revista do cao criminal - nº 16

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PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Procurador Geral de Justiça CORREGEDORIA GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL Corregedora Geral do Ministério Público REVISTA DO CAO CRIMINAL Nº 16 ELABORAÇÃO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça COLABORAÇÃO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE MARIA DO SOCORRO MARTINS CARVALHO MENDO Promotora de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA CIDADANIA NATANAEL CARDOSO LEITAO Promotor de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CONSTITUCIONAL FREDERICO ANTONIO LIMA DE OLIVEIRA Promotor de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL FONE: (91) 4006-3505 Sítio: http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/ ISSN 1982-5005 EDITORAÇÃO ELETRÔNICA RICARDO ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE Auxiliar de Administração SERVIDORES CLÉLIA ALVES DE OLIVEIRA MIRANDA Auxiliar de Administração RICARDO ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE Auxiliar de Administração ESTAGIÁRIAS CÉLIA DA E. CAMPOS DE ARAÚJO MENEZES DE ARAÚJO Estagiária de Direito THAÍSSA GOMES DOS SANTOS Estagiária de Direito CAPA ANDRE LUIZ ANCHIETA Chefe do Serviço de Artes Gráficas ÉRIKO MORAES Auxiliar de Administração

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Neste número 15 a publicação do CAOCriminal substituiu a nomenclatura anterior (Boletim Informativo) por Revista do CAOCriminal. Tal mudança na linha editorial decorre da necessidade de ampliar o debate relacionado à ciência criminal e sua evolução. Os assuntos deste número inaugural estão em consonância com os novos movimentos penais vividos pelo Brasil e pelo mundo, frente aos novos fenômenos sociais presentes na seara criminal, direitos humanos, direito penal, processual, execução penal e temas correlatos.

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Page 1: Revista do CAO Criminal - Nº 16

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Procurador Geral de Justiça

CORREGEDORIA GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARÁ UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL

Corregedora Geral do Ministério Público

REVISTA DO CAO CRIMINAL Nº 16

ELABORAÇÃO

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL ALDIR JORGE VIANA DA SILVA

Promotor de Justiça

COLABORAÇÃO

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

MARIA DO SOCORRO MARTINS CARVALHO MENDO Promotora de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA CIDADANIA

NATANAEL CARDOSO LEITAO Promotor de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CONSTITUCIONAL

FREDERICO ANTONIO LIMA DE OLIVEIRA Promotor de Justiça

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL FONE: (91) 4006-3505

Sítio: http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/

ISSN 1982-5005

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA RICARDO ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE

Auxiliar de Administração

SERVIDORES CLÉLIA ALVES DE OLIVEIRA MIRANDA

Auxiliar de Administração

RICARDO ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE Auxiliar de Administração

ESTAGIÁRIAS CÉLIA DA E. CAMPOS DE ARAÚJO MENEZES DE ARAÚJO

Estagiária de Direito

THAÍSSA GOMES DOS SANTOS Estagiária de Direito

CAPA ANDRE LUIZ ANCHIETA

Chefe do Serviço de Artes Gráficas

ÉRIKO MORAES Auxiliar de Administração

Page 2: Revista do CAO Criminal - Nº 16

APRESENTAÇÃO

Esta edição da Revista do CAOCriminal traz a lume temas que estão em consonância com os novos movimentos penais vividos pelo Brasil e pelo mundo, frente aos fenômenos sociais presentes na seara criminal, direitos humanos, penal, processual, execução penal e temas correlatos.

Anote-se, por exemplo, questões relacionadas a lei Maria da Penha tais como a possibilidade de renúncia ou retratação por parte da vítima após a formalização da notitia criminis da violência doméstica.

Não menos importante é a possibilidade de progressão de regime para os condenados em crimes hediondos instituído pela lei nº 11.464/2007 e suas conseqüências. Bem como, a discussão a respeito do interrogatório on-line e a polêmica suscitada em face do princípio da ampla defesa e a redução de custos para o erário público e agilização da instrução criminal.

O aborto anencefálico permanece na pauta de discussões pela inquietação que causa. Seja por razões jurídicas ou religiosas. Meditar a respeito do avanço do crime organizado e os desafios que essas organizações impõem às instâncias formais de combate e controle da criminalidade. A continuidade da dissecação dos principais pontos da lei nº 11.313/2006 e seus reflexos para o processo penal é outro ponto de debate.

Essa edição publica uma série de atos normativos baixados tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Ministério Público e seus reflexos sobre a atuação de todos que integram o parquet paraense. A descentralização da execução penal para municípios como Marabá e Santarém foi uma medida adequada ao perfil do Estado.

O Ministério Público por meio da Procuradoria Geral de Justiça e Corregedoria baixou o Provimento nº 02/2007 que disciplina a visita a estabelecimentos penais e prevê a fiscalização da execução de presos condenados e a obrigatoriedade da visita.Tais assuntos e tantos outros que causam profundo impacto na vida da sociedade brasileira e da comunidade jurídica constam desta publicação.

E por fim, agradeço o apoio, colaboração, solidariedade e, sobretudo competência da equipe do CAOCRIMINAL: CLÉLIA MIRANDA, RICARDO ALBUQUERQUE (servidores) e das estagiárias CÉLIA MENEZES e THAÍSSA SANTOS.

ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça

Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA E A LEI MARIA DA PENHA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES. QUINTINO FARIAS DA COSTA JÚNIOR Promotor de Justiça da Comarca de Cametá-Pa......................................... 11 “UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIFICULDADES DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO” ARTHUR PINTO DE LEMOS JÚNIOR Promotor de Justiça do GAECO/SP. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais e Especialista em Direito Penal Econômico. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.. ........................................................................... 17 CRIMES HEDIONDOS, REGIME PRISIONAL E QUESTÕES DE DIREITO INTERTEMPORAL MARCELO LESSA BASTOS Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, doutorando pela Universidade Gama Filho, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense) ............................................................................. 35 INTERROGATÓRIO ON LINE E A AMPLA DEFESA ANA CLAUDIA DA SILVA BEZERRA Advogada com formação pela Faculdade de Direito de Olinda - FADO(AESO); Pós-graduanda lato sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola de Magistratura de Pernambuco - ESMAPE e Faculdade Maurício de Nassau.................................................................... 49 LEI 11.313/2006: NOVAS ALTERAÇÕES NOS JUIZADOS CRIMINAIS (II) LUIZ FLÁVIO GOMES Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN, Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG ... 78 ABORTO ANENCEFÁLICO: EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL. LUIZ FLÁVIO GOMES Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN, Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG ... 81

SUMÁRIO

DOUTRINA

Page 3: Revista do CAO Criminal - Nº 16

CONSUMAÇÃO DO CRIME DE EXTORSÃO: AVENÇAS E DESAVENÇAS DOUTRINÁRIAS ROBERTO BARBATO JÚNIOR Mestre em Sociologia, Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, Professor nos Cursos de Direito da METROCAMP (Campinas) e UNIP (Limeira). .......................................................................................................87

LEGISLAÇÃO FEDERAL LEI Nº 11.466, DE 28 DE MARÇO DE 2007. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever como falta disciplinar grave do preso e crime do agente público a utilização de telefone celular.........................................................................99 LEI Nº 11.464, DE 28 DE MARÇO DE 2007. Dá nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal. ..................................................................................101 LEI Nº 11.449, DE 15 DE JANEIRO DE 2007. Altera o art. 306 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal..........................................................................102 ATOS NORMATIVOS FEDERAIS CNMP - RESOLUÇÃO Nº 20, de 28 de maio de 2007. Regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e o art. 80 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial. ......103 CNMP - RECOMENDAÇÃO Nº 01, de 26 de outubro de 2006. Dispõe sobre a não exigência de comprovante de capacidade técnica para manuseio de arma de fogo, prevista na Lei nº 10.826/03, aos membros do Ministério Público. .......................................................................................108

LEGISLAÇÃO

ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS DECRETO N° 611, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2007 Estabelece procedimentos para a custódia de mulheres e adolescentes nas dependências das unidades da Polícia Civil do Estado do Pará e dá outras providências..................................................................................... 110 MP - PROVIMENTO Nº 02/2007-MP/PGJ/CGMP, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2007 Dispõe sobre os instrumentos de controle da atuação funcional quanto a fiscalização da regularidade processual e dos direitos e deveres do preso, por parte do respectivo órgão de execução do Ministério Público, e dá outras providências..................................................................................... 112 DEFENSORIA – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 03/07-DP/CG DE 29 DE NOVEMBRO DE 2007 Estabelece instrução regularizando visitas carcerárias ............................. 115 TJE - RESOLUÇÃO Nº 024/2007-GP Dispõe sobre a instalação de Centrais e Núcleos de Execução de Penas e Medidas Alternativas nas comarcas sede de região judiciária do interior do Estado, redefine a Central de Penas Alternativas da Comarca de Santarém e dá outras providências. ........................................................................... 117 TJE - RESOLUÇÃO N° 016/2007-GP Dispõe sobre a Execução Penal no Estado, determina a instalação de Varas criadas pela Lei nº 6.870, de 20 de junho de 2006, nas Comarcas de Santarém e Marabá, especializando-lhes a competência, e dá outras providências................................................................................................ 121 MP - RESOLUÇÃO N° 006/2007-CPJ Dispõe sobre o exercício das atribuições do Ministério Público nos feitos judiciais e administrativos relativos à Execução Penal e dá outras providências................................................................................................ 125 TJE - RESOLUÇÃO Nº 008/2007- GP Especializa a competência da 20ª Vara Criminal da Capital, criada pela Lei n°6.480, de 13 de setembro de 2002, e ainda não instalada, para processar e julgar os crimes praticados por organizações criminosas....................... 128

Page 4: Revista do CAO Criminal - Nº 16

ABORTO ANENCEFÁLICO .......................................................................133 CRIMES CONEXOS – CONFLITO DE COMPETÊNCIA...........................134 INTERROGATÓRIO ON-LINE ...................................................................137 COMPETÊNCIA PARA REPRESSÃO AOS JOGOS DE AZAR ...............142 PRISÃO PREVENTIVA – LEI MARIA DA PENHA ....................................146 LIBERDADE PROVISÓRIA – CRIMES HEDIONDOS ..............................160

JURISPRUDÊNCIA

Page 5: Revista do CAO Criminal - Nº 16

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 11

DOUTRINA

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA E A LEI MARIA DA PENHA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.

QUINTINO FARIAS DA COSTA JÚNIOR

Promotor de Justiça da Comarca de Cametá-Pa.

A Lei nº. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha- LMP, traz a lume diversos aspectos, dentre os quais, destacamos o que nos parece poderá causar embaraços na correta aplicação desta lei.

A desconsideração da manifestação da vontade da vítima na fase policial, nos crimes de ação penal pública condicionada e a ampliação do conceito de representação, instituindo a figura da representação tácita, enquanto permissivo legal para a atuação ministerial.

Dispõe a Lei Maria da Penha em seu artigo 16, o seguinte:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

As dificuldades começam com a utilização confusa, dos termos jurídicos, renúncia e retratação.

Conforme magistério de TOURINHO FILHO, renúncia é pois, a abdicação do direito de oferecer queixa- crime, de promover ação penal privada, enquanto que a retratação de que tratam o código penal em seu artigo 102 e o código de processo penal em seu artigo 25, no dizer de CAPEZ, é a abdicação da vontade de ver instaurado o inquérito policial ou oferecida a denúncia.

Assim, deve-se entender na verdade o termo renúncia empregado pela lei, no sentido de retratação ao direito de representação o que, como veremos a seguir, também poderá causar problemas de interpretação ao aplicador do direito, pela forma como está posta, no dispositivo sob comento.

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Vejamos.

Ao dispor sobre o exercício do direito de renúncia, que doravante passaremos a denominar de retratação, o legislador estabeleceu que tal só produzirá efeitos se exercido até o recebimento da denúncia.

Admitiu com isso que, poderá haver um interregno razoável entre o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o seu efetivo recebimento pelo juízo, e que, se nesse lapso de tempo, a ofendida retratar-se, obstaculizada estará a persecução criminal, por falta de uma condição de procedibilidade- a representação-.

Ocorre que, tal orientação não encontra lastro nem código de processo penal, artigo 25, e nem no código penal, artigo 102, com a redaue lhe foi dada pela Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984, (reforma penal- parte geral), redação esta aliás, que pôs fim a uma antiga discussão doutrinária e jurisprudencial, sobre o momento exato em que se inicia a ação penal.

Estabelecem os diplomas legais referenciados, em seus respectivos artigos que, uma vez oferecida a denúncia, a representação é irretratável, não havendo mais que se distinguir os dois momentos : oferecimento e recebimento da denúncia, como está a fazer a Lei Maria da Penha.

Conforme ensina TOURINHO FILHO, não se deve confundir início da ação penal com o seu ajuizamento e muito menos com a instauração da relação processual. Aquele se dá com a oferta da peça acusatória [...] Assim, se o Promotor de Justiça já ofertou a denúncia, pouco importa tenha ocorrido ou não despacho liminar positivo. Ela se tornou irretratável com a simples oferta da denúncia.

Acrescentamos que isto ocorre também, porque a partir desse momento passa a nortear a atuação do Ministério Público o princípio da indisponibilidade da ação penal, não permitindo a lei, uma vez deflagrada, o recuo do órgão acusador, como sugere a Lei Maria da Penha, ao determinar a outiva do Ministério Público, sobre a retratação da ofendida.

Somos de entendimento que, uma vez oferecida a denúncia, e, não sendo o caso de rejeição da peça acusatória, nas hipóteses taxativas do artigo 43 do código de processo penal, somente caberá ao juiz, instruir o feito.

A retratação, de que trata a lei sob comento, em verdade, só produzirá seus efeitos, se exercida entre a instauração do inquérito policial e a remessa ao Ministério Público, sendo o seu efeito imediato, impedir a oferta da denúncia, possibilitando com isso a realização da audiência judicial de que trata a Lei Maria da Penha, que terá por finalidade específica, apreciar àquela, enquanto causa extintiva de punibilidade, efeito mediato.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 13

Realizado o ato, com a presença das partes e do representante do Ministério Público, terá este, condições de avaliar, ante as peculiaridades do caso e na qualidade de dominus litis, pela extinção da punibilidade, ante a retratação da ofendida, ou, se for o caso, desconsiderá-la e oferecer a competente denúncia.

Não fosse assim, nenhum sentido teria a realização da audiência prevista no artigo 16 da LMP, cabendo ao juiz, se discordar das razões invocadas para o não oferecimento da denúncia, submeter à consideração da procuradoria geral de justiça, por analogia do artigo 28 do código de processo penal, que por sua vez é aplicável subsidiariamente à espécie, por força do artigo 13, visto que, o magistrado não tem o poder de obrigar o promotor de justiça a deflagrar a ação penal, ainda que entenda seja esse o caso.

Outro aspecto a merecer considerações, diz respeito ao conceito de representação, adotado pela Lei 11.340/2006-LMP.

A mudança em torno da idéia de representação, nas ações penais públicas condicionadas de que trata a Lei Maria da Penha, ou seja, a efetiva participação da parte ofendida na persecução criminal, pode ser vista já no artigo 10, caput da LMP:

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Pelo dispositivo suso, constata-se que, a autoridade policial tomando conhecimento da notitia criminis, terá o poder/ dever de agir de ofício, como ocorre nas ações penais públicas incondicionadas. Sua atuação não está atrelada à manifestação expressa da vítima, podendo ser inclusive preventiva, se os fatos lhe chegarem ao domínio com a devida antecedência, ainda que de forma imediata.

Da mesma forma, ao tratar das providências preliminares que deve a autoridade policial adotar, ao tomar conhecimento da ocorrência de fatos delituosos, abrangidos pela Lei Maria da Penha, dispõe o artigo 12, inciso I que :

Art. 12. OMISSIS

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

14 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

A interpretação gramatical da locução, “se apresentada”, depois da vírgula, só ratifica a idéia da prescindibilidade da representação, nos moldes em que é concebida no código de processo penal artigo 39.

Essa facultatividade, porém, como se pode depreender do texto legal suso mencionados, nenhum prejuízo acarretará para a apuração dos crimes de violência doméstica e/ou familiar na esfera policial, ou mesmo para a futura atuação ministerial, já que, em razão da flexibilização do conceito de representação, pode-se entender como tal, não só o documento assim denominado e assinado pela vítima ou seu representante legal, como também: o registro da ocorrência, (LMP: artigo 12, caput); o pedido de concessão de medidas protetivas de urgência, (LMP: artigo 18 e ss.), etc...

É o que denominamos de representação tácita, construída à imagem e semelhança da renúncia tácita de que trata o código penal artigo 104.

Assim, se até o oferecimento da denúncia, respeitado o prazo decadencial previsto no código de processo penal, artigo 38, a ofendida não apresentar sua retratação, convalidado estarão todos os atos até então já praticados em desfavor do agressor, autorizando com isso, ao Ministério Público, ingressar em juízo com a competente ação penal.

Deixa de ser assim, portanto, a representação da vítima, em sua acepção estrita, uma conditio sine qua non, para adoção das medidas legais cabíveis, quando se tratar de crimes relacionados com a violência doméstica e/ou familiar, seja na fase que antecede a ação penal, como por exemplo, instauração de inquérito policial, seja para sua própria deflagração, com o oferecimento da denúncia, o que não ocorre nos demais delitos, verbi gratia, desentendimento entre um homem e uma mulher em uma fila de cinema, e que importe um delito de ação penal condicionada, pois que, nesses casos, a representação da vítima stricto sensu, permanece como condição de procedibilidade, nos termos do código de processo penal artigos 5º, § 4º e 24 caput.

E, é assim, penso, por dois motivos.

O primeiro, por uma questão de política criminal.

Sabe-se que muitas das vezes, por de trás de uma decisão aparentemente espontânea da vítima de não prosseguir na responsabilização de seu ofensor, escondem-se ameaças e pressões de toda ordem, atento a isso, o legislador então transferiu à Justiça, avaliação da conveniência ou não da persecução criminal, diante do caso concreto.

Depois, com bem esclarece TOURINHO FILHO, a razão de ser das ações penais públicas condicionadas, é que determinados crimes afetam imediatamente interesses particulares e só mediatamente, o interesse

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 15

geral, e, nesses casos, o Estado deixa ao alvedrio do particular a conveniência da reprimenda, até mesmo pela tenuidade do bem jurídico violado.

Não é definitivamente, o caso das condutas praticadas nas circunstâncias delineadas pela Lei Maria da Penha, cujas práticas, são consideradas formas de violação aos direitos humanos, LMP: artigo 6º.

Prevalece, portanto, o interesse geral a justificar a interferência imediata do Estado em tais ocorrências, daí porque, ter o legislador retirado da esfera de apreciação da vítima, a adoção das providências preliminares de responsabilização do autor, na fase policial, nos crimes de ação penal pública condicionada, como seria de praxe.

É nesse diapasão que entendemos, com a devida venia de respeitáveis posicionamentos contrários, que a retratação da ofendida, nesses casos, só mediatamente poderá ser causa extintiva de punibilidade, isto, depois de apreciada judicialmente, em audiência previamente designada para tal fim, em razão da sistemática adotada pela LMP.

Melhor andaria o legislador, se tivesse expressamente declarado de ação pública incondicionada, as condutas típicas previstas no código penal, quando relacionadas com a violência doméstica e/ou familiar, pois na verdade, foi o que fez de forma oblíqua.

Enfim, a conseqüência prática disto é a seguinte :

Recebendo o inquérito policial, e desde que não tenha havido a retratação, o promotor de justiça, avaliando, pelos elementos constantes dos autos, a viabilidade da ação penal, e diante do conceito amplo de representação, firmado pela Lei Maria da Penha, está autorizado a oferecer a denúncia, independentemente de ratificação expressa por parte da ofendida, isto porque entendemos que o seu silêncio implica uma concordância, (representação), tácita com as medidas até então adotadas, contra o seu agressor.

Havendo a retratação expressa documentada ou reduzida a termo, cumpre ao órgão ministerial requerer a designação de competente audiência, para os fins do artigo 16 da Lei Maria da Penha.

Conclusões:

Deve-se entender o termo renúncia, na verdade como retratação ao direito de representação, emprestando-lhe os contornos que atendam o espírito da lei.

16 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

A retratação, só será apta a produzir algum efeito, se exercida antes do oferecimento da denúncia, posto que, a partir desse momento, deflagrada estará a ação penal, não podendo mais dela dispor, o Ministério Público.

Ante o conceito mais amplo de representação, abraçado pela Lei 11.340/ 2006-LMP, é a mesma prescindível, enquanto documento autônomo assinado pela vítima, ou mesmo reduzido a termo no bojo do inquérito policial, a legitimar a atuação do Ministério Público na persecução criminal do autor de delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, caso esta pretenda desistir das providências até então encaminhadas, o instrumento adequado para tal desiderato é a retratação pessoal expressa ou por seu representante legal, dirigida ao juiz, ou ao próprio órgão ministerial, desde que, frisamos, ainda não tenha sido oferecida denúncia, o que possibilitará ao magistrado de ofício ou a requerimento do representante do Ministério Público, designar a competente audiência de que trata o artigo 16, momento próprio para avaliarem as circunstâncias que determinaram a vítima assim proceder.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto-Lei no 2.484 de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Senado Federal.

BRASIL. Decreto-Lei no 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Código Processo Penal. Brasília, DF: Senado Federal.

BRASIL. Lei nº. 11.340 de 07 de agosto de 2006. Lei da Violência Domestica e Família contra Mulher. Brasília, DF: Senado Federal.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal. 12ª. edição.revista e atualizada., principalmente em face das Leis nº. 7.209/84 (Parte Geral do CP), 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e Constituição de 1988.São Paulo.Saraiva.1990. págs.295; 339 e 510.

CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal. 2ª. edição, atualizada e ampliada. São Paulo.Saraiva.1998. pág.106.

Page 8: Revista do CAO Criminal - Nº 16

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 17

“UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIFICULDADES DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO”

ARTHUR PINTO DE LEMOS JÚNIOR

Promotor de Justiça do GAECO/SP. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais e Especialista em Direito Penal Econômico. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

“O comércio ilícito rompeu as fronteiras e invadiu

nossas vidas. Nunca mais saberemos com certeza a quem nossa compra beneficia, o que nossos investimentos apóiam, que conexões materiais ou financeiras podem ligar nosso

próprio trabalho e consumo a objetivos e práticas que abominamos”.

Moisés Naím

1. Introdução.

Quando se estuda o fenômeno da lavagem de dinheiro, numa perspectiva mundial ou nacional, reconhece-se como elevados os índices de cifras negras (1). De acordo com os dados do FMI de 1996, o capital lavado tem oscilado entre 2 e 5 % do produto mundial e estimativas mais recentes “colocam os fluxos de lavagem de dinheiro próximos a 10% do PIB global” (2). O dinheiro proveniente das “zonas escuras do tecido social” (3) passou a ser parte fundamental da economia mundial e pode até superar o capital movimentado em economias de países importantes, como Rússia e Espanha (4). Em qualquer país esta realidade, para o Professor Faria Costa

(1) A expressão é do âmbito científico da Criminologia e designa o nível da diferença entre a criminalidade real e a criminalidade efetivamente conhecida pelos órgãos de controle – Polícia Judiciária e Ministério Público. “Neste sentido, tanto se pode falar de cifras negras a propósito da diferença entre a criminalidade ‘real’ e a criminalidade conhecida pela polícia, como entre esta última e a que vem a ser transmitida à acusação” (DIAS, Jorge de Figueiredo, e ANDRADE, Manuel da Costa, Criminologia. O homem delinqüente e a sociedade criminógena, Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 133). (2) NAÍM, Moisés, Ilícito,trad. Sérgio Lopes, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p. 20. Segundo o levantamento feito pelo GAFI,”o valor da venda de cocaína, heroína e maconha alcança a importância aproximada de 122 bilhões de dólares ao ano nos Estados Unidos e na Europa, gerando benefícios estimados em 30 bilhões ao ano (GARCÍA, Felipe Renart, “El blanqueo de capitales em el derecho suizo”, Revista Del Poder Judicial n. 50, 1998, p. 120. (3) Expressão de COSTA, José de Faria, “O branqueamento de capitais”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra vol. LXVIII, p. 62. (4) Ibidem. MARIE-CHRISTINE DUPUIS sugere que a crise financeira do México, em 1994, e a da Tailândia, em agosto de 1997, está relacionada com a relevância do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro nesses dois países (apud DAVIN, João, “O branqueamento de capitais”, in Revista do Ministério Público n° 91, julho/setembro 2002, Lisboa, p. 109).

18 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

(5), “representa um contributo do qual não se pode prescindir sob pena, entre outras coisas, de estagnação econômica”. Este quadro abala e desestrutura a economia em qualquer nação e apresenta-se como fenômeno desafiante, ainda insuperável. De outro lado, não há uma correspondente cifra de investigação criminal e de ações penais em torno do problema (6).

Parece-nos indiscutível a existência do fenômeno da lavagem de dinheiro no Brasil e nenhum operador do Direito discute esta realidade. Mas, então, por que são tão insignificantes as investigações criminais voltadas ao combate desse delito?

Pretendemos discorrer sobre essa dificuldade, ao mesmo tempo em que delineamos as principais características dessa forma de criminalidade, surgidas com o perfil atual, no final do século XX.

2. Natureza do delito.

“A receptação ofende um bem jurídico individual e a lavagem de dinheiro um bem jurídico coletivo”

(Wilfried Bottke).

Uma primeira resposta para o ínfimo número de investigação criminal resulta da própria natureza do crime de lavagem de dinheiro. Não estamos diante de um crime de dano, mas sim de um delito de perigo abstrato. Assim, nem sempre haverá uma lesão efetiva, ou um resultado naturalístico ao bem jurídico tutelado pela norma, sendo suficiente a potencialidade ou o perigo do dano. Estamos ainda diante de um crime de mera atividade e não de um delito de resultado. Pode-se dizer, assim, decorrer da própria natureza do crime e do próprio fenômeno da lavagem de dinheiro a dificuldade de visualizá-lo, pois não há uma vítima pontual e, tampouco, um único agente do delito.

Ainda, o concurso de pessoas é indispensável à consecução do delito, o que funciona como fator altamente complicador (7). Não se trata de uma simples co-autoria, tampouco de uma quadrilha ou bando, mas geralmente

(5) “O branqueamento de capitais”, ob. cit., p. 64. (6) E essa realidade não é só brasileira. WILFRIED BOTTKE destaca que, de acordo com os dados estatísticos anuais da Alemanha, o número de processos crimes instaurados pela polícia e de sentenças condenatórias sobre lavagem de dinheiro são muito baixas (“Mercado, criminalidad organizada y blanqueo de dinero en Alemania”, Revista Penal n. 2, 1998, p. 6). (7) CARLOS MARTÍNEZ-BUJÁN PEREZ entende que a figura penal da lavagem de dinheiro enquadra-se na peculiar esfera da criminalidade empresarial, o que repercute na problemática definição da autoria e da participação (“Blaqueo de bienes”, in Derecho penal económico, Valência: Tirant lo Blanch, 1999, 312).

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a lavagem de dinheiro insere-se numa complexa estrutura de pessoas organizadas em torno de um objetivo comum. Para tanto, tais agentes não precisam estar próximos ou agirem juntos. E normalmente não é isto mesmo que ocorre. O lavador de dinheiro, às vezes, um prestador de serviço terceirizado, normalmente está distante do local de consumação do delito antecedente, não se comunica com o executor material do crime delito e vale-se da tecnologia para proceder a dissimulação do dinheiro, ou seja, em pouco tempo procede a inúmeras transferências de seu capital, seja através da aplicação do dinheiro on line, bolsa de valores ou em off shore (8).

Frise-se que em face do reconhecimento desse contexto, à vista de uma fenomenologia autônoma e que independente da figura delituosa anterior, a Lei n° 9.613/98 não exige que o agente do crime de lavagem de dinheiro tenha conhecimento específico do crime antecedente, sendo suficiente ter ciência genérica da origem criminosa. Do contrário, muitas operações criminosas ficariam impunes, porquanto o agente criminoso não torna o lavador do dinheiro uma testemunha dos delitos que ele cometeu. De fato, “a terceirização do crime de lavagem de dinheiro tem como conseqüência certo distanciamento entre o seu agente o agente do crime antecedente. O primeiro é apenas a pessoa encarregada das manobras necessárias para dissimular ou ocultar o produto criminoso. Não há motivo para que lhe sejam revelados detalhes sobre a origem ou natureza dos valores, bens ou direitos envolvidos” (9).

Os personagens do crime que nos preocupa “dificilmente se distinguem uns dos outros – não têm individualidade – e se, por acaso ou interesse do ‘autor’ da obra, nos surge, sob as luzes da boca de cena, um personagem bem recortado que nos dá a satisfação de percebermos quem é, o que faz, ou, pelo menos, o que representa, rapidamente também nos apercebemos do logro dessa amostragem cênica, já que, de súbito, tal como Pigmaleão, o ‘autor’ transforma aquela personagem em uma outra, num constante jogo de mutações, em que nos perdemos, porque nada dominamos, nem sequer o final, o qual, aliás, por abstração, desejo inconfessado do autor e razão de ser da própria peça, não existe” (10).

(8) “Nosso mundo é um lugar onde milhões de dólares podem cruzar o planeta em 1/15 de segundo e, a cada dia, mais de dois trilhões de dólares são movimentados. Assim sendo, o dinheiro gerado a partir das drogas fabricadas na América do Sul pode viajar de uma ilha do Caribe até Londres, passando por Nova York e pela Áustria, antes que você termine de ler este parágrafo” (LILLEY, Peter, Lavagem de dinheiro, São Paulo: Editora Futura, trad. Eduardo Lasserre, 2001, p. 15). (9) MORO, Sérgio Fernando, “Sobre o elemento subjetivo no crime de lavagem”, in Lavagem de Dinheiro, Org. Sérgio Moro e José Paulo Baltazar Júnior, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 95. (10) COSTA, José de Faria, “O branqueamento de capitais”, ob. cit., p. 67.

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Com a perspectiva ainda na natureza do crime, trata-se de um crime pluriofensivo, que tutela uma variedade de bens jurídicos – a doutrina costuma eleger a Justiça, o sistema financeiro e a credibilidade da economia, como bens protegidos pela norma (11). Como afirmou Günther Stratenwerth, o tipo penal da lavagem de dinheiro “não protege nenhum bem jurídico tangível. Ele dirige-se contra uma forma especialmente perigosa de criminalidade, mesmo contra a sua organização e aproveitamento através de associações criminosas, mas também contra um simples fenômeno concomitante: a tentativa de encobrir com os meios do mercado financeiro, valores patrimoniais obtidos de forma criminosa, para os subtrair à intervenção das autoridades de investigação criminal” (12).

Todos esses aspectos inerentes à tipologia penal em estudo funcionam como fatores complicadores e elevam a dificuldade de sua repressão.

3. A integração do crime de lavagem de dinheiro na estrutura capitalista.

“O dinheiro é o sangue vital de todas as atividades criminosas; o processo de lavagem

pode ser encarado como o coração e os pulmões de todo o sistema, já que permitem que o dinheiro

seja depurado e colocado em circulação pelo organismo todo, garantindo assim sua saúde e

sobrevivência”. Peter Lilley

Convém ainda reconhecer que o fenômeno da reciclagem de bens e valores auferidos com o produto do crime integra-se com perfeição ao mundo capitalista, pois enraizado em fatores criminológicos de altíssima rentabilidade (13).

(11) Não discutiremos a definição do bem jurídico protegido pelo crime de lavagem de dinheiro, pois tal estudo escapa dos limites toleráveis para este estudo. Trata-se, ademais, de assunto polêmico e sem definição na doutrina. Por todos, vide a discussão em BONFIM, Márcia M.M. e BONFIM, Edílson M., Lavagem de Dinheiro, São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 27-32. Ressalte-se apenas que a pluriofensividade dos bens jurídicos consiste num dos marcos diferenciadores entre a lavagem de dinheiro e o delito de receptação. (12) “A luta contra o branqueamento de capitais por meio do Direito penal: o exemplo da Suíça” – texto não publicado, apresentado no Colóquio Internacional de Direito Penal da Universidade Lusíada, Lisboa, 2002, trad. Augusto Silva Dias, p. 4. (13) Numa visão econômica, MOISÉS NAÍM (Ilícito, ob. cit., p. 11) afirma: “o lucro é uma motivação tão poderosa quanto Deus. As redes de comerciantes de bens ilícitos sem pátria estão mudando o mundo tanto quanto os terroristas – provavelmente mais”.

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Reportamo-nos às atividades criminosas profissionais, equiparadas ao modelo ou estrutura empresarial, típica, portanto, à produtividade capitalista (14). Neste contexto integram-se organizações criminosas complexas, caracterizadas pela sofisticada circulação do dinheiro, valores e bens, provenientes de crimes e pela infiltração de agentes criminosos no aparelho do Estado. Não será raro encontrarmos empresas economicamente sadias, cumpridoras de seus deveres fiscais e, inclusive, que contam com a chancela de auditores fiscais. O lavador de dinheiro faz questão de pagar seus impostos. Entretanto, o capital ali investido tem origem ilícita e seu lucro serve para alimentar e incrementar a atividade criminosa da organização.

Como escreveu Peter Lilley (15), “todo crime baseia-se no dinheiro e a maior parte do crime organizado relaciona-se ao fornecimento de bens e serviços em troca de pagamento. Na extremidade mais distante desse espectro encontra-se o tráfico de drogas; em seguida, existe o comércio de sexo (...); e não vamos esquecer o tráfico de armas e similares. Todas essas atividades são conduzidas como empresas (muito lucrativas, aliás) pelos grupos criminosos organizados, gerando assim um interminável fluxo de dinheiro que precisa ser lavado”.

Conquanto sejam conhecidos a prática do crime e o enriquecimento dele derivado, não se sabe onde tal lucro foi integrado no sistema econômico, pois sempre será possível realizar nova operação de ocultação, que permite o distanciamento dos bens de sua origem criminosa (16) – contexto este ilustrado pelas bonecas de madeiras russas, que se encaixam umas dentro das outras – as matriushkas.

A exploração de dinheiro ilícito em atividades lícita tem sido favorecida pela ausência de dificuldade na abertura de empresa fantasma, com um objeto social e razão social genéricos. Uma vez registrada a pessoa jurídica na Junta Comercial e obtida autorização do Estado, apta estará para justificar sua existência, lavar o dinheiro por meio de uma burocrática e intangível gerência de bens e atividades aparentemente lícitas, não obstante o capital investido seja ilícito. A partir de então, a empresa de fachada, por certo tempo, pode reciclar fundos conforme o bom desempenho de seu contador

(14) Sobre o perfeito entrosamento entre o capitalismo e o crime organizado, JEAN ZIEGLER escreveu: “o capitalismo encontra a sua essência no crime organizado. Mais exatamente, o crime organizado constitui a fase paroxística do desenvolvimento do modo de produção e da ideologia capitalistas” (...) “O crime organizado (...) realiza a ‘maximização’ máxima do lucro. Acumula a sua mais-valia a um ritmo alucinante. Opera a cartelização por excelência das suas actividades: nos territórios por si partilhados, os cartéis praticam uma dominação monopolística em proveito próprio. Melhor: criam oligopólios” (Os Senhores do Crime. As novas máfias contra a democracia, trad. M.Torres, Lisboa: Terramar Editora, 1999, p. 39-40). (15) Lavagem de dinheiro, ob. cit., p. 86 (itálico nosso). (16) CAPARRÓS, Fabián, El delito de blanqueo de capitales, Madrid: Ed. Colex, 1998, p. 412.

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(17). A partir de então será possível justificar a saída do dinheiro através de – falsos – registros de elevados custos de transportes, ou do subfaturamento de faturas, ou falsas ordens de compras junto a outras empresas de fachadas e por meio da emissão de outros documentos legais. Peter Lilley cita o exemplo das empresas de consultoria, que podem “operar em bases globais e receber grandes honorários pelos serviços prestados remetidos por clientes do mundo todo. Estabelecendo essas empresas, os criminosos conseguem realizar negócios legítimos, pagar os impostos correspondentes e debitar de outras entidades controladas por eles serviços que nunca prestaram” (18).

As facilidades do mundo capitalista são muitas. Qualquer bem que possa ser adquirido à vista, normalmente em grandes quantidades, com alto capital de giro e possa ser vendido com lucro, ou com um pequeno prejuízo, pode ser alvo de uma possível reciclagem de bens e valores. De fato, determinados negócios têm sido eleitos como preferidos pelos lavadores de dinheiro por movimentarem altos valores em espécie, tais (17) Dentre esses profissionais, “incluem especialistas em lavagem de dinheiro, que se responsabilizam por toda operação mediante o pagamento de uma taxa – e, às vezes, vão além, atuando como administradores dos bens oriundos da lavagem. Uma legião de advogados e corretores está à disposição para evitar o escrutínio das transações e apoiar seus clientes em eventuais processos judiciais (...) Ainda é relativamente fácil encontrar um advogado disposto a servir como diretor, ou até mesmo, proprietário de uma companhia destinada ao controle de bens que, na realidade, pertencem a uma outra pessoa, que se mantém anônima” (NAÍM, Moisés, Ilícito, ob. cit, p. 133). PETER LILLEY também indica que “as firmas de advocacia estão sendo acusadas de proporcionar a interface respeitável entre o crime organizado e as instituições e estruturas financeiras. O exemplo frequentemente citado é aquele da abertura de contas em nome de clientes, pelas firmas de advocacia, em bancos onde estas já mantêm bons relacionamentos, evitando assim que a honestidade dos clientes venha a ser questionada” (Lavagem de Dinheiro, ob. cit., p. 94). O mesmo Professor inglês refere-se aos contadores: “O papel dos contadores e de consultores profissionais semelhantes quase sempre se localiza no centro das atenções sobre a lavagem de dinheiro e existem boas razões para isso: o reduzido número de denúncias normalmente apresentado por esses profissionais, comparativamente ao fato de suas atividades centralizarem-se principalmente no dinheiro e no conhecimento detalhado dos padrões, das estruturas e dos sistemas financeiros”. E cita um caso de 1998-1999: “a partir de meados de 1994, dois clientes de uma empresa de contabilidade apareciam regularmente no escritório do contador trazendo dinheiro em envelopes de papel manilha ou caixas de sapatos. O contador não emitia recibos pelo dinheiro entregue e simplesmente guardava-o no cofre do escritório até que pudesse imaginar como iria colocá-lo no sistema financeiro. Depois de alguma meditação, o contador abriu contas de pessoa jurídica em nome dos clientes, indicando-os como beneficiários finais e, adicionalmente, contas bancárias pessoais em nome de seus parentes. Em seguida, o contador pulverizou o dinheiro entre essas contas, na tentativa de evitar quaisquer procedimentos que obrigassem à formulação de denúncias. O estágio seguinte envolvia transferir recursos para o exterior – mais uma vez em pequenas somas, para não levantar suspeitas. O dinheiro foi utilizado na aquisição de componentes de veículos, que em seguida foram importados para o país e vendidos com lucro. Adicionalmente, uma parte dos recursos – agora lavados – foi usada na aquisição de imóveis” (idem, pp. 95-96). (18) Lavagem de Dinheiro, ob. cit., p. 93.

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como: hotéis, bares, casas noturnas, postos de combustíveis, locadoras de vídeo, parques de diversões, lojas de carros, estacionamento de veículos, lavanderias (atividade que explica a origem da expressão lavagem de dinheiro), cavalos, bilhetes premiados de loteria, lojas de antiguidades, lojas de varejo, dentre outros. Em abandono do antigo modelo de empresas de importação e exportação, “como algumas espécies de aves migratórias, há tempos o dinheiro tem lugares especiais aonde ir quando deseja se reproduzir em paz” (19).

Desde há muito tempo os agentes criminosos investem dinheiro oriundo do crime nessas atividades comerciais lícitas ou no mercado financeiro, sem que os órgãos de persecução penal tenham buscado resultado diferente da punição através da pena privativa de liberdade. Ou seja, apenas na virada do presente século é que a Polícia Judiciária e o Ministério Público brasileiro voltaram-se para a preocupação em combater, sistematicamente, o poder financeiro das organizações ou quadrilhas criminosas. Com efeito, de nada adianta privar a liberdade do chefe do grupo criminoso, seja por 3 ou 20 anos, se a organização continuar apta a atuar e a fenomenologia criminal continuar a existir. Por isso, o fundamental é asfixiá-la através do confisco de todo seu patrimônio.

A tarefa não é simples, porque tais organizações criam perfeitas “condições para a utilização lícita de bens ou produtos obtidos através de fatos ilícitos” (20). Tudo num contexto econômico ambivalente caracterizado por uma atividade comercial legítima, mas abastecida por capital ou bens de procedência criminosa. Como se não bastasse essa integração perfeita ao mundo capitalista, há ainda que se atentar para o fato das empresas constituídas para a lavagem do dinheiro ilícito nunca estarem no nome do chefe da organização criminosa, mas sim em nome de pessoas de seu vínculo de amizade ou de parentesco (21), as quais sempre devem ser averiguadas. Nestes termos, no aspecto formal nada vinculará o líder do crime organizado à lavagem de dinheiro.

(19) NAÍM, Moisés, Ilícito, ob. cit., p. 133. (20) CANAS, Vitalino, O crime de branqueamento: regime de prevenção e de repressão, ob. cit., p. 21. Como afirmam ANGIOLO PELLEGRINI e PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR (Criminalidade organizada, São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, p. 55), “Os muitos caminhos seguidos pela criminalidade organizada, no reinvestimento dos lucros ilicitamente obtidos, tornam particularmente difícil um completo controle do fenômeno ‘reciclagem’”. (21) Quem fornece seu nome para figurar como proprietário de uma empresa, constituída com capital ilícito, tendo ciência dessa circunstância pratica o crime previsto no parágrafo 2o, do artigo 1o da Lei n. 9.613/98. Para caracterizar tal delito basta que o agente se utilize, com consciência, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores, oriundos dos crimes antecedentes. Frise-se ainda que a simples integração do indivíduo ao grupo, à associação ou ao escritório é suficiente para a tipificação penal em questão.

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Trata-se, então, de uma atuação opaca, resistente a qualquer observação despretensiosa, que não é fruto de uma programação “artesanal, mas antes de um projeto racionalmente elaborado” (22). Há, pois, um “processo relativamente difuso de ocultação e dissimulação de recursos provenientes de atividades ilícitas” (23). Assim, não raras às vezes, não será possível reduzir a apenas três fases o processo de lavagem de dinheiro, como propõe o GAFI com ampla aceitação da doutrina (24) (25). Isto porque, “o delito em tela é daqueles que, com certeza, estarão em constante e aprimorada evolução no que toca à sua prática. Ao próprio legislador, quando da elaboração do tipo penal, não seria possível imaginar as várias maneiras pelas quais um sujeito pudesse vir a ‘lavar dinheiro’, sobretudo diante das inúmeras hipóteses que lhe fornecem os sistemas econômicos e financeiro e a tecnologia moderna”(26).

3. A repercussão da globalização.

“A lavagem de dinheiro virtual é uma realidade”. Peter Lilley.

(22) COSTA, José de Faria, “O fenómeno da globalização e o Direito Penal Económico”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra n° 61, 2001, p. 540. Ainda na mesma linha do texto, FABIÁN CAPARRÓS salienta que, conquanto seja conhecida a prática do crime e o enriquecimento por ele auferido, não se sabe onde tal lucro foi integrado no sistema econômico, porquanto sempre será possível realizar nova operação de ocultação, que permite o distanciamento dos bens de sua origem criminosa (El delito de blanqueo de capitales, Madrid: Ed. Colex, 1998, p. 412). (23) CANAS, Vitalino, O crime de branqueamento: regime de prevenção e de repressão, Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 13. (24) Toda a doutrina descreve o processo de dissimulação do dinheiro criminoso em três etapas: colocação, ocultação e integração – sobre tais estágios, por todos, vide estudo de MENDRONI, Marcelo B., Crime de lavagem de dinheiro, São Paulo: Atlas, 2005, pp. 57-61. Diante do que afirmamos no texto, preferimos a cautela de VITALINO CANAS, quando afirma que “este modelo descritivo tradicional das três fases com a configuração apresentada sofre um processo de reavaliação”. Isto porque a lavagem de dinheiro “é hoje uma atividade que pode atingir um grau de sofisticação que só artificialmente se pode reconduzir a um esquema único e mais ou menos linear” (O crime de branqueamento: regime de prevenção e de repressão, ob. cit., p. 22). Em algumas situações, porém, o simples ato de ocultar a origem ilícita do bem, dinheiro ou valor será o bastante para caracterizar a prática do delito, como, por exemplo, o depósito do dinheiro ilícito na conta corrente de uma terceira pessoa para possibilitar seu posterior levantamento ou transferência. (25) O panorama que traçamos exige uma radical transformação do trabalho do Fisco. No combate ao delito de lavagem de dinheiro, impõe-se que Auditores Fiscais, do âmbito Federal ou Estadual, procedam ao mister de fiscalização com o intuito investigatório e não como mero cumprimento de rotina. Devem, assim, comparecer ao alvo da lavagem de dinheiro como profissional integrado em equipe de trabalho voltado à investigação criminal, preferencialmente acompanhados de uma autoridade policial e membro do Ministério Público. (26) GOMES, Abel Fernandes, “Lavagem de dinheiro: notas sobre a consumação, tentativa e concurso de crimes”, Lavagem de dinheiro, Org. José Paulo Baltazar Júnior e Sérgio Fernando Moro, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 78.

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Um segundo fator colaborador à dificuldade da investigação criminal está no perfeito entrosamento entre a lavagem de dinheiro com a globalização. Destacamos três aspectos que têm acentuado a opacidade e a complexidade das operações de lavagem de dinheiro: a democratização da tecnologia; a democratização do acesso ao mercado de capitais e democratização da informação (27).

Sem dúvida, o acesso generalizado aos potentes meios tecnológicos propicia a rápida e eficiente transmissão de dados, que se conjuga com a abertura do mercado de capitais a uma larga faixa da população mundial e o acesso simples e fácil a todo tipo de informação em tempo real, em especial divulgada pela internet (28). Este contexto potencializa as oportunidades para se lavar dinheiro, de sorte que se inviabiliza a definição de quais condutas serão empregadas na prática desse delito.

Assim, enquanto as organizações criminosas fazem circular o dinheiro, com muita facilidade, de um país para outro, o Ministério Público e o Poder Judiciário dependem do demorado cumprimento de cartas rogatórias, ou dos acordos burocráticos firmados em convenções, para a obtenção das informações de outros Estados.

No mesmo passo da informática, as instituições financeiras evoluíram. Atualmente adotam toda a sorte de tecnologia, pois é preferível – por ser mais rápido e barato – manter contato com o cliente virtualmente; esteja onde ele estiver sempre será possível fazer uma instantânea transação bancária. Daí ser possível concluir que “os ‘lados sombrios’ do progresso determinam, cada vez mais, a dinâmica social” (29). E tal cenário é muito útil para quem pretende lavar dinheiro, não obstante todas as recomendações e cuidados preventivos impostos às instituições financeiras (30).

Como resultado da globalização, os países firmaram acordos, abriram suas economias, facilitaram a comunicação financeira uns com os outros, através da união de instituições ou da consagração de parcerias, além do surgimento de novos produtos, como os cartões ATM. Criou-se, então, uma estrutura financeira, não mais local, de difícil monitoramento.

(27) Seguimos aqui a excelente apostila elaborada por PEDRO CAEIRO, EUCLIDES DÂMASO SIMÔES e JOSÉ MOURAZ LOPES, durante o Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça, através de seu Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, realizado em Vitória-ES, em 17 a 21 de outubro de 2005. (28) “A internet é uma dádiva caída do céu” – ZIEGLER, Jean, Os Senhores do Crime, trad. Manuela Torres, Lisboa: Terramar, 1999, p. 217. (29) MALIANDI, Ricardo, Diálogo Científico, apud COSTA, José de Faria, “O branqueamento de capitais”, ob. cit., p. 63. (30) Sobre esse assunto: BRANDÃO, Nuno, Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção, Coimbra: Editora Coimbra, 2002.

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4. A falta de legitimidade da Lei de Lavagem de Dinheiro

Colocamos em dúvida a legitimidade da Lei de Lavagem de Dinheiro para os operadores do Direito Penal.

Não temos dúvidas que o Estado tem interesse no confisco das vantagens auferidas pelos criminosos, nomeadamente quando o capital ou o patrimônio deriva da atuação de organizações criminosas (31). Contudo, a Lei Processual Penal já dispõe de mecanismos hábeis para a recuperação de tais vantagens, como a busca e apreensão, o arresto e o seqüestro. Numa perspectiva prática, não raras vezes, a Polícia Judiciária investiga o crime praticado, elucida a autoria, a materialidade dos fatos e deixa para a Magistratura deliberar sobre os bens auferidos com o crime, e ao Ministério Público a decisão de prosseguir, ou não, a investigação sobre a origem e o destino dado aos bens encontrados com os agentes dos delitos.

Portanto, numa visão míope, distante do macro-problema em que está envolto o crime de lavagem de dinheiro, não se reconhece a autonomia do crime de lavagem de dinheiro, que fica, inclusive, sem um bem jurídico independente a ser tutelado. Para essa corrente de pensamento, o crime de lavagem de dinheiro “afeta o mesmo bem jurídico do delito antecedente, apenas prolongando e aumentando a lesão anterior. Assim, no caso de uma lavagem proveniente de tráfico ilícito de entorpecentes, o bem jurídico protegido seria a saúde pública e assim sucessivamente quanto aos demais delitos antecedentes” (32).

Discordamos, com veemência, desse estatuto de acessoriedade que se empresta à lavagem de dinheiro. O fato de haver sempre um delito antecedente não abala o estatuto de autonomia do crime e todas as normas processuais penais dele derivadas para sua repressão, mormente aquelas regras destinadas à prevenção do crime (33).

O entendimento contrário, inclusive, deságua numa interpretação equivocada na solução do concurso de crimes entre a lavagem de dinheiro e o delito antecedente, pois se tem defendido a impossibilidade de se punir o mesmo agente pela prática dos dois crimes – o antecedente e a lavagem de dinheiro. Nesse sentido a posição de Vicente Greco Filho, para quem “a

(31) A atuação do Ministério da Justiça, através do D.R.C.I. – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – é exemplo de atuação exemplar do esforço do Poder Executivo no mister de combater e recuperar bens e capitais relacionados com a lavagem do dinheiro. (32) BONFIM, Márcia M.M. e BONFIM, Edílson M., Lavagem de Dinheiro, ob. cit., p. 28. (33) Com outro entendimento, FÁBIO D`AVILLA interpreta o crime antecedente como elementar do tipo penal do delito de lavagem de dinheiro. E, assim, aquele deve estar plenamente provado para sua perfeita caracterização (“A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais”, Boletim IBCCRIM 79, ano 7, jun. 1999, p. 4).

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lavagem de dinheiro não tutela bem jurídico nuclear, mas bem jurídico periférico ou satélite, no caso, do crime antecedente. O crime de lavagem não tem existência própria; depende da existência do crime antecedente, a cuja existência está condicionado” (34). Por conseguinte, “não há como imputar a quem pratica o crime de antecedente também o crime de lavagem” (35).

Ocorre que a Lei de Lavagem de Dinheiro não veda o concurso de crimes ao agente, que também pratica o crime de lavagem de dinheiro e nem poderia, pois os bens jurídicos violados, como já mencionado, são – e muito – distintos (36).

Existe ainda outro fator complicador no plano teórico.

5. O conceito jurídico de organização criminosa.

“Definir crime organizado é como tentar pegar um escorregadio peixe vivo!” (37)

A Lei n. 9.613/98 optou por elencar um rol de crimes antecedentes para justificar a lavagem de dinheiro. Para caracterizar este delito, apenas aqueles expressamente previstos no rol – critério do catálogo – podem originar o capital ilícito a ser dissimulado, o que, aliás, explica a denominação de delito derivado.

A opção do legislador não é analisada sem polêmica. Nas legislações de outros países não foi previsto um rol de crimes antecedentes para justificar a lavagem de dinheiro, tendo sido adotado o critério da gravidade do delito (34) “Tipicidade, Bem jurídico e lavagem de valores”, in Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, Visão Luso-Brasileira, Coordenadores José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2006, p. 163, (35) Idem, p. 165. (36) No mesmo sentido, GARCÍA, Felipe Renart, “El blanqueo de capitales em el derecho suizo”, ob. cit., p. 164. MENDRONI, com didática, exemplifica no mesmo sentido do texto: “haveria absoluta incongruência lógico-penal em casos em que a punição do crime antecedente reveste-se de evidente menor gravidade do que o crime de lavagem de dinheiro. Tome-se o exemplo do agente que auferiu consideráveis ganhos (...) em decorrência da prática de crime de peculato, corrupção ou concussão (penas mínimas: dois anos de reclusão) podendo ele ser processado pela prática de lavagem de dinheiro, cuja pena mínima é de três anos de reclusão, além de seqüestro e confisco dos bens; poderia ele, neste caso, em tese ‘optar’ por ser processado somente pelo primeiro, com pena mais branda, confessando espontaneamente a sua conduta. Assim se veria isento de ser processado pelo crime de lavagem de dinheiro e ainda sem o confisco dos seus bens nos termos da mais rigorosa e eficiente legislação” (Crime organizado. Aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Juarez de Oliveira Edit., 2002, p. 37). (37) Revue Internationale de Droit Penal, Colloque préparatoire Alexandrie, 8-12 Novembro 1997, n.º 69 (1-2), trad. Isidoro Blanco Cordero, 1998, p. 101.

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prévio. Nesse sentido, aliás, a 4a Recomendação do GAFI – na versão de 1996 – e a Decisão-quadro (artigo 1o, “b”) do Conselho da União Européia, que obrigou os Estados membros a considerarem como infrações penais graves aquelas punidas com pena privativa de liberdade ou medida de segurança com duração máxima superior a um ano. E o anteprojeto de alteração da Lei n. 9.613/98 procura adaptar o ordenamento jurídico brasileiro a essa realidade mundial.

Dentre os crimes antecedentes o inciso VII, do artigo 1o da Lei n. 9.613/98 prevê os praticados por organização criminosa. Assim, qualquer crime cometido por uma organização criminosa, mesmo que não incluído no taxativo rol de delito antecedente, como estelionato, sonegação fiscal (38), roubo, receptação, crimes militares, etc, pode justificar a caracterização do tipo penal de lavagem de dinheiro.

A dificuldade tem sido justificar na doutrina a possibilidade de aplicar o inciso VII do artigo 1o da Lei como crime antecedente. Referimo-nos a um fenômeno que hoje alcançou uma dimensão sem qualquer precedente e que, sobretudo, afeta a quase totalidade dos países (39), sem que, “no momento – com Claus Roxin (40) – exista um conceito de criminalidade organizada juridicamente claro com uma mínima capacidade de consenso. Tão somente dispomos de heterogêneas descrições sobre um fenômeno que até agora não tem sido abordado com precisão”.

A doutrina, assim, procura definir a criminalidade organizada através de seus mais grossos contornos. Para o mesmo penalista alemão, um aparelho organizado de poder - organisatorischer Machtapparate - deve estar caracterizado por uma estrutura fundada na rígida organização, na qual deve haver a fungibilidade do executor material, além de seus objetivos estarem orientados contra o ordenamento jurídico estatal, de forma a transgredir as leis penais (41).

(38) Sobre esse delito vide as corretas considerações de SILVA, Ângelo Roberto I. da, “Crimes de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal”, Boletim IBCCRIM ano 9, n. 107, p. 19-20. (39) PRADEL, Jean, “Los sistemas penales frente al reto del crime organizado”, in Revue Internationale de Droit Pénal, trad. J.L. de la Cuesta , AIDP: n.º 69, 3º e 4º trimestres, Érès, 1998, p. 701. (40) “Problemas de autoría y participación en la criminalidad organizada”, Revista Penal n° 2, trad. Francisco Muñoz Conde, Barcelona: Editorial Bosch, 1972, p. 65. (41) Autoría y dominio del hecho en Derecho penal, (título original Täterschaft und Tatherrschaft), 7ª ed., trad. espanhola de Joaquín C. Contreras e J.Luis S.G.de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 278. Para demonstrar a validade do fundamento da fungibilidade do executor material, ROXIN propõe a seguinte situação: quando um atentado apenas tem êxito na quarta tentativa, o delito deve ser imputado ao chefe do movimento clandestino como fato seu, pois este pode planejar desde o início a repetição das tentativas quantas vezes forem necessárias, sem que entre sua vontade e o êxito do crime possa interpor-se a decisão de vontade de um indivíduo (ibidem).

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De outra forma, o Professor Jorge de Figueiredo Dias (42) indica os seguintes elementos comuns às diferentes modalidades de associações criminosas: a) “a existência de uma associação, grupo ou organização”; b) “indispensável que a organização tenha uma certa duração”; c) “tem de existir, em terceiro lugar, um mínimo de estrutura organizatória (...) uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização”; d) “indispensável é, em quarto lugar, a existência de um qualquer processo de formação da vontade colectiva”; e) “e finalmente, a existência de um sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação (não, ou não só, ao seu chefe ou líder, se o houver, mas, ou também) a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes”.

Entre nós, Nelson Hungria (43) definia o fenômeno das associações criminosas como “reunião estável ou permanente (o que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes”.

Aliados às doutrinas citadas, diferente do que tem sido escrito no Brasil sobre essa polêmica, entendemos ser necessário haver uma definição do fenômeno organização criminosa. Discordamos ser “tolice” pacificar um conceito legal. O fato de haver uma diversidade de organizações criminosas, com distintos modus operandi no vasto território brasileiro, e ainda a situação de um conceito legal, de certa forma, engessar os contornos do fenômeno, “restringindo-o a esta ou àquela infração penal, pois, elas, as organizações criminosas, detém incrível poder variante” (44), não nos parecem argumentos convincentes.

Uma definição jurídica no seio da legislação nacional sobre as organizações criminosas não implica em inviabilizar sua caracterização e

(42) Comentário Conimbricense do Código penal, Parte Especial, tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 1160-1162. Transcrevemos a definição do art. 299.º do CP português: “1. Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 2. Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos. 3. Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. (...). (43) Comentários ao Código penal, v. IX, 2ª ed., Rio de Janeiro: Edit. Forense, 1959, p. 177. (44) MENDRONI, Marcelo, Crime organizado. Aspectos gerais e mecanismos legais, ob. cit., p. 7. Nesta obra encontramos uma defesa fechada pela não definição do fenômeno organização criminosa. Preferimos a defesa de HANS JOAQUÍM SCHNEIDER a favor de um conceito não fixo, pois “o conceito de criminalidade organizada é um tipo ideal, uma generalização, que provavelmente não existe em forma pura, mas que, apesar disto, representa um recurso heurístico útil para a análise científica” (“Recientes investigaciones criminológicas sobre la criminalidad organizada”, Revista de Derecho penal y criminología n.º 3, Madrid, 1993, p. 725).

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repressão, porquanto tal conceito coloca o foco em suas características nacionais uniformes. Como linhas mestras de toda organização criminosa podemos citar o objetivo de lucro e a organização estruturada em células, mas sempre fincada numa hierarquia, distante, portanto, da mera co-autoria ou mesmo da estabilidade de uma associação criminosa ou de uma quadrilha/bando.

De outro lado, na medida em que dispositivos processuais penais e, sobretudo, a Lei de Lavagem de Dinheiro referem-se às organizações criminosas, seja para autorizar um instrumento de investigação criminal ou para tipificar uma conduta criminosa, em obediência ao princípio da legalidade do Direito penal, torna-se imprescindível o prévio conceito legal do fenômeno.

Discussões à parte, no Brasil as organizações criminosas deixaram de ser um fato meramente sociológico para serem introduzidas ao ordenamento jurídico positivo, através da Convenção de Palermo da ONU. O artigo 2o desta Convenção, de 15 de novembro de 2000, aprovada pelo Decreto n. 231, de 29 de maio de 2003, e promulgada pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004, definiu Grupo criminoso organizado como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

Parece-nos, assim, não ter mais razão para equiparar, por força da Lei n. 9.034/95, as organizações criminosas ao conceito delineado pelo artigo 288 do CP – o crime de formação de quadrilha ou bando (45). O conceito consagrado na Convenção de Palermo atende ao princípio da legalidade, harmoniza a nossa legislação a dos demais países e não fecha, com rigor, os contornos do que vem a ser uma organização criminosa, por se tratar de definição aberta, para não escrever genérica.

6. A investigação criminal.

“O que é importante não é saber se se produziu com o estelionato ou o furto um ‘capital’ ilícito de particular relevo quantitativo, mas perceber se o

enriquecimento é ou não controlado pelos detentores do poder público”

(José de Faria Costa).

(45) Posição esta de MAIA, Rodolfo Tigre, Lavagem de dinheiro, São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 78.

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Há ainda um quarto fator, mais relacionado com a persecução penal e a dificuldade de entrosamento dos órgãos de controle.

Não se pode olvidar que o crime de lavagem de dinheiro reclama uma investigação de inteligência, de gabinete, mais burocrática, mas que não dispensa as providências tradicionais de investigação de campo, tradicionalmente executadas pela Polícia Judiciária.

Contudo, desde o início da investigação há que se ter um órgão da persecução penal que possa ter uma visão de futuro da ação penal a ser proposta, com a capacidade de prever os argumentos da Defesa, na medida em que estamos diante de fatos ilícitos com aparência de lícitos. Todo o panorama reclama a necessidade da atuação do Ministério Público desde a fase da investigação preliminar, sem prejuízo da harmônica e importante atuação da Polícia Judiciária, nomeadamente em busca da definição do crime antecedente.

Mesmo porque, como bem ponderou o eminente Desembargador Federal Nelton dos Santos (46), não é “razoável interpretar a Constituição no sentido de que o Ministério Público, o Poder Judiciário e, enfim, todo o mecanismo estatal de repressão do crime fiquem na inteira dependência da atividade investigatória desenvolvida pela polícia. Sim, porque parece ser exatamente esse entendimento esposado pela 2ª Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal (...).

E prossegue o eminente Desembargador, “não é preciso muita cogitação para perceber-se que, atribuindo-se a atividade investigatória exclusivamente à polícia, o próprio êxito da jurisdição criminal ficaria comprometido. Sem uma investigação bem dirigida e realizada, seguramente não haverá elementos para o oferecimento da denúncia; e sem esta não se pune ou se previne a prática de outros crimes. (...) os problemas da polícia para a apuração de determinados delitos são ainda maiores. É o que ocorre, verbi gratia, nos crimes de colarinho branco ou naqueles em que a boa investigação depende de tecnologia avançada e cara. Qual é a estrutura da polícia para a investigação de tais crimes? Qual é o preparo que, de um modo geral, se dá aos agentes policiais? Quais são as condições que se oferecem à polícia para que cumpra satisfatoriamente suas funções?”

As considerações acima são exatas para o caso da investigação do crime de lavagem de dinheiro.

Ocorre que as dificuldades do Ministério Público no desempenho de suas constitucionais funções de requisitar, acompanhar e até mesmo produzir as

(46) TFR, HC 14691, Proc. 2003.03.00.011744-3, Primeira Turma, Impdo. Juízo Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, j. 10.6.2003.

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provas necessárias à dedução da ação penal, são as mesmas que existem no seio da doutrina para consagrar tal mister como exercício legítimo de um direito institucional.

Enquanto outros países conferem ao Ministério Público poderes legais para obter informações bancárias, bloquear numerários em contas correntes, apreender objetos, infiltrar agentes, dentre outras providências, a serem sempre ratificadas pelo Juiz, em prazo de 24 ou 48 horas, o Direito pátrio perde-se em discussões sobre a possibilidade do órgão ministerial atuar, por si só, na fase de investigação criminal. Tudo com os aplausos dos “Senhores do Crime” (47) e de seus patronos.

7. Considerações finais.

O início e o avanço do combate ao fenômeno criminoso da Lavagem de Dinheiro devem-se a preocupação mundial com a reciclagem de dinheiro proveniente, sobretudo, do tráfico de drogas, que culminou com a Convenção de Viena, em 20 de dezembro de 1988. Os subscritores desta Convenção passaram a adotar em seus países, com variações, legislações harmônicas com o texto elaborado em Viena. E esta harmonização afigura-se como uma eficiente técnica legislativa de combate a um devastador fenômeno global, mas que requer constante atualização.

Neste sentido, mister adaptar ainda mais legislação brasileira à realidade mundial, nos exatos termos da Recomendação do GAFI, que remonta a 1996, e da Ação Comum do Conselho da União Européia, de 3 de dezembro de 1998, eliminando-se – tal como propõe o anteprojeto de alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro – o taxativo rol de crimes antecedentes, sendo suficiente referir-se o diploma legal aos principais delitos precedentes já contemplados na Lei n° 9.613/98, mas também aos delitos punidos com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a cinco anos (48).

Não se pode pensar, porém, que o Direito Penal aprimorado, harmônico com a realidade mundial e evoluído será suficiente para erradicar o crime de lavagem de dinheiro entre nós. O Direito penal não pode ser o instrumento único ao combate a esse tipo de delito financeiro, mesmo porque a concepção correta da ciência criminal sempre foi a da intervenção como ultima ratio. É preciso que haja verdadeira vontade política, em todas as perspectivas, para o intenso e real combate ao crime de lavagem de dinheiro. Assim, por exemplo, é fundamental que as autoridades administrativas tenham um efetivo controle da circulação e mercado de (47) Expressão que dá título à obra de ZIEGLER, Jean, ob. cit., 1999. (48) É, por exemplo, o caso de Portugal. Confira-se: SIMÕES, Euclides Damaso, “Leis portuguesas de combate ao branqueamento (Conteúdo e evolução histórica)”, in Aquilafuente n° 38, Ediciones Universidad de Salamanca, p. 189.

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capitais, punindo as instituições financeiras que deixam de comunicar operações financeiras suspeitas. Tais punições precisam ser divulgadas e expandidas. Sem este envolvimento das instituições financeiras a Lei de Lavagem de Dinheiro sempre será ineficaz.

De outro lado, o Congresso Nacional não pode desconhecer a gravidade do fenômeno e editar leis que autorizam atividades sabidamente oriundas de meios e operações criminosas, como o funcionamento de bingos, máquinas de caça-níqueis, dentre outras tantas providências. E juntas comerciais não devem autorizar o registro de empresas com razão social e objeto genéricos ou imprecisos.

Ao reconhecer a autonomia (49) do crime de lavagem de dinheiro, o legislador, no parágrafo 1o, do artigo 2o da Lei n. 9.613/98, exige suficiência de indícios de autoria do delito antecedente para a caracterização da lavagem. É possível que não seja possível oferecer ação penal com relação ao crime antecedente, por falta de elementos, mas seja o suficiente para a acusação concernente ao delito de lavagem de dinheiro. Inclusive, viável que o autor deste último delito não tenha sequer participado ou concorrido, de qualquer forma, para a prática do crime antecedente, pois é “inexigível que o autor do crime acessório tenha concorrido para a prática do crime principal, desde que tenha conhecimento quanto à origem criminosa dos bens ou valores” (50).

(49) Essa autonomia foi uma opção legislativa; visou “garantir a pretensão punitiva estatal concernente à lavagem de dinheiro, entendendo eventuais óbices do processo do delito antecedente não prejudicariam a apuração do crime da Lei 9.613/98, resguardando a possibilidade de punição dessa prática delitiva que de forma cada vez mais audaciosa e sofisticada assola o Estado Brasileiro”. Por essa razão, inclusive, “o procedimento relativo à infração antecedente pode estar sujeito à jurisdição de outro país” (relator Min. Gilson Dipp, HC 59663/SP, Quinta Turma do STJ, j. 7.12.2006, DJ 5.2.2007, p. 279). Frise-se ainda que a Lei 9.613/98 não consagrou o princípio da reciprocidade e, assim, basta que a conduta praticada no exterior tipifique um dos delitos previstos no rol dos delitos antecedentes e também gere recursos ou vantagens a serem ocultados ou dissimulados (nesse sentido: TFR, 2ª R. – ACR 2002.51.01.510890-4 RJ, Rel. Juiz Abel Gomes, DJU 16.1.2006, p. 74 – contra este entendimento: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, Lavaem de dinheiro, São Paulo: RT, 2003, pp. 122-124). Escreveu ainda o Ministro Gilson Dipp, especialista nesta matéria: “presente a prova da materialidade do crime antecedente, o delito de lavagem de dinheiro é punível ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime antecedente, até porque, se não verificados os elementos indicadores da autoria, de fato não se poderá instaurar a persecução penal quanto ao delito anterior”. Assim, para fechar esta nota, da mesma forma que a atipicidade da conduta referente ao delito antecedente, as causas de exclusão da antijuridicidade – e não as causas de isenção de pena – afastam qualquer possibilidade de ocorrer a lavagem de dinheiro – neste sentido: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, Lavaem de dinheiro, ob. cit., p. 121. (50) HC 44339/SP, Sexta Turma do STJ, j. 6.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 309. No mesmo sentido: RMS 16813/SP – 2003/0140336-2, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, STJ, j. 23.6.2004, DJ 2.8.2004, p. 433.

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Ressalte-se, porém, “o disposto no artigo 2°, II, da Lei 9613/98 não permite ao juiz penal fechar os olhos ao nexo substancial, entre o crime antecedente e o crime de lavagem de dinheiro, devendo inteirar-se, ao máximo, do processo do delito prévio, para julgar o mérito da causa, atinente à prática da lavagem de dinheiro” (51).

Não se pode exigir prova plena do crime antecedente, sendo bastante sua comprovação através de uma base probatória mínima, sem que se faça necessária a prolação de sentença condenatória daquele delito anterior. Não se trata de mera suspeita, de suposição ou simples conjectura do delito precedente, mas sim de uma sucessão ou uma pluralidade de indícios capazes de gerar segurança ao convencimento do julgador responsável pelo julgamento do crime de lavagem de dinheiro.

Todas as reflexões deste pequeno estudo deságuam na necessidade dos órgãos de controle - a Polícia Judiciária e Ministério Público - combaterem a criminalidade, em especial a empresarial e/ou organizada, através da asfixia dos seus lucros ilicitamente obtidos. O tráfico de drogas, o tráfico de pessoas e o de armas, assim como os roubos, os cartéis da criminalidade econômica organizada, dentre outros tantos delitos, não serão aniquilados. Daí a imperiosa missão de eleger os mecanismos anti-lavagem de dinheiro como melhor forma de combater a criminalidade.

(51) PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, Lavagem de dinheiro, ob. cit., p. 128.

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CRIMES HEDIONDOS, REGIME PRISIONAL E QUESTÕES DE DIREITO INTERTEMPORAL

MARCELO LESSA BASTOS

Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, doutorando pela Universidade Gama Filho, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense)

Sumário: 1. Delimitação e subsídios para a discussão; 2. Aplicação das novas regras de progressão de regime aos crimes praticados antes da vigência da Lei nº 11.464/07. 2.1 A questão do crime de tortura (Lei nº 9.455/97); 3. Conclusões; 4. Referências.

1. DELIMITAÇÃO E SUBSÍDIOS PARA A DISCUSSÃO.

No final do mês de março deste ano de 2007, a Lei nº 11.464/07 deu nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072/90, para, dentre outras coisas, permitir a progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas (tortura, tráfico de drogas e terrorismo).

A alteração legislativa teve por finalidade prestigiar a recente mudança na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a qual, desde 1990, vinha asseverando a constitucionalidade do regime integralmente fechado estabelecido pelo então art. 2º, § 1º, da Lei de Crimes Hediondos. Mas, a partir do julgamento ocorrido em 23 de fevereiro de 2006, afetado ao Plenário, do Habeas Corpus nº 82.959, Relator Ministro Marco Aurélio, o conspícuo sodalício decidiu rever seu posicionamento tradicional, que já resistia há várias composições, ao longo desses 16 anos. Esta posição sobreviveu, inclusive, à tentativa de parte da Doutrina de ver derrogada a proibição de progressão em face do art. 1º, § 7º, da Lei nº 9.455/97 (Lei de Tortura), o que foi igualmente rechaçado pela Suprema Corte, em respeito ao princípio da especialidade [01]. Desde o julgamento em questão, o Supremo passou a entender que a proibição de progressão de regime violaria o princípio da individualização da pena, em que pese o art. 5º, LXVI, da Constituição Federal estabelecer que cabe à Lei infraconstitucional regular esta individualização [02]. Esta a ementa do julgamento paradigmático da Corte:

DECISÃO: O TRIBUNAL, POR MAIORIA, DEFERIU O PEDIDO DE HABEAS CORPUS E DECLAROU, "INCIDENTER TANTUM", A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR,

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VENCIDOS OS SENHORES MINISTROS CARLOS VELLOSO, JOAQUIM BARBOSA, ELLEN GRACIE, CELSO DE MELLO E PRESIDENTE (MINISTRO NELSON JOBIM). O TRIBUNAL, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, EXPLICITOU QUE A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO LEGAL EM QUESTÃO NÃO GERARÁ CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS COM RELAÇÃO ÀS PENAS JÁ EXTINTAS NESTA DATA, POIS ESTA DECISÃO PLENÁRIA ENVOLVE, UNICAMENTE, O AFASTAMENTO DO ÓBICE REPRESENTADO PELA NORMA ORA DECLARADA INCONSTITUCIONAL, SEM PREJUÍZO DA APRECIAÇÃO, CASO A CASO, PELO MAGISTRADO COMPETENTE, DOS DEMAIS REQUISITOS PERTINENTES AO RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO. VOTOU O PRESIDENTE. PLENÁRIO, 23.02.2006 [03].

Como se vê, o placar da votação foi de 6 x 5 (seis votos contra cinco). Além do Relator, Ministro Marco Aurélio, que sempre sustentou este posicionamento, sendo voto vencido desde 1990, votaram pela inconstitucionalidade da norma os Ministros Carlos Britto, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence e Eros Grau.

Apesar de, desde o ano em que entrou em vigor a Lei de Crimes Hediondos, até 23 de fevereiro de 2006, nunca se ter levantado esta tese relativamente ao tema em exame, bastou o Supremo Tribunal Federal mudar seu posicionamento quanto a progressão de regime para que o próprio Tribunal, liderado pelo Ministro Gilmar Mendes, com eco em parte da Doutrina, liderada por Luiz Flávio Gomes [04], começasse a sustentar que decisões como esta, tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em que se discutam Lei em tese, produzem eficácia vinculante e efeito erga omnes, independentemente de serem oriundas do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade. Esta tese não encontra nenhum respaldo na Constituição Federal, cujo art. 102, § 2º, somente estabelece tais efeitos em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade (nas ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade) [05]. Durante 16 (dezesseis) longos anos, o Supremo Tribunal Federal validou a vedação à progressão de regime nos crimes hediondos, entendendo ser perfeitamente constitucional, sem que essas mesmas vozes invocassem a tese da suposta eficácia vinculante deste tipo de decisão. Ora, também até então não se estava a discutir Lei em tese? Pouco importa se, antes, a conclusão do Supremo era desfavorável ao réu e, agora, passou a ser favorável. Esta discussão – eficácia vinculante e efeitos erga omnes das decisões do plenário do Supremo Tribunal Federal em que se discutam Leis em tese – é uma discussão do Direito Constitucional, não do Direito Penal ou do Direito Processual Penal! Soa

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oportunismo levantar-se esta bandeira, com o estardalhaço que se tem levantado, somente agora, com a virada de posição da Suprema Corte.

Luiz Flávio Gomes chega a, no artigo antes mencionado [06], no afã de defender seu posicionamento contra legem, referir-se à "intérpretes e juízes adeptos do Estado constitucional e humanitário de Direito", como sendo supostos "constitucionalistas" e, neste passo, adotarem a corrente da inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime e da eficácia erga omnes da decisão do Supremo, em oposição aos supostos "legalistas", que, em sua visão, seriam os intérpretes e juízes que adotariam "a interpretação seca da lei". Cuida-se de pretensa divisão dos operadores do Direito em "constitucionalistas" e "legalistas", divisão esta que não espelha a realidade, já que, em sã consciência, nenhum, rigorosamente nenhum operador do Direito, nos dias atuais, sustenta a "interpretação seca da lei" em desprezo à Constituição. O que acontece é que, felizmente, para o bem, inclusive, do "Estado constitucional e humanitário de Direito", existem intérpretes e juízes – a maioria, por sinal! – que, ao contrário dos outros, os supostos "constitucionalistas", não possuem o dom de, lendo a Constituição, enxergar nela coisas que gostariam que ali estivessem, mas que, por opção soberana do Poder Constituinte, definitivamente não estão. Exemplo disto é a cogitada eficácia erga omnes de decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade.

Felizmente (para o bem do Estado constitucional, democrático e humanitário de Direito, repita-se), existem intérpretes e operadores do Direito que não têm a soberba de quererem criar a sua própria Constituição mas, ao revés, têm a hombridade de se curvarem ao texto constitucional, ainda que, eventualmente, com ele não concordem, respeitando as Leis produzidas pelo Poder legitimado, que até podem não estar em sintonia com a sua ideologia, mas encontram guarida na interpretação isenta da Constituição.

Ora, é trivial que as decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas em controle difuso de constitucionalidade não possuem eficácia vinculante e nem efeitos erga omnes, a não ser que seja adotada a providência do art. 52, X, da Constituição Federal [07], o que não foi feito em relação ao tema em debate. Ou que seja aquela decisão encampada por súmula vinculante, em conformidade com o disposto na Lei nº 11.417/06, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45 [08]. Cabe aqui uma pergunta: para que serviria a súmula vinculante se qualquer decisão tomada pelo Plenário do Supremo em controle difuso de constitucionalidade produzisse efeitos erga omnes?

Tal tese, além de não ter respaldo constitucional – seus defensores, aliás, não se dignam, em nenhum momento, a apontar onde está o dispositivo

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legal ou constitucional que respalda expressamente esta afirmação, limitando-se a invocarem, levianamente, princípios constitucionais – ainda reduz à inutilidade o recém criado instituto da súmula vinculante. Em suma: para que uma decisão do Supremo Tribunal Federal produza eficácia vinculante e efeito erga omnes não basta que o próprio Tribunal, por seus Ministros, ou mesmo parte da Doutrina, assim desejem; é preciso que a Constituição o tenha desejado. O Supremo Tribunal Federal é intérprete da Constituição; e não a própria Constituição. Seus Ministros são a voz da Constituição; não o próprio Constituinte. O Supremo Tribunal Federal, definitivamente, não está acima da Constituição. Será preciso uma nova Revolução Francesa para que se compreenda isto?!

Neste contexto de desencontros e perplexidades veio a Lei em exame – a Lei nº 11.464/07. Precipitado, o Legislador, antes mesmo de esperar para saber o que pensa a atual composição do Supremo Tribunal Federal [09], contrariando a vontade popular e num momento de explosão de criminalidade, resolveu desistir do regime integralmente fechado e criar, na Lei, a possibilidade de progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas, prevendo, somente, um tempo de cumprimento de pena maior para a progressão, no caso em questão.

Tem que ser respeitada a vontade do Legislador, já que, por óbvio, a instituição legislativa da possibilidade de progressão de regime não tem nenhum vício de constitucionalidade, além de atender melhor, reconhece-se, o princípio da individualização da pena [10].

Tentando pacificar a discussão e seguir a orientação que passava a ser majoritária na Corte Constitucional, sem perder o norte da necessidade de uma punição mais severa para os crimes hediondos e figuras equiparadas [11], o que implicaria num tempo maior de encarceramento em relação aos demais, o Legislador estabeleceu que a progressão nos crimes hediondos e figuras equiparadas virá cumpridos 2/5 (dois quintos) da pena, ao invés dos 1/6 (um sexto), previstos como regra no art. 112 da Lei de Execução Penal, ou 3/5 (três quintos) se o condenado for reincidente [12].

Quanto a aplicação das novas regras para frente inexistirá qualquer discussão, pois mesmo para aqueles que lutaram até o fim pela derrubada do regime integralmente fechado da versão inicial da Lei de Crimes Hediondos, pelo menos até o presente momento, não se conhece quem defenda que o legislador não poderia estabelecer prazos diferenciados para a progressão de regime, levando em conta o tratamento constitucional mais severo dos crimes hediondos e suas figuras equiparadas, sem que, com isto, ofendesse ao princípio da individualização da pena.

No entanto, quanto a aplicação retroativa do novo prazo diferenciado para a progressão nasce uma nova polêmica, que promete agitar Doutrina e

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Jurisprudência, polêmica esta que remete ao cerne da discussão até aqui delimitada – a constitucionalidade da vedação à progressão de regime que outrora vigia e os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no leading case mencionado.

Sem mais delongas, passa-se ao exame da questão no tópico seguinte.

2. APLICAÇÃO DAS NOVAS REGRAS DE PROGRESSÃO DE REGIME AOS CRIMES PRATICADOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI nº 11.464/07.

É mister que se defina, a esta altura, se o novo prazo para o cálculo da progressão de regime – 2/5 de pena cumprida, como regra, ou 3/5, se o condenado for reincidente – tem aplicação retroativa, para os crimes ocorridos antes de 29 de março de 2007, ou se só terá aplicação para os crimes ocorridos a partir desta data, ficando os anteriores regidos pela regra geral de progressão de regime estabelecida no art. 112 da Lei de Execuções Penais (cumpridos 1/6 da pena). Não é demais lembrar que a definição deste marco temporal se dá pela teoria da atividade, levando-se em conta o momento da ação, ainda que o resultado venha a se produzir posteriormente, a teor do que dispõe o art. 4º do Código Penal [13].

A resposta a esta indagação se obtém a partir do posicionamento a que anteriormente o observador se filiasse quanto à constitucionalidade da vedação à progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas.

Para aqueles que entendiam que era inconstitucional vedar a progressão de regime em casos tais, só restava resolver a questão afastando a norma impeditiva e, até 29 de março de 2007, calcular a progressão a partir do cumprimento de 1/6 da pena, que era a única regra até então a disciplinar este cálculo (art. 112 da Lei de Execuções Penais). Neste passo, as novas regras quanto ao tempo de cumprimento de pena para progressão constituem-se em novatio legis in pejus, sendo vedada, por óbvio, sua aplicação aos fatos anteriores, na forma do art. 5º, XL, da Constituição Federal [14].

Já para aqueles que entendiam estar em perfeita sintonia com a Constituição a vedação à progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas, posição que aqui se sustenta e se reitera, as novas regras constituem-se em novatio legis in mellius, eis que, num cenário de vedação à progressão de regime, passou-se a admiti-la, ainda que com um tempo maior do que aquele utilizado para o cálculo nas outras espécies de infração penal. Não há nenhum problema, portanto, em exigir, para os crimes praticados antes da mudança legislativa, o cumprimento de 2/5 ou 3/5 da pena, conforme o caso, como requisito objetivo à progressão de regime, posto que tal exigência vem a substituir um quadro em que tal

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progressão era completamente vedada e, sendo assim, vem para melhorar a situação do réu. O princípio da igualdade não se constitui em óbice a esta afirmação, ao passo em que os novos condenados por crimes hediondos, cometidos após 29 de março de 2007, também estarão sujeitos à progressão de regime no mesmo espaço de tempo. Desigualdade gera a corrente anterior, defendida por Luiz Flávio Gomes [15], que trata desigualmente situações idênticas – beneficiando com a progressão após 1/6 da pena os condenados por crimes hediondos e figuras equiparadas anteriores a 29 de março de 2007, e após 2/5 ou 3/5, conforme o caso, os condenados por crimes hediondos e figuras equiparadas cometidos após esta data, quando, antes, era expressamente vedado o benefício, em norma que era perfeitamente compatível com a Constituição, segundo o entendimento que se acredita ser o correto.

Lembra-se que, para corroborar a posição que aqui se sustenta, se está partindo da premissa de que a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no Habeas Corpus nº 82.959, produziu efeitos somente em relação ao caso examinado, não gerando eficácia vinculante e, muito menos, efeito erga omnes, consoante argumentos apresentados no tópico antecedente. A não ser que venha a Súmula Vinculante, para emprestar os efeitos desejados àquela decisão, que estava em fase de gestação no Supremo Tribunal Federal, ainda apresentando interesse jurídico remanescente, senão para casos futuros, uma vez que já resolvidos pela alteração legislativa, mas para casos pretéritos, de direito intertemporal, alvos do presente estudo. Em sendo assim, em vindo a Súmula Vinculante a respeito deste tema, ter-se-á que dar razão a Luiz Flávio Gomes [16], de modo a concluir que as novas regras de progressão só poderão ser exigidas para os crimes ocorridos após a vigência da Lei nova, ficando os crimes anteriores a isto regidos pela regra geral de progressão, cumpridos somente 1/6 da pena.

Uma terceira alternativa é oferecida, com a devida venia de forma equivocada, por Renato Marcão: entendendo ele, ao mesmo tempo, que era constitucional a vedação à progressão de regime da redação primitiva da Lei de Crimes Hediondos e que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959 produz efeitos erga omnes, independente de vir ou não a Súmula Vinculante, propõe que a aplicação retroativa se dê com limites – somente para os crimes ocorridos antes de 23 de fevereiro de 2006, data do julgamento do referido Habeas Corpus. Para os crimes ocorridos entre 23 de fevereiro de 2006 e 28 de março de 2007, sustenta que não caberia aplicar retroativamente as novas regras, as quais só voltariam a reger os crimes praticados a partir de 29 de março de 2007, data da vigência da nova Lei, ficando aquele período intermediário governado pelas regras de progressão da Lei de Execução

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Penal (1/6 da pena cumprida) [17]. Propõe Renato Marcão um incompreensível hiato na regência dos fatos criminosos pelas novas regras de progressão, as quais não se aplicariam num determinado período, como se as regras que então se aplicariam naquele demarcado período não tivessem que retroagir, para aproveitar também o período anterior, em obediência ao art. 2º, parágrafo único, do Código Penal [18], e também ao art. 5º, XL, da Constituição Federal, em interpretação a contrario sensu [19]. Ora, pouco importa se o autor partilhava do entendimento da constitucionalidade da vedação à progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas. Uma vez reconhecendo eficácia vinculante e efeitos erga omnes à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, a conseqüência disto é o afastamento imediato da norma que vedava a progressão de regime, com o resgate também imediato do instituto da progressão, na sua única disciplina até então existente (1/6 de pena cumprida), o que, por se tratar de norma mais benéfica, é imperioso que retroaja, produzindo efeitos também sobre o período no qual, antes, o Supremo validava a vedação à progressão. Do contrário, restariam letras mortas os dispositivos do Código Penal e da Constituição Federal antes mencionados (arts. 2º, parágrafo único, e 5º, XL, respectivamente). Nem se diga que o Supremo Tribunal Federal explicitou, no julgamento do Habeas Corpus, que "a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão" [20], como se extrai da ementa do julgamento, ao passo em que a atribuição de efeitos ex nunc à decisão em comento se deu na perspectiva de eventuais questionamentos de ordem patrimonial, não alcançando a possibilidade de aproveitamento daquela decisão no tocante às progressões ainda possíveis de serem operadas, na esteira do voto do Ministro Gilmar Mendes, onde se colhe a ressalva de que "esse efeito ex nunc deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão" [21].

Esta terceira corrente está, pois, errada, na medida em que o reconhecimento de eficácia erga omnes à decisão do Supremo, de uma forma ou de outra [22], fará com que se apaguem por completo os efeitos do período em que a Corte validava o impedimento à progressão, tendo que retroagir a declaração posterior de inconstitucionalidade daquela norma, produzindo efeitos se ainda for possível submeter o condenado ao regime de progressão, com a única base de cálculo existente até então, que era a

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de 1/6 da pena cumprida [23], sendo certo que o novo patamar de 2/5 ou 3/5 só viria a se operar algum tempo depois, com o advento da Lei nº 11.464/07, que não poderia ser aplicada em nenhum período anterior por já encontrar um cenário mais favorável, sendo lex gravior em relação a este cenário.

2.1 A QUESTÃO DO CRIME DE TORTURA (LEI nº 9.455/97).

É diferente a situação do crime de tortura, que merece exame à parte.

Isto se dá pelo fato de, desde 1997, com o advento da Lei que o definiu (Lei nº 9.455/97), afastando-se da regra então vigente em relação aos crimes hediondos e demais figuras equiparadas, ter sido permitida a progressão de regime, consoante o disposto em seu art. 1º, § 7º [24], que estabelecia o regime fechado apenas para o início do cumprimento da pena.

Como, à época, não havia outros patamares específicos a governarem a progressão de regime no crime de tortura, a base de cálculo utilizada era a do art. 112 da Lei de Execuções Penais, ou seja, 1/6 da pena cumprida.

Deste modo, as novas regras – de 2/5 ou 3/5 – constituem-se em novatio legis in pejus em relação às anteriores, só podendo ser aplicadas na hipótese de crimes de tortura que venham a ser cometidos a partir da vigência a Lei nº 11.464/07 (29 de março de 2007). Neste ponto, a Lei em questão resgata a simetria recomendada no tratamento dos crimes hediondos e suas figuras equiparadas [25].

Bom que se diga que o restabelecimento da progressão de regime no crime de tortura, feito em 1997, beneficiou, por ser novatio legis in mellius, os condenados pelo crime praticado antes da adoção da referida Lei, que passaram a ter direito à progressão, cumpridos 1/6 da pena, entendimento que não experimentou qualquer tipo de controvérsia.

Esta constatação expõe o equívoco e a fragilidade daquela terceira posição defendida por Renato Marcão [26], que deveria sustentar, aqui, que a progressão de regime para crimes de tortura praticados antes de 08 de abril de 1997 (data em que entrou em vigor a Lei nº 9.455/97, permitindo a progressão) deveria ser calculada, hoje, com as novas regras de 2/5 ou 3/5, da Lei nº 11.464/07, que seriam lex mittior em relação ao cenário anterior a 08 de abril de 1997, em que era vedada tal progressão pela Lei de Crimes Hediondos, nada obstante, entre aquela data, 08 de abril de 1997, e 29 de março de 2007, data da Lei nº 11.464/07, ter sido governada a progressão de regime no crime de tortura com base no art. 112 da Lei de Execuções Penais, ou seja, no patamar de 1/6 de pena cumprida. A situação é rigorosamente a mesma da situação defendida pelo citado autor em relação à suposta eficácia erga omnes da decisão tomada pelo

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Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959. E a conclusão é igualmente absurda!

3. CONCLUSÕES.

São as seguintes as conclusões que se tiram de todo o exposto, data maxima venia:

A – É perfeitamente constitucional estabelecerem-se regras diferenciadas no tocante ao tempo de cumprimento de pena para a progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas em relação aos demais delitos, o que não ofende o princípio da individualização da pena. Muito pelo contrário, assevera a vontade da Constituição de estipular um tratamento mais severo para os condenados por este tipo de crime;

B – Essas novas regras, 2/5 (dois quintos) ou 3/5 (três quintos), conforme se trate de réu primário ou reincidente, respectivamente, ao invés de 1/6 (um sexto), que é a regra geral para os demais crimes, têm plena aplicação aos crimes hediondos e figuras equiparadas praticados antes da vigência da Lei nº 11.464/07 [27], posto que se constitui em novatio legis in mellius em relação ao sistema anterior, que, na redação original da Lei nº 8.072/90, impunha o regime integralmente fechado ao cumprimento da pena por crime hediondo ou figura equiparada. Não há ofensa ao princípio da isonomia, posto que os novos condenados, que praticarem este tipo de crime após a entrada em vigor da Lei, também estarão sujeitos às mesmas regras;

C – As conclusões anteriores se baseiam na afirmação de que era perfeitamente constitucional a norma que impunha o regime integralmente fechado para o cumprimento das penas oriundas de crimes hediondos ou figuras equiparadas, já que toca à Lei regular a individualização da pena, nos exatos termos do art. 5º, XLVI, da Constituição Federal. E também na afirmação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, produziu somente efeitos no caso concreto e não erga omnes ou, muito menos, eficácia vinculante.

D – Exceção deve ser feita em relação ao crime de tortura, que, desde sua Lei, a Lei nº 9.455/97, já admitia a progressão de regime, concedida com base nas regras gerais do art. 112 da Lei de Execução Penal (1/6 de pena cumprida). Neste ponto, a inovação legislativa (2/5 ou 3/5 da pena como pressuposto da progressão) constitui-se em novatio legis in pejus, não podendo surtir efeito retroativo e só podendo alcançar as condenações por crime de tortura que venha a ser praticado após a vigência da Lei nº 11.464/07 (29 de março de 2007).

E – Caso o Supremo Tribunal Federal venha a editar Súmula Vinculante para emprestar efeitos erga omnes à decisão tomada no mencionado

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Habeas Corpus nº 82.959, ficará inviabilizada a aplicação das novas regras da progressão de regime (2/5 ou 3/5 de cumprimento da pena) aos crimes hediondos e figuras equiparadas cometidos antes do dia 29 de março de 2007, em relação aos quais, aí sim, terá que reinar a regra de progressão de regime disciplinada no art. 112 da Lei de Execuções Penais (cumprimento de 1/6 da pena), pelas mesmas razões que levam a idêntica disciplina, independente de vir ou não a Súmula Vinculante, no caso de crime de tortura.

No mais, resta-nos torcer, agora, que os Juízes de Execução Penal em todo o Brasil, ao serem chamados a examinar a possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos e figuras equiparadas, não se esqueçam dos requisitos subjetivos necessários à concessão da medida, examinando o mérito do condenado antes de conceder o benefício, na forma do art. 112, caput, da Lei de Execuções Penais, aplicável à espécie em sua parte final, recorrendo, se necessário, ao exame criminológico, na forma do parágrafo único do citado dispositivo, tema que, aliás, ficou ressalvado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal no fatídico julgamento do Habeas Corpus nº 82.959.

E esperar, por derradeiro, que prevaleça entre eles o entendimento estampado na Súmula nº 715 do Supremo Tribunal Federal [28], que explicita que a base de cálculo para o cômputo da fração de cumprimento da pena que habilita a progressão de regime e outros benefícios, em caso de condenações que superem os 30 anos, é o total da pena bruta e não a pena unificada do art. 75 do Código Penal [29], que se destina única e exclusivamente a contagem do tempo total de cumprimento da pena, caso esses trinta anos cheguem antes do que chegaria o cálculo dos benefícios prisionais feito sobre a pena bruta.

Do contrário, ter-se-ia uma inusitada e iníqua situação: imaginemos que duas pessoas sejam condenadas pela prática de crimes hediondos ou equiparados, uma a 30 anos de prisão; outra, no total, a 300 anos de prisão. Fosse a progressão de regime ser calculada com base no total unificado de trinta anos, ambas sairiam da prisão, em tese, cumpridos 12 ou 18 anos, conforme primários ou reincidentes (2/5 ou 3/5 da pena, respectivamente). Tal situação representaria desconfortável afronta ao princípio da igualdade, porque poderia tratar, por hipótese, um criminoso que cometeu "apenas" um crime e por ele foi condenado a 30 anos de prisão, da mesma forma do que seria tratado outro criminoso que cometeu dez crimes daquela espécie em concurso material, sendo condenado a 300 anos. E sairiam juntos da prisão, na certeza de que um crime só é que não compensa; já dez, sim!

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Não se diga que calcular o benefício da progressão sobre os 300 anos constituir-se-ia em burla ao dispositivo constitucional que veda a prisão perpétua, eis que pressuporia que o condenado teria que viver 120 ou 180 anos, conforme o caso, para ter direito à progressão. Isto porque não seria necessário esperar tanto tempo assim, já que, de uma forma ou de outra, sairia ele após o cumprimento de 30 anos, o que chegaria primeiro do que a perspectiva de progressão, fazendo com que este condenado ganhasse 90 ou até 150 anos, conforme o caso, o que já seria um benefício e tanto, estando para lá de bom!

4. REFERÊNCIAS.

GOMES, Luiz Flávio. Lei 11.464/07: Liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.03 abril. 2007..

MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464/2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Artigo publicado no site Jus Navigandi, Teresina, ano 11, boletim nº 1377, de 09 de abril de 2007, disponível no site www.jus.uol.com.br, acessado em 09 de abril de 2007.

Notas 01 É que, como se sabe, a Lei de Tortura previu a possibilidade de progressão de regime, para o crime de tortura, já que, no dispositivo citado, estabeleceu que o regime fechado seria, tão-somente, para o início do cumprimento da pena. Tentou-se, com apoio em grande parte da Doutrina, principalmente a escola paulista de direito processual, exportar a regra para os demais crimes hediondos e figuras equiparadas, a partir da suposta observância de uma norma de simetria que teria sido estabelecida pela Constituição para esses delitos, mas o Supremo Tribunal, até então, colocava as coisas no seu devido lugar, explicitando que o princípio a resolver o conflito era o da especialidade, que recomendava estabelecer que para a tortura poderia haver progressão, diante da permissão da Lei específica, o que não contaminava a proibição genérica, da Lei de Crimes Hediondos, para os outros crimes hediondos e figuras equiparadas, os quais permaneciam com o regime de cumprimento de pena integralmente fechado. 02 BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, LXVI – "a lei regulará a individualização da pena..." (grifo nosso). 03 Dados extraídos da INTERNET, do site do Supremo Tribunal Federal: www.stf.gov.br, acessado em 09 de abril de 2007.

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04 Vide: GOMES, Luiz Flávio. Lei 11.464/07: Liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.03 abril. 2007.. 05 BRASIL, Constituição Federal, art. 102, § 2º – "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)". 06 Vide texto citado na nota de rodapé nº 5. 07 BRASIL, Constituição Federal, art. 52 – "Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal". 08 BRASIL, Constituição Federal, art. 103 A – "O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei". 09 Já que, depois daquele julgamento, aposentaram-se, dos Ministros que proferiram voto, Nélson Jobim e Carlos Velloso. E está em vias de se aposentar o Ministro Sepúlveda Pertence, este último responsável por um dos 6 (seis) votos que derrubaram o anterior entendimento da Corte. 10 O que não significa dizer que a vedação da progressão o desatendesse completamente ou, ainda que desatendesse, que não seria constitucional fazer, como era feito antes – o que se insiste em reafirmar! 11 O que, aliás, chamava a atenção, em seus votos favoráveis à progressão de regime, o Ministro Carlos Britto. 12 BRASIL, Lei nº 8.072/90, com redação dada pela Lei nº 11.464/07, art. 2º, § 2º – "A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente". 13 BRASIL, Código Penal, art. 4º – "Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado".

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14 BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, XL – "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". 15 Cf. artigo citado. 16 Ibidem. 17 MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464/2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Artigo publicado no site Jus Navigandi, Teresina, ano 11, boletim nº 1377, de 09 de abril de 2007, disponível no site www.jus.uol.com.br, acessado em 09 de abril de 2007. 18 BRASIL, Código Penal, art. 2º, parágrafo único – "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado". 19 Vide nota de rodapé nº 15. 20 Cf. extrato do julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, disponível no site do Supremo Tribunal Federal, www.stf.gov.br, acessado em 10 de abril de 2007. 21 Cf. íntegra do voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, disponível no site do Supremo Tribunal Federal, www.stf.gov.br, acessado em 10 de abril de 2007. 22 Seja por já possuir, em virtude de ser oriunda do Plenário e discutir Lei em tese, como querem alguns, ainda que no controle difuso; seja pela superveniência de Súmula Vinculante que venha a emprestar o pretendido efeito erga omnes àquela decisão. 23 Art. 112 da Lei de Execuções Penais. 24 BRASIL, Lei nº 9.455/97 – "O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado". 25 O que não significa dizer que, até então, não fossem compatíveis o sistema de vedação à progressão de regime, estabelecido como regra para os crimes hediondos e figuras equiparadas, com a possibilidade de progressão em relação à tortura somente, por força do princípio da especialidade, entendimento que vingou ao longo de 9 anos na Jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal (desde o advento da Lei de Tortura até o julgamento do Habeas Corpus nº 82.959). 26 Cf. artigo citado na nota de rodapé nº 18. 27 A Lei em questão entrou em vigor no dia 29 de março de 2007.

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28 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Súmula nº 715 – "A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução". 29 BRASIL, Código Penal, art. 75 – "O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. § 1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. § 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido".

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INTERROGATÓRIO ON LINE E A AMPLA DEFESA

ANA CLAUDIA DA SILVA BEZERRA

Advogada com formação pela Faculdade de Direito de Olinda - FADO(AESO); Pós-graduanda lato sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola de Magistratura de Pernambuco - ESMAPE e Faculdade Maurício de Nassau. (Apresentação da Monografia final prevista para Abril/2006)

1. INTERROGATÓRIO ON LINE E A AMPLA DEFESA

1.1. Do Interrogatório

O interrogatório é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa.

O Código de Processo Penal considera o interrogatório como meio de prova e a doutrina atribui-lhe também a natureza de meio de defesa. Logo, o interrogatório possui um caráter híbrido, visto que é considerado tanto meio de prova, bem como ato de defesa (autodefesa).

A lei dispõe que o acusado deve ser interrogado no curso do processo, a ausência do interrogatório gera nulidade (art. 564, III, e, do CPP).

Existem os momentos, fixados pelo Código de Processo Penal, para realização do interrogatório, quais sejam: no inquérito policial (art. 6º,V); no auto de prisão em flagrante (art. 304); logo após o recebimento da denúncia ou queixa e antes da defesa prévia (arts. 394 e 395); no plenário do júri (art. 465) e no Tribunal, em processos originais ou no curso da apelação (art.616).

O artigo 196 do Código de Processo Penal dispõe que: “A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.” Com fundamento nos princípios da verdade real e do impulso oficial, autoriza a lei que o juiz, mesmo de ofício, determine novo interrogatório do acusado que se possa mostrar relevante, diante de elementos trazidos aos autos durante a instrução, para formação da sua convicção a respeito da verdade dos fatos. As partes também poderão, desde que fundamentada, requerer novo interrogatório.

O interrogatório traz em seu bojo as seguintes características: é ato público, é ato personalíssimo, possui judicialidade e, finalmente, oralidade.

No interrogatório o acusado deve ter a segurança e garantia de que não se praticará extorsão das confissões. Mesmo se o interrogatório for realizado

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no sistema prisional em que estiver o acusado preso, deve-se assegurar a publicidade do ato, salvo a exceção prevista no artigo 792, § 1º do CPP, isto é, quando da publicidade do ato puder resultar escândalo, incoveniente grave ou perigo de perturbação de ordem, o juiz, ou o Tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. É ato personalíssimo porque só o acusado pode ser interrogado. Possui judicialidade porque cabe ao juiz e só ele interrogar o acusado. Na oralidade, a palavra do acusado, circundada de sua atitude, pode dar ao juiz um elemento insubstituível por uma declaração escrita, despida dos elementos de valor psicológico que acompanham a declaração falada.

Com o advento da lei nº 10.792/03 que altera a lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e o Decreto-Lei nº 3.689/41 (Código de Processo Penal), o interrogatório tomou novos rumos no sistema processual penal. Algumas inovações no interrogatório serão tratadas no item a seguir.

1.2. As inovações trazidas pela lei 10.792/03 para o interrogatório.

Com a lei 10.792/03 o interrogatório adquiriu importantes alterações quanto a sua aplicação.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 185 previa que: “O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado”.

O artigo 185 do Código de Processo Penal, com o advento da lei 10.792/03, passou a ter a seguinte redação:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.

§2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

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Os opositores a aplicação da videoconferência fundamentam seus argumentos no artigo 185, caput, do CPP ao afirmarem que a expressão “comparecer perante a autoridade judiciária”, implica estar diante fisicamente da autoridade judiciária, desta forma inviabilizado está o interrogatório on line.

O promotor de Justiça na Bahia, Vlademir Aras, em seu artigo “Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual (Tele-hearing does not eliminate any procedural guarantee)”, defende que:

“Não concordamos que uma exegese da letra do artigo 185 do CPP, na sua anterior ou na atual redação, tenha o condão de inviabilizar o sistema de teleinterrogatório. Nações democráticas da Europa já adotam o teleinterrogatório, sem qualquer lesão a direitos individuais de imputados, tanto no plano interno quanto no espaço jurídico comum europeu. Além do mais, sabe-se que a interpretação gramatical ou literal não é a melhor para solucionar uma questão tão complexa.

Na sistemática do CPP, "comparecer" nem sempre significa necessariamente ir à presença física do juiz, ou estar no mesmo ambiente que este. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas, a exemplo da defesa prévia e das alegações finais.

Vide, a propósito, o artigo 570 do CPP, que afasta a nulidade do ato, considerando-a sanada, quando o réu "comparecer" para alegar a falta de citação, intimação ou notificação. Evidentemente, aí não se trata de comparecimento físico diante do juiz, mas sim de comunicação processual, por petição endereçada ao magistrado.

Se assim é, pode-se muito bem ler o "comparecer" do artigo 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento virtual, mas direto, atual e real, perante o magistrado.

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A Lei n. 10.259/2001, que cuida dos Juizados Especiais Federais (cíveis e criminais), permitiu que as turmas de uniformização de jurisprudência reúnam-se por meios eletrônicos. De fato, o artigo 14, §3º, da lei, diz que "A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica". Que é isto senão uma audiência virtual? Estamos diante de uma sessão de julgamento plenamente válida, embora os juízes participantes não estejam presentes no mesmo recinto, mas sim presentes em recintos diversos, em plena interação.

Alega-se que o artigo 9º, §3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) e o artigo 7º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevêem o direito do réu de ser conduzido à presença física do juiz natural. Ora, as referidas normas falam apenas em levar o detido à "presença do juiz", e a presença virtual, ao vivo, atual e simultânea, por meio de videoconferência, confere ao acusado as mesmas garantias que o comparecimento in persona, diante do magistrado.

Portanto, desde que seja garantida a liberdade probatória ao acusado e que sejam assegurados ao réu os direitos de ciência prévia, participação efetiva e ampla defesa (1) (inclusive com o acompanhamento do ato in loco por seu defensor e/ou por um oficial de justiça), não há razão para temer o teleinterrogatório, sob o irreal pretexto de violação a direitos fundamentais do acusado no processo penal. Até porque só há nulidade processual, quando existir prejuízo, e não se pode afirmar que essa é a regra no tocante a teledepoimentos criminais.

Ademais, o comparecimento físico do acusado perante a autoridade judicial não é exigido pelo direito internacional nem pela Constituição brasileira. Com efeito, o artigo 5º, inciso LXII, declara que "A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados

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imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada".

Frise-se: a prisão será "comunicada" ao juiz competente. Não impõe a Constituição a apresentação do réu ao juiz, na sede do juízo, mesmo num momento em que a legalidade ou legitimidade da prisão em flagrante ainda não foi verificada pelo Judiciário.

O teleinterrogatório não é um dos males do tempo. Ao contrário, vem eliminar certas burocracias e óbices ao andamento dos feitos criminais. Não esqueçamos que a videoconferência se presta à ouvida de réus presos e de réus soltos, detidos na mesma ou em comarca diversa do distrito da culpa, ou residentes a longas distâncias do foro. Assim, o sistema atende a interesses fundamentais de uns e outros.

A mera mudança do procedimento de apresentação do réu ao juiz, especialmente nos casos em que estejam em julgamento presos perigosos, não elimina nenhuma garantia processual, nem ofende os ideais do Estado de Direito. Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho, à distância, de todos os atos e funções que seriam possíveis no caso de comparecimento físico”.(1)

Com a nova redação dada ao artigo 185, caput, do Código de Processo penal, a presença do defensor tornou-se obrigatória por ocasião do interrogatório e não mais facultativa. A presença obrigatória do defensor no interrogatório veio a fortalecer o ato de defesa do acusado.

O artigo 185, no § 1º do Código de Processo Penal determina o local do interrogatório do réu preso, ou seja, o interrogatório deverá ser realizado no estabelecimento prisional em que se encontrar preso, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Contudo, se o interrogatório não poder ser realizado no estabelecimento prisional, deverá ser observado os termos do código de processo penal, ou seja, o interrogatório deverá ser feito na sede do juízo, como ocorre com o interrogatório do réu que se encontra em liberdade.

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O § 2º do artigo 185 do Código de Processo Penal, determina que o juiz deve assegurar o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor. Através desta determinação, abre-se ao acusado a possibilidade de receber do defensor esclarecimentos e orientação sobre o processo, bem como de lhe fornecer informações que possam ser úteis ao exercício do seu direito de defesa. Tal providência trouxe para seara processual penal uma afirmação maior ao direito de defesa do acusado.

O artigo 186 do CPP, prevê, in verbis:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

O artigo 186 do CPP, com a alteração, adotou o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a auto acusar-se, visto que o artigo mencionado determina que o silêncio não importará em confissão, não podendo ser interpretado em prejuízo da defesa.

Determina o artigo 187 do CPP, in verbis:

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

§ 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.

§ 2o Na segunda parte será perguntado sobre:

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se

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conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração;

VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa." (NR)

O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. A primeira parte do interrogatório, as perguntas devem abordar a pessoa do acusado, visando a obtenção de informações pessoais que possam ser úteis aos processos, à discussão da causa e à formação da convicção do juiz, bem como na hipótese de condenação, à individualização da pena. A segunda parte do interrogatório consiste em questionamentos sobre a procedência da acusação, a infração penal e as provas a ela relacionadas, bem como conferir ao acusado a possibilidade de exercer a sua autodefesa.

Importante lembrar que as perguntas elencadas no artigo 187, § 2º não são as únicas que poderão ser feitas pelo juiz. A este é facultado formular ao acusado quaisquer perguntas que julgue necessárias ao esclarecimento da verdade real.

Prevê o artigo 188 do Código de Processo Penal:

Art. 188. Após o interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

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Antes da modificação trazida pela lei 10.792/03 ao artigo 188 do Código de Processo Penal, o antigo artigo 187 da lei processual vedava qualquer tipo de intervenção ou participação do defensor, do Ministério Público ou querelante no interrogatório. O Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal e a doutrina entendiam que o interrogatório do acusado era um ato pessoal do juiz, logo, não comportava a intervenção nem do Ministério Público, nem do defensor no ato. Hoje, com a alteração, a lei processual determina que as partes (defensor, Ministério Público ou Querelante) podem participar do interrogatório através de perguntas dirigidas ao juiz, e este achado-as pertinentes e relevantes as fará ao acusado.

A lei 10.792/03 não descaracterizou o interrogatório como meio de prova e ato de defesa. Contudo, as referidas modificações objetivaram o aperfeiçoamento do ato em sua dúplice natureza, embora com ênfase na pesrpectiva da defesa, tanto que o próprio artigo 187 do CPP, após enumerar algumas perguntas que devem ser feitas pelo juiz ao acusado, por ocasião do seu interrogatório, enfatiza em seu inciso VIII que o magistrado deverá ainda questionar o acusado se o mesmo ainda tem algo a alegar em sua defesa.

1.3. Interrogatório on line

Interrogatório por videoconferência, tele-interrogatório, interrogatório on line, teleaudiência, interrogatório virtual, videoconferência são expressões utilizados pelos estudiosos do direito e juristas do nosso país ao se reportarem ao interrogatório realizados por meios tecnológicos. Tais expressões serão vistas ao longo do nosso texto, seja em opiniões emanadas pelos doutrinadores, seja pelas jurisprudências já formuladas a respeito do assunto.

O que vem a ser o interrogatório on line?

O interrogatório on line é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa, realizado através de um sistema que funciona com equipamentos e software específicos.

No interrogatório on line, câmeras e recepção de áudio podem ser monitorados por controle remoto, identificando os presentes em cada sala. A conexão é via linha telefônica, com Redes ISDN (Integrated Services Digital Network) que formam uma conexão de 512 Kbps (quilobit por segundo).

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No universo da tecnologia de comunicação, o interrogatório on line surge facilitando a comunicação de longa distância utilizando não só o som, mas também as imagens em tempo real.

1.4. As Legislações e o interrogatório on line

Vários países estão inserindo em suas legislações dispositivos que permitem a utilização de sistemas de interrogatórios on line nas intervenções processuais do direito.

Os Estados Unidos da América já adota o interrogatório on line em ações criminais e civis.

Os Tribunais de Cingapura já realizam audiências de oitiva de testemunhas através de interrogatórios on line nos processos civis, com projetos para ser aplicado também na seara criminal.

Na Itália, país onde há um grande combate aos setores das Máfias siciliana, napolitana e calabresa, já se tem a aplicação d interrogatório on line. Giancarlo Sandro Caselli, ex-chefe do pool antimáfia italiano atualmente responsável pelo sistema carcerário da Itália afirma que:

“Os interrogatórios são feitos por circuito interno de televisão. Dessa maneira não há constrangimento para testemunhas e existe mais segurança para os setores que estão investigando os mafiosos.” Explicou ainda que: “Para evitar que os mafiosos fossem resgatados ou fizessem ameaças às testemunhas durante os interrogatórios, o Ministério Público passou a utilizar o que eles chamam de videoconferência.”(2)

No Brasil não há lei que regulamente o interrogatório on line, muito embora já esteja sendo aplicada, mas existem diversos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, os quais versam sobre o assunto.

Em 1999, o deputado Luiz Antônio Fleury apresentou ao Congresso Nacional o projeto lei n. 1.233, o qual modifica a redação dos artigos 6º, 10, 16, 23, 28, 185, 195, 366 e 414 do Código de Processo Penal, alterando os critérios para realização do inquérito policial e possibilitando a realização de

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interrogatórios e audiências à distância por meio telemático, através de um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador.

Projeto de Lei nº 1.233, de 1999 (Do Sr. Luiz Antonio Fleury)

Modifica redação dos arts. 6º, 10, 16, 23, 28, 185, 195, 366 e 414 do Código de Processo Penal.

O Congresso Nacional Decreta:

Art. 2º.: O art. 185, 366 e 414, passam a vigorar acrescidos de parágrafos com as seguintes redações:

Art. 185:

Parágrafo único: Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos à distancia, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador.(grifo nosso)

Art. 366:

§ 3º: Na hipótese do art. 362, o não-comparecimento do citado ao interrogatório acarretará a decretação de sua revelia, com nomeação de defensor, prosseguindo-se nos demais termos do processo.

Art. 414:

Parágrafo único: Se o réu não for encontrado, não correrá a prescrição, a partir do dia da juntada aos autos do mandado de intimação em que tiver sido certificada essa circunstancia, até a data de sua intimação pessoal."

Art. 3º: Revogam-se as disposições em contrário.

Art. 4º: Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA:

Ao introduzir um parágrafo ao art. 185, procura-se evitar constantes deslocamentos de réus presos

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ao Fórum, com os perigos e percalços burocráticos que essa remoção muitas vezes representa.

Esta inovação - interrogatório telemático, não será aplicável ao interrogatório no plenário do júri, que possui regras próprias.

A alteração da redação do parágrafo único, do art 195, visa adeqüá-lo ao interrogatório telemático proposto.

Com o acréscimo do parágrafo 4º ao artigo 362 procura-se evitar a suspensão do processo no caso em que o réu, maliciosamente, se oculta para não ser citado pessoalmente, como vem acontecendo com freqüência. Se ele se oculta e ficou sabendo da acusação que pesa conta si, não tem sentido prema-lo pela própria torpeza.

Acrescentando o parágrafo único ao art. 414, pode-se evitar o que acontece muitas vezes, em casos em que o réu permanece oculto ou foragido para não ser intimado pessoalmente da pronúncia, ocasionando o indesejável evento da prescrição.

Sala das Sessões, 17 de junho de 1999.

Deputado Luiz Antonio Fleury

A principal modificação do projeto de lei n. 1.233/99 está relacionada ao artigo 185 do CPP, cujo parágrafo único determinava que “Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos à distância, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador”.

O projeto lei n. 2.504/00, do deputado Nelson Proença é bastante sucinto, in verbis:

Projeto de Lei nº 2.504, de 2000 (Do Sr. Nelson Proença), apresentado em 23/02/2000.

Dispõe sobre o interrogatório do acusado à distância com a utilização de meios eletrônicos

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(APENSE-SE AO PROJETO DE LEI Nº 1.233, DE 1999.)

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º - No Processo Penal poderá o juiz, utilizando-se de meios eletrônicos, proceder à distância ao interrogatório do réu.

Parágrafo único - O interrogatório, neste caso, exigirá que o réu seja assistido por seu advogado, ou à falta, por Defensor Público.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA:

A lei determina que o réu seja interrogado no curso do processo penal (Art. 185 do CPP). É imprescindível o interrogatório do acusado, pois, constitui-se em meio de prova e também de defesa no processo penal. Diariamente, uma média de 120 presos são deslocados dos presídios para o Fórum do Distrito Federal. Esses deslocamentos obrigam á Secretaria de Segurança Pública a mobilizar um contingente de cerca de 300 policiais, entre civis e militares, para evitar fugas e garantir a segurança de Juízes, Promotores, advogados e do público em geral. Essa movimentação custa aos cofres do Distrito Federal R$3.5 mil por dia ou algo em torno de R$840 mil por ano.

De outra parte, esses deslocamentos têm ensejado oportunidades de fuga com lesões e até mortes de policiais da escolta, de pessoas do povo presentes no momento da fuga e também de presos.

Inquestionável, pois, o ganho em economia e segurança que o interrogatório à distancia, através do equipamento conhecido como videoconferência ensejará.

A medida possibilitará, ainda, maior celeridade na instrução processual, demonstrando a experiência que, em muitos casos, o interrogatório é adiado e

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o preso retorna à penitenciária para aguardar nova convocação.

A Justiça do Distrito Federal tem procurado adaptar-se às inovações tecnológicas, para agilizar os serviços judiciários.

O sistema de videoconferência já vem sendo usado com sucesso em atividades como telemedicina, teleeducação, design, engenharia, etc. Conectado a um ou vários pontos em uma sala especialmente preparada o sistema permite que os interlocutores se vejam e se falem como se estivessem no mesmo ambiente, mercê de uma perfeita qualidade de imagem que torna possível observar até os detalhes da expressão da pessoa, controlando-se a aproximação da imagem com o recurso zoom.(Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2002)

Em 12 de julho de 2001, o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara, deputado Aldir Cabral emitiu parecer pela aprovação, com substitutivo, do projeto Fleury, e pela rejeição do projeto de lei n. 2.504/00, que tramita em apenso. A proposta do ano de 2000 tem artigo único e é menos complexa que a iniciativa n. 1.233/99.

O projeto de lei n . 2.437/00, apresentado em 24/02/2000 por Germano Rigotto acrescenta parágrafo ao art. 217 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, para permitir que testemunhas deponham via televisão, em caso de ameaças.

O projeto de lei n. 248, do senador Romeu Tuma, acrescenta aos artigos 185 e 792, ambos do Código de Processo Penal, a realização de interrogatórios à distância nas audiências, através de recursos tecnológicos.

O projeto de lei apresentado pelo Senador Romero Juca, acrescenta no Código de Processo Penal o artigo 217-A versando a realização do interrogatório à distância e a utilização de meios de presença virtual do réu preso nas audiências de averiguações de testemunhas. Este projeto também altera os dispositivos 185 e 792 do CPP.

O projeto de lei n. 704/01, de autoria do deputado Edson Gomes, dispõe sobre a instalação de aparelhos de videoconferência para interrogatórios à distância dos presidiários.

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O projeto de lei n. 1.237/03, cujo autor é Luiz Antônio Fleury, altera o Código de Processo Penal, disciplinando o interrogatório de réu preso pelo sistema de videoconferência e possibilita a realização de audiência sem sua presença nas hipóteses previstas.

A Medida Provisória nº 28, de 2002, em seu artigo 6º, autorizou o uso de equipamentos que permitiam o interrogatório e a inquirição de presidiários pela autoridade judiciária, bem como a prática de outros atos processuais, de modo a dispensar o transporte dos presos para fora do local de cumprimento da pena.

MEDIDA PROVISÓRIA No 28, DE 4 DE FEVEREIRO 2002. Dispõe sobre normas gerais de direito penitenciário e dá outras providências O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei: .... Art. 6o O estabelecimento penitenciário ou prisional poderá ter instalações e equipamentos que permitam o interrogatório e a inquirição de presidiários pela autoridade judiciária, bem como a prática de outros atos processuais, de modo a dispensar o transporte dos presos para fora do local de cumprimento de pena. Brasília, 4 de fevereiro de 2002; 181o da Independência e 114o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Aloysio Nunes Ferreira Filho

O Tribunal de Justiça da Paraíba, regularizou o interrogatório on line através da Portaria 2.210/02.

No Estado de São Paulo, a Lei nº 11.819, de 5.1.2005, dispõe sobre a implantação de aparelhos de videoconferência para interrogatório e audiências de presos à distância.

1.5. Interrogatório on line no Poder Judiciário

A internet surgiu na década de 60 e tratava-se de uma rede de informática de aplicação militar, e que estava sob o poderio do governo norte-americano.

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Com a revolução tecnológica, a informatização ganha campo na área das comunicações afetando todos os setores da sociedade.

O Poder Judiciário começou a utilizar dos meios tecnológicos para agilizar determinados atos de procedimento, desburocratizando vários de seus setores, por exemplo, o da distribuição, do arquivo, entre outros.

Hoje há um debate caloroso no meio jurídico quanto a utilização da tecnologia na realização de interrogatórios.

No Brasil, como vimos, ainda não existe uma lei que regulamente os interrogatórios on line, contudo estes já estão sendo realizados em alguns estados da nação, por exemplo, Brasília, Pernambuco, Paraíba, São Paulo e Rio Grande do Sul.

O primeiro interrogatório on line no sistema processual penal do Brasil ocorreu em 1996, numa vara criminal de São Paulo, com uso do sistema rudimentar, ou seja, a audiência foi realizada por meio de e-mail.

O estado de Brasília foi o pioneiro a realizar o interrogatório on line, sendo seguido por Pernambuco.

2. PRÓS E CONTRAS AO INTERROGATÓRIO ON LINE

2.1. Doutrina

Apesar de estar sendo realizado o interrogatório on line em alguns estados do nosso país, há no mundo jurídico duas correntes quanto a questão de sua realização.

Os adeptos ao interrogatório on line apontam vantagens quanto a sua utilização, tais como: a) diminuição dos gastos públicos, não necessitando o deslocamento de escoltas de soldados, carros e motos; b) agilização no interrogatório, diminuindo a demanda da saída dos processos, e sanando o problema da falta de transporte para os presos serem conduzidos ao Fórum, fato que acontece com freqüência; c) o problema da superlotação carcerária tende a ser minimizada na medida em que os processos serão agilizados; d) diminuição de fugas de presos, devido ao não deslocamento do preso ao Fórum, conseqüentemente haverá uma segurança maior a população; e) integridade de informação no interrogatório na medida em que a videoconferência é gravada em disquete ou CD-ROM e arquivada, sendo acompanhada por um assessor jurídico da penitenciária junto ao preso e um defensor juntamente com o juiz; etc.

O juiz da 1ª Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Adeildo Nunes, ao ser entrevistado pela equipe da impressa do PPAB (Presídio Aníbal Bruno), emitiu o seguinte posicionamento, logo

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após a realização do lançamento oficial da videoconferência na justiça pernambucana.

“[...] Imprenssa:Na sua opinião, isso vai facilitar o trabalho da Justiça, Dr. Adeildo? Juiz: Mas é claro, isso é um pioneirismo, talvez no Brasil. Eu lhe asseguro que no nordeste não existe um modelo como este. Não sei no sul do País, que é sempre mais evoluído. Eu considero essa solução da maior importância. Você pode observar que eu tenho contato direto com o preso. Isso é um motivo de humanização que a gente tanto pretende dentro das penitenciárias, não é? É a condição de o preso poder falar diretamente com o Juiz, que é muito importante. Não é para o Juiz não, é para o preso. O preso se sente mais seguro com o Juiz. E, muitas vezes, por falta de estrutura material e física, naquelas visitas que a gente faz normalmente, não há condição de falar com o preso. Quantas e quantas vezes eu vou para a penitenciária e, é o caso do Aníbal Bruno, por exemplo, e deixo de atender 15 a 20 presos por que não deu tempo. É demorado, e procura a pasta e não acha...E aqui não, aqui a gente já tem uma estrutura. O fato de a relação dos processos poder chegar antecipadamente por fax e a gente então poder agilizar é ótimo(3)

A imprensa pernambucana, precisamente o Jornal do Commercio, em maio de 2001 divulgou para sociedade a seguinte notícia:

“A justiça pernambucana dispõe de mais de um instrumento para agilizar os processos dos detentos do Presídio Aníbal Bruno. Em caráter experimental, o juiz da 1ª Vara de Execução Penal, Adeildo Nunes, interrogou ontem três presidiários através de teleaudiência. Em poucos minutos, Adeildo Nunes ouviu Sebastião Luiz de Araújo, Renildo José da Silva e José Severino do Nascimento Júnior. Os casos de Renildo e Sebastião tiveram resultados imeditos, devendo os dois saírem do regime fechado para o semi-aberto. “Há oito meses que pedia para revisarem meu processo e em cinco minutos o juiz resolveu tudo” comemorou Renildo, condenado há

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reclusão de dois anos e três meses por porte de arma e mais seis anos pela Comarca de Abreu e Lima e que deve ir para Penitenciária Agrícola de Itamaracá. Apenas o caso de José Severino, preso, também, por porte ilegal de arma, não foi resolvido no momento, mas terá o parecer na próxima semana “.(J.C., maio/2001)

Doutor em direito penal, co-fundador e primeiro presidente do IBCCRIM, Luiz Flávio Gomes, em seu artigo “O Uso da videoconferência na Justiça”, afirma que:

“Não vejo sinceramente nenhum mal na utilização de toda essa inovação tecnológica no âmbito da Justiça, ao contrário, isso constitui considerável avanço, que até pode combater a sua clássica morosidade[...].[...]Os interrogatórios em juízo são cada vez mais demorados. O custo do transporte dos presos não é irrisório. A insegurança que traz é patente. Incontáveis resgates acontecem justamente quando estão sendo transportados. Uma precatória para ouvi uma testemunha demora meses. A rogatória anos. Até quando a Justiça ficará excluída da modernidade comunicacional?[...]A difusão da videoconferência na Justiça está fadada a evitar o envio de milhões de of´cios, de requisições, de precatórias, é dizer, economiza-se tempo, papel, serviço, dinheiro etc. Pode-se ouvir uma pessoa em qualquer ponto do país ou do planeta, sem necessidade do seu deslocamento. Elimina-se riscos, seja para o preso( que pode ser atacado ou resgatado quando está sendo transportado), seja para a sociedade.”(4)

A corrente contrária a realização de interrogatórios on line entendem que: a) o interrogatório on line retira do preso ou acusado o contato físico, sendo fundamental tais características; b) o interrogatório on line não pode ser aplicado por falta de lei; c) o interrogatório virtual fere princípios e garantias constitucionais, tais como o devido processo legal, a dignidade, a ampla defesa, o contraditório, a legalidade, etc.

O movimento de oposição ao interrogatório on line tem como adeptos a Associação Juízes para Democracia(AJD), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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(IBCCRIM), a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.

O advogado criminalista, Luiz Flávio Borges D’Urso, em seu artigo “O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual”, expõe que o interrogatório on line ( videoconferência):

“ revela-se perversa e desumana, afastando o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador, trazendo frieza e impessoalidade a um interrogatório.[...]O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para formar juízo a respeito do acusado, de sua personalidade, da sinceridade, de suas desculpas ou de sua confissão.[...]Além disso, pensamos que a tese não resiste há uma análise de constitucionalidade, porquanto nossa Carta Magna consagra a ampla defesa(art. 5º, LV, CF), bem como o Brasil subscreveu pactos internacionais, nos quais, entende-se que não há devido processo legal, se não houver apresentação do acusado ao juiz( Convenção Americana sobre Direitos Humanos).”(5)

2.2. Jurisprudência

Os Tribunais do nosso País têm emitidos os seguintes entendimentos quanto a questão do interrogatório on line:

“INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE.Valor-Entendimento – O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e faculta, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado.”(TACRM/SP – Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº 11.088).

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“Hábeas Corpus – Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência – Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa – Nulidade inocorrente – violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na sala especial onde o réu se encontra – Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado- Ordem denegada”( Tribunal de Justiça de São Paulo, Hábeas Corpus nº 428.580-3/8)

“ Recurso de habeas corpus. Processo Penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi artigo 563 do CPP. Recurso desprovido” (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97, impetrante Evaldo Aparecido dos Santos)

Em 14 de setembro de 2004, ao analisar o recurso ordinário em Habeas Corpus 15.558/SP, impetrado em favor de Jair Facca Junior, a 5ª Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que o uso do interrogatório on line em ação penal não acarreta cerceamento do direito de defesa, não havendo portanto nulidade a sanar.

Na verdade o interrogatório on line não afeta as garantias do presos. A presença virtual do preso, através da videoconferência, é real e interativa. As partes são vistas e ouvidas simultanteamente sem prejuízo nenhum de som ou imagem.

O novo sistema de instrução evita os julgamentos à revelia e os fenômenos interligados aos atos processuais, tais como, a impossibilidade do deslocamento do acusado seja por doença ou condição financeira.

2.3. Opinião do Preso

A opinião de um detento concessionado, Paulo Ricardo feito no encontro feito por interrogatório on line entre a FISEPE, a equipe da coordenação do projeto em Pernambuco, o Tribunal de Justiça – TJPE, o Presídio Aníbal Bruno – PPAB e autoridades do Tribunal de São Paulo e da área de Segurança Pública, foi:

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“[...]Há o entusiasmo dos presos aqui dentro, porque tudo o que vem ajudar na saída deles, do detento para sociedade, é bem visto pela comunidade do presídio. Vocês têm aí em São Paulo uma situação explosiva. A comunidade carcerária, aí, vive tensa, vive em rebeliões. Quem sabe, seja pela lentidão dos processos criminais e esse sitema está aí para liquidar com tudo isso. Todo dia aqui é para apresentar 40 presos à Justiça, que nem sempre são levados ao juiz por diversos motivos. E isso pode ser resolvido pela teleconferência dependendo de quantas salas estiverem montadas.”(6)

3. AMPLA DEFESA

Preceitua a Constituição Federal em seu artigo 5º, LIV que “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Determina o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

A ampla defesa como corolário do devido processo legal serve de segurança jurídica dada ao acusado ou réu para que ele traga ao processo todos os elementos tendentes a elucidar a verdade, podendo até valer-se do silêncio, se entender necessário.

A ampla defesa contém duas regras, quais sejam: a) a possibilidade do acusado se defender (esta contida na defesa técnica e na autodefesa) e, b) na possibilidade de recurso.

Entende-se por defesa técnica aquela realizada por meio de advogado. Já a autodefesa é aquela em que o acusado assume a proteção processual dos seus próprios interesses em face da acusação que pesa contra si. Salutar observar que a defesa pessoal (autodefesa) no processo penal brasileiro só é conhecida por ocasião do interrogatório.

Defesa ampla, na realidade, assegura ao acusado a autodefesa, a defesa técnica, a defesa efetiva, defesa por qualquer meio de prova (inclusive a prova ilícita, que só é admitida pro reo, para comprovar a sua inocência), o direito do acompanhamento da prova produzida, de fazer a contraprova, etc.

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Segundo a súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Sabemos que o acusado não está obrigado a praticar nenhum ato que lhe desfavoreça, podendo, por exemplo, mentir durante o interrogatório. Não há o crime de perjúrio no Brasil (privilégio contra auto-incriminação).

Por fim o processo penal, como instrumento para realização do Direito Penal, deve observar a sua dupla função: tornar viável a aplicação da pena,e servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra atos abusivos do Estado.

4. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL (DA VERDADE PROCESSUAL)

Para o processo penal o que importa é descobrir a realidade dos fatos.

Por força do princípio da verdade real, vigora no processo penal brasileiro a regra da liberdade de provas, ou seja, todos os meios probatórios, em princípio, são válidos para demonstrar a verdade real. Contudo, existem exceções e restrições, quais sejam: provas ilícitas, prova ilícita por derivação, prova ilegítima e o artigo 475 do Código de Processo Penal.

As provas ilícitas e a prova ilícita por derivação são inadmissíveis no processo, mas passam a ter valor jurídico se forem a favor do réu ou acusado, por força do princípio da proporcionalidade, uma vez que a presunção de inocência deve preponderar sobre a inadmissibilidade da prova ilícita.

Trabalhar com a verdade real (ou material) é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, quem realmente praticou um ato ilícito.

A prova existe para ajudar a formação do convencimento do juiz sobre a veracidade de uma afirmação de fato alegada pelas partes em juízo.

A aplicação da norma penal no infrator somente poderá ser efetivada se todos os esforços e meios legais tenham sido devidamente empregados, assim demonstrando a culpa do indivíduo.

Nos dizeres de Carnelutti, a tarefa do processo penal está em saber se o acusado é inocente ou culpado.

O Direito deve socorrer-se de outras ciências e meios para que se possa chegar o mais próximo possível da verdade real.

Descobrir a verdade do fato praticado, através da instrução probatória, proporciona ao juiz, no momento da sentença, aplicar a lei penal ao caso concreto, extraindo a regra jurídica que lhe é própria.

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Importante ressaltar que, não obstante chamarmos de verdade real (material), nem sempre ela condiz com a realidade fática ocorrida no mundo físico.

Conceituar a verdade é adentrarmos no mudo filosófico. O que pode ser verdade para uns pode não ser para outros. Porém, em se tratando de verdade material a ser apurada nos autos de um processo há que se considerar a adequação entre o fato objeto do processo e o fato ocorrido no mundo dos homens.

Filósofos que estudaram a teoria da verdade afirmam que a verdade absoluta é inatingível. Logo, o processo deve buscar a verdade que seja possível atingir sem violar a moral e prejudicar o sujeito que irá responder pelos atos ilícitos a ele atribuídos. O desejo de se descobrir a verdade é o desejo de se realizar a justiça.

O advogado e professor, Gustavo Henrique, entende que:

“Regras de Teoria Geral do Processo distinguem claramente a verdade buscada pelo processo civil da buscada pelo processo penal. O professor EGAS MONIZ DE ARAGÃO disserta que, de há muito se repete, com se estivesse certo haver, no mínimo, três “verdades”, ou três graus da “verdade”, perante o Direito: “a que é verdade mesmo”; “a que se supõe que seja”, “verdade material” (que perseguem os processualistas penais); a que não o é, conquanto possa também sê-lo, sendo até irrelevante se é ou não é, “verdade formal” (com que deveriam contentar-se os processualistas civis). Basta enunciar essas proposições para perceber sua improcedência. Pondera o mesmo professor, mais adiante, que a busca do processo, tanto civil quanto penal, nem pode ser outra que a verdade dos fatos, mas tendo ou não alcançado este estágio, há um momento que o processo tem de ser dado por encerrado e o julgador tem de proferir sentença. Portanto, se não se atinge o objetivo (verdade), não é porque sua finalidade não seja alcançá-la, e sim por meras circunstâncias acidentais, que sobre ele influem com intensidade maior ou menor. A verdade do juiz é subjetiva. A posição atualmente mais aceita é a de que o processo penal busca a descoberta da verdade

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material – sinônimo de verdade real -, enquanto para o processo civil basta a verdade formal, esta entendida como aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carreadas aos autos. Em outras palavras, no processo civil cabe às partes convencer o juiz, apresentando-lhe provas. Já o processo penal deve buscar a verdade real, e só contentar-se com a verdade formal para absolver. Assim, uma condenação criminal sempre deverá pressupor o encontro da verdade real acerca dos fatos descritos na acusação. Isso é indeclinável e sobre isso não pode haver exceção alguma, sob pena de ilegais violações a direitos fundamentais do homem.

Desde logo percebe-se, todavia, que a verdade material é difícil de ser atingida sem o auxílio de meios científicos. Sim, pois se a palavra de uma testemunha tem o seu quantum de verdade apurada meramente pelo juiz, através de métodos empíricos, não se poderá falar, em absoluto, em verdade material. Pois a verdade material pressupõe – ou deveria pressupor – o máximo de verdade possível de ser encontrada em relação à construção histórica de determinado fato. É certo que a verdade absoluta é inatingível. Todavia a reconstrução dos fatos ou a busca da verdade deve ser feita através dos mais eficazes meios para tanto.

Assim é que a polícia técnica atualmente auxilia o magistrado, apontando-lhe, através de critérios científicos, detalhes que possam, ao máximo possível, levar ao conhecimento da verdade real. Conclui-se, portanto, que a verdade real ou material deve ser buscada pelos meios mais eficazes disponíveis na sociedade em determinada época. Isso também deve ocorrer, portanto, em relação à prova testemunhal. Ora, se atualmente existem métodos científicos - principalmente afetos à psicologia - disponíveis para a busca da verdade material, inconcebível que ainda sejam utilizados métodos empíricos.”(8)

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O Processo Penal moderno deve perseguir a verdade material (real), utilizando-se da verdade científica, e até mesmo utilizar meios tecnológicos para tais fins.

5. CONCLUSÃO

O interrogatório no processo penal com o advento da Lei 10.792/03, sofreu modificações substanciais. Muito embora a referida Lei seja silente quanto a realização do interrogatório por meio de videoconferência, alguns Tribunais do nosso país já estão realizando os chamados interrogatórios on line. Contudo, a utilização da tecnologia no interrogatório gerou na seara processual penal duas correntes.

A primeira corrente defende que tais meios lesam direitos e garantias do réu ou acusado(devido processo legal, ampla defesa e contraditório), pois o momento “face a face” com o juiz é único para o preso. Alegam também que a aplicação desta tecnologia não está prevista em lei. Lamentável tal argumento, pois se não está previsto explicitamente, também não há proibição legal, o que há é uma omissão em que a lei 10.798/03 fez questão em mantê-la quanto ao artigo 185 do Código de Processo Penal.

Os adeptos a realização do interrogatório on line afirmam que o fato da presença ser virtual em nada atinge os direitos e garantias do preso (devido processo legal, ampla defesa e contraditório), pelo contrário tal tecnologia proporciona ao processo penal agilização, e com isso o preso terá os seus direitos observados no seu devido tempo, pois aqueles que esperam, por exemplo, pela progressão de regime não perecerá no tempo para obtê-la.

A realização do interrogatório on line fere a ampla defesa do acusado ou réu?

Vimos ao longo do presente artigo que as modificações ocorridas quanto ao interrogatório, na verdade ampliaram os direitos e as garantias do acusado, dentre elas: a) as partes poderão, desde que fundamentada, requerer novo interrogatório; b) antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor; c) presença obrigatória do defensor no interrogatório; d) após o interrogatório as partes (Defensor, Ministério Público e Querelante) poderão participar do mesmo formulando perguntas e dirigindo-as ao juiz, e este achando-as pertinentes e relevantes as fará ao acusado; e) o silêncio do acusado não poderá ter interpretação de confissão, etc. Tais modificações trazem de forma clara a ampliação a favor da defesa do acusado. A preocupação do legislador em garantir a máxima defesa ao acusado é notória, fazendo assim jus a um sistema processual penal que tem bases em um Estado Democrático de Direitos.

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No interrogatório on line, câmeras e recepção de áudio podem ser monitorados por controle remoto, identificando os presentes em cada sala.

No momento da realização do interrogatório on line, todas as determinações legais são cumpridas, senão vejamos: existe a presença das partes(Defensores, Ministério Público ou Querelante) no referido ato; o magistrado fala que o réu não está obrigado a responder a nenhuma pergunta, mas que é o interrogatório o momento próprio para que o acusado exponha a sua verdade sobre a acusação; é feita a leitura da denúncia; são realizadas as perguntas em sua duas fases (sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos); as partes participam do interrogatório realizando perguntas, entre outros procedimentos.

Quando falamos de “ampla defesa do acusado” devemos entende-la como aquela em que o réu ou acusado tem assegurado a autodefesa, a defesa técnica, a defesa efetiva, a defesa por qualquer meio de prova, o direito de acompanhamento da prova produzida, de fazer a contraprova, de manter o silêncio e até mesmo de mentir durante o interrogatório, pois não há o crime de perjúrio no Brasil. Sabemos que o acusado não está obrigado a praticar nenhum ato que lhe desfavoreça, e que a falta de defesa gera nulidade absoluta. Portanto, o acusado pode valer-se de vários meios para elucidar, esclarecer os fatos a ele imputados.

Defesa ampla como corolário do devido processo legal serve de segurança jurídica dada ao acusado ou réu para que ele traga aos autos todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, podendo até valer-se do silêncio.

A realização do interrogatório on line não veta os procedimentos que a justiça deve assegurar quanto a ampla defesa do acusado, posto que todos os atos impostos por lei são observados pelos magistrados.

A presença do acusado, do defensor, do magistrado e demais pessoas presentes no interrogatório on line é uma presença em tempo real. O juiz ouve e vê o acusado, sendo a recíproca verdadeira. Imagens e sons são transmitidos e recebidos reciprocamente, sem interferências ou falhas. A tecnologia é de “ponta”, considerada de alta qualidade e eficiência. Na verdade, a tecnologia utilizada no interrogatório on line só difere do interrogatório “ frente a frente” quanto ao espaço, ou seja, um é virtual o outro não. O fato do espaço ser virtual não traz prejuízos aos procedimentos a serem adotados e não tira do acusado a sua possibilidade de exercer a sua autodefesa, o seu silêncio, a sua ampla defesa.

Os Tribunais pátrios entendem que a videoconferência em nada afeta os direitos e garantias do preso, posição esta já encontrada no Superior Tribunal de Justiça.

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A própria comunidade carcerária vem aceitando e acatando tal procedimento(interrogatório on line), afinal é um meio ágil e eficaz deles – presos- terem seu direito a liberdade em tempo, tendo a certeza que não correm o risco de pagarem além do que devem para sociedade.

Não resta dúvidas que a realização do interrogatório on line não fere a ampla defesa do acusado, posto que todos os seus direitos são observados e exercidos.

Para o processo penal o que importa é descobrir a realidade dos fatos.

Por força do princípio da verdade real, vigora no processo penal brasileiro a regra da liberdade de provas, ou seja, todos os meios probatórios, em princípio, são válidos para demonstrar a verdade real.

A prova existe para ajudar a formação do convencimento do juiz sobre a veracidade de uma afirmação de fato alegada pelas partes em juízo.

O interrogatório, como meio de prova, deve ser analisado em conjunto com as outras provas acostadas aos autos.

A aplicação da norma penal no infrator somente poderá ser efetivada se todos os esforços e meios legais tenham sido devidamente empregados, assim demonstrando a culpa do indivíduo.

Finalmente, o Direito é dinâmico e deve acompanhar os passos da sociedade. A descoberta da tecnologia em beneficio da humanidade deve ser usada em todos os setores, como o é atualmente. Os aplicadores do direito devem ser reciclados em suas visões para que não parem no tempo e sirvam de verdadeiros monumentos de museus.

Portanto, se a videoconferência não elimina os direitos e garantias do preso, não há motivos para não realiza-la, ao contrário, segundo alguns juízes que tiveram a oportunidade de realizá-las opinaram por mantê-las, pois sentiram que poderiam levar ao réu, ao acusado uma Justiça mais célere.

Isto posto, o interrogatório on line traz para o mundo do processo penal o dinamismo que tanto necessitava, fazendo Justiça a tempo, e quiçá, no futuro, sanando todos os problemas que o sistema prisional tem em conjunto com o Judiciário.

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NOTAS.

(1) ARAS, Vlademir. Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual (Tele-hearring does not eliminate any procedural guarantee), p. 02. Sociedade Digital. Disponível em: htpp://www.cbeji.com.Br/Br/novidades/artigos/main.asp?id=3601. Acesso em: 25 janeiro 2005.

(2) GÜNTHER, Ulrich N. Proteção de Vítimas e Testemunhas no Processo Penal na Alemanha. Revista Direito Mackenzie. Número 2. Ano 1. 24/3/2003.

(3) PEREZ, Carlos Alexandre Dias, et al. Aplicações de Videoconferência em Áreas Críticas de Gestão Governamental. Disponível em: www.cqgp.sp.gov.br/downloads/T00144.pdf Acesso em: 01/02/2005.

(4) GOMES, Luiz Flávio. O Uso da Videoconferência na Justiça.Artigos Clássicos. p. 1 –2. Disponível em: http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art120.htm. Acesso em:11 fev 2005

(5) D’URSO, Luiz Flávio Borges. O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual.Jus Navegandi, Terezina, ª7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3471. Acesso em: 01 fev. 2005.

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(6) PEREZ, Carlos Alexandre Dias, et al. 144- Aplicações de videoconferência em áreas críticas de gestão governamental.p. 13. Disponível em: www.cqgp.sp.gov.br/downloads/T00144.PDF. Acesso em: 01/02/2005.

(7) DIETRICH, Gustavo Henrique.A Verdade no processo penal moderno.Disponível me: http://www.dietrich.adv.br/i_ler_artigos.asp?id=15. Acesso em: 02 fevereiro 2005.

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LEI 11.313/2006: NOVAS ALTERAÇÕES NOS JUIZADOS CRIMINAIS (II)

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

No que diz respeito ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo a Lei 11.313/2006 estabeleceu o seguinte:

"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa." (NR)

Do novo texto legal podemos e devemos extrair as seguintes conclusões:

1ª) Na redação original previa o art. 61 a pena máxima de um ano. Por força da Lei 10.259/2001 o conceito de infração de menor potencial ofensivo foi ampliado para dois anos. A jurisprudência estendeu esse limite de dois anos para o âmbito dos juizados estaduais.

2ª) Diante da nova redação do art. 61 não há mais nenhuma dúvida: todas as contravenções penais assim como os crimes com pena máxima até dois anos são de menor potencial ofensivo. Doravante esse ponto já não permite nenhuma polêmica.

3ª) Não importa se essa pena máxima (até dois anos) vem cumulada ou não com multa. Fundamental é observar o limite máximo da pena privativa de liberdade. É ela que rege o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Se a lei comina pena de prisão superior a dois anos não há que se falar em infração de menor potencial ofensivo. Quando a pena não passa de dois anos é infração de menor potencial ofensivo (não importa eventual multa cumulativa).

4ª) Quando a lei diz: pena máxima de cinco anos ou multa (Lei 8.137/1990, por exemplo) está afastada a solução consensuada dos juizados, porque a pena máxima, nesse caso, é de cinco anos. Cabe, nessa situação, suspensão condicional do processo (porque a pena mínima é de multa). Não cabe a transação penal porque a pena máxima é de cinco anos.

5ª) Havendo concurso formal ou crime continuado, o aumento decorrente dessas causas deve (ou não) ser levado em conta? No que diz respeito à

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suspensão condicional do processo, rege a Súmula 243 do STJ que manda computar o aumento decorrente do concurso formal ou do crime continuado. Se a pena passa de um ano, não cabe a suspensão condicional do processo.

6ª) Tese distinta pode ser sustentada, agora, em relação à transação penal. O novo art. 60 manda "observar" o instituto da transação, mesmo depois da reunião dos processos (que retrata uma situação de concurso material, em regra). Ora, se no concurso material vale o art. 60 c.c. art. 119, solução distinta não será possível sugerir em relação ao concurso formal e ao crime continuado.

7ª) Outra novidade importantíssima: a nova lei eliminou qualquer referência ao procedimento do delito. Ou seja: não importa se o crime conta ou não com procedimento especial. Todos, com pena máxima até dois anos, são de menor potencial ofensivo. Crime de imprensa, crime de abuso de autoridade etc, desde que a pena não passe de dois anos, entra no conceito de menor potencial ofensivo. Se a pena não passa de dois anos, é infração de menor potencial ofensivo, independentemente do procedimento ser especial ou não.

8ª) A Lei 10.259/2001 já não ressalvava o procedimento especial. Doutrina e jurisprudência firmaram entendimento no sentido de que esse dado deixou de ter relevância para o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Não ultrapassado o limite de dois anos, é infração dos juizados.

9ª) Isso já estava pacificado em todo país. Mas a Primeira Turma do STF, em dois julgados recentes, (surpreendentemente) vinha dissentindo desse entendimento. Vejamos:

27/09/2005 - PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 86.102-4 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EROS GRAU

PACIENTE(S) : DEMÉTRIO CARTA

IMPETRANTE(S) : JOSÉ ROBERTO LEAL DE CARVALHO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : COLÉGIO RECURSAL CRIMINAL CENTRAL DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL: DEFINIÇÃO.

1. O artigo 61 da Lei n. 9.099/95 é categórico ao dispor que não compete aos Juizados Especiais o julgamento dos casos em que a lei preveja

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procedimento especial. É a hipótese dos crimes tipificados na Lei n. 5.250/67.

2. A competência territorial é definida em razão do local onde é realizada a impressão do jornal ou periódico (Lei de Imprensa, artigo 42). Ordem concedida.

23/05/2006 - PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 88.547-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S) : SONIA JUBRAN RACY

IMPETRANTE(S) : MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA

COATOR(A/S)(ES) : SEGUNDA TURMA DO COLÉGIO RECURSAL

CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO

EMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL Juizado Especial Criminal Estadual. Ação penal. Infração ou crime de menor potencial ofensivo. Não caracterização. Delito de imprensa. Sujeição a procedimento especial. Competência da Justiça Comum. HC concedido para esse fim. Aplicação de art. 61 da Lei nº 9.099/95, que não foi revogado pelo art. 2º, § único, da Lei nº 10.259/2001. Precedentes. É incompetente Juizado Especial Criminal Estadual para processo e julgamento de delito previsto na Lei de Imprensa.

10ª) Doravante já não existe nenhuma possibilidade de haver divergência: a nova lei (Lei 11.313/2006) eliminou a referência que antes existia (no artigo 61) em relação ao procedimento especial. Não importa (mais) o procedimento: todos os delitos com pena máxima até dois anos são de menor potencial ofensivo.

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ABORTO ANENCEFÁLICO: EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL.

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

O tipo penal nos crimes dolosos (de acordo com a teoria constitucionalista do delito que adotamos) é a soma da tipicidade formal (ou objetiva) + tipicidade material (ou normativa) + tipicidade subjetiva. Da tipicidade material fazem parte três juízos valorativos distintos: juízo de desaprovação da conduta, juízo de desaprovação do resultado jurídico e juízo de imputação objetiva do resultado. O resultado jurídico (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico), para ser desvalioso (desaprovado), precisa reunir quatro características: (a) concreto; (b) transcendental; (c) grave (não insignificante) e (d) intolerável.

A quarta exigência que advém do resultado jurídico desvalioso é a intolerabilidade da ofensa. A ofensa, portanto, além de real, transcendental e grave, deve ser também intolerável (desarrazoada). Seja por força da exigência de que relevante somente pode ser a ofensa intolerável (princípio da fragmentariedade do Direito penal), seja em razão da teoria da adequação social, o fato é atípico quando não perturba (ou não perturba seriamente ou não perturba desarrazoadamente) o convívio social justamente porque a ofensa ou é tolerada (aceita) pela (quase) unanimidade da comunidade ou não é desarrazoada.

Do exposto, cabe concluir que não há resultado jurídico desvalioso quando o resultado não é desarrazoado (ou arbitrário ou injusto). Esse é o fundamento jurídico para não se reconhecer crime (fato típico) na conduta de quem pratica o chamado aborto anencefálico, que gera uma morte, porém, não desarrazoada ou arbitrária.

Pela relevância do tema, que se encontra sub judice no STF (ADPF 54), vale ponderar o seguinte:

1. "Status quaestione": ação proposta, liminar e cassação da liminar pelo STF

Nos termos dos artigos 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, todo atentado abortivo contra o feto é crime. Apenas em duas situações é permitido o abortamento no nosso país: quando há risco para a gestante

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(CP, art. 128, I: aborto necessário) ou quando a gravidez resulta de estupro (CP, art. 128, II: aborto humanitário ou sentimental). Como se vê, o aborto anencefálico (aborto de feto com crânio mal formado ou no caso de hidroanencefalia) não está expressamente autorizado. Pela letra fria da lei, constitui (constituiria) delito. De cada 10.000 nascimentos no Brasil, oito são anencefálicos. Muitas gestantes e sua família, assim como alguns médicos, mesmo correndo risco de serem processados, praticam o aborto anencefálico. Literalmente há crime.Vive-se uma situação de insegurança jurídica muito aflitiva. A exceção somente acontece quando o Judiciário, em cada caso concreto, concede autorização para o ato do abortamento.

Para tentar buscar uma solução para essa complicada questão, no princípio de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS -, por intermédio do advogado Luiz Roberto Barroso, com fundamento na CF (art. 102, § 1º) bem como na Lei 9.882/99, ingressou no STF com uma "ação de descumprimento de preceito fundamental" (ADPF 54 QO/DF), visando a obter da Corte Suprema uma interpretação conforme à Constituição de vários dispositivos legais do Código Penal, justamente os que cuidam do delito de aborto (CP, arts. 124, 125, 126 e 128).

Convém enfatizar desde logo que não se pretende, por meio da referida ação, que o STF crie uma nova norma jurídica para autorizar o aborto anencefálico (isto é, aborto do feto com má formação craniana). Criar norma jurídica o Judiciário não pode. Por força da tradicional teoria da tripartição dos poderes (Montesquieu), a tarefa de legislar é do legislador. A questão, entretanto, posta na citada ADPF, é outra: é saber se o aborto anencefálico acha-se ou não inserido no âmbito da proibição legal (isto é: esse tipo aborto está ou não enquadrado na norma proibitiva derivada dos arts. 124, 125 e 126 do CP?). Não se pede ao STF para "legislar", sim, para decidir (conforme as normas e princípios constitucionais) se o aborto anencefálico é ou não um fato típico, ou seja, um fato adequado ao tipo penal do aborto. É uma questão de tipicidade penal, não de "ativismo judicial".

O Ministro Marco Aurélio, na mencionada ADPF, em julho de 2004, deferiu liminar que passou a amparar, com eficácia erga omnes, todos os casos de aborto anencefálico no nosso país. Em outubro do mesmo ano o Pleno do STF (por sete votos contra quatro) cassou a liminar, sob o argumento (principal) de que era satisfativa (leia-se: uma vez feito o aborto, caso o mérito da ação não fosse julgado procedente, a situação seria irreversível; a vida, quando eliminada, não tem retorno).

Na ocasião em que o STF cassou a liminar duas questões ficaram pendentes: (a) a via da ação de descumprimento de preceito fundamental é adequada para se discutir o tema proposto? (b) no mérito, qual é a posição

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definitiva dos Eminentes Ministros da Corte Suprema sobre o aborto anencefálico?

2. Pertinência jurídica da ADPF

A argüente (CNTS) apontou como violados, em sua ação de descumprimento de preceito fundamental (que nada mais é que uma nova modalidade de controle de constitucionalidade, que recai sobre o chamado direito pré-constitucional), os preceitos dos artigos 1º, IV (dignidade da pessoa humana); 5º, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade); 6º, caput, e 196 (direito à saúde), todos da CF. Como ato do Poder Público, causador da lesão, o conjunto normativo ostentado pelos artigos 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal.

Como se percebe, de um lado está o interesse público na proteção do bem jurídico vida (do feto); de outro está o interesse individual e geral de liberdade, que, em última instância, se sintetiza na dignidade da pessoa humana. Qual deve preponderar? Qual tem maior valor? Algum desses interesses seria absoluto?

Pediu-se, na inicial, em última análise, a interpretação conforme à Constituição dos referidos dispositivos do CP, a fim de explicitar que os mesmos não se aplicam aos casos de aborto de feto anencéfalico. Pretende-se a declaração do STF no sentido de que o aborto anencefálico não se enquadra no âmbito da proibição penal. Que não é um fato (materialmente) típico.

Em 27.04.2005 o Pleno do STF, por sete votos a quatro, concluiu pela admissibilidade (e adequação) da ação de descumprimento de preceito fundamental. Resta agora o exame do mérito da questão.

Múltiplas foram as razões invocadas para o positivo juízo de admissibilidade da ADPF: (a) que a questão do aborto anencefálico é muito relevante; (b) que no atual estágio há muita insegurança nessa área; (c) que são muito relevantes os direitos e interesses envolvidos (vida do feto, liberdade da gestante, dignidade etc.); (d) que há muitas decisões discrepantes sobre a matéria; (e) que não há outro meio jurídico mais idôneo para se discutir o tema; (f) que é incabível qualquer outra ação constitucional de controle de constitucionalidade por se tratar de direito pré-constitucional etc.

Vários Ministros do STF já deram evidências, em julgamentos ou entrevistas, de que votarão a favor do direito da mulher de optar por interromper a gravidez se for detectada a anencefalia.

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Por ocasião da concessão da liminar (julho de 2004) o Ministro Marco Aurélio de Mello, relator da ação, autorizou a antecipação do parto nesses casos em todo o país. Sublinhou-se que não se trata de aborto porque não há chance de sobrevivência do feto fora do útero.

Os quatro votos pelo arquivamento da ação (ADPF) foram de Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie Northfleet e Carlos Velloso. Eles disseram que o STF substituirá o Congresso na tarefa de legislar porque estará criando uma hipótese de aborto não prevista no Código Penal. Mas, com a devida venia, não é disso que se trata.

3. Fundamento dogmático do aborto anencefálico

Também existe muita polêmica sobre o exato enquadramento dogmático do aborto anencefálico: haveria exclusão da antijuridicidade, da punibilidade ou da tipicidade?

Nosso Código Penal, no art. 128, como já sublinhado, prevê duas hipóteses de aborto permitido: o necessário, quando há risco de vida para a gestante (CP, art. 128, I) e o humanitário ou sentimental (quando a gravidez resulta de estupro – CP, art. 128, II). Não se pretende que o STF crie uma terceira modalidade de exclusão de punibilidade em relação ao aborto. Não é isso que se pede na ADPF citada. Sim, que ele declare que o aborto anencefálico não se enquadra nos tipos legais desse crime (contemplados nos artigos 124 e ss. do CP).

Mas sob qual fundamento isso seria possível?

A resposta só pode ser encontrada no âmbito da tipicidade material, que exige três juízos valorativos distintos: 1º) juízo de desaprovação da conduta (cabe ao juiz verificar o desvalor da conduta, ou seja, se o agente, com sua conduta, criou ou incrementou um risco proibido relevante); 2º) juízo de desaprovação do resultado jurídico (isto é, desvalor do resultado que consiste na ofensa desvaliosa ao bem jurídico) e 3º) juízo de imputação objetiva do resultado (o resultado deve ser a realização do risco criado ou incrementado).

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4. O aborto anencefálico não é um fato materialmente típico

A essa conclusão se chega quando se tem presente a verdadeira e atual extensão do tipo penal, que abrange (a) a dimensão formal-objetiva (conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade e adequação típica formal à letra da lei); (b) a dimensão material-normativa (desvalor da conduta + desvalor do resultado jurídico + imputação objetiva desse resultado) e (c) a dimensão subjetiva (nos crimes dolosos). O aborto anenfálico elimina a dimensão material-normativa do tipo (ou seja: a tipicidade material) porque a morte, nesse caso, não é arbitrária, não é desarrazoada. Não há que se falar em resultado jurídico desvalioso nessa situação.

A base dessa valoração decorre de uma ponderação (em cada caso concreto) entre o interesse de proteção de um bem jurídico (que tende a proibir todo tipo de conduta perigosa relevante) e o interesse geral de liberdade (que procura assegurar um âmbito de liberdade de ação, sem nenhuma ingerência estatal).

No aborto anencefálico parece não haver dúvida que o resultado jurídico (lesão contra o bem jurídico vida do feto) não é desaprovado juridicamente. Todas as normas e princípios constitucionais invocados na ação de descumprimento de preceito fundamental (artigos 1º, IV - dignidade da pessoa humana -; 5º, II - princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade -; 6º, caput, e 196 - direito à saúde -, todos da CF) conduzem à conclusão de que não se trata de uma morte (ou antecipação dela) desarrazoada (ou abusiva ou arbitrária).

Não há dúvida que o art. 5º da CF assegura a inviolabilidade da vida, mas não existe direito absoluto. Feliz, portanto, a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. O que se deve conter é o arbítrio, o abuso, o irrazoável. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico desvalioso (ou intolerável). Ao contrário, trata-se de resultado juridicamente tolerável, na medida em que temos, de um lado, uma vida inviável (todos os fetos anencefálicos morrem, em regra poucos minutos após o nascimento), de outro, um conteúdo nada desprezível de sofrimento (da mãe, do pai, da família etc.).

Pode-se afirmar tudo em relação ao aborto anencefálico, menos que seja um caso de morte arbitrária. Ao contrário, antecipa-se a morte do feto (cuja vida, aliás, está cientificamente inviabilizada), mas isso é feito em respeito a outros interesses sumamente relevantes (saúde da mãe, sobretudo psicológica, dignidade, liberdade etc.). Não se trata, portanto, de uma morte arbitrária. O fato é atípico justamente porque o resultado jurídico (a lesão)

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não é desarrazoado (desarrazoada). Basta compreender que o "provocar o aborto" do art. 124 significa "provocar arbitrariamente o aborto" para se concluir pela atipicidade (material) da conduta. Esse, em suma, é o fundamento da atipicidade do aborto anencefálico.

Mas é preciso que se constate, com toda clareza, a inviabilidade do feto. Porque é essa inviabilidade (cientificamente certa) aliada a vários outros interesses relevantes em jogo (sofrimento da gestante, angústia, afetação de sua saúde mental e psicológica, dignidade humana etc.) que torna a antecipação do parto uma medida razoável. Fora das hipóteses de inviabilidade certa da vida, jamais se pode conceber o aborto.

Por isso mesmo, fetos deformados, fetos com doenças mentais, mongais etc., não podem ser eliminados arbitrariamente. Só se justifica a morte (antecipada) do feto cuja vida está totalmente anulada. Aborto anencefálico não é aborto profilático. Ninguém pode, por razões de profilaxia (de depuração da raça, por eugenia etc.), matar qualquer outra pessoa. Aborto profilático é crime. Já o anencefálico exclui a tipicidade material. Neste a vida do feto é inviável; naquele a vida do feto (extra-uterina) é viável. Nisso reside uma grande diferença entre tais situações.

Pouco importa o fato, bastante excepcional, de alguns raros fetos anencefálicos não morrerem dez ou vinte minutos depois do nascimento. Há casos em que o nascido dura semanas, às vezes um ou mais meses. Isso, entretanto, não invalida a premissa de que jamais qualquer um desses fetos veio a sobreviver. A inviabilidade da vida quanto ao anencefálico é absoluta e cientificamente certa. Essa é a razão de se não vislumbrar arbitrariedade na antecipação do parto.

Argumenta-se ainda que o melhor seria deixar a criança nascer, aproveitar dela alguns órgãos vitais importantes (para transplantes) e só depois esperar a sua morte. Essa é uma questão delicada, porque a extração de órgãos vitais só é permitida após a morte cerebral. O feto anencefálico conta com má formação do cérebro, mas não se pode afirmar a sua morte cerebral. Feto anencefálico tem vida cerebral. O cérebro é mal formado, mas funciona. Não é possível, destarte, enquanto o feto tenha vida, retirar-lhe qualquer órgão. Deve-se aguardar a morte cerebral para a extração de órgãos.

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CONSUMAÇÃO DO CRIME DE EXTORSÃO: AVENÇAS E DESAVENÇAS DOUTRINÁRIAS

ROBERTO BARBATO JÚNIOR

Mestre em Sociologia, Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, Professor nos Cursos de Direito da METROCAMP (Campinas) e UNIP (Limeira).

RESUMO: O objetivo desse artigo consiste em perfilar as discussões doutrinárias acerca da consumação do crime de extorsão, previsto no art. 158 do Código Penal. Nossa análise está calcada na exposição de autores cujas opiniões são convergentes sobre o assunto, bem como aqueles que divergem sobre a matéria em questão. Conforme se verá, há entendimento majoritário de que o crime de extorsão é essencialmente formal.

PALAVRAS-CHAVE: Extorsão; crime material e crime formal; doutrina jurídica; direito penal; crime contra o patrimônio.

SUMÁRIO: À guisa de introdução; A formalidade: avenças; A materialidade: desavenças; Da tentativa; Considerações finais; Referências bibliográficas.

À GUISA DE INTRODUÇÃO

O objetivo desse artigo consiste em perfilar as discussões doutrinárias acerca da consumação do crime de extorsão, previsto no art. 158 do Código Penal1. Nossa análise está calcada na exposição de autores cujas opiniões são convergentes sobre o assunto, bem como aqueles que divergem sobre a matéria em questão. Esse procedimento repousa na idéia de contrapor didaticamente as "avenças" e "desavenças" doutrinárias sobre o dispositivo em tela. Conforme se verá, há entendimento majoritário de que o crime de extorsão é essencialmente formal.

A FORMALIDADE: AVENÇAS

O entendimento de que a extorsão é um crime formal predomina entre os autores brasileiros. Antes de encetarmos a discussão sobre a formalidade do delito em tela, vejamos, preliminarmente, o que vem a ser um crime formal. Para tanto, recorramos às palavras de Cezar Roberto Bitencourt. De acordo com ele:

"O crime formal também descreve um resultado, que, contudo, não precisa verificar-se para ocorrer a consumação. Basta a ação do agente e

1 Notemos o tipo penal do art. 158 do Estatuto Repressivo Penal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e como intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa".

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a vontade de concretizá-Io, configuradoras do dano potencial, isto é, do eventus periculi [...] Afirma-se que no crime formal o legislador antecipa a consumação, satisfazendo-se com a simples ação do agente."2

E prossegue o autor:

"Nos crimes formais e de mera conduta a consumação ocorre com a própria ação, já que não se exige resultado naturalístico."3

Note-se, então, que as condutas suficientes para a consumação do crime de extorsão são "fazer", "tolerar que se faça" e "deixar fazer alguma coisa". Não é necessário, tomando-se como referência básica a idéia de formalidade acima descrita, que a indevida vantagem econômica seja recebida pelo agente. Basta que os verbos anteriormente consignados, bem como o constrangimento, sejam realizados. Pouco importa, de igual maneira, se tal constrangimento se constitua de instrumento apto a fazer com que a indevida vantagem econômica seja cedida. Ressalte-se, nesse sentido, que, para a corrente doutrinária que advoga a tese do crime formal, não há, em absoluto, necessidade de obtenção dessa vantagem por parte do autor do ilícito. Esse é também o entendimento do STJ, que editou a Súmula nº 96, cujo teor é o que segue:

"O crime de extorsão consuma-se independentemente da vantagem indevida."

É imperioso reconhecer, mesmo em se tratando de evidente truísmo, que o entendimento sumulado da matéria em questão não deixa subsistir dúvidas quanto à tendência jurisprudencial dominante. Mais que isso, faz-se mister compreender a intenção subjacente ao conteúdo dessa súmula: elidir, por completo, a possibilidade de se considerar o crime de extorsão um crime material.

Várias são, também, as interpretações doutrinárias sobre a formalidade do delito em tela. Para fins didáticos, essência do escopo dessa exposição, vejamos as posições de vários autores, iniciando pela exposição percuciente de Nelson Hungria. Segundo ele, a extorsão:

"[...] é crime formal e ou de 'consumação antecipada', integrando-se com a só ação, tolerância ou omissão imposta coativamente à

2 BITENCOURT: Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007. p. 214. 3 Idem, ibidem, p. 395.

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vítima, ou com o seqüestro da pessoa para cujo resgate é exigida a vantagem ilícita."4

Em outra perspectiva, a da consumação da extorsão com base no ego da violência ou grave ameaça, Luiz Regis Prado pondera:

"[...] consuma-se o delito com o emprego da violência ou grave ameaça. Não obstante a controvérsia estabelecida a respeito, a extorsão é crime de mera atividade, daí resultando que o tipo não exige o resultado para sua consumação."5

Não é muito distinta a opinião de José Henrique Pierangeli sobre o assunto. Atentemos:

"Optamos pela corrente do crime formal, que, para nós, consuma-se com a ação ou omissão da vítima, em face das exigências feitas mediante violência física ou moral. O proveito, para nós, liga-se ao exaurimento, estando, pois, consumado o delito quando o meio empregado produz o resultado objetivado."6

Por fim, ainda a título de mera ilustração, consideremos a opinião Damásio de Jesus sobre a problemática:

"A extorsão é delito formal e não material. Cuida-se de crime cujo tipo penal descreve a conduta e o resultado, não exigindo a sua produção. A descrição da conduta se encontra nas expressões 'constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa'. O resultado visado pelo agente é a 'indevida vantagem econômica'. Note-se que o tipo fala em intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica. Assim, é suficiente que o sujeito constranja a vítima com tal finalidade, não se exigindo que

4 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 7, 1958. p. 74. 5 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao código penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 538. 6 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 395. Diz ainda torque "efetivamente, a construção típica do art. 158 do nosso CP, segundo nosso entendimento, não deixa dúvida de que se trata m delito formal, pois, como noticia Hungria, clara é a opção do nosso estatuto repressivo pelo modelo alemão" (idem, ibidem).

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realmente consiga a vantagem. Cumpre observar que o núcleo do tipo é o verbo constranger e não obter."7

A exposição do autor permite-nos entender, literalmente, o sentido positivo legal, na medida em que deixa patente o núcleo do tipo (constranger). Nessa linha de argumentação, não haveria como sustentar que não se trata de crime formal. O constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, seria suficiente para consumar-se a extorsão, não carecendo da ocorrência do resultado.

A MATERIALlDADE: DESAVENÇAS

Expendidas algumas opiniões favoráveis à tese da formalidade do crime de extorsão, é necessário salientar, de pronto, que a divergência de opiniões sobre a consumação do delito em tela somente poderia, no caso de autores brasileiros, ser verificada tomando-se como referência maior a postura de Edgard Magalhães Noronha. Além dele, poucos são os autores que admitem a extorsão como crime material8.

Antes de abordarmos esse assunto, notemos como se afigura a material idade de um ilícito. Crime material é aquele que exige a produção de um resultado para sua consumação. Recorramos novamente ao magistério de Cezar Roberto Bitencourt:

"O crime material ou de resultado descreve a conduta cujo resultado integra o próprio tipo penal, isto é, para sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo. O fato se compõe da conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela operada. A não-ocorrência do resultado caracteriza a tentativa."9

7 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. Parte especial. 20. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1998. p. 367. 8 Assinalemos como exemplo a postura de Geraldo Batista Siqueira que, em texto de elevada densidade intelectual. enfrenta com perspicácia a problemática da consumação do crime de extorsão. Conforme suas ponderações, esse crime não se afigura como formal Note-se: "A extorsão não é um tipo formal. que se consumaria com a simples realização da conduta de constranger alguém. mediante o emprego de meios executórios, consistentes em violência ou grave ameaça, com o intuito de obter indevida vantagem econômica" (SIQUEIRA, Geraldo Batista. Extorsão, crime material. consumação Justitia, São Paulo, 53 (154), p. 105, abr./jun. 1991). Relativamente a autores não brasileiros, assinalem-se, como defensores da materialidade do ilícito de extorsão, os seguintes nomes: Manzini. Pessina, Conti, Antolisei e Mantovani. Conferir. a esse respeito. PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 395. 9 BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1,2007. p. 213-214. Gritos nossos.

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Não seria inconveniente reproduzir também a exposição de Julio Fabbrini Mirabete sobre o tema:

"No crime material há necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Esse resultado deve ser considerado de acordo com o sentido naturalístico da palavra, e não com relação ao seu conteúdo jurídico, pois todos os crimes provocam lesão ou perigo para o bem jurídico".10

Desse ponto de vista, no que se refere ao delito de extorsão, é essencial que a indevida vantagem econômica, constante do tipo penal, seja obtida pelo agente do ilícito. Sem essa condição, pode-se dizer que não há consumação do crime em questão. É o que resta evidente da argumentação de Magalhães Noronha. Observemos como o autor situa a problemática de que nos ocupamos:

"Sabemos que o delito se consuma com a obtenção do proveito injusto

[...]

A extorsão é um delito contra o patrimônio, e para dizer-se consumado um crime dessa natureza é mister, em regra, seja ofendido o patrimônio. Essa ofensa concretiza-se com a perda, o despojo ou o espólio da vítima, que, na realidade, não existe perfeito e acabado, senão quando obtém o agente a coisa em vista.

[...]

Mas para a consumação, torna-se necessário obtenha o sujeito ativo o que pretende da vítima, ou como comumente se fala, o proveito injusto. Nem sempre basta que o ofendido faça, tolere ou omita alguma coisa, porque tais fatos, como veremos melhor na tentativa, às vezes não coincidem com a obtenção do benefício ilegítimo a que visa o agente. Consuma-se, portanto, o crime quando aquele obtém a coisa -

10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 17. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2001. p. 134. Gritos nossos.

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empregamos o termo em acepção ampla - que tem em vista."11

Suas ponderações, além de dotadas de clareza inconteste, são por demais enfáticas no que concerne à absoluta necessidade de produção do resultado que, salvo melhor entendimento, deve ser visto como a obtenção do "proveito injusto", ou seja, da indevida vantagem econômica. Assinalemos, também, a necessidade de haver "a perda, o despojo ou o espólio da vítima". Não existindo, portanto, diminuição do patrimônio do sujeito passivo do crime, não se consumaria a extorsão. Eis por que o ilícito contra o patrimônio deve, forçosamente, ter conseqüências no que se refere a qualquer tipo de diminuição das posses materiais da vítima.

Em sentido contrário, Fernando Capez desqualifica a tese da material idade do crime de extorsão a partir da análise do verbo do tipo. Para ele a obtenção da vantagem indevida não é condição para consumação desse ilícito. Vejamos suas ponderações, ao comparar as duas posturas doutrinárias:

"Consuma-se [o crime de extorsão] com a produção do resultado - a obtenção da indevida vantagem econômica. Essa posição é minoritária e vencida. A primeira posição [formal] é a mais correta, pois o verbo do tipo não é obter vantagem econômica, mas constranger a vítima com essa finalidade. A obtenção da vantagem indevida, por isso, constitui mero exaurimento do crime."12

Na mesma perspectiva, notemos como Nelson Hungria aponta para a irrelevância da obtenção da vantagem indevida para se caracterizar o crime de extorsão. A julgar por sua postura, o autor se contrapõe à corrente que advoga a material idade aqui explorada.

"Quer na extorsão in genere, quer na extorsão mediante seqüestro, é irrelevante, para o summatum opus, que sobrevenha efetivamente a lesão patrimonial ou que o agente não consiga a vantagem pretendida: na primeira modalidade, basta, como já se disse, qualquer dos efeitos imediatos à coação previstos no texto legal (o facere, o pati ou o omittere por parte do coagido);

11 NORONHA. E. Magalhães. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2,1963. p. 334-335. Grifas nossos. 12 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2003. p. 403.

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na segunda, é suficiente o seqüestro da pessoa-refém."13

Conforme se observa, a obtenção da indevida vantagem prevista no tipo penal evidencia claramente a distinção entre posturas antagônicas.

DA TENTATIVA

A despeito da importância de se abordar a tentativa num estudo que versa sobre a consumação de um ilícito, faremos poucas observações sobre ela. Sua admissão no crime de extorsão é possível independentemente da posição doutrinária assumida. Relativamente àqueles que se filiam à corrente da formalidade, basta, apenas e tão-somente, a realização do constrangimento da vítima para configurar a tentativa o Cezar Roberto Bitencourt esclarece:

"Para sintetizar, o simples constrangimento, apesar de tratar-se de crime formal, sem a atuação da vítima (fazendo, tolerando ou deixando de fazer alguma coisa), não passa de tentativa."14

Também se admite a tentativa no caso de constrangimento que não chegou a se efetivar em razão de interceptações ou de fatos supervenientes. Mirabete assinala esse ponto ao dizer que "ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da vítima, quando essa não se intimida ou quando o agente não consegue que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa"15

Valeria atentar para as ponderações de Guilherme Nucci, que esposa tese distinta dos demais autores contemporâneos ao trabalhar com a idéia de que o mero constrangimento não passa de tentativa. Observemos:

"Em que pese defendermos ser a extorsão um crime formal (não exige o resultado naturalístico consistente na redução do patrimônio da vítima), ainda há alguns aspectos a considerar no tocante ao momento consumativo. Ocorre que há, fundamentalmente, três estágios para o cometimento da extorsão: 1º) o agente constrange a vítima, valendo-se de violência ou grave ameaça; 2º) a vítima age, por conta disso,

13 HUNGRIA. Nelson. Op. cit., p. 76. 14 BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva. v. 3. 2006. p. 130. 15 MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte especial. 25. ed. São Paulo: Atlas. v. 2. 2007. p. 236.

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fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa; 3º) o agente obtém a vantagem econômica almejada. Este último estágio é apenas configurar do seu objetivo ('com o intuito de...'), não sendo necessário estar presente para concretizar a extorsão. Entretanto, o simples constrangimento, sem que a vítima atue, não passa de uma tentativa. Para a consumação, portanto, cremos mais indicado atingir o segundo estágio, isto é, quando a vítima cede ao constrangimento imposto e faz ou deixa de fazer algo."16

Ainda na perspectiva da formalidade da extorsão, é preciso ressaltar a posição daqueles que entendem a obtenção da indevida vantagem econômica como mero exaurimento do crime. Entre os autores representativos dessa concepção, destacamos Cezar Roberto Bitencourt:

"Consuma-se a extorsão com o comportamento da vítima, isto é, fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa, desde que a ação constrangedora do sujeito ativo tenha sido motivada pela finalidade de obter vantagem econômica indevida. Enfim, para a consumação é desnecessária a efetiva obtenção de vantagem patrimonial, pois a extorsão se consuma com o resultado do constrangimento, isto é, com a vítima sendo constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça."17

Assim sendo, para o autor, bem como para tantos outros juristas, "a eventual obtenção da vantagem patrimonial, se ocorrer, representará tão somente o exaurimento da extorsão que já estava consumada"18

Para os defensores da material idade do crime, a postura acima consignada não é admitida, pois a tentativa configura-se de outra maneira. Não havendo por parte da vítima a cessão da indevida vantagem econômica, e tendo sido realizados pelo agente os verbos descritos no tipo penal, estaremos diante da forma tentada. Nesse caso, há o pressuposto

16 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo Revista dos Tribunais, 2002. p. 523. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2006. p. 129. 18 Idem, ibidem, p. 129.

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de que o patrimônio da vítima não tenha sido depreciado e de que o agente jamais tenha a posse do "proveito injusto".

Embora nosso foco sejam as convergências e divergências doutrinárias, cremos ser interessante aduzir à nossa exposição algumas decisões das cortes brasileiras sobre o assunto. Tal procedimento é necessário para que se evidencie a real possibilidade de entendimento da material idade do crime de extorsão. Dito em outros termos, parece-nos essencial salientar que tal entendimento não se restringe apenas ao âmbito doutrinário, sendo, portanto, adotado em julgamentos.

Como se verá, é predominante a idéia de mera tentativa se o agente não obteve a indevida vantagem econômica, tal como vínhamos abordando.

"Os delitos contra o patrimônio, como a extorsão, são da categoria dos chamados crimes reais, isto é, uma ação penal ilícita, subordinada a um resultado." (RT 526/379)

"Considera-se tentado o crime de extorsão, se o agente não chega a ter a posse do dinheiro, ainda que tenha havido constrangimento, ameaça e intuito de obter vantagem econômica." (RT 672/342)

"Não chegando o acusado a ter a posse tranqüila do dinheiro extorquido vítima, o delito do art. 158 do Código Penal considera-se apenas tentado, pouco importando o intuito do agente, que é apenas forma de acentuar o elemento subjetivo específico dessa infração." (RT 520/431)

"Não tendo a vítima prestado o fato que lhe foi imposto, isto é, a entrega da pecúnia, forçoso é reconhecer-se a simples tentativa." (RT 614/311)

"Em sede de extorsão, há crime tentado se a interrupção do iter criminis não permite ao agente a obtenção da vantagem econômica." (RT 746/674)

"A jurisprudência tem decidido: 'Se o agente não chega a ter a posse do há só tentativa'." (RT 672/343)

Note-se, nos exemplos acima, que a indevida vantagem econômica, ou seja, o patrimônio visado pelo agente não fora entregue pela vítima. Assim, não houve sua diminuição. Há, portanto, apenas a forma tentada.

96 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão do crime de extorsão, bem como de outros delitos, no capítulo "Dos crimes contra o patrimônio" do Estatuto Repressivo Penal pátrio suscita algumas inquietações sobre sua forma consumativa. Seria natural supor que, em se tratando de ofensa ao patrimônio de uma determinada vítima, apenas restaria configurado o ilícito na medida em que tal patrimônio fosse lesado, diminuído. Não é esse, como vimos, o entendimento doutrinário majoritário sobre a matéria.

Acreditamos que uma das razões a sustentarem a formalidade do crime de extorsão reside na tutela indireta de outros bens jurídicos que não o próprio patrimônio. É nesse sentido que devemos elencar, a fim de evitar quaisquer dúvidas, quais são esses bens. Cezar Roberto Bitencourt explica:

"Os bens jurídicos protegidos na criminalização da extorsão, que também é crime complexo, [u.] são a liberdade individual, o patrimônio (posse e propriedade) e a integridade física e psíquica do ser humano. Constata-se que a extorsão pode produzir uma multiplicidade de resultados: de um lado, a violência sofrida pela vítima, que se materializa no constrangimento físico ou psíquico causado pela conduta do sujeito ativo; de outro lado, a causação de prejuízo alheio, e da eventual obtenção de indevida vantagem econômica, que, [u.] pode at, concretizar, sendo suficiente que tenha sido o móvel da ação."19

Mirabete também se refere ao bem jurídico tutelado, mostrando sutil diferença quanto à sua importância:

"Como a extorsão é um crime contra o patrimônio, é este o tutelado pelo dispositivo, embora, indiretamente, estejam protegidos também a inviolabilidade e a liberdade individual."20

Conforme se nota, de modo indireto são protegidos pelo art. 158 do Código Penal os seguintes bens jurídicos: inviolabilidade, liberdade individual, integridade física e psíquica do ser humano. Ora, se o bem jurídico a ser protegido em primeiro plano é o patrimônio, não seria mais freqüente e usual a concepção de que deveria ele sofrer diminuição para se

19 Idem, ibidem, p. 118. Grifos nossos 20 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte especial. 25. ed São Paulo: Atlas, v. 2, 2007. p. 234.

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caracterizar o ilícito? Em outros termos, a material idade não deveria ser, por tais motivos, aceita como tendência dominante?

Essas indagações sugerem haver uma nítida dissociação entre o patrimônio e os demais bens defendidos pelo dispositivo legal. Observa-se, à evidência, uma contradição, uma tensão insolúvel entre essas duas ordens a serem tuteladas. Tal contradição parece se dissolver se admitirmos, como o faz Noronha, que o patrimônio é desdobramento da personalidade. Vejamos seus argumentos:

"O patrimônio é desdobramento da personalidade, é irradiação desta. íntima, na verdade, é a relação entre ele e a personalidade, porque só as pessoas podem possuí-lo, pois só elas podem ser sujeitos ativos ou passivos de direito, entendendo-se por pessoa não só a física, como a jurídica. Além disso, porque, não se confundindo patrimônio com fortuna ou riqueza, toda pessoa tem obrigatoriamente um patrimônio, que lhe é inseparável, durante enquanto vive, ainda que haja alienação ou transmissão dos bens que a ele pertençam."21

Encontramos, na perspectiva do autor, a explicação de que o delito de extorsão, a despeito de ser classificado como um crime contra o patrimônio, ofende outros bens, uma vez que tal patrimônio é precedido pela personalidade. Esse também é um motivo apto a rechaçar, em larga medida, a idéia da materialidade do crime. Note-se que, ao se considerar a extorsão um crime material, considera-se, por conseguinte, que somente há consumação a partir da obtenção da indevida vantagem econômica. Nesse caso, de acordo com observações anteriores, o artigo em tela protegeria apenas e tão-somente o patrimônio da vítima. Não estaria em questão o constrangimento psicológico por ela sofrido e tampouco os males surgidos com a violência empregada. Isso corresponderia a uma inequívoca tentativa de suprimir a indissolúvel associação entre o patrimônio e a personalidade da vítima que, salvo engano, constitui a essência a ser preservada pelo dispositivo relativo ao crime de extorsão.

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007.

21 NORONHA. E Magalhães. Op. cit, p. 254-255.

98 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

________. Tratado de direito penal. Parte especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2003.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 7, 1958.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. Parte especial. 20. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1998.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 17. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2001.

______. Manual de direito penal. Parte especial. 25. ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2007.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1963.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao código penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SIQUEIRA, Geraldo Batista. Extorsão, crime material, consumação. Justitia, São Paulo, 53 (154), abr./jun. 1991.

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LEGISLAÇÃO

LEGISLAÇÃO FEDERAL

LEI Nº 11.466, DE 28 DE MARÇO DE 2007.

Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever como falta disciplinar grave do preso e crime do agente público a utilização de telefone celular.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 50 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VII:

“Art. 50. ..................................................................................

...............................................................................................

VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

..............................................................................................." (NR)

Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 319-A:

“319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a

100 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano."

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de março de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 29.03.2007

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LEI Nº 11.464, DE 28 DE MARÇO DE 2007.

Dá nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2º ..................................................................................

.........................................................................…..................

II – fiança.

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

§ 3º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade." (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de março de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 29.03.2007

102 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

LEI Nº 11.449, DE 15 DE JANEIRO DE 2007.

Altera o art. 306 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 306 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada.

§ 1º Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

§ 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas." (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 15 de janeiro de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA Márcio Thomaz Bastos

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.01.2007

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 103

ATOS NORMATIVOS FEDERAIS

Conselho Nacional do Ministério Público RESOLUÇÃO Nº 20, de 28 de maio de 2007.

Regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e o art. 80 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de suas atribuições, em conformidade com a decisão plenária tomada em Sessão realizada no dia 28 de maio de 2007;

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 130-A, §2º, inciso I, da Constituição Federal e com fulcro no artigo 64-A, de seu Regimento Interno;

CONSIDERANDO o disposto no artigo 127, caput e artigo 129, incisos I, II e VII, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO o que dispõem o artigo 9º, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993 e o artigo 80, da Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar no âmbito do Ministério Público o controle externo da atividade policial;

RESOLVE:

Art. 1º Estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público, na forma do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, da legislação em vigor e da presente Resolução, os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução criminal.

Art. 2º O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a

104 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para:

I – o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis;

II – a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;

III – a prevenção da criminalidade;

IV – a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal;

V – a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal;

VI – a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal;

VII – a probidade administrativa no exercício da atividade policial.

Art. 3º O controle externo da atividade policial será exercido:

I - na forma de controle difuso, por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos;

II - em sede de controle concentrado, através de membros com atribuições específicas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.

Art. 4º Incumbe aos órgãos do Ministério Público, quando do exercício ou do resultado da atividade de controle externo:

I – realizar visitas ordinárias periódicas e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição;

II – examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade;

III – fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos;

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 105

IV – fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos;

V – verificar as cópias dos boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário;

VI – comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar;

VII – solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo;

VIII – fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida;

IX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.

§ 1º Incumbe, ainda, aos órgãos do Ministério Público, havendo fundada necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial.

§ 2º O Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo visando sanar as deficiências ou irregularidades detectadas no exercício do controle externo da atividade policial, bem como apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições pertinentes.

§ 3º Decorrendo do exercício de controle externo repercussão do fato na área cível, incumbe ao órgão do Ministério Público encaminhar cópias dos documentos ou peças de que dispõe ao órgão da instituição com atribuição para a instauração de inquérito civil público ou ajuizamento de ação civil por improbidade administrativa.

Art. 5º Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá:

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I – ter livre ingresso em estabelecimentos ou unidades policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas ou quaisquer outros estabelecimentos onde se encontrem pessoas custodiadas, detidas ou presas, a qualquer título, sem prejuízo das atribuições previstas na Lei de Execução Penal que forem afetadas a outros membros do Ministério Público;

II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:

a) ao registro de mandados de prisão;

b) ao registro de fianças;

c) ao registro de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e outros objetos apreendidos;

d) ao registro de ocorrências policiais, representações de ofendidos e notitia criminis;

e) ao registro de inquéritos policiais;

f) ao registro de termos circunstanciados;

g) ao registro de cartas precatórias;

h) ao registro de diligências requisitadas pelo Ministério Público ou pela autoridade judicial;

i) aos registros e guias de encaminhamento de documentos ou objetos à perícia;

j) aos registros de autorizações judiciais para quebra de sigilo fiscal, bancário e de comunicações;

l) aos relatórios e soluções de sindicâncias findas.

III – acompanhar, quando necessária ou solicitada, a condução da investigação policial civil ou militar;

IV – requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial ou inquérito policial militar sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, ressalvada a hipótese em que os elementos colhidos sejam suficientes ao ajuizamento de ação penal;

V – requisitar informações, a serem prestadas pela autoridade, acerca de inquérito policial não concluído no prazo legal, bem assim requisitar sua imediata remessa ao Ministério Público ou Poder Judiciário, no estado em que se encontre;

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 107

VI – receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis, relacionados com o exercício da atividade policial;

VII – ter acesso ao preso, em qualquer momento;

VIII – ter acesso aos relatórios e laudos periciais, ainda que provisórios, incluindo documentos e objetos sujeitos à perícia, guardando, quanto ao conteúdo de documentos, o sigilo legal ou judicial que lhes sejam atribuídos, ou quando necessário à salvaguarda do procedimento investigatório.

Art. 6º Nas visitas de que trata o artigo 4º, inciso I, desta Resolução, o órgão do Ministério Público lavrará a ata ou relatório respectivo, consignando todas as constatações e ocorrências, bem como eventuais deficiências, irregularidades ou ilegalidades e as medidas requisitadas para saná-las, devendo manter, na promotoria ou procuradoria, cópia em arquivo específico.

Parágrafo único. A autoridade diretora ou chefe de repartição policial poderá ser previamente notificada da data ou período da visita, bem como dos procedimentos e ações que serão efetivadas, com vistas a disponibilizar e organizar a documentação a ser averiguada.

Art. 7º Os Ministérios Públicos dos Estados e da União deverão adequar os procedimentos de controle externo da atividade policial, expedindo os atos necessários ao cumprimento da presente Resolução, no prazo de 90 dias a contar de sua entrada em vigor.

Art. 8º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de maio de 2007.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

108 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

Conselho Nacional do Ministério Público RECOMENDAÇÃO Nº 01, de 26 de outubro de 2006.

Dispõe sobre a não exigência de comprovante de capacidade técnica para manuseio de arma de fogo, prevista na Lei nº 10.826/03, aos membros do Ministério Público.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições conferidas pelo artigo 130-A, § 2º, inciso I, da Constituição da República e no artigo 31, inciso VII, do seu Regimento Interno, em conformidade com decisão plenária adotada em sessão realizada no dia 16 de outubro de 2006:

CONSIDERANDO ser prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público da União o porte de arma, independente de autorização e que as garantias e prerrogativas são inerentes ao exercício de suas funções e irrenunciáveis, nos termos dos artigos 18, inciso I, alínea “e” e 21 da Lei Complementar nº 75/93;

CONSIDERANDO que o artigo 42 da Lei nº 8.625/93 assegura aos membros do Ministério Público o porte de arma, independentemente de qualquer ato formal de licença ou autorização;

CONSIDERANDO que as disposições da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº 75/93) aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, nos termos do artigo 80 da Lei nº 8.625/93;

CONSIDERANDO que a Lei 10.826/03, ao estabelecer exigências administrativas para renovação do registro de arma e não excepcionar as hipóteses de porte legal, independente de autorização, previstas na LC 75/93 e na Lei 8.625/93, com elas conflita;

CONSIDERANDO que o Departamento de Polícia Federal, na Instrução Normativa nº 23/2005, traz entre os requisitos para renovação do Registro de Arma de Fogo pelos Membros do Ministério Público, o comprovante de capacidade técnica para manuseio de arma de fogo (curso de tiro).

R E S O L V E:

Recomendar ao Senhor Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal que, para o registro de arma de fogo por membro do Ministério Público não seja exigido o requisito administrativo de comprovação de capacidade técnica, assegurando-lhes o registro ou renovação simplificada

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 109

da propriedade de arma de fogo, em face do que dispõe o artigo 18, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar nº 75/93.

Brasília, 26 de outubro de 2006.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA PRESIDENTE

110 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS

DECRETO N° 611, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2007

Estabelece procedimentos para a custódia de mulheres e adolescentes nas dependências das unidades da Polícia Civil do Estado do Pará e dá outras providências

A GOVERNADORA DO ESTADO DO PARÁ, usando das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 135, inciso V, da Constituição Estadual, e

Considerando, o baixo nível de investimento em segurança pública e no sistema penitenciário do Estado nos últimos anos;

Considerando, que a inexistência de uma política de segurança pública eficiente, legou ao Estado uma situação de grave desaparelhamento tanto para o combate à violência quanto para o cumprimento das normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescentes e na Lei de Execuções Penais, que prevêm condições específicas para a custódia de adolescentes e mulheres;

Considerando, que a situação de descalabro administrativo que perdurava até recentemente na área da segurança pública fez com que apenas dois municípios, dos cento e quarenta e três existentes no estado, possuam instalações para savalguardar adequadamente em delegacias de polícia a integridade física e dignidade de adolescentes e mulheres infratores;

Considerando, ser público e notório as recentes ocorrências de violação de direitos humanos em delegacias do Estado, que indignam o Poder Executivo e a sociedade em geral,

R E S O L V E:

Art. 1º A custódia de mulheres infratoras bem como de adolescentes apreendidos nas dependências das Seccionais Urbanas, Superintendências e Delegacias de Polícia da capital e do interior do Estado do Pará fica condicionada a existência de instalações que respeitem as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente e garantam o respeito à dignidade e integridade física das mulheres, nos termos da Lei Federal nº 7.210, de 1984

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Art. 2º A autoridade policial ao proceder a lavratura de auto de prisão em flagrante delito contra mulher infratora, ao seu término deverá imediatamente comunicar o fato delituoso ao juiz competente, bem como providenciar em seguida a condução e entrega da citada infratora ao órgão competente do Sistema Penal do Estado, requerendo inclusive ao Poder Judiciário, sua transferência à outra comarca quando inexistir no local do flagrante, dependências específicas para sua detenção nos termos previstos no art. 82, § 1º da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

Art. 3º Quando pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente infrator permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública, cujo ato infracional for lavrado nas unidades da Polícia no interior do Estado, a autoridade policial comunicará imediatamente ao representante do Ministério Público a sua apreensão.

Parágrafo único. Nas localidades onde houver falta de unidade policial especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada das destinadas as maiores de idade, não podendo em qualquer hipótese exceder o prazo de 24 horas, na conformidade do § 2º do art. 175, da Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990.

Art. 4º Em qualquer caso não possuindo a/o infrator(a) advogado constituído para sua defesa, deverá ser imediatamente comunicada a Defensoria Pública acerca da prisão .

Art. 5º O não cumprimento das providências acima estabelecidas sujeita a autoridade policial ou seus agentes a medidas disciplinares e penais cabíveis.

Art. 6º O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO, 22 de novembro de 2007.

ANA JÚLIA CAREPA

Governadora do Estado

DOE. Nº. 31053 DE 23/11/2007

112 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROVIMENTO Nº 02/2007-MP/PGJ/CGMP, DE 29 DE NOVEMBRO DE

2007

Dispõe sobre os instrumentos de controle da atuação funcional quanto a fiscalização da regularidade processual e dos direitos e deveres do preso, por parte do respectivo órgão de execução do Ministério Público, e dá outras providências.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA e a CORREGEDORA-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de atribuição suas atribuições legais (Arts. 10, XII e 17, IV, da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados c/c os Arts. 18, XII e 37, XII da Lei Complementar nº 057, de 06 de julho de 2006 - Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará);

CONSIDERANDO o disposto no Art. 25, VI da LONMP c/c o Art. 68, parágrafo único da Lei 7.201/84 – LEP, e o Art. 52, VIII da LOMP/PA, que dispõem sobre a fiscalização dos estabelecimentos prisionais pelos órgãos de execução do Ministério Público;

CONSIDERANDO a necessidade de efetivar o controle da atuação funcional do membro do Ministério Público referente a permanente e atualizada fiscalização da regularidade processual e dos direitos dos presos provisórios e condenados, de acordo com a nova LOMP/PA;

CONSIDERANDO ainda que o tema, foi objeto de discussão desta Corregedoria-Geral com os Coordenadores dos Centros de Apoio Operacional, objetivando a inclusão de medidas adequadas às atividades de monitoramento da execução penal pelo Ministério Público, de acordo com a nova LOMP/PA.

R E S O L V E M:

Art. 1º - Incumbe ao membro do Ministério Público do Estado do Pará, quando no exercício de suas respectivas atribuições:

I - exercer em caráter permanente a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e congêneres, de acordo com o disposto no Art. 68 da Lei de Execuções Penais c/c a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará - Art. 52, VIII, devendo elaborar relatório de visita (modelo anexo I);

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II - manter atualizada e sob rigoroso controle a pauta de audiências para as quais tiver sido regularmente intimado, referente ao cargo do órgão de execução do qual for titular, ou pelo qual estiver respondendo;

III - elaborar, mantendo-o atualizado e sob rigoroso controle, o Quadro Demonstrativo de Processos de Presos Provisórios (QDPPP - modelo anexo II), afetos ao cargo do órgão de execução do qual for titular, ou pelo qual estiver respondendo, inclusive quando o preso estiver custodiado em estabelecimento prisional ou congênere em outra comarca.

Art. 2º - Fica instituído o Quadro Demonstrativo de Processos de Execução dos Presos Condenados (QDPPC – modelo anexo III), nos locais onde houver estabelecimento penal gerido pela Superintendência do Sistema Penal, no qual constará o regime de cumprimento da pena e respectivos incidentes a que se referem os Arts. 67 e 68 da Lei 7.201/84 – LEP, acompanhado da respectiva carta de guia de recolhimento à execução.

Art. 3º - Os relatórios de visita a estabelecimento prisional, a pauta de audiências, o Quadro Demonstrativo de Processos de Presos Provisórios e o Quadro Demonstrativo de Processos de Execução dos Presos Condenados, onde houver, constituem instrumentos de controle da atuação funcional e de fiscalização da regularidade processual e dos direitos do preso, pelo Ministério Público.

§ 1º. Cópias dos instrumentos a que se refere este artigo, deverão ser arquivadas, no respectivo órgão de execução do Ministério Público, em pastas separadas, e em meio eletrônico, claramente identificadas.

§ 2º. Cópia do relatório de visita a estabelecimento prisional, deverá ser encaminhado à Procuradoria-Geral de Justiça e à Corregedoria-Geral do Ministério Público, solicitando, quando for o caso, a intermediação desses órgãos para a solução dos casos de maior gravidade ou complexidade.

Art 4º - Ao membro do Ministério Público recomenda-se adotar as providências necessárias, tendentes ao bom funcionamento do estabelecimento prisional, sempre que constatar irregularidades e descumprimento às normas constantes dos artigos 82 e seguintes da Lei 7.210/84 – LEP.

Art. 5º - É dever do membro do Ministério Público observar o estabelecido no Art.154, XXVI da LCE nº 057, de 07 de julho de 2007: “não se afastar do exercício do cargo, nos casos legalmente permitidos, (...) sem repassar ou deixar à disposição de seu substituto ou sucessor, relatório sucinto e objetivo sobre os serviços do cargo, especialmente quanto aos que estiverem pendentes de conclusão ou providências”.

114 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

Parágrafo único - Para ressalva de responsabilidade, caberá ao eventual substituto ou sucessor comunicar à Corregedoria-Geral do Ministério Público, tão logo inicie a substituição ou sucessão, o descumprimento, pelo substituído ou sucedido, do disposto na parte final do referido artigo.

Art. 6º - Este Provimento entra em vigor na data da sua publicação no Diário Oficial do Estado, revogado o Provimento nº 011/2003-MP/CGMP, de 24.10.2003 (DOE de 04.11.2003), bem como as disposições em contrário.

Belém do Pará, 29 novembro de 2007.

GERALDO DE MENDONÇA ROCHA

Procurador-Geral de Justiça

UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL

Procuradora de Justiça

Corregedora-Geral do Ministério Público

DOE. Nº. 31058 de 30/11/2007

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 03/07-DP/CG DE 29 DE NOVEMBRO DE

2007

A Defensora Pública Geral do Estado, no uso das atribuições que lhe confere o art. 8°, incisos IV da Lei Complementar n° 054, de 07 de fevereiro de 2006.

CONSIDERANDO que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sendo a Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV c/c 134 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXIII assegura ao preso a assistência de advogado, sendo que a Lei Federal nº 11.449/07 alterou o art. 306 do Código de Processo penal determinando a comunicação em 24 horas da prisão em flagrante à Defensoria Pública caso o autuado não informe o nome de advogado.

CONSIDERANDO que é função institucional da Defensoria Pública atuar junto aos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais, nos termos do art. 6º, IX da Lei Complementar nº 054, de 07 de fevereiro de 2006 às disposições constitucionais e legais retro mencionadas.

RESOLVE:

Art. 1º Determinar aos Defensores Públicos a obrigatoriedade de visita carcerária quinzenal visando assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais

Art. 2º Determinar que tão logo o recebimento da comunicação da prisão em flagrante de que trata o art. 306, § 1º do Código de Processo Penal, o Defensor Público comunicado envide todos os esforços no sentido de tomar as providências legais necessárias para assegurar assistência jurídica integral, nos termos do art. 5º, LXXIV da Constituição Federal.

Art. 3º A Defensoria Pública assegurará o suporte necessário para o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa.

Art. 4º O não cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa incindirá em infração disciplinar consubstanciada no art. 62, I c/c o art. 6º, IX da Lei Complementar nº 54/06, passível de apuração pela Corregedoria.

116 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

Art. 5º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

Anelyse Santos de Freitas

Defensora Pública Geral

D.O.E. Nº. 31058 de 30/11/2007

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PRESIDÊNCIA - TJE RESOLUÇÃO Nº 024/2007-GP

Dispõe sobre a instalação de Centrais e Núcleos de Execução de Penas e Medidas Alternativas nas comarcas sede de região judiciária do interior do Estado, redefine a Central de Penas Alternativas da Comarca de Santarém e dá outras providências.

O Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais, por deliberação de seus membros, em sessão hoje realizada, e

CONSIDERANDO o teor da Resolução nº 016/2007 – GP que reestruturou e descentralizou a execução penal no Estado;

CONSIDERANDO que a Resolução nº017/2007 - GP redefiniu os pólos e regiões judiciárias nas Comarcas e Termos Judiciários;

CONSIDERANDO a necessidade de fomentar a aplicação e execução de penas alternativas como forma de minimizar os problemas enfrentados pelo sistema carcerário do Estado e também como instrumento de garantias de cidadania;

CONSIDERANDO o convênio nº 039/2006, firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado e o Ministério da Justiça para a interiorização das Penas e Medidas Alternativas no Estado do Pará,

RESOLVE:

Art. 1º. Instalar a Central de Execução de Penas e Medidas Alternativas na Comarca de Marabá.

Art. 2º Redimensionar a Central da Comarca de Santarém, revalidando no que não conflitar com esta, a Resolução 006/2001.

Art. 3º. A Central de Santarém será vinculada a 9ª Vara, bem como a de Marabá será vinculada 7ª Vara, criadas pelo art. 1º, incisos V e VII da Lei nº 6.870, de 20 de junho de 2006, especializando-lhes a competência para a execução penal. § 1º Ambas as Centrais contarão, em sua estrutura com uma equipe interdisciplinar, sendo um Assistente Social, um Psicólogo, além de serventuários necessários ao funcionamento da Central. Os técnicos auxiliarão o juízo no cumprimento, na fiscalização e no monitoramento das penas alternativas aplicadas.

Art. 4º. Instalar Núcleos de Penas e Medidas Alternativas nas Comarcas de Santa Izabel do Pará, Abaetetuba, Castanhal, Capanema,

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Paragominas, Soure, Breves, Cametá, Tucuruí, Xinguara, Redenção, Altamira, e Itaituba, todas sedes de Pólos Administrativos (Resolução nº017/2007).

Parágrafo 1º. Nas comarcas onde houver mais de uma vara criminal, a competência para executar as penas alternativas será a do Juiz com competência para a execução penal conforme definido na Resolução 016/07.

Parágrafo 2º. Nas comarcas que possuem apenas uma vara criminal ou vara única a pena alternativa deverá ser nela executada.

Art. 5º. O Tribunal de Justiça do Estado atentará sobre a conveniência e possibilidade de celebração de convênio e/ou termo de cooperação com os órgãos públicos a fim de viabilizar o efetivo cumprimento das penas e medidas alternativas, sobretudo a Prestação de Serviço à Comunidade.

Art. 6º. Caberá ao juiz da Central ou Núcleo de Execução de penas alternativas, promover a execução e a fiscalização das penas e medidas alternativas, da suspensão condicional da pena (sursis), assim como a suspensão condicional do processo e decidir os respectivos incidentes.

Art. 7º. Caberá, ainda, ao juiz da vara em que estiver vinculada a Central ou Núcleo de Execução de penas alternativas:

I – Cadastrar e credenciar entidades públicas ou com elas conveniar sobre programas comunitários a serem beneficiados com a aplicação da pena ou medida alternativa.

II – Designar a entidade ou programa comunitário, o local, dias e horário para cumprimento da pena ou medida alternativa, bem como a forma de sua fiscalização;

III – Criar programas comunitários para facilitar a execução das penas e medidas alternativas;

IV – Declarar extinta a execução quando cumprida a pena, comunicando ao juízo da condenação para os procedimentos legais previstos nos artigos 94 do Código Penal e 743 do Código de Processo Penal, ou cumprido o período da suspensão condicional do processo, comunicar ao juízo competente para os fins legais.

Art. 8º. Dentro da mesma comarca e onde houver mais de uma vara penal, estas encaminharão à Central ou ao Núcleo de Execução de Penas Alternativas cópia da decisão que aplicou a pena alternativa, concedeu a suspensão condicional da pena ou do processo, instruídas com os documentos necessários ao processo executório.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 119

Art. 9º. As cartas precatórias para execução das penas e medidas de que trata esta Resolução, serão remetidas à Vara onde esteja vinculada a Central ou o Núcleo de Execução de Penas Alternativas.

Parágrafo único. Havendo mudança de endereço do cumpridor da pena, caberá ao juízo da vara em que a Central ou Núcleo de Penas e Medidas Alternativas estiver vinculada, a expedição de carta precatória para o efetivo cumprimento em outra comarca.

Art. 10. As Centrais e os Núcleos de Penas e Medidas Alternativas receberão capacitação pelo TJE através da 21ª Vara Criminal da capital que elaborará calendário e plano de trabalho prévio.

Art. 11. Os Núcleos de penas alternativas serão gradativamente estruturados com técnicos e servidores, levando-se em consideração o volume de penas e medidas alternativas aplicadas e as condições orçamentárias e financeiras do TJE.

Art. 12. Os Juizes responsáveis pelos Núcleos e Centrais de Penas e Medidas Alternativas, sem prejuízo das informações que prestarem à Corregedoria e ao Banco de Dados do Tribunal, encaminharão mensalmente relatórios à Vara de Penas Alternativas da Capital a fim de proceder a uniformização das penas alternativas aplicadas e executadas no Estado, bem como o acompanhamento das execuções e a remessa de estatística para o Ministério da Justiça e CNJ.

Art. 13. As comarcas abrangidas na Região Metropolitana de Belém não estão sujeitas a esta Resolução devendo proceder ao encaminhamento dos autos para a execução das penas alternativas diretamente à 21ª Vara Criminal.

Art. 14. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Plenário Des. "Oswaldo Pojucan Tavares", aos vintes dias do mês de junho do ano de dois mil e sete.

DES. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, Presidente

DESA. YVONNE SANTIAGO MARINHO,Vice-Presidente

DESA. CARMENCIN MARQUES CAVALCANTE, Corregedora de Justiça das Comarcas da Região Metropolitana de Belém.

DESA. OSMARINA ONADIR SAMPAIO NERY, Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior do Estado

DESA. ALBANIRA LOBATO BEMERGUY

DESA. MARIA HELENA D’ALMEIDA FERREIRA

DESA. HERALDA DALCINDA BLANCO RENDEIRO

120 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

DESA. SONIA MARIA DE MACEDO PARENTE

DESA. RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA

DESA. THEREZINHA MARTINS DA FONSECA

DES. RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

DESª. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA

DESA. VÂNIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA

DES. RAIMUNDO HOLANDA REIS

DESA. MARIA RITA LIMA XAVIER

DESA. ELIANA RITA DAHER ABUFAIAD

DESA. BRÍGIDA GONÇAVES DOS SANTOS

DESA. VANIA LÚCIA SILVEIRA AZEVEDO DA SILVA

DES. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO

DES. RICARDO FERREIRA NUNES

DESA. MARIA ANGÉLICA RIBEIRO LOPES SANTOS

DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES

DESA. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET

DES. CLAUDIO AUGUSTO MONTALVÃO DAS NEVES

DESA. MARIA DO CARMO ARAÚJO E SILVA

D.J. Nº. 3904 de 21/06/2007

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 121

PRESIDÊNCIA - TJE RESOLUÇÃO Nº 016/2007- GP

Dispõe sobre a Execução Penal no Estado, determina a instalação de Varas criadas pela Lei nº 6.870, de 20 de junho de 2006, nas Comarcas de Santarém e Marabá, especializando-lhes a competência, e dá outras providências.

O Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais, por deliberação de seus membros, em sessão hoje realizada, e

CONSIDERANDO que o Código Judiciário de 1981 (art. 103), atribui à 8ª Vara Penal da Capital, competência em todo o Estado para a execução das penas privativas de liberdade superior a 01 (um) ano, em função de haver, na época, apenas Penitenciárias na Capital e Zona Metropolitana (Presídio São José e Penitenciária de Americano);

CONSIDERANDO que o Ato Regimental nº 01/95, ao estabelecer o cumprimento da pena até 06 (seis) anos pelo próprio juízo sentenciante, não dinamizou a execução nos termos pretendidos;

CONSIDERANDO que atualmente há, no interior do Estado, 02 (dois) grandes Centros de Recuperação, um em Marabá (Centro de Recuperação Agrícola "Mariano Antunes") e outro em Santarém (Centro de Recuperação Agrícola "Sílvio Hall de Moura"), e dezenas de CRR's (CENTROS REGIONAIS DE RECUPERAÇÃO), onde condenados cumprem pena independente do quantum;

CONSIDERANDO a necessidade de descentralizar a execução, haja vista que o juízo da 8ª Vara, inobstante o esforço empreendido, não vem conseguindo cumprir as atividades inerentes à execução da pena, principalmente devido à distância da sede do juízo dos Centros de Recuperação situados nas diversas mesoregiões;

CONSIDERANDO a recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária para que o preso cumpra a pena próximo aos seus familiares, favorecendo o processo de reinserçao social;

CONSIDERANDO a recomendação do Conselho de Nacional de Justiça - CNJ, no sentido de ser atendida satisfatoriamente a demanda processual represada concernente à execução penal;

122 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

CONSIDERANDO, por fim, a criação pela Lei nº 6.870, de 20 de junho de 2006, de duas Varas nas Comarcas de Santarém e Marabá, uma das quais já instalada, restando, por conseguinte, a outra por instalar.

RESOLVE:

Art. 1º. O Juiz da 8ª Vara Penal da Comarca da Capital é competente para executar as sentenças penais dos condenados e internados custodiados em unidades prisionais situadas na Capital, Zona Metropolitana e as que integram o complexo de Americano.

Art. 2º. Nas Comarcas do Interior, ressalvado o disposto no artigo anterior, é competente para execução penal o Juiz Criminal em que se situar o Centro de Recuperação onde o condenado esteja custodiado, qualquer que seja o quantum da pena. Parágrafo único. Na Comarca onde houver mais de um Juiz com competência criminal, caberá a designação, pela Presidência do Tribunal, daquele que será competente para a Execução Penal, sem prejuízo de sua competência originária.

Art. 3º. Em caso de transferência do condenado, a competência será deslocada para o Juízo em que se situar o Centro de Recuperação em que será cumprida a pena, devendo os autos da Execução Penal para lá serem remetidos.

Art. 4º. Os Juízes sentenciantes ficam obrigados, no prazo máximo de 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, se não houver na Comarca Centro de Recuperação, a fazer remessa ao Juízo competente da documentação necessária à formação dos autos da Execução Penal. Parágrafo único. No caso de recurso, os Juízes sentenciantes, se não forem competentes para a execução, ficam obrigados a, no prazo máximo de 05 (cinco) dias após a interposição, remeter ao Juízo competente a documentação necessária à formação dos autos da execução provisória da pena, viabilizando, desse modo, a aplicação das Súmulas 716 e 717 do Supremo Tribunal Federal.

Art. 5º. Os presos de justiça das Comarcas do Interior, somente serão transferidos do distrito da culpa depois de julgados, ressalvados os casos excepcionais autorizados pela Corregedoria competente.

Art. 6º. Determinar a instalação da 9ª Vara na Comarca de Santarém e da 7ª Vara na Comarca de Marabá, criadas pelo art. 1º, incisos V e VII da Lei nº 6.870, de 20 de junho de 2006, especializando-lhes a competência para a execução penal.

§ 1º Ambas as Varas contarão, em sua estrutura organo-funcional, com uma equipe multidisciplinar, que auxiliará o juízo no cumprimento dos

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 123

preceitos emanados do artigo 1º da Lei de Execuções Penais, atendendo ao número de apenados sob sua competência.

§ 2º Os demais juízos das Comarcas que possuam Centro de Recuperação serão gradativamente estruturados, levando-se em consideração sempre o número de presos condenados.

Art. 7º. O Juízo da 8ª Vara Penal da Capital deverá, no prazo de 60 (sessenta) dias da data da publicação da Resolução, remeter ao juízo da Comarca competente para processar a execução da pena, os autos respectivos.

Art. 8º. As situações não abrangidas pela presente Resolução, serão disciplinas pelas respectivas Corregedorias.

Art.9º.Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o Ato Regimental nº 001/95.

Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação. P.R.C.

Plenário Desembargador "Oswaldo Pojucan Tavares", aos vinte e cinco dias do mês de abril do ano de dois mil e sete.

DESA. ALBANIRA LOBATO BEMERGUY

Presidente do TJE/PA.

DES. RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

Vice-Presidente do TJE/PA.

DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Corregedora de Justiça da Região Metropolitana de Belém.

DESA. OSMARINA ONADIR SAMPAIO NERY

DESA. CARMENCIN MARQUES CAVALCANTE

DESA. SONIA MARIA DE MACEDO PARENTE

DESA. RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA

DESA. ROSA MARIA PORTUGAL GUEIROS,

DES. ERONIDES SOUSA PRIMO

DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA,

DESA. VÂNIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA

DES. RAIMUNDO HOLANDA REIS,

DESA. MARIA RITA LIMA XAVIER

DESA. ELIANA RITA DAHER ABUFAIAD,

DESA. VÂNIA LÚCIA SILVEIRA AZEVEDO DA SILVA

124 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

DESA. MARIA DE NAZARÉ SILVA GOUVEIA DOS SANTOS,

DES. RICARDO FERREIRA NUNES

DESA. MARIA ANGÉLICA RIBEIRO LOPES SANTOS,

DESA. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET

DES. CLÁUDIO AUGUSTO MONTALVÃO DAS NEVES,

DESA. CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO

DESA. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES.

D.J. Nº. 3868 de 26/04/2007

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 125

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ RESOLUÇÃO N° 006/2007-CPJ, DE 23 DE AGOSTO DE 2007

Dispõe sobre o exercício das atribuições do Ministério Público nos feitos judiciais e administrativos relativos à Execução Penal e dá outras providências.

O COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ,

CONSIDERANDO que o Tribunal de Justiça do Estado – atento à recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “para que o preso cumpra a pena próximo aos seus familiares, favorecendo o processo de reinserção social” – editou a Resolução nº 016/2007-GP, de 25 de abril de 2007 (DJ de 26/04/2007), dispondo sobre a competência relativa à Execução Penal em todo o território do Estado do Pará,

RESOLVE:

Art. 1º. Nos feitos judiciais e administrativos relativos à Execução Penal de competência da 8ª Vara Penal da Comarca da Capital (Res. nº 016/2007-TJE/PA, art. 1º) observar-se-á, quanto ao exercício das atribuições do órgão do Ministério Público, o disposto no art. 6º da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000 (DOE de 20/20/2000), com suas modificações posteriores.

Art. 2º. Nos feitos judiciais e administrativos de competência do Juízo de Execução Penal da Comarca de Santarém (Res. nº 016/2007-TJE/PA, art. 2º) observar-se-á, quanto ao exercício das atribuições do órgão do Ministério Público, o disposto no art. 2º, “a”, da Resolução nº 016/2003-MP/CPJ, de 18 de novembro de 2003 (DOE de 23/11/2003), quando se tratar de condenações criminais originárias da própria comarca de Santarém.

Parágrafo único. Os feitos judiciais e administrativos em curso perante o Juízo da Execução Penal da Comarca de Santarém relativos às condenações criminais originárias de outras Comarcas serão eqüitativamente distribuídos entre os cinco (5) Promotores de Justiça Criminais da referida Comarca.

Art. 3º. Nos feitos judiciais e administrativos de competência do Juízo de Execução Penal da Comarca de Marabá (Res. nº 016/2007-TJE/PA, art. 2º) observar-se-á, quanto ao exercício das atribuições do órgão do Ministério Público, o disposto no art. 2º, “a”, da Resolução nº 017/2003-MP/CPJ, de 18 de novembro de 2003 (DOE de 23/11/2003),

126 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

quando se tratar de condenações criminais originárias da própria Comarca de Marabá.

Parágrafo único. Os feitos judiciais e administrativos em curso perante o Juízo da Execução Penal da Comarca de Marabá relativos a condenações criminais originárias de outras Comarcas serão eqüitativamente distribuídos entre os quatro (4) Promotores de Justiça Criminais da referida Comarca.

Art. 4º. Nas demais Comarcas do Interior do Estado, nos feitos judiciais e administrativos relativos à Execução Penal, oficiará o Promotor de Justiça local, observado, quando for o caso, o disposto no art. 2º, “a”, da Resolução nº 018/2003-MP/CPJ, de 18 de novembro de 2003 (DOE de 23/11/2003) e no art. 2º, “a”, da Resolução nº 019/2003-MP/CPJ, de 18 de novembro de 2003 (DOE de 23/11/2003).

Art. 5º. As situações eventualmente não abrangidas pela presente Resolução serão disciplinadas pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, observadas, quando houver, as normas editadas pelas respectivas Corregedorias-Gerais de Justiça (Resolução nº 016/2007-TJE/PA, art. 8º).

Art. 6º. Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

SALA DAS SESSÕES DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ, em Belém, em 23 de agosto de 2007.

GERALDO DE MENDONÇA ROCHA

Procurador-Geral de Justiça – Presidente

ANA TEREZA DO SOCORRO DA SILVA ABUCATER

Corregedora-Geral, em exercício

PEDRO PEREIRA DA SILVA

MANOEL SANTINO NASCIMENTO JUNIOR

ANABELA BOUÇÃO VIANA

GERALDO MAGELA PINTO DE SOUZA

ESTER DE MORAES NEVES DE OUTEIRO

ALAYDE TEIXEIRA CORRÊA

DULCELINDA LOBATO PANTOJA

MARCOS ANTÔNIO FERREIRA DAS NEVES

ALMERINDO JOSÉ CARDOSO LEITÃO

ANTÔNIO EDUARDO BARLETA DE ALMEIDA

RICARDO ALBUQUERQUE DA SILVA

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 127

MARIO NONATO FALANGOLA

MARIA DA CONCEIÇÃO GOMES DE SOUZA

MARIA DA CONCEIÇÃO DE MATTOS SOUSA

LEILA MARIA MARQUES DE MORAES

TEREZA CRISTINA BARATA BATISTA DE LIMA

MARIA TÉRCIA ÁVILA BASTOS DOS SANTOS

128 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

PRESIDÊNCIA - TJE RESOLUÇÃO Nº 008/2007- GP

Especializa a competência da 20ª Vara Criminal da Capital, criada pela Lei n°6.480, de 13 de setembro de 2002, e ainda não instalada, para processar e julgar os crimes praticados por organizações criminosas.

O Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais, por deliberação de seus membros, em sessão hoje realizada, e

CONSIDERANDO que a Lei Estadual n° 6.480, de 13 de setembro de 2002, criou a 20ª Vara Criminal da Comarca da Capital, com competência para processamento e julgamento dos feitos do Juízo Singular;

CONSIDERANDO a necessidade de se buscar mecanismos eficientes para combater o denominado crime organizado;

CONSIDERANDO as orientações consolidadas na Recomendação n° 03, de 30 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas;

RESOLVE:

Art. 1º. Especializar a competência da 20a Vara Criminal da Capital, estabelecida através da Lei nº 6.480, de 13 de setembro de 2002, para privativa de processamento e julgamento de todos os delitos envolvendo atividades de organização criminosa (crime organizado), na forma prevista do item 2, b, b1, da Recomendação nº 03/2006, do CNJ, e com jurisdição em todo o território do Estado do Pará.

Parágrafo único. A atividade jurisdicional da 20ª Vara Criminal da Capital será plena, nela compreendida a avaliação de todas as medidas requeridas na fase investigativa nos limites de sua estrita competência.

Art. 2º. O Juízo criminal referido no artigo anterior será composto por três Juízes de Direito, um deles, titular da Vara, e os outros dois indicados e designados pela Presidência do Tribunal, escolhidos dentre Juízes Não Titulares de Vara da Capital e com atividade específica de auxiliar o titular na prestação jurisdicional.

Art. 3º. Em caso de impedimento, suspeição, férias ou qualquer afastamento do titular da Vara, assumirá, preferencialmente, observada a

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ordem de antiguidade, um dos Juízes auxiliares mencionados no artigo anterior.

Art. 4º. Todos os feitos de competência da 20ª Vara Criminal, por questão de segurança e a critério do Juiz Titular, poderão ser assinados individualmente por ele, ou, conjuntamente, com os demais magistrados auxiliares da Vara.

Art. 5º. Todas as medidas cautelares preventivas no curso das investigações criminais, inquéritos e processos relativos aos feitos de competência da 20a Vara Criminal, tramitarão sob absoluto segredo de justiça, vedando-se aos servidores lotados na Vara a divulgação de quaisquer informações processuais, ressalvando-se o disciplinado na Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Parágrafo único. O dever de sigilo obriga também as autoridades administrativas, policiais e servidores de qualquer dos Poderes.

Art. 6º. À Assessoria Militar do Tribunal de Justiça incumbirá disponibilizar, sempre que necessário, e depois de autorizada pela Presidência do Tribunal de Justiça, militares especialmente escolhidos para a segurança e proteção dos magistrados e servidores atuantes na Vara, sem prejuízo de requisição ao Executivo.

Art. 7º. Na forma prevista em lei, podem ser delegados a qualquer outro juízo os atos de instrução ou execução sempre que isso não importe prejuízo ao sigilo, à celeridade ou à eficácia das diligências.

Art. 8º. Para os efeitos da competência estabelecida no artigo 1º, e observada a esfera subsidiária, considera-se crime organizado todos os crimes tipificados no Código Penal brasileiro e em legislações esparsas, desde que cometidos por grupo criminoso organizado, na forma prevista no item 2, a , "in fine", da Recomendação nº 03/2006, do CNJ, assim conceituado: "aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".

Art. 9º. A 20a Vara Criminal contará com um sistema de protocolo autônomo, mas integrado ao sistema de protocolo do Fórum Criminal da Capital.

§1º. As medidas cautelares preventivas no curso das investigações criminais, os inquéritos policiais, representações e quaisquer feitos que versem sobre atividades de grupos criminosos organizados (crime organizado) na forma desta Resolução, serão remetidos, diretamente, para

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a Secretaria da Vara, mediante distribuição, observadas as regras específicas do segredo de justiça.

§2º. Nas Comarcas do Interior do Estado, os Juízes com competência criminal, nos procedimentos e processos que lhes forem apresentados, ao entenderem que a matéria pertinente não é de sua competência, mas relativa à prevista nesta Resolução, remeterão os autos, de forma urgentíssima, e com as cautelas necessárias, para o Juízo da 20ª Vara Criminal, o qual, ratificando o entendimento, poderá, em decisão fundamentada, validar ou não os atos já praticados.

Art. 10. Os Inquéritos Policiais e procedimentos prévios em tramitação relativos à competência disposta nesta Resolução, deverão ser redistribuídos a 20a Vara Criminal.

Art. 11. As ações penais em tramitação não poderão, a nenhum pretexto, sofrer redistribuição.

Art. 12. A 20ª Vara Criminal terá a seguinte estrutura funcional:

01 (um) cargo de Assessor de Juiz - REF. CJS-2;

01 (um) cargo de Diretor de Secretaria;

02 (dois) cargos de Auxiliar de Secretaria I;

02 (dois) cargos de Oficial de Justiça;

02 (dois) cargos de Auxiliar Judiciário I.

§1º. Para atender a estrutura funcional de que trata o artigo anterior, será elaborado projeto de lei visando a criação dos respectivos cargos.

§2º. Poderá a Presidência do Tribunal de Justiça, em face da urgência de se buscar mecanismos para combater o denominado crime organizado, instalar de maneira imediata a 20ª Vara Criminal, disponibilizando para tal os servidores efetivos listados no "caput".

Art. 13. Na estrutura das Varas da Capital (3a Entrância) fica acrescida a 20a Vara Criminal com a competência atribuída por esta Resolução.

Art. 14. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Plenário Des. "Oswaldo Pojucan Tavares", aos vinte e oito dias do mês de fevereiro de dois mil sete.

DESA. ALBANIRA LOBATO BEMERGUY Presidente do TJE/PA

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DES. RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES Vice-Presidente do TJE/PA

DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Corregedora de Justiça da Região Metropolitana De Belém

DES. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO Corregedor de Justiça das Comarcas do Interior

DESA. OSMARINA ONADIR SAMPAIO NERY

DESA. MARIA HELENA D'ALMEIDA FERREIRA

DESA. SONIA MARIA DE MACEDO PARENTE

DES. GERALDO DE MORAES CORRÊA LIMA

DESA. RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA

DESA. ROSA MARIA PORTUGAL GUEIROS

DESA. THEREZINHA MARTINS DA FONSECA

DES. ERONIDES SOUSA PRIMO

DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA

DES. RAIMUNDO HOLANDA REIS

DESA. ELIANA RITA DAHER ABUFAIAD

DESA. BRÍGIDA GONÇALVES DOS SANTOS

DESA. VÂNIA LÚCIA SILVEIRA AZEVEDO DA SILVA

DESA. MARIA DE NAZARÉ SILVA GOUVEIA DOS SANTOS

DESA. MARIA ANGÉLICA REBEIRO LOPES SANTOS

DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES

DESA. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET

DES. CLÁUDIO AUGUSTO MONTALVÃO DAS NEVES

DESA. MARIA DO CARMO ARAÚJO E SILVA

DESA. CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO

DESA. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

D.J. Nº. 3830 de 01/03/2007

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JURISPRUDÊNCIA

ABORTO ANENCEFÁLICO

EMENTA:

ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL - PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL - AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia.

Processo: ADPF-QO54

Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Julgamento: 31/08/2007

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CRIMES CONEXOS – CONFLITO DE COMPETÊNCIA

DECISÃO:

Trata-se de conflito negativo de competência instaurado entre o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal e de Execuções Criminais da Comarca de Varginha/MG, ora suscitante, e o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Varginha/MG, ora suscitado, com fulcro no art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal.

O presente conflito versa sobre a competência para processar e julgar o acusado DAVID WILLIAN DE SOUZA, pelas condutas tipificadas nos arts. 311 do Código de Trânsito Brasileiro e 331 do Código Penal, que estabelecem, respectivamente, penas máximas de 1 (um) e 2 (dois) anos de detenção.

As razões do suscitante encontram-se às fls. 48/50, contrariando o entendimento do órgão ministerial exarado à fl. 46, em que afirma ser absoluta e exclusiva a competência dos Juizados Especiais para julgar as infrações de menor potencial ofensivo, haja vista que prevista na Constituição, a qual não estabelece restrições no caso de concurso de crimes.

As razões do suscitado constam da fl. 42, acolhendo o parecer do Ministério Público oficiante, no sentido de que o somatório das penas dos crimes conexos ultrapassam 2 (dois) anos, restando afastada a competência do Juizado Especial Criminal para o processamento da ação penal.

O Ministério Público Federal, às fls. 55/58, opina pelo conhecimento do conflito para que seja declarada a competência do Juízo suscitante.

No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação de competência será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas ao delitos.

Processo: CC 043301 MG (2004/0064289-4)

Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Publicação: DJ 13.12.2004

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Nesse sentido tem-se manifestado este Tribunal Superior, conforme os julgados seguintes:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.

CRIMES CONTRA A HONRA. CONCURSO MATERIAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

I - No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal, será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas ao delitos. Com efeito, se desse somatório resultar um apenamento superior a 2 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

II - A alegação de que na espécie se teria uma progressão criminosa (conflito aparente de normas a ser dirimido com base no princípio da consunção), e não um concurso material de crimes, ensejaria, inevitavelmente, um aprofundado exame do material fático-probatório, o que é inviável nesta estreita via.

Ordem denegada.

(HC 27.734/RJ, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 14/6/2004, p. 249.)

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO.

CONCURSO MATERIAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.259/01. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. O parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/2001 ampliou a definição de crimes de menor potencial ofensivo, porquanto, além de ausentes as exceções elencadas no art. 61 da Lei n.º 9.099/95, foi alterado o limite da pena máxima abstratamente cominada para 02 (dois) anos, sem distinção entre crimes da competência da Justiça Estadual ou Federal. Precedentes do STJ.

2. Verificando-se que o somatório das penas máximas cominadas em abstrato ultrapassa o limite de 2 (dois) anos, imposto pelo art. 2º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/01, impõe-se a fixação da competência da 1ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho.

Precedentes do STJ. 136 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

3. Ordem denegada.

(HC 30.641/RO, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 5/4/2004.) Incumbe considerar, ainda, que a Constituição da República, em seu art. 98, não definiu menor potencial ofensivo, bem como não estabeleceu restrições ao legislador ordinário nessa tarefa.

Tem-se, aliás, que o legislador constitucional foi inspirado pela desnecessidade do processamento e cumprimento da pena privativa de liberdade de curta duração, princípio que levou à criação das leis dos Juizados Especiais e à ampliação das possibilidades de substituição das penas privativas de liberdade, tendência que se faz presente.

As decisões deste Superior Tribunal e os fundamentos supra-expostos encontram-se em harmonia com o entendimento assentado no Supremo Tribunal Federal, conforme segue:

Habeas corpus. Incompetência do Juizado especial criminal.

- Havendo concurso de infrações penais, que isoladamente sejam consideradas de menor potencial ofensivo, deixam de sê-lo, levando-se em consideração, em abstrato, a soma das penas ou o acréscimo, em virtude desse concurso. "Habeas corpus" deferido, para declarar a incompetência do Juizado especial criminal, e determinar que os autos sejam encaminhados à Justiça Estadual comum.

(HC 80.811/PR, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ 22/3/2002.)

Diante do exposto, com fundamento no art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal e de Execuções Criminais da Comarca de Varginha/MG, ora suscitante.

Intimem-se.

Comunique-se.

Cientifique-se o Ministério Público Federal e, oportunamente, encaminhem-se os autos ao Juízo competente.

Brasília (DF), 25 de novembro de 2004.

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

Relator

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INTERROGATÓRIO ON-LINE

EMENTA:

AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.

Processo: HC 88914 / SP - SÃO PAULO

Relator(a): Ministro CEZAR PELUSO

Órgão Julgador: Segunda Turma

Julgamento: 14/08/2007

Publicação: DJE-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00037 EMENT VOL-02292-02 PP-393

138 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em favor de DANILO RICARDO TORCZYNNOWSKI, em face de decisão proferida no HC no 57.853/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 16.02.2007. Eis o teor da decisão impugnada, verbis: "É deste teor o pronunciamento do Ministério Público Federal (Subprocurador-Geral Durval Guimarães): 'Em favor de Danilo Ricardo Torczynnowski e Luiz Gustavo França Pinto, denunciados pela suposta infração do art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, impetrou-se habeas corpus no TJ/SP para anular o interrogatório dos pacientes, realizado por meio de videoconferência. Alegou-se, em síntese, ofensa aos princípios do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, publicidade e isonomia, bem como inconstitucionalidade formal da lei estadual que instituiu tal meio de interrogatório, pois somente a União poderia legislar sobre matéria processual. Decisão indeferindo a liminar à fl. 39. Não foram solicitadas informações. A ordem deve ser denegada. Com efeito, vigora no processo penal brasileiro o princípio do prejuízo (art. 563 do CPP), segundo o qual . Em face disso, caberia ao impetrante demonstrar que o interrogatório realizado por teleconferência causou prejuízo à defesa dos acusados, ora pacientes, contudo não o fez, não havendo assim que se declarar a nulidade do ato. Nesse sentido, a jurisprudência dessa Corte: Interrogatório. Videoconferência. Devido processo legal. Prejuízo não demostrado. O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários. Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstração do prejuízo nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Ordem denegada.>(6ª Turma, HC 34020/SP, rel. Min. Paulo Medina, j. em 15.09.2005). Interrogatório realizado por meio de sistema de vídeoconferência ou teleaudiência em real time. Cerceamento de defesa. Nulidade, para cujo reconhecimento faz-se necessária a ocorrência de efetivo prejuízo, não demonstrado, no caso. (5ª Turma, RHC 15558/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 14.09.2004). Recurso de habeas-corpus. Processual penal. Interrogatório feito via sistema conferência em

Processo: HC 90900 MC / SP - SÃO PAULO

Relator(a): Ministro GILMAR MENDES

Julgamento: 27/03/2007

Publicação: DJ 02/04/2007 PP-00017

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'real time'. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, Ex vi art. 563 do CPP. Recurso desprovido.> (5ª Turma, RHC 6272/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. em 03.04.97). No que pertine à alegação de que o interrogatório on-line ofende os princípios do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, publicidade e isonomia, vale trazer as seguintes reflexões, aduzidas em artigo sobre matéria: <(...) Desde que sejam tomadas as cautelas já apontadas no item 3 acima, e uma vez presentes os defensores que atestem o exercício da livre manifestação ou garantam que efetivamente se ofereceu oportunidade ao interrogando para se manifestar livremente, assegurando-se inclusive o direito de permanecer calado, e cumpridas todas as demais formalidades legais, o interrogatório Desde que sejam tomadas as cautelas já apontadas no item 3 acima, e uma vez presentes os defensores que atestem o exercício da livre manifestação ou garantam que efetivamente se ofereceu oportunidade ao interrogando para se manifestar livremente, assegurando-se inclusive o direito de permanecer calado, e cumpridas todas as demais formalidades legais, o interrogatório on line é plenamente válido, não cabendo acolher-se posterior alegação de nulidade se do ato não resultar a ocorrência de qualquer prejuízo ao exercício de ampla defesa. Convém lembrar, ademais, que a própria Constituição Federal, em seu art. 93, IX, dispõe que a lei, se o interesse público o exigir, pode limitar a publicidade dos atos ao público em geral, resguardado o direito de presença das partes e do defensor. Dessa forma, o texto constitucional recepciona a possibilidade de se restringir a publicidade do processo, prevista no art. 792, § 1º, do CPP. Acrescente-se, para afastar outro tópico crítico, que no processo penal não vige o princípio da identidade física do juiz, de tal modo que o juiz que interroga pode não ser necessariamente o juiz que irá proferir a sentença. (...) Por tais motivos, verificada a existência do interesse público e resguardadas as cautelas de preservação às normas do devido processo penal, entendo que a inquirição de vítimas e testemunhas e o interrogatório on line colhidos pelo sistema de teleconferência são atos que podem ser aceitos como eficazes para a produção de seus efeitos regulares, sendo, assim, plenamente válidos.> Por fim, o art. 24, XI, da CF diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimento em matéria processual, pelo que não há que se falar em inconstitucionalidade formal da lei estadual que instituiu o interrogatório on-line.' Acolho o parecer e, a teor do art. 38 da Lei nº 8.038/90, nego seguimento ao presente habeas corpus." (HC no 57.853/SP, Rel. Min. Nilson Naves, decisão monocrática, DJ 16.02.2007 - fls. 21-23). A inicial afirma que: O paciente foi denunciado, processado e condenado "ao cumprimento de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de reclusão pela prática de delito previsto no art. 157, § 2O paciente foi denunciado, processado e condenado "ao cumprimento de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de reclusão pela prática de delito previsto no art. 157, § 2o, I e II do Código

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Penal." (fl. 02). O interrogatório do paciente foi realizado, conforme afirma a inicial, na modalidade on line. A defesa pleiteou a renovação da solenidade, com a presença do réu; contudo, tal pedido restou indeferido. Em face da decisão indeferitória, a defesa impetrou pedido de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, que denegou a ordem. Posteriormente, foi impetrado habeas corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça que, acolhendo parecer do Ministério Público Federal, negou seguimento ao pedido. Com relação à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a defesa alega, em síntese, a existência de constrangimento ilegal, nos seguintes termos, verbis: "(...) No interrogatório on line acusado e defensor travam contato por meio de um aparelho telefônico, instalado, não raro, no mesmo recinto onde se realizava o ato, sendo absolutamente impessoal, fria e protocolar a conversa ali mantida, até porque do outro lado encontra-se o interrogado preso, acompanhado de agentes de segurança do estabelecimento prisional. Por obvio que não há a necessária privacidade, ínsita ao contato reservado previsto pela lei, desvirtuando-se, assim, a verdadeira natureza jurídica do ato, que é a de garantir o exercício pleno da autodefesa. Da mesma forma, não se pode admitir que no momento processual de maior relevância para o acusado, onde o exercício da garantia da ampla defesa, prevista no artigo 5Da mesma forma, não se pode admitir que no momento processual de maior relevância para o acusado, onde o exercício da garantia da ampla defesa, prevista no artigo 5o inciso, LV da Carta Federal, avulta de maneira mais expressiva, não esteja ele face à face com o magistrado. É inegável que a presença física do juiz garante ao réu a indispensável liberdade de expressão, não só em favor de sua autodefesa, mas, inclusive, para relatar eventuais abusos cometidos pelos agentes públicos, responsáveis por sua integridade, que, no sistema de videoconferência, postam-se ao seu lado, com que a vigiar o teor de suas declarações. (...) O interrogatório virtual viola direitos fundamentais do cidadão acusado e desumaniza por completo o ato, transformando o processo numa simples sucessão de etapas que tem por escopo tão somente a aplicação da pena. O primado da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República, valor paradigma orientador do sistema de direito, por certo não permite a admissão desta prática. (...) Assim, ao dispor sobre a utilização de equipamentos de videoconferência para a realização de interrogatórios e audiências de instrução sem a presença do réu preso, o Estado de São Paulo violou a repartição constitucional e competência legislativa, invadindo o rol de reservado para a União. Não se trata de questão procedimental, como pretendeu fazer crer a redação da Lei Estadual no 11.819/05. Como se sabe, 'procedimento' consiste na seqüência concatenada de atos por meio da qual se desenvolve o processo e não na relação que envolve os sujeitos processuais, seus direitos e garantias. A norma em questão interfere diretamente nos direitos fundamentais do acusado, evidenciando o vício da

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competência legislativa." (fls. 04-12). Com referência à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a impetração alega que "o paciente está preso, cumprindo pena por condenação em face de processo nulo." (fl. 16). Por fim, a inicial requer: "(...)a concessão liminar da ordem para fazer cessar o constrangimento ilegal de que padece o paciente, determinando-se a renovação do ato com a presença do acusado e conseqüente expedição de alvará de soltura em favor do paciente, por excesso de prazo. (...) Ao final, aguarda a Defensoria Pública de São Paulo seja concedida a ordem para cassar o acórdão proferido e anular o processo judicial a partir do interrogatório, inclusive, devendo-se renovar o ato processual à luz da legislação processual e das normas constitucionais em vigor. Aguarda ainda a Defensoria Pública seja declarada a inconstitucionalidade da lei estadual no 11.819/05." (fl. 16). Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar. Em síntese, a concessão de medida liminar em habeas corpus dá-se em caráter excepcional, em face da configuração do fumus boni iuris e do periculum in mora. No caso dos autos, à primeira vista, não estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida cautelar. Salvo melhor juízo quanto ao mérito, os fundamentos adotados pela decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça e os dados constantes dos demais documentos acostados aos autos não autorizam a concessão da liminar. Nestes termos, indefiro o pedido de medida liminar. Ademais, solicitem-se informações ao juízo de origem para que: a) se esclareça qual o atual andamento e/ou fase da ação penal proposta em desfavor do ora paciente; b) se ainda perdura custódia cautelar decretada em face do ora paciente, com a remessa do respectivo decreto prisional; e c) a remessa de cópia da denúncia e da sentença condenatória.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 27 de março de 2007.

Ministro Gilmar Mendes

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COMPETÊNCIA PARA REPRESSÃO AOS JOGOS DE AZAR

EMENTA:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -LEGISLAÇÃO ESTADUAL PERTINENTE À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE LOTÉRICA - DISCUSSÃO SOBRE A COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE O TEMA REFERENTE A SISTEMAS DE SORTEIOS - MATÉRIA SUBMETIDA AO REGIME DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART. 22, INCISO XX) - HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO REFERENTE À EXPLORAÇÃO DOS JOGOS E SISTEMAS LOTÉRICOS (INCLUSIVE BINGOS) NO BRASIL - DIPLOMAS NORMATIVOS ESTADUAIS QUE DISCIPLINAM OS SERVIÇOS DE LOTERIAS E INSTITUEM NOVAS MODALIDADES DE JOGOS DE AZAR - MATÉRIA CONSTITUCIONALMENTE RESERVADA, EM CARÁTER DE ABSOLUTA PRIVATIVIDADE, À UNIÃO FEDERAL - USURPAÇÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO - OFENSA AO ART. 22, XX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI PERNAMBUCANA Nº 12.343/2003 E DO DECRETO ESTADUAL Nº 24.446/2002 - AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO PERTINENTE A SISTEMAS DE SORTEIOS - MATÉRIA SUBMETIDA AO REGIME DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART. 22, INCISO XX) - NORMAS ESTADUAIS QUE DISCIPLINAM A ATIVIDADE LOTÉRICA - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA - PRECEDENTES. - A cláusula de competência inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição da República atribui máximo coeficiente de federalidade ao tema dos "sorteios" (expressão que abrange os jogos de azar, as loterias e similares), em ordem a afastar, nessa específica matéria, a possibilidade constitucional de

Processo: ADI 2995 / PE - PERNAMBUCO

Relator(a): Ministro CELSO DE MELLO

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Julgamento: 13/12/2006

Publicação: DJE-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-09-2007 DJ 28-09-2007 PP-00026 EMENT VOL-02291-02 PP-00187

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 143

legítima regulação normativa, ainda que concorrente, por parte dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios. - Não assiste, ao Estado-membro, bem assim ao Distrito Federal, competência para legislar, por autoridade própria, sobre qualquer modalidade de loteria ou de serviços lotéricos. Precedentes. - A usurpação, pelo Estado-membro, da competência para legislar sobre sistemas de sorteios - que representa matéria constitucionalmente reservada, em caráter de absoluta privatividade, à União Federal - traduz vício jurídico que faz instaurar situação de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo radical, a própria integridade do ato legislativo daí resultante. Precedentes. - Não se instaurou, perante o Supremo Tribunal Federal, processo de controle normativo abstrato referente à Lei nº 73/1947 do Estado de Pernambuco, editada em momento no qual era facultado, a qualquer Estado-membro, por efeito de legislação federal (DL nº 204/67), dispor, validamente, sobre a instituição e a exploração de serviços lotéricos. Matéria estranha, portanto, ao âmbito deste processo de fiscalização normativa, cujo objeto limita-se, unicamente, ao exame da legitimidade constitucional da Lei estadual nº 12.343/2003 e do Decreto estadual nº 24.446/2002. Situação idêntica à que se registrou no julgamento da ADI 2.996/SC. A QUESTÃO DO FEDERALISMO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - O SURGIMENTO DA IDÉIA FEDERALISTA NO IMPÉRIO - O MODELO FEDERAL E A PLURALIDADE DE ORDENS JURÍDICAS (ORDEM JURÍDICA TOTAL E ORDENS JURÍDICAS PARCIAIS) - A REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS: PODERES ENUMERADOS (EXPLÍCITOS OU IMPLÍCITOS) E PODERES RESIDUAIS.

DECISÃO:

O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que a julgava improcedente. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Plenário, 13.12.2006.

144 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

EMENTA:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. JOGOS ELETRÔNICOS. JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO. ATRAÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. CONFLITO CONHECIDO PARA DETERMINAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Ocorrendo continência entre duas ações civis públicas propostas concomitantemente pelo Ministério Público Estadual e pela União, com a finalidade de interdição permanente de empresas exploradoras de jogos de azar, deve ser determinada a reunião de ambas ações para evitar julgamentos conflitantes entre si.

2. "É da natureza do federalismo a supremacia da União sobre Estados-membros, supremacia que se manifesta inclusive pela obrigatoriedade de respeito às competências da União sobre a dos Estados. Decorre do princípio federativo que a União não está sujeita à jurisdição de um Estado-membro, podendo o inverso ocorrer, se for o caso." (CC 40334/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 28/04/2004)

3. "In casu", há de se considerar, na espécie, a preponderação da Ação Civil Pública proposta na Justiça Federal, gerando atração das propostas na Justiça Estadual. Embora seja fato que o que se discute nas ações civis públicas propostas na Justiça Estadual seja a ausência de alvará a ser expedido pela Prefeitura Municipal, também deve se considerar que para o exercício das atividades em questão há necessidade de dois atos que se completam: a) a autorização a ser concedida pela Caixa Econômica Federal; b) a concessão de alvará de funcionamento. O ato administrativo, portanto, é composto. Exige a atuação de duas autoridades: uma federal, outra estadual. Conseqüentemente, qualquer litígio existente sobre a questão atrai a competência da Justiça Federal para analisar o ato composto em sua integridade.

Processo: CC 56460 / RS - 2005/0189241-4

Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO (1105)

Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Julgamento: 28/02/2007

Publicação: DJ 19.03.2007 p. 272 LEXSTJ vol. 212 p. 12

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 145

4. Conflito conhecido para determinar a competência da Justiça Federal para processar e julgar, como bem entender, as ações noticiadas.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo Federal da 1a. Vara de Passo Fundo - SJ/RS, o suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

146 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

PRISÃO PREVENTIVA – LEI MARIA DA PENHA

VOTO:

Referem-se os autos a habeas corpus impetrado em favor de Eltonir Batista de Souza, que se encontra preso preventivamente por ordem do MM. Juiz da Vara única da Comarca de Carlos Chagas, pela prática, em tese, de diversas infrações penais, inclusive aquela prevista no art. 129, § 9º, do CPB.

Insurge-se o paciente contra a situação de estar preso, alegando, em síntese, que não há motivos para subsistência da prisão, pois as suas condições pessoais - primariedade, possuir residência e domicílio certos - são aptas ao deferimento do seu pedido de liberdade provisória, que, se deferido, não afetará a ordem pública.

Com a inicial, vieram os documentos de f. 10-19.

A liminar foi indeferida às f. 24-25.

Informações da autoridade judiciária tida como coatora às f. 29, apresentando cópias dos autos às f. 30-116.

Manifestou-se a d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer emitido pelo Dr. Paulo Calmon Nogueira da Gama, pela denegação da ordem.

É o relatório, no essencial.

Conheço do pedido, pois presentes as condições de admissibilidade e processabilidade.

Infere-se dos autos que o pedido de revogação da custódia preventiva do paciente foi negado pela autoridade judiciária através da decisão de f. 115-116, alicerçada na necessidade de se garantir a ordem pública, em face da seqüência e gravidade das infrações, em tese, cometidas contra a vítima, presentes a prova da existência dos crimes e indícios suficientes de autoria, fundamentado, ainda, no parecer ministerial.

Processo: TJMG - 1.0000.07.451890-3/000

Relator(a): Desembargador. EDIWAL JOSÉ DE MORAIS

Órgão Julgador: 4ª CÂMARA CRIMINAL

Publicação: Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2007

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 147

Baseia-se ainda o decisum no fato de que o paciente já deu causa a vários procedimentos delituosos em desfavor da vítima, já tendo sido beneficiado, em outras oportunidades, pela Lei 9.099/95.

A questão trazida foi bem examinada pela d. Procuradoria de Justiça, entendendo não haver constrangimento ilegal em se manter a custódia provisória do paciente.

De fato, pelo que se infere dos autos, notadamente através das cópias juntadas pela autoridade judicial, o paciente vem, constantemente, ameaçando a vítima e a seus familiares, inclusive sendo denunciado pela prática de vários delitos, dentre eles, dano, ameaça e violência contra a mulher.

Ocorre que, apesar de serem os delitos em que o réu está sendo processado apenados com detenção, os quais, em tese, somente permitiriam a decretação da preventiva nos casos do art. 313, II, do CPP, é imperioso ressaltar que a prática de violência doméstica contra a mulher vem sendo coibida com a recente edição da Lei nº 11.340/2006, conhecida como "Lei Maria da Penha", na qual se prevê expressamente a possibilidade de decretação da custódia preventiva do agressor, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, nos termos do art. 20 da mencionada Lei.

Não é só. Nos termos do parágrafo único do art. 20 da referida Lei 11.340/2006, o juiz poderá revogar a prisão, caso não subsistam os motivos que ensejaram o recolhimento do agressor ao cárcere, ou novamente decretá-la, se sobrevierem razões para tal.

Percebe-se, então, que a lei concedeu certa discricionariedade ao juiz para decidir sobre a necessidade da segregação cautelar do indivíduo que pratica violência contra a mulher, valendo-se de relações domésticas ou familiares.

Foi exatamente o que ocorreu nestes autos, pois, verificando o MM. Juiz a peculiaridade do caso diante das várias infrações, em tese, cometidas pelo paciente, a necessidade de seu acautelamento provisório, para prevenir a prática de novos delitos, considerando-se, ainda, que o réu já havia sido anteriormente beneficiado pela Lei 9.099/95 -, mediante parecer favorável do Ministério Público, corretamente decretou a custódia preventiva do acusado.

É certo também que eventuais circunstâncias de ser o réu primário e possuir residência fixa são insuficientes para a concessão da ordem impetrada, mesmo porque a reiteração delitiva, em curto espaço de tempo, indica a periculosidade do agente.

148 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

Outrossim, estando ameaçada a própria tranqüilidade pública, presentes os requisitos da prisão preventiva, isto é, prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, também justifica a manutenção da prisão cautelar, a fim de impedir que o paciente volte a praticar crimes.

Para a garantia da ordem pública, "a prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir", pois "há evidente perigo social decorrente da demora em se aguardar o provimento definitivo, porque até o trânsito em julgado da decisão condenatória o sujeito já terá cometido inúmeros delitos" (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 229).

Nesse sentido:

"Estando suficientemente fundamentada a decisão que decretou a custódia cautelar do Paciente, como forma de garantia da ordem pública e da aplicação da Lei Penal (art. 312 do CPP), aferida com expressa menção à situação concreta, não se configura qualquer constrangimento ilegal. Habeas Corpus denegado". (STJ - HC 29241 - SP - 5ª T. - Relª Min. Laurita Vaz - DJU 17.11.2003 - p. 00347).

"O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a primariedade e os bons antecedentes do acusado, não são garantias, por si sós, para afastar a prisão preventiva, quando existentes nos autos outros elementos que recomendem, efetivamente, a referida prisão. Precedentes do STJ. 2. Recurso desprovido. (STJ - RHC 13820 - MG - 5ª T. - Relª Min. Laurita Vaz - DJU 23.06.2003 - p. 00391).

"A primariedade, os bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita constituem requisitos individuais que não bastam para a custódia provisória à vista da potencialidade e periculosidade do fato criminoso e da necessidade de assegurar-lhe a aplicação penal. - Recurso conhecido, mas desprovido". (STJ, RHC 7598, 5ª T., Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca).

"Primariedade e bons antecedentes - Não havendo qualquer ilegalidade no flagrante e estando presentes os elementos autorizadores da prisão preventiva, não há coação ilegal na manutenção da custódia cautelar - Primariedade e bons antecedentes, por si sós, não justificam a concessão da liberdade provisória. Ordem denegada". (TJMG - HC 000.324.277-3/00 - 3ª C.Crim. - Relª Desª Jane Silva - J. 11.02.2003).

Por fim, a assertiva de que eventual condenação possibilitará a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não socorre o paciente neste momento, por ser a prisão provisória de natureza processual, e não penal.

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 149

Ademais, a penalidade a ser futuramente aplicada, se condenado o paciente, não poderá ser antevista para concessão da ordem do habeas corpus.

Estando a decisão satisfatoriamente fundamentada, exarada pelo juiz que teve contato direto com os fatos, não subsistem razões para este Tribunal reformá-la.

Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus, mantendo a decisão combatida.

Sem custas.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): WALTER PINTO DA ROCHA e ELI LUCAS DE MENDONÇA.

SÚMULA : DENEGARAM A ORDEM.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

HABEAS CORPUS 1.0000.07.451890-3/000

Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2007

150 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

DECISÃO:

1. Habeas corpus contra o Tribunal de Justiça do Estado de MatoGrosso do Sul que, denegando writ impetrado em favor de Valmir Cunhado Nascimento, preservou-lhe a custódia cautelar, decorrente deflagrante delito, nos autos do processo da ação penal a que respondepela prática do delito tipificado no artigo 129, parágrafo 9º, doCódigo Penal, em acórdão assim ementado:

"HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - LESÃO CORPORAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDO – ORDEM DENEGADA.

Verificado que a soltura do paciente, acusado de agredir a sua amásia, apresenta-se temerária, em razão da possibilidade de ele voltar a delinqüir, e por estarem presentes, na hipótese, os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, denega-se a ordem que visava à sua liberdade provisória." (fl. 61).

Alega o impetrante constrangimento ilegal, eis que "(...) não estão presentes qualquer dos requisitos do art. 312 do CPP, necessários para a manutenção de sua prisão." (fl. 4).

Sustenta, mais, que "(...) tal decisão da autoridade coatora, baseia-se tão somente na possibilidade de o paciente voltar a agredir sua companheira, ou seja, fundamenta sua decisão simplesmente numa hipótese que poderá ou não ocorrer, e que não tem qualquer respaldo nas informações constantes dos autos, o que não pode ensejar na manutenção de sua prisão, pois os requisitos do art. 312 do CPP, têm que estarem presentes e não serem simplesmente hipóteses." (fl. 6).

Pugna para que seja deferido "(...) liminarmente a Liberdade Provisória do Paciente, comunicando-se, incontinenti, nesse sentido, o juízo da Vara Única da Comarca de Rio Verde do Mato Grosso - MS." (fl. 10).

Tudo visto e examinado.

Processo: HC 081048 - MS (2007/0079809-0)

Relator(a): Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Julgamento: 24/04/2007

Publicação: DJ 10.05.2007

Page 75: Revista do CAO Criminal - Nº 16

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 151

DECIDO.

Esta, a fundamentação do acórdão impugnado:

"(...)

Colhe-se da impetração que o paciente foi preso em flagrante pelo cometimento do crime descrito no artigo 129, § 9o, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 11.340/2006 (Lei 'Maria da Penha'), e, pleiteada a sua liberdade provisória, esta foi indeferida por estarem presentes os pressupostos suficientes à decretação de sua custódia preventiva.

Nas informações, a juíza consignou:

'A prisão em flagrante do indiciado se deu em 19/01/2007, pelo fato do recebimento, pela autoridade policial, de denúncia da vítima Maria Santana Vieira, de que seu companheiro estaria lhe agredindo.

Quando os policiais se dirigiram para o local dos fatos constataram que a vítima estava ferida, sendo encaminhada para o hospital da cidade. E, neste momento, foi dada voz de prisão ao ora paciente.

Aos 22 de janeiro de 2007, o ilustre Defensor Público da Comarca requereu a liberdade provisória do indiciado, sustentando que o suposto crime admite o instituto, bem como não estão presentes os demais requisitos do art. 312 do CPP, juntando declaração onde consta o endereço do réu nesta comarca e que trabalha como lavrador.

Dado vista para o Ministério Público, opinou contrariamente ao pedido.

Concluso o feito, a decisão de indeferimento da liberdade provisória pautou-se na garantia da integridade física da vítima, que ao prestar declarações na polícia disse haver constância nas agressões pelo companheiro. Insta ressaltar que o pedido deu-se na fase de investigação policial e, por falta de elementos idôneos, foi-lhe indeferida a soltura' (f. 38-9)

A vítima, na delegacia de polícia, relatou a agressão praticada pelo acusado, o qual tentou esganá-la, jogou-a no chão e lhe desferiu um murro na boca. Ela disse, também, que não era a primeira vez que o paciente a lesionava (f. 11).

Valmir, por sua vez, negou que tivesse batido na ofendida e alegou que ela se feriu porque 'trombou' na porta (f. 12).

Em consulta processual, verifiquei que foi oferecida denúncia em desfavor do paciente, a qual foi recebida em 15.2.2007, ocasião em que se designou o seu interrogatório.

152 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

Assim, por ora, a liberdade provisória do paciente afigura-se temerária, uma vez que presentes, no caso, os requisitos e pressupostos informadores do decreto de custódia cautelar, configurados na garantia da ordem pública, uma vez que o acusado possui personalidade inclinada à prática delituosa e, em liberdade, poderá voltar a delinqüir, além de que a sua detenção mostra-se necessária para assegurar a aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal.

Registro, também, que o paciente responde a outro processo-crime, na comarca de Rio Verde do Mato Grosso-MS, por ameaça (f. 11).

O pedido de liberdade provisória, portanto, encontra óbice no artigo 313, IV c.c. o artigo 324, IV, do Código de Processo Penal.

Diante do exposto, com o parecer, denego a ordem." (fls. 62/63).

Desprovida de previsão legal específica (artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal), a liminar em sede de habeas corpus, admitida pela doutrina e jurisprudência pátrias, reclama, por certo, a demonstração inequívoca dos requisitos cumulativos das medidas cautelares, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris. In casu, o acórdão impugnado não ostenta ilegalidade manifesta qualquer, perceptível primus ictus oculi, o que exclui o quantum de evidência da plausibilidade jurídica do pedido, necessário ao acolhimento do pleito cautelar initio litis.

Liminar indeferida.

2. Ficam dispensadas as informações, por adequadamente instruída a inicial.

3. Vista ao MPF.

4. Publique-se.

Brasília, 24 de abril de 2007.

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

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Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 153

EMENTA:

LEI 11.340/06. LEI MARIA DA PENHA. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. A Lei Maria da Penha, ao contemplar a possibilidade de prisão preventiva, não teve a virtude de desprezar as regras previstas no Código Penal e de Processo Penal. Não basta o descumprimento das medidas de proteção para justificar a prisão. Indispensável observância aos requisitos e pressupostos para a prisão preventiva (art. 312 e 313, CPP). ORDEM CONCEDIDA. (Habeas Corpus Nº 70020899183, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 29/08/2007)

Processo: TJRS - HC 70020899183

Relator(a): IVAN LEOMAR BRUXEL

Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal

Julgamento: 29/08/2007

Publicação: Diário da Justiça do dia 19/09/2007

154 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

EMENTA:

HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA (11.340/06). MEDIDAS PROTETIVAS. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE UM POSSÍVEL CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AFASTAMENTO. No caso em tela, entende-se que deve ser mantido o posicionamento adotado quando da análise liminar, a partir das circunstâncias específicas detectadas quanto ao agir do ora paciente, que na conformidade com o parecer ministerial, contra-indicam a revogação do decreto de custódia em tela, o qual, à evidência, mostra-se adequadamente fundamentado. A manifestação judicial, por meio da qual foi acolhido o pedido em prol da prisão preventiva do ora paciente, conseguiu, a seu turno, associar os indicativos deduzidos no pleito aos requisitos do artigo 312 do CPP, estabelecendo os contornos da segregação de forma harmoniosa - garantia, então, da ordem pública, conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal -, não se apreendendo, em conseguinte, causa de constrangimento ilegal sob esse enfoque. E mais: já nesse próprio 'decisum' aparece o fundamento máximo da custódia em tela - para garantir a execução das medidas protetivas de urgência à vítima'. Essa disposição assume relevância, no momento em que se observa que se trata de delito ligado à violência doméstica, com legislação específica e recente a lhe dar arrimo. Ora, de nada adiantaria o estabelecimento de normas visando à efetiva proteção, precipuamente da mulher, vista na acepção de vítima no meio familiar, se as medidas de imediata tutela definidas em tal diploma legal não pudessem ser estatuídas ou em caso de serem determinadas, tivessem que ser revogadas, de plano, bastando apenas a invocação de bons antecedentes e alegações sem grande consistência, de modificação de agir. É, no fundo, a família que está no alvo dessa legislação, entendida a mesma como todo e qualquer forma afetiva de convivência, onde o princípio básico deva ser o respeito, a solidariedade, o bom exemplo nas relações e isso pressupõe, em tese, o cumprimento das normas de bem viver e das originadas das instituições configuradas como de equilíbrio

Processo: TJRS - HC 70018702043

Relator(a): LAÍS ROGÉRIA ALVES BARBOSA

Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal

Julgamento: 29/03/2007

Publicação: Diário da Justiça do dia 23/05/2007

Page 77: Revista do CAO Criminal - Nº 16

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 155

social. Na espécie, até a proibição de aproximação do ora paciente já havia sido determinada em relação ao seu meio familiar em autos de TC precedente ao que estamos mencionando. A argumentação deduzida na inicial deste writ quanto a essa ocorrência, data vênia, soa pueril e ingênua, não havendo plausibilidade quanto à mesma para, no âmbito desta impetração, ensejar-lhe a imediata liberdade. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70018702043, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 29/03/2007)

156 Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007

EMENTA:

Lei Maria da Penha. Conflito entre os cônjuges. Afastamento do lar de cônjuge varão. Desobediência em razão de não comparecimento à audiência de conciliação; e de ligação telefônica ameaçadora. Prisão Preventiva decretada. A prisão preventiva é uma custódia de excepcionalidade que para ser validada, no rito de proteção dos direitos da mulher, deve estar informada com os requisitos das medidas protetivas de urgência consignados na Lei 11.340/2006, e com os demais pressupostos autorizadores da prisão cautelar no Código de Processo Penal; e que esta necessidade decorra do conjunto probatório; eis que na própria Lei Maria da Penha Maia existem outros meios menos gravosos para a contenção destes ímpetos que incomodam, mas são passageiros.Ordem Concedida.

ACÓRDÃO:

Acordam os Desembargadores da PRIMEIRA TURMA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA - Relator, IRAN DE LIMA e GEORGE LOPES LEITE – Vogais, sob a presidência do Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO, em ADMITIR E CONCEDER A ORDEM. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília-DF, 11 de junho de 2007.

Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA Relator

Processo: TJDFT - HBC 2007.00.2.005110-2

Relator(a): Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA

Órgão Julgador: Primeira Turma Criminal

Julgamento: 11/06/2007

Publicação: Diário da Justiça do dia 23/05/2007

Page 78: Revista do CAO Criminal - Nº 16

Revista do CAO Criminal, Belém, n. 16, out. 2007 157

RELATÓRIO

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus impetrada em favor de THALES DE AZEVEDO RABELO contra ato da MMª Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília-DF que, nos autos da medida protetiva de urgência, decretou a prisão preventiva do paciente.

Consta dos autos que a Srª Kelly Ann Sabini requereu medida protetiva de urgência, com esteio na Lei 11.340/2006, sendo-lhe deferido o pedido e determinando o paciente que se abstivesse de manter contato com a ofendida e seus familiares por qualquer meio de comunicação. Foi delimitado o limite mínimo de 200 (duzentos) metros de distância entre ambos, sob pena, em caso de desrespeito, de aplicação de multa e configuração do crime de desobediência.

No ato designado para o dia 10/05/2007, a ofendida apresentou gravação em seu aparelho celular atribuindo ao paciente a autoria da mesma, razão pela qual o ilustre Membro do Ministério Público requereu a decretação de sua prisão preventiva, tendo a MM.ª Juíza acolhido a representação.

O pedido liminar foi acolhido pelo Des. João Egmont Leôncio Lopes.

Parecer da Procuradoria do Ministério Público pela denegação da Ordem.

É o relatório, peço pauta.

VOTOS

O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA – Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do habeas corpus.

Nestes termos restaram relatados os autos:

“Cuida-se de ordem de Habeas Corpus impetrada em favor de THALES DE AZEVEDO RABELO contra ato da MMª Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília-DF que, nos autos da medida protetiva de urgência, decretou a prisão preventiva do paciente.

Consta dos autos que a Srª Kelly Ann Sabini requereu medida protetiva de urgência, com esteio na Lei 11.340/2006, sendo-lhe deferido o pedido e determinando o paciente que se abstivesse de manter contato com a ofendida e seus familiares por qualquer meio de comunicação. Foi delimitado o limite mínimo de 200(duzentos) metros de distância entre

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ambos, sob pena, em caso de desrespeito, de aplicação de multa e configuração do crime de desobediência.

No ato designado para o dia 10/05/2007, a ofendida apresentou gravação em seu aparelho celular atribuindo ao paciente a autoria da mesma, razão pela qual o ilustre Membro do Ministério Público requereu a decretação de sua prisão preventiva, tendo a MM.ª Juíza acolhido a representação.

O pedido liminar foi acolhido pelo Des. João Egmont Leôncio Lopes.

Parecer da Procuradoria do Ministério Público pela denegação da Ordem.”

PASSO AO VOTO:

Nesta oportunidade leio a motivação da decisão do Juiz que concedeu a Liminar e que se encontra às fls 33 e seguintes.

Também, leio, para o conhecimento da Turma, o não menos culto e seguro posicionamento da Procuradoria do Ministério Público, da Lavra do Dr. Antônio Ezequiel de Araújo Neto, às fls 48 e seguintes.

Das provas vindas aos autos e das informações da Julgadora do Conhecimento, se mostra evidente o conflito a que está submetido este casal, em fase de separação; e de restrições de direitos em face de agressividades físicas e até moral, acrescido da situação dos limites de visitas aos filhos.

Com muito respeito a Julgadora do Conhecimento, que é uma Senhora e se apercebe dos sentimentos femininos com mais propriedade, tenho que medidas de prevenção menores, previstas na própria lei Maria da Penha Maia; e de mediações, podem ser mais eficazes em situações de conflituais desta natureza; do que ser tratá-los simplesmente como um fato criminal, cujo espaço, na atual crise brasileira é reservado para uma criminalidade violenta, reeducacional e preventiva.

Alternativa limite há na própria lei, como por exemplo, o pedido de proteção das Autoridades Policiais.

Ademais, o possível delito a que responderá o paciente tem uma pena mínima prevista somente de três meses, se porventura estiver respondendo pelas disposições do artigo 129, §9º, do Código Penal, ou de Ameaça, o que imporia um acompanhamento processual rigoroso, senão, inevitavelmente cumprirá toda a reprimenda preso, o que se oporia ao nosso sistema penal.

Nas Circunstâncias de decreto da excepcional prisão preventiva, é recomendável que se siga o exemplo do Juizado da Infância e da Juventude; e das próprias Varas de Família em questão de alimentos, no

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sentido de se fixar o número de dias que o réu terá a sua liberdade cerceada.

Como existem outras medidas menos rigorosas e eficazes previstas na Lei 11.340/2006, como a proteção policial; e considerando-se que os fatos que ensejaram a sua prisão cautelar, quais sejam, desobediência de comparecer há uma audiência de conciliação, que não está obrigado, devendo sua irrogada atitude ser interpretada como a falta de interesse na conciliação: e uma possível mensagem de sua autoria para o celular da vítima, tenho que estes motivos, que devem ser somados aos previstos para a prisão preventiva em geral, não autorizam esta medida, extrema, razão de conceder a Ordem por falta de justa causa. É como voto.

O Senhor Desembargador IRAN DE LIMA – Vogal

Também acompanho o eminente Relator, concedendo a ordem, porque a medida, como historiada no relatório, apresenta-se exacerbada e não pertinente ao caso, como entendo.

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal

Concedo a ordem, nos termos do voto do eminente Relator.

DECISÃO

Ordem admitida e concedida. Unânime.

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LIBERDADE PROVISÓRIA – CRIMES HEDIONDOS

DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de FÁBIO DOS REIS CONCEIÇÃO, condenado à pena de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime integral fechado, pela prática de tráfico de entorpecentes.

Insurge-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que denegou a ordem ao writ originário (HC 961.404.3/3), no qual pleiteava o direito do paciente de apelar em liberdade, uma vez que, "quando ocorrer o julgamento da apelação já deduzida, fará jus ao regime aberto ante o cumprimento de 1/3 do total da pena" (fl. 7).

Sustenta que o só fato de ter permanecido "preso durante o curso do processo não constitui motivação idônea e suficiente para justificar a não concessão ao réu do direito de recorrer em liberdade" (fl. 3).

Requer, liminarmente, a concessão da liberdade provisória e, no mérito, sua confirmação. O pedido formulado em sede de cognição sumária foi por mim indeferido (fl. 15).

As informações solicitadas à autoridade apontada como coatora foram prestadas às fls. 29/30, as quais vieram acompanhadas dos documentos de fls. 31/126.

O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República ANTONIO CARLOS PESSOA LINS, opinou pela denegação da ordem (fls. 128/130).

Passo a decidir.

A pretensão de apelar em liberdade encontra-se prejudicada em face do recurso defensivo ter sido julgado pelo Tribunal a quo (fl. 31/36). Entretanto, conforme acórdão da 11ª Câmara do 6º Grupo da Seção Criminal, fl. 31, foi proferida a seguinte decisão:

Processo: HC 076826 - SP (2007/0028781-5)

Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Julgamento: 06/09/2007

Publicação: DJ 18.09.2007

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DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, PARA REDUZIR A CONDENAÇÃO A 04 ANOS, 09 MESES E 05 DIAS DE RECLUSÃO E 78 DIAS-MULTA, MANTIDA, NO MAIS, A R. SENTENÇA. V.U.

Ainda, se extrai do referido acórdão (fl. 35):

Tocante ao regime, também é de ser mantido o integralmente fechado para desconto, conforme expressa disposição de lei ainda em vigor, pois, no dizer no parecerista (fls.254), "não encontra base na legislação vigente, a pretensão de fixar regime diverso do integralmente fechado; o art. 2º § 1º, da Lei nacional nº 8.072/90 irradia plena eficácia, cumprindo ao operador jurídico, dar-lhe inteira efetividade; o recente reconhecimento, incidenter tantum, de inconstitucionalidade dessa norma pelo Excelso Pretório (HC 82.959-7/SP) de modo nenhum a retira do ordenamento jurídico".

Dessa forma, em face da decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23/2/06 (HC 82.959/SP), declarando a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime nos casos de crimes hediondos e a eles equiparados, afastado restou o óbice à execução progressiva da pena.

Ademais, com o advento da Lei n.º 11.464, de 28/3/07, o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 passou, expressamente, a estabelecer que "A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado".

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, inciso XI, do Regimento Interno deste Tribunal, julgo prejudicado o presente writ. Todavia, em razão do constrangimento ilegal imposto pelo julgado do Tribunal a quo, com base no art. 654, § 2º, do CPP, concedo a ordem de hábeas corpus, de ofício, para modificar o regime de cumprimento da reprimenda imposta ao paciente para inicialmente fechado. Intime-se.

Comunique-se à Presidência do Tribunal a quo, que, por sua vez, deverá encaminhar cópia da presente decisão ao respectivo Juízo da Vara de Execuções Criminais.

Cientifique-se o Ministério Público Federal.

Sem recurso, arquivem-se os autos.

Brasília (DF), 06 de setembro de 2007.

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DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JOÃO PAULO DE JESUS RAMOS, contra decisão do min. Relator do HC 79.895, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que lhe denegou a ordem. O ora paciente foi processado pela prática do delito previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/06, e condenado à pena de 01 (um) ano e 08(oito) meses de reclusão, para início de cumprimento em regime fechado. Narram os impetrantes que o paciente está preso há sete meses (fls. 11). A defesa interpôs recurso de apelação (fls. 24) e habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, requerendo o direito de apelar em liberdade (fls. 26-38). O pedido foi indeferido, sob argumento de que (fls. 40) : "1. A concessão de liminar em habeas corpus é medida que ostenta caráter excepcional, porquanto se dá à míngua de informes da autoridade apontada como coatora e da oitiva do Ministério Público, e que exige a presença cumulativa dos requisitos inerentes às medidas cautelares em geral, vale dizer, o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento) e o periculum in mora (a probabilidade de dano irreparável), os quais, como é cediço, devem restar evidenciados, de plano, pela cognição sumária da inicial e, principalmente, pelos elementos de convicção que emergem dos documentos que a instruem, nos termos do que dispõe o § 2°, do art. 660, do CPP. 2. Na presente hipótese, no entanto, não se vislumbra a existência de constrangimento ilegal evidente que autorize a concessão da liminar postulada, antes mesmo do cumprimento da providência prevista no art. 662 do CPP e do parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça. 3. Assim, indefiro a liminar e determino a requisição de informações à autoridade apontada como coatora." A fim de que o paciente pudesse aguardar em liberdade o trânsito em julgado de eventual decisão condenatória, foi impetrado, perante o Superior Tribunal de Justiça, o HC nº 79.895 , com o mesmo objeto deste, mas a ordem foi denegada, nos seguintes termos (fls. 56) : "1. Os autos não versam sobre hipótese que admite a pretendida valoração antecipada da matéria, pois, pela análise da quaestio trazida à baila na exordial, verifica-se que o habeas corpus investe

Processo: HC 91360 MC / SP - SÃO PAULO

Relator(a): Ministro JOAQUIM BARBOSA

Julgamento: 28/05/2007

Publicação: DJ 04/06/2007 PP-00031

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contra denegação de liminar. De fato, ressalvadas hipóteses excepcionais, felizmente raras, descabe o instrumento heróico em situação como a presente, sob pena de ensejar supressão de instância. Assim o entendimento do Pretório Excelso: HCPR 80.288/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 02/08/2000; HCQO 76.347/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 08/05/98; STF, HC 79.748/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 23/06/2000. Da mesma forma, nesta Corte: HC 43606/PB, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 12.09.2005; HC 42832/ES, 5Da mesma forma, nesta Corte: HC 43606/PB, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 12.09.2005; HC 42832/ES, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 29.08.2005; HC 26272/SP; 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 11.04.2005; HC 38440/SP; 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 14.03.2005. A matéria, inclusive, já se encontra sumulada: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar" (Súmula nº 691/STF). 2. Denego, pois, a pretensão liminar. 3. Solicitem-se, com urgência e via telex, informações atualizadas e pormenorizadas à autoridade tida por coatora. 4. Após, vista à douta Subprocuradoria-Geral da República. P. e I." Nest e writ , os impetrantes requerem seja concedi da " liminar para garantir ao Paciente o direito de apelar em liberdade ou, alternativamente, de cumprir o restante da diminuta pena que lhe foi imposta no regime aberto (art. 33, § 2°, letra c, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal). " (fls. 14). Decido. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, é inviável o writ impetrado em razão de indeferimento de liminar por relator de outro habeas corpus, em tribunal superior, sob pena de supressão de instância e violação das regras de competência. Esta orientação é objeto de súmula do Supremo, verbis: "Súmula 691 - Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar." Tal entendimento só pode ser superado em caso de decisão flagrantemente ilegal. No caso relatado na inicial, a pena imposta não é grande (1 ano e 8 meses de reclusão) e o paciente está preso há seis meses. Pela nova lei de entorpecentes, o livramento condicional deve ocorrer após cumpridos dois terços da pena (art.44, parágrafo único da Lei 11.343/2006) e a progressão de regime, conforme art. 2º, §2º da Lei 8.072, com a redação dada pela Lei 11.464 de 2007, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena se primário o réu. Esta última alteração legislativa não pode retroagir para alcançar o delito, em tese, cometido pelo paciente, pois o fato, segundo a sentença (fls. 16) teria ocorrido em 26.10.2006, antes, portanto, de estar em vigor legislação mais gravosa. Assim, aplicando-se a legislação anterior, o paciente poderia progredir de regime ao cumprir 1/6 da pena imposta (art. 112 da Lei de Execução Penal), ou seja, no caso em exame, já faria jus à progressão. No

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mínimo, teria direito o paciente à progressão de regime, caso mantida a execução provisória decorrente da prisão cautelar imposta. Observo que além de interpor apelação da sentença condenatória, o paciente teve denegada a ordem que buscava no julgamento do habeas corpus n° 1.069.274.3/7-00, no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se verifica do extrato processual obtido no site daquele Tribunal, cuja juntada ora determino. É imperioso consignar que a nova lei que tutela os crimes de tráfico de substâncias entorpecentes (Lei 11.343/2006) possui regulamentação específica sobre a impossibilidade do réu apelar em liberdade, salvo se comprovada a primariedade e os bons antecedentes, verbis: " Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória." Ora, a sentença condenatória expressamente reconheceu ser o paciente primário e portador de bons antecedentes (fls. 20). Assim, atendida está, em tese, a condição legal que excetua a obrigatoriedade da prisão cautelar para apelar. Considerando que a pena é pequena (um ano e oito meses de reclusão) e que o paciente está preso há seis meses, impõe-se a superação do entendimento firmado na Súmula 691 do STF, para conceder-lhe a medida liminar pleiteada. Assim, verifico a presença dos requisitos necessários à cautela - fumus boni juris e periculum in mora -, razão pela qual defiro o pleito liminar. Expeça-se alvará de soltura. Comunique-se, com urgência. Solicitem-se as informações de praxe ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto ao julgamento do HC n° 1.069.274.3/7-00. Com as informações, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Cumpra-se. Brasília, 28 de maio de 2007. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator 1