energia escura

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A energia escura BOA PARTE DA ATIVIDADE NEURAL - DE 60% A 80% - OCORRE EM CIRCUITOS NÃO RELACIONADOS A EVENTOS EXTERNOS; CIENTISTAS IDENTIFICAM ESSE PROCESSO C O M A MASSA INVISÍVEL DO UNIVERSO por Marcus E. Raichle I magine que você esteja quase adormecendo numa espreguiçadeira, com uma revista no colo. De repente, uma mosca pousa em seu braço. Você apanha a revista e tenta afastar o inseto com ela. O que aconteceu em seu cérebro depois que a mosca assentou? E o que ocorreu pouco antes? Muitos neurocientistas supõem que boa parte da atividade neural no cérebro em situação de repouso se equipare ao estado controlado, sonolento. Conforme essa hipótese, a atividade no cérebro em repouso representa < nada mais que ruído ocasional, semelhante ao padrão de 2 "chuviscos" na tela de TV quando uma estação está fora i no ar. Então, quando a mosca pousa no seu antebraço, o 2 cérebro se concentra na tarefa consciente de esmagá-la. N o «• entanto, análise recente produzida por tecnologias de neu- s roimagem revelou algo notável: mesmo quando a pessoa | está sentada, sem fazer absolutamente nada, o cérebro está í em grande atividade. = 18 I mentecerebro I Neurociêncía 2 O AUTOR MARCUS E. RAICHLE é professor de radiologia e neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington em Saint Louis. É membro do Instituto de Medicina dos Estados Unidos e da Academia Nacional de Ciências.

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Relação de atividades cerebrais com a massa invisível do Universo

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Page 1: Energia Escura

A energia escura B O A P A R T E D A A T I V I D A D E N E U R A L - D E 60% A 80% - O C O R R E E M C I R C U I T O S

N Ã O R E L A C I O N A D O S A E V E N T O S E X T E R N O S ; C I E N T I S T A S I D E N T I F I C A M ESSE

P R O C E S S O C O M A M A S S A I N V I S Í V E L D O U N I V E R S O

por Marcus E. Raichle

Imagine que você esteja quase adormecendo numa espreguiçadeira, com uma revista no colo. De repente, uma mosca pousa em seu braço. Você apanha a revista e tenta afastar o inseto com ela. O que aconteceu em

seu cérebro depois que a mosca assentou? E o que ocorreu pouco antes? Mui tos neurocientistas supõem que boa parte da atividade neural no cérebro em situação de repouso se equipare ao estado controlado, sonolento. Conforme essa hipótese, a at ividade no cérebro em repouso representa < nada mais que ruído ocasional, semelhante ao padrão de 2

"chuv iscos" na tela de TV quando uma estação está fora i no ar. Então, quando a mosca pousa no seu antebraço, o 2

cérebro se concentra na tarefa consciente de esmagá-la. No «• entanto, análise recente produzida por tecnologias de neu- s ro imagem revelou algo notável: mesmo quando a pessoa | está sentada, sem fazer absolutamente nada, o cérebro está í em grande atividade. =

18 I mentecerebro I Neurociêncía 2

O AUTOR M A R C U S E. R A I C H L E é professor de radiologia

e neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington em Saint Louis. É membro do Instituto de Medicina dos Estados

Unidos e da Academia Nacional de Ciências.

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Neuroimagens mostram que há um

nível persistente de atividade "de

fundo" quando a pessoa está em

repouso; esse modo padrão,

como é chamado, pode ser critico no

planejamento de ações

Acontece que, enquanto sua mente está em descan­so - q u a n d o você sonha acordado em uma cadeira, está ado rmec ido na cama ou anestesiado para cirurgia - , áreas dispersas do cére­bro " c o n v e r s a m " entre si . E a energia consumida por essa ativa troca de mensa­gens é cerca de 20 vezes a usada pelo cérebro quando responde conscientemente a u m a mosca i m p o r t u n a ou a outro est ímulo externo.

A recente descoberta de u m s i s tema cerebra l que

recebeu o nome de "rede do m o d o padrão" ( D M N , sigla da expressão em inglês default mode network) foi fundamenta l para a compre­ensão do func ionamento padrão do cérebro. O papel exato da D M N na organ ização da atividade neural ainda está em estudo, mas se acredita que seja fundamenta l na organização de memór ias e sistemas que precisam de pre­paração para eventos futuros: o sistema motor, por exemplo, t em de estar acelerado e pronto quando sent imos cócegas devido à presença de uma mosca no braço. Cientistas acreditam que cabe à D M N u m papel crít ico na sincronização de todas as partes do cérebro: c o m o corredores numa compet ição de at let ismo, é preciso que estejam "preparadas" quando é disparado o t i ro de part ida. Se a D M N de fato predispõe o cérebro para a at ividade consciente, como se supõe, investigações sobre esse processo deverão levar a pistas sobre a consciência. A lém disso, neurocient istas t êm razões para suspeitar que interrupções do func ionamento

da D M N sejam a base de erros mentais simples e até uma gama de complexas perturbações cerebrais, da doença de Alzheimer à depressão.

A ideia de que o cérebro está constante­mente ocupado não é nova. U m dos primeiros proponentes dessa hipótese foi o psiquiatra alemão Hans Berger, criador do eletroencefalo-grama, que grava a atividade elétrica no cérebro por meio de u m conjunto de linhas ondulatórias sobre um gráfico.

Em ensaios sobre suas descobertas, publ i ­cados em 1929, Berger deduz iu , a part i r das incessantes osci lações elétr icas detectadas pelo apare lho, que " t e m o s de supor que o s is tema nervoso central está sempre - e não só duran te o estado de vigí l ia - n u m estado de considerável a t iv idade" .

Mas as ideias dele a respeito de como o cére­bro funciona foram amplamente ignoradas, mes­mo depois que métodos de captação de imagem não invasivos se tornaram rotina em laboratórios de neurociência. Em primeiro lugar, em 1970, veio a tomografia por emissão de pósitrons (PET, do inglês positron-emission tomography), que mede o metabol ismo da glicose, fluxo sanguíneo e absor­ção de oxigénio como substituto para a extensão da atividade neuronal, seguida em 1992 pela captação de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI, defunctional magnectic resonan-ce imaging), que mede a oxigenação do cérebro com o mesmo propósito. Essas tecnologias são mais que capazes de analisar a atividade cerebral, focada ou não, mas a maioria dos estudos levou inadvertidamente à impressão de que, na maior parte, as áreas do cérebro permanecem tranqui­las até que sejam requisitadas a desempenhar alguma tarefa específica.

C o m o é de esperar, neurocient is tas que fazem experimentos com captação de imagens

Pistas para entender o mundo Pesquisadores já sabem há a lgum ; t empo que do fluxo v i r tua lmente [ inf ini to em torno do cérebro, ape- | nas u m filete de informações vai | para os centros de processamento \ neurológicos. Embora 6 mi lhões | de bits sejam t ransmi t idos através j

do nervo ópt ico, por exemplo, so­mente 10 mi l bits chegam à área de processamento virtual do cérebro; e, destes, apenas algumas centenas part ic ipam da formulação da per­cepção consciente - o que é escas­so demais para gerar uma percep­

ção significativa por si mesma. A i descoberta sugeriu que o cérebro ! provavelmente faz constantes pre- j dições sobre o ambiente externo, ! em antecipação a insignif icantes j impulsos sensoriais que chegam a 1 ele do m u n d o exterior.

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Em descanso tentam esmiuçar c o m precisão as áreas do cérebro que permitem o aparecimento de de­terminada percepção ou conduta. As melhores concepções de estudo para definir essas regiões simplesmente comparam a atividade cerebral durante duas condições relacionadas. Se os pes­quisadores quisessem ver que áreas do cérebro são importantes durante a leitura de palavras em voz alta (a condição de " teste") , em oposição a observar as mesmas palavras si lenciosamente (a condição de "contro le") , por exemplo, eles procurariam diferenças em imagens daquelas duas condições. E, para ver claramente essas diferenças, essencialmente subtrair iam os pi-xels nas imagens de leitura passiva daqueles encontrados na imagem vocal; e aceitariam a suposição de que a atividade dos neurónios nas áreas que permanecem "acesas" seriam as necessárias para ler em voz alta. Qualquer vestígio do que se chama de atividade intrínseca - a atividade constante que fica ao fundo (back­ground actiuity) - seria deixado no chão da sala de montagem. Representar dados dessa maneira facilita a visualização de áreas do cérebro que são "acesas" durante determinado comportamento, como se elas se mantivessem inativas até que fossem requisitadas para determinada tarefa.

Ao longo de anos, no entanto, nosso grupo e outros manifestaram curiosidade sobre o que acontece quando alguém s implesmente des­cansa e deixa a mente divagar. Esse interesse surgiu de um conjunto de pistas provenientes de vários estudos que suger i ram a extensão dessa atividade "por trás da cena".

Uma pista veio com a mera inspeção visual das imagens. As fotos mostravam que áreas em muitas regiões do cérebro se mant inham bem ocupadas tanto nas condições de teste quanto nas de controle. Em parte por causa desse "ruído" de fundo comparti lhado, diferenciar uma tarefa a partir do estado de controle por meio do exame de imagens cruas separadas é difíci l , se não impossível, e isso se consegue apenas com uma sofisticada análise computadorizada de imagens.

Análises posteriores indicaram que desem­penhar determinada tarefa aumenta o consumo de energia do cérebro à razão de menos de 5% da atividade de base subjacente. Boa parte da atividade geral - de 6 0 % a 8 0 % de toda a ener­gia usada pelo cérebro - ocorre em circuitos não relacionados a nenhum evento externo.

Métodos não invasivos, c o m o tomograf ia por emissão de pósi t rons e captação de imagens por ressonância magnética funcional , ini­c ia lmente não capturavam sinais de atividade de fundo no cérebro quando o paciente não estava fazendo nada - e assim forneciam u m quadro impreciso da atividade neural.

N E N H U M A ATIV IDADE, como sonhar acordado

ATIV IDADE F O C A D A , como ler

ANTIGA HIPÓTESE Escaneamentos do cérebro originalmente pareciam sugerir que, em sua maioria, os neurónios permaneciam em repouso até que fossem exigidos para alguma atividade, como ler; nesse ponto o cérebro se "acendia" e despendia energia para emitir os sinais necessários à tarefa.

N E N H U M A ATIV IDADE N O CÉREBRO

ALTA ATIV IDADE N O CÉREBRO

NOVA HIPÓTESE Experimentos adicionais recentes com neuroimagens demonstraram, no entanto, que o cérebro mantém alto nível de atividade, mesmo quando nominalmente "em repouso". De fato, leitura ou outras tarefas rotineiras exigem energia adicional mínima, não mais que um aumento de 5% em relação à que já está sendo consumida quando o cérebro se encontra nesse estado de "linha de base" altamente ativo.

ALTA ATIV IDADE N O CÉREBRO

ATIV IDADE MAIS ALTA N O CÉREBRO

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C O M O o T I R O que faz corredores dispararem na largada de uma competição de atletismo, a rede de modo padrão (DMN, na sigla em inglês) tem papel importante na sincronização de todas as partes do cérebro

Funcionamento de regiões cerebrais

ativadas quando a mente se dispersa

ajuda a compreender distúrbios da

consciência

Com a devida licença dos colegas as t rónomos, nosso grupo deu a essa atividade intrínseca o nome de energia escura do cérebro - referência à energia não visível, mas que representa a maior parte da massa do universo.

A questão da existência dessa energia neural escura t a m b é m surg iu quando observamos quanto é reduzida a in formação dos sent idos que de fato alcança as áreas internas de proces­samento do cérebro. A informação visual, por exemplo, sofre perdas signif icativas ao passar do o lho ao córtex visual.

Felizmente, uma observação intrincada, em­bora casual, feita durante estudos P E T - e mais tarde corroborada por exames de ressonância magnét ica funcional ( fMRI) - abriu caminho para a descoberta da D M N . Em meados dos anos 90, n o t a m o s , por acaso, que, surpre­enden temen te , a lgumas regiões do cérebro

t i n h a m queda do nível de at iv idade a part i r do esta­do de repouso, quando os pacientes desempenhavam alguma tarefa. Essas á r e a s -em part icular uma seção do córtex parietal medial (perto do meio do cérebro, envol­v ida c o m a lembrança de eventos pessoais na nossa

vida) - registraram essa queda enquanto outras áreas estavam empenhadas em executar uma tarefa definida, como ler em voz alta. Perplexos, at r ibuímos à parte que demonstrava o maior índice de depressão a sigla MMPA (medialmys-tery parietal area, em português, área parietal medial de mistér io) .

U m a série de experimentos com PET con­f i rmou então que o cérebro não permanece de­socupado quando não está empenhado numa atividade consciente. De fato, a MMPA, como a maior ia das outras áreas, permanece constan­temente ativa até que o cérebro se concentre em a lguma tarefa nova, e nesse momento al­gumas áreas de atividade intrínseca d im inuem seu r i tmo. No começo, nossos estudos foram recebidos com cet ic ismo. Em 1998 um ensaio nosso sobre essas descobertas foi rejeitado, porque o relato da d iminu ição de atividade se­ria u m erro em nossos dados. Ele sugeriu que, na verdade, os circuitos eram ativados na fase de repouso e desligados durante a realização da tarefa. Out ros pesquisadores, no entanto, reproduzi ram nossos resultados tanto para o córtex parietal medial quanto para o córtex pré--frontal medial (ambas as regiões relacionadas c o m " imag ina r o que outras pessoas estão pensando", bem como com aspectos do nosso estado emocional ) . As duas áreas são agora

22 I mentecérebro I Neurociência 2

Page 6: Energia Escura

consideradas impor tan tes n ichos da D M N . A descoberta nos permi t iu uma nova ma­

neira de considerar a atividade intrínseca do cé­rebro. Até o aparecimento dessas publicações, os neurofisiologistas nunca haviam pensado a respeito dessas regiões como um sistema - do mesmo modo como pensamos nos sistemas visual e motor - , como um conjunto de áreas específicas que se c o m u n i c a m umas c o m as outras com o intui to de permit i r que uma tarefa seja realizada. A ideia de que o cérebro pudesse exibir essa atividade interna ao longo de múltiplas regiões quando em repouso havia escapado à visão tradicional de neuro imagem. Será q u e s ó a D M N apresentava essa proprieda­de, ou ela existia mais genericamente em toda a extensão do cérebro? U m a surpreendente descoberta na maneira c o m o entendemos e analisamos a fMRI deu o espaço de que neces­sitávamos para responder a essas perguntas.

O sinal de fMRI norma lmente é mencio­nado como nível dependente de oxigénio do sangue (Bold, sigla em em inglês de blood oxygen level-dependent). É cons iderado sinal porque o método de captura de imagem se baseia em mudanças no nível de oxigénio no cérebro humano induzidas por alterações no fluxo sanguíneo. O sinal Bold de qualquer área do cérebro, quando observado em estado de acentuado repouso, f lu tua lentamente, c o m ciclos que ocorrem de m o d o geral a cada dez segundos. Flutuações lentas assim foram con­sideradas mero ruído, e dessa forma os dados detectados pelo escâner eram s implesmente eliminados a fim de melhor resolver a atividade cerebral por meio da tarefa em particular, cuja imagem estava sendo capturada.

O descarte dos sinais de baixa frequência foi questionado em 1995, quando o pesquisador Bharat BiswaI e seus colegas da Medicai College de Wisconsin observaram que, mesmo quando um paciente permanecia imóvel , o " ru ído" na área do cérebro que controla os mov imentos da mão direita variava. Isso ocorria em unísso­no com atividade semelhante na área do lado oposto do cérebro associada aos mov imentos da mão esquerda. Recentemente, o pesquisa­dor Michael Greicius e seus colaboradores da Universidade Stanford encontraram as mesmas flutuações sincronizadas na D M N n u m pacien­te em repouso.

A descoberta es t imu lou uma enxurrada de at iv idades em laboratór ios no m u n d o todo , inclusive o nosso. Com isso, a at iv idade in­trínseca dos pr inc ipais s is temas do cérebro foi mapeada. Esses notáveis padrões de ativi­dade apareceram m e s m o sob anestesia geral e durante o sono leve - suger indo que eram uma faceta fundamenta l do func ionamento do cérebro e não apenas ruído.

Com esse trabalho, ficou claro que a D M N é responsável por apenas uma parte, ainda que crítica, da atividade total - e a noção de que u m modo padrão de função do cérebro se estende a todos os sistemas do órgão. Em nosso labora­tór io, a descoberta de u m m o d o padrão genera­lizado veio com u m primeiro exame da atividade elétrica cerebral conhecida c o m o potencia is corticais lentos (SCPs, na sigla em inglês), em que grupos de neurónios "d isparam" aproxima­damente a cada dez segundos. Nossa pesquisa d e t e r m i n o u que as f lu tuações espontâneas observadas nas imagens Bold eram idênticas às dos SCPs: a mesma atividade, detectada por meio de diferentes métodos de pesquisa.

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A rede do modo padrão U m grupo de regiões do cérebro que colaboram entre si, conhecido como rede do modo padrão ( D M N ) , parece ser responsável por boa parte da atividade que ocorre quando a mente não está focalizada e ainda desempenha um papel-chave no func ionamento mental .

POSTO DE COMANDO A D M N consiste em diversas áreas do cérebro amplamente separadas, entre elas as ilustradas abaixo.

HEMISFÉRIO I N T E R N O DIREITO

H E M I S F É R I O E X T E R N O ESQUERDO

Córtex parietal medial

Córtex pré-frontal medial Córtex

pré-frontal medial

Córtex temporal lateral

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Ligações "malfeitas" de áreas do cérebro

podem levar a perturbações que

vão desde doenças degenerativas até

transtornos mentais

Passamos então a exa­minar o propósi to dos SCPs, já que eles se relacionam a outros sinais elétricos neu­rais. Como Berger mos t rou em pr imei ro lugar e mu i tos out ros con f i rmaram desde então, a sinalização cerebral consiste em u m amp lo es­pectro de frequências, que

vão dos SCPs de baixa atividade até mais de 100 ciclos por segundo. U m dos grandes desafios da neurociência é entender c o m o os sinais de diferentes frequências interagem.

A c o n t e c e que os SCPs t ê m u m pape l de te rm inan te . Tanto nosso t raba lho quan to o de outros pesquisadores demons t ram que a a t i v i dade e lé t r ica e m f requênc ias ac ima daquelas dos SCPs sincroniza-se c o m as osci­lações, ou fases, dos SCPs. Como observado recentemente por Matias Paiva e seus colegas da Universidade de Helsinque, a fase ascenden­te de u m SCP produz u m aumento na atividade dos sinais e m outras frequências.

A o rques t ra s in fón ica p ropo rc i ona u m a metáfora adequada, c o m sua integrada " ta­peçar ia" de sons provenientes de mú l t i p los ins t rumentos que tocam no m e s m o r i tmo. Os SCPs equivalem à batuta do regente. Só que, em vez de manter o t e m p o para u m con jun to de ins t rumentos musicais, esses sinais coorde­

nam o acesso que cada sistema cerebral exige para o vasto depósi to de memór ias e outras informações necessárias para sobreviver num m u n d o complexo e em permanente mudan­ça. Os SCPs garantem que as computações corre tas o c o r r a m de mane i ra coordenada, exatamente no m o m e n t o adequado.

Mas o cérebro é ainda mais complexo que uma orquestra sinfónica. Cada sistema especiali­zado - u m que controla a atividade visual, outro que ativa os músculos - apresenta seu próprio padrão de SCPs. O caos é evitado porque os sis­temas são todos diferentes. A sinalização elétrica de algumas áreas do cérebro tem precedência sobre outras. No topo dessa hierarquia situa-se a D M N , c o m o supremo condutor, capaz de garantir que não haja "interferência de sinais". Essa organização não surpreende, já que o cé­rebro funciona como uma espécie de federação de componentes interdependentes.

Ao mesmo tempo, essa intrincada atividade interna às vezes deve ceder às exigências do mundo exterior. A f i m de fazer essa acomodação, SCPs na D M N d im inuem quando há necessi­dade de vigilância, por causa da absorção de impulsos sensoriais novos ou inesperados-por exemplo, você de repente se dá conta de que queria passar na padaria ao voltar de carro para casa. O sistema interno de mensagens SCP se reativa assim que d im inu i a necessidade de atenção focada. O cérebro oscila continuamente

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Consciência e doença A rede do m o d o padrão abrange regiões envolvidas c o m graves perturbações cerebrais. Discerni r prec isamente quais aspectos dessa rede são afetados pela doença de Alzheimer, depressão e ou t ros d is túrb ios ajudará a encont rar novos d iagnóst icos e t ra tamentos .

ALZHEIMER Áreas do cérebro que a t ro f iam c o m a doença se sobrepõem m u i t o próx imas de impor tan tes centros da D M N .

DEPRESSÃO Pacientes apresentam d im inu i ção das co­nexões entre uma área da D M N e regiões l igadas ao processamento da emoção .

ESQUIZOFRENIA Mui tas regiões da D M N demons t ram níveis mais altos de emissão de sinais; a impor tânc ia dessa descoberta ainda está sendo invest igada.

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por causa da necessidade de equilibrar respostas planejadas com demandas imediatas.

Os altos e baixos da D M N proporc ionam uma visão mais próxima de alguns dos mais profundos mistérios do cérebro. A D M N já pro­piciou aos cientistas fascinantes v is lumbres da natureza da atenção, componente fundamental da atividade consciente. Em 2008 uma equipe formada por pesquisadores de vários países relatou que, por meio da observação da D M N , conseguiu antecipar em até 30 segundos n u m escâner um erro que u m paciente ia cometer num teste computador izado. U m erro sobre­viria se, na ocasião, a rede padrão assumisse o controle e diminuísse a atividade em áreas envolvidas com a concentração focada.

No fu turo imediato, a energia escura do cérebro deverá fornecer pistas sobre a natureza do estado de consciência. Como reconhece a maioria dos neurocientistas, nossas interações conscientes são apenas uma pequena parte da atividade do cérebro. O que acontece abaixo do nível de consciência - envolvendo a energia escura do cérebro, por e x e m p l o - d e s e m p e n h a papel crítico para criar o contexto no qual expe­rimentamos a percepção consciente.

Além de oferecer uma visão dos eventos subjacentes à experiência cot idiana, esse es­tudo fornece novas pistas para entendermos importantes doenças neurológicas. E para isso o paciente só precisará permanecer em repouso

dentro do escâner enquanto a D M N e outros nichos de energia escura s i lenciosamente exi­bem suas qual idades.

Esse t ipo de pesquisa já lança nova luz sobre doenças. Estudos de imagens do cérebro desco­briram conexões alteradas entre células cerebrais nas regiões D M N de pacientes com doença de Alzheimer, depressão, autismo e até esquizofrenia. A síndrome de Alzheimer um dia talvez seja carac­terizada como doença da D M N. Uma projeção das áreas cerebrais afetadas por Alzheimer se encaixa com perfeição num mapa das áreas que formam a D M N . Esses padrões não só deverão servir de marcos biológicos para diagnósticos como pro­porcionarão visões mais profundas das causas da doença e das estratégias de tratamento.

Com o olhar voltado para o futuro, pesqui­sadores precisam agora juntar aos poucos o es­quema de como a atividade coordenada entre os sistemas cerebrais (e dentro deles) opera no nível de células individuais - e como a D M N faz com que sinais químicos e elétricos sejam transmitidos através dos circuitos cerebrais. Novas teorias se­rão então necessárias para integrar dados sobre células, circuitos e sistemas neurais inteiros, a f im de produzir um quadro mais amplo sobre como o modo padrão de funcionamento do cérebro atua como organizador principal de sua energia escura. Com o passar do tempo, a energia neural escura pode até ser revelada como a verdadeira essência do que nos faz pulsar. ®

A O R Q U E S T R A S I N F Ó N I C A , com instrumentos que tocam no mesmo ritmo, pode ser uma analogia adequada do funcionamento neurológico: sinais coordenam o acesso que cada sistema cerebral exige para manter um vasto depósito de memórias e outras informações

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P A R A S A B E R M A I S

Improving effect size and power with multi-echo fM RI and its impact on unders-tanding the neural systems s u p p o r t i n g m e n t a l i z i n g . Michael Lombardo. bioRxiv, 2015.

Inffa-siow E E C fluctuations are correlated with resting--state network dynamics in fMRI . Tuija Hi l tunen. The Journal ofNeuroscience 34.2, págs. 356-362, 2014.

Disease and the brain's dark energy. Dongyang Zhang e Marcus E. Raichle, em Notu-re Reviews Neurology, vol. 6, págs. 15-18, janeiro de 2010.

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