revista psicopedagogia edição 100

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33 VOLUME PSICOPEDAGOGIA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 100 • 2016 • ISSN 0103-8486 EDITORIAL / EDITORIAL Momentos para comemorar ................................................................................................. 1 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Educação Integral: significações por alunos de ensino fundamental pelo Par Educativo .....5 • Estratégias de aprendizagem e sua relação com o desempenho escolar em crianças do Ensino Fundamental I ..................................................................................... 19 • Habilidades cognitivas e competências prévias para aprendizagem de leitura e escrita de pré-escolares com fissura labiopalatina ............................................................ 28 • A utilização do Teste de Atenção Concentrada (AC) para a população infanto-juvenil: uma contribuição para a avaliação neuropsicológica........................................................ 37 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta ..... 50 ARTIGOS ESPECIAIS / SPECIAL ARTICLES • A literatura como intervenção psicopedagógica com adolescente .................................. 60 • Portfólio: instrumento de metacognição para os professores em seu processo reflexivo na atividade docente........................................................................................... 67 • A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico .................................................... 75 • Dislexia na escola: identificação e possibilidades de intervenção .................................. 86 • As ideias de Vigotski e o contexto escolar......................................................................... 98 • O estigma da mente: transformando o medo em conhecimento .................................. 103 RELATO DE PESQUISA / RESEARCH REPORT • A formação e regulamentação das atividades em Psicopedagogia................................ 110

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Page 1: Revista Psicopedagogia Edição 100

33VOLUME

PSICOPEDAGOGIAREVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 100 • 2016 • ISSN 0103-8486

EDITORIAL / EDITORIAL

• Momentos para comemorar... ..............................................................................................1

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Educação Integral: significações por alunos de ensino fundamental pelo Par Educativo .....5

• Estratégias de aprendizagem e sua relação com o desempenho escolar em crianças do Ensino Fundamental I ..................................................................................... 19

• Habilidades cognitivas e competências prévias para aprendizagem de leitura e escrita de pré-escolares com fissura labiopalatina ............................................................28

• A utilização do Teste de Atenção Concentrada (AC) para a população infanto-juvenil: uma contribuição para a avaliação neuropsicológica........................................................ 37

RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT

• Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta .....50

ARTIGOS ESPECIAIS / SPECIAL ARTICLES

• A literatura como intervenção psicopedagógica com adolescente ..................................60

• Portfólio: instrumento de metacognição para os professores em seu processo reflexivo na atividade docente ........................................................................................... 67

• A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico ....................................................75

• Dislexia na escola: identificação e possibilidades de intervenção ..................................86

• As ideias de Vigotski e o contexto escolar .........................................................................98

• O estigma da mente: transformando o medo em conhecimento .................................. 103

RELATO DE PESQUISA / RESEARCH REPORT

• A formação e regulamentação das atividades em Psicopedagogia ................................ 110

Page 2: Revista Psicopedagogia Edição 100

SEÇÃO BAHIA Presidente: Nilzan Gomes Santos

End. Av. Tancredo Neves, 3343, sala 1105 – Ed. Cempre Torre B –Caminho das Árvores – Salvador, BA – CEP 41820-121 Tel: (71) 3341- 0121E-mail: [email protected]: Joanice Maria Bezerra Souza

SEÇÃO CEARÁPresidente: Andréa Aires Costa

End. Rua João Carvalho, 800, sala 1008 – Ed. Talent Center – Aldeota – Fortaleza, CE – CEP 60140-140Tel: (85) 8543-4331/ 9667-2002 / Whats app 9404-2669E-mail: [email protected]: Graça Maria de Morais Aguiar e Silva

SEÇÃO DISTRITO FEDERAL Presidente: Walderlene Ramalho

End. QNE 02, Lote 01, sala 203 – Taguatinga – Brasília, DF – CEP 72125-020Tel/Fax: (61) 8359-5464E-mail: [email protected]

SEÇÃO GOIÁSPresidente: Lucila Menezes Guedes Monferrari

End. Av. 85, 684, sala 207 – Ed. Eldorado Center – St Oeste – Goiânia, GO – CEP 74120-090Tel: (62) 3214-2178 E-mail: [email protected] Vice-presidente: Denise Araújo Santos Baiocchi Carneiro

SEÇÃO MINAS GERAISPresidente: Regina Rosa dos Santos Leal

End. Av. Brasil, 248, sala 202 – Santa Ifigênia – Belo Horizonte, MG –CEP 30140-001Tel: (31) 3221-3616 / 3239-5920 / 9238-1955E-mail: [email protected]: Maria Ana Tafner Pereira

SEÇÃO PARÁPresidente: Maria Nazaré do Vale Soares

End. Trav. 3 de maio, 1218, sala 105 – Ed. Alpha Center – Belém, PA – CEP 66660-600Tel: (91) 3229-0565E-mail: [email protected]: Eliane Souza de Deus Neto Almeida

SEÇÃO PARANÁ SULPresidente: LORIANE FERREIRA

End. Av. Fernando Amaro, 431 – Bairro Alto da XV – Curitiba, PR – CEP 80045-080Tel: (41) 3363-8006E-mail: [email protected]: Heloísa Monte Serrat Barbosa

SEÇÃO PERNAMBUCOCoordenadora: Roberta Claro

End. Rua Aviador Severiano Lins, 73, sala 5 – Boa Viagem – Recife-PE – CEP 51020-060Tel: (81) 3466-1362E-mail: [email protected]: Valéria Regina Granha

SEÇÃO PIAUÍPresidente: Cristina Miranda (interina)

End. Rua Arlindo Nogueira, 333, sala 5 – Edif. Luiz Fortes – Centro – Teresina, PI – CEP: 64000-290Tel: (86) 9992- 0817E-mail: [email protected]

SEÇÃO RIO DE JANEIROPresidente: Maria Katiana Veluk Gutierrez

End. Av. Nossa Senhora de Copacabana, 861, sala 302 – Copacabana – Rio de Janeiro, RJ – CEP 22060-000Tel: (21) 2236-2012E-mail: [email protected]: Fátima Galvão Palma

SEÇÃO RIO GRANDE DO NORTEPresidente: Ednalva de Azevedo Silva

End. Rua Kerginaldo Cavalcante, 279 – Nova Descoberta – Natal, RN –CEP: 59075-240 Tel: (84) 99675-8660E-mail: [email protected]: Hebert Ezequiel Fernandes de Medeiros

SEÇÃO RIO GRANDE DO SULPresidente: Iara Caierão

End. Av. Venâncio Aires, 1119, sala 9 – Cidade Baixa – Porto Alegre, RS – CEP 90520-000 Tel: (51) 3333-3690 / 9607-7053E-mail: [email protected]: Gilca Maria Lucena Kortmann

SEÇÃO SANTA CATARINAPresidente: Maria Alice Moreira Bampi

End. Rua Rui Barbosa, 574, apto 801 – Agronômica – Florianópolis, SC – CEP 88025-301Tel: (48) 3365-1097 / 9116-0753E-mail: [email protected] Vice-presidente: Lucimara Maia da Silva

SEÇÃO SÃO PAULOPresidente: Sandra Lia Nisterhofen Santilli

End. Av. Dr Arnaldo, 1690 – Sumaré – São Paulo, SP – CEP 01255-000 Tel: (11) 9 6416-1030E-mail: [email protected]: Maria Cristina Natel

SEÇÃO SERGIPEPresidente: Nielza da Silva Maia de Souza

End. Rua Riachuelo, 1188, sala 16 – São José – Aracajú, SE – CEP 49015-160Tel: (79) 3214-5363 ramal 222E-mail: [email protected]: Maria de Fátima Vasconcelos Gomes

NÚCLEO ESPÍRITO SANTOCoordenadora: Cheila Araújo Mussi Montenegro

End, Av. Nossa Senhora da Penha,1495, sala 504-A – Ed. Corporate Center – Santa Lúcia – Vitória, ES – CEP: 29056-905Tel: (27) 98875- 4508E-mail: [email protected]: Lúcia Maria Gogoy

NÚCLEO PARANÁ NORTECoordenadora: Rosa Maria Junqueira Scicchitano

End. Rua Antonio Amado Noivo, 440 – Ipiranga – Londrina, PR – CEP 86010-050Tel:(43) 3324- 3425E-mail: [email protected]: Deibe Moraes

NÚCLEO SUL MINEIROCoordenadora: Janaína Cristiane Guidi Pereira

Endereço: Rua Alberto Cabre, 300 – Vila Pinto – Varginha, MG – CEP 37010-630Tel: (35) 9808-2392E-mail: [email protected]: Marília Vieira Siqueira de Arantes

Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - CEP: 05405-000 - São Paulo - SPPabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected] // [email protected]

ABPP EM TODO O BRASIL

NÚCLEOS E SEÇÕES DA ABPpTriênio 2014-2016

Page 3: Revista Psicopedagogia Edição 100

Conselho editorial internaCional

Carmen Pastorino - UruguaiCésar Coll - EspanhaIsabel Solé - EspanhaMaria Cristina Rojas - ArgentinaNeva Milicic - ChileVitor da Fonseca - Portugal

Conselho editorial naCional

Beatriz Scoz SPDébora Silva de Castro Pereira BAEdith Rubinstein SPEloísa Quadros Fagali SPEvelise Maria L. Portilho PRHeloisa Beatriz Alice Rubman RJIara Caierão RSLeda M. Codeço Barone SPMargarida Azevedo Dupas SPMaria Auxiliadora de Azevedo Rabello BAMaria Cecília Castro Gasparian SP

Conselho exeCutivoMaria Irene Maluf SPLuciana Barros de Almeida GO

editoraMaria Irene Maluf SP

Maria Célia Malta Campos SPMaria Cristina Natel SPMaria Silvia Bacila Winkeler PRMarisa Irene Siqueira Castanho SPMônica H. Mendes SPNádia Bossa SPNeide de Aquino Noffs SPNívea M.de Carvalho Fabrício SPRosa M. Junqueira Scicchitano PRSônia Maria Colli de Souza SP

Consultores ad hoc

Ana Maria Maaz Acosta AlvarezCleomar Landim de OliveiraJaime ZorziLino de MacedoLívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do ValleSaul CypelSonia Maria Pallaoro MoojenSylvia Maria Ciasca

Page 4: Revista Psicopedagogia Edição 100

PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos:

1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - BIREME

2) Clase - Citas Latinoamericanas en Cien-cias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico

3) Edubase - Faculdade de Educação, UNI-CAMP

4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC

5) Latindex - Sistema Regional de Informa-ción en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal

6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT

Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). SãoPaulo: ABPp, 1991-

Quadrimestral

ISSN 0103-8486

C o n t i n u a ç ã o , a p a r t i r d e 1 9 9 1 , v o l . 1 0 , n º 2 1 d e B o l e t i m d aAssociação Brasileira de Psicopedagogia.

1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.

CDD 370.15

7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia

8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas

9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia

Editora Responsável: Maria Irene Maluf

Revisão e Assessoria Editorial: Rosângela Monteiro

Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos

O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial.É expressamente proibida qualquer modali-dade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei.

[email protected] // [email protected]

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

Acesse a revista na íntegra: http://abpp.com.br/publicacoes_revista_psicopedagogia.html

Page 5: Revista Psicopedagogia Edição 100

diretoria da assoCiação Brasileira de PsiCoPedagogiatriÊnio 2014/2016

Ana Paula Loureiro e Costa RJClarissa Farinha Candiota RSDébora S. de Castro Pereira BAEvelise Maria Labatut Portilho PRFabiani Ortiz Portella RSFrancisca Francineide Cândido CEGaleára Matos de França Silva CEIara Caierão RSJoyce Maria Barbosa de Pádua PILuciana Barros de Almeida GOLuciana Queiroz Bem Portela CE

Márcia Alves Simões SPMaria Cristina Natel SP Maria José Weyne M. de Castro CEMaria Teresa Messeder Andion SPMarisa Irene Siqueira Castanho SP

SuplenteSEdimara de Lima SP Heloisa Beatriz Alice Rubman RJJozélia de Abreu Testagrossa BAMárcia Alves Affonso SP

PresidenteLuciana Barros de Almeida (GO)

Vice-PresidenteEdimara de Lima (SP)

1ª TesoureiraQuézia Bombonatto (SP)

2ª TesoureiraAna Paula Loureiro e Costa (RJ)

1ª Secretária AdministrativaMaria Teresa Messeder Andion (SP)

2ª Secretária AdministrativaHeloísa Beatriz Alice Rubman (RJ)

1ª Assessora CientíficaMarisa Irene Siqueira Castanho (SP)

2ª Assessora CientíficaEvelise Maria Labatut Portilho (PR)

Assessoras de Relações PúblicasDébora Silva de Castro Pereira (BA)Galeára Matos de França Silva (CE)Marilene Ribeiro de Azevedo (GO)

Assessoras de Comunicação e DivulgaçãoIara Caierão (RS)Maria José Weyne Melo de Castro (CE)Maria Katiana Veluk Gutierres (RJ)

ASSeSSoriASAssessora de Publicações Científicas Maria Irene Maluf (SP)

Assessora de Formação e Regulamentação Neide De Aquino Noffs (SP)

Beatriz Judith Lima Scoz SPEdith Rubinstein SPLeda Maria Codeço Barone SPMaria Cecília Castro Gasparian SPMaria Célia Malta Campos SP

Maria Irene Maluf SPMônica H. Mendes SPNeide de Aquino Noffs SPNívea Maria de Carvalho Fabrício SPQuézia Bombonatto SP

Conselheiras vitalíCias

Conselheiras eleitas – gestão 2014/2016

Page 6: Revista Psicopedagogia Edição 100
Page 7: Revista Psicopedagogia Edição 100

sumário

EDITORIAL / EDITORIAL

• Momentos para comemorar

Irene Maluf .......................................................................................................................................1

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Educação Integral: significações por alunos de ensino fundamental pelo Par Educativo Full-time school: meanings for students of elementary education using educational pair drawing

Francisca Tietze; Marisa Irene Siqueira Castanho.........................................................................5

• Estratégias de aprendizagem e sua relação com o desempenho escolar em crianças do Ensino Fundamental I

Strategies learning and its relationship with the performance in school teaching children Fundamental I

Kelly Cristina Ramires Prates; Ricardo Franco de Lima; Sylvia Maria Ciasca ...........................19

• Habilidades cognitivas e competências prévias para aprendizagem de leitura e escrita de pré-escolares com fissura labiopalatina

Cognitive abilities and previous competencies for reading and writing learning in preschoolers with cleft palate

Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Laiza Oliveira Vilela; Évelyn Raquel Benati .................28

• A utilização do Teste de Atenção Concentrada (AC) para a população infanto-juvenil: uma contribuição para a avaliação neuropsicológica

The use of Concentrated Attention (AC) Test for children and youth population: a contribution to the neuropsychological evaluation

Edyleine Bellini Peroni Benczik; Graziella Ceregatti Leal; Tábata Cardoso ..............................37

RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT

• Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta Characteristics of development dyslexia and its manifestation in adulthood

Sônia Maria Pallaoro Moojen; Ana Bassôa; Hosana Alves Gonçalves........................................50

ARTIGOS ESPECIAIS / SPECIAL ARTICLES

• A literatura como intervenção psicopedagógica com adolescente Literature as psychopedagogical intervention with teenager

Sonia Saj Porcacchia; Leda Maria Codeço Barone; Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa ...... 60

Page 8: Revista Psicopedagogia Edição 100

• Portfólio: instrumento de metacognição para os professores em seu processo reflexivo na atividade docente

Portfolio: metacognition tool for teachers in their reflective process in teaching activity

Mônica Mendes ..............................................................................................................................67

• A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico The psychopedagogical supervision and the critical thought

Débora Silva de Castro Pereira ......................................................................................................75

• Dislexia na escola: identificação e possibilidades de intervenção Dyslexia at school: early identification and possibilities of intervention

Sônia das Dores Rodrigues; Sylvia Maria Ciasca .........................................................................86

• As ideias de Vigotski e o contexto escolar The Vygotsky’s ideas and the school context

Ingrid Lilian Fuhr Raad .................................................................................................................98

• O estigma da mente: transformando o medo em conhecimento The stigma of mind: turning fear into knowledge

Alessandra Lemes Prado; Rodrigo Affonseca Bressan ................................................................103

RELATO DE PESQUISA / RESEARCH REPORT

• A formação e regulamentação das atividades em Psicopedagogia Training and regulations activities in Educational Psychology

Neide de Aquino Noffs .................................................................................................................110

Page 9: Revista Psicopedagogia Edição 100

1Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 1-4

EDITORIAL

MoMentos Para CoMeMorar...

A 100ª edição da Revista Psicopedagogia, que a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) traz a público neste mês de abril de 2016, durante o 3º ano da gestão de Luciana Barros de Almeida, representa

um marco importante na história da Associação e da própria Psicopedagogia no Brasil.

É um momento de comemorar e inicialmente, como não poderia deixar de ser, prestar nossa homenagem e agradecer às fundadoras da ABPp, que a criaram em 1982 o “Boletim da Associação de Psicopedagogos de São Paulo” que, quatro anos depois, tornou-se o Boletim da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Foi o empenho pela causa dessa profissão que então nascia, que fez o pioneirismo dessas profissionais aflorar com coragem, em uma época em que poucas pessoas no Brasil reconheciam a importância de tal especialização. O Boletim cresceu, ganhou notoriedade e foi transformado em Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia, em 1991, a partir da edição 21 e muitas editoras se sucederam, engrandecendo a Psicopedagogia.

A história continuou e tivemos a honra de assumir a editoria desta revista em 2003, edição 61, tendo como demanda maior o reconhecimento científico dessa publicação. Em 2005, edição 69, a revista recebeu pela primeira vez qualificação B Nacional pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ligada ao Ministério da Educação, e obteve sua indexação pela Lilacs.

Na edição 72, do ano 2006, comemorativa dos 25 anos da ABPp, já havia sido indexada a oito importantes Bases de Dados Nacionais e Internacionais e se fortalecido como fonte de consulta respeitada no meio acadêmico.

Em 2009, a partir da edição 81, sempre comprometida com a divulgação do conhecimento acerca da Psicopedagogia, atendendo a um pleito mundial de contenção de gastos das reservas naturais e proteção ao meio ambiente, esse periódico passou a ser publicado unicamente pela Internet, com acesso aberto, sem qualquer restrição a consultas públicas.

Com a indexação alcançada no PePSIC - Periódicos Eletrônicos em Psico-logia, em setembro de 2010, as edições quadrimestrais passaram a poder ser livremente acessadas em todas as partes do mundo pelo endereço: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=0103-8486&lng=en&nrm=iso e também continuaram abertas através do site www.abpp.com.br/revista. Em 2016, este ano ainda, será lançado o novo site da Revista, compatível com o que há de mais atual entre as publicações científicas internacionais.

Prestamos também nosso agradecimento e homenagem aos sucessivos editores e membros do Conselho Editorial e do Conselho Nacional, que nesses últimos 35 anos se sucederam: pessoas altruístas, profissionais exímios, que dedicaram parte de suas vidas a esta Associação e a esta publicação. Graças a esse empenho, gradativamente, esta revista passou a ser o meio de divulgação

Page 10: Revista Psicopedagogia Edição 100

2Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 1-4

EDITORIAL

científica, a representar a própria ABPp e tornou-se referência da profissão que lhe empresta o nome, no Brasil e no mundo.

Não se poderia deixar de agradecer e muito, aos inúmeros autores, profis-sionais de várias áreas do saber, que generosamente colaboram para ampliar, enriquecer e solidificar o olhar já multidisciplinar da Psicopedagogia, trazen-do-a ao sec. XXI com recursos de toda ordem do conhecimento, à altura de seus pares em outras áreas do saber.

Hoje, resultante desse trabalho coletivo, a Revista Psicopedagogia, ímpar não apenas em nosso País como também internacionalmente, a única que representa os psicopedagogos brasileiros e sua Associação de classe, chega à 100ª edição e comemora 34 anos de publicação ininterrupta.

De modo muito particular, gostaríamos de agradecer aos associados da ABPp e aos nossos leitores assíduos, que tanto contribuíram para nos manter com entusiasmo nessa tarefa. Por isso, a vocês, é dedicada esta edição especial!

A 100ª edição da Psicopedagogia, que excepcionalmente foi impressa e disponibilizada on line, nos traz alguns temas importantes tratados há longo tempo, mas vistos hoje sob novos prismas, enriquecidos com conhecimentos da Ciência e da Neurociência aplicada à Educação.

Abrimos esta edição com quatro Artigos Originais, de especial relevância para os profissionais da Psicopedagogia e Educação.

Ao investigar os significados para as crianças de um Programa de Educação Integral, utilizando o desenho do Par Educativo, Francisca Tietze e Marisa Irene Siqueira Castanho nos trazem uma contribuição valiosa pela raridade de pesquisas psicopedagógicas de cunho científico nessa área, “Educação In-tegral: significações por alunos de ensino fundamental pelo Par Educativo”.

“Estratégias de aprendizagem e sua relação com o desempenho escolar em crianças do Ensino Fundamental I”, de Kelly Cristina Ramires Prates, Ricardo Franco de Lima e Sylvia Maria Ciasca, é uma pesquisa cujo objetivo, muito instigante, foi avaliar o repertório de estratégias de aprendizagem utilizadas por estudantes do ensino fundamental I e relacioná-lo com o desempenho em leitura, escrita e aritmética, de modo a identificar as relações e o valor preditivo das estratégias de aprendizagem para o desempenho escolar.

Em seguida, temos “Habilidades cognitivas e competências prévias para aprendizagem de leitura e escrita de pré-escolares com fissura labiopalati-na”, de Maria de Lourdes Merighi Tabaquim, Laiza Oliveira Vilela e Évelyn Raquel Benati, uma interessante investigação que teve como escopo geral caracterizar o desempenho cognitivo de crianças com fissura labiopalatina em fase de pré-alfabetização.

“A utilização do Teste de Atenção Concentrada (AC) para a população infanto-juvenil: uma contribuição para a avaliação neuropsicológica” é uma pesquisa que nos oferece novas perspectivas de informações sobre avaliação de crianças e jovens com problemas de atenção, uma função cerebral impor-tante para a integração mental e é reconhecida como o pré-requisito mais relevante para a manifestação do intelecto e da capacidade de reflexão. Es-crito por Edyleine Bellini Peroni Benczik, Graziella Ceregatti Leal e Tábata

Page 11: Revista Psicopedagogia Edição 100

3Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 1-4

EDITORIAL

Cardoso, o objetivo desse estudo foi investigar o desempenho de crianças e adolescentes no Teste AC, verificar evidências de validade e elaborar normas de padronização para essa população.

Segue um Relato de Experiência, “Características da dislexia de desen-volvimento e sua manifestação na idade adulta”, de Sônia Moojen, Ana Bassôa e Hosana Alves Gonçalves, que visa a apresentar algumas definições sobre a dislexia do desenvolvimento, o movimento do corpo científico pelo emprego da palavra transtorno e as características consensuais sobre o tema. Também realiza uma breve revisão de pesquisas que apontam as dificuldades encontradas, nas habilidades de leitura, escrita e consciência fonológica, por adultos disléxicos. Para finalizar, apresenta um estudo de caso, comparando o desempenho em leitura e escrita de um adulto com o diagnóstico e um controle.

Os Artigos Especiais desta edição, certamente serão uma grata surpresa ao leitor. É de Sonia Saj Porcacchia, Leda Maria Codeço Barone e Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa o artigo “A literatura como intervenção psico-pedagógica com adolescente”. Trata-se de um trabalho expressivo, que aborda tema de grande relevância, que tem como objetivo apresentar a utilização de leitura de textos literários na intervenção psicopedagógica com um adoles-cente. A publicação desse trabalho, enviado pela primeira presidente de nossa Associação, Leda Maria Codeço Barone, é uma honra especial.

“Portfólio: instrumento de metacognição para os professores em seu pro-cesso reflexivo na atividade docente”, da Conselheira Vitalícia da ABPp Mô-nica Mendes, apresenta uma abordagem que provoca o autoconhecimento do professor, com o intuito de aproximá-lo de seus alunos por meio de observação e elaboração de atividades voltadas para as modalidades de aprendizagem destes.

Com muita satisfação, publicamos o trabalho da Conselheira Débora Silva de Castro Pereira, “A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico”, de grande relevância, sobre o trabalho psicopedagógico voltado para a super-visão, a construção do conhecimento, da autonomia e da independência do pensamento.

“Dislexia na escola: identificação e possibilidades de intervenção”, é o oportuno artigo escrito por Sônia das Dores Rodrigues e Sylvia Maria Ciasca. As autoras abordam os principais conceitos relativos à dislexia, sua identificação e algumas possibilidades de intervenção sobre esse transtorno de aprendizagem, que ganhou mais relevância a partir do momento em que a educação escolar tornou-se inclusiva.

“As ideias de Vigotski e o contexto escolar”, é o artigo enviado por Ingrid Lilian Fuhr Raad, que parte do pressuposto que a política de Estado de Edu-cação está calcada na ideologia neoliberal, em que a escola assume o lugar de uma das instituições sociais de controle e perpetuação da lógica vigente.

“O estigma da mente: transformando o medo em conhecimento”, de Alessandra Lemes Prado e Rodrigo Affonseca Bressan, nos mostra estratégias educativas que visam à promoção do bem-estar integral (físico, mental e emo-cional) no âmbito individual e coletivo, assim como à diminuição dos fatores de risco para o desenvolvimento de psicopatologias.

Page 12: Revista Psicopedagogia Edição 100

4Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 1-4

EDITORIAL

É um Artigo de Pesquisa que encerra brilhantemente esta 100ª edição, de autoria da Conselheira Vitalícia Neide de Aquino Noffs, um dos mais respei-tados nomes da Psicopedagogia brasileira: “A formação e regulamentação das atividades em Psicopedagogia”. Esse artigo tem como objetivo principal analisar as concepções que norteiam a formação e a regulamentação da ati-vidade em Psicopedagogia, um importante documento para se ler, analisar e guardar.

Assim, consideramos entregue aos associados e leitores a 100ª edição da Revista Psicopedagogia e esperamos que todos celebrem conosco a alegria deste momento por meio da leitura prazerosa e produtiva das páginas que se seguem.

Irene MalufEditora

Page 13: Revista Psicopedagogia Edição 100

Educação IntEgral E Par EducatIvo

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 5-18

5

ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – Este estudo teve como objetivo investigar os significados de um Programa de Educação Integral para crianças utilizando o desenho do Par Educativo. Os programas de Educação Integral oferecem atividades esportivas, culturais e de ampliação do currículo, supostamente em situações favorecedoras da qualidade de ensino e de formação. Foram avaliados, por meio da técnica gráfica do Par Educativo, os desenhos de três alunos com idades entre 10 e 11 anos, com e sem dificuldades de aprendizagem de escolas públicas de um município paulista. Foi solicitado aos alunos que desenhassem uma situação de aprendizagem em oficinas oferecidas no contra turno da aula e outra situação de aprendizagem em sala de aula. Como critérios de avaliação dos desenhos elegeram-se indicadores de conflito na relação de aprendizagem. Os resultados sugerem maior incidência de indicadores de conflito nos dois alunos com dificuldades de aprendizagem, quando comparados ao aluno sem dificuldades, em qualquer das situações; no entanto, na comparação dos desenhos de situações de aprendizagem nas oficinas com os das situações em sala de aula, não se obteve resultados consistentes. Embora se trate de uma amostra pequena para conclusões, pode-se afirmar que o Par Educativo é uma boa técnica para avaliar representações de relação vincular com a aprendizagem, sendo necessária a continuidade de estudos visando à validação de critérios para sua interpretação. Quanto à vivência em situações de aprendizagem em oficinas de ampliação da jornada escolar, sugerem-se mais estudos para avaliar o impacto desses programas na educação de crianças nas escolas públicas.

UNITERMOS: Aprendizagem. Vínculos afetivos. Teste do Par Educativo. Contra turno escolar. Estudo de casos.

Correspondência:Marisa Irene Siqueira CastanhoRua Luís Mazzarolo, 94 – Vila Clementino – São Paulo, SP, Brasil – CEP 04024-040E-mail: [email protected] /[email protected]

Francisca Tietze – Graduanda do Curso de Psicope da-gogia do Centro Universitário Fieo – Unifieo, Osas co, SP, Brasil. Marisa Irene Siqueira Castanho – Docente e pes-qui sadora do Programa de Pós-Graduação em Psi-cologia Educacional e do Curso de Graduação em Psi copedagogia do Centro Universitário Fieo – Unifieo, Osasco, SP, Brasil.

eduCação integral: signifiCações Por alunos de ensino fundaMental

Pelo Par eduCativo

Francisca Tietze; marisa irene siqueira Castanho

Page 14: Revista Psicopedagogia Edição 100

TieTze F & CasTanho Mis

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(100): 5-18

6

INTRODUÇÃOEste artigo apresenta os resultados de um

estudo que é parte de uma pesquisa mais exten-sa que tem como objetivo identificar e analisar aspectos qualitativos e quantitativos de uma proposta de educação integral em um município próximo à cidade de São Paulo. Neste estudo, especificamente, o objetivo foi analisar os signi-ficados do programa de Educação Integral, para as crianças envolvidas, utilizando como recurso de análise e interpretação a técnica gráfica do Desenho do Par Educativo.

O Desenho do Par Educativo é uma técnica criada por Malvina Oris e Maria Luisa S. De Ocampo, na Argentina1, sendo mais tarde es-truturado por María Elena Coviella de Olivero e Cristina Van der Kooy de Palacios. Trata-se de uma técnica projetiva, que tem como objetivo “detectar a relação vincular latente entre o que ensina e aquele que aprende”2 e que pode ser utilizada em qualquer circunstância que envolva duas ou mais pessoas em situação de aprendi-zagem, em contextos diversos, como a escola, a família, os amigos.

O termo Educação Integral refere-se, de ma-neira ampla, aos programas educacionais que propõem ampliar as atividades escolares das crianças para além do período regular da sala de aula, oferecendo atividades esportivas, cultu-rais e de ampliação do currículo, favorecendo a qualidade do processo de formação de crianças e jovens. Para desenvolver propostas de educação integral é preciso envolver e articular diversos outros sujeitos, tempos e espaços de maneira a contemplar o maior número de alunos em ativi-dades diversas.

“A ampliação do tempo diário de escola pode ser entendida e justificada de dife-rentes formas: a) ampliação do tempo como forma de se alcançar melhores re-sultados (...); b) ampliação do tempo como adequação da escola às novas condições da vida urbana, das famílias e particular-mente da mulher”3.

As oficinas ministradas no contra turno es-colar e oferecidas pelos programas de educação

integral têm, portanto, como finalidade a me-lhoria da educação e do desempenho escolar, sobretudo de crianças que não têm atingido os resultados mínimos previstos nas provas oficiais de avaliação escolar4,5. A despeito disso, estudo referente à rede pública paulista6 mostra que alunos de escolas de tempo integral não apre-sentam diferenças significativas em termos de proficiência e aprovação escolar, em relação àqueles que frequentam as escolas tradicionais. A autora supõe que esses resultados decorrem do pouco tempo de análise ou do pouco tempo despendido em atividades que possam afetar diretamente a proficiência dos alunos.

Nos últimos anos, ocorreu uma ampliação significativa na implantação de propostas de educação integral nas escolas públicas, em de-corrência das políticas e diretrizes governamen-tais que emanam do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE7.

A consulta a um levantamento de publica-ções8 sobre análises de experiências em educa-ção integral em textos publicados entre 2007 e 2012 revelou que, dentre 22 artigos, somente três faziam referência à participação de alunos na avaliação das propostas implantadas. Com base no interesse em conhecer com mais detalhes os procedimentos metodológicos usados pelos auto-res dos três estudos citados, exatamente porque traziam referências a opiniões de alunos sobre experiências vividas em programas de Educação Integral, procedeu-se a um rastreamento desses textos9-11.

O primeiro9 apresentava os resultados de uma pesquisa realizada numa escola estadual no município de Pirassununga, estado de São Paulo, de junho de 2007 a junho de 2008, junto a gestores, professores, alunos e responsáveis; por meio de um questionário aplicado a alunos da 8ª série, foi possível apreender a compreensão, as motivações, as preferências e as percepções dos alunos em relação à Escola de Tempo Inte-gral. Para os alunos, a Educação Integral estava vinculada à extensão da jornada diária de per-manência na escola, com o “aprender mais” os conteúdos escolares.

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O segundo10 trazia reflexões acerca da am-pliação da jornada escolar e da Educação Inte-gral, a partir da fala de sete alunos dos anos iniciais do ensino fundamental inseridos em escolas em três municípios situados nas regiões sudeste e nordeste do Brasil, participantes de um programa de Educação Integral. O objetivo foi investigar como os alunos justificam a amplia-ção da jornada em relação à sua vida, dentro e fora do espaço escolar e como compreendem as diversas atividades por que passam na escola, ao longo dos dias. Os resultados demonstram que os alunos correlacionam a ampliação da jornada escolar como aprendizagem de conteúdos peda-gógicos difíceis, e também como de formação em sentido mais amplo (informática, pintura, músi-ca); também traçam uma linha contínua entre a ampliação da jornada escolar e situações que envolvem riscos sociais; por último, evidenciam a ausência de oportunidades e/ou instituições culturais e sociais em seu cotidiano como justi-ficativa para sua permanência nas experiências de jornada escolar ampliada.

O último11 relatava uma experiência e os cus-tos de uma escola do campo em tempo integral do município de Palmas, estado de Tocantins. O objetivo foi avaliar por meio das perspectivas da comunidade escolar o alcance dos objetivos da proposta da escola, bem como estimar o custo--aluno no programa. Ressalta-se na fala dos alunos a satisfação com as oficinas e atividades e o bom relacionamento com todos na escola. Como ponto negativo, os alunos relatam que to-das as atividades sempre eram realizadas dentro da sala de aula ou no pátio, sem calçamento e ao sol. Apontaram também a falta de uma sala de multimeios, tão importante para uma escola de tempo integral.

Com base nessas considerações iniciais e, frente ao interesse em investigar significações produzidas por crianças participantes de progra-mas de educação integral, elegeu-se o Desenho do Par Educativo supondo que esta poderia ser uma técnica propícia para tal investigação. Supôs-se, também, que haveria maior evidên-cia de indicadores de conflitos nas relações de

aprendizagem em desenhos que representassem a sala de aula, comparados aos desenhos sobre as situações de aprendizagem nas oficinas de educação integral, em especial, em crianças com dificuldades de aprendizagem.

O termo dificuldades de aprendizagem é um termo genérico que corresponde a uma multipli-cidade de manifestações e a um amplo conjunto de fatores na sua configuração12-14. No entanto, nenhum dos fatores pode ser considerado iso-ladamente e a literatura sobre o atendimento da queixa escolar em serviços psicológicos e psicopedagógicos aponta para a variabilidade de demandas encaminhadas a esses serviços, com incidência em meninos na faixa etária dos 7 aos 13 anos, e nos últimos anos do Ensino Fundamental I, momento que a aprendizagem escolar deveria estar se consolidando15-17.

REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O PAR EDUCATIVOEm um estudo descritivo, Muñiz18 apresentou

desenhos produzidos por escolares, exemplifi-cando os diferentes modos de representar a rela-ção vincular de aprendizagem por eles. O estudo teve como base a teoria do vínculo de Enrique Pichón Rivière, compreendendo a aprendizagem humana como um encontro entre possibilidades e obstáculos dos vínculos afetivos, e a interpreta-ção psicodramática do cenário interior construí-do a partir de experiências vinculares primárias como base de interpretação do mundo real. A autora iniciou a aplicação da técnica projetiva gráfica, juntamente com a pedagoga argentina Malvina Oris, que por sua vez modificara o teste de “duas pessoas” criado por Bernstein, em 1964, para aplicação junto a adolescentes e crianças com problemas de aprendizagem.

Olivero & Palacios2 aplicaram o Par Educativo com a finalidade de estabelecer variáveis de interpretação e de adequação das mesmas em casuísticas variadas para verificar a confiabili-dade e a validação de critérios de interpretação do teste. As autoras realizaram um estudo junto a crianças de 8 a 10 anos, de diferentes níveis sociais. Distribuíram as amostras da seguinte

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maneira: 100 casos pertenciam a escolas urba-nas, 100 casos pertenciam a escolas suburbanas e 100 casos retirados de prontuários de consulta de crianças com transtornos de aprendizagem. A respeito das classes sociais, as escolas urbanas correspondiam à classe média e alta e as escolas suburbanas à classe média e baixa e as escolas respondiam a características institucionais dife-rentes quanto à ementa curricular.

As autoras2 partiram da seguinte proposta: “Desenhe uma pessoa que ensina e outra que aprende”. A análise das produções gráficas teve como sustentação a teoria psicanalítica freudiana, a psicogenética de Piaget e a teoria do vínculo. A partir da análise das representa-ções gráficas, as autoras descreveram alguns indicadores de análise: papeis, objetos de apren-dizagem específicos, objetos de aprendizagem complementares, relação dos personagens com o objeto de aprendizagem e distância entre eles, cenário, características de quem ensina e de quem aprende, adição de personagens à cena, correlações entre a parte gráfica e a parte verbal.

Posteriormente, Visca1,19 propôs o desenvol-vimento de pautas gráficas para a interpretação do Par Educativo, tendo como referencial teórico a Epistemologia Convergente, com foco na rede de vínculos de aprendizagem que um sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: no escolar, no familiar e consigo mesmo, por meio da investigação da relação com os objetos de aprendizagem, com quem ensina e com quem aprende em qualquer situação. O autor consi-derou que o desenho do Par Educativo adquire significado em sua totalidade e no conjunto de três grandes grupos de indicadores: os detalhes do desenho, o título e o conteúdo do relato, o grau de estereotipia ou flexibilidade dos aspectos detectados. Dentre os detalhes, Visca1,19 desta-cou os seguintes indicadores significativos para análise: tamanho do desenho, dos personagens e dos objetos de aprendizagem, posição e dis-tância dos personagens em relação aos objetos de aprendizagem.

Mais recentemente, Sakai20 desenvolveu uma pesquisa em forma de tese mais sistemática,

objetivando adaptar indicadores de interpreta-ção dos desenhos da figura humana e de outras técnicas gráficas projetivas para a validação de critérios de avaliação do Teste do Par Educativo. A autora realizou um estudo de padronização do TPE em uma amostra de escolares de terceiras e quartas séries do Ensino Fundamental, de es-colas públicas e particulares, com o objetivo de avaliar a relação entre o desempenho escolar e o total de indicadores de conflito nos desenhos. Adaptou 66 indicadores relacionados ao grafis-mo, ao cenário, ao par professor-aluno, à figura de quem ensina e à figura de quem aprende. A autora realizou o estudo com 383 crianças divididas em três grupos quanto ao desempe-nho escolar de acordo com as avaliações dos professores. Os resultados confirmaram uma relação entre desempenho escolar e o total de indicadores de conflitos e as crianças de escolas públicas apresentaram um número mais elevado desse tipo de indicadores.

MÉTODOEste estudo elegeu o método qualitativo21,

numa abordagem descritiva, com a utilização de estudos de caso. Segundo o autor, o método qualitativo justifica-se principalmente quando se procura entender a natureza de determina-do fenômeno social em situações complexas ou estritamente particulares, possibilitando a compreensão mais profunda do comportamento dos indivíduos. Os participantes desta pesquisa foram três alunos, que frequentavam as oficinas do programa de Educação Integral, na faixa etária de 10 a 11 anos, do sexo masculino, cujos pais autorizaram sua participação, estudantes do Ensino Fundamental I, de três escolas públicas em um município da região metropolitana de São Paulo. O critério de escolha foi ao acaso e com a concordância dos pais por assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa foi realizada nas dependências das escolas; foram agendados horários para a aplicação do instrumento, imediatamente antes, ou após a oficina de Educação Integral que as crianças frequentavam. Para a realização dos

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desenhos foram utilizados lápis preto número 2 e borracha, além de papel sulfite A4, em aplica-ções individuais e mediante a solicitação de dois desenhos, o primeiro com a seguinte instrução para as crianças: “Por favor, faça um desenho de você nesta oficina, aprendendo”. O segundo: “Agora, faça um desenho de você na sala de aula, aprendendo”. Após cada desenho, era solicitado um título e um relato sobre a situação desenhada.

Os critérios de avaliação dos desenhos foram sistematizados por meio de uma composição de indicadores de conflitos na relação de aprendi-zagem retirados dentre os considerados comuns nos autores já citados1,2,19,20 e que compõem a Tabela 1.

A Tabela 1 apresenta os 34 indicadores selecionados para a avaliação do desenho do Par Educativo neste estudo. Sete indicadores referem-se a características do Professor (P); sete referem-se às características do Aluno (A); três referem-se aos Objetos de Aprendizagem (Ao); três aos Objetos Complementares (Oc); cinco ao Cenário (C); seis ao Par Educativo (PAR); e, por último, três referem-se à relação entre título e desenho (RTD1), título e relato verbal (RTRV1) e desenho e relato verbal (RDRV1).

A cada um desses indicadores foi atribuído um valor de 0 ou 2, referente a uma ordem cres-cente como sugestivo de conflitos na relação com a aprendizagem escolar, de forma a se obter re-sultados quantitativos para estabelecer algumas das correlações esperadas na comparação entre os desenhos das situações de aprendizagem nas oficinas em relação aos da sala de aula e nos desenhos das crianças com dificuldades de aprendizagem em relação aos de crianças sem dificuldades de aprendizagem. Assim, por exemplo, nos indicadores P1 referentes à figu-ra de quem ensina e A1 referentes à figura de quem aprende, à presença desses personagens foi atribuído valor 0 e à ausência, valor 2, pela concordância nos estudos citados de Olivero, Palacios2, Visca1,19 e Sakai20 de que a ausência é indicativa de rejeição, negação e/ou isolamento em relação aos personagens ausentes. Apenas os indicadores P4, Oa2, Oc2, C2, PAR3 receberam,

além dessa valoração de 0 ou 2, uma valoração intermediária de 1 ponto, uma vez que foram considerados apenas por Visca1,19.

Dessa forma, as análises de ambos os dese-nhos foram realizadas, buscando-se identificar especificidades, semelhanças, divergências nas situações de aprendizagem, objetos, pessoas representadas, relação ensinante/aprendente, por meio das correlações estabelecidas após o processo de valoração em cada um dos indica-dores avaliados.

RESULTADOS Um breve perfil das crianças participantes

do estudo possibilitou contextualizar a situação de pesquisa e as representações por meio dos desenhos produzidas por elas.

Primeira criançaP., idade de 10 anos e 6 meses, cursando o 5º

ano, frequentava no contra turno da sala de aula regular, as oficinas de judô, informática e futsal. Segundo relato do pai, ele tem dificuldades de fala e de aprendizagem na escola, está em tratamento de fonoaudiologia e psicopedagogia em serviços ofertados para a população carente. Veio para esta escola no 4º ano. O aluno estava na oficina de informática no dia da aplicação do instrumento, porém desenhou a oficina de futsal, representando a si próprio com uma amiga jogando futebol na quadra. Ao entregar a folha perguntou se podia desenhar uma quadra (Figura 1). Virou o papel na horizontal, mas ia virando a folha para desenhar cada parte: um gol, outro gol, o centro, usando a borracha espon-taneamente. Há uma divisão em dois campos, em cada um se situa uma das crianças frente à trave do gol. O aluno desenho duas bolas. No inquérito, o aluno relata: “Aqui eu aprendo a ficar quieto e não bater nos outros. Eu estou aqui e esta é uma menina de 11 anos chamada Bianca. Ela joga para mim e eu para ela”. O nome do desenho pode ser: - Jogando bola?”. No segun-do desenho, dada a consigna, ele ficou quieto e pensativo. Virou a folha na horizontal e, depois de algum tempo começou a desenhar de forma

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Tabela 1 – Critérios de avaliação dos indicadores de conflito na relação de aprendizagem na escola.N ID Indicadores Valor Atribuído1 P1 Figura de quem ensina (professor) 2 = ausente

0 = presente2 P2 Tamanho da figura do professor 2 = grande

2= pequeno0= médio

3 P3 omissão de partes da figura do professor 2= presente2 = em forma de palitos

0 = ausente4 P4 Posição da figura do professor 2= de costas/deitado

1= sentado de frente/de perfil0= em pé de frente/de perfil

5 P5 sombreamento/rabisco na figura do professor/ uso de borracha/rasura em excesso

2= presente0= ausente

6 P6 Figura bizarra do professor 2= presente0 = ausente

7 P7 sinais de agressividade na figura do professor 0= ausente2= presente

8 A1 Figura de quem aprende (aluno) 2= ausente0= presente

9 A2 Tamanho da figura do aluno 2= grande2= pequeno0= médio

10 A3 omissão de partes da figura do aluno 2= presente2= em forma de palitos

0=ausente11 A4 Posição da figura do aluno 2= de costas/deitado

0 = sentado de frente/de perfil0 = em pé de frente/perfil

12 A5 sombreamento/rabisco na figura do aluno/ uso de borracha

2= presente0= ausente

13 A6 Figura bizarra do aluno 2= presente0 = ausente

14 A7 sinais de agressividade na figura do aluno 2= presentes0= ausentes

15 oa1 objetos específicos de aprendizagem 2= ausentes0 = presentes

16 oa2 Tamanho dos objetos de aprendizagem 1 = grande1= pequeno0= médio

17 oa3 objetos de aprendizagem constituindo barreiras 2= presente0 = ausente

18 oc1 objetos complementares/outros objetos 2= presentes0 = ausentes

19 oc2 Tamanho dos objetos complementares/outros objetos 2 = grande1= médio

1= pequenocontinua...

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...ContinuaçãoTabela 1 – Critérios de avaliação dos indicadores de conflito na relação de aprendizagem na escola.

N ID Indicadores Valor Atribuído20 oc3 objetos complementares constituindo barreiras 2= presente

0 = ausente21 C1 Cenário 2= ausente

0= presente22 C2 Ambientação representada 2= ausência de ambientação

1= ambientação representada não correspondente à situação

0= ambientação escolar adequada à situação representada

23 C3 Ênfase no cenário/ambiente físico 2= presente0= ausente

24 C4 sombreamento/uso de borracha/rabiscos/rasuras/ cenário ou ambiente físico

2= presente0= ausente

25 C5 inclusão de outros personagens na cena 2= presente0= ausente

26 PAr1 Presença do par educativo 2= ausente0= presente

27 PAr2 Natureza do par 2= outros pares (pai, mãe-filho(a); criança-criança;

outro adulto-criança).0= professor e aluno

28 PAr3 interação entre os membros do par 2= ausente2= ambos estão em áreas diferentes/não se olham

1= lado a Lado0= presente

0= frente a frente29 PAr4 Posição entre os membros do par 2= professor em lugar mais

alto que o aluno2= professor em lugar mais

baixo que o aluno0= ambos no mesmo nível

30 PAr5 Distância entre os membros do par 2= distância longa0= distância curta0= distância média

31 PAr6 relação dos membros do par com o objeto de aprendizagem

2= somente o aluno (criança) se relaciona com o oa

2= somente o professor (adulto) se relaciona com o oa

2= Ausência de relação0= ambos os membros do par

se relacionam com oa32 rTD1 relação entre o título e o desenho 2= ausente

0= presente33 rTrV1 relação entre o título e o relato verbal 2= ausente

0= presente34 rDrV1 relação entre o desenho e o relato verbal 2= ausente

0= presenteFonte: Elaborada pelas autoras a partir dos estudos de olivero & Palacios2, Visca1,19 e sakai20.

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mais contida do que no desenho anterior e da esquerda para a direita. Apoiou todo o antebraço esquerdo na folha, quase cobrindo o que estava desenhando. Ao terminar (Figura 2), P. diz: “Eu levanto da carteira e vou à lousa copiar o texto, tem que copiar tudo. Nisso, ele completou risqui-nhos no caderno do desenho. Mostrou: - “Aqui está a professora e aqui está a minha carteira”. Acrescentou a carteira no desenho. Nome do desenho: “Lição, aprender a ler e a escrever”. Ao perguntar o nome da professora, respondeu que esqueceu.

Segunda criançaK., 9 anos e 11 meses, está no 4º ano, veio

transferido para esta escola desde o 2º ano. Segundo relato da mãe, não tem dificuldades de aprendizagem e, com sua participação nas

oficinas de capoeira e jogos cooperativos vem se desenvolvendo bastante, mais desinibido e com maior concentração. O aluno deu o título para o primeiro desenho (Figura 3): “Melhores Aulas” para seu desenho na oficina. Explicou que o menino à esquerda estava dando a “meia lua” um golpe de capoeira, que esse menino era ele e o professor estava tocando berimbau. Na mesma folha, desenhou uma segunda situação em que a professora explicava o Estatuto da Criança e do Adolescente e escreveu no quadro a sigla ECA. Após o desenho, disse: “As melhores aulas para mim são quando todo mundo ficam juntos praticando e aprendendo coisas juntos”. No se-gundo desenho (Figura 4), o aluno deu o título: “Estudando Matemática”, relatando que sua professora estava ensinando matemática a ele.

Figura 1 – P., 10 a 6 m, aprendendo na oficina de Futsal. Título dado: “Jogando bola”.

Figura 2 – P., 10 a 6 m, aprendendo na sala de aula. Título dado: “Lição, aprender a ler e a escrever”.

Figura 3 – K, 9a 11m, aprendendo nas oficinas de Capoeira e Cidadania. Título dado: “Melhores Aulas”.

Figura 4 – K., 9a 11m, aprendendo na sala de aula. Título do desenho: “Estudando Matemática”.

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Terceira criançaV. tem 11 anos completos, está no 5º ano e,

segundo relato da mãe, tem dificuldades de ler e escrever, mas também se queixa dos professores que não ensinam direito. Participa da oficina de futsal. No primeiro desenho, o aluno deu o título: “Fute Bello”. Desenhou a si próprio junto com dois colegas jogando futebol. Acrescentou o sol e as nuvens (Figura 5). No segundo desenho, o aluno se desenhou juntamente com outros dois colegas na aula de matemática e com a professora passando tudo no quadro. O aluno desenhou uma linha em torno de cada um dos alunos, um deles sendo ele próprio. V. desenhou somente cadeiras, todos sentados, nenhuma mesa e a professora de costas para os alunos, de frente para a lousa. O título dado ao desenho foi: “Aprendendo Matemática” (Figura 6).

Na Tabela 2, são apresentados os resulta-dos da pontuação atribuída nas avaliações dos de senhos das três crianças, de acordo com os critérios estabelecidos.

No cômputo geral, os valores atribuídos aos desenhos dos três participantes que represen-tam as situações de aprendizagem nas oficinas ofertadas no programa de Educação Integral totalizam 44 pontos, comparados a 48 pontos na soma dos valores atribuídos às situações de aprendizagem em sala de aula. Essa diferença a maior na pontuação de indicadores de conflito referentes às situações em sala de aula era uma das hipóteses levantadas neste estudo. No entan-to, essa diferença computada é pequena e pouco significativa, principalmente ao se verificar os resultados dos desenhos por aluno. K., que não tem queixa de dificuldade de aprendizagem, mantém nos desenhos das duas situações, o mesmo número de pontos, ou seja, 11 pontos, referentes aos indicadores de conflito na relação de aprendizagem; P., com queixa de dificuldade de aprendizagem, apresenta pontuação alta (20 pontos) de indicadores de conflito na situação de aprendizagem na oficina de futsal, e mais baixa na situação desenhada em sala de aula (15 pontos), portanto, um resultado não esperado; V., que também tem queixa de dificuldade de aprendizagem, apresenta um escore mais ele-vado de indicadores de conflito no desenho de sala de aula, 22 pontos, se comparado ao total de indicadores de conflito na oficina de futsal (13 pontos).

Aliada a essa avaliação quantitativa, integra--se uma avaliação interpretativa referente ao tipo de indicadores representados, dos quais se destacam para esta análise os que, segundo Sakai20 dizem respeito à estrutura do desenho do Par Educativo: a figura de quem ensina, a figura de quem aprende, a natureza do par, o cenário e a relação com o objeto de aprendizagem.

Em relação à figura de quem ensina, nota-se a ausência do professor em dois dos desenhos, ambos da situação de oficina dos alunos com queixa de dificuldade de aprendizagem, P. e V., o que levou a desconsiderar a avaliação desses

Figura 5 – V., 11a, aprendendo na oficina de Futsal. Título dado: “Fute Bello”.

Figura 6 – V., 11a, aprendendo na sala de aula. Título dado: “Bello na Escola”.

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Tabela 2 – Avaliação dos desenhos realizados pelos participantes.

Desenho Oficina Desenho Sala de Aula

P. K. V. Total P. K. V. Total

P

P1 2 0 2 4 P1 0 0 0 0

P2 _ 0 _ 0 P2 2 2 0 4

P3 _ 2 _ 2 P3 2 2 0 4

P4 _ 0 _ 0 P4 0 0 0 0

P5 _ 2 _ 2 P5 2 2 0 4

P6 _ 0 _ 0 P6 0 0 0 0

P7 _ 0 _ 0 P7 0 0 0 0

A

A1 0 0 0 0 A1 0 0 0 0

A2 2 2 0 4 A2 0 0 0 0

A3 2 0 0 2 A3 2 2 2 6

A4 0 0 0 0 A4 0 0 0 0

A5 0 2 0 2 A5 0 2 2 4

A6 0 0 0 0 A6 0 0 2 2

A7 0 0 0 0 A7 0 0 0 0

oa

oa1 0 0 0 0 oa1 0 0 0 0

oa2 0 0 0 0 oa2 0 1 0 1

oa3 2 0 0 2 oa3 2 0 0 2

oc

oc1 0 0 2 2 oc1 2 0 2 4

oc2 _ _ 2 2 oc2 1 _ 1 2

oc3 _ _ 0 0 oc3 2 _ 2 4

C

C1 0 0 0 0 C1 0 0 0 0

C2 0 1 0 1 C2 0 0 1 1

C3 2 0 2 4 C3 0 0 2 2

C4 2 0 0 2 C4 0 0 2 2

C5 2 2 2 6 C5 0 0 2 2

PAr

PAr1 0 0 0 0 PAr1 0 0 0 0

PAr2 2 0 2 4 PAr2 0 0 0 0

PAr3 2 0 1 3 PAr3 0 0 2 2

PAr4 0 0 0 0 PAr4 0 0 0 0

PAr5 2 0 0 2 PAr5 0 0 0 0

PAr6 0 0 0 0 PAr6 0 0 2 2

r

rTD1 0 0 0 0 rTD1 0 0 0 0

rTrV1 0 0 0 0 rTrV1 0 0 0 0

rDrV1 0 0 0 0 rDrV1 0 0 0 0

ToTAL 20 11 13 44 ToTAL 15 11 22 48Fonte: Elaborada pelas autoras a partir dos estudos de olivero & Palacios2, Visca1,19 e sakai20.

itens conforme Tabela 2. Nesses desenhos, pela falta da figura do professor, o Par Educativo é representado pela relação criança-criança, o que

parece supor uma percepção por parte desses alunos, de que as oficinas são situações mais livres. No entanto, nessas situações desenha das,

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ambos os membros do par se encontram em áreas diferentes, distantes entre si e não se olham, o que pode evidenciar desvio de um processo normal de aprendizagem1,2,19,20 ou vínculo ina-dequado de aprendizagem1,19.

Em ambos os desenhos de K., bem como no desenho de sala de aula de P., embora a figura do professor esteja presente, ela é representada em tamanho pequeno, quando comparado ao tamanho da figura do aluno, com omissões de partes, rasuras, uso de borracha, o que para os autores que embasam este estudo pode significar uma desvalorização do professor e/ou sinal de ansiedade em relação à situação representada.

Quanto à figura do aluno, ela mostra-se pe-quena, em palitos e com omissões de partes no primeiro desenho de P., e com omissões de partes nos desenhos de sala de aula dos três alunos; uso de borracha, sombreamentos, rasuras em pelo menos três dos desenhos; há, ainda, uma repre-sentação bizarra da figura do aluno no desenho de V. da sala de aula. Esses elementos podem indicar desvalorização em relação ao aluno e/ou sinal de ansiedade em relação à situação repre-sentada1,2,19,20. Há também algumas evidências de dificuldades com o esquema corporal e baixo rendimento escolar20.

Outro elemento que se destaca é a ênfase e inadequação do cenário, nos desenhos das si-tuações de oficinas dos três alunos, e no caso de V. também no desenho de sala de aula, que pode ser a expressão de um sentimento de rigidez em relação ao desempenho escolar20. Interes-sante notar que, no caso dos dois alunos com dificuldades de aprendizagem, nas cenas que representam a situação de sala de aula, apare-cem objetos complementares, mesas, carteiras, constituindo barreiras entre o professor e o(s) aluno(s). Outros elementos reforçam a evidência de representações de conflitos na relação com a aprendizagem escolar, como a inclusão de outros personagens na cena; somente o professor se relacionando com o objeto de aprendizagem; falta de interação na relação professor-aluno.

Ressalta-se, em todos os alunos, uma relação adequada entre o título e o desenho (RTD1), o

título e o relato verbal (RTRV1), o desenho e o relato verbal (RDRV1) nas situações representa-das. No relato de P., no entanto, chama atenção a referência ao aprender a ficar quieto e não bater nos outros, na situação da oficina de futsal, o que parece reforçar os sinais de ansiedade em relação a essa situação por ele representada. No relato de K., em relação também ao desenho das oficinas, denominadas por ele “Melhores aulas”, destaca-se o valor dado por ele a essas situações de aprendizagem quando todos ficam juntos praticando e aprendendo. No desenho de V. representando a situação de aprendizagem em sala de aula, embora haja uma coerência entre título, desenho e relato verbal, chama atenção o fato de a professora ser desenhada de costas para os alunos e estes representados de forma encapsulada, isolados entre si e da professora.

DISCUSSÃOP. e V. são as duas crianças que têm, segundo

relato de seus pais, dificuldades de aprendiza-gem. P., com 10 anos e 6 meses, e V. com 11 anos completos, cursam o 5º ano do Ensino Funda-mental e, embora estejam na idade adequada para a série que cursam, pertencem ao clássico perfil de alunos que, apesar das promoções esco-lares de ano, não atingem os níveis considerados mínimos nas habilidades de leitura e escrita e de matemática.

No caso de P. a queixa na fala do pai vem caracterizada como de problemas de saúde, e P. vem acumulando uma série de passagens por clínicas de atendimento, estando atualmente em atendimento nas áreas de fonoaudiologia e aguardando vaga em clínica de psicopedagogia. No caso de V. não há relatos suficientes da mãe sobre o histórico da queixa escolar.

Os resultados evidenciam uma inversão quan to aos escores atingidos na avaliação dos desenhos desses dois alunos, referentes aos indicadores de conflito na relação vincular com a aprendizagem escolar, contrariando a primeira hipótese deste estudo de que os indicadores de conflito seriam mais evidentes nos desenhos representando a aprendizagem na sala de aula. Que situações

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vivenciadas por esses alunos os levam a repre-sentar de maneira invertida a situação de oficina, para P. e a situação de sala de aula, para V. com maiores evidências de indicadores de conflito? A resposta para esta indagação necessitaria de um aprofundamento na compreensão da história de desenvolvimento e de aprendizagens desses alunos, o que escapa à proposição deste estudo.

No caso de K., a criança sem queixas de dificuldade de aprendizagem, o empate atin-gido na pontuação dos indicadores de conflito em ambas as situações de aprendizagem, na oficina oferecida pelo programa de educação integral e na sala de aula leva a crer que, pelo menos para este aluno, ambas as situações se igualam no que tange a indicadores de conflitos. No entanto, comparativamente aos outros dois alunos esse escore se mostra inferior, o que pode ser indicativo de que, nos alunos com dificulda-des de aprendizagem, haja maior evidência de indicadores de conflitos na relação vincular de aprendizagem, confirmando a segunda hipótese deste estudo.

CONCLUSÃONa revisão da literatura9-11 realizada para

este estudo, os procedimentos metodológicos utilizados tinham como base o uso de entre-vistas junto a alunos para colher suas opiniões sobre as experiências vividas em programas de Educação Integral. Como síntese dos resultados daqueles estudos, os pesquisadores chegaram a algumas representações dos programas de Educação Integral como vinculados ao apren der conteúdos escolares9,10, ou como ampliação da formação dos alunos em sentido mais amplo10, ou como proteção frente a riscos sociais10, ou como oportunidades de acesso a programações culturais10, ou como expressão de satisfação com as oficinas e atividades e o bom relacionamen-to com todos na escola11. No caso do presente estudo, este último resultado é o que mais se aproxima da expressão de satisfação do aluno K. com as atividades desenvolvidas nas oficinas

de educação integral. Nos outros dois alunos, P. e V., a atividade destacada é a de futsal e a representação é de alunos jogando bola sem a presença de um educador. Além disso, nos de senhos destes alunos, fica nítida a ênfase na situação de ensino-aprendizagem de conteúdos escolares somente na sala de aula.

A utilização, portanto, de uma técnica proje-tiva favoreceu o acesso a conteúdos não apenas conscientes, como forma de representação das situações e ambientações de aprendizagem na escola, em duas situações específicas, de oficinas de educação integral e de sala de aula.

Os resultados sugerem maior incidência de indicadores de conflitos nos dois alunos com difi-culdades de aprendizagem, quando comparados com o aluno sem dificuldades, em qualquer das situações desenhadas. No entanto, a comparação entre os desenhos de situações de aprendizagem nas oficinas com os das situações de sala de aula, não mostram diferenças consistentes.

Embora se trate de uma amostra pequena para conclusões, pode-se afirmar que o Par Educativo é uma boa técnica para avaliar re-presentações de relação vincular com a apren-dizagem, sendo necessária a continuidade de estudos visando à validação de critérios para sua interpretação.

Quanto às significações atribuídas por alunos às vivências em situações de aprendizagem em oficinas de ampliação da jornada escolar, os con-teúdos trazidos pelos alunos participantes levam a supor que há uma distância entre as aprendi-zagens de sala de aula e as aprendizagens que ocorrem nas oficinas. Isto pode ser resultante de pouca integração entre os profissionais da escola e do programa de Educação Integral, uma vez que, na situação pesquisada, este serviço é terceirizado pelo município.

São poucos os estudos que analisam os impactos dos programas de Educação Integral no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças e jovens. Os resultados apontados aqui sugerem a necessidade de desenvolvimento de pesquisas nessa direção.

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SUMMARYFull-time school: meanings for students of elementary education

using educational pair drawing

This study aimed to investigate the meanings of full-time education program for children using the Educational Pair Drawing. The proposal of full-time education is to offer cultural and sporting activities as well as activities to expand the scholar curriculum, supposedly in situations that could improve quality of teaching and training. Throughout the graphical technique of educational pair drawing were evaluated designs of three students aged 10 and 11 years old, with and without learning disabilities, of public schools in a municipality of Sao Paulo. Students were asked to draw a situation of learning in workshops offered in extra-curricular shifts and another situation of learning in-school. Conflict indicators related to learning were chosen as evaluation criteria of the drawings. The results suggest higher incidence of conflict indicators in both students with learning disabilities, compared to the one without difficulty, in every kind of situation. However, comparing the drawings about learning situations of extra-curricular workshops with those related to learning situation in-school, no significant result could be found. Even though the sampling was considerable small, we assume that the Educational Pair Drawing is a good technique for evaluating the relationship to learning, even though further studies will be necessary to validate the criteria for its interpretation. Considering experiencing situations of learning in after-school workshops, there is a need for future studies in order to evaluate the impact of these programs on the education of children in public schools.

KEY WORDS: Learning. Affective links. Educational Pair Drawing Test. Extended school day. Single-case study.

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Trabalho realizado Centro Universitário Fieo – UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil.Artigo resultante de pesquisa desenvolvida com au xí-lio financeiro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC do Centro Universitário Fieo – UNIFIEO – Osasco – SP, 2015.

Artigo recebido: 25/2/2016Aprovado: 29/3/2016

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – O objetivo da presente pesquisa foi avaliar o repertório de es-tratégias de aprendizagem utilizadas por estudantes do ensino fundamental I e relacioná-lo com o desempenho em leitura, escrita e aritmética. Participaram do estudo 50 estudantes sem queixas de dificuldades de aprendizagem, de ambos os gêneros, 8 anos, cursando o 2o ano de duas escolas públicas, avaliados por meio da “Escala de avaliação das estratégias de aprendizagem para o ensino fundamental” (EAVAP-EF) e pelo “Teste de Desempenho Escolar” (TDE). As avaliações ocorreram individualmente no contexto escolar. Os resultados mostraram correlações estatisticamente significativas e positivas entre o desempenho em escrita, aritmética, leitura e total (TDE) e os escores de ausência de estratégias metacognitivas disfuncionais, estratégias cognitivas, estratégias metacognitivas e total (EAVAP-EF). A análise de regressão indicou que os diferentes escores da EAVAP-EF foram capazes de predizer o desempenho no TDE, principalmente em aritmética, leitura e total. O estudo permitiu identificar as relações e o valor preditivo das estratégias de aprendizagem para o desempenho escolar.

UNITERMOS: Estudantes. Estratégias. Aprendizagem. Leitura. Re da-ção. Matemática.

Correspondência: Kelly Cristina Ramires Prates Rua Prof. Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, 115 – casa 5 – Fazenda Santa Cândida – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13087-571E-mail: [email protected]

Kelly Cristina Ramires Prates – pedagoga, estudante de Psicopedagogia e Psicologia, especialização em neu-ropsicologia aplicada à neurologia infantil – Facul-da de de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.Ricardo Franco de Lima – psicólogo, neuropsicólogo, mes -tre e doutor em Ciências Médicas (FCM/UNICAMP). Membro do laboratório de pesquisa em dificuldades, distúrbios de aprendizagem e transtornos da aten ção (DISAPRE/UNICAMP). Coordenador do Centro de In-vestigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE), Campinas, SP, Brasil.Sylvia Maria Ciasca – psicóloga, neuropsicóloga, livre do cente em neurologia infantil. Docente do De par ta-mento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médi-cas – UNICAMP. Coordenadora do DISAPRE/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.

estratégias de aPrendizageM e sua relação CoM o deseMPenho esColar eM

Crianças do ensino fundaMental iKelly Cristina ramires Prates; ricardo Franco de Lima; sylvia maria Ciasca

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INTRODUÇÃOAs estratégias de aprendizagem são ações

facilitadoras do processo de aprendizagem e estudo, podendo ser divididas em cognitivas e metacognitivas1. As estratégias cognitivas envol-vem: (a) Ensaio - o estudante deve copiar, anotar toda a matéria na íntegra e sublinhar as partes mais importantes; (b) Elaboração - parafrasear, resumir o material, anotar partes importantes e criar analogias dando sentido às informações; (c) Organização - selecionar as principais ideias, criar roteiros e mapas conceituais. Por sua vez, as estratégias metacognitivas compreendem: (a) Planejamento - o estudante deve estabelecer metas, visando ao resultado almejado; (b) Moni-toramento - autoavaliação do que foi aprendido, atenção, compreensão do material e uso de es-tratégias; (c) Regulação - ajuste da velocidade, releitura, revisão do material, uso de estratégias e ajuste do ambiente2.

Diferentes autores mostram que o uso de es -tratégias pelos estudantes possui relação com seu desempenho escolar, uma vez que eles se tor nam mais autorregulados para lidar com as situações de aprendizagem3-5. Nesse sentido, algu mas pesquisas têm sido conduzidas com o intuito de caracterizar o repertório de estraté-gias de aprendizagem dos estudantes do ensino fundamental. Em uma pesquisa foram avaliados cole tivamente 491 estudantes, cursando do 6º ao 9º ano, por meio da Escala de Avaliação das Estra-tégias de Aprendizagem para o Ensino Funda-mental (EAVAP-EF)6. Os resultados indicaram que a maior parte dos estudantes descreveu utilizar estratégias cognitivas e metacognitivas durante a realização de lições e estudos em casa. A estraté-gia mais referida foi a percepção de dificuldades em relação a algum conteúdo. Além disso, os estudantes não repetentes referiram utilizar mais estratégias que os repetentes, de forma que pode haver algum tipo de relação entre o repertório de estratégias e o desempenho escolar. Por fim, o es-tudo revelou existir efeito do sexo, idade, ano es-colar e tipo de escola sobre o uso das estratégias, sendo que as meninas, estudantes mais novos, cursando o 6o ano e de escolas particulares obti-veram pontuações mais elevadas na EAVAP-EF.

Em outro estudo foram investigadas as estra-tégias de compreensão mais utilizadas por es-tudantes do ensino fundamental de uma escola pública da cidade de Campinas/SP7. Adicional-mente, foram analisados os efeitos de fatores como, idade, série escolar, gênero e repetência. Participaram do estudo 110 estudantes, entre 8 e 16 anos, de 3ª, 5ª e 7ª séries, que pertenciam a um grupo socioeconômico menos favorecido de uma escola com muitas queixas de repetência. Os resultados demonstraram que 80% dos estu-dantes, ao lerem um texto, referem problemas para compreensão do conteúdo, e dentre eles 92% percebem quando isso acontece. Para a melhora da compreensão da leitura, 44,3% uti-lizam apoio social, 31,8%, fazem uso da releitura e 11,4% tentam resolver as suas dificuldades sozinhos. Estudantes da 3ª e 5ª séries demons-traram maior escore para a falta de percepção de quando não estão compreendendo a leitura, demonstrando pouco uso de estratégias meta-cognitivas.

Para avaliar a compreensão da leitura e de-sempenho escolar em matemática no ensino fundamental, autores realizaram estudo com 434 estudantes, cursando da 5ª a 8ª séries, de duas escolas públicas do interior de São Paulo8. Os es tudantes foram avaliados pelo Teste de Cloze, administrado coletivamente, e para a avaliação do desempenho escolar foram obtidas as notas das disciplinas de português e matemática. Os re-sultados demonstraram evidência de corre lações entre a compreensão leitora e desempenho escolar.

As estratégias de aprendizagem podem ser ensinadas no contexto escolar. Alguns exemplos são: grifar pontos importantes de um texto, pres-tar atenção durante a leitura, reler, questionar a compreensão, criar hábito de leitura, resumir, entre outros. Nesse sentido, estudo quase-ex-perimental foi conduzido para avaliar a eficácia de uma intervenção educacional em estratégias de aprendizagem para a produção de texto9. O estudo foi realizado em 3 etapas: pré-teste, in-tervenção e pós-teste. A qualidade da produção textual foi avaliada pela comparação de dois textos narrativos quanto aos aspectos estruturais,

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nível de articulação de ideias, erros ortográficos e quantidade de linhas escritas. Participaram da pesquisa 35 alunos da 6ª série de uma escola pública de Catalão/Goiás, distribuídos aleato-riamente em: grupo experimental (N=18) e controle (N=17). Os resultados revelaram que, após terem sido submetidos à intervenção, os alunos do grupo experimental produziram textos melhores, com estrutura narrativa, maior quanti-dade de linhas escritas e articulação das ideias.

Com base no exposto, o presente estudo obje-tivou avaliar o repertório de estratégias de apren-dizagem utilizadas por estudantes do ensino fundamental I e relacioná-lo com o desempenho em leitura, escrita e aritmética.

MÉTODOParticipantesParticiparam do estudo 50 estudantes com 8

anos, cursando o 2º ano do ensino fundamen-tal de duas escolas públicas de uma cidade do interior de São Paulo, sendo 24 (48%) meninos e 26 (52%) meninas. Os critérios de inclusão e exclusão dos participantes foram: • Autorização dos pais/responsáveis por

meio do termo de consentimento livre e es clarecido (TCLE);

• Assinaturadotermodeassentimentopeloparticipante;

• Tersidoindicadopelaprofessoradose-gundo ano de cada escola participante.

InstrumentosTeste de Desempenho Escolar (TDE)10 – tra-

ta-se de um instrumento normatizado para a população brasileira e que visa oferecer uma avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho escolar da leitura, escrita e ma-temática. O TDE foi validado a partir da avalia-ção do desempenho de escolares cursando do 2º ao 7º ano do ensino fundamental, ainda que possa ser aplicado com algumas reservas para o 8º e 9º ano. Ele é formado pelos subtestes da escrita, aritmética e leitura. Cada um apresenta itens com ordem crescente de dificuldade. Os acertos são pontuados com 1 e a soma dos itens

representa o escore bruto (EB) de cada subteste. Posteriormente, os EB de cada subteste são somado para compor o escore total. Os EB de cada subteste e total são classificados por meio de uma tabela, conforme o nível escolar, como: superior, médio e inferior. Para o presente estudo, foram considerados todos os escores brutos dos subtestes e total, para realizar correlações com a escala de estratégias de aprendizagem.

Escala de avaliação de estratégias de apren-dizagem para crianças do ensino fundamen tal (EAVAP-EF)11 – é um instrumento validado e nor matizado para a população brasileira, com-posto por 31 afirmações, sendo 13 referentes à ausência de estratégias metacognitivas disfun-cionais (AEMD), 11 de estratégias cognitivas (Est_Cog) e 7 de estratégias metacognitivas (Est_Met). Para cada afirmação, o estudante deve selecionar uma resposta da escala Likert: sempre, às vezes ou nunca. Ao final, são atribuí-dos escores de 2 pontos para “sempre”, 1 ponto para “às vezes” e 0 para “nunca”. Somente nos itens 3, 7, 8, 15, 19, 21, 23, 24, 25, 26, 28 e 30, a correção é invertida. Os escores são expressos como: bruto (EB), percentil (Perc) e percentil para a faixa etária (PFE).

ProcedimentosO projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética

da Faculdade de Ciências Médicas da Univer-sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob o parecer número 1.314.545. Depois de obtidas as devidas autorizações dos responsáveis por duas escolas públicas da cidade de Campinas/SP, os participantes foram selecionados dentre as indicações das professoras. Posteriormente, foi encaminhado o TCLE aos pais. Após o recebi-mento das autorizações, os participantes assina-ram o termo de assentimento e foram avaliados individualmente, em salas disponibilizadas pelas escolas. Ao todo foram realizados dois encon tros de 50 minutos com cada participante. No pri-meiro encontro. foi aplicada a EAVAP-EF e, no segundo, o TDE. Após a conclusão da aplicação dos testes, foram feitas as correções e tabulações dos resultados obtidos.

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Análise estatística Foi utilizado o programa SPSS versão 22.0.

Para as variáveis investigadas (TDE e EAVAP-EF), foram realizadas análises descritivas para ob-ter as medidas de frequência, tendência central (média) e dispersão (desvio padrão). Foram con duzidas análises de correlação de Spearman entre os escores do TDE e do EAVAP-EF. Pos-teriormente, foi realizada análise de regressão múltipla (método enter), utilizando os percentis das escalas da EAVAP-EF (correspondentes à faixa etária) como variáveis preditoras (variáveis independentes) e os escores brutos dos subtes-tes do TDE como variáveis a serem preditas (variáveis dependentes). Para todas as análises inferenciais foi adotado o nível de significância dep≤0,05.

RESULTADOS A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva

da amostra no TDE.Na Tabela 2, pode ser visualizada a distribui-

ção de frequência da amostra total em relação às classificações dos subtestes e total do TDE.

A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva de todos os escores da EAVAP-EF.

Na Tabela 4, pode-se observar a matriz de correlação entre os escores da EAVAP-EF e os escores brutos nos subtestes do TDE. Foram ob-tidas correlações significativas e positivas, com magnitude variando entre baixa e moderada.

A Tabela 5 sintetiza a análise de regressão li-near múltipla, incluindo os escores da EAVAP-EF como variáveis preditoras e os escores dos sub-testes e total do TDE como variáveis a serem preditas. Observa-se que os resultados da Aná-lise de Variância (ANOVA) foram significativos para aritmética [F(4,49)=2,851, p=0,034], leitura [F(4,49)=6,646; p=0,000) e total [F(4,49)=5,365; p=0,001). As variâncias explicadas foram de 13%, 32% e 26% para aritmética, leitura e total, respectivamente. Para a aritmética, somente o coeficiente de regressão para estratégias me-tacognitivas teve nível de significância mar-ginalmente significativo. Para a leitura e total (TDE), todos os escores da EAVAP-EF tiveram coeficientes significativos na sequência, AEMD, Total, EstCog e EstMet.

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou as relações entre as estratégias de aprendizagem e o desempe-nho escolar em escrita, aritmética e leitura. De maneira complementar, também procurou iden-tificar o valor preditivo dessas estratégias sobre o desempenho nas habilidades escolares.

Com relação à amostra, participaram somente crianças do 2º ano do ensino fundamental e 8 anos de idade. Dessa forma, foi possível mini-

Tabela 1 – Estatística descritiva dos subtestes e total do TDE na amostra total.

TDE Mínimo Máximo M DP

Escrita 1,00 29,00 16,84 8,63

Aritmética 0,00 16,00 10,96 3,31

Leitura 0,00 70,00 52,48 22,51

TDE total 1,00 113,00 80,28 32,77Legenda: TDE = Teste de Desempenho Escolar; m = média; DP = Desvio Padrão.

Tabela 2 – Distribuição de frequência da amostra total em relação aos subtestes e total do TDE.

ClassificaçõesEscrita Aritmética Leitura Total

f % f % f % f %inferior 5 10 0 0 4 8 3 6médio inferior 8 16 2 4 7 14 0 0médio superior 12 24 6 12 15 30 21 42superior 25 50 42 84 24 48 26 52Legenda: f = frequência.

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mizar a influência das variáveis “ano escolar” e “idade” sobre os resultados, conforme demons-trado por estudo prévio6.

Quanto ao desempenho escolar, as profes-soras não referiram queixas de dificuldades de aprendizagem nas crianças, porém, três par-ticipantes obtiveram classificação inferior no total do TDE. Em relação aos subtestes, cinco crianças tiveram a mesma classificação em es-crita e quatro, em leitura. Em contrapartida, a maior parte da amostra apresentou desempenho total do TDE classificado como médio superior ou superior. Esses resultados não obrigatoria-mente configuram que as crianças da amostra apresentam algum transtorno, uma vez que esse diagnóstico deve ser realizado por uma avaliação multidisciplinar12. Além disso, as dificuldades

de aprendizagem nem sempre são causadas por disfunções neurológicas. De acordo com Rotta et al.13, os alunos com dificuldades escolares podem chegar a 50%, e que dentro desse número a maior parte das dificuldades é explicada por problemas pedagógicos, físicos e socioeconômi-cos. Ciasca14 também ressalta a necessidade da análise de situações familiares e individuais.

A avaliação do repertório de estratégias de aprendizagem foi realizada por meio da EAVAP-EF11. Esse é um instrumento bastante consolidado na literatura nacional15 e diversos estudos foram conduzidos para caracterizar os tipos de estratégias usadas pelos alunos2,16,17. Por meio dos resultados dos percentis, foi possível observar que os estudantes da amostra do pre-sente estudo apresentam grande variabilidade no uso de estratégias de aprendizagem, sendo que os escores foram muito abaixo ou acima da média. Quando considerado o resultado total, o percentil para a faixa etária variou de 5,00 para 85,00. Por sua vez, a média do percentil para a faixa etária foi igual a 18,50, isto é, 81,50% dos estudantes que fizeram parte da normatização da EAVAP-EF obtiveram resultados maiores que a amostra do presente estudo.

No que se refere às relações entre os instru-mentos, foram encontradas correlações esta-tisticamente significativas entre: escrita com AEMD e total; leitura com AEMD, ESTCOG e Total; TDE total com AEMD, ESTCOG e total da EAVAP-EF. Os escores de aritmética do TDE se correlacionaram com todos os escores da EAVAP-EF. Todas as correlações foram positi-vas e com magnitudes que variaram de baixa a moderada. Dessa forma, quanto maior o uso de estratégias de aprendizagem, maior o escore no TDE. Tais relações têm sido apontadas pela literatura6, porém não há outros estudos que uti-lizaram um instrumento validado, como o TDE.

No entanto, é importante ressaltar que o TDE apresenta limitações, pois avalia competências básicas para a realização de cálculos aritméticos, escrita sob ditado e leitura de palavras isoladas. Estudos posteriores podem incluir outros tipos de avaliação do desempenho escolar que sejam contemplados pelos itens da EAVAP-EF, como

Tabela 3 – Estatística descritiva da EAVAP-EF na amostra total.

Mínimo Máximo M DP

AEmD_PB 5,00 24,00 15,52 5,17

AEmD_Perc 5,00 95,00 45,00 29,68

AEmD_PFE 5,00 90,00 32,30 26,71

EstCog_PB 0,00 16,00 5,34 3,81

EstCog_Perc 5,00 90,00 21,60 24,34

EstCog_PFE 5,00 90,00 19,40 21,82

Estmet_PB 2,00 12,00 6,92 2,24

Estmet_Perc 5,00 80,00 22,00 18,41

Estmet_PFE 5,00 90,00 29,00 21,43

Total_PB 10,00 46,00 27,78 7,68

Total_Perc 5,00 90,00 24,30 21,24

Total_PFE 5,00 85,00 18,50 18,52Legenda: m = média; DP = Desvio Padrão; AEmD_PB = Ausência de estratégias metacognitivas disfuncionais - pon-tuação bruta; AEmD_Perc = Ausência de estratégias meta-cognitivas disfuncionais – percentil; AEmD_PFE = Ausência de estratégias metacognitivas disfuncionais - percentil faixa etária; EstCog_PB = Estratégias cognitivas - pontuação bruta; EstCog_Perc = Estratégias cognitivas – percentil; EstCog_PFE = Estratégias cognitivas - percentil faixa etária, Estmet_PB = Estratégias metacognitivas - pontuação bruta; Estmet_Perc = Estratégias metacognitivas – percentil; Estmet_PFE = Estraté-gias metacognitivas - percentil faixa etária; Total_PB = Escore total - pontuação bruta; Total_Perc = Escore - total percentil; Total_PFE = Escore - total percentil faixa etária.

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avaliação da resolução de problemas aritméticos, compreensão leitora de textos e produção escrita de diferentes gêneros textuais. Instrumentos como o Teste de Cloze e o ADAPE (avaliação das dificuldades de aprendizagem em escrita) podem satisfazer parte dessa limitação.

Com intuito de verificar o valor preditivo das es-tratégias de aprendizagem sobre o desempenho escolar, foi conduzida análise de regressão. Os diferentes escores da EAVAP-EF demonstraram predizer os escores do TDE. Para os modelos de regressão testados foram obtidos escores signifi-cativos para aritmética, leitura e total. A aritmé-tica foi predita pelas estratégias metacognitivas e a leitura e o escore total do TDE foram preditos

por todos os escores da EAVAP-EF. Conforme os resultados da variância explicada, foi observado que a EAVAP-EF explica o desempenho do TDE em 13%, 32% e 26% para aritmética, leitura e total, respectivamente.

Desse modo, os resultados sugerem que o uso das estratégias de aprendizagem pode au xiliar no desempenho escolar dos estudan-tes, principalmente em aritmética, leitura e no to tal. As estratégias de aprendizagem podem ser ensinadas e esse aprendizado repercute no desempenho dos estudantes18. Nesse sentido, alguns estudos têm investigado a eficácia das intervenções escolares em estratégias. Costa & Boruchovitch9 verificaram melhora significativa

Tabela 4 – Matriz de correlação, contendo o coeficiente de correlação (r) e o nível de significância (valor de p) entre os escores da EAVAP-EF e os escores do TDE.

Escrita_EB Arit_EB Leitura_EB TDE_EBAEmD_PB r 0,397** 0,296* 0,382** 0,414**

p 0,004 0,037 0,006 0,003

AEmD_Perc r 0,392** 0,294* 0,378** 0,409**

p 0,005 0,038 0,007 0,003

AEmD_PFE r 0,379** 0,294* 0,365** 0,397**

p 0,007 0,038 0,009 0,004

EstCog_PB r 0,241 0,394** 0,316* 0,289*

p 0,091 0,005 0,025 0,042

EstCog_Perc r 0,231 0,402** 0,314* 0,287*

p 0,106 0,004 0,026 0,043

EstCog_PFE r 0,264 0,378** 0,325* 0,302*

p 0,064 0,007 0,021 0,033

Estmet_PB r 0,243 0,324* 0,220 0,269

p 0,089 0,022 0,125 0,059

Estmet_Perc r 0,242 0,321* 0,207 0,263

p 0,091 0,023 0,150 0,065

Estmet_PFE r 0,242 0,321* 0,207 0,263

p 0,091 0,023 0,150 0,065

Total_PB r 0,416** 0,399** 0,434** 0,450**

p 0,003 0,004 0,002 0,001

Total_Perc r 0,434** 0,399** 0,455** 0,467**

p 0,002 0,004 0,001 0,001

Total_PFE r 0,372** 0,394** 0,400** 0,416**

p 0,008 0,005 0,004 0,003Nota: *p<0,05; **p<0,01.

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nos alunos após uma intervenção utilizando es-tratégias de leitura. Outros autores constataram que a intervenção para o uso das estratégias de aprendizagem (cognitivas e metacognitivas) in-terfere positivamente na rotina acadêmica dos alunos que demonstram dificuldades escolares, melhorando o seu desempenho19.

Dessa forma, em sua prática pedagógica, o professor deve incluir o ensino explícito de estra-tégias de aprendizagem, atuando como mediador e multiplicador de mudanças no hábito escolar20. Assim, a formação dos professores tem um papel fundamental. Demo21 afirma que a formação de professor deve incluir aspectos teóricos e viven-ciais das estratégias de aprendizagem. Marini & Boruchovitch22 sugerem que os professores aprendam a refletir sobre suas próprias práticas, e percebam, por meio das estratégias de apren-dizagem, a importância do desenvolvimento cognitivo e metacognitivo.

Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser mencionadas e que podem nor-tear a continuidade desta investigação. Des-ta c am-se: a análise dos efeitos do ano escolar, idade e gênero; aprofundamento da análise dos tipos de estratégias utilizadas em cada um dos fatores da EAVAP-EF; e a utilização de outros tipos de medida para avaliar o desempenho em aritmética, leitura e escrita para contemplar as estratégias apresentadas pela EAVAP-EF.

CONCLUSÕESO estudo demonstrou que há correlações entre

as estratégias de aprendizagem e o desempenho escolar de estudantes. Além disso, o uso das es-tratégias de aprendizagem foi capaz de predizer o desempenho escolar, principalmente em aritmé-tica, leitura e total. Por fim, destacou a relevância do ensino explícito das diferentes estratégias de aprendizagem no contexto educacional.

Tabela 5 – Análise de regressão múltipla entre EAVAP-EF (preditores) e TDE (preditas).TDE EAVAP-EF β t p F (Anova) Valor de p R2aEscrita (Constante) 2,975 0,005 2,430 0,061 0,105

AEmD_PFE 0,578 1,888 0,065EstCog_PFE 0,318 1,192 0,239Estmet_PFE 0,232 1,515 0,137Total_PFE -0,396 -0,944 0,350

Aritmética (Constante) 6,891 0,000 2,851 0,034* 0,131AEmD_PFE 0,361 1,198 0,237EstCog_PFE 0,311 1,186 0,242Estmet_PFE 0,293 1,944 0,058*Total_PFE -0,195 -0,471 0,640

Leitura (Constante) 2,931 0,005 6,646 0,000** 0,315AEmD_PFE 0,981 3,668 0,001**EstCog_PFE 0,727 3,120 0,003**Estmet_PFE 0,407 3,038 0,004**Total_PFE -0,958 -2,608 0,012**

Total (Constante) 3,558 0,001 5,365 0,001** 0,263AEmD_PFE 0,863 3,107 0,003**EstCog_PFE 0,614 2,541 0,015*Estmet_PFE 0,370 2,663 0,011**Total_PFE -0,782 -2,051 0,046*

Nota: *p<0,05; **p<0,01.

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SUMMARYStrategies learning and its relationship with the performance

in school teaching children Fundamental I

This research aimed to evaluate the repertoire of learning strategies used by students of the elementary school and its relationship with performance in reading, writing and arithmetic. Participated fifty students without complaints of learning difficulties, both genders, 8 years old, attending the 2nd year of two public schools, evaluated by the “Learning strategies scale for basic education” (EAVAP-EF) and the “School Performance Test” (TDE). The evaluations were performed individually in the school context. The results showed statistically significant and positive correlations between performance in writing, arithmetic, reading and total (TDE), and the scores of absence of dysfunctional metacognitive strategies, cognitive strategies, metacognitive strategies and total (EAVAP-EF). The regression analysis indicated that different scores of the EAVAP-EF were able to predict performance in TDE, especially in arithmetic, reading and total. The study identified the relationships and the predictive value of learning strategies for school performance.

KEY WORDS: Students. Strategies. Learning. Reading. Writing. Mathematics.

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Trabalho de conclusão do curso de especialização em neuropsicologia aplicada à neurologia infantil, Fa cul-dade de Ciências Médicas, Universidade Es ta dual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 28/1/2016Aprovado: 3/4/2016

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – No Brasil, cerca de 1:650 nascidos vivos são afetados pe-la fissura labiopalatina (FLP), malformação craniofacial que decorre de condições multifatoriais, de caráter genético e ambiental. Como o de-sen volvimento humano decorre de influências mútuas entre os aspectos cognitivo, emocional e corporal, uma alteração em algum deles pode refletir nos demais. Este estudo teve como objetivo geral caracterizar o desempenho cognitivo de crianças com fissura labiopalatina em fase de pré-alfabetização. Os objetivos específicos foram: relacionar o desempenho cognitivo com o nível intelectual; classificar os níveis de maturidade perceptiva auditiva e visual, esquema corporal, orientação espaço-temporal, e de linguagem oral (compreensão oral, consciência fonológica e expressão oral). Para isso, foram avaliadas 25 crianças com fissura labiopalatina, entre cinco e seis anos e onze meses, por meio dos seguintes instrumentos: Teste R -2; e Bateria de avaliação de pré-competências para o início da leitura e escrita - BACLE. Os resultados evidenciaram que 92% do grupo avaliado, apesar de possuírem um bom desempenho intelectual, demonstraram dificuldades em áreas específicas do desenvolvimento, principalmente em

CorrespondênciaMaria de Lourdes Merighi TabaquimRua Bandeirantes, 9-60 Apto 61 – Centro – Bauru, SP, Brasil – CEP 17015-012 E-mail: [email protected]

Maria de Lourdes Merighi Tabaquim – Neuropsicólo-ga; Pós-Doutorado em Ciências Médicas; Docente do De partamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) e da Pós-graduação em Ciências da Rea-bilitação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), Bauru, SP, Brasil.Laiza Oliveira Vilela – Psicóloga, Mestre em Psicologia do desenvolvimento e aprendizagem – Universidade Estadual Paulista (UNESP); Discente do Curso de Residência Multiprofissional – HRAC/USP, Bauru, SP, Brasil.Évelyn Raquel Benati – Terapeuta Ocupacional, Dis-cente do Curso de Mestrado em Ciências da Rea bi li-tação: Fissuras Orofacias e Anomalias Rela cionadas – HRAC/USP, Bauru, SP, Brasil.

haBilidades Cognitivas e CoMPetÊnCias Prévias Para aPrendizageM de

leitura e esCrita de Pré-esColares CoM fissura laBioPalatina

maria de Lourdes merighi Tabaquim; Laiza oliveira Vilela; Évelyn raquel Benati

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INTRODUÇÃO Até recentemente, não era bem compreen-

dido nem aceito que, apesar da resolução da fissura física, algumas crianças com fissura labiopalatina (FLP) podiam apresentar déficits neuropsicológicos e problemas relacionados ao aproveitamento acadêmico e socioemocional. Mas, nos últimos anos, pesquisas internacionais e nacionais que objetivam investigar o funciona-mento e o desenvolvimento cognitivo de pessoas com FLP têm encontrado sinais de alterações neuropsicológicas nessa população1-7.

No Brasil, uma em 650 crianças nascidas vivas apresentam fissuras labiopalatais conse-quentes de malformações craniofaciais devido a condições multifatoriais, de caráter genético e ambiental, como, por exemplo, fatores nutricio-nais, uso de drogas e álcool, entre outros8. São congênitas, de etiologia ainda pouco conhecida, e ocorrem entre a quinta e a décima segunda semana do desenvolvimento embrionário. São caracterizadas por uma fenda labial e/ou palatal, podendo ser unilaterais (direita ou esquerda) ou bilaterais (direita e esquerda). O prognóstico depende da extensão e tipo de fissura9.

Para melhor categorização, as fissuras são classificadas em quatro grupos: I – Fissura pré--forame incisa, quando apenas lábio é acome-tido; II – Fissura transforame incisa, quando lábio e palato apresentam fissura; e III – Fissuras pós-forame incisa, quando somente o palato é acometido; e IV – Fissuras raras da face, quando há fissura em outras partes da face10.

O desenvolvimento do cérebro e da face ocorrem em fases concomitantes, em decorrência disso, Nopoulos et al.1 partem do pressuposto que desta forma seria possível a compreensão de condições atípicas do desenvolvimento cere-bral na população com malformação craniofacial. Diante disso, tais pesquisadores avaliaram a morfologia cerebral de 46 homens com fissuras labiopalatinas, sem correlação sindrômica, que foi comparada a de um grupo controle com 46 participantes. Nesse estudo, os autores eviden-ciaram que, no grupo de indivíduos com fissura labiopalatina isolada, há relevantes alterações morfológicas na estrutura cerebral1.

Na mesma direção, outros estudos sobre os aspectos neurobiológicos da fissura, que utiliza-ram recursos de neuroimagem, apoiam a teoria da estrutura cerebral anormal em crianças com fissura não-sindrômica, pois foi evidenciado o tamanho total do cérebro diminuído, especifi-camente a redução no volume do cerebelo, lobo frontal e núcleos subcorticais. Essas anormali-dades na estrutura cerebral foram diretamente correlacionadas à déficits cognitivos, de fala e de comportamento1-4.

Um outro estudo norte-americano, realizado por Snyder & Pope11, identificou que crianças com fissura labiopalatina, entre 4 e 11 anos, apresentavam três vezes mais os índices nor-mativos de problemas na competência escolar.

Na população brasileira, um estudo realizado por Tabaquim et al.7 com crianças com fissura labiopalatina na fase de escolarização funda-

percepção auditiva e linguagem, corroborando com achados da literatura nacional e internacional e indicando a correlação de que, quanto melhor o desempenho cognitivo, melhor a capacidade de representação mental de si mesmo. O estudo, baseado nas evidências, concluiu que as crianças com fissura labiopalatina apresentam defasagens em funções cognitivas que são fundamentais para o domínio das habilidades de leitura e escrita, com risco para o baixo desempenho nessas atividades acadêmicas.

UNITERMOS: Fissura labial. Fissura palatina. Desenvolvimento infantil. Cognição.

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mental, que investigou as habilidades práxicas visuo-espaciais relacionadas à escrita, demostrou um déficit na capacidade de percepção visomotora e dificuldades na realização de movimentos sob comando verbal e visual, compatíveis com ima-turidade na integração sensório-motora dos par-ticipantes, quando comparado ao grupo controle.

A partir das pesquisas citadas, acredita-se que crianças com fissura labiopalatina podem apresentar dificuldades na aquisição e domínio das habilidades relacionadas à leitura e escrita.

Para Pereira & Rocha12, as pré-competências para aquisição de leitura e escrita estão rela-cionadas à maturidade perceptiva, ao esquema corporal/orientação espaço temporal, ao desen-volvimento motor e à linguagem. Em relação à maturidade perceptiva, é uma função da capaci-dade cognitiva que se desenvolve com a idade e as experiências, fazendo com que a pessoa tenha a habilidade de verbalizar, manipular símbolos e abstrações, formar julgamentos, discriminar os pensamentos e motivações, na forma do pensar e agir. Além disso, a maturidade perceptiva po-de ser avaliada a partir de quatro diferentes áreas, a saber: maturidade perceptiva auditiva ou percepção auditiva; maturidade perceptiva visual ou percepção visual; dominância lateral; e reconhecimento da dominância lateral.

O esquema corporal é a percepção que cada sujeito tem de seu corpo e das relações que ele estabelece com o meio ambiente, se limitando aos aspectos sinestésicos, sensações orgânicas e de estrutura postural. No âmbito neurofisiológi-co é entendido como a imagem mental do corpo registrada no cérebro, mais especificamente, comandada na região parietal, em função da integração das percepções e da elaboração das respectivas praxias13.

A orientação espaço temporal é definida como o meio pelo qual o indivíduo se situa no mundo em que vive, e se relaciona com pessoas e organiza os objetos a sua volta12,13.

A linguagem pode ser avaliada a partir de três diferentes subáreas, sendo elas: a compreensão oral, a consciência fonológica, e a expressão oral. A compreensão oral engloba um sistema de sig-nos que acarreta estruturas complexas relativas

aos órgãos dos sentidos: visão, audição e tato. A compreensão oral assenta na compreensão audi-tiva, na compreensão do significado da palavra e da retenção da informação, sendo crucial para a compreensão, decodificação e manipulação dos sons da fala. A consciência fonológica consiste na capacidade metalinguística da apreensão da consciência das particularidades e característi-cas formais da linguagem. A expressão oral é a habilidade de se comunicar por meio da fala, ou seja, de saber escutar e falar12.

Na fase em que a criança está adquirindo a leitura, concomitante à construção da escrita, ela pode acreditar que uma sílaba com mais de um som pode ser representada por uma letra. Isto ocorre por não ter desenvolvido a segmentação fo-nêmica, podendo omitir, juntar ou separar letras14. Assim, alterações nestas habilidades de lingua-gem comprometem a aquisição e o domínio da língua e interferem no autoconceito do aprendiz, num período crítico de aprendizado acadêmico.

Dessa maneira, este estudo visou identificar o desempenho cognitivo e as pré-competências para a leitura e escrita de crianças em fase pré--escolar e início do ensino fundamental.

MÉTODOO estudo caracterizou-se por uma pesqui-

sa descritiva, que consiste na investigação de cunho empírico, tendo por finalidade analisar as características de fatos e variáveis. Foram ava liadas 25 crianças portadoras de fissura la-biopatina, de ambos os sexos, com idade entre 5 e 6 anos e 11 meses, cursando o Jardim II e o 1º ano do Ensino Fundamental, que estavam inscritas no programa de atendimento do Hos-pital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), na cidade de Bauru.

Inicialmente foram adotados os procedimen-tos éticos da pesquisa, submetendo o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Huma-nos (CEP) do HRAC/USP, atendendo à Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/2012.

Após aprovação do CEP, foi realizada a con-sulta ao Centro de Processamento de Dados do

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HRAC-USP, para a obtenção de informações re-ferentes ao agendamento da população-alvo. Os responsáveis foram contatados entre as consultas de rotina hospitalar, e convidados para participa-rem do estudo. Para a formalização, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ao responsável.

Para atingir os objetivos propostos, foram utilizados o Teste R-2 e a Bateria de Avaliação de Pré-Competências para o Início da Leitura e Escrita (BACLE).

O Teste R-2 consiste em um teste não-verbal, selecionado para a identificação do nível intelec-tual sobre o raciocínio lógico espaço-temporal. Composto por 30 cartões coloridos, apresentados sequencialmente, contendo figuras de objetos concretos ou formas abstratas15. Em cada cartão há uma figura faltando uma parte que a criança deve identificar entre as alternativas apresenta-das abaixo de cada figura.

A Bateria de Avaliação de Pré-Competências para o Início da Leitura e Escrita (BACLE) bus-ca avaliar as pré-competências para a leitura e escrita da criança em fase pré-escolar, composta por um conjunto de provas relacionadas à matu-ridade perceptiva auditiva e visual, lateralidade, motricidade fina, esquema corporal, consciência fonológica, compreensão e expressão oral12.

RESULTADOS No estudo, onde a amostra foi constituída ao

acaso, houve um número equilibrado de partici-pantes de ambos os sexos, mas um predomínio de crianças com 6 anos. A fissura do tipo transforame foi a que teve maior incidência nesta amostra. A Tabela 1 apresenta os dados referentes à caracteri-zação dos participantes da pesquisa relacionados a idade, sexo e tipo de fissura.

A análise dos resultados obtidos indicou que a maior parte dos participantes obteve pontua-ção superior ou igual à média, mostrando 92% da amostra com nível intelectual preservado (Tabela 2).

Na subárea maturidade perceptiva auditiva, o desempenho dos participantes foi inferior quando comparada à percepção visual, pois 44% obtiveram pontuação abaixo do nível médio e nenhum dos participantes apontou acima desse nível. Em relação à percepção visual, 16% dos participantes obtiveram classificação “a desen-volver” (Tabela 3).

Os resultados da aplicação dessas provas de-monstraram que a maior parte dos participantes (84%) obteve resultados acima ou dentro do nível médio, mas 16% necessitam de intervenções para desenvolver tais habilidades. Além disso, houve correlação estatística positiva (p=0,02) quando comparados os resultados dos participantes diante da subárea “identificação em si” e o “Teste R-2”, demonstrando que, quanto melhor o nível cognitivo dos participantes, melhor é o desem-penho dele na pré-competência “identificação em si”, assim como o processo inverso (Tabela 4).

Tabela 1 – Caracterização da amostra.

Sexo Idade Tipo de Fissura

F M 5 anos 6 anos Pré-Forame Pós-Forame Transforame

N 12 13 9 16 6 2 17

% 48% 52% 36% 64% 24% 8% 68%

Tabela 2 – Resultado Nível Cognitivo – “Teste R2”.

Classificação Número de Participantes %

intelectualmente deficiente 1 4%

Limítrofe __ __

médio inferior 1 4%

médio 12 48%

médio superior 10 40%

superior __ __

muito superior 1 4%

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Na subárea “Identificação no outro”, 44% dos participantes obtiveram pontuação igual ou su-perior ao nível médio, entretanto, a maior parte dos participantes (56%) obteve resultado infe rior ao nível médio (Tabela 4).

Na subárea “posição no espaço geográfico”, a maior parte dos participantes (64%) pontou dentro ou acima do nível médio. Entretanto, 36% dos participantes ainda se encontram abaixo do nível médio (Tabela 4).

Na subárea “compreensão oral”, a maior parte dos participantes (60%) obteve pontuação igual ou superior ao nível médio. Entretanto, 40% dos participantes obtiveram um desempenho inferior ao nível médio (Tabela 5).

Na subárea “consciência fonológica”, 56% dos participantes obtiveram pontuação inferior ao nível médio, enquanto 44% obtiveram pon-tuação igual ou superior a esse nível.

Por fim, na subárea “expressão oral”, a maior parte dos participantes (52%) obtive pontuação

inferior ao nível médio, enquanto 48% obtiveram escores superior ou igual a esse nível.

DISCUSSÃO Os resultados obtidos apontaram que, tanto

nas provas que avaliaram a percepção auditiva quanto nas que avaliaram a percepção visual, a maioria dos participantes obteve pontuação no nível médio. Da mesma forma, não houve correlação estatística entre os resultados dessas subáreas com os resultados do Teste R2. Porém, em relação à maturidade perceptiva auditiva, o desempenho dos participantes foi inferior quan-do comparado à percepção visual, pois obtiveram pontuação abaixo do nível médio e nenhum dos participantes apontou acima desse nível, ou seja, a maioria dos participantes não demonstrou ter feito as aquisições necessárias ao nível da per-cepção auditiva. Segundo os autores do instru-mento, Pereira e Rocha (12), pontuação como essa, inferior à média, indica que o respondente não

Tabela 3 – Resultado BACLE: maturidade perceptiva e prova estatística.

Maturidade Perceptiva Auditiva Teste EstatísticoFisherP S/ aquisições Desenvolver Médio Satisfatório

N 4 7 14 __

p = 0,450% 16% 28% 56% __

Maturidade Perceptiva Visual

N __ 4 13 8

p = 0,725% __ 16% 52% 32%

Tabela 4 – Resultados BACLE: esquema corporal e prova estatística.

Identificação em si Teste EstatísticoFisherP S/ aquisições Desenvolver Médio Satisfatório

N __ 4 12 9

p = 0,02% __ 16% 48% 36%

Identificação no outro

N 3 11 9 2

p = 0,784% 12% 44% 36% 8%

Posição no Espaço Gráfico

N 2 7 8 8

p = 0,515% 8% 28% 32% 32%

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possui a capacidade necessária para perceber os estímulos e sons do meio exterior através do sentido auditivo. Tal resultado revela grandes dificuldades dos participantes em perceberem pequenas diferenças entre fonemas e palavras, em sequencializar sílabas e frases, memorizar estímulos sonoros e em organizar cadências rít-micas. Portanto, esses participantes encontram--se num estágio de desenvolvimento em que é crucial desenvolver estratégias interventivas para minimizar as lacunas identificadas.

Além disso, esse resultado por estar relacio-nado com a malformação no palato, pois sujeitos com fissura palatal são mais vulneráveis a apre-sentarem otite de repetição, o que pode acarretar prejuízos no processamento auditivo, conforme apontam Lemos & Feniman16.

Por outro lado, nas provas que avaliavam percepção visual, a maioria dos participantes ob-teve pontuação igual ou superior ao nível médio, indicando que esses participantes percebem os detalhes do meio exterior por meio do sentido visual. Conforme os autores do instrumento12, esses participantes encontram-se num estágio satisfatório de desenvolvimento de maturidade perceptiva visual, sendo capazes de diferenciar, estruturar e reter informações visuais, entretan-to, um número significativo dos participantes apresentou classificação a desenvolver, ou seja, demonstraram terem feito algumas aquisições essenciais, mas ainda apresentam dificuldades e necessitam de intervenções para superar tais

lacunas, sugestivo de oportunidades ambientais mais limitadas para o desenvolvimento dessa competência.

No que diz respeito às provas relacionadas ao esquema corporal/orientação espaço-temporal, a subárea “identificação em si” permitiu avaliar a consciência da criança sobre seu próprio cor-po, ou seja, se ela desenvolveu a representação mental de si mesmo como pessoa e com o mundo exterior. Essa consciência localiza a criança no espaço e no tempo, permitindo uma estruturação espaço-temporal adequada, a maioria dos par-ticipantes obteve grau satisfatório em relação a essa subárea, acima ou dentro do nível médio, porém uma porcentagem relevante de partici-pantes apresentou classificação a desenvolver, necessitando de intervenções para desenvolver tais habilidades.

Para Fonseca13, o termo esquema corporal leva ao entendimento de postura e integração mo tora, não traduzindo a noção de plasticidade e disponibilidade que esse conceito contém. A criança, ao final da primeira infância, como as do grupo estudado, encontra-se reestruturando--se continuamente por meio da inter-relação das diferentes esferas do comportamento humano.

Além disso, houve correlação estatística positiva (p=0,02) quando comparados os re-sultados dos participantes diante da subárea “identificação em si” e o “Teste R-2”, demons-trando que, quanto melhor o nível cognitivo dos participantes, melhor é o desempenho deles na

Tabela 5 – Resultados BACLE: linguagem e prova estatística.

Compreensão Oral Teste EstatísticoFisher P S/ aquisições Desenvolver Médio Satisfatório

N 3 7 12 3

p = 1,00% 12% 28% 48% 12%

Consciência Fonológica

N 6 8 9 2

p = 0,563% 24% 32% 36% 8%

Expressão Oral

N 6 7 11 1

p = 0,567% 24% 28% 44% 4%

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pré-competência “identificação em si”, assim como o processo inverso.

Já na subárea de “identificação no outro”, a maioria dos participantes ficou abaixo do nível médio, ou seja, não demonstrou ter feito aquisi-ções essenciais ao nível da consciência do corpo e representação mental do outro. Para os autores do instrumento12, essa falta de consciência não permite que a criança consiga localizar uma outra pessoa no espaço e no tempo, sendo neces-sário desenvolver estratégias interventivas para superar tais lacunas. Quando aplicado o teste estatístico de Fisher, o resultado não apontou correlação entre os resultados do “Teste R2” e a subprova “identificação no outro” na maioria dos participantes.

Em relação à “posição no espaço geográfi-co”, a maioria dos participantes demonstrou ter feito aquisições das competências ao nível da consciência espacial, estando dentro ou acima do nível médio, porém uma porcentagem de grande relevância de participantes apontou para abaixo do nível médio, sendo o estágio do desenvolvimento em que é crucial a realização de ações interventivas para superar tais dificul-dades. Também não foi encontrada correlação estatística entre os resultados do “Teste R2” e os da subprova “posição no espaço geográfico”.

Para os autores dessa bateria de avaliação12, as provas aplicadas permitem analisar a orienta-ção da criança no espaço e a forma que ela situa uma coisa em relação às outras.

Em relação aos resultados dos participantes que apresentaram um repertório aquém do es-perado quanto às competências que envolvem o Esquema Corporal, podem ser justificados devido à falta de estimulação adequada e/ou à convivência em ambientes que não favoreçam o desenvolvimento dessas habilidades, conforme apontado por Hanayama17.

A subprova de “Compreensão oral” apon-tou resultado satisfatório para a maioria dos participantes, indicando que essas crianças encontravam-se num estágio de desenvolvimen-to adequado de compreensão oral auditiva, de significado da palavra e de retenção da informa-

ção, bem como no processo de decodificação e manipulação dos sons da fala, conforme defen-dido por Pereira & Rocha12. Entretanto, 2/5 dos participantes apontaram para resultados abaixo do nível médio, sendo que essas crianças obti-veram aquisições insuficientes nessa área, ou seja, não conseguiram realizar com sucesso as atividades indicativas de domínio competente na linguagem.

Na “Consciência Fonológica”, a maior parte do grupo avaliado ainda não adquiriu as com-petências necessárias de conhecimento da estrutura metalinguística, de consciência das particularidades e características formais da linguagem12. Tal resultado indica que, a maioria dos participantes não desenvolveu a consciên-cia da palavra, silábica e fonêmica. Vellutino et al.18 indicam a importância de se estabelecer as diferenças entre as dificuldades precoces de leitura, que podem ser causadas primariamente por déficits cognitivos e biológicos, das dificul-dades devido aos déficits nas experiências com o aprendizado de habilidades que irão subsidiar a leitura, como a consciência fonológica e as instrucionais, de ordem pedagógica.

Em relação à “Expressão Oral”, a maioria dos participantes apresentou também pontuação inferior ao nível médio; conforme as normativas do instrumento, pontuações inferiores ao nível médio revelam déficit nas capacidades de saber escutar e falar. Dessa forma, tal resultado pode indicar que grande parte do grupo apresenta dificuldade em se expressar oralmente e em co-municar ações, sentimentos e objetos de forma ajustada12.

O desempenho deficitário dos participantes nas diferentes subprovas que avaliam a Lin-guagem vão ao encontro dos resultados dos estudos de Nopoulos et al.1,3, nos quais foram encontradas dificuldades cognitivas principal-mente relacionadas à fala e ao funcionamento da linguagem em indivíduos com FLP. Além disso, em uma pesquisa realizada por Richman et al.4, foi identificado que crianças com FLP têm risco aumentado para déficits de linguagem, já que exibem escores significativamente menores em

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medidas de linguagem receptiva e expressiva, vocabulário e complexidade, em comparação a crianças não fissuradas.

O resultado da aplicação do Teste Estatístico Fischer apontou que não houve correlação entre os resultados do “Teste R2” e os resultados das subáreas da BACLE que avaliaram a Linguagem.

CONCLUSÕES A partir deste estudo, foi possível demonstrar

que a maior parte do grupo avaliado apresentou capacidade intelectual preservada, porém, um contingente significativo demonstrou déficits no raciocínio lógico não-verbal, ainda o desem-penho cognitivo dos participantes relacionado à “Identificação em si”, mostrou-se preservado

para um percentual da amostra, evidenciando do-mínio da capacidade de representação mental de si mesmo como pessoa e com o mundo exterior.

Houve diferença no desempenho dos partici-pantes nas provas que avaliaram as pré-compe-tências de leitura e escrita em relação à percepção auditiva e linguagem, quando comparados os resultados, indicando prejuízos na consciência fonológica, na compreensão e expressão oral.

As defasagens cognitivas, evidenciadas na avaliação das pré competências de crianças com fissura labiopalatina na fase inicial da al-fabetização, fundamentais para o domínio das habilidades de leitura e escrita, são sugestivas de risco para o baixo desempenho nessas ativi-dades acadêmicas.

SUMMARYCognitive abilities and previous competencies

for reading and writing learning in preschoolers with cleft palate

In Brazilian population, about 1: 650 live births are affected by cleft lip and palate (CLP), craniofacial malformation that results from multifactorial conditions, genetic and environmental character. As human development stems from mutual influences between cognitive, emotional and body, a change in any of them can reflect on others. This study aimed to characterize the cognitive performance of children with cleft lip and palate in pre literacy phase. The specific objectives were: to relate cognitive performance with the intellectual level; classify levels of auditory and visual perceptual maturity, body scheme, spatial and temporal orientation and oral language (listening skills, phonological awareness and oral expression). For this, we assessed 25 children with cleft lip and palate, five to six years and eleven months, through the following instruments: Test R 2; and review from battery pre skills for early reading and writing - BACLE. The results showed that 92% of the evaluated group, despite having a good intellectual performance, demonstrated difficulties in specific areas of development, especially in auditory perception and language, corroborating findings of national and international literature and indicating the correlation that, as better cognitive performance, the better the ability of mental representation of oneself. The study, based on the evidence, concluded that children with cleft lip and palate have gaps in cognitive functions that are fundamental to the field of reading and writing skills, with risk for low academic performance in these activities.

KEY WORDS: Cleft lip. Cleft palate. Child development. Cognition.

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Trabalho realizado no Hospital de Reabilitação de Ano-malias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), Bauru, SP, Brasil.

Artigo recebido: 14/12/2015Aprovado: 1/3/2016

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – A atenção é considerada uma função cerebral importante para a integração mental e é reconhecida como o pré-requisito mais relevante para a manifestação do intelecto e da capacidade de reflexão. O teste de Atenção Concentrada (AC) avalia a capacidade do indivíduo em focalizar, selecionar e manter a atenção em estímulos alvo, dentre vários estímulos disponíveis. Esse instrumento está padronizado para a população adulta, tornando-se necessária a ampliação das normas para outras faixas etárias, já que é um recurso valioso na investigação da atenção. O objetivo deste estudo foi investigar o desempenho de crianças e adolescentes no Teste AC, verificar evidências de validade e elaborar normas de padronização para essa população. Participaram da pesquisa um total de 404 alunos, com idades entre 6 e 16 anos, cursando entre o 1º e o 9º ano, de escolas públicas e particulares de uma cidade do interior de São Paulo. Os resultados

Correspondência: Edyleine Bellini Peroni Benczik Psiquê – Núcleo de Psicologia e Neuropsicologia Apli cadaAvenida Tiradentes, 200 – Centro – São Roque, SP, Brasil – CEP 18130-470E-mail: [email protected]

Edyleine Bellini Peroni Benczik – Psicóloga e Neu-ropsicóloga pelo Conselho Federal de Psicologia; Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano/Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP); Mestre em Psicologia Esco-lar/Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP); Professora do curso de Especialização em Neuroaprendizagem Grupo Saber/Cultura/SP, São Paulo, SP, Brasil.Graziella Ceregatti Leal – Psicóloga; Especialização em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infan-til/Escola de Extensão da Universidade Estadual de Cam pinas (EXTECAMP-UNICAMP), Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional/Fundação Santo André; Mestre em Psicologia Escolar/PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil.Tábata Cardoso – Psicóloga Pesquisadora da Vetor Editora Psico-pedagógica; Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

a utilização do teste de atenção ConCentrada (aC) Para a PoPulação

infanto-juvenil: uMa ContriBuição Para a avaliação neuroPsiCológiCa

Edyleine Bellini Peroni Benczik; Graziella Ceregatti Leal; Tábata Cardoso

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INTRODUÇÃOO cérebro é o órgão privilegiado da aprendi-

zagem. Conhecer sua estrutura e funcionamento é fundamental para compreender como ocorre a aprendizagem. Quanto mais se aprende sobre a relação cérebro-comportamento e cérebro--aprendizagem, melhor será o nível de conhe-cimento e de intervenção sobre a criança com dificuldade de aprendizagem, contribuindo para o diagnóstico e prognóstico do seu potencial de aprendizagem1.

Do ponto de vista neurobiológico e cognitivo, diversos sistemas funcionando de forma integra-da são essenciais para o processo de aprendiza-gem. Memória, linguagem, atenção, psicomo-tricidade, organização e raciocínio devem estar preservados e funcionando em harmonia2.

A atenção é um fenômeno complexo e mul-tifacetado, cujos limites se interseccionam com a percepção, a memória, a motivação, o afeto e o nível de consciência, dentre outros3.

O processo de aprendizagem exige um certo nível de ativação e atenção, de vigilância e se-leção das informações. A ativação, por meio da vigilância, conecta-se com a atenção, no sentido da capacidade de focalização da atividade. Esses são elementos fundamentais de toda atividade neuropsicológica, essenciais para manterem as atividades cognitivas, inibindo os efeitos de neurônios que não interessam à situação. Para Tabaquim1, somente assim é possível uma apren-dizagem normal.

No mesmo sentido, a situação privilegiada da atenção no acesso à cognição é categorizada nas dimensões principais: funções receptivas, que

envolvem as habilidades para selecionar, adqui-rir, classificar e integrar a informação; memória e aprendizagem, que integram as habilidades de armazenamento e recuperação da informação; pensamento, que abrange o sistema complexo de organização mental e reorganização da infor-mação; e funções expressivas e linguagem, meio pelo qual a informação processada pelo cérebro é comunicada ou veiculada enquanto ato em si4.

A atenção é considerada uma função cerebral importante para a integração mental e é reconhe-cida como o pré-requisito mais relevante para a manifestação do intelecto e da capacidade de reflexão5. Parece haver um consenso entre os pesquisadores que consideram que a atenção seja um dos componentes mais importantes en-tre as funções cognitivas, estando relacionada à qualidade com que as pessoas executam as suas tarefas diárias6.

O estudo da atenção concentrada é muito importante, pois está diretamente relacionado ao rendimento escolar. Observa-se por meio dos resultados obtidos em pesquisa que a capacidade atencional vai se desenvolvendo em nível cres-cente a cada série escolar avançada7.

Os sintomas de desatenção podem estar presentes em diferentes quadros psíquicos, por isso, é importante a realização de uma avalia-ção neuropsicológica que complete a avaliação subjetiva e a coleta de dados objetivos em um processo diagnóstico8.

A avaliação neuropsicológica auxilia nesse processo diagnóstico, pois foca na funcionali-dade do paciente no seu dia-a-dia, possibilitan-do um melhor entendimento da natureza dos

demonstraram evidência de validade desenvolvimental e diferenças sig-nificantes nas variáveis tipo de escola, idade e escolaridade, bem como permitiram a elaboração de normas para a população infanto-juvenil e adolescente, evidenciando ser um excelente recurso para ser incluído na avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes.

UNITERMOS: Atenção. Testes neuropsicológicos. Desenvolvimento infantil.

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problemas e auxiliando no planejamento das intervenções necessárias. No entanto, há a ne-cessidade de um planejamento prévio da bateria a ser utilizada, onde é importante considerar os objetivos da avaliação, o indivíduo, sua idade, fase do desenvolvimento em que se encontra e contemplar as principais funções neuropsico-lógicas para que a avaliação neuropsicológica atenda seu propósito9.

Desempenhos considerados abaixo do espe-rado obtidos em testes de aten ção não são sufi-cientes para o diagnóstico de qualquer transtorno neuropsiquiátrico, da mesma forma que desem-penhos normais não são suficientes para exclu são de déficits atencionais. No entanto, resultados de testes, ao serem interpretados frente ao histó-rico clínico relatado e à observação qualitativa, podem oferecer informações importantes para delinear o quadro sintomático, possibilitando um diagnóstico mais preciso3.

O Teste da atenção concentrada (AC) é um instrumento que tem um valor inestimável, já que é capaz de avaliar quantitativamente a capa-cidade de atenção concentrada e sustentada do examinando, e também de permitir a avaliação qualitativa de outras habilidades neuropsicoló-gicas envolvidas, tais como: percepção, discri-minação e varredura visual, orientação espacial, processamento de informação com velocidade e ritmo de execução visomotora para alternância de estímulos visuais, habilidade grafomotora e persistência motora.

Um dos estudos mais relevante para a utili-zação de instrumentos de avaliação psicológica é a validade relativa ao desenvolvimento, mais utilizada quando se trata de pesquisas com crianças e adolescentes. Espera-se que, duran-te a infância, as capacidades aumentem com a idade e a teoria da validade relativa ao desen-volvimento sustenta que, o teste sendo válido, os resultados do mesmo também devem aumentar com a idade10.

O Teste AC é um teste relativamente sim-ples, de fácil compreensão, rápida aplicação e correção e avalia de forma prática esta função neuropsicológica importante, a atenção concen-trada. O material básico utilizado é um lápis

ou caneta esferográfica e a folha de resposta11. A sua versão atual conta com duas variáveis importantes: a orientação espacial e a cor. Há três estímulos estilizados (símbolos), a partir de um triângulo com a ponta em flecha e se apre-senta com três posições e cores diferentes12. Ele permite avaliar erros cometidos por ação e por omissões, chegando-se a um resultado bruto, o qual é classificado por meio das normas percen-tílicas por escolaridade para adultos.

A atenção é uma função cognitiva de alta complexidade e nela estão implicados numero-sos subprocessos, como percepção, intenção e ação, sendo que os testes de cancelamento com lápis e papel são testes de performance conti-nuada, que avaliam a atenção sustentada, en-fatizando também aspectos da atenção visual13.

A análise qualitativa dos erros cometidos também permite indicar o significado destes, por exemplo, quando os erros são cometidos por omissão, podem indicar um prejuízo na seleção dos modelos estímulos, ou seja, na atenção se-letiva; erros na seleção de modelos estímulos podem indicar impulsividade e falha no controle inibitório. Os erros cometidos no tempo final do teste podem indicar déficit na atenção susten-tada e na persistência do esforço13.

Considerando que o Teste AC pode proporcio-nar ao clínico e ao pesquisador informações va-liosas sobre o funcionamento neuropsicológico e atencional do examinando, esta pesquisa preten-deu realizar a ampliação das normas para que a população infantil e adolescente se beneficie dos seus benefícios, possibilitando ao profissional lançar mão de mais um instrumento de avaliação da atenção concentrada como recurso para sua investigação. Como a utilização do Teste AC em uma amostra de crianças e adolescentes, até o presente momento, era inexistente, a relevância do trabalho se justifica pela exclusividade de dados normativos para essa população, além do que, as análises estatísticas trarão dados que permitirão compreender variáveis, como escola-ridade, idade, sexo e tipo de escola (pública ou particular), que podem interferir no desempenho da atenção concentrada.

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Dessa forma, a obtenção de normas para a po pulação de crianças e adolescentes, o teste AC facilitará a identificação dos sujeitos que possuem déficit nesta função neuropsicológica tão importante, o que permitirá a implementação de intervenções que auxiliem o desenvolvimen-to dessa habilidade, possibilitando melhora no rendimento escolar e funcional dos mesmos.

Objetivos GeraisRealizar um estudo com normas do Teste AC,

de Suzi Vijande Cambraia, para uma amostra de crianças e adolescentes.

Efetuar análises de evidência de validade para o Teste AC neste grupo por meio da correla-ção entre os resultados do AC e a idade (validade relativa ao desenvolvimento).

Objetivo EspecíficoPesquisar a interferência do sexo, idade,

escolaridade e tipo de escola dos participantes para verificar a necessidade de elaboração de tabelas normativas em função dessas variáveis.

Descrição da amostraParticiparam da pesquisa 404 crianças e

adolescentes, com idades entre 6 e 16 anos, com média de 11,25 ± 2,49 anos. A amostra foi constituída de forma balanceada em função do sexo: 51,2% eram meninas e 48,8% meninos. Todos os participantes estavam cursando entre o 1º e o 9º ano, sendo 35,4% provenientes da rede particular e 64,6%, da rede pública de ensino. A distribuição das faixas etárias para a amostra total e em função do tipo de escola é apresentada na Tabela 1.

Considerando a amostra total, a maioria dos participantes (65,1%) fixou-se na faixa de idade entre 10 e 14 anos. Algumas idades, como 6 e 16 anos, continham poucos participantes (1% e 2%, respectivamente). No grupo da escola particular essas duas idades não foram representadas.

A Tabela 2 apresenta a distribuição da escola-ridade em função do tipo de escola; em relação à amostra total, a maior parte dos componentes

dos grupos estava cursando o 8º ano. Quando se considera o tipo de escola, na escola particular, foi mais frequente o grupo do 3º ano (18,1%) e, na pública, de 8º ano (30,3%). O grupo do 3º ano foi constituído somente por alunos da escola pública e o de 2º ano só da escola particular.

Tabela 1 – Distribuição da idade dos participantes para a amostra total

e em função do tipo de escola.

IdadeEscola

ParticularEscola Pública Total

N % N % N %

6 __ __ 4 1,5 4 1,0

7 18 12,6 10 3,8 28 6,9

8 27 18,8 12 4,6 39 9,7

9 10 7,0 26 10,0 36 8,9

10 18 12,6 43 16,5 61 15,1

11 19 13,3 26 10,0 45 11,1

12 14 9,8 20 7,6 34 8,4

13 23 16,1 43 16,5 66 16,4

14 11 7,7 46 17,6 57 14,1

15 3 2,1 23 8,8 26 6,4

16 __ __ 8 3,1 8 2,0

Total 143 100,0 261 100,0 404 100,0

Tabela 2 – Distribuição da escolaridade para a amostra total e em função do tipo de escola.

Escola-ridade

Escola Particular

Escola Pública Total

N % N % N %

1º ano __ __ 16 6,1 16 3,9

2º ano 18 12,6 __ __ 18 4,4

3º ano 26 18,1 19 7,3 45 11,1

4º ano 8 5,6 40 15,3 48 11,9

5º ano 17 11,9 41 15,7 58 14,4

6º ano 22 15,4 24 9,2 46 11,4

7º ano 14 9,8 25 9,6 39 9,7

8º ano 24 16,8 79 30,3 103 25,5

9º ano 14 9,8 17 6,5 31 7,7

Total 143 100,0 261 100,0 404 100,0

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MÉTODOForam contatadas pessoalmente pelas auto-

ras a direção de uma escola particular e de três escolas públicas de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Neste primeiro contato com a direção das respectivas escolas, os objetivos e método do presente estudo foram explicitados e, ao mesmo tempo, foi solicitada a permissão para a coleta de dados.

As quatro diretoras autorizaram por escrito a coleta de dados, que foi previamente agendada.

No dia e horário estabelecido em cada escola, a coleta de dados foi realizada pelas neuropsicó-logas deste estudo, segundo as instruções e as normas contidas no manual do Teste AC.

A aplicação se deu de forma coletiva em cada sala de aula, segundo a escolaridade (1º, 2º, 3º ano e assim por diante), teve a duração máxima de quinze minutos totais, desde a entrega da folha de resposta, o fornecimento das instruções necessárias para a realização do teste, o treino que antecede o início da prova, a aplicação do teste com o tempo estabelecido de cinco minutos e o recolhimento das folhas de respostas dos alunos. Foram coletados dados de oito salas de aula da escola particular e de onze salas de aula

de escolas públicas, perfazendo um total de de-zenove salas de aula dos dois tipos de escolas.

A coleta de dados levou dois meses para ser totalmente concluída.

Procedimento As análises de frequência da amostra indica-

ram a existência de número suficiente de pessoas para a elaboração de tabelas de normas tanto para a escola particular, quanto para a pública. Calcularam-se as médias dos grupos em função das variáveis: sexo, idade, escolaridade e tipo de escola, para verificar se elas diferiam de forma estatisticamente significante. Os resultados foram comparados através do Teste t de Student e da Análise de Variância (One Way ANOVA).

RESULTADOSPara comparar o desempenho dos alunos da

rede pública de ensino com os alunos de escola particular, foi feito o teste t de Student, como observado na Tabela 3.

A Tabela 3 demonstra que os alunos da rede particular tiveram melhor desempenho no Teste de AC quando comparados aos alunos da escola pública. A diferença entre as médias foi esta-

Tabela 3 – Médias, desvios-padrão e teste t para os acertos, erros, omissões e total de pontos em função do tipo de escola.

Escola Particular Escola Pública t Significância

Acertos média 79,20 59,98 5,875** 0,000

DP 35,06 23,50

N 143 261

Erros média 0,95 1,32 -1,231 0,219

DP 1,78 3,35

N 143 261

omissões média 15,12 14,91 0,144 0,886

DP 13,62 14,30

N 143 261

Pontos média 63,12 43,75 6,416** 0,000

DP 32,17 22,14

N 143 261** significante a 0,01.

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tisticamente significante (p<0,001). Em relação aos erros e omissões, os dois grupos tiveram resultados semelhantes, portanto não diferiram de forma significante.

Uma vez que os resultados diferiram em relação ao tipo de escola, as comparações do desempenho dos participantes em função do sexo, idade e escolaridade foram realizadas considerando esta variável (Tabelas 4, 5 e 6).

Apesar da média do grupo masculino ser mais elevada que a do feminino, tanto de escolas pú-

blicas quanto particulares, o valor do Teste t na análise dos dois grupos indica que elas não se diferenciaram estatisticamente, quando se con-siderou a amostra em função do tipo de escola. Dessa forma, meninos e meninas, de escolas públicas e particulares, obtiveram desempenho similar, não havendo diferenças significantes com relação à variável sexo.

O resultado da análise de variância entre as médias em função da idade foi estatisticamente significante (F=6,038 para a escola pública e

Tabela 4 – Médias, desvios-padrão e teste t para o total de pontos em função do sexo.

Feminino Masculino T Significância

Escola Particular média 62,85 63,41

DP 31,26 33,35 -0,103 0,918

N 74 69

Escola Pública média 41,31 46,28

DP 22,06 22,02 -1,822 0,070

N 133 128

Tabela 5 – Médias, desvios-padrão e Anova para o total de pontos em função da idade.

6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 F Sig.

Escola Particular

média - 26,72 40,07 81,00 99,56 57,79 70,36 75,52 70,55 88,33 -

DP - 13,20 17,53 18,96 27,53 23,44 31,69 28,33 25,22 13,01 - 16,350** 0,000

N - 18 27 10 18 19 14 23 11 3 -

Escola Pública

média 21,00 23,00 27,67 30,73 38,58 43,00 52,75 46,47 54,11 53,04 54,25

DP 21,21 10,46 15,85 16,17 13,63 14,05 23,30 25,25 21,89 27,33 21,31 6,038** 0,000

N 4 10 12 26 43 26 20 43 46 23 8**significante a nível de 0,01.

Tabela 6 – Médias, desvios-padrão e Anova para o total de pontos em função da escolaridade

1º ano

2º ano

3º ano

4º ano

5º ano 6º ano

7º ano

8º ano

9º ano

F Sig.

Escola Particular

média - 24,83 39,38 77,63 108,76 64,32 60,00 72,88 77,21

DP - 12,77 15,00 11,77 16,30 23,30 31,75 26,82 26,24 25,274** 0,000

N - 18 26 8 17 22 14 24 14

Escola Pública

média 23,06 - 26,32 34,78 39,56 55,25 56,72 45,53 70,29

DP 12,62 - 17,03 14,16 13,17 21,98 21,55 23,40 15,66 14,325** 0,000

N 16 - 19 40 41 24 25 79 17**significante a nível de 0,01.

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F=16,350 para a escola particular, ambas com nível de significância = p< 0,01).

O grupo da escola particular não tinha par-ticipantes com 6 e 16 anos. A análise de Post Hoc de Tukey, utilizada para verificar em quais idades ocorreram as diferenças significantes, permitiu identificar diferenças entre as idades de sete anos com todas as demais, com exceção do grupo de 8 anos; oito com 9, 10, 12, 13, 14 e 15 anos; e dez com 11, 12, 13 e 14 anos.

Na análise de Post Hoc de Tukey da escola pública, as diferenças apareceram entre as ida-des de sete com 12, 13, 14, 15 e 16 anos; oito e nove com 12, 14 e 15 anos; e dez com 14 anos.

Em geral, pode-se dizer que as diferenças apareceram de forma mais frequente ao se com-parar os resultados das crianças mais novas com as mais velhas.

Para a comparação entre as médias em função da escolaridade também se utilizou a Análise de Variância (One Way ANOVA). O resultado obtido demonstrou ser estatisticamente significante (F=25,274 para a escola particular e F=14,325 para a escola pública; ambas com nível = p< 0,01), indicando que os grupos diferiram em função dessa variável.

A análise de Post Hoc de Tukey mostrou que, no grupo de participantes da escola particular, as diferenças ocorreram entre o 2º ano com todos os demais avaliados; o 3º ano com 4º, 5º, 6º, 8º e 9º anos; o 4º com o 5º ano; e o 5º ano também se diferenciou de todos os demais anos.

No grupo da escola pública, as diferenças ocorreram entre o 1º e 3º anos quando compa-rados com o 6º, 7º, 8º e 9º; o 4º e 5º anos em relação ao 6º, 7º e 9º; e o 8º ano também diferiu do 9º ano.

Estudo de evidência de validade relativa ao desenvolvimentoForam utilizadas para esta pesquisa as duas

amostras descritas no início deste estudo. Cal-culou-se a correlação de Pearson, a partir da pontuação total do teste AC e as idades dos participantes e, foi observado que as médias tenderam a crescer, conforme o aumento da

idade, sendo esta uma característica presente na maioria das faixas. O que se confirmou pela correlação moderada e significativa encontrada entre as idades e a pontuação: escola particular: r= 0,435; escola pública: r= 0,417, ambas signi-ficantes ao nível de 0,01. Esse resultado indica evidência de validade para o teste AC entre o grupo de crianças e adolescentes.

Correlação com outras variáveisPara verificar se a pontuação tende a aumen-

tar de forma significativa conforme o aumento da escolaridade, foi calculada a correlação de Pearson em função da escolaridade, tendo como resultado uma correlação positiva moderada en-tre essas variáveis (escola particular: r= 0,436; escola pública: r= 0,433, ambas significantes ao nível de 0,01).

Essa análise demonstrou que os participantes deste estudo tendem a ter uma capacidade de atenção mais elevada à medida que avançam na escolaridade.

Dessa forma, foram criadas normas para crian-ças e adolescentes por meio de percentis sobre o total de pontos do Teste AC, considerando-se a escolaridade e o total da amostra de alunos de escola particular e, também em função da idade de alunos de escola particular. Os dados estão dispostos nas Tabelas 7 e 8, respectivamente.

Na Tabela 9, constam as normas percentílicas referentes ao total de pontos obtidos no Teste AC, em função da escolaridade de crianças e adolescentes das escolas públicas e, na Tabela 10, constam as normas em percentis em função da idade de alunos de escolas públicas.

DISCUSSÃO As análises de frequência da amostra indica-

ram a existência de número suficiente de pessoas para a elaboração de tabelas de normas, tanto para a escola particular, quanto para a escola pública.

Os resultados obtidos demonstraram que o desempenho dos alunos da rede pública de ensino foi inferior ao desempenho dos alunos da escola particular. Pode-se inferir aqui que

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Tabela 7 – Percentis do total de pontos do AC em função da escolaridade e para o total da amostra de crianças e adolescentes de escolas particulares (N=143).

Classificação Percentil 2º ano 3º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Totalinferior 1 - 2 - 27 - - - 1

5 - 6 81 29 5 - 37 15médio inferior 10 9 16 84 42 17 37 38 25

20 12 31 93 47 - 49 40 3525 15 33 96 - 37 53 60 39

médio 30 17 34 99 49 39 55 68 4140 22 35 105 56 53 59 71 4950 25 39 110 58 57 69 73 5960 27 42 114 65 65 74 89 6870 33 47 117 71 66 90 96 79

médio superior 75 35 49 118 72 74 - 101 8780 39 52 122 80 95 93 102 9390 42 59 131 107 116 113 114 113

superior 95 - 67 - 125 - 134 - 119muito superior 99 - - - - - - - 141média 24,83 39,38 108,76 64,32 60,00 72,88 77,21 63,12Desvio Padrão 12,77 15,00 16,30 23,30 31,75 26,82 26,24 32,17N 18 26 17 22 14 24 14 143

Tabela 8 – Percentis do total de pontos do AC em função da idade e para o total da amostra de crianças e adolescentes de escolas particulares (N=143).

Classificação Percentil 7 8 9 10 11 12 13 14 Totalinferior 1 - 2 - - - - - - 1

5 - 7 42 46 5 29 - 37 15

médio inferior 10 9 16 45 48 27 33 37 38 25

20 12 26 72 69 41 37 45 45 35

25 16 30 74 87 45 46 54 - 39

médio 30 18 32 76 93 49 51 59 53 41

40 25 34 79 100 51 56 66 64 49

50 27 39 80 106 58 63 71 69 59

60 33 44 81 110 63 67 85 72 68

70 36 50 84 117 65 86 - 81 79

médio superior 75 39 53 89 118 68 100 93 91 87

80 40 57 98 120 71 115 98 98 93

90 42 64 114 129 87 122 120 115 113

superior 95 - 73 - - - - 135 - 119

muito superior 99 - - - - - - - - 141

média 26,72 40,07 81,00 99,56 57,79 70,36 75,52 70,55 63,12

Desvio Padrão 13,20 17,53 18,96 27,53 23,44 31,70 28,33 25,22 32,17

N 18 27 10 18 19 14 23 11 143

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Tabela 9 – Percentis do total de pontos do AC em função da escolaridade e para o total da amostra de crianças e adolescentes de escolas públicas (N=261).

Classificação Percentil 1º ano 3º Ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Totalinferior 1 - - 3 7 10 6 7 - 2

5 1 1 7 17 13 11 12 35 9

médio inferior 10 3 2 17 22 26 25 17 49 17

20 9 9 23 25 39 42 26 59 25

25 14 10 - 29 40 45 28 62 27

médio 30 17 13 26 32 43 46 30 64 30

40 21 23 29 38 49 50 36 66 36

50 25 27 34 43 53 54 41 68 42

60 28 32 43 46 55 62 48 71 47

70 - 35 45 47 67 72 55 79 53

médio superior 75 31 37 46 48 75 75 58 81 55

80 32 42 47 50 79 79 64 84 62

90 42 55 50 54 89 83 79 95 78

superior 95 - - 61 59 95 93 90 - 85

muito superior 99 46 58 67 68 96 96 113 101 103

média 23,06 26,32 34,78 39,56 55,25 56,72 45,53 70,29 43,75

Desvio Padrão 12,62 17,03 14,16 13,17 21,98 21,55 23,40 15,66 22,14

N 16 19 40 41 24 25 79 17 261

Tabela 10 – Percentis do total de pontos do AC em função da idade e para o total da amostra de crianças e adolescentes de escolas públicas (N=261).

Classificação Percentil 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Totalinferior 1 - - - 3 19 - 6 12 - 2

5 4 2 1 17 20 7 9 17 9 9médio inferior 10 5 4 6 20 24 11 17 27 14 17

20 14 10 16 25 27 37 25 38 26 2525 16 13 20 28 30 40 26 40 28 27

médio 30 18 21 23 30 33 44 31 41 30 3040 20 25 26 36 42 46 33 44 40 3650 22 27 31 42 47 53 42 51 58 4260 27 31 34 44 48 57 49 54 65 4770 30 36 37 47 51 70 57 68 70 53

médio superior 75 31 40 44 48 53 72 62 75 74 5580 32 42 46 49 54 75 66 79 79 6290 39 53 51 56 56 79 82 87 92 78

superior 95 - - 63 61 73 95 102 92 100 85muito superior 99 40 58 67 68 80 96 113 94 101 103média 23,00 27,67 30,73 38,58 43,00 52,75 46,47 54,11 53,04 43,75Desvio Padrão 10,46 15,85 16,17 13,63 14,05 23,30 25,25 21,89 27,33 22,14N 10 12 26 43 26 20 43 46 23 261

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alunos de escolas particulares são mais expostos a estímulos visuais e grafomotores, tais como agendas, revistas, livros, gibis, celulares, iPads, entre outros, o que pode justificar o melhor desempenho dos alunos de escola particular no Teste AC quando comparados aos alunos da escola pública.

Com relação aos erros cometidos, os dois grupos obtiveram resultados semelhantes e não diferiram de forma significante, o que denota que não houve diferença no desempenho dos dois grupos relacionada à qualidade dos erros (erros e/ou omissão), mas somente ao número de acertos, sendo este maior entre o grupo de alunos pertencentes às escolas particulares, em detri-mento do grupo de alunos de escolas públicas.

Foram realizadas comparações do desem-penho dos participantes em função do sexo, no entanto, apesar da média do grupo masculino ser mais elevada que a média do grupo feminino, tanto de escolas públicas quanto de escolas parti-culares, a análise dos dois grupos indicou que não houve diferença estatisticamente significante, quando se considerou a amostra em função do sexo e do tipo de escola. Dessa forma, meninos e meninas, de escolas públicas e particulares, obtiveram desempenho similar na capacidade de atenção, não havendo diferenças entre os sexos.

No entanto, o resultado da análise de va-riância entre as médias em função da idade se mostrou estatisticamente significante entre a escola pública e a escola particular. Após a análise para verificar em quais idades ocorreram diferenças significantes entre os alunos da escola particular, foram verificadas diferenças entre as idades de sete anos comparadas com todas as demais idades, com exceção do grupo de oito anos, demonstrando similaridade no desempe-nho de crianças de sete e oito anos. No entanto, há diferenças significantes das crianças de oito anos comparadas às crianças mais velhas de 9, 10, 12, 13, 14 e 15 anos; como também no grupo de dez anos comparados aos pré-adolescentes de 11, 12, 13 e 14 anos.

Resultados similares foram obtidos junto aos alunos de escolas públicas, por meio da mesma análise estatística, onde foram encontradas di-

ferenças significantes das idades de sete anos, quando comparado aos alunos pré-adolescentes de 12, 13, 14, 15 e 16 anos; o mesmo sendo observado com as idades de oito e nove anos quando comparados aos alunos pré-adolescentes de 12, 14 e 15 anos; e dos alunos de dez anos comparados aos de 14 anos.

No entanto, de forma geral, pode-se afirmar que, em ambos os grupos de alunos, tanto de escolas particulares quanto de públicas, as dife-renças significantes apareceram de forma mais frequente ao se comparar as crianças mais novas com as mais velhas.

Estes resultados são compatíveis com outros estudos que relacionam o aumento da capacida-de de atenção aos estágios do desenvolvimento infantil14,15.

A capacidade atencional não é inata, ela vai sendo gradativamente desenvolvida no decorrer dos anos, e somente por volta dos 15 anos de idade é que a atenção com suas características de focalização e tenacidade estará completamente desenvolvida. Espera-se que, por volta dos 5 a 7 anos de idade, a criança já seja capaz de eliminar os estímulos irrelevantes e manter sua atenção vol-tada a um objetivo por períodos relativamente lon-gos e que seja capaz de manter um certo controle sobre as suas emoções e seu nível de atividades motoras16. Os processos de filtragem atencional e os arranjos seletivos, processos necessários para a seleção da atenção, estão, em essência, presentes nas crianças desde a idade mais tenra; entretanto, a velocidade e a eficiência desses processos ten-dem a aumentar à medida que a criança cresce e se aproxima da adolescência17.

A análise de variância indicou que os gru-pos diferiram também em função da variável escolaridade.

No grupo de participantes da escola particu-lar, as diferenças ocorreram entre o 2º ano com todos os demais avaliados; o 3º com 4º, 5º, 6º, 8º e 9º anos; o 4º com o 5º ano; e o 5º ano também se diferenciou de todos os demais anos. No grupo da escola pública, as diferenças ocorreram entre o 1º e 3º anos quando comparados ao 6º, 7º, 8º e 9º anos; o 4º e 5º anos em relação ao 6º, 7º e 9º anos; e o 8º ano também diferiu do 9º ano.

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Esses resultados demonstram que o nível de atenção concentrada tende a aumentar progres-sivamente conforme o aluno também progride em sua série escolar. E este fato poderia explicar, em grande parte, o nível de exigência escolar crescente a cada ano conquistado pelo aluno, com relação ao tempo destinado à realização, à complexidade e natureza das tarefas e ao aumento gradativo da exposição de conteúdos teóricos mais específicos.

Observa-se por meio dos resultados obtidos que a capacidade atencional vai se desenvol-vendo em nível crescente a cada série escolar avançada. O aumento da amplitude dos po-tenciais evocados e da atenção é mal definido na criança de idade pré-escolar, mas vai se formando gradualmente e aparece de forma precisa e estável por volta dos 12 a 15 anos16. É nessa idade que mudanças claras e duradouras nos potenciais evocados começam a surgir não somente nas áreas sensoriais do córtex, como também nas zonas frontais que estão começando a desempenhar um papel mais íntimo nas formas complexas e estáveis da atenção.

O estudo de evidência de validade do desen-volvimento, por meio da correlação de Pearson, apontou que as médias tenderam a crescer conforme o aumento da idade, sendo esta uma característica presente na maioria das faixas etárias, demonstrando evidências de validade do Teste AC para a população de crianças e adolescentes. Esse resultado é corroborado pela teoria sustentada por Anastasi10, que afirma que se espera que, durante a infância, as capacidades aumentem com a idade, e se o teste for válido, os resultados do mesmo também aumentam com a idade.

Verificou-se, também, que a pontuação tendeu a aumentar de forma significativa à medida que a escolaridade foi progredindo, apontando que a capacidade de atenção aumentou à medida que os alunos avançaram na escolaridade.

CONCLUSÕESOs dados do presente estudo demonstraram

que a média de acertos obtidos no Teste AC pelos

participantes pertencentes à escola particular é estatisticamente maior que os obtidos pelos participantes da escola pública. Houve, também, diferenças significantes nos resultados ao consi-derar as variáveis idade e escolaridade, mas não na variável sexo, tanto no grupo de alunos da escola particular quanto no grupo de alunos de escolas públicas.

A análise realizada para verificar a correlação com o desenvolvimento apontou evidência de validade do teste AC para o público de 6 a 16 anos, uma vez que ocorreu um aumento signi-ficativo da pontuação, conforme o aumento da idade dos participantes dessa pesquisa.

Outro estudo de correlação realizado indicou que, à medida que há o aumento da escolarida-de, a pontuação no teste AC tende a aumentar progressivamente.

A partir dos dados coletados e das análises realizadas foram elaboradas tabelas com dados normativos para a população infantil e de ado-lescentes, organizadas por tipo de escola, con-siderando-se as variáveis idade e escolaridade. Algumas limitações se impuseram no desenvol-vimento desta pesquisa, como algumas idades (6 e 16 anos do grupo da escola particular) que foram excluídas das tabelas de percentis, pois não continham participantes suficientes.

Surge a importância de se dar seguimento em outros estudos, utilizando o Teste AC na po-pulação infantil e entre adolescentes com uma amostra maior e também com dados coletados em outras regiões do Brasil, a fim de que os re-sultados possam corroborar com os obtidos na presente pesquisa.

Pode-se concluir que os objetivos iniciais propostos neste estudo foram alcançados e que os resultados obtidos, por meio das análises estatísticas, mostraram-se muito interessantes, permitindo afirmar que a utilização do Teste AC é útil e válida não só para a população adulta, mas também para a população infanto-juvenil. Ele possibilita aos profissionais, pesquisadores e clínicos a inclusão no seu protocolo de ava-liação de mais este importante instrumento, na investigação da atenção concentrada de crianças e adolescentes em nosso país.

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SUMMARYThe use of Concentrated Attention (AC) Test for children and

youth population: a contribution to the neuropsychological evaluation

Attention is considered an important brain function to mental integration and is recognized as the most important prerequisite for the manifestation of intellect and capacity for reflection. The Test AC assesses an individual’s ability to focus, select and keep attention on target stimuli, among various stimuli available. This instrument is standardized for the adult population, making it necessary to expand the standards for other age groups, since it is a valuable resource in the investigation of attention. The aim of this study was to investigate the performance of children and adolescents in AC Test, verify validity evidence and elaborate standardization norms for this population. Participants were a total 404 pupils aged between 6 and 16 years, enrolled between the 1st and the 9th year, public and private schools in a city in the interior of São Paulo. The results showed evidence of developmental validity and significant differences in the variables: type of school, age and education and allowed the development of standardized norms for child and adolescent population, showing to be an excellent resource to be used in neuropsychological assessment of children and adolescents.

KEY WORDS: Attention. Neuropsychological tests. Child development.

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A utilizAção do teste de Atenção ConCentrAdA (AC) pArA A populAção infAnto-juvenil

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Trabalho realizado no Psiquê - Núcleo de Psicologia e Neu ropsicologia Aplicada e Departamento de Pesquisa da Vetor Editora, São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 23/1/2016Aprovado: 11/3/2016

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rELATo DE EXPEriÊNCiA

RESUMO – A dislexia do desenvolvimento, diferentemente da dis-lexia adquirida, pode ser observada desde os primeiros anos escolares. Constitui-se em um transtorno específico nas operações envolvidas no re-conhecimen to das palavras, afetando a fluência leitora e comprometendo a compreensão da leitura em graus variados. Também estão prejudicadas as habilidades de escrita. Na literatura, há diferentes termos para definir dislexia e ainda hoje se busca um consenso maior a esse respeito. Outra questão importante do quadro é que as pesquisas sobre dislexia têm se detido na investigação do perfil do disléxico em idade escolar, visto que as dificuldades por ela acarretadas impactam substancialmente essa etapa. Sendo assim, pouco se sabe sobre a dislexia em indivíduos adul-tos, como evoluíram (ou não) suas habilidades de leitura e escrita, suas principais dificuldades nos vários âmbitos da vida e como repercutiram nas suas escolhas profissionais. Portanto, este artigo visa a apresentar al-gumas definições sobre a dislexia do desenvolvimento, o movimento do corpo científico pelo emprego da palavra transtorno e as características consensuais sobre o tema. Ademais, realiza uma breve revisão de pesquisas que apontam as dificuldades encontradas (nas habilidades de leitura, escrita e consciência fonológica) por adultos disléxicos. Para finalizar, apresenta um estudo de caso, comparando o desempenho em leitura e escrita de um adulto com o diagnóstico e um controle.

UNITERMOS: Dislexia. Transtornos de aprendizagem. Transtornos da linguagem. Adulto.

Correspondência: Sônia Maria Pallaoro MoojenRua João Abott, 333 – sala 502 – Petrópolis – Porto Alegre, RS, Brasil – CEP: 90460-150E-mail: [email protected]

Sônia Maria Pallaoro Moojen – Fonoaudióloga e Psi-copedagoga, Mestre em educação, Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS, Brasil.Ana Bassôa – Fonoaudióloga, mestranda em Neu-rociências, Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (INSCER), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. Hosana Alves Gonçalves – Psicóloga, Mestre em Psi cologia e doutoranda em Psicologia - Grupo Neu-ropsicologia Clínica e Experimental, Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.

CaraCterístiCas da dislexia de desenvolviMento e sua Manifestação

na idade adulta

sônia maria Pallaoro moojen; Ana Bassôa; Hosana Alves Gonçalves

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INTRODUÇÃOExistem dois grandes grupos de dislexia: a

adquirida por lesão cerebral, em que um leitor proficiente perde a habilidade para extrair o significado de informações escritas, e a do de-senvolvimento, presente desde os primeiros anos escolares, persistindo até a vida adulta1-4. A maioria dos estudos sobre a dislexia do desenvol-vimento investiga suas características na idade escolar1,5,6, pouco se sabendo sobre a evolução desse transtorno e suas repercussões na vida social e profissional do adulto disléxico. Além disso, a mídia promove a identificação de dislé-xicos famosos, dando a falsa impressão de que o distúrbio é privilégio de pessoas talentosas. Dessa forma, fica ignorada e/ou marginalizada a grande maioria de indiví duos que, devido a dificuldades acarretadas pela dislexia, encon-tram enormes problemas de adap tação em uma sociedade letrada7. Assim, este artigo apresenta definições da dislexia do desenvolvimento, in-cluindo as características deste quadro e encerra ilustrando as dificuldades encontradas por um adulto disléxico através de um caso clínico.

Com a democratização do ensino, permitindo um grande acesso da população à educação for-mal, ficou evidente o fracasso de alguns alunos na aprendizagem da leitura e da escrita, apesar de demonstrarem uma capacidade intelectual normal. Então, esse insucesso começou a ser estudado por diversas áreas do conhecimen to (Psi cologia, Psicopedagogia, Pedagogia, Fonoau -diologia, Neurologia, Neuropsicologia, entre outras) e muitas hipóteses distintas foram levanta-das para tentar explicá-lo. Entre elas, encontra-se o nível sociocultural, a incompetência da escola e, principalmente, a falta de investimento e de interesse do aluno na aprendizagem. Hoje, entre-tanto, parece existir um consenso sobre a origem neurobiológica e genética do problema8,9.

No entanto, ainda há discordância entre os especialistas de diferentes áreas quanto aos critérios para o diagnóstico desse transtorno, já que a dislexia se manifesta de forma heterogê-nea: comportamental e cognitivamente. Acresce a isso o fato de o distúrbio frequentemente vir

acompanhado e ser agravado pela presença de outros transtornos, como a discalculia10, o trans-torno do déficit de atenção e hiperatividade e distúrbios de conduta11.

Outro fator de divergência, entre os estudio-sos da área, refere-se à abrangência da definição do termo dislexia, que chega a designar, inade-quadamente, qualquer dificuldade na leitura e na escrita como “dislexias de desenvolvimento”. Tal problema diminui a confiabilidade de alguns dados epidemiológicos.

Uma questão ainda passível de discussão está relacionada ao papel do coeficiente intelectual no diagnóstico de dislexia do desenvolvimento.

Recentemente11 passaram a ser incluídos nes-se diagnóstico indivíduos com QI total 70 + 5,

considerando que as dificuldades relativas à aprendizagem da leitura e escrita excederiam as esperadas para o baixo nível intelectual. Entretanto, essa posição não encontra amplo consenso entre os pesquisadores que perma-necem defendendo que esse transtorno afetaria um subconjunto de indivíduos, com capacidade intelectual normal ou superior (QI + 85), uma vez que é difícil diferenciar as especificidades de cada um dos quadros.

CONCEITOS E CARACTERIZAÇÕES DA DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO Os conceitos de transtorno específico de apren-

dizagem da leitura e de dislexia são usados como sinônimos pela literatura e, em algumas publica-ções, existe o uso dos dois termos ou de um só. Os principais manuais diagnósticos, DSM-V11 e CID 1012, apresentam algumas distinções na forma como caracterizam o transtorno.

No DSM-V, as características diagnósticas do chamado transtorno específico de aprendizagem (TEA) com prejuízo de leitura incluem dificul-dades persistentes para aprender habilidades acadêmicas fundamentais (critério A), com iní-cio durante os primeiros anos de escolarização formal. Essas habilidades incluem leitura exata e fluente de palavras isoladas e compreensão da leitura. As dificuldades nesses domínios, con firmadas por meio de testes padronizados

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administrados individualmente, devem afetar significativamente o desempenho acadêmico ou profissional ou nas atividades cotidianas que exigem habilidades de leitura (critério B). Embo-ra essas falhas iniciem-se durante os primeiros anos escolares, elas podem não se manifestar até que as exigências pelas habilidades acadêmicas deficitárias excedam as capacidades limitadas do indivíduo (critério C). Esse impacto na aprendi-zagem não deve ser explicado pela presença de déficits sensoriais, intelectuais, transtornos men-tais ou neurológicos, fatores sociais, ambientais e escolares que prejudiquem a aprendizagem (critério D). O texto apresenta uma nota onde a dislexia é considerada um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades que inclui as habilidades supracitadas e dificul-dades ortográficas. Nesse manual, os conceitos de TEA com prejuízo na leitura e dislexia são considerados sinônimos, não havendo uma clara referência de que a dis lexia seria a versão mais grave do transtorno.

O CID-1012 define o transtorno específico de leitura como um comprometimento significativo do desenvolvimento das habilidades da leitura, não atribuível exclusivamente à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada. A capacidade de compreensão da leitura, o reconhecimento das palavras, a leitura oral e o desempenho de tarefas que necessitam da leitura podem estar todos comprometidos. O transtorno específico da leitura inclui, frequen-temente, dificuldades de soletração (ortografia).Todos estes sintomas persistem por toda a vida, mesmo quando o indivíduo tenha obtido alguns progressos na leitura. As crianças que apresen-tam este quadro, frequentemente, têm antece-dentes de transtornos da fala ou de linguagem. O transtor no pode trazer conse quências emocio-nais e comportamentais durante a escolarização que podem permanecer na vida adulta.

Apesar de hoje, ambos os manuais diagnós-ticos, em sua essência, ressaltarem as mesmas dificuldades, nem sempre foi assim. Tannock13 destacou as importantes mudanças desses com-pêndios ao compará-los às suas edições anterio-

res. A autora destaca que, nas versões mais re-centes, há referência à natureza multidimensional do distúrbio, pela inserção, desde o DSM-IV-TR, da especificação: problema na precisão, veloci-dade ou compreensão, bem como a referência à lentidão tanto da leitura oral como silenciosa. Já no CID 10, a autora valoriza a mudança na manifestação do distúrbio evolutivo da criança, do adolescente e do adulto, o que não aparece no DSM-IV-TR, mas que é retomado no DSM-V.

Compreendendo que o conceito de dislexia sofreu mudança nos últimos 14 anos, é fácil entender como é possível encontrarmos varia-ções em sua definição. Uma dessas mudanças refere-se ao uso das expressões dificuldades e distúrbios de aprendizagem, muito empregadas nas definições do quadro antes que houvesse um consenso relacionado ao termo transtorno. A dificuldade no uso comum de um termo está relacionada a uma variedade de fatores que in-cluem: a ampla gama de áreas do conhecimento dedicadas ao seu estudo; a importante frequên-cia de comorbidades associadas10; e a problemas relacionados à tradução de termos para o por-tuguês. A palavra transtorno foi escolhida pelos organizadores dos manuais de diagnósticos que, embora reconheçam a falta de exatidão, justificam seu emprego para evitar problemas ainda maiores, que vinculem esse conjunto de sintomas aos termos doença ou enfermidade12.

No Brasil, a pesquisadora Capellini14 afirma que empregou o termo distúrbio específico da leitura como sinônimo de dislexia, visto que tanto a literatura nacional como internacional os utilizava como equivalentes. Outros autores se referem à dislexia como uma dificuldade de aprendizagem15, caracterizada por um déficit significativo na decodificação de palavras es-critas, apesar de uma adequada instrução e de habilidades cognitivas gerais preservadas. Esse prejuízo seria reflexo de falhas no componente fonológico da linguagem.

Entretanto, o conceito de transtorno, recen-temente, vem ganhando força no cenário nacio-nal. Um exemplo disso é o Relatório Técnico do Comitê de Especialistas do Instituto para o De-

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senvolvimento do Investimento Social (IDIS)16, onde a dislexia é definida como um transtorno específico e persistente da leitura e da escrita, de origem neurofuncional, caracterizado por um inesperado e substancial baixo desempenho da capacidade de ler e escrever, apesar da adequa-da instrução formal recebida, da normalidade do nível intelectual, e da ausência de déficits sensoriais. O disléxico responde lentamente às intervenções terapêuticas e educacionais espe-cíficas. Porém, somente com essas intervenções adequadas pode melhorar seu desempenho em leitura e escrita. O prognóstico depende ainda de diversos facilitadores com precocidade do diagnóstico, o ambiente familiar e escolar.

Apesar de uma aparente definição, encon-tram-se autores que ainda defendem qualquer dificuldade no aprendizado da leitura e escrita como dislexia do desenvolvimento e, dessa ma-neira, defendem que pode haver remissão total dos sintomas. Entretanto, com base nos achados de diversos estudos, este trabalho defende as de-finições empregadas pelos manuais diagnósticos na medida em que atribuem à dislexia o caráter neurobiológico e permanente, que apresenta, em graus variados, remissão parcial dos sintomas no de correr da vida.

Atualmente, pode-se reconhecer que o con-junto de características abaixo representa um consenso entre os especialistas: • éum transtornoespecífico significativo

e inesperado de linguagem que afeta as habilidades nucleares da leitura (precisão, fluência e, frequentemente, compreensão) e da escrita (ortografia e produção textual);

• possuifortetendênciagenética,sendoahistória familiar considerada um fator de risco;

• é de origemneurobiológica, associadoa diferenças funcionais no hemisfério esquerdo;

• supõe,comodéficitprimário,inabilidadesdo processamento fonológico;

• envolvedéficitsnamemória fonológicaque limitam a capacidade de registrar, armazenar e evocar informações verbais;

• éumacondiçãocrônicaquepersisteatéa vida adulta, podendo ter atenuações pe lo desenvolvimento de estratégias com-pensatórias ou evoluir para abandono da escola e/ou distúrbios comportamentais;

• ocorreemsujeitosquetêmvisãoeaudi­ção normal ou corrigida e que não são por tadores de problemas psiquiátricos ou neu rológicos graves que possam justificar por si só as dificuldades.

CARACTERÍSTICAS DA DISLEXIA DE DE-SENVOLVIMENTO EM ADULTOSDe uma maneira geral, as características da

dislexia na infância e na idade adulta não se distinguem significativamente, uma vez que não há uma remissão total dos sintomas. Algu-mas nuances relativas à evolução do problema são aqui apresentadas, embora a maioria delas precise ser mais bem investigada.

Shaywitz6 destaca que a deficiência fonoló-gica, característica da dislexia, é persistente ao longo da vida. Nas crianças, essa deficiência afeta primariamente a precisão, enquanto que, nos adultos, afeta a velocidade da leitura. Ou seja, os adultos disléxicos lêem lentamente e de maneira trabalhosa, não são fluentes. Isto é corroborado por estudos com imagens cerebrais, indicando que adultos disléxicos nunca passam a utilizar um circuito neural de leitura automáti-ca, necessária à leitura fluente. A dependência de caminhos neurais secundários resulta em leitura precisa, mas lenta.

Tannock13 especifica algumas características apresentadas pelos alunos disléxicos do ensino médio e superior: leitura lenta e com esforço tanto de palavras isoladas como de textos; di-ficuldades na pronúncia de palavras polissíla-bas; falhas significativas na escrita ortográfica; necessidade frequente de releitura; problemas em fazer inferências a partir de textos escritos. Aponta também o fato de os disléxicos evitarem atividades que demandem leitura, seja por pra-zer, seja para seguir instruções.

Outro aspecto interessante destacado pela literatura é que adultos jovens, com problemas

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persistentes na precisão e na fluência da leitura, parecem desenvolver mecanismos compensa-tórios para enfrentar o texto escrito, tal como o apoio em estratégias baseadas no contexto e na memória mais do que em estratégias analíticas para ajudar na identificação de palavras13,17.

Bruck2, em um estudo comparativo entre disléxicos universitários e alunos de 6ª série (não-disléxicos), constatou que os disléxicos são mais lentos para ler palavras e pseudopalavras, beneficiando-se mais do contexto ao ler, enquan-to os alunos de 6ª série evidenciam rapidez igual para leitura de palavras isoladas e em contexto. Essa lentidão também pode ser explicada pela lentidão da integração entre áreas cerebrais responsáveis pela associação entre fonemas e grafemas18. Assim, apesar de um esforço continu-ado ao longo dos anos, os dis léxicos não automa-tizam plenamente as operações relacionadas ao reconhecimento de palavras, empregando mais tempo e energia em tarefas de leitura, ou seja, os leitores hábeis automatizam o reconhecimento das palavras, e os disléxicos, não.

Rüsseler et al.19 avaliaram habilidades como julgamento semântico, de rima e de gênero em disléxicos adultos e leitores normais. A pesquisa visava analisar o uso de potenciais cerebrais relacionados a eventos para investigar se existia diferença nos processamentos semânticos, fo-nológicos e sintáticos. Os resultados indicaram que, nas três tarefas, os leitores normais foram mais rápidos do que os disléxicos e que a inte-gração sintática e semântica pareceu exigir mais esforço de leitores disléxicos.

Outro estudo conduzido por Bruck20 procurou investigar a habilidade de consciência fonoló-gica de crianças disléxicas, de adultos com o mesmo diagnóstico na infância e de bons leitores em diferentes níveis de leitura. Disléxicos, quan-do comparados a leitores com mesma idade ou com mesmo nível de leitura, não possuem níveis de consciência fonológica adequados, embora, eventualmente, apresentem desempenho satis-fatório em tarefas envolvendo onset e rima. A consciência fonêmica de disléxicos entre oito e dezesseis anos encontra-se abaixo do esperado

para a idade e, mesmo com o aumento do nível de leitura, desenvolve-se muito pouco ou não se desenvolve. Padrões similares foram encontra-dos em disléxicos adultos. Isso quer dizer que os déficits na consciência fonêmica permanecem mesmo em disléxicos com altos níveis de reco-nhecimento de palavras. Diferentemente do que se observa em leitores normais, a consciência fonológica de disléxicos não parece estar corre-lacionada com a idade ou com o nível de leitura.

Kemp et al.21 realizaram um estudo cuja amostra foi constituída por 29 disléxicos adul-tos na universidade e 28 estudantes normais. Os participantes escreveram palavras reais de-rivadas e pseudopalavras, cuja relação com a escrita em sua forma básica foi categorizada como: fonologicamente simples, fonologica-mente complexa, ortograficamente simples e or tograficamente complexa. Os participantes disléxicos apresentaram desempenho inferior na escrita de todas as categorias de palavras e pseudopalavras. Segundo os autores, disléxi-cos com sucesso acadêmico usam habilidades fonológicas na escrita de palavras familiares, embora tenham dificuldades na memorização de padrões ortográficos. Como consequência dessa dificuldade, a escrita de palavras não familiares, que não possuem pistas fonológicas ou regras ortográficas, encontrou-se prejudicada. Outros estudos confirmam a presença marcante de problemas ortográficos em adultos disléxicos22.

No Brasil, destaca-se um estudo publicado por Capellini et al.23. Os autores realizaram uma pesquisa na região oeste de São Paulo, com o objetivo de caracterizar o desempenho em cons ciência fonológica, memória operacional, leitura e escrita de indivíduos com dislexia e de seus familiares também disléxicos. Todos os participantes selecionados tinham, no mínimo, oito anos de idade e apresentavam pelo menos outro parente com dificuldade para aprender em três gerações. Os resultados sugeriram que os disléxicos e os seus familiares com o mesmo diagnóstico apresentaram desempenho inferior ao grupo controle nas provas de nomeação rá-pida, leitura, escrita e consciência fonológica.

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Segundo os autores, as alterações encontradas são decorrentes da interação entre a suscetibili-dade genética e o meio ambiente, determinando, assim, o quadro da dislexia.

Em suma, com base nos estudos supracitados, observa-se que, nos adultos com dislexia, per-sistem alterações na consciência fonológica, na leitura e na escrita. Contudo, as pesquisas que identificaram tais falhas são, em sua maioria, conduzidas em países estrangeiros. Esse dado reforça a necessidade de se realizar mais estudos que identifiquem o perfil de disléxicos adultos brasileiros em habilidades de leitura e de escrita e correlatos, visto que a manifestação da dislexia sofre influências da transparência da linguagem escrita em diferentes idiomas24.

Ademais, Reid et al.5 comentam que, normal-mente, as pesquisas sobre as dificuldades dos adultos disléxicos são superficiais e focam ape-nas as habilidades de leitura desses indivíduos. Na visão dos autores, as principais dificuldades desses adultos são demonstradas em sua vida social e, principalmente, no ambiente de traba-lho. Sendo assim, é necessário que as pesquisas realizadas com esse público também valorizem a exploração dessas questões.

A seguir é apresentado o caso de um disléxico adulto comparado a um controle sem queixas de aprendizagem. Os dois participantes foram emparelhados por idade, sexo, nível intelectual, formação acadêmica e anos de escolaridade.

ESTUDO DE CASOM., 24 anos, aluno do curso de História de uma

Faculdade do interior do RS, procurou avaliação psicopedagógica por suspeitar ser disléxico. A demanda surgiu no último ano da faculdade, uma vez que não conseguia redigir a monografia, requisito para conclusão desse curso.

Suas dificuldades começaram nos primeiros anos escolares, tendo recebido a incumbência de um professor de 2ª série de ler um dicionário para aprender a escrever certo. Foi reprovado na 3ª e 5ª séries, referindo ter-se tornado “malan-dro”, a partir de então.

Os dois participantes, caso e controle, foram

avaliados com as seguintes tarefas de leitura e de escrita:• Decodificação de sílabas complexasi25:

ava liação da rota fonológica de leitura através de 136 sílabas complexas. Além do número de erros cometidos durante a lei-tura, cronometra-se o tempo de execução;

• Decodificaçãodepalavrasepseudopala-vras26: leitura de palavras (40) e pseudo-palavras (10) isoladas;

• Leituratextual­textoextraídodotesteAva-liação da Compreensão Leitora de Textos Expositivos27: essa tarefa avalia habilida-des de decodificação, velocidade (número de palavras total por minuto), fluência e compreensão da leitura através da leitura de um texto intitulado O Mar Morto;

• DitadoBalanceado26: lista de 50 palavras que fornecem ambiente para ocorrência da grande maioria das dificuldades alfa-bético-ortográficas, refletindo, de forma mais aproximada possível, a frequência de uso da letra no vocabulário da Língua Portuguesa;

• Ditadopara3º anodoEnsinoMédio2i: composto de uma lista de 24 palavras com dificuldades ortográficas relacionadas às irregularidades da língua;

• Decisãoortográfica3i: consta de 48 pala-vras que priorizam dificuldades ortográ-ficas relacionadas às irregularidades da língua. A aplicação envolve duas etapas: palavras escritas sob ditado e escolha da grafia correta entre 2 a 4 possibilidades;

• ProduçãoTextual:ésolicitadaaproduçãode narrativa autobiográfica com o título de Minha História Escolar para avaliação da coerência textual, volume do relato, número de palavras escritas e número de palavras escritas incorretamente.

No momento da avaliação psicopedagógi-ca, M estava com nível intelectual estimado em superior (QI Total=122). Na Tabela 1, são

i Estes testes ainda se encontram em construção (Moojen) e não foram publicados.

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apresentados os resultados de M em tarefas de leitura em comparação a seu controle saudável (QI Total = 118).

Na avaliação psicopedagógica, evidencia-ram-se dificuldades significativas para decodi-ficação de sílabas complexas, de palavras, de pseudopalavras. A leitura de texto é lenta, vaci-lante, sem ritmo, com substituição de palavras de perfil semelhante. Entretanto, apresentou bom nível de compreensão do texto quando observamos seus acertos nas questões dirigidas, relatando gostar de ler (Tabela 1).

Com relação à compreensão leitora, cabe mencionar o estudo de Bruck2, em que adultos disléxicos apresentaram altos níveis de com-

preensão. A autora propõe que capacidades básicas de decodificação são suficientes para que o disléxico consiga extrair o significado das informações escritas. No entanto, a velocidade com que o faz permanece muito mais lenta. Ela também ressalta a importância que exercem as altas capacidades cognitivas medidas pelo QI, as demais habilidades linguísticas e o conhecimento geral do sujeito para compensar as dificuldades de decodificação. Ademais, é preciso ressaltar que esse sujeito realizou um curso universitário que exige muita leitura e, com isso, ele necessitou criar estratégias para dar conta dessa demanda.

Na Tabela 2, apresentam-se os resultados nas tarefas de escrita.

Tabela 1 – Desempenho de M comparado ao participante controle em tarefas de leitura.

Disléxico Controle

Decodificação de sílabas complexas

Percentual de erros 7 3

Tempo (segundos) 220 117

Decodificação de palavras e pseudopalavras

Percentual de erros 6 4

Tempo (segundos) 102 47

Leitura textual Palavras por minuto (leitura silenciosa) 117 248

Palavras por minuto (leitura oral) 110 177

Compreensão (percentagem de proposições) 18 32

Compreensão (percentagem de acertos nas questões) 70 70

Tabela 2 – Desempenho de M comparado ao participante controle em tarefas de escrita.

Disléxico Controle

Ditado Balanceado (erros) Conversor fonema/grafema 2 1

regras contextuais simples 6 __

regras contextuais complexas 9 1

irregularidades da língua 16 2

Total de erros 33 4

Ditado para 3º ano de Ensino médio Total de erros 21 3

Escrita e Decisão ortográfica (erros) Escrita 21 2

Decisão 19 3

Erros coincidentes 8 1

Produção textual Palavras escritas 174 214

Palavras escritas com erros 16 __

Porcentagem de palavras escritas com erros 9 __

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Considerando os padrões para o Ditado Ba-lanceado26, M. apresenta desempenho compa-tível com estudantes de 3ª série do ensino fun damental no desempenho ortográfico. Na ta refa de Ditado para 3º ano de Ensino Médio4i, o desempenho do paciente mostrou-se muito inferior ao de estudantes saudáveis deste ano escolar (cuja média de erros é de 7,25). O mesmo ficou evidenciado nas demais tarefas quando comparado ao caso controle.

Ao ser solicitado a produzir um texto sobre sua história escolar, redigiu o seguinte:

“No ano de 2001 prestei vestibular para o curço de relações publicas na univerci-dade de........., passei e comecei a curçar trez cadeiras na outra metade passei para o curço de História e deste momento em diante passei a curçar 11 cadeiras para poder tirar o atrazo dos anos que na freqüentei a escola porque fiquei quatro anos parado em casa que morava em... com meus pais.

Fiz o meu curso em 3 anos e meio ou melhor 3 anos meio tive que esperar devido ao tempo mínimo ezigido pelo meque.

No 3 semestre fiz 9 cadeiras onde uma delas ela era a monografia Tive que trancar devido que não conseguía a es-crevero que propunha ao professor no 4 semestre fiz denovo e mais uma vez tive que trancar agora estou tentando de novo o professor num dia dise para eu procurar a professora T, porque achava que eu era Dislequiso eu fui mas ela não pode me ajudar muito fez o que era possível ao alcance.”

Nessa produção textual, além da alta fre-quência de erros ortográficos, há problemas de pontuação e sintaxe que não comprometeram, significativamente, a compreensão do texto pelo leitor.

O diagnóstico de dislexia foi encaminhado para a instituição acadêmica com orientações

sobre o caso. A principal delas foi a realiza-ção de provas orais. A pró-reitora comentou, posteriormente, que não conseguia entender como M. podia ser tão inteligente, mas tão mal alfabetizado.

Dotado de uma boa expressão oral, M. com-pensou muitas de suas dificuldades, passando despercebido pela grande maioria dos profes-sores. M. conseguiu obter o diploma e, com o atestado de portador de dislexia, foi aprovado em 1º lugar em três concursos públicos para professor de História.

REFLEXÕES FINAISNo Brasil, poucos disléxicos chegam até a

Universidade, embora esse número venha au-mentando nos últimos tempos, em função de adaptações feitas nos processos seletivos dos concursos públicos de diferentes níveis. São oferecidos leitores e escritores para o momento da prova e um tempo maior para a sua realiza-ção. Tais medidas têm sido fundamentais para o acesso ao ensino superior, mas não suficien-tes, uma vez que, durante o curso, não existem outras adaptações, e muitos disléxicos acabam marginalizados, chegando, por vezes, a desistir da formação acadêmica.

Considerando o acesso mais frequente do disléxico à educação universitária, é necessário conhecer melhor o seu perfil, analisando como evoluíram, ou não, suas habilidades de leitura e de escrita, bem como as principais dificuldades enfrentadas por eles nos diversos âmbitos de sua vida. Esse conhecimento facilitaria, em pri-meiro lugar, a desmistificação das dificuldades do disléxico que obstaculizam o acesso à vida acadêmica e profissional e, em segundo lugar, ampliaria as possibilidades de adaptações re-queridas nesses locais.

Questões como: Quais as nuances da evo-lução das habilidades de leitura e escrita da infância à idade adulta? Haveria diferenças entre os que descobriram a dislexia somente na vida adulta e aqueles que já “carregam” o diagnóstico desde a infância? Que diferenças seriam estas?

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Como as dificuldades persistentes na leitura e escrita interferem na vida social e profissional desses indivíduos?

Acredita-se que estes questionamentos pos-sam ser úteis para estimular a condução de novas

pesquisas. Por outro lado, suas respostas servirão para auxiliar na criação de leis que amparem de forma adequada e permitam assim a inserção dos disléxicos, de maneira mais efetiva, na vida acadêmica e profissional.

SUMMARYCharacteristics of development dyslexia and

its manifestation in adulthood

Developmental dyslexia (DD), contrary to acquired dyslexia, can be observed since the first school years. It is a specific disorder in word recognition operations, which affects the reader’s fluency and impairers his reading comprehension in various degree. The reader’s writing abilities are also affected. In current literature various terms have been used to refer dyslexia. Today we seek a greater consensus in this regard. It is also important to point out that research on dyslexia has been focused on school children profile, due to the fact that it is in this period that difficulties resulting from DD have a greater impact. Consequently, little is known about dyslexia on adult subjects, how their reading and writing abilities evolved (or not), their main living difficulties in many ways, and how the disorder affected their professional choices. This paper presents the main definitions found for DD and how the term “disorder” and its respective characteristics came to be consolidated by scientists. A brief review of research that points the difficulties adult dyslexics have in reading and writing abilities, as well as in phonological awareness is also carried out. To close, a case study. It compares the results obtained in the reading and writing performance of a subject with DD diagnosis and a control subject.

KEY WORDS: Dyslexia. Learning disorders. Language disorders. Adult.

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Trabalho realizado no consultório particular das au-toras, Porto Alegre, RS, Brasil.

Artigo recebido: 4/2/2016Aprovado: 2/4/2016

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – O presente trabalho tem como objetivo apresentar a uti-lização de leitura de textos literários na intervenção psicopedagógica com um adolescente. Ele mostrava-se nas sessões como o bebê de sua mãe e na escola sofria bullying, queixando-se de ser zoado e isolado pela turma. Na tentativa de ser aceito pelos colegas, submete-se a eles, assumindo o lugar de bobo da classe. O valor terapêutico da literatura tem sido defendido por diferentes autores. Candido, quando afirma que a literatura tem o poder de humanização, Benjamin, que vê uma relação entre narrativa e cura, e Petit, quando estuda a leitura em espaços de crise. O texto literário por sua potência de construção e de abertura de sentido oferece ao leitor possibilidades para romper o aprisionamento de sentido único. Herrmann propõe o método da psicanálise, a interpretação, entendida como ruptura de campo e motor do processo terapêutico. É através desta que as regras que aprisionavam o sujeito emergem, criando possibilidade da construção de novos sentidos. Barone sustenta a utilização do método psicanalítico – a ruptura de campo – na clínica das dificuldades de aprendizagem, na qual

CorrespondênciaSonia Saj Porcacchia Programa de Pós-Graduação em Psicologia Edu ca-cional – Centro Universitário FIEO Av. Franz Voegelli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil – CEP: 06020-190.E-mail: [email protected]

Sonia Saj Porcacchia – Psicopedagoga Clínica (UNIFIEO); Psicanalista (Instituto Sedes Sapientiae/SP); Doutoran da em Psicologia Educacional pelo Cen-tro Universitário FIEO (UNIFIEO); Docente do Curso de Graduação e Pós-Graduação em Psicopedagogia no Centro Universitário FIEO (UNIFIEO), São Paulo, SP, Brasil.Leda Maria Codeço Barone – Psicanalista pela So-ciedade Brasileira de Psicanálise (SBP/SP); Doutora em Psicologia Escolar (USP); Psicopedagoga Membro do Conselho Vitalício da Associação Brasileira de Psicopedagogia; Docente do Programa de pós-gra-duação em Psicologia Educacional do Centro Uni-versitário FIEO (UNIFIEO), São Paulo, SP, Brasil.Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa – Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Psi-cologia Escolar e Desenvolvimento Humano da USP. Bolsista de Pós-Doutorado pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional da UNIFIEO, São Paulo, SP, Brasil.

a literatura CoMo intervenção PsiCoPedagógiCa CoM adolesCente

sonia saj Porcacchia; Leda maria Codeço Barone; Beethoven Hortencio rodrigues da Costa

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INTRODUÇÃOSabemos que “a literatura, oral ou escrita é

fonte e reservatório de toda produção humana, em qualquer cultura, e através dela o homem reinventa-se continuamente. Síntese do passado, e semente do futuro a literatura oferece ao leitor a forma do humano, levando-o a compreender melhor a si e a seu mundo”1.

Para Candido2, a literatura “desenvolve em nós a quota de humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o semelhante”. Como o autor, entendemos por humanização o desenvol-vimento dos traços essenciais do homem como “o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos proble-mas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”2.

Apoiado nos pressupostos acima descritos por Candido2, especialmente, de que a litera-tura possibilita a capacidade de penetrar nos problemas da vida, este trabalho trata de uma intervenção psicopedagógica realizada com um adolescente utilizando-se a literatura. Com encontros semanais, de cinquenta minutos, a lei-tura de texto literário foi o instrumento principal neste trabalho. Ele consistia inicialmente na leitura, realizada pela psicopedagoga, de textos literários que eram escolhidos pelo adolescente a cada encontro. Após a leitura, o adolescente era convidado a falar sobre o que sentiu ou pensou

sobre o texto lido. Os autores consideram como campo clínico as sessões de leitura de textos literários com o adolescente, reconhecendo o método psicanalítico – a interpretação – entendi-da como a operação do campo transferencial que visa produzir uma “ruptura de campo” que leva o adolescente a pensar sobre situações de sua própria vida. Vamos relatar duas situações em que a leitura de literatura provoca o adolescente a falar de si mesmo, favorecendo o surgimento de angústias, de sofrimentos vividos e, ao mesmo tempo, possibilidade de narração e ressignifica-ção das dores.

O EFEITO HUMANIZADOR E O VALOR TERAPÊUTICO DA LITERATURACandido2 entende por literatura todas as

criações de toque poético, ficcional ou dramá-tico, desde folclore, lenda, chiste até as formas difíceis e complexas de produção escrita das grandes civilizações.

Segundo Candido2, as produções literárias possuem um efeito humanizador, que se mostra em pelo menos três faces: na primeira, a lite-ratura é uma espécie de objeto construído com estrutura e significado, ou seja, com sua “al-ternância regulada de sílabas tônicas e síla bas átonas, o poder sugestivo da rima, a cadência do ritmo – criaram uma ordem definida que serve de padrão para todos”2, o que permite a huma-nização e a transformação dos sentimentos de mera emoção para o da forma construída, que assegurando assim a generalidade e a perma-

apenas a segurança metodológica sustenta o trabalho do terapeuta que poderá inventar sua técnica através do uso da literatura. Os resultados demonstram que a leitura de textos literários criou situações humanas nas quais foi possível refletir sobre a própria situação de vida do adolescente. A leitura também propiciou a construção de seus conhecimentos cognitivos e o interesse pelo significado das palavras, postulado por Candido como uma terceira face significativa da literatura.

UNITERMOS: Literatura. Bullying. Adolescente.

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nência. Na segunda face, como uma forma de expressão a literatura “manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos”, uma vez que, “a produção literária tira as pala-vras do nada e as dispõe como todo articulado [...] comunica-se ao nosso espírito e o leva, pri-meiro a se organizar; e, em seguida, a organizar o mundo”2. E, ainda, como uma terceira face ela é “uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente”, en-riquecendo a nossa percepção e a nossa visão do mundo2. Sendo assim, a literatura está entre as manifestações ficcionais de uma sociedade e é fator indispensável de humanização.

Segundo Meneses3, a literatura apresenta um universo ficcional que reflete a nossa con-dição humana, ajuda-nos a organizar a nossa experiência, permite expressar e verbalizar nossas emoções, sensações e vivências que não conseguimos nomear. A “literatura promove uma passagem do nosso caos de sentimentos e percepções a um cosmos, mundo organizado”3. Também, ela oferece o acesso ao simbólico, organizando nossas experiências, percepções e sentimentos confusos, articulando-os em pala-vras, transformando-os em linguagem.

No entanto, nem sempre a leitura solitária pode abrir essa “passagem do Caos ao Cosmos: criação, organização”3. Acreditamos que, algu-mas vezes, seja necessário que, após a leitura, tenhamos a presença de alguém que nos ouça, para que a verbalização de nossas situações existenciais seja feita “para um Outro, (numa situação transferencial) que fornece a possibili-dade de reorganizar o próprio mundo interior”, esclarece Meneses3. Essa narrativa não deve ser lógica, ordenada ou cronológica, e sim descon-tínua, sincopada, no qual o passado se misture com o presente, e numa associação livre, alea-toriamente os eventos ficam sobrepostos, mis-turados a reflexões e cogitações. Dessa forma, as situações traumáticas podem ser recordadas, revividas e, possivelmente, ressignificadas no sentido profundo, no nível dos afetos. Ainda, para Meneses3, o fato de essa recordação acon-tecer em comunhão com o Outro e partilhada

emocionalmente em seu sentido profundo, em um campo transferencial, abre-se possibilidades para que uma nova história de vida possa ser reconstruída e, assim, encontrar, talvez, algum sentido.

Entendemos que a atenção é a forma primeira de amor e somado a ela vem o acolhimento da fala, que transpõe em palavras as vivências e as situações existenciais de alto tônus afetivo, sentimentos e emoções. Assim, é a partir da fala e da narrativa, que esses sentimentos e emo-ções poderão ser reconhecidos, configurados e integrados ao psiquismo, estabelecendo-se significativos laços associativos. E, pelo fato de dar forma aos sentimentos e a visão do mundo, nos organiza, nos liberta do caos e nos humaniza, conforme entende Candido2.

O valor terapêutico da literatura tem sido de-fendido por diversos autores e entre eles destaca-mos Michèlet Petit4 e Walter Benjamin5. Este vê uma relação importante entre narrativa e cura, na qual narrar uma história significa possibilitar “o clima apropriado e a condição mais favorável de uma cura”. Ele indaga:

[...] não seria toda doença curável se ela se deixasse levar pela correnteza da narração até a foz? Se considerarmos a dor uma barreira que bloqueia a corrente da narração, podemos ver claramente que ela se quebra quando o declive é suficientemente acentuado para arrastar tudo que encontra em seu caminho em dire ção ao oceano do venturoso esque-cimento. O afago desenha um leito para essa correnteza5.

E, Petit4 defende a função reparadora da leitura, ressaltando que “uma obra é capaz, li-teralmente, de nutrir a vida”. A autora estuda a importância da leitura nos espaços de crise (como guerra, violência, deslocamentos força-dos, etc), e ainda considera muitas vezes que o próprio sujeito é em si mesmo um espaço em crise, com a perda total do sentido de viver e uma inibição das funções mentais. Abrimos um parêntese aqui para lembrar que esse é o caso do jovem adolescente isolado e solitário, com sé-

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rias dificuldades de relacionamentos que vamos relatar neste trabalho.

A autora sugere três hipóteses essenciais no qual a leitura de literatura possa promover uma função terapêutica e uma elaboração de senti-dos: a primeira delas é o fato da leitura criar um espaço de intersubjetividade, de acolhimento e hospitalidade a partir de um encontro perso-nalizado para ouvir o outro; a segunda é que a leitura dá um lugar de sujeito, no qual se fale em nome próprio, possibilitando-se, assim, “um espaço psíquico, como sustentar um processo de autonomização, de constituição de uma po-sição de sujeito”; e, por último, quando a leitura desencadeia uma atividade narrativa interna, possibilitando uma verdadeira apropriação, o que Petit4 entende como “uma metáfora em que o corpo é tocado”. Enfim, que a leitura recrie um bom espaço de segurança e de confiança para que se reencontre a capacidade de restabelecer os laços seja com o mundo interno, seja com o externo, para que se recupere a capacidade de simbolizar, aprender, pensar, criar.

Sendo assim, acreditamos que ouvir história é se reconhecer, narrar a sua própria história, criar mundos imaginários e criar espaços inter-nos. No nosso caso, e a história lida possibilitou ao adolescente a oportunidade de poder falar de si mesmo, e a partir daí se implicar, assumindo então uma posição ativa, quando faz uso do termo “EU”.

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE À INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICAA Psicopedagogia pode trabalhar a partir de

diferentes enfoques desde aqueles que enfati-zam apenas os aspectos cognitivos e instrumen-tais da aprendizagem até aqueles que incluem o sujeito que aprende com suas questões afeti-vas e emocionais a partir de uma perspectiva psicanalítica.

Sendo assim, a partir da Psicanálise, Barone6, sob a perspectiva da Teoria dos Campos de Fabio Herrmann7, mostra a importância da mudança da técnica em função da dificuldade encontrada

no atendimento do paciente e uma necessária adaptação do psicoterapeuta neste sentido.

Segundo Herrmann7, “um campo” é aquilo que determina e delimita qualquer relação hu-mana, como o tema ou assunto determina um diálogo. Campos são regras de organização, dizem o que faz sentido num assunto e o que não faz parte dele, dizem, sobretudo que sentido faz o que está no campo. Ao se dissolver, por ruptura, o campo mostra, portanto, os pressupostos que dominavam uma certa forma de pensar e de sentir, que forças emocionais estavam em jogo e qual a sua lógica.

Barone6 sustenta a utilização do método psi-canalítico – “a ruptura de campo” – como um interessante e promissor método para a clínica dos problemas de aprendizagem. Afirma que, apenas a segurança metodológica sustenta o trabalho do terapeuta, que poderá inventar sua técnica por meio do uso da literatura, dramati-zação e outras diante da dificuldade de aprendi-zagem. Para essa autora, a mudança da técnica pode ser feita porque está apoiada no método, ressaltando que podemos variar a técnica porque estamos de posse do método6. Esse modo de en-tender a interpretação psicanalítica é proposto por Herrmann7. Esse autor, observando teorias, escolas psicanalíticas e psicoterapias diversas, cujos resultados se assemelham, encontra um operador comum a todos no método psicanalíti-co – a interpretação – entendida como a operação do campo transferencial que visa à produção de uma “ruptura de campo”. O autor entende que o efeito terapêutico é sustentado pela interpre-tação, isto é, pela “ruptura de campo”7.

Para Herrmann7, nas diferentes escolas psica-nalíticas, o que se faz é uma escuta descentrada que tem como efeito a “ruptura de campo”, fa-zendo surgir novas representações. Cremos que essa proposta de Herrmann7, como o próprio au-tor reconhece, amplia o alcance da psicanálise, fundamentando uma clínica extensa, em que o método é o coração do trabalho psicanalítico; e uma vez de posse do método podemos trabalhar clínicas diferentes.

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O TEXTO LITERÁRIO E OS SEUS ESPELHOS

“Nas primeiras sessões, ele não tinha iniciativa para um diálogo, apenas

me olhava nos olhos de maneira fixa e silenciosa. A sensação que eu tinha é que ele parecia um bebê/paciente que queria se ver nos olhos da mãe/psicopedagoga.”

Como criar um espaço para que um jovem adolescente possa falar de si mesmo? Como criar um espaço de confiança e de segurança que possibilite o surgimento da liberdade para o diálogo que o leve a pensar criticamente sobre as situações da vida?

Nos primeiros encontros, ele permanecia em silêncio, apenas olhando atentamente para a psicopedagoga. Quando questionado, tinha res-postas curtas, como: “sim”, “não”, “não sei”. Nas sessões, ele apresentava-se como o bebê de sua mãe e, na escola, sofria bullying, queixando-se de ser zoado e isolado pela turma. Na tentativa de ser aceito pelos colegas, a eles se submetia, assumindo o lugar de bobo da classe ou, então, se mantinha isolado e sozinho a maior parte do tempo.

Até que, em uma sessão ele demonstrou seu gosto pela leitura de literatura. Contou sobre uma aula de literatura e a necessidade de es-colher um livro para ler; e fazer a apresentação deste para toda a turma na sala de aula. Assim, a partir do paciente surge a ideia de trazer a li-teratura para as próximas sessões da intervenção psicopedagógica.

Nos primeiros encontros, ele apenas ouvia a história e sorria. Até que em certa sessão, diante da leitura do texto “O tolo”, de Nicolai Leskov, o adolescente se sobressalta e se angustia ao ouvir a seguinte passagem do texto: “No dia seguinte de manhã, na caserna, ele se levantou antes de todo mundo e limpou tudo; em seguida engra-xou as botas de todos os soldados veteranos. Os veteranos o elogiaram muito, mas perguntaram: - Vocês nos trouxeram um imbecil, mas ele é mesmo um maluco de nascença?”

A partir da leitura desse texto, o adolescente parece se identificar com esse personagem da

história, e começa a falar de si mesmo, e do quan-to se sentia zoado por seus colegas da escola. Afloraram seus sentimentos de inadequação, de solidão e de desamparo.

Em outra sessão, ao ouvir o texto “O arco”, de Fiódor Sologub, que narra a história de um velho observando a brincadeira de uma crian-ça acompanhada de sua mãe com um arco: o adolescente só é capaz de relatar a relação da criança com sua mãe, escotomizando a presença do terceiro personagem – o velho.

Novamente, o adolescente parece se iden-tificar com a parte da história que faz sentido com a sua vida, ou seja, vê e fala apenas da situação que ele vive na sua casa com sua mãe, ignorando a existência de seus outros irmãos e sobrinhos, no cotidiano da vida familiar. Falou, também, sobre sua relação com a família, que era filho adotivo e que em casa precisava ficar trancado no seu quarto porque sua mãe não o respeitava no seu espaço, entrando a todo o momento no quarto, curiosa com o que ele fazia no computador.

As histórias lidas possibilitaram ao adolescen-te a oportunidade de poder falar de si mesmo, e a partir daí se implicar, assumindo então uma posição ativa, quando faz uso do termo “EU”.

CONSIDERAÇÕES FINAISA literatura, por sua potência de construção

e de abertura de sentido, oferece ao leitor pos-sibilidades para romper o aprisionamento de sentido único, abrindo, assim, possibilidades para outros sentidos.

O texto literário fez com que o adolescente se percebesse de outro lugar, e que numa fase seguida à leitura, ele se implicou, permitindo-se falar um pouco de si mesmo. Ele se mostrava numa passividade, depois da história ele se apresenta de maneira diferente. Parece que a leitura do texto literário teve uma potência de colocar em crise alguma representação que o adolescente tinha dele mesmo, permitindo se colocar de maneira diferente diante das questões da realidade da vida.

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Nesta intervenção psicopedagógica, a lite-ratura foi importante e fundamental porque criou espaços que favoreceram a construção de um bom vínculo entre o adolescente e a psico-pedagoga, possibilitando momentos lúdicos e criativos que o ajudaram nas reflexões sobre

si mesmo rumo a sua autonomia e autoria de pensamento. Propiciou, também, a construção de seus conhecimentos cognitivos e o interesse pelo significado das palavras, conforme postulado por Candido2 como uma terceira face significativa da literatura.

SUMMARYLiterature as psychopedagogical intervention with teenager

This paper aims to present the use of literary texts reading in psycho-pedagogical intervention with an adolescent. He presented himself in the sessions as the mother’s baby and suffered school bullying, complaining of being mocked and isolated by his colleagues. In an attempt to be accepted by his classmates, he submits to them and accepts being the silly boy of the class. The therapeutic value of literature has been advocated by different authors. Candido says that literature has the power to humanize, Benjamin sees a relationship between narrative and healing, and Petit studies reading in spaces in crisis. The literary text, for its construction and meaning opening power, provides the reader with possibilities to break the meaning entrapment. Herrmann proposes the psychoanalysis method: the interpretation, understood as a field rupture and an engine of the therapeutic process. It’s through this interpretation that the rules imprisoning the subject emerge, creating the possibility of construction of new meanings. Barone supports the use of the psychoanalytic method – the field rupture – in the clinic of learning difficulties, in which only the methodological security supports the therapist’s job, who will be able to invent his own technique through the use of literature. The results show that the reading of literary texts created human situations in which it was possible to reflect about the teenager’s life situation. The reading granted him the construction of his cognitive knowledge and the interest in words’ meaning, postulated by Candido as a third significant face of literature.

KEY WORDS: Literature. Bullying. Adolescent.

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Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional – Centro Universitário FIEO, Osasco, SP, Brasil.

Artigo recebido: 25/2/2016Aprovado: 29/3/2016

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Portfólio: instrumento de metacognição Para os Professores em seu Processo reflexivo na atividade docente

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – Ao analisarmos a dinâmica escolar, constatamos os vários desafios enfrentados pelo professor em seu cotidiano, ressaltando assim a importância do processo reflexivo nesta rotina para auxiliá-lo a conhecer seu próprio processo de aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento de habilidades que ampliem seus recursos de observação em relação aos seus alunos. Dessa forma, a proposta de intervenção psicopedagógica institucional ressalta a construção do portfólio do professor sobre o seu percurso profissional, tendo como objetivo o conhecimento de seu processo de busca e aprendizagem. Trata-se, portanto, de uma abordagem que provoca o autoconhecimento do professor, com o intuito de aproximá-lo de seus alunos por meio de observação e elaboração de atividades voltadas para as modalidades de aprendizagem destes.

UNITERMOS: Aprendizagem. Metacognição. Autoavaliação.

CorrespondênciaMônica Mendes Av. Açocê, 296 ap 52 – São Paulo, SP, Brasil – CEP 04075-021E-mail: [email protected]

Mônica Mendes – Pedagoga, Especialista em Psi-co pedagogia, Mestre em Psicologia, Formação em Te rapia de Casal e Família, Conselheira Vitalícia da ABPp-Na cional e Seção São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Portfólio: instruMento de MetaCognição Para os Professores eM seu ProCesso

reflexivo na atividade doCente

mônica mendes

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INTRODUÇÃOA vida dos professores é bem complexa, pois

tomam decisões constantemente sobre o plane-jamento pedagógico, como responder a uma pergunta ou como reagir a uma conduta, como es timular a um aluno pouco envolvido, como administrar o grupo.

Indisciplina, dispersão e inconveniência per-turbam a realização das propostas ou tarefas pedagógicas. O sentimento é de perda de tempo, caos espacial e descuido com objetos escolares, falta de sentido das tarefas e relações entre pes-soas marcadas pela indiferença ou pela nega-tividade. A sensação final é de incompetência, insuficiência e desânimo. Para isto dependem de seus próprios critérios e de sua intuição.

E para os alunos? Como fica? Se não obe-decem às regras, se não aprendem o mínimo, se não aceitam a cultura da escola, são excluídos e reprovados.

Partimos do referencial teórico de que a apren-dizagem é uma atividade de interação social, que contempla aspectos cognitivos e aspectos afeti-vos. Por essa razão, necessitamos de metodolo-gias que auxiliam uma prática reflexiva, como, por exemplo, a conscientização dos processos emocionais e atitudinais, a interação entre co-legas, o trabalho em equipe.

Sabemos que, se o acesso escolar está cada vez mais garantido, o cotidiano em sala de aula mos-tra o quanto ainda estamos distantes das outras expectativas (percurso até o final, convivência e aprendizagem significativa).

Os dilemas fazem parte da vida cotidiana nas salas de aula, transformam-se em desafios para a profissão e espaços de aprendizagem profis-sional, instrumento para análise e melhoria das aulas.

Os professores vão desenvolvendo sua própria ação, mantendo um ir e vir entre o que sabem e o que não sabem, entre o que tem que fazer e o que podem fazer, entre o que experimentaram an teriormente e a necessidade de introduzir ino-vação no momento atual.

Nem sempre o processo de identificação ou de resolução dos dilemas é consciente, pois as aulas

são contextos de complexidade, marcados pela imprevisibilidade, como acabamos de descrever.

As aulas são “sistemas abertos”1, passíveis do princípio de equifinalidade, isto é, compor-ta mentos diferentes podem criar a mesma consequência, portanto o desenvolvimento do processo não dependerá das suas condições de início, e sim da forma como é desenvolvido.

Portanto, aquela “velha forma” de se trabalhar com um determinado conteúdo pode ser pensada de outra maneira, tentando garantir, assim, um melhor aproveitamento do grupo de alunos2.

Os dilemas nos remetem a desenvolvermos habilidades, seja com o espaço: guardar, encontrar, desenvolver, dispor, localizar; seja com o tempo: agendar, estimar, antecipar, selecionar ou dar prio-ridade, lembrar.

Tais habilidades complementam-se com as habilidades que se referem às tarefas ou às ações que realizamos com objetos utilizados em sala de aula, o que requer a competência do professor. Se quisermos discriminar habilidade e compe-tência, podemos dizer que, para apresentarmos determinada competência, precisamos desen-volver várias habilidades3.

Os objetos escolares são alguns meios ou re-cursos que utilizamos para realizar as tarefas. O que são as tarefas escolares? Como restituir seu sentido? Como desenvolver habilidades para a boa realização de uma tarefa?

Para tal, as habilidades necessárias são: va-lorizar, ser responsável, planejar, definir, desen-volver estratégias ou esquemas de procedimento para sua boa realização, envolver-se, comprome-ter-se, tornar-se autônomo, compreender sua razão. Dessa forma, estaremos alcançando a competência de administrarmos as tarefas dos alunos e levá-los a fazer o mesmo.

O grande desafio no cotidiano da sala de aula é saber propor tarefas significativas, desafiadoras, realizáveis, que requerem observação, re gulação, e que desenvolvem sentimento de domínio e participação. Tarefas compartilhadas, coletivas, que solicitam tomadas de decisão e argumenta-ção; tarefas que colocam situações-problema, cuja execução exala sabor e saber. Tarefas que valem a pena!

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UM DILEMA PARA A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL INTERVIR...Como são as relações entre crianças, profes-

so res e alunos ou colegas? O que elas promovem ou dificultam em nossas relações com os aspectos já mencionados?

Como respeitar e possibilitar que os alunos e professores possam ter voz, dizer e assumir suas hipóteses, seus pensamentos e seus senti-mentos? Como recuperar nossa autoestima, a importância sociocultural da profissão docente e conquistar melhores condições de trabalho?

Como o professor organiza e favorece dife-rentes relações em sala de aula? Como distribui as crianças em uma atividade de grupo? Como faz suas intervenções? Como olha, vê, sente e fala com cada criança? Como coordena valores e regras que disciplinam a vida em comum? Como lida com problemas de relacionamento?

Normalmente os professores vão construindo seu “estilo para enfrentar os dilemas” do dia-a-dia. É neste contexto que se pode incorporar meca-nismos de reflexão, intercâmbio de experiências e debate com colegas por meio da conversação, documentação, avaliação, pesquisa, etc.

Nas situações de conflito entre professor-aluno ou naquelas em que deparamos com inadequa-ções metodológicas, é necessário passar do nível descritivo para uma narrativa de construção entre os nossos conhecimentos e o contexto em que atuamos com potencialidades reais e em desenvolvimento.

Diante desse quadro, pode-se dizer que en-sinar é mover-se profissionalmente em espaços problemáticos, ir resolvendo neles sucessivos dilemas práticos que vão surgindo.

SER PROFESSORSujeito comprometido com o processo de hu-

manização, que faz a educação por meio do en-sino, da tarefa de propiciar a apropriação crítica, criativa, duradoura...4

Sabendo que o que nos desgasta não é só a carga de trabalho, mas, sobretudo, a falta de sen-tido, a falta de retorno do mesmo, para tal é que precisamos nos capacitar – para enfrentarmos os

dilemas: É da tensão entre realidade e desafio que emergirá o plano de ação; nesse momento, o professor precisa de um mediador, que possa compreender e trazer-lhe através de sua escuta, a possibilidade do professor descobrir novos ca-minhos, ideias novas ou mais adequadas, que ele mesmo pode encontrar em seu “arquivo mental”. O psicopedagogo é o mediador que possibilita ao professor tomar consciência dos aspectos envol-vidos, sistematizar, criticar, potencializar, superar.

Segundo Senge2, o caminho para se transfor-mar uma rotina é a criação de um novo plano de ação, que é fruto tanto da percepção de uma ne-cessidade quanto da clareza de uma finalidade.

Aprender está relacionado com a elaboração de uma conversa cultural, na qual se aprende a dar sentido, na medida em que se pretende conectar-se com os dilemas presentes em nosso cotidiano. Aqui se estabelece a necessidade de aprender a partir do diálogo, da colaboração e do intercâmbio, é o que chamamos de conversação, numa visão construcionista5.

O ponto essencial dessa proposição é que coloca no diálogo e na responsabilidade para aprender, a mudança de rumo que significa pas-sar da centralidade na aprendizagem individual à colaboração entre os que aprendem (educado-res e alunos), por meio de uma desconstrução do dilema inicial.

Essa perspectiva assume um enfoque holístico do processo de ensinar e aprender. Significa levar em conta os aspectos emocionais da aprendiza-gem, a dinâmica de aprender com outros grupos, a significação do contexto e os propósitos, os efeitos e os resultados dessa aprendizagem.

O diálogo supõe considerar que aprender é construir uma narrativa para ser compartilhada com os outros. É entendido como intercâmbio e reflexão sobre “o que se diz”, sobre o relato que se constrói de forma polivocal5.

O diálogo favorece aos alunos mostrarem-se ativos em sua aprendizagem e determinarem a direção desta (se o professor for capaz de desen-volver uma interpretação do que se supõe que deve ser uma escuta atenta).

Nessa concepção de diálogo ou de conversa-ção, o que se pretende é oferecer oportunidades

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aos alunos (e que eles aprendam a gerá-las) para pensar sobre “questões difíceis”, para expandir, reconsiderar uma questão ou um problema e procurar compreendê-lo de diferentes maneiras2.

Favorecer a aprendizagem a partir do diálogo requer por parte do professor uma observação atenta sobre o seu próprio processo de aprendi-zagem e a partir daí refinar seu olhar e sua escuta das potencialidades e dificuldades do grupo. A função do docente é estimular o diálogo entre e com os estudantes, com base na experiência compartilhada que estão produzindo. O psicope-dagogo, ao mediar os impasses do cotidiano escolar, atua para compartilhar as histórias dos professores.

SER UM PROFESSOR REFLEXIVOO conceito de professor reflexivo baseia-se

na capacidade de pensamento e reflexão que ca-racteriza o ser humano como criativo, e não como mero reprodutor de ideias e práticas4.

A escola deve ser organizada para criar es-paços de reflexividade individual e coletiva, por essa razão o professor deve olhar para o ato de ensinar, assim como para o ato de aprender. Ain-da segundo Alarcão4, o professor precisa dialogar com a situação, consigo próprio, com teóricos, para que a aprendizagem seja desenvolvida como processo transformador da experiência. Para que a construção do saber seja um fato, é necessário que o educador seja reflexivo para desenvolver um status mais autônomo.

Os teóricos apontam como propostas para esta ação o desenvolvimento de projetos, por meio dos quais o professor assuma seu protagonismo e avalie sua formação.

Analisando uma intervenção psicopedagó-gica institucional, constatamos que uma prática reflexiva foi a elaboração do portfólio, o qual con-tribuiu para que os profissionais se aproprias-sem de sua evolução profissional. As narrativas dão suporte aos relatos de caso, possibilitando o ca ráter autobiográfico e os casos são narra-tivas elaboradas com o objetivo de viabilizar o conhecimento, garantindo mecanismos de apro-funda mento conceptual continuado, por meio do

relacionamento entre membros dos contextos profissionais.

O QUE É O PORTFÓLIO?Para Shores e Grace (apud Rangel & Garfinkel6),

o portfólio é uma coleção de todo o trabalho em andamento na vida profissional de uma pessoa. Consiste na documentação dos trabalhos já rea-lizados ou que estão em andamento, estejam esses trabalhos relacionados de alguma forma entre si ou não.

Para Tonet7, o portfólio viabiliza o conhecimento sobre os próprios processos e produtos cogniti-vos, assim como permite associar as realizações do professor à aquisição de conhecimentos e com petências e evidencia as épocas de maior in cremento e crescimento pessoal, permite identificar os intervalos de debilidade e inércia.

O portfólio é um instrumento que revela as competências significativas para atender às de-mandas dos momentos presente e futuro, contri-buindo para que o professor tome consciência de sua evolução e assuma postura proativa frente à construção de sua carreira profissional. Segun-do Rangel & Garfinkel6, o portfólio possibilita a manifestação da subjetividade, com a declaração de suas crenças e metas pessoais em relação à carreira que abraçou.

O portfólio pode conter um material acumu-lado pelo desenvolvimento de um conjunto de ações. Pode documentar situações interpessoais, que individualmente agregam valores ao processo por meio de experiência desenvolvida dentro de um determinado período de tempo.

O uso desse recurso será tão ou mais eficaz considerando-se que o psicopedagogo conheça a realidade em que o professor atua, observe sua dinâmica pedagógica e reelabore junto com ele a conduta pedagógica mais adequada à realidade de sua sala de aula.

O QUE É METACOGNIÇÃO?Segundo Portilho8, metacognição é a com-

preensão sobre o conhecimento e o saber… Inclui o conhecimento das capacidades e das limita-ções dos processos do pensamento humano.

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A metacognição possibilita o conhecimen-to autorreflexivo (Burón, 1997, apud Portilho8) adqui rido pela auto-observação. Já para Mayor (apud Portilho8), o modelo de atividade cognitiva consciência/regulação – controle pede atenção e organiza as tarefas para atingir as metas.

Com o foco no desenvolvimento de um com-portamento metacognitivo na atuação docente, a intervenção psicopedagógica recorre ao uso de portfólios na educação, pois constitui uma es tratégia que tem procurado corresponder à necessidade do profissional apropriar-se de seus valores e competências. Dessa forma, procura estimular sua consciência reflexiva.

De acordo com Mayor, o portfólio faz o papel do controle, supervisiona a atividade cognitiva no curso das tarefas profissionais, por essa razão o portfólio é uma estratégia de formação, de inves-tigação, de avaliação de nossa própria história profissional.

Para que essa construção ocorra de forma eficaz, o processo metacognitivo inclui estraté-gias de planejamento na condução de sua vida profissional e o portfólio provoca uma estimula-ção quer ao nível reflexivo, quer ao nível da cons-cientização das pessoas que os realizam.

Para Tonet7, o portfólio apresenta múltiplos aspectos e dimensões da aprendizagem, enquan-to construção de conhecimentos, conhecendo-se mais (apropriando-se melhor), abre possibili-dades de perceber e analisar as exigências do mercado de trabalho. É um instrumento que contribui para uma estruturação intrapessoal do conhecimento, facilitando a compreensão dos próprios processos de ensino-aprendizagem, o que propicia a metacognição.

O portfólio fundamenta os processos de re-flexão para, na, e sobre a ação, quer na dimen-são pessoal, quer profissional, proporcionando um conhecimento metacognitivo. Ele se cons-titui pela declaração de suas crenças e metas pessoais, tanto ao ensino como em relação à própria carreira que abraçou avaliações de re-sultados obtidos por seus alunos, avaliações do professor, feitas pelos alunos, planos de trabalho do professor6.

Segundo Solé9, o psicopedagogo é um profis-sional estratégico e reflexivo que analisa, avalia e interpreta os fenômenos que precisa enfren tar, que contribui com sua visão para que outros tomem decisões que permitam otimizá-los, que colabora, que discute e chega a acordos. Por essa razão, nas intervenções institucionais, o psico-pedagogo utiliza instrumentos que possibilitam a prática reflexiva!

COMO CONSTRUIR SEU PORTFÓLIO?Em um trabalho de assessoria psicopedagó-

gica, propusemos a elaboração do portfólio aos professores de uma rede municipal e lá encontra-mos alguns relatos que corroboram nossa hipóte-se de que esse é um instrumento metacognitivo, como podemos ver nos relatos abaixo.

Iniciamos pela elaboração do percurso pro-fissional, desde o seu início até o momento atual. Como exemplo pudemos ver no texto de Fernanda, professora do 4o ano:

“Ingressei no Ensino Médio realizando o Curso Magistério, o qual me propor-cionou crescimento teórico e prático por meio de está gios supervisionados, estudos do meio etc. Ao ter minar este curso, come-cei a trabalhar em escolas particulares de Educação Infantil e, em seguida, tive a oportunidade de lecionar em uma CEI conveniada, onde conheci e convivi com a carência social, mas com o efeito da educação na vida dos alunos em seu de senvolvimento pe dagógico, afetivo. To dos os meses ocorriam as chamadas “paradas pedagógicas”, para treinamen-to e capacitação de todos os funcionários, além disso, havia ocasiões para interação com pais, exposição de trabalhos, para maior conhecimento da produção das crianças. Em seguida, passei a lecionar no Ensino Fundamental, o que foi um de-safio para mim, e então ingressei no Cur-so de Graduação em Pedagogia, o que veio agregar o meu conhecimento teórico e um aprofundamento nos estudos sobre alfabetização, pois tive a oportunidade de

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participar de um projeto que permitia a atuação das alunas nas classes de alfa-betização em escolas estaduais. Escolhi como tema de meu TCC “O desafio do processo de alfabetização”, o que me proporcionou “um mergulho” maior na pro posta construti vista. Como continui-dade à minha formação fiz o Curso de Psicopedagogia, o que me deixou como legado conhecimentos mais específicos sobre dificuldades de aprendizagem. Ao final deste curso, escolhi como tema para minha monografia “Compreendendo a modalidade de aprendizagem”, pois esta foi uma questão extremamente re-veladora para mim durante o curso de Psi copedagogia. Atualmente, trabalho com o 4o ano, o que se constitui em um desafio porque até então só havia traba-lhado com classes de idades menores, devo dizer que estou bastante feliz com minhas conquistas!”

Para Alarcão4, ao escrever sobre seu percurso profissional o sujeito passa do nível descritivo para uma narrativa de construção entre os seus conhecimentos (reais e potenciais) e o contexto em que atua, identificando potencialidades reais e potenciais. Em um contexto reflexivo, é possí-vel transformar nossa identidade profissional.

Saímos de um “agir passivo” para sermos “atores ativos” de nosso fazer. Em um contexto reflexivo, podemos aumentar nossa bagagem de conhecimentos profissionais. O “apoderamento” da formação é parte intrínseca da profissão se o professor quer ser protagonista de sua formação e desenvolvimento profissional.

A partir deste relato, Fernanda passou a iden-tificar as dificuldades de aprendizagem de al guns de seus alunos, e a considerar que, em al gumas situações, lhe faltava conhecimento (já que agora iniciara o trabalho com um grupo de escolari-dade diferente do que vinha tendo) sobre uma forma mais adequada de intervir para auxiliar as crianças nas questões que lhe eram mais com-plexas. A psicopedagoga que atuava na escola

propôs o levantamento de atividades coerentes com a concepção de aprendizagem adotada pela escola, assim como a troca colaborativa com as demais professoras do 4º ano, provocando uma sinergia entre elas.

Assim como Fernanda, as outras professoras dessa mesma instituição iniciaram seus portfó-lios. Depois do primeiro relato em que destacava a formação, outros registros foram feitos descre-vendo as conquistas, as dúvidas, ansiedades da rotina atual, como aponta o início deste artigo, e levá-las a entrarem em contato com seu próprio processo de aprendizagem e, consequentemen-te, de ensino.

A partir daí as professoras passaram a falar das percepções que vinham tendo por meio das reflexões realizadas. Por exemplo, N. reconheceu sua dificuldade em ouvir as queixas dos alunos e passou a se conscientizar da importância em ouvi-los e compreender o que havia gerado a dificuldade. E. admite que melhorou sua escuta e afirma interferir menos na reflexão dos alunos no momento em que um conteúdo está sendo apresentado. D. percebeu a necessidade de cuidar melhor da linguagem utilizada em suas aulas, o que proporcionou melhor compreensão por parte dos discentes. F. deu-se conta que necessitava estudar melhor a faixa etária com que estava tra balhando neste momento.

Portanto, o portfólio ajuda a analisar os obstá-culos (individuais e coletivos) que o profissional encontra, permite associar as realizações do professor ao desenvolvimento de conhecimentos, destaca as situações que evidencia as compe-tências até então fragilizadas e que puderam ser oti mizadas depois de uma intervenção reflexiva. O psicopedagogo deve ser hábil em estimular a competência interpessoal entre os professores.

Como resultado da intervenção, D. afirma, ainda, que lhe inquietava ver crianças não con-seguirem atingir o nível de leitura e escrita es-perado para o ano escolar, fazendo com que ela investisse em atividades diversificadas favoráveis ao aprendizado de vários alunos. Já N. procurou modificar as avaliações aplicadas em função das dificuldades de aprendizagem observadas em

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seu grupo; isto pode ocorrer pelo estudo propos-to pela psicopedagoga ao grupo de professoras sobre avaliação processual, uma temática tão controversa no âmbito educacional. F. afirma que o trabalho psicopedagógico que lhe fora pro-posto levou-a a estudar mais sobre o processo de elaboração do pensamento e da linguagem, identificando, portanto, alguns pontos frágeis de sua formação. D., por exemplo, reconhece que deve sempre se esforçar para superar alguns medos decorrentes de suas inseguranças e da realidade escolar com que convive.

Em todos os casos mencionados, nota-se que as professoras passaram a perceber melhor a própria atuação, refletindo sobre os aspectos vul neráveis de sua formação e da prática peda-gógica. Diante disto, ao lado da psicopedagoga, puderam realizar um trabalho de autocrítica e buscar mudanças em seus recursos metodológi-cos, o que possibilitou a transformação da moda-lidade de ensino dessas docentes.

Além do exposto em relação ao trabalho reali-zado junto a esse grupo de professoras, devemos acrescentar que outros itens podem ser acrescen-tados a um portfólio, como vemos a seguir: • Declaraçãodesuascrençasemetaspes-

soais, tanto ao ensino como em relação à própria carrei ra que abraçou;

• Avaliaçõesderesultadosobtidosporseusalunos: resultado de um projeto com o ob-jetivo de obter uma melhor aprendizagem em relação a algum conteúdo;

• Avaliaçõesdoprofessor,feitaspelosalu-nos (como agradecimento a resultados obtidos);

• Comprovaçõesdeatividades relevantesrealizadas, que agreguem valor ao seu de-sempenho como docente, como, por exem-plo: coordenação de evento em sua escola (feira cultural, feira de ciências, etc);

• Focalizaosmomentosmaissignificativosdentro da história de trabalho de cada um.

A escola é o espaço de aprendizagem e de ma nifestações afetivas que podem ser determi-nantes na definição de um projeto de vida. É um dos espaços onde se constroem os modelos

organizadores do pensamento. À medida que a instituição educacional introduz a intervenção psicopedagógica em seu contexto, abre horizon-tes para uma educação mais eficiente, porque traz consigo a real possibilidade de uma docên-cia melhor qualificada!

CONSIDERAÇÕES FINAISPara Tonet7, o portfólio permite associar as

realizações do professor à aquisição de conheci-mentos e competências, focalizando o momento da avaliação dentro da história de trabalho de cada um. Além disso, evidencia as épocas de maior realização e crescimento pessoal, permite iden-tificar os intervalos de menor produtividade.

Retrata os fatos ou situações que denotam as competências significativas para atender às demandas dos momentos presente e futuro, con-tribuindo para que o professor tome consciência de sua evolução e assuma postura proativa frente à construção de sua carreira profissional.

Para que essa intervenção ocorra de maneira eficaz, o psicopedagogo em sua ação mediadora ajuda a analisar os elementos que estão gerando obstáculos ou conflitos em função das dificulda-des de aprendizagem apresentadas pelos alunos, ele é o mediador de um processo reflexivo assu-mindo o papel de colaborador. A intervenção dá-se por meio da dialética do aprender.

A intervenção psicopedagógica resulta, por-tanto, em duas narrativas: aquela apresentada pelo mediador (psicopedagogo), construída por meio de recursos (portfólio), e a dos professores, que passa a ser reconstruída ao escrever e do-cumentar sua vida profissional.

Professor que “investe” em sua formação atinge sua emancipação! Conhecendo-se mais (apropriando-se melhor), abre possibilidades de perceber e analisar as exigências do mercado de trabalho. É dessa forma que atinge o conhe-cimento metacognitivo, identificando cada vez melhor e mais facilmente as suas carências e já reconhecendo seu processo de busca. Para Imber-nón10, “é o apoderamento da formação passando a ser parte intrínseca da profissão se o professo-rado quer ser protagonista de sua formação e desenvolvimento profissional”.

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SUMMARYPortfolio: metacognition tool for teachers

in their reflective process in teaching activity

After analyzing school dynamics, we have identified various challenges faced by teachers in their daily teaching routine. This finding led to the importance of applying a reflexive process in this routine in order to help teachers know their own learning processes that may enable the development of some skills to widen their observation resources towards their pupils. Therefore, the proposal of an institutional psychopedagogic intervention highlights the construction of teachers´ portfolio along their professional journey in order to keep their search and learning processes. Thus, this approach causes teachers ´self-knowledge making the contact with their pupils closer on the basis of observation and development of activities addressing pupils´ learning modalities.

KEY WORDS: Learning. Metacognition. Self-assessment.

BREFERÊNCIAS 1. Rapizo R. Teoria sistêmica de família: da ins-

trução à construção. Rio de Janeiro: NOOS; 2002.

2. Senge P. Escolas que aprendem. Porto Alegre: Artmed; 2005.

3. Macedo L. Ensaios pedagógicos: como cons-truir uma escola para todos? Porto Alegre: Artmed; 2005.

4. Alarcão I. Professores reflexivos em uma es-cola reflexiva. São Paulo: Cortez; 2005.

5. Anderson A, Goolishian H. O cliente é o es-pecialista: a abordagem terapêutica do não saber. In: Gergen KJ, Macnamee S, eds. A terapia como construção social. Porto Alegre: Artmed; 1998. p.51-65.

6. Rangel JNM, Garfinkel M. O portfólio e a au-toria de pensamento: um estudo na Psicope-dagogia. Rev Psicopedagogia. 2007;24(73): 9-17.

7. Tonet HC. Consultoria em avaliação de de-sempenho: uma área de atuação do psicope-dagogo. Rev Psicopedagogia. 2004;21(66): 256-68.

8. Portilho E. Como se aprende? Estratégias, estilos e metacognição. Rio de Janeiro: Wak; 2011.

9. Solé I. Orientação educacional e intervenção psicopedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2001.

10. Imbernón F. Formação permanente do pro-fessorado: novas tendências. São Paulo: Cor-tez; 2009.

Trabalho realizado no consultório da autora, São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 18/1/2016Aprovado: 21/3/2016

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A supervisão psicopedAgógicA e o pensAmento crítico

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RESUMO – Neste artigo, ressaltamos a importância da supervisão psico-pedagógica calcada em um suporte teórico/prático baseado no conceito de pensamento reflexivo, o qual nos possibilitará compreender melhor a objetividade e subjetividade dessa ação psicopedagógica, bem como a possibilidade de torná-la mais resiliente. Neste contexto, destacamos autores como Sara Paín, Piaget, Jorge Visca e outros, com o objetivo de apresentar a contribuição destes para um trabalho psicopedagógico voltado para a supervisão psicopedagógica, a construção do conhecimento, da autonomia e da independência do pensamento.

UNITERMOS: Pensamento. Tomada de decisões. Autonomia profissional.

Correspondência:Débora Silva de Castro Pereira Rua do Ébano, 148/1202 – Edif. Mansão Place des Vosges – Caminho das Árvores – Salvador, BA, Brasil – CEP 41820-370E-mail: [email protected]

Débora Silva de Castro Pereira – Doutora e Mestre em Edu cação pela Universidade Autônoma de Barcelona; Pedagoga, Psicopedagoga, Coordenadora e professora do curso de Especialização em Psicopedagogia da Es-cola Bahiana de Medicina e Saúde Pública; Diretora do CRIA – Centro Psicopedagógico, Vocacional e de Recursos Humanos; Membro do Conselho da ABPp Na-cional e da ABPp seção BA, Salvador, BA, Brasil.

a suPervisão PsiCoPedagógiCa e o PensaMento CrítiCo

Débora silva de Castro Pereira

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Pereira DSC

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INTRODUÇÃO “Estar em formação implica um investimento

pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os per cursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional1.”

É com esse propósito, em busca de uma identidade pessoal e profissional, que o psicope-dagogo procura a supervisão psicopedagógica com uma pessoa que atue nessa área, que seja mais experiente, mais competente, com a qual se identifique mais, para ajudá-lo a descobrir ca -minhos que possam levá-lo a uma atuação mais responsável, segura, desafiante.

Porém, a supervisão psicopedagógica é muito complexa, difícil de ser um ponto final para as dúvidas e enganos, em se considerando o seu teor subjetivo, subliminar. Difícil, também, por trazer no seu bojo a ansiedade daqueles que a procuram na expectativa de receber respostas prontas, modelos definidos, regras estabelecidas: e, em verdade, não é bem assim.

Ao se pensar assim, com certo tempo de su-pervisão, de discussão, os profissionais começam a descobrir a real importância desse trabalho e a importância de tornarem-se, através dele, mais criativos, flexíveis, únicos. É muito comum en-contrarmos profissionais que buscam a supervi-são querendo modelos de ação, receitas de como agir em diferentes situações e, por insegurança, vem a pergunta: o que fazer nesse caso? E nessa situação, o que deveria ter feito, ou o que fazer se acontecer novamente?

É interessante sempre lembrar que vai ser difícil uma mesma situação vir a acontecer nova-mente e difícil saber também, que o que deveria ter sido feito, e não se fez, já passou. Esse tipo de trabalho, a supervisão psicopedagógica, a ação psicopedagógica nunca se repete do mesmo modo como as que foram desenvolvidas antes. Elas sempre serão uma situação nova, visto que se a situação acontecer outra vez, com o mesmo sujeito, ele, nesse outro momento, será outro sujeito com outras características diferentes das que desenvolveu anteriormente. E, se estivermos tratando com outra pessoa com situação seme-

lhante, teremos outro momento completamente diferente, visto que é outra pessoa.

Desse mesmo modo, nós, psicopedagogos, tam bém, não seremos mais os mesmos em várias situações. Mudamos a cada dia, a cada hora, a cada minuto, a cada momento. Temos reações di-ferentes a depender da situação na qual estamos vivenciando com o outro. Essa relação jamais será igual, então as intervenções jamais serão iguais. Por isso não vejo respostas, nem modelos prontos para intervenções psicopedagógicas, para cada caso trazido para a supervisão.

Porém, existem caminhos, que não são mo-delos prontos a serem percorridos, e cada pro-fissi onal pode encontrar uma resposta, uma solução mais adequada, à alguma situação em destaque. Assim, podem surgir várias maneiras, várias formas de ação para desenvolver uma intervenção e uma supervisão psicopedagógicas.

Uma das formas de atuação que trago nesse artigo vem por meio da utilização do pensamento crítico, fundamentado em bases teóricas, expli-citadas por meio de vários autores, aqui citados, os quais se debruçam sobre esse tipo de pensa-mento, que, nada mais é que o favorecimento da construção do conhecimento, da aprendizagem.

A tomada de consciência desse tipo de pen-samento possibilita o exercício da atuação pro-fissional psicopedagógica, no momento em que promove e proporciona momentos de reflexão e análise, dando possibilidades ao psicopedagogo de tornar-se uma pessoa mais capaz de encontrar diferentes formas de intervir adequadamente no seu fazer psicopedagógico.

Trazemos, para dar suporte teórico e prático à ação psicopedagógica canalizada para a super-visão psicopedagógica, autores que seguem, basicamente, uma linha de pensamento dentro de princípios voltados para a construção do pen-samento crítico, tais como Jorge Visca, Piaget, Sara Paín, Boisvert, Robert H. Ennis, Richard W. Paul, Harvey Siegel.

A SUPERVISÃO PSICOPEDAGÓGICA A supervisão psicopedagógica precisa existir

como ponto de partida para que o trabalho do

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psicopedagogo torne-se mais eficaz, que haja, no profissional em supervisão, o desejo de adquirir novos conhecimentos, de aprender cada vez mais, de se instrumentalizar para o desenvol-vimento de uma ação psicopedagógica. Nesse momento, é importante que tanto o supervisor como a pessoa em supervisão estejam em sinto-nia como pessoas e como profissionais.

Para compreender melhor a supervisão psi-copedagógica existem vários aportes teóricos que podem subsidiar esse tipo de ação, dando àquele que dá e àquele que recebe a supervisão mais segurança e conhecimento sobre o que está fazendo, como está sendo desenvolvido o tra-balho psicopedagógico e o que pretende fazer.

Assim, para que isso aconteça com mais pro-priedade e para que possamos ter maior escla-recimento dessa ação, trazemos, inicialmente, alguns dados teóricos que evidenciam o processo corretor, falando um pouco sobre o que Jorge Visca diz a respeito dos recursos utilizados nes-se tipo de processo, ou seja, numa interven ção psicopedagógica e as possibilidades de melhor compreendê-la, visto que o trabalho da supervisão psicopedagógica nada mais é do que intervenções psicopedagógicas, e não modelos e fórmulas prontas, como já dissemos em vários momentos.

Visca2 traz uma série de situações que nomeia, no processo corretor, como recursos a serem utilizados na ação psicopedagógica. Porém é interessante considerar que, mesmo dispondo de todos esses recursos: mudança de situação, informação, informação com redundância, mo-dalidade de alternativas múltiplas, o acréscimo de modelo, a mostra, a explicação psíquica, o assinalamento, a interpretação, a troca de papéis, como parâmetros, em cada situação, eles serão utilizados de forma diferente, nos vários momen-tos em que se apresentarem. Nesse momento, é o psicopedagogo quem vai definir como, com quem, em que situação utilizá-los.

Com a existência dessa diversidade de inter-venções, segundo Visca2, os recursos precisam ser utilizados com determinados critérios, os quais reforçam a natureza flexível dessas ações. Visca afirma:

1. Todo recurso é utilizado para incidir sobre um existente (campo estruturado) com o objetivo de produzir modificações;

2. Todo recurso tem como base uma hipó-tese que envolve o existente, a variável e o emer gente, e não significa um imperativo categórico;

3. Cada um dos recursos constitui distintas formas de expressão ou manifestação de uma mesma entidade;

4. A escolha de uma ou outra forma de variável vai corresponder à ideia de opor-tu nidade ou eficácia, a qual tem como pressuposto geral o postulado que deve por em jogo a resposta mais ativa por parte do sujeito;

5. A oportunidade ou a eficácia só vai ser com provada pelo emergente imediato ou mediato2”.

Como vemos, são critérios de grande relevân-cia a serem seguidos e que deixam claro, mais uma vez, que a ação psicopedagógica, mesmo fundamentada em bases teóricas, depende de como, de quem e para quem está sendo utilizada.

Desse modo, podemos observar que, mesmo lançando mão desses recursos, não há uma fór-mula definida, pronta e, se quisermos avançar na busca de uma ação única, individual, flexível, devemos, então, ir em busca da utilização do pensamento crítico, de uma ação reflexiva.

Pensamos assim porque consideramos que a supervisão psicopedagógica não se restringe a apenas escutar, analisar, encontrar soluções para o caso trazido por aquele que está sendo supervisionado, mas à necessidade de que, naquele momento, o supervisor, esteja aberto à escuta, direcionando sempre as soluções para quem o procura, de forma sutil, deixando o outro livre para se posicionar, opinar, conver-sar, escolher a melhor decisão para o caso em estudo.

O trabalho de supervisão psicopedagógica exige muita responsabilidade, muita experiên-cia e certa dose de desprendimento daquilo que você já sabe com relação à ação psicopedagó-gica, ao material de estudo e certa abertura quanto

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aos novos dados trazidos que chegam por aquele que pede a supervisão. É o momento de troca, de aprendizagem, de crescimento pessoal e profissional.

Dessa forma, é preciso que o supervisor psi-copedagógico saiba que sua função precisa estar sedimentada em bases teóricas e práticas, que lhe permitam sentir-se seguro da sua ação profissional do como se aprende e de que a aprendizagem se estabelece no momento em que é o próprio sujeito que a constrói. Para tal, o uso do pensamento crítico, da reflexão crítica, devem permear suas ações, trazendo a possibi-lidade do sujeito, ora em supervisão, descobrir a necessidade dessa forma de pensar e agir numa intervenção psicopedagógica.

Assim sendo, para maior compreensão desse tipo de ação, trago alguns autores que, adeptos do pensamento crítico, nos mostram, através de suas bases teóricas, que a utilização desse tipo de pensamento nos permite estar mais seguros para agir numa supervisão psicopedagógica, numa ação psicopedagógica.

O PENSAMENTO CRÍTICO NA SUPERVI-SÃO PSICOPEDAGÓGICA Ao trazer o pensamento crítico para a su per -

visão psicopedagógica, pretendemos, ao utilizá--lo, permitir que o psicopedagogo em supervi-são descubra formas de tornar o seu tra balho mais flexível, aberto a mudanças, ao novo, à necessi dade de incorporar em si mesmo o papel de profissional de ajuda que procura buscar na supervisão uma escuta e um olhar próprios para cada situação.

Assim sendo, entendemos que o pensamento crítico se torna essencial nesse tipo de supervi-são, visto que é capaz de oferecer condições para uma reestruturação no fazer psicopedagógico, ajudando o psicopedagogo a encontrar formas de favorecer a autonomia e a independência do pensamento e atender às nuances trazidas pela própria ação psicopedagógica.

Nessa situação, a utilização da criatividade, da competência e da flexibilidade, no exercício psicopedagógico, requer habilidades mediadas

por processos reflexivos, como a investigação, interpretação, apropriação de intenções e inter-venções. Dessa forma, o pensamento crítico pode possibilitar a análise, a descoberta de situações peculiares, próprias de cada caso, de cada pes-soa, trazidas pelo psicopedagogo em supervisão.

Para que tal aconteça, é interessante que a supervisão psicopedagógica venha revestida com teorias e práticas, as quais possam qualificar o psicopedagogo como um profissional reflexivo, sendo, ele mesmo, o ponto de partida para as transformações na sua prática cotidiana, dono da sua própria construção, da sua conduta profis-sional, sem que seja necessário seguir modelos.

O pensamento crítico, como pudemos obser-var, torna-se essencial na formação do psicope-dagogo, na supervisão psicopedagógica, visto que, pode ser capaz não só de transformar essa prática, mas também promover a possibilidade do psicopedagogo atender às exigências impostas pela sua profissão e refletir de forma cada vez mais autônoma.

Para entender melhor, a supervisão psicope-dagógica na perspectiva do pensamento crítico, trago algumas ideias, propostas, eixos conduto-res, concepções de autores que se debruçaram sobre esse tipo de pensamento.

Então, analisando os dados trazidos por esses autores, verificamos que o pensamento crítico tem muita correspondência com a ação psicope-da gógica, quando trabalhamos com o sujeito permitindo-lhe que seja o mentor das suas ideias, que pense de forma reflexiva, analise e decida re-ver os seus próprios conceitos, reestruturando-os.

Nessa linha de pensamento, considerando na supervisão psicopedagógica o aspecto dinâmico da capacitação para psicopedagogos, estaremos considerando, também, o aspecto catalisador, o qual nos permite não perder de vista todos os segmentos, social, cultural, político, pessoal, pro-fissional, pois eles fazem parte do contexto dessa pessoa que vem em busca da supervisão.

Para uma melhor compreensão sobre o exer-cício da reflexão crítica, Juan Ruz3 traz para nossa análise e discussão três eixos condutores, relacionados com o pensamento crítico reflexivo.

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São eles: a atitude teórico-crítica, a integração dos saberes e o técnico e o prático na formação.

Segundo Ruz3, a atitude teórico-crítica precisa vir alicerçada pela técnica e pela prática, pelo erudito e pelo cotidiano, pela noção e inserção da cultura, pela noção de transdisciplinaridade, mas sem perder de vista a reflexão, a análise e a crítica engajadas com a teoria, com a prática, caminhando, assim, para um patamar que possa conduzir a uma maior integração do sujeito com a sua formação; a integração dos saberes precisa se estabelecer através do saber elaborado – ou cultura erudita, e o saber do cotidiano, da socia-lização, da cultura de um povo, imprescindíveis para a compreensão de uma ação na supervisão psicopedagógica, dentro de uma realidade muito singular, muito própria de cada contexto, de cada sujeito em supervisão, de cada caso, consideran-do, dessa forma, o elaborado e o cotidiano como partes inerentes a essa ação.

Essa posição de Ruz3 nos faz entender que a relação imediata entre o psicopedagogo e a sua realidade pode acontecer, como afirma Morin4 “... a partir do momento em que se toma consciên-cia de que todo conhecimento é uma tradução a partir dos estímulos que recebemos do mundo exterior e, ao mesmo tempo, reconstrução mental, primeiramente sob forma perceptiva e depois por palavras, ideias, teorias”; no técnico e no prático, numa capacitação destinada à supervisão psico-pedagógica, devemos estabelecer, por meio da análise e da crítica, o ordenamento de uma ação específica para cada caso em discussão.

Ruz3 afirma, ainda, que, o prático precisa ser reflexivo na busca do sentido ou fundamento de tudo o que existe e o técnico calculador no sen-tido do controle, da pesquisa, do cumprimento de metas. Dessa forma, técnico e prático se com-pletam, precisam um do outro.

Observamos então que, esses aportes nos dão a clareza de que a supervisão psicopedagógica deve estar sempre vinculada à realidade e ao exer-cício do pensamento crítico, do prático, do técnico, do teórico, como uma grande atividade intelec-tual, mesclada de atitudes para a autonomia do pensamento e da flexibilidade. Dito de outra

forma e para reforçar o já explicitado, Boisvert5 afirma que o essencial de ensinar a pensar de forma crítica está dirigido para o exercício de uma forma de pensar que permita ao sujeito estar atento, capaz de estabelecer uma análise crítica que possa favorecer o desenvolvimento da autonomia do pensamento.

OUTROS TEÓRICOS E O EXERCÍCIO DO PENSAMENTOPara uma maior compreensão sobre a neces-

sidade de utilização, do exercício do pensamento crítico e, a fim de que possamos adaptá-lo à realidade de um atendimento psicopedagógico, de uma supervisão psicopedagógica, faz-se ne-cessário que possamos dar respaldo às nossas investidas psicopedagógicas, tendo como ponto de partida teorias que nos deem sustentação.

Começaremos, em primeiro lugar, falando so-bre as colocações de Sara Paín, depois apresen-taremos algumas considerações definidas por Piaget, elaboradas por Jean Marie Dolle e, em sequência, alguns outros autores até certo ponto desconhecidos no meio de atuação profissional psicopedagógica, tais como Robert H. Ennis, Richard W. Paul e Harvey Siegel.

Cada um deles apresenta a sua marca espe-cífica, mas todos caem no lugar comum, quando se rendem e se reportam à importância e ao exercício do pensamento crítico.

Assim sendo, vale a pena passearmos sobre os seus “pensares” e dizeres, aproveitando todo o conhecimento trazido por eles, na perspectiva de entender melhor os ditames do fazer psico-pedagógico.

Vejamos, então, como cada um desses autores se reporta à autonomia do pensamento, à sua construção através da reflexão crítica e da cons-trução do conhecimento, do pensamento crítico.

Segundo Sara Paín6, o “fortalecimento da au-tonomia do pensamento não pode perder o rumo do direito que a criança (acrescento as pessoas) deve ter à inteligência”. E complementa a ideia analisando que...

...“O direito a uma vida digna, à saúde, à educação, à liberdade de expressão

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perdem uma boa parte de seu valor, se não forem assegurados aos sujeitos os instrumentos do pensamento, da ca-pacidade crítica e de funcionamento subjetivo mental que lhes permitam não apenas conquistar, mas sobretudo man-ter desperto seu direito à apropriação do conhecimento”6.

Essa colocação de Sara Paín6, canalizada para o fazer psicopedagógico, para a supervisão psicopedagógica, nos faz entender o quanto de-vemos levar em conta a necessidade da aquisição de conhecimento, na busca de um asseguramen-to ao direito de pensar de forma crítica, reflexiva.

Essa forma de pensar, se bem observarmos, se torna mais evidente nos aportes de Piaget quando este nos faz tomar conhecimento e compreender melhor o sujeito através das várias nuances da sua estrutura cognitiva.

Piaget, por meio da Epistemologia Genética, nos faz compreender que a aquisição do conhe-cimento, assim como a inteligência, vai se inte-grando ao sujeito desde o seu nascimento até a fase adulta, através da troca deste com o meio, provocando, então, a possibilidade de desenvol-ver a autonomia do pensamento, na medida em que os estágios cognitivos sensório-motor, sim-bólico, operatório concreto e operatório formal se organizam basicamente em ordem sucessiva e constante.

Essa ordem, segundo Dolle7, ao ser constante não significa que seja uma ordem cronológica. Ela depende da experiência anterior do sujeito e não somente de sua maturação, do meio social que pode acelerar ou retardar a aparição de um estágio, ou mesmo impedir a sua manifestação. Os estágios cognitivos, com o seu caráter inte-grativo, estabelecem que as estruturas cognitivas construídas são integradas às estruturas cogniti-vas do nível seguinte. Ou seja, cada estágio cog-nitivo existe em decorrência do estágio anterior, ao tempo em que dará suporte para a existência do estágio posterior.

Ao tomarmos conhecimento dos aportes de Sara Paín e de Piaget, devemos considerá-los como mais um ponto de referência para melhor

ação psicopedagógica, acreditando que assim estaremos trazendo para supervisão psicopeda-gógica maior conhecimento e maior subsídio sobre o sujeito com quem estamos trabalhando, sobre a forma como esse sujeito pensa e como aprende, tendo em vista a ativação do pensamento crítico.

Na sequência, abordaremos o pensamento crí tico de forma mais detalhada, considerando que, por serem trazidos por concepções teóricas menos conhecidas no âmbito da Psicopedagogia, precisam ser melhor explicitadas quanto ao seu suporte teórico e quanto à próxima relação que apresentam com o fazer psicopedagógico, com a supervisão psicopedagógica, ora em discussão.

As concepções às quais nos referimos no parágrafo anterior dizem respeito a três auto-res: Robert H. Ennis8, Richard W. Paul9, Harvey Siegel10. São teóricos apresentados por Boisvert5, em seu livro “La formation de la pensée critique- Théorie et pratique”.

São concepções que se complementam, que se encaixam perfeitamente ao pensamento tra-zido pelos teóricos já mencionados e que nos mostram como podem estar engajadas ao traba-lho psicopedagógico, no que se refere à tomada de consciência sobre o desenvolvimento da es-trutura cognitiva, o desenvolvimento do sujeito como um todo e, em consequência, a melhores condições para compreender a importância do desenvolvimento de habilidades cognitivas e atitudes existentes na pessoa que aprende.

A Primeira concepção, de Robert H. Ennis8, define o pensamento crítico como um pensa-mento racional e reflexivo, orientado para uma de cisão quanto ao que é preciso acreditar ou fazer. Define, também, que o desenvolvimento de habilidades se constitui um dado importante para a elaboração do pensamento crítico. Aborda, ainda, a importância de se desenvolver habilida-des e atitudes como ponto de partida para esse tipo de pensamento, na perspectiva de que o sujeito possa tornar-se capaz de participar, com muito mais propriedade, de todo o seu processo de construção do conhecimento, tornando-se mais autônomo frente às suas decisões.

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No Quadro 1, podemos observar, segundo Ennis8, as habilidades e atitudes próprias do pensamento crítico, completamente passíveis de utilização em uma ação psicopedagógica.

Fazendo uma análise do quadro supracitado, temos a clareza de como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e atitudes podem inter-ferir na capacidade do sujeito pensar de forma crítico-reflexiva. E, verificar, também, quanto isso pode ajudar a pensar e manter a supervisão psicopedagógica mais dinâmica, mais interativa entre supervisor/supervisionado.

A segunda concepção, trazida por Richard W. Paul9, define o pensamento crítico como discipli-nado, que se guia por si próprio e que representa a perfeição do pensamento apropriado a certo modo ou domínio do pensamento.

O autor põe em destaque três dimensões do pensamento crítico: a perfeição do pensamento, os elementos do pensamento e os domínios do pensamento.

Com relação à perfeição do pensamento, Paul9 aborda os critérios de um pensamento perfeito, os quais compreendem a clareza, a precisão, a perti-nência, a lógica, a profundidade e a adequação aos fins, aos objetivos.

Com relação aos elementos do pensamento, estes trazem a compreensão, a capacidade de formular, de analisar e de avaliar: o problema ou a questão em foco; a função ou o fim, objetivo do pensamento; o quadro de referência ou os pontos de vista implicados; os pressupostos avançados; as ideias e os conceitos centrais implicados; as teorias e os princípios utilizados; a prova, os

Quadro 1 – Habilidades e atitudes próprias do pensamento crítico

Habilidades Atitudes

1. A concentração sobre uma questão 1. o cuidado de enunciar claramente o problema ou a posição deste

2. A análise dos argumentos 2. A busca das razões dos fenômenos

3. A formulação e resolução de questões de clarificação ou de contestação

3. A propensão a manter um esforço constante para estar bem informado

4. A avaliação da credibilidade de uma fonte 4. A utilização de fontes fiáveis e a menção delas

5. A observação e a apreciação de dados de observação 5. Tomada de conta da situação global

6. A elaboração e apreciação de deduções 6. A manutenção da atenção sobre o fato principal

7. A elaboração e apreciação de induções 7. o cuidado de deixar latente a preocupação inicial

8. A formulação e apreciação de julgamentos de valor 8. A análise de diferentes perspectivas

9. A definição de termos e avaliação das definições 9. A abertura de espírito

10. o reconhecimento de pressupostos 10. Tendência a adotar uma posição (e a modificar) quando os fatos a justificam ou quando se tem razão suficiente para fazê-lo

11. o respeito às etapas do processo de decisão de uma ação 11. A busca de precisão na medida em que o fato o permite

12. A interação com outras pessoas (Por exemplo, a apresentação de uma argumentação a outra pessoa, oralmente ou por escrito)

12. A adoção de uma busca ordenada quando se trata das partes de um todo complexo

13. A tendência a aplicar habilidades do pensamento crítico

14. Levar em consideração os sentimentos dos outros, o seu nível de conhecimento e seu grau de maturidade intelectual.

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dados ou o raciocínio avançados; as interpreta-ções e as afirmações avançadas, as inferências, o raciocínio e as linhas de pensamento formu-ladas e as implicações e as consequências que resultam do pensamento.

Os domínios do pensamento podem ser apli-cados para designar os conceitos fundamentais, as teorias de base, assim como definir as escolas do pensamento.

Paul9 considera, também, que para se adquirir um pensamento crítico no sentido forte do termo é preciso que cultivem sete traços de caráter interdependentes:• “humildadeintelectual, a qual implica em

estar consciente dos limites dos seus pró -prios conhecimentos e de estar sensível a opiniões preconcebidas ou prejulgamen-tos veiculados segundo o seu próprio ponto de vista;

• coragemintelectualquepredispõeavi­sualização e avaliação equitativa referen-te às ideias, às convicções ou aos pontos de vista;

• empatiaintelectual que consiste em reco-nhecer a necessidade que se tem de estar no lugar dos outros, em imaginação, a fim de compreendê-los realmente;

• integridadeintelectual,aquelaqueadmitea necessidade de ser fiel ao seu próprio pensamento, ser constante nas aplicações dos seus próprios critérios intelectuais e de se conformar também com normas rigoro-sas à luz dos fatos e das provas que se exige do seu opositor;

• perseverança intelectual éavontadedepesquisar e aprofundar verdades e condi-ções intelectuais, apesar das dificuldades, dos obstáculos e das frustrações que isso resulte;

• avezdarazão – confiança em seus próprios interesses fundamentais e aqueles da hu-manidade em geral, mais bem servidos para o livre exercício da razão; esta segu-rança consiste em incitar os in divíduos a retomarem suas próprias conclusões gra-ças ao desenvolvimento de suas próprias faculdades mentais;

• osensointelectualdajustiçaqueéavon-tade de considerar todos os pontos de vista com compreensão e de avaliá-los a partir dos mesmos critérios intelectuais, sem referência a seus próprios sentimentos ou interesses particulares ou ainda aos sentimentos ou interesses particulares de seus amigos, da sua comunidade ou da sua nação9”.

Esses traços de caráter interdependentes são muito importantes de serem observados e estudados, visto que nos mostram a real com-plexidade do pensamento crítico e a real ne-cessidade de nos aprofundarmos mais nessas questões, para que, ao nos tornarmos detentores desses conhecimentos, possamos desenvolver uma ação psicopedagógica mais coerente com a nossa realidade, com a realidade do sujeito com quem trabalhamos.

Esse mesmo teórico apresenta, ainda, uma lista de estratégias que considera fundamental para o exercício do pensamento crítico. Divide-as em tipos de estratégias, as quais acho extrema-mente pertinentes ao trabalho psicopedagógico, a supervisão psicopedagógica: as estratégias afetivas, as estratégias cognitivas; as macroca-pacidades e as micro-habilidades9.

Nas estratégias afetivas, encontramos o pensar de forma autônoma; o reconhecimento do seu ego-centrismo ou seu espírito de líder; a necessidade de aprovação da imparcialidade; a necessidade de explorar os pensamentos subjacentes às emo-ções e as emoções subjacentes aos pensamentos; a importância de mostrar humildade intelectual e suspender seu julgamento; a exposição de pro-va de coragem intelectual; a manifestação de segurança intelectual ou integridade, da perse-verança intelectual, de ter segurança na sua forma de raciocinar.

As estratégias cognitivas: as macrocapacida-des são indicativas para:

“reforçar as generalizações e evitar as sim plificações em excesso; comparar situações análogas: transferir o que já foi cumprido a novos contextos; desenvolver um ponto de vista pessoal: elaborar ou

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examinar convicções, argumentos, teorias; elucidar os problemas, as conclusões ou as convicções; evidenciar e analisar os significados das palavras ou das frases, elaborar critérios com vistas à avalia-ção: deixar claro os valores e as normas; avaliar a credibilidade das fontes de in-formação; questionar com profundida-de: levantar e aprofundar os problemas fundamentais ou significativos, analisar ou avaliar argumentos, ações políticas, interpretações, opiniões ou teorias, des-cobrir soluções ou avaliá-las; ler critica-mente: elucidando ou analisando textos; escutar de maneira crítica dominando a escuta ativa; estabelecer ligações in-terdisciplinares; praticar a discussão socrática: elucidar e rever as questões advindas das opiniões, das teorias ou dos pontos de vista; raciocinar de maneira dialógica: comparar teses, interpretações ou teorias; pensar dialeticamente: ava-liar posições, interpretações ou teorias9”.

Estratégias cognitivas: as micro-habilidades são indicativas para:

“Comparar e opor os ideais e a realidade; refletir com precisão sobre o pensamento: recorrer a um vocabulário apropriado; relevar as semelhanças e as diferen ças significativas; examinar ou avaliar os pressupostos; distinguir os fatos pertinen-tes daqueles que não o são; formular in-ferências; predições ou interpretações ver dadeiras; avaliar os fatos prováveis e os fatos supostos; discernir as contra-dições; examinar as implicações e as consequências9”.

Essas colocações de R. Paul9 vem reforçar muitas ações já desenvolvidas na Psicopeda-gogia e ressaltar, também, a necessidade do psicopedagogo manter-se numa posição que lhe permita agir de forma mais fluida, integradora, avaliativa, interrogativa, reflexiva e autônoma.

A terceira concepção a ser apresentada é a de Harvey Siegel10. Para ele, o pensador crítico é visto como um indivíduo que pensa e age de

maneira apropriada quando se apoia sobre ra-zões. Nessa concepção, o autor se detém mais sobre o sujeito que pensa de forma crítica, do que, necessariamente, sobre o pensamento crítico, sem perder de vista que as duas coisas estão implícitas; não existe uma sem a outra10.

A proposta de Siegel10 nos chama a atenção, visto que, até o presente momento, trouxemos reflexões sobre o que é o pensamento crítico, su gerindo estratégias, fazendo análise sobre ele, estabelecendo relações entre o cognitivo e o afetivo, falando de habilidades e atitudes. Porém, nessa concepção, Siegel10 traz um aporte bastan-te interessante, porque analisa a importância da existência da razão e do espírito crítico naquele que pensa criticamente.

Segundo Siegel10, o pensador crítico não pode se furtar ao desenvolvimento de um espí-rito crítico. Isso significa que o pensador crítico não deve somente ser capaz de avaliar razões adequadamente, mas sim, ter uma tendência para isto e estar disposto para tal. É aquele que aceita a importância do avançar das razões e que as avalia quanto à sua força de convicção, buscando dar suporte às suas avaliações, seus julgamentos e suas ações.

Assim, aprofundando a noção de racionali-dade, Siegel10 religa conceitos de princípio, de coerência e de razão. Os princípios, segundo ele, aparecem como necessários para estabelecer a pertinência e a força das razões. Em consequên-cia, o pensador crítico precisa compreender dois tipos de princípios que dirigem a avaliação da razão. São princípios específicos a um domínio, servindo para avaliação das razões particulares nos contextos particulares. Por exemplo, os prin-cípios de validade de um instrumento de pesquisa em ciências humanas; e os princípios gerais, no qual se aplicam uma variedade de contextos e de tipos de razões; por exemplo, os princípios da lógica, como a indução e a dedução.

Como tivemos oportunidade de ver, nessas três concepções trazidas, as quais falam sobre o pensamento crítico, encontramos três pontos em comum:• opensamentocríticoqueestimulavárias

habilidades do pensamento;

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• opensamentocríticoquerequerinforma-ções e conhecimentos para se manifestar;

• opensamentocríticoqueimplicaumadi­mensão afetiva.

A cada concepção vista, apresentada, fomos le-vados à confirmação da complexidade do pensa-mento crítico, considerando a forma como cada um dos autores o trata, o entende, o disseca, o vê. Foram posicionamentos, tipos de pensamento que se completam e se encaixam perfeitamente naquilo que vimos falando até o momento, que é a utilização do pensamento crítico nas questões de ordem psicopedagógica.

Nesse sentido, segundo Boisvert5, a noção e a necessidade de formar o pensamento crítico está na busca de resposta às exigências sociais, ou seja, na possibilidade de desenvolver no sujeito a capacidade de analisar e dominar uma massa crescente de informações, sem perder de vista e de forma crítica o que está acontecendo a sua volta, na capacidade de tomar posições diante do inédito ou de questões controversas, ou seja, ser resiliente e no julgamento adequado sobre o que pensam as pessoas com quem atuam.

CONSIDERAÇÕES FINAISDurante todo o caminhar deste artigo, do

tema escolhido, tentamos mostrar que, indepen-dentemente do tipo de postura que os profissio-nais da psicopedagogia assumam, tanto como supervisor, como profissional que busca a su -

pervisão, eles não podem deixar de tomar cons-ciência de que a ação e a supervisão psicopeda-gógica devem vir pautadas, na sua essência, em um pensamento crítico.

E, para que essa noção de pensamento crítico possa se instalar no desejo e na possibilidade de uma melhor ação desses profissionais da Psico-pedagogia, faz-se necessário trazer subsídios e meios que lhes permitam sentir-se mais seguros, mais competentes, apresentar caminhos que possam oferecer a esse profissional a possibilida-de da construção da autonomia do pensamento dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva.

Para tal, foram apresentadas várias linhas de pensamento, concepções teóricas, eixos con-dutores que pudessem dar suporte à ação psico-pedagógica, ao psicopedagogo, na perspectiva de manter nesse profissional a busca por uma atuação sempre nova, inusitada, diferente, di-versificada, calcada em dados teóricos e práticos que lhes permitissem tornar-se cada vez mais experientes.

Assim, considerando todos os autores citados e os seus aportes teórico-práticos trazidos, apre-sentados, tivemos a possibilidade de entender que o pensamento crítico é o ponto de partida para que possam ser instaladas a liberdade de ação, a independência e a autonomia, as quais devem sempre estar presentes em qualquer de nossas ações e, nesse caso, em especial, no fazer psico-pedagógico e na supervisão psicopedagógica.

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SUMMARYThe psychopedagogical supervision and the critical thought

In this article, we emphasize the importance of the psychopedagogical supervision under a theoretical/practical support based on the concept of reflexive thought, which will make it possible to obtain better understanding of the objectivity and subjectivity of this psychopedagogical action, as well as make this action more resilient. In this context, we put some authors into evidence, like Sara Paín, Piaget, Jorge Visca and others, with the objective of introducing their contribution for a psychopedagogical work related to the psychopedagogical supervision, the construction of the knowledge, the autonomy and independence of the thought.

KEY WORDS: Thinking. Decision making. Professional autonomy.

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Trabalho realizado na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA, Brasil.

Artigo recebido: 8/2/2016Aprovado: 2/4/2016

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – Dislexia é um transtorno específico de aprendizagem que acomete em torno de 3% a 5% dos escolares. Dificuldade na aquisição e fluência da leitura e escrita, desenvolvimento cognitivo dentro dos padrões de normalidade, déficit no processamento fonológico e baixo desempenho em algumas habilidades cognitivas são as principais características en-con tradas nesse transtorno. A identificação precoce e o adequado processo intervertivo são essenciais para minimizar os efeitos negativos da dislexia. Para tanto, há necessidade de conhecimento sobre a diversidade encontra da no transtorno, bem como capacidade de adequar a intervenção à dificuldade da criança. Nesse sentido, o objetivo principal deste artigo é abordar os principais conceitos relativos à dislexia, sua identificação e algumas pos-sibilidades de intervenção.

UNITERMOS: Dislexia. Transtornos de aprendizagem. Transtornos da linguagem.

CorrespondênciaSônia das Dores RodriguesDepartamento de NeurologiaRua Tessália Vieira de Camargo, 126 – Cidade Uni-ver sitária Zeferino Vaz – Campinas, SP, Brasil – CEP 13083-887 E-mail: [email protected]

Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga, Psicopedagoga, Psicomotricista. Mestre e Doutora em Ciências Médi-cas (Neurologia), pela Faculdade de Ciências Mé-dicas (FCM)/Universidade de Campinas (UNICAMP), Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Difi-culdades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE)/FCM/UNICAMP e do CIAPRE, Campinas, SP, Brasil.Sylvia Maria Ciasca – Professora Associada III. De-partamento de Neurologia - FCM/UNICAMP. Coor-de nadora do DISAPRE/FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.

dislexia na esCola: identifiCação e PossiBilidades de intervenção

sônia das Dores rodrigues; sylvia maria Ciasca

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INTRODUÇÃODentre todos os transtornos de aprendizagem

que atingem crianças e adolescentes, a dislexia é, sem dúvida, o mais pesquisado e difundido. Nos últimos anos, milhares de pesquisas foram desenvolvidas a esse respeito. Como resultado, há hoje dados robustos sobre a natureza, etio-logia, diagnóstico, formas de tratamento e evo-lução desse distúrbio que afeta a vida de tantos indivíduos em todo o mundo.

Apesar disso, a sensação que se tem é que ain da há dificuldade em se lidar adequadamen te com esse transtorno, principalmente no contexto escolar. Como consequência, não é incomum termos de um lado o professor, que se sente frustrado e impotente por não saber lidar ade-quadamente com essa problemática, e de outro, o aluno, que vivência o constante sentimento de fracasso no curso do seu desenvolvimento. Várias são as explicações para tal realidade, porém chama-se a atenção para o desconheci-mento sobre o transtorno e a ideia errônea de que a intervenção na dislexia é objeto apenas daqueles que atuam na clínica.

Diante disso, há necessidade de que o profis-sional da educação adote uma nova postura em relação ao processo ensino-aprendizagem das crianças com dificuldade na leitura e escrita, secundárias (ou não) à dislexia. Tal postura exige capacidade de identificar precocemente aquelas que não estão evoluindo conforme o esperado, avaliar fatores de risco para o transtorno e ela-borar e executar trabalho interventivo voltado para as dificuldades encontradas.

Isso pressupõe, entre outras coisas, conheci-mento sobre os aspectos que envolvem a apren-dizagem da leitura/escrita e seus transtornos; domínio de diferentes métodos e/ou abordagens de ensino e capacidade de sistematização do pro cesso interventivo. Com isso, o professor te-rá meios para analisar a evolução do seu aluno e poderá, quando necessário, encaminhar com mais segurança a criança com suspeita de dis-lexia à investigação interdisciplinar para diag-nóstico diferencial.

Nessa perspectiva, o professor deixa de ser mero expectador e passa a ser sujeito atuante, não só no processo de identificação e diagnósti-co da dislexia, mas também na sua intervenção, que será necessária durante todo o processo de escolarização formal do indivíduo.

Diante do exposto, neste artigo tem-se como objetivo abordar os principais conceitos relativos à dislexia, sua identificação e algumas possibi-lidades de intervenção.

DISLEXIA: DEFINIÇÃO E CONCEITOS GERAISA dislexia é um transtorno específico de

aprendizagem, de origem neurológica. Acomete pessoas de todas as origens e nível intelectual e caracteriza-se por dificuldade na precisão (e/ou fluência) no reconhecimento de palavras e bai-xa capacidade de decodificação e de soletração. Essas dificuldades são resultado de déficit no pro-cessamento fonológico, que normalmente está abaixo do esperado em relação a outras habili-dades cognitivas. Problemas na compreensão e reduzida experiência de leitura normalmente são as consequências secundárias desse transtorno1.

As causas exatas da dislexia ainda não es-tão completamente claras, porém estudos com neuroimagem demonstram que há diferenças no desenvolvimento e funcionamento cerebral2. Também há forte indicativo de componente ge-nético3, uma vez que os estudos clínicos indicam que mais de 50% das crianças com dislexia tem pais e irmãos com o mesmo transtorno4,5. Assim sendo, a presença de pai ou irmão com disle-xia aumenta a probabilidade de ocorrência do transtorno1.

Quanto à prevalência, essa é variada, já que os índices são dependentes da definição e dos critérios diagnósticos adotados. Entretanto, calcula-se que entre 3% a 10% dos escolares têm o transtorno6.

No Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans-tornos Mentais - DSM-57, a dislexia está inserida dentro de uma categoria mais ampla, denomina-da de “Transtornos do Neurodesenvolvimento”, sendo referida como “Transtorno Específico de

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Aprendizagem”. Segundo o manual, o seu diag-nóstico requer a identificação de pelo menos um dos seguintes sintomas:

1. Leitura de palavras é feita de forma im-precisa ou lenta, demandando muito es-forço. A criança pode, por exemplo, ler pa lavras isoladas em voz alta, de forma incorreta (ou lenta e hesitante); frequen-temente, tenta adivinhar as palavras e tem dificuldade para soletrá-las;

2. Dificuldade para compreender o senti-do do que é lido. Pode realizar leitura com precisão, porém não compreende a sequência, as relações, as inferências ou os sentidos mais profundos do que é lido;

3. Dificuldade na ortografia, sendo identi-ficado, por exemplo, adição, omissão ou substituição de vogais e/ou consoantes;

4. Dificuldade com a expressão escrita, po-dendo ser identificados múltiplos erros de gramática ou pontuação nas frases; emprego ou organização inadequada de parágrafos; expressão escrita das ideias sem clareza.

Entretanto, a simples presença de um ou mais sintomas não significa que a criança tenha dis-lexia, uma vez que estes podem ser decorrentes de fatores variados, o que inclui: deficiência (intelectual e sensorial, por exemplo), síndromes neurológicas diversas, transtornos psiquiátri-cos, problemas emocionais e fatores de ordem socioam biental (pedagógico, por exemplo).

Nesse sentido, o manual (DSM-5)7 considera que, além dos sintomas mencionados, se deve levar em consideração os seguintes critérios: • Persistênciadadificuldadeporpelome­

nos 6 meses (apesar de intervenção di-rigida);

• Habilidades acadêmicas substancial equa litativamente abaixo do esperado pa ra a idade cronológica (confirmado por testes individuais e avaliação clínica abran gente);

• As dificuldades iniciam­se durante osanos escolares, mas podem não se mani-festar completamente até que as exigên-

cias acadêmicas excedam a capacidade limitada do indivíduo, como, por exemplo: baixo desempenho em testes cronometra-dos; leitura ou escrita de textos complexos ou mais longos e com prazo curto; alta sobrecarga de exigências acadêmicas;

• Asdificuldadesnão são explicadaspordeficiências, transtornos neurológicos, adversidade psicossocial, instrução aca-dêmica inadequada ou falta de proficiên-cia na língua de instrução acadêmica.

Caracteristicamente, os fatores de risco para dislexia são observados ainda na fase precoce, quando se observa dificuldade na consciência fonológica, na fala (algumas vezes) e, posterior-mente, no reconhecimento das letras8,9. Mais tarde, a dificuldade na decodificação de palavras pode comprometer outros aspectos relacionados à leitura (soletração e fluência), expressão escrita e, em parte dos casos, à matemática.

Em relação a esta última habilidade, estudos demonstram que pode haver associação entre déficit do processamento e da consciência fo-nológica com defasagem na aritmética10. O mau rendimento em matemática parece não ser tão evidente na fase inicial da alfabetização, porém, com o tempo esse tende a se agravar11. Assim, adolescentes com dislexia podem apresentar dificuldades em conceitos matemáticos básicos que não seriam esperados para sua idade e etapa de ensino.

Destaca-se que as alterações acadêmicas são os sintomas mais evidentes e, portanto, facilmen-te identificadas por pais e professores. Porém, há que se atentar também para outros aspectos que costumam afetar crianças com dislexia, dentre os quais merecem ser mencionados: comprometi-mento da linguagem12, sintomas de desatenção13, dificuldade de coordenação motora, prejuízo das funções executivas14 e comorbidades psiquiátri-cas (como depressão, ansiedade e transtornos disrruptivos)14,15.

Depreende-se, então, que embora o problema de base da dislexia seja a leitura e a escrita, não se pode perder de vista que habilidades cogniti-vas, acadêmicas e problemas de ordem psicos-

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social podem estar comprometidos e, portanto, é importante que sejam valorizadas e avaliadas, já que podem interferir no desempenho global da criança.

Na fase adulta, a evolução da dislexia é varia-da e os estudos, quando comparados à infância e adolescência, são escassos. Sabe-se, porém, que há indivíduos que conseguem concluir o ensino superior, quando recebem intervenção adequada. Porém, outros abandonam a escola muito cedo, muitas vezes sem sequer receber o diagnóstico. Infelizmente, no nosso meio, esse segundo grupo é mais comum. Isso porque, na prática clínica, o que se observa é que a difi-culdade com a leitura e escrita normalmente é identificada ainda na fase precoce e, a partir desta, se inicia um longo percurso de avaliações isoladas, com especialistas variados.

Como resultado, não é incomum o adoles-cente chegar ao final do ensino fundamental com hipóteses diagnósticas diversas, abrangen-do desde transtornos psiquiátricos (tais como TDAH) até problemas intrínsecos à criança e sua família (como, por exemplo, desmotivação, pro-blemas emocionais, falta de empenho, prejuízos emocionais e problemas de ordem familiar). O agravante, neste caso, é que a intervenção em fase tardia é muito mais difícil de ser realizada, não só porque envolve fatores relacionados ao funcionamento e maturidade cerebral, mas tam-bém porque outras comorbidades psicológicas e/ou psiquiátricas (externalizantes ou interna-lizantes) podem estar associadas ao transtorno.

Diante disso, tem-se a dimensão da impor-tância do papel da escola, principalmente do professor, na prevenção e condução adequada do processo de ensino-aprendizagem de crianças que tenham dificuldade com a leitura/escrita, secundária (ou não) à dislexia. Tal aspecto será abordado nos tópicos seguintes.

INTERVENÇÃO NA DISLEXIAEnsino infantil e séries iniciais Conforme já mencionado anteriormente,

pesquisas demonstram que o déficit no processa-mento fonológico é a principal causa da dislexia.

No ensino infantil, tal dificuldade pode se manifestar principalmente por falta de interesse pelas rimas; palavras mal pronunciadas; per-sistência da “linguagem de bebê”; dificuldade em aprender (e lembrar o nome das letras) e dificuldade em saber o nome das letras do pró-prio nome16.

Nas séries iniciais do ensino fundamental, as seguintes características normalmente são identificadas: dificuldade em entender que as palavras são “divididas em partes”; incapacida-de de associar letras a sons; erros de leitura (sem conexão entre fonemas/grafemas - por exemplo, ler panela, em vez boneca), incapacidade de ler palavras mesmo simples; reclamações e ou recusa em situações em que tenha que ler.

Em se tratando de intervenção, há consenso de que o ensino infantil e as séries iniciais re-presentam uma “janela de oportunidades” para se prevenir problemas com a leitura (assim como outros problemas de aprendizagem). Além disso, na ausência de intervenção se observa aumen-to de discrepância de desempenho, quando comparado aos seus pares, ao longo das séries posteriores.

Sendo assim, é importante que se identifi-que no ensino infantil os sinais sugestivos de alterações que possam prejudicar a aquisição da leitura e escrita e, nesses casos, se implemente intervenção adequada às alterações encontradas. Em se tratando dos aspectos linguísticos, várias possibilidades e métodos são encontrados na lite-ratura, aqui se faz referência à proposta de Adams et al.17, que tem como objetivo estimular o de-senvolvimento fonológico das crianças menores.

Estimulação da consciência fonológica• Estimularahabilidadedascriançaspres-

tarem atenção aos sons de forma seletiva, ou seja, discriminação e denominação de sons diversos (reais ou gravados), iden-tificação e sequências de sons e sons fal tantes em uma sequência anterior; localização de sons diversos; ouvir um determinado som e associá-lo à sua fonte; identificação de frases sem sentido; per-

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cepção auditiva, atenção e concentração; capacidade de compreender e de seguir ordens sequenciais;

• Usar rimaspara introduzir os sonsdaspalavras. Pode-se usar como estratégias: orientação verbal, músicas, parlendas, poesias infantis com rimas, figuras di-versas, dentre outros. Dentre as possibi-lidades destacam-se: trabalhar a atenção e aprimorar a consciência para os sons da fala; enfatizar a rima por meio do movimento (físico-corporal); introduzir o conceito de que qualquer palavra pode ser rimada; criação de rimas;

• Desenvolveraconsciênciadequeafalaéconstituída por sequência de palavras, ou seja, que frases são cadeias linguísticas pelas quais transmitimos nosso pensa-mento. Ainda, que estas são compostas de sequência de palavras com significa-dos e que a ordem das palavras é que dá significado (ou não) à frase;

• Desenvolver a capacidade de analisaras palavras em silabas, separando-as e sintetizando-as. Para tanto, pode-se uti-lizar explicação verbal, jogos com mo-vimentos físicos (palmas, por exemplo), jogos com figuras, objetos reais, dentre outros. A ideia é fazer com que a criança perceba que as palavras são formadas por sequência menores da fala (as silabas) e que as sílabas correspondem às pulsações do som da voz, bem como aos ciclos de abertura e fechamento das mandíbulas;

• Desenvolveraconsciênciadequeaspa­lavras contém fonemas. Explicação ver-bal, espelhos, observação dos colegas ao falar, cartões com figuras, dentre outros, podem ser utilizados como estratégias. Nesse sentido, se poderá: explorar, com-parar e contrastar o ponto e o modo de articulação; isolar, acrescentar e excluir fo-nemas (iniciais, mediais, finais); compa-rar palavras com mesmo fonema inicial; compreensão de que palavras contém fonemas; compreender que fonemas têm

identidades separadas e essas podem ser reconhecidas e distinguidas e, por fim, auxiliar a criança a se atentar para a pronúncia dos fonemas;

• Introduzirarelaçãoentregrafema/fonema,utilizando-se de explicação verbal, espe-lhos, observação dos colegas ao falar, car-tões com figuras, dentre outros. Aos poucos, a criança deve compreender o princípio do sistema alfabético. É aconselhável que isso seja feito gradativamente, introduzindo, por exemplo, dois fonemas, encontros conso-nantais e análise e síntese dos fonemas;

• Introduçãogradativadasletrasedaes-crita. Aqui o professor inicia a associação entre as letras com os fonemas (iniciais e finais) da palavras e a escrita dos mesmos.

É importante ressaltar que o trabalho com a consciência fonológica tem a sua eficácia com-provada, quando se trata de melhorar a leitura e a escrita de crianças com idade entre 5 a 8 anos. Entretanto, em crianças com idade mais avançada o mesmo pode não ocorrer. Isso sugere que a consciência fonológica é uma habilidade importante, mas não é suficiente para melhorar a leitura, especialmente em crianças maiores18-23.

Dificuldade na compreensão da leitura Muitas crianças com dislexia conseguem

adquirir habilidade suficiente para codificar e decodificar palavras e textos. Entretanto, não é incomum que apresentem dificuldade na com-preensão da leitura, problema esse que normal-mente é atribuído à lentidão e a pouca precisão na leitura de palavras.

Na prática clinica, o que se observa é que o aumento da demanda da memória de trabalho (com textos mais longos, por exemplo) é um dos principais fatores que levam o sujeito a ter dificuldade de compreensão.

Por outro lado, outros trabalhos apontam para o fato de que esse tipo de dificuldade pode ocorrer em indivíduos que decodificam adequa-damente, o que remete à ideia de que se pode estar lidando com uma desordem distinta da dislexia. Caracteristicamente, esses indivíduos

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conseguem decodificar e soletrar palavras com precisão, mas tem problemas no entendimento daquilo que leram9.

Estudo desenvolvido com 50 escolas inglesas, envolvendo 1.553 crianças e adolescentes do ensino primário e secundário, demonstrou que 5,3% das crianças do ensino primário e 5% do en-sino secundário foram identificados como sendo “maus compreendedores”. Tal dado, segundo os autores, sugerem que o prejuízo na compreensão da leitura pode ser um distúrbio distinto comum, que permanece escondido nas salas de aula6.

Caracteristicamente, esse tipo de aluno cos-tuma apresentar, desde a fase precoce, compro-metimento da linguagem oral e boa habilidade fonológica, o que os capacita a decodificar ade-quadamente. Entretanto, nos primeiros estágios da aprendizagem da leitura, tais crianças já demonstram dificuldades básicas com a lingua-gem, tais como vocabulário, gramática, sintaxe, problemas com inferência e uso da linguagem figurativa, assim como com o monitoramento da compreensão e conhecimento da estrutura do texto24,25.

É importante então que o professor, na sua prática, se atente para os seguintes aspectos: crian ças com dificuldade nos aspectos fonológicos são consideradas de risco para desenvolverem di ficuldade na decodificação, enquanto aquelas que têm prejuízo na linguagem têm risco para desenvolverem dificuldade de compreensão da leitura. As crianças clinicamente diagnosticadas com distúrbio específico de linguagem geral-mente têm dificuldade em ambos os processos26.

Outro ponto a ser ressaltado diz respeito às características normalmente encontradas nas crianças com dislexia, ou seja, essas podem apre-sentar comprometimento na leitura, na escrita e na ortografia.

Em relação à leitura, destaca-se: leitura lenta e silabada, confusão nas letras que têm forma semelhantes (u/n, por exemplo), confusão na leitura de palavras semelhantes, omissão de palavras, erros na leitura de palavras semanti-camente semelhantes (exemplo, ler gato, em vez de cão), erros na leitura de palavras polissílabas

e dificuldade com a gramática, incluindo o uso inadequado dos tempos verbais27.

A dificuldade recorrente na escrita pode fazer com que o aluno com dislexia evite escrever, tenha problemas em realizar cópias de forma adequada e apresente um estilo de escrita ma-nual inadequado27.

Dificuldades ortográficas também são fre-quentes; mais precisamente, é comum que es-creva foneticamente, omita o meio ou o final da palavra e escreva letras ou sílabas na sequência incorreta27.

Diante de tantas dificuldades, é esperado que a criança com dislexia tenha dificuldade na compreensão da leitura27. Nesse sentido, o pro-cesso interventivo deve levar em consideração os fatores envolvidos nessa habilidade, de modo a se atuar de forma eficaz junto a essa população.

Inicialmente, é importante que se tenha percepção de que na compreensão da leitura múl tiplos processos cognitivos estão envolvidos, ou seja, primeiro é preciso que se reconheça as palavras e as associe aos conceitos armazena dos na memória. Paralelamente, se desenvolve ideias significativas do texto e se extrai a conclusão, fazendo-se a relação entre o que foi lido e o que se sabe até então. Funções corticais (tais como atenção e memória), cognitivo-linguísticas e afetivos (autoconceito, autoestima, motivação, etc) também intervém nesse processo e, por essa razão, devem ser considerados ao se elaborar proposta de intervenção.

Do ponto de vista prático, existem diversas abordagens que o professor e/ou psicopedagogo podem seguir como base de elaboração para um programa interventivo sistematizado no contexto escolar. Neste artigo será apresentada a proposta desenvolvida por Arandiga & Tortosa28, a seguir descrita, por se considerar que aborda várias habilidades que estão normalmente comprome-tidas no aluno com dislexia.

Dificuldade na habilidade de decodificação a) No processamento fonológico: não reco-

nhece ou identifica determinadas letras; não associa o grafema com o fonema; subs-titui, omite ou inverte a leitura de palavras.

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Estratégia didática de ensino-aprendi-za gem: Atividades de consciência fono-ló gica; habilidades de segmentação lin -guís tica; atividades específicas para a cor reção de erros de exatidão na leitura (in versões, omissões, substituições).

b) No acesso ao léxico: lentidão no reconhe-cimento de palavras; não reconhecimento de palavra.

Estratégia didática de ensino-aprendi-zagem: atividades de fluência e velo-cidade; análise fonológica; identifica-ção rápida; integração visual; prática de leitura reduzida (com aumento gradati-vo); leitura silenciosa (reconhecimento prévio).

Dificuldade na habilidade sintática a) Módulo sintático (estratégias de proces-

samento sintático): não combina o signi-ficado de várias palavras; não identifica sinais sintáticos para a construção dos significados; identificação e interpretação errônea dos sinais de pontuação; não faz uso de conhecimentos gramaticais; não estabelece relações causais entre distintas partes do texto.

Estratégia didática de ensino-apren-dizagem: formar e completar frases; res ponder a perguntas de frases sim-ples; converter ilustrações em frases; concatenar frases; combinar palavras (nome + adjetivos, artigo + nome + adjetivo, etc.); sinais de pontuação; identificar, enfatizar graficamente, de-tectar erros, completar; trabalhar a en-tonação; inferir relações simples entre nome-pronome; comparar significados de frases simples concatenadas.

Dificuldade na habilidade semântica a) Processamento semântico (extrair signifi-

cado, integração na memória e processos inferenciais): não integra as informações

de várias frases e, como consequência, não extrai informações do texto ou a infor-mação extraída é escassa; não identifica significados a partir de chaves contex tuais; não realiza processos de integração, resu-mo e elaboração; não faz deduções sobre a informação extraída; não contextualiza o significado das palavras.

Estratégia didática de ensino-apren-dizagem: comparar frases/parágrafos com significados semelhantes e con-trários; atividades de chaves contex-tuais: temporais, espaciais, valorativas, descritivas, funcionais (equivalentes, de definição direta, de justaposição, de frases adjacentes, etc.); associar frases/parágrafos a representações gráficas; associar parágrafos a resumos; resumir parágrafos breves; explicar um resumo; selecionar o melhor significado de uma palavra na frase; comparar significado de palavras.

Habilidades atencionais a) Concentração: apresenta baixo nível de

concentração durante a leitura.b) Mecanismos seletivos: a distribuição da

atenção é inadequada; há maior ou menor concentração em partes da leitura.

c) Fatigabilidade: a concentração é feita por breve espaço de tempo.

d) Labilidade emocional: a atenção oscila entre momento de concentração adequa-da com momentos de leitura automatiza-da, com perda da concentração.

e) Escassez de recursos atencionais: a escassa capacidade atencional impede a identifica-ção de indicadores sintáticos e semânticos que possibilitem a compreensão.

f) Metacognição: não há regulação da ca pa-cidade atencional para extração de signifi-cado do texto. Não apresenta cons ciência da natureza da tarefa, nem da estratégia atencional que precisa usar.

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Estratégia didática de ensino-apren-dizagem: atividades específicas de atenção concentrada; graduar o tempo de leitura em função da persistência da atenção; aumentar paulatinamente a extensão dos textos*.

Conhecimentos prévios a) Conhecimento específico: escasso co-

nhecimento sobre o tema da leitura; vo-cabulário reduzido; conhecimento não or ganizado; conhecimentos frágeis ar-ma zenados na memória de longo prazo, mediante aprendizagem de simples asso-ciações mecânicas.

b) Conhecimento da estrutura linguística do texto: escassos conhecimentos; não uti liza os conhecimentos; não identifica a informação relevante; não identifica a estrutura lógica da leitura.

c) Metacognição: escassa ou nula consciên-cia de quais são os interesses, motiva ções e objetivos da leitura e como afetam a compreensão da leitura; não sabe que es-tratégias de compreensão empregar e que utilidade pode ter; não sabe como regular o processo de compreensão quando tem dificuldade; não tem consciência de como compreender e o que pode dificultar a compreensão.

Estratégia didática de ensino-aprendizagem: atividades de vocabulário; ampliação de temas de leitura; atividades de caráter gramatical; ati-vidades específicas de ideia principal; associar títulos a textos e vice-versa; concatenar breves pas sagens de texto em um número reduzido de elementos (por exemplo, princípio e final, prin-cípio, meio e fim); refletir sobre o ato de ler: para que, como se lê melhor, o que se pode fazer para compreender bem a leitura, reconhecer quando não está compreendendo, que fazer quando aparece uma dificuldade.

* Acrescenta-se que jogos diversos podem ser utilizados para a intervenção dos diferentes tipos de atenção (sustentada, dividida etc.)

Estratégias de compreensãoa) Conhecimentos: desconhece que estraté-

gia de compreensão utilizar quando lê.b) Uso: não utiliza adequadamente as estra-

tégias de compreensão aprendidas. Estratégia didática de ensino-aprendi-

zagem: treinamento das estratégias de compreensão da leitura: ideia princi-pal; chaves contextuais; formulação de hipóteses; auto-questionamento; orga-nização de gráficos; releitura; leitura recorrente.

Conforme se pode constatar, a compreensão da leitura envolve uma série de habilidades, que devem ser identificadas e trabalhadas no con texto escolar, de maneira sistematizada. Essa conduta certamente favorece não só alunos com transtornos da aprendizagem, mas também todos os demais. Nesse sentido, chama-se a atenção para o que se denomina de Resposta à Interven-ção (RTI), abordagem que vem se mostrando eficiente para intervenção da dificuldade de aprendizagem no contexto escolar.

Resposta à intervenção (RTI) Atualmente, não se pode falar em processo in-

tervertivo sem se considerar a abordagem deno-minada de Resposta à Intervencão (RTI). Trata-se de um programa instrucional, multinível, voltado para prevenção, identificação e intervenção das dificuldades de aprendizagem. Por meio do mes-mo se pode identificar crianças com fatores de risco para transtornos de aprendizagem, como é o caso da dislexia. Conforme se verá a seguir, o programa exige que se realize avaliação, moni-toramento do progresso dos alunos, bem como ajustamento das necessidades e intensidade do processo de intervenção, segundo a capacidade de resposta do aluno11,29.

Etapas do RTI • Nível1(Núcleodeinstrução):inicialmen­

te, todos os alunos da turma são avalia-dos. Nesse momento, tem-se como obje-tivos: verificar se os alunos atendem às expectativas do nível que se encontram;

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identificar alterações nas habilidades avaliadas e investigar se há fatores de risco para transtornos de aprendizagem. Implementa-se, então, um programa de instrução, voltado para as alterações en-contradas. Em se tratando de leitura, por exemplo, são trabalhados os seus princi-pais componentes, ou seja, consciência fonêmica, compreensão, fluência e vo-cabulário. Nesse nível, estudos demons-tram que a instrução é suficiente para a maioria dos estudantes que apresentam dificuldade em leitura e escrita.

• Nível2(intervençãosuplementar):nessenível permanecem os alunos que não fizeram progresso no nível 1. A eles são dadas instruções suplementares. O moni-toramento aqui também é implementado, de modo a verificar a resposta à instrução. Alternativas diferenciadas, relacionadas ao aumento da frequência e intensidade da intervenção, por exemplo, são imple-mentadas, se o aluno não fizer progresso suficiente.

• Nível3(Intervençãointensiva):perma­necem os alunos que não evoluíram no nível 1 e 2. A esses é dada instrução in dividualizada e o monitoramento do pro gresso pode indicar necessidade de ensino especializado.

Ressalta-se que o RTI requer rigor na avalia-ção e intervenção, com o uso de método sistemá-tico, cientificamente comprovado. Com relação à avaliação, por exemplo, testes e instrumentos específicos devem ser utilizados, não com o intuito de se fazer diagnóstico, mas sim para identificar áreas que necessitam ser trabalhadas por meio de intervenção dirigida.

Adaptações em sala de aulaAlém dos aspectos anteriormente abordados,

são necessárias também adaptações variadas no contexto escolar, de modo que o aluno possa evoluir no seu processo acadêmico. Tais adap-tações devem ser implementadas, segundo as características e necessidade do aluno. Para fins

de orientação geral, serão descritas a seguir al-gumas recomendações, que foram baseadas na proposta da International Dyslexia Association1:• Dartempoextraparacompletarastarefas;• Ofereceraoalunoajudaparafazersuas

anotações; • Modificartrabalhosepesquisas,segundo

a necessidade do aluno;• Esclarecerou simplificar instruçõeses-

critas, sublinhando ou destacado partes importantes para o aluno;

• Reduziraquantidadedetextoaserlido;• Bloquearestímulosexternos(visuais,por

exemplo), se o aluno tende a distrair-se com facilidade com os mesmos. Pode-se usar como recursos: cobrir esses estímulos (numa folha ou planilha por exemplo), au-mentar o tamanho da fonte e/ou aumentar o espaçamento entre as linhas;

• Destacar(comcanetaapropriada)asin-formações essenciais em textos e livros, se o aluno tiver dificuldade em encontrá-las sozinho;

• Proporcionaratividadespráticasadicio­nais, uma vez que os materiais normal-mente não as fornecem em número su-ficiente para crianças com dificuldade de aprendizagem. Tais práticas podem incluir exercícios práticos; jogos instruti-vos, atividades de ensino em duplas, pro-gramas de computador, etc;

• Fornecerglossáriodosconteúdoseguiapara ajudar o aluno a compreender a lei-tura. Esse último pode ser desenvolvido parágrafo a parágrafo, página a página ou por seção;

• Usardispositivodegravação.Textos, li-vros, histórias e lições específicas podem ser gravadas. Assim, o estudante pode re-produzir o áudio para esclarecer dúvidas. O aluno pode, ainda, escutar e acompa-nhar as palavras impressas e, assim, pode melhorar sua habilidade de leitura;

• Utilizartecnologiaassistivaemeiosalter-nativos, como “tablets”, leitores ele trôni-cos, dicionários, audiolivros, calculadoras,

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papéis quadriculados para atividades matemáticas, etc;

• Repetir as instruçõeseorientações.Al-guns alunos têm dificuldade em seguir instruções e, assim, pode-se pedir que as repita com suas próprias palavras. Se es-tas tiverem várias etapas, pode-se dividi--las em subconjuntos, ou apresentá-las uma de cada vez. Quando as orientações são dadas por escrito, deve-se certificar de que o aluno é capaz de ler e compreender as palavras e o significado das frases;

• Manterrotinasdiárias,poismuitosalunoscom problemas de aprendizagem têm difi-culdade em organizar-se com autonomia;

• Fornecerumacópiadasnotasdeaula(ouesboço) para aqueles que têm dificuldade em realizá-la com autonomia;

• Combinar informaçãoverbal e visual eproporcionar organizador dos conteúdos ministrados;

• Escrever pontos ou palavras­chave noquadro-negro, antes de uma apresentação;

• Equilibrarasapresentaçõesorais,infor-mações visuais e atividades participati-vas, o que inclui equilíbrio das atividades (em grupo, geral e individual);

• Utilizar dispositivosmnemônicos paraajudar os alunos a se lembrarem de in-formações chave;

• Enfatizarrevisãodiária.Estetipodees­tratégia pode ajudar os alunos a fazer li gações com conhecimentos prévios;

• Variar osmodosde avaliação, ou seja,apresentações orais, participação em dis-cussões, avaliações escritas, provas com múltiplas escolhas, etc;

• Alteraromodode resposta.Paraaque-les que têm dificuldade de coordenação motora fina e/ou com a escrita manual, permitir diferentes modos de exposição do conteúdo (espaço extra para escre-ver, sintetizar conteúdos, atividades de múltipla escolha, exposição por meio de desenhos, respostas orais, etc.);

• Posicionaro aluno próximo ao professor, longe de sons, pessoas ou materiais que possam distraí-lo, principalmente aqueles que tenham problemas com a atenção;

• Estimular e ensinar ousode agendas,calendários e organizadores. Com isso, o aluno poderá estar atento a datas e prazos de atividades escolares;

• Estimular ousode sinais para indicaritens importantes ou não dominados pelo aluno. Tal conduta pode, ainda, ajudar o monitoramento do tempo em testes, bem como o estado atual da sua aprendi-zagem;

• Graduarosconteúdosaseremtratados,num nível crescente de dificuldade.

Destaca-se, por fim, que a escolha de uma ou mais adaptações deve ser cuidadosamente analisada pelo corpo docente e coordenação pe dagógica, segundo a necessidade do aluno. No início pode haver necessidade da associação de várias, porém, espera-se que o número das mesmas diminua com o avanço do processo de aprendizagem, bem como com a autonomia do aluno. O importante é que o professor esteja atento ao que o aluno realmente precisa, que oriente os pais na melhor maneira de auxiliar em casa o trabalho pedagógico e que trabalhe em parceria com os terapeutas e profissionais que normalmente assistem à criança.

CONSIDERAÇÕES FINAISProcurou-se demonstrar neste artigo que o

professor, na sua prática diária, é elemento es-sencial não só para a identificação dos fatores de risco da dislexia, mas também para o seu diagnóstico e intervenção. O sucesso do processo interventivo dependerá, em grande parte, da atuação da escola, já que é nesse contexto que a criança permanece a maior parte do seu tempo. Intervenções com especialistas são fundamen-tais e, certamente, serão necessárias no curso do desenvolvimento da criança com dislexia. Entretanto, deve-se ter clareza que se trata de um trabalho de parceria. Sem a mesma, corre-se

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o risco de se produzir fracasso escolar, com todas as consequências que isso envolve.

Ressalta-se, ainda, que o processo de inter-venção escolar não se encerra quando a criança com dislexia aprende a codificar e decodificar palavras e textos, já que a compreensão na lei-tura geralmente está prejudicada. Assim sendo, durante todo o processo educativo, a criança e/ou

adolescente pode necessitar de atenção, muitas vezes individualizada.

Apesar de todos os entraves vivenciados no nosso contexto educacional, considera-se que a in-tervenção psicopedagógica adequada no contexto escolar é possível e viável, desde que haja estudo constante, formação continuada e, principalmente, envolvimento e perseverança por parte da escola.

SUMMARYDyslexia at school: early identification and possibilities of intervention

Dyslexia refers to a learning disability that affects around 3-5% of students. Difficulties with accurate and fluent word recognition, poor spelling and decoding abilities, which typically result from the phonological component of language, are the main characteristics of dyslexia. These characteristics are often unexpected in relation to other cognitive abilities. Early identification of students at risk for reading difficulties is critical in developing the appropriate instructional plan. The goal of this article is to provide information about dyslexia that is intended to be helpful to educators.

KEY WORDS: Dyslexia. Learning disorders. Language disorders.

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Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Trans-tornos da Atenção (DISAPRE) da Faculdade de Ciên-cias Médicas da Universidade de Campinas, Cam-pinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 23/2/2016Aprovado: 12/4/2016

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RESUMO – A política de Estado de educação está calcada na ideologia neoliberal, em que a escola assume o lugar de uma das instituições sociais de controle e perpetuação da lógica vigente. Almeja-se a padronização dos indivíduos e a homogeneização dos modos de aprender e de se desenvolver. Para tal, a instituição escolar em seu fazer pedagógico está respaldada por uma prática cientificista, em que as teorias psicológicas são apropriadas de modo equivocado.

UNITERMOS: Instituições acadêmicas. Aprendizagem. Crescimento e desenvolvimento. Docentes.

CorrespondênciaIngrid Lilian Fuhr RaadE-mail: [email protected]

Ingrid Lilian Fuhr Raad – Doutorado e mestrado em Edu cação com Graduação em Pedagogia pela Uni-versidade de Brasília (UnB), professora da UnB e do Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

as ideias de vigotski e o Contexto esColar

ingrid Lilian Fuhr raad

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O presente texto tem como proposta refletir a respeito do modo como são apropriados os conceitos desenvolvimento e aprendizagem na perspectiva da teoria histórico-cultural, por pro-fissionais que atuam no espaço escolar. Destarte, de que espaço escolar se está falando?

Atualmente, a instituição escolar estruturada e organizada à luz de uma política de Estado de Educação, caracteristicamente neoliberal, guiada pelas exigências do Banco Mundial, visa atender às exigências do mercado. Para tal, o ensino está estruturado de maneira a homo-geinizar e padronizar o ritmo e o resultado do aprendizado. Para isso, todo estudante deve iniciar sua vida escolar aos quatro anos de idade, cumprir todos os anos escolares com seus ritos e ingressar em uma faculdade para que se torne um cidadão capaz e produtivo. O conteúdo escolar é predefinido em cada ano e o interesse do es-tudante não é considerado. Tudo deve estar sob controle e programado previamente.

A escola, em sua estrutura, apresenta um modo muito particular de organizar o espaço, o tempo e o modo de conceber o que venha a ser o ensino, o estudo e o aprender. A aprendizagem é compreendida como resultado, expresso em números ou menções, e o bom aluno é aquele que obtem boas notas. Portanto, cabe ao estu-dante memorizar os conteúdos para obter ótimas menções ou notas.

Desse modo, a avaliação que deveria ser pro cessual e contínua, com vistas a identificar falhas ou entraves no processo de ensino-apren-dizagem, serve para mensurar o tanto que o estu-dante memorizou e soube responder às questões da prova. Com essa concepção de avaliação, classificatória e somatória, entende-se que a aprendizagem pode ser medida e quantificada, como se o professor tivesse a capacidade de con-trolar o aprender de seus alunos.

Calcada nessa lógica, a escola adestra e tutela estudantes e professores. A todo o momento, o estudante é induzido a não duvidar e questionar e o professor, a obedecer à lógica instituída de controle social. Por meio de ferramentas institu-cionais, muitas delas coecertivas, a comunidade escolar exerce o controle social.

Concordo com Hanna Arendt1, ao conceber a Educação como um movimento de transforma-ção constante, de atitude pessoal de abertura ao mundo, em que as tradições são preservadas na tensão existente entre o passado e o futuro. Lamentavelmente, a educação foi reduzida a um ensino de conteúdos fragmentados e, na maio-ria das vezes, desarticulados. A concepção de educação vigente nega o espaço do pensar autô-nomo, como ato político, do debate, do diálogo e da reflexão1. Ou seja, uma instituição de ensino que por princípio deveria instigar a curiosidade do estudante e a vontade pelo estudo, opta pela mecanização, pelo embrutecimento humano, aniquilando a possibilidade da ação autônoma.

Diante da caracterização do modelo de edu-cação e de escola na contemporaneidade, há uma prática muito comum na formação de pe-dagogos, de psicólogos e de psicopedagogos, que sustenta essa prática cientificista, que é a apropriação de teorias psicológicas de ouvir fa-lar. Isto é, o estudo de teorias da Psicologia de modo indireto, não se estuda a obra do autor, mas de quem fala dele. Um elemento complicador é a problemática que envolve a tradução. Além disso, há os modismos, que, de décadas em dé -cadas, privilegia um teórico em detrimento de outros. Essa convergência de fatores compro-mete a compreensão de conceitos fundantes de uma teoria. Um exemplo disso é a teoria de Vigotski, que chegou ao Brasil na década de 1980 via tradução norte americana. Alguns con-ceitos são confundidos por serem, geralmente, associados a teorias da matriz na turalista, por exemplo, os conceitos desenvolvimento, obutchenie e mediação.

Obutchenie foi traduzido como aprendizagem, contudo a palavra aprendizagem não existe na língua russa. Em sua tese de doutorado, a Profa. Zoia Prestes2 traduziu o conceito obutchenie como instrução, sendo uma atividade que é processual e que seu sentido encontra-se nela mesma, ou seja, “a atividade contém nela própria os elementos que promovem o desenvolvimento”. O conceito obutchenie é reflexivo, admite o ins-truir-se, o que difere do conceito aprendiza gem,

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que não é processual e autônomo, pois visa ao resultado.

Em seu artigo Sobre a análise pedológica do processo pedagógico, Vigotski define que os processos de obutchenie:

“despertam na criança uma série de pro cessos de desenvolvimento interno, despertam no sentido de que os incitam a vida, põem em movimento, dão partida a esses processos. No entanto, entre a mar-cha desses processos de desenvolvimento interno despertados pela obutchenie e a marcha dos processos da obutchenie escolar, entre a dinâmica de ambos, não existe paralelismo”3.

Vigotski4 analisa a relação entre os processos de instrução e de desenvolvimento, presentes no espaço escolar. Ele afirma que a boa instrução é aquela que antecede o desenvolvimento. Não se trata de instrução como técnica e treino de funções já desenvolvidas, mas de possibilitar as condições para o desenvolvimento de funções psíquicas. Na atividade obutchenie, traduzida como instrução, certamente, há condições estru-turais que possibilitam a passagem da adaptação social para a individual.

Na atividade de instrução, estão presentes intencionalidades daquele que deseja ensinar e do outro que quer aprender. Ou seja, há uma dis-posição autônoma de vulnerabilidade de ambas as partes. Não se pode deixar de mencionar que um livro pode fazer o papel desse outro, pois o que move a pessoa é a necessidade de instruir-se.

“Parece que os processos de instrução despertam na criança uma série de processos de desenvolvimento interno, despertam no sentido de que os incitam à vida, os põem em movimento, dão

partida a esses processos. No entanto, entre a marcha desses processos de de-senvolvimento interno despertados pela instrução e a marcha dos processos da instrução escolar, isto é, entre a dinâmica de ambos, não existe paralelismo”4.

O desenvolvimento apresenta uma lógica e um ritmo próprios não atrelados ao programa escolar. A marcha desses dois processos, a ins-trução e o desenvolvimento, é dinâmica e não se dá paralelamente. Trata-se de dois processos que têm relações internas complexas5. Preocupado com a instrução escolar, Vigotski4 destacou que a instrução, para ser autêntica, deve incitar o desenvolvimento, criando as possibilidades de neoformações psíquicas.

“Se a instrução utiliza apenas as funções já desenvolvidas, então, temos diante de nós um processo semelhante de instrução do escrever à máquina. Vamos esclarecer bem a diferença entre ensinar a escrever à máquina e ensinar a escrita à criança. A diferença é que, se começo a escrever à máquina, não ascendo a um estágio superior da fala escrita, apesar de poder receber uma qualificação profissional. A criança, por sua vez, adquire um saber e toda a estrutura de suas relações e da fala altera-se: de inconsciente torna-se consciente, de um mero saber trans-for ma-se em saber para si. Somente é boa a instrução que ultrapassa o desen-volvimento da criança. [...] Existem fun damentos para supor que o papel da instrução no desenvolvimento da criança consiste em criar a zona de desenvolvi-mento iminente”4*

*No texto Sobre a análise pedológica do processo pedagógico, Vigotski4 define o conceito “zona de desenvolvimento iminente”: “Pesquisas permitiram aos pedólogos pensar que, no mínimo, deve-se verificar o duplo nível do desenvolvimento infantil, ou seja: primeiramente, o nível de desenvolvimento atual da criança, isto é, o que, hoje, já está amadurecido e, em segundo lugar, a zona de seu desenvolvimento iminente, ou seja, os processos que, no curso do desenvolvimento das mesmas funções, ainda não estão amadurecidos, mas já se encontram a caminho, já começam a brotar; amanhã, trarão frutos; amanhã, passarão para o nível de desenvolvimento atual. Pesquisas mostram que o nível de desenvolvimento da criança define-se, pelo menos, por essas duas grandezas e que o indicador da zona de desenvolvimento iminente é a diferença entre esta zona e o nível de desenvolvimento atual”4.

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Cabe destacar que o conceito desenvolvi-mento na teoria histórico-cultural de Vigotski é bastante complexo, pois envolve movimentos de avanços e recuos, de transformação dialética, sem ser hierárquico e com pré-requisitos. Pode-se afirmar que se trata de condução autonoma e voluntária das funções psíquicas, ou seja, auto-desenvolvimento.

Nos anos 20 do século passado, em sua obra Psicologia Pedagógica, Vigotski6 deixava clara sua posição marxista ao enfocar a necessidade de uma pedagogia ativa de base científica, em que o professor teria uma atitude de pesquisa-dor, de cientista, não de transmissor, simples-mente, de conteúdos. Nessa perspectiva, ele criticava radicalmente a escola, que se ocupava simplesmente da transmissão de conteúdos desvinculados da vida, isto é, um ensino que se utiliza de estratégias e situações artificiais sem sentido no processo educativo desenraizado da vida. Conforme diz: “Na própria natureza do processo educativo, em sua essência psicológi-ca, está implícita a exigência de um contato e de uma interação com a vida que sejam o mais estreito possível”6.

Para Vigotski, o professor é o organizador do ambiente social, “que é o único fator educativo”. Ou seja, ele cria as possibilidades para que ocorra a instrução, que modo a transformação do desenvolvimento iminente em atual. Nas pa-lavras de Vigotski:

“O processo pedagógico é a vida social ativa, é a troca de vivências combativas,

é uma tensa luta em que o professor, no melhor dos casos, personifica uma pe-quena parte da classe – com frequência, ele está totalmente só5. Em suma, só a vida educa e, quanto mais amplamente a vida penetrar na escola, tanto mais forte e dinâmico será o processo educativo. O maior pecado da escola foi se fechar e se isolar da vida mediante uma alta cerca. A educação é tão inconcebível à margem da vida como a combustão sem oxigê-nio ou a respiração no vácuo. Por isso, o tra balho educativo do pedagogo deve sempre estar vinculado ao seu trabalho social, criativo e relacionado à vida”6.

Afirmar que o professor é mediador, é re-du zí-lo a uma ferramenta cultural, a um meio que possibilita o acesso ao conhecimento. Essa ideia está calcada na tutela, crença em inteligên-cias superiores e inferiores, e contradiz a ideia libertária de Vigotski, de que o indivíduo con-duz autonomamente seu processo de instrução. A me diação é semiótica, isto é, a palavra é que possi bilita o acesso ao conhecimento e à cultura. O signo é uma ferramenta cultural criada pelo homem, que possibilita o desenvolvimento das funções psíquicas.

Na lógica do professor-mediador, este torna-se o mestre embrutecedor, nas palavras de Ran-cière7, aquele que adota o princípio da desrazão, que tem a necessidade de tudo explicar por reco-nhecer e afirmar8, a incapacidade do estudante ao definir para ele “o que deverá aprender, como, quando e em que velocidade.”

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SUMMARYThe Vygotsky’s ideas and the school context

The government’s education policy is anchored in the neoliberal ideology, in which the school takes the place of one of the social institutions of control and perpetuation of the current logic. Aims to standardization of individuals and the homogenization of ways to learn and develop. To this end, the school institution in their pedagogical practice is backed by a scientistic practice that psychological theories are appropriate mistakenly.

KEY WORDS: Schools. Learning. Growth and development. Faculty.

REFERÊNCIAS 1. Arendt H. Entre o passado e o futuro. Trad.

Barbosa MW. São Paulo: Perspectiva; 1979. 2. Prestes Z. Quando não é quase a mesma coi-

sa: análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil, repercussões no campo educacional [Tese de Doutorado]. Brasília: Faculdade Educação, Universidade de Brasí-lia; 2010. 295p.

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[Tese de Doutorado]. Brasília: Faculdade Edu-cação, Uni versidade de Brasília; 2010. 295p.

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8. Tunes E, Bartholo RSJ. Dois sentidos do aprender. In: Martínez AM, Tacca MCVR, eds. A complexidade da aprendizagem. Campinas: Alinea Editora; 2009. p.11-29.

Trabalho realizado na Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

Artigo recebido: 9/12/2015Aprovado: 3/2/2016

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O estigma da mente: transfOrmandO O medO em cOnhecimentO

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – O estigma em saúde mental é um dos problemas altamente prejudiciais para a sociedade, principalmente por desestimular as pessoas a buscarem ajuda por medo de serem rotuladas. A falta de informação reforça atitudes de preconceito e de discriminação. Nesse sentido, a educação em saúde mental surge como uma possibilidade para a compreensão e diferenciação entre os estados de normalidade e os transtornos. O “olhar” do educador e a escola possuem papel primordial no sentido de facilitar a divulgação de informações sobre saúde e doença. Uma pesquisa recente divulgou que um percentual significativo dos estudantes (entre 10% e 15%) apresenta sintomas de transtornos mentais, como, por exemplo, depressão, ansiedade, psicose, autismo, uso de substâncias psicoativas, transtorno de conduta, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Assim, estratégias educativas com o objetivo promover o conhecimento podem empoderar os educadores e os demais profissionais vinculados ao contexto escolar, favorecendo o bem-estar integral (físico, mental e emocional) no

Correspondência: Rodrigo Affonseca BressanLiNC - Lab Interdisciplinar de Neurociências Clíni casDepartamento de Psiquiatria, Escola Paulista de Me-dicinaUniversidade Federal de São Paulo, UNIFESPRua Pedro de Toledo, 669 – 3º andar – Vila Clementino – São Paulo, SP, Brasil – CEP 04039-032 E-mail: [email protected]

Alessandra Lemes Prado – Psicóloga com especia li-za ção em Medicina Comportamental na Universida-de Federal de São Paulo (UNIFESP), Pesquisadora cola boradora do projeto Cuca Legal, Departamento de Psiquiatria, UNIFESP. Ampla experiência na área edu cacional (Coordenação e Orientação Educacional), atualmente atua como capacitadora em saúde mental nas escolas, projeto Cuca Legal - UNIFESP e na área clínica em psicoterapia Cognitivo-Comportamental, Gerenciamento de Estresse e Orientação Vocacional, São Paulo, SP, Brasil.Rodrigo Affonseca Bressan – Psiquiatra com mestrado em epidemiologia da esquizofrenia na UNIFESP; PhD em psicofarmacologia e imagem molecular do Kings College London; Professor Adjunto Livre-Docente, De partamento de Psiquiatria, UNIFESP e Honorary Visiting Professor, Institute of Psychiatry, King’s College London. Atualmente lidera grupos clínico-investigativos sobre a prevenção da esquizofrenia e transtorno bi po-lar (PRISMA), o Laboratório Interdisciplinar de Neu-rociências Clínicas (LINC) e o projeto Cuca Legal (fo cado na educação para a saúde socioemocional e mental nas escolas), São Paulo, SP, Brasil.

o estigMa da Mente: transforMando o Medo eM ConheCiMento

Alessandra Lemes Prado; rodrigo Affonseca Bressan

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Prado aL & Bressan ra

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âmbito individual e coletivo, bem como diminuir os fatores de risco para o desenvolvimento de psicopatologias. Programas de capacitação profissional em Saúde Mental para professores e de Aprendizagem Socioemocional promovem recursos pessoais ao estimularem um ambiente que valoriza e motiva as pessoas para o estabelecimento de relações emocionalmente positivas. Somente com a informação de qualidade poderemos combater o estigma associado à saúde da mente.

UNITERMOS: Saúde mental. Transtornos mentais. Preconceito.

A cada dia aprendemos mais sobre a impor-tância do impacto das emoções em nossas vidas, sejam elas positivas ou negativas. A emoção é definida como uma resposta biológica com fun-ção adaptativa no processo da evolução de nossa espécie, ela nos permite melhorar a qualidade de nossas interações sociais e nos motiva a realizar nossos sonhos1.

Alegria, raiva, tristeza, nojo e medo são emo-ções básicas que nos ajudam a perceber e anali-sar sentimentos; utilizar a compreensão desses sentimentos para organizar nossos pensamentos; compreender as relações entre as emoções e suas possíveis consequências2.

O medo é uma das emoções básicas mais es tudadas, compreendida como um estado tran-si tório, intenso e desagradável, também é res-ponsável por produzir a maior quantidade de transtornos mentais. Acionado diante de situa-ções perigosas, o medo desperta nosso sistema de alerta (amigdala cerebral) nos mobilizando para a ação. A grande questão está relacionada com a intensidade emocional que direciona nossas atitudes para o estabelecimento de relações/respostas produtivas ou patológicas.

Certa quantidade de medo pode nos ajudar a realizar tarefas de modo eficaz, porém em situa-ções intensas nossa capacidade cognitiva pode ter o seu potencial reduzido. Nesses momentos, tendemos a focar a análise de nossa percepção no que nos desperta medo, avaliando os aconte-cimentos de forma negativa e irracional1.

Dentro do contexto da saúde mental, o estigma pode ser compreendido como uma atitude de

distanciamento resultante da ação do medo. Afinal, o receio, falta de informação, preconceito e discriminação são atitudes normalmente mo-bilizadas por crenças negativas que nos levam a temer, rejeitar e evitar tudo o que é desconhe-cido, principalmente pessoas com transtornos mentais.

O estigma é um dos problemas de maior im-pacto no setor, sendo altamente prejudicial para a sociedade e para a pessoa com a condição pato-lógica. Além disso, é um dos fatores responsáveis por inibir a procura por atendimento3, causando perda de produtividade4.

A depressão, transtornos de ansiedade (pâni-co, ansiedade generalizada e fobias), transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno obsessivo com-pulsivo, transtorno de déficit de atenção e hipera-tividade são as doenças mentais de grande impac-to social. A maioria dos transtornos mentais tem início antes dos 24 anos, afeta 1 a cada 5 pessoas, incapacitando 1 a cada 20 pessoas. O período da adolescência pode ser considerado uma etapa de extrema importância para a construção de uma vida adulta saudável e produtiva, pois a maioria dos sintomas dos problemas mentais apresenta sinais nesta etapa, além da associação ao au-mento da exposição aos fatores de risco, como, por exemplo, o uso de substâncias psicoativas, comportamentos sexuais, estabelecimento de novas relações, mudança de escola, etc5.

Com relação à saúde mental dos estudantes, entre 10% e 15% apresentam alguma doença mental, dados apresentados por Fletlich-Bilyk & Goodman6 e Anselmi7 mostram o impacto de

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alguns transtornos mentais na população juve-nil, como o uso de drogas (álcool 48%; tabaco 22,5%; maconha 14%; inalantes 5%; cocaína 3%), depressão (1%), TDAH (5%), ansiedade (5,2%), transtorno de conduta (7%) e psicose e autismo (0,2%) são os transtornos de maior prevalência.

Dados como esses ressaltam/valorizam a im-portância da “saúde para o bem-estar”, para o convívio social e para a construção da subjetivi-dade do indivíduo. Compreendemos o conceito de saúde mental como um estado de bem-estar integral (físico, mental e social), que ultrapassa a mera questão da ausência de doenças, que consiste na capacidade cognitiva e emocional para perceber nossas próprias habilidades, en-frentar os desafios da vida cotidiana, resolver questões problemáticas satisfatoriamente e contribuir de forma produtiva para o contexto em que estamos inseridos8.

Transpondo esse conceito para o dia-a-dia, compreendemos que o estabelecimento de re-lações saudáveis pode atuar como fator promo-tor em saúde, tanto no sentido de detectar os primeiros sinais dos problemas mentais, quanto no estabelecimento de atitudes saudáveis para a prevenção de recaídas.

Acreditamos que o bem-estar proporcionado pelas relações saudáveis nos permite perceber e interpretar adequadamente a realidade, con-tribuindo dessa forma para a construção de um mundo interno harmônico.

De forma geral, a subjetividade é construída de maneira dinâmica e constante. À medida que adquirimos novas informações nossa percepção se altera, permitindo que esses estímulos sejam analisados e incorporados de formas diferentes, alterando nossa consciência.

O cérebro processa todos os estímulos, desde os mais simples (ameaças), os complexos (desa-fios cognitivos – problemas matemáticos) e os de alta complexidade (relações sociais – conflitos morais).

Nossa realidade é constituída a partir de uma estreita relação entre todas as “coisas” que atribuímos ao funcionamento da mente e ao fun cionamento cerebral. Dentre as funções re-

lacionadas estão a consciência, a interpretação, os desejos, o temperamento, a imaginação, os sentidos, a linguagem, os pensamentos, a razão, a memória, a intuição e a inteligência.

Se o cérebro analisa todos os estímulos ao nosso redor alterando nossa percepção, a nossa saúde mental pode ser definida a partir de nossa construção subjetiva, seja de ordem sensorial ou orgânica, afinal somos seres biopsicossociais, e os transtornos mentais possuem causas multifa-toriais (genéticas, sociais e psicológicas) que se reverberam em várias dimensões de nossas vidas (individual, familiar, profissional e social).

O paradigma da saúde mental tem evoluído nas últimas décadas, ampliando e extrapolando conceitos até então puramente biológicos. Por esse novo prisma, o conceito passa a considerar a saúde como um processo contínuo, onde os sintomas das doenças podem ser compreendidos como consequências da interação entre fatores genéticos, biológicos, psicológicos e culturais. Outra novidade com a mudança de paradigma é a identificação precoce dos estados mentais de risco, o que possibilita o aprofundamento da compreensão sobre a origem dos transtornos mentais, a intervenção precoce e a melhora nos tratamentos9.

Nesta linha contínua do processo entre saúde e doença, há um caminho para a construção de um transtorno, a partir de uma perspectiva sau-dável. Situações de estresse normal com ou sem problemas, tensão mental e sofrimento leve de curta duração podem envolver sentimentos de tristeza, ansiedade e medo, essas características constituem um quadro de saúde mental adequa-do, ou seja, vivenciar momentos de adversidades faz parte de nosso processo de desenvolvimento.

Quando as situações estressoras se prolon-gam e se intensificam causam impacto modera-do em nossas vidas, os sintomas dos problemas mentais começam a aparecer, resultando em des-gastes físicos e emocionais, como, por exemplo, irritabilidade excessiva, alterações constantes de humor, tensão e insônia.

O prolongamento dos sintomas, o aumento da intensidade e suas repetições afetam nossa

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sensopercepção, nossa capacidade para superar os obstáculos diminui e o quadro dos transtornos mentais se agrava.

Do ponto de vista interventivo, tanto a saúde quanto a doença mental podem ser abordadas a partir de medidas de promoção em saúde. Com relação ao enfoque na saúde mental especifica-mente, situações estressoras de baixo impacto e duração leve podem ser dissolvidas se alternadas às situações prazerosas, como, por exemplo, uma viagem curta, uma conversa, cinema ou reunião com amigos.

Diante de situações de problemas mentais, alguns sinais de tensão começam a aparecer, exi gindo um pouco mais de cuidado e orienta-ção, esses podem ser compreendidos como os prin cipais fatores associados aos riscos para o desenvolvimento de transtornos. A irritabili-da de inicial, por exemplo, pode evoluir para sintomas de distúrbios do sono com momentos de insônia e/ou excesso de sono, seguidos por cansaço excessivo e desgaste. Nessa etapa, os fatores de promoção em saúde podem focar em proporcionar aumento de bem-estar subjetivo a partir de práticas de mindfulness, relaxamento, aumento exercícios físicos, etc.

Os comportamentos relacionados aos trans-tornos mentais exigem cuidados específicos, com intervenção profissional precoce. Entendemos os transtornos mentais como condições caracteri-zadas por alterações cognitivas e emocionais re-correntes que resultam em deterioração ou per-turbação do funcionamento cerebral, causando perdas em diversas áreas da vida (social, afetivo, profissional, etc). Tudo depende da gravidade dos sintomas e de sua recorrência. As condições de cada paciente podem ser muito variáveis. Quanto mais grave, mais cuidados específicos são exigidos (psiquiatria e psicoterapia), seguidos de estratégias de reinserção social.

Quando falamos sobre o curso de um trans-torno mental nos remetemos diretamente a doenças funcionais do cérebro, os sinais obser-vados a partir dos sintomas refletem alterações biológicas que afetam principalmente a ação cerebral, como, por exemplo, a sinalização (reação

do cérebro aos estímulos ambientais), emoções (sentimentos), sensopercepção (domínio dos cinco sentidos – audição, visão, paladar, olfato e tato), alterações cognitivas (pensamentos) e compor-tamentais. Essas alterações ocasionam falhas adaptativas que frequentemente são caracteri-zadas por prejuízos no funcionamento normal3.

A probabilidade de uma pessoa desenvolver transtornos mentais normalmente está relacio-nada com a interação entre a vivência de fatores de risco associados aos fatores de proteção. São considerados fatores de riscos situações que ameaçam a saúde, aumentando as chances para o desenvolvimento de um transtorno ou podem piorar o quadro de uma pessoa já diagnosticada. Esses fatores podem estar associados à herança genética, doenças físicas, traumas, traços de personalidade, uso de drogas, distúrbios do sono e estresse. Os fatores de proteção fortalecem os aspectos saudáveis de uma pessoa, minimi-zando os riscos para o desenvolvimento de um transtorno ou possíveis recaídas, como senso de humor, capacidade de autocontrole, autoestima positiva, prática de exercícios físicos, convivên-cias familiares e sociais saudáveis, sensação de pertencimento, bons hábitos, oportunidades de lazer, segurança e suporte emocional10.

De forma geral, medidas de promoção em saúde visam ampliar as condições para uma vida saudável, considerando a pessoa como um ser integral ao contemplar o campo da doença, da terapia e da saúde como um todo, seja de forma individual ou social, proporcionando condições mais humanas, melhor assistência, possibilidade de cura e diminuição do sofrimento11.

Pesquisas recentes revelaram que alguns transtornos mentais têm início durante a infân-cia e a juventude, esses afetam uma a cada três pessoas ao longo da vida, causando impactos emocionais e econômicos significativos quan-do comparados a outros problemas de saúde. Dados como esses ressaltam a importância de dis cu tirmos assuntos relacionados com a saúde mental, afinal, durante muito tempo a falta de informação reforçou atitudes estigmatizantes de preconceito e discriminação que desestimulam as pessoas a buscar ajuda, principalmente por

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receio de serem rotuladas. Passamos boa parte de nossas vidas recebendo informações sobre como evitar doenças cardiovasculares, manter os níveis de glicose e colesterol sob controle, mas recebemos poucas informações sobre saúde mental12.

Neste sentido, estimular as pessoas a refle-tirem e incentivar discussões pode ajudar a reduzir a sobrecarga dos sistemas de saúde. A educação em saúde mental surge como uma possibilidade para as pessoas se desenvolverem de forma plena, compreenderem e diferenciarem estados de normalidade de estados de transtornos. Somente com a informação de qualidade pode-remos combater o estigma associado à saúde da mente12.

Sob esta ótica, o olhar do educador e a escola possuem um papel primordial no sentido de proporcionar o espaço potencial para “traba-lhar” informações sobre saúde mental. Mas, infelizmente, sabemos que o conteúdo, apesar de ex tremamente relevante para a sociedade, ultrapassa o âmbito pedagógico tradicional.

Compreendemos que a escola seja o lugar ideal para a educação em saúde mental, por ser um núcleo de construção de conhecimento e também por ser um lugar onde as crianças e os adolescentes passam a maior parte do seu tempo.

Estimular o desenvolvimento de progra-mas em saúde mental, tanto para professores quanto para alunos, pode alterar o curso dos transtornos mentais na sociedade, evitando seu desenvolvimento, detectando sintomas, criando intervenções precoces e reduzindo a gravida de dos quadros clínicos ao longo do tempo. Essas intervenções podem ser colocadas em prática por profissionais da área da saúde ou por pro-fessores treinados12.

Acreditamos que, quanto mais pessoas tiverem acesso a informações de qualidade sobre saúde mental, teremos como resultado uma redução do estigma sobre a mente humana e, proporcional-mente, uma sociedade com menos medo do que é diferente, bem como melhor capacidade empá-tica e compreensão com as pessoas que sofrem diretamente o impacto dos transtornos mentais.

Sabemos que a doença demanda atenção cui-dadosa, investimentos financeiros e atitude ativa para o alívio do sofrimento, por esses e outros motivos, precisamos pensar em formas criativas para alterar nossos paradigmas com relação à saúde mental (tanto pessoais quanto culturais). E, talvez, uma das estratégias mais simples de promoção em saúde consista em aprender a focar em atitudes positivas que reforcem nossos laços, forças pessoais e virtudes.

As emoções positivas podem ser consideradas como os alicerces fundamentais para a conquista da saúde mental, promovendo condições para a constituição de uma vida plena. A busca pela aquisição de novas competências, o desenvolvi-mento de nossas potencialidades, recursos psi-cológicos e desejos podem nos mover em busca de crescimento pessoal13.

Características como autoaceitação, autoper-cepção adequada, desenvolvimento dos pró-prios potenciais, congruência e autonomia são fundamentais para a aprendizagem social e emocional13.

A aprendizagem socioemocional consiste na aquisição e reforço de habilidades que auxi-liam a pessoa a conviver melhor consigo e com os outros. Esse conjunto de competências está re lacionado com o aprimoramento de atitudes que possibilitam o crescimento saudável. No co tidiano, essas habilidades são testadas e, se vi venciadas positivamente, contribuem direta-mente como fator de promoção em saúde (com o aumento de fatores protetores e minimização dos fatores de risco). No contexto escolar, os programas de aprendizagem socioemocional podem promover recursos pessoais ao estimu-larem um ambiente que valoriza e motiva as pessoas em busca do melhor desempenho social e acadêmico. As habilidades socioemocionais estão relacionadas com o autoconhecimento, consciência social, tomada de decisão respon-sável e autocontrole14.

Nós do projeto Cuca Legal somos uma equi-pe interdisciplinar ligada à Universidade Fede-ral de São Paulo (UNIFESP), desenvolvemos estratégias educativas de promoção em saúde

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mental e prevenção de transtornos mentais nas escolas a partir de pesquisas. Nossos projetos têm como objetivo promover o conhecimento e o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais, que favoreçam o bem-estar físico, mental e emocional, no âmbito individual e coletivo. Essa abordagem inovadora no Brasil está direcionada para o suporte e o empodera-

mento dos educadores e dos demais profissionais vinculados ao contexto escolar.

Oferecemos cursos de capacitação em saúde mental e aprendizagem socioemocional, pales-tras, estratégias e programas educacionais com recursos das neurociências, da atenção plena (mindfulness) e da roda de conversa, para esco-las, organizações e profissionais interessados.

SUMMARYThe stigma of mind: turning fear into knowledge

The stigma of mental health is one of the highly damaging problems for society, mainly by discouraging people to seek help for fear of being labeled. Lack of information reinforces attitudes of prejudice and discrimination, in that sense the mental health education emerges as a possibility to understand and differentiate between normal states and mental disorder. The “look” of the teacher and the school have key role in facilitating the dissemination of information on health and disease. A recent survey reported that a significant percentage of students (between 10% and 15%) have symptoms of mental disorders such as depression, anxiety, psychosis, autism, substance abuse, conduct disorder, attention deficit disorder and hyperactivity. In this sense, educational strategies in order to promote knowledge can empower educators and other professionals linked to the school context, favoring the integral well-being (physical, mental and emotional) in the individual and collective level, as well as decrease the risk factors for the development of psychopathologies. Professional training programs in mental health for teachers and social-emotional learning promote personal resources to stimulate an environment that values and motivates people to establish emotionally positive relationships. Only with the quality of information we can combat the stigma associated with health of mind.

KEY WORDS: Mental health. Mental disorders. Prejudice.

REFERÊNCIAS 1. Rodriguez JAP, Linhares VR, González AEM,

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2. Snyder CR, Lopez SJ. Fazendo o melhor de nossas experiências emocionais. In: Snyder CR, Lopez SJ, eds. Psicologia positiva: uma

abordagem científica e prática das qualida-des humanas. Porto Alegre: Artmed; 2009. p.143-60.

3. Fletlich-Bilyk B, Cunha GR, Estanislau GM, Rosário MC. Saúde e transtornos mentais. In: Estanislau GM, Bressan RA, eds. Saúde men-tal na escola: o que os educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed; 2014. p.25-36.

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6. Fletlich-Bilyk B, Goodman R. Prevalence of child and adolescent psychiatric disorders in Southeast Brazil. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2004;43(6):727-34.

7. Anselmi L. Early determinants of attention and hyperactivity problems in adolescents: the 11-year follow-up of the 1993 Pelotas (Bra-zil) birth cohort study. Cad Saúde Pública. 2010;26(10):1875-86.

8. Organização Mundial da Saúde. The world health report 2008: primary health care now more than ever. Geneve: OMS; 2008.

9. Vieira AM, Estanislau GM, Bressan RA, Bor-din IA. Saúde mental na escola. In: Estanislau GM, Bressan RA, org. Saúde mental na es-cola: o que os educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed; 2014. p.13-24.

10. Bressan RA, Kieling C, Estanislau GM, Mari JJ. Promoção de saúde mental e prevenção de transtornos mentais no contexto escolar. In: Estanislau GM, Bressan RA, org. Saúde mental na escola: o que os educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed; 2014. p.37-47.

11. Bleger J. O psicólogo clinico e a higiene men-tal. In: Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1984. p.19-30.

12. Kutcher S, Wei Y, Estanislau GM. Educação em saúde mental: uma nova perspectiva. In: Estanislau GM, Bressan RA, org. Saúde men-tal na escola: o que os educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed; 2014. p.63-80.

13. Snyder CR, Lopez SJ. Conceituações equili-bradas de saúde mental e comportamento. In: Snyder CR, Lopez SJ, eds. Psicologia positiva: uma abordagem científica e prática das quali-dades humanas. Porto Alegre: Artmed; 2009. p.293-311.

14. Tacla C, Ferreira LSP, Estanislau GM, Foz A. Aprendizagem socioemocional na escola. In: Estanislau GM, Bressan RA, org. Saúde mental na escola: o que os educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed; 2014. p.49-62.

Trabalho realizado no Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC), Escola Paulista de Me dicina, Departamento de Psiquiatria, Universidade Fe deral de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 20/1/2016Aprovado: 11/3/2016

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rELATo DE PEsQuisA

RESUMO – Este artigo representa um recorte de pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação: Currículo na linha Formação de educadores da PUC-SP, tem como objetivo principal analisar as concepções que norteiam a formação e a regulamentação da atividade em Psicopedagogia. Para tanto, no processo investigativo, adotamos uma metodologia na abordagem qualitativa, com pesquisa documental, de estudos da literatura sobre a formação inicial de profissionais da Educação e de documentos elaborados/selecionados pela Comissão de Formação e Regulamentação das atividades em Psicopedagogia da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Esta pesquisa revelou que a regulamentação se faz necessária na medida em que especificam atribuições, responsabilidades das pessoas que obtiveram certificado em Psicopedagogia advindos de instituições de ensino superior credenciadas. Essa regulamentação exigiu a elaboração de diretrizes de formação em Psicopedagogia onde o perfil profissional, modalidades do curso, entre outros itens, foram explicitados. A análise dessa formação foi realizada segundo concepção validada por autores como Garcia, Tardif e Fernandez. Articular regulamentação à formação tornou-se necessária para o exercício profissional onde, “o regulamentar” deverá ocorrer a partir do formado com qualidade.

UNITERMOS: Área de atuação profissional. Prática professional. Psi-copedagogia.

CorrespondênciaNeide de Aquino NoffsRua Diana, 715 – Perdizes – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05019-000 E-mail: [email protected] // [email protected]

Neide de Aquino Noffs – Doutora em Educação pela Uni versidade de São Paulo, Psicopedagoga Clínica e Institucional. Atualmente é Diretora e Docente da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Docente do Programa de Pós-Graduação Educação: Currículo, Pesquisadora da Linha Formação de Educadores e Líder de Pes-quisa no CNPq da Linha Educação e o Brincar. Pre si dente vitalícia da Associação Brasileira de Psi-co pedagogia (ABPp), e coordenadora da comissão de regulamentação e formação do Psicopedagogo no Brasil junto à ABPp, São Paulo, SP, Brasil.

a forMação e regulaMentação das atividades eM PsiCoPedagogia

Neide de Aquino Noffs

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INTRODUÇÃOEste artigo ressignifica a discussão sobre

a formação dos psicopedagogos a partir das concepções e pressupostos da Associação Bra-sileira de Psicopedagogia (ABPp), bem como os documentos legais que subsidiam a formação dos profissionais da Educação.

Entendemos tratar-se de um relato de pesqui-sa na qual se busca a análise de dados de forma articulada e aprofundada. Para tanto, tomamos como objeto de estudo as Diretrizes da Formação de Psicopedagogos no Brasil1 (elaborado pela ABPp) e o Projeto de Lei - PL nº 3512 de 20082 (Anexo 1) e Projeto de Lei da Câmara - PLC nº 31/20103, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da atividade de Psicopedagogia, e as Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial e Continuada dos profissionais do Magistério da Educação Básica4, bem como autores que estudam a formação inicial como Tardif, Garcia, Ferry, Noffs, entre outros.

A Psicopedagogia desde 2002, pela Clas-sificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Mi nistério do Trabalho e Emprego (MTE), está inserida na família 2394-5, a dos Programadores, Avaliadores e Orientadores de Ensino da grande área Educação.

Embora as atividades dos psicopedagogos sejam exercidas por profissionais da Saúde e Educação, é na área da Educação e, especial-mente, na dos profissionais da Educação, que as atividades e atribuições da Psicopedagogia se entrecruzam.

Neste sentido, encontramos uma interseção entre a docência e a Psicopedagogia e que, dessa forma, compartilha com a Pedagogia e outras áreas de conhecimento afins as dificuldades em se assumir como profissão.

ENTENDENDO O DESAFIONem todo o trabalho se caracteriza como

profissão. O trabalho com a docência vem se constituindo como profissão muito lentamente.

A docência como uma profissão socialmente reconhecida contempla:

a) a atribuição de executar um trabalho es-pecífico;

b) uma base de conhecimentos teóricos e práticos apropriada;

c) a capacidade de utilizar esses conheci-mentos em situações relevantes;

d) a capacidade de recriar, por reflexão cons-tante a partir da prática, seus saberes e fazeres5.

Identificamos no ensino a atividade carac-terística de profissionais da Educação. Porém, verificamos em concepções e discursos que as pessoas que lidam com ensino entendem que, em seu sentido genérico, este tem como incum-bência principal facilitar a aprendizagem. Dessa forma, o conceito de ensinar e aprender, embora distintos, se apresentam como naturalmente articulados.

Para lidar com as situações de ensino e aprendizagem é preciso entrar em contato com uma variedade de elementos, entre eles, uma formação geral a partir da integração de co-nhe cimentos e as de características específicas pro priamente ditas. Essas ações deverão ser acompanhadas de reflexão acerca dos elemen-tos constituintes do ato de ensinar e do ato de aprender, dando significado e relevância aos co-nhecimentos essenciais para a compreensão da realidade sociocultural, bem como os princípios sobre o desenvolvimento da pessoa e do grupo na perspectiva de “como se aprende”, criando situações de “ensinagem”.

“Alguma confusão provavelmente poderá surgir do fato de que todos nós, em algu-mas ocasiões, usamos a palavra “ensi-nar” de modo tal que qualquer tentativa de fazer com que alguém aprenda tem o sentido de ensinar e, em outras oca-siões, somente quando se tem êxito em conseguir que alguém aprenda podemos legitimamente usar a palavra ensino.6”

Dessa forma, há necessidade de uma for-mação especializada e profissional, onde a aprendizagem é vista como um processo me-diado subjetiva e objetivamente por diversos

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ANEXO 1PROJETO DE LEI Nº 3512 DE 2008

Autoria: Deputada Professora Raquel Teixeira

“Dispõe sobre a regulamentação do exercício da atividade de Psicopedagogia”

o Congresso Nacional decreta:

Art. 1º É livre, em todo o território nacional, o exercício da atividade de Psicopedagogia, observadas as disposições desta Lei.

Art. 2º Poderão exercer a atividade de Psicopedagogia no País:

i - os portadores de diploma em curso de graduação em Psicopedagogia expedido por escolas ou instituições devidamente autorizadas ou credenciadas nos termos da legislação pertinente;

ii - os portadores de diploma em Psicologia, Pedagogia ou Licenciatura que tenham concluído curso de especialização em Psicopedagogia, com duração mínima de 600 horas e carga horária de 80% na especialidade.

iii - os portadores de diploma de curso superior que já venham exercendo ou tenham exercido, comprovadamente, atividades profissionais de Psicopedagogia em entidade pública ou privada, até a data de publicação desta Lei.

Art. 3º É assegurado aos atuais ocupantes de cargos ou funções de Psicopedagogo, em órgãos ou instituições públicas, o direito de continuar no exercício de suas respectivas atividades.

Art. 4º são atividades e atribuições da Psicopedagogia sem prejuízo do exercício das atividades e atribuições pelos profissionais da saúde da educação habilitado:

i – intervenção psicopedagógica, visando a solução dos problemas de aprendizagem, tendo por enfoque o indivíduo ou a instituição de ensino público ou privado ou outras instituições onde haja a sistematização do processo de aprendizagem na forma da lei;

ii – utilização de métodos, técnicas e instrumentos psicopedagógicos que tenham por finalidade a pesquisa, a prevenção, a avaliação e a intervenção relacionadas com a aprendizagem;

iii – consultoria e assessoria psicopedagógicas, objetivando a identificação, a compreensão e a análise dos problemas no processo de aprendizagem;

iV – apoio psicopedagógico aos trabalhos realizados nos espaços institucionais;

Vi – supervisão de profissionais em trabalhos teóricos e práticos de Psicopedagogia;

Vi – orientação, coordenação e supervisão de cursos de Psicopedagogia;

Vii – direção de serviços de Psicopedagogia em estabelecimentos públicos ou privados;

Viii – projeção, direção ou realização de pesquisas psicopedagógicas.

Art. 5º Para o exercício da atividade de Psicopedagogia é obrigatória a inscrição do profissional junto ao órgão competente.

Parágrafo único. são requisitos para a inscrição:

i – a satisfação das exigências de habilitação profissional previstas nesta Lei;

ii – ausência de impedimentos legais para o exercício de qualquer profissão;

iii – inexistência de conduta desabonadora no âmbito educacional.

Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.FoNTE: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0E8CB6B7C879DCA243192D4F28285456.node1?codteor=575405&filename=Avulso+-PL+3512/2008

EMENDA Nº 01Deputada GORETE PEREIRA - Relatora

Acrescente-se o seguinte art. 5º ao projeto, renumerando-se os demais: "Art. 5º o psicopedagogo tem o dever de manter sigilo sobre os fatos de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua atividade. § 1º As informações obtidas em virtude do exercício profissional podem ser compartilhadas com outros profissionais envolvidos no atendimento do cliente, desde que também estejam sujeitos a sigilo profissional. § 2º A inobservância do presente artigo configura infração disciplinar grave. " sala da Comissão, em 4 de dezembro de 2008.FoNTE: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=397FE59DB22FD716791D42BD2F02BE58.proposicoesWeb2?codteor=575405&filename=Avulso+-PL+3512/2008

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fatores que interferem na disponibilidade dos “aprendentes”.

Essa formação está atrelada à ação de profis-sionalizar-se, embora do ponto de vista do senso comum essa formação apareça vinculada a de capacitar, a de ganhar status, a de deixar de ser amador. “O termo profissional, alude à noção de competência, de autoridade legítima por um co-nhecimento específico e autonomia para exercer um ofício, ademais, remete à experiência prática e altos salários”7.

Essa profissionalização é almejada por vários segmentos profissionais da Educação em busca de especializações e aprimoramentos, voltados por melhores condições de trabalho, remunera-ção, e criação de projetos voltados às políticas de formação.

A profissionalização em várias situações deve conviver com o novo e o antigo, ou seja, creden-ciar pessoas pode ser entendido como uma visão de ordem corporativa no Brasil. Identificamos muitas ações profissionais de regulamentação profissional como legitimadas pela sociedade (como a que vivemos na Psicopedagogia), po-rém, necessitam da segurança advinda do reco-nhecimento. Esse reconhecimento em nossa cul-tura ocorre quando a validade de um certificado de conclusão de curso é emitido por um órgão regulatório vinculado na esfera estatal e que se manifesta por meio de leis e regulamentos.

Assim, no campo educacional, a moderniza-ção das relações de reconhecimento profissio-nal fundamentalmente é do governo, de seus agentes regulatórios, porém, equivocadamente na contramão da política oficial, nos deparamos com certificados, formações, especializações man tidas por entidades credenciadas pelo go-verno e que profissionalmente têm validade como conhecimento, mas que não se transfor-mam em reconhecimento profissional.

Essas reflexões convergem para a adoção da “profissionalização diferenciada” como uma política de formação, onde a qualificação dos “ensinantes’ se dirige para as especializações, buscando melhores resultados em relação às intervenções, visando à redução da disputa

entre pares, possibilitando alteração do saber e a melhora das relações no interior do grupo ocupacional, administrando conflitos por meio da regulamentação. Assim, regulamentar o exer-cício da atividade em Psicopedagogia autorizaria pessoas formadas por instituições credenciadas a exercerem essa ação. A discussão da regula-mentação, neste momento, se volta à noção de formação que é desenvolvida nessas instituições.

REFLETINDO SOBRE “FORMAÇÃO”A ideia central de nosso estudo e intervenção

é que os psicopedagogos (enquanto profissio-nais da Educação) em formação se assumam como profissionais capazes de compreender a humanização de si e das pessoas, assumindo o desenvolvimento e o direito a aprendizagem como valores prioritários no seu desempenho profissional.

Entendemos que o conceito de formação está associado ao conceito de desenvolvimen-to pessoal e a um trabalho em que as pessoas devem “se conhecer” para que possam, em si-tuações de ensino, assumir-se como ensinantes na perspectiva de facilitar a aprendizagem de todas as pessoas, independente das diferenças ou dificuldades.

“Falar do ensinar é explicitar as mediações feitas pelos professores entre os componentes de seu plano e seus alunos. O modo de lidar com mediações gera o aprender. Podemos dizer que o aprender depende de como essas mediações são feitas pelo professor”8.

A formação ocorre em todas as fases de nossa vida, se constituindo em aprendizagem contínua, de vivências, mudanças, conhecimento da reali-dade, de conhecimentos específicos. “Essa for-mação pressupõe o princípio de individualização como elemento essencial à formação, porém sem perder de vista o coletivo, o grupo no qual se insere tanto na dimensão acadêmica como pessoal”9.

Para o desenvolvimento do conceito de for-mação em Psicopedagogia nos apoiamos nos princípios subjacentes e considerados válidos pelo autor Carlos Marcelo Garcia, doutor em

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Ciências da Educação pela Faculdade de Filo-sofia e Ciências da Educação da Universidade de Sevilha.

Encontramos nesses princípios da formação de professores referenciais validados que servi-ram de critérios para a análise do processo de formação onde identificamos similaridades.

São eles:1) ”Conceber formação como um processo

contínuo, mantendo os princípios éticos, didáticos, pedagógicos onde a formação inicial e a permanente se articulam para o desenvolvimento profissional”10. De forma similar, a formação em Psicopedagogia se inicia na graduação (independente de ser Licenciatura, Pedagogia, Fonoaudiologia, Psicologia e áreas afins) e se especializa em cursos ou stricto sensu em instituições credenciadas pelo MEC, além de cursos de extensão e aprofundamentos de inte-resse do profissional, como, por exemplo, psicodrama, neuroaprendizagem, psica-nálise, possibilitando, assim, a construção de conhecimento inter e transdisciplinar, bem como assumir o conceito de formação como um processo permanente onde o profissional opta por ações de formação que o mantenham em constante desen-volvimento.

2) “A formação deve se integrar a processos de mudança, inovação e desenvolvimen-to curricular”10. De forma similar, a Psi-copedagogia está concebida como uma proposta de mudança, transformação, estimuladora de aprendizagens ou rea-prendizagens na ação do ensinante na direção da descoberta de novos processos de ensino e de aprendizagens a todos.

3) “A formação deve estar ligada ao desen-volvimento organizacional da escola”10. A Psicopedagogia, de forma similar, está comprometida com o ambiente de apren dizagem na instituição escola e para além da escola, ou seja, podemos encontrar a Psicopedagogia no hospi tal, na família, em quaisquer espaços em

que a aprendizagem seja foco de traba-lho, e que, para seu desempenho eficaz, requeira repensar a organização na qual esse trabalho ocorra. O psicopedagogo não pode ser visto como “mais um” na or ganização e sim como um profissional preparado para atuar em situações de ensino e aprendizagem, colaborando com a equipe multidisciplinar.

4) “A formação deve integrar conteúdos aca dêmicos e disciplinares e a formação pe dagógica do professor”10. Identificamos na Psicopedagogia que o profissional tem que possuir um conhecimento específi co, um saber a ser trabalhado em seu aten-dimento, seja ele advindo da linguagem, da Psicologia ou da Pedagogia, possibili-tando um conhecimento que ao ser elabo-rado se torne psicopedagógico, capaz de estruturar seus pensamentos e dos apren-dentes, descobrindo os conhecimentos e modos de atividades que colaborem com a do desenvolvimento das pessoas em todas as dimensões. Neste momento, a diferença entre a ação do professor e do psicopedagogo deve ser destacada, a saber; no lugar de professor o papel é de ensinante (uma pessoa que ocupa o lu-gar do ensinar), um aprendente (o aluno que ocupa o lugar do aprender) e o saber (no lugar do conteúdo). Este saber em Psicopedagogia implica que as informa-ções se transformem em conhecimento, em sinais de conhecimento para que as pessoas ao processá-los posam entendê--los e os assimilarem. Concordamos com a psicopedagoga Alícia Fernandez, que nos diz que só aprendemos de alguém que outorguemos confiança e direito de ensinar. Para que isso ocorra há quatro níveis de elaboração (organismo, corpo, inteligência, desejo) a serem vivenciados por todos os componentes: ensinantes, aprendentes, mediados pelo saber.

5) “A formação integra a teoria e a prática”10. A Psicopedagogia entende a complexida-

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de e a amplitude das relações entre a teo-ria e a prática de suas ações, identificando tipos de saberes que têm características de formações teóricas em relação a um saber evidenciado em sua prática. “A esse respeito, Gilberto Ryle11 nos oferece uma distinção, entre o saber de tipo pro-posicional, um saber que, e um saber de caráter operativo, um saber fazer”. Assim, encontramos atividades que pressupõem o domínio de determinadas informações sem as quais a atividade é inviabilizada. Dessa forma, a Psicopedagogia identifica um conhecimento e uma prática em seu desempenho que vão além do domínio de um conjunto de teorias e metodologias de ensino. Não há hierarquia valorativa entre os tipos de conhecimento e saberes (teóricos e/ou práticos), pois ambos são essenciais para a formação. Acreditamos “na práxis” onde a intervenção em Psico-pedagogia ocorre por meio de ativida des onde o conhecimento e sua aplicação respeita o indivíduo, seu contexto, suas etapas de aprendizagem. A formação nesta concepção valoriza a prática como fonte de conhecimento, não como mais uma disciplina que simplesmente compõe a matriz curricular da formação, e sim como um espaço curricular para construir o pensamento prático do profissional, onde análises, reflexões na, para e sobre a ação se tornem naturais em seu cotidiano de trabalho.

6) “A formação deve procurar o isomorfismo entre a formação recebida e o tipo de educação que posteriormente será pedi-do que se desenvolva”10. A formação em Psicopedagogia, em suas diretrizes, prevê conhecimentos específicos, inclusive nas ações voltadas ao diagnóstico ou avalia-ção denominadas de psicopedagógicas, e a vivência das intervenções em Psico-pedagogia que em algumas instituições se denominam de estágio. Dessa forma, os cursos que oferecem as ações na pers-

pectiva do isoformismo vêm clarear o con-texto em que as intervenções ocorrerão, evitando generalizações que dificultam a inserção do psicopedagogo no merca-do de trabalho. Os cursos deveriam, em suas propostas, deixarem claro para qual ambiente de trabalho estão focados. Esse princípio de formação prevê uma parte geral que embasa as ações em diferentes ambientes e uma parte específica que lhe dará a compreensão da realidade, do contexto específico onde sua ação ocor-rerá. Neste princípio temos que reforçar a premissa da formação permanente, contínua, articulada, onde as pessoas possam usufruir de diversas formações, ampliando sempre suas oportunidades de trabalho.

7) “A formação destaca o princípio da indi-vidualização como elemento integrante de qualquer programa de formação de professores”10. A Psicopedagogia corrobo-ra com esse princípio, na medida em que prevê “a formação pessoal” em suas dire-trizes de formação. A ideia da individuali-zação está ligada à formação clínica, onde o conhecimento das necessidades e inte-resses das pessoas, suas características contextuais, relacionais, cognitivas, pes-soais e do grupo devem ser respeitados, possibilitando o desenvolvimento dessas pessoas em sua plenitude. A intervenção prevê uma supervisão psicopedagógica onde as ações são previstas considerando o indivíduo que está em formação, não só como profissional, mas como pessoa que precisa se conhecer, suas facilidades e dificuldades para cuidar dos outros.

8) “A formação deve possibilitar o questio-namento de suas crenças e práticas ins-titucionais”10. A Psicopedagogia valoriza a formação onde questionamentos sejam entendidos como a formação do profissio-nal pesquisador. Caberá ao pesquisador assumir um papel construtor de conheci-mento a partir da valorização do conheci-

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mento já constituído, porém passível de atualizações ao seu tempo e espaço por meio da reflexão, da criticidade, contri-buindo com a diversidade e divulgação desta área. Investimos no fortalecimento da Psicopedagogia a partir “da voz”, “do olhar” “da fala” do profissional em Psi-copedagogia, ou seja, os psicopedagogos assumindo a Psicopedagogia.

Concordamos com Garcia10 quando afirma que “estes princípios que temos vivido a referir não esgotem a multiplicidade de abordagens que a formação de professores conte enquanto disciplina. Ainda que parciais, estes princípios contribuem para uma primeira definição de nossa concepção de formação de professores e dos métodos mais apropriados para seu desen-volvimento”.

REFLEXÕES ENVOLVENDO O PROJETO DE LEI Nº 3512 DE 20082

A partir de 1996 foi promulgada a Lei de Di-retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de nº 9394, que instituiu, entre outras mudanças, a exigência de nível superior para os professores da Educação Básica em redes públicas e pri-vadas. Os sistemas de ensino tiveram dez anos para se adaptar à nova legislação, ou seja, até 2006 (art. 62). Os profissionais da Educação para exercerem ações de Orientação Educacional, Su-pervisão Pedagógica, Administrador Escolar, que eram especificidades no curso de Pedagogia na forma de habilitações, a partir desta Lei poderão ser formados na graduação ou a nível de pós--graduação, tanto no lato como no stricto sensu.

Em 1997, o MEC marca o início de uma dis puta: de um lado, institutos superiores de educação e escolas normais, e de outro lado, cursos de Pedagogia na delimitação de que forma o professor, suas competências e respon-sabilidades, deixando um espaço aberto para o encaminhamento aos gestores.

A formação em Psicopedagogia já estava ocorrendo em cursos livres ou propostos por instituições credenciadas pelo MEC a nível de

lato sensu na modalidade de especialização. Após a Lei nº 9394/96, com a prerrogativa de que poderia se formar profissionais da Educação a nível de pós-graduação, somada à informação de que 80% dos alunos que cursavam a Psico-pedagogia eram da Educação, a ABPp frente às demandas da sociedade foi impulsionada a desencadear formalmente o projeto de lei nº 3124/97 sobre a regulamentação do exercício da atividade psicopedagógica em 1997, pelo então Deputado Federal Barbosa Neto (GO) apoiado na premissa que esta atividade viria reduzir o fracasso escolar mediante a revisão do Projeto Educacional Brasileiro com a inserção de um profissional denominado de psicopedagogo.

Em 2001, foi aprovado no Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 128, de 2000, que au-toriza o Poder Executivo a implantar Assistência Psicológica e Psicopedagógico em todos os esta-belecimentos de Ensino Público, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de apren-dizagem. Para sua aprovação, foi considerado que as despesas da execução dessa lei deveriam ocorrer à conta de dotações orçamentárias pró-prias, suplementadas se necessário.

Em 2013, o Governo Municipal de São Paulo apresenta o Projeto de Lei similar ao estadual sob o nº 15/05, onde reforça a assistência em Psicopedagogia ser prestada por profissional habilitado e ocorrer nas dependências da Insti-tuição durante o período escolar.

Em 2006 (dez anos depois da LDB), no mesmo ano que a Educação deveria iniciar a implan-tação do novo curso envolvendo formação dos profissionais da Educação, o projeto de lei de Barbosa Neto, embora com pareceres favoráveis das comissões de mérito a que foi distribuída viu sua proposta ser arquivada com fundamentos no artigo105 do regimento interno – encerramento da legislatura do proponente sem que fosse apreciado o parecer da comissão de constituição e justiça e cidadania, que lhe era favorável.

Em 4 de junho de 2008, a Deputada Federal Raquel Teixeira (GO) reapresenta o Projeto de Lei sob o nº 35122, onde argumenta em prol da regulamentação da profissão a partir da “urgente

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revisão do projeto educacional brasileiro, de modo a melhorar a qualidade do que se ensina e de como se ensina, do que se aprende e de como se aprende”. “A resposta para tal desafio é a exercida por um profissional especializado, o Psicopedagogo, cuja atuação visa não apenas a sanar problemas de aprendizagem, conside-rando as características multidisciplinares da pessoa que aprende, buscando melhorar seu desempenho e aumentar suas potencialidades de aprendizagem”.

No projeto de lei encontramos, no Art. 2º, a explicitação de quem poderá exercer a atividade em Psicopedagogia, no Art. 4º, as atividades e atribuições pelos profissionais da educação ha-bilitados em Psicopedagogia.

Em 2009, o projeto ao ser analisado pela co-missão de trabalho, de administração e serviço público entende que o projeto ao preservar as atribuições dos profissionais em Psicopedago-gia não propõe reserva de mercado, garantindo assim o exercício da Psicopedagogia por profis-sionais com formação em Psicologia, Pedagogia e Licenciatura, desde que tenham o certificado de conclusão de curso em Psicopedagogia a nível de especialização ou graduação.

Em 15 de dezembro de 2009, o parecer da comissão foi aprovado.

Em 2010, o Projeto de Lei 3512 de 2008 da Câmara dos Deputados foi protocolado no Sena-do Federal sob nº 31/2010, onde mudanças são propostas, sendo relevante a do Art. 2º, onde se amplia a Psicopedagogia para portadores de di-plomas em Psicologia, Pedagogia, Licenciaturas ou Fonoaudiologia e no Art. 4º se acrescentou aos profissionais da Educação Brasileira a da Saúde (visto a inserção da Fonoaudiologia).

Simultaneamente à tramitação desse projeto de lei, a Educação passa por mudanças subs-tantivas, a saber, em fevereiro de 2006, o ensino fundamental obrigatório passa a ter a duração de nove anos, iniciando-se aos seis anos de idade, alterando o sistema de ensino brasileiro onde a educação infantil que até então era do zero a seis anos passa para cinco anos, consequentemente altera a organização dessa modalidade.

Em 2006, são deliberadas as Diretrizes Nacio-nais para a Pedagogia, onde o mesmo deve ser organizado para a Licenciatura - Formação de Professores (e não seu bacharelado), o que gerou mudanças na formação, visto que a Pedagogia deveria priorizar o professor e não o gestor.

Nos próximos oito anos, de 2006 a 2014, a so-ciedade aprofunda o debate para a organização do Plano Nacional da Educação (PNE).

Em 2014, há a aprovação do PNE organiza-do em 20 metas acompanhadas de estratégias indispensáveis à sua implantação. Suas metas deverão ser atingidas em um prazo de 10 anos (2024), por isso Estados, Municípios e União deverão estar em parceria de colaboração para o êxito da mesma.

Ainda em 2014, por meio da resolução nº 2 do MEC – Conselho Nacional de Educação/Câ-mara de Educação Superior, institui o cadastro nacional de oferta de cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) nas instituições cre-denciadas no Sistema Federal de Ensino, onde regulamenta a apresentação desses cursos de lato sensu a partir de 2012 no sistema e-MEC. A Secretaria de Regulação e Supervisão da Edu-cação Superior estabelece a instrução normativa nº 1 de 16 de maio de 2014, onde elenca os da-dos essenciais para seu cadastro. Em seguida, publica no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 1 de 13 de fevereiro de 2015, que explicita os procedimentos para o cumprimento da Instrução Normativa promulgada em maio de 2014.

Dessa forma, os cursos de especialização em Psicopedagogia devem respeitar essas medidas, visando à qualificação dos mesmos e responsabi-lizar a instituição proponente à sua responsabi-lidade de formadora. Os cursos anteriores a esta medida ocorriam com a chancela da instituição que nem sempre atendiam a qualificação reque-rida em cursos de especialização.

Em nossa pesquisa, encontramos apenas três cursos de graduação em Psicopedagogia em funcionamento.

Em 2015, novamente o MEC em 1de julho define Diretrizes Curriculares Nacionais para

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a formação inicial em nível superior (cursos de Licenciatura, programas e cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda Licenciatura e para a formação continuada) arti-culando Plano Nacional de Educação (PNE) às diretrizes de formação, essencial para que o PNE possa ser implantado aos sistemas de ensino.

Estas discussões, estudos e pesquisas em torno da educação para o desenvolvimento har monioso das pessoas e melhoria do sistema de ensino em geral ocorre em um momento complexo de transição onde o quadro político, social, ético no Brasil está em crise, afetando o individual e o coletivo das pessoas.

Simultaneamente ao PNE, as reflexões em tor-no da formação e regulamentação da atividade em Psicopedagogia oportunizam a explicitação de sua identidade, preservam o exercício “a ser ofertado” por profissionais com especialização formal em Psicopedagogia.

Em fevereiro de 2014, o projeto de Psicopeda-gogia foi aprovado na Câmara de Assuntos Sociais do Senado, que comunica a decisão da Comissão em caráter terminativo para ciência do plenário e publicação no Diário do Senado Federal.

Após sua aprovação, esse projeto recebe (den-tro do prazo legal) um interposto de um senador solicitando a tramitação conjunta do projeto que regulamenta o exercício de pedagogo ao da Psi-copedagogia. Em dezembro de 2014, o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado solicita o desapensamento dos projetos, a fim de que ambos tenham tramitação autônoma.

Em 2015, a ABPp subsidiou os relatores dessa solicitação para que mantivessem a tramitação autônoma, porém até a presente data não foi apreciada pelo Senado.

CONSIDERAÇÕES FINAISEste estudo nos mostra que, embora a Cons-

tituição Brasileira de 1988 garanta o livre exer-

cício de qualquer trabalho ou profissão, há necessidade de se regularizar projetos que já existem no mercado de trabalho com a intenção de possibilitar maior segurança para as pessoas que procuram esse serviço, assim como assegu-rar às pessoas formadas o direito de exercer as atividades para as quais foram formadas, além de estabelecer direitos e responsabilidades para tal desempenho.

Desta forma, a regulamentação deve ocorrer mediante o estudo e propostas de diretrizes previstas para a formação em que sua atuação por meio do exercício de suas atividades ocorra de forma a atender às atribuições previstas no projeto de lei e que retratam quem deve exercer a atividade em Psicopedagogia (art. 2º) e quais as atividades e atribuições do profissional em Psicopedagogia (art. 4º).

Essas atribuições não criam reserva de mer-cado, visto que diferentes graduações podem obter certificação acadêmica mediante uma formação específica, ou seja, em relação à ju-ridicidade não encontramos nada que infrinja princípios e regras do ordenamento jurídico em vigor.

Outro ponto relevante é a necessidade de uma formação inicial e permanente que avance na área da pesquisa da construção de conheci-mento em Psicopedagogia por meio de inves-tigações científicas que subsidiem “o fazer” e “o saber”, tendo como foco a aprendizagem, o ensinante e o ensinar a partir de uma visão inter e transdisciplinar.

Alertamos que essa formação prevê ações que possibilitem a compreensão de suas modalidades de aprendizagem onde “o se conhecer”, a forma-ção enquanto pessoa ocorra simultaneamente à formação científica, acadêmica e social.

Este estudo nos indicou que devemos “regu-lamentar o bem formado” e “legalizar o que a sociedade já legitimou”.

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SUMMARYTraining and regulations activities in Educational Psychology

This article presents a survey of crop and its main objective to analyze the concepts that guide the formation and regulation of activity in Educational Psychology. Therefore, in the investigative process we adopted a methodology for qualitative approach, with documentary research, literature regarding the initial training of education professionals and documents prepared / selected by the Commission for Training and regulation of activities in Educational Psychology of the Association of Educational Psychology. This research revealed that the regulation is necessary to the extent that specify roles, responsibilities of persons who have obtained certificate in Educational Psychology arising from accredited higher education institutions. This regulation required the development of training guidelines in Educational Psychology where the professional profile, travel arrangements, among other items, were explained. The analysis of this training was carried out according to design validated by authors like Garcia, Tardif and Fernandez. Articulate governing the training has become necessary for professional practice where “the regulatory” should take place from the formed quality.

KEY WORDS: Professional practice location. Professional practice. Educational Psychology.

REFERÊNCIAS 1. Associação Brasileira de Psicopedagogia

(ABPp). Diretrizes da formação de psico pe-dagogos no Brasil. São Paulo, outubro de 2013. Disponível em: http://www.abpp.com.br/diretrizes-da-forma%C3%A7%C3%A3o-de-psicopedagogos-no-brasil. Acesso em 10/02/2016.

2. Brasil. Câmara dos Deputados Federais. Projeto de Lei n 3124/97 e 3512/08. Dis po nível em: http://www.camara.gov.br/proposicoes Web/prop_mostrarintegra;jsessionid=D1C1EEE5B4A4F47C4DAB9C754B2F2EEE.node1?codteor=1130669&filename=Avulso+-PL+3124/1997. Acesso em 10/02/2016.

3. Brasil. Câmara do Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara – PLC nº 31/2010. Dis po-nível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96399. Acesso em 10/03/2016.

4. Brasil. Conselho Nacional de Educação. De fi-ne as Diretrizes Curriculares Nacionais pa ra

a formação inicial em nível superior (cur sos de Licenciatura, cursos de forma ção pe da-gógica para graduados e cursos de segunda Licenciatura) e para a forma ção con tinuada. Resolução CNE/CP n. 02/2015, de 1º de ju-lho de 2015. Brasília, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, seção 1, n. 124, p. 8-12, 02 de julho de 2015. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/ visualiza/index.jsp?data=02/07/2015&jornal =1& pagina=8&totalArquivos=72. Acesso em 10/03/2016.

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8. Noffs NA. A ação dos professores: da forma-ção à articulação profissional. Processos de Formação Inicial de Professores em Con tex-tos Colaborativos: Docência e Práticas Edu-ca tivas Desenvolvidas em Escolas Públicas do Estado de São Paulo - PIBID-PUC/SP. São Paulo: Artgraph; 2013.

9. Noffs NA. Psicopedagogo na rede de ensino: a trajetória institucional de seus atores-au-tores. 2ª ed. São Paulo: Ed. Elevação; 2008.

10. Garcia M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto, 1995.

11. Ryle G. The concept of mind. Chicago: Uni-versity of Chicago Press; 2002.

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação: Currículo na linha For-mação de Educadores da Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 10/3/2016Aprovado: 12/4/2016

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ALAGOASMaceió

ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃ[email protected](82) 3223-4258 – Farol

BAHIAItabuna

GENIGLEIDE SANTOS DA [email protected](73) 3617-0372 – São Caetano

Salvador

ADRIANA AGUDO RODRIGUES [email protected](71) 9905-1911 – Barra

ARLENE NASCIMENTO [email protected] das Árvores

DEBORA SILVA DE CASTRO PEREIRA [email protected](71) 3341-2708 – Candeal

GLEIDE MOREIRA TEIXEIRA GUIMARÃES [email protected](71) 3498-5000 – Graça

JOANICE MARIA BEZERRA [email protected](71) 9435-2192 – Ribeira

JOZELIA DE ABREU [email protected] – Piatá

KARENINA TRINDADE S. DE [email protected] – Pituba

MÁRCIA GONÇALVES [email protected]/[email protected](71) 3332-7055 – Federação

MARIA ANGELICA MOREIRA [email protected](71) 8625-2433 – Caminho das Árvores

MARIA AUXILIADORA DE A. [email protected](71) 3353-2207 – Pituba

MARIA DE FÁTIMA SOARES DE [email protected](71) 3488-2939 – Nazaré

NILZAN GOMES [email protected](71) 3322-4133 – Nazaré

SIMAIA SAMPAIO MAIA [email protected](71) 9971-2497 – Stella Maris

Senhor do Bonfim

AMERICO FERREIRA DE ARAGÃO JÚ[email protected]/[email protected](74) 9124-2523 / 9918-6961 – Centro

CEARÁFortaleza

ANDRÉA AIRES [email protected](85) 3261-0064 – Aldeota

DALMA RÉGIA MACEDO [email protected](85) 3491-2280 – Vila União

ELIANE CÁSSIA ROCHA [email protected](85) 3244-2820 – Dionísio Torres

ELIANE LACERDA FERNANDES DE [email protected](85) 8699-3407 – Meireles

ELISABETE SILVEIRA CASTELO [email protected](85) 3281-1673 – Rodolfo Teófilo

FRANCISCA FRANCINEIDE CÂ[email protected](85) 3272-3966 – Fátima

GALEÁRA MATOS DE FRANÇA [email protected](85) 3264-0322 – Aldeota

GERALDO LEMOS DA [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

LUCIANA QUEIROZ BEM [email protected](85) 3101-2201 – Farias Brito

MARIA ENEIDA NOBRE [email protected](85) 3294-2281 – Cj Ceará

MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE [email protected](85) 3261-0064 – Parque Manibura

MARISA PASCARELLI [email protected](85) 3267-5714 – Varjota

OTÍLIA DAMARIS [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

ROSEANNE MARY ALVES [email protected](85) 4011-9999 – Benfica

Sobral

SILVIA DE SOUZA [email protected](88) 9231-3136 – Dom Expedito Lopes

Tianguá

GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E [email protected](88) 9963-5854 – Centro

DISTRITO FEDERALBrasília

CLAUDIA DANTAS RIBEIRO STIVAL [email protected](61) 8116-6906 – Asa Norte

MARINA LIMA BEUST [email protected](61) 3326-9314 – Asa Norte

MARLI LOURDES DA SILVA CAMPOS [email protected](61) 3321-9666 – Plano Piloto

Guará

ELINE LIMA MOREIRA DE [email protected](61) 3901-7583 – Vila Tecnológica

Taguatinga

WALDERLENE RAMALHO DA [email protected](61) 3037-5009

ESPÍRITO SANTOVitória

CHEILA ARAUJO MUSSI MONTENEGRO [email protected](27) 99969-5545 – Santa Lúcia

HIRAN [email protected](27) 4009-2547 – Goiabeiras – Campus

MARIA DA GRAÇA VON KRUGER PIMENTEL [email protected](27) 3225-9978 – Praia do Canto

MARISTELA DO [email protected](27) 3215-5039 – Jardim da Penha

GOIÁSGoiânia

DENISE ARAUJO SANTOS BAIOCCHI [email protected](62) 3259-6666 – Nova Suíça

ASSOCIADOS TITULARES – 2016

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LUCIANA BARROS DE [email protected](62) 3636-6234 – Setor Oeste

LUCILA MENEZES GUEDES MONFERRARI [email protected](62) 3259-3592 – Setor Bueno

MARILENE DE AZEVEDO RIBEIRO [email protected](62) 3214-3073 – Setor Oeste

MARISTELA NUNES [email protected](62) 3259-0247 – Setor Bueno

MATO GROSSOCuiabá

ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ [email protected](65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá

MARIA MASARELA MARQUES DOS [email protected](65) 3028-1372 – Campo Velho

MINAS GERAISBelo Horizonte

ILKELINE DE [email protected](31) 8685 2179 – Santo Antônio

REGINA MARIA CALDEIRA DO COUTO E [email protected](31) 3564-4506 – Santo Antônio

REGINA ROSA DOS SANTOS LEAL [email protected](31) 3239-5920 – Santa Efigênia

Campanha

RAMONA CARVALHO FERNANDEZ [email protected](35) 3261-2119 – Centro

Elói Mendes

JANAINA CRISTIANE GUIDI [email protected](35) 3264-3397 – Centro

Lavras

ROSELMA [email protected](35) 3822-7676 – Centro

Pouso Alegre

CLAUDIA MARQUES CUNHA [email protected](35) 3422-2050 – Fátima

São Gonçalo do Sapucaí

MARÍLIA VIEIRA SIQUEIRA DE [email protected](35) 3241-3195 – Centro

Uberlândia

SANDRA MEIRE DE O. [email protected](34) 9195-8911 – Lidice

Varginha

ELISA MARIA MAGANHA SOARES CÂ[email protected](35) 3221-7949 – Vila Pinto

MARIA CLARA R. R. FORESTI [email protected](35) 3212-3496 – Centro

REGINA CLAUDIA A. S. FERRAZ [email protected](35) 3214-5660 – Novo Horizonte

PARÁBelém

ANA CYLENE VALENTE [email protected][email protected](91) 4009-7102 C – Umarizal

ANA SYLVIA VALENTE [email protected](91) 3204-3500 – Nazaré

CARMEM CYLBELLE PEREIRA ALVES VIÉ[email protected](91) 3259-3531 – São Braz

CÉLI DENISE CORRÊA DA COSTA [email protected](91) 3252-0201 – Nazaré

EDNA TOTI AMARO DA SILVA [email protected](91) 4008-1200 – Batista Campos

ELIANE SOUZA DE DEUS NETO ALMEIDA [email protected](91) 3259-3531 – Cidade Velha

HORTENCIA VITAL DE CASTRO [email protected](91) 3257-4107 – Icoaraci

ILKA MARINA PAMPONET ELIAS DE MEN-DONÇA [email protected](91) 99615-5380 – Umariza

lLUZILENE ARAÚJO NEVES [email protected](98) 98300-6548 – Parque Shalon

MARIA DE NAZARÉ DO VALE SOARES [email protected](91) 9981-2076 – São Braz

PARAÍBAJoão Pessoa

SUELY FERMON DE MORAES [email protected](83) 3225-8734 – Miramar

PARANÁCambé

NEOCLEIDE [email protected](43) 3223-2654 – Centro

Cornélio Procópio

IVANI APARECIDA C. A. [email protected](43) 3524-2377 – Centro

Curitiba

ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI [email protected](41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus

ARLETE ZAGONEL SERAFINI [email protected](41) 3363-1500 – Alto da Glória

CINTIA BENTO M. VEIGA [email protected](41) 3332-2156 – Rebouças

EVELISE M. LABATUT PORTILHO [email protected](41) 3271-1655 – Prado Velho

FABIANE CASAGRANDE C. O. MELLO [email protected](41) 3022-4041 – Bate

ROSE MARY DA FONSECA SANTOS [email protected](41) 3026-2865 – Centro Cívico

SIMONE CALBERG [email protected](41) 3363-1500 – Alto da Glória

SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER [email protected](41) 3264-8061 – Centro

Foz do Iguaçu

ANA ZANIN [email protected](45) 3523-6103 – Maracanã

Page 131: Revista Psicopedagogia Edição 100

Londrina

ROSA MARIA JUNQUEIRA [email protected](43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras

Maringá

NERLI NONATO RIBEIRO [email protected](44) 3261-4887 – Campus Universitário

São José dos Pinhais

CÉLIA REGINA BENUCCI [email protected](41) 3282-0450 – Ouro Fino

LORIANE DE FÁTIMA FERREIRA [email protected](41) 3282-9357 – Centro

SIMONI CAMARGO DE FRANÇ[email protected](41) 3398-2771 – Centro

PERNAMBUCOJaboatão dos Guararapes

LEOPOLDINA MARIA ARAUJO DE [email protected](81) 3341-8411 – Candeias

ROBERTA CLARO ROMÃO CORRÊ[email protected](81) 3468-3529 – Piedade

Recife

JOJEMIMA ESTEVÃO DE MESQUITA [email protected](81) 3342-4094 – Boa Viagem

MANUELA BARBOSA PIMENTEL DE FREITAS [email protected](81) 9694-7857 – Boa Viagem

MARIA ANETE MOURA [email protected](81) 3797-6060 – Boa Viagem

NEULIA DO CARMO PEREIRA [email protected](81) 3355-4040 – Boa Viagem

PIAUÍFloriano

RAIMUNDA FERREIRA PAIVA [email protected](89) 3515-1156 – Centro

Teresina

BENILDE FERREIRA DE ASSUNÇÃO FARIAS [email protected](86) 3221-2620 – Centro

CRISTINA MARIA DE SOUSA MIRANDA [email protected](86) 9461-4020 – Vila Operária

FABRÍCIO CÉSAR MOURA [email protected](86) 8801-0155 – Lourival Parente

JOYCE MARIA BARBOSA DE PADUA [email protected](86) 3221-1013 – Centro/Sul

MARIA ALICE DE SANTANA RESENDE [email protected](86) 9482-6447 – Uruguai

MARIA DA SANTIDADE LOPES DIAS [email protected](86) 3221-4444 – Centro/Norte

MARIA DOS REMÉDIOS MENDES CHAVES BARRETO [email protected](86) 3220-2743 – Santa Fé

RIO DE JANEIRONiterói

FÁTIMA GALVÃO [email protected](21) 2710-5577 – Icaraí

Rio de Janeiro

ANA MARIA ZENÍ[email protected](21) 2556-3767 – Flamengo

ANA PAULA LOUREIRO E COSTA [email protected](21) 2436-1803 – Jacarepaguá

CLYTIA SIANO FREIRE DE CASTRO [email protected](21) 2247-3185 – Ipanema

DIRCE MARIA MORRISSY MACHADO [email protected](21) 2236-2012 – Copacabana

HELOISA BEATRIZ ALICE RUBMAN [email protected](21) 2259-9959 – Jardim Botânico

JANE BRAVO GORNE [email protected](21) 2541-4623 – Botafogo

LÚCIA HELENA MACHADO SAAVEDRA [email protected](21) 2239-5878 – Gávea

MARIA HELENA C. LISBOA BARTHOLO [email protected](21) 2266-0818 – Humaitá

MARIA KATIANA VELUK GUTIERREZ [email protected](21) 2527-1933 – Copacabana

MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO [email protected](21) 9345-4020 – Botafogo

MARLENE DIAS PEREIRA PINTO [email protected](21) 9739-5332 – Leblon

MARTHA IZAURA DO NASCIMENTO TA-BOADA [email protected](21) 2570-0065 – Barra da Tijuca

RIO GRANDE DO NORTEMossoró

MARIA BERNADETE SILVA DE HOLANDA GOMES [email protected](84) 3314-5878 – Centro

Natal

ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIREDO M. P. GUIMARÃ[email protected](84) 3081-3623 – Tirol

CHRISTINA SALES [email protected](84) 3206-4449 – Dix Sept Rosado

EDNALVA DE AZEVEDO [email protected](84) 3221-6573 – Lagoa Seca

HEBERT EZEQUIEL FERNANDES DE ME-DEIROS [email protected](84) 8733-9780 – Lagoa Nova

Parnamirim

LUCIANA SIQUEIRA LIRA DE [email protected](84) 3645-1218 – Cohabinal

RIO GRANDE DO SULAlto Alegre

CLAUDETE [email protected](54) 3382-1093 – Centro

Carazinho

LOVAINE SALETE STREIT [email protected](47) 9265-4827 – Centro

Page 132: Revista Psicopedagogia Edição 100

Casca

BEATRIZ ANA ZAMBON [email protected](54) 3347-1394 – Centro

Espumoso

JUSSÂNIA MARIA GADENS [email protected](54) 8411-1438 – Jardim dos Coqueiros

Não-me-toque

MARIA DE LOURDES EILERT [email protected](54) 3332-1400 – Centro

Nova Prata

CLADISMAR LUIZA [email protected](54) 3342-2507 – Centro

Paraí

LIANE FÁTIMA PASINATO [email protected](54) 3477-1158 – Centro

Passo Fundo

IARA SALETE CAIERÃ[email protected](54) 3311-5230 – Centro

Porto Alegre

BRUNA MAINARDI ROSSO [email protected](51) 3342-1624 – Higienópolis

CLARISSA FARINHA CANDIOTA [email protected](51) 3346-2243 – Moinhos de Vento

EVA ALDA MEDEIROS CAVASOTTO [email protected](51) 3334-1675 – Petrópolis

HELENA VELLINHO CORSO [email protected](51) 3388-7960 – Auxiliadora

MARIA MELANIA F. POKORSKI [email protected](51) 3347-1604 – São Sebastião

ROSANITA MOSCHINI VARGAS [email protected](51) 3516-6859 – Boa Vista

SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER [email protected](51) 3328-3872 – Chácara das Pedras

SONIA MARIA PALLAORO MOOJEN [email protected]@terra.com.br(51) 3333-8300 – Centro

Tapejara

SOLANGE MARIA [email protected](54) 3344-1289 – Centro

RORAIMABoa Vista

LUCIANA SIQUEIRA LIRA DE [email protected](95) 3224-9197 – Centro

SANTA CATARINAAraranguá

MARIA BERNADETE FRANCISCO PROENÇ[email protected](48) 3526-2821 – Centro

Florianópolis

ANA CRISTINA BARBOSA ROCHA [email protected](48) 3223-0641 – Centro

JANICE MARIA BETAVE [email protected](48) 8453-7791 – Ingleses

LILIANA STADNIK [email protected](48) 9982-8901 – Balneário

MÁRCIA FIATES [email protected](48) 3224-0441 – Centro

MARIA ALICE MOREIRA BAMPI [email protected](48) 9116-0753 – Agronômica

MARIA LÚCIA ALMADA FERNANDES [email protected](48) 3331-1952 – Trindade

Maravilha

SILVANA MARIA BEDUSCHI DA [email protected](49) 3664-2186 – Centro

SÃO PAULOCampinas

MARIA LAURA CASSOLI [email protected](19) 3254-2714 – Jardim N. Sra. Auxi-liadora

Guarujá

VICTOR NASCIMENTO DOS [email protected](13) 3358-3083 – Santa Rosa

Ilha Bela

SANDRA [email protected](12) 3895-7181 – Barra Velha

Limeira

ADALGISA CRISTINA MARQUES [email protected](19) 3443-1654 – Centro

SÔNIA REGINA SANTOS DE LUCCA [email protected](19) 3011-1670 – Centro

Santos

ANGELA COTROFE [email protected](13) 3232-5020 – Ponta da PraiaSão Bernardo do Campo

BEATRIZ PICCOLO [email protected](11) 4368-0013 – Rudge Ramos

São Paulo

ADA MARIA GOMES [email protected](11) 6261-2377 – Jardim França

ALEXANDRA MARIA CRISTINA COLINI [email protected](11) 5524-5415 – Jardim Hípico

ARIANE ZANELLI DE SOUZA [email protected](11) 2659-5435 – Perdizes

BEATRIZ JUDITH LIMA [email protected](11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros

CARLA [email protected](11) 3815-5774 – Vila Madalena

CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA [email protected](11) 99302-5501 – Moema

CRISTIANE CÁSSIA MOURA [email protected](11) 2778-4492 – Vila Santa Isabel

DILAINA PAULA DOS [email protected](11) 99219-5114 – Santana

Page 133: Revista Psicopedagogia Edição 100

EDITH REGINA RUBINSTEIN [email protected](11) 3743-0090 – Vila Sonia

EDIMARA DE [email protected](11) 5563-1392 – Jardim Prudência

ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO [email protected] (11) 5184-1340 – Granja Julieta

LEDA MARIA CODEÇO BARONE [email protected](11) 3045-9064 – Vila Olímpia

LUCIA BERNSTEIN [email protected](11) 3209-8071 – Aclimação

MARCIA ALVES AFFONSO [email protected](11) 5093-1188 – Brooklin

MÁRCIA ALVES SIMÕES DANTAS [email protected](11) 98192-0921 – Tatuapé

MÁRCIA GOMES [email protected](11) 97973-0667 – Moema

MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁSIO [email protected](11) 2950-6072 – Santana

MARIA CÉLIA MALTA CAMPOS [email protected](11) 3819-9097 – Pinheiros

MARIA CRISTINA [email protected](11) 5081-2067 – Vila Mariana

MARIA IRENE MALUF [email protected](11) 3258-5715 – Higienópolis

MARIA TERESA MESSEDER ANDION [email protected](11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros

MARISA IRENE S. CASTANHO [email protected](11) 3491-0522 – Ipiranga

MARISTELA HELENA BUK FORLI CATANOSO [email protected](11) 99663-0693 – Vila Prudente

MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ [email protected](11) 3782-8905 – Jd D’Abril

MÔNICA HOEHNE MENDES [email protected](11) 5041-1988 – Indianópolis

NÁDIA APARECIDA BOSSA [email protected](11) 2268-4545 – Mooca

NEIDE DE AQUINO NOFFS [email protected](11) 3871-9115 – Perdizes

NÍVEA MARIA DE CARVALHO FABRÍCIO [email protected](11) 3868-3850 – Perdizes

QUÉZIA BOMBONATTO SILVA [email protected](11) 3815-8710 – Vila Madalena

REBECA LESCHER N. DE OLIVEIRA [email protected](11) 3816-1066 – Alto de Pinheiros

REGINA A. S. I. FEDERICO [email protected](11) 5041-1988 – Brooklin

REGINA ZAIDAN PEREIRA MENDES [email protected](11) 3872-2434 – Pacaembu

SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO NASCIMENTO [email protected](11) 3805-9799 – Morumbi

SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI [email protected](11) 3259-0837 – Higienópolis

SILVIA AMARAL DE MELLO PINTO [email protected](11) 3097-8328 – Pinheiros

SÔNIA MARIA COLLI DE SOUZA [email protected](11) 3287-8406 – Bela Vista

TELMA PANTANO [email protected](11) 3062-6580 – Jardins

VALÉRIA RIVELLINO [email protected](11) 5041-7896 / 95774-8575 – Brooklin

VERA MEIDE MIGUEL [email protected](11) 3511-3888 – PacaembuRibeirão Preto

FÁTIMA REGINA QUEIRÓZ [email protected](16) 3237-2852 – Jd CanadáTaboão da Serra

ROBERTA ROSSI OLIVEIRA [email protected](11) 97197-7719 – Chácara Agrindus

Valinhos

SILVANA [email protected](19) 3242-9889/3829-1704 – Paiquerê

SERGIPEAracajú

AUREDITE CARDOSO [email protected](79) 3211-8668 – São José

MARIA BETANIA GONÇALVES DE ALMEIDA betania_gonç[email protected](79) 9606-1326 – Centro

MARIA GORETTI DE ALMEIDA GONÇALVES [email protected](79) 3211-8668 – Centro

NIELZA DA SILVA MAIA DE [email protected](79) 3214-5363 – São José

TÂNIA REGINA ESPIRIDIÃO DE FARIA [email protected](79) 3211-8668 – Centro

Page 134: Revista Psicopedagogia Edição 100
Page 135: Revista Psicopedagogia Edição 100

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

www.abpp.com.br - [email protected]

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) éuma entidade de caráter científico-cultural, sem finslucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia.

Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais jáenvolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual dePsicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.

Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente (2016), a ABPp possui 15 Seções e 3 Núcleos, distribuídos pelo território nacional, estando devidamente vinculados e sob sua orientação.

A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos queorganiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros einteressados nos assuntos desta área.

Preocupada e comprometida com as questões sociais, a diretoria atual está organizando parceria de trabalho com instituições, aonde a prática psicopedagógica poderá ser de fundamental valia para muitas pessoas que usualmente não tem acesso a esse benefício. Muito em breve, maiores notícias serão publicadas no site e no Facebook da ABPp.

Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia.

Siga a ABPp: novos eventos e cursos estão sempre sendo planejados e organizados!

Page 136: Revista Psicopedagogia Edição 100

Presidente da ABPp Nacional: Luciana Barros de Almeida (Gestão 2014/2016)

 PALestrANtes já coNfirmAdos

IV SImpóSIo InternacIonal de pSIcopedagogIa

PsicoPedAGoGiA Por UmA sociedAde APreNdeNte: refLeXÕes e AÇÕes

diAs 21 e 22 de oUtUBroUNIP - CAMPUS PARAÍSO

Rua Vergueiro, 1211 - Paraíso - São Paulo - SP

ALESSANDRA GOTUZO SEABRA (SP)

BIANCA ARRUDA MANCHESTER QUEIROGA (PE)

CECÍLIA WARSCHAUER (SP)

CIBELE LAURIA SILVA (BH)

CLAY BRITES (SP)

DENISE COSTA CERONI (RS)

ÉDER  DANTAS (PB)

FRANCISCO ROSA NETO (SC)

GUILHERME V. POLANCKYK (SP)

IURI VICTOR CAPELATTO (SP)

JAIME ZORZI (SP)

JUAN DELVAL (ESPANHA)

LINO DE MACEDO (SP)

MARCO ANTONIO ARRUDA (SP)

MARIA DE LOURDES MERIGHI TABAQUIM (SP)

MÔNICA WEINSTEIN (SP)

NEANDER ABREU (BA)

NEIDE DE AQUINO NOFFS (SP)

RAQUEL FIGUEIREDO ALESSANDRI TEIXEIRA (GO)

RODRIGO BRESSAN (SP)

SYLVIA CIASCA (SP)

VALÉRIA CAMPINAS BRAUNSTEIN (SP)

VITOR DA FONSECA (PORTUGAL)

VITOR GERALDI HAASE (MG)

iNscriÇÕes ABertAs www.abppeventos.com.br