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INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local Universidade Católica Dom Bosco Instituição Salesiana de Educação Superior v. 11 n. 2 jul./dez. 2010

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local

Universidade Católica Dom BoscoInstituição Salesiana de Educação Superior

v. 11 n. 2 jul./dez. 2010

Page 2: Interações n. 11-21 - UCDB

Chanceler: Pe. Lauro Takaki Shinohara

Reitor: Pe. José Marinoni

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação:Prof. Dr. Hemerson Pistori

Editora UCDBAv. Tamandaré, 6.000 - Jardim Seminário79117-900 Campo Grande-MSFone/Fax: (67) 3312-3373e-mail: [email protected] www.ucdb.br/editora

U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a D o m B o s c o

Conselho EditorialAdyr Balastreri Rodrigues (Universidade de São Paulo)

Alberto Palombo (Florida Atlantic University - USA)Alicia Rivero (CONSULT-AR - Bonn - Alemanha)

André Joyal (Université du Québec à Trois-Rivières – Canadá)Antonio Elizalde Hevia (Universidad Bolivariana de Chile-UBC)

Bartomeu Melià (Universidad do Sacramento - Asunción - Paraguay)Cezar Augusto Benevides (Universidade Federal de MS)

Christian Krajewski (Institut für Geographie – Un. Münster -Munique – Alemanha)

Denis Maillat (IRER- Université de Neuchâtel - Suisse)Doris Morales Alarcón (Pontificia Universidad Javeriana)

Emiko Kawakami Rezende (EMBRAPA-MS)João Ferrão (Instituto de Ciências Sociais – Lisboa - Portugal)

Jorge Bacelar Gouveia (Universidade Nova Lisboa - Portugal)José Arocena (Universidad Catolica del Uruguay - UCU)

José Carpio Martín (Universidad Complutense de Madrid)Leila Christina Dias (Universidade Federal de SC)

Leo Dayan (Université Panthon Sorbonne – Paris I - França)Marcel Bursztyn (Universidade de Brasília)

Maria Adélia Aparecida de Souza (UNICAMP)Maria Helena Vallon (Fund. João Pinheiro)

Marília Luiza Peluso (Universidade de Brasília)Marisa Bittar (Universidade Federal de São Carlos)

Maurides Batista de Macedo Filha Oliveira (Univ. Católica de Goiás)Michel Rochefort (IFU - Université de Paris VIII)

Miguel Ángel Troitiño Vinuesa (Univ. Complutense de Madrid)Paulo TarsoVilela de Resende (Fund. Dom Cabral)

Rafael Ojeda Suarez (Universidad Agraria de la Habana - Cuba - UAH)Ricardo Méndez Gutiérrez del Valle (Univ. Complutense de Madrid)

Rosa Esther Rossini (USP)Sérgio Boisier (Santiago de Chile - Chile)

Conselheiros fundadores Milton Santos (in memoriam)

Nilo Odália (in memoriam)

I N T E R A ÇÕ E SRevista Internacional de Desenvolvimento Local

Conselho de RedaçãoCleonice Alexandre Le BourlegatMaria Augusta de CastilhoOlivier Francois Vilpoux

Editora ResponsávelMaria Augusta Castilho

Secretário da revistaAntonio Ramos

Coordenação de EditoraçãoEreni dos Santos Benvenuti

Editoração EletrônicaGlauciene da Silva Lima Souza

Revisão de TextoEdilza Maria Cazerta Goulart

TraduçõesOs próprios autores

CapaProjeto: Marcelo MarinhoFoto: Región de Los Lagos, Chile(riotoltenvistapanoramicachile3.jpg).Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=312989>

Tiragem: 1.000 exemplares

Distribuição: Bibliotecas universitárias

Cecília LunaBibliotecária - CRB n. 1/1.201

Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local,v. 11, n. 2 (jul./dez. 2010). Campo Grande: UCDB, 2000.107 p.ISSN 1518-7012Semestral1. Desenvolvimento Local.

Publicação do Programa Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco.Indexada em:

SciELO - Scientific Electronic Library Online (www.scielo.br)Latindex, Directorio de publicaciones cientificas seriadas de America Latina, El Caribe, España y Portugal (www.latindex.org)GeoDados, Indexador de Geografia e Ciências Sociais. Universidade Estadual de Maringá (www.dge.uem.br/geodados)

Dursi, Sistema d’informació per a la identificació i avaluació de revistes, Catalunha(www10.gencat.net/dursi/ca/re/aval_rec_sist_siar_economia_multidisciplinar.htm)

Clase, Base de datos bibliográfica en ciencias sociales y humanidades (www.dgb.unam.mx/clase.html)IAIPK, Instituto Ibero Americano do Patrimônio Prussiano (http://www.iai.spk-berlin.de)

IBSS, International Bibliography of the Social Sciences, London (www.ibss.ac.uk)

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A Interações - Revista Internacionalde Desenvolvimento Local é uma revista doPrograma de Pós-Graduação Stricto Sensu emDesenvolvimento Local da UniversidadeCatólica Dom Bosco, Estado de Mato Grossodo Sul – Brasil.

Esta edição é composta de vários arti-gos e de um estudo sobre teoria e prática,contando com a colaboração de autores na-cionais e internacionais, realizando, assim,um intercâmbio de experiências e práticas,promovendo e ampliando a produção deconhecimento e garantindo de forma impul-sionadora os processos inovadores.

O primeiro trabalho intitulado Argu-mentações acerca de questões técnico-científicas:disputas, valores e ideais de mundo, tem a au-toria de: Luciana da Silva Peixoto Perry eFrance Maria Gontijo Coelho, no qual asautoras enfatizam discussões relativas aosprocessos argumentativos e opiniões na es-fera pública, principalmente no contexto daciência e tecnologia.

Jandir Ferrera de Lima e GiomarViana, ao focalizarem O capital humano e cres-cimento econômico, explicam o diferencialexistente entre quantidade e qualidade daeducação, uma vez que, mesmo com um pos-sível aumento contínuo da educação, elapode não refletir um nível qualitativo sufici-ente para dinamizar a produtividade e o pro-gresso econômico e social da população.

A seguir, tem-se a pesquisa denomina-da Les processus d’innovation territoriale dansla región de Los Lagos: une analyse à travers laproximité géographique et organisationnelle deses acteurs, cujo autor, Guillermo Díaz L.,assinala que os fatores proximidade geográ-fica e organização facilitam a interação e a

Editorial

transferência de conhecimentos entre os ato-res públicos e privados em um território.

O artigo de Luiz Fernandes da Costa,Luís Carlos Vinhas Ítavo, Cláudia MunizSoares, Marney Pascoli Cereda, Josemar deCampos Maciel e Camila Celeste BrandãoFerreira Ítavo: Democracia e desenvolvimentolocal em assentamentos rurais trata sobre aimportância da democracia nos processosgeradores do desenvolvimento local nos as-sentamentos rurais. Os autores basearam-seno núcleo conceitual de desenvolvimento, emconcordância com instituições como Univer-sidade de Quebec, Canadá, apontando oprojeto de assentamento Andalúcia, estadode Mato Grosso do Sul.

O artigo Cooperação, interação e aprendi-zagem no Arranjo Produtivo Local de equipa-mentos e implementos agrícolas do Paraná, dosautores: Antonio Iacono e Marcelo SeidoNagano apresenta uma análise sobre as rela-ções de cooperação, interação e aprendiza-gem entre os diversos tipos de atores confor-mados em um Arranjo Produtivo Local.

Mirlei Fachini Vicente Pereira, em seuartigo A inserção recente da cana-de-açúcar nosudoeste da Amazônia: novos indícios da insta-bilidade do território em Rondônia e Acre, ava-lia algumas experiências de inserção recentedo cultivo da cana-de-açúcar nos estados deRondônia e Acre, porção sudoeste da Ama-zônia, reconhecendo fragilidades e novasinstabilidades territoriais advindas dessecultivo e da instalação de usinas por gruposexternos.

O artigo de Maria Corette Pasa eGabriela de Ávila, nominado Ribeirinhos erecursos vegetais: a etnobotânica em Ron-donópolis, Mato Grosso, Brasil, mostrou o

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conhecimento dos moradores locais quantoao uso dos recursos vegetais nas hortas, quin-tais e matas de galeria do rio Arareau emRondonópolis, MT.

O estudo sobre Inovação tecnológica einovação narrativa: caminhos para o design nopolo moveleiro de Ubá, de autoria de MariaLuiza A. C. de Castro e Juliana Cardoso,assinala que o polo moveleiro de Ubá temapresentado um grande desenvolvimentoeconômico nos últimos anos.

Na seção teoria e prática, há um estu-do baseado nos dados relativos à AgriculturaFamiliar no Brasil: um retrato do desequilíbrioregional, de autoria de Arlindo Kamimura,Aline de Oliveira e Geraldo F. Burani, des-tacando os desequilíbrios econômicos epobreza endêmica em algumas regiões bra-sileiras. A pesquisa identifica que, a partir

da promulgação da Constituição Brasileirade 1988, inicia-se uma série de açõesdirecionadas de forma assimétrica para al-gumas regiões do Brasil.

O Conselho de Redação da RevistaInternacional de Desenvolvimento Local -Interações agradece a todos os que colabora-ram para essa edição: autores, pareceristas,revisores, membros do Conselho Editorial,coordenação de editoração e, mais uma vez,se coloca à disposição para receber contri-buições que se proponham a alimentar odebate científico e o intercâmbio de experiên-cias exitosas, objetivando a ampliação doconhecimento no âmbito principalmentelocal e regional.

Maria Augusta CastilhoEditora

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Sumário

Artigos

Argumentações acerca de questões técnico-científicas: disputas, valores e ideais de mundo ........... 127Argumentation around scientific and technological issues: disputes, values and world ideals ........... 127Argumentation quant às question techniques e scientifiques: disputes, valeures e idée de monde ........... 127Argumentaciones cerca de cuestiones técnico-científicas: disputas, valores e ideales del mundo ......................... 127

Luciana da Silva Peixoto PerryFrance Maria Gontijo Coelho

Capital humano e crescimento econômico.............................................................................................. 137The human capital theory and the economic growth ............................................................................... 137La théorie du capital humain et la croissance économique ....................................................................... 137La teoría del capital humano y el crecimiento económico ................................................................................. 137

Giomar VianaJandir Ferrera de Lima

Procesos de innovación regional en la Región de Los Lagos: un análisis a través de la proximidadgeográfica y organizacional de sus actores ............................................................................................. 149Processos de inovação regional no distrito do Los Lagos: uma análise pela proximidade geográficae os atores organizacionais ....................................................................................................................... 149Regional innovation processes in the Region of the Lakes: an analysis through geographical proximityand organizational actor ............................................................................................................................ 149Les processus d’innovation territoriale dans la región de Los Lagos: une analyse à travers la proximitégéographique et organisationnelle de ses acteurs ............................................................................................ 149

Guillermo Díaz L.

Democracia e desenvolvimento local em assentamentos rurais ........................................................... 161Democracy and local development in rural settlements ........................................................................... 161Democracia y desarrollo local en los asentamientos rurales .................................................................... 161La démocratie et le développement local dans les établissements ruraux ........................................................... 161

Luiz Fernandes da CostaLuís Carlos Vinhas ÍtavoCláudia Muniz SoaresMarney Pascoli CeredaJosemar de Campos MacielCamila Celeste Brandão Ferreira Ítavo

Cooperação, Interação e Aprendizagem no Arranjo Produtivo Local de Equipamentos eImplementos Agrícolas do Paraná ........................................................................................................... 171Cooperation, Interaction and Learning inside the Paraná Clusters of Farming Machinery andEquipment Factories .................................................................................................................................. 171Coopération, Interaction et Apprentissage dans l´ Arrangement Productif Local de l’équipementet du matériel agricole du Paraná .............................................................................................................. 171Cooperación, Interacción y Aprendizaje en el Sistema Local de Producción de Equipamientos y ImplementosAgricolas de Paraná ...................................................................................................................................... 171

Antonio IaconoMarcelo Seido Nagano

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A inserção recente da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia: novos indícios da instabilidadedo território em Rondônia e Acre ............................................................................................................. 187The recent insertion of sugarcane in southwestern Amazonia: new evidences of instability ofterritory in Rondonia and Acre (Brazil) .................................................................................................... 187L’introduction récente de canne à sucre au sud-ouest de l’Amazonie: nouvelles preuves de l’instabilitédu territoire en Rondônia et Acre (Brésil) .................................................................................................. 187La introducción reciente de la caña de azúcar en el suroeste de la Amazonia: nuevas pruebas de la inestabilidaddel territorio en Rondonia y Acre (Brasil) ...................................................................................................... 187

Mirlei Fachini Vicente Pereira

Ribeirinhos e recursos vegetais: a etnobotânica em Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil.................... 195Riverine and plant resources: the etnobotany in Rondonópolis, Mato Grosso, Brazil ........................... 195Messagers et les ressources végétales: un ethnobotanique en single Rondonópolis, Mato Grosso, Brésil ...... 195Fluviales y recursos vegetales: la etnobotánica en solo en Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil ........................... 195

Maria Corette PasaGabriela de Ávila

Inovação tecnológica e inovação narrativa: caminhos para o design no polo moveleiro de Ubá ........ 205Technological innovation and narrative innovation: paths for design in the furniture industry of Ubá .. 205L’innovation technologique et l’innovation narrative: les alternativesde design pour l’industrie dumeuble d’Ubá .............................................................................................................................................. 205La innovación tecnológica y la innovación narrativa: alternativas para el diseño en la industria del mueblede Ubá .......................................................................................................................................................... 205

Maria Luiza A. C. de CastroJuliana Cardoso

Teoria e Prática

A agricultura familiar no Brasil: um retrato do desequilíbrio regional ................................................. 217Arlindo KamimuraAline de OliveiraGeraldo F. Burani

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Artigos

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Argumentações acerca de questões técnico-científicas:disputas, valores e ideais de mundo

Argumentation around scientific and technological issues:disputes, values and world ideals

Argumentation quant às question techniques e scientifiques:disputes, valeures e idée de monde

Argumentaciones cerca de cuestiones técnico-científicas: disputas,valores e ideales del mundo

Luciana da Silva Peixoto Perry*France Maria Gontijo Coelho**

Recebido em 10/5/2010; revisado e aprovado em 29/6/2010; aceito em 1º/7/2010

Resumo: Este artigo discute questões relativas aos processos argumentativos que envolvem debates de opiniões naesfera pública, com especial atenção aos debates travados em torno de assuntos relacionados com ciência e tecnologia.Os conceitos tratados apresentam-se como proposta de fundamentação para as práticas de Extensão Rural e outrasformas de interação social mediadas pela Ciência e Tecnologia.Palavras-chaves: Argumentação. Linguagem. Ética discursiva.Abstract: The article presents a discussion of the argumentative processes that occur in public sphere debates,especially those related to science and technological issues. The conceptual frame used is presented as a core proposalfor the Rural Extension practice and for other ways of social interaction mediated by Science and Technology.Key-words: Argumentation. Language. Discursive Ethics.Résumé: Cet article traite de questions relatives aux procédés d’argumentation impliquant des débats d’opinionsdans la sphère publique, notamment des discussions s’orientant vers les domaines de la science et de la technologie.Les sujets discutés se proposent de servir de base pour la mise en oeuvre de l’Extension Rurale et d’autres modesd’interaction sociale liés par la Science et la Technologie.Mots-clés: Argumentation. Langage. Ethique discursive.Resumen: Este artículo discute cuestiones relativas a los procesos argumentativos que envuelven debates de opinionesen la esfera pública, con especial atención a los debates en torno a asuntos vinculados con ciencia y tecnología. Losconceptos tratados se presentan como propuesta de fundamentación para las prácticas de Extensión Rural y otrasformas de interacción social mediadas por la Ciencia y Tecnología.Palabras clave: Argumentación. Lenguaje. Ética discursiva.

* Jornalista. Mestre em Extensão Rural. (31) 3891-4911. E-mail: [email protected].** Doutora em Sociologia da Ciência e Tecnologia. Professora Associada II do Departamento de Economia Rural- Universidade Federal de Viçosa. (31) 3899-1331. Fax: (31) 3899-2219. E-mail: [email protected].

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 11, n. 2 p. 127-135, jul./dez. 2010.

Introdução

O artigo inicia com uma breve revisãosobre as teorias que tratam da análise do pro-cesso de produção do discurso e da argu-mentação. Em seguida, busca-se evidenciarcomo disputas e decisões coletivas sobrequestões tecnológicas estão interligadas àsdisputas políticas e ideológicas de projetosde sociedade travadas por grupos sociaiscom interesses distintos; e como esses diferen-tes posicionamentos ideológicos condicionamescolhas, entre propostas tradicionais, con-vencionais e novas tecnologias. Assim, apartir da ótica de que a tecnologia é fruto

tanto das condições técnicas dadas num de-terminado momento quanto do jogo de for-ças sociais que elegem algumas e descartamoutras, a parte final do artigo analisa as rela-ções entre discurso, argumentação e escolhastecnológicas na prática da Extensão Rural.

1 Discurso, argumentação e produção desentido

Nas interpretações teóricas contempo-râneas sobre a vida social, a linguagem assu-me papel de destaque nos processos de com-preensão das formas de ação dotadas deintencionalidade. As relações humanas,

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128 Luciana da Silva Peixoto Perry; France Maria Gontijo Coelho

sejam dos homens com outros homens, oucom o mundo que os cerca, são mediadaspor símbolos, e a linguagem é um dos instru-mentos simbólicos que possibilitam as inte-rações. Segundo Koch (2003), a interação pormeio da linguagem é caracterizada, princi-palmente, pela argumentatividade. Ao seutilizar da linguagem, o indivíduo expressajuízos de valor e tenta influir no comporta-mento dos outros ou fazer com que estes com-partilhem de uma determinada opinião.

A argumentação, nesse sentido, é umtipo de discurso que orienta determinadasconclusões e condutas. Assim, necessaria-mente, é ideológica, se a ideologia for conce-bida como uma visão social do mundo, ouseja, como uma determinada maneira de vero mundo, que decorre da forma como seavalia o passado, problematiza o presente eaposta num tipo de futuro (LÖWY, 1987).Essa visão social de mundo caracteriza e ori-enta a conduta de classes sociais ou de comu-nidades étnicas, por isso, comporta valorese dá sentido ao que se faz. Como diziaDumont (1993), a ideologia comporta umsistema de ideias-valor.

De acordo com Charaudeau (citadopor ORLANDI, 1988, p. 49), a existência daargumentação pressupõe uma tese sobre omundo que faça sentido para alguém quan-to à sua legitimidade; um sujeito que seengaje em relação a essa convicção ouquestionamento e desenvolva um raciocíniopara estabelecer uma verdade sobre essa tese;e outro sujeito ao qual se dirige o que se ar-gumenta, na esperança de fazê-lo compar-tilhar a mesma verdade.

Na Retórica Clássica, fundada porAristóteles, o estudo da argumentação visaverificar a lógica das preposições e suas pos-sibilidades de verossimilhança, já que o queo interessa não é a verdade ética da exposi-ção, mas sua pertinência em termos lógicosda coerência (ARISTÓTELES, s/d). Persua-são, segundo a concepção aristotélica, é re-sultado de uma estruturação lógica do dis-curso que se constitui como verdadeiro.

Já Perelman (apud KOCH, 1993) afir-ma que a argumentação visa provocar aadesão dos espíritos às teses apresentadas,caracterizando-se, assim, como um ato depersuasão. Nas palavras de Koch,(1993, p.20) a persuasão procura atingir a vontade,

o sentimento do(s) interlocutor(es) por meiode argumentos plausíveis ou verossímeis etem caráter ideológico, subjetivo, temporal,dirigindo-se pois a um auditório particular.

Dessa forma, não haveria por quediabolizar a persuasão, pois ela é parte dasinterações sociais argumentativas (ESTEVES,1991). No processo comunicativo, várias es-tratégias linguísticas são aplicadas com finspersuasivos, seja para atrair a atenção dointerlocutor; seja para estabelecer uma em-patia com o enunciador ou com o conteúdodo discurso; seja ainda para convencer ooutro sobre a adequação ou propriedade dedeterminado argumento. Outra intenciona-lidade se instala, contudo, quando ocorremanipulação, que é um tipo de ação estraté-gica pautada na não transparência ou naomissão de sinceridade sobre os verdadeirosobjetivos (PARRET, 1991). Nesse caso, ficaevidente uma questão ética, pois que o outroé transformado em objeto, de interlocutorpara ouvinte passivo.

Assim, os diálogos argumentativospodem ter diversas formas que modificamseus conteúdos ou sua intencionalidade.Nesse sentido, Breton (2003) os exemplificacom o ‘argumento da autoridade’. Nessecaso, um sujeito que possua autoridade noassunto – seja pela competência reconheci-da, pela experiência ou pelo testemunho – éintroduzido na argumentação para expres-sar seu apoio, ou não, ao que está sendo dito.A autoridade pode tanto advir do enuncia-dor, quanto de outra voz introduzida no dis-curso.

Como ainda explica Breton (2003), aaceitação do argumento da autoridade fun-ciona como uma delegação de poder a outrosujeito mais apto a julgar a questão do que o“eu”. Esse tipo de argumentação é aqui desta-cada, pois é muito utilizada em discussõesem torno da tecnologia e materializa-se emfrases do tipo: “os cientistas afirmam que ...por isso não confio em quem pensa o contrá-rio...”, ou “segundo o órgão tal, maior auto-ridade no assunto em tal lugar ...”, e outrasdo gênero.

Os valores, entendidos como umaidealização que estabelece uma hierarquiado preferível, dentro do qual “avaliaremosnossas opiniões e comportamentos, assimcomo o dos outros” (BRETON, 2003, p. 87),

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129Argumentações acerca de questões técnico-científicas:disputas, valores e ideais de mundo

são essenciais na prática argumentativa.Uma estratégia persuasiva na argumentaçãoé enfatizar as opiniões ou os valores comunscom o enunciado.

Para a teoria da Análise do Discurso(FIORIN, 1995; CITELLI, 1995), o discursosó pode ser interpretado quando se conhe-cem suas condições de produção, isto é, ocontexto sócio-histórico no qual os interlocu-tores se encontram, e quando suas posiçõessociais fazem sentido. Nessa concepção deanálise, os argumentos são expressões de umsistema de representações, valores e ideiasde um sujeito historicamente determinado.

Partindo-se do pressuposto de que tododiscurso é ideológico, visto que representadeterminada visão de mundo, de certo sujei-to, num tempo histórico específico, é possívelafirmar que os argumentos utilizados numdebate apresentam os valores e ideais de vidanos quais o enunciador se apoia para validarseu ponto de vista. Dessa maneira, entendero porquê de determinada posição sobre umassunto é, antes de tudo, compreender quaissão as premissas que sustentam a opinião doenunciador.

A questão da argumentação, na práti-ca comunicativa, é estudada por Habermas(1989) mais sob uma ótica filosófica herme-nêutica do que por uma abordagem especifi-camente linguística, o que, para os objetivosdeste artigo, é interessante. Assim, algumasde suas principais asserções, em especial, asque se referem à questão das validades dasproposições e do processo argumentativo,são esclarecedoras dos elementos constitu-tivos num processo social de argumentação.

Para ele, o indivíduo constitui-se nosprocessos interativos, voltados para o entendi-mento, para a autocompreensão e para a com-preensão dos outros. É por meio desse tipo deinteração que o indivíduo se constitui comosujeito consciente e responsável por suasações e pelas consequências destas, pratican-do aquilo que Habermas chama de Ação Co-municativa, que implica, então, uma éticadiscursiva. Para isso, ele coloca como precon-dição o não ceticismo e a boa fé. Numa discus-são em que se busca o entendimento, é essen-cial que os participantes acreditem que o ou-tro está sendo sincero e verdadeiro em suaargumentação. Essa condição é básica, segun-do Habermas, para o exercício da ação co-

municativa, pois só assim os argumentos po-dem ser ponderados, visando, unicamente, amelhor solução para todos.

Contextualizando esse debate,Habermas (1989) afirma que a sociedade mo-derna comporta dois mundos (o sistêmico eo mundo da vida), pois em cada um preva-lece um tipo de racionalidade (a instrumen-tal e a comunicativa, respectivamente). Aação instrumental é a forma de ação técnicaque aplica racionalmente meios para obten-ção de fins. Nas sociedades modernas, essaforma de ação institucionalizou-se nos siste-mas econômico e político, que possibilitam areprodução e a manutenção do sistema comoum todo. No sistema econômico não há espa-ço para a ação comunicativa, pois o dinheirosubstitui a linguagem, enquanto no políticoesta é substituída pelo poder.

Já no Lebenswelt, ou mundo da vida,as interações são linguisticamente mediadase o objetivo final é o entendimento. Uma daspatologias da modernidade, segundo o teó-rico, é a colonização do mundo da vida pelomundo sistêmico; onde deveria haver açãocomunicativa, haveria ação instrumental.

A ação comunicativa permite, assim,a articulação de valores e a elaboração e va-lidação de normas. Por meio da ação comu-nicativa, é possível buscar o consenso, o en-tendimento, a verdade e a aceitação de nor-mas e valores. Os processos argumentativossó possibilitam o entendimento se são garan-tidos o aumento da liberdade da ação e amaior participação dos envolvidos nos pro-cessos sociais. Essa liberdade, e não a coação,é condição do estabelecimento do consensopossível, alcançado pelo entendimento e pelaescolha do melhor argumento.

A fala pode, assim, ser entendida comouma forma de ação, quando falar é fazer,como bem dizia Austin (1990), ao descreveros atos de fala e sua força ilocucionária.Dessa forma, pode-se dizer que, em umasituação de fala sem constrangimentos, ouseja, numa comunidade ideal de fala(APEL,2000), os participantes de um proces-so comunicativo têm a possibilidade de acei-tar ou refutar as argumentações de um locu-tor. Quando há refutação, as pretensões devalidade dessa situação de fala ficam sus-pensas – os atores podem dizer que o locutorestá mentindo, que sua afirmação é falsa e

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130 Luciana da Silva Peixoto Perry; France Maria Gontijo Coelho

que as normas que regem sua fala são ilegí-timas ou incorretas.

Em outra obra, Habermas (2004, p.250) afirma que, quando as certezas são aba-ladas e se transformam em controvérsias, aspretensões de validade são resgatadas, dis-cursivamente, através da argumentação.

A argumentação tem a forma de um concur-so que visa aos melhores argumentos a fa-vor ou contra pretensões de validade con-troversas e serve à busca cooperativa de ver-dade. (HABERMAS, 2004, p. 250)Essa prática pressupõe, além da uma

situação ideal de comunicação (ou de fala),o entendimento das razões dos demais envol-vidos no debate, para que, ao final, o consen-so seja obtido com o consentimento de todos,a partir da escolha do melhor argumento.Aos que criticam a teoria pela impossibilida-de dessa tal situação ideal de fala ou que nomundo da vida é uma utopia, Habermas(2004, p. 254) afirma que:

[...] quanto às pressuposições da argumen-tação – a inclusão geral, a participação comdireitos iguais para todos, a ausência de re-pressão e a orientação para o entendimentomútuo -, no presente podemos pelo menosimaginar um cumprimento aproximativoideal. [...] Por certo essa orientação tambémtem essencialmente o sentido crítico de noslembrar a limitação etnocêntrica e a falibili-dade de um acordo a cada vez alcançado,seja qual for sua motivação racional.O entendimento, na concepção de

Habermas, é interpretado como um meca-nismo de coordenação de ações, em que umator procura, por meio de uma argumenta-ção racional, convencer o outro da verdadede uma afirmação, da validade de uma nor-ma ou da veracidade de suas declarações.Nesse sentido, Freitag (1992, p. 243), umadas referências brasileiras de intérpretesdesse teórico contemporâneo, diz que:

Habermas chama de discurso um tipo espe-cial de ação comunicativa, na qual aspretensões de validade implícitas nas situa-ções de fala cotidiana estão temporariamentesuspensas. O discurso procura por um pro-cesso argumentativo, regulado segundo cer-tos princípios, restaurar as pretensões de va-lidade desativadas temporariamente, reas-sentando a comunicação em novas bases.O discurso teórico procura validar ou

refutar afirmações sobre os fatos e objetos.

Os cientistas, potenciais personagens sociaisportadores ou responsáveis pela sistemati-zação desse discurso, buscam convencer seuspares da veracidade de suas afirmações, combase em argumentos racionais e evidênciasempíricas, buscando o entendimento. A prá-tica da ciência é, em sua essência, um exem-plo da teoria consensual da verdade.

Como esclarece Freitag (1992, p. 243),enquanto o discurso teórico problematiza avalidade de uma afirmação sobre fatos, oprático problematiza a justeza de uma nor-ma ou sistema normativo. Já que a ciênciatambém lida com acordos relativos às normasde produção da verdade, em seu debate so-bre procedimentos metodológicos considera-dos válidos, a ciência não trata somente dodiscurso teórico.

O discurso prático é a forma de argu-mentação em que as pretensões de validadedas normas são tematizadas. Normas exis-tentes ou propostas precisam ser legitima-das no interior de um processo argumenta-tivo. A norma deve ser legitimada, segundoo critério de uma razão comunicativa, nãopela tradição ou pelo carisma de uma autori-dade, mas por meio de um processo democrá-tico, no qual é escolhido o melhor argumento.

O que diferencia, segundo Habermas(1989), o discurso teórico do prático são ostipos de pretensões de validade que estão emjogo. Como o discurso teórico procura vali-dade nas afirmações (sobre fatos, fenômenos,objetos) e o discurso prático procura verificarse as normas sociais estão ou não corretas, onúcleo de sua Teoria Discursiva da Verdadepode ser formulado mediante três conceitosbásicos:• Condições de validade (preenchidas

quando uma afirmação é consideradaválida);

• exigências de validade (levantadas pelosoradores em relação à validade de suasafirmações) e

• verificação de exigência de validade.Nesse último caso, segundo Habermas

(1989, p. 86-87), aparece explicitamente emsituações de conflito nas quais não se dispõede regras de verificação para decidir se ascondições de validade são preenchidas ounão. Faltam, aí, deduções lógicas ou eviden-cias decisivas. Nesses casos, há um jogoargumentativo em que razões motivadoras

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passam a ocupar o lugar de argumentosfinais.

Dessa forma, é possível verificar queas visões de mundo se manifestam na lingua-gem, pois não há ideia sem linguagem, en-tendendo ideia como pensamento através deconceitos.

Esse debate sobre processos argumen-tativos permite fundamentar melhor a com-preensão das interações linguisticamentemediadas, como é o caso das ações intencio-nadas de mudanças técnicas ou incorpora-ções tecnológicas por determinados grupossociais. Para Moscovici e Doise, (2001) a for-mação das representações sociais dependeda qualidade e do tipo de informações sobreo objeto social de que o indivíduo dispõe, doseu interesse pessoal sobre aspectos específi-cos do objeto e da influência social para pres-sionar o indivíduo a utilizar informaçõesdominantes no grupo.

2 Tecnologia nas interações sociais – ummeio para que fim?

Nas interações ou trocas sociais, circu-lam conhecimentos e representações de mun-do, e é pela linguagem que se configuram ematerializam esses conhecimentos e repre-sentações. Faz-se, então, necessário proble-matizar os objetos que circulam nas trocassociais, como poderiam dizer Mauss (1974)e Godbout (1999), para poder melhor discer-nir ou antecipar implicações da existência edo uso desses objetos. Assim, evidenciam-seduas questões de natureza ética e ontológica.

Para tanto, retoma-se de Figueiredo(1989) o debate sobre tecnologia, pois neladestaca-se o fato de que toda tecnologia éfruto tanto do estoque de conhecimentos dis-poníveis em um determinado período, emuma determinada comunidade, quanto dedisputas travadas em torno de quais proble-mas devem ser resolvidos e por quais meios.Ou seja, a opção tecnológica se faz em meioa uma disputa essencialmente orientada pelavalorização de certos parâmetros em detri-mento de outros. Dessa forma, processos ar-gumentativos são, portanto, inerentes a todoprocesso de produção de inovações, de novastécnicas ou tecnologias e de sua socialização.

Se a tecnologia é concebida como ideo-logia e como mercadoria que comporta um

fetiche (um encanto potencializador de cer-tas ações), é possível também perceber queela é uma opção de escolha dentre várias, seo contexto for do tipo ideal de argumentaçãoem que não acontecem constrangimentos dequalquer natureza. Quando não se está nessecontexto, a intencionalidade de incorpora-ção da inovação é perpassada por interessesexplicitados ou tacitamente conduzidos.Muitas vezes, esse é o contexto da argumen-tação do campo científico, uma arenatransepistêmica, como bem expressouKnorr-Cetina (1982).

Os conhecimentos enquanto objetossocialmente construídos adquirem significa-dos distintos em razão de seus processos degeração e das formas de socialização e aces-sibilidade, acumulação ou distribuição. Osconhecimentos próprios aos seres humanospodem ser distinguidos pelas mais diversasformas de classificação, contudo, essas clas-sificações têm implicações práticas tambémdistintas.

Se o ponto de partida for a premissade que a forma de geração e de socializaçãodos saberes são critérios importantes paraanalisar os significados de suas diversas for-mas, as indagações “de onde vêm” e “paraonde vão” esses saberes precedem as esco-lhas. Os problemas considerados relevantesna classificação dos saberes estão relaciona-dos com a crença de que os conhecimentosdeveriam ser partilhadamente produzidos esocialmente apropriados. A exclusividadedos benefícios na geração de conhecimentoscientíficos e nas trocas comerciais de seusresultados passa a ter valor negativo nessaanálise, em razão da postura crítica própriade um tipo de visão de mundo que orientaas escolhas.

No espaço da argumentação, é precisoconvencer não apenas os próprios pares –no caso da comunidade científica – mas tam-bém os patrocinadores e, posteriormente, ospossíveis usuários. Esse processo de conven-cimento, que não deve ser confundido com‘ludibriação’ e nem com manipulação quese faz pela omissão ou ocultamento de signi-ficados ou implicações, é estruturado com ouso da linguagem. É, portanto, o encadea-mento lógico e coerente dos argumentos quepossibilita ao interlocutor decidir se concordaou não com o que está sendo proposto.

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Para melhor compreensão desse pro-cesso, Moscovici e Doise (2001) destacamque, em processos decisórios nos quais hádebates de opinião, o que torna convincenteo consenso não é o acordo em si, mas o pro-cesso participativo pelo qual se chega a esseacordo. A discussão é um processo que tendea gerar mudanças de opinião, de regras e derepresentações sociais. É pela exposição coe-rente de argumentos que se tenta mostrarao interlocutor a conveniência de determina-do ponto de vista. Contudo, os autores desta-cam que esses argumentos revelam valores– pontos de ancoragem estável para opiniões,juízos e raciocínios, o que coloca um desafiomaior para o papel gnosiológico da argu-mentação.

Marcuse (1986) já defendia que o pro-jeto científico da modernidade capitalistavisa à dominação tanto na natureza, quantonos outros homens, por meio da tecnologiae do conhecimento científico. Ainda que osprocessos de validação e experimentaçãocientíficas garantam uma ‘pureza teórica’ arespeito dos fatos/objetos observados, o mé-todo foi concebido num universo preestabe-lecido de fins, ‘no qual e para o qual se de-senvolve’. A tecnologia nunca é neutra, masé sempre ideológica, visto que carrega de-terminada intenção, pautada por uma visãode mundo. Nesse sentido, Figueiredo (1989,p. 6), ao comentar sobre a tecnologia, enfa-tiza que:

São as relações sociais que definem osparâmetros para o estabelecimento de neces-sidades que conduzirão ao desenvolvimen-to e ao uso de determinadas tecnologias. Sãoelas também que criam possibilidades dife-renciadas para que determinados sujeitos(nações, classes sociais ou grupos) condu-zam ou apropriem-se do avanço tecnológico,transformando-o em força produtiva, instru-mento de dominação política e/ou fator ideo-lógico de legitimação do Estado.Além disso, Marcuse (1986) afirmava

que a ciência cria um universo no qual sãoverdadeiras suas afirmativas e explicações,criando seus próprios paradigmas, compar-tilhados por uma comunidade, da mesmaforma que a cultura geral. Para ele, antes dese descobrir ou inventar algo, há uma inten-ção, uma maneira de ver o mundo, certaorganização que determina, de antemão, quetecnologia será ‘inventada’ para satisfazer

às necessidades de controle e organização.A isso, ele denominou ‘a priori’ tecnológico.

Além disso, ele afirmava que a divisãocientífica do trabalho gerou um padrão devida mais elevado, mas também impôs novasformas de controle social. Ao empreender-seno projeto de transformação tecnológica daNatureza, a sociedade substituiu a domina-ção pessoal pela dominação institucional. Osistema que organiza o trabalho social e fa-cilita a vida com as tecnologias geradas cria,em nível individual, uma falta de liberdade,em nome da manutenção da ordem social.As ‘melhorias’ produzidas pelo sistema ser-vem de justificativa para a dominação, comose esse fosse o preço a se pagar.

A não liberdade aparece como uma submis-são ao aparato técnico que amplia as como-didades da vida e aumenta a produtividadedo trabalho. (MARCUSE, 1986, p. 154)Assim, a quantificação da natureza e

as explicações baseadas em métodos mate-máticos separaram a ciência da ética. Embo-ra a ciência procure a objetividade da natu-reza, “ela não pode concebê-la cientificamen-te em termos de causas finais” (MARCUSE,1986, p. 144). Ainda que tenha sido possívelestabelecer regras de comportamento paradeterminados movimentos da natureza, suarealidade está sempre acompanhada de va-lores estéticos, morais e sociais. Nesse sentido,a compreensão da realidade passa, necessa-riamente, pela incorporação de fatores sub-jetivos.

A lógica do sistema, na concepção deMarcuse, prioriza o que é verificável pormeio de experimentos ‘lógicos’, e os valoresmorais e éticos passam a ser vistos comoideais e não objetivos, razão, por que ele acre-dita numa racionalidade científica como for-ma de controle e dominação social. Aindaque medições e instrumentos possam ser con-siderados objetivos, eles foram realizadosdentro de uma determinada realidade sociale por um pesquisador inserido nessa reali-dade; por isso, não estão isentos de valoresculturais e interesses.

O método científico que levou à dominaçãocada vez mais eficaz da natureza forneceu,assim, tanto os conceitos puros como os ins-trumentos para a dominação cada vez maiordo homem pelo homem por meio da domi-nação da natureza [...] Hoje a razão seperpetua e se estende não apenas através da

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tecnologia, mas como tecnologia, e esta ga-rante legitimação do crescente poder políti-co que absorve todas as esferas da cultura.(MARCUSE, 1986, p. 154)A argumentação de Marcuse, em re-

lação à lógica do sistema e à racionalidadecientífica, alinha-se com o de Habermasquando ele faz um paralelo entre razão ins-trumental e razão comunicativa. Enquantoa primeira é legitimada pela lógica experi-mental e econômica, esse segundo tipo deracionalidade não obedece, necessariamente,à lógica do lucro “científico”. Por isso, muitasvezes, essa lógica da socialização dos sabe-res e benefícios é refutada em discursos quecolocam as descobertas e os valores cientí-ficos e/ou econômicos acima dos outrosvalores.

As escolhas tecnológicas não são neu-tras, tampouco objetivas; é o que se podeargumentar a partir de Figueiredo (1989) eMarcuse (1986). Muito mais do que parâ-metros técnicos, elas determinam relações depoder, práticas sociais e ideais de mundo,enfim, propostas de vida em sociedade.

Segundo Cook, Pieri e Robbins (2004),entender as entrelinhas dos discursos e daspráticas que tentam legitimar novastecnologias torna-se cada vez mais impor-tante no mundo contemporâneo, uma vezque inovações tecnológicas tendem a resul-tar em consequências éticas e políticas, numfuturo próximo.

Daí a razão de tentar instituir um novoconceito, mais crítico, em torno do termotecnologia. A chamada tecnologia social(LASSANCE, 2004) busca evidenciar comoa construção de um tipo de saber e recursopode ser socialmente apropriada, desde aconcepção do problema original. Para isso,novos métodos são exigidos, pois outros pro-blemas têm, assim, orientado inovações e,consequentemente, outra forma de sociali-zação e apropriação de seus resultados. Essaperspectiva crítica da tecnologia implica atri-buição de função distinta à pesquisa cientí-fica, pois comporta em sua constituição umanova dimensão, qual seja, o questionamentosobre as consequências sociais e ambientaisda ciência. A expectativa de contribuiçãodistributiva da riqueza e poder exige outrosresultados para a pesquisa, e não apenas ageração de mercadorias direcionadas ao

crescimento de organizações privadas e vol-tadas para o lucro. Outra visão dos proces-sos econômicos também tem de ser postacomo referência, como uma economia soli-dária que viabiliza trocas solidárias e laçosmorais de reciprocidade (LIANZA, 2005;GODBOUT, 1999).

Essa é uma dimensão da ciência quenão pode apenas ser acrescida a seus produ-tos finais ou depois dos processos de pesqui-sa. Essa dimensão condiciona delineamen-tos experimentais, seus propósitos e até mes-mo possibilidades efetivas de sua incorpora-ção pelos mais diversos grupos humanos.Definições sobre o que pesquisar, para quempesquisar e o que fazer com os resultadossão definições para serem feitas a priori dainvestigação. Por isso, pode-se dizer que tan-to a ciência quanto a técnica e a tecnologiasão socialmente condicionadas, mesmo quenão se tenha clareza desse condicionamento.Ou seja, mesmo que essa dimensão esteja,ou não, explicitada ou consciente entre ospesquisadores, as interações de pesquisa eas interações transepistêmicas (que extrapo-lam o campo científico) têm sua compreensãodada pela mediação da linguagem, pelo diá-logo intersubjetivo, pelo sentido que é social-mente construído, justificado e legitimado.

3 Extensão rural: uma prática discursivae argumentativa

O profissional envolvido em ExtensãoRural atua em processos de intervenção socialmediados pela ciência, pela técnica ou pelatecnologia, os quais, muitas vezes, estão mar-cados por conflitos de interesses, objetivosdistintos, limitações e disponibilidades. Elesitua-se como mediador entre as necessidadessociais do grupo e as soluções apresentadaspelo mundo da ciência, sob a forma de novastécnicas ou tecnologias. Quando possibilida-des, interesses e valores dos envolvidos sãomúltiplos, as escolhas só serão democráticase participativas à medida que todos os inte-ressados tiverem a possibilidade de apropriardos conhecimentos necessários, identificadospor meio da manifestação de uma opiniãosua, que é, a princípio, inicial e provisória.Nessas condições, que podem ser pedagogi-camente criadas pelo extensionista, é quetorna possível o espaço da argumentação

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discursiva linguisticamente mediada, mesmoque institucionalmente delimitada.

Uma das maiores dificuldades na prá-tica desse profissional é justamente dosar oconhecimento formal que possui com o co-nhecimento (prático, cotidiano e não cientifi-camente justificado) de algumas populaçõescom as quais trabalha. A escolha entre possi-bilidades diferenciadas, quando feita emmeio ao debate e problematizações críticasnos quais todos participam com os mesmosdireitos e sem coerção, utiliza não só a razãoinstrumental dirigida a fins, mas também arazão comunicativa, em que é possível revernormas e valores que regem o mundo sociale subjetivo, como diria Habermas (2004).Dessa forma, a extensão rural torna-se umexercício de racionalidade comunicativa,com vistas na mudança sociotécnica do es-paço agrário.

O profissional que pretende intervir emrealidades alheias à sua, no meio de um jogode forças e interesses muitas vezes contradi-tórios, deve conhecer os encantos da tecno-logia sem, contudo, louvá-la ou ter aversãoa ela. A consciência de que escolhas implicamformas de vida, de sociabilidade e de repro-dução de condições ambientais favoráveis àprodução de alimentos é o que lhe habilitacom a competência técnica que sempre serátambém política. Sua condição é de agentede desenvolvimento que, no dia-a-dia de seutrabalho, orienta escolhas que implicammudanças que não se dão no vazio ou sãoneutras, pois estão situadas numa rede deinterações institucionais, além de geraremexpectativas futuras, ao que se deve ter aten-ção cuidadosa se houver preocupação éticacom suas consequências, tanto sociais quantoambientais.

No trabalho de Extensão Rural, pro-cessos sociais de tomadas de decisão no cam-po, quando se propõem participativos, pres-supõe-se que os participantes conheçam bemtodas as possibilidades em questão. Nessaperspectiva, a organização social de gruposprecede o acesso à informação, pois é ela éque torna possível, ou não, o estabelecimentode um processo comunicativo democrático,no qual todos tenham verdadeiramente con-dições semelhantes para argumentação e de-finição de verdades e consensos de propostasde desenvolvimento que levem em conta osimpactos socioambientais.

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Capital humano e crescimento econômicoThe human capital theory and the economic growth

La théorie du capital humain et la croissance économiqueLa teoría del capital humano y el crecimiento económico

Giomar Viana*Jandir Ferrera de Lima**

Recebido em 2/2/2010; revisado e aprovado em 28/4/2010; aceito em 17/6/2010

Resumo: Esse artigo faz uma revisão de literatura e analisa os principais elementos da teoria do capital humano,principalmente sua influência no crescimento econômico. Para a teoria do capital humano, a educação torna aspessoas mais produtivas, aumenta seus salários e influencia o progresso econômico. Além da análise dos possíveisbenefícios que a educação propicia ao sistema econômico e à sociedade como um todo, existem algumas restrições ousituações que podem inibir seu pleno desempenho. Dentre elas, há o diferencial existente entre quantidade e qualidadeda educação, uma vez que, mesmo com um possível aumento contínuo da educação, ela pode não refletir um nívelqualitativo suficiente para dinamizar a produtividade e o progresso econômico e social da população.Palavras-chaves: Capital humano. Desenvolvimento econômico. Educação.Abstract: This paper reviews the literature and discusses the main elements of human capital theory, especially itsinfluence on economic growth. For the human capital theory, the education makes people more productive increasingtheir salaries and influence on economic progress. Besides the analysis of the possible benefits that education brings tothe economic system and society as a whole, there are any restrictions or conditions that may inhibit their fullperformance. Among them, there is a difference between quantity and quality of education, since, even with a possibleincrease in continuous education; it may not reflect a sufficient quality to boost productivity and economic progressand social aspects of population.Key-words: Human capital. Economic development. Education.Résumé: Cet article fait une revision de la littérature et discute les principaux éléments de la théorie du capitalhumain, en particulier son influence sur la croissance économique. Pour la théorie du capital humain, l’éducation rendles gens plus productifs, en augmentant leurs salaires en train de stimuler le progrès économique. Malgré les avantageséventuels que l’éducation apporte au système économique et à la société dans son ensemble, il y a des restrictions oudes conditions qui mai inhibent leur plein rendement. Parmi eux, il y a une différence entre la quantité et la qualité del’éducation, car même avec une augmentation possible de l’éducation continue, il faut une qualité suffisante pourstimuler la productivité et le progrès économique et social de la population.Mots-clés: Capital humain. Développement économique. Éducation.Resumen: Este artículo revisa la literatura donde se analizan los principales elementos de la teoría del capitalhumano, especialmente su influencia en el crecimiento económico. Para la teoría del capital humano, la educaciónhace con que las personas sean más productivas, lo que aumenta sus ingresos y su influencia en el progresoeconómico. Además del análisis de los posibles beneficios que la educación aporta al sistema económico y la sociedaden su conjunto, existen restricciones o condiciones que pueden inhibir su desempeño. Entre ellos, hay una diferenciaentre la cantidad y calidad de la educación, ya que, incluso con un posible aumento de la formación continua, nopuede reflejar una calidad suficiente para impulsar la productividad y el progreso económico y social de la populación.Palabras clave: Capital humano. Desarrollo econômico. Educación.

* Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná(UNIOESTE)/Campus de Toledo. Agente administrativo da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).E-mail: [email protected]** Ph.D em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC). Professor Adjunto do Programa dePós Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio UNIOESTE/Campus de Toledo. Pesquisador doConselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPQ) do GEPEC/UNIOESTE. E-mail:[email protected].

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Introdução

O estudo da teoria do crescimento eco-nômico tem sido um dos principais desafiospara os teóricos da Ciência Econômica. Esseramo da ciência econômica busca entenderos principais fatores e mecanismos que deter-minam o crescimento econômico, procuran-

do justificar seu desequilíbrio entre países eregiões. Até meados da década de 1950, vá-rios estudos, influenciados pela economiaclássica, consideravam que o crescimentoestava em função dos fatores de produção(recursos naturais, capital e trabalho) exis-tentes em cada país ou região (SOLOW,1956). Porém, com a evolução dos estudos

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relacionados à teoria do crescimento econô-mico, notou-se a existência de certa incon-gruência nessa análise, uma vez que os rendi-mentos de alguns países eram desuniformesem relação ao capital físico.

Nesse sentido, com a publicação dosestudos de Mincer (1958), Schultz (1964) eBecker (1964), constatou-se que, além daatribuição do capital físico à teoria do cresci-mento econômico, havia outra variável im-plícita nos modelos estudados ainda não atri-buída a essa teoria: o capital humano. Paraesses estudos, a abordagem clássica dos mo-delos de crescimento econômico, que incor-porava os fatores de produção, era insufici-ente para explicar a elevação da produtivida-de e do crescimento que ocorria em algunspaíses e regiões.

Não obstante, várias evidências publi-cadas na literatura mais recente indicam for-te relação entre crescimento econômico e onível de capital humano existente em deter-minados espaços geográficos. Como exem-plo, podem-se citar alguns trabalhos empíri-cos realizados por Benhabib e Spiegel, (1994),Souza (1999), Martin e Herranz (2004), en-tre outros. Nesses estudos, o capital huma-no, dimensionado pelo nível de educação econhecimento da população, passa a seruma variável importante no conceito e nosmodelos de crescimento econômico, pois oaumento da produtividade da populaçãoestá relacionado não somente à acumulaçãode capital físico, mas também de capital hu-mano, que serviria de suporte paraminimizar os rendimentos decrescentesadvindos do capital físico. A educação, de-terminada pelo nível de qualificação da po-pulação, surge como alternativa para a re-dução das disparidades econômicas e ao for-talecimento das economias regionais, influ-enciando ganhos à população, elevando aprodutividade do capital humano e tambémo nível de produtividade do capital físico.Isso se deve à aplicação de novas técnicas enovas ferramentas de gestão, fazendo comque esse tipo de investimento diminua os cus-tos de produção, possibilite retornos crescen-tes no processo produtivo e estimule cadavez mais o crescimento da economia.

Assim, a análise da influência do capi-tal humano sobre o crescimento econômicopode ser estudada numa perspectiva econô-mica. A teoria do capital humano relata que

a educação torna as pessoas mais produti-vas, aumenta seus salários e influencia o pro-gresso econômico. Entretanto, essa teoria fazos seguintes questionamentos: qual a rela-ção existente entre crescimento econômico ecapital humano? Como mensurar o capitalhumano? Até que ponto o capital humanopode influenciar no desempenho de umaregião? Buscando responder a esses questio-namentos, será efetuada a revisão da litera-tura sobre a teoria do capital humano,elencando sua relação com o crescimentoeconômico, suas formas de distinção emensuração, sua relação com a educação,além das externalidades por ela geradas.

1 Fatores determinantes do crescimentoeconômico

A concepção dos fatores que determi-nam o crescimento econômico está enrai-zada nos estudos clássicos da economia, osquais justificam que os fatores de produçãocomo terra, (terras cultiváveis, urbanas e re-cursos naturais) capital (edificações, máqui-nas e equipamentos) e trabalho (faculdadesfísicas e intelectuais dos seres humanos) sãoos elementos básicos para a produção debens e serviços, gerando riquezas e influen-ciando o desempenho econômico. Por isso,Kliksberg (1999) classifica os fatores que de-terminam o crescimento econômico nos se-guintes tipos de capital: a) capital natural,constituído pelos recursos naturais existentesem cada país ou região, bem como a propor-ção de terras com boas condições de cultivo,extração vegetal e mineral, entre outros as-pectos; b) capital construído (capital físico), oqual inclui a infraestrutura, bens de capital,capital financeiro e comercial; c) capital hu-mano, caracterizado pelos níveis de nutrição,saúde e educação da população, além dosinvestimentos inseridos nessa área; d) capitalsocial, determinado pelo nível de associaçãoentre os indivíduos, estudado recentementecomo uma forma determinada do crescimen-to econômico, tanto de base local, quanto re-gional. Dentre tais variáveis, o autor ressal-ta que o capital humano e o capital socialtêm obtido participação majoritária no de-sempenho econômico-regional.

Posteriormente, Solow (1956) publicouum artigo analisando os fatores clássicos do

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crescimento econômico (estoque dos fatorescapital e trabalho). Nesse trabalho, o autordemonstra que um modelo de crescimentoeconômico poderia ser dividido em capital,trabalho e tecnologia, baseando-se na in-fluência da poupança, da depreciação e navariação populacional para explicar a varia-ção do crescimento da economia. Nessa li-nha, o crescimento econômico é determinadopor fatores exógenos, tais como o crescimentopopulacional e o progresso tecnológico. Noentanto, mesmo a variável tecnologia fazen-do parte do modelo, tal elemento não é expli-cado no modelo, deixando uma lacuna parainserção de inúmeras pesquisas sobre a ori-gem do progresso tecnológico das nações.Diante disso, inúmeros trabalhos surgiram,com o intuito de justificar a existência do pro-gresso técnico a partir do capital humano.Assim, o próximo tópico apresentará a rela-ção existente entre capital humano e cresci-mento econômico.

2 Capital humano e crescimentoeconômico

O precursor da teoria do capital huma-no foi Mincer (1958), que indicou a existên-cia de correlação entre o investimento paraa formação das pessoas (trabalhadores) e adistribuição de renda pessoal. Para o autor,era necessário decidir de forma individual eracional entre gastar tempo para obter novosconhecimentos e aplicá-los posteriormenteem atividades profissionais ou manter-se notrabalho sem novas formas de treinamentoe estudo de novos conhecimentos. Dessa for-ma, o autor conclui que a dispersão entre osrendimentos pessoais estava associada aovolume de investimento efetuado em capitalhumano, os quais impactariam na produti-vidade e no crescimento da economia.

De acordo com Schultz (1964), a quali-ficação e o aperfeiçoamento da população,advindos do investimento em educação, ele-variam a produtividade dos trabalhadores eos lucros dos capitalistas, impactando naeconomia como um todo. Diante disso, a in-clusão do capital humano nos modelos decrescimento econômico é uma questão chavepara se compreender a dinâmica da econo-mia no longo prazo, uma vez que, até então,esse fenômeno era explicado somente pelo

capital natural e capital construído existenteentre regiões e países.

Becker (1993), da mesma forma, alegaque o capital humano é um conjunto de ca-pacidades produtivas que uma pessoa podeadquirir, devido à acumulação de conheci-mentos gerais ou específicos, que podem serutilizados na produção de riqueza. Assim,sua principal preocupação é decorrente deque os indivíduos tomam a decisão de investirem educação, levando em conta seus custose benefícios, atribuindo, entre estes melho-res rendimentos, maior nível cultural e outrosbenefícios não-monetários. Desse modo, onível de capital humano de uma populaçãoinfluencia o sistema econômico de diversasformas, com o aumento da produtividade,dos lucros, do fornecimento de maiores co-nhecimentos e habilidades, e também por re-solver problemas e superar dificuldades re-gionais, contribuindo com a sociedade de for-ma individual e coletiva.

Essa ideia também é defendida porHirschman (1961), ao afirmar que uma dasjustificativas do crescimento ser desequilibra-do se dá em função de um progresso desigualem áreas específicas, tais como o setor educa-cional. Desse modo, o autor afirma que umadas alternativas para minimizar as dispari-dades regionais seria a realização de investi-mentos que produzissem efeitos positivos aocrescimento econômico, bem como no setoreducacional, ou seja, no capital humano.

Na contracorrente, alguns trabalhosevidenciam que não há relação associativaentre capital humano e crescimento econô-mico, como, por exemplo, o trabalho empí-rico desenvolvido por Pritchett (2001), queconsidera não haver correlação entre taisvariáveis. Essa afirmação é combatida a par-tir dos trabalhos efetuados por Lucas (1988),Romer (1986, 1989), Mankiw, Romer e Weil(1992), Bergheim (2005), e estudos brasilei-ros, como os de Pereira (2001), Ferreira,Nakabashi e Santos (2003), Nakabashi eFigueiredo (2008) e Kroth e Dias (2008), osquais avaliam os diferentes canais em que ocapital humano afeta o nível e a taxa de cres-cimento por trabalhador. Para Nakabashi eFigueiredo (2008), a divergência entre algunsautores está fundamentada em erros deespecificação dos modelos e, até mesmo, emrelação aos seus dados, os quais podem serpouco consistentes ou de baixa qualidade.

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A partir do Quadro 1, dimensiona-sea influência que o capital humano exercesobre o crescimento econômico, uma vez que,de quatro fatores positivos, três estão atrela-dos à teoria do capital humano. Dessa forma,ao partir do pressuposto de que o capital hu-mano, dimensionado pelo nível de educação,influencia significativamente no desempe-nho regional, considera-se que regiões quetêm populações com maiores níveis de edu-cação certamente terão maiores probabilida-des de prosperidade. Em contrapartida, re-giões com níveis inferiores tendem a ser maisestagnadas. Assim, o incentivo ao equilíbriodo capital humano entre as regiões diminuias disparidades econômico-regionais.

Para Almeida e Pereira (2000), amelhoria do nível de educação ou de habili-dades dos trabalhadores, adquiridas pormeio de treinamento ou de conhecimentosespecíficos, são fatores importantes para ocrescimento econômico. Para os autores, ainserção do capital humano no espaço geo-gráfico têm sido um dos principais métodos,politicamente utilizados, para a redução dapobreza e dos diferenciais de renda. Assim,além da redução das desigualdades sociais,o capital humano é um importante disposi-tivo para amenizar as disparidades regionais,homogeneizando o crescimento e o desenvol-vimento socioeconômico entre regiões.

2.1Distinção e mensuração do capitalhumano

Para Schultz (1973), há duas formasde se mensurar ou dimensionar o capitalhumano entre diferentes regiões: quantitati-va e qualitativa. A forma quantitativa ba-seia-se no número de pessoas. Por exemplo,sua proporção inserida na população econo-micamente ativa e no número de horas notrabalho. A forma qualitativa aborda aspec-tos como a capacitação técnica, os conheci-mentos e atributos específicos que afetam ashabilidades humanas e sua produtividade.

A partir dessa análise, Schultz (1973,p. 42-43) passa a utilizar um conjunto defatores para mensurar e compreender o pro-cesso de formação de capital humano, consi-derando cinco categorias de maior importân-cia: recursos relativos à saúde e serviços; trei-namento realizado no local do emprego; edu-cação formalmente organizada nos níveiselementar, secundário e de maior elevação;programas de estudos para os adultos; mi-gração de indivíduos e de famílias. Para me-dir o estoque de educação (capital humano),o autor leva em conta três aspectos: 1) Anosde escola completados, porém tal medida dei-xa de considerar o aspecto qualitativo daeducação; 2) anos escolares completados cons-tantes em um período de tempo, que leva emconta períodos de estudo das populações, emdiferentes momentos do tempo; 3) os custosde educação como medida, que leva em consi-deração as diferentes proporções de investi-mento em cada categoria de estudo, além deapresentar a diferente proporção de investi-mento per capita em cada região.

Outro exemplo da influência e da im-portância do capital humano para o cresci-mento econômico encontra-se no trabalhodesenvolvido por Gould e Ruffin (1993), que

apresentam duas categorias de indicadoresdo crescimento econômico, quais sejam: osefeitos alavancadores e os efeitos redutoresda atividade, detalhados no Quadro 1.

Alavancadores do crescimento Redutores do crescimento

Escolaridade Gastos do governo em consumo

Investimentos em educação Instabilidade social e política

Investimento em equipamentos Barreiras ao comércio

Nível de capital humano Socialismo

Quadro 1 – Determinantes do crescimento econômicoFonte: Gould e Ruffin (1993)

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Becker (1993), por sua vez, afirma queo capital humano de um indivíduo é forma-do pelos investimentos, com intuito de me-lhorar a sua habilidade produtiva e seu esto-que de conhecimentos adquiridos ao longodo tempo, especialmente pelo seu nível deescolarização, de aprendizado, entre outros.Dessa forma, o autor justifica a razão pelaqual esse capital é considerado como de cará-ter humano, uma vez que o fato de ser huma-no é devido à impossibilidade de separar doindivíduo o seu conhecimento, sua habilida-de, saúde e outras formas que podem definiresse tipo de capital. Entre os principais fato-res que integram o capital humano estão asaúde, a migração e, de forma especial, aeducação. Como exemplo, o autor refere-seaos diversos estudos e pesquisas empíricasquantitativas, que evidenciam a disparidadede rendimento entre pessoas mais qualifica-das e menos qualificadas, argumentando quea maioria dos estudos atribui ao capital hu-mano a explicação de grande parte do cres-cimento econômico de longo prazo de al-guns países ou regiões.

Corroborando com os apontamentosde Schultz e Becker, Blaug (1975) reitera quea economia da educação está atrelada nãosomente aos problemas de custeio e finan-ciamento das escolas, mas também a ques-tões como a migração dos trabalhadores,estrutura da força de trabalho, treinamentono próprio trabalho, formas de seleção epromoção dos empresários, distribuição darenda pessoal e da perspectiva de crescimen-to econômico.

Entre os indicadores mais utilizadospara se mensurar capital humano, estão amédia de escolaridade por região e faixaetária, o percentual da população que possuio nível primário, secundário, médio ou supe-rior e o número de matrículas por categoriade estudo. A exemplo disso, podem-se citaros trabalhos de Benhabid e Spiegel (1994) eSouza (1999), os quais mensuram a influên-cia que o capital humano exerce sobre a ati-vidade econômica, atribuindo-lhe um im-portante papel na análise das diferençasentre países e regiões. O próximo tópico dis-corre sobre a relação direta existente entrecapital humano e educação.

3 Capital humano e educação

De acordo com Schultz (1964), o inves-timento básico no ser humano se dá por meioda educação. Segundo o autor, as pessoasvalorizam as suas capacidades, tanto comoprodutores, quanto como consumidores, peloinvestimento que fazem em si mesmas. Sen-do a educação a melhor forma de se investirem capital humano, pois, enquanto o nívelde bens de produção tem declinado em rela-ção à renda, o capital humano tem aumenta-do. A caracterização da educação se dá pormeio do “ensino” e do “aprendizado”, sendoque seu significado decorre da extração dealgo potencial ou latente de uma pessoa,aperfeiçoando-a, moral e mentalmente, a fimde torná-la suscetível a escolhas individuaise sociais. Preparando-a para uma profissão,por meio de instrução sistemática e exerci-tando-a na formação de habilidades.

Diferente da educação, a instruçãodecorre de serviços educacionais ministradosem escolas primárias e secundárias, abran-gendo o esforço de aprender. Já a educaçãoé um conceito mais amplo, pois, além de pro-duzir a instrução, ela progride nos conheci-mentos, por meio da pesquisa. A instruçãopode produzir e causar benefícios no pre-sente ou no futuro, sendo que, no último caso,ela passa a ter característica de investimen-to, afetando tanto as futuras despesas quantoas futuras rendas, passando a assemelhar-se a investimento em outros bens de produ-ção. Sempre que a instrução, associada coma educação, eleva as rendas futuras, há umaampliação da produtividade, considerando-se como resultado do investimento em capi-tal humano (SCHULTZ, 1964). Blaug (1975)também ressalta o impacto que a educaçãoexerce sobre a economia, levando em contadiversos fatores, tais como: a influência nacomposição e utilização na força de trabalho;a distribuição de renda pessoal e poupança;e as formas e padrões de comércio internacio-nal, influenciando nas expectativas do cresci-mento econômico.

Blaug (1975), assim como Schultz, bus-ca mostrar os benefícios advindos da educa-ção, tomando como exemplo a variação nosrendimentos dos trabalhadores. Para ele, emtodas as economias, existem diferentes pro-porções de remunerações entre indivíduos

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da mesma idade com diferentes níveis deescolaridade. Mesmo diante dos possíveisbenefícios futuros advindos de um maiornível de educação, é importante ressaltar seucusto para adquiri-la. Segundo Schultz(1964), esse custo é o custo de oportunidade,ou seja, o custo de deixar de ser remuneradopor um período de tempo, além do seu pró-prio custo com a educação, para buscar no-vos conhecimentos e aumentar suas chancesde obter melhores resultados/rendimentosno futuro. Ainda é importante considerarque esse futuro é incerto, uma vez que nãose consegue obter precisão em sua previsão.

A educação é considerada de duas for-mas distintas: consumo, num primeiro mo-mento, pois, a curto prazo, sempre demanda-rá gastos para sua execução; e investimento,num segundo momento, devido à possibili-dade de elevar as rendas futuras dos estudan-tes, resultando em crescimento econômico.

Diante disso, pode-se compreender aimportância que o investimento em capitalhumano, especificamente na educação, exer-ce sobre a atividade econômica. Melhorandoseu nível de produtividade, amenizando asdiscrepâncias salariais, reduzindo as desi-gualdades econômicas e impactando no sis-tema econômico como um todo.

O próximo tópico discorre brevemen-te sobre alguns apontamentos levantados porSchultz, em relação ao valor econômico daeducação.

3.1O Valor econômico da educação

Para Schultz (1973), a investigação dovalor econômico da educação revela partessuplementares importantes do processo daacumulação do capital e crescimento, influ-enciando na sua mensuração e na possibili-dade de planejamento dos países para o seuprogresso econômico. Para analisar essaquestão, faz-se necessário entender se há al-gum benefício de crescimento aos paísesoriundos do investimento na educação. Nosestudos de Schultz (1973), são identificadaspesquisas que demonstram indícios de forteassociação entre nível de educação e aumen-to nos rendimentos individuais e nacionais.Esse nível de associação é a chave para equi-librar a distribuição da renda pessoal. Dessaforma, o investimento em educação seria

uma alternativa para a redução das desigual-dades econômicas.

Existe, ao longo do tempo, uma forteconexão entre investimento em capital hu-mano e o valor econômico do homem, umavez que, quanto mais investimentos em edu-cação, maior a tendência de elasticidade desua produtividade, refletindo em maioresrendimentos, maior eficiência, influencian-do na dinâmica e no desempenho do cresci-mento econômico nacional. O capital huma-no permite ao trabalhador obter rendimentose melhorar sua condição de vida.

Além disso, Schultz (1987) afirma queaumentos nas aptidões adquiridas pelas pes-soas no mundo inteiro e avanços em conheci-mentos úteis detêm a chave da futura produ-tividade econômica, bem como de suas con-tribuições ao bem-estar humano. Assim, oinvestimento em capital humano determinaas futuras perspectivas da humanidade, sen-do que os fatores decisivos de produção paraa melhoria do bem-estar das pessoas pobressão os avanços em seus conhecimentos. In-vestimentos na assistência à infância, expe-riência no lar e no trabalho, na aquisição deinformações e aptidões por meio do ensinoescolar, investimentos na saúde e na educa-ção melhoram significativamente as perspec-tivas econômicas e o bem-estar das pessoaspobres, impactando numa melhor condiçãode vida para toda a população.

Para Schultz (1987), para que ocorraa dinâmica do desenvolvimento econômico,faz-se necessária a existência de aptidõeshumanas, pois uma economia dinâmica sópode ser lançada e sustentada por meio doesforço humano, a partir de todos os níveissociais que apresentem tanto as aprendiza-gens convencionais, quanto aptidões maisaperfeiçoadas, decifrando problemas e elimi-nando erros de novos processos.

A partir do pressuposto de que o capi-tal humano é representado pelo nível de edu-cação de uma sociedade, influenciando di-reta ou indiretamente no crescimento eco-nômico de uma região, também se pode di-mensionar seus benefícios ou externalidadesgerados para a sua população. A educaçãoé vista não somente como um determinantedo crescimento e progresso econômico, mastambém como um dinamizador de externali-dades positivas para a sociedade, pois ala-

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vanca maior consciência ao indivíduo, sejade caráter político, ético, moral ou social,minimizando fatores de risco à população eproporcionando maior bem-estar coletivo.

Para Becker (1993), é mais fácil quan-tificar o lado monetário, bem como os resul-tados ou benefícios advindos do capital hu-mano. Porém há outros aspectos a conside-rar, pois a educação promove resultadospositivos na área da saúde, por exemplo, umavez que indivíduos mais conscientes tendema desenvolver atividades de prevenção adoenças. Há, também, resultados positivosno nível de democracia da sociedade, fazendocom que os indivíduos interajam de formamais consciente com seus governantes, maiorconhecimento de políticas de controle de nata-lidade. Enfim, a educação propicia resultadospositivos tanto no contexto econômico (bene-fícios monetários), quanto no político, sociale cultural, (não-monetários).

Para Barros, Henriques e Mendonça(1997), o impacto de investimentos na edu-cação não influencia apenas aqueles que seeducam, mas também aqueles que os rodei-am, pois impacta na produtividade, aumentaa expectativa de vida das pessoas, devido àmaior disponibilidade de recursos, além de,possivelmente, fazer com que os indivíduosreduzam o número de filhos, aumentando aqualidade de vida e reduzindo a pobreza nofuturo. A exemplo disso, os autores apresen-tam alguns exemplos da influência da educa-ção em diversos aspectos, como na mortali-dade infantil, a partir dos estudos de Barrose Sawyer (1993), na fecundidade, comoapontam Lam e Dureya (1995), e nossalários, conforme pesquisa de Barros eMendonça (1996).

Diante desses apontamentos, torna-sepossível perceber que a educação pode ofere-cer externalidades positivas diretas e indire-tas na economia. A externalidade direta re-fere-se aos melhores rendimentos do indiví-duo, proporcionando, num caráter coletivo,maior crescimento econômico. Enquanto aexternalidade indireta pode vir a proporcio-nar maior equidade e justiça social.

Além da análise dos possíveis benefí-cios que a educação propicia ao sistema eco-nômico e à sociedade como um todo, existemalgumas restrições ou situações que podeminibir seu pleno desempenho. Entre elas, há

o diferencial existente entre quantidade equalidade, uma vez que, mesmo com um pos-sível aumento contínuo da educação, podeser que esta não esteja refletindo num nívelqualitativo suficiente para dinamizar a pro-dutividade e o progresso econômico-socialna população.

Assim, a teoria do capital humano pre-cisa estar atrelada a outros fatores, que pro-piciem um efeito multiplicador positivo nosistema socioeconômico, tornando-se um ele-mento quantitativo e qualitativo. Mesmo as-sim, o capital humano no Brasil tem sido ofator preponderante para o crescimento doProduto Interno Bruto entre os EstadosBrasileiros (IPEA, 2006).

4 Críticas à teoria do capital humano

De acordo com Schultz (1973), diver-sos autores são contrários à sua teoria, poisconsideram desaconselhável tratar o homemcomo capital humano, aplicando conceitosde investimento e de capital, sendo que, paraeles, esta é uma atitude moralmente errada.

A exemplo disso, há os estudos de Sen(1999) que menciona que a Economia doBem-Estar fundada na moral utilitária com-bina uma fase informacional pobre, umaanálise estreita do comportamento humanoe uma falta de distinção entre os meios e osfins, bem como da relação entre eles. Nessecaso, as análises de desenvolvimento econô-mico feitas sob essa ótica não distinguem osmeios (instrumentos para o bem-estar) dos di-ferentes fins humanos (elementos constitu-tivos do bem-estar), refletindo uma racionali-dade técnico-econômica comprometida coma importância instrumental das diversasanálises, exemplificando uma das alternati-vas para resolver os problemas econômicos.

Sen (1997) enfatiza o equívoco de en-tender o desenvolvimento da educação ouda saúde, por exemplo, como somente umaforma de tornar as pessoas mais produtivas,considerando somente a melhoria dos recur-sos humanos, levando em conta que as pes-soas são apenas os meios de produção e des-considerando que elas são os fins últimos doprocesso de melhoria na educação e saúde.Nesse caso o autor considera que o melhora-mento em variáveis como educação e saúdenão é apenas uma forma de geração do

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crescimento econômico (valor instrumental),mas também um elemento constitutivo dascapacitações das pessoas (valor intrínsico).

Diante disso, Sen (2000) caracteriza adiferença entre o capital humano e a capaci-tação humana, apresentando a distinção devalor que se relaciona com a diferença entreos meios e os fins humanos, pois para o au-tor, o uso do conceito de “capital humano”,por representar um alargamento na consi-deração dos recursos produtivos, é certa-mente enriquecedor. No entanto, os seres hu-manos não são meramente meios, mas o fimdo exercício.

Essa análise também é exposta porCrawford (1994) e Pereira (2001), quandomencionam que a principal crítica à teoriado capital humano decorre da recusa de tra-tar o homem como “capital”, uma vez quetal argumento contraria questões éticas emorais aos seres humanos. No entanto, esseparadigma começa a ser desconsiderado, apartir da década de 1960, principalmente emfunção dos trabalhos realizados porTheodore Schultz.

Assim, entre as diversas críticas sobreessa teoria, as principais consideram-na sobduas formas: a primeira seria que a educa-ção significa somente uma forma de qualifi-cação da mão-de-obra para inserção no mer-cado de trabalho, servindo como uma ferra-menta para aproveitar o excedente do tra-balhador ao sistema capitalista; a outra con-sidera que existem outros fatores que influen-ciam na renda dos indivíduos, além da esco-laridade, como sua própria inteligência indi-vidual, seu nível social e, até mesmo, asegmentação dos mercados (LIMA, 1980;ALMEIDA e PEREIRA, 2000).

Becker (1993) menciona que, mesmohavendo diversas pesquisas que evidenciamas contribuições positivas do capital humanoao indivíduo e à população, alguns autoresargumentam que a teoria do capital humanonão é concisa, uma vez que essa forma decapital também é um mecanismo de explora-ção do trabalho pelo capital. Assim, os deten-tores do capital “físico” e “financeiro” utili-zariam esse outro tipo de capital “humano”como mais uma alternativa de exploraçãoda mão-de-obra trabalhadora, fazendo comque o capital humano seja somente umaferramenta de manipulação do conhecimen-

to a favor do capital.Existem ainda outras teorias que dis-

cutem o capital humano como uma formade selecionar os indivíduos, pouco contribu-indo para a redução das desigualdades socio-econômicas e para o aumento dos rendimen-tos pessoais como um todo. A exemplo disso,pode-se citar a teoria da socialização, dasegmentação, a teoria credencialista (ScreeningHipothesis), e a teoria do “filtro”. ParaAlmeida e Pereira (2000), a teoria da sociali-zação pressupõe que as pessoas sejam socia-lizadas, principalmente, na escola, com in-tuito de que sejam trabalhadoras e se com-portem de maneira conformada, estandosempre dispostas a aceitar e cumprir ordens,sendo pontuais e sabendo os momentos defalar e de se calar. Em contraposição, outraspessoas são educadas com intuito de se tor-narem independentes e criativas, a fim detomarem decisões adequadas diante dos pro-blemas propostos. Essa teoria pressupõe quea educação prepararia as pessoas dediferentes origens para exercer papéis dis-tintos na vida, sendo as escolas uma formade agência da socialização.

Já em relação à teoria da segmentação,Sadeck Filho (2001) comenta que ela podeser observada a partir de dois indivíduos di-ferentes, em que ambos possuem as mesmascaracterísticas em relação à sua escolarida-de, produtividade e até mesmo o tempo deserviço, mas que, mesmo assim, recebem sa-lários diferentes. Tal situação é baseada emdiversas variáveis associadas à análise daestrutura no mercado de trabalho, podendoocorrer no setor público ou no privado. Oautor considera que a teoria credencialistaapenas mantém a divisão de classes já exis-tentes na sociedade, não contribuindo paraa redução das disparidades de renda, massim para sua continuidade. Para Lima(1980), as escolas selecionam estudantes eoferecem a eles credenciais que facilitam otrabalho dos empregadores, no momento daescolha de seus empregados. Nesse sentido,a educação seria considerada como um ins-trumento de seleção dos trabalhadores, deacordo com seu nível de escolaridade, quedirecionaria o tipo de trabalho mais apro-priado e adequado ao seu nível de educação.O diploma seria apenas uma credencial.

Para Almeida e Pereira (2000), a teoria

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145ACapital humano e crescimento econômico

credencialista abrange dois grupos princi-pais: o primeiro considera que a única fun-ção da escola é “selecionar” estudantes, deacordo com sua origem familiar, seu statussocioeconômico e outras características indi-viduais, não ocorrendo socialização alguma.Já o segundo grupo considera que as escolasselecionam, mas também socializam, sendoque os estudantes seriam selecionados deacordo com sua origem familiar e statussocioeconômico, adquirindo experiência etornando-se socializados em um determina-do tipo de atividade futura, de acordo comsuas características.

De acordo com Almeida e Pereira(2000), os marxistas, críticos da teoria docapital humano, concordam que o aumentoda escolarização contribui para elevar a pro-dutividade no trabalho, mas não por propor-cionar novos conhecimentos e habilidades.Isso se deve a três fatores: a) fornecer creden-ciais, situação que facilitaria a supervisãoautoritária, já que a escola moldaria o indiví-duo para a disciplina, tornando-o mais pre-parado para desenvolver as atividades, deacordo com as normas do sistema capitalista;b) a escolarização aumentaria o leque deopções do empregador para a escolha de seusempregados; c) o indivíduo com maior graude escolaridade, ao receber um maior nívelde remuneração, estaria segmentado, deacordo com sua renda e status, fato que im-pediria a formação de coalizões, de trabalha-dores contra o sistema capitalista.

A existência do credencialismo é corro-borada por Becker (1993), quando mencionaque o credencialismo, obviamente, existe.Mas, mesmo assim, poucas evidências apre-sentam de que não há associação positivaentre rendimentos e escolaridade. Para ele,o principal problema do credencialismo é odesinteresse das empresas no desempenhoescolar dos indivíduos, privilegiando apenasas habilidades específicas e seu desempenhona vida profissional, como agradar clientes,relacionamento entre colegas, entre outrasquestões.

A partir da teoria do credencialismo,surge a Teoria do Sinal e a Teoria do Filtro,frutos da identificação de várias inconsistên-cias nos diversos trabalhos, que tinham porobjetivo calcular as taxas de retorno de inves-timento em capital humano, tanto de formaindividual, quanto coletiva (ALVES, 2005).

A teoria da sinalização evidenciou quea expansão da escolarização não teria, neces-sariamente, um impacto sobre os diferenciaisde renda, mas sim passaria a elevar o nívelde exigência das empresas, em sua contrata-ção. Nesse caso, uma pessoa teria que estu-dar mais para obter o mesmo salário que seupai recebia num período anterior, exercen-do a mesma atividade. Desse modo, o maiornível de escolaridade não teria a finalidadeespecífica de aumentar seu nível de renda,mas sim mantê-la na mesma proporção emque ocorria em períodos anteriores(WALTENBERG, 2002).

Já a teoria do filtro considera que ahabilidade dos indivíduos pode ser incremen-tada pelo treinamento dentro das própriasempresas, sendo que o fundamental seriaidentificar no indivíduo seu nível potencialde habilidade que pudesse ser desenvolvido.Diante disso, a correlação existente entrenível de escolaridade e salários é somente oreflexo de uma relação mais sutil entre esco-laridade e atributos produtivos pouco obser-váveis em um indivíduo. A teoria do filtropassa a ser um sinalizador, ao mercado detrabalho, de que o indivíduo possui certo po-tencial produtivo. Nesse caso, o diploma se-ria um filtro para possíveis ocupações a queele teria possibilidade de progredir(WALTENBERG, 2002).

A partir desses pressupostos, Alves(2005) afirma que essas duas teorias tentamresponder a dois pontos específicos: umadelas defende que outros aspectos, ineren-tes ao nível de escolaridade, interferem naescolha entre indivíduos; a outra, postulaque o desempenho profissional não depen-de, única e exclusivamente da formação aca-dêmica.

Além desses trabalhos, é importanteelencar a contribuição crítica à teoria do ca-pital humano, efetuada por Rossi (1978).Para o autor, a educação tem sido utilizadacomo um meio que privilegia o progressoeconômico e social, somente para alguns in-divíduos da sociedade. Na visão do autor,não é na educação que se encontrará a solu-ção para os problemas da desigualdade emiséria, já que esse mecanismo não altera adistribuição da riqueza e da renda nem asclasses sociais. Pois, da mesma forma esta-belecida, os trabalhadores continuam sendo

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trabalhadores, e os capitalistas permanecemsendo capitalistas. Assim, mesmo aumentan-do a capacidade produtiva do trabalhador,seu excedente gerado valorizaria o “capital”e não o “capital humano”, já que agregariavalor aos meios de produção cada vez maisaperfeiçoados e eficientes, e que estão empoder do capitalista.

Com as críticas apresentadas à teoriado capital humano, observa-se que, mesmoatribuindo pontos negativos em relação àteoria, credenciando ou filtrando alguns indi-víduos em situações distintas, admite-se aexistência de indícios de que o capital huma-no, dimensionado pela educação, num con-texto específico, é um importante meio deampliação do conhecimento e da capacida-de produtiva do trabalhador. E, num con-texto amplo, é uma ferramenta para se am-pliar a produtividade econômica.

Assim, há fortes evidências de que aeducação é um meio de contribuição muitoeficaz, no sentido de preparar trabalhado-res para a estrutura de trabalho, melhoran-do seus conhecimentos e suas habilidades, afim de gerar maiores lucros e retornos. Noentanto, deve-se considerar, também, os múl-tiplos benefícios do capital humano tanto doponto de vista empresarial quanto do traba-lhador, uma vez que ele possibilitará vanta-gens para ambos.

Entre a maioria dos autores existe oconsenso de que quanto maior o nível de es-colaridade maior a tendência de se elevaremos rendimentos individuais e, por conse-quência, o crescimento econômico. Contudo,é prudente atentar para a tendência de setomar os benefícios individuais da educaçãoe extrapolá-los para toda a sociedade. Talideia é denominada, segundo o IPEA (2006),de “falácia da composição”, caracterizandoque o que é verdade para um indivíduo, porexemplo, um maior nível de educação refle-tir-se em maior renda, pode não ser real paratodos os indivíduos da sociedade, uma vezque nem todos estão inseridos no mesmocenário econômico-social. Cabe lembrar que,num contexto geral, as pesquisas empíricasevidenciam que quanto maior o nível de edu-cação de um grupo, ou região, maior temsido o seu Produto Interno Bruto (PIB).

Diante do cenário ora apresentado, ob-serva-se que, mesmo não havendo consenso

entre os estudiosos e críticos da teoria docapital humano, concorda-se que o nível decapital humano existente em um país ou re-gião exerce grande influência na sociedade,criando condições para um ambientefavorável ao crescimento e ao progresso eco-nômico.

Conclusão

Essa pesquisa teve por objetivo anali-sar a influência do capital humano no cres-cimento econômico, bem como a possibili-dade de utilizá-lo como uma alternativa nadesconcentração desse crescimento.

A ideia de investir em capital humanoparte do princípio que uma força de trabalhoinstruída, com qualidade de vida, com acessoaos serviços sociais básicos e plena cidadaniaserá mais produtiva e eficaz nas suas ativi-dades. Ou seja, a teoria do capital humanocomplementa a ideia da divisão social do tra-balho como instrumento de qualificação eespecialização do trabalhador no processoprodutivo. Porém, os ganhos de produtivi-dade da divisão social do trabalho têm umlimite, que só pode ser vencido via investi-mentos na população, que vão desde sua qua-lificação profissional até seu bem estar social.Tanto que as regiões cujo investimento emeducação, saúde e acesso à alimentação sãomais significativos tendem a auferir ganhosde produtividade ao longo do tempo. Alémdisso, se não houver incentivo ao equilíbriodo capital humano entre as regiões, haveráuma continuidade das disparidades econô-mico-regionais.

Outro aspecto importante a salientarsobre a teoria do capital humano é seu cará-ter endógeno. Enquanto os modelos de cres-cimento econômico neoclássicos viam as va-riações no estoque dos fatores de produção(capital e trabalho) como o único instrumen-to capaz de mover a economia, a teoria docapital humano vai bem mais além, pois oprogresso tecnológico em muito depende daqualificação profissional e do nível de ins-trução da população. Nesse sentido, a variá-vel tecnologia por si só não aufere ganhos sea capacidade humana de gerenciar o usodessa tecnologia e inovar não estiver sendoutilizada. Paralelo ao empreendedorismo, acapacidade de inovar com as novas

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147ACapital humano e crescimento econômico

tecnologias e usá-las de forma adequada noprocesso produtivo tem maiores chances deêxito quando o elemento humano está bempreparado e qualificado.

Se a remuneração dos fatores de pro-dução ocorre de acordo com a sua contribui-ção ao processo produtivo, então a dispersãoentre os rendimentos pessoais esta associadaao volume de investimento efetuado em ca-pital humano, os quais impactariam na pro-dutividade e no crescimento da economia.Ou seja, se de um lado os investimentos emcapital humano contribuem para acumula-ção de capital, de outro, eles melhoram asrendas pessoais dos trabalhadores via gan-hos de produtividade. Essa melhoria de ren-da tem um efeito sobre todo o processoprodutivo, pois impactará nos ramos de ati-vidade que têm ligação direta com o merca-do interno. Nesse sentido, os investimentosem capital humano feitos pelo estado e pe-las empresas geram, a longo-prazo, bem es-tar social, não só para a força de trabalho,quanto para a sociedade de um modo geral.

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Procesos de innovación regional en la Región de Los Lagos: un análisis a través dela proximidad geográfica y organizacional de sus actores

Processos de inovação regional no distrito do Los Lagos: uma análise pelaproximidade geográfica e os atores organizacionais

Regional innovation processes in the Region of the Lakes: an analysis throughgeographical proximity and organizational actor

Les processus d’innovation territoriale dans la región de Los Lagos: une analyse à travers laproximité géographique et organisationnelle de ses acteurs

Guillermo Díaz L.

Recebido em 10/9/2009; revisado e aprovado em 25/10/2009; aceito em 20/12/2009

Resumen: La innovación y el desarrollo tecnológico surgen hoy como elementos claves para el desarrollo de países yterritorios. Bajo este contexto la proximidad geográfica y organizacional aparecen como factores que facilitan lainteracción y la transferencia de conocimiento aplicado entre actores privados, públicos y tecnológicos en un territorio.Este marco de análisis se traslada a una región de Chile, donde se han explorado la presencia y comportamiento deestas proximidades, y la manera cómo sus actores perciben su utilidad para el desarrollo de innovaciones a nivelregional.Palabras clave: Territorio. Innovación. Proximidad.Resumo: Inovação e desenvolvimento tecnológico que emerge agora como elementos-chave para os países eterritórios. Neste contexto, a proximidade geográfica e os fatores organizacionais que surgem para facilitar a interaçãoe transferência de conhecimento aplicado entre os atores públicos, privados e tecnologia na área. Este quadro deanálise de movimentos a uma região do Chile, que têm explorado a presença eo comportamento dessas nasproximidades, ea forma como os atores percebem a sua utilidade para futuros desenvolvimentos a nível regional.Palavras-chave: Território. Inovação. Proximidade.Abstract: The innovation and the technological development arise today as key elements for the development ofcountries and territories. Under this context the geographical proximity and organizacional appear as factors thatfacilitate the interaction and the transfer of knowledge applied between private, public and technological actors in aterritory. This frame of analysis moves to a region of Chile, where there have been explored the presence and behaviorof these proximities, and the way how your actors perceive your usefulness for the development of innovations toregional level.Key-words: Territory. Innovation. Proximity.Résumé: L’innovation et le développement technologique émergent comme des éléments clés pour le développementdes pays et des territoires. Dans ce contexte, la proximité géographique et organisationnelle apparaissent comme desfacteurs qui facilitent l’interaction et le transfert des connaissances appliquées entre les acteurs privés, publics ettechnologiques dans un territoire. Cette analyse se déplace vers une région du Chili qui a exploré la présence et lecomportement de ces proximités, et la façon dont les acteurs perçoivent leur utilité pour le développement d’innovationsau niveau régional.Mots-clés: Territoire. Innovation. Proximité.

* Centro de Estudios del Desarrollo Local y Regional. Universidad de Los Lagos, Chile.

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 11, n. 2 p. 149-159, jul./dez. 2010.

Introducción

La innovación junto al desarrollotecnológico, han surgido como uno los facto-res desencadenantes de progreso económicoen países y territorios. El aumento deinversiones en I+D y la generación de recur-so humano con alta calificación, son uno delos esfuerzos principales que hoy en día es-tados nacionales y subnacionales – comotambién el sector privado -, implementan ensus políticas y estrategias para lograr eldesarrollo de entornos y economías más

competitivas (SOARES, 2003). Sin embargo,estas acciones también deben ir sustentadasen un territorio que cuente con dinámicas,interacciones y relaciones favorables para eldesencadenamiento y difusión de lasinnovaciones (MÉNDEZ, 2002). Bajo estecontexto, asumen una gran importancia losdistintos niveles de proximidad que puedenpermitir de forma efectiva una mayortransferencia de conocimiento tecnológico yla generación de procesos de innovación enun territorio, a través de las interaccionesentre los distintos actores y agentes

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regionales (KEUNE, 2004). En este ámbito,surgen contribuciones sobre las múltiplesventajas de la existencia de relacionescomerciales, tecnológicas e institucionales enun espacio geográfico determinado, ya quela proximidad puede fomentar iniciativasproductivas e innovadoras (BUNNELL;COE; 2001). Es así, que los actores e institu-ciones regionales asumen un rol protagónicoal momento de facilitar o entorpecer latransmisión de conocimiento, ya que son elloslos creadores y captadores de este capital(RUTHERFORD, 2008) en una región,ciudad o cualquier espacio funcional dondeinteractúen agentes que faciliten el desarrolloy difusión de innovaciones. Por lo tanto, nosólo basta analizar la tradicional cercaníageográfica entre actores, recursos einfraestructura, sino también estudiaraquellas proximidades más intangibles queen base a datos empíricos, pueden ser inclu-so más efectivas para la transferencia deconocimiento e información, que simple-mente la proximidad física o geográfica(STERNBERG, 1999) . En definitiva, laproximidad es un factor crucial en la efecti-vidad de las interrelaciones y la densidad delos flujos de conocimiento (VENCE, 2007).No obstante lo anterior, es también parte dela discusión de qué forma ciertas variables ocondiciones son relevantes o deben estar pre-sentes al momento de generar procesos deinnovación en un territorio determinado. Deesta forma surgen preguntas, ¿Es importantela proximidad geográfica a la hora de facili-tar procesos de innovación?, ¿Los hábitos decooperación e interrelación entre actores –para el intercambio de información estraté-gica –, están presentes en la región de estudio,como elementos facilitadores para lageneración de innovaciones en el territorio?,¿Qué importancia cumplen los distintos ni-veles territoriales al momento de fomentar oinfluir en el fomento de innovaciones en laregión de estudio? ¿Surgen las cercaníasorganizacionales como un factor facilitadorpara el desarrollo tecnológico e innovadorde un territorio?

El objetivo de este documento es anali-zar el concepto de proximidad desde unaperspectiva geográfica, y también, incorpo-rando en el análisis otro factor que facilita lainteracción e intercambio de conocimiento e

innovación, como es la proximidad organiza-cional, en la Región de Los Lagos, Chile. Porlo tanto, este análisis abordará las formas detransferencia de conocimiento utilizados porlos actores regionales, las rutinas o hábitosde cooperación e interrelación para eldesarrollo de innovaciones entre institucio-nes y actores, y la presencia de los distintosniveles territoriales en los procesos de inno-vación en la región.

El territorio en estudio, es una de las15 regiones del país; durante la última déca-da se ha caracterizado por sus altos nivelesde competitividad, siendo una de las regio-nes más emergentes en base a indicadoressociales y económicos a nivel nacional.

Para este análisis se han utilizado fuen-tes secundarias (informes oficiales, memoriasinstitucionales, bases de datos, etc.) y fuentesprimarias a través de la participación de cin-cuenta y ocho representantes de institucionesgremiales y empresariales, agentes de insti-tuciones públicas y tecnológicas de la región,representando a los sectores más importantesde la economía regional. Se pretende por lotanto, identificar maneras, acciones y tam-bién elucidar prácticas, hábitos y costumbrespresentes o ausentes en la región de estudio,que generan desencadenamiento de conoci-miento y desarrollo tecnológico a través dela proximidad de sus actores. Para ello se rea-liza en la Región de Los Lagos, Chile, un aná-lisis en base a diversos representantes priva-dos, públicos y tecnológicos con el fin de de-tectar acciones y variables que fomentan uobstaculizan el desarrollo de proximidadesgeográficas y organizacionales, relevantespara la generación de conocimiento e inno-vación a nivel territorial.

1 La proximidad y su relevancia para eldesarrollo de innovaciones a nivelterritorial

En las últimas décadas se han investi-gado con mayor profundidad los procesosde innovación a nivel nacional y territorial,donde la información y el conocimiento setornan claves para el desarrollo de países yregiones (BOREA, 2006). Destacan losestudios que focalizaban el análisis de lossistemas de innovación a una escala nacio-nal (LUNDAVALL, 1992), explorando y

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151Procesos de innovación regional en la Región de Los Lagos: un análisis a través de laproximidad geográfica y organizacional de sus actores

analizando diversas variables y factores dedesarrollo determinados por la tecnología yla innovación. Sin embargo, en el últimotiempo han emergido investigaciones argu-mentando que en el territorio, en las regiones,en las ciudades, es donde se pueden encon-trar con mayor facilidad – para su análisis eintervención –, aquellos factores, actores yvariables determinantes para el desarrollocientífico e innovador (GELSING, 1992).¿Por qué? Porque, los territorios difieren conrespecto a sus modelos de especializaciónindustrial y su función innovadora, por lotanto hay una mayor facilidad para realizarmiradas más acotadas y vinculadas con lasrealidades socioeconómicas del territorio.También, se ha demostrado que los derrama-mientos de conocimientos (spillovers) – loscuales juegan un rol importante en los proce-sos de innovación –, están habitualmente de-limitados en términos espaciales; es decir,una de los factores que facilitan y fomentael intercambio de información estratégica yprácticas tecnológicas es la cercanía entre losdifusores y receptores de dichos conocimien-tos (KOSCHATZKY, 2000). Por último, laimportancia del conocimiento tácito es unade las dinámicas más efectivas para eldesarrollo y difusión de la innovación, estoquiere decir que el intercambio de conoci-miento requiere contactos personales perma-nentes los cuales son facilitados – entre otras– por la proximidad geográfica (HUGGINS,2008).

Bajo este contexto, toma importanciala proximidad como un elemento clave parael desarrollo de innovaciones en un territorio(TIJSEN, 1998). En particular, se consideradecisivo el papel de la proximidad en la crea-ción y difusión de la innovación, consideradahoy, como un proceso interactivo de apren-dizaje en el que participan las empresas y lainfraestructura de la ciencia básica, las dife-rentes funciones dentro de la empresa, losproductores y usuarios a nivel ínter empre-sarial, y las empresas en relación con unmedio institucional más amplio (SALOM,2005). La proximidad facilita las relaciones“face to face” que permiten una conducciónmás efectiva de un proceso de aprendizaje.También, la información con un alto compo-nente innovador es adquirida a través de pro-cesos interactivos, con el fin de asegurar una

comunicación fluida y permanente, siendoésta geográfica o virtual (KIRAT, 1999).

Dentro de la literatura el rol e impor-tancia de la proximidad tiene distintas impli-cancias (BOSCHMA, 2005). Primero, estárelacionada con los beneficios generados porlas fuerzas de aglomeración espacial. Laseconomías de aglomeración proveen de em-presas que están involucradas en un apren-dizaje interactivo con una masa crítica deinputs y outputs, que son aprovechados parasu uso y posibles interacciones entre ellas(JORDÁ, 2005). Las fuerzas de aglomera-ción, determinan el comportamiento de lasempresas e instituciones respecto a prácticasentre proveedores y clientes locales, compar-tir infraestructuras y otras externalidades.Segundo, la proximidad está relacionada conlos costos de transacción. Indudablemente,una mayor proximidad física, se traduce enun menor costo en el intercambio y transfe-rencia de información y conocimiento. Deesta manera la proximidad aumenta la rapi-dez de comunicación entre empresas y redu-ce sus costos (CAPELLO, 2005). Tercero, lainnovación territorial también depende deltipo de relaciones que existen entre las dife-rentes instituciones u organismos responsa-bles de impulsar innovaciones a nivel regio-nal, la denominada proximidad organizacio-nal. Esta dependerá de la capacidad de lasinstituciones para difundir y absorber cienciay tecnología, tanto dentro, como fuera de lasrespectivas organizaciones (LEYDESDORFF,2006). Y por último, el rol de la variable geo-gráfica también, es relevante en los procesosde proximidad que facilitan el desarrollo deprocesos innovadores. La proximidad geográ-fica, demuestra que las interacciones y latransferencia de conocimiento entre agentesse facilitan al concentrarse en un espaciogeográfico determinado. Además, ocurre quedichas zonas son receptoras de recursos pú-blicos y privados para el desarrollo de pro-gramas e instrumentos orientados a innova-ciones en el territorio, lo que permite un su-puesto orden en la distribución y asignaciónde los recursos en una zona específica(TKACHUK, 2005).

Por lo anterior, se puede afirmar quela proximidad, no sólo es importante poruna dimensión geográfica, sino también elgrado en el cual las realidades económicas,

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organizacionales, relacionales y sociales, soncompartidas y comprendidas por los actoresque participan en procesos de innovaciónterritorial (COOKE, 2003). Si estas realidadesse comparten y conviven, deberán aportarpara que en el territorio se desarrollen fuertesrelaciones de cooperación, frecuentereciprocidad de información y transferenciade insumos y resultados tecnológicos, susten-tado en una “atmósfera” de aprendizajehorizontal y colaborativo.

2 Desarrollo de proximidades para lainnovación en la Región de Los Lagos

La Región de Los Lagos es una de lasquince regiones en las que se encuentra divi-dido Chile. Limita al norte con la Región deLos Ríos, al sur con la Región de Aysén delGeneral Carlos Ibáñez del Campo, al estecon la República Argentina y al oeste con elOcéano Pacífico. Cuenta con una superficiede 48.583,6 km² y una población estimadaal año 2008 de 794.529 habitantes. Susprincipales sectores productivos son laacuicultura, silvoagropecuario y servicios,éste último vinculado preferentemente alturismo.

El presente análisis se sustenta en larecopilación y análisis de fuentes secundarias(memorias institucionales, informes oficiales,bases de datos, documentos de trabajos, pu-blicaciones científicas) y primarias, a travésde la aplicación de 58 cuestionarios a repre-sentantes de empresas, instituciones públicasy centros tecnológicos. Respecto al sector pri-vado los representantes que participaron enesta investigación están vinculados a lasáreas productivas más relevantes de laregión: pesca, agropecuario y forestal. Delsector público se acudió a representantes deinstituciones que lideran y/o coordinan di-versas políticas públicas orientadas al de-sarrollo de la ciencia, tecnología e innovaciónen la región de estudio. Finalmente, el sectortecnológico fue abordado a través de laparticipación de representantes de institutosde investigación, centros tecnológicos y uni-versidades con presencia en la región.

2.1Proximidad organizacional: bajaconexión entre instituciones para elfomento de innovaciones

Una de las formas de transferir conoci-miento y desencadenar procesos de innova-ción a nivel territorial, es a través del de-sarrollo de la proximidad organizacional, en-tendida como aquella relación entre organi-zaciones que se suministran información yconocimiento para desarrollar innovación ensus respectivas instituciones y entornos(SALOM, 2005). Por lo tanto, es de utilidadexplorar los orígenes de las innovaciones,grados de cooperación y coordinación entreactores para la transmisión de conocimiento.

Uno de las formas de analizar este tipode proximidad es a través del origen de losprocesos de innovación, que en el caso delsector empresarial, éstos provienen en par-ticular de interacciones con organismosubicados en el entorno de las empresas, prin-cipalmente por parte de sus proveedores yclientes; sin obviar que también, parte impor-tante de sus innovaciones se origina en uni-dades o departamentos internos a la orga-nización, específicamente, en los departa-mentos de I+D y de Calidad. Estos resulta-dos difieren de manera profunda con el nivelde interacciones que tienen las empresas coninstituciones científicas y tecnológicas. Porejemplo, las universidades y centros tecnoló-gicos surgen como agentes externos quecolaboran en la generación de innovaciones,pero de forma aislada y marginal, del mismomodo que los servicios especializados, talescomo las consultorías.

Otra forma de comprobar el compor-tamiento de la proximidad organizacionales a través de los grados de coordinación ycooperación que se desarrollan entre los diferen-tes actores regionales vinculados a procesos deinnovación. Como afirma Freel (2006), son losnexos y las interacciones – formales oinformales –, que permiten el intercambio deinformación, experiencias y transmisión deconocimiento entre las instituciones que com-ponen un sistema productivo de tipo sistémi-co y con una clara orientación hacia la eco-nomía del conocimiento. Una de las variablesque permite recoger aspectos relevantes so-bre la forma de cooperación y coordinacióny vinculada a la proximidad, es la concreción

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de acuerdos o contratos que incorporen eldesarrollo de actividades en I+D entre empre-sas, y las instituciones públicas y tecnológi-cas. En la región, y desde el punto de vistadel sector privado, a través de las expresionesde sus representantes, se detecta un bajonivel de compromisos formales – a través deacuerdos o contratos –, con otras empresaso instituciones públicas vinculadas al de-sarrollo de innovaciones. Por el contrario, enel sector público, sí se han desarrolladoacuerdos o contratos con empresas y centrosde investigación. Sin embargo, esta diferen-cia de opinión puede explicarse, por el escasonúmero de instituciones públicas que imple-mentan programas de I+D en la región, loscuales tienen la obligación de asignar recur-sos fiscales e implementar este tipo de contra-tos o acuerdos formales. No obstante lo ante-rior, al analizar la totalidad de los actoresque han participado en esta investigación,la mayoría de los entrevistados han expre-sado que nunca han realizado algún tipo decontrato o acuerdos de cooperación para eldesarrollo de actividades de I+D entre lasempresas, y éstas con otras instituciones pú-blicas y tecnológicas.

Otra forma de analizar este tipo de pro-ximidad, es a través del intercambio o movilidadde recursos humanos calificados para generarinnovaciones – entre el sector privado, públicoy tecnológico –, y de esta forma compartir elresultado de investigaciones o prácticasempresariales o científicas-tecnológicas quepermitan desarrollar desde una forma mássistémica procesos de I+D, entre instituciones.En este aspecto, el sector privado, público ytecnológico reconocen que esta forma decolaboración no ha sido desarrollada en laregión. Los datos muestran que el intercambiode personal calificado entre los distintossectores es muy baja; y que prácticamente nohan experimentado este tipo de cooperación,frente a lo cual se deben identificar y proponeracciones tendentes a revertir esta situación eimplementar estrategias que fortalezcan estosprocesos de interacción entre lo productivo,lo público y lo tecnológico.

Respecto a las distintas formas de coo-peración que pueden ser utilizadas para latransmisión de conocimiento e iniciativasinnovadoras, tanto el sector público como eltecnológico utilizan distintas maneras para

transferir información y conocimiento. Elprimero, para relacionarse con otras institu-ciones públicas y con empresas utiliza el in-tercambio de información general y el de-sarrollo de asesorías y consultorías técnicas;mientras que la menos utilizada es el inter-cambio formal de experiencias y el desarrollode proyectos pilotos. Del mismo modo, elsector tecnológico realiza con mayor frecuen-cia, apoyo al trabajo de tesis de estudiantesde pregrado y postgrado, intercambio deinformación general, apoyo tecnológico yactividades de asesoría técnica, servicios delaboratorio, ensayos, certificación y calidad,y realización de pruebas o proyectos pilotos,entre las más importantes. Por último, elsector privado reconoce como formas decooperación, a la transferencia tecnológica– a través de los Grupos de TransferenciaTecnológica (GTT) –, donde representantesde centros científicos y empresarios – prefe-rentemente del sector agrícola, se reúnen conel fin de transferir y difundir conocimiento,principalmente desde el mundo científico almundo productivo.

No obstante lo anterior, los actores re-gionales también reconocen deficiencias enlas formas de cooperación y colaboración queactualmente se desarrollan en la región. Porejemplo, los representantes del sector priva-do expresan que en la actualidad no existeninguna instancia formal que reúna a repre-sentantes del sector privado, público y tecno-lógico; no hay un flujo claro de informacióne ideas para nuevos proyectos innovadores.Además, existe una débil vinculación con lasuniversidades regionales y centros tecnoló-gicos, por lo cual se sugiere que el sector pú-blico sirva de interlocutor y coordinador en-tre el mundo empresarial y científico, y deesta manera lograr una instancia decooperación más permanente entre los tresactores. Lo anterior queda aún más clarocuando la mayoría de los actores regionalesexpresan que de manera esporádica se pro-mueven y realizan interacciones y colabo-ración entre empresas, institutos de investi-gación, universidades e instituciones públi-cas. Los mismos entrevistados siguen expre-sando que la falta de intercambio de infor-mación y experiencias, y los bajos niveles deconfianza entre los distintos actores regio-nales, son aspectos que entorpecen la

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implementación de procesos de colaboracióny cooperación entre los distintos actores quepudieran constituir un sistema de innovaciónregional.

Para finalizar, se puede expresar queel territorio en estudio no ha desarrolladouna proximidad organizacional adecuada, quepermitiera constituir redes dentro y entreorganizaciones, capaces de transferir e inter-cambiar información y conocimiento en unentorno dinámico. Según investigadores(TORRE; RALLET, 2005), mejorar la proxi-midad organizacional significa establecer undialogo entre los actores, alrededor de unproyecto territorial, que se puede concretizaren una planificación participativa, como unaherramienta de diálogo y de decisión. Si biense puede afirmar que el sector empresarialutiliza este tipo de proximidad para generarinnovación a través de sus permanentesinteracciones dentro de la empresa a travésde las distintas unidades y/o departamentos;no se puede expresar lo mismo cuando in-corporamos al sector público y tecnológico,donde los niveles de intercambio y transfe-rencia de información y conocimiento rele-vante, no han logrado un importante de-sarrollo en la región. Es necesario destacarque cuando hablamos de información y co-nocimiento relevante, se vincule a la trans-ferencia de herramientas, técnicas, gestión,rutinas, procedimientos y datos estratégicospara implementar procesos de innovación anivel regional. Por lo tanto – para este caso –, se requiere que la institucionalidad públicadefina una forma de cómo los distintos agen-tes regionales puedan desarrollar de maneraóptima este tipo de proximidad.

2.2La proximidad geográfica en las rela-ciones e interacciones para el impulsode procesos de innovación territorial

Uno de los aspectos que determina laimportancia de los distintos niveles territoria-les (regional-nacional-internacional) en lageneración de procesos de innovación regio-nal, – desde la perspectiva empresarial –, esla ubicación geográfica de los mercados(ASHEIM, 1999). De acuerdo, a las escalasgeográficas, es evidente la importancia de losmercados internacionales para todos lossectores productivos más importantes parala región (Gráfico 1). Esto refleja nuevamenteel claro énfasis del modelo exportadorasumido por el país desde ya hace 30 años.Información cuantitativa y la expresión delos entrevistados reafirman esta realidad.Por ejemplo, representantes de los sectoresproductivos de la región, reconocen la altaimportancia de los mercados internacionales,incluso con proyecciones de aumentar deforma considerable los volúmenes deproducción y venta al extranjero, en un me-diano plazo.

No obstante lo anterior, para algunossectores, en particular el agropecuario, si bientiene una cuota de mercado internacionalimportante, también destaca el mercadonacional, siendo el más importante para estesector. Sin embargo, representantes expresanque en un mediano plazo los distintos pro-ductos agropecuarios tendrán en los merca-dos internacionales una gran oportunidadapostando por la calidad de la producción,con el fin de cumplir con los estándares decalidad a nivel internacional.

Gráfico 1 - Distribución actual de las ventas a nivel geográfico, por sector productivo (2007).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

%

Agropecuario Pesquero Forestal

Venta internacional

Venta nacional

Venta regional

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155Procesos de innovación regional en la Región de Los Lagos: un análisis a través de laproximidad geográfica y organizacional de sus actores

Es importante destacar que los prin-cipales destinos de los productos regionalesenviados al extranjero, se centran con mayorpreferencia en Japón, Estados Unidos yEuropa en el caso del sector pesquero; Japóny mercados orientales en el sector forestal; yEuropa, Japón, Centroamérica y América delSur en el sector agropecuario.

Otra variable que determina la impor-tancia de los distintos niveles territoriales enel fomento y desarrollo de procesos de inno-vación, es el nivel de relaciones que tienecada agente regional con distintos socios ubi-cados en su mismo territorio y fuera de éste.

A nivel regional, los representantes delsector privado afirman que existe un altonivel de interacciones con sus proveedores,clientes y en un nivel inferior con sus compe-tidores. Respecto a los socios con bajos nivelesde interacción dentro de la mismo territorio,se encuentran las asociaciones gremiales,expertos y consultores externos, organismospúblicos de investigación y centros tecnoló-gicos, laboratorios comerciales y empresasI+D; y por último las universidades u otrasinstituciones de educación superior. En defi-nitiva, los actores privados concluyen que lasempresas de la región tienen una fuerte inte-racción con aquellos socios que participande forma directa en la cadena productiva;no así con otros socios, específicamente coninstituciones vinculadas al desarrollo cientí-fico – tecnológico en la región. Esta situaciónrefleja la poca conectividad entre el sectorprivado y el tecnológico, lo que demuestra –en base a las expresiones de los entrevista-dos –, un distanciamiento entre los estudiose investigaciones científicas realizadas en laregión, y la demanda por innovación ytecnología que tienen las empresas, confir-mado con las diversas entrevistas realizadasa actores regionales.

Al mismo nivel regional, representan-tes del sector público afirman que existe unmayor nivel de relaciones con empresas,asociaciones gremiales, municipios y consul-tores. Sin embargo, la mayor cantidad decasos se concentran en los niveles de relacio-nes más baja; es así como encontramos queorganismos y/o laboratorios de investiga-ción, instituciones de transferencia tecnoló-gica, organismos de apoyo financiero, con-centran la mayoría de los casos con menornivel de relaciones en el sector público.

Respecto al sector tecnológico, el nivelde relaciones que desarrolla con distintossocios no es tan diferente respecto a los otrosdos sectores mencionados con anterioridad.A nivel regional – representantes de centrostecnológicos, universidades, consorcios –,expresan que hay un mayor nivel de relacio-nes con empresas, instituciones de la admi-nistración pública, organismos de investiga-ción, e instituciones de educación superior.Mientras que las relaciones con bajo nivel defrecuencias se encuentran las asociacionesde comercio, y laboratorios comerciales yempresas I+D.

A nivel nacional, nuevamente los acto-res privados enuncian que las empresas re-gionales realizan una mayor interacción consus proveedores y clientes y en un nivel másbajo con competidores y organismos deapoyo financiero; mientras que los socios na-cionales con menor nivel de relaciones conempresas de la región, son nuevamente uni-versidades, organismos públicos de investi-gación o centros tecnológicos, expertos y con-sultores externos, asociaciones gremiales ylaboratorios comerciales.

En el sector público, la situación es aúnmás a evidente a nivel nacional, donde losentrevistados expresan que no se generanaltas frecuencias de relaciones con ningúntipo de socios, de forma muy marginal sur-gen relaciones con consultores y organismosde apoyo financiero; por el contrario lossocios que concentran la mayoría de los casoscon bajos niveles de relaciones – a nivel na-cional –, son los municipios, instituciones detransferencia tecnológica, asociacionesgremiales e instituciones de formación, entrelas más destacadas.

Respecto del sector tecnológico, afir-man que hay un alto nivel de relaciones coninstituciones de educación superior y – enun menor grado –, con organismos de inves-tigación y organismos públicos, a nivel na-cional. Por otro lado, – los socios a nivel na-cional –, con un bajo nivel de relaciones estánlas asociaciones gremiales, instituciones detransferencia tecnológica y organismos deconsultorías y asesorías. A este nivel geográ-fico, destaca la relativa importancia quetienen las empresas para el sector tecnológicode la región, no explotando de esta maneraposibles intercambios de información y

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experiencias con empresas ubicadas en otrasregiones.

Por último, a nivel internacional, losactores del sector privado mantienen lastendencias logradas a nivel nacional, siendolos clientes y – en un nivel más inferior pro-veedores –, los socios más importantes y conmayor interacción a ese nivel geográfico. Elresto de socios se encuentran con niveles deimportancia prácticamente nulos. Por otrolado, las relaciones con menor desarrolloexpresado por los entrevistados, son lasuniversidades e instituciones científico-tec-nológicas, y otros organismos de apoyo(Consultorías, gremios y organismos finan-cieros). Además, al igual que en la escalaregional, los procesos innovadores realizadospor las empresas no están relacionados consus contactos e interacciones con universida-des y centros tecnológicos internacionales;es decir, no existe relación entre este tipo derelaciones y el desarrollo de innovaciones enempresas de la región ni en los otros nivelesterritoriales. Respecto al sector público – a

nivel internacional –, sus representantesafirman que hay un bajo nivel de relacionescon socios relevantes para la generación deinnovación. No existe ningún tipo de sociocon un nivel de relación destacable sobreotros; por el contrario, prácticamente todosconcentran en bajos niveles de interacción,principalmente instituciones de transferenciatecnológica, municipios, instituciones deformación, organismos de apoyo financieroy organismos de investigación. Por último,en el sector tecnológico, a este nivel territo-rial, no existen socios con los cuales se hayagenerado un alto nivel de relaciones; sólo secaracterizan con un nivel moderado de inte-racciones los organismos de investigación,organismos de apoyo financiero e institu-ciones de educación superior. Mientras quelos socios internacionales con un mínimonivel de relaciones con el sector tecnológicode la región, están las empresas, asociacionesgremiales, instituciones de transferenciatecnológica y laboratorios comerciales y em-presas I+D.

Nivel regional Nivel territorial de contactos Privado Público Tecnológico

Regional § Clientes § Proveedores

§ Empresas § Asociaciones

gremiales § Consultores

§ Empresas § Organismos de

Gobierno § Instituciones de

Educación Superior Nacional § Proveedores

§ Clientes § Organismos

financieros § Organismos y/o

laboratorios de investigación

§ Instituciones de Educación Superior

Internacional § Clientes § Organismos de Investigación § Organismos

financieros § Instituciones de

Educación Superior

Cuadro 1 - Principales contactos de actores regionales – en distintos niveles territoriales –,para el desarrollo de innovaciones.

En definitiva, y en base a las expresio-nes vertidas por los entrevistados, el sectorprivado genera relaciones e interaccionescon sus socios más tradicionales de la cadenaproductiva – proveedores y clientes –, fenó-meno bastante repetido en investigacionesque han analizado y cuantificado la relacióny vínculos de las empresas, en distintos ni-

veles territoriales. Además, se demuestran losbajos grados de interacción con el sectorpúblico y tecnológico, lo que refleja lacarencia de un entorno más sistémico einteractivo.

También, se destaca a la empresa comouno de las principales fuentes de informaciónen los tres sectores que han participado en

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157Procesos de innovación regional en la Región de Los Lagos: un análisis a través de laproximidad geográfica y organizacional de sus actores

esta investigación (privado, público ytecnológico). Si bien todos los sectores prio-rizan a la empresa como principal fuente deinformación, no ocurre lo mismo desde lasempresas hacia el sector público y tecnoló-gico. Frente a aquello, uno puede suponerque la escasa cobertura de los programasestatales – y que por lo tanto la totalidad deellos se encuentran focalizados –, no alcanzapara la totalidad del tejido empresarial, porlo cual, el sector público sí tiene una perma-nente vinculación con las empresas.

Por último, tanto para el Sector Públicoy Tecnológico, la empresa es la principalfuente de información para la innovación;mientras que las fuentes menos utilizadasestán las universidades y otros centros tecno-lógicos. Un aspecto a resaltar – ya dicho enpárrafos anteriores –, es la necesidad de lo-grar una mayor interacción entre los distin-tos organismos científicos y tecnológicos conel poder político a nivel regional. Si bien en-tre ambos existe una proximidad geográfi-ca, no existe una proximidad organizacional.

Conclusiones

A partir de la información y análisisdesarrollado en este artículo, es posible afir-mar que la proximidad geográfica siguesiendo un factor de analizar. Para la regiónde estudio, la importancia de las escalasterritoriales en la generación de relaciones einteracciones para el desarrollo de procesosde innovación se centra con mayor preferen-cia a nivel regional, donde todos los sectores(privado, público y tecnológico), logran sumayor cantidad de relaciones. No ocurre lomismo en otros niveles geográficos, porejemplo, sólo las empresas y el sector tecno-lógico tienen relaciones con actores nacio-nales e internacionales, específicamente conclientes y proveedores, e instituciones deeducación superior, respectivamente; con elresto de posibles socios las relaciones endichos ámbitos geográficos es casi nula. Estodemuestra que los flujos de conocimientoestán más presentes en aquellos espaciosdonde los diferentes actores tengan la posi-bilidad de acceder de manera más presenciala la información y a sus actores. Por lo tanto,el nivel regional es donde se desarrollan losmayores niveles de interacción con socios

relevantes para la generación de procesos deinnovación, en comparación con el nivel na-cional e internacional. Lo anterior no significaque las relaciones a nivel regional sean ópti-mas y de pleno uso, sino es donde se concen-tran el mayor nivel de frecuencias, ya que aesa misma escala también, se detectan bajasrelaciones con ciertos actores en particular.

También, se puede concluir que el tipode coordinación y cooperación entre el sectorpúblico, privado y tecnológico es bajo. Laausencia de hábitos y acciones, tales comola baja experiencia del sector privado en eldesarrollo de contratos y acuerdos sobre I+D,y la poca transferencia o intercambio depersonal calificado con otras empresas y or-ganismos públicos y tecnológicos, demues-tran esta baja coordinación. La promocióny el desarrollo de interacciones y cooperacio-nes dentro de la región se realizan ocasio-nalmente; por lo tanto el territorio no cuentacon uno de los elementos centrales para elfuncionamiento de un sistema de innovaciónregional, que es el intercambio y relacionespermanentes entre los diferentes actores quecrean y necesitan desarrollo tecnológico ensus procesos productivos y del mismo modoen su quehacer institucional y organizacio-nal. Si bien se han realizado esfuerzos impor-tantes en lograr mayores y mejores gradosde cercanía entre los 3 sectores, éstos sólohan sido muy específicos y coyunturales; noexistiendo por lo tanto espacios de coordina-ciones formales, efectivas y permanentes. Sibien en los diversos documentos y orientacio-nes estratégicas a nivel nacional y regional,se incorpora el trabajo entre los sectores, através de la constitución de instanciasformales de participación; éstas no han fun-cionado con la periodicidad y rigurosidadque exige el desarrollo de proyectos e inicia-tivas innovadoras en el territorio. Se puedeafirmar que los niveles de coordinación entreactores públicos, privados y tecnológicospara desencadenar procesos innovadoresaún no son parte de los hábitos, conductas yprácticas habituales en la región.

Es importante, el reconocimiento departe del sector público, de una descoordi-nación entre sus instituciones vinculadas conel desarrollo productivo y tecnológico delpaís. Las diversas acciones realizadas porinstituciones públicas son de tipo sectorial,

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158 Guillermo Díaz L.

no generando iniciativas transversales entrevarias instituciones públicas, con el fin deoptimizar de mejor forma los recursos delEstado y obtener de esta forma mayores im-pactos en las intervenciones que se realizanen las regiones del país. Esto significa ade-más, que la región carece de los hábitos,prácticas, rutinas y confianzas entre susactores, lo que permite regular las interaccio-nes entre ellos para la generación de innova-ciones en el territorio. También se puede con-cluir – de acuerdo con Torre y Rallet (2005)–, que la región no ha experimentado demanera constante las distintas formas deproximidad, específicamente aquella deno-minada organizacional, que habitualmenteestán presentes en territorios cohesionadosy en condiciones de implementar procesosinteractivos entre sus miembros.

Por lo anterior, es necesario profundi-zar y reorientar los programas e instrumen-tos del estado para perfeccionar los meca-nismos de comunicación e interacción entreinstituciones regionales. No es suficienteapoyar financieramente iniciativas innova-doras, sino también, asegurar que dichasacciones se desarrollan en un entornointeractivo, donde la transferencia de cono-cimiento se haga con fluidez y la confianzaen que dichos procesos innovadores benefi-ciarán al sector productivo en general. Esdecir, el Estado debe crear las instanciasformales e informales para construir inte-racciones permanentes y sostenibles entre losactores regionales.

Por último, un tema de escaso análisisregional, es la constitución y funcionamientode redes sociales desde una perspectivaproductiva y política. En esta línea deinvestigación es recomendable profundizarel análisis de redes, incorporando ladimensión territorial y social, identificandosistemas regionales de producción yanalizando la estructura de la red de tran-sacciones intermedias, sobre todo aquellosrelacionados con el desarrollo científico,tecnológico e innovador de los territorios. Deacuerdo a la afirmación de algunos investi-gadores, la falta de redes locales – y regio-nales – , de cooperación puede entendersecomo un obstáculo en el camino de lainnovación, y algo similar puede afirmarsede la escasa implicación de los poderes

locales en la generación de proyectoscomunes, lo que no hace sino destacar losbeneficios de una gestión concertada delterritorio. La perspectiva de redes ofrece unenfoque metodológico coherente con elestudio de sistemas socio-económicosregionales basados en la estructura de lasrelaciones mantenidas entre los actores quelos componen.

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Democracia e desenvolvimento local em assentamentos ruraisDemocracy and local development in rural settlements

Democracia y desarrollo local en los asentamientos ruralesLa démocratie et le développement local dans les établissements ruraux

Luiz Fernandes da Costa*Luís Carlos Vinhas Ítavo**Cláudia Muniz Soares***Marney Pascoli Cereda**

Josemar de Campos Maciel**Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo****

Recebido em 30/1/2010; revisado e aprovado em 23/2/2010; aceito em 26/7/2010

Resumo: Este artigo refere-se à importância da democracia nos processos geradores do desenvolvimento local nosassentamentos rurais. Os autores basearam-se no núcleo conceitual de desenvolvimento em concordância cominstituições como Universidade de Quebec, Canadá, apontando o projeto de assentamento Andalúcia, estado deMato Grosso do Sul, como um exemplo prático de democracia como um fator relevante para se desencadear odesabrochamento das potencialidades locais.Palavras-chave: Democracia. Desenvolvimento local. Reforma agráriaAbstract: This article refers to the importance of democracy in the processes leading to local development in ruralsettlements. The authors were based on the conceptual core of development in accordance with institutions like theUniversity of Quebec, Canada, pointing to the settlement project Andalúcia, state of Mato Grosso do Sul, as apractical example of democracy as a factor to trigger the unfolding local potential.Key-words: Democracy. Local development. Land reform.Résumé: Cet article fait référence à l’importance de la démocratie dans les processus conduisant au développementlocal dans les établissements ruraux. Les auteurs ont été basées sur Le noyau conceptuel Du développement emconformité avec dês institutions comme l’ Université Du Québec, Du Canada, montrant Le projet d’installation surl’Andalousie, l’état de Mato Grosso do Sul, comme um exemple pratique de la démocratie comme um facteur dedéclencher Le déroulement dês potentialités locales.Mots-clés: La démocratie. Le dévepoppement local. La reforme agrarieResumen: En este artículo se refiere a la importancia de la democracia en los procesos que conducen al desarrollo localen los asentamientos rurales. Los autores se basaron em el núcleo conceptual del desarrollo, de conformidad cominstituciones como la Universidad de Quebec, Canadá, señalando el proyecto de asentamiento Andalúcia, estado deMato Grosso do Sul, como ejemplo práctico de la democracia como factor de la para desencadear el despliengue elpotencial local.Palabras clave: La democracia. El desarrollo local. La reforma agrária.

* Médico Veterinário, mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco/UCDB. E-mail:[email protected]** Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local/UCDB. E-mail: [email protected];[email protected]; [email protected]*** Mestre em Biotecnologia pela UCDB. E-mail: [email protected]**** Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal/UFMS. E-mail: [email protected]

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Introdução

Um general presidente muito podero-so no meio militar brasileiro disse ao assumiro governo: eu vou fazer desse País uma de-mocracia. Evidentemente que esse militarestava equivocado, pois com todo o seu pode-rio, não conseguiu conter atos de terrorismoplanejados em alguns setores de órgãos desegurança nem conter, sem o uso da força,

os atos de contestação popular que estavamnas ruas. Democracia e desenvolvimento nãose fazem por decretos-leis. É preciso maisque vontade. Entre outros fatores, necessi-ta-se, de conhecimentos, habilidades e com-petência.

Conhecimento se adquire, habilidadese conquista pelo exercício cotidiano das coi-sas conhecidas, e a competência é a capacida-de de fazer uso eficaz das duas qualidades

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162 Luiz Fernandes da Costa; Luís Carlos Vinhas Ítavo; Cláudia Muniz Soares;Marney Pascoli Cereda; Josemar de Campos Maciel; Camila Celeste B. Ferreira Ítavo

anteriores. O poder se impõe e a autoridadese conquista. O desenvolvimento depende dademocracia para ser construído e a democra-cia depende de lideranças autênticas quetenham autoridade para ser respeitadas equeridas pelos seus liderados. Na ausênciadessas qualidades, prevalece o autoritarismo.Assim, o autoritarismo é incapaz de liberaras energias criadoras do meio onde esse seexpressa, ou não consegue desatar os nós(des-envolver) que impedem o local de sedesenvolver, conforme sustenta Ávila (2002).Ao contrário, o autoritarismo reprime essasmesmas energias que estão presentes emqualquer grupamento humano.

Que fatores estão relacionados com odesenvolvimento e o não desenvolvimentode uma determinada comunidade? Certa-mente, se os formuladores de políticas públi-cas tivessem a resposta ou respostas para essapergunta, problemas como pobreza ou mi-séria pelo mundo afora não acabariam, po-rém seriam bem menores. Não existemgovernantes bem intencionados que não de-sejem o progresso de seus governados.

Então por que fracassam esses bem in-tencionados gestores de políticas públicas?A quem se deve atribuir a culpa pelos fracas-sos verificados? Essas questões têm desafiadoplanejadores. Para chegar a alguma conclu-são possível, é preciso, antes de tudo, esclare-cer o significado do termo desenvolvimento.Isso é necessário porque, ao definir desen-volvimento, cada indivíduo tem a sua pró-pria concepção. E assim, aquilo que para unssignifica avanços, para outros representa re-trocesso. Muitos conceitos são restritos, ou-tros são amplos, sendo que a maioria dessesconceitos pode ser considerada complemen-tar, ou seja, uns complementam outros. Parao Novo Dicionário Aurélio, sua definição dedesenvolvimento é: estágio econômico, sociale político de uma comunidade caracterizadopor altos índices de rendimento dos fatoresde produção,i.e, os recursos naturais, o ca-pital e o trabalho.

O desenvolvimento local consiste noefetivo desabrochamento das capacidades,competências e habilidades de uma comu-nidade, no sentido de ela mesma, medianteativa colaboração de agentes externos e in-ternos, incrementar a cultura da solidarieda-de em seu meio e se tornar paulatinamente

apta a agenciar e gerenciar o aproveitamen-to dos potenciais próprios ou cabedais depotencialidades peculiares à localidade,assim como a metabolização comunitária deinsumos e investimentos públicos e privadosexternos, visando a processual busca de solu-ções para os problemas, necessidades e aspi-rações de toda ordem e natureza, que maisdireta e cotidianamente lhe dizem respeito(AVILA, 2002, p. 19).

No aporte de Ávila (2002), está inseri-do termo local após a palavra desenvolvi-mento, tendo em vista que, para esse autor,o termo local representa um contexto no qualse protagonizam ações de atores diversos, emconsequência das quais se processa o desen-volvimento. O desenvolvimento local enten-dido como um processo dinamizador quepromove transformações gerais e irrestritasnuma determinada comunidade, depende decenários socioambientais favoráveis. Essesfatores locais ou esses cenários são represen-tados pela visão de mundo das pessoas dacomunidade, a capacidade de se organiza-rem para solucionar problemas comuns, acapacidade empreendedora, os recursos na-turais disponíveis, os conhecimentos e sabe-res da comunidade, suas habilidades e com-petências. Todos esses fatores (endógenos)sendo estimulados, valorizados e adequada-mente aproveitados, despertam o interessedas pessoas as quais passam a “mostrar suasqualidades” (desabrochar) e uma vez mani-festadas essas potencialidades, dificilmenteocorrem retrocessos. Contudo, para se che-gar a esse ponto, é preciso muita habilidadee muita competência das lideranças do local,bem como dos agentes de desenvolvimentoexterno. Então, os cenários socioambientaiscompreendem todos os atores envolvidos noprocesso, tanto os internos como os externos.

Dessa maneira, se em qualquer dossegmentos que compõem essa rede ocorre-rem bloqueios por inabilidade ou má fé, osresultados do processo podem ser prejudica-dos. Modernamente, o desenvolvimento lo-cal constitui um objeto de estudo, como é ocaso dos programas de pós-graduação emuniversidades do Chile, Canadá, Espanha eBrasil. No Brasil, a única universidade quetem programa de pós-graduação em Desen-volvimento Local é a Universidade CatólicaDom Bosco (UCDB), em Campo Grande,

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163Democracia e desenvolvimento local em assentamentos rurais

Estado de Mato Grosso do Sul, e essa uni-versidade tem projetos comuns com a Uni-versidade de Quebec, no Canadá.

Assim, esse artigo tem como objetivo,considerar os assentamentos rurais na pers-pectiva do desenvolvimento local. O pontocentral dessa discussão é a importância dademocracia no planejamento e operaciona-lização de programas ou projetos de desen-volvimento em nível de assentamentosrurais. Cita o projeto de AssentamentoAndalúcia, no município de Nioaque, Esta-do de Mato Grosso do Sul, Brasil, como umexemplo prático, onde podem ser observa-dos alguns efeitos de processos que não logra-ram resultados satisfatórios.

Desenvolvimento local e gestão socialnos assentamentos rurais

Uma questão que parece ser limitanteno desenvolvimento local dos projetos de as-sentamentos rurais é o aspecto socioculturaldas famílias assentadas. Ou seja, os trabalha-dores rurais sem terras, embora sejam inten-sivamente preparados para as práticas deocupação de terras, não são doutrinados coma mesma eficiência para empreendimentosde natureza coletiva. Quando o agricultorfamiliar acampado recebe o seu lote, sua pri-meira providência é passar o arame em tornoda sua propriedade para demarcar território.A partir daí, embora, ele passe a fazer partede uma associação que o representa, o indivi-dualismo torna-se uma tendência cada vezmaior em seus empreendimentos. Por outrolado, as organizações sociais que o represen-tam constituem espaços de interesses indivi-duais que, em muitos casos, não estão com-prometidas com suas bases. De maneira ge-ral, para uma liderança comunitária, em as-sentamentos rurais, se manter no poder, elaprecisa exercer domínio sobre os demais, emface do jogo de poder nesses locais. Essa cir-cunstância favorece o aparecimento de líde-res autoritários e centralizadores. Então, osprocessos democráticos e democratizantesnessas comunidades passam a ser umafalácia.

Para que a reforma agrária possa, ade-mais, servir à democratização do campo, eladeve possibilitar a emergência de novaslideranças, garantir cidadania e a autonomia

política, além de viabilizar a organização doscamponeses e agricultores familiares,dando-lhes poder de barganha por meio deassociações e cooperativas, retirando de in-termediários e comerciantes o poder de de-terminar os preços dos produtos e insumosagrícolas (LEITE, 2007, p. 19).

O autoritarismo como modelo de ges-tão social inibe as energias que poderiam de-sencadear bons processos de desenvolvimen-to local. Além disso, estimula o clientelismoo qual, por sua vez, tende a promover a com-petitividade em detrimento de iniciativas decooperatividade no local. Então, os assenta-dos são mais competitivos do que cooperati-vos entre eles? Aparentemente sim, mas ape-nas aparentemente. A partir da instalaçãodefinitiva dos projetos de assentamentos, asmúltiplas relações entre as pessoas que alivivem dão a textura do tecido social em cons-trução.

Conta muito, nesse caso, como foi oprocesso de construção dessa comunidade,pois cada organização ou movimento socialtem as suas peculiaridades.

Quando se olha de fora uma determi-nada comunidade, a impressão que se tem éque existe uma simetria perfeita em tudo,como se fossem todos iguais, mas, à medidaem que se adentra esse universo, se deparacom as diferenças. Essa diversidade dentroda unidade aponta os diversos contextos daterritorialidade e essa delimitação dos territó-rios raramente se expressa de forma franca;via de regra, ela é muito sutil.

Avanços ou estagnação de uma comu-nidade, por sua vez, dependem das formasde relacionamento entre os membros da co-munidade, se as interações entre seus mem-bros são do tipo primárias (mais espontâne-as e informais), estas são mais resistentes àsmudanças, enquanto nas comunidades dotipo secundária (mais formais), o comprome-timento ou sentimento de pertença pode sermenos real e por isso também os seus empre-endimentos nem sempre se sustentam. Acooperação é um outro fator imprescindívelnas comunidades para se processar ações queresultem em desenvolvimento local. A com-petição ou a cooperação então seriam refle-xos de uma culturalidade assimilada com aprópria história de vida das pessoas que com-põem uma comunidade.

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Dessa maneira, quando se planeja ouse espera alguma mudança na qualidade devida de uma determinada comunidade, énecessário ter em conta todos os fatores quepodem influenciar o processo. Assim, a ques-tão da competição ou da cooperação tem quefazer parte da pauta. Então, se a competiçãonão for biológica e sim cultural, isso querdizer que ela pode ser estimulada ou refutadanas comunidades. E de forma similar a coo-peração também pode ser estimulada ou re-primida nos grupamentos humanos. Certaocasião, num seminário sobre cooperativis-mo, perguntou-se ao instrutor porque oseuropeus, tidos como pessoas frias e racio-nalistas, edificavam eficientes cooperativas,enquanto os brasileiros, gente amiga, hospi-taleira e solidária, não conseguem estruturarbons processos de cooperação. A respostanão foi totalmente esclarecedora, porém oque se pode concluir, segundo o palestrante,é que a própria racionalidade e não a soli-dariedade é que move aquele povo em dire-ção à cooperação.

As privações por guerras ou catástro-fes naturais os fizeram compreender que asua sobrevivência dependia necessariamentede que um auxiliasse o outro, independentede se gostar ou não da outra pessoa. No casobrasileiro, existe uma cultura de desconfian-ça de tudo e de todos, fato que dificulta emgrande medida a entrega comprometida daspessoas em torno de projetos de naturezacoletiva.

Para muita gente, tornou-se necessáriodemonstrar que cooperar vale a pena. Paraessas pessoas, a necessidade de cooperar nãoé algo óbvio. E se já foi, deixou de sê-lo. Bom-bardeadas por todos os lados pela exaltaçãoda ideologia da competição pandêmica, elasduvidam da importância da cooperação ecobram fatos e números capazes de romperbarreiras construídas pelo ceticismo(MONTEIRO, 2002, p. 123).

Na realidade, porém, a questão da fal-ta de confiança não se trata de um privilégiosó dos brasileiros, a crise da falta de confian-ça atinge hoje o mundo moderno como umaepidemia (GUIDDENS, 1991). A modernida-de tende a sufocar usos, hábitos e costumesda gente simples do campo. Se, por um lado,a cooperação espontânea sempre foi prati-cada no meio rural brasileiro, por outro, a

formalidade própria das entidades como as-sociações, sindicatos e cooperativas não sãoaceitas com naturalidade por essas comuni-dades, pois toda a institucionalização daquiloque antes era espontâneo, natural e simples,quando assume a figura de pessoa jurídica,assusta e desmobiliza as pessoas.

Evidencia-se, cada vez mais, uma fortetendência existente entre os assentados pararefutar a cooperativa como modelo organi-zacional, mas valorizar a cooperação comomodo de organização da vida econômica esocietária (SCOPINHO, 2005, p. 1).

O que se constata historicamente nomeio rural são entidades de caráter coopera-tivo, com personalidades jurídicas que, toda-via, não apresentam consistência em seucorpo social. Em geral, nesses casos, a entida-de se resume apenas a seu corpo diretivo.

Evidentemente, esse fato não represen-ta a sua totalidade, porém a maioria dasentidades societárias vivencia essa realidadeno País. Já a cooperação espontânea está pre-sente nas igrejas, nos mutirões, na constru-ção de áreas ou equipamentos de lazer, nosmomentos de infortúnios causados por doen-ças ou catástrofes naturais, como enchentes,incêndios, acidentes e outros. Neste particu-lar, as celebrações constituem um fator rele-vante na mobilização e coesão dos grupossociais. Isso porque elas rememoram passa-gens da vida em comum, que dão identida-des aos grupos sociais ou comunidades. Essaidentidade é a geradora do sentimento depertença, o qual fortalece as redes de conexãoda comunidade.

A natureza social da identidade, dosentimento de pertencer ao lugar ou das for-mas de apropriação do espaço que suscita,liga-se a outros lugares habitados, marcadospela presença, criados pela história fragmen-tária feita de resíduos e detritos, pela acu-mulação dos tempos narrados, remarcados,nomeados, natureza transformada pela prá-tica social, produto de uma capacidade cria-dora, acumulação cultural que se inscrevenum espaço e tempo (CARLOS, 1996, p. 9).

É comum o fato de que determinadogrupo humano, quando deixa de cultuar assuas memórias, gradativamente, seusmembros vão se tornando alienados pela per-da de suas identidades e seus referenciaiscomo ser humano, sujeito de sua própria

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história. Incentivar e promover as celebra-ções são ações que podem contribuir para acooperação e essa cooperação informal mos-tra-se, em certos casos, mais duradoura doque um contrato social assinado. Conside-rando que as pessoas estão em movimentospelo mundo, quando elas deixam seus luga-res de origem, seja indo de uma cidade paraoutra, num mesmo Estado, seja de um Esta-do para outro, ou de um país para outro,levam dentro de si o seu lugar, os seus usos,hábitos e costumes. Até mesmo o homem docampo, quando deixa o seu sítio, a sua roça,os seus animais, a natureza viva que o envol-ve, ele perde muito de si mesmo. Pois, dificil-mente na cidade ele poderá reproduzir o seuantigo território, no novo local em que vaiviver.

Quando um homem se defronta comum espaço que não ajudou a criar, cuja his-tória desconhece, cuja memória lhe é estra-nha, esse lugar é a sede de vigorosa alienação(SANTOS, 1994, p. 8).

Por fim, quando se analisa relações decooperação com o desenvolvimento local, nãose pode deixar de levar em conta as nuancesde território e lugar. Programas oficiais defomentos ao desenvolvimento de comunida-des rurais ou urbanas, das agências públicasou privadas, nem sempre levam em contaessas variáveis, e assim, por melhores que se-jam, não empolgam e não emocionam. Então,para se motivar um grupo e mobilizar as suasenergias e as suas potencialidades, são neces-sárias outras ações além dos recursos materiaisou financeiros. A sensibilidade e atenção àspessoas do lugar, suas histórias, mitos e fan-tasias valorizam essas pessoas e as motivama caminharem em direção dos sonhos que elassonham e que, com ajuda do agente externo,podem torná-los realidade.

A coesão ou dispersão de uma comu-nidade está sujeita a esses elementos subjeti-vos, os quais dão consistência às suas cone-xões. Esse sentimento de pertença represen-ta, portanto, um ponto estratégico de agre-gação, em torno do qual são desencadeadosos processos que fazem a comunidade ca-minhar e progredir.

Por que então os assentamentos nãoavançam? Entre outros fatores, pode se dizerque os projetos de assentamentos rurais cons-tituem um local privilegiado para a prática

de interesses políticos alheios aos interessesdas famílias dos agricultores familiares as-sentados. Para Martins (2004), algumascaracterísticas comportamentais do homemafetam as organizações, entre elas a buscade realizações do auto interesse, o que levaa comportamentos oportunistas. Esses com-portamentos vêm de encontro ao clientelis-mo de Mercado ou de Estado, contribuindopara retrocessos dos movimentos sociais, in-dependente das suas bandeiras.

Dessa forma, os assentados mediantepromessas de melhorias no local, passam aser instrumentos de manobras, envolvendomentiras, discórdias e desavenças entre essasfamílias. Conforme o depoimento de umagricultor no Assentamento Andalúcia: asbrigas dos movimentos sociais no assentamentoé mais prejudicial que boa, deve interessar paraos outros, não para o trabalhador (Biliar, lote56). Porém, afirmar que todos os agricultoresfamiliares assentados são mal intencionadosé uma inverdade. Os projetos de assentamen-tos rurais são iguais a outros grupamentossociais. Ali vivem pessoas sérias, honestas etrabalhadoras e existem pessoas mal intencio-nadas e de má índole. A forma preconcei-tuosa com a qual alguns segmentos da socie-dade tratam os assentados desqualificam egeneralizam os assentamentos como um covilde pessoas de má fé. Os assentamentos ruraiscumprem um papel social muito importanteno Brasil, contudo, é preciso estabelecer me-canismos de ajustes no sistema para corrigiras distorções existentes nesses assentamen-tos, os quais são atribuídos unicamente àsfamílias assentadas. Os projetos de assenta-mentos rurais como beneficiários de investi-mentos para a melhoria da qualidade de vidadas famílias que ali vivem requerem, entreoutros fatores, a presença permanente ecomprometida da assistência técnica e ex-tensão rural, sem a qual pode ocorrer ainadimplência. Neste sentido, essas comuni-dades põem em evidência elementos muitosignificativos a respeito de processos de de-senvolvimento que são implantados ouimplementados pelo poder público munici-pal, estadual ou federal. Em geral, esses pro-gramas ou projetos oficiais chegam ao localem forma de “pacotes”.

Legitimar ações de governos como pro-cessos democráticos de mobilização social é

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uma operação bastante simples, basta queos agentes de desenvolvimento saibam“conduzir” uma reunião e elaborar comcompetência as respectivas atas. Então, essesditos “pacotes” são legitimados pelas organi-zações sociais representativas dos agriculto-res familiares assentados. Dessa maneira, osgovernos se esforçam para dar uma caracte-rística democrática aos seus empreendimen-tos institucionais. O resultado dessas práticasnão é o desenvolvimento local, mesmo quecausem essa impressão momentaneamente,eles não se sustentam no tempo.

De acordo com Franco (2002), se numadeterminada comunidade muito carente fos-se feito um grande aporte de recursos finan-ceiros para a população local, esse fato porsi não provocaria o desenvolvimento local.Poderia haver uma grande euforia naquelemomento, grandes movimentações financei-ras e de pessoas, porém, tão logo acabassemesses recursos, a comunidade voltaria à suacondição anterior. Essa teoria já foi compro-vada na prática muitas vezes. E isso ocorreporque os atores locais não se apropriaramdos fatores que geraram aquele “desenvol-vimento”. Ou seja, eles não participaram defato do processo e, não se sentindo seus cons-trutores, não valorizam e nem defendem osseus resultados.

Por isso, o desenvolvimento dependede democracia para poder envolver todas aspessoas no papel de agente.

Finalmente, os projetos de assentamen-tos rurais dependem de políticas públicas decaráter duradouro, de melhor qualificaçãoprofissional de técnicos que atuam comoagentes de desenvolvimento, treinamento in-tensivo dos assentados em atividades básicasrurais, de novas lideranças. Necessita-se,portanto, preparar as novas gerações paraassumirem novos desafios postos pela mo-dernidade, sem o comprometimento da vidano futuro.

O agente de desenvolvimento

Entre os fatores externos promotoresde desenvolvimento, os recursos humanostêm um peso significativo. A sua importân-cia, em certos aspectos, pode ser superior aosdemais fatores. Esses operadores ou executo-res de políticas públicas, sem a habilidade

necessária para o desempenho de suas fun-ções, podem colocar em risco a viabilidadede programas ou projetos nas comunidadestrabalhadas. Dessa maneira, bons projetosdas agências de desenvolvimento têm sidomal sucedidos, por que os operadores nãotêm conhecimentos suficientes das diversida-des socioculturais dessas comunidades. Ou-tras vezes, os agentes de desenvolvimentotêm muito conhecimento, porém lhes falta-ram habilidades e competência para admi-nistrar conflitos de interesses presentes nolocal. Esses interesses podem ser de naturezainterna ou grandes interesses externos. O queocorre de maneira frequente é que os interes-ses internos se sufocam enquanto os exter-nos, com muito mais poder, são acatados. Eaqui, nota-se também a importância da de-mocracia, porque, na ausência de gestorespúblicos democráticos, por mais habilidadeou competência que tenha o agente de desen-volvimento, ele não sobrevive como agentede mudanças.

Embora a conduta ideal do agente dedesenvolvimento não exista, porque cada lo-cal tem as suas peculiaridades, algumas ca-racterísticas são imprescindíveis para essesprofissionais, por exemplo, a visão de mundopositiva, o dinamismo, a criatividade e a ver-satilidade. O agente otimista demais superes-tima suas capacidades e as capacidades dogrupo e acaba se frustrando diante dos pri-meiros obstáculos; o pessimista não conseguever saída para os impasses encontrados nodecorrer do processo, porque não acreditanas possibilidades dos outros. Assim, o papeldo agente de desenvolvimento, como o pró-prio nome define, tem a missão de promovero desenvolvimento local. E um dos inúmerosdesafios a ser enfrentado por esse ator é re-conhecer o limite de sua atuação. Um sinalde alerta que sinaliza que o agente estáextrapolando suas funções é quando ele co-meça a ser mais notado que as liderançaslocais. São bastante comuns casos em queagentes de desenvolvimento assumiram pa-péis que deveriam ser assumidos pela comu-nidade, porque a fronteira desses limites sãode difícil visibilidade.

Os agentes de desenvolvimentos devemser otimistas, porém, realistas e autênticos emrelação aos demais atores envolvidos noprocesso de construção do desenvolvimento

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local. É preciso apontar objetivamente os ris-cos, ameaças e oportunidades que estão en-volvidos em suas metas.

Isso é necessário porque, ao surgiremdificuldades previsíveis ou imprevisíveis, ogrupo deverá estar forte o suficiente paraenfrentar os desafios. Grupos mal prepara-dos neste aspecto correm o risco de sucumbi-rem diante dos primeiros obstáculos encon-trados no curso de um projeto comunitário.

Não é raro se observar pequenas comu-nidades muito ativas quando atuando aolado de um agente de desenvolvimento. To-davia, quando esse agente se afasta, a comu-nidade estaciona. O que acontece, nesse caso,é que o culto desse agente por si mesmo im-pediu o surgimento de novos líderes. Essefato acontece até mesmo de maneira incons-ciente. A visibilidade desse fenômeno é mui-to difícil, em geral, leva-se muito tempo parapercebê-la. O papel do agente de desenvol-vimento é muito estratégico, portanto, parao crescimento humano da comunidade tra-balhada. O agente deve ser animador, orien-tador, facilitador e articulador do processode mobilização e sensibilização da comuni-dade em torno de seus empreendimentoscoletivos. Ele precisa reconhecer potenciali-dades e trabalhar para que essas potenciali-dades aflorem nos indivíduos e possam servirà causa do bem comum.

Por fim, respeito, serenidade e paciên-cia são instrumentos de uso diário dos agen-tes para desempenhar com firmeza o seudifícil papel de agente de mudanças que re-sultem em desenvolvimento local.

O Projeto de Assentamento Andalúcia

O fator convergente de maior peso nacomunidade Andalúcia foi a luta pela terra,a qual deu consistência a um sentimento depertença que os identificava e era motivo deorgulho para todos. A resistência represen-tada pelas sucessivas desocupações e as res-pectivas reocupações da área teceram fortespontos de conexões no tecido social comu-nitário. A retrospectiva desses fatos traz àtona sentimentos nas pessoas que vivencia-ram aqueles conflitos.

Os relatos feitos por essas famílias dei-xam claro que as coisas mudaram e que hou-ve um fato que provocou essas mudanças.

Provavelmente, muitos fatos concorrerampara as transformações que aconteceram, oque possibilita a realização de novas pesqui-sas a partir dos pontos levantados na pesqui-sa que deram origem a esse artigo.

Os fatores de coesão favoreciam, emgrande medida, a implantação de empreen-dimentos de natureza coletiva. O volume derecursos financeiros previstos pelo projetoBID, para ser aplicado no local, provocoucomoção na comunidade. Além disso, anoticia desses investimentos provocou umacorrida de aventureiros, vigaristas e outrosoportunistas para o assentamentoAndalúcia. Todos esperavam levar algumavantagem naquela comunidade, uma vezque, para muitos, os assentados são pessoasfáceis de serem ludibriadas ou corrompidas.Porém, a forma prevista para a liberação eaplicação do dinheiro atendia a critérios téc-nicos e econômicos muito rígidos. As expec-tativas das famílias ali assentadas eram gran-des, quando aconteceu o incidente envolven-do uma firma interessada em participar dalicitação e não conseguiu a carta-convite.Essa empresa, então, alegou que a Associa-ção Marçal de Souza teria agido de má féem relação a ela. Essa denúncia, no rito pro-cessual normal implicaria a abertura de umprocesso administrativo por parte do INCRApara apurar os fatos. Esse procedimento, noentanto, não foi feito, e o INCRA anulou alicitação em nome do zelo da coisa pública.Foi montado outro processo licitatório e, maisuma vez, o INCRA desqualificou-o. Assim,após sucessivas tentativas frustradas de en-tendimentos entre as partes, a AssociaçãoMarçal de Souza entrou com uma ação naJustiça Federal, na tentativa de assegurar osseus direitos. A partir desse fato, o INCRAestornou os recursos financeiros que estavamna conta da Associação Marçal de Souza edefinitivamente privou a comunidade deeventuais benefícios que o projeto poderiatrazer para aquelas famílias.

Dessa forma, ao analisar o projeto deAssentamento Andalúcia, do ponto de vistada coesão antes e depois do projeto BID,verifica-se que atualmente o desânimo, adesconfiança e a apatia caracterizam amaioria dos assentados, remanescentes doacampamento. Ouve-se dizer: que a Associ-ação está ruim e não se ouve nós estamosruins.

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O sentimento de pertença e de apro-priação pelos projetos da Associação, antesenaltecidos, agora estão ausentes. Nesse sen-tido, a solidez da comunidade do ponto devista da coesão entre seus membros, não erareal ou então os fatos que desagregaram acomunidade exerceram forças predominan-temente superiores a ponto de superar ossentimentos de união das famílias que vivemali. Os fatos que concorreram para o enfra-quecimento das forças convergentes na co-munidade Andalúcia na atualidade, podemter sidos causadas por inúmeros fatores. To-davia, a não implantação dos projetos doBanco Interamericano de Desenvolvimento(BID), representou um peso de grande rele-vância.

Assim, a história dessa comunidadedesde o acampamento até o momento da rea-lização da pesquisa em 2007, teve dois mo-mentos distintos, o antes e o depois do pro-jeto BID. E embora existam muitas especula-ções sobre o fracasso daquele empreendi-mento, é pertinente questionar a respeito doque teria acontecido com a comunidade seos projetos do BID tivessem todos sidos im-plantados conforme o plano de desenvolvi-mento local. O projeto Andalúcia teria se de-senvolvido? Como estaria hoje em termos decoesão? Tais respostas são impossíveis nomomento, porém, quaisquer que fossem osresultados o nível de comprometimento dacomunidade em relação aos resultados se-riam outros. Se houvesse êxito todos seriamvitoriosos, se houvesse fracasso, esse fracassoseria compartilhado por todos, porque elesbrigaram por aquilo em eles acreditavam.

Esses são os preços da liberdade, assu-mir riscos e responsabilidades por aquilo quese faz. A tutela, por outro lado isenta o tute-lado por responsabilidades, mesmo que otutor não admita. Dessa forma, o projeto deAssentamento Andalúcia, deixa à amostra,o quanto ainda se faz necessário o EstadoNacional se democratizar e dar oportunida-de para aqueles que dele necessitam, de assu-mirem riscos e oportunidades, condiçõesimprescindíveis para se construir cidadania.

Considerações Finais

Dessa forma, de acordo com as consi-derações referidas, promover desenvolvimen-to local não é uma tarefa simples. A comple-xidade inerente a cada caso constitui enor-me desafio para todos os atores empenhadosnas transformações esperadas.

A concepção de que riqueza ou cresci-mento econômico significa desenvolvimentoainda provoca discussões e tem levado gover-nantes a equívocos. Para aqueles que aindamantêm essa visão, os assentamentos ruraissão considerados favelas rurais e, como tal,deve ser desestimulada a sua implantaçãono Brasil.

A reforma agrária não se limita à distri-buição de terras, assim como seus efeitos nãose limitam à economia. É um erro associar areforma agrária ao passado e o agronegócioao futuro. Na verdade, tudo depende do fu-turo que vislumbramos para nós mesmos epara a sociedade em que vivemos (LEITE,2007, p. 179).

Pelo exposto, a questão dos assenta-mentos rurais no Brasil deve ser repensadaem suas diversas dimensões, porque resu-mi-la ao crescimento econômico dos módulosrurais (lotes) implica uma visão fragmenta-da da realidade, prejudicando a análise, emsua plenitude, daquilo que modernamentese define como desenvolvimento local.

Nesse sentido, é oportuno refletir sobredesenvolvimento como geração de riquezae crescimento econômico em relação a quali-dade de vida das pessoas que geram essasriquezas. Quando um megaempreendimen-to do setor de álcool e açúcar, por exemplo,se instala em determinada região, com certe-za vai gerar riquezas, o Estado vai arrecadarmais impostos, as indústrias venderão mais,os empresários competentes vão ficar maisricos, porém, o boia fria vai continuar sendoboia fria, por mais riqueza que a sua forçade trabalho possa produzir.

Esses fatos apontam indícios de querealmente desenvolvimento local vai além dasimples geração de renda ou geração de ri-quezas. O desenvolvimento local pressupõeum nível de bem estar e qualidade de vidamelhor para todos, independente da acumu-lação de bens ou de capital dos membros quecompõem uma comunidade.

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Cooperação, Interação e Aprendizagem no Arranjo Produtivo Local deEquipamentos e Implementos Agrícolas do Paraná*

Cooperation, Interaction and Learning inside the Paraná Clusters ofFarming Machinery and Equipment Factories

Coopération, Interaction et Apprentissage dans l´ Arrangement ProductifLocal de l’équipement et du matériel agricole du Paraná

Cooperación, Interacción y Aprendizaje en el Sistema Local de Producción deEquipamientos y Implementos Agricolas de Paraná

Antonio Iacono**Marcelo Seido Nagano***

Recebido em 22/3/2010; revisado e aprovado em 28/6/2010; aceito em 18/7/2010

Resumo: O presente artigo tem como propósito apresentar uma análise sobre as relações de cooperação, interação eaprendizagem entre os diversos tipos de atores conformados em um Arranjo Produtivo Local. Para tal, são investigadosos fatores inibidores e motivacionais dessas relações e as principais fontes internas e externas de conhecimento parao aprendizado. As evidências empíricas demonstram que as relações de cooperação e as interações para o aprendizadosão afetadas por fatores organizacionais fortemente relacionados às questões de infraestrutura e gestão das empresas.Palavras-chave: Arranjos produtivos locais. Cooperação e interação. Aprendizagem.Abstract: The purpose of this article is presenting an analysis about the cooperation, interaction and learningrelationships among the several types of players in a Cluster. For that, the inhibiting and motivating factors of thoserelationships and the main internal and external sources of learning-oriented knowledge have been investigated.Empirical evidences have demonstrated that the cooperation relationships and the interactions for the learning areinfluenced by organizational factors strongly related to the infrastructure and enterprises management issues.Key-words: Clusters. Cooperation and interaction. Learning.Résumé: Cet article vise à présenter une analyse sur les relations de coopération, d’interaction et d’apprentissage entreles différents types d’acteurs composés dans un Arrangement Productif Local. À cette fin, sont étudiés les facteurs demotivation et ceux qui inhibent ces relations et les principales sources internes et externes de connaissances pourl’apprentissage. L’expérience montre que les relations de coopération et d’interaction pour l’apprentissage sontaffectés par des facteurs organisationnels, fortement liées aux questions d’infrastructures et de gestion des entreprises.Mots-clés: Arrangements productifs locaux. La cooperation. L’interaction et l’apprentissage.Resumen: El presente artigo tiene como objetivo presentar una análisis acerca de las relaciones de cooperación,interacción y aprendizaje entre los diversos tipos de integrantes ubicados en un Sistema Local de Producción. Paraesto, son investigados los factores inhibidores y motivacionales de esas relaciones y las principales fuentes internas yexternas de conocimiento para el aprendizaje. Las evidencias empíricas demostran que las relaciones de cooperacióny las interacciones para el aprendizaje son influenciadas por factores organizacionales, fuertemente relacionados a lostemas de infraestructura y gestión de las empresas.Palabras clave: Sistemas locales de producción. Cooperación e interacción. Aprendizaje.

* Este artigo foi elaborado a partir da dissertação de mestrado intitulada “Interação e cooperação em SistemasLocais de Produção: uma análise dos fatores inibidores segundo as especificidades das pequenas empresas”,defendida na Escola de Engenharia de São Carlos – USP, em março de 2009.** Engenheiro Mecânico pela Universidade Federal de Itajubá. Mestre em Engenharia de Produção pela EESC-USP.E-mail: [email protected]; [email protected]*** Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Doutor em Engenharia Mecânica pela EESC-USP e Pós-doutorado emComputação Aplicada pelo LAC-INPE. Professor da USP no curso de Graduação e Pós-Graduação em Engenhariade Produção da EESC. Pesquisador e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

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Introdução

O estudo sobre a concentração geográ-fica e setorial especializada de pequenasempresas atraiu muito a atenção de paísesem desenvolvimento como o Brasil, especial-mente a partir da década de 1990. Esse for-mato organizacional, comumente chamado

de Arranjos Produtivos Locais (APLs), temsido visto como importante para esses paísespor exercer um papel relevante na contribui-ção de suas economias, seja pelo aumentode competitividade e eficiência produtiva dasempresas, em especial para as de micro epequeno portes, seja em relação à geraçãode empregos e de renda. Em outros termos,

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os APLs têm sua importância reconhecidanão apenas por representarem uma propostade resposta aos novos desafios de competiti-vidade caracterizados pelas constantes ino-vações e mudanças tecnológicas, mas tam-bém por promoverem desenvolvimento emelhoria das condições sociais e econômicaslocais. Os ganhos de competitividade podemocorrer por meio da redução de custos; eco-nomias de escala; alcance de novos segmen-tos ou nichos de mercado; difusão de conhe-cimentos e fomento aos processos inovativos.Outra vantagem de grande valor pode serexpressa em termos de aprendizagem cole-tiva, com ampliação do conhecimento, apartir de interações entre os diversos tiposde agentes.

No Brasil, é notável o interesse e cresci-mento de estudos sobre APLs, assim como aparticipação do governo, procurando definire implementar políticas públicas para suapromoção. Tal reconhecimento se faz presen-te nas linhas de ação da nova Política Indus-trial e Tecnológica e de Comércio Exterior(PITCE), lançada em 2004. Em especial, apromoção de APLs no contexto da PITCEbusca o fortalecimento de pequenas e médiasempresas, destacando a importância deações voltadas ao estímulo da interação entreos atores locais e entre instituições que atuamnos arranjos. A inserção de empresas nessasaglomerações, conforme destaca Britto et al.(2007), fornece o acesso a recursos e compe-tências especializados disponíveis em escalalocal, bem como permite o aprofundamentode processos de aprendizado que possibili-tam às empresas fortalecer sua posição com-petitiva nos respectivos setores de atuação.

Em especial, a relevância da concen-tração geográfica entre as empresas justifi-ca-se, principalmente, pela existência de eco-nomias externas à empresa e internas à aglo-meração dos produtores. As externalidadesincidentais, ou seja, geradas espontaneamen-te pelas empresas do mesmo setor ou seg-mento, quando apropriadas, aumentam suacapacidade competitiva (GARCIA, 2006).

Além das economias externas inciden-tais, a cooperação é apontada como outraforma de geração de competitividade queamplia a perspectiva de ganhos posteriorespara o APL (SCHMITZ, 1999). A cooperaçãoe a interação entre os atores de um APL

assumem um papel crucial para seu desen-volvimento e competitividade, pois potencia-lizam os processos de aprendizagem, que sãocruciais nos processos de inovação tecnoló-gica (GARCIA, 2006; LA ROVERE, 2003).A combinação dos benefícios das economiasexternas e das ações conjuntas fornece às em-presas, inseridas em aglomerados produti-vos, uma base para o aumento de competiti-vidade (NADVI, 1999).

Entretanto, apesar das vantagens queas interações e relações de cooperação pos-sam proporcionar ao APL, os agentes econô-micos podem não apresentar condições e/ou motivações suficientes para o desenvolvi-mento de laços cooperativos. Essa realidadese faz presente, em especial, nos aglomeradosdo tipo embrionário, os quais, conformeSuzigan et al. (2004), apresentam relaçõesincipientes, com baixos níveis de cooperaçãoe interação entre os atores. Nesse sentido, ofortalecimento das relações existentes no ar-ranjo e nas práticas cooperativas, bem comodo aprendizado, torna-se de suma importân-cia para a promoção do APL como um todo.

O texto tem como foco de análise em-presas conformadas em um arranjo produ-tivo local do setor de máquinas e implemen-tos agrícolas, localizadas na região Oeste doestado do Paraná. A implantação e consoli-dação de APLs no Paraná é parte estratégicade desenvolvimento pretendido pelo estado,e tem como objetivo principal oferecer maiorarticulação entre os diversos atores que reali-zam ações nos arranjos. Vale ressaltar tam-bém o crescimento contínuo das empresasdesse setor e sua importância na participa-ção das exportações do país e na composiçãodo PIB nacional.

Tendo em conta a relevância das rela-ções de cooperação e interações para os pro-cessos de aprendizagem, capacitação produ-tiva/tecnológica e para a promoção de pe-quenas empresas inseridas em um ambientede APL, o presente artigo tem como propósi-to apresentar uma análise exploratória sobreas relações de cooperação no arranjo, desta-cando seus fatores motivacionais e inibidorese as interações para os processos de aprendi-zagem, com destaque para as principais fon-tes internas e externas de conhecimento.

O presente artigo está organizado emseis seções, além desta introdutória: a seção

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173Cooperação, interação e aprendizagem no arranjo produtivo local deequipamentos e implementos agrícolas do Paraná

2 apresenta um breve referencial teórico so-bre aprendizagem, interação e cooperaçãoem APLs. A seção seguinte apresenta algu-mas considerações sobre a metodologia utili-zada para a pesquisa de campo. Na seção 4,apresenta-se o estudo de caso, no qual é feitauma caracterização geral do APL de equi-pamentos e implementos agrícolas do Oestedo Paraná e das empresas pesquisadas. Naseção 5, são apresentados os resultados dapesquisa de campo. Por fim, a última seçãoreúne as considerações finais.

1 Cooperação, interação e aprendizagemem APLs

1.1 Arranjos produtivos locais e o papel dacooperação

Os estudos de Alfred Marshall, no iní-cio do século XX, sobre aglomerações indus-triais foram os primeiros e influenciaram asdiversas abordagens que posteriormentebuscaram compreender o fenômeno em seusvários contextos econômicos, sociais e cultu-rais. Para os propósitos deste trabalho, asaglomerações industriais referem-se a agru-pamentos de empresas concentradas geográ-fica e setorialmente, com capacidades rela-cionadas ou afins, de portes variados, masgeralmente com um conjunto expressivo depequenas e médias empresas não-integradasverticalmente. Essas empresas, por sua vez,atraem fornecedores e outras indústriascorrelatas e de apoio cuja presença e impor-tância nos sistemas locais são determinadasexclusivamente por forças de mercado. Sur-gem também importantes instituições locaisde apoio às empresas (SUZIGAN et al., 2004;GARCIA et al., 2004).

De acordo com Marshall (1982), a lo-calização de atividades especializadas pro-duz economias externas que contribuempara o incremento da competitividade dasempresas e, consequentemente, do sistemalocal de produção como um todo. As exter-nalidades dependem apenas da concentra-ção espacial e setorial, e são geradas peladisponibilidade de fornecedores locais,mão-de-obra especializada (importante dis-seminadora de informação e experiência), eos chamados spillovers ou transbordamentosde conhecimento.

O conceito de economia externa é es-sencial para o entendimento das vantagensde eficiência que pequenas empresas extra-em da formação de aglomerados. No entan-to, o efeito das economias externas não é sufi-ciente para explicar o crescimento de algu-mas pequenas empresas e sua penetração emmercados distantes. Para Schmitz (1995), oque faz com que o aglomerado como um todose mova para frente é o fato de que algumasempresas não se reduzam apenas nas econo-mias externas, mas invistam em relações coo-perativas deliberadas, particularmente comseus fornecedores. A capacidade de respostaem termos de oferta a novos mercados deexportação e incentivos à exportação é signi-ficativamente melhorada pela ação conjunta.

A cooperação entre firmas envolve, deacordo com Meyer-Stamer (2002), algumascaracterísticas como a troca de informação/aprendizagem conjunta e ação coletiva. Ostipos característicos de troca de informaçãoentre firmas incluem: (i) troca informal deinformações entre empresas e fornecedores/subcontratados. Neste caso, a empresa podedar assistência a seus fornecedores na utili-zação de novos materiais ou no tratamentode problemas em relação à qualidade; (ii)troca formal e informal de informações emalianças estratégicas. Esse tipo de coopera-ção objetiva o desenvolvimento de uma dadatecnologia e requer uma combinação de re-cursos de P&D; (iii) troca formal e informalde informações em associações de empresas.Frequentemente, tais trocas ocorrem emfórum para discussões técnicas; (iv) troca deinformações entre funcionários de empresas,que pode ocorrer formalmente, como porexemplo, em apresentações de eventos, ouinformalmente, em discussões duranteencontros e eventos. Quanto aos tipos fre-quentes de ações coletivas ou conjuntas, in-cluem-se: (i) fornecimento de serviços por as-sociações de empresas; e (ii) ações relaciona-das a treinamento, informações tecnológicase de exportação.

A cooperação entre firmas busca aten-der, fundamentalmente, a certas necessida-des que dificilmente seriam satisfeitas comas empresas atuando isoladamente (AmatoNeto, 2000). De maneira semelhante,Camagni (1993) apresenta alguns dos moti-vos básicos ou ganhos possíveis que movemas empresas a desenvolverem práticas de

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A cooperação em ambiente de APL éimportante para o alcance de ganhos com-petitivos, principalmente para as empresasde pequeno porte, pois as ajuda a superaremos obstáculos de maneira coletiva e sem de-mandar tantos esforços e dispêndios casofosse uma ação feita isoladamente (AMATONETO, 2009).

1.2 Interação e aprendizagem

A aprendizagem, na literatura econô-mica, está associada a um processo cumula-tivo pelo qual as empresas ampliam seus es-toques de conhecimento, aperfeiçoam seusprocedimentos de busca e refinam suas ha-bilidades em desenvolver ou manufaturarprodutos, ou seja, ao modo pelo qual as capa-citações são desenvolvidas e adaptadas àmudança no ambiente econômico. Essaabordagem concede à aprendizagem umaconotação muito mais ampla do que o sim-ples acesso a um conjunto de informações.

O desenvolvimento de suas atividades pro-move um aumento no conhecimento dascaracterísticas tecnológicas de produto e doprocesso produtivo.

Os processos de aprendizagem podemdecorrer de fontes internas e externas deconhecimento. Em relação às fontes internas,conforme Cassiolato (2004) e Silva (2006),os processos de aprendizagem podem de-correr da experiência acumulada na produ-ção e suas consequentes inovações incremen-tais em produtos e processos. Duas impor-tantes formas de aprendizagem interna po-dem ser definidas como learning-by-using(ROSENBERG, 1982), relacionada à adap-tação da empresa a novas tecnologias, elearning-by-doing, desenvolvido por Arrow(1962) e que se refere à experiência obtidanas rotinas do próprio processo produtivoda empresa. Vale destacar que o processode aprendizagem learning-by-using é favore-cido pelos benefícios da interação entre a in-dústria e o usuário e pela proximidade física,

cooperação com os demais agentes. A coope-ração também pode gerar benefícios em vá-rias áreas funcionais da empresa, tais comomarketing, pessoal, compras e produção

Tabela 1 - Necessidades, motivações e benefícios da cooperação interfirmas.Fonte: Elaborado a partir de Amato Neto (2000), Camagni (1993) e Schermerhorn Jr. (1980)

(SCHERMERHORN JR., 1980). A Tabela 1mostra algumas das principais necessidades,motivações e benefícios da cooperação inter-firmas.

Necessidades Motivações Benefícios • Necessidade de combinar

competências e utilizar know-how de outras empresas.

• Dividir o ônus para a realização de pesquisas tecnológicas, compartilhando o desenvolvimento e conhecimentos obtidos.

• Oferecer produtos de maior qualidade e linhas mais diversificadas.

• Aumentar a força competitiva de atuação para inserção externa de mercado.

• Fortalecer o poder de compra. • Compartilhar recursos,

principalmente aqueles subtilizados.

• Dividir riscos e custos para gerar novas oportunidades.

• Geração de lucros que não poderiam ser obtidos de forma independente.

• Controle mais estreito sobre ativos e competências necessários à viabilização do processo de inovação.

• Sinergias econômicas de escala nas atividades de produção, marketing e P&D.

• Fortalecimento da capacidade para reagir melhor a choques externos.

• Controle sobre os mercados potencialmente promissores.

• Economias de escopo e o reforço da diferenciação de produto.

• Redução e racionalização dos gastos em P&D.

Marketing • Novas linhas de produtos

lucrativas a partir do desenvolvimento de produtos.

• Redução de custos e melhor eficiência na publicidade

Pessoal • Melhoria de políticas de

pessoal Compras • Descontos em grandes

quantidades na obtenção de matérias-primas.

Produção • Redução de custos através

do desenvolvimento de novos processos de produção.

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que permite conhecer mais de perto as neces-sidades desses usuários. Essas fontes internasde conhecimento podem ser combinadas comfontes externas, tais como outras firmas, for-necedores, e institutos de ciência e tecnologia.Uma das principais formas de aprendizagemgerada por fontes externas é a aprendizagempor interação ou learning-by-interacting e temnos trabalhos de Lundvall (1988) uma dasprincipais referências.

Lundvall (1988), citado por Britto(2001), apresenta quatro características im-portantes do processo de aprendizagem porinteração. A primeira refere-se à presençade um fluxo sistemático de informações e decanais de comunicação, permitindo umaconexão efetiva entre os agentes. Uma se-gunda característica destaca que o aprofun-damento do aprendizado por interaçãopressupõe certa seletividade nos relaciona-mentos entre empresas. Para Lundvall, talseletividade surge da necessidade de insta-larem-se relações não-econômicas entre osagentes. Outra característica está relaciona-da ao tempo que é requerido para seu desen-volvimento, o qual se justifica pelas dificul-dades relacionadas ao fortalecimento da con-fiança entre os agentes e aos investimentosespecíficos exigidos. Por fim, uma quartacaracterística relaciona a necessidade de in-centivos. Em outros termos, os laços fortale-cidos ao longo do tempo podem ser rompi-dos se os incentivos econômicos oferecidospor novos relacionamentos forem muitíssimocompensadores.

As relações externas são consideradasimportantes, não só para os APLs já estabe-lecidos, mas também para aqueles emergen-tes. Em especial, para o caso de APLs emer-gentes, as relações externas podem permitiracessos a conhecimentos, habilidades, con-tatos, capital e informações sobre novas opor-tunidades tecnológicas e novos mercados(BRESCHI; MALERBA, 2001).

2 Aspectos metodológicos

A realização do estudo e da análisedas relações de cooperação e interação entreos diversos agentes do APL de Equipamen-tos e Implementos Agrícolas do Oeste doParaná teve como estratégia metodológicaum estudo de caso único, viabilizado por

meio de entrevistas, observações em ambien-te natural e de análise documental. A coletade dados ocorreu em 2008, em 17 empresasde micro, pequeno e médio porte perten-centes ao arranjo produtivo. A seleção docaso constituiu uma amostragem do tipo in-tencional, que decorre dos trabalhos desen-volvidos pela Rede Paranaense de Apoio aosArranjos Produtivos Locais (Rede APLParaná), fundamentados na metodologia deidentificação e caracterização de APLs ela-borada por Suzigan et al. (2004). A Rede APLé constituída por instituições do GovernoEstadual, pelo Sistema FIEP, Sebrae-PR, econta também com a participação de bancospúblicos e privados.

As entrevistas, consideradas uma dasfontes mais importantes em uma pesquisade estudo de caso, foram do tipo face a face,realizadas com empresas e instituições pre-sentes no APL. Os respondentes eram os pro-prietários, no caso das empresas, e dirigentes,no caso das instituições (entidades de classe,associações e universidades).

Foram aplicados dois questionários:um voltado para as características gerais ede infraestrutura do arranjo, e outro, paracaracterizar as empresas produtoras. O ques-tionário administrado para empresas foi sub-dividido em três módulos: o primeiro móduloteve por objetivo identificar aspectos geraisdas empresas; o segundo, foi direcionadopara pautar o perfil das empresas e dos só-cios. O terceiro módulo compreende questõessobre as relações entre as empresas e entreas empresas e instituições do arranjo, com oobjetivo de identificar e explorar os elementosmotivacionais e inibidores dessas relações.

O Arranjo Produtivo Local propostocomo foco de análise deste trabalho é do tipoEmbrião de Arranjo Produtivo e se baseiana tipologia apresentada por Suzigan et al.(2004). A escolha desse arranjo deve-se aofato de esse tipo de APL necessitar de umesforço analítico maior e apresentar caracte-rísticas estruturais e vínculos incipientes maisacentuados.

Para identificar os fatores inibidores,as questões formuladas no questionáriobuscaram inicialmente identificar os espaçosde cooperação para posteriormente carac-terizar e analisar as relações entre as empre-sas e entre empresas e instituições. A etapa

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preliminar de identificação desses espaços decooperação é considerada, para os propósi-tos deste trabalho, de fundamental importân-cia, pois são esses espaços que justificam aexistência das relações.

3 Estudo de caso

3.1 Perfil do Arranjo Produtivo Local

O arranjo produtivo local de equipa-mentos e implementos agrícolas do oeste doParaná compreende municípios de duasmicrorregiões do Paraná, com destaque paraCascavel e Toledo. Sua origem relaciona-secom o processo da colonização, mas é a par-tir da década de 1970, com o processo intensode modernização da atividade agropecuária,que a região tem sua base tecnológica alte-rada. Nesse período ocorre uma acentuadamecanização e expansão das culturas da sojae do trigo, trazendo um rápido crescimentoeconômico para a agricultura, além da for-mação de uma base de exportação. Essamudança teve como reflexo o surgimento denovas empresas de equipamentos e peçasagropecuárias, que inicialmente buscaramatender o mercado local.

Os principais produtos comercializa-dos são máquinas, peças, produtos para co-lheita, pré e pós-colheita, tais como planta-deira de grãos, peças para colheitadeiras,silos, secadores, máquinas de pré-limpeza,além da prestação de serviços na área detorno, corte, dobra, entre outros. Em relaçãoao mercado em que atuam, este é predomi-nantemente nacional, com forte presençaregional e pouca participação externa, limi-tada a poucas empresas. Do total produzidopelas empresas entrevistadas, 36,6% são des-tinados à região do arranjo, 26,5% para oestado do Paraná, 34,4% para outros estadosdo Brasil, e finalmente, 2,5% para o exterior.

Nesse APL não existe um produto quepossa ser considerado como principal. Váriosprodutos são fabricados, caracterizando as-sim uma estrutura heterogênea. Fazem par-te do aglomerado empresas de micro, peque-no e médio porte, todas de capital nacional.Além do conjunto de empresas, o APL tema presença de outras organizações que cons-tituem sua infraestrutura educacional, insti-tucional e científico-tecnológica.

A infraestrutura educacional é com-posta por 14 universidades, que compreen-dem juntas cerca de 30 mil estudantes. OAPL também conta com vários cursos profis-sionalizantes e tem como sua principal fontepara o aperfeiçoamento da mão-de-obra lo-cal o Serviço Nacional de AprendizagemIndustrial (Senai). Também estão presentestrês institutos de pesquisa, com destaquepara a Fundação para o DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (FUNDETEC).

Em relação à infraestrutura institucio-nal, destaca-se a Associação de Micros ePequenas Empresas (AMIC) e a AssociaçãoComercial e Industrial de Cascavel (ACIC),ambas com relativa atuação no APL. Tem-setambém o Sindicato das Indústrias Metalúr-gicas, Mecânica, Material Elétrico do Oestedo Paraná (SINDIMETAL), vinculado à Fe-deração das Indústrias do Paraná (FIEP).Com uma atuação bastante representativa,apresenta-se o Serviço de Apoio às Micro ePequenas Empresas (Sebrae), com sede emCascavel e Toledo. O Sebrae tem atuadocomo parceiro, embora não atenda às neces-sidades de todas as empresas, oferecendocursos de capacitação empresarial, com des-taque para gestão financeira, planejamentoestratégico, qualidade, gestão de projetos eliderança. Os Programas de Apoio, específi-cos com foco estratégico e atuação nos APLs,também estão presentes. Como exemplo,pode ser citado o Procompi – Programa deapoio à competitividade das micro e peque-nas indústrias –, cuja adesão é de 80% dasempresas da amostra.

Por fim, o APL conta com diversas ins-tituições financeiras públicas e privadas.Embora seja considerável o número de insti-tuições financeiras presentes, o acesso aosrecursos necessários é limitado e, na maio-ria das vezes, atendem parcialmente às ne-cessidades das empresas.

3.2 Perfil das empresas do ArranjoProdutivo Local

De acordo com os estudos da RedeAPL Paraná, o SLP de equipamentos e imple-mentos agrícolas do Oeste do Paraná é for-mado por 54 indústrias, que geram cerca de1.000 empregos diretos. Para os objetivos des-te trabalho, foram coletados dados de uma

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177Cooperação, interação e aprendizagem no arranjo produtivo local deequipamentos e implementos agrícolas do Paraná

Do ponto de vista das externalidades,cabe ressaltar que os empresários, de manei-ra geral, não percebem muitas vantagens

associadas ao sistema local em que estão inse-ridos. Essa percepção se reflete nos índicesapresentados na Tabela 3.

amostra de 17 empresas, localizadas nosmunicípios de Cascavel e Toledo, com 395postos de trabalho gerados diretamente.Deste total, dez são de micro porte, seis depequeno e uma de médio. Nenhuma empresade grande porte faz parte do SLP analisado.

Para caracterizar as empresas do APL,foram consideradas questões relativas à ope-ração da empresa, identificando suas maioresdificuldades; a capacidade competitiva; operfil da mão-de-obra e a estrutura produti-va e de comercialização, conforme Tabela 2.

Tabela 2 - Caracterização das empresas do APL

Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo

Tabela 3 - Avaliação do grau de importância das externalidades.

Nível de importância Vantagens 1 2 3 4 5 6 7

Índice

Proximidade com clientes/consumidores 2 3 2 2 2 4 2 0,54 Baixo custo de mão-de-obra 2 4 2 5 3 1 0 0,44 Existência de programas de apoio e promoção 5 2 2 2 4 1 1 0,43 Proximidade a fornecedores de insumos 4 5 2 4 1 1 0 0,35 Proximidade à matéria-prima 8 3 0 1 2 3 0 0,34 Disponibilidade de serviços técnicos especializados 5 6 2 1 0 2 1 0,32 Acesso à mão-de-obra qualificada 2 7 5 2 0 1 0 0,30 Proximidade com universidades e centros de pesquisa 7 3 4 1 1 0 1 0,28

Índice = (0,1 * n. 1+ 0,2 * n. 2+0,3 * n. 3 + 0,6 * n. 4 + 0,7 * n. 5 + 0,8 * n. 6 + n. 7) / (n. empresas)Fonte: Elaboração própria a partir de pesquisa de campo

Operação da empresa

A contratação de mão-de-obra e a produção com qualidade foram consideradas as maiores dificuldades no que se refere à operação da empresa. Embora a região ofereça uma grande quantidade de cursos profissionalizantes, há uma escassez de profissionais qualificados em determinadas áreas. A dificuldade em produzir com qualidade foi considerada como média e decorre, em parte, da ausência da referida mão-de-obra. Outras dificuldades, tais como capital para aquisição de máquinas e equipamentos e capital de giro, também foram destacadas. Tais dificuldades apresentam-se com grande relevância no que se refere à modernização e eficiência dos processos produtivos e inovativos das empresas.

Capacidade competitiva

A qualidade do produto e a capacidade de introduzir novos produtos e/ou processos apresentam-se como os principais fatores de competitividade. Por outro lado, o preço e a estratégia de comercialização foram declarados como pouco relevantes para a competitividade das empresas. O nível tecnológico do produto apresenta também baixo índice de importância já que, para o mercado em que atuam, as empresas não apresentam necessidade de incorporar mais tecnologias em seus produtos.

Perfil da mão-de-obra

A mão-de-obra se apresenta com baixa qualificação, principalmente na área produtiva. A área administrativa é a que apresenta a melhor qualificação. Vale destacar que grande parcela do pessoal atua também nas áreas produtiva e administrativa. Apesar de a região dispor de uma infraestrutura educacional que incorpora várias áreas de conhecimento, há uma carência na oferta de capacitação em áreas mais específicas, principalmente no setor produtivo das empresas.

Estrutura produtiva e de comercialização

Presença predominante de empresas de micro e pequeno porte, sendo a maioria delas constituída há menos de 25 anos. Quanto aos produtos, o SLP produz uma grande diversidade, com atuação em vários nichos de mercado. Os principais canais de comercialização são a venda direta e representação comercial. Os fatores mais importantes no processo de comercialização apresentados foram o preço do produto e marca e tradição da empresa. Por outro lado, para os fatores menos importantes, destacam-se a promoção e propaganda, serviço pós-venda e nível tecnológico do produto.

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O acesso à mão-de-obra qualificada,considerada uma das principais externali-dades apontadas nos estudos sobre aglome-rados localizados, neste APL não se verificacomo uma vantagem. Segundo os respon-dentes, é uma das maiores dificuldades en-contradas na região. Algumas empresas sãolevadas a formarem o próprio profissional.As escolas e centros de capacitação profissi-onal atendem a algumas demandas do aglo-merado. Algumas empresas, que apresen-tam necessidades mais específicas, não en-contram nessas escolas e centros decapacitação apoio para melhor qualificaçãode seus funcionários. A heterogeneidadeapresentada pelo APL, na opinião dos entre-vistados, contribui para esta realidade.

Dentre as vantagens percebidas, desta-cam-se, relativamente, a proximidade comclientes e o baixo custo da mão-de-obra. Osprogramas de apoio e promoção, mesmopara as empresas que já participam de al-gum, como por exemplo, o Procompi – Pro-grama de Apoio a Competitividade dasMicro e Pequenas Indústrias – apresentamações e benefícios ainda pequenos.

A proximidade a fornecedores deinsumos apresenta pouca importância. Nes-te caso, é importante ressaltar que as princi-pais matérias-primas utilizadas provêm deoutros estados.

Quanto às universidades, as empresaspouco conhecem ou reconhecem os serviçose as possibilidades de ações conjuntas. Bai-xo índice também é apresentado em relaçãoà disponibilidade de serviços especializados.

Outro aspecto importante a ser desta-cado é em relação à coordenação presenteno arranjo. O APL é coordenado basicamen-te por cinco empresas, com a instituição de

um coordenador geral que, dentre suas vá-rias atribuições, destaca-se a de formar gru-pos temáticos para o desenvolvimento de pro-jetos. Para cada projeto é destinada uma pes-soa para sua coordenação. Apesar de aindanão se encontrar fortemente estruturada,esforços têm sido realizados para o estabele-cimento de uma governança que traga maiscompetitividade às empresas. O maior de-safio está nos conflitos que surgem devido àdiversidade de necessidades das empresas.

4 Resultados obtidos

4.1 Aprendizagem: fontes internas eexternas de informação

De uma maneira geral, em relação aosprocessos de aprendizagem que decorrem defontes internas, as empresas investigadas noAPL apresentam, na esfera produtiva, umarelativa capacidade de absorver, se adaptare dominar novos conhecimentos quando daaquisição de novas máquinas ou tecnologias.Deve-se destacar, no entanto, que as aquisi-ções referidas reportam, em sua maioria,tecnologia simples. O objetivo principal dasaquisições é o de melhorar a qualidade doproduto e aumentar a produtividade, e nãoo de incorporar novas tecnologias nosprodutos.

No que tange às fontes externas de in-formação, foram considerados os principaisprodutos da empresa e, relacionado a estes,suas principais dificuldades, benefícios emelhorias provindas das interações. Os res-pondentes indicaram em quais fontes a em-presa buscava informações para a soluçãodas dificuldades e sua importância, em umaescala de um a sete, conforme Tabela 4.

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179Cooperação, interação e aprendizagem no arranjo produtivo local deequipamentos e implementos agrícolas do Paraná

Vale destacar que as feiras e exposi-ções, clientes e fornecedores são os mais cita-dos como fontes externas de informação etambém correspondem aos maiores índicesde importância encontrados. O mesmo, noentanto, não ocorre com os centros decapacitação profissional e publicaçõesespecializadas. Essas duas fontes de infor-

mação, apesar de citadas por cerca de 70%das empresas, são consideradas de médiaimportância para os empresários. As asso-ciações também são citadas por mais de 60%dos empresários, entretanto, são considera-das de baixa importância. Uma maior des-crição sobre cada ator citado é apresentadana tabela 5.

Grau de importância para as empresas Fontes de informação

1 2 3 4 5 6 7

Total de empresas/ fonte de

informação

Índice

Clientes 0 0 1 0 4 4 5 14 0,81 Feiras e exposições 0 1 1 4 4 2 3 15 0,69 Fornecedores 1 0 2 2 1 6 2 14 0,67 Institutos de pesquisa 0 0 1 0 0 0 1 2 0,65 Universidades 0 2 0 1 1 2 1 7 0,61 Empresas de consultoria 1 0 0 1 2 1 0 5 0,58 Publicações especializadas 2 2 0 2 1 3 2 12 0,58 Concorrentes 0 0 2 2 3 0 0 7 0,56 Centros de capacitação profissional 0 2 2 3 2 0 2 11 0,56 Aquisição de licenças, patentes 0 1 0 0 0 1 0 2 0,50 Outras empresas do setor 0 2 2 1 1 1 0 7 0,44 Conferências, seminários 2 1 1 2 0 0 1 7 0,41 Associações empresariais 2 2 2 3 2 0 0 11 0,40

Tabela 4 - Grau de importância das fontes externas de informação para o aprendizado.

Índice = (0,1 * n. 1+ 0,2 * n. 2+0,3 * n. 3 + 0,6 * n. 4 + 0,7 * n. 5 + 0,8 * n. 6 + n. 7) / (n. empresas)Fonte: Elaboração própria a partir de pesquisa de campo.

Tabela 5 - Análise das fontes externas de informação para o aprendizado.

Clientes: São considerados, pelas empresas pesquisadas, a maior fonte de informação. A interação com os clientes tem gerado aprendizado e aperfeiçoamento de produtos significativos. A troca de informações ocorre de maneira informal, através de e-mail, telefone e contato pessoal. O contato pessoal, por meio de visitas, é bastante utilizado e tem por objetivo buscar informações, fundamentalmente, para melhoria de processos na produção e na qualidade dos produtos. Desta troca surgem sugestões de novos produtos, muitas vezes específicos para a necessidade de um determinado cliente. Dentre os benefícios e melhorias percebidos pelos empresários, destacam-se a fidelização do cliente, desenvolvimento e melhoria de produtos e exclusividade no fornecimento.

Fornecedores: São destaques como fontes importantes de aprendizado. As interações são, em grande parte, voltadas para a melhoria da qualidade do produto e ocorrem, principalmente, com fornecedores de matéria-prima. É importante ressaltar que, somente para um terço das empresas, os fornecedores encontram-se no arranjo. Para a imensa maioria, os principais fornecedores estão localizados em outros estados brasileiros. A carência desse tipo de ator no APL é considerada, por parte dos empresários, uma das maiores deficiências que o arranjo apresenta em termos estruturais.

Concorrentes: Os concorrentes têm um destaque menor como fontes de informação, e o aprendizado gerado não é significativo. Apenas 40% das empresas citaram os concorrentes como fontes de conhecimento para o aprendizado. Os respondentes reconhecem a dificuldade de se obter informações, principalmente em relação aos produtos. Quando estas ocorrem, é por meio de catálogos, revistas técnicas, feiras e exposições. Os resultados e os benefícios dessa fonte de informação, quando alcançados, geralmente proporcionam melhorias no processo produtivo.

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180 Antonio Iacono; Marcelo Seido Nagano

Fonte: Elaboração própria a partir de pesquisa de campo.

Outras empresas do setor: As outras empresas do setor não são consideradas importantes fontes de informação pela maioria das empresas. As empresas respondentes relataram que as informações limitam-se à melhoria de processo.

Centros de capacitação profissional: São considerados de média importância para a maioria das empresas investigadas. Destacam-se como principais fontes o Senai e o Sebrae. O Senai é visto como fonte de informação para a área produtiva e técnica, e o Sebrae, voltado para informações administrativas relacionadas à gestão organizacional. Vale destacar que, para algumas empresas, as necessidades relacionadas à gestão estão além do que o Sebrae oferece. O mesmo acontece, para algumas empresas, em relação ao Senai, em que a qualificação oferecida atende de forma parcial as necessidades dessas empresas.

Universidades: No caso das universidades, embora a região do arranjo tenha uma boa infra-estrutura educacional, a maioria das empresas não as utiliza como fontes de informação. Do total de empresas pesquisadas, cerca de 60% não possuem nenhum tipo de interação com as universidades. Há casos em que ocorre o contrário, são as universidades que vão até as empresas buscar informações para pesquisas de cunho acadêmico. Vale destacar que alguns respondentes questionaram a competência das universidades em solucionar problemas de ordem técnica, mas a maioria, embora não interaja, acredita em seu potencial de conhecimento. Dentre os benefícios alcançados pelas empresas, destacam-se a melhoria da qualidade do produto e o aperfeiçoamento de projetos.

Institutos de pesquisa: Quanto aos institutos de pesquisa, conforme pode ser visto pela tabela anterior, somente duas empresas fizeram citações. Para uma empresa, a avaliação é considerada satisfatória e, para outra, é pouco importante. As demais empresas não possuem relações, mas também não souberam dizer se os institutos poderiam ser importantes como fontes de informação para o aprendizado.

Consultoria: As empresas de consultoria foram pouco citadas. Segundo os respondentes, elas podem ajudar, mas pouco, por acreditarem que não possuem conhecimento adequado e necessário. Para alguns respondentes, a imagem é muito negativa, demonstrando muita resistência e pouca credibilidade.

Associações empresariais: Para a maioria dos respondentes, essa fonte de informação não é considerada de muita importância. Apesar de ser citada por mais da metade das empresas, os benefícios percebidos pelos empresários, tais como acesso a normas técnicas, capacitação profissional e assessoria jurídica pouco contribuem para a empresa. As entidades mais citadas foram o Sindimetal, Amic, Fiep, Acic e Associação Brasileira de Fundição - Abifa. Em alguns casos, as associações auxiliam os empresários a encontrar e desenvolver novos clientes e fornecedores e a participar de feiras e eventos no exterior. Em outros casos, as ações estão voltadas para questões salariais, como reajustes e reivindicações, ou seja, têm como foco o tratamento das relações empregador-empregado.

Feiras e exposições: As feiras e exposições são utilizadas por cerca de 90% das empresas e apresenta uma relativa importância como fonte de informação para o aprendizado. As empresas buscam; com a participação de feiras e exposições, principalmente informações sobre os concorrentes, novos produtos e novas tecnologias.

Publicações especializadas: As publicações especializadas aparecem como fonte de informação para cerca de 70% das empresas pesquisadas. São, em sua quase totalidade, nacionais. A fonte mais citada é a Retec - Rede de Tecnologia do Paraná. A Retec busca oferecer informações tecnológicas e mercadológicas, com foco nas PMEs. Oferece também informações sobre linhas de financiamento, nos âmbitos federal e estadual, para capacitação tecnológica.

Aquisição de licenças e patentes: A aquisição de licenças e patentes é utilizada como fonte de informação por apenas duas empresas. A maioria dos empresários desconhecia esse tipo de fonte de informação.

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181Cooperação, interação e aprendizagem no arranjo produtivo local deequipamentos e implementos agrícolas do Paraná

Pode-se afirmar que, para as empresasinvestigadas, as fontes externas de informa-ção apresentadas acima, em geral, não têmsido relevantes para o aprendizado. No en-tanto, vale enfatizar que a interação para oaprendizado é reconhecida pelas empresascomo importante para seu crescimento e de-senvolvimento. Ocorre que, em muitos casos,as empresas não sabem das potencialidadesdas fontes e do conhecimento que poderiamproporcionar.

É importante ressaltar que, para algu-mas empresas investigadas, o estágio de cres-cimento no qual se encontram não exige ounão justifica a interação com determinadafonte de aprendizado. É o caso dos institutosde pesquisa. Para algumas empresas que nãodesenvolvem novos produtos e nem incorpo-ram novas tecnologias, as informações nãose justificam e não se aplicariam à realidadedessas empresas.

4.2 Interação e cooperação: fatoresinibidores e motivacionais

Os atores do arranjo citados pelos em-presários para identificar e analisar os fato-res motivacionais e inibidores para as rela-ções de cooperação e interação foram: forne-cedores, clientes, concorrentes, empresas deconsultoria, outras empresas do setor, uni-

versidades, institutos de pesquisa, centros decapacitação profissional, associações empre-sariais, e instituições financeiras. É importan-te destacar que para a identificação dos es-paços para a cooperação utilizou-se comoponto de partida a visão e a percepção queo empresário possui em relação ao seu pro-duto, mercado e negócio.

A universidade aparece como o atormais citado para uma parceria desejávelpara a promoção dos produtos. Em segundo,surgem os concorrentes, seguidos pelos cen-tros de capacitação profissional e empresasde outro setor. Os fornecedores, clientes, ins-tituições financeiras, empresas de consulto-ria e associações empresarias foram citadospor cerca de um terço das empresas investi-gadas. Os institutos de pesquisa foram os me-nos citados, apenas por cerca de um quartodas empresas. Vale observar que, para váriasempresas investigadas, os potenciais clientespara uma parceria não se encontram naregião do arranjo.

A partir das declarações dadas pelosempresários, foi possível identificar e desta-car os principais elementos ou fatores que di-ficultam ou inibem uma relação mais intensapara o desenvolvimento de ações conjuntasou, em muitos casos, uma primeira aproxima-ção entre os diversos tipos de atores. A Tabela6, a seguir, apresenta os resultados.

Tabela 6 - Principais fatores inibidores e atores envolvidos.

Fatores inibidores Principais atores envolvidos Descrição

Falta de informação

Fornecedores; associações empresariais ; concorrentes; outras empresas do setor; consultorias; institutos de pesquisas; universidades

A falta de informação, seja sobre as outras empresas, instituições ou benefícios da interação e cooperação, é percebida na maioria das empresas pesquisadas. Apesar de certo avanço no entendimento, a ideia de aglomerado, de parceria e interação precisa ser mais amadurecida.

Falta de capital ou escassez de recursos financeiros

Outras empresas do setor; consultorias.

Nota-se que algumas empresas estão dispostas a interagir e a desenvolver ações conjuntas, mas a falta de capital gera a dificuldade, especialmente quando se trata de desenvolvimento de produtos.

Mão-de-obra pouco qualificada e pouco disponível

Concorrentes; fornecedores. universidades; clientes; outras empresas do setor; institutos de pesquisa.

A escassez e a baixa qualificação da mão-de-obra geram obstáculos para uma aproximação. Novamente, para os casos de desenvolvimento de um novo produto, junto a fornecedores, universidades ou institutos de pesquisas.

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Fonte: Elaboração própria a partir de pesquisa de campo

Fatores inibidores Principais atores envolvidos Descrição

Difícil acesso às instituições de ensino

Universidades; institutos de pesquisa.

Algumas empresas declararam que o acesso aos professores/departamentos técnicos é difícil, demanda muito tempo e são considerados muito burocráticos.

Instalações e máquinas Fornecedores; outras empresas do setor.

Há empresas que não dispõem de instalações e máquinas adequadas para o desenvolvimento de atividades conjuntas. Verifica-se uma escassez neste tipo de recurso.

Cultura organizacional Concorrentes; fornecedores; consultorias.

Em alguns casos, relatou-se o fracasso em experiências anteriores e isso gerou insegurança e o julgamento de que as parcerias não funcionam.

Falta de confiança Concorrentes; fornecedores; outras empresas do setor; consultorias.

Esse fator aparece principalmente quando é relacionado aos concorrentes. Ma também foi citado em possíveis parcerias com a universidade. Neste caso, há uma insegurança relacionada à propriedade intelectual.

Limitações de capacidade/competências das empresas locais

Concorrentes; fornecedores; outras empresas do setor.

Muitas das parcerias e interações não são realizadas ou intensificadas porque as empresas locais apresentam um porte pequeno e são limitadas do ponto de vista tecnológico. Empresas mais desenvolvidas tecnologicamente se aproximariam mais facilmente.

Conflito de interesses entre instituições e empresas

Universidades; centros de capacitação profissional; institutos de pesquisas.

Um caso de conflito citado relacionou algumas instituições de ensino superior. Quando os projetos das empresas não vão ao encontro das áreas de interesse dessas instituições, as parcerias não acontecem. Centros de capacitação profissional também são citados.

Falta de visão holística do negócio

Fornecedores; concorrentes; outras empresas do setor; universidades; institutos de pesquisas.

Há pouca percepção, por parte da maioria dos empresários, da visão de todos os elementos da empresa. Nota-se uma visão parcial e predomi-nantemente relacionada a uma área específica de conhecimento que o empresário possui.

Acúmulo de funções do empresário

Universidades; concorrentes; fornecedores; outras empresas do setor.

Na maioria das empresas investigadas os empresários acumulam funções técnicas e administrativas. Essa realidade disponibiliza pouco tempo para o empresário pensar a empresa estrategicamente e buscar parcerias.

Uso de tecnologias obsoletas

Fornecedores; outras empresas do setor.

Várias empresas declararam não possuir máquinas e equipamentos com tecnologia mais avançada. Recursos baseados em tecnologias simples têm dificultado a aproximação entre empresas para a realização de ações conjuntas visando o desenvolvimento ou melhoria de produtos com melhores tecnologias incorporadas.

Elevada taxa de juros Instituições financeiras.

A elevada taxa de juros juntamente ao baixo montante disponibilizado são os principais obstáculos para uma parceria com as instituições financeira.

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183Cooperação, interação e aprendizagem no arranjo produtivo local deequipamentos e implementos agrícolas do Paraná

Os elementos inibidores apresentadosacima apresentam, fundamentalmente, ca-racterísticas relacionadas aos aspectos inter-nos da organização. Dentre os que mais sedestacaram podem ser citados aqueles quese referem à visão do negócio; cultura organi-zacional; estilo de gerenciamento daempresa; recursos tecnológicos; estratégia eplanejamento; conhecimento gerencial; e co-ordenação e organização das funções técni-cas e administrativas.

Quanto aos fatores motivacionais, fo-ram poucos os mencionados. Isso se deveprincipalmente ao fato de as empresas pos-suírem poucas relações com outras empresase atores do arranjo. A confiança foi aponta-da como um importante fator de aproxima-ção, em especial com concorrentes. Sãoexemplos de aproximação, encontrados noarranjo, um caso de parceria em projetoscomuns e outro para fonte de informação.

O baixo custo com qualidade de pres-tação de serviços também foi citado. Melho-rias em processo e produto puderam assimser obtidas dentro de uma realidade de custo.Outras empresas do setor e fornecedorestambém se destacaram como agentes deparcerias e fontes de informações. A buscapor essas relações está ligada à redução noscustos, como por exemplo, de matéria-pri-ma, obtidos através de compras conjuntas ea complementaridade de competências paradesenvolvimento e melhoria de produtos.Alguns empresários afirmaram que aaproximação com as empresas de outro se-tor é mais fácil, pois elas estão “mais aber-tas” para uma possível relação. Outra moti-vação é o conhecimento complementar queestas empresas, em muitos casos, podemoferecer.

Considerações finais

A presente pesquisa empírica serviu debase para explorar as relações de interaçãoe cooperação no APL de máquinas e imple-mentos agrícolas do Oeste do Paraná, tendoem seu foco de análise o aprendizado e osfatores inibidores e motivacionais nessas re-lações. Diante dos resultados apresentados,vale destacar, inicialmente, algumas consi-derações em relação às potencialidades e àscarências apresentadas no arranjo.

A expressiva presença de uma infraes-trutura institucional, educacional e científi-co tecnológico, é um dos pontos fortes doAPL e pode viabilizar e potencializar a ati-vidade produtiva local. No entanto, deve-seressaltar que, apesar dessa favorável confor-mação no território, as relações existentes sãoincipientes e poucos são os recursos compar-tilhados. Em outros termos, a existência des-sa infraestrutura não tem garantido açõesconjuntas significativas de promoção doaglomerado e, quando as relações ocorrem,não são de caráter estratégico, limitando-seà simples troca de informações e ações decunho operacional.

Outra potencialidade analisada refe-re-se à dimensão tecnológica. Pode-se cons-tatar que o conjunto de empresas do arranjoapresenta potencial para inovações incre-mentais em produto e processo. Entretanto,estas empresas trazem consigo dificuldadesque podem ser traduzidas em limitações derecursos financeiros, humanos, técnicos e degestão. Tais limitações, por sua vez, dificul-tam as interações e ações conjuntas comoutras empresas e instituições, afetando as-sim os processos de aprendizagem, tanto deorigem interna quanto externa. É importanteenfatizar que esforços para a promoção dacooperação entre os atores do arranjo têmsido realizados, seja por intermédio de insti-tuições de apoio, seja através de sua gover-nança. As ações, apesar de contemplaremsomente algumas empresas do arranjo e asatividades satisfazerem parcialmente suasnecessidades, podem ser consideradas im-portantes para o avanço do APL como umtodo.

Algumas carências apresentadas noarranjo e que merecem destaque envolvemquestões técnicas/gerenciais das empresas ede mercado. Para a maioria das empresasinvestigadas, determinadas qualificaçõestécnicas ou organizacionais estão ausentes.Verificam-se muitos problemas quanto aogerenciamento do negócio como um todo,com questões que afetam a área produtiva,administrativa e técnica. Relatos de dificul-dade no desenvolvimento de produto, decaptação de recursos financeiros e de defini-ções de planos estratégicos que visem o au-mento de competitividade das empresas ilus-tram essa realidade. Em relação ao mercado,

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os empresários demonstraram, no geral,pouco conhecimento sobre sua dinâmica.Essa carência, em especial, torna-se umgrande limitador de crescimento, já que oconhecimento do mercado é crucial para odesenvolvimento das empresas, por gerar umdiferencial na competitividade.

Deve-se ressaltar que toda gama de di-ficuldades, especialmente ao que se refere àcirculação de informações e ao desenvolvi-mento de ações conjuntas, decorre da própriafalta de maturidade do arranjo, da sua con-dição de APL embrionário. Outro aspectoimportante a ser observado é que o APLapresenta empresas em diferentes estágiosde desenvolvimento e que precisam de recur-sos que atendam a essas diferenças. Há em-presas que precisam de cursos básicos, porexemplo, de ferramentas de gestão financei-ra, que aprendam a fazer um fluxo de caixa,e há empresas que já superaram essa necessi-dade e precisam ser atendidas em outras, es-pecíficas ao seu estágio de evolução. Essarealidade pôde ser verificada quando daadesão das empresas ao Programa de ApoioProcompi. Cursos foram planejados e umagrande dificuldade foi gerada para atenderà necessidade de todas as empresas. Houveuma participação parcial dos cursos em fun-ção dessas diferentes necessidades, o que pre-judicou a capacitação de algumas empresas.Entretanto, é importante mencionar que, ain-da que o direcionamento seja para um desen-volvimento endógeno, com ações que emer-gem de dentro do arranjo, a intervenção doEstado e de instituições de apoio comofacilitadores têm favorecido, de certa forma,a promoção das empresas do APL.

No que tange à aprendizagem, as em-presas limitam-se a explorar as fontes deconhecimento, na esfera produtiva, funda-mentalmente para melhoria de qualidade dosprodutos e aumento de produtividade. Estaestratégia restringe o alcance de mercadosmais competitivos, onde a incorporação denovas tecnologias em produtos e processosé imperativo. Em relação às fontes externasde conhecimento, as interações não são in-tensas e resumem-se basicamente a fornece-dores e a clientes. A falta de informação emrelação a outros tipos de atores ou fontes deconhecimento é um dos principais fatoresque limitam uma maior aproximação e

desenvolvimento de ações conjuntas entre osagentes do arranjo.

Quanto aos fatores inibidores, verifi-cou-se que as possíveis interações e ações con-juntas podem ser comprometidas e invia-bilizadas por questões relacionadas aos as-pectos internos da organização, tais comoinfraestrutura e gestão das empresas. Issoequivale a dizer que, mesmo as empresas es-tando dispostas a desenvolver ações conjun-tas ou interagir com mais intensidade, sãopassíveis de barreiras, relacionadas princi-palmente aos recursos técnicos, de pessoal efinanceiros.

No entanto, é importante salientar que,embora os laços cooperativos revelem-se tê-nues, há um entendimento e reconhecimentoda importância da interação e participaçãodos diferentes tipos de atores na solução deproblemas e promoção da empresa como umtodo. Quanto às políticas públicas voltadaspara a promoção de APLs de pequenas em-presas, estas devem, ao estimular a interaçãoe cooperação entre os diversos atores, levarem consideração não só as especificidadesdo contexto socioeconômico-cultural local,mas também as especificidades dessas em-presas, que, conforme visto, caracterizam-sepor apresentarem deficiências técnicas eorganizacionais, comuns ao seu porte.

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A inserção recente da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia: novos indícios dainstabilidade do território em Rondônia e Acre

The recent insertion of sugarcane in southwestern Amazonia: new evidences ofinstability of territory in Rondonia and Acre (Brazil)

L’introduction récente de canne à sucre au sud-ouest de l’Amazonie: nouvelles preuves del’instabilité du territoire en Rondônia et Acre (Brésil)

La introducción reciente de la caña de azúcar en el suroeste de la Amazonia: nuevaspruebas de la inestabilidad del territorio en Rondonia y Acre (Brasil)

Mirlei Fachini Vicente Pereira*

Recebido em 25/1/2010; revisado e aprovado em 7/5/2010; aceito em 27/7/2010

Resumo: O cultivo da cana-de-açúcar alcança recentemente espaços agrícolas localizados na Amazônia brasileira. Otexto avalia algumas experiências de inserção recente deste cultivo nos estados de Rondônia e Acre, porção sudoesteda Amazônia, reconhecendo fragilidades e novas instabilidades territoriais advindas do cultivo da cana e da instalaçãode usinas por grupos externos.Palavras-chave: Uso do território. Território instável. Cana-de-açúcar.Abstract: The sugarcane’s cultivation reached recently agricultural areas located in the Brazilian Amazon. This essayexamines some recent experiences of insertion this culture in the states of Rondonia and Acre, southwestern Amazonia,recognizing weaknesses and new territorial instabilities resulting from sugarcane’s cultivation and the installation ofethanol production units by outside companies.Key-words: Use of territory. Territory unstable. Sugarcane.Résumé: La culture de la canne à sucre atteint récemment des zones agricoles situées en Amazonie brésilienne. Letravail examine quelques expériences récentes d’insertion de la culture dans Rondônia et Acre, sud-ouest de l’Amazonie,reconnaissant les faiblesses et le nouvelle instabilité territoriale résultant de la culture de la canne à sucre et del’installation d’usines pour le production de l’éthanol par des groupes extérieurs.Mots-clés: Usage du territoire. Territoire instabl., Canne à sucre.Resumen: El cultivo de la caña de azúcar es recién llegado en ciertas zonas agrícolas ubicadas en la Amazoniabrasileña. El artículo examina algunas experiencias recientes de introducción de esta cultura en las provincias deRondonia y Acre, Amazonía Suroccidental, reconociendo las deficiencias y la inestabilidad territorial resultante delcultivo de la caña de azúcar y de la instalación de las unidades de producción del etanol por grupos empresarialesexternos.Palabras clave: Uso del territorio. Territorio inestable. Caña de azúcar.

* Professor Adjunto, Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 11, n. 2 p. 187-193, jul./dez. 2010.

Introdução

A partir dos anos setenta até os diasde hoje, o poder público e a iniciativa privadaoperam políticas que visam tornar a agricul-tura uma atividade moderna e competitivanos estados de Rondônia e Acre, no sudoesteda Amazônia brasileira (Figura 1). O meiogeográfico e a estrutura fundiária da regiãoconhecem, neste período, certa preparaçãopara a empresa capitalista de origemexterna.

Figura 1 - Estados de Rondônia e Acre,Brasil.

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188 Mirlei Fachini Vicente Pereira

Tal processo se intensifica no final dadécada de noventa, com a viabilização deum novo corredor de exportação, a hidroviaMadeira-Amazonas (que escoa a produçãode grãos realizada no norte e noroeste doMato-Grosso), e a agricultura de soja voltadapara o mercado externo torna-se viável tam-bém no estado de Rondônia. Esta cultura deexportação tem expandido em diversos mu-nicípios no sul do Estado (sobretudo nos cam-pos originalmente cobertos pelo cerrado),promovendo novas dinâmicas de uso do ter-ritório que conferem importante reconfigu-ração das atividades agrícolas na região.

Assim, a história da ocupação e do usodo território nos Estados de Rondônia e Acreé muito marcada por um embate entrediferentes lógicas territoriais, onde, de umlado, resistem atividades tradicionais de pro-dução agropecuária pouco capitalizadas(que às vezes se aproximam mesmo dos cul-tivos de subsistência), enquanto, de outrolado, agentes e capitais externos à regiãopromovem, amiúde, ações para a inserçãode práticas agropecuárias modernas e maiscapitalizadas, voltadas sobretudo para ummercado consumidor que se localiza em ou-tras regiões do país, ou mesmo no exterior.

Mais recentemente, nestes primeirosanos do novo século, novos esforços externostêm alcançado e transformado vastos espaçosdesta parte da Amazônia, inserindo, comamplo apoio de políticas públicas, a atividadesucroalcooleira, ou ainda, e melhor dizendo,o cultivo de cana-de-açúcar voltado especial-mente para a produção de álcool combustível(“etanol”). A participação do Brasil como paísagroexportador na divisão internacional dotrabalho ganha ainda mais força neste perío-do atual com as políticas de produção doschamados biocombustíveis, demandandomaior produção agrícola para a exportaçãode commodities valorizadas no mercado exter-no. O recente crescimento da área produzidae da produtividade da cana-de-açúcar (ou deetanol) em diversas unidades da federaçãoatesta a tendência subordinada do país nadivisão internacional do trabalho, resultandonuma atividade que se volta em grande par-te para o mercado externo.

É por isso que novas áreas cultivadase um novo conjunto de unidades produtivas(grandes usinas) e objetos técnicos voltados

para o processamento da cana-de-açúcaraparecem de norte a sul do Brasil, sobretudono Centro-Sul do país, mas também em áreaslocalizadas até mesmo no interior da Ama-zônia, onde nunca a produção extensiva dacana-de-açúcar para a produção de álcoolhouvera existido. Paralelamente à inserçãodeste novo cultivo, tais novas regiões produ-toras também são alvo de vetores econômi-cos e políticos importantes, que legitimammudanças importantes, no mais das vezescaracterizadas por uma fragmentação terri-torial que desmantela organizações espaciaispretéritas, dotando o espaço de uma entropiade origem externa e tornando o território ins-tável (SANTOS, 1978).

Em que pese tal fenômeno ser aindamuito recente, arriscamos avaliar alguns dos(des)caminhos que a inserção do cultivo decana-de-açúcar e da produção de álcool com-bustível conhece na Amazônia, o que fare-mos neste ensaio, a partir dos casos acreanoe rondoniense.

Para pensar a instabilidade do território:a inserção recente da cana-de-açúcar noSudoeste da Amazônia

Que tipo de fenômeno geográfi-co poderia caracterizar determinado terri-tório como instável? As profundas transfor-mações a que o território brasileiro está ex-posto configuram um dinamismo resultantede uma “rápida evolução” (fruto mesmo deum crescimento econômico e de um desen-volvimento do conjunto da nação) ou trata-se mesmo da proliferação de usos territoriaiscorporativos e de origem exógena (SANTOS;SILVEIRA, 2001, p. 299) que, no mais dasvezes, indicam a ausência de um projetopautado em propósitos bem definidos e cor-retamente direcionados?

O avanço da cultura da soja, do modocomo ele ocorre no Brasil, parece resultarjustamente desta corrida sem freio a um cres-cimento concentrador que só tem preocupa-ção com o mercado externo e com a acumu-lação de alguns poucos agentes que conti-nuam a figurar como os mais privilegiados.Tais processos parecem indicar a naturezade um fenômeno espacial que, em determi-nados lugares, configura o que Milton Santose María Laura Silveira denominaram

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189A inserção recente da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia: novosindícios da instabilidade do território em Rondônia e Acre

“território instável” (SANTOS, 1978; SAN-TOS; SILVEIRA, 2001; SILVEIRA, 2002).

Tal instabilidade do território que, nodizer de Santos e Silveira (2001, p. 299), jáaparece em frações do território brasileirocomo uma verdadeira “crise de identidade”,pode ser observada na porção sudoeste daAmazônia brasileira, nos estados de Rondô-nia e Acre. Para além da constituição denovas áreas da produção moderna de sojapara a exportação (especialmente no estadode Rondônia), o sudoeste amazônico temsido alvo de alguns projetos bastante recentesde inserção da produção de cana-de-açúcare da instalação de usinas voltadas à produ-ção de álcool combustível (etanol).

O discurso que privilegia a inserção docultivo e da industrialização da cana-de-açúcaré sempre aquele voltado para o “desenvol-vimento”, pois, em tese, significa diversifi-cação e autossuficiência na produção, o quesignificaria acesso a um combustível maisbarato. No entanto, os projetos de instala-ção das usinas de álcool no sudoeste daAmazônia têm, no mais das vezes, a preten-são de uma produção também voltada paraa exportação e que deixa de atender, por-tanto, as necessidades locais.

1 Insistências e crise da inserção docultivo da cana e da produção de álcoolno estado do Acre

No estado do Acre, em que o projetode desenvolvimento territorial aparece emmuito pautado no discurso da sustentabili-dade (ACRE, 2006), uma inserção recentedo cultivo de cana-de-açúcar é estimuladapelo próprio governo do estado.

Desde 2005, o governo estadual doAcre trabalha para adquirir as instalaçõesde uma antiga usina de álcool (a Alcobrás),implantada na década de oitenta no muni-cípio de Capixaba (vale do rio Acre), empre-endimento que até então nunca funcionara.Em 2007, o Banco do Brasil, que havia finan-ciado o empreendimento e era detentor deseu patrimônio, repassa ao estado do Acreos bens remanescentes da usina. A alterna-tiva para colocar a usina em funcionamentofoi o arrendamento do patrimônio a um gru-po privado do setor de açúcar e álcool, oGrupo Farias, com sede em Pernambuco1.

Numa espécie de “parceria públi-co-privada”, o governo do Acre media asações do grupo Farias para a formação danova usina, que fora batizada de “ÁlcoolVerde”, com a intenção de que a participa-ção do governo do estado pudesse orientaras atividades de modo que o empreendimen-to não gerasse impactos sociais e ambientaisnegativos. Um conjunto de normas foi for-mulado, como é o caso, por exemplo, danecessidade de se estabelecer parcerias entreo grupo que gerencia o empreendimento epequenos produtores rurais do municípioque, potencialmente, poderiam arrendarparte de suas terras à usina. A nova usinaacaba sendo fundada com a seguinte com-posição acionária – 60% das ações sob con-trole do Grupo Farias, 10% adquiridos peloempresário Maurílio Biaggi, 25% controladospor empresários acreanos e 5% de proprie-dade do Estado do Acre.

O empreendimento já é considerado ode maior expressão econômica e financeirado estado na atualidade. Apenas no ano de2007 o grupo Farias investiu cerca de 15milhões de reais, com planos de investimentoque totalizam mais de R$ 25 milhões até oano de 2010, quando a usina deverá operarem sua capacidade máxima, com produçãoanual de 90 milhões de litros de álcool, o quedeverá movimentar anualmente cerca de 70milhões de reais (MAIA, 2008). Fala-se nageração de 880 empregos nos períodos desafra, quantidade que diminuirá para 635postos durante a entressafra (ÁLCOOL VER-DE/NEPUT-UFV, 2008, p. 15). Quando emfuncionamento, a usina, única do gênero noAcre, deverá ocupar cerca de 10% da áreade pastagens degradadas do vale do rio Acre(porção leste do Estado). Segundo dados di-vulgados pelo próprio grupo Farias, em ou-tubro de 2007, já estavam diretamente em-pregados cerca de quatrocentos funcionári-os, principalmente no trabalho de plantio ecolheita, ainda que esteja previsto o empregoda técnica mecanizada de colheita da cana(ROSAS, 2007).

Mesmo que existam impasses ambien-tais e toda uma resistência do IBAMA à ex-pansão do cultivo de cana-de-açúcar e dasusinas na Amazônia, o próprio zoneamentodo território realizado pelo governo do estado(Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre)

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permite e indica que a área a ser ocupadapelas plantações de cana (que se enquadrana chamada “Zona 1” do ZEE) é propíciapara tal atividade, alegando que apenas asáreas de pastagens deverão converter-se emáreas para a nova cultura, ou seja, o que regea política do zoneamento é essencialmenteuma base ecológica. Para além dos aspectosecológicos, o zoneamento ecológico-econô-mico realizado na Amazônia parece, àsvezes, ser incapaz de levar em consideraçãotoda a dinâmica (social, geográfica, política)do uso do território (ACSELRAD, 2000).

Aproveitando-se da situação e do po-der de barganha perante o volume de capitalque investe no lugar, o Grupo Farias vale-semesmo de um discurso de valorização da pre-servação do meio ambiente, alegando que assuas atividades no município incluem, paraalém do uso exclusivo de pastagens degrada-das e pouco produtivas, também a realiza-ção de programas de monitoramento e re-cuperação ambiental que incluem a recom-posição de matas ciliares para a proteção deáreas de preservação permanente, ações que,de fato, já figuram como exigências para aliberação de licenças para o funcionamentodeste tipo de empreendimento.

Manifestando a força de uma psicoes-fera modernizadora (SANTOS, 1996), aindaque as preocupações territoriais de carátersocial e ambiental apareçam frequentemen-te no discurso do Estado, grande euforia“desenvolvimentista” acompanha o projetoda Álcool Verde, e uma série de jornais lo-cais, de imediato, começam a divulgar astransformações que ocorrem na paisagem daBR-317 com a inserção do cultivo da cana2.O Relatório de Impacto Ambiental produzi-do pelo grupo Farias, que é uma das condi-ções para a instalação da usina, conclui que

A instalação do empreendimento na regiãopoderá criar um pólo de desenvolvimento, comincremento da agricultura e de todos os negó-cios que ao redor dela gravitam, na criaçãode empresas somente viáveis pela presençado empreendimento. (ÁLCOOL VERDE/NEPUT, 2008, p. 87) (grifo nosso).Dessas promessas, o empreendimento

foi capaz de mobilizar uma série de produto-res assentados em projetos de reforma agrá-ria, que deixaram em segundo plano as suasatividades em busca de emprego na usina.

A situação, de certo modo, parece escaparao controle do poder público3, fazendo mes-mo com que apareçam, por parte do grupoque controla a usina, propostas para a com-pra das ações controladas pelo Estado doAcre.

Até o final do ano de 2009, o empreen-dimento não havia iniciado suas operaçõesprodutivas, já que, por diversas razões deordem normativa (sobretudo por problemasde adequação às normas de caráter ambien-tal), os investimentos necessários para pôr ausina em funcionamento não foram realiza-dos, ainda que o início da produção estejaprevisto para 2010. Mais uma vez, o projetocorporativo de grandes grupos empresariaisexternos ao lugar aparece como projeto hege-mônico, e desta nova “instabilidade do terri-tório”, que se torna agora mais frágil e maisdependente de políticas e capitais externosao lugar, desenha-se um novo futuro (aindaincerto4) para as famílias de assentados quepraticam a agricultura no vale do rio Acre.

2 Arranjos normativos e “êxito” daprodução de álcool em Rondônia

Se, no Acre, o sistema de normas am-bientais é exigente de uma série de adapta-ções ou restrições ao funcionamento das usi-nas produtoras de álcool, em Rondônia, aocontrário, um arranjo de normas territoriaisgarante o “êxito” da produção, especialmen-te pelas oportunidades de isenção fiscal ofe-recidas pelo Programa de Incentivos Tributá-rios do estado. Assim, o território se tornaviável (SILVEIRA, 2002, 2003) e Rondôniaaparece como uma unidade da federação“atrativa”, que passa a ser alvo de interessede grupos externos que atuam no setorsucroalcooleiro.

Tal mecanismo normativo que garanteos incentivos territoriais foi estabelecido em2005, através da Lei n. 1558, intitulada Leide Incentivos Tributários do Governo deRondônia, que visa incentivar empresáriosa investir no território rondoniense. A leiprevê a isenção de 60 a 85% do ICMS devidopelas empresas, além de isentar de outrostributos recolhidos pelo Estado, incentivosque podem ser desfrutados por um períodode até dez anos. Repetindo práticas de “de-senvolvimento” que ocorrem em boa parte

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do território brasileiro, soma-se a esta políticade isenção fiscal também a prática muitogeneralizada da doação, pelas prefeiturasmunicipais, de terrenos, infraestrutura e tam-bém a isenção do Imposto Predial e Terri-torial Urbano (IPTU). É desta entrega facili-tada dos recursos territoriais que se produzuma verdadeira “acumulação prévia” (PE-REIRA, 2006), que viabiliza a instalação egarante, a priori, rentabilidade aos investi-mentos corporativos.

Atraída pelas vantagens fiscais ofereci-das pelo Estado, a primeira usina instaladaem Rondônia localiza-se no município deSanta Luzia d’Oeste (Usina Boa Esperança)e entrou em funcionamento no ano de 2008.Com investimentos da ordem de R$ 70 mi-lhões (R$ 29 milhões financiados pelo Bancoda Amazônia), o empreendimento tem capa-cidade instalada para a produção de 300 millitros de álcool combustível por dia (não háprevisão para início da produção de açúcar),produto que está sendo comercializado pordoze diferentes distribuidoras no estado5.

Tal como no caso acreano, estes novosobjetos técnicos de produção no campo (usi-nas) atuam, necessariamente, como estimu-ladores de um novo cultivo, já que não hátradição deste tipo de atividade no estadode Rondônia. Disto, temos novamente umainstabilidade territorial que decorre poten-cialmente das transformações estruturais doespaço herdado, com reconfigurações pro-dutivas, rearranjos da estrutura fundiária,entre outras ações que, em muitos casos, ter-minam por tornar ainda mais corporativo ouso do território. O resultado direto destenovo empreendimento produtivo emRondônia é que o município de Santa Luzia,que há poucos anos não apresentava nenhu-ma área cultivada com cana-de-açúcar, era,já em 2007, responsável por mais de 85% daprodução do estado (IBGE, 2009).

Até mesmo onde o cultivo de soja já seencontra bem estabelecido no estado deRondônia, a cana-de-açúcar e a atração deusinas aparecem como nova estratégia deacumulação e crescimento econômico, talcomo ocorre em Cerejeiras, o segundo muni-cípio maior produtor de soja no estado.

O grupo mato-grossense USIMATanuncia, em 2007, a instalação de uma usi-na de álcool em Cerejeiras e inicia o plantio

de 300 hectares, com estimativa de alcançar20 mil hectares em 2009, com início da pro-dução de álcool programada para 2010 (pro-dução anual estimada em 80 milhões de li-tros). Há expectativas de investimentos daordem de R$120 milhões e proliferam-se osdiscursos em que sempre há lugar para aesperança de que novos empregos sejamgerados6.

A função das normas e dos incentivosmais uma vez aparecem como o principalviabilizador do projeto – a localização domunicípio de Cerejeiras abaixo do “Paralelo13” (áreas que, em tese, menor impactam aszonas de florestas equatoriais) oportunizamelhor inserção da produção nos mercadosda Europa e dos EUA, onde cada vez maisaumentam as restrições de cunho ambientalà importação de gêneros industrializadosproduzidos em áreas tropicais. Para alémdisto, a prefeitura de Cerejeiras doou terrenoe realizou serviços de terraplanagem no localde instalação da usina, além do papel doEstado, que participou de forma decisiva naatração do empreendimento, concedendoincentivos fiscais e tributários. Há intençãode que a produção possa ser exportada apartir da hidrovia do Madeira, o que tornaráo produto ainda mais competitivo no merca-do externo7. Assim, os problemas solucio-nados são antes de tudo os que aparecemcomo necessários à atração de empresas ecapitais externos, que, no mais das vezes, temseus interesses endereçados a demandaslongínquas.

Considerações finais – Desenvolvimento?Por quais vias?

Para além de deixar em segundo planoimportantes necessidades locais, como é ocaso, por exemplo, da produção de gênerosalimentícios que continuam sendo importa-dos, a expansão do cultivo da cana-de-açú-car no sudoeste da Amazônia é realizada deforma corporativa, e atende mais aos interes-ses de agentes privados do que aos interessesdo lugar e da nação.

Neste início de século, quando o álcoolcombustível (agora “etanol”), produto deque o Brasil detém tecnologia e liderança deprodução, torna-se commodity valorizada (eglobalizada) no mercado internacional, o

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país deixa de regular os preços da própriaprodução, perde o poder de regulação sobreo que produz. O aumento da produção, queagora ocorre em áreas sem nenhuma tradi-ção e sem infraestrutura, não significa po-der de barganha no mercado internacional,nem mesmo garantia de preço acessível eestável para o mercado interno.

Mais uma vez, a ideia de modernizaçãoe de desenvolvimento regional se impõe aespaços tantas vezes tidos como “atrasados”,como comumente são referidas as áreas deprodução agrícola tradicional e voltadaspara o consumo local, nos estados de Rondô-nia e Acre. Deste modo, impera, nestes pro-jetos de inserção da cana-de-açúcar e da pro-dução do álcool combustível na Amazônia,uma psicoesfera que prepara espíritos e le-gitima ações e projetos corporativos(SANTOS, 1996) que, no mais das vezes, nãopossuem o menor compromisso com as ca-racterísticas pretéritas do lugar (o “espaçoherdado”), valorizando práticas estranhasà cultura local e agentes externos que disse-minam novas necessidades e novos compor-tamentos sociais8.

Onde imperam um tipo de “desenvol-vimento” e atividades que pouco atendemaos interesses locais, prevalece uma dinâmi-ca imprevisível do território, cujo controleescapa às instâncias locais de organização.Daí podermos pensar na emergência de umterritório instável, comando cujo uso é guia-do por interesses longínquos.

Este território instável também resultade um uso territorial cuja razão muito atendeaos interesses corporativos, fenômeno quepode ser identificado nestes projetos recen-tes que incentivam e promovem a inserçãodo plantio da cana-de-açúcar e a instalaçãode usinas de álcool no sudoeste amazônico,empreendimentos que amplamente desfru-tam de incentivos fiscais e territoriais estra-tegicamente elaborados para a atração doinvestimento privado, como se tal medidafosse, por si só, capaz de garantir o desenvol-vimento da região e do país.

Notas1 Além das novas instalações no Acre, o Grupo Farias

atua no ramo de açúcar e álcool nos estados de Goiás,Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte eSão Paulo.

2 Segundo informações divulgadas pela imprensa lo-cal (Jornal Página 20, Rio Branco), os ganhos anuaiscom a atividade pecuária chegam a R$ 200,00 porhectare, enquanto o arrendamento da mesma áreapara o plantio de cana rende R$ 300,00, sem despesascom insumos e funcionários. “A palavra cana soa doceaos ouvidos dos produtores, tanto grandes quantopequenos. A partir da divisa dos municípios de Sena-dor Guiomard e Capixaba é difícil ver boi. Os pastosestão sendo substituídos pela nova cultura numa ve-locidade impressionante. Arrendar terras para oGrupo Farias, acionista majoritário da Usina ÁlcoolVerde, tornou-se melhor negócio do que a pecuária”(ROSAS, 2007).

3 É o caso, por exemplo, de vários dos assentados doProjeto Zaqueu Machado e Alcobrás I e II, os maispróximos ao empreendimento, que preferem ven-der sua força de trabalho em troca de um salário mí-nimo e da carteira assinada, como fora muito divul-gado no Jornal Página 20. “Mesmo com algumas re-gras para limitar a entrada de assentados, são seráfácil. O próprio Mauro Ribeiro (secretário estadualde Agricultura e Pecuária) admite a existência de umdiagnóstico em que 60% dos colonos têm vontade deplantar cana. Essa é uma tarefa que facilita a vida daÁlcool Verde, que necessitará de 38 mil hectares paraproduzir o suficiente. Por enquanto, a plantação con-some 1,8 mil hectares, com previsão de chegar a 2,4mil até o fim do ano. A meta é chegar a sete milhectares em 2008” (ROSAS, 2007).

4 Durante o ano de 2009, o empreendimento encontra-va-se em processo de adaptação do projeto da usinaàs exigências ambientais do IBAMA e também deconstantes pedidos de revisão do EIA-RIMA pela Pro-motoria Pública e pela Secretaria de Meio Ambientedo Estado do Acre.

5 “A usina [em Santa Luzia-RO] ocupa área de 22 hecta-res, totalizando 4,9 mil metros quadrados de áreaconstruída. Seus reservatórios têm capacidade paraarmazenar 10 milhões de litros de álcool combustí-vel. Todo o processo produtivo é controlado por setemodernas centrais de processamento de dados. Téc-nicos da usina monitoram tudo na tela do computa-dor”. “Ao todo, são 392 funcionários, sendo 147 dausina de álcool e 245 da lavoura” (CORECON, 2009).

6 Vide, por exemplo, reportagem de Afonso Locks,publicada no jornal Folha de Rondônia (Ji-Paraná-RO), em 28/10/2007.

7 Dados obtidos na reportagem “Cerejeiras: progressocom usina de álcool”, publicada na revista Alerta No-tícias, Vilhena, Ano II, n. 30, julho de 2007.

8 A psicoesfera, reino das crenças e dos valores, acom-panha e mesmo se antecipa à renovação da tecnoesfera(a esfera dos objetos técnicos no território) (SANTOS,1996, p. 204). Tal como reconhece Ana Clara T. Ribeiro(1991, p. 48), “Essa psicoesfera produz a busca socialda técnica e a adequação comportamental à interaçãomoderna entre tecnologia e valores sociais. Algunssetores produtivos parecem alimentar, com especialênfase, os processos culturais de consolidação dessapsicoesfera, conformando verdadeiros pólos emis-sores de valores”.

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Ribeirinhos e recursos vegetais: a etnobotânica em Rondonópolis,Mato Grosso, Brasil

Riverine and plant resources: the etnobotany in Rondonópolis,Mato Grosso, Brazil

Messagers et les ressources végétales: un ethnobotanique en singleRondonópolis, Mato Grosso, Brésil

Fluviales y recursos vegetales: la etnobotánica en solo en Rondonópolis,Mato Grosso, Brasil

Maria Corette Pasa*Gabriela de Ávila**

Recebido em 12/12/2010; revisado e aprovado em 17/3/2010; aceito em 18/6/2010

Resumo: Através da etnobotânica, o trabalho mostrou o conhecimento dos moradores locais quanto ao uso dosrecursos vegetais nas hortas, quintais e matas de galeria do rio Arareau em Rondonópolis, MT. A metodologia se deuatravés de entrevistas semiestruturadas e não-estruturadas. Os resultados apontaram a etnocategoria medicinalsobre as demais. Relevância na interação das pessoas de saber local com o ambiente. A subsistência no local nãoproporciona impacto ambiental e favorece a conservação dos ecossistemas locais.Palavras-chave: Etnobotânica. Recursos vegetais. Conservação.Abstract: Through of etnobotany the work showed knowledge of local residents regarding the use of plant resourcesin home gardens, orchards and forests from river in Arareau Rondonópolis, MT. The methodology has come throughsemi-structured and no-structured interview. The results indicated the ethnocategory medicine over the other. Relevancein the interaction the people to know the local environment. The subsistence in the site no provide the environmentalimpact and promote the conservation in the local ecosystem.Key-words: Etnobotany. Vegetable resources. Conservation.Résumé: À travers de ethnobotanique de travail unique a montré la connaissance des résidents locaux concernantl’utilisation des ressources végétales dans les jardins potagers, des vergers et des forêts d’une rivière dans ArareauRondonópolis, MT. La méthodologie est venu à travers semi-structurées en o-structurés. Le ethnocategory résultatsapontararam un examen médical sur l’autre. Pertinence o clock dans l’interaction les personnes à connaîtrel’environnement local. L’horloge o subsistent dans le site n fournit l’impact sur l’environnement èt favorise la conservationl‘écosystème local.Mots-clés: Ethnobotânica. Ressources végétales. Conservation.Resumen: Através de etnobotánica el trabajo individual mostró conocimiento de los residentes locales sobre el uso delos recursos vegetales en los huertos familiares, pomares y bosques de río en Arareau Rondonópolis, MT. La metodologíaha llegado através de las entrevistas semiestructuradas y noestructurada. El etnocategoría apontaram los resultadosen la medicina popular sobre el otros. Reloj o relevancia en la interacción la gente a conocer el entorno local. El reloj osubsisten en el sitio no proporciona el impacto ambiental y promueve la conservacionPalabras clave: Etnobotánica. Recursos vegetales. Conservación.

* Professora do Departamento e Ciências Biológicas/UFMT. E-mail: [email protected]** Bióloga e Especialista em Ciências Ambientais/IB/UFMT.

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Introdução

A etnobotânica desponta como umcampo interdisciplinar que compreende oestudo e a interpretação do conhecimento,significação cultural, manejo e usos tradicio-nais dos elementos da flora (CABALERRO,1979). A interação entre a antropologia, aetnoecologia e a ecologia pode situar um ce-nário de investigação dentro da etnobiologiaatravés do conhecimento dos aspectossociais, culturais, antropológicos e econômi-cos da sociedade.

Segundo Begossi (2001), a etnobiologiaé “um segmento da etnociência, que buscaentender como o mundo é percebido, conhe-cido e classificado por diversas culturashumanas [...]”.

A partir da etnobiologia questões moder-nas da etnoecologia podem ser desenvolvidase concentradas na proposta que diz respeito àtotalidade de informações sobre a importânciadas plantas na cultura do ser humano. A inte-gração se dá através da comunidade e do am-biente no que diz respeito ao manejo e a con-servação dos recursos naturais (POSEY, 2001).

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Em muitos casos, sistemas tradicionaisde manejo altamente adaptados a ecossiste-mas específicos caíram em desuso, seja pelaintrodução da economia de mercado, peladesorganização ecocultural, seja por substi-tuição por outros sistemas chamados “mo-dernos” impostos de fora das comunidades(DIEGUES, 2001).

Porém, cada vez mais é necessário res-gatar esses sistemas de manejo, pois aindahoje são praticados por essas populações e,já se sabe que essas técnicas contribuem sig-nificativamente para a manutenção da di-versidade biológica. Além disso, a esmaga-dora cultura global, o capitalismo, aos pou-cos, tende a dissipar essa riqueza que o ho-mem construiu de modo tão simbiótico como meio ambiente que está ao seu redor.

A cultura e o ambiente estão intima-mente ligados. “Compreender a cultura deum povo expõe a sua normalidade” afirmaGeertz (1989) e declara, ainda, que “a culturaé tratada de modo puramente como sistemasimbólico [...] pelo isolamento dos seus ele-mentos, especificando as relações internasentre esses elementos e passando então acaracterizar todo o sistema de uma formageral”.

Trata-se de decifrar os fenômenos quemodelam a relação entre a ação, o pensamen-to e o que é falado, expressos pelo modo deagir sobre o ambiente e as transformaçõesnele contidas. Ao analisar as dimensões sim-bólicas da ação social, vemos que a humani-dade é tão variada em sua essência como emsua expressão, pelas formas de cultura e re-gularidades estruturais e funcionais da orga-nização social.

O ambiente natural pode direta ou indi-retamente afetar as condições sociais e a ex-periência humana. Da mesma forma, as con-dições sociais podem afetar o meio natural ea própria experiência humana. De acordocom o conceito de Ecologia Humana, a di-nâmica entre o ser humano e a natureza, sobos aspectos bióticos, físicos, sociais e culturaisdo seu ambiente, não podem ser fragmenta-dos, pois enfraqueceria a própria ciência(DIEGUES, 2001).

Para o presente estudo, os dados fo-ram obtidos através de revisão de literaturae aplicação do pré-teste, que teve por objeti-vo selecionar as técnicas de pesquisa mais

adequadas aos objetivos propostos, entreelas: (1) questionário socioeconômico, (2) re-gistro fotográfico, (3) história de vida (ocu-pação da área), (4) entrevistas, do tipo semi-estruturada e não-estruturada.

Assim, esse trabalho objetivou caracte-rizar os recursos vegetais das matas degaleria, hortas e quintais através de estraté-gias etnoecológicas e etnobotânicas paraverificar o conhecimento que os moradoreslocais possuem a respeito da flora local, emRondonópolis, MT, através: a)caracterizar avariabilidade da flora utilizada pela popu-lação ribeirinha verificando a importânciado patrimônio genético das matas de galeria,hortas e quintais; b)verificar as formas demanejo de extração e utilização de espéciesvegetais oriundas das diferentes unidades depaisagem (matas, hortas e quintais);c)interpretar a relação do ser humano como ambiente, em uma visão etnobotânica, combase no histórico das características sociocul-turais e econômicas da região como formade verificar o grau de degradação ambiental.

Desenvolvimento experimental

Coleta de dados com os informantes

O presente trabalho é um estudo decunho etnobotânico, em que foram coleta-dos dados do uso tradicional de plantas pelapopulação da parte alta do córrego Arareau.A hidrografia que drena o perímetro urbanode Rondonópolis é caracterizada por córre-gos como o Arareau e o Rio Vermelho, quefazem parte da bacia do Rio São Lourenço,que desagua no Pantanal, delimitados pelascoordenadas geográficas de 54º 30’ 00” a 54º39’ 00” de longitude oeste e 16º 25’ 00” a 16º30’ 00” de latitude sul. O clima caracterizadopelo tropical úmido, com temperatura mé-dia anual de 25º e a média das mínimas de18,6ºC. A temperatura ultrapassa os 26ºCnos meses de setembro e outubro, compre-endendo o período mais quente, e o maisfrio, junho e julho, que fica em torno dos22ºC (SETTE, 2001).

Os informantes foram selecionados, deinício, ao acaso e, posteriormente, conformeindicação das pessoas já entrevistadas, deacordo com o conhecimento sobre plantasou, ainda, com o tipo de produção desen-

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volvida em sua propriedade, o que resultounum total de 42 pessoas entrevistadasalocadas em 22 pontos que determinam aárea de estudo.

Para a aquisição e caracterização dosdados socioeconômicos, foi utilizado umquestionário e, posteriormente seguiram-seentrevistas do tipo semiestruturada e não-estruturada (MINAYO, 1994). Assim, se deumais importância às preocupações e ênfasesdos informantes sem perder a informaçãonecessária. Conforme a orientação da entre-vista sobre a comunidade, muitos informan-tes partiram para a história oral, que é es-sencialmente uma história da vida, trans-missão de fatos, testemunho (MEYHY,1996). Também foi utilizado o registro foto-gráfico para obtenção de dados relaciona-dos ao ambiente.

Coleta do material botânico

A coleta consistiu na obtenção de plan-tas inteiras (no caso, herbáceas de pequenoporte) ou de partes das plantas (no caso deespécies arbóreas, arbustivas e subarbustivas)tais como folhas, ramos, parte de caule,flores, frutos, sementes e raízes. Para aconcretização da coleta foram utilizados ins-trumentos básicos de campo, como: tesourade poda, facão e canivete, sacos plásticos euma ficha de coleta. Após identificação, omaterial botânico foi depositado no HerbárioCentral da UFMT em Cuiabá.

Resultados e discussão

Através do pré-teste, abordou-se: sexo,idade, estado de origem, grau de instrução,tempo que reside no local e atividade quedesempenha atualmente. Um total de 42pessoas foram entrevistadas, representandoa unidade amostral. Dessas, 54,76% (23 in-formantes) são do sexo feminino e 45,24%(19 informantes) do sexo masculino. Todosos informantes trabalham em sua proprieda-de, seja para obter alimento para seu pró-prio sustento, seja para comercializar. A ida-de dos informantes femininos variou de 20a 65 anos e a dos masculinos de 21 a 70 anos.

Quanto ao nível de escolaridade,16,67% (sete informantes) possuem o primá-rio completo e 9,52% (quatro informantes)possuem o ensino fundamental completo.Com o ensino médio incompleto e completosomam um total de 16,67% (sete informan-tes), dos quais são pessoas jovens de até 35anos e são moradores novos da região. Comnível superior, foram 14,29% (cinco informan-tes), sendo quatro moradores novos e um in-formante do sexo masculino, morador tradi-cional que nasceu e cresceu no local. A Tabe-la 1 mostra o cruzamento dos dados da for-ma de apropriação e o tempo de residênciano local. Do universo amostral de 22 famíli-as, 9,09% (duas famílias) são proprietárias eresidem no local em torno de 30 anos e 4,45%(uma família) não é proprietária, mas residehá 27 anos na mesma chácara. Os que estãoa menos de 14 anos no local representam amaioria, sendo 9,09% (duas famílias) não pro-prietários e 77,27% (17 famílias) sendo pro-prietários.

Mais de 15 anos no local Menos de 14 anos no local Total

Proprietários 2 (9,09%) 17 (77,27%) 19

Não proprietários 1 (4,45%) 2 (9,09%) 3

Total 3 19 22 famílias

Tabela 1 - Dados sobre a forma de apropriação da propriedade e o tempo no local.

O resultado acima retrata a grandeevasão do campo para cidade já visto tam-bém por Pasa (2007), nas comunidades doBambá em Cuiabá/MT, a fim de se integrarno modo de vida da cidade. Também mostra

a chegada de imigrantes de diversas regiõesdo país trazendo outras culturas, formas depensar e integrando ainda mais o capitalismona região.

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198 Maria Corette Pasa; Gabriela de Ávila

Recursos vegetais utilizados pelapopulação local: As unidades depaisagens

Os quintais e as roças

Nos sistemas de quintais há várias es-pécies de plantas que são cultivadas juntocom outras culturas, além da presença deanimais (galinhas, porcos e gado) que podemser utilizados tanto para o próprio sustentocomo para um pequeno comércio, que é rea-lizado, ou na frente das próprias residências,ou nas feiras da cidade de Rondonópolis. Amaioria dos quintais se localiza na parte detrás da residência, como foi verificado tam-bém por Pasa (2004); há espaço para a de-manda familiar com cultivo quase semprede verduras e hortaliças, plantas medicinaise frutíferas. As hortas presentes são peque-nas, apenas para própria subsistência dafamília e sem a utilização de agrotóxicos. Namaioria das vezes, com presença de cebo-linha, alface, coentro, couve e rúcula. Aoproduzir alimentos para a subsistência dafamília, o quintal exerce considerável papeleconômico na vida dessas pessoas e, em setratando de hortas grandes, consiste na úni-ca fonte de renda. A mão-de-obra é predomi-nantemente familiar: pai, mãe e filhos. Nosfundos das casas, predomina o cultivo de umpequeno pomar que atende à demanda fami-liar. Podemos referir aos pomares como hor-tos caseiros por possuírem espécies frutíferasde vários tipos, vindos muitas vezes de váriasregiões do país, que servem como comple-mento para a alimentação da família. A roça,também uma unidade de paisagem, foi veri-ficada em vários trabalhos como uma áreade manejo de cultura da cana-de-açúcar,mandioca, banana, entre outros (PASA,2004). Na parte alta da bacia do rio Arareau,foram poucas as pessoas que alegaram pos-suir roça. Apenas duas famílias possuemplantação de mandioca (Manihot esculenta)para a produção de farinha.

O quintal, além de ser uma unidadede paisagem alimentar, com sua diversidadealimentar, ornamental e medicinal, como asprincipais encontradas na Comunidade Glo-bo Recreio, também é uma unidade de paisa-gem para a socialização. As crianças usamo local para desenvolverem suas brincadei-

ras; e jovens e adultos desfrutam do localpara receber amigos, fazer reuniões, festas econvívio familiar. De acordo com Geertz(1989), a cultura é vista pelo sistema simbóli-co, que nada mais é que a própria ação social,ou mais simplesmente as palavras. Entãopodemos entender que os quintais não sãomeras unidades de paisagens, mas locais queas pessoas utilizam como meio cultural.

As plantas perenes, além de promove-rem o sombreamento do quintal, tambémpromovem uma melhor infiltração da águana terra, colaborando para a formação dematéria orgânica. Existe sempre grande va-riedade de espécies com poucos exemplares,colaborando para um baixo índice de doen-ças e pragas. Apesar de existirem poucosexemplares de cada espécie de planta, mo-radores locais alegaram plantar no mínimoduas árvores de cada qualidade, pois os ani-mais da mata, como os macacos, na épocada seca, vão comer os frutos que estão nopomar (habitat de borda). Isso porque amata de galeria está cada vez menor, devi-do à ação do desmatamento. A riqueza ve-getal encontrada nos quintais das casas e namata de galeria que faz fundo com o terrenofoi de 137 espécies. As etnocategorias de usorefletem as necessidades básicas de cada fa-mília, como alimentação e medicinais, sen-do as principais, seguidas por madeireira,ornamentação, mística e utensílios. Essagrande variedade de plantas reflete a influência cultural que a região recebeu dosdiversos “novos” moradores.

Das 137 espécies utilizadas pela popu-lação 31,39% (43 espécies) são nativas daregião, as quais continham exemplares nospróprios quintais ou nas matas de galeria damargem do córrego Arareau. Uma porcen-tagem de 57,66 (79 espécies) é de origemexótica, remanejadas ou introduzidas emlocais destinados para o consumo ou utili-zação para algum fim específico, e desse to-tal 10,95% (15 espécies) não foram iden-tificadas.

Se analisarmos a flora mato-grossensesob o ponto de vista econômico, com certezaencontraremos um rol muito extenso das di-ferentes utilizações dos vegetais, seja comoelementos fornecedores de madeira, de fru-tos comestíveis e mesmo com finalidadesmedicinais, essencialmente na utilização

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caseira como pode ser detectado entre a po-pulação mato-grossense que comumente fazuso das plantas medicinais (GUARIMNETO, 1996).

A etnobotânica nas matas de galeria

O Cerrado destaca-se por ser o segun-do bioma em extensão territorial constituídopor uma série de formações vegetais muitoricas do ponto de vista botânico (REZENDE,1998). A formação do Cerrado que se associaaos cursos d’água é chamada de mata de ga-leria, mata ciliar ou mata ripária. Essa for-mação destaca-se pela sua riqueza, diversi-dade genética e papel protetor aos recursoshídricos e da natureza (COUTINHO, 1978).

Populações de saber local desenvolve-ram uma interessante relação com a mata.Dela retiram alimento, através da atividadede coleta de frutos, e caça e pesca de ani-mais, remédios para diversos tipos de doen-ças, madeira para construções de casas ouusada como lenha, e ainda, como atividaderecreativa.

As pessoas que vivem na comunidadeGlobo Recreio utilizam mais a mata de gale-ria à procura de remédios e recreação naságuas do rio Arareau, onde recebem amigose familiares da cidade. Assim, além das atri-buições de coleta, caça e pesca, o rio comsua mata também é uma unidade de paisa-gem onde as pessoas se socializam. As diver-sas espécies vegetais existentes na região sãomuito úteis no cotidiano da população. Umaespécie pode ter mais de uma utilização, com

caráter cumulativo, como alimentar, medici-nal e ornamental. Essa multiplicidade de usopode aumentar conforme a quantidade departes da planta utilizada, como raiz, caule,folha, flor, fruto e semente. Os informantesreferiram seis categorias de uso: alimento,remédio, ornamental, madeireira, lenha eutensílios quanto à utilização da plantasdescritas na Tabela 7. Observou-se que a ati-vidade de coleta de produto florestal não seconstitui como atividade primordial e simcomo uma atividade complementar, princi-palmente, no conhecimento do ecossistemae do uso que a população faz das ervas me-dicinais. Isso foi verificado também por Pasaet al. (2005).

As plantas medicinais utilizadas e aabordagem etnoecológica

Verificou-se que há um frequente nú-mero de espécies envolvidas nas práticas me-dicinais. As mesmas plantas podem ser usa-das para mais de uma enfermidade, enquantovárias espécies podem ser usadas separada-mente ou em combinação para tratar umadada doença. A escolha da ou das espéciesdita uma mistura de experiência e crença.Grande parte das plantas citadas possui mul-tiplicidade de uso, ou seja, é destinada a vá-rias utilidades. Com maior frequencia, 88citações foram para fins alimentícios, e pararemédios para diversos tipos de doenças, 69indicações. Esses remédios manifestam suaimportância na fitoterapia local sob o pontode vista econômico (figura 1).

Alimen. Reméd. Const e Ornam. Utens. lenha

Quantidade citada

100

80

60

40

20

0

Figura 1 - Categorias de uso e número das plantas utilizadas pela população local.

O uso medicinal popular é muito im-portante para pessoas da zona rural, umavez que o atendimento médico encontra-sedistante, além do elevado custo para muitos

medicamentos. O Sr. O. L. G. (63 anos), emum depoimento, relatou que, quando novo,machucou a coluna e, de teimosia, pela ci-dade ser muito longe na época, não foi ao

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médico, passados alguns meses nem conse-guia andar.

Curei minha coluna com sucupira. Pega ummetro de casca com 3cm de espessura, temque ser o lado que o sol nasce, pica, colocana água e deixa cozinhá até virá um meladona medida de uma colher de sopa. Colocanum litro de vinho e toma um cálice todamanhã com o estômago vazio. Foi assim quemelhorei da coluna e nunca mais tive nada.Outra planta citada várias vezes e que

só é encontrada na beira do rio é o jenipapo,cujo suco do fruto, segundo um informante,é excelente para diminuir os efeitos colateraisda quimioterapia. As outras etnocategoriasde uso foram pouco citadas, sendo a madeirapara construção de casas, paiol, cercas e lenhacom 14 citações, ornamentação com 10 e asplantas que possuem alguma parte que pode

Figura 2 - Fruto seco do coité utilizado comovasilhame.Foto: Gabriela de Ávila. 2007.

Em relação às plantas usadas pela co-munidade local, evidenciou-se que as partesda planta usadas e as indicações de uso sãorelevantes no tratamento das afecções orgâ-nicas que acometem o ser humano, confor-me demonstra a Figura 3 e Tabela 2.

Figura 3 - Partes das plantas utilizadas com fins medicinais pela população local.

Fo

lha

Fru

to

Sem

ente

Talo

Bro

to

Número de citações

4035302520151050

servir de utensílio com duas citações (figura 2).

Pasa (1999) verificou que, no entendi-mento e no depoimento dos informantes, aação terapêutica das plantas medicinais visacombater os sintomas (que são subjetivos) eos sinais (que são visíveis) parcial ou total-mente iguais ou comuns entre as pessoaslocais.

O uso das folhas para preparo dos me-dicamentos pela população foi o que obtevemaior utilização, 40 citações, seguida pelouso da casca do tronco e do fruto, com 14 e

10 citações respectivamente. As outras partesutilizadas das plantas obtiveram citação in-ferior a sete, as quais foram: raiz, semente,seiva, talo cipó, broto e óleo. Verificou-se queas pessoas não utilizam apenas as partes deuma planta, mas o que ela produz, como aseiva, o óleo e o próprio endosperma, esseúltimo quando se tratando do coco-da-bahia,em que as pessoas utilizam a água contidaem seu interior para tratar a desidratação ecomo energético, entre outras utilidades.

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Entre as plantas usadas como remédioverificou-se que a maior frequência destina-se ao tratamento de problemas referentes aoaparelho digestivo (26%), como auxiliares dedigestão, prisão de ventre, diarreia, estôma-go e fígado. Seguido pelas afecções ocasiona-das por infecção e parasitas (25%), sistemanervoso (12%), sistemas circulatório e uriná-

Tabela 2 - Plantas dos quintais usadas como remédio. Rondonópolis, MT.

rio (8% cada) e sistemas tegumentar, genitale respiratório com 6% cada um.

Além de contribuir para expressar aimportância dos quintais no cotidiano daspessoas da região, o levantamento das plan-tas medicinais serve para contribuir com alista das espécies que, segundo Amorozo eGely (1988), servem para subsidiar pesquisas

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farmacológicas pelas quais muitas plantasusadas pela população cabocla já tiveramcomprovação farmacológica em estudos delaboratório como o caso do mastruz(Chenopodium ambrosioides) e do pião roxo(Jatropha gossypiifolia).

Também foram encontradas nos quin-tais das casas algumas plantas com funções“protetora”, “mal olhado” e “olho grande”de proteção pessoal, entre elas a guiné, aarruda, a espada-de-são-jorge e comigo--ninguém-pode. Para Amorozo e Gely(1988), a utilização das plantas para prote-ção pessoal e de uso tópico para fins curati-vos e mágicos refere a um legado indígenaassociado à influência europeia. Os banhosprotetores podem estar relacionados a umaparte do corpo, como também no corpo in-teiro, ou banhos para “curar” a pessoa dealgum mal que a acomete. Assim, no Brasilatual, sobrevivem sistemas de crenças diver-sas, provenientes de culturas que integrama formação social brasileira, como africanae indígena.O simbolismo é expresso no co-nhecimento que a população detém sobre ouso popular de plantas com função proteto-ra, como são denominadas de “jurema” que,segundo Mota e Albuquerque (2002),

[...] jurema é portanto mais que uma planta:é representação, divindade, mulher e vinho.Assim sendo, todo um conjunto de crençasse lhe encontra associado. As plantas deno-minadas jurema ocupam, com efeito, umpapel destacado na flora nordestina pelareferencia mágico-religiosa [...]. A juremapenetrou na cultura popular estando asso-ciada à figura de índios, caboclos e mestres,elementos presentes no imaginário popular[...].No cenário mato-grossense, Pasa

(2007) refere-se à guiné (Petiveria alliacea),sendo esta planta indicada para espantarmaus espíritos, inveja e mau-olhado. Tam-bém a espada-de-são-jorge, arruda, alho,café e farinha de mandioca para fazer ba-nho do “corpo todo” e defumação da casa.

Quanto à utilização das plantas comomedicinais, as formas de uso estão relaciona-das ao porte das plantas, tamanho das fo-lhas, estado fenológico, a quantia de indiví-duos existentes no local e a parte a ser utiliza-da. O uso das plantas medicinais, como ochá, através da utilização das folhas, obtevea maior quantidade de citações, 44, enquanto

as outras formas de uso, tais como infusão,banho, garrafada, ao natural, compressa,aplicação local, banho de assento e mace-rado, em conjunto, obteve um total de 36citações.

O saber tradicional e a transmissão doconhecimento ecológico tradicional

Os conhecimentos acumulados e asculturas dos povos tradicionais nos revelamque é o resultado de uma evolução conjunta,a longo prazo, das sociedades e de seu meionatural, conforme Lévêque (1999).

A principal forma de transmissão doconhecimento é o oral, que é feita de formasimples, no dia-a-dia, conforme a situaçãoque estão vivendo, não há nada escrito oulivros. Na maioria das vezes, os pais, avósou membros da mesma família fazem atransmissão oral, no interior do próprio gru-po doméstico. Crianças e adolescentes acom-panham os mais velhos nas tarefas cotidianase, então, o saber tradicional é compartilhadodentro dessa cultura e transmitido de gera-ção em geração, adquirindo o teórico e o prá-tico, ao mesmo tempo, por absorção dasexplicações verbais e codificações (mitos ecrenças). Porém, vários entrevistados rela-taram que a geração mais jovem não se inte-ressa pelo conhecimento e experiência dosmais velhos.

Nota-se a presença de outro processode transmissão de conhecimento em quepessoas vindas de outras culturas, ou seja,de outras regiões, compartilham seus conhe-cimentos, verificado no exercício das medi-cinas populares. Caballero (1998) afirma quemuitas vezes o conhecimento etnobotânicoquebra barreiras interculturais. Isso é nota-do pelos relatos de diferentes informantes“aprendi isso com um senhorzinho que pas-sou por aqui” ou ainda “isso quem me faloufoi um raizeiro que veio coletá planta aqui”.

Na margem do córrego Arareau, espe-cialmente nos finais de semana, as famíliase os amigos se reúnem para a prática de ati-vidades de lazer. “Estas práticas proporcio-nam momentos espontâneos de aprendiza-do sobre o ambiente circundante” (XAVIER,2005). Jovens e adultos utilizam dessa ma-neira para a socialização dos conhecimentossobre os recursos vegetais.

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Além disso, a investigação dos espaços so-ciais nos quais a transmissão deste conheci-mento é realizada pode ser um foco específi-co da pesquisa, que venha revelar o comple-xo fenômeno de socialização do conhecimen-to tradicional na localidade. (XAVIER, 2005).

As populações tradicionais e aconservação da biodiversidade

A busca de um melhor e racional apro-veitamento dos recursos naturais e a conser-vação de suas milenares culturas e tradiçõesvem contribuir para um melhor aproveita-mento do meio natural. Lévêque (1999) con-firma que os conhecimentos e as culturas tra-dicionais podem contribuir para a conser-vação, a longo prazo, da biodiversidade dosecossistemas. Isso conduz a interessar-se peladiversidade cultural, ela também está forte-mente ameaçada pela mundialização dosmodelos culturais dominantes.

Primack e Rodrigues (2001) afirmamque as áreas onde há grande diversidade bio-lógica são as regiões onde há maior diversi-dade cultural. O estado de Mato Grosso estánuma região privilegiada de riqueza bioló-gica, em pleno Cerrado do Brasil Central,com suas matas de galeria ricas em diversi-dade. Porém, o modelo capitalista, dominan-te no mundo, cada vez mais destrói e deixapoucos remanescentes naturais e encurralaos povos tradicionais, forçando-os muitasvezes a agirem contra a própria natureza.

Muitas populações nativas que utili-zam a mata para caça e coleta perderam suasterras para a criação de unidades de conser-vação com modelos norte-americanos.Diegues (2001) afirma que esse modelo nãopermite a presença de populações humanas,mesmo as consideradas tradicionais que ha-bitavam essas áreas por dezenas e até cen-tenas de anos sem a depredarem. Quando apopulação tradicional daquele ambiente éretirada e proibida de utilizar da natureza oseu sustento, elas muitas vezes são capazesde violar as fronteiras da nova unidade ouse revoltam e começam a utilizar o ambientede forma destrutiva o que resulta em con-frontos com os administradores.

Felizmente essa realidade está mudan-do, cada vez mais naturalistas se conscien-tizam de que as populações tradicionais aju-

dam a preservar a reserva. Isso contribuipara a manutenção de exemplos dinâmicosde relação harmoniosa entre homem e natu-reza para as sociedades urbano-industriais,segundo Diegues (2001).

Lévêque (1999) diz ainda que esta con-tribuição do meio florestal é importante nospaíses em desenvolvimento, uma vez queesses alimentos são bens gratuitos e não apa-recem nas contas das famílias. Se a riquezacultural está relacionada com a diversidadebiológica, por que não utilizar do conheci-mento dos povos tradicionais que evoluemjunto com o meio natural, muitas vezes, hácentenas de anos para conservar, preservar,ou mesmo restaurar aquele meio natural?

As pessoas que vivem dos modos tradi-cionais, mesmo com a invasão da cultura ca-pitalista, não perdem sua essência, o respeitoà natureza. A demonstração da consciênciasobre o desmatamento, perda da diversida-de, a importância dos rios, das chuvas e daterra são diversos.

Numa parte da área de estudo, a coletade lixo não é realizada, na qual o Sr. M. O. Preside. Ali é percebida a grande consciênciade conservação. Um dos buracos antigos demineração foi deixado aberto para colocar olixo produzido na chácara. O lixo orgânicoé utilizado como adubo natural na horta, aslatinhas e garrafas pet são separadas parareciclagem e o restante colocado no buracoe, desse modo a chuva não leva para dentrodo rio. É evidente a interação das pessoaslocais com os ecossistemas, bem como o exer-cício cotidiano do processo de conservaçãona região.

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Inovação tecnológica e inovação narrativa: caminhos para o designno polo moveleiro de Ubá

Technological innovation and narrative innovation: paths for designin the furniture industry of Ubá

L’innovation technologique et l’innovation narrative: lesalternativesde design pour l’industrie du meuble d’Ubá

La innovación tecnológica y la innovación narrativa: alternativas para eldiseño en la industria del mueble de Ubá

Maria Luiza A. C. de Castro*Juliana Cardoso**

Recebido em 3/5/2010; revisado e aprovado em 25/6/2010; aceito em 30/6/2010

Resumo: O polo moveleiro de Ubá tem apresentado um grande desenvolvimento econômico nos últimos anos.Entretanto, a análise da produção local revela que não existe uma diferenciação pelo design, e que a competitividadeé baseada na diminuição do custo. As propostas que têm sido feitas para reposicionamento do polo e conquista demercados mais exigentes vão demandar, portanto, a construção de novas estratégias em design, para que ele possase tornar um elemento de distinção da produção local.Palavras-chave: Polo moveleiro de Ubá. Design. Políticas públicas.Abstract: The furniture industry of Ubá has presented a major economic development in recent years. However, theanalysis of the local production shows that there is no differentiation through design and competitiveness has beenbased on lower costs. The proposals that have been made to reposition the local production and conquer moredemanding markets will ask for the development of new strategies in design, so that it can become a distinctiveelement in the local production.Key-words: Ubá’s furniture cluster. Design. Public policies.Résumé: L’industrie du meuble de Ubá a présenté un important développement économique ces dernières années.Toutefois, l’analyse de la produciton locale revèle qu’il n’y a pas de différenciation fondée sur le design, et que lacompétitivité est basée sur une réduction des coûts. Les propositions qui ont été faites pour replacer la production etremporter les marchés les plus exigeants demandent, par conséquent, le développement de nouvelles stratégies enmatière de design, de sorte qu’il puisse devenir un élément distinctif de la production locale.Mots-clés: Industrie du meuble de Ubá. Design. Politiques publiques.Resumen: La industria del mueble de Ubá ha presentado un importante desarrollo económico en los últimos años.Sin embargo, el análisis de la producción local demuestra que no existe una diferenciación de design, y que lacompetitividad se ha basado en costos más bajos. Las propuestas que se han hecho para cambiar la posición de laproducción y ganar los mercados más exigentes pedirá para el desarrollo de nuevas estrategias en el design, de modoque pueda convertirse en un elemento distintivo de la producción local.Palabras clave: Industria del mueble de Ubá. Design. Políticas públicas.

* Professora Doutora da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:[email protected]** Mestranda; professora da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia.E-mail: [email protected]

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 11, n. 2 p. 205-213, jul./dez. 2010.

Introdução

O polo moveleiro de Ubá tem apresen-tado um grande desenvolvimento econômiconos últimos anos e, entre as atividades deapoio à organização produtiva, as institui-ções que atuam na região empreenderamalgumas ações no sentido de promover odesign. Esta preocupação institucional como design partiu de diretrizes de políticas pú-blicas nacionais, com o suporte do SEBRAEe SENAI, mas também de universidades e

organizações com atuação regional. As in-tervenções buscaram reverter uma tradiçãode cópia de modelos e o tratamento da ques-tão foi mais intenso entre 2004 e 2007, fi-cando, em anos mais recentes, a cargo daspróprias empresas, que têm adotado direcio-namentos individualizados. A análise da pro-dução local revela, entretanto, que emboratenha havido uma grande evolução na qua-lidade dos móveis locais, não existe umadiferenciação baseada no design, mas ape-nas um nivelamento com o padrão nacional.

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Este artigo procura investigar os dire-cionamentos possíveis para intervenções ins-titucionais de promoção do design, a partirde uma visão ampliada do contexto do polo.A primeira seção analisa a situação do polo,incluindo aspectos tais como a sua evolução;as características das empresas, sua produti-vidade, inovações tecnológicas e problemasenfrentados, os canais de comercialização eacesso ao mercado, a infraestrutura de quedispõe e suas relações de governança. A se-gunda seção acompanha as intervenções deinstituições visando a promoção do design.A terceira seção investiga a coerência destasintervenções dentro do contexto das relaçõescom os mercados nos últimos anos e procuraidentificar direcionamentos emergentes.

1 Institucionalização do polo: ascondições para o desenvolvimento

O polo de Ubá é localizado na Zonada Mata Mineira e reúne nove municípiosda região. A atividade moveleira surgiucomo opção econômica à agricultura, apartir da perda da qualidade do fumo aícultivado na década de 1960, iniciando-se,nesta ocasião, a fabricação de móveis re-sidenciais em série para as classes sociais Ce D. A partir da década de 1970, com a fa-lência da Dolmani, uma das empresas pio-neiras, houve a fundação de vários outrosestabelecimentos pelos antigos funcionários.A evolução do setor possibilitou a amplia-ção do número de empresas, que passou de25, em 1970, a 360, em meados da décadade 2000.

A atividade se estruturou melhor apartir da criação do Sindicato Intermunici-pal das Indústrias de Marcenaria de Ubá -INTERSIND em 1989, que teve ação impor-tante no processo de institucionalização dopolo. Outro importante marco institucionalfoi a criação do Movimento Empresarial,associação de dezessete indústrias movelei-ras, que permitiu a construção de um pavi-lhão de exposições para atender à demandado polo, no qual se organizam, desde 1994,duas feiras, a FEMUR - Feira de Móveis e aFEMAP - Feira de Máquinas, possibilitandoa ampliação dos contatos comerciais, tantocom fornecedores como com compradores(SANTOS; CROCCO; SIMÕES, 2002).

O Balcão SEBRAE instalou-se em Ubáem 1995 e diversos programas e agências fo-ram, desde então, estruturados para articu-lar o desenvolvimento do polo. Em 2001, oSEBRAE implantou, na região, a metodolo-gia do Adensamento da Cadeia Produtiva e,em 2002, iniciou-se o trabalho de organiza-ção do Arranjo Produtivo moveleiro que, apartir de 2004, passou a ser acompanhadopelo GEOR - Gestão Estratégica Orientadapara Resultados, sendo incluído no grupo doprojeto piloto de onze APLs (Arranjos Pro-dutivos Locais) do GPT APL - Grupo de Tra-balho Permanente para Arranjos ProdutivosLocais.

O polo é composto, em sua maioria,por micro ou pequenas empresas, em geral,familiares, de capital fechado e 100% nacio-nal, embora abrigue, também, a maior em-presa de móveis de aço da América Latina –Itatiaia, e de três outras empresas de grandeporte. Atualmente, as 360 empresas move-leiras da região são responsáveis por apro-ximadamente 11.600 empregos diretos, e porgrande parte das arrecadações municipais.O elevado índice de concentração (IC) daatividade nos municípios demonstra a forteespecialização da economia local.

A baixa qualificação profissional leva,entretanto, a uma grande concentração detrabalhadores do setor em uma faixa salarialpequena, aparecendo como um dos grandesdesafios ao desenvolvimento das empresas.A ação institucional tem tentado sanar o pro-blema, mas a grande rotatividade faz comque as empresas, em geral, não se interessemem investir na melhoria do nível educacio-nal, nem na qualificação de sua mão-de-obra(VALE, 2006).

O setor está estruturado de forma ver-ticalizada, havendo, portanto, poucos enca-deamentos produtivos intrassetoriais. Ape-sar da evolução em diversos sentidos, elecontinua a caracterizar-se pelo baixo graude especialização, com grande parte dasempresas produzindo uma mesma linha demóveis e competindo entre si, principalmenteatravés do mecanismo de preços.

As parcerias ocorrem esporadicamen-te e, principalmente, na organização defretes e transporte ou compras de insumos.A existência de arranjos formais entre as fir-mas é bastante recente e limita-se a um gru-

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po de empresas líderes. Um número signifi-cativo de fabricantes mantém frota própriapara transporte de mercadoria e as centraisde frete são utilizadas unicamente para as“pontas” de produção. A terceirização nãoé uma prática frequente e não se observa umatendência no sentido de intensificação dasparcerias (SILVA, 2008).

O polo vem passando, entretanto, porum processo de atualização tecnológica, pos-sibilitado pelos resultados positivos das em-presas e pela melhoria das condições de cré-dito, com um consequente aumento da pro-dutividade e de vendas. A infraestrutura pro-dutiva de uma grande parte das empresas éhoje completamente automatizada e infor-matizada. O aumento da produtividade é,também, resultado de processos de organi-zação interna das empresas que procuram aredução de custos, a otimização do tempo deprodução e o aperfeiçoamento tecnológico.

Constata-se, entretanto, a existênciade sérios problemas de logística, devido à mácondição das estradas, principalmente nasligações para Belo Horizonte e Juiz de Fora,apesar dos investimentos recentes do gover-no no anel viário de Ubá. Esse fator tem seconstituído como um entrave à atividade,pois é responsável, entre outros, por um pra-zo de entrega excessivamente longo.

O APL conta com o apoio de diversasinstituições e programas no âmbito federal eestadual que visam prover apoio para a suaestruturação e fortalecimento, não tendo,porém, atuação garantida. Apesar de todauma mobilização institucional, observa-seque apenas cerca de 20% das empresas estãoenvolvidas nas ações coletivas organizadas,o que tem pouca expressividade para a dinâ-mica empresarial da região (ALMEIDA;MOURA, 2005).

A exceção são as ações de mercado:para o ano de 2008, no âmbito do PPA -Plano Plurianual, foi articulado o Projeto Ex-tensão Industrial Exportadora - PEIEx, pro-moção comercial de microempresas e empre-sas de pequeno e médio porte, e de pesquisade mercado, com grande participação. AAPEX-Brasil - Agência Brasileira de Promo-ção de Exportações e Investimentos, tambémdesempenha um importante papel, organi-zando, por exemplo, o Projeto Comprador epromovendo feiras internacionais.

O polo conta com uma boa estruturaacadêmica, estando no foco de importantescentros de pesquisa, ligados a universidadesde Viçosa, Belo Horizonte e, em menor esca-la, Lavras e Juiz de Fora que, apesar dos in-convenientes da distância, proporcionamgrandes ganhos em termos de construção doconhecimento nas várias áreas ligadas à pro-dução de móveis local: gestão, engenhariade produção, design, engenharia florestal,entre outros. Também existe um curso supe-rior em design oferecido pela UEMG – Uni-versidade Estadual de Minas Gerais, além doCEFET – Centro Federal de Educação Tecno-lógica, e uma escola do SENAI. A FINEP -Financiadora de Estudos e Projetos - por suavez, financia uma série de projetos que con-tribuem para o conhecimento científico naregião.

Os mercados consumidores prioritá-rios das empresas da região são as classes Ce D, mas algumas empresas têm ampliadoseu foco para as classes A e B, predominandoa venda de móveis residenciais, confecciona-dos com painéis, e a tendência é de uma di-versificação das linhas. Os principais mer-cados para a produção incluem o próprioestado de Minas Gerais, o Rio de Janeiro eEspírito Santo.

A comercialização da produção se fazessencialmente por meio de quinhentos re-presentantes que são, hoje, responsáveis por85% das vendas. Os concorrentes nacionaisdas empresas do polo são outros reconheci-dos polos moveleiros, como os da Grande SãoPaulo, Votuporanga e Mirassol, Caxias doSul e Bento Gonçalves e, entre os concorren-tes internacionais, destaca-se a China(VALE, 2006).

Desde o final da década de 1990, a ex-portação vem se organizando, tendo passadoinicialmente por um processo de aprendiza-do, que foi estruturado por meio da forma-ção de dois consórcios, com o apoio de insti-tuições, mas também de empresas fornece-doras. Existem, hoje, cerca de vinte empre-sas exportadoras, mas somente uma médiade 15% de sua produção é destinada à ex-portação. Os principais destinos são os paísesda América do Sul, EUA, México, Angola,África do Sul, Líbano e Qatar.

No que diz respeito às ações visando àsustentabilidade ambiental, a recente mobi-

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lização para o licenciamento ambiental dasempresas foi precedida por reuniões de cons-cientização, mas, na maioria dos casos, li-mitou-se à obtenção do licenciamento, semnecessidade de planejamento ambiental, pelofato de as empresas possuírem um máximode 1000 m2 de área construída e oito funcio-nários. Além disso, não há cultura e consci-ência ambiental ou uma gestão ambientalintegrada no polo e nem no setor, existindo,ainda, pouca divulgação do conhecimentoexistente em reciclagem e tratamento.

No que se refere ao uso de matéria-pri-ma sustentável, a preocupação começa a secolocar, devido às dificuldades de obtençãode madeira oriunda das regiões Norte e Suldo país, fator que, aliado às restrições am-bientais e legais, vem acarretando problemasde abastecimento e contínua elevação depreços. Neste sentido, alguns programas es-tão buscando a formação de uma base flores-tal estratégica para a criação de segmentosindustriais, como serrarias, usinas de preser-vação, unidades de secagem e indústrias depainéis (aglomerado e MDF).

2 Estratégias de design: aprimoramentotecnológico e promoção

Crocco e Horácio (apud OLIVEIRA JR.,2002, p. 17) constatavam, em 2001, que asempresas do polo, em sua maioria, não utili-zavam mão-de-obra qualificada na criaçãode novos modelos para seus produtos, pra-ticando em geral a imitação que era, inclusi-ve, “muito bem aceita na região”. O censomoveleiro (FEDERAÇÃO DAS INDÚS-TRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS,2002, p. 35), por sua vez, identificava umabaixa prioridade para os “investimentos emdesign” (indicador de 28 em 100), emboramuitos dos empresários afirmassem conhe-cer sua importância. Crocco e Horácio(2001) atribuíam o desinteresse pela questãoda inovação de produto via design ao mer-cado consumidor do polo, predominante-mente de classes C, D, cujo padrão de consu-mo não exige uma contínua inovação no es-tilo dos produtos.

Outro fator que restringia, nesta época,a inovação era a falta de interação entre oprodutor do arranjo e seus consumidores: ainteração que o censo moveleiro detectava

se fazia, na verdade, por intermédio dos re-presentantes. Crocco; Horácio (2001) enten-diam que a falta de contato direto com osconsumidores desestimulava os investimen-tos em design.

Embora as empresas em geral e algu-mas empresas líderes praticassem a imitaçãodo produto, existiam, entretanto, entre asempresas líderes, algumas que desenvolviaminovações, visando lançar novos modelos nomercado.

Estes diagnósticos levaram a uma mo-bilização institucional para a implantação dedesign no polo, num momento que coincidiucom um processo de atualização tecnológi-ca possibilitado pelos resultados positivos dasempresas, pela melhoria das condições decrédito e pelo aumento da produtividade ede vendas.

A questão do design foi tratada inicial-mente em reuniões e palestras promovidaspelas instituições, em meio à articulação dopolo. A abordagem nas empresas foi efetiva-da também por meio de cursos promovidospelo SENAI, nos quais se conjugou qualifi-cação de mão-de-obra com sensibilização.Estes primeiros cursos/oficinas de design ti-veram como público-alvo os encarregados oufuncionários indicados pela própria empre-sa, que passaram a exercer o papel de forma-dores de opinião no âmbito destas, buscandouma melhor inserção de design.

Em 2003/2004 foi articulado um pri-meiro programa de design envolvendo ummaior número de instituições, o Pró-Design,do qual participaram a Universidade Federalde Viçosa, o Colégio Técnico Universitário eo Curso Técnico em Design de Móveis daUFJF, além de profissionais e estagiários dedesign e indústrias do Polo (SINDICATOINTERMUNICIPAL DAS INDÚSTRIAS DEMARCENARIA DA UBÁ, 2005). Assim, otreinamento Interativo Multidisciplinar deDesign para m óvel possibilitou o desenvolvi-mento de projetos de mobiliário para as em-presas do polo de Ubá e de outras localidades,que tiveram o apoio de equipes formadas porum aluno e dois técnicos. O programa teve omérito de aproximar os alunos da realidadeprofissional, ao mesmo tempo em que propor-cionou às empresas uma visão de design.

Mas foi em 2004 que ocorreu na regiãoa maior mobilização em torno do design,

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com uma grande campanha para sua pro-moção, por meio da coleção Ubá Móveis deMinas. A ação, promovida pelo Via Design(SEBRAE), em parceria com a FIEMG/IEL/SENAI e o INTERSIND, teve a participaçãode onze empresas, e onze designers (sob acoordenação da UEMG) (AGÊNCIASEBRAE DE NOTÍCIAS, 2009) e levou a umamudança da imagem do polo não só juntoao mercado, mas principalmente dentro dopróprio polo.

O trabalho visou o desenvolvimento depeças variadas de mobiliário, procurandoconjugar o uso de novas matérias-primascom o trabalho em maquinários e ferramen-tais já utilizadas pelas micro e pequenas em-presas envolvidas. Foram utilizadas referên-cias estético-formais com base no território,numa tentativa de decodificação da culturalocal, para a inserção de identidade no pro-duto, trabalho que teve o apoio de um antro-pologo (MORAES, 2008).

Os resultados incluíram uma coleçãode peças – a “Coleção Ubá Móveis de Minas”– a criação da marca correspondente e deuma revista, publicada pelo INTERSIND emparceria como o Instituto Euvaldo Lodi - IEL(sistema FIEMG), além de proporcionar aosdesigners participantes a oportunidade dese preparar para o trabalho em ambiente deaglomerados produtivos. A coleção colo-cou-se principalmente como ferramenta demarketing para promoção do polo, ao tentaramenizar a imagem que ele então portava,vinculada à cópia de modelos e, ao mesmotempo, aumentou a auto-estima do empre-sariado.

As empresas adquiriram uma visãosobre o processo de design, participando dainserção e desenvolvimento da metodologia;os móveis produzidos conferiram a elas visi-bilidade e permitiram a sua participação naestratégia de marketing, que incluiu a elabo-ração e distribuição do catálogo, bem comoa exibição dos produtos em diversas feiraslocais, estaduais e mesmo em outros estados.

Dentro de uma outra linha estratégica,em 2005/2006, foi desenvolvido o projeto“Fortalecimento do Polo Moveleiro de Ubáe Design Integrado: Desenvolvimento deProdutos para a Certificação”. Com o obje-tivo de disseminar a prática do design juntoàs indústrias de móveis, o projeto propôs le-

var os empresários a compreender o proces-so projetual para torná-los aptos a decidir omomento certo de sua adoção. Outro objetivofoi a padronização de processos e produtoscom vistas à certificação para possibilitar aexpansão do mercado e exportação(MARÇAL et al., 2006).

A metodologia adotada incluiu umafase de protocolo de análise de qualidade,que identificou três grandes fontes de proble-mas na produção: gargalos de produção, im-provisações no fluxo produtivo e defeitos/retrabalhos. Em seguida, foram desenvolvi-dos workshops para as sete empresas parti-cipantes, para nivelamento de informações;por fim, a elaboração de um diagnóstico dasnecessidades e demandas das empresas per-mitiu o desenvolvimento de um produtopara entrar em linha de produção para cadaempresa, visando à certificação (MARÇALet al., 2006). Uma equipe multidisciplinar foiresponsável pela execução do projeto, inclu-indo profissionais e estagiários de engenha-ria de produção e de engenharia de estrutu-ras da UFMG e uma equipe de profissionaise estagiários da Escola de design da UEMG.O projeto teve como mérito a realização deum levantamento de problemas produtivose de questionamentos tecnológicos colocadosaos empresários para reflexão como parte doprocesso de busca de eficácia e eficiência.

Ainda em 2005/2006, foi promovidopelo SENAI o Projeto “Design Dez” comobjetivo de inserir o design nas empresas: dezalunos atuaram como consultores junto adez empresas, sob coordenação do núcleodo SENAI. O projeto enfrentou, entretanto,dificuldades de ordem burocrática.

Além destes projetos, outro elementoimportante para a criação do valor simbólicodo design na região foi o Salão de Design,evento paralelo às feiras FEMUR e FEMAP,criado em 2003, pelo Núcleo de Inovação eDesign em Mobiliário em parceria comSENAI, SEBRAE, INTERSIND e MovimentoEmpresarial. Tendo como objetivo incentivare estimular a adoção de novas soluções e tec-nologias no design, a sua promoção incluiuconcursos regionais e nacionais de design ea exibição de peças selecionadas nos concur-sos ou desenvolvidas em atividades no polo,além de fóruns e palestras. A partir de 2008,entretanto, a atividade foi interrompida,

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devido, por um lado, a um conflito de inte-resses gerado com as empresas promotorasdo evento e, por outro, à crise econômica (in-formação verbal)1.

Nos últimos anos, o foco na articulaçãode estratégias de design não tem sido priori-dade das instituições. Segundo Rossignoli, agrande mobilização para ações coletivas dedesign ocorreu entre 2004 e 2007, tendo essasações, desde então, sido colocadas de lado.Considera-se, no polo, que não há necessi-dade de dar continuidade a este tipo de ação,uma vez que as empresas estão tratando aquestão de forma individualizada, coerentecom suas estratégias (informação verbal)2.Esta situação demanda, entretanto, umaanálise mais detalhada.

3 Direcionamentos projetados etendências emergentes para o designno polo

A observação dos produtos e dos seusprocessos de geração em Ubá demonstra quenão existe espontaneidade na implantaçãode um design inovador, mesmo que hajauma procura de nivelamento com os padrõesde referência do setor.

Embora pareça haver um movimentocrescente no sentido de contratação dedesigners pelas empresas do polo, estes pro-fissionais têm atuado de forma estritamenteoperacional, desenvolvendo produtos queacompanham as tendências dominantes,num processo de geração de projetos que,aos poucos, substitui a cópia adaptada pelaimitação criativa - prática, aliás, generaliza-da na maioria dos polos moveleiros do Brasil.

As ações que procuram nivelar odesign com o padrão nacional têm sido in-corporadas às rotinas das empresas, masexiste uma resistência local ao desenvolvi-mento de produtos realmente inovadores. Astentativas institucionais de um direciona-mento neste sentido não levaram ao sucessocomercial, pelo fato de os produtos terem cus-tos mais elevados ou não se adequarem aosegmento de mercado alvo do polo. Portanto,o estímulo promovido pela existência de po-líticas públicas envolvendo atividades inova-doras de design – tais como os financiamen-tos e subvenções da inovação, a disponibili-zação de estrutura de pesquisa das universi-

dades, bem como dos projetos apresentadospor iniciativa de seus pesquisadores – têmsido subaproveitados.

A estrutura de decisão para as açõescoletivas de design ainda é fragmentada,partindo da iniciativa das diversas institui-ções envolvidas. O SEBRAE, através do Viadesign, e o sistema SENAI/FIEMG/IEL, queexerceram em outros estados uma forte lide-rança na definição de atividades de promo-ção, suporte e educação em torno do design,em Ubá não têm tido um papel relevante naarticulação coerente destas políticas. A atua-ção institucional tem o potencial de se refor-çar, com a organização do Centro Mineirode Design e do Centro de Estudos em Designda Madeira liderado pela UEMG, que reúneum grande número de entidades parceiras;não existem, entretanto, atualmente, planosdefinidos para uma intervenção destas enti-dades, mais focada em Ubá (CENTRO MI-NAS DESIGN, 2009). Segundo Rossignoli, asempresas têm preferido incorporar designersa seus quadros, em detrimento da utilizaçãode serviços disponibilizados institucional-mente (informação verbal)3. Porém, o fatodos designers contratados serem jovens pro-fissionais, muitas vezes de nível técnico, difi-culta sua ação de uma forma mais estratégi-ca dentro dos direcionamentos das empresas.

A condução das atividades coletivas dedesign em Ubá tem sido caracterizada pelafalta de continuidade das ações e direciona-mentos. Projetos como o Pró Design, o PróUbá, a Coleção Ubá Móveis de Minas e outrosnão tiveram sequência, apesar de sua relevân-cia. Os responsáveis entrevistados atribuemeste fato à resistência e desinteresse dos empre-sários com relação às ações, cujos custos pare-cem proporcionalmente altos quando compa-rados ao baixo retorno imediato. Rossignoliacredita que as ferramentas fornecidas pelasinstituições têm sido utilizadas pelas empresasde acordo com suas estratégias individuais eque a incorporação do design tem ocorridode forma gradativa e contínua, embora ain-da incipiente (informação verbal)4. Asestratégias coletivas, apesar de descontínuas,tiveram o mérito de despertar as empresaspara a questão. Entretanto, vários empresá-rios entrevistados confirmam o desinteressepelas ações coletivas de design e contestam,ainda, o teor teórico das metodologias.

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No polo de Ubá, a sequência na qualas ações de design tem se inserido no conjun-to de atividades de promoção do APL parececoerente, tendo sido precedidas por ativida-des de estruturação física e organizacionaldo polo, tais como investimentos em infraes-trutura, modernização de maquinário, ca-pacitação de mão-de-obra, fortalecimento degovernança, entre outros.

As próprias atividades de design obe-deceram a uma lógica, iniciando-se com oscursos e oficinas oferecidos pelo SENAI nosquais conjugou-se qualificação de mão-de--obra com sensibilização; seguidos pelaelaboração da coleção Ubá Móveis de Mi-nas atuando na construção de uma imagemmais favorável para o polo e pelo projeto PróUbá, que visava a adequação técnica dosprodutos.

Embora as ações tenham sido de pe-quena abrangência mobilizando poucas em-presas (as duas principais ações – a elabora-ção da coleção “Ubá Móveis de Minas” e o“Projeto Pró Ubá”, mobilizaram respectiva-mente onze e sete empresas), a baixa inten-sidade das atividades é coerente com a pou-ca mobilização dos empresários e com amedida na qual as ações têm sido absorvidas.

Assim, a situação do design no poloparece coerente com seu desenvolvimentoeconômico: um design pouco diferenciadotem sido suficiente para garantir o crescimen-to das empresas, baseado principalmente nadiminuição dos custos, graças à inovação tec-nológica e ao aumento do mercado que pri-oriza o preço e a facilidade de pagamento,atribuindo pouca importância ao design.

Esta situação de crescimento está ligadaao grande aumento do poder aquisitivo dasclasses C e D nos últimos anos e à própriaexpansão da classe C, a partir da conjunturanacional favorável; o que tem despertado ointeresse dos principais fabricantes e varejis-tas de bens de consumo (SANTOS, 2007). Opotencial da classe C chegou a aproximada-mente R$ 226 bilhões anuais em 2000, apósum crescimento no número de famílias. de3,4 milhões entre 1992 e 2000 (SANTOS,2007). Entre 2003 e 2006, o aumento foi deoito pontos percentuais (de 32% para 40%do total da população do país), devido à re-dução das classes D e E, (que passaram de46% para 38%) (DATAFOLHA, 2006).

O aumento no número de integrantesda Classe C e de seu poder aquisitivo é espe-cialmente decisivo para a evolução do setorde mobiliário, uma vez que a maior aspiraçãode compra da Classe C são os móveis – queevoluíram de 31% para 37% na intenção decompra das famílias entre 2005 e 2007(CETELEM/IPSOS, 2008).

Desta forma, o desenvolvimento daprodução no polo de Ubá parece estar rela-cionado com o aumento do poder aquisitivode seus mercados privilegiados, dentro deum contexto que tem se baseado na quedado custo, a partir da organização da infraes-trutura, da atualização tecnológica e do au-mento da escala de produção, bem como napossibilidade de exportação para mercadosexternos, com características análogas aos jáconhecidos internamente – Chile, México,Angola, Panamá entre outros.

A busca da redução de custos é con-sistente com a conquista de uma grande par-ticipação no mercado, uma vez que tal bus-ca permite melhores condições de compra,otimização dos custos de produção, distri-buição e marketing, bem como vantagens fi-nanceiras, disponíveis para empresas maio-res, (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000).Neste sentido, o redesenho de produtos, queé a principal estratégia de design aplicadapelas empresas de Ubá, contribui para o au-mento na escala de produção e melhorias,tais como a simplificação do projeto e redu-ção de número de partes ou a utilização ra-cional de matéria-prima permitem uma di-minuição no tempo de fabricação.

O momento atual pelo qual passa oaglomerado tem, portanto, demandado queo design se alie à procura da eficiência produ-tiva por meio da padronização de processos,práticas e da redução de partes dos produtos,dando ênfase à reengenharia de processos eà produção, dentro de linhas de produçãolimitadas e menos sofisticadas. Os resultadoseconômicos da estratégia têm sido satisfató-rios e não têm pressionado os empresários ase posicionar de forma mais criativa.

Considerações finais

O polo de Ubá tem se desenvolvido deforma destacada nos últimos anos, respon-dendo de forma competente ao crescimento

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212 Maria Luiza A. C. de Castro; Juliana Cardoso

de seus mercados principais. Algumas inicia-tivas institucionais têm procurado dar apoioao design na região, mas a definição dos di-recionamentos neste sentido tem partidoprincipalmente das estratégias comerciaisdos empreendedores, baseadas numa atua-lização tecnológica e nivelamento com ospadrões de referência do setor.

Do ponto de vista econômico, esta es-tratégia tem se revelado eficaz para o polo,o que gera dificuldades para a inserção deum design mais inovador, que demandariaações mais especializadas, um direciona-mento estratégico menos evidente, com retor-no financeiro mais incerto no curto prazo ecom maiores possibilidades de erros de per-curso, uma vez que baseada em valores maisabstratos. Desta forma, é natural que hajauma resistência dos empresários com visãoimediatista em investir no design: enquantopersistir a conjuntura vigente, favorável aodesenvolvimento da produção de mobiliáriode baixo custo, a relação custo/benefício doinvestimento em design inovador vai pare-cer aos empresários menos atrativa do que ade outros direcionamentos mais lucrativos.Assim, quando não existem resultados eco-nômicos relevantes para a aplicação do de-sign e ele não é reconhecido como um atribu-to que pode trazer benefícios econômicos efinanceiros imediatos para as empresas, asua aplicação tenderá a ser restrita. É neces-sário, entretanto, que as instituições suprama necessidade de uma visão de maior alcancee incitem a elaboração de cenários nos quaisos direcionamentos de design tenham umenfoque mais baseado na criatividade, dan-do início a um processo de construção decompetências neste sentido.

Não se trata de tentar impor o designaos empresários locais, mas de analisar a si-tuação e encontrar estratégias adequadaspara as circunstâncias observadas. O pró-prio questionamento interno que ocorre atu-almente sobre o futuro do polo demonstra anecessidade de uma reestruturação de estra-tégias: em 2009, o SEBRAE Minas contratoua agência espanhola Competitiveness pararealizar um diagnóstico do polo de Ubá eapresentar opções para o desenvolvimentode sua competitividade. Assim, novos cami-

nhos estão sendo traçados para criar alterna-tivas para uma evolução que, baseada atéagora na redução do custo e aumento da de-manda, pode vir num futuro próximo a atin-gir um ponto de saturação.

A proposta apresentada prevê a evo-lução do setor local por meio de uma tenta-tiva estruturada, por um lado, pela tentativade controle dos canais de venda e dos forne-cedores e, por outro, pela oferta de produtosdiferenciados, em busca de vantagens com-petitivas. Apesar de alguns aspectos destaproposta possibilitarem a ampliação dasoportunidades de comercialização, ela envol-ve relações de subcontratação dentro dopolo, que demandam um grande domínio dedesign por parte das empresas que vão co-mandar a cadeia. Porém, a produção localé, conforme, já visto, baseada em um acom-panhamento de tendências e na utilizaçãode um vocabulário estético já desgastado epouco inovador. Em seu estágio atual, por-tanto, as competências de design no polo,ainda em construção, não poderão suprir asnecessidades da reestruturação prevista, e aestratégia ficará provavelmente limitada àtentativa de controle dos canais de venda edos fornecedores, dando prosseguimento àcompetição pelo preço.

Desta forma, fica claro que a busca deum design diferenciado, mesmo que não sejaainda parte do cotidiano do polo, é uma ne-cessidade emergente, tornando-se, portanto,essencial para um processo de construção devalor simbólico e de competências. Nestesentido pode haver estimulos de instituições,sob pena de levar os resultados exitosos a umvocabulário inovador e uma diferenciação se-mântica dos produtos.

Notas1 Informação fornecida por Sandro Ferreira de Souza

(gestor do núcleo de design do SENAI em Ubá) ementrevista em Ubá, 31 jul. 2008.

2 Informação fornecida por Eliane Rossignoli (Gestorado projeto APL e gerente do SEBRAE/Ubá), em en-trevista em Ubá: 14 jun. 2009.

3 Informação fornecida por Eliane Rossignoli. Ubá: 14jun. 2009.

4 Informação fornecida por Eliane Rossignoli.Ubá: 14jun. 2009.

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213Inovação tecnológica e inovação narrativa: caminhos para o design no polomoveleiro de Ubá

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Teoria e práticaA agricultura familiar no Brasil

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A agricultura familiar no Brasil: um retrato do desequilíbrio regional

Arlindo Kamimura*Aline de Oliveira**Geraldo F. Burani*

Recebido em 3/6/2010; revisado e aprovado em 29/6/2010; aceito em 30/6/2010

* PPGE/IEE/USP - Programa de Pós-graduação em Energia, Instituto de Eletrotécnica e Energia – Universidade deSão Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 – Cidade Universitária - 05508-900 - São Paulo, SP, Brazil. Tel.(55)(11)3091-2629 – fax (55)(11) 3816-7828. E-mail: [email protected]** Universidade Federal do Tocantins, TO, doutoranda do PPGE/IEE/USP - Programa de Pós-graduação emEnergia, Instituto de Eletrotécnica e Energia – Universidade de São Paulo, SP, Brasil e bolsista da ANP – AgênciaNacional do Petróleo..

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Introdução

A recente publicação do Censo Agro-pecuário 2006 pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE) (2009) deu iní-cio a uma série de trabalhos, cujo objetivo éa apresentação e interpretação dos resulta-dos dessa pesquisa, em geral comparando-oscom os dados do Censo Agropecuário 1995/1996. Em função do conteúdo altamente sus-cetível às diferentes interpretações de caráterpolítico-ideológico é razoável supor que acir-rados embates com elevada carga emotivaserão promovidos pelos diversos setores dasociedade, cada qual argumentando e pro-curando demonstrar seus pontos de vista,antes que um consenso embasado numa aná-lise científica e metodológica seja aceito eavalizado pela academia. Dados analisadosseparadamente ou examinados sob uma óti-ca parcial, sem o contexto geral, podem in-duzir a conclusões errôneas, como disse oeconomista Ronald Coase, em Tullock G.(2001): “If you torture the data long enough,it will confess”.

Mesmo correndo o risco mencionado,o objetivo deste trabalho é analisar algunsdados pertinentes à agricultura, em particu-lar da agricultura dita Familiar, em dois ins-tantes cobertos pelos citados Censos – o de1995/1996 e o de 2006, e contribuir para queo citado consenso seja alcançado.

A polêmica já se inicia na própria de-finição de Agricultura Familiar (AF), distin-tas metodologicamente, nestes dois Censos,além da não coincidência do período coberto

por essas pesquisas, tornando inviável umacomparação direta. Entretanto, já o Censo95/96 mostra de forma inequívoca a grandedisparidade econômica existente entre as vá-rias regiões brasileiras, principalmente no to-cante à produtividade e à rentabilidade porhectare dessas regiões. Isso é mostrado noestudo Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, coordenado por Guanziroli e Cardim(2000), no qual uma definição de AF é esta-belecida. O documento apresenta umaexaustiva fotografia da AF, mostrando osdesequilíbrios e comparando-a com a Agri-cultura Patronal nas várias regiões do Brasil.Já o Censo 2006 deu origem ao documentoMDA (2006), do Ministério de Desenvolvi-mento Agrário, no qual os critérios utilizadospara definição de AF estão na Lei 11.326 de24/7/2006, mais restritivos na abrangênciaem relação ao universo definido pela meto-dologia INCRA/FAO. Todavia, com a utili-zação dos microdados do Censo 2006 é pos-sível a recuperação dos indicadores compa-rativos da AF 2006, sob os mesmos critériosINCRA/FAO (FRANÇA et al., 2009), per-mitindo uma análise evolutiva, tendo sem-pre em mente a distinção existente nos perí-odos de coleta dos dados nos dois Censos.

Não é objeto deste trabalho um estudorigoroso do ponto de vista acadêmico dasvariáveis causadoras dos desequilíbrios re-gionais conhecidos ad nauseam há muito,mesmo porque a escassez de informaçõesconfiáveis não permite uma análise estatísti-ca aceitável. É inegável e intuitivo, no entan-to, a importância dos aspectos culturais, do

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218 Arlindo Kamimura; Aline de Oliveira; Geraldo F. Burani

grau de escolaridade, do nível de formaçãoe utilização tecnológica, das variáveis econô-micas, da pluviometria e do clima associadosàs regiões brasileiras nos resultados positivose negativos da agricultura como um todo. Afalta de uma política consistente e perseve-rante de desenvolvimento econômico e socialpara as regiões mais pobres do país solidifi-cou uma falácia passivamente aceita pelagrande parcela da população: uma teoria fa-talista da história, a exemplo daquela descri-ta por Leon Tolstói em Guerra e Paz, na qualo livre-arbítrio e atitudes não têm relevânciano inevitável e determinístico processo depermanência da pobreza endêmica paraessas regiões. As fotografias obtidas dos Cen-sos 95/96 e 2006 mostram, felizmente, quea realidade pode ser diversa dessa atitudeconformista e que a quebra de paradigmas efalácias depende tão somente da vontadepolítica da sociedade na condução do proces-so histórico.

Essa postura não conformista, histori-camente presente em muitos segmentos dasociedade, ganha um marco na história bra-sileira com a promulgação da Constituiçãode 1988, na qual os problemas sociais asso-ciados à área rural, origem e foco de parcelasignificativa da dinâmica da pobreza nacio-nal são objetivamente enfrentados, inicial-mente, com as leis de Custeios e Benefíciosde 1991 e efetivadas a partir de 1992, conso-lidando-se, entre 1996 e 2006. Assim, nãoapenas a Universalização da PrevidênciaSocial, mas uma série de ações dirigidas edesenvolvidas nas áreas rurais são causado-res de uma mudança significativa no con-texto socioeconômico. A partir de então, leis,projetos, programas e políticas têm início: acriação da Cédula do Produto Rural (CPR)(1994), o Programa de Fortalecimento daAgricultura Familiar (PRONAF) (1995), oPrograma de Geração de Emprego e RendaRural (PROGER Rural) (1995), a garantia depreços agrícolas (96), o Programa de Securi-tização da Dívida (1995) dado ao elevadoendividamento do setor, Programa Especialde Saneamento de Ativos (PESA) (1998), acriação da Cédula da Terra e Banco da Terra(97/98) e regulamentados em 2001, com arespectiva criação de assentamentos sob res-ponsabilidade do INCRA, intensificados apartir de 1995, a Lei Kandir, de incentivo à

exportação (1996), a introdução dos contra-tos de opção de venda e do Prêmio de Escoa-mento de Produtos (PEP), a Moderfrota(1999) para modernização e mecanizaçãoagrícola, a criação do Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA), inicialmente pormedida provisória (1999) e confirmada pordecreto (2004), Lei da Armazenagem (2000),a Garantia de Safra (2002), o Programa deAquisição de Alimentos (PAA) (2003), o Pro-grama Nacional de Desenvolvimento de Ter-ritórios Rurais (PRONAT) (2003), novos tí-tulos de apoio ao financiamento como o Cer-tificado de Depósito Agropecuário e a LeiWarrant Agropecuário CDA/WA (2004),Seguro Agricultura Familiar (Proagro Mais)(2004), Programa Nacional do Biodiesel(2004), o Programa Bolsa Família (2004) e oII Plano Nacional de Reforma Agrária(2003/04) vêm contribuídos de forma deci-siva e assimétrica, do ponto de vista regional,para o desenvolvimento da agricultura e, emparticular, da Agricultura Familiar.

1 Material e Métodos

Além dos Censos Agropecuários 1995/96 e 2006 do IBGE, dois relatórios baseadosnesses Censos nortearam este trabalho: os aci-ma citados (GUANZIROLI; CARDIM, 2000;FRANÇA et al., 2009), nos quais são encon-tradas as diferentes definições da AF segun-do os dois critérios: o Projeto de CooperaçãoTécnica INCRA/FAO e a Lei n. 11.326, as-sim como são apontadas as diferençasconcernentes aos intervalos de tempo cober-tos pelos Censos (ano safra e ano civil). Asprincipais diferenças nas definições da AFse referem à área do estabelecimento, à ca-racterização do rendimento das atividades,à mensuração dos trabalhos familiares e con-tratados, de forma que os critérios FAO/INCRA são mais abrangentes que a Lei11.326. Para ilustrar essas diferenças,pode-se citar, por exemplo: a área total ocu-pada pela AF no Brasil, em 2006, segundo aLei 11.326 é de 80,3 milhões de hectares, res-ponsável por um Valor Bruto da Produção(VBP) de 54.367,7 milhões de reais, enquan-to sob o critério INCRA/FAO esses núme-ros são respectivamente de 106,8 milhões dehectares e 57.572,2 milhões de reais. Essasdiferenças conduzem a uma rentabilidade

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219A agricultura familiar no Brasil: um retrato do desequilíbrio regional

por hectare da AF no Brasil, em valorescorrentes de 2006, de R$ 677,10/ha, no pri-meiro caso, e R$ 539,10/ha, no segundo.

Neste trabalho, em benefício da coerên-cia, consideraremos somente a definição daAgricultura Familiar, segundo os critérios doINCRA/FAO.

2.1O Censo Agropecuário de 1995/96

O extenso relatório do Projeto de Coo-peração Técnica INCRA/FAO (op. cit.) forne-ce um quadro da chamada Agricultura Fa-miliar, mostrando, entre os vários resultados,a tabela 1 obtida a partir do Censo 1995/96.

A rentabilidade da AF, definida, nestetrabalho, como sendo o Valor Bruto da Pro-dução (VBP) correspondente à AF divididapela área total ocupada pela AF, mostra umagrande diferença para a região Sul em rela-ção às outras regiões, principalmente Norte,Centro-Oeste e Nordeste, configurando umretrato do desequilíbrio histórico apontadona introdução deste trabalho. As causas des-te desequilíbrio, se por um lado são convin-centes e fáceis de apontar de maneira gené-rica, a exemplo das citadas na introdução,são difíceis de provar estatisticamente, emfunção da escassez de dados fidedignos eausência de série histórica. Algumas evidên-cias, no entanto, podem ser levantadas e for-necer uma pista no sentido de estabelecerquais fatores ou variáveis afetam a rentabili-dade da AF. As Figuras de (1) a (8) mostram,de forma autoexplicativa, a rentabilidade(R$/ha) para o ano de 1996 nas ordenadase algumas variáveis sociais, econômicas e tec-nológicas cotejadas nas abscissas, para as re-giões brasileiras. Como pode ser observado,existe um comportamento sistemático e coe-rente nessas curvas, evidenciando uma cor-relação entre a rentabilidade e as variáveisescolhidas, corroborando os resultados espe-rados, percebidos de forma intuitiva pelosenso comum. Sendo a rentabilidade (R$/

Tabela 1 - Agricultura Familiar – Número de estabelecimentos, Área, VBP, Financiamentostotais e Rentabilidade por hectare em Reais de 1996 (R$ 96/ha).

mil mil ha (10)^6 R$ 96 mil R$ 96 R$ 96/ha

REGIÃO N. estab. Área VBP Financ. Tot. Rentab.

NE 2.055,2 34.043,22 3.026,90 133.973 88,91

CO 162,1 13.691,31 1.122,70 94.058 82,00

N 380,9 21.860,96 1.352,66 50.123 61,88

SE 633,6 18.744,73 4.039,48 143.812 215,50

S 907,6 19.428,23 8.575,99 515.862 441,42

BR 4.139,4 107.768,45 18.117,73 937.828 168,12

Fonte: Guanziroli C. E. e Cardim S. E. de C. S. (2000)

ha) a ordenada em todas as Figuras (1) a (8),as correspondentes variáveis nas abcissasserão:• Figura 1: Percentual da população rural

da correspondente região, acima de 4anos e com menos de 1 ano de escolari-dade.

• Figura 2: Financiamentos totais para a AFda região por hectare.

• Figura 3: Investimentos totais para a AFda região por hectare.

• Figura 4: Percentual dos estabelecimentosde AF da região que utilizam assistênciatécnica.

• Figura 5: Percentual dos estabelecimentosde AF da região que utilizam energia elé-trica.

• Figura 6: Percentual dos estabelecimentosde AF da região que utilizam adubos ecorretivos de solo.

• Figura 7: Percentual dos estabelecimentosde AF da região que utilizam técnicas decorreção de solo.

• Figura 8: Percentual dos estabelecimentosde AF da região que utilizam força sómecânica mais tração animal.

A região Sul, de longe em primeiro lu-gar, seguida pela região Sudeste são as re-giões que detêm os valores mais favoráveisnas variáveis escolhidas e, portanto, as

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220 Arlindo Kamimura; Aline de Oliveira; Geraldo F. Burani

maiores rentabilidades por hectare na AF,confirmando as expectativas.

Embora os dados completos não este-jam ainda disponíveis, a região Nordeste foia região mais beneficiada pelas políticas, pro-

gramas e ações governamentais durante operíodo correspondente aos dois Censos, es-colha justificada pela situação socioeconô-mica e climática associada à região.

Figura 1 - Rentabilidade versus percentualda população rural da correspondenteregião, acima de 4 anos e com menos de 1ano de escolaridade.

Figura 2 - Rentabilidade versus finan-ciamentos totais para a AF da região porhectare.

Figura 3 - Rentabilidade versus investimentostotais para a AF da região por hectare.

Figura 4 - Rentabilidade versus percentualdos estabelecimentos de AF da região queutilizam assistência técnica.

Figura 5 - Rentabilidade versus percentualdos estabelecimentos de AF da região queutilizam energia elétrica.

Figura 6 - Rentabilidade versus percentualdos estabelecimentos de AF da região queutilizam adubos e corretivos de solo.

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221A agricultura familiar no Brasil: um retrato do desequilíbrio regional

2.2 O Censo Agropecuário de 2006

A tabela 2 mostra a evolução da ren-tabilidade real (R$ 96/ha) da AF nas váriasregiões do país. Os valores monetários de2006 foram corrigidos para os valores de1996 pelo Índice Geral Preços de Mercado

da Fundação Getúlio Vargas – IGPM/FGV.A escolha deste índice foi devido à comple-xa e pulverizada estrutura de suprimento econsumo, muitas vezes estabelecidos inter-namente à AF, resultando em um largo es-pectro das componentes representativas dainflação deste segmento.

Fonte: Elaboração a partir de Guanziroli C. E. e Cardim S. E. de C. S. (2000) e IBGE (2010)

Tabela 2 - Agricultura familiar: valor bruto da produção (milhões R$96), área (milhõeshectares), rentabilidade (R$ 96/ha).

REGIAO N VBP ÁREA Rtbdade REGIAO NE VBP ÁREA Rtbdade

1995/96 1352,7 21,9 61,9 1995/96 3026,9 34 88,9

2006 1567,5 22,4 69,9 2006 5822 35,2 165,3

REGIAO S REGIAO SE 1995/96 8576 19,4 441,4 1995/96 4039,5 18,7 215,5

2006 9180,8 18,2 505,8 2006 4478,4 16 279,6

REGIAO CO VBP = EM (10)^6 Reais Cte de 1996 - R$96

1995/96 1122,7 13,7 82 ÁREA = EM (10)^6 (ha)

2006 1343,5 15 89,9 Rtbdade = EM (R$96)/(ha)

O crescimento real da rentabilidade daAF na região Nordeste foi de 85,9% entre1996 e 2006, correspondendo a uma taxaanual de 6,4% ao ano. Essa taxa foi muitoacima da taxa de crescimento das demaisregiões e também da AF do Brasil, que foi de24,8% ou 2,2% ao ano. As demais regiõestiveram os respectivos crescimentos reais noperíodo ou taxa anual: região Centro-Oestede 9,6% e 0,9% ao ano; região Norte de 13%

e 1,2% ao ano; região Sudeste de 29,7% e2,6% ao ano e finalmente a região Sul, tradi-cionalmente com as maiores taxas, de 14,6%e 1,4% ao ano, demonstrando um sinal deesgotamento do seu potencial de expansão.As razões desses crescimentos da rentabili-dade por hectare nas várias regiões do país,além das apontadas e ilustradas na seção 2.1,através das Figuras (1) a (8), se devem, tam-bém, a outros fatores que foram identificados

Fonte: Elaboração a partir de Guanziroli C. E. e Cardim S. E. de C. S. (2000) e FRANÇA C. G. et al. (2009).

Figura 7 - Rentabilidade versus percentualdos estabelecimentos de AF da região queutilizam técnicas de correção de solo.

Figura 8 - Rentabilidade versus percentualdos estabelecimentos de AF da região queutilizam força só mecânica mais traçãoanimal.

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222 Arlindo Kamimura; Aline de Oliveira; Geraldo F. Burani

3 Conclusão

A publicação do Censo Agropecuário2006 deu início a vários trabalhos compara-tivos em relação ao Censo Agropecuário1995/96 sobre a AF no Brasil, que devemvir a público proximamente, mostrando emdetalhes a evolução deste segmento na déca-da considerada. O objetivo deste trabalho étambém mostrar alguns resultados prelimi-nares baseados nestes Censos: o cotejamentodas rentabilidades por hectare da AF, evi-

denciando o forte desequilíbrio existente en-tre as várias regiões do país, bem como iden-tificar algumas causas deste desequilíbrio.

O que é evidenciado neste trabalho é atransformação qualitativa da AF do Nordesteentre 1996 e 2006, que no início rasteja comoutras regiões pobres do país, alcança índicesde crescimento muito superiores, no final doperíodo, aos índices de regiões com AF tradicio-nalmente pujantes, a ponto de, mantida a ten-dência, suplantá-los em poucos anos, quebran-do o velho paradigma da pobreza endêmica.

Figura 9 - Agricultura Familiar: evolução das rentabilidades em reais constantes de 1996 porhectare, nas regiões brasileiras.Fonte: Elaboração a partir de Guanziroli C. E. e Cardim S. E. de C. S. (2000) e França C. G. et al. (2009).

pelos autores, no decorrer de vários traba-lhos elaborados em diferentes estados peloInstituto de Eletrotécnica e Energia da Uni-versidade de São Paulo - IEE/USP (BURANIet al., 2008, 2009, 2009, 2009, 2009, 2009):os programas, projetos e ações citados naintrodução tiveram como consequência, nãoapenas resultados relacionados com a pro-dutividade da AF, mas também induziramuma grande transformação na estrutura dedistribuição, consumo, destino final e quali-dade dos produtos, tais como a merenda es-colar, redes municipais de abastecimento, oPrograma Nacional de Biodiesel, o Agroturis-mo e outros, que aumentaram o espaço decomercialização e o valor agregado dessesprodutos. Além desses fatores, deve-se desta-car também o aumento real do preço de al-guns produtos agropecuários, na década emquestão, motivado principalmente pelo cres-cimento das exportações.

Supondo, por hipótese, que essas taxasde crescimento anual permaneçam inal-teradas para os anos posteriores a 2006, paraas respectivas regiões brasileiras, as renta-bilidades por hectare (em Reais de 96/ha)evoluirão, segundo a figura 9, na qual ficaexplicitada o forte crescimento do Nordestediante de outras regiões e ao Brasil, tal que arentabilidade se iguala: ao do Sudeste em2021, à equivalente rentabilidade do Sul (de1996), em 2024, e alcançando o próprio Sul,em 2029. Somente neste ano de 2029, a ren-tabilidade do Sudeste alcança a rentabilida-de equivalente da região Sul de 1996.Complementando a análise, as rentabili-dades das regiões Norte e Centro-Oeste per-manecem bastante abaixo das demais re-giões, não alcançando sequer a rentabilida-de da região Sul de 1996, neste século, per-petuando o paradigma da pobreza endêmicaregional.

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INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 11, n. 2, p. 217-223, jul./dez. 2010.

223A agricultura familiar no Brasil: um retrato do desequilíbrio regional

Referências

BURANI G. F. et al. Balanço energético do Tocantins, 2007,ano base 2006. São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletro-técnica e Energia da Universidade de São Paulo, 2008.ISBN 978-85-86923-14-2.

______. Balanço energético do Maranhão, 2008, ano base2007. São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletrotécnica eEnergia da Universidade de São Paulo, 2009. ISBN 978-85-86933-16-6.

______. Estudo de cenários energéticos para o estado do Ceará.São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletrotécnica eEnergia da Universidade de São Paulo, 2009. ISBN 978-85-86923-22-7.

______. Estudo da projeção da matriz energética do Maranhão2030. São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletrotécnica eEnergia da Universidade de São Paulo, 2009. ISBN 978-85-86923-18-0.

______. Estudo da projeção da matriz energética do Ceará2030. São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletrotécnica eEnergia da Universidade de São Paulo, 2009. ISBN 978-85-86923-20-3.

______. Estudo de cenários energéticos para o Estado doMaranhão. São Paulo: IEE/USP – Instituto de Eletro-técnica e Energia da Universidade de São Paulo, 2009.ISBN 978-85-86923-17-3.

CENSO AGROPECUÁRIO IBGE (1995/96). Disponívelem: <http://www.ibge.gov.br>.

CENSO AGROPECUÁRIO IBGE (2006). Disponível em:<http://www.ibge.gov.br>.

FRANÇA C. G. et al. O censo agropecuário 2006 e aagricultura familiar no Brasil. 2009. Disponível em:<ht tp ://mineiropt .com.br/arquivoses tudo/arq4b10179787f8b.pdf>.

GUANZIROLI, C. E.; CARDIM, S. E. C. S. Novo retrato daagricultura familiar: o Brasil redescoberto. Projeto deCooperação Técnica INCRA/FAO, MDA Ministério doDesenvolvimento Agrário, Brasília, DF: INCRA/FAO,MDA, 2000. Disponível em: <www.INCRA.gov.br/fao>.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,2010. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>.

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário. Agri-cultura familiar: primeiros resultados. Brasília, DF: MDA,2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.

TULLOCK G. A comment on Daniel Klein´s ´A Plea toEconomists Who Favor Liberty´. Eastern EconomicJournal, v. 27, n. 2, Spring 2001, note 2 (Text: As RonaldCoase says, ‘if you torture the data long enough it will confess´.Note: I have heard him say this several times. So far as Iknow he has never published it).

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Critérios para publicação

Art. 6o - A entrega dos originais para a Revista deveráobedecer aos seguintes critérios:

I - Os artigos deverão conter obrigatoriamente:a) título em português, inglês, espanhol e francês;b) nome do(s) autor(es), identificando-se em rodapé

dados relativos à produção do artigo, ao(s) seu(s)autor(es) e respectivas instituições, bem como aauxílios institucionais e endereços eletrônicos;

c) resumo em português, inglês, espanhol e francês com,no máximo seis linhas ou 400 caracteres, rigorosa-mente corrigidos e revisados, acompanhados, res-pectivamente, de palavras-chave, todas em númerode três, para efeito de indexação do periódico;

d) texto com as devidas remissões bibliográficas nocorpo do próprio texto;

e) notas finais, eliminando-se os recursos das notas derodapé;

f) referências.II - Os trabalhos devem ser encaminhados para

[email protected], dentro da seguinte formatação:a) arquivo no padrão Microsoft Word;b) autorização para publicação (Art. 7o), devidamente

assinada pelo(s) autor(es), digitalizada, bem comoendereço completo para correspondência, para orecebimento dos exemplares.

c) O texto deverá ter entre 10 e 18 páginas redigidasem espaço 1,5;

d) caso o artigo traga gráficos, tabelas ou fotografias,o número de toques deverá ser reduzido em funçãodo espaço ocupado por aqueles;

e) a fonte utilizada deve ser a Times New Roman ,tamanho 12;

f) os caracteres itálicos serão reservados exclusiva-mente a títulos de publicações e a palavras emidioma distinto daquele usado no texto,eliminando-se, igualmente, o recurso a caracteressublinhados, em negrito, ou em caixa alta; todavia,os subtítulos do artigo virão em negrito;

III - Todos os trabalhos devem ser elaborados emqualquer língua, com texto rigorosamente corrigidoe revisado.

IV - Eventuais ilustrações, fotos, imagens e tabelas comrespectivas legendas devem ser contrastadas eapresentadas separadamente, em formato TIF, JPG,WMF ou EPS, com indicação, no texto, do lugar ondeserão inseridas. Todo material fotográfico será,preferencialmente, em preto e branco.

V - As referências e remissões deverão ser elaboradasde acordo com as normas de referência daAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT -6023).

VI- As opiniões e conceitos emitidos pelos autores dosartigos são de sua exclusiva responsabilidade.

VII - Os limites estabelecidos para os diversos traba-lhos somente poderão ser excedidos em casos real-mente excepcionais, por sugestão do Conselho Edi-torial Internacional e a critério do Conselho deRedação.

Art. 7o - O(s) autor(es) deverá(ão) enviar declaração deelaboração, domínio do conteúdo e autorização parapublicação do artigo (disponível no site do periódico).

Art. 1o - Interações, Revista Internacional do Programade Desenvolvimento Local da Universidade CatólicaDom Bosco, destina-se à publicação de matérias que,pelo seu conteúdo, possam contribuir para aformação de pesquisadores e para o desenvolvi-mento científico, além de permitir a constanteatualização de conhecimentos na área específica doDesenvolvimento Local.

Art. 2o - A periodicidade da Revista será, inicialmente,semestral, podendo alterar-se de acordo com asnecessidades e exigências do Programa; o calendáriode publicação da Revista, bem como a data defechamento de cada edição, serão, igualmente,definidos por essas necessidades.

Art. 3o - A publicação dos trabalhos deverá passar pelasupervisão de um Conselho de Redação compostopor cinco professores do Programa de Desenvolvi-mento Local da UCDB, escolhidos pelos seus pares.

Art. 4o - Ao Conselho Editorial Internacional caberá aavaliação de trabalhos para publicação.

§ 1o - Os membros do Conselho Editorial Internacionalserão indicados pelo corpo de professores doPrograma de Mestrado em Desenvolvimento Local,com exercício válido para o prazo de dois anos, entreautoridades com reconhecida produção científica emâmbito nacional e internacional.

§ 2o - A publicação de artigos é condicionada a parecerpositivo, devidamente circunstanciado, exarado pormembro do Conselho Editorial Internacional.

§ 3o - O Conselho Editorial Internacional, se necessário,submeterá os artigos a consultores externos, paraapreciação e parecer, em decorrência deespecificidades das áreas de conhecimento.

§ 4o - O Conselho Editorial Internacional poderá proporao Conselho de Redação a adequação dosprocedimentos de apresentação dos trabalhos,segundo as especificidades de cada área.

Art. 5o - A Revista publicará trabalhos da seguintenatureza:

I - Artigos originais, de revisão ou de atualização, queenvolvam, sob forma de estudos conclusivos,abordagens teóricas ou práticas referentes à pesquisaem Desenvolvimento Local, e que apresentemcontribuição relevante à temática em questão.

II - Traduções de textos fundamentais, isto é, daquelestextos clássicos não disponíveis em língua portu-guesa ou espanhola, que constituam fundamentosda área específica da Revista e que, por essa razão,contribuam para dar sustentação e densidade àreflexão acadêmica, com a devida autorização doautor do texto original.

III - Entrevistas com autoridades reconhecidas na áreado Desenvolvimento Local, que vêm apresentandotrabalhos inéditos, de relevância nacional einternacional, com o propósito de manter o caráterde atualidade do Periódico.

IV - Resenhas de obras inéditas e relevantes que possammanter a comunidade acadêmica informada sobreo avanço das reflexões na área do DesenvolvimentoLocal.

I N T E R A Ç Õ E SRevista Internacional de Desenvolvimento Local

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Art. 8o - Não serão aceitos textos que não obedecerem,rigorosamente, os critérios estabelecidos. Os textosrecusados serão devolvidos para os autores acom-panhados de justificativa.

Art. 9o - Ao autor de trabalho aprovado e publicadoserão fornecidos, gratuitamente, dois exemplares donúmero correspondente da Revista.

Art. 10 - Uma vez publicados os trabalhos, a Revistareserva-se todos os direitos autorais, inclusive os detradução, permitindo, entretanto, a sua posteriorreprodução como transcrição, com a devida citaçãoda fonte.

Para fins de apresentação do artigo, considerem-se osseguintes exemplos (as aspas delimitando os exemplosforam intencionalmente suprimidas):

a) Remissão bibliográfica após citações:In extenso: O pesquisador afirma: “a sub-espécie Callithrixargentata, após várias tentativas de aproximação,revelou-se avessa ao contato com o ser humano”(SOARES, 1998, p. 35).Paráfrase: como afirma Soares (1998), a sub-espécieCallithrix argentata tem se mostrado avessa ao contatocom o ser humano...

b) Referências:

JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais: a culturaamericana na era da academia. Trad. Magda Lopes.São Paulo: Trajetória/Edusp, 1990.SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo,razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.______. A redefinição do lugar. In: ENCONTRONACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA, 1995, Aracaju. Anais...Recife: Associação Nacional de Pós-Graduação emGeografia, 1996, p. 45-67.______. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmaçãodo espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1993.SOUZA, Marcelo L. Algumas notas sobre a importânciado espaço para o desenvolvimento social. In: RevistaTerritório (3), p. 14-35, 1997.WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humanode seres humanos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.

c) Emprego de caracteres em tipo itálico: os programasde pós-graduação stricto sensu da universidade emquestão...; a sub-espécie Callithrix argentata tem semostrado...

Endereço para correspondência e envio de artigos:Universidade Católica Dom Bosco

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Mestrado AcadêmicoINTERAÇÕES – Revista Internacional de Desenvolvimento Local

Av. Tamandaré, 6.000 – Jardim SeminárioCEP 79117-900 Campo Grande-MS

Fone: (67) 3312-3594e-mail: [email protected]

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOCENTRO DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCALMESTRADO ACADÊMICO

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local

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OBS.: PERIODICIDADE SEMESTRAL (MARÇO E SETEMBRO).

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Fazer depósito bancário em favor da Fundação Tuiuiú, no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais),

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ou pelo correio para Editora UCDB: Av. Tamandaré, 6.000, Jardim Seminário, CEP 79117-900

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Para qualquer dúvida, entrar em contato pelo fone/fax: (67) 3312-3373; ou e-mail: [email protected].

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOCENTRO DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCALMESTRADO ACADÊMICO

____________________________________Assinatura

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local

DECLARAÇÃO

Eu, _________________________________________________________________,

declaro, para fins de publicação nesta revista, que elaborei e domino o conteúdo do presente

artigo, intitulado ______________________________________________________________

___________________________________________________________________________,

bem como atendi a todos os critérios exigidos e autorizo o Conselho de Redação a publicar o

meu artigo.

Data:_____/_____/_____.

Obs.: Quando o artigo tiver mais de um autor, todos deverão enviar esta declaração.

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Este periódico usa a fonte tipográficaBook Antiqua para o texto e títulos.Foi impresso pela Gráfica Teassul,

para a Universidade Católica Dom Bosco,em setembro de 2010,

com tiragem de 1000 exemplares.