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REVISTA LATINO AMERICANA DE CERVEJA

EXPEDIENTE

A Revista Latino Americana de Cerveja tem periodicidade anual, sendo suas edições publicadas no

mês de maio. Faculdade Escola Politécnica de Inovação e Conhecimento Aplicado

Rua Elsbeth Feddersen, 72

Salto do Norte - Blumenau - SC

CEP: 89065-430

ISSN: 2526-8090

CORPO EDITORIAL

Prof. Me. Honorato Pradel – Editor Chefe

Prof. Dr. Carlo Enrico Bressiani – Comissão Editorial

Prof. Me. Eduardo Thiago Slomp – Comissão Editorial

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APRESENTAÇÃO

O mercado de cerveja está em aceleração e a demanda por cursos e busca de conhecimentos vem

crescendo significativamente. Nasce aí uma nova exigência. É urgente que se produza mais conteúdo,

ampliem-se conhecimentos e realizem-se pesquisas que respondam as necessidades de mercado e de

avanço do conhecimento cervejeiro.

Nesse sentido, a Faculdade Épica, através de sua mantenedora a Escola Superior de Cerveja e Malte,

cuja missão é formar profissionais qualificados, éticos e humanizados, para atender às necessidades do

mercado de trabalho com inovação e capacidade de aplicar os conhecimentos, assume o compromisso

de contribuir com a produção e aplicação do conhecimento na área de cerveja por meio da Revista

Latino Americana de Cerveja.

Essa primeira edição da Revista Latino Americana de Cerveja contempla 10 artigos que trazem

importantes contribuições de estudos que abordam o processo produtivo, a utilização de ingredientes

diversos, processos de análises e pesquisas de mercado.

A todos uma boa e proveitosa leitura!

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SUMÁRIO

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A cerveja no Brasil Holandês: notas sobre a instalação da primeira cervejaria das Américas

Beer in Dutch Brazil: notes on the installation of the first brewery in the Americas

Resumo: O artigo discorre sobre a ocupação holandesa no Brasil, a primeira cervejaria fundada em

solo brasileiro e os processos de criação do imaginário em torno do período de permanência até hoje,

além da desmitificação dessas construções. O foco se dará sobre a questão da alimentação deste

período e sobre a instalação da primeira cervejaria do Brasil (consequentemente a primeira cervejaria

das Américas), durante o governo de Maurício de Nassau em Recife no século XVII. A ideia central é

contextualizar a abertura da cervejaria como uma parte de um projeto dos holandeses de melhorar o

abastecimento das tropas no Nordeste e diminuir as constantes crises em função da dependência de

alimentos e bebidas da metrópole. A cervejaria, instalada na casa de descanso de Nassau operou por

um período de quatro anos e teve suas atividades encerradas com a partida do governador de Recife.

Apesar de pequena na participação da história Brasileira os holandeses marcaram o imaginário do

povo pernambucano e a cerveja é parte do movimento que este trabalho percorre de retomada dos

aspectos sociais e culturais nos holandeses no Brasil. Desde modo, este é mais um dos elementos que

criaram a mística em torno do governo de Nassau no Recife, marcando o imaginário local que perdura

até hoje. Tal perspectiva pode ser desenvolvida por uma abordagem da geografia humanística.

Palavras chaves: Ocupação Holandesa, Governo de Nassau, Cerveja, Imaginário, Geografia

Humanista

Abstract: The article discusses the Dutch occupation in Brazil, the first brewery founded on Brazilian

land and the processes of creation of the imaginary around the period of permanence until today,

besides the demystification of these constructions. The focus will be on the feeding of this period and

the installation of the first brewery in Brazil (consequently the first brewery in the Americas), during

the government of Maurício de Nassau in Recife in the 17th century. The central idea is to

contextualize the opening of the brewery as a part of a project by the Dutch to improve the supply of

troops in the Northeast and to reduce the constant crises due to the dependence of food and drinks on

the metropolis. The brewery, installed in the rest house of Nassau operated for a period of four years

and had its activities closed with the departure of the governor of Recife. Although small in the

participation of the Brazilian history the Dutch marked the imagination of the people of Pernambuco

and the beer is part of the movement that this work traverses of resumption of the social and cultural

aspects in the Dutch in Brazil. Thus, this is one of the elements that created the mystique around the

government of Nassau in Recife, marking the local imaginary that lasts until today. Such a perspective

can be developed by an approach to humanistic geography.

Keywords: Dutch Occupation, Government of Nassau, Beer, Imaginary, Humanist Geography

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Introdução

A história da cerveja no Brasil é mais antiga que podemos imaginar1. Desde tempos remotos,

havia entre os povos indígenas uma vasta tradição de produção e consumo de bebidas fermentadas.

Tanto o Cauim, como o Caxiri, fermentados a partir da mandioca ou do milho2, como os fermentados

a base de frutas, diversas etnias indígenas cultivavam o hábito de beber, e em algumas, as bebidas

fermentadas podiam, tal qual na Europa Medieval, até mesmo substituir o consumo de água34

.

Ainda que a produção de cerveja em escala maior seja algo que data apenas após a chegada da

família real no Brasil, em 1808, o hábito de se beber cerveja já encontrava nas terras brasileiras bem

antes desta data. Segundo Houaiss, ―D. João VI que, quando veio para cá, não se esqueceu de trazer

alguns tonéis de sua bebida preferida‖5. Contudo, antes de 1808 havia o contrabando de cerveja de

outros países, ainda que em quantidades tímidas, uma vez que a metrópole portuguesa era muito mais

devota ao vinho que a cerveja6.

Após a abertura dos portos, especialmente às ―nações amigas‖, isto é, o Reino Unido, a

comercialização de cerveja aumenta bastante no Brasil, sobretudo entre os habitantes ingleses, que

tinham na cerveja uma parte importante da sua dieta alimentar. A cerveja inglesa, mais escura, de alta

fermentação e importada em barris, tomou conta do cenário nacional até o final do século XIX quando

a cerveja alemã, mais clara, de baixa fermentação e importada em garrafas, ganha a preferência do

público7.

Em 1836, o Jornal do Commercio, da cidade do Rio de Janeiro, publica o primeiro anúncio

sobre produção de cerveja no Brasil.

1 Para Unger, a história da cerveja revela algo sobre a sociedade e a cultura. Mas não tem sido levada a sério uma

vez que sacrificou o rigor acadêmico em função do entretenimento (Cf. ―The history of brewing is oftem not

taken seriosly, one reason being that histories of brewing or specific breweries have sacrificed scholarly rigor

for entertainment of reader and author‖ (Unger, 2001, p. 6). 2 PINELI; GINANI, XAVIER (2010)

3 ALMEIDA 2015

4 Segundo Almeida: ―Um dos pontos centrais da interpretação realizada por Viveiros de Castro2002, p.249) é

que a derrocada dos Tupinambá pelos colonos europeus, em especial pelos jesuítas, deu-se à custa de um ataque

não só ao ritual canibalístico, mas também às próprias bebedeiras, sendo a tarefa de impedir as bebedeiras muito

mais complexa que a de impedir o canibalismo. Nesse sentido, tendo em vista os argumentos quanto aos

benefícios do consumo de fermentados, é interessante notar que a sabotagem dos jesuítas à vida ritual e às

bebedeiras dos Tupi-Guarani, resultando (entre outros aspectos) na quebra das redes existentes entre os grupos,

possui um contraponto ecológico: os Tupi-Guarani (adultos) voltaram a beber água. Aldeados, com escassas

possibilidades de movimento e sujeitos às mazelas de uma sedentarização forçada (Coimbra Jr. et al., 2004), os

Tupinambá perderam os benefícios vitamínicos dos fermentados e ficara expostos não só às impurezas de seus

dejetos, mas também a um coquetel de doenças europeias, muitas das quais transmitidas pela água‖ (ALMEIDA,

2015).

5 HOUAISS, 1986, p.76

6 SANTOS, 2004; HOUSAISS, 1986

7 SANTOS, 2004

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Figura 1: Anúncio de venda de jornal no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro

Fonte: https://opabier.com.br/blog/historia-da-cerveja-no-brasil-parte-2-cervejarias-artesanais/

Entretanto, a exceção dos fermentados indígenas, que já estavam presentes no Brasil por muito

tempo, o início da produção de cerveja no Brasil remonta à ocupação holandesa no Nordeste durante o

século XVII. Foi na cidade de Recife que se instalou a primeira cervejaria das américas e que foram

realizadas as primeiras execuções de receitas, boa parte delas, advindas da rica tradição de produção

de cerveja na Holanda.

Deste modo, este artigo, visa percorrer esta história, buscando entender a instalação da

cervejaria no Recife a partir tanto da necessidade frugal de embriagues das tropas holandesas, e

também, como um ato que visava acalmar os ânimos holandeses em face às dificuldades advindas do

projeto colonizador no nordeste brasileiro, dificuldades estas que envolviam a resistência holandesa

em se adaptar a terra, a rejeição da dieta alimentar da colônia e as dificuldades de produção e acesso a

alimentos no Recife do século XVII.

Isto contribuiu para formar um imaginário dos brasileiros em relação a invasão holandesa.

Seus componentes, envolvem diretamente a relação entre os brasileiros e holandeses e a ocupação dos

espaços na antiga cidade do Recife, já que durante o governo de Nassau o espaço urbano sofreu

transformações significativas8.

8 Segundo Claval (1999), a Geografia Cultural passou por um movimento de renovação e reforçou seu interesse

sobre os aspectos “não-materiais” que envolvem as questões que relacionam espaço e cultura. Dentro dessa ótica

entender a criação do imaginário e a relação com o espaço é um dos objetivos da, também chamada, geografia

dos imaginários, que em certa medida explica alguns processos da ocupação holandesa em Recife e a construção

dos imaginários em torno desse processo.

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A criação do imaginário tanto holandês em relação ao Brasil, quanto dos brasileiros em

relação a invasão holandesa e seus componentes serão analisadas sob a perspectiva da Geografia

Humanista, buscando as relações entre o espacial e social na chamada Geografia dos Imaginários.

Além disso, o desenvolvimento da receita de cerveja realizada em Recife nos leva também a

remontar um capítulo da história da cerveja na Holanda, que tem no século XVII um momento

importante de transformação que, ao fim e ao cabo, levou ao desaparecimento um know how

cervejeiro construído durante toda a idade média na Europa. Assim, compreender este fato

aparentemente curioso da ocupação holandesa, implica em compreender tanto as condições materiais

desta ocupação como também uma parte da história da alimentação tanto no Brasil, como na Holanda.

A ocupação Holandesa em Recife e a alimentação da colônia:

A invasão holandesa no Brasil se deu por meio da Companhia Holandesa das Índias

Ocidentais (em holandês: West-Indische Compagnie ou WIC) criada em 1621 com o monopólio do

comércio colonial dos Países Baixos e de escravos com o Caribe, Brasil, América do Norte e também

partes da África Ocidental. O maior objetivo da nova Companhia era retomar o comércio do açúcar

produzido na Região Nordeste do Brasil, que já despontava com uma das principais áreas de produção

do mundo9.

A ocupação do nordeste brasileiro em cinco diferentes ocasiões: 1624-1625 - Invasão de

Salvador, na Bahia; 1630-1654 - Invasão de Olinda e Recife, em Pernambuco; 1630-1637 -

Resistência ao invasor; 1637-1644 - Administração de Maurício de Nassau; 1644-1654 - Insurreição

Pernambucana.

Em seu auge o Brasil Holandês se estendia, em seu litoral, por todo o Nordeste desde a Bahia até o

Maranhão. A primeira invasão em Salvador, capital da colônia, foi expulsa por frota espanhola10

, já a

tomada de Olinda e Recife foi mais duradoura. A resistência aos invasores se concentrou no Arraial de

Bom Jesus, mas não resistiu aos holandeses. O período do governo do conde alemão Johann Moritz

von Nassau-Siegen, mais conhecido como Maurício de Nassau (1637-1644) foi o tempo de relativa

paz. Entretanto, após o término do período de Nassau, as disputas pela colônia se intensificaram, e o

domínio holandês termina com a insurreição Pernambucana que culminou na Batalha dos

Guararapes11

, em que esses foram definitivamente expulsos do Brasil12

.

9 NASCIMENTO, 2008a

10 Neste momento existia o que a historiografia moderna chamou de União Ibérica, com a junção das monarquias

de Portugal e Espanha entre os anos de 1580-1640. Devido a esse fato a Espanha expulsou os Holandeses de

Salvador. 11

Essa batalha ocorrida no morro dos Guararapes nos arredores de Recife em 1648 é considerada o marco da

criação do exército Brasileiro e a sua data, 19 de abril, é hoje comemorada como o Dia do Exército. Contudo a

expulsão dos Holandeses se deu somente em 1654 com a rendição de seus comandantes. Ainda foi necessário o

governo português pagar aos Holandeses uma indenização pelo tratado de Haia em 1661.

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Figura 2: Mapa do Brasil Holandês no século XVII, por P.M. Netscher, Haia 1853

Fonte: BUVE, 2011

A linha marcada reproduz a fronteira da colônia durante o governo de Maurício de

Nassau em 1641. O mapa oferece uma boa perspectiva, sobretudo, da região conquistada

entre São Luis, no Maranhão e a capitania de Sergipe. Os holandeses avançaram realmente

mais do delimitado por Netscher, porque em 1641, exploraram a foz do Rio Para e a Île de

Marajó, que está registrada como terreno para a cultura do tabaco. O mapa faz parte da

coleção Bodel Nijenhuis, Biblioteca da Universidade de Leiden13

.

Dos períodos destacados acima a permanência de Maurício de Nassau é sem dúvida a

mais impactante em termos culturais, arquitetônicos, políticos e administrativos. É justamente

neste período que a cidade do Recife floresce, e que também a cervejaria é instalada.

O governo de Nassau ficou conhecido pelos avanços urbanísticos da cidade, com a

criação do plano urbanístico da ilha de Antônio Vaz (atualmente o centro antigo do Recife),

pela liberdade religiosa, a documentação da paisagem local, criação do jardim botânico,

zoológico, observatório astronômico. Nassau ainda construiu dois palácios, uma igreja, a

12

MELLO Evaldo de, 1998 13

BUVE, 2011

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primeira ponte14

da América Latina, pavimentou ruas; e remodelou urbanisticamente o Recife

que passou de 40 para 380 casas, o que na época era um número extraordinário. Os imóveis

compridos e estreitos da Rua Imperador Dom Pedro Segundo, no bairro de Santo Antônio, são

um exemplo desse legado15

.

Nassau ainda trouxe nomes das mais diversas áreas do conhecimento. Destacam-se os pintores

Zacharias Wagener, Frans Post e Albert Eckhout, o cientista Willem Piso, que veio à Nova Holanda

para estudar as doenças tropicais, o cartógrafo Cornelis Golijath e o astrônomo saxão Georg Marggraf,

que, com Piso, seria o autor da Historia Naturalis Brasilia em 1648, esta é considerada a primeira obra

de caráter científico sobre a natureza brasileira. Vieram ainda três vidraceiros e um entalhador16

.

Segundo Freyre:

Com o domínio holandês e a presença, no Brasil, do conde Maurício de Nassau [...]

o Recife, simples povoado de pescadores em volta de uma igrejinha, e com toda a

sombra feudal e eclesiástica de Olinda para abafá-lo, se desenvolvera na melhor

cidade da colônia e talvez do continente. Sobrados de quatro andares. Palácios de

rei. Pontes. Canais. Jardim botânico. Jardim zoológico. Observatório. Igrejas da

religião de Calvino. Sinagoga. Muito judeu. Estrangeiros das procedências mais

diversas. Prostitutas. Lojas, armazéns, oficinas. Indústrias urbanas. Todas as

condições para uma urbanização intensamente vertical. Fora esta a primeira grande

aventura de liberdade, o primeiro grande contato com o mundo, com a Europa nova

— burguesa e industrial — que tivera a colônia portuguesa da América, até então

conservada em virgindade quase absoluta. Uma virgindade agreste, apenas

arranhada pelos ataques de piratas franceses e ingleses e pelos atritos de vizinhança

e de parentesco, nem sempre cordial, com os espanhóis17

.

Para Abdala, os feitos dos Holandeses e principalmente de Nassau criaram marcas na cultura e

no imaginário dos brasileiros, especialmente dos pernambucanos. Entretanto, esta memória é apenas

no plano imaginativo, uma vez que a herança material sucumbiu, os prédios daquela época não

existem mais e nem a ponte original suportou o tempo18

.

Assim, podemos lançar luz, neste aspecto, para o campo da geografia humana no que se refere

a sua busca pelo entendimento da dimensão espacial dos contextos e fenômenos sociais. A chamada

geografia do imaginário, que na visão de Lindón e Hiernaux (2012), se debruça sobre as articulações

entre os imaginários espaciais com as respectivas formas espaciais e os contextos sociais. Ou seja,

para os autores, há uma dimensão imaginária entre o aspecto social e o aspecto espacial. Esta relação

14

Na inauguração da ponte, a fim de levantar recursos, Nassau falou ao público que quem fosse ao evento iria

ver um boi voar. No dia 28 de fevereiro de 1644 fez um boi andar por entre as casas e as pessoas e quando esse

boi fora escondido um couro de boi moldado cheio de palha, amarrado em cordas entre duas torres, sobre

roldanas rodou pelos ares de Recife. O evento que arrecadou milhares de florins, o fato gerou fama, virou livro

(O Príncipe Maurício de Nassau, o Holandês do Boi Voador de Guido Heleno e Jô Oliveira) e inspirou até

música (Boi Voador Não Pode, Chico Buarque) (MACHADO, 2009). MACHADO, Regina. Boi Voador.

Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em:

24/01/2018. 15

SOUZA, 2018 16

SOUZA, 2018 17

Apud. MELLO, Evaldo de. L. 22-25 18

ABDALA, 2008

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espaço/sociedade, cria representações simbólicas que atravessam o tempo, contribuindo para a visão

contemporânea que temos dos elementos do passado

Neste contexto das ideias de uma geografia do imaginário que a visão popular sobre a invasão

holandesa gera imaginários, que na maioria dos casos estão mais associados a uma construção

mitológica que a uma construção real19

. Neste caso, podemos perceber que há muita construção

imaginária sobre a ocupação holandesa e pouco resgate dos fatos reais.

O resgate histórico, através de documentos e, narrativas, especialmente em relação a ocupação

holandesa, faz-se necessária exatamente porque a relação entre espaço- sociedade- imaginário, no

Recife holandês é muito profunda. Nassau foi responsável por transformações significativas no espaço

da cidade. Até hoje, ditos como ―o melhor prefeito de Recife foi Nassau‖ ecoam no imaginário

popular. É preciso ressaltar que o desenvolvimento urbano e social daquele período, em realidade foi

marcado pela exploração extensiva da monocultura, pela exploração do trabalho humano, e por

condições degradantes dos habitantes da região, tanto colonizadores, como também os nativos da terra,

seja eles os primeiros brasileiros ou os diversos grupos indígenas que habitavam o lugar. A cervejaria

no Recife deve ser entendida como um fruto deste processo, em que as inovações urbanas foram

construídas em meio a uma situação mais caótica que idílica.

Como já foi mencionado o interesse da Holanda no Brasil era o comércio do açúcar.

Enganam-se, contudo, aqueles que pensam que Pernambuco seria melhor se os Holandeses

governassem por mais tempo no lugar dos Portugueses20

. O objetivo de ambos os governos era o

lucro21

.

Contudo, ainda que durante a administração de Nassau alguns avanços tivessem sido

realizados, a vida cotidiana tanto dos habitantes de Recife quanto dos colonizadores holandeses, não

era fácil. Segundo Gonsalves de Mello, era comum ver soldados holandeses maltrapilhos pelas ruas do

Recife, os preços dos víveres eram altos, assim como dos alugueis (causando uma crise de moradia).

Eram constantes as crises de abastecimento, as doenças e a miséria entre as tropas holandesas2223

.

19

CLAVAL, 2012 20

Vale lembrar das outras experiências coloniais holandeses. Nas Antilhas, África do Sul ou Indonésia, por

exemplo, temos um legado bastante negativo da colonização holandesa. 21

Essa tese, por exemplo, é defendida pela historiadora Virginia Almoedo e pelo arquiteto José Luiz de

Menezes. Menezes comenta que os holandeses tinham a Guiana Holandesa (Suriname), terras na África, e que

tudo foi desaparecendo (mesmo hoje as possessões holandesas não estão bem (SOUZA, 2017)). Isto indica mais

um insucesso da experiência colonial holandesa que uma experiência frutífera. É deste modo que a ocupação

holandesa no Nordeste Brasileira deve ser compreendida. 22

MELLO, Gonsalves de, 1947 23

Mello transcreve um trecho de uma carta datada de 1650: ―é uma lástima e uma vergonha para o Estado ao

qual os soldados prestaram juramento, vê-los ir pelas ruas, todos esmolambados, com os trapos arrastando,

muitos sem poder cobrir o corpo, mais parecendo mendigos que soldados. Apanham as imundícies das ruas, que

nem os porcos querem comer, para acalmar sua grande fome; e como lhes falta o imprescindível para o sustento

são levados a condições abjetas; apanham trapos nas ruas e nos canais e consideram sorte quando encontram

algum farrapo ou graveto (stockje) para lenha no caminho. Procura cada um ao romper do dia, anteceder os

outros em percorrer as ruas e a praia a ver se encontra algo que lhe possa servir‖ (MELLO, 186-187).

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Para Gonsalves de Mello,

―o período da dominação holandesa no Brasil foi uma época de altos e baixos:

períodos de prosperidade em que o Recife, segundo a expressão de certo documento,

era ―um monte de ouro‖, sucediam e antecediam outros de miséria negra, em que se

morria de fome pelas ruas. A palavra ―fome‖ é uma das mais comuns nas Generale

Missiven. Apesar da remessa constante de víveres da Holanda, no Recife e em

Maurícia os burgueses e o povo passaram momentos de fome‖24

.

Em termos alimentares, os problemas se repetiam. Para Freyre, o colonizador holandês não

revelou no Brasil jeito especial para se adaptar ao meio diferente25

. Ao contrário do Português, que tão

logo chegou ao Brasil aprendeu com os índios como se alimentar e como cultivar a terra, os

holandeses permaneceram presos aos seus hábitos mais arraigados. Mello destaca que os holandeses

permaneceram rigidamente dentro das mesmas atitudes, com a mesma dieta, o mesmo tipo de casa.

Mesmo a dieta do exército holandês era proveniente da metrópole. Ele escreve: ―Da Holanda

vinha-lhes todo o necessário à subsistência: a carne de boi e de carneiro salgada, toucinho, presunto,

salmão, bacalhau salgado e seco, arenque, farinha de trigo, vinhos da Espanha, francês e do Reno,

cerveja, queijo, manteiga, azeite, azeitonas, alcaparras, figos, passas, amêndoas, etc‖26

. Até os

soldados do interior eram alimentados com esta dieta.

Evaldo Cabral, por sua vez, destaca os problemas de abastecimento no Brasil Holandês,

―sobretudo no tocante à farinha de mandioca e à carne, não foram jamais resolvidos pelo governo

holandês, a despeito das suas tentativas de obrigar os proprietários rurais a plantarem determinado

número de covas‖27

.

Em 1639, Adriaan van der Dussen, membro do Alto Conselho que administrava o Brasil

relatava as crises de abastecimento e a dependência holandesa de víveres da metrópole: ―E se bem que

a falta de todos os outros víveres seja difícil de suportar, a falta de farinha [de trigo] foi a que causou

maior indignação. Suportamo-la por muito tempo e tivemos de procurar uma solução para isto.

Taxamos os moradores de todo o Brasil em certa quantidade de farinha de mandioca a ser entregue,

toda semana ou quinzenalmente, aos nossos comissários em cada guarnição. Assim poupamos por

muito tempo a farinha de trigo‖28

. Tal passagem ilustra a inadequação holandesa à alimentação no

Brasil, conforme a hipótese de Freyre, bem como as dificuldades de acesso aos víveres europeus.

Outra situação que reforça essa não adaptação dos holandeses à terra e aos costumes

brasileiros são os poucos relatos dos viventes daquela época, como o do soldado da WIC, Peter

Hansen Hajstrup, que em 18 de maio de 1646 chegando a Recife da Paraíba recebeu a

24

Idem, p. 186 25

FREYRE, 1947 26

MELLO, Gonsalves de, 1947: 144 27

MELLO, Evaldo de. L. 4067-4069 28

Apud. MELLO, Evaldo de. L. 2242

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12

ração ou sustenti para uma semana: uma libra de bacalhau, uma libra de farinha de

trigo, uma caneca de azeite de palma e uma caneca de vinagre. Com isso nós

deveríamos [nos] contentar durante nove semanas. Por esse motivo, muita gente

passou para o inimigo e muitos morreram. Entretanto, nos arranjamos nos campos

com perrexil do mar e outras ervas e plantas. Também os cavalos, cachorros, gatos e

ratazanas foram a nossa melhor comida29

Ainda que a situação de abastecimento da cidade fosse bastante complexa, Nassau, por outro

lado não abria mão de determinados luxos. Recebia os comensais com muita fartura. Conforme

descrito no documento de 1644, para orientar o dispenseiro do Palácio de Vrijburg, uma das casas de

Nassau no Recife, eram entregues diariamente na cozinha do palácio:

―100 libras de carne verde ou 50 de carne salgada e 50 de carne verde; 20 ou 25

libras de toucinho, segundo a necessidade; 4 galinhas e pombos, segundo a

necessidade; 2 litros de vinho espanhol; 4 litros de cerveja; 11/2 litros de azeite; 4

litros de vinagre; 14 pãezinhos brancos e para cada uma das mesas tantos pãezinhos

quantas pessoas houver, exceto a mesa de S. Exa., onde haverá pão e bebida sem

conta certa. 2 litros de aveia; 5 litros de ervilha; 12 libras de carne de fumeiro‖30

.

É contrastante a fartura do Palácio de Nassau com as restrições enfrentadas pelas tropas e os

colonos. De certo modo, as medidas tomadas por Nassau e pelo Alto Conselho se mostraram tímidas e

muitas vezes inócuas. Em 1641, por exemplo, é publicado norma proibindo a derrubada de cajueiros31

,

em 1640, torna-se norma o plantio de roça de mandioca numa parte das terras dos engenhos com fins

de alimentação da Colônia (ainda que, como vimos, os holandeses resistissem ao consumo da

mandioca e seus derivados).

Para Gonsalves de Mello, tanto Nassau como o Alto Conselho fizeram esforços em

administrar a crise de abastecimento da cidade. No entanto, esses esforços não foram muito frutíferos.

Mello escreve: ―apesar dos esforços de Nassau e do Alto Conselho, nunca se chegou a um período de

equilíbrio em que o Nordeste pudesse atender suas próprias necessidades. A monocultura sempre foi o

principal entrave a este equilíbrio. Em certa ocasião o açúcar foi distribuído a população do Recife e

Maurícia em substituição a farinha, que faltara completamente. Diz a Dagelijksche que a cada morador

foi distribuída 1 libra de açúcar. Açúcar no lugar de pirão‖32

.

Podemos verificar que a imagem que os holandeses tinham do Brasil não era das melhores, já que não

conseguiram se adaptar a terra (espaço) e os costumes (alimentação). Por outro lado, se firmou um

forte imaginário na população local sobre o comando do holandeses no nordeste brasileiro que se

mostra até hoje, sobretudo em Recife.

29

TEENSMA; MIRANDA; XAVIER, 2016 30

MELLO, Gonsalves de, 1947, p. 144-145 31

“resolveu-se tornar pública a proibição de que nenhum senhor de engenho, queimadores de cal, oleiros,

fabricantes de cerveja (“brouwers”) ou quem quer que seja, permita-se derrubar algum cajueiro, sob multa de

cem florins” (MELLO, Gonsalves de, 1947, p. 160). 32

Idem, p. 182

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A cerveja no Brasil holandês

Durante a administração de Nassau no Recife é instalada a primeira cervejaria das Américas.

A cervejaria foi instalada em uma das casas de Nassau, o palácio La Fonteine.

Segundo Mello, ―o cervejeiro chegou ao Recife em outubro de 1640 e trazia permissão do Conselho

do XIX para instalar aqui a sua fábrica ―na aldeia de Sua Excelência, utilizando para tal a casa da

Companhia, com o rio e o mais que se encontra nas proximidades e a lenha de que tiver necessidade,

tudo pelo tempo de seis anos próximos futuros‖. A casa da Companhia, que seria a La Fontaine de

Nassau, foi realmente entregue pelo prazo de quatro anos e pelo aluguel global de 1.500 florins33

. A

cerveja começou a ser fabricada e distribuída depois de abril de 1641, constando ser ―uma cerveja

forte‖34

.

Pouco se sabe sobre as atividades da cervejaria ou os motivos que levaram a sua criação. Os

historiadores da cerveja no Brasil são unânimes em afirmarem a sua existência35

. Não há relatos sobre

as razões que levaram Nassau para proporcionar a abertura da cervejaria. Podemos apenas inferir que

pudesse ser para aplacar as necessidades das tropas, para ter um produto mais fresco e de melhor

qualidade disponível (uma vez que no século XVII o transporte por longas distâncias acarretava na

deterioração da cerveja), ou se para abastecer seus próprios jantares no Palácio Vrijburg.

A cervejaria funcionava na casa de descanso de Nassau e devido o seu nome, La Fontaine,

diversas sites e fontes no Brasil assim denominam a cervejaria de Dicx, porém isso não se está

documentado. Segundo Mello, a casa de La Fontaine era usada como casa de descanso de Nassau, até

que em outubro de 1640, passou a ser usada como espaço para uma fábrica de cerveja: ―Nassau

provavelmente deixou de usá-la após a construção do parque de Vrijburg, de vez que desde outubro de

1640 ela passou a ser utilizada por uma fábrica de cerveja36

. Segundo o mapa de mapa de Cornelis

Golijath impresso em 1648 (figura 5), onde vê-se a indicação "Het Dorp Aldea hier is een Brouwerye

en Suycker Pas" o que traduzido seria "A vila Aldeia; aqui há uma fabricação de cerveja e um passo de

açúcar".

33

Atualmente o grande crescimento no número de cervejarias no Brasil de cerca de 200 em meados de 2006 para

quase 400 dez anos depois, ultrapassando 600 em 2017 (MARCUSSO; MÜLLER, 2017), também se verifica

com o aumento das cervejarias chamadas ciganas, aquelas que sem uma indústria aluga a planta cervejeiro de

terceiros. Neste contexto seria, então, a primeira cervejaria das américas uma cigana.

MARCUSSO, Eduardo. MULLER, Carlos. A Cerveja no Brasil: o ministério da agriculta informando e

esclarecendo. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, 2017. 34

MELLO, Gonsalves de, 1976, p. 32-33 35

SANTOS, 2004; MORADO, 2009; BELTRAMELLI, 2014; MORADO, 2017 36

MELLO Evaldo de. Nassau governador do Brasil. L. 1194-1195

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Figura 3: Mapa de Cornelis Golijath impresso em 1648 intitulado “TPerfect Caerte der

Gelegen theyt van Olinda de Pharnambuco Mauritsstadtendet'Reciffo”

Fonte: http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=14

O destaque no mapa mostra aparentemente onde se localizava a ―aldeia Nassau‖37

e a

cervejaria de Dirck Dicx. Outros mapas da época mostram que a aldeia de Nassau ficava entre São

José do Manguinho (Atual Parque Amorim) e o antigo Sítio das Freiras (Atual Bairro dos Aflitos).

Essa região viria a ser denominada de Bairro da Capunga38

no século XIX. A figura abaixo mostra

onde seria a cervejaria no traçado urbano recente do Recife:

37

A casa de La Fontaine era também chamada de aldeia Nassau por ficar muito próxima de uma aldeia de índios

Tapuias. 38

“[...] na área do primitivo sítio que começava na Camboa do Manguinho (Parque do Amorim) e se estendia até

à margem do Capibaribe, em área limitada pela Estrada do Manguinho (Avenida Rui Barbosa), Rua da Baixa

Verde e Rua da Ventura (Rua Joaquim Nabuco). O sítio veio a ser dividido em dois, denominados de “Capunga

Velha” (que tinha por eixo a atual Rua Joaquim Nabuco) e “Capunga Nova”, com início nos Quatro Cantos e

tendo por eixo a atual Rua das Pernambucanas”. DANTAS, Leonardo. Capunga (bairro, Recife). Pesquisa

Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 25/01/2018. Foi fundada em 2015 em Recife, a

cervejaria Capunga que homenageia o Bairro em função da provável localização da cervejaria de Nassau.

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Figura 4: Possível atual localização da Aldeia Nassau

Fonte: Elaboração própria a partir do site MyMaps do Google.

https://www.google.com/maps/d/edit?mid=1DQ3g7mZUfCwQIO4wVP6tdPv2btS3i4S7&ll=-

8.04604633684232%2C-34.899208550000026&z=16

Contudo, em diversos autores podemos encontrar relatos do consumo de cerveja durante a

ocupação holandesa no Recife, tanto pelas tropas da Holanda, como por habitantes holandeses ou

mesmo portugueses. Segundo Evaldo de Mello, ―Ainda são procurados aqui cobre, ferro, aço, breu,

óleo de peixe, mas sobretudo os seguintes gêneros alimentícios: vinhos, cervejas, azeite, manteiga,

queijo, farinha de trigo fina, bacalhau, toucinho, presunto, línguas, carnes de fumeiro, peixes da Terra

Nova, sardinhas e tudo de bom que aparece‖39

.

Entretanto, ainda que hajam relatos de procura e de consumo de cerveja no Brasil Holandês,

era ainda um produto caro e de difícil acesso e cuja preferência estava mais ligada aos hábitos

holandeses que dos portugueses. Podemos ver nestas passagens de Evaldo de Mello: ―O que se fornece

de ração em carne e farinha é consumido muito mais rapidamente do que se a pensão [do funcionário

da WIC] e o rancho [do soldado] fossem pagos em dinheiro, porque os soldados quando recebem

dinheiro compram pouca carne, arranjam-se com um pouco de farinha e algumas frutas e o que podem

dispensar empregam em garapa para beber, porque cerveja e vinho são caros para eles‖40

.

39

MELLO, Evaldo de. L. 4161-4163 40

IDEM. L. 4098-4101.

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E: ―As coisas tinham subido a um preço incrível: a libra de carneiro ou de vitela

estava a quarenta soldos; a de porco, que neste lugar é a mais sã e mais delicada,

custava três libras; um ovo fresco, dez soldos; uma galinha, dez libras; um leitão,

quinze libras; um peru, 25 libras; o par de pombos, três libras; o vinho de Espanha,

da França e a boa cerveja, cinco libras a pinta, a medida de Amsterdã, que não é

senão o quartilho de Dijon; o pano grosso, cinquenta soldos ou três libras41

.

A vinda do cervejeiro Dirk Dicx também é um capítulo bastante curioso. Dirk era filho dos

donos da cervejaria ‗t Scheepje, na cidade de Haerlem, na Holanda. Seu pai era membro do conselho

da cidade e um dos membros da guilda dos cervejeiros locais. Além disso, Dirk também trabalhou na

de Halve Maen‘t, outra célebre cervejaria da região. Dirck tinha patente militar, o que talvez justifique

seu aparecimento nas telas do pintor neerlandês Franz Hals42

. Em 1640 Dirck autoriza a venda de sua

casa em Haarlem e parte para o Brasil (fonte: Noord-Hollands Archief, consulta em dezembro de

2017).

A cervejaria ‗t Scheepje foi uma das mais duradouras e tradicionais da cidade de Haarlem, no

norte da Holanda. Fundada no século XVI, a ‗t Scheepje se tornou uma das maiores e mais

reconhecidas cervejarias da região. A importância histórica desta cervejaria advém, em especial, do

fato de que até 1913, quando ela encerrou as atividades, a ‗t Scheepje guardou processos, ingredientes

e receitas do modo tradicional de se fazer cerveja na Holanda43

.

O século XVII, também conhecido como século de ouro na Holanda, é um ponto de virada na

história da cerveja e dos processos cervejeiros neste país44

. Desde a baixa idade média, o fabrico de

cerveja no que veio a se tornar o território holandês, era atividade recorrente. Segundo o historiador R.

W. Unger:

―Brewing was rural in Holland until the late thirteenth century when urban

breweries appeared. The industry was transformed in the fourteenth century by

technical change which ushered in the golden age of brewing in the country. That

period of prosperity lasted from late in the fourteenth century down to the middle of

the seventeenth. While performance and practice were not uniform through the

entire golden age it was an era in sharp contrast to the long decline which set in

around 1650, a decline that was only to relieved when the industry went through a

41

Idem. L 4342-4345 42

Segundo Unger: “In many cases brewers were part of civic government in Holland from the fourteenth

throught the seventeenth century. The frequency of brewers taking public positions can be explained in part by

their prosperity and by their being tied to the town” (Unger, 2001, p. 6). 43

Boa parte deste material está preservado no arquivo público da Holanda do Norte. Algumas cervejarias atuais

já acessaram essas receitas antigas e reproduziram cervejas de época. O caso mais conhecido é da cervejaria

Jopen, situada também na cidade de Harlem. A Jopen já produziu uma versão de uma cerveja lupulada a base de

maltes de cevada, trigo e aveia, cuja receita é datada de 1501. Além disso, a própria fundação da cervejaria, em

1995, se deu em função da reprodução de uma das receitas tradicionais preservadas no arquivo público,

produzida para o aniversário de 750 anos da cidade de Harleem (Cf. www.jopenbier.nl). 44

Pouco se conhece sobre a história da cerveja na Holanda. Tradicionalmente, a grande maioria dos estilos de

cerveja existentes no mundo são divididos e classificados em quatro grandes escolas: a inglesa, a alemã, a belga

e mais recentemente, a norte-americana. Entretanto, é preciso considerar que a Bélgica apenas passou a existir

como país em 1830 e boa parte de seu território era de domínio holandês. Além disso, a Holanda faz fronteira

com a Alemanha. Ou seja, podemos dizer que a história da cerveja na Holanda é um híbrido entre as formações

da cervejaria belga e território de influência da cervejaria Alemã.

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second great transformation in the 1860s and 1870s, establishing the foundation for

the prosperous contemporary Dutch brewing industry‖45

.

Assim, Unger destaca que compreender a passagem do processo de fabrico de cerveja desde o

final da idade média até a consolidação deste processo como atividade industrial é também

compreender a passagem de uma atividade doméstica para um empreendimento industrial. Neste caso,

a indústria cervejeira holandesa entre os séculos XIV, XV, XVI e XVII se constituía numa importante

atividade econômica, capaz até mesmo de patrocinar parte do chamado ―Século de Ouro na

Holanda‖46

.Muitos foram os estilos e processos de cervejas holandesas que foram ficando para traz

desde o século XVI e XVII até o século XIX, quando a revolução industrial trouxe, além de

maquinário e tecnologia, estilos ligados à escola de cerveja da Alemanha47

. As cervejas tradicionais

holandesas, no período do século XVII, estão praticamente extintas e salvo raríssimas exceções, como

a cervejaria Jopen, por exemplo, apenas são resgatadas em edições especiais ou comemorativas.

Estilos de cerveja como a Kuit48

, as Luiks, ou cervejas claras e escuras fabricadas na Holanda já não

existem mais. Há ainda relatos de cervejas tipo witbier (também chamadas de whitebiers). O uso de

variados tipos de grãos também era comum na época. Além do malte de cevada, os mestres cervejeiros

usavam malte de trigo, aveia, espelta e centeio. A adição de lúpulo na cerveja, elemento praticamente

obrigatório nas cervejas atuais, era também de uso bastante discreto no século XVII49

. O uso de

especiarias na cerveja era prática comum na Holanda. Esta prática está na origem ao que hoje

chamamos de gruit biers50

. Na Holanda, eram adicionadas diversas especiarias as cervejas, no intuito

45

UNGER, 2001, p. 7 46

Unger escreve: “They formed the basis for the prosperity of the Dutch economy in the seventeenth century, the

'Golden Age', and indeed for the prosperityof all of Europe in the years before the Industrial Revolution. Traders

imported raw materials from overseas, they were worked up in combination with domestic materials by native

workers and the final products were then exported by traders to markets throughout Europe. To understand the

success of the Dutch economy,its character and structure, and indeed to understand the pattern of economic

development from the late Middle Ages to the Industrial Revolution some appreciation of what happened in

brewing is a necessity” (Unger, 2001, p. 7). 47

A Heineken, por exemplo, foi fundada em 1864. 48

Esse estilo de cerveja consta no guia de estilos da Brewers Association (mais conhecido como Guia do BA),

editado em 26 de Abril de 2017. O Guia do BA mantém um “dutch style” que pode ser chamado de Kuit, Kuyt

ou Koyt. Na descrição fala em cor do ouro ao cobre (SRM 5-12.5 ou 10-25 EBC); com turbidez média por conta

de proporção dos cereais utilizados; corpo de baixo para médio; aroma maltado por conta do uso de 15% de

aveia e 20% de trigo, além do malte de cervada; notas de lúpulo são baixas quando utilizado no lugar do gruit, os

ésteres frutados são baixos, é aceitável baixo diacetil, mas não DMS e acidez. A densidade original varia de

1.050-1.080 (12.4-19.3 °Plato) e final 1.006-1.015(1.5-3.7 °Plato); o ABV varia de 4.7%-7.9% e o IBU de 25-35

(Cf. https://www.brewersassociation.org/resources/brewers-association-beer-style-guidelines/). O estilo também

foi contemplado no VI Concurso Brasileiro de Cervejas, ocorrido em 4 a 6 de março de 2017 na cidade de

Blumenau-SC. 49

Cf. www.lostbeers.com 50

Ainda que as Gruits não constem nos manuais de estilos, são conhecidas como as cervejas fabricadas e que

não levavam adição de lúpulo, sendo usado um conjunto de ervas e especiarias para saborisar a cerveja.

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de conferir sabor: cardamomo, semente de coentro, anis, lavanda, alcaçuz, gagel51

e um infinidade de

raízes, ervas e especiarias eram amplamente usadas, especialmente até em torno do século XVII52

.

No Brasil não há relatos de que tipo de cerveja poderia ter sido feita na cervejaria operada por

Dicx. Sabemos que chegava trigo ao Brasil. Mas quanto aos demais insumos cervejeiros, não existe

referência. Entretanto, se somarmos as dificuldades enfrentadas para o abastecimento na colônia, a

vasta produção de açúcar no nordeste brasileiro, a experiência de um mestre cervejeiro como Dicx e a

tradição de cervejas na Holanda do XVII, talvez a primeira cerveja brasileira tenha contido uma

quantidade de malte de trigo e algum açúcar para facilitar a fermentação, o que de certa forma justifica

o fato da cerveja holandesa no Brasil ser considerada uma ―cerveja forte‖53

. As próprias dificuldades

com o abastecimento em Recife podem ter sido um fator que dificultou a produção em escala da

cervejaria de Nassau.

Conclusão

A invasão dos holandeses no nordeste brasileiro foi uma estratégia militar, econômica e,

sobretudo no governo de Nassau, social. Porém os grandes lucros auferidos pelo açúcar da cana não

superaram as dificuldades de adaptação dos holandeses ao espaço brasileiro e seus costumes.

Uma tentativa de adaptação foi a aventura cervejeira holandesa no Brasil, porém essa também

enfrentou seus próprios percalços. A pouca habilidade holandesa em solucionar os dilemas da

colonização, somados as várias formas de restrição da colônia em termos de alimentação dos

colonizadores, e a dependência da metrópole, foram, provavelmente os fatores definidores do pouco

sucesso da cervejaria.

Em termo de imaginário os holandeses não criaram uma boa relação com o espaço nacional,

por outro lado o imaginário o povo de Pernambuco, sobretudo o recifense, em relação ao comando

holandês foi tão marcante que perdura até hoje. Mesmo ele sendo erguidos sobre mais mitos que fatos.

Ademais ainda que que o projeto de Brasil holandês e sua cerveja tenha sido pontual e não

tivesse sido levado a diante, Recife guarda hoje o título do lugar em que um europeu pela primeira vez

fez uma cerveja nas Américas.

51

Um tipo de erva aromática bastante comum na Holanda. 52

Este período em alguns casos podia se estender também para o século XVIII ou início do XIX (Cf.

www.lostbeers.com). 53

A produção de cerveja em La Fontaine se iniciou em abril de 1641 e era além de forte uma cerveja encorpada

do tipo swaar fermentada com açúcar (PEREIRA, 2018). PEREIRA, Levy. "Acajúapáie". In: BiblioAtlas -

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A ECONOMIA E O TERRITÓRIO DO LÚPULO:

A história, análise mercadológica e o desenvolvimento do lúpulo no Brasil e no mundo

Eduardo Fernandes Marcusso54

Carlos Vitor Müller55

Resumo: O lúpulo é um elemento fundamental para a cerveja e sua história remonta desde a Grécia

antiga, sendo utiliza na cerveja, provavelmente, pelos celtas no século 5 ou 6 a.c. no norte de Itália.

Por meio da revisão bibliográfica sobre o tema, dos dados do Ministério da Indústria, Comércio

Exterior e Serviços-MDIC, Relatório BATH-HASS e do Ministério da Agricultura, Pecuárias e

abastecimento-MAPA, este trabalho busca alcançar os seguintes objetivos: fazer um breve histórico do

lúpulo; explorar o conceito de desenvolvimento territorial; analisar o atual estado da cadeia de valor

do lúpulo no Mundo e Brasil e avaliar o papel a ser desempenhado por este cultivo no

desenvolvimento territorial. Após verificar as oscilações e correlações na produção de lúpulo no

planeta e em terras tupiniquins podemos verificar a importância dos alfa-ácidos neste cenário e como

as atividades ligado ao lúpulo no Brasil podem ser consideradas como vetores para o desenvolvimento

dos territórios onde a sua produção é organizada.

Palavras-chave: Lúpulo, Desenvolvimento territorial, Cerveja, Importação.

1. INTRODUÇÃO

O lúpulo é uma das matérias-primas características da cerveja, responsável por conferir

características organolépticas típicas da bebida, além de conferir vantagens na sua conservação e

estabilidade microbiológica (KUNZE, 2010). Segundo a legislação brasileira, o lúpulo é matéria-prima

característica da cerveja. Desta forma, não podem ser produzidas e tampouco importadas ao Brasil

cervejas que não contenham lúpulo em sua formulação (BRASIL, 2009)

Para seu uso e conservação, o lúpulo deve ser seco e processado logo após a sua colheita,

podendo ser comercializado em cones inteiros, em pellets e na forma de extratos (BRIGGS, 2004).

Atualmente estas duas últimas formas, pellets e extratos, tem sido majoritariamente utilizada pela

indústria cervejeira mundial devido à sua praticidade de emprego e melhor conservação (KUNZE,

2010).

54

Geógrafo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da Coordenação Geral de Vinhos e Bebidas,

Sommelier de Cerveja e Doutorando do programa de pós-graduação de Geografia na UnB com o projeto

intitulado “Os Territórios da Cerveja”. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA,

Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP: 70.043-900, Sala 348B Anexo, tel: 61-3218-

2909. [email protected]

55 Auditor Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Eng.

Agrônomo, Mestre Cervejeiro VLB-Berlim e Msc. Tecnologias Químicas e Biológicas pela Unb. Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP:

70.043-900, Sala 735, tel: 61-3218-3190. [email protected]

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O Brasil, 3º maior produtor mundial de cerveja, (CERVBRASIL, 2016) não possui produção

expressiva de lúpulo dependendo exclusivamente da importação desta matéria-prima. Essa situação é

uma das justificativas do trabalho e, além dessa dependência, temos a florescência do mercado de

produção de lúpulo no Brasil. Esse cenário nos coloca a hipótese sobre a atividade do lúpulo no Brasil

como vetor do desenvolvimento territorial.

Este trabalho tem como objetivos: fazer um breve histórico do lúpulo e suas utilizações; trazer

o debate do desenvolvimento territorial; analisar o atual estado da cadeia de valor do lúpulo no Mundo

e Brasil e avaliar o papel a ser desempenhado por este cultivo no desenvolvimento territorial.

2. METODOLOGIA

Para alcançar o primeiro objetivo proposto foi feita uma revisão bibliográfica sobre a

utilização do lúpulo ao longo da história para posicionar o lúpulo na evolução da humanidade e

mostrar sua importância, principalmente, em relação à cerveja. A histórica do lúpulo no Brasil,

especificamente, ainda contou com questionário realizado com plantadores de lúpulo do país.

Já para entender os debates sobre o conceito de desenvolvimento territorial a revisão

bibliográfica se pautou em autores franceses que trabalham com a noção de território e

desenvolvimento, além das abordagens brasileiras sobre os temas. Esses autores formam a base para

analisar os dados além de uma visão puramente mercadológica.

Para análise dos dados foram consultadas as informações do comércio exterior

disponibilizados pela plataforma Comexstat, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços-

MDIC, os dados do Relatório alemão sobre produção mundial de lúpulo BATH-HASS, em várias

edições, bem como dados do Ministério da Agricultura, Pecuárias e abastecimento-MAPA sobre

número de cervejarias. A legislação brasileira foi resgatada a parte que trata da cerveja e que cita o

lúpulo como matéria-prima característica da bebida.

Após a revisão bibliográfica e a coleta de dados foram feitas análise das atividades que

envolvem o lúpulo no Brasil e no Mundo para tirarmos conclusões sobre o potencial dessa atividade

como promotora do desenvolvimento territorial.

3. BREVE HISTÓRIA DO LÚPULO

A origem espontânea do Lúpulo (Humulus Lupulus L.) foi provavelmente a China de acordo

com análise de DNA de geneticista Russos, Americanos, Japoneses e Chineses. De lá as várias

espécies de lúpulo migraram para a Europa e América do Norte (BOUTAIN, 2014).

Os gregos usavam lúpulo, o qual chamavam de ―Keltoi‖, como salada. No passado, muitos

males do homem foram tratados por médicos com prescrições de lúpulo que tinha a reputação ajudar

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no combate a várias doenças, com propriedades para ―limpar‖ o sangue de impurezas, curar coceiras e

outras doenças da pele, além de "aliviar o fígado" (EDWARDSON, 1952).

A evidência mais antiga de uso de Lúpulo em cerveja vem dos Celtas. Os celtas eram grandes

guerreiros e trabalhavam bastante a produção de armas a base de ferro, eles dominaram a Europa

Central de 2.500 a 3.000 atrás. Em escavações de suas tumbas, realizada na região do piemonte

italiano, se direcionava a um antigo assentamento celta na cidade de Pombia (aprox. 550 a.c.),

província de Novara. Uma das sepulturas abertas continha um pequeno recipiente, perfeitamente

preservado, com resquícios de cor vermelho violeta depositado junto a uma bebida muito simular a

cerveja (BARTH-HAAS, 2003)

A análise dos resquícios feita pelo laboratório paleobotânico do Museu de Arqueologia de

Como, próximo 70 km do Pombia, revelou substancial quantidade de grãos e polén de lúpulo.

Segundo o Dr. Gambari, diretor da agência de arqueologia de Turin, essa foi a primeira vez que se

pode verificar com clareza a composição de uma bebida de 5, 6 séculos a.c. da cultura Golasecca, que

dominou a região norte da Itália entre os séculos 4 e 9 a.c. (idem).

Apesar dessa descoberta ser apenas fortes indícios do uso de lúpulo na cerveja, o fato é que o

lúpulo provavelmente cresceu selvagem na área ao redor da Pombia e era conhecido pelas pessoas da

época. Assim esse depósito de uma grama de extrato de cerveja com traços de lúpulo se estabelece

como um grande marco na história do lúpulo. (idem).

O período celta foi seguido pelo domínio do império romano, cuja cultura de bebida era aquela

do vinho. Com o desaparecimento dos celtas, seus hábitos de consumo também foram esquecidos.

Seguindo a linha do tempo existe a citação de Plínio, o Velho (23-79 d.c., Como, Império

Romano) sobre o lúpulo. No capítulo 50 de seu livro/enciclopédia, História Natural, ele descreve as

plantas que nascem espontaneamente e o seu uso. Sobre o lúpulo Plínio comenta sobre o uso na

alimentação (PLINY THE ELDER, 1855).

O mais antigo registro do lúpulo como uma planta cultivada é datada de 760 d.C. quando o rei

Pepino o Breve, o pai de Carlos Magno, doou de presente, o que ele chamou de ―Humuloria‖ (Jardins

de Lúpulo) para a basílica de Saint-Denis, região de seu nascimento, atual Île-de-France, Paris

(EDWARDSON, 1952).

Nos primeiros anos do século IX o abade Irmino, de Saint-Germain-des-Prés, menciou em seu

Políptico um pagamento em cotas de lúpulos. Durante a Idade Média muitos mosteiros tornaram-se

famosos por suas cervejas lupuladas. A cerveja foi a principal bebida, naquele tempo, para café da

manhã, jantar e ceia.

Antes da famosa menção de lúpulo da cerveja de Hildegarda na Alemanha, o abade Adelardo,

na abadia de Corbie em Picardia, na região norte da França (Hauts-de-France) fez o primeiro registro

da história sobre utilização do lúpulo (idem).

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O abade enumerava obrigações dos abades, sendo uma delas fornecer um décimo do malte e

do lúpulo colhido ao monge incumbido de fabricar a cerveja. ―The first historical mention of the use of

hops in beer was from 822 AD in monastery rules written by Adalhard the Elder, also known as

Adalard of Corbie, use plants other than hops for flavouring. (CORNELL, 2004). Interessante notar

que Abelardo era meio irmão de Pepino, o Breve, assim as peças vão se encaixando sobre o

conhecimento do lúpulo.

A fama de Hildegarda vem de sua vastíssima obra em geral e sua explicação das propriedades

de conservação que o lúpulo fornecia a cerveja. Hildegarda de Bingen56

(1098-1179) iniciou sua vida

eclesiástica aos 8 anos no mosteiro das beneditinas de Disibodenberg, onde foi se tornou abadessa em

1136 e já iniciava seus estudos sobre as plantas e curas. Cinco anos após, em 1141, teve sua primeira

visão mística, momento em teria recebido ―um encargo de Deus‖ para escrever e pregar. Assim

solicitou e recebeu da igreja autorização para peregrinação do papa Eugênio III. Hildegarda foi a

primeira mulher a conseguir tal autorização (COSTA, 2012).

Em meio a peregrinação na década de 1150 escreveu uma grande obra de medicina, Liber

subtilitatum diversarum naturarum creaturarum (Livro das sutilezas das várias naturezas da criação),

que, após sua morte, foi dividido em duas partes: Physica ou Liber simplicis medicanae (Física ou

Livro de medicina simples), que é um tratado de medicina naturalista, em nove livros, e Causae et

curaeou Liber compositae medicanae (Causas e curas ou Livro da medicina composta).

Nos seus escritos pode-se notar que ela tinha ampla conhecimento da medicina da época,

mesmo não tendo formação universitária, proibido às mulheres. Um ponto importante é o conhecido

que a monja tinha dos escritos de Plínio, o Velho, que já havia relatado o lúpulo em seu História

Natural, ainda no século primeiro depois de cristo (COSTA, 2012). Na passagem do livro Physica,

quando trata sobre o lúpulo, Hildergarda escreve:

―It is warm and dry, and has a moderate moisture, and is not very useful in

benefiting man, because it makes melancholy grow in man and makes the soul of

man sad, and weighs down his inner organs. But yet as a result of its own bitterness

it keeps some putrefactions from drinks, to which it may be added, so that they may

last so much longer.‖ (HILDEGARD VON BIGEN, 1998)

A bebida que se refere é a cerveja que era amplamente disseminada nos monastérios da Idade

Média. Sobre a cerveja Hildergarda (1998) destaque que ela ―positively affects the body when

moderately consumed […] beer fattens the flesh andlends a beautiful color to the face.‖

56

As menções à utilização de lúpulo na cerveja, na verdade, são um ínfima parte da obra de Hildegarda que, em

outros feitos, destaca-se: ―foi a primeira mulher a ser considerada uma autoridade em assuntos teológicos; a

única mulher medieval a quem se concedeu o direito de pregar a doutrina cristã em público; a autora do primeiro

auto sacro jamais escrito e o único dramaturgo no século XII que não permaneceu anônimo; a única mulher

medieval a ser lembrada como compositora de um extenso e qualificado corpo de obras musicais; o primeiro

autor a escrever sobre sexualidade e ginecologia de um ponto de vista feminino, e o primeiro santo a ter uma

biografia oficial que inclui trechos autobiográficos‖ (COSTA, 2012, p. 206).

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Mais tarde no século 14 a cultura do lúpulo tornou-se importante na região do Flandres,

sobretudo Ghent, e região flamenca, além das cidades do norte da Alemanha, sobretudo Einbeck que

se tornaram ricas por meio da venda de sua cerveja lupulada. Na Boêmia do século XIV o Imperador

Carlos IV pessoalmente selecionava o local mais adequado para o crescimento de lúpulo

(EDWARDSON, 1952).

Lúpulos não foram introduzidos na Inglaterra até o final do Século XV. Henrique VII e

Henrique VIII da Inglaterra gostava de cerveja sem lúpulo e proibiram seu uso. Na Suécia o

direcionamento do governo eram exatamente o oposto, em 1440 existia regulamento que exigia que

todo agricultor tivesse 40 postes de lúpulo (idem).

Uma das mais propaladas normas que versam sobre lúpulo na história da cerveja é a

Reinheitsgebot ou lei da pureza da cerveja criadas pelos duques da Baviera, Wilhelm IV e Ludwig X,

no Parlamento Estadual de Ingolstadt, em 23 de abril de 1516. Esta lei instituiu que a cerveja deveria

ser fabricada somente com os seguintes ingredientes: água, malte de cevada e lúpulo (a levedura,

como o organismo responsável pela fermentação, foi mencionada pela primeira vez em 1551). Isto se

constitui em um dos mais antigos decretos alimentares do mundo (ESLINGER, H.; NARZISS, 2012).

Na época da promulgação da lei da pureza o principal ingrediente que era utilizado na cerveja

para lhe conferir mais sabores, além do malte e das leveduras, está última até então não descrita, era o

gruit57

. Porém a época a fabricação e comercialização desse ingrediente feito pelos senhores de

Gruuthuse, casa que detinham o monopólio da venda desse produto58

. Então, por uma questão muito

mais econômica do que alimentar, a lei da pureza veio colocar o lúpulo no lugar do gruit como

ingrediente da cerveja.

Em 1952 a lei de pureza alemã foi reafirmada pela Biersteuergesetz59

, lei fiscal da cerveja que

regula sua tributação e das outras providências, porém devido as regras de comércio entre os países

membros da União Europeia podem ingressar cervejas na Alemanha que não seguem a lei da pureza

(OPPENHEIMER, 1994).

O lúpulo chegou da Europa aos Estados Unidos pela Massachusetts Company em 1629 para

suprir a necessidade de lúpulo para as cervejas americanas e rapidamente o plantio se disseminou na

57

Além do gruit, outros ingredientes eram usados nas cervejas para baratear seu preço deixando-as de péssima

qualidade. A família real da Baviera para justificar também a promulgação da lei da pureza promoveu uma

pesquisa sobre as substâncias que eram adicionadas a cerveja durante sua fabricação e encontraram ingredientes

indigestos como cal, fuligem e até óleo de fígado de boi, além de cereais para o malte como feijões e ervilhas

(SLEMER, 1995). 58

Disponível em: https://www.visitbruges.be/en/gruuthusemuseum. Acesso em: 24/08/2018. 59

Em 1981 a cervejaria francesa, Brasserie du Pêcheur, processou o governo alemão por não permitir a entrada

de sua cerveja por não cumprir as normas descritas nos parágrafos 9 e 10 da Biersteuergesetz. A Comissão Europeia considerou que isso violava o artigo 30 da TEEC (tratado de Roma) e instaurou um processo por

infração contra a Alemanha por proibição a comercialização de cerveja e importação de cerveja com aditivos. O

Tribunal de Justiça da União Europeia, considerou que a proibição de comercialização era incompatível com os

Tratados de Comercio Europeu (OPPENHEIMER, 1994).

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costa leste. Os puritanos, por exemplo, eram produtores tão bem-sucedidos que poderiam,

eventualmente, enviar o excesso de lúpulo para os quakers na Filadélfia60

.

Já em 1849 os estados da Nova Inglaterra e Nova York produziram quase 680 toneladas de

lúpulo. Depois da Guerra Civil, a indústria se desenvolveu em Wisconsin e o lúpulo avançou para a

costa do Pacífico entre 1859 e 1869, já em 1909 a região se tornou a principal produtora de lúpulo dos

Estados Unidos (EDWARDSON, 1952).

O lúpulo foi levado à África do Sul, em 1652, por Jan van Riebeeck, na Cidade do Cabona

província do Cabo Ocidental sudoeste do país. A primeira cerveja foi produzida em 1658. A Cidade do

Cabo, como escala na rota das Índias Orientais Holandesas, logo ficou conhecida como ―A Taverna

dos Mares‖61

.

Na Austrália o lúpulo foi levado, especificamente na terra de Van Diemen na tasmânia, em

1822 por William Shoobridge, que não conseguiu o mesmo sucesso que tinha no Reino Unido, em

Kent, sudeste de Londres. Foi o filho de Willian, Ebenezer, que teve êxito no plantio de lúpulo em

Derwent Valley, centro sul da Tasmânia62

.

Na Argentina o lúpulo chegou em 1865 em Golfo Nuevo, atual Puerto Madryn na província de

Chubut centro sul do país, com os imigrantes galeses. O repórter Lewis Jones, é considerado o

introdutor de lúpulo na patagônia argentina63

Já no Brasil a história do lúpulo é bem peculiar e decorre, também, da sua posição geográfica

e condições climáticas não apropriadas para o crescimento64

. A história mais divulgada do início da

plantação de lúpulo no Brasil é a do agrônomo Rodrigo Veraldi em São Bento do Sapucaí (SP),

município localizado na serra da Mantiqueira, Estância Climática do estado que oferece melhor

adaptação do lúpulo.

Em 2005, Veraldi começou a plantar lúpulo e em 2007, após muitos testes 20 plantas

nasceram com sucesso cultivas em estufa e em 2009 quando levou a plantação para o campo as chuvas

dizimaram a plantação. Foi quando Rodrigo jogou fora as mudas de lúpulos. Já em 2011, no local de

60

Disponível em: https://beerandbrewing.com/dictionary/Bo6daRoGE5/american-hops-history/. Acesso em:

23/08/2018. 61

Disponível em: http://www.sab.co.za/post/the-sab-story/a-brief-history-of-hops-in-south-africa. Acesso em:

23/08/2018. 62

Disponível emhttps://craftypint.com/news/1200/Beer_History_The_Kingdom_of_Hops. Acesso em:

23/08/2018. 63

Disponível emhttp://pulsocervecero.com/el-lupulo-en-la-argentina-historia-de-su-introduccion/. Acesso em:

23/08/2018. 64

Os lúpulos crescem com mais facilidades entre as altas de latitudes 35º e 55º, temperaturas amenas, uma

exposição a luz do sol em torno de 14 horas diária e necessitam de grandes aportes de água durante a fase

vegetativa de seu cultivo. Somente nestas condições alfa-ácidos e óleos essenciais se formam de maneira

satisfatória. Disponível em: http://www.ars.usda.gov/Research/docs.htm?docid=14772. Acesso em: 25/09/2018.

No Brasil temos médias na casa de 8, chegando a 10 horas de sol. Disponível em:

http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/energia_solar/3_2.htm. Acesso: 25/08/2018.

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descarte, havia se desenvolvido as plantas abandonadas mesmo após intensas chuvas. Aparentemente

uma mutação genética fez o lúpulo se tornar resistente ao clima local.

Após essa obra do acaso o agrônomo investiu na plantação com clones da planta resistente e

expandiu a plantação. Em 2014 a Baden Baden, cervejaria artesanal de Campos do Jordão que

pertencia a Brasil Kirin65

, se interessou pelo cultivo e financiou a plantação de um hectare. O resultado

da safra foi usado na cerveja Heller Bock 15 anos da Baden Baden, em comemoração ao seu

aniversário66

. Em 2017 a colheita de Rodrigo foi de 2000 quilos de lúpulo, mas ainda falta

desenvolvimento genético para alcançar rentabilidade ao negócio67

.

Apesar da história do lúpulo da Mantiqueira ser a mais divulgada como o início da plantação

de lúpulo no Brasil, existem relatos de plantação que datam da década de 1950. Natanael Moschen

Lahnel, da empresa Lúpulo Gaúcho, localizada em Gramado-RS, nos conta que em 1955, na cidade de

Nova Petrópolis-RS, o lúpulo foi trazido pelos alemães imigrantes e era produzida em grande

quantidade para venda para a Cervejaria Antarctica na época. Com o passar dos anos tornou-se mais

barato importar o produto e o cultivo foi deixado de lado pelo fumo e milho.68

Outras experiências de plantação de lúpulo no Brasil estão aparecendo em várias partes do

Brasil, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, devido a questão climática e a notada concentração de

cervejarias.

Um marco na estruturação do mercado de plantação de lúpulo no Brasil foi a criação da

Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo – APROLUPULO, em 19 de maio de 2018, na cidade

de Lajes, na serra de Santa Catarina. A associação foi criada com mais de 80 produtores. A sede fica

no Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV-Udesc),

instituição que faz pesquisas sobre a produção de lúpulo69

.

Como podemos verificar a história do lúpulo passa de alimentação à cerveja e de poucas

regiões produtoras à diferentes partes do mundo. No Brasil a pequena história do lúpulo ainda tem

grande caminho pela frente até se tornar uma atividade rentável e que forneça insumos em quantidade

e qualidade ao crescente mercado de cerveja no Brasil, sobretudo as artesanais.

65

Em 2017 a Brasil Kirin foi comprada pela Heineken por R$ 2.2 bilhões de reais com e a empresa holandesa

passou a dominar 17,4%. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Negocios/noticia/2017/05/compra-da-

kirin-pela-heineken-e-aprovada.html. Acesso em: 25/08/2018. 66

Disponível em: https://goronah.blog.br/2014/experimenta/baden-baden-comemora-15-anos-com-novo-rotulo-

e-site-de-harmonizacao. Acesso em: 25/08/2018 67

Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2017/02/conheca-producao-

de-lupulo-brasileiro.html. Acesso em 25/08/2018. 68

Essas informações foram retiradas a partir de questionário, o qual ainda conta que existem registros históricos

fotografias, além de pessoas ainda vivas que trabalharam nessas plantações. Um documentário com entrevistas e

o detalhamento da história está sendo criado, diz Natanael que também é membro da APROLUPULO. 69

Disponível em: http://revistadacerveja.com.br/aprolupulo-a-uniao-dos-produtores-de-lupulo/. Acesso em:

25/08/2018.

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Dessa forma entendemos que a produção de lúpulo no Brasil, assim como em outras partes do

mundo, pode se tornar um vetor do desenvolvimento territorial levando crescimento da renda das

pessoas e ações colaborativas pautadas nos territórios de inserção das plantações.

4. O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Na geografia econômica a discussão sobre o desenvolvimento tem posição importante e,

recentemente, analisam as transformações provocadas pela reestruturação produtiva no espaço. As

diferentes abordagens buscam interpretar como essas alterações tem sua distribuição espacial e como

isso afeta às pessoas em cada região, local e território.

A concepção territorial de desenvolvimento surge com uma dupla interpretação para Veiga

(2002), de um lado a noção de território não se restringe ao fenômeno ―local‖, ―regional‖, ―nacional‖

ou mesmo ―continental‖, podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões, por outro lado

apenas adjetivar o desenvolvimento como territorial não revela a real importância da dimensão

territorial do processo objetivo de desenvolvimento.

Na Europa o conceito de território foi importante referência para a criação da do bloco

continental e para sua união. Para Santinha (2014) o princípio da coesão territorial é um elemento da

coesão econômica e social, e é descrito por como um pilar do o desenvolvimento harmonioso dos

territórios valorizando a diversidade e cooperação dos agentes e políticas de base territorial e setorial.

O autor ainda explicita as três dimensões do princípio de coesão territorial, a saber: >

Heterogeneidade territorial (justiça espacial e capital territorial); > Organização territorial

(desenvolvimento urbano equilibrado e em rede e integração territorial de proximidade); >

Governança territorial (governança multinível, cooperação institucional e coerência de políticas).

Neste debate territorial Santos (1994) afirma que vivemos numa era de retorno ao território,

contudo a noção de território herdada da modernidade incompleta e do seu legado de conceito puros

traz uma ideia irreal de território uno e intocado, para o autor este conceito só pode ser entendido

como território usado e não território em si mesmo.

No mesmo sentido Pecqueur (2005) diferencia a ideia de território dado e território construído,

sendo esse último resultado da ação de um sistema local de atores que consegue revelar a

especificação do território. Essa noção de território construído e seu princípio de especificação são

para o autor umas das bases para o desenvolvimento territorial.

Nesse processo de revelação das especificidades de cada território nem todas as ações são

exitosas e existem regiões ―ganhadoras‖, aquelas que conseguem territorializar fenômenos como

elementos determinantes da competitividade dos sistemas territoriais de produção e outras regiões a

acabam perdendo (BENKO; LIPIETZ, 1992).

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O desenvolvimento de baixo para cima é uma estratégia baseada na flexibilidade e promoção

dos recursos naturais e sociais do próprio território, visualizando um progresso da própria região, da

comunidade e da sociedade que nela vive (SANTOS,1996). Quando Milton Santos fala dos recursos

naturais e sociais do território Benko e Pecqueur (2001) chamam de Recursos e Ativos Territoriais. O

contexto dessa definição é sempre o da concorrência em que se lançam os territórios

os espaços tendem a construir ou a reforçar vantagens comparativas [...] esta análise

se funda sobre a redefinição da natureza da empresa, aquela, de lugar de combinação

ótima de fatores de produção genéricos, se tornaria um lugar de combinação de

competências e de aprendizagem de novos conhecimentos a partir de fatores

específicos (PECQUER; ZIMMERMANN, 1994, p.56).

Os territórios estão em situação de concorrência uns com os outros e para que um desses

espaços saia vitorioso é necessário, ativos e recursos, genéricos e específicos. Ativos, são os fatores

em ―atividade‖, enquanto que por recursos entendemos os fatores a revelar, a explorar, ou ainda a

organizar. Os recursos diferentemente dos ativos, constituem assim uma reserva, um potencial latente.

A característica de genérico define-se pelo fato que seu valor, ou potencial, é independente de sua

participação a um determinado processo produtivo (BENKO; PECQUEUR, 2001).

Os autores continuam a definição e abordam a características dos ativos e recursos como

genéricos por sua condição de transferência, ou seja, possuidores de um valor de troca, já os ativos e

recursos específicos são aqueles tem no valor de uso seu principal aspecto.

É neste campo de discussão que a noção de governança se insere e partimos da conceituação

de Storper e Harrison (1994) que a entende como uma forma de organização entre empresas que vai

além das relações mercantis e trata da divisão sócia do trabalho, das instituições e convenções e das

possibilidades de localização. Para Benko e Lipietz (1997) governança é o conjunto de modos de

regulação entre o mercado puro e a política pura.

Nesse contexto de desenvolvimento territorial, a governança aqui tem o seu conceito

expandido para compreendermos como se dá o desenvolvimento partindo de baixo comandado pelos

agentes locais territorializados, assim se tornando uma governança territorial.

[...] a governança se torna territorial quando se reconhece que o território é o recorte

espacial de poder que permite que empresas, Estados e sociedade civil entrem em

contato, manifestando diferentes formas de conflitos e de cooperação; direcionando,

portanto, o processo de desenvolvimento territorial. O território é reconhecido por

sua governança através da escala de ação político-econômico, sendo que as esferas

locais e regionais se destacam como materialização das potencialidades (humanas e

tecnológicas) da globalização. Neste sentido, a governança territorial, enquanto

conceito, instrumento e processo de ação, poderia ser conhecida como novo "piloto"

do desenvolvimento econômico e social descentralizado (PIRES, 2011, p.26-7).

Dessa maneira os territórios se tornam ―fonte de desenvolvimento‖ (AYDALOT, 1986) e uma

instância institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial. (DALLABRIDA,

2011). Ou seja, desenvolvimento e governança estão atrelados pela noção de território.

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As estratégias competitivas da globalização têm o território como ator principal do

desenvolvimento e as políticas, as organizações e a governança são recursos específicos, a um só

tempo disponível ou a ser criado. Desse modo, o desenvolvimento territorial é o resultado de uma ação

coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação territorial, portanto, uma ação associada a

uma cultura, a um plano e instituições locais, tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais

(PIRES; MULLER; VERDI, 2006).

De maneira sintética podemos elencar as principais conclusões de Veiga (2002) sobre a face

territorial do desenvolvimento e o seu potencial futuro para análises científicas:

1. O aproveitamento das vantagens competitivas depende do seu caráter empreendedorista e

endógeno, ligados a noção de “capital social”

2. A partir das transformações da política governamental fomentada pela globalização o caráter de

estruturas subnacinoais mostra a pertinência de uma abordagem territorial

3. A noção desenvolvimento territorial tende a substituir a tradicional expressão desenvolvimento

regional, pois permite uma referência simultânea a desenvolvimento local, regional, nacional, e até

continental (no caso da Europa), pelo forte debate entre as escalas do local e global

4. Apesar do avanço do conceito de desenvolvimento territorial ele não supera as divisões setoriais

(primário, secundário e terciário) e espaciais (cidade e campo).

5. As mudanças semânticas do debate público sobre o desenvolvimento mostram sua imprecisão,

fluidez e ambiguidade.

No debate sobre o desenvolvimento territorial percebemos a inserção de novos conceitos para

entender a realidade dos territórios e do seu desenvolvimento. Aqui percebemos que as formas de

articulação ou não dos atores locais é que dão o tom do caminho dos territórios na trilha do

desenvolvimento.

Tendo a base teórica do desenvolvimento territorial podemos passar as apreciações da atividade do

lúpulo para, ao final no artigo, elencarmos conclusões sobre indicativos para o desenvolvimento da

atividade no Brasil.

5. OS DADOS E AS ANÁLISES DO MERCADO DE LÚPULO NO MUNDO E NO

BRASIL

O lúpulo tem produção com grande representatividade na Europa, Estados Unidos e China,

sendo que Estados Unidos e Alemanha despontam com mais de 40000 toneladas produzidas

anualmente. Em um segundo patamar a China e a República Tcheca por volta de 7000, a Polônia e

Eslovênia na casa das 3000, a Inglaterra e Austrália com mais de 1000 e outros países abaixo desse

valor.

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Tabela 1:: Produção de Lúpulo (ton) e Cerveja (1000 hl) em 2017, por países.

País Estados

Unidos

Alemanha China República

Tcheca

Polônia Eslovênia Inglaterra Austrália França Nova

Zelândia

Lúpulo 48190 41556 7044 6796 2993 2766 1780 1438 763 760

Cerveja 217753 93013 440150 20322 40500 1550 43300 15950 21300 2886

L/kg 452 224 6249 299 1353 56 2433 1109 2792 380

Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios BARTH-HAAS 2017-2018.

Quando os números de produção de lúpulo são comparados com os de produção de cerveja

podemos ter uma relação de quantos litros de cervejas são produzidos a cada quilo de lúpulo, em uma

situação hipotética sem importação e exportação de lúpulo e cerveja.

Nessa situação podemos verificar a pequena proporção de quilo de lúpulo por litro de cerveja,

tendo nos dez países principais produtores de lúpulo uma média de 1.535 L/kg. Traduzindo para uma

escala menor são aproximadamente 1 grama de lúpulo a cada 15 litros de cerveja.

Claro que esse valor não traduz a realidade de maneira fiel, mas já é uma pequena referência

para depois avaliarmos a situação no Brasil.

A produção mundial de lúpulo tem dois aspectos fundamentais para serem observados, um é a

área plantada e o outro é a produção de alfa ácido, elemento fundamental na produção de cerveja. A

figura 1 traz o comparativo desses três elementos de forma didática.

Figura 1: Comparativo entre produção de lúpulo e alfa-ácidos em toneladas e área cultivada em hectares.

Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios BARTH-HAAS, vários anos

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Como podemos notar área plantada, produção de lúpulo e de alfa-ácidos apresentam uma

tendência de crescimento da década de 1970 até meados da década de 1990. Esse panorama muda por

volta de 1993 quando a área plantada tem expressiva queda passando de 91596 hectares (há), neste

ano, para 57427 em 1999, último ano de queda consecutiva nessa sequência70

.

Essa queda de 38% da área plantada, consequentemente, foi acompanhada pela redução na

produção de lúpulo em toneladas (ton), que saiu do patamar de 121.323 ton em 1994 para 118.401 ton

em 2017. A produção de alfa-ácido, contudo, apresentou uma tendência de crescimento passando de

da casa de 6.907 ton em 1994 para 11.248 em 2017, ou seja, é necessário menos espaço e cones de

lúpulo para produzir mais proporção de alfa-ácido71

.

Esse resultado da análise mostra que houve incremento na produtividade de alfa-ácidos por

área, advindo do aumento da produtividade de cones por planta e do incremento no teor de alfa-ácidos

nos cones. A proporção de alfa-ácidos em cada cone de lúpulo é obtida em função do melhoramento

genético realizado nas variedades com este fim72

.

O Brasil não possui produção expressiva de lúpulo, sendo, praticamente, toda a demanda da

indústria nacional abastecida por importações. Os principais fornecedores de lúpulo ao Brasil são

Alemanha e EUA com, respectivamente, 1.457 e 864 toneladas exportadas ao Brasil em 2017. O

Reino Unido ainda figura entre os maiores exportadores de lúpulo ao Brasil com 162 toneladas

exportadas em 2017.

Os primeiros postos do ranking de exportadores de lúpulo ao Brasil são invertidos quando os

valores financeiros das operações são levados em conta. Conforme demonstra a figura 3, os EUA

lideram a balança comercial do lúpulo com aproximadamente 19 milhões de dólares exportados ao

Brasil, enquanto a Alemanha, em segundo posto, exportou 15,7 milhões de dólares em 2017.

70

Além do aumento da produtividade, que reduziu a área plantada, os baixos preços pagos aos produtores

também contribuíram para essa redução. O diretor do Centro de Pesquisas do Lúpulo em Hüll, na Baviera, sul da

Alemanha, Bernhard Engelhard, expõe que depois de uma safra relativamente fraca em 2006 e do ingresso da

China como compradora no mercado mundial de lúpulo, o preço do ingrediente da cerveja triplicou em 2007.

Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/l%C3%BApulo-o-ouro-verde-da-baviera/a-2720385. Acesso em:

28/08/2017. Este fato explica a forte oscilação que encontramos entre 2006 e 2007 na figura 1 71

Importante perceber que o gráfico mostra bem as naturais oscilações na produção de lúpulo, devido a

flutuações estacionais normais à demais cultivos agrícolas. Mesmo assim é possível observar a tendência de

queda na área plantada e produção de lúpulo e aumento na produção de alfa-ácido 72

Podemos corroborar com essa tese a partir do depoimento de Fritz Schmucker, diretor executivo da Sociedade

para a Pesquisa do Lúpulo (GfH) da Alemanha. O desenvolvimento da espécie de lúpulo Herkules foi um estudo

de anos para obter um melhoramento genético importante para o setor. Segundo Schmuker "Ela [a variedade de

lúpulo] é resistente a doenças e tem uma produtividade superior a qualquer outra [...] Em 1975, obtinha-se cerca

de 50 kg de ácido alfa de um hectare de lúpulo. Com a nova espécie Herkules, são 400 kg por hectare. Não há

nenhuma planta cultivada comparável que tenha tido um aumento de produtividade dessa ordem em tão pouco

tempo". Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/l%C3%BApulo-o-ouro-verde-da-baviera/a-2720385. Acesso

em: 28/08/2018

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Tabela 2: Importações brasileiras de lúpulo de acordo com sua origem (em milhares de dólares

americanos).

País/Ano 2015 2016 2017

Estados Unidos 18312,00 12426,79 18995,85

Alemanha 9284,12 11877,07 15700,48

Reino Unido 6092,15 7958,27 2830,36

Eslovênia 698,93 562,65 330,22

Austrália 143,54 95,35 281,05

República Tcheca 113,09 57,70 145,88

China 23,18 52,93 106,47

Nova Zelândia 24,24 0,00 19,71

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

Tal relação entre o valor e quantidade do lúpulo exportado se deve ao tipo deste produto, e

consequentemente ao teor de alfa-ácidos do mesmo, pois enquanto os EUA exportam extratos

concentrados de lúpulo em maior quantidade ao Brasil, a Alemanha exporta majoritariamente lúpulo

em pellets73

. Isto acaba impactando drasticamente o valor e quantidade dos produtos exportados ao

Brasil, enquanto pellets de lúpulo raramente excedem 15% de conteúdo de alfa-ácidos, extratos podem

conter até 70% desta molécula. Extratos de lúpulo também são mais estáveis e se conservam melhor

que o lúpulo em pellets, tornando a escolha de melhor relação custo/benefício para as cervejarias.

Na figura 4 pode ser observada a relação descrita anteriormente, os EUA vêm se consolidando como

exportadores de extratos de lúpulo enquanto a Alemanha concentra suas exportações em pellets.

73

Pellets são estruturas que agregam o pó das flores do lúpulo. Segundo a European Brewery Convention - EBC

a produção de lúpulo deve seguir o Manual de boas práticas (ISBN3-418-00758-9) que descreve sua produção.

As flores da planta de lúpulo são limpas, secas e trituradas. O pó é homogeneizado e pressionado nas máquinas

peletizadoras, formando os pellets, os quais são resfriados e envasados sob atmosfera de gás inerte (N2 e CO2).

Disponível em: http://www.hvg-germany.de/images/stories/pdf/zertifikate/MSDS-HVG-Pellets_en.pdf. Acesso

em: 28/08/2018

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Figura 2: Exportações em quilogramas de pellets e extrato de lúpulo ao Brasil oriundos da Alemanha (ALE) e

Estados Unidos da América (EUA).

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

Fenômeno semelhante vem sendo observado nas importações brasileiras de lúpulo nos últimos

20 anos. A quantidade importada vem gradativamente caindo devido à mudança do perfil dos produtos

importados. À despeito da crescente produção cervejeira nacional a quantidade importada de lúpulo

pelo Brasil mantém-se estável. Tal fenômeno pode ser explicado pela mudança no perfil dos produtos

importados. A importação de extratos de lúpulo com alta concentração de alfa-ácidos (50-70%)

permite que a quantidade absoluta de lúpulo importado ao Brasil se mantenha inalterada mesmo com o

constante crescimento da produção cervejeira local.

Como pode ser observado na Figura 3a quantidade de lúpulo por hectolitro de cerveja vem caindo

gradativamente no Brasil, à medida que cresce o valor gasto em lúpulo por hectolitro de cerveja.

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Figura 3: Comparativo entre a quantidade de lúpulo por Hectolitro de cerveja e preço do Kg de lúpulo em

dólares americanos no Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

Tal variação observada na figura anterior pode, também, ser atribuída à elevação na

concentração de alfa-ácidos dos produtos importados, elevando consequentemente o seu preço e

reduzindo a quantidade necessária para a obtenção do mesmo resultado organoléptico na cerveja.

Na última década houve no Brasil uma alteração significativa do mercado local de cervejas, com o

crescimento do segmento artesanal constituído por cervejarias pequeno porte que, em sua maioria,

produzem cervejas características distintas do mercado mainstream. Em geral cervejas artesanais são

entendidas como produtos que prezam pelo uso intenso de matérias primas, entre elas o lúpulo. Desta

forma o crescimento no número de estabelecimentos artesanais, evidenciado na figura 4, poderia

promover impactos no mercado nacional de lúpulo, devido a este maior emprego de lúpulo por litro de

cerveja promovido por estes estabelecimentos.

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Figura 4: Número total de cervejarias registradas no Brasil. Fonte: Adaptado de MARCUSSO & MÜLLER, 2017

Porém não é possível identificar qualquer correlação ou impacto do aumento dos

estabelecimentos artesanais no mercado nacional de lúpulo. Isto se deve, provavelmente, à diminuta

parcela de produção de cerveja destes estabelecimentos frente ao mercado nacional de cerveja que

atualmente figura em 14 bilhões de litros anuais (BARTH-HASS, 2017).

6. CONCLUSÕES

O resgate histórico do lúpulo traz com mais clareza o porquê do cenário atual, além de se

mostrar um importante ponto dessa história para o Brasil, país de pouquíssimas pesquisas sobre essa

temática.

Como podemos notar o debate sobre o desenvolvimento territorial traz as bases teóricas para

verificarmos como a atividade do lúpulo pode ou não ser um vetor do desenvolvimento dos territórios

por onde essa atividade é desenvolvida.

A produção de lúpulo no mundo teve grande crescimento até a década de 1990, quando teve

considerada queda. Porém essa diminuição, sobretudo na área plantada e toneladas de lúpulo, não foi

verificada, como o mesmo grau de importância, na produção total de alfa-ácidos.

Esse fato se deve a maior proporção de alfa-ácidos em cada cone de lúpulo, resultado obtida

por meio do melhoramento genético realizado nas variedades destinadas a somente conferir amargor,

sendo este ainda, o uso responsável pelo maior consumo de lúpulo no mundo.

Sobre a importação de lúpulo pelo Brasil, podemos concluir que a quantidade de lúpulo

importada não tem relação direta com o valor total das transações, já que a modalidade de extrato de

lúpulo tem valor agregado muito superior ao lúpulo em pellets, o que explica os posicionamentos de

EUA e Alemanha na balança comercial do lúpulo no país.

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Nos últimos 20 anos houve uma redução no uso em peso de lúpulo na formulação de cervejas

no Brasil. Tal fenômeno é em parte explicado pelo aumento no teor de alfa-ácidos dos produtos

utilizados, mas pode também significar a redução no amargor das cervejas produzidas localmente.

Até o momento o mercado nacional de lúpulo tem seu cenário definido pelo padrão de

consumo dos grandes grupos cervejeiros, tratando este produto quase que unicamente como uma fonte

de alfa-ácidos.

Apesar de crescer em escala expressiva e fazer intenso emprego de lúpulo, o segmento

artesanal do mercado cervejeiro nacional ainda tem consumo insignificante de lúpulo perante a

totalidade do mercado nacional.

Podemos concluir que a atividade de lúpulo, quando tiver uma integração forte com a cadeia

produtiva cervejeiro no Brasil, poderá ser um elemento de coesão territorial e como o lúpulo não

crescem em todos os lugares e climas, então sua produção pode ser considerada como um recurso do

território, podendo, junto do ambiente de industrialização da atividade, se configurar como uma

especificidade do território.

Em termos de governança podemos ver a organização da atividade do lúpulo, sobretudo com a

formação da APROLUPULO, como um passo importante na criação da autonomia dos atores

envolvidos, das empresas e uma configuração de regulação setorial nascente.

Por fim, entendemos que as atividades do lúpulo no Brasil está se baseando em uma ação

coletiva intencional de caráter local, assim a criação de uma cultura em torno do lúpulo, a organização

dos atores envolvidos e a formação de arranjos institucionais em torno dessa atividade fazem com que

o lúpulo, no Brasil, possa se configurar como importante elemento de desenvolvimento territorial no

Brasil.

7. REFERÊNCIAS

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CERVEJA DE JAMELÃO E ANÁLISE FÍSICO-QUIMICA

Leon Sacha Vieira Oliver¹*, Iuri Mira Barbosa²; Leonardo Fonseca Maciel³; Celso Duarte

Carvalho Filho4

Resumo: O Jamelão (Syzygium cumini) é um fruto com potencial fitoterápico, utilizado em pesquisas

como combate ao câncer e outras enfermidades, que apresenta alta atividade antioxidante, devido aos

compostos fenólicos presentes na sua polpa. A cerveja naturalmente já tem atividade antioxidante e

polifenóis vindos do malte utilizado, mas a proposta foi o acréscimo do Jamelão a uma formulação de

cerveja estilo Blonde Ale. Cervejas à base de frutas são comuns na Europa, em países como Bélgica e

Alemanha, que são grandes consumidores e produtores. O trabalho proposto foi elaborar e apresentar

as características físico-químicas e teor de compostos antioxidantes em cervejas artesanais elaboradas

com a adição de extrato de Jamelão. A produção artesanal da cerveja ocorreu no laboratório multiuso

físico-químico da Faculdade de Farmácia da UFBA. A partir de 20L de cerveja artesanal Blond Ale,

foram divididas 4 partes e incorporadas diferentes concentrações de extrato de Jamelão. Foram

avaliados parâmetros de cor, ph, graduação alcoólica, turbidez e teor de compostos fenólicos totais. O

aumento da concentração do extrato de Jamelão nas formulações foi proporcional ao aumento da

turbidez, aumento da graduação alcoólica, aumento do teor de compostos fenólicos totais e diminuição

do pH. As cervejas artesanais elaboradas com extrato de Jamelão sugerem ter potencial ação como

alimento funcional devido à presença de compostos antioxidantes que se mantém nas cervejas

produzidas.

Palavras-chave: Cerveja artesanal; Jamelão; fenólicos.

INTRODUÇÃO

Segundo a Instrução Normativa n° 54 (BRASIL, 2001), entende-se exclusivamente por

cerveja a bebida resultante da fermentação, mediante levedura cervejeira, do mosto de cevada

malteada ou do extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção, adicionado de

lúpulo. Uma parte da cevada malteada ou do extrato de malte poderá ser substituída por adjuntos

cervejeiros (BRASIL, 2001).

Pesquisas mostram que a cerveja surgiu no Egito ou Oriente Médio. Os primeiros campos de

cultivo de cereais surgiram por volta de 9000 a.c. na Ásia Ocidental, quando agricultores colhiam

grãos e produziam farinha. A cerveja surge paralelamente com fermentações de cereais, tais como

milho, centeio e cevada. Além disso, possui valor nutricional semelhante a dos cereais, e já foi

conhecida como ―pão líquido‖ (LIMA, 2011).

Após a Revolução Industrial, as fábricas na Europa (Alemanha, Inglaterra e Império Húngaro)

ficaram cada vez maiores. No Brasil, o hábito de tomar cerveja vem desde o império, com D. João VI,

no início do século XIX, época em que a cerveja era importada dos países europeus. Em 1988, foi

fundada na cidade do Rio de Janeiro a ―Manufatura de Cerveja Brahma Villigier e Cia.‖ e em 1891 na

cidade de São Paulo a companhia Antártica Paulista (LIMA, 2011).

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Historicamente, várias espécies de ervas aromáticas, essências, frutas condimentos, temperos e

especiarias, tendo

Muitos estilos de cerveja usam outros aditivos, como ervas aromáticas, essências, frutas,

condimentos, temperos e especiarias, tendo características únicas de corpo, aroma gostou ou textura.

Historicamente, várias espécies de ervas e frutas foram utilizadas nas receitas de cerveja. Muitos

cervejeiros seguem essa tradição, como é o caso das famosas cervejas Lambic (com forte presença de

cereja ou de framboesa) e das Witbier (cervejas de trigo, com sementes de coentro e cascas secas de

laranjas). (MORADO, 2017)

Tradicionalmente, a adição de uma fruta ou seu suco é feita para provocar uma segunda

refementação mais intensa e incorporar novos sabores à cerveja. São chamadas Fruit Beer e têm boa

aceitação no mercado europeu. Entre frutas estão a cereja, a framboesa, o pêssego, a laranja, o limão e

maçã (MORADO, 2017)

O jambolão (Syzygium cumini) é uma planta pertencente à família Mirtaceae. É conhecido

popularmente como Jamelão, cereja, jalão, kambol, jambú, azeitona-do-nordeste, ameixa roxa, murta,

baga de freira, guapê, jambuí, azeitona-da-terra, entre outros nomes. Sua árvore é de grande porte e

muito bem adaptada às condições brasileiras, apesar de ser originária da Indonésia, China e Antilhas, é

também cultivada em vários países, pois cresce muito bem em diferentes tipos de solo (VIZOTTO e

FETTER, 2009)

Originário da Índia, é frequentemente cultivado no Brasil como árvore ornamental e de

sombra. Produz madeira resistente aos cupins e considerada durável, quando em contato com a água.

(MARCHIORI e SOBRAL)

A frutificação ocorre de janeiro a maio e os frutos são do tipo baga, assemelhando-se bastante

às azeitonas. Sua coloração, inicialmente branca, torna-se vermelha e posteriormente preta, quando

maduras. Sua semente fica envolvida por uma polpa carnosa e comestível, doce, mas adstringente,

sendo agradável ao paladar. No Brasil, o fruto é geralmente consumido in natura, porém esta fruta

pode ser processada na forma de compotas, licores, vinhos, vinagre, geléias, geleiadas, tortas, doces,

entre outras (VIZOTTO e FETTER, 2009).

No jambolão são encontradas algumas substâncias químicas denominadas fitoquímicos ou

compostos secundários. Estas substâncias são produzidas naturalmente pelas plantas para se

protegerem do ataque de pragas e doenças e também ajudam a suportar as condições adversas do

ambiente. Muitos destes fitoquímicos atuam na prevenção e no combate de doenças crônicas como o

câncer e as doenças cardiovasculares. Exemplos de fitoquímicos encontrados nas diferentes partes da

planta são flavonóides como as antocianinas, a quercetina, a rutina a mirecetina com seus glicosídeos

(açúcares) e os taninos hidrolisáveis. Ainda a presença do polifenol, Ácido Elágico, deve ser

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considerada por ser uma substância comprovadamente eficaz na prevenção de doenças crônicas não

transmissíveis (VIZOTTO e FETTER, 2009).

A cerveja é uma bebida nutritiva que há muitos séculos faz parte da dieta humana. Conhecida

como ―pão líquido‖, não era associada aos malefícios do alcoolismo até a bem pouco tempo, quando

os movimentos religiosos da temperança, no final do século XIX, e o conhecimento dos efeitos do

álcool no organismo, já no século XX, a tornaram alvo de atenção de médicos e de políticas de saúde.

Entretanto, seu mérito como supridora de nutrientes e seus benefícios à saúde, desde que consumida

com moderação, não podem ser ignorados. (MORADO, 2017)

Entre as qualidades nutricionais da cerveja, pode-se destacar a presença do lúpulo, um

antibacteriano e sedativo suave e estimulante do apetite, e do Ácido Fosfórico, que tem bons efeitos

sobre a pele e era usado na antiguidade como cosmético. A cerveja também é rica em vitaminas do

complexo B, que atuam sobre o funcionamento de músculos, nervos e cérebro, sobre o metabolismo

das gorduras e a manutenção dos tecidos. Ela contém também minerais como cálcio e silício,

essenciais para a composição dos ossos; potássio, que junto com o cálcio ajuda no bom funcionamento

do coração; e cromo, que potencializa a insulina; além da alta concentração de polifenóis com efeitos

antioxidantes, anti-inflamatórios, antialérgicos, inibidores da oxidação do LDL e agregadores das

plaquetas, ajudando a diminuir o risco de infarto do miocárdio. A suave acidez (pH=4) e a presença de

gás carbônico aumentam a imunidade do organismo contra o desenvolvimento de microorganismos

patogênicos. (MORADO, 2017).

Conforme o artigo The Effects of moderate beer consumption (The Brewers of Europe, 2008)

citado por MORADO (2017, pg 175). ―Em comparação com o vinho branco, a cerveja possui o dobro

de compostos antioxidantes naturais, e em relação ao vinho tinto, a metade. Entretanto, a grande

maioria das moléculas antioxidantes do vinho é grande demais para ser absorvida pelo organismo, ao

contrário das pequenas moléculas encontradas na cerveja.

Os compostos fenólicos são estruturas químicas que apresentam hidroxilas e anéis aromáticos,

nas formas simples ou de polímeros, que os confere o poder antioxidante. Esses compostos podem ser

naturais ou sintéticos. (ANGELO e JORGE, 2006)

Os compostos fenólicos são originados do metabolismo secundário das plantas, sendo

essenciais para o seu crescimento e reprodução. Formam-se também em condições de estresse como

infecções, ferimentos, radiações UV, dentre outros. (ANGELO e JORGE, 2006)

As principais fontes de compostos fenólicos são frutas cítricas, como limão, laranja e

tangerina, além de outras frutas à exemplo da cereja, uva, ameixa, pêra, maçã e mamão, sendo

encontrados em maiores quantidades na polpa que no suco da fruta. Pimenta verde, brócolis, repolho

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roxo, cebola, alho e tomate também são excelentes fontes destes compostos. (ANGELO e JORGE,

2006)

Existem pesquisas comprovando a presença de altas concentrações de compostos fenólicos na

sua polpa e antocianinas, sendo utilizados em pesquisa como combate ao câncer de colón e outras

enfermidades. (SIMAS,2017)

O objetivo do presente trabalho foi elaborar e realizar avaliação fisioquímica de formulações

de cerveja artesanal com incorporação de extrato de Jamelão (Syzygium cumini).

O trabalho foi realizado no projeto de iniciação cientifica PIBIC (Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação Científica) pela UFBA, edital 2017/2018, com bolsa pelo CNPQ (Centro Nacional

de Pesquisa).

METODOLOGIA

Amostras

Durante o período de fevereiro a março de 2018 foram colhidos os frutos do Jamelão em

diversos pontos da cidade de Salvador – BA. Por ser um fruto de difícil acesso em estabelecimentos

comerciais, foi colhido manualmente e depois feito um extrato, no qual que separou a polpa do caroço.

Foi realizada filtração e reservado o extrato para ser adicionado à cerveja. Foram colhidos 15 kg de

Jamelão, com rendimento de 6kg de extrato.

No fim do mês de março de 2018 foram produzidos 20L de uma cerveja artesanal base, estilo

Blond Ale, no laboratório multiuso físico-químico da Faculdade de Farmácia da UFBA. A partir desta

cerveja base, foram divididas 4 partes e, em 3 destas, incorporadas diferentes volumes de extrato de

Jamelão.

Para cálculo da quantidade de sacarose, na forma de solução de açúcar comercial, a ser

adicionada a cada formulação, para carbonatação da cerveja (primming), foi considerado o volume de

cerveja base de cada formulação, onde haviam as leveduras remanescentes, após adição das diferentes

concentrações do extrato de Jamelão.

Devido ao fato do extrato de Jamelão conter também açúcares fermentescíveis, evitando a

supercarbonatação das amostras, à medida que foi aumentado o volume do extrato de Jamelão

adicionado, foi diminuída a quantidade de açúcar por litro de cerveja base a ser adiconada. Assim

foram calculadas diferentes quantidades de açúcar a serem adicionadas a 100mL de água mineral para

realizar o primming, conforme apresentado na Tabela 1.

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Após adição das soluções açucaradas foi realizada avaliação do teor de sólidos solúveis, em

Graus Brix e as amostras foram envasadas em garrafas âmbar de 300mL e 600mL e mantidas em

processo de maturação por 7 dias, a 5°C.

Tabela 1. Formulações das amostras de cerveja artesanal adicionada de extrato de Jamelão.

Amostra Cerveja

Base

Extrato de

Jamelão Açúcar Envasado

Sólidos

solúveis

(L) (L) (g/100mL de água) (L) (°Brix)

C 2 0 14 (7g/L cerveja base) 2,1 7

J20 5,6 0,8 28 (5g/L cerveja base) 6,5 7

J30 4,9 2,1 19,6 (4g/L cerveja base) 7,1 8,4

J40 3 2 0 5 9

C: Contole; J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de

Jamelão; J40: Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão.

As amostras receberam as seguintes codificações: ―C‖, para amostra controle, sem adição de

extrato de Jamelão; ―J20‖, para a amostra que passou a apresentar 20% de extrato de Jamelão em sua

composição; ―J30‖ para a amostra que passou a apresentar 30% de extrato de Jamelão em sua

composição e ―J40‖ para a que passou a apresentar 40% deste extrato na sua composição.

Para analisar a cerveja após o estágio de maturação, foram realizadas análises físico-químicas,

seguindo a Instrução Normativa do Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAPA) Nº 54/2001

(BRASIL, 2001), que exige a realização de determinação de grau alcoólico, extrato primitivo e cor, e

adicionalmente foram avaliados outros parâmetros não exigidos por esta normativa. Foram realizadas

análises de cor por espectrometria, espaço de cor L*a*b*, acidez, turbidez, grau alcoólico, atividade

antioxidante e teor de fenólicos totais. Todas as análises foram realizadas em triplicata e apresentando

valores médios descritos em tabela.

pH

Na medição de pH foi utilizado um phmetro Kaski Bentchup, seguindo a calibração que o

aparelho exige, sendo utilizados os tampões recomendados a 20°C.

Cor

Para o padrão de análise de cor, foi utilizada metodologia que é referência no Programa de

Julgadores de Cerveja (BCJP). O programa se baseia no método padrão de referência (SEM) da

American Society of Brewing Chemist – ASBC (BJCP, 2015).

O método se baseia em medir a absorbância da mostra em cubeta de 1cm de de diâmetro, do

material quartzo, na leitura de 430nm e multiplicar o valor pela constante 12,7. Foi utilizado na

medição o Espectofometro UV-Vis, da marca Bel Photonics, modelo UV-MS1.

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Espaço de cor L*a*b*

A medição de cor em curvas L*a*b* defindos pela CieLab, através do aparelho colorímetro

Konica Minolta, modelo CR-5. A medição L* determinam faixa de luminosidade; a*= coordenada de

vermelho/verde( + a indica vermelho e – indica verde); b* = coordenada (+b indica amarelo e -b

indica azul).

Graduação alcoólica

A partir de 100mL de cada amostra a 20°C, previamente descarbonatada, foi realizada

destilação simples em conjunto de destilação com balde de gelo para resfriamento. Cerca de 70mL do

destilado foi recolhido em balão volumétrico, completando-se o volume com água destilada para

100ml. Determinou-se a densidade relativa em picnômetro a 20°C. Foi realizada conversão de

densidade relativa para percentual de álcool em volume, seguindo os métodos 217/IV e 246/IV do

Instituto Adolf Lutz (IAL, 2004, p.388 e p.433).

Turbidez

Foi utilizado o turbidímetro portátil, aparelho DLTWV da DEL LAB. Foi realizada calibração

prévia, sendo realizadas medidas em NTU, sendo a ordem de 0.10, 10.0, 100.0, e 800.0 NTU. Os

resultados das amostras foram exibidos em NTU.

Compostos Fenólicos Totais

Para calcular a quantidade de compostos fenólicos totais, as amostras foram colocadas em

extração com solução de metanol. As amostras de cerveja passaram pela extração em solução de

metanol com 3% de bicarbonato de sódio. Foi utilizada a proporção de 50:50(v/v), para 20ml de

solução foram colocados 20ml de cerveja. Depois desse processo as amostras foram agitadas na

Incubadora Shaker Al-22 a 28°C por 2hr. Essas amostras passaram pela análise de fenólicos totais

seguindo o ensaio de Folin-Ciocalteu, conforme metodologia de Singleton e colaboradores (1965),

mas seguindo algumas modificações. Foram utilizados 0,5mL de cerveja, adicionada à solução de

metanol 3%, com 2,5mL solução de folin 10% e 2,0mL de carbonato de sódio 7,5%. As amostras

foram colocadas em ambiente fechado sem luz, mantidas por 2 horas, sendo em seguida realizadas as

leituras em espectrofotômetro na absorbância de 760nm. A medição foi comparada com curva de

ácido gálico e os resultados apresentados em GAE por litro de cerveja (mg GAE/L).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados de graduação alcoólica, pH e turbidez das amostras são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Avaliação de graduação alcoólica, pH e turbidez das amostras de cerveja artesanal

adicionadas de extratos de Jamelão.

Amostras Graduação alcoólica

pH

Turbidez

(% alc./vol.) (NTU)

C 4,5 4,45 45.4

J20 5,1 4,03 89.5

J30 5,3 3,92 184

J40 5,9 3,85 160

C: Contole; J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de

Jamelão; J40: Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão.

Diante dos resultados apresentados, percebe-se uma correlação entre a concentração de

Jamelão adicionada e os resultados obtidos. As cervejas apresentam um pH menor quando há maior

concentração de Jamelão, mostrando uma variação de 0,60 da amostra C para a J40. O conhecimento

de acidez para cerveja é importante, pois a acidez dificulta a multiplicação microbiana na cerveja. As

cervejas com Jamelão apresentaram uma acidez superior à controle, mostrando ter maior poder

preservante da formulação frente a ação de microorganismos.

O aumento da concentração do extrato de Jamelão às formulações foi acompanhado do

aumento da turbidez, sendo a amostra J40 a que apresentou maior turbidez (160 NTU). Estes valores

altos de turbidez já eram esperados, visto que as cervejas artesanais não passam pelo processo de

filtração, comum na indústria cervejeira, nem adição de aditivos clarificantes. Extratos naturais

incorporados a formulações líquidas tendem a gerar depósitos de materiais no fundo dos recipientes e

manter material em suspensão, intensificando a turbidez das amostras, sendo, ainda, este fenômeno

proporcional à concentração.

O aumento da concentração de extrato de Jamelão foi acompanhado do aumento da graduação

alcoólica das amostras. Mesmo a amostra J40 não tendo recebido solução açucarada, esta foi a que

apresentou maior graduação alcoólica (5,9%). Isto leva suspeitar que, partindo de uma mesma cerveja

base já fermentada, o aumento da graduação alcoólica das amostras está relacionado à concentração do

extrato adicionado, ou seja, a composição do extrato de Jamelão, principalmente os carboidratos

fermentescíveis, colaborou positivamente na fermentação alcoólica durante o processo de maturação.

Seguindo os parâmetros do BCJP (BJCP, 2015), a amostra C apresentou cor âmbar, as

amostras J20 e J30 apresentaram cor cobre-claro, e a amostra J40 apresentou cor cobre. Evidente também

que quanto maior a concentração de Jamelão na cerveja, mais escura ficou a amostra.

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Isso é decorrente do aumento de antocianinas, como cita (ZAHREDDINE, 2017) pigmento

natural encontrado no Jamelão, que confere a coloração.

Na Figura 1 são apresentadas as amostras Controle (sem adição de extrato de Jamelão), as

cervejas adicionadas de extrato de Jamelão em diferentes concentrações e o Extrato de Jamelão puro.

A Figura.1 mostras o resultados das amostras, na sequência tem as amostras ―C‖, J20‖, ―J30‖,

J‖40‖ e o extrato de Jamelão 100%.

Figura.1. Diferenciação de cor de cervejas artesanais sem extrato de Jamelão, cervejas

artesanais adicionadas de extrato de Jamelão em diferentes concentrações e Extrato de Jamelão puro

C: Contole; J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de

Jamelão; J40: Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão; Ext: Extrato puro de Jamelão.

A Figura 2 mostra as diversas colorações que as amostras apresentaram após processo de

maturação.

Figura.2. Cervejas artesanais adicionadas de extrato de Jamelão em diferentes concentrações.

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J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de Jamelão; J40:

Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão.

Quanto à avaliação de cor utilizando o espaço de cor L*,a*,b* foram percebidas alterações nos

diversos parâmetros de cor. Na faixa L* que indica luminosidade, as cervejas conforme aumentadas a

concentração de Jamelão, o nível de luminosidade vai diminuindo. Comparando a amostra C com a

J40, a o valor de L* decresce de 90,07 para 73,21.

No parâmetro a* os níveis foram aumentando conforme aumento da concentração de Jamelão

na cerveja, ficando na faixa positiva que indica vermelho+/verde-. A amostra J40 apresentou o maior

valor de a*, +20,72.

No parâmetro b* que indica que valores mais negativos demonstram mais amarelado e mais

positivos demonstram azulado, as cervejas apresentaram aumento de valores quando maior

concentração de extrato de Jamelão. A amostra C registrou valor de b* +28,97 e a amostra J40

registrou 37,53.

Os resultados para análise de cor tanto em espectrofotometria quanto em colorímetro são

apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3. Parâmetros de cor de amostras de cerveja artesanais adicionadas de Extrato de Jamelão.

Amostras Absorbância a 430nm SRM L* a* b*

C 0,542 6,8 90.07 +0.05 +28,97

J20 0,904 11,4 84.78 +8.12 +31.28

J30 0,264 13,4 79.31 +13.89 +31.42

J40 0,306 15,5 73.21 +20.72 +37.53

C: Contole; J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de

Jamelão; J40: Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão.

Nas amostras J30 e J40, para leitura do espectrofotômetro, foi feita a diluição das amostras em 4

partes de água destilada.

Os resultados para teor de fenólicos totais são apresentados na Tabela 4.

Tabela.4. Teor de fenólicos totais em amostras de cerveja artesanais adicionadas de Extrato de

Jamelão.

Amostras Fenólicos Totais (mg

GAE/L)

C 254,52

J20 250,45

J30 253,74

J40 298,40

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C: Contole; J20: Cerveja artesanal com 20% de extrato de Jamelão; J30: Cerveja artesanal com 30% de extrato de

Jamelão; J40: Cerveja artesanal com 40% de extrato de Jamelão.

Na análise de fenólicos as amostras J20 e J30 apresentaram médias de fenólicos próximas à

amostra C, evidenciando que não houve muita diferença nestes teores quando acrescentado acréscimo

do extrato do fruto nessas duas amostras. A amostra J40 mostrou apresentou média mais pronunciada,

apresentando diferença de 43,88mg de fenólicos em ácido gálico. Diferença de aproximadamente 15%

no teor de fenólicos totais.

Ao comparar estes dados com o trabalho elaborado por Lima (2012), observa-se que a amostra

J40 apresentou quantidade de fenólicos totais tão grande que quase alcança aquelas observadas em

vinhos tintos, que são ricos em fenólicos totais.

Lima (2012) em trabalho envolvendo testes de fenólicos totais em vinhos tintos com uvas da

variedade Goethe, mostrou teores de fenólicos totais entre 277,64 e 420,36 mg de polifenóis totais/L.

CONCLUSÃO

As cervejas artesanais produzidas com adição de extrato de Jamelão atenderam à expectativa

de produzir algo com características diferenciadas, como o grupo das artesanais pretende. O aumento

da concentração do extrato de Jamelão nas formulações foi proporcional ao aumento da turbidez,

aumento da graduação alcoólica, aumento do teor de compostos fenólicos totais e diminuição do pH.

As cervejas artesanais elaboradas com extrato de Jamelão sugerem ter potencial ação como alimento

funcional devido à presença de compostos antioxidantes que se mantém nas cervejas produzidas. O

produto merece especial atenção em estudos mais aprofundados, incluindo análise sensorial com

julgadores treinados.

REFERÊNCIAS

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Adolfo Lutz, 66(1):1-9,2007.

BJCP. Beer Judge Certification Program. 2015 Beer Style Guidelines. STRONG, G; ENGLAND, K.

(editors). 2015.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 54. Adota o

regulamento técnico do Mercosul de produtos de cervejaria. Diário Oficial da União, 05 de novembro

de 2001. Brasília, 2001.

IAL - INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz. v. 4 Métodos

químicos e físicos para análise de alimentos. 3. ed. São Paulo: IMESP, 2004.

LIMA, L. L. de A.; MELO FILHO, A. B. Tecnologia de bebidas. Recife: EDUFRPE, 2011.

LIMA, N. E. F.. Perfil Fenólico e Atividade Antioxidante de Vinhos Goethe - Caracterização e

Evolução durante o Armazenamento em Garrafa. Dissertação. Mestrado em Ciência dos Alimentos da

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Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CPACT-2010/12299/1/jambolao-

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<http://periodicos.uefs.br/index.php/semic/article/view/2483> Acesso em: 16/07/2018.

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DESENVOLVIMENTO DE CERVEJA ARTESANAL SEM ÁLCOOL

Iuri Mira Barbosa¹*; Leonardo Fonseca Maciel²; Celso Duarte Carvalho Filho³

Resumo: A grande variedade de opções de cervejas com álcool comercializadas no Brasil, não é

acompanhada no segmento de cervejas sem álcool. Mesmo com a crescente procura pelas cervejas

sem álcool, existem poucas opções de cervejas sem álcool comercializadas no Brasil, incluindo

aquelas produzidas por cevejarias artesanais. As marcas disponíveis apresentam-se com características

bem semelhantes e pouco atrativas ao consumidor. Este estudo buscou caracterizar algumas cervejas

comercializadas no Brasil, propondo uma nova formulação de cerveja artesanal sem álcool com

características diferenciadas daquelas comercialmente disponíveis. Buscaram-se amostras de cerveja

sem álcool em 8 estabelecimentos na região metropolitana de Salvador-BA, onde foram identificadas

apenas 3 marcas sendo comercializadas. Foram adquiridos aproximadamente 700mL de cada uma

destas 3 marcas, além das respectivas cervejas com álcool dos mesmos fabricantes. Além destas 6

amostras de cerveja clara, foram somadas 2 marcas de cervejas escuras, totalizando 8 amostras de

cervejas industrializadas. Na Faculdade de Farmácia da UFBA foram produzidos 17L de cerveja

artesanal, sendo denominada UfbaBeer. Dos 17L da UB produzida, foram separados 4L e este

montante foi submetido a aquecimento controlado a 80°C (±2°C) com objetivo de remoção do álcool,

produzindo a amostra intitulada UfbaBeerZero. Foram avaliados parâmetros físicos, físico-químicos e

os ingredientes das 10 amostras. Foi elaborada uma cerveja artesanal sem álcool, livre de aditivos,

com pH próximo às cervejas industrializadas porém com cor e corpo diferenciados, apresentado-se

como um produto com características diferenciadas, como o grupo das artesanais pretende, mostrando-

se um produto inovador e com mercado promissor.

Palavras-chave: Cerveja artesanal; cerveja sem álcool; variabilidade; consumidor.

INTRODUÇÃO

A cerveja é uma das bebidas mais antigas relatadas pela humanidade, com uma história de

6.000 a 8.000 anos (VENTURINI FILHO, 2016). Desde o século XIX, na época do Brasil Colônia, a

cerveja já era artesanalmente produzida e comercializada no Brasil (MEGA, 2011).

Os ingredientes básicos para a produção da maioria das cervejas, seguindo a lei da pureza

alemã, são: cevada maltada, água, lúpulo e levedura. Porém a maioria dos cervejeiros do mundo tem

uma flexibilidade na escolha de seus ingredientes, indo além desta composição alemã estabelecida. A

partir daí são utilizadas outras fontes de carboidratos que não somente a cevada maltada e outras

substâncias com propriedades aromáticas e antioxidantes além do lúpulo (VENTURINI FILHO,

2016).

1Iuri Mira Barbosa (*autor para correspondência) - Msc. em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal da

Bahia(UFBA). Prof. da Faculdade de Farmácia da UFBA. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina. Salvador-BA,

Brasil. CEP: 40170-115. Tel.:71-99143-3062. E-mail: [email protected]. 2Leonardo Fonseca Maciel – Dr. em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Londrina.

Farmacêutico da Faculdade de Farmácia da UFBA. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina. Salvador-BA, Brasil.

CEP: 40170-115. Tel.:71-98835-0895. E-mail: [email protected]. 3 Celso Duarte Carvalho Filho - Dr. em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. Prof.

adjunto da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina.

Salvador-BA, Brasil. CEP: 40170-115. Tel.:71-99166-4747. E-mail: [email protected].

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A grande variedade de opções de cervejas com álcool comercializadas no Brasil, não é

acompanhada no segmento de cervejas sem álcool. Existem poucas opções de cervejas sem álcool

comercializadas no Brasil e as disponíveis apresentam-se com características bem semelhantes e

pouco atrativas ao consumidor (KONO, 2014).

Conforme a Instrução Normativa nº 54/2001, entende-se cerveja sem álcool a cerveja cujo

conteúdo alcoólico é inferior ou igual a 0,5% em volume (BRASIL, 2001). Diante desta definição,

esta bebida pode apresentar certa quantidade de álcool na sua composição e legalmente ser

comercializada com o dizer ―cerveja sem álcool‖.

O consumidor que busca cerveja sem álcool geralmente o faz por duas razões principais:

Restrições à saúde ou Questão Social. Na primeira situação evita-se o álcool pois este causa reações

indesejáveis ao organismo, como aquelas provocadas em pacientes em uso de medicamentos que

interagem com o álcool ou estejam em uma condição de saúde que a substância deve ser evitada. Na

segunda situação estão os consumidores que não dispensam a ingestão da bebida, mas querem cumprir

o que é apresentado do Código Brasileiro de Trânsito quanto à proibição de dirigir após o consumo de

bebidas alcoólicas.

Com o aumento dos valores de multas de trânsito aplicadas nas blitzes de alcoolemia, vem

crescendo a procura pelas cervejas sem álcool, porém há pouca variedade do produto, incluindo

aquelas produzidas por cevejarias artesanais, limitando o consumidor a menos de meia dúzia de

produtos.

Segundo Venturini Filho (2016), a diferença mais importante entre cerveja produzida

industrialmente e artesanalmente está na liberdade em se criar receitas personalizadas, com diferentes

tipos de maltes, lúpulos, leveduras e adjuntos cervejeiros, além de experimentar variações no processo

produtivo, com equipamentos e utensílios diferenciados e novas combinações de tempo/temperatura

nas diversas etapas produtivas sem que isso afaste o artesão de seu objetivo, que é obter como produto

final cervejas de alto padrão.

De acordo com Ferreira et al. (2011), a produção de cervejas especiais é simples, mas seu

preparo é cuidadoso e exige qualidade na seleção da matéria prima e rigor no controle de processo, o

que adiciona valor aos produtos artesanais e os singularizam.

Nesse sentido, o presente estudo busca caracterizar algumas cervejas comercializadas no

Brasil, propondo uma nova formulação de cerveja artesanal sem álcool com características

diferenciadas daquelas comercialmente disponíveis.

MATERIAL E MÉTODO

Amostras

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Entre o período de outubro a dezembro de 2017 buscaram-se amostras de cerveja sem álcool

em 8 estabelecimentos na região metropolitana de Salvador-BA, onde foram identificadas apenas 3

marcas sendo comercializadas. Foi realizada aquisição de 2 unidades (aproximadamente 700mL) de

cada uma destas 3 marcas, além das respectivas cervejas com álcool dos mesmos fabricantes. Visando

analisar outras características não presentes nas 6 primeiras amostras, todas de cerveja clara, foram

somadas 2 marcas de cervejas escuras, totalizando 8 amostras de cervejas industrializadas. As cervejas

sem álcool foram codificadas como AZ, BZ e CZ, enquanto que as respectivas marcas com álcool

receberam a codificação A, B e C. As cervejas escuras receberam os códigos D e E.

Na Faculdade de Farmácia da UFBA foram produzidos 17L de cerveja artesanal, a partir de

extrato de malte líquido lupulado, estilo Indian Pale Ale, marca Arte Brew, adicionado de levedura S-

04, marca Fermentis, com adição de lúpulo extra (dry hopping) da variedade Citra, marca Barth-Haas

Group. Esta amostra foi denominada UfbaBeer (UB).

Dos 17L da UB produzida, foram separados 4L e este montante foi submetido a aquecimento

controlado a 80°C (±2°C) com objetivo de remoção do álcool, produzindo a amostra intitulada

UfbaBeerZero (UBZ).

As 8 amostras industrializadas foram somadas às 2 amostras produzidas artesanalmente,

perfazendo um total de 10 amostras a serem analisadas.

Conforme Instrução Normativa do Ministério da Agricultura e Abastecimento - MAPA - nº

54/2001 todas as bebidas devem ser avaliadas quanto às seguintes características físico-químicas: grau

alcoólico, extrato primitivo e cor. Porém, para cálculo dos valores de extrato primitivo, faz-se

necessária a determinação do extrato real. Adicionalmente foram realizadas análises de turbidez, pH e

colorimetria no espaço de cor L*a*b*. Os rótulos das amostras industrializadas foram observados

quanto à graduação alcoólica declarada e presença de aditivos. Todas as análises quantitativas foram

realizadas em triplicata e os valores médios apresentados na forma de tabelas.

Grau alcoólico

A partir do destilado de 100mL da amostra a 20°C, em conjunto de destilação com banho de

gelo, completou-se o volume para 100mL em balão volumétrico e determinou-se a densidade relativa

em picnômetro a 20°C. Foi realizada conversão de densidade relativa para percentual de álcool em

volume, conforme métodos 217/IV e 246/IV do IAL (IAL, 2004, p.388 e p.433).

Extrato primitivo

O extrato primitivo foi obtido por cálculo envolvendo os valores de teor alcoólico (% álcool

em peso) e extrato real, segundo a fórmula de Balling, apresentado no método 251/IV (IAL, 2004,

p.440).

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Conforme preconizado na Instrução Normativa MAPA nº 54/2001 (BRASIL, 2001), foram

realizadas análises para determinação da porcentagem de álcool em volume a 20°C (IAL, 2004, p.388)

e extrato primitivo (IAL, 2004, p.440), utilizando para cálculo a Equação 1.

Equação 1. Extrato primitivo, em % (m/m) = [(P x 2,066)+Er] x 100/[100 + (P x 1,066)]

P=% álcool em peso; Er=% extrato real

Extrato real

Para cálculo do extrato real foi utilizado o método 248/IV (IAL, 2004, p.435).

Em cápsula de níquel previamente tarada de 7cm de diâmetro e 2 cm de altura, foram

adicionados exatos 20mL da amostra descarbonatada. Após secagem em estufa a 100°C, foi calculado

o percentual de resíduo seco.

Cor

Para a análise de cor foi utilizada a metodologia utilizada pelo Programa de Certificação de

Julgadores de Cerveja (BJCP). Este programa se respalda no método padrão de referência (SRM) da

American Society of Brewing Chemists – ASBC (BJCP, 2015).

O método consiste em medir a absorbância da amostra em cubeta de 1cm de diâmetro a

430nm e multiplicar o valor pela constante 12,7. Foi utilizado Espectrofotômetro UV-Vis marca Bel

Photonics modelo UV-MS1. Conforme o BJCP (2015) a cor das cervejas foi caracterizada conforme

os valores de SRM apresentados: Palha 2-3; Amarelo 3-4; Ouro 5-6; Ambar 6-9; Ambar escuro/cobre

claro; 10-14; Cobre 14-17; Cobre escuro/castanho claro 17-18; castanho 19-22; Castanho escuro 22-

30; Castanho muito escuro 30-35; Preto 30+; Preto, opaco 40+.

Espaço de cor L*a*b*

Além da análise de cor preconizada na IN nº 54/2001 (BRASIL, 2001), foi realizada análise

dos parâmetros de cor L*a*b* definidos pelo espaço CieLab, com auxílio de colorímetro Konica

Minolta modelo CR-5.

Turbidez

Foi utilizado turbidímetro portátil marca Del Lab, modelo DLT-WV, para avaliação da

turbidez das amostras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados de percentual de grau alcoólico, extratos real e primitivo, pH e turbidez são

apresentados na Tabela 1.

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Tabela 1 – Avaliação de grau alcoólico, extrato real e primitivo, pH e turbidez de cervejas

Amostra % alc./vol

Ext.

Real

(%m/v)

Ext.

prim.

(%m/m)

pH Turbidez

A 4,7% 3,02 12,12 4,31 10,00

AZ 0,0% 4,40 4,40 4,42 10,00

B 4,5% 3,64 12,34 4,53 10,00

BZ 0,0% 6,57 6,57 4,24 10,00

C 4,8% 3,78 13,03 4,47 10,00

CZ 0,0% 6,06 6,06 4,01 10,00

D 4,6% 4,82 13,66 4,28 10,00

E 4,1% 9,67 17,38 4,51 10,00

UB 5,1% 5,93 15,62 4,79 494,67

UBZ 0,5% 9,66 10,64 4,70 241,33

A, B, C: Cervejas industrializadas claras com álcool; AZ, BZ, CZ: Cervejas industrializadas claras sem álcool.

D, E: Cervejas industrializadas escuras com álcool; UB: Cerveja artesanal escura com álcool; UB: Cerveja

artesanal escura sem álcool.

Todas as amostras industrializadas apresentaram grau alcoólico de acordo com o

descrito no rótulo, com variação máxima de 2%. A graduação alcoólica da cerveja que foi

submetida ao processo de remoção do álcool registrou 0,5% álc./vol., sendo então, de acordo

com a Instrução Normativa nº 54/2001 (BRASIL, 2001), classificada como cerveja sem

álcool.

Diante dos valores de extrato primitivo calculados, as amostras A, B, C e D, foram

classificadas como Cerveja Extra, com valores maiores ou iguais a 12,0% e menores que

14%. As amostra industrializada E e a artesanal UB foram classificadas como Cervejas

Fortes, por apresentar valores de extrato primitivo superior a 14%.

As amostras AZ, BZ e CZ apresentaram valores de extrato primitivo iguais aos valores

de extrato real, devido ao teor alcoólico destas ser igual a 0,0%. Remetendo à memória de

cálculo do extrato primitivo, este percentual está relacionado à graduação alcoólica.

Constatação similar foi exposta por Araújo et al. (2016), que afirmou em estudo com nove

marcas de cervejas comercias estilo Pilsen que as amostras que apresentaram teor de extrato

primitivo mais elevado foram as que apresentavam maior graduação alcoólica.

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As amostras BZ e CZ foram classificadas como Cervejas Leves, por apresentar valores

entre 5,0% e 10,5%. A amostra AZ apresentou valor de extrato primitivo igual a 4,40, e

portanto inferior ao mínimo de 5,0% que trata a Instrução Normativa nº 54/2001 (BRASIL,

2001), não sendo possível sua classificação nem mesmo como cerveja leve.

Por outro lado, a amostra UBZ, por apresentar 0,5% de álcool, apresentou valor de

extrato primitivo, 10,64%, diferente ao de extrato real, 9,66. Diante deste valor de extrato

primitivo superior às demais cervejas sem álcool (AZ=4,40%; BZ=6,57%; CZ=6,06%), a

amostra UBZ, artesanalmente produzida, foi classificada como Cerveja (valores superiores a

10,5% e inferiores a 12,0%). Observa-se então que a cerveja artesanal sem álcool produzida

evidencia outro diferencial frente às cervejas sem álcool industrializadas, um produto mais

encorpado que as demais.

Dentre as amostras industrializadas, o pH variou de 4,01 (amostra CZ) a 4,53 (amostra

B). As amostras artesanais apresentaram valores de pH ligeiramente superiores (até 5,7%

maior). Diante dos valores encontrados, não é possível afirmar que o pH das cervejas sem

álcool é inferior ou superior às cervejas com álcool: as amostras BZ e CZ apresentaram

valores de pH inferiores à respectivas cervejas com álcool (B e C), enquanto a AZ apresentou

valor de pH superior à amostra A. Nas artesanais, a cerveja sem álcool apresentou pH inferior.

A turbidez de todas as amostras industrializadas avaliadas foi 10,0 UTB. A amostra

UB apresentou turbidez de 494,67 UTB e a amostra UBZ apresentou 241,33 UTB.

Conforme descrito por Siqueira et al. (2008), os ingredientes envolvidos na fabricação

da cerveja, principalmente o malte, geram uma natural instabilidade física da cerveja,

ocorrendo polimerização de compostos fenólicos e associação com algumas proteínas,

gerando uma turbidez característica ao processo. Alguns procedimentos podem prevenir ou

retardar o aparecimento da turbidez, como remoção de compostos fenólicos de maior peso

molecular através de processos de floculação e filtração, armazenamento da cerveja no estágio

de maturação a temperaturas mais elevadas ou uso de estabilizantes do tipo polivinil-

polipirrolidona, como ocorre nas indústrias cervejeiras.

As amostras produzidas artesanalmente, por não passarem por processos de

filtração/clarificação, nem adição de aditivos, apresentaram estes justificáveis valores de

turbidez superiores.

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Todas as cervejas industrializadas avaliadas apresentam em seus rótulos aditivos

alimentares em sua composição. As cervejas artesanais foram produzidas sem uso de aditivos

alimentares. Dentre os aditivos utilizados nas amostras industrializadas foram identificadas as

seguintes substâncias: Corante caramelo III (INS 150c), com função de realçar cor; Sulfito de

sódio (INS 221), que tem as funções clarificante e preservante; Metabissulfito de sódio (INS

223) e Metabissulfito de potássio (INS 224), ambos com funções clarificante, antioxidante e

preservante; Isoascorbato de sódio (INS 316), com função antioxidante e o Propilenoglicol

alginato (INS 405), que exerce funções espumante e emulsificante (CODEX

ALIMENTARIUS, 2017). Na Tabela 2 é apresentada a ocorrência destes aditivos nas

amostras avaliadas.

Tabela 2 – Ocorrência de aditivos alimentares em amostras de cervejas.

INS 150c INS 221 INS 223 INS 224 INS 316 INS 405

A x x

AZ x x

B x x

BZ x x x

C x x x

CZ x x

D x x x

E x x x x

UB

UBZ

A baixa concentração de lúpulo na maioria das cervejas industrializadas força os fabricantes a

compensar as propriedades antioxidantes, preservantes e espumante do lúpulo por aditivos alimentares

sintéticos.

O uso destes aditivos alimentares pela totalidade das amostras industrializadas conferem maior

estabilidade e melhor aspecto sensorial ao produto, porém, conforme diversas orientações de boas

práticas de fabricação em alimentos, o uso de aditivos deve ser estritamente necessário ao processo

fabril, devendo ser evitado seu uso sempre que possível, visto à toxicidade potencial destes compostos

adicionados (BALDWIN e HAGENMAIER, 2011; CODEX ALIMENTARIUS, 2017).

Os resultados para as análises de cor das amostras, realizadas tanto em espectrofotômetro

quanto em colorímetro de bancada, são apresentadas na Tabela 3.

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Tabela 3 – Características de cor das amostras de cerveja

Amostra SRM L* a* b*

A 3,5 98,43 -1,15 20,04

AZ 3,6 98,85 -1,19 20,70

B 3,2 99,50 -2,00 19,33

BZ 4,4 97,45 -2,11 24,28

C 3,1 97,84 -1,29 17,57

CZ 3,9 96,80 -0,94 21,10

D 71,8 37,00 39,99 55,59

E 136,1 23,24 37,02 32,14

UB 57,74 56,82 26,03 77,06

UBZ 81,89 39,71 36,82 60,70

De acordo com o BJCP (2015) todas as cervejas sem álcool industrializadas estão classificadas

como de cor amarelo (SRM AZ=3,6; SRM BZ=4,4 e SRM CZ=3,9), igualmente às suas respectivas

cervejas com álcool, na sua totalidade classificadas como de cor amarelo (SRM A=3,5; SRM B=3,2 e

SRM C=3,1). As amostras D e E, por apresentarem valores de SRM superiores a 40 foram

classificadas como de cor preto opaco. A cerveja artesanal sem álcool (UBZ) registrou SRM 81,89 e

assim foi classificada como de cor preto opaco.

O parâmetro de cor L* das cervejas amarelas foi igual ou superior a 96,80, o que reflete a

maior claridade destas amostras, enquanto que as amostras industrializadas de cor preta opaca, D e E,

apresentaram valores de L* 37,00 e 23,24, respectivamente. A cerveja artesanal sem álcool (UBZ)

registrou valor L* igual a 39,71, se aproximando muito mais das cervejas pretas industrializadas do

que das amarelas.

Comportamento similar ocorreu com o parâmetro de cor a*, que varia do verde (valores

negativos) ou vermelho (valores positivos). As cervejas amarelas industrializadas apresentaram

valores negativos para este parâmetro (-2,11 a -0,94), enquanto que as pretas opacas apresentaram

valores bastante positivos (37,02 a 39,99). A cerveja artesanal sem álcool (UBZ) registrou valor a*

igual a 36,82, dentro da faixa observada para as cervejas pretas opacas.

Os valores do parâmetro b* observados também acompanharam a diferenciação entre as

amostras amarelas e pretas opacas. Quanto mais negativo o valor, mais amarela a amostra, quanto

mais positivo, mais azulada. Observa-se que os valores do parâmetro b* das amostras amarelas

variaram de 17,57 a 24,28, enquanto que das amostras pretas opacas variaram de 32,14 a 55,59. A

amostra UBZ apresentou valor ainda superior, registrando valor b* igual a 60,70.

Diante dos resultados apresentados nota-se que a cerveja sem álcool produzida artesanalmente

(UBZ), apresenta características de cor bastante diferenciadas das cervejas sem álcool industrializadas

avaliadas.

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CONCLUSÃO

As cervejas artesanais produzidas atenderam à expectativa de produzir algo com

características diferenciadas, como o grupo das artesanais pretende. O processo de remoção do álcool

mostrou-se satisfatório, culminando em teor alcoólico permitido pela legislação brasileira para

classificar o produto como cerveja sem álcool. A cerveja sem álcool elaborada (UBZ) é um produto

livre de aditivos, com pH próximo às cervejas industrializadas porém com cor e corpo diferenciados

destas, mostrando-se um produto inovador e com mercado promissor, visto que as cervejas sem álcool

industrializadas apresentam características bem similares deixando de ser atrativas aos consumidores

após certo tempo.

REFERÊNCIAS

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real e primitivo de cervejas pasteurizadas do tipo Pilsen comercializadas na cidade de São Luiz-MA.

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BALDWIN, E.A.; HAGENMAIER, R. D. Introduction. In: BALDWIN, E.A.; HAGENMAIER, R. D.;

BAI, J. (Ed.). Edible Coating and Films to Improve Food Quality. 2. ed. Boca Raton: Taylor &

Francis Group, LLC, 2011. p.1-12.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 54. Adota o

regulamento técnico do Mercosul de produtos de cervejaria. Diário Oficial da União, 05 de novembro

de 2001. Brasília, 2001.

BJCP. Beer Judge Certification Program. 2015 Beer Style Guidelines. STRONG, G; ENGLAND, K.

(editors). 2015. Disponível em:<https://www.bjcp.org/docs/2015_Guidelines_Beer.pdf> Acesso

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numbering system for food additives. CAC/GL 36-1989. Amendment 2017. Disponível em: <

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FERREIRA, R. H.; VASCONCELOS, M. C. R. L; JUDICE, V. M. M.; NEVES, J. T. R. Inovação na

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Informação, v.16, n.4, p.171-191, out/dez. 2011. Disponível em:<

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2016.

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ESTUDO DE METODOLOGIA PARA CARACTERIZAÇÃO DE GASES

PRODUZIDOS PELA FERMENTAÇÃO DURANTE O PROCESSO DE

FABRICAÇÃO DA CERVEJA

Lucas Gonçalves Ferreira*,

Matheus Las Casas Cordeiro2,

Daniel Dumont Marques3,

Juliana Cristina

Teixeira4,

Vanessa de Oliveira Ferreira5,

Vinicius Mateó e Melo6,

Lucilaine Valéria de Souza Santos7,

Leonardo Mitre8

Resumo: Com o aumento do número de microcervejarias presentes no Brasil, a quantidade de dióxido

de carbono emitido na atmosfera por essas indústrias torna-se cada vez mais expressiva. Sendo assim,

há uma demanda cada vez maior pelo desenvolvimento de métodos para o reaproveitamento desse gás

residual do processo fermentativo da cerveja. No entanto, para que essas novas técnicas sejam criadas,

faz-se necessária uma minuciosa caracterização dos componentes desse efluente residual gasoso.

Para a metodologia de caracterização do gás, foram propostos métodos específicos para a

detecção de cada tipo de composto químico que se esperava estar presente na amostra. Nesse sentido,

utilizou-se o equipamento Orsat para a detecção e quantificação de dióxido de carbono (CO2). Por fim,

utilizou-se a cromatografia a gás acoplada ao espectrômetro de massas (CG-EM) a fim de identificar

os demais componentes químicos presentes na amostra. Esta última técnica confirmou a presença, em

quantidades traço, de H2S e de grandes quantidades de CO2, assim como era esperado, e revelou a

presença de etanol em quantidades significativas.

Dessa forma, o foco do presente estudo é o desenvolvimento de metodologias para caracterizar

gases provenientes da etapa de fermentação da cerveja e identificar possíveis contaminantes que

impediriam o reaproveitamento do CO2 na indústria.

Palavras-Chave: Cervejarias, dióxido de carbono, H2S, analisador de Orsat cromatografia a gás.

1. INTRODUÇÃO

A cerveja é uma das bebidas mais consumidas do mundo, sendo, portanto, produzida em

grandes quantidades. Além disso, a indústria cervejeira é uma grande contribuinte da economia

brasileira, sendo responsável por 1,6% do PIB. Este valor se deve ao expressivo número de cervejarias

presentes no território brasileiro.

*Estudante de Graduação Engenharia Química. Rua Maria Beatriz 73, Novo das Industrias. CEP: 30.610.670. Belo

Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Telefone: (31) 99453-0214. E-mail: [email protected]; 2Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 3Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 4Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 5Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected] 6Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 7Química, Mestre e Doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas

Gerais. Professora de Análises Instrumental da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas

Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 8Engenheiro Químico e Mestre em Ciência e Tecnologia de Materiais pelo Centro de Desenvolvimento de

Tecnologia Nuclear. Coordenador do curso de Engenharia Química e professor da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]

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Diante disso, a quantidade de gases poluentes sendo emitidos diretamente na atmosfera

devido ao processo de fermentação alcoólica do mosto da cerveja deve ser levada em consideração.

Esse processo consiste na conversão de açúcares presentes no malte em etanol e dióxido de carbono

(CO2), sendo esse gás um dos principais agentes causadores do efeito estufa.

O CO2 é utilizado em outras etapas no processo de fabricação da cerveja, podendo-se citar

como exemplo a fase de carbonatação da bebida e a pressurização dos tanques de fermentação. Mas

para que isso ocorra, há a necessidade de o gás estar purificado ou com o mínimo de contaminantes

possível. Porém, pouco se conhece sobre a composição do gás de fermentação, pois a decomposição

das leveduras e a atuação delas sobre a matéria prima leva à formação de compostos contaminantes,

cuja composição depende do tipo de matéria prima utilizada e do tipo de levedura, e que se misturam

ao CO2.

Surge assim a necessidade de desenvolvimento de métodos mais apropriados de descarte ou

reutilização desse efluente na própria indústria visando tanto uma melhoria no aspecto econômico da

empresa quanto o seu desenvolvimento sustentável.

O escopo do presente estudo abrange a análise de sulfeto de hidrogênio (H2S), dimetilsulfeto

(DMS), dióxido de carbono (CO2), oxigênio (O2), bem como a identificação de outros compostos cuja

presença não é conhecida a priori.

Os métodos abordados neste estudo foram a análise de CO2 utilizando o analisador de Orsat, e

a análise qualitativa de outros compostos por cromatografia a gás acoplada ao espectrômetro de

massas (CG-EM).

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Contextualização

Estima-se que o homem começou a utilizar bebidas fermentadas há 30 mil anos. Estudos

indicam que a produção da cerveja teve seu início por volta de 8000 a.C. Esta bebida foi desenvolvida

paralelamente aos processos de fermentação de cereais. Na antiguidade, difundiu-se lado a lado com

as culturas de milho, centeio e cevada, entre os povos da Suméria, Babilônia e Egito. Também foi

produzida por gregos e romanos durante o apogeu destas civilizações (CITINO, 2011).

Por volta de 1600 a.C., a técnica de produção da cerveja feita pelos sumérios foi aperfeiçoada

pelos egípcios, que acreditavam em sua correlação com suas divindades. A extrema relevância da

bebida para essa civilização pode ser ilustrada pela existência de hieróglifos referentes a atividades

relacionadas à sua produção e comercialização. Nesta época os egípcios também utilizavam a bebida

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com intuitos medicinais para tratamento de algumas doenças, de acordo com documentos encontrados

por arqueólogos.

Segundo Teixeira (2016), na idade média, os monges tiveram papel essencial na conservação e

tradução dos manuscritos relacionados ao processo de fabricação e, por este motivo, muitos deles

aperfeiçoaram a técnica de produção desenvolvida nos tempos antigos.

Na Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Tchecoslováquia, no período compreendido entre os

séculos XIV e XIX, foram desenvolvidas técnicas de processos fermentativos que culminaram na

produção de diversos tipos de cervejas. Pode-se citar como exemplo as cervejas Pilsen, Lager e Ale.

2.1.2 Importância da Cerveja na Economia Nacional

O desenvolvimento técnico e científico da civilização levou à invenção de novos instrumentos

científicos e às melhorias no processo de produção da cerveja, resultando no aprimoramento da bebida

até os padrões observados nos dias de hoje.

Desde então, a cerveja vem ganhando espaço no mercado mundial como uma das bebidas

mais consumidas no mundo. De acordo com o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento), o Brasil, no ano de 2017, se tornou o terceiro maior produtor do mundo, tendo

produzido 14,1 bilhões de litros, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos, e ficando na

frente de países como Alemanha e Bélgica, que são famosos por serem grandes produtores da bebida.

Por ser um mercado que vem gerando muito capital, este ramo vem crescendo não só na

quantidade de grandes indústrias como também na quantidade de pequenas cervejarias artesanais.

Como pode ser visto na figura 1, entre os anos de 2002 e 2017, tem havido um aumento exponencial

do número de pequenas cervejarias no Brasil.

Figura 5- Gráfico Representativo do número de cervejarias no Brasil

Fonte: MAPA

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Também de acordo com o MAPA, este setor do mercado gerou 2,2 milhões de empregos. O

valor das arrecadações, equivalente a 23 milhões de reais por ano em impostos, correspondeu a 1,6%

do PIB nacional.

Figura 6-Consumo Per capta de cerveja no Brasil

Fonte: Euromonitor

Apesar da grande produção de cerveja em território nacional, observa-se que o consumo per

capita fica abaixo dos grandes consumidores, de acordo com os dados coletados pela empresa

japonesa de bebidas Kirin (2015). De acordo com CervBrasil (2015), no ano de 2015, observa-se que

o consumo por pessoa foi de 64,2 litros, muito abaixo do valor de consumo per capita de países como

República Tcheca (142,4 litros) e Alemanha (104,7 litros). Também é possível visualizar, pela figura

2, o consumo de cerveja no Brasil por pessoa entre os anos de 2010 e 2017, bem como a projeção para

o ano de 2018.

2.2 Processo de Produção da Cerveja

Conforme Rebello (2009), o processo de produção de cerveja é constituído por uma série de

etapas que transformam o malte, água e lúpulo no produto final. A descrição e a importância de cada

uma dessas matérias primas é descrita a seguir:

a) Malte: Grão de cevada que, por meio de condições de temperatura e umidade controladas, é

germinado. Dele, são obtidos os açúcares utilizados na fermentação.

b) Água: Ingrediente principal. Geralmente de 4 a 5 litros de água são utilizados na produção de 1

litro de cerveja. Para sua utilização, a água deve estar livre de contaminantes e deve conter

concentrações de cálcio e magnésio específicas (entre 200 e 350 ppm), pois estes elementos servem

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de nutrientes para as leveduras. O pH ótimo da água é em torno de 5, pois as enzimas presentes no

grão de cevada atuam melhor neste intervalo.

c) Lúpulo: É um importante conservante da cerveja em razão do seu efeito bacteriostático, mas

principalmente possui funções flavorizantes e aromatizantes, variando suas quantidades de acordo

com a intensidade das propriedades desejadas.

Na figura 3, pode-se identificar onde cada ingrediente citado acima é utilizado durante a

fabricação da bebida.

Uma das etapas mais importantes é a fermentação, que é um processo anaeróbico de

decomposição dos açúcares presentes no malte em etanol e CO2, produzindo energia, no processo.

Figura 7 - Fluxograma do processo de produção de cerveja

Fonte: Cervejaria Dortmund

Este procedimento é realizado pela levedura Saccharomyces cerevisiae. Essa espécie pode ser

dividida em dois grupos: de alta e de baixa fermentação. Esta classificação é observada no final do

processo de fermentação: se as leveduras flotam até a superfície, elas são de alta fermentação e, se elas

decantam, são de baixa de fermentação.

2.2.1 Processo de Fabricação da Cerveja

Segundo Debatin (2017) O processo de produção da cerveja inicia-se com a seleção de seus

ingredientes (água, malte, lúpulo e levedura ou fermento), que passam por diversas etapas de

preparação até o processo fermentativo, uma das etapas cruciais na determinação da qualidade de uma

cerveja.

De acordo com Tozetto (2017), a fermentação alcoólica inicia-se quando se adiciona a

levedura ao mosto, que consiste em uma mistura ou ―caldo‖ rico em açúcares, provenientes do malte.

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A técnica consiste na conversão, pela ação das leveduras e em condições anaeróbicas, da glicose em

etanol, CO2 e energia térmica. Na produção de cerveja, a levedura mais utilizada é a Saccharomyces

cerevisiae, que foi desenvolvida para que o processo de fermentação ocorresse de forma uniforme,

eficiente e rápida, no que se refere à produção de etanol.

Sobre o crescimento de microrganismos, de acordo com Zainasheff (2010), a etapa

fermentativa tem início com a adaptação dos microrganismos ao ambiente e com um crescimento

populacional discreto, na presença de oxigênio, caracterizando uma fase que é dominada pela

metabolização de nutrientes, denominada fase Lag. Posteriormente, o número de indivíduos começa a

aumentar exponencialmente, numa etapa denominada fase Log, e percebe-se um intenso

borbulhamento ocasionado pela liberação de CO2 proveniente da reação de fermentação. Devido à

intensa atividade do fermento, essa etapa é caracterizada pelo aumento de temperatura e grande

liberação de CO2, que empurra material particulado para a parte superior do fermentador, formando

flocos de leveduras. Na fase final, denominada fase estacionária, o crescimento líquido dos

microrganismos diminui a ponto de o número populacional permanecer estagnado, indicando que os

nutrientes estão se tornando escassos, o que pode ser percebido pela redução do aparecimento de

bolhas e pela precipitação de quase toda a levedura.

Vários fatores podem afetar esse processo metabólico e, consequentemente, o sabor da

cerveja, incluindo a linhagem de levedura, a temperatura e o pH do mosto, o tipo e a proporção de

adjunto, o modelo de fermentador e a concentração do mosto (OLIVEIRA, 2011).

De acordo com Oliveira (2011), no princípio da fermentação, o oxigênio no ambiente e no

mosto é totalmente consumido para que haja crescimento da população de leveduras e posteriormente

ocorrer a produção de álcool. Logo, depois de iniciada a reação de glicólise, deve-se evitar a entrada

do gás oxigênio no fermentador para se ter alto rendimento na produção do álcool etílico e manter

constante o número de leveduras.

De acordo com Vivian (2016), o pH ou a acidez deve ser corrigida sempre na faixa de

desenvolvimento da levedura que, no caso da Saccharomyces cerevisiae, deve estar entre 4 e 5. A

correção é feita com bicarbonato de sódio ou hidróxido de sódio, para pH mais ácido, ou com ácido

cítrico, para pH mais alcalino.

Segundo Oliveira (2011), outro fator importante que deve ser ressaltado é a temperatura, já

que a reação de conversão do açúcar é exotérmica, levando ao aumento da temperatura do sistema.

Com isso, podem ocorrer reações paralelas indesejadas e que, portanto, podem interferir na qualidade

final do produto.

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Durante a fermentação, pode haver aparecimento de compostos que conferem alteração de

aroma e sabor da cerveja. Dentre eles, pode-se citar: O H2S e o DMS.

2.3 Principais Gases Liberados na Fermentação da Cerveja

Além do álcool e do CO2, durante a fermentação, outros compostos são formados em

pequenas quantidades, mas com grande impacto no sabor e/ou odor da cerveja. São produtos

secundários do metabolismo da levedura, que podem ter influência positiva ou negativa no aroma e

sabor das cervejas. Os subprodutos indesejáveis devem ser degradados ou eliminados durante a

maturação, etapa na qual ocorre a ―lapidação‖ da cerveja (DEBATIN, 2017). Dentre os subprodutos

encontrados, segundo Kuck (2008), estão os compostos como ácidos, álcoois alifáticos superiores,

ésteres, diacetil, acetoína, compostos com ligações de enxofre, etc.

O presente estudo irá abordar os seguintes gases produzidos durante a fermentação: CO2 e os

principais gases derivados do enxofre como H2S e DMS, conforme indicado em Vivian (2016).

2.3.1 Sulfeto de Hidrogênio

O H2S, em concentrações menores que 50 ppb, confere frescor à cerveja. Porém, se essa

concentração se tornar relativamente elevada, a bebida passa a apresentar sabor e cheiro de ovo podre,

o que é muito característico desse gás. De acordo com Wuttke (2018), o H2S é produzido na

fermentação e possui concentração baixa, tornando-se um off flavor apenas em concentrações

elevadas. Sabe-se que esse gás pode originar-se, no processo fermentativo, da contaminação do mosto

por microrganismos que competem com as leveduras pelo substrato. Além disso, as leveduras,

eventualmente, alimentam-se umas das outras, o que também acarreta na formação de H2S.

Conforme Mainier (2005), o HsS e os compostos reduzidos de enxofre (CRE) possuem grande

toxicidade, são corrosivos e causam danos ao meio ambiente se dispostos de forma irregular, tais

como a formação de chuva ácida e efeitos nocivos à saúde do ser humano que entra em contato com

esse gás, podendo causar a paralisia do sistema nervoso por intoxicação. Ressalta-se que o olfato

humano pode detectar o gás sulfídrico em níveis de concentração de 0,13 ppm (0,18 mg.m-3

)

(SCGHEIDER, 2012), mas torna-se insensível a esse gás em concentrações relativamente elevadas e,

portanto, com alto grau de toxicidade.

O sulfeto de hidrogênio reage facilmente com sais de metais como cobre, prata, ferro, chumbo,

cádmio e níquel, formando precipitados pouco solúveis. Tal característica auxilia na criação de

métodos de quantificação. Atualmente, a cromatografia a gás (CG) com detector de luminescência e a

técnica de formação de azul de metileno são os principais métodos para a análise desse gás.

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2.3.2 Dimetil Sulfeto

O DMS é derivado do enxofre, um componente volátil que confere um sabor desagradável

para a cerveja, sendo, portanto, desejável sua remoção dos processos de produção da cerveja acima de

certas concentrações. Segundo Vivian (2016), A partir de 50 ppm o composto é perceptível

sensorialmente na bebida.

Na etapa de secagem do grão e na fervura do mosto encontra-se o DMS na forma ativa.

Durante a fervura também ocorre escurecimento do mosto devido à ação de açúcares com aminas

primárias (dos aminoácidos), formando pigmentos entre vermelho e marrom. Após a reação ocorrer,

deve-se resfriar o mosto rapidamente para evitar contaminação, oxidação e formação de DMS e, então,

remover o lúpulo e proteínas coaguladas em um processo conhecido como clarificação (VIVIAN,

2016).

2.3.3 Dióxido de Carbono

Alguns autores reportam que as emissões de CO2 podem ser responsáveis por

aproximadamente 70% do efeito estufa, que é um fenômeno atmosférico que possui direta relação com

as alterações do clima terrestre. Estima-se que mais de 20 bilhões de toneladas de CO2 são emitidos

anualmente a partir da queima de combustíveis fósseis. A magnitude dos ciclos biológicos do carbono

influenciado pelas atividades humanas sugere maiores níveis de gerenciamento e mitigação das

emissões deste composto para a atmosfera (LOPES, 2007). Diante desses dados, é evidente a

importância da detecção e quantificação do CO2 emitido nos diversos processos industriais para a

devida adequação dos procedimentos aos parâmetros ambientalmente corretos.

As principais etapas da produção da cerveja que envolvem a produção de CO2 são:

fermentação, maturação e carbonatação. Segundo Kuck (2008), a fermentação é um processo

anaeróbico, realizado pelas leveduras, onde há a conversão de carboidratos em etanol e CO2. A

maturação é um repouso prolongado da cerveja, onde os seguintes processos ocorrem: fermentação

secundária, saturação com CO2, clarificação e amadurecimento dos componentes de sabor e aroma

(KUCK, 2008). A carbonatação é a injeção de CO2 na cerveja para aumentar a formação de bolhas na

bebida.

Além das etapas citadas, o CO2 é necessário em outros pontos do processo de produção de

cerveja (tabela 1).

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Fonte: Kunze (1996)

3 METODOLOGIA

3.1 Amostragem

A amostragem foi realizada mediante a utilização de uma montagem envolvendo seringas

convencionais, com volume de 20 ml, que foram conectadas ao ponto de amostragem do tanque de

fermentação por meio de uma mangueira de poliuretano e de uma válvula de três vias, conforme a

figura 4. A extração da amostra do interior do tanque para o interior da seringa ocorreu naturalmente

por ação de um gradiente de pressão entre o interior do tanque e da seringa.

Uma vez coletada a amostra, isolou-se o interior da seringa do meio externo com o auxílio da

válvula de três vias, conectas à saída do recipiente. Além disso, as seringas contendo a amostra foram

mantidas em condições controladas de temperatura no período anterior à análise, visando evitar

qualquer modificação nas amostras que seja proveniente de variações de temperatura. Para tanto,

utilizou-se uma caixa de isolada termicamente para este fim.

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Figura 4- Montagem para procedimento de amostragem

Fonte: Autoria Própria

3.2 Analisador de Orsat

O sistema de análise do equipamento consiste em uma bureta graduada para medição de

volumes e três pipetas de absorção, cada uma contendo uma solução especializada na absorção de um

gás diferente (PEREIRA, 2011). Cada uma dessas vidrarias possui uma válvula de três vias, que

possibilita ao operador direcionar o gás injetado no sistema até a pipeta desejada, promovendo a

absorção de um ou mais constituintes da amostra. As reduções de volume da amostra resultantes da

absorção são medidas na bureta e são equivalentes a quantidade de gás que foi absorvido pela solução.

A figura 5 representa a estrutura de um tipo desse equipamento. Pode-se observar, à direita na

imagem, a bureta de medição do volume, e, à esquerda, as três pipetas de absorção. Nota-se também

que essas vidrarias se encontram conectadas umas às outras, sendo função do analista a regulação das

válvulas para estabelecimento de um caminho para a amostra.

Além das vidrarias anteriormente citadas, outras estruturas adicionais também estão presentes

no equipamento para seu melhor funcionamento. Uma bolsa de expansão de três compartimentos é

conectada às pipetas de absorção a fim de evitar a saturação das soluções absorventes em contato com

o ar. Similarmente, o fundo da bureta é conectado a um frasco de nivelamento, preenchido por uma

solução de ácido sulfúrico, de forma a evitar a solubilização da amostra nesse sistema. Esse frasco é

utilizado para regulação do volume de solução presente na bureta, visto que os ajustes na altura desse

recipiente regulam o volume dos gases em seu interior, devido às variações de pressão ocasionadas.

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Figura 5: Esquema representativo do analisador de Orsat

Fonte: Manual Orsat Energética OST-2

3.2.1 Preparo das Soluções Inseridas no Equipamento

a) Pipeta de absorção de CO2

Dissolução de 45g de cristais de KOH em 150 mL de destilada.

b) Solução Bureta (Solução confinante)

Dissolução de 2mL de ácido sulfúrico concentrado em 250mL de solução de cloreto saturado

e 10 gotas de vermelho de metila.

3.2.2 Operação no Analisador

Para o uso do Orsat, é preciso remover todo o ar contido nas pipetas através dos balões que

estão acoplados nelas. Após a retirada do ar, a pipeta 1 é preenchida pela metade com a solução

preparadas de hidróxido de potássio, e a válvula presente na pipeta é fechadas. Após a adição da

solução a pipeta, é colocada a solução confinante na bureta em quantidade suficiente para que ela

possa sofrer um deslocamento de volume quando o gás passar por ela.

Após a pipeta e a bureta estarem cheias com suas respectivas soluções, é injetado o gás no

sistema. Ao passar pelos tubos, ele encontrará as válvulas das pipetas fechadas, indo, portanto, direto

para a solução confinante. Isso provocará uma alteração de volume na bureta. Com essa alteração de

volume é possível calcular o volume de gás (Volume do líquido após a introdução do gás no sistema –

Volume do líquido antes de se colocar o gás). E com o valor do volume é possível calcular o número

de mols total da amostra de gás sendo analisada, que será de grande importância para os cálculos

futuros da fração molar de CO2 presente na amostra.

Após verificar o volume que o gás deslocou no líquido, é aberta a válvula da pipeta 01. Após a

abertura, o gás irá passar pela solução de hidróxido de potássio, e a solução absorverá o CO2 presente

na amostra e, consequentemente, o volume na bureta será alterado. Com este novo volume é possível

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calcular a quantidade de CO2 contido na amostra utilizando a equação de Van der Waals (equação 1).

Após a verificação do novo volume, a válvula da pipeta é fechada.

Figura 6- Analisador de Orsat

Fonte: Autoria própria

3.2.3 Cálculos

Para este caso, uma equação que apresenta uma boa aproximação, gerando poucos erros no

resultado é a equação de Van der Waals.

……………………………………………….. (1)

Onde:

P = Pressão (pressão atmosférica);

a e b representam as forças de repulsão e atração, respectivamente;

V = Volume de gás;

R = Constante dos gases;

T= Temperatura;

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Com a equação é possível calcular o número de mols total e o número de mols de cada

espécie.

A partir desses valores, calcula – se a fração molar de CO2 :

…………………………………………. (2)

De posse dos valores de fração molar é possível calcular os percentuais dos gases analisados

de forma a concluir essa análise.

3.3 Metodologia para análise dos componentes utilizando GC-EM

A amostra inicialmente é transferida através de duas válvulas de 3 vias para a seringa gás-

tight, com a qual se introduz a amostra no equipamento. A coluna utilizada, modelo SH-Rtx-5MS,

possui 30 metros de comprimento e 25 mm de diâmetro.

Os parâmetros termodinâmicos utilizados no GC foram:

a) Temperatura da coluna: 35 ºC;

b) Temperatura do injetor: 110 ºC;

c) Pressão: 25 kPa;

d) Fluxo total: 9,5 mL/min;

e) Fluxo da Coluna: 0,72 mL/min;

f) Velocidade linear: 30,5 cm/s;

g) Fluxo de purga: 3,0 mL/min.

Figura 7 - GC-EM Fonte: Autoria Própria

Os parâmetros termodinâmicos utilizados no EM foram:

a) Temperatura da fonte de íons: 240 ºC;

b) Temperatura da interface: 240 ºC;

c) Não foi utilizado Solvent Cut Time.

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4 RESULTADOS

4.1 Resultado da Amostragem

Dado que os resultados provenientes de testes de estanqueidade das seringas convencionais

adaptadas com válvulas de três vias mostraram-se positivos, assumiu-se que as seringas adaptadas

apresentaram comportamento satisfatório no que se refere ao acondicionamento das amostras em um

período inferior a 48 horas, uma vez isoladas termicamente do meio externo com o auxílio de um

recipiente térmico adequado. Ressalta-se, contudo, a importância da validação do método mediante a

realização sistemática de testes analíticos das amostras acondicionadas nas seringas, dada a

possibilidade de perdas de amostra pelos poros do recipiente, indetectáveis pelos métodos

convencionais de estanqueidade, e/ou mesmo por adsorção em suas paredes.

4.2 Resultado da Análise de CO2

A análise foi feita em Belo Horizonte, onde a pressão atmosférica equivale a 0,89 atm e a

temperatura, medida no dia, foi de 20°C. Os parâmetros de Van der Waals para o CO2, foram a= 3,61

atm L2 (mol

2) e b= 0,04286 L/mol. A constante universal dos gases utilizada foi igual a 0,082 L atm/

mol K, O número de mols total é igual 0,538 mol.

Os resultados das medições e dos cálculos estão apresentados na tabela 2.

Tabela 3- Resultados Analisador de Orsat

Fonte: Autoria Própria

Pela análise dos resultados, percebe-se que o analisador de Orsat não possui a sensibilidade

necessária para detecção precisa de CO2. O resultado obtido apresenta 100% da composição do gás

como CO2, mas, como pôde-se observar na seção 4.3, a amostra possui outros componentes.

4.3 Resultado da Análise dos Componentes

A partir do CG-EM foram gerados os cromatogramas e espectros representados pelas figuras

8, 9, 10 e 11. Foram detectados pela análise CO2, H2S e etanol.

As figuras 8, 9 e 10 mostram o pico gerado em comparação com o pico identificado pela

biblioteca NIST.

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Figura 8 - Pico do espectro de massa referente ao CO2

Fonte: Autoria própria

Figura 9 - Pico do espectro de massa referente ao Etanol

Fonte: Autoria própria

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Figura 10 - Pico do espectro de massa referente ao H2S

Fonte: Autoria própria

A figura 11 mostra o cromatograma gerado e as quantidades relativas. O H2S e o etanol são

representados pelas linhas identificadas como data 3 e data 1 respectivamente. O dióxido de carbono é

representado como data 2, pico grande, evidenciando que a amostra é composta por esta substância de

forma majoritária.

Figura 11 - Cromatograma

Fonte: Autoria própria

O método de caracterização apresentou quantidades relativas consistentes com o esperado de

um gás de fermentação, porém não identificou outros compostos desejados como, por exemplo, o

DMS, necessitando, assim de uma análise complementar para uma caracterização mais completa do

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efluente gasoso. Desta forma, o método se mostrou eficaz, dentro das condições estabelecidas, para

identificação de CO2, H2S e etanol.

5 CONCLUSÃO A partir dos estudos realizados e dos dados experimentais obtidos, conclui-se que o método de

quantificação de CO2 proposto não possui a sensibilidade necessária para a análise em questão. Além

disso, através de análise no CG-EM, detectou-se nas amostras a presença de etanol e H2S,

contaminantes que impedem a reutilização do gás carbônico em outras etapas do processo de produção

da cerveja.

Para viabilização de desenvolvimento de métodos de purificação desse gás, ainda existe a

necessidade de se quantificar as impurezas detectadas pelas análises. Nesse sentido, sugere-se a

exploração e aprofundamento do método, além da proposta de novas maneiras de análise de CO2 e

etanol nas amostras.

Como resultado significativamente positivo ressalta-se a adaptação do processo de coleta de

gases da fermentação empregando materiais facilmente disponíveis e de baixo custo, tornando-o

acessível a cervejarias de qualquer porte que deseje conhecer a composição específica de cada lote ou

batelada produzida e, à partir destas análises inferir sobre a qualidade de seus produtos, bem como

podendo-se aprimorar os processos produtivos, de controle de matérias primas, bem como reduzindo-

se o descarte de materiais nocivos ao meio ambiente.

6 REFERÊNCIAS

CERVBRASIL- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CERVEJA. CervBrasil Lança

Anuário de 2015. Disponível em <http://www.cervbrasil.org.br/paginas/index.php?page=anuario-

2015> Acesso em 28 Maio de 2018.

DEBATIN, H. A. Produção De Cerveja: Análise Sensorial Das Blond Ale Produzidas. N. 1, vol. 1,

Revista dos Estudos Acadêmicos Interdisciplinar, 2017.

DIAS, W. J. ORSAT- Manual de Procedimentos de Amostragem, Energetica,2012. Disponivel em

<http://www.energetica.ind.br/wp/env1/wp-

content/uploads/2016/01/Manual_Orsat_Rev_00.pdf>Acesso em abril, 2018.

LOPES, J. E. Sequestro de Dióxido de Carbono em Fotobiorreatores. UNICAMP. Campinas.

2007. 163 p.

MAINIER, B. F. O Sulfeto De Hidrogênio (H2s) E O Meio Ambiente. UFF. 2005. 7 p.

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vol.31 no.5 São Paulo, 2008.

OLIVEIRA, M. A. N. Leveduras Utilizadas No Processo De Fabricação Da Cerveja. UFMG. Belo

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REBELLO, P. F. F. Produção De Cerveja. Revista Agroambiental, 2009

Reutilização de seringas de coleta na metodologia para o estudo do metano emitido por corpos

hídricos. Revista Biociências, Taubaté, v. 18, n.2, 2012

SCHNEIDER, S. C. R. Métodos Para A Remoção De Sulfeto De Hidrogênio De Efluentes Gasosos

Aplicáveis A Reatores Anaeróbios. N. 1. Santa Cruz do Sul. Revista Jovens Pesquisadores. 2012. P

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SIQUEIRA, B. P. O Processo de Fabricação da cerveja e seus Efeitos na Presença de polifenóis.

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VIVIAN, F. A. Caracterização Do Processo De Produção De Cerveja Através De Espectrometria

De Massas. Faculdade Estadual de Campinas. Campinas. 2016.53 p.

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WUTTKE, C. Estudo de caso: Avaliação da formação de SO2 na etapa de fermentação em uma

cervejaria do RS. UFRGS. Porto Alegre. 2018. 34 p.

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OBTENÇÃO DE CERVEJA DE BAIXO TEOR ALCOÓLICO UTILIZANDO

BANANA COMO ADJUNTO DO MALTE

ELIAS, Amanda Monteiro1

BRANDÃO, Eduardo Haberbeck2

ALMEIDA e SILVA, João Batista de3

Resumo: A cerveja é tradicionalmente produzida com cevada malteada, água, lúpulo e

leveduras, Parte do malte pode ser substituído por adjuntos. Isso permite reduzir despesas

bem como acrescentando sabor, aroma e cor às cervejas. Avaliou-se os seguintes parâmetros

da banana Prata utilizada como adjunto: pH (4,8), sólidos solúveis totais (21,4ºBrix), acidez

titulável total (0,78% ácido málico/100g de polpa). Objetivando a produção de cerveja de

baixo teor alcoólico foram produzidas cervejas nas proporções malte/banana de 65/35 e 45/55

utilizando a temperatura de mosturação de 65ºC durante 1 hora. Todas as cervejas produzidas

apresentaram rendimento da fermentação semelhante (0,41 (g/g)), sendo a eficiência de

transformação dos açúcares em álcool de 82,7%. Os graus de fermentação aparente dos

mostos nas proporções malte/banana de 65/35, 45/55 e puro malte foram 83,3%, 81,9% e

67,2%, enquanto os graus de fermentação real foram 67,5%, 66,3% e 54,4%, respectivamente.

Os teores alcoólicos das cervejas obtidas ficou em torno dos 2% (v/v) (1,81% e 1,99%,

respectivamente) e o tempo de fermentação foi de aproximadamente de 144h para as duas

proporções estudadas. Foi verificado queda no valor do pH, o que é esperado durante a

fermentação devido a liberação de ácidos orgânicos produzidos. Analises de FAN mostraram

que os mostos com proporções malte/banana de 65/35, 45/55 e 100/00 apresentaram teores de

aminoácidos de 200,19, 112,08mg/L e 118,65mg/L respectivamente. Comprovando que não

houve carência na quantidade de aminoácidos livres disponível para a levedura nos mostos

com banana. Foi possível produzir uma cerveja de baixo teor alcoólico e não adocicada.

Palavras chaves: cerveja, baixo teor alcoólico, adjuntos, banana Prata.

1Amanda Monteiro Elias – Graduada em Engenharia Química pela FAENQUIL, Engenheira de Segurança pelo

PECE/PROMINP/POLI – USP, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Industrial da

Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL – USP), Campus Lorena/SP - Brasil.

[email protected] 2*Eduardo Haberbeck Brandão: Técnico em Química pela ECOMPO – Engenheiro de Alimentos pela UEPG –

Especialista em Gestão da Qualidade e Segurança dos Alimentos pela UNICAMP – Mestre em Processamento

de Materiais e Catálise pela UNIVAP – Engenheiro de Segurança do Trabalho Pela UNIP - Doutorando no

Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Industrial da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de

São Paulo (EEL – USP), Campus Lorena/SP - Brasil

Endereço postal: Rua Trajano Vieira de Macedo, 132 - CEP:12240-090 – Jd. das Industrias – São José dos

Campos/SP - Brasil – Tel: (12) 982386972 - [email protected] 3João Batista de Almeida e Silva – Engenheiro Químico pela pela FAENQUIL – Mestre em Ciência e

Tecnologia de Alimentos pela UFV – Doutor em Tecnologia Bioquímica Farmacêutica pela USP – Livre-

Docente pela Esalq – USP – Prof. Dr. da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL –

USP), Campus Lorena/SP - Brasil. [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, atrás de Estados Unidos e China.

Na última década, a produção de cerveja no Brasil cresceu 61%, saltando de 8,2 bilhões para 13,4

bilhões de litros anuais, sendo a bebida preferida por 65% dos brasileiros (SICOBE, 2016). Mesmo

estando entre os 30 maiores consumidores de cerveja do mundo, o principal mercado consumidor da

cerveja brasileira é a América do Sul, especialmente Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia e Suriname

(CERVBRASIL, 2016).

No Brasil, as microcervejarias começaram a surgir na década de 90 e hoje já são mais de 300

companhias, atuando no mercado premium (em torno de 2% do mercado total de cerveja), com

estimativa de crescimento em torno de 20% para os próximos cinco anos (SEBRAE, 2016). As

denominadas cervejas premium utilizam ingredientes de melhor qualidade e possuem sabores

diferenciados por usarem ingredientes variados. Cervejas de baixo teor alcoólico/sem álcool também

têm obtido crescente procura, seja em função de questões relacionadas à saúde ou ainda considerando

a vigência da chamada ―Lei Seca‖ que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas quando se está

dirigindo (VALENTE JUNIOR & ALVES, 2016). E embora o consumo de cerveja aconteça

principalmente em momentos de relaxamento e diversão, diversos estudos (BAMFORTH, RUSSEL &

STEWART, 2009; SOHRAVANDI, MORTAZAVIAN & REZAEI, 2012; GAETANO et al., 2016;

OLIVEIRA NETO et al., 2017) apontam seus benefícios para a saúde humana. A bebida possui

diversas substâncias antioxidantes, flavonóides, minerais diversos e vitaminas do complexo B.

A cerveja é uma bebida resultante da fermentação por leveduras cervejeiras, do mosto de

cevada malteada ou do extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção, adicionado

de lúpulo. Outras matérias-primas, denominadas adjuntos, também podem ser utilizadas, não podendo

ultrapassar 45% em relação ao extrato primitivo, segundo a lei brasileira. Consideram-se adjuntos a

cevada e os demais cereais aptos ao consumo humano, malteados ou não, bem como amidos e

açúcares de origem vegetal (BRASIL, 2009). O uso de adjunto na cerveja resulta em um produto com

alta estabilidade física, com maior brilho e resistência à formação de turbidez devido ao resfriamento,

além de acrescentar sabor às cervejas com baixos teores alcoólicos (BOTELHO, 2009). A elaboração

desse tipo de cervejas especiais vem se tornando uma solução de barateamento na produção de cerveja

devido à substituição de parte do malte, acrescentando, ainda, atributos sensoriais característicos aos

produtos obtidos (CARVALHO et al., 2011).

A banana foi escolhida como adjunto devido à grande importância econômica para o Brasil, e

além de ser uma matéria-prima fermentescível rica em carboidratos, vitaminas e outros nutrientes, é

uma fruta tropical com excelentes características de aroma, sabor e textura, tendo grande aceitação no

mercado mundial. Diante da grande oferta de um produto perecível, sujeito a flutuações de preços, a

implantação de unidades industriais nas regiões produtoras é uma prática necessária e viável para o

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aproveitamento dos excedentes de produção, com geração de renda e emprego. Além disso, o

processamento da banana se apresenta como uma alternativa para o aproveitamento dos frutos

excedentes ou fora dos padrões exigidos pelo mercado, possibilitando a diminuição de perdas pós-

colheita, agregando valor ao produto (SEBRAE, 2017).

A produção de cerveja utilizando banana como adjunto de malte acrescenta características

sensoriais e nutritivas à bebida, principalmente em relação ao conteúdo de minerais como o sódio e

potássio. Assim, uma das propostas deste projeto é desenvolver uma bebida com menor teor alcoólico

que possa ser consumida por pessoas que praticam atividade física. Pesquisas desenvolvidas por

DESBROW et al. (2015) e WIJNEN et al. (2016) mostraram que após a prática exaustiva de atividade

física, a ingestão de quantidades moderadas de cerveja com baixos teores alcoólicos promove a

reidratação e recuperação mais rápida do atleta, se comparada com a ingestão de água.

Entretanto, um dos grandes problemas na produção de cerveja sem álcool ou com baixos

teores alcoólicos está relacionado ao sabor, e as pesquisas e desenvolvimento de cervejas buscam

soluções para este problema. A cerveja com baixo ou nenhum teor de etanol pode ser produzida por

dois métodos: 1) por meio da remoção desse composto a partir de cervejas normais, utilizando

métodos de destilação; 2) mosturação ou fermentação em situações adversas para limitar a formação

do álcool (SILVA et al., 2010; BRANYIK et al., 2012). Neste caso, podem ser utilizadas técnicas

adequadas durante a mosturação, que permitem menor liberação de açúcares fermentescíveis no

mosto, ou removendo-se as leveduras antes que o consumo de substratos seja total durante a

fermentação ou ainda são criadas condições que restrinjam o metabolismo microbiano (HENDGES,

2014). As cervejas sem álcool quando produzidas por fermentação interrompida são normalmente

caracterizadas por um sabor de mosto e pela perda do aroma frutal, esse último encontrado em

cervejas com teores alcoólicos maiores comercializadas. Tais defeitos podem ser originados de um

procedimento de fermentação que não reduz suficientemente as combinações químicas responsáveis

pelo sabor de mosto (aldeídos), e também pela produção limitada dos ésteres e dos álcoois superiores

(SILVA et al., 2010; BRANYIK et al., 2012).

Assim, o presente trabalho dá continuidade à linha de pesquisa iniciada em 1997 no grupo de

Microbiologia Aplicada e Bioprocessos do Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia

de Lorena (EEL) da Universidade de São Paulo (USP), utilizando adjuntos não convencionais,

aromatizando ou não a cerveja, para a obtenção de cervejas especiais. Além disso, a escolha do

desenvolvimento de uma cerveja de baixo teor alcoólico utilizando como adjunto do malte banana foi

pensada para estudar alguns fatores do processo fermentativo para a produção de cervejas de baixo

teor alcoólico, criando uma alternativa a mais para a utilização da banana, agregando valor ao produtor

em um mercado específico em franco crescimento.

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2. OBJETIVOS

Produzir cerveja com baixo teor alcoólico utilizando banana prata madura em diferentes

proporções como adjunto de malte, avaliando suas características físico-químicas, contribuindo assim

para o desenvolvimento de bebidas funcionais e para o aprimoramento da tecnologia de produção de

cervejas com adjuntos não convencionais.

3. MATERIAL E MÉTODOS

Os experimentos foram realizados na Planta Piloto de Bebidas do Departamento de

Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena, da Universidade de São Paulo – campus I da EEL-

USP.

A água utilizada para a produção de cerveja é do poço artesiano localizado no campus I da

EEL-USP. O malte de cevada usado foi do tipo Pilsen. A moagem do malte foi realizada através da

passagem dos grãos por um moinho de rolos motorizado com um espaçamento de 0,7 mm entre os

rolos. O lúpulo utilizado foi o Zeus T-90, sob a forma de pellets, para amargor e aroma. A levedura

cervejeira utilizada foi a linhagem da espécie Saccharomyces cerevisiae de baixa fermentação (lager)

– PPB-01, pertencente ao banco da Planta Piloto de Bebidas da EEL-USP.

O adjunto de malte foi preparado a partir de bananas do tipo Prata (Musa SP), no estágio E7

de maturação, com base na escala de Von Loesecke (PBMH & PIF, 2006). As bananas foram lavadas

com água corrente e sabão neutro para remover resíduos e trituradas em um aparelho Walita Mixer

para incorporação na composição do mosto. Os sólidos solúveis da banana foram quantificados com

auxílio de um refratômetro digital portátil, utilizando a polpa após a trituração e diluição em água

destilada (1:1). Os resultados foram expressos em graus Brix (AOAC, 1992). A determinação do teor

de umidade foi realizado colocando-se 5g de polpa em balança da marca Denver Instruments IR-30 a

105ºC até massa constante (EBC, 2005). O procedimento foi realizado em triplicata. A determinação

do pH foi realizada com um pHmetro da marca MARCONI, modelo MA522. A determinação da

acidez titulável total (ATT) foi realizada colocando-se 5g da polpa homogeneizada em um béquer e

adicionado água destilada até um volume final de 100mL. A solução foi então titulada com hidróxido

de sódio 0,1M. A porcentagem de ácido málico (g de ácido málico/100g de polpa de banana fresca) foi

determinada de acordo com Instituto Adolfo Lutz (2008).

Serão produzidas cervejas com baixos teores alcoólicos utilizando diferentes proporções de

malte/banana, segundo a norma EBC (2005), com adaptações. A Tabela 1 mostra as condições de

mosturação e as proporções malte/banana que foram utilizadas. Mosto puro malte foi utilizado como

controle e os ensaios foram realizados em duplicata.

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Tabela 4: Temperatura, tempo e proporções

malte/banana utilizadas na mosturação

Temperatura/Tempo Malte Banana

65ºC/1h 45% 55%

65% 35%

Fonte: Arquivo pessoal.

No processo de mosturação, inicialmente foi aquecida água primária a 35ºC e em seguida

adicionado o malte e a polpa de banana. Foram produzidos 5L de cada mosto em panela adaptada para

esse fim. Ao final de uma hora de mosturação a 65ºC, as temperaturas dos mostos foram elevadas a

78ºC durante 10 minutos para inativação das enzimas. Ao término da mosturação, o mosto primário

foi filtrado e a camada filtrante formada pela casca do malte de cevada foi lavada com água secundária

a 80ºC. A água secundária tem a função de extrair os açúcares residuais ainda presentes nas cascas do

malte. O mosto obtido após a filtração foi aquecido até a fervura e mantido nessas condições até que a

concentração de sólidos solúveis atingisse 3,5ºP de extrato original, calculado em função da obtenção

de uma bebida com teor de 2% (v/v) de álcool final. No início da fervura foi adicionado lúpulo na

forma de pellets na proporção de 0,9g/L de mosto e à aproximadamente 20 minutos do final da fervura

foi adicionado novamente lúpulo na mesma proporção. Após o término da fervura os mostos foram

resfriados até atingir 12ºC, temperatura que propicia a decantação do trub (complexo insolúvel

formado por proteínas do malte e polifenóis do lúpulo). Em seguida os mostos foram divididos e

transferidos para os recipientes de fermentação.

As fermentações foram realizadas em recipientes de PVC com capacidade para 2,5L, contendo

2,3L de mosto malte/banana a 3,5ºP de concentração. Os garrafões foram inoculados com a levedura e

mantidos em geladeira a 9ºC até que a concentração de açúcares atingisse uma concentração constante,

indicando o final do processo fermentativo. O rendimento aparente da fermentação foi calculado pela

diferença de extrato antes da fermentação (extrato original) e depois da fermentação (extrato aparente).

Durante o processo de fermentação foram retiradas 10mL de amostras, periodicamente a cada 6 horas,

durante as 48 horas iniciais e depois, a cada 12 horas. As amostras foram centrifugadas em tubos

falcon a 5.000rpm por 10min em centrífuga CIENTEC, modelo CT 5000d e transferidas para outros

tubos falcon.

Após o término da fermentação, as cervejas foram transferidas para outro recipiente

semelhante, tomando-se o cuidado de retirar o excesso de leveduras. A cerveja foi deixada maturar

durante 7 dias, em temperatura próxima a 0ºC, visando a sedimentação de células, colóides e outras

substâncias presentes. Após esse período, as cervejas foram engarrafadas e tampadas em garrafas de

vidro de 600mL, contendo solução de açúcar na concentração de 5g/L de cerveja. A cerveja

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engarrafada sofreu uma fermentação secundária por um período mínimo de 14 dias a temperatura

ambiente, resultando na sua carbonatação.

As concentrações de extratos fermentescíveis e FAN – aminoácidos nitrogenados livres –

foram realizadas segundo a norma EBC (2005) e as análises de pH realizadas em pHmetro da marca

MARCONI, modelo MA522. As amostras foram centrifugadas em tubos falcon a 5.000rpm por 10min

em centrífuga CIENTEC, modelo CT 5000d e transferidas para outros tubos falcon. O fator de

conversão de extrato em álcool foi determinado segundo a Equação 1.

Y(p/s) =

[g/g] (1)

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A banana utilizada foi a da variedade Prata, muito madura com a casca completamente tomada

pelas manchas de coloração marrom. As medidas de pH, sólidos solúveis totais, acidez titulável total e

umidade da banana estão apresentadas na Tabela 2 abaixo.

Tabela 2. Características da banana utilizada como adjunto do malte

Parâmetros Medições

pH 4,8±0,2

SST 21,4±0,01 ºBrix

ATT 0,78±0,05 (% ácido málico/100 g polpa)

Umidade 73,3±0,45%

Fonte: Arquivo pessoal. SST – sólidos solúveis totais, ATT – acidez titulável total.

Os valores de pH e sólidos solúveis totais encontrados ficaram bem próximos aos valores

encontrados por outros pesquisadores (CANO et al., 1997; PINHEIRO, 2004; NASCIMENTO

JUNIOR et al., 2010; CARVALHO, 2009; TUFALO et al., 2010) para bananas do tipo Prata maduras.

O pH ácido do fruto maduro e a redução da adstringência também está associado ao acúmulo de

açúcares solúveis, precursores dos ácidos orgânicos, como o ácido málico, provenientes da

transformação do amido.

O teor de sólidos solúveis aumenta com o estágio de maturação do fruto em decorrência da

hidrólise do amido, precursor dos açúcares glicose, maltose e dextrinas. Na literatura foram

encontrados valores que oscilaram de 19,72 a 22,36°Brix para o fruto maduro. A intensificação da

doçura dos frutos decorre da hidrólise do amido, com consequente acúmulo de açúcares solúveis,

principalmente glicose, frutose e sacarose.

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A acidez total titulável está associada ao aumento da concentração de ácido málico e mede o

grau de maturação do fruto. Segundo Bleinroth et al. (1995), a banana no estágio verde caracteriza-se

por apresentar uma baixa acidez, aumentando com o decorrer do amadurecimento, até atingir um

máximo, quando a casca está totalmente amarela, decrescendo em estágios mais avançados. Valores

encontrados na literatura por CANO et al. (1997) e NASCIMENTO JUNIOR et al. (2010) foram

menores do que os encontrados neste trabalho (0,57% e 0,66% por 100g de polpa, respectivamente).

Isso provavelmente pode ser devido ao grau de amadurecimento das bananas utilizadas, que foi muito

maduro. Segundo NASCIMENTO JUNIOR et al. (2010) em estágios muito maduros, quando começa

a senescência do fruto, há aumento substancial da liberação dos compostos voláteis, principalmente

ésteres da classe dos acetatos e butiratos, como por exemplo, o acetato de isoamila e o 3-metil-

butanoato, responsáveis pelo aroma característico da banana.

Com o decorrer do processo de maturação do fruto, a umidade na polpa da banana tende a

aumentar. Isso ocorre porque a hidrólise do amido em açúcar solúvel causa um aumento da pressão

osmótica na polpa, fazendo com que a água migre da casca, menos rica em açúcares, em direção à

polpa. CARVALHO (2009) encontrou valores de umidade menores (65,12%) para a banana madura,

provavelmente devido ao fato da banana utilizada estar em um estágio mais maduro. BLEINROTH et

al. (1995), MATTOS et al. (2010) e EMBRAPA (2012) relataram valores variando de 70% a 75% de

umidade quando completamente madura.

Ainda segundo CARVALHO (2009), a elevada viscosidade pode tornar a filtração após a

mosturação mais lenta. Isso de fato ocorreu durante as filtrações, principalmente no mosto contendo a

proporção de 45/55 malte/banana. A torta resultante possuía um aspecto viscoso, assemelhando-se a

um ‗mingau‘ de banana. A cor do mosto produzido com banana como adjunto é ligeiramente mais

escura do que aquela obtida por mosturações tradicionais com malte de cevada ou por processos

comerciais tradicionais. Essa observação está de acordo com CARVALHO (2009) e provavelmente é

resultado de enzimas presentes na própria fruta tais como a polifenol oxidase, responsável pelo

aparecimento da coloração escura. Ainda não está claro se existe uma relação direta entre a

concentração de banana como adjunto e a coloração do mosto obtido quando é utilizado o fruto.

Em todas as proporções malte/banana estudadas o rendimento da fermentação foi semelhante

(0,41 (g/g)), sendo a eficiência de transformação dos açúcares em álcool de 82,7%. Os graus de

fermentação aparente dos mostos nas proporções malte/banana de 65/35, 45/55 e puro malte foram

83,3%, 81,9% e 67,2%, enquanto os graus de fermentação real foram 67,5%, 66,3% e 54,4%,

respectivamente.

A Figura 1 apresenta a evolução da concentração do extrato original do mosto, da

concentração de etanol, do pH e do grau de fermentação aparente do mosto na proporção malte/banana

de 65/35, utilizando a levedura Saccharomyces cerevisiae PPB01 e temperatura de fermentação de

9ºC. Verifica-se o consumo de substrato desde o início do processo, com concomitante queda no pH

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do mosto. Porém, com 84 h do início da fermentação, o valor do pH manteve-se constante. A queda do

pH é decorrente da produção de ácidos orgânicos, como o ácido lático, acético e succínico produzidos

como subprodutos e excretados pelas leveduras (AIZEMBERG, 2015).

Figura 1: Concentração de extrato, concentração de etanol, pH e grau de fermentação

aparente do mosto na proporção malte/banana de 65/35

Fonte: arquivo pessoal.

A formação de álcool na fermentação do mosto cervejeiro está diretamente ligada à ação das

enzimas α-amilase (degradação do amido em dextrinas) e β-amilase (hidrólise do amido em maltose)

que possuem atividade ótima nas temperaturas de 72º e 62ºC, respectivamente. Entretanto, conforme a

temperatura do mosto sobe, cerca de 1ºC/min, até alcançar a temperatura de 65ºC e em seguida a

temperatura de 78ºC, necessária para a inativação das enzimas presentes, as enzimas atuam mesmo

que não por tempos prolongados e nem na temperatura ótima de ação (KUNZE, 1999; TSCHOPE,

2001).

A Figura 2 apresenta a evolução da concentração do extrato original do mosto, da

concentração de etanol, do pH e do grau de fermentação aparente do mosto na proporção malte/banana

de 45/55, utilizando a levedura Saccharomyces cerevisiae PPB01 e temperatura de fermentação de

9ºC. Verifica-se o consumo de substrato desde o início do processo, com concomitante queda no pH

do mosto, como no mosto anterior. Entretanto, apenas com 96 horas do início da fermentação, o valor

do pH manteve-se constante. Quanto ao consumo de extrato aparente, a atenuação é mais acentuada.

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Figura 2: Concentração de extrato, concentração de etanol, pH e grau de

fermentação aparente do mosto na proporção malte/banana de 45/55

Fonte: arquivo pessoal.

Em concordância com CARVALHO (2009) a banana prata muito madura confirmou a

presença de carboidratos disponíveis em quantidades substanciais demonstrando seu potencial como

adjunto do malte no processo cervejeiro, possibilitando a elaboração de uma cerveja com atributos

sensoriais característicos. A vantagem na utilização da banana é que ela possui um baixo teor de

amido quando nos estágios de maturação mais avançados, como é o caso deste estudo. Assim, devido

ao poder diastático do malte, o tempo de hidrólise do amido durante a mosturação não foi alterado, já

que as próprias enzimas do malte foram responsáveis pela hidrólise do amido da banana.

Entretanto, quando são utilizados adjuntos que acrescentam grandes porcentagens de

fermentescíveis ao mosto e em grandes proporções, o acentuado desvio da composição clássica do

mosto pode ocasionar efeitos negativos devido ao incremento desproporcional dos açúcares

fermentescíveis e a sensível diminuição do nitrogênio assimilável pela levedura, já que os adjuntos

podem ser considerados diluidores de todos os componentes do mosto cervejeiro, menos os açúcares

(VENTURINI FILHO & CEREDA, 2001; CARVALHO, 2009; CASTRO, 2014). Pela análise desses

resultados isso não ocorreu nos mostos estudados. A banana possui carboidratos como glicose, frutose

e sacarose, assimiláveis pela levedura, minerais e proteínas como a albumina, globulina e diversos

aminoácidos, dentre eles, a lisina, aminoácido fundamental no desenvolvimento celular (HENDGES,

2014). A Tabela 3 apresenta os valores de FAN para os mostos preparados nas diferentes proporções

malte/banana. Em média, a levedura utiliza de 10 a 14mg de nitrogênio amínico na forma de

aminoácidos e pequenos peptídeos por 100mL de mosto (KUNZE, 1999).

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Tabela 3: Teor de aminoácidos livres (FAN) nos

mostos de diferentes proporções malte/banana

Tempo de

fermentação (h)

FAN (mg/L)

Proporção malte/banana

65/35 45/55

0 200,19 156,14

124,93

88,12

80,75

76,45

73,85

73,54

73,25

68,09

68,06

67,95

67,14

64,84

64,84

64,27

63,96

63,49

12 198,04

24 177,88

36 176,12

48 174,54

60 171,47

72 166,73

84 157,95

96 144,42

108 140,02

120 137,17

132 126,89

144 123,79

156 -

168 -

180 -

192 -

Fonte: arquivo pessoal.

O teor de FAN no mosto controle, puro malte, foi de 118,65mg/L, enquanto que nos mostos

nas proporções 65/35 e 45/55 foram 200,19 e 156,14mg/L respectivamente. Ou seja, em todas as

proporções estudadas a quantidade de aminoácidos livres estão dentro da quantidade adequada para a

levedura realizar a fermentação. A Figura 3 relaciona os teores de FAN durante a fermentação

realizada a 9ºC, confirmando que não houve desbalanceamento nutricional nos mostos estudados.

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Figura 3: Tempo de fermentação x FAN nos mostos fermentados

a 9ºC

Fonte: arquivo pessoal.

Embora os teores de FAN tenham sido menores nos mostos com maiores proporções de

banana, não houve carência de aminoácidos livres para a levedura realizar a fermentação,

sendo que todas as cervejas produzidas apresentaram teor alcoólico próximo ao desejado.

5. CONCLUSÃO

A investigação dos parâmetros físico-químicos na produção de cervejas de baixos teores

alcoólicos em que são adicionados quantidades maiores de adjuntos é de relevância já que esse fator

irá determinar a quantidade de extrato original a ser adicionada para a obtenção do produto final.

Assim, a mosturação realizada a 65ºC favoreceu a atividade da enzima beta-amilase, proporcionando a

sacarificação do mosto pela liberação de extrato fermentescível em quantidade suficiente para a

levedura produzir a quantidade de álcool desejada, possibilitando a produção de uma cerveja de baixo

teor alcoólico, sem que a cerveja resultante ficasse com sabor adocicado.

Em concordância com Carvalho (2009) a banana prata muito madura confirmou a presença de

carboidratos disponíveis em quantidades substanciais demonstrando seu potencial como adjunto do

malte no processo cervejeiro, possibilitando a elaboração de uma cerveja com atributos sensoriais

característicos. Além disso, não houve carência de aminoácidos livres para a levedura realizar a

fermentação, sendo que todas as cervejas produzidas apresentaram teor alcoólico próximo ao desejado.

6. REFERÊNCIAS

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OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO DE MOSTURAÇÃO UTILIZANDO FEIJÃO PRETO

(Phaseolus Vulgaris Black Turtle) COMO ADJUNTO PARA PRODUÇÃO DE

CERVEJA

BRANDÃO, Eduardo Haberbeck1

SANTOS, Gustavo Rodrigues dos2

ELIAS, Amanda Monteiro3

ALMEIDA e SILVA, João Batista de4

Resumo: Nas últimas décadas, houve um aumento notável no universo cervejeiro e, junto com isso, o

crescimento do mercado de cervejas especiais que utilizam diferentes adjuntos cervejeiros

convencionais e não convencionais (como trigo, arroz, banana, canela ou arroz preto), visando a

obtenção de características sensoriais diferentes, aliado à redução de custos pela diminuição do uso de

malte de cevada. Nesse cenário, o feijão surge como alternativa de adjunto para a produção de cerveja.

O mesmo possui aproximadamente 30% de amido, não possui glúten, possui baixo teor de gorduras e

possui cascas com compostos que podem conferir coloração e aromas diferenciados ao produto. O

principal objetivo deste trabalho foi desenvolver e otimizar um processo de mostura (também

chamado de sacarificação) (também conhecido como mosturação) utilizando feijão preto (Phaseolus

Vulgaris Black Turtle) como adjunto na produção de cerveja.

Foram realizados 10 testes de mosturação para volume final de 250 mL de mosto, todos com a

proporção feijão e malte de cevada de ⅓ e ⅔ respectivamente, variando-se os pré-tratamentos do feijão

e as rampas de mosturação. A secagem, a maceração e a remoção de cascas se mostraram ineficientes

na inativação de inibidores enzimáticos. Em contrapartida o pré-cozimento do feijão se mostrou de

suma importância para viabilizar a sacarificação. Das rampas de mosturação testadas a mais eficiente

foi: 52ºC por 20 min, 62ºC por 30 min, 70ºC por 30 min e 80ºC por 15 min. Foi possível extrair

aproximadamente 30% de sólidos solúveis do feijão.

Palavras-chave: Cerveja, mosturação, feijão preto, adjunto, Phaseolus vulgaris.

1*Eduardo Haberbeck Brandão: Técnico em Química pela ECOMPO – Engenheiro de Alimentos pela UEPG –

Especialista em Gestão da Qualidade e Segurança dos Alimentos pela UNICAMP – Mestre em Processamento

de Materiais e Catálise pela UNIVAP – Engenheiro de Segurança do Trabalho pela UNIP - Doutorando no

Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Industrial da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de

São Paulo (EEL – USP), Campus Lorena/SP - Brasil.

Endereço postal: Rua Trajano Vieira de Macedo, 132 - CEP:12240-090 – Jd. das Industrias – São José dos

Campos/SP - Brasil – Tel: (12) 982386972 - [email protected] 2Gustavo Rodrigues dos Santos - Cervejeiro Artesanal pelo INEAD - Graduando em Engenharia Bioquímica da

Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL – USP), Campus Lorena/SP - Brasil.

[email protected] 3Amanda Monteiro Elias – Graduada em Engenharia Química pela FAENQUIL, Engenheira de Segurança pelo

PECE/PROMINP/POLI – USP, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Industrial da

Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL – USP), Campus Lorena/SP - Brasil.

[email protected] 4João Batista de Almeida e Silva – Engenheiro Químico pela pela FAENQUIL – Mestre em Ciência e

Tecnologia de Alimentos pela UFV – Doutor em Tecnologia Bioquímica Farmacêutica pela USP – Livre-

Docente pela Esalq – USP – Prof. Dr. da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL –

USP), Campus Lorena/SP - Brasil. [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

1.1. CERVEJA

De acordo com o decreto Nº 6.871, de 4 de junho de 2009, que regulamenta a lei n° 8.918, de

14/07/1994 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a cerveja é definida como ―a

bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto cervejeiro, oriundo do malte de cevada e água

potável, por ação de levedura, com adição de lúpulo‖.

Na elaboração de cerveja, o malte de cevada e o lúpulo poderão ser substituídos por seus

respectivos extratos. Parte do malte de cevada pode ser substituído por adjuntos cervejeiros, cujo

emprego não pode ser superior a 45% em relação ao extrato primitivo, pois nesse caso a bebida não

pode mais ser chamada de cerveja.

Consideram-se adjuntos cervejeiros a cevada cervejeira e os demais cereais aptos para o

consumo humano, maltados ou não-maltados, bem como os amidos e açúcares de origem vegetal

(D‘AVILA et al, 2012).

A utilização de adjuntos na composição da cerveja possui o intuito de modificar suas

características sensoriais além de poder contribuir para diminuição do preço da bebida, uma vez que os

maltes utilizados em grandes cervejarias são importados de outros países.

1.2. PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE CERVEJAS

O processo de produção de cerveja é composto pelas seguintes etapas: moagem, mosturação,

filtração ou clarificação do mosto, fervura, resfriamento do mosto, fermentação, maturação, filtração e

envase, que serão abordadas com mais detalhes a seguir (Figura 1).

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Figura 8: Esquema simplificado do processo cervejeiro convencional

Fonte: Modificado (LINKO et al., 1998).

A primeira etapa consiste em quebrar os grãos de malte e de outros cereais com a finalidade de

expor e triturar o endosperma amiláceo, e assim facilitar a ação das enzimas na etapa seguinte

(TSCHOPE, 2001; MORADO, 2009).

Na mosturação, a água primária é adicionada ao malte moído e esta mistura é submetida a

temperaturas controladas para ação das diferentes enzimas do malte (Tabela 1) (TSCHOPE, 2001;

MORADO, 2009). Segundo Brandam et al. (2003), as principais reações enzimáticas que ocorrem

durante a mosturação são a hidrólise do amido em carboidratos fermentáveis, a hidrólise de proteínas

em aminoácidos livres e a degradação das cadeias de β-glucano.

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Tabela 1: Temperaturas de ativação das enzimas presentes no malte de cevada.

Enzima

Temperatura

Ótima na

Mosturação (°C)

pH Ótimo na

Mosturação Substrato Produto

Hemicelulase 40 - 45 4,5 - 4,7 Hemicelulose Glucanos

Endopeptidases 45 - 50 3,9 - 5,5 Proteínas Peptídeos e

Aminoácidos Livres

Exopeptidases 40 - 50 5,2 - 8,2 Proteínas Aminoácidos Livres

α-amilases 65 - 75 5,6 - 5,8

α-Glucanos de

Baixo Peso

Molecular

Dextrinas

β-amilase 60 - 65 5,4 - 5,6 α-Glucanos Maltose

Dextrinase Limite 55 - 65 5,1 Dextrina Limite Dextrina

Fonte: Adaptado (TSCHOPE, 2001)

Para abranger o perfil de temperatura ótima de cada enzima, a mosturação é geralmente

operada com sucessivos descansos entre os aumentos de temperatura: primeiro descanso a 50°C para a

hidrólise de proteínas e de β- glucanos, segundo descanso a 65°C para a sacarificação, e aumento final

da temperatura a 76°C com o objetivo de assegurar a dissolução final de pequenos grãos de amido

(BRANDAM et al., 2003). No entanto, o perfil da mosturação varia de acordo com o estilo de cerveja

a ser produzido (TSCHOPE, 2001; MORADO, 2009).

Após a mosturação, o mosto primário é separado da fração insolúvel do malte (bagaço de

malte) através da filtração. O principal objetivo da filtração é obter um mosto clarificado e extrair

açúcares fermentescíveis dos materiais sólidos residuais através da lavagem do bagaço com a água

secundária (DRAGONE; ALMEIDA e SILVA, 2010). Nessa etapa, a temperatura da água não deve

exceder 80°C para não extrair polifenóis em excesso, o que prejudica o sabor da cerveja (MORADO,

2009).

Notamos, portanto, que a ação das enzimas é a ―alma‖ do processo de mostura. Caso haja

qualquer inibidor enzimático nas matérias primas utilizadas, o processo todo será comprometido.

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1.3. FEIJÃO

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento, o Brasil é o segundo maior

produtor mundial de feijão com uma produção 2017/2018 estimada em 3,12 milhões de toneladas

(CONAB, 2018) e em cerca de 3,4 milhões de toneladas em 2015 (CONAB, 2016). O feijão é

cultivado em sistemas diversificados por pequenos e grandes produtores, em todas as regiões

brasileiras, devido à sua facilidade de adaptação. O cultivo ocorre em três ciclos de semeadura-

colheita, o que torna o Brasil um dos maiores produtores mundiais (AIDAR, 2003).

Como o feijão é produzido em três safras ao longo do ano, sempre ocorrem perdas durante a

colheita, secagem, armazenamento e também algumas alterações em sua qualidade. Por isso, é

crescente o interesse em pesquisas sobre novas aplicações tecnológicas para minimizar as perdas

destes grãos e também sobre propriedades nutricionais. RIOS et al. (2003) avaliaram o efeito da

estocagem e das condições de colheita sobre algumas propriedades físicas, químicas e nutricionais de

três cultivares de feijão. PROLIA et al. (2010) avaliaram se a qualidade nutricional do feijão é

influenciada pelas condições de armazenamento entre outros aspectos. Outros autores tentando

aproveitar o feijão reportam a produção de isolados proteicos, processos de descascamento e

maceração de grãos, extração de amido e outras tecnologias (BOYE et al. 2010; BRIGIDE;

CANNIATTI-BRAZACA, 2011; RUIZ-RUIZ et al. 2012; BEDIN, 2014).

Intentando diminuir o custo na produção de cervejas, a indústria cervejeira habitualmente

utiliza como fonte de carboidratos adjuntos como o arroz, trigo, milho, sorgo, e também os adjuntos

designados como não convencionais como a banana, o arroz preto e a pupunha. Os adjuntos

geralmente são escolhidos pela disponibilidade regional, o que contribui ainda mais na redução de

custos e confere características regionais ao produto.

No caso do feijão, o mesmo possui composição centesimal variável, dependendo de vários

fatores como condições de plantio, armazenamento, variedade genética e espécie e outros fatores. De

um modo geral, o feijão apresenta cerca de 20% de proteína, sendo rico em aminoácidos essenciais

como a lisina. Os carboidratos ficam em torno de 60%, sendo o amido seu principal constituinte, e a

parte fibrosa corresponde a cerca de 25% (FIGUEROA, 2016). O feijão ainda apresenta baixo teor

lipídico e é uma excelente fonte de minerais como ferro, cálcio, zinco, fósforo, potássio e magnésio

(BONETT et al., 2007; SILVA, ROCHA, CANNIATTI-BRAZACA, 2009; PROLLA et al., 2010;

BOYE et al., 2010). Mais pesquisas investigando suas influências nas cervejas são necessárias.

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1.3.1. Fatores Antinutricionais

O feijão também apresenta alguns fatores antinutricionais, como fitatos, inibidores de

proteases, compostos fenólicos, fibras e amidos resistentes, que podem ser modificados após o

processo de maceração e cozimento dos grãos (MECHI, CANNIATTI-BRAZACA, ARTHUR, 2005;

BONETT et al., 2007; PROLLA et al., 2010).

ÁCIDO FÍTICO

Além de representar a principal forma de armazenamento de fósforo em sementes de cereais e

leguminosas, juntamente com seus sais, o ácido fítico possui fator antinutricional baseado na

capacidade de formar complexos insolúveis com minerais e proteínas, diminuindo a

biodisponibilidade destes, além de inibir enzimas proteolíticas e amilolíticas (SILVA; SILVA, 1999;

DOMÍNGUEZ; GÓMEZ; LÉON, 2002).

O efeito da cocção do feijão como forma de processamento doméstico, causa redução no teor

de fitatos principalmente quando cozido sem a água de maceração. A maceração dos grãos contribui

para a redução no conteúdo de fitatos, podendo ser explicada pela lixiviação dos íons fitatos na água

sob a influência de um gradiente de concentração (RAMÍREZ-CÁRDENAS; LEONEL; COSTA,

2008).

INIBIDORES DE PROTEASES

Um dos fatores envolvidos na baixa biodisponibilidade de proteínas do feijão é a presença de

inibidores de proteases digestivas humanas, tripsina e quimotripsina (LAJOLO; GENOVESE;

MENEZES, 1996). Existem dois tipos de inibidores de proteases: o tipo Kunitz e o tipo Bowman-Birk.

Os Kunitz são termoestáveis, enquanto os Bowman-Birk são estáveis sob condições de processamento

normal. Assim, em geral, as proteínas dos grãos de feijão tratadas pelo calor são mais digeríveis do

que os isolados proteicos naturais (DAMODARAN, 2010).

Após cocção em água a 90°C por 15 minutos, a atividade do inibidor de tripsina reduziu

drasticamente entre 5 a 20%. A inativação dos inibidores de tripsina ocorre nos primeiros minutos do

tratamento térmico (JOURDAN; NOREÑA; BRANDELLI, 2007).

INIBIDORES DA ALFA-AMILASE

As α-amilases são enzimas largamente distribuídas na natureza, produzidas por animais, vegetais

(principalmente em sementes amiláceas, especialmente durante a germinação) e microrganismos. São

endocarboidrases que hidrolisam ligações α-1,4, existentes na amilase e na amilopectina de forma

aleatória, na porção central das moléculas (KOBLITZ, 2013).

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Os inibidores da α-amilase são glicoproteínas que inibem a ação catalítica dessas enzimas,

sendo capazes de retardar a ação das amilases de insetos e mamíferos (LAJOLO; GENOVESE;

MENEZES, 1996).

A extrusão em farinhas de feijão sobre o teor de antinutricionais, causa uma redução

significativa nos teores de inibidores de α-amilase (BATISTA; PRUDÊNCIO; FERNANDES, 2011).

COMPOSTOS FENÓLICOS - TANINOS

Compondo uma pequena parte de um amplo grupo de compostos fenólicos produzidos como

metabólitos secundários por plantas, os taninos são flavonóides poliméricos. Nos feijões, encontram-se

principalmente no tegumento e, juntamente com as antocianinas, determinam a tonalidade e

intensidade da cor das sementes (DÍAZ; CALDAS; BLAIR, 2010).

O feijão quando macerado, cozido em outra água, apresenta teores de taninos menores do que

os do feijão cozido na mesma água de maceração. Porém, o cozimento sem maceração prévia é mais

efetivo para redução do conteúdo de taninos, devido ao fato de ser maior o tempo de exposição das

amostras ao calor para cocção (TOLEDO, T. C. F.; CANNIATTI-BRAZACA, 2008).

2. OBJETIVO

Desenvolver um processo de mosturação (sacarificação) de feijão (Phaseolus Vulgaris Black

Turtle) como adjunto para produção de cerveja.

3. MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido nas instalações da Planta Piloto de Bebidas do Departamento de

Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena-USP.

3.1. MATERIAL

3.1.1. Água

A água empregada no processo de produção do mosto cervejeiro foi obtida do poço artesiano

localizado no Campus I da Escola de Engenharia de Lorena.

3.1.2. Malte de Cevada

O malte utilizado foi o malte claro tipo Pilsen, gentilmente doado pela Soufflet do

Brasil S/A, situada em Taubaté – SP, em sacos de 50 Kg.

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3.1.3. Feijão

O feijão da variedade preto da marca ‖Fantástico‖ foi adquirido em um supermercado da

região.

3.2. MÉTODOS

3.2.1. Preparo das Matérias Primas

Para os testes o feijão foi submetido a 4 tratamentos:

1. Hidratado por 15 horas, trocando-se a água de 3 em 3 horas, visando retirar as anti enzimas do

mesmo e triturado junto com a água de mosturação utilizando um Hand Mixer da marca

Mondial (modelo: Versatile NM03 200W).

2. Hidratado por 15 horas, trocando-se a água de 3 em 3 horas, descascado manualmente visando

retirar as anti enzimas do mesmo, triturado junto com a agua de mosturação utilizando um

Hand Mixer da marca Mondial (modelo: Versatile NM03 200W).

3. Seco em estufa a 70ºC por 24 horas para facilitar a moagem do mesmo (testes preliminares

mostraram que o feijão é difícil de ser moído com sua umidade natural) e moído em um

moedor de grãos manual de bancada.

4. Seco em estufa a 70ºC por 24 horas para facilitar a moagem do mesmo (testes preliminares

mostraram que o feijão é difícil de ser moído com sua umidade natural), moído em um

moedor de grãos manual de bancada e cozido em banho maria a 90ºC por 15min visando

inativar os inibidores enzimáticos.

3.2.2. Mostura e Centrifugação

Visando abranger da melhor forma possível o pH ótimo e o perfil de temperatura ótima das

enzimas presentes no malte, o pH foi ajustado para 5,0 - 5,2 utilizando ácido sulfúrico 25%. A aferição

dos valores de pH e da temperatura foram realizadas com um pHmetro da marca MARCONI, modelo

MA522.

A mosturação foi operada com os seguintes descansos entre os aumentos de temperatura:

primeiro descanso a 52°C (ação das Hemicelulases, Endopeptidases e Exopeptidases), segundo

descanso a 62°C (ação das β-amilases e Dextrinases limite) para a primeira fase da sacarificação,

terceiro descanso a 70ºC (ação das α-amilases) para a segunda fase da sacarificação e aumento final da

temperatura a 80°C com o objetivo de inativar as enzimas.

Foram realizados 10 testes de mosturação para volume final de 250ml de mosto em um banho

de brassagem (Lochner Labor Tecnik), todos com a proporção feijão e malte de cevada de ⅓ e ⅔

respectivamente.

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Em todos os testes haviam 4 copos de mosturação, 1 contendo apenas malte moído e água

(branco) e 3 contendo a mistura de malte de feijão.

As quantidades de malte utilizadas foram calculadas para um mosto com concentração de 8ºP

(⅔ do extrato) considerando o rendimento do malte como 76% e do processo como 90%. As

quantidades de feijão utilizadas foram calculadas para um mosto com concentração de 4ºP (⅓ do

extrato) considerando o rendimento do feijão como 30% e do processo como 90%,

As rampas de mosturação e os pré-tratamentos das amostras estão descritos na tabela a seguir.

Tabela 2: Pré-Tratamento das amostras de feijão e Rampas de Brassagem dos testes

Teste Pré tratamento submetido Rampas de Brassagem

52 °C 62 °C 70 °C 80 °C

01 hidratado por 15 horas (água trocada de 3 em 3 horas) triturado

com mixer 20 min 30 min 30 min 15 min

02 hidratado por 15 horas (água trocada de 3 em 3 horas) cascas

removidas manualmente e triturado com mixer 20 min 30 min 30 min 15 min

03 seco a 70ºC por 24 horas e moído 20 min 30 min 30 min 15 min

04 seco a 70ºC por 24 horas e moído 20 min 30 min 60 min 15 min

05 seco a 70ºC por 24 horas e moído 20 min 30 min 90 min 15 min

06 seco a 70ºC por 24 horas, moído e cozido a 90ºC por 15min 20 min 30 min 30 min 15 min

07 seco a 70ºC por 24 horas, moído e cozido a 90ºC por 15min 20 min 30 min 60 min 15 min

08 seco a 70ºC por 24 horas, moído e cozido a 90ºC por 15min 20 min 30 min 90 min 15 min

09 seco a 70ºC por 24 horas, moído e cozido a 90ºC por 15min 20 min 60 min 30 min 15 min

10 seco a 70ºC por 24 horas, moído e cozido a 90ºC por 15min 20 min 60 min 60 min 15 min

Fonte: Os Autores

Testes preliminares mostraram que não é possível filtrar o mosto de feijão + malte por meio de

filtração a vácuo ou por recirculação, portanto, volumes de 250ml e 300ml dos mostos produzidos

foram centrifugadas em tubos falcon a 5.000rpm por 6min em centrífuga CIENTEC, modelo CT

5000d.

Os volumes e as massas dos sobrenadantes foram medidos para calcular a % de precipitado

formado e foram avolumados para 250 mL.

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103

Os sólidos solúveis do mosto foram quantificados com auxílio de um refratômetro portátil e os

resultados foram expressos em graus Brix.

A determinação do teor de umidade foi realizado colocando-se aproximadamente 1,5g de

amostra (matéria prima ou mosto) em uma balança de umidade da marca Denver Instruments IR-30 a

105ºC até massa constante.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

As tabelas a seguir mostram os resultados obtidos nos testes de mosturação:

Tabela 3: Testes de Mostura 1 e 2

TESTE 01 TESTE 02

Copos de Mosturação Copos de Mosturação

A B C D A B C D

Malte

Massa Total (g) 32,77 33,61 34,01 33,60 33,10 33,26 33,52 33,77

Umidade (%) 8,70 8,70

Massa Seca (g) 29,92 30,69 31,05 30,68 30,22 30,37 30,6 30,83

Feijão

Massa Total (g) 0,00 78,20 78,03 78,75 0,00 78,15 78,48 75,60

Umidade (%) 52,00 46,42

Massa Seca (g) 0,00 37,50 37,50 37,80 0,00 41,90 42,00 40,50

Água (g) 100,23 189,00 188,11 188,24 99,81 169,86 170,98 171,72

pH Inicial 5,0 5,0 5,0 5,1 5,0 5,1 5,1 5,1

Temperatura Inicial (°C) 22,3 23,0 23,0 23,0 25,0 25,1 25,3 25,7

pH Final 5,7 5,5 5,3 5,4 5,7 5,5 5,6 5,5

Temperatura Final (°C) 21,0 21,0 21,0 21,0 23,0 22,6 22,3 22,4

Volume Final (mL) 250,63 252,10 251,15 251,76 251,24 250,12 252,1 251,44

°Brix Final 8,5 8,5 8,5 8,5 9,0 9,0 8,5 8,5

Umidade (%) 91,13 91,00 91,10 91,24 91,53 90,44 90,22 90,67

Sólidos Solúveis

Totais (%) 8,87 9,00 8,90 8,76 8,47 9,56 9,78 9,33

% Malte 8,87 8,87 8,47 8,47

em Massa de Malte (g) 22,23 22,36 22,28 22,33 21,28 21,19 21,35 21,30

% Feijão 0,00 0,13 0,03 -0,11 0,00 1,09 1,31 0,86

em Massa de Feijão (g) 0,00 0,33 0,08 -0,28 0,00 2,73 3,30 2,16

Rendimento Malte (%) 74,30 72,87 71,74 72,79 70,42 69,77 69,77 69,07

Feijão (%) 0,00 0,87 0,20 -0,73 0,00 6,51 7,85 5,34

Fonte: Os Autores

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104

Tabela 4: Testes de Mostura 3 e 4

TESTE 03 TESTE 04

Copos de Mosturação Copos de Mosturação

A B C D A B C D

Malte

Massa Total (g) 33,35 33,38 33,46 33,29 33,06 33,12 33,53 33,55

Umidade (%) 8,90 6,59

Massa Seca (g) 30,38 30,41 30,48 30,33 30,88 30,94 31,32 31,34

Feijão

Massa Total (g) 0,00 40,80 40,76 40,72 0,00 40,80 41,01 41,11

Umidade (%) 4,47 4,81

Massa Seca (g) 0,00 39,00 38,90 38,90 0,00 38,80 39,00 39,10

Água (g) 105,30 224,70 223,04 222,46 201,62 190,27 191,40 190,00

pH Inicial 5,1 5,1 5,1 5,1 5,0 5,1 4,9 5,0

Temperatura Inicial (°C) 20,1 20,8 20,9 20,9 24,5 24,5 25,8 26,0

pH Final 5,8 5,4 5,4 5,4 5,8 5,4 5,2 5,4

Temperatura Final (°C) 22,0 21,3 21,5 21,1 25,2 25,4 26,0 26,5

Volume Final (mL) 250,54 250,33 250,16 251,45 251,50 250,80 250,95 251,15

°Brix Final 9,0 8,0 8,2 8,4 8,5 10,2 9,8 11,0

Umidade (%) 90,50 89,45 89,74 89,16 91,00 89,00 89,00 88,00

Sólidos Solúveis

Totais (%) 9,50 10,55 10,26 10,84 9,00 11,00 11,00 12,00

% Malte 9,50 9,50 9,00 9,00

em Massa de Malte (g) 23,80 23,78 23,77 23,89 22,64 22,57 22,59 22,60

% Feijão 0,00 1,05 0,76 1,34 0,00 2,00 2,00 3,00

em Massa de Feijão (g) 0,00 2,63 1,90 3,37 0,00 5,02 5,02 7,53

Rendimento Malte (%) 78,34 78,20 77,96 78,77 73,30 72,96 72,11 72,13

Feijão (%) 0,00 6,74 4,88 8,66 0,00 12,92 12,86 19,25

Fonte: Os Autores

Tabela 5: Testes de Mostura 5 e 6

TESTE 05 TESTE 06

Copos de Mosturação Copos de Mosturação

A B C D A B C D

Malte Massa Total (g) 32,31 32,33 32,41 32,31 32,80 32,59 32,68 32,66

Umidade (%) 5,79 6,70

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Massa Seca (g) 30,44 30,46 30,53 30,44 30,60 30,41 30,49 30,47

Feijão

Massa Total (g) 0,00 40,91 40,41 42,38 0,00 40,84 40,82 40,73

Umidade (%) 3,20 4,37

Massa Seca (g) 0,00 39,60 39,10 41,00 0,00 39,06 39,04 38,95

Água (g) 101,41 175,91 176,50 177,11 100,15 196,08 196,68 198,16

pH Inicial 5,0 5,1 5,1 5,1 5,0 5,0 5,0 5,0

Temperatura Inicial (°C) 23,7 25,0 24,3 25,4 25,3 35,4 36,0 36,4

pH Final 6,0 5,4 5,5 5,4 5,9 5,3 5,4 5,4

Temperatura Final (°C) 23,7 23,9 23,8 23,8 23,3 24,4 24,7 26,8

Volume Final (mL) 253,12 251,12 250,16 250,94 251,03 253,38 250,19 250,03

°Brix Final 8,4 9,4 10,0 9,2 7,4 11,4 11,4 11,2

Umidade (%) 91,72 89,82 89,66 89,50 91,25 86,64 86,48 86,54

Sólidos

Solúveis

Totais (%) 8,28 10,18 10,34 10,50 8,75 13,36 13,52 13,46

% Malte 8,28 8,28 8,75 8,75

em Massa de Malte (g) 20,96 20,79 20,71 20,78 21,97 22,17 21,89 21,88

% Feijão 0,00 1,90 2,06 2,22 0,00 4,61 4,77 4,71

em Massa de Feijão (g) 0,00 4,77 5,15 5,57 0,00 11,68 11,93 11,78

Rendimento Malte (%) 68,85 68,27 67,84 68,26 71,78 72,91 71,80 71,80

Feijão (%) 0,00 12,05 13,17 13,58 0,00 29,91 30,57 30,23

Fonte: Os Autores

Tabela 6: Testes de Mostura 7 e 8

TESTE 07 TESTE 08

Copos de Mosturação Copos de Mosturação

A B C D A B C D

Malte

Massa Total (g) 33,10 32,54 32,74 33,08 30,67 30,77 31,01 31,02

Umidade (%) 6,39 7,10

Massa Seca (g) 30,98 30,46 30,65 30,97 28,49 28,59 28,81 28,82

Feijão

Massa Total (g) 0,00 41,38 41,13 41,35 0,00 41,20 40,71 40,71

Umidade (%) 5,26 4,45

Massa Seca (g) 0,00 39,20 38,97 39,17 0,00 39,37 38,90 38,90

Água (g) 101,07 220,47 199,73 197,72 96,61 191,45 191,68 190,71

pH Inicial 5,1 5,1 5,1 5,1 5,0 5,1 5,1 5,1

Temperatura Inicial (°C) 23,2 44,2 43,3 46,5 24,2 38,3 40,2 39,1

pH Final 5,9 5,7 5,7 5,6 6,0 5,6 5,6 5,5

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106

Temperatura Final (°C) 23,0 23,1 23,2 24,4 25,2 27,0 28,0 29,0

Volume Final (mL) 250,59 250,23 250,22 250,44 250,66 250,03 251,72 255,74

°Brix Final 8,8 11,8 11,2 12,0 8,4 12,4 13,0 13,2

Umidade (%) 91,50 86,72 86,75 86,66 91,24 87,15 87,57 87,36

Sólidos Solúveis

Totais (%) 8,50 13,28 13,25 13,34 8,76 12,85 12,43 12,64

% Malte 8,50 8,50 8,76 8,76

em Massa de Malte (g) 21,30 21,27 21,27 21,29 21,96 21,90 22,05 22,40

% Feijão 0,00 4,78 4,75 4,84 0,00 4,09 3,67 3,88

em Massa de Feijão (g) 0,00 11,96 11,89 12,12 0,00 10,23 9,24 9,92

Rendimento Malte (%) 68,74 69,83 69,40 68,74 77,07 76,62 76,54 77,74

Feijão (%) 0,00 30,51 30,50 30,94 0,00 25,98 23,75 25,51

Fonte: Os Autores

Tabela 7: Testes de Mostura 9 e 10

TESTE 09 TESTE 10

Copos de Mosturação Copos de Mosturação

A B C D A B C D

Malte

Massa Total (g) 30,66 31,00 30,74 30,72 31,05 30,86 30,76 30,88

Umidade (%) 7,11 7,20

Massa Seca (g) 28,48 28,80 28,55 28,54 28,81 28,64 28,55 28,66

Feijão

Massa Total (g) 0,00 40,62 40,55 40,67 0,00 40,62 40,55 40,67

Umidade (%) 4,07 4,20

Massa Seca (g) 0,00 38,97 38,90 39,01 0,00 39,01 39,20 38,40

Água (g) 96,62 203,14 200,23 200,18 96,62 203,14 200,23 200,18

pH Inicial 5,1 5,1 5,1 5,0 5,1 5,1 5,1 5,0

Temperatura Inicial (°C) 24,3 44,3 44,4 44,7 24,3 44,3 44,4 44,7

pH Final 6,0 5,5 5,7 5,5 6,0 5,5 5,7 5,5

Temperatura Final (°C) 25,3 27,0 27,1 27,4 25,3 27,0 27,1 27,4

Volume Final (mL) 250,30 251,02 250,43 250,34 250,30 251,20 250,60 251,25

°Brix Final 8,00 11,20 11,00 11,00 8,00 11,10 11,00 11,00

Umidade (%) 91,27 86,34 86,33 86,42 91,54 86,90 86,70 86,86

Sólidos Solúveis

Totais (%) 8,73 13,66 13,67 13,58 8,46 13,10 13,30 13,14

% Malte 8,73 8,73 8,46 8,46

em Massa de Malte (g) 21,85 21,91 21,86 21,85 21,18 21,25 21,20 21,26

% Feijão 0,00 4,93 4,94 4,85 0,00 4,64 4,84 4,68

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em Massa de Feijão (g) 0,00 12,38 12,37 12,14 0,00 11,66 12,13 11,76

Rendimento Malte (%) 76,72 76,10 76,56 76,59 73,49 74,21 74,27 74,17

Feijão (%) 0,00 31,76 31,80 31,12 0,00 29,88 30,94 30,62

Fonte: Os Autores

Os procedimentos de secagem, hidratação e remoção de cascas se mostraram ineficientes na

inativação dos inibidores enzimáticos uma vez que a concentração de sólidos solúveis foi menor que a

apresentada nos testes com pré cozimento do feijão.

Fica comprovado, também, que rampas de mosturação com descansos acima de 30 min a 62ºC

ou 70ºC são ineficazes e/ou desnecessários no processo de sacarificação em questão.

Notamos, inclusive, uma redução de sólidos solúveis extraídos em testes com descanso acima de 60

min a 62ºC ou 70ºC.

Essa redução de extrato pode ser imputada a reações de formação de compostos orgânicos de

alto peso molecular (ex: Maillard).

5. CONCLUSÕES

A maceração, a remoção de cascas e a secagem a 70ºC por 24 horas se mostraram ineficientes

na inativação dos inibidores enzimáticos. Porém, a secagem facilitou o processo de moagem.

O pré cozimento do feijão se mostrou de suma importância para viabilizar a sacarificação, o que está

de acordo com a literatura, visto que estudos mostraram que tal procedimento inativa a maior parte dos

inibidores enzimáticos.

Das rampas de mosturação testadas, a mais eficiente foi: 52ºC por 20 min, 62ºC por 30 min,

70ºC por 30 min e, 80ºC por 15 min.

Foi possível extrair 30% de sólidos solúveis do feijão, o que também está de acordo com o

previsto na literatura, visto que o feijão preto tem aproximadamente 30% de amido.

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PERFIL DOS CONSUMIDORES E NÃO CONSUMIDORES DE CERVEJA

ARTESANAL DA CIDADE DE SALVADOR, BAHIA

Paula de Andrade Santos¹, Celso Duarte Carvalho Filho², Iuri Mira Barbosa3*

, Leonardo

Fonseca Maciel4

Resumo: O consumo de cerveja artesanal vem crescendo potencialmente no Brasil nos

últimos 10 anos. O setor cervejeiro é um dos que mais crescem no Brasil e, desde 2014,

aproximadamente R$ 2 bilhões por ano é faturado pelo mercado de cervejas artesanais.

Entretanto, seu crescimento ainda encontra o obstáculo do alto preço, devido aos custos

superiores aos da produção de cervejas massificadas. Faz-se necessário enfatizar a qualidade e

aumentar a divulgação através de estratégias baseadas no perfil dos consumidores e não

consumidores de cerveja artesanal. Com objetivo de traçar este perfil, foi realizada pesquisa

mercadológica na cidade de Salvador, Bahia, através da aplicação de questionário para

consumidores de cerveja, maiores de 18 anos. Os resultados foram avaliados através de

análise exploratória descritiva dos dados coletados. Dos 452 respondentes, 60,2% afirmaram

consumir cerveja artesanal, sendo possível afirmar que o consumo desse tipo de bebida está

presente em Salvador. O estudo revela que o consumo de cerveja artesanal está relacionado ao

prazer, apreciação de produtos de qualidade superior e aspectos sociais, como relaxar,

conhecer novos sabores e se divertir com familiares e amigos. Quando se trata dos não

consumidores de cerveja artesanal, observou-se que um dos principais motivos para o não

consumo de cerveja artesanal está relacionado ao baixo poder aquisitivo e/ou falta de

conhecimento sobre o produto. Além desse, o alto custo encontra-se dentre os maiores

obstáculos para a compra desse produto. A partir destes perfis torna-se possível desenvolver

estratégias para ampliar o mercado consumidor de cervejas artesanais na cidade de Salvador-

BA.

Palavras-chave: cerveja; artesanal; perfil; mercado; consumidor.

INTRODUÇÃO

Desde o século XIX, na época do Brasil Colônia, a cerveja artesanal é produzida e

comercializada no Brasil (MEGA, 2011). Segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja

(CERVBRASIL, 2015), o setor cervejeiro é um dos mais relevantes para a economia do país, tendo

um investimento de aproximadamente R$ 20 bilhões entre 2011 e 2014. O Brasil produziu 14 bilhões

¹Paula de Andrade Santos - Graduada em Farmácia pela Universidade Federal da Bahia. Rua Barão de

Jeremoabo, 147, Ondina. Salvador-BA, Brasil. CEP: 40170-115. E-mail: [email protected]

² Celso Duarte Carvalho Filho - Dr. em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. Prof.

adjunto da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina.

Salvador-BA, Brasil. CEP: 40170-115. Tel.:71-99166-4747. E-mail: [email protected].

³Iuri Mira Barbosa (*autor para correspondência) - Msc. em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal da

Bahia(UFBA). Prof. da Faculdade de Farmácia da UFBA. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina. Salvador-BA,

Brasil. CEP: 40170-115. Tel.:71-99143-3062. E-mail: [email protected]. 4Leonardo Fonseca Maciel – Dr. em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Londrina.

Farmacêutico da Faculdade de Farmácia da UFBA. Rua Barão de Jeremoabo, 147, Ondina. Salvador-BA, Brasil.

CEP: 40170-115. Tel.:71-98835-0895. E-mail: [email protected].

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de litros de cerveja em 2014 e, com isso, ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de

produção, mantendo-se desde 2012 atrás apenas de China e Estados Unidos (SOBRAL, 2012;

VENTURINI FILHO, 2016).

Acompanhando a tendência de outros países e seguindo a ―onda de goumertização‖ que vêm

crescendo no país, o Brasil vem aumentando a produção de cerveja artesanal nos últimos dez anos

registrando crescimento de 20% a 30% ao ano e faturamento anual de aproximadamente R$ 2 bilhões

(RIBEIRO; PAMPLONA, 2014).

Segundo o Decreto nº 6.871/2009 (BRASIL, 2009), Cerveja é a bebida obtida pela

fermentação alcoólica do mosto cervejeiro oriundo de malte de cevada e água potável, por ação de

levedura, com adição de lúpulo. Cerveja artesanal, por sua vez, não é bem definida pela legislação

brasileira, mas segundo a Brewers Association a cerveja artesanal caracteriza-se por ser produzida em

pequena escala com um processo de fermentação relativamente lento (CARVALHO, 2015).

Segundo Venturini Filho (2016), a diferença mais importante entre cerveja produzida

industrialmente e artesanalmente está na liberdade em se criar receitas personalizadas, com diferentes

tipos de maltes, lúpulos e adjuntos cervejeiros, além de experimentar variações no processo produtivo,

com equipamentos e utensílios inovadores e novas combinações de tempo/temperatura nas diversas

etapas produtivas sem que isso afaste o artesão de seu objetivo, que é obter como produto final

cervejas de alto padrão.

Em Salvador, um forte centro de consumo de cerveja artesanal do país, já é possível observar

os efeitos desta nova cultura em torno da cerveja. Nos últimos anos, proliferou-se na capital baiana

uma grande quantidade de estabelecimentos que passaram a vender cervejas especiais (CARVALHO,

2016).

Um dos fatores que impedem o maior número de vendas das cervejas especiais é o preço. Por

conta do processo de fabricação e matérias-primas utilizadas, o custo dessas bebidas é maior que o das

cervejas massificadas. Outras estratégias precisam ser adotadas para superar o obstáculo preço.

Dessa forma, esse trabalho foi realizado com o objetivo de traçar o perfil do mercado

consumidor de cerveja artesanal da cidade de Salvador-BA, verificando as melhores estratégias para

expansão desse mercado.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizada uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo através de

questionários online com um grupo de consumidores de cerveja. Foi utilizado formulário com

43 questões online na plataforma Google Docs.

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Para se enquadrar no estudo, os respondentes precisavam residir na cidade de

Salvador-BA e ter mais de 18 anos. Não foi necessária a identificação dos participantes, os

quais concordaram em participar através do aceite de um Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido.

O formulário aplicado foi subdividido em duas seções e, de acordo com a resposta da

primeira pergunta (―Você consome cerveja artesanal?‖), o entrevistado foi encaminhado para

seção destinada a consumidores de cerveja artesanal ou para a seção de não consumidores de

cerveja artesanal. Todas as questões foram objetivas, variando entre: Múltipla escolha, onde

apenas uma opção poderia ser escolhida; Caixas de seleção, onde poderiam ser escolhidas

mais de uma opção; Alternativas na forma de escala hedônica, nas quais o entrevistado

expressa o grau de preferência sobre o questionamento.

As perguntas e alternativas encontradas dos formulários foram baseadas em estudos

realizados com consumidores de cerveja artesanal encontrados na literatura. (CARVALHO,

2015; CERVBRASIL, 2015).

Os resultados foram avaliados através de análise exploratória descritiva dos dados

coletados por meio dos questionários. Essa análise visa examinar o comportamento referente à

distribuição, frequência e variabilidade dos dados. Além disso, mais de uma variável foi

correlacionada através de tabulações cruzadas a fim de averiguar a ligação entre diferentes

variáveis categóricas.

Os dados coletados foram tabulados e expostos na forma de gráficos e tabelas, gerados

pela ferramenta Google Docs. Foram avaliados o comportamento quanto à distribuição,

frequência e variabilidade dos dados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistadas 452 pessoas que consomem cerveja, das quais 60,2% são

consumidores de cerveja artesanal. A pesquisa não foi direcionada apenas para consumidores

de cerveja artesanal, portanto pode-se afirmar que o consumo desse produto está

consideravelmente presente em Salvador.

Dentre os respondentes do questionário, 276 alegaram ser consumidores de cerveja

artesanal. Destes, 66,7% são do sexo masculino e 33,3% do sexo feminino, resultado similar

ao de outros estudos como o realizado por Carvalho (2015) com consumidores de cerveja de

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Belo Horizonte, que observou que 65,2% dos consumidores de cerveja artesanal são homens;

e uma pesquisa realizada pelo SEBRAE (2014) com consumidores de cerveja artesanal de

Juiz de Fora na qual se observou que 57,0% dos consumidores da bebida são do sexo

masculino.

É possível observar na Figura 1 que a idade dos consumidores de cerveja artesanal é

bem variada, notando-se um destaque na faixa etária de 29 a 39 anos, com 31,9%. Ressalta-se

que a maioria destes consumidores são casados ou mantém união estável, o que pode

significar que beber cerveja artesanal pode estar ligado a hábitos familiares.

Figura 1: Perfil dos participantes consumidores de cerveja artesanal.

Mais da metade dos respondentes dessa seção tem nível superior completo; destes, muitos já

possuem pós-graduação ou especialização. Além disso, pode-se perceber que grande parte deles

(46,4%) afirmaram possuir renda familiar maior ou igual a nove salários mínimo e menos de 1,5%

estavam desempregados. Dessa forma, é possível concluir que a maioria dos apreciadores de cerveja

artesanal possui alto nível de instrução e elevado poder aquisitivo.

A definição de cerveja artesanal não é, por lei, bem determinada. Assim foi perguntado aos

consumidores como eles definem esse tipo de produto. O entrevistado pôde escolher até três opções de

resposta, então a frequência de resposta foi avaliada por cada item individualmente.

Como pode ser observado na Figura 2, os consumidores afirmaram que cerveja artesanal é

aquela produzida em pequena escala (64,5%), com melhor qualidade (63,8%) e sabor diferenciado

(60,1%). Essas são as características mais atribuídas à cerveja artesanal na literatura, significando que

os respondentes de fato entendem as principais diferenças entre essas cervejas e as tradicionais.

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Figura 2: Características de cerveja artesanal segundo os consumidores.

A opção ―Cerveja não pasteurizada‖ não corresponde à totalidade das cervejas artesanais, pois

muitos cervejeiros optam por fazer esse procedimento no intuito de eliminar as atividades

microbiológicas existentes na bebida. A afirmativa ―Cerveja com aromatizante artificial‖ também não

é verdadeira, visto que o uso de aromatizantes e sabores artificiais é contra indicado na fabricação de

cervejas artesanais. Nenhum dos respondentes marcou essa opção, ratificando assim que a maioria dos

consumidores de cerveja artesanal sabe diferencia-las das demais bebidas.

O local preferido para consumo de cervejas artesanais de 72,5% dos entrevistados é em casa.

Seguido deste, o local de preferência é ―Casa de amigos‖, com 33,3%. O entrevistado pôde escolher

até três opções de resposta, então a frequência de resposta foi avaliada por cada item individualmente.

Resultados similares foram observados na pesquisa de Carvalho (2015). Esses dados podem

ser interpretados de duas formas: a primeira é que o prazer em consumir esse tipo de bebida está

relacionado com um ambiente familiar, onde o consumidor pode reunir sua família e amigos. A

segunda é que, com a ―Lei Seca‖ em vigor desde 2008 no Brasil, o número de pessoas que bebem em

casa aumentou significativamente. Esse dado mostra a importância da venda de cervejas artesanais não

só em bares e pubs, mas também em outros estabelecimentos como supermercados e lojas de

conveniência.

Existe uma associação entre o consumo de cerveja artesanal e elementos de cunho social; isto

pode ser percebido com a interpretação da Figura 3. Foi perguntado aos entrevistados quais elementos

estão ligados a essa prática. Cada consumidor escolheu até três opções, portanto a soma das

frequências é maior que 100. O resultado revela que a maioria dos consumidores relacionam cerveja

artesanal com amigos (57,2%), prazer (57,2%), qualidade (47,1%), lazer (28,3%), família (26,1%) e

convívio social (22,5%). Resultados semelhantes foram encontrados na pesquisa de Carvalho (2015),

invertendo apenas a ordem dos cinco itens mais votados: Qualidade > Prazer > Amizade > Lazer >

Convívio Social.

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Há também uma parcela que relaciona a bebida com gastronomia (18,1%), podendo interligar

este dado com a crescente prática de produzir cerveja artesanal em casa não para fins lucrativos, mas

por satisfação pessoal.

Figura 3: Elementos ligados à cerveja artesanal de acordo com os consumidores.

A frequência de consumo também é algo relevante para traçar o perfil do consumidor.

Segundo a Figura 4 abaixo, 54,2% dos entrevistados bebem cerveja artesanal pelo menos uma vez por

semana. Este é um valor consideravelmente alto para Salvador, uma cidade onde o hábito de consumir

cerveja artesanal é relativamente recente. Comparando esse resultado com os dados de Belo Horizonte

coletados por Carvalho (2015), os soteropolitanos bebem cerveja artesanal com uma frequência

semelhante aos belo-horizontinos (50,3% consomem a bebida pelo menos uma vez na semana), sendo

que Minas Gerais ocupa o segundo lugar em produção de cervejas artesanais do país, perdendo apenas

para Santa Catarina (ROCHA, 2014). Essa estatística coloca Salvador como uma cidade cujo mercado

consumidor de cerveja artesanal tem grandes chances de aumentar ainda mais; além disso, pode-se

afirmar que este pode ser um potente fator para impulsionar a economia da cidade.

Figura 4: Frequência do consumo de cerveja artesanal.

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Quando perguntado sobre os fatores que dificultam que essa frequência de consumo aumente ainda

mais, segundo os respondentes, são principalmente o preço (76,1% dos entrevistados) e a pouca

disponibilidade do produto no mercado (50,7%). É um desafio para os fabricantes de cervejas

artesanais fazer com que a qualidade superior dos seus produtos seja reconhecida e valorizada, assim

como fazer o possível para que seu preço de venda seja acessível ao mercado.

O segundo atributo apontado pelos entrevistados foi a pouca disponibilidade do produto do

mercado. Apesar de existir uma enorme variedade de cervejas artesanais, nem todas podem ser

legalmente comercializadas, pois o estabelecimento produtor de cerveja artesanal e seus produtos

devem ser registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), conforme

disposto na Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994 (BRASIL, 1994), e em seus regulamentos. Isso

diminui a disponibilidade e variedade desses produtos no mercado, visto que a grande maioria dos

produtores de cerveja artesanal não possui esse registro.

Dentre os principais estilos comercializados em Salvador, alguns foram colocados na pesquisa

para avaliar a preferência dos consumidores. O estilo mais apreciado foi o Indian Pale Ale (42%), que

se destacou consideravelmente perante as outras. Do segundo ao quinto lugar, os valores foram bem

similares: Stout (26,1%),Pales Ales em geral (25,4%), Pilsner (22,5%) e Weissbier (21,7%).

Existe uma série de elementos que motivam o consumidor a comprar um produto. A respeito das

embalagens, as opções preferidas dos consumidores são a garrafa de 600 ml (43,7%) e a garrafa de

355 ml (40,3%). Quando o aspecto é a rotulagem das cervejas, os entrevistaram demonstraram

preferência pelo nome e estilo criativo, contendo imagens relacionadas à cerveja ou insumos

cervejeiros, conforme apresentado na Figura 5. Cada consumidor escolheu até três opções, portanto a

soma das frequências é maior que 100.

Figura 5: Aspectos mais atrativos no rótulo de cervejas artesanais.

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Na figura 6 estão apresentados os atributos que são levados em consideração na

compra da cerveja artesanal e o grau de importância atribuído a cada um deles pelos

entrevistados.

Figura 6: Atributos levados em consideração na compra de cervejas artesanais e seus respectivos graus

de importância.

Levando em consideração a escala hedônica utilizada na questão, o atributo que se destacou

como mais importante na hora da compra foi a Qualidade. Atributo este que não teve nenhuma nota

zero ou um (sem importância e pouco importante, respectivamente). 92% dos consumidores alegaram

que a qualidade é muito importante, sendo assim um atributo de grande influência na compra. Seguido

deste, o atributo Preço recebeu a nota três (muito importante) por 35,5% dos entrevistados e nota

quatro (importante) por 52,2%. Isso mostra que o preço é, de fato, um elemento influente no momento

da compra. Os atributos Embalagem e Rótulo tiveram pontuações similares, não demonstrando tanta

influência na compra. Por último, Marca foi o atributo menos considerável dentre todos, visto que teve

13,8% de nota zero (sem importância), somados a 31,2% de nota dois (pouco importante).

Na Tabela 1 são apresentadas as notas médias atribuídas pelos entrevistados para diferentes

variáveis motivadoras de consumo da cerveja artesanal. Cada consumidor escolheu até três opções,

portanto a soma das frequências é maior que 100. A variável Prazer é uma das principais motivadoras

com a segunda maior média (4,69%). Além deste, obtiveram médias altas os seguintes motivadores:

Apreciar um sabor diferenciado (4,73%); atributos relacionados a amigos (4,65%), família (4,09%),

convívio social (4,14%) e boa gastronomia (4,07%).

As opções ―Beber sozinho‖ e ―Cerveja artesanal faz mal à saúde‖ tiveram pouca importância

nos resultados, comprovando que o consumo de cerveja artesanal tem relação direta com aspectos

sociais e gastronômicos.

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Tabela 1: Variáveis que representam motivações para o consumo de cerveja artesanal.

Variável Média

Bebo cerveja artesanal por hábito. 2,70%

Bebo cerveja artesanal por prazer. 4,69%

Bebo cerveja artesanal sozinho. 2,95%

Bebo cerveja artesanal e recomendo aos amigos. 4,65%

Bebo cerveja artesanal para apreciar um sabor diferenciado. 4,73%

Bebo cerveja artesanal em casa, com a família. 4,09%

Bebo cerveja artesanal fora de casa num momento de encontro com amigos. 4,13%

A cerveja artesanal me faz relaxar. 4,13%

A cerveja artesanal reúne as pessoas. 4,14%

Cerveja artesanal faz mal à saúde. 1,55%

O consumo de cerveja artesanal está associado a uma boa gastronomia. 4,07%

Produzo a cerveja artesanal para consumo próprio. 3,06%

Tenho interesse em produzir cerveja artesanal no ambiente doméstico. 3,79%

Considerar todos esses aspectos pode ser um grande diferencial para os produtores de cerveja

artesanal e estabelecimentos que as vende, já que fica mais fácil agradar, conquistar e/ou manter o

cliente quando seu perfil é conhecido.

Dos 39,8% de entrevistados que alegaram não consumir cerveja artesanal, 62,2% são do sexo

feminino, 47,8% têm entre 18 e 28 anos e 70,7% são solteiros. Esses dados permitem afirmar que

existe uma relação entre o não consumo de cerveja artesanal e a juventude, época na qual as pessoas

ainda não são financeiramente independentes e, muitas vezes, priorizam a quantidade de bebida a ser

ingerida, e não a qualidade da mesma.

Observando a Figura 7, pode-se perceber que esse grupo, na sua maioria, não tem o 3º grau

completo (79,9%) e têm renda mensal abaixo de 9 salários mínimos, sendo que 52,2% ganham até 4

salários. Isso confirma a relação entre o baixo poder aquisitivo e menor grau de instrução com o não

consumo de cervejas artesanais. Este perfil corrobora àquele apresentado por consumidores de cerveja

no município de Juiz de Fora-MG em 2014 (SEBRAE, 2014).

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Figura 7: Perfil dos participantes não consumidores de cerveja artesanal.

Dentre os entrevistados não consumidores de cerveja artesanal, 45,6% afirmaram não

consumir cerveja artesanal por falta de hábito, seguido pelo motivo ―não conhecer‖ com 44,4%,

conforme apresentado na Figura 8. Cada consumidor escolheu até três opções, portanto a soma das

frequências é maior que 100.

Figura 8: Motivos para não consumir cerveja artesanal.

Este fato pode ser interpretado de duas formas. Primeiramente que o não consumo está

relacionado a aspectos de rotina, já que os brasileiros estão acostumados a beber cervejas tradicionais

e, dessa forma, os entrevistados não tem o hábito de consumir cervejas artesanais ou nem mesmo as

conhece. A segunda forma de interpretar este dado é que essas variáveis estão diretamente ligadas à

terceira opção mais votada, o preço. Diante da maioria dessa porção de entrevistados não possuírem

alto poder aquisitivo, o custo elevado das cervejas artesanais impede que estes desenvolvam o hábito

de bebê-las.

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Diante da Figura 9, é possível constatar que 46,7% dos não consumidores de cerveja artesanal

não apreciam nenhum atributo dessa bebida. Ou seja, mais da metade dos entrevistados, mesmo não

sendo consumidores, apreciam alguma característica deste tipo de produto, destacando-se o sabor e a

produção diferenciada. Esse é um ponto a ser considerado pelos fabricantes de cerveja artesanal, já que

uma parcela grande dos não consumidores admira a bebida de alguma forma e, assim, são passíveis a

mudar seus hábitos quanto ao consumo da mesma.

Figura 9: Características da cerveja artesanal apreciadas pelos não consumidores.

Quando houve o questionamento quanto às possíveis modificações que poderiam ser

realizadas para aumento do consumo de cervejas artesanais, a modificação mais sugerida foi aumentar

a divulgação desses produtos, aumentando assim sua visibilidade no mercado. Isto poderia estimular

os não consumidores a tentarem experimentar a cerveja artesanal. Em segundo lugar, foi sugerida a

diminuição dos preços, porém este é um fator cuja modificação pode estar relacionada à alteração de

qualidade do produto.

Os dados apresentados pela Figura 10 são muito importantes para auxiliar os fabricantes e

vendedores de cervejas artesanais a atenderem expectativas de possíveis consumidores de seus

produtos.

Figura 10: Sugestões dos não consumidores de cerveja artesanais para aumento do consumo do produto.

Todos os resultados apresentados até então são relevantes para fabricantes e distribuidores de

cerveja artesanal, pois com eles torna-se possível desenvolver uma estratégia para tornar o produto

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mais visível e disponível no mercado, assim como atender ao máximo às expectativas dos possíveis

consumidores destes produtos.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos revelam que o consumo de cerveja artesanal na cidade de Salvador-BA

está relacionado ao prazer, apreciação de produtos de qualidade superior e aspectos sociais, como

relaxar, conhecer novos sabores e se divertir com familiares e amigos. Estes mesmos fatores são os

que motivam a compra desses produtos e influenciam a manutenção do hábito de consumi-los. A

maioria dos consumidores de cerveja artesanal tem um nível de instrução alto e poder aquisitivo

elevado, mostrando-se um público a ser explorado, visto que a cerveja artesanal é um produto de

maior custo e qualidade, sendo mais acessível para pessoas com essas características.

Tratando-se dos não consumidores de cerveja artesanal, observa-se que os principais fatores

para o não consumo de cerveja artesanal possivelmente está ligado com o desconhecimento sobre o

produto e/ou, em segundo plano, ao baixo poder aquisitivo desse público. Esses resultados podem

nortear os fabricantes e vendedores a buscar as melhores estratégias para aumentar o mercado

consumidor das cervejas artesanais.

Considerando o obstáculo preço à expansão de mercado, as apostas de crescimento do

consumo das cervejas artesanais são depositadas no quesito qualidade. Para alavancar esse

crescimento, faz-se necessário desenvolver estratégias de marketing para divulgar melhor este produto

no mercado, investindo também em inovação na embalagem e rotulagem, visto que são aspectos que

podem destacar o produto em relação aos demais.

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REAPROVEITAMENTO DO BAGAÇO DE MALTE NA INDÚSTRIA

ALIMENTÍCIA

Giovanni Souza Casella*

Thalles Stephan Leal Vilela2

Matheus Daniel Moreira Santos3

Ewerton Evangelista de Souza4

Igor Maciel Medeiros5

Paulo Rodrigues Tarabal6

Lucilaine Valéria de Souza Santos7

Fernanda Palladino Pedroso8

Resumo: Na fabricação de cerveja destaca-se entre os ingredientes o malte, proveniente da

germinação da cevada. O bagaço de malte é um dos principais subprodutos das indústrias cervejeiras,

sendo que na maioria das vezes ele é descartado ou utilizado para insumos, como ração animal.

Constituído de restos de cascas de malte, esse subproduto apresenta considerável valor nutricional que

pode ser utilizado na indústria alimentícia, porém ele apresenta elevado teor de umidade que, a

princípio, inviabiliza sua utilização, fazendo-se necessário um tratamento prévio. Diante disso, o

objetivo deste trabalho foi avaliar diferentes formas de obtenção da farinha de malte para ser utilizado

na indústria alimentícia. O primeiro passo foi estudar quatro métodos diferentes de secagem; após esta

etapa o malte foi moído objetivando a produção de uma farinha, para que pudesse ser utilizada na

fabricação de um pão com diferentes concentrações de malte (0%, 10%, 20%, 30%). Análises físico-

químicas foram realizadas para determinar quantitativamente as composições dos nutrientes no bagaço

de malte. O melhor método de secagem foi estufa com circulação de ar apresentando 65,67% de

umidade. Em relação aos resultados físico-químicos realizados no malte moído e seco encontrou-se

0,98% teor de Umidade, 6,18% Lipídeos; 2,06% Cinzas; 15,28% Proteínas Totais; 17,99% Fibras e

57,51% Carboidratos. Diante da quantidade de fibras e carboidratos, o pão com 10 e 20% de bagaço

de malte foi o que apresentou a melhor aceitação pelo público. Diante disso, este trabalho nos mostra

que o subproduto estudado apresenta um promissor potencial para seu reaproveitamento pelas

indústrias alimentícias.

*Estudante de Graduação Engenharia Química. Rua Felipe Drumond, 81, apto 95, Luxemburgo. CEP:

30.380.310. Belo Horizonte/MG, Brasil. Telefone: (31) 98447-1600. E-mail: [email protected]; 2Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail: [email protected];

3Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail:

[email protected]; 4Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail: [email protected];

5Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail:

[email protected]; 6Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail: [email protected];

7Química, Mestre e Doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de

Minas Gerais. Professora de Análises Instrumental da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo

Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 8Engenheira química (USP), Mestre em Biotecnologia (USP) e Doutoranda em Microbiologia, pela Universidade

Federal de Minas Gerais. Professora de Operações Unitárias I da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail: [email protected];

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Palavras chaves: Bagaço de Malte; Cerveja; Caracterização; Industria alimentícia;

1. INTRODUÇÃO

A cerveja é uma bebida de ampla difusão e intenso consumo, conhecida em diversos países no

mundo. É obtida pela fermentação alcoólica do mosto cervejeiro oriundo do malte de cevada e água

potável, com adição de lúpulo para dar sabor e aroma e fermentada por ação de leveduras (REBELLO,

2009).

O processo de fabricação da cerveja começa com a brassagem, onde leveduras responsáveis

pela fermentação alcoólica convertem o amido, presente na cevada maltada, em açúcares menores,

como maltose, sacarose e glicose (KUNZE, 2014). O grão do malte é então moído e adicionado à água

formando o mosto cervejeiro. O bagaço de malte é obtido após uma filtração desse mosto, sendo

constituído principalmente de casca (material celulósico) e polpa de malte (KEMPKA et al., 2018).

Estima-se uma produção de 14 a 20 kg de bagaço a cada 100 litros de cerveja produzida (SANTOS et

al., 2005).

O Brasil é um dos grandes consumidores de cerveja do mundo. Em 2016 foram fabricados

14,1 bilhões de litros de cerveja por ano, segundo a CervBrasil, e isso coloca o país no ranking global

atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Na última década, o consumo mundial aumentou a uma

taxa média de 5% ao ano, com destaque para o segmento de cervejas artesanais, que teve uma

evolução anual em torno de 20% (VASCONCELOS, 2017).

Além disso, atualmente, está evidente um interesse crescente em consumir comidas saudáveis

ou funcionais que provém benefícios para saúde respeitando requerimentos nutricionais básicos

(FÃRCAS, 2014). Sendo uma importante fonte de proteína e fibras (GUO, 2013), o presente trabalho

objetiva analisar e desenvolver alternativas para o reuso do principal resíduo sólido da produção

cervejeira. Para isso, se desenvolveu um projeto para construção de um leito fluidizado a partir de

materiais facilmente encontrados; caracterizou-se as propriedades nutricionais do bagaço de malte; e

desenvolveu-se pães caseiros, um popular produto alimentício, utilizando diferentes concentrações de

farinha de malte.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A cevada, antes de ser utilizada como insumo para a elaboração de cerveja, passa por um

processo de malteação que tem por objetivo aumentar o conteúdo enzimático dos grãos para que o

amido seja quebrado pelas enzimas durante a brasagem, em açúcares fermentescíveis, necessários para

a produção da bebida. Essa transformação enzimática é dividida em três etapas básicas: a maceração

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ou embebição, a germinação e a secagem ou clivagem (BELETI et al, 2012). Estas etapas têm como

objetivo a ativação e a produção de enzimas que agirão nas substâncias de reserva do grão

(MORADO, 2009; BELETI et al, 2012; KUNZE, 2014), como mostra na Figura 1:

Figura 1 - Etapas de preparação do malte para a processo cervejeiro

Fonte: (Adaptado - ENCYCLOPEDIA-BRITANNICA-INC., 2010)

Após a maceração e germinação, o grão passará pelo processo de secagem. Neste processo, a

degradação do amido e crescimento do embrião se cessam e ocorre a remoção de componentes

voláteis responsáveis por sabores indesejáveis do malte, além de promover a formação de aromas

oriundos das reações de Maillard. A reação de Maillard, que é uma reação de escurecimento não

enzimático que pode ocorrer em alimentos e organismos vivos (COSTA, 2017), é uma das reações

mais importantes na indústria de alimentos e os produtos dessas reações tem grande influência nos

atributos de aroma, sabor, cor e textura (BASTOS et al., 2012). Nos maltes, o processo de secagem em

maior intensidade irá promover também a coloração do grão e gerar diferentes variedades com

distintas especificações e características, como é visto na Figura 2 (BAMFORTH, 2003; BRIGGS et

al., 2004).

Figura 2 - Tipos diferentes de malteação

Fonte: (TÚLIO - BEER KING, 2016)

Depois de moído, o malte vai para a etapa de mosturação, que tem o com o objetivo de extrair

os açúcares das porções amídicas dos grãos pela ação das amilases. Esse processo ocorre misturando o

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malte moído com água a temperatura controlada por volta de 68 -70º C para promover a dissolução

dos componentes do grão e ação das enzimas do malte, formando assim o mosto. Não só os açúcares,

mas também neste processo são obtidas certas proteínas, peptídeos e aminoácidos importantes para a

produção da cerveja e nutrição das leveduras (KUNZE, 2014). Após a mosturação, o líquido é

separado dos sólidos, que contem cascas do malte e possíveis adjuntos utilizados, este processo é

denominado clarificação ou filtragem, que pode ser realizado por filtros prensa, ou pode ser

recirculação utilizando como filtro o malte decantado e as cascas dos grãos que foram preservadas na

moagem. Em seguida, ocorre o processo de fervura que tem como objetivo inativar as enzimas que

atuaram no processo de mosturação (OETTERER et al, 2006).

A geração de grão do bagaço de malte, nas indústrias cervejeiras, gira em torno de 136 bilhões

de toneladas ao ano (GOMES, 2011), sendo que sua maior parte é descartada ou usada para insumos

na ração animal. Devido ao seu considerável valor nutricional e ao contexto supracitado, há uma

grande oportunidade de utilizá-lo na alimentação humana.

O uso do bagaço do malte tem sido restrito na alimentação humana, em parte devido à

ausência de uma adequada avaliação nutricional. No entanto, devido ao seu elevado teor de β-

glucanas, fibras e os resíduos de proteínas e açúcares tornam este bagaço com potencial de utilização

em produtos elaborados na panificação, como pães de forma e biscoitos, onde o incremento

principalmente em fibras traz benefícios ao consumidor do ponto de vista nutricional e de

funcionalidade. Portanto, há um interesse crescente neste cereal para consumo humano e usos

industriais.

2.1. Composição do bagaço de malte

O bagaço de malte apresenta em sua composição lipídeos, cinzas, um teor de umidade

característico, vitaminas e aminoácidos, além de claro, carboidratos (SANTOS, 2005). Segundo

LIMA, 2017, a composição básica do malte se dá pela proporção descrita na Tabela 1:

Tabela 1 – Análise da composição química das biomassas em porcentagem

Parâmetros (%) no bagaço de malte

Carboidratos Totais 47,43

Umidade 6,41

Cinzas 4,35

Proteína Bruta 16,84

Lipídeos 5,32

Fibras 10,65

Fonte: (Adaptado - LIMA, 2017)

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2.1.1. Umidade

Valores de umidade considerados seguros para um adequado armazenamento do produto são

conhecidos e devem ser respeitados para que a qualidade dos grãos se mantenha durante a estocagem

(VALENTINI, 1998), podendo servir como um indicador da qualidade dos produtos, uma vez que

apresenta influência direta no seu armazenamento, causando rápida deterioração em sua embalagem e

seu processamento (RASCHEN, 2014; PINTO, 2015).

2.1.2. Lipídeos

Os lipídeos são compostos químicos cuja propriedade definidora é a insolubilidade em água e

funcionam como moléculas com armazenamento energético, sendo que a maior parte dos ácidos

graxos estão na conformação cis, mas os ácidos graxos trans sempre estiveram presentes na dieta

humana (JUN, 2016).

2.1.3. Cinzas

Cinzas de um alimento é o nome dado ao resíduo inorgânico que permanece após a queima da

matéria orgânica a altíssimas temperaturas (cerca de 600 ºC) a qual é transformada em CO2, H2O e

NO2 sendo o ponto de partida para a análise de minerais específicos (DELAPORTE, 2005). A cinza é

constituída principalmente de: macronutrientes (K, Na, Ca, P, S, Cl e Mg) requeridos em uma dieta em

grandes quantidades nos alimentos; micronutrientes (AI, Fe, Cu, Mn e Zn) requeridos em uma dieta

em pequenas quantidades na nutrição e; elementos traços (Ar, I, F, Cr, Co, Cd e demais elementos)

que se encontram em quantidades menores ainda que os micronutrientes (DELAPORTE, 2005).

2.1.4. Proteínas

As proteínas, outro importante componente nutricional no bagaço de malte, são as

biomoléculas mais abundantes nos seres vivos, estando presentes em todas as partes de uma célula. As

proteínas assumem uma diversidade de funções biológicas, com propriedades e atividades distintas,

como em músculos, cabelos, unhas, penas de pássaros, anticorpos e uma série de outros exemplos

(JUNIOR, 2006).

2.1.5. Fibras

A fibra alimentar desempenha papel regulador e remissivo nos distúrbios gastrointestinais e

nas doenças crônicas não transmissíveis. Fibra alimentar é a parede celular dos vegetais, que não é

digerida pelo organismo humano, por não possuir enzima específica, e tem propriedades funcionais

importantes no organismo humano. Portanto, são inegáveis os benefícios que a fibra alimentar

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associada à dieta desempenha na saúde humana. São divididas em Solúveis e Insolúveis (MACEDO,

2012).

2.1.6. Carboidratos

Carboidratos são poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas ou substâncias que liberam tais

compostos por hidrólise. Os alimentos ricos em carboidratos, como pão, cereais, arroz e todas as

massas são uma forma de energia abundante para o organismo, no entanto, quando consumidos em

excesso, eles aumentam a quantidade de gordura corporal, pois o excesso de carboidratos armazena-se

no organismo como forma de gordura (POMIN, 2006).

3. MATERIAIS E MÉTODOS

O bagaço de malte pilsner utilizado no trabalho foi fornecido pela cervejaria KoalaBeer,

proveniente de uma empresa alemã chamada Bamberg, coletado logo após a etapa da brassagem e

armazenado em um freezer durante quatro dias. Esse malte continha cerca de 60% de pale, 18% de

trigo, 19% de aveia e 3% de extrato de malte desidratado, que é adicionado somente na fervura e não

na tina de mostura.

Para a utilização e caracterização do bagaço do malte fez-se necessário, primeiramente, secá-lo,

a fim de se retirar o máximo de umidade presente e diminuir a possibilidade de degradação do

material.

3.1. Secagem e Montagem do Leito Fluidizado

Este trabalho realizou testes de secagem em equipamentos diversos: estufa de laboratório

FANEM (São Paulo – Brasil) 520 sem circulação de ar, estufa com circulação de ar EL-80, banho de

areia Quimis e secador de leito fluidizado, sendo o último projetado pelos autores deste artigo.

Para esses testes, 100 g de bagaço de malte foram colocados nos equipamentos citados e, a

cada 30 minutos, a variação de massa foi determinada. A temperatura foi fixada em 100 ºC para todos

os equipamentos, com exceção do Leito Fluidizado onde a temperatura foi fixada em 37 ºC.

O projeto de construção do Leito Fluidizado foi pensado tendo em vista uma possível

aplicação deste em um projeto de extensão, desta forma priorizou-se materiais de fácil acesso e de

baixo custo para a população em geral. A Tabela 2 apresenta os materiais utilizados na montagem.

Tabela 2 - Materiais utilizados na montagem do Leito Fluidizado

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Material Medida Quantidade

Cano PVC Ø 100 mm 1 metro

Luvas Simples Ø 100 mm 2 unidades

Coolers Ø 120 mm 2 unidades

Mdf 1 m2

1 unidade

Cola de madeira - 1 unidade

Lâmpada incandescente 100 W 1 unidade

Fonte: (Realizado pelos autores)

A montagem iniciou-se cortando-se 3 pedaços de cano PVC, com 20 cm de comprimento

cada. O restante foi colocado por 5 minutos no forno para que se torne mais maleável e que assim

possa ser planificado. Após a planificação, cortou-se 3 círculos de 98 mm de diâmetro e os perfurou

várias vezes, como representado na Figura 3 (a), utilizando uma broca de 2mm. Colou-se os círculos

como base dos canos de PVC. Após os canos de PVC serem devidamente colados, iniciou-se a

construção da base e do topo, como mostrado na Figura 3 (b). O cubo foi construído com arestas de 15

cm sendo que no lado superior manteve uma abertura circular de 120 mm de diâmetro para encaixe da

peça de PVC de 20 cm de altura. O esquema da montagem final pode ser visto na Figura 3 (b). Para o

encaixe das peças do cubo, usou-se cola para madeira e parafusos. Para o encaixe do cano PVC com a

peça de MDF foi usada resina epóxi. Foi necessário a construção de duas peças iguais a essa, uma para

a base e outra para o topo. Porém no cubo da base, em seu interior, colocou-se uma lâmpada

incandescente de 100 Watts para agir como um trocador de calor e aquecer o fluido de entrada.

Portanto, dois pedaços de cano PVC foram fixados na base e no topo, sendo um móvel, o encaixe

deles foi dado por luvas, como na Figura 3 (c). Ao final do desenvolvimento, o leito ficou na forma

representada pela Figura 3 (d).

Figura 3 – Montagem do Leito fluidizado

Fonte: (Realizado pelos autores)

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3.2. Moagem

A moagem foi realizada de duas maneiras, a primeira foi realizada no moinho de rolo dentado

da empresa casa OLEC; e a segunda, foi realizada em um triturador doméstico, onde 100g de bagaço

foram moídos durante 1 minuto.

Com o intuito de comparar a granulometria dessas diferentes moagens como a granulometria

da farinha de trigo, 50g de bagaço de malte de cada um dos testes e 50g de farinha de trigo foram

peneirados em um jogo de peneira Tyler #9 (2,000 mm), #16 (1,000 mm), #28 (0,600 mm), #35 (0,425

mm) e #100 (0,150 mm).

3.3. Análise Físico-Química

Para caracterização físico-química da farinha obtida foram realizados ensaios para

determinação de carboidratos, lipídeos, umidade, cinzas (minerais), proteínas e fibras.

3.3.1. Determinação do teor de umidade

Para a determinação da umidade foi utilizada a metodologia proposta por SILVA, 2013a. Para

realização do citado ensaio foi necessária uma estufa sem circulação de ar com controle digital de

temperatura, pinça e placa de Petri. Com a ajuda de uma balança analítica, foi feita a determinação da

massa da placa e depois adicionou-se uma quantidade de 3,0g da farinha de malte. Transferiu-se

ambos para a estufa durante um período de 60 minutos e depois a amostra foi levada para um

dessecador até atingir a temperatura ambiente. Com a balança analítica, a nova massa de farinha foi

anotada e a porcentagem de umidade foi determinada a partir da equação (1), como descrito em

SILVA,2013a.

( )

(1)

Onde:

= Massa inicial de amostra

= Massa final de amostra

3.3.2. Lipídeos

Para determinação da concentração de lipídeos utilizou-se a metodologia proposta por Blight

& Dyer. Foram realizadas extrações a frio utilizando metanol, clorofórmio e água (MCA), na

proporção 1:2:0,8 (v/v). Posteriormente, a fase contendo clorofórmio e gordura foi isolada e levada

para quantificação do teor de lipídeos (BLIGHT,1959).

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Para determinação do teor de lipídeos utilizou-se um funil de separação onde foram

adicionadas 2,5 g de amostra e 38,00 mL de solução MCA. Agitou-se por 10 minutos, permitindo a

liberação do gás formado pela solução durante este tempo. Adicionou-se mais 10 mL de clorofórmio e

10 mL de solução de sulfato de sódio 1,5% (p/v) e agitou-se por mais 2 minutos. Ao final, recolheu-se

a fração inferior no funil. Retirou-se uma alíquota de 5mL. O peso do óleo na alíquota foi mensurado

através da equação (2).

(2)

Sendo,

=Peso do Óleo na alíquota pesada;

=Peso do Óleo na amostra total;

O teor de lipídeos foi obtido pelo mesmo método citado anteriormente, mas utilizando a

equação (3) (BLIGHT, 1959).

(3)

Onde,

= Gramas de Lipídeos Totais em 100g da amostra, ou seja, valor percentual desse nutriente;

3.3.3. Cinzas

Para a determinação do teor de cinzas, em um cadinho de porcelana pesou-se aproximadamente

2 g do bagaço de malte (SILVA,2013b). Carbonizou-se então a amostra em mufla em uma

temperatura de 600ºC por 2 horas. Retirou-se da mufla o material e deixou resfriar em um dessecador,

até atingir a temperatura ambiente. A quantificação do teor de cinzas foi realizada através da equação

(4) (SILVA,2013b), partindo do princípio de que em uma carbonização em alta temperatura, o

material restante é totalmente composto pelos minerais (cinzas).

(4)

Onde,

= massa de bagaço antes da carbonização;

= massa de bagaço depois da carbonização;

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Com isso, a quantidade percentual de cinzas na amostra pode ser mensurada através da

equação (5):

(5)

3.3.4. Proteínas

O método de Kjeldahl foi escolhido para quantificar o teor de proteínas no resíduo do bagaço

de malte. Com um bloco digestor, bureta, destilador de nitrogênio Kjeldahl e pipetas, o teste foi

efetuado. Para o cálculo da concentração de proteína foi utilizada a equação (6) segundo

(CAPOBIANGO, 2018):

(6)

Onde,

= Volume em mL de titulante;

= Concentração molar de HCl;

= Miliequivalente grama de nitrogênio;

= Peso da amostra;

= Percentagem de Proteínas Brutas;

3.3.5. Fibras

A determinação do teor de fibras foi realizada utilizando o método proposto por Henneberg,

1864. Pesou-se 1,00 g da amostra e transferiu 0para erlenmeyer, em seguida, adicionou-se 50 mL de

H2SO4, na concentração de 0,15 mol/L, ocorrendo uma digestão ácida. Deixou-se esfriar e, em

seguida, adicionou à amostra uma solução de 25 mL de NaOH (1,5 mol/L) para a digestão básica. Por

fim, a quantidade centesimal de fibras foi calculada tendo como referência a massa pesada de resíduo

de grão de Bagaço de Malte colocada anteriormente no erlenmeyer, na equação (7):

(7)

Sendo, mamostra, a massa do grão antes da digestão ácida e digestão básica.

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3.3.6. Carboidratos

O teste para quantificação de carboidrato na amostra é realizado após todos os outros ensaios

terem sido realizados. O cálculo aconteceu de forma que a quantidade de carboidratos foi dada pela

diferença da massa total pela soma numérica de todos os testes. Este raciocínio é evidenciado na

equação (8).

(8)

Sendo:

PB = Quantidade Porcentual de Proteínas;

U = Quantidade Porcentual de Umidade;

Cz= Quantidade Porcentual de Cinzas;

LT = Quantidade Porcentual de Lipídeos;

FB = Quantidade Porcentual de Fibras.

3.4. Teste de aceitação

Para realização deste teste foram preparados pães, feitos através de uma receita padrão, na

qual foram utilizadas diferentes quantidades de farinha de malte, conforme Tabela 3:

Tabela 3 – Quantidades de farinha de malte

Amostra Farinha de malte

1 0%

2 10%

3 20%

4 30%

Fonte: (Realizado pelos autores)

As amostras, que foram codificadas e entregues à 227 entrevistados, foram avaliadas em uma

escala hedônica, como mostrada na Figura 4, para os fatores sabor, aroma, textura, visual e

aceitabilidade.

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Figura 4 - Escala Hedônica

Fonte: (Adaptado - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)

O resultado final pode ser avaliado de duas maneiras. Caso o somatório das porcentagens de

―Gostei‖ e ―Adorei‖ somem 85% ou mais, o produto foi aceito pelos entrevistados. Outra forma de

analisar, é calculando a média dos dados avaliados e comparar ao pão padrão (sem adição do bagaço

de malte).

4. Resultados e Discussão

4.1. Secagem

Os testes foram realizados em triplicata, obtendo os resultados apresentados na Tabela 4:

Tabela 4 – Processo de secagem

Tempo (min)

Estufa sem

circulação

(100°C)

Banho de areia

(100°C)

Estufa com

circulação

(100°C)

Leito fluidizado

(37°C)

Massa de bagaço de malte (g)

0 100,2 100,3 100,2 99,9

30 78,1 68,1 58,4 73,8

60 48,5 45,9 37,1 49,8

90 34,7 35,2 34,4 40,8

120 34,2 34,4 34,4 37,2

Fonte: (Realizado pelos autores)

Como é possível notar, todos os equipamentos apresentaram uma perda de massa de água

muito semelhante no tempo decorrido estudado. É importante notar que para secagem de quantidades

maiores do que a testada, os equipamentos mais indicados seriam a estufa com circulação de ar e o

leito fluidizado, uma vez que nestes equipamentos não há a saturação do ambiente.

4.2. Moagem

Como apresentado anteriormente, a moagem do bagaço de malte foi realizada de duas formas

diferentes. Os resultados desse teste se encontram na Tabela 5:

Tyler Abertura Malte não moído Moinho de rolo Triturador Doméstico Farinha de trigo

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136

Tabela 5 – Teste de granulometria

Fonte: (Realizado pelos autores)

O moinho de rolo dentado não apresentou uma granulometria adequada para a utilização da

farinha, fato que não ocorreu durante o uso do triturador doméstico, que apresentou resultados bem

satisfatórios, sendo o que mais se aproximou dos resultados obtidos da granulometria farinha de trigo.

4.3. Umidade

A partir da metodologia de SILVA, 2013a e da equação (1) a quantidade de umidade da

farinha de malte foi determinada e com resultado obtido de 0,9724 g. A umidade relatada representa

toda a água presente no interior do bagaço de malte que não pôde ser retirada mediante os métodos de

secagem.

4.4. Análises físico-químicas

Comparando os resultados obtidos por este artigo com os resultados obtidos na base seca com

MAYER, 2007 e Cordeiro,2011 têm-se na Tabela 6.

(mm) dentado

Massa

(g)

Porcentagem

(%)

Massa

(g)

Porcentagem

(%)

Massa

(g)

Porcentagem

(%)

Massa

(g)

Porcentagem

(%)

#9 2,000 45,03 90,06 7,86 15,73 0,21 0,43 0,00 0,00

#16 1,000 4,75 9,50 28,93 57,86 0,75 1,50 0,00 0,00

#28 0,600 0,22 0,43 6,15 12,30 8,76 17,52 0,00 0,00

#35 0,425 0,00 0,00 2,62 5,24 9,29 18,59 0,00 0,00

#100 0,150 0,00 0,00 3,73 7,46 22,86 45,73 37,80 74,85

Coletor -0,150 0,00 0,00 0,71 1,41 8,12 16,24 12,70 25,15

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137

Tabela 6 - Comparação com outros artigos

Porcentagem média

Parâmetros Autores Mayer, 2007 Cordeiro, 2011

Lipídeos 6,24 2,90 8,52

Cinzas 2,08 1,90 4,52

Proteínas 15,43 12,60 18,82

Fibras 18,17 22,20 13,95

Carboidratos 58,08 60,40 54,19

Fonte: (Realizado pelos autores)

Percebe-se, através dos dados apresentados na tabela 7, que os valores encontrados,

convertidos para base seca, corroboram com os resultados encontrados por Mayer et al (2007) e

Cordeiro et al (2011), validando os cálculos e a realização das metodologias utilizadas. As diferenças

apresentadas entre os valores obtidos neste estudo e os outros artigos são perfeitamente

compreensíveis quando se sabe que a composição centesimal do bagaço de malte é função de diversos

fatores, tais como: variedade da cevada, o tempo de colheita, os cereais utilizados na maltagem, o

processo tecnológico empregado na cervejaria, dentre outros.

4.5. Análise Sensorial

Para a análise sensorial, um total de 228 votos foram analisados. Os resultados obtidos para o

teste hedônico estão representados na Figura 5, demonstrando o nível de aceitação de cada tipo de pão.

Figura 5 - Teste Hedônico

Fonte: (Realizado pelos autores)

Percebe-se uma grande preferência para o pão com concentração de 20% de bagaço de malte.

Através dos dados obtidos, é possível afirmar que os pães que apresentavam 10% e 20% de farinha de

bagaço de malte foram aceitos pelos entrevistados.

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5. CONCLUSÃO

A partir dos testes de secagem, realizados, é possível inferir que todos equipamentos

analisados apresentaram uma eficiência semelhante para as condições testadas. Apesar disso, como o

leito fluidizado apresenta um porte menor que dos outros equipamentos e devido ao seu menor gasto

energético, este se apresenta como a melhor alternativa para o processo em questão.

Além disso, é possível aferir que a caracterização físico-química do trabalho feito foi realizada

com êxito, estando de acordo com os dados na literatura e tendo uma concordância entre os valores. O

bagaço de malte se mostrou um insumo interessante para a alimentação humana devido,

principalmente, ao seu alto teor de fibras e carboidratos.

A análise da aceitação do produto formado apresentou altos índices de aprovação

demonstrando que a farinha malte pode ser utilizada como um aditivo alimentar.

6. REFERÊNCIAS

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142

USO DA RMN PARA O CONTROLE DE QUALIDADE NA INDÚSTRIA CERVEJEIRA

Flores, Igor Savioli1*

Annunciação, Daniel Luiz Rodrigues da2

Souza, Tainá Francisca Cordeiro de3

Jesus, Lázaro Sátiro de4

Lião, Luciano Morais5

Resumo: A técnica de Ressonância Magnética Nuclear é muito versátil na identificação de diferentes

espécies químicas. Há algum tempo vem sendo relatado o seu uso na análise de alimentos e bebidas,

como a cerveja, em que pode avaliar a matéria-prima, processo de produção e controle de qualidade. O

presente trabalho ilustra esta capacidade identificando aminoácidos essenciais e não essenciais,

carboidratos fermentescíveis ou não, ácidos orgânicos, álcoois superiores e outros, em diferentes

estilos de cervejas comercializadas na Cidade de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil. Além disso, foi

realizada a identificação do perfil conforme o armazenamento e aminoácidos gerados conforme o tipo

de malte, pela extração em ultrassom. Os resultados mostram que a RMN de ¹H aliada ao processo de

produção é de grande valia para evitar problemas de qualidade da matéria-prima, monitoramento das

etapas e outros. Assim, ilustra brevemente as vantagens que podem ocorrer através da parceria com

instituições públicas de ensino, que apresentam um aporte instrumental maior, com o desenvolvimento

de processos do setor privado.

Palavras chaves: RMN, cerveja especial, maltes, controle de qualidade

1. Introdução

Nos últimos anos, devido ao crescimento do mercado nacional cervejeiro houve uma demanda

por produtos de estilos diferenciados e com elevada qualidade, capazes de atender consumidores cada

vez mais exigentes. Desta forma, essa demanda tem exigido dos fabricantes conhecimento do perfil

químico dos seus rótulos, bem como um rigoroso controle de qualidade da matéria prima, da água de

produção e das etapas envolvidas no preparo.

Neste sentido a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) desponta como uma valiosa ferramenta

analítica para identificação e quantificação de substâncias de interesse. O seu princípio se baseia nas

medidas de absorção de radiação eletromagnética por parte de núcleos atômicos na região de

radiofrequência (4 a 750 MHz), sendo necessário expor as amostras a diferentes teslas de campo

magnético (MACOMBER, 1998; MENDHAM, DENNEY, et al., 2002; PAIVA, LAMPMAN, et al.,

2010).

1Químico. Prof. Dr. do Instituto Federal de Goiás - IFG, Campus Luziânia – GO, Brasil. [email protected]

2Químico. Prof. Dr. do Instituto Federal de Goiás - IFG, Campus Luziânia – GO, Brasil.

[email protected] 3Engenheira de Alimentos. Acadêmica do curso de mestrado na Engenharia de Alimentos da Universidade

Federal de Goiás - UFG, Campus Goiânia – GO, Brasil. [email protected] 4Engenheiro de Alimentos. Acadêmico do curso de doutorado na Engenharia de Alimentos da Universidade

Federal de Goiás - UFG, Campus Goiânia – GO, Brasil. [email protected] 5Químico. Prof. Dr. da Universidade Federal de Goiás, 74690-900, Goiânia, GO, Brasil. [email protected]

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Diversos estudos empregam a espectroscopia de RMN para análises de espécies orgânicas na

indústria alimentícia, haja vista que isótopos como 1H,

13C e

31P, são sensíveis a essa técnica e muito

comuns na composição química dos alimentos (HILLS, 2010; LULIANELLI e TAVARES, 2011;

MINOJA e NAPOLI, 2014; LACHENMEIER, 2016; SUNDEKILDE, JARNO, et al., 2018;

CONSONNI, POLLA e CAGLIANI, 2018).

Assim, para análises envolvendo cerveja e sua matéria prima, a literatura descreve a

versatilidade e riqueza de dados fornecidos. Como exemplo se pode citar aplicações em que o método

foi utilizado para distinguir, através do perfil químico das cervejas, as regiões dos países de fabricação,

como também diferenciarem marcas, rótulos e tipos de insumos (MARTIN, BENBERNOU e

LANTIER, 1985; LACHENMEIER, FRANK, et al., 2005; LACHENMEIER, 2016; JEONG, CHO e

KIM, 2017). Além disso, da mesma forma em que foram determinados compostos orgânicos, é

possível também quantificar espécies inorgânicas, como cátions metálicos (Na+, K

+, Ca

2+. Mg

2+) em

água mineral, mostrando a versatilidade da RMN (MONAKHOVA, KUBALLA, et al., 2017).

Também merece destaque o fato de que as análises podem ser realizadas em matrizes sólidas (lúpulos,

maltes e etc.) sem qualquer etapa de preparo. No caso de matrizes líquidas, como as cervejas, são

necessárias apenas retirar o gás carbônico pelo auxílio do ultrassom e posterior adição de solução

tampão. Isso é uma grande vantagem frente a outros métodos instrumentais, como a cromatografia, em

que a etapa de preparo das amostras demanda tempo e grandes volumes de solventes, além de gerar

quantidades significativas de resíduos tóxicos e necessitar de um monitoramento em relação às perdas

dos analitos.

Portanto, torna-se evidente a aptidão da espectroscopia de RMN para emprego nos processos

de controle de qualidade da indústria cervejeira, onde pode atuar na caracterização e escolha da

matéria prima, no controle e identificação das espécies formadas ao longo dos processos e qualidade

do produto final. Observa-se também que as informações permitem determinar a ocorrência de

fraudes, tendo em conta que os resultados são capazes de diferenciar regiões de fabricação, estilos,

marcas, tipos de insumos e adição de adulterantes.

2. Objetivos

O objetivo deste estudo foi investigar as potencialidades de emprego da

Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) no controle de qualidade na

indústria cervejeira.

3. Materiais e métodos

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144

As etapas envolvidas nesse estudo consistiram em análises de RMN para: (a)

caracterização dos principais compostos químicos presentes em treze estilos de cervejas; (d)

avaliação do perfil de degradação da cerveja em decorrência do armazenamento em cerveja

não pasteurizada e (c) identificação do perfil de aminoácidos presentes em extratos de

diferentes tipos de malte.

A seguir serão descritos os métodos utilizados para o preparo de amostras e condições

experimentais para as análises por espectroscopia de RMN.

3.1. Preparo das Amostras

3.1.1. Perfil químico conforme estilos de cerveja

Foram utilizadas amostras de cerveja especiais diversas comercializados na Cidade de

Goiânia, Estado de Goiás, Brasil. Os estilos avaliados são: 1. American Lager, 2. Belgian

Blond, 3. American India Pale Ale, 4. Sour, 5. Belgian Strong Golden Ale, 6. Strong Pale Ale,

7. American Wheat, 8. Munich Helles, 9. Hefe Weissbier, 10. Saison, 11. Imperial Stout, 12.

Session India Pale Ale e 13. Belgian Dark Strong Ale.

Assim, as garrafas foram abertas no dia da análise, sendo retiradas alíquotas de 500 μL

para desgaseificação em banho ultrassom por 10 minutos. Logo em seguida, 200 μL de

amostra foram solubilizadas em 400 μL de solução com água deuterada (D2O) e padrão

Trimetilsililpropionato de sódio (TSP) 0,1% (V/V).

3.1.2. Degradação com o tempo de armazenamento

Para investigação de possíveis alterações na composição química da cerveja em função do

armazenamento, foi utilizada a cerveja estilo Imperial India Pale Ale produzida artesanalmente pelo

método all-grain. Assim, análises foram realizadas em amostras de cerveja recém produzida e após 2

meses. O procedimento de preparo de amostras foi o mesmo utilizado para estudo da composição

química de cervejas, descrito no tópico anterior.

O intuito foi mostrar alterações no perfil químico quando a cerveja é comercializada como

―cerveja viva‖. Este procedimento pode ser empregado na otimização do processo de pasteurização

identificando qual a melhor condição para minimizar a alteração da cerveja neste processo, além de

garantir a manutenção das características após o armazenamento.

3.1.3. Perfil de aminoácidos obtidos com a extração de maltes em ultrassom

Os maltes foram adquiridos no comércio de Goiânia-GO e os tipos analisados foram: Arome,

Biscuit, Black, Café, Cara Blend, Cara Clair, Cara Gold, Cara Ruby, Cevada Torrada, Chocolate,

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Crystal, Maris Olter, Melano, Melano Light, Munich Light, Pale Ale, Piastatic, Pilsen, Rye, Special B,

Spelt, Viena, Wheat Blanc, Wheat Crystal, Wheat Munich Light.

No intuito de verificar os principais componentes presentes em diferentes tipos de malte,

amostras desses foram homogeneizadas, sendo posteriormente retirada uma porção de 100 mg para

moagem, realizada com auxílio de almofariz e pistilo. Logo após, 100 mg desse material foi

adicionado a 600 μL de D2O para a extração em banho de ultrassom com aquecimento por 30 minutos.

A seguir, a mistura heterogênea foi centrifugada por 8 minutos, sendo retirado o sobrenadante para a

análise por RMN. Assim, foi usado capilar de vidro para a quantificação pelo sinal do Ácido Maléico

presente em solução 100 mmol.

3.2. Aquisição e processamento dos dados de RMN

As amostras foram analisadas em tubos de RMN de 5 mm, utilizando sonda Broad Band

Inverse – BBI, inserida em um equipamento Bruker Avance III 11,75 T. A sequência de pulsos usada

em ambos os casos foi a noesypr1d para a supressão do sinal da água. Os espectros foram processados

com line-broadening de 0,3 Hz e recurso zero-filling.

As análises quimiométricas foram realizadas no software AMIX Statistics versão

3.9.14 da Bruker. Foram usados buckets de 0,01 ppm avaliando as variáveis entre 3,1 a 4,2

ppm, região que compreende diversos sinais de carboidratos.

4. Resultados e discussão

4.1. Perfil químico conforme estilos de cerveja

Através das análises de RMN foi possível identificar os compostos químicos de grande interesse para

avaliação de qualidade da cerveja, sendo alguns desses apresentados na Figura 1, através dos espectros

de ¹H das amostras que representam os estilos American Lager e Belgian Blond.

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Figura 1. Espectros de RMN de ¹H das amostras American Lager e Belgian Blond com a identificação de alguns

componentes orgânicos presentes na matriz cerveja. Sendo: (1) Alanina, (2) Ácido acético, (3) Glicose, (4)

Maltooligossacarídeos, (5) Tirosina, (6) Fenilalanina e (7) Feniletanol

Deste modo é possível identificar nos espectros os compostos: Alanina, Ácido acético,

Glicose, Maltooligossacarídeos, Tirosina, Fenilalanina e Feniletanol. A presença desses na matriz

cerveja também é descrita em alguns estudos em que a técnica foi utilizada como método instrumental

de análise (RODRIGUES e GIL, 2011; EDWARDS, 2016; JOHNSON, SOPRANO, et al., 2017).

O feniletanol está presente em boa parte das essências naturais e seu aroma floral de rosas dá

complexidade ao sensorial à cerveja (VIGNOTO e SCHNEIDER, 2015). Já a fenilalanina é um

aminoácido essencial, ou seja, não é produzido no organismo e deve ser obtida através da dieta

alimentar. Ao contrário deste aminoácido, a tirosina e a alanina são sintetizadas no organismo

humano, sendo que a tirosina pode ser encontrada em abundância em alimentos ricos em conteúdo

protéico, como amendoin e amêndoas.

Um fator de destaque nos resultados obtidos nos espectros para as amostras de cerveja é a

simetria dos picos, indicando a homogeneidade do campo magnético no qual os analitos são

submetidos para absorção de radiação eletromagnética. Além disso, o fato dos picos não se

apresentarem de forma sobreposta sugere a seletividade, ou seja, o método instrumental é capaz de

determinar esses compostos, em diferentes tipos de cerveja, sem a presença de interferentes.

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Do ponto de vista quantitativo, também é importante destacar que os valores de integração dos

sinais nos espectros de RMN são proporcionais à concentração dos compostos. Deste modo, na Tabela

1 se encontram as proporções entre as concentrações de aromáticos, alifáticos e carboidratos,

identificadas nas 13 amostras de cerveja.

Tabela 1. Proporção relativa das áreas dos sinais compreendidos em regiões específicas dos

compostos orgânicos.

Essas espécies representam um conjunto de substâncias responsáveis pelas características

organolépticas das cervejas. Desta forma, torna-se evidente a capacidade da RMN em avaliar o perfil

de concentração desses compostos de interesse (antioxidantes, aminoácidos, carboidratos e etc.) para

avaliação da qualidade dos produtos.

Analisando a Tabela 1 é possível observar que a American Lager apresentou as menores

concentrações em toda faixa espectral indicando uma cerveja com menos corpo e menor quantidade de

extrato. A Belgian Blond apresentou uma maior quantidade de Glicose residual, juntamente com a

Saison e Belgian Dark Strong Ale. Isso pode ser observado na Figura 2, onde são apresentados os

espectros sobrepostos para as 13 amostras e os sinais ampliados para a Glicose.

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Figura 2. Sinais ampliados em destaque correspondentes a Glicose nos espectros sobrepostos para as treze

amostras de cerveja.

A importância dessa avaliação se deve ao fato de que a cerveja pode ter identificado as fontes

que contribuem para o seu conteúdo calórico. Assim, a presença de carboidratos como a Glicose pode

ser corrigida em uma cerveja menos calórica ou monitorada a sua presença para chegar a uma

característica esperada para o atendimento a um determinado estilo. No que diz respeito às Dextrinas,

a Tabela 2 mostra os valores de integração das classes. Lembrando que estas são diretamente

proporcionais à concentração.

Tabela 2. Proporção relativa das áreas dos sinais referentes a quatro classes de dextrinas nas cervejas

investigadas.

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De acordo com a Tabela 2, o estilo Saison foi a que apresentou a menores valores entre as

quatro classes de dextrinas. Os valores mostram que a dextrina α (14) apresentou baixíssima

proporção em relação às demais. Por outro lado, os valores mais elevados para as quatro classes foram

determinados para o estilo Belgian Dark Strong Ale.

Esse perfil de dextrinas pode ser usado para o controle do processo de mosturação, onde se

espera semelhança nos resultados de lotes referentes à mesma receita, cuja fonte de carboidratos seja

idêntica. Neste sentido, uma investigação dos sinais na região de carboidratos foi realizada para

análise multivariada dos dados. Esses resultados são apresentados na Figura 3.

Figura 3. A) Gráfico tridimensional de PCA gerado a partir do perfil de carboidratos e B) espectros das amostras

com perfis de carboidratos mais similares.

Assim, foi verificada a concordância dos resultados observados na análise de componentes

principais – PCA, com o perfil atribuído pelas integrações de sinais das dextrinas. No gráfico

tridimensional de PCA da Figura 3A, pode-se observar que as amostras com perfis de carboidratos

mais distintos são as que se encontram mais distantes da origem dos eixos (PC1, PC2 e PC3) e

também distantes entre si. Ainda na Figura 3A, percebe-se que as amostras destacadas com um círculo

vermelho (American Wheat, Hefe Weissbier e Session IPA) são aquelas que apresentaram similaridade

devido ao tipo de malte usado na sua produção. Na Figura 3B essa similaridade é confirmada pelo

perfil espectral obtido individualmente para estes três exemplares.

Porém, apesar da cerveja Session IPA não ser produzida com malte de trigo, é percebido que

este foi usado na produção e está de acordo com a descrição presente no rótulo. Cabe ressalta que esta

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semelhança demonstrada na Figura 3 ocorreu apenas nesta região do espectro e em compostos

presentes em maior proporção.

Portanto, a análise da região espectral de carboidratos é muito útil para a diferenciação dos

estilos, tendo uma boa distância entre os pontos que representam as cervejas de cada estilo. Assim, é

possível visualizar as alterações no perfil conforme as características do estilo através de gráficos de

mérito gerados na análise quimiométrica. Contudo, essa estratégia não pode ser usada para diferenciar

estilos que se diferenciam principalmente pelo perfil de lúpulos.

Outro aspecto observado nos espectros das amostras American Lager, American IPA (Fruta),

American Wheat e Hefe Weissbier é a presença de um sinal em 9,6 ppm descrito pela literatura como

sendo do Acetaldeído. A formação desse composto durante antecede o etanol, e sua presença sugere a

necessidade de maior tempo de maturação (RODRIGUES e GIL, 2011).

Em relação aos ácidos orgânicos, a Figura 4 apresenta o espectro da cerveja estilo Sour, com

os sinais do ácido lático em destaque. Na mesma é possível verificar que os sinais são muito intensos

em relação aos demais o que comprova a sua presença em grande concentração. Este sinal não é

percebido em quantidades apreciáveis nas demais amostras.

Figura 4. Regiões espectrais de RMN de ¹H da cerveja estilo Sour que apresentam os sinais do Ácido Lático e

assinalamento dos grupos responsáveis pelos sinais.

Logo, esses resultados confirmam que a cerveja Sour apresenta, como principal característica,

um perfil de ácidos orgânicos que a difere dos demais estilos. Além disso, observa-se que além do

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Ácido Lático, foi identificada a presença de Ácido Fórmico nas amostras de American Lager, Munich

Helles, Imperial Stout e Belgian Dark Strong Ale, sendo que na última, em maior concentração. A

presença deste pode ser justificada pela torra de maltes onde ele é gerado (JOHNSON, SOPRANO, et

al., 2017).

Para as espécies aromáticas, as amostras de Hefe Weissbier e Saison foram as que

apresentaram maiores concentrações. Os compostos identificados nesta região contemplam, por

exemplo, alguns aminoácidos como a Histidina, Uridina, Triptofano, Fenilalanina e Tirosina. Alguns

são identificados nos espectros da Figura 1. Esses aminoácidos são de grande importância para um

bom andamento da fermentação.

Já os álcoois superiores, na Tabela 3 se encontram as proporções entre as áreas dessas

espécies para os sinais das 13 amostras de cerveja. Esses valores correspondem aos compostos Iso-

Butanol, Iso-Pentanol e 1-Propanol, sendo provenientes de uma inadequada fermentação que

ocasionam alterações no aroma.

Tabela 3. Proporção relativa das áreas dos sinais referentes aos álcoois superiores presentes nas

amostras de cerveja.

Os valores de integração contemplam as áreas dos sinais de álcoois superiores Iso-Butanol,

Iso-Pentanol e 1-Propanol. Para isso foi integrada a região entre 0,85 a 0,91 ppm. Sendo que os

componentes variam as proporções em cada amostra de cerveja. O álcool 2,3-butandiol foi

identificado, mas seu sinal é sobreposto com o sinal intenso do etanol. O 1-propanol apresenta um

sinal em 1,5 ppm, o que permite conhecer a sua concentração de forma isolada.

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Assim, as maiores proporções de álcoois superiores foram determinadas para as amostras

Saison (0,48), Belgian Strong Golden Ale (0,32) e Belgian Dark Strong Ale (0,30). Por outro lado, os

estilos American Lager (0,11), Munich Helles (0,11) e Imperial Stout (0,14), apresentaram os menores

valores.

A presença destes componentes pode indicar a performance da fermentação ou até mesmo o

perfil obtido conforme a cepa de levedura utilizada. Trata-se de uma informação útil para se otimizar

as condições de fermentação/maturação ou mesmo a levedura mais adequada às características

desejadas.

Outra informação de boa relevância é o teor de etanol que foi calculado para todas as amostras

(Tabela 4). A vantagem dessa informação é que se torna uma informação complementar contida nos

dados espectrais. Ou seja, em apenas um espectro de RMN de ¹H, é possível obter dezenas de

informações sobre as características químicas da amostra.

Tabela 4. Teor alcoólico calculado, informado no rótulo e diferença observada.

Os resultados mostram que a diferença média observada entre estes valores é, em média de

0,07%, e o desvio padrão de ± 0,02. Isso pode ser atribuído erro experimental e possíveis interferentes

minoritários que possam apresentar sinal na mesma região de integração. No entanto, devido

`diferença ser muito baixa, pode ser usada na verificação também deste parâmetro durante o

armazenamento. Claro que podemos inferir em alterações significativas somente quando possuírem

valores acima deste.

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4.2. Composição química conforme o armazenamento

Para este estudo os espectros da Figura 5 foram obtidos da cerveja Imperial India Pale Ale

recém produzida e compara com a mesma armazenada durante dois meses sem refrigeração. A região

de sinais que mais apresentou diferença foi a de compostos aromáticos. Destaque para o nucleosídeo

Citidina (9), o aminoácido Uridina (10) e o antioxidante Kaempferol (11), identificados aqui e

descritos na literatura (SIQUEIRA, BOLINI e MACEDO, 2008; RODRIGUES e GIL, 2011).

Figura 5. Espectros de cerveja estilo Imperial India Pale Ale com diferentes tempos de armazenagem.

Além disso, observa-se também na Figura 5 uma variação no teor alcoólico, acrescida com o

tempo de armazenamento. Isto se deve a fermentação de açúcares residuais na presença de leveduras

remanescentes da filtragem.

4.3. Composição química dos tipos de Malte

Nesta parte do estudo, foram analisados maltes de grande demanda em receitas de estilos

comercializados no país. Na Tabela 5 seguem os principais compostos presentes nas análises

realizadas. As identificações dos aminoácidos se deram através de experimentos de RMN e foram

confrontados com a literatura (JOHNSON, SOPRANO, et al., 2017).

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Tabela 5. Composição química de Aminoácidos em diferentes extratos aquosos de maltes

comercializados no país.

O perfil químico de maltes após extração pode ser usado para atestar autenticidade ou mesmo

e atribuir equivalência entre empresas e marcas diferentes. Na Figura 6 o espectro dos maltes

intitulados como ―Chocolate‖ e ―Cevada Torrada‖ apresentam um perfil químico semelhante.

Figura 6. Espectros de RMN de ¹H de maltes em D2O após 30 minutos de extração em ultrassom.

Os espectros sobrepostos apresentam os sinais se compostos majoritários presentes nos

extratos aquosos, o que evidencia muita similaridade destes componentes. Lembrando que os

compostos minoritários podem alterar as características mesmo em casos de maltes como estes, pois o

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limite de percepção ao sabor percebido na língua, consegue identificar componentes na concentração

de partes por milhão – ppm.

5. Conclusão

A técnica de RMN se mostrou eficiente na identificação de compostos orgânicos presentes nas

cervejas e maltes. Os espectros foram adquiridos de forma rápida e com uma simples etapa de preparo

de amostra. Desta forma foi possível manter as características da matriz evitando transformações

indesejadas.

As análises permitiram uma visão ampla da composição química das cervejas conforme os

estilos e pode ser empregada para aprimorar processos e práticas de produção. A caracterização dos

maltes permite atestar autenticidade e/ou equivalência entre diferentes tipos e fornecedores.

Por outro lado, as análises dos produtos ao longo do tempo permitiram identificar alterações

na composição química, principalmente na região de compostos aromáticos. Sendo assim, esse

trabalho sugere que a RMN de ¹H pode ser utilizada como ferramenta de controle de qualidade na

indústria cervejeira, monitorando as transformações envolvidas em cada etapa do processo.

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