que implicabano sólo crecimiento económico sino unadistribución más equitativa del ingreso yaumento de la proporción de habitantes encondiciones de acceder a una canasta bá-sica de bienes y servicios.

En el período que se inicia en 1976,la categoría “desarrollo” pierde prestigio ydesaparece, incluso, de los títulos de los pla-nes económicos. (Azpiazu, Nochteff, 1994).Cambia el diagnóstico acerca de “la crisis”y cambian las políticas orientadas asuperarla. Se hacen recomendaciones demenor intervención estatal y mayor libertadde mercado interno y externo, impulso a lainiciativa privada, austeridad en los consu-mos populares, aumento del ahorro y lainversión, introducción de tecnología y“modernización” de las condicioneslaborales para aumentar la productividady con ella la competitividad. “Privatización”,“apertura” y “desregulación” se incorporaronal discurso oficial como las únicas medidasposibles para acceder a una mejor situacióna mediano y largo plazo. La adopción deestas recomendaciones llevó a un procesode reestructuración de la economía,

expresado especialmente en la reduccióndel sector industrial y en la concentraciónde la actividad financiera.

El gobierno de la Unión Cívica Radi-cal (1983-1989) implementó, en diferentesetapas, políticas económicas contradictorias.Jaqueado por los acreedores externos, elgran capital nacional, grupos militares y laburocrática dirigencia sindical, debió entre-gar el poder anticipadamente.

Sin embargo, sólo con el gobiernoperonista (Partido Justicialista) de CarlosMenem, y a partir de las consecuencias psi-cosociales del terrorismo de Estado y de lahiperinflación, logra imponerse el programade ajuste estructural dirigido por las gran-des empresas nacionales e internacionalesy orientado por las recomendaciones y exi-gencias de los organismos de finan-ciamiento (Banco Mundial, Banco Intera-mericano de Desarrollo y Fondo MonetarioInternacional). Estas políticas afectaron elaparato productivo y áreas esenciales comosalud, educación, ciencia y tecnología. Ladeuda pública externa pasa de U$S 57.778millones, en 1989, a U$S 150.000 millones,aproximadamente, en 2002.

Se acentúan la concentración delcapital y la distribución regresiva del ingreso,conformando así una sociedad cuya prin-cipal nota es la polarización creciente conexclusión de amplios sectores. El financia-miento de las políticas públicas nacionalesse basa cada vez más en los impuestos alconsumo que constituyen, desde 1991, laprincipal fuente de recursos previstos en losproyectos de Presupuestos Nacionales.

La participación en el ingreso evolu-cionó de la siguiente forma: en 1988 el 10%

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más pobre de la población percibía 18 vecesmenos que el 10% más rico. En 2001 pasóa percibir 28,7 veces menos y según lamedición oficial de mayo del presente añoes de 33,6 veces menos. Los dos decilessuperiores de la población concentran másde la mitad del ingreso total.

Amplias capas medias se empo-brecieron y surgió un nuevo grupo social: alos históricos pobres estructurales, se sumóun sector denominado “empobrecidos” queha visto descender sus ingresos, hastaubicarse debajo de la línea de pobreza. Aeste sector pertenecen los docentes.

En la última década creció eldesempleo abierto que llegó a porcentajesinéditos en la historia de este indicador ennuestro país. La tasa nacional dedesocupación, que en mayo de 2001 eradel 16,4% se ubicó, en mayo de 2002, en el21,5% y la de subocupación pasó del 14,9%al 18,6% en el mismo período. 4 En ese añose destruyeron 750.000 puestos de trabajo.

La población en situación crítica,respecto del mercado laboral, está entre el55 y el 60% del total y esto debe ser inter-pretado en el marco de una limitada políti-ca social dirigida a los desempleados. A. ECalcagno y E. Calcagno sostienen que secalcula para el total del país más de 16millones de pobres, de los cuales, más de 6millones son indigentes5.

Los escasos programas se dirigen ala asistencia focalizada de la población ensituación de pobreza estructural. Estasacciones en ningún caso tienden a superarla exclusión social, sino a mantener nivelesmínimos de “gobernabilidad” del sistema.No existen políticas destinadas al sector de

los empobrecidos, que es el que máscontribuyó a incrementar el número de po-bres a partir de 1989.

La modernización forzada de las re-laciones laborales, la desocupación, laprecariedad, la exclusión y la ruptura de lasolidaridad social conducen a laexacerbación de los conflictos y a distintasformas de inseguridad colectiva. El auge yla expansión de la drogadicción, elalcoholismo y las expresiones de violenciay criminalidad aparecen como manifesta-ciones de lo que podría ser un cambio cul-tural de los últimos tiempos. En lasinstituciones educativas, este clima social seha traducido en todo tipo de agresionesentre docentes, padres y alumnos.

La educación antes de laLa educación antes de laLa educación antes de laLa educación antes de laLa educación antes de la“transformación”“transformación”“transformación”“transformación”“transformación”

Argentina, junto con Chile y Uruguay,alcanzó altos niveles de escolarización ybajas tasas de analfabetismo antes que elresto de los países de América Latina.

El analfabetismo, en nuestro país,pasó del 8,5% en 1960 al 7,4% en 1970 yal 6,1% en 1980. En 1991 llegó al 3,7% yen 2001 al 2,6%. Lamentablemente, estedato no da cuenta de las fuertes diferenci-as entre regiones y sectores sociales.

Las tasas de escolaridad para el totaldel país en 2001 muestran los siguientesporcentajes de cobertura para los distintosgrupos de edades: 5 años: 78,8%, 6 a 12años: 92,9% y 13 a 18: 64,3%. La escolariza-ción no ha mejorado, ha aumentado elretraso escolar y, si bien ha crecido el por-centaje de adolescentes en 8vo. y 9no año

16 Susana VIOR. Una visión crítica de las políticas educacionales en la Argentina...

(o primero y segundo de nivel medio) hadisminuido el ritmo de crecimiento que pre-sentaba en la década anterior y debiera pre-ocupar la permanencia de jóvenes de 19años en esa etapa de la educación formal.

La deserción en las escuelas secun-darias era del 42% en 1996 para el totaldel país. Pero, por ejemplo, en jurisdiccionescomo Santiago del Estero llegaba al 60%.W. Experton (1999) señala que, entre 1991y 1997, no hubo crecimiento de la partici-pación de los alumnos del quintil más bajode ingresos en la educación secundaria.

Sin embargo, los datos que ante-ceden no alcanzan para dar cuenta de lacomplejidad de la situación educativa dela población en la etapa previa a la implan-tación de la reforma. No podemos dejar deenumerar diferencias según origen social,geográfico, condiciones de infraestructura,equipamiento, duración de la jornada es-colar. Repitencia y deserción son problemashistóricos, que la “transformación educati-va” no resolvió.

La política de “transformación”La política de “transformación”La política de “transformación”La política de “transformación”La política de “transformación”educativaeducativaeducativaeducativaeducativa

Hasta mediados de la década del´80, en los documentos de diversos orga-nismos regionales6 se trabajaba sobre losproblemas que limitaban la democra-tización de la educación. Este objetivodemocratizador desapareció en la décadadel ‘90 y fue reemplazado por el discursode la “equidad”, la “calidad”, la “eficacia” yla “eficiencia”.

El gobierno del presidente Menem eneducación, como en otras áreas, introdujo

sin reservas las políticas recomendadas porel Banco Mundial.7 Asumió como propios,también, los planteos de la CEPAL quepropone reubicar a la educación en el cen-tro del debate (Educación y conocimiento.Eje de la transformación productiva conequidad, 1992) sugiriendo la “concertación”y el “consenso” como estrategias políticaspara la “transformación” educativa.

La Ley de Transferencias (1991), laLey Federal de Educación (1993), la Ley deEducación Superior (1995) y normativa demenor nivel (decretos, resolucionesministeriales, circulares, etc.) llevaronadelante, casi sin distorsiones, el proyectopolítico educativo acordado con los orga-nismos internacionales, haciendo vivir a lasociedad una “ilusión” de proceso demo-crático, participativo y consultivo.

Estas leyes transformaron estructural-mente el sistema y son expresión del estilopolítico-normativo del neoliberalismo en laArgentina. El elemento común entre las tresnormas es su aprobación e imposición, apesar de las resistencias, demandas y recla-mos formulados por amplios sectores de lasociedad a través de múltiples mani-festaciones.

La Ley de Transferencias facultó alPEN (Poder Ejecutivo Nacional) a transferir,a partir del 1º de enero de 1992, a lasprovincias y a la Municipalidad de laCiudad de Buenos Aires todos los serviciosadministrados por el Ministerio de Culturay Educación, por el CONET (Consejo Nacio-nal de Educación Técnica) y también lasfacultades y funciones respecto de losestablecimientos privados reconocidos.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 11-28, jan./jun. 2004. 17

Esta medida tuvo por lo menos dosconsecuencias: la fragmentación de los ni-veles medio y superior no universitario y laque denominamos “recentralización neo-conservadora”: la descentralización de res-ponsabilidades es acompañada por lacentralización de las decisiones esenciales.Mientras los gobiernos provinciales debenasumir la responsabilidad académica yfinanciera del sistema, el Poder EjecutivoNacional se reserva la atribución de analizar,evaluar e intervenir en la gestión y el controlde los recursos técnicos y financieros, con elconsecuente poder sobre el acceso alfinanciamiento interno y externo. Ademásse reserva la atribución de evaluar los siste-mas educativos jurisdiccionales a través delSistema Nacional de Evaluación de laCalidad, cuyos resultados “justifican” ladefinición de prioridades esenciales para lasjurisdicciones.

A pesar de que el argumento explíci-to de esta ley haya sido promover la“federalización” y la democratización, enrealidad está originada en la necesidad decumplir las metas de reducción del gastopúblico y constituye una adecuación a las“sugerencias” formuladas por los acreedoresexternos (Carta de Intención firmada conel Fondo Monetario Internacional en 1991).

Ley Federal de Educación. Despuésde cien años de intentos fallidos, elCongreso Nacional logró cumplir, en abrilde 1993, una de sus atribucionesconstitucionales: dictar una ley generalorgánica que rigiera el sistema educativoen su conjunto desde el nivel inicial hastael “cuaternario”, definiendo principios,derechos, garantías, reestructurando los ni-

veles y modalidades, atribuyendo funcionesa los órganos de gobierno y administración,comprometiendo pautas para elfinanciamiento 8.

Durante un siglo, ni los sectores con-servadores, ni los progresistas habían logra-do la sanción de una ley que dieracoherencia al sistema educativo en funciónde sus proyectos económicos, políticos,sociales, culturales. Sólo en pleno procesode reestructuración del Estado y de lasociedad, a menos de una década de larecuperación de las instituciones constitucio-nales -en un país en el cual el neoliberalismoha convertido en verdad aceptada laafirmación de que no hay alternativa a susprincipios y propuestas- se aprueba la LeyFederal que afirma a la familia como agentenatural y primario de la educación y asignaun papel subsidiario al Estado, al que ubicaen un mismo nivel que la Iglesia Católica,las demás confesiones religiosas oficialmen-te reconocidas y las organizaciones sociales(Art. 4).

Extiende la obligatoriedad escolar de7 a 10 años, reestructurando los ciclos yniveles del sistema educativo, a pesar deque los siete grados establecidos hace másde un siglo eran todavía una meta a lograren muchas jurisdicciones y para los sectoressociales más bajos.

La extensión de la obligatoriedad yla creación del ciclo polimodal (anterior ci-clo superior del nivel medio) se llevaron acabo sin que se hubieran adoptado lasprevisiones necesarias para contar con lainfraestructura, el equipamiento y los docen-tes formados para desempeñarse en esosniveles. La creación del ciclo polimodal

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significó la desaparición del nivel mediocomo etapa propedéutica.

Quizá uno de los aspectos máscuestionables del sistema educativo “trans-formado” es esa desaparición del nivelmedio y su reemplazo por el ciclo polimodal.La medida significó la disminución del nú-mero de años de enseñanza secundaria, elvaciamiento de sus contenidos científicos yhumanísticos básicos9 y la pérdida de unode sus objetivos históricos: la preparaciónpara el acceso exitoso a la enseñanza su-perior. En esta medida reside quizá elcarácter más antidemocrático y conserva-dor de la Ley Federal.

Ochenta años antes, en 1909, el pre-sidente Figueroa Alcorta hacía explícitaslas preocupaciones de la oligarquía con-servadora:

Es un hecho establecido por los especia-listas que la instrucción primaria ennuestro país actúa fuera de sus caucesnaturales. (...) Se apodera como una fiebremaligna de los hijos de las clasestrabajadoras, quienes salen de las escuelasdesdeñando el trabajo y aspirando a unavida de superior nivel, a la cual no estánpreparados por sus recursos ni por susantecedentes. Esta desviación de lascorrientes populares del trabajo de lasartes y de los oficios, de la industria y delcomercio para optar al magisterio y a losempleos oficiales, puede encaminarnos auna verdadera crisis social.10

Durante casi un siglo los proyectos delliberalismo conservador, para la reforma delnivel medio, constituyeron intentos de frenarla ampliación de la base social dereclutamiento de su alumnado a través dela reducción del número de años y lasubordinación de ese tramo de la educación

a los requerimientos del mercado de empleo.Finalmente, lo que el conserva-

durismo liberal no logró durante casi cienaños, fue impuesto por la ortodoxianeoliberal a fines del siglo XX.

La Ley dedica el Capítulo V altratamiento de la educación superior en suconjunto y mantiene la históricasegmentación del nivel: sólo hace unareferencia a la articulación horizontal y ver-tical entre los dos circuitos de formaciónsuperior, el universitario y el no universitario(Art.18). Es más, mantiene la denominaciónresidual de no universitario para el conjun-to de instituciones destinadas a laformación de docentes y/o técnicos.

Pero la diferenciación se explicita másclaramente si se comparan los objetivos deuno y otro subsistema. Los Institutos deFormación Docente, por ejemplo, deben

preparar y capacitar para un eficazdesempeño”, “formar al docente como ele-mento activo de participación en el siste-ma democrático”, “fomentar el sentidoresponsable de ejercicio de la docencia yel respeto por la tarea educadora (Art.19).

En cambio, cuando plantea las fun-ciones de las Universidades, hace hincapiéen la formación de técnicos y profesionalesatendiendo al

desarrollo del conocimiento en el más altonivel con sentido crítico, creativo einterdisciplinario, estimulando la perma-nente búsqueda de la verdad...” “para con-tribuir al permanente mejoramiento delas condiciones de vida de nuestro puebloy de la competitividad tecnológica delpaís”...”Estimular una sistemática reflexiónintelectual y el estudio de la cultura y larealidad nacional, latinoamericana y uni-versal (Art. 27).

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Creemos que los textos no dejan lu-gar a dudas: la formación inicial del docen-te debe centrarse en la preparación de untrabajador eficaz, responsable y disciplina-do, dispuesto a perfeccionarse de acuerdocon la oferta de capacitación que encuentreen el mercado. Las cuestiones vinculadascon el conocimiento, el sentido crítico, la crea-tividad, etc. se reservan para los profesio-nales que se forman en las universidades.

Ley de Educación Superior. Es laprimera norma que legisla para toda laeducación superior. Intenta dar respuestaa inquietudes planteadas desde diferentessectores en el sentido de legislar conjunta-mente para los dos circuitos. Retoma loestablecido por la Ley Federal en cuanto ala “articulación de la oferta educativa de losdiferentes tipos de instituciones que laintegran mediante convenios entre lasinstituciones o con la jurisdiccióncorrespondiente”. No resuelve ni la históri-ca división universitario/no universitario, nila diferenciación en el interior de laformación de docentes según el nivel delsistema educativo en el cual irán adesempeñarse sus graduados. Tampocoresuelve los problemas vinculados con elcarácter terminal de la formación docentepara el nivel primario.

Desde nuestra perspectiva esta ley notuvo por intención lograr una mejoraefectiva de la educación superior, sino limi-tar la autonomía de las UniversidadesNacionales, reconocer mayores derechos alas Universidades Privadas y, fundamental-mente, introducir la posibilidad derestricciones para el ingreso de los

estudiantes y el arancelamiento de losestudios, tal como se “recomendara” en di-ferentes documentos del Banco Mundial.

Las políticas respecto de CienciaLas políticas respecto de CienciaLas políticas respecto de CienciaLas políticas respecto de CienciaLas políticas respecto de Cienciay Tecnologíay Tecnologíay Tecnologíay Tecnologíay Tecnología

Históricamente, ni el modeloeconómico agro-exportador ni el deindustrialización sustitutiva generaron unademanda estable y sostenida deproducción científico-tecnológica. Sin embar-go, con retraso respecto de los países delnorte industrializado, pero tempranamenteen relación con América Latina, el desarrollocientífico y tecnológico en la Argentinaalcanzó altos niveles de producción desdeel punto de vista de la cantidad y calidadde investigación.

La articulación entre golpes militares,discriminación política e ideológica,cesantías de investigadores y docentesuniversitarios, endeudamiento interno y ex-terno, ajuste presupuestario, privatizacionesde servicios públicos, apertura deimportaciones, desindustrialización yreestructuración del Estado deterioró aúnmás la situación.

Enrique Oteiza (1992) estima que, ainicios de la década del ´90, alrededor de50.000 científicos y técnicos argentinosresidían en el exterior. La crisis económicade los últimos años del siglo XX y la faltade perspectivas para el desarrolloacadémico y profesional, nos permiten afir-mar que esta cifra de migrantes ha sidolargamente superada.

Disentimos con la opinión de HugoNochteff (2002) respecto de que en nuestro

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país no hubo política de ciencia y tecnologíapor lo menos desde el golpe de Estado de1976 y de que, a partir de 1983, huboacciones estatales aisladas que no llegarona conformar una política. Consideramosque, en realidad, esas acciones del Estadofueron expresiones de políticas para el sectory que se puede diferenciar un primer perío-do (1983-1989) en el cual se desarrollaronacciones tendientes a recuperar lasinstituciones científicas, su relación con lasuniversidades y con el aparato productivo,y un segundo (1989-1999) en el que lasacciones muestran la subordinación de lasdecisiones nacionales a las concepcionesde los organismos internacionales de cré-dito.

En 1993 el Banco Mundial presentóel documento “Argentina: From Insolvencyto Growth” en el que formula recomenda-ciones para dos instituciones fundamen-tales del sistema científico-tecnológico: elCONICET y la Comisión Nacional deEnergía Atómica. Guiado por una lógicaeficientista, el Banco propone la privatiza-ción del primero y la división, terciarizacióny achicamiento de la segunda. Su discursorefuerza la necesidad de vinculación de losorganismos de investigación (incluídas lasuniversidades nacionales) con el sector dela producción en términos de “eficientizacióny racionalización”. La obtención de recursospropios por parte de las instituciones dejade constituir una estrategia para convertirseen objetivo (Banco Mundial, 1993, p. XXIX).

A lo largo de la década se adoptarondiferentes medidas, que tendieron alcumplimiento de las recomendaciones, congraves consecuencias para el desarrollo del

sector. El desfinanciamiento estatal (enmagnitudes inusuales a escala mundial) esconsecuencia de las restriccionespresupuestarias y de la falta de interés enlas inversiones por parte del sector privado.

Nochteff afirma queen la Argentina el gasto público en CyT,desde hace ya muchos años, es entrereducido e insignificante: en el período1990-1999, cuando se consolidaron laspolíticas neoconservadoras el gasto en CyTfue del 0,36% del gasto público consoli-dado y en ninguno de esos años superóel 0,43% del mismo (Op. cit., 559).

Conviene recordar que el trabajo deCEPAL-UNESCO (1992), texto quefundamentó muchas de las reformas edu-cativas realizadas en América Latina en ladécada del ́ 90, sostiene que la experienciainternacional sugiere cuatro tipos de medi-das en materia de política tecnológica y dela correspondiente infraestructura de apoyo:

Adquisición de la tecnología extranjeramás adecuada para reducir la diferenciaentre la mejor práctica local y el nivel in-ternacional;• Uso y difusión racional de la tecnología,especialmente con el fin de reducir ladispersión de la eficiencia económica en-tre empresas en diferentes sectores y en-tre sectores;• Mejoramiento y desarrollo de tecnologíaspara mantener el ritmo de los avancesmás recientes;• Formación de recursos humanos queestén en condiciones de realizar eficien-temente las tareas señaladas. (Op. cit., 169)

Los organismos responsables del ci-tado trabajo no proponen acción algunaque promueva la autonomía de los paíseso la elevación de su capacidad generadorade conocimientos científicos y tecnológicos.

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Por el contrario, estimulan el consumo detecnología importada con el consecuentedeterioro de los términos del intercambioque profundiza la dependencia condenan-do a los países a mantener su papel deexportadores de commodities e importado-res de productos con alto valor agregado.

La adopción de estas recomenda-ciones tiene consecuencias sobre lasactividades productivas, pero también so-bre las demandas -al sistema educativo- deformaciones específicas para la investiga-ción y el desarrollo científicos y tecnológi-cos. No se requiere de la educación supe-rior universitaria y no universitaria la forma-ción de científicos y tecnólogos creativos yde alto nivel, ni a las escuelas medias, laformación técnica de cuadros calificadospara operar con esa tecnología y realizarlas adaptaciones que correspondan.

La ciencia y la tecnología en elLa ciencia y la tecnología en elLa ciencia y la tecnología en elLa ciencia y la tecnología en elLa ciencia y la tecnología en elsistema educativosistema educativosistema educativosistema educativosistema educativo

En nuestros trabajos de investigaciónidentificamos una escasa articulación en-tre los organismos de ciencia y tecnología ylas instituciones del sistema educativo.

Durante un largo período de nuestrahistoria, la producción científico-tecnológi-ca no fue referente para la selección decontenidos escolares que se rigieron poruna lógica ajena a la base del conocimientoen cada área.

Si bien hubo intentos de vincularambas esferas en la capacitación de do-centes en ejercicio, éstos fueron aislados einterrumpidos por los sucesivos cambios degobierno y de políticas.

La introducción de nuevos conteni-dos educacionales está siempre condicio-nada, entre otras cosas, por la selección einstitucionalización de contenidos que se harealizado en las décadas anteriores y queha tenido un importante peso en laformación de los docentes y la organizaciónde sus prácticas.

La elaboración de los ContenidosBásicos Comunes (CBC), a partir de la LeyFederal de Educación, con la participaciónde científicos e investigadores podría habersignificado una efectiva renovación yactualización de los contenidos curricularespara cada uno de los niveles. Sin embargo,por las características del proceso llevado acabo y por el desconocimiento de laheterogeneidad de la realidad sobre la cualse iba a actuar (formación y actualizaciónde los docentes, condiciones laborales,infraestructura y equipamiento) esaposibilidad se vio frustrada. Esta no es –anuestro criterio- una situación aislada niazarosa sino la consecuencia de un modode hacer política: había un modelo defini-do a priori y la decisión de implantarloindependientemente de las necesidades,posibilidades e intereses de los destinatarios.

Los programas vigentes al momen-to de incorporación de los CBC en asigna-turas como Biología (Botánica, Zoología,Anatomía) habían mantenido prácticamen-te inalterados los contenidos desde la déca-da del ́ 40 y aún antes. A partir de la déca-da del ́ 60 se habían incorporado preocupa-ciones vinculadas con el “método científi-co” que no fueron más allá de concebirlocomo un conjunto único de reglas. Mientras,en esos años, en los países centrales se pro-

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dujo un gran debate acerca de la educa-ción científica y tecnológica, en nuestro paísfue incipiente y las modificacionesintroducidas fueron limitadas.

Luego de pasar por la etapa del “ex-perimentalismo”, también concebida comode “empirismo ingenuo” en la enseñanzade las ciencias, siguió un período decambios parciales que, en la práctica, pococontribuyeron a dar un carácter científico ala enseñanza.

En los años ´90 y como parte de lareestructuración del sistema educativo sedispuso la organización del currículum enáreas, para el tercer ciclo de la EGB. Esteconstituye un cambio significativo ya queese ciclo abarca dos cursos que anterior-mente pertenecían al nivel medio, organi-zados tradicionalmente por disciplinas. Enel caso del área de Ciencias Naturales elabandono de las disciplinas, como criteriode organización de los contenidos, planteamúltiples problemas de orden didáctico yepistemológico.

Según afirma Erramuspe en su infor-me de investigación:

Un importante número de estudiosrecientes en el campo de la Didácticaasocia la interdisciplina con la racionalidaden el tratamiento de los contenidos e in-cluso con el respeto por las necesidadesdel alumno, ligando la enseñanza por dis-ciplinas con la fragmentación, laarbitrariedad y hasta el sometimiento delalumno frente al contenido. A nuestrocriterio, estos estudios homologanerróneamente organización deorganización deorganización deorganización deorganización decontenidoscontenidoscontenidoscontenidoscontenidos con modelo didácticomodelo didácticomodelo didácticomodelo didácticomodelo didáctico.

Esta homologación deja de lado elhecho de que los conceptos pueden estar

organizados desde una perspectiva disci-plinar o interdisciplinar respondiendo, fun-damentalmente, a los requerimientos delcontenido a abordar. Algunos problemas,por su complejidad, requieren que se losaborde a través de herramientas metodo-lógicas y conceptuales que aportan diferen-tes disciplinas. En otros casos, laespecificidad del problema justifica laprofundización desde una única disciplina.

Tanto el abordaje disciplinar, cuantoel interdisciplinar han respondido (y siguenrespondiendo) a la necesidad de resolverproblemas significativos, para lo cualparcializan arbitrariamente la realidad a losfines de su estudio. La diferencia entre am-bos está en el tipo de recorte que se hagade la realidad. Ambos son igualmentearbitrarios. Pero, el tipo de capacidades quese genere en los alumnos, no depende delmodo en que se organicen los contenidos,sino del modelo didácticomodelo didácticomodelo didácticomodelo didácticomodelo didáctico que seimplemente sobre la base de determinadasconcepciones de enseñanza, aprendizaje yconocimiento. También dentro de la disci-plina se puede trabajar a partir de laresolución de problemas significativos parael alumno.

Constituye un error epistemológico ydidáctico el definir a la integración comouna metodología de trabajo obligada ypermanente en Ciencias Naturales, des-virtuando el trabajo riguroso en camposdisciplinares particulares (Op. cit.).

Finalmente, parece necesario señalarque las propuestas curriculares interdisci-plinarias y la incorporación de la enseñanzade la tecnología requieren una organizacióninstitucional y condiciones materiales que

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no se dan en la realidad cotidiana de lamayor parte de las escuelas argentinas11.

Algunas consecuencias de laAlgunas consecuencias de laAlgunas consecuencias de laAlgunas consecuencias de laAlgunas consecuencias de latransformacióntransformacióntransformacióntransformacióntransformación

La información a la que hemostenido acceso permite afirmar que losmayores problemas cuantitativos ycualitativos del sistema “transformado” seconcentran en el tercer ciclo de la EGB y enel ciclo polimodal. Los datos sobre la matrí-cula inicial en los cursos de Educación Ge-neral Básica 3 (7mo, 8vo. y 9no año) y delCiclo Polimodal, indican que se haproducido un importante descenso en elnúmero de inscriptos con el consecuentecierre de cursos y, en algunos casos, cierrede establecimientos.

También parece producirse undeslizamiento de la matrícula desdeinstituciones privadas a instituciones públi-cas y, dentro de las privadas, un movimientohacia las que cobran aranceles menores.

En el caso de la provincia de BuenosAires12:

En el ciclo polimodal (que reemplazaa 3º, 4º y 5º año del anterior nivel medio)permanecía en el 2001 sólo el 62% de losalumnos ingresados en el año 99 y, lo quees más preocupante aún, mientras en 1999comenzaron el ciclo 174.826 alumnos, enel 2001 sólo lo hicieron 165.319, a pesardel crecimiento demográfico habido en esosaños. Como consecuencia, entre 1999 y2001 se cerró el 27 % de los cursos, o sea1487 divisiones del ciclo polimodal.

En la EGB (Educación General Bási-ca) se advierte una importante retracción

de la matrícula entre 6º y 7º año y, mástarde, entre 8º y 9º año. Entre 1999 y 2000la repitencia en el 8º año duplica a la regis-trada entre 1° y 7° año para el total de laprovincia. Entre deserción y repitencia másde 50.000 chicos se desgranaron en el 8ºaño. El aumento del desgranamiento en el8º y 9º año de la EGB es una constante encasi toda la provincia de Buenos Aires.

Según el Sindicato Único deTrabajadores de la Educación de la provinciade Buenos Aires, en el año 2001 estabaprevisto el otorgamiento de 160.000 becaspara alumnos de ese ciclo, de las cuales sepagaron aproximadamente 70.000 y sólodurante uno o dos meses. En el inicio delciclo 2002, desaparecieron las listas de es-pera para ingresar al polimodal y hubo unpase de matrícula hacia escuelas privadascon aranceles más bajos o hacia escuelaspúblicas. Se produjeron cierres y fusiones decursos en escuelas polimodales de casi to-dos los distritos de la provincia.

Esta situación, que debe ser interpre-tada como gravísima desde el punto devista de los adolescentes, no lo es menospara los docentes, ya que ven reducidas lasposibilidades de nuevos empleos o se venexpuestos a su pérdida.

Testimonios e informaciones parcialesrecibidas de otras provincias indican que lasituación descripta no es privativa delterritorio bonaerense.

La vinculación entre matrícula ysituación económico social ha sido larga-mente estudiada. La relación positiva entreel aumento y/o retención de matrícula y elotorgamiento de becas, la existencia demedidas asistenciales, la ampliación de la

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infraestructura, etc. reafirman la existenciade un fuerte nexo entre educación yestructura social.

Un informe, titulado “Quedándonosatrás”, de la Comisión Internacional sobreEducación, Equidad y CompetitividadEconómica del PREAL (Programa dePromoción de la Reforma Educativa enAmérica Latina y el Caribe), cuyo co-presi-dente es el Lic. José Octavio Bordón, planteaque la educación en lugar de reducir ladesigualdad de los ingresos, la aumentaría.En los países de la región, “el 10% más ricode las personas de 25 años de edad tienenentre 5 y 8 años más de escolaridad que el30% más pobre”. Por nuestra parte agre-garíamos que, si tuviéramos informaciónconfiable, podríamos mostrar que la dife-rencia no está sólo en el número de añossino en la calidad de las condiciones deescolarización en todos los niveles.

Pero, a nuestro entender, esta relacióneconomía-educación está viciada dereduccionismo y no alcanza para explicarel fenómeno. Así como la crisis económica,social, política tiene una historia y resultaposible identificar proyectos, grupos ypersonas responsables, la actual crisis edu-cacional también tiene su origen en factoresque están dentro y fuera de los espacios degobierno y no puede ser entendida si no esen el marco de las políticas más ampliasque exceden, en muchos casos, el espacionacional.

La nueva estructura del sistema edu-cativo resulta funcional para el proceso defuerte diferenciación social, la caída de laclase media y una polarización que no tieneprecedentes en nuestra historia.

La forma en que se implantó el tercerciclo de la Educación Básica y el Polimodal,sin infraestructura, sin equipamiento, sin lanecesaria y prolongada preparación de losdocentes13 reforzó su carácter discriminador,desalentó a jóvenes y adolescentes que yano visualizan a la educación como instru-mento para la movilidad económica y soci-al. Mientras hubo becas y “facilitación” delas condiciones de permanencia ypromoción, se mantuvo la matrícula. Desa-parecidos los estímulos económicos,vivenciada la falta de preparación para lainserción laboral –los TTP, trayectos técni-cos profesionales, fueron implementadossólo en algunas instituciones- y viendo difi-cultado el acceso a la universidad, lasituación actual de “implosión” del sistemaeducativo era la única previsible.

A principios de los ´90 se podíaasegurar –y lo hicimos- que los resultadosiban a ser los que hoy se verifican, porquela investigación nacional e internacionalmuestra que la política educacional es unade las políticas públicas relacionadas conla producción y reproducción del orden so-cial y que no hay ninguna experiencia en elmundo en la cual la educación mejore, sedemocratice, en un proceso de empo-brecimiento de los sectores mayoritarios. Porel contrario, la investigación muestra quela educación siempre acompaña y refuerzalas consecuencias de las políticas globales.

La llegada de la “Alianza por la edu-cación, el empleo y la justicia” al gobiernonacional a fines de 1999 podría haber signi-ficado una ruptura con el modelo neoliberal,o por lo menos una etapa de reflexión pro-funda acerca de las situaciones generadas

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por la autodenominada “transformacióneducativa”. Son públicos los dramáticossucesos que condujeron a la caída de esegobierno en diciembre de 2001.

El presidente Kirchner y su ministrode Educación Daniel Filmus parecen deci-didos a atacar los graves problemas quepresenta este sector desde hace al menosun cuarto de siglo. Pero anunciosespectaculares y medidas aisladas nobastan para definir una clara ruptura conla reforma educativa, aún vigente, que estáa tono con el proyecto menemista deexclusión social.

* * *

A esta altura de la experiencia lati-noamericana, después de más diez añosde obediencia a las recomendaciones delos organismos internacionales, supuesta-mente válidas para cualquier realidad,sorprende que algunos “intelectuales trans-formadores” (Brunner, J. J. 2002) siganseñalando que los cambios más relevan-tes que la educación enfrenta son que

• El conocimiento deja de ser lento, escasoy estable,• el establecimiento escolar deja de ser elúnico canal de contacto de las nuevasgeneraciones con el conocimiento y lainformación,• la palabra del profesor y el texto escritodejan de ser los soportes exclusivos de lacomunicación educacional,• la escuela ya no puede actuar como silas competencias que forma, losaprendizajes que promueve y el tipo deinteligencia que supone en los alumnospudiesen limitarse a la expectativas for-madas durante la revolución industrial,• las tecnologías tradicionales del proceso

educativo están dejando de ser las únicasdisponibles para enseñar y aprender,• la educación deja de identificarse exclu-sivamente con el ámbito del Estado-nacióne ingresa también, en la esfera de laglobalización,• la escuela deja de ser una agencia for-mativa más que opera en un medioestable de socialización.

Se plantea un supuesto “déficit desocialización” cuando, en realidad, se tratade una “nueva socialización” en otros valo-res (individualismo, competencia, merito-cracia) que han sido y siguen siendo impul-sados por los sectores hegemónicos.

Esta interpretación no considera larealidad de los sistemas educativoslatinoamericanos después de una décadade transformaciones que se ejecutaron sintomar en cuenta ni la historia ni la basematerial de los cambios impulsados. Conel lenguaje típico de los documentos de losorganismos internacionales, se expresa sinel necesario respaldo empírico, conformulaciones generales y abstractas, comosi todo sucediera de un mismo modo enlas diferentes realidades. Los factores que,a su juicio, desencadenan esta situación sonla globalización y las nuevas tecnologías.No analizan las relaciones entre personas,entre clases y/o sectores sociales, entre em-presas, capitales o países.

Finalmente dejan fuera los factoressobre los que hay que incidir, producenparálisis y generan la ilusión de que no hayotras formas de relación posibles. Crean unaaceptación acrítica de cualquier propuestainnovadora.

Las consecuencias de estas reformasse visualizan como difíciles de revertir. Ya el

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Banco Mundial (1993) hace casi diez años,en el resumen ejecutivo de su informe sos-tenía que “el gobierno llevó a cabo refor-mas difíciles de revertir, tanto en el marcolegal como en las instituciones y políticas”.

El punto de partida para la reversiónde las situaciones descriptas y para laincorporación de los avances científicos ytecnológicos debería ser el reconocimientode los problemas específicos a los que seha arribado luego de las reformas instala-das. No se pretende descalificar laimportancia de la incorporación detecnologías sino afianzar la sospecha deque éstas pueden responder más aintereses corporativos que a la necesidadde democratización de la educación.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 “Docentes para el nivel primario. Políticas, currícu-los y procesos de formación (1970-1996)”, “Enseñanzade las ciencias naturales en escuelas que trabajancon sectores populares”, “Desarrollo científico-tec-nológico y la enseñanza de la biología en la escuelamedia” y “Enseñanza de la Biología en el tercerciclo de la Educación General Básica: de la discipli-na al área de las ciencias naturales”.2 No podemos desarrollar aquí los debates queexisten sobre este concepto, pero nos parecenecesario señalar que coincidimos con autores que,como Saviani, consideran que “en tanto el conceptode igualdad está anclado en la raíz ético-ontológicade la dignidad humana, el concepto de equidadparece fundarse en razones utilitarias, propias delneopragmatismo que viene erigiéndose como lafilosofía dominante en estos tiempos neoliberales”(Saviani, 1998, p. 29).3 Los intentos por imponer un modelo económicode ajuste y distribución regresiva del ingreso, com-binado con la imposición cultural del conserva-durismo, son tendencias manifiestas desde 1966aunque, en algunos aspectos, comenzaron a

insinuarse desde el golpe militar de 1955. Estastendencias proponían, en educación, ladescentralización -entendida como traspaso de res-ponsabilidades del Estado nacional a las provincias-y la privatización de los servicios.4 Esta información oficial (INDEC) sobre ocupaciónno incluye en la categoría “desocupados” a quienesya no buscan empleo ni a quienes cobran subsidiodel Estado por $150,00 (equivalentes a U$S 41,00)mensuales dentro de planes de políticas socialesfocalizadas.5 Se considera “pobre” a la persona adulta que ganamenos de $150,00 por mes y a la familia (matrimonioy dos hijos) que gana menos de $435,00 por mes.El indigente no alcanza a cubrir una canasta básicade alimentos de $61,00 por mes, que para unafamilia es de $178,00 mensuales. Calcagno yCalcagno, “El presupuesto nacional 2002. Un “dibujo”para otro ajuste suicida”. Le Monde Diplomatique,marzo/2002.6 CEPAL, UNESCO, CINTERPLAN, CINTERFOR, entreotros.7 Un dato revelador del giro operado en la políticaeducacional resulta el hecho de que el documento“Argentina. Reasignación de los recursos para elmejoramiento de la educación”, Serie Estudios delBanco Mundial sobre países, discutido hacia 1988con representantes del gobierno del presidenteAlfonsín, fuera aprobado y publicado recién despuésque asumiera el nuevo gobierno, en 1991.8 Leyes sancionadas por el Parlamento queestructuraron la educación común, N° 1420 (1884);la educación universitaria, N°1597 (1885); ladocencia, N°14473 (1958) Estatuto del Docente. Laenseñanza media y la superior no universitariafueron pautadas a través de decretos del PoderEjecutivo Nacional y/o de Resoluciones Ministeriales.La enseñanza privada fue regulada por las leyes934 (1878) y 13047 (1947)9 A partir de la sanción de la Ley Federal, primero ysegundo año del secundario pasaron a formar par-te del tercer ciclo de la enseñanza básica y sucurrículum perdió la estructura por disciplinas yadoptó la organización por áreas (Ciencias Naturales,Ciencias Sociales).10 Rock, David “El radicalismo argentino. 1890-1930·”

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Amorrortu, Bs. As. 1977, p. 61.11 Los ejemplos de ausencia de condicionesmateriales son numerosos. Valga citar un caso: enlos módulos elaborados para la capacitación de losdocentes de todos los niveles del sistema educativode la provincia de Buenos Aires (1995) se recomiendaen “El taller de hardware” el armado de una com-putadora con cartón y madera. (Dirección Generalde Cultura y Educación, Módulo 1, págs. 84 y 85)12 Según información brindada el 4 de setiembrede 2001, en respuesta a la Comisión de Educacióndel Senado de la provincia por el entonces DirectorGeneral de Cultura y Educación y, desde mayo de2003, embajador argentino en Washington, Lic. J. O.Bordón.

13 En el caso que ocupa nuestra atención en estetrabajo, los docentes con formación, inicial y enservicio, disciplinaria (Física, Química, Biología,Historia, Geografía, etc.) se vieron obligados a asumirla enseñanza de áreas interdisciplinarias. Laconsecuencia inevitable de esta situación es que,por un lado, cada uno sigue enseñando “su” disci-plina y, por otro, que los estudiantes ven recortadasu educación. También hubo “reconversión” de losdocentes cuyas asignaturas dejaron de dictarse porcambio curricular (Francés, Actividades Prácticas,Mecanografía, etc.). En estos casos la opción másfrecuente fue el desplazamiento hacia “Informática”después de su capacitación en cursos que duraronaproximadamente veinte días.

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Recebido em 10 de abril de 2004.Recebido em 10 de abril de 2004.Recebido em 10 de abril de 2004.Recebido em 10 de abril de 2004.Recebido em 10 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.

Apontamentos de campo acerca de uma experiênciaApontamentos de campo acerca de uma experiênciaApontamentos de campo acerca de uma experiênciaApontamentos de campo acerca de uma experiênciaApontamentos de campo acerca de uma experiênciade educação não-formal com crianças e adolescentesde educação não-formal com crianças e adolescentesde educação não-formal com crianças e adolescentesde educação não-formal com crianças e adolescentesde educação não-formal com crianças e adolescentesem situação de ruaem situação de ruaem situação de ruaem situação de ruaem situação de rua

Ana Paula Serrata Malfitano*Roseli Esquerdo Lopes**

* Mestranda em Educação pela Universidade Estadual deCampinas – UNICAMP. Terapeuta Ocupacional do NúcleoUSP/UFSCar do Projeto Metuia.e-mail: [email protected]

** Doutora em Educação pela Universidade Estadual deCampinas. Coordenadora do Núcleo USP/UFSCar do Pro-jeto Metuia. Professora Adjunta do Departamento de Tera-pia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação emEducação da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoEste texto analisa a experiência de um abrigo situado na cidade de Campinas – SP, que se propõe a atendercrianças e adolescentes em situação de rua, inclusive aqueles que são também usuários de substânciaspsicoativas. Utiliza-se como metodologia de trabalho no abrigo a Pedagogia da Presença, bem como a Redu-ção de Danos na intervenção em relação ao uso daquelas substâncias. Compreende-se que a proposta deabstinência, por si só, não constitui alternativa adequada para a maioria dos que se inserem nesta populaçãoalvo. A partir do desafio colocado para a construção deste trabalho, estabeleceu-se uma parceria com o NúcleoUSP/UFSCar do Projeto Metuia1, com o intuito de que se elaborem conjuntamente reflexões acerca destatemática e se construam novas metodologias para o cuidado e acolhimento desta população.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveCrianças e adolescentes; educação não-formal; redução de danos; Organizações Não-Governamentais (ONG).

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis paper describes an experience, which took place in a shelter in Campinas city, São Paulo State, Brazil. Thepurpose of the shelter is to attend children and teenagers who live in the streets, including some who areusers of psychoactive substances. The methodology of work used to deal with drug consumption in the shelterincluded the so called ´Pedagogia da Presença´ (Pedagogy of being present) and the ‘Redução de Danos’(Harm Reduction). It is known that the abstinence proposal, of itself, does not constitute an adequate alternativefor the described target population. In order to face the challenges presented by this task, a partnership wasestablished with the ‘Núcleo Universidade de São Paulo and Universidade Federal de São Carlos’, of the‘Projeto Metuia’1 (Metuia Project), with the purpose of further developing joint reflections on this theme,especially those involving the discussion of new methodologies of care, to be applied in related situations.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsChildren and teenagers; informal education; harm reduction; Non-Governmental Organizations.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 29-42, jan./jun. 2004.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Precariedade e vulnerabilidade extre-mas fazem parte da vida cotidiana de par-cela significativa das crianças e adolescen-tes brasileiros (Priore, 1999). Para uma me-lhor compreensão desta problemática sãofundamentais os conceitos utilizados porCastel (1994, 1997) na discussão da estru-tura e da inserção social. Para tal autor, ainserção deve ser analisada a partir de doiseixos: o da relação de trabalho (com umagama de posições, do emprego estável àausência completa de trabalho) e o da in-serção relacional (também com um lequede posições, entre a inscrição nas redes só-lidas de sociabilidade e o isolamento so-cial total). O recorte desses dois eixos cir-cunscreve zonas diferentes do espaço soci-al: zona de integração – onde se dispõe degarantias de trabalho permanente e pode-se mobilizar suportes relacionais sólidos;zona de desfiliação – neste espaço se con-juga ausência de trabalho e isolamentosocial, implicando uma dupla ruptura dasredes de sociabilidade e participação; zonade vulnerabilidade – que associa precarie-dade do trabalho e fragilidade relacional(Lopes et al., 2002).

Este trabalho parte de um olhar

compreensivo e crítico em relação à apar-tação social existente no Brasil, com enfo-que na problemática de crianças e adoles-centes dos grupos populares dos grandescentros urbanos, que se deparam cotidia-namente com o subemprego, asubmoradia, a subnutrição, entre outrosaspectos. Tais fatos contribuem para a ins-crição daquela parcela significativa da in-fância e juventude brasileira na zona devulnerabilidade social.

Dentro deste grupo encontramos ascrianças e adolescentes que estão expos-tos a vários tipos de abusos (físico, emocio-nal ou psicológico, sexual), de negligênciae de exploração, demonstrando o não exer-cício social de seus direitos garantidos porlei específica, o Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA, Lei 8.069/90).

É importante que ressaltemos que aproblemática da infância e da juventudenão se desvincula das condições de vidade seus genitores ou pais sociais e, portan-to, da política econômica e da história doBrasil (Barros et al., 2001).

Diante destes sujeitos em “situaçãopeculiar de desenvolvimento” e da violaçãode seus direitos básicos, é necessário rea-justarmos o foco na busca de ampliar avisão e o compromisso técnico e institucio-

(...) Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antese o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado.

Mas essa que vejo na rua, sem pai, sem mãe,sem casa, cama e comida, essa que vive a solidão das noites

sem gente por perto, é um grito, é um espanto.Diante dela, o mundo deveria parar para começar

um novo encontro, porque a criança é o princípio sem fime o seu fim é o fim de todos nós.

Herbert de Souza - Criança é coisa séria

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nal dos profissionais envolvidos em inter-venções nessa área. É imprescindível queocorra uma mudança do paradigma queparte do modelo do dano, que sublinha oscomportamentos de risco, para o modelodo desafio, que propõe, na abordagem dosfatores de risco presentes na vida das cri-anças e dos adolescentes, um conjunto devalores positivos com um poder de envol-vimento e de atração sobre aquelas crian-ças e adolescentes, que tem que ser maiordo que aquele oferecido pelos comporta-mentos de risco.

A opção da rua como espaço de so-brevivência expõe hoje cerca de 90 crian-ças e adolescentes no município de Cam-pinas2 a riscos de natureza pessoal e socialcada vez maiores, que os comprometemfísica e mentalmente.

Isto se dá, em grande parte, pela vio-lação de direitos como o acesso à escola, àassistência à saúde e aos cuidados neces-sários para seu pleno desenvolvimento,cuidados estes previstos pelo Estatuto daCriança e do Adolescente (Artigos 15 a 18,Brasil, 1990).

A violência é considerada um graveproblema para a saúde pública no Brasil econstitui a principal causa de morte de ado-lescentes (Minayo e Ramos, 2003). Portan-to, há a necessidade do apoio a ações parao atendimento e acolhimento de criançase adolescentes em situação de rua, ofere-cendo espaços de proteção em rede quepossam contribuir para a construção depolíticas de atendimento mais efetivas eeficazes que garantam o acesso desta po-pulação a seus direitos básicos.

A construção de uma rede de aten-dimento aos meninos e meninas em situa-ção de rua em Campinas tem sido umadas preocupações da atual administraçãomunicipal que vem propondo a discussãoe a criação de alguns equipamentos soci-ais para o atendimento dessa demanda.Uma das ações propostas foi o convêniocom o abrigo que passaremos a apresen-tar no próximo tópico, com o objetivo deoferecer possibilidade de moradia para apopulação-alvo. Uma outra questão traba-lhada diz respeito ao acesso à escolariza-ção formal e à permanência na escola, oque é raro dentre aqueles que se encon-tram morando nas ruas.

A pequena permanência no ambien-te escolar, as repetências seqüenciais e aexpulsão da escola, são histórias recorren-tes nos relatos de vida daquelas crianças eadolescentes.

Buscando dar enfrentamento a essasituação, planejou-se um espaço diferenci-ado dirigido às crianças e aos adolescen-tes em situação de rua, visando à sua rein-serção e permanência prazerosa na escola.O planejamento, elaboração e implantaçãoda proposta se deram por meio de umarede intersetorial composta por representan-tes governamentais e não governamentaiscoordenados pela Prefeitura Municipal deCampinas; este processo ficou sob a res-ponsabilidade da Secretaria Municipal deEducação e dele participamos diretamenteenquanto coordenação do abrigo em tela.

O projeto foi provisoriamente deno-minado “Sala de Transição”; tratava-se dacriação de um espaço transitório, multiseria-do e multietário, que oferecesse atividades

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escolares e que, contando com normas/re-gulamentos flexíveis, facilitasse e promoves-se a passagem das crianças e adolescentespara a escola regular e, a partir daí, tivessecomo tarefa primordial trabalhar a perma-nência na escola, a vinculação com esseespaço, bem como os demais aspectos ati-nentes à reinserção escolar dos adolescen-tes que já perderam o vínculo escolar ouque nunca o tiveram (Barroso et al., 2003).

A “Sala de Transição” passou a com-por, a partir do final de 2003, na cidade deCampinas, o cotidiano do abrigo uma vezque pauta o retorno à sala de aula (quepode se dar em qualquer época do ano) ea reelaboração da vivência escolar. É fun-ção do abrigo promover a matrícula da cri-ança ou do adolescente abrigado e fazer oacompanhamento das atividades escola-res; a conjunção destes dois projetos – abri-go e sala de transição – para meninos emeninas em situação de rua representa atentativa de garantia, não somente pelalegislação, de seus direitos: educação esco-lar, moradia, convivência comunitária, saú-de, dentre outros previstos pelo ECA.

Trazemos a seguir, mais especifica-mente, a experiência do abrigo em ques-tão, também em seus componentes de edu-cação não-formal (Simson, Park e Fernan-des, 2001), deixando para uma outra opor-tunidade a apreciação da experiência da“Sala de Transição”, bem como da relaçãoescola-abrigo-situação de rua.

No cotidiano das ações realizadas na-quele abrigo, observa-se a existência de fra-gilidades importantes na vida das criançase adolescentes, como resultantes da inscriçãode muitos deles no campo da desfiliação.

Apresentação do abrigoApresentação do abrigoApresentação do abrigoApresentação do abrigoApresentação do abrigo

O abrigo caracteriza-se como medi-da de proteção provisória e excepcional,que busca, quando possível, a reinserçãofamiliar das crianças e adolescentes aten-didos. Além disso, sua medida “não impli-ca em privação de liberdade” (conforme Art.101 - Parágrafo Único – ECA, Brasil, 1990).

O destaque assinalado quanto a nãorestrição de liberdade, é de absoluta rele-vância, uma vez que está presente no ima-ginário social o conceito de abrigo paraadolescentes como local para aqueles quedescumpriram a lei, cometendo alguma in-fração. Este conceito é derivado ainda doCódigo de Menores, de 1979, que previaum serviço único de assistência aos “me-nores”. Eram entendidos como “menores”aqueles que se encontravam em situaçãode abandono e/ou delinqüência (Marcílio,1998). Exemplo claro deste fato é a institui-ção FEBEM – Fundação para o Bem-Estardo Menor – que, por muitos anos, foi oúnico órgão provedor de abrigos e deinternação para adolescentes - na época“menores” - infratores (Marcondi, 1997). OECA redimensiona tais conceitos, abando-nando o termo “menor”, substituindo-o porcriança e adolescente, e definindo medidassócio-educativas e de proteção. As primei-ras são destinadas a adolescentes em con-flito com a lei e as segundas a quaisquercrianças e adolescentes que tenham algunsde seus direitos violados.

A população alvo do abrigo que aquiapresentamos é constituída por crianças eadolescentes do município de Campinas/SP, de ambos os sexos, na faixa etária en-

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tre 10 e 18 anos, expostos a riscos pesso-ais e sociais e em situação de rua, inclusiveos usuários de substâncias psicoativas. Oabrigo compõe, desta forma, a rede muni-cipal intersetorial de apoio a esta popula-ção. Seu desafio é oferecer assistência inte-gral, enquanto medida de proteção, para16 crianças e adolescentes em conformi-dade com os artigos 90 a 94 e 101 do ECA.

A instituição em questão iniciou seutrabalho de atendimento a esta populaçãoem 1997, e desde então busca implemen-tar adaptações a fim de tornar adequadassuas ações para este complexo atendimen-to. Configurando-se como abrigo desde1998 e em função de suas demandas in-ternas e externas, passou por uma profun-da reestruturação de caráter organizacio-nal, pedagógico e terapêutico no que con-cerne aos serviços prestados.

Assim, desde outubro/2002, quandoforam reiniciadas as atividades, o trabalhoali desenvolvido direciona-se para a cons-tituição de um abrigo que se caracterize poruma proposta intersetorial que, conseqüen-temente, busque parcerias com diversosórgãos e instituições que atendam crian-ças e adolescentes, e que priorizem suareinserção social.

São metas previstas por este abrigo:• Promover atendimento personalizado e

de qualidade para esta população;• Oferecer modelos e sentimentos de per-

tencimento que proporcionem a convi-vência com o outro, estimulando o res-peito a regras e limites necessários paratal convivência;

• Desenvolver, em conjunto com os ado-lescentes, projetos de vida e estratégias

para atingi-los;• Construir uma metodologia de trabalho

que proporcione a minimização dos ris-cos bio-psico-sociais a que estão subme-tidos em função do uso de substânciaspsicoativas;

• Contribuir na discussão da política muni-cipal de atendimento às crianças e aosadolescentes em situação de rua;

• Compor e participar da rede de atendi-mento local a esta população;

• Reintegrar as crianças a suas famílias,quando possível;

• Reinseri-los no sistema formal de educação;• Contribuir para a formação de cidadãos

críticos.Com o intuito de buscar auxílio para

a discussão do trabalho realizado e para aconstrução de metodologias participativasde intervenção que contribuam para atin-gir as metas previstas, firmou-se uma par-ceria com o Núcleo USP/UFSCar do ProjetoMetuia, por meio da supervisão técnica, daatuação de estagiários de quarto ano doCurso de Graduação em Terapia Ocupacio-nal da UFSCar e de ações de extensão eensino, bem como de proposição de pes-quisas que partam de questões pertinen-tes às problemáticas enfrentadas pela ins-tituição e por suas crianças e adolescentes.

Metodologias de trabalho – aMetodologias de trabalho – aMetodologias de trabalho – aMetodologias de trabalho – aMetodologias de trabalho – aconstrução como desafioconstrução como desafioconstrução como desafioconstrução como desafioconstrução como desafio

O perambular dos meninos e meni-nas em situação de rua é acompanhadode uma história interna e pessoal comu-mente marcada pelo abandono e pela vio-lência. Decidir por morar nas ruas, viver em

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bandos, conhecer este novo mundo, é uma‘opção’ para a maioria deles, ‘decisão’ àqual se chega após longo processo. Opta-se por deixar de vivenciar diversos tipos deviolência e pobreza e por buscar novas al-ternativas de vida na rua.

Suas redes pessoais e sociais de su-porte apresentam-se esgarçadas por contí-nuas exclusões, tais como as dos equipa-mentos educacionais, de saúde, de lazer,assim como pela falta de aportes familia-res e afetivos. São trajetórias que levam àsituação de desfiliação.

A rua abre-se como um novo cami-nho, permeado, no entanto, de violência eabandono. O preconceito social, a indife-rença, a violência física, são vivências àsquais são submetidos estes meninos emeninas (Graciani, 2001).

Como estratégia de vida, e tambémdevido a características de sua faixa etária,a adolescência, agrupa-se com aquelescom quem se identifica. No grupo, surgemcódigos, ‘leis’ e novas estratégias. Nessepercurso, o uso de substâncias psicoativastorna-se algo a ser realizado com e pelogrupo, configurando-se esse uso como con-dição de aceitação em tal espaço. Eviden-temente, esta não é uma característica detoda criança em situação de rua; não setrata de uma generalização indiscriminada,até porque alguns deles não moram nasruas, e destes, grande parte as utiliza comomeio de busca de rendimentos, por meiodo mercado informal e da mendicância ou,ainda, está no processo acima citado, deidas e vindas, com preservação de vínculosfamiliares. Contudo, mesmo entre aquelesque moram nas ruas, não podemos gene-

ralizar o uso das substâncias psicoativas.Pode-se afirmar apenas que estas são lar-gamente utilizadas no espaço da rua comouma das estratégias para nela se viver.

(...) a constatação de que a prevalência deuso de drogas entre essas crianças e ado-lescentes [‘meninos em situação de rua’] éaltíssima, especialmente de inalantes. (...)em um cenário de exclusão e violência, ouso de drogas desempenha muitos papéis:o de afirmação de uma identidade de gru-po, de recreação, para amenizar a fome eo medo, visto enfim como um sedativo parao sofrimento (Deslandes, 2003, p. 249).

O abrigo em questão atende meni-nos e meninas que moram nas ruas e pe-dem, por iniciativa própria e/ou a partir dotrabalho de educadores de outros projetossociais, para serem abrigados.

A partir daí, inicia-se o desafio doabrigo de configurar-se como casa, a casade seus abrigados, respeitando-os e ofere-cendo-lhes novas possibilidades, que inclu-em os limites para a convivência. Para tan-to, optou-se pela constituição enquantouma instituição pequena, atendendo 16crianças e adolescentes, em contraposiçãoàs macro-instituições tradicionais da área– os orfanatos, lares e asilos infantis. Expe-riências positivas de abrigos demonstrama possibilidade de um trabalho individuali-zado e que impeça, ou pelo menos reduza,a produção de marcas e estigmas da insti-tucionalização na população atendida(Marcondi, 1997).

A construção de um paradigma decasa passa necessariamente pela constru-ção da convivência e do respeito ao outro.E como construir a convivência? Este temsido nosso desafio...

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A linguagem reconhecida e utilizadapelos meninos e meninas caracteriza-se,inicialmente, pela violência. A resolução dosconflitos cotidianos se dá por meio da vio-lência física, na maioria das vezes direcio-nada a eles próprios e, em outros momen-tos, aos funcionários da casa. Como mu-dar esta forma de expressão?

O uso de substâncias psicoativas nãose encerra a partir da acolhida pelo abrigo,e o uso abusivo a que se submetem trazconseqüências. Este é outro ponto desafia-dor para o trabalho. Como reduzir os da-nos a que estão sujeitos? Como fazê-lospreservar a casa em que estão, respeitar osdemais, não fazer uso daquelas substânci-as dentro da casa, sem que para isso sejanecessária a instituição de regras e proce-dimentos excludentes?

Estas são tarefas que nos fazem bus-car a possibilidade de metodologias de tra-balho que sejam construídas conjuntamen-te com os adolescentes.

É relevante destacar que experiênci-as de políticas e proposições de outrosmunicípios no atendimento a crianças eadolescentes em situação de rua apontamdesafios semelhantes (Paica-Rua, 2002;Lancetti, 1996), principalmente no que serefere a abrigos para esta população (Zieti,1996), demonstrando também que o en-frentamento desta problemática e a cons-trução de alternativas para os meninos emeninas em situação de rua não se dá pormeio de modelos pré-determinados.

A seguir, apresentamos alguns dospassos dados e que iniciam nossa cami-nhada na construção que buscamos im-plementar.

A convivência e a mudança deA convivência e a mudança deA convivência e a mudança deA convivência e a mudança deA convivência e a mudança deparadigmas das relações pessoaisparadigmas das relações pessoaisparadigmas das relações pessoaisparadigmas das relações pessoaisparadigmas das relações pessoais

No trabalho realizado pelos funcioná-rios da casa adotou-se como base teórica a“Pedagogia da Presença”, desenvolvida porAntônio Carlos Gomes da Costa (1997 e2001). Trata-se da utilização do princípio dapresença constante, da crença nos valorespositivos de toda criança, e do estruturar-sea partir de práticas e vivências cotidianas.

Realizamos discussões conjuntas dosepisódios ocorridos, por meio das ‘rodas deconversa’, para a busca de regras e limitesa serem respeitados na casa. São momen-tos de exercício de democracia e de partici-pação naquela construção conjunta; sãotentativas de interação dos operadores so-ciais com os moradores da casa. Observa-mos que é necessária a intermediação dooperador social na elaboração destes es-paços, pois os meninos e meninas são ex-tremamente exigentes consigo mesmos e,em geral, propõem regras e procedimentosinflexíveis aos quais, provavelmente, elespróprios não conseguiriam aderir. Contudo,a partir da intervenção do operador socialcomo um facilitador do processo, temos vis-to que as decisões tomadas em conjuntosão mais respeitadas e revertem em frutosmais positivos para o cotidiano da casa.

Zaluar (1994) destaca o processo deprotagonismo dos jovens como uma pers-pectiva de busca da cidadania, inserida emum campo contraditório, já que traz comoretorno novas demandas para a instituição,na medida em que faz com que os pró-prios adolescentes passem a reivindicarseus espaços e direitos.

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Com isto se queria dizer que o objetivoera mudar a perspectiva paternalista ain-da predominante nesta população, quese considerava mero beneficiário do ser-viço, para a perspectiva de usuário, ou seja,alguém que partilhasse responsabilida-des com a direção na manutenção dosserviços e na proteção do equipamento(Zaluar, 1994, p.145).

Entretanto, várias situações relacio-nadas à convivência e ao cotidiano têm queser trabalhadas no nível individual, buscan-do a compreensão do conflito e a violênciapraticada naquele momento. Isto tem re-sultado na flexibilização de algumas regrasestabelecidas e no retorno da discussão emgrupo. Temos observado que é este ir e vir,decidir e flexibilizar, com intervenções indi-viduais e grupais, com acordos e ‘barga-nhas’, que tem possibilitado a lenta cons-trução cotidiana da convivência em outrospatamares, diferentes daqueles anterior-mente experimentados por nossas criançase adolescentes.

Todavia, vivenciamos também situa-ções limite, nas quais as regras são desres-peitadas, os acordos são rompidos, a flexi-bilização chega a pontos insustentáveis eonde nos vemos obrigados a desligar oadolescente da casa ou, ainda, deparamo-nos com sua evasão. São momentos difí-ceis, mas que refletem perdas e ganhos pre-sentes em todo processo social.

O modelo de casa não é algo incor-porado na experiência destas crianças eadolescentes, principalmente para aquelesque passaram um grande período nas ruas(algumas vezes períodos superiores a mui-tos anos). Propor uma rotina dentro da qualse deve acordar e fazer as refeições em um

mesmo horário, respeitar limites, cuidar desuas coisas, dentre outras tantas tarefas eobrigações é, para alguns, uma transiçãomuito difícil em relação à vida na rua. Paraestes meninos e meninas a evasão acaba,muitas vezes, sendo a alternativa.

Outro aspecto a ser trabalhado é queo modelo introjetado e vivenciado por elesem suas casas de origem nem sempre é deexperiências positivas e todos os sentimen-tos então ‘armazenados’ são transferidospara o novo espaço.

Como é possível perceber, os desafi-os e percalços a serem enfrentados aindasão muitos. As crianças e adolescentes quese afastam da casa nos deixam o questio-namento acerca da melhor abordagempara a consecução de um elemento tãobásico para todo ser humano: a convivên-cia. Acreditamos que é a partir da constru-ção conjunta e facilitada que novos valo-res poderão ser elaborados e incorporados.

O uso e abuso de substânciasO uso e abuso de substânciasO uso e abuso de substânciasO uso e abuso de substânciasO uso e abuso de substânciaspsicoativas – a redução de danospsicoativas – a redução de danospsicoativas – a redução de danospsicoativas – a redução de danospsicoativas – a redução de danoscomo alternativa de trabalhocomo alternativa de trabalhocomo alternativa de trabalhocomo alternativa de trabalhocomo alternativa de trabalho

A utilização de substâncias que alte-ram o estado de consciência, atualmentedenominadas substâncias psicoativas, éuma prática comum na história humana,conforme ressalta Deslandes (2003). O con-trole deste uso, a partir da argumentaçãodas conseqüências danosas possíveis, éigualmente uma preocupação antiga.

A proposição da abstinência comoforma de tratamento configurou-se por al-gum tempo como única alternativa paraaqueles que decidiam tentar uma mudan-

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ça de comportamento com relação ao usoabusivo e/ou dependência. É ainda umalinha de trabalho bastante utilizada, princi-palmente nos modelos de comunidadesterapêuticas, gerando resultados positivospara alguns e também acarretando desis-tência de outros por inadaptação.

O final da década de 80 assistiu àproliferação da AIDS e foram iniciadas cam-panhas de prevenção a todos os denomi-nados, naquele momento, grupos de risco.Importa destacar que o conceito de grupode risco não é mais utilizado, uma vez quetodos estamos sujeitos à contaminaçãopelo HIV. Contudo, os usuários de drogas,dentre outros, eram vistos como ‘grupo derisco’ devido à utilização de drogasinjetáveis e à transmissão pelo comparti-lhar de seringas. Esta nova realidade levouao desenvolvimento, dentro da saúde pú-blica, de uma abordagem inovadora que:

em oposição às estratégias de redução deoferta, trabalha com a premissa de que oindivíduo, mesmo fazendo uso de drogas,é capaz de empreender ações deautocuidado e prevenção. Tem como metaa redução de conseqüências adversas douso, sem exigir a abstinência. Defende que,se não é possível interromper o uso, en-tão que se procurem formas mais segu-ras de consumo, evitando-se ocompartilhamento de seringas e materi-ais. Longe de constituir uma apologia aouso, tal abordagem parte de avaliaçõesrealistas da ineficácia das abordagens re-pressivas tanto para prevenção quantopara tratamento (Deslandes, 2003, p.257).

A Redução de Danos enquanto pro-grama em saúde foi sistematizada inicial-mente na Holanda, nos anos 80, por inicia-tiva de uma associação de usuários de dro-

gas preocupada com a disseminação dahepatite e do HIV entre os usuários de dro-gas injetáveis. No Brasil, o primeiro progra-ma foi iniciado em Santos, em 1989; esteprograma, entretanto, foi interrompido pordecisão judicial. Em 1995, surgiu um novoprograma de Redução de Danos, em Sal-vador–BA, com a realização de troca deseringa entre os usuários de drogasinjetáveis. Em 1998, foi sancionada em SãoPaulo uma lei estadual de legalização datroca de seringas. Atualmente é um dosprogramas que compõem as ações do Mi-nistério da Saúde (Brasil, 2001).

Esta nova forma de se pensar o pro-blema do uso de drogas e seus danos e con-seqüências foi sendo ampliada para os di-versos aspectos do uso e abuso de substân-cias psicoativas em geral. Dessa forma, inici-aram-se abordagens de tratamento que pre-vêem a redução dos danos a partir da dimi-nuição do uso ou da substituição da drogautilizada, sem a proposição da abstinênciaenquanto forma única de tratamento.

(...) evitar, se possível, que as pessoas seenvolvam com o uso de substâncias psicoa-tivas; se isto não for possível, evitar o envol-vimento precoce com o uso de drogas, re-tardando-o ao máximo; para aqueles quejá se envolveram, ajudá-los a evitar que setornem dependentes; e, para aqueles quejá se tornaram dependentes, oferecer osmelhores meios para que possam aban-donar a dependência; se, apesar de todosos esforços, eles continuarem a consumirdrogas, orientá-los para que o façam damaneira menos prejudicial possível (Uni-versidade Federal de São Paulo, 2003, s/p).

Os meninos e meninas em situaçãode rua são reconhecidos como extrema-mente vulneráveis ao consumo de drogas,

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conforme é esclarecido acima. As estratégi-as de abordagem para discussão das con-seqüências deste uso são de difícil alcance,uma vez que o valor da vida é muito fugidioe o imediatismo do ‘aqui e agora’ prevale-cem em seu cotidiano. Sendo assim, a pro-posição de um trabalho que tenha comobase a metodologia da redução de danosvem se caracterizando como uma alterna-tiva para a discussão com os adolescentessobre o universo das drogas e suas conse-qüências e para a redução lenta e gradualde seu uso, esta nem sempre possível.

No cotidiano do abrigo, a droga épauta diária, e o assunto é muitas vezestrazido pelos próprios meninos e meninas.A construção de um sentimento de preser-vação da casa, o respeito ao outro e o nãouso naquele espaço é uma tentativa paraa qual vamos lentamente nos direcionando.Trabalhamos em parceria com um serviçoda Secretaria Municipal de Saúde que ofe-rece acompanhamento médico, psicológi-co, terapêutico ocupacional, bem como ofi-cinas; todas estas atividades permeadaspelo trabalho com a redução de danos edirecionadas prioritariamente para os me-ninos e meninas em situação de rua. Te-mos conseguido, assim, dar ao abrigo umaatmosfera de casa e configurar um espaçode atendimento externo para abordagemdireta dos encaminhamentos individuais,dentre eles, a questão do uso de drogas.

Enfrentamos, como seria de se espe-rar, episódios de recebimento de meninosapós a utilização de drogas, de saídas nãoautorizadas e retornos, de entrada de subs-tâncias na própria casa, estes são fatoscotidianos. Contudo, sabemos que não é a

exclusão destes meninos do abrigo queimplicará o cuidado e o acolhimento ne-cessários para que ele possa tentar mudarseu comportamento de risco. Trabalhamosna busca de outras alternativas prazerosase na criação de projetos pessoais que pos-sam concorrer com a rua e seus atrativos,como é o caso da droga.

Temos, portanto, encontrado no mé-todo de abordagem via redução de danospossibilidades para a aproximação comestes meninos e meninas, bem como a ten-tativa da minimização dos riscos bio-psico-sociais a que estão sujeitos. É, sem dúvida,um caminho repleto de contradições.

Organizações Não-Governamen-Organizações Não-Governamen-Organizações Não-Governamen-Organizações Não-Governamen-Organizações Não-Governamen-tais – qual proposta detais – qual proposta detais – qual proposta detais – qual proposta detais – qual proposta desustentabilidade?sustentabilidade?sustentabilidade?sustentabilidade?sustentabilidade?

O abrigo aqui apresentado é umaOrganização Não Governamental (ONG)que mantém, atualmente, um convênio coma Prefeitura Municipal de Campinas, inte-grando o Plano Municipal para Infância eJuventude, prioridade declarada do atualgoverno. Este Plano demarca a necessida-de do trabalho com crianças e adolescen-tes em situação de rua, operacionalizandoações em rede entre organizações gover-namentais e não governamentais.

O convênio com a gestão municipalé a principal fonte de financiamento do tra-balho. Assim, apesar da configuração en-quanto entidade da sociedade civil e, por-tanto, privada, embora sem fins lucrativos,seus recursos são prioritariamente públicos.

Esta é uma realidade da maioria dasentidades filantrópicas no Brasil atualmen-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 29-42, jan./jun. 2004. 39

te. O advento do “terceiro setor” – privado,porém público, na expressão de Fernandes(1994) – tem propiciado a retirada do Esta-do enquanto provedor de ações e serviçossociais (Montaño, 2002) - principalmente nocampo da assistência social, mas não só -colocando-o como parceiro da sociedade civilpara o oferecimento de serviços à população.

Esta estratégia, baseada no discursoda responsabilização da sociedade civil, tempropiciado uma redução dos gastos do Esta-do com relação à implementação de políti-cas sociais, seguindo as diretrizes das propo-sições neoliberais para o setor (Lopes, 1999).

Esta ação traz inerentemente umapelo no que concerne à divisão de res-ponsabilidades entre todos e apresenta anoção de que a cidadania está intrinseca-mente relacionada ao fato da sociedadecivil assumir para si algumas responsabili-dades que são de caráter público e estatal.

Cabe fazermos uma reflexão sobreessa ressignificação da ação social e a in-dagação de se o papel da sociedade civilnão estaria mais relacionado à formulaçãoe gestão - conjunta com o Estado - de po-líticas públicas em geral e, especificamente,de políticas sociais ou, como vimos acom-panhando cada vez mais, caberia a estasociedade a proposição, gestão e busca definanciamento para a implementação dosserviços no campo social. Certamente, aresposta para essa questão relaciona-se àconcepção de Estado e políticas sociais queembasam cada uma destas vertentes. ParaTelles (1998) “o discurso humanitário dafilantropia” apela a um sentido de “solidari-edade constitutivo” mas bloqueia a “dimen-são política e reduz-se aos termos estritos

da responsabilidade moral” (p. 113).O que se verifica concretamente nas

entidades é um cotidiano estruturado, nagrande maioria dos casos, sobre a escas-sez de recursos para o desenvolvimento dotrabalho. Os convênios ‘conseguidos’ como Estado, em seus vários níveis, não cobremos gastos, e nem se propõem a tal – namedida da proposição da ‘parceria’ finan-ceira. Dessa forma, torna-se parte intrínse-ca do trabalho nessas instituições a buscade fontes de financiamento (os meios) paraseu desenvolvimento. Os técnicos que têmatuado na área têm sido chamados cadavez mais a resolver/lidar com a busca derecursos para a sobrevivência do trabalho.

Dentro da especificidade de cada tra-balho realizado pela multiplicidade deONG´s existentes, é imprescindível que sefaça a discussão acerca da dificuldade deadministração da escassez de recursos e doconseqüente comprometimento da quan-tidade e da qualidade daquilo que os dife-rentes projetos/serviços têm proposto.

Os investimentos públicos (governa-mentais ou não) têm sofrido importantesrestrições no que concerne aos grupos po-pulacionais inscritos na desfiliação e na vul-nerabilidade social. Isto tem dificultado eimpedido a manutenção e consolidação au-tônoma dos projetos sociais, o que é espe-cialmente relevante no que se refere à con-tratação de técnicos capacitados na área.

A noção de trabalho voluntário precisa serdimensionada em um sentido que am-plie, sim, a participação da sociedade civilnos problemas sociais, mas que não caiano voluntarismo e na falta de preparo docidadão comum para enfrentar situações

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complexas e que demandam conhecimen-tos especializados (Barros, Lopes eGalheigo, 2002, p.369).

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

As reflexões aqui apresentadas têmo intuito de relatar o desafio de uma insti-tuição caracterizada como abrigo tornar-seuma casa para meninos e meninas em si-tuação de rua. No processo dessa constru-ção cotidiana, são eles os atores protago-nistas das metodologias de intervençãoparticipativas para e com eles próprios.

As questões enfrentadas configuram-se a partir da tentativa da construção daconvivência, da minimização de danos ad-vindos do uso abusivo de substânciaspsicoativas, e da criação de projetos de vidaque possibilitem o vislumbre de novos hori-zontes. Proposta bastante audaciosa, umavez que nos encontramos em uma socieda-de capitalista estruturada a partir da exclu-são social, com uma cultura de competi-tividade e com espaços cada vez mais es-cassos para as relações e trocas afetivas.

O abrigo, a despeito de seus estigmashistóricos, apresenta-se muitas vezes comoo único local, mesmo que temporário, paraa permanência dos meninos e meninas.

Na verdade, a instituição [abrigo] muitasvezes se apresenta como a melhor alterna-tiva para um grande número de crianças eadolescentes, o que determina a necessi-dade de um comprometimento ainda mai-or de suas ações, pois esse é o único cami-nho para a superação dos trágicos estere-ótipos de sua história (Arpini, 2003, p.179).

Esta constatação se dá no âmbitode uma realidade social que produz a desi-

gualdade e a conseqüente desfiliação des-tes meninos e meninas. Esta realidade de-manda uma leitura e um entendimento quesupere paradigmas reducionistas e superfi-ciais que enfocam nesta problemática so-mente aspectos restritos ao indivíduo ou asua família. A nosso ver, é necessário quese trabalhe no desenvolvimento de instru-mentos mais adequados para a interpreta-ção da realidade pessoal-social e, também,de guias para a intervenção individual, co-letiva e social em um universo complexoem suas interações e interconexões.

Faz-se necessário, finalmente, ressal-tar a importância da discussão do papeldas ONG´s no contexto atual das políticassociais e a proposição de alternativas, bemcomo a definição e a assunção de respon-sabilidades para com a vida de milharesde meninas e meninos brasileiros em situ-ação de rua.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 Grupo interinstitucional de estudos, formação eações pela cidadania de crianças, adolescentes eadultos em processos de ruptura das redes sociaisde suporte. É composto por docentes, discentes eprofissionais da área de Terapia Ocupacional da PUC-Campinas, UFSCar e USP e por terapeutasocupacionais das cidades de Campinas, Paulínia,São Carlos e São Paulo.2 Dados da Secretaria Municipal de Assistência So-cial – Serviço Casa Amarela – 2001. Foramcontabilizados nestes dados os meninos e meninasque utilizam a rua enquanto espaço de moradia,não tendo sido incluídos aqueles que praticam ati-vidades do mercado informal e retornam para suasfamílias.

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Recebido em 6 de outubro de 2003.Recebido em 6 de outubro de 2003.Recebido em 6 de outubro de 2003.Recebido em 6 de outubro de 2003.Recebido em 6 de outubro de 2003.Aprovado para publicação em 30 de março de 2004.Aprovado para publicação em 30 de março de 2004.Aprovado para publicação em 30 de março de 2004.Aprovado para publicação em 30 de março de 2004.Aprovado para publicação em 30 de março de 2004.

Da(r) vida à formação, da(r) formação à vidaDa(r) vida à formação, da(r) formação à vidaDa(r) vida à formação, da(r) formação à vidaDa(r) vida à formação, da(r) formação à vidaDa(r) vida à formação, da(r) formação à vida

Elaine Sampaio Araujo

Doutora em Educação pela FEUSP, professora do Progra-ma de Pós-Graduação em Educação da Universidade deUberaba e professora do curso de Pedagogia da Universi-dade de São Paulo/RP.e-mail: [email protected]

ResumoEste trabalho trata da formação docente a partir da história de vida do educador. A questão será desenvol-vida sob o aspecto do método (auto)biográfico, considerando a obra A Língua absolvida - História de umajuventude, do literato Elias Canetti. A opção em trabalhar com o texto autobiográfico de Canetti, não se deveapenas à excelência de sua escrita, à sua representatividade na literatura, mas, também, às possibilidadesde utilizá-lo na formação dos profissionais em educação. A intenção é de que a leitura do autor, pelosprofessores, constitua-se como uma atividade desencadeadora da necessidade de recompor e ressignificara trajetória de vida profissional e pessoal.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveFormação docente; história de vida; método (auto)biográfico.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis study handles the subject of teacher training beginning with the life history of the educator. Thesubject will be developed according to the autobiographical method, taking into consideration the book: ALíngua Absolvida – História de uma juventude (The tongue set free – A story of youth) by the writer EliasCanetti. The option for working with the autobiographical text of Canetti is not only because of the excellenceof his writing and his importance in literature but also because of the possibilities of using it in the trainingof professionals in education. It is the intention that the reading of this author by teachers is an activity thatwill set in action the need to remake and give new meaning to the path of professional and personal life.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsTeacher training; life history; autobiographical method.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 43-51, jan./jun. 2004.

44 Elaine Sampaio ARAÚJO. Da(r) vida à formação, da(r) formação à vida.

Trazer à mesa de discussões a forma-ção de professores, não é apresentar umapreocupação nova. Trata-se de um temadesgastado, até mesmo pela forma comotem sido abordado: procurando culpados.Condenados e absolvidos revezam-se nobanco dos réus, sem direito a fala; e pareceque a “justiça” nunca se concretiza. Poucacoisa muda, muito permanece. Razão pelaqual o tema continua a figurar com fre-qüência nas manchetes pedagógicas. Fa-lar de formação fugindo do terreno infértil,onde na maioria das vezes foi plantada, éum grande e necessário desafio.

Neste trabalho, o terreno escolhidopara tratar da formação docente é a histó-ria de vida do educador. A questão serádesenvolvida sob o aspecto do método(auto)biográfico1, considerando a obra ALíngua absolvida - História de uma juven-tude, do literato Elias Canetti.

A opção em trabalhar com o textoautobiográfico de Canetti, não se deve ape-nas à excelência de sua escrita, à sua re-presentatividade na lieratura autobiográfi-ca, mas, também, às possibilidades deutilizá-lo na formação dos profissionais emeducação. A intenção é de que a leituradesse autor, pelos professores, constitua-se

como uma atividade desencadeadora danecessidade de recompor e ressignificar atrajetória de vida profissional e pessoal.Poderia ser outro? Com certeza, pois o quenos interessa não diz respeito aos aconte-cimentos em si, mas antes aos significadosa eles atribuídos, ou seja, como esses acon-tecimentos são interpretados e redimen-sionados na contemporaneidade, o queenvolve um processo ativo de recordação,exercício tão bem ministrado por Canetti.

Abordar o tema de formação, valen-do-se do literário Elias Canetti, não é tarefadas mais simples. O receio, com certeza,impera frente a tal empreendimento porém,mais que ousadia, necessidade. Necessida-de provocada pelo próprio autor que noscoloca em contato com sua história de vida,por meio de sua obra literária. Contato esseque sugere uma determinada, ainda queimaginária, intimidade com o mesmo. Ao“ficar por dentro” de sua vida, inteirando-nos dos seus sentimentos e experiências,não há como não se tornar cúmplice, nãohá como não querer falar, não há comonão manter um diálogo, onde quem nosouve, por vezes, somos nós mesmos.

Como tocar no (com)sagrado EliasCanetti sem profaná-lo? Pergunta que pri-

... E aprendi que se depende semprede tanta, muita e diferente gente.

Toda pessoa sempre é a marcadas lições diárias de outras

tantas pessoas.E é tão bonito quando a gente entende

que a gente é tanta genteonde quer que a gente vá...

(Gonzaguinha, Caminhos do coração)

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 43-51, jan./jun. 2004. 45

meiro povoa o pensamento. Destituí-lo,momentaneamente, de sua “sacralidade li-terária” seria, talvez, ingenuidade, então,numa resposta imediata, retrucamos: nãoé como literário que o Canetti nos interes-sa, nem tão pouco com o panorama histó-rico que nos apresenta das primeiras déca-das do século XX, embora estas realidadessejam e tenhamsejam e tenhamsejam e tenhamsejam e tenhamsejam e tenham que ser consideradas.No entanto, o fato do sabersabersabersabersaber constituir-secomo elemento articulador da sua narrati-va e tornar-se, assim, uma presença efetivanas mais diferenciadas abordagens que otexto sugere, é que garante sua instrumen-talização por nós educadores.

É esse saber que adotamos comorecorte de leitura, o que significa pensaressa obra de Canetti considerando seuautor, sem ignorar a forma como utiliza aspalavras, mas com o olhar voltado para asrelações com o conhecimento que ele tãobem explicita. Trata-se, portanto, da utiliza-ção dessa autobiografia como recurso noprocesso de formação de educadores.

Assim, o conteúdo que enfatizaremosem A Língua Absolvida, apresenta-se comoo sabersabersabersabersaber, ou melhor, como os saberes, acre-ditando que a percepção do desenvolvi-mento das relações estabelecidas com ossaberes, permite-nos não somente conhe-cer a sua natureza mas, sobretudo, (re)inter-pretar essas relações e tomar consciênciadas conseqüências que tiveram, elaboraçãoconstante na obra do autor em questão:

Alguns meses depois de meu ingressona escola, aconteceu algo solene e exci-tante que determinou toda a minha vidafutura. Meu pai me trouxe um livro. Le-vou-me para um quarto dos fundos, onde

as crianças costumavam dormir, e o ex-plicou para mim. [...] Seria fácil demons-trar que quase tudo aquilo a que devominha formação estava nos livros que,por amor ao meu pai, li aos sete anos deidade (Canetti, 1987, p. 50).

Pensando o texto de Canetti comoum “pré-texto” para a escrita biográfica doseducadores, faz-se necessário discorrer acer-ca da utilização desse recurso para a for-mação dos professores. O uso de (auto)bio-grafia na formação de professores, obriga-nos a considerar duas questões próprias aométodo: subjetividade e veracidade. Paratanto, recorremos a autores que desenvol-vem o tema não só em educação comotambém em ciências sociais.

Servimo-nos primeiro de FrancoFerrarotti que, ao trabalhar com a questãoda subjetividade, aponta para a necessida-de de percebermos tanto a validade decada história individual enquanto síntesede um sistema social, quanto à presençada objetividade por meio dos acontecimen-tos: “A subjectividade activa da autobiogra-fia dilui-se na vida objectiva da biografiados acontecimentos” (1988, p. 23). Idéiacomplementada por Christine Josso (1988,p. 43) para quem subjetividade implica adinâmica de objetividade:

Assim a subjetividade em acção, efectuanos seus próprios movimentos um traba-lho de objetivação, entendido aqui nosdois seguintes sentidos:- por um lado, como passagem daactividade mental interior para a sua trans-missão pela linguagem;- por outro, como passagem de um “vivi-do”, no qual se encontra uma aglutinaçãode emoções, sentimentos, imagens eidéias, a uma ordenação destes compo-

46 Elaine Sampaio ARAÚJO. Da(r) vida à formação, da(r) formação à vida.

nentes, para que a narrativa seja inteligí-vel para um terceiro.

A própria escrita torna-se assim umelemento de objetivação, já que quem es-creve, escreve para alguém. O compromis-so com o leitor tem que ser assumido, po-rém a atividade da escrita gera mais do quea objetivação. Seu alcance estende-se parao movimento de posse, por parte do autor/ator de sua história: apropria-se de seu co-nhecimento e manifesta essa apropriaçãopor meio da linguagem e a linguagem, porsua vez, organiza o pensamento.

A escrita de uma (auto)biografia gerae é gerada, numa relação dialética, pelaconsciência reflexiva, em que a análise vaisendo elaborada simultaneamente com osdados, cabendo à linguagem organizar opróprio pensamento. Lembrando o alertade Ferrarotti (1988) de que o objetivo deuma narrativa biográfica não é o de cons-tituir-se como um relatório de acontecimen-tos, mas sim uma ação na qual se tornapossível retotalizar de modo sintético suavida. Retotalização que permite novas for-mas de significação dos conhecimentosadquiridos, no que pese todas as circuns-tâncias e pessoas envolvidas.

Ao lado da subjetividade dos relatosde vida encontra-se a questão da represen-tatividade. Poderíamos utilizar o argumen-to de que cada homem é a síntese de umsistema social, no qual a “pluralidade” semanifesta por meio da própria singularida-de. Ainda caberia acrescentar que cada his-tória é umaumaumaumauma história e não aaaaa história.

Nesse sentido, ainda que o leitor nãotenha em seu “currículo” um avô conhece-dor de dezessete línguas, um pai apaixo-

nado por teatro, muito menos uma mãefascinada por obras literárias, alguém quelhe contasse histórias, ou então a precisãode aprender vários idiomas, mesmo que oleitor não tenha como cenário a Suiça, In-glaterra ou a Bulgária, mas qualquer outrocanto do mundo, a obra de Canetti, comoqualquer outra autobiográfica, nos interes-sa, não apenas pelos eventos em si, massobretudo pelo modo como eles nos sãoapresentados. Dominicé (1988, p. 59) é bas-tante feliz ao afirmar que: “não é o aconte-cimento em si que interessa, mas sim aimportância que o sujeito lhe atribui naregulação de seu percurso e vida.”

A esse respeito, Canetti (1987, p. 105)privilegia-nos com várias passagens, tome-mos uma:

Se existe uma substância espiritual quese recebe nos primeiros anos de vida, aque se refere constantemente e da qualnunca nos libertamos, então a minha foiaquela motivada pelas leituras com mi-nha mãe. Eu estava imbuído de confian-ça cega em minha mãe; os personagenssobre os quais ela fazia perguntas e de-pois me falava tornaram-se o meu mun-do de tal forma que deles nunca maisconsegui me separar [...] aqueles perso-nagens formam comigo uma unidadecompacta e indissolúvel. Desde aquelaépoca, portanto desde os meus dez anos,é para mim uma espécie de dogma o fatode que eu consisto de muitas pessoas,das quais de forma alguma estou consci-ente. Creio que são elas que determinamo que me atrai ou repugna nas pessoasque encontro. Foram o pão e o sal demeus primeiros anos. São eles a verda-deira e secreta vida de meu intelecto.

A questão da veracidade dos relatos- verdadeiros ou falsos - não pode ser con-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 43-51, jan./jun. 2004. 47

siderada a mais importante no método(auto)biográfico, como não é também nocampo histórico, de onde tomamos empres-tada esta afirmação:

[...] conhecer e compreender o passado,seus vínculos com o presente, consisteprimeiramente em conhecer e confrontaras narrativas que a memória históricaconservou e compôs, mas sem identificaruma dessas narrativas como a única quesecreta a verdade histórica (Ferro, 1989,p.123, grifos do autor).

O estatuto da veracidade não cabenas histórias de vida, pois o que mais im-porta, afirmamos novamente, é a própriaelaboração. Ou seja, como a pessoa queescreve dá conta de si no relato e como aatividade de refazer o percurso da forma-ção permite sua reinterpretação e, sobretu-do, sua ressignificação. Significar é sempreuma forma de conhecer, ou seja, a formacomo significo diz respeito ao conhecimen-to que tenho de alguma coisa.

Dessa forma, redimensiona-se a me-mória como atividade, algo elaborado porum sujeito ativo na busca de sua identida-de, Canetti (1987, p.19) demonstra consci-ência disto:

Só estou certo de uma coisa: tenho pre-sentes os acontecimentos daqueles anoscom toda força e todo vigor- há mais desessenta anos eles me alimentam -, mas,em sua maior parte, estão ligados a pala-vras que, naquela época, eu não conhe-cia. Parece-me perfeitamente natural queeu agora as escreva e não tenha a im-pressão de estar alterando ou adulteran-do alguma coisa. Não é como a traduçãoliterária de um livro, de um idioma paraoutro; é antes uma tradução espontâneaque se produziu no inconsciente, e como

costumo evitar como peste esta palavra,cujo uso indiscriminado tornou inócua,espero que me seja relevado o seu usoneste só e único caso.

Desse modo, a relação com o sabertorna-se mais importante que o própriosaber, na qual o domínio da interpretaçãopermite a compreensão. Paul Thompson,quando aponta qual deve ser a atitude doshistoriadores diante das histórias de vida,em relação a veracidade, nos serve comoreferência:

Para cada um de nós, nosso modo de vida,nossa personalidade, nossa consciência,nosso conhecimento constroem-se dire-tamente com nossa experiência de vidapassada. Nossas vidas são a acumulaçãode nossos passados pessoais, contínuos eindivisíveis. E seria meramente fantasiososugerir que a história de vida típica pu-desse ser em grande medida inventada.Uma invenção convincente exige um ta-lento imaginativo muito excepcional. Ohistoriador deve enfrentar esse tipo detestemunho direto não como uma fé cega,nem com um ceticismo arrogante, masmasmasmasmascom uma compreensão dos proces-com uma compreensão dos proces-com uma compreensão dos proces-com uma compreensão dos proces-com uma compreensão dos proces-sos sutis por meio dos quais todossos sutis por meio dos quais todossos sutis por meio dos quais todossos sutis por meio dos quais todossos sutis por meio dos quais todosnós percebemos, e recordamos, onós percebemos, e recordamos, onós percebemos, e recordamos, onós percebemos, e recordamos, onós percebemos, e recordamos, omundo a nossa volta e nosso pa-mundo a nossa volta e nosso pa-mundo a nossa volta e nosso pa-mundo a nossa volta e nosso pa-mundo a nossa volta e nosso pa-pel dentro dele.pel dentro dele.pel dentro dele.pel dentro dele.pel dentro dele. Apenas com um espí-rito sensível assim é que podemos espe-rar aprender o máximo daquilo que nosé relatado (Thompson, 1992, p.195, grifosnossos).

Esse “espírito” de que nos falaThompson, é necessário não apenas paraaprender com o que nos é relatado, massobretudo para aprender com o que o nos-so eu nos diz, com o que nossa memórianos traz à tona e sobretudo com o que fa-remos a partir disso.

48 Elaine Sampaio ARAÚJO. Da(r) vida à formação, da(r) formação à vida.

A memória compreendida como atode comunicação na ausência do objetoque, por assim dizer, materializa-se, expres-sa então sua função social. Compreendidanessa dimensão, as lembranças, por meiodos relatos, configuram-se no terreno sen-sorial que, embora configuradas com pala-vras e imagens do tempo presente, perten-cem a um tempo que não existe mais, aum tempo que é passado (Ades, 1993).Cabe acrescentar ainda que asrememorações são seletivas. Desse modo,a preocupação se volta para perceber comooperam nossas recordações: recuperar é umato do presente, e para o presente, mesmodesencantando o passado.

Razão pela qual Canetti utiliza emseu texto, do começo ao fim, a linguagemcomo critério para seus sentimentos. Não épor acaso que suas lembranças são sem-pre relacionadas com as palavras, com osnomes, dependência que o próprio autorreconhece:

Seu sobrenome era Eljakim, do qual nuncagostei; talvez o estranhasse porque nãotinha o timbre espanhol como todos osoutros sobrenomes (1987, p.20). (...) aliáseu dependia muito dos nomes, havia per-sonagens que detestava só por causa dosnomes, e outros que amava pelo mesmomotivo (...)o conflito entre nomes e feitosproduziu em mim uma tensão substan-cial, e nunca me livrei da compulsão deharmonizá-los (Canetti, 1987, p.111).

Outra ação constante do autor, nes-se sentido, é a tentativa de compreenderou mesmo justificar a relação da memóriacom o idioma:

Entre si, meu pais falavam alemão (...) Co-nosco os filhos, e com todos os parentes e

amigos, falavam em ladino. (...) As meni-nas camponesas que ficavam em nossacasa só falavam búlgaro. (...) Todos os acon-tecimentos daqueles primeiros anos sedesenrolaram em ladino ou búlgaro. Maistarde se traduziram, em grande parte, parao alemão (Canetti, 1987, p.19).

Não há como falar da Língua Absol-vida sem considerar a dolorosa experiênciavivida pelo autor com a aprendizagem dalíngua alemã, imposta por sua mãe. Acre-ditando que um idioma se aprendia falan-do, submeteu o pequeno garoto a sessõestorturantes. Sem aparente mágoa, Canetti(1987, p. 85) comenta a respeito: “Não apreocupava o fato de eu, tão preocupadoque estava, quase não comer. Considera-va pedagógico o terror que eu vivia”. Nessesentido, ele procura relacionar, em uma jus-tificativa, a atitude “carrasca” da mãe, como momento difícil enfrentado por ela:

Só mais tarde entendi que não foi só porminha causa que ela ensinava alemãoentre zombarias e torturas. Ela própriasentia uma profunda necessidade de fa-lar alemão comigo, pois este era o idiomade sua ternura. O golpe mais profundoque sofrera em sua vida, a perda de meupai, seu interlocutor, se manifestou commais sensibilidade no fato de que suasconversações prediletas, em alemão, si-lenciaram com ele. Foi neste idioma quese desenrolou seu verdadeiro matrimô-nio. Sentia-se desamparada sem ele e tra-tou de colocar-me em seu lugar o maisrápido possível. Esta era sua maior espe-rança e suportou muito mal quando eu,no início de seu empreendimento, amea-çara fracassar (Canetti, 1987, p.85).

Ainda sobram interrogações: masnão poderia ter sido de outro jeito? E numparalelo com nosso sistema educacional

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 43-51, jan./jun. 2004. 49

contemporâneo: quais são as justificativasque nossos mestres de hoje têm para utili-zar métodos tão ou mais perturbadores?Como reconhecer uma intenção boa portrás de uma atitude tão ofensiva? Dá parasair ileso de situações de ensino constran-gedoras e ameaçadoras?

Canetti teve sorte: encontrou alguém- Miss Bray - que, percebendo sua angús-tia, arriscou uma solução - o livro:

Talvez ela nunca tenha tido consciênciado bem que fez e do quanto foi feliz comsua intervenção: mas essa tortura não per-durou, pois logo se seguiu um período defelicidade que me uniu indissoluvelmentea essa língua. Também deve ter favoreci-do, desde cedo, a minha tendência a escre-ver, pois foi para aprender a escrever queconquistei o livro, e súbita melhora co-meçou justamente quando aprendi a es-crever as letras góticas (Canetti, 1987, p.85).

Dentre as tantas questões queCanetti nos fala, talvez seja a relativa à es-cola a mais próxima e com a qual maioridentificação temos. O autor inicia suas lem-branças referindo-se à sua vontade loucade aprender a ler. Na ocasião foi capaz de,num gesto impetuoso, atentar contra a vidada prima, “simplesmente” porque esta lhenegou o contato com o caderno que tantafascinação tinha exercido sobre ele. Em re-lação à sua professora, a descrição é terna:“Os progressos rápidos nunca lhe interes-savam. Jamais a vi nervosa ou zangada, eera tão competente que nunca tinha difi-culdades com as crianças” (Canetti, 1987,p.55). O seu ingresso na escola de Zurique,onde alimentava a mania de contar, ne-cessidade que tinha de controlar quantida-des e estabelecer relações numéricas, é uma

das poucas passagens que o autor refere-se ao conhecimento matemático. O relaci-onamento com os amigos apresenta-se,também, mediado pelos livros: “Nossa ami-zade desenvolveu-se naturalmente, faláva-mos sobre livros” (Canetti, 1987, p. 192).

O seu desapontamento com a esco-la, quando das palavras secas proferidaspelo vice-diretor afirmando que ele levan-tava o dedo demais, além de reprimir suaparticipação nas aulas, tirou-lhe o prazer,obrigando-o a uma atitude cruel de renún-cia: “Continuei a levantar o dedo o mínimopossível e, o que era o cúmulo da autore-núncia, às vezes guardava para mim ascoisas que eu sabia e ficava sentado emsilêncio enquanto aquilo me ardia no cor-po todo” (Canetti, 1987, p. 244). Nesse per-curso pela escola, chega aos professores:Jules Vodier, de quem primeiro fala, é defi-nido como uma figura sinistra: “Seu rostonão tinha cor, parecia envelhecido antes dotempo, nunca o vi conversar com outro pro-fessor” (Canetti, 1987, p. 257). Mas Canetti(1987, p. 257) não é impiedoso, trata logode apresentar a história do professor,redimindo-o:

Há muitos anos ele acompanhara, juntocom ouro professor, uma classe em umaexcursão à montanha. Uma avalancha ossoterrou. Nove alunos e outro professorpereceram; os demais foram desenterra-dos com vida. vodier tinha um graveferimento na cabeça.(...) Vodier continuouvivendo, lecionando na mesma escola, comesse signo de Caim na testa.

Talvez Canetti nos impressione pelamaneira com consegue lembrar-se de to-dos os professores, a quem dedica as últi-mas páginas de seu livro e as primeiras do

50 Elaine Sampaio ARAÚJO. Da(r) vida à formação, da(r) formação à vida.

coração, a cada um atribui características esignificados. Difícil uma crítica que não ve-nha seguida de uma interpretação que, senão justifica a ação do professor, busca, aomenos, compreender. É com essa atitudeque olha para seus professores: Karl Beck,Emil Letsch, Fritz Hunziker. Karl Fenner, KarlSchoch, Emil Walder. Percebendo a diversi-dade de postura pedagógica, porém identifi-cando, em cada um, uma qualidade, numaclara manifestação de gratidão, possível pe-la maneira vitoriosa com que lidou com aprerrogativa de Sartre: “O importante não éo que fazemos de nós, mas o que nós pró-prios fazemos daquilo que fazem de nós”.

Contudo, é para Friedrich Witz queguarda sua maior declaração: “E agora vi-nha Friedrich Witz, o segundo amor de meusanos escolares, um homem que jamais es-queci” (Canetti, 1987, p.270). Mais do quegratidão o sentimento que Canetti (1987,p. 273) demonstra por Witz repousa naadmiração, na própria identificação:

No fundo só lhe importavam os escrito-res, com os quais nos confrontava em to-das as ocasiões. [...] Não admira que Witzse tornasse, de imediato, o meuideal...(p.271). [...] me abriu os olhos para aliteratura moderna viva. Quando ele men-cionava um nome, eu jamais o esquecia;tornava-se parte de minha atmosfera, àqual ele me levava consigo, e as asasque me pôs para esses vôos, sem que euo notasse, ficaram comigo mesmo depoisque ele me deixou, e agora eu empreen-dia meus próprios vôos, olhando, surpre-so, ao meu redor.

Trata-se do reconhecimento do “mes-tre” que inicia o “discípulo” no exercício daautonomia. Trata-se da definição do serserserserser

profesprofesprofesprofesprofessorsorsorsorsor para ele e que fica como refle-xão para nós educadores.

A primeira atitude que a leitura daobra A Língua Absolvida nos sugere é depassividade, manifestada por fascinação,exatamente pela excepcionalidade comque o autor lida com as palavras, movimen-tando-as tão harmoniosamente a ponto denos embalar nessa cantiga que se torna anarrativa de sua vida. Face a esta habilida-de artística, revelada por seus escritos quetomam forma de paisagens, sons, cores,cheiros, sentimentos, transparece o huma-no, onde sobretudo nos encontramos.

Seguida a esta fascinação, vem asedução, prima-irmã da tentação, que nosprovoca: agora é a sua vez... Felicidade etemor se fundem. Será que sou capaz? Poronde começar? Tenho tanto a falar! E é esseo mérito da obra de Canetti que no mo-mento nos interessa: a “vontade” de falar, odespertar de uma necessidade de revisitaro passado, de investir em sua própria his-tória, como pessoa e como profissional. In-vestimento que se dá quando o professorsente-se de alguma forma pressionado, sejapela necessidade de um determinado do-mínio, seja pela insatisfação com a sua prá-tica pedagógica, ou então pela disposiçãoem inovar.

A leitura de uma obra autobiográfi-ca, pelos professores, pode constituir-secomo mais um motivo para o professor re-alizar um investimento na sua formação,por meio da escrita de sua história. O exer-cício de escrever a própria história, ou partedela, oferece a oportunidade de falar de si,de colocar-se a distância e analisar as prá-

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ticas, de recuperar a autoconfiança. Ou seja,ao produzir a (auto)biografia produz-se aprópria formação. Não uma formação queé oferecida, mas uma formação que é cons-truída pelo e para o professor, objetivandoa restauração do sentimento de domínioda própria vida. Essa formação dá-se emduas dimensões: retrospectiva e prospectiva,pelo qual passa obrigatoriamente a cons-trução da identidade pessoal e profissionale, também, a projeção de quais caminhosseguir, num movimento que pretende da(r)vida à formação, da(r) formação à vida.

Nota:Nota:Nota:Nota:Nota:1 Estamos diferenciando, na formação docente, osconceitos de autobiografia e biografia. Por autobio-grafia entende-se o movimento de escrita da histó-ria de vida do professor, a partir de sua iniciativa;por biografia, entende-se que tal movimento é rea-lizado a partir da solicitação de outra pessoa.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Recebido em 2 de maio de 2004.Recebido em 2 de maio de 2004.Recebido em 2 de maio de 2004.Recebido em 2 de maio de 2004.Recebido em 2 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 6 de junho de 2004.Aprovado para publicação em 6 de junho de 2004.Aprovado para publicação em 6 de junho de 2004.Aprovado para publicação em 6 de junho de 2004.Aprovado para publicação em 6 de junho de 2004.

Algumas considerações acerca da Avaliação EscolarAlgumas considerações acerca da Avaliação EscolarAlgumas considerações acerca da Avaliação EscolarAlgumas considerações acerca da Avaliação EscolarAlgumas considerações acerca da Avaliação EscolarDiscente na Graduação do Ensino SuperiorDiscente na Graduação do Ensino SuperiorDiscente na Graduação do Ensino SuperiorDiscente na Graduação do Ensino SuperiorDiscente na Graduação do Ensino Superior

Fernando Casadei Salles*Helio Iveson Passos Medrado**

* Doutor em Educação (PUC/SP). Professor do Programa deMestrado em Educação da UNISO.e-mail: [email protected]

** Doutor em Educação (SORBONNE/França). Professor doPrograma de Mestrado em Educação da UNISO.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO presente texto faz algumas considerações gerais sobre o tema Avaliação Escolar Discente na Graduação,tomando por base as questões referentes ao seu significado e à sua finalidade. Para isto, o texto foiestruturado em torno de dois eixos principais de considerações que versam, o primeiro sobre a noção deavaliação e o segundo sobre um conjunto de princípios e diretrizes que se espera que componham aconstrução social de uma nova noção de avaliação escolar discente.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveAvaliação escolar discente; métodos quantitativos; métodos qualitativos.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe text in hand offers some general considerations on the theme of Student Evaluation during Graduation,taking as a basis questions that refer to the significance and reason for evaluation. For this the text hasbeen structured around two main points which address, firstly, the notion of evaluation and secondly theset of principles and directives that one expects to make up the social construction of a new notion ofstudent evaluation.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsStudent evaluation; quantitative methods; qualitative methods.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 53-62, jan./jun. 2004.

54 F.C. SALLES e H.I.P. MEDRADO. Algumas considerações acerca da Avaliação Escolar...

O objetivo deste artigo (1) é fazer al-gumas considerações gerais sobre o temaAvaliação Escolar Discente (AED) no nívelda graduação do ensino superior.

É importante deixar claro, desde o iní-cio, o objetivo restrito do artigo. Em hipóte-se alguma se pensa desenvolver o temada AED para além de algumas de suas con-siderações gerais. . . . . Inicialmente, devido aoseu caráter complexo e abrangente que im-pede no espaço simples e limitado de umartigo visitá-lo nas suas diversas nuancese diferentes ângulos de abordagem. E emseguida, talvez a mais fundamental, decorreda natureza multirreferencial do conceitoque não permite que se pense a avaliaçãonem como uma abordagem única e univer-sal, relacionada exclusivamente ao proces-so de ensino e aprendizagem e, tampouco,como uma abordagem final ou definitiva.

I IntroduçãoI IntroduçãoI IntroduçãoI IntroduçãoI Introdução

Dada a abrangência e a complexi-dade do tema, a primeira questão que vemao pensamento quando analisamos a AEDé a multiplicidade de ângulos e pontos devista sob os quais se pode abordá-la.

Observando, no entanto, a multipli-cidade de possibilidades de abordagem,notamos que há entre elas um pressupos-to que, de maneira geral, as antecedem. Emtodas perpassam sempre duas questões:uma quanto ao seu significado – “o que éa AED?” – e outra quanto à sua utilidade –“para que serve a AED?”.

O reconhecimento deste pressupos-to é tão verdadeiro que se pode afirmar,praticamente, que nenhum estudo feito no

campo da crítica radical da avaliação comouma tentativa de controle moderno da sub-jetividade se formula sem esclarecer, antesde qualquer coisa, o seu ponto de vistasobre a definição e a utilidade da sua prá-tica social (Barriga, 2001; Sacristán, 2000;Sobrinho, 2002, 2003; Ristoff, 2002, 2003).

Assim sendo, assumindo a mesmapreocupação estruturamos o presente arti-go em torno de dois eixos principais de con-siderações que versam, o primeiro sobre anatureza da noção de avaliação e, o segun-do, sobre um conjunto de princípios e dire-trizes que compõe a noção de AED, que sepretende seja o mais possível democrático.

O primeiro dos eixos mencionados,o que versa sobre a natureza da noção deavaliação, é o de que esta não se confun-de, de maneira alguma, com a forma ou asistemática pela qual se processa a atribui-ção de notas aos discentes. Enquanto aAED se destina exclusivamente a apoiar oesforço pela melhoria do ensino, a nota re-presenta juízo de valor emitido pelo profes-sor sobre dimensão bem definida do de-sempenho escolar dos alunos, segundoescala convencionada, considerada apro-priada por eles ou pela comunidade aca-dêmica. Em linguagem matemática, pode-se dizer que a primeira contém, pela suamaior abrangência, a segunda, que dispõede um caráter mais restrito. Falando de outraforma, a sistemática de atribuição de notasaos discentes no processo escolar consti-tui-se apenas num subconjunto da AED.

O segundo eixo, que versa sobre osprincípios e diretrizes que visam a estimu-lar a discussão do tema, é o de que a AED,por sua essência pedagógica é parte in-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 53-62, jan./jun. 2004. 55

trínseca do projeto político-pedagógico, emparticular do projeto de ensino. Daí decorreque AED, não possui finalidade em si mes-ma. Por natureza, ela apenas subsidia oprojeto político-pedagógico e o seu conse-qüente projeto de ensino. Em outras pala-vras ela não é um “a priori” da ação peda-gógica. Como tal ela só tem condições deassegurar sua participação na ação peda-gógica como meio e nunca como um fimem si mesma. Por isto é contra-senso ima-ginar que um projeto político-pedagógicoreacionário ou autoritário conviva com umaprática de AED democrática (Luckesi, 2000).

II Algumas considerações básicasII Algumas considerações básicasII Algumas considerações básicasII Algumas considerações básicasII Algumas considerações básicas

Aceita há muito tempo sem restrição,quando constantemente era tomada comosinônimo de certeza e objetividade, a AEDparece ter se transformado, nos dias atuais,em um campo oposto marcado por enor-mes questionamentos, dúvidas e incertezas.

É notável verificar o espaço curto detempo em que este processo se desenvol-veu. Foram necessários menos de cinqüen-ta anos para passarmos de um clima deharmonia, consenso e entendimento paraoutro inverso, baseado na desarmonia,dissenso e contradição.

As causas aventadas para explicaresta situação são das mais diferentes na-turezas; vão desde a evolução do próprioconhecimento até novas relações sociaisentre pessoas, grupos sociais, raciais, etc.

Apesar da importância da discussãosobre as possíveis causas responsáveis pelodesenvolvimento desta situação, não fazparte da presente reflexão, oferecer quais-

quer explicações para este fenômeno. Tam-pouco investigar o processo histórico deconstituição e desconstituição da noção deAED no campo da história das idéias. Nos-so objetivo é mais modesto. Se o artigo con-seguir tão somente oferecer alguns referen-ciais em termos de princípios e diretrizesgerais como subsídio ao processo de dis-cussão, já terá cumprido a sua finalidade.

Cabe, no entanto, pelas conseqüên-cias para o desenvolvimento da noção daAED, fazermos breve registro histórico dosignificado político-conceitual, trazido pelaintrodução, no seu campo de definição, dasabordagens qualitativas.

É curioso verificarmos que o contex-to no qual estas abordagens surgem pelaprimeira vez não resulta de qualquer evo-lução técnico-científica no desenvolvimen-to da noção da AED. Mas sim, de um con-texto político marcado por intensa mobili-zação política na sociedade norte-america-na, na década de 1960, a favor do fim daguerra no Vietnã e da ampliação dos direi-tos civis dos negros.

Apesar da luta pelo fim da guerra noVietnã ter se centrado nas universidadesamericanas, e isso ter propiciado que algu-mas questões da vida escolar fossem igual-mente postas em discussão, não foi esteângulo, pelo menos mais diretamente, dasmobilizações políticas que influíram sobrea discussão da AED. O ângulo das mobili-zações políticas através do qual a discus-são sobre a AED emergiu foi o do movi-mento pelos direitos civis de negros.

Estas mobilizações que começamcentradas na denúncia moral e ética doracismo se viram na contingência da ne-

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cessidade de maior politização das bandei-ras de luta do movimento. Em vez deenfatizarem os ângulos morais e éticos daluta, o que implicava a denúncia do racis-mo, procuraram o ângulo da política, porintermédio do qual elegem a bandeira deluta da exclusão social provocada pelo ra-cismo contra a população dos afro-norte-americanos e, sobretudo, da denúncia dosmecanismos que possibilitavam a existên-cia deste processo naquela sociedade. Aconvicção do movimento era a de que, talcomo a sociedade se encontrava estrutu-rada, a luta contra a injustiça e a discrimi-nação sofridas pela população negra pas-saria obrigatoriamente pela luta contra osmecanismos através dos quais se operavao seu processo de exclusão da sociedade.

Na tentativa de compreensão do fe-nômeno da exclusão, o movimento negrologo teve a percepção da existência de di-versos aspectos que poderiam explicá-lo.Entre os muitos aspectos reconhecidos, umespecialmente nos interessa destacar, queé o do direito das crianças negras à escola.Garantido formalmente pelas leis america-nas, este direito não se refletia na prática,quer como direito ao acesso, quer comodireito à permanência das crianças na esco-la. Estava-se, na prática, diante de um pro-cesso de exclusão escolar que, por sua vez,seria corretamente entendido pelo movi-mento negro como a primeira etapa do pro-cesso mais geral de exclusão da popula-ção negra da sociedade norte-americana.

Quanto a não-permanência das cri-anças que logravam se matricular nas es-colas, que é a parte que nos interessa des-tacar na discussão sobre o tema da AED, o

movimento negro teve a consciência deque não se tratava de um fenômeno ca-paz de ser entendido por uma única expli-cação. Não obstante, deram prioridade paraa discussão sobre a validade política daAED. Justificavam esta priorização porqueviam na AED o mecanismo, por excelência,do processo de exclusão escolar das crian-ças negras nas escolas americanas. Segun-do observavam, era impossível reconhecera validade objetiva das AED, quando coin-cidentemente as crianças negras eram ava-liadas quase sempre com desempenhosnegativos, enquanto as brancas eram ava-liadas quase sempre de forma positiva. Daía conclusão de que o problema não esta-va nas crianças negras, mas na discrimina-ção racial que sofriam, que, por sua vez, serefletia sobre os avaliadores e os seus mo-delos de avaliação. A base das críticas eraa de que tanto os avaliadores quanto osmodelos de avaliação desconsideravamdois aspectos importantes desta problemá-tica. Um era o de que não levavam em con-sideração as condições político-econômicase sociais às quais as crianças negras esta-vam submetidas. E o outro era a de quedesconheciam ou desconsideravam a im-portância e a riqueza da cultura negra.

Esta forma de ver a questão levou acrítica da AED a duas dimensões bem de-terminadas. A primeira, de caráter técnico,que apontava para a insuficiência do ins-trumental de medição. De natureza estrita-mente científica e quantitativa, não capta-va a dimensão real do rendimento escolardas crianças negras. Do que inferiam, queestes instrumentos eram ineptos para res-ponderem o quanto do baixo desempenho

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escolar das crianças negras se devia aoimpacto psicológico provocado pela discri-minação racial a que estavam submetidas.E a segunda, de caráter eminentementepolítico, que denunciava o sistema de va-lorização da AED por não levar em consi-deração os valores da cultura negra.

Na opinião abalizada de Dias Sobri-nho, no seu texto “Campo e caminho daavaliação: a avaliação da educação supe-rior no Brasil” foi somente a partir da for-mação deste contexto político que as au-toridades e profissionais se preocuparamcom a legitimidade política e a validadetécnica da AED, realizando daí diversasavaliações e investigações sobre o nível deescolarização das crianças negras.

Nascia assim, como resultado de umquestionamento mais político que técni-co, uma nova maneira de observar a AED,a partir da qual se dava mais prioridadeàs abordagens qualitativas que às quan-titativas.

III A criação do novo campo deIII A criação do novo campo deIII A criação do novo campo deIII A criação do novo campo deIII A criação do novo campo dedefinição da AEDdefinição da AEDdefinição da AEDdefinição da AEDdefinição da AED

Como vimos, foi em um campo degrande instabilidade política e de forte evi-dência empírica que se introduziram, noâmbito da AED, as abordagens qualitati-vas. Aquelas que trariam grandes impac-tos para a reelaboração da noção de AED,tanto no sentido da sua ampliação quan-to da sua postura epistemológica.

No caso da ampliação do campo daAED, apenas se supriria a limitação dasmetodologias quantitativas com a introdu-ção de novos instrumentais de análise e, o

da mudança epistemológica, só seria enri-quecido com a incorporação de fenôme-nos de distintas dimensões existentes noprocesso educativo, de objetos diferentes deestudos, de metodologias e disciplinas dosmais variados campos do conhecimento.

Começava-se, na realidade, a longatravessia no campo da avaliação da supe-ração do espírito de objetividade e racio-nalidade científica presentes nas aborda-gens quantitativas. Ao mesmo tempo emque se começava o desenvolvimento dasabordagens qualitativas, apresentadas comas suas novas estratégias metodológicas einstrumentais de análise, tais como: as in-terpretações, os estudos de caso, as repre-sentações sociais, as narrativas, os gruposde discussão ou de estudo, a observaçãoreflexiva, a pesquisa-ação, etc.

A introdução das novas abordagenstraria também para o campo da AED o fimda influência da psicologia – que exerciasobre ela influência quase absoluta – e, emseu lugar, surgiria uma diversidade de in-fluências, derivada das novas interlocuçõesda AED com outras áreas do conhecimen-to, tais como as das ciências sociais e hu-manidades. Com estas, por sua vez, viriamtambém outras disciplinas, dentre as quaisdestacamos a filosofia, antropologia soci-al, política, sociologia, história, algumas dis-ciplinas de direito e economia.

Em outras palavras, este momentomarca a passagem da noção de AEDmonorreferencial para o de noçãomultirreferencial.

No balanço final das conseqüênciastrazidas pela introdução das abordagensqualitativas no campo da AED, pode-se

58 F.C. SALLES e H.I.P. MEDRADO. Algumas considerações acerca da Avaliação Escolar...

afirmar que elas, de maneira geral, influen-ciam decisivamente na reformulação danoção de AED, captando tanto os aspec-tos imensuráveis do processo escolar doaluno – que por não serem quantificáveis,passíveis de medição, deixavam de ser con-siderados pela avaliação escolar – quantodilatando o seu campo de atuação com aintrodução de novas metodologias, instru-mentais de análise, novas justificativas efinalidades para a sua existência.

Tudo isto, no entanto, não foi sufici-ente, segundo Dias Sobrinho, mesmo empaíses desenvolvidos, entre eles os EEUU,para que a noção de AED se desvencilhas-se “da sua tradição positivista e idéias con-seqüentes como o gerencialismo, o objetivis-mo, a mensuração ou a quantificação” (2).

No Brasil, que já esteve bastantecomprometido com as idéias positivistas etem tradição de pensamento conservador-autoritário, esta maneira de conceber a AEDparece existir com certa naturalidade. A evi-dência desta afirmação é a de que aindasomos, a grande maioria das escolas e dosprofessores, adeptos, na prática, de umaavaliação cientificista, objetivista e quantita-tivista, apesar de a legislação, mais especi-ficamente a LDB nº 9.394/96, proclamaruma postura relativamente oposta. Enquan-to se observa nesta uma preocupação ge-nerosa e abrangente, comprometida sociale politicamente com o processo educativo-escolar, na prática social da AED vemos ocontrário, completo descompromisso políti-co-social e pedagógico com o aluno.

IV Pressupostos e diretrizes paraIV Pressupostos e diretrizes paraIV Pressupostos e diretrizes paraIV Pressupostos e diretrizes paraIV Pressupostos e diretrizes paraa realização da discussãoa realização da discussãoa realização da discussãoa realização da discussãoa realização da discussão

Como viemos comentando, enquan-to se pensava que a AED se prestava amedir o desenvolvimento educacional es-colar, não havia maiores contestações. Masquando, no entanto, se percebe existiremoutros condicionantes pressionando a rea-lização do processo, especialmente políti-cos, a situação muda significativamente,criando-se um quadro de fortes indefiniçõese incertezas na noção de AED.

As dificuldades criadas no presentemomento são de tal dimensão que nemmesmo sabemos se elas serão removidasum dia. Não obstante, o maior ou menorotimismo ou pessimismo com que vemosesta situação é necessário para que pelo me-nos tomemos consciência da sua gravidade.

Sejam quais forem os desfechos des-ta situação, uma idéia parece relativamenteconsensual, a pretensão à criação de umúnico modelo de avaliação jamais será re-tomada. A tendência parece ser a de quecada processo específico defina o seu pró-prio modelo, desde os princípios que lhe dãosustentação até as finalidades para as quaisforam criados. Independentemente, no en-tanto, da especificidade assumida pelos di-ferentes processos, alguns princípios parecemimprescindíveis de estarem presentes nonovo esforço de delimitação do campo e dacrítica da AED, como por exemplo:

1. Todo tipo de avaliação, especial-mente a AED, tem uma natureza política,que conseqüentemente por isto se inscrevecomo uma questão de poder. Neste senti-do, entendemos que a AED deve ser discu-

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tida, antes de qualquer coisa, como umaquestão política e, mais especialmente, co-mo uma questão de poder político que seestabelece entre o avaliador e o avaliado,a escola e o professor, a escola e o aluno.

2. A AED não se confunde com a atri-buição da nota pelo professor ao aluno. Estaé apenas uma medida que, quando obtidacom critério, serve para quantificar dentro dedeterminados limites, aspectos bem especí-ficos do desempenho escolar. Em outraspalavras, a nota é só uma convenção pelaqual o professor certifica um conhecimentodo aluno obtido na escola, enquanto a AEDé uma ação mais abrangente que conside-ra a aprendizagem global do aluno. Diferen-temente daquela, a AED se apresenta comouma atividade inerente ao processo de ensi-no, de cunho permanente e sistemático, vi-sando o acompanhamento e orientaçãopedagógica do processo de obtenção e pro-dução do conhecimento do aluno.

3. A AED é, por natureza, meio e nãofim do processo pedagógico. Embora a AEDocupe posição de destaque tanto na vidaescolar do aluno quanto na atividade doprofessor, ela não é um fim em si mesma, éapenas um meio pelo qual se procura atin-gir a finalidade do processo pedagógico, aaprendizagem global do aluno. Como tal,ela só se constitui, desde que articulada, noplano específico, ao projeto político-peda-gógico e ao projeto de ensino, e no planogeral, à visão de mundo que inspira cadaum dos instrumentos mencionados.

4. Não existe um único modelo deAED. O que significa afirmar que existemvários modelos de AED, constituídos pordiferentes influências epistemológicas, ob-

jetivos e finalidades. 5. A AED coerente com a sua compre-

ensão como parte da ação pedagógica épor excelência um processo de natureza es-tritamente qualitativo. Como tal ela precisa:– ser diagnóstica no sentido da captação

dos avanços e obstáculos vividos pelosalunos, visando a constante redefiniçãode rumos e caminhos a serem seguidospelo processo de ensino e aprendizagem;

– ser contínua durante todo o processo deaprendizagem dos alunos, tendo em vistaa realização da sua função diagnosticante;

– tomar o aluno como parâmetro de simesmo, dando a AED um caráter estrita-mente privado e individual – o que re-presenta que nenhuma AED deve ser re-alizada sem o conhecimento e a partici-pação do aluno avaliado.

V A prática da discussãoV A prática da discussãoV A prática da discussãoV A prática da discussãoV A prática da discussão

Como reiteradamente afirmamos, aAED não se constitui em um fim em si mes-ma. Ela é sempre, por natureza, meio daatividade fim de qualquer IES.

Isto posto, o grande desafio consisteem se saber como na prática a discussãoda AED pode ser encaminhada nas IES.

Na realidade, somente há duas for-mas de se enfrentar este desafio. Ou pensa-mos nele em termos de solução técnica, pas-sível de solução política restrita, específica deespecialistas, ou como construção dialógica,passível de solução política ampla e irrestritagarantida politicamente pela participaçãomaciça da comunidade acadêmica nas IES.

É bom alertar, no entanto, como ob-serva Dias Sobrinho, que só aparentemente

60 F.C. SALLES e H.I.P. MEDRADO. Algumas considerações acerca da Avaliação Escolar...

este conflito de opções se resume a uma di-ferença de eleição semântica ou de meto-dologia. Muito ao contrário, na realidade,cada uma destas opiniões se vincula a umadeterminada visão filosófica e política doprocesso educativo-escolar. De um lado, umaenfatiza a cientificidade, enquanto de outro,a preocupação é trabalhar com diferentesrepresentações sociais e propostas políticas.

Seja como encaminhamento de umasolução de natureza técnica, atribuída a es-pecialistas, ou como dialógica atribuída aoconjunto de todos os membros, independen-temente dos problemas de legitimidade e re-presentatividade acarretadas pela opçãoadotada, nenhuma poderá fugir de respon-der algumas questões que universalizam otema da AED, como por exemplo: O que é aAED? Para que serve a AED? O que é queavaliamos no aluno? Será que a AED, talcomo é praticada nas IES, concorre efetiva-mente para a realização do seu fim maior?No que exatamente consiste dar à AED umaperspectiva transformadora? Esta perspecti-va, do ponto de vista metodológico, é maisqualitativa ou mais quantitativa? Como aquestão do poder que permeia a prática so-cial da AED se coloca na perspectiva de umaavaliação transformadora? Como criar umacultura de avaliação institucional? Para quemesmo serve a nota de desempenho escolaratribuída pelo professor ao discente? Existeno processo educativo alguma coisa maissem lógica que o histórico escolar de um alu-no? Alguém seria capaz de afirmar o queexiste de comum entre as notas quatro, cin-co, seis, sete, oito, nove, ou a, b, c, etc. registra-das em um histórico escolar? Quem acreditaque elas obedecem ao mesmo critério políti-

co-pedagógico? A nota cinco de um profes-sor corresponde à mesma nota cinco de outroprofessor? A nota sete de um professor emum ano corresponde à mesma nota sete, da-da pelo mesmo professor em outro ano desua atividade docente? Quem garante unifor-midade de critérios entre as notas dadas pordiferentes professores? Quando reprovamosum aluno e a grande maioria dos nossoscolegas não o reprovam, isso significa quenão vimos no aluno qualidades suficientespara que ele fosse promovido de ano esco-lar; enquanto os colegas que o aprovaram,ao contrário, viram qualidades que nós nãovimos e, portanto, consideraram-no apto àaprovação no ano escolar. Quem tem razão,você que reprovou o aluno ou a grandemaioria que o aprovou? Será que eles nãosouberam ver o que você viu, ou ao contrá-rio, você é que não viu o que eles viram? Nadúvida, que é uma possibilidade lógica, as-sim mesmo você manteria sua disposição aaaaareprovar o aluno ou recuaria desta decisão?Você tem idéia de quanto da nota atribuídaao aluno atinge também o cidadão que háem cada um deles?

VI Considerações finaisVI Considerações finaisVI Considerações finaisVI Considerações finaisVI Considerações finais

Consideramos que temas com ascaracterísticas da AED não são passíveis deconclusões definitivas, tanto pela dimensãode sua abrangência, como pelas caracte-rísticas inconclusas de sua temática.

Assim sendo, de tudo que foi comen-tado até aqui, gostaríamos de destacarnestas observações finais algumas consi-derações sobre as responsabilidades queas instituições de ensino superior e o corpo

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 53-62, jan./jun. 2004. 61

docente têm em relação à proposta de ino-vação na prática social da AED.

Apesar de elas terem estado relati-vamente implícitas durante todas as nos-sas colocações, em nenhum momento, noentanto, foram claramente explicitadas.

Inicialmente é preciso reconhecer anatureza e a relação existente entre as res-ponsabilidades das instituições de ensinosuperior e as do corpo docente. Assim como,por um lado, elas devem ser consideradascomo distintas entre si, por outro lado, elasdevem ser reconhecidas como uma só res-ponsabilidade. Sem que haja entre elasidentidade e interação de ação, dificilmen-te se avançará de forma significativa naprática social da AED.

Assim como é impossível dissociar-mos a responsabilidade de cada professorno desenvolvimento da prática acadêmicainstitucional da AED, é igualmente impos-sível desconsiderarmos que a sua açãoconstantemente encontra obstáculos emdiversas das mudanças, geralmente aconte-cidas em um quadro de sistemas de açãocoletivos bem definidos, cujas regras nemsempre são produzidas e reproduzidas con-tando com a sua participação. Para isto nãoacontecer, refletindo negativamente sobreo processo de inovação da política de AED,é preciso que se estabeleça, antes de qual-quer coisa, um clima de diálogo entre osdiferentes segmentos da comunidade aca-dêmica, inclusive o dos alunos, das institui-ções de ensino superior.

Sem este ambiente de diálogo, dificil-mente será criado o clima político institucio-nal para as mudanças desejadas, tampoucoqualquer ambiente de responsabilidade co-

partilhada. Ambiente este no qual os diferen-tes protagonistas envolvidos com a ação demudança se reconheçam como partes de ummesmo processo coletivo de vontade e, so-bretudo, de aprendizagem. Isto é, ao mes-mo tempo em que este ambiente institucio-nal favorece a aquisição por parte dos profes-sores de saberes significativos, cria, ao mes-mo tempo, os próprios mecanismos para acoletivização destes saberes, dando à insti-tuição a sua real identidade organizacional.

Por fim, para concluirmos as nossasconsiderações, gostaríamos de abordar umpouco a representação social da nota discen-te como um problema de cultura institucio-nal que, diga-se de passagem, não é um pro-blema original de nenhuma instituição denível superior em particular, mas de qualquerprocesso escolar existente no mundo. Semprejuízo de compreendermos a nota comoreiteradamente viemos fazendo, isto é, comomeio e não como fim do processo de ensi-no, é preciso reconhecer, no entanto, que noimaginário dos professores e dos própriosalunos ela se representa diferentemente, istoé, muito mais como um fim e menos comomeio. A maior evidência empírica desta afir-mação que se pode observar é o grandedesperdício de tempo que a discussão so-bre a justiça e a objetividade dos critériospara atribuição de notas consome tanto dosprofessores quanto dos alunos, em geral.

Neste sentido, gostaríamos de chamara atenção de todos aqueles mais envolvidoscom a discussão da AED, para a necessida-de desta questão, antes de tudo, ser abor-dada como uma questão de mudança cul-tural-escolar. Com a peculiaridade de que acultura desejada ainda não existe e nem

62 F.C. SALLES e H.I.P. MEDRADO. Algumas considerações acerca da Avaliação Escolar...

conta sequer com um grau razoável de con-senso em torno dos princípios que a delimi-tam, pelo menos no que tange a noção atéaqui sustentada, como um instrumento deum projeto de ensino que visa a prepararfuturos profissionais para atuarem comoagentes de transformação social e não me-ros indivíduos capacitados e eficientes paraatuarem no mercado de trabalho. Para isto,é preciso ousar criar uma nova noção deAED. E, para criá-la, precisamos desde o iní-cio considerá-la, por um lado, como um de-safio de uma longa caminhada que não seencerra em um só artigo, livro, reunião ouencontro acadêmico. E, por outro lado, comoum processo abrangente e complexo que

não está posto na realidade e que precisaser criado em cada escola individualmente,através de uma prática reflexiva, democráti-ca e formativa.

Enfim, como este modelo não existenem nos livros nem na prática, cabe a cadainstituição de ensino superior, professor ealuno a responsabilidade político-pedagó-gica pela sua criação.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 Este artigo se baseia em palestra proferida na UNISO,em janeiro de 2004, para os professores da graduação.2 SOBRINHO, José. Campo e caminho da avaliação:a avaliação da educação superior no Brasil. In:FREITAS, Luiz Carlos de. Avaliação: construindo ocampo e a crítica. Florianópolis: Insular, 2002, p.27.

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Recebido em 15 de abril de 2004.Recebido em 15 de abril de 2004.Recebido em 15 de abril de 2004.Recebido em 15 de abril de 2004.Recebido em 15 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 10 de junhAprovado para publicação em 10 de junhAprovado para publicação em 10 de junhAprovado para publicação em 10 de junhAprovado para publicação em 10 de junho de 2004.o de 2004.o de 2004.o de 2004.o de 2004.

Da especificidade da gestão escolar à gestãoDa especificidade da gestão escolar à gestãoDa especificidade da gestão escolar à gestãoDa especificidade da gestão escolar à gestãoDa especificidade da gestão escolar à gestãodemocrática da escola – uma tomada dialética ademocrática da escola – uma tomada dialética ademocrática da escola – uma tomada dialética ademocrática da escola – uma tomada dialética ademocrática da escola – uma tomada dialética apartir dos limites atuaispartir dos limites atuaispartir dos limites atuaispartir dos limites atuaispartir dos limites atuais

Fernando José Martins

Mestrando em Educação pela UFPR. Professor do Curso dePedagogia da Unioeste – Universidade do Oeste do Para-ná, Campus de Foz do Iguaçu.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO presente artigo é construído a partir dos limites encontrados no campo da administração da educação,uma vez que esta se apresenta, na maioria dos casos, como um apêndice da administração em geral. Nodecorrer do texto, são indicados elementos que denotam como premissa que a gestão da escola estásubmetida ainda, mesmo na contemporaneidade, à ótica racionalista da administração em geral sob ocapital. A partir dessas indicações, o texto aproxima a gestão democrática da escola às especificidades dofenômeno educacional, e a coloca como alternativa frente à prática imperante de gestão escolar. A propostade gestão democrática, fundamentada em categorias como autonomia/autogestão, coletividade e participa-ção é apresentada tanto como atividade-meio, quanto integrante e condicionante de atividades-fim.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveGestão democrática; participação; coletividade.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis article is built on the limits found in the field of educational administration because this is a subjectwhich, in the majority of cases, is an appendix to administration in general. In this text, elements areindicated that express the premise that the administration of a school is still submitted, even nowadays, tothe rationalistic view of capitalist administration in general. From these indications, the text gets closer to ademocratic school administration, to the specifics of the educational phenomenon, and presents an alternativefront to the reigning school administration. The proposal of democratic administration, founded on categoriessuch as autonomy/self-administration, collectivity and participation, is presented both as “activity-as- means”as well as “activities-as-results” as being integrating and conditioning.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsDemocratic administration; participation; collectivity.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 63-84, jan./jun. 2004.

64 Fernando J. MARTINS. Da especificidade da gestão escolar à gestão democrática...

O início de uma discussão sobre atemática necessita considerar que apenasrecentemente a nomenclatura “Gestão es-colar” foi adotada no cenário educacional.As primeiras discussões travadas acerca daquestão, tomam esta denominação como“Administração Escolar”, expressão carrega-da de todas influências que a palavra “ad-ministração” ligada ao pensamento empre-sarial e “científico” e o que ela significa nocenário educacional e social. As terminolo-gias serão aqui utilizadas como sinônimos,principalmente para enfatizar a necessida-de da administração como práxis humanae demonstrar sua apropriação pelo capital.

Ao considerar o trabalho como ali-cerce das condições materiais de existên-cia, deve-se atentar para as possibilidadesde racionalização do mesmo, tendo em vis-ta a possibilidade do progressivo aumentoda qualidade das condições sociais de exis-tência (claro que somente com o trabalholivre). Um dos instrumentos facilitadoresdesta racionalização pode ser chamado,grosso modo, de administração. Adminis-tração aliada ao conceito de práxis huma-na. Vista por este ângulo, podemos utilizaro conceito designado por Paro (2001) refe-rente à administração em geral:

Iniciando, pois, por considerá-la em seusentido geral podemos afirmar que a admi-nistração é a utilização racional de recur-sos para a realização de fins determinados.Assim pensada, ela se configura, inicial-mente, como uma atividade exclusivamen-te humana, já que somente o homem écapaz de estabelecer livremente objetivosa serem cumpridos (Paro, 2001, p. 18).

Definindo este conceito de adminis-tração em geral, pode-se até estabelecer

vínculos entre administração e práxis hu-mana, visto que ambas atendem aos crité-rios de se estabelecerem como atividademeio para a consecução de objetivos co-muns, no caso, a lapidação da organiza-ção do trabalho social. Em síntese, umaatividade consciente que se materializa apartir de conhecimentos denominados ad-ministração, ganhando status científico.

Com o desenvolvimento continuado des-sa consciência da práxis, e com sua asso-ciação, no processo prático, aos conheci-mentos, técnicas e procedimentos admi-nistrativos que se vão acumulando histo-ricamente, o homem vai conseguindo cadavez mais passar do nível de uma admi-nistração espontânea para o de uma ad-ministração reflexiva, abrindo possibilida-de para o surgimento, no final do séculopassado e início deste, de uma “teoria geralde administração” (Paro, 2001, p. 30).

Paro esclarece que a administraçãoem geral é necessária ao processo de ma-nutenção da existência do ser humanoenquanto ser social. Como elemento arti-culador da produção humana, tendo porreferencial o trabalho, o conceito de admi-nistração em geral estabelece-se como“práxis”. Neste sentido, justifica-se a adoçãoda terminologia “administração escolar”,como objetivação do propósito de “racio-nalização” do trabalho pedagógico, carac-terizado por ser atividade meio, que visa aconcretização efetiva da atividade fim. Aadministração enquanto práxis consideraque, em última instância, a atividade-fim éo desenvolvimento das potencialidadeshumanas do educando.

No entanto, como não há possibili-dade de dicotomizar fenômeno e essência,

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 63-84, jan./jun. 2004. 65

é necessário atentar para o fato de que nãoé o conceito de administração em geral,“neutro”, que impera na prática social. Prin-cipalmente na sociedade capitalista, a ad-ministração reveste-se de condicionantesfornecidos por esta organização social. Énecessário ter sempre presente que o mai-or objetivo de toda ação sob os princípiosdo capital é a maximização da produtivi-dade, que se dá pela extração de mais-va-lia do trabalhador.

Salientados tais fundamentos, é pos-sível refletir a influência dos estudos deadministração na área da educação, reali-zada sob a nomenclatura da “administra-ção escolar”, com respaldo das chamadasteorias da “Administração Científica” deTaylor. Historicamente, no Brasil, em termoscronológicos, foi estabelecida legalmente adisciplina de Administração no currículo docurso de Especialização de Administrado-res Escolares do Instituto de São Paulo noano de 1933 e no currículo de Pedagogiada Faculdade de Filosofia da Universidadedo Brasil em 1939 (Martelli, 1999)

Percebe-se o caráter de envolvimen-to da versão escolar da administração comos princípios de administração capitalistapor meio dos trabalhos sobre a temática“(como consta em quase todos os primei-ros capítulos dos livros brasileiros de Admi-nistração Educacional)” (Gonçalves, 1980,p. 61). Alonso é exemplar, afirmando estavinculação:

A administração escolar é uma particula-rização, um ramo da Administração Ge-ral; está contida a idéia de que a escola éuma organização, e a sua função, umempreendimento com características so-

ciais que devem ser consideradas em suaespecificidade, muito embora a funçãoadministrativa seja basicamente a mes-ma onde quer que se apresente (Alonso,1988, p. 30).

A afirmação de Alonso, que de certaforma, coloca-se como baluarte da discus-são até o final da década de 19701, nãocondiz com os princípios de uma educa-ção emancipadora. A educação e, conse-qüentemente, sua gestão, são portadorasde especificidades2 que não compactuamcom o intuito do capital de converter a edu-cação em mercadoria. Pelo contrário, sãoantagônicas em relação a ele.

Além disso, é necessário retomar apremissa de que os princípios da chamadaadministração científica, que se estabelecemna prática da administração escolar, sãosubmetidos ao interesse último do capital, àampliação da extração da mais-valia. Esseprocesso bastante complexo, que se utilizada “racionalidade” e todos outros instrumen-tos para sua manutenção, culmina em “umarelação antagônica em que se confrontamos detentores dos meios de produção e daforça de trabalho” (Félix, 1989, p. 37).

Assim se materializa o chamado con-flito entre capital e trabalho. A figura dogerente, que é transplantado para escola,utiliza-se de princípios como controle, espe-cialização do trabalho, produtividade e ra-cionalização para reprodução do capital, eem decorrência, o agravamento do confli-to. Destes princípios, certamente, a aliena-ção do trabalho é o que caracterizaemblematicamente a insuficiência das re-lações sob o capital para a manutençãodo processo educativo.

66 Fernando J. MARTINS. Da especificidade da gestão escolar à gestão democrática...

Ao constatar que o ser humano cons-trói suas condições materiais de existênciamediante a apropriação e transformação danatureza, conclui-se que este processo se dápelo trabalho. Portanto, esta é uma das pre-missas da constituição do ser humano. Umadas características presentes no processo detrabalho é a vinculação do produtor com seuproduto, e a capacidade consciente de pla-nejamento. Na manufatura, por exemplo, oprodutor ainda domina o processo de tra-balho em sua totalidade, que é utilizado, emúltima instância, para suprir as necessida-des da vida em sociedade.

Sob a divisão pormenorizada do tra-balho - a racionalização técnica - ocorremfenômenos que descaracterizam estas pre-missas. A gerência científica, pautada nospressupostos de controle e maximização daprodutividade, lança mão de um mecanis-mo que separa concepção e execução, o tra-balhador, do fruto de seu trabalho. A cisãoentre trabalho intelectual e manual e a or-ganização do processo produtivo parciali-zado são responsáveis por estes fenômenos.

Em relação à dicotomia entre pensare fazer pode-se afirmar que Taylor é um dosresponsáveis pela sua disseminação, poisafirma que: “Está claro, então na maioria doscasos, que um tipo de homem é necessáriopara planejar e outro tipo diferente para exe-cutar o trabalho” (Taylor, 1970, p. 50). Aparcelarização se estende ao processo deprodução, pois, figura no cenário produtivoa linha de produção, que consiste em váriostrabalhadores realizando parcelas estanquesdo processo do trabalho, contudo, sem do-minar a totalidade do processo.

A execução destas técnicas consisteem um poderoso esquema de persuasão ecoerção, que utiliza a gerência e seus meca-nismos para sua execução. Mediante taiselementos, há que se concordar comBravermann quanto à raiz mais expressivade administração sob o domínio do capital:

O verbo to manage (administrar, geren-ciar), vem de manus, do latim, que signi-fica mão. Antigamente significava ades-trar um cavalo nas suas andaduras, parafazê-lo praticar o manège. Como um ca-valeiro que utiliza rédeas, bridão, esporas,cenoura, chicote e adestramento desde onascimento para impor sua vontade aoanimal, o capitalista empenha-se, atravésda gerência (management), em controlar.E o controle é, de fato, o conceito funda-mental de todos os sistemas gerenciais,como foi reconhecido implícita ou explici-tamente por todos os teóricos da gerência(Bravermann, 1977, p. 68).

Esta ótica de controle ratifica a afir-mação de que as ações em prol da manu-tenção do capital acirram o confronto en-tre capital e trabalho. E pode-se afirmar quea palavra controle ainda não é suficientepara caracterizar tal situação; dominação émais apropriado. Uma vez que o capitaldomina o trabalho, pressupõe-se que osdetentores dos meios de produção tambémdominam o trabalhador. Esta relação porsi só é autoritária e traz consigo uma afir-mação bastante clara no que diz respeitoao aspecto agressivo em relação aos fun-damentos do trabalho.

Em geral, em uma forma bastantesimplificada, trabalho é o domínio e trans-formação do homem sobre a natureza. “É,pois, a partir de seu domínio sobre a natu-reza que o homem se faz, se torna huma-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 63-84, jan./jun. 2004. 67

no” (Paro, 2001, p. 25). (Entenda-se comonatureza, os elementos não dotados decapacidade de consciência, não detentoresda capacidade de planejar e executar).Mediante a forma de manutenção da “ra-cionalidade” sob o capital, se estabelecemrelações de domínio, que, por sua vez, sãofrontalmente contrárias à liberdade, umadas características humanas. “Toda vez, por-tanto, que se verifica uma dominação so-bre o homem, degrada-se-lhe sua condiçãode humano para a condição de coisa, iden-tificando-se-lhe, portanto, ao natural, aonão-humano” (Paro, 2001, p. 25).

A Educação e, conseqüentemente, aescola têm a função social da atualizaçãosócio-cultural dos educandos. Necessaria-mente, tal atualização estará calcada nosprincípios de socialização, já que a escola éuma instituição social. Estabelecer ativida-des inerentes à vida em sociedade pressu-põe que esta será orientada por princípioscoletivos, e, porque não, de solidariedade.Todas estas características são inexeqüíveismediante qualquer relação de dominação,portanto, atribuir à escola a função de re-produção dos ditames do capital é contra-riar sua função social.

É necessário salientar os interessese os fundamentos que cada elementoconstituinte da totalidade contém, pois sen-do a escola um espaço amplo de disputahegemônica, é preciso afirmar que nãoexiste “neutralidade” nas ciências. Ao des-tacar todas estas contradições entre a ad-ministração, a administração sob o capi-tal e a educação, pretende-se abrir o de-bate, para construir alternativas a partir daseguinte constatação:

Na medida em que a “ciência” da adminis-tração é desafiada na sua neutralidade eracionalidade e é vista não como ciência,mas como ideologia; que seja possívelassociar à teoria de Administração umateoria da Dominação, e que, finalmente,a tão famosa gerência científica em seusdesdobramentos atuais, quer seja comoDesenvolvimento Organizacional, ou comoAdministração Participativa, possa estarimbricada no seio do desenvolvimentocapitalista (Gonçalves, 1980, p. 29).

Enfim, sob o capital, são várias asroupagens utilizadas pela gestão escolar,no entanto, todas elas se propõem, não emsubsidiar o ato educativo de humanização,mas o princípio capitalista de manutençãodo sistema vigente, de acordo com as ne-cessidades de reprodução do capital.

A “nova” roupagem da gestão daA “nova” roupagem da gestão daA “nova” roupagem da gestão daA “nova” roupagem da gestão daA “nova” roupagem da gestão daescola sob o capitalescola sob o capitalescola sob o capitalescola sob o capitalescola sob o capital

As afirmações realizadas sobre a sub-missão da administração ao capital locali-zam-se, de modo geral na chamada esco-la da “Administração científica”. Não seomite a existência de outras escolas dopensamento administrativo, como as cita-das acima por Gonçalves, e ainda a escoladas Relações Humanas. No entanto, consi-deramos dois fatores: primeiro concorda-secom a citação anterior de que todas estão“imbricadas no seio do desenvolvimentocapitalista”, e, também, seus desdobramen-tos encontram-se presentes, devidamentere-significada, nas teorias atuais de admi-nistração pautada na acumulação flexível.

Antes de discutir os efeitos da acu-mulação flexível sobre a produção e a es-cola, é necessário salientar que as mudan-

68 Fernando J. MARTINS. Da especificidade da gestão escolar à gestão democrática...

ças nestes ramos da atividade social estãorelacionadas à reorganização da chama-da “nova ordem mundial”, que extrapola oâmbito estritamente econômico e implicareorientações para concepções de Estado,Política e Poder, que incidem nas relaçõessubjetivas e intersubjetivas.

A temática é de tal abrangência quedispõe de inumeráveis trabalhos versandosobre ela. No entanto, há que se considerara “complexidade do óbvio” e perceber asfortes incidências do neoliberalismo e daglobalização nas mais diversas instânciasdas relações humanas e frontalmente naorganização produtiva e na gestão da edu-cação. Duas interferências são fundamen-tais para a nova composição social dos diasatuais: a compreensão de Estado e suasobrigações para com as áreas sociais.

A reorganização do Capital em pa-râmetros globalizados transforma, de certaforma, a ação interventora do Estado nasdiretrizes econômicas - transforma, mas nãoexclui -. Neste sentido, percebe-se a crise dochamado Estado-Nação, e figura no cená-rio econômico e político mundial, o exercí-cio do poder de novas agências, que mate-rializam os interesses do capital sob a for-ma dos grandes grupos econômicos, semclara caracterização, ou seja, desprovidosde identidade direta, pois como instituiçõescomplexas o núcleo do poder encontra-sebem protegido; e ainda, sem território ma-terial fixo. Esta reorganização incide nanova composição da constituição da orga-nização do poder, como confirma Bruno:

Todas estas transformações na esfera eco-nômica vêm sendo acompanhadas de alte-rações substantivas nas estruturas de po-

der. [...] os agentes das empresas transna-cionais atuando em todos os continentes,tecem redes que integram todo o mundo,à revelia dos governos eleitos e dos orga-nismos internacionais (Bruno, 2001, p. 22).

Com esta nova estruturação do po-der mundial, retoma-se o princípio do ve-lho liberalismo: um Estado subordinado aosinteresses econômicos, que garante infra-estrutura e condições macro-econômicaspara a reprodução do capital, sob o mantodo discurso da autonomia econômica. Asconseqüências mais danosas ao convíviosocial sob o neoliberalismo dão-se na polí-tica interna e social frente à nova configu-ração do poder. A política neoliberal pro-põe-se a consolidar um Estado-Mínimopara sua atuação social. Os princípios de-fendidos pela social-democracia de consti-tuição de um Estado de Bem-Estar Socialsão desprezados, ou melhor, combatidospelas políticas neoliberais. Nesse contextosaúde, educação, previdência entre outrossão áreas relegadas à sua precarização ecada vez menos assistidos pelo Estadoneoliberal. Frente a esta postura que vemse intensificando a cada dia, Souza afirma:

Compreendendo ainda o Estado como di-mensão essencial do capitalismo, à “de-mocracia mínima neoliberal” correspon-de o “Estado mínimo neoliberal”, que searticula a um movimento favorável aoencolhimento da ação e interferência doEstado, inicialmente no setor produtivo egradativamente em áreas sociais tais comoa educação, saúde e segurança (Souza,2001, p. 39).

A reflexão realizada acima corroborauma premissa na qual se pauta a afirma-ção da inter-relação entre os condicionantescapitalistas e as relações de poder, mesmo

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que no interior dos Estados nacionais, emais profundamente ainda, nas relaçõesinterpessoais. É inegável que a retirada daação do Estado nas áreas sociais, somadaao acirramento da competição, que buscaa reprodução do capital, intensificando-sepaulatinamente em seu desenvolvimento,contribui para que o individualismo e acompetição estendam-se em nível de rela-ções humanas.

Da mesma forma como se percebea materialização dos fundamentos da re-organização do capital - no caso a globali-zação e neoliberalismo - em valores queintegram a esfera do convívio social, perce-be-se esta influência nas especificidades decada nível da atuação social. Como o pre-sente objeto de estudo é a gestão da edu-cação, é necessário assinalar mais precisa-mente quais são os elementos que carac-terizam a “nova” submissão da gestão es-cola à empresarial.

É necessário salientar que a estrutu-ra, na qual este processo de “educação docapital” acontece, é bastante complexa. Jáfoi citado que há uma amplitude de traba-lhos desenvolvidos com a finalidade decompreender os fenômenos da reestrutu-ração do capital e este trabalho não estáesgotado. Portanto, seria muita pretensãofazê-lo de forma tão breve. Contudo, hánecessidade de apontar a existência deagências mediadoras no processo de repro-dução do capital, como o Banco Mundial,o Fundo Monetário Internacional (FMI) queagem como “intelectuais orgânicos” do ca-pital, promovendo ações e estratégias efi-cazes para a consecução de seus objetivos.

O Banco Mundial tem uma participa-ção efetiva na construção de documentose diretrizes referentes à educação a partirda década de 1970. A presença de repre-sentantes do Banco na Conferência Mun-dial de Educação para Todos em Jomtiem,talvez seja a expressão mais concreta des-ta participação (se é que não podemoschamar de normatização). Este exemplo éutilizado, pois a referida conferência, - queem sua essência mantém as premissas doBanco, expressas em seus documentos3-, éassumida pelos países em desenvolvimen-to, que no caso do Brasil, culmina com ointenso trabalho do Plano Decenal de Edu-cação para Todos (1993), com reflexos ime-diatos na educação nacional.

A gestão da educação é um dos al-vos destas diretrizes prescritas sob a óticado capital. Tanto é que todo o movimentonacional de reflexão e ação em relação aocaráter educacional da administração es-colar tem sido ameaçado com os princípi-os expressos no Plano Decenal de Educa-ção: “A profissionalização requer tambéma ampliação do leque de diferentes profis-sões envolvidas na gestão educacional, comobjetivo de aumentar a racionalidade e aprodutividade” (MEC, 1993, p. 50). Vemosque a ótica é a da “produtividade” e, o maispreocupante, que a figura do profissionalda educação responsável pelo ato peda-gógico de gestão escolar, pode ser substi-tuída por pessoas de “diferentes profissões”,como afirma sutilmente o documento.

Foi apontado que os mecanismos depoder sob a reorganização do capital mu-dam de forma: não há uma centralizaçãoterritorial, embora existam, cada vez mais

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elementos que caracterizam o exercício dopoder, de forma tão eficaz, que direitos so-ciais necessários à manutenção da vidasucumbem frente aos interesses do capital.Exemplo concreto e material desta situa-ção é a realidade da escola e saúde públi-ca após o período da ofensiva neoliberalno Brasil. Este fenômeno pode ser ilustra-do com a proposta de descentralizaçãoescolar emanada dos organismos multila-terais. Segundo a prática de descentraliza-ção desenvolvida no Brasil, há um “afrou-xamento” sobre os sistemas de ensino, de-legando aos municípios a responsabilida-de dos mesmos, inclusive de manutençãomaterial. Em contrapartida, há uma série demecanismos que mantém o controle e, con-seqüentemente, o exercício de poder sobreestes, como a avaliação, o atrelamento derecursos a resultados. Por fim, pode-se afir-mar que não é no território nacional queos objetivos e metas educacionais são esti-pulados, mas sim pelos referidos organis-mos multilaterais.

A atividade produtiva do “chão dafábrica” é o alicerce do capital, pois nela ocor-re a extração da mais-valia de maneira em-blemática, conforme Marx exemplifica noestudo rigoroso explicitado n’O Capital. Aoevidenciar as metamorfoses das estruturasna “nova ordem mundial”, devem-se reco-nhecer claramente as relações de todos es-tes fenômenos, que vão das políticas ma-cro-econômicas até o cotidiano escolar e omundo da produção. Ao chamar a aten-ção para a similaridade das técnicas da “ad-ministração científica” ocorrida nas empre-sas e escolas, destaca-se este fato. Maisuma vez, com uma “roupa” diferente, este

atrelamento ocorre com as novas perspecti-vas educacionais, principalmente no que dizrespeito à gestão da escola. Neste sentidoconcordamos com Rosar ao afirmar que:

A “moderna” teoria da administração edu-cacional, mais uma vez atualizada medi-ante a transposição das teorias e práticasempresariais renovadas pelas imposiçõesdo processo produtivo, que exigem o des-monte das linhas de produção tayloristas,para alcançar novos patamares de produ-tividade e acúmulo de valor e capital, pormeio dos times, dos grupos, dos círculosde qualidade total, obteve sua ampla di-vulgação através do Núcleo Central deQualidade e Produtividade subordinado aoMEC e responsável pelo programa “Escolade Qualidade Total” (Rosar, 1999, p. 172).

A nova roupagem da inserção daótica empresarial na gestão dos sistemas edas unidades escolares traz mudançasquanto à forma dos mecanismos, mas emnenhum momento do conteúdo, que sepauta na manutenção e reprodução doCapital. A forma centralizada do poder dálugar à descentralização aparente, com ocontrole dos resultados. A referência reali-zada acima ao mecanismo chamado “qua-lidade total” é um outro exemplo da re-sig-nificação, que diz respeito ao controle. Asupervisão “taylorista” dá lugar a sutis me-canismos que, através da competitividade,fazem com que os trabalhadoresinternalizem o controle que antes era exer-cido exteriormente. Vale lembrar que estesmecanismos estão presentes de forma di-reta no cotidiano escolar. O investimentona gestão de qualidade como ocorreu noEstado de Minas Gerais (Oliveira, 1998), éiniciativa de implantação direta da quali-

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dade total na educação. Estas terminologi-as, com seus respectivos endossos ideoló-gicos são partes integrantes do vocabulá-rio pedagógico dos chamados “novos pa-radigmas da gestão escolar”. O quadro ain-da se agrava, pois devido ao “sutil exercí-cio lingüístico” neoliberal, vários conceitossão re-significados, e outras terminologiassão camufladas, como no caso do Paraná,que utiliza a expressão “gestão comparti-lhada” (Souza, 2001), que na prática carac-teriza-se pela gestão de qualidade total nãodeclarada. Enfim, com a gestão de quali-dade ocorre, como um dos alicerces de suamanutenção, a internalização, no trabalha-dor, do controle total:

Assim a Qualidade Total é mais do quetotal, é totalitária, pois exige a participaçãode todos, lançando mão inclusive de me-canismos de cooptação para promoção dadenominada visão compartilhada, isto é,da plena identificação do trabalhador coma empresa ou instituição. A participaçãode todos é considerada como extrema-mente importante, pois para conseguir oaumento da produtividade e dos lucros épreciso resgatar o conhecimento do tra-balhador para colocá-lo sob controle (Oli-veira, 1998, p. 62).

Estes e outros elementos da “novaordem mundial” compõem o cenário noqual se dá o embate hegemônico do qualfaz parte a gestão escolar. A reestruturaçãoprodutiva é composta de novas formas degestão. Sendo assim, mecanismos comogestão de qualidade total, a série de técni-cas japonesas chamadas por muitos de“toyotismo”4 com base na flexibilização, to-mam o lugar da rigidez taylorista-fordista.A chamada reestruturação produtiva é com-

posta por indicativos nada alentadorespara quem busca uma educaçãoomnilateral, na qual sua gestão não é amesma da produção de automóveis.

Materialmente, podemos ressaltarque todos os indícios elencados dizem res-peito à “nova roupagem da gestão da es-cola sob o capital” uma vez que as técni-cas flexíveis da qualidade total, implemen-tadas diretamente nas escolas, não rom-pem com os mesmos determinantes queorientavam os princípios tayloristas-fordistas. Elementos como o auto potenci-al de controle, mantidos pelos sistemas cen-tralizados de avaliação, e a supervisão (mes-mo que interiorizada), mostram isso.

Os resultados da implantação daracionalização produtiva (menos investi-mentos e maiores “resultados”) na práticaescolar desenham um cenário nada alen-tador para a realidade educacional:precarização da escola pública e do traba-lho docente, políticas de aceleração, fecha-mento de unidades escolares “inviáveis”(como as escolas do campo), alarmanteíndice de alunos analfabetos concluintes doprimeiro ciclo do ensino fundamental, cur-sos de formação de professores aligeirados,políticas curriculares com ausência derigorosidade científica, e, em contrapartida,vultosos índices estatísticos, como a “qua-se” totalidade das crianças na escola.

É frente a este cenário, que, comoMarx, somos levados a compreender quea premissa de que o homem/mulher en-quanto produtor/a da existência, potenci-almente será o autor/a das alternativas deresolução dos problemas existentes. Há umaposição clara no projeto de sociedade e de

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educação que está se consolidando doponto de vista do capital. É a idéia de que:“[...] Este negócio de cidadania, de políticaem educação, é muita balela, [...] busca-seformar o cidadão global, o consumidor in-ternacional” (Oliveira, 1998, p. 82)

Não resta alternativa frente às atu-ais tendências, senão a organização e açãodos educadores em torno da reivindicaçãoacerca da especificidade da Gestão Esco-lar, por meio de um rompimento com ges-tão empresarial. Muito se tem desenvolvi-do neste aspecto. Após o período de aber-tura, a partir da década de 1980 muitosmunicípios e Estados de administraçãopopular ensaiam experiências de uma ges-tão democrática da escola. Desde que hajaa participação efetiva dos interessados emseu desenvolvimento, visando à formaçãohumana, e atualização sócio-cultural dosindivíduos, planejada e construída coletiva-mente, terá início a materialização da esco-la gerida sob suas especificidades.

Por uma gestão democrática daPor uma gestão democrática daPor uma gestão democrática daPor uma gestão democrática daPor uma gestão democrática daescola: o referencial de umaescola: o referencial de umaescola: o referencial de umaescola: o referencial de umaescola: o referencial de umaprática necessáriaprática necessáriaprática necessáriaprática necessáriaprática necessária

A premissa de que a gestão demo-crática da escola responde a necessidadedo rompimento com a ótica empresarial deadministração escolar, está de acordo comuma concepção de sociedade que superea grande contradição entre capital e traba-lho, com vistas na ruptura do presente sis-tema sócio-político-econômico. Nesse sen-tido, a concepção de Estado seráconsentânea com a premissa gramsciana,na qual o Estado é composto pela “socie-

dade política” e “sociedade civil”. Assim, nãosomente os aparelhos políticos formais, le-gisladores e de coerção direta (sociedadepolítica) são responsáveis pela hegemonia,mas também é necessário, por parte dequem detém o poder, utilizar-se dos apare-lhos “privados” da sociedade civil para con-solidar sua supremacia hegemônica. A es-cola compõe a sociedade civil. Mesmo naesfera pública, a escola enquadra-se naconceituação de aparelho “privado” dehegemonia, pois é uma instância em quesomente a utilização da força e coerção nãogarantem a soberania hegemônica. A es-cola apresenta-se então, como o palco delutas pela hegemonia, somada a outrasinstâncias da sociedade civil, e assim apre-senta nela a possibilidade de mudança doquadro atual de coisas regido pelo capital.

Mediante tal concepção, a democra-cia figura como elemento necessário paraconsolidação hegemônica de uma posturaque congregue as necessidades expressaspelos integrantes reais do tecido social, nãosomente uma parcela detentora dos meiosde produção, como acontece na sociedadecontemporânea. Uma afirmação com talconteúdo soa, para os defensores do capi-tal, como arcaica e superada. Contudo, oneoliberalismo é a materialização mais evi-dente de que o controle hegemônico en-contra-se nas mãos dos detentores do ca-pital, a ponto de superar o Estado-Naçãono controle de decisões políticas. Alijada doprocesso decisório social, a sociedade civilpode encontrar no exercício da democra-cia considerada instrumento político, a su-peração do quadro hegemônico atual.

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Essa compreensão culmina em duasconstatações necessárias tanto para o en-tendimento da manutenção da escola pú-blica em seu caráter pleno, quanto para anecessidade da democratização da gestãoescolar, são elas: o caráter permanente dademocratização, ou a democracia enquan-to processo e a compreensão de Estadoenquanto uma instituição passível de apro-priação pelas massas, tendo como instru-mento o processo de democratização.

Carlos Nelson Coutinho (2000, p.129) afirma que “A democracia deve serentendida não como algo que se esgotaem determinada configuração institucional,mas sim como um processo”. Portanto, ademocratização, em âmbito macro, comoa sociedade, ou em pequenos espaços,como a escola, além de ser um processopermanente, é um instrumento para atingira sociedade socialista. Com esse pressupos-to, é fundamental compreender que o Es-tado e sua materialização na escola públi-ca são espaços a serem “ocupados” pelascamadas sociais trabalhadoras, enfim, queestes são espaços de disputa pela hege-monia, como sintetiza Coutinho:

Se o Estado é composto por múltiplos apa-relhos e, ao mesmo tempo, é influenciadopor uma mutável e dinâmica correlaçãode forças entre classes e frações de classe,disso deriva que, em sua ação efetiva eem momentos históricos diversos, diferen-tes aparelhos poderão ser mais ou menosinfluenciados por diferentes classes e muitaspolíticas específicas do Estado (de qualquerEstado concreto) poderão refletir interessesentre si conflitantes (Coutinho, 1996, p. 40).

Tais afirmações sobre a democraciaenquanto processo, levam a uma compre-

ensão dialética de Estado, como afirmaManacorda, utilizado por Gonçalves (1996,p. 77), nem a estatolatria nem a estatofobia.Esse entendimento é fundamental para acompreensão de uma escola pública, man-tida totalmente pelo Estado e autogerida,conceito que pode ser estendido para umarelação mais ampla, entre Estado e Socie-dade, e, como processo, coloca-se rumo àconsolidação de um projeto societal quediscorda do capitalista vigente, ou mesmo,com todas as letras, um projeto de socie-dade socialista. Para expressar tal conceito,Coutinho utiliza-se de Poulantzas:

O problema essencial de uma via demo-crática ao socialismo e de um socialismodemocrático [consiste em] conceber umatransformação radical do Estado median-te a articulação entre a ampliação e oaprofundamento das instituições da de-mocracia representativa (que foram tam-bém uma conquista das massas popula-res) e a explicitação das formas de demo-cracia pela base e a proliferação de focosautogestionários (Coutinho, 1996, p. 67).

Essa articulação entre as instituiçõesda sociedade civil, movimentos sociais, co-munidade e Estado não ocorre plenamen-te no chamado Estado democrático atual.Em contrapartida, sob pretextos democrá-ticos, muitos sistemas de poder efetuam amanutenção das desigualdades sociais eas condições necessárias para a reprodu-ção do capital, longe da execução da defi-nição etimológica da palavra: demo = povo,cracia = poder. É preciso atentar para o fatode que as adjetivações relacionadas aoconceito de democracia são, por muitasvezes, um engodo para eximir regimespseudo-democráticos das responsabilida-

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des de implementação de políticas que aten-dam as necessidades reais da população.Ter o “Estado [como] lugar de condensaçãodas contradições” (Poulantzas, 1977, p. 52),significa que este, como entidade respon-sável pela regulação da vida social, garan-tirá condições sociais para a democracia.

Quais seriam, nesta perspectiva, as condi-ções sociais da democracia?Na esfera econômica, trata-se do óbvio: atransformação das relações de classe pelatransformação do sistema de produção edo sistema de propriedade, com o fim daexploração da força de trabalho, da sepa-ração entre trabalho braçal e trabalho in-telectual, em suma, trata-se da igualdadesócio-econômica (Chauí, 1997, p. 142).

É de fácil constatação que a demo-cracia de fato tem em sua execução fun-damentos como respeito à diversidade eigualdade que, embora lemas de regimessociais, estão distantes de sua implemen-tação factual. Sob a atual divisão técnicado trabalho, ocorre a cisão entre trabalha-dores e detentores dos meios de produção,na qual a maioria são trabalhadores, e naprática do poder, estes são minoria para asprioridades sociais. Esta situação abrangea maioria dos momentos históricos, o queleva a questionar a existência de um regi-me democrático de fato.

Dissociadas destes fundamentos ne-cessários para a democracia, muitas inicia-tivas se auto-nomeiam democráticas; fala-se de empresa democrática, fábrica demo-crática, associações democráticas, regimesdemocráticos, escolas democráticas, enfim,a terminologia oriunda da democracia al-cança as mais diversas áreas de convíviohumano, até ganhar a discussão escolar.

Não se está questionando a necessidadede abrangência das relações democráticasna sociedade, mas sim atentando para ofato de que as “condições sociais para ademocracia” apontadas por Chauí na mai-oria destas iniciativas “democráticas” sãoignoradas, quando não, combatidas! Ao terpor base que a expressão das necessida-des reais da maioria da população - no casoda sociedade de classes: a igualdade, a jus-tiça social – deduz-se que responder a es-sas necessidades é o alicerce para a con-solidação da democracia.

A escola que, certamente não realiza-rá tal façanha por si, mas é uma instânciafundamental nesta disputa, pois “Sem esco-la democrática não há regime democráti-co” (Tragtemberg, 1985, p. 45). É obvio, po-rém, que não é somente a relação democrá-tica das escolas que proporcionará as con-dições necessárias para a democracia, mas,todo um conjunto de ações da sociedadecivil organizada com base nos princípios jáelencados. Considerando tais aspectos, con-corda-se com Paro quanto à necessidadeda construção de valores democráticos aserem internalizados por indivíduos, ou seja,manter o movimento dialético entre partese todo, entre coletividade e indivíduos:

A democracia é importantíssima no âm-bito político; mas, para efetivar-se, de fato,como mediação de uma vida social norte-ada por princípios histórico-humanos deliberdade, ela precisa impregnar toda umaconcepção de mundo, permeando todasas instâncias da vida individual e coletiva.Assim, embora vital, não basta haver re-gras que regulem pelo alto, fazendo oordenamento jurídico-político da socieda-de. É preciso que cada indivíduo pratiquea democracia (Paro, 2001b, p. 10).

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As instituições, e no caso a escola,são imprescindíveis para estabelecer a in-corporação individual dos valores democrá-ticos coletivamente almejados. A educaçãoem especial, enquanto responsável pelaatualização sócio-cultural dos indivíduos,portanto, espaço de disputa hegemônica,contém potencialmente as característicasnecessárias para a consecução de novaspráticas sociais. Aqui reside a expectativaem relação à escola, enquanto uma dasagências de democratização.

São inúmeras as instâncias que po-deriam ser abordadas para estudar a rela-ção entre educação ou escola e democracia,que vão desde a organização da sociedadecivil em busca da escola propriamente dita,até as discussões metodológicas do inte-rior das salas de aula. No entanto, temosuma delimitação - se é que é possível iso-lar elementos da ação educativa - que é agestão da escola, e esta é rica em sua rela-ção com a democracia. Aqui será centradoo debate. A chamada “gestão democrática”da educação e da escola é alvo de debatese reflexões, teorias e práticas, que, no Brasil,materializam-se em termos documentais,como prevê a Constituição Federal de 1988,no seu artigo 206: “O ensino será ministradocom base nos seguintes princípios: [...] VI -Gestão democrática do ensino público naforma da lei”. Ou ainda na Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional LDB nº9394 de 1996, referendando o texto consti-tucional na íntegra e delegando as respon-sabilidades da execução para os outros sis-temas educacionais. Tendo em vista inúme-ros adjetivos e roupagens que as práticasautodenominadas democráticas recebem,

na maioria das vezes para encobrir seucaráter antidemocrático, resta saber quaissão de fato estes princípios que estão inse-ridos na legislação e também no vocabu-lário corrente da maioria dos educadores.

A gestão democrática da educaçãoou da escola, quando concernente aos ob-jetivos sociais mais amplos de democratiza-ção da sociedade, não necessita de adjeti-vos, pois, como afirma Coutinho, a demo-cracia é um valor, que encerra em si as con-dições necessárias para sua conceituação,desenvolvendo-se e aprimorando-se en-quanto processo. Portanto, as rotulaçõesacerca dos “níveis” de democracia não sãocondizentes com seu conteúdo. Este fatobaliza a discordância em relação a autoresque postulam “diferentes concepções” degestão da escola, como Libâneo, pois, quan-do se referem à democratização da gestãoescolar, adicionam adjetivos ao processo dedemocratização, que na verdade, eximem oprocesso de gestão do cumprimento dasexigências contidas na categoria democra-cia. Vejamos como se dá tal procedimento:

Com base nos estudos existentes no Bra-sil sobre a organização e gestão escolar enas experiências levadas a efeito nos últi-mos anos, é possível apresentar, de formaesquemática, três das concepções de orga-nização e gestão: a técnico-científica (oufuncionalista) a autogestionária e a demo-crático-participativa (Libâneo, 2001, p. 96).

Das divisões expostas por Libâneo,(que tendem a ser oficiais, uma vez que talconteúdo foi utilizado como parâmetro deavaliação no Exame Nacional de Cursos, oProvão de Pedagogia em 2003) a primei-ra, catalogada como técnico-científica, estáfrontalmente ligada à implantação da ge-

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rência científica na escola, e a “democraciaparticipativa” segue o mesmo intuito comuma “roupagem” nova, acompanhando omovimento de reprodução do capital, quesupera a administração científica e utiliza-se da participação para a composição doparadigma flexível de produção.

Ao atribuir o adjetivo participação àgestão democrática da escola, pressupõe-se tacitamente, que há possibilidade deempreender uma gestão democrática ondenão haja a participação, e ainda, que acategoria autogestão não compõe a práti-ca de gestão democrática da escola, o quenão é aceito no presente trabalho.

Ainda refletindo a desnecessária adje-tivação: é possível a execução de práticasdemocráticas sem participação? Ou ainda,tendo em vista a necessidade da superaçãoda divisão de classes para possibilitar as con-dições sociais da democracia, é possível con-ceber uma “democracia liberal?” Uma tipo-logia não encerra a amplitude da democra-cia porque ela não é um fato determinado,ou um sistema consolidado e perfeito. A de-mocracia, e também a gestão democráticada escola, constitui-se num processo, em queelementos como participação, autonomia,coletividade estão presentes em uma ativi-dade, que tem por finalidade sintetizar a ex-pressão dos membros integrantes da ação.

Dotada destas características, a de-mocracia enquadra-se no que Gramsci de-nomina de guerra de posições, que visa àtomada do poder e do Estado, mas nãosomente de forma explosiva, com uso daforça como a guerra de movimento, e simatravés da conquista hegemônica via con-senso e persuasão.

Assim, é interessante salientar que,mesmo com vista à democratização doEstado, o que significa uma ruptura totalcom o sistema vigente, deve-se atentar paraescola pública como integrante deste. Por-tanto, a gestão democrática da escola ini-cia-se com a clareza de que o Estado nãoé um ente que deve ser combatido, massim, como afirma Poulantzas, é onde secondensam as contradições, e, no momen-to, está constituído de forma que não re-presenta a constituição dos vários elemen-tos presentes no tecido social.

Nesse sentido, o primeiro passo paraa democratização da gestão escolar, é oacesso da população atendida pela esco-la, aqui entendida como pais, alunos, pro-fessores e comunidade na administraçãodesta. Entende-se que cabe ao Estado aresponsabilidade pela manutenção da es-cola pública em sua totalidade, (acesso,permanência, qualidade) e cabe à comuni-dade escolar sua gestão. Isso quer dizer(discordando de Althusser), que a escolanão é (ao menos não deveria ser) um apa-relho do Estado, mas sim um aparelho pú-blico. É assim que uma perspectiva demo-crática concebe as relações entre escola eEstado. São muito pertinentes as observa-ções de Marx ([s.d.], p. 223) a esse respeito:

Isso de “educação popular a cargo do Es-tado” é completamente inadmissível. Umacoisa é determinar por meio de uma leigeral, os recursos para as escolas públi-cas, as condições de capacitação do pes-soal docente, as matérias de ensino etc., evelar pelo cumprimento destas prescriçõeslegais mediante inspetores do Estado [...]e outra coisa completamente diferente édesignar o Estado como educador do povo!

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Toda a gerência, as ações pedagógi-cas que dirigem as escolas necessitam seremanadas das necessidades reais da co-munidade escolar, de seus professores, cor-po pedagógico, comunidade, pais e alunos,funcionários, o que difere da eliminação doEstado da manutenção da escola:

Democratização da administração da edu-cação não significa eliminar a presençado Estado dos serviços públicos, mas bus-car mecanismos para submeter às deci-sões do estado ao debate e ao controlepela opinião pública, pais, grupos e parti-dos (Arroyo, 1979, p. 44).

A categoria que sintetiza estes elemen-tos é a autonomia/autogestão da escola.

Em tempos de re-significações neoli-berais, é necessário um cuidado redobradoao tratar de expressões e conceitos. Autono-mia é um deles, que na miscelânea pós-mo-derna, assume os vários coloridos que cadainteresse lhe empreende. Com tal clareza,concordo com Gonçalves (1996, p. 6-7) que:

O entendimento que aqui se faz é o deque a autonomia da escola, tal como vemsendo proposta e encaminhada, pode serapenas cortina de fumaça profundamen-te atraente e mistificadora a encobrir ospropósitos da ofensiva neoliberal de fra-gilização e de ajuste do Estado nos paísesdo Terceiro Mundo, ao desenvolvimentoeconômico capitalista na sua fase atual.

Contudo, esta categoria não deixa deser central para execução da gestão demo-crática da escola, mas, o conceito desta deveestar claro e aponto aqui, sua vinculaçãocom o conceito de autogestão, contrapos-to aos intuitos neoliberais. Barroso, auxiliacom o ponto de partida da necessária con-ceituação:

O conceito de autonomia está etimologi-camente ligado à idéia de autogoverno,isto é, à faculdade que os indivíduos (ouas organizações) tem de se regerem porregras próprias. Contudo, se a autonomiapressupõe a liberdade (e capacidade) dedecidir, ela não se confunde com inde-pendência (Barroso, 1998, p. 16)

Transpondo estas considerações aonível escolar, o autogoverno ou autogestão,implica, como já salientamos, a participaçãode todos os segmentos integrantes da co-munidade escolar na gestão da escola, aconstrução coletiva das atividades, a elei-ção das prioridades por parte da comunida-de. Ou seja, esta se responsabiliza pela iden-tidade local da escola - e no caso do siste-ma público, mediante a manutenção do Es-tado. Este fato deve ficar bem claro, poisno ideário neoliberal, a autonomia, que échamada de autogestão, está relacionadacom a crescente des-responsabilização porparte do Estado em relação aos setores pú-blicos. A sociedade civil - prioritariamenteas empresas - é chamada para “participar”da vida escolar, mas somente no tocante àmanutenção material da mesma. Os reaismecanismos de controle, como avaliaçãoe conteúdos, permanecem centralizados, ea esta prática denomina-se “autonomia”.

Quando Barroso aponta a diferençaentre capacidade de decisão e independên-cia, está se referindo à necessidade da ma-nutenção de um sistema educacional coe-so e coerente, que garanta ao educando,seja em qual for a unidade escolar em queele esteja inserido, a apreensão dos sabereshistoricamente acumulados, que proporcio-na a atualização sócio-cultural da socieda-de. Cabe ressaltar que isto é bem diferente

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da imposição de conteúdos travestidos naforma de parâmetros curriculares, com umaavaliação neles pautada, para completar ocírculo vicioso e autoritário do qual é exem-plo a política curricular nacional.

Liberdade teórica, metodológica, degestão administrativa e financeira. São es-tes elementos que configuram a autono-mia escolar, que devem encontrar-se relaci-onados à sua administração, pois, “[...] semdúvida a autogestão da escola pelos tra-balhadores da educação - incluindo os alu-nos - é a condição de democratização es-colar” (Tragtemberg, 1985, p. 45). Somamosa estes segmentos citados por Tragtemberg,para completar a participação na escola, énecessário aparecer os pais e os represen-tantes da comunidade local. Esse entendi-mento de autonomia, estreitamente vincu-lado à autogestão, conduz a uma posturacontrária a corrente atual que se apropriaindevidamente da utilização da categoriaautonomia escolar, ao contrário de deso-brigar o Estado para com a manutençãoda escola, a autonomia/autogestão é umacategoria que proporciona a vinculaçãoentre manutenção estatal e controle dasociedade civil, como afirma Gonçalves(1996, p. 72):

Pelo contrário, tornar a escola mais autô-noma é fortalecer o poder de controle ecobrança da sociedade civil, dos deveresque tem o Estado para com a educaçãopública, possibilitando, deste modo, que aface pública do Estado, ainda que na or-dem do capital se amplie e dilate. Portan-to, buscar a socialização do poder políticode fato e não apenas transferir as respon-sabilidades da gerência da escola públicapara a comunidade.

A proposta de autonomia pautadana autogestão proporciona a inserção deuma outra categoria que constitui a ges-tão democrática da escola: o coletivo.

O coletivo é uma concepção integral enão um simples total referido a suas par-tes; o coletivo apresenta propriedades quenão são inerentes ao indivíduo. A quanti-dade se transforma em qualidade. As cri-anças e também os homens em geral for-mam um “coletivo” quando estão unidospor determinados interesses, dos quais têmconsciência e que lhes são próximos(Pistrak, 2001, p. 177; grifos do autor).

O trabalho coletivo na escola, de acor-do com a conceituação de Pistrak, é cons-truído mediante a participação. A gestãodemocrática da escola, neste caso, é o quePistrak referencia como “determinado inte-resse”, que une e possibilita a participaçãodos profissionais da educação e da comu-nidade escolar. A consciência dos envolvi-dos reside na perspectiva de romper comtoda a tradição administrativa da escolaque impossibilita a democratização damesma e da sociedade. Os princípios cons-titutivos da viabilização da gestão demo-crática da escola: trabalho coletivo, igual-dade, autonomia, participação, humaniza-ção entre outros, são diametralmente con-trários às versões que imperam em relaçãoà administração escolar capitalista. A rever-são do quadro presente na sociedade declasses implica novas relações com os ele-mentos que circundam o cotidiano escolar– no caso da escola pública – o Estado e opróprio conceito de público.

Nunca é demais salientar as diferen-tes conotações que tomam estes elementos,pois, sob a organização social atual, com a

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gestão da escola submissa aos moldes em-presariais, sejam eles com roupagem “cientí-fica” ou “flexível” a relação entre educaçãoe Estado não corresponde aos anseios dehumanização almejados por uma escolaemancipatória, que está imbricada ao princí-pio democrático. Categorias como a partici-pação, sob tais condições, revestem-se deatividades esvaziadas, como o envolvimen-to dos pais para suprir as deficiências oriun-das da des-responsabilização do Estado pa-ra com a educação. A democratização daescola contribui para a construção de no-vas (ou legítimas) relações mais amplascom elementos sociais. Nesse caso, a po-pularização do público faz do espaço es-colar um instrumento para a consolidaçãohegemônica que tenha o homem e a mu-lher como centro das relações materiais.

Compactuando com os ideais deconstruir uma hegemonia condizente comas necessidades humanas de solidarieda-de e justiça social, os profissionais da edu-cação precisam estar cientes de que suacolaboração está vinculada ao desenvolvi-mento de suas atividades escolares. Destamaneira, a gestão da escola, enquanto ati-vidade meio é um instrumento para a via-bilização da atividade fim:

A gestão da educação acontece e se de-senvolve em todos os âmbitos da escola,inclusive e fundamentalmente, na sala deaula, onde se objetiva o projeto político-pedagógico não só como desenvolvimen-to planejado, mas como fonte privilegiadade novos subsídios para novas tomadasde decisões para o estabelecimento denovas políticas (Ferreira, 2001, p. 309).

A antiga expressão que Paulo Freiretranscreve da seguinte maneira: “não será

a educação que mudará a sociedade, mastampouco, a sociedade mudará sem ela”,contém esse elemento para o qual Ferreirachama atenção: o estreito vínculo entre asatividades-fim (desenvolvidas na sala deaula) e as atividades-meio (a gestão daescola). Mediante esta afirmação, a pro-posta de uma gestão democrática deveestar acompanhada de relações peda-gógicas igualmente democráticas no inte-rior das unidades escolares, pois “somentese for uma escola de democracia em seupróprio interior é que o sistema educacio-nal poderá ser uma poderosa e insubstituí-vel alavanca para a democratização glo-bal da sociedade” (Coutinho, 1994, p. 26).Portanto, é mister que uma reflexão sobregestão democrática da escola seja integra-da por elementos componentes da práticapedagógica.

Este entendimento está ligado aoprincípio do trabalho coletivo da escola,base de atividades – como o caso desta-cado do Projeto Político Pedagógico – quesão constituídas necessariamente de traba-lho coletivo, que, pretendendo uma gestãodemocrática da escola, é mais que umaação conjunta dos profissionais da escola,como afirma Makarenko (1986, p. 135):

[...] Uma coletividade não é simplesmenteuma reunião nem um grupo de indivídu-os que cooperam entre si... é um conjun-to de pessoas norteado num sentido de-terminado, um conjunto de pessoas orga-nizadas que têm à sua disposição os or-ganismos da coletividade [...] e a questãodas relações entre camaradas deixa deser uma questão de amizade, de afeto ouvizinhança para se converter num assun-to de responsabilidade [...].

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A superação da sociedade de clas-ses necessita do reconhecimento da frag-mentada relação existente entre as classessociais. Isso se associa com a percepçãodo trabalho pedagógico por parte de seusintegrantes, da existência da profissionaliza-ção, de sua localização como classe traba-lhadora com objetivos singulares. Todos quetrabalham no interior de uma escola, semdistinção, são profissionais da educação, edessa forma, têm sua parcela de contribui-ção no ato educativo e influenciarão noprocesso ensino-aprendizagem. Os profis-sionais devem se apropriar da escola paraa execução de uma mudança rumo a umagestão democrática, como é afirmado:

Se queremos uma escola transformado-ra, precisamos transformar a escola quetemos aí. E a transformação dessa escolapassa necessariamente por sua apropria-ção por parte das camadas trabalhadoras(Paro, 1997, p. 10).

Da integração destes profissionaisdepende o êxito de uma atividade coletiva.Dentro de suas especificidades são neces-sários trabalhos integrados, não somenteda parte da direção com os demais, masde todo o corpo técnico, docentes e discen-tes. A hierarquia vertical impede a realiza-ção de um trabalho democrático. Algumasatividades são essenciais para a realizaçãodesta integração, como a elaboração decalendários, atividades pedagógicas com-plementares e, sobretudo, a elaboração doProjeto Político Pedagógico da escola, naqual, além dos profissionais mencionados,a comunidade precisa estar presente.

O projeto político pedagógico da es-cola, visto como materialização do traba-

lho coletivo, apresenta-se como síntese daidentidade da escola. Sua concepção, cons-trução e execução podem expressar o graude intensidade das relações democráticasno interior da escola, ou o contrário. Quan-do um projeto é construído com a colabo-ração dos diversos níveis de segmentosescolares e extra-escolares, amparado teo-ricamente, e constantemente avaliado, é aefetivação da participação democrática al-mejada por esta modalidade de gestão.

A participação discente, não somentenestas ocasiões, mas também na dinâmicado processo de ensino-aprendizagem, cons-titui-se em outro indicador da gestão demo-crática. Várias são as modalidades de parti-cipação, que vão da metodologia dialógica,concernente ao intuito de democratizaçãodas relações, até os canais formais de parti-cipação como as organizações estudantis.

Os alunos organizados têm mais chancede subverter esta relação hierarquizada desubmissão aos adultos e são percebidoscomo ameaça ao poder instituído. [...] Ogrêmio é um espaço coletivo, social e polí-tico, de aprendizagem da cidadania, de cons-trução de novas relações de poder dentroda escola, ultrapassando as questões ad-ministrativas e interferindo no processopedagógico (Grácio e Aguiar, 2001, p. 81).

Ao analisar os elementos integran-tes do cotidiano escolar que indicam a pos-tura em relação à gestão democrática daescola, não se podem furtar reflexões acer-ca da avaliação. Esta deve permear nãosomente as atividades discentes, mas to-das atividades escolares, o trabalho do di-retor e dos demais profissionais da educa-ção, o envolvimento da comunidade, poisela é um instrumento pedagógico que ten-

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de a detectar eventuais lacunas no proces-so, visando a sua superação. Em sala deaula, na maioria das vezes, apenas o alu-no é avaliado, mas será só ele o responsá-vel pelo processo? A relação ensino-apren-dizagem, principalmente em uma escolaque busca ser democrática, é uma relaçãocoletiva. Assim, os métodos devem abran-ger essa totalidade. O exercício da avalia-ção estimula a prática do diálogo, condi-ção sine qua non da democracia. Portanto,a escola, ao superar a utilização deste re-curso pedagógico como instrumento depoder, caminha para a democratização dasrelações didáticas e estruturais.

Esses elementos indicam que a ges-tão democrática da escola não se encerraem mecanismos como a eleição direta paradiretores da escola, ou a composição doconselho escolar, que embora necessários,não garantem por si relações democráticasno interior da escola. A democracia, en-quanto processo, pressupõe a presença dediálogo e estruturas horizontais na totali-dade do processo educacional ocorrido nointerior das unidades escolares.

Esse movimento executado no tex-to, que oscila entre categorias amplas eexperiências concretas do cotidiano esco-lar para a compreensão da gestão demo-crática da escola, é um exemplo da dialéti-ca social necessária para a resolução dosconflitos, entre eles o do capital e trabalho.Da mesma forma que as análises micro oumacro, tomadas isoladamente não sãosuficientes para a compreensão da totali-dade, a educação enquanto um elementoparticular não proporciona sua parcela decontribuição para a democratização da

sociedade. Neste sentido, os educadoresintegrantes do sistema formal de ensino,devem vislumbrar a educação enquantopráxis humana, que não se encerra na es-cola. Elementos como o trabalho, os movi-mentos sociais, não só são detentores deinfinitas potencialidades educativas, como,uma vez alinhados aos objetivos de demo-cratização, são indispensáveis na constru-ção de uma sociedade emancipada.

Buscou-se explicitar neste texto quea gestão da escola, para cumprir sua prin-cipal função, que é contribuir com a reali-zação do ato educativo, buscará estar deacordo com a especificidade da educação.Assim salienta-se que a especificidade dagestão escolar reside também na contra-posição à crescente “racionalização” (desentido estritamente capitalista) das ativi-dades de gestão escolar.

Por todas as razões aqui discutidas, colo-ca-se como imprescindível, uma posiçãode recusa, tanto teórica quanto prática,das soluções para a educação brasileira epara sua administração, provenientes doneoliberalismo, que pela messianizaçãodo mercado, nega ao Estado a possibilida-de de efetivar o direito à educação básica,desde que a sociedade civil organizada oexija (Gonçalves, 1996, p. 114).

Com a presente exposição, busca-se,além de demonstrar os distanciamentos daprática corrente da gestão escolar de umaperspectiva democrática, estabelecer ele-mentos capazes de orientar uma ação co-letiva para tal democratização. Das catego-rias utilizadas para apontar mecanismosdemocráticos para a gestão da escola nocotidiano, uma categoria é fundamentalpara sua consecução: a participação, que,

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como foi salientado, envolve sujeitos soci-ais bem mais amplos do que os profissio-nais da educação. A democratização dagestão escolar passa, necessariamente pelaparticipação efetiva da comunidade nasações educativas e escolares, objetivandoque a democratização da escola auxilie nademocratização social.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 Há trabalhos que discutem de forma crítica a Ad-ministração Escolar, propondo uma alternativa aoviés ditado pelo capital, trabalhos como Gonçalves

(1980), Arroyo (1979), Paro (2001), Félix (1989) e Oli-veira (1998), mais recentemente.2 Dentro da própria ótica capitalista pode-se notara contradição “o trabalho pedagógico propriamen-te dito, a aula, só pode ocorrer na presença simul-tânea do professor e de seus alunos, e, como tal,sua produção.3 Pode-se citar o documento: BANCO MUNDIAL. Prio-ridades y Estrategias para la educación: estudiosectorial - Versión Preliminar. Washington D.C.: maio,1995.4 Maiores esclarecimentos sobre tais mecanismospodem ser encontrados em GOUNET, Thomas.Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel.São Paulo: Boitempo, 1999.

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Recebido em 31 de março de 2004.Recebido em 31 de março de 2004.Recebido em 31 de março de 2004.Recebido em 31 de março de 2004.Recebido em 31 de março de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.

Formação e trabalho docente: uma análise daFormação e trabalho docente: uma análise daFormação e trabalho docente: uma análise daFormação e trabalho docente: uma análise daFormação e trabalho docente: uma análise danoção de competênciasnoção de competênciasnoção de competênciasnoção de competênciasnoção de competências

Jorge Luis Cammarano González*Wilson Sandano**

* Doutor em Educação (PUC-SP). Professor do Programa deMestrado em Educação da UNISO.e-mail: [email protected]

** Doutor em Educação (UNIMEP). Professor do Programade Mestrado em Educação da UNISO.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO trabalho docente representa uma prática social vital para a lógica do Capital, em sua busca de criarnovas possibilidades de subordinar o Trabalho e, em seus desdobramentos, gestar e materializar suahegemonia nas múltiplas esferas constitutivas da sociabilidade. Parte da lógica do Capital deriva suasações, no âmbito das políticas e práticas formativas, com base nas denominadas competências convertidasem atributo essencial para a formação docente. De acordo com essas observações, o tema apresentadocompreende o trabalho como prática social fundante e busca problematizar a noção de competênciascomo mediação da mercantilização do trabalho docente no contexto das propostas de formação atinentesàs reformas educacionais em curso.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveCompetências; trabalho docente; formação.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe work of teaching represents a social practice vital for the logic of Capital, in search of creating newpossibilities of subordinating Work and, in its unfolding, administrate and materialize its hegemony in themultiple constitutive spheres of sociability. The starting point is the logic that Capital derives its actions fromthe ambit of formative policies and practices, based on the so called competencies converted into essentialattributes for teacher training. According to these observations, the theme presented understands work asa fundamental social practice and seeks to make problematic the notion of competencies as a measure ofthe commercialization of the work of teaching in the context of the proposals of training relative to theeducational reforms in progress.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsCompetencies; teacher training; teaching as work.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 85-102, jan./jun. 2004.

86 J.L.C. GONZÁLES e W. SANDANO. Formação e trabalho docente: uma análise...

1 Da educação para o trabalho e1 Da educação para o trabalho e1 Da educação para o trabalho e1 Da educação para o trabalho e1 Da educação para o trabalho epara a cidadaniapara a cidadaniapara a cidadaniapara a cidadaniapara a cidadania

A formação docente representa umaprática social vital para a lógica do Capital,em sua busca de criar novas possibilida-des de subordinar o Trabalho e materializarsua hegemonia nas múltiplas condiçõesconstitutivas da sociabilidade. No âmbitodas políticas e práticas formativas, parte dalógica do Capital deriva suas ações combase nas denominadas competências, con-vertidas, na reforma educacional em curso,em atributo essencial para a formação do-cente. As competências, no contexto daspropostas de formação articuladas às polí-ticas educacionais, representam um com-ponente a ser incorporado para a qualifi-cação não apenas dos docentes, mas dostrabalhadores em geral; e se convertem emsuposto da educação para o trabalho epara a cidadania em todos os níveis deensino. Fortalecemos esse argumento regis-trando neste escrito as orientações propos-tas pelo Estado e seus representantes, emseminário do Fórum Nacional, com o temaUm modelo para a educação no sé-Um modelo para a educação no sé-Um modelo para a educação no sé-Um modelo para a educação no sé-Um modelo para a educação no sé-culo XXIculo XXIculo XXIculo XXIculo XXI, realizado no BNDS, em agostode 1998 e publicado em 1999, sob a coor-denação de João Paulo dos Reis Velloso eRoberto Cavalcanti de Albuquerque. Esteregistro tem como finalidade evidenciarbasicamente a caracterização e as propos-tas pertinentes ao sistema educacional di-ante das demandas que supostamenteatenderiam às transformações da socieda-de denominada global e da sociedade bra-sileira em particular. E isto porque

(...) devemos nos dar conta de que, hoje,há um novo mundo, e este novo mundorequer duas grandes características dosistema educacional: a educação geralpara todos é a condição essencial para aprópria sobrevivência do país; e, em se-gundo lugar, é necessária a integraçãoentre educação geral e preparação para omercado de trabalho. É preciso estabele-cer formas claras de vinculação entreeducação geral e preparação para o mer-cado de trabalho (Souza, 1999, p.24).

O princípio fundamental, reivindicadoespecialmente para a educação profissionalpor intermédio do Ministro da Educação dogoverno Fernando Henrique Cardoso(1994-2002), remete para uma prática pro-gressivamente abandonada pelos detento-res do Capital e atribuída em sua realiza-ção, única e exclusivamente aos trabalha-dores e suas entidades representativas: aempregabilidade. Assim, afirma Souza:

O princípio fundamental na educação pro-fissional não deve ser a eqüidade, comona educação geral, mas a empregabilidadedas pessoas. (...) as pessoas devem sercapazes e ter a oportunidade de ir e virnesse sistema educacional conforme assuas necessidades, para melhorar a suaempregabilidade, independentemente donível de educação formal que já tenhamconcluído (Souza, 1999, p29).

Se os argumentos supracitadosapontam na direção de um dos pilares dareforma educacional promovida nos anos90 do século passado, ou seja, a emprega-bilidade, a outra dimensão da reforma noscoloca no centro do tema-objeto proposto,isto é, o das competências. E aqui recorre-mos à intervenção de Castro que analisan-do as tendências e perspectivas dos siste-mas de produção de informações educacio-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 85-102, jan./jun. 2004. 87

nais, nos auxilia em dois sentidos. O primeiroexpressa parte das preocupações subjacen-tes às práticas formativas articuladas àpolítica educacional. O outro assinala a pre-sença das denominadas competênciascomo condição básica para a formaçãodesse novo ser que atenda aos desafiosdas transformações sociais. Dessa perspec-tiva indaga Castro (1999, p. 36-37): “O queos alunos são capazes de fazer? Quais ospadrões desejáveis que deveriam ser atin-gidos para que os alunos desenvolvam ascompetências e habilidades básicas exigi-das para o exercício da cidadania? O quecaracteriza a escola efetiva?”.

E acrescenta:Os sistemas de ensino têm sido desafia-dos a responder às seguintes questões.Como preparar este novo cidadão?Como preparar este novo cidadão?Como preparar este novo cidadão?Como preparar este novo cidadão?Como preparar este novo cidadão?Quais as demandas da nossa sociedadeem processos de mudanças tão acelera-dos como os que marcaram as últimasdécadas deste século? É cada vez maisevidente que a preparação de cida-a preparação de cida-a preparação de cida-a preparação de cida-a preparação de cida-dãos competentes para atuar dedãos competentes para atuar dedãos competentes para atuar dedãos competentes para atuar dedãos competentes para atuar deforma crítica e responsável na cons-forma crítica e responsável na cons-forma crítica e responsável na cons-forma crítica e responsável na cons-forma crítica e responsável na cons-trução de uma sociedade mais jus-trução de uma sociedade mais jus-trução de uma sociedade mais jus-trução de uma sociedade mais jus-trução de uma sociedade mais jus-ta, democrática e desenvolvida, exi-ta, democrática e desenvolvida, exi-ta, democrática e desenvolvida, exi-ta, democrática e desenvolvida, exi-ta, democrática e desenvolvida, exi-ge um perfi l de qualif icação emge um perfi l de qualif icação emge um perfi l de qualif icação emge um perfi l de qualif icação emge um perfi l de qualif icação emque o desenvolvimento das inteli-que o desenvolvimento das inteli-que o desenvolvimento das inteli-que o desenvolvimento das inteli-que o desenvolvimento das inteli-gências cognitiva, emocional e afe-gências cognitiva, emocional e afe-gências cognitiva, emocional e afe-gências cognitiva, emocional e afe-gências cognitiva, emocional e afe-tiva será decisivo na formação dastiva será decisivo na formação dastiva será decisivo na formação dastiva será decisivo na formação dastiva será decisivo na formação dascrianças e jovens para a sua plenacrianças e jovens para a sua plenacrianças e jovens para a sua plenacrianças e jovens para a sua plenacrianças e jovens para a sua plenainserção social e no mundo do tra-inserção social e no mundo do tra-inserção social e no mundo do tra-inserção social e no mundo do tra-inserção social e no mundo do tra-balho.balho.balho.balho.balho. É preciso, portanto, assegurar-lhesuma formação ética e solidária. É precisoainda desenvolver sua capacidade de re-solver problemas, selecionar e processarinformações com autonomia e raciocíniocrítico. É preciso dar-lhes condições deutilizar os conhecimentos adquiridos paraque tenham novas oportunidades nummundo cada vez mais complexo e com-petitivo (Castro, 1999, p.37; grifos nossos).

Nesse contexto de proposições nãopodemos omitir a análise de Mello e Sou-za que ao examinar as contribuições dosparticipantes do Fórum Nacional, em rela-ção ao debate sobre o modelo educacio-nal, contribui com dois aspectos que consi-deramos importantes para o entendimen-to da noção de competências no âmbitodas relações entre formação e trabalhodocente. Um desses aspectos reafirma apresença da racionalidade capitalista (te-mática que será posteriormente abordada)no campo das reformas educacionais. Ooutro resgata uma argumentação que con-siderávamos superada diante das novasexigências postas para a educação pelasociedade contemporânea. Observe quepara Mello e Souza (1999, p.191-192):

A diferença entre o nacional-desenvolvi-mentismo e um modelo de desenvolvimen-to assentado nas exportações pode ser vistacomparando-se o crescimento da produtivi-dade e o ritmo de expansão da educaçãobásica ocorridos no Brasil e na Coréia des-de 1960. o mesmo procedimento pode seraplicado comparando-se o período ante-rior à abertura econômica, iniciada em1990, com a década atual; neste caso, alémdos comportamentos da produtividade eda escolaridade, a atitude dos empresá-rios face à educação também pode sercontrastada. Hoje, os empresários es-Hoje, os empresários es-Hoje, os empresários es-Hoje, os empresários es-Hoje, os empresários es-tão conscientes da necessidade detão conscientes da necessidade detão conscientes da necessidade detão conscientes da necessidade detão conscientes da necessidade deuma escolaridade que ultrapassauma escolaridade que ultrapassauma escolaridade que ultrapassauma escolaridade que ultrapassauma escolaridade que ultrapassao ensino fundamental o ensino fundamental o ensino fundamental o ensino fundamental o ensino fundamental (grifos nossos).

Entretanto, no que se referem às mu-danças, – e este é o segundo aspecto assi-nalado – a educação parece não querer,ou poder, abandonar sua secular condiçãode causa fundamental de desigualdadesocial; preterindo, assim, a sua real função.

88 J.L.C. GONZÁLES e W. SANDANO. Formação e trabalho docente: uma análise...

A educação foi desfuncional no plano so-cial. Os estudos sobre distribuição de ren-da, sistematicamente, mostram que a de-a de-a de-a de-a de-sigualdade se ampliou nas déca-sigualdade se ampliou nas déca-sigualdade se ampliou nas déca-sigualdade se ampliou nas déca-sigualdade se ampliou nas déca-das de 70 e 80. E a educação foi odas de 70 e 80. E a educação foi odas de 70 e 80. E a educação foi odas de 70 e 80. E a educação foi odas de 70 e 80. E a educação foi ofator que mais contribuiu para estafator que mais contribuiu para estafator que mais contribuiu para estafator que mais contribuiu para estafator que mais contribuiu para estadesigualdade; conseqüentemente, adesigualdade; conseqüentemente, adesigualdade; conseqüentemente, adesigualdade; conseqüentemente, adesigualdade; conseqüentemente, apolítica educacional seria a maneirapolítica educacional seria a maneirapolítica educacional seria a maneirapolítica educacional seria a maneirapolítica educacional seria a maneiramais efetiva de melhorar a distri-mais efetiva de melhorar a distri-mais efetiva de melhorar a distri-mais efetiva de melhorar a distri-mais efetiva de melhorar a distri-buição de renda.buição de renda.buição de renda.buição de renda.buição de renda. É possível perceber aestreita relação entre educação e distri-buição de renda quando se observa queesta é influenciada tanto pelos retornoseducacionais, como pela distribuição deescolaridade na população (Mello e Sou-za, 1999, p.192; grifos nossos).

A contribuição de Mello e Souzaabrange outras considerações que avalia-mos relevantes para os fins propostos pelotema-objeto deste escrito. Uma delas tratado consenso dos conferencistas relativo àsnovas exigências educacionais subordina-das ao mercado de trabalho. Também éconsensual a observação de que o merca-do de trabalho se encontra subordinadopela dinâmica das inovações tecnológicas.E que tais inovações se materializam nacondição de sujeitos desse processo e, con-seqüentemente, são determinantes para acomposição do novo perfil do trabalhador.Para Mello e Souza:

É preciso reconhecer, portanto, que ‘a edu-cação geral é essencial para todos’ e queé necessário ‘integrar a educação geral àpreparação para o mercado de trabalho’.A disseminação tecnológica, um dos fato-res cruciais para assegurar acompetitividade do país, requer um novoperfil de mão-de-obra (Mello e Souza, 1999,p. 193).

E prossegue enfatizando a contribui-ção da educação nesse processo.

A educaçãoA educaçãoA educaçãoA educaçãoA educação, embora longe de ser umapanacéia, contribui marcadamentecontribui marcadamentecontribui marcadamentecontribui marcadamentecontribui marcadamentepara a integração social do indiví-para a integração social do indiví-para a integração social do indiví-para a integração social do indiví-para a integração social do indiví-duo.duo.duo.duo.duo. É possível atribuir boa parte do nívelde violência atual a atividades ilícitas queseriam menos atraentes se o nível edu-cacional de seus praticantes fosse maiselevado. (...) Mais genericamente, a parti-cipação social, os direitos do consu-os direitos do consu-os direitos do consu-os direitos do consu-os direitos do consu-midor e a cidadania polí t icamidor e a cidadania polí t icamidor e a cidadania polí t icamidor e a cidadania polí t icamidor e a cidadania polí t icaalavancam o desenvolvimento e oalavancam o desenvolvimento e oalavancam o desenvolvimento e oalavancam o desenvolvimento e oalavancam o desenvolvimento e obem-estar social e estão fortemen-bem-estar social e estão fortemen-bem-estar social e estão fortemen-bem-estar social e estão fortemen-bem-estar social e estão fortemen-te ligados ao estágio educacionalte ligados ao estágio educacionalte ligados ao estágio educacionalte ligados ao estágio educacionalte ligados ao estágio educacionalda sociedadeda sociedadeda sociedadeda sociedadeda sociedade (Mello e Souza, 1999, p.194;grifos nossos).

A ressonância dos argumentos atéaqui apresentados, ou seja, a formação paraa cidadania com competência; a inserçãodo educando no mercado de trabalho; aeducação compreendida como fator desuperação das desigualdades sociais; aconsciência do empresariado em relação àsdemandas educacionais; dentre outros; as-sume maior consistência quando nos de-paramos com o debate estabelecido noFórum Nacional, sobre as relações entreeducação, força de trabalho e competiti-vidade. É o que verificamos diante da ex-posição de Salm e Fogaça (1999, p. 213),que assinalam:

ao lado do esforço de modernização daeconomia, o Brasil teria que centrar suaatenção na formulação de estratégias e-ducativas que, no conjunto, elevassem onível de escolaridade da população emgeral, de forma a capacitá-la às novas ca-racterísticas e requisitos do mercado detrabalho.

A formulação dessas estratégiasatende, segundo os referidos Autores, àuniversalização do ensino básico, princípioque em sua gênese reporta à Revolução

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Francesa, e cuja aplicação demonstraria ograu de seriedade com que está sendo pro-movida a modernização de um país. E istoconsiderando que a educação básica com-pleta, o ensino de nível médio e o ensinotécnico; são relevantes no contexto dosnovos padrões de desenvolvimento tecno-lógico, exigidos pelas demandas dacompetitividade econômica mundial (Salme Fogaça, 1999).

As contribuições de Salm e Fogaçaalertam para os vínculos entre os novosperfis ocupacionais e reafirmam o consen-so correspondente à percepção doempresariado no âmbito da qualificaçãoprofissional.

Os estudos feitos sobre os novos perfisocupacionais decorrentes das novas tec-nologias e das novas formas de organiza-ção do trabalho indicam a preponderân-cia da posse de uma série de habilidadesintelectuais em relação às habilidadesmotoras sobre as quais se assentam aconcepção e a prática da qualificação pro-fissional nos moldes mais tradicionais.

E avaliam.As pesquisas realizadas junto aoempresariado confirmam a percepção deque o que hoje falta ao trabalhador bra-sileiro não é a qualificação específica paraum posto de trabalho mas, sim, a base deescolaridade formal necessária para aadequação aos novos níveis de desempe-nho, de autonomia, de responsabilidadee de criatividade exigidos hoje (Salm eFogaça, 1999, p. 219).

O itinerário apresentado reafirma acompreensão de que a política educacio-nal acenada como modelo de referênciapara o século XXI; busca formar o ser soci-al trabalhador; nos limites da cidadania e

das transformações da racionalidade capi-talista, derivadas de seu novo padrão deacumulação.

Assim, a problematização que orien-ta este escrito é a que segue. De que ma-neira a aquisição de competências articu-lada à lógica da empregabilidade, represen-ta para o Trabalho a possibilidade de re-mover e superar as práticas sociais histori-camente produzidas pelo Capital e queobjetivam as possibilidades de sua subor-dinação e alienação?

A resposta a essa indagação requerinicialmente o exame da noção de compe-tências que marca presença em inúmeraspropostas vinculadas às práticas de forma-ção docente e se dissemina na projeção dosatributos constitutivos dos educandos emsuas diversas fases de escolarização. Masantes de elaborarmos uma possível respos-ta, cabe destacar que por se tratar de umapossível resposta não pretendemos esgo-tar o tema em tela, em virtude da multiplici-dade de aspectos pertinentes ao mesmo,acrescido das nossas limitações.

Tratemos, pois, da noção de com-petências.

2 Das competências2 Das competências2 Das competências2 Das competências2 Das competências

Abordamos a noção de competênci-as com base nas proposições de PhilippePerrenoud. O referido autor ao tematizar aformação de professores para o século XXIe projetar uma figura de professor ideal,explicita: “Consigo visualizar uma figura doprofessor ideal no duplo registro da cida-dania e da construção de competências”(Perrenoud, 2002, p.12).

90 J.L.C. GONZÁLES e W. SANDANO. Formação e trabalho docente: uma análise...

Reitera-se, nessa afirmação, o cam-po da cidadania vinculada desta vez àconstrução de competências. E acrescenta-se, cidadania a ser desenvolvida de manei-ra adaptada ao mundo contemporâneo(Perrenoud, 2002, p.14). A conceituaçãoapresentada instiga, ainda que de manei-ra precipitada, uma possível filiação – a serconfirmada posteriormente – da noção decompetência ao construtivismo.

Mas como definir uma competência?Atualmente, define-se uma competênciacomo a aptidão para enfrentar uma famí-lia de situações análogas, mobilizando deuma forma correta, rápida, pertinente ecriativa, múltiplos recursos cognitivos: sa-beres, capacidades, microcompetências,informações, valores, atitudes, esquemasde percepção, de avaliação e de raciocínio(Perrenoud, 2002, p.19).

As competências possibilitam, confor-me Perrenoud (2002) a mobilização de sa-beres. Este procedimento contribuiria paraa constituição de objetos de saberes e deformação, transversais; capazes de superaro campo estritamente disciplinar da edu-cação. Mencionamos este aspecto partin-do de dupla intencionalidade. A primeiradas intenções revela nosso interesse emanalisar os denominados temas transver-sais por representarem uma das diretrizesdas reformas educacionais em curso, masessa intenção será por enquanto posterga-da. Nossa outra intenção é imediata e seexpressa em destacar que os denomina-dos objetos de saber, além de complexos,são construídos, não existindo como taisna realidade (Perrenoud, 2002, p.29). Esta-ríamos, então, num campo de proposiçõesem que a gnosiologia desconsidera e su-

bordina a dimensão ontológica da realida-de social historicamente produzida? Ou,quem sabe, estaríamos estreitando asfiliações da noção de competência com oconstrutivismo; que nega a possibilidade doconhecimento objetivo, depositando no in-divíduo a construção de sua possível, úni-ca, subjetiva e relativa representação dainteligibilidade da realidade?

Mas, além dessas indagações, tam-bém nos defrontamos com outro proble-ma, cuja resposta possivelmente invalidenossas precipitações no sentido de vincu-lar a noção de competência ao construti-vismo: é necessário discernir e explicitar sea noção de competências se apresenta re-lacionada a um contexto histórico específi-co. Parte desse impasse é contornado quan-do nos deparamos com o modelo de com-petências associado à superação do mo-delo educacional tradicional.

Assim, para Alessandrini (2002), aqualificação profissional pautada no mo-delo de competências possibilitaria a supe-ração do modelo educacional tradicional,representativo de uma prática reducionistae fragmentada. Para a referida Autora: “Otrabalho com o desenvolvimento de com-petências favorece esse rompimento e pro-põe uma expansão da consciência. Essaproposta insere-se no contexto de uma vi-vi-vi-vi-vi-são mais humana e construtivista desão mais humana e construtivista desão mais humana e construtivista desão mais humana e construtivista desão mais humana e construtivista deeducaçãoeducaçãoeducaçãoeducaçãoeducação” (Alesandrini, 2002, p.160-161;grifos nossos).

Alessandrini nos ajuda, portanto, nosentido de contextualizarmos o modelo decompetências como possibilidade de supe-ração do denominado modelo educacio-nal tradicional e nos estimula a examinar

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possíveis filiações do modelo em tela como construtivismo. Entretanto, seu aporte te-órico nos oferece outras pistas para o de-senvolvimento deste escrito. Uma delasgravita em torno da conceituação do queé competência, qual a sua implicação e deque maneira se manifesta.

A noção de competência refere-se à capa-cidade de compreender uma determina-da situação e reagir adequadamente frentea ela, ou seja, estabelecendo uma avalia-ção dessa situação de forma proporcional-mente justa para com a necessidade queela sugerir a fim de atuar da melhor ma-neira possível (Alessandrini, 2002, p.164).

E acrescenta:De certa forma. A competênciacompetênciacompetênciacompetênciacompetência implicauma certa concorrência entre diferenteselementos presentes em sua situação-pro-blema, por exemplo, e pode manifestar-sepor intermédio da aptidãoaptidãoaptidãoaptidãoaptidão para resolvê-los, ou seja, de habilidades que expres-sam a capacidade que o indivíduoindivíduoindivíduoindivíduoindivíduo pos-sui para encontrar uma solução para aquestão que se apresenta a ele(Alessandrini, 2002, p.164; grifos, nossos).

E em relação à manifestação dacompetência, explicita com base em pres-supostos piagetianos.

(...) a competência manifesta-se em umconjunto, por meio da articulação de diver-sas habilidades. Durante o processo deequilibração majorante, a competência re-presenta o resultado do diálogo entre habi-lidades e aptidões que possuímos, as quaisacionamos para buscar um novo patamarde equilíbrio quando entramos em dese-quilíbrio, pois há uma transformação a serprocessada. Esse novo patamar implica umanova organização dentro do caos represen-tado pelo desequilíbrio temporário e fun-damental para a evolução do sistema. Du-rante esse processo, observamos dinamis-

mos como a capacidade para estabelecer-mos relações de semelhança e diferençaque explicitam aptidões, já adquiridas, ex-pressas por meio da habilidade para discri-minar. E assim, sucessivamente, com a pre-sença de outras redes de esquemas quedialogam constante e continuamente paradesvendar estratégias possíveis que criame constituem novas respostas para situa-ções-problema novas ou antigas(Alessandrini, 2002, p.164-165).

Um pouco mais de paciência e a lei-tura atenta do texto em tela nos reporta auma imagem, ao nosso entendimento, ex-tremamente interessante: a orquestra comofigurativa das mediações entre competên-cia e situação-problema.

Nessa orquestra, as habilidades e as ca-pacidades dos sujeitos representam osinstrumentos a serem tocados em con-junto. Entretanto, podemos observar tam-bém que esses mesmos instrumentossolicitaram intenso estudo e exercício dehabilidades que possuem uma orquestra-ção própria – que demandam competên-cias também específicas –, até estaremprontos para participar da orquestra maior(Alessandrini, 2002, p. 165).

Parece que os sinais de ruptura efragmentação, ou em outros termos, a bus-ca de superação do modelo tradicional, queconcentra parcela substancial de seus es-forços numa prática formativa unilateral,com base na especialização, não foi radi-calmente convertida diante deste talvezfelliniano, Ensaio de Orquestra. Qual a par-titura a decifrar, de quem a sua autoria equem seria o regente dessa orquestradaprática? Não estaríamos aqui, apesar detoda a roupagem discursiva, diante do maistradicional funcionalismo? Da divisão dotrabalho social postulada por Durkheim no

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século XIX, e de certa forma resgatada pelomovimento escolanovista, no Brasil dosanos 30 do século passado? A busca dodecantado equilíbrio aprofunda e repõe anoção de competência apresentada porPerrenoud como processo, que articuladoà cidadania, busca a adaptação do indiví-duo ao mundo contemporâneo?

Como afirmamos anteriormente, acontribuição de Alessandrini suscita umuniverso de indagações. Entretanto, o as-pecto que com maior intensidade desper-tou nossa atenção é o que segue.

Aprendendo a ver com os olhos observado-res e reflexivos, a escutar o discurso queestá sendo dito, a ler e sentir o que estápresente nas entrelinhas do texto gestualou escrito, o educador torna-se capaz dedesenvolver uma nova consciência quelhe permita enxergar o tácito e o implícito(...) no processo de aprendizagem de seualuno. Desse modo, é convidado a desen-volver suas próprias competências, direcio-nando seus alunos para que aprendamaprendamaprendamaprendamaprendama ser e a pensara ser e a pensara ser e a pensara ser e a pensara ser e a pensar (Alessandrini, 2002,p.161; grifos nossos).

Necessário e desafiador o procedi-mento que busca no refinamento e articu-lação dos sentidos a superação de umaprática cuja sociabilidade tem reduzido ossentimentos do ser genérico do homem aosentimento de terterterterter, sentimento ilusório paraa imensa maioria e objetivo para as mino-rias detentoras do poder econômico e dahegemonia político-ideológica. Todavia, otom da argumentação que afina nossasindagações em relação aos propósitos dareferida Autora, é o da compreensão dascompetências - próprias em cada educa-dor -, como processo para que um ser, pro-

dutor e produto de práticas sociais; apren-apren-apren-apren-apren-dadadadada, direcionadamente, a ser a ser a ser a ser a ser e a pensarpensarpensarpensarpensar.

Aprender a ser e pensar se articulamcom a concepção e a finalidade da educa-ção. “Entendemos a educação como a pos-sibilidade de oferecer ao outro qualidade econdições de desenvolvimento” (Alessan-drini, 2002, p.170). Partindo dessa concep-ção a referida autora avalia que uma es-tratégia fundamental para gerar conheci-mento, promovendo a finalidade da edu-cação, marca presença nos temas transver-sais organizados e divulgados por meio dosPCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais).Essa estratégia articula-se de tal modo “queos professores educadores podem conce-ber situações de aprendizagem para queseus alunos possam vivenciar uma educa-ção voltada para uma cultura de paz”(Alessandrini, 2002, p.173). E busca sinteti-zar suas proposições, afirmando:

(...) nós, educadores, somos convida-nós, educadores, somos convida-nós, educadores, somos convida-nós, educadores, somos convida-nós, educadores, somos convida-dos a participar da criação e dados a participar da criação e dados a participar da criação e dados a participar da criação e dados a participar da criação e daconstrução de uma nova consciên-construção de uma nova consciên-construção de uma nova consciên-construção de uma nova consciên-construção de uma nova consciên-cia.cia.cia.cia.cia. Estamos diante da necessidade deredimensionar o que aprendemos a ser apartir de um processo de reflexão pessoale de autoconhecimento. Precisamos de-senvolver uma ação educativa conscien-te, que desenvolva nosso aluno em suaspotencialidades, em sua capacidade decriar soluções e respostas adequadas, emsua condição básica de agir conjugandocrenças, valores e conhecimento. É ne-cessário que propiciemos o desenvolvi-mento de uma consciência cidadã noconsciência cidadã noconsciência cidadã noconsciência cidadã noconsciência cidadã noalunoalunoalunoalunoaluno (Alessandrini, 2002, p.175; grifosnossos).

Desenvolver uma consciência cidadãno aluno, assumindo como referente osParâmetros Curriculares Nacionais e a in-

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clusão nos componentes curriculares dostemas transversais é uma proposta quepontua as reformas educacionais em cur-so em vários países. Assim, adotamoscomo fonte para o exame das mediaçõesentre a formação para o trabalho e a cida-dania, a noção de competências e os te-mas transversais; uma proposta assenta-da na seguinte premissa, enunciada porAraújo, ao apresentar a coletânea sobre ostemas transversais como base para umaformação integral: “A inclusão dos temastransversais na estrutura curricular brasilei-ra e a construção de projetos educacionaisbaseados nessa concepção são imperati-vos para a transformação de nossa socie-dade” (Araújo, 2003, p.17).

De um modo geral, os temas trans-versais são considerados como a possibili-dade de mediação entre o conhecimentocientífico e o cotidiano. Nessa mesma dire-ção, é possível depreender da estratégiapara a geração de conhecimento, derivadados temas transversais: a construção da de-mocracia e da cidadania; a integração desaberes na perspectiva de superação dasheranças advindas da cultura grega e nova-mente a presença do construtivismo na con-dição de referencial teórico-metodológico.

Parafraseando certo pensador ale-mão do Século XIX, afirmaríamos que ahumanidade, ao produzir a História, carre-ga seus fantasmas. E assim, recorrendo aesse argumento, abordamos, num primei-ro momento, a crítica, endereçada aos pen-sadores gregos, pelos representantes datransversalidade como tema nuclear paraas práticas escolarizadas.

Parte dessa crítica desenvolve-se cir-cunscrita ao seguinte questionamento.

Mas há uma pergunta primordial, comrelação à ciência que nunca ou quasenunca fazemos e que pode parecer ousa-da: os temas nos quais estão baseadas asciências atuais e as que lhes deram ori-gem constituem realmente as matériasmais importantes entre todas as que po-dem ocupar o cérebro humano? De to-De to-De to-De to-De to-das as questões referentes à huma-das as questões referentes à huma-das as questões referentes à huma-das as questões referentes à huma-das as questões referentes à huma-nidade em seu conjunto, os pensa-nidade em seu conjunto, os pensa-nidade em seu conjunto, os pensa-nidade em seu conjunto, os pensa-nidade em seu conjunto, os pensa-dores gregos terão escolhido as fun-dores gregos terão escolhido as fun-dores gregos terão escolhido as fun-dores gregos terão escolhido as fun-dores gregos terão escolhido as fun-damentais? Refletiam os interes-damentais? Refletiam os interes-damentais? Refletiam os interes-damentais? Refletiam os interes-damentais? Refletiam os interes-ses da maioria ou só os de umases da maioria ou só os de umases da maioria ou só os de umases da maioria ou só os de umases da maioria ou só os de umapequena elite?pequena elite?pequena elite?pequena elite?pequena elite? (Moreno, 2003, p.26;grifos nossos).

E a problematização prossegue.Ninguém ignora que as matérias ensina-das atualmente nas instituições de edu-cação primária e secundária originaram-se na temática que preocupou os varõesabastados da Grécia clássica. Os avançoscientíficos que ocorreram ao longo dosséculos modificaram as perguntas atual-mente suscitadas e as suas respostas. No-vas disciplinas nasceram, e os campos deestudo ampliaram-se incrivelmente; alémdisso, surgiu uma potente tecnologia quetransformou a vida cotidiana das pessoas,obtendo uma alta valoração social. Masserá que por isso podemos considerarpodemos considerarpodemos considerarpodemos considerarpodemos considerarque o espírito imperante nas ori-que o espírito imperante nas ori-que o espírito imperante nas ori-que o espírito imperante nas ori-que o espírito imperante nas ori-gens das atuais disciplinas científi-gens das atuais disciplinas científi-gens das atuais disciplinas científi-gens das atuais disciplinas científi-gens das atuais disciplinas científi-cas está completamente erradicado?cas está completamente erradicado?cas está completamente erradicado?cas está completamente erradicado?cas está completamente erradicado?Será que conservamos apenas algumaspalavras criadas pelos antigos para no-mear novas disciplinas (Matemática, Físi-ca, Filosofia...)? Tenho minhas dúvidas(Moreno, 2003, p.29; grifos nossos).

Num aspecto da problematização,concordamos. A sociedade referenciada erauma sociedade cindida entre uma elite euma maioria. Iríamos além, afirmando que

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a sociedade grega era uma sociedade fun-dada no trabalho escravo, uma sociedadeclassista. Mas estamos diante de um im-passe, fruto em parte de nossas limitaçõese em parte de nossas discordâncias.

Consideramos que possivelmente osgregos tenham escolhido as questões fun-damentais e imanentes ao seu modo deproduzir a vida, num tempo e espaço his-toricamente criados. Entretanto, não tería-mos condições de afirmar, que a elite gre-ga, ao formular as denominadas questõesfundamentais, prenunciava e/ou projetavao desdobramento histórico da humanida-de e cientificamente antecipava questõesuniversais para o todo e o sempre, dasquais supostamente somos herdeiros, ecom as quais ainda hoje nos debatemosao freqüentar as salas de aula.

Mas de que elementos seria possí-vel depreender essa permanência de temas,disciplinas e conceitos herdados da elitegrega, no universo da instituição escolarcontemporânea?

Responder a esta questão reafirmao impasse assinalado anteriormente. E istoporque para Moreno (2003), nos debate-mos, de um lado, com as reminiscênciasinconscientes de atitudes que guiam nos-so comportamento cotidiano e, de outro,com a permanência da ciência e do espíri-to que a guia. E a referida Autora explicita.

Este espírito não foi desterrado da ciênciaatual, nem tampouco do ensino. Ele ape-nas transformou-se e atenuou-se. Apa-Apa-Apa-Apa-Apa-rece claramente quando o conhe-rece claramente quando o conhe-rece claramente quando o conhe-rece claramente quando o conhe-rece claramente quando o conhe-cimento é utilizado como forma decimento é utilizado como forma decimento é utilizado como forma decimento é utilizado como forma decimento é utilizado como forma desubmissãosubmissãosubmissãosubmissãosubmissão, quando se obriga o aluno aaceitar como ato de fé aquilo que nãoentende, habituando-se a substituir a ra-

zão pela crença (Moreno, 2003, p.33; grifosnossos).

Esta afirmação seria válida paraaqueles que com base na noção de com-petência e nos temas transversais se pro-põem a ensinar a serensinar a serensinar a serensinar a serensinar a ser e a pensarpensarpensarpensarpensar? A estaquestão retornaremos em breve. Agora, é omomento de evidenciar a seguinte solicita-ção da autora.

Retornemos ás origens. Uma das caracte-rísticas da ciência helênica era a parcialida-de dos objetos de estudo. Aqueles pensa-dores não teriam podido afirmar que nadado humano lhes era alheio sem faltar àverdade. Eles consideravam próprioEles consideravam próprioEles consideravam próprioEles consideravam próprioEles consideravam próprioapenas uma parte do humano: oapenas uma parte do humano: oapenas uma parte do humano: oapenas uma parte do humano: oapenas uma parte do humano: oque estava mais distanciado daquiloque estava mais distanciado daquiloque estava mais distanciado daquiloque estava mais distanciado daquiloque estava mais distanciado daquiloque chamamos de ‘vida cotidiana’,que chamamos de ‘vida cotidiana’,que chamamos de ‘vida cotidiana’,que chamamos de ‘vida cotidiana’,que chamamos de ‘vida cotidiana’,‘ciência aplicada’ e ‘tecnologia’, isto‘ciência aplicada’ e ‘tecnologia’, isto‘ciência aplicada’ e ‘tecnologia’, isto‘ciência aplicada’ e ‘tecnologia’, isto‘ciência aplicada’ e ‘tecnologia’, istoé, o que é útil e necessário.é, o que é útil e necessário.é, o que é útil e necessário.é, o que é útil e necessário.é, o que é útil e necessário.

Mas hoje em dia, junto com as preocupa-ções que herdamos deles, temos – nostemos – nostemos – nostemos – nostemos – nospaíses mais desenvolvidos – umapaíses mais desenvolvidos – umapaíses mais desenvolvidos – umapaíses mais desenvolvidos – umapaíses mais desenvolvidos – umapotente tecnologia que libertou apotente tecnologia que libertou apotente tecnologia que libertou apotente tecnologia que libertou apotente tecnologia que libertou ahumanidade das tarefas mais du-humanidade das tarefas mais du-humanidade das tarefas mais du-humanidade das tarefas mais du-humanidade das tarefas mais du-ras e uma democracia que não ex-ras e uma democracia que não ex-ras e uma democracia que não ex-ras e uma democracia que não ex-ras e uma democracia que não ex-clui, em função da condição socialclui, em função da condição socialclui, em função da condição socialclui, em função da condição socialclui, em função da condição socialou sexo, nenhuma pessoa adultaou sexo, nenhuma pessoa adultaou sexo, nenhuma pessoa adultaou sexo, nenhuma pessoa adultaou sexo, nenhuma pessoa adultado direito de voto.do direito de voto.do direito de voto.do direito de voto.do direito de voto. Isto é, nossa socie-dade vive com um pé nos vestígios dopassado e com outro em um presentecheio de esperança (Moreno, 2003, p, 34-35; grifos nossos).

Para propor.Uma solução viável para este conflito é aintegração dos saberes (...).Os temas transversais incluídos nos pla-nos de estudo das disciplinas curricularestradicionais nos oferecem a possibilidadede efetuar este trabalho (...).Os temas transversais, que consti-Os temas transversais, que consti-Os temas transversais, que consti-Os temas transversais, que consti-Os temas transversais, que consti-tuem o centro das atuais preocupa-tuem o centro das atuais preocupa-tuem o centro das atuais preocupa-tuem o centro das atuais preocupa-tuem o centro das atuais preocupa-ções sociais, ções sociais, ções sociais, ções sociais, ções sociais, devem ser o eixo em tor-

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no do qual deve girar a temática das áre-as curriculares, que adquirem assim, tantopara o corpo docente como para os alu-nos, o valor de instrumentos necessáriospara a obtenção das finalidades deseja-das (Moreno, 2003, p.35-37; grifos nossos).

Entretanto, como anteriormente assi-nalamos, o escrito de Moreno, nos aproxi-ma de uma concepção que marca presençana noção de competência e nas estratégiasde geração de conhecimento desenvolvidascom base na denominada transversalidade.Nos referimos ao construtivismo.

A palavra ‘construtivismo’ é uma metáfo-ra (...) empregada em Psicologia e Pedago-gia, que nos remete a uma teoria psicoló-gica (originalmente devida a J. Piaget), se-gundo a qual o verdadeiro conhecimento– aquele que é utilizável – é fruto deuma elaboração (construção) pessoal, re-sultado de um processo interno de pensa-mento durante o qual o sujeito coordenadiferentes noções entre si, atribuindo-lhesum significado, organizando-as e relacio-nando-as com as anteriores. Este pro-Este pro-Este pro-Este pro-Este pro-cesso é inalienável e intransferível,cesso é inalienável e intransferível,cesso é inalienável e intransferível,cesso é inalienável e intransferível,cesso é inalienável e intransferível,ninguém pode realizá-lo por outraninguém pode realizá-lo por outraninguém pode realizá-lo por outraninguém pode realizá-lo por outraninguém pode realizá-lo por outrapessoa.pessoa.pessoa.pessoa.pessoa.Além de proporcionar novos conhecimen-tos, uma aprendizagem deste tipo mobili-za o funcionamento intelectual do indiví-duo, facilitando-lhe o acesso a novasaprendizagens, pois, além do conheci-conheci-conheci-conheci-conheci-mento em si,mento em si,mento em si,mento em si,mento em si, ele aprendeu determina-das estratégias intelectuais para ter aces-so a ele, que lhe serão muito úteis nãosó em aprendizagens futuras, mas tam-bém na compreensão de situações novase na projeção e invenção de soluções paraproblemas que possa ter na vida, graçasà sua capacidade de generalizaçãocapacidade de generalizaçãocapacidade de generalizaçãocapacidade de generalizaçãocapacidade de generalização(Moreno, 2002, p.39; grifos nossos).

Se os argumentos acima denotamclareza para o desafio que ainda enfrenta-

remos no sentido de problematizar as me-diações entre formação, competência e edu-cação para o trabalho e a cidadania, con-sideramos necessário destacar um dos te-mas transversais apresentados na perspec-tiva de contribuir como mediação entre oconhecimento científico e o cotidiano. Tra-ta-se da educação do consumidor.

A Educação do Consumidor como tematransversal pode converter-se em algo re-almente inovador, desde que o consumo,junto com outros temas transversais, pas-se a ser o eixo vital e estruturador da edu-cação na escola (Cainzos, 2003, p.107).

Considerando que para Cainzos, asociedade em que vivemos caracteriza-sepelo consumo e este se converteu em fe-nômeno chave cuja compreensão nos au-xilia na explicação da realidade atual, a suadefinição de consumo é a seguinte.

O consumo pode ser considerado o modocomo uma sociedade organiza e procuraa satisfação das necessidades de seusmembros, e também é a expressão de sig-nificados e estratificações (condutas, mo-delos, estruturas). Desta perspectiva am-pla o consumo é, por um lado, uma reali-dade tão antiga como a própria históriada humanidade, e, por outro, uma proble-mática social de especial relevância emnosso ambiente e momento atual (Cainzos,2003, p.108).

A sociedade de consumo faz comque o indivíduo enfrente uma dupla proble-mática: “por um lado é um indivíduo poten-cialmente consumidor e, por outro, um in-divíduo imerso em um meio social de con-sumo, à margem do fato de atuar ou nãocomo consumidor” (Cainzos, 2003, p.110).

O enfrentamento dessa dupla proble-mática tem fomentado nos últimos anos,

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segundo Cainzos (2003), uma diversidadede iniciativas centradas na luta pelos direi-tos do consumidor. Tais iniciativas aliadasà importância temática da educação doconsumidor no âmbito escolar alinham-se,ainda sob o entendimento de Cainzos, nu-ma concepção definida como reformadora-responsável em contraposição à concepçãoliberal-conservadora. E esclarece.

Uma concepção, que denominaremos li-beral-conservadora, não questiona a ra-cionalidade da atual economia de merca-do, buscando simplesmente o funciona-mento correto dos mecanismos que re-gem esse mercado, por meio da educa-ção. Em última instância, trata-se deaprender a adaptar-se racionalmente àoferta de bens e serviços existentes.Outra concepção, que denominaremosreformista-responsável, é mais ampla eestá orientada para uma ação responsá-vel e crítica do sujeito como consumidor.Nesta visão não se levam em conta ape-nas os interesses individuais, mas tam-bém os coletivos, bem como as conseqü-ências ecológicas e sociais das atuaçõespessoais (Cainzos, 2003, p. 115).

A noção de competência examina-da por meio da leitura de Perrenoud eAlessandrini e as contribuições pertinentesaos temas transversais com ênfase na edu-cação do consumidor, no contexto de ummodelo educacional proposto pelo Estadobrasileiro para o século XXI, propiciam apossibilidade de problematizar algumasindagações registradas de maneira poucosistematizada no decorrer da produçãodeste escrito. Recordando que este desafioincide em tentar responder: de que manei-ra, a aquisição de competências no âmbitoda formação docente e da escolarização

articulada à lógica da empregabilidade, re-presenta, para o Trabalho, a possibilidadede remover e superar as práticas sociaishistoricamente produzidas pelo Capital eque objetivam as possibilidades de suasubordinação e alienação?

3 Das mediações entre formação,3 Das mediações entre formação,3 Das mediações entre formação,3 Das mediações entre formação,3 Das mediações entre formação,trabalho e competênciastrabalho e competênciastrabalho e competênciastrabalho e competênciastrabalho e competências

Do até aqui exposto podemos deli-near alguns dos supostos pertinentes àsmediações entre formação, trabalho e com-petências.

Para o Capital, seus detentores e re-presentantes, trata-se de formar um “novoser”, um novo cidadão, ou ainda, um cida-dão competente; adaptado ao mundo con-temporâneo, integrado socialmente e ade-quado ao mundo do trabalho e seu corres-pondente mercado, cujas demandas privi-legiam um perfil de mão-de-obra com basenas habilidades intelectuais em detrimentodas habilidades motoras. E neste percursoformativo, o conjunto de seus escolarizadosagentes, isto é, docentes e/ou discentesdevem incorporar as correspondentes com-petências como condição para que esseprocesso se realize. Deste modo, reafirma-mos, a noção de competência constitui umdos supostos das propostas da reformaeducacional em curso, de educação para otrabalho e a cidadania. E avaliamos que anoção de competência tem parte de seussupostos resguardados pela sua filiaçãoteórico-metodológica ao construtivismo.

Entretanto, também consideramos aprobabilidade de extrairmos mais um su-posto da noção de competência. Mas, de

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que maneira? A partir da análise do per-curso formativo desse “novo ser” mediadopelos temas transversais que representam,de acordo com os proponentes do modeloeducacional para o século XXI, o vínculoentre conhecimento científico e cotidianocom a finalidade de aprender a ser.

3.1 Cotidiano escolar: espaço doaprender a ser?

Consideramos que a investigação docotidiano escolar requer a apropriação demúltiplas relações, conhecimentos, represen-tações, desafios e alternativas que os sujei-tos da ação educativa produzem etensionam cotidiana e singularmente. Ouniverso de procedimentos e análises pro-postos para a apropriação, sistematizaçãoe problematização das relações entre polí-tica educacional, trabalho e formação, ouem outros termos, entre competência,empregabilidade e cidadania, na instituiçãoescolar, requer investigar, refletir e proble-matizar o cotidiano escolar considerandoque “a educação escolar tem o importantepapel de mediadora entre o âmbito da vidacotidiana e os âmbitos não cotidianos davida social” (Duarte, 2001, p.31).

Assim, investigar o cotidiano tambémpode implicar a compreensão de suas múl-tiplas práticas sociais, em seu movimento,com base nas categorias que se estrutu-ram em determinado momento histórico.Isso impõe conhecer qual a tendência dedesenvolvimento social daquelas práticas,possível quando se conhece a racionalida-de econômica que orienta o movimento darealidade social. Com base nessa perspec-

tiva, poderíamos identificar a totalidadesocial das esferas formativas e a sua rela-ção com os indivíduos, o que nos fornece-ria pistas para o entendimento da produ-ção da formação social do indivíduo, de suacapacidade de trabalho, sem com isso dei-xarmos em segundo plano o movimentoda totalidade social, ao contrário, apanhan-do-a na sua peculiaridade aqui vinculadaao cotidiano escolar.

Particularmente, o cotidiano escolarexpressa o universo de múltiplas práticasformativas que tensionam a relação entreprodução e apropriação das objetivaçõesgenéricas do ser social para-si: ciência, arte,filosofia, moral e política. E é desta perspec-tiva que consideramos a possibilidade deuma abordagem crítica e alternativa aopercurso formativo que com base na no-ção de competência e da geração do co-nhecimento por meio da transversalidade,revela, na incorporação dos direitos do con-sumidor, por exemplo, a base para a apro-priação da cotidianeidade posta na pers-pectiva da educação para o trabalho e paraa cidadania.

Essa abordagem crítica e alternativarequer a explicitação da especificidade doser social. No capitalismo, a substância doser social trabalhador é formada, tensio-nada, posta e reproduzida pelo e no indiví-duo (como singular, classe, gênero e etnia)na trama dos seguintes processos:

1) Para se manter viva a substânciado ser social trabalhador vende a sua ca-vende a sua ca-vende a sua ca-vende a sua ca-vende a sua ca-pacidade produtiva pacidade produtiva pacidade produtiva pacidade produtiva pacidade produtiva (força de trabalho)relação materializada no salário pago pelocapitalista. Esse processo encerra formas desobrevivência nas quais subjazem; (a) a

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dependência do trabalhador em relação aocapitalista e (b) a concorrência no interiorda sociabilidade fundada no trabalho.

2) No desdobramento dessa condi-ção, a substância do ser trabalhador mer-mer-mer-mer-mer-cadoriza-se,cadoriza-se,cadoriza-se,cadoriza-se,cadoriza-se, ou seja, a sua capacidadeprodutiva torna-se mercadoria potencial-mente subordinada aos processos de de-manda postos pelo Capital.

Em outros termos, com a economiapolítica do Capital, o homem é afirmadocomo sujeito por meio de um processo con-traditório, que busca historicamente lhenegar, no âmbito de suas práticas sociais,a possível compreensão das causas objeti-vas de produção da realidade social e, as-sim, também lhe nega o entendimento dascausas objetivas de sua cotidiana existên-cia. Sua constituição como ser social apre-senta-se, pois, de forma cindida, uma cisãoque se expressa no próprio processo deentendimento da realidade social criado apartir de seus próprios interesses como in-divíduo para-si e, a um só tempo, pela pró-pria racionalidade da economia política quebusca naturalizar e perpetuar sua condiçãode indivíduo em-si (González, 2003).

A educação com base na emprega-bilidade e a competência, afirma a condi-ção de ser do indivíduo em-si. Entretanto,essa condição de ser, precisa ser aprendidapara que sua consciência se converta emcompetente e cidadã. E de que modo cabeao indivíduo aprender a ser, negando abase material e contraditória de sua exis-tência? Adaptando-se de forma positiva aomundo cotidiano e contemporâneo de suaexistência. Resgatamos para este argumen-to a concepção de que a educação consti-

tui um processo de superação das desigual-dades sociais e que nos encontramos di-ante da proposta de formação de um “novoser” integrado, adaptado e adequado àsdemandas da sociedade contemporânea,conforme observado no Fórum Nacionalabordado ao iniciarmos este escrito. Noâmbito dessa proposta dos servidores doCapital, a competência coisifica-se, materi-aliza-se e torna-se estranha e alheia ao in-divíduo. Assume a condição de valor a serincorporado, num primeiro momento porcada um dos trabalhadores docentes emsua prática de formação, se possível conti-nuada. E em seus desdobramentos conver-te-se, com base no trabalho docente, ematributo adquirido como suposto para aempregabilidade, por cada um dos integran-tes do corpo discente.

A competência objetiva-se pela au-sência, sua aquisição é condição básicapara a formação do “novo ser”. E se suaaquisição denota a cisão entre o indivíduoe a realidade; essa dicotomia assume no-vos contornos quando converge para apolítica objetivada na formação da consci-ência cidadã e para a economia reduzida,por exemplo, ao tema transversal da edu-cação para o consumo, conforme observa-mos anteriormente nos argumentos deCainzos (2003). Por ora, insistimos em afir-mar que essa prática formativa alimentano indivíduo a sua condição de ser traba-lhador, cidadão, consumidor e lhe propõe,como princípio orientador, a possibilidadede aprender a ser.

Mas que ser aprende a ser? De quemaneira ser esse “novo ser” que a contem-poraneidade, demanda? Trata-se de apren-

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der a ser nos limites circunscritos às possi-bilidades históricas do Capital em sua bus-ca de criar alternativas de controle, aliena-ção, dominação, destruição e apropriaçãodo Trabalho. Ou ainda, trata-se de apren-der a ser um ser integrado, adequado,adaptado, ou seja, cidadão competente econsumidor consciente de seus direitos.

Com base nesse processo contraditórioafirma Duarte.O caráter contraditoriamente humaniza-dor e alienador com que a objetivação doser do homem se realiza no interior dasrelações sociais de dominação, tem impli-cações importantes no que diz respeito àformação da individualidade. Por um ladoa formação do indivíduo enquanto umser humano não pode se realizar sem aapropriação das objetivações produzidasao longo da história social, mas por outrolado, essa apropriação também é a formapela qual se reproduz a alienação decor-rente das relações sociais de dominação(Duarte, 2001, p.24).

Relevando essa observação deDuarte, de que maneira, então, entender aproposta da transversalidade e dos seustemas, supostamente capaz de superar olegado de outras formações sociais? Quaisdas objetivações historicamente produzidaspriorizar e quais desconsiderar? Com baseem que critério? E, afinal, existe articulaçãoentre essa proposta e o construtivismo?

3.2 Construtivismo, competência eformação docente

Para examinar essa última questãorecorremos ao argumento de Miranda queconsidera o construtivismo como “uma di-mensão constitutiva e, portanto, um aspec-to não-casual, não-acessório e não-secun-

dário, das reformas educacionais que seprocessam, na atualidade, em vários paí-ses do mundo” (Miranda, 2000, p.23).

O construtivismo adota a concepçãode inteligência formulada por Piaget quesegundo Miranda (2003) corresponderia àconcepção de inteligência requerida pelamudança da base técnica do Capital emseu novo processo de acumulação do qualderivam, dentre outros aspectos: aprecarização do trabalho, a conversão dotrabalho vivo em trabalho morto, a transfe-rência do saber intelectual e cognitivo daclasse trabalhadora em processosinformatizados, atividade que exige um pro-cesso produtivo dotado de maior dimen-são intelectual (Antunes, 1999). E que osrepresentantes do Capital denominam denovas habilidades e competências para aempregabilidade, conforme observado naprimeira parte deste escrito.

O suporte do construtivismo às refor-mas educacionais contemporâneas marcapresença, portanto, no campo da formaçãodo trabalhador docente. Essa tendência podeser depreendida da leitura de Arce (2000)ao apresentar algumas das concepçõesconstrutivistas que referenciam a formaçãode professores, com base em sua crítica àsrelações entre construtivismo, políticasneoliberais e o pós-modernismo. Da carac-terização realizada em relação às políticasneoliberais em educação pela referida auto-ra, é possível (a) discernir o papel do indiví-duo como produtor de seu sucesso e/ou fra-casso escolar, (b) cada indivíduo se diferen-cia do outro, por condições estritamente na-turais, de aptidão, (c) a capacidade de adap-tação de cada indivíduo constitui condição

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para o suposto ingresso e permanência nomercado de trabalho, despolitizado e alimen-tado pelo esforço e a sorte de cada um e,conseqüentemente, esvaziando as possibili-dades de organização política e de ofensivado Trabalho contra o Capital, (d) a progressi-va privatização das políticas sociais e, espe-cificamente da educação, e, em contraparti-da, o apelo do Estado ao denominado tra-balho voluntário, (e) a produção da aversãoe da indiferença pela política na busca depreservar a hegemonia do Capital e de seusconscientes e competentes representantes.Arce (2000) avança em sua reflexão assina-lando alguns aspectos que caracterizam oconstrutivismo. Nós não registraremos aquia riqueza das observações formuladas pelareferida Autora, antes, atentaremos, para umade suas afirmações que contempla a finali-dade em pauta.

O construtivismo apresenta de formaexemplar a função máxima que a educa-ção pode exercer neste contexto: desenvol-ver cada vez mais a capacidade adaptativaimposta pela sociedade aos indivíduos,que precisam desenvolver tal capacidadeadaptativa para poderem sobreviver. A es-cola empobrece-se cada vez mais; o co-nhecimento acumulado pela humanidadetorna-se algo para poucos; o senso co-mum invade a escola disfarçado de ‘sabe-doria popular’ (...), e o professor deixa deser um intelectual para se tornar um mero‘técnico’ ou ‘acompanhante’ do processode construção do indivíduo. Mas a forma-ção desse professor ainda não se adaptoua esse novo modelo; a formação universi-tária arcaica e acadêmica impede o pro-fessor de exercer na sua plenitude o cons-trutivismo (...). Por isso faz-se necessáriorever a formação docente e ela tambémdeve ser construtivista (Arce, 2000, p.52).

Quais seriam, então, as proposiçõesconstrutivistas presentes nas práticas forma-tivas do trabalhador docente?

As propostas dos construtivistaspara formar os professores são criticamen-te analisadas por Arce, com base nas for-mulações de Fosnot (Arce, 2000, p. 55-57).Das principais proposições apresentadas,citamos uma que nos parece relevante parao exame das mediações entre competên-cia, formação docente e educação para otrabalho e a cidadania.

O curso deve fornecer ao futuro professorum aprofundamento na epistemologia ge-nética e no desenvolvimento infantil a par-tir da visão construtivista levando em consi-deração os seguintes itens: a) o conheci-o conheci-o conheci-o conheci-o conheci-mento da realidade, não se consti-mento da realidade, não se consti-mento da realidade, não se consti-mento da realidade, não se consti-mento da realidade, não se consti-tui em cópia objetiva dessa realida-tui em cópia objetiva dessa realida-tui em cópia objetiva dessa realida-tui em cópia objetiva dessa realida-tui em cópia objetiva dessa realida-de, dependendo sempre das inter-de, dependendo sempre das inter-de, dependendo sempre das inter-de, dependendo sempre das inter-de, dependendo sempre das inter-pretações pessoais; b) as constru-pretações pessoais; b) as constru-pretações pessoais; b) as constru-pretações pessoais; b) as constru-pretações pessoais; b) as constru-ções ocorrem dentro dos processosções ocorrem dentro dos processosções ocorrem dentro dos processosções ocorrem dentro dos processosções ocorrem dentro dos processosde acomodação e assimilação; c)de acomodação e assimilação; c)de acomodação e assimilação; c)de acomodação e assimilação; c)de acomodação e assimilação; c)aprender é um processo de constru-aprender é um processo de constru-aprender é um processo de constru-aprender é um processo de constru-aprender é um processo de constru-ção não de acumulaçãoção não de acumulaçãoção não de acumulaçãoção não de acumulaçãoção não de acumulação; d) o signifi-cado da aprendizagem é reflexo da reso-lução de conflitos que ela provoca (Fosnotapud Arce, 2000, p. 56; grifos nossos).

Essa citação reforça, em nosso enten-dimento, o campo de uma concepção quecentrada na noção de competência; dos te-mas transversais e do construtivismo, - numcontexto histórico em que a racionalidademovida pela produção do lucro objetiva amercantilização de todas as dimensões dasociabilidade posta -, busca escamotear ese possível negar a possibilidade de apro-priação de alternativas para compreendere transformar radicalmente os limites histó-ricos das relações entre Capital, TrabalhoAssalariado e Propriedade Privada.

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Os defensores da empregabilidade edas competências acenam com uma visãomais humana e construtivista da educação;reafirmam o velho dilema, herdado destavez pela burguesia, relativo à reproduçãoda capacidade produtiva da classe que vivedo trabalho; reconhecem, consensualmente,a consciência do empresariado em relaçãoà necessidade de educação para todos,articulada à modernização e competitivi-dade requerida ao País pelas transforma-ções tecnológicas. Propõem, enfim, a forma-ção de um “novo ser”, centrada na aptidão,na competência e em sua consciência en-sinada a ser e a pensar.

Diante do exposto, avaliamos que asreformas educacionais em curso fomentama redução do indivíduo às habilidades cog-nitivas de sua consciência e às supostascompetências que articulam suas possíveiscondições de adaptação, nos limites daeducação para o trabalho (Capital) e paraa cidadania (Estado). Com base nessa apre-ciação consideramos que a proposta emtela se contrapõe às possibilidades de umprocesso de escolarização que contribua naperspectiva de remover radicalmente aspráticas sociais que objetivam a alienação,a exploração e controle do Trabalho peloCapital.

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Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Aprovado para publicaçãoem 15 de abril de 2004.Aprovado para publicaçãoem 15 de abril de 2004.Aprovado para publicaçãoem 15 de abril de 2004.Aprovado para publicaçãoem 15 de abril de 2004.Aprovado para publicaçãoem 15 de abril de 2004.

Carneiro Leão: a educação popular e a formaçãoCarneiro Leão: a educação popular e a formaçãoCarneiro Leão: a educação popular e a formaçãoCarneiro Leão: a educação popular e a formaçãoCarneiro Leão: a educação popular e a formaçãode professoresde professoresde professoresde professoresde professores

Josie Agatha Parrilha da Silva*Maria Cristina Gomes Machado**

* Mestranda em Educação pela Universidade Estadual deMaringá.e-mail: [email protected]

** Doutorado em Filosofia e História da Educação pelaUniversidade Estadual de Campinas. Professora do Mes-trado em Educação da Universidade Estadual de Maringáe atual coordenadora do GT – Maringá do Grupo de Pesqui-sas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR).e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoCarneiro Leão (1887-1966) ao defender uma educação popular no Brasil, diferente da educação livrescaofertada para uma minoria da população, propunha a organização nacional do ensino sob responsabilida-de do Governo Federal. Para tanto, insistia na necessidade de reformar o ensino, e concebia que isto exigiauma reforma geral da escola normal, pois esta prepararia os futuros professores. Assim, este trabalhopretende analisar a proposta de Carneiro Leão para o curso normal, por meio de alguns de seus textosescritos e publicados conjuntamente no livro “Problemas de Educação” (1918). Para este autor, os cuidadoscom a formação do professorado tornavam-se fundamentais, o curso normal deveria “ensinar a ensinar”crianças, para tanto, deveria incluir em seu programa a psicologia aplicada à educação, bem como estágiose atividades práticas.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveInstituições educacionais; pensamento pedagógico; Carneiro Leão; Escola Normal.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractCarneiro Leão (1887-1966) on defending popular education in Brazil, different from the bookish educationoffered to a minority of the population, proposes a national organization of teaching under the responsibilityof the Federal Government. For this, he insists on the necessity of reforming teaching and perceives thatthis demands a general reform in teacher training schools, as these prepare the future teachers. Thus, thisstudy intends analyzing the proposal of Carneiro Leão for the teacher training course through the use ofhis written and published texts together with the book, Problems of Education (1918). For this author, carewith the training of teachers became fundamental, the teacher training course should “teach how to teach”children, and for this, should include in the program psychology applied to education, as well as trainingperiods and practical activities.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsEducational institutions; pedagogical thought; Carneiro Leão; teacher Training School.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 103-118, jan./jun. 2004.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

O objetivo deste trabalho é conhecera proposta de Carneiro Leão (1887 - 1966)para a formação de professores. Todavia,não é possível compreendê-la isoladamenteda proposta do autor de difusão da edu-cação popular e nem desvincular as mes-mas das necessidades sociais do Brasil, noinício do século XX. Assim, buscou-se apre-sentar as suas idéias, tomando-se por baseas transformações pelas quais a socieda-de brasileira atravessava no período apon-tado acima. Carneiro Leão, ao defender aorganização de uma educação para asclasses populares diferente da educaçãolivresca ofertada pelos estados brasileiros,propunha a organização nacional do ensi-no sob a responsabilidade do Estado. Noentanto, insistia na necessidade de primei-ro realizar uma reforma geral da EscolaNormal para, em seguida, iniciar a reformado ensino nacional. A mudança para elesó ocorreria quando os professores assu-missem uma nova postura quanto ao con-teúdo e ao método utilizado nas escolas.

Elegeu-se, como fonte de investiga-ção, o livro Problemas de Educação (1918),organizado a partir de artigos publicadosnos jornais O País e Jornal do Comércio. Eentre estes, foram selecionados onze arti-gos, que tratam a formação de professo-res: Carta Aberta ao Conselheiro RodriguesAlves; A Educação no Brasil; Conselho Naci-onal de Educação - Ao Congresso Federal;O Congresso Federal e a Educação Primá-ria; Conselho Superior de Ensino e Conse-lho Nacional de Educação; A Educação emSão Paulo; Um Apelo - Ao Exmo Sr. Dr.

Wenceslau Braz; A Reforma do Ensino Nor-mal; Estágio Escolar; Livros Didáticos e DaHigiene Escolar.

Este trabalho foi organizado em trêsmomentos, no primeiro, fez-se uma contex-tualização do período, destacando as trans-formações sociais, econômicas, políticas eeducacionais pelas quais o país atravessa-va. Na seqüência, a biografia do educadorCarneiro Leão e, no terceiro, apresentou-sesua proposta educacional, enfatizandoaquelas relativas à formação de professo-res. Buscou-se mostrar que as propostas deCarneiro Leão estavam em sintonia comas questões que se discutiam em sua épo-ca, e que o aspecto fundamental delas eraa defesa da escola pública, organizada emantida pelo Estado.

A seguir far-se-á a apresentação dopanorama social, econômico, político e edu-cacional do período delimitado, o qual com-preende o final do século XIX até as refor-mas da década de 1920, que marcaramprofundamente o ensino brasileiro. Por acre-dita-se que, para a compreensão das pro-postas educacionais de Carneiro Leão, épreciso conhecer sua vida e obra dentro docontexto em que ele vivia.

1 Transformações sociais do1 Transformações sociais do1 Transformações sociais do1 Transformações sociais do1 Transformações sociais doperíodo e a educaçãoperíodo e a educaçãoperíodo e a educaçãoperíodo e a educaçãoperíodo e a educação

No final do século XIX, o país princi-piava o regime político republicano, deno-minado Primeira República ou RepúblicaVelha (1889-1930). Sua política era basea-da na descentralização do poder. Aos pou-cos, foi se acentuando o caráter oligárquicodo novo regime e sua estabilidade política.

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No sistema econômico, permaneceu a pre-dominância do sistema agrário, sendo ocafé o produto de maior destaque, nãoobstante surgissem as primeiras indústriase ocorresse o crescimento urbano. Com re-lação ao ensino, manteve-se a tendênciaem defender a difusão do ensino popularpara a formação do cidadão, discussão jáiniciada no período monárquico. De umlado, foi sendo intensificada, por alguns in-telectuais e políticos, a defesa do Estadoresponsabilizar-se pela educação, principal-mente pela instrução primária. De outro, como regime republicano, a política de ensinobaseava-se na não intervenção do Estadona educação.

Em meio a esta discussão sobre cen-tralização versus descentralização, foi pro-mulgada a Constituição da República dosEstados Unidos do Brasil (1891). Esta, decaráter descentralizador, deixou a instruçãoprimária a cargo dos estados e, no DistritoFederal, aos municípios. Com esta orienta-ção, ficou sob a responsabilidade do Go-verno Federal o ensino superior e secundá-rio, apesar de não ter exclusividade sobreeste. Os analfabetos continuaram excluídosdo voto, pois o artigo 70 determinava quesó poderiam votar os cidadãos maiores de21 anos, sendo, contudo, impedido de votoe de se candidatarem a cargos políticos osmendigos, os analfabetos, os soldados ra-sos do exército e os religiosos (Barbosa,1946). O ensino secundário e superior eramvisivelmente voltados para a elite brasilei-ra. E ao povo, restava o ensino primário,que “se processava, no entanto, irregular-mente, segundo as grandes diferenças denível econômico e cultural entre os diver-

sos estados da União” (Azevedo, 1996, p.621). Assim, a educação brasileira perma-necia praticamente a mesma do períodomonárquico, basicamente humanista, sal-vo algumas iniciativas isoladas.

Nem mesmo a Constituição conse-guiu encerrar a discussão em torno da in-tervenção do Estado na educação. Assim,durante toda a República Velha, permane-ceu o debate sobre a necessidade de umaeducação nacional e, muitos intelectuaisfaziam a defesa de o Estado encarregar-seda oferta de uma escola laica, obrigatóriae gratuita para o povo. Visto ser essa uma“tendência mundial do início do século deconstituir-se o Estado - Nação” (Schelbauer,1998, p. 95). Apareceram alguns trabalhoscontrários à política descentralizadora,como A Educação (1909) de Carneiro Leão,que sugeria a difusão do ensino pelo Esta-do, bem como idéias de renovação escolar(Lemme, 1984). Esta obra originou-se desua conferência pronunciada no I Congres-so de Estudantes, em São Paulo, como vice-presidente da delegação acadêmica daFaculdade de Direito do Recife. Leão for-mou-se em Direito em 15 de dezembro de1911, passando a exercer o magistério e ojornalismo em Recife.

Ao se considerar que o Brasil nãovivia isolado do restante do mundo, ficamais fácil compreender o que se passavaaqui ao se buscar o entendimento dastransformações que ocorriam no mundo e,em especial, na Europa. Naquele continen-te, o Capitalismo vivia uma nova fase, oImperialismo, marcada pela grande concen-tração da produção e do capital nas mãosde grupos cada vez menores. Com o de-

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senvolvimento industrial e de monopólios,foi ocorrendo um aumento da produção eos produtos não eram totalmente absorvi-dos no interior dos países que os industri-alizavam. Por outro lado, não havia espa-ço para todos os trabalhadores nas indús-trias, gerando baixos salários, desempregose o crescimento da miséria. O Imperialismocaracteriza-se, portanto, pelo monopólio depequenos grupos e excesso de produção,de um lado, e pela falta de trabalho e mi-séria de outro, acirrando a crise capitalversus trabalho. Uma das soluções encon-tradas pelas potências capitalistas foi aexportação de capital financeiro e huma-no para os países não industrializados que,em troca, deveriam fornecer matéria-primae consumir seus produtos. Contudo, segun-do Lemme (1984) esta dominação daspotências capitalistas não se manteve deforma pacífica. Os países industrializadosse organizaram, de um lado França, Ingla-terra e Rússia e, de outro, Alemanha e oImpério Austro-Húngaro. Estes dois blocosentraram em choque, provocando a Primei-ra Guerra Mundial (1914-1918).

A dificuldade de importação de pro-dutos, devido à guerra, favoreceu o cresci-mento das indústrias brasileiras, gerandomaior necessidade de mão-de-obra, o quecontribuiu para acentuar a preocupaçãonacional com o ensino para os trabalha-dores. Dentre os diferentes segmentos dasociedade que se ocupavam com tal ques-tão, destacam-se, os industriais, que forma-vam a burguesia brasileira em franca as-censão. Eram, sobretudo, dois fatores queprovocavam o interesse deles pela educa-ção: para operar o sistema industrial havia

necessidade de instrução e a alfabetizaçãogarantiria o direito de voto. Parte da bur-guesia acreditava que, por meio do votodos trabalhadores, poderia conquistar mu-danças políticas, o que colaboraria para adefesa de seus interesses e consolidaçãodo seu poder.

O capitalismo vai se desenvolvendono Brasil e com ele as novas relações detrabalho, intensificou-se o processoimigratório, sendo a maioria dos imigran-tes de origem européia e asiática. Com acrescente industrialização e urbanização,visualizaram-se diversas transformações,entre estas: o trabalho assalariado, o au-mento da população urbana, o crescimen-to das cidades, a divisão do trabalho e aformação de novas camadas sociais. Namedida em que a sociedade ficava maiscomplexa, diversificaram-se as profissões eampliaram-se as classes sociais, de um ladovai surgindo, de maneira desarticulada, aclasse média, formada por diversos ramosprofissionais e de outro vai se articulandoa classe trabalhadora e desenvolvendonesta a consciência de classe.

De acordo com Carone (1977), ape-sar do crescimento, as indústrias brasileirasforam atingidas por intensas crises, princi-palmente as têxteis. Algumas fábricas re-duziram o horário de trabalho, demitiramoperários e chegaram ao extremo de fecharparcial ou totalmente suas portas. Em meioa estas dificuldades e sentindo-se ameaça-dos, os operários, que já possuíam algunssindicatos organizaram diversos movimen-tos grevistas, entre os anos de 1917 e 1918.A criação, em 1918, do Departamento Na-cional do Trabalho marcou o início das dis-

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cussões trabalhistas entre governo, indus-triais e operários no Brasil.

Ao final da Primeira Guerra Mundial,as potências capitalistas vencedoras esta-beleceram a partilha da maior parte do ter-ritório do planeta, para poderem dominare explorar, sistematicamente, os países nãoindustrializados. Encontrando-se o Brasilentre os países dominados, obtinha emprés-timos com altas taxas de juros, devendo,em troca, fornecer matéria-prima e adquiriros produtos e mão-de-obra excedentes.Assim, a partir da década de 20, o Brasilpassou a sentir, mais intensamente, a crisecapital versus trabalho. Aos poucos, vãosurgindo novos pensamentos e teorias paraexplicar e solucionar esta crise, movimen-tos políticos, sociais, correntes ideológicas eculturais, muitas delas transportadas nasbagagens dos imigrantes europeus quepara cá se dirigiram. Destacaram-se entreestes movimentos: o sindicalista, o nacio-nalista, o católico, o anarquista e o moder-nista, com a realização da Semana de ArteModerna em 1922. Muitos intelectuais epolíticos se colocavam a favor da necessi-dade de modernização da sociedade bra-sileira, acentuando a defesa da educaçãocomo resposta a esta problemática. Nesseperíodo, foi difundida fortemente a crençade que a educação poderia contribuir paracivilizar e modernizar a sociedade. Moder-nizar e civilizar eram palavras de ordem nomundo imperialista, onde capital e traba-lho não tinham fronteiras. A maior preocu-pação educacional relativa à extensão doensino popular, com ênfase na alfabetiza-ção, aos poucos, voltou-se para a organi-zação do ensino, por meio de novos méto-

dos e técnicas que garantissem qualidadeà educação escolar. Ao ganhar força a pro-posta de que esta deveria formar a mão-de-obra nacional especializada, começa-sea pensar no ensino profissionalizante, o qualvisava à profissionalização pelo ensino téc-nico (Nagle, 1976).

As reformas de ensino na Europa:Inglaterra, Alemanha e França, somadas àstransformações políticas e econômicas noBrasil criaram condições para a fermenta-ção de novas idéias, culminando com omovimento reformador da cultura e da edu-cação (Niskier, 1996). Em conseqüência, adécada de 1920 foi marcada pelo entusi-asmo de educadores e por reformas esta-duais que buscavam atender ao novo sis-tema econômico e à demanda social, comênfase na reestruturação do ensino. Ematendimento, ainda, à política estadualistae à descentralização do ensino, diversasreformas foram implementadas na déca-da de vinte, em nível estadual e tiveram umcaráter individualista, na medida em queagrupavam idéias de um único ou de umpequeno grupo de educadores (Niskier,1996). Seguiram-se as reformas: SampaioDória, em São Paulo (1920); Lourenço Fi-lho, no Ceará (1922-1923); Francisco Cam-pos, Minas Gerais (1927-1928); Fernandode Azevedo, no antigo Distrito Federal(1927-1930); Anísio Teixeira, na Bahia(1924) e no Distrito Federal (1932-1935);Lisímaco Costa, no Paraná (1927-1928) eCarneiro Leão em Pernambuco (1928-1930).

Na reforma de Pernambuco, Carnei-ro Leão colocou em prática algumas desuas idéias educacionais. Todavia, a orga-

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nização do ensino em nível nacional, alme-jada por ele, ainda demoraria décadas paraacontecer.

Na seqüência a vida e obra de Car-neiro Leão tendo como referência a biogra-fia elaborada por Araújo (2002).

2 Vida e obra de Carneiro Leão2 Vida e obra de Carneiro Leão2 Vida e obra de Carneiro Leão2 Vida e obra de Carneiro Leão2 Vida e obra de Carneiro Leão

Antonio de Arruda Carneiro Leãonasceu em dois de julho de 1887, na capi-tal de Pernambuco, Recife e faleceu na ci-dade do Rio de Janeiro, em 31 de outubrode 1966. Seus pais, Antonio Carlos Carnei-ro Leão e Elvira Cavalcanti de Arruda Câ-mara Carneiro Leão, eram de família tradi-cional e culta; o pai foi um poeta e seu tio,Laurindo Leão, professor de Filosofia doDireito. Concluiu seus estudos primário esecundário em Recife e iniciou o curso deDireito na Faculdade de Direito nesta mes-ma cidade. Em sua formação, recebeu gran-de influência do positivismo, contribuindocom sua maneira de entender os proble-mas da sociedade, entre estes os da edu-cação, e ainda na valorização das ciências.Em 1909, escreveu A Educação, na qualsugeria a difusão do ensino pelo Estado,bem como apresentava idéias para a re-novação escolar. Esse livro originou-se desua conferência pronunciada no I Congres-so de Estudantes, em São Paulo, como vice-presidente da delegação acadêmica daFaculdade de Direito do Recife.

Formou-se, Carneiro Leão, em Direi-to, em 15 de dezembro de 1911, obtendodistinção em todas as matérias. Após suaformatura, passou a exercer o magistério eo jornalismo em Recife. Entre os anos de

1915 a 1916, Carneiro Leão realizou con-ferências no Rio de Janeiro e em São Pau-lo, assumindo que estava em campanha afavor da educação popular. Pode-se perce-ber a preocupação de Carneiro Leão coma crise que o mundo e o Brasil estavamatravessando, e a crença de que a educa-ção, ligada ao civismo e ao trabalho, con-tribuiria para superar essa crise e equipararo país às nações mais desenvolvidas. Comoresultado de suas conferências, lançou, em1916, O Brasil e a Educação Popular. Nes-te mesmo ano, Carneiro Leão mudou-separa o Rio de Janeiro, onde, além de exer-cer a advocacia, trabalhou como jornalistano Jornal do Brasil. Permaneceu em cam-panha em favor da educação popular, rea-lizando inúmeras viagens, do Amazonas aoParaná, proferindo conferências e publican-do artigos. Em 1918, publicou o livro Pro-blemas de Educação, composto por umconjunto de idéias que foram apresenta-das e discutidas durante quatro anos noJornal do Comércio e em O País. Essas idéi-as antecederam à discussão sobre a edu-cação popular, que enfatizava aobrigatoriedade escolar, a extinção do anal-fabetismo e a necessidade de discussão deum novo sistema educacional, que contri-buísse com a educação para o trabalho.Em 1922, escreveu o livro Os deveres dasnovas gerações brasileiras, que foi publica-do apenas em 1923. Neste, levantou as“preocupações nacionais [...] as necessida-des da nossa civilização e as imposiçõesda nossa vida política, econômica mentale social” (Leão, 1923, p. 13).

Carneiro Leão ocupou o cargo dediretor-geral da Instrução Pública de novem-

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bro de 1922 a novembro de 1926, no Go-verno de Arthur Bernardes. Na tentativa detransformar a educação do Distrito Federalem modelo para o país, imprimiu-lhe umadiretriz científica, bem como procurou darmelhor preparação para o professor. Paraisso organizou, pioneiramente, cursos deaperfeiçoamento para o magistério e ativi-dade docente ligada à realidade; utilizoulaboratórios e oficinas; preocupou-se coma higiene, a assistência social, a saúde e aeducação física. Em 1924, solicitou a Hei-tor Lyra que o ajudasse no projeto de refor-ma do ensino técnico e, dois anos após,com a renovação dos programas primári-os. Nomeou 20 escolas pelo nome de paí-ses, na maioria europeus, com o intuito depromover a fraternidade e a solidariedadeentre as nações, em contraposição à guer-ra, pois acreditava que dirigentes e educa-dores deveriam direcionar a educação parao entendimento internacional. Ainda no anode 1924, ao lado de Heitor Lyra e de outroseducadores, fundou a Associação Brasilei-ra de Educação (ABE), permanecendocomo presidente de 1924 a 1925.

Em 1928, Carneiro Leão a convite doentão governador Estácio Coimbra elabo-rou a reforma de ensino do estado de Per-nambuco, oficializada pelo Ato nº 1.237 de27/12/1928. Nesse projeto, entre as mui-tas inovações, fica evidente a organizaçãodo sistema educacional com prioridadepara o que se entendia como qualidade eeficácia: introdução de métodos ativos; ci-entificidade no ensino; modernização daatividade escolar; grande preocupação coma higiene, tanto dos estudantes quanto dosprédios, cuidados com saúde e educação

física; ensino de sociologia no curso nor-mal; nomeação de diretores e professores;obrigatoriedade da freqüência; adoção delivros e medidas coercitivas para o sistemaescolar, inclusive para os estabelecimentosparticulares, os quais foram equiparados aosistema estadual (Nagle, 1976). Sua refor-ma tinha como objetivos gerais: qualifica-ção de mão-de-obra voltada para ativida-des práticas que despertassem na criançao gosto pelo trabalho, a partir do ensinodo jardim de infância e primário. E, ao in-troduzir a sociologia nos programas, de-monstrou sua preocupação quanto ao pa-pel que a escola deveria desempenhar fren-te às reformas sociais e ao progresso. A re-forma proposta por Carneiro Leão estavaem sintonia com as demais reformas, po-rém, para Nagle (1976, p. 203), destacou-se na medida em que estabeleceu “para aadministração escolar uma esfera de atri-buições de natureza técnico-pedagógicas,em outras palavras, separaram-se os seto-res propriamente administrativos dos seto-res propriamente técnicos”.

Engajado na política do país, em1929, Carneiro Leão assumiu o cargo desecretário da Justiça e Negócios Interioresdo Estado de Pernambuco, voltando-se,principalmente, às questões educacionais.Em 1930, perdeu seu cargo quando osmilitares assumiram o poder e derrubaram,além do presidente Washington Luís, ogovernador pernambucano Estácio Coim-bra. Com isto, sua reforma, como a maioriadas outras não teve grande durabilidade.Ele voltou ao Rio de Janeiro, dedicando-senovamente à sua carreira de advogado ejornalista.

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Em uma das conferências da ABE,Getúlio Vargas solicitou que os educadoresdefinissem uma proposta de ensino de acor-do com o atual governo. Para atender estepedido foi elaborado um documento, des-tinado ao povo e ao governo que contin-ha “as diretrizes de uma verdadeira políticanacional de educação e ensino, abrangen-do todos os seus aspectos, modalidades eníveis” (Lemme, 1984, p. 265). Nasce assim,o Manifesto dos Pioneiros da EducaçãoNova, documento que propunha a criaçãode um sistema educativo para atender àsnovas diretrizes econômicas, políticas e so-ciais, pela via da Escola Nova.

Após a publicação deste documen-to Carneiro Leão continuou a dedicar-se àcausa educacional. Desenvolveu diversasatividades e ocupou diferentes cargos. Foiprofessor de várias disciplinas, desde Filo-sofia, em Recife, à Educação Comparadana Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-tras da Universidade de Guanabara. Foimembro do Instituto Arqueográfico e Geo-gráfico Pernambucano, diretor da EscolaNormal de Artes e Ofícios Wenceslau Braze diretor do Ministério da Agricultura, Indús-tria e Comércio, no período de 1931 a 1933.Recebeu convite para fazer parte da Aca-demia Brasileira de Letras, onde tomouposse em primeiro de setembro de 1945.Foi criador e diretor do Centro de Pesqui-sas Pedagógicas da Faculdade Nacional deFilosofia, e membro do Instituto Histórico eGeográfico, da cidade do Rio de Janeiro,bem como de outras instituições e institu-tos. Realizou, ainda, atividades no exterior,como, por exemplo, membro do Institutode França, da Academia Francesa de Le-

tras, ocupando a cadeira que pertenceu aJohn Dewey. Foi conferencista em diversasuniversidades pelo mundo, desde o Uruguaiaté a França.

Com relação ao jornalismo, foi fun-dador, em 1920, de O economista, revistade economia e finanças do Rio de Janeiro,redator dos jornais O Pernambuco, de Re-cife, O País e Autores e Livros, do Rio deJaneiro, e colaborador em diversas revistasdo exterior. Contudo, sobre sua vida pesso-al muito pouco se sabe, a não ser que foicasado com Sathie Augustine Manuelle,professora de língua e literatura francesa,da Faculdade Nacional de Filosofia.

Produziu uma bibliografia muitoampla: livros, análises literárias, biografias,artigos para revistas e discursos publicadosem diversas áreas. Destacam-se as obrasque se referem à questão educacional: Edu-cação; O Brasil e a Educação Popular; PelaEducação Rural, conferência proferida emCuritiba; Problemas de Educação; Os Deve-res das Novas Gerações Brasileiras; O Ensi-no na Capital do Brasil, no Jornal do Co-mércio; Organização da educação em Per-nambuco, justificação, lei orgânica, explica-ções e comentários; A Reforma da Educa-ção em Pernambuco, conferência na ABE;Introdução à Administração Escolar; A Edu-cação nos Estados Unidos; Ideais e preo-cupações de uma época, no Jornal do Co-mércio; Planejar e Agir; A Educação para oapós guerra, Jornal do Comércio; A Educa-ção para o Mundo Democrático, MEC; AsFaculdades de Filosofia e a Cultura Brasi-leira; A área Cultural e a Tendência Presen-te para o Internacionalismo; Adolescênciaseus Problemas e sua Educação; Panora-

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ma Sociológico do Brasil. Vários trabalhosseus foram traduzidos para o espanhol, fran-cês e o inglês. Seguem outras obras suas:Meus heróis; Panorama sociológico do Bra-sil; São Paulo em 1920; Palavras de fé; Amargem da história da república; Ensaiodas línguas vivas; Tendências e diretrizes daescola secundária; A sociedade rural; Fun-damentos de sociologia; Pensamento eação; Discursos na Academia Brasileira deLetras; O sentido da evolução cultural doBrasil; Visão panorâmica dos Estados Uni-dos; Nabuco e Junqueira; Poesia; O cultoda ação de Verhaerem; Victor Hugo no Bra-sil; Clóvis Beviláqua, homem de letras, o fi-losofo, o sociólogo, o jurista.

Araújo (2002, p. 121) afirmou queAnísio Teixeira considerava Carneiro Leão“um marco na história da educação brasi-leira, declarando que foi com ele que se ini-ciou a carreira do educador profissional, doadministrador escolar, com formação filo-sófica e técnica apropriada”. Para comple-mentar o perfil de Carneiro Leão, segue adefinição feita por Araújo (2002, p. 122)sobre ele: “Homem de seu tempo, partilhoudas idéias e ideais comuns aos grandesintelectuais de sua época, em particular, dosseus colegas educadores; vivenciou ambi-güidades e contradições, ao lado da digni-dade, honradez e compromisso com queabraçou as suas crenças.”

Como as propostas de Carneiro Leãopara a formação de professores são o ob-jeto deste estudo, organizaram-se as idéiasem relação a este tema, contidas nos arti-gos já citados, que compõem o livro Pro-blemas de Educação.

3 Proposta para a Formação de3 Proposta para a Formação de3 Proposta para a Formação de3 Proposta para a Formação de3 Proposta para a Formação deProfessoresProfessoresProfessoresProfessoresProfessores

Carneiro Leão denunciava a realida-de do ensino brasileiro. Um ensino clássicoe livresco, voltado para a classe dominantee dentro desta, apenas os filhos dos colo-nos e os nacionais ricos. Preparava esta par-cela da população para a política ou em-pregos públicos. Por outro lado, a maioriada população, ou seja, os 80% restantes,permanecia distante do sistema de ensinoe analfabeta. As poucas escolas primáriasexistentes submetiam a criança a uma dis-ciplina rígida e à memorização excessiva eaprendia-se apenas o suficiente para ler,escrever e executar as quatro operações. OBrasil, para o autor, deveria libertar-se dacultura clássica, que contribuía apenas paraas profissões públicas. De nada adiantaria,segundo ele, estender este mesmo ensinoao povo, ou apenas alfabetizá-lo e aumen-tar o número de escolas, se os professorescontinuassem usando o mesmo método econteúdo. Era preciso uma nova educação,com nova metodologia e novos conteúdos.Para tanto, entendia ser fundamental criarcondições para desenvolver uma novamentalidade do professor, o que exigia umrepensar sobre sua formação.

Para empreender estas reformas edu-cacionais, havia necessidade de o GovernoFederal arcar com as despesas pois, os es-tados não teriam condições para tanto. Deacordo com a Constituição de 1891, o ensi-no primário havia ficado a cargo dos esta-dos e municípios, enquanto ao Governo Fe-deral cabia a responsabilidade pelo ensinosecundário e superior. Carneiro Leão critica-

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va esta situação e questionava: se a Repú-blica adotava a democracia, em tese, o go-verno do povo deveria preocupar-se comsua educação. Assim interrogava: “[...] porque conservar num governo do povo a igno-rância do povo? Onde há democracia, numpaís de analfabetos?” (Leão, 1918, p. 21).

Carneiro Leão estava atento, ainda,à realidade mundial, onde ocorriam inten-sas transformações sociais, políticas, econô-micas e educacionais. Ele acreditava haveruma relação entre o desenvolvimento dasnações e a educação, por isto, entendiacomo fundamental que o povo tivesse umaeducação adequada a este novo Brasil quese formava. Neste sentido: “É este o meudesejo: evidenciar a evolução humana,mostrando o papel da educação neste de-senvolvimento, para indicar os processos deadaptação brasileira à hora presente domundo” (Leão, 1918, p. VIII).

Por conhecer a educação em nívelmundial, o autor relatava que os professo-res americanos (EUA) não podiam dedicar-se a outra profissão, deveriam ser exclusi-vamente professores e por isso, recebiambons ordenados. Sobre a preparação des-tes, colocou que, os futuros professores pre-paravam-se mais dois anos, após concluí-rem o curso secundário, para se tornaremprofessores primários. Nestes dois anos es-tudavam Pedagogia, com ênfase na práti-ca, essa formação assim se distribuía: “pri-meiro ano, psicologia, história da pedago-gia, filosofia da educação, desenho, econo-mia escolar, princípios fundamentais do jar-dim de infância; segundo, método de ensi-no, pedagogia, psicologia aplicada” (Leão,1918, p. 135). Carneiro Leão destacou que,

na Argentina, o Curso Normal era de qua-tro anos. Nele, estudava-se: pedagogia (te-oria e prática), prática de educação, traba-lhos manuais e economia doméstica. Já, noChile, a formação do professor era de cincoanos, sendo que, nos três últimos, eram ofe-recidos: pedagogia, prática de ensino e tra-balhos manuais.

O autor tinha consciência da dificul-dade de resolver o problema da educaçãopopular, mas isto não justificava a criaçãode escolas de má qualidade. Seria preciso,para garantir a educação do povo: “orien-tação, inteligência, esforço e dinheiro” (Leão,1918, p. 211). Reconhecia que alguns esta-dos brasileiros já estavam se preocupandocom a organização do ensino e destacavao Ensino Normal dos estados de São Pau-lo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Carneiro Leão acreditava que o es-tado de São Paulo era o mais adiantadoem termos educacionais e já seguia os ca-minhos desta nova educação. O lema,aprender a fazer, fazendo, era utilizado napreparação de seus professores. Em suaformação, no Ensino Normal, deveria o pro-fessor preparar-se para lidar com as crian-ças, por isto era fundamental conhecê-las.Assim, partia-se do conhecimento físico, in-telectual e moral dos alunos, mediante asaplicações da pedagogia experimental e dapsicologia. Por intermédio da pedagogiaexperimental, tinham conhecimento dascondições físicas e mentais dos seus alu-nos. Neste estado, buscava-se preparar oprofessor para o ensino prático e todas asdisciplinas eram fornecidas desta maneira.Suas escolas possuíam gabinete de peda-gogia experimental, escola de aplicação e

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jardim de infância. A escola de aplicaçãoou modelo servia para que os futuros pro-fessores pudessem colocar em prática seusconhecimentos, sob a supervisão de umprofessor responsável. São Paulo seguia afilosofia de que mais valiam dez boas es-colas, do que cinqüenta escolas desorgani-zadas. Por isso, algumas Escolas Normais,chegavam a ter de 6 a 8 horas de aula pordia. Bem como, optou-se neste estado, pelaextinção do Normal noturno, a exemplo doDistrito Federal. Havia, ainda, grande inte-resse em organizar-se a Escola Normal Su-perior. Para o autor, São Paulo, era o esta-do mais empreendedor do país, assimcomo o mais industrializado e sua educa-ção caminhava de acordo com seu desen-volvimento, com “os cursos profissionais,preparando para diversas carreiras produ-tivas, o ensino manual das classes, os mé-todos modernos, criando, desde a escolaprimária, o amor pelas ocupações práticas”(Leão, 1918, p. 80).

A reorganização do ensino normalna capital do país, Rio de Janeiro, estavasendo feita sob bases progressistas. Carnei-ro Leão elogiou seu programa de reforma,inspirado na organização americana, noqual buscava introduzir os melhores méto-dos pedagógicos. Em uma de suas escolasjá funcionava a Escola de Aplicação, ane-xa à Escola Normal, onde os futuros pro-fessores colocavam em prática os proces-sos aprendidos. Nela, os alunos aprendiamutilizando memórias visuais, táteis e auditi-vas. Todavia, Carneiro Leão ressaltava aimportância de ser colocado em prática esseprograma: “resta agora é que este progra-ma seja efetivamente executado, para que

a Escola Normal do Rio, possa rivalizar coma de São Paulo - a melhor do Brasil, e umadas melhores da América do Sul” (Leão,1918, p. 206). Enfim, Carneiro Leão apro-vou este novo programa para a EscolaNormal, com menos conhecimentos, maisprática e menor número de alunos por pro-fessor e acrescentou que “a reforma atualtem, realmente, por si, todas as vantagenspráticas. Convém prestigiá-la [...] porque estána diretriz e orientação do que de maisperfeito existe. O seu programa é esplêndi-do” (Leão, 1918, p. 201).

Carneiro Leão elogiou o estado deSanta Catarina pelo tempo e idade para aconclusão do seu ensino. A lei estadual nãopermitia às crianças ingressarem na escolaantes dos sete anos, salvo jardins de infân-cia, com isto, concluíam seus estudos aos14 ou 15 anos. Ao terminarem essa etapa,tinham duas opções, trabalhar ou iniciar oCurso Normal, em Florianópolis. Possuía,ainda, o estágio escolar e a seqüência en-tre os cursos. O estágio era feito após aconclusão do Curso Normal, no qual prati-cava-se um ano nos grupos escolares para,só depois, poder exercer o magistério.

Sendo o primeiro passo proposto porCarneiro Leão, a caminho de uma novaeducação para o povo, a formação do pro-fessor, ele propôs a reforma da Escola Nor-mal sobre bases inteiramente pedagógicas.Destacou sobre o Ensino Normal: seu pro-grama, sua metodologia, o tempo de for-mação do professor e a obrigatoriedade doestágio. Mas tudo isto voltado ao objetivode ensinar a ensinar crianças.

O Curso Normal, para atender aosobjetivos da nova educação proposta por

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Carneiro Leão, deveria incluir, em seu pro-grama, a pedologia1 ou psicologia aplicadaà educação, bem como, disciplinas que con-tribuíssem para que os futuros professoresaprendessem “a conhecer a criança e a aju-dá-la na sua formação e na sua prepara-ção para a luta da vida” (Leão, 1918, p. 135).

Carneiro Leão sugeria um ensinobaseado em métodos mais objetivos e práti-cos, para torná-lo mais intuitivo, mais práti-co e mais útil. Deveriam, todas as discipli-nas do programa, ser ensinadas intuitiva-mente e pitorescamente. Defendia a apli-cação dos princípios pedagógicos atuais,sendo estes embasados na psicologia in-fantil, e na busca da compreensão das ne-cessidades intelectuais e afetivas da crian-ça. Com tais princípios, seria mais fácil“moldá-la, conduzi-la, interessá-la e prendê-la” (Leão, 1918, p. 221).

O autor acreditava na importância demaior tempo de formação para o EnsinoNormal. O professor deveria preparar-se dedois a três anos, podendo concluir seus es-tudos aos 16 ou 17 anos. Carneiro Leãoqueria que o estágio fizesse parte da for-mação do professor, por meio dele, o pro-fessor se prepararia para exercer o magis-tério, ele argumentava, o “[...] estágio esco-lar é coisa muito séria, porque não se po-derá nunca prescindir do tempo para a com-pleta educação do homem” (Leão, 1918, p.215). Como considerava importante a for-mação de novos professores, recomenda-va até mesmo para o estado de São Paulo,que enviasse alguns estudantes ao exteri-or, para estudos de aperfeiçoamento. Su-geriu ainda que, os estados brasileiros utili-zassem a experiência dos professores

paulistas para a formação de novos pro-fessores:

[...] é incontestável a vantagem que temtodo o Brasil em fazer diretores da instru-ção pública, pelos Estados, professores tra-zidos de São Paulo, com esse grande há-bito de organização e conhecimentos dosvários processos e métodos estrangeiros,ou enviar para que se aperfeiçoem ali osseus próprios professores, como fez o Pa-raná. (Leão, 1918, p. 107-108)

Carneiro Leão acreditava que paraque o professor pudesse garantir a eficáciadesta nova proposta de ensino, deveriaestar atento ao conteúdo a ser trabalhado,bem como à saúde física e mental dos alu-nos e aos livros que seriam utilizados. Ha-via necessidade de novos conteúdos paraas escolas, e que esses se voltassem parao ensino prático e integral. A educação prá-tica favoreceria indiretamente à educaçãomoral e cívica, visto que, “as raças que tra-balham, que agem, que sabem produzir,são fortes e vitoriosas [...]” (Leão, 1918, p.38). O autor era contrário à criação da dis-ciplina de educação moral e cívica, poisconsiderava o professor como o exemplovivo de moral e civismo. O conteúdo destadisciplina faria parte de todas as matérias,História do Brasil, Geografia, etc. O profes-sor deveria conhecer e estar preparado parao novo conteúdo que seria trabalhado nasescolas primárias, além de ensinar a ler eescrever, precisaria: “[...] solidificar a nacio-nalidade pela educação cívica, dar o amoràs profissões práticas, pelo aprendizado doensino manual; fazer do povo uma fonteprodutora, ensinando a atividade, a dedi-cação pelo trabalho, pela iniciativa, pelaação útil” (Leão, 1918, p. 133). Pelas profis-

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sões práticas, prepararia o povo para tra-balhar na indústria ou no comércio. Bas-tante preocupado com a vinda do homemdo campo para a cidade, o autor sugeriuque as escolas rurais contribuíssem para “[...]incutir o amor dos campos e a diminuiçãodo êxodo para as cidades - calamidadeameaçadora” (Leão, 1918, p. 133).

Para que o ensino fosse viabilizado,era necessário que o aluno estivesse emperfeita condição física e mental. O profes-sor deveria estar atento às condições dehigiene das escolas, que abrangiam: edifi-cação, iluminação, mobílias, entre outros.Além da higiene adequada, o professor pre-cisava conhecer os hábitos que ajudariamseu aluno a manter-se saudável, como ode não deixar a criança horas seguidassentada, evitando com essa medida, desvi-os de coluna. Deveria, ainda, ensinar à cri-ança alguns princípios sobre saúde, ajudan-do-a a evitar e prevenir doenças. Poderia,também, identificar algumas doenças deseus alunos, aplicando alguns testes, comoo de visão, audição, entre outros. Os resul-tados dos testes trariam vantagens peda-gógicas, uma vez que uma criança “antesclassificada como desatenta poderia terproblemas auditivos, pois evidente é a ne-cessidade de saber as possibilidades doaluno, para dirigi-lo eficazmente, medir asua energia, para evitar o esforço desmedi-do, a fadiga mórbida” (Leão, 1918, p. 233).Recomendava, além disso, que se avalias-sem as condições e possibilidades físicas,intelectuais e morais dos pequenos.

Era essencial que o professor tivesseconhecimento a respeito da importância dolivro, pois, de acordo com Carneiro Leão,

era grande a influência que o livro exerciasobre a formação da criança. Afirmava: “olivro, em que a criança aprende, deve terum valor real para a formação do seu espí-rito e do seu caráter, e nunca servir de sim-ples pretextos para o conhecimento do al-fabeto e a capacidade de ler por cima” (Leão,1918, p. 223). Neste sentido, os livros, alémde ensinarem a ler, instruiriam a criança.Afirmava ainda, que era fundamental a in-fluência do livro didático na formação mo-ral e cívica do indivíduo e da nacionalida-de. Para tanto, era preciso conhecer o espí-rito infantil, assim seriam capazes de “com-preender as suas necessidades e o seu in-teresse, prendendo-o nos assuntos, fazen-do-o sentir e preparando-o para pensar”(Leão, 1918, p.220).

Carneiro Leão ao defender a organi-zação do ensino pelo Estado, argumenta-va a necessidade de criar escolas esubvencioná-las com um programa deter-minado e com uma direção estabelecida.Para isto, dever-se-ia inicialmente conhecera realidade brasileira e suas necessidades,saber qual a população a ser atendida e onúmero de escolas necessárias. A seguir,viria a preparação de professores, paracapacitá-los para organizar a educaçãopública, de acordo com estas necessidades,e estendendo as medidas adotadas paratoda a nação. Caberia, ainda, ao Estadoresponsabilizar-se financeiramente pelaeducação popular, pois era necessário de-senvolver o ensino primário e levá-lo a to-das as regiões do país. Carneiro Leão nãoacreditava que apenas os recursos munici-pais, por maiores que fossem, pudessem sersuficientes para extinguir o analfabetismo.

116 J.A.P. da SILVA e M.C.G. MACHADO. Carneiro Leão: a educação popular e a...

Devido à importância da preparaçãodo professor, Carneiro Leão sugeriu a cria-ção do Ensino Normal Federal, que não eli-minaria as escolas estaduais, apenas viriase somar a elas. Considerava fundamentalpara o desenvolvimento do país que o Es-tado se voltasse para a educação popular,expandindo o ensino primário. Afirmava aesse respeito: “Não percebo, para o engran-decimento nacional, melhor meio de afir-mação que a educação popular” (Leão,1918, p. 41).

Fica evidente que nas propostas deCarneiro Leão para a educação popular, odestaque à formação do professor primá-rio para que este pudesse, efetivamente,contribuir com esta nova educação. Pois oconsiderava fundamental para o ensinobrasileiro: “do mestre depende diretamenteo sucesso do ensino e é pela organizaçãode um bom professorado que se vai fazeruma boa educação” (Leão, 1918, p. 133).

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Este estudo se propôs transportar oleitor ao período vivido pelo educador Car-neiro Leão na tentativa de compreensãode suas propostas educacionais, sob aperspectiva da formação de professores, noinício do século XX. Para isso, destacou-sena primeira parte do trabalho, as intensastransformações ocorridas nos setores polí-ticos, econômicos, sociais e educacionais doperíodo e que estas mudanças se proces-savam em nível mundial, decorrentes, en-tre outros fatores, da efetivação do sistemaeconômico Imperialista e da eclosão daPrimeira Guerra Mundial. Em relação à eco-

nomia, mantinha-se o país essencialmenteagrícola, apesar das grandes crises inicia-das nesse setor. Com o surto industrial, vaise formando a classe operária e fortalecen-do-se a dos industriais, a burguesia em as-censão. Com relação à política, continuavasob o poder das oligarquias agrárias, ape-sar da burguesia ter iniciado alguns movi-mentos para tentar modificar esta situação.A Constituição Republicana (1891) conso-lidou a diretriz descentralizadora da Repú-blica, que atribuía ao Governo Federal aresponsabilidade apenas com a oferta doensino superior e médio, tornando o ensi-no primário tarefa dos estados brasileiros.Enfim, o ensino do país, em meio a estenovo contexto, mantinha-se praticamenteo mesmo do período anterior.

Na segunda parte do trabalho, reali-zou-se a biografia de Carneiro Leão, bus-cando demonstrar por meio de suas obrassua dedicação à educação, levantando asdificuldades educacionais brasileiras e pro-pondo soluções para as mesmas. Leão foium dos primeiros intelectuais a iniciar-se nacarreira de educador profissional, segundoAnísio Teixeira.

Finalmente, na terceira parte, resga-tou-se o livro Problemas de Educação e,desse fez-se um recorte de sua proposta,destacando a formação do professor. Car-neiro Leão propôs a “reforma da EscolaNormal sobre bases inteiramente pedagó-gicas e a criação de uma escola modelo deaplicação” (Leão, 1918, p. 129-130), a fimde conseguir mestres e métodos para di-fundir a nova educação. A Escola Normaldeveria ser prática, utilizar novas teorias ebuscar conhecer as aplicações da pedago-

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gia experimental, pois o objetivo era desen-volver a capacidade de ensinar. Propôs tam-bém que fosse criada a Escola Modeloanexa à Escola Normal, para que os pro-fessores pudessem escolher e aplicar osmétodos mais adequados, praticando ametodologia aprendida.

A partir do que foi exposto, pode-sedizer que as propostas educacionais deCarneiro Leão vinham ao encontro dosanseios e novas necessidades sociais dopaís. Ele acreditava que a educação pode-ria contribuir para o desenvolvimento doBrasil. Para isso, entretanto, entendia sernecessária uma nova educação, que nãoapenas extinguisse o analfabetismo, masque tornasse o homem apto a assumir seupapel frente à sociedade, pela moderniza-ção do trabalho. Esta nova educação de-veria realizar-se por intermédio de novasescolas, novos professores, programas e

métodos. A educação, neste sentido, eraapontada como fundamental para adap-tar o homem à nova realidade brasileira, àsociedade burguesa industrial, criando con-dições para que o país se tornasse umanação moderna e desenvolvida. Nas pro-postas de Carneiro Leão, havia, ainda, con-senso quanto à defesa do Estado comoresponsável pela educação, possibilitandoinferir, que suas propostas tinham comofundamento à defesa da escola pública.Enfim, Carneiro Leão levantou questõesimportantes sobre a educação no período,o que justifica conhecer-se um pouco maisa respeito de sua obra e seus projetos edu-cacionais, entre estas, a sua proposta paraa formação de professores.

Nota:Nota:Nota:Nota:Nota:1 Leão (1918) nos explica que Pedologia refere-seao estudo sobre a criança.

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Recebido em 4 de fevereiro de 2004.Recebido em 4 de fevereiro de 2004.Recebido em 4 de fevereiro de 2004.Recebido em 4 de fevereiro de 2004.Recebido em 4 de fevereiro de 2004.Aprovado para publicação em 10 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 10 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 10 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 10 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 10 de maio de 2004.

Notas de uma pedagogia da práxis... a experiênciaNotas de uma pedagogia da práxis... a experiênciaNotas de uma pedagogia da práxis... a experiênciaNotas de uma pedagogia da práxis... a experiênciaNotas de uma pedagogia da práxis... a experiênciapedagógica de Makarenkopedagógica de Makarenkopedagógica de Makarenkopedagógica de Makarenkopedagógica de Makarenko

Margarita Victoria Rodríguez

Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora do Mes-trado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco.e-mail: [email protected].

ResumoResumoResumoResumoResumoO presente trabalho é um estudo sobre os princípios pedagógicos elaborados pelo pedagogo russo AntonSemionovitch Makarenko, durante sua atuação como diretor da Colônia de Gorki, no início do século XX.Para tanto, propomo-nos refletir a respeito da construção de conceitos como trabalho educativo, disciplinaconsciente, organização, coletivo, etc. que surgem da prática pedagógica e da experiência concreta, consti-tuindo-se em uma verdadeira teoria pedagógica.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveEducação coletiva; educação política; trabalho.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe study in hand is on the pedagogical principles elaborated by the russian pedagogue anton semionovitchmakarenko, during his time as the director of the gorki colony at the beginning of 20th century. Theproposal here is to reflect upon the construction of concepts such as educative work, conscious discipline,collective organization, etc, that emerge from pedagogical practice and concrete experience, forming a truepedagogical theory.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsCollective education; political education; work.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 119-132, jan./jun. 2004.

120 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. Notas de uma pedagogia da práxis...

Na primeira metade do século XXproduz-se na Rússia a revolução bolchevi-que (1917) que implantou um governo co-munista, segundo a teoria de Marx. Em1922 foi formada a União Soviética e o obje-tivo do governo era reconstruir a sociedadecom bases comunistas; assim, era necessá-rio redefinir o sistema educativo em suatotalidade. Durante os anos vinte e iníciodos anos trinta existiram algumas experi-ências educativas que tinham como objeti-vo formar a nova pessoa soviéticanova pessoa soviéticanova pessoa soviéticanova pessoa soviéticanova pessoa soviética1.

Com a intenção de formar o homemcomunista, o governo propunha uma edu-cação obrigatória, gratuita e universal emtodos os níveis2. Neste projeto educativo, aformação dos professores era consideradade suma importância, assim como a cons-trução de escolas3.

Para tanto, as autoridades desenvol-veram intensas reformas administrativas: asescolas públicas ficaram sob a responsabili-dade absoluta do Estado - foi proibido oensino particular e a Igreja foi excluída comoinstituição educadora; implantou-se um sis-tema dual para preparar os professores -escola normal de um ano, para formar osprofessores de ensino elementar, e institutosde professores para formar os professoresdo nível elementar superior; controle dos li-vros de texto, com o intuito de evitar a infil-tração de qualquer doutrina alheia à forma-ção da personalidade do homem soviético.

A teoria educativa comunista foi seelaborando na própria práxis, porém os fun-damentos sociológicos e políticos tinhamsua base conceitual no pensamento deMarx, enunciado em O Capital e no Mani-festo Comunista, que apontavam a impor-

tância da educação no processo da cons-trução de uma sociedade socialista. Porém,Marx e Engels não fizeram nenhuma teori-zação específica que versasse sobre a edu-cação, o que dificultou a formulação teóri-ca da concepção comunista de educação.

A nova escola socialista estava cen-trada no valor educativo do trabalho, ouseja, uma sociedade comunista baseada notrabalho compartilhado e produtivo, portan-to, a escola tentava conciliar a formaçãodo indivíduo com a formação socialista.

Com efeito, a educação comunistapretendia formar o homem comunista, pormeio do conhecimento e assimilação dateoria comunista. Portanto, a educação de-via levar em conta a formação nas técni-cas e nas ciências modernas, facilitando aparticipação dos homens no desenvolvi-mento industrial da nação.

Quando morre Lênin, a Rússia entraem um processo de intensas lutas políticas.Stalin assume o poder em 1928 e tentaimpor uma ordem socialista total, implan-tando um forte governo centralizado.

Nesse contexto revolucionário, atua-ram vários intelectuais e dirigentes socialis-tas que tinham como objetivo implantar naRússia o socialismo. Entre eles, destacamos,neste trabalho, Anton Makarenko, pois par-te de sua experiência educacional aconte-ceu durante o governo de Stalin, o qualdesenvolveu métodos educativos que pro-curavam contribuir para a formação donovo homem soviético.

Este educador é considerado a maiorfigura na pedagogia russa do século XX.Suas propostas pedagógicas foram degrande contribuição, tanto para o pensa-

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mento educativo soviético, quanto para apedagogia em geral. Suas idéias pedagógi-cas exerceram uma grande influência naeducação soviética, até a queda do socialis-mo real4, especialmente no que diz respeitoà questão da formação moral e o desen-volvimento da personalidade comunista.

Anton Semionovitch Makarenko, deorigem Ucraniana, nasceu em 13 de mar-ço de 1888 na cidade de Bielopolie. O seupai era um operário ferroviário5, que traba-lhava em Kriukov.

Makarenko aprendeu a ler aos cin-co anos e, quando completou 12 anos, suafamília foi morar em outro lugar, pois asoficinas da estrada de ferro mudaram paraKriukov, no estado de Poltava Guvernia, on-de estudou numa escola municipal, para aqual dirigiam-se os filhos de comerciantese pequenos empregados. Sempre se desta-cou nos estudos, indo depois da escola mu-nicipal, em um curso de um ano, graduar-se como professor. Em 1905, foi indicadopara lecionar na escola da ferrovia, que fi-cava nas oficinas em que seu pai trabalha-va. Posteriormente, foi mestre de uma gran-de escola também da estrada de ferro6.

No período que ficou como diretordesta escola, realizou muitas atividades,contando com a cooperação de toda acomunidade. Organizaram-se festas esco-lares e uma colônia de férias para os alu-nos. Estas tarefas aproximavam os profes-sores das famílias proletárias. Também foiorganizada, pelo pedagogo, uma comissãode pais constituída pelos operários maisprogressistas, na qual eram discutidos as-suntos escolares e planejadas as ativida-des revolucionárias.

As atividades pedagógicas deMakarenko coincidem com a primeira revo-lução russa. Nestes anos começa a configu-rar seu ideário pedagógico e é nas escolasdos operários das ferrovias que se iniciamseus passos pela longa carreira educativa:

A compreensão da história nos chegouatravés da educação bolchevique e oseventos revolucionários [...] A atmosferana escola da ferrovia, onde eu ensinava,era infinitamente mais pura que em ou-tros lados, a comunidade operária, umaverdadeira comunidade proletária, conser-vava firmemente a escola em suas mãos(Medinsky, 1965, p. 9).*

O jovem Makarenko também rece-beu a influência de Máximo Gorki, escritorrusso e se refere a ele nos seguintes termos:

Gorki nos ensinou a sentir a história, nosinjetou ira e paixão, um optimismo maiorainda, e a grande alegria subjacente emsuas próprias palavras. ‘Deixa que a tor-menta explode em toda sua fúria!’(Medinsky, 1965, p. 10).*

Em 1914 Makarenko ingressou noInstituto do Magistério Poltava, que prepa-rava professores primários com um nívelmais complexo de formação, onde termi-nou seus estudos obtendo a medalha deouro. Foi um dos melhores alunos do Insti-tuto, o diretor A.K.Volnin afirmava:

Nas conferências de professores realiza-das no Instituto, S. Makarenko era umdos mais ativos participantes. Seus dis-cursos se distinguiam não só por sua pro-funda argumentação e sua lógica, eramexcepcionalmente bons também quantoà forma. Makarenko possuía uma rara flui-dez ao falar e, o que era mais surpreen-dente num ucraniano, um dom para aelocução sutil e equilibrada na lingua-gem puramente literária –coisa que ja-

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mais achei entre os ucranianos. Era umdom único. Podia dar uma conferência deduas ou três horas de duração em perfei-to russo literário, intercalando expressõeshumorísticas ucranianas que mantinhamviva a atenção dos ouvintes (Medinsky,1965, p. 11).*

Quando Makarenko regressa aKriuko, foi viver com sua mãe, que haviaenviuvado. Desde 1º de setembro de 1917,trabalhou como inspetor de ensino primá-rio superior. Posteriormente, o governo con-cedeu a Makarenko a responsabilidade dedirigir acadêmica e administrativamente,durante 16 anos (1929-1935), a ColôniaGorki, para menores infratores. Traslada-seposteriormente para a ComunaDZERZHINSKI, onde escreveu sua primeiraobra “Marcha dos anos 30”. Posteriormen-te escreve sua obra mais conhecida o “Po-ema Pedagógico”, que foi publicado em trêspartes: a primeira, em 1933, a segunda, em1934, e a terceira, em 1935. Logo escreveas novelas “O honor” e “Bandeiras nas Tor-res”, este último livro foi muito importante,dado que nele desenvolve suas concepçõespedagógicas. Nesse período, escreve o pri-meiro tomo de “O livro dos Pais”.

Nos últimos anos de sua vida,Makarenko dedicou-se a divulgar seus prin-cípios educativos, por intermédio de confe-rências destinadas aos professores e paisde família, que foram reunidas no livro “Pro-blemas da Educação Escolar”.

A Colonia de GorkiA Colonia de GorkiA Colonia de GorkiA Colonia de GorkiA Colonia de Gorki77777 - a construção - a construção - a construção - a construção - a construçãode uma teoria pedagógica a partirde uma teoria pedagógica a partirde uma teoria pedagógica a partirde uma teoria pedagógica a partirde uma teoria pedagógica a partirda práxisda práxisda práxisda práxisda práxis

Na sua vida profissional, Makarenkoenfrentou problemas econômicos e políti-cos. Em princípio, iniciou suas atividadescomo docente sem ter muita experiência ouconhecimentos específicos para atuar en-tre os jovens “delinqüentes”8. Porém, não secansava de procurar respostas aos inúme-ros interrogantes:

Os primeiros meses da nossa experiêncianão foram para mim e para os meus co-legas apenas um período de desespero ede tensão impotente, foram também pas-sados à procura da verdade. Em toda aminha vida nunca li tantas obras pedagó-gicas como nesse Inverno de 1920(Makarenko, 1980, p. 29).

Para romper com as resistências dosrapazes, criou estratégias pedagógicas ino-vadoras. Finalmente, teve que enfrentar tam-bém, as críticas e incompreensão de outroseducadores e das próprias autoridades quedesaprovavam os seus trabalhos.

O Departamento Educacional dePoltava, em 1920, encomendou aMakarenko a organização de uma colôniapara jovens delinqüentes. O prédio que es-tava desbastado antes da Revolução, ha-via sido usado como colônia para jovensinfratores. Assim o descrevia Makarenko, noPoema Pedagógico, parte I:

Ali se encontrava, antes da revolução, umacolônia penal para menores. Dispersou-se em 1917, deixando apenas fracos ves-tígios da sua ação educadora. A julgar peloque se conservavam nos seus registrosdeteriorados, os vigilantes, decerto esco-

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lhidos entre os oficiais subalternos na re-serva, desempenhavam as principais fun-ções pedagógicas. Consistiam elas em nãotirar os olhos dos pupilos, quer duranteas horas de trabalho, quer durante as dedescanso, e em passar as noites numquarto vizinho dos dormitórios. Tambémse ficava a saber do que os camponesesda vizinhança contavam, que os métodosa que aqueles vigilantes recorriam paraformar os seus alunos não se distingui-am por uma excessiva compilação. O seusímbolo exterior era um simples cassetete.Os vestígios materiais desta colônia eramainda mais insignificantes. A gente daregião tinha levado às costas ou em car-ros, para os seus próprios celeiros, tudo oque se podia contabilizar em unidadesmateriais: o conteúdo das oficinas e dosarmazéns, o mobiliário. Além disso, tudohavia sido despejado, até o pomar. Nadanesta história tinha, aliás, que ver comproezas de vândalos. As árvores de frutonão tinham sido cortadas, mas desenter-radas e transplantadas para outro sítio.Não havia cacos de vidro, porque os ti-nham descolado segundo todas as regras.Ninguém tinha com furiosas machada-das feito saltar as portas, cuidadosamenteretiradas dos gonzos. Os fogões haviamsido desmontados tijolo por tijolo. Só res-tava um aparador no antigo apartamentodo diretor (Makarenko, 1980, p. 23).

No mês de dezembro chegaram osprimeiros grupos de delinqüentes, eram jo-vens entre quinze e dezoito anos.Makarenko, no início, teve dificuldades paraorganizar o grupo, dado que havia sériosproblemas de disciplina. Rapidamente com-preendeu que para consolidar o grupo de-via constituir uma comunidade, organizan-do um forte núcleo de ativistas. Para tanto,formou uma guarda de colonos para vigi-ar as estradas, protegendo-as dos assaltos

e defendendo os bosques contra odesmatamento ilegal. Depois de um ano,os jovens trabalharam intensamente e re-cuperaram a colônia.

Makarenko elaborou uma propostapedagógica integral, que estava vinculadaa uma prática política e econômica. Comefeito, a sua pedagogia não era uma meraabstração, não se tratava de um simples tra-tado teórico, ela estava fundamentada poruma intensa busca de soluções aos pro-blemas cotidianos. Portanto, articulava osinteresses sociais aos individuais dos edu-candos. Na prática cotidiana, criou as condi-ções materiais e espirituais entre os estudan-tes para que eles co-participassem na orga-nização da vida escolar e produtiva, geran-do laços de colaboração, respeito, autorida-de compartilhada e disciplina, com o objeti-vo de formar personalidades solidárias e pro-dutivas, envolvidas com as necessidades dopovo e da Nova Sociedade Socialista.

Assim, aprofunda a concepção deeducação comunista, propondo um mode-lo educativo que vinculava o trabalho coma educação. Ou seja, a escola devia incor-porar os princípios da ciência e da rotinado trabalho criativo, fazendo dela um atoconsciente. Portanto, se devia eliminar adivisão social do trabalho e a distinçãoentre trabalho intelectual e manual. Porque:

Na educação soviética não há diferençasfundamentais entre o trabalho físico e otrabalho intelectual. A organização do es-forço, seu lado verdadeiro, humano, sãoaspectos tão importantes em um comoem outro (Makarenko, 1980, p. 180).

O fazer educativo devia propiciar con-dições para uma reflexão e ação questiona-

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dora à respeito da exploração capitalista,que levava à submissão das massas. Porum lado, devia permitir que as massas che-gassem a um novo patamar no qual pu-dessem desenvolver todas suas potenciali-dades físicas, mentais e espirituais. Procu-rava-se, portanto, uma formação cultural eespiritual que permitisse aos homens aapropriação dos bens espirituais e mate-riais produzidos coletivamente pela socie-dade socialista.

Partindo destes princípios educacio-nais comunistas, Makarenko, como profes-sor, se propôs desenvolver sua ação peda-gógica opondo-se veementemente contraqualquer intento de pedagogia que exal-tasse os métodos de ensino individualistas.Considerava que, para criar a nova socie-dade russa, seria necessário a organizaçãoda escola como uma coletividade, respei-tada e levando em consideração a experi-ência infantil, dado que a educação estavaao serviço da implantação definitiva docomunismo.

Por tal motivo questionava a litera-tura pedagógica da época, por considerá-la vazia de técnicas e métodos, e ser só ummero discurso que carecia de instrumentosválidos para sua aplicação. Dizia que ospedagogos nada sabiam sobre educaçãoe acusava-os de estarem nas nuvens, echamava tal pedagogia de PedagogiaPedagogiaPedagogiaPedagogiaPedagogiado Olimpodo Olimpodo Olimpodo Olimpodo Olimpo, porque só faziam teorias e re-jeitavam as técnicas.

Na verdade, nenhum dos livros so-bre educação da época dava resposta con-creta para os problemas pedagógicos quea Colônia apresentava:

O principal benefício que retirei dessasleituras foi a convicção, que de repentese transformou em certeza, de que elasnão me punham nas mãos qualquer ci-ência e qualquer teoria, e que era preci-so retirar esta da soma dos fenômenosreais que se passavam diante dos meusolhos. Nem sequer o compreendi a prin-cípio, vi simplesmente que o que tinha afazer não eram fórmulas livrescas, já que,de qualquer maneira, era incapaz de asaplicar aos fatos, mas tinha necessidadede análise imediata e de ação imediata(Makarenko, 1980, p. 30).

O ideário da escola nova também foicriticado pelo pedagogo comunista, quenão aceitava que a educação pudesse fun-damentar-se sobre as necessidades das cri-anças, porque isso implicava centrar-se noindivíduo, deixando de lado o que para eleera o centro de interesse da educação, asnecessidades do “coletivo”, da sociedade, dopaís, e fundamentalmente o sentimento dodever ligado a essas necessidades.

Vejamos o que Makarenko dizia des-tas concepções no Poema Pedagógico:

No meu relatório sobre a disciplina permi-tira-me duvidar da verdade das teses uni-versalmente admitidas naquela época, se-gundo as quais o castigo só forma escra-vos, sustentando que é preciso deixar cam-po livre ao instinto criador da criança paranos dedicarmos antes de tudo à orienta-ção e à disciplina espontâneas. Eu tinhame permitido avançar a afirmação, paramim indubitável, segundo a qual, enquantonão estava criada a coletividade com osseus órgãos, enquanto as tradições não secriavam e não se formara uma aquisiçãoinicial de habituação ao trabalho e à vidaem comum, o educador tinha o direito e odever de não se coibir do recurso à coação.Afirmava igualmente que era impossível

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fazer assentar toda a educação no interes-se, porque a educação do sentimento dodever se achava freqüentemente em con-tradição com o interesse da criança, tal,pelo menos, como ela o compreendia. Euexigia uma educação susceptível de for-mar um homem forte e de boa têmpera,capaz de executar até um trabalho desa-gradável e aborrecido se este corresponderaos interesses da coletividade. Em conclu-são defendia a idéia de uma coletividadeanimada de um espírito poderoso, rigorosose necessário fosse, e era nela, unicamen-te, que eu baseava todas a minhas espe-ranças; os meus adversários lançavam-meà cara axiomas pedagógicos e não faziammais do que cantar em todos os tons: “acriança” (Makarenko, 1980, p. 141).

Segundo Makarenko, o homem semovimentava conforme as leis da natureza,e a educação devia educareducareducareducareducar essa “natureza”conforme as necessidades da sociedade. Por-tanto, partir de uma “cultura da espontanei-dade”, como era pregado pela escola nova,levava a desconsiderar o processo educati-vo, o qual era socialmente prejudicial.

Sendo assim, os princípios escolano-vistas de autodisciplina e auto-organizaçãodeveriam ser substituídos pela DisciplinaDisciplinaDisciplinaDisciplinaDisciplinaConsciente, Consciente, Consciente, Consciente, Consciente, entendida não como a inibi-ção das ações, mas abordada num senti-do soviético, ou seja, induzir as ações cole-tivas orientadas a vencer as dificuldades. Éuma disciplina de luta, de arrojo, que leve acoletividade a conseguir os objetivos inspi-rados na sociedade comunista sem clas-ses. A disciplina consciente exigia uma “von-tade individual” totalmente integrada àvontade coletiva, necessária para o progres-so da comuna e da sociedade. Deste modo,evitar-se-ia que as crianças se acostumas-

sem a realizar seus desejos individuais eegoístas, esquecendo os seres humanos.

Além de formar a vontade do ho-mem, devia-se formar outras qualidadeshumanas como honestidade, eficiência,pontualidade, capacidade de subordinaçãoe capacidade de mando. Tanto a capacida-de de mandar, como a de obedecer, devemser ensinadas, porque elas formam partedas qualidades de um comunista. Assim, ojovem russo deveria aprender a subordinar-se perante um “camarada”9, porém não setrata de uma obediência cega para com o“senhor”, uma vez que deveria aprender,também, a mandar no camarada, quandoa sociedade comunista o demandasse.

Makarenko trabalhou estas idéias naformação dos jovens das colônias. Paratanto, organizou estas como comunidades,com o objetivo de formar nos homens so-viéticos qualidades estéticas, éticas e políti-cas, deixando de lado o método individual,que só formava indivíduos.

O métodométodométodométodométodo de ensino usado nas co-lônias baseava-se na organização de ativi-dades, que deviam ser executadas satisfa-toriamente e contava com a responsabili-dade dos indivíduos para o bem coletivo.Makarenko acreditava na necessidade deacostumar as crianças a cumprir com suasobrigações e exigir delas grandes respon-sabilidades.

A educação, portanto, deveria contri-buir para a consolidação da sociedade so-viética e o professorprofessorprofessorprofessorprofessor tinha uma papel po-lítico importante na organização do traba-lho escolar. O professor era responsável pelaformação do cidadão russo, do homem quedevia ser modelomodelomodelomodelomodelo para o mundo; homens

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que fossem construtores ativos do comu-nismo e demonstrassem ao mundo o po-der do coletivo, como forma de organiza-ção social.

O trabalho educativo exigia dedica-ção e responsabilidade social e não permi-tia equívocos, porque a educação não erauma fábrica que podia “produzir homensdeficientes”, não dispunha de um controlede qualidade como na fábrica.

Dado que a pedagogia era uma obrasocial, o educador educador educador educador educador (seja a família ou o pro-fessor) devia tomar todos os cuidados ela-borando projetos prévios ou planos de tra-balho, que definissem exatamente que tipode homem queria formar. Nesse sentido,Makarenko defende uma educação ativa,capaz de fixar as metas e os meios neces-sários para a formação do homem novo.

Assim, o objetivo de Makarenko eratransformar as crianças da colônia em cons-trutores ativos e conscientes do comunis-mo. Ou seja, fazer de cada indivíduo ummembro ativo de seu tempo e de sua soci-edade, forjar uma coletividade capaz deconstruir o estado proletárioestado proletárioestado proletárioestado proletárioestado proletário.

A experiência de aprendizagem dascolônias estava centrada na vida concreta,na resolução dos problemas do cotidiano,aprender a semear, coletar os produtos,construir as moradias, cuidar da segurançados campos e outros. Eram os conteúdosconcretos do plano pedagógico.

Para educar a responsabilidade e osentimento do dever, Makarenko colocavaas crianças no mundo real, o mundo daprodução e do trabalho. Porém, nesse fa-zer pedagógico, centrado no trabalho, for-mava-se o espírito de colaboração, solida-

riedade e camaradagem, deixando qual-quer tipo de egoísmo ou interesse pessoal.Procurava-se a formação de uma persona-lidade disciplinada, com domínio da von-tade, sempre atenta aos interesses da cole-tividade. Além de trabalhar os sentimentose os impulsos da dominação do homempelo homem. A formação política era o pivôda pedagogia de Makarenko, cada colonocomunista devia propagar suas idéias pormeio da palavra e da ação.

O pedagogo dedicou sua vida a ela-borar um método, que sendo comum eúnico, permitisse que, ao mesmo tempo,cada personalidade desenvolvesse essasatitudes e conservasse a sua individualida-de e os alunos pudessem atender seus in-teresses e crescer com liberdade.

A organização e o trabalho coletivoA organização e o trabalho coletivoA organização e o trabalho coletivoA organização e o trabalho coletivoA organização e o trabalho coletivocomo fonte de conhecimento ecomo fonte de conhecimento ecomo fonte de conhecimento ecomo fonte de conhecimento ecomo fonte de conhecimento eformação humanaformação humanaformação humanaformação humanaformação humana

“O ‘coletivo’‘coletivo’‘coletivo’‘coletivo’‘coletivo’ é um organismo socialvivo” colocado, ao mesmo tempo, comomeio e fim da educação. É um “conjuntofinalizado de indivíduos”, ligados entre si“mediante a comum responsabilidade so-bre o trabalho e a comum participação notrabalho coletivo” (Cambi, 1999, p. 560).Neste coletivo, cada membro assume res-ponsabilidades individuais e se rege pornormas disciplinares que organizam o tra-balho e as relações sociais. Por meio docoletivo, será formado o “homem novo”,seguidor dos princípios socialistas da soci-edade revolucionária.

A educação coletivaeducação coletivaeducação coletivaeducação coletivaeducação coletiva não se base-ava simplesmente na intervenção de um

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só homem, ou num só mestre. Na verdade,a essência da educação estava na organi-zação da vida da criança e no exemplo quelhe é oferecido pelo professor. O trabalhoO trabalhoO trabalhoO trabalhoO trabalhoeducativoeducativoeducativoeducativoeducativo era um trabalho de organiza-ção. A estrutura da organização exerce umaprofunda influência na conformação dapersonalidade da criança, seja na organi-zação familiar ou escolar.

Essa organização se dá no coleti-coleti-coleti-coleti-coleti-vo, vo, vo, vo, vo, que é a essência essência essência essência essência da pedagogia deMakarenko, porque só a experiência coleti-va pode desenvolver uma moralidade so-cialmente válida. Só pelo coletivo pode-seformar o homem comunista. Porém, deve-se criar um coletivo feliz, porque nesse sen-tido a coletividade tem um potencial edu-cativo e terapêutico.

Dentro do funcionamento coletivo dacolônia, o diretor (Makarenko) ocupava umpapel fundamental, dado que dirigia e ori-entava a coletividade. Assim, a ação e guiado professorprofessorprofessorprofessorprofessor eram colocados em primeiroplano. Ele atuava como modelo, comoexemplo e guia, como pai das crianças sempai, como amigo de cada colono e de cadaeducador, como companheiro de descan-sos, de dificuldades e alegrias, enfim, o di-retor era o responsável, junto com os mem-bros dos conselhos, de manter a ordemdentro da organização.

As colônias, como já manifestamos,estavam organizadas rigorosamente, os alu-nos eram chamados de colonos e forma-vam parte de um destacamento, que era acélula base da organização. Também existiaum “Conselho de Comandantes” que se reu-nia, com Makarenko para discutir os pro-blemas cotidianos que surgiam na coletivi-

dade e decidiam a respeito dos castigos quese impunham àqueles colonos que não obe-deciam às regras coletivamente definidas.

O “trabalho produtivo”“trabalho produtivo”“trabalho produtivo”“trabalho produtivo”“trabalho produtivo” não é umobjetivo individual, ele nasce da consciên-cia, do próprio coletivo, de entender que osujeito está inserido na sociedade e quedeve participar dela ativamente, e nessesentido também deve contribuir no planoeconômico. Para tanto, devem-se organizaras jornadas de trabalho adequadamente,porém não na procura da eficiência racio-nal como no modo de produção do siste-ma capitalista, senão um trabalho que hu-maniza esse sujeito. Porque ele participa,tanto na definição dos objetivos e na pla-nificação, quanto na execução desse tra-balho produtivo. Mas todas as atividadesprodutivas têm com objetivo o bem comum,o bem da coletividade (Gambi, 1999, p. 561).

O trabalho era o eixo de organiza-ção das colônias, porque desde o ponto devista teórico na educação soviética, o tra-balho era o elemento básico e componen-te essencial da educação. As colônias devi-am ser auto-sustentáveis, o trabalho doscolonos era indispensável para materiali-zar o projeto coletivo. Nas colônias, produ-zia-se para a própria subsistência (alimen-tos, vestidos, móveis, máquinas etc.) e tam-bém eram vendidos os excedentes, de for-ma a se obter recursos econômicos parafinanciar o projeto sócio – pedagógico.

Na Quinta Conferência, Quinta Conferência, Quinta Conferência, Quinta Conferência, Quinta Conferência, dirigidaaos pais, Makarenko fala da educação edo trabalho nos seguintes termos:

Não se concebe uma educação soviéticacorreta que não seja uma educação dotrabalho. O trabalho tem sido sempre fun-

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damental na vida do homem para asse-gurar seu bem estar e sua cultura.Em nosso país [o trabalho] tem deixadode ser objeto de exploração, para converter-se em motivo de honra, de glória, de va-lor, de heroísmo. Somos um estado detrabalhadores e nossa Constituição estabe-lece: ‘Aquele que não trabalha, não come’.Por isso o trabalho deve ser um dos ele-mentos básicos da educação.(...)No Estado Soviético todo trabalho deve tera categoria de uma atividade criadora, dadoque em sua totalidade está dirigido à cria-ção da riqueza social e da cultura do paísdos trabalhadores. Daí que um dos objeti-vos da educação seja a formação do hábitodo trabalho criador (Medinsky, 1965, p. 177).*

Nesse sentido, o trabalho era umaestratégia educativa, porém também eraprodutor de riqueza para poder manter acolônia. O trabalho no contexto da colôniatinha como objetivo formar o hábito do tra-balho criativo. O trabalho, portanto, tem umsentido social, o coletivo se organizava emtorno do trabalho, e para executar as tare-fas criativas os membros da colônia plani-ficavam e executavam suas ações, seguin-do uma disciplina social construída no seiodo grupo, deixando de lado os desejos eapetites individuais.

Também recomenda aos pais quedesde pequenos acostumem as crianças adesenvolverem trabalhos concretos eespecializados, a realizar tarefas que nãogostem ou que resultem desagradáveis,para habituá-los com o trabalho, não comoentretenimento, senão como um processoútil, para satisfazer necessidades sociais. Ouseja, levar lentamente as crianças a senti-rem o prazer de realizar os trabalhos por-que, estes são de utilidade social.

Makarenko afirmava na quinta con-ferência que:

A participação da criança nas tarefas fa-miliares deve começar cedo e iniciar-secom o jogo. Se lhe confiará a responsabi-lidade de cuidar seus brinquedos, de lim-par e ter em ordem o lugar onde se osguardam e o lugar onde se joga. O traba-lho deve ser proposto em linhas gerais:tudo deve estar limpo, os materiais esco-lares em ordem, os brinquedos livres depó (Medinsky, 1965, p. 181).*

Dentro da coletividade os trabalhoseram especializados e concretos. Os colo-nos trabalham meia jornada na fábrica, eoutra metade na escola, estudando. Porém,um trabalho que não fora acompanhadode uma formação, de uma instrução políti-ca e social, carecia de todo valor educativo,e era só um fazer neutro, que não condu-zia à formação do homem comunista.

A escolaescolaescolaescolaescola, não era uma mera trans-missora de conhecimentos, também tinhaum papel de socializar a cultura e a políti-ca. Nela aprendiam-se conteúdos comomatemática, literatura, língua, física etc., masas crianças aprendiam também a sentirem-se soviéticas e admirar a cultura soviética.Todas as atividades culturais tinham umconteúdo político. Embora o trabalho e ainstrução estejam separados na pedago-gia de Makarenko, eles não estavam di-vorciados, a formação que recebiam naescola e na fábrica tinha um objetivo co-mum: a formação do cidadão soviético, doconstrutor ativo e consciente do comunis-mo, que era a meta da educação.

A disciplina conscientedisciplina conscientedisciplina conscientedisciplina conscientedisciplina consciente era umaspecto importante na concepção teóricae na práxis pedagógica, sendo o objetivo e

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a meta da educação. Nesse sentido a or-ganização coletiva devia ter um regimentoconstituído por um conjunto de meios utili-zados para conseguir os resultados. Porém,este regimento só tinha sentido num con-texto de disciplina consciente, em que a “fe-licidade do coletivo” era o princípio e o fimda organização.

Na TTTTTerceira Conferência erceira Conferência erceira Conferência erceira Conferência erceira Conferência oferecidaaos pais, fala-lhes da disciplina como segue:

O termo disciplina tem várias acepções.Para uns significa um conjunto de regrasde conduta. Outros a entendem como umasérie de costumes já formados, e os ter-ceiros vêem nela somente a obediência.Do cidadão soviético exigimos uma discipli-na muito mais ampla. Exigimos que nãosó compreenda por quê e para quê devecumprir uma ordem, senão que sinta aaspiração ativa de cumpri-la do melhor mo-do possível. Exigimo-lhe, também, que este-ja disposto a cumprir com seu dever a cadaminuto de sua vida, sem esperar resoluçõesnem ordens, que possua iniciativa e von-tade criadora. E ao mesmo tempo, confia-mos que fará só aquilo que é realmenteútil e necessário para nossa sociedade, paranosso país e que não se deterá ante ne-nhuma classe de dificuldades nem obstá-culos. Mais ainda, exigimo-lhe a capacida-de de abster-se de atividades ou atos queservem unicamente para proporcionar-lheproveito ou satisfação pessoal, ou que po-dem ocasionar danos a terceiros e a toda asociedade (Medinsky, 1965, p. 157-158).*

Portanto, a disciplina era um objetivoda educação e a criança deveria aprendê-la e internalizá-la desde pequena, sendo ospais os principais responsáveis em formara consciência social e a disciplina social. Erana organização familiar que as criançasvivenciavam a disciplina. Até o próprio tomde voz usado pelos pais, para transmitir as

suas opiniões, era importante para formaras crianças na disciplina e na ética soviéti-ca. Makarenko afirmava:

Em cada família deve reger uma ordemtal que seja obrigatório indicar a menorinfração ao regimento familiar, este se devecumprir desde a pequena idade e quantomais severos sejam os pais em exigir seucumprimento, tanto menos infrações ha-verá e, em conseqüência, se evitará anecessidade de recorrer aos castigos(Medinsky, 1965, p. 166).*

Nesse sentido, a disciplina não eracega, arbitrária, não se tratava de uma sub-missão, senão a disciplina que o próprioLênin defendia, a disciplina conscientedisciplina conscientedisciplina conscientedisciplina conscientedisciplina consciente,porque não era possível falar de disciplinasem consciência.

A disciplinadisciplinadisciplinadisciplinadisciplina é um elemento impor-tante nesta concepção pedagógica, ela éexercida socialmente, e serve como instru-mento para a minuciosa organização dotrabalho coletivo e para formar os novoshomens nos valores como “dever”, “honra”e “produtividade”. (Gambi, 1999, p. 561).

Enfim, como já explicitamos, estepedagogo exerceu suas atividades em umclima muito conturbado durante o períodopós-revolucionário russo. Teve como objeti-vo cooperar na construção de uma “novaordem social” e compartilhou o entusias-mo da época pela “transformação do ho-mem soviético”, que devia engajar-se social-mente, deixando de lado todo tipo de ati-tude individualista, constituindo “novasnormas éticas”, baseadas no conceito docoletivo social.

Makarenko esteve submerso, tam-bém, num clima de profundas contradiçõespedagógicas durante os anos 1920. Por um

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lado havia uma luta contra otradicionalismo e extremismo e, por outrolado, existia uma discussão entre a peda-gogia oficial e a “pedologia”10.

Ele foi mudando sua concepção daeducação. No início aderiu à pedologia, pos-teriormente, durante os anos 1930, rejeitouesta postura drasticamente. Porém sempreprocurou conjugar a experiência bolchevistacom certas instâncias das “escolas novas” –no que diz respeito à liberdade, cooperaçãoe direitos da criança, claro que rejeitava qual-quer tipo de espontaneismo–, vinculando oprocesso educativo à evolução da socieda-de (Gambi, 1999, p. 560).

Esteve muito preocupado com os pro-blemas da pedagogia soviética relacionadoscom o trabalho e o papel dos grupos navida escolar, o problema do anti-individua-lismo e a formação de uma nova moralida-de social, propondo soluções inovadoras.

O pensamento deste pedagogo teveuma base “experimental”, ou seja, toda apedagogia proposta estava fundada naexperiência concreta, na sua prática peda-gógica junto às crianças infratoras e aban-donadas, ou seja, sua vida como mestreesteve vinculada ao mundo socialista, queestava imerso em um contexto de profun-das lutas contra a burguesia russa que haviasido deposta.

Makarenko elaborou sua concepçãopedagógica em contato direto com os jo-vens da colônia de Gorki, isto explica por-que sua pedagogia tinha uma “respostaprática” para os problemas teóricos, e suaposição não era dogmática, já que para ca-da situação havia diferentes soluções ouformas distintas de respostas. Sua pedago-

gia era dialética, baseada nos princípios do“trabalho coletivo” e do “trabalho produtivo”.

Com efeito, Makarenko consideravaque a educação devia formar “uma pessoaprofundamente envolvida na moralidadecomunista”. A escola era a responsável porformar esta pessoa através da disciplina, queconsiste na subordinação do individual ao“coletivo”. O método pedagógico estava cons-tituído por uma complexa organização soci-al, em que a responsabilidade dos sujeitosera o centro da organização, com uma roti-na de atividades centrada no trabalho e noestudo, porém adaptada às necessidadessociais e econômicas da comunidade.

Contudo, podemos salientar a atua-lidade da idéias de Makarenko, dada acomplexidade do trabalho escolar nesteinício do século. Da mesma forma que oeducador soviético teve que atuar em umclima de profunda crise social, hoje os edu-cadores, também, vivenciam no cotidianoescolar conflitos de difícil abordagem.

Porém a proposta de Makarenko nosfaz refletir sobre a abordagem dos confli-tos na colônia, através da disciplina cons-disciplina cons-disciplina cons-disciplina cons-disciplina cons-cientecientecientecienteciente, que não é um mero conceito. Trata-se de um eixo nuclear dos interesses indivi-duais, que na verdade transcende a meraresolução de um problema pontual, paraconstituir-se em um princípio pedagógico.

A disciplina era vista como argumen-to e como resposta a problemas educati-vos, porém, uma disciplina definida no pró-prio coletivo, na ação e no trabalho concre-to. O próprio trabalho escolar serve de con-teúdo pedagógico e justifica “uma ordemdisciplinar plena”, que supera o individua-lismo e se expande para o coletivo.

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Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1A Rússia, neste período, foi também influenciadapelas inovações da Escola Nova: especialmente opensamento de Dewey, Kilpatrick, Pakhurst e seuPlano Dalton, entre outros. Ver Bowen. Historia dela educación occidental. Vol. III, cap. XIV.2 O socialismo não é uma mera ideologia emergentede novas classes sociais decorrente do desenvolvi-mento do moderno industrialismo. Em verdade tra-ta-se da ideologia oficial dominante de Estados ba-seados na força destas classes novas. Desde o pon-to de vista da teoria pedagógica, o socialismo assu-miu criticamente todas as instâncias da burguesiaprogressista, porém censurava o fato de não tê-lasaplicado. Adotou como concepção a relação instru-ção-trabalho, que vai além da mera instrução tradi-cional de caráter profissional para propor a forma-ção de um homem onilateral. Nesse sentido Lênin,durante seu governo –período pós-revolucionárioque vai de 1917 a 1930- reelabora, o pensamentode Marx e concretiza o projeto socialista na institui-ção de uma “escola única do trabalho”. O seu proje-to se funda na estreita relação entre escola e políti-ca e na instrução politécnica que retoma o conceitomarxista de “multilateralidade”, articulando a ins-trução e trabalho produtivo (Manacorda, 1989).3 O governo criou o Ministério da Ilustração, a cargode Anatoly Lunacharsky. Tal Ministério era uma auto-ridade centralizada, que tinha um controle total dosaspetos educativos, no qual existia, também, umahierarquia administrativa de autoridades regionais.4 O esgotamento do socialismo real na Europa cen-tral em 1989, foi marcado pela queda do Muro deBerlim –Alemanha– e a desintegração da UniãoSoviética em 1991. Estes acontecimentos foram con-siderados pelos historiadores, como os mais impor-tantes e marcantes do final do século XX. Provocan-do a desaparição da divisão bipolar do mundo e ofim da “guerra fria” –tensão política e militar que seestabeleceu entre o mundo capitalista e o socialistaapós a Segunda Guerra Mundial– tratava-se de uma“paz belicosa”, termos aparentemente incompatíveis,porém explicáveis. Por um lado, as maiores potênci-as do século, Estados Unidos e a União Soviéticapossuíam a bomba nuclear, porém a sua utilizaçãosignificaria um holocausto atômico, este fato favo-

recia o “controle da guerra”. Por outro lado, a verda-deira paz era impossível pela distancia ideológicaentre as duas superpotências. Esta situação se man-teve até 1991, mas durante várias décadas, o mun-do presenciou enfrentamentos que causaram 21milhões de mortos e movimentação de tropas nor-te-americanas cada 18 meses. Essa peculiar situa-ção constituiu o aspecto mais destacado do século.5 Semión Grigorievich era um operário pintor. An-tes de viver em Belopolie trabalhou em Kriukov,onde se casou com Tatina Mijailovna Dergachova,filha de um soldado que havia servido durante 25anos no exército czarista. Era um pai amoroso, po-rém severo e pouco comunicativo, que morreu aos66 anos, antes de Anton obter o diploma no Institu-to do Magistério. Sua mãe era uma mulher otimistae alegre, era uma narradora de histórias muito elo-qüente e tinha um grande senso de humor, delaherdou sua capacidade de comunicação.6 As escolas primárias das ferrovias, especialmenteas mais importantes estavam muito bem organiza-das, eram financiadas pelo Departamento das Es-tradas de Ferro, estavam dotadas de muitos equipa-mentos. Em algumas delas, além dos conteúdosescolares, eram ensinados ofícios manuais. Os pro-fessores recebiam melhores salários e em geral ti-nham uma qualificação superior em relação ao restodos professores das escolas primárias.7 A colônia adotou o nome de Colônia de Trabalhode Gorki, em honra a Máximo Gorki, que era umescritor que Makarenko admirava. Durante as noi-tes, os jovens da colônia liam as grandes obras literá-rias e os escritos de Gorki era um dos mais estuda-dos. Em 1925, a população da Colônia correspondia-se com o autor e, em 1928, visitou as instalações daColônia.8 A Rússia, depois da revolução de Outubro de 1917,enfrentou graves problemas econômicos e o povovivenciou condições extremamente difíceis devido àherança do czarismo e de duas guerras devastado-ra. A economia estava desorganizada e a fome casti-gava o país. Muitas crianças e jovens sem famíliaseram abandonadas tornando-se uma calamidadenacional, algumas delas ficavam vagando pelas ruase às vezes cometiam pequenos delitos (roubos) oudesafiavam as autoridades (Makarenko, 1974;Medinsky, 1965).

132 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. Notas de uma pedagogia da práxis...

9 Camarada, considerado aqui como um homemem transformação que constrói novas relações en-tre os homens baseadas na amizade e na colabora-ção. É uma proposta de educação dos sentimentos,que se realiza mediante uma conexão entre instru-ção e trabalho produtivo, do qual as crianças po-dem ver os frutos concretos, baseados no espírito

de colaboração e do coletivo, numa perspectiva devida e de alegria (Manacorda, 1989).10 Pedologia era uma tendência pedagógica de am-pla divulgação com o objetivo de elaborar uma teo-ria, de base materialista e ativista, centrada na na-tureza específica da criança e nos estudos de psico-logia infantil.

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Recebido em 20 de fevereiro de 2004.Recebido em 20 de fevereiro de 2004.Recebido em 20 de fevereiro de 2004.Recebido em 20 de fevereiro de 2004.Recebido em 20 de fevereiro de 2004.Aprovado para publicação em 20 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 20 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 20 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 20 de abril de 2004.Aprovado para publicação em 20 de abril de 2004.

Política de acreditación institucional para laPolítica de acreditación institucional para laPolítica de acreditación institucional para laPolítica de acreditación institucional para laPolítica de acreditación institucional para laformación de docentes: entre el disciplinamientoformación de docentes: entre el disciplinamientoformación de docentes: entre el disciplinamientoformación de docentes: entre el disciplinamientoformación de docentes: entre el disciplinamientoy la legitimacióny la legitimacióny la legitimacióny la legitimacióny la legitimación*

María Rosa Misuraca

Mestre em Educação. Professora do Departamento deEducación da Universidad Nacional de Luján/Argentina.e-mail: [email protected].

ResumenResumenResumenResumenResumenEste trabajo describe la política de acreditación de las instituciones no universitarias de formación dedocentes en la provincia de Buenos Aires entre 1994 y 2000 en el marco de la aplicación de las políticasde Nueva Derecha. El análisis se realiza a través de una medida concreta: la exigencia de elaborar yaprobar un Proyecto Educativo Institucional (PEI) como requisito para la supervivencia de los establecimientos.Esta “tecnología de gobierno” se propuso cumplir los objetivos políticos de disciplinamiento institucional,legitimación de las decisiones centralizadas y racionalización de la oferta de formación. Los procesos yresultados de esa política se interpretan desde los propósitos oficiales “implícitos y explícitos” y desde ladimensión cultural de los institutos formadores.

Palabras clavePalabras clavePalabras clavePalabras clavePalabras clavePolítica educacional; formación docente; descentralización.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis paper describes the policy for accrediting the non-university teacher training institutions in the BuenosAires province between 1994 and 2000, simultaneously with the applying of the policies of the New Right.The analysis is carried out using a concrete measure: the obligation of elaborating and approving anInstitutional Educational Project (IEP) as a requisite for the survival of the institutions. This “governmentaltechnology” aimed to fulfill the political objectives of disciplining the institutions, legitimating the centralizeddecisions and rationalizing the offering of training. The processes and results of this policy are interpretedfrom the official proposals, both implicit and explicit, and from the cultural dimension of the traininginstitutions.

Key wordsEducational policy; teacher training; decentralization.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 133-144, jan./jun. 2004.

* El trabajo es parte de los resultados de la tesis de Maestría en Política y Gestión de la Educación de laUniversidad Nacional de Luján “El Proyecto Educativo Institucional en la formación de docentes. Política para laracionalización/Estrategia para la supervivencia”, dirigida por Silvia Brusilovsky.

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En la década de los ́ 90 en Argentinase llevó adelante una reestructuración de laformación de los docentes en el marco delas políticas de Nueva Derecha con sus ver-tientes neoliberal y neoconservadora. Comoparte de la “transformación” del sistema edu-cativo y del reordenamiento de la oferta deformación, se inscribió en la llamada políticade “descentralización”, que ha signado lasreformas educativas de casi toda AméricaLatina. Su rasgo distintivo fue que la transfe-rencia de responsabilidades financieras yacadémicas hacia las provincias1 y hacia lasinstituciones estuviera acompañada con larecentralización -a través de renovados me-canismos de control- de aspectos crucialespara el desarrollo educativo.

Así al tiempo que el sistema forma-dor de docentes era provincializado, el Esta-do nacional ponía en marcha mecanismoscentralizadores comprometiendo a las pro-vincias -a través de la firma de pactos y/oresoluciones del Consejo Federal de Culturay Educación (CFCyE)2 y reservándose en elnivel central la atribución de evaluar y acre-ditar3 o no a las instituciones sobre la basede lineamientos centralmente establecidos,.

Los argumentos que se utilizaronpara justificar la política de acreditación delos institutos para la formación de docen-tes (IFD) proponían la “mejora de la calidady equidad de la formación de docentes,actualización de la organización institucio-nal y académica y adecuación de la ofertaa las demandas del sistema educativo” (Res.Nº 63/97 CFCyE).

Sin embargo, el CFCyE, sobre la basedel refrendo a los documentos elaboradospor el Ministerio Nacional, es decir, por la

vía para-parlamentaria (Offe, 1990) que elu-de las instancias representativas del sistemademocrático y/o de consulta a los distintossectores sociales, fijó criterios y parámetrospara la acreditación de las instituciones quecondicionaron fuertemente, a nuestro enten-der, la posibilidad de concretar las prome-sas del discurso descentralizador: autono-mía, participación y profesionalización paraelevar la calidad de la educación.

El primer criterio para esa acreditaciónfue “la calidad y factibilidad del proyectopedagógico institucional” (Res. 36/94CFCyE). Es así como la aprobación delProyecto Educativo Institucional (PEI) en losplazos establecidos -sujeta al control y a laevaluación centralizados- constituyó un re-quisito para la acreditación, cierre oreconversión de las instituciones formado-ras de docentes4.

Quedó configurado así un modelopolítico institucional según el cual el Esta-do nacional establece la política de acredita-ción de las instituciones provinciales y com-promete a las provincias en su ejecución.Éstas ejecutan -con mayor o menor nivelde adhesión- la política nacional, depositan-do en las instituciones formadoras la res-ponsabilidad por su supervivencia. Y los do-centes de esas instituciones pasan a sermeros ejecutores de procesos instaladosdesde afuera condicionantes de su presen-te y futuro.

En los institutos transferidos -ex na-cionales- se incorporaba, además, la obliga-ción de responder a nuevas reglamentacio-nes y a las demandas burocráticas origina-das en el cambio de dependencia político-administrativa, lo cual agregaba un grado

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de complejidad mayor a la situacióngenerada por este proceso.

En este trabajo se analizan los resul-tados de esa política en la provincia deBuenos Aires, desde los propósitos oficiales–implícitos y explícitos–5 pero, fundamen-talmente, a partir de la dimensión culturalde los IFD. Es decir, desde la interacciónentre las normas que establecieron lastransformaciones organizacionales –expre-sión del proyecto político– y la realidad ins-titucional relatada por los protagonistas fo-calizando en tres aspectos de esa política:el tipo de contratos establecidos entre el Es-tado y las instituciones formadoras, elcarácter de la descentralización operada yla evaluación del PEI.

Los contratos fundantesLos contratos fundantesLos contratos fundantesLos contratos fundantesLos contratos fundantes

Consideramos que la acreditación dela formación inicial de los docentes en laInglaterra de Margaret Thatcher, cuando elgobierno inglés estableció -en 1984- nuevoscriterios para los contenidos de los cursos ynuevas exigencias para los docentes for-madores, relacionadas con la valoración dela experiencia en la enseñanza escolar,constituye un antecedente de esta política.Explícitamente destinada a “cambiar la for-ma de pensar de los maestros y de losalumnos sobre el mundo” presentaba laintención de que “los cursos informados portales exigencias fortalecieran el apoyo a laclase de sociedad competitiva y de libremercado con la que se hallaba comprome-tido el gobierno de Thatcher” (Barton, Pollardy Whitty, en Popkewitz,1994: 344).

Los cursos tuvieron que ser reestructu-

rados y adaptados –al menos en aparien-cia– a los criterios definidos por la Secretaríade Estado para conseguir la acreditacióninstitucional. Algunos resultados de eseproceso dan cuenta de que las institucionesque tuvieron éxito en la acreditación plan-teaban que dichos criterios “no eran irrazo-nables” y las que experimentaron dificul-tades tuvieron que “anteponer la supervi-vencia a sus principios”. Es decir que, de unaforma o de otra, los criterios del gobiernocentral y la exigencia de su implementaciónoperaron como instrumento para unarefundación de la formación de los docen-tes. Las instituciones y los docentes,desarrollaron las reformas bajo la incerti-dumbre generada por los intentos de “racio-nalizar” el número de instituciones y por laamenaza material del cierre.

Si bien, transcurridos once años, enel caso de Inglaterra se constataron efectosprogresivos no previstos por la política deacreditación6, es posible identificar –al igualque en el caso de la transformación educa-tiva en Argentina– la intención disciplinado-ra de los sujetos y las instituciones a travésde la instalación fundacional de criterioscentrales que desconocían o subestimabanla trayectoria académica de las instituciones.

La normativa que reguló el procesode acreditación en Argentina apelóreiteradamente al concepto de “contratos”o “nuevos contratos” que debíanestablecerse entre los IFD y las instanciasejecutivas del gobierno nacional y provinci-al. Sin embargo, el tipo de contratosestablecidos obligaban, a los docentes, apresentar un proyecto a partir de instrumen-tos tecnocráticos. Los sujetos y las

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instituciones se convirtieron en ejecutoresde políticas instaladas desde afuera, bajocondiciones que no habían “pactado” sinoque les fueron impuestas.

El “contractualismo” como conceptoque explica el origen de la sociedad y el fun-damento del poder político en un contrato oacuerdo tácito o explícito plantea que unode los elementos esenciales del discursocontractualista es el estado de naturaleza,aquella condición de la cual saldría elhombre asociándose en un pacto con otroshombres. Se trataría del pasaje del estadode naturaleza (con diversas valoracionespara la teoría política) a un estado social ypolítico (Bobbio y Mateucci, 1988).

En este sentido, y reconociendo laslimitaciones que este análisis social puedeentrañar cuando se aplica a instituciones,podemos plantear que la política deformación de docentes desconoce eldesarrollo histórico de los institutos forma-dores y pretende partir del supuesto de fun-dar su carácter, estructura, misiones ycontenidos.

La idea de “nuevos contratos”, en elcontexto actual, remite también a laconcepción de nuevas relaciones entre elEstado y la educación. Más precisamenteentre las instituciones educativas (públicasy privadas) y el Estado.

Una de esas interpretaciones, funci-onal con los planteos de Nueva Derecha,es la que concibe al Estado como escenariode la concertación. Sostiene que las políti-cas públicas deben “concertarse” a partir deun nuevo papel asignado al Estado. Diver-sos autores, con responsabilidades directasen las reformas educativas7 sugieren que,

luego del modelo vigente durante laexpansión de los sistemas educativos –bajola principalidad estatal- la función primor-dial adjudicada al Estado debe ser la deconcertador, escenario para procesar con-sensos y disensos donde se garantice elinterjuego de la más amplia gama posiblede sectores de la sociedad. El refuerzo deesta dimensión del Estado y la reafirmaciónde la “menor necesidad de sistemas edu-cativos nacionales en su forma más pura,como red directamente en manos del Esta-do Nacional”, se presentan como estrategiaspara sacar a la educación de la crisis. Estasposturas avanzan hasta plantear eldesplazamiento del rol del Estado en la con-certación ya que “no parece imprescindibleque sea él (el Estado) el primero ni el princi-pal convocante” (Braslavsky, C., 1994).

Una descentralizaciónUna descentralizaciónUna descentralizaciónUna descentralizaciónUna descentralizacióncompensadacompensadacompensadacompensadacompensada

La producción teórico-crítica sobredescentralización educativa advierte sobreel balance necesario entre la legitimacióncompensatoria, que intenta el Estado naci-onal a través de la descentralización y losriesgos de la pérdida de control central.

Respecto de ese balance podemosafirmar que el gobierno nacional, comoparte de una estrategia orientada a larestricción del gasto público, a través de lareducción de la oferta, dejó librados los IFDa los estilos político-organizativos propiosde cada provincia. Sin embargo, el riesgode pérdida de control central estuvocontrapesado a través de las competenciasque reservó para sí el Ministerio de

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Educación de la Nación en la transferenciay por el carácter que adquirieron ese orga-nismo y el CFCyE a partir de la Ley Federal8.

Si quisiéramos analizar la relaciónentre legitimación y control central, pode-mos afirmar que este último habría adqui-rido un nuevo carácter, recuperando –pormedio de la evaluación/acreditación de losIFD- las regulaciones cedidas a través de latransferencia.

La “tecnología de gobierno” instala-da a partir de las resoluciones del CFCyE ysu implementación en cada provincia,aseguró el cumplimiento de los objetivospolíticos de disciplinamiento. Esta ingenieríaaplicada a la prescripción de la elaboracióndel PEI, intentó dotar de predecibilidad alproceso de acreditación, orientándolo haciael rumbo adoptado para la transformaciónglobal del sistema educativo. Es decir, bus-cando la racionalización de la oferta deformación9, la mercantilización de la capaci-tación y la inclusión obligatoria y controla-da de los CBC en los currículos.

Es así que, en relación con las prome-sas de desburocratización que acompaña-ron la transferencia, el PEI en los institutostransferidos a la provincia de Buenos Aires,ha sido un claro contraejemplo. La provinciaimprimió a los institutos ex-nacionales suimpronta burocrático-administrativa, afec-tando sensiblemente el desempeño cotidi-ano, mientras se desarrollaban las accionespara la reformulación institucional y elproceso de elaboración del PEI para laacreditación.

Estos institutos, afectados por el cam-bio de dependencia, debieron realizar unamayor cantidad de adecuaciones que los

provinciales “históricos”. En efecto, lainformación empírica analizada da cuentade que estas instituciones provenían deadministraciones centrales pero nocentralizadoras. La dependencia de lajurisdicción nacional habría conformado, enel pasado, estilos caracterizados por meno-res regulaciones y otorgado ciertosmárgenes de funcionamiento másautónomo, reconocidos por los docentes yautoridades institucionales entrevistadoscomo “de mayor libertad”, que habría dadolugar a la existencia de proyectos (anterio-res al PEI) que no fueron reconocidos porla normativa oficial de los ´90.

Para estos IFD, conocer y reconocer la“historia previa” resultaba fundamental a lahora de la reformulación institucional. A pe-sar de ello, la autoridad responsable del pro-grama provincial admite desconocer, tantola situación previa a la elaboración del PEIen los institutos transferidos, como el climade incertidumbre y confusión provocado porla acreditación en el marco de la transferencia.Esto permite identificar dos cuestiones. Una,relacionada con el proyecto político neoliberalque aplica un modelo único, pre-concebidoy con pretensiones fundacionales, es decir,independiente de las condiciones preexisten-tes. Y otra, consecuencia de la anterior, ciertodesentendimiento -por parte de la conduc-ción provincial- respecto de los procesos lleva-dos a cabo en los IFD transferidos. Este esun elemento que permite interpretar el “desa-juste” entre lo requerido y las posibilidadesconcretas de respuesta institucional.

Un aspecto de la burocratización quese instala con la transferencia es el carácter

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que adquirió la supervisión bajo jurisdicciónprovincial. Pasó a estar signada por el aban-dono de las funciones de acompañamientopedagógico y por la intensificación de loscontroles administrativo, curricular yfinanciero.

El PEI ha funcionado como una for-ma poco sofisticada de control explícito, enla cual han primado los pedidos de infor-mación a las instituciones y la inspecciónpanóptica. En lugar de que la evaluaciónapareciera como contrapartida de la res-ponsabilidad que confiere la autonomía, seha instalado como una de las herramientaspara justificar el achicamiento de la ofertay para el disciplinamiento de las institu-ciones. Tanto la nación como la provinciahan utilizado la evaluación y la acreditacióninstitucional en el sentido con que laentiende Foucault, como una “miradanormalizadora, una vigilancia que haceposible calificar, clasificar y castigar”.

La evaluación del PEI para laLa evaluación del PEI para laLa evaluación del PEI para laLa evaluación del PEI para laLa evaluación del PEI para laacreditación institucionalacreditación institucionalacreditación institucionalacreditación institucionalacreditación institucional

La provincia de Buenos Aires, a pe-sar de poseer el sistema educativo más com-plejo y de mayor tamaño del país, sancionósu Ley de Educación en 1994, adaptandola estructura de su sistema y la “reconver-sión” de sus docentes e instituciones a losprincipios establecidos en la Ley Federal deEducación en forma integral, sin diagnósti-cos que justificaran su factibilidad.

Estableció en su Ley Orgánica la obli-gación de elaborar el PEI para todos losniveles del sistema educativo10. Esta obli-gación no constituyó una medida aislada

sino que, al mismo tiempo, se exigía a lasinstituciones el cumplimiento de distintosrequerimientos: reestructuración de las fun-ciones institucionales, formulación de pla-nes y programas respondiendo a los nuevosContenidos Básicos Comunes (CBC),reubicación forzada y/o cesantía de docen-tes como resultado del cambio curricular.

En este contexto de diversaspresiones, la acreditación en los plazosestablecidos se constituyó en un requisitopara la “supervivencia” de las institucionesformadoras y, en consecuencia, del empleode sus docentes.

El análisis de la normativa quereguló la acreditación presenta dos aspec-tos de un mismo problema: la concepciónde “evaluación” que subyace y que condi-ciona, consecuentemente, el instrumentoutilizado para evaluar y acreditar lasinstituciones.

El primer aspecto, lejos de ser un pro-blema metodológico, se refiere a la calidadde la mirada puesta sobre el objeto, centra-da únicamente en la verificación y el control.Efectivamente, la normativa que estableceel PEI para los IFD no pretende relevar elsentido que ese proyecto tiene para losparticipantes ni promover la construcciónde espacios de autonomía institucional yprofesional sino que instala un mecanismosegún el cual las instituciones deben com-pletar, de forma sistemática, requisitos de-mandados jerárquicamente.

En este sentido, el tipo de evaluaciónoficial efectuada se aproxima a lo queLitwin (1994) categoriza como “pseudo-cuasi-evaluaciones”, es decir cuando elacercamiento de la evaluación al objeto se

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hace a través de una selección de variablesque lo recortan desde una particular pers-pectiva y ese recorte pretende validar latotalidad del PEI.

La evaluación propuesta por la nor-mativa que prescribe el PEI coincide y serestringe a la definición -criticada por nu-merosos autores- de proporcionarinformación útil para la toma de decisionesen que, lo instrumental adquiere ladimensión total de la evaluación.

En el caso de los instrumentos utili-zados podemos decir que, en coherenciacon la concepción de control, se ha tratadode instrumentos coactivos, que llevaban ensí mismos a sancionar la diferencia respectode los parámetros oficiales y que fueronpuestos al servicio de la imposición delmodelo eficientista.

En todos los documentos oficialescircula la referencia a la adecuación ocoherencia del PEI con lo que “debería ser”según el único referente establecido desdefuera de los IFD. Este modelo de PEI pre-tende ser verificado en la presentación delproyecto ante las Unidades Provinciales deEvaluación, con alguna instancia derevisión para “mejorar” -en el caso de lositem especificados- hasta que se identifiquecon lo esperado. La otra alternativa posiblees la reconversión o el cierre de la institución.

No se pretende desconocer la necesi-dad de evaluación de las instituciones for-madoras por parte de un Estado responsa-ble por la educación, pero para que esteproceso constituya una posibilidad de re-construcción creativa, tendiente a la mejoradel proyecto y un verdadero apoyo a latoma de decisiones institucionales autóno-

mas, sería necesario que dejara de ser mo-norreferencial y se tornara multirreferencial(Ardoino, 2000). Sería esperable que un pro-ceso destinado a transformar las institu-ciones formadoras de docentes con un sen-tido progresivo abriera espacios para incluirmúltiples perspectivas y cuestionamientossobre su proyecto. Es decir, que tuviera encuenta la intersubjetividad de los involucra-dos en la tarea de elaborar colectivamenteel PEI, las experiencias institucionales quehan llevado a cabo esos docentes y lasreflexiones e iniciativas sobre el futuro insti-tucional deseable.

Se plantea la intención de instalar enel plano provincial, al igual que en el nacio-nal, una “cultura de la evaluación” en lasinstituciones. La autoevaluación como unainstancia reflexiva acerca de lo realizadoconstituye –desde una concepción crítica–un elemento insoslayable de todo proyecto.Sin embargo, en el marco de las nuevasrelaciones de la provincia con la nación, estaindicación parece estar revestida por unaactitud defensiva de la provincia ante laeventual calificación nacional. El apoyo pro-vincial a las instituciones para que se auto-evalúen no se orientaría a promover proce-sos de concientización y comprensión delas falencias o dificultades sino a obtenerherramientas capaces de enfrentar “la otra”evaluación, es decir, la nacional.

Las referencias a la “participaciónefectiva de todos los integrantes de la ins-titución”, presentes en la normativa quedan–a la luz del análisis de los procesos segui-dos– como meras formulaciones discursivas.

Los documentos emitidos por lainstancia provincial11 que planteaban la

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necesidad de aclarar el carácter “no puniti-vo” de la evaluación dan cuenta del esta-do de incertidumbre y confusión que se vivíaen los institutos, con docentes preocupadospor cumplir con la obligación de respondera las demandas oficiales, especificar las eta-pas seguidas y cuantificar resultados.

La evaluación, así concebida, entraríaen una “relación competitiva con laspremisas básicas de la descentralización, enel sentido de que su fin último es ´hacervaler´ las normas del ámbito nacional parael funcionamiento de escuelas, alumnos,profesores” (Weiler, 1996: 228). Asumiría,entonces, el papel racionalizador de la polí-tica dirigida a los IFD, porque otorgaríalegitimidad al proyecto político a partir delas connotaciones propias del rigor científi-co, independientemente de los resultados.“La descentralización, como la evaluaciónestán relacionadas con el ejercicio del po-der y siempre existe la posibilidad de que elpoder, al que por una parte renuncia ladescentralización, lo pueda recuperar laevaluación por otra” (Op.Cit: 230).

La amenaza de cierre de la fuentelaboral, latente en todo el proceso y el cli-ma desencadenado ante la dificultad deadecuar la realidad a lo exigido pueden,por el contrario, obturar la posibilidad deque las instituciones revisen genuinamen-te su situación académica y organizacionaly tener consecuencias a futuro, que serápreciso investigar.

La pregunta ausente en la normati-va que regula la elaboración del PEI se vin-cula con el significado que la instituciónotorga a la formación de maestros. La pres-cripción condicionada por esta ausencia

permite inferir la falta de intención políticade promover procesos reflexivos, críticos,autónomos, capaces de permitir a los do-centes la apropiación del conocimiento so-bre sus instituciones, su finalidad, y losprocesos y resultados de la formación.

¿Sujetos e instituciones¿Sujetos e instituciones¿Sujetos e instituciones¿Sujetos e instituciones¿Sujetos e institucionesdisciplinados?disciplinados?disciplinados?disciplinados?disciplinados?

Una de las definiciones teórico-conceptuales que ha guiado este trabajo,según la cual “la política educativa que seimpone en un momento histórico determi-nado es la que los sectores dominantes soncapaces de llevar a cabo en relación con elgrado de oposición de las fuerzas socialessubalternas” (Finkel, 1986), permite analizaresa relación de poder.

La política de transformación de losIFD actuó sobre el conjunto de la docencia,como fuerza social –en gran parte- discipli-nada por el proceso de empobrecimientodel que fue objeto a lo largo de la década,en un escenario de desempleo, polarizaciónsocial y económica y del protagonismocooptador y decisivo de los intelectualesreformadores que diseñaron, adaptaron ojustificaron las medidas de las agenciasinternacionales.

Por otro lado, la política de acredita-ción se impuso en un frágil sistema de de-mocracia política y con escasa proporciónde docentes sindicalizados12. En la caracte-rización de nuestros sistemas político-insti-tucionales se destaca la falta de una cultu-ra de “rendición de cuentas horizontal”. Laausencia de mecanismos capaces de con-trolar la validez y legitimidad de las acciones

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del Ejecutivo por parte de otros organismoso instancias públicas es, también, un rasgoque caracteriza la relación del Estado consu sistema formador de docentes.

Como contrapartida de esta ausen-cia, se instala en las políticas dirigidas alsector, la ideología de la accountability, lamedición de la eficiencia, la responsabilidadpor los resultados y la auditoría tecno-bu-rocrática.

Para que las instituciones educativaspuedan desarrollar procesos autónomos ysuperar las limitaciones que caracterizan anuestros sistemas políticos, es necesario quela propuesta político-institucional constituyaun marco abierto a diversos resultados, quepermita integrar intereses y perspectivas,discutir no sólo los medios sino, fundamen-talmente, los fines y comprender losprocesos y resultados que se producen.

La subordinación de las prácticas atodo lo prescripto cobra una importanciadecisiva en el nivel simbólico. Esta pareceser siempre superior a la promesa deautonomía profesional y una cuestión enla cual los docentes no pueden intervenirpara cambiar.

Este análisis ha mostrado un aspec-to relacionado con el estudio de las nor-mas en su contexto de aplicación, es decircon las posibilidades concretas de las institu-ciones formadoras para cumplir con lo pau-tado, en las condiciones materiales y simbó-licas en que las medidas fueron, efectiva-mente, adoptadas. La apelación, en la nor-mativa, a procesos de “participación efectivade todos los miembros de la institución” haactuado como elemento estratégico parala resignificación del campo simbólico y la

imposición de la política. Sin embargo, enla práctica, la participación ha quedado in-validada al no estar disponibles las condi-ciones materiales -tiempos, espacios,orientaciones y experiencia para el trabajocolectivo- que pudieran hacerla efectiva.

Es decir que las medidas proponíanun trabajo participativo en un contexto enel que la única posibilidad de hacerloefectivo era a partir de la sobrecarga laboral.Concurrir días extra, los sábados, hacer todoel trabajo “a pulmón” fue la característicaque signó gran parte del proceso deelaboración del PEI.

La apelación a la “participación”prescripta en la normativa intentó dotar delegitimidad a este proceso, al tiempo queactuó encubriendo la intensificación deltrabajo de los docentes.

Desde el punto de vista de los resul-tados de esta política podría plantearse queefectivamente hubo disciplinamiento insti-tucional en el denominado nivel superficialde la institución -que abarca el ordenestructural, legítimo, formal, reconocido-.

Sin embargo, es preciso analizar elnivel profundo, ese otro nivel de relacionesque constituye la dimensión cultural de lasorganizaciones “un nivel o esfera no racio-nalizada constituida (...) por una multi-plicidad de modos no sujetos a regulaciónen tanto tales relaciones culturales resultanespecíficas de cada situación. Su naturalezaes mutable, fluida y no parece obedecer enprincipio a decisiones externas sino queemergen de la presencia simultánea deciertos elementos y bajo ciertas condiciones,lo que constituye la dimensión cultural delas organizaciones” (Beltrán Llavador, 1998).

142 María Rosa MISURACA. Política de acreditación institucional para la formación...

En este nivel se evidencia lautilización del mecanismo del “como si” detipo consciente que, según los docentes,habría caracterizado la elaboración del PEI.Los planteos de los entrevistados acerca deeste mecanismo son explícitos y dan cuentadel estado de conciencia con que lo utilizan.

La falta de condiciones materialesadecuadas, en el marco de la perentoriedadde los plazos impuestos, ha generado “otra”forma de trabajo institucional que ya no secaracterizaría por la participación de tiposimbólico o aparente (Sirvent, 1994) sinopor una “pseudoparticipación consciente”.Los docentes dan cuenta de la utilizaciónconsciente del mecanismo del “como si” quehabría caracterizado la elaboración del PEI.

En este nivel es posible inferir que eldisciplinamiento habría sido sólo parcial yaparente. El carácter de parcial responde aque las instituciones, enfrentadas a la de-manda de resultados controlados ycuantitativos, han agudizado el uso de re-cursos que les permitieran cumplir con esademanda, han aceptado, en parte, lasnuevas condiciones que vinieron a regularlo formal, los plazos y los “moldes”. Pero, almismo tiempo, han preservado –hasta don-de les fue posible- los espaciosinstitucionales y la fuente laboral.

Lo “aparente” del disciplinamientoparece ser un hecho ya que, en palabrasde los docentes, debían disfrazar “lo quesiempre se hizo” o “dibujar un discurso y enla realidad hacer otra cosa”. Así, es posibleque los IFD muestren un PEI aceptable,estandarizable, que se adapte a lo requeri-do pero que no refleje la dimensión cultu-ral, que es aquella que efectivamente deci-

de la dinámica organizativa y le da uncarácter distintivo. Por lo tanto, la instituciónse estaría rigiendo a través de otroslineamientos, distintos de los explícitos enel formulario del PEI.

Es posible afirmar que, desde elcomienzo de este proceso, los docentes hanreconocido la intencionalidad de laestrategia política contenida en el PEI y hanactuado, en consecuencia, para enfrentarla.

Esto puede redundar, desde las inicia-tivas oficiales, en la intensificación de loscontroles y de las medidas con carácter puni-tivo. Pero también, en un efecto no espera-do por la política neoliberal, como podríaser que las instituciones reconozcan y explo-ren su capacidad organizativa e inicien elcamino hacia la cohesión interna y la valo-ración de su potencial político-estratégico.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 La Ley 24.049/91, conocida como Ley deTransferencias, facultó al Poder Ejecutivo Nacional atransferir, a partir del 1 de enero de 1992, a lasprovincias y a la Municipalidad de la Ciudad deBuenos Aires los servicios educativos administra-dos en forma directa por el Ministerio de Cultura yEducación y por el Consejo Nacional de EducaciónTécnica, así como las facultades y funciones sobrelos establecimientos privados reconocidos. Esta me-dida afectó a aquellas escuelas secundarias y a losinstitutos de formación docente que, hasta esemomento, dependían del gobierno nacional.2 “El CFCyE es el ámbito de coordinación y concertacióndel Sistema Nacional de Educación y está presididopor el ministro nacional del área e integrado por elresponsable de la conducción educativa de cada juris-dicción y un representante del Consejo Interuniversi-tario Nacional”. (Ley Federal de Educación, Art. 54).3 El significado del vocablo “acreditar” en españolequivale a “credenciar” en portugués.4 El cierre de establecimientos en varias provinciaso su reconversión en institutos de formación tecno-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 133-144, jan./jun. 2004. 143

lógica fue el contexto amenazador de pérdida defuentes de trabajo en que se desarrolló el procesode acreditación. A su vez, el desempleo crecienteen el nivel global es el contexto mayor en que losprofesores ven peligrar su futuro laboral.5 Normativa específica dirigida a pautar laelaboración del PEI emanada del MCyE, el CFCyE yla DGCyE de la provincia de Buenos Aires.6 Entre ellos pueden citarse: la politización de aspec-tos de la formación que, hasta ese entonces, seconsideraban apolíticos, la creciente concientizaciónsobre los temas sociales, políticos y económicos entorno de la formación de los maestros, la reafirmaciónde aspectos profesionales de la formación, la percep-ción de que estas políticas socavan el status profe-sional y la moral de los maestros (Popkewitz, 1994).7 Entre ellos: Braslavsky, C. “La concertación comoestrategia de reforma educativa y del Estado” yCasassus, J. “Concertación y alianzas en educación”en ¿Es posible concertar las políticas sociales?FLACSO-FUNDACION FORD–CONCRETAR–OREALC/UNESCO. También: Tedesco, J.C. “El nuevo pacto edu-cativo” Anaya, Madrid, 1995.8 Pronko y Vior (1999) caracterizan el modo defuncionamiento del CFCyE como una forma dereconcentración de poder en las instancias ejecutivasdel gobierno nacional. Este Consejo de ejecutivos

provinciales, por otro lado, se constituye en unespacio que refrenda las decisiones del ejecutivonacional, mecanismo que, al tiempo de fortalecerla centralización, contribuye a la “transmigración”del poder de los cuerpos representativos hacia lasinstancias unipersonales.9 Si bien en la provincia de Buenos Aires no seprodujeron cierres de instituciones, en algunos ca-sos se fusionaron, en otros se cerró la oferta paraalgunas carreras. Una de las instituciones estudiadasen la investigación que dio origen a este artículo,pasó a constituir la única oferta pública de formaciónde docentes para nivel inicial, EGB1 y 2 en una zonaen la que viven casi novecientos mil habitantes.10 Ley de Educación de la Provincia de Buenos Aires11.612/94, Art. 19 inc. d).11 Dirección General de Cultura y Evaluación de laprovincia (DGCyC)12 La información relevada del sindicato queconstituye la fuerza de oposición orgánica más re-presentativa en el Conurbano bonaerense, dondese hizo el estudio, muestra que los profesores denivel terciario pertenecen al sector menos sindicali-zado del sistema educativo. Generalmente lasafiliaciones al sindicato llegan porque los profesoresse desempeñan también en el nivel medio, pero nopor su trabajo en el nivel superior.

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Aprovado para publicação em 20 de março de 2004.Aprovado para publicação em 20 de março de 2004.Aprovado para publicação em 20 de março de 2004.Aprovado para publicação em 20 de março de 2004.Aprovado para publicação em 20 de março de 2004.

Formação do ser social: o papel do professor e asFormação do ser social: o papel do professor e asFormação do ser social: o papel do professor e asFormação do ser social: o papel do professor e asFormação do ser social: o papel do professor e aspolíticas para sua formação no quadro dopolíticas para sua formação no quadro dopolíticas para sua formação no quadro dopolíticas para sua formação no quadro dopolíticas para sua formação no quadro docapitalismo mundializadocapitalismo mundializadocapitalismo mundializadocapitalismo mundializadocapitalismo mundializado

Sonia Regina Landini

Doutora em Educação pela PUC-SP. Professora do Progra-ma de Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti doParaná.e-mail: [email protected]; [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoNo complexo social os valores e as características culturais, produzidos na prática social, expressam adireção a ser dada à formação tendo em vista os processos de reprodução do ser social. No caso docapitalismo, o elemento fundante das relações sociais é a economia, de tempo e na produção de mais-valia. No desenvolvimento cotidiano de suas atividades, os homens, ao buscarem a realização de si mes-mos enquanto membros de uma sociedade, reagem às formas exploratórias que retiram dos Sujeitos aplena possibilidade de realização. No caso da formação de professores, a tendência de formação de umprofissional capaz de lidar com situações singulares. No entanto, a singularidade deve ser compreendida apartir de sua relação com a totalidade social. O desafio que se coloca parece concentrar-se no resgate dasmediações, dos mecanismos de incorporação e nos de resistência e negação, presentes no cotidiano .

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveFormação; prática social; formação de professores.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractIn the social complex values and cultural characteristics, produced in social practice, express the directionto be given to the formation of the social being, in view of the processes of reproduction of the social being.In the case of capitalism, the most important element of social relations is the economy of time and in theproduction of surplus-value. In the daily development of their activities, men, when searching for their ownfulfilment as members of a society, reacting to forms of exploitation that remove from Citizens the fullpossibility of accomplishment. In the case of teacher training, the trend of training a professional capableof dealing with singular situations. However, the singularity must be understood from its relationship withthe social totality. The challenge seems to be concentrated on the redeeming of mediations, of mechanismsof incorporation, as well as mechanisms of daily resistance and negation.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsTraining; social practice; teacher training.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 145-156, jan./jun. 2004.

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Um dos grandes desafios educacio-nais no quadro do capitalismo mundiali-zado diz respeito à formação dos sujeitos esua capacidade de inserção social. Frenteàs transformações ocorridas nos processosprodutivos e nos padrões de gestão da pro-dução e do trabalho, a educação ocupapapel central. As demandas societárias co-locam em evidência o domínio de habili-dades e o desenvolvimento de competên-cias capazes de permitir aos indivíduos omanejo das informações e dos processosinformatizados, bem como estabelecer umaeficaz capacidade comunicacional.

Sabemos, no entanto, que para oadequado trato da informação e do conhe-cimento são necessários saberes que ex-pressem a cultura em sua concreticidade,ou seja, que a sociabilidade humana, basepara uma educação que supere o domíniode saberes instrumentais, possibilitando atomada de consciência da realidade con-creta e a busca de alternativas que pos-sam contribuir para a superação de condi-ções de vida e de trabalho.

Dessa perspectiva, temos que ao pro-fessor é proposta uma ação que tenhacomo meta o desenvolvimento de habili-dades e competências que sejamfacilitadoras no processo de aprendizagem,o que, ao nosso ver, requer uma análisecrítica acerca de quais sejam estas compe-tências e habilidades e que tipo de Sujeitofocalizam, sem o que estaríamos apenasreproduzindo as condições sociais postas.

Portanto, o papel do professor, fococentral desta análise, precisa ser compre-endido a partir da racionalidade contradi-tória posta socialmente e historicamente

constituída, na qual a reprodução da vidahumana se expressa na forma de umaobjetivação estranhada, alienada, tendo emvista a separação entre o trabalhador –pro-dutor de riqueza– e produto do trabalho. Oprofessor, neste complexo, necessita domi-nar não apenas os conhecimentos científi-cos específicos, mas compreender a dinâ-mica contraditória das relações entre soci-abilidade e formação. Dito de outra manei-ra, o professor precisa compreender as de-terminações históricas que unem os indiví-duos e que regem a forma de reproduçãosocial, dado que a educação

... consiste em torná-los [os homens] ap-tos a reagir adequadamente a eventos esituações imprevisíveis, novas, que apre-sentar-se-ão mais tarde em suas vidas.(...) Toda sociedade reclama dos própriosmembros uma dada massa de conheci-mentos e habilidades, comportamentos,etc.; conteúdo, método, duração da educa-ção em sentido estrito são conseqüênciasdas necessidades sociais assim surgidas(Lukács, 1981, p. XXII-XXIII).

Para compreender o papel do pro-fessor neste contexto focaremos a seguiras bases para o

entendimento da educação comoexpressão da cultura e como intrinsecamen-te ligada à reprodução social.

Formação, reprodução e culturaFormação, reprodução e culturaFormação, reprodução e culturaFormação, reprodução e culturaFormação, reprodução e cultura

No complexo social os valores e ascaracterísticas culturais, produzidos na prá-tica social, expressam a direção a ser dadaà formação tendo em vista os processosde reprodução do ser social. No caso docapitalismo, o elemento fundante das rela-

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ções sociais é a economia, centrada nosprocessos de troca, na economia de tempoe na produção de mais-valia.

A reprodução das relações capitalis-tas passa por um inúmero conjunto demecanismos- desde os biológicos até osmais complexos contratos sociais-, entre osquais está a educação.

Para compreender a educação temos,portanto, que compreender, em um primeiroplano, o complexo social, tomar conhecimen-to das condições concretas que fundam osmecanismos de reprodução social.

Sabemos que a ação dos homenstem como ponto de partida a manutençãoda vida. A primeira ação humana consisteem tal fato e se mantém por toda a exis-tência do gênero humano. A prioridade bi-ológica do homem é base para toda e qual-quer atividade econômica. Na busca parasatisfação desta premissa o gênero huma-no se desenvolve. Tomando a naturezacomo “...meio imediato de vida e como ins-trumento de sua atividade vital...” (Marx,1993, p. 163-164) o homem busca as me-lhores alternativas para atingir melhoresresultados e satisfazer suas necessidades.Neste processo está contida a relação comoutros homens. Portanto, a condição deprodutor de valores de uso, base para aexistência do homem, contém em si a ex-pressão mediadora entre homem- nature-za (incluindo a relação homem- homem, ouseja, o aspecto social). Esta mediação é oque denominamos trabalho.

Por meio do trabalho o homem sa-tisfaz suas necessidades, constrói uma re-lação intrínseca com outros homens, modi-ficando a si e a realidade ao seu redor. No

curso do desenvolvimento histórico, os ho-mens se tornam cada vez mais sociais, in-teragindo de modo a obter melhores con-dições para satisfazer suas necessidades.Dito de outra forma, o homem é expressãoda relação entre sua singularidade e suacondição de gênero humano.

A realidade, cada vez mais social, secoloca na forma de uma gama imensa depossibilidades e alternativas, apresentando-se de modo cada vez mais complexo. Areprodução humana diz respeito, destemodo, à reprodução social, à singularida-de e à genericidade.

Estão presentes nesse conjunto, épreciso observar, tanto a capacidade cog-noscente do sujeito, quanto a objetividadesocial, ou seja, há uma unicidade e, aomesmo tempo, um distanciamento entresujeito e objeto. No contato entre sujeito eobjetividade a consciência tem papel demediação, captando a realidade social, eatuando sobre o sujeito e sobre esta mes-ma realidade.

A consciência não pode ser reduzida auma dimensão psicológica e individual,existente per si, menos ainda como tãosomente gnosiológica (...) Mas como sersocial, ela participa do processo social tor-nando-se um médium do movimento, ummédium da história, que para além deadensar a dimensão gnosiológica, não ne-gando a razão, nem uma teoria do conhe-cimento da realidade, (...) sofre alteraçõesqualitativas originárias do fato social, aomesmo tempo, interfere no fato social, mo-dificando-o, segunda a linha de desenvol-vimento, sempre contraditória, do complexosocial (Silva Jr. e González, 2001, p. 108).

Nesse processo, a formação huma-na se constitui. Tendo em vista a racionali-

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dade objetiva, de uma dada sociedade, emum dado momento histórico, o homem sereafirma como ser social, atuando no de-senvolvimento de sua humanidade en-quanto singular e enquanto gênero huma-no por meio do trabalho, ou seja, por meiode sua prática social. Aqui se processa ummovimento de transformação tanto na es-fera do sujeito singular, quanto na esferasocial. Portanto “...o trabalho é a mediaçãofundante da distinção, e concomitante arti-culação, entre as esferas da subjetividadee objetividade” (Lessa,1997, p. 93).

Quanto mais a divisão do trabalhose opera, mais evidente se torna a ação doshomens no sentido de impelir outros ho-mens a agirem em determinada direção.Ocorre que, na complexidade própria aodesenvolvimento do gênero humano, asformas por meio das quais o homem satis-faz suas necessidades se transformam.

No capitalismo, o valor econômicoassume preponderância, sendo que os pro-cessos relacionados à produção e à repro-dução do capital estão vinculados à con-traditória forma entre realização e não reali-zação, entre o domínio da natureza e a do-minação de si mesmo por outro homem,contradição esta posta na totalidade social.

O trabalhador torna-se tanto mais pobrequanto mais riqueza produz, quanto mai-or a sua produção aumenta em poder eextensão. O trabalhador torna-se umamercadoria tanto mais barata, quantomaior o número de bens que produz. Coma valorização do mundo das coisas au-menta em proporção direta a desvaloriza-ção do mundo dos homens. O trabalhonão produz apenas mercadorias, produz-se também a si e ao trabalhador como

uma mercadoria e, justamente na mes-ma proporção que produz bens (Marx,1993, p. 159; grifos do autor).

Esta condição nos coloca frente a ummecanismo no qual a racionalidade cen-trada na mercadoria e, portanto, no traba-lho abstrato, produtor de mais-valia, impe-ra e impulsiona os homens a agirem demodo a reproduzirem as condições de do-mínio de uns sobre os outros. Esta condi-ção, posta no plano da imediaticidade, seapresenta nos diversos planos da socieda-de, buscando tornar hegemônica a condi-ção de produção e intercâmbio de merca-dorias, sem que se explicite o fato de ser aprópria força de trabalho uma mercadoria,então trocada por um salário. Entre as es-feras ideológicas está a educaçãoinstitucionalizada, que tende a operar naimediaticidade, reproduzindo os valorespostos socialmente.

É preciso, no entanto, considerar estarelação em sua natureza conflituosa. A pro-dução de mercadorias, no capitalismo, seapresenta na forma de contradição entre adimensão humana em sua relação com anatureza, transformando-a, e a dimensãosocial, em que se impõe o distanciamentodo homem com relação ao objeto, com oprocesso e com o produto de seu trabalho.Esta contradição, entre realização e nãorealização, opera de modo a gerar no sersocial conflitos e insatisfações.

Na prática social dos sujeitos, osquais vivenciam estas contradições e confli-tos, estão presentes os valores e as caracte-rísticas culturais que expressam estas rela-ções contraditórias. Se, por um lado expres-sam a forma fetichizada do trabalho, por

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outro, também expressam sua forma origi-nária –produtor de valores de uso–, operan-do um duplo movimento: realização – nãorealização; humanização – desumanização.Este é o lócus da cultura e também da edu-cação. Dito de forma diferente, a cultura e aeducação expressam as contradições declasse e, por conseguinte, as mediações, asformas por meio das quais os indivíduosagem e reagem frente às contradições.

As mediações são, portanto, o pontonodal das análises a serem feitas no cam-po da educação e da formação humana,sem as quais operaremos no plano daimediaticidade, reproduzindo as condiçõesexcludentes e dicotômicas postas na socie-dade de classes.

Mediação: categoria- chave naMediação: categoria- chave naMediação: categoria- chave naMediação: categoria- chave naMediação: categoria- chave napesquisa em educação e napesquisa em educação e napesquisa em educação e napesquisa em educação e napesquisa em educação e nacompreensão da formaçãocompreensão da formaçãocompreensão da formaçãocompreensão da formaçãocompreensão da formação

Para melhor compreender o proces-so de formação, recorremos a Lukács(1981a, p. 53-56) para quem, no trabalhohumano está presente o domínio do ho-mem sobre si mesmo.

... o trabalhador é obrigado a dominar cons-cientemente seus afetos. Num determi-nado momento ele pode estar cansado,mas se uma interrupção for nociva para otrabalho ele continuará.(...) Mais importan-te, porém, é deixar claro o que distingueo trabalho neste sentido das formas maisevoluídas da práxis social. (...) Nas formasulteriores e mais evoluídas da práxis soci-al se destaca mais acentuadamente a açãosobre outros homens, cujo objetivo é, emúltima instância - mas somente em últi-ma instância - mediar a produção de va-lores de uso. (...) As posições teleológicas

que aqui se verificam têm, na realidade,um peso secundário com relação ao tra-balho imediato; deve ter havido uma po-sição teleológica anterior que determinouo caráter, o papel, a função, etc. das posi-ções singulares concretas e reais cujoobjetivo é um objeto natural. Deste modo,o objeto desta finalidade secundária já nãoé um elemento da natureza, mas a cons-ciência de um grupo humano...

Com esta observação, Lukács estádistinguindo as posições teleológicas primá-rias -o domínio dos homens sobre a naturezae de si mesmo- das posições teleológicassecundárias -o domínio dos homens sobresi enquanto gênero, em que a posiçãoteleológica visa à atuação sobre a naturezamediada por outros sujeitos, tendo por obje-tivo a mudança da consciência do outro.

Tomando a educação capitalista, sa-bemos que esta se coloca no centro dadualidade estrutural que marca a própriasociedade capitalista: a inclusão/exclusãosocial, tendo como seu principal eixo a di-visão do trabalho e a condição de classe.Portanto, a definição do universal nos levaa considerar a dualidade estrutural da so-ciedade capitalista. Neste quadro, os aspec-tos singulares a serem tratados devem re-fletir a tipicidade do universal, a particulari-dade. Aqui, estamos nos referindo ao fatode que, na sociedade capitalista, não é pos-sível analisarmos os complexos e a dinâ-mica social sem ter em mente a premissabásica do capitalismo: a acumulação decapital mediante a exploração do trabalhovivo. A singularidade não pode estar des-colada da universalidade, evitando-se abs-trair de tal modo a análise das condiçõessingulares para que o resultado de nossa

150 Sonia Regina LANDINI. Formação do ser social: o papel do professor e as políticas...

análise não se torne uma abstração. Nãoestamos omitindo aqui as característicascomo gênero, raça, religião, etc., apenassalientando que, tendo em vista a estrutu-ra de classes da sociedade capitalista, nãoé possível analisar tais aspectos sem a com-preensão da totalidade social.

A formação, no quadro do capitalis-mo, tem como fundamentos, portanto, as-pectos postos pela elite dominante, na di-reção hegemônica dos pressupostos quelevem à manutenção da ordem vigente,bem como aspectos característicos de umaparcela da população que busca a conse-cução de seus interesses os quais diferemdos da elite dominante. Esta dupla condi-ção, repleta de conflitos e contradições, põeem movimento as tensões entre alienaçãoe realização.

O caráter ideológico da educação eda formação se revela nas proposições quevisam à reprodução das condições sociaisvigentes, tendo em vista as transformaçõesrelativas ao modo de produção capitalista eas necessidades de readequação da qualifi-cação profissional, dos valores e da moral.“A função e a importância histórica da ideo-logia (...) [contém em si ] o tipo e o sentido dasua ação sobre aquelas tendências que odesenvolvimento das forças produtivas co-locou na ordem do dia” (Lukács, 1981, p. 35).

É preciso considerar que, no desen-volvimento cotidiano de suas atividades, oshomens, ao buscarem a realização de simesmos enquanto membros de uma socie-dade, reagem às formas exploratórias queretiram dos Sujeitos a plena possibilidadede realização. Este é um mecanismo quenão se expressa de modo explícito, especial-

mente pensando nos mecanismos ideo-lógicos postos na sociedade de classe. Serevelam por meio de uma série de aspec-tos, mais ou menos compreensíveis e explí-citos1, tais como descontentamento com re-lação ao trabalho, mecanismos de nega-ção inconscientes (ausências no trabalho,doenças, uso de drogas, etc.), até aquelesorganizados e tomados como reivindi-cações de classe, tais como as greves, pa-ralisações, etc.

Estas características revelam, ao nos-so ver, o conflito inerente à realização x ali-enação/estranhamento, na medida em queprocesso e produto do trabalho não per-tencem ao trabalhador.

Nessa perspectiva, o campo da polí-tica tem caráter central. Marx e Lênin, con-forme relembra Lukács, contribuem para acompreensão de seu significado

... Marx, caracteriza uma verdadeira lutade classes, uma genuína consciência declasse proletária, somente onde venha àluz conscientemente a prioridade do polí-tico. Para tal propósito, generalizando edesenvolvendo o Manifesto Comunista, elediz: “A consciência política de classe podeser trazida ao operário somente do exteri-or, isto é, do exterior da luta econômica,do exterior da esfera das relações entreoperários e patrões. O único campo doqual é possível atingir esta consciência éo campo das relações de todas as classese de todos os estratos da população como Estado e com o governo, o campo dasrelações recíprocas de todas as classes”2

(38) (...) O fator subjetivo da história sópode desenvolver toda a potência peculi-ar para combater nos conflitos quando,de um lado, o simples descontentamentoimediato pelas condições sociais dadas, aoposição contra elas, se eleva também no

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plano teórico à negação da totalidade de-las e, de outro, este fundamento não per-manece como mera crítica da totalidadedo existente, mas está também em condi-ções de transformar em práxis os conhe-cimentos assim extraídos, ou seja, de ele-var o conhecimento teórico à potênciaprática da ideologia. O jovem Marx des-creve este processo com força e plasticidadena sua crítica da filosofia hegeliana dodireito: “A arma da crítica não pode certa-mente substituir a crítica das armas, a forçamaterial deve ser abatida pela força ma-terial, mas também a teoria se torna umaforça material tão logo que se apoderadas massas. A teoria é capaz de apoderar-se das massas tão logo demonstra adhominem, e ela demonstra ad hominem,tão logo se torne radical. Ser radical querdizer tomar as coisas pela raiz. Mas a raiz,para o homem, é o próprio homem”3 (41)(Lukács, 1981, p. 35-36; grifos do autor).

Esta citação nos traz a questão danecessidade de estarem associadas: a lutada classe trabalhadora no interior do pro-cesso produtivo, e a relação, dialeticamen-te constituída, com as demais esferas davida humana. Dito de maneira diferente, aluta e a compreensão de sua dimensão nãopodem estar descoladas. É aqui que a ci-ência deve ter definido seu papel, estimu-lando a compreensão acerca da realidadee compondo as estratégias de transforma-ção social.

Deste modo, a racionalidade científi-ca é fundamental para que as decisões,estratégias, alternativas, etc. sejam tomadasa partir do nexo dialético entre teoria e prá-tica social. A formação humana não podeprescindir deste pressuposto, sem o queassumiríamos como princípio ovoluntarismo utilitarista.

Ao tratarmos da formação, expandi-mos, assim, a compreensão de seu signifi-cado para uma dimensão que extrapola ainstitucionalização, considerando o campoda cultura como o campo em que a forma-ção humana se processa. No entanto, dadoo grau de institucionalização dos proces-sos formativos postos pela complexidadesocial, é necessário que incorporemos amatriz teórico-metodológica até aqui expos-ta para analisarmos o campo específico daformação que se processa na escola, to-mando-a aqui em seus diferentes níveis emodalidades de ensino.

Particularmente, nos interessa aquianalisar o campo da formação de profes-sores, dado o papel do professor nos pro-cessos de formação da classe trabalhado-ra e as futuras vivências dos mesmos nocontexto social contemporâneo.

A formação de professores noA formação de professores noA formação de professores noA formação de professores noA formação de professores noquadro da mundialização do capitalquadro da mundialização do capitalquadro da mundialização do capitalquadro da mundialização do capitalquadro da mundialização do capital

As demandas educacionais postaspela re-configuração societária, tendo emvista as transformações necessárias à so-brevivência do modo de produção capita-lista, podem ser sinteticamente caracteriza-das pelo aumento de escolaridade, aumentode qualificação de uma parcela da classetrabalhadora, em especial no que se refereao domínio de habilidades comportamen-tais e comunicacionais, associadas aos co-nhecimentos técnico-científicos. Neste sen-tido, à escola cabe preparar os alunos paraa empregabilidade, ou seja, a escola devepreparar trabalhadores para o enfrenta-mento de um mercado de trabalho restrito,

152 Sonia Regina LANDINI. Formação do ser social: o papel do professor e as políticas...

cujo número de “selecionados” é menor quea oferta de trabalhadores.

Nesse âmbito de análise, devemosconsiderar, portanto, que à escola está des-tinado o preparo para a diversidade, paraa auto- responsabilidade, para a solidarie-dade e, ao mesmo tempo, o preparo parao domínio de habilidades e competências(tais como realizar cálculos básicos, ler, es-crever, comunicar-se, dominar novas lingua-gens tendo em vista os recursos próprios àtecnologia da informação).

Nesse escopo, a centralidade da edu-cação básica é postulada por organismosmultilaterais (FMI, BIRD, UNESCO, CEPAL,etc.) com o intuito de desenvolver a capaci-dade competitiva do país, visando prepa-rar trabalhadores e consumidores, tendo emvista a diversidade de condições sociais.

Para que esse processo se efetive,entre as preocupações evidenciadas poresses organismos, está a preparação deprofessores, tornando-os aptos para o en-frentamento das precárias condições soci-ais postas e vivenciadas na sala de aula, oque requer o domínio de habilidades e com-petências capazes de garantir a resoluçãode problemas postos pela diversidade decondições, tanto sociais, como culturais.

A partir dessa ótica, as políticas edu-cacionais brasileiras, acordando com asorientações desses organismos, têm enfati-zado a necessidade de desenvolvimento decompetências, tanto na formação em ge-ral, como na formação de professores.

Por competências entende-se a ca-pacidade de resolver problemas postos pelavida cotidiana, tornando-se capaz de bus-car por conta própria estas soluções. Trata-

se do aprender a aprender, aprender a fa-zer e aprender a ser4.

Se, à primeira impressão nos podeparecer uma idéia construtiva e progressis-ta, ao refletirmos sobre o Sujeito dessa for-mação podemos identificar uma tendênciafortemente utilitarista, dotando os indiví-duos de capacidades necessárias ao siste-ma, possibilitando sua adequação à lógicade mercado, sem a consciência da lógicasubjacente à dinâmica de mercado e aosseus fundamentos.

No campo da formação de profes-sores podemos identificar tal perspectiva aoanalisarmos a tendência de formar para aprática, tendência esta presente na legisla-ção, nas diretrizes curriculares, etc.

O trabalho do professor demanda um perfilprofissional que atua em situações sin-gulares, para as quais precisa dar respos-tas adequadas e fazer intervenções pro-dutivas.(...) É preciso saber mobilizar o conheci-mento em situações concretas, qualquerque seja sua natureza (BRASIL.MEC, maiode 2000, p. 36).

Podemos identificar, na citação aci-ma, a tendência de formação de um profis-sional capaz de lidar com situações singu-lares, o que pode se apresentar como umaspecto positivo, considerando-se a diver-sidade de condições e situações vivencia-das pelo professor. No entanto, a singulari-dade deve ser compreendida a partir de suarelação com a totalidade social. Para tanto,é necessária uma formação com uma sóli-da base teórica, consolidada por meio depesquisa e de método científico de analiseda realidade. Percebemos que as orienta-ções e diretrizes para a formação de pro-

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fessores acabam por considerar a constru-ção do conhecimento tendo em vista a re-alidade prática. Vejamos nas diretrizes o queé fruto de preocupação:

...a pesquisa (ou investigação) que sedesenvolve no âmbito do trabalho de pro-fessor não pode ser confundida com apesquisa acadêmica ou pesquisa científi-ca. Refere-se, antes de mais nada, a umaatitude cotidiana de busca de compreen-são dos processos de aprendizagem edesenvolvimento de seus alunos e à au-tonomia na interpretação da realidade edos conhecimentos que constituem seusobjetos de ensino (BRASIL.MEC, maio de2000, p. 45; grifo nosso).

Esta abordagem nos leva à reflexãosobre o papel da teoria nas concepções deeducação vigentes nas diretrizes de forma-ção de professores. Trata-se, ao nosso ver,de defender que, mais importante que ateoria, a prática é o elemento norteador daformação do professor.

Tal concepção se afasta da possibili-dade de integração dialética entre teoria eprática, entre universal e singular.

Sabemos, no entanto, que esta con-cepção faz parte de uma orientação pró-pria aos mecanismos de adequação entreformação e mercado, inerentes aos proces-sos de formação propostos pelo Estadoneoliberal e pelos interesses do capital.

É fato queNo Brasil, a aceleração crescente do pro-cesso de privatização e de empresaria-mento do ensino; o progressivo descom-promisso do Estado, sob o pretexto de cri-se fiscal, com o financiamento da univer-sidade e do ensino público em geral; adefinição de políticas nacionais que com-prometem dramaticamente as condições

efetivas do ensino e da pesquisa na pro-dução acadêmica – inclusive com o avil-tante achatamento dos salários de seusprofissionais –, instauram um clima pro-pício à desagregação do ambiente acadê-mico e, bem de acordo com o espírito daépoca, promovem o individualismo (...) Esteuniverso afronta os professores universi-tários, transformados que foram em agen-tes da extensão – agora concebida comooferta de serviços a preços de mercado –,em detrimento da produção da pesquisae do conhecimento (Moraes, 2001, p. 4).

Neste campo, a formação valorizaindivíduos produtivos, adequados às neces-sidades de mercado, o que requer a disse-minação de valores ligados às múltiplascondições de vida- de trabalho, de culturas,etc., sem que sejam evidenciadas as condi-ções estruturais da sociedade nos quais seinserem

Dilui-se a grande questão dos valores edos fins. Perde-se a possibilidade de trans-gressão, para além dos limites individuais,ou de grupos. De forma ardilosa proclama-se o novo patamar “democrático”, no qualdeverão constituir-se os modos emergen-tes de resistência – ética, política e discur-siva – vivenciados por “atores plurais” oupelas “múltiplas identidades sociais”. Em talâmbito não é admitida qualquer hierar-quia de determinações nas relações soci-ais existentes – hierarquia que, de todomodo, é resultado inevitável da formaçãohistórica dessas relações –, de forma queas clivagens ali escandalosamente eviden-tes são obliteradas em favor de umnivelamento das noções de multiplicidadee diversidade, marcadamente culturais.Definidas no campo da cultura é neste lu-gar que a construção das várias identida-des encontra sua base e sua sustentação.Entram em cena os “atores”, saem dela os“sujeitos” (Moraes, 2001, p. 8).

154 Sonia Regina LANDINI. Formação do ser social: o papel do professor e as políticas...

Dentro desta ótica, Moraes (2001, p.2) ressalta ainda que

“A celebração do “fim da teoria” – movi-mento que prioriza a eficiência e a cons-trução de um terreno consensual quetoma por base a experiência imediata ouo conceito corrente de “prática reflexiva”5

– se faz acompanhar da promessa de umautopia educacional alimentada por umindigesto pragmatismo (Burgos, 1999:468).Em tal utopia praticista, basta o “saber fa-zer” e a teoria é considerada perda detempo ou especulação metafísica e, quan-do não, restrita a uma oratória persuasivae fragmentária, presa à sua própria estru-tura discursiva.

A desvalorização da teoria implica adesvalorização da possibilidade efetiva-mente reflexiva, tendo em vista que a refle-xão tomada pela ótica da prática, sem co-nexão dialética com a totalidade social,possibilita a tomada de decisões superfi-ciais, imediatistas, sem a real criticidade.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

A tônica dada à formação de pro-fessores traz consigo um indicativo de queo fragmento, as micro-relações, a singulari-dade, a diversidade constituem a comple-xidade social. Por esta ótica, se oculta acompreensão dos fundamentos da socie-dade mundializada.

No entanto, apesar da difícil tarefade superar as condições em que “...só hácampo para o ceticismo e o cínico descom-promisso ético que tudo nivela sob o argu-mento esperto de um pseudo-realismo”(Moraes, 2001, p. 11), acreditamos que ainsistente atuação no campo da pesquisa,do ensino e de nossas práticas sociais,

mantendo acesa a preocupação metodo-lógica que possa proporcionar a indaga-ção e a reflexão sobre as mediações entresingular e universal, tomando como cen-tral a historicidade da ação humana nadireção da realização e liberdade, poderáexercer o papel de crítica e provocar deba-tes, discussões e a incursão de novos pes-quisadores-professores no campo da inves-tigação científica.

O desafio colocado parece se concen-trar no resgate das mediações, dos meca-nismos de incorporação e nos de resistênciae negação, presentes no cotidiano dos pro-fessores. Neste sentido, a denúncia do ca-ráter normatizador das políticas de forma-ção de professores requer a investigaçãosobre a prática escolar, as construções pos-tas na escola, tendo em vista que a escolaapresenta um espaço de confluência deinteresses, o que compreendemos como umespaço privilegiado na construção de umpacto social no qual estão contidas as re-lações Estado-classe, construídas cotidiana-mente, em que se incluem os mecanismosde controle, de consenso, bem como osmecanismos de “negação” de concepçõese proposições (Rockwell & Ezpeleta, 1985).

Para apanhar estas construções tor-nam-se necessárias categorias específicaspara a análise do cotidiano escolar, tendoem vista a história de cada instituição Ouseja, trata-se de investigar como os sujeitosse relacionam com os conteúdos e práticaspostos pelas políticas sociais, tendo em vis-ta as condições da escola em sua particula-ridade. Ainda, de que maneira as políticas,vistas pela ótica do controle por parte doEstado, são incorporadas ou não pelos su-

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jeitos no interior da escola. Para tanto, aescola precisa ser analisada em sua particu-laridade, colocando-nos diante da necessi-dade de historicizar a instituição. A contri-buição de Rockwell & Ezpeleta (1985, p.202), neste sentido, nos põe frente ao fatode que “...reconstruir esa história es simulta-neamente conocer la concepción que guar-dan de ella los sujetos que la recuerdam”.

Nesse sentido, a integração das mi-cro relações, das práticas particulares e suascontinuidades, rupturas, etc., podem ser res-gatadas.

O recorte do cotidiano, para o qual o su-jeito particular é o referente significativo,define um primeiro nível analítico,possível,das atividades observáveis em qualquercontexto social.(....) [não se trata de] conhecer, em formaindividual, as múltiplas vivências na es-cola. Ao integrar o cotidiano como um nívelanalítico do escolar, admitimos a possibi-lidade de aproximar-nos, de modo geral,da existência material da escola e revelaro âmbito preciso em que os sujeitos par-ticulares envolvidos em educação experi-mentam, reproduzem, conhecem e trans-formam a realidade escolar (Rockwell &Ezpeleta, 1985, p. 114-115).

Trata-se de captar a tipicidade dosujeito na totalidade e tipicidade da totali-dade no sujeito. Neste sentido, adentramoso terreno da cultura escolar, compreendidapela construção histórica das práticas coti-dianas, revelando as possíveis incorpora-ções ou as possíveis resistências frente àinstitucionalização da formação posta pe-las reformas educacionais, a partir de umainvestigação que tenha como referência aconcreticidade das relações postas no inte-rior da escola.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 Resgatamos aqui as afirmações de Heller: “Hemosafirmado que la vida cotidiana en su conjunto esum objetivarse. Como tal se mueve a un determi-nado nivel; este nivel esta constituido por aquelcierto ‘mundo´, es decir, por el ambiente en el cualel hombre nace y que él ha ‘aprendido´a mover yen el que ha à prendido´a moverse; (...) Si uno estáinsatisfecho del sistema de distribución y expressasu insatisfacción diciendo que el sistema es injus-to, el nivel de esta objetivación está representadopor la distribución y además por los juicios, usos,prejuicios, etcétera a que ella se refierem. Puedesuceder que sus palabras caigan en un terrenofértil (...) Puede suceder que de este modo ladistribución sea transformada o modificada. (...) Puedesuceder que la palabra ‘injusticia´no encuentreningún eco.” (HELLER, 1994, p. 97)2 (38) V. I. Lênin, Sämtliche Werke, IV, 2, cit., pp.216-217 – trad. it. di. L. Amadesi, Che fare?, in V.I. Lênin,Opere Complete, V, Roma, Ed. Riuniti, 1958, pp.389-390) LÊNIN, V. I. Sämtliche Werke, IV, 2, cit., pp.216-217 – trad. it. di. L. Amadesi, Che fare?, in V.I. Lênin,Opere Complete, V. Roma: Ed. Riuniti, 1958 apudLUKÁCS, G.A reprodução. In: Ontologia do ser soci-al, op.cit.,1981 a3 (41) MEGA, I, 1/1, p. 614 (trad. It. Di R. Panzieri, Perla critica della filosofia del diritto di Hegel.Introduzione, in: K. Marx - F. Engels, Opere Comple-te, III, cit., p 197).4 Conforme as orientações presentes nas diretrizescurriculares de formação de professores do ensinobásico. (BRASIL.MEC.maio de 2000)5 Conceito norteador das atuais discussões sobre operfil de “competências”. Na prática reflexiva, a “re-flexão” prende-se ao empírico, nele encontrandosuas possibilidades e limites. Na educação brasilei-ra, os efeitos mais visíveis dessa concepção faz-seperceber nas novas propostas oficiais para a forma-ção de docentes, nas quais a reflexão sobre a pro-dução de conhecimentos foi eliminada de sua pre-paração básica. Como indica Burgos, o gradual re-cuo da teoria, nesse caso particular, pode ser com-preendido como uma tentativa de favorecer a com-

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Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Recebido em 10 de fevereiro de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 20 de maio de 2004.

petência prática no processo de aprendizagem(Burgos, BURGOS, R. N. B. The Spectre of Theory inCurriculum for Educational Researchers: a MexicanExample, International Review of Education, 45 (5/

6). November, pp. 461-478 apud MORAES, M.C.M.Recuo da Teoria: dilemas na pesquisa em educa-ção. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 14,n. 1, p.7-25, 2001, p. 467).

A imitação no processo de aprendizagem: reflexõesA imitação no processo de aprendizagem: reflexõesA imitação no processo de aprendizagem: reflexõesA imitação no processo de aprendizagem: reflexõesA imitação no processo de aprendizagem: reflexõesa partir da história da educação e do ensino de artea partir da história da educação e do ensino de artea partir da história da educação e do ensino de artea partir da história da educação e do ensino de artea partir da história da educação e do ensino de arteVera Lúcia Penzo Fernandes

Mestranda em Educação (UFMS). Professora da SecretariaMunicipal de Educação de Campo Grande/SEMED.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO presente texto tem como objetivo destacar, na história da educação e do ensino de arte, a imitação noprocesso de aprendizagem, de forma a explicitar conceitos sobre a imitação e verificar a sua presença aolongo de uma trajetória histórica. A metodologia tem como base estudos de caráter documental, extraindofragmentos que demonstram ou fazem referência ao assunto, partimos de uma bibliografia básica e outracomplementar. Neste processo percorremos as contradições e o contexto histórico-social de cada períodoestudado. Os estudos evidenciaram a presença constante da imitação no processo de aprendizagem, nãonecessariamente ligada ao ensino de arte, mas decorrente da história da educação no que se refere aoensino de gramática ou ao ensino de forma geral. Desse modo podemos perceber que a imitação temdiferentes conceitos que permeiam o aspecto metodológico da educação, podendo ser conceituada dentrode aspectos mecanicistas, quando associada à passividade e à memorização; de aspectos espontaneísticos,como vontade natural da criança; como ação produtiva que leva ao aprendizado, de acordo com ospressupostos da teoria sócio-histórica. Concluímos que a imitação está presente em pelo menos doisníveis, um que se refere ao processo de aquisição do conhecimento intrapsíquico e outro referente àrelação entre indivíduo e sociedade.

Palavras chavePalavras chavePalavras chavePalavras chavePalavras chaveEnsino de arte; aprendizagem; imitação.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe present text aims at bringing out the presence of imitation in the learning process in the history ofeducation and art teaching, so as to set out concepts of imitation and verify its presence along a historicaltrajectory. The methodology is based on documental studies, extracting fragments that show or makereference to the subject. The study started from a basic bibliography and another which was complementary.In this process contradictions and the social historical context from each period has been studied. Thestudies have shown the constant presence of imitation in the learning process, not necessarily attached toart teaching, but resulting from educational history referring to grammar teaching or teaching in general.In this way it became clear that imitation has different concepts that permeate the methodological aspectof education, that can be conceptualized inside mechanical aspects, when associated with passivity andmemorization; of spontaneous aspects, such as the natural wish of children; as productive action that leadsto learning, according to the presuppositions of social historical theory. It has been concluded that imitationis present at least on two levels, one that refers to the acquisition process of intrapsychic knowledge andthe other that refers to the relationship between the individual and society.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsArt teaching; learning; imitation.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 157-170, jan./jun. 2004.

158 Vera Lúcia P. FERNANDES. A imitação no processo de aprendizagem: reflexões...

O interesse pelo tema, a imitação noprocesso de aprendizagem, tem origem emestudos recentes sobre a teoria de Vygotsky,estudos que suscitaram questões sobre aforma de transmissão e aquisição da cul-tura em que esta alicerçada toda a nossasociedade e, por conseguinte, a nossa for-mação. Tais questões envolvem indagaçõessobre o sentido da imitação presente nomeio educacional, e mais especificamenteno ensino de arte.

O senso comum entende a imitaçãocomo inata do ser humano. Outra caracte-rística muito comum é a negação da imita-ção, uma vez que impede a criatividade,quem copia não cria. Ou paradoxalmente,a sua aceitação, onde sua presença é tidacomo óbvia nas ações cotidianas dos alu-nos e professores, o professor é um mode-lo de conduta. Nessas afirmativas temossubentendidos conceitos de imitação, mas,de fato, como acontece esta imitação? Oque se imita? Que cultura se imita? Será aimitação uma forma de interpretação, umponto de partida para a criação? E, comoela pode contribuir para o processo deaprendizagem?

Por outro lado, no próprio ensino dearte difunde-se a negação de modelos. Istopode ser observado em reflexões sobre asua presença (negativa) em releituras; aosdanos que podem causar ao potencial cri-ador e a padronização dos desenhos in-fantis; ou, ainda, pela afirmação da criativi-dade, numa constante defesa da liberdadee da relevância da espontaneidade da cri-ança ou do adolescente. Questionamos oque é realmente imitar... Não terá sido cria-do um mito sobre a imitação? Qual o seu

papel, a sua necessidade no ensino de arte?Está associada a uma ideologia?

Para responder a estas questões,definimos como objetivo destacar na his-tória da educação e do ensino de arte apresença da imitação no processo de apren-dizagem, de forma a explicitar conceitossobre a imitação e verificar a sua presençaao longo de uma trajetória histórica.

Partimos da hipótese de que a imi-tação é determinante no processo de aqui-sição de conhecimento e da criatividade eque se torna produtiva na medida que te-mos a compreensão de seu papel na rela-ção entre indivíduo e sociedade.,

Optamos por fazer uma pesquisateórica e bibliográfica, dentro de um aporteteórico-metodológico que possibilitasse acompreensão da imitação no processo deaprendizagem nas suas relações entre in-divíduo e sociedade, em seus aspectos his-tóricos, sociais, políticos e ideológicos e, paraisso nos fundamentamos na teoria sócio-histórica.

Nosso pressuposto entende a imita-ção como produtiva, que mesmo quandonegada está implícita nas produções artís-ticas ou no processo de aprendizagem emdiferentes níveis do desenvolvimento doindivíduo. A imitação tanto se configuracomo cópia, quanto como reprodução demodelos, estando presente nas ações coti-dianas do indivíduo e da sociedade em quese insere. Representando uma forma deinteração e relação com os modos de pro-dução e uma premissa para a interpreta-ção da nossa sociedade. A imitação nãoserá negativa se estiver inserida em um pro-cesso que leva ao conhecimento ou em

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 157-170, jan./jun. 2004. 159

uma base concreta que leva à superaçãode padrões estéticos e à criação. Nenhumacópia, por mais fiel que seja, deixará deapresentar ou despontar a possibilidade deum traço de criação. Defendemos a imita-ção como forma de aquisição de conheci-mento, não a compreendemos como umaação mecânica, conforme o entendimentode Vygotsky (1991).

Na verdade levantamos a possibili-dade da ruptura com modelos pedagógi-cos do ensino de arte, que concebem o pro-cesso de aprendizagem ou de criatividadecomo inatos ou como frutos de inspiraçãodivina. A partir das reflexões sobre a imita-ção, pretendemos buscar contribuições daperspectiva sócio-histórica para a o ensinode arte, pois não é possível fazer uma aná-lise, ou uma interpretação, que desvinculeo objeto de estudo de um pressuposto teó-rico, de suas relações sociais, econômicas,políticas e históricas ou do conjunto teóricoem que está fundamentada.

Alertamos que o estudo é introdutó-rio e visa a explicitar o sentido da imitação,na educação e no ensino de arte. Intencio-nalmente nos centramos mais na arte deensinar, ou seja, nos aspectos metodológi-cos, do que propriamente no ensino de arte,pois aí é que encontrávamos as referênciasao nosso objeto de estudo. A história daeducação teve um enfoque central por en-tendermos que o ensino de arte não se des-vincula deste conjunto mais abrangente.

De acordo com nossos objetivos oestudo teve uma base documental e teóri-ca. Foi dividido em quatro partes: primeiradiscute o conceito de imitação, em um sen-tido filosófico e estético; em seguida, o con-

ceito da imitação na história da educação;em terceiro, a imitação na história do ensi-no de Arte no Brasil; e a conclusão desteestudo, nas reflexões finais. Apresentamosaqui uma síntese das nossas investigações.

1 1 1 1 1 MímesisMímesisMímesisMímesisMímesis ou arte? ou arte? ou arte? ou arte? ou arte?

A palavra imitação deriva do gregomímesis, utilizada por Platão para indicarum dos modos possíveis da relação entreas coisas sensíveis e as idéias (Abbagnano,1982). A imitação é, para Platão, a própriadefinição da arte.

A arte como imitação refere-se à re-lação entre arte e natureza, definindo umavisão de realidade, que é mera tentativa derepresentar o inteligível. A mais antiga defi-nição da arte na filosofia ocidental, a daimitação, subordina a arte à natureza ouao mundo ideal. O pintor não faz senãoreproduzir a aparência do objeto construí-do pelo artífice, sem entender verdadeira-mente das coisas que imita e sem a capa-cidade de efetuá-las. Desta forma há umapassividade da imitação artística. Platãocondenou a arte imitativa por serantieducativa.

Para Aristóteles (1992) o valor da artederiva do objeto imitado. Ao artista perten-ce o mérito da escolha oportuna do objetoimitado, no entanto, a passividade artísticapermanece. Para Aristóteles imitar é natu-ral do homem desde a infância.

A imitação estará sempre presenteem discussões estéticas, perfazendo todauma trajetória histórica de reflexões filosófi-cas. A idéia da imitação como arte será su-perada, assumindo outras características e

160 Vera Lúcia P. FERNANDES. A imitação no processo de aprendizagem: reflexões...

conceitos, adquirindo valor próprio comoquestão estética da relação entre arte e na-tureza. Entendemos arte como fonte de co-nhecimento, autônoma enquanto lingua-gem, que desvenda e revela contradições erelações sociais, ocupando uma função so-cial sem perder o seu aspecto criativo. Sen-do a imitação uma determinante presentenas origens do processo criativo e constantenas relações estéticas entre indivíduo e so-ciedade. Desta forma supera a concepçãode Platão que entende a arte como mímesise por conseqüência uma arte inferior.

2 Reflexões a partir da história2 Reflexões a partir da história2 Reflexões a partir da história2 Reflexões a partir da história2 Reflexões a partir da históriada educaçãoda educaçãoda educaçãoda educaçãoda educação

Na história da educação podemosperceber que a imitação esteve presente nassociedades primitivas como um processonatural que possibilita o aprender, dadopela própria forma de estruturação social.No Egito Antigo consta uma sociedade quepreserva padrões estéticos conservadorese que tem na educação mnemônica a pre-sença da imitação, associadas à preserva-ção de valores e de padrões de conduta deforma rígida. Na Grécia Antiga há uma pre-ocupação com a democratização do ensi-no, mas um ensino elitista e também nãomenos rigoroso que no Egito. De formageral, há na educação grega, a valorizaçãoda escrita, leitura e a repetição das letras,de forma mnemônica. Neste ponto desta-camos o seguinte trecho extraído da obrade Manacorda:

E no século I a.C., Dionísio de Halicarnassonos informa sobre a persistência destadidática: ‘quando aprendemos a ler, apren-

demos primeiro o nome das letras, depoissuas formas e valores, em seguida as sí-labas e suas propriedades e, enfim, aspalavras e suas reflexões. Daí, começa-mos a ler e a escrever, de início lenta-mente, sílaba por sílaba. Quando, no de-vido prosseguimento do tempo, as formasdas palavras estiverem bem fixas em nos-sas mentes, lemos com agilidade qual-quer texto proposto, sem tropeçar, comincrível rapidez e facilidade’ [...]. EsteEsteEsteEsteEstemétodo destinado a durar por mi-método destinado a durar por mi-método destinado a durar por mi-método destinado a durar por mi-método destinado a durar por mi-lênioslênioslênioslênioslênios, é comprovado também por um apassagem da curiosa TTTTTragédia grama-ragédia grama-ragédia grama-ragédia grama-ragédia grama-ticalticalticalticaltical (grammatiké tragoedía), de um au-tor ateniense da metade do século V a.C.[...]: ‘o ateniense Cálias fez o mencionadoespetáculo gramatical, dispondo-o destaforma: o seu prólogo é constituído pelasletras do alfabeto e é preciso pronunciá-lo letra por letra separadamente, e terminá-lo voltando ao alfa: alfa, beta, gama, [...] Eo coro das mulheres, juntando duas le-tras cada vez, é em versos e cantandodesta forma: beta-alfa ba, beta-e bee, [..]; evolta ao início da antístrofe da melodia edo ritmo: gama-alfa, gama-e, [..]; e comcada uma das outras sílabas todos fazema mesma coisa quanto ao metro e à me-lodia. (1996, p. 54. Grifos nossos):

A citação embora longa se faz ne-cessária, pois está técnica será lembrada emoutros momentos deste texto, conformeexpresso pelo próprio autor ao longo desua obra.

Na educação romana continuam aexistir práticas semelhantes às dos gregose na escola de Quintiliano existem méto-dos que certificam o caráter mecânico daeducação além de afirmar que,

Nas crianças, a memória é o principal ín-dice de inteligência [...]. A outra qualidadeé a imitação que prognostica também aaptidão para aprender, desde que a cri-

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ança reproduza o que se lhe ensina (apudGadotti, 2002, p. 48).

Observa-se a presença da valoriza-ção da memorização e da própria imita-ção com sentido de qualidade que demons-trando a aptidão para o aprender e apon-tando para um modo de se reconhecer ostalentos nas crianças. A escola descrita levaa acreditar que existe uma forte tendência,resultante do seu caráter mecânico, a umaescola sem sentido que desvincula a teoriada prática. Repete-se, imitam-se e reprodu-zem-se conteúdos e sociedade sem haverreflexão. O conceito de imitação, por con-seqüência, está associado à reprodução eà memorização.

No que se refere ao ensino da gra-mática ou das letras, temos a presença daimitação num processo mecânico da apren-dizagem, tal processo está associado a todauma trajetória que envolve os interesses dasclasses dominantes; associados, também,a um grande sadismo pedagógico, que con-siste em uma relação entre aluno e profes-sor marcada pela agressividade e violênciafísica. A imitação está inserida em uma edu-cação clássica e tradicional, desde a antigüi-dade até o final do século XVIII, conformeobservamos ao longo dos nossos estudos.Devendo ser resguardadas as diferentescontextualizações feitas sobre cada períodocitado, que apesar de diferentes, consolidamuma aprendizagem obtida em um proces-so dolorido e mecânico, que permanecerápor exemplo, nos métodos do ensino mú-tuo e em outros períodos históricos.

Na Idade Média se dá o gradual de-saparecimento da escola clássica e a forma-ção da escola cristã, episcopal nas cidades

e cenobítica no campo. Verifica-se neste pro-cesso um empobrecimento cultural. Na esco-la, como é típico da sociedade cristã, o di-zer e o fazer são distintos. O modelo organi-zacional da escola é hebraico, existindo umareprodução de modelos tanto no que serefere à metodologia de ensino quanto aospadrões estéticos. Esta nova tradição cristãtrará uma escola nos bispados e nos mos-teiros. Nessa escola cabe ao professor falare ensinar e ao discípulo calar e escutar,havendo ainda uma clara desigualdade derelações, que marcam também, o caráterpedagógico da cópia de modelos.

Quanto à preparação para os ofíci-os artesanais há uma continuidade de umaaprendizagem nas formas já conhecidas,como o observar e o imitar, antes de pro-duzir autonomamente.

O ensino cenobial é levado a extre-mos, onde o ler e o interpretar não estãoacompanhados, como se observa nas pa-lavras do abade de Reicheneau,

A bondosa ajuda do mestre e o orgulho,juntos, levaram-me a enfrentar com zeloas minhas tarefas, tanto que após algu-mas semanas conseguia ler bastante cor-retamente não apenas aquilo que escre-viam para mim na tabuinha encerada, mastambém o livro de latim que me deram.Depois recebi um livrinho alemão, queme custou muito sacrifício para ler mas,em troca, deu-me uma grande alegria. Defato, quando lia alguma coisa, conseguiaentendê-la, o que não acontecia com olatim; tanto que ficava maravilhado por-que era possível ler e, ao mesmo tempo,entender o que se tinha lido (IX apudManacorda, 1996, p. 135).

O conteúdo formal está separado doconcreto, percebe-se que na metodologia

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de ensino existe uma separação entre teo-ria e prática, que não se desvincula de ques-tões ideológicas. Como alega Manacorda,ao referir-se às constantes inovações meto-dológicas presentes no século XIX, “a con-servação e progresso se confrontam em tor-no do fastidioso mas real problema do mé-todo, atrás do qual se escondiam interes-ses e ideais mais profundos” (Ibidem, p.285). Podemos perceber que se alteram osconteúdos e os objetivos mas pouco se alte-ra, ao longo dos séculos que extrapolamos limites temporais da Idade Média, a me-todologia de ensino. A preservação de umaeducação mecanicista, ou pelo menos dosseus métodos, está relacionada a uma con-cepção de mundo que não tem uma açãoreflexiva, e que vê no sujeito um mero re-ceptáculo em conformidade com interessesque não aparecem claramente expressos,

O que bem podemos perceber naanálise sobre a imitação em Coménio. Cu-riosamente Coménio, um dos precursoresda educação nos moldes que conhecemos,tem na imitação e na natureza a base imó-vel “sobre a qual se assenta toda a estrutu-ra da didática comeniana” (Gasparin, 1994,p. 80), a didática, arte de ensinar e apren-der, “nada pode fazer, a não ser imitando anatureza” (Coménio, 1957, p. 187). Mas,qual o sentido desta imitação? Em princí-pio, a imitação é a imitação da natureza. Anatureza fornece os modelos do que sedeve fazer, o homem ao observar o peixenadando o imitará através de movimentossemelhantes, em vez de barbatanas os bra-ços, em vez da cauda os pés, ou construin-do barcos, em vez de barbatanas os remos,velas em vez da cauda o leme.

Em toda a sua obra Coménio mos-tra através de vários exemplos externos àescola como o homem segue a naturezana construção de sua arte. Arte entendidaaqui, como artesanato ou manufatura, enatureza como o nosso estado primitivo efundamental e, também como “[...] providên-cia universal de Deus [...] em cada criaturaaquilo para que a destinou” (Coménio,1957, p. 102).

A ordem exata existente em tudo éque deve permanecer presente em todasas ações do homem, e por conseqüência,também na didática, um exemplo se dá nocapítulo XXI do Método Para Ensinar AsArtes. Sobre as artes o autor refere-se aoensino das artes técnicas, havendo maiordedicação a estas, uma vez que exigemuma aplicação “árdua e demorada”, a teo-ria por ser “fácil e breve” só dá prazer. Parao ensino, a arte requer: 1. o modelo ou aimagem, que é uma espécie de forma ex-terna, que o artista observa e tenta repro-duzir. 2. a matéria, que é aquilo a que deveimprimir-se a forma. 3. os instrumentos, coma ajuda dos quais se executa o trabalho(Coménio, 1957). Indo além, Coménio apre-senta onze cânones que explicita o seuMétodo Para Ensinar As Artes, todos elesapresentados dentro de regras rígidas e cla-ramente direcionados para um ensino me-canicista ou “tradicional”, que não sem exa-geros, persistem em algumas práticas edu-cativas contemporâneas, como por exem-plo, o traçado sobre moldes, o uso de pa-péis transparentes e de decalques.

Uma questão a ser observada é queno final da Idade Média começa a ser vis-lumbrada uma forma diferente de ensino,

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fato que advém do crescimento das ma-nufaturas.

Surgem novos modos de produção, emque a relação entre ciência e a operaçãomanual é mais desenvolvida e a especia-lização é mais avançada; para isso é ne-cessário um processo de formação em queo simples observar e imitar começam anão ser mais suficientes [...] Surge agorao tema novo de uma aprendizagem emque ciência e trabalho se encontram eque tende a se aproximar e a se asseme-lhar à escola. É o tema fundamental daeducação moderna que apenas começaa delinear-se (Manacorda, 1996, p. 161).

Decorre que o trabalho colocará aimitação, associada à observação e a açãomecânica, em cheque. Novas formas de vera educação a partir das necessidades ma-teriais de produção terão fortes influênciassobre os métodos, que começaram a ter,na educação moderna, inúmeras variáveis.As mudanças acontecem tanto nos conteú-dos, quanto nas formas de produção ma-terial da escola, que estará envolta em ques-tões inicialmente políticas e depois sociais.

Neste processo o próprio homem,com o advento do Humanismo, tem umnovo papel social e, por conseqüência, acriança começará a ser vista com mais cui-dado. O Humanismo, que: declaradamen-te se opõe à cultura escolástica; coloca-secontra a ignorância dos clássicos e o usoservil dos manuais ou compêndios; opõe-se às metodologias obsessivamenterepetitivas e a disciplina sadicamente seve-ra; tem como conteúdos a literatura latinae grega, a poesia, música, as artes e os exer-cícios físicos; vê uma relação professor ealuno mais próxima, onde o estudo é acom-panhado por passeios, jogos e brincadei-

ras, sendo a disciplina baseada no respeitopelo adolescente. Mesmo que tais propos-tas nos façam pensar que tudo mudou derepente, ocorre que velhas práticas de seensinar à gramática, como já afirmamosanteriormente, ainda permanecem presen-tes, como podemos perceber na forma deensinar do humanista Nicolò Perotti “[...] re-pita as letras – A, b, c... x, y, z. Repita a sau-dação [...]” (apud Manacorda, 1996, p. 182).

Os movimentos populares não cató-licos tiveram grande importância para mu-danças mais significativas, para a difusãodo ler e escrever. Com o objetivo de possi-bilitar a leitura direta da bíblia, são respon-sáveis por iniciativas mais avançadas denovos métodos e modelos de educaçãopopular e moderna, dentro de questõessociais mais concretas, por exemplo, Luterotenta conciliar o respeito pelo trabalhomanual produtivo com o tradicional prestí-gio do trabalho intelectual.

Dentro deste espírito moderno encon-tra-se Locke (1632-1704), que traçandouma educação não para a formação dasclasses populares, mas para a formação dogentleman, propõe novos métodos, ondeo jogo, a utilidade prática, a persuasão ra-cional, os métodos não-constritivos e oautogoverno são os instrumentos destapedagogia, que objetiva não a variedadedos conhecimentos, mas liberdade de pen-samento. Nota-se que começa a haver umaruptura com o mecanicismo e a ausênciada valorização do indivíduo na prática pe-dagógica, que havia se cristalizado ao lon-go dos séculos.

Começa o desprezo pelas formasagressivas e opressoras presentes na edu-

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cação e gradativamente haverá uma valo-rização de metodologias voltadas para ojogo, como está expresso em Rousseau(1712-1778), este representa uma rupturacom os antigos modelos e muito influenci-ará novas ações pedagógicas. Rousseaufocaliza na criança um ser perfeito em si.Em sua obra Emílio, constam aspectos quenegam a educação tradicional e delineiamum plano de uma pedagogia inovadora elibertadora.

Entre os aspectos positivos merecem sermencionados a redescoberta da educa-ção dos sentidos, a valorização do jogo, dotrabalho manual, do exercício físico e dahigiene, a sugestão de usar não aa sugestão de usar não aa sugestão de usar não aa sugestão de usar não aa sugestão de usar não amemória, mas a experiência diretamemória, mas a experiência diretamemória, mas a experiência diretamemória, mas a experiência diretamemória, mas a experiência diretadas coisas, e de não utilizar subsí-das coisas, e de não utilizar subsí-das coisas, e de não utilizar subsí-das coisas, e de não utilizar subsí-das coisas, e de não utilizar subsí-dios didáticos já prontos mas cons-dios didáticos já prontos mas cons-dios didáticos já prontos mas cons-dios didáticos já prontos mas cons-dios didáticos já prontos mas cons-truí-los pessoalmentetruí-los pessoalmentetruí-los pessoalmentetruí-los pessoalmentetruí-los pessoalmente (Manacorda,1996, p. 243; grifo nosso).

Destacamos, também, o socialista utó-pico Fourier, que se orienta pela tradiçãoindividualista de Rousseau e propõe umaescola harmônica, exaltando a espontanei-dade, o jogo e a livre escolha de uma ououtra experiência até a criança encontraraquilo que mais condiz consigo “[...] ela vaiquerer dar vazão à vontade de imitar oumacaquear” (Manacorda, 1996, p. 273). EmFourier temos um novo conceito para aimitação, que parte de uma necessidadeespontânea da criança.

Entre as novas pedagogias existentesa partir do século XIX, podemos perceberque a imitação deixará de existir, pelo me-nos textualmente. Com o advento da “esco-la nova” a questão metodológica valorizaráa espontaneidade e dentro desta perspecti-va o sujeito criativo e ativo, sendo que a

imitação deixará de ser mencionada em de-trimento da livre criação do indivíduo. Ca-bendo perfeitamente aos interesses do no-vo liberalismo que começa a despontar. Asescolas “novas” valorizam o jogo e o traba-lho como elementos educativos sempre pre-sentes, e por isso, também são chamadasde “ativas”; fazem uma forte crítica às esco-las e à educação tradicional e utilizam apsicologia experimental para, junto com acriança como sujeito, ressaltar a expressãonas atividades sensório-motoras, esvazian-do a escola de conteúdos sistematizados.

Já no século XX nos EUA, partindode uma inspiração nestas escolas ativas,surgem as escolas que tem como critériofundamental o aprender fazendo, junto aeste tipo de escola junta-se o movimentode democratização da educação. Gradati-vamente a imitação cede espaço para aespontaneidade.

Em matéria de educação intelectual, aescola nova procura abrir a mente para acultura geral, à qual se une uma especi-alização inicialmente espontânea e, emseguida, voltada para uma profissão. Nelao ensino está baseado nos fatos e nasexperiências, como também na atividadepessoal, que surge dos interesses es-pontâneos da criança.(Ibidem, p. 312).

Neste texto está implícita a metodolo-gia que se segue e a necessidade da valo-rização dos interesses da criança, ou aindada sua espontaneidade, aqui se pressupõeuma ausência de modelos a serem segui-dos, e de conteúdos que se voltam especi-ficamente para a necessidade do mercadode trabalho. A escola nova tem como prin-cipal representante John Dewey e sua ex-pansão se dá em grandes proporções.

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Ainda na primeira metade de séculoXX, deve-se considerar influência da psico-logia na educação principalmente comPiaget e Vygotsky.

Em Vygotsky teremos uma nova for-ma de compreender a imitação, que des-carta a mecanicidade e alerta para a suanecessária contribuição ao processo deaprendizagem, de modo que possa contri-buir de acordo com o nível de desenvolvi-mento de cada criança. Para o autor:

Um princípio intocável da psicologia clás-sica é o de que somente a atividade inde-pendente da criança, e não sua atividadeimitativa, é indicativa de seu nível de de-senvolvimento mental. Esse ponto de vis-ta está expresso em todos os sistemas atu-ais de testes. Ao avaliar-se o desenvolvi-mento mental, consideram-se somenteaquelas soluções de problemas que ascrianças conseguem realizar sem a assis-tência de outros, sem o fornecimento depistas. Pensa-se na imitação e no apren-dizado como processos puramente mecâ-nicos. Recentemente psicólogos têm de-monstrado que uma pessoa só consegueimitar aquilo que está no seu nível dedesenvolvimento (Vygotsky, 1991, p. 98-9).

Vygotsky aponta para a necessáriaintervenção por parte dos adultos e na suacontribuição para um real aprendizado, poisatravés da imitação as crianças aprendem.A imitação não é uma ação mecânica epode levar a uma (re)criação e não a merascópias de modelos, contribuindo para o en-tendimento e transformação do mundo.

Ainda no século XX, devemos desta-car os grandes avanços tecnológicos e dainformática; a consolidação da escola gra-tuita e laica; a contínua influência da esco-la nova; a tendência a um grande ecletis-

mo metodológico; o aumento do distancia-mento entre teoria e prática pedagógicas.Apesar dos constantes avanços nas discus-sões sobre a educação, ainda persistemvelhos métodos e velhas concepções, con-forme os descritos de Coménio na sua Di-dática Magna, ou das formas de transmis-são de conhecimento calcadas na memo-rização, presentes na educação tradicional.

Já na segunda metade do século XX,um enfoque que se torna evidente nas dis-cussões sobre a educação contemporâneaé a presença, cada vez maior, das tecnolo-gias e dos avanços que elas representam.Sobre a tecnologia existem resistências so-bre a sua presença no processo de apren-dizagem, a escola fecha-se num anacronis-mo (Alves, 2001). Pensar em uma nova di-dática pressupõe o rompimento com anti-gas formas de ver a educação, neste senti-do a formação de professores tem funda-mental importância, visto que pode rom-per com concepções pedagógicas tradicio-nais. Alves (2001) aponta para a necessi-dade de uma nova “dimensão da imitaçãoe da obediência” às normas que exerceramum expressivo papel na formação do ho-mem, e que por si só não bastaram.

Não por acaso estamos na era doglobalismo, que implica a difusão da cultu-ra dos países mais desenvolvidos, em nomedo constante avanço de mercado e da tec-nologia, na continuidade e no reforço domodo de produção capitalista. Difunde-sea idéia de valorização de outras culturas,do regionalismo, do muliculturalismo, masque cultura ficará? A cultura de massa, frag-mentada e sem consistência?

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Com certeza, uma cultura que se imi-ta sem oposição ou crítica, imposta pelosgrandes centros do poder capitalista, queapesar de propagar a democratização doconhecimento o torna cada vez mais elitis-ta, uma vez que o acesso ao computadormesmo no interior da escola é restrito, mui-tas vezes condicionado a uma rápida for-mação voltada para as necessidades emi-nentes do mercado de trabalho.

A própria arte procura romper, e àsvezes se corrompe, com os ditames culturais,na sua relação com a tecnologia retoma aquestão estética da relação entre arte enatureza. A computação gráfica de certamaneira procura imitar a pintura ou a fo-tografia, através de simulações de imagensque mesmo beirando o realismo, não pas-sam de representações numéricas expressasem algoritmos que reproduzem imagenssintéticas da realidade. No mesmo instanteem que procura ser independente da reali-dade que a cerca, também a reproduz.

A consolidação da escola gratuitatrouxe uma nova questão: a da garantiade uma educação de qualidade, que pos-sa levar a uma compreensão da socieda-de em que está inserida; onde a transmis-são de conhecimentos, não se restrinja amétodos repetitivos ou espontaneísticos,que sejam de fato democráticos. Defende-mos uma escola que torne, de fato, a cultu-ra acumulada historicamente pela socieda-de de acesso a todos, sem falsas valoriza-ções às diferentes culturas.

3 Primeiras aproximações sobre3 Primeiras aproximações sobre3 Primeiras aproximações sobre3 Primeiras aproximações sobre3 Primeiras aproximações sobrea imitação no ensino de arte noa imitação no ensino de arte noa imitação no ensino de arte noa imitação no ensino de arte noa imitação no ensino de arte noBrasilBrasilBrasilBrasilBrasil

No que se refere ao ensino de arte,podemos perceber que, embora, nos refe-rindo somente ao Brasil, a presença da imi-tação acontece com as mesmas caracterís-ticas presentes nas análises sobre a educa-ção de forma geral. A princípio uma educa-ção tradicional e mecanicista que pressu-põe cópias e modelos a serem rigidamenteseguidos, por exemplo, “Com a criação daAcademia Imperial de Belas Artes no Riode Janeiro, em 1816, tivemos entre nós ainstalação oficial do ensino artístico, seguin-do os modelos similares europeus”. (Fusarie Ferraz, 1993, p. 29).

Este ensino artístico oficial consi-derado a célula mater do ensino de arte noBrasil, pressupõe a cópia de modelos es-téticos de tendências artísticas que sesedimentaram como valores da arte bra-sileira. Já nas primeiras décadas do séculoXX, o ensino de Arte se volta para o de-senho e como explica Fusari e Ferraz (1993,p. 30):

Na prática, o ensino de desenho nas es-colas primárias e secundárias fazia ana-logias com o trabalho, valorizando o traço,o contorno e a repetição de modelos quevinham geralmente de fora do país.

Novamente a cópia de modelos es-trangeiros, acrescida da cópia como méto-do de ensino, estão presentes, permeandodécadas e décadas do processo de ensinoem arte. No início do século XX, temos osurgimento da Escola Nova que, dandoênfase a expressão, contrapõe-se à concep-

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ção de imitação ou reprodução de mode-los de acordo com os pensamentos de JohnDewey e Hebert Read. Temos a criação dasEscolinhas de Arte, no Rio de Janeiro, lide-radas por Augusto Rodrigues. Este movi-mento tem como base,

[...] um comportamento aberto, livre com acriança; uma relação em que a comuni-cação existisse através do fazer e não doque pudéssemos dar como tarefa ou comoensinamento, mas do fazer e do reconhe-cimento da importância do que era feitopela criança e da observação do que elaproduzia (Rodrigues, 1980 apud Fusari eFerraz, 1993, p. 32).

A cópia ou valorização de modelosdeixa de ser util izada e começa asedimentar pensamentos e encaminha-mentos sobre a livre-expressão, configuran-do um fato histórico onde a criação artísti-ca depende da total liberdade de expres-são e a ausência da interferência por partedo adulto. Reminiscências desse pensamen-to persistem até os dias de hoje. Podendoser percebidos inclusive no ensino tecnicis-ta (décadas de 60/70) onde,

Os professores enfatizam um “saber cons-truir” reduzido aos seus aspectos técnicose ao uso de materiais diversificados (su-catas, por exemplo), e um “saber exprimir-se” espontaneístico, na maioria dos casoscaracterizando poucos compromissos como conhecimento de linguagens artísticas(Ibidem, p. 32).

Este ideário libertador que privilegiaa livre criação e a educação voltada para apreparação para o trabalho em uma visãopragmática e imediatista, sedimenta-se devez no ensino de arte. Já nas últimas déca-das do século XX,

Começa-se a “desenhar um redirecio-namento pedagógico que incorpora quali-dades das pedagogias tradicional, nova, tec-nicista e libertadora e pretende ser mais ‘rea-lista e crítica’.” (Fusari e Ferraz, 1993, p. 33).

Esse “desenhar” é o que temos, deforma geral, na prática pedagógica atualdos professores envolvidos com o ensinode Arte, ou seja, o ecletismo e a falta declareza sobre os pressupostos teóricos quenorteiam cada tendência ou prática peda-gógica, mas que continuam a dar ênfase àlivre-expressão, de acordo com os princípi-os escolanovistas, ou a uma mera repro-dução de modelos, mesmo que os estejamnegando.

O movimento Arte-educação, queaconteceu na década de 80, contribuiupara que o ensino de arte obtivesse me-lhores direcionamentos, tanto na teoriaquanto na prática, apontando para umaproposta triangular no ensino de arte, con-cebida por Ana Mae Barbosa (1998) e dis-cutida por Fusari e Ferraz (1993).

Com a proposta triangular de Bar-bosa (1998), existe uma preocupação comuma melhor qualidade do ensino de arte, epelas releituras das obras de arte é possí-vel que se chegue à compreensão e refle-xão sobre questões estéticas da história daarte. Tal proposta difundiu-se rapidamenteentre os arte-educadores, que devido à fal-ta de conhecimento sobre a teoria, a apli-caram de forma a ter de novo um modeloa ser copiado. Não pretendo responsabili-zar os arte-educadores, entendo que tal fatose deva a toda uma conjuntura social, auma visão positivista do ensino de arte, que

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não percebe nele utilidade alguma e quedistorce, pelo seu pragmatismo, a teoria.

No entanto, propostas críticas sobreo ensino de arte começam a ser esboçadas,propostas que têm aproximações com apedagogia Histórico-Crítica, que propõe:

Métodos que estimularão a atividade einiciativa dos alunos, sem abrir mão, po-rém, da iniciativa do professor; favorece-rão o diálogo dos alunos entre si e com oprofessor, mas sem deixar de valorizar odiálogo com a cultura acumulada histori-camente (Saviani, 1995, p. 79).

É nesse ponto que fazemos refe-rência a uma teoria crítica, em que Duarte(1999) aponta para a questão da imitaçãona educação alegando que o indivíduohumano se faz humano apropriando-se dahumanidade produzida historicamente.Podemos completar afirmando que a imita-ção está, definitivamente, presente em todoprocesso de aquisição de conhecimento epara ele contribuindo sem que esteja vincu-lado a ações mecânicas ou não criativas.

Podemos afirmar ainda que no mo-mento em que não há questionamento domodelo copiado, imitado, há sua perpetu-ação. Como se observou, perpetuaram-sena história da educação e do ensino de artediferentes modelos de sociedade que con-tinham nas suas entrelinhas metodológi-cas a presença da imitação numa visãomecanicista.

Um indivíduo ativo imita e o faz es-pontaneamente, mas não se torna crítico, eacaba por reproduzir a sociedade em queestá inserido. No momento em que o indi-víduo imita e interage com o objeto, e temum modelo a ser seguido, sem meramente

reproduzi-lo, tenderá a sua superação. En-tendemos, então, que a imitação torna-seprodutiva, na medida que possibilita a aqui-sição de conhecimentos e, que estes co-nhecimentos levem o indivíduo a ser cria-tivo e consciente de sua história, como sersocial. Apropriando-se do conhecimento,humaniza-se.

4 Conclusão4 Conclusão4 Conclusão4 Conclusão4 Conclusão

Ao longo desta trajetória histórica,podemos perceber diferentes conceitos re-ferentes à imitação no processo de apren-dizagem: foi tida como natural nos povosprimitivos; assumiu um papel associado àmemorização e conservação de padrõessociais nas sociedades antigas; contribuiupara definir as qualidades e aptidões deuma criança da Roma Antiga; associou-seà observação passiva na Idade Média; foiuma ação espontaneamente desejada, noséculo XIX; foi suprimida na escola nova eressurgiu em uma teoria crítica, com umnovo conceito, o de ser produtiva.

Dentro dos nossos estudos podemosperceber que a imitação, considerandocada período e interesses implícitos à suapresença, tem conceitos diferentes. Está namaior parte do texto associada às concep-ções mecanicistas de educação, daí o en-tendimento, presente até os dias de hoje,de que é negativa ao processo de criaçãoou de aprendizagem. Podemos afirmar queestá intimamente ligada à reprodução, re-petição, memorização, às cópias e aosmodelos.

A partir da análise sobre a imitaçãono ensino de arte no Brasil, torna-se evi-

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dente que a imitação está presente não sóna cópia de modelos, mas na reproduçãode uma sociedade, na valorização de mo-delos que são de certa maneira impostospelas classes dominantes.

Desta forma a imitação acontece emdois níveis:1o. Como aquisição de conhecimento, em

uma relação do sujeito com o objeto.Inicialmente como um sujeito passivo, ede acordo com nossos pressupostos,como sujeito que interage e que trans-forma o objeto.

2o. Na relação entre sociedade e indivíduo,inicialmente o indivíduo como reprodu-

tor de uma sociedade e depois, comoum indivíduo que se relaciona dialetica-mente com esta sociedade.

Chegamos então a outros questio-namentos: como delimitar o conceito deimitação, uma vez que estudamos o seupapel na educação? Como está relaciona-da com a psicologia, em outras correntesque não a sócio-histórico? Quais são osestudos sobre a imitação, como parte doprocesso de aquisição do conhecimento?Como podemos relacionar concretamentea imitação, reprodução e repetição?

Entendemos que este estudo é ape-nas o começo de outros tantos...

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Recebido em 15 de dezembro de 2003.Recebido em 15 de dezembro de 2003.Recebido em 15 de dezembro de 2003.Recebido em 15 de dezembro de 2003.Recebido em 15 de dezembro de 2003.Aprovado para publicação em 30 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 30 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 30 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 30 de maio de 2004.Aprovado para publicação em 30 de maio de 2004.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 173-177, jan./jun. 2004. 171

ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas

Educação infantil: política, formação e práticaEducação infantil: política, formação e práticaEducação infantil: política, formação e práticaEducação infantil: política, formação e práticaEducação infantil: política, formação e práticadocentedocentedocentedocentedocente

Josefa A. Gonçalves Grigoli

Doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Profes-sora do Programa de pós-graduação – Mestrado em Edu-cação da Universidade Católica Dom Bosco.e.mail: [email protected]

RUSSEFF, Ivan; BITTAR, Mariluce (Orgs.). Educação infantil: política, formação e prática do-cente. Campo Grande: UCDB; Brasília: Plano, 2004. 127p. (Educação em Movimento, 4).

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 173-177, jan./jun. 2004.

O 4º volume da Série Educação emMovimento reúne seis artigos que, no seuconjunto, evidenciam, de forma bastantefeliz e apropriada, os três eixos de análiseanunciados já no título do livro. A temáticada educação infantil é focalizada, na se-qüência dos textos, em três movimentosque se articulam para compor um painel,ao mesmo tempo informativo e crítico,abrangente na sua contextualização histó-rica e específico ao tratar das questões quedizem respeito diretamente aos desafiospostos pela nossa realidade.

Assim, os dois artigos iniciais têmcomo eixo norteador a problematização dasituação da educação infantil e a análise dasua inserção no contexto das políticas pú-blicas.

A coletânea é aberta com o artigo “In-fância em resistência às políticas interna-cionais”, escrito por Fernanda Muller, que trazpara a discussão a “situação atual da infân-cia e da educação infantil enfocando as in-terferências das políticas internacionais” (p.

11). Apoiada em uma competente revisãobibliográfica sobre o tema e num diálogocrítico com os autores, apresenta para o lei-tor um amplo painel acerca da “construção”(ou “invenção”) da infância. Retrata o con-texto social, político e econômico em que acondição de infância foi estabelecida e rela-ciona esses fatos com a expansão da esco-la. Traz para a reflexão os conceitos de “pe-dagogia cultural”, “currículo cultural” e“kindercultura” que remetem para a análiseacerca da influência das grandes corpora-ções na produção da infância. Nas conside-rações finais, alerta para o fato de que “ainfância vem sendo ameaçada pelos orga-nismos internacionais e pela forma comointerferem nas políticas nacionais e locais”(p. 29), e reafirma a necessidade de se “ten-tar compreender processos vividos pelas cri-anças nas escolas de Educação Infantil ecomo a infância se constitui nesse cenário(...) e [de] que a infância precisa ser compre-endida na sua pluralidade e as criançascomo atores sociais plenos” (p. 29-30).

174 Josefa A.G. GRIGOLI. Educação infantil: política, formação e prática docente.

A partir deste quadro de referênciamais amplo, focalizando questões de “fun-damentos” da Educação Infantil, o leitorpoderá situar-se com segurança na leiturado artigo que segue: “Formulação e imple-mentação da política de educação infantilno Brasil”, de Mariluce Bittar, Jória PessoaO. Silva e Maria Cecília Amendola da Motta.Nele, as autoras desenvolvem um cuida-doso estudo sobre a presença, a evoluçãoe a implementação da educação infantil nocontexto das políticas públicas no Brasil. Emum texto bem articulado e solidamentereferenciado em documentos, evidenciamque a concepção de educação infantil, decunho marcadamente assistencialista des-de as suas origens, só começa a ser revistaa partir do reconhecimento do direito quea criança tem de ser educada. Destacam,em seus argumentos, o papel decisivo dosmovimentos sociais que marcaram o perí-odo em que se elaborou a nova constitui-ção, na luta pela incorporação dos direitosda criança como dever e garantia do Esta-do, não só na constituição propriamente,mas nas legislações e políticas complemen-tares relacionadas com esta questão, quea ela se seguiram.

Na seqüência, são levantadas ques-tões muito pertinentes, relacionadas com aimportância da participação da sociedadecivil no acompanhamento da “implemen-tação das políticas e diretrizes educacionais(...) no sentido de criar estratégias de açãoque assegurem, de fato, o atendimento dosdireitos da criança, já garantidos em lei” (p.43). Nessa direção, as autoras desenvolvemuma reflexão sobre a “necessidade de se

repensar o papel dos Conselhos de Direi-tos na implementação das políticas públi-cas de educação infantil” (p. 47). E conclu-em lembrando que: (a)os movimentos or-ganizados da sociedade civil não devemincorrer no equívoco de se tornarem ape-nas legitimadores de um modelo de parti-cipação; (b)as políticas publicas de educa-ção infantil precisam ser entendidas peloEstado, como prioridades e a sua imple-mentação, como compromisso político, poissó assim poderão deixar de contribuir paraa reprodução das desigualdades; (c)os Con-selhos, por sua vez, devem atuar no senti-do de promover a conscientização acercada importância de uma efetiva participa-ção como parte do exercício de construçãoda cidadania.

Os dois artigos seguintes tratam daquestão da formação dos professores, comenfoques diferenciados, contribuindo, cadaum a sua maneira, para ampliar o quadrode referência a partir do qual essa reflexãodeve ser feita.

No primeiro deles, sob o título “For-mação de professores: política de (des)en-tendimento entre instâncias normatizadorase concretizadoras”, o autor – Vicente Fidelesde Ávila – discorre sobre a “radical revira-volta no perfil da demanda educacionalescolar” motivada pelas exigências decor-rentes da mundialização da economia esobre a necessária “reorientação na cami-nhada da escola brasileira” (p. 52). Além deprofundas modificações na escola, o autordefende que a “formação dos profissionaisda educação [seja] mais sólida [e] rigorosa”(p. 54) e explicita os elementos envolvidos

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nessa formação bem como as condiçõesnecessárias para a sua viabilização. Masreconhece as dificuldades desta empreita-da e as relaciona com os “descompassosentre instâncias normatizadoras econcretizadoras”. Estes descompassos de-correm da falta de sintonia ou, mais grave,“da frontal contradição entre o ‘mundo dosistema’ e o ‘mundo vivido’.” (p. 58).

Pondera, ainda, que a crença de que“com boas normas e diretrizes se resolvemproblemas tão complexos, agudos edistorcidos como o da formação de profes-sores (...) parece ser a razão (equivocada)pela qual as instâncias normatizadoras asimponham de cima para baixo às agênci-as formadoras” (p. 57) e conclui expressan-do a sua crença de que é possível redimen-sionar o referido descompasso, incentivan-do uma cultura de cooperação que venhaa substituir as práticas impositivas, vigen-tes nas relações entre aquelas instâncias.

O segundo artigo deste bloco, quar-to da coletânea, é de autoria de IvanRusseff e Fernando Casadei Salles e tratada “Formação continuada do professor deeducação infantil e identidade profissional”.Os autores iniciam fazendo algumas consi-derações críticas sobre a forma como Anto-nio Nóvoa se refere à formação de profes-sores, numa entrevista publicada na revis-ta Nova Escola. Nela, segundo os autores,Nóvoa não só atribui à escola um papelfundamental nos processos de formaçãocontinuada do professor, mas a consideracomo lugar “exclusivo da ‘verdadeira’, eportanto, única possibilidade de educaçãocontinuada” (p. 74). Apontam, então, o que

consideram impropriedades desse supostoentendimento, lembrando as muitas outrasinstâncias, espaços e experiências externosao ambiente escolar e que também seconstituem em contextos formadores.

Para tratar das questões centrais aque se propõem na introdução do artigo,começam pela problemática decorrente daindefinição do conceito de educação conti-nuada, o que, no limite, poderia levar a nãose estabelecer diferença significativa entreos dois momentos formativos. Essaindefinição tem levado ao equívoco de sepensar a formação continuada de formasimilar ao processo de formação inicial e,portanto, orientada pelos mesmos funda-mentos da racionalidade técnica. Propõem,então, “alguns princípios metodológicos(para) orientar a formação em serviço” (p.82), distinguindo-a da “outra” modalidadede formação continuada, centrada na ra-cionalidade técnica.

Na seqüência, apoiados em dadosestatísticos de órgãos oficiais, tecem consi-derações sobre a formação do professor daeducação infantil e a precariedade da suasituação profissional. Destacando as enor-mes disparidades dessa realidade, entravespara o desenvolvimento profissional dosprofessores, os autores consideram neces-sária “uma ampla mobilização política dasociedade, a fim de que se elaborem e im-plantem políticas públicas à altura do enor-me desafio representado pelas exigênciasda profissionalização do docente de edu-cação infantil” (p. 89). Em consonância comessa posição, reiteram a convicção de quea “formação do professor de educação in-

176 Josefa A.G. GRIGOLI. Educação infantil: política, formação e prática docente.

fantil, tanto a inicial como a continuadadevem merecer a mesma atenção dispen-sada à dos demais níveis de ensino” (p. 90)Concluem o artigo, apresentando para oleitor alguns princípios que dão suporte àconcepção de formação continuada emserviço, por eles defendida.

Finalmente, os dois últimos artigos dacoletânea voltam-se mais para as questõesda prática docente, seja pelo exame daspossíveis contribuições das idéias de Piagete Vygotsky para a prática do professor deeducação infantil, seja pela apresentaçãode uma experiência, teoricamente funda-mentada, envolvendo prática de ensino emcreche, como parte da formação inicial, edesenvolvida mediante observação parti-cipante e calcada na ação reflexiva.

No primeiro deles, sob o título “De-senvolvimento cognitivo e educação infan-til: espontâneo ou produzido”, a autora -Leny Rodrigues Martins Teixeira - apresen-ta as idéias centrais das teorias de Piagete Vygostsky que guardam relação mais di-reta com a prática educativa, assinalandoas possíveis aplicações pedagógicas dasmesmas. Desenvolve seus argumentos nosentido de evidenciar o carátermaniqueísta e estéril da polêmica acercade ser o sujeito ou o meio o fator determi-nante do desenvolvimento. Pondera que,mesmo representando “parâmetros dife-rentes de explicação do desenvolvimentocognitivo” (p. 109), essas duas teorias nãosão incompatíveis e, juntas, possibilitamcompreendê-lo melhor. Conclui o artigoexemplificando com várias situações quepodem ser trabalhadas pelo professor vi-

sando ao desenvolvimento da criança,consoante às idéias dos autores tomadoscomo referência. Ao mesmo tempo, lem-bra que “se adotarmos essa concepção deensino (...) temos que repensar também anossa concepção de professor” (p. 11) e,podemos acrescentar, por conseqüência,a sua formação.

No último artigo da coletânea – “Aatividade docente em contexto: uma expe-riência de prática de ensino em educaçãoinfantil, com crianças de 0 a 3 anos” – asautoras, Ordália Alves de Almeida eJucimara Rojas, trazem para o leitor um re-lato e uma fecunda reflexão sobre umaexperiência no campo da formação inicial,com alunos do curso de Pedagogia, orga-nizada pela Prática de Ensino. Desenvolvi-da em duas instituições, com crianças decreche, essa experiência baseou-se inicial-mente em observação participante e pro-moveu um grande envolvimento dos alu-nos-docentes com o contexto das institui-ções bem como nas várias etapas do pla-nejamento e da realização das atividades.As autoras registram a preocupação cons-tante em se promover a articulação entre ateoria e a prática, resgatando, explicitandoe discutindo sistematicamente, ao longo dasatividades em andamento, as questões te-óricas a elas subjacentes: “Ao estabelecer-mos esse processo dinâmico entre teoria eprática, em que nem sempre há uma sinto-nia entre uma e outra, pelo contrário, emmuitas situações existem grandes confron-tos e tensões, intencionamos reafirmar omovimento dialético existente na ativida-de docente” (p. 121).

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Vários depoimentos dos alunos-pro-fessores evidenciam a relevância da expe-riência por eles vivenciada. Em praticamentetodos, é ressaltada a validade dessa formacomo se trabalhou a relação entre a teoriae a prática. Esse dado recoloca para nós,formadores de professores, a instigante enecessária indagação sobre a importânciae as possibilidades de se avançar efetiva-mente no processo de aproximação da for-mação inicial e continuada.

A “unidade na diversidade” facilmen-te identificada no conjunto dos artigos queintegram a presente coletânea torna sualeitura recomendável para os estudantes,profissionais e todos aqueles que de algu-ma forma estão envolvidos com (ou estãointeressados em) a educação infantil. Oamplo painel a que se pode chegar a partirdas contribuições dos vários autores per-mite que o leitor se situe em relação àsquestões mais importantes dessa área.

Resenha temática: Polêmicas da educação infantilResenha temática: Polêmicas da educação infantilResenha temática: Polêmicas da educação infantilResenha temática: Polêmicas da educação infantilResenha temática: Polêmicas da educação infantil

Maria Izete de Oliveira

Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Profes-sora da Faculdade de Educação da UNEMAT, Campus deCáceres. Coordenadora da Revista FAED/UNEMAT.e-mail:[email protected]

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 17, p. 179-183, jan./jun. 2004.

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O interesse em abordar esse temaorigina-se da preocupação com a qualida-de de ensino e os rumos que a está toman-do a educação infantil. Os ensinamentosda psicologia educacional nos esclarecemque a personalidade de uma pessoa seforma, quase que por completo, até os seteanos de idade e suas características vãodepender, em grande parte, do ambienteno qual a criança se insere, ou seja, a famí-lia, o contexto social e a escola.

Enfocando essa discussão no cam-po da educação escolar percebe-se que oprofessor é o profissional que atua maisdiretamente com a criança em um períodoconsideravelmente longo e que, por isso,exerce grande poder de influência sobre a

sua auto-estima e, conseqüentemente, so-bre a sua personalidade. Essa influência éainda maior quando se trata de criançasna faixa etária de zero a seis anos, as quaisse encontram vulneráveis a qualquer influ-ência de um adulto mais próximo.

Assim sendo, se o educador exerceinfluência sobre a personalidade de seusalunos, temos que considerar, também, queessa influência pode culminar em resulta-dos positivos ou negativos dependendo daatuação dele. Se, de um lado, com umapostura democrática e libertadora, o educa-dor pode contribuir significativamente paraa formação de um cidadão consciente, crí-tico, independente e competente em suasações, por outro, com uma postura autori-

180 Maria Izete de OLIVEIRA. Resenha temática: polêmica da educação infantil.

tária e repressiva, que não desperta a auto-estima do educando, pode deixar seqüelaspara o resto da vida de uma criança.

O mais interessante é que o educa-dor nem sempre se dá conta do quão im-portante é o seu papel, a sua atuação paraa vida dos alunos e, não tendo essa clareza,desempenha sua função, ano após ano, deforma alienada e acrítica. Um dos motivosdessa sua postura em relação à profissão,certamente, é a má qualidade dos cursosde formação de professor, ou seja, a faltade formação específica para a educaçãoinfantil compromete a qualidade dos cursos.

Para aprofundar essa reflexão, tomocomo referência a LDB 9394/96, a Resolu-ção CEB N° 1 de 7 de abril de 1999 queInstitui as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Infantil, Documento doINEPE – Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais – que apresenta osnúmeros da educação no Brasil, e o artigode Corrêa (2003) no qual a autora tece al-gumas considerações sobre a qualidade daeducação infantil.

Um dos suportes para se discutir aformação do docente de educação infantilé, sem dúvida, a LDB 9.394/96. Em seu art.62 esta Lei determina que a formaçãoformaçãoformaçãoformaçãoformaçãomínimamínimamínimamínimamínima para o exercício do magisté-para o exercício do magisté-para o exercício do magisté-para o exercício do magisté-para o exercício do magisté-rio na educação infantilrio na educação infantilrio na educação infantilrio na educação infantilrio na educação infantil e nas quatroprimeiras séries do ensino fundamentalpode ser oferecida em nível médionível médionível médionível médionível médio, namodalidade Normal [grifo meu].

Entretanto, apesar dessa exigência deformação mínimamínimamínimamínimamínima em nível médio, o queao meu ver ainda é insuficiente, dados doMEC (2001) apontam que no Brasil, 5.2%

das funções docentes da pré-escola possu-em apenas o ensino fundamental. Isso sig-nifica que temos 12.828 “professores” (se éque podemos chamá-los assim), sem aqualificação mínima mínima mínima mínima mínima exigida pela LDB atu-ando na educação infantil.

A defasagem na formação dos pro-fessores que atuam nessa área acarretauma grande falta de conhecimento sobreos objetivos e finalidade desse nível de en-sino. A agravante é que, a maioria dessesprofissionais desconhece que a LDB 9.394/9, em seu art. 29, define como finalidadeda educação infantil “o desenvolvimentointegral da criança até seis anos de idade,em seus aspectos físico, psicológico, inte-lectual e social, complementando a açãoda família e da comunidade”. Desconhece,também, que essa Lei, em seu art. 31, rezaque a avaliação nesse nível de ensino “far-se-á mediante acompanhamento e regis-tro do seu desenvolvimento, sem objetivosem objetivosem objetivosem objetivosem objetivode promoçãode promoçãode promoçãode promoçãode promoção, mesmo para o acesso aoensino fundamental”. Vê-se, então, queaquela antiga crença de que o papel dapré-escola é “preparar” a criança para ingres-sar nas séries iniciais deveria estar ultrapas-sada, no entanto prevalece até hoje no bojodas instituições de educação infantil.

É também papel desses educadoresa preocupação com o desenvolvimento dacriatividade, da imaginação e, sobretudo, daauto-estima da criança. Há, portanto, a ne-cessidade de uma perfeita integração en-tre o cuidar e educar “... o ‘cuidado’ diz res-peito também à maneira de os adultos serelacionarem com as crianças na escola,sendo necessário, pois, tomar a própria cri-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 17, p. 179-183, jan./jun. 2004. 181

ança como centro para a organização doprocesso educativo” [Corrêa, 2003, p. 109].

Ora, para que essas orientações se-jam efetivadas é necessário, não só, garan-tir que o professor tenha uma formaçãoformaçãoformaçãoformaçãoformaçãoespecíficaespecíficaespecíficaespecíficaespecífica nesse nível de ensino para exer-cer o magistério na educação infantil como,também, assegurar uma formação dededededequalidadequalidadequalidadequalidadequalidade. Mas, pelo contrário, Corrêa(2003, p. 109) destaca que

... há pouquíssimo investimento na for-mação em serviço e no âmbito da própriaunidade escolar [...]. Pouco se tem feito,além da denúncia sobre a ‘falta de quali-ficação’ ou de ‘competência técnica’ paraque as próprias professoras reflitam acer-ca de suas práticas, problematizando-as ebuscando meios coletivos para que seutrabalho possa sofrer as transformaçõesnecessárias e desejáveis.]

Quanto ao que a autora mencionasobre a falta de qualificação para a funçãodocente na educação infantil, acrescentoque o fato de alguns educadores possuí-rem formação em nível superior não signi-fica que possuam qualificação para atuarcom crianças de até seis anos de idade. Doisfatores explicam essa afirmação: 1) o do-cumento do MEC quando pontua que(apenas) 2.5% dos docentes possuem ní-vel superior, não esclarece em que área éessa formação, 2) em relação àqueles quecursaram pedagogia, não podemos afirmarque possuem formação específica para atu-ar na pré-escola, já que, devemos entendercomo formação específica àquela ofereci-da em nível médio, superior ou especializa-ção mas que seu conteúdo programáticoesteja voltado para a atuação com essafaixa etária. Sabemos que os cursos de for-

mação de professores, até pouco tempo,não tinham como meta, em sua matriz cur-ricular, formar professores para o magisté-rio na educação infantil.

Nesse sentido, o Parecer da Câmarade Educação Básica do Conselho Nacio-nal de Educação pontua que “...há ainda odescaso e o despreparo dos Cursos de For-mação de Professores em nível médio [...],bem como os de Pedagogia em nível su-perior, na definição da qualificação especí-fica de profissionais para o trabalho comas crianças de 0 a 6 anos” [1998, p. 5]. Ain-da, segundo o Parecer “Os Cursos de for-mação de docentes para a educação in-fantil [...] devem adaptar-se com a maiorurgência às exigências de qualificação doseducadores para as crianças de 0 a 6anos...” [p. 9]

Uma educação infantil de qualida-de exige profissionais especialmente quali-ficados, rompendo-se com a idéia de quepara atuar na educação infantil basta gos-tar de criança, ser paciente, e ter bom sen-so. É preciso ressaltar a importância dopapel do profissional consciente das finali-dades da educação infantil, um profissio-nal que reflita sobre como garantir a quali-dade desse nível de ensino. A discussão,por exemplo, sobre alfabetizar ou não napré-escola tem causado muitas polêmicas,justamente porque os professores, geral-mente, não conhecem o verdadeiro senti-do da alfabetização e a entendem comoum momento estanque e mecânico na vidada criança.

É necessário que os profissionais con-cebam a educação infantil não como a pre-

182 Maria Izete de OLIVEIRA. Resenha temática: polêmica da educação infantil.

paração para a primeira série, numa visãoda criança como um adulto em miniatura,mas como a preparação da pessoa huma-na, numa visão da criança como sujeito so-cial, na perspectiva de uma formação inte-gral. Pergunta-se, então, em que medida aspré-escolas se constituem “espaço de vivên-cia infantil”, mais precisamente, em que me-dida a organização do trabalho pedagógi-co respeita as especificidades das crianças?

Esse desconhecimento sobre a ver-dadeira função da educação infantil ocor-re pelo fato de que o atendimento às crian-ças nessa faixa etária estava, até poucotempo, subordinado a órgãos de assistên-cia social, acarretando-lhes uma conotaçãode caráter mais voltado para cuidados enutrição, sem grandes preocupações edu-cativas. Somente em 1993, o Ministério daEducação e do Desporto, elabora um do-cumento sobre Política Nacional de Educa-ção Infantil, que traça as diretrizes gerais,os objetivos e as ações prioritárias dessapolítica. A partir daí, a educação infantilpassa a fazer parte do Sistema Educacio-nal considerada como a primeira etapa daEducação Básica, destinando-se ao aten-dimento da criança de zero a seis anos deidade. Só então as creches e pré-escolaspassam a ter um caráter educativo.

Essa vicissitude ocorrida no proces-so histórico da educação da criança de zeroa seis anos de idade, indubitavelmente, in-terfere, ainda hoje, na qualidade do atendi-mento prestado pelas instituições de edu-cação infantil a essas crianças. Concordocom Corrêa (2003) quando afirma que épreciso superar “um antigo e arraigado en-

tendimento de que para trabalhar com edu-cação infantil basta ser paciente, ‘criativo’ egostar de crianças”. A autora ressalta, ain-da, que uma escola de qualidade precisacontar com profissionais especialmente pre-parados para lidar com as questões relati-vas a aprendizagem e ao desenvolvimen-to infantil. (p. 102). Nesse sentido, é interes-sante reportar-nos ao que o Parecer daCâmara de Educação Básica do ConselhoNacional ressalta, muito sabiamente, sobreo desenvolvimento infantil:

Crianças pequenas são seres humanosportadores de todas as melhores poten-cialidades da espécie:* inteligentes, curiosas, animadas, brinca-lhonas em busca de relacionamentos gra-tificantes, pois descobertas, entendimen-tos, afeto, amor, brincadeira, bom humore segurança trazem bem estar e felicidade;* tagarelas desvendando todos os sentidose significados das múltiplas linguagens decomunicação, por onde a vida se explica;* inquietas, pois tudo deve ser descobertoe compreendido, num mundo que é sem-pre novo a cada amanhã;* encantadas, fascinadas, solidárias coo-perativas desde que o contexto ao seuredor, e principalmente, nós adultos/edu-cadores, saibamos responder, provocar eapoiar o encantamento, a fascinação, quelevam ao conhecimento, à generosidadee à participação. [p. 6]

Logo, é importante que o professorreconheça essas características em seus alu-nos e procure trabalhar de forma a respei-tar e considerar suas individualidades, per-cebendo que a criança é um ser em desen-volvimento, cheia de potencialidades e iden-tidade própria e que, por conseguinte, aoplanejar suas aulas, não queira cobrar ati-tudes para as quais seus alunos ainda não

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estão preparados como, por exemplo, per-manecerem sentados por longos períodos,permanecerem em silêncio absoluto emsala, etc.

Ainda há muito que se discutir sobreo contexto no qual se encontra a educa-

ção infantil, contudo, meu objetivo nessemomento foi apresentar alguns aspectosque influenciaram e continuam influencian-do a qualidade do atendimento prestadoa essas crianças e que, como profissionalda área, inquietam-me.

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Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Periódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em Educaçãoda UCDBda UCDBda UCDBda UCDBda UCDB

1) SÉRIE-ESTUDOS – Periódico do Programa de Mestrado em Educação da UniversidadeCatólica Dom Bosco – está aberta à comunidade acadêmica e destina-se à publicaçãode trabalhos que, pelo seu conteúdo, possam contribuir para a formação e odesenvolvimento científico, além da atualização do conhecimento na área específicada educação.

2) As publicações deverão conter trabalhos da seguinte natureza:• Artigos originais, de revisão ou de atualização que envolvam abordagens teóricas

e/ou práticas referentes à pesquisa, ensino e extensão e que atinjam resultadosconclusivos e significativos.

• Traduções de textos não disponíveis em língua portuguesa, que constituamfundamentos da área específica da Revista e que, por essa razão, contribuam paradar sustentação e densidade à reflexão acadêmica.

• Entrevistas com autoridades na área específica da Educação, que vêm apresentandotrabalhos inéditos, de relevância nacional e internacional, com o propósito de mantero caráter de atualidade da Revista.

• Resenhas de produções relevantes que possam manter a comunidade acadêmicainformada sobre o avanço das reflexões na área educacional.

3) A publicação de trabalhos deverá passar pela aprovação do Conselho de Pareceristasda Revista.

4) Caberá ao Conselho Editorial da Revista selecionar trabalhos com base nestas normase encaminhá-los para os pareceristas da área.

5) A entrega de originais para a Revista deverá obedecer aos seguintes critérios:§ Os trabalhos deverão conter, obrigatoriamente: título em português; nome(s) do(s)

autor(es), identificando em nota de rodapé o endereço completo e o eletrônico, atitulação e a instituição a que pertence(m);

§ Os artigos deverão conter, ainda, resumo em português (máximo dez linhas) e abstractfiel ao resumo, acompanhados, respectivamente, de palavras-chave e key words,ambas em número de três;

§ Nas citações, as chamadas pelo sobrenome do autor, pela instituição responsávelou título incluído na sentença devem observar as normas técnicas da ABNT – NBR

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10520, agosto 2002. Exemplos: Saviani (1987, p. 70). (SAVIANI, 1987, P. 70);§ As notas explicativas devem ser usadas para comentários, esclarecimentos ou

explanações, que não possam ser incluídos no texto e devem constar no final dotexto, antes da referência bibliográfica.

§ A referência bibliográfica, no final do texto, em ordem alfabética, deve seguir asNormas Técnicas da ABNT, NBR 6023, agosto 2002. Os elementos essenciais ecomplementares da referência devem ser apresentados em seqüência padronizada,de acordo com o documento. O nome do autor, retirado do documento, deve serpor extenso.

6) Os trabalhos deverão ser encaminhados dentro da seguinte formatação: uma cópia emdisquete, editor Word for Windows 6.0 ou superior; duas cópias impressas, com textoelaborado em português e rigorosamente corrigido e revisado, devendo ser uma delassem identificação de autoria; limite aproximado de cinco a vinte laudas para artigos,cinco laudas para resenhas, dez laudas para entrevistas e quinze laudas para traduções;a fonte utilizada deve ser Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5.

7) Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas legendas devem ser apresentadasseparadamente, com indicação, no texto, do lugar onde serão inseridas. Todo materialfotográfico deverá ser em preto e branco.

8) Os artigos recusados ficarão à disposição dos autores na Editora.9) Ao autor de artigo aprovado e publicado serão fornecidos, gratuitamente, três

exemplares do número correspondente da Revista.10) Uma vez publicados os trabalhos, a Revista se reserva todos os direitos autorais,

inclusive os de tradução, permitindo, entretanto, a sua posterior reprodução comotranscrição e com a devida citação da fonte.

10) Os artigos representam o ponto de vista de seus autores e não a posição oficial daRevista ou da Universidade Católica Dom Bosco.

11) Os artigos devem ser encaminhados para o seguinte endereço:Universidade Católica Dom BoscoPrograma de Pós-Graduação – Mestrado em EducaçãoConselho Editorial da Revista Série-EstudosAV. Tamandaré, nº 6000Bairro Jardim SeminárioCampo Grande – MS 79.117-900

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Lista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-Estudos

PERMUTPERMUTPERMUTPERMUTPERMUTAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAIS

1) Akrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAR AR AR AR AR / Universidade Paranaense- UNIPAR / Umuarama-PR

2) Argumento - Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento - Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento - Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento - Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento - Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras ePsicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta / Sociedade Padre Anchieta de Ensino / Jundiaí-SP

3) Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra / Universidade da Amazônia - UNAMA / Belém-PA4) AAAAAvesso do Avesso do Avesso do Avesso do Avesso do Avesso vesso vesso vesso vesso / Fundação Educacional Araçatuba / Araçatuba-SP5) Biomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e Energia / Universidade Federal de Viçosa / Viçosa-MG6) Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática / UNESP – Rio Claro / Rio Claro-SP7) Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação / Universidade Estadual

Paulista / Rio Claro-SP8) Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física / Universidade Federal de Santa Catarina –

UFSC / Florianópolis-SC9) Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física / Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-

SC10) Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas / Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO /

São Gonçalo -RJ11) Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais / Faculdades do Brasil

– UniBRasil / Curitiba-PR12) Cadernos Cadernos Cadernos Cadernos Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP13) Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação / Universidade Federal do Ceará - UFC / Fortaleza-CE14) Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação / UNIC – Universidade de Cuiabá / MT15) Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação / Universidade Federal de Pelotas - UFPel / RS16) Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial / Universidade Federal de Santa Maria - UFSM / RS17) Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa / Universidade Federal do Maranhão / São Luís-MA18) Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa / Fundação Carlos Chagas / São Paulo-SP19) Cadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - Turismo urismo urismo urismo urismo / Faculdades de Curitiba / Curitiba-PR20) Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE / Universidade Federal do Espírito Santo

- UFES / Vitória-ES21) Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo / Centro Universitário São Camilo /

São Paulo-SP22) Cadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do Trabalho rabalho rabalho rabalho rabalho / Universidade de São Paulo - USP / SP23) Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN / Universidade de Cuiabá - UNIC / MT

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24) Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão / Universidade Ibirapuera / Moema-SP

25) Caesura Caesura Caesura Caesura Caesura / Universidade Luterana do Brasil – ULBRA / Canoas-RS26) Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR27) Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista / Faculdade do Sul de Mato Grosso / Campo Grande-PR28) Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação / Centro Universitário Salesiano - UNISAL / Lorena-SP29) Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem / Universidade do Sul de Santa Catarina / Tubarão-SC30) Diálogo Diálogo Diálogo Diálogo Diálogo / Centro Universitário La Salle - UNILASALLE / Canoas-RS31) Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional / Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR / PR32) Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação / Universidade Federal de Alagoas -

UFAL /Maceió-AL33) Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS / RS34) Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia / Universidade Federal de Uberlândia – UFU / MG35) Educação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e Pesquisa / Universidade de São Paulo – USP / SP36) Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE37) Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco / Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF / MG38) Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão / Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN / RN39) Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista / Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG / MG40) Educação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS / São Leopoldo-

RS41) Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista / Universidade Federal do Paraná – UFPR / Curitiba-PR42) Educativa Educativa Educativa Educativa Educativa / Universidade Católica de Goiás – UCG / GO43) Em Aberto Em Aberto Em Aberto Em Aberto Em Aberto / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais / Brasília-DF44) Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências / Universidade Federal de Minas

Gerais – UFMG / MG45) Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio / Fundação Cesgranrio / Rio de Janeiro-RJ46) Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista / Universidade Federal de Uberlândia – UFU / MG47) Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico / Universidade de Passo Fundo / RS48) Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas / Universidade de Marília

- UNIMAR / Marília-SP49) Estudos - Estudos - Estudos - Estudos - Estudos - Universidade Católica de Goiás – UCG / GO50) Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão

Preto-SP51) Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura / Universidade Católica de Goiás – UCG / GO52) Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação / Universidade Federal da Bahia / Salvador-BA53) Ícone Ícone Ícone Ícone Ícone / Centro Universitário do Triangulo / Uberlândia-MG54) Inter-ação Inter-ação Inter-ação Inter-ação Inter-ação / Universidade Federal de Goiás – UFG / GO55) Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul - UFMS / Campo Grande-MS56) Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente Prudente-SP57) Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis / Faculdades Integradas de Jequié - FIJ / Jequié-BA58) Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje / Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS / RS

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59) Linguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de Mestradoem Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - Universidadedo Sul de Santa Catarina – UNISUL / Tubarão-SC

60) Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas / Universidade de Brasília – UnB / DF61) Métis Métis Métis Métis Métis / Universidade de Caxias do Sul - UCS / RS62) Movimento Movimento Movimento Movimento Movimento / Universidade Federal Fluminense – UFF / Niterói-RJ63) Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício / Sociedade Civil de Educação Braz Cubas / Mogi das Cruzes-SP64) NuancesNuancesNuancesNuancesNuances / Universidade Estadual Paulista – UNESP / SP65) Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG66) Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -

Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL / Tubarão-SC67) Paradoxa Paradoxa Paradoxa Paradoxa Paradoxa / Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO / Rio de Janeiro-RJ68) PerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em Turismo urismo urismo urismo urismo / Faculdades de Curitiba / PA69) Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação / Universidade Federal

de Santa Catarina / Florianópolis-SC70) Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia / Universidade Federal de Goiás - UFG / GO71) Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética / Pontifícia Universidade Católica – PUC-Campinas-SP72) Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação / Universidade do Sul de Santa Catarina

– UNISUL / Tubarão-SC73) Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente / Universidade

Federal de Rondônia - UNIR / Porto Velho-RO74) Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente / Universidade Federal do Espírito Santo - UFES / ES75) Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições / Faculdade de Educação - UNICAMP / SP76) Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUCRJ / RJ77) Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP / SP78) Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB / Universidade Federal da Paraíba / João Pessoa-PB79) Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces / Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira - FUNCESI / MG80) Revista AlcanceRevista AlcanceRevista AlcanceRevista AlcanceRevista Alcance / Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI / Itajaí-SC81) Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação / Fundação Universidade Federal do Rio Grande / Rio

Grande-RS82) Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra / Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho83) Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física / Salvador-BA84) Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial / Universidade Estadual Paulista / Marília-SP85) Revista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais / MEC / DF86) Revista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de Negócios / Fundação Escola do Comercio Álvares

Penteado / São Paulo-SP87) Revista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de Tecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional / Associação Brasileira de Tecnologia

Educacional / Brasília-DF88) Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga / Escola Superior de Agricultura de Mossoró / RN89) Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP90) Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo / Universidade de São Paulo – USP / SP

91) Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR92) Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas / Universidade de Taubaté - UNITAU / SP93) Revista Cientifica Revista Cientifica Revista Cientifica Revista Cientifica Revista Cientifica / Centro Universitário de Barra Mansa / Barra Mansa-RJ94) Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação / UNESP – Bauru / Bauru-SP95) Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo / Universidade Camilo Castelo Branco - Unicastelo

/ São Paulo-SP96) Revista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente

Prudente-SP97) Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação / Universidade do

Vale do Itajaí98) Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR99) Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus / Faculdade Christus / Fortaleza-CE100)Revista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de Educação / Universidade do Estado de Mato Grosso /

Cáceres-MT101)Revista da FRevista da FRevista da FRevista da FRevista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade / Universidade do Estado da

Bahia / Salvador-BA102)Revista da FRevista da FRevista da FRevista da FRevista da FAPAPAPAPAPA A A A A / Faculdade Paulistana - FAPA / São Paulo-SP103)Revista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa Cruz / União Paranaense de Ensino e Cultura /

Curitiba-PR104)Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração / Centro de Ensino Superior de Jataí - CESUT / GO105)Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas / Centro de Ciências Sociais e Humanas /

Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-SC106)Revista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESP / Sociedade de Ensino Superior da Paraíba / João

Pessoa-PB107)Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito / Universidade de Ibirapuera / São Paulo-SP108)108)108)108)108) Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Fundação Universidade Regional de Blumenau

- FURB / SC109)Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação / Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas /

SP110)Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP / Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica – CEAP /

Salvador / BA111)Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública / Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT / MT112)Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE113)Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios / Fundação Universidade Federal de Blumenau - FURB / SC114)Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia / Universidade Federal do Ceará - UFC / Fortaleza-CE115)Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI / Universidade da Região da Campanha / Bagé-RS116)Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação / Universidade Federal de Santa Maria / Santa

Maria-RS117)Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos / Instituição Toledo de Ensino – ITE /

Bauru-SP118)Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Sergipe - UFS / São

Cristóvão-SE

119)Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação / Universidade Federal deSanta Maria - UFSM / RS

120)Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes / Universidade de Ensino Superior Expoente - UniExp / Curitiba-PR

121)Revista Educação Revista Educação Revista Educação Revista Educação Revista Educação / Porto Alegre-RS122)Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento / Associação de Educação Católica do Paraná /

Curitiba-PR123)Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Porto

Alegre-RS124)Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da

Região do Pantanal / Campo Grande-MS125)Revista EspaçoRevista EspaçoRevista EspaçoRevista EspaçoRevista Espaço / Instituto São Paulo de Estudos Superiores / São Paulo126)Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários / Universidade Federal da Bahia / Salvador-

BA127)Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação / Instituto Superior de Estudos Pedagógicos -

ISEP / Rio de Janeiro-RJ128)Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos / Universidade do Vale do Rio dos Sinos -

UNISINOS / São Leopoldo-RS129)Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes / Universidade São Francisco - USF / Bragança Paulista-SP130)Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos / Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL131)Revista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – Teoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática / Universidade Federal do Rio

Grande do Sul - UFRGS / RS132)Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas / Associação Educacional Toledo - Presidente Prudente-SP133)Revista Integração Revista Integração Revista Integração Revista Integração Revista Integração / Universidade São Judas Tadeu / São Paulo-SP134)Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB / Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB / SC135)Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA / Associação Educativa Evangélica / Anápolis-GO136)Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca / Universidade de Franca / Franca-SP137)Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR138)Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis / Universidade do Sagrado Coração / Bauru-SP139)Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem / Centro Universitário “Moura Lacerda” / Ribeirão Preto – SP140)Revista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da Ética / Fundação Centro de Analises, Pesquisas e Inovações

Tecnológicas / Manaus-AM141)Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda / Universidade Federal de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG142)Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Ribeirão

Preto-SP143)Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia / Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC / SC144)Revista Plures Revista Plures Revista Plures Revista Plures Revista Plures / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão Preto-SP145)Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

/ Campo Grande-MS146)Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento / Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR

/ PR147)Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio / Universidade de Sorocaba - UNISO / Sorocaba-SP

192

148)Revista Recriação (Revista de Referencia de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referencia de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referencia de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referencia de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referencia de Estudos da Infância eAdolescência) Adolescência) Adolescência) Adolescência) Adolescência) / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Campo Grande-MS

149)Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação / Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC / RS150)Revista Semina Revista Semina Revista Semina Revista Semina Revista Semina / Universidade de Passo Fundo / Passo Fundo-RS151)Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura / Departamento de Ciências Sociais / Goiânia-GO152)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Tecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação / Universidade Católica de Brasília - UCB / Brasília-

DF153)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Teoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR154)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Trilhas rilhas rilhas rilhas rilhas / Universidade da Amazônia - UNAMA / Belém-PA155)Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU / Associação Brasileira de Ensino Universitário – UNIABEU / Belford

Roxo-RJ156)Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul / Universidade Cruzeiro do Sul - Unicsul / SP157)Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO / Centro Universitário – FIEO / Osasco-SP158) Scientia Scientia Scientia Scientia Scientia / Centro Universitário Vila Velha – UVV / Vitória-ES159) Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC /

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC / SC160) T e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C Amazônia / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG161) TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ / Universidade do Estado do

Rio de Jáneiro / Rio de Janeiro-RJ162) TTTTTextura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras / Universidade Luterana do

Brasil - ULBRA / Canoas-RS163) Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais / Universidade Federal de Pernambuco - UFPE / Recife-PE164)UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista / Revista do Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC /

Colina-ES165)UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista / Centro Universitário de Brasília - UniCEUB / Brasília-DF166)UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG / Fundação Universidade Estadual de Goiás

– UEG / Anápolis-GO167) UNICiências UNICiências UNICiências UNICiências UNICiências / Universidade de Cuiabá - UNIC / MT168) Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências / Universidade de Marília -UNIMAR / Marília-SP169)UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista / Universidade

Paulista - UNIP / São Paulo-SP170)Universa Universa Universa Universa Universa / Universidade Católica de Brasília - UCB / DF171)UNOPUNOPUNOPUNOPUNOPAR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação / Universidade Norte do

Paraná - UNOPAR / Londrina-PR172)VVVVVer a Educação er a Educação er a Educação er a Educação er a Educação / Universidade Federal Pará – UFPA / Belém-PA173)Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

- PUCRS / RS174)Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia / Universidade do Sul de Santa

Catarina – UNISUL / Tubarão-SC175)Zetetiké Zetetiké Zetetiké Zetetiké Zetetiké / UNICAMP / Campinas-SP

193

PERMUTPERMUTPERMUTPERMUTPERMUTAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAIS

01) AILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied Linguistic / Open university / Unitedkingdom – Ukrainian

02) Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación / Universidad de Medellín /Medellín – Colômbia

03) Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela / Instituto Universitario Salesiano “Padre Ojeda” (IUSPO) –Venezuela

04) Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / ANUIES -Asociación Nacional de Universidades e Instituciones de Educación Superior / México

05) Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración / Pontifícia Universid Javeriana / Bogota – Colombia06) Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa / Associación de Maestros Rosa Sensat. / Barcelona - España07) Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad / Universidad Nacional Abierta y a Distancia

– Unad / Bogotá – Colombia08) Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights / ALAB – Associação de Lingüística Aplicada do

Brasil – Belo Horizonte-MG09) Lexis Lexis Lexis Lexis Lexis / Asociación de Institutores de Antioquia – Adida / Medellín - Colombia10) Nexos Nexos Nexos Nexos Nexos / Universidad EAFIT / Medellín - Colombia11) Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas / CEAPA / Madrid - España12) Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad / Universidad Complutense de Madrid / Madrid – España13) Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa / Universidad de Córdoba / Montería – Colombia14) Revista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos Educativos / Universidad de La Rioja / La Rioja – España15) Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas / Universidad Tecnológica de Pereira / Risaralda –

Colombia16) Revista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPA A A A A / Comisión Economica para América Latina y El Caribe / Santiago -

Chile17) Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía / Universidad Central de Venezuela / Caracas - Venezuela18) Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT / Universidad EAFIT / Medellín - Colombia19) Revolución EducativRevolución EducativRevolución EducativRevolución EducativRevolución Educativa al Ta al Ta al Ta al Ta al Tableroableroableroableroablero / Centro Administrativo Nacional (CAN) / Bogota –

Colombia20) Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México / Instituto Nacional de Salud Pública / Cuernavaca, Morelos,

México21) Santiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de Oriente / Universidad de Oriente / Santiago

de Cuba - Cuba22) Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios / Universidad del Salvador / Buenos Aires - Argentina23) Thélème - Thélème - Thélème - Thélème - Thélème - Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses / Universidad Complutense

Madrid / Madrid – España