somatização e sintomas físicos inexplicados para o médico de família (1)
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Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para o Médico de
Família e ComunidadeHélio Rocha
Psiquiatra
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFC
Marlene, 27 anos, solteira, professora na cidade de CoronelFabriciano (50 mil habitantes), em Minas Gerais, mora com a mãe(seu pai morreu quando estava com 17 anos) perto da ESFManguinhos. Há cerca de dois meses Marlene vem procurando, todasemana, o atendimento da ESF, sendo atendida por diversas pessoasda equipe, sempre dizendo que está “passando mal”, embora nuncase verificasse nenhuma alteração de pressão ou de qualquer outrosinal vital. Devido às queixas persistentes, Marlene foi encaminhadapara uma consulta médica, em que revelou apresentar sensações denervoso, de medo sem objeto definido e um pouco de desânimo, queela ainda consegue combater a duras penas e ir trabalhar. Tem doisfilhos de dois namorados diferentes e nenhum dos dois assumiu apaternidade. A mãe ajuda na criação, mas se intromete muito.História de crises de enxaqueca há vários anos, pioraram há umano. Não apresenta alteração ao exame físico. Nega uso de álcool,tabaco e outras drogas. Não tem ideação suicida.
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFCFrancisco, 36 anos, morador da periferia de Porto Alegre,
casado há três anos, trabalha numa loja de material de construçãocomo vendedor há oito anos. Estava andando de ônibus quandocomeçou a se sentir mal, com aperto no peito, coração disparado,pressão 140 por 90 mmHg e sensação de que “ia ter um treco”.Procurou o pronto-socorro, onde foi realizado o eletrocardiograma(ECG) com dosagem enzimática para diagnóstico de infarto agudodo miocárdio (IAM), não apresentando nenhuma alteração nosexames. Orientado a procurar atendimento ambulatorial, foi a umcardiologista, que solicitou prova de esforço. O exame não acusoualteração e Francisco foi medicado com bromazepam pelocardiologista. Apesar do posto da ESF ficar perto de sua casa, ele esua esposa nunca tinham ido lá. Uma semana após ter ido aocardiologista, Francisco apresentou nova crise com as mesmascaracterísticas e, orientado pela agente comunitária, foi à unidadeda ESF.
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFCMárcia, 46 anos, ensino fundamental
incompleto, dona de casa, moradora da periferia deFortaleza, há cinco meses vem sentindo cansaço,fraqueza, sem ânimo para as atividades diárias eperdeu 6 quilos em três meses. Não conseguedormir direito. Procurou o posto da ESF e conseguiuser consultada no mesmo dia. Chorou durante aentrevista, relatando problemas com o marido queperdeu o emprego há seis meses e que voltou a beberdemais. Relatou também saudades do filho que nãovê há dez meses, porque ele mora na Rocinha, noRio de Janeiro, e tem uma vida muito difícil.
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFC
Saber lidar com pacientes que recebem otítulo de “poliqueixosos” auxiliará o MFC aabandonar rótulos preconceituosos e a percebere lidar com queixas tão comuns e tão malcuidadas, reconhecendo, por detrás delas,histórias de vida que merecem apoio, tanto nosentido humano como clínico.
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFCRazões para o MFC atender estes casos:1) Incidência;2) Os próprios pacientes identificam o MFC como
alguém que pode ajudá-los;3) Encaminhamentos a serviços de saúde mental são
pouco eficazes.A referência prematura ou o excesso de
investigação propedêutica reforçarão um ciclo quepode cronificar estas queixas, sem resolver oproblema do paciente, aumentando gastos dosistema de saúde.
Somatização e Sintomas Físicos
Inexplicados para MFC
Na concepção contemporânea, o conceito desomatização é definido por uma tendênciapessoal a se apresentar e comunicar queixassomáticas diante de estresse psicossocial, quegeram sobrecarga pessoal e no sistema de saúde.
Somatização e Transtornos Mentais
ComunsTranstornos Ansiosos e Depressivos são
acompanhados de diversos sintomas físcos:
Cansaço;
Astenia;
Fadiga;
Palpitações;
Dores;
Dispnéia;
Sudorese de extremidades.
Somatização e Episódios Depressivos
Episódios depressivos (únicos ourecorrentes) são diagnosticados mediante apresença de, no mínimo, dois dos seguintessintomas:
Humor anormalmente deprimido por quasetodos os dias;
Perda de interesse e prazer em atividades;
Energia diminuída.
Somatização e Episódios Depressivos
Presença de um ou mais sintomas (perfazendo, comos anteriores, o total de no mínimo quatro) da seguintelista também indica diagnóstico de episódio depressivo:
Perda de auto-estima;Sentimentos exagerados de culpa;Pensamentos de morte ou suicídio;Perda de concentração;Lentificação ou agitação psicomotora;Alterações do sono;Alterações do apetite.
Os sintomas apresentados devem estar presente por,no mínimo, 2 semanas.
Somatização e Agorafobia
É caracterizada pelo medo de ir a lugares públicos, multidões ouviajar só, para longe de casa. Há sinais de excitaçãoautonômica, fazendo parte dos critérios a presença de quatrodos seguintes sintomas físicos, tendo que estar presentes pelomenos um dos quatro primeiros:
Palpitações/ taquicardia, sudorese, tremores e boca seca;Dificuldade de respirar, sufocação, dor ou desconforto
torácico e náusea;Tonturas ou sensação de desfalecimento;Ondas de calor ou frio e formigamento/ entorpecimento.
O paciente reconhece o medo como irracional, o quecausa angústia, e os sintomas se apresentam diante dasituação temida ou em sua contemplação mental.
Somatização e Transtorno de
Ansiedade GeneralizadaSão necessários quatro sintomas (sendo um
autonômico) para agorafobia, com acréscimo dealguns sintomas físicos – tensão ou doresmusculares, sensação de nó na garganta – e ummaior número de sintomas psicológicos:
Inquietação/ dificuldade para relaxar;Sensação de “nervoso”/ tensão;Sobressaltos;Dificuldade de concentração;Irritabilidade;Dificuldade de adormecer, por preocupação.
Somatização e Sofrimento Mental
InespecíficoMental Distress – sofrimento psíquico, sofrimento
mental, sofrimento difuso
Quadros “subsindrômicos” dos transtornosmentais que não preenchem critérios diagnósticos.
Estão associados a sofrimento, incapacitaçãosocial e busca por serviços de saúde.
Estão relacionados a crises vitais esperadas(adolescência, início de idade reprodutiva,senescência, etc) ou não (rompimento derelacionamentos, mortes inesperadas, mudanças destatus social, etc).
Transtorno de Somatização
A. História de, pelo menos, 2 anos de queixas de sintomas físicosmúltiplos e variáveis que não podem ser explicados porquaisquer transtornos físicos detectáveis (quaisquertranstornos físicos presentes não explicam gravidade,extensão, variedade e persistência das queixas, nemincapacidade associada). Na presença de sintomas decorrentesde excitação autonômica, estes não são um aspecto importantedo transtorno.
B. Busca repetida de consultas (três ou mais) ou conjuntos deinvestigação tanto em cuidados primários como com médicosespecialistas decorrente de preocupação com sintomas (naausência de serviços médicos ao alcance, automedicaçãopersistente ou múltiplas consultas com curandeiros locais).
Transtorno de Somatização
C. Recusa persistente em aceitar o reasseguramento médico de quenão há nenhuma causa física adequada para os sintomas físicos(ou aceitação de tal reasseguramento por curtos períodos detempo).
D. Deve haver um total de seis ou mais sintomas de uma extensalista seguinte, com sintomas ocorrendo em pelo menos doisgrupos separados por aparelhos.
Transtorno Somatoforme Indiferenciado
A. Os critérios A e C para transtorno de somatização são satisfeitos,exceto para duração do transtorno que é de pelo menos 6 meses.
B. Um ou ambos critérios B e D para transtorno de somatização sãoincompletamente preenchidos.
Fatores de Risco para a presença de
sintomas físicos sem explicação médica
Fatores individuais:Sexo feminino – menos marcantes em populações de base
cultural latina.
Comportamento anormal de adoecimento – adesão ao papel dedoente com ganhos secundários.
Amplificação de sensações somáticas.
Autoconceito de pessoa fraca e incapaz.
Dificuldade de elaboração verbal do sofrimento psíquico.
Transtornos mentais comuns (ansiedade e depressão).
História pessoal de adoecimento físico, em especial na infância.
História pessoal de abuso físico e sexual, em especial na infância.
Fatores de Risco para a presença de
sintomas físicos sem explicação médica
Fatores Familiares/ Coletivos:História familiar de doenças graves, com ganho de atenção
diferenciada por este motivo.
História familiar de somatização/ transtornos mentais comuns.
Atribuições somáticas de sensações físicas anormais pelo grupofamiliar e social.
Estruturas sociais que favorecem situações de submissão edesempoderamento.
Culturas latino-americanas e latino-européias.
Fatores de Risco para a presença de
sintomas físicos sem explicação médica
Fatores Ligados aos Serviços de Saúde:Condutas excessivamente centradas no adoecimento
físico.
Falta de manejo terapêutico para queixas físicasinexplicadas.
Diálogo médico sem sensibilidade psicossocial.
Sistema de saúde pouco organizado.
Vínculos com o paciente frouxos ou inexistentes.
Somatização: Abordagem ao
Paciente1. Transcender o princípio de exclusão.
Realização do exame físico
2. Minimizar o poder somatizador da consulta médica.
3. Tratar o sofrimento psíquico associado: recodifcar o sintoma.Reatribuição como abordagem.
Reatribuir significa construir uma conexão entre as queixassomáticas e o sofrimento psíquico. É o primeiro passo para que ostratamentos psicossociais na atenção primária ou encaminhamentopara terapias especializadas sejam aceitos pelos pacientes.
A abordagem, a elaboração e a resolução de seus problemaspsicossociais se tornam o objetivo de seu tratamento, em vez dasqueixas físicas sem explicação.
Somatização: Abordagem ao
PacienteEtapas da Reatribuição:a. Sentindo-se compreendido – fazer anamnese ampliada
e exame físico focado na queixa, com valorização àscrenças da pessoa.
b. Ampliando a agenda – dar retorno à pessoa, comrecodificação dos sintomas e vinculação destes comeventos vitais e/ ou psicológicos.
c. Estabelecendo o vínculo – construir modelosexplicativos que façam sentido para a pessoa.
d. Negociando um tratamento – pactuar, em conjuntocom a pessoa, um projeto terapêutico ampliado.
Somatização: Abordagem ao
PacienteExpressões que ajudam:
Falar sobre estresse ou nervosismo.
Atitudes que podem atrapalhar:Dizer: “- Você não tem nada.”
Preocupar-se excessivamente com a remissão dos sintomas.
Desafiar o paciente – concorde que há um problema.
Explicar prematuramente que os sintomas são emocionais – emespecial nos somatizadores crônicos.
Diagnósticos orgânicos positivos não vão curar o paciente.
Somatização: Tratamento dos
Pacientes Agudos1. Tratar transtornos depressivos e ansiosos
associados – técnicas de respiração,relaxamento e exercício físicos.
2. Reduzir estresse e angústia dos pacientes.
3. Ajudar o paciente a lidar melhor com seusproblemas pessoais através de técnicasterapêuticas;
4. Prevenção: doctor shopping.
5. Manejo em grupos.
Somatização: Tratamento dos
Pacientes Crônicos1. Desenvolver o processo de reatribuição de queixas – menos
de 30% dos pacientes aceitam tratamento em saúde mental.
2. Atender regularmente estes pacientes, com realização de exames físicos periódicos. A manutenção do contato com o clínico aumenta a adesão à saúde mental.
3. Evitar exames e encaminhamento a especialistas desnecessários.
4. Manter um canal de comunicação com a saúde mental.
5. Organizar tratamento na APS, construindo projeto terapêutico interdisciplinar.
6. Não esperar por cura.