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INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local Universidade Católica Dom Bosco Instituição Salesiana de Educação Superior V. 6 N. 9 Setembro 2004

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Page 1: INTERAÇÕES - UCDB · Pe. José Marinoni Pró-Reitor Acadêmico Pe. Jair Marques de Araújo Pró-Reitor Administrativo Pe. Luilton Pouso Editora UCDB Av. Tamandaré, 6000 Jardim

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local

Universidade Católica Dom BoscoInstituição Salesiana de Educação Superior

V. 6 N. 9 Setembro 2004

Page 2: INTERAÇÕES - UCDB · Pe. José Marinoni Pró-Reitor Acadêmico Pe. Jair Marques de Araújo Pró-Reitor Administrativo Pe. Luilton Pouso Editora UCDB Av. Tamandaré, 6000 Jardim

ReitorPe. José Marinoni

Pró-Reitor AcadêmicoPe. Jair Marques de AraújoPró-Reitor Administrativo

Pe. Luilton Pouso

Editora UCDBAv. Tamandaré, 6000Jardim Seminário79117-900 Campo Grande-MSFone/Fax: (67) 312-3373e-mail: [email protected] www.ucdb.br/editora

U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a D o m B o s c o

Conselho EditorialAdyr Balastreri Rodrigues (USP)

Alberto Palombo (Florida Atlantic University)Alicia Rivero (SERCAL)

Amália Ines Geraiges de Lemos (USP)Aurora García Ballesteros (Universidad Complutense de Madrid)

Cezar Augusto Benevides (UFMS)Doris Morales Alarcón (Pontificia Universidad Javeriana)

Dorivaldo Walmor Poletto (PUCRS)Emiko Kawakami Rezende (EMBRAPA)

Evaldo Gaeta Espíndola (USP)Everson Alves Miranda (UNICAMP)

Javier Gutiérrez Puebla (Universidad Complutense de Madrid)José Carpio Martín (Universidad Complutense de Madrid)

Leila Christina Dias (UFSC)Marcel Bursztyn (UNB)

Maria Adélia Aparecida de Souza (UNICAMP)Maria do Carmo Zinato (Florida Center for Environmental Studies)

Maria Helena Vallon (UFMS)Maria Encarnação Beltrão Sposito (UNESP)

Marília Luiza Peluso (UNB)Mário Cézar Leite (UFMT)

Marisa Bittar (UFSCar)Maurides Batista de Macedo Filha Oliveira (UCG)

Michel Rochefort (IFU - Université de Paris VIII)Miguel Ángel Troitiño Vinuesa (Univ. Complutense de Madrid)Miguel Panadero Moya (Universidad de Castilla - La Mancha)

Paulo TarsoVilela de Resende (Fund. Dom Cabral)Ricardo Méndez Gutiérrez del Valle (Univ. Complutense de Madrid)

Rosa Esther Rossini (USP)Sérgio Granemann (UCB)

Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS)

Conselheiros fundadores Milton Santos (in memoriam)

Nilo Odália (in memoriam)

I N T E R A ÇÕ E SRevista Internacional de Desenvolvimento Local

Conselho de RedaçãoAparecido Francisco dos ReisCleonice Alexandre Le BourlegatEduardo José de ArrudaEmília Mariko Kashimoto

Editor ResponsávelAparecido Francisco dos Reis

Coordenação de EditoraçãoEreni dos Santos Benvenuti

Editoração EletrônicaGlauciene da Silva Lima Souza

AbstractsBarbara Ann Newman

ResúmenesMari Neli Dória

Revisão de TextoOs próprios autores

CapaAparecido Francisco dos Reis (projeto)Cauli Caeno Costa e Douglas Rodrigues(fotografia)

Tiragem: 1.000 exemplares

Distribuição: Bibliotecas universitárias

Cecília LunaBibliotecária - CRB n. 1/1.201

Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local,n. 9 (Setembro 2004). Campo Grande: UCDB, 2004.90 p. V. 6ISSN 1518-7012Semestral1. Desenvolvimento Local.

Publicação do Programa Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco.Indexada em:

Latindex, Directorio de publicaciones cientificas seriadas de America Latina, El Caribe, España y Portugal(www.latindex.org)

GeoDados, Indexador de Geografia e Ciências Sociais. Universidade Estadual de Maringá(www.dge.uem.br/geodados)

Clase, Base de datos bibliográfica en ciencias sociales y humanidades(www.dgb.unam.mx/clase.html)

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Decorridos quatro anos de sua criação,Interações, Revista Internacional de Desenvolvi-mento Local, consolida-se definitivamente nomundo globalizado de hoje, como um meiode divulgação e informação de pesquisascientificas e de experiências bem sucedidadesem desenvolvimento local, deixando eviden-te sua aceitação nas comunidades acadêmi-cas e intelectuais, nacionais e internacionais.

A revista Interações abre-se, principal-mente, à comunidade universitária e desti-na-se à publicação de matérias que, pelo seuconteúdo, possam contribuir para a forma-ção de pesquisadores e para o desenvolvi-mento científico, além de promover a atua-lização de conhecimentos na área específicade Desenvolvimento Local.

Seguindo esse objetivo, neste númeroInterações destaca especialmente temas sobrearranjos produtivos locais e pólos de desen-volvimento local. Nesse contexto, GeorgesBenko faz uma avaliação das dinâmicas ter-ritoriais de governança das economias locais,a partir de duas unidades de análise: as PMI-Pequenas e Médias Indústrias e os SPL - Sis-temas Produtivos Locais. Aborda os modosde governança local que emergiram no ter-ritório francês, inicialmente, de maneira di-nâmica e desordenada e, aos poucos, vai seaproximando dos distritos italianos. Concei-tua e discute o papel exercido pelos chama-dos BLCC - Bens Locais Coletivos de Con-corrência e pela governança nos sistemaslocais de produção e na dinâmica das eco-nomias locais, sobretudo urbanas.

Também enfocando esta temática, pes-quisadoras do Ceará afirmam que os Arran-jos Produtivos Locais (APLs) constituem umaforma incipiente de organização maissistêmica das pequenas empresas. O desen-volvimento do APL liga sua transformaçãoem uma estrutura mais complexa como oSistema Produtivo Local (SPL), em que ca-pital social e governança são determinantespara a expansão da interdependência dos

atores envolvidos. Esse trabalho visa a estru-turar uma tecnologia de mobilização dosatores, de modo a organizá-los em rede e de-sencadear um processo de mudança. Dessemodo, conclui-se a abordagem do tema como debate sobre as aglomerações produtivase o desenvolvimento local a partir de umaanálise crítica do desenvolvimento do pólomoveleiro do Município de Votuporanga-SP.O foco desse artigo está voltado para a ava-liação da interação entre as empresas naconstrução de capacitação local, principal-mente quanto à qualificação da mão de obra,e na difusão das inovações. Os autores par-tem da hipótese que o papel das empresascomponentes do aglomerado produtivo nãoé linear, mas que estas podem dinamizar oconjunto do aglomerado bem como as eco-nomias locais, por meio da interaçãosistêmica entre as empresas e o “ambiente”local.

Nessa mesma linha de estratégias dedesenvolvimento local, Vera Botta Ferrantee Luis Antonio Barone, procuram discutir asrelações dos assentamentos com o poder lo-cal, pensado como expressão de arranjosprodutivos, de gestação de novas estratégiasde recusa e de aceitação a propostas de par-cerias entre prefeituras e usinas da região edo engendramento de uma nova cultura departicipação no interior de São Paulo.

O segundo conjunto de artigos elabo-ra discussões sobre o papel pedagógico dacomunicação como um elemento dinamiza-dor e propulsor do desenvolvimento local nascomunidades humanas, enfatizando as no-ções de religiosidade, comunitarismo e inte-ratividade, propiciadas pelos processos co-municativos de emissoras de rádio.

Interações apresenta, ainda, excelenteartigo de Paulo de Tarso Resende sobre asrelações entre o ambiente de segurança nasgrandes cidades e o consumo, tendo por re-ferência, um estudo de caso feito na cidadede Belo Horizonte.

Editorial

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Por outro lado, pesquisadores do Mes-trado em Desenvolvimento Local, na preo-cupação de proporcionar alternativas de de-senvolvimento sustentável, fazem umaassertiva sobre o cumbaru (Dypterix alataVog.). Na verdade, trata-se de uma espéciede planta muito utilizada tanto por animaisquanto pelas comunidades humanas na re-gião do cerrado, devido à sua diversificadautilização. Neste artigo, avaliou-se o desen-volvimento inicial de mudas (progênies) documbaru para o estabelecimento de poma-res de sementes com vistas no aumento daprodução de frutos. Salientam ainda, que omanejo da espécie deve conciliar, ações deconservação ambiental e de produtividade,além de proporcionar a participação da po-pulação local na aplicação das políticas de

desenvolvimento rural. Estes condicionantescontribuirão para a sustentabilidade em vá-rias dimensões: natural, social, econômica,cultural e política.

Por fim, dedicando um espaço, já con-sagrado em Interações, aos relatos e às expe-riências, este número traz a importante con-tribuição de Issyad Ag Kato, líder do povoTuaregue do deserto do Sahara, África. Nesterelato, o autor narra a trajetória histórica doseu povo, falando de suas origens, contatoscom outros povos e culturas e encerra o tex-to, com uma reflexão sobre as possibilidadesde continuidade dessa cultura tradicional,assim como, das formas de desenvolvimen-to local, respeitando seu território e suas for-mas de sociabilidade.

Aparecido Francisco dos Reis - Editor

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Índice

Distritos industriais e governança das economias locais: o caso da França .............................................. 9Industrial districts and governance of local economies: the case of France ................................................ 9Demarcaciones industriales y gobernanza de las economías locales: el caso de Francia .......................................... 9

BENKO, G.

A construção de uma metodologia de atuação nos Arranjos Produtivos Locais (APLs) no estadodo Ceará: um enfoque na formação e fortalecimento do capital social e da governança ..................... 25The Construction of a Methodology for Action in the Local Productive Arrangements (LPAs) in theState of Ceará: Highlighting the Training and Strengthening of Social Capital and of Governance ........ 25La construcción de una metodología de actuación en los Arreglos Productivos Locales (APLs) en el estadode Ceará: un enfoque en la formación y gortalecimiento del capital social y de la gobernanza ............................. 25

AMORIM, M.A.MOREIRA, M.V.C.IPIRANGA, A.S.R.

Interação entre micro, pequenas e médias empresas como estratégia de crescimento ecapacitação: o pólo moveleiro de Votuporanga-SP ................................................................................... 35Interaction among micro, small and medium businesses as a strategy for growth and qualification:the furniture dealing center of Votuporanga – São Paulo .......................................................................... 35Interacción entre micro, pequeñas y medianas empresas como estrategia de crecimiento y capacitación: elpolo mueblista de Votuporanga-SP .................................................................................................................. 35

LORENZO, H.C.STIPP, M.S.M.

Assentamentos rurais na agenda política do desenvolvimento local: a retórica e a prática .................. 43Rural settlements on the political agenda of local development: Rhetoric and practice ........................... 43Asentamientos rurales en la agenda política del desarrollo local: la retórica y la práctica .................................... 43

BOTTA FERRANTE, V.L.S.BARONE, L.A.

A comunicação alternativa como estratégia de desenvolvimento local .................................................. 51Alternative communication as a strategy for local development ............................................................... 51La comunicación alternativa como estrategia de desarrollo local ........................................................................ 51

RUAS, C.M.S.BITTAR, M.

A Rádio UCDB e o Desenvolvimento Local .............................................................................................. 59The Radio UCDB: and the Local Development ........................................................................................... 59La Rádio UCDB y el Desarrollo Local ............................................................................................................. 59

CASTILHO, M.A.DEMIRDJIAN, W.

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O ambiente de segurança e seus reflexos no comportamento de consumo e no custo detransporte em regiões metropolitanas ....................................................................................................... 65The environment of security and its reflections on consumer behavior and on the cost oftransport in metropolitan regions ............................................................................................................... 65El ambiente de seguridad y sus reflejos en el comportamiento de consumo y en el coste de transporteen regiones metropolitanas .............................................................................................................................. 65

RESENDE, P.T.V.

Vigor de progênies de cumbaru (Dipteryx alata Vog.): alternativa de sustentabilidade parao assentamento Andalúcia, Nioaque, MS ................................................................................................. 73Vigour of progenies of cumbaru (Dipteryx alata Vog.): sustainable alternative for the Andalúciacommunity, Nioaque, MS ............................................................................................................................ 73Vigor de progenies de cumbaru (Dipteryx alata Vog.): alternativa de sustentabilidad para el asentamientoAndalúcia, Nioaque, MS ................................................................................................................................. 73

COSTA, R.B.ARRUDA, E.J.OLIVEIRA, L.C.SCHEIDT, G.N.ARAKAKI, A.H.ROA, R.A.R.

Os recursos culturais do povo Tuaregue diante dos desafios do desenvolvimento .............................. 81The cultural resources of the Tuaregue people before the challenges of development .............................. 81Los recursos culturales del pueblo Tuaregue frente a los desafíos del desarrollo .................................................. 81

KATO, I.A.

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Artigos

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Distritos industriais e governança das economias locais: o caso da França*

Industrial districts and governance of local economies: the case of FranceDemarcaciones industriales y gobernanza de las economías locales: el caso de Francia

Georges Benko**

Recebido em 23/06/04; revisado e aprovado em 30/07/04; aceito em 30/08/04.

Resumo: O artigo tem como objetivo avaliar as dinâmicas territoriais de governança das economias locais, nodomínio industrial, a partir de duas unidades de análise, as PMI -Pequenas e Médias Indústrias e os SPL - SistemasProdutivos Locais. Aborda os modos de governança local que emergiram no território francês, inicialmente, demaneira dinâmica e desordenada, mas aos poucos se aproximando dos distritos italianos. Conceitua e faz umadiscussão a respeito do papel exercido pelos chamados BLCC - Bens Locais Coletivos de Concorrência fraqueza epela governança nos sistemas locais de produção e na dinâmica das economias locais, sobretudo urbanas.Palavras-chaves: sistemas produtivos locais; distritos industriais; bens locais coletivos.Abstract: The article in hand aims at evaluating the territorial dynamics of governance of local economies, in theindustrial domain, based on two units of analysis, the SMI – Small and Medium Industries and the LPS – LocalProductive Systems. The article deals with the modes of local governance which have emerged on French territory,initially, dynamically and in a disorganized way, but little by little approaching the Italian districts. The articleconsiders and brings up a discussion as to the role carried out by the so called LCCG - Local Collective CompetitiveGoods, weakness and by the governance in the local systems of production and in the dynamics of local economies,above all, the urban.Key words: local productive systems; industrial districts; local collective goods.Resumen: El artículo tiene como objetivo evaluar las dinámicas territoriales de gobernanza de las economías locales,en el dominio industrial, a partir de dos unidades de análisis, las PMI -Pequeñas y Medianas Industrias y los SPL -Sistemas Productivos Locales. Plantea los modos de gobernanza local que emergieron en el territorio francés, inicialmente,de manera dinámica y desordenada, pero a los pocos aproximándose a las demarcaciones italianas. Se conceptúa yse hace una discusión a respecto del papel ejercido por los llamados BLCC - Bienes Locales Colectivos de Concurrenciadebilidad y por la gobernanza en los sistemas locales de producción y en la dinámica de las economías locales, sobretodo urbanas.Palabras clave: sistemas productivos locales; demarcaciones industriales; bienes locales colectivos.

mais tardiamente. Um programa específicovoltou-se para a aglomeração de empresas ouSPL, conforme a denominação oficial, a par-tir de 1998. Impulsionado pela Delegaçãopara o Ordenamento do Território e para aAção Regional (Datar)1, envolveu diversosMinistérios. A seleção até 2004 abrangeu umacentena de projetos. A ação pública operouno nível infra-regional e local. Como essa idéiase integrou na evolução econômica contem-porânea ? Quais são as principais caracterís-ticas desse programa? De que maneira foi co-locada em prática e inserida nas políticasatuais de planejamento?

Houve um tempo, na França, em quese acreditava somente nas grandes firmasintegradas geradas pelas elites de Estado, queorganizaram a industrialização do país, des-mantelaram o que restava das economiaslocais e organizaram de maneira vertical aintegração econômica do território nacional,com o sucesso que se conhece. Os temposmudaram tanto quanto as escalas de orga-nização. As grandes firmas partiram para a

1 Introdução: o contexto geral

No início do século XX, a geografia foiensinada nas escolas primárias a partir daobra Uma volta pela França por duas crianças(BRUNO, 1877), André e Julien (as duas cri-anças) viajando de cidade em cidade, de re-gião em região, descobrem a riqueza e a varie-dade da indústria francesa. Em lugares di-ferentes, elas observam a concentração degrande quantidade de pequenos estabeleci-mentos especializados, de competências acu-muladas em torno de um setor de atividade:a seda de Lyon, a cutelaria em Thiers, a por-celana em Limoge, a relojoaria no Jura, etc.Tratava-se de sistemas produtivos locais. Noperíodo do pós-guerra, o Estado estimula, naFrança, as grandes empresas públicas e de-sestabiliza os setores tradicionais de ativida-de de pequenas e medias empresas. O con-texto não foi favorável aos distritos industriais.Sua implicação prática no apoio às PME (pe-quenas e medias empresas) e, a fortiori, aossistemas produtivos locais (SPL) observou-se

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 9-24, Set. 2004.

* Tradução: Cleonice Alexandre Le Bourlegat.** Université Panthéon-Sorbonne ([email protected]).

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10 Georges Benko

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

conquista do vasto mundo, ao mesmo tem-po em que os governos nacionais, como tam-bém os locais e regionais, descobriram asPMEs e as economias locais e regionais.

Essas transformações levaram a inter-rogações sobre a regulação e a coordenação.Os autores da “teoria da regulação” comoRobert Boyer (2001, 2002) e Benjamin Coriat(CORIAT, TADDEI, 1993), particularmen-te, explicaram de uma forma particular (des-de “Made in France”), que o recuo do Esta-do, na gestão da economia, privou a econo-mia francesa de seu principal mecanismo decoordenação. Os ventos da mundializaçãoe as estratégias das elites francesas impulsio-naram grande parte das atividades das gran-des empresas do setor público, a passar aosetor privado e concorrencial (SCHMIDT,1996). A França está hoje, à procura de umaidentidade “pós-dirigista”, mas aindatateando na sua negociação e elaboração.

A dinâmica das leis de descentraliza-ção, às vezes, levou a pensar que as regiões,os territórios poderiam funcionar como“grande integrador”. As várias pesquisasaprofundadas comprovaram o insucesso daregionalização no plano econômico (LEVY,1999; CULPEPPER, 2003, 2001), a fraquezadas regiões em termos de política econômi-ca (LE GALES, 1993), a continuação dodesmantelamento das economias locais(VELTZ, 1996), a fraqueza persistente dossistemas industriais locais (COURAULT eTROUVÉ, 2000; GANNE, 1992) e ao con-trário, a reestruturação das grandes firmase a ascensão de um capitalismo familiar re-novado (como as empresas francesas:Amaud, Pinault, Hachette, Bolloré...). Asgrandes firmas emanciparam-se da tutela doEstado para se consagrar às exultações deEVA (EVA- Economic Value Added, verLORDON, 2000), da sedução dos fundos depensão americanos, para a conquista demercados exóticos e arriscados.

Durante esse tempo, a pesquisa evi-denciou os paradoxos dos territórios e mos-trou o interesse pelas abordagens territoriais,assim como para as análises das dinâmicaseconômicas. A procura dos parâmetros queatribuíram às cidades e regiões a imagem de“regiões que ganham” (BENKO e LIPIETZ,1992, 2000) atraiu, no entanto, o interessede diversas disciplinas e de miríades de pes-

quisadores em todos os continentes, inclusi-ve os regulacionistas (GILLY, PECQUEUR,1995, 2000). Os estudos multiplicaram-sesobre os distritos industriais italianos e suaevolução, assim como para o Silicon Valley,os tecnopólos japoneses, singapurianos ouamericanos, a indústria do cinema emHollywood e Vancouver, os bairros de imi-gração especializados em têxteis, a especia-lização dos bairros financeiros das “cidadesglobais”. As abordagens emergentes foramde diferentes naturezas, mobilizando a an-tropologia ou a sociologia do capital socialde um lado, e a economia neoclássica deWilliamson, de outro. Alguns autores se ape-garam às estratégias das firmas, outra à vaganoção de “proximidade”, outros ainda, pas-saram a privilegiar uma versão sociológica edeterminista da economia (BENKO,LIPIETZ, 1992 e 2000; STORPER, 1997).

Na França, uma vez dissipadas as ilu-sões mecanicistas das reformas de descentra-lização, percebeu-se que o tecido econômicofrancês continuou a aprofundar sua reestru-turação. Pelo lado das políticas públicas, sefosse necessário uma notificação por partedo Ministério da Indústria e das Finançaschegar-se-ia a perceber que a conversão foibrutal. Alguns, convertidos há muito tempoàs virtualidades do território, dispuseram-secom entusiasmo, a contribuir para o seu de-senvolvimento. A DATAR, entre outras, foitomada de paixão pelos sistemas industriaislocais à italiana e elaborou uma política, vi-sando, antes de tudo, detectar e financiar emseguida, o desenvolvimento de distritos in-dustriais sobre todo o território. Bons espíri-tos universitários colocaram-se à caça e, umavez no controle de manipulações estatísticas,fez aparecer, como que por magia, mais de70 sistemas industriais locais. A dúzia defabricantes de pranchas de surfe de Biarritzé um exemplo disso: uma vez que represen-tavam a imensa maioria da produção nacio-nal de pranchas, tiveram direito à marcaprestigiosa do distrito industrial! Outros pro-puseram números mais extravagantes ain-da, podendo-se afirmar que a França aca-bou sendo recoberta de sistemas locais, paracriar invejosos na Itália.

Voltando-se para essa situação de en-tusiasmo, esse trabalho tem por objeto asdinâmicas territoriais de governança das

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11Distritos industriais e governança das economias locais: o caso da França

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

economias locais, no domínio industrial, apartir de duas unidades de análise, as PMI(Pequenas e Médias Indústrias) e os sistemasprodutivos locais. Sugere-se que, de uma for-ma limitada, mas significativa, os modos degovernança local da economia emergiram noterritório francês, de maneira dinâmica edesordenada, entretanto, pouco se asseme-lhando aos distritos italianos. Propõe-se umatentativa de explicação, ao mesmo tempo,da fraqueza dos sistemas locais de produ-ção e da dinâmica das economias locais, so-bretudo urbanas, com base na conceituaçãodos chamados bens locais coletivos de con-corrência (BLCC) e da governança das eco-nomias locais.

2 Governança das economias locais eprodução dos bens locais coletivos deconcorrência

O quadro de análise apresentado nes-se texto tem como ponto de partida a litera-tura sobre as economias locais e regionais.Sugere a análise das vantagens dadas pelaproximidade, em termos de “bens locais co-letivos de concorrência” para as PMEs ePMIs. Com efeito, a partir da análise da lite-ratura, vários pontos, a serem assinalados,devem contribuir para a elaboração do refe-rido quadro.• Os trabalhos de economia neoclássica ur-

bana ou regional, que privilegiam os custosde transação, para explicar as dinâmicas deaglomeração, ainda são limitados para secompreender a diversidade das dinâmicasde localização e de desenvolvimento da in-dústria. Não existe one best way para orga-nizar as diferentes indústrias, na realidade,as formas alternativas viáveis coexistem nasdiferentes economias avançadas.

• Entre os fatores explicativos das dinâmicaseconômicas locais e regionais, os geógrafose os economistas regionais dão destaqueaos saberes tácitos, processos de aprendiza-gem, culturas especializadas, formação,serviços. Sociólogos e políticos insistem, so-bretudo, a respeito das identidades locais,das redes, da confiança, das políticas públi-cas, da construção social e política dos mer-cados, das relações industriais, das colabo-rações entre diferentes atores, retomadossob diferentes vocábulos: governança, par-

ceria, ação coletiva, abordagem globaltransversal. Mais sistematicamente M.Storper (1997) ou P. Veltz (1996, 2000) des-tacam a produtividade das interfaces, re-lações e interdependências não mercantispara explicar a dinâmica dos territórios.

• Sem desgostar os gurus mais extremos damundialização, pode-se afirmar que osprocessos diversos e contraditórios destamundialização não conduzem ao esmaga-mento de toda diferença, ou mesmo ao es-paço de fluxos, liberto de todo tipo de efei-tos do espaço. Não é a tabula rasa e nem aunificação que predomina, mas o “confli-to e a imbricação crescente das escalas”(VELTZ, 2000). Alguns autores sugeremque os grandes ventos da mundializaçãoliberal destroem as bases das economiaslocais e regionais, que só subsistiriam àmargem. Outros, ao contrário, assinalamque as economias locais e regionais, ou maisexatamente os atores que atuam no inte-rior dessas economias dispõem de recur-sos suficientes para se adaptarem às no-vas situações e mobilizarem combinaçõesoriginais de recursos, capazes de condu-zir ao desenvolvimento econômico de pra-zo médio, ou então, a formas originais degovernança local. Existem outros aindaque constatam a renovação de certas eco-nomias locais, mas, diante das pressões damundialização, duvidam de sua capacida-de de adaptação aos novos desafios.

• Além dos distritos industriais, podemoslevantar a hipótese sobre um reforço dasdiversas formas de economias locais e re-gionais na Europa, paralelo aos processosde descentralização. Uma vez que os Es-tados-nacionais perderam uma parte desua capacidade de comando, de estrutu-ração da economia, não é estranho cons-tatar que atores infra-nacionais, empreen-dedores políticos e econômicos percebamessa erosão das normas nacionais, paratentar, com mais ou menos sucesso, pro-mover formas mais territorializadas de or-ganização políticas, econômicas ou sociais(KEATING, 1997; BAGNASCO, LEGALES, 1997; LE GALES, 2003).

• Esta perspectiva requer, entretanto, nãocair no fetichismo do “neo-localismo” ouda “proximidade” muito freqüentemente,invocadas de maneira deslumbrada ou

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12 Georges Benko

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

descritiva. A feroz critica de John Lovering(1999) contra os detentores do new localism,lembra, de maneira útil, que os mercadosnão são locais, na maioria dos casos, e queas economias ditas locais são compostas,notadamente, de firmas que operam emdiferentes escalas, cujos parceiros vão dolocal ao mundial. O interesse pelas econo-mias locais não tem sentido, senão nessecontexto de hierarquias imbricadas e damundialização dos mercados e das firmas.Certos grupos, firmas ou atores podem, aocontrário, trabalhar com as escalas, demodo a evitar os impactos relacionados aesse ou aquele território. A mundializaçãopode levar ao deslocamento do local.

• Enfim, os trabalhos comparativos sobre sis-temas industriais locais na Europa, permi-tiram distinguir vários tipos de sistemaslocais. Crouch e Trigilia (2001) propõem adistinção principalmente:

1. Os distritos industriais, ou redes localiza-das de PME, caracterizadas por uma for-te integração horizontal de PME autôno-mas, concentradas em localidades e espe-cializadas em certos setores, principalmen-te de bens de consumo. A maioria das fir-mas não tem acesso direto ao consumidor,mas se encarrega de uma etapa da pro-dução de um bem.

2. As firmas em rede: nesse caso, uma empre-sa importante desenvolve relações estrei-tas e relativamente estáveis, com uma redede parceiros localizados.

3. Concentrações ad hoc de PMEs em um terri-tório: as concentrações de PME existem emum ou vários setores, com um fraco nívelde integração horizontal e ligações de par-ceria com grandes firmas situadas fora dolocal. Muitas firmas têm acesso direto aomercado final e as interações entre as PMEssão relativamente instáveis.

Levando em conta esses diferentes ele-mentos, propor-se-ia aqui um quadro deanálise das economias locais, em termos degovernança e de produção de bens e servi-ços de concorrência. De fato, o caminho da“produtividade das interfaces” destacadopor Veltz (2000) pode ser completado porelementos mais concretos. A atmosfera dosdistritos, da qual falava o economista AlfredMarshall, pode ser analisada mais precisa-mente a partir de um conjunto de bens e ser-

viços, colocados à disposição e utilizadospelas PMEs/ PMIs, fenômeno que constituiuma alternativa para a integração verticaldentro de um grupo, por exemplo. Não hádeterminismo aqui, mas uma hipótese de tra-balho. Ora, esses bens locais coletivos de con-corrência como os chamaremos, não são pro-duzidos ao acaso: resultam de cooperaçõesentre firmas, de políticas públicas, de estra-tégias de organizações especializadas. A co-ordenação da produção de bens locais cole-tivos e de sua utilização remete a problemá-ticas de governança. O estudo do uso dessesbens locais coletivos é um dos elos ausentesnos trabalhos sobre economias locais e pro-ximidade, ou que de alguma forma, demons-tram certos resultados gerais da pesquisarelacionada a essa literatura.

A fim de se desenvolver, as firmas têmnecessidade de todo um conjunto de bens ede serviços que são fornecidos de diferentesmaneiras: por outras empresas, no quadrodas relações de mercado, por autoridadespúblicas, como por exemplo, na oferta decertas infra-estruturas, por meio da rede deempreendedores, a exemplo da obtenção deinformações sobre mercados externos.Quando estes bens e serviços são acessíveisa todas as firmas, dentro de um certo con-texto geográfico dado, em uma localidade,por exemplo, são qualificados de “bens co-letivos locais de concorrência”, doravante,chamados de bens locais coletivos. Eles cons-tituem, concretamente, o foco principal dasvantagens atribuídas pela proximidade. Asformas produtivas de organização em rede,paradoxalmente, tornam as empresas, tan-to quanto ou até mais dependentes do am-biente local, no seio do qual estão situadas.

No caso das pequenas e médias em-presas industriais, por exemplo, as econo-mias locais são, muitas vezes, o resultado decooperações entre diferentes tipos de firmascomplementares. Elas têm à sua disposição,bens e serviços, infra-estruturas, um apare-lho de formação, clubes de empreendedores,organizações especializadas que lhes forne-cem esses bens locais coletivos. Os trabalhosde inovação e sua difusão mostraram muitobem a importância desses fatores e sua di-mensão local. A agregação das firmas quecooperam entre si e usam bens locais coleti-vos produzidos localmente, reforça a compe-

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titividade do conjunto da economia local.Esta dinâmica é tão crucial, que o que se tema fazer com as PMEs e PMIs que não têm àsua disposição os meios de produzir sozinhasos bens locais coletivos dos quais necessitam,é adquiri-los no mercado.

Estas economias locais podem ou nãoser compostas de sistemas de produção maisou menos integrados. A literatura sobre osdistritos e as economias locais flexíveis des-de a Terceira Itália (BECATTINI et al., 2003;PIORE e SABEL; 1984, etc.) tem ensinadoque as vantagens das economias compostasde redes de PMI-PME, traduzem-se em ter-mos de flexibilidade, inovação e capacidadede adaptação, de motivação dos emprega-dos e empresários, de ligações com os mer-cados. De todo modo, os sucessivos traba-lhos desenvolvidos sobre os distritos indus-triais, em particular (BURRONI e TRIGILIA,2001) ou sobre economias locais de outrospaíses europeus (COURAULT e TROUVÈ,2000; BAGNASCO e SABEL, 1994) desta-caram as fraquezas desse tipo de estrutura-ção: a ausência de certos recursos, as difi-culdades de acesso à inovação ou de suaaplicação a necessidades específicas, a igno-rância dos mercados estrangeiros, a capaci-dade de acesso aos tipos de contratos parti-culares controlados por normas e, geralmen-te, o risco ligado ao isolamento (PYKE eSENGENBERGER, 1992).

Os dirigentes das PMEs, freqüente-mente, rejeitam investir nesses bens locaiscoletivos, processos lentos do desenvolvimen-to, cuja produção tem um custo e, portanto,podem beneficiar os concorrentes do mes-mo território. O exemplo mais conhecido é oda formação de empregados qualificados, degrande necessidade para as PME PMIs, masque arriscam a perder se, se envolvem comessa formação (STREECK, 1992).

A título de exemplo, foi elaborada umalista não exaustiva de bens coletivos que po-dem ser necessários às PMIs para se desen-volverem:– formação profissional dos empregados;– recrutamento de empregados qualificados

e quadros;– informação sobre os mercados nacional e

internacional;– informação sobre os mercados emergentes;– especialidade sobre contratos, aparecimen-

to de ofertas e sobre as normas;– acesso ao capital, ou a certos tipos de fi-

nanciamento como o capital de risco;– o acesso à P& D para melhoria dos pro-

dutos;– acesso às novas tecnologias, sua utilização

e conselhos técnicos;– informação sobre as inovações, os métodos

de produção, os métodos de organização;– especialidade sobre os certificados;– apoio jurídico e administrativo;– acesso aos serviços onerosos (testa quali-

dade dos novos produtos, controle e veri-ficação das conformidades às normas –nível nacional e internacional);

– acesso aos novos equipamentos especiali-zados e custosos, colocados em prática;

– capacidade de fazer remontar as deman-das específicas do lado das autoridades pú-blicas;

– conselho para transmitir a empresa apósa saída do fundador.

Todos esses bens e serviços podem serproduzidos de diferentes maneiras. Eles sãoa dimensão do coletivo, não sendo reserva-dos a uma única empresa, nem mesmo a umgrupo de empresas, em uma lógica de clube.Os trabalhadores sobre as economias locaise regionais, além dos distritos, têm sugeridoque a força das economias locais compostasde PMIs, reside na criação dos modos decooperação entre firmas que permitem a cria-ção e utilização eficaz dos bens locais coleti-vos listados acima, favorecendo um modelode desenvolvimento competitivo em relaçãoà grande firma integrada. Quando as PMIsficam isoladas, seja porque não estão inte-gradas a um grupo, ou porque não têm aces-so aos bens locais produzidos localmente,arriscam periclitar. A proposição é, portan-to, a seguinte: a competitividade das PMIdepende de seu acesso a todo um conjuntode bens e serviços reagrupados aqui sob onome de bens locais coletivos. Se esses benslocais coletivos são freqüentemente acessíveisno mercado, o acréscimo de seus custos pode,muitas vezes, torná-los inacessíveis.

Esses bens locais constituem o resulta-do de políticas públicas, enquanto outros sãoproduzidos por agências especializadas ousão o resultados de cooperações inter-empre-sas. Para estudar esta produção, propõe-seretomar e especificar o quadro de análise

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obtido dos trabalhos sobre a governança daeconomia e de aplicá-los à questão da pro-dução de bens locais coletivos (CAMPBELL,HOLLINGSWORTH, LINBERG, 1991;HOLLINGSWORTH e BOYER, 1997;STREECK e SCHRNITTER, 1985). No âma-go da sociologia econômica/economia polí-tica (portanto considerando ou não as ques-tões de Estado e de governo), a abordagemem termos de governança, parte do princí-pio que cada sociedade moderna, pode seranalisada a partir da combinação de modosde regulação específicos. Cinco tipos ideaisde regulação da economia foram identifica-dos na literatura (CROUCH, LE GALES,TRIGILIA ET VOELKZKOW, 2001): o mer-cado (a concorrência), a grande firma (hie-rarquia), o Estado (os conflitos), a comuni-dade (solidariedade), a associação de empre-gadores (a negociação). Em relação aos tra-balhos sobre essas questões, insiste-se sobrea motivação dos atores.

O mercado: o modelo de mercado temcomo premissa a existência de atores racio-nais, cuja meta é aumentar a renda indivi-dual via troca de bens e serviços. Esse mode-lo supõe que os indivíduos e as firmas dese-jam, antes de tudo, maximizar seus lucros.Ele permite explicar a alocação de recursosem uma economia de livre concorrência. Aconcorrência entre pequenas entidades per-mite ao mercado desempenhar seu papel decoordenação entre os atores. Entretanto, ateoria tem ensinado que o mercado quasesempre é falho, no que concerne ao forneci-mento de bens coletivos, aí compreendidosos bens locais coletivos de concorrência queinteressa a esse trabalho. Não é sempre essecaso. O exemplo da Benetton na Itália mos-tra como uma grande empresa pode contri-buir para a produção de bens locais coleti-vos, como o conselho em termos de inova-ção, ou quando disponibiliza informaçõessobre os mercados, e assim, estruturar umarede estratégica, em escala de uma localida-de ou de uma região.

A grande organização (integração verti-cal): esse modelo repousa sobre atores quecooperam num quadro hierárquico top downpara atribuir os direitos e responsabilidades.A produção de bens locais coletivos é feitano quadro da integração vertical de diferen-tes PMIs locais, sob o controle de uma gran-

de firma e deste modo, os bens locais coleti-vos produzidos por este conjunto, perdemsua característica coletiva, sendo transforma-dos em bens e serviços privados criados ecolocados à disposição no interior da gran-de firma.

O Estado: o modelo de Estado utiliza-do aqui, que não é o mais sofisticado, tam-bém tem como destaque a coordenação pelocontrole hierárquico e principalmente o tra-balho com as dificuldades. O modelo supõe,portanto, formas de cooperação com as em-presas que podem fornecer informações doconselho. Além desse modelo de Estado, des-tacam, sobretudo as diversas formas de agên-cias públicas locais e centrais que cooperamcom recursos políticos particulares para asempresas produzirem P&D, ou organizaremsua promoção econômica.

A comunidade: neste caso, o princípioque dirige a coordenação dos atores, repou-sa sobre formas de solidariedade informal,autônomas, às vezes espontâneas, organiza-das em torno de unidades sociais de base,tais como a família, clã, aldeia, localidade.As motivações dos atores estão muito maisrelacionadas com o pertencimento ao grupoe a valorização da relação com os outros, doque com a busca do lucro. Sucedendo o com-portamento racional dos atores que condu-ziram às formas de falhas do mercado, aregulação comunitária veio favorecer a emer-gência de formas de cooperações privadasinterempresas, para a criação e utilização deBLCC, tendo como base as identidades cole-tivas. Desse modo, os detentores do indivi-dualismo metodológico levam a observarque, muitas vezes, é difícil separar aquilo quetem o destaque da identidade, daquilo quetem o destaque da reciprocidade e do inter-câmbio, uma vez que os mesmos estão, namaioria das vezes, intimamente interligadosnas economias locais.

A Associação profissional – interesses or-ganizados: este modelo de regulação foi evi-denciado pelos alemães, a partir das organi-zações criadas para a promoção de interes-ses funcionais, de natureza profissional (as-sociação de empreendedores, de profissõesliberais, de sindicatos). A negociação, ou a“concertação” entre diferentes grupos deinteresse, constitui o princípio diretivo debase desta regulação. Estas associações, ou

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interesses organizados podem, às vezes, de-sempenhar o papel de “governo privado”,suscetível de fornecer bens coletivos de com-petição, inclusive, sobre uma base local. Omodelo corporativista alemão o tem demons-trado amplamente. Estas organizações ne-gociam acordos coletivos, em nome de seusmembros, que são, em seguida, praticadosinternamente (STREECK e SCHMITTER,1985). Estas associações fornecem tambémbens e serviços particulares a seus membros.Enfim, essas associações de PMIs, por exem-plo, podem representar seus membros, jun-to às autoridades públicas, renovar suas de-mandas e obter recursos para a produçãode bens locais coletivos.

Das combinações desses cincos tipos-ideais formam os modos de governança, es-pecíficos das economias locais, em parte es-truturadas pelos Estados. A abordagem so-bre a governança dá um destaque sobre adimensão contingente e as ordens locais e,reconhece a diversidade das soluções insti-tucionais, à questão da ação coletiva, da co-ordenação e do desenvolvimento econômi-co, uma vez que ainda está longe das pre-tensões do one best way. Os bens locais cole-tivos podem ser produzidos de modo dife-rente, mais ou menos governados e em dife-rentes níveis.

A aplicação desse quadro analítico con-tribui para a explicação das dinâmicas de loca-lização dos sistemas industriais locais e de seudesenvolvimento. Assim, no caso italiano, odinamismo dos diferentes tipos de distritos,compreende-se também pelo defeito. A fra-queza e a pouca eficácia do Estado italiano,pressionaram as PMI a contar com elas mes-mas para produção de bens locais coletivos,indispensáveis ao seu desenvolvimento. Deuma certa maneira, os dinâmicos sistemas in-dustriais locais italianos explicam-se, ao mes-mo tempo, pela fraqueza do Estado, pela fra-queza das associações nacionais de empreen-dedores e pelos fatores locais da governançaneo-local, identificada por Bagnasco e Trigilia:“uma divisão particular do trabalho entre omercado, as estruturas sociais e, em medidacrescente, as estruturas políticas, divisão quepermite uma flexibilidade elevada da econo-mia e dos ajustes rápidos às variações do mer-cado, mas também uma redistribuição doscustos sociais e das recaídas positivas do de-

senvolvimento no seio da sociedade local”2

(BAGNASCO e TRIGILIA, 1992). O merca-do está integrado nas sociedades locais da“Terceira Itália”. Nessas regiões, os mecanis-mos de mercado estão profundamente imbri-cados dentro das comunidades locais, dasestruturas familiares (as mais importantes daItália), das sub-culturas políticas (TRIGILIA,1986; BAGNASCO, TRIGILIA, 1993). Anali-sando as transformações recentes dos siste-mas e sua proliferação, ao mesmo tempo, noNorte e Noroeste, das grandes empresasfordistas e, de modo mais inesperado, noMezzogiorno (ANIELLO, 2002).

Esse quadro analítico e teórico é utili-zado para analisar os sistemas industriaislocais na França e seu modo de governança.Três fatores combinam-se para criar modosde governança mais territorializados (a qua-lificar): a reestruturação das grandes empre-sas e das PMEs, a virada das políticas indus-triais e a retirada do Estado, as mobilizaçõeslocais em favor do desenvolvimento econô-mico e das PME.

3 Os sistemas produtivos locaisfranceses e a economia territorial

As PMIs francesas são hoje, um vastomundo diversificado, no interior do qual,encontram-se, ao mesmo tempo, lógicaspatrimoniais clássicas, de pequenas empre-sas robustas aos mercados limites que resis-tem, de sub-contratados, em massa, de jo-vens empresas na vanguarda de tecnologiasdiversas, de empresas mais importantes ino-vadoras e dominantes sobre nichos dos mer-cados mundiais (COURAULT e TROUVÉ,2000). Esse mundo das PME PMI, redesco-berto nos anos 1980, conheceu reestrutura-ções profundas que modifica um pouco aimagem clássica da indústria francesa, orga-nizada em torno de grandes firmas, nos seussetores especializados. Alguns elementos sãonecessários à análise de transformação emprofundidade da governança das economiaslocais, principalmente.

Primeiramente alguns dados : conta-se na França com um pouco mais de 20.000PMIs (entre 20 e 499 assalariados) que re-presentam 53% do emprego manufatureiro,39% do investimento, 26% das exportações(SESSI), 80% dentre eles, contam com me-

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nos de 100 assalariados.As diferentes pesquisas e estudos so-

bre as PMI fazem aparecer, ao mesmo tem-po, os problemas clássicos da fraqueza, emtermos de pesquisa e desenvolvimento, ex-portação, qualificação de mão-de-obra e definanciamento. Mostram igualmente, umamudança aprofundada das estruturas e dasdinâmicas de obra.

Pode-se distinguir dois tipos de zonasdinâmicas muito diferenciadas:

1) Raros sistemas produtivos locais es-pecializados, próximos dos distritos indus-triais italianos. A França não é a Itália. Porestas razões que se indica previamente, a or-ganização da economia nacional sob coman-do parisiense e a organização da produçãodos bens coletivos de concorrência em bene-fício de campeões nacionais, os sistemas pro-dutivos locais especializados constituem ex-ceção. Os trabalhos nos anos 1980 (por exem-plo, C. COurlet para a região Rhône-Alpes)ou estes de B. Courault, destacaram muitobem alguns casos atípicos: Oyonnax, StClaude, o vale do I’Arve de uma parte e oque concerne ao têxtil, o Choletais, e algu-mas zonas das redondezas, Roanne(COURAULT, TROUVÉ, 2000), e outras emdeclínio ou menores, como a cutelaria deThiers. Enfim, as zonas especializadas apare-cem, por exemplo, nas matérias plásticas emChartres e Dreux. A maior parte dos sistemaslocais desapareceu, às vezes pela falta de umsuporte, mais freqüentemente, pela falta deadaptação às condições do mercado.

2) A região parisiense e as capitais re-gionais distantes ou que se distanciaram, es-pecialmente, Strasbourg, Toulouse, Grenoble,Montpellier, Nantes, Bordeaux, Rennes. Esseponto é particularmente importante no casofrancês: as bacias de emprego mais dinâmi-cas, em termos industriais, são aquelas cida-des que apresentam três características: sãoespecializadas, combinam, ao mesmo tem-po, grandes e pequenas empresas e estão empleno crescimento demográfico. As econo-mias locais dinâmicas na França são siste-mas relativamente pouco especializados, nosentido mais estrito do termo, seriam rarasna maior partes dos casos, uma parte de cadaum desses setores industriais encontra-se lo-calizado na Ilha da França. Em troca, os se-tores industriais estão relativamente concen-

trados, como a aeroespacial de Toulouse,Bordeaux e Nantes, química na região deLyon, Michelin em Clermont-Ferrand.

A diversificação e a complementarida-de do tecido econômico das metrópoles for-nece os BLCC muito diferentes daqueles dosdistritos italianos. Enfim, a região parisiensecomporta sempre um tecido muito denso dePME ePMI.

3) As zonas na periferia da regiãoparisiense. Em Picardie, Nonnandie, Mainee Loire, as bacias de emprego, conhecendotaxas de crescimento relativamente elevadas,são compostas essencialmente de PMI-PME.Encontra-se o mesmo fenômeno na perife-ria da região de Lyon e ao redor das capitaisregionais.

Os territórios, sua política, sua socie-dade, sua economia, evoluem de modo rela-tivamente lento, notadamente em socieda-des que como a França, não são caracteriza-das por taxas elevadas de mobilidade. Asmudanças não são espetaculares e são difí-ceis de serem apreciadas.

As economias locais francesas, aqui nodomínio industrial, não são governadas porum princípio único. A análise, em termos degovernança e de BLCC, é utilizada para de-fender a hipótese seguinte: no interior da eco-nomia francesa, que perdeu seu princípio do-minante de governança (regulação estática),as grandes empresas (hierarquia) tomarama frente. Entretanto, a combinação dos trêsfatores seguintes contribuiu no surgimentode uma nova modalidade de coordenação,de modos de governança territorializados,mas que não são organizados ao redor desistemas produtivos locais especializados; 1)o declínio das firmas industriais nacionaisligadas ao Estado; 20 a reestruturação dasPMI e 3) a mobilização dos atores públicos eprivados locais e regionais. Em outros ter-mos, o modelo hierárquico dominado pelasgrandes empresas, combina-se de um modocada vez mais freqüente com formasterritorializadas de governança.

Quatro modelos de governança daseconomias locais são identificados a partirda combinação dos tipos-ideais de regulaçõesidentificadas anteriormente, completadaspelos atores dominantes e o grau de integra-ção horizontal territorializada.

Um primeiro modo de governança

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particular subsiste à margem: aquele dos sis-temas industriais locais especializados, com-postos de PMI, em que a produção local dasBLCC é o resultado de uma combinação deregulação comunitária e de associação deempregadores com parte do mercado e mui-to pouco com o Estado. Esse modelo perma-nece marginal na França. Manteve-se emzonas um pouco isoladas socialmente e cul-turalmente do resto da França, em Savoie,no Jura e nas partes do Oeste, marcadas poruma história política e cultural de oposiçãoao Estado. Suficientemente distantes de Pa-ris, estas zonas guardaram recursos do tipocomunitários, que foram mobilizadas pelosempreendedores, por exemplo, no Choletais,com o suporte dos poderes locais. Esses sis-temas locais sofrem, hoje, face à mudançade escala e às pressões acrescidas da con-corrência que destrói progressivamente al-guns de seus recursos.

Um segundo modo de governança lo-cal aparece claramente, no caso francês,aquele das rédeas de sub-contratados domi-nados pela grande firma, por exemplo, naindústria de automóveis ou química. OsBLCC são produzidos essencialmente pelagrande firma em uma relação hierárquica.

Um terceiro modelo aparece igualmen-te, em numerosos casos, aquele dominadopela regulação do mercado, muito fracamen-te territorializado, no interior do qual nemos atores políticos, nem a associação de em-pregadores desempenham papel muito im-portante de coordenação. Nesse caso, osBLCC são pouco locais e produzidos, no seuessencial, pelo mercado. Esse caso correspon-de, sem dúvida, pelo que apresenta de essen-cial, àquele da Ilha de França (ainda que apresença das matrizes das grandes firmas ede uma parte do núcleo da pesquisa france-sa incite a nuances). A densidade do tecidode empresas de qualquer porte atribui umpapel bem mais importante para a concor-rência, para a regulação de mercado. É, semdúvida, também o caso que aparecem nointerior de pequenas cidades, nas quais seencontram PMIs um pouco isoladas, semdúvida em maior número no Sudeste daFrança, onde as organizações de emprega-dores, incluídas as CCI (Câmaras de Comér-cio e Indústria) são particularmente fracas eos poderes locais mais divididos.

Um quarto modelo pode ser destaca-do, principalmente, mas não somente, nascidades de governança territorializada, com-binação da regulação de mercado, de gover-no (mais que de Estado), de grandes empre-sas, de uma aparente comunidade e associa-ção de empregador. Ele é caracterizado porum nível muito fraco, mas em crescimento,de integração horizontal entre firmas, combi-nado com uma integração horizontal refor-çada, em termos de estratégia de desenvolvi-mento econômico e da racionalização deBLCC, em uma dinâmica coletiva, em umprocesso bastante político. Esse modelo é oresultado dos três fatores identificados ante-riormente: o suporte do Estado às PMIs e àsredes de PMI, o desenvolvimento das políti-cas de desenvolvimento econômico locais eregionais, a fragmentação de grandes grupos.

4 A política de apoio aos sistemasprodutivos locais na França

Desde 1998, o governo francês incenti-vou uma política de suporte aos SPL. Coloca-da em prática através de chamadas para pro-jetos, ela é pouco diretiva sobre o porte, graude maturidade e setores coletivos de empre-sas selecionadas. Seu “carro chefe”, a DA-TAR, a definiu como uma “iniciativa expe-rimental que não visa impor um modelo con-ceitual” (POMMIER e BOILEVE, 2002). Des-se modo, os textos oficiais adotam uma defi-nição muito ampla do SPL, sem parâmetrosquantitativos de inclusão. Eles se referem aDenis Maillat, que caracteriza o sistema pro-dutivo (local) como “um conjunto de ativi-dades interdependentes, tecnicamente e eco-nomicamente organizados e territorialmen-te aglomerados” (DATAR, 1998a).

Este programa tenta coordenar instru-mentos de apoio setoriais. Ele consegue ani-mar ações coletivas entre empresas, princi-palmente, graças ao impulso de estruturaslocais, tais como Câmaras de Comércio e deIndústrias ou das associações específicas.Trata-se de criar uma proximidade organi-zada nos locais, ou onde a proximidade geo-gráfica já existe. Seus eixos principais con-sistem em fazer emergir os novos SPL, enco-rajar as ações comuns e a tomada de consci-ência das vantagens dessas últimas, dentrodas aglomerações de empresas. Quais são as

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principais etapas de sua execução? Ver-se-á,de início, como ele se insere dentro da des-centralização e se elabora graças a diversasparcerias.

A política de apoio aos SPL na descentrali-zação: conteúdo e contexto. O apoio aos siste-mas produtivos locais foi decidido no dia 15de dezembro de 1997, quando o Comitê In-terministerial de Ordenamento e Desenvol-vimento do Território (CIADT), que reúnediferentes ministérios, a fim de decidir a atri-buição do Fundo Nacional para o Ordena-mento e o Desenvolvimento do Território(FNADT). Esta decisão tem um prazo de trêsanos.

Várias reuniões preparavam esta re-flexão junto aos poderes públicos. Em 1996,um grupo de trabalho estudou a viabilida-de dos sistemas produtivos na França, afimde “liberar as políticas públicas e específi-cas a executar, para contribuir a esta estru-turação” (Commissariat au Plan, 1997). Soba demanda do DATAR, o escritório de con-sultores Tecsa, identificou os SPL de cincoregiões, depois do conjunto do território. Em1998, houve o confronto de enquetesconduzidas pelas Direções Regionais da In-dústria, Pesquisa e Meio Ambiente (DRIRE)com as da Associação de Engenheiros, pelavalorização do espaço rural (AIMVER). Gra-ças à análise dos dados estatísticos e umaenquête local, este estudo identificou estru-turas regionais que tinham um potencialpara coordenar as empresas dos sistemasprodutivos locais (TECSA, 1999).

Os comitês de coordenação reúnem osministérios e organismos que participam daelaboração da política SPL. A Datar coor-dena essa política. Seu modo de funciona-mento é, cada vez mais, contratual. No iní-cio do século XXI, ela negociou seus objeti-vos com as coletividades territorial, no con-texto da descentralização. Isto teve reper-cussões fortes no apoio aos SPLs.

O ordenamento do território estariaagora, centrado sobre o desenvolvimentolocal, “organizado ao redor dos recursos es-pecíficos dos territórios, da dinâmica de seusatores, da compreensão de sua interdepen-dência, da sua capacidade de produzir pro-jetos coletivos” (LE DUC et al., 2001).

A DATAR favoreceu, desse modo, osterritórios de projetos, associações espontâ-

neas saídas do nível local, tais como os SPLsou os “pays”, ao longo dos anos de 1990.Mesmo ao conservar seu papel de coorde-nação das políticas públicas territoriais, suaposição dentro dos processos de ordenamen-to, foi menos proeminente. A política SPLtraduziu mudanças no domínio do desen-volvimento territorial.

Esta primeira etapa da política foi im-plantada entre 1998 a julho de 2002, sus-tentada pelos Delegados de Ordenamento doTerritório, Jean-Louis Guigou e NicolasJacquet. Desde 2002, este deu um impulsoao conceito de pólos de excelência. Ela é co-ordenada por Paulette Pommier, encarrega-da de missão SPL e resulta de uma coopera-ção entre diferentes organismos, em nívelnacional e regional, como o demonstra acomposição dos comitês de seleção.

As orientações da política SPL são defi-nidas por uma comissão nacional, que selecio-na os dossiês retidos, logo após a chamadaao projeto. Sob a presidência de Jean-PierreAubert, inspetor geral da industrial, delega-do interministerial sobre as reestruturações dedefesa, ela reúne diversos Ministérios: Econo-mia, Finanças e Indústria (direção da açãoregional e da pequena e média indústria ouDARPMI); direção das relações econômicasexteriores ou DREE; direção das empresascomerciais, (artesanais e de serviços ouDECAS); Negócios Sociais (direção do empre-go e da formação profissional ou DGEFP);Agricultura (direção das políticas econômi-cas e internacionais; direção do espaço rurale da floresta); Pesquisa (direção da pesquisae da tecnologia). Estruturas universitáriascomo Instituto de Pesquisa Econômica emProdução e Desenvolvimento (IREP), consul-tores e representante de SPL estavam igual-mente representados. Ela teve o poder de de-cisão em 1998 e 1999, mas respeitando ospontos de vista dos comitês regionais.

Esses comitês compõem-se de represen-tantes das direções regionais dos ministériosimplicados. Eles reúnem os DRIRE (econo-mia e indústria) e DRAF (agricultura e flores-tas), duas personalidades externas, comotambém um representante do prefeito de re-gião, ou do secretário geral dos Negócios Re-gionais - SGAR (DATAR, 1998a). Eles emi-tem pontos de vista sobre os projetos, em fun-ção do contexto regional, do grau de maturi-

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dade do SPL e da qualidade do dossiê entre-gue. A partir de 2001, a seleção ficou somen-te a cargo dos atores locais (DATAR, 2001b).Os comitês. Os comitês incharam: além doDRIRE, DRAF e SGAR, apareceram o DRCA(comércio e artesanato), a DRTEFP (traba-lho e formação profissional), a DRE (meioambiente), a DRRT (pesquisa e tecnologia).

No momento das seleções, considera-se, de um lado, a concentração de ativida-des no mesmo setor, produto ou mercado, ede outro lado, a existência de relaçõesinterempresas, animadas por estruturas co-muns. Os SPL emergem, assim, elegíveis.

As chamadas para projetos de 1998 e1999: seleção e valores atribuídos aos SPL. OsSPLs são escolhidos, após uma chamada aprojetos, para fazer emergir projetos no ní-vel local e reduzir a intervenção dos pode-res públicos centrais.

O comitê de coordenação SPL reuniu-se no outono de 1998, para estruturar osSPLs existentes, principalmente através deações coletivas. A organização em SPL é vistacomo uma resposta local aos desafios da con-corrência e mundialização. Os critérios deelegibilidade à primeira chamada de proje-to dizem respeito ao número de atores im-plicados, a qualidade das parcerias, sua du-rabilidade futura e os efeitos positivos pre-vistos, principalmente em termos de produ-ção e de emprego. O Objetivo foi o de incen-tivar territórios do projeto, segundo a expres-são consagrada, no lugar de adaptar essesúltimos a territórios administrativos, escalahabitual da ação pública. Esses subconjuntosaparecem aqui como bacias de emprego, comuma especialização econômica. A duraçãomáxima de execução dos projetos tem sidode 18 meses (DATAR, 1998a e b).

A primeira chamada de projeto rece-beu 124 candidatos. E no início de 1999, 60projetos foram selecionados, dos quais 18SPLs emergentes. Eles receberam 2,18 mi-lhões de euros de fundos próprios daDATAR (FNADT), seja uma média de35.000 euros. A indústria predominou sobres serviços (DATAR, 1999). Vários dos proje-tos selecionados contavam com benefícios doprograma ADAPT, medida7 da ComissãoEuropéia, sobre a formação profissional nasPMEs. Segundo Xavier Roy, do Clube dosDistritos Industriais Franceses, este último

tinha mostrado na França, como o sucessoda cooperação interempresas, é muito eficaznos SPLs.

Esta política constituiu-se progressiva-mente : graças ao sucesso da operação lan-çada em 1998 que uma nova fase foi decidi-da para 1999. Uma segunda chamada a pro-jetos foi aberta na primavera de 1999. Mu-danças nos critérios de seleção tiveram a in-tenção de dar uma atenção menor aos seto-res agrícolas, já beneficiários de outras for-mas de apoio e uma ênfase aos “setores ame-açados com forte conteúdo de mão-de-obra”.A vontade política foi também a de mantero emprego nas zonas desfavorecidas, no lu-gar de valorizar somente atividades compe-titivas (DATAR, 1999). De 78 dossiês, 36 fo-ram retidos em 2000, para uma dotação de1,5 milhões de euros, ou seja, um financia-mento médio de 41.700 euros.

Esses montantes não implicaram emuma atribuição automática de outros finan-ciamentos públicos, como no caso dos con-tratos de plano Estado-região. Na prática, amaior parte dos projetos mobilizou ajudassuplementares.

A circular de abril de 1999 incentivouos prefeitos a encontrar “financiamentoscomplementares, cujas origens foram deter-minadas caso a caso” (DATAR, 1999a). Asubvenção FNADT cobriu, em média, umterço dos orçamentos apresentados. ADATAR sensibilizou Ministérios, coletivida-des territoriais e mesmo a Comissão Euro-péia a seus políticos, favorecendo com sub-venções esses organismos.

As subvenções complementares torna-ram-se majoritárias. Em 2000, elas abrange-ram 80% dos projetos e totalizaram quatrovezes o FNADT, atribuído aos projetos, emuma avaliação da política SPL (LE DUC,REVERDY, 2001). Os parceiros desses polí-ticos foram seus principais financiadores,sobretudo o DRIRE, graças ao orçamento“ações coletivas”, previsto nos contratos deplano, 60% dos projetos beneficiaram-se tam-bém de fundos regionais.. Considerando os41 projetos mais avançados, BernardReverdy avaliou os montantes médios de fi-nanciamento a 76.300 euros, ou seja, 40%do total, 190.200 euros.

As iniciativas incentivadas foram acriação de sites. Internet conjuntos (50% so-

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bre 50 projetos), o diagnóstico entre empre-sas (42%), as ações comerciais (42%), a for-mação e gestão comum de pessoal (30%), for-mação e gestão comum de equipamentos(16%) (LE DUC, EVERDY, 2001). Assim, oVale de Bresle, especializado no trabalho devidro, com 80% do mercado mundial de fras-cos de perfumes, organizou uma convençãode pesquisa com a Universidade de Rouensobre o “jateamento” em vidro.Uma avalia-ção foi encomendada em 2000, para mediros efeitos dos financiamentos públicos sobreestes 96 SPLs e decidir sobre a continuaçãodo projeto.

Prolongação do apoio aos SPL e iniciati-vas complementares. Em seqüências às cha-madas para projetos de 1998 e 1999, a maio-ria das decisões foi delegada à comissão re-gional, tendo sido definidas duas orienta-ções específicas.

Com o objetivo de melhorar a inserçãomundial dos SPLs franceses, a cooperaçãointernacional foi incentivada, com os SPL defora da União Européia (DATAR, 2001b).Uma dezena de “parcerias transnacionais”foi identificada, por um comitê de coordena-ção, que contava com a participação do Ban-co Mundial. Em 2004, três projetos foramabandonados, mas novas colaborações pare-ceram com a ONUDI ou de países estrangei-ros. Em 1999, a DATAR identificou 99 SPL.

Conforme as decisões do CIADT dejulho de 2001, a circular de 3 de maio de2002, procurou apoiar 20 SPL “confirmados”com 3,5 milhões de euros, dos quais 0,5 deFNADT, dentro dos recursos humanos(DATAR, 2002). Os estudos deviam avaliaras necessidades em pesquisa e formação nosSPL, para poder formular, em médio prazo,uma demanda coordenada, às instituiçõespúblicas locais de ensino.

Desde 2003, a DATAR preconiza o in-centivo à inovação aos SPLs (DATAR, 2003).Ela chama atenção sobre a importância dasinstituições de pesquisa e de sua relação coma indústria, dentro dos SPLs. Oito princípiosde ação são propostos (DATAR, 2004).

Paralelamente, ao apoio financeiro aosprojetos SPL, pode-se observar diversas açõesincentivadas entre 1997 e 2004. Um impor-tante trabalho de sensibilização foi conduzi-do pela DATAR. Várias iniciativas merecemser mencionadas. Antes de tudo, a Associa-

ção Empresas, Território, Desenvolvimento- ETD, financiada pela DATAR e a Caixa dedepósitos, difunde a informação relativa acolaboração interempresas. Em seguida, umaparceria coma OCDE, principalmente o pro-grama LEED, desemboca sobre a participa-ção de grupos de trabalho e a organizaçãode dois congressos sobre os SPLs.

De modo mais significativo, um Clubedos Distritos Industriais Franceses foi cria-do em julho de 1997, graças às contribuiçõesde vários SPL e da DATAR, hoje associadosà Caixa de Depósitos e Consignações. Em2004, ele reuniu 23 SPL e animou quatrogrupos setoriais (têxtil, metais, embalagem,multimídia e tecnologias da informação).Projetos específicos o associaram aos Minis-térios, em 2002, àquele do Emprego, paraavaliar as necessidades em formação dasaglomerações de empresas. Em médio pra-zo, o CDIF desejou se envolver na formaçãode animadores de SPL.

Os SPLs selecionados pala DATARabrangeram, ao todo, 4.3000 empresas, cadaaglomeração contando com 4 a 200 estabe-lecimentos (LE DUC, REVERDY, 2001). Arepartição geográfica dos dossiês apoiadospela DATAR foi, portanto, relativamenteregular, pelo menos um por região. 80% dosSPL limitaram-se a uma bacia de emprego,mas exceções existiram, como a PerfoEst, quereagrupou uma centena de empresas de au-tomóveis, em Franche-Comté e Alsácea(POMMIER, BOILEVE, 2002).

A indústria predominante: 22% dosprojetos dizem respeito à mecânica e traba-lho dos metais; o agroalimentar, têxtil ou amadeira com 10% cada; a eletrônica e infor-mática com 8%.

A avaliação dos resultados dessa polí-tica não apresentou as evidências de sua rea-lização. No estudo demandado para avaliaras chamadas de projetos de 1998 e 1999, osresultados positivos de várias SPLs tiverammaior destaque. Uma comparação com em-presas de mesmo setor não organizadas emsistema mostrou que os distritos mais anti-gos são 68% mais dinâmicos (LE DUC,REVERDY, 2001). Mas somente as empre-sas de mais de 20 assalariados foram consi-deradas, como assinalaram os autores noanuário (BOUGNOUX et al, 2003) e, princi-palmente, o período estudado começou em

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1993, antes do início do programa. Mono-grafias mostram uma cooperação crescenteno interior de vários SPLs, após a chamadaa projetos (POMMIER, BOILEVE, 2002). Issonão implica, forçosamente, uma alta da ati-vidade econômica e do emprego, mas o re-sultado é positivo, uma vez que a consolida-ção de um espaço industrial é obtida.

As chamadas a projetos beneficiaram-se da adesão dos atores locais. Além damaior consciência pelo interesse sobre osSPLs, financiamentos complementares aoFNADT foram reunidos de modo sistemáti-co. Uma avaliação precisa dos esforços des-sa política e efetuada por uma instituição in-dependente, seria necessária. Em 2004, apolítica SPL inseriu-se explicitamente em 13contratos de plano. Houve, portanto, maiorarticulação com outras políticas. Apesar detudo, os SPLs não são considerados como oquadro do conjunto das políticas territoriais.“O desafio de transformar os sistemas pro-dutivos locais em uma estratégia de desen-volvimento econômico estaria em via de seratingida na França?” Paulette Pommier, co-ordenadora do programa na DATAR, ad-mite uma “resposta positiva e incisiva seria,certamente, contestada” (POMMIER, 2001).

Por outro lado, outros organismos re-fletem sobre as maneiras de se beneficiar daspotencialidades das aglomerações de empre-sas. Pode-se citar a região Rhône Alpes, queentre outras, estrutura um “bio-cluster”, oua Agência Regional de Desenvolvimento daIlha da França. Até o presente momento,essas iniciativas não são coordenadas pelaDATAR. O apoio aos SPLs ganharia, certa-mente, se tivesse mais “concertação” entreos atores públicos.

Conclusão

Esse trabalho buscou contribuir paraa análise do declínio das formas de coorde-nação estática, como da profunda reorgani-zação das PME-PMI e das formas mais di-versificadas da economia local. Essa consta-tação deve servir, pelo menos, para preve-nir as generalizações rápidas e as modeliza-ções simplificadas. Na maioria dos casos, asredes de PMI aparecem, ao mesmo tempo,como parte integrante de organizações e re-des européias mundiais, que lhes fornecem

uma parte de BLCC. Pertencer aos gruposestrangeiros ou a holdings dá acesso, de modoparticular, a bens e serviços de concorrên-cia, considerados cruciais para as firmas,mas que não são, nem coletivos e nem lo-cais. Ao mesmo tempo, as redes de PMIterritorializadas, estão sendo reforçadas, nocaso francês, ao mesmo tempo, em zonassemi-rurais e nas cidades.

Considera-se que as economias locaispodem aparecer, tanto mais quanto menosestruturadas, em suas interações econômicase políticas. Os diferentes atores, as firmas emparticular, podem estar em relação com osoutros, em um mesmo contexto local, com es-tratégias de longa duração, investindo demodo coordenado o seu recurso, contribuin-do para a produção localizada dos BLCC.Nesse caso, a economia local resultante apa-rece estruturada, podendo-se exibir modos deintegrações, de interações estabilizadas notempo, ou de dinâmicas de institucionaliza-ção do território. Se não for esse o caso, aseconomias locais não são integradas, e os ato-res separados, muitas vezes de origem exter-na, os locais ficam sujeitos a determinaçõesexternas reguladas pelo mercado.

O caso francês é caracterizado por ten-tativas de estruturação dos modos de gover-nança das economias locais, que contribuempara a integração horizontal das firmas e aprodução, coordenada de BLCC no quadrode estratégia de desenvolvimento econômi-co territorial. Não foi geral, mas mesmo as-sim, esse tipo de integração já existe de for-ma estruturada, em inúmeros casos, fora daregião parisiense.

Elaboradas, desde os anos setenta nafiliação a Marshall, as pesquisas sobre aglo-merações de empresas, hoje, diversificaram-se, criando laços com o desenvolvimento lo-cal, governança, comércio internacional e es-pecificidades territoriais. Elas influenciam ospoderes públicos e incentivam, principal-mente, os tecnopólos e os sistemas produ-tivos locais. O fenômeno é mundial, atingin-do um grande número de países, recente-mente o Japão começou a favorecer e aju-dar programas industriais, apoiando distri-tos em sua organização estratégica. Trata-se, na prática, de passar de uma proximida-de espacial a uma proximidade organizacio-nal. Em comparação às políticas de apoio aos

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SPL na Europa, pode-se assinalar como elasestão caracterizadas atualmente, pela suaconstrução gradual, a partir de instrumen-tos pré-existentes (RAINES, 2000): a Françanão é exceção. Trata-se de um apoio organi-zado, em nível nacional, mas cujas regiões,coletividades territoriais e empresas, são par-tes integrantes. Inserida em um contexto dedescentralização administrativa, o apoio àsSPL na França, foi impulsionado, graças ameios reduzidos, reunindo - por múltiplasparcerias- fundos quatro vezes superiores aoFNADT, mobilizado pela DATAR. Desde1997, a mesma investiu mais de quatro mi-lhões de euros nesse programa, selecionandouma centena de projetos. As orientaçõesatuais a integram dentro do conceito maisvasto de “pólos de competitividade”.

Notas:1 A Datar, organismo criado em 1963 pelo General de

Gaulle, presidente da república francesa, paracoordenar as atividades dos diferentes ministérios,no domínio da planificação regional e urbana, proporações, gerir orçamentos, realizar estudos pros-pectivos, para melhor equilibrar a divisão das ati-vidades econômicas, da população, dos equipamentosna França e para reduzir as desigualdades dodesenvolvimento das e entre as regiões (http://www.datar.gouv.fr)

2 Este neo-localismo inscreve-se, bem entendido, numcontexto histórico e social: o campo urbanizado e aherança das cidades-Estado da Renascença, a ausênciade grande industrialização, o peso de estruturasfamiliais (grupo doméstico e rede de parentesco), aausência de estruturas de classe polarizadas e aexistência de sub-culturas políticas (católica oucomunista conforme o casos) que se mantém graças euma rede adensada de instituições: sindicatos,mutuais, associações, cooperativas, municipalidades,partidos.

Sigles:

BLCC –Bens Locais Coletivos de Concorrência

CCI – Câmara de Comércio e Indústria

DATAR- Delegação de Ordenamento do Território eAção Regional

PME – Pequenas e Médias Empresas

PMI – Pequenas e Médias Indústrias

SPL – Sistemas Produtivos Locais

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Critérios para publicação

avanço das reflexões na área do DesenvolvimentoLocal.

Art. 6 - A entrega dos originais para a Revista deveráobedecer aos seguintes critérios:

I - Os artigos deverão conter obrigatoriamente:a) título em português ou espanhol;b) nome do(s) autor(es), identificando-se em rodapé

dados relativos à produção do artigo, ao(s) seu(s)autor(es) e respectivas instituições, bem como aauxílios institucionais e endereços eletrônicos;

c) resumo em português ou espanhol (máximo de 6linhas, ou 400 caracteres) e abstract fiel ao resumo,acompanhados, respectivamente, de palavras-chavee keywords, ambos em número de 3, para efeito deindexação do periódico;

d) texto com as devidas remissões bibliográficas nocorpo do próprio texto;

e) notas finais, eliminando-se os recursos das notas derodapé;

f) referências bibliográficas.II - Os trabalhos devem ser encaminhados dentro da

seguinte formatação:a) uma cópia em disquete no padrão Microsoft Word

6.0;b) três cópias impressas, sendo uma delas sem

identificação de autoria e outra acompanhada deautorização para publicação devidamente assinadapelo autor;

c) a extensão do texto deverá se situar entre 10 e 18páginas redigidas em espaço duplo;

d) caso o artigo traga gráficos, tabelas ou fotografias, onúmero de toques deverá ser reduzido em funçãodo espaço ocupado por aqueles;

e) a fonte utilizada deve ser a Times New Roman ,tamanho 12;

f) os caracteres itálicos serão reservados exclusiva-mente a títulos de publicações e a palavras em idiomadistinto daquele usado no texto, eliminando-se,igualmente, o recurso a caracteres sublinhados, emnegrito, ou em caixa alta; todavia, os subtítulos doartigo virão em negrito;

g) as citações virão entre aspas, em fonte normal (nãoitálica).

III - Todos os trabalhos devem ser elaborados emportuguês ou espanhol, e encaminhados em três vias,com texto rigorosamente corrigido e revisado.

IV - Eventuais ilustrações e tabelas com respectivaslegendas devem ser contrastadas e apresentadasseparadamente, com indicação, no texto, do lugaronde serão inseridas. Todo material fotográfico será,preferencialmente, em preto e branco.

V - As referências bibliográficas e remissões deverãoser elaboradas de acordo com as normas dereferência da Associação Brasileira de NormasTécnicas (ABNT - 6023).

VI - Os limites estabelecidos para os diversos trabalhossomente poderão ser excedidos em casos realmenteexcepcionais, por sugestão do Conselho EditorialInternacional e a critério do Conselho de Redação.

Art. 1 - Interações, Revista Internacional do Programade Desenvolvimento Local da Universidade CatólicaDom Bosco, destina-se à publicação de matérias que,pelo seu conteúdo, possam contribuir para aformação de pesquisadores e para o desenvolvi-mento científico, além de permitir a constanteatualização de conhecimentos na área específica doDesenvolvimento Local.

Art. 2 - A periodicidade da Revista será, inicialmente,semestral, podendo alterar-se de acordo com asnecessidades e exigências do Programa; o calendáriode publicação da Revista, bem como a data defechamento de cada edição, serão, igualmente,definidos por essas necessidades.

Art. 3 - A publicação dos trabalhos deverá passar pelasupervisão de um Conselho de Redação compostopor cinco professores do Programa de Desenvolvi-mento Local da UCDB, escolhidos pelos seus pares.

Art. 4 - Ao Conselho Editorial Internacional caberá aavaliação de trabalhos para publicação.

Parágrafo 1º - Os membros do Conselho Editorial Inter-nacional serão indicados pelo corpo de professoresdo Programa de Mestrado em DesenvolvimentoLocal, com exercício válido para o prazo de dois anos,entre autoridades com reconhecida produçãocientífica em âmbito nacional e internacional.

Parágrafo 2º - A publicação de artigos é condicionada aparecer positivo, devidamente circunstanciado,exarado por membro do Conselho EditorialInternacional.

Parágrafo 3º - O Conselho Editorial Internacional, senecessário, submeterá os artigos a consultoresexternos, para apreciação e parecer, em decorrênciade especificidades das áreas de conhecimento.

Parágrafo 4º - O Conselho Editorial Internacional poderápropor ao Conselho de Redação a adequação dosprocedimentos de apresentação dos trabalhos,segundo as especificidades de cada área.

Art. 5 - A Revista publicará trabalhos da seguintenatureza:

I - Artigos originais, de revisão ou de atualização, queenvolvam, sob forma de estudos conclusivos,abordagens teóricas ou práticas referentes à pesquisaem Desenvolvimento Local, e que apresentemcontribuição relevante à temática em questão.

II - Traduções de textos fundamentais, isto, é daquelestextos clássicos não disponíveis em língua portu-guesa ou espanhola, que constituam fundamentosda área específica da Revista e que, por essa razão,contribuam para dar sustentação e densidade àreflexão acadêmica, com a devida autorização doautor do texto original.

III - Entrevistas com autoridades reconhecidas na áreado Desenvolvimento Local, que vêm apresentandotrabalhos inéditos, de relevância nacional einternacional, com o propósito de manter o caráterde atualidade do Periódico.

IV - Resenhas de obras inéditas e relevantes que possammanter a comunidade acadêmica informada sobre o

I N T E R A Ç Õ E SRevista Internacional de Desenvolvimento Local

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Art. 7 - Não serão aceitos textos fora das normasestabelecidas, com exceção dos casos previstos noartigo anterior, e os textos recusados serão devol-vidos para os autores acompanhados de justificativa,no prazo máximo de três meses.

Art. 8 - Ao autor de trabalho aprovado e publicadoserão fornecidos, gratuitamente, dois exemplares donúmero correspondente da Revista.

Art. 9 - Uma vez publicados os trabalhos, a Revistareserva-se todos os direitos autorais, inclusive os detradução, permitindo, entretanto, a sua posteriorreprodução como transcrição, e com a devida citaçãoda fonte.

Para fins de apresentação do artigo, considerem-se osseguintes exemplos (as aspas delimitando os exemplosforam intencionalmente suprimidas):

a) Remissão bibliográfica após citações:In extenso: O pesquisador afirma: “a sub-espécie Callithrixargentata, após várias tentativas de aproximação,revelou-se avessa ao contato com o ser humano”(SOARES, 1998, p. 35).Paráfrase: como afirma Soares (1998), a sub-espécieCallithrix argentata tem se mostrado “avessa ao contatocom o ser humano”...

b) Referências bibliográficas:

JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais: a culturaamericana na era da academia. Trad. Magda Lopes. SãoPaulo: Trajetória/Edusp, 1990.SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo,razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.____. A redefinição do lugar. In: ENCONTRO NACIO-NAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA, 1995, Aracaju. Anais...Recife: Associação Nacional de Pós-Graduação emGeografia, 1996, p. 45-67.____. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmaçãodo espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1993.SOUZA, Marcelo L. Algumas notas sobre a importânciado espaço para o desenvolvimento social. In: RevistaTerritório (3), p. 14-35, 1997.WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humanode seres humanos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.

c) Emprego de caracteres em tipo itálico: os programasde pós-graduação stricto sensu da universidade emquestão...; a sub-espécie Callithrix argentata tem semostrado...

Endereço para correspondência e permutas:Universidade Católica Dom Bosco

Programa de Desenvolvimento LocalAv. Tamandaré, 6000 - Jardim Seminário

Caixa Postal 100CEP 79117-900 Campo Grande-MS

Fone: (67) 312-3800e-mail: [email protected]

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A construção de uma metodologia de atuação nos Arranjos Produtivos Locais(APLs) no estado do Ceará: um enfoque na formação e fortalecimento do capital

social e da governançaThe Construction of a Methodology for Action in the Local Productive

Arrangements (LPAs) in the State of Ceará: Highlighting the Training andStrengthening of Social Capital and of Governance

La construcción de una metodología de actuación en los Arreglos Productivos Locales (APLs)en el estado de Ceará: un enfoque en la formación y gortalecimiento del capital social y de la

gobernanza

Mônica Alves Amorim*

Maria Vilma Coelho Moreira**

Ana Silvia Rocha Ipiranga**

Recebido em 28/11/03; revisado e aprovado em 15/08/04; aceito em 23/08/04.

Resumo: Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) constituem uma forma incipiente de organização mais sistêmicasdas pequenas empresas. O desenvolvimento do APL liga-se a sua transformação em uma estrutura mais complexacomo o Sistema Produtivo Local (SPLs), onde capital social e governança são determinantes para a expansão dainterdependência dos atores envolvidos. Esse trabalho visa estruturar uma tecnologia de mobilização dos atores, demodo a organizá-los em rede e desencadear um processo de mudança.Palavras-chaves: Arranjos Produtivos Locais; capital social; governança.Abstract: The Local Productive Arrangements (LPAs) constitute an incipient form of organisation more systemicthan small companies. The development of the LPA is connected to its transformation into a more complex structuresuch as the Local Productive System (LPSs), where social capital and governance are determinants for the expansionof the interdependence of the involved actors. This study seeks to structure a technology for the mobilisation of actorsthat they can be organized into a network and unchain a process of change.Key words: Local Productive Arrangements; social capital; governance.Resumen: Los Arreglos Productivos Locales (APLs) constituyen una forma incipiente de organización más sistémicasde las pequeñas empresas. El desarrollo del APL se relaciona a su transformación en una estructura más complejacomo el Sistema Productivo Local (SPLs), donde capital social y gobernanza son determinantes para la expansión dela interdependencia de los actores aliados. Ese trabajo visa estructurar una tecnología de movilización de los actores,de modo a organizarlos en red y desencadenar un proceso de cambio.Palabras clave: Arreglos Productivos Locales; capital social; gobernanza.

como costumeiramente funcionam, ou sejaisoladas. Diferentemente das grandes empre-sas, as MPEs não podem se permitir à como-didade do isolamento. Isto porque, operan-do escalas de produção reduzidas, as MPEsnão conseguem auferir economias de esca-la, ficando assim presas a condições inefici-entes de produção. Além disso, o isolamen-to das MPEs acentua suas limitações para odesenvolvimento de capacidade inovativa,cada vez mais essencial para a obtenção devantagens competitivas.

Dentre as abordagens que se propõempara analisar as MPEs, encontram-se aque-las denominadas de Distritos Industriais,Clusters e Sistemas e Arranjos ProdutivosLocais. Este estudo priorizará a última abor-

Introdução

O fortalecimento de micro e pequenasempresas (MPEs) coloca-se como uma sóli-da alternativa para o alcance do almejadodesenvolvimento com inclusão social. Sabe-se, entretanto, que as MPEs enfrentam sé-rias limitações para concorrer com empre-sas de maior porte, tendo esse problema seagravado ainda mais com o processo de glo-balização, que acirrou a concorrência aoaproximar os competidores instalados emoutras fronteiras aos mais remotos merca-dos. Ao mesmo tempo, é bem menos difun-dida a idéia de que a essência das dificulda-des que cerceiam as MPEs relaciona-se nãoao tamanho dessas, mas sobretudo à forma

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 25-34, Set. 2004.

* Professora do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará ([email protected]).** Professoras do Mestrado em Adminstração de Empresas da Universidade de Fortaleza ([email protected];[email protected]).

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dagem citada, apresentando uma estratégiade mobilização dos atores integrantes dosArranjos Produtivos Locais (APLs), de modoa possibilitar a participação e atuação con-junta (capital social) e a coordenação e con-trole das ações e projetos encaminhados(governança). Todo o esforço parte de umaabordagem participativa com o fim de es-truturar e implementar uma tecnologia so-cial voltada para a mudança e o desenvolvi-mento dos APLs. Nesse trabalho de mobili-zação dos atores dos APLs, deve-se incluir,além dos agentes produtivos, a participaçãode representantes do poder local e de outrosníveis com relevância para a especialidadedo APL, instituições com atuação nos terri-tórios dos APLs, organizações associativas ecomunitárias relacionadas ao negócio emfoco. Além da mobilização dos atores, a es-tratégia deve abordar o encaminhamento dosprojetos priorizados pelos atores mobiliza-dos, de forma a garantir a sistematicidadedas ações e o estabelecimento da governançados APLs. A partir deste objetivo, foi formu-lada a questão norteadora deste trabalho:por meio de quais instrumentos a tecnologiade mobilização dos APLs, visando à cons-trução e/ou fortalecimento da governança,poderá ser operacionalizada?

Outrossim, a importância desse traba-lho reside na ampla disseminação do con-ceito de arranjo produtivo entre os diversosórgãos governamentais (federal, estadual emunicipal) do país, os quais têm anunciadoprioridade para essas estruturas produtivas,todavia sem ainda contar com uma formaobjetiva de atuação. Na verdade, mesmo comdiferentes programas e recursos alocadospara os APLs, já mapeados em todo o Bra-sil, não se percebe ainda uma estratégia cla-ra e eficiente para abordar os APLs, voltadapara a formação do capital social e governan-ça dos mesmos. Ao contrário, parece quetudo ocorre ainda como na forma tradicio-nal quando se enfocavam, de forma estan-que, setores ou grupos de empresas. Tratan-do-se de uma estrutura em que o desenvol-vimento do todo é mais importante do que odesenvolvimento das partes e, portanto,onde o entrosamento dos atores e sinergiade ações apresentam-se como essenciais, osAPLs devem ser abordados através de ummodelo específico que contemple esses as-

pectos. É justamente essa lacuna que esteestudo pretende preencher. Inicialmente seráapresentada relevante literatura que tratadas diversas correntes acerca de aglomera-ções de empresas. Em seguida, a tecnologiade mobilização dos APLs será apresentada,seguida das considerações finais e sugestõespara futuras pesquisas.

1 Reflexões teóricas

O processo de globalização da econo-mia tem ocasionado um redesenho das for-ças produtivas. A expansão de novas formasflexíveis de organização da produção apon-ta para a falência do modelo fordista, trazen-do conseqüências importantes no âmbito eco-nômico, social, organizacional e tecnológico.

A chamada “especialização flexível”destaca-se assim como um novo modelo deorganização industrial, com exemplos bemsucedidos na Terceira Itália, Alemanha,França, que tiveram como base a expansãode pequenas e médias empresas, cuja adap-tabilidade às flutuações de demanda, ao di-namismo inovador tornaram-nas organiza-ções importantes neste novo modelo indus-trial que se tem delineado nas últimas déca-das (BAPTISTA, 2002)1.

O conceito de “especialização flexível”nos reporta a outro conceito de aglomera-ções industriais elaborado por AlfredMarshall (1996), o “distrito industrial”, queengloba aspectos, tais como: firmas especia-lizadas, territorização, mercado de trabalhoe cooperação. O ressurgimento da idéia do“distrito marshalliano” ocorre no recenteperíodo de reestruturação produtiva, decor-rente do esgotamento dos modelostaylorista/fordista, que ocasionaram, alémdo aumento do desemprego formal, aprecarização do trabalho e o crescimento daseconomias informais. Em contrapartida, otipo de distrito industrial marshalliano, ace-na para a possibilidade de construção de umlocus de cooperação, baseado na confiançae em aspectos sócio-culturais, formado pe-las redes de interação entre os agentes.

Apesar do forte otimismo que causoufrente à desestruturação de formas clássicasde organização da produção, o modelo dedistrito industrial também tem apresentadosinais de esgotamento. Como ressaltam

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

Schmitz e Nadvi (1999) e Le Borgne (1991),o distrito industrial italiano, exemplo na lite-ratura do modelo marshalliano, começa, so-bretudo nos anos 90, a apresentar mudançasna sua dinâmica de funcionamento. A coo-peração cede lugar para formas de contra-tualização entre firmas, a constituição de fir-mas líderes, a especialização em produtos debaixa qualidade e o emprego de mão de obrapouco qualificada (AMARAL FILHO, 1999).

De fato, há diversas abordagens queanalisam aglomerações de empresas. Den-tre elas, destacam-se: o modelo formalizadopor Krugman (1998), a abordagem da eco-nomia de empresas, na qual destaca-se M.Porter (1998), as discussões sobre os clusters,com A. Scott (1988), da economia de inova-ção, com a contribuição destacada de D. B.Audrestch (1988), e a abordagem de peque-nas empresas, distritos industriais, com des-taque de H. Schmitz (1999).

Todas estas vertentes analíticas utili-zam intrinsecamente conceitos da aborda-gem de Sistema Produtivo Local, que já temsido usado, de forma mais estruturada empaíses desenvolvidos, e de maneira mais in-cipiente em países em desenvolvimento, noque se refere a estratégias de desenvolvimen-to regional e local.

Os estudos de Economia Regional en-fatizam prioritariamente aspectos relativosaos “fatores locacionais” que influenciam aimplantação de uma indústria em determi-nada área geográfica, e seus desdobramen-tos na reprodução e transformação de re-giões geo-econômicas específicas.

Já a abordagem da estratégia de clustersegue uma tendência porteriana (M. Porter)e situa-se na fronteira entre a literatura deorganização industrial e desenvolvimentoregional e demonstra que a análise setorialnão consegue captar a complexidade dosfenômenos que envolvem a dinâmica indus-trial. No entanto, a análise de clusters procuracaptar os elementos estruturais e sistêmicosda aglomeração enfatizando a rivalidade en-tre as firmas e quais os fatores da sua dinâ-mica interna que afetam a competitividadedos agentes. Assim, a análise de clusters deempresas prioriza o estudo da sua estruturainvestigando-se, por exemplo: o tamanho deseus membros, as articulações entre eles, ospadrões de especialização e concorrência e

as vantagens competitivas que podem sercriadas a partir da estruturação dessa mo-dalidade de aglomeração.

Estas abordagens apresentam algunspontos confluentes e complementares, poisenfatizam a proximidade geográfica dosagentes produtivos, e a relevância do contex-to social e institucional como fatores impor-tantes na consolidação dessas aglomerações(BRITTO e ALBUQUERQUE, 2002). Contu-do, a abordagem de cluster se aproxima maisda grande produção flexível do que da pe-quena, diferenciando-se tanto do modo for-dista de produção, baseado na grande indús-tria de produção de massa, como tambémda visão do distrito industrial marshalliano,da pequena produção flexível. Além de en-fatizar mais a concorrência do que a coope-ração entre os membros do cluster, esta abor-dagem também atribui relevância à forma-ção de uma indústria-chave ou indústrias-chave numa determinada região, transfor-mando-as em líderes de mercado. As empre-sas chamadas âncoras estimulam sem dúvi-da, o desenvolvimento da região, através damobilização de agentes produtivos localiza-dos no mesmo território, porém o crescimen-to mais homogêneo dos agentes produtorespassa a sr secundário.

Diante da diversidade de vertentes teó-ricas acerca do desempenho competitivo dasempresas, tem-se chegado a uma convergên-cia das percepções de que o foco de análisenão deve ser centrado apenas na empresaindividual, mas, sobretudo nas relações en-tre as firmas e entre estas e as instituiçõesque interagem com elas num determinadoespaço geográfico. Ademais, a necessidadede buscar eficiência e competitividade exigeque as MPEs se organizem em torno de umaforma própria de organização, distinta da-quele praticada pela grande empresa. Naimpossibilidade de auferirem economias deescala dentro das próprias empresas, quan-do se ocupam, ao mesmo tempo, das váriasetapas do processo de produção, as MPEspodem, alternativamente, obter economiasde escala se especializando em uma ou ape-nas algumas etapas do processo produtivo.A especialização, complementada pela coo-peração praticada entre diversos agentesconcentrados em um certo território, consti-tui a base dos chamados arranjos produti-

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vos locais (APLs)2. Entretanto, a formaçãodos APLs mesmo constituindo um avançocomparado ao funcionamento disperso e iso-lado de empresas e outros agentes, não deveser um objetivo definitivo, mas apenas umatransição para uma forma superior de orga-nização, mais sistêmica, sustentável e commaior nível de interdependência entre osagentes, ou seja, os sistemas produtivos lo-cais (SPLs)3. Este novo foco tem possibilita-do a reorientação de formas de intervençãodo poder público na promoção da políticaindustrial e tecnológica. De acordo comCassiolato e Szapiro (2002, p. 11):

A abordagem de arranjos e sistemasprodutivos locais tem a proposta de elabo-rar um modelo que englobe categorias tra-dicionais nas análises de aglomerações comoa cooperação, mas que inclui os processosde aprendizado, capacitação e inovação,considerados crescentemente como funda-mentais para a sustentação da competitivi-dade dos agentes participantes de aglome-rações de empresas.

Ao lado das empresas, são tambémprotagonistas dessas formas organizacionaisoutros atores locais, como governos, associa-ções e instituições de financiamento, ensino,formação, pesquisa e outras atividadescorrelatas. Nessas formas de organização(APL e SPL), a especialização, além de au-mentar a escala de produção de cada em-presa, favorece a produção compartilhada,o que, por sua vez, estimula a cooperação ea inovação. Essas relações sócio-econômicaspassam a fazer parte do processo de produ-ção, e assim, dão origem à formação de umtecido sócio-produtivo, onde os agentes seespecializam, cooperam, trocam informa-ções, aprendem e compartilham de um pro-jeto comum: o desenvolvimento do conjun-to das empresas. A passagem do enfoque daempresa individual para o dos APLs deslo-ca o centro da análise para as relações entreas empresas e, entre estas e diversas institui-ções que atuam em um determinado espaçogeográfico (território). A unidade de análisedeixa então de ser a empresa isolada e passaa ser a comunidade de empresas - o APL.Daí a importância de se estimular as liga-ções entre os diversos atores do APL.

A transformação dos APLs em SPLsenvolve um salto de complexidade relacio-

nado à ampliação da interdependência en-tre os diversos agentes (econômicos, políti-cos, institucionais e sociais) que pode ser al-cançada através das práticas de cooperação,cultura participativa e adoção sistemática deações coletivas. A expansão dessas práticasexige o fortalecimento da confiança dosagentes que atuam no território, de modo apermitir que os agentes se prontifiquem aencaminhar em conjunto projetos de inte-resse comum. A capacidade de unir esfor-ços para trabalhar em conjunto (capital so-cial) assume grande importância em estru-turas como APLs e SPLs, pois o desenvolvi-mento desses depende de ações coletivas, emoposição a ações individuais dos agentes.Assim, o esforço de evolução dos APLs paraSPLs não pode prescindir da construção efortalecimento do capital social.

O fortalecimento do capital social estácondicionado a criação de uma rede de coo-peração entre atores e instituições. Na medi-da em que as ações deixam de ser cada vezmenos individualizadas e tornam-se mais co-letivizadas, torna-se necessária a constituiçãode uma força de coordenação das diversasações de modo a garantir a formação desinergias que possam garantir o alcance dosobjetivos desejados. A intensificação das re-lações entre essas partes e o estabelecimentoda coordenação dessas relações promove aboa governança, atributo necessário à evolu-ção do estágio de APL para SPL. Por sua vez,o surgimento da boa governança depende deum aprendizado que pode ser derivado darepetição e consistência das ações coletivas.Portanto, estes dois aspectos, o fortalecimentodo capital social e a formação da boa gover-nança, surgem como ingredientes essenciaispara a consolidação e transição do estágio deAPL para SPL. Importa assim explorar for-mas de intervenção que possibilitem a cons-trução e consolidação desses ativos.

Este quadro de referência constitui-seimportante ferramenta para a compreensãoda dinâmica e funcionamento dos arranjose sistemas produtivos locais. Vale ressaltarque a definição de arranjo enfatiza os aspec-tos ineficientes em relação à inovação, as-sim como as interações entre os própriosagentes do arranjo, tornando-se importanteuma investigação sobre tais interações a fimde se possibilitar a compreensão mais apro-

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29A construção de uma metodologia de atuação nos Arranjos Produtivos Locais (APLs) noestado do Ceará: um enfoque na formação e fortalecimento do capital social e da governança

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fundada dos níveis de inovação e aprendi-zagem existentes nos arranjos produtivospossibilitando uma forma de se entendermelhor sua trajetória e evolução.

2 Tecnologia de mobilização dos APLs

Partindo-se de uma visão sistêmica, osAPLs devem ser analisados considerando asdimensões produtivas, institucionais e comu-

nitárias do território. Destacam-se assim trêsvertentes que contribuem para o incremen-to da competitividade e os avanços na sus-tentabilidade de um APL: o desenvolvimen-to da capacidade produtiva, a formação efortalecimento do capital social e boa gover-nança, e a formação de competências e oaprendizado dos seus agentes, como ilustra-do a seguir:

Sustentabilidade CompetitividadeArranjo

ProdutivoLocal

Desenvolvimentoda Capacidade

Produtiva eInovativa

Fortalecimento doCapital Social e

Governança

Formação deCompetências

Diagrama 1: As vertentes do processo de desenvolvimento do APL

2.1 Capacidade produtiva e inovativa

O desenvolvimento da capacidadeprodutiva e inovativa envolve melhorias naqualidade dos produtos e processos, o aden-samento das aglomerações e o aprofunda-mento da especialização, bem como a ino-vação e a diferenciação dos produtos. Essespassos mostram-se estratégicos para um forteposicionamento do APL no mercado, carac-terizado por uma concorrência cada vezmais acirrada.

2.2 Capital social

O capital social é de grande importân-cia quando se considera a atividade produ-tiva inserida em um território composto deum aglomerado de agentes que precisam

unir sinergias para trabalhar em conjunto.O fortalecimento do capital social está con-dicionado a criação de uma rede de coope-ração entre atores e instituições. A intensifi-cação das relações entre essas partes e a for-mação da coordenação dessas relações pro-move a boa governança.

2.3 Formação de competências

A formação de competências tambémse apresenta como fundamental na conquis-ta da competitividade e sustentabilidade,dado que o processo de evolução de Arran-jo Produtivo para Sistema Produtivo envol-ve o alcance de novos níveis de complexida-de. Assim a competência que se busca cor-responde a inteligência prática de situaçõesque se apóiam sobre os conhecimentos ad-

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quiridos e os transformam com quanto maisforça quanto mais aumentam as complexi-dades das situações. Tal competência implicaem saber como mobilizar, integrar e transfe-rir os conhecimentos, recursos e habilidadesem um contexto determinado. Assim, as ha-bilidades dos agentes produtivos devem tam-bém ser trabalhadas para que os mesmos secapacitem para responder satisfatoriamen-te aos desafios impostos pelo mercado.

2.4 Abordagem cooperativa

A passagem de um estágio de arranjoprodutivo para uma estrutura mais sistêmicarequer a formação da governança, entendi-da como um mecanismo de controle e coor-denação do desenvolvimento do território.A construção da governança pode ser facili-tada pela criação de entidades organizacio-nais que contribuam para uma ambiênciacomunitária favorável ao desenvolvimentodos APLs. Os objetivos dessas entidades es-tão direcionados para a exploração das po-tencialidades do capital social através davalorização e criação de sinergias entre ascompetências locais, a organização dascomplementaridades entre recursos e proje-tos, as trocas de saberes e de experiências, aformação de redes de ajuda mútua, a auto-organização das comunidades locais, amaior participação dos atores e da popula-ção em geral nas decisões políticas, a aber-tura para novas formas de especialidades e

parcerias como meios para viabilizar o de-senvolvimento local do território.

O modelo de tecnologia de mobiliza-ção dos APLs sugere, assim, a criação de trêstipos de entidades que juntas contribuirãopara o fortalecimento do capital social e dagovernança nos territórios dos APLs. Refe-ridas entidades constituem instrumentos demobilização social e se baseiam em uma abor-dagem cooperativa. Parte-se da identifica-ção de um grupo maior de atores seleciona-dos (“Fórum para a Mudança”) que, a par-tir do seu funcionamento, deve ser desdo-brado em diversos grupos de trabalho (“La-boratórios para Inovação”) com foco em ta-refas específicas apontadas como prioritá-rias para a resolução dos problemas do APL,devendo esses possuir mecanismos explíci-tos de ligação com instituições de referência(“Pontos de Escuta”), portadoras do estadoda arte referente a temas de preocupaçãoespecífica. Abaixo estão descritas as carac-terísticas dessas entidades.

2.4.1 Fórum para a mudança

Trata-se de um espaço organizacionale inovador através do qual os atores institu-cionais públicos e privados serão convida-dos a participar de um programa de mudan-ças. É um lugar de encontro e de difusão deidéias com o fim de assegurar uma relaçãoentre as propostas de inovação e aqueles queserão chamados à gestão e a atuação daspráticas específicas a cada contexto.

Quadro 1: Composição do fórum para mudança

Exemplos de Composição do Fórum para a Mudança Atores Selecionados 1) Lideranças do APL 2) Representante da Prefeitura 3) Representante do SEBRAE-Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas 4) Representante do Banco do Nordeste do Brasil-BNB 5) Representante do Governo Estadual 6) Membro do Clube dos Diretores Logistas-CDL local 7) Representante do Banco do Brasil 8) Representante das Universidades com atuação no território 9) Representante dos Centros Tecnológicos do Ceará - CENTEC/Centro de Vocação Tecnológica – CVTs presentes no território 10) Transportadoras, Correios 11) Representante dos compradores e intermediários dos produtos do APL.

Fonte: Elaborado pelas autoras

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31A construção de uma metodologia de atuação nos Arranjos Produtivos Locais (APLs) noestado do Ceará: um enfoque na formação e fortalecimento do capital social e da governança

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

2.4.2 Laboratórios para a inovação

Trata-se de grupos de trabalho opera-tivos ativados para colocar em prática aspropostas de melhorias discutidas e decidi-das nos Fóruns. Os laboratórios são forma-dos por representantes selecionados do

fórum e deverão oferecer soluções para as-suntos específicos aos participantes dofórum. Cada grupo operará em um arco detempo definido. Os laboratórios terão natu-reza e modalidades diferentes dependendodos objetivos.

Quadro 2: Objetivos dos laboratórios para inovação

Exemplos de Laboratórios e Seus Objetivos 1. Observatório nacional e internacional sobre as novas tendências, tecnologias,etc 2. Criação de um pool para a prospecção de novos mercados, canais de distribuição nacionais e internacionais 3. Desenvolvimento de práticas cooperativas (relações e trocas) interempresas e interarranjos 4. Relações com o crédito bancário e desenvolvimento de formas de financiamento customizados e coletivo 5. Ações focalizadas no processo de inovação, design e diversificação 6. Projetos comuns para a formação e desenvolvimento dos Recursos Humanos 7. Desenvolvimento de novas competências técnicas (skills). Exemplos: design, logística e marketing 8. Gestão de problemas comuns do ambiente 9. Criação de uma rede de parcerias com autoridades públicas e governo estadual, municipal e federal 10. Coesão e interação entre vários sujeitos produtivos e institucionais (nacionais e internacionais) para trocas de best-practices 11. Ações de marketing social e cultural relacionadas com o desenvolvimento da imagem (aspectos intangíveis) do território 12. Promoção de ações comerciais entre as PME e entre os Arranjos 13. Estímulo ao empreendedorismo e o controle de PME emergentes 14. Relações entre contratadas e sub-contratadas Fonte: Elaborado pelas autoras

Exemplos de “Pontos de Escuta” 1. Universidades 2. CENTECs-Centro Tecnológico do Ceará 3. CVTs-Centro Vocacional Tecnológico 4. SENAI-Serviço Nacional da Indústria 5. EMBRAPA- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária 6. CIN-Centro Internacional de Negócios-(Federação das Indústrias do Ceará) 7. Centros Culturais 8. Associações de classe e comunitárias 9. Centros de Estudos e Pesquisas Internacionais 10. Câmaras de Comércio 11. Sindicatos 12. Bancos

Fonte: Elaborado pelas autoras

2.4.3 Pontos de escuta

O objetivo é de criar uma rede de in-terlocutores da comunidade local e regional,envolvendo as pessoas e as organizações naavaliação e operacionalização dos projetos

que experimentarão práticas e procedimen-tos inovadores. A partir dos Pontos de Escu-ta, os Laboratórios se familiarizam com oestado da arte pertinente aos temas por es-ses tratados.

Quadro 3: Pontos de escuta

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32 Mônica Alves Amorim; Maria Vilma Coelho Moreira; Ana Silvia Rocha Ipiranga

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

Diagrama 2: Tecnologia de mobilização social por meio de uma abordagem cooperativa

FÓRUM (Facilitador)

Ponto de Escuta

Ponto de Escuta

Laboratório para a Inovação

(Coordenador)

Laboratório para a Inovação

(Coordenador) Ponto de Escuta

Laboratório para a Inovação

(Coordenador)

Ponto de Escuta

O diagrama acima mostra que as trêsentidades organizacionais estão intensamen-te inter-relacionadas constituindo uma redede relações que fortalecem a interdependên-cia produtiva, exercitando uma colaboraçãoeficiente com a circulação da informação eprodução do saber local. A partir desse inter-relacionamento e à medida que as conver-sações entre os técnicos e atores envolvidosavançam são definidos os conjuntos de açõesatravés de uma metodologia que possibilitea aprendizagem cooperativa. Durante todoo processo o gerenciamento das metodolo-gias é realizado através da utilização de ins-trumentos, com a formulação de indicado-res e mapeamentos empíricos, de avaliaçãoe verificação dos impactos, interfaces e im-plicações no território. Na medida em quefacilita o inter-relacionamento, o aprendiza-do e a inovação, a constituição e a vivênciaprática dessa rede de inter-relações pode seconstituir em um mecanismo eficaz para fa-cilitar a evolução do APL para uma estrutu-ra mais complexa como os SPL.

A idéia é que tudo se inicie com o fórume a partir dele os grupos de trabalhos sejamformados por temas surgidos nas discussõesentre os atores. Esses grupos atuarão comolaboratórios de inovação; esses, por sua vezidentificarão e se conectarão aos pontos deescuta, fonte privilegiada de informações eexperiências relacionados ao tema de cadalaboratório. Cada um dessas entidades aci-ma abriga conjuntos de atores produtivos,institucionais e comunitários, assim como emcada uma delas opera uma liderança. Porexemplo, o fórum é liderado por um coorde-nador que entre outras missões coordena oesforço coletivo de mudança e capitaneia asiniciativas voltadas para esse fim. No casodos laboratórios, o líder terá o papel de jun-tar os demais colaboradores do grupo com ointuito de assegurar que as medidas sugeri-das pelo fórum sejam levadas adiante. Nospontos de escuta serão identificados indiví-duos de referência para facilitar os contatose as trocas de informações. Todo o esforçogira em torno de facilitar a mudança e a ino-

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33A construção de uma metodologia de atuação nos Arranjos Produtivos Locais (APLs) noestado do Ceará: um enfoque na formação e fortalecimento do capital social e da governança

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

Notas:1 A chamada Terceira Itália constitui a região

intermediária entre o Norte e o Sul do país. A partirdos anos 70, essa região passou a alcançar fortedinamismo, gerado principalmente por conta deaglomerações de pequenas empresas, conhecidascomo distritos industriais, que se especializaram emnegócios específicos.

2 Arranjos produtivos locais podem ser definidos comosendo “aglomerações territoriais de agenteseconômicos, políticos e sociais, com foco em umconjunto específico de atividades econômicas e queapresentam vínculos e interdependência” (ALBAGLIe BRITO, 2002, p. 3).

3 Sistemas produtivos e inovativos locais são definidoscomo “arranjos produtivos cuja interdependência,articulação e vínculos consistentes resultam eminteração, cooperação e aprendizagem, possibilitandoinovações de produtos, processos e formatosorganizacionais e gerando mais competitividadeempresarial e capacitação social” (ALBAGLI e BRITO,2002, p. 3).

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Considerações finais

Primeiramente este trabalho procuroufazer uma discussão ampla das diversas for-mas de abordagem sobre aglomerações deMPEs. Destaca-se dentre estas abordagensaquela denominada Arranjos ProdutivosLocais (APLs) e suas possibilidades de evo-lução para os Sistemas Produtivos Locais(SPLs), foco de análise deste estudo. A par-tir deste enfoque geral, foi elaborada e pro-posta uma tecnologia de mobilização dosAPLs, enfocando a construção e fortaleci-mento do capital social e da governança.

A tecnologia de mobilização dos Ar-ranjos Produtivos Locais (APLs) apresenta-da neste estudo ainda está em construçãoteórica. Contudo, a intenção prática é aque-la de discutir projetos focalizados e açõesintegradas de suporte regional sobre objeti-vos de desenvolvimento compartilhados emnível local a partir dos recursos disponíveisna região. Considerando a profundidade datransformação, estes poderão realizar-se so-mente em um período a médio e longo pra-zo. O importante será colocar em movimen-to um processo que desencadeie rapidamen-te alguns primeiros resultados e que, para orestante das iniciativas, permita de definiros novos objetivos a serem alcançados porprazos definidos. Ressalta-se que uma polí-tica por parte dos poderes públicos, de cole-tividade local, de associações de cidadãos ede grupos de empresários pode melhor co-nectar os APLs ao desenvolvimento ecossis-têmico das regiões explorando ao máximoas potencialidades do capital social e dagovernança, através da valorização e cria-ção de sinergias entre as competências lo-cais, a organização das complementaridadesentre recursos e projetos, as trocas de sabe-res e de experiências, a formação de redesde ajuda mútua, a auto-organização dascomunidades locais, a maior participaçãodos atores e da população em geral nas de-cisões políticas, a abertura para novas for-mas de especialidades e parcerias como meiospara viabilizar o desenvolvimento local daregião/cidade.

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Interação entre micro, pequenas e médias empresas como estratégia de crescimentoe capacitação: o pólo moveleiro de Votuporanga-SP

Interaction among micro, small and medium businesses as a strategy for growth andqualification: the furniture dealing center of Votuporanga – São Paulo

Interacción entre micro, pequeñas y medianas empresas como estrategia de crecimiento ycapacitación: el polo mueblista de Votuporanga-SP

Helena Carvalho Lorenzo*

Mario Sérgio de Mattos Stipp**

Recebido em 28/11/03; aprovado e revisado em 28/03/04; aceito em 15/06/04.

Resumo: O objetivo deste artigo é contribuir para o debate sobre as aglomerações produtivas e o desenvolvimentolocal a partir de uma análise crítica do desenvolvimento do pólo moveleiro do Município de Votuporanga-SP. O focodo estudo está voltado para a avaliação da interação entre as empresas na construção de capacitação local,principalmente quanto à qualificação da mão de obra, e na difusão das inovações. Parte-se da hipótese que o papeldas empresas componentes do aglomerado produtivo não é linear, mas que estas podem dinamizar o conjunto doaglomerado bem como as economias locais, através da interação sistêmica entre as empresas e o “ambiente” local.Palavras-chave: governança; sistemas produtivos; interação.Abstract: The aim of this article is to contribute to the debate on productive conglomerations and local developmentbeginning from a critical analysis of the development of the furniture sector in the Municipality of Votuporanga, in SãoPaulo. The focus of the study concentrates on the evaluation of the interaction between the companies in the constructionof local training, mainly as to the qualification of the labourer, and in the diffusion of innovations. The initialhypothesis is that the role of the companies which are components of the productive conglomeration is not linear, butthat these can bring dynamics to the group of those conglomerated as well as to local economies, through thesystematic interaction between the companies and the local “environment”.Key words: governance; productive systems; interaction.Resumen: El objetivo de este artículo es aportar para el debate sobre las aglomeraciones productivas y el desarrollolocal a partir de un análisis crítico del desarrollo del polo mueblista del Municipio de Votuporanga-SP. El enfoque delestudio está enderezado a la evaluación de la interacción entre las empresas en la construcción de capacitación local,principalmente con relación a la calificación de mano de obra, y en la difusión de las innovaciones. Parte de la hipótesisque el papel de las empresas componentes del aglomerado productivo no es lineal, pero éstas pueden dinamizar elconjunto del aglomerado bien como las economías locales, a través de la interacción sistémica entre las empresas y el“ambiente” local.Palavras clave: gobernanza; sistemas productivos, interacción.

passou a ser novamente considerada comoinstância analítica relevante nos anos finaisdo século XX. Contribuíram para essaabertura, as profundas transformações porque vem passando o sistema produtivo mun-dial que associadas à conformação de umanova ordem mundial implicou a readap-tação e reestruturação de diferentes setoresprodutivos. Esses processos vêm indicandoque a dimensão espacial, muitas vezes, é tãoimportante quanto o próprio crescimento ehegemonia dos mercados.

Por outro lado, vários exemplos mun-diais, já clássicos, indicaram que a proximi-dade geográfica foi fator fundamental paraexplicar ganhos competitivos das empresas.Foi o caso do desenvolvimento e, principal-mente, do sucesso dos aglomerados de fir-

Introdução

Os estudos de aglomerados produtivosque levem em conta sua dimensão espacial,a diversidades das atividades envolvidas, apresença de processos inovatidores localiza-dos, o papel das instituições e o ambientesócio-econômico em que estão inseridos paraexplicar sua dinâmica e melhorias de compe-titividade vêm ganhando, recentemente,maior atenção da literatura econômica.

De fato, a importância da concentra-ção espacial como fator responsável peloaumento do grau de eficiência econômica,já apontada por Alfred Marshall desde o fi-nal do século XIX, e praticamente esquecidapelas teorias econômicas que foram hegemô-nicas ao longo de quase todo o século XX,

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 35-42, Set. 2004.

* Professora do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – UNIARA – Araraquara-SP([email protected]).** Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UNESP/Araraquara ([email protected]).

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mas eficientes e competitivas localizadas emáreas específicas como o Vale do Silício, nosEUA e na região conhecida como a TerceiraItália. À medida que a realidade econômicadas últimas décadas foi mostrando o dina-mismo de novos setores, de novas formas dearticulação entre eles, de melhor desempe-nho competitivo das empresas e dinamiza-ção das localidades onde estão inseridos, osfocos dos estudos foram se ampliando paraalém da própria empresa, buscando enten-der sua relação com as firmas e com as de-mais instituições dentro de um espaço geo-graficamente delimitado.

Assim, se a proximidade geográficamais recentemente voltou a ser uma ques-tão importante para explicar a competitivi-dade das empresas, também a paulatina in-corporação de novas instancias analíticas,tais como: a sinergia, as economias de aglo-meração, as formas de aprendizado, de in-teração, e principalmente de inovação, pas-saram a caracterizar, em diferentes graus deintensidade, os principais trabalhos que en-fatizam o estudo das formas de articulaçãocomo explicativas da força competitiva dosaglomerados.

A maior parte dos estudos sobre aglo-merações produtivas está voltada para aanálise dos casos localizados em países de-senvolvidos. No caso dos países em desen-volvimento a importância da interação en-tre os diferentes agentes produtivos comofonte geradora de inovações e de vantagenscompetitivas também tem sido ressaltada.Boa parte dessa literatura, no entanto, estávoltada principalmente para a análise decasos em que há relações claras entre os aglo-merados produtivos e o comércio internacio-nal. Cabe assim questionar a importânciadestes aglomerados e sua inserção com aseconomias locais, suas potencialidades paraa construção de capacitação tecnológica, osmecanismos e processos de aprendizagem eas formas como se difundem as inovações.

1 Principais enfoques teóricos para oestudo dos aglomerados em países emdesenvolvimento

Apesar do presente estudo estar foca-lizado na avaliação da interação como es-tratégia de crescimento e melhoria de capa-

citação, a questão da proximidade espacialdas indústrias e do local constituem referên-cias teóricas importantes, porque podem serconsideradas básicas para a compreensão docrescimento dos aglomerados e das firmas,para o aumento de sua competitividade ecapacidade inovativa. As possibilidades dedesenvolvimento do aglomerado e de melho-rias na competitividade das aglomeraçõesaparecem, cada vez mais associadas às pos-sibilidades de ações conjuntas e ao poten-cial de formulação e implementação de po-líticas públicas.

Nesta direção podem ser mencionadosalguns enfoques teóricos para os estudos dosaglomerados. Os principais enfoques, toda-via, não podem ser considerados excludentes,pelo contrário há uma convergência bastanteclara quanto ao papel do local no crescimen-to das firmas, no aumento de sua capacida-de inovativa e na importância da articula-ção entre os agentes como estratégia de ca-pacitação e difusão da inovação.

Os dois primeiros enfoques aqui consi-derados tratam os aglomerados como resul-tado material das forças de mercado. A abor-dagem denominada Nova Geografia Econô-mica elaborada a partir dos trabalhos dePaul Krugman (1991) evidenciou as possibi-lidades de crescimento através do mercado,advindas das ligações entre a geografia (olocal) e o comércio internacional. Nesta aná-lise, apesar da importância local, não há es-paço para políticas públicas; e está voltadaà inserção dos aglomerados nas cadeias glo-bais. A abordagem denominada de Econo-mia de Empresas (PORTER, 1998) enfatizaa importância dos agrupamentos e de fato-res locais que podem sustentar o dinamismode empresas líderes. A proximidade de for-necedores e mesmo de empresas rivais sãofatores de incentivo à dinâmica industrial.Nesse caso também, embora não haja umpapel direto para as políticas públicas, dadoque são as forças de mercado os principaiscontribuintes do sucesso do agrupamento, ogoverno pode e deve prover infra-estrutura,educação e mesmo regras de concorrência.

As abordagens conhecidas como Eco-nomia Regional (PIORE e SABEL, 1984), eEconomia das Pequenas Empresas e Distri-tos Industriais (SCHMITZ, 1997; 1999), enfa-tizam fortemente o apoio do setor público por

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37Interação entre micro, pequenas e médias empresas como estratégia decrescimento e capacitação: o pólo moveleiro de Votuporanga-SP

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meio de medidas específicas de políticas e decooperação entre as empresas do agrupamen-to. O interesse mais recente da abordagem daEconomia Regional pelos agrupamentos sur-giu a partir dos estudos sobre os distritos in-dustriais italianos e, posteriormente, em ou-tros países europeus e nos EUA (BECATINI,1994; MARKUSEN, 1995). O resgate dessaimportância pela nova Economia Regional sedá através da concepção de que os anos 1970marcam o início de um novo paradigma dedesenvolvimento no qual o desenvolvimentolocal é, antes de tudo, flexível capaz de adap-tar-se a dados mutáveis e constitui alternati-va para um desenvolvimento endógeno eautocentrado (BENKO, 1996). A região é vis-ta como um nexo de interdependências quenão são “comercializáveis”, ou seja, podemgerar uma estratégia de diversificação e dearticulação das atividades com base na mo-bilização de seus recursos (naturais, huma-nos e econômicos) e de suas energias, apondo-se às estratégias centralizadas de manejo doterritório (SCOTT, 1998).

A abordagem relativa à aglomeraçãode Pequenas Empresas e Distritos Industriaisaponta para a existência de forças delibera-das de ação decorrente de cooperação cons-cientemente buscada entre agentes privadose do apoio do setor público, além das econo-mias externas locais incidentais ou espontâ-neas (SCHMITZ, 1997; 1999). Esta aborda-gem está bastante relacionada ao estudo dosaglomerados nos países menos desenvolvidos.Em alguns estudos enfatizam-se as relaçõesentre os aglomerados e seus mercados atra-vés de cadeias de “commodites”, que podemser caracterizadas por duas fases: cadeiascaracterísticas de setores intensivos em capi-tal e trabalho, e cadeias características de bensde consumo intensivos em mão de obra. Estavisão tem como foco principal a inserção dosaglomerados locais nas cadeias globais.

Pode ser ainda considerada dentrodesta última, outra linha de estudo sobreaglomerados locais apoiada mais fortemen-te nos mercados nacionais, sem desprezarsua relação com a globalização. O conceitode “eficiência coletiva” definido como van-tagem competitiva derivada das economiasexternas locais e da ação conjunta é bastan-te enfatizado e combina os efeitos espontâ-neos (ou não planejados), daqueles conscien-

temente buscados ou, planejados (MEYER-STAMER, 2000).

Uma última abordagem aqui mencio-nada: conhecida como Economia neoschumpeteriana sobre Sistema de Inovação,enfatiza que a proximidade local facilita ofluxo de informações e “spillovers” de co-nhecimento. As atividades econômicas ba-seadas em novo conhecimento têm grandepropensão a aglomerarem-se dentro de umaregião geográfica. Ressalta a importância dasinstituições, de suas políticas, assim como detodo o ambiente sócio cultural em que se in-serem os agentes econômicos. Essa aborda-gem também enfatiza o aprendizado por in-teração (entre fornecedores, produtores eusuários), em sistemas de inovação, que en-volvem, além de empresas, outros agentesparticularmente, instituições de ensino e pes-quisas nacionais, regionais e, principalmen-te, locais (FREEMAN, 1995). Dentre os as-pectos considerados condicionantes para osprocessos de aprendizagem destacam-se ouso de recursos e capacidades locais que de-pendem em boa medida do modo de gover-nança e da coordenação das interações den-tro de um sistema. Entende-se por governan-ça a coordenação entre os agentes institucio-nais públicos ou privados presentes no inte-rior do sistema local. A ação de governançapode variar de forma interativa baseada emníveis diferentes de relações entre os agen-tes (HUMPHEY e SCHMITZ, 2000).

2 Objetivos e metodologia

O objetivo deste artigo é contribuirpara o debate sobre as condições de desen-volvimento das aglomerações produtivas apartir de uma análise do pólo moveleiro doMunicípio de Votuporanga -SP. O foco doestudo está voltado para a avaliação da in-teração entre os agentes locais na constru-ção de capacitação local, principalmentequanto à qualificação da mão de obra e di-fusão das inovações. A justificativa para seexaminar o assunto fundamenta-se no fatode que a experiência brasileira no estudodesta relação é pouco conhecida, a despeitoda crescente preocupação com o tema na li-teratura econômica especializada. Parte-seda hipótese que o papel das empresas com-ponentes do aglomerado produtivo não é li-

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near, mas que podem ser dinamizados pelainteração sistêmica dos elos da cadeia pro-dutiva e o “ambiente” local. Essa interaçãopode ser avaliada através do estudo das for-mas de cooperação entre as empresas a par-tir da coordenação das interações locais(governança).

Do ponto de vista metodológico e dapesquisa empírica buscou-se, primeiramente,identificar a dinâmica da atividade empresa-rial e as características mais gerais do pólomoveleiro através da consideração de fasesde seu desenvolvimento. Nesse sentido fo-ram ressaltadas as especificidades históricase regionais e as condições endógenas que per-mitiram e explicam seu desenvolvimento.

Na seqüência (através de um conjun-to de entrevistas em profundidade), buscou-se identificar as instituições e agentes envol-vidos, avaliar o nível de cooperação e gover-nança por meio do estudo da interação en-tre empresas e instituições públicas e priva-das. Como recurso para a análise e não comotipologia, foram estudadas cinco dimensõesprincipais por meio das quais buscou-se iden-tificar formas e principais características dainteração entre empresas, fundações, insti-tuições públicas e privadas, etc. e seus resul-tados principais.

As principais dimensões investigadasforam: 1) formas institucionais e privadas pormeio das quais são realizadas diferentesmodalidades de interação (formal e informal);2) origem dos recursos financeiros para açõescooperativas. Buscou-se, pelo conhecimentoda origem dos recursos conhecer o padrão derelação entre as empresas; 3) nível decisório eliderança. Se pertence a uma única organiza-ção, ou pessoas; como ganha legitimidade; ecomo são motivados para a ação. Em geral,sempre identifica-se a influência de um líderprincipal enquanto agente instituído e incenti-vador da ação social e coletiva das empresas;4) tipos e objetivos de projetos. Tentamos des-cobrir a linha ou escopo de atuação, a formade condução dos projetos relativos à intera-ção, os tipos de cooperação e as potencialida-des de relacionamento entre as empresas.Através de um aspecto que denominamospontos estruturais de contato procurou-se co-nhecer se houve formação de um sistema deredes com conexões, além do nível decisóriosuperior ou das lideranças, se houve de tro-

cas de conhecimento, identificando essas re-lações e seu grau de interação; 5) resultadosdos projetos. Buscou-se identificar o papel dosprojetos cooperativos para melhoria da ca-pacitação local, particularmente na qualifi-cação da mão de obra e na difusão de inova-ções, e também avaliar o papel da coopera-ção para a melhoria da competitividade em-presarial e do pólo como um todo.

3 O pólo moveleiro no município deVotuporanga-SP

O Município de Votuporanga, locali-zado em região Noroeste do Estado de SãoPaulo e distante 520 quilômetros da capital,centraliza uma região de produtores de mó-veis. Em 1998 registravam-se na região aexistência de 350 empresas fabricantes demóveis, dos quais 170 na cidade deVotuporanga. Naquele mesmo ano, o núme-ro de empregos era de 7.300 trabalhadores,sendo que o emprego na década de 1990,cresceu aproximadamente 4,0% ao ano.Caracterizada pela forte presença de peque-nas empresas, a produção está concentradaem móveis residenciais, cuja participação éde 94% (STIPP, 2002, p. 75).

Trata-se de área rica em mata nativaque encontrou na madeira uma atividade eco-nômica alternativa à atividade cafeeira des-de as primeiras décadas do século XX. Nosanos 60 começaram a surgir as primeiras in-dústrias de móveis, mas foi na década de1970 que grande número de pequenas e mi-cro empresas começaram a se expandir e adinamizar suas atividades, sempre a partirde intensa utilização de mão de obra e debaixo valor agregado. Desde o início, o cres-cimento consistiu e dependeu basicamentedo aumento do número de fabricantes e/ouda entrada de novas PMEs (Pequenas e Mé-dias Empresas), cujos novos proprietáriosemergiam das empresas já existentes (anti-gos funcionários) ou do comércio (lojistas ourepresentantes comerciais) normalmente li-gados ao setor moveleiro. Ao mesmo tempoem que o número de empresas crescia, am-pliavam-se as dificuldades: equipamentoscom tecnologias defasadas forçavam certaespecialização de mão de obra quanto à des-treza e habilidade; falta local de matéria pri-ma básica (já extinta a mata nativa) que pas-

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

sa a vir de Cascavel-PR, incidindo fortementesobre os custos da produção.

No início dos anos 1970 foi criado oPLAMIVO, Plano de Amparo e Incentivo In-dustrial de Votuporanga, através de lei mu-nicipal que autorizava a prefeitura a doarterrenos no distrito industrial e conceder in-centivos fiscais de 10 a 20 anos com o objeti-vo de fomentar novas indústrias, geração deempregos, aumento da produção e da arre-cadação. Em 1975 foi criada a AIRVO, Asso-ciação Industrial da Região de Votuporangaque foi, efetivamente, quem deu origem àsprimeiras formas de sinergia local e à for-mação do aglomerado (STIPP, 2002, p. 80).

No final da década de 1970 e início dosanos 80, a aglomeração das indústrias demóveis de Votuporanga começa ganhar den-sidade a partir das políticas públicas daPLAMIVO e ações privadas da AIRVO. Nes-ses anos, em conjunção com a contrataçãode consultorias externas efetuadas pelamaior indústria da região, começa a propa-gar-se uma nova “atmosfera industrial”, quepoderia ser identificada como um conjuntointangível de ativos responsáveis pela per-cepção inicial da importância das inovaçõesorganizacionais dentro do aglomerado.

O número de empresas e o empregocresciam, mas incorporava-se pouca tecnolo-gia. Em 1980, havia 136 empresas de mó-veis que empregavam 2.228 pessoas. Em1991 o emprego cresceu para 5.000, quasesem aumentar o número de empresas, indi-cando, ainda, elevada incorporação de mãode obra e baixa utilização de tecnologia(STIPP, 2002, p. 80).

4 Crise, associativismo e sobrevivência

Nos primeiros anos da década de 1990,as dificuldades econômicas e administrativasaumentaram, dado a ausência de novas tec-nologias e design, a antiquada administraçãodas empresas, aliadas às dificuldades ma-croeconômicas provenientes do Plano Collor(redução e liquidez). Diante da forte crise ede tais obstáculos, um grupo de empresáriosligados à produção de móveis e a AIRVOempenhou-se em reverter as dificuldades.

O processo que se iniciou pode ser des-crito como uma busca coletiva para a melho-ria de eficiência e da competitividade. Foi ummovimento de articulação e de transforma-

ções nas interações entre firmas que se desen-volveu ao longo da década de 1990 e acen-tuou o caráter de interdependência, bem co-mo o posicionamento frente ao mercado. Pos-sibilitou melhor concorrência, viabilizou umaacentuada cooperação interfirmas, geraçãoe difusão de inovações no interior destas.

As primeiras atividades ocorreram em1992 quando os empresários, de forma asso-ciativista, com apoio da AIRVO e parceiracom o SEBRAE/SP (Serviço de Apoio às Mi-cros e Pequenas Empresas) criaram o “Pólode Desenvolvimento Moveleiro da Região deVotuporanga”, denominado comercialmentecomo “Interior Paulista Design” (IPD). Par-tindo de uma proposta metodológica conce-bida pela FIA/USP (Fundação Instituto deAdministração), conveniada à FEA/USP(Faculdade de Economia e Administração daUniversidade de São Paulo), desenvolveu-seo projeto “Pólo de Modernização Empresa-rial para a Eficiência Coletiva”, cujo objeti-vo geral era de estimular a cooperação entrePMEs do mesmo ramo e setor.

O projeto Pólo visava melhorar a com-petitividade individual de cada empresa. Aocooperarem entre si, viabilizavam atuaçãoconjunta, particularmente em projetos deinteresses comuns compartilhando custos ebenefícios. O principal foco era formar oufortalecer redes horizontais de cooperação,possibilitando o acesso às novas tecnologiasde produção e gestão. Também se destacamobjetivos de estimular a capacidade associa-tivista entre empresários, desenvolver a ca-pacidade gerencial, aumentar a competiti-vidade, racionalizar custos, formar novas li-deranças, fortalecer as entidades de classe,promover o desenvolvimento regional e par-ticipar de novos mercados.

A partir desses objetivos foram sugeri-das e discutidas várias propostas e alternati-vas. Algumas de forma mais democráticas,outras nem tanto. Voltavam-se basicamentepara: a gestão empresarial: sistema de controlee informações gerenciais (estoque, produção,fluxo de caixa), através do uso da informáti-ca, análise econômica da empresa, apuraçãosistematizada de custos, bem como da forma-ção do preço de venda e sua política; a produ-ção: central de compras para obter um maiorpoder de negociação e baixar os custos dasmatérias-primas, manutenção compartilha-da, capacitação de RH (treinamentos, enfo-

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cando particularmente a área de “chão defábrica”, mas também pessoal indireto daprodução); marketing: direcionamento paraa produção do segmento de móveis “country”;realização de feira anual na cidade, comomaneira diferenciada de showroon; marcacoletiva, aliado a controle de qualidade (dasmatérias-primas e dos produtos acabados).

A implementação das propostas não foium processo fácil. Houve forte resistência deempresários, principalmente quanto ao esti-lo “country”. Os empresários locais começa-ram a cobrar participação mais efetiva doSEBRAE/SP, em detrimento da metodologiaFIA/USP. O convênio FIA/USP, bem comoconvênio com FATEC (Faculdade de Tecnolo-gia), não prosseguiram. Porém várias de suaspropostas, implantadas pela nova coordena-ção do pólo, acabaram por frutificar, parti-cularmente nas 14 empresas que incorpora-ram desde o início o desafio associativista.

No mesmo ano, através de convênioentre a AIRVO e o SEBRAE/SP, foi desig-nado um coordenador do pólo, cuja atua-ção levou a uma maior articulação, redirecio-nando o processo e gerando novas oportu-nidades para ações conjuntas.

A geração e difusão de conhecimen-tos adquiridos durante esse processo forammuito significativas e possibilitaram umestreitamento maior nas relações empresa-riais, fortificando a sinergia. Deve-se ressal-tar a importância do coordenador dessasações cuja função, em muito se assemelhouaos coordenadores nos distritos industriaisitalianos. As iniciativas estudadas no cam-po da cooperação mostram que houve umprocesso de aprendizado e de descoberta depotencialidades, tanto no sentido de preo-cupação social, quanto em relação à formade atuação em rede e em interdependências.

5 A interação constituída

A partir de 1993 foram intensificadasatividades visando capacitação nas áreas deadministração e finanças, produção e mar-keting. As ações coletivas mais significativasforam: a) alteração no layout produtivo dediversas fábricas, reavaliação de funcioná-rios e equipamentos, maior controle na qua-lidade de matérias primas; b) profissionali-zação das empresas, incremento à parceriase terceirizações, elaboração e utilização de

planilhas de custo, adoção de medidas deestímulo à produtividade; c) redirecionamen-to e marketing dos produtos, reavaliação dosmercados, estímulo a qualidade, valorizaçãoda marca, propostas de treinamento e pro-fissionalização dos representantes comerciaisvinculados as empresas; d) planejamento decurto, médio e longos prazos; estabelecimen-to de projetos que seriam aplicados de for-ma associativista em empresas, cujo términolevaria à implantação das normas NBR ISO9000; organização de centrais de comprasque destinavam-se, basicamente, às empre-sas de estofados.

Paralelamente, por meio de um pro-cesso de capacitação do empresário local,procurou-se criar uma visão mais abrangen-te de mercado, de negócios e do desenvolvi-mento regional. As avaliações e os resulta-dos foram se desenvolvendo de forma con-junta, proporcionando um feedback tantopara os empresários quanto para os consul-tores. Alicerçavam-se, no dia a dia, as expe-riências adquiridas por ambas as partes.

Inicia-se em 1994, um grupo de Quali-dade Total, orientado pelo SEBRAE/SP, queem curto prazo e aliado aos projetos deconsultorias, resultou numa mudança depatamar, em termos quantitativos e qualita-tivos, de produção e produtividade. O pro-jeto ISO-9000, inicialmente constituído pe-las 24 empresas que originaram o pólo noperíodo anterior, com recursos provenientesdo CNPq, via projeto PATME, proporcionouque as indústrias de móveis (as primeiras doEstado de São Paulo) conseguissem obter ocertificado de qualidade ISO-9002.

Em 1998, o pólo moveleiro estava com-posto por aproximadamente 350 empresas e7300 funcionários diretos, representandouma relação de 20,9 funcionários por empre-sa, evidenciando uma grande concentraçãode MPEs. A empresa de maior porte, opera-va com 226 funcionários e produção de 380sofás por dia, após esse projeto inovou no seuprocesso produtivo ao trocar o sistema serialpelo sistema de células de produção, saltan-do para 300 funcionários, em 1998. Nesseperíodo, o salário dos moveleiros se benefi-ciou duplamente, aumentando seu poder decompra, como conseqüência do plano Real edo piso salarial mais alto do país. Várias con-quistas (cesta básica, convênio médico) deforma indireta ampliavam seus rendimentos.

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A prática de não registrar formalmente o tra-balhador ou mesmo pagar seu salário “porfora”, comum nas décadas de 1970 e 1980,foi reduzida (STIPP, 2002, p. 118).

Com a abertura do mercado nacionale a possibilidade de importações de novastecnologias, basicamente máquinas e equi-pamentos italianos e alemães - proporciona-dos a partir de 1994 com a paridade cam-bial e linhas de importações do BNDES, pormeio do FINAMIM - constatou-se a necessi-dade de uma mão de obra com um novoperfil e novas especificações. Para suprir talnecessidade começou a esboçar-se o que vi-ria a ser o Centro da Madeira e do Mobiliá-rio (CEMAD), uma escola técnica para a for-mação de mão de obra específica para a in-dústria de móveis de Votuporanga e região.

A criação do Centro Tecnológico deFormação Profissional da Madeira e doMobiliário (CEMAD) em 1999, deu-se porconvênio entre a recém criada FundaçãoVotuporanguense de Educação e Cultura(FUVEC) e o Ministério de Educação eCultura (MEC/SEMTEC/PROEP). Caberessaltar que a FUVEC é mantida pela Pre-feitura Municipal de Votuporanga, pelaAIRVO e pela Fundação Educacional deVotuporanga (FEV). Esse convênio (nº 60/99), possibilitou os recursos iniciais para aconstrução do CEMAD, inspirado no Cen-tro Técnico do Mobiliário (CETEMO), aná-logo, de Bento Gonçalves (RS) e concebidono padrão, SENAI/SP.

O CEMAD tem como objetivo a for-mação de mão de obra moveleira especializa-da, particularmente de nível básico e técni-co, e a capacitação tecnológica das empre-sas. Dispõe Salas de Tecnologia; Sala de De-senho Técnico; Oficinas de Aprendizagem eLaboratórios (CAD/CAM, Afiação de Fer-ramentas e Ensaios). Em maio de 2000, assi-na convênio com a Associação Brasileira deNormas Técnicas (ABNT) para venda e re-passe de mais de 8,5 mil normas técnicas.

A preocupação com o conhecimento esua difusão gerou ações coletivas que possibi-litaram também a criação, em 1999, do cur-so superior de Tecnologia em Produção Mo-veleira, no Centro Universitário de Votupo-ranga (CEUV). Recentemente, com a apro-vação do Fundo Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (FUNDETC) paraa criação do núcleo de desing e desenvolvi-

mento de novos projetos o CEMAD podeampliar suas atividades de capacitação demão de obra com desenvolvimento de pro-gramas voltados para o design e criação denovos produtos e processos.

Considerações finais

As participações da Prefeitura, de or-ganismos educacionais como o SENAI, daFaculdade de Tecnologia da ProduçãoMoveleira e do CEMAD foram fundamen-tais para a qualificação da mão de obra, masa estrutura que mais merece destaque porparte dos empresários é a AIRVO. Houvegrande adesão de empresários às ações quepossibilitaram, principalmente, reduções doscustos, mas apesar dos benefícios coletivos,muitos empresários não tiveram tal percep-ção. Embora tenha havido grande peso nainstituição empresarial, paradoxalmente,houve também dificuldade para a associa-ção institucional. E, ainda hoje, boa parte dosindustriais considera a mão de obra o maisimportante fator de produção (produtivida-de e salários são itens da maior relevânciana estrutura de custos), não ha clareza daimportância e do papel do aprofundamentoda capacitação nem das inovações.

Deve-se ressaltar que as dificuldadespara a cooperação associativa institucionalnão significam que os empresários locais nãose organizem para defender seus interesses.Ao contrário, sua capacidade de mobilizaçãoé considerável, constituindo um grupo qua-se uniforme quando a “estratégica regional”é colocada em cheque, ou seja, interesses co-muns quanto à manutenção ou ampliaçãode riqueza e poder, entre outras coisas. Umexemplo ilustrativo é o da negociação coleti-va do trabalho, quando sua presença em ple-nário mostra claramente uma proximidadede interesses e alto grau de articulação.

Existe até o presente uma propensão àfalta de união dos empresários (amplificadapela competição). Nesse sentido, a coordena-ção do pólo adquiriu uma função de relevân-cia, pois alicerçou a estrutura de governança,ajudando a manter a ordem e minimizar osrompimentos, afastando ações oportunistase reforçando o estabelecimento de contatosbaseados na confiança, que é importante com-ponente dos custos de transação e, portanto,geradores de mais vantagens competitivas.

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Quanto ao envolvimento de trabalha-dores na produção moveleira observa-se queao longo do tempo houve uma verdadeira“cultura” setorial na região, possibilitandouma familiaridade da força de trabalho comas práticas utilizadas, formando e acumu-lando competências específicas, destreza ehabilidade por parte desses trabalhadores.Tal situação é percebida pelos empresárioscomo um dado, e não como uma conquista.Apesar das estratégias coletivas, do aumen-to significativo da capacidade produtiva,inclusive com ganhos de aprendizado, os em-presários não foram capazes de gerar pro-cessos de aprendizado voltados à inovação.O sistema é frágil e muito dependente decoordenação legitimada institucionalmente.

A cooperação funcional entre os tra-balhadores é outro atributo a ser destacadoe permite um aprendizado informal, baixan-do o custo de treinamento dessa mão de obra,proporcionando um alto desempenho e,consequentemente, uma boa produtividade.

Um levantamento feito pela AIRVO,em 1994, constatou que nas 24 MPEs parti-cipantes iniciais do programa ISO-9002, 86%dos trabalhadores diretamente envolvidos naprodução não tinham o ensino fundamen-tal completo. Com o incentivo para o retor-no desse trabalhador aos bancos escolaresforam criadas vantagens ativas. Hoje, umaempresa média conta com 9% de seus tra-balhadores fazendo o curso de tecnologia daprodução moveleira, em nível superior.

Finalmente dois aspectos merecem serressaltados: aspectos relacionados com a qua-lificação da mão de obra, herança socio-cultural e sinergia das instituições locais e apresença de um agente coordenador inseri-do político-social e culturalmente na localida-de que, ao promover a interação entre insti-tuições, a troca de informações e experiên-cias, mediou o equacionamento de lógicasopostas e o desenvolvimento de característi-cas que propiciaram a cooperação. Apesardas ambigüidades, conflitos e contradiçõesque ainda permanecem para serem compre-endidos ou superados, a valorização do de-senvolvimento local conquistada foi devidaao avanço da interação e da melhoria na ca-pacitação como estratégia de transferência deconhecimento para a atividade produtiva.

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Assentamentos rurais na agenda política do desenvolvimento local: a retórica e a práticaRural settlements on the political agenda of local development: Rhetoric and practice

Asentamientos rurales en la agenda política del desarrollo local: la retórica y la práctica

Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante*

Luis Antonio Barone**

Recebido em 28/11/03; aprovado e revisado em 28/05/04; aceito em 15/06/04.

Resumo: O texto procura discutir as relações dos assentamentos com o poder local, encarado como expressão dearranjos, de tensões, de gestação de novas estratégias de recusa e de aceitação à propostas de parcerias entreprefeituras e usinas da região e do engendramento de uma nova cultura. O artigo, produto inicial de um projeto emandamento, descreve ações das prefeituras e demais instituições públicas nos rumos dos assentamentos, encaradoscomo alternativas de desenvolvimento local.Palavras-chaves: assentamentos rurais; poder local; sustentabilidade e desenvolvimento local; assentamentos ruraise políticas públicas.Abstract: The text seeks to discuss the relationships of the settlements with local power, seen as an expression ofarrangements, of tensions, of administration of new strategies of refusal and of acceptance of proposals of partnershipsbetween town halls and plants in the region and of the engendering of a new culture. The article, initial product of anon-going project, describes actions of the mayors and other public institutions as to the direction of the settlements,seen as alternatives of local development.Key words: rural settlements; local power; sustainability and local development; rural settlements and public strategies.Resumen: El texto busca discutir las relaciones de los asentamientos con el poder local, encarado como expresión dearreglos, de tensiones, de gestación de nuevas estrategias de recusa y de aceptación a las propuestas de aparceríasentre ayuntamientos y usinas de la región y del engendramiento de una nueva cultura. El artículo, producto inicial deun proyecto en andamiento, describe acciones de los ayuntamientos y demás instituciones públicas en los rumbos delos asentamientos, encarados como alternativas de desarrollo local.Palabras claves: asentamientos rurales; poder local; sustentabilidad y desarrollo local; asentamientos rurales ypolíticas públicas.

A nossa recusa em analisar os assen-tamentos a partir de um único enfoque temimplicado em um compromisso de propor àreflexão um conjunto de idéias que retratema complexidade, a diversidade, a multidis-ciplinariedade e a manutenção de um diálo-go crítico com os estudos que procuram dis-cutir assentamentos a partir de indicadoressócio-econômicos.

Os assentamentos inserem-se em umarede de relações, cuja discussão tem sido pornós enfrentada com referenciais analíticos quetêm como parâmetros a constituição de cate-gorias e não a construção de instrumentos demedidas. Tal escolha tem nos levado a sair acampo e, como aconselha Bourdieu (1989),por em “ação” nossas teorias. A realidade dosassentamentos exige cuidadosa vigilância pa-ra não passar da individualidade pressupos-ta do objeto para a individualidade inquestio-nada do conceito (GIANOTTI, 1976, p. 163),como se essa passagem pudesse dar-se meca-nicamente, sem uma atenção ao processo ple-no de contradições dos assentamentos.

O presente artigo é conseqüência de umciclo de 18 anos de estudos voltados à temáti-ca dos assentamentos rurais, no qual temosnos defrontado com situações paradoxais etemos tido clareza de que os assentamentos,processos sociais complexos devem ser inves-tigados em sua multidimensionalidade, ex-pressão da diferenciação das experiências eda necessária avaliação crítica de sua análisepelo prisma da univocidade. Ressaltamos, emtempo, que este artigo é produto inicial de umprojeto de pesquisa que se encontra em an-damento1. A reflexão aqui exposta, portan-to, constitui-se em um momento provisórioda investigação, dando conta apenas decercamentos teóricos e empíricos parciais.

O fato dos assentamentos conduziremao debate de uma pluralidade de questões,a diversidade de enfoques teórico-metodoló-gicos e a realidade dinâmica deste nosso obje-to de estudo tem nos revelado a necessidadede não trabalharmos como se fossem com-partimentos estanques e espacialmente de-marcados.

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 43-50, Set. 2004.

* Coordenadora do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – UNIARA – Araraquara([email protected]).** Professor do Departamento de Planejamento da UNESP/Presidente Prudente ([email protected]).

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

Face aos dilemas de análise destes pro-cessos complexos e à quase inexistente pro-dução acadêmica sobre sua relação com osrumos do desenvolvimento local/regional,propomo-nos nas presentes reflexões apro-fundar a rede de relações dos assentamen-tos com o poder local, não encarado em suasexternalidades, mas como expressão de ar-ranjos, de tensões, de gestação de novas es-tratégias de recusa e de aceitação à propos-tas vindas de parcerias entre prefeituras eusinas da região e do engendramento denovas formas de poder, talvez de uma “novacultura política”.

A trama de tensões na inserção dosassentamentos no desenvolvimento local

A idéia de uma trama de tensões comoinstrumento analítico de compreensão darealidade busca a superação da noção de“impacto”, entendida como externalidade etão utilizada em pesquisas recentes sobre atemática da inserção social dos Projetos deAssentamentos Rurais em distintos contex-tos regionais. Por meio dessa construção ana-lítica, os assentamentos (elementos presen-tes há cerca de 18 anos na região de Arara-quara e, se com menos tempo na região doPontal do Paranapanema, certamente commais importância social e política) são com-preendidos como constitutivos de uma reali-dade complexa. Os assentamentos, experi-ências inovadoras na gestão econômica doterritório expressam tensões que são revela-doras das contradições e possibilidades dachamada agricultura familiar frente ao po-der do grande capital agropecuário e agro-industrial, no âmbito do desenvolvimentosocial no campo paulista.

Assim, falar em trama de tensões im-plica ressaltar os pontos críticos, os nósgórdios das relações construídas por distin-tos atores, sendo destacados nesse estudo ospróprios assentados e os diferentes mediado-res tanto das políticas públicas como das pos-síveis alternativas econômicas. Os pontos detensão privilegiados nesse artigo estão enfei-xados nos campos econômico e político, nosquais os assentados aparecem como sujeitosmuitas vezes em posição de subalternidade,porém com presença ativa e desenvolvendoestratégias mais ou menos coerentes – o que

não deve ser tomado como idealização, nemcomo padrão homogêneo - com possíveisprojetos políticos de fortalecimento da agri-cultura familiar via assentamentos. O con-fronto desses atores nos espaços sociais dedisputa e constituição das alternativas dedesenvolvimento e de distintos projetos po-líticos – gestados tanto na esfera públicaquanto na privada - é gerador dessa tramade tensões, opondo agentes, racionalidadese interesses diversos, mediante distintos pro-jetos, compromissos e estratégias.

Tal movimento que não se apresentacomo caminho de mão única exige a análisedas singularidades das ações de resistên-cia, acomodação ou conflito que se sucedemno encaminhamento das alternativas desustentabilidade buscadas na relação com oentorno, seja ele o meio natural, a realidadepolítico-intitucional ou os contextos culturaise econômicos.

Assim, a inserção sempre problemáti-ca dos assentamentos nos distintos contex-tos regionais e no circuito do desenvolvimen-to local é encarada como o fazer-se de umanova trama de relações sociais, revelandotensões entre as práticas e as racionalidadesdos diferentes agentes (assentados, técnicos,agentes políticos, e outros mediadores) e ocampo do poder, campo de forças sociais quedisputam os destinos da reforma agrária.

Essas relações de forças compõem umcampo de disputas onde as tensões se expres-sam por possíveis conflitos, acomodações eresistências. É oportuno citar aqui o concei-to de campo, conforme o concebeu PierreBourdieu (1989), espaço social especializa-do no qual se defrontam agentes sociais quetravam relações de força em busca do poderou da hegemonia sobre um capital específi-co em disputa.

No caso da perspectiva deste projeto,a trama de relações e tensões se constituinum campo específico, conforme Bourdieu,no qual estão em disputa tanto os possíveisdistintos projetos de desenvolvimento dosassentamentos rurais, quanto a hegemoniapolítica no território local/microrregional elamesma bastante definidora dos referidosprojetos de desenvolvimento.

A noção de trama de tensões, que sus-tenta teoricamente este artigo nos pareceprofundamente imbricada no conceito de

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modos de vida, perspectiva que encerra asnossas preocupações teóricas desde há mui-to. Ela enfatiza as dimensões teóricas (aspi-rações, projetos, representações) e práticas(estratégias, habitus) da ação do grupo so-cial dos assentados, sempre numa relação deforça com outros agentes. E leva em contaainda suas relações com a natureza.

O modo de vida em questão é consti-tuído pelos assentados em sua busca por sus-tentabilidade (entendida como sustentabili-dade social e econômica) num campo de dis-putas definido pelo jogo das forças sociaispresentes no âmbito local/regional. Os as-sentados são os artífices desse modo de vida,mas o fazem sempre numa situação rela-cional, como diria Bourdieu (1989).

Os confrontos com as demais forçassociais (capital regional, agentes oficiais dosórgãos estatais responsáveis pela reformaagrária e os agentes do poder público muni-cipal) têm no âmbito local (municipal emicrorregional) o cenário privilegiado daspresentes discussões. Isso porque cresce cadavez mais a importância dessa esfera na defi-nição de estratégias de desenvolvimento lo-cal/regional.

As possibilidades e diversidades daconstituição dessa trama de tensões, na in-serção local dos assentamentos rurais exigema compreensão do poder público municipalnão apenas como uma força externa, con-forme se tem suposto em pesquisas anterio-res, mas leva em consideração duas deter-minações que nos parecem fundamentais: 1)a ação dos poderes públicos locais (Prefeitu-ras e demais intituições públicas) como es-cala geográfica fundamental na luta pelopoder e afirmação política dos agentes as-sentados, constituindo uma teia de relaçõese de confrontos de interesses (Abramovay,2003) que explicita a trama de tensões a serinvestigada; 2) o princípio de que o poderpúblico local não é agente neutro no proces-so – como de resto todo o aparato estatal –definindo suas ações mediante o jogo de for-ças sociais na conjuntura estudada. Os inte-resses econômicos e os compromissos políti-cos perfazem essa conjuntura na escala lo-cal, privilegiada no projeto, levando-se emconsideração a coincidência com um perío-do histórico marcado pela chegada ao po-der federal de uma coalizão de forças políti-

cas lideradas pela esquerda (governo Lula,2003-2006), cuja preocupação com a temá-tica da Reforma Agrária é patente.

A referida sustentabilidade, econômi-ca ou social dos assentamentos, perspectivanão idealizada, mas analisada em um con-texto de disputas e conflitos, ações de aco-modação e de resistência, fornece a perspec-tiva destas tensões, diferentemente das no-ções de impacto ou de mera integração. Ainserção se dá mediante tensões explícitas oulatentes, conflituosas ou acomodativas naconstrução dessa rede de relações. No quetange às prefeituras, essa rede de relaçõespolíticas é constituída através das parcerias,dos projetos específicos, da prática clien-telista e disputa de projetos distintos, com apossibilidade de construção do que já deno-minamos acima de uma “nova cultura polí-tica”, fazer-se pautado pelo aprofundamentoda participação popular nos fóruns delibe-rativos. O jogo das forças sociais nesse cam-po revela tensões, reciprocidades e media-ções que precisam ser analisadas, a fim dese compreender melhor o dramático proces-so de inserção dos Projetos de Assentamen-tos nos espaços microrregionais e locais.

Os Assentamentos Rurais na região deAraraquara (SP): as contradições damodernização agrícola e o poder doagronegócio

Fruto de diferentes políticas públicasgestadas ao longo dos últimos 18 anos, a re-gião de Araraquara (região central do Esta-do de São Paulo) conta com três projetos deassentamentos rurais, sendo dois deles deresponsabilidade do Instituto de Terras doEstado/ITESP (Monte Alegre e Horto Buenode Andrade) e um do INCRA (Bela Vista doChibarro).

Os primeiros núcleos de assentamen-tos (Monte Alegre I, II, III e IV) foram instala-dos pelo ITESP nos anos de 1985 e 1986, aindana gestão do governador Franco Montoro(1983-1986), tendo sua instalação se comple-tado quase dez anos depois. Hoje o P.A.Monte Alegre conta com 6 núcleos, perfazen-do um total de 416 lotes agrícolas. São 418famílias que ali residem, segundo dados daDivisão Regional de Saúde (DIR-Araraquara).

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Conforme podemos observar no qua-dro abaixo, um mesmo projeto de assenta-mento, instalado sob coordenação do gover-no estadual por etapas e ao longo de anos,distribui-se por três municípios vizinhos, oque revela um fator complicador para a im-plementação de uma política local de desen-volvimento.

No mesmo período em que o ITESPinstalou o núcleo mais recente do P.A. Mon-te Alegre - o de número VI, ainda na primei-ra gestão Mário Covas (1995-1998) - o mes-

mo órgão assentou 31 famílias no Horto deBueno de Andrade, área anteriormente per-tencente à Companhia de DesenvolvimentoAgrícola de São Paulo (CODASP) localiza-da no distrito de Araraquara que dá nomeao Horto. As dimensões deste P.A., além daorigem comum da mobilização das famíliasali assentadas e das que foram para o nú-cleo VI da Monte Alegre, fazem com que ohorto de Bueno seja considerado um apên-dice do grande P.A. Monte Alegre.

Quadro I: Distribuição de lotes e famílias por núcleo e município - P.As. Monte Alegre eBueno/ITESP

Núcleo Município Lotes Famílias M.A. I Motuca 49 49 M.A. II Motuca 62 64 M.A. III Araraquara 76 76 M.A. IV Motuca 49 49 M.A. V Motuca 34 4 M.A. VI H. BUENO (apêndice do P.A. M. Alegre).

Araraquara Araraquara

96 31

96 31

Fonte: ITESP/Sec. Saúde (DIR-Araraquara).

Além desses núcleos do ITESP, existeum Projeto de Assentamento promovido pe-lo governo federal (INCRA) no município deAraraquara: o P.A. Bela Vista do Chibarro,com 176 lotes agrícolas (estimadamente) e omesmo número de famílias. O P.A. Bela Vis-ta se encontra em terras anteriormente per-tencentes a uma usina de açúcar (UsinaTamoio), cuja desapropriação data de 1989.

A observação das formas e da execuçãoda assistência técnica revela uma relação deestranhamento na esfera das competênciase um certo descompasso – no caso do assen-tamento Bela Vista do Chibarro – entre oórgão promotor e o órgão gestor, situaçãoque leva, não poucas vezes, a conflitos entretécnicos e entre técnicos e assentados.

A trajetória dessas experiências de as-sentamentos não se diferencia muito dasdemais, sobretudo no Estado de São Paulo,no tocante à ação dos órgãos públicos res-ponsáveis pelos projetos. A falta de planeja-mento, a desorganização de um cronogra-

ma racional de investimentos e o esvazia-mento cíclico da estrutura de assistência téc-nica (Ferrante e Barone, 1997/1998) acabampor prejudicar em muito o desenvolvimentoeconômico dos produtores assentados. Con-flitos entre assentados ligados a distintas di-reções políticas, expressos em protestos con-tra os órgãos técnicos, conflitos que tiveraminterferência nas experiências frustradas decooperativas e de associações reavivados pormuitas disputas internas fazem parte destatrajetória.

Em comparação com inúmeros outrosprojetos, tanto sob responsabilidade do go-verno estadual quanto do governo federal, acaracterística mais marcante desses assenta-mentos é justamente sua inserção territorialnuma região de agricultura modernizada,praticamente monopolizada pelas culturas dacana-de-açúcar e de citros, além da presençaintensa da avicultura. A maior parte das ter-ras da região está cultivada com cana - cujaextensão chega, no município de Araraquara,

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a cerca de 32 mil hectares - e cuja cadeia deprodução constitui o maior complexo agro-industrial da região.

Leve-se em conta que - em função mes-mo desse entorno sócio-econômico - a maio-ria das famílias assentadas na região tem suaorigem de trabalho imediatamente ligada aessa economia. Perto de 70% dos assenta-dos no P.A. Monte Alegre, especialmente dosnúcleos II e IV foram proletários rurais nasculturas de cana e de laranja, enquanto queno projeto Bela Vista do Chibarro, este índi-ce está em torno de 50%.

Os dilemas da inserção regional des-ses P.A. não se referem apenas à origem dasfamílias - um retrato das contradições dessamodernização agrícola - ou à participaçãono mercado que esses produtores assenta-dos têm ou almejam ter. Desde a sua insta-lação, o conflito com as forças políticas re-presentativas do complexo agroindustrial dacana se fez presente nas áreas reformadas.No P.A. Monte Alegre - o que mais recebeutrabalhadores oriundos da cultura de canada região - antes mesmo da conclusão dolongo processo de instalação dos 6 núcleosde assentamentos uma proposta de plantiode cana, em parceria com uma usina dasvizinhanças, mobilizou os assentados e suaslideranças, todos contrários à introduçãodessa cultura no projeto (STETTER, 2000).

A pressão que as usinas exercem so-bre os projetos de assentamentos a fim deque se dediquem à produção canavieira,passando a ser fornecedores de matéria pri-ma para as agroindústrias nunca se inter-rompeu efetivamente. De forma mais oumenos dissimulada, a proximidade e o cerca-mento das usinas se constitui em uma som-bra a nublar, não necessariamente provocan-do tempestades, a perspectiva de uma pro-dução pluralista e diversificada nos assen-tamentos da região.

Diversificação que se fazia presenteespecialmente no núcleo de assentamento daFazenda Monte Alegre. À reordenação daprodução, com conseqüente tendência àpluriatividade na qual chegou a ganhar es-paço significativo a fruticultura, combina-sea experiência que acenavam com a articula-ção de atividades agrícolas e não agrícolascomo parte das estratégias de permanênciana terra.

Entram nesse processo estratégias uti-lizadas para correção do solo, combate àspragas, manejo dos recursos com auxílio deagricultura alternativa (WHITAKER, 2003).Estratégias são criadas e recriadas, com fre-qüência, como parte de arranjos familiares.Assentados ainda que em pequeno número,recorrem a materiais orgânicos e animais,sem a utilização de agrotóxicos e/ou adu-bação química para potencializar o rendi-mento da produção. A diversificação de es-tratégias utilizadas na preparação do solopelos assentados, desde o calcário para so-los mais pobres, como foi o caso de um as-sentado que precisou adicionar à terra 7 to-neladas de calcário em seu lote até a utiliza-ção de formas naturais (adubo verde e adu-bo orgânico) para fertilizar a terra chegarama configurar estratégias outras de sustenta-bilidade. Estratégias que parecem se esvaziarou perder progressivamente o fôlego com arevigorada nova entrada da cana.

No recente quadro de gestão munici-pal (2001-2004), a proposta do “consórcio”entre a Usina Santa Luiza (de Motuca) e oprojeto de assentamento Monte Alegre, jádebatida no ano de 1993 volta à pauta, exa-tamente através do prefeito, ele mesmo ex-funcionário da usina.

De um lado, a voracidade do agrone-gócio regional tenta se impor, aproveitando-se de uma relativa fragilidade econômica dosprojetos de assentamentos rurais; de outro,os assentados reduzem o espaço reservadoao pasto para as vacas leiteiras, aos poma-res, como reação ao próprio cercamento dasusinas. Ou então começam a trabalhar fora- como motorista e em outras atividades nãoagrícolas – para não ceder à pressão da canae continuarem na terra.

No outro espaço, o assentamento BelaVista do Chibarro, numa articulação entreuma usina de Araraquara e um grupo deassentados, inicia em 1997/8 o cultivo dacana-de-açúcar em parte do seu território.

O movimento da cana repõe proble-mas envolvendo o poder local, expressos emconflito, ações de acomodação e de resistên-cia. A pressão das usinas se utiliza de políti-cos locais como prefeitos e vereadores liga-dos a estas empresas. A questão da canaexpressa a trama das tensões subjacentes àrelação poder local e assentamentos, objetopriorizado no presente projeto de pesquisa.

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Igualmente, como parte desta trama,há que se contextualizar ações das prefeitu-ras envolvidas administrativamente na ges-tão dos assentamentos referidos, no caso,Araraquara, Matão e Motuca.

Dentre tais ações, cabe destacar as ini-ciativas referidas à ampliação e à redefiniçãodo projeto político – pedagógico para as es-colas dos assentamentos. No assentamentoBela Vista do Chibarro, a escola passou aatender alunos da 5ª a 8ª série, foram im-plantados curso de alfabetização de adultos,cursinhos populares, pré-vestibulares, cujosrumos nos permitem inserir na presente in-vestigação a questão dos jovens e o futurodos assentamentos e oficinas pedagógicas dedireitos humanos envolvendo crianças de 8a 12 anos.

Além disso, o projeto Educação parao Campo, o qual tem fortes ligações com aproposta político-pedagógico do MST foi in-serido no assentamento Bela Vista doChibarro e em um núcleo da Fazenda Mon-te Alegre, elemento que conta efetivamentena análise do papel dos assentamentos naagenda política do desenvolvimento local.

Assentamentos e desenvolvimento local:a retórica e a prática

A valorização dos espaços locais e dacapacidade de ação dos agentes aí presentesnos processos de geração de alternativas parao desenvolvimento econômico e social en-quanto temática de investigação é bastanterecente na literatura especializada no Brasil.

Essa tendência, marcada por estudossobre redes institucionais “que permitemações cooperativas – que incluem, evidente-mente, a conquista de bens públicos como edu-cação, saúde, informação - capazes de enri-quecer o tecido social de uma certa localida-de” (ABRAMOVAY, 2003, p. 84), está aindabastante ausente quando se trata da investi-gação social nos projetos de assentamentos.

No tocante ao planejamento públicodas intervenções pró-desenvolvimento ruralno Brasil, somente a partir da segunda me-tade da década de 1990 é que tal enfoqueganha importância decisiva. Segundo ana-listas da temática, o fundamental nessa novatendência “é a mudança de prioridade doenfoque produtivista-reducionista para o

enfoque da sustentabilidade – um conceitoholístico, cuja abrangência envolve os condi-cionantes ambientais, históricos, sociais, po-líticos e econômicos, dentre outros” (FLO-RES e MACEDO, 1999, p. 43).

Quando essa discussão se volta para arealidade dos assentamentos rurais, podemoscitar que há anos a questão da descentrali-zação das experiências de assentamentos vemse apresentando como problemática para osórgãos oficiais gestores da reforma agrária.Esse processo, ainda incipiente e incerto, fazaumentar a importância das prefeituras nodesenvolvimento de ações institucionais nosP.A. No âmbito federal, já no início da déca-da de 1990, essa problemática começa a apa-recer através do debate acerca da “emanci-pação” dos assentamentos. Na época, algunsprojetos, como o chamado Projeto Lumiar,foram esboçados e “oficialmente” lançados,embora sua implementação - sobretudo noEstado de São Paulo - acabasse praticamenteabortada. Ainda nesse período, mais especi-ficamente a partir do governo transitório deItamar Franco (1992-1994), algumas mudan-ças na coordenação das políticas de assenta-mento passam a privilegiar a chamada agri-cultura familiar como “linha estratégica dodesenvolvimento rural” (ABRA, 1994, p. 161).Com isso, a questão do desenvolvimento lo-cal começa a ganhar importância na elabo-ração das políticas públicas nos órgãos res-ponsáveis pela reforma agrária.

Em abril de 1999, já no segundo man-dato presidencial de Fernando Henrique Car-doso, é apresentado o documento Agricultu-ra Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimen-to Local para um Novo Mundo Rural - Políticade desenvolvimento rural com base na expansãoda agricultura familiar e sua inserção no merca-do, base das iniciativas federais no tocante àquestão da produção familiar como um todoe dos assentamentos rurais em especial, jáque preconiza, em sua apresentação, a “re-formulação da reforma agrária” (cf. versãodigital divulgada pelo governo federal). Bus-cando estabelecer uma linha de continuida-de desde as ações do governo Itamar Fran-co, o documento cita a criação do PRONAF(Programa Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar), em 1996, como umpasso primeiro na direção de uma políticacompleta para o setor. Sobre o PRONAF,

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ressalta-se que sua viabilização no âmbitomunicipal cobra a organização de um Con-selho Municipal de Desenvolvimento Rural,fórum cujas atribuições foram aperfeiçoadasnas diretrizes do Novo Mundo Rural.

Reconhecendo que o desenvolvimen-to de uma política pública para os projetosde assentamentos envolve uma série de difi-culdades relativas aos órgãos responsáveispelos mesmos, aos diferentes níveis de go-verno (União, Estados e Municípios) e à pro-blemática eminentemente política da refor-ma agrária, qual seja, a forte pressão damobilização popular e de diversas organi-zações não governamentais, o Novo MundoRural apresentou como premissas o objetivodo desenvolvimento local e a articulação detodas as instâncias do poder público para asua consecução.

Concomitantemente, o privilégio daesfera local (municipal e microrregional) épatente. Trata-se, segundo o próprio docu-mento, de um “retorno ao território” comobase de iniciativas para o desenvolvimento,em substituição a uma perspectiva setorial,ineficaz na promoção da sustentabilidadeidealizada.

A proposta federal reforçaria a impor-tância da base local para o desenvolvimentosustentável dos P.A., propondo linhas deinvestimentos (via PRONAF), parcerias (ter-mo, a partir de então, substituto do poucoeficiente e burocrático “convênio”) e, acimade tudo, uma série de medidas para a orga-nização local de instituições capazes deacompanhar e suportar a difícil trajetória deconsolidação dos assentamentos. Deste pon-to de vista, a visível ineficiência e descontro-le das políticas de investimento nos P.A. po-deria ser superada.

Nota-se que essa nova abordagem que-ria dotar o espaço municipal e microrregionalde uma capacidade de decisão e monito-ramento até então inexistente. Com relaçãoaos casos estudados, este foco se prende aum debate cujos agentes privilegiados nãosão exatamente os agricultores familiaresassentados. Como exemplo do quanto dedeliberação cabia ao âmbito local até então,cita-se a existência apenas das comissões deseleção municipal, uma simples etapa doprocesso burocrático de inclusão/exclusãode famílias nos P.A.

No Novo Mundo Rural estimulou-se acriação de Conselhos Municipais de Desen-volvimento Sustentável, responsáveis pelaelaboração de um Plano Municipal de De-senvolvimento Sustentável - e de derivadosPlanos de Desenvolvimento dos Assenta-mentos (PDAs) - sob controle dos agentesinstitucionais locais, como Câmaras de Ve-readores, Prefeituras, Sindicatos e outrasentidades civis, sempre com a participaçãode técnicos dos órgãos federais e estaduaisvoltados para o desenvolvimento da agricul-tura e reforma agrária (INCRA, SecretariasEstaduais, etc.). São esses planos, elabora-dos localmente, que idealmente deveriamorientar as ações governamentais em todosos níveis, garantindo um controle local bas-tante preciso sobre os rumos da dinâmica daprodução familiar.

Entretanto, na prática, avaliando-seas diferenciadas formas de ação levadas adiante pelas prefeituras face aos projetos deassentamentos rurais, chegamos à conclu-são de que as mesmas expressam um jogode forças que transcende a dimensão me-ramente institucional e põem em questãointeresses econômicos e compromissos po-líticos assumidos pelos participantes destejogo. A compreensão desta trama nos leva,de certa forma, a retomar a discussão dosassentamentos como uma política estataldefinida pelo jogo das forças sociais e dasrelações de poder das classes envolvidas(FERRANTE & SILVA, 1988). Nesse mo-mento da nossa reflexão, a rejeição de umaleitura possível de concepção do Estado edo desenvolvimento local que pudessem le-var a uma visão maniqueísta e controladorado seu raio de ação, levou-nos a aceitar aconcepção gramsciana de Estado, como umcampo de forças sociais que atravessa osrumos de tal desenvolvimento.

Desta ótica, vemos a relação assenta-mentos rurais/desenvolvimento local comoparte de um campo político, cuja trama detensões é constituída pela mobilização dosatores assentados, sujeitos políticos que tra-vam relações com as instituições públicas(principalmente de âmbito municipal); tan-to mediante práticas clientelistas com finseleitorais, como através da participação nosdiferentes fóruns municipais de discussão deplanos para o desenvolvimento rural (Con-

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selho Municipal de Desenvolvimento Rurale também o Orçamento Participativo). O fatodos assentados serem beneficiados por pro-jetos específicos desenvolvidos pelas Prefei-turas (como feiras de produtores assentadose patrulhas agrícolas) gera tensões de dife-rentes ordens. As relações travadas entre aslideranças assentadas e os agentes políticosdo município levam os assentamentos a en-trarem ou não na agenda política das prio-ridades de desenvolvimento local/regional.

Nota:1 “Poder Local e Assentamentos Rurais: expressões de

conflito, de resistência e de acomodação” (pesquisacom auxílio do CNPq e com vigência prevista para otriênio 2004-2006), projeto coordenado porpesquisadores da UNIARA/Araraquara e da UNESP– Campus de Araraquara e Presidente Prudente.

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A comunicação alternativa como estratégia de desenvolvimento localAlternative communication as a strategy for local development

La comunicación alternativa como estrategia de desarrollo local

Claudia Mara Stapani Ruas*

Mariluce Bittar**

Recebido em 30/10/2003; aprovado e revisado em 24/05/04; aceito em 30/06/04.

Resumo: A Comunicação Social é fator preponderante na construção da cidadania e no processo de desenvolvimentolocal. Os meios de comunicação, especialmente o rádio, veículo local que alcança pessoas de classes, idades e culturasdiferentes, podem ser instrumentos utilizados com a finalidade de estimular o desenvolvimento das comunidades, ainteração social e a indicação de soluções para os problemas que as envolvem. A rádio comunitária, quando utilizadade acordo com a lei e funcionando como vez e voz da comunidade, torna-se uma estratégia a favor do desenvolvimento,justamente por ser uma iniciativa da própria comunidade. O poder dessas emissoras, no exercício da cidadania, écomprovado quando os resultados do trabalho comunitário projetam-se em ações de cunho social, como campanhasbeneficentes e questões abrangentes ligadas à política, saúde, educação e cultura.Palavras-chave: comunicação; rádio comunitária; desenvolvimento local.Abstract: Social Communication is a preponderant factor in the construction of citizenship and in the process of localdevelopment. The means of communication, specially the radio, a local means which reaches people of differentclasses, ages and cultures, can be instruments used with the aim of stimulating the development of communities,social interaction and the indication of solutions for the problems that involve them. The community radio, when usedin accordance with the law and functioning in favour of and as the voice of the community, becomes a strategy infavour of development. Exactly because it is an initiative of the actual community. The power of these broadcastingstations, in the exercise of citizenship, is proven when the results of community work project themselves in actions ofa social stamp, such as charitable campaigns and questions that are associated with politics, health, education andculture.Key words: communication; community radio; local development.Resumen: La Comunicación Social es factor preponderante en la construcción de la ciudadanía y en el proceso dedesarrollo local. Los medios de comunicación, especialmente la radio, vehículo local que alcanza personas de clases,edades y culturas diferentes, pueden ser instrumentos utilizados con la finalidad de estimular el desarrollo de lascomunidades, la interacción social y la indicación de soluciones para los problemas que las envuelven. La radiocomunitaria, cuando utilizada de acuerdo con la ley y funcionando como vez y voz de la comunidad, se vuelve unaestrategia a favor del desarrollo, justamente por ser una iniciativa de la propia comunidad. El poder de esas emisoras,en el ejercicio de la ciudadanía, es comprobado cuando los resultados del trabajo comunitario se proyectan enacciones de acuño social, como campañas benéficas y cuestiones afines relacionadas a la política, salud, educación ycultura.Palabras clave: comunicación; radio comunitaria; desarrollo local.

A comunicação confunde-se com aprópria vida. Temos tanta consciência de quecomunicamos como de que respiramos ouandamos. Somente percebemos a sua essen-cial importância quando, por acidente oudoença, perdemos a capacidade de nos co-municar, ato que representa uma necessida-de básica do ser humano, do homem social.

Juntamente com a evolução das socie-dades, consagrou-se também a evolução dosmeios de comunicação: primeiro a palavraescrita, sendo formalizada por meio da im-prensa; depois a palavra falada, através daradiodifusão; posteriormente o som aliado àimagem, concretizado pelo surgimento datelevisão e, finalmente, a internet, represen-tando e evolução pela união de todos osmeios de comunicação (jornal, rádio e tele-

1 A importância da comunicação para odesenvolvimento local

A comunicação tem um papel funda-mental no desenvolvimento local. Com aorganização humana em sociedade, a comu-nicação passou a ser elemento essencial devida. Quanto mais se aperfeiçoavam as téc-nicas de comunicação, mais seguros sentiam-se os homens em suas áreas de ocupação emais instrumentos foram sendo criados parafacilitar seus contatos com a comunidade ecom o mundo. Outros meios além do som,do tato, do olfato e das pinturas nas caver-nas foram sendo adaptados e desenvolvidospara funcionarem como extensão do homeme, dessa forma, concretizarem esse empre-endimento humano.

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 51-57, Set. 2004.

* Publicitária e professora do curso de Comunicação Social – UNIDERP ([email protected]).** Coordenadora do Mestrado em Educação – Universidade Católica Dom Bosco ([email protected]).

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visão) em um único veículo.Tal fato nos leva à compreensão de que

não haveria sociedade, tal como a conhece-mos, evoluída e globalizada, sem a comuni-cação. Não haveria evolução no processo deconvivência e desenvolvimento humano sema evolução dos meios de comunicação.

A importância que vem sendo dada aodesenvolvimento local deve-se especialmen-te ao fato de estarmos vivendo crises de con-fiança a respeito dos poderes representati-vos. As drásticas desigualdades sociais en-tre todas as regiões brasileiras representamsignificativamente a gene de todos os proble-mas da economia globalizada.

Estamos presenciando uma época emque tudo se faz e desfaz na mesma rapidez,desde o exaustivamente conhecido ao abso-lutamente desconhecido; do local-local parao local-global.

A comunicação acontece também navida familiar e na relação diária entre aspessoas, no trabalho, na recreação, no comér-cio e no esporte. A comunicação interpes-soal, característica da sociedade tradicional,que muitos pensavam que seria suplantadapela impessoalidade dos meios eletrônicos,está novamente em ascensão, talvez comouma reação contra a massificação e a comer-cialização dos meios de massa. Mas a razãomais provável da revalorização do colóquio,do encontro, do bate-papo, talvez seja o fatode que o homem-indivíduo esteja encontran-do sua identidade verdadeira de homem-social e valorizando mais o lugar onde mora.No seio do associativismo em ascensão e daluta pelo fortalecimento da sociedade civil,o homem está reaprendendo a comunicaçãopessoa a pessoa, pela palavra falada.

Mcluhan (1964, p. 98) afirmou:A palavra falada envolve todos os sentidosintensamente. Ao falar, tendemos a reagir acada situação, seguindo o tom e o gesto até denosso próprio ato de falar. É a projeção do ho-mem no falar. É a projeção do homem na falaque permite o intelecto destacar-se da vasti-dão real. Sem a linguagem, a inteligência hu-mana teria permanecido totalmente envolvi-da nos objetos de sua atenção. A linguagem épara a inteligência o que a roda é para os pés,pois lhes permite deslocar-se de uma coisa aoutra com desenvoltura e rapidez. A lingua-gem projeta e amplia o homem. A fala separao homem e a humanidade do inconsciente cós-mico. A linguagem é considerada a mais rica

forma de arte humana, pois é que a distingueda criação animal.A comunicação verbal tem um valor

indiscutível, papel fundamental consagradocom a radiodifusão. Nesse processo, pode-mos citar três fatores importantes:

Em primeiro lugar, o fato de ter sidoum processo que colaborou para a inte-gração nacional, tornando-se o meio decomunicação mais popular e de maior al-cance por motivos geográficos, culturais oueconômicos. De acordo com McLuhan (1964,p. 336): “[...] o rádio afeta as pessoas, diga-mos, como que pessoalmente, oferecendo ummundo de comunicação não expressa entreo escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspec-to mais imediato do rádio. Uma experiênciaparticular”.

O rádio tem o poder de envolver pro-fundamente seus usuários, os quais mantémeste contato estreito em todos os tipos deambiente, quando não, acompanhando-os,mesmo que andarilhos. Nada impede a in-teração.

Em segundo lugar, por ser um meiocompreensível aos analfabetos, público quea mídia impressa exclui. Como meio auditi-vo, compara-se o ouvido humano ao recep-tor de rádio, capaz de descodificar as ondaseletromagnéticas e codificá-las como som,assim como a voz do locutor pode ser com-parada ao transmissor de rádio.

O terceiro fator importante se traduzno aspecto prático e descomplicado que ad-quiriu esta forma de comunicação. Após adescoberta do transistor, em 1947, o rádioadquiriu a mobilidade de que tanto precisa-va. Ficou livre de fios e tomadas e passou aestar presente em todos os lugares: na sala,na cozinha, no quarto, no carro, tornando-o, de acordo com Ortriwano (1985, p. 37):“[...] o meio mais popular e o de maior al-cance público, não só no Brasil como tam-bém em todo mundo. O Brasil ocupa o se-gundo lugar no quadro mundial quanto aonúmero de emissoras instaladas, sendo su-perado apenas pelos Estados Unidos”.

Por último, devido a sua mobilidade,o rádio deixou de ser um meio de recepçãocoletiva, tornando-se individual. O emissorpassou a comunicar-se, para toda sua audi-ência, como se estivesse falando para cadaum, em particular.

Para a rádio comunitária esta mobili-

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dade é um fator preponderante, pois possibi-lita atingir as cabeças e os corações das pes-soas de uma determinada comunidade, esta-belecida nas periferias da cidade, engajando-a em sua dinâmica cotidiana e permitindo odesenvolvimento de suas potencialidades.Nas programações da rádio comunitária,como, por exemplo, a da Rocinha, no Rio deJaneiro, observa-se a expansão do uso daradiodifusão como uma mola-mestra para amobilização social, constituindo-se em umdos principais fatores para o desenvolvimen-to local. Segundo Siqueira (1996-i):

[...] além da mobilidade, provocada pela radio-difusão, temos também a mobilização, a qual éefetivada pela convocação de voluntários a umpropósito comum, com interpretações e senti-dos partilhados e, antes de tudo, despertandouma paixão. Não é possível mobilizar uma co-munidade se não se despertar, previamente, apaixão, que move, desperta, faz agir e faz o in-divíduo recriar seu próprio local: a comunida-de em que vive.A paixão dos agentes, aliada à mobili-

dade da radiodifusão e à mobilização queela provoca, são fatores que fazem a ponteentre a comunidade e o seu desenvolvimen-to, tornando-o viável.

Implementar o desenvolvimento localé o desafio prioritário de muitos agentes einstituições sociais em todo o mundo. Já nãose trata somente de uma responsabilidadedos governos, mas também preocupação dascomunidades sociais, das administrações lo-cais e regionais. É também um desafio dealguns veículos de comunicação, em espe-cial, os veículos segmentados. É notória essapercepção quanto à responsabilidade e par-ticipação, pois o público deixou de ser amassa e passou a ser um público específico,segmentado e dirigido: caso das rádios co-munitárias, em que apenas uma atende de-terminada comunidade.

As rádios comunitárias, ao mesmotempo em que seguem o trinômio geral dasrádios: educar, divertir e informar; tambémsão conhecedoras da vital importância e res-ponsabilidade no desenvolvimento culturale educacional do local. Possuem abrangên-cia limitada a 25 kw e diferenciam-se dasdemais rádios comerciais por não visaremlucro. Assim vêem-se obrigadas a descobriras potencialidades das comunidades em to-dos os sentidos, ou pelo seu aspecto social

ou pelo econômico, garantindo sua sobrevi-vência como veículo de comunicação.

O poder de mobilização que a radio-difusão ganhou ao longo dos anos, sobretu-do o da comunitária, tem tomado vulto, per-mitindo aos indivíduos significativo acessoa informações com vistas a garantir seus di-reitos como cidadãos, e situá-los acerca doterritório que ocupam e sua real função den-tro dele. Tal poder mostra que o mundo, emparticular a comunidade, é um conjunto depossibilidades, que depende das oportunida-des oferecidas no local do qual ela faz parte.Essas oportunidades, bem aproveitadas, ser-virão de base para um melhor padrão de vida,menos viciado, mais alicerçado.

As rádios comunitárias, entendidasneste contexto, são estimuladoras de cida-dania, que se obtém por meio da socializa-ção da informação. As rádios comunitáriassão uma renovação criativa na radiodifusão,com o intuito de levar uma nova realidadeàs comunidades excluídas do contexto so-cial. Essa alternativa segmentada para a ra-diodifusão nada mais é do que a expressãoda criatividade humana; é fruto da percep-ção de pessoas comprometidas quanto à im-portância do local no processo de desenvol-vimento de uma economia globalizada.

O mundo, na verdade, tem que serentendido e sentido por seus sujeitos como oseu lugar, pois é através dele que será ofe-recida a possibilidade de sua realização. Pormais globalizados que pareçamos estar, de-vemos manter a preocupação em desen-volver o local, pois o mesmo é a célula dotodo global. Somente através do desenvolvi-mento, pelo desabrochar de potencialidadeslatentes, incubadas ou encobertas é que ha-verá, por parte de qualquer comunidade, umatalho para a sua inserção nesse processoglobal.

Interessante notar que o conceito dedesenvolvimento local consagrado na Eu-ropa na década de oitenta é similar aos ob-jetivos dos primeiros sinais de transmissãodas rádios comunitárias: utilizar a comuni-cação como estratégia de desenvolvimento.A esse respeito podemos citar o queBordenave (1986, p. 101) afirmou, com muitapropriedade:

Deseja-se colocar o poder da comunicação a ser-viço da construção de uma sociedade onde a

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participação e o diálogo transformantes sejampossíveis. É próprio da comunicação contribuirpara a modificação dos significados que as pes-soas atribuem às coisas. E, através da modifica-ção de significados, a comunicação colabora natransformação das crenças, dos valores e doscomportamentos. Daí o imenso poder da co-municação. Daí o uso que o poder faz da comu-nicação.

2 A comunicação alternativa ou comuni-tária como estratégia de desenvolvimento

Após séculos de censura alternadoscom momentos de liberdade, o Brasil inteiroprepara-se para a terceira onda da comuni-cação: A comunicação alternativa efetivadapelas emissoras comunitárias. Esta é umaprática muito nova no Brasil, mas já se fazpresente em pelo menos duas a três milha-res de comunidades. A radiodifusão comu-nitária, diferente da rádio comercial, consis-te num exemplo de trilha que pode tornar-se um largo caminho para a sociedade pre-tendida: a passagem para o terceiro milênio,por meio de um desenvolvimento justo, soli-dário e mais humanitário, com desigualda-des menos gritantes.

Baseada em tecnologia fácil, barata einovadora, a radiodifusão comunitária, dis-seminada inicialmente por pessoas da popu-lação pobre e desassistida, mostra imediata-mente aspectos de um achado que hoje, to-dos aplaudem. Ela não toma o lugar de nin-guém, não fere interesses econômicos dasrádios comerciais, embora receba patrocíniosculturais de empresas privadas. É vez e vozda comunidade que agora tem seu veículo efaz sua própria comunicação. A comunida-de aqui referida é a entendida como definiuCogo (1998, p. 5):

[...] espaço privilegiado de constituição e vi-vência dos valores fundamentais como a soli-dariedade, a união, a ajuda mútua que, articula-dos a religiosidade impõe-se como referenciaisindispensáveis na compreensão das culturaspopulares na sua relação com a comunicação.Ela é o mediador entre o universo privado dacasa e o mundo público da cidade, um espaçoque se estrutura com base em certos tipos espe-cíficos de sociabilidade e, por último, de comu-nicação entre parentes e vizinhos.Nas rádios comunitárias a comunida-

de pode aprender e ensinar. Todos podemfalar; há diálogo no plano público, produ-ção de consensos para a resolução das difi-

culdades individuais e coletivas. Por meio dadifusão de idéias, elementos de cultura, tra-dições e hábitos, essas rádios podem ofere-cer mecanismos de formação e integração dacomunidade. Assim, é possível ver a crimi-nalidade reduzida, aumentar-se a solidarie-dade social, a segurança coletiva, a cidada-nia, a democracia. Concretiza-se o exercícioda liberdade de expressão.

A lei nº 9.612 que instituiu e definiu oserviço de radiodifusão comunitária foi san-cionada em 19.2.98, publicada pelo DOU(Diário Oficial da União) em 20.2.98 e com-plementada pela regulamentação Decreto2.615 – DOC. 4.06.98. Um dos preceitos bási-cos para sua obtenção de concessão é que nãopertença a empresários, partidos políticos oureligião. O espaço é democrático, sendo proi-bido o domínio por tendências quaisquer.

A concessão para operar uma rádiocomunitária é atribuição do Ministério dasComunicações. Conforme o art. 9º, parágrafo1º, da lei em questão:

Para outorgar a autorização para execução doserviço de radiodifusão comunitária, as entida-des interessadas deverão dirigir petição ao Po-der Concedente, indicando a área onde preten-dem prestar o serviço.§ 1°: analisada a pretensão quanto a sua viabili-dade técnica, o Poder Concedente publicarácomunicado de habilitação e promoverá suamais ampla divulgação para que as entidadesinteressadas se inscrevam.De acordo com a lei, cada bairro ou

vila só pode ter uma rádio comunitária e ainstalação do Conselho Comunitário é fun-damental para o caráter do empreendimen-to. Sua função é administrar a rádio em todasua amplitude, incluindo aspectos adminis-trativos, programação musical e jornalismo.O Conselho Comunitário deve ser o maisabrangente possível, por tratar-se do cole-giado que determina como deve ser a emisso-ra comunitária. Composto por no mínimocinco pessoas representantes de entidades dacomunidade local, tais como associações declasse, beneméritas, religiosas ou de morado-res, desde que legalmente instituídas, devemreconhecer a força da rádio local e fiscalizarpara que seu conteúdo seja aquilo que a co-munidade gosta, precisa e quer ouvir.

Sobre as primeiras experiências da co-municação alternativa no Brasil, explicouCogo (1998, p. 36):

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[...] originaram nas próprias CEB (Comuni-dades Eclesiais de Base). Foram criadas escolasradiofônicas, na cidade de Natal, como centrosde educação e conscientização, sementes de igre-ja. Em 1965 eram 1410 escolas radiofônicas daArquidiocese de Natal. Através delas, reuniam-se grupos de pessoas para alfabetizarem-se, for-mar uma comunidade, menor que o povoado ea paróquia. Todos os participantes eram católi-cos e o trabalho era orientado pela Arquidio-cese. Então, catequizava pelo rádio. Aos domin-gos, as comunidades se reuniam em torno doaparelho de rádio para responder a missa que obispo celebrava e para escutar a sua palavra.Nesse período nota-se que as formas

de comunicação se entrelaçam e represen-tam setores sociais claramente diferenciados.A comunicação de massa relaciona-se como capital internacional; a comunicação popu-lar com a organização dos movimentos so-ciais de base. Aliás, na maior parte dos paí-ses latinos, a comunicação popular emerge:

[...] no interior dos movimentos e organiza-ções sociais em meio a uma conjuntura de pro-funda insatisfação por parte do povo e de pro-fundas restrições ás liberdades de expressão.Nas décadas de 60 e 70 os regimes autoritáriose ditatoriais controlam os meios de comunica-ção de massa, utilizando-os em favor de seusinteresses e projetos políticos. Em um contex-to como esse é compreensível que os meios decomunicação emergentes não diretamente su-jeitos a tal controle passem a ser algo extre-mamente real e de interesse da sociedade.(Cogo, 1998, p. 39)Desse período em diante, em um mer-

cado cada vez mais disputado, as rádios co-munitárias passam a fazer parte do cotidia-no das pessoas, integrando-se à rotina dascomunidades, podendo resultar num gran-de instrumento de desenvolvimento local. Deacordo com Tavares (1998, p. 21): “[...] asnotícias obtidas na esquina são tão ou maisimportantes do que as recebidas de outraspartes do estado, país ou do mundo”.

O processo de integração comunitária,fomentado pela comunicação alternativapode proporcionar um novo tipo de desen-volvimento. Trata-se de um processo contí-nuo de libertação dos povos.

Tal afirmação ganha notoriedade à me-dida que, falar de desenvolvimento, desta-cadamente o local, é objetivo prioritário demuitos agentes e instituições sociais. Martin(1999), no seminário internacional sobreperspectivas de desenvolvimento na regiãoIbero-americana, afirmou que: “[...] falar de

desenvolvimento local é saber que, em nos-sos dias, promover o desenvolvimento não ésó uma responsabilidade dos governos, masuma preocupação dos coletivos sociais, dasadministrações locais e regionais”.

Estamos vivenciando um momento emque o desenvolvimento local está sendo con-vertido em estratégia político-administrati-va, esperança, um conceito de debate aca-dêmico. Para Román Rodrígues Gonzales(1998, p. 6):

Cada vez se habla más de desarrollo local encongresos, libros, revistas... se crean cursos deespecialización, se percibe como una puertade trabajo para jóvenes licencidados, y en oca-siones se recurre a él como via alternativa parael incremento de los niveles de vida ybienestar de las sociedades. Sin embargo semantiene aún como una entelequia falta deuna definicion global y ampliamente asumidapor todos los professionales e investigadoresde esta temática.À medida que este tipo de desenvolvi-

mento adquire um reconhecimento nacional,torna-se mais freqüente a utilização de ter-minologias e conceitos diversos, como: de-senvolvimento endógeno, comunitário, sus-tentável, integrado.

O desenvolvimento local trata, comoseu próprio nome indica, do desenvolvimen-to econômico e social num dado espaço con-creto, dentro de uma dinâmica de trocas. Éum processo que afeta todas as estruturasprodutivas e sociais que se distribuem pelosterritórios beneficiados.

Uma diferenciação essencial reside nofato de que o desenvolvimento local não equi-vale, diretamente, ao desenvolvimento eco-nômico. Evidentemente, não há desenvolvi-mento sem que exista crescimento econômi-co que o sustente. Entretanto, o desenvolvi-mento local requer uma perspectiva bemmais complexa, que deve fundamentar-se nodesenvolvimento global e integral, repercu-tindo na valorização e utilização dos recur-sos próprios que possui cada território.

No Brasil, a reflexão sobre desenvolvi-mento local só começou a merecer maioratenção a partir de 1996, por meio dos De-partamentos de Geografia de algumas Uni-versidades. Por tratar-se de um assunto re-lativamente recente, permanecem questõesconflitantes no horizonte conceitual do quevenha a significar, de fato, desenvolvimentolocal. Para Ávila (2000, p. 68):

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[...] essencialmente no efetivo desabrochamentodas capacidades, competências e habilidades deuma comunidade definida, no sentido de elamesma incrementar a cultura da solidariedadeem seu meio e se tornar paulatinamente apta aagencia e gerenciar o aproveitamento dos po-tenciais próprios assim como a metabolizaçãocomunitária de insumos e investimento públi-cos e privados externos, visando à processualbusca de soluções para os problemas, necessi-dades e aspirações de toda ordem e natureza,que mais direta e cotidianamente lhe dizemrespeito.Apresentando-se como uma estratégia

para redução de problemas das localidades,pretende romper com as práticas assisten-cialistas presentes em diversos projetos já emandamento pelo governo federal brasileiro.Desenvolvimento local é um tema atual,novo, em que o adjetivo “local”, assume,conforme López (1991, p. 42) o seguinte en-foque:

Quando falamos de local, estamos nos referin-do a um espaço, a uma superfície territorial dedimensões razoáveis para o desenvolvimentoda vida, com uma identidade que o distinguede outros espaços e de outros territórios e noqual as pessoas conduzem sua vida cotidiana:habitam, se relacionam, trabalham comparti-lham normas, valores, costumes e representa-ções simbólicas.As conceituações descritivas analisa-

das, embora bem formuladas, deixam mar-gem ao entendimento de que o desenvolvi-mento local refere-se apenas à melhoria dequalidade vida de uma dada comunidade,desde que a mesma participe do respectivoprocesso. Isto porque, normalmente, as des-crições fenomenológicas realçam as proprie-dades ou características dos objetos a quedizem respeito, no sentido das mais geraispara as mais particulares, e de fora paradentro do fenômeno, mas nem sempre con-cluem pela síntese ontológica do que é ousignifica o objeto conceituado, no caso, odesenvolvimento local.

Fixadas as premissas, recai-se na im-portante necessidade de conceituar “local”,pela diferença fundamental entre os signifi-cados de desenvolvimento local e “desenvol-vimento no local”. Ávila (2000b, p. 72) res-saltou:

Trata-se de conceitos contrários, mas não con-traditórios. Desenvolvimento no local: quais-quer agentes externos se dirigem a comunida-de localizada para promover as melhorias desuas condições e qualidade de vida com a parti-cipação ativa da mesma;

Desenvolvimento local: a comunidade mesmadesabrocha suas capacidades, competências ehabilidades de agenciamento e gestão das pró-prias condições e qualidade de vida, metaboli-zando comunitariamente as participações efe-tivamente contribuitivas de quaisquer agentesexternos.Observamos que, no primeiro caso, os

agentes externos são os promotores do de-senvolvimento e a comunidade apenas en-volve-se, participando. No segundo, a pró-pria comunidade assume o seu desenvolvi-mento e, os agentes externos, são os que seenvolvem participando, funcionando comoestimuladores da comunidade para que elamesma, pouco a pouco, torne-se capaz deimpulsionar a melhoria de suas condições devida, sob todos os pontos de vista, social,econômico e cultural. De acordo com Martin(1999, mayo):

El desarrollo local es el proceso reactivaor dela economia y dinamizador de la sociedad lo-cal, mediante el aprovechamiento eficiente delos recursos endógenos existentes en una de-terminada zona, capaz de estimular y diversifi-car su crescimiento econômico crear empleo ymejorar la calidade de vida de la comunidadelocal, siendo el resultado de um compromissopor el que se entiende el espacio como lugar desolidaridad activa, lo que implica cambios deactitudes y comportamientos de grupos eindividuos.Os fatores endógenos do desenvolvi-

mento local constituem-se daqueles poten-ciais dinamismos e forças tanto individuais,familiares e coletivos quanto físico-ambien-tais, presentes explícita ou implicitamente nocotidiano de cada comunidade localizada.A título de exemplificação, são fatores endó-genos: os interesses e objetivos comuns, aidentidade social, cultural e histórica, a di-versidade de funções individualizadas, mui-tas das quais, isoladamente, mal garantema sobrevivência individual ou familiar, masque, mobilizadas, somadas e canalizadas,constituem autênticas forças de alavanca-mento de progresso coletivo que a todos bene-ficiam; sindicatos, associações, igrejas, con-dições hídricas e de solo, entre outros. O fa-tor fundamental, no tocante ao fator endó-geno, é o potencial que cada comunidade tempara despertar-se, mobilizar-se, mesmo quecom algum tipo de impulso externo.

Quanto aos fatores exógenos, há cer-ca de 30 anos quase todos eram bem visíveise destacáveis, pois se referiam às oportuni-

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dades de acesso das comunidades localiza-das, a serviços e bens que extrapolavam suasfronteiras, tais como: energia elétrica, águacanalizada, saneamento básico, condições deemprego (já que a oferta de emprego em es-cala recaía na área empresarial, sobretudonos setores de indústrias, comércio e algu-ma coisa no da prestação de serviços), estra-das, aumento de vagas em escolas públicas,assistência médico-hospitalar, como tambémfinanciamentos de moradias, de produção,de bens de consumo, e assim por diante.

Hoje, as influências dos fatores exóge-nos sofisticaram-se muito graças ao avançocientífico-tecnológico mundial de rápida eeficiente penetração, inclusive nos lares deregiões e comunidades mais remotas, atra-vés dos meios de comunicação modernos,sobretudo, rádio e televisão.

Se antes só pela mediação de algunstipos de liderança as comunidades interio-ranas tomavam conhecimento de suas pró-prias deficiências e carências comparandorealidades, hoje o fazem diretamente e noslares ou indivíduos, tendo a oportunidadede contrapor e até de criar necessidades, tan-to de bem-estar construtivo, quanto de con-sumismo e status degenerativo.

Quando se deseja formar pessoas emmobilização, é importante que tenham ummodelo geral que varie de acordo com cir-cunstâncias específicas e permita articulaçãode todas as posições teóricas e de todas asexperiências pessoais, tanto dos que dirigemquanto dos que recebem o beneficio da mo-bilização.

Este propósito não está somente noâmbito da radiodifusão - é também e princi-palmente um desafio prioritário de muitosagentes e instituições sociais em todo o mun-do. Já não somente uma responsabilidade dosgovernos, mas, também, preocupação dascomunidades, das administrações locais eregionais e dos meios de comunicação.

Entendendo-se que desenvolvimento

local é o processo de aproveitamento efici-ente dos recursos endógenos existentes emuma determinada região, capaz de estimu-lar e diversificar seu crescimento econômi-co, criar emprego e melhorar a qualidade devida da comunidade local, as rádios comu-nitárias vêm atingindo esse papel em todaextensão do conceito. Podemos, assim, ana-lisar o desenvolvimento local por outro ân-gulo, como um processo de mudança de umarealidade para outra, inserindo nesse pro-cesso uma renovação criativa que advém daaplicação de conceitos alternativos e idéiasnovas, revolucionárias, tendentes a mudaro panorama e a realidade de um local, deum estado, e consequentemente de um país.

As rádios comunitárias, entendidasneste contexto, são propulsoras desse desen-volvimento, numa perspectiva pluralista edemocrática, condições fundamentais paraa evolução da sociedade.

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A Rádio UCDB e o Desenvolvimento LocalThe Radio UCDB: and the Local Development

La Rádio UCDB y el Desarrollo Local

Maria Augusta de Castilho*

Walter Demirdjian**

Recebido em 25/11/03; revisado e aprovado em 04/04/04; aceito em 27/08/04

Resumo: Este artigo visa a mostrar que, a Rádio UCDB é uma alternativa para conscientizar a população ouvinte, deatributos que são necessários para que o Desenvolvimento Local ocorra. Para tanto foi necessário se interar dohistórico da Fundação Dom Bosco, para detectar sua filosofia, além de conhecer a sua estrutura. O referencial teóricoaliado à grade de programação e a pesquisa de campo propiciaram a interação entre a Rádio UCDB e oDesenvolvimento Local, mostrando definitivamente que os meios justificam os fins.Palavras-chave: rádio; desenvolvimento local; cultura.Abstract: This article seeks to show that, the UCDB Radio is an alternative for making the listening population awareof the attributes that are necessary for Local Development to take place. For this it was necessary to complete thehistorical background of the Dom Bosco Foundation, in order to detect its philosophy, as well as getting to know itsstructure. The theoretical reference allied to the program grid and field research propitiated the interaction betweenthe UCDB Radio and Local Development, showing definitely that the means justify the end.Key words: radio; local development; culture.Resumen: Este artículo visa mostrar que, la Radio UCDB Es una alternativa para concienciar la populación oyente,de atributos que son necesarios para que el Desarrollo Local ocurra. Para tanto fue necesario enterarse del histórico dela Fundación Dom Bosco, para detectar su filosofía, además conocer su estructura. El referencial teórico aliado a lagradación del programa y la pesquisa de campo propiciaron la interacción entre la Radio UCDB y el Desarrollo Local,mostrando definitivamente que los medios justifican los fines.Palabras clave: radio; desarrollo local; cultura.

parte do receptor, facilitando de forma coe-rente à precisão e confiabilidade do processono intercâmbio do fluxo da comunicação.

O rádio é um veículo de comunicaçãopouco estudado e pesquisado, por isso, deinício, foi necessário diagnosticar a suaabrangência e penetração junto às diferen-tes camadas da população, pois SegundoSalles (1985, p. 45):

[...] quase 90% da população brasileira tem aces-so ao rádio, nas grandes cidades, o brasileiroouve 3h45 minutos de rádio por dia, em média,enquanto que a televisão atinge quase 50% dapopulação, e o brasileiro urbano vê, em média3h 24 minutos de televisão por dia, logo o rá-dio tem uma abrangência quase duas vezesmaior do que a televisão [...].A questão norteadora foi – qual o efei-

to da rádio UCDB na comunidade? Estepoderoso meio de comunicação de massa,que de certa forma, é um termo um tantoincompatível, no sentido literal, já que sesubentende que a comunicação só poderáexistir se tiver dois caminhos, e em que emdeterminado momento o emissor passa sero receptor e vice-versa.

Introdução

O presente artigo é fruto de uma pes-quisa realizada em 2002, que teve como obje-tivo detectar se a Rádio UCDB, meio de co-municação de massa constitui-se em umaalternativa que pode preparar um ambientepara a realização de projetos voltados parao desenvolvimento local.

Neste contexto procurou-se investigarse a grade de programação e o conteúdo dosprogramas veiculados estavam trazendo pa-ra as pessoas: bem-estar, educação, informa-ção, lazer e entretenimento, contribuindo pa-ra uma reflexão sobre a sua importância den-tro da sociedade aumentando assim, a auto-estima das pessoas e do local, que são fato-res agregados do desenvolvimento social.

Além do referencial teórico, foram es-truturadas entrevistas para receber informa-ções dos ouvintes (50 ouvintes escolhidos ale-atoriamente), que antecipadamente mantive-ram contato com a emissora, para expor suasopiniões, tirar dúvidas e solicitar músicas. Talpesquisa permitiu um feedback imediato por

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 59-63, Set. 2004.

* Professora do Mestrado em Desenvolvimento Local – UCDB ([email protected]).** Mestre em Desenvolvimento Local, jornalista e diretor da FM UCDB ([email protected]).

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A pesquisa teve como aporte contribuirpara uma reflexão sobre o verdadeiro papelde uma rádio educativa1, como poderosomeio de produção de conhecimento, cujoprotagonista é o ser humano, daí acredita-se ser necessário enfatizar a trajetória dorádio no Brasil, principalmente como veícu-lo de comunicação de massa.

1 O rádio no Brasil

Diante da necessidade de se poder ava-liar a eficácia deste instrumento, torna-se ne-cessário voltar no tempo e estudar a históriado rádio no Brasil, que hoje, em muito diferedos objetivos propostos no século passado.

O rádio nascia no Brasil, como meio deelite, não de massa, e se dirigia a quem tives-se poder aquisitivo para mandar buscar noexterior os aparelhos receptores, até entãomuito caros. Também a programação nãoestava voltada para atingir aos objetivos a quese propunham seus fundadores: univer-salizar idéias de ensino, educação e entrete-nimento. Nasceu como um empreendimentode intelectuais e cientistas e suas finalidadeseram basicamente culturais, educativas ealtruísticas, com audição de ópera, com dis-cos emprestados pelos próprios ouvintes, re-citais de poesia, concertos, palestras culturais,e outros, mas não demorou muito para que atecnologia contribuísse no sentido de tornaro rádio um dispositivo eletrônico que fizesseparte da vida dos brasileiros.

As primeiras rádios em freqüênciamodulada no Brasil surgiram na década de60, que inicialmente tinha o acesso restrito,mediante assinatura, cujo objetivo era for-necer música de fundo direcionadas paraambientes específicos, desde melodias sua-ves para hospitais e residências até músicaalegre e estimulante para indústrias e escri-tórios. Porém com o passar do tempo, os in-teresses mercantis sobrepujaram à preocu-pação educativa, que era o objetivo por par-te do governo, que via no rádio um serviçode interesse nacional e de finalidade educa-tiva, fazendo com que as emissoras de rádiose organizassem para disputar o mercado,priorizando a audiência em detrimento daqualidade de programação.

Hoje em pleno início de século XXI,com o dial de FM congestionado, o rádio ofe-

rece atraentes ofertas para a divulgação pu-blicitária, dividindo o espaço comercial en-tre as emissoras, exigindo que estas especiali-zem as suas programações. Partindo destepressuposto, seria arriscado conceber umagrade de programação, hoje, que não con-temple a um público alvo, uma vez que paraLopes (1988, p. 100), “há uma tendência àespecialização por parte das emissoras queprocuram selecionar seu público e a ele ade-quar suas programações com vista a umaexpansão de audiência”. A UCDB implan-tou a rádio para difusão do conhecimento,uma vez que é uma instituição comunitáriae educacional.

2 A rádio UCDB e o desenvolvimentolocal

A Rádio UCDB recebeu concessão defuncionamento por dez anos, através daPortaria nº 30/1999 do Ministério das Co-municações, como personalidade jurídica dedireito privado, com finalidade social, paratransmissão e veiculação de matérias decunho educacional, cultural, científico, ar-tístico e religioso, contribuindo para forma-ção e evolução do ser humano. É uma enti-dade, que por força do seu estatuto, não visalucro e não está atrelada ao objetivo comer-cial, tendo como pressupostos filosóficos asidéias de Dom Bosco, fundador da Congre-gação Salesiana, administradora da rádio eda universidade a qual, a mesma está liga-da. A emissora, portanto, é descompro-metida com a veiculação de matérias oumúsicas ligadas a audiência, que se deixalevar essencialmente pelo mercado de con-sumo, sem se preocupar com o teor e a qua-lidade do que é transmitido. Esta caracterís-tica abre um espaço em sua programaçãopara promover e democratizar a informa-ção e o saber científico, formando consciên-cias, cidadãos e solidariedades, que suscitereflexões e torne latente a importância do serhumano, protagonista de todas ações queconvirjam em desenvolvimento.

Diante da constatação de que a UCDBpode ser um instrumento para despertar naspessoas suas potencialidades, seu valor, au-mentando a auto-estima do ser humano,que vive no lugar e à medida que a popula-ção ouvinte é beneficiada pelo que ela está

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oferecendo. Pode-se também, detectá-lacomo promotora de Desenvolvimento Local,pois o mesmo consiste no efetivo desa-brochamento de capacidades, competênciase habilidades de uma comunidade definidano sentido de ela mesma, incrementar a so-lidariedade orgânica, potencializando a lo-calidade como meio capaz de gerir recursose energias endógenas, que culminem namelhoria de vida das pessoas. Beltrão (1986,p. 57): assinala que:

[...] para tal fim entendemos como comunica-ção de massa, o processo industrializado deprodução e distribuição oportuna de mensagensculturais em códigos de acesso e domínio cole-tivo, por meio de veículos mecânicos (elétri-cos/eletrônicos), aos vastos públicos que cons-tituem a massa social, visando a informá-a,educá-la, entretê-la ou persuadi-la, desse modopromovendo a integração individual e coleti-va na realização do bem-estar da comunidade.A tônica do momento é a globalização,

que prega uma dinâmica desenfreada doconsumo, priorizando a economia, fazendocom que as pessoas vivam em função do ter,possuir e comprar. A noção do progressopassou a englobar objetivos variados que sãoderivados, muitas vezes, de exigências quenascem, no marco da globalização e são pro-jetados para as sociedades nacionais, semque estas estejam preparadas para atendê-las e entendê-las. Esmaecem-se os valores quecimentam a essas sociedades e balizam asrelações entre suas camadas. No mundo in-teiro, o fascínio pelo novo, pelo retrato darealidade mostrado pela TV, desvia a aten-ção dos verdadeiros elementos que compõema identidade nacional: uma história comum,uma herança cultural, uma trajetória coleti-va, com seus êxitos e dificuldades e um sen-tido de futuro.

É importante frisar que esta globaliza-ção, até agora não representou em melhorada qualidade de vida e nem tão pouco tor-nou mais equalizado os anseios do ser hu-mano, como partícipe do processo de desen-volvimento, da qual ele é o protagonista. Aglobalização prioriza a economia e a colocacomo fundamental em todo o processo decrescimento e desenvolvimento, o que naprática não significa que em países de pri-meiro mundo, altamente desenvolvidos, aspessoas vivam melhores e mais felizes.

Sob este aspecto Haq (1995, p. 24)elucida que:

[...] o mais imperdoável dos pecados doplanejador do desenvolvimento é deixar-se hip-notizar pelas elevadas taxas de crescimento doProduto Nacional Bruto, esquecendo-se dosobjetivos reais do desenvolvimento. Em gran-de número de países, o crescimento econômicoé acompanhado por uma disparidade cada vezmaior nos níveis de renda individuais e regio-nais. Em inúmeros países, as grandes massasqueixam-se de que o desenvolvimento aindanão atingiu o dia-a-dia de suas vidas. Em mui-tos casos, o crescimento econômico significoumuito pouca justiça social. Foi acompanhadopelo aumento da taxa de desemprego, pela de-terioração dos serviços sociais e pelo aumentoda pobreza absoluta e relativa.Há um novo paradigma, em que as

idéias de comunidade, e auto-ajuda, substi-tuem o foco dado anteriormente às estrutu-ras econômicas e políticas em escala ampla,as empresas multinacionais, economia mun-dial, organizações transnacionais, etc. Tra-ta-se, sobretudo, de não dar o peixe, masensinar a pescá-lo, ou de contribuir para isso,mediante recursos técnicos e financeiros,gerando um capital organizativo, humanoe material que deverá auto-sustentar-se umavez concluída a intervenção da própria co-munidade dentro do processo de desenvol-vimento, é o ser humano ocupando um es-paço, em que ele é parte integrante, produ-zindo, crescendo e trazendo para si o bem-estar material, mental e espiritual.

O Desenvolvimento Local é parte deuma visão de nova sociedade, constituída debaixo para cima, mediante a institucionali-zação e extensão paulatina de formas maissolidárias, preenchendo as lacunas, objeti-vando o crescimento: econômico, sócio ecultural, para reduzir as aflições, privações,disparidades e diferenças. Seu conjunto depráticas tem como palco central, o ser quevive na localidade, que pode ser uma região,cidade ou outras unidades menores, desdeque tenha uma identidade com políticas re-gionais que integrem as potencialidades lo-cais, que são partes integrantes e fundamen-tais destes espaços.

Justifica-se a necessidade de trabalharo local e não global, encetando a reflexão deMartins (1999, p. 172) explicando que

el espacio principal del conflito son los municí-pios, los espacios de la convivência humana, ylos retos del desarrollo se localizan principal-mente em los espacios locales, en el lugar, enlos lugares.

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A Rádio UCDB, diante da necessida-de de conscientizar a sociedade e sedimentarseu valor, a especificidade do lugar onde vivee valeu-se da rádio para organizar sua pro-gramação descompromissada com a audi-ência, uma vez que recebeu uma concessãoeducativa principalmente por estar ligada àuniversidade, pretende atingir a comunida-de principalmente com informações que sus-citem nas pessoas os seus direitos (horáriojurídico), os seus valores locais, a cidadania,para que se viva o mundo globalizado, po-rém sem deixar de levar em consideração olugar onde as pessoas se relacionem ealicercem valores.

Constatou-se pelos resultados coleta-dos na pesquisa2, que a música é o carro chefeda programação da Rádio UCDB, pois éuma forma de atrair o ouvinte a sintonizara freqüência, conforme demonstra o gráficoabaixo.

Gráfico 01: Papel de uma rádio educativa

É importante frisar que a música pre-valeceu como primeira opção na preferên-cia de todos os entrevistados, atingindo umpercentual 36% para tocar música. Na óti-ca do ouvinte, a notícia apresentou umpercentual de 26% o que por sua vez corres-ponde a segunda opção no seu grau de pre-ferência e tem que ser dada de forma home-opática, para que seja um atrativo e não maisuma rádio que muito fala.

Quando se perguntou ao entrevistado:em que a Rádio UCDB contribuiu para mu-dar a sua vida, depois do seu surgimento?Alguns responderam que ela transmite tran-qüilidade, calma e paz; outros que ela é umresgate do passado e outros afirmaram que

durante o Programa religioso – “Santo doDia”, há um despertar para uma atitude maisreflexiva e mais ponderada em relação à vidae aos problemas do cotidiano.

“O Santo do dia é um exemplo paranossa vida” afirmaram muitos entrevistados.Este programa, apresentado pelo Reitor daUniversidade Católica Dom Bosco, padreJosé Marinoni merece destaque, pois de acor-do com Castro (2003, p. 4) “as sementes dapalavra de Cristo devem estar presentes emtodo o universo criado e em meio a todos ospovos”. Dessa forma o programa oferece aoouvinte uma espiritualidade reflexiva sobrea vida. No aporte de Tuan (1983) o discursoreligioso sobre o sagrado é uma onda mansade vida, induzindo no devoto (ouvinte) umsentimento de serenidade e bem-estar. Esteespaço da rádio, reservado ao sagrado, per-mite ao homem entrar em contato com a rea-lidade transcendente do santo do dia.

A interatividade é fundamental na fi-losofia da rádio, incentivando o ouvinte àparticipação, saindo fora das programaçõesprontas, sem vida, sendo metaforicamenteuma “via de duas mãos”, um canal de co-municação, entre emissor e receptor alter-nando a cada momento.

Diante das opiniões dos entrevistadospode-se afirmar que: existe uma comunica-ção interativa entre emissora e comunida-de; a programação cria relações deafetividade; dimensão mental aliada à di-mensão geográfica; a rádio educa, instrui econscientiza a comunidade; é responsávelpela ordem intangível, criando sinergias, queé a capacidade organizacional dessa comu-nidade para dar origens a redes de articula-ção interna, indicando forças comunicativase impulsionando o desenvolvimento; cons-cientiza a população do seu valor, dos seusdireitos e principalmente contribui sobrema-neira para sua formação de cidadão.

Considerações finais

Constatou-se que a comunidade acei-ta a proposta da rádio primordialmente notocante à música.

Diante dos objetivos propostos na pes-quisa, o fator mobilizador foi alcançado, pelamovimentação da comunidade em torno daproposta de trabalho da rádio, que com um

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ano de vida, ainda em caráter experimen-tal, proporciona não só para a amostra dos50 ouvintes da pesquisa, mas para as apro-ximadamente 300 ligações recebidas, queofereceram feedback necessário para que aprogramação não seja um projeto pronto,mas que ela seja feita com a comunidade,não desconsiderando o seu perfil educativoe religioso, e traga às pessoas: informação,entretenimento, cultura e lazer, que convir-jam para o cidadão, integrando as potencia-lidades locais, que é a proposta de um proje-to de Desenvolvimento Local.

A Rádio UCDB privilegia seu objetivobásico, que é o de transmitir conhecimento enão simplesmente informação, sem a preo-cupação quantitativa, mas que se deve ten-tar a aproximação do qualitativo, almejan-do a capacidade de percepção e sensibilida-de e ampliando os horizontes de compreen-são de qualquer ser humano, que busca aobjetivação sem descaracterizar a subjetivi-dade peculiar dos fenômenos. São essas, numplano mais amplo, as razões que levaram àescolha do tema como objeto de estudo, alémde que este veículo está à disposição paraum projeto que esteja ligado a educação, acultura e ao conhecimento, sendo, portan-to, uma alternativa para o Desenvolvimen-to Local.

Notas:1 A programação destaca informações culturais (música,

etc.) educação espiritual e religiosa (o dia do santo epalavras do evangelho) e informações sobrecidadania (legislação, direitos do consumidor etc.).

2 Pesquisa realizada em 2002 que culminou com aDissertação apresentada por Walter Demirdjian noCurso de Mestrado em Desenvolvimento Local/UCDB, tendo como orientadora a Profª Drª MariaAugusta de Castilho, cujo exemplar com todos osdados coletados (entrevistas, questionários,formulários etc.) encontra-se disponível para consultana biblioteca da instituição.

Referências

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O ambiente de segurança e seus reflexos no comportamento de consumoe no custo de transporte em regiões metropolitanas

The environment of security and its reflections on consumer behavior andon the cost of transport in metropolitan regions

El ambiente de seguridad y sus reflejos en el comportamiento de consumo y en elcoste de transporte en regiones metropolitanas

Paulo Tarso Vilela de Resende*

Recebido em 20/09/03; revisado e aprovado em 09/08/04; aceito em 24/08/04

Resumo: O ambiente de segurança no País é analisado com vistas às mudanças no comportamento de consumo. Aquestão da segurança em regiões metropolitanas, tendo como espaço de análise a região central da cidade de BeloHorizonte, seus impactos no comércio e no comportamento do consumidor, são investigadas para a demonstração deuma necessidade de um planejamento governamental que leve em consideração a distribuição final dos produtos emregiões de grande concentração urbana.Palavras-chave: logística; consumo; políticas públicas.Abstract: This study analyses the safety environment in Brazil and how this environment affects the consumerbehavior of the population in metropolitan areas. This question is analyzed by taking into consideration the exampleof the Belo Horizonte metropolitan area, where the impacts on retail are investigated under the scope of changes inconsumer behavior due to safety features. After all, the main objective is to demonstrate the very need of governmentalpolicies that embrace this question and plan to deal with the new circumstances of the distribution of products in faceof the movements to accommodate the new issues of consumer behavior.Key words: logistics; consumption; public strategies.Resumen: El ambiente de seguridad en el País es analizado con vistas a los cambios en el comportamiento deconsumo. La cuestión de la seguridad en regiones metropolitanas, teniendo como espacio de análisis la región centralde la ciudad de Belo Horizonte, sus impactos en el comercio y en el comportamiento del consumidor es investigadapara la demostración de una necesidad de una planificación gubernamental que lleve en consideración la distribuciónfinal de los productos en regiones de gran concentración urbana.Palabras clave: logística; consumo; políticas públicas.

promoverem furtos de bolsas e carteiras, as-salto à mão armada, inclusive nos semáfo-ros, e seqüestros relâmpago seguidos, mui-tas vezes, de lesões corporais. Além disso,constata-se que, à medida que vai aumen-tando o número de veículos em circulaçãono País, agravam-se as condições de trânsi-to nestas cidades.

Em contexto de igual natureza, assimcomo nos grandes centros urbanos, a inse-gurança chegou às estradas do País. Os fa-tores ligados a segurança atingem não so-mente um segmento da atividade do comér-cio e do transporte brasileiro, mas toda umaeconomia que depende dos fluxos de servi-ços e cargas necessários para atender às ofer-tas e demandas de um país. Nesse momen-to, tornam-se fundamentais novas políticaspúblicas que envolvam um planejamentomais focado nas cadeias produtivas para que,na medida do possível, os custos econômi-cos e sociais sejam minimizados.

Introdução

O comércio como uma das atividadeseconômicas mais antigas da humanidadesempre foi essencial na formação das socie-dades, propiciando, sobretudo, a constitui-ção de diferentes relações sociais. Buscandoa riqueza e o movimento e atendendo àsnecessidades de dos povos, o comércio setornou indispensável para a expansão deuma cidade e entrelaça-se com a vida eco-nômica, política e social de um lugar, mode-lando e interferindo no seu cotidiano. A dis-tribuição de bens e mercadorias é o reflexoda qualidade de vida, e o comércio permitea circulação, o escoamento e a multiplica-ção da economia.

Justamente pela amplitude sistêmicado comércio, observa-se o fenômeno da in-segurança nas ruas das grandes cidades,onde a população vive diariamente um pâ-nico cada vez maior, devido a crescente açãode marginais que intimidam as pessoas ao

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 65-72, Set. 2004.

* Professor da Fundação Dom Cabral-MG ([email protected]).

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Objetivo

Este trabalho pretende traçar um pa-ralelo entre dois contextos vivenciados pe-los consumidores que, diante de uma reali-dade de tamanha insegurança, é levado amudar seus hábitos de consumo e buscaralternativas mais seguras. A realidade é oconsumo em centros urbanos que diante daviolência, caos urbano, trânsito e roubos fa-vorece o surgimento de Shoppings Centers ee-commerce, modificando o hábito de consu-mo da população, como as compras virtu-ais. Ao se atingir os objetivos de análise docomportamento de consumo, pretende-seabrir um espaço de análise para o planeja-mento das políticas públicas que virão paraminimizar os efeitos negativos da falta desegurança.

Objetivos específicos

1. Levantar dados estatísticos que demons-trem a insegurança nos grandes centrosurbanos e nas estradas do País;

2. Identificar os novos hábitos dos consumi-dores frente a derrocada do comércio nasáreas centrais das grandes cidades;

3. Abrir uma pauta de discussão sobre asnecessidades de reformulação do concei-to de política urbana vis-a-vis os movimen-tos de reposicionamento de empresas econsumidores diante da insegurança.

Contextualização do ambiente de insegu-rança nas regiões metropolitanas – oexemplo de Belo Horizonte

O comércio de Belo Horizonte confun-de-se com o crescimento da cidade e foi oprincipal responsável pela expansão eaglutinação do espaço central, como de res-to na maioria das grandes cidades brasilei-ras. A estrutura social e econômica da me-trópole reflete as atividades comerciais emtodas as suas transformações, desde os há-bitos de seus moradores, até a infraestruturada prestação de serviços.

Posteriormente ao crescimento da áreacentral da capital, surgiram outras regiõescom a mesma importância econômica paraa cidade. O processo de descentralização ede transferência do comércio da área cen-

tral para a Região da Savassi, área no entor-no do hipercentro, acentuou-se na décadade 70, em conseqüência da decadência docomércio formal, da degradação das condi-ções ambientais, do aumento dacriminalidade e da deficiência do sistema detransporte coletivo no hipercentro, alteran-do o hábito da população de fazer comprasno centro da cidade.

Outro fator que agrava as condiçõesdo centro da capital nos tempos atuais é otrânsito caótico que dificulta e aumenta con-sideravelmente o tempo de deslocamento daspessoas. Aspecto este que se contrapõe à di-minuição de tempo disponível da populaçãopara as atividades particulares.

Através da realização de duas Pesqui-sas (Censo do Comércio de Belo Horizonte ePesquisa de Telemarketing) desenvolvidaspela Câmera de Dirigentes Lojistas de BeloHorizonte (CDL), juntamente com o CentroInternacional de Tecnologia do Comércio(CDL BH), foi possível buscar informaçõesnas regiões administrativas de Belo Horizon-te delimitadas com base no Plano Diretor daCidade que sugestionam a mudança do co-mércio central para outras áreas em funçãoda falta de segurança urbana.

Essas pesquisam apontam que a maiordificuldade encontrada pelos proprietáriosdos estabelecimentos comerciais, num univer-so de 5.353 pesquisados foi a “Falta de Segu-rança/ Policiamento”, apontada por 1.373entrevistados, correspondente a 44,35% dototal. A Figura 1 revela as outras dificulda-des encontradas pelos comerciantes.

Conclui-se que, das principais dificul-dades encontradas pelos comerciantes nasprincipais regiões da capital mineira, a faltade segurança é uma das que mais se desta-cam, totalizando 44,3% das reclamações.Este percentual indica claramente os poten-ciais efeitos negativos sobre o comércio, jáque a insegurança se torna um elementodificultador tanto para o comerciante, quan-to para o consumidor de forma geral.

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Figura 1. Dificuldades encontradas peloscomerciantes

Aprofundando-se no aspecto de segu-rança, a pesquisa detecta condicionantes quedeterminam o grau de eficiência e/ou defici-ência de segurança nestas regiões da cidade(Figura 2). Com relação à segurança, os prin-cipais problemas levantados no dia-a-dia pe-las empresas das regiões foram: falta de poli-ciamento na região (26,9%), furtos e roubos(18,7%); assaltos (15,6%); pouca iluminaçãonas vias públicas (11,2%); arrombamentos(10,8%), ponto de drogas (8,5%); proximida-de a terrenos baldios/lotes vagos/vizinhan-ça perigosa (6%) e outros problemas citadospor 2,3% dos entrevistados.

Figura 2. Principais problemas nas regiõesadministrativas de BH

Fonte: Censo do Comércio de Belo Horizonte e Pesquisa de Telemarketing

10%2%6%4%5%

2%

44%

2%

11%

2%

12%

Falta de EstacionamentoCamelôsAluguelFalta de Limpeza UrbanaProblemas de TrânsitoRegião Pouco AtrativaFalta de Segurança/PoliciamentoFalta de Organização entre LojistasConcorrênciaAcessoOutros

26,90%

18,70%11,20%10,80%

15,60%

6%

8,50%2,30%

Falta de policiamento na região

Furtos e roubos

Pouca iluminação nas vias públicas

Arrombamentos

Assaltos

Proximidade a terrenos baldios/ lotesvagos/vizinhança perigosaPontos de drogas

Outros

Fonte: Censo do Comércio de Belo

Horizonte e Pesquisa de Telemarketing

Quando perguntados se o estabeleci-mento foi vítima de algum tipo de assaltonos últimos dois anos, 64,5% dos estabeleci-mentos responderam que “não”, e 35,5%responderam que “sim” (Figura 3). Dos queresponderam sim, 37,8% foram assaltadosuma única vez; 28% duas vezes; 13,5% trêsvezes; 5,2% quatro vezes; 4,9% cinco vezes;4,6% de seis a dez vezes; 2% onze a quinzevezes; 0,8% de 16 a 20 vezes e 3,3% mais de20 vezes. De fato, estes números indicam quese atingem índices de confronto urbanoquando a recorrência de assaltos se avoluma,resultando em um estado de alerta perma-nente, o que definitivamente demanda polí-ticas públicas específicas e imediatas.

Figura 3. Ocorrência de assaltos aosestabelecimentos comerciais

Figura 4. Período do dia mais vulnerável

Na opinião de 50,8% dos entrevistados,o período da “noite” é o mais vulnerável aoseventuais problemas de segurança nos esta-belecimentos. Já 33,8% dos pesquisados afir-maram ser o período da “tarde”, e 15,4% acre-ditam ser o período da “manhã” (Figura 4).

Figura 5. Grau de interferência

35,50%

64,50%

Ocorreu assalto nosúltimos dois anos

Não ocorreu assaltonos últimos dois anos

Fonte: Censo do Comércio de Belo Horizonte e Pesquisa de Telemarketing

15,40%

33,80%50,80%

Manhã

Tarde

Noite

Fonte: Censo do Comércio de Belo Hori-zonte e Pesquisa de Telemarketing

29,80%

26,80%22,70%

20,70% Interfere Muito

Interfere Médio

Interfere Pouco

Não Interfere

Fonte: Censo do Comércio de Belo Horizonte e Pesquisa de Telemarketing

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

A maioria dos entrevistados, 70,1%,adota algum tipo de dispositivo/mecanismode segurança preventivo, e os restantes,29,9%, não utilizam nenhum mecanismo desegurança. Após a adoção destes dispositi-vos de segurança, 75,5% verificaram melho-rias na segurança e 24,5% dos entrevistadosnão verificaram melhorias de segurança (Fi-gura 6 e 7).

Figura 6. Adoção de algum tipo de dis-positivo de segurança preventivo

Figura 7. Verificação de melhorias após aadoção de algum tipo demecanismo de segurança

Para 29,8% dos entrevistados, a faltade segurança afeta muito o seu negócio, epara 26,8% a falta de segurança afetamedianamente seu negócio. Para 22,7% dosentrevistados, a falta de segurança poucoafeta seus estabelecimentos comerciais e20,7% afirmaram que não os afeta.

Condições de trânsito – o problema doexcesso de veículos em circulação

Paralelamente ao crescimento dosgrandes centros urbanos, verifica-se tambémo crescimento e descontrole do trânsito que,a cada dia, torna-se mais confuso e perigo-so, e vem levando ao aumento de horas per-didas nos congestionamentos. Além disso,observa-se uma significativa elevação dos

70,10%

29,90% Adota algum tipo dedispositivo desegurança preventivo

Não adota nenhumtipo de dispositivo desegurança preventivo

Fonte: Censo do Comércio de Belo Horizonte e Pesquisa

de Telemarketing

75,50%

24,50% Verificou melhoriasapós a adoção demecanismos desegurança

Não verificoumelhoria após aadoção de algum tipode mecanismo

Fonte: Censo do Comércio de Belo Horizonte e Pesquisa de Telemarketing

tempos de viagem, desgaste mental do mo-torista, alto consumo de combustível, polui-ção do ar, redução da produtividade das ati-vidades urbanas, restrição de mobilidade eacessibilidade e outros transtornos causadospelo excesso de veículos em circulação. Alémdisso, dados oficiais de 2000 (DENATRAN,apud ANTP, 2002) estimam que ocorrem noPaís, anualmente, cerca de 20 mil mortes notrânsito, com cerca de 350 mil vítimas, sen-do que nas áreas urbanas os pedestres cor-respondem de 60% a 80% das mortes.

Nas dez cidades pesquisadas - BeloHorizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, JoãoPessoa, Juiz de Fora, Porto Alegre, Recife,Rio de Janeiro e São Paulo - no estudo IPEA/ANTP (1998), estima-se que os gastos exces-sivos de tempo resultantes do congestiona-mento severo (quando a capacidade das viasestá esgotada) atingem a cifra de 506 milhõesde horas por ano (Tabela 1). Caso as demaiscidades médias e grandes sejam incluídas,podem-se estimar custos por congestiona-mento, poluição, espaço viário e combustí-vel em torno de 1 a 2% do PIB, sem contaras perdas devido aos acidentes de trânsito.Esses dados também justificam o crescimen-to dos Shoppings Centers e a concentraçãodos pontos de vendas.

Tabela 1. Desperdícios anuais em dezcidades brasileiras devido aocongestionamento severo (viascom capacidade esgotada)

Essa é uma situação que tende a seagravar com o crescimento da população doPaís, com o crescimento da frota de veículose com um número cada vez maior de habi-tantes morando nas áreas urbanas, tornan-do o trânsito cada vez mais caótico. Outrofator que contribui para tal agravamento éa presença intensa de camelôs e vendedoresambulantes que continuam se espalhando

Quantidade anual Tipo de desperdício/excesso

Autos Ônibus

Tempo de viagem 250 milhões horas 256 milhões/horas Espaço viário (movimentação e estacionamento) 8,7 milhões m2 ------

Ônibus extras ------ 3.342 veículos Combustível 251 milhões litros 7 milhões litros Monóxido de carbono 122 mil toneladas 0,7 mil tonelada

Hidrocarbonetos 11 mil toneladas 0,3 mil tonelada Fonte: IPEA/ANTP (1998).

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

pelas ruas das grandes cidades. Em muitospontos dos hipercentros das capitais brasi-leiras já não há mais espaço nas calçadas emfrente às lojas para passagem de pedestres.As barracas ficam amontoadas, atrapalhamo trânsito e a paisagem urbana. Assim, ascondições inadequadas hoje verificadas –violência, acidentes, poluição, congestiona-mento, falta de estacionamento junto às lo-jas – estão piorando sensivelmente e justifi-cando a evasão do comércio para pontos quegeram maior conforto ao consumidor.

Todas estas situações adversas no cen-tro das grandes cidades provocam grandeinsegurança ao consumidor e sujeitam aspessoas a uma exposição de ambientes hete-rogêneos. Tal diversidade é reforçada aindapela existência de várias lojas espalhadas emuma grande área geográfica, que geram difi-culdades de acesso, sendo que, destas inúme-ras lojas, poucas são as que realmente interes-sam a um determinado consumidor. Diantedessas circunstâncias e por falta de um con-trole adequado destes problemas por partedas autoridades, os consumidores se sentemsobressaltados e ficam sujeitos a imprevisí-veis comportamentos, transformando o atode uma simples compra em aventura, às ve-zes perigosa, gerando sempre um desgastefísico e mental destes consumidores.

Por outro lado, cada vez mais, existeuma redução nos tempos disponíveis daspessoas para o consumo. Assim, quantomais as pessoas se sentem pressionadas pelafalta de tempo, maiores as dificuldades de-las em satisfazerem as suas necessidadescomo consumidores no centro das grandescidades, tendendo a buscar outras áreas co-merciais, muitas vezes, mais próximas desuas residências ou de fácil acesso.

O crescimento dos Shoppings Centerscomo alternativa para o consumidor

O Brasil registrou, no início de 2001,61.630 lojas instaladas nos 542 ShoppingsCenters em atividade (Associação Brasileirade Lojistas de Shoppings, 2001). Esse con-tingente mostra um residual de 13.914 lojasprevistas nos empreendimentos ainda emobras ou em projeto que, a partir do ano de2002, poderia ser aos poucos agregado aonúmero inicial quando a construção desses

shoppings fosse chegando ao fim. Poderiacrescer ainda mais diante das obras de ex-pansão que estariam em curso.

Os dados apurados durante o ano de2001 revelam um crescimento da indústriade Shoppings Centers da ordem de 4,15% coma inauguração de 22 novos empreendimen-tos. Foi apurada a saída do mercado de di-versos empreendimentos, em geral do tiporotativo, enquanto alguns, que funcionavamcomo outlets, modificaram seu perfil paratradicional, ou acabaram identificados comogalerias. Com as devidas compensações, oquadro final apresenta uma variação positi-va de mais 12 empreendimentos no términodo ano, com o que se registra um total de542 shoppings em operação no País, contra530 do ano anterior (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2. Tipos de Shopping Centers

Identificação de nomenclatura específica

Shopping Tradicional - estabelecimentoconstruído especificamente para abrigar umcentro de compras e que apresenta mix di-versificado, praça de alimentação, área delazer, estacionamento e elevado nível de con-forto como ar condicionado, escadas rolan-tes, elevadores, segurança, etc. O número delojas-âncora, a quantidade de lojas e o fatode haver lojas próprias junto com lojasalugadas são considerados fatores que com-pletam as características dessa categoria.

Shopping Temático - estabelecimento cujaslojas estão voltadas preferencialmente a umsegmento básico do mercado.

Shopping Outlet - estabelecimento que con-centra lojas de fábrica, com alguns poucosramos comerciais e de serviços consideradosde apoio.

Tipos de Shoppings III Censo (2000) IV Censo (2001)

Qte. % Qte. %

Tradicionais 338 63,77 345 63,65

Temáticos 48 9,06 56 10,33

Outlets 22 4,15 19 3,51

Atacado 19 3,59 17 3,14

Rotativos 103 19,43 105 19,37

Total Brasil 530 100,00 542 100,00 Fonte: Associação Brasileira de Lojistas de Shopping

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Shopping de Atacado - estabelecimento cu-jas lojas operam exclusivamente com ven-das no atacado. Atuam, basicamente, nosramos de confecção, acessórios e calçados.

Shopping Rotativo - estabelecimento comíndice de conforto menor que o dosshoppings tradicionais, geralmente com lo-jas de tamanho reduzido e onde não se pra-tica a obrigatoriedade da permanência dolojista no shopping. Nele, a locação é feitapor períodos diversos e mais curtos que nosshoppings tradicionais. O comércio habitu-almente praticado no shopping rotativo estávoltado a produtos de baixo valor. Tambémpodem ser considerados como shoppings dedesconto.

Tabela 3. Número de Shopping Centers

O crescimento nas cinco regiões do Paísconfirma a concentração de investimentosna Região Sudeste, como era previsto quan-do da constatação anterior de shoppings emobras e projeto. O Estado de São Paulo man-tém a destacada liderança de 34,4% dosempreendimentos implantados no País, se-cundado pelo Rio de Janeiro cuja participa-ção já atinge a casa dos 12,6% (Tabela 3).

Novos hábitos de consumo em função dainsegurança urbana – comércio eletrônico

A proliferação do número de ShoppingsCenters não é a única alternativa do consu-midor para fugir do aumento da inseguran-ça do comércio. O comércio eletrônico, umatendência recente, é uma das opções e existenos diversos setores da economia. Encontra-se em um processo de consolidação apresen-tando sinais claros de evolução.

A busca pela utilização do comércio ele-trônico nos processos que envolvem troca deinformação e transações exige um ambiente

Regiões III Censo (2000) IV Censo (2001)

Quantidade % Quantidade %

Sudeste 286 53,96 294 54,24

Sul 120 22,64 120 22,14

Nordeste 82 15,47 81 14,9

Norte 11 2,08 12 2,22

Centro-Oeste 31 5,85 35 6,46

Total Brasil 530 100,00 542 100,00 Fonte: Associação Brasileira de Lojistas de Shopping

com segurança mais efetiva, ao mesmo tem-po em que as características do novo ambi-ente exigem proximidade com o cliente.

No setor financeiro é onde se encon-tram os sistemas de transações via internetmais seguros e protegidos contra roubos eviolações. Alguns bancos já utilizam dispo-sitivos como a criptografia de 128 bits, siste-ma desenvolvido nos EUA que chegou aoBrasil no ano passado. Os bancos trabalhamcom certificados digitais de seus servidorese com nível de segurança altíssimo. Está che-gando no Brasil o certificado digital que fun-ciona como uma carteira de identidade dointernauta, a ser emitido por entidadescertificadoras, responsáveis pela identifica-ção do usuário. Essas entidades fornecerãoao usuário um conjunto de dados criptogra-fados em arquivo a serem colocados no com-putador do próprio usuário para quando emuso provar a sua identificação.

Monitorar hábitos de consumo nainternet ainda é difícil. A internet está em fasede amadurecimento. Muitos não sabem, maso usuário-chave da internet é a mulher. Elausa a rede para resultados, já os homens nave-gam pelo prazer de brincar com tecnologia.No entanto, muito do que se vê em comércioeletrônico é desenhado por homens e desti-nado a homens. Um outro dado importanteé que nos Estados Unidos a faixa de usuá-rios que mais cresce não é a de adolescentes,mas a de idosos. Essas pessoas em idade maisavançada não se contentam com modems len-tos e, quando entram num website que te-nha muita informação, simplesmente saem.

Comprar pela internet é um hábito queestá cada vez mais difundido entre quem tembom poder aquisitivo. Segundo um estudoda consultoria C’Plus, três em cada dez pes-soas das classes A e B clicam seus mouses paraadquirir CD, livros, aparelhos eletrônicos eaté mesmo frutas e legumes. Já as classespopulares, segundo a Treinasse, consultoriacarioca especializada em análise de varejo,que ouviu 1.538 pessoas das classes C e Dno Rio de Janeiro, em São Paulo e em BeloHorizonte, apenas 2,2% fazem compras pelarede. Não por falta de dinheiro, ou porquenão têm cartão de crédito, ou porque nãogostam de tecnologia e muito menos porquesão desconfiadas.

A pesquisa descobriu que as lojas vir-tuais é que não sabem organizar seus sites

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71O ambiente de segurança e seus reflexos no comportamento deconsumo e no custo de transporte em regiões metropolitanas

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para atrair esse pessoal. Enquanto as classesA e B valorizam a segurança, as classes C eD querem encontrar na tela as mesmas coi-sas que estão acostumadas a ver nas lojas(concretas). Entre esses atrativos estão ele-mentos básicos, como fotos dos produtos compreços, interior da loja, promoções e facili-dades no pagamento. Praticamente não hálojas virtuais estrategicamente voltadas paraas classes mais populares.

O motivo é uma suposta inexistência dedemanda e de que são muito poucas as pes-soas de faixas de renda mais baixas que têmcomputadores conectados à internet em suasresidências. No entanto, o estudo da Treinas-se contesta essa afirmativa já que cerca de30% dessas pessoas entram na internet nolocal de trabalho. Parece mesmo que as redesde comércio popular estão perdendo umaenorme oportunidade ao não direcionar seusesforços para esse consumidor emergente.

Empresas que lidam com vendas dire-tas e que promovem suas vendas através docanal “door to door” estão vivendo um confli-to com a entrada da era virtual. Manter osmilhares de promotores de vendas ou utili-zar a internet, uma vez que esse recurso per-mite a promoção virtual e dispensa inter-mediários.

A dissonância entre seu modelo denegócio e o crescimento extraordinário dainternet como atalho de venda é um dilema:por que manter um canal de vendas forma-do por centenas de milhares de representan-tes remunerados num mundo onde fabrican-te e consumidor podem se relacionar semintermediários? Será que há um caminhocapaz de evitar o desmonte de uma estrutu-ra que, até o momento, tem sido eficaz?Além disso, fica uma grande questão: podea tecnologia substituir o relacionamento e aenergia criativa de milhares de pessoas numnegócio que fala de saúde, beleza e bem es-tar? Acredita-se que a tecnologia pode so-mar, mas nunca substituir, uma vez que umaempresa para atingir dimensões muito mai-ores contará sempre com as pessoas numpapel fundamental.

Sabe-se que a internet, apesar de seucrescimento explosivo, atinge pouco mais de3% da população brasileira, segundo dadosdo Ibope e no caso de empresas de vendadireta as promotoras funcionam também

como uma espécie de trunfo logístico. Subs-tituir a estrutura de pessoas por estruturavirtual significa mudar todo o processo lo-gístico da empresa bem como afetar sua rotade distribuição. Não é só isso, talvez a filoso-fia de relacionamento pessoal que envolveesse tipo de negócio explica muito da relu-tância do setor de vendas diretas em absor-ver as inovações de processos de gestão pelainternet. E por que empresas desse tipo pa-recem mais focadas no canal de distribuiçãodo que no consumidor.

Outro dado importante para a prepon-derância de um sistema sobre outro é o cus-to direto e indireto da operação por telefoneversus via internet, este último 60% maisbarato. As empresas vivem na fronteira dedois mundos: o presencial e o virtual e, pro-vavelmente, eles se transformarão em ape-nas um, algum dia.

Estes dados do comércio eletrônico,aliados aos movimentos de adaptação àsnovas redes físicas de distribuição, tambémapontam para uma mudança no comporta-mento de consumo que, cedo ou tarde, irãoafetar significativamente as políticas públi-cas nas grandes cidades, uma vez que a com-pra por meio eletrônico é somente o primei-ro passo, completado por uma distribuiçãofísica que exige absolutamente o mesmo tipode operações de entregas e, portanto, sujei-tas aos problemas de insegurança hoje vivi-dos pelo comércio tradicional.

Conclusão

Políticas públicas integradas visandoa garantir uma melhor qualidade de vida nasregiões metropolitanas devem necessaria-mente levar em consideração os movimen-tos de transferência de hábitos de consumodevido a questões de segurança. Os consu-midores querem evitar um nível de exposi-ção muito alto a fatores de violência e, porisso, mudam seu comportamento de consu-mo, provocando grandes transformaçõesnas decisões de localização do comércio. Opoder público definitivamente não pode es-tar alheio a tais movimentos e, na medidado possível, deve procurar se antecipar atra-vés de planejamentos de longo prazo, compolíticas sólidas e sem possibilidades de so-luções de continuidade.

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Vigor de progênies de cumbaru (Dipteryx alata Vog.): alternativa desustentabilidade para o assentamento Andalúcia, Nioaque, MSVigour of progenies of cumbaru (Dipteryx alata Vog.): sustainable

alternative for the Andalúcia community, Nioaque, MSVigor de progenies de cumbaru (Dipteryx alata Vog.): alternativa de sustentabilidad para el

asentamiento Andalúcia, Nioaque, MS

Reginaldo Brito da Costa*

Eduardo José de Arruda*

Lincon Carlos de Oliveira*

Gessiel Newton Scheidt**

Andréa Haruko Arakaki**

Raul Alffonso Rodrigues Roa***

Recebido em 03/11/03; revisado e aprovado em 25/03/04; aceito em 10/08/04

Resumo: O cumbaru (Dypterix alata Vog.) é uma espécie muito utilizada pelos animais e pelo homem, devido aosseus diversos usos. Muitas populações arbóreas presentes no cerrado foram suprimidas com a ocupação da regiãoCentro-Oeste. Neste artigo, avaliou-se o desenvolvimento inicial de mudas (progênies) do cumbaru para oestabelecimento de pomares de sementes com vistas no aumento da produção de frutos. O manejo da espécie deveconciliar, ações de conservação ambiental e de produtividade, além de proporcionar a participação da populaçãolocal na aplicação das políticas de desenvolvimento rural. Estes condicionantes contribuirão para a sustentabilidadeem várias dimensões, quais sejam: natural, social, econômica, cultural e política.Palavras-chave: Cumbaru; alternativa de sustentabilidade; Assentamento Andalucia.Abstract: Cumbaru (Dypterix alata Vog.) is a specie very utilized by animals and man because of its multiples uses.Many populations in cerrado were supressed when the agricultural limit advanced in Centro-Oeste region. In thisarticle it was measured the initial development of seedlings (progenies) of cumbaru for the establishment of seedorchards for the fruit production to increase. The management of the specie must conciliate environmental conservationand productivity actions, proportioning the participation of the local population in the application of the ruraldevelopment politics. Those conditions will contribute to the sustainable in many dimensions: natural, social, economical,cultural and political.Key words: Cumbaru; sustainable alternative; Andalucia CommunityResumen: El cumbaru (Dypterix alata Vog.) es una especie muy utilizada por los animales y por el hombre, debidoa sus diversos usos. Muchas poblaciones arbóreas presentes en el cerrado fueron suprimidas con la ocupación de laregión Centro Oeste. En este artículo, se evaluó el desarrollo inicial de mudas (progenies) de cumbaru para elestablecimiento de pomares de semillas con vistas en el aumento de la producción de frutos. El manejo de la especiedebe conciliar, acciones de conservación ambiental y de productividad, además proporcionar la participación de lapoblación local en la aplicación de las políticas de desarrollo rural. Estos condicionantes aportarán para lasustentabilidad en varias dimensiones, como por ejemplo: natural, social, económica, cultural y política.Palabras clave: Cumbaru; alternativa de sustentabilidad; Asentamiento Andalúcia.

gado e animais silvestres (LORENZI, 1998).De predominância no Brasil Central, é dis-tribuída ao longo do domínio morfoclimáticodo Cerrado (LE BOURLEGAT, 2003).

O cerrado ocupa uma área de mais de1,3 milhão de km2 do território brasileiro. Porvolta de 80% desse domínio, localiza-se nosEstados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás,Mato Grosso, Mato Grosso do Sul eTocantins, além do Distrito Federal (CEMIG,2001; ARAÚJO, 2000).

No início da ocupação do Centro-Oes-

Introdução

O aproveitamento de espécies arbóreaspelo homem para diversos fins, intensificou-se ao longo dos anos e, no caso do cumbaru(Dipteryx alata Vog.), tem-se valorizado porseus diversos usos, desde ornamental, medi-cinal e na alimentação humana e animal(ALMEIDA, 1998). Sua madeira é própriapara a construção de estruturas externas,como estacas e postes. Seus frutos são aro-máticos e, avidamente consumidos pelo

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 73-77, Set. 2004.

* Professores do Mestrado em Desenvolvimento Local -UCDB ([email protected]).** Mestrandos em Desenvolvimento Local -UCDB.*** Bolsista do PIBIC/CNPq.

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74 Reginaldo Brito da Costa; Eduardo José de Arruda; Lincon Carlos de Oliveira;Gessiel Newton Scheidt; Andréa Haruko Arakaki; Raul Alffonso Rodrigues Roa

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

te brasileiro, detinha-se um considerável co-nhecimento sobre as plantas que se perdeude acordo com a chegada de migrantes, quetraziam consigo culturas próprias. Com isso,grandes populações de notáveis recursos ali-mentares, como o cumbaru, foram des-truídas e continuam sendo desperdiçadas,necessitando ser repostas para efeito de con-servação e recuperação de áreas florestais(POTT e POTT, 2003).

Devido ao seu potencial, o cumbaruconstitui uma nova alternativa de sustentabi-lidade econômica, biológica, cultural e socialpara áreas de produção, especialmente aque-las onde estão estabelecidos assentamentosrurais, como é o caso do Andalúcia, onde ouso extrativista da espécie já se tornou umaatividade rotineira.

Os trabalhos que envolvem o melho-ramento das espécies que estão sob ativida-des extrativistas, tornam-se importantes, ten-do em vista a identificação das melhores ma-trizes e, principalmente do desempenho desuas progênies em plantios homogêneos ouconsorciados.

Nos programas de melhoramento ge-nético, o estabelecimento dos testes de pro-gênies utilizando-se material genético sele-cionado, possibilita o estabelecimento de ár-vores mais produtivas e a implantação deum pomar de sementes melhoradas (bancode germoplasma), para comunidades locais.

A predição dos ganhos genéticos seráaumentada a partir do acompanhamentodas fases de crescimento das plantas, tornan-do-se a avaliação do vigor inicial das progê-nies, importante parâmetro para subsidiaras fases posteriores que levarão a uma sele-ção genética mais acurada.

O presente trabalho objetivou avaliaro desenvolvimento inicial de progênies documbaru, quanto aos caracteres altura, nú-mero de lançamentos foliares e diâmetro docoleto, com vistas no monitoramento da fu-tura produção dos indivíduos arbóreos, au-mentando as possibilidades de oferta ecompetitividade do produto no mercado ali-mentício regional e nacional.

Material e métodos

Os frutos/sementes da espécie foramcoletados em área do Assentamento RuralAndalúcia, à 21º08’07’ latitude (S), 55º49’48’longitude (W) e altitude de 200 m, no municí-pio de Nioaque/MS. O referido assentamen-to ocupa uma área de 5 mil hectares, consti-tuída de: (1) cobertura de vegetação de morroisolado (Morro Solteiro), (2) vegetação decerradão em transição para mata, cobrindoa borda Serra de Maracaju (que contorna oassentamento) e (3) vegetação ciliar do RioTaquaruçu, importante afluente do RioAquidauana, pertencentes à bacia do Miran-da (19 km do Taquaruçu cortam o assenta-mento), região que apresenta solo do tipolatossolo vermelho. O clima é tropical semi-úmido, segundo a classificação de Köppen,apresenta índices efetivos de umidade comvalores anuais variando de 20 a 40%. A pre-cipitação pluviométrica anual varia entre1500 a 1750 mm, excedente hídrico anualde 800 a 1200mm (durante 5 a 6 meses),deficiência de 350 a 500mm durante 4 me-ses, segundo os dados do IBGE (1991).

Para realização das coletas, foi estabe-lecida como padrão de coloração, casca mar-rom, diferindo dos mais imaturos, que se apre-sentavam com casca em tom verde-pálido.

Os frutos de cumbaru foram coletadosde 25 matrizes georreferenciadas, na área deocorrência natural, respeitando uma distân-cia mínima de 100m entre elas, conforme arecomendação técnica (COSTA et al., 2000).Esta condição é necessária para diminuiçãodo grau de parentesco, o que aumenta a va-riabilidade genética do lote (BRUNE, 1981;FERREIRA e ARAUJO, 1981; SHIMIZU etal., 1982).

O experimento foi instalado em vivei-ro da comunidade, sob delineamento de blo-cos ao acaso com 25 tratamentos, 4 repeti-ções e 5 plantas por parcela no espaçamentode 40 cm x 40 cm em linhas simples, comsombreamento de 50%.

As progênies foram avaliadas aos 3meses de idade, quanto aos caracteres: alturatotal b) lançamentos foliares e diâmetro docoleto. A variável altura foi expressa em cen-tímetro e o diâmetro do coleto em milímetros.

As variáveis foram analisadas usando-se o modelo estatístico que considera todos os

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efeitos aleatórios, consistindo do seguinte:Yijk = m + pi + bj + eij + dijk

onde:Yijk: observação relativa à planta k, na

progênie i, no bloco j;m: média geral;pi: efeito da progênie i;bj: efeito do bloco j;eij: erro experimental associado à par-

cela ij;dijk: efeito do indivíduo k dentro da

parcela ij.As estimativas de parâmetros genéti-

cos e fenotípicos foram obtidas através dosoftware genético-estatístico denominadoSELEGEN, desenvolvido por Resende et al.(1994).

Os coeficientes de herdabilidade aos

níveis de indivíduo na parcela (h d2 ), média

de família (h f2 ), média de parcela (h p

2 ), in-

divíduos no bloco (h ib2 ) e plantas individuais

(h ie2 ), associados aos diferentes efeitos do

modelo linear foram estimados pelas expres-sões apresentadas por Resende e Higa, (1994).

Os coeficientes de variação genética(CVg%) e experimental (CVe%) foram esti-mados seguindo-se as formulas apresenta-das por Vencovsky (1987):

CVg (%) = σ p

X

2.100

CVe(%) = σ σe d

X

2 2+. 100

Resultados e discussão

Os resultados referentes às estimativasdos parâmetros genéticos para os caracteresaltura e diâmetro das plantas são apresen-tados na Tabela 1.

O coeficiente de variação genética, queexpressa em porcentagem da média geral aquantidade de variação genética existente,apresentou valores expressivos consideran-do-se a idade avaliada para os caracteresdiâmetro do coleto (15,2958) e lançamentos

foliares (15,6675), respectivamente. Avalia-ções sucessivas em idades mais avançadaspoderão confirmar esta tendência de expres-são genética.

Tabela 1. Estimativas de coeficientes deherdabilidade individual no sentido restrito

no bloco (efeitos aditivos - 2ah ),

herdabilidade da média de progênie ( 2ˆmph ),

variância genética aditiva ( 2ˆ aσ ), variância

ambiental entre parcelas ( 2ˆ parcσ ), variância

residual dentro de parcela (ambiental + não

aditiva, 2ˆ eσ ), variância fenotípica indivi-

dual ( 2ˆ fσ ), coeficiente de variação genética

(CVg%), coeficiente de variação ambientaldentro de parcelas (CVe%), para os caracte-res altura, lançamentos foliares diâmetro docoleto em progênies de Dipteryx alata.

Os resultados demonstram haver va-riabilidade genética na população em estu-do, tendo em vista as magnituddes dasvariâncias genéticas e das herdabilidadesobtidas. É importante salientar que sucessi-vas avaliações, monitorando o desenvolvi-mento das plantas poderão proporcionarganhos genéticos adicionais ao selecionar osmelhores indivíduos, o que reverterá em au-mento da produtividade da população de

Estimativas Altura (cm) Lançamentos Foliares

Diâmetro (mm)

( 2ah ) 0,3564 0,1352 0,1274

(2ˆmph ) 0,7469 0,4057 0,2895

( 2ˆ aσ ) 5,1858 0,0350 0,0465

( 2ˆ parcσ ) 0,3713 0,0198 0,0769

( 2ˆ eσ ) 10,9113 0,1941 0,2738

(2ˆ fσ ) 12,7091 0,2240 0,3833

Média geral 25,6726 3,0208 5,3332

(CVg%) 14,0032 15,6675 15,2958

(CVe%) 6,7702 8,5697 7,1028

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76 Reginaldo Brito da Costa; Eduardo José de Arruda; Lincon Carlos de Oliveira;Gessiel Newton Scheidt; Andréa Haruko Arakaki; Raul Alffonso Rodrigues Roa

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

cumbaru na área do Assentamento Rural.Na Tabela 2, são apresentados os va-

lores genéticos aditivos dos 6 melhores indi-víduos.

Tabela 2. Valores genéticos aditivos das seismelhores progênies com os respectivosganhos genéticos preditos e nova média dapopulação, para o caráter de altura, emDipteryx alata.

Constata-se para o caráter altura, queas progênies 1, 4, 13, apresentaram valoresgenéticos mais expressivos quando compa-rados às demais. Em decorrência disto, osganhos genéticos acumulados estão acimade 5%, sendo considerados ganhos razoá-veis tendo em vista a idade do material ge-nético avaliado.

A Tabela 3 apresenta os valores, quan-to ao ganhos genéticos preditos, para ocarácter número de lançamentos foliares.

Tabela 3. Valores genéticos aditivos das 6melhores progênies com os respectivosganhos genéticos preditos e nova média dapopulação, para o caráter número delançamentos foliareas, em Dipteryx alata.

Ordem Progênie VG1 Ganho Acum.

(%) Nova Média

1 24 0,0844 0,7307 5,3720 2 4 0,0645 0,7271 5,3722 3 13 0,0609 0,7073 5,3709 4 16 0,0519 0,4415 5,3568 5 8 0,0464 0,3725 5,3531 6 12 0,0428 0,0909 5,3381

1 Valores genéticos das progênies.

Ordem Progênie VG1 Ganho Acum.

(%) Nova Média

1 1 1,5143 5,8987 27,1870 2 4 1,2249 5,3350 27,0423 3 13 1,1875 5,0986 26,9816 4 24 1,0755 4,8713 26,9232 5 10 1,0568 4,0273 26,8845 6 16 0,9634 4,5591 26,8431

1 Valores genéticos das progênies.

as progênies de 24, 4 e 13, com os melhoresganhos acumulados, refletindo-se na novamédia da população. Estes valores encontra-dos, como aqueles contidos nas tabelas docaráter altura, estão diretamente relaciona-dos à magnitude da herdabilidade média dasprogênies (0,4057), portanto há que se espe-rar um desenvolvimento adequado para astrês progênies elencadas.

Na tabela 4, são apresentados os valo-res genéticos aditivos, quanto o caráter diâ-metro do coleto.

Tabela 4. Valores genéticos aditivos das 6melhores progênies com os respectivosganhos genéticos preditos e nova média dapopulação, para o caráter de diâmetro docoleto, em Dipteryx alata.

Em relação ao caráter diâmetro do co-leto, destacaram-se as progênies 12 e 24quando comparadas as 6 melhores. Espera-se que a seleção com base nos valores gené-ticos das referidas progênies poderá aumen-tar a futura produção de frutos do cumbaru.

Porém, ressalta-se, que duas progêni-es demonstraram valores expressivos paraos três caracteres analisados. Considerando-se que esse material genético servirá de basepara a seleção das progênies no Assentamen-to Andalúcia, é importante considerar den-tre os 6 melhores genótipos, as progênies 24e 16, podendo-se esperar que elas apresen-tem os melhores ganhos dentro desta popu-lação, contribuindo efetivamente para queos indivíduos mais produtivos possam de-senvolver todo o seu potencial genético.

Ao adotar tal estratégia, a comunida-de estará ganhando em termos de produti-vidade, o que implica melhoria dacomercialização obtida com o plantio, nosrespectivos lotes dos produtores.

Ordem Progênie VG1 Ganho Acum.

(%) Nova Média

1 12 0,1538 1,5053 3,0663 2 24 0,1183 1,3150 3,0605 3 8 0,0777 1,2551 3,0587 4 10 0,0625 1,0352 3,0521 5 2 0,0524 0,8953 3,0478 6 16 0,0524 0,6015 3,0390

1 Valores genéticos das progênies.

Nota-se que para o caráter número delançamentos foliares, os indivíduos que de-monstraram maiores valores genéticos foram

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Considerações Finais

O cumbaru, em áreas fragmentadas docerrado surge como alternativa de susten-tabilidade para a comunidade do Assenta-mento Andalucia. Um modelo de desenvol-vimento rural que inclua o componente flo-restal e extrativista deve ser consideradocomo requisitos essenciais para a manuten-ção da vegetação remanescente e para agre-gar renda às propriedades rurais, especial-mente aquelas mais carentes. Para tanto, omelhoramento das espécies nativas de inte-resse comercial torna-se uma ferramentavaliosa ao recomendar, após a seleção dosmelhores materiais genéticos a serem plan-tados no Assentamento em estudo.

O estabelecimento de um modelo agrí-cola viável que considere o componente flo-restal, neste contexto, o cumbaru, poderáconciliar ações de conservação ambiental eprodutividade, além da participação daspopulações locais na aplicação das políticasde desenvolvimento rural. Estes condicio-nantes contribuirão para a sustentabilidadeem várias dimensões, quais sejam: natural,social, econômica, cultural e política.

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Relatos:entre a práxis e os conceitos

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Os recursos culturais do povo Tuaregue diante dos desafios do desenvolvimento*

The cultural resources of the Tuaregue people before the challenges of developmentLos recursos culturales del pueblo Tuaregue frente a los desafíos del desarrollo

Issyad Ag Kato**

Resumo: O presente relato, mostra um pouco da história e organização social das comunidades nômades tuaregues,que habitam o deserto de Sahara, abrangendo vários países do continente africano. Conta as origens e o processo deformação da identidade tuaregue, a resistência cultural ao processo de colonização francesa e a luta atual para sedesenvolverem como unidade integrada, frente à rachadura territorial imposta pelos Estados nacionais criados peloscolonizadores, apoiando-se nas potencialidades da própria cultura e das riquezas de seu espaço de vida, com apoiode algumas organizações internacionais simpatizantes.Palavras-chave: cultura; resistência cultural; desenvolvimento local.Abstract: The present account shows a little of the history and social organization of the Tuaregue nomadic communitieswho live in the Sahara desert, reaching into various countries of the African continent. The process for the formationof the Tuaregue identity has in its origins cultural resistance to the French colonization process and the current struggleto develop as an integrated unit, facing the territorial break imposed by the national States created by the colonizers,seeking support from their own cultural potentialKey words: culture, cultural resistence, local development.Resumen: El presente relato, muestra un poco de la historia y organización social de las comunidades nómadastuaregues, que habitan el desierto de Sahara, abarcando varios países del continente africano. Cuenta los orígenes yel proceso de formación de la identidad tuaregue, la resistencia cultural al proceso de colonización francesa y la luchaactual para desarrollarse como unidad integrada, frente al agrietamiento territorial impuesta por los Estados nacionalescreados por los colonizadores, apoyándose en las potencialidades de la propia cultura y de las riquezas de su espaciode vida, con apoyo de algunas organizaciones internacionales simpatizantes.Palavras clave: cultura; resistencia cultural; desarrollo local.

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, p. 81-88, Set. 2004.

* Tradução: Cleonice Alexandre Le Bourlegat e André Joseph Le Bourlegat** Issyad Ag Kato é um líder tuaregue e antigo dirigente militar durante a época da guerrilha contra o Estadonigeriano, entre 1990 e 1996. Atualmente é encarregado de Missão, junto ao Presidente da Assembléia Nacional doNiger. Presidente da Associação Tuaregue Vida e Desenvolvimento Sustentável – TEDHILT, membro do GabineteExecutivo do Congresso Mundial Amazighe (bérbere) e membro fundador da Fundação de Desertos do Mundo.Presidente da ONG TEDHILT, BP - Niamey – Niger – África ([email protected]).

Introdução

O mundo transformou-se em uma al-deia. As trocas, apesar das distâncias, passa-ram a serem feitas em tempo real. As preocu-pações podem ter sido divididas, mas o desti-no dos homens é indivisível. Todas essas ver-dades nos levam, cada vez mais, a dividirtudo. Nesta dinâmica planetária, cada co-munidade, cada povo, cada país, cada conti-nente, apresenta-se com sua personalidade,seu potencial, suas forças e suas fraquezas.Estas são suas armas, nesta batalha do de-senvolvimento econômico mundial, em queas necessidades crescem mais rapidamenteque os meios para saciá-las. Mas é por seapresentar de forma tão global, que o desen-volvimento sustentável passa, obrigatoria-mente, pelo desenvolvimento local. É dasoma coerente dos desenvolvimentos locaisque se faz o desenvolvimento global. É aquique os vários tipos de comunidades e suasascendências históricas intervêm, misturam-se e se entrelaçam. Qual deve ser essa parti-cipação? Sobre o que elas podem se basear?

A nação tuaregue não está sozinhanesta batalha. Com o objetivo de avaliarmosmelhor suas chances nesse mundo, visitare-mos seu passado e, então conheceremos seuquadro de vida atual e, finalmente, exami-naremos suas perspectivas de futuro. Esseexame é tão necessário, quanto o destino dostuaregues é particular. Quem vive nessemundo, poderia estar sob o risco de viver semeles, não fosse um último sobressalto desobrevida e a simpática atenção dos amigosdo mundo inteiro.

1 Evolução histórica da Nação Tuaregue:quem é o homem tuaregue?

Os termos, “tuaregue” e “berbere”pelos quais nos chamaram, os árabes e oseuropeus, são estranhos à nossa língua e assuas conotações são contrárias aos valores evirtudes contidas no termo, pelo qual desig-namos a nós mesmos. De fato, nós nos cha-mamos por imajighane e nossa língua detamajakht. Nesses vocábulos, colocamos umdos sentidos da liberdade ou da independên-

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 9, Set. 2004.

cia que escapa a muitos outros povos. Estaliberdade ou independência que concerne aimajighane só pode ser conferida por um com-portamento impregnado de nobreza, de res-peito profundo aos valores sagrados huma-nos, os mais sagrados. Tornamo-nos amajighao final desta dialética bastante árdua. Mes-mo se já nascemos amajigh, a luta durantetoda nossa vida consiste em permanecer as-sim; é um estado que se merece e contraria-mente a tudo o que é muitas vezes difundi-do, não nos tornamos assim, apenas pelo fioda espada. A tirania desaparece nesta situa-ção. Ao contrário, é a retidão, a legitimida-de e o senso do dever que nos ancoram. É asociedade inteira que nos julga, baseada emseus valores e que nos reconhece como tais.Só podemos estar aptos a regulá-la, dirigi-lae defendê-la, quando encarnamos seus va-lores mais sagrados. A gestão do mecanis-mo de enobrecimento de um indivíduo, fa-mília ou clã, é confiado a um dos elos inte-grantes do tecido desse corpo social tuare-gue, a quem cabe o papel de administrar acensura social.

2 A arquitetura social da identidadeTuaregue

É difícil falar do corpo social e de seuscomponentes sem se alongar muito. Retenha-mos de uma forma sintética, que o esqueletosocial tuaregue é estruturado, com base nosseguintes corpos, citados abaixo:• O corpo dirigente, a quem é confiado o

exercício do poder executivo e que é assimi-lável à aristocracia clássica. Os membrosdesse corpo são chamados imajighane.

• O corpo dos religiosos, a quem é confiadoum papel próximo daquele de um clérigoclássico, sendo chamado de inislimane.

• O corpo das disciplinas, que agrupa todosos homens livres que constituem o prolon-gamento armado do poder executivo, sen-do chamados de imghad.

• O corpo dos homens de ciência, que de-tém a tecnologia e o saber terrestre. Eles sechamam inadane. É a eles que é confiada atarefa da censura social. O seu papel émoldável, à vontade daqueles que dirigem.Eles estão a seu serviço.

• A classe servil constituída, de início porhomens estrangeiros à sociedade (contro-

lados no decorrer da marcha de conquistado povo tuaregue), mas que são integra-dos, pouco a pouco, segundo suas aptidõesem adquirir as características de nobreza.Nos tuaregues, um homem é livre, quan-do deixa de ser um perigo à sociedade, peloseu comportamento. A classe servil é, mui-tas vezes, repartida entre as outras clas-ses. Tarefas subalternas lhe são confiadas.Esta classe é composta de eklan (derivativode takwalt: cor preta).

O funcionamento desta estrutura ébastante complexo. Lembremos somente quecada elo desta corrente é útil a todos os ou-tros e, que é a solidariedade do conjunto queconstitui o mundo tuaregue. Se um só des-ses elementos faltar, esse mundo é amputa-do. Como veremos adiante, o enfraquecimen-to atual do povo tuaregue é conseqüênciade disfunções observadas desde o inicio doséculo XX, ocasionadas pela dominação co-lonial. Foi a partir daí que a trama do desen-volvimento foi perturbada. A regulação dasociedade não se faz mais baseada em re-gras originais. Outros vieram impor as suas,sem conseguir assentá-las até hoje, mesmotendo se dado desde há tanto tempo, diantede uma resistência tuaregue bastante tenaz.

3 A civilização Tuaregue: um caminharmilenário

Um rápido histórico do caminhar dopovo tuaregue, nos levaria fora da África,para chegar nos altos planaltos mongóis ena antiga Mesopotâmia, ou na antigaFenícia, portanto, um conjunto de origensque nos colocam no centro da Ásia. A Euro-pa nos acolheu muito mais tarde, num mo-vimento migratório levado a oeste. Estasmigrações milenares conferiram nossas ori-gens indo-européias. Mas voltemos à Áfri-ca, que se tornou definitivamente o moldede nossa identidade atual. O império egíp-cio foi o início de nossa odisséia africana. Defato, foram as dinastias destituídas do po-der, que fundaram o Império Líbio, há 300anos AC. O novo império estendia-se do atualvale de Siwa, no oeste egípcio, até o oceanoAtlântico ao oeste. O limite sul foi, pouco apouco, delimitado pela migração lenta e pro-gressiva. O cenário desse movimento migra-tório foi o Sahara central, que foi e perma-

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nece o berço da civilização tuaregue, no qualmisturaram-se raças amarelas, brancas enegras, e que finalmente deram lugar a essaformidável mistura racial, unida em tornoda mesma identidade e, cuja âncora é a lín-gua tamajakht, escrita com o alfabeto que noslegaram nossos originários fenícios e que, sechama tifinagh.

O primeiro imperador a reinar sobre oImpério Líbio chamava-se Ifriquos, nome queveio da armadura de ferro com a qual o im-perador esteve sempre vestido, formado devárias tifareghene (peças forjadas e trabalha-das em ferro que entram no conjunto de umaarmadura). Os árabes transformaram essenome em ifriquia. As primeiras crônicas quepermitiram aos europeus conhecerem a Áfri-ca, chegaram até eles pelos árabes e todasfalavam a respeito desse personagem. Não éproibido pensar que o nome do continenteveio daí.

4 A Nação Tuaregue: origens dadesestabilização

Essa bela história começou a ser aba-lada pelas conquistas e invasões estrangei-ras, principalmente a conquista islâmica,conduzida pelos árabes vindos da penínsu-la arábica, a partir do século VII de nossaera. A chegada desses povos conquistado-res dispersou o conjunto tuaregue e o em-purrou tanto para o sul do Sahara, comopara os maciços montanhosos do Sahara epara a costa mediterrânea. Uma boa parteda nação tuaregue foi anexada desde comtodas as seqüelas que acompanharam essaanexação. A parte deles que resistiu conse-guiu, muito mais tarde, recompor a naçãotoda, ao longo do Sahara central. Ostuaregues adotaram o Islã, muito tempo de-pois, no século IX, graças ao método pacífi-co dos Fatimidas (descendentes diretos doProfeta Mensageiro Mohamed – OSL), quenão procuraram nos despersonalizar, ao sefundar como povo. Desde esta época, ostuaregues tornaram-se muçulmanos, masnão perderam a sua identidade. Nessaosmose, o Islã foi quem mais se adaptou ànossa civilização, cujos valores foram aque-les já apregoados. Os tuaregues tornaram-se os porta-bandeira dessa religião, na partemeridional do Sahara, o Sahel.

5 Os efeitos devastadores da colonizaçãofrancesa

A história recente da nação tuareguefoi marcada pela colonização européia, prin-cipalmente a francesa, durante a primeirametade do século XX. Após resistir ao avan-ço colonialista, os tuaregues vencidos mili-tarmente entre 1904 e 1918, suportaram eainda hoje suportam os efeitos perversos dacolonização. Assim que seu território foidescolonizado, ele foi recortado da África doNorte à África do Oeste. Desse modo encon-traram-se divididos entre a Argélia, a Líbia,o Niger, o Mali e o Burkina Faso. Em cadaum desses paises, os tuaregues ocuparam asposições sociais mais desconfortáveis, colo-cados em uma situação de parias e de intru-sos. Ninguém mais quer saber deles. Quasesempre são considerados cidadãos de segun-da classe, sendo vítimas de todo tipo deopressão. O colonizador convenceu os po-vos com os quais ele passou a se relacionar,de que os tuaregues seriam homens diferen-ciados, acometidos por todos os pecados deDavi e ainda de que sua identidade seria in-compatível com os modelos de nações ins-tauradas. Foram considerados, até mesmo,antídotos; inimigos jurados, uma identida-de que eles deveriam fazer desaparecer, aqualquer custo. Não tendo atingido esse in-tento, o colonizador conseguiu prolongar seudomínio sobre a nação tuaregue, atravésdesses Estados constituídos por diversas pe-ças, desrespeitando o equilíbrio geopolíticonatural anterior desses povos.

Nosso erro em relação aos franceses foi,o de contarmos com um sistema político,administrativo e social elaborado, assimilávelaos modelos ocidentais, ao menos o maisprocurado. Saímos, portanto, dos conceitossimplistas que tem os europeus sobre a Áfri-ca, para nos tornarmos potenciais concor-rentes nessas terras, cheias de riquezas na-turais, que os impérios europeus decidiramtransformar em suas reservas. Militarmentevencidos, os tuaregues tornaram-se alvo detodas as estratégias destrutivas da adminis-tração colonial. O resultado, após varias de-cênios, foi o esfacelamento de seu tecido so-cial, tanto no plano da organização estrutu-ral e institucional, quanto nos planos políti-co, administrativo, social e econômico. Os

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tuaregues não contam mais com território,no qual possam exercer o pouco de poderque lhes sobra. A gestão coletiva da comu-nidade passou à mãos do dominador. Tor-naram-se vulneráveis e à mercê de todos osperigos, tanto humanos quanto naturais. Seusistema desarticulado não pode maisprotegê-los eficazmente.

6 Uma nova era no horizonte 

Hoje, ainda há uma sociedade tuare-gue, num olhar mais otimista, que tenta semanter nesse ambiente mundial difícil. Atra-vés de um último sobressalto de orgulho ede sobrevida, graças à matriz de sua civili-zação, felizmente ainda viva, ela reconstrói,vagarosamente, um novo mundo tuaregue.Como veremos mais abaixo, ao redor dessasrelíquias, pode se obter a visão moderna eadaptada às exigências do nosso mundoatual. Isto tem sido possível, graças à solida-riedade internacional, que vem se sensibili-zando cada vez mais com essa civilização,desde a revolta armada ocorrida na últimadécada, e dos esforços diplomáticos queacompanharam o destino dessa civilizaçãomilenar e de algumas opiniões internacio-nais. No conjunto dos países nascidos da“balkanização” da nação tuaregue, ostuaregues, hoje, representam de 5 a 6 mi-lhões. Eles vivem num espaço econômico ricoe detêm capitais importantes. Os tuareguespodem, dessa maneira, serem atores econô-micos, ocupando um lugar de destaque nabatalha do desenvolvimento. É por esse mo-tivo, que pretendemos integrá-los, valorizan-do seu potencial cultural e sócio-econômico.

Quais seriam os mecanismos culturaisainda salvaguardados que tornariam ostuaregues aptos a participar do processo dedesenvolvimento, infelizmente mundial,através de um desenvolvimento local com-patível com as exigências normativas do de-senvolvimento sustentável?

7 A gestão dos territórios tuaregues: umsistema dinâmico adaptado ao seu qua-dro e ao seu modo de vida

Povos postos à prova desde suas ori-gens, diante da adversidade da natureza, osimajighane souberam se dotar, ao longo dos

séculos, de mecanismos sofisticados de regu-lação e gestão de seu capital econômico.Apesar de terem sido submetidos ao pior,pelas desonras vistas acima, esses mecanis-mos lhes servem ainda para permanecer emharmonia com o seu meio físico, social e eco-nômico. Veremos a seguir, a gestão territo-rial compartilhada em todas as escalas daestrutura social.

Desde o início, o povo “tuaregue” sou-be que o meio físico no qual ele vive, consti-tui sua principal riqueza. Principalmente, naqualidade de pastores nômades, osimajighane sabem que devem viver em har-monia com esse meio, que acolhe a eles e seusrebanhos, e que ainda lhes fornecem os meiosde subsistência, em quantidade e qualidade.É a única prova de um desenvolvimento lo-cal sustentável. Esse meio é constituído dedesertos, oásis, de planícies e montanhas.Cada um desses elementos é o objeto de umestudo diferente. Todo deslocamento em seuinterior visa respeitar o equilíbrio ecológico.

O conjunto do espaço territorial per-tence à nação. A noção de propriedade fun-diária individual não existe entre os tuare-gues. É substituída por uma noção próximade concessão. Entretanto a cadeia de respon-sabilidades inicia-se no indivíduo, passandopela família, pelo clã, pela tribo, pela fede-ração, pela confederação e acaba na nação,ela sendo a responsável diante do cosmos,devendo-se respeitar seu equilíbrio. Cada eloda cadeia deve respeitar as normas de ges-tão elaboradas pelo escalão superior. Dian-te do bem comum, nenhuma tolerância éadmitida. Deste modo, o micro espaço con-cedido é objeto de uma gestão rigorosa. Nin-guém tem interesse a ser chamado à aten-ção pela Assagawar (Assembléia constituin-te) do nível diretamente acima, para prestarconta de um mau comportamento. Os ele-mentos, entendidos como recursos nesse ter-ritório, são, geralmente, a pastagem, a flora,a fauna, a água, as árvores, os produtos dacoleta, etc.

O ciclo dos deslocamentos é regula-mentado, de maneira que o equilíbrio ecoló-gico seja preservado. A cada estação, cor-responde um percurso e um espaço bem de-terminado. Durante o período frio, por exem-plo, os deslocamentos internos são limitados,em favor dos deslocamentos exteriores, em

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direção dos vizinhos, para as trocas econô-micas. A estação de inverno é aproveitadapara o deslocamento e a convergência doconjunto dos corpos sociais em direção auma zona de reagrupamento. É a estaçãodos encontros, das conversas coletivas, dosintercâmbios e das manifestações festivas. Acomunidade fica dispensada das tarefas daágua e da pastagem, ela pode se reencon-trar para os balanços e as perspectivas davida coletiva, em todos os níveis. Durante aestação seca, é observado todo rigor neces-sário para gerir as pastagens e os recursos, afim de atravessar este período de união,muitas vezes difícil. O acesso a certos recur-sos, como as gramíneas selvagens e a colhei-ta, condenado durante o período de abun-dância é autorizado nesse período.

A furação dos poços dentro dos espa-ços tribais, intertribais, federais, interfederais,confederais e interconfederais, respeita umcódigo de rede, muito bem elaborado. Nãohá lugar para o improviso. Os limites terri-toriais apesar de serem invisíveis ao mundoestrangeiro estão muitos bem marcados e sãoconhecidos dos tuaregues. A exploração dospontos de água é livre, porque a água é avida e, recusá-la mesmo ao inimigo, é con-trario ao código “tuaregue”, mas está sujei-ta a um código. Em geral, os poços são cava-dos nos limites territoriais para facilitar oacesso. No momento de sua utilização, cadatribo orienta a polia em direção a seu terri-tório, de modo que o uso ligado ao percursocotidiano, seja suportado pelo seu espaço.A tribo vem e volta ao seu acampamentosempre pelo mesmo caminho. Evitamos as-sim, conflitos e usurpações abusivas.

A tribo é responsável por seu espaço,sob todos os aspectos. Ela explora todos osrecursos que possui. Ela não tem o direito deceder sua concessão a uma comunidade es-tranha à sua nação. Mas ela pode acolheruma tribo da mesma federação, ou não, enesse caso, ela recebe uma notificação donível superior. Por outro lado, a vigilânciamilitar desse espaço lhe é atribuída. Entre-tanto a iniciativa de guerras defensivas, emcaso de invasão, é de responsabilidade donível superior, que reúne os meios necessá-rios a esta defesa e, assegura a coordenaçãodo corpo de defesa.

Em caso de violação deste funciona-mento, voluntariamente ou por negligência,

a tribo é passível de desterritorialização. Agestão do espaço lhe é retirada. Paga suainaptidão, sendo obrigada a emigrar. Masas regras confederais mobilizam a federaçãovizinha para acolhê-la, arranjando-lhe umasilo. Entre os nômades assim como todaágua é a vida Aman iman, a situação de umterritório é vital para o exercício da liberda-de. A perda da gestão do território por umatribo, de modo geral, não é definitiva. Apósum tempo de exclusão, reexaminamos seucaso, avaliando seu comportamento dentroda federação anfitriã. Podemos, então, con-ceder-lhe novamente um território. Duran-te seu período de castigo, a tribo designadapelo termo tamangart (aquela que é adota-da, que se apóia em alguém já que esta en-ferma) não goza mais da liberdade de selocomover.

As faltas que podem lhe levar a estaexclusão poderiam ser de várias naturezascomo, por exemplo, ceder sem autorização,o seu direito a um corpo estrangeiro; umamá vigilância que tenha implicado em umincêndio na mata, num uso abusivo da pas-tagem ou de outros recursos naturais, a re-cusa de socorro a uma tribo vizinha em difi-culdade, etc. Só o assagawar é habilitado ajulgar essas situações e deliberar, segundo ointeresse geral.

8 A gestão do meio: previsão e regulaçãodas crises climáticas

É no conjunto do espaço territorial quesão repartidas as zonas reservadas à segu-rança alimentar dos homens e dos animais.Na antiga Tamajakht o termo “agdal” desig-na essas zonas. Ele significa literalmente “in-terditado”. Na atual cidade de Rabat, noMarrocos, existe um bairro que se chamaagdal e que tem o nome de uma zona reser-vada aos reis, aos reis Amazigh que reina-ram nesta parte do território marroquino, emuma época longínqua.

Estas zonas são efetivamente interdi-tadas para exploração, durante os períodosde abundância. As comunidades as utili-zam, durante os períodos de reagrupamen-to, na estação seca ou durante as secas. Nes-ses momentos o acesso é admitido, mas sepermanece submetido a uma disciplina ri-gorosa. Nos períodos de seca, assiste-se ao

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desaparecimento de certas regras que regemo ciclo dos movimentos de transumância emtodos os níveis. Em sua amplitude e sua fre-qüência, os deslocamentos dos homens e dosanimais são modificados, para permitir umaocupação adequada do espaço útil e, parachegar às reservas, situadas, na maioria dasvezes, nas montanhas e nos oásis, onde aágua e as pastagens são protegidas peloscaprichos da natureza. Os territórios explo-ráveis são abertos a todo mundo. As comu-nidades ajustam-se às circunstancias e osmodos alimentares mudam. Os animais quenão podem suportar este período difícil sãotrocados ou vendidos. A desestocagem tor-na-se a regra.

9 A Nação Tuaregue e seus vizinhos:uma solidariedade fundamenta sobre acontrovérsia

Foram as secas que, entre outras coi-sas, levaram o povo “tuaregue” a estenderseus territórios em direção ao sul. Algumasvezes isso se deu em meio à violência. Masem geral, a convivência com as comunida-des do sul, foi reciprocamente vantajosa. Defato, as produções de nossas comunidadessão complementares. As do sul, fornecemcereais às do norte, que em contrapartida,fornecem produtos de criação. Durante suapassagem para o sul, os animais adubam osespaços cultivados.

O povo tuaregue e seu território ser-vem de ligação às comunidades do sul emdireção do grande norte, o Magreb. Foi as-sim que nasceu o comércio transahariano.Nessa corrente de intercâmbio, é evidente,que o papel dos tuaregues é capital, dada aposição geográfica estratégica de seu ter-ritório.

O que acabamos de passar em revistaé uma idéia da organização social, adminis-trativa e econômica dos tuaregues no planointerno e externo. Esse sistema funcionoubem, durante os séculos passados, enquan-to os tuaregues dependiam deles mesmos emseu território e quando o conjunto do esque-leto social intacto funcionava sem tropeços.

10 Os quadros estatais atuais: a necessi-dade de reformá-los

Como já mencionamos antes, os tuare-gues saíram enfraquecidos do processo co-lonizador. A sociedade foi desestruturada,suas capacidades de regulação, em temponormal ou em tempos de crise, foram am-plamente amputadas. A classe dirigentefoi dizimada. Os outros corpos vagueiam semcoordenação, num espaço, cuja gestão foientregue a Estados, que estão longe de assu-mi-los com eficiência. O povo viveu sucessi-vamente, a conquista, a ocupação colonial,a pacificação, a normalização, tendo comopano de fundo, a expropriação territorial.Fechado em si mesmo, os povos tuaregues,privados de iniciativas, a não ser aquela re-lativa à sua sobrevivência mínima, e sob do-minação, passaram a lamentar a perda deseu elaborado sistema de gestão coletiva ede desenvolvimento.

Hoje os tuaregues fazem parte de umconjunto de Estados, moldados sob medida,no que se diz respeito à configuração geo-política pretendida pelo colono; voltados aoatendimento de seus interesses específicos.O sistema de gestão desses Estados não fazreferência, em nenhum lugar, aos nossosvalores culturais e aos nossos conceitos dedesenvolvimento. Ele também não está rela-cionado com normas modernas, nas quaissupõe-se que o mesmo se inspire. Hesitantesentre as nossas tradições alteradas e umahipotética modernidade, os tuaregues sofremo martírio e a miséria.

As políticas e orientações econômicasde nossos Estados e os modelos decorrentesde desenvolvimento vão, de derrota em der-rota, enquanto os atrasos só se acumulam.Neste contexto local, já difícil pelos motivosque acabamos de mencionar, o mundo evo-lui e dita suas regras. Pretendemos, portan-to, falar agora, de um desenvolvimento sus-tentável que tenha como pano de fundo aglobalização. Com economias híbridas, po-líticas econômicas impertinentes, modelosde desenvolvimento pouco eficazes, modosoperacionais inoperantes, quais seriam nos-sas chances, nesta louca corrida em direçãoao crescimento econômico?

Para conseguirmos nossa entrada nes-se novo cenário mundial de desenvolvimen-

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to, nossos Estados deverão, obrigatoriamen-te, operar reformas, que levem em contanossos potenciais culturais, por muito tem-po, ignorados e ridicularizados, relegados aesquecimentos. Por isso, o Niger, por exem-plo, cujo sistema é centralizado ao extremo,desde sua criação, deve soltar as amarras,para permitir às suas comunidades, entreelas o povo tuaregue, usar de seu potencialcultural e seus sistemas de gestão tradicio-nal, para poderem se integrar, em sua mar-cha para o futuro.

A descentralização, enquanto sistemade administração, pode permitir ao nossopovo encarregar-se de si mesmo, recorren-do aos seus potenciais. Uma vez estabeleci-da, o Niger pode se orgulhar de dispor deum modelo de desenvolvimento territorial,que responde às aspirações de seus povos.Desse modo, os mesmos estariam se recon-ciliando com suas identidades, que queriammassacrar, em benefício de um modelo denação bastarda e sem alma. O Niger pode-ria dessa maneira, e enfim, dispor de umcódigo rural que fosse a soma dos modos tra-dicionais de gestão dos territórios. O conjuntodo potencial econômico poderia, enfim, serexplorado como conhecimento, para umdesenvolvimento sustentável.

11 A sociedade civil tuaregue: mutaçãopara uma melhor abertura para o mundo

Apesar de abandonada a si mesma, hádecênios, a comunidade tuaregue dispõe domínimo para se envolver nessa marcha domundo, pelo pouco que ela se beneficia dasolidariedade internacional. Há uma déca-da, a sociedade civil tuaregue viu nascer emseu seio, organizações e associações de de-senvolvimento, que se empenham na melho-ria do uso dos recursos locais para um de-senvolvimento endógeno, por meio de umaorganização moderna do tecido social. Estatransformação voluntária respeita as estru-turas tradicionais da sociedade, assim comoseus modos de produção.

Assim, a exploração do gado moder-niza-se cada vez mais e se adapta ao novocontexto. As produções agrícolas e olerícolasdos oásis estruturam-se cada vez melhor, nãosó para melhorar o sistema de exploração,mas também para uma produção variada e

de qualidade, respondendo à demanda lo-cal, às necessidades do mercado nacional einternacional. Nosso artesanato, um dosmelhores do mundo, articulado em torno deuma produção cada vez mais bem estrutu-rada, conquista o mercado mundial, poucoa pouco. Nossos criadores organizam-se emcooperativas, para abocanhar mercados degado e dos produtos derivados da pecuária,em nossas cidades e mesmo fora de nossasfronteiras.

Todas essas organizações, nascidas,principalmente, da dinâmica revolucionáriainspirada nos movimentos armados da ulti-ma década, criaram uma nova era de de-senvolvimento, baseada no potencial local.O Estado desorganizado e regulado pelaslutas de interesses dos clãs, no lugar do de-senvolvimento das comunidades, acaboupor se deixar ficar distanciado dessas. Já acooperação descentralizada com as regiõesamigas da Europa, ocupa cada vez mais esseespaço.

12 O desenvolvimento local das regiõestuaregues com a solidariedade interna-cional

A sociedades civis, mencionadas aci-ma, conseguiram, há algum tempo, atrair asolidariedade internacional, de uma formareduzida, mas eficaz. Podemos mencionaraqui os programas locais estabelecidos pelaspopulações locais, graças à ajuda de peque-nas associações benevolentes ocidentais. Es-tes programas, verdadeiras fontes de inter-câmbios de pesquisas, envolvem todos osdomínios do desenvolvimento, tais como ossetores sociais, setores dos comerciantes, dacultura, etc. Eles obtêm resultados muitopositivos, em pouco tempo e com meios li-mitados. Fazendo um exame, descobrimosque o segredo de seu sucesso deve-se ao mé-todo de estudo. De fato, quanto mais as po-pulações se envolvem na trama do desen-volvimento, principalmente na concepção,operação e avaliação dos programas que osenvolvem, mais os resultados são satisfató-rios e condizentes com as necessidades dedesenvolvimento das comunidades. Nestaforma de colaboração, há um apelo aos seussistemas tradicionais de gestão e de explora-ção. Muitas vezes, incorporam a especiali-

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dade das pessoas que vieram auxiliá-los.Antes, os grandes programas de desenvol-vimento elaborados pelo Estado e as insti-tuições multinacionais, não arriscavam per-guntar aos beneficiados sobre suas capaci-dades intrínsecas e suas aspirações. Os bu-rocratas decretavam que eles não tinham vozno capítulo. Eles pensavam no seu lugar.Está aí como todos estes grandes programassó conseguiram enriquecer aqueles que osiniciaram, financiaram e os executaram.

Na região de Agadez, por exemplo, acooperação descentralizada com a região daCosta de Armor na França, obtém, atual-mente, resultados apreciáveis e duráveis,pela simplicidade do contato e do grau deimplicação das populações beneficiadas.Assim os acampamentos, objeto de suas in-tervenções, melhoraram as suas técnicas tra-dicionais de proteção ao meio ambiente e aforma de criação de gado. A segurança ali-mentar foi reforçada, e a poupança tradicio-nal desenvolvida. A população tomou cons-ciência de suas próprias capacidades e asmobilizam para si mesma. Ela passou a terconfiança em seus amigos, que vem de lon-ge para apoiá-la. Já o Estado e seus repre-sentantes obtêm efeito contrário. De fato, aspopulações nômades tuaregues ainda guar-dam na lembrança, os impostos que elaspagaram à força, nos anos 1960, que servi-ram para lançar as bases da economia naci-onal, mas que não foram investidos nas zo-nas nômades. Elas vivem ainda, a experiên-cia da exploração das riquezas mineiras deseu subsolo e das quais não se beneficiaram.É assim que o Estado ficou desacreditado.Para essas populações, nada de positivopode vir do Estado. A confiança perdida nãovoltará tão cedo.

Conclusão 

A conclusão deste longo discurso podeser feita em algumas palavras. Nesta novaera de mundialização e de desenvolvimentosustentável, em que as relações entre os po-vos mudam cada dia, a uma velocidade fe-nomenal, o povo tuaregue dispõe de umpotencial cultural, humano, econômico, so-cial e institucional, confiável e eficiente.Muito tempo em hibernação, diante de umséculo de desonras e instabilidade, ainda lheresta a matriz, que pode servir de ponto deapoio para o desenvolvimento local, quepode ser conduzido e controlado pelas pró-prias populações. Se tiverem a iniciativa daconcepção e execução, os programas locaisde desenvolvimento terão a eficiência quepoderão torná-los, elegíveis, na corrida paraum desenvolvimento sustentável global. Sea cooperação internacional privilegia esteeixo, há esperanças esperança de instalaçãode uma verdadeira era de desenvolvimento,que valorize as potencialidades locais. Paraque estas últimas possam se exprimir verda-deiramente, é preciso que as comunidadesbeneficiem-se de uma margem de manobrasuficiente, que só a descentralização do po-der de decisão pode lhes conferir. Não ha-verá desenvolvimento local sem poder dedecisão local e não haverá desenvolvimentosustentável global sem desenvolvimentos lo-cais voluntários e respeitosos dos valores lo-cais. É então necessário que as populaçõeslocais gozem de uma autonomia política, quelhes permitam se encarregarem de uma di-nâmica nacional harmonizada e reguladapor um Estado menos pesado e que se voltede uma forma resoluta para o desenvolvi-mento de seus valores locais.