revista do cao criminal -nº 15

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PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA Procurador Geral de Justiça CORREGEDORIA GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Corregedor Geral do Ministério Público REVISTA DO CAO CRIMINAL Nº 15 ELABORAÇÃO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça COLABORAÇÃO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE MARIA DO SOCORRO MARTINS CARVALHO MENDO Promotora de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA CIDADANIA NATANAEL CARDOSO LEITAO Promotor de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CÍVEL MARIA DAS GRAÇAS CORRÊA CUNHA Promotora de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CONSTITUCIONAL JORGE DE MENDONÇA ROCHA Promotor de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL FONE: (91) 4006-3505 Sítio: http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/

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Neste número 15 a publicação do CAOCriminal substituiu a nomenclatura anterior (Boletim Informativo) por Revista do CAOCriminal. Tal mudança na linha editorial decorre da necessidade de ampliar o debate relacionado à ciência criminal e sua evolução. Os assuntos deste número inaugural estão em consonância com os novos movimentos penais vividos pelo Brasil e pelo mundo, frente aos novos fenômenos sociais presentes na seara criminal, direitos humanos, direito penal, processual, execução penal e temas correlatos.

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Page 1: Revista do CAO Criminal -Nº 15

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA Procurador Geral de Justiça

CORREGEDORIA GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARÁ GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Corregedor Geral do Ministério Público

REVISTA DO CAO CRIMINAL Nº 15

ELABORAÇÃO

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL

ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça

COLABORAÇÃO

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DA INFÂNCIA

E JUVENTUDE MARIA DO SOCORRO MARTINS CARVALHO MENDO

Promotora de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA CIDADANIA NATANAEL CARDOSO LEITAO

Promotor de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CÍVEL MARIA DAS GRAÇAS CORRÊA CUNHA

Promotora de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CONSTITUCIONAL JORGE DE MENDONÇA ROCHA

Promotor de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL FONE: (91) 4006-3505

Sítio: http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/

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EDITORAÇÃO ELETRÔNICA RICARDO ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE

Auxiliar de Administração

PESQUISA REJANE DE CÁSSIA MACEDO DA SILVA SANTOS

Auxiliar de Administração

ESTAGIÁRIAS DE DIREITO CÉLIA DA E. CAMPOS DE ARAÚJO MENEZES DE ARAÚJO

PRISCILA FOGAÇA

THAÍSSA GOMES DOS SANTOS

CAPA ANDRE LUIZ ANCHIETA

Chefe do Serviço de Artes Gráficas

ÉRIKO MORAES Auxiliar de Administração

APRESENTAÇÃO

Neste número 15 a publicação do CAOCriminal substituiu a nomenclatura anterior (Boletim Informativo) por Revista do CAOCriminal. Tal mudança na linha editorial decorre da necessidade de ampliar o debate relacionado à ciência criminal e sua evolução. Os assuntos deste número inaugural estão em consonância com os novos movimentos penais vividos pelo Brasil e pelo mundo, frente aos novos fenômenos sociais presentes na seara criminal, direitos humanos, direito penal, processual, execução penal e temas correlatos.

As mudanças introduzidas pela Lei n.º 11.313/2006, que trata das

alterações nos Juizados Especiais Criminais, estendeu a competência das Varas Comuns e Tribunal do Júri à aplicação do instituto da transação penal e composição dos danos civis, nas hipóteses de conexão e continência.

Outro ponto relevante é a entrada em vigor das leis federais: “Maria

da Penha” (Lei n.º 11.340/2006) e "Nova Lei de Tóxicos" (Lei n.º 11.343/2006). A primeira, instituiu os juizados especiais para julgamento da violência doméstica, com competência para dirimir os conflitos de natureza civis e criminais, inclusive julgamento dos autores de agressão pelo Tribunal do Júri. Na segunda, dentre as principais inovações destacam-se a descriminalização da figura do usuário e o consentimento (tolerância) do cultivo de substância entorpecente para consumo pessoal. Tais questões e tantas outras que causam profundo impacto na vida da sociedade brasileira e da comunidade jurídica constam desta publicação.

E por fim, agradeço o apoio, colaboração, solidariedade e sobretudo

competência da equipe do CAOCriminal: REJANE MACÊDO, RICARDO ALBUQUERQUE (servidores) e das estagiárias PRISCILA FOGAÇA, THAÍSSA SANTOS e CÉLIA MENEZES.

ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça

Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal

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PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E SUA INAPLICABILIDADE AOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS BENEDITO WILSON CORRÊA DE SÁ Promotor de Justiça, mestre em Direito, Professor da UFPA, Unama e IESP, das disciplinas Direito Processual Penal, Direito Penal e Criminologia, doutorando em Direito. ...........................................................11 ASPECTOS GARANTISTAS NO PROCESSO PENAL MILITAR ARMANDO BRASIL TEIXEIRA Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.....................21 O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL LAURO FRANCISCO DA SILVA FREITAS JUNIOR, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.....................24 LEI 11.313/2006: NOVAS ALTERAÇÕES NOS JUIZADOS CRIMINAIS (I) LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG...................31 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI "MARIA DA PENHA". ALGUNS COMENTÁRIOS MARCELO LESSA BASTOS Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela FDG, doutorando pela UGF, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense) ................................36 ASPECTOS CRIMINAIS DA LEI DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG ALICE BIANCHINI Doutora em Direito Penal pela PUC-SP, Mestre em Direito pela UFSC, Diretora do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal,.................62 LEI DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: RENÚNCIA E REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG

SUMÁRIO

DOUTRINA

ALICE BIANCHINI Doutora em Direito Penal pela PUC-SP, Mestre em Direito pela UFSC, Diretora do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, ................ 69 NOVA LEI DE TÓXICOS: DESCRIMINALIZAÇÃO DA POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG .................. 71 NOVA LEI DE DROGAS: RETROATIVIDADE OU IRRETROATIVIDADE? LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG ROGÉRIO SANCHES CUNHA Promotor de Justiça em São Paulo, Professor da Escola Superior do MP-SP. Professor de Direito penal e Processo penal na Rede LFG ................. 74 ABORTO ANENCEFÁLICO: EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL (II) LUIZ FLÁVIO GOMES Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG .................. 86

LEGISLAÇÃO FEDERAL LEI Nº 11.313, DE 28 DE JUNHO DE 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2º da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal.......................................................................................................... 91 LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.................................................................................................. 93

LEGISLAÇÃO

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LEI Nº 11.341, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Altera o parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil - Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, para admitir as decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive na Internet, entre as suscetíveis de prova de divergência jurisprudencial..........................................................................108 LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. ................................................................109 ATO NORMATIVO FEDERAL RESOLUÇÃO N.º 13, DE 02 DE OUTUBRO DE 2006. Regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências. ...............................................................................................132 LEGISLAÇÃO ESTADUAL LEI Nº 6.459, DE 22 DE MAIO DE 2002. Dispõe sobre o Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Pará, sua finalidade, organização, composição e competência, e dá outras providências.. .............................................................................139 LEI Nº 6.499, DE 30 DE OUTUBRO DE 2002 Autoriza o Estado a firmar convênios com empresas de iniciativa privada, objetivando a utilização de mão-de-obra carcerária, e dá outras providências ................................................................................................147 LEI Nº 6.896, DE 03 DE AGOSTO DE 2006. Proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas no Estado do Pará em horários estabelecidos nesta Lei e dá outras providências. .......................148 LEI N° 6.920, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006. Dispõe sobre a criação na Comarca da Capital dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e dá outras providências................151

ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS PROVIMENTO Nº 005/2006 – CJCI Dispõe sobre o registro da presença, nos termos de audiências, de Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Advogados. ..................... 154 RESOLUÇÃO Nº 017/2006-GP. Dispõe sobre a criação de Juizados Especiais com competência para processamento de crimes ambientais junto às Varas Agrárias do Estado. ................................................................................................................... 155 PORTARIA Nº 2.509/2006-PGJ Disciplina o procedimento investigatório criminal no âmbito do Estado do Pará ............................................................................................................ 157 RESOLUÇÃO nº 008/2006-MP/CPJ, DE 09 DE NOVEMBRO DE 2006 Institui a Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital, altera a Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000, e dá outras providências. ............................. 158

ABORTO ANENCEFÁLICO ...................................................................... 163 DESCUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL ..................................... 167 POSSIBILIDADE DE PROGRESSAO DE REGIME EM CRIMES HEDIONDOS .............................................................................................. 172 PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ......................... 175 INTERROGATÓRIO ON-LINE ................................................................... 180 HIPÓTESES DE ESCUTA TELEFÔNICA ................................................. 182

JURISPRUDÊNCIA

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DOUTRINA

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E SUA INAPLICABILIDADE AOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS

BENEDITO WILSON CORRÊA DE SÁ

Promotor de Justiça, mestre em Direito, Professor da UFPA, Unama e IESP, das disciplinas Direito Processual Penal, Direito Penal e Criminologia, doutorando em Direito.

Quando se fala em crime e sua conseqüente punição, não precisa ir muito longe para considerar que o pilar das teorias absolutas nada mais era do que a exigência de justiça, onde aquele que cometeu o crime era punido. Foi assim e sempre o será. Kant foi seu principal representante e tinha na pena um imperativo categórico. Hegel foi outro de seus expoentes. A priori, é preciso considerar que Hegel contrapunha-se a muitos postulados constantes de sua época e que, contra o princípio da vontade individual, a vontade objetiva seria o racional em si no seu conceito, seja no conhecimento do indivíduo ou na aceitação de seu livre arbítrio.

Não obstante, nesta particularidade do indivíduo estaria constituído o princípio do conhecimento, embora numa individualidade empírica obediente às suas qualidades contingentes, força ou fraqueza, riqueza ou pobreza etc.

Em uma verdadeira contraposição à retórica de Von Haller, Hegel considerava claramente as leis civis e tinha em tese, três meios seguros para se alcançar o fim: a observância pessoal da lei natural; a resistência à injustiça; e, a fuga onde não houver recurso, na necessidade de que os juristas fossem muito maus se comparados com a natureza amiga. Era assim tida a jurisdição não como um dever do Estado, mas sim como um benefício. Binding, Sthal , Kitz e o outros também era adeptos dessa doutrina e, muito embora sob concordâncias e dissensões, tinham na idéia de vingança uma refutação

De fato, o conceito de crime é essencialmente jurídico e nas teorias relativas ou utilitárias ele não constituía a causa da pena, mas sim a ocasião para que ela fosse aplicada. Seus expoentes máximos foram

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Feuerbach (Pai do Direito Penal), Bentham e Romagnosi em obras de caráter utilitário que tinham no Estado a convivência humana. Feuerbach tinha no Estado o papel de impedir o crime, através da coação psíquica e física, por meio da pena. Betham considerava a pena um mal tanto para o indivíduo quanto para a coletividade, embora justificada por sua utilidade.

Já Romagnosi considerava o direito penal um direito de defesa contra a ameaça permanente do crime e o direito, para ele, não preexistiria à sociedade, mas sim a ela sucedâneo, como meio de proteção e tutela e finalidade do direito penal. Já as teorias mistas teriam surgido do entrechoque das duas teorias anteriores e sustentavam a índole retributiva da pena, embora agregada aos fins de reeducação de delinqüente e de intimação. Seu expoente máximo, Pelegrino Rossi aceitava a função utilitária da pena.

As correntes supramencionadas constituíram a Escola Clássica que, fundidas, originaram a chamada Escola Positiva. Os períodos filosófico (ou teórico) e o jurídico (o prático) foram os que se destacaram. No primeiro destacaram-se Casare e Baccaria e no segundo, Carrara, que defendia a concepção do delito como um ente jurídico, constituído pelas forças físicas (o movimento corpóreo e o dano causado pelo crime) e moral (a vontade livre e consciente do delinqüente).

Outra característica da escola é a relativa à pena, que seria o meio de tutela jurídica: o crime seria violação de um direito, portanto, a defesa contra ele deveria encontrar-se no próprio direito, sem o que ele não seria tal. Não poderia ser arbitrária, mas sim regulada pelo dano sofrido pelo direito. Por fim, a imputabilidade moral, outro postulado da Escola Clássica, seria o pressuposto da responsabilidade penal, fundada no livre-arbítrio, e elevado por ela a altura de dogma.

A Escola ou corrente Correlacionista, surgida com Roeder, tinha o direito como um conjunto de condições dependentes da vontade livre, para que o destino do homem fosse cumprido. A pena deveria durar o tempo necessário para que a má vontade do delinqüente fosse corrigida. De fato, tratava-se de uma coerente que preconizaria o direito penal do futuro, já que afirmava não haverem criminosos incorrigíveis e sim incorrigidos.

O positivismo ou a Escola Positiva passa a dominar o pensamento típico do século XIX, tanto como método quanto como doutrina. Como método, seu embasamento se dava na certeza rigorosa dos fatos de experiência como fundamento da construção teórica. Já como doutrina, apresentava-se como revelação da própria ciência, qual seja, como conteúdo natural de ordem geral que a ciência mostra junto com os fatos particulares, como caráter

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universal da realidade, como significado geral da mecânica e da dinâmica do universo.

Neste contexto, procura-se reavaliar criticamente as instituições do Estado Liberal, como o sufrágio universal, o sistema de partidos políticos, a divisão dos poderes do Estado, as liberdades públicas, as garantias individuais, bem como o próprio conceito de democracia, sempre com vistas a proporcionar novos conteúdos. Eram os novos rumos tomados pela filosofia e pela ciência, quando do surgimento da sociologia criminal.

Foi Augusto Comte – considerado o fundador do positivismo - que o emprego de novos métodos no exame científico dos problemas sociais foi preconizado, substituindo as interpretações metafísicas e estabelecendo a autoridade e a ordem pública contra os abusos do individualismo da Escola Liberal, opondo-se, evidentemente, a concepção do direito natural e do pacto social e às doutrinas teológicas. O caminho se daria pelo desenvolvimento das ciências naturais, ou seja, seria exatamente pela observação e pela experimentação que se descobriria as relações permanentes que ligam os fatos, cuja importância é básica na reforma econômica, política e social da sociedade.

Tratava-se de uma escola que proclamava outra concepção do direito, onde este seria resultante da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, em consonância com a lei da evolução. A priori, o ativismo explicaria o delito, onde o criminoso representaria uma regressão a homem primitivo, com sinais de deformações e anomalias anatômicas fisiológicas e psíquicas. Para a escola positiva o crime seria um fato humano, originário de fatores individuais, físicos e morais.

Foi com Ferri, criador da sociologia criminal, que se deu a expansão dos fatores antropológicos, sociais e físicos, quando afirmava que o homem somente é responsável porque vive em sociedade. Os criminosos passaram a ser classificados, tal como na contemporaneidade, surgindo o criminoso louco, o delinqüente habitual o criminoso ocasional e o passional.

De um lado, o positivismo constitui-se em uma filosofia determinista que professa o exprimentalismo sistemático e, de outro, considera anticientífico todo o estudo das causas finais, admitindo, portanto, que o espírito humano é capaz de atingir verdades positivas ou da ordem experimental, embora não resolva as questões metafísicas, não observadas pela experimentação e pela experiência. Como sistema filosófico, a escola positiva busca estabelecer a máxima unidade na explicação de todos os fenômenos universais, estudados sem qualquer preocupação das noções metafísicas e pelo emprego exclusivo do método empírico, ou da verificação experimental. O método indutivo era a sua essência, onde o crime e o

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criminoso eram expostos à observação e à análise experimental, tal como os fenômenos naturais.

Ao contrário dos clássicos, o delito não seria um ente jurídico, mas sim um fato humano, resultante de fatores endógenos e exógenos, que deveriam ser estudados à luz da criminologia, pela antropologia e pela sociologia criminal.

Não se pode, por certo, negar que o chamado positivismo caracterizou-se especialmente pelo impulso que deu ao desenvolvimento de uma orientação cientificista do pensamento filosófico, atribuindo à constituição e ao processo da ciência positiva importância capital para o progresso de qualquer província do conhecimento. Numa verdadeira exclusão de toda intervenção apriorística de noções abstratas e idéias universais, características das ciências sociais à época, o positivismo, em seu foco de regime definitivo da razão humana frente à ação dissolvente da metafísica, surgiu do progressismo, base de todo o desenvolvimento científico predominante do século XIX. Seu precípuo escopo se voltou ao aproveitamento das virtudes do progresso, ou da evolução progressiva, por meio da compreensão racional e científica do problema da ordem, determinando os elementos fundamentais de toda sociedade humana e são inegáveis o mérito da escola, as altas contribuições na luta contra a criminalidade e na elaboração de institutos jurídico-penais.

É frente a esta inovação que aplica o método indutivo das ciências naturais às ciências sociais, num verdadeiro repúdio ao romantismo do laissez-faire, em favor do planejamento social. Desta feita, mesmo enfrentando uma sociedade individualista e liberal, apresenta uma política de paz e amor, substituindo a idéia sobrenatural do Direito pela idéia natural do Dever, negando, de maneira categórica, a própria existência do direito como tal.

Outras escolas também se fizeram presentes no âmbito do conhecimento jurídico, como a também eclética Escola Alemã apregoava a necessidade de estremar o direito penal da criminologia, devendo limitar-se à dogmática dos textos legais. Para Liszt e seus seguidores, a pena teria função preventiva geral e especial, aquela advertindo a todos, esta no instante em que recai sobre o delinqüente.

O crime é, na verdade, o fator humano contrário à lei. É um fato típico e antijurídico. Neste, porém, as antigas doutrinas e as escolas penais estavam certas. Do mosaico do dolo, afora a representação e a vontade, faz parte a consciência do injusto. A culpa é a prática voluntária de uma conduta, sem a devida atenção ou cuidado, da qual deflui um resultado previsto na lei como crime, não desejado nem previsto, mas previsível, do

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mesmo modo que a punibilidade do crime culposo é admitida excepcionalmente, ou seja, quando prevista em lei tal modalidade.

A conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade. Apresenta, assim, algumas características próprias. É um comportamento humano, e sobre isso muitas escolas fizeram confusão em seus aspectos conceituais e elucidação de questões relativas ao crime. Na verdade, não tinham posição filosoficamente definida, mas apenas variações contrastantes, como nos exageros metafísicos da escola clássica e os excessos naturalistas da positiva. No entanto, o tecnicismo jurídico-penal, inspirada no Código Pena italiano, é hoje a que maior influência apresenta na doutrina penal de outros países, mesmo não prescindindo de influências positivistas, como nas questões de periculosidade, o fato humano e social do crime etc. Na realidade, o Tecnicismo Jurídico-Penal é mais uma orientação em direção ao estudo penal, que delimita o objeto de estudo das ciências penais. De fato, o pensar e o querer humanos não preenchem as características da ação enquanto não se tenha iniciado a manifestação exterior dessa vontade. Os aspectos psíquico e mecânico são hoje extremamente considerados e a sanção penal, voltada para todos os cidadãos, pressupõe uma relação de soberania, que se exercita sob a forma de jurisdição.

Por que se pune? Por que o crime é punível? Para uns a razão está na retribuição. A pena equivale ao mal praticado. O réu é apanhado porque delinqüiu. Enquanto perante a retribuição moral a pena é uma exigência ética profunda da consciência humana, conforme a retribuição jurídica, a fundamentação da pena está no âmago do ordenamento jurídico. Se o delito configura uma rebelião ao indivíduo contra o império da lei, exige uma reparação, que venha a reafirmar a autoridade da lei através da pena. Por certo, o que a sociedade preconiza é o direito normativo, que se exterioriza e adquire sua força para atender às exigências individuais e sociais.

Considerando o preceito e a sanção como as partes componentes da norma jurídica, um certamente não pode sobreviver sem o outro, considerando por fato que o Direito Penal possui as mais graves penas de todos os ramos do direito: as corporais, as privativas de liberdade, as restritivas de liberdade, as restritivas de direitos e a pena patrimonial. A pena privativa de liberdade restringe, com maior ou menor intensidade, a liberdade do condenado, consistente em permanecer em algum estabelecimento prisional, e as penas patrimoniais se aplicam exatamente em função de um atingimento ao patrimônio da pessoa.

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A pena restritiva de direito, a que aqui nos interessa mais de perto, vem trazendo em seu bojo alterações recentes que também alteraram as penas privativas de liberdade que merecem destaque. Com advento da Lei n.º 9.714, de 25 de novembro de 1998, alguns dispositivos do Código Penal, parte geral, restaram alterados (art. 43; 44; 46; 47; 55 e 77 CP), inovando sobremaneira as penas restritivas de direitos e, sobretudo, os pressupostos fáticos de sua aplicação. Permitiu o legislador ordinário, com esta nova disposição legal, a substituição de penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos, quando coexistirem os seguintes requisitos, de natureza objetiva e subjetiva: pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e crime não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo (art. 44, inciso I); o réu não for reincidente em crime doloso (art. 44, inciso II); a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (art. 44, inciso III).

Respeitáveis doutrinadores têm se posicionado favoráveis à aplicação do art. 44 do Código Penal à Lei de Crimes Hediondos, quando nos delitos taxativamente declinados nesta Lei Especial forem cometidos sem violência ou grave ameaça e com penas aplicadas inferiores a 4 anos, na forma estabelecida no art. 44, inciso I, com a redação dada pela Lei n.º 9.714/98. Neste sentido, orienta-se Damásio de Jesus e Luiz Flávio Gomes, oferecendo suas sábias palavras:

"Não resta a menor dúvida que, em tese, pela pena aplicada, cabe a substituição da pena de prisão nos denominados Crimes Hediondos, tal como é o caso, do delito de tráfico de drogas, falsificação de alimentos, tentativa de falsificação de remédios etc. (aliás, no que concerne ao tráfico de drogas, há manifestação inclusive do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de sua admissibilidade, em tese, tudo dependendo da pena aplicada - Folha de São Paulo e O Globo, de 25.11.98). Dizer, no entanto, que, pela pena aplicada (concreta) haja possibilidade de substituição não significa que o juiz deva procedê-la em todos os casos: além do requisito objetivo da pena (que não pode ser superior a quatro anos), urge o exame criterioso dos demais requisitos subjetivos...".

É inquestionável que através de um simples critério objetivo de subsunção da nova legislação a situações concretamente existentes no mundo jurídico penal, chegar-se-ia à conclusão preconizada pelo insigne jurista; em

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sentido diverso, entretanto, partindo-se de uma interpretação teleológica e, sobretudo, legalista (art. 12 do CP) do Código Penal e da Lei Especial de Crimes Hediondos, a incompatibilidade deste diploma especial frente à Lei n.º 9.714/98 seria a lógica do sistema.

Com efeito, é notório que o legislador ordinário, para elaborar a lei penal ou estabbelecer determinado regime de cumprimento de pena privativa de liberdade deve, em caráter antecedente, investigar a questão sob duplo enfoque: 1) verificar a existência de bens jurídicos que estão a merecer tutela penal; 2) perscrutar se determinados bens jurídicos já valorados penalmente estão necessitando de uma reavaliação político-criminal, quer através da majoração da pena privativa de liberdade, quer através da fixação de determinado regime de cumprimento de pena. Nesta segunda hipótese, incumbe ao legislador individualizar espécies de delitos de grande potencialidade lesiva para a sociedade para, assim, instituir, legislativamente, diploma legal mais severo e dissuasivo de intentos delituosos.

A Lei de Crimes Hediondos, certamente, foi produto deste criterioso estudo político criminal, onde se constatou a imperiosa necessidade de se proteger a vida humana, a liberdade, física e sexual, a saúde pública e incolumidade física dos indiciados, ante a verificação de crimes de extorsões mediante seqüestro, latrocínios, torturas e tráficos ilícitos de entorpecentes cometidos em número crescente e alarmante, sem que a lei penal estivesse a cumprir característica que lhe é peculiar - prevenção e desestimulação de intentos delituosos. A escalada criminosa deveria, inexoravelmente, ser reprimida a qualquer custo, para restabelecer a credibilidade no sistema penal e a tranqüilidade do cidadão. Jescheck destaca que:

"...el Derecho penal tiene que cumplir de forma directa una función preventiva. Toda pena debe contribuir a consolidar de nuevo en el condenado el respeto al Derecho y a reconducirle, por su próprio esfuerzo u convición, al orden jurídico. El recuerdo de la pérdida de libertad, patrimonio o reputación sufrida con la ejecución de la pena há de servir también al autor como aviso frente a futuros delitos. La pena en su modalidad de privativa de liberdad debe conseguir asimismo una defensa, al menos temporal, de la sociedad frente al autor peligroso. El efecto preventivo de la pena sobre el próprio condenado se conece como "prevención especial. Junto a los efectos de prevención especial que se pretenden obtener con la pena en relación com cada condenado, el Derecho penal tine especiales

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funciones preventivas frente a determinados grupos de autores".

Nesta ordem de argumentação, não é admissível que se pretenda aplicar a Lei nº 9.714/98 nos crimes taxativamente delineados na lei de Crimes Hediondos, na medida em que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é absolutamente incompatível com a natureza dos crimes tutelados pela Lei Especial e, sobretudo, não cumpriria a prevenção especial indissociável da lei penal.

Sob prisma diverso, também deve ser afastada a Lei nº 9.714/98 aos Crimes Hediondos, na medida em que a Lei nº 8.072/90 é especial e incompatível com as normas gerais estabelecidas no Código Penal (arts. 44 e seguintes). Veja, nesta esteira, a dicção legal: "art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso".

Com efeito, prevendo a lei de Crimes Hediondos regime integralmente fechado para cumprimento de pena privativa de liberdade há, sem qualquer dúvida, inaplicabilidade do art. 44 do Código Penal, ante a existência de lei especial incompatível com as regras gerais do estatuto penal. Damásio de Jesus, em sua obra Código Penal Anotado ressalta que:

"Quando o Código e a lei especial ditam regras gerais sobre o mesmo assunto, o conflito aparente de normas é solucionado pelo princípio da especialidade: a regra geral contida na lei especial prevalece sobre a determinada pelo estatuto repressivo. Assim, as normas contidas nos arts. 1º a 120 do CP, mais as não incriminadoras previstas na parte especial, são aplicáveis a toda legislação especial, salvo exceção expressa. Por exemplo: as disposições sobre legítima defesa, estado de necessidade, aplicação da pena, sursis, livramento condicional, extinção da punibilidade etc. se estendem aos crimes eleitorais, contra a economia popular, falimentares, de imprensa etc. Excepcionalmente, quando a legislação penal especial ditar princípio diverso do contido no Código Penal, prevalece aquele. A punibilidade da tentativa, prevista no art. 14, II e parágrafo único do CP, não se estende às contravenções, uma vez que elas, quando tentadas, não são puníveis (LCP, art. 4º)."

Vale lembrar que o art. 12 do CP dispõe que "as regras gerais do Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se este não dispuser de modo diverso". Da interpretação resulta a conclusão no sentido de que as normas gerais descritas nos arts. 1º a 120 do CP são aplicáveis a toda

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legislação especial, salvo exceção expressa. Bem se vê que, o legislador mostrou, de forma inequívoca, que o Direito Penal fora da codificação não representa um corpo estranho em relação ao próprio estatuto penal. Entre as leis penais especiais e as regras contidas na Parte Geral, permeia um vínculo bastante estreito, idôneo a aglutiná-las numa unidade interna.

O texto legal evidencia a realidade dessa união e põe em destaque os dois princípios que estão, logicamente conectados: de um lado: o princípio da primazia do conceito da lei penal especial quando colide com as regras da Parte Geral do Código Penal: de outro, o princípio da supletividade das normas gerais do Código Penal, que os estendem às leis penais especiais se estas se mostram silentes e nada dispõem a respeito. A combinação dos dois princípios lógicos lança, sem dúvida, a ponte que permite relacionar o Direito Penal codificado ao Direito Penal não codificado. Com inteira procedência, já se afirmou a importância capital do dispositivo em exame (Cf. Anibal Bruno, Direito Penal, 1967: 260), máxime em um país como o nosso no qual se editam, com freqüência, leis penais avulsas, carentes de disposições gerais.

A referida norma atende a idéia de unificar, de harmonizar, todo o contexto legislativo penal na medida em que as regras gerais ou comuns se aplicam às matérias regidas pelos preceitos especiais em tudo o que estes não previram ou não se opuseram. Com isso, evita-se enquistamentos de todo intoleráveis e, não raro, injustos.

Sendo indiscutível, portanto, que a Lei de Crimes Hediondos trata-se de Lei Especial e, ainda, que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma preconizada pelo art. 44 do Código Penal, é incompatível com a forma de cumprimento da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado estabelecida naquela legislação especial, não resta dúvida que este dispositivo penal, enquanto regra geral do Código Penal, não estenderá seus efeitos à Lei de Crimes Hediondos, norma especial reguladora da matéria. Entender de modo diverso é negar vigência à Lei Federal - art. 12 do CP e, ainda, extrair da norma especial seu conteúdo preventivo e repressivo.

Jescheck, Hans-heinrich, Tratado de Derecho Penal: parte general, 4ª ed., Granada: Comares, Trad. José Luis Manzanares Samaniego.

JESUS, Damásio. Código penal anotado,. São Paulo: Saraiva, 1999. São Paulo: Revista dos Tribunais, 6ª ed., 1997, p.191.

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CASTRO, Renato de Lima. Lei 9714/98: inaplicabilidade das penas restritivas de direito à Lei de Crimes Hediondos e equiparados. In: Jus Navigandi, n. 31.

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ASPECTOS GARANTISTAS NO PROCESSO PENAL MILITAR

ARMANDO BRASIL TEIXEIRA

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.

A Justiça Militar em razão da sua natureza especial ainda é uma grande desconhecida da maioria da população e até da sábia doutrina brasileira. O Direito Penal Militar e o Processo Penal Militar trilham o mesmo caminho. Estranho soa quando se cogita em garantias no Processo Penal Militar, principalmente quando se leva em consideração que tanto o Código Penal Militar quanto o Código de Processo Penal Militar foram concebidos em um momento histórico avesso ao que se pode denominar garantísmo e por meio de um instrumento que simbolizou o período de exceção que é o Decreto-lei, no entanto apesar de tudo é possível sim analisar e interpretar o Processo Penal Militar a partir dos princípios explícitos e implícitos contidos na lei maior.

De proêmio vale citar que a Justiça Militar foi introduzida no Brasil, por meio do alvará de 1º de abril de 1808 baixado por D. João VI quando fugia das tropas francesas de Napoleão Bonaparte, comandadas pelo General Junot. A Justiça Militar Estadual do Pará já esta próxima de completar 60 anos de idade. Logo errônea é a idéia de que a Justiça Militar no Brasil surgiu com o golpe de 1964.

Volvendo ao tema pode-se afirmar que o Processo Penal Militar foi recepcionado pelo legislador constituinte de 1988 ainda que concebido através do decreto-lei nº 1002 de 21.10.1969 e nele estão insertos todos os princípios reitores do garantismo de acordo com a concepção de Ferrajoli. Como este trabalho não tem o objetivo de analisar todos os princípios que regem a teoria constitucionalista do delito nos contentamos apenas em demonstrar alguns aspectos garantistas do Processo Penal Militar.

O Processo Penal Militar, tal como o comum é regido pelo sistema acusatório da Constituição e sendo um Processo Penal de partes, tem-se de um lado o Ministério Público e do outro o réu representado pelo seu Advogado ou Defensor Público. O órgão do Poder Judiciário, através de seus Conselhos Especial e Permanente mantém-se no papel de espectador. Urge ressaltar que por meio da emenda nº 45, compete ao Juiz de Direito da Justiça Militar Estadual processar e julgar de modo singular, o militar nos crimes em que o civil figura como ofendido. Tal medida veio ao

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encontro dos anseios de toda a sociedade, visto que desmistifica a idéia corporativa da Justiça Castrense.

Em relação ao sistema acusatório no Processo Penal Militar questão interessante a ser estudada é quanto a aplicação do art. 437 a) do Código de Processo Penal Militar. Giza este dispositivo legal que:

Art. 437: O Conselho de Justiça poderá:

a) DAR AO FATO DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DA QUE CONSTAR NA DENÚNCIA, AINDA QUE, EM CONSEQÜÊNCIA, TENHA DE APLICAR PENA MAIS GRAVE, DESDE QUE AQUELA DEFINIÇÃO HAJA SIDO FORMULADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES ESCRITAS E A OUTRA PARTE TENHA TIDO A OPORTUNIDADE DE RESPONDÊ-LA;

Pela leitura do dispositivo supra pode-se aferir que no que diz respeito a correlação entre denúncia e sentença, o Processo Penal Militar confere maiores garantias ao réu do que no Processo Penal Comum.

Contrariando o sistema acusatório da Constituição Federal o Código de Processo Penal Comum em seu art. 383 permite ao Magistrado na sentença condenar o réu, sem ouvir previamente as partes, a uma pena mais grave em virtude de modificação na definição de fato jurídico articulado na denúncia.

A Ação Penal na Justiça Militar exige também. a justa causa para a sua concepção. É inadmissível, de acordo com o Processo Penal Constitucional, uma denúncia desprovida do FUMUS COMISSIS DELICTI, sendo portanto necessária a prova de fato que, em tese constitua crime e os indícios suficientes de autoria. Aliás quando se fala em prova no Processo Penal Militar, o legislador fez questão de expressar no art. 295 que somente as provas lícitas serão admitidas no Processo e quais são as provas lícitas ? são aquelas que não atentam contra a moral, a saúde, ou a segurança individual ou coletiva ou contra a hierarquia ou a disciplina militares.

Por fim o Processo Penal Militar também pauta-se pela ampla defesa e contraditório. A ampla defesa compreende a defesa real, exercida pessoalmente, através do interrogatório e a defesa técnica, por meio de defensor ressaltando que a presença do defensor tornou-se obrigatória na fase de interrogatório com o advento da lei nº 10.792/03, aplicando-se

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subsidiariamente ao Processo Penal Militar por força do art. 3º, a) do Código de Processo Penal Militar.

Conclui-se portanto que o Processo Penal como um todo busca precipuamente o respeito as garantias dos indivíduos, bem como serve de instrumento delimitador do JUS PUNIENDI ESTATAL, não havendo problema algum em afirmar que os princípios garantistas reitores da Constituição Federal são perfeitamente cabíveis no Processo Penal Militar que destina-se a uma parcela especial de servidores públicos que, regidos sob a égide dos princípios da hierarquia e disciplina, são levados em renunciar a própria vida; se for o caso, em nome da segurança e da sobrevivência de uma nação mas que em momento algum perdem a condição digna inerente ao ser humano.

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O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL

LAURO FRANCISCO DA SILVA FREITAS JUNIOR,

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.

1. Introdução

Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, fortaleceu-se, por soberana deliberação da Assembléia Nacional Constituinte, a Instituição do Ministério Público que foi qualificada como permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127 CF-88).

A partir de então este Órgão recebeu destaque no sistema jurídico brasileiro, surgindo implicações decorrentes da Institucionalização do Novo Ministério Público, das quais a independência funcional, que nas saudosas lições de Hely Lopes Meireles, “significa dizer que este (o Ministério Público) não está hierarquizado a qualquer outro órgão ou Poder, e seus membros são agentes políticos e devem atuar com absolutas liberdades funcionais, só submissos às suas consciências e aos seus deveres profissionais, pautados pela Constituição e pelas Leis regedoras da Instituição”.

Neste clima de ruptura com conceitos tradicionais do passado, segundo os quais o Ministério Público seria um ator coadjuvante no cenário jurídico, surgiram princípios e com eles questionamentos no que tange a este novo perfil do Parquet, entre os quais a figura do Promotor Natural.

Em um primeiro momento, o Princípio do Promotor Natural combateria o arbítrio, insurgindo-se contra o que violam, com prepotência, as franquias individuais e principalmente, garantiria a ordem jurídica, protegendo o Membro da Instituição, na medida em que lhe assegura o pleno exercício e independente de seu mister, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando um Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em Lei.

Complementa esta teoria a idéia de que seria inconcebível o Acusador de Exceção já que inexiste o Juízo de Exceção.

Em suma, o Principio do Promotor Natural seria imanente ao novel sistema constitucional brasileiro, assentando-se nas cláusulas da independência

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funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição, vedando, desta forma, designações casuísticas e arbitrárias pela Chefia Ministerial.

2. A Posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao Princípio do Promotor Natural

O Principio do Promotor Natural é matéria constitucional, logo, era questão de tempo, o STF se vê obrigado a se manifestar a respeito do tema. Além do que, por ser também, uma matéria de cunho penal e processual penal, logo seria levantada com o objetivo de anular procedimentos criminais bem realizados que mostravam, desde já, a nova atuação do Ministério Público nesta esfera.

Em agosto de 1992 foi a julgamento o Habeas Corpus n.° 67.759-2, oriundo do Rio de Janeiro, onde questionava-se a designação de um promotor especial, pelo Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para atuar em todos os procedimentos persecutórios penais resultantes de determinada operação policial, denominada “Operação Bandeja”, efetuada na Capital Carioca. Neste HC o impetrante sustentava que tal designação ofendia o Princípio do Promotor Natural que, na hipótese, seria o titular da Promotoria da 5.° Vara Criminal do Rio de Janeiro.

Neste julgamento o Ministro Celso de Mello, o qual foi o Relator, entendeu existir o Principio do Promotor Natural, entretanto, manifestou-se no sentido de que tal Princípio, no Sistema Jurídico Brasileiro, depende de Lei para que tenha aplicabilidade, e enquanto não sobrevier a disciplina legislativa pertinente, não há como aplicar ou mesmo invocar o Princípio do Promotor Natural. Neste mesmo sentido foi o voto do Ministro Sydney Sanches, que entendeu que a Constituição de 1988 não contém explícita, nem implicitamente o Principio do Promotor Natural, nada impedindo porém, que Lei Infraconstitucional viesse a adotar tal princípio.

No citado julgamento os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso votaram pela existência do Princípio do Promotor Natural no Sistema Jurídico Brasileiro, independentemente de intermediação legislativa, pois o mesmo decorre do princípio da independência funcional do Ministério Público e da garantia da inamovibilidade, ambos relacionados com os princípios do Juiz Natural e do Devido Processo Legal.

Por outro lado, manifestaram-se posição de expressa rejeição à existência desse Princípio os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves.

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Assim, ficou rejeitado, no citado julgamento, o Principio do Promotor Natural.

É oportuno ressaltar que a Lei Infraconstitucional que se referiam os Eminentes Ministros Celso de Mello e Sidney Sanches era a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados, em trâmite há época daquele julgamento. A referida legislação tornou-se a Lei n.° 8.625/93, que, além de não estabelecer o Principio do Promotor Natural, trouxe dispositivos que já demonstravam a sua relatividade.

Vejamos:

O art. 10, inciso IX, letra “g”, do mencionado diploma legal estabelece que “compete ao Procurador Geral de Justiça, por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão ao Conselho Superior do Ministério Público”.

O art. 24, do mencionado diploma estabelece que o “Procurador Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça Titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele”.

3. O Principio do Promotor Natural

Malgrado posicionamento em contrário, entendemos estar com razão o Supremo Tribunal Federal em rejeitar o postulado do Promotor Natural. Apesar de ter havido, no citado julgamento, votos divergentes (Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso), a existência do Princípio da Colegialidade, que rege as decisões dos Tribunais, espanca qualquer questionamento sobre o assunto.

Preliminarmente, adotar o princípio do Promotor Natural com base na inamovibilidade dos seus membros não merece prosperar. A inamovibilidade é uma garantia funcional, cuja finalidade é proteger o pleno exercício das funções dos membros do “Parquet”, contra desmandos de autoridades hierarquicamente superiores. É a garantia que tem o Promotor de Justiça de permanecer no local/lugar do qual é titular, impedindo sua remoção ex-officio, salvo por motivo de interesse público, assegurada, no caso, a ampla defesa. A inamovibilidade tem relação com âmbito espacial, enquanto o promotor de justiça natural guarda estreita relação com designação.

Outrossim, se esta for a justificativa deste postulado, devemos adotá-lo à Defensoria Pública, uma vez que o §.1° do art. 134 da Constituição,

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também assegura aos defensores públicos, a prerrogativa da inamovibilidade. Surgiria o “Defensor Público Natural”.

No que concerne à alegação da independência funcional do Ministério Público como forma de justificar a existência do Princípio do Promotor Natural, importante fazermos algumas considerações.

A independência funcional, apesar de defluir de seus membros, é postulado que se dirige à Instituição do Ministério Público, tanto é que a Carta Magna o conceituou como Princípio Institucional, objetivando, neste diapasão, estabelecer a autonomia do Órgão em relação aos poderes do Estado (é importante ressaltar que aqui não se trata da autonomia funcional estabelecida no §2.° do art. 127 da CF-88). Ademais, não podemos interpretar isoladamente este Princípio, pois existem ainda, os Princípios da Unidade e da Indivisibilidade do Ministério Público, que, de antemão, são a pedra de toque deste estudo.

Das justificativas que resguardam a existência do Princípio do Promotor Natural a mais “perigosa” seria de tratar com similitude absoluta o Ministério Público com a Magistratura.

O Ministério Público possui uma edificação jurídica e doutrinária em um alicerce normativo ímpar. Tais predicamentos constitucionais individualizadores separam e distinguem o Ministério Público do Poder Judiciário, evitando que normas nucleares de ambos sejam confundidas, no exercício da cada mister. Cada um tem uma função na prestação jurisdicional. Cabe ao Juiz julgar. Ao Ministério Público cabe ser acusador, fiscal da Lei, fiscal da Polícia, e claro, defensor da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Do paralelo das funções judicantes e ministeriais salta aos olhos a diferença que se resume no poder de iniciativa e de decisão. Se existe divergência na estrutura formal, também existe nos princípios regentes destas funções.

A teoria Fixista do Juiz natural, que advém do inciso LIII do art. 5.° da Constituição Federal se contrapõe ao Princípio Constitucional da indivisibilidade que resguarda o Ministério Público.

Pelo Princípio da indivisibilidade o Ministério Público é uno, seus membros não se vinculam aos processos que atuam, podem ser substituídos uns pelos outros. Tal Princípio decorre do Princípio da Unidade, que significa dizer que os membros do Ministério Público integram um só Órgão sob a direção de um só chefe hierárquico, não podendo haver fracionamento intermediário de chefia.

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O princípio da indivisibilidade constitui a recíproca substituição de Membros, para que o órgão componha um todo unitário e homogêneo e não fracionário, que se contradiz com a noção de promotor natural que traduz uma prefixação unitária. Só pode haver a divisão interna de serviço, porque neste caso, o Membro deixa de exercer sua função, mas não fica proibido de exercê-la.

Assim, aplicar a regra do Juiz Natural para criar a figura do Promotor Natural é dividir as funções do Ministério Público, em contraposição do princípio da indivisibilidade constitucional. As funções do Ministério Público não pertencem aos seus membros, mas à Instituição como um todo. Destarte, cada Membro sempre está investido da totalidade das funções do Órgão, não sendo possível seccioná-las. O Promotor natural exclui, sem previsão normativa, os demais membros de suas funções constitucionais, pois ficariam proibidos de receberem designações regulares para atuarem em processos que exista ou tenha existido o Promotor Natural.

4. Conclusão

Restou claro que o Pretório Excelso, como guardião e maior intérprete de nossa Constituição, rejeitou a tese do Promotor Natural. È evidente que o direito como uma ciência dialética está sujeito a mutações. Naquele julgamento ocorreu a rejeição, mas em um futuro julgamento pode ser diferente.

É importante frisar que em recente julgamento, em 23.08.2005, o Supremo Tribunal Federal, com uma composição diferente, ratificou a rejeição do Promotor Natural, o que demonstra que ainda, sobrevive àquele posicionamento. Vejamos o aresto:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA: CORRUPÇÃO ATIVA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. I. - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais omissões da denúncia quanto aos requisitos do art. 41 do CPP não implicam necessariamente na sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes. II. - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado. III. - A jurisprudência do Supremo Tribunal

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Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime. IV. - No julgamento do HC 67.759/RJ, pelo Plenário, os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves adotaram posição de rejeição à existência do princípio do promotor natural. Os Ministros Celso de Mello e Sydney Sanches admitiram a possibilidade de instituição do princípio mediante lei. Assim, ficou rejeitado, no citado julgamento, o princípio do promotor natural. HC 67.759/RJ, Ministro Celso de Mello, RTJ 150/123. V. - H.C. indeferido.(Grifo Nosso)”.(STF - HC 85.424/PI – PIAUI, 2.° Turma, Min. Rel. Carlos Velloso, Julgamento 23.08.2005, DJ 23.09.2005)

Diante do exposto, entendemos ser o Princípio do Promotor Natural uma afronta aos demais Princípios que regem o Ministério Público, em especial o Princípio da Indivisibilidade. Ademais, o mesmo não encontra respaldo normativo, existe apenas no campo das idéias e em analogias ditas “perigosas”.

Entretanto, o Princípio do Promotor Natural não deve repugnado de forma incondicional. Em certas situações pode ser invocado para evitar lesão ao exercício pleno e independente das atribuições ministeriais ou manipulações casuísticas e arbitrárias por parte do Procurador Geral de Justiça, desde que demonstrada de forma inequívoca. O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito:

“PENAL. PROCESSUAL. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. VIOLAÇÃO. DESIGNAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. "HABEAS CORPUS".

1. O princípio do promotor natural somente tem validade para evitara figura do acusador de exceção, nomeado mediante manipulações casuísticas e em desacordo com os critérios legais pertinentes.

2. Não viola o princípio do promotor natural a designação regular de membro do Ministério Público para oferecer denúncia contra Prefeito Municipal.

3. "Habeas Corpus" conhecido; pedido indeferido.”

(STJ – HC 11045/SC, Quinta Turma, Min. Rel. Edson Vidigal, Julgamento 04.05.2000, DJ 05.06.2000)

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Assim, o Princípio do Promotor Natural sofre mitigações, já analisadas por Tribunais Superiores e pelo Supremo Tribunal Federal e, apesar de não consagrado, não pode ser rejeitado em absoluto. Sua invocação deve ser examinada com temperamentos, evitando o Acusador de Exceção, que, em última análise prejudicaria não só a Instituição como também o jurisdicionado, fato que macularia a própria razão de existir do Ministério Público, ou seja, defender do povo.

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LEI 11.313/2006: NOVAS ALTERAÇÕES NOS JUIZADOS CRIMINAIS (I)

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

O juizado especial criminal, por força do art. 60 da Lei 9.099/1995, é competente para a conciliação, julgamento e execução das infrações de menor potencial ofensivo. Mas essa mesma lei excluía, da competência dos juizados, duas situações: 1ª) agente não encontrado para ser citado pessoalmente (não existe citação por edital nos juizados) e 2ª) causa que apresenta grande complexidade.

Além dessas duas hipóteses (que implicam a alteração da competência dos juizados para o juízo comum) havia muita polêmica em torno de uma terceira, que ocorre quando há conexão ou continência entre uma infração de menor potencial ofensivo e outra do juízo comum (ou do júri). Porte ilegal de arma de fogo e lesão corporal leve, por exemplo. Outro exemplo: tentativa de homicídio e lesão corporal leve. Discutia-se o seguinte: nesses casos, de conexão, o correto era separar os processos (CPP, art. 79) ou promover a reunião deles (CPP, art. 78)?

A doutrina inclinava-se (tendencialmente) para a primeira solução (separação) (cf. GRINOVER et alii, Juizados especiais criminais, 5ª ed., São Paulo: RT, 2005, p. 71). A Lei 11.313/2006, de 28.06.06, entretanto, seguiu caminho diverso. Alterou o caput do art. 60 da Lei 9.099/1995 e mandou respeitar as regras de conexão e continência. Em seguida, no parágrafo único (que não existia), fixou o critério da reunião dos processos, in verbis:

“Art. 1o Os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a

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execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR)

A mesma regra foi estabelecida para os juizados federais:

“Art. 2o . O art. 2º da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR)

Podemos e devemos extrair desses textos legais algumas conclusões importantes:

1ª) A força atrativa, para a reunião dos processos (como não poderia ser diferente), é do juízo comum (estadual ou federal) ou do tribunal do júri (estadual ou federal). Ou seja: seguindo o disposto no art. 78 do CPP manda a nova lei que no caso de crimes conexos haja reunião dos processos na vara comum ou no tribunal do júri.

2ª) A nova lei tem aplicação imediata (entrou em vigor no dia 28.06.06, data de sua publicação). Lei processual nova que altera ou que fixa competência tem aplicação imediata, incluindo-se os processos em andamento. Exceção: a exceção que existe a essa regra reside no processo que já conta com decisão de primeira instância. Nesse caso, não se altera a competência recursal (não incide a lei nova para alterar a competência recursal).

3ª) Manda a nova lei que, na vara comum ou no tribunal do júri, sejam observados os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. Em outras palavras: a reunião dos processos não constitui fato impeditivo para a aplicação desses institutos. A vara comum ou o tribunal do júri conta com competência para isso.

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4ª) Não quer a nova lei que se adote, em relação às infrações de menor potencial ofensivo, outra política criminal distinta do consenso. Apesar da conexão ou da continência (entre a infração de menor potencial ofensivo e outra do juízo comum), em relação à primeira (menor potencial ofensivo) deve-se seguir a política do consenso (não a conflitiva).

5ª) Deve-se respeitar, de outro lado, a opção relevante que a lei dos juizados já havia feito em favor da vítima. Havendo possibilidade de composição civil dos danos, não há como evitar que isso possa acontecer. A velha reivindicação da Vitimologia (reparação dos danos em favor da vítima) continua preservada, mesmo que haja conexão de infrações.

6ª) A reafirmação da lei nova em favor do consenso (mesmo havendo conexão) afasta qualquer possibilidade de sua exclusão, salvo quando presentes os impedimentos para a transação penal contidos na própria lei dos juizados (art. 76): ter o agente sido beneficiado com outra transação nos últimos cinco anos, ter condenação definitiva anterior etc.

7ª) Em síntese: já não é possível somar a pena máxima da infração de menor potencial ofensivo com a da infração conexa (de maior gravidade) para excluir a incidência da fase consensual. A soma das penas máximas, mesmo que ultrapassado o limite de dois anos, não pode ser invocada como fator impeditivo da transação penal.

8ª) A infração de menor potencial ofensivo (conexa) deve, dessa maneira, ser analisada isoladamente (é esse o critério adotado para a prescrição no art. 119 do Código penal). Cada infração deve ser considerada individualmente.

9ª) A infração penal conexa de maior gravidade não pode ser invocada como fator impeditivo da incidência dos institutos da transação ou da composição civil. A lei assim determinou. De outro lado, no que se refere a essa infração de maior gravidade, recorde-se que o agente é presumido inocente. Ela não pode, desse modo, ser fator impeditivo da transação penal.

10ª) O juízo comum (ou do júri), que é o juízo com força atrativa, deve designar, desde logo, uma audiência de conciliação (que deve ser prioritária). Primeiro deve-se solucionar a fase do consenso (transação penal e composição civil). Depois vem a fase conflitiva relacionada com a infração de maior gravidade. O processo penal, nesse caso, passa a ser misto: é consensual e conflitivo. Consensual num primeiro momento e conflitivo após.

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11ª) Pode ser que caiba, em relação à infração de maior gravidade, suspensão condicional do processo. Na mesma audiência de conciliação as duas questões podem ser tratadas. Mas isso pressupõe denúncia quanto à infração de média gravidade (pena mínima não superior a um ano admite a suspensão condicional do processo).

12ª) Não pode haver denúncia (ou queixa) de plano em relação à infração de menor potencial ofensivo. Quanto a ela rege a audiência de conciliação (ou seja: a fase consensual da lei dos juizados). O acusador deve formular denúncia no que se refere ao delito maior e, ao mesmo tempo, fazer proposta de transação para o delito menor (ou fundamentar sua recusa nas causas impeditivas da transação constantes do art. 76).

13ª) Caso o juiz receba a denúncia, deve marcar prontamente a audiência de conciliação (para solucionar brevemente a infração de menor potencial ofensivo).

14ª) A recusa não fundamentada ou injustificada do órgão acusatório em oferecer proposta de transação é regida pelo art. 28 do CPP (cabe ao juiz enviar os autos do processo ao Procurador Geral de Justiça).

15ª) Nada impede que o juiz, desde que o réu tenha sido citado regularmente, logo depois de concluída a audiência de conciliação, faça o interrogatório do acusado (interrogatório relacionado com a infração conexa de maior gravidade).

16ª) Não havendo acordo penal em relação à infração de menor potencial ofensivo cabe ao órgão acusatório aditar a denúncia (pode fazê-lo oralmente, reduzindo-se tudo a termo) para dela constar a infração menor.

17ª) Nesse caso o processo terá prosseguimento normal, adotando-se o procedimento de maior amplitude (relacionado com a infração de maior gravidade). O procedimento sumaríssimo dos juizados não deve ser seguido na vara comum ou no júri.

18ª) Em se tratando de réu preso (pelo delito maior), o recomendável será fazer a audiência de conciliação na mesma data do seu interrogatório (por razões de economia processual).

19ª) Não é possível fazer transação penal em torno de sanção alternativa incompatível com a prisão (se o réu está preso pelo delito maior, não pode, por exemplo, cumprir prestação de serviços à comunidade).

20ª) No momento da transação penal devem ser observadas as disposições contidas no art. 76 (incluindo-se as causas impeditivas da transação penal).

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21ª) A condenação penal precedente, definitiva, por crime, a pena privativa de liberdade, só impede a transação penal durante o lapso de cinco anos (STF, 1ª Turma, HC 86.646-SP, rel. Min. Cezar Peluso). Ultrapassado esse lapso temporal já não há impedimento para a transação penal.

22ª) O fato de não ser possível a transação penal não impede que haja composição civil dos danos em favor da vítima.

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI "MARIA DA PENHA". ALGUNS COMENTÁRIOS

MARCELO LESSA BASTOS

Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela FDG, doutorando pela UGF, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense)

PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – Juizados Especiais Criminais – Novas Regras.

RESUMO: A Lei nº 11.340/06 pegou a comunidade jurídica de surpresa e, como tudo o que é novo, tem despertado bastante discussão, principalmente pelo afastamento dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais Criminais nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Cuida-se, sem dúvida, de uma ação afirmativa feita em boa hora em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, tendo em vista que o modelo dos Juizados Especiais Criminais, não tanto por suas regras, mas principalmente por sua operacionalização, se mostrou ineficiente e inadequado para o enfrentamento de um problema que, lamentavelmente, ocorre diuturnamente. O objetivo deste ensaio é refletir sobre alguns dos principais institutos desta Lei, com o fito de suscitar o saudável debate acadêmico. As medidas protetivas de urgência, a prisão preventiva do agressor, o afastamento da Lei nº 9.099/95, a competência jurisdicional, dentre outros aspectos, constituem o objeto da presente abordagem.

1. Considerações iniciais. Antecedentes Legislativos. Origem da norma.

Em vigor desde o dia 22 de setembro último, a Lei nº 11.340/06, conhecida como "Lei Maria da Penha" em homenagem a uma mulher vítima de violência doméstica, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige uma grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero.

É impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por

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absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar.

Um antecedente legislativo ocorreu em 2002, através da Lei nº 10.455/02, que acrescentou ao parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial Criminal. Outro antecedente ocorreu em 2004, com a Lei nº 10.886/04, que criou, no art. 129 do Código Penal, um subtipo de lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 (três) para 6 (seis) meses.

Nenhum dos antecedentes empolgou. A violência doméstica continuou acumulando estatísticas, infelizmente. Isto porque a questão continuava sob o pálio dos Juizados Especiais Criminais e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Alguma coisa precisava ser feita: era imperiosa uma autêntica ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica, a desafiar a igualdade formal de gênero, na busca de restabelecer entre os sexos a igualdade material.

Veio, então, a Lei em comento – a Lei "Maria da Penha" –, cuja origem, não se tem dúvidas em afirmar isto, está no fracasso dos Juizados Especiais Criminais, no grande fiasco que se tornou a operação dos institutos da Lei nº 9.099/95, não por culpa do legislador, ressalva-se, mas, sem dúvida, por culpa do operador do Juizado, leiam-se, Juízes e Promotores de Justiça – que, sem a menor cerimônia, colocaram em prática uma série de enunciados firmados sem o menor compromisso doutrinário e ao arrepio de qualquer norma jurídica vigente, transmitindo a impressão de que tudo se fez e se faz com um pragmatismo encomendado simplesmente e tão-somente para diminuir o volume de trabalho dos Juizados Especiais Criminais [1].

E o pior: não satisfeitos com isto e alheios ao autêntico "cartão vermelho" imposto aos Juizados Especiais Criminais pela Lei "Maria da Penha", Juízes do Estado do Rio de Janeiro, reunidos em Búzios este mês de setembro, reafirmaram aqueles enunciados, agregando outros decorrentes da "análise" da Lei "Maria da Penha" – que, em resumo, poderiam ser sintetizados no seguinte: "considerando que não nos agradou, fica revogada a Lei nº 11.340/06" [2].

Sem mais delongas, inicia-se com a análise de dois pontos principais da Lei "Maria da Penha", um deles deturpado nos enunciados acima referidos.

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2. É constitucional afastarem-se os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 na hipótese de violência doméstica? Pode a Lei Federal impor aos Estados regra de competência de Juízo? Análise dos arts. 33 e 41 da Lei nº 11.340/06.

Concluiu-se, no Estado do Rio de Janeiro, que o art. 41 da nova Lei seria inconstitucional por supostas ofensas ao art. 5º, I, da Constituição Federal (princípio da igualdade de gênero) e ao art. 98, I, também da Constituição Federal (que prevê a criação dos Juizados Especiais Criminais e alguns de seus institutos despenalizadores). Seriam, portanto, aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 às infrações penais que, mesmo praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, se enquadrassem na definição de infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima cominada não superior a dois anos) [3].

A fragilidade das conclusões se percebe da simples leitura do art. 98, I, da Constituição, que se reporta à Lei – "nas hipóteses previstas em lei" – para definir a incidência dos institutos despenalizadores que prevê (neste ponto, aliás, menção expressa é feita apenas à transação penal, e como exceção – "permitidos" –, o que autoriza concluir que a regra é não haver transação, que é, pois, medida de exceção).

A transcrição do dispositivo se impõe, como medida didática:

Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [4]

Sua simples leitura já bastaria para mostrar que cabe à lei infraconstitucional estabelecer quais as infrações penais sujeitas à transação e aos demais institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Aliás, é a própria lei infraconstitucional que define quais as infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da alçada do Juizado Especial Criminal: art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação atual, dada pela Lei nº 11.313/06. A transcrição é, outra vez mais, didática:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

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contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Tem-se, pois, uma relação de regra e exceção: são infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da competência dos Juizados Especiais Criminais, sujeitas, assim, aos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, todas as infrações penais cuja pena máxima cominada não exceda a 2 (dois) anos, exceto aquelas que, independente da pena cominada, decorram de violência doméstica ou familiar contra a mulher, nos termos dos arts. 41, c/c 5º e 7º da Lei nº 11.340/06, estes últimos adiante analisados.

Só para recordar, na primeira versão do art. 61 da Lei nº 9.099/95, estavam fora do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e, portanto, fora do alcance dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, os crimes em que havia, simplesmente, previsão de procedimento especial, ainda que a pena máxima cominada fosse inferior a 1 (um) ano. E, nos termos do art. 90-A, da Lei nº 9.099/95, acrescentado pela Lei nº 9.839/99, estão fora do âmbito de incidência da primeira os crimes militares, independente da pena [5]. Nunca se reclamou disto, na perspectiva da constitucionalidade, não fazendo sentido pretender deslegitimar a exclusão imposta pela Lei "Maria da Penha".

Nem se diga que a competência dos Juizados Especiais Criminais é de natureza constitucional. Tal afirmação nunca empolgou. Se assim fosse, seriam inconstitucionais os arts. 66, parágrafo único, e 77, § 2º, da própria Lei nº 9.099/95, que prevêem a remessa do feito ao Juízo comum, nas hipóteses, respectivamente, de réu não encontrado para ser citado, já que inexiste citação por edital nos Juizados, e de necessidade de diligências complexas que contrariem o princípio da celeridade imanente ao rito do Juizado. Também seria inconstitucional a remessa ao Juízo comum do feito em casos de conexão e continência, na hipótese do crime conexo não ser de menor potencial ofensivo, remessa a que sempre foi favorável a maioria da doutrina e jurisprudência, o que foi recentemente contemplado de forma expressa pela Lei nº 11.313/06, que deu nova redação aos arts. 60 da Lei nº 9.099/95 e 2º da Lei nº 10.259/01 [6].

No tocante à suposta ofensa ao princípio da igualdade de gênero, já foi dito acima que a Lei em comento é resultado de uma ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja necessidade de evidenciava urgente. Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao princípio da igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a

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igualdade material entre esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional. Outras tantas ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas e, em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha de inconstitucionalidade. Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades, as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas eleições etc.

Em resumo, não há o menor problema com o art. 41 da Lei "Maria da Penha". Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc [7].

Tocante ao art. 33 da Lei "Maria da Penha", uma ponderação deve ser feita, em homenagem ao pacto federativo que, ultimamente, tem sido muito maltratado. É que a lei federal, ao pretender atribuir às Varas Criminais a competência transitória para o processo e julgamento dos crimes praticados em decorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, dispôs sobre competência de juízo, invadindo, deste modo, a competência legislativa dos Estados em matéria de organização judiciária, ressalvada pelo art. 125, § 1º, da Constituição Federal. Não pode a Lei federal definir competência de juízo, até porque não há como a União descer às idiossincrasias de cada Estado para saber qual a necessidade de demanda dos órgãos jurisdicionais dos Entes Federativos em suas diversas Comarcas. Inconstitucional, deste modo, o art. 33 da Lei "Maria da Penha". Correto, portanto, o enunciado nº 86 do até então criticado Encontro de Búzios [8].

Nada impede, portanto, que os Estados, através de Lei de iniciativa do Presidente do Tribunal, atribuam aos Juizados Especiais Criminais competência para processar e julgar os crimes decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, transformando-os de modo que passem a ser, também, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Lembra-se, todavia, que, independente do crime e da pena, seja ou não compreendido no conceito de infração penal de menor potencial

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ofensivo, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, como já exposto [9].

3. A restrição à aplicação de penas de multa e "cestas básicas".

Mantendo a homogeneidade de seu espírito e ainda sob o trauma do fracasso dos Juizados Especiais Criminais, vedou a Lei "Maria da Penha" que, em caso de condenação, seja aplicada ao réu somente penas de prestação pecuniária e multa.

Sem dúvidas, tal vedação é resultante do descrédito de tais penas, decorrente, dentre outras coisas, do simples fato de não poderem, em caso de descumprimento injustificado por parte do réu, ser convertidas em pena privativa de liberdade.

Não vedou a Lei, no entanto, se cabível, a aplicação das outras penas restritivas de direitos que, se descumpridas, são passíveis de conversão em prisão, na forma do art. 44, § 4º, do Código Penal.

Não há qualquer inconstitucionalidade na vedação em comento, sob a perspectiva do princípio da individualização da pena, a uma porque não se vedou a aplicação de outras penas restritivas de direitos, como visto; e a duas porque o art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, estabelece que caberá à Lei regular tal individualização [10].

Quis a Lei "Maria da Penha", com isto, que o réu acusado da prática de qualquer crime resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena cominada, seja julgado por tal infração penal [11] e, na hipótese de condenação, seja-lhe aplicada uma pena que, ainda que venha a ser substituída por pena restritiva de direitos, possa, em caso de descumprimento injustificado, ser convertida em prisão, de modo que o apenado se sinta afligido com a sanção penal imposta e, deste modo, seja demovido da idéia de persistir na prática de infrações penais deste jaez.

4. Definição conceitual de violência doméstica e familiar contra a mulher. Competência da Justiça Estadual e eventual deslocamento de competência. Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei "Maria da Penha".

São os arts. 5o e 7o os responsáveis por determinar o âmbito de incidência da Lei em comento, já que são eles que definem o que configura e quais as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Seu exame conjunto, portanto, mostra-se fundamental para estabelecer quando se aplica a Lei "Maria da Penha".

Uma primeira observação que se deve fazer diz respeito a que mulher está sujeita à proteção legal. À míngua de qualquer exclusão constante do texto da Lei, conclui-se que qualquer mulher está por ela tutelada, independente

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da idade, seja adulta, idosa ou, até mesmo, criança ou adolescente. Nestes últimos casos, haverá superposição de normas protetivas, pela incidência simultânea dos Estatutos do Idoso e da Criança e Adolescente, que não parecem excluir as normas de proteção da Lei "Maria da Penha" que, inclusive, complementam a abrangência de tutela. Bom que se lembre que a Lei "Maria da Penha" não se restringe à violência doméstica, abrangendo, igualmente, a violência familiar, do que não estão livres, infelizmente, crianças, adolescentes e idosos.

Outro ponto a ser considerado, positivo por sinal, diz respeito à ausência de preconceito no que tange às relações domésticas que unam mulheres homossexuais. Qualquer delas, independente do papel que desempenham na relação, está sujeita à proteção legal, como estabelece o parágrafo único do art. 5o [12].

Para ser sujeito passivo tutelado pela norma basta, portanto, que a pessoa se enquadre no conceito biológico de "mulher".

Não pode escapar à crítica, no entanto, o elastério conceitual de que se valeram os arts. 5o e 7o, ao definirem o âmbito de incidência da Lei, permitindo a formulação de juízos de adequação excessivamente abertos, vagos e imprecisos e, portanto, contrários à idéia de segurança jurídica que deve nortear o Direito Penal.

Do art. 5o, só para exemplificar, se pode extrair a idéia de "sofrimento sexual por omissão" [13]. E do art. 7o a idéia de "vigilância constante" [14] como forma de violência psicológica.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

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Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. [15]

Caberá ao Juiz, diante do caso concreto, podar eventuais excessos interpretativos, de modo a não permitir, por exemplo, que se queira aplicar a Lei ao marido que simplesmente não cumpra regularmente com suas obrigações sexuais para com sua esposa, rejeitando, se for o caso, por

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atipicidade material, eventual queixa que, neste sentido, por absurdo, imagine tal comportamento como capaz de configurar crime de injúria.

A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Leis Especiais, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei "Maria da Penha". Neste sentido, são alvos de preocupação específica os crimes que, pela pena, conformar-se-iam na definição de infração penal de menor potencial ofensivo, por conta, principalmente, no caso de atraírem a aplicação desta Lei, do afastamento da incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, das limitações à aplicação de determinadas penas restritivas de direitos e da previsão excepcional de prisão preventiva [16].

Finalmente, há que se analisar o alcance e as intenções do art. 6o:

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. [17]

Cuida-se de dispositivo encomendado para poder dar ensejo a eventual Incidente de Deslocamento de Competência, na forma dos arts. 109, V-A e § 5o da Constituição Federal, dispositivos introduzidos pela Emenda Constitucional nº 45. Bom frisar que os crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher continuam, em princípio, sendo de competência da Justiça Estadual. Assim como são, também em princípio, quaisquer crimes contra os direitos humanos. Isto porque a competência da Justiça Federal em casos tais pressupõe a procedência do Incidente de Deslocamento, julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, por iniciativa do Procurador-Geral da República. Não é automática a competência da Justiça Federal diante do simples fato de se tratar de crime contra os direitos humanos, eis que o art. 109, V-A da Constituição condiciona a regra de competência ao Incidente de Deslocamento, ao fazer remissão expressa ao § 5o, não permitindo que, antes disto, seja estabelecida a competência da Justiça Federal.

5. As medidas específicas de proteção. Natureza jurídica. Iniciativa.

Antecipando o que se pretende na reforma do Processo Penal, a Lei traz autênticas medidas cautelares alternativas à prisão, misturadas a outras medidas cautelares de caráter extrapenal e a medidas administrativas de

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proteção à mulher, agregadas nos arts. 11, 22, 23 e 24, os últimos sob o título de medidas protetivas de urgência.

Um embrião de tais medidas já era o art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, com a redação dada pela Lei nº 10.455/02 [18].

As medidas do art. 11, administrativas que são e a cargo da autoridade policial, não oferecem maiores problemas. Lamenta-se, somente, o fato do legislador ter enganado as feministas, dando-lhes a falsa esperança de que, doravante, poderão contar com proteção policial (art. 11, I), quando necessário (o que, a rigor, na maioria das vezes o é), coisa que nem as autoridades públicas podem contar regularmente.

Já as denominadas medidas protetivas de urgência, que se dividem naquelas que obrigam o agressor (art. 22) e nas que simplesmente protegem a ofendida (arts. 23 e 24), merecem aprofundada reflexão, a revelar sua natureza e permitir compreender a questão da iniciativa. De se notar que as medidas especificadas em cada um dos artigos mencionados são sempre exemplificativas, não esgotando o rol de providências protetivas passíveis de adoção, consoante ressalvado no art. 22, § 1º e no caput dos arts. 23 e 24.

Começa-se a análise pelo art. 22, a seguir transcrito para facilitar o exame.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

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IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios [19].

Pode-se afirmar que as medidas previstas nos incisos I, II e III ("a", "b" e "c") são cautelares de natureza penal. Portanto, se vinculadas a infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, parece que só podem ser requeridas pelo Ministério Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obrigam o agressor, não se destinando, simplesmente, à proteção da ofendida. Sendo assim, não está ela legitimada a requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal.

Já as medidas dos incisos IV e V são cautelares típicas do Direito de Família. Sendo assim, a parte legítima a requerer será, naturalmente, a interessada. Uma questão a se examinar é se, para tanto, se faz necessária a assistência por Advogado ou Defensor, do que adiante se cuida, já se adiantando o entendimento de que sim.

Outra ordem de medidas de proteção vem nos arts. 23 de 24, a seguir igualmente transcritos.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

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II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo [20].

Têm-se no art. 23, I e II medidas de cunho administrativo, em que pesem atribuídas ao Juiz desnecessariamente. Nada impede que fossem determinadas pelo Ministério Público, do que, aliás, cuida o art. 26, I. Dada a natureza administrativa de tais medidas, no caso de serem dirigidas ao Juiz, pode a mulher requerer diretamente, independente, neste caso somente, de assistência de Advogado ou Defensor.

Já o art. 23, III e IV contempla medidas cautelares típicas, novamente, do Direito de Família, necessitando, em razão disto, que a ofendida se faça representar por Advogado ou Defensor para requerê-las.

O mesmo se diga das medidas do art. 24, todos os seus incisos, que também são cautelares de cunho eminentemente patrimonial, com natureza extrapenal. A legitimada a requerer é a interessada, porém assistida por Advogado ou Defensor.

Está a se sustentar aqui que, nada obstante o disposto no art. 12, III e § 1º, 18, I, e 27, fine, a ofendida não tem capacidade postulacional para pedir diretamente ao Juiz a aplicação das medidas protetivas de urgência com natureza cautelar, embora seja a única legitimada caso se tratem de cautelares penais vinculadas a crime de ação penal de iniciativa privada ou cautelares extrapenais.

Propõe-se uma interpretação sistemática dessas medidas, inseridas no sistema cautelar do processo penal e do processo civil, a regê-las conforme o caso. Neste sentido, anota-se, inclusive, que as medidas cautelares de natureza extrapenal estão sujeitas às regras de caducidade estabelecidas nos arts. 806, 807 e 808 do Código de Processo Civil.

O art. 19 [21] parece clarear as coisas neste sentido – as medidas protetivas de urgência serão concedidas pelo Juiz a requerimento do Ministério Público (quando se tratarem de cautelares de natureza penal

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vinculadas a infração penal cuja ação for de iniciativa pública) ou a pedido a ofendida (quando a ação penal a que se vincularem for de iniciativa privada ou quando se tratar de medidas cautelares extrapenais ou meramente administrativa, no último caso, apenas, prescindindo-se da assistência de Advogado ou Defensor), conforme aqui delimitado.

Em socorro disto vêm os arts. 27 e 28 [22], que prevêem a Assistência Judiciária à ofendida desde o atendimento policial (inclusive para os fins do art. 12, III e § 1º, como aqui se sustenta).

É verdade que o art. 27, fine, parece ressalvar a necessidade de assistência por Advogado ou Defensor nas hipóteses de medidas protetivas de urgência. No entanto, a interpretação sistemática que aqui se propõe conforma o âmbito de incidência do aludido dispositivo, para que só desonere a ofendida da representação judiciária nas hipóteses de medidas protetivas de natureza meramente administrativa (art. 23, I e II, somente, como já dito acima).

Sobraria muito pouco, do contrário, para a assistência jurídica à mulher, lembrando-se de que, nas hipóteses desta Lei, estará ela sempre no pólo passivo da demanda. Restaria, talvez, a inusitada providência do art. 9º, § 2º, II, que atribui uma espécie de jurisdição trabalhista ao Juiz Criminal. Aliás, quem paga o salário da ofendida durante o período de afastamento? Terá a Lei transformado o empregador privado em empresa de seguro violência doméstica? Estas são questões a serem descortinadas pelos teóricos do Direito Laboral, eis que já há problemas de sobra com os aspectos penais e processuais penais da Lei.

6. Prisão preventiva. Aplicação excepcional. Análise sistemática do art. 313 do Código de Processo Penal, com sua atual redação decorrente do acréscimo de inciso determinado pela Lei "Maria da Penha".

O art. 20 da Lei em exame estabelece que:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem [23].Não se trata de uma nova espécie de prisão preventiva e, sim, da velha prisão preventiva, prevista nos arts. 311/316 do Código de

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Processo Penal, chamada à aplicação nas infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Deste modo, são aplicáveis à espécie todos os dispositivos que dispõem sobre a prisão preventiva.

Assim, imprescindível a presença de um dos motivos determinantes da prisão – garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal. É o periculum in mora ou, como se prefere chamar em processo penal, periculum libertatis. Além disto, imprescindível, também, que se tenha prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, tudo de acordo com o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal (fumus boni juris) [24].

A novidade está no acréscimo de inciso ao art. 313 do Código de Processo Penal, que cuida dos pressupostos de cabimento da prisão preventiva, por força do art. 42 da Lei "Maria da Penha", passando aquele dispositivo legal a ter a seguinte redação:

Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:

I - punidos com reclusão;

II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;

III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal.

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. [25]

Da interpretação sistemática do dispositivo acima transcrito, podem-se extrair as seguintes conclusões: 1 – a prisão preventiva cogitada na Lei "Maria da Penha" continua cabendo apenas diante de crimes dolosos, a uma porque o novel inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal se subordina ao seu caput, onde, na parte final, se estabelece que a medida excepcional só cabe em crimes dolosos, estando, por conseguinte, excluídas de sua incidência as contravenções e os crimes culposos. A duas

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porque em sede de crime culposo não se cogita de "violência" doméstica e familiar contra a mulher; 2 – o inciso IV pode abranger qualquer crime doloso, independente da pena ou das condições pessoais do criminoso, desde que praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, com a identificação conceitual estabelecida nos arts. 5o e 7o da Lei em exame; 3 – neste caso específico de prisão preventiva do inciso IV, a medida será ainda mais excepcional e, necessariamente, subsidiária às outras medidas cautelares, definidas como protetivas de urgência, estabelecidas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei "Maria da Penha". Só caberá a prisão preventiva, nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher aventadas exclusivamente no inciso IV do art. 313 para assegurar a eficácia daquelas medidas protetivas de urgência, se as mesmas, por si só, se revelarem ineficazes para a tutela da mulher; 4 – tal restrição, no entanto, se torna desimportante na hipótese do caso se enquadrar nas demais situações estabelecidas nos arts. 313, I, II e III do Código de Processo Penal, os pressupostos clássicos da prisão preventiva, ou seja, crime doloso punido com reclusão, punido com detenção quando o réu é vadio ou há dúvidas sobre sua identificação, ou, independente da pena cominada, se o réu já foi condenado por outro crime doloso. Presentes algum dos outros três pressupostos da prisão preventiva, ainda que o crime seja resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se precisará recorrer ao inciso IV, cabendo a prisão preventiva, independente da eficácia ou não das outras medidas protetivas de urgência, pelas simples hipóteses estabelecidas nos incisos I, II e III [26].

O inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal, como visto, alarga sobremaneira as hipóteses de cabimento de prisão preventiva, passando a comportá-la, em tese, qualquer crime doloso, independente da pena cominada (injúria, ameaça, lesão corporal etc.), desde que resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em sua concepção conceitual, e que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei "Maria da Penha" não sejam suficientes para a tutela da vítima. É preciso, portanto, principalmente nos crimes ditos de menor potencial ofensivo, como os acima mencionados, em virtude da pequena quantidade de pena privativa de liberdade cominada, que o Juiz aja com bastante prudência na hora de decidir pela prisão do agressor, medida que só pode ser reservada a ultima ratio e, em nenhuma hipótese, pode exceder, em tempo de duração, à projeção de aplicação da pena privativa de liberdade cominada, em caso de condenação, o que faria com que perdesse o contorno de cautelaridade que se deve exigir da prisão preventiva.

De lembrar, também, que é aplicável ao tema o art. 314 do Código de Processo Penal [27], de sorte que não se poderá cogitar da prisão

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preventiva, mesmo em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, se dos autos se delinearem situações de excludente da antijuridicidade ou da culpabilidade – faltaria fumus boni juris.

Tocante à iniciativa da medida, da comparação do art. 20 da Lei "Maria da Penha", com o art. 311 do Código de Processo Penal [28], percebe-se que o primeiro não contemplou a hipótese da iniciativa da querelante no requerimento da medida ao Juiz, o que é previsto expressamente no segundo. Isto não significa que não caiba a prisão preventiva, com as ressalvas do inciso IV do art. 313, nos crimes de ação penal de iniciativa privada [29]. Isto porque é possível ao Juiz decretá-la de ofício, o que sempre pôde pelo art. 311 do Código de Processo Penal [30] e foi repetido, agora, no art. 20 da Lei "Maria da Penha", tornando desimportante a questão de quem possa ser legitimado a propor a medida.

A única explicação para se permitir que o Delegado represente pela prisão preventiva, aliás, em qualquer das situações do Código de Processo Penal, reside no fato do Juiz poder decretá-la de ofício. Do contrário, em não sendo o Delegado parte no processo penal principal, não poderia sê-lo no cautelar e, portanto, não poderia se dirigir diretamente ao Juiz para expor a necessidade da prisão, tendo que, necessariamente, caso o Juiz não pudesse adotar a medida restritiva de ofício, que se dirigir ao Ministério Público [31]. Tolher o Juiz de decretar a prisão preventiva de ofício implicaria, outrossim, em afirmar que só caberia a medida diante da concordância, ou melhor, do requerimento expresso, do Ministério Público, não se podendo adotar a medida se o Parquet a entendesse desnecessária.

Por derradeiro, cumpre observar que, nada obstante o art. 20 da Lei ter estabelecido que a prisão pode ser adotada "em qualquer fase do inquérito ou processo", reproduzindo, neste particular, a norma estabelecida no art. 311, primeira parte, do Código de Processo Penal, tem este autor sustentado que não cabe prisão preventiva antes do oferecimento da denúncia ou queixa [32]: a uma porque, se tem "indícios suficientes" para a decretação da prisão preventiva [33], tem que haver indícios para exercício da ação penal – leia-se, justa causa; a duas porque a hipótese atual de prisão antes do exercício da ação penal é a prisão temporária, de que trata a Lei nº 7.960/89, presentes os seus pressupostos legais.

Também aqui cumpre observar que é possível revogar e redecretar a prisão preventiva do agressor tantas quantas forem as vezes em que desaparecerem e se fizerem novamente presentes os seus motivos, leia-se, igualmente e respectivamente, tantas quantas forem as vezes em que se mostrarem supervenientemente eficazes e ineficazes as medidas

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protetivas de urgência, sendo certo que o art. 20, parágrafo único, da Lei [34], neste particular, apenas reproduz o estabelecido no art. 316 do Código de Processo Penal [35].

7. Questão da representação (art. 16 da Lei "Maria da Penha").

Um último aspecto a ser destacado neste primeiro ensaio acerca da nova Lei é a questão da "renúncia" à representação, de que trata o art. 16:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público [36].

Em primeiro lugar, cumpre lembrar que o dispositivo em comento não está endereçado à lesão corporal leve fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher porque, como já dito acima, neste caso, por força do art. 41 da Lei "Maria da Penha", que afastou a incidência da Lei nº 9.099/95 em casos tais, a ação penal voltou a ser pública incondicionada. Resta, portanto, cogitar do dispositivo em casos de ameaça, estupro e atentado violento ao pudor com vítima pobre, etc, se praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

A leitura do art. 16 da Lei nos revela uma perplexidade: é que renúncia, tecnicamente, se dá antes do exercício do direito. Deste modo, só se renuncia ao direito de representação antes de exercitá-lo. Sendo assim, como se pode imaginar uma renúncia ao direito de representação antes do recebimento da denúncia, o que pressupõe que ela tenha sido oferecida, se, para ser oferecida, é imprescindível a existência da representação, condição especial que é para a deflagração da ação penal? Está confuso? É possível piorar então: a Lei parece ter estabelecido a possibilidade de se renunciar a um direito (o de representação), cujo exercício era pressuposto para o exercício de outro (o da ação penal pública condicionada), após este efetivo exercício (o oferecimento da denúncia). Isto evidentemente não é possível. Teria a Lei estabelecido uma regra inútil – o de que a representação é renunciável até o recebimento da denúncia, para o quê, obviamente, já tinha que ter sido oferecida? Ou será que, em verdade, quando se falou em renúncia, quis se ter falado em retratação?

É o que parece ter ocorrido. A Lei quis dizer que a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia. E é fácil explicar o equívoco. É que a prática dos Juizados Especiais Criminais consagrou um absurdo entendimento, já criticado antes, no sentido de que

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a falta da vítima à audiência preliminar demonstraria desinteresse processual e, sendo assim, equivaleria à "renúncia" ao direito de representação. E isto, por incrível que pareça, chegou a virar enunciado de encontros de trabalho sobre Juizados. Além do absurdo em si, outro erro trivial saiu na redação do enunciado, que tratava como renúncia o que, na verdade, era retratação. A vítima, não raras vezes, exercitava seu direito de representação na lavratura do termo circunstanciado e, depois, faltava à audiência preliminar. Evidentemente que não era caso de renúncia, até porque o direito já foi exercitado, muitas vezes expressamente. Na verdade nem de retração, mas de simples negativa à composição civil dos danos. Sucede que os Juizados resolveram criar uma extravagante obrigação para a vítima, que era – ainda hoje, infelizmente, é assim, pasme-se! – comparecer à audiência preliminar, nada obstante a ação penal ser pública. E, quando a mesma faltava, resolveram, por puro pragmatismo, eliminar mais um procedimento e, ao arrepio de qualquer norma jurídica, seja do Código de Processo Penal, seja da própria Lei nº 9.099/95 que abrigasse tal entendimento, considerar que estaria ocorrendo a retratação tácita do direito de representação, que denominaram desinteligentemente de "renúncia".

Esta desinteligência [37] – fruto de encontros de trabalho de Magistrados e Promotores de Juizados Especiais Criminais – induziu a erro o legislador que, tomando por referência o enunciado infeliz e mal redigido, cogitou de renúncia quando, em verdade, o que pretendia submeter ao controle do Juiz era a retratação da representação.

Do contrário, além das impropriedades acima destacadas, a se considerar como sendo mesmo renúncia o instituto versado no art. 16, estar-se-ia a criar uma espécie de "representação compulsória". Sim porque, ocorrido o crime, se a vítima não manifestasse o desejo de exercer o direito de representação, o Delegado seria obrigado a endereçar o expediente ao Juiz, para que fosse designada audiência especial com a finalidade de colher sua renúncia expressa, o que contraria, com obviedade ululante, o espírito da ação penal de iniciativa pública condicionada, que é deixar a vítima em paz para decidir se quer ou não representar, sem qualquer tipo de coação ou sugestão. E isto tudo sem instaurar inquérito policial, para o qual, em se tratando de crime de ação penal de iniciativa pública condicionada, a prévia representação lhe é formalidade essencial, forma de início do inquérito, sob pena de nulidade (art. 4o, § 4o, c/c 564, III, "a", do Código de Processo Penal).

Em síntese, onde se lê, no art. 16 da Lei em exame, "renúncia", leia-se, "retratação" [38] da representação. E, neste ponto, registre-se que a lei foi incompreensivelmente benevolente, porque previu como termo ad quem

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para esta retratação – que só pode ser em juízo, bom lembrar – o recebimento da denúncia e não o seu oferecimento, como tradicionalmente estabelecido no art. 25 do Código de Processo Penal, que continua aplicável às demais situações.

8. Epílogo conclusivo.

Essas são observações iniciais que se ousou fazer acerca da nova Lei, no propósito de estimular o debate e, sem poupá-lo das críticas que se reputam merecidas, prestigiar o legislador.

Não se pode admitir que o operador do Direito, pelo simples fato de não concordar com a norma jurídica, simplesmente se recuse a aplicá-la, inventando inconstitucionalidades onde não existem, com o indisfarçável propósito de reduzir o volume de trabalho de determinados órgãos jurisdicionais.

Vale lembrar a lição de Ferrajoli, principalmente para os que se dizem garantistas:

Os juízes penais, em particular, não estão livres de orientarem-se em suas decisões segundo as suas pessoais convicções morais, mas devem, ao contrário, sujeitar-se às leis mesmo se em contraste com tais convicções. Ao menos em princípio, a ética formalista é precisamente a sua ética profissional, que os impede de antepor ou subrepor ao direito a sua moralidade substancial e subjetiva, enquanto esta, exteriorizando-se no exercício de um poder, equivale para quem a ele se submete, ao arbítrio e ao abuso (...). O formalismo ético nas posturas práticas dos juízes diante das leis segue o modelo cognitivo e garantista da jurisdição e da separação do direito da moral: a estrita legalidade, como se viu amplamente neste livro, exige moral e politicamente dos juízes que eles julguem apenas de forma jurídica e não também moral e politicamente, e apenas os fatos e não os seus autores. [39]

A se consolidar a tendência esboçada e criticada no início deste artigo, de simplesmente ignorar o cerne da Lei, que é o afastamento dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que se teme possa ocorrer infelizmente, consistindo numa verdadeira violência jurídica contra a mulher, outra alternativa não restará aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal, senão ajuizarem, com urgência, perante o Supremo Tribunal Federal, ação

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declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, "a", da Constituição Federal) do art. 41 da Lei nº 11.340/06, com vistas ao efeito vinculante prescrito no art. 102, § 2o, da Constituição Federal, sob pena de serem cúmplices de mais uma violência contra a mulher.

Fica dada a sugestão.

Notas

1. Por exemplo: a retratação tácita da representação pela ausência de comparecimento da vítima à audiência preliminar (nenhuma lei brasileira oferece qualquer dispositivo que permita tirar esta conclusão!); a banalização da transação penal, com a consagração das cestas básicas como resposta penal principal dos Juizados, fazendo com que o órgão mais pareça uma sucursal das Secretarias de Promoção Social; o valor aviltante dessas obrigações, não raras vezes parceladas em suaves prestações mensais e em montante muito inferior ao próprio dano provocado pela infração penal, etc. Só para ilustrar o tamanho da teratologia, merece destaque o enunciado nº 85, extraído do Encontro de Juízes de Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais, ocorrido em Armação dos Búzios, entre os dias 01 e 03 de setembro de 2006: "A prática de ato que denote falta de interesse pelo andamento do feito pela vítima enseja o seu arquivamento, de ofício, ou a decretação da extinção da punibilidade, após a denúncia, por ter o significado de renúncia tácita ao direito de representação, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006". Cuida-se de um primor de teratologia! Dois absurdos saltam aos olhos do enunciado, mesmo ao leitor mais desatento, ainda que catecúmeno nas letras jurídicas – o arquivamento ex officio, pelo Juiz, de termo circunstanciado ou procedimento investigatório preparatório ao exercício da ação penal (onde fica o sistema acusatório?!!); a decretação de extinção da punibilidade, após a denúncia, pela suposta renúncia tácita ao direito de representação (qual a relevância da suposta renúncia, se a ação penal já está em curso? Aliás, que renúncia é esta, se o direito já foi exercido, tanto que a denúncia já foi oferecida?? Que "interesse pelo andamento do feito" tem que manifestar a vítima, se o crime é de ação pública? Está se tentando criar uma espécie de perempção em ação penal de iniciativa pública, o que é o absurdo dos absurdos!).

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2. Os enunciados em questão estão disponíveis, dentre outros locais, na ADV/COAD, Informativo nº 37/2006, tendo sido publicados no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro do dia 11 de setembro de 2006.

3. Do Encontro de Juizes dos Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro em Armação dos Búzios: enunciado nº 82 – "É inconstitucional o art. 41 da Lei nº 11.340/2006 ao afastar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I, da Constituição Federal"; enunciado nº 83 – "São aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006"; enunciado nº 84 – "É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006"; enunciado nº 88 – "É cabível a audiência prévia de conciliação aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo de pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006"; enunciado nº 89 – "É cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006".

4. Brasil, Constituição Federal, art. 98, I, com os grifos nossos.

5. Só para recordar, esboçou-se pueril controvérsia acerca da natureza da ação penal do crime de lesão corporal leve previsto no Código Penal Militar, surgindo equivocados entendimentos de que seria pública condicionada a representação, malgrado inexistir, na legislação castrense, tal espécie de ação.

6. Sobre este assunto, vide: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59/60; e MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002, p. 56/57 e 78. Este último colacionando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em abono à tese defendida.

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7. Neste sentido, vide GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher (I). Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes – www.lfg.com.br, acessado em 28/08/2006, às 15:10h.

8. Encontro de Juizes dos Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro em Armação dos Búzios: enunciado nº 86 – "É inconstitucional o artigo 33 da Lei nº 11.340/2006 por versar matéria de organização judiciária, cuja competência legislativa é estadual (artigo 125, § 1º, da Constituição Federal)".

9. Isto foi feito no Estado do Rio de Janeiro, contudo através de resolução, a Resolução nº 23/2006, de 19 de setembro de 2006, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

10. Lembra-se que, sob a vigência das antigas Leis de Entorpecentes, o entendimento jurisprudencial se consolidou no sentido do não cabimento de conversão da pena oriunda das condenações por tráfico de entorpecentes em pena restritiva de direitos, malgrada a ausência de previsão expressa neste sentido no Código Penal e nas Leis nºs. 6.368/76 e 10.409/02, omissão esta corrigida com a nova Lei de Drogas, em seu art. 33, § 4º, e 44 (Lei nº 11.343/06).

11. Mesmo que se enquadre a infração, em tese, no conceito de menor potencial ofensivo, ficaram afastados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, com já examinado.

12. BRASIL, Lei nº 11.340/06, art. 5o, parágrafo único: "As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual".

13. ? (o ponto de interrogação é quanto basta!).

14. Ciúmes?

15. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

16. Só para dar um exemplo, suponha-se que duas amigas resolvam sair para noitada e, de repente, se desentendam por causa de um namorado comum, a ponto de trocarem sopapos e causarem lesões corporais recíprocas. Não se trata de infrações penais que se enquadrem no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Portanto, serão crimes de menor potencial ofensivo, sob os

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auspícios do Juizado Especial Criminal (termo circunstanciado, transações civil e penal, representação, etc); Já se estas mesmas lesões corporais fossem causadas, não por meras amigas, mas por conviventes homossexuais femininas, no seio de suas relações domésticas e íntimas de afeto, estariam tais infrações penais sujeitas às prescrições da Lei "Maria da Penha", neste artigo em análise.

17. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

18. Que previu a possibilidade de afastamento cautelar do agressor do lar conjugal em caso de violência doméstica, a ser determinado cautelarmente pelo Juiz do Juizado Especial Criminal, sob cuja batuta estava a questão até então.

19. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

20. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

21. Brasil, Lei nº 11.340/06, art. 19: "As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida".

22. Brasil, Lei nº 11.340/06, art. 27: "Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei"; art. 28: "É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado".

23. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

24. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 312: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".

25. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 313, com redação determinada pelo art. 42 da Lei nº 11.340/06.

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26. Exemplo: estupro, homicídio, atentado violento ao pudor, lesão corporal seguida de morte, decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

27. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 314: "A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II ou III, do Código Penal".

28. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 311: "Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial."

29. Poderia, em tese, por absurdo, a medida se afigurar imprescindível num crime de injúria, após falharem todas as medidas protetivas de urgência estabelecidas em favor da mulher, diante da insistência do agressor em continuar freqüentando os locais que ela freqüenta para, sistematicamente, humilhá-la (vide art. 7o, II e V, da Lei "Marida da Penha").

30. Embora se registrem respeitáveis posicionamentos em contrário que, por fugirem ao propósito deste trabalho, deixam de ser mencionados com o rigor de costume.

31. Registram-se, também, entendimentos neste sentido e até propostas de alteração legislativa nesta linha que, da mesma forma da observação da nota anterior, por se tratar de assunto que foge ao propósito deste trabalho, são mencionadas superficialmente, sem maior rigor técnico.

32. Em nenhuma hipótese, nem mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

33. Vide art. 312, fine, do Código de Processo Penal.

34. BRASIL, Lei nº 11.340/06, art. 20, parágrafo único: "O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem."

35. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 316: "O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo

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para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem."

36. BRASIL, Lei nº 11.340/06.

37. Em todos os sentidos (formal e material, por assim dizer).

38. Em sentido contrário e sob todas as vênias cita-se artigo de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini: "Eventual analogia (para alcançar também a retratação) seria in malam partem (contra o réu). Considerando-se os inequívocos reflexos penais (aliás, reflexos penais imediatos, não remotos) da retratação da representação (visto que ela pode conduzir à decadência desse direito, que é causa extintiva da punibilidade nos termos do art. 107, IV, do CP), não há como admitir referida analogia. As normas genuinamente processuais admitem amplamente analogia (CPP, art. 3º), mas quando possuem reflexos penais imediatos (ou seja: quando estamos diante de normas processuais materiais), elas contam com a mesma natureza jurídica das normas penais" [GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Lei da Violência Contra a Mulher – Renúncia e Representação da Vítima. Disponível na Internet, www.lfg.com.br, acessado em 30/09/06, às 23:00h]. A proposta que ora se faz não é de analogia, o que pressuporia admitir que a Lei acertou ao prever a renúncia e pretender estender tal previsão à representação. Ao contrário, o que aqui se afirma é que não se trata de renúncia e, sim, de retratação da representação, sendo necessária uma interpretação corretiva da Lei, para captar o instituto de que efetivamente queria cuidar.

39. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 741

Referências.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.

GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher. Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes, acessível em www.lfg.com.br.

Lei da Violência Contra a Mulher. Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes, acessível em www.lfg.com.br.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 61

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2002.

Artigo produzido a partir das reuniões do Grupo de Estudos de Direito Processual, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Fluminense/Faculdade de Direito de Campos, do qual participaram, além do autor, o prof. Dr. Leonardo Greco, Coordenador do Mestrado, e as alunas Gisele Moraes Menezes, da Pós-Graduação Lato Sensu, e Margarida Maria Nunes de Abreu Gomes e Roberta Ferreira de Souza, da Graduação, a quem se atribuem os devidos créditos, agradecendo a imprescindível colaboração

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ASPECTOS CRIMINAIS DA LEI DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN - Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

ALICE BIANCHINI

Doutora em Direito Penal pela PUC-SP, Mestre em Direito pela UFSC, Diretora do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultora e Parecerista e Coordenadora dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

PARTE I

A Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que está reestruturando completamente o ordenamento jurídico no que diz respeito à violência contra a mulher, foi publicada no dia 08 de agosto de 2006. Considerando-se que prevê vacatio de quarenta e cinco dias, entrará em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

A necessária divisão do assunto em três etapas: com o advento da Lei 11.340/2006, o assunto “violência contra a mulher” passará por três etapas (jurídicas) distintas, que são temporalmente as seguintes: 1ª) da publicação da lei (08.08.06) até 21.09.06; 2ª) de 22.09.06 até à criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Jufams); 3ª) depois da criação dos Jufams (em cada Estado, por lei estadual, e no Distrito Federal e Territórios pela União – art.14).

Primeira etapa: hoje a violência contra a mulher não conta com um conjunto ordenado de normas. Elas existem (há uma multiplicidade de regras sobre a matéria), mas não se acham sistematicamente ordenadas. A proteção civil é feita pelos juízos cíveis; da parte criminal encarregam-se os juízes criminais ou os juizados criminais. Quando se trata de crime de menor potencial ofensivo (crimes com sanção não superior a dois anos), a

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competência é dos juizados criminais especiais. A grande maioria das infrações penais contra a mulher é conhecida e julgada (hoje) por esses juizados.

A Lei 9.099/1995, como se sabe, introduziu no Brasil o modelo consensual de Justiça e contemplou quatro institutos despenalizadores, que são: (a) transação penal, (b) composição civil extintiva da punibilidade (nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada), (c) exigência de representação nas lesões corporais leves ou culposas e (d) suspensão condicional do processo.

O dia-a-dia do funcionamento dos juizados nunca agradou alguns setores da sociedade. Algumas associações de mulheres, especialmente, sempre protestaram contra a forma de solução dos conflitos “domésticos” (ou seja: da violência doméstica) pelos juizados. Em casos de ação penal pública, a mulher (ou outra vítima qualquer) nem sequer participa da transação penal (o Estado “roubou-lhe o conflito”, como diz Louk Hulsman). O profundo mal-estar que causou o modelo praticado de Justiça consensuada a esses segmentos constitui o fundamento mais evidente do surgimento do novo diploma legal, que está refutando de modo peremptório qualquer incidência da Lei 9.099/1995 (art. 41).

Primeiro foi a Justiça Militar, por força da Lei 9.839/1999; agora é a “violência contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar” (Lei 11.340/2006) que se afasta do âmbito dos juizados criminais. Num primeiro momento (1995/1996) houve uma fuga (de assuntos) “para os juizados”; com o advento do último texto legal, o que se nota é o (paulatino) abandono dos “velhos” juizados (“fuga dos juizados”).

Durante o período de vacatio legis, entretanto (da publicação da lei – 08.08.06 - até o dia 21.09.06), os delitos contra a mulher (no ambiente doméstico ou íntimo) continuarão sendo resolvidos pelos Juizados criminais (quando a pena máxima prevista para o crime não for superior a dois anos). Essa é a primeira etapa da disciplina jurídica desse assunto. Mesmo que a lei nova seja favorável (por exemplo: pena mínima no caso de lesão corporal leve: hoje é de seis meses e com a lei nova passou para três meses), não pode o juiz aplicá-la durante a vacatio (porque a lei nova pode ser revogada em qualquer momento, antes mesmo de entrar em vigor). Se em alguma situação concreta o juiz perceber que pode algum benefício da lei nova ter incidência, o correto será aguardar a vigência da lei nova (tomando-se eventuais medidas cautelares, se o caso necessitar).

Segunda etapa: a segunda etapa jurídica dessa matéria vai acontecer a partir de 22.09.06 (que é a data da vigência da nova lei). Dela se encarregarão as varas criminais (art. 33 da Lei 11.340/2006). Tudo que fará

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parte (no futuro) da competência dos Jufams (Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher), de imediato (ou seja: a partir de 22.09.06), cabe às “varas criminais” (arts. 29 e 33), que terão competência “cível e criminal” para conhecer e julgar “as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (no segundo artigo dessa série estaremos cuidando dessa matéria).

Terceira etapa: a terceira etapa dessa evolução jurídica dar-se-á em cada Estado (ou no Distrito Federal) que criar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 14). É a etapa que sinaliza com a solução mais adequada para o problema da violência doméstica ou familiar, porque enfoca essa questão do ponto de vista multidisciplinar (dos futuros juizados poderão participar profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde, que desenvolverão trabalhos de orientação, encaminhamento e prevenção voltados para a ofendida, o agressor e seus familiares).

Observações críticas: no que diz respeito às medidas cautelares e protetivas de urgência a nova lei representa um avanço impressionante. No que concerne, entretanto, ao âmbito criminal, a opção política feita pelo legislador da Lei 11.340/2006 retrata um erro crasso. Ao abandonar o sistema consensual de Justiça (previsto na Lei 9.099/1995), depositou sua fé (e vã esperança) no sistema penal conflitivo clássico (velho sistema penal retributivo). Ambos, na verdade, constituem fontes de grandes frustrações, que somente poderão ser eliminadas ou suavizadas com a terceira via dos futuros Juizados, que contarão com equipe multidisciplinar (mas isso vai certamente demorar para acontecer; os Estados seguramente não criação com rapidez os novos juizados). De qualquer modo, parece certo que no sistema consensuado o conflito familiar, por meio do diálogo e do entendimento, pode ter solução mais vantajosa e duradoura; no sistema retributivo clássico isso jamais será possível.

Quem, nos dias atuais, acredita no sistema penal clássico (inquérito policial, denúncia, instrução probatória, ampla defesa, contraditório, sentença, recursos etc.) e supõe que o funcionamento da Justiça criminal brasileira seja eficiente para resolver alguma coisa, com certeza, não tem a mínima idéia de como ele se desenvolve (ou não o conhece em sua real dimensão).

O sistema penal retributivo clássico é gerenciado por uma máquina policial e judicial totalmente desconexa (seus agentes não se entendem), morosa e extremamente complexa. Trata-se de um sistema que não escuta realmente as pessoas, que não registra tudo que elas falam, que usa e abusa de frases estereotipadas (“o depoente nada mais disse nem lhe foi

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perguntado” etc.), que só foca o acontecimento narrado no processo, que não permite o diálogo entre os protagonistas do delito (agressor e agredido), que rouba o conflito da vítima (que tem pouca participação no processo), que não a vê em sua singularidade, vitimizando-a pela segunda vez, que canaliza sua energia exclusivamente para a punição, que se caracteriza pela burocracia e morosidade, que é discriminatória e impessoal, que é exageradamente estigmatizante, que não respeita (muitas vezes) a dignidade das pessoas, que proporciona durante as audiências espetáculos degradantes, que gera pressões insuportáveis contra a mulher (vítima de violência doméstica) nas vésperas da audiência criminal etc.

Tudo quanto acaba de ser descrito nos autoriza concluir que dificilmente se consegue, no modelo clássico de Justiça penal, condenar o marido agressor. E quando ocorre, não é incomum alcançar a prescrição. Na prática, a “indústria” das prescrições voltará com toda energia. O sistema penal clássico, que é fechado e moroso, que gera medo, opressão etc., com certeza, continuará cumprindo seu papel de fonte de impunidade e, pior que isso, reconhecidamente não constitui meio hábil para a solução desse tenebroso conflito humano que consiste na violência que (vergonhosamente) vitimiza, no âmbito doméstico e familiar, quase um terço das mulheres brasileiras.

PARTE II

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Jufams, que poderão ser criados pelos Estados e no Distrito Federal e Territórios) terão competência “cível e criminal” para conhecer e julgar “as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (art. 14). Enquanto não criados tais juizados, essa tarefa será das “varas criminais” (arts. 29 e 33). Como se vê, a partir de 22.09.06 passa para tais varas criminais a plena competência para julgar as causas acima referidas.

Competência (imediata) das varas criminais: o que se entende por “causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, que comporão (no futuro) a competência dos Jufams e que, de imediato, passam para a responsabilidade das varas criminais? A resposta deve ser encontrada no artigo 5º da Lei 11.340/2006.

Esse dispositivo legal (art. 5º) diz o seguinte: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente

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de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.

A fixação da competência (imediata) das varas criminais (que é a mesma que no futuro fará parte dos Jufams), como se nota, depende (da conjugação) de dois critérios: 1º) violência contra mulher e 2º) que ela (mulher) faça parte do âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo do agente do fato. Em outras palavras, a competência será firmada em razão da pessoa da vítima (“mulher”) assim como em virtude do seu vínculo pessoal com o agente do fato (ou seja: é também imprescindível a ambiência doméstica, familiar ou íntima).

Note-se: não importa o local do fato (agressão em casa, na rua etc.). Não é o local da ofensa que define a competência (das varas criminais e dos Jufams). Fundamental é que se constate violência contra mulher e seu vínculo com o agente do fato.

Para ter incidência a lei nova o sujeito passivo da violência deve necessariamente ser uma “mulher” (tanto quanto, por exemplo, no crime de estupro). Pessoas travestidas não são mulheres. Não se aplica no caso delas a lei nova (sim, as disposições legais outras do CP e do CPP). No caso de cirurgia transexual, desde que a pessoa tenha passado documentalmente a ser identificada como mulher (Roberta Close, por exemplo), terá incidência a lei nova.

A questão da constitucionalidade da lei: a Lei 11.340/2006 constitui exemplo de ação afirmativa, no sentido de buscar uma maior e melhor proteção a um segmento da população que vem sendo duramente vitimizado (no caso, mulher que se encontra no âmbito de uma relação doméstica, familiar ou íntima). O art. 5º, I, da CF diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Mas o tratamento diferenciado em favor da mulher (tal como o que lhe foi conferido agora com a Lei 11.340/2006) justifica-se, não é desarrazoado (visto que a violência doméstica tem como vítima, em regra, a mulher). Quando se trata de diferenciação justificada, por força do critério valorativo não há que se falar em violação ao princípio da igualdade (ou seja: em discriminação, sim, em uma ação afirmativa que visa a favorecer e conferir equilíbrio existencial, social, econômico, educacional etc. a um

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determinado grupo). Se a lei nova escolheu o melhor caminho a partir de 22.09.06 é outra coisa. Faço reservas em relação a isso.

Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja: qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima: aplica a nova lei. A essa mesma conclusão se chega: na agressão de filho contra mãe, de marido contra mulher, de neto contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro contra companheira, de quem está em união estável contra a mulher etc. Exceção: marido policial militar que agride mulher policial militar, em quartel militar (a competência, nesse caso, é da Justiça militar).

Quem agredir uma mulher que está fora da ambiência doméstica, familiar ou íntima do agente do fato não está sujeito à Lei 11.340/2006. É dizer: quem ataca fisicamente uma mulher num estádio de futebol, num show musical etc., desde que essa vítima não tenha nenhum vínculo doméstico, familiar ou íntimo com o agente do fato, não terá a incidência da lei nova. Aplicam-se, nesse caso, as disposições penais e processuais do CP, CPP etc.

A violência contra a mulher pode assumir distintas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral (art. 7º). Não importa o tipo de violência: se gerar algum ilícito penal ou alguma pretensão civil (de urgência), tudo será da competência das “varas criminais” (de imediato) (no futuro, dos Jufams).

Observe-se que, no futuro, quando criados os Jufams, a competência deles não terá por base o atual critério dos juizados (infrações penais até dois anos). Trata-se de competência que será definida em razão de critérios próprios. Qualquer delito contra mulher praticado no âmbito das relações domésticas, de família ou íntima (não importa a pena nem a natureza do crime: lesão corporal, ameaça, crime contra a honra, constrangimento ilegal, contra a liberdade individual, contra a liberdade sexual etc.) será da competência dos Jufams (e, de imediato, das varas criminais).

Cárcere privado, lesões corporais, tortura, violência sexual, calúnia, injúria, ameaça etc.: tudo é da competência imediata das varas criminais (e, no futuro, dos Jufams). Exceções: as exceções a essa regra ficam por conta

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das competências definidas na Constituição Federal: júri, crimes da competência da Justiça Federal, crimes da competência da Justiça militar etc. No caso de homicídio (crime doloso contra a vida) a competência é do Tribunal do Júri, incluindo-se o sumário de culpa (fase instrutória preliminar). Não será de imediato das varas criminais nem dos Jufams no futuro. Diga-se a mesma coisa em relação à competência da Justiça Federal: agressão do marido contra a mulher dentro de um avião ou navio (é da competência da Justiça Federal, CF, art. 109). Note-se que a lei não prevê os Jufams no âmbito da Justiça Federal.

Regras de competência (incidência imediata): todas as novas regras de competência contempladas na Lei 11.340/2006 terão incidência imediata (no mesmo dia 22.09.06), por força do art. 2º do CPP (princípio da aplicação imediata da lei genuinamente processual). Mas os crimes ocorridos até 21.09.06 continuarão regidos pelo direito anterior (mais benéfico). Lei nova prejudicial não retroage.

Direito de preferência: nas varas criminais as causas que envolvem violência doméstica ou familiar contra a mulher contam com direito de preferência (parágrafo único do art. 33). Essa preferência não exclui outras já definidas em lei (lei dos idosos, por exemplo). O juiz deve dar prioridade (na movimentação dos processos) a todas essas causas (elas devem ter andamento mais célere).

Sucessão de leis penais e continuidade delitiva: no caso de continuidade delitiva (marido que pratica agressões freqüentes e sucessivas contra a mulher), caso tenha havido agressões na vigência da lei anterior bem como da lei nova, incide a Súmula 711 do STF (ou seja: a pena que terá incidência é a da nova lei, não a da lei antiga).

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LEI DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: RENÚNCIA E REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

ALICE BIANCHINI

Doutora em Direito Penal pela PUC-SP, Mestre em Direito pela UFSC, Diretora do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultora e Parecerista e Coordenadora dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

Nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006 (lei da violência contra a mulher), “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

Muitas são as hipóteses de ação penal pública condicionada à representação (ameaça, crimes contra a honra, crimes sexuais quando a vítima for pobre etc.). Em todas essas situações, quando a vítima for a ofendida de que trata a Lei 11.340/2006 (mulher na ambiência doméstica, familiar ou íntima), sua renúncia à representação só pode ser admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada para esse fim.

Renúncia significa abdicação do direito de representar. Nosso CPP só prevê renúncia em relação ao direito de queixa (ação penal privada). Mas desde a lei dos juizados criminais (Lei 9.099/1995) já não se questiona que também pode haver renúncia em relação ao direito de representação. Renúncia é ato unilateral que ocorre antes do oferecimento da representação. Depois que esta já foi oferecida só cabe retratação. O art. 16, como se vê, só fez referência à renúncia. Logo, o intérprete não pode aí

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incluir a retratação, que é juridicamente possível até o oferecimento da denúncia (CPP, art. 25).

Eventual analogia (para alcançar também a retratação) seria in malam partem (contra o réu). Considerando-se os inequívocos reflexos penais (aliás, reflexos penais imediatos, não remotos) da retratação da representação (visto que ela pode conduzir à decadência desse direito, que é causa extintiva da punibilidade nos termos do art. 107, IV, do CP), não há como admitir referida analogia. As normas genuinamente processuais admitem amplamente analogia (CPP, art. 3º), mas quando possuem reflexos penais imediatos (ou seja: quando estamos diante de normas processuais materiais), elas contam com a mesma natureza jurídica das normas penais.

A renúncia pode ser expressa (renúncia por escrito) ou tácita (prática de ato incompatível com a vontade de processar – CP, art. 104). Em se tratando de crime que tenha como vítima a mulher de que cuida a Lei 11.340/2006 (mulher em ambiência doméstica, familiar ou íntima), essa renúncia só pode ocorrer perante juiz, ouvido o Ministério Público. Por força do princípio da tipicidade das formas dos atos, cada ato possui a sua. A nova lei prescreveu a forma da renúncia de que estamos cuidando. A validade desse ato, portanto, está condicionada ao que ficou escrito no art. 16. A sua inobservância (renúncia feita de outra maneira) conduz à nulidade do ato (que não produz nenhuma eficácia).

O citado art. 16, de modo incompreensível, diz que a audiência (designada para que a vítima manifeste sua renúncia) deve ser realizada “antes do recebimento da denúncia” (sic). Nesse ponto, salvo melhor juízo, o legislador escreveu palavras inúteis. Se a renúncia só pode ocorrer antes do oferecimento da representação e se o Ministério Público antes dessa manifestação de vontade da vítima não pode oferecer denúncia, parece evidente que a lei não poderia ter feito qualquer menção ao “recebimento da denúncia”.

Art. 41 da nova lei: dentre todos os delitos que, no Brasil, admitem representação acham-se a lesão corporal culposa e a lesão corporal (dolosa) simples. Nessas duas hipóteses a exigência de representação (que é condição específica de procedibilidade) vem contemplada no art. 88 da Lei 9.099/1995 (lei dos juizados especiais). Esse dispositivo não foi revogado, sim, apenas derrogado (ele não se aplicará mais em relação à mulher de que trata a Lei 11.340/2006 – em ambiência doméstica, familiar ou íntima). Note-se que o referido art. 88 só fala em lesão culposa ou dolosa simples. Logo, nunca ninguém questionou que a lesão corporal

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dolosa grave ou gravíssima (CP, art. 129, § 1º e 2º) sempre integrou o grupo da ação penal pública incondicionada.

Considerando-se o disposto no art. 41 da nova lei, que determinou que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/1995”, já não se pode falar em representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atinge a mulher que se encontra na situação da Lei 11.340/2006 (ou seja: numa ambiência doméstica, familiar ou íntima) (nesse sentido cf. também: José Luiz Joveli; em sentido contrário: Fernando Célio de Brito Nogueira).

Nesses crimes, portanto, cometidos pelo marido contra a mulher, pelo filho contra a mãe, pelo empregador contra a empregada doméstica etc., não se pode mais falar em representação, isto é, a ação penal transformou-se em pública incondicionada (o que conduz à instauração de inquérito policial, denúncia, devido processo contraditório, provas, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). Esse ponto, sendo desfavorável ao acusado, não pode retroagir (isto é: não alcança os crimes ocorridos antes do dia 22.09.06).

Não existe nenhuma incompatibilidade, de outro lado, entre o art. 41 e o art. 16. O primeiro excluiu a representação nos delitos de lesão corporal culposo e lesão simples. No segundo existe expressa referência à representação da mulher. Mas é evidente que esse ato só tem pertinência em relação a outros crimes (ameaça, crimes contra a honra da mulher, contra sua liberdade sexual quando ela for pobre etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I, da Lei 11.340/2006).

Identificação criminal do indiciado: por força do art. 12, VI, da Lei 11.340/2006, deve a autoridade policial, quando instaurado inquérito e desde que haja fumus delicti, “ordenar a identificação do agressor”. Leitura rápida desse dispositivo sinalizaria mais uma hipótese “obrigatória” de identificação criminal (CPP, art. 6º, VIII), na linha do que já ficou estabelecido no art. 3º da Lei 10.054/2000. Ocorre que toda interpretação não é só texto, sim contexto. Justifica-se a identificação criminal (dactiloscópica e fotográfica) em situações de dúvida ou quando o agente não conta com identificação civil (não conta com cédula de identidade). Logo, quando o agente apresenta esta última e não paira nenhuma dúvida razoável sobre sua individualidade, falta razoabilidade para a exigência da identificação criminal, que passa a ter cunho puramente simbólico e punitivo. Pior: punitivismo inútil (porque, em relação a quem já é civilmente e indiscutivelmente identificado, absolutamente nada acrescenta a

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identificação criminal). Aquilo que nada representa de útil para o Estado e, ao mesmo tempo, constitui um deplorável constrangimento para o sujeito, traz em seu bojo o total desequilíbrio exigido na relação entre custo e benefício: é nisso que reside a falta de razoabilidade da exigência (abusiva) da identificação criminal.

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NOVA LEI DE DROGAS: RETROATIVIDADE OU IRRETROATIVIDADE?

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN - Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

ROGÉRIO SANCHES CUNHA

Professor da Escola Superior do MP-SP. Professor de Direito penal e Processo penal na Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG e Promotor de Justiça em São Paulo

Quando há uma efetiva sucessão de leis penais (no tempo do crime vigorava a lei “A” e no tempo do processo, da sentença ou da execução passa a vigorar a lei “B”, regente do mesmo fato) fala-se em conflito de leis penais no tempo (ou sucessão de leis penais). Qual delas deve ter incidência no caso concreto: a lei do tempo do crime (lei “A”) ou a lei do tempo do processo, da sentença ou da execução (lei “B”)?

Para resolver o assunto contamos com dois princípios básicos (irretroatividade da lei penal nova mais severa e retroatividade da lei penal nova mais benéfica) e dois outros correlatos (ultra-atividade da lei penal anterior mais benéfica e não ultra-atividade da lei penal anterior mais severa). Ao conjunto de regras e princípios que regulam o conflito de leis penais no tempo dá-se o nome de Direito penal intertemporal.

Esse fenômeno da sucessão de leis penais aconteceu uma vez mais com o advento da Lei 11.343/2006 (nova lei de drogas). Comparando-se essa lei nova com a antiga (Lei 6.368/1976), nota-se que em muitos pontos a lei nova ora é mais favorável, ora é mais severa. Em todos os pontos em que for favorável retroage (deve retroagir para beneficiar os réus). Do contrário, quando maléfica não retroage. São muitas as situações que merecem nossa atenção. Vejamos alguns exemplos:

a) Primeiro:

74 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

O art. 33 da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente, ou seja, se a conduta permanente (ter consigo, ter em depósito, guardar substância entorpecente etc.) teve início antes da nova lei (até o dia 07.10.06) e continuou sendo praticada após o dia 08.10.06, incide a nova lei, mesmo que mais severa (crime permanente que continua sendo praticado mesmo depois do advento de nova lei, é regido pela nova lei – Súmula 711 do STF).

b) Segundo:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

ART. 12 (...)

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

ART 33 (...)

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 75

I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

O art. 33, § 1º, I, da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, I, previu novo objeto material (insumo) com conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente (cf. acima nossas observações sobre esse ponto).

c) Terceiro:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

ART. 12 (...)

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

ART. 33 (...)

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

(...)

II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

(...)

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

O art. 33, § 1º, II, da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, II, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente. Deve ser lembrado, ainda, que o plantio de pequena quantidade para uso agora está equiparado ao mero porte (art. 28),

76 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

retroagindo para aqueles que antes subsumiam ao tipo do tráfico. Quem, no entanto, ensinava ser tal comportamento atípico (lacuna), deve aplicar a novel Lei de forma irretroativa.

d) Quarto:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

ART. 12 (...)

§ 2° Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

ART. 33 (...)

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

(...)

II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

(...)

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

O art. 33, § 1º, III, restringiu a punição para aquele que age visando a prática do tráfico. Nesse caso, o tipo novo é irretroativo, vez que a sanção trazida pela Lei 11.343/06 é mais gravosa (atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente). Se a cessão do local for para uso, a novel lei não mais aplica a mesma pena do tráfico, tratando a hipótese como simples induzimento, tipificado no parágrafo seguinte, com pena menos grave (logo, retroativo).

e) Quinto:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 12

§ 2°

I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

Art. 33. .......

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 77

A Lei nova, nesse caso em que o agente induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente, deve retroagir porque trouxe sanções penais menos gravosas.

f) Sexto:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 33. .......

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

O comportamento descrito no art. 33, § 3º, antes da Lei 11.343/06, era, para alguns, tratado como tráfico (fornecer, ainda gratuitamente, art. 12 da Lei 6.368/1976). Agora, com a alteração trazida pela Lei 11.343/06, o fornecedor que age sem finalidade de lucro e de forma eventual, visando, inclusive, a consumir a droga oferecida com pessoa de seu relacionamento (tráfico ocasional e íntimo), tem pena bem menos gravosa, aliás de menor potencial ofensivo (está clara a retroatividade). A retroatividade existe mesmo para aqueles que antes já subsumiam a hipótese ao porte para uso (art. 16, da antiga lei de drogas), vez que a pena máxima deixou de ser de dois passando para um ano. O novo dispositivo, entretanto, é irretroativo no que diz respeito à pena de multa: a nova é muito mais severa que a anterior.

Quem aplica a lei nova favorável? Se o processo está em andamento em primeira instância, a lei nova favorável deve ser aplicada pelo juiz de primeira instância; se está no tribunal, cabe ao tribunal aplicá-la; se existe execução em andamento (provisória ou definitiva) a incidência da nova lei é da competência do juiz das execuções (Súmula 611 do STF).

Situação peculiar: o juiz das execuções tem competência para aplicar a lei nova favorável, fazendo-se os ajustes necessários na pena (conforme a lei nova). De qualquer maneira, pode ser que o caso demande exame

78 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

valorativo de provas ou mesmo produção de novas provas. Nessa hipótese, o correto será o uso da revisão criminal, porque o juiz das execuções se de um lado não pode se furtar do exame cognitivo das provas produzidas, de outro, não tem o dever de abrir “nova” instrução probatória nessa fase executiva. Sempre que o caso exigir exame valorativo (que não se confunde com o simples exame cognitivo) de provas, ou mesmo produção de provas novas, a via adequada é a da revisão criminal.

Conclusão: preenchidos os requisitos desse novo art. 33, § 3º, ele deve ter incidência retroativa e vai alcançar todos os fatos passados, aplicando-se a pena privativa de liberdade da nova lei, mantendo-se a pena de multa da antiga. Com isso fica patente que o juiz não está “criando” uma terceira lei, ou seja, o juiz não está “inventando” nenhum tipo de sanção: apenas vai aplicar as partes benéficas de cada lei, aprovada pelo legislador. O que está vedado ao juiz é ele “inventar” um novo tipo de sanção. Isso não pode. Aplicar tudo aquilo que foi aprovado pelo legislador o juiz pode (e deve).

Na primeira parte deste artigo citamos seis situações de conflito temporal entre a nova lei de drogas (Lei 11.343/2006) e a antiga. Outros exemplos que podem ser lembrados são as seguintes:

g) Sétimo:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 79

O art. 34 da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 13, previu conseqüências penais (pena pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente.

h) Oitavo:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 ou 13 desta Lei:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, "caput" e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas do "caput" deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

O art. 35, caput, da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 14, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Deve ser lembrado que a pena para o art. 14 foi alterada pela Lei 8.072/90, passando para a baliza de 3 a 6 anos (a mesma do art. 288 do CP). Atenção apenas para a Súmula 711 do STF. O art. 36, parágrafo único, é lei nova incriminadora, aplicável somente para os casos futuros (irretroativa).

i) Nono:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, “caput”, e § 1°, e 34 desta lei

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1500 (mil e quinhentos) a 4000 (quatro mil) dias-multa.

80 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

O comportamento descrito no art. 36, antes da novel lei, era punido com a mesma pena do tráfico (3 a 15 anos), agravado pelo art. 62, I, do CP. Logo, a inovação é irretroativa, ressalvando-se os casos que se ajustarem à Súmula 711 do STF.

j) Décimo:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, “caput”, e § 1°, e 34 desta Lei.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

O comportamento descrito no art. 37, antes da nova Lei, era encarado como partícipe do tráfico, respondendo com a mesma pena do traficante (3 a 15 anos), na medida de sua culpabilidade (art. 29 do CP). Agora, prevendo-se uma exceção pluralista à teoria monista, pune-se o mero colaborador (“papagaio”) com pena mais branda, devendo a norma retroagir, alcançando os fatos pretéritos. Sobre a competência para aplicar a lei nova mais favorável, veja nossos comentários ao art. 33, § 3º, supra.

l) Décimo-primeiro:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 15. Prescrever ou ministrar culposamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em de dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-

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Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa.

multa.

O art. 38, repetindo os mesmos núcleos do art. 15, previu nova forma de negligência com conseqüência penal (pecuniária) mais gravosa. A mudança, portanto, é irretroativa.

m) Décimo-segundo:

LEI 6.368/76 LEI 11.343/06

Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.

Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no "caput" deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.

Antes da nova Lei o comportamento descrito no art. 39 era mera contravenção penal de direção perigosa (art. 34). Agora, etiquetado como crime, tem pena mais grave, sendo a mudança irretroativa.

n) Décimo-terceiro (causas de aumento de pena, art. 40):

O antigo artigo 18, III, da Lei 6.368/1976, previa como causa de aumento de pena (de um a dois terços) o tráfico decorrente de associação. Também

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era previsto (no art. 14) o delito de associação para o tráfico. A diferença entre tais dispositivos era a seguinte: no caso de associação permanente (estável) incidia o art. 14. No caso de associação ocasional (temporária) tinha aplicação o art. 18, III (ou seja: art. 12 c.c. art. 18, III).

Essa causa de aumento de pena não foi repetida na Lei 11.343/2006 (o assunto foi disciplinado no art. 40). São muitas as causas de aumento de pena previstas neste último dispositivo legal, entretanto, da associação ocasional ele não cuidou. Conclusão: houve uma espécie de abolitio criminis, isto é, desapareceu do ordenamento jurídico essa causa de aumento de pena. Nesse ponto a lei nova é favorável. Quem antes foi condenado e sua pena foi agravada em razão dessa causa, deve agora ser beneficiado com a lei nova. E quem aplica a lei nova mais favorável? Juiz do processo ou tribunal ou juiz das execuções (conforme o caso, como vimos acima nos nossos comentários ao art. 33, § 3º).

o) Décimo-quarto (aumento mínimo do art. 40 mais favorável):

As causas de aumento novas incluídas no art. 40 (e que não constavam do antigo art. 18) só terão incidência de 08.10.06 para frente (ou seja: para crimes ocorridos dessa data para frente). No que diz respeito às causas de aumento de pena que já constavam no antigo art. 18 temos o seguinte: antes o aumento mínimo era de um terço; agora o aumento mínimo é de um sexto. Nos casos em que o réu já tenha sido condenado e o juiz fixou o aumento mínimo (um terço), impõe-se o ajuste para um sexto. Lei nova mais favorável retroage. Nas situações em andamento (processos em andamento relacionados com crimes ocorridos antes de 08.10.06), o juiz já deve levar em conta que o aumento mínimo é de um sexto (não de um terço).

p) Décimo-quinto (tráfico ocasional: novo art. 33, § 4º):

O § 4º do art. 33 traz uma nova causa de diminuição de pena que não existia antes. Diz o diploma legal: “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.

No chamado tráfico ocasional a lei nova prevê uma causa de diminuição da pena, que tem incidência retroativa. O juiz ou tribunal deve levar em conta a pena antiga (para os crimes antigos, cometidos até 07.10.06). A nova causa de diminuição da pena incide nos crimes antigos, ou seja, na visão do legislador, o injusto penal (tráfico) praticado por traficante ocasional

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conta com menor reprovação. Essa diferenciação de tratamento deve alcançar os fatos passados. Mudou a perspectiva do legislador assim como a graduação punitiva do fato. Não há dúvida que tudo isso trouxe benefício para o criminoso. E lei nova mais favorável, sempre deve retroagir. Não pode o juiz, em relação aos fatos antigos, levar em conta a pena nova (de 5 a 15 anos). Nesse ponto a lei nova é mais severa (não retroage). Sintetizando: aplica-se a pena antiga com a diminuição nova.

q) Décimo-sexto (benefícios penais cabíveis):

Para crimes ocorridos de 08.10.06 para frente não cabe sursis, graça, anistia, indulto, penas substitutivas etc. (art. 44). Os crimes ocorridos anteriormente (até 07.10.06) contam, entretanto, com tratamento distinto: antes do advento da nova lei, por exemplo, o STF admitia penas substitutivas (penas restritivas) para o caso de tráfico (STF, HC 84.928, rel. Min. Cezar Peluso). Os crimes anteriores devem ser regidos pelo direito anterior, sempre que mais benéfico.

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NOVA LEI DE TÓXICOS: DESCRIMINALIZAÇÃO DA POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

Em relação ao usuário e/ou dependente de drogas a nova lei de tóxicos, que será sancionada e publicada em breve, não mais prevê a pena de prisão. Isso significa descriminalização, legalização ou despenalização da posse de droga para consumo pessoal? A resposta que prontamente devemos dar reside na primeira alternativa (descriminalização). A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser “crime”. De qualquer modo, como veremos em seguida, a conduta descrita continua sendo ilícita (uma infração, mas sem natureza penal). Isso significa que houve tão-somente a descriminalização, não concomitantemente a legalização.

Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal (como infração penal) deixa de ser crime (ou seja: deixa de ser infração penal). Há duas espécies de descriminalização: (a) a que retira o caráter de ilícito penal da conduta mas não a legaliza e (b) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente.

Na primeira hipótese o fato continua sendo ilícito (proibido), porém, exclui-se a incidência do Direito penal. O fato deixa de ser punível (do ponto de vista penal). Passa a ser um ilícito administrativo ou de outra natureza. Retira-se da conduta a etiqueta de “crime” (embora permaneça a ilicitude). Descriminalizar, assim, é diferente de descriminalizar e concomitantemente legalizar a conduta. Sempre que ocorre uma descriminalização é preciso verificar se o ato antes incriminado foi totalmente legalizado ou se (embora não configurando uma infração penal) continua sendo contrário ao Direito.

O fato descriminalizado (que é retirado do âmbito do Direito penal) pode deixar de constituir um ilícito penal, mas continuar sendo sancionado administrativamente ou com sanção de outra natureza.

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Na legalização o fato é descriminalizado e deixa de ser ilícito, ou seja, passa a não ser objeto de qualquer tipo de sanção. A venda de bebidas alcoólicas para adultos, v.g., hoje, está legalizada (não gera nenhum tipo de sanção: civil ou administrativa ou penal etc.).

Despenalizar é outra coisa: significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se intacto o caráter de “crime” da infração (o fato continua sendo infração penal). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para o delito. A lei dos juizados criminais, por exemplo, não descriminalizou nenhuma conduta, apenas introduziu no Brasil quatro medidas despenalizadoras (processos que procuram evitar ou suavizar a pena de prisão).

Abolitio criminis: o projeto que será sancionado aboliu o caráter “criminoso” da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado “crime” (embora continue sendo um ilícito, um ato contrário ao Direito). Houve, portanto, descriminalização, mas não legalização. Estamos, de qualquer modo, diante de mais uma hipótese de abolitio criminis. Vejamos:

Por força da Lei de Introdução ao Código Penal (art. 1º), “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente” (cf. Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro − Dec.-Lei 3.914/41, art. 1º).

Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país.

Infração “sui generis”: diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração “sui generis”. Não se trata de “crime” nem de “contravenção penal” porque

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somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, não penal, sim, “sui generis”. Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: nem é ilícito “penal” nem “administrativo”: é um ilícito “sui generis”.

Direito judicial sancionador: se a posse de droga para consumo pessoal passou a ser infração “sui generis” (não se trata mais nem de “crime” nem de “contravenção penal”), coerente parece afirmar que esse fato tampouco pertence ao Direito “penal”. O tratamento conferido ao usuário na nova lei de tóxicos constitui então, sem sombra de dúvida, exemplo de Direito judicial sancionador.

Criminalização, despenalização e descriminalização: antes da Lei 9.099/95 (lei dos juizados criminais) o art. 16 da Lei 6.368/1976 contemplava a posse de droga para consumo pessoal como criminosa (cominando-lhe pena de seis a dois anos de detenção). A conduta que acaba de ser descrita era problema de “polícia” (e levava muita gente para a cadeia). Adotava-se a política da criminalização.

A partir da Lei 9.099/1995 permitiu-se (art. 89) a suspensão condicional do processo e, desse modo, abriu-se a primeira perspectiva despenalizadora em relação à posse de droga para consumo pessoal. Afastou-se a resposta penal dura precedente, sem retirar o caráter criminoso do fato.

Com a Lei 10.259/01 ampliou-se o conceito de infração de menor potencial ofensivo para todos os delitos punidos com pena até dois anos: esse foi mais um passo despenalizador em relação ao art. 16, que passou para a competência dos juizados criminais. A consolidação dessa tendência adveio com a Lei 11.313/2006, que alterou o art. 61 para admitir como infração de menor potencial ofensivo todas as contravenções assim como os delitos punidos com pena máxima não excedente de dois anos.

O caminho da descriminalização adotado agora pelo legislador brasileiro, de modo firme e resoluto, constitui o ponto culminante de uma opção político-criminal minimalista (que se caracteriza pela mínima intervenção do Direito penal).

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ABORTO ANENCEFÁLICO: EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL (II)

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)

Também existe muita polêmica sobre o exato enquadramento dogmático do aborto anencefálico: haveria exclusão da antijuridicidade, da punibilidade ou da tipicidade?

Nosso Código Penal, no art. 128, como já sublinhado, prevê duas hipóteses de aborto permitido: o necessário, quando há risco de vida para a gestante (CP, art. 128, I) e o humanitário ou sentimental (quando a gravidez resulta de estupro – CP, art. 128, II). Não se pretende que o STF crie uma terceira modalidade de exclusão de punibilidade em relação ao aborto. Não é isso que se pede na ADPF citada. Sim, que ele declare que o aborto anencefálico não se enquadra nos tipos legais desse crime (contemplados nos artigos 124 e ss. do CP).

Mas sob qual fundamento isso seria possível?

A resposta só pode ser encontrada no âmbito da tipicidade material, que exige três juízos valorativos distintos: 1º) juízo de desaprovação da conduta (cabe ao juiz verificar o desvalor da conduta, ou seja, se o agente, com sua conduta, criou ou incrementou um risco proibido relevante); 2º) juízo de desaprovação do resultado jurídico (isto é, desvalor do resultado que consiste na ofensa desvaliosa ao bem jurídico) e 3º) juízo de imputação objetiva do resultado (o resultado deve ser a realização do risco criado ou incrementado).

4. O aborto anencefálico não é um fato materialmente típico

A essa conclusão se chega quando se tem presente a verdadeira e atual extensão do tipo penal, que abrange (a) a dimensão formal-objetiva

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(conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade e adequação típica formal à letra da lei); (b) a dimensão material-normativa (desvalor da conduta + desvalor do resultado jurídico + imputação objetiva desse resultado) e (c) a dimensão subjetiva (nos crimes dolosos). O aborto anenfálico elimina a dimensão material-normativa do tipo (ou seja: a tipicidade material) porque a morte, nesse caso, não é arbitrária, não é desarrazoada. Não há que se falar em resultado jurídico desvalioso nessa situação.

A base dessa valoração decorre de uma ponderação (em cada caso concreto) entre o interesse de proteção de um bem jurídico (que tende a proibir todo tipo de conduta perigosa relevante) e o interesse geral de liberdade (que procura assegurar um âmbito de liberdade de ação, sem nenhuma ingerência estatal).

No aborto anencefálico parece não haver dúvida que o resultado jurídico (lesão contra o bem jurídico vida do feto) não é desaprovado juridicamente. Todas as normas e princípios constitucionais invocados na ação de descumprimento de preceito fundamental (artigos 1º, IV - dignidade da pessoa humana -; 5º, II - princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade -; 6º, caput, e 196 - direito à saúde -, todos da CF) conduzem à conclusão de que não se trata de uma morte (ou antecipação dela) desarrazoada (ou abusiva ou arbitrária).

Não há dúvida que o art. 5º da CF assegura a inviolabilidade da vida, mas não existe direito absoluto. Feliz, portanto, a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. O que se deve conter é o arbítrio, o abuso, o irrazoável. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico desvalioso (ou intolerável). Ao contrário, trata-se de resultado juridicamente tolerável, na medida em que temos, de um lado, uma vida inviável (todos os fetos anencefálicos morrem, em regra poucos minutos após o nascimento), de outro, um conteúdo nada desprezível de sofrimento (da mãe, do pai, da família etc.).

Pode-se afirmar tudo em relação ao aborto anencefálico, menos que seja um caso de morte arbitrária. Ao contrário, antecipa-se a morte do feto (cuja vida, aliás, está cientificamente inviabilizada), mas isso é feito em respeito a outros interesses sumamente relevantes (saúde da mãe, sobretudo psicológica, dignidade, liberdade etc.). Não se trata, portanto, de uma morte arbitrária. O fato é atípico justamente porque o resultado jurídico (a lesão) não é desarrazoado (desarrazoada). Basta compreender que o “provocar o aborto” do art. 124 significa “provocar arbitrariamente o aborto” para se

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concluir pela atipicidade (material) da conduta. Esse, em suma, é o fundamento da atipicidade do aborto anencefálico.

Mas é preciso que se constate, com toda clareza, a inviabilidade do feto. Porque é essa inviabilidade (cientificamente certa) aliada a vários outros interesses relevantes em jogo (sofrimento da gestante, angústia, afetação de sua saúde mental e psicológica, dignidade humana etc.) que torna a antecipação do parto uma medida razoável. Fora das hipóteses de inviabilidade certa da vida, jamais se pode conceber o aborto.

Por isso mesmo, fetos deformados, fetos com doenças mentais, mongais etc., não podem ser eliminados arbitrariamente. Só se justifica a morte (antecipada) do feto cuja vida está totalmente anulada. Aborto anencefálico não é aborto profilático. Ninguém pode, por razões de profilaxia (de depuração da raça, por eugenia etc.), matar qualquer outra pessoa. Aborto profilático é crime. Já o anencefálico exclui a tipicidade material. Neste a vida do feto é inviável; naquele a vida do feto (extra-uterina) é viável. Nisso reside uma grande diferença entre tais situações.

Pouco importa o fato, bastante excepcional, de alguns raros fetos anencefálicos não morrerem dez ou vinte minutos depois do nascimento. Há casos em que o nascido dura semanas, às vezes um ou mais meses. Isso, entretanto, não invalida a premissa de que jamais qualquer um desses fetos veio a sobreviver. A inviabilidade da vida quanto ao anencefálico é absoluta e cientificamente certa. Essa é a razão de se não vislumbrar arbitrariedade na antecipação do parto.

Argumenta-se ainda que o melhor seria deixar a criança nascer, aproveitar dela alguns órgãos vitais importantes (para transplantes) e só depois esperar a sua morte. Essa é uma questão delicada, porque a extração de órgãos vitais só é permitida após a morte cerebral. O feto anencefálico conta com má formação do cérebro, mas não se pode afirmar a sua morte cerebral. Feto anencefálico tem vida cerebral. O cérebro é mal formado, mas funciona. Não é possível, destarte, enquanto o feto tenha vida, retirar-lhe qualquer órgão. Deve-se aguardar a morte cerebral para a extração de órgãos.

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LEGISLAÇÃO

LEGISLAÇÃO FEDERAL

LEI Nº 11.313, DE 28 DE JUNHO DE 2006.

Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2º da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR)

“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” (NR)

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Art. 2º O art. 2º da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de junho de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marcio Thomaz Bastos

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 29.6.2006

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LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer,

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ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

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DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de

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ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

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CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

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I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

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III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

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Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

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Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

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§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

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IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de

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atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 105

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

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Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313. .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

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Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006

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LEI Nº 11.341, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Altera o parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil - Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, para admitir as decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive na Internet, entre as suscetíveis de prova de divergência jurisprudencial.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O parágrafo único do art. 541 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 541. ...........................................

...........................................................

Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marcio Thomaz Bastos

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006

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LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006.

Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.

TÍTULO II

DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS

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Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:

I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS E DOS OBJETIVOS

DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS

Art. 4º São princípios do Sisnad:

I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade;

II - o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes;

III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados;

IV - a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad;

V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad;

VI - o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito;

VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;

VIII - a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad;

IX - a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção

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do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas;

X - a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social;

XI - a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional Antidrogas - Conad.

Art. 5º O Sisnad tem os seguintes objetivos:

I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados;

II - promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país;

III - promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios;

IV - assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das atividades de que trata o art. 3º desta Lei.

CAPÍTULO II

DA COMPOSIÇÃO E DA ORGANIZAÇÃO

DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS

Art. 6º (VETADO)

Art. 7º A organização do Sisnad assegura a orientação central e a execução descentralizada das atividades realizadas em seu âmbito, nas esferas federal, distrital, estadual e municipal e se constitui matéria definida no regulamento desta Lei.

Art. 8º (VETADO)

CAPÍTULO III

(VETADO)

Art. 9º (VETADO)

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Art. 10. (VETADO)

Art. 11. (VETADO)

Art. 12. (VETADO)

Art. 13. (VETADO)

Art. 14. (VETADO)

CAPÍTULO IV

DA COLETA, ANÁLISE E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES

SOBRE DROGAS

Art. 15. (VETADO)

Art. 16. As instituições com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social que atendam usuários ou dependentes de drogas devem comunicar ao órgão competente do respectivo sistema municipal de saúde os casos atendidos e os óbitos ocorridos, preservando a identidade das pessoas, conforme orientações emanadas da União.

Art. 17. Os dados estatísticos nacionais de repressão ao tráfico ilícito de drogas integrarão sistema de informações do Poder Executivo.

TÍTULO III

DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS

CAPÍTULO I

DA PREVENÇÃO

Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.

Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes:

I - o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence;

II - a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de orientar as ações dos serviços públicos comunitários e

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privados e de evitar preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam;

III - o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas;

IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias;

V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes drogas utilizadas;

VI - o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados;

VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas;

VIII - a articulação entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção a usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares;

IX - o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida;

X - o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino;

XI - a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas;

XII - a observância das orientações e normas emanadas do Conad;

XIII - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas.

Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à criança e ao adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda.

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CAPÍTULO II

DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL

DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS

Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas.

Art. 21. Constituem atividades de reinserção social do usuário ou do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais.

Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princípios e diretrizes:

I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Assistência Social;

II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais;

III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde;

IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais;

V - observância das orientações e normas emanadas do Conad;

VI - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas.

Art. 23. As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada.

Art. 24. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão conceder benefícios às instituições privadas que desenvolverem

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programas de reinserção no mercado de trabalho, do usuário e do dependente de drogas encaminhados por órgão oficial.

Art. 25. As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes de drogas poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira.

Art. 26. O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário.

CAPÍTULO III

DOS CRIMES E DAS PENAS

Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

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§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6º do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.

Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6º do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.

Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.

TÍTULO IV

DA REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.

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Art. 32. As plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas autoridades de polícia judiciária, que recolherão quantidade suficiente para exame pericial, de tudo lavrando auto de levantamento das condições encontradas, com a delimitação do local, asseguradas as medidas necessárias para a preservação da prova.

§ 1º A destruição de drogas far-se-á por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, guardando-se as amostras necessárias à preservação da prova.

§ 2º A incineração prevista no § 1º deste artigo será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público, e executada pela autoridade de polícia judiciária competente, na presença de representante do Ministério Público e da autoridade sanitária competente, mediante auto circunstanciado e após a perícia realizada no local da incineração.

§ 3º Em caso de ser utilizada a queimada para destruir a plantação, observar-se-á, além das cautelas necessárias à proteção ao meio ambiente, o disposto no Decreto no 2.661, de 8 de julho de 1998, no que couber, dispensada a autorização prévia do órgão próprio do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.

§ 4º As glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas, conforme o disposto no art. 243 da Constituição Federal, de acordo com a legislação em vigor.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

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II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 119

Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.

Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;

II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de

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entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.

Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas no máximo.

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

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Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.

Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.

CAPÍTULO III

DO PROCEDIMENTO PENAL

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

§ 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais.

§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

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§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

§ 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado.

§ 5º Para os fins do disposto no art. 76 da Lei no 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta.

Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas previstos na Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999.

Seção I

Da Investigação

Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.

§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.

§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.

Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto.

Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:

I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e

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natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou

II - requererá sua devolução para a realização de diligências necessárias.

Parágrafo único. A remessa dos autos far-se-á sem prejuízo de diligências complementares:

I - necessárias ou úteis à plena elucidação do fato, cujo resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento;

II - necessárias ou úteis à indicação dos bens, direitos e valores de que seja titular o agente, ou que figurem em seu nome, cujo resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento.

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Seção II

Da Instrução Criminal

Art. 54. Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:

I - requerer o arquivamento;

II - requisitar as diligências que entender necessárias; 124 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as demais provas que entender pertinentes.

Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 1º Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas.

§ 2º As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

§ 3º Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.

§ 4º Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias.

§ 5º Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias.

Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.

§ 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo.

§ 2º A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias.

Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.

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Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.

§ 1º Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso do processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, § 1º, desta Lei, preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar.

§ 2º Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e, ouvido o Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo toxicológico.

Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.

CAPÍTULO IV

DA APREENSÃO, ARRECADAÇÃO E DESTINAÇÃO DE BENS DO ACUSADO

Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

§ 1º Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão.

§ 2º Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela sua liberação.

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§ 3º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores.

§ 4º A ordem de apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações.

Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.

Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.

§ 1º Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

§ 2º Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.

§ 3º Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do

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inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.

§ 4º Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

§ 5º Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos no § 4º deste artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.

§ 6º Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal.

§ 7º Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e intimará a União, o Ministério Público e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias.

§ 8º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão.

§ 9º Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a quantia apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad, juntamente com os valores de que trata o § 3º deste artigo.

§ 10. Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo.

§ 11. Quanto aos bens indicados na forma do § 4º deste artigo, recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e

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controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.

Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível.

§ 1º Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que não forem objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da União, serão revertidos diretamente ao Funad.

§ 2º Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União.

§ 3º A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato cumprimento ao estabelecido no § 2º deste artigo.

§ 4º Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local em que se encontram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins de sua destinação nos termos da legislação vigente.

Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convênio com os Estados, com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas.

TÍTULO V

DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Art. 65. De conformidade com os princípios da não-intervenção em assuntos internos, da igualdade jurídica e do respeito à integridade territorial dos Estados e às leis e aos regulamentos nacionais em vigor, e observado o espírito das Convenções das Nações Unidas e outros instrumentos jurídicos internacionais relacionados à questão das drogas, de que o Brasil é parte, o governo brasileiro prestará, quando solicitado,

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cooperação a outros países e organismos internacionais e, quando necessário, deles solicitará a colaboração, nas áreas de:

I - intercâmbio de informações sobre legislações, experiências, projetos e programas voltados para atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

II - intercâmbio de inteligência policial sobre produção e tráfico de drogas e delitos conexos, em especial o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e o desvio de precursores químicos;

III - intercâmbio de informações policiais e judiciais sobre produtores e traficantes de drogas e seus precursores químicos.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998.

Art. 67. A liberação dos recursos previstos na Lei no 7.560, de 19 de dezembro de 1986, em favor de Estados e do Distrito Federal, dependerá de sua adesão e respeito às diretrizes básicas contidas nos convênios firmados e do fornecimento de dados necessários à atualização do sistema previsto no art. 17 desta Lei, pelas respectivas polícias judiciárias.

Art. 68. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborem na prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e na repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

Art. 69. No caso de falência ou liquidação extrajudicial de empresas ou estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, de ensino, ou congêneres, assim como nos serviços de saúde que produzirem, venderem, adquirirem, consumirem, prescreverem ou fornecerem drogas ou de qualquer outro em que existam essas substâncias ou produtos, incumbe ao juízo perante o qual tramite o feito:

I - determinar, imediatamente à ciência da falência ou liquidação, sejam lacradas suas instalações;

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II - ordenar à autoridade sanitária competente a urgente adoção das medidas necessárias ao recebimento e guarda, em depósito, das drogas arrecadadas;

III - dar ciência ao órgão do Ministério Público, para acompanhar o feito.

§ 1º Da licitação para alienação de substâncias ou produtos não proscritos referidos no inciso II do caput deste artigo, só podem participar pessoas jurídicas regularmente habilitadas na área de saúde ou de pesquisa científica que comprovem a destinação lícita a ser dada ao produto a ser arrematado.

§ 2º Ressalvada a hipótese de que trata o § 3º deste artigo, o produto não arrematado será, ato contínuo à hasta pública, destruído pela autoridade sanitária, na presença dos Conselhos Estaduais sobre Drogas e do Ministério Público.

§ 3º Figurando entre o praceado e não arrematadas especialidades farmacêuticas em condições de emprego terapêutico, ficarão elas depositadas sob a guarda do Ministério da Saúde, que as destinará à rede pública de saúde.

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.

Art. 71. (VETADO)

Art. 72. Sempre que conveniente ou necessário, o juiz, de ofício, mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ou a requerimento do Ministério Público, determinará que se proceda, nos limites de sua jurisdição e na forma prevista no § 1º do art. 32 desta Lei, à destruição de drogas em processos já encerrados.

Art. 73. A União poderá celebrar convênios com os Estados visando à prevenção e repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de drogas.

Art. 74. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.

Art. 75. Revogam-se a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei no 10.409, de 11 de janeiro de 2002.

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Brasília, 23 de agosto de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Guido Mantega Jorge Armando Felix

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.8.2006

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ATO NORMATIVO FEDERAL

RESOLUÇÃO N.º 13, DE 02 DE OUTUBRO DE 2006.

Regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 130-A, § 2º, inciso I, da Constituição Federal e com fulcro no art. 64-A de seu Regimento Interno,

Considerando o disposto no artigo 127, “caput” e artigo 129, incisos I , II, VIII e IX, da Constituição Federal,

Considerando o que dispõem o art. 8° da Lei Complementar n.º 75/93, o art. 26 da Lei n.º 8.625/93 e o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

Considerando a necessidade de regulamentar no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal;

R E S O L V E:

Capítulo I

DA DEFINIÇÃO E FINALIDADE

Art. 1ºO procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.

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Capítulo II

DA INSTAURAÇÃO

Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do

Ministério Público poderá:

I – promover a ação penal cabível;

II – instaurar procedimento investigatório criminal;

III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;

IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;

V – requisitar a instauração de inquérito policial.

Art. 3º O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.

§ 1º O procedimento deverá ser instaurado sempre que houver determinação do Procurador-Geral da República, do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral de Justiça Militar, diretamente ou por delegação, nos moldes da lei, em caso de discordância da promoção de arquivamento de peças de informação.

§ 2º A designação a que se refere o § 1º deverá recair sobre membro do Ministério Público diverso daquele que promoveu o arquivamento.

§ 3º A distribuição de peças de informação deverá observar as regras internas previstas no sistema de divisão de serviços.

§ 4º No caso de instauração de ofício, o membro do Ministério Público poderá prosseguir na presidência do procedimento investigatório criminal até a distribuição da denúncia ou promoção de arquivamento em juízo.

§ 5º O membro do Ministério Público, no exercício de suas atribuições criminais, deverá dar andamento, no prazo de 30 (trinta) dias a contar de seu recebimento, às representações, requerimentos, petições e peças de informação que lhes sejam encaminhadas.

§ 6º O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado por grupo de atuação especial composto por membros do Ministério

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Público, cabendo sua presidência àquele que o ato de instauração designar.

Art. 4º O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais.

Parágrafo único. Se, durante a instrução do procedimento investigatório criminal, for constatada a necessidade de investigação de outros fatos, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para instauração de outro procedimento.

Art. 5º Da instauração do procedimento investigatório criminal far-se-á comunicação imediata e escrita ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça, Procurador-Geral de Justiça Militar ou ao órgão a quem incumbir por delegação, nos termos da lei.

Capítulo III

DA INSTRUÇÃO

Art. 6º Sem prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá:

I – fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências;

II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

III – requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral;

IV – notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais;

V – acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária;

VI – acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária;

VII – expedir notificações e intimações necessárias;

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VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos;

IX – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

X – requisitar auxílio de força policial.

§ 1º Nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

§ 2º O prazo mínimo para resposta às requisições do Ministério Público será de 10 (dez) dias úteis, a contar do recebimento, salvo hipótese justificada de relevância e urgência e em casos de complementação de informações.

§ 3º Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações para comparecimento devem ser efetivadas com antecedência mínima de 48 horas, respeitadas, em qualquer caso, as prerrogativas legais pertinentes.

§ 4º A notificação deverá mencionar o fato investigado, salvo na hipótese de decretação de sigilo, e a faculdade do notificado de se fazer acompanhar por advogado.

§ 5º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada.

§ 6º As notificações e requisições previstas neste artigo, quando tiverem como destinatários o Governador do Estado os membros do Poder Legislativo e os desembargadores, serão encaminhadas pelo Procurador-Geral de Justiça.

§ 7º As autoridades referidas nos parágrafos 5º e 6º poderão fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.

§ 8º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

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Art. 7º O autor do fato investigado será notificado a apresentar, querendo, as informações que considerar adequadas, facultado o acompanhamento por advogado.

Art. 8º As diligências serão documentadas em auto circunstanciado.

Art. 9º As declarações e depoimentos serão tomados por termo, podendo ser utilizados recursos áudio-visuais..

Art. 10 As diligências que devam ser realizadas fora dos limites territoriais da unidade em que se realizar a investigação, serão deprecadas ao respectivo órgão do Ministério Público local, podendo o membro do Ministério Público deprecante acompanhar a(s) diligência(s), com a anuência do membro deprecado.

§ 1º A deprecação poderá ser feita por qualquer meio hábil de comunicação, devendo ser formalizada nos autos.

§ 2º O disposto neste artigo não obsta a requisição de informações, documentos, vistorias, perícias a órgãos sediados em localidade diversa daquela em que lotado o membro do Ministério Público.

Art. 11 A pedido da pessoa interessada será fornecida comprovação escrita de comparecimento.

Art. 12 O procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela sua condução.

§ 1º Cada unidade do Ministério Público, manterá, para conhecimento dos órgãos superiores, controle atualizado, preferencialmente por meio eletrônico, do andamento de seus procedimentos investigatórios criminais.

§ 2º O controle referido no parágrafo anterior poderá ter nível de acesso restrito ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral de Justiça Militar, mediante justificativa lançada nos autos.

Capítulo IV

DA PUBLICIDADE

Art. 13 Os atos e peças do procedimento investigatório criminal são públicos, nos termos desta Resolução, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público ou conveniência da investigação.

Parágrafo único. A publicidade consistirá:

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I – na expedição de certidão, mediante requerimento do investigado, da vítima ou seu representante legal, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado;

II – no deferimento de pedidos de vista ou de extração de cópias, desde que realizados de forma fundamentada pelas pessoas referidas no inciso I ou a seus advogados ou procuradores com poderes específicos, ressalvadas as hipóteses de sigilo;

III – na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente do procedimento investigatório criminal, observados o princípio da presunção de inocência e as hipóteses legais de sigilo.

Art. 14 O presidente do procedimento investigatório criminal poderá decretar o sigilo das investigações, no todo ou em parte, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato ou interesse público exigir; garantida ao investigado a obtenção, por cópia autenticada, de depoimento que tenha prestado e dos atos de que tenha, pessoalmente, participado.

Capítulo V

DA CONCLUSÃO E DO ARQUIVAMENTO

Art. 15 Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública, promoverá o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.

Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art.28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.

Art. 16 Se houver notícia de outras provas novas, poderá o membro do Ministério Público requerer o desarquivamento dos autos, providenciando-se a comunicação a que se refere o artigo 5º desta Resolução.

Capítulo VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 17 No procedimento investigatório criminal serão observados os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil. aplicando-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente.

138 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Art. 18 Os órgãos do Ministério Público deverão promover a adequação dos procedimentos de investigação em curso aos termos da presente Resolução, no prazo de 90 (noventa) dias a partir de sua entrada em vigor.

Art. 19 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 02 de outubro de 2006.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PRESIDENTE

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LEGISLAÇÃO ESTADUAL

LEI Nº 6.459, DE 22 DE MAIO DE 2002.

Dispõe sobre o Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Pará, sua finalidade, organização, composição e competência, e dá outras providências.

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DA FINALIDADE

Art. 1º Fica criado o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Pará, integrado por órgãos do Poder Judiciário, conforme definido no art. 98, I, da Constituição Federal e nos arts. 147, V, e 173, I, da Constituição Estadual e de acordo com os termos da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, bem como, no que for aplicável, pelo disposto nas Leis Estaduais 5.967, de 12 de junho de 1996, e 6.186, de 5 de janeiro de 1999, e por esta Lei. (NR)

Art. 2º O Sistema de Juizados Especiais tem por fim assegurar aos jurisdicionados, em especial os de baixa renda, justiça rápida e de baixo custo, com o mínimo de ônus aos cofres públicos, no cumprimento deste dever do Estado, em processos orientados pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

CAPÍTULO II

DA ESTRUTURA DO SISTEMA

Art. 3º Integram o Sistema dos Juizados Especiais:

I - A Coordenadoria Geral dos Juizados Especiais

II - As Turmas Recursais

III - Os Juizados Especiais Cíveis

IV - Os Juizados Especiais Criminais.

140 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

CAPÍTULO III

DA COORDENADORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

SEÇÃO I

DA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO

Art. 4º A Coordenadoria Geral dos Juizados Especiais é constituída por um Coordenador Geral; um Secretário; três Assessores e três Auxiliares.

§ 1º O Coordenador Geral dos Juizados Especiais será sempre um Desembargador designado pelo Presidente do Tribunal de Justiça.

§ 2º O Secretário Geral, Bacharel em Direito, será DAS-5, nos termos da Lei nº 5.810, de 24 de janeiro de 1994 - Regime Jurídico Único do Estado do Pará e os Auxiliares, de nível médio, serão admitidos por concurso público.

§ 3º Os Assessores, Bacharéis em Direito ou em Administração, a critério do Coordenador, serão por ele indicados ao Presidente do Tribunal para nomeação.

SEÇÃO II

DA COMPETÊNCIA

Art. 5º À Coordenadoria Geral dos Juizados Especiais compete: (NR)

I - organizar e estruturar os Juizados Especiais;

II - propor a instalação de Juizados Especiais e de Turmas Recursais;

III - indicar conciliadores e funcionários para que sejam designados pelo Presidente do Tribunal de Justiça. (NR)

IV - relacionar os cargos que se encontram vagos e, se for o caso, solicitar ao Presidente do Tribunal de Justiça a realização de concurso público para preenchê-los;

V - fiscalizar, inspecionar e corrigir erros de fundo administrativo, levando, quando for o caso, as questões envolvendo Juízes e/ou funcionários à Corregedoria Geral da Justiça e à Secretaria de Administração, respectivamente, para que seja apurada a responsabilidade, e se for o caso, punido o infrator;

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VI - supervisionar as atividades de todo o Sistema de Juizados Especiais, velando sempre pela consecução de suas finalidades institucionais e pelo fiel cumprimento ao estabelecido na legislação em vigor.

CAPÍTULO IV

DAS TURMAS RECURSAIS

SEÇÃO I

DA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO

Art. 6º As Turmas Recursais atuarão na Capital do Estado e nas Regiões Judiciárias com mais de dez Juizados Especiais em atividade.

Parágrafo único. As duas Turmas Recursais que se encontram em funcionamento na Capital do Estado não sofrerão solução de continuidade, as demais, em número de dez, irão sendo instaladas, por iniciativa do Coordenador, no momento em que o Tribunal de Justiça entender necessário.

Art. 7º Cada Turma Recursal, com competência para julgar os recursos interpostos contra decisões dos Juizados Especiais compor-se-á de quatro Juízes de Direito, em exercício no 1º Grau de Jurisdição, sendo três titulares e um suplente, auxiliados pela Secretaria.

§ 1º Os Juízes de Direito são designados pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. (NR)

§ 2º A Turma Recursal é presidida pelo Magistrado mais antigo entre os seus componentes.

§ 3º A Secretaria das Turmas Recursais será provida de um Secretário, Bacharel em Direito, de livre nomeação, na referência DAS-4, nos termos da Lei nº 5.810, de 24 de janeiro de 1994 - Regime Jurídico Único do Estado do Pará e de dois auxiliares de nível médio, admitidos mediante concurso público.

SEÇÃO II

DA COMPETÊNCIA

Art. 8º As Turmas Recursais têm competência para processar e julgar os recursos interpostos contra decisões dos Juizados Especiais, bem como, os habeas-corpus, os mandados de segurança impetrados contra atos dos Juízes de Direito dos Juizados Especiais.

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CAPÍTULO V

DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

SEÇÃO I

DA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO

Art. 9º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais constituem unidades jurisdicionais descentralizadas fixas ou móveis, compostas por dois órgãos distintos: um Juiz de Direito e uma Secretaria. (NR)

I - no mínimo, de um Juiz Togado; uma Secretaria; dois Conciliadores e um Oficial de Justiça;

II - no máximo, de um Juiz Togado; dois Juízes Leigos; dez Conciliadores; uma Secretaria e dois Oficiais de Justiça.

Art. 10. Os Juizados Especiais serão presididos por Juízes de Direito de entrância equivalente à Comarca onde se localizam, sendo os cargos respectivos providos por relotação, remoção ou promoção. (NR)

Parágrafo único. Poderão ser designados Pretores lotados na 3ª entrância, para atuação nas varas de Juizados da Capital, onde responderão pelas mesmas, na condição de Juízes Togados, consoante dispõe o art. 173 da Constituição do Estado, sem qualquer novo acréscimo financeiro, devendo a vara ser preenchida por Juiz de Direito na medida em que forem sendo extintos os cargos de Pretor. (NR)

Art. 11. A Secretaria destinada aos serviços de escrivania, burocráticos e administrativos do Juizado Especial, terá um Secretário, preferencialmente Bacharel em Direito, dois Auxiliares, no mínimo, e, no máximo, quatro, todos de nível médio. (NR)

§ 1º As Secretarias poderão contar, ainda, com Conciliadores e Juízes Leigos, que desempenharão suas atividades como Auxiliares da Justiça. (NR)

§ 2º Junto a cada Secretaria funcionarão, no mínimo, dois Conciliadores e um Oficial de Justiça; e, no máximo, dois Juízes Leigos, dez Conciliadores e dois Oficiais de Justiça. (NR)

§ 3º Os Auxiliares executarão todos os serviços para os quais forem incumbidos, sendo que, um deles, por delegação, substituirá o Secretário em seus impedimentos, realizando todos os atos inerentes ao cargo. (NR)

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Art. 12. Os Juízes Leigos, recrutados entre advogados com mais de cinco anos de experiência forense prestarão seus serviços na condição de Auxiliares da Justiça, sem vínculo com o Estado, indicados pelo Coordenador Geral dos Juizados Especiais e designados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, podendo perceber um gratificação. (NR)

Parágrafo único. Quando instaurado o juízo arbrital, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 o árbitro será escolhido dentre os Juízes Leigos.

Art. 13. Os Conciliadores, recrutados na comunidade entre as pessoas juridicamente capazes e moral e intelectualmente capacitados a prestarem os serviços pertinentes à conciliação, preferentemente, entre Bacharéis em Direito, prestarão seus serviços como Auxiliares da Justiça, sem vínculo com o Estado, indicados pelo Coordenador Geral dos Juizados Especiais e designados pelo Presidente do Tribunal de Justiça. (NR)

Parágrafo único. Os serviços voluntários dos Conciliadores são considerados de relevância pública, servindo a comprovação de terem sido efetivamente prestados por um ano ou mais, como título em concurso público estadual.

Art. 14. Os Oficiais de Justiça, portadores de nível médio, cujas funções específicas se restringem aos casos previstos na Lei dos Juizados Especiais, comparecerão diariamente ao Juizado Especial no horário estabelecido para entrega e recebimento de mandados.

Parágrafo único. Quando forem dois Oficiais de Justiça, um deles, alternadamente, permanecerá no Juizado Especial durante todo o expediente, a disposição do Juiz.

Art. 15. Os Secretários, ocuparão cargo de função gratificada, dentre os funcionários de provimento efetivo do Tribunal, e será atribuída uma gratificação de sessenta por cento do vencimento do Auxiliar de Secretaria.

Art. 16. Os Auxiliares de Secretaria e os Oficiais de Justiça serão admitidos por concurso público.

SEÇÃO II

DA COMPETÊNCIA

Art. 17. Aos Juizados Especiais Cíveis compete conciliar, arbitrar, condenar e executar nas causas enumeradas na Lei dos Juizados Especiais, buscando, porém, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

144 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Art. 18. Aos Juizados Especiais Criminais compete conciliar, arbitrar, condenar e executar, nas causas indicadas na Lei dos Juizados Especiais, buscando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

§ 1º A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de Direitos ou de multa cumulada com estas, será processada perante a Central de Execução de Penas Alternativas nos termos das normas legais em vigor.

§ 2º A imposição de pena restritiva de direitos ou multa, por acolhimento de proposta feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração, não terá efeitos civis, nem importará em reincidência, sendo registrada, apenas, para impedir, que, no prazo de cinco anos, seja o benefício novamente concedido.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 19. O Sistema de Juizados Especiais será incluído na Organização Judiciária do Estado do Pará, em capítulo próprio.

Art. 20. O Coordenador Geral dos Juizados Especiais faz jus, pelo exercício de função, a uma gratificação, a título de representação, não incorporável, no valor de quinze por cento sobre o seu vencimento base.

Art. 21. O Magistrado em exercício de função acumulada nas Câmaras Recursais ou designado para atuar nos feitos abrangidos pela Lei 9.099/95, receberá uma gratificação, a título de representação, não incorporável, no valor de 5% (cinco por cento) do subsídio do magistrado substituto. (NR)

Art. 22. Os Assessores da Coordenadoria Geral dos Juizados Especiais serão DAS-6 nos termos da Lei nº 5.810, de 24 de janeiro de 1994 - Regime Jurídico Único do Estado do Pará e das Constituições Federal e Estadual, com suas respectivas Emendas, ora em vigor.

Art. 23. A Secretaria da Coordenadoria Geral dos Juizados Especiais funcionará no mesmo horário de funcionamento da Justiça Comum.

Art. 24. A Secretaria de Turma Recursal funcionará todos os dias úteis no mesmo horário de funcionamento da Justiça Comum.

Art. 25. Os Juizados Especiais funcionarão todos os dias úteis em horário a ser designado pelo Presidente do Tribunal, mediante proposta da Coordenadoria Geral, nunca inferior a seis horas.

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Art. 26. Os Juizados Especiais funcionarão preferencialmente em prédios públicos próprios ou mediante convênio com entidades públicas ou privadas.

Art. 27. Nas Comarcas onde não exista vara de Juizado Especial instalada, os feitos de sua competência serão julgados pelo Juiz da Comarca. (NR)

§ 1º Nos casos abrangidos por este artigo, o magistrado deverá obedecer ao rito especial previsto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. (NR)

§ 2º Nas Comarcas onde o volume de serviço o exigir, poderão ser criadas, por Resolução do Tribunal de Justiça do Estado, Secretarias específicas, destinadas aos serviços de escrivania, burocráticos e administrativos relativos aos processos de competência dos Juizados Especiais, na forma desta Lei. (NR)

Art. 28. Nos Juizados Especiais Cíveis as custas processuais serão cobradas de acordo com o que dispõe a Lei dos Juizados Especiais e o Código de Custas Judiciárias do Estado do Pará, em vigor.

Art. 29. A Corregedoria Geral da Justiça baixará provimento estabelecendo critério para cobrança, a feitura dos cálculos e o recolhimento.

Art. 30. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma da Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária.

Art. 31. Os cargos de serventuários de provimento efetivo criados por esta Lei serão preenchidos mediante concurso público, a partir de sua vigência, de acordo com a necessidade da prestação jurisdicional e da disponibilidade orçamentária. (NR)

Art. 32. Ficam criados no quadro do Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais os cargos de serventuários e funcionários da Justiça constantes do anexo I desta Lei.

Art. 33. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta dos recursos orçamentários e financeiros do Poder Judiciário.

Art. 34. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

146 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Art. 35. Revogam-se as disposições em contrário.

PALÁCIO DO GOVERNO, 22 de maio de 2002. ALMIR GABRIEL Governador do Estado

ANEXO I

GRUPO CARGO VENCIMENTO Nº DE CARGOS

Auxiliar de Secretaria

R$ 950,00 150 SERVENTUÁRIO

DE JUSTIÇA Oficial de Justiça

de Juizado Especial

R$ 970,00 100

TOTAL 250

* Republicada conforme a Lei Complementar nº. 033, de 4/11/97, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 6.869, de 20/6/2006.

D.O.E. Nº. 30.708 de 22/06/2006

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LEI Nº 6.499, DE 30 DE OUTUBRO DE 2002.

Autoriza o Estado a firmar convênios com empresas de iniciativa privada, objetivando a utilização de mão-de-obra carcerária, e dá outras providências

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O Estado poderá firmar convênio com empresas da iniciativa privada, objetivando a utilização de mão-de-obra carcerária, como meio de ressocialização do apenado.

Parágrafo único. Só poderão estabelecer convênio com o Estado, para fins do disposto nesta Lei, as empresas em dia com suas obrigações trabalhistas e fiscais.

Art. 2º O pagamento devido ao apenado, não poderá ser inferior a 01 (um) salário mínimo nacional, ou ao piso estabelecido em acordo ou convenção coletiva de trabalho da categoria da empresa tomadora de serviço.

Art. 3º É de responsabilidade da tomadora de serviço, providenciar, obrigatoriamente, seguro de vida e contra acidentes de trabalho ao apenado, pelo período que durar a prestação do serviço, assim como fornecer os equipamentos de proteção individual, quando o serviço assim demandar.

Art. 4º (VETADO)

Art. 5º Esta Lei deverá ser regulamentada pelo Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

ALMIR GABRIEL Governador do Estado

D.O.E. Nº 29.814, de 01/11/2002.

148 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

LEI Nº 6.896, DE 03 DE AGOSTO DE 2006.

Proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas no Estado do Pará em horários estabelecidos nesta Lei e dá outras providências

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e seu Presidente, nos termos do § 7º do art. 108 da Constituição do Estado promulga a seguinte Lei:

Art. 1º No Estado do Pará, fica proibido o consumo e a venda de bebida alcoólica de qualquer natureza em bares, restaurantes, supermercados, depósitos de bebidas, tabernas, boates, lojas de conveniência, clubes e eventos públicos, por ambulantes e por quaisquer outras pessoas ou locais em que sejam comercializadas bebidas, obedecendo aos seguintes dias da semana e horários:

I – Na segunda, terça, quarta e quinta-feira, nos horários de 01:00 às 06:00 horas da manhã.

II – Na sexta-feira, sábado e domingo no horário das 03:00 às 06:00 horas da manhã.

Parágrafo único. São considerados eventos públicos os shows e festas em espaços públicos ou privados, não importando a finalidade da realização do evento.

Art. 2º Para efeito de aplicação desta Lei, fica o Poder Judiciário, através das comarcas instaladas no Estado, autorizado a estender ou reduzir os horários para vendas de bebidas alcoólicas, devendo para tanto ouvir os responsáveis pela segurança pública dos municípios.

Parágrafo único. A decisão de estender o horário para a venda de bebidas não ultrapassará às 04:00 horas da manhã e somente poderá ocorrer quando:

a) Houver data comemorativa significativa e do interesse da cidade;

b) Durante as comemorações das festas juninas;

c) Em períodos de férias de verão ou em feriados prolongados, quando houver afluxo de pessoas e interesse do setor de serviços, observado o estabelecido no caput deste artigo.

Art. 3º As casas de shows, boates e clubes que possuem tratamento acústico, sistema de segurança e que não tenham ocorrência

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de violência, inclusive no entorno, poderão pleitear o direito de estender o horário até às 04:00 horas da manhã, nos dias referidos no inciso II do artigo 1º.

Art. 4º O Poder Executivo, através dos órgãos de segurança pública e da Secretaria da Fazenda, fiscalizará a aplicação desta Lei.

Art. 5º Serão aplicadas gradativamente aos infratores desta Lei, assegurando a ampla defesa e o contraditório, após ser lavrado o auto de infração, as seguintes sanções:

I – advertência escrita;

II – quando reincidente, multa de 250 Unidades Fiscais de Referência;

III – quando da segunda reincidência, multa de 500 Unidades Fiscais de Referência;

IV – em caso de persistir o desrespeito a esta Lei, suspensão da licença estadual para funcionamento do estabelecimento ou licença para promoção de evento a pessoa física ou jurídica requerente, pelo prazo de trinta dias;

V – lavrado o quinto auto de infração, o Poder Público providenciará a cassação da inscrição estadual do estabelecimento comercial ou empresa de eventos.

§ 1º São considerados infratores, para efeito desta Lei, os responsáveis pelos estabelecimentos comerciais e os promotores de eventos públicos, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.

§ 2º Visando o direito de defesa da pessoa física ou jurídica, conceder-se-á o prazo de trinta dias para recorrer do auto de infração junto a Secretaria Executiva de Segurança Pública, com direito de recurso ao Conselho Estadual de Segurança Pública.

§ 3º Aos ambulantes que desrespeitarem o estabelecido nesta Lei será realizada a apreensão da bebida alcoólica por ele comercializada.

Art. 6º Fica proibida, a partir da publicação desta Lei, a concessão de licenças para a instalação de bares, casas de shows e festas a menos de duzentos metros das unidades escolares, igrejas e casas de saúde.

Art. 7º O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no prazo de noventa dias a contar da data de sua publicação.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

150 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Art. 9º Revogam-se as disposições em contrário, mantendo-se, para efeito de licenciamento de casas noturnas e autorização para eventos o que estabelece o Decreto nº 2.423, de 31 de agosto de 1982.

PALÁCIO CABANAGEM, GABINETE DA PRESIDÊNCIA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ, EM 03 DE AGOSTO DE 2006.

Deputado MEGALE Governador do Estado

D.O.E. Nº. 30.747 de 17/08/2006.

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LEI Nº 6.920, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006.

Dispõe sobre a criação na Comarca da Capital dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e dá outras providências

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte Lei

Art. 1º Ficam criados, na Comarca da Capital, duas Varas de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de que trata o artigo 36 da Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.

Art. 2º Competem às referidas Varas o processo, o julgamento e a execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 11. 340, de 07 de agosto de 2006.

Parágrafo único. A competência entre as duas Varas ficam assim distribuídas:

I - 1ª Vara - Privativa de crimes do juízo singular e cível por distribuição;

II - 2ª Vara - Privativa de crimes de competência do Tribunal do Júri, ação de divórcio, separação judicial, dissolução da união estável e cível por distribuição.

Art. 3º As Varas terão a seguinte organização:

a) um cargo de Juiz de Direito;

b) um cargo de Assessor de Juiz - REF. CJS-2;

c) um cargo de provimento efetivo de Diretor de Secretaria;

d) dois cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Secretaria I;

e) dois cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça;

f) um cargo de provimento efetivo de Auxiliar Judiciário;

g) quatro cargos de provimento efetivo de Técnico Assistente - PJ. ATJI, sendo um com formação na área de Psicologia, um com formação na área de Serviço Social, um com formação na área de Direito e um com formação na área de Saúde.

152 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Art. 4º Para atender a organização de que trata o artigo anterior, ficam criados os seguintes cargos:

a) dois cargos de Assessor de Juiz - REF. CJS-2;

b) dois cargos de provimento efetivo de Diretor de Secretaria de 3ª Entrância;

c) quatro cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Secretaria I;

d) quatro cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça;

e) dois cargos de provimento efetivo de Auxiliar Judiciário;

f) oito cargos de provimento efetivo de Técnico Assistente - PJ. ATJI, sendo dois com formação na área de Psicologia, dois com formação na área de Serviço Social, dois com formação na área de Direito e dois com formação na área de Saúde.

Art. 5º Todos os cargos de provimento efetivo deverão ser preenchidos através de concurso público.

Art. 6º O provimento dos respectivos cargos obedecerá ao cronograma de prioridades e necessidades definidas pelo Tribunal de Justiça, condicionando-se à existência de recursos financeiros.

Art. 7º Enquanto não criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nas Comarcas do Interior do Estado, as Varas Criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

§ 1º Nas Comarcas com duas Varas com competência cível e criminal de que cogita o art. 119 do Código Judiciário do Estado, será competente para o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a 2ª Vara.

§ 2º Nas Comarcas com mais de uma Vara com competência exclusiva criminal, a competência será definida por distribuição.

Art. 8º O Tribunal de Justiça, através de Resolução, criará os mecanismos necessários para a implantação e funcionamento desses Juizados, obedecidas as normas previstas na Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.

Art. 9º As despesas com os encargos decorrentes desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias do Poder Judiciário.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Page 77: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 153

Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.

PALÁCIO DO GOVERNO, 19 de outubro de 2006.

SIMÃO JATENE Governador do Estado

D.O.E. Nº. 30.789 de 24/10/2006

154 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS

PROVIMENTO Nº 005/2006 – CJCI

Dispõe sobre o registro da presença, nos termos de audiências, de Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Advogados..

A Excelentíssima Desembargadora Osmarina Onadir Sampaio Nery, Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior, no uso de suas atribuições legais, e,

Considerando o procedimento de alguns Juizes do interior que, ante a flagrante carência de Promotores de Justiça e Defensores Públicos, fazem constar nos termos de audiências as suas presenças, quando na verdade eles não estão presentes, o que é efetuado com a melhor das intenções, entretanto, tal procedimento, antes de assegurar, nega ao cidadão direitos que lhe são assegurados pela Constituição da República e, em tese, sob certas circunstâncias, pode constituir-se em infração ao art. 299 do Código Penal; resolve:

Art. 1º Proibir os Juizes das Comarcas do interior de fazerem constar nos termos de audiência a presença de Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Advogados, quando estes não se fizerem presentes ao ato.

Art. 2º Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Publique-se. Registra-se. Intime-se. Cumpra-se. Belém, 08 de maio de 2006.

D.J. Nº. 3642 de 10/05/2006.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 155

RESOLUÇÃO Nº 017/2006-GP.

Dispõe sobre a criação de Juizados Especiais com competência para processamento de crimes ambientais junto às Varas Agrárias do Estado.

O Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais, por deliberação de seus membros, em sessão hoje realizada, e

CONSIDERANDO o crescimento das demandas relativas aos crimes ambientais, com a ampliação da competência da Justiça Estadual para processar e julgar as condutas lesivas ao Meio Ambiente previstas na Lei Federal nº 9.605/98;

CONSIDERANDO que o art. 13 da Lei Estadual n° 6.186, 05/01/1999, autoriza o Poder Judiciário a instalar Juizados Especiais, mediante o aproveitamento das estruturas de recursos humanos e materiais existentes no âmbito do Poder;

CONSIDERANDO o esvaziamento da competência das Varas Agrárias, após a Emenda Constitucional nº 30/2005, que deu nova redação ao art. 167, § 1º da Constituição do Estado do Pará, havendo necessidade do aproveitamento de sua estrutura. RESOLVE:

Art. 1º. Criar os Juizados Especiais Criminais nas Comarcas de Altamira, Castanhal, Marabá, Santarém e Redenção, com competência privativa e exclusiva para conciliar, processar, julgar e executar as condutas lesivas ao Meio Ambiente previstas na Lei Federal nº 9.605/98, considerados os crimes de menor potencial ofensivo, praticados na jurisdição das Comarcas respectivas.

Art. 2º. Os Juizados funcionarão no local e horário das Varas Agrárias instaladas nessas Comarcas, sob a Presidência do respectivo Juiz Agrário, utilizando todos os recursos humanos e materiais existentes na Vara.

Art. 3°. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Plenário Des. "Oswaldo Pojucan Tavares", aos vinte e três dias do mês de agosto do ano de dois mil e seis.

Des. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, Presidente

156 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Desª. YVONNE SANTIAGO MARINHO,Vice-Presidente

Desª. CARMENCIN MARQUES CAVALCANTE, Corregedora de Justiça das Comarcas da Região Metropolitana de Belém.

Desª. OSMARINA ONADIR SAMPAIO NERY, Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior do Estado

Desª. ALBANIRA LOBATO BEMERGUY

Desª. MARIA HELENA D’ALMEIDA FERREIRA

Desª. HERALDA DALCINDA BLANCO RENDEIRO

Desª. SONIA MARIA DE MACEDO PARENTE

Desª. RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA

Desª. THEREZINHA MARTINS DA FONSECA

Des. RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

Desª. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Des. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA

Desª. VÂNIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA

Des. RAIMUNDO HOLANDA REIS

Desª. MARIA RITA LIMA XAVIER

Desª. ELIANA RITA DAHER ABUFAIAD

Desª. BRÍGIDA GONÇAVES DOS SANTOS

Desª. VANIA LÚCIA SILVEIRA AZEVEDO DA SILVA

Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO

Des. RICARDO FERREIRA NUNES

Desª. MARIA ANGÉLICA RIBEIRO LOPES SANTOS

Des. LEONARDO DE NORONHA TAVARES

Desª. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET

Des. CLAUDIO AUGUSTO MONTALVÃO DAS NEVES

Desª. MARIA DO CARMO ARAÚJO E SILVA

D.J. Nº. 3714 de 24/08/2006

Page 79: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 157

PORTARIA Nº 2.509/2006-PGJ

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, usando de suas atribuições legais

CONSIDERANDO decisão do Conselho Nacional do Ministério Público, do dia 02 de outubro de 2006, que a unanimidade de seus membros disciplinou por meio da Resolução nº 13, a instauração e tramitação da investigação criminal e dá outras providências;

CONSIDERANDO que a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público é objeto de questionamento perante o Supremo Tribunal Federal, que ainda não examinou o mérito da questão, que continua pendente de julgamento;

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar o procedimento investigatório criminal no âmbito do Ministério do Estado do Pará;

R E S O L V E:

Art. 1º. Recomendar aos Procuradores e Promotores de Justiça do Ministério Pùblico do Estado do Pará, com atribuições criminal, que nos procedimentos investigatórios, observem em todos os seus termos a Resolução editada e aprovada pelo Conselho Nacional do Ministério Público;

Art. 2°. A instauração de procedimento investigatório criminal será feito por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e comunicada a Procuradoria Geral de Justiça, acompanhada da respectiva cópia;

Art. 3°. Esta recomendação entra em vigor na data desta publicação.

PUBLIQUE-SE, REGISTRE-SE E CUMPRA-SE

GABINETE DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em Belém, em 10 de outubro de 2006.

FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA Procurador-Geral de Justiça

D.O.E. Nº. 30.789 de 24/10/2006

158 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

RESOLUÇÃO nº 008/2006-MP/CPJ, DE 09 DE NOVEMBRO DE 2006

Institui a Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital, altera a Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000, e dá outras providências.

O COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, órgão da Administração Superior do Ministério Público do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais;

CONSIDERANDO a edição da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (DOU de 8/8/2006), que, dentre outras providências, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

CONSIDERANDO o advento da Lei Estadual nº 6.920, de 19 de outubro de 2006 (DOE de 24/10/2006), que instituiu, na Comarca de Belém, Capital do Estado do Pará, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

CONSIDERANDO que a Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000 (DOE de 20/10/2000), e suas modificações posteriores, modificam e consolidam, no âmbito do Ministério Público do Estado do Pará, a composição das Promotorias de Justiça de Terceira Entrância e as atribuições dos cargos de Promotor de Justiça que as integram;

CONSIDERANDO a necessidade de adequar a composição das Promotorias de Justiça e das atribuições dos respectivos cargos de Promotor de Justiça, tendo em vista esses novos diplomas legais,

R E S O L V E:

Art. 1º. O art. 3º da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º. ..................................................................................

I – ..........................................................................................

II – .........................................................................................

III – ........................................................................................

IV – ........................................................................................

V – .........................................................................................

Page 80: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 159

a) ...........................................................................................

b) ...........................................................................................

VI – Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.”

Art. 2º. Inclua-se, em seguimento ao art. 23 da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, a Seção VI e o art. 23-A, com a seguinte redação:

“Seção VI

Da Promotoria de Justiça de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

“Art. 23-A – A Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compõe-se de 2 (dois) cargos de Promotor de Justiça, com as seguintes atribuições:

- 1º Promotor de Justiça – feitos de competência da 1ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

- 2º Promotor de Justiça – Feitos de competência da 2ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Parágrafo Único. Respeitado o disposto no “caput”, incumbe, ainda, aos Promotores de Justiça de que trata este artigo, mediante distribuição eqüitativa efetuada no âmbito do Departamento de Atividades Judiciais ou da própria Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, exercer, na esfera judicial ou extrajudicial, as atribuições conferidas ao Ministério Público na Lei Federal nº 11.340, de 11 de agosto de 2006.“

Art. 3º. Ficam remanejados, para os cargos de 1º e 2º Promotor de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na comarca da Capital, os cargos e seus titulares, respectivamente, de 13º e 14º Promotor de Justiça do Juízo Singular, os quais ficam doravante excluídos do art. 7º da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ.

160 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Parágrafo único. A adequação dos novos cargos de Promotor de Justiça ora remanejados será feita pelo Departamento de Recursos Humanos, mediante apostila, no verso atos de promoção ou remoção dos respectivos titulares referidos neste artigo.

Art. 4º. O Procurador-Geral de Justiça providenciará à Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na Capital, o apoio técnico, administrativo e operacional necessário ao pleno desenvolvimento de suas funções.

Art. 5º. Enquanto não forem criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nas comarcas do Interior, as atribuições cíveis e criminais da Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como as demais atribuições conferidas ao Ministério Público pela Lei nº 11.340, de 11 de agosto de 2006, serão exercidas pelos Promotores de Justiça locais, observada a natureza dos feitos e, quando for o caso, a distribuição prévia dos processos ou procedimentos.

Art. 6º. Os 10º, 11º e 12º Promotores de Justiça do Juízo Singular da comarca da Capital passam a exercer, doravante e até ulterior deliberação, as suas atribuições institucionais, respectivamente, perante as Varas dos 4º, 1º e 2º Juizados Especiais Criminais da Capital.

Parágrafo único. Perante os demais Juizados Especiais Criminais oficiarão Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral de Justiça, observados os princípios da periodicidade e rotatividade, até que sejam criados e implantados novos cargos de Promotor de Justiça.

Art. 7º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

SALA DAS SESSÕES DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, em Belém, 09 de novembro de 2006.

FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA Procurador-Geral de Justiça

ALMERINDO JOSÉ CARDOSO LEITÃO Corregedor-Geral, em exercício

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 161

GERALDO MAGELA PINTO DE SOUZA

CLÁUDIO BEZERRA DE MELO

UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL

LUIZ CESAR TAVARES BIBAS

ALAYDE TEIXEIRA CORRÊA

DULCELINDA LOBATO PANTOJA

MARIZA MACHADO DA SILVA LIMA

RICARDO ALBUQUERQUE DA SILVA

ANA TEREZA DO SOCORRO DA SILVA ABUCATER

EDNA GUILHERMINA SANTOS DOS SANTOS

OLINDA MARIA DE CAMPOS TAVARES

MARIA DA CONCEIÇÃO DE MATTOS SOUSA

MARIA DA GRAÇA AZEVEDO DA SILVA

ANA LOBATO PEREIRA

LEILA MARIA MARQUES DE MORAES

TEREZA CRISTINA BARATA BATISTA DE LIMA

D.O.E. Nº. 30.803 de 14/11/2006

162 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 163

JURISPRUDÊNCIA

ABORTO ANENCEFÁLICO

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO WRIT ORIGINÁRIO. MANIFESTA ILEGALIDADE. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. PATOLOGIA CONSIDERADA INCOMPATÍVEL COM A VIDA EXTRA-UTERINA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. GESTAÇÃO NO TERMO FINAL PARA A REALIZAÇÃO DO PARTO. ORDEM PREJUDICADA.

1. A via do habeas corpus é adequada para pleitear a interrupção de gravidez fora das hipóteses previstas no Código Penal (art. 128, incs. I e II), tendo em vista a real ameaça de constrição à liberdade ambulatorial, caso a gestante venha a interromper a gravidez sem autorização judicial.

2. Consoante entendimento desta Corte, é admitida a impetração de habeas corpus contra decisão denegatória de liminar em outro writ quando presente flagrante ilegalidade.

3. Não há como desconsiderar a preocupação do legislador ordinário com a proteção e a preservação da vida e da saúde psicológica da mulher ao tratar do aborto no Código Penal, mesmo que em detrimento da vida de um

Processo: HC 56572 / SP ; HABEAS CORPUS 2006/0062671-4

Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 25/04/2006

Publicação: DJ 15.05.2006 p. 273

164 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

feto saudável, potencialmente capaz de transformar-se numa pessoa (CP, art. 128, incs. I e II), o que impõe reflexões com os olhos voltados para a Constituição Federal, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana.

4. Havendo diagnóstico médico definitivo atestando a inviabilidade de vida após o período normal de gestação, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do feto é inevitável, em decorrência da própria patologia.

5. Contudo, considerando que a gestação da paciente se encontra em estágio avançado, tendo atingido o termo final para a realização do parto, deve ser reconhecida a perda de objeto da presente impetração.

6. Ordem prejudicada.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar prejudicado o pedido. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referência Legislativa

LEG:FED DEL:2848 ANO:1940 * CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00128 INC:001 INC:0002 LEG:FED SUM:* SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:0691 LEG:FED CFB:* ANO:1988 *CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:001 INC:03

Page 83: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 165

EMENTA:

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete

Processo: HC 32159 / RJ ; HABEAS CORPUS 2003/0219840-5

Relator(a): Ministra LAURITA VAZ (1120)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 17/02/2004

Publicação: DJ 22.03.2004 p. 339 RSTJ vol. 190 p. 447

166 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

Acórdão

Vistos relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Referência Legislativa

LEG:FED DEL:002848 ANO:1940

***** CP-40 CODIGO PENAL ART:00128

Page 84: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 167

DESCUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

INFORMATIVO Nº 0297 PERÍODO: 18 A 22 DE SETEMBRO DE 2006 – STJ.

Sexta Turma

TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. ACORDO.

A Turma concedeu a ordem e reiterou o entendimento segundo o qual não cabe o oferecimento de denúncia tanto no caso de não-pagamento da pena de multa substitutiva, quanto no de aplicação da pena restritiva de direito de prestação pecuniária, resultantes de transação. HC 60.941-MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 21/9/2006.

INFORMATIVO Nº 0273 PERÍODO: 6 A 10 DE FEVEREIRO DE 2006 - STJ.

Sexta Turma

COMPOSIÇÃO CIVIL. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO. ACORDO.

O paciente praticou infração tipificada no art. 303 do CTB, vindo a ser realizada transação penal, buscando o pagamento de multa no valor de três salários mínimos. Porém houve o descumprimento do acordo, o que levou o parquet estadual a denunciar o paciente como incurso nas penas do art. 303, caput, da Lei n. 9.503/1997 (duas vezes) c/c art. 70 do CP. Alega violação dos arts. 72 e 76 da Lei n. 9.099/1995, bem como a inviabilidade do oferecimento da denúncia em face da existência da homologação implícita. A Turma denegou a ordem ao entendimento de que comprovado nos autos que o réu estava acompanhado de advogado durante a audiência preliminar, mantendo-se, ambos inertes quanto à possível composição civil. Não pode ser alegada, a posteriori, possível violação do art. 72 da Lei n. 9.099/1995. Destarte, não tendo havido a homologação da transação penal, é perfeitamente cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato. Precedente citado: HC 24.624-

168 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

SP, DJ 9/12/2003. HC 41.032-SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 9/2/2006.

EMENTA:

PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS. ART. 147, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI Nº 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE.

Não tendo havido a homologação da transação penal, é cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato.

(Precedentes). Ordem denegada.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referência Legislativa

LEG:FED LEI:009099 ANO:1995* LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS E CRIMINAIS ART:00076

Processo: HC 37066 / SP ; HABEAS CORPUS 2004/0104207-0

Relator(a): Ministro FELIX FISCHER (1109)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 19/10/2004

Publicação: DJ 16.11.2004 p. 310

Page 85: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 169

EMENTA:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO. TRANSAÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DE PENA DE MULTA.

INADIMPLEMENTO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. DESCABIMENTO.

1. É segura a jurisprudência dos Tribunais Superiores na afirmação do incabimento de propositura de ação penal, na hipótese de descumprimento da transação penal (artigo 76 da Lei nº 9.099/95).

2. Ressalva de entendimento contrário do Relator.

3. Recurso especial não conhecido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal

de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti, declarando extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, e do voto do Sr. Ministro Fontes de Alencar, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido. Os Srs. Ministros

Processo: REsp 226570 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1999/0071697-3

Relator(a): Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107)

Relator(a) p/ Acórdão: Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112)

Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

Julgamento: 02/09/2003

Publicação: DJ 22.11.2004 p. 393

170 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

Hamilton Carvalhido e Fontes de Alencar votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Referência Legislativa

LEG:FED LEI:009099 ANO:1995 * LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS E CRIMINAIS ART:00076 ART:00077 ART:00085 LEG:FED DEL:002848 ANO:1940 * CP-40 CODIGO PENAL ART:00051 ART:00109 INC:00005 ART:00129

(ARTIGO 51 COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9268/96) LEG:FED LEI:009268 ANO:1996

EMENTA:

HABEAS CORPUS - TRANSAÇÃO PENAL - LEI N.º 9.099/95 - PENA DE

SERVIÇOS GRATUITOS À COMUNIDADE - SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA

- DESCUMPRIMENTO DO AVENÇADO - NOVA DENÚNCIA- IMPOSSIBILIDADE.

- A sentença homologatória da transação penal, por sua natureza, gera eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo ante o descumprimento do avençado pelo paciente, a instauração da ação penal.

- A decisão que determina o prosseguimento da ação penal e considera insubsistente a transação homologada configura constrangimento ilegal.

- Precedentes.

- Ordem concedida para obstar o início da ação penal.

Acórdão

Processo: HC 30212 / MG ; HABEAS CORPUS 2003/0157628-7

Relator(a): Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 03/02/2004

Publicação: DJ 28.06.2004 p. 362

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 171

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros LAURITA VAZ, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, FELIX FISCHER e GILSON DIPP.

Referência Legislativa

LEG:FED LEI:009099 ANO:1995 * LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS E CRIMINAIS ART:00086

172 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

POSSIBILIDADE DE PROGRESSAO DE REGIME EM CRIMES HEDIONDOS

Informativo nº 0276 - Período: 06 a 10 de março de 2006 - STJ.

Sexta Turma

CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME.

A Turma, por unanimidade, entendeu ser possível conceder a progressão de regime Prisional aos condenados por crimes hediondos (art. 112 da Lei n. 7.210/1984 e art. 33, § 2º, do CP). Precedente citado: HC 34.652-PR, DJ 1º/2/2005. HC 49.740-MS, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 7/3/2006.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA:

CRIMINAL. HC. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. DELITO HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º DA LEI N.º 8.072/90 DECLARADA INCIDENTER TANTUM PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

I. Os delitos de atentado violento ao pudor e estupro, ainda que cometidos em sua forma simples e mesmo com violência presumida, são considerados crimes hediondos. Precedentes.

II. O pleno do STF, por maioria de votos, em sessão realizada em 23/02/2006, deferiu o pedido formulado no habeas corpus n.º 82.959/SP e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90, que trata da obrigatoriedade do cumprimento de pena em

Processo: HC 62256 / SP ; HABEAS CORPUS 2006/0147569-9

Relator(a): Ministro GILSON DIPP (1111)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 21/09/2006

Publicação: DJ 23.10.2006 p. 341

Page 87: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 173

regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crime hediondo.

III. Decisão que não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas na data acima referida, cabendo ao Juízo das Execuções a apreciação, caso a caso, dos requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão de regime prisional.

IV. Deve ser afastado o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 e reconhecido o direito do paciente ao pleito do benefício da progressão de regime prisional, cabendo ao Juízo competente a verificação da presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei.

V. Ordem concedida em parte, nos termos do voto do Relator. Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EMENTA:

EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90, QUE VEDA A PROGRESSÃO DE REGIME NA EXECUÇÃO DAS PENAS

Processo: HC 86224 / DF - DISTRITO FEDERAL HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. CARLOS BRITTO

Órgão Julgador: Primeira Turma

Julgamento: 07/03/2006

Publicação: DJ 23-06-2006 PP 0053 EMENT VOL-02238-01 PP-00150

Partes: PACTE.(S) : Cinthia de Santana Santos IMPTE.(S) : Defensoria Pública da União COATOR(A/S)(ES) : Superior Tribunal de Justiça

174 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

DOS CONDENADOS POR CRIMES HEDIONDOS. PRECEDENTE PLENÁRIO. RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE. Reconhecida a inconstitucionalidade do impedimento da progressão de regime na execução das penas pelo cometimento de crime hediondo, impõe-se a concessão da ordem para afastar o óbice legal. Ressalve-se que pretendida progressão dependerá do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos que a lei prevê; tudo a ser aferido pelo juízo da execução. Writ deferido.

Decisão

A Turma, por unanimidade de votos, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Resolvendo questão de ordem suscitada pelo Ministro Cezar Peluso, a Turma, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que, em casos similares, quando se cuidar exclusivamente de dar aplicação à declaração de inconstitucionalidade, pelo Plenário, do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, a concessão da ordem poderá fazer-se por decisão individual do Relator. 1ª Turma, 07.03.2006.

- QUESTÃO DE ORDEM, MIN. CEZAR PELUSO: POSSIBILIDADE, ANALOGIA, REGIMENTO INTERNO, STF, RELATOR, JULGAMENTO MONOCRÁTICO, APLICAÇÃO, PRECEDENTE, PLENÁRIO, INCONSTITUCIONALIDADE, VEDAÇÃO, PROGRESSÃO, REGIME PRISIONAL, CRIME HEDIONDO. – FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, QUESTÃO DE ORDEM, MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE: INEXISTÊNCIA, VEDAÇÃO, RELATOR, SUBMISSÃO, PROCESSO, TURMA. NECESSIDADE, INTIMAÇÃO, MINISTÉRIO PÚBLICO, OPORTUNIDADE, RECURSO. - VOTO VENCIDO, QUESTÃO DE ORDEM, MIN. MARCO AURÉLIO: IMPOSSIBILIDADE, UTILIZAÇÃO, NORMA, PROCESSO CIVIL, NECESSIDADE, COLEGIADO DECISÃO, MÉRITO, HABEAS CORPUS.

Legislação

LEG-FED LEI-005869 ANO-1973 ART-00557 CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL LEG-FED LEI-006368 ANO-1976 ART-00012 ART-00014 ART-00018 INC-00003 LTX-1976 LEI DE TÓXICOS LEG-FED RGI ANO-1980 ART-00021 PAR-00002 RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LEG-FED LEI-008072 ANO-1990 ART-00002 PAR-00001 LCH-1990 LEI DE CRIMES HEDIONDOS

Observação

Acórdão citado: HC 82959 N.PP.: 9. Análise: 04/07/2006, CEL.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 175

PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Informativo nº 0202 - Período: 15 a 19 de março de 2004 - STJ.

Sexta Turma

MINISTÉRIO PÚBLICO. PODER DE INVESTIGAÇÃO.

O Min. Relator entendeu que há clara separação das possibilidades de atuação do ministério público tendo em vista o objetivo das investigações. No procedimento administrativo, pode o MP produzir a prova, porém, no inquérito policial, está cingido a apresentá-las: é-lhe facultado requisitar a própria instauração do inquérito à autoridade policial, requisitar as diligências investigatórias e acompanhar a polícia civil no desenrolar das investigações, porém, cabe ao Parquet, nesse caso, coadjuvar a atuação da polícia judiciária, mas não substituí-la. Entendeu correto não poderem conviver simultaneamente dois procedimentos investigatórios, inquérito policial e investigação ministerial, pois haveria a contrariedade de textos constitucionais e infraconstitucionais, dado o caráter acessório e subsidiário da atuação do Parquet. Porém aduziu que, in casu, houve a denúncia do próprio delegado por prática de tortura na condução de investigações e de inquéritos. Não se cuidou, portando, de duplicidade de inquéritos, como alegado, mas sim de denúncia por crime especial impróprio (que dispensa a resposta preliminar do art. 514 do CPC), que prescindiu de inquérito policial, pois lastreada em informações fornecidas pelos integrantes do Conselho Tutelar local e por pessoas do povo, inclusive vítimas e testemunhas. Assim, asseverou que não há como impedir a atuação do MP, como titular da ação penal pública incondicionada, quanto mais se, diante do relevo da questão, de inequívoca implicação institucional, a envolver agente público em suposta prática de delito atentatório à dignidade e aos direitos humanos, sobretudo contra menores e adolescentes. Isso posto, a Turma acompanhou o Min. Relator, tendo o Min. Hamilton Carvalhido aduzido que ao MP, quando exigido por interesses públicos ou sociais, deve ser reconhecido, pelo menos excepcionalmente, o poder de apurar os fatos tidos como crimes praticados pela autoridade policial no exercício de sua função. Trata-se do controle externo da polícia judiciária, como afirmam alguns constitucionalistas. Precedentes citados: REsp 402.419-RO, DJ 15/12/2003; MS 5.370-DF, DJ 15/12/1997; REsp 271.937-SP, DJ 20/5/2002, e REsp 287.734-SP, DJ 19/12/2003. HC 32.586-MG, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 16/3/2004.

176 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROCEDER À INVESTIGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PODER INVESTIGATÓRIO INERENTE À TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INQUISITORIAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PARTICIPAÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET NA FASE INVESTIGATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. SÚMULA 234/STJ. ORDEM DENEGADA.

1. Satisfazendo a peça acusatória os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a elucidação dos fatos, em tese delituosos, descritos na vestibular acusatória, depende da regular instrução criminal, com o contraditório e a ampla defesa, uma vez que o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus somente é possível quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de mínimos indícios de autoria e prova da materialidade.

2. "Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder a investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993" (REsp 665.997/GO, Rel. Min. FELIX FISCHEr, Quinta Turma, DJ de 30/5/2005, p. 408), a fim de viabilizar o cumprimento de sua função de promover, privativamente, a ação penal pública.

Processo: HC 55100 / RJ ; HABEAS CORPUS 2006/0037919-5

Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 09/05/2006

Publicação: DJ 29.05.2006 p. 283 LEXSTJ vol. 202 p. 367

Page 89: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 177

3. O inquérito policial, por ser peça meramente informativa, decorrente de atividade administrativa inquisitorial, não é pressuposto para o oferecimento de denúncia, que pode estar fundada em outros elementos que demonstrem a existência de crime e indícios de autoria, inclusive colhidos pelo titular da ação penal pública.

4. Os princípios constitucionais que asseguram o contraditório e a ampla defesa não se aplicam ao procedimento administrativo inquisitorial, o qual constitui mera peça informativa.

5."A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia" (Súmula 234/STJ).

6. Ordem denegada.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referência Legislativa

LEG:FED SUM:* SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000234

EMENTA:

HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO PARQUET PARA PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.

Processo: HC 38495 / SC ; HABEAS CORPUS 2004/0135804-0

Relator(a): Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (1127)

Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

Julgamento: 09/03/2006

Publicação: DJ 27.03.2006 p. 334

178 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a Constituição Federal atribui ao parquet poderes investigatórios, em seu artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993. Se a Lei maior lhe atribui outras funções compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre poderes investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a Polícia Judiciária, antes a complementa na colheita de elementos para a propositura da ação, pois até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e apresentá-los ao Ministério Público. Por outra volta, se o parquet é o titular da ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito policial, por qual razão não poderia fazer o menos que seria investigar fatos?

2. Não há falar em inépcia da acusatória quando presentes os pressupostos do artigo 41 do Código de Processo Penal, propiciando ao denunciado o exercício da ampla defesa, bem como permitindo uma adequação típica do fato, o reconhecimento do nexo causal e a delimitação e a especificação da conduta.

3. Exsurge da peça acusatória que o paciente foi denunciado pela suposta prática de promover a saída de recursos públicos sob a rubrica de adiantamentos, ordenando despesas não autorizadas em lei e aplicação de indevida de verba pública. Conseqüentemente, não foi o posterior ato de enviar Projeto de lei para o Poder Legislativo que amoldou-se ao tipo penal, mas promover despesas sem a devida autorização.

4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente deferida.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior

Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de hábeas corpus, prejudicada a liminar anteriormente deferida, dado que o paciente concluíra o exercício de seu mandato, embora reeleito conforme referido na decisão de fls. 787/788, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros NILSON NAVES e HAMILTON CARVALHIDO. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros PAULO GALLOTTI e PAULO MEDINA. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

Referência Legislativa

Page 90: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 179

LEG:FED DEL:000201 ANO:1967 ART:00001 INC:00003 LEG:FED DEL:03689 ANO:1941* CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00039 PAR:00005

ART:00041 ART:00569 LEG:FED CFB:** ANO:1988* CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00144 PAR:00001 INC:00004

ART:00129 INC:00006 INC:00008 INC:00009 LEG:FED LCP:000075 ANO:1993* EMPU-93 ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO ART:00008 INC:00002 INC:00004 PAR:00002

180 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

INTERROGATÓRIO ON-LINE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

“INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE.Valor-Entendimento – O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e faculta, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado.”(TACRM/SP – Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº 11.088).

----------------------------

“Hábeas Corpus – Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência – Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa – Nulidade inocorrente – violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na sala especial onde o réu se encontra – Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado- Ordem denegada”( Tribunal de Justiça de São Paulo, Hábeas Corpus nº 428.580-3/8)

SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA

Processo: HC 34020 / SP ; HABEAS CORPUS 2004/0026250-4

Relator(a): Ministro PAULO MEDINA (1121)

Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

Julgamento: 15/09/2005

Publicação: DJ 03.10.2005 p. 334

Page 91: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 181

EMENTA:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. VIDEOCONFERÊNCIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PREJUÍZO NÃO DEMOSTRADO.

O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários. Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demostração do prejuízo nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.

Ordem DENEGADA.

Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Referência Legislativa:

LEG:FED DEL: 3689 ANO:1941* CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:0563 ART:00196

182 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

HIPÓTESES DE ESCUTA TELEFÔNICA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EMENTA:

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de

Processo: HC 80949 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Órgão Julgador: Primeira Turma

Julgamento: 30/10/2001

Publicação: DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001

Partes: PACTE. : Francisco Agathos Trivelas IMPTES. : Fernando Augusto Fernandes e Outro COATOR : Superior Tribunal de Justiça

Page 92: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 183

"interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido.

Legislação:

LEG-FED CF ANO-1988 ART-005 INC-010 INC-012 INC-042 INC-043 INC-00044 INC-00056 INC-00063

184 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEG-FED DEL-02848 ANO-1940 ART-00151 PAR-00001 INC-00002 INC-00003 CP-1940 CÓDIGO PENAL

LEG-FED DEL-03689 ANO-1941 ART-006 INC-00005 ART-00185 ART-00186 CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

LEG-FED DEL-001002 ANO-1969 ART-00375 CPPM-1969 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR

LEG-FED LEI-009596 ANO-1996 ART-00001

Observação:

Votação: unânime.

Resultado: deferido, em parte.

Acórdãos citados: Ap-307 (RTJ-162/3), HC-69818 (RTJ-148/213), HC-69912 (RTJ-155/508), HC-69204 (RTJ-144/213), HC-70277 (RTJ-154/58), HC-72588 (RTJ-174/491), HC-73351 (RTJ-168/543), HC-74356 (RTJ-165/934), HC-74678, EDHC-74678, HC-75232, HC-75338 (RTJ-167/206), HC-79191 (RTJ-171/258), HC-80100, HC-80420, RE-212081.

N.PP.:(34). Análise:(CMM). Revisão:(AAF).

Inclusão: 28/02/02, (SVF).

Alteração: 18/12/03, (SVF).

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA:

Processo: RHC 17535 / RS ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS: 2005/0051180-5

Relator(a): Ministro PAULO GALLOTTI (1115)

Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

Julgamento: 15/12/2005

Publicação: DJ 17.04.2006 p. 207

Page 93: Revista do CAO Criminal -Nº 15

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006 185

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR CRIMES DE ESTELIONATO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, USO DE DOCUMENTO FALSO E LAVAGEM DE DINHEIRO. ALEGAÇÃO DE OFENSA À LEI 9.296/96. NULIDADES NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. VIA INADEQUADA. EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA PARTE PROVIDO.

1. Havendo a competente autorização judicial para as interceptações telefônicas, e tendo o magistrado de primeiro grau afirmado que as escutas se limitaram ao prazo legal, não é possível, na via estreita do habeas corpus, afirmar serem ilícitas as provas advindas desse procedimento, por demandar exame aprofundado das provas.

2. Não tendo o magistrado de primeiro grau demonstrado, concretamente, a necessidade da segregação antecipada, deve a prisão ser revogada.

3. Recurso ordinário parcialmente provido.

Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator.Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

EMENTA:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ABUSO DE AUTORIDADE. CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

Processo: HC 33462 / DF ; HABEAS CORPUS:2004/0013612-9

Relator(a): Ministra LAURITA VAZ (1120)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Julgamento: 27/09/2005

Publicação: DJ 07.11.2005 p. 316

186 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 15, nov. 2006

MINISTÉRIO PÚBLICO. DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. LEGITIMIDADE. ESCUTA TELEFÔNICA. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. LICITUDE.

1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública -, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria.

3. Se o procedimento de interceptação da comunicação telefônica está, nos exatos termos da Lei n.º 9.296/96, em apenso ao processo criminal e a disposição das partes que poderão, sob o crivo do contraditório, levantar todas as questões relativas à validade dessa prova, não existe qualquer cerceamento de defesa.

4. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. Precedentes.

5. Writ denegado.

Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Referência Legislativa:

LEG:FED CFD:****** ANO:1988 * CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00129 INC:00006 INC:00008

LEG:FED LCP:000075 ANO:1993 * EMPU-93 ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO ART:00008 INC:00002 INC:00004 PAR:00002

LEG:FED LEI:009296 ANO:1996