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1 O Culto da Ilusão das Formas R. Numeriano “Quereis criar uma sociedade nova e temeis a dificuldade de criar uma boa fração parlamentar de comunistas convictos, abnegados e heróicos num parlamento reacionário! Não é isso, por acaso, uma infantilidade?” (Lênin, in Os Comunistas e as Eleições) INTRODUÇÃO Camaradas, as reflexões a seguir são o produto de uma análise amadurecida na observação da teoria e da prática do Partido, antes e depois do XIV Congresso Nacional. Não há nenhum emocionalismo nessas linhas, embora algumas das minhas considerações possam soar realmente duras para ouvidos políticos mais sensíveis ou olhos acostumados a leituras aguadas e complacentes sobre as políticas do Partido. Não as escrevi para provocar nenhum movimento (seria uma pretensão tola e descabida, pois sei que fui mais um no coletivo partidário e nunca pretendi nada além de contribuir para fazer crescer o Partido). Hoje, dia 8 de outubro, também anuncio oficialmente minha renúncia à militância institucional, saindo dos três cargos de dirigente (já havia comunicado internamente ao Partido essa decisão, no começo de agosto). Escrevemos essa crítica para provocar uma reflexão dos militantes desses dois coletivos, caso julguem necessário fazê-la. Vale, no mínimo, como memória militante de um ex-quadro dirigente do Partido. Na verdade, foi a última tarefa à qual me senti obrigado a cumprir na condição de militante institucional. 1 O fato é que decidi combater pelo socialismo em outros espaços. Continuarei, com muito orgulho e honra, filiado ao Partido de Gregório e 1 É possível amar uma pessoa, e deixá-la, assim como amar uma instituição, e dela sair. Em ambos os casos, não significará que o amor pela pessoa ou pela causa deixou de existir ou se perderam no nosso ser as razões e emoções que constituem a perenidade de nossas crenças.

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Camaradas, as reflexões a seguir são o produto de uma análise amadurecida na observação da teoria e da prática do Partido, antes e depois do XIV Congresso Nacional. Não há nenhum emocionalismo nessas linhas, embora algumas das minhas considerações possam soar realmente duras para ouvidos políticos mais sensíveis ou olhos acostumados a leituras aguadas e complacentes sobre as políticas do Partido. Não as escrevi para provocar nenhum movimento (seria uma pretensão tola e descabida, pois sei que fui mais um no coletivo partidário e nunca pretendi nada além de contribuir para fazer crescer o Partido). Hoje, dia 8 de outubro, também anuncio oficialmente minha renúncia à militância institucional, saindo dos três cargos de dirigente (já havia comunicado internamente ao Partido essa decisão, no começo de agosto).

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O Culto da Ilusão das Formas

R. Numeriano

“Quereis criar uma sociedade nova e temeis a dificuldade de criar uma boa fração parlamentar de comunistas convictos, abnegados e heróicos num parlamento reacionário! Não é isso, por acaso, uma infantilidade?” (Lênin, in Os Comunistas e as Eleições)

INTRODUÇÃO

Camaradas, as reflexões a seguir são o produto de uma análise

amadurecida na observação da teoria e da prática do Partido, antes e depois

do XIV Congresso Nacional. Não há nenhum emocionalismo nessas linhas,

embora algumas das minhas considerações possam soar realmente duras para

ouvidos políticos mais sensíveis ou olhos acostumados a leituras aguadas e

complacentes sobre as políticas do Partido. Não as escrevi para provocar

nenhum movimento (seria uma pretensão tola e descabida, pois sei que fui

mais um no coletivo partidário e nunca pretendi nada além de contribuir para

fazer crescer o Partido). Hoje, dia 8 de outubro, também anuncio oficialmente

minha renúncia à militância institucional, saindo dos três cargos de dirigente (já

havia comunicado internamente ao Partido essa decisão, no começo de

agosto).

Escrevemos essa crítica para provocar uma reflexão dos militantes

desses dois coletivos, caso julguem necessário fazê-la. Vale, no mínimo, como

memória militante de um ex-quadro dirigente do Partido. Na verdade, foi a

última tarefa à qual me senti obrigado a cumprir na condição de militante

institucional.1 O fato é que decidi combater pelo socialismo em outros espaços.

Continuarei, com muito orgulho e honra, filiado ao Partido de Gregório e

1 É possível amar uma pessoa, e deixá-la, assim como amar uma instituição, e dela sair. Em ambos os casos, não significará que o amor pela pessoa ou pela causa deixou de existir ou se perderam no nosso ser as razões e emoções que constituem a perenidade de nossas crenças.

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Prestes (se é que não me expulsem em função de minhas críticas. Sempre há

quem queira ser mais radical do que o ultra-radicalismo)2.

Se me permitem, vou começar minhas reflexões contando uma história.

Em uma noite escura, numa estrada, seguia um homem sozinho. Tinha

medo, mas era preciso seguir, avançar. Havia obrigações a cumprir na jornada.

A certa altura, esse homem vê ao longe dois outros homens. A má-fama da

estrada é antiga: é ambiente de salteadores, bandidos de toda espécie. É, no

entanto, o único caminho disponível, naquelas condições. Os dois homens vêm

em sua direção, acelerando o passo. O que fazer, se não há meio nem

possibilidade de recuar? No meio do desespero, nosso homem vê agora

surgirem ao seu lado dois homens que ele já vira antes, também notórios

salteadores. Estranhamente, embora não possa se sentir seguro, ele sente que

a companhia daqueles dois pode significar uma possibilidade de sobrevivência

naquela jornada. Sabe que os dois homens que agora estão próximos,

seguindo no mesmo sentido, em nenhuma condição podem ser considerados

aliados, companheiros de jornada. Sabe até que, mais adiante, podem se voltar

contra ele, assaltá-lo ou até matá-lo. No entanto, esse cálculo não é para

agora, porque agora o que resta é seguir a jornada e tentar passar a salvo

pelos dois que se aproximam em sentido contrário, com passos ainda mais

acelerados. São agora três contra dois. Ainda que nosso homem se considere

apenas um entre os outros, ele sabe que os dois ao seu lado lhe conhecem,

mas desconhecem quem são e o que querem os outros dois. Talvez suponham

que sejam, igualmente, bandidos de estrada. Seu instinto de sobrevivência,

diante do medo, obriga-o a lutar a luta naqueles termos, sob aquelas

condições. Nosso homem tem medo, mas não tem medo de ter medo. Acaso

tivesse, correria adiante, em direção aos dois que significam ameaça, ou

retrocederia, sem enfrentar a jornada e suas obrigações, com a possibilidade

2 Como já sabem, a expulsão veio bem antes, no dia 7 de outubro de 2012. A Nota Pública do Partido e a minha resposta estão no Posfácio. À exceção deste Posfácio, redigido no dia 09/10, esta crítica e análise do PCB (e também, em menor medida, do PSOL e do PSTU), foi escrita nos meses de agosto e setembro, e, em outubro, até o dia 02. Esclareço estas datas porque alguém poderia estranhar declarações como a de que vou me manter no Partido etc. Isso ocorre porque, é claro, o texto original se mantém. E não poderia ser diferente.

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de, sozinho, ser igualmente alcançado pelos dois que se aproximam. Então, ele

decide seguir. A rigor, está, como desde o início da jornada, sozinho. Poderá

igualmente ser assaltado e morto adiante pelos ocasionais companheiros de

jornada. Jamais saberá. Sente e sabe, apenas, que é necessário arriscar

diante das condições, aqui e agora. O seu instinto, comum a todo homem,

impõe que viva o máximo possível. O seu cálculo, racional, decidiu o melhor

meio de fazê-lo.

O Partido não é esse homem. O Partido, hoje, tem medo de ter medo.

Recusa o teste prático da dialética: se o critério da verdade é mesmo a

prática, por que recusamos, fundados numa interpretação refém de um

perigoso puritanismo político pequeno-burguês (interpretação integrista que

cheira a um jacobinismo tardio, arrogante e auto-referente), testar nossas

resoluções no embate das idéias no movimento político e social do processo

eleitoral? O teste só deve ser feito nas arenas de luta em que o nosso

oponente não vai nos "sujar" em termos político-ideológicos, com a sua

proximidade?

Soube que meus comentários ao relatório do Partido em Paulista,

apoiando os encaminhamentos dos camaradas, foi objeto de "cara feia" na

CPN. Seria estranho se fosse o contrário, pois a proposta de resolução, da

lavra do secretário-geral, que possui uma detestável arrogância de terror

jacobino, tratou de espaços ideais onde estamos nos "agigantando": mundo

sindical e juventude. Seremos eternos gigantes para nós mesmos? Não

estamos vendo a nós mesmos distorcidamente? Ou nos achamos "gigantes"

medindo-nos em face dessa realidade burguesa mesquinha, material e

espiritualmente? Estamos realmente nos "agigantando", palavra tão superlativa

quanto suspeita quando vemos que uma parte significativa de jovens militantes

da UJC não cria unidade de ação orgânica com as políticas do Partido, agindo

quase sempre sob um ativismo pontual.

Muitos dos núcleos da UJC são apenas comunistas para si mesmos. A

maioria desses jovens pouco se integra nas lutas político-eleitorais, se o

espaço do debate e do embate não estiver previamente purificado. E, mesmo

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purificado, participam antes festivamente do que como um coletivo orgânico e

proativo. Muitos dos seus militantes começam a caminhada negando a

condição real (empírica e ontológica) do espaço político-eleitoral burguês.3

Resistem às eleições burguesas, mesmo em "chapas vermelhas", como foi o

caso da Frente de Esquerda PCB-PSOL, no Recife, a qual contou com a

participação de apenas um camarada, que por iniciativa própria se incorporou

em algumas das tarefas. No máximo, nelas participam furtivamente quando no

entorno não há perigo de “contaminação”. Muitos acondicionam-se nos

facebooks e outras redes, espaço confortável onde todos são revolucionários e

3 O Relatório de nove páginas do Encontro Nacional da direção da UJC, realizado em setembro de 2012 (em plena campanha eleitoral), não faz qualquer referência à luta eleitoral empreendida pelo Partido (tarefa obrigatória e definida no Congresso e nas Resoluções). Esse dado, em si mesmo, é sintomático do que somos concretamente, para além da retórica do "Ousar lutar, ousar vencer", uma bela palavra de ordem que cai no vazio se não há relação de causa e efeito no seu pronunciamento. E para ilustrar esse comportamento evasivo da militância, no dia 24 de setembro, a 13 dias da eleição, recebi um email de dirigente da UJC propondo duas datas para realização de panfletagem nos portões de duas universidades. Omitindo, é claro, a autoria, divulgo os trechos sob aspas, os quais falam por si mesmos: "Camaradas, a campanha eleitoral está chegando a (sic) reta final e só agora a camarada (...) conseguiu material para divulgar sua candidatura. Aproveitamos a reunião da UJC no sábado e planejamos rapidamente algumas ações". "A ideia não é ser algo isolado da candidata (...), mas sim de todos os candidatos do partido. Por isso, é importante a presença de Délio e Numeriano em ambas as atividades. Afinal, a campanha é do partido, não de indivíduos". Vejam que o autor está afirmando que a iniciativa foi tomada a partir de um fato condicionante: a impressão de material da candidata, o qual "só agora" conseguiu. Mas havia há quase três meses uma campanha do Partido nas ruas, com os candidatos Numeriano e Délio, sempre sozinhos, pedindo a presença da militância para acompanhá-los e ajudarem nas ações. Apenas o camarada Henrique, sob iniciativa individual, organizou um evento ao qual compareceram três militantes da UJC (houve até fotos para provar que se "engajaram"). A frase seguinte é a mais emblemática para demonstrar que a UJC parece incorporar (acredito que "inconscientemente"), um espírito de tendência: "A idéia não é ser algo isolado da camarada (...) (...)" Ora, foi preciso "propor" uma "idéia" de que o evento seria dos demais candidatos talvez para convencer os demais militantes que eventualmente resistissem a divulgar material junto com outros candidatos, ao que parece, "não homologados". A frase final, pelo que posso deduzir, indica justamente uma resistência não declarada (e nem precisaria, pois fiz várias instâncias junto a um dirigente da UJC, (...), pedindo que a entidade organizasse eventos para discutir o socialismo, a agenda do PCB etc, e o mesmo sempre sorria cinicamente aos meus pedidos). A frase: "Afinal, a campanha é do partido, não de indivíduos", é a prova mais forte de que se fossem outros candidatos, talvez a UJC estivesse nas ruas cumprindo com o seu dever para com o Partido. Provavelmente, se fossem nomes de pessoas que são omissas nas tarefas do Partido, mas adoram ir às reuniões para opinar do alfinete ao foguete (e depois se recolherem), alguns se engajassem, mesmo que afirmem que “a campanha é do Partido, e não de indivíduos”. Mas devo dizer que a entidade apenas continuou a praticar o mesmo comportamento das eleições anteriores: desprezo na essência e encenação militante.

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amam a causa socialista pela emancipação do homem do jugo do capital.

Amam o grande Guevara, mas a maioria pouco faz além de estampá-lo no

peito. Parecem possuir, antes mesmo de iniciar a militância, um perfil

conformável ao "padrão" político-institucional hoje dominante no Partido:

agregam-se às lutas em geral como se fossem jovens burocratas num rito de

iniciação política. Poucos possuem uma identidade de classe comunista e

revolucionária; daí não surpreender que muitos, uma vez vencida a fase jovem

da militância, aburguesam-se na teoria e na prática por dentro do Partido. Uma

vez burocratizados / institucionalizados, reatualizam velhos vícios e desvios

político-ideológicos. Ao fim do processo, essa parte está envelhecida

politicamente de modo precoce, e é a mesma mentalidade política pequeno-

burguesa que tempos depois vai fazê-la cultivar, nostalgicamente, os tempos

de "jovem rebelde" que "foi à luta".

O Comitê Central (CC) do Partido crê ser possível, com esse

jacobinismo presunçoso, trazer a sociedade para dentro do Partido por meio de

sindicatos e dos jovens? Sim, se em essência esses jovens forem jacobinos e

esses sindicatos encarnarem o mal do vanguardismo. Num caso e noutro, em

si já não seriam "da sociedade", mas produtos particulares dentre outros da

esquizofrenia social e política dos nossos tempos de crise ideológica. Os

senhores estão superestimando a cabeça dos trabalhadores e dessa

juventude. Num dos comentários de membro do CC a favor dessa lamentável,

ultra-radical e irrealista proposta de resolução (comentário quase tonitruante

em sua verborragia diletante), li trechos como “um verdadeiro comunista não se

encanta com o parlamento burguês”. Essas palavras pomposas, sempre

levadas pela vida viva das ruas, já encheram toneladas de papel com rios de

tinta. Para onde nos levaram? Para onde nos levarão? Sempre para o mesmo

ponto de partida de sua pregação pretensamente revolucionária. É quase

possível ouvir o seu autor falar para si mesmo, diante do espelho, e depois dar

aquele sorrizinho satisfeito antes de sair para a rua.

De qual proletário estamos falando? Não é, decerto, do trabalhador que

está nas ruas e nos guetos, nos estádios de futebol, nos botecos, no chão da

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fábrica, nas escolas e universidades, nos escritórios, nos puteiros, nos

estaleiros, nas filas de ônibus. Essa verborragia, em essência, fala para um

trabalhador abstrato; é um fetiche discursivo esvaziado de significação porque

o seu objeto, o trabalhador / homem concreto, ama ou chora, sorri ou adoece,

morre ou vive, para além desse universo que o entende ou sente

mistificadamente.

O que temos visto historicamente é um movimento político auto-

centrado, que pode lembrar um círculo fechado em si mesmo, em que saímos

de um ponto, giramos e chegamos ao mesmo ponto, depois de anos de

embates menos dialéticos do que supõe nossa vã filosofia política. Nunca

giramos nessa luta num movimento que deveria ser de espiral, crescente, uma

curva sempre tangenciando a curva anterior, num movimento dialético

abarcando sempre mais idéias e grupos, pessoas e conceitos, universal e

universalizante a partir da classe trabalhadora, sim, mas nunca engessando

essa mesma universalidade / diversidade (bloqueando seu ascenso intelectual

e político como classe em si e para si), a pretexto de nos mostramos como

paladinos e vanguarda da mesma. (Sim, é isso que o nosso inconsciente

político mascara com esse jacobinismo tardio enfeixado numa interpretação

estreita da tática). A classe trabalhadora quase sempre é mais avançada

política e ideologicamente do que podemos supor na nossa visão

preconceituosa e paternalista.

Esse movimento, porque circular, é fechado à dialética. É entrópico; é

essencialmente autofágico: não por acaso, temos visto contínuos "estouros" de

crises políticas cíclicas nos Estados (São Paulo, Rio Grande do Sul e, agora,

Pernambuco, são exemplos fortes desse grave problema de visão engessada

de processos políticos. Não por acaso, estouram em locais onde há mais

militantes que teorizam e fazem continuamente a crítica da prática).4 Sem força

política para terçar armas contra a burguesia, sem lastro para, a partir dos

movimentos sociais e populares, guerrear o reacionarismo político de grande

4 Faço o registro de que o fato de aludir às crises de São Paulo e do Rio Grande do Sul não significa que concordo, necessariamente, com as razões formuladas por dados militantes e / ou coletivos em divergência. Apenas cito-os para demonstrar algo para mim sintomático.

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parte da classe média, das mídias em geral e dos políticos em particular,

voltamo-nos sistematicamente para disputas difusas ou explícitas entre nós

mesmos. Temos, muitas vezes, avançado dois passos e retrocedido três.

É um movimento que em essência não inscreve no seu giro a questão

do poder (político, social e econômico) no processo da luta entre as classes (e

inscreve, sim, mas como algo idealizado nos termos de um embate entre

burguesia e proletariado numa arena onde veremos todos cada inimigo

apontando para nós sua arma). Parece-nos que esse movimento sonha uma

luta aberta, uma guerra de movimento do tipo da Grande Revolução Russa, no

período de fevereiro a outubro. Sonha o assalto aos céus. Um Armagedom.

Resta apenas que os operários de salários míseros, o camponês espezinhado

e sem terra, o desempregado sem rumo, venham conosco terçar armas contra

essa burguesia, espécie de Babilônia cheia de pecados. E não giramos num

movimento de espiral porque formulamos uma tática que está

operacionalmente fechada ao teste dialético das ruas e das lutas.

O juízo que fazemos aqui, ao lembrar os dois casos, é necessariamente

político. Queremos demonstrar, ao citá-los, porque o PCB (e, a rigor, a

esquerda socialista brasileira em geral) vive nesse eterno círculo, espécie de

útero seguro a partir do qual, alimentando-se apenas da teoria, recusa o teste

da prática. Por que recusamos vir à luz? Por que nos assombram as eleições

burguesas? Por que nos tensionam ideologicamente e abalam tanto? E daí que

é um processo degenerado, podre? Queremos conquistar o poder de Estado

apenas no espaço seguro e exclusivo de grandes frentes políticas para fazer o

assalto aos céus e fundar a nova ordem? Essas são as condições dadas,

objetivas e subjetivas? Quem tem medo de quem, aqui? Nós temos medo de

quê? Só vamos dar a devida importância ao processo político-eleitoral quando

a nova ordem for instituída, pretensamente asséptica e imunizada? De fato,

temos sido revolucionários em teoria, pois somos antiquados no enfrentamento

e reacionários à compreensão desse processo, seja em sua formalidade

jurídica, seja como ele concretamente se institui social e politicamente. De fato,

embora revolucionários, negamos na prática o valor político e ideológico desse

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processo, que mobiliza, para o bem e para o mal, o debate sobre a cidade, o

país, o trabalho, as condições de vida do povo e da classe trabalhadora, ainda

que, neste caso, em aspectos pontuais.

Participamos em Pernambuco de três campanhas majoritárias (as duas

últimas, a rigor, sozinho). Não registramos isso para dar exemplo, mas para

dizer que em nenhum desses momentos o Partido se mobilizou organicamente

com os demais camaradas, a não ser para dizer que estava vivo e "na luta". É

como se fizéssemos campanhas para mero "efeito demonstrativo",

repercutindo algumas agendas e discursos. Isso é gravíssimo. E isso é assim

em todo o Brasil, conforme os relatórios que li sobre o desempenho do Partido

em 2008 e 2010.5 As eleições, burguesas ou não, bem como as campanhas

em termos práticos, são espaços privilegiados para o diálogo político-ideológico

com as pessoas de carne e osso, reacionárias ou não, socialistas ou alienadas.

O nosso rótulo e (falso) desprezo não vai mudar sua natureza e essa realidade.

Na ordem burguesa, jamais serão espaços ideais para nossa intervenção. Do

mesmo modo, não podem ser objeto de intervenção apenas formal para nós,

que é o que vemos em quase todo o país, mesmo saindo com candidatos em

chapas puras ou em coligação com o PSOL e o PSTU. Nunca entramos (salvo

raras exceções) para valer nessa luta. E, no entanto, vejo sempre a cara

coletiva da decepção quando os dados saem das urnas e nosso eterno

desempenho pífio e ridículo ganha a luz do Sol. Por acaso esses resultados

não são efeito também da nossa absoluta falta de seriedade política para

enfrentar essa debilidade monstruosa?

5 No país, nesse período, o desempenho político-eleitoral do PSTU e do PCB é emblemático e fala por si mesmo: votações em geral pífias, que revelam menos as condicionantes das disputas do que a cristalização de nossa fraqueza, ingenuidade e irracionalismo no enfrentamento realista a esses bloqueios.

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O Culto da Ilusão das Formas

Alguma mente farisaica talvez esteja imaginando, aqui, que defendemos

alianças com a direita em processos eleitorais (como a resolução jacobina deu

a entender sub-repticiamente), "porque é preciso ganhar eleições". Não,

camaradas, não imaginem, aqui, a defesa de qualquer taticismo de PCdoB,

que topa tudo pelo poder no seu comunismo de consumo. Tampouco nos

"encantamos" com todo esse lixo que, produzido e sob controle do capital

privado, degenera até o equilíbrio da representação parlamentar nos termos do

próprio jogo de poder burguês. Não há nem houve nenhum perigo de ter sido

seduzido por essa ficção democrática, que a mídia, os tribunais eleitorais, os

profissionais da política etc., emulam com propaganda institucional, discursos e

editoriais tão eloquentes quanto mentirosos sobre o que realmente está

ocorrendo. O que denunciamos aqui é o que chamamos de culto da ilusão

das formas no Partido, mas fenômeno já antigo e comum na esquerda

socialista em geral. Estamos praticando, com esse desvio, o que pode ser

observado nos movimentos sociais refratários aos partidos políticos.

Os trechos seguintes, aspeados e em itálico, foram divulgados em

recente artigo sobre os movimentos sociais (publicado em agosto), bem antes

de imaginarmos que poderiam servir para reforçar os nossos argumentos sobre

os partidos em geral, e os de esquerda socialista, em particular. Assim, com

algumas adaptações, eu os repito neste breve ensaio. Leiam e comparem se a

carapuça serve ou não para nós mesmos.

"Todos sabemos que a luta política é essencialmente ideológica. Não

quero dizer com essa premissa que tudo é ideologia, naqueles termos do que

chamamos de "falsa consciência" sobre o real e suas expressões materiais

traduzidas nos conflitos entre ideias e nas ideias em si. Quero dizer que esses

conflitos, na sua expressão política, traduzem sempre uma visão de mundo

ideologicamente conformada. Por isso é sempre tão atual e sábio aquele alerta

de Brecht sobre o analfabeto político. O grande autor de teatro e comunista

alemão trata sobretudo da alienação política em termos ideológicos.

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E um dos fatos que as campanhas políticas afirmam, para além da

disputa em si pelo voto, é a alienação dos movimentos sociais diante dos

partidos, os atores fundamentais nos quais deságuam, num formato mais

institucionalizado, os conflitos e contradições entre e nas diversas classes e

seus interesses. Essa alienação é em essência ideológica. O seu pressuposto

é que os movimentos devem guardar distância dos partidos em função do

perigo que este representariam como instituições que buscam o poder, à

esquerda e direita do espectro ideológico. Tal crítica vê os partidos numa

dimensão puramente instrumental, como operadores de demandas sociais

numa perspectiva reducionista (o famoso fim em si mesmo), sem incorporar

uma razão centrada numa concepção por assim dizer holística como

mediadores de interesses".

Ora, o mesmo também pode ocorrer com os Partidos, pois não estamos

imunes a olhar o outro sem os preconceitos desse próprio outro em nós. Por

isso, temos visto um "diálogo de surdos" entre Partidos e movimentos sociais.

E não nos surpreende que a crítica seguinte, feita por nós sobre os

movimentos sociais, sirva, em certo sentido político (com sinais trocados) para

os partidos da esquerda comunista ou socialista, como o PCB.

"De fato, há, por parte dos movimentos sociais, uma crítica conservadora

que tem uma "razão de ser" política, mas não ideológica. De fato, alguns

partidos instrumentalizaram, em época política já remota, sindicatos, a exemplo

do PCB, que ainda na clandestinidade dos anos 70 fez sua autocrítica. De fato,

temos hoje alguns partidos de esquerda, direita e centro que agem de modo

oportunista e instrumental junto às entidades, sobretudo sindicais, com o

discurso socialista e/ou assistencialista na ponta da língua. Esse arrivismo

político provocou, já a partir dos anos 90, quando a redemocratização permitiu

a abertura e a ascensão de milhares de entidades sociais, a resistência dos

militantes sociais aos partidos e suas táticas políticas. Ao mesmo tempo, e

aqui temos o nó da questão, essa resistência concebeu ideologicamente (sem

perceber) a crítica aos partidos, tratando-os, a priori, como potenciais (ou

mesmo intencionais) manipuladores das entidades por meio de sua militância".

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Não temos visto essa mesma resistência em nós, em relação à política e

seus processos, eleitorais ou não? Não temos visto um preconceito que nos faz

torcer o nariz para as disputas eleitorais e revelar enfado quando, nas ruas e

nas praças, no portão da fábrica e de universidades, nossos panfletos são

amassados nas nossas caras ou simplesmente recusam pegá-los e fazem

piadas grosseiras?

"Trata-se de uma prevenção que revela, em seu absolutismo puritano,

um preconceito ideológico perigosamente inspirado numa visão de mundo que

não deixa de ser classista, ainda que revestido ou travestido de uma pretensa

universalidade isenta e neutra de ideologias, políticas ou não. Qual é o

resultado ideológico e prático dessa crítica conservadora e genérica aos

partidos, em certo sentido já deslocada no tempo?

Em primeiro lugar, a auto-suficiência que muitos movimentos incorporam

no seu ativismo. Agem como se bastassem a si próprios, como se

encarnassem, na sua diversidade de visões e interesses de ativistas, uma

compreensão superior e mais universal dos eventos sociais, políticos,

econômicos, culturais etc. Ou seja, muitos praticam aquilo que acusam no

oportunismo dos partidos, quando estes se supõem vanguarda e estuário de

verdades. Esse comportamento isolacionista é o primeiro passo para instituir

uma visão alienada do real, dado que os ativistas discursam a partir de cima,

autocraticamente. Muitas dessas entidades gostam da palavra diálogo, mas

desde que o interlocutor concorde, prima facie, com o que está sendo discutido

internamente ao grupo. Dialogam entre si, mas para fora de suas entidades

discursam".

Não é curioso constatar que essa mesma crítica cabe a nós? Temos

dialogado entre nós, mas para a massa trabalhadora lançamos discursos

perfeitos e ainda nos damos ao luxo de excluir da luta trabalhadores /

militantes com grande chance de serem eleitos e estamparem numa Câmara a

gloriosa foice e martelo do PCB (como o carteiro Edvalmir, de Timbaúba). Ah,

não! Afastai de mim esse cálice, porque esse mandato seria concebido em

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pecado! Não é confortável enxergar ao nosso lado um camarada genuíno

somente porque, em essência, ele concorda conosco?

"Onde estaria a classe inspirando esse autoritarismo, se,

aparentemente, tais entidades de movimentos são constituídas por gente de

diversas classes sociais, ainda que predominem os de origem pequeno-

burguesa? Essa classe ou grupo social seria de um novo tipo, afeito ao

ativismo que pretende ajustar o mundo de misérias e contradições a uma

pretensa racionalidade legal e moral nos marcos do capitalismo. Vamos dar as

mãos e curar as feridas da cidade num só canto (desde que esse canto não

derrube as muralhas da Jericó capitalista). São quase os antigos socialistas

fabianos. Não por acaso lemos nos seus projetos um viés judicialista e

moralista que se supõe universal no seu holismo. Instituem uma ideologia que

se pretende asséptica de eventuais contaminações político-partidárias. Essa

ideologia conservadora quer distância dos partidos e de seus militantes, mas

ao mesmo gosta do apoio partidário às suas demandas.

Em segundo lugar, temos como elemento central dessa crítica

conservadora aos partidos o que chamo de culto da ilusão das formas,

encarnado pelos movimentos no instante exato em que formulam seus

discursos e delineiam suas diretrizes de ação. O culto da ilusão das formas

significa instituir uma prática política auto-referente, que desenha os cenários

de intervenção sem problematizá-lo ideologicamente. São grandes cenários da

forma do agir público, mas concretamente ocos, emasculados em termos

ideológicos. Daí o discurso do movimento ser avesso àquilo que é a questão

fundamental numa sociedade de classes: quem tem a hegemonia e exerce o

poder real? Não é por acaso que muitas entidades repudiam os partidos de um

modo geral, pois nenhum deles é alienado dessa condição ontológica de sua

existência. Em outras palavras, o fato de um partido pretender o poder parece

ser um pecado original, um anátema político. Ocorre que nenhuma dessas

entidades existe sem esse mesmo fim, que não precisa estar inscrito em um

estatuto para ser reconhecido como tal. As entidades querem conquistar o que

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podemos chamar de poder social, que nada mais é do que uma forma

particular de poder político não instituído.

No entanto, o culto da ilusão das formas inscreve esse objetivo das

entidades de modo muito mais ideológico do que podemos supor. De fato,

ainda que se suponham acima das classes, considerem-se holísticas,

universais ou qualquer outra palavra charmosa que o valha, tais entidades

pretendem, essencialmente, instituir uma identidade supra-classista que, ao fim

e ao cabo, é a mais perniciosa forma classista e conservadora de ativismo, pois

se isolam e ao mesmo tempo pretendem mediar os problemas sociais,

políticos, econômicos etc a partir dos seus focos absolutos e auto-referentes,

segmentando uma visão de mundo restrita, em termos político-ideológicos.

(Assemelham-se, a rigor, com o pensamento conservador e até reacionário no

mundo acadêmico de mestres e doutores que habitam torres de marfim).

Muitas dessas entidades olham as desgraças do mundo a partir de suas ilhas

fabianas, e em suas ilhas recusam estrangeiros (ideias ou programas de

partido) que possam contaminar a boa ordem. Esse narcisismo político quer a

todos nós espelhos para refletir sua auto-suficiência. Porém, ideologicamente,

essa visão está alienada do real, pois a vida viva das ruas não reflete Narcisos,

mas sim uma brutal e vil degradação de seres humanos e de suas cidades. E

essa condição inscreve o desafio da conquista do poder pelos partidos e

entidades do movimento como algo concreto e perene. Ninguém pode se

emancipar dessa condição de degradado do e no coletivo se cultiva a ilusão de

se emancipar em grupos abertos apenas na forma de agir, mas fechados ao

diálogo político e ideológico junto aos partidos. O espelho, faz tempo, cansou

de Narcisos".

Percebem, enfim, como o Partido se encaixa, em essência, nessa crítica

que fizemos aos movimentos sociais em relação aos partidos, em geral?

Percebem como ambos, partidos e instituições do movimento, anulam-se na

teoria e prática militantes? Mas voltemos à crítica.

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É muito estranho esse movimento atual no Partido, que cultua com toda

razão grandes heróis da classe trabalhadora na história partidária, mas ao

mesmo tempo, sob uma interpretação integrista da tática na Reconstrução

Revolucionária, devora seus filhos, condena-os sumariamente em autos

inquisitoriais ou isola-os em ritos de purificação para que, caso não façam mea

culpa, fiquem em silêncio obsequioso até o próximo congresso. O que a

Reconstrução quer significar, para além do rótulo? Está à procura de uma

identidade tentando forçar a realidade das ruas a entrar na tática? Foi

exatamente isso o que vimos com o caso Paulista, que até ontem era a

"menina dos olhos revolucionários" do Comitê Central e, como num passe de

mágica mistificador, seus militantes ficaram sob suspeição até moral, além de

política, conforme podemos ler nas entrelinhas da resolução integrista. (Segue

em nota uma apreciação do então assistente Numeriano, a respeito dessa

resolução).6 E também foi o que vimos com o caso Timbaúba (pouco

6 "Considero que, em essência, algumas condicionantes da CPN são a expressão de um zelo antes de caráter político pequeno-burguês (inspirado talvez num certo puritanismo ideológico) do que de um cuidado objetivo e racional em face do que a realidade nos impõe, praticamente. Tal expressão radicalizada não está muito distante daquilo que combatemos em certa esquerda que condena a corrupção nos termos do próprio sistema, como se não fosse imanente ao sistema capitalista ser corrupto - e, por esse viés, começamos a combater / negar (até ontologicamente, talvez sem sentir ou perceber) a necessidade de lutar a luta (que não é jogar o jogo nos termos da sujeira do politicismo burguês), e nos refugiamos sob algumas máscaras que podem até servir para aplacar nossos medos e desconfianças políticos e ideológicos, mas que, em termos práticos e racionais, nos isolam da compreensão do movimento real e das lutas concretas. Em outras palavras, percebe-se, embutidas em algumas condicionantes, como exclusiva categoria determinante (e num sentido único), a dimensão da forma como elemento funcional ao conteúdo. No entanto, a contradição, em qualquer processo político, implica a necessidade de reconhecer que o conteúdo também é, necessariamente, funcional à forma. Se assim não entender e sentir esse processo político-ideológico, em breve vamos nos sentir puros, intocáveis, acima do bem e do mal, radicais da boa nova socialista; quase um PSTU atual ou PT das origens. E daí será um pequeno passo para imaginar, mistificadamente, que ganharemos a guerra num assalto aos céus que não exigirá de nós nenhum combate na arena suja. Em geral, essa leitura enviesada do real, inspirada pelo puritanismo, idealiza os processos concretos e condiciona as formas / meios de luta numa camisa de força. Começamos e então a inventar / sonhar a realidade circundante para caber nas nossas teorias – e numa única mão. O pragmatismo político não é necessariamente ideológico (ele é um dado da realidade do jogo político, instituído pelos lances táticos dos candidatos e partidos), embora saibamos que ele pode resultar no oportunismo político mais descarado, se um partido / militante não agir mediante princípios. É preciso compreender que "lutar a luta" sob alguns dos termos e dados limites (não ideais) que esse real nos impõe, não significa que estaremos contemplando o abismo da perdição político-ideológica. Não me admira que, embora todos sejamos marxistas sinceros e com um grau maior ou menor de leitura e reflexão, muitos de nós

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conhecido do Partido porque não houve resistência em Pernambuco), onde o

relatório, redigido por quadros dirigentes, foi tratado como um "contorcionismo

verbal" (palavras do próprio secretário-geral), como se seus autores fossem

enrrolões ou embusteiros. E o que nos estarreceu foi um integrante do Comitê

Central agindo como espião ou informante desse coletivo, como se os

dirigentes estaduais não merecessem confiança. Que prática é essa num

partido que deve ser de camaradas? Como o secretário-geral permitiu e

estimulou essa coisa deletéria e asquerosa de um dirigente sair à cata de

notícias para, de modo descontextualizado, expor camaradas que

supostamente necessitassem ser vigiados? Em qual coletivo esse senhor foi

autorizado a espionar os assuntos do PCB nas regionais e informar ao

secretário-geral sem que ao menos houvessem esclarecimentos prévios junto

aos dirigentes regionais? Somos já um gigante político à deriva que precisa de

espiões para cuidar, supostamente, de nossa integridade política e ideológica?

No máximo, esse senhor poderia informar ao secretário-geral, que

imediatamente trataria do assunto caso a caso, em comunicação direta e

restrita com os dirigentes das instâncias inferiores do Partido, sem necessidade

de expor os camaradas na rede do CC. Assim, evitaria a rede de fofocas e

dubiedades criada, com muitos julgando levianamente sem conhecer as

questões em profundidade. É espantoso que tenhamos permitido isso entre

camaradas. Já estamos assim tão obcecados como pregadores de ônibus com

a Bíblia em riste para achar natural esse comportamento imoral? Esse

comportamento até ganhou um adepto em Pernambuco, com um militante da

UJC (que jamais se integrou em qualquer campanha político-eleitoral do

Partido, coisa típica desde que o Partido decidiu disputar, até isoladamente, a

partir de 2008), pesquisando o caso de Gameleira e nos questionando, via

guardam uma resistência antidialética em face dos processos e campanhas eleitorais: talvez imaginemos uma Sierra Maestra e a instituição de um conteúdo e forma novos para fazer a política. Mas, na prática, toda vez que somos derrotados nas eleições (o nosso secreto objeto de desejo?), ficamos publicamente decepcionados, e voltamos a renegar, sem auto-crítica, a importância tática desse espaço de intervenção político-ideológica. Nos preparamos sempre para mudar o mundo no cotidiano de nossas lutas particulares e gerais, mas sempre temos uma atitude de desprezo diante dessa arena de luta política".

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email, se o Partido em Pernambuco tinha conhecimento.7 Sobre a onda de ódio

que a resolução fez explodir em Paulista, até em nome do Centralismo

Democrático, fiz um último apelo que julgo importante os camaradas tomarem

conhecimento.8

7 Será que, no caso de Gameleira, o "espião" deixou escapar uma aliança pecaminosa? A coligação contou, nesse município pernambucano da Zona da Mata Sul, com o PSB, o PCdoB e o PSD (de Kassab). O PSB de Pernambuco é a quintessência do reacionarismo ilustrado com verniz de social-democrata. Faz um governo elitista, centrado no enriquecimento escandaloso de algumas dezenas de comensais do poder. Reprime com violência os estudantes, concentra a renda no pólo industrial de Suape, enquanto o Sertão afunda na miséria. Apoiamos o PSB, que nem estava no index das resoluções. Gameleira foi uma "exceção"? Vê como erigimos tótens e depois não conseguimos decifrar os tabus que neles vemos encarnados? Ora, deixemos de hipocrisia! Se o caso Timbaúba ou Paulista for mais problemático do que o caso Gameleira, desafio alguém da CPN a provar. E, fiquem certos, nem estamos citando aqui este caso para exigir “punição” retroativa. 8 Camaradas,

Envio um breve comentário sobre a situação do Partido em Paulista, em face da recente decisão da CPN sobre a candidatura a vereador do camarada Luciano. Pedi ao Emerson que leia esse comentário. Não irei pelo fato de estar participando de debate no Recife. Este texto é a minha última intervenção como assistente em Paulista, pois decidi, a partir do dia 8 de outubro, renunciar a todas as funções dirigentes no Estado, fato já comunicado ao José Mário (Recife), Aníbal (Pernambuco) e Comitê Central. Estou até dia 07 de outubro cumprindo a tarefa que me pediram (fui contra participar da campanha como candidato majoritário, como todos sabem). Estou me desligando da militância institucional por três motivos. Um deles tem relação direta com o "caso Paulista", mas ocorreu até antes, em Timbaúba, quando o Partido decidiu vetar a candidatura de Edvalmir Carteiro, hoje concorrendo em chapa única. Não há nenhum emocionalismo e irracionalismo político na minha decisão: apenas decidi lutar pelo socialismo em outras esferas, sobretudo a cultural. Continuo filiado ao PCB, é claro, e só retornaria à militância institucional se eu percebesse qualquer movimento ideológico com desvios de direita no Partido. Felizmente, não é caso. Preparei um texto que chamei de "O Culto da Ilusão das Formas", que é minha última contribuição, por assim dizer, teórica como militante do Partido. Esse texto será disponibilizado ao coletivo estadual no dia 8 de outubro. CARTA A PAULISTA Camaradas, Em Paulista vivemos hoje um grave conflito. E apenas na aparência é um conflito entre o militante Luciano e a direção municipal. Ele reflete em essência o conflito entre uma interpretação integrista e ultra-radical da tática e uma interpretação que chamo de dialética e realista, calcado sem idealizações na vida viva das ruas, na situação de miséria dos trabalhadores desempregados, na alienação de dezenas de milhões de brasileiros de sua condição de explorado, no quadro de dominação de uma política cada vez mais hegemonizada pela direita e sua ideologia. Sou, desde o início, favorável ao encaminhamento que esse coletivo deu ao processo de alianças com o PT. Defendi-o perante a CPN, em relatório do diretório ao qual agreguei meu parecer político. Também sou radicalmente contra a decisão aprovada pelo CC, a partir de proposta de Resolução do secretário-geral, em determinar ao camarada Luciano que renuncie à candidatura, já que o prazo legal do dia 05 de agosto esgotara-se e não seria possível intervir. Restou a determinação de: 1. Redigir um documento político com a declaração de rompimento com a aliança na proporcional e majoritária. A outra seria, concomitantemente, a renúncia jurídica do Luciano. Como o ato está fora de cogitação,

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Essa espécie de "caça às bruxas" e bruxedos provocou em Pernambuco

um episódio que jamais presenciara no Partido, e que é o retrato fiel de como o

ultra-radicalismo é um perigo para sua vida política. O camarada Luciano

continuou candidato, pois havia passado o prazo legal (05/08) para qualquer

intervenção da Estadual ou do Comitê Central (CPN), no sentido de requerer a

retirada do seu nome da coligação. Ao mesmo tempo, Luciano recusou-se (e

com razão prática e política, em minha opinião) a renunciar à mesma. Apesar

resta discutir o encaminhamento prático do processo de rompimento. E é neste ponto, camaradas, que venho pedir ao coletivo serenidade em dois sentidos: preservar o Partido e o camarada Luciano. Sei que os ânimos estão acirrados. Sei dos ataques pessoais e até moralmente ofensivos e públicos que o camarada Luciano já sofreu. Sei também que o mesmo camarada já reagiu de modo errado a alguns desses ataques. Mas nada disso está em causa, agora (tratem do assunto depois da eleição, é o meu conselho, se ainda houver condição política para tal). O fato é que o Partido está nas ruas com uma candidatura que mobiliza e envolve as pessoas, militantes ou não da causa socialista. Sim, é o Partido, queiram ou não, com a gloriosa foice e martelo no campo vermelho, com a cara do Luciano. Não é somente uma candidatura do Diretório Municipal de Paulista. E isso se deve a uma conquista de todos vocês, com grandes sacrifícios em muitos anos de vida. Não é possível um coletivo de tanta gente de coração fraterno e solidário ter gestado e parido um Partido comunista que agora se debate entre ódios, rancores e desconfianças. O que há para que uma decisão política (para mim jacobina e estreita em termos político-ideológicos), ter provocado isso? Um Partido comunista, para ser comunista, não pode estar acima do coração e da mente dos homens. Se vamos nos endurecer no coração e na razão a ponto de cultivar uma radicalização que aposta na desconstrução de nossas subjetividades, em nossa desnaturalização como ser humano e numa guerra aberta até as últimas consequências, então há algo de errado com todos nós. Por isso, venho pedir que encaminhem um documento de rompimento político interno à coligação na proporcional e majoritária (evitando a "queimação" do Partido e, como efeito, o aproveitamento pela direita local e até por fanáticos de extrema-esquerda, como o PSTU estadual, que aposta na nossa divisão e desestruturação a partir de Paulista). Peço que se abstenham de combater e desconstruir a candidatura que é do Partido "na prática e formalmente", além de extrapolar o mesmo. Peço ainda que, a esta altura, não queiram exigir que o camarada Luciano recuse o apoio material da campanha, já impresso e entregue. Seria uma grande hipocrisia política da nossa parte essa espécie de "pogrom", interna e externamente ao Partido. Assim peço porque, a despeito de falhas e erros, o camarada Luciano, como a identidade militante do PCB mais evidente na cidade, merece ser preservado. Mesmo se não fosse por isso, ele merece ser preservado como pessoa. O grande e imortal Gregório Bezerra não tinha ódio sequer dos seus algozes torturadores, por que parte dos dirigentes do Partido está cheia de ira para com o camarada? O que está havendo? Busquem analisar as questões com frieza, pesando o lado do Partido e o lado do homem. Somente partidos fascistas pretendem que o homem está abaixo da instituição. Um Partido comunista como o PCB pretende que o homem seja o Partido, e vice-versa. Sejam serenos. É o que peço. Roberto Numeriano Assistente PCB-Paulista Recife, 04 de setembro de 2012

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disso, afora o ato de desobediência (ninguém aqui iria negá-lo), a companhia

seguia defendendo as bandeiras de luta programáticas do Partido. Em finais de

agosto, durante reunião de militantes da campanha (em local público, também

com a presença de militantes institucionais), três dirigentes municipais se

aproximaram da roda que discutia as tarefas e ficaram policiando a discussão,

em atitude intimidatória, como se fossem esbirros da antiga ditadura militar.

Não falaram nada, apenas vigiavam para depois, quem sabe, punir. O que é

isso? Essa foi a primeira vez que o Partido me provocou medo (e eu nem

estava lá, pois se estivesse enxotava-os). Também jamais vi no Partido esse

afã de punir, com rigor inclemente, um dirigente até ontem exemplar. Depois

disso, impossibilitados de "detonar" a candidatura legalmente, alguns desses

se passaram para pedir, por mensagens, contatos telefônicos e pessoais, que

não votassem em Luciano, pois o mesmo iria ser expulso do Partido. Não é

possível considerar isso normal, pois no fundo é expressão de ódio. Em

essência, o nome dessa doença é patrulhamento fascistóide, o mais letal

vírus que o ultra-radicalismo inocula num organismo político. Qual é o

próximo passo? Uma polícia fardada vermelha para os períodos eleitorais?

O rigor penal periférico era, é claro, efeito de uma sanha punitiva que

jamais observara no Partido, em muitos anos de militância.9 Por isso, foi sem

surpresa que, já no fim da campanha eleitoral, exatamente no dia 01/10/12, o

zeloso "espião" do Partido copiou um post no meu facebook e informou à CPN.

O post era o compartilhamento de um evento de candidato do PT à prefeitura

do Paulista, Sérgio Leite, e veio como anexo a um email da Secretaria Nacional

do Partido, com cópia para o camarada Aníbal, criticando-me e cobrando-me

explicações, pois, a despeito de eu ter informado que, a partir do dia 08/10,

renunciaria oficialmente às minhas funções dirigentes no Partido (e solicitado

que não mais enviassem para o meu email correspondências oficiais), eu ainda

estava sob o princípio do centralismo democrático como "filiado" etc. Em

conversa telefônica com o Aníbal, no dia 02/10, informei-o que, ainda no início

da campanha, postei a informação que usaria o meu facebook pessoal para

9 Este e o parágrafo seguinte foram redigidos no dia 02/10.

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divulgar a campanha (e na ocasião pedi a compreensão daqueles meus

amigos que não gostam de política e/ou não achem correto usar o espaço para

esses fins). Assim fiz. E somente após me desligar previamente das três

instâncias do Partido é que postei o referido evento. Na verdade, eu já era, de

fato, um ex-militante do PCB (embora, de direito, ainda fosse, pois apenas no

dia 08/10 a minha carta seria enviada às três instâncias). Estava sob duas

condições: de ex-dirigente e ex-militante ainda não oficializado, e de candidato

da Frente de Esquerda. E foi sob essa dupla condição que divulguei o evento e

vinha apoiando a luta do candidato Luciano Morais em Paulista, sob o mesmo

fundamento político que me fez escrever este ensaio: defender o que considero

melhor para o Partido e a luta dos trabalhadores. Sem dúvida, feri formalmente

o centralismo democrático (definam o "delito" e decidam qual "pena" deve a

mim ser imputada), mas esse mesmo rigor, eu, como filiado, exijo sobre

todos os que, no Partido, em Pernambuco ou além, são omissos,

diletantes e desidiosos em relação às tarefas partidárias cotidianas

(eleitorais ou não), pois o centralismo não existe para ser brandido como

açoite nas costas de "filhos desobedientes". Parem com isso! Quem vocês

pensam que são e o que querem fazer com o Partido de Gregório, Prestes e

Marighella? Um ajuntamento de pobres diabos amestrados? Esse deslavado

farisaísmo, longe de "enquadrar" quem quer que seja, na verdade põe o

Partido numa puída camisa de força!

Se querem a “lei” e a “ordem” para criar o sentimento de disciplina e

hierarquia sobre pessoas e/ou coletivos, é obrigatório que os dirigentes

centralizem democraticamente tudo e todos. Na prática, tenho visto em

Pernambuco (por parte de dirigentes), a ação cínica e deletéria de quem é

militante para si mesmo. Não creio ser difícil encontrar, Brasil afora, esse tipo

de (falso) militante pecebista: se esses tipos não “perturbam” a boa ordem

ilusória, ainda que na prática vivam a descumprir suas obrigações partidárias,

não há nada a temer.10 Aliás, temos visto cobrança apenas sobre quem se

10 De um desses casos, praticado por membro do CC, fui testemunha: na ocasião em que o Comitê discutia se apoiava a candidata Dilma Roussef no segundo turno das eleições de 2010, o mesmo defendeu publicamente pelo voto na candidata do PT (posição por fim vitoriosa na

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mobiliza e afagos em parasitas políticos.11 Se querem um aggiornamento no

Partido, então comecemos pelos quadros dirigentes diletantes, livrescos,

preguiçosos, pernósticos, ególatras e omissos. Se querem fazer do PCB um

partido datado, habitando um limbo político-ideológico, então permitam que

esses tipos e seus perfis intratáveis sejam a expressão da alma do Partido.

Serão perfeitos soldados da tática suicida.

votação final, sob um canhestro argumento "político" de "apoiar Dilma nas urnas e ser contra o governo nas ruas" ), mas já no hotel esse dirigente declarou, diante de mim e de outro membro do CC, que ia votar nulo. Aliás, o PT da então candidata Dilma não é o mesmo PT do então candidato Sérgio Leite, em 2012? Mudaram os costumes ou mudei eu? Certo, alguém aqui vai lembrar das resoluções de 2011 que definiram coligações prioritárias com o PSOL e o PSTU. Certo... e passados dois anos nós, sem transigir sobre cada realidade e sem levar em conta mediações de variadas espécies no mundo concreto da luta de classes; nós, agora, vemos o PT como um todo homogêneo e essencialmente "reacionário" em qualquer rincão do país? É simples, assim? É assustador como, nos últimos anos, a nossa política prática, longe de se fortalecer coerentemente, tem sido em essência a expressão de ziguezagues táticos menos pragmáticos do que oportunistas. 11 Esse é um dos “efeitos gerenciais” típicos nas instituições engessadas e burocratizadas, partidárias ou não.

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Duas Derrotas

O que fundamenta a resolução jacobina é a alegação de que as

Resoluções do IV Congresso Nacional e a Conferência Política Nacional (de

novembro de 2011) restringem o campo de alianças com o PSOL e o PSTU,

cabendo o exame das exceções por parte de um coletivo especialmente

designado (nestes casos, sempre a CPN). Logicamente, vetou qualquer

coligação com partidos como o PSDB, DEM etc. Perfeito (não estamos aqui,

em nenhum momento, questionando o acerto dessa decisão em si, embora, no

caso do PSOL e PSTU e de qualquer partido que exista ou vá ser criado no

campo da esquerda socialista, acredito que seja precipitado decidir, como se

fossem "contratos de namoro", alianças político-eleitorais em resoluções de

conferências e / ou congressos). Em muitos casos, Brasil afora, o PSTU, por

exemplo, é o exemplo de uma "companhia" pública que nos lembra aquela

sábia sentença popular: "Antes só do que mal acompanhado", tal o perfil e a

imagem que esse partido disseminou na esquerda socialista e sociedade em

geral. Já o PSOL, por outros motivos, também merece uma análise pelo fato de

possuir grupos com a mesma arrogância político-ideológica do PT das origens -

que nos anos 80 e 90 cresceu no vácuo deixado pelo PCB fazendo uma crítica

de direita ao "socialismo real". No caso específico de alguns dos grupos

psolistas, podemos identificar elementos desse defeito genético petista que

reeditam práticas e discursos hegemonistas e vanguardistas. É até natural

esse comportamento de afirmação adolescente, pois o PSOL, acredito, ainda

está processando a morte ritual do seu "pai" político-ideológico, o PT. De todo

modo, os militantes do PSOL são fundamentais aliados na luta pela construção

de blocos sociais e populares, em termos gerais e específicos. Aliás, se a luta

de classes, nos próximos anos, reagendar as disputas político-eleitorais

também num eixo ideológico mais aberto (ainda que não necessariamente

numa perspectiva revolucionária), dependerá muito das opções táticas do PCB

e do PSOL, bem como do encaminhamento prático dessas opções, o

crescimento e fortalecimento dos dois partidos como atores fundamentais na

liderança dos trabalhadores e do povo brasileiro nesse processo. Se a tática

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não se faz revolucionária, o socialismo será sempre uma eterna miragem

estratégica.

Iniciado o processo eleitoral, a CPN arrogou a si as análises e decisões

sobre cada caso, determinando quais alianças proporcionais e majoritárias

deveriam ser homologadas ou indeferidas. No caso de Paulista, num primeiro

momento, foram elencadas, numa resolução da CPN, determinações diversas

para o CR/PE atender. Estes e outros encaminhamentos são do conhecimento

de todos (a nota pública do PSTU estadual, provocadora e desonesta, a nota

pública do CR/PE, em resposta, a resolução jacobina da CPN, proposta pelo

secretário-geral, e, a seguir, a circular da CPN, redigida pelo mesmo e dando

instruções finais para que o CR processasse o que fora aprovado pela maioria

do CC quanto à proposta de resolução, com dois votos contrários dos

camaradas Aníbal e Numeriano, e cerca de meia dúzia de abstenções).

Estaríamos no melhor dos mundos e em paz com nossa consciência política se

a política ficasse restrita ao mundo dos papéis com decisões que imaginam ser

possível formatar a luta real e formalizar as relações políticas das entidades e

militantes em si e das entidades e militantes entre si, todas as vezes que

algumas contradições e conflitos ocorressem. Bastaria, sempre, uma canetada

e, pronto, a ordem ameaçada estaria restabelecida.

Essa presunção autoritária presidiu, desde o início, o processo sobre

Paulista e Timbaúba (talvez, aqui, alguém esteja imaginando que nesses dois

casos tínhamos, em essência, o mesmo problema de outras alianças

"detonadas" em alguns Estados12, e por isso mesmo nem haveria o que discutir

- conforme ficou patente no apoio quase unânime dos membros do CC que se

pronunciaram). Mas o fato é que não estamos aqui fazendo a crítica quanto à

aplicabilidade ou não da "pena", por analogia, nos termos de uma suposta

hermenêutica legiferante da vida partidária. Isso foi o que fez o CC ao

embarcar na radical proposta de resolução ultra-radical do secretário-geral. O

que estamos a discutir e criticar é o vezo de interpretar, por um viés integrista e

12 E com que orgulho essa palavra pretensiosa, "detonadas", foi escrita em alguns emails, traduzindo nossa ilusória "potência" e "controle" da situação, bem ao estilo judicializante e formalista de tratar a política pelo viés radical.

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ultra-radical, a decisão de um coletivo que, de modo acertado, ponderado o

quadro geral e a dinâmica da luta e dos atores envolvidos na disputa político-

ideológica e eleitoral local, buscou o melhor para a luta do Partido e sua

militância no que concerne aos desafios políticos e sociais nesses municípios,

sempre em consonância com a política geral do Partido para a classe

trabalhadora. Esse todo foi percebido ou somente foram vistas algumas

árvores dessa floresta?

Até soubemos, em comentário aparentemente jocoso do secretário-

geral, feito ao camarada Aníbal, que alguns camaradas de Pernambuco

estavam pretendendo, com a resistência, imprimir ao todo nacional uma "visão

pernambucana". O camarada exagerou o nosso objetivo (apelando, para variar,

para o formalismo da resolução numa perspectiva menos política do que

jurídica), e tangenciou o que realmente estava e está em debate: a nossa

crítica a uma interpretação integrista da tática (implicitamente entendida aqui

como um objeto, estático no tempo e espaço) e a sua transformação em

dogma de fé. Na verdade, tudo somado, vimos o inverso daquilo do que

fomos "acusados": a redução de todas as partes (e suas contradições

imanentes à dialética) ao todo absoluto da forma. Nessa presunção, que

trai uma perigosa concepção política reificadora sobre a realidade política

em si contraditória, não cabem mediações político-ideológicas de

nenhuma espécie. Sob essa concepção integrista, o contraditório político,

diante do formalismo encarnado pela maioria de um CC judicializador da

política partidária, sequer tem espaço para gerar um debate antitético,

democrático e plural em sua natureza, para além da consulta que (a rigor, nos

termos desse processo e prática judicializante, nem precisava ser feita, pois

todos já sabiam / sabem o que votar, segundo esse cânone de um coletivo que

quer fazer política para além do mundo concreto; um mundo hegeliano do

grande espírito demiurgo sobrepairando o Estado, quem sabe).

Não é por acaso que parte significativa da atividade política do

secretário-geral tem sido dedicada, nos últimos anos, a apagar incêndios

políticos que costumeiramente sacodem os coletivos mais orgânicos e críticos:

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como árbitro, faz aqui e acolá arranjos políticos.13 Seriam as dores do parto de

um partido que se projeta grande, destinado à conquista do poder político? Não

é o caso, pois o que temos sofrido é a gestão política de crises internas

contínuas e sistêmicas, e que já são funcionais e orgânicas à política partidária

por dentro e para fora de suas estruturas. Por isso mesmo, aos poucos e de

modo irrecorrível vemos como que uma prática política "amestrada" e

conformada segundo a leitura integrista (sem dúvida, uma relação causal

objetiva, cuja provável síntese dialética será a configuração de um partido

engessado e reacionário à esquerda). Maldita realidade que não se encaixa

nas nossas formulações! Nessa presunção, ultra-radical e farisaica,

demarcamos um mundo ideal à esquerda, e nesse espaço estabelecemos a

arena única e possível para travar o combate político-ideológico por nossas

teses congressuais. Na prática, essa presunção, porque estreita e autoritária,

amordaça-nos e nos isola, e tendencialmente vai nos transformar numa seita

política fundamentalista, como é em essência o PSTU. É a derrota da dialética.

Vamos supor que tivéssemos, em mil municípios brasileiros, mil

Edvalmir Carteiro com chances muito fortes de serem eleitos. E ainda que

tivéssemos, em outros dois mil municípios, dois mil militantes como o

camarada Luciano, também com fortes chances de serem eleitos para a

Câmara. Mas vamos extrapolar: vamos imaginar o mesmo para cinco, trinta ou

cinquenta deputados federais, e que em todos esses casos tivesse ocorrido o

mesmo que ocorreu em Paulista e Timbaúba (o "espião" oficial teria um

trabalho gigantesco para informar a CPN). O que faríamos, então? Em nome

do culto da ilusão das formas, dessa estreiteza da dimensão formal (que

pretende formalizar / judicializar a dinâmica dos embates políticos no seio do

Partido, manietando as instâncias com altissonantes resoluções, circulares etc,

as quais parecem querer traduzir um sentimento de potência para instituir uma

ordem perfeita), em nome "disso tudo" deveríamos, obrigatoriamente, indeferir

13 Uma atividade que deve orgulhá-lo, sem dúvida, mas que em essência mostra como o Partido (apesar de estrutural e ideologicamente negar o politicismo e a forma burguesas da prática política), reproduz em sua dinâmica política o apelo à voz da autoridade e ao formalismo judicializante das relações.

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dezenas de candidaturas para nos encaixarmos no dogma da forma e escapar

do auto de fé. Perguntem à cúpula dirigente nacional do PSOL se ela faria o

mesmo. E também ao PSTU (pois nem esse partido, de caráter ideológico

mistificador), é um inexpugnável monólito político-ideológico, como tenta

parecer).14

Se a resposta à pergunta for, majoritariamente, positiva, então o Partido

corre um sério perigo, pois, para além de eleger, em "chapas puras" de

esquerda ou com legendas mequetrefes e de aluguel, alguns poucos

candidatos, estará sempre restrito ao espaço dos votos acabrestados à

esquerda (no caso em que tivéssemos nomes com clara e forte liderança na

massa para obter voto ideológico), disputando sempre até 2% do eleitorado em

cada Estado e município (que é a média consolidada da esquerda socialista).

A vida viva da luta político-ideológica não pode ser formatada por ideais

(ainda que coloquemos nele o carimbo de "revolucionário") políticos de uma

ilusória "vontade de potência". A formalização das relações políticas sob

eixos interpretativos ultra-radicais é, ontologicamente, um desvio do

organismo político comunista, que tende a operar um fechamento

progressivo do diálogo político por dentro e para fora do Partido. Em

termos práticos, esse desvio tende a isolá-lo até o limite esquizofrênico de falar

apenas consigo mesmo (e, de dentro de uma camisa de força), sair às portas

de fábricas e nos guias eleitorais com mantras politicamente estúpidos e

ideologicamente reacionários no campo da esquerda, como temos visto. É a

derrota do Partido.

14 Aliás, hoje raramente ouvimos o bordão "revolucionário" com o qual queriam fazer tremer a burguesia brasileira. Será que o PSTU está se "aburguesando"?

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Acima do Bem e do Mal

O fato de aludir ao CN e resoluções x ou y para justificar decisões

parece-nos uma saída fácil, no caso em tela. Nos dispensa do exame da

natureza do fato político ou, como parece querer a justificativa burocrático-

formal constante da resolução jacobina, quer nos convencer de que a decisão

radical é legítima em si mesma. Na verdade, tal decisão é o modelo formal de

uma percepção estreita da política real, em termos teóricos e práticos (e daí

nos parecer um "porto seguro" no qual nos refugiamos contra o mau tempo da

luta e na luta). O mundo burguês é mal, neguemos o mundo! O nosso mundo é

perfeito, façamos com que a realidade das ruas, fábricas e campo nele se

encaixe! Entre o CN, a Conferência Nacional e o período eleitoral o mundo dos

conflitos político-ideológicos parou? Não há nada a transigir? A revolução nos

espera logo ali, pura e cristalina, sem vieses e contradições? Seremos dela a

vanguarda que vai chegar ao poder sem pecado na concepção? Por mais

avançadas politicamente que tenham sido (e continuam sendo) as resoluções

da Conferência, tais decisões não podem pretender bloquear / cercar as

dinâmicas da luta de classes (em arenas político-eleitorais ou puramente

ideológicas, como objeto de debate teórico), que é o que temos visto por essa

ótica mecanicista predominante no Comitê Central.

O Partido não pode se pretender profeta acima do bem e do mal dos

tempos, erguendo-se, como se fosse possível, acima do real da luta de classes

e algumas de suas condicionantes objetivas. Isso é para instituição religiosa

fundamentalista. O Partido não pode recusar eleger lutadores sociais aos

parlamentos porque, em dados momentos e ambientes, somou-se a uma

coligação, sem que disso pudéssemos ter o controle, uma legenda que naquele

local é só um Partido cartorial, "de papel", ainda que de direita. Desde quando

uma coligação desse tipo e formada sob essas condições significa negar a

agenda político-ideológica do Partido? E desde quando uma coligação com o

PSTU e o PSOL será / seria recomendável "em si mesma"? Quem não sabe

que, em um número considerável de casos, coligações com esses partidos são

quase sempre travadas por disputas de ninharias de poder motivadas pelo

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personalismo e arrogância de quadros, vanguardismo e messianismo dos

partidos, além propriamente da irracionalidade política?15 Quantas coligações

político-eleitorais foram feitas, em nível municipal e estadual (sem falar na

péssima experiência da disputa presidencial de 2006), e que, na prática, não

passaram de "ajuntamentos" de partidos, com seus militantes, em boa parte do

tempo, cuidando de apagar ou propagar conflitos na fogueira das vaidades em

torno do nada?

A arrogância e presunção desse gesto são espantosos. É como se

quiséssemos zerar a luta de classes a priori, sob a sua forma político-eleitoral.

Talvez haja quem imagine que esse será o "preço a pagar" pelo Partido,

inicialmente, até que a boa nova do evangelho sem mácula seja ouvida pelas

massas. Talvez imaginem ser possível repetir a história, qual PT das origens

redivivo, mas seguros de que não nos desviaremos do caminho na marcha

batida até ascender ao poder máximo revolucionário. É como se existisse em

um, por assim dizer, inconsciente coletivo partidário o desejo não confesso de

seguir o modelo petista dos primeiros anos, e, em essência, reeditar, sob a

forma "comunista", a estratégia da revolução democrático-popular esgotada

pelo PT no poder, em forma e teoria. Idealizam, pois, os processos políticos

concretos, e daí conceberem a operacionalização da tática conforme a própria

concepção não dialética da mesma.

Sob essa leitura do já conhecido "esquerdismo" (esse mal perene que

sempre trai nossos complexos ideológicos burgueses ainda não debelados em

nosso ser político e social), forma e conteúdo se encaixam perfeitamente para

"traduzir o real", como se este fosse uma caixa de lego de um mundo político

infantilizado. Essa política do gueto recusa o teste dialético que exige toda

formulação tática praticada verdadeiramente, sob as pressões, armadilhas,

contradições e imposições da luta concreta no campo político, ideológico e

15 Há uma certa pretensão ingênua do PCB, a respeito dessas alianças táticas, quanto a se considerar como "estuário" de mentalidades, teorias, práticas etc., em função dos 90 anos de luta do Partido. No entanto, na luta prática, isso é apenas simbólico, pois nos arranjos pré-eleitorais e noutras lutas o que fundamenta a ação de cada partido com o qual dialogamos é obter a maior vantagem possível para a sua agenda política, ideológica e eleitoral. Pragmatismo político é irmão gêmeo do protagonismo social.

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eleitoral. A tática sob a mordaça integrista é um jogo de soma zero entre o

Partido e o mundo real da política, no qual, ilusoriamente, não perdemos nada.

Não é por acaso que sob essa interpretação da tática, vista / concebida

como um ente inerte ou estático, o efeito concreto do integrismo é

paralisar / bloquear, num primeiro momento, a atividade prática da

política (sendo a paralisia eleitoral apenas um efeito secundário), e, num

segundo momento, conformar / amestrar a formulação teórica (sendo o

amestramento do dissenso um efeito secundário do esvaziamento da

crítica). A tática só pode ser experimentada de verdade no mundo das

contradições concretas, em nós (já na nossa subjetividade de ser político e ser

humano, unidimensionalizado), no organismo partidário em si, e do mesmo

organismo em sua relação dialética conosco. O espaço de tempo entre

congressos é de transigir, essência da política per se, sob a mesma liberdade

democrática de períodos de consulta coletiva.

Fala-se muito que o materialismo dialético e histórico é um método

científico. Sem dúvida, para mim é o mais robusto método científico até hoje

concebido para apreender a realidade. Por isso mesmo, as teses concebidas

pelo coletivo comunista devem ser objetivamente (e não idealmente)

experimentadas nas ruas, pois não foram / são formuladas para aguardar o

próximo congresso e o coletivo dar outro passo, se negadas algumas

premissas das teses congressuais. Se assim imaginarmos a esfera do político,

em breve vamos ter um Partido transformado em academia de Ciência Política

(bem ao gosto de alguns "militantes" de cultura política livresca, que na prática

transformam o PCB em grêmio lítero-recreativo).16

Um aspecto que pode ser deduzido desse afã de afirmação jacobino é o

retrato que fazemos de nós mesmos. Parece-me que a grandeza do passado

revolucionário do Partido contamina esse auto-retrato, em termos político-

ideológicos. Nos erigimos como símbolos para consumo de nós mesmos. É

16 Conhecemos um "exemplar" que é a quintessência dessa militância de gabinete, pois adora ouvir a própria voz e concebe reunião como um momento de "despacho" de ofícios, circulares, comunicados, propostas de Ativo disso e daquilo etc. Terminada a reunião, é o primeiro a não se mexer no mundo real da luta.

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como se estivéssemos sempre a olhar a nossa história e os seus grandes

nomes, e daí, para além da necessária emulação dos seus feitos,

precisássemos evocá-los sistematicamente, num culto quase nostálgico.17 Ao

mesmo tempo "personalizamos" os feitos dos nossos grandes nomes (como

um Prestes ou Gregório), que tinham a exata dimensão de que compunham

uma batalha coletiva pelo socialismo, e não se enxergavam na luta

particularizados. Mas o fato é que os nossos heróis revolucionários precisam

de uma "morte" política. É preciso encarar a necessidade de "matar

ritualmente" nossos pais políticos. Eles próprios, bons revolucionários que

eram, não gostariam de um Partido no eterno retorno que significam os

mesmos paradoxos e os velhos impasses entre o que teorizamos e praticamos.

Não podemos falar em reconstrução e repetir visões / comportamentos que

mais à frente exigirão novas reconstruções. Precisamos fazer o luto político dos

nossos mortos, assim como dos elementos teóricos pequeno-burgueses ainda

aferrados no nosso ser político. Eles não devem nos pesar para além do tempo

de suas lutas.

Não é natural e normal o PCB viver a gestão de eternos conflitos que ao

fim e ao cabo transformam-nos num clube fechado em si, com bons camaradas

envelhecendo entre bons camaradas.18 Essa é a cultura política de fanáticos e

fariseus do esquerdismo de mesa de bar: projetar a grande revolução

redentora, formular a tese decisiva, definir a tática mais abrangente e depois,

sem saber pensar e agir no mundo político, econômico e social concreto, da

"insustentável leveza do ser", dar de ombros e apostrofar contra tudo e todos.

Somos "profetas" e desejamos, no íntimo, pregar sempre no deserto? É isso?

Queremos o "homem novo", quase o "homem santo" social, e sequer somos

17 Isso talvez explique porque há no Partido uma espécie de "cultura militante livresca": temos tanta riqueza teórica e acervo de lutas que essa cultura (hipervaidosa e ególatra, comum sobretudo em alguns intelectuais orgânicos) nos paralisa num "encantamento" que nos faz parecer maior do que somos. 18 De fato, estamos ficando, cada vez mais, vetustos e ensimesmados militantes: os anos passam e não temos visto um aumento qualitativo e quantitativo da militância e de sua produção / intervenção nas entidades (associações de trabalhadores, de moradores, sindicatos, movimentos sociais etc), nos órgãos públicos (em nível municipal, estadual e federal), e empresas privadas.

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capazes de entrar no templo para derrubar a ordem política burguesa, podre e

corrupta.

Esses pudores políticos (baseados, na verdade, em falsos princípios,

dado que seus "fundamentos" são apenas a forma e a aparência dos

processos políticos e sociais), não seriam a expressão politicamente mais

hipócrita e refinada de fazer o jogo do ostracismo, do isolamento? Somos um

partido comunista em abstrato, no sentido de incapaz, entre a formulação

tática e estratégica, ver o homem todo e todo homem? Seríamos cultores

inconscientes, na verdade, de uma “clandestinidade oficial”? O fato é que nos

pretendemos científicos e objetivos na análise do real, mas em geral não

conseguimos apreender as subjetividades dos próprios processos políticos e

suas condicionantes ideológicas e sociais. Por que, finalmente, não

conseguimos "materializar" a pragmática dessa política e ideologia como elas

de fato são para, a partir daí, inverter sua lógica e reverter a hegemonia

burguesa nessas duas dimensões?

Com muita honra e orgulho cultuamos nossos heróis comunistas, os

quais são, sem dúvida, heróis da classe trabalhadora brasileira. Mas, em vida,

costumamos crucificá-los. O fato é que um partido comunista revolucionário

não deve prescindir de heróis, e, sim, de homens comuns com aspirações

comuns de um mundo justo, solidário, fraterno - um mundo socialista para

todos. O camarada Aníbal, naquele dia fatídico (pelo menos para mim) em

Timbaúba, chorou quando o camarada Edvalmir Carteiro aceitou a tarefa que

lhe restara cumprir depois de ser atingido mortalmente pela onipotência e

onisciência da resolução: seguir candidato com chance quase nula de ser

eleito. Fomos, a rigor, levar a corda para o camarada se enforcar eleitoralmente

(tarefa que, prometi a mim mesmo, jamais voltar a cumprir). Não por acaso,

Aníbal chamou o gesto de heróico. Contudo, se esse heroísmo emula a luta

pelo socialismo "em geral", ele é sempre um símbolo em si e para si. Serve

para evocar a perenidade de nossa luta em eventos que em dadas situações

assumem um ar de "missa comunista", que presta um justo e belo culto à

memória dos que se foram - ainda que tenhamos, em algum momento,

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crucificado politicamente alguns desses grandes camaradas. Concretamente, a

ordem significa que, em nome de uma pretensa "moralidade dos princípios" (na

verdade, um moralismo político ou uma política moralista na essência) não

devemos eleger vereadores, deputados, senadores etc. em circunstâncias que

não sejam as "ideais". Deixemos, pois, que a máquina-mundo do sistema e

suas contradições "naturalmente" criem as condições objetivas e subjetivas

para elegermos centenas de parlamentares comunistas revolucionários. Daí

será uma questão de tempo a viragem revolucionária.

No PCB, há muitos anos, as lutas eleitorais têm significado ritos

fúnebres, com boa parte da militância passando em casa a morbidez de nossa

lenta morte eleitoral. Se isso também não for sinal de definhamento social e

político do Partido, formulem uma explicação que nos convença do contrário.

Esse quadro é, de fato, nacional, até onde pude acompanhar os dados sobre

como o Partido desempenhou-se nas eleições de 2008 e 2010.19

Não há, a rigor, efetivo empenho político-eleitoral do Partido, em termos

orgânicos. Entramos nas eleições para perder duas vezes: a eleição

“burguesa” e a eleição para nós mesmos, quando nos negamos, na prática, a

disputá-la seriamente. Quase sempre, onde há engajamento, este é efeito de

pouquíssimos abnegados. Em muitos casos, sequer organizamos, em termos

mínimos (logísticos, operacionais etc) uma campanha que mereça o nome de

comunista, no sentido que a palavra possuía nos velhos tempos, provocando

um bordão até hoje lembrado no país: “(...) é mais organizado do que o Partido

Comunista”. A cultura política hoje dominante no Partido só por exceção leva a

sério uma disputa eleitoral (mesmo quando emplacamos chapas puras), e essa

atitude já é, por assim dizer, naturalizada nos militantes.

19 Recuando mais no tempo, não foi diferente nas eleições de 2006, 2004, 2002, 2000... E isso não pode ser creditado ao já longínquo efeito do liquidacionismo da quadrilha de Freire, em 1992. Como é possível um partido político não discutir as suas graves debilidades eleitorais em pelo menos uma década e meia? Até quando sua direção ficará imputando essa fraqueza às condições objetivas e subjetivas, e, ao mesmo tempo, vai encenar um desprezo às "eleições burguesas" como se isso fosse exercer sobre a militância algum de tipo de pedagogia política revolucionária? Não somos "invisíveis", na essência, por conta das distorções do processo eleitoral, mas porque, antes de tudo, somos invisíveis para o trabalhador, a massa de estudantes, os desempregados etc. a partir de nossas próprias deficiências de organização e resistência a essa mesma "eleição burguesa".

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Ainda no período eleitoral, li, por parte de um candidato nosso a

vereador, um desabafo público resvalando em preconceito contra as

tendências eleitorais conservadoras do povo, segundo o mesmo. O desabafo é

compreensível, sem dúvida, tal o estado de alienação, embrutecimento e

reacionarismo social e político-ideológico que envolve grande parte dos

trabalhadores formais e informais, e o povo como um todo. Mas é essa gente,

justamente, que devemos buscar/conquistar para a causa, fora e dentro dos

processos políticos concretos, eleitorais ou não. Pretendemos construir uma

frente de massas gigantesca, anti-imperialista e anticapitalista, mas o nosso

puritanismo político pequeno-burguês vê, no encaminhamento tático de

algumas disputas, um pecado mortal e logo sacrifica, num auto de fé, seus

cordeiros caídos em pecado. Concebem a frente como uma onda diluviana

purificadora que vai engolfar os movimentos sociais e populares, os sindicados

e federações de trabalhadores, os parlamentos, a política e os homens como

um todo, e por isso qualquer mediação é anátema, é uma ameaça ao sonho

onde só falta a realidade se encaixar. Parece que, no fundo, além de querer

heróis, sonhamos criar santos comunistas para uma política santa.20 O povo é

o nosso objeto do desejo só nos termos e forma como ele cabe na nossa

fantasia de poder? A tática é um credo? Se assim fosse, a Grande Revolução

de Outubro jamais teria saído dos projetos, pois para a maior parte dos

bolcheviques a luta se esgotara na revolução de fevereiro. Foi a crítica

implacável da tática vista como um dogma que impulsionou uma parte do

Partido de Lênin a apontar a luta aberta pela instauração do regime socialista.

Mas o fato é que, por essa via integrista, não estará no nosso horizonte

nenhuma Grande Revolução de Outubro, senão a fase do terror jacobino da

20 E não posso deixar de comentar, aqui, algumas fotos do facebook sobre nossas campanhas, Brasil afora. Valorosos e dignos camaradas, sinceros e empenhados comunistas, aqui e ali, numa rua ou praça, com uma barraquinha, bandeiras e panfletos. Fiz o mesmo durante minha militância por 14 anos, sobretudo nos últimos quatro anos. Mas o que sinto é que nunca fomos tão solitários diante dos trabalhadores e da população em geral. Da mesma espécie de solidão desses evangélicos rouquenhos e seus megafones nas praças. E não é porque somos dois ou três panfletando nos espaços públicos, é porque o nosso contato real com o povo nem se dá nas eleições, nem se concretiza no local de trabalho, na escola ou universidade, no local de moradia. Somos anônimos nas ruas porque somos anônimos nos nossos próprios ambientes. E ser anônimo política e ideologicamente é tudo o que um comunista não pode ser.

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Revolução Francesa, com as cabeças a rolarem aqui e ali, internamente ao

Partido, até que restem apenas os que "entenderam" a "boa nova" desse

evangelho do esquerdismo infantil.

* * *

Desde 2008, tenho lido muitos artigos e ensaios sobre a crise do

capitalismo. A maioria desses textos deixa aflorar um “sentimento de profecia”

nas entrelinhas, quanto a uma possível crise propriamente revolucionária por

dentro da crise estrutural capitalista. E o que percebo é que lemos essa crise

sob uma perspectiva política, por assim dizer, inercial. Em outras palavras, a

compreensão desse processo econômico, social, político e ideológico seria nos

termos da dinâmica de movimento de um objeto ao qual nos acoplamos para

“cavalgá-lo” (sob a ilusão de que vamos ter as rédeas do processo só porque

entendemos sua natureza). Doce ilusão revolucionária! Na história dos

povos, nenhuma viragem revolucionária se deu sem uma prática

efetivamente destrutiva / desconstrutiva (na forma e no conteúdo) de

práticas e mentalidades de direita por parte de forças de esquerda, a

partir, sobretudo e fundamentalmente, da ação política e social no ambiente de

trabalho, escola, universidade, associações, órgãos governamentais, e

naqueles clássicos locais de conflito (parlamentos, poderes Executivo e

Judiciário). E é isso o que o PCB recusa fazer, na prática, com sua pregação

apostólica que demoniza, em tudo e por tudo, as "eleições burguesas".

Não podemos imaginar a revolução como o retorno de Dom Sebastião,

tampouco idealizar o processo da crise e nos propor / impor gigantescas

tarefas (frentes anticapitalistas e anti-imperialistas), como se estas fossem dois

cavaleiros do Apocalipse para domá-lo – se não sabemos sequer nos situar,

em termos táticos, no enfrentamento objetivo de tarefas básicas na guerra de

posições que é o formato essencial da luta de classes no país. Uma dessas

tarefas é, simplesmente, saber ganhar eleições lutando, sendo necessário e

incontornável, sob os termos e regras do jogo impostos dentro dessa garganta

de dragão que é o politicismo liberal. Ao que parece, essa tarefa seria, além de

“reles” ou “menor”, política e moralmente inconcebível, até porque está logo ali

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a revolução redentora para expurgar da face da terra todo o mal político que

nos assola. Mas aqui ficamos nós nos considerando “estuário” da luta e

tradição socialista revolucionária. No entanto, estuários também secam. E é

justamente isso que temos visto em geral no Partido: pouca vibração militante,

inexistência de um projeto de poder político e social (falo de algo factível,

calcado nas condições concretas do atual estágio da luta de classes, e não

propostas de “assalto aos céus”) e inapetência de muitos quadros dirigentes

para organizar e liderar as lutas gerais e específicas do Partido.

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A Tática Como um Mecanismo

A nossa crítica à tática não se restringe à interpretação integrista pelo

CC sobre os casos referidos. Há, também, uma interpretação mecanicista da

tática no nível operacional, no modo como prioriza coligação com o PSOL e o

PSTU (atenção: não estou nem nunca estive contra essa priorização em si,

devo avisar antes que comece a lapidação pública). Aqui, a interpretação

mecanicista é, por assim dizer, funcional à idéia menos política do que

pragmática e instrumental de uma "naturalização" político-ideológica do papel

desses partidos na revolução brasileira. Essa apreensão naturalizante do papel

do PSOL e PSTU é em si uma reificação e tem por efeito condicionar sob

amarras (pois tudo é um absoluto ideológico de fundamento mecânico) a nossa

própria operacionalização da tática. E porque nossa pragmática da

revolução, sob esse molde formalista / integrista, nos leva a radicalizar a

visão do processo, a tática, sob esse esquerdismo com nuances

messiânicas, transforma-se num taticismo de esquerda (curiosamente, e

a dialética do processo explica isso, em essência semelhante ao taticismo

de direita do PCdoB). As pontas político-ideológicas ultra-radicais,

finalmente, tocam-se.

* * *

Um comunista deve ter particular cuidado sobre todas as formas de

vigiar e punir, sobretudo se tais formas e meios se travestem naturalmente em

prática de "gestão" partidária. A democracia e a transparência radical que

postulamos para a sociedade deve ser princípio na vida do Partido. Não somos

um coletivo no qual se diluem os limites de cada subjetividade e do respeito

mútuo para alguém, equivocadamente, erigindo-se em censor vigilante, aqui e

ali colocar sob suspeição a autonomia e desqualificar a iniciativa política das

instâncias. Seria ótimo se tivéssemos dezenas dessas sentinelas indormidas a

catar, Brasil afora, notícias das lutas dos trabalhadores, desempregados,

homens e mulheres do campo, e informassem a quantas anda a participação

dos comunistas do PCB como ativistas dessas lutas. Na luta de classes, a

única vigilância legítima é sobre o adversário de classe, travestido ou não em

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político liberal. Não vamos fazer avançar a luta e fortalecer o Partido porque

estamos travestidos em duros e inflexíveis soldados da causa. Além da

interpretação integrista e mecânica da tática, seremos agora

"institucionalizados" organicamente, coisificados, emasculados; nos

transformaremos numa engrenagem que, bem lubrificada, vai ajudar no parto

de uma revolução de máquinas?

A visão estreita provocada por essa interpretação jacobina da tática faz

aflorar no Partido alguns preconceitos políticos de caráter burguês, os quais

são quase uma "reação alérgica" do organismo partidário a uma invasão ou

ameaça à sua sanidade institucional. Um desses preconceitos é clássico: trata-

se, relativamente à forma, da nossa visão quanto ao papel do parlamento na

democracia burguesa; na essência, trata-se de como concebemos a

democracia como valor em si, mesmo na sua dimensão formal. É como se a

democracia formal, uma vez dela participando, inoculasse em nós uma

incurável doença auto-imune. É sintomático que o esquerdismo interpretativo

sobre a tática determine, na prática, que nos isolemos. Essa é a questão que

não ousamos dizer o nome. (Peço perdão, mas aqui cabe, digressivamente,

uma análise do problema a partir de um caso pessoal). Ao comunicar, em

email, que renunciaria, no dia 08/10, aos cargos diretivos do Partido (no CC e

nos diretórios de Pernambuco e do Recife), pedi que não mais me enviassem

assuntos internos do Partido (pois não seria honesto politicamente continuar

conhecendo questões sobre as quais não mais queria nem deveria opinar),

nem considerações sobre minha decisão - tomadas, fiquem certos, com

serenidade e racionalmente. Ainda assim, um dirigente do CC fez a respeito

um comentário que chegou a mim (creio que pelo fato de que, àquela altura, o

responsável pela gestão do grupo do CC não ter ainda retirado o meu nome da

lista de emails). Pois bem: o comentário era exatamente a expressão do

preconceito que está embutido, sub-repticiamente ou não, na leitura integrista

da tática. E, como já ouvi e li, parece evocar algo que talvez constitua uma

"cultura política" de muitos militantes do Partido, dirigentes ou não, para além

de processos político-eleitorais. Nele, o autor afirma que o "verdadeiro

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comunista" não se ilude com eleições e "parlamento burguês", que o

"verdadeiro revolucionário" não abandona a luta etc.

Não seria preciso ler essa arenga tão antiga e seus chavões

desgastados para saber que semelhante percepção rebaixada sobre a política

é, além de retórica, imanente à interpretação ultra-radical da tática. Não foi por

acaso que, à exceção de dois votos contrários à proposta de resolução

jacobina (e por motivos diferentes), e dos poucos membros que não votaram

(muito provavelmente votariam todos pela aprovação), o CC em peso

sancionou-a. Dura lex, sede lex, alguém deve ter se regozijado pela aparente

coesão e unidade em torno dessa "solidez de princípios" na aplicação da tática.

Muitas vezes, o radicalismo de um coletivo é a expressão inconsciente da

busca de afirmar uma força e poder que julga possuir, mas que, no fundo,

é um mascaramento de suas debilidades e inconstâncias político-

institucionais. E daí o velho ataque reiterativo contra o "parlamento burguês"

(como se precisássemos de alertas e lições sobre o que ele representa) e às

"eleições burguesas" (como se não soubéssemos o que são, em essência).

Tomara que tais ataques não sejam o alfa e o ômega dessa pregação

apostólica do dirigente.

O que temos mascarado é o fato de que nosso preconceito sobre o

universo do politicismo burguês nos faz refratário, ingênuo e reacionário à

compreensão de suas formas e meios de criar consensos político-ideológicos

para legitimar um dado regime e ordem políticas. Temos sido, a respeito disso,

essencialmente anarquistas. Não basta apenas recusar "jogar o jogo", também

é preciso recusar "lutar a luta". É curioso perceber que esse vezo de interpretar

a tática numa radicalidade de um tempo político que entre nós não é

revolucionário parece querer emular os eventos da luta de classes na Grécia.

Talvez sonhemos que o KKE esteja diante de um "tudo ou nada" da luta de

classes grega, e também queiramos ver no Brasil o Partido numa disputa

eleitoral com aquela natureza político-ideológica. Não será exagero dizer que

muitos do atual CC, caso vivêssemos aqueles embates no país, estariam

pensando já num "todos às armas".

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Também cabe comentar, aqui, comparativamente, o caso recente da

decisão do comando das FARC-EP, que, no dia 30/08/2012, surpreendeu o

mundo político com o anúncio da abertura de uma agenda de negociações das

Frentes com o governo colombiano - como todos sabem, a quintessência da

política de direita no que ela tem de mais assassina, fascista, corrupta e

traidora. Acredito que essa iniciativa nem sequer seria cogitada pelo

jacobinismo que contaminou a tática do Partido, se o CC fosse desafiado pela

política real a discutir o assunto. Quase ouço, neste instante, gente a vociferar

que "não é a mesma coisa", que estou "forçando" com este exemplo etc. É

exatamente a mesma coisa na substância ou essência, como queiram, pois se

trata de debater a política real e encaminhar racionalmente os interesses

táticos e estratégicos dos revolucionários para além da retórica, da propaganda

política e do campo de batalha (dimensões constituintes da luta de classes que

não esgotam o que é a essência da luta político-ideológica). Imagino até que o

processo em curso deve ter "decepcionado" alguns dirigentes (não, é claro,

porque desejem a guerra e a continuação da mortandade, mas porque o

evento como que "não se encaixa" no roteiro de uma visão radical para uma

luta radical). E é justamente desse ambiente de luta revolucionária e

guerrilheira que vem um grande exemplo das FARC-EP sobre o que é fazer

política na teoria e na prática; vem de um grupo que tem todos os tipos de

argumento para ser contrário a qualquer negociação com esses criminosos

fascistas.

Apesar de tantos exemplos aqui e nas lutas revolucionárias na Europa,

no Brasil, historicamente, a esquerda revolucionária não sabe o que fazer

racionalmente com as eleições e os parlamentos, sendo este o mais importante

ambiente tático da luta de classes em toda sua dimensão contraditória,

degenerada, pervertida e sequestrada pelo capital privado.

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40

Subjetivação e Unidade da Esquerda Socialista

Existiria uma "lei" ou impossibilidade teórica, fundada nas diferentes

correntes / grupos político-ideológicos dos partidos, que explicasse o forte

bloqueio para unir a esquerda socialista em torno de uma agenda tática e

estratégica coesa e operacional?

Estas dificuldades que, faz tempo, entraram para o anedotário político

nacional (“A esquerda só se une na cadeia”), seriam fáceis de explicar se a

causa fosse, em essência, político-ideológica. Não é; nunca foi. As orientações

/ filiações político-ideológicas dos diversos partidos / grupos de esquerda desde

o pós-64 como explicação causal da histórica falta de unidade política para

construir um robusto bloco tático, em períodos eleitorais ou não, é um dos

maiores mitos políticos já criados no país. Na verdade, a esquerda socialista

e revolucionária (desde o fim do PCB orgânico, em 64) não se organiza

unitariamente para a conquista do poder porque inexiste uma pragmática

da ação política que estruture uma agenda não redutível às visões

subjetivas sobre processos e lutas sociais, políticas, ideológicas etc –

visões as quais são “infiltrações” emocionais de quadros dirigentes e

militantes com suas idiossincrasias (vedetismo político e arrogância

intelectual, por exemplo).21 No fundo, é como se fôssemos,

predominantemente, poços de egos inflados que parecem se inclinar para o

universo da luta radical / socialista para sublimar menos ideais políticos do que

complexos / traumas existenciais. Sob essa hipótese, é como se quiséssemos

a revolução como um grande divã para fazer a catarse de nossas existências

sofridas / submetidas individual e coletivamente em meio a esse mundo de

misérias materiais e desumanização do ser.

É sintomático que essa subjetivação na formulação teórica e essa

subjetividade na interpretação da tática (pelo PCB, por exemplo) infiltrem as

agendas de luta e a ação prática, bem como as estruturem mediante a

21 A rigor, se for o caso, a histórica ausência de unidade não seria essa condição quase sistêmica se houvesse uma efetiva racionalidade política na composição da agenda de luta, na formulação e interpretação da tática como práxis dialética e uma sólida teoria marxiana infiltrando / capilarizando as cartas de princípios, resoluções e programas políticos.

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41

necessidade da ação providencial dos atores e do líder messiânico como guia-

intérprete. Por vezes, parece-me que a unidade das esquerdas é bloqueada,

antes de tudo, pelo conflito de vontades individuais que formulam

racionalmente a política, mas intervém irracionalmente na execução das

agendas táticas, logo que a luta pela afirmação de sua idéia é também uma

luta que coloca sob ameaça / questionamento o seu poder na instituição. Um

outro aspecto desse peso da subjetivação pode ser visto num certo

romantismo / idealismo em torno de líderes partidários e candidatos nas

campanhas eleitorais, congressos etc. Talvez ainda estejamos numa era

infantil da organização da esquerda revolucionária, e as condicionantes

materiais e teóricas dessa fase pudessem explicar a dissociação clara entre o

pensar e o agir, a exemplo do que observamos na tática como uma idéia /

guia revolucionário e na tática como uma pragmática da revolução. É

nesse interstício, creio, que afloram a “voz de autoridade”, o líder mítico,

presciente etc – sempre um “grande pai” para nos por nos eixos durante os

conflitos político-ideológicos intra-partidários. Também afloram nesse espaço,

como reação às mazelas do mundo do capital e da nossa desumanização

mesma, palavras de ordem de retórica tão ingênua quanto vazia – eivadas de

chavões que conseguem atrair sobre a esquerda socialista apenas rótulos de

mau gosto humorístico.

Enfeixado nesse mundo político visto por uma ótica infantilizada, um

partido como o PCB é semelhante ao PSTU ou PSOL apenas aparentemente.

Se os três são semelhantes no entendimento de que o sistema de

produção capitalista e a ordem política liberal-burguesa constituem o

grande inimigo a ser derrubado, então é preciso explicar porque

convergem muito pouco (e jamais no essencial) na compreensão das

formas e meios de fazê-lo. Essa dificuldade parece refletir o formato mesmo,

estrutural, de cada partido per se, como se houvesse certa funcionalidade entre

o que é, estruturalmente, o partido, e a forma como ele quer instituir a

sociedade, organicamente, por meio de suas políticas. Não surpreende que, se

essa premissa / asserção for verdadeira: a) cada qual desses partidos formule

Page 42: Roberto_Numeriano_O_Culto_Das_Formas_Artigo_PCB_2012

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uma crítica da sociedade do capital que é objetiva / racional em termos teóricos

– mas, quanto à operacionalidade da tática, seja, em graus diferentes, subjetiva

/ idealista no mundo prático da política dessa sociedade; e b) o PCB, PSOL e

PSTU, estruturalmente diferentes, estruturem o pensamento de seus coletivos

nos termos de “epistemes”, “metafísicas”, “ontologias” etc. que, por assim dizer,

capturam o todo contraditório do real a fim de explicá-lo nos limites de uma

mundividência do mundo do trabalho menos dialética do que institucional-

burocrática. De fato, há, sob o crivo / controle de personas políticas com suas

subjetivações e subjetividades, uma forte cultura institucional condicionando /

demarcando limites no pensar e no agir.

Tais diferenças estruturais explicam, em parte, as opções táticas e as

leituras da realidade pelos partidos. Por exemplo, a retórica raivosa e

ressentida do PSTU, a respeito da burguesia como epítome dos malefícios do

mundo: é um discurso fechado que expressa, na substância, uma estrutura de

partido bloqueado, em termos políticos e ideológicos. É quase, essa retórica, o

choro de uma criança abandonada que em breve, na primeira chance, vai

acusar a todos pela sua dor e tiranizar o ambiente à volta. Essa evidente

relação causal não apenas explica o isolamento social e político desse partido,

mas impõe uma saída que é, na verdade, uma dissimulação: aferrar-se ainda

mais canonicamente aos “princípios” para explicar esse mundo perverso pelos

próprios “princípios” que fecham-no à compreensão desse mesmo mundo.

Dessa armadilha, uma "entropia epistemológica", nada entra ou sai: é a

impossibilidade (já teórica) do exercício da crítica dialética sobre a sociedade, o

Estado, as classes, o capital e o trabalho. E é nessa "Terra do Nunca" que o

PCB quer adentrar no seu culto ilusório das formas.

Fechado à compreensão antitética dos processos sociais e políticos, o

PSTU responde, às tarefas e desafios, sempre nos termos de sua psicologia

política rasteira e, não por acaso, segundo a forma tradicional da esquerda

socialista ultra-radical: irracionalmente, sob os velhos impulsos políticos do

esquerdismo. Não admira que, como crianças sofridas e inseguras, sejam

desconfiados e também nada confiáveis na discussão e realização de acordos

Page 43: Roberto_Numeriano_O_Culto_Das_Formas_Artigo_PCB_2012

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políticos. Como é possível uma unidade de ação orgânica com um coletivo

partidário cuja "coesão" ideológica é, em essência, derivada da estreiteza

política e de idiossincrasias militantes de quem converte a luta pelo socialismo

num credo quase religioso? Nem na cadeia seria possível unir-se com o

PSTU...

Já o PSOL institui-se no mundo da política prática de modo mais aberto,

mas não porque seja um partido novo. Na verdade, o PSOL enfrenta

problemas que, no limite, são igualmente graves numa perspectiva teórica e

política. Um dos riscos políticos que corre é a tentação de repetir a história

petista no sentido de se apresentar como protagonista / vanguarda da agenda

socialista, e daí considerar outras forças e partidos como ancilares ao seu

programa político. Esse é um problema concreto porque, integrado por

tendências, o discurso do protagonismo revolucionário-socialista é fácil e

unifica / amalgama outras bandeiras de luta não necessariamente

convergentes segundo os interesses das diversas tendências. Basta ler

algumas teses do último Congresso (2011) para saber que essa perigosa

presunção é real, para si e para os demais partidos.

Se as agendas próprias de cada tendência não são, em termos táticos,

necessariamente redutíveis ao programa político geral do Partido, o que pode

se constituir / estruturar, ao longo do tempo, são as opções e visões do real

que, embora plurais, não (também necessariamente) convergiriam no sentido

de predispor o Partido em si a uma unidade de ação nas suas lutas próprias;

nem no sentido de abri-lo a uma articulação dessas lutas com as agendas do

PCB e do PSTU - no mínimo para construir um bloco único a partir do conjunto

de interesses / intersecções programáticas entre os mesmos.

A premissa e as duas hipóteses dela derivadas implicam dizer que, em

qualquer caso, a existência dos grupos psolistas requer uma solução prévia do

Partido quanto ao limite do que é possível transigir na formulação de uma

agenda que expresse a) a unidade em si de cada tendência; b) a unidade

psolista daí resultante; e c) a unidade com os demais partidos da esquerda

socialista. Essa "engenharia política" supõe a ideia de que há a compreensão

Page 44: Roberto_Numeriano_O_Culto_Das_Formas_Artigo_PCB_2012

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dessa realidade por parte de todos em constituir uma tática que seja, a um só

tempo, robusta e flexível, racional e operativa, dialética e pragmática. Ao que

parece, os recentes resultados eleitorais do PSOL indicam que há em processo

uma articulação desses, por assim dizer, princípios táticos.

Qualquer processo de luta revolucionária pelo poder político é um

processo de objetivação da tática como guia / eixo de programas máximos e

mínimos dos partidos. E é aqui que o PSOL pode "cair em tentação", acaso

institua-se numa clave ultra-radical para se demarcar dos demais na sua

trajetória. Em outras palavras, paradoxalmente, em face do ascendente

radicalismo do PCB e do PSTU (produto, antes de tudo, de uma subjetivação

do desejo político irracional; coisa, em essência, afeta ao mundo das paixões),

o PSOL pode radicalizar-se sob uma interpretação da tática que só poderia ser

mais mecanicista e mais irracional.22

O PT correu esse risco em sua ascensão inicial, quando, não por acaso,

algumas de suas correntes (uma das quais depois fundou o PSTU), tentaram

ganhar a luta interna sob um programa máximo, revolucionário "aqui e agora".23

Para evitar cair nas duas tentações extremistas (a do PT que renunciou à

agenda socialista, mesmo a mínima; e a que se consolida no PCB e no PSTU),

o PSOL necessitará formular uma tática não redutível à subjetivação por parte

do desejo de dirigentes / coletivos, radicais e radicalizados. Uma tática

revolucionária é, necessariamente, a expressão de uma racionalidade política

do coletivo. Se é conformada / interpretada por subjetividades / subjetivações

sobre o real social e político, não passa de um trem desgovernado: em algum

ponto do trilho há de descarrilar ou de se chocar contra um objeto. E não será,

essa queda ou esse choque, contra a ordem social e política burguesa.

22 O outro extremo também existe, e o emblema maior desse perigo é o PCdoB - que se fortaleceu politicamente se descaracterizando ideologicamente, em face do seu espúrio taticismo. 23 O PSOL, é claro, vai se prevenir tática e ideologicamente para não cair no extremo oposto daquilo em que se transformou o PT para chegar ao poder: um arremedo de partido socialista.

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"Campanhas Conceituais" como um Ilusionismo Político

Evito, o mais possível, citar frases dos grandes pensadores da luta

comunista, mas peço permissão ao leitor para registrar trecho de Lênin em

resposta aos comunistas austríacos que cogitavam não disputar as eleições

para o parlamento burguês:

“Enquanto não tivermos força para dissolver o parlamento burguês, devemos atuar contra ele de fora e de dentro. Enquanto um número considerável de trabalhadores - não só proletários, mas também semiproletários e pequenos camponeses - tenham fé nos instrumentos democrático-burgueses de que se serve a burguesia para enganar os operários, devemos denunciar esse engano precisamente da tribuna que as camadas de operários e, em particular, das massas trabalhadoras não proletárias, consideram como a tribuna mais importante e mais autorizada. Enquanto os comunistas não tiverem força para tomar o poder de Estado e fazer com que só os trabalhadores elejam os seus sovietes contra a burguesia, enquanto a burguesia, enquanto a burguesia disponha do poder estatal, convocando às eleições as diferentes classes da população, temos o dever de participar nas eleições para realizar a agitação entre todos os trabalhadores, e não exclusivamente entre os proletários. Enquanto no parlamento burguês enganem os operários, ocultando com frases sobre a ‘democracia’ as fraudes financeiras de todo o gênero de subornos (em nenhum lugar a burguesia pratica com tanta amplitude, como no parlamento burguês, o suborno demasiadamente ‘sutil’ de escritores, deputados, advogados etc), os comunistas têm o dever de desmascarar sem descanso o logro, de desmascarar toda a mudança de posição dos Renner & Cia., cada vez que se coloquem ao lado dos capitalistas contra os operários. Fazer este trabalho de desmascaramento da própria tribuna desta instituição que supostamente expressa a vontade do povo, mas que de fato serve para encobrir a burla do povo pelos ricos. É precisamente no parlamento que as relações entre os partidos e as frações burguesas assumem maior relevo e refletem as relações entre todas as classes da sociedade burguesa. Por isso, justamente no parlamento burguês, dentro dele, devem os comunistas esclarecer ao povo a verdade sobre a atitude das classes frente aos partidos, sobre a atitude dos latifundiários perante os jornaleiros, dos camponeses ricos perante os camponeses pobres, do grande capital frente aos empregados e pequenos proprietários etc”. (Lênin, in Os Comunistas e as Eleições. Grifos do autor).

Essas são as palavras, que não estão aqui à guisa de oráculo (como

temos visto, às vezes, em textos cheios de pernosticismo teórico de lavra,

supostamente, "marxista"). Novamente, alguém dirá que não tememos a luta

no parlamento, apenas não podemos validar uma “forma” de chegar lá que seja

contrária ao que dispõe a tática nas resoluções etc., etc.. É esta, exatamente, a

questão: vemos a tática como um objeto, uma abstração; vemos a tática

Page 46: Roberto_Numeriano_O_Culto_Das_Formas_Artigo_PCB_2012

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num dado formato estático e como uma categoria formal, imbricando-se,

ambos, para constituírem-se em atributos pseudo-morais que nos

impõem leituras conservadoras e reacionárias sobre a política real,

concreta. Podemos mesmo dizer que a tomamos como um “imperativo

categórico” kantiano, expressão de uma moralidade inata porque seria

tradução de uma vontade absolutamente boa em si mesma. Daí nossa inércia

político-eleitoral prática, nossa ação diletante, ainda que cheia de fervor e

abnegação sinceras pela causa socialista.

O nosso problema é semelhante ao do debate de Lênin, mas com um

agravante: idealizamos as condições da luta político-eleitoral para nós (a

partir de uma perspectiva ingênua e fantasista) e para o "nosso"

adversário de classe, imaginando, talvez, que vá existir um momento perfeito

em que ele estará num canto, isolado ou com seus apoiadores, e então iremos

todos atacá-lo; e idealizando que os trabalhadores assistirão a tudo isso com

clareza para discernir ideologicamente os programas e propostas de cada

campo em oposição recíproca. Na prática, é como se, como os comunistas

austríacos, recusássemos as eleições não em termos de disputá-la, mas em

termos de lutar concretamente para ganhar uma vaga no parlamento burguês.

Não me admira que estejamos escolados em fazer "campanhas

conceituais" a cada dois anos, a rigor falando para nós mesmos,

elaborando panfletos em geral arcaicos, nem sequer sabendo aplicar (sob as

condições do atual estágio da modernidade) a criatividade legada pelos

mestres comunistas da agitação / propaganda russa nas duas primeiras

décadas do século XX. Por que não conseguimos dialogar concretamente com

o povo e os trabalhadores em geral? Teríamos um desprezo presunçoso (e

inconsciente) por essa gente "alienada"?24

Um aspecto prático dessas "campanhas conceituais" é o ambiente que

definimos para intervir: panfletagens e comícios relâmpagos em portas de

fábrica, metrôs, praças, terminais de ônibus etc. No caso dos portões de

24 Não é por acaso que o nosso jornal, o Imprensa Popular, é o exemplo acabado de um jornalismo político que consegue comunicar pouco e mal. Não conseguimos, sequer, com todos os recursos hoje disponíveis, editar um jornal da qualidade de a Voz da Unidade.

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fábrica, seríamos um partido operário falando para operários. De fato, esse

alvo político deve ser uma das prioridades da nossa propaganda. Mas se não

houver nessas fábricas núcleos ou células comunistas ativas, liderando ou pelo

menos sendo ouvidas pelos operários em geral, uma panfletagem conceitual

terá efeito próximo de zero ou será semelhante ao contato com as pessoas nos

terminais de ônibus e metrô: um ato com fins práticos quase vazio. Creio estar

aqui, em parte, a causa da nossa resistência às eleições burguesas: se não

ecoamos nas fábricas nossa agenda política, social e econômica, que dirá nas

ruas onde a massa de pessoas, supostamente "amorfa" em termos ideológicos,

em geral passa ao largo ou nos vê / ouve com estranheza? Não deve

surpreender o fato de que, em função disso, a nossa militância em geral não

conferir nenhum valor e importância ao processo eleitoral: somos cada vez

mais uma nulidade estatística político-eleitoral, e daí nos anulamos cada vez

mais para disputar espaço de poder político nos termos do processo burguês.25

Nosso orgulho presunçoso nos aponta uma saída sem dúvida radical...

Mas o fato é que esse processo tem "valor" e "importância", apesar de

politicamente degenerado e vil, e não há outro senão esse para nossa

intervenção concreta pelo voto dos trabalhadores em particular e do povo em

geral (devemos dar à disputa eleitoral a mesma importância tática que nós

damos à disputa por uma direção de sindicato, pois as pessoas vivem suas

contradições sociais e políticas em ambos os espaços dialéticos). Salta à vista

uma crítica moralista de essência pequeno-burguesa, que na verdade é um

escapismo: renegamos esse "mundo mal" para disfarçar nossa própria

debilidade antes, durante e depois dos desafios eleitorais. Se,

independentemente de eleições, estivéssemos fortalecendo o Partido com seus

núcleos, no dia a dia das lutas político-sociais, seríamos em breve observados

pelos eleitores à esquerda e em geral, e as próprias eleições, com o tempo,

ecoariam essa força. Mas, de fato, não estamos nos fortalecendo

concretamente, ou seja, não estamos conseguindo fazer com que sequer uns

25 Nos anulamos, é fato, mas daí não procede que o anulemos. Ao contrário: nenhum político é mais vulnerável às armadilhas desse sistema e processo do que um político comunista "puro" e "radical". Somos uma presa política fácil.

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3% dos trabalhadores / eleitores incorporem como suas nossas demandas

específicas e gerais. Avançar aqui e acolá conquistando pontualmente direções

sindicais sem que as políticas específicas de dados segmentos sejam depois

integradas no universo das políticas gerais da classe trabalhadora em face do

capital, consistirá apenas na gestão de demandas, em essência,

economicistas, por ramo de trabalho.

Tudo isso é questão de princípio que se aplica ao nosso papel nas

eleições. Novamente, alguém aqui vai, dedo em riste, argumentar que existe

também o princípio / diretriz tática de "não se aliar", "não fazer concessões"

com os adversários de classe etc. E quem disse que numa chapa na qual

agreguem-se, de modo extemporâneo e oportunista, em condições que

estiveram fora do nosso controle formal, partidos com os quais repudiamos

aliança político-ideológica, estaremos nós ferindo um sacrossanto "princípio"?

Desde quando a presença de um desses partidos significará que

defendemos a sua agenda? Se se trata da defesa político-ideológica dos

princípios, então deveríamos, para ser "puramente coerentes", repudiar

qualquer partido, mequetrefe ou não (as famosas legendas de aluguel).

Ou querem nos convencer que "não é a mesma coisa"? Talvez queiram

argumentar que essas legendas são um "mal menor" porque são "inofensivas",

"sem projeto ideológico" etc. Pois são essas legendas que justamente formam

a cauda de sustentação desse sistema podre, pois capilarizam a penetração do

pior tipo de política e da pior espécie de político nos municípios, e os conteúdos

de seus discursos e de suas práticas podem servir da extrema-direita à

extrema-esquerda. A rigor, caso fôssemos "radicalmente" coerentes (conforme

a interpretação integrista da tática) deveríamos recusar toda e qualquer

presença de partidos em disputas eleitorais, aliando-nos apenas com o PSOL e

PSTU. Se alguém aqui achar, diante do quadro da política real, que cabem

exceções nestes e naqueles casos, será o mais grosseiro hipócrita político.

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Uma Ilusão de Autonomia

Essa apreensão / compreensão mecânica da tática e essa resistência

moral (propriamente burguesa no seu desprezo) face à política burguesa como

ela é concretamente parece-nos derivar de uma ilusão de autonomia que

conferiríamos ao universo das práticas político-eleitorais hoje dominantes no

país. Se assim for, ainda não saímos da era da inocência ideológica no embate

contra a burguesia como classe, bem como diante de suas representações,

pensamentos e ideias. Somos inocentes porque atribuímos uma autonomia da

vontade / consciência à classe burguesa a partir de uma representação

ideologizada do seu, por assim dizer, "ser" de classe. E não há, absolutamente,

nada na burguesia como classe e no politicismo burguês como processo /

sistema que não seja produto histórico condicionado pelas relações materiais

no atual estágio do capitalismo brasileiro. Apesar disso, o modo como a

representamos para nós (um fantasma?) nos faz refém de sua política, pois é o

seu politicismo que condiciona a nossa intervenção prática no mundo real.

Queiram ou não, somos, em essência, pautados pela burguesia nos termos do

que podemos e devemos fazer no "seu" universo.

Pelo fato de não ser materialmente autônoma (tampouco

ideologicamente), a política burguesa (e suas leis, tribunais, propaganda

política etc) vale-se justamente das campanhas eleitorais para criar consensos

que fundamentem um consentimento político-social que se pretende universal,

supra-classista. E é desse ambiente concreto que nos afastamos com nosso

moralismo político pernóstico, travestido por princípios que na verdade são a

expressão de um escapismo ingênuo e purista. Naturalmente, seus políticos

pretendem conformar uma autonomia, torná-la "concreta", no exato momento

em que ela se faz / é pura ilusão na forma e conteúdo desse e para esse "ser"

de classe. E o que fazemos, iludidos ideologicamente e pervertidos em nosso

moralismo político pequeno-burguês? Renegamos transigir politicamente nesse

universo (o que não significa se submeter aos anti-valores do mesmo), e sob

essas condições, como se fôssemos as vestais do templo.

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Paradoxalmente, esse mecanicismo tático (aliado ao integrismo da

interpretação), e essa crítica moral na prática nos anulam politicamente e

propiciam, em decorrência, um espaço livre para a autonomização da classe

burguesa e de sua política para os trabalhadores em geral. E o que é uma

ilusão ou falsa consciência começa a ser apreendida pelos trabalhadores e

eleitores como realidade inescapável da política em si, tornando-se "natural"

toda a sua podridão retórica e prática. Não é por acaso que nossa crítica é

cada vez mais moral e menos política sobre o universo do político, e se

generaliza como normal / comum a perversão da política burguesa e sua

natureza cada vez mais funcional ao capital privado dentro dos aparelhos

estatais.

Nós erigimos essa política como uma esfinge e ainda criamos o enigma

para nos desafiar. Não surpreende que a esquerda socialista viva a devorar os

seus filhos em batalhas infinitas, ideológicas e político-eleitorais, tornando sua

militância uma "mão-de-obra" de alta rotatividade. Não nos entendemos na e

para a política concreta porque não logramos desvendar esse enigma que,

malgrado seja uma fantasmagoria ideológica, parece ser por nós atribuída a

uma classe "autonomizada" que estaria acima das condicionantes materiais de

sua existência. Por isso mesmo, o eleitor, seja trabalhador assalariado ou

desempregado, o estudante, os trabalhadores informais, têm sido quase

uma abstração sob os termos dessa interpretação integrista da tática, que

é no fundo uma metafísica da revolução. Torna-se abstrato na mesma

medida em que só existe como emanação ideológica de um universo político

que renegamos moralmente. O efeito prático / concreto disso é operar uma

inversão de resto comum ao pensamento militante revolucionário:

queremos primeiro a revolução, para depois governar. Ela, a revolução

política e social, será a catarse dos oprimidos, faltando apenas combinar com

nossos adversários e inimigos que eles, até lá, necessariamente perderão as

diversas batalhas de poder.

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Há muito daquela filosofia alemã objeto de crítica por Marx e pouca ou

nenhuma teoria e prática política leninista em nossas formulações. Somos

quase românticos nessa idealização "alemã" do real.26 No fim das contas, sob

esse ultra-radicalismo da tática, estamos na verdade amestrando a intervenção

política, ideológica e social do PCB frente àquilo que consideramos,

ilusoriamente, como autônomo: o "ser" político e social da classe burguesa e

sua política dita liberal. Daí ser um passo para sublimá-la como um universo

político monstruoso e indecifrável, só passível de "destruição" pela onda

avassaladora da revolução. Nosso esquerdismo infantil nos faz mais e mais

inocente no mundo perverso da luta de classes na arena eleitoral. Nesse

mundo, pouco ou nada importa o voto popular (mero detalhe?) se não vir com

"selo de qualidade" ideológico atestando sua pureza de origem. Queremos

revolucionar as ruas mas idealizamos as condições objetivas e subjetivas para

conquistar votos.

26 Também somos, cada vez mais, “filósofos políticos”, mas excesso de filosofia só atrai para o Partido “militantes filósofos”.

Page 52: Roberto_Numeriano_O_Culto_Das_Formas_Artigo_PCB_2012

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CONCLUSÃO

Diante desse quadro, se o esquerdismo fortalecer-se no Partido,

bastará, então, Brasil afora, a cada eleição a direita destacar candidatos-

marionetes para isolar o PCB em chapa única ou fazê-lo correr da disputa com

a retirada dos quadros onde ele possa se fortalecer. Os senhores acham que

essa gente não pensa a real politik nesses termos? Acham que essa gente

apenas pensa no dia de subir a rampa do Palácio do Planalto? Os

trabalhadores podem esperar até a próxima eleição para ouvirem uma voz

comunista no parlamento, sem pecado de concepção? Até lá as "condições

objetivas e subjetivas" estarão dadas e serão ideais, creio. É tudo muito trágico.

Já posso ouvir agora uma voz me lembrando que temos a política de

grandes frentes, anticapitalista e anti-imperialista, como a nossa resposta a

essa "maldita herança liberal". Queremos sacudir o Brasil e a sociedade

política com grandes frentes, mas recusamos (em nome desse esquerdismo

integrista) eleger vereadores se estes não estiverem ungidos pelo óleo sagrado

de uma interpretação enviesada da tática. Temos a fórmula para conquistar

o Brasil, mas sequer transigimos sobre as dimensões da luta de classes

nos municípios, com suas implicações e imposições concretas em

relação às elites locais, à economia, aos costumes etc. E saber transigir

política e ideologicamente é uma obrigação ainda mais decisiva num político

comunista. Não podemos idealizar que vamos discutir e votar projetos de leis

sempre a partir da posição de blocos "vermelhos" e "revolucionários" - e afirmo

isso porque, se elegermos alguns vereadores, vamos necessariamente, em

determinadas circunstâncias, ter que compor com legendas até da direita

(inclusive PSDB ou DEM). Blasfêmia! Blasfêmia! Alguém aqui estará pensando

do alto do catecismo da tática interpretada como um dogma. Mas é e será

assim a política prática, onde um bloco de direita pode, num dado conflito

particular com outras forças, de direita ou não, ser um aliado pontual e mais

vantajoso para a nossa luta em determinado tema e sob dadas condições. (É,

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de fato, seria ótimo se vivêssemos os tempos de Lênin no que se refere

àqueles momentos cruciais e abertos da luta de classes...)

Política, na prática, é saber se situar entre duas escolhas racionais para

buscar e / ou se consolidar no poder: mínimo ganho provável e máximo ganho

possível. O esquerdismo do CC e da CPN provavelmente vai determinar que

os parlamentares, uma vez empossados nas Câmaras, fiquem isolados em

tudo e por tudo se os seus pares forem do PMDB, PSDB, PTB, PT e PSB - à

espera da próxima eleição em que sejam eleitos em massa candidatos do

PSTU e PSOL. Temos feito muita "ciência política" e somos pouco ou nada

racionais na política concreta. Nessa pisada, ou vamos no futuro ganhar a nota

máxima do MEC pela excelência acadêmica ou a revolução vai nos

surpreender em determinado trecho da luta de classes - e não será improvável

uma boa parte do Partido não compreender o que está ocorrendo ou mesmo

posicionar-se reacionariamente no processo. A questão é que nem se

elegêssemos metade de cada parlamento brasileiro poderíamos imaginar que

"temos a faca e o queijo nas mãos" para fazer a revolução.

Por isso, a tática deve ser tratada como o que é em essência: um guia

para a ação, em dado tempo e terreno, sob condições de luta variáveis. Assim

exigem as batalhas reais. Torná-la, por assim dizer, um "livro de horas", um

manual de auto-ajuda ideológico, é tudo o que precisamos para bloquear nossa

reflexão (e teoria) política, passo atrás fundamental para a seguir estagnar o

Partido na prática da luta política para além das arenas "assépticas" (mundo da

política sindical, meio estudantil e algumas entidades do movimento social e

popular com perfil de esquerda). É como se perguntássemos a nós

mesmos, em busca de um entendimento epistemológico do que somos:

não queremos o poder, porque precisamos de parlamentos?

Outro argumento que lemos, feito pelo secretário-geral, afirmou que a

tática foi aprovada no Congresso e na Conferência Política Nacional. (A

"lembrança" tinha como alvo alguns dirigentes de Pernambuco que postulavam

a aprovação das coligações em Paulista e Timbaúba). Já escrevemos aqui a

nossa crítica sobre o esquerdismo que infiltrou a análise das propostas de

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54

coligação. O que devemos ressaltar a respeito desse argumento formalista

é que sobretudo a tática pode e deve ser objeto de crítica pelos militantes

no processo da luta em tempo real. O nosso juízo político não fica obliterado

em função do conjunto (e o Centralismo Democrático jamais dispõe assim,

muito pelo contrário): ele requer a crítica militante contínua, ainda que não

sejamos maioria política em dada situação. Muitos têm uma visão rebaixada do

Centralismo Democrático, entendendo-o sob uma perspectiva quantitativista: a

maioria dos votos foi para a proposta "x", então vamos todos apoiá-la, colocá-la

em prática. É isso, sem dúvida, na sua forma exterior, mas não se esgota

nisso. É um reducionismo estúpido e oportunista pensar esse princípio nestes

termos formais, sob a aparência das coisas. Mas o formalismo e a

judicialização para justificar o integrismo e o ultra-radicalismo sobre a tática

querem esse entendimento nosso. Basta-nos votar uma proposta de resolução

e o mundo político fica sob controle, cabendo as devidas penas da lei aos

infratores.

Será desonesto e mentiroso quem disser que em Pernambuco uma

parte dos dirigentes se insurgiu como grupo contra a decisão das instâncias

coletivas do Partido (tenho particular horror político a grupos e suas demandas

sempre na essência mesquinhas). O que esses militantes combateram (e

continuo a combater) é a interpretação integrista e ultra-radical da tática e a

formalização / judicialização do debate político em torno da mesma. Esse

universo de desvios é a negação de qualquer tática dialeticamente concebida

e praticada. Essa apreensão reificada e reificante da tática é o efeito objetivo

de quem vê o real (político, social e ideológico) por vieses idealizados e

mecânicos. Assim interpretando e praticando a tática, em breve vamos criar no

Partido consensos de mortos políticos. Será o triunfo do culto da ilusão das

formas.

Recife (PE), agosto e setembro de 2012.

R. Numeriano

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55

POSFÁCIO

Este posfácio foi elaborado, como podem perceber, em outubro. A

dinâmica do conflito entre as idéias, acelerada no período eleitoral, explica em

parte a sua materialização como o maior exemplo do que formulei entre agosto

e setembro. Não precisamos esperar muito tempo quando os processos de luta

política e ideológica são acelerados por dentro dos partidos, nas classes e

entre as classes.

A causa de tudo foi a Nota Pública da Comissão Política Nacional (CPN /

PCB), expulsando o então candidato da Frente de Esquerda PCB-PSOL à

Prefeitura do Recife, mal iniciara a apuração dos votos (Anexo B). Não poderia

haver, creio, nenhum outro documento partidário que pudesse demonstrar, em

termos práticos e políticos, aquilo que critiquei em termos ideológicos e

teóricos. Essa Nota Publica é não apenas irresponsável (no seu vezo de “vigiar

e punir exemplarmente”), mas expõe uma espécie de, por assim dizer, loucura

política que, para mim, só pode ser explicada como fanatização das ideias. E,

no entanto, ela é bem a medida das formas ilusórias cultuadas por quem, sob o

domínio do desejo político (supostamente revolucionário), radicaliza-se para

tentar radicalizar no seu entorno os processos sociais, políticos, econômicos

etc.

O velho e glorioso Partidão não precisava ver nos seus anais esse

disparate de texto vingativo, essa indecência e cinismo políticos travestidos de

rigor e disciplina. A essa hora, acho que até mesmo os reacionários ideológicos

devem estar lamentando esse rebaixamento do debate político num Partido

que atraiu e formou quadros dirigentes e teóricos de relevo nacional e

internacional.

Peço que leiam e meditem a Nota e a minha resposta (Anexo A). Peço

ainda que leiam excertos do editorial do secretário-geral do PCB, publicado às

11h do dia 07 de outubro, intitulado "Passa mais uma eleição; a exploração e a

luta de classes continuam!", primor de platitudes que traduzem um rancor

político sob a forma de um discurso vingativo e de auto-engano. (Não resisti

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56

fazer uma breve análise do mesmo, a título comparativo a respeito do que

expomos, até aqui). E que façam avançar o debate político, ideológico e

político por dentro e por fora dos partidos da esquerda socialista.

Anexo A: Resposta do ex-candidato Roberto Numeriano à Nota Pública.

“Recife, 08 de outubro de 2012

Caros recifenses e amigos,

Já é fato público que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) me expulsou,

mal foi aberta a apuração dos votos, no Recife. Na Nota Pública colocada no

site do Partido, registraram até o horário da postagem: 17h. A Nota segue

abaixo, para quem a desconhece. Mas é necessário que me defenda, até

porque o texto mente, em alguns pontos, e noutros escreve meias verdades

(que é uma forma requintada de mentir).

Antes de tudo, eu já havia comunicado oficialmente ao PCB, por meio de

email enviado a três dirigentes a pelo menos dois meses, que no dia 08 de

outubro renunciaria formalmente aos cargos diretivos do Partido nas três

instâncias (Secretário de Organização no Recife, Secretário Estadual de

Finanças, licenciado, e membro do Comitê Central). Na mesma ocasião, pedi

que não mais me enviassem correspondências do Comitê Central, pois não

julgava honesto, politicamente, tomar conhecimento de assuntos internos

restritos, dado o fato de ter decidido renunciar. Também registrei que

continuaria filiado ao Partido.

Assim decidi porque ocorreram fatos, nesta campanha, dos quais

discordei politicamente. Um deles é público, pois diz respeito ao meu apoio à

candidatura do ex-militante Luciano Morais, também recentemente expulso por

se manter candidato a vereador em Paulista, após o PSDB ter declarado apoio

à chapa majoritária de Sérgio Leite. Mas a causa foi anterior, embora com

substância política semelhante, e envolveu a candidatura de Edvalmir Carteiro,

em Timbaúba. Edvalmir, que tinha grande chance de ser eleito numa chapa

proporcional, foi obrigado a sair da mesma porque à ultima hora, por força da

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57

legislação eleitoral que impõe a cota de mulheres nas chapas proporcionais,

uma professora aposentada, filiada ao PSDB, foi chamada para compor.

Edvalmir saiu candidato isoladamente. E perdeu.

Minha resistência a estes fatos decorreu de algo anterior, que venho

observando na cúpula dirigente do Partido: o progressivo fechamento político-

ideológico do diálogo democrático interno. E o maior exemplo disso é uma

interpretação que chamo de mecanicista e integrista (ultra-radical) da sua tática

política. Nunca defendi, é claro, alianças com partidos de direita, mas não

podemos ser vítimas desses partidos quando, numa composição eleitoral, por

motivos extemporâneos e alheios a nós, arranjos de última hora e

contingências de legislação impõem fatos como o que descrevi. Não houve

culpa dessas duas municipais do Partido, pois em ambos os casos suas

direções respaldaram o processo. A partir da decisão contrária da Comissão

Política Nacional, os dois candidatos foram obrigados a tomarem outro rumo.

Do ponto de vista formal (e segundo a legislação eleitoral) o PCB tinha

todo o direito de nos punir. E assim fez. Expulsou o Luciano por desobediência

e a mim pelo apoio ao que julgo melhor para a luta política e social do Partido.

Sabia dos riscos que corria. Exerci o direito de discordar, mas, nos últimos

tempos, o dirigismo de cúpula no Partido imagina ser possível resolver e zerar

por meio de "canetadas" em resoluções, circulares, normas etc o livre exercício

do contraditório. Alegam que descumpri princípios do "Centralismo

Democrático" (CD). Formalmente, sim, mas não politicamente, pois não existe

sequer a possibilidade da dialética sem a possibilidade de transigir. Essa

cúpula ultra-radical (CPN) e maioria do Comitê Central imagina que o debate

político-ideológico deve ser moldado por tribunas em tempos de congresso,

conferências etc. Por isso mesmo, radicalizou na aplicação do CD. Foi fiel, não

por acaso, à interpretação integrista da tática.

E agora passo a responder a essa Nota que, redigida e divulgada com a

sanha de me "desonrar" politicamente, a rigor expôs o Partido de maneira

vergonhosa. (Talvez nem fosse redigida se as intenções de voto para o

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58

"camarada" Numeriano apontassem a possibilidade do mesmo disputar um

segundo turno). Na prática, essa Nota comprovou o que venho sentindo.

Há tempos observo esse engessamento do Partido. Uma lenta e

progressiva estreiteza político-ideológica que aos poucos, se a militância de

base não reagir, vai transformá-lo numa seita política, a exemplo do PSTU.

Quis resistir a esse processo. Jamais recusei uma tarefa a mim delegada,

como militante. Sobretudo nos últimos quatro anos, quando, com grande

sacrifício intelectual, profissional e familiar, tratei, sobretudo com o Luciano e o

Aníbal, em recuperar a ação política e a organização política do Partido no

Estado. Disputei três eleições majoritárias consecutivas com duas ou três

pessoas ao meu lado. Nunca fiz "corpo mole", mesmo porque, como servidor

público, jamais me permitiria "fazer" de conta que sou candidato, pois meu

salário é pago com o salário do contribuinte e deve ser honrado. Levo isso

muito a sério e é por isso que, em 18 anos de serviço público, faltei ao trabalho

apenas nove vezes, por doença atestada (crise de labirintite).

A CPN mente quando afirma que o Partido teve "suficientes motivos"

para me substituir por outro camarada. Não podia, porque não havia razão

política respaldada (mesmo na "lei burguesa", a qual essa direção integrista e

ultra-radical vive tanto a destratar, mas logo quer se valer dela quando é

questionada politicamente). Apoiei publicamente o Luciano Morais e postei no

meu facebook pessoal algumas fotos da campanha de Sérgio Leite, do PT, a

prefeito do Paulista. Em essência, seria esse o motivo "suficiente" para retirar a

candidatura?

A CPN mente quando diz que não o fez para não "prejudicar as

importantes campanhas" dos militantes Délio e Elvira. Mente porque, a rigor,

não havia campanha nas ruas. Com grande sacrifício pessoal, esse grande

comunista e intelectual que tenho a honra de conhecer, meu camarada Délio

Mendes, fazia uma campanha simbólica, e a Elvira somente no final da disputa

imprimiu alguns panfletos (na campanha inteira, sequer me chamou para um

ato que tivesse organizado). Tínhamos, na verdade, duas "campanhas

conceituais" dos vereadores.

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59

A CPN mente com grave cinismo político quando diz que "valoriza" a

"grande possibilidade" de eleger o Edilson Silva. Se assim fosse, não deixaria o

militante Numeriano sozinho, a tocar uma campanha de três meses custeando

quase toda a despesa de material, sendo redator, repórter, assessor, motorista

etc. E eu nem queria sair candidato a prefeito (pois já havia passado pelo

mesmo nas campanhas de 2008 e 2010). Mas, por força dos entendimentos

com o PSOL e decisão da Executiva Estadual, saí candidato no sacrifício. E,

apesar de em geral solitário todo esse tempo (o Délio e o Henrique me

ajudaram na medida de suas possibilidades), fiz o máximo possível para ajudar

o camarada Edilson e honrar o compromisso com o PSOL. No entanto, devo

dizer, pois nunca me calo diante do que considero injusto, o PCB não se

empenhou, organicamente, nessa campanha. Assim o fez em 2008 e 2010,

quando muitos se reuniram para "entrar na batalha", mas ao final somente eu,

o Luciano e o Aníbal fomos sangrar de verdade nas ruas. Fiz vários

chamamentos para o Partido se integrar à campanha. Inutilmente: o PCB, há

tempos, faz apenas "campanhas conceituais". Imaginei que pudesse ser

diferente, em função da coligação. No fim das contas, a CPN é que é, em si,

uma "crise política".

A CPN mente quando diz que "traí" o Partido. Quisera que, Brasil afora,

muitos militantes estivessem "traindo" o Partido nos termos do que fiz.

Seríamos, creio, salvos dessa sanha radical, integrista e mecanicista que

imagina ser possível criar uma realidade e enfiá-la nas formulações táticas e

estratégicas do PCB. Traem o Partido os que estão transformando o seu

legado heróico em algo datado, livresco, saudosista. Traem o Partido os

dirigentes cupulistas que se imaginam acima do bem e do mal. Traem o Partido

os que querem o grande PCB transformado num PSTU, cheio de rancor

pequeno-burguês, a destilar ódio irracional sobre a luta de classes. Traem o

Partido aqueles que, do alto de suas gestões burocráticas, imaginam ser

possível transformá-lo num instrumento da ação política libertadora da classe

trabalhadora sem buscar no povo os instrumentos e motivação. O PCB não

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precisa de semelhantes paladinos, pois nossa sociedade já cansou do

socialismo retórico de alguns supostos clarividentes.

Por fim, vale registrar o uso reiterado, na Nota, do pronome possessivo:

"sua candidatura" e "sua campanha". Como assim, "sua candidatura" e "sua

campanha"? Até ontem, eram de uma coligação, pelo menos em tese. O fato é

que temos no texto um curioso ato falho que, por si mesmo, diz tudo. Foi,

realmente, uma "campanha do Numeriano", cumprida como manda a tradição

do PCB dos velhos tempos de homens como Prestes e Gregório: com

honestidade, empenho, vigor e, sobretudo, dentro do programa social, político

e ideológico do PCB e do PSOL. O resultado aí está, na forma de quase sete

mil votos que honraram a todos nós que, militantes para além da palavra,

transformam em ato a vontade de mudar a sociedade no rumo do socialismo.

Essas tradições, vocês, dirigentes de cúpula que odeiam eleições

"pequeno-burguesas", estão matando. Essas tradições, vocês, dirigentes

mecanicistas que amam a retórica socialista, apequenam quando no dia da

apuração dos votos do candidato da Frente de Esquerda, expulsam-no

sumariamente como num auto de fé. Se quiseram demonstrar "coerência de

princípios" e "unidade ideológica", peço olharem no facebook as manifestações

de crítica ao Partido. É isso o que de verdade lamento: essa inquisição tosca

atingiu em essência ao Partido.

Aquele abraço. Vamos em frente.

Roberto Numeriano

PS: Quem desejar adquirir um pequeno livro que redigi tratando dos caminhos

do PCB, PSOL e PSTU, intitulado O Culto da Ilusão das Formas, basta me

comunicar. Acredito que pode provocar uma reflexão sobre a luta da esquerda

socialista.”

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Anexo B: Nota Pública da Comissão Política Nacional (CPN / PCB),

expulsando o ainda candidato da Frente de Esquerda PCB-PSOL à Prefeitura

do Recife, Roberto Numeriano.

“Sr. Roberto Numeriano:

(7 de outubro de 2012 – 17:00 horas)

Durante sua campanha à prefeitura do Recife, pelo PCB, tivemos

suficientes motivos para retirar sua candidatura e substituí-lo por outro

camarada, como admite a lei.

Não o fizemos apenas para não prejudicar as importantes campanhas a

vereador dos nossos camaradas Délio e Elvira, mas também em respeito ao

PSOL, com o qual estamos coligados em Recife, onde tem grande

possibilidade de eleger um vereador, fato que o PCB valoriza. Se optássemos

pela retirada de sua candidatura, certamente adviria uma crise política na

campanha da Frente de Esquerda na cidade, com repercussão nacional.

Há uma semana, a Comissão Política Nacional do PCB exigiu-lhe

esclarecimentos sobre a divulgação na internet, de sua parte, de propaganda

de Sérgio Leite, candidato do PT a prefeito de Paulista (PE), afrontando

decisão de todas as instâncias de direção do Partido (CC, CR e CM) no sentido

da retirada do PCB da coligação em torno do candidato do PT nessa cidade.

Na última sexta-feira, em debate promovido pela Rede Globo com os

candidatos a prefeito de Recife, você terminou suas declarações finais pedindo

voto para um candidato a vereador em Paulista, expulso do PCB pelas citadas

instâncias partidárias, exatamente por não retirar sua candidatura na coligação

com aquele candidato a prefeito e por manter sua campanha graças a recurso

na justiça eleitoral e não em nome do PCB.

A sua atitude neste debate é uma verdadeira traição ao PCB, que

promoveu sua candidatura no pressuposto de que soubesse honrar a história

do Partido e sua coerência política.

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Diante do reiterado desrespeito às decisões partidárias e, agora, de uma

afronta pública e premeditada ao Partido, a Comissão Política Nacional do

PCB, através do presente comunicado, instaura um processo disciplinar contra

Roberto Numeriano, considerando-o expulso do Partido e consequentemente

desautorizando-o a falar em nome do PCB. Se for de seu interesse, poderá o

punido se valer do direito de defesa, previsto na legislação eleitoral, junto ao

Comitê Central do Partido, sem efeito suspensivo, conforme nosso Estatuto.

7 de outubro de 2012 (17:00 horas)

PCB – Partido Comunista Brasileiro

Comissão Política Nacional”

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Um Discurso do Culto das Ilusão das Formas

A título de exemplo do que até agora expus e analisei, decidi comentar

excertos do editorial ou artigo do secretário geral do PCB, Ivan Pinheiro,

intitulado "Passa mais uma eleição; a exploração e a luta de classes

continuam!".27

O que temos nessa peça de propaganda política é um discurso típico da

chamada "voz de autoridade", redigido para reforço a) de uma agenda de

poder antes pessoal do que institucional; e b) da própria estreiteza político-

ideológica do Partido diante de mais um desempenho nulo no processo

eleitoral "burguês".

A começar pelo título, podemos identificar, em sua obviedade, um

forçado argumento contra as eleições (é claro, são "burguesas") no momento

em que busca caracterizar uma relação de causa e efeito que, no caso, não

cabe. Esse título autoritário e preconceituoso pretende justamente conformar e

sedimentar a idéia de que, em essência, pouco ou nada vale participar dessas

eleições que "passam", mas não resolvem o problema da exploração (dos

trabalhadores), nem ("zeram"?) o da luta de classes. É bem, essa lastimável

peça de propaganda rasteira, o culto ilusório das formas de um mundo político

e social que desenhamos enquanto (já imaginando que o mesmo existe per se)

pretendemos que caiba no universo institucional partidário. Acredito que, do

cientista político mais erudito ao feirante de verduras da Feira de Caruaru, a

pergunta, diante desse título, seria: "Sim, e daí?"

Passo, a seguir, a desconstruir o discurso panfletário / demagógico a

partir da análise de alguns parágrafos, que relacionei como (a), (b), (c) e (d)

para remeter imediatamente ao texto.

No parágrafo (a) temos uma mentira, se, como afirma Lênin, "o critério

da verdade é a prática". Os comunistas do PCB, de fato, renunciam à luta no

27 Fonte: http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4840:passa-mais-uma-eleicao-a-exploracao-e-a-luta-de-classes-continuam&catid=123:eleicoes-2012, em 07/10/2012, às 11h.

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terreno político-eleitoral.28 Lutar nesse terreno, ao contrário do que quer nos

convencer o texto (sob um entendimento rebaixado), significa lutar

efetivamente / praticamente para conquistar o voto do eleitor. Na prática,

renunciam, pois reduzem o ativismo, nas campanhas que chamo de

"conceituais", a uma intervenção discursiva que seria natural em cursos de

formação política. As lutas do PCB, que o parágrafo pretende afirmar que são

feitas "em qualquer terreno", não são praticadas no "campo" eleitoral da

burguesia, pois o que de fato se faz é tentar enfiar a "mundividência

revolucionária" (mal traduzida desde o palavreado de sua "erudição", por conta

da baixa interlocução dos militantes com a vida viva das ruas), goela abaixo de

gente que quer, antes de tudo, saber como pode resolver seus problemas

imediatos. Daí se explicar porque, em geral, vemos a militância com "discursos

fora do lugar", o que na prática significa renunciar para valer na disputa pelo

voto. Pretendem (apenas aparentemente dentro do terreno eleitoral burguês)

ganhar a cabeça de todos, quando, em geral, sequer sabem dialogar

politicamente com os trabalhadores, os estudantes, os desempregados etc. Por

isso, não devemos nos surpreender com o fato de que, "passada mais uma

eleição", a esquerda socialista (PSTU e PCB), sempre amargue derrotas

acachapantes e não faça qualquer análise sobre onde, como e porque está

falhando (não o faz porque "naturaliza" para si mesma essas derrotas como se

fossem da ordem natural das coisas, até que um dia as massas despertem e

varram do terreno esse sistema degenerado).29

Não houve "milhares de verdadeiros militantes comunistas nas ruas",

como quer convencer, aos incautos, o parágrafo (b). Quando muito, algumas

centenas. A não ser que o texto também queira classificar como "verdadeiros"

aqueles que, Brasil afora, participaram, aqui e ali, dispersivamente, e foram a

um ou outro evento de campanha. Posso fazer essa crítica porque, conforme

pude me informar junto a militantes de outros Estados de tradição mais

28 Refiro-me, é claro, à instituição em si e, até onde tenho informações sobre o desempenho político-eleitoral do PCB nos últimos anos, à maioria dos seus militantes orgânicos. 29 O PSOL não está aqui porque, como demonstrado, começa a avançar, na prática e na teoria, junto aos trabalhadores, classe média, estudantes etc, em função, entre outras coisas, da recusa de sua maioria à estreiteza e ao radicalismo.

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orgânica no PCB (Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas

Gerais), a participação foi pequena já a partir dos poucos municípios em que o

Partido participou nas campanhas proporcionais e majoritárias. Em

Pernambuco, o PCB talvez tenha engajado 40 pessoas nas campanhas em

oito municípios, "verdadeiros" ou não militantes comunistas.

O parágrafo (c) faz novo apelo ao exagero e à mistificação. Do ponto de

vista do avanço na disputa pelo poder na arena parlamentar (é isso que está

em jogo, a rigor, numa eleição) não há como, em essência, separar o resultado

político do resultado eleitoral, e vice-versa. Esse palavreado oco quer

escamotear o fato de que o PCB, mais uma vez, foi fragorosamente derrotado

em termos políticos e eleitorais (o eufemismo "modesto" chega a doer nos

olhos). Esse é o fato. O discurso de que "coligações com partidos da ordem"

como ameaça à "coerência política" e ao "projeto de ruptura com o capital"

como explicação causal desse desempenho, mais uma vez, desastroso, é um

"mantra" político esgotado. Temos, sob essas palavras, uma forma discursiva

para nos iludir e como auto-ilusão do dirigente. E o que esse discurso na forma

de um mantra quer cultuar eternamente é a revolução como um deus que por

aí vem, para nos salvar da perdição e mostrar que éramos, todos nós, seus

filhos amados mas desprezados nesse vale de perdição e de lágrimas que é a

ordem do capital. O voto popular, sob essa mentalidade estreita, não constitui

um elemento categórico da revolução: talvez, esse discurso, imagine poder

dispensá-lo, uma vez conquistado o poder.

Por fim, no parágrafo (d), temos a forma mais perigosa do radicalismo

político que tenta se legitimar sob a ideia do terror depurativo para os "caídos

em desgraça" diante de um coletivo erigido em templo religioso sob a gestão

de um sumo-sacerdote. É aqui, camaradas e militantes da esquerda socialista,

que temos os primeiros efeitos práticos quando, de tanto desejar ardentemente

um objeto ou ordem (política, social etc), a nossa dificuldade / incapacidade de

conquistá-lo nos faz radicalizar a explicação do real e estreitar / fechar as

estruturas institucionais que nos servem de instrumento para lutar por esse

objeto ou ordem. É quase a fábula da raposa e as uvas.

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Na verdade, são as eleições ("burguesas" ou não) que revelam os

partidos, à esquerda e direita do espectro ideológico. E o que essa eleição

revelou de modo mais acentuado foi aquilo que nós, como "militante

verdadeiro", temos visto em teoria e na prática: uma radicalização das

instâncias de discussão; um bloqueio ao dissenso interno; a "voz da

autoridade" concentrando a discussão e estreitando o diálogo; o maniqueísmo

político (quem diverge é um mal político que deve ser expurgado) e a

instrumentalização do centralismo democrático como medida de pena.

Não houve "depuração" no Partido, como o texto quer fazer crer. O que

houve, em alguns casos essenciais, foi um processo de expurgo sob o

argumento de "desobediência", "traição" etc. E a radicalização desse processo

foi tão extrema que, no caso do Recife, a sanha punitiva sequer levou em conta

que o candidato compunha uma coligação com o PSOL. De fato, se o voto

popular não chega, então vamos "matar" quem, certamente, é o culpado pela

nossa solidão política. O PCB, por causa dessa mentalidade política recalcada,

irracional, saiu manchado desse episódio. Não li nem ouvi sequer uma

declaração pública e/ou particular favorável ao Partido.

Anexo C.

"(...)

(a) Mas os comunistas não renunciam a lutar em qualquer terreno.

Mesmo conhecendo suas desvantagens, enfrentam a burguesia em seu próprio

campo, desmascarando-a, denunciando o sistema político, econômico e social.

(b) O PCB mais uma vez enfrentou este desafio; mais uma vez, milhares

de verdadeiros militantes comunistas foram às ruas, aos bairros, às escolas e

aos trabalhadores, levando a mensagem do socialismo, denunciando o

capitalismo, o imperialismo.

(c) Os nossos resultados políticos foram positivos; os resultados

eleitorais serão modestos, pois o PCB se recusa a participar de coligações com

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partidos da ordem, que poderiam nos assegurar mandatos, mas que custariam

caro à nossa coerência política, ao nosso projeto de ruptura com o capital.

(d) O PCB avançou também em seu processo de reconstrução

revolucionária. Nas eleições burguesas os militantes se revelam, para o bem

ou para o mal. A regra foi a militância aguerrida, a disciplina consciente, a

defesa da linha política do Partido. As direções do PCB não vacilaram em

anular coligações espúrias, retirar candidaturas, dissolver instâncias

partidárias, expulsar os que se degeneraram. O Partido sai depurado dessas

eleições.

(...)"