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  1 Saúde do Trabalhador Rural – RENAST Org. Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro Versão fev 2006 Condições de vida, trabalho, saúde e doença dos trabalhadores rurais no Brasil Elizabeth Costa Dias 1. Introdução Tradicionalmente, o tema das condições de vida, trabalho, saúde e doença dos trabalhadores rurais no Brasil evoca estereótipos entre eles a associação com atividades rudimentares, trabalhadores empobrecidos, socialmente marginalizados e intoxicados pelos agrotóxicos. Entretanto, apesar da veracidade e dessa triste realidade ser ainda muito freqüente em nosso meio, é necessário romper com o reducionismo e conhecer melhor o problema, na perspectiva da mudança desse quadro.  As atividades econômicas ligadas ao campo ou ao meio rural têm raízes profundas na história brasileira. Apesar do intenso processo de industrialização promovido pelas políticas públicas a partir de meados dos anos 40, do século passado e da acelerada migração rural-urbana que acompanhou esse processo, a produção e atividades rurais têm grande importância no país, contribuindo ainda hoje com fatia expressiva do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Segundo os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em maio de 2005, revelam que o crescimento do PIB no primeiro trimestre do ano foi de 0,3 em relação ao último trimestre de 2004 e que o setor que apresentou o melhor desempenho no trimestre avaliado foi o de agropecuária, com um

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1

Saúde do Trabalhador Rural – RENAST

Org. Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro

Versão fev 2006

Condições de vida, trabalho, saúde e doença dos trabalhadores

rurais no Brasil

Elizabeth Costa Dias

1. Introdução

Tradicionalmente, o tema das condições de vida, trabalho, saúde e doença dos

trabalhadores rurais no Brasil evoca estereótipos entre eles a associação com

atividades rudimentares, trabalhadores empobrecidos, socialmente marginalizados e

intoxicados pelos agrotóxicos.

Entretanto, apesar da veracidade e dessa triste realidade ser ainda muito freqüente

em nosso meio, é necessário romper com o reducionismo e conhecer melhor o

problema, na perspectiva da mudança desse quadro.

As atividades econômicas ligadas ao campo ou ao meio rural têm raízes profundas

na história brasileira. Apesar do intenso processo de industrialização promovido

pelas políticas públicas a partir de meados dos anos 40, do século passado e da

acelerada migração rural-urbana que acompanhou esse processo, a produção e

atividades rurais têm grande importância no país, contribuindo ainda hoje com fatia

expressiva do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Segundo os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) em maio de 2005, revelam que o crescimento do PIB no primeiro trimestre do

ano foi de 0,3 em relação ao último trimestre de 2004 e que o setor que apresentou

o melhor desempenho no trimestre avaliado foi o de agropecuária, com um

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crescimento de 2,6%. Enquanto a área cultivada expandiu em 225 no país, entre

19990 e 2003, a produção de grãos mais que duplicou, passando de 59 milhões de

toneladas para 125 milhões. Este ganho de produtividade é explicado em parte, pelo

aumento do consumo de micro-nutrientes em mais de 13 vezes, no mesmo período.

(Monteiro Filho, 2005)

Porém, o sucesso dos indicadores econômicos não se reflete nos indicadores

sociais e menos ainda, das condições de trabalho e de saúde dos trabalhadores do

campo ou da degradação ambiental.

Este livro, organizado como uma ferramenta de apoio às atividades da implantação

da Rede de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) na rede de

serviços de saúde do país, busca contribuir para caracterizar o problema e facilitar a

aplicação da Portaria 777/2004 que estabeleceu a notificação obrigatória de um

conjunto de agravos para a saúde dos trabalhadores ao sistema de informação do

SUS.

Assim, este capítulo está organizado em quatro unidades. Inicialmente, é

apresentado um quadro geral do trabalho rural no Brasil. A seguir, buscou-se

delinear o perfil dos trabalhadores rurais e descrever suas condições de trabalho, de

vida e de saúde, sintetizadas em um quadro para facilitar a visão de conjunto.

Finalizando são feitas considerações sobre as políticas públicas direcionadas para a

saúde dos trabalhadores e a preservação do ambiente e identificadas perspectivas

para lidar com a questão. Muitos dos temas abordados serão aprofundados nos

capítulos subseqüentes.

Espera-se que um melhor conhecimento da realidade do “novo” do “velho” trabalho

rural no país auxilie os trabalhadores, os serviços de saúde, em seus distintos níveis

e os participantes do controle social a desenvolverem suas ações, contribuindo para

a mudança, na direção de condições de vida e saúde mais adequadas para a

população.

2. Trabalho rural no Brasil – de que estamos falando?

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A história da atividade rural no Brasil se confunde com a própria história brasileira.

O processo de ocupação e exploração implementado pela corte portuguesa, no país,

inicia-se com a extração da madeira, particularmente o pau-brasil, para exportação e

permanece ate os nossos dias, em que a exportação ilegal de madeira da Amazônia

e o plantio da soja geneticamente modificada (trasngênica) são temas de discussões

acaloradas veiculadas pela mídia pelos aspectos econômicos, socais, éticos e

morais envolvidos.

Seguiram-se a monocultura do café e da cana; o ciclo da borracha, a pecuária

extensiva; o plantio de árvores para a produção de papel celulose; de carvão vegetal

e de outros produtos, a cultura do algodão para apoiar as atividades industriais

incipientes, e mas recentemente da soja no cerrado e da fruticultura, de modo a

garantir o superávit das exportações.

Ao longo dos séculos, pode-se dizer que, na essência, as atividades agrícolas

mudaram apenas de território, mas mantiveram a mesma lógica. Começaram na

região litorânea com a ocupação da mata Atlântica, e foram interiorizadas

abrangendo: a caatinga nordestina, os pampas gaúchos, o cerrado e o planalto

central e mais recentemente, a região amazônica.

Neste cenário, os interesses do grande latifúndio, iniciado com o modelo de

ocupação adotado pelos portugueses de concessão das capitanias hereditárias e

perpetuado por políticas publicas de “desenvolvimento”, convivem em conflito

permanente com os pequenos produtores e um contingente crescentes de

trabalhadores rurais excluídos do acesso à terra.

Em 1850, as classes dominantes recusaram a “lei da Terra”, impedindo que se

estabelecesse a pequena propriedade no Brasil e desde então fracassaram todas as

iniciativas relacionadas à mudanças no modelo agrário. Exceto na colonização, no

sul do país, os pequenos agricultores sempre trabalharam as terras marginais e

cada vez mais distantes. (Leroy,2002:62).

Dessa forma, o fenômeno da agricultura migrante ganhou força entre os posseirosnordestinos, que pressionados pela seca, buscaram terras mais férteis e baratas no

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Maranhão e no sul do Pará e os colonos de origem européia, que deixaram o Rio

Grande do Sul e “subiram” em direção a Santa Catarina, Paraná e à Amazônia. E, é

importante lembrar que esses processos foram incentivados e apoiados, em

distintos momentos históricos e por diferentes modos, pelo poder público.

A ocupação da Amazônia, definida como uma política estratégica pelos governos

militares, com vultosos incentivos fiscais, prossegue nos dias atuais, sendo

responsável pelo desmatamento em ritmo e proporções que colocam o país em

destaque na mídia internacional, sob a acusação de descaso e degradação do

ambiente natural. Lamentavelmente, os impactos sobre a saúde dos trabalhadores e

das populações envolvidas não recebem o mesmo tratamento.

Assim, a atividade rural no Brasil inclui a lavoura, pecuária, florestal, extrativismo, e a

pesca artesanal. Na atualidade, é marcada pela coexistência de grandes

disparidades no que se refere ao acesso a terra, às relações de produção, à

tecnologia utilizada e o valor e destino da produção.

A agricultura de subsistência, por exemplo, bem como atividades extrativistas e a

pesca artesanal, cujos produtos são responsáveis pelo abastecimento de uma

parcela significativa da população, continuam baseadas no trabalho familiar e

informal, nos limites da sobrevivência, não dispondo de apoio e facilidades por parte

do poder público.

O agrobusiness é caracterizado pela agricultura mecanizada de alta produtividade,

na qual um trabalhador produz o equivalente a 500 toneladas de cereais, em

contraposição a uma tonelada produzida por trabalhador na agricultura manual.

(Mazoyer & Roudart, 1997, citado por Leroy, 2002). Entretanto, os números frios

sobre a produtividade desconsideram outros fatores importantes como o “balanço

energético” nos dois tipos de produção. A produção intensiva de grãos, por 

exemplo, consome grande quantidade de água e energia, concentra terra e renda,

utiliza fertilizantes e agrotóxicos em larga escala provocando impactos ambientais,

com a destruição do ambiente natural e não contribui para resolver o problema da

fome que dizima e adoece a população. A agricultura familiar e as alternativas da

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agricultura orgânica, ambientalmente sustentável permanecem à margem das

políticas públicas efetivas do ponto de vista sócio-ambiental e econômico.

Assim, pode-se dizer que o trabalho rural no Brasil apresenta paradoxos que terão

que ser enfrentados e resolvidos, com a participação da sociedade e traduzidas em

políticas públicas abrangentes para que melhores condições de vida e de trabalho

sejam refletidas na saúde das populações envolvidas direta ou indiretamente na

produção e no consumo dos produtos e alimentos e na conservação ambiental.

Foge aos objetivos desse capítulo uma abordagem mais aprofundada desses temas,

mas eles não podem deixar de ser mencionados quando se fala em trabalho rural no

Brasil. O tema fica como sugestão e desafio para os leitores mais interessados

nessas questões.

3. Quem são os trabalhadores rurais?

Conceitualmente, trabalhadores são todos os homens e mulheres que exercem

atividades para sustento próprio e ou de seus dependentes, qualquer que seja sua

forma de inserção no mercado de trabalho nos setores formais ou informais da

economia. Estão incluídos nesse grupo todos os indivíduos que trabalharam ou

trabalham como: empregados assalariados; trabalhadores domésticos;

trabalhadores avulsos; trabalhadores agrícolas; autônomos; servidores públicos;

trabalhadores cooperativados; e empregadores, particularmente os proprietários de

micro e pequenas unidades de produção. Considera-se também trabalhadores

aqueles que exercem atividades não remuneradas habitualmente, em ajuda a

membro da unidade domiciliar que tem uma atividade econômica; como aprendiz ou

estagiário; e aqueles temporária ou definitivamente afastados do mercado de

trabalho por doença, aposentadoria ou desemprego. (MS, 2004)

Não estão disponíveis informações que permitam responder a pergunta que inicia

esta seção, ou seja, não de conhece o número de trabalhadores rurais brasileiros. A

População Economicamente Ativa (PEA) foi estimativa em 87.787.660,

trabalhadores, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-PNAD), para

2003. Destes, apenas 29.544.927 estavam cobertos pela legislação trabalhista, com

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registro na Carteira de Trabalho e pelo Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) da

Previdência Social.

Neste contingente, 37.460.928 eram mulheres, observando-se diferenças nas

posições da ocupação e categorias do emprego, segundo o gênero. O número de

mulheres supera o dos homens nos contingentes dos trabalhadores não-

remunerados, na produção para o próprio consumo e, especialmente, no dos

trabalhadores domésticos. Dentre as mulheres ocupadas, 47,5% eram empregadas.

No entanto, apenas 25,6% das mulheres ocupadas na semana de referência eram

empregadas com carteira assinada. As mulheres representavam apenas 35,5% dos

empregados com carteira assinada. Destas mulheres ocupadas, 17,3% eram

empregadas domésticas, sendo que apenas 4% tinham carteira assinada.Entre os

empregados, a parcela feminina só é maior na categoria dos militares e funcionários

públicos estatutários (8,9% das mulheres empregadas tinham este cargo). As

mulheres são 55,6% destes trabalhadores. (PNAD 2003).

A distribuição da PEA por faixa etária mostra que 0,3% tem entre 10 e 14 anos e

2,6% entre 15 e 17 anos de idade. Trabalhadores com mais de 50 anos

representavam 16,6% da PEA. 6,2% da população com mais de 60 anos,

aposentados ou pensionistas estavam ocupados no período. (PNAD 2003)

A distribuição dos trabalhadores, segundo o setor produtivo, estima que cerca de

20% dos trabalhadores estão no setor Agrícola e Extrativista.

Existe hoje um movimento no sentido de se considerar que as populações de

distritos e de pequenas cidades deveriam ser consideradas rurais porque asatividades predominantes de sua população são ligadas à agricultura e seus valores

e crenças estão ainda podem ser considerados rurais. Este entendimento faria com

que 35% da população geral, fossem considerados como população rural.

4 - Relações Trabalho, Saúde-Doença e Ambiente na atividade rural.

O parágrafo terceiro do artigo 2o. da Lei Orgânica da Saúde, No. 8080 de setembro

de 1990 define que “a saúde tem como determinantes e condicionantes, entre

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outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o

trabalho, a renda a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços

essenciais” e finaliza afirmando que “os níveis de saúde expressam a organização

social e econômica do país”.

Nessa linda de pensamento, a saúde dos trabalhadores é condicionada por fatores

sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais relacionados ao perfil de

produção e consumo, além de fatores de risco de natureza físicos, químicos,

biológicos, mecânicos e ergonômicos presentes nos processos de trabalho

particulares.

No Brasil, as relações entre o trabalho e a saúde-doença dos trabalhadores

conformam um mosaico no qual coexistem diferentes estágios de incorporação

tecnológica e de formas de organização e gestão das atividades produtivas com

repercussões sobre o viver, o adoecer e o morrer dos trabalhadores.

Na atualidade, o processo de reestruturação produtiva, que tem avançadoaceleradamente no País a partir dos anos 90, em conseqüência da globalização da

economia repercute sobre a atividade rural, agravando, em muitos casos, situações

de exploração e desigualdade historicamente construídas. A precarização do

trabalho caracterizada pela desregulamentação e perda de direitos trabalhistas e

sociais; a legalização dos trabalhos temporários; a informalização do trabalho e o

aumento do número de trabalhadores autônomos, que sempre existiu no campo, foi

legitimada e se estendeu ao universo urbano. A terceirização, no contexto da

precarização, tem sido acompanhada de práticas de intensificação do trabalho e ou

aumento da jornada de trabalho; de acúmulo de funções; de maior exposição aos

riscos, de descumprimento de regulamentos de proteção à saúde e de segurança;

de rebaixamento dos rendimentos e está associada com a exclusão social e com a

deterioração das condições de saúde.

A adoção de novas tecnologias e métodos gerenciais facilita a intensificação dotrabalho, que se expressa em doença e alterações fisiológicas e psico-cognitivas,

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nos trabalhadores. Embora as inovações tecnológicas tenham reduzido a exposição

a alguns riscos ocupacionais em determinados ramos de atividade e, assim,

contribuído para tornar o trabalho nestes ambientes menos insalubre e perigoso,

constata-se que, paralelamente, outros riscos foram gerados. Nos últimos seis

meses a ocorrência de uma série de mortes súbitas, em trabalhadores envolvidos no

corte da cana, teve destaque na midia eforam atribuídos ao excesso de trabalho.

A difusão de tecnologias avançadas na área da química fina e nas empresas de

biotecnologia que operam com organismos geneticamente modificados acrescenta

novos e complexos problemas para o meio ambiente e a saúde pública do País.

Esses riscos são ainda pouco conhecidos e portanto, de difícil controle.

Outro exemplo de fator de risco para saúde introduzido em larga escala no país, e

que afeta diretamente os trabalhadores da agricultura, os consumidores de

alimentos e o ambiente, são os micronutrientes produzidos a partir do

processamento de resíduos industriais tóxicos.

Segundo Lopes (2005), a partir do final da década de 1970, os produtores de

fertilizantes passaram a utilizar resíduos industriais perigosos para obter elementos

considerados essenciais para o crescimento das plantas, como o zinco, o cobre e o

manganês, a um menor custo. Além de utilizar resíduos tóxicos de empresas

brasileiras, também passaram a importá-los, em uma atividade considerada ilegal

pela Convenção de Basiléia de 1992.

A expansão agrícola, particularmente da cultura da soja que consome cerca de 45%

dos micro-nutrientes comercializados no país foi responsável pela ampliação desse

mercado e da reutilização da escória de fundição e pó de aciaria na atividade

siderúrgica e metalúrgica onde além dos resíduos de cobre e zinco estão presentes

cromo, chumbo, cádmio e por vezes ate organoclorados que passam a fazer parte

do adubo e são disseminados no ambiente de trabalho, passam aos alimentos e

contaminam o ar, o solo e a água.

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Os trabalhadores do campo estão inseridos em distintos processos de trabalho em

relações de produção que acontecem no âmbito da família, em pequenas

propriedades; em trabalho temporário, nos períodos de plantio e colheita, que gerou

o fenômeno dos “bóias-frias”, trabalhadores que vivem na periferia das cidades de

médio porte e vivenciam os problemas do mundo rural e do urbano; trabalho

escravo, particularmente na produção de carvão e aqueles inseridos em grandes

empreendimentos agro-industriais que se multiplicam em diferentes regiões do País.

Tradicionalmente, a atividade rural é caracterizada por relações de trabalho à

margem das leis brasileiras, envolvendo, freqüentemente, crianças e adolescentes.

Entre os determinantes da saúde dos trabalhadores, estão compreendidos nãoapenas os fatores de risco ocupacionais tradicionais – físicos, químicos, biológicos,

mecânicos e ergonômicos – e os condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e

organizacionais responsáveis por situações de risco para a saúde e a vida.

As relações entre trabalho e violência têm sido enfocadas em múltiplos aspectos : a

violência contra o trabalhador no seu local de trabalho, representada pelos acidentes

e doenças do trabalho; a violência decorrente de relações de trabalho deterioradas,

como no trabalho escravo e de crianças; a violência decorrente da exclusão social

agravada pela ausência ou insuficiência de amparo estatal; a violência ligada às

relações de gênero e aquelas envolvendo agressões entre pares, chefias e

subordinados. A violência também acompanha o trabalhador rural envolvidos nos

conflitos pela posse da terra.

No conjunto das causas externas, os acidentes de transporte relacionados ao

trabalho, sejam eles acidentes típicos ou de trajeto, destacam-se pela magnitude em

termos de mortes e incapacidade parcial ou total, permanente ou temporária,

atingindo trabalhadores urbanos e rurais. Na área rural, a precariedade dos meios

de transporte e a falta de uma fiscalização efetiva tornam os trabalhadores mais

vulneráveis aos acidentes de trajeto.

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Além da exposição aos fatores de risco relacionados à violência os trabalhadores

rurais também estão expostos a agressores mecânicos pelo uso de ferramentas

diversas e manuseio de máquinas, tratores, serras elétricas, foices, facões, entre

outros, agentes de natureza física como a radiação solar, descargas elétricas;

temperaturas extremas, frio e calor e o ruído; agentes químicos para correção e

adubação do solo, agrotóxicos, medicamentos para uso veterinário, e biológicos,

como a picada por animais peçonhentos, vírus e bactérias no cuidado de animais e

fatores próprios da organização do trabalho, com longas jornadas, ciclos de trabalho

intensivo, relacionados às distintas fases de produção, relações subalternas que se

perpetuam desde os tempos da escravatura, entre outras.

Ao universo dos fatores de risco presentes no trabalho se somam, ou potencializam,

os decorrentes das más condições de vida, dificuldade de acesso à escola,

habitação, saneamento básico, transporte, aos serviços de saúde e meios de

comunicação.

Diante da diversidade de situações de trabalho e de processos produtivos no setor 

rural e da ausência de informações fidedignas sobre as condições de saúde fica

difícil desenhar o perfil de saúde e doença desses trabalhadores.

A escassez e inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos

trabalhadores dificultam a definição de prioridades para as políticas públicas, o

planejamento e implementação das ações de saúde do trabalhador, além de privar a

sociedade de instrumentos importantes para a melhoria das condições de vida e

trabalho.

Os trabalhadores compartilham os perfis de adoecimento e morte da “população

geral”, de acordo com a idade, gênero, grupo social ou inserção em um grupo

específico de risco. Porém, este perfil pode ser modificado pelo trabalho, como

conseqüência da profissão que exercem ou exerceram ou pelas condições adversas

em que seu trabalho é ou foi realizado. Assim, o perfil de adoecimento e morte dos

trabalhadores resultará da “amalgamação” desses fatores, que podem ser 

sintetizados em quatro grupos: (Mendes & Dias, 1999):

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• Doenças aparentemente sem qualquer relação com o trabalho.

• Doenças de natureza crônico-degenerativa, infecciosa, neoplásica, traumática,

que têm a ocorrência e evolução modificados, pelo aumento da freqüência de

sua ocorrência ou da  precocidade  de seu surgimento, em decorrência dotrabalho. Nestes casos o trabalho pode ser um fator de risco contributivo, mas

não necessário, sendo o nexo causal de natureza eminentemente

epidemiológica. A hipertensão arterial em motoristas de ônibus urbanos, nas

grandes cidades, constitui um exemplo desta possibilidade.

• Doenças cujo espectro etiológico é ampliado ou tornado  mais complexo, pelo

trabalho. O trabalho atua como um desencadeador de um distúrbio latente ou

agrava uma doença estabelecida ou pré-existente. A asma brônquica, a

dermatite de contato alérgica, a perda auditiva induzida pelo ruído ocupacional,

as doenças músculo-esqueléticas e alguns transtornos mentais são exemplos

deste grupo. As condições provocadoras ou desencadeadoras destas doenças

podem ter efeito aditivo ou sinérgico relacionadas ao trabalho.

• Agravos à saúde específicos, tipificados pelos acidentes do trabalho e pelas

doenças  profissionais. A silicose e a asbestose exemplificam este grupo de

agravos específicos.

Os três últimos grupos constituem a família das doenças relacionadas com o

trabalho. A Figura 1 resume e exemplifica os grupos das doenças relacionadas ao

trabalho rural, organizados segundo a classificação proposta por Schilling (1984).

Figura 1 - Classificação das doenças segundo sua relação com o trabalho

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(Adaptado de Schilling, 1984)

Entre os agravos específicos, ou do grupo I, estão incluídas as doenças profissionais 

para as quais se considera que o trabalho ou as condições em que o mesmo é

realizado tem uma relação causal  ou nexo direto e imediato. Nestes casos,  a

eliminação da exposição ao fator de risco ou agente causal, por meio de medidas de

controle ou substituição, pode assegurar a prevenção, a eliminação ou erradicação

da doença. Este grupo de agravos tem, também, uma conceituação legal, no âmbito

do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) da Previdência Social, e sua ocorrência

deve ser notificada, segundo regulamentação na esfera da Saúde, da PrevidênciaSocial e do Trabalho.

Os grupos II e III da classificação de Schilling incluem doenças consideradas de

etiologia múltipla nas quais o trabalho representa um fator de risco contribuinte para

a ocorrência ou agravamento da doença. A caracterização etiológica ou nexo causal

será essencialmente de natureza epidemiológica, pela observação de um excesso

de freqüência em determinados grupos ocupacionais ou profissões ou identificaçãoda exposição a situações de risco em avaliações dos ambientes e condições de

CATEGORIA EXEMPLOS

I-Trabalho como causa necessária •  Intoxicação por agrotóxicos

•  Acidentes com animais peçonhentos

•  Outras

II-Trabalho como fator contributivo, mas não

necessário

•  Amebíase

•  Doenças do aparelho locomotor

•  Câncer de pele

•  Varizes dos membros inferiores

•  Asma e febre do feno

•  Malária

•  Outras

III-Trabalho como provocador de um distúrbio

latente, ou agravador de doença já estabelecida

•  Afecções de vias aéreas superiores

•  Bronquite crônica

•  Dermatite de contato alérgica

•  Asma

•  Sofrimento mental

•  Outras

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trabalho. A eliminação dos fatores de risco contribui para reduzir a incidência ou

modifica o curso evolutivo da doença ou agravo à saúde.

Sumariando, pode-se dizer que o perfil de morbimortalidade dos trabalhadores

caracteriza-se pela coexistência de agravos que têm relação direta com condições

de trabalho específicas e doenças relacionadas ao trabalho, que têm sua freqüência,

surgimento e/ou gravidade modificadas pelo trabalho; além de doenças comuns ao

conjunto da população, que não guardam relação etiológica com o trabalho.

No Brasil, a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho foi elaborada por iniciativa

do Ministério da Saúde e publicada na Portaria MS Nº. 1.339, de 18 de novembro de

1999. Ela está organizada em dupla entrada: segundo o agente etiológico ou fator 

de risco de natureza ocupacional e segundo o agravo ou doença, tendo por base a

Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Esta Lista tem por finalidade

subsidiar as ações de diagnóstico, tratamento e vigilância da saúde; o

estabelecimento da relação da doença com o trabalho e as condutas decorrentes,

em cumprimento da determinação contida no Art. 6o, §3o, inciso VII, da Lei Nº.

8.080/90. A mesma Lista foi adotada pela Previdência Social, nos termos do Decreto

N.º 3.048, de maio de 1999, para fins de caracterização dos acidentes do trabalho e

a concessão dos benefícios relativos ao Seguro de Acidentes do Trabalho –SAT.

(Dias et al., 2001).

Lamentavelmente, não estão disponíveis informações que permitam conhecer  de

que adoecem e morrem os trabalhadores rurais no Brasil , ou o perfil de

morbimortalidade, na linguagem epidemiológica. Apesar da importância dessa

informação para a organização da atenção, o planejamento, execução e avaliação

das ações nos serviços de saúde, para orientar as ações sindicais e os sistemas de

gestão de saúde, segurança e ambiente desenvolvidos pelas empresas, os dados

existentes se referem apenas aos benefícios concedidos pela Previdência Social, a

partir da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), para os trabalhadores

segurados pelo SAT.

Como foi mencionado anteriormente, apenas 30% da população economicamenteativa (PEA), ou seja, o conjunto dos trabalhadores brasileiros, estão cobertos pelo

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SAT. Além da sub-notificação ser elevada, também estão excluídas dessas

estatísticas, os trabalhadores autônomos, os domésticos, funcionários públicos

estatutários e aqueles inseridos no mercado formal de trabalho.

Na busca de mudar este quadro, o Ministério da Saúde estabeleceu em abril de

2004, por meio da Portaria GM No. 777/04, a notificação compulsória de um grupo

de eventos relacionados ao trabalho, entre eles, os acidentes graves e fatais,

incluindo os que ocorrem com crianças e adolescentes em situação de trabalho; as

LER/DORT; a perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR); as pneumopatias e as

dermatoses ocupacionais; as intoxicações decorrentes da exposição a substâncias

químicas (metais, solventes e agrotóxicos) e os cânceres relacionados ao trabalho.

Espera-se que a notificação desses agravos ao SINAN (Sistema de Informação

Nacional de Agravo à Saúde de Notificação Obrigatória) possibilite o conhecimento

da situação do conjunto de trabalhadores atendidos pelo SUS.

Tradicionalmente, o trabalho rural tem sido reduzido à exposição aos agrotóxicos.

Apesar dessa realidade ser dramática, este não é ó único problema que necessita

ser abordado na vida dessas pessoas.

Por outro lado, aspectos pouco conhecidos de saúde relacionados à exposição aos

agrotóxicos começam a ser revelados. Estudos recentes apontam para a ação de

algumas substâncias desse grupo, enquanto desreguladores endócrinos. Uma das

substâncias mais estudadas sob esse prisma é o DDT, clorado biopersistente, cuja

utilização está proibida no país. Porém a literatura registra fortes evidências de que

outras substâncias como o esfenvalerato, mancozeb, deltametrina, e metamidofós 

também apresentam interação com o sistema endócrino (Meyer et al, 2003)

Outro desafio é representado pela associação crescentemente observada entre a

exposição a agrotóxicos e a ocorrência de cânceres, como, por exemplo, entre a

exposição a certos herbicidas e o linfoma não Hodgkin e câncer de tireóide.

(MS/INCA, 2005).

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Na figura 2, apresentada a seguir, estão relacionados alguns dos principais fatores

de risco para a saúde a que estão expostos os trabalhadores rurais relacionando-os

a possíveis agravos para saúde.

Muitas das situações de trabalho descritas e alguns desses agravos estão

detalhados em capítulos subseqüentes deste livro. A apresentação deste quadro se

destina apenas a dar uma idéia de conjunto da situação e chamar a atenção dos

profissionais de saúde que cuidam desses trabalhadores para as possibilidades e

complexidade da questão.

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Figura 2 - Fatores de risco e possíveis agravos ou danos para a saúde do trabalhador relacionados ao trabalho

Tipo de risco Fator de risco Situação de trabalho A

Calor Trabalho ao ar livre, sob radiação solar, junto a máquinas,motores e caldeiras ; dificuldades para reposição hídrica por 

acesso a água ou barreiras culturais

E pe

Frio, vento e chuva Trabalho ao ar livre A

re

Raios ( descarga elétrica) Trabalho em campo aberto por ocasião de tempestades C

Vibração Operação de máquinas agrícolas, tratores, serra elétrica,

 produzindo vibração de corpo inteiro ou vibração localizada,

 particularmente em mãos e braços.

L

do

Ruído Trabalho com máquinas: tratores, colhedeiras,tratores,

colocação de ferraduras em animais,

P

exex

so

in

Físico

Radiação Solar Trabalho em campo aberto por longos períodos, com

exposição a radiação ultra-violeta

C

Químico Agentes químicos

diversos, fertilizantes e

adubos, agrotóxicos, na

forma de gases, poeiras,

névoas

Aplicação de adubos e fertilizantes (nitratos, fosfatos e sais de

 potássio -NPK, compostos de enxofre, magnésio, manganês,

ferro, zinco, cobre, entre outros)

Preparo de misturas e aplicação de agrotóxicos (formicidas,

larvicidas, bernicidas, acaricidas, carrapaticidas,molusquicidas, raticidas, repelentes, fungicidas, herbicidas,

desfolhantes, desflorantes, dessecantes, antibrotantes,

esterilizantes, batericidas, reguladores do crescimento

vegetal)

D

R

In

D

B

D pu

C

D

A

co

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Tratamento e armazenagem de grãos

O armazenamento e manuseio de excrementos de animais

 podem expor o trabalhador a ácido sulfídrico e amônia.

Carcinicultura

A

A

Biológicos Bactérias, vírus, fungos,

ácaros

Picadas de animais

 peçonhentos.

Preparo e manuseio de ração para os animais; feno

embolorado, ração em decomposição, fibras de cana de

açúcar, preparo de cogumelos, tratamento de aves em

confinamento.

Manejo de animais

Trabalho de preparo de solos, limpeza de pastos, capina e

colheita

R

D

oc

“P

H

F

tu

av

ra

P

Q

Ferramentas manuais

cortantes, pesadas,

 ponteagudas.

Uso de facão, foice, machado, serra, enxada, martelo,

Ferramentas inadequadas, adaptadas e em mau estado de

conservação

L

co

L

Mecânicos

Máquinas e implementos

agrícolas

A

D

Organização

do Trabalho

Relações de trabalho,

Precarização

Sazonalidade da produção

que impõem sobrecarga

de trabalho

Trabalho distante do domicílio do trabalhador, alojamento

 precário, com más condições de saneamento e conforto.

Alimentação inadequada, longas jornadas de trabalho, sob

forte pressão de tempo. Relações de trabalho precárias e

rigidamente hierarquizadas

S

D

F

D

Fontes: Almeida, 1995; Dias, et al, 2001

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19

 

5. A atenção à saúde do trabalhador rural

A atenção a saúde dos trabalhadores rurais apresenta algumas especificidades

entre elas, a dispersão e heterogenidade e as condições de vida e dificuldades para

as ações de fiscalização dos ambientes e condições de trabalho e de vigilância da

saúde.

As ações de saúde dos trabalhadores orientam-se pela necessidade de que além da

atenção integral de qualidade e resolutiva que deve ser dispensada ao paciente que

procura o serviço de saúde, sejam promovidas mudanças no processo de trabalho

responsável pelo adoecimento, de modo a permitir que o trabalhador continue

trabalhando sem risco de uma recaída ou agravamento da situação, se tiver 

condições para tal, ou a evitar que outros venham a adoecer.

Assim, a atenção à saúde do trabalhador requer uma atuação multiprofissional,

intersetorial, inter e transdisciplinar de maneira a contemplar a dualidade trabalho-

saúde-doença em toda a sua complexidade.

Conceitualmente, as políticas públicas que tratam das questões de Saúde do

Trabalhador caracterizam-se pela fragmentação completa entre os setores

responsáveis pela geração de agravos e aqueles que cuidam das conseqüências ou

impactos nos aspectos assistenciais e da prevenção.

Entre as políticas setoriais que enfocam a produção e distribuição de bens (oriundos

da transformação da natureza) e prestação de serviços na área rural estão os

Ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário, Indústria e Comércio;

Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia. 

Entretanto, o Ministério da Agricultura vem priorizando a chamada agricultura

moderna, cujos produtos são destinados à exportação para geração de divisas,

deixando em plano secundário a agricultura familiar e a pesca artesanal, voltadas

para o consumo local. Dessa forma, perde-se a oportunidade de fomentar o

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desenvolvimento local, fixar a população na região e garantindo melhores condições

de vida.

As atividades voltadas para o desenvolvimento de políticas fundiárias que garantam

o acesso a terra para aqueles que querem produzir e permitam o acesso aos meios

e recursos tecnológicos, assistência técnica e financiamento e garantia de

comercialização são incipientes e necessitam ser apoiadas para que dêem conta da

garantia de qualidade de vida para a população.

No âmbito mais estrito, as políticas de saúde do trabalhador rural estão sob a

responsabilidade dos Ministérios da Saúde, do Trabalho, da Previdência Social e do

Meio Ambiente. Nesse cenário, o SUS assume um papel social diferenciado, pois éa única política pública de cobertura universal para o cuidado da saúde dos

trabalhadores.

No arcabouço jurídico que apóia a implementação dessas políticas podem ser 

destacados alguns instrumentos que necessitam ser conhecidos por todos aqueles

que têm responsabilidades de cuidar da saúde dos trabalhadores. Um ponto de

partida para essa consulta é o documento da Política Nacional de Saúde eSegurança do Trabalhador (Portaria Interministerial No. 800 de 3 de maio de 2005) .

Além de ser um documento oficial básico e atual, ele contem as referências aos

demais documentos vigentes.

5.1 - Bases legais da atenção à saúde dos trabalhadores rurais

Na legislação vigente que trata especificamente do trabalho rural destacam-se (MS,2005):

O Art. 7º da A Constituição Federal determina que : “São direitos dostrabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de suacondição social:

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normasde saúde, higiene e segurança”;

5.1.1 – Na esfera do Ministério do Trabalho

  Lei nº 5889 de 08.06.73, estabelece em seu Art. 13: “Nos locais de trabalhorural serão observadas as normas de segurança e higiene estabelecidas emportaria do Ministro do Trabalho”;

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   Portaria nº 3067, de 12.04.88, aprovou as Normas Regulamentadoras Rurais

(NRR)

NRR 1 - Disposições Gerais . As Normas Regulamentadoras Rurais - NRR,

relativas à segurança e higiene do trabalho rural são de observânciaobrigatória, conforme disposto no art. 13 da Lei n° 5.889, de 08 de junho de1973. A observância das NRR não desobriga os empregadores etrabalhadores rurais do cumprimento de outras disposições que, com relaçãoà matéria, sejam baixadas pelos estados ou municípios, bem como daquelasoriundas de acordos e convenções coletivas de trabalho.

NRR 2 - Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do TrabalhoRural – SEPATR. A propriedade rural com 100 (cem) ou mais trabalhadores éobrigada a organizar e manter em funcionamento o Serviço Especializado emPrevenção de Acidentes do Trabalho Rural - SEPATR.

NRR 3 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho RuralCIPATR . O empregador rural que mantenha a média de 20 (vinte) ou maistrabalhadores fica obrigado a organizar e manter em funcionamento, por estabelecimento, uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes doTrabalho Rural - CIPATR. 

NRR 4 - Equipamento de Proteção Individual - Considera-se EPI, para osfins de aplicação desta Norma, todo dispositivo de uso individual destinado apreservar e proteger a integridade física do trabalhador. O empregador rural éobrigado a fornecer, gratuitamente, EPI adequados ao risco e em perfeitoestado de conservação e funcionamento. 

NRR 5 - PRODUTOS QUÍMICOS - trata da manipulação, preparo, aplicação,equipamentos de aplicação, embalagens, restos de produtos, armazenageme transporte de agrotóxicos e afins, fertilizantes e corretivos. Dispõe, ainda,sobre a aplicabilidade, no trabalho rural, da Norma Regulamentadora, NR – 7,sobre o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO;

  Norma Regulamentadora - NR – 7, estabelece a obrigatoriedade de

elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores, doPrograma de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO. Trata-se deum programa de gerenciamento em saúde ocupacional que determina, entreoutras, a obrigatoriedade de realização dos exames médicos admissional,periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional. Taisexames compreendem a avaliação clínica, abrangendo anamneseocupacional e exame físico e mental, além da realização de exameslaboratoriais complementares, nos quais constam a monitorização biológicados trabalhadores expostos a agrotóxicos e outros exames complementaresusados em patologia clínica, a critério do médico responsável e do Auditor Fiscal do Trabalho, em razão da especificidade dos produtos utilizados. A

citada NR 7 ainda prescreve o dever do médico responsável, uma vezconstatada a ocorrência ou agravamento de doenças profissionais, entre elas

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a intoxicação por agrotóxicos, de: solicitar à empresa a emissão daComunicação de Acidente do Trabalho – CAT; indicar, quando necessário, oafastamento do trabalhador da exposição ao risco, ou do trabalho;encaminhar o trabalhador à Previdência Social para estabelecimento de nexocausal, avaliação de incapacidade e definição da conduta previdenciária em

relação ao trabalho e orientar o empregador quanto à necessidade da adoçãode medidas de controle no ambiente de trabalho;

5.1.2 - Na esfera do Ministério da Previdência Social

  Lei nº 8213 de 24.07.91, define em seu Art. 22, o dever da empresa decomunicar à Previdência Social, a ocorrência de doenças relacionadas aotrabalho, entre elas as decorrentes da exposição a agrotóxicos. Dacomunicação receberão cópia fiel o empregado ou seus dependentes, bemcomo o sindicato a que corresponda a sua categoria;

  Decreto No. 3048 de 06. 05.99, aprova o regulamento da Previdência Social

5.1.3 – Na esfera do Ministério da Saúde

  Lei 8080/90 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção erecuperação da saúde, a organização e o funcionamento do serviçoscorrespondentes e dá outras providências (organização do Sistema Único deSaúde)

  Portaria N. 3.120 de 1.07.99, (NOST-SUS)estabelece procedimentos paraorientar e instrumentalizar as ações e serviços de saúde do trabalhador noSUS

  Portaria N. 1.399/GM de 18/11/99, apresenta a Lista das DoençasRelacionadas ao Trabalho.

  Portaria N. 2.437 de 12.05.02, dispõe sobre a organização da RENAST(substitui a Portaria 1.679 de 19/09/2002, que criou a RENAST)

  Portaria N. 777 de 20/04/04, dispõe sobre os procedimentos técnicos para anotificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador em rede deserviços sentinela específica, no SUS

5.1.4 - Diplomas Legais de outros setores e Ministérios 

  Lei Nº 7.802 de 11.07.89 Legislação Federal de Agrotóxcos , dispõe emseu Art. 14, sobre as responsabilidades administrativas, civil e penal, pelos

danos causados à saúde dos trabalhadores, quando da produção,comercialização, utilização e transporte de produtos agrotóxicos.

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23

   Decreto No. 98.816 de 11/01/1990, dispõe sobre a pesquisa, a

experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, a propagandacomercial, a utilização, importação e exportação o destino final dos resíduos eembalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização

de agrotóxicos, seus componente se afins e dá outras providências.

  Portaria Interministerial No. 800 de 03/05/05, apresenta a Política Nacionalde Saúde e Segurança do Trabalhador.

5.2 – Procedimentos básicos e ações de Saúde do Trabalhador 

Esquematicamente a atenção à saúde dos trabalhadores está baseada em um

conjunto de ações que se iniciam com o atendimento do trabalhador na rede de

assistência à saúde ou que pode ter origem na identificação da exposição a fator derisco para a saúde em procedimentos de Vigilância, desenvolvidos de rotina ou por 

denúncia.

O diagnóstico de uma “doença relacionada com o trabalho” é feito pelo médico que

atende o trabalhador, em qualquer instância da rede pública e privada de serviços

de saúde, incluindo o “médico particular ”; os que trabalham para os “planos e

seguros-saúde”, serviços médicos assistenciais de empresas, em sistemas de autogestão e/ou por convênio; os serviços de Medicina do Trabalho da empresa

(SESMT); hospitais universitários, filantrópicos e conveniados tem implicações

médico-legais e previdenciárias que necessitam ser conhecidas e cumpridas pelos

profissionais.

A partir do diagnóstico e estabelecimento da relação do agravo ou doença com o

trabalho é esperado que sejam realizados os seguintes procedimentos:

orientação do trabalhador e de seus familiares, quanto a doença e osencaminhamentos necessários para a recuperação da saúde e melhoria daqualidade de vida;

estabelecimento da terapêutica adequada, incluindo os procedimentos dereabilitação;

afastamento do trabalho ou da exposição ocupacional, quando a permanênciado trabalhador representar um fator de agravamento do quadro, dificultar a

recuperação ou caso as limitações funcionais impeçam o exercício daatividade.

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  Para os trabalhadores segurados pela Previdência Social e pelo SAT que

necessitarem de afastamento do trabalho por mais de 15 dias, deverá ser solicitado ao empregador a emissão da Comunicação de Acidente doTrabalho (CAT) e preenchido o Laudo de Exame Médico (LEM); Entretanto,

segundo o Art. 336 do Decreto No. 3.048/99, “Na falta de comunicação por   parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seusdependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo, nestes casos, o prazo  previsto neste artigo.” (Parágrafo 3o do mesmo artigo, grifo introduzido). Oprazo para a comunicação é de até o primeiro dia útil seguinte ao daocorrência (ou do diagnóstico).

Notificação à autoridade sanitária, através dos instrumentos específicos, deacordo com a legislação da saúde, estadual e municipal, viabilizando osprocedimentos de vigilância da saúde. Dependendo da situação, o fato

também deverá ser comunicado à Delegacia Regional do Trabalho e aoSindicato da categoria a que o trabalhador pertence.

6. Considerações finais e perspectivas

Finalizando esta abordagem inicial das questões de saúde e doença relacionadas ao

trabalho rural voltamos à apresentação deste texto e da proposta enunciada de

fazer abordagem que possibilitasse uma visão de conjunto do problema, em

particular de sua complexidade.

Os riscos da inevitável superficialidade no tratamento do tema foram pesados e

assumidos, com base na crença na importância dessa visão mais abrangente da

questão e na certeza de que as lacunas e falhas serão supridas nos textos

preparados por especialistas e pesquisadores que são apresentados a seguir.

Sobre as perspectivas, mantemos a crença de que a relevância social do trabalho

rural para a perpetuação da vida com qualidade para os cidadãos planetários e as

profundas raízes que chegam aos primórdios humanidade permitirão que

crescentemente o tema ocupe o lugar que merece em nossa sociedade.

O Brasil tem uma vocação histórica e um vínculo com o trabalho rural que necessita

ser resgatado, Não com uma visão romântica e idealizada da vida bucólica do

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campo ou, no outro extremo, com o desvario com que, enquanto país, somos

lançados ou nos lançamos no agrobussiness.

E nesse resgate não podemos perder o foco e garantir que essas atividades

humanas, tão próximas à mãe natureza sejam oportunidades de mais vida, com

qualidade para os trabalhadores e o ambiente.

7. Referências Bibliográficas

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(Org.) Patologia do Trabalho. Rio de Janeiro. Editora Atheneu, 1995. p. 487-543.

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de Janeiro, INCA, 2005

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Monteiro Filho, M. Perigo Invisível. Problemas Brasileiros. Setembro/outubro 2005, p.

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