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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 105, 8/2020 (semana nº 4) Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Artigo 28 e Conflito de Atribuições Marcelo Sorrentino Neira Fernando Célio Brito Nogueira Analistas Jurídicos Ana Karenina Saura Rodrigues Victor Gabriel Tosetto

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 105, 8/2020

(semana nº 4)

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Artigo 28 e Conflito de Atribuições

Marcelo Sorrentino Neira

Fernando Célio Brito Nogueira

Analistas Jurídicos

Ana Karenina Saura Rodrigues

Victor Gabriel Tosetto

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SUMÁRIO

SUMÁRIO..............................................................................................................................................2

AVISO - Estatística dos Acordos de Não Persecução Penal celebrados por tipos

penais.......................................................................................................................... ..........................3

ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................4

1- Tema: Acordo de Não Persecução Penal homologado em comarca diversa da prestação de

serviços pelo compromissário........................................................................................................... ....4

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................5

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................5

1- Tema: Tentativa de homicídio. Art. 205 do CPM. Policial militar de folga. Disparos contra os

colegas de corporação e a viatura. Regularidade da Instituição Militar. Princípios da hierarquia e

disciplina. Vulneração. Competência da Justiça Militar........................................................................5

2- Tema: Inimputabilidade. Semi-imputabilidade. Reconhecimento. Exame médico-legal. Incidente

de insanidade mental. Prévia instauração. Necessidade......................................................................8

DIREITO PENAL:..................................................................................................................... ..............10

1- Tema: Dolo na prática de homicídio se estende ao crime contra segunda vítima atingida por erro

de pontaria..........................................................................................................................................10

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP......................................................................... ...................15

1- Tema: Aditamento de denúncia para inclusão do crime de descumprimento de medida protetiva

de urgência (art. 24-A da Lei n. 11.340/06)........................................................................................15

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AVISO

Estatística dos Acordos de Não Persecução Penal celebrados por tipos penais

A celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é medida de política criminal do MPSP e

vem sendo incentivada pelo Centro de Apoio Operacional Criminal desde a publicação da Resolução

181/2017 do CNMP. Os membros do MPSP já celebraram mais de 3000 (três mil) ANPPs.

Aproveitamos a oportunidade para lembrar, conforme consta em nosso Roteiro (clique aqui), o (a)

Promotor (a) de Justiça do processo do conhecimento deverá encaminhar apenas o ANPP e a

decisão que o homologou ao (a) Promotor (a) de Justiça que atua perante a VEC, sendo

desnecessário enviar a íntegra dos autos do processo crime.

Abaixo revelamos as estatísticas atuais do ANPP de acordo com os tipos penais mais incidentes.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1- Tema: Acordo de Não Persecução Penal homologado em comarca diversa da prestação de

serviços pelo compromissário.

O legislador, ao introduzir o ANPP no Código de Processo Penal, determinou que a sua

concretização se dará no juízo das execuções penais. O CAOCRIM, desde o início, tem criticado essa

opção. Na VEC executa-se sanção penal. No ANPP não temos sanção penal imposta (e nem poderia,

pois impede o devido processo legal). Contudo, em que pese tratar-se de uma opção equivocada,

não parece inconstitucional. Esse contexto provoca situação que merece orientação por parte do

CAOCRIM. Vejamos.

Imaginemos que FULANO, autor de crime, celebra ANPP com o Ministério Público na comarca A,

comprometendo-se, dentre outras condições, a prestar serviços à comunidade.

Homologado o acordo, é dos autos que FULANO reside na comarca B. Deve o ANPP ser iniciado na

comarca B, deprecando-se, ou deve ser iniciado na própria comarca A, deprecando-se a sua

fiscalização? Esta segunda solução nos parece mais acertada.

A exemplo do que ocorre com a fiscalização das condições na suspensão condicional do processo

(art. 89 da Lei 9.099/95), também o ANPP, devidamente homologado, deve ser encaminhado à VEC

do local da homologação. Em seguida, o juiz da execução deve deprecar ao juiz da execução do

domicílio do compromissário somente a fiscalização do ANPP.

Eventuais incidentes na sua execução devem ser decididos pelo juízo deprecante, inclusive a

declaração de extinção da punibilidade pelo integral cumprimento do acordo.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: Tentativa de homicídio. Art. 205 do CPM. Policial militar de folga. Disparos contra os

colegas de corporação e a viatura. Regularidade da Instituição Militar. Princípios da hierarquia e

disciplina. Vulneração. Competência da Justiça Militar.

INFORMATIVO 675 STJ- QUINTA TURMA

Na definição da competência da Justiça Militar, considera-se o critério subjetivo do militar em

atividade, em serviço ou não, aliado ao critério objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente

tutelado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

No cumprimento do mister que lhe foi atribuído pela Carta magna, o Decreto-Lei n. 1.001/1969

(Código Penal Militar) define o crime militar e, consequentemente, a competência da Justiça

Militar. No seu art. 9º, diz o que é crime militar em tempo de paz. Observe-se que, a partir do inciso

II, tem-se uma definição de crime militar que traz consigo um elemento subjetivo, qual seja a

condição de militar.

Nessa definição, assim dispõe o CPM: "Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I -

os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela

não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II – os crimes previstos neste

Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de

atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (...)".

Conforme se observa, o próprio Código Penal Militar traz um norte de quem é o "militar em

situação de atividade". Em interpretação autêntica, ele diz: "Art. 22. É considerada militar, para

efeito da aplicação dêste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja

incorporada às fôrças armadas, para nelas servir em pôsto, graduação, ou sujeição à disciplina

militar."

Frise-se que a norma penal militar possui regramento próprio, dispondo no art. 22 do CPM, que

militar é qualquer pessoa incorporada. Conceito que não se coaduna com a exi gência de o mi l i tar

encontrar-se "em serviço" para fins de tipificação do crime militar.

Ademais, ressalte-se que na própria Lei n. 6.880/80, em seu art. 3º, verifica-se que ao equiparar os

termos acima mencionados, "em serviço" e "em atividade", a norma não teve o condão de afastar a

condição de militar do agente que pratica o delito durante as féri as, licença ou outro motivo de

afastamento temporário de suas atividades habituais: "Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em

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razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e

são denominados militares. § 1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações: a) na

ativa: (...) b) na inatividade: (...)".

Uma vez que a expressão "na atividade" se contrapõe à "na inatividade", reforça-se o que se vem

se tentando delinear nesta decisão. Assim, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico,

inclusive com dispositivos constitucionais, permite concluir no sentido de não haver confusão entre

o "militar em atividade", aquele incorporado às forças armadas, e o "militar em serviço", aquele

que se encontra no exercício de sua atividade militar em determinado momento específico.

Por outro lado, o termo "em serviço" está presente em alguns tipos penais militares. Nestas

hipóteses sim é exigido que, no momento da conduta, o agente esteja no exercício efetivo de

atividade militar. São exemplos tirados do Código Penal Militar o art. 202 (Embriaguez em serviço) e

o art. 203 (Dormir em serviço).

Na jurisprudência do STF e também na desta Corte superior, é possível encontrar precedentes que

seguem o caminho proposto pela doutrina. Neles, é possível perceber o reconhecimento do crime

militar, mesmo diante de conduta praticada por militar que não está, no momento do delito, no

exercício de funções castrenses, como folga ou licença. É possível dizer, portanto, que, nestes

julgados, faz-se uma distinção entre a expressão "em atividade" (agente incorporado às forças

armadas) e o termo "em serviço" (no exercício efetivo de atividade militar).

Seguindo rota diametralmente oposta, também é possível encontrar precedentes, tanto do STF

quanto deste Superior Tribunal de Justiça considerando a expressão "em situação de atividade" do

art. 9º, II, "a", do CPM, e o termo "em serviço" como sinônimos. Em outras palavras, exige-se, para

a tipificação do crime militar e, portanto, da competência castrense, além da qualidade de mi l itar

da ativa, a prática da conduta durante o exercício efetivo do serviço militar.

Por fim, é possível observar ainda o surgimento de uma terceira corrente jurisprudencial,

aparentemente intermediária. Entre o reconhecimento do crime militar e, portanto, da

competência da Justiça especializada pela simples presença de dois militares da ativa nos polos

ativo e passivo do crime e a exigência de que os militares estejam em serviço, propõe-se a f ixação

da competência na Justiça castrense, desde que cumulado com o critério subjetivo ― mi l itares da

ativa ― a vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar.

Com efeito, parece correta a adoção do critério subjetivo, considerando militar em atividade todo

aquele agente estatal incorporado às Forças Armadas, em serviço ou não, aliado ao critério

objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente tutelado.

De todo modo, vale o destaque de que, em muitos casos, o bem jurídico protegido pelo Código

Penal Militar encontra igual guarida no Código Penal comum. Exemplo claro dessa situação é o art.

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205 do CPM, que tipifica o delito de homicídio simples, tutelando, portanto, o direi to à vida,

também protegido pelo art. 121 do CP. Por isso, é importante ressaltar que a análise não pode se

esgotar no bem jurídico tutelado pura e simplesmente. Deve-se necessariamente averiguar, na

situação concreta, a existência ou não de vulneração, a partir da conduta, da regularidade das

instituições militares, cujo pilar constitucional se baseia em dois princípios: hierarquia e disciplina.

Por essas considerações, entende-se que, nos termos do art. 9º do CPM, sempre que a conduta

tiver potencial de vulnerar a regularidade das instituições militares, deve-se reconhecer a

competência da Justiça especializada.

PROCESSO: HC 550.998-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em

23/6/2020, DJe 26/6/2020.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Antes, a redação do inciso II do artigo 9° mencionava que eram considerados crimes militares, em

tempo de paz, os previstos no Código Penal Militar, embora também o fossem com igual definição

na lei penal comum, quando praticados na forma das alíneas “a” a “e” do mencionado inciso.

Agora, são considerados crimes militares, em tempo de paz, “os crimes previstos neste Código e os

previstos na legislação penal, quando praticados” na forma das alíneas referidas, as quais não

foram objeto de modificação.

Inevitável, portanto, uma releitura dos conceitos de crimes militares próprio e impróprio. Vejamos.

Até a edição da Lei 13.491/17, o crime militar se dividia em próprio, quando definido apenas no

Código Penal Militar, ou impróprio, se definido também no restante da legislação penal. O delito de

deserção era próprio, pois previsto somente no CPM. Já o furto, impróprio, pois previsto no CPM e

CP.

Atualmente, no entanto, a definição deve ser diversa, especialmente no que concerne ao crime

militar impróprio.

Crime militar passa a ser o delito praticado por militar. Pode ser próprio, porque definido apenas no

Código Penal Militar (como a deserção), ou impróprio, porque definido também no restante da

legislação penal (como o furto) ou somente nela, legislação não militar (como a tortura, lavagem de

capitais, organização criminosa etc).

A partir de tal conclusão, posicionamentos cristalizados em súmulas de tribunais superiores

restarão superados. Assim, a Súmula 172 do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor:

“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que

praticado em serviço”. Claro: se o inc. II, do art. 9º do Código Penal Militar, com sua nova redação,

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faz referência à legislação penal lato sensu, decerto que abrange o crime de abuso de autoridade,

cuja competência para julgamento, nos termos do enunciado da súmula, não mais será da Justiça

Comum, mas da Justiça Militar Estadual. Também a Súmula n. 75, ainda do Tribunal da Cidadania,

que tem o seguinte enunciado: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial

militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal”. Com a

legislação novel, a competência passa para a Justiça Militar Estadual. O mesmo raciocínio vale para

a Súmula n. 6, do STJ, in verbis: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito

decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar, salvo se autor e vítima

forem Policiais Militares em situação de atividade”.

2- Tema: Inimputabilidade. Semi-imputabilidade. Reconhecimento. Exame médico-legal.

Incidente de insanidade mental. Prévia instauração. Necessidade.

INFORMATIVO 675 STJ- SEXTA TURMA

O reconhecimento da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu depende da prévia

instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele previsto.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, salienta-se que a questão ora suscitada não guarda identidade com aquela veiculada

em inúmeros julgados desta Corte, que subsidiaram a orientação no sentido de que a mera

alegação de que o acusado é inimputável não justifica a instauração de incidente de insanidade

mental, providência que deve ser condicionada à efetiva demonstração da sua necessidade,

mormente quando há dúvida a respeito do seu poder de autodeterminação (AgRg no HC n.

516.731/GO, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/8/2019), pois o que se discute, aqui, é a

possibilidade de reconhecimento da semi-imputabilidade do réu sem exame médico-legal.

No processo penal brasileiro, em consequência do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua

convicção pela livre apreciação da prova (art. 155 do CPP). Assim, em regra, não há falar em prova

legal ou tarifada no processo penal brasileiro. Contudo, com relação à inimputabilidade (art. 26,

caput, do CP) e semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP), não há como ignorar a

importância do exame pericial, considerando que o Código Penal adotou expressamente o cri tério

biopsicológico. Ora, o magistrado não detém os conhecimentos técnicos indispensáveis para aferi r

a saúde mental do réu, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar. Atento a essa questão, o

legislador estabeleceu o incidente de insanidade mental (art. 149 do CPP).

A relevância desse incidente não sobressai apenas do conteúdo técnico da prova que se almeja

produzir, mas também da vontade do legislador que, especificamente nos arts. 151 e 152 do CPP,

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estabeleceu algumas consequências diretas extraídas da conclusão do exame pericial, como a

continuidade da presença do curador e a suspensão do processo.

Cumpre destacar, ainda, a medida cautelar prevista no art. 319, IV, do Código de Processo Penal,

que prevê a internação provisória para crimes praticados com violência ou com grave ameaça,

quando os peritos concluírem pela imputabilidade ou semi-imputabilidade.

Todos esses aspectos, embora insuficientes para sustentar a tese de que o magistrado ficaria

vinculado às conclusões do laudo pericial – o que é expressamente rechaçado pelo art. 182 do CPP

("o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte") –

autorizam a conclusão de que o exame médico-legal é indispensável para formar a convicção do

órgão julgador para fins de aplicação do art. 26 do CP.

PROCESSO: REsp 1.802.845-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade,

julgado em 23/6/2020, DJe 30/6/2020.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Do julgado em comento chama a atenção a tese da defesa vinculando o magistrado ao resultado do

exame.

O juiz, por conta de expressa disposição legal, “não ficará adstrito ao laudo”, na dicção do art. 182

do código. Significa que pode acatá-lo ou não. Pensar-se de forma diferente importaria, em última

instância, em transformar o experto em juiz, caso este fosse obrigado a acatar todas suas

conclusões. De se ver, contudo, que o juiz é leigo quanto ao tema e, bem por isso, apenas em

situações excepcionais deverá contrariar a conclusão dos peritos, estes sim dotados de

conhecimento técnico sobre o tema.

Daí a correta observação de Câmara Leal, para quem “o laudo pericial dos médicos tem um valor

capital, não devendo ser desprezado pelo julgador, porquanto representa a palavra da ciência,

cujas conclusões devem ser sempre acatadas pela justiça” (Processo Penal, vol. I, p. 422).

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DIREITO PENAL:

1-Tema: STJ- Dolo na prática de homicídio se estende ao crime contra segunda vítima atingida

por erro de pontaria.

NOTÍCIA DO STJ

Se alguém comete um homicídio com arma de fogo e, além do resultado intencional, atinge outra

pessoa por erro de pontaria, o segundo crime – mesmo não sendo uma consequência pretendida –

também deve ser tratado como doloso.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que, ao analisar o caso de um homem acusado de

matar alguém intencionalmente e atingir outra pessoa de forma não fatal, desclassificou para lesão

corporal culposa a conduta relativa ao resultado não pretendido.

No recurso apresentado ao STJ, o Ministério Público sustentou que o TJRS contrariou o Código

Penal ao desclassificar a imputação relativa ao segundo fato – apontado na denúncia e na sentença

de pronúncia como homicídio qualificado tentado, cuja vítima foi atingida por erro no uso dos

meios de execução.

Aberratio ictus

Segundo o relator do caso, ministro Nefi Cordeiro, existem duas modalidade s de erro na execução,

de acordo com o artigo 73 do Código Penal: aberratio ictus com resultado único, unidade simples; e

aberratio ictus com resultado duplo, unidade complexa.

O ministro afirmou que, de acordo com os autos, além da vítima originalmente visada, outra pessoa

foi atingida pelos tiros desferidos pelo acusado, incidindo a regra do concurso formal de crimes.

"Nesses casos, o elemento subjetivo da primeira conduta, o dolo, projeta-se também à segunda,

não intencional, ainda que o erro de pontaria decorra de negligência, imprudência ou imperícia do

agente", afirmou.

Classificações iguais

Nefi Cordeiro destacou que, para a jurisprudência do STJ, a norma do artigo 73 do Código Penal

afasta a possibilidade de se reconhecer a ocorrência de crime culposo quando decorrente de erro

na execução de crime doloso (HC 210.696).

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Dessa forma, para a corte, se houver um segundo resultado não pretendido, quando da prática de

crime doloso, ele também deverá ser punido como doloso, mesmo que o erro na exec ução tenha

sido causado por negligência, imprudência ou imperícia do autor.

"Em análogo erro na execução com duplicidade de resultado, esta Corte Superior já decidi u apenas

ser culposa a segunda conduta se a primeira assim for considerada", esclareceu o relator.

Ao dar provimento ao recurso especial do Ministério Público, a turma decidiu pelo

restabelecimento da sentença de pronúncia do acusado.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1853219

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Uma das modalidades do denominado “erro de tipo acidental” é o erro na execução, também

conhecido como aberratio ictus e disciplinado no artigo 73 do Código Penal:

“Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a

pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime

contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também

atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”.

Cuida-se, em resumo, do acidente ou erro no uso dos meios de execução e, por consequência, o

agente acaba atingindo pessoa diversa da pretendida – embora corretamente representada.

Exemplo: João aponta o revólver para Pedro, pretendendo matá-lo, mas, por falta de habilidade no

uso da arma, acaba atingindo Alberto, que caminhava próximo do alvo.

O erro na execução pode ter duas consequências:

1) O agente atinge apenas a pessoa diversa da pretendida (aberratio ictus de resultado único): deve

ser punido pelo crime, consideradas as condições e qualidades da vítima desejada, e não da vítima

efetivamente atingida. Imaginemos que João quisesse matar Pedro, seu irmão, para receber

sozinho uma herança. O motivo torpe que qualifica o homicídio é considerado na imputação ainda

que apenas Alberto tenha sido atingido.

2) O agente atinge também a pessoa diversa da pretendida (aberratio ictus com unidade complexa

ou resultado duplo): deve ser punido pelos dois crimes, em concurso formal.

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Nesta espécie de aberratio ictus, diversas podem ser as circunstâncias. Imaginemos que João saque

a arma de fogo e, com intenção letal, dispare contra Pedro, atingindo-o juntamente com Alberto.

Neste caso, a doutrina tradicionalmente propõe as seguintes soluções:

2.1) ocorrendo a morte de ambos (Pedro e Alberto), há dois crimes: um homicídio doloso

consumado (Pedro) e outro culposo (Alberto), em concurso formal próprio (art. 70, 1a parte, do

CP).

2.2) resultando somente lesões corporais em ambos, há tentativa de homicídio (Pedro), em

concurso formal próprio com lesão corporal culposa (Alberto).

2.3) derivando da conduta de João a morte de Pedro e lesões corporais em Alberto, há homicídio

doloso consumado (Pedro) e lesão corporal culposa (Alberto), em concurso formal próprio.

2.4) no caso de lesões corporais em Pedro e morte de Alberto, a doutrina diverge:

1ª corrente: João responde pelo homicídio doloso de Alberto (considerando as qualidades da vítima

pretendida) e o crime de lesão corporal é utilizado para aumentar a pena em razão do concurso

formal (Damásio).

2ª corrente: o atirador deve ser responsabilizado por tentativa de homicídio de Pedro, em concurso

formal com o homicídio culposo de Alberto (Heleno Fragoso).

3ª corrente: deve ser atribuído a João o homicídio doloso consumado de Alberto, em concurso

formal com tentativa de homicídio de Pedro. Explica-se que, a princípio, poderia parecer correta a

imputação de tentativa de homicídio com relação a Pedro e de homicídio culposo contra Alberto

(como conclui a segunda corrente). Se fosse assim, todavia, quando se atingisse terceiro ( no caso,

Alberto) por erro na execução, seria melhor acertar também o alvo pretendido (Pedro) do que

simplesmente o terceiro. Em outras palavras, o erro na execução com resultado duplo seria mais

benéfico para o assassino do que se tivesse havido resultado único. Isso porque, atingindo somente

Alberto (aberratio ictus com resultado único), ao atirador seria imputado um crime de homicídio

doloso consumado (art. 73, primeira parte, do CP). Se é assim, na hipótese de ser também atingido

Alberto (pessoa visada), o qual sobrevive, não é razoável a responsabilização por fatos de menor

gravidade (o concurso formal entre homicídio tentado e homicídio culposo é menos grave que um

homicídio doloso consumado). É dizer: a pena decorrente da aberratio ictus com unidade complexa

não pode ser inferior àquela imposta no caso de aberratio ictus com unidade simples (André

Estefam).

Julgando um caso de aberratio ictus em que a vítima pretendida havia sido morta e outra pessoa

havia sofrido lesões corporais (como no item 2.3 acima), a Sexta Turma do STJ concluiu que o dolo

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do homicídio visado deve se estender ao crime decorrente de erro, solução a nosso ver equivocada,

que, no entanto, já foi adotada também pela Quinta Turma do tribunal:

“[...] Retrata os presentes autos a parte final do art. 73 do CP, quando, além da vítima

originalmente visada, terceira pessoa é também atingida, incidindo a regra do concurso formal de

crimes. Nesses casos, o elemento subjetivo da primeira conduta, o dolo, projeta-se também à

segunda, não intencional, ainda que o erro de pontaria decorra de negligência, imprudência ou

imperícia do agente.

Essa foi a conclusão alcançada no voto vencido, proferido no julgamento do recurso em sentido

estrito, ora impugnado, segundo o qual, "configurado, na espécie, erro na execução com unidade

complexa – ocasião em que, a partir da prática de um crime doloso, sobreveio o resultado

intencional e um segundo resultado, não pretendido, decorrente de erro de pontaria -, entendo

que este também deverá ser punido na forma dolosa". Assim, "Praticado o delito originário

dolosamente, mostra-se coerente que a modalidade dolosa alcance, também, o outro resultado

obtido" (fls. 838-839).

Nesse sentido, esta Corte possui orientação de que "A norma prevista no art. 73 do Código Penal

afasta a possibilidade de se reconhecer a ocorrência de crime culposo quando decorrente de erro

na execução na prática de crime doloso" (HC 210.696/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK,

QUINTA TURMA, julgado em 19/9/2017, DJe 27/9/2017). Esclarece o relator do habeas corpus que,

"havendo um segundo resultado não pretendido, quando da prática de crime doloso, este também

deverá ser punido como crime doloso, ainda que o erro na pontaria decorra de negligência,

imprudência ou imperícia do autor. Essa é a opção feita pelo legislador".

Em análogo erro na execução com duplicidade de resultado, esta Corte Superior já decidiu apenas

ser culposa a segunda conduta se a primeira assim for considerada. Confira-se a ementa do julgado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES E TENTATIVA DE HOMICÍDIO

QUALIFICADO. ABERRATIO ICTUS COM DUPLICIDADE DE RESULTADO. ALEGAÇÃO DE TER SIDO A

DECISÃO DO JÚRI CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. QUALIFICADORA.

CONFIGURAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. QUESITAÇÃO. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. I - Não

se revela contrária à prova dos autos a decisão tomada pelo Conselho de Sentença que resta

apoiada - conforme bem destacado no reprochado acórdão - em provas robustas. II - De outro lado,

não há como, na via eleita, buscar, como pretende a impetrante, expungir da conde nação a

qualificadora do motivo torpe, haja vista que a discussão sobre a sua configuração não se operou,

seja no julgamento do recurso de apelação, seja nos arestos relativos às revisões criminais

ajuizadas. Assim, ter-se-ía típica hipótese de supressão de instância. III - A quesitação submetida ao

Conselho de Sentença, in casu, não revela qualquer mácula, eis que realizada dentro dos

parâmetros legais, não se furtando à apreciação do Júri as teses defensivas pertinentes. Por se

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tratar de hipótese de aberratio ictus com duplicidade de resultado, e não tendo a defesa momento

algum buscando desvincular os resultados do erro na execução, a tese de desclassificação do delito

para a forma culposa em relação somente ao resultado não pretendido, só teria sentido s e

proposta também para o resultado pretendido - o que não ocorreu. Ordem denegada. (HC

105.305/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2008, DJe 9/2/2009).

Assim, deve ser restabelecida a sentença de pronúncia do recorrido como incurso nos arts. 121, §

2º, I e IV, e do art. 121, § 2º, e IV, c/c o art. 14, II, na forma do 73, todos do CP” (REsp 1.853.219/RS,

j. 2/6/2020).

Ao que parece, nas decisões mencionadas o tribunal se vale do conceito de dolo in re ipsa, em que

o elemento volitivo é presumido e, consequentemente, não precisa ser demonstrado. Mas

devemos ter em mente que a estrutura do crime doloso resulta de dois elementos que integram o

dolo: o volitivo – isto é, a vontade de praticar a conduta descrita na norma – e o intelectivo –

traduzido na consciência da conduta e do resultado. Sem consciência e vontade não há crime

doloso.

Se, por outro lado, esses elementos se fazem presentes, não se aplica o art. 73 do Código Penal

porque, como vimos, na aberratio o resultado relativo à pessoa não visada decorre de um erro no

momento da execução do crime. Somente pode haver, portanto, aberratio ictus com resultado

duplo quando o terceiro é atingido por erro ou acidente. Se o executor atua com dolo – ainda que

eventual – em relação ao terceiro, não é possível sustentar a ocorrência de um erro na execução.

Finalizamos com a lição de Paulo José da Costa Júnior:

“A que título é imputado ao agente o plus não desejado

O dolo deve endereçar-se à pessoa visada (ou ao fato-objeto pretendido) e somente em direção a

ela. Exclui-se a possibilidade de o dolo voltar-se a pessoa diversa. O plus do crime previsto no art.

73 não é atribuído ao agente, mesmo que não desejado, mas somente se não desejado. Não se

poderá,́ pois, conceber um comportamento doloso qualquer com respeito à pessoa atingida e não

visada. Nem mesmo o dolo, em sua forma eventual, de menor intensidade.

[...]

Outros sustentam a existência de um dolo único, que opera em raio mais amplo, compreend endo

todos os eventos. Seria, assim, uma preterintencionalidade na quantidade dos eventos. Tal é

inadmissível. A graduação do dolo pode dizer respeito à intensidade. Jamais à extensão” (José,

COSTA JR., Paulo José da; COSTA, F. Curso de Direito Penal, 12ª ed. Editora Saraiva, 2010, p. 283-4).

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1- Tema: Aditamento de denúncia para inclusão do crime de descumprimento de medida

protetiva de urgência (art. 24-A da Lei n. 11.340/06)

Código de Processo Penal, art. 28

Autos n.º 1502xxx-7x.2020.8.26.0xxx – MM. Juízo da xxxxxx

Réu: A.D.V.

Assunto: aditamento de denúncia para inclusão do crime de descumprimento de medida protetiva

de urgência (art. 24-A da Lei n. 11.340/06)

Cuida-se de remessa judicial, efetuada com supedâneo no art. 28 do CPP, determinada nos autos

de ação penal foi movida pelo Ministério Público em face de A.D.V., imputando-lhe, na denúncia de

fls. 71/73, o crime de ameaça, previsto no art. 147, caput, do Código Penal, c.c. o art. 7º, inciso II,

da Lei n. 11.340/06.

Segundo narrou a exordial, no dia 24 de julho de 2020, às 09h10min, na Rua XXXXXXX, na Comarca

de XXXXXXXXXXX, o acusado, aproveitando-se das relações domésticas, ameaçou sua genitora

E.S.D., por palavra, escrito ou gesto, de causar-lhe mal injusto e grave.

Constou que A. é filho de E., mas o relacionamento entre eles é conturbado, visto que o

denunciado faz uso de substância entorpecente e apresenta comportamento agressivo com sua

mãe, razão pela qual ela já teve medidas protetivas deferidas para mantê-lo afastado.

No dia dos fatos, o acusado compareceu na residência de E. e, agindo de maneira livre e consciente,

perseguiu-a com uma faca de cozinha e a ameaçou, proferindo os seguintes dizeres: “Vou te matar,

de hoje você não passa”. A vítima representou autorizando o início da persecução penal.

Os policiais militares que atenderam a ocorrência foram ouvidos a fls. 02 e 03, aduzindo que

realizavam patrulhamento, quando foram acionados a comparecer na residência da vítima, para

atender ocorrência de ameaça e descumprimento de medida protetiva. No local, em contato com a

solicitante que estava na calçada chorando, informou que o filho, usuário de entorpecente, havia

descumprido medida protetiva e retornado para a casa, onde estava dormindo. Alegou que ele

arrombou a porta dos fundos e o proprietário do imóvel ainda não consertou, de modo que,

aproveitando-se disto, ele entra e toda vez que aciona a polícia, ele foge. Hoje, acordou e viu e le

dormindo, foi até a residência da mãe, que mora na frente, e acionou a polícia. Quando retornou, o

filho armou-se de uma faca de mesa com serrinha e passou a ameaçá-la de morte, dizendo que de

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hoje ela não passava. A vítima exibiu a medida protetiva e o filho, ao perceber a movimentação na

rua, saiu da casa chorando, perguntando o porquê de a mãe estar fazendo aquilo com ele de novo.

Diante das circunstâncias, deram voz de prisão ao acusado. Tem conhecimento de que o acusado

foi preso em flagrante no dia 5/7/2020, por ter ameaçado a mãe. Um dos servidores, inclusive,

informou que já conhecia o autor dos meios policiais, por uso de entorpecente e violência

doméstica.

E. disse que é mãe de A., o qual é usuário de substância entorpecente desde os 12 anos de idade. O

filho é agressivo e inclusive foi preso no dia 5/7/2020, após ameaçá-la de morte, mas foi l iberado

no dia seguinte ao da prisão, sendo concedida medida protetiva à declarante. Todavia,

aproveitando-se de que a porta dos fundos do imóvel não tranca, ele tem retornado ao local. A

vítima aciona a polícia, mas o filho evade-se antes da chegada da viatura. Hoje acordou e se

deparou com o filho dormindo na casa. Mandou-o embora, dizendo que ele está ciente de que e la

tem medida protetiva e ia acionar a polícia, mas ele retrucou e, quando ela saía da casa, A. a

perseguiu com uma faca, dizendo que iria matá-la e que de hoje ela não passava. Como a

declarante correu para a rua, ele retornou para casa, saindo apenas quando ouviu movimentação

da polícia e saiu chorando questionando o porquê de ela estar fazendo aquilo com ele. A. disse que,

se for liberado, irá matá-la. Tem medo do filho e ofereceu representação pelas ameaças (fls. 4).

Em seu interrogatório, A. confessou que estava dormindo na casa da mãe, porque não tem lugar

para onde ir e estava passando por necessidade. O problema é que a mãe quer que a ajude

financeiramente e não tem condições de fazê-lo, então ela chama a polícia. Não agrediu, ofendeu

ou ameaçou a mãe. Acordou com ela discutindo e lhe mandando embora por causa da bagunça. Foi

preso no começo do mês, acusado de ameaçar a mãe, mas não tinha feito nada. Sabe que a mãe

tem protetiva e que não poderia ir na casa dela (fls. 06).

Lavrou-se o boletim de ocorrência, capitulando as condutas de A. como descumprimento de

medida protetiva de urgência e ameaça (fls. 12/14).

Auto de exibição e apreensão da faca (fls. 15).

Acostou-se cópia de decisão proferida nos Autos n. 1501173-35.2020.8.26.0664, concedendo à

vítima medidas protetivas de urgência em favor de E. (fls. 25).

Acostaram-se certidões criminais e infracionais, bem como folha de antecedentes em nome de A .

(fls. 30/31, 32/33 e 34).

O Ministério Público manifestou-se pela conversão da prisão em flagrante em preventiva (fls.

38/39).

Relatório final a fls. 43/44.

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A Defesa de A. requereu a concessão de liberdade provisória (fls. 46/47).

O MM. Juiz observou que se trata de descumprimento de medida protetiva de urgência, tendo sido

o autor recentemente beneficiado com liberdade provisória na qual foi imposta a medida,

descumpriu-a, aproximando-se da vítima e continuando a ameaçá-la, motivo pelo qual a prisão

preventiva do indiciado é necessária para a garantia da ordem pública, para se assegurar a

integridade física da vítima e evitar que ele pratique novas condutas de tal espécie contra a

ofendida. Diante disso, presentes os requisitos para tanto, converteu o flagrante em prisão

preventiva (fls. 51), cumprindo-se o mandado de prisão (fls. 82/84).

Acostou-se cópia de decisão proferida nos Autos n. 1500138-61.2020.8.26.0560, no dia

27/06/2020, nos quais foi concedida liberdade provisória a A. mediante aplicação de medidas

protetivas em favor da ofendida E., estabelecendo-se a proibição de manter contato com a vítima

por qualquer meio de comunicação e dela manter distância mínima de 500 metros, com

fundamento no art. 319, II e III, do CPP, cumprindo-se o alvará de soltura clausulado naqueles autos

(fls. 65/66 e 67/68).

Ao oferecer a denúncia de fls. 71/73, o Douto Promotor de Justiça entendeu inviável o

oferecimento dos institutos despenalizadores da transação penal ou suspensão condicional do

processo, nos termos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95, em face da expressa vedação prevista no

art. 41 da Lei n. 11.340/2006. Em relação ao crime de descumprimento de medida protetiva,

previsto no art. 24-A da Lei n. 11.340/06, concluiu ser o caso de arquivamento, pois os efeitos da

Medida Protetiva n. 1501173-35.2020.8.26.0664 cessaram no dia 01 de junho de 2020, conforme

se extrai da decisão de fls. 22 dos autos n. 1501361-28.2020.8.26.0664, sendo que o denunciado

teve contato com a vítima no dia 24 de julho de 2020, ou seja, após a aludida cessação de efeitos.

Nesse cenário, concluiu não haver justa causa para o oferecimento de denúncia, promovendo o

respectivo arquivamento (fls. 74).

Certidões criminais e folha de antecedentes em nome de A. (fls. 75/76 e 77).

O Digníssimo Magistrado determinou o retorno dos autos ao Ministério Público, para que se

manifestasse sobre eventual descumprimento da medida protetiva concedida nos autos n.

1500XXX-XX.2020.8.26.0XXX, em trâmite no mesmo juízo, conforme cópia de fls. 65/68, aditando-

se a denúncia, se fosse o caso (fls. 85).

O Ilustre Representante Ministerial, então, sustentou que, salvo melhor juízo, o denunciado

descumpriu medidas cautelares diversas da prisão, especificadas no art. 319, incisos II e III, do CPP,

no âmbito da liberdade provisória a ele concedida no dia 27 de junho de 2020 (fls. 65), não

havendo falar-se, portanto, na prática do crime do art. 24-A da Lei n. 11.340/06, o qual somente se

verifica se o agente descumprir medida protetiva prevista no art. 22 da Lei n. 11.340/2006.

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Argumentou que, em verdade, o descumprimento das mencionadas medidas cautelares tem o

condão de acarretar a decretação da prisão preventiva do autor no feito n. 1500XXX-

X1.2020.8.26.0XXX.

Diante disso, entendeu não ser o caso de aditamento da exordial, reiterando a denúncia oferecida a

fls. 71/74 (fls. 91).

O MM. Juiz, contudo, considerou que o Juízo Plantonista explicitamente concedeu “novas medidas

protetivas”, conforme cópia da decisão de fls. 65/66, destacando ainda que as medidas protetivas

são espécies do gênero das cautelares, motivo pelo qual determinou a remessa do caso ao

Procurador-Geral de Justiça, para os fins do art. 28 do Código de Processo Penal (fls. 92).

Eis a síntese do necessário.

Com razão o Douto Promotor de Justiça, com a máxima vênia do MM. Juiz.

Com efeito, o art. 24-A, da Lei n. 11.340/06, dispõe que configura o crime de descumprimento de

medidas protetivas de urgência descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de

urgência previstas nesta Lei.

Como bem observou o Ilustre Promotor de Justiça natural, as medidas protetivas deferidas nos

autos n. 1500XXX-XX.2020.8.26.0XXX foram deferidas com fulcro no Código de Processo Penal (art.

319, II e III), e não com base na Lei Maria da Penha.

Seu descumprimento poderá acarretar a prisão preventiva do acusado, conforme ressaltado na

própria decisão de fls. 65, dos autos acima referidos.

Assim, correta a recusa do Douto Promotor de Justiça no sentido de não aditar a denúncia, pois

medidas protetivas deferidas com base no Código de Processo Penal – importante frisar – estão

fora do tipo penal da lei especial, que exige explicitamente no art. 24-A que o descumprimento seja

de decisão judicial que tenha deferido medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei, ou se ja,

na Lei n. 11.340/06.

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL E DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL –

Absolvição quanto ao delito previsto no art. 359 do Código Penal – Descumprimento de medida

protetiva de urgência – Necessidade – Sanções específica próprias, tal como a prisão preventiva,

nos termos do art. 313, III, do Código de Processo Penal – Descabimento de punição em delito

autônomo quando a própria lei elenca consequências em face do descumprimento da medida –

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Fatos anteriores a Lei nº 13.641, de 2018 - Redução da pena-base – Inviabilidade – Circunstâncias

que demonstram elevada reprovabilidade da conduta – Réu reincidente específico – Substi tuição

da pena que se mostra impossível, ante a natureza do delito, bem como a condição subjetiva do

acusado – Recurso defensivo parcialmente provido.

(TJSP; Apelação Criminal 0004485-79.2017.8.26.0347; Relator (a): Edison Brandão; Órgão Julgador:

4ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Matão - Vara Criminal; Data do Julgamento: 5/6/2020; Data

de Registro: 5/6/2020).

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – Ameaça proferida contra ex-companheira – Art. 147, caput, c.c. o art. 61,

inciso II, alínea "f", ambos do Código Penal – Materialidade e autoria comprovadas – Conjunto

probatório suficiente para alicerçar a sentença condenatória – Recurso ministerial requerendo a

condenação do réu pelo crime de desobediência – Impossibilidade – Absolvição que deveras se

impunha, quanto ao delito previsto no art. 330 Código Penal – Conduta atípica – Descumprimento

de medida protetiva, imposta no âmbito de outro processo criminal para apuração de violência

doméstica, que não implica desobediência, pois está sujeita a sanções específicas – RECURSOS NÃO

PROVIDOS.

(TJSP; Apelação Criminal 0000882-53.2016.8.26.0534; Relator (a): Fátima Gomes; Órgão Julgador:

9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Santa Branca - Vara Única; Data do Julgamento:

28/04/2020; Data de Registro: 28/4/2020).

Ante o exposto, insiste-se na recusa ministerial de aditamento à denúncia, com a renovada vênia

do MM. Juiz.

São Paulo, 11 de agosto de 2020.

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça