revista de direito da advocef · na economia, filosofia e psicanálise gouvan linhares lopes e...

316
1 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18 RDA | Ano XIII | Nº 26 | 316p | Mai 18 Revista de Direito da ADVOCEF Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

Upload: buixuyen

Post on 18-Nov-2018

232 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

1Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

RDA | Ano XIII | Nº 26 | 316p | Mai 18

Revista de Direitoda ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados

da Caixa Econômica Federal

Page 2: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

Capa: Marcelo TorrecillasEditoração Eletrônica: José Roberto Vazquez ElmoPreparadora de Originais na língua portuguesa: Simone Diefenbach BorgesTiragem: 2.000 exemplaresPeriodicidade: semestralImpressão: Athalaia Gráfica e EditoraSolicita-se Permuta

Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v.1, n.26, 2018

SemestralISSN: 1808-5822

1. Advogado. 2. Direito. 3. Legislação. 4. Banco. I. Associação Nacional dosAdvogados da Caixa Econômica Federal. II. Título.

343.03343.8103

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Salas 510 e 511Edifício João Carlos Saad, CEP 70070-120Fones (61) 3224-3020 e [email protected]

Page 3: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

DIRETORIA EXECUTIVA DA ADVOCEF

CONSELHO EXECUTIVO DA REVISTA

Álvaro Sérgio Weiler JúniorHenrique ChagasRoberto Maia

PresidenteÁlvaro Sérgio Weiler Júnior (Porto Alegre/RS)

Vice-PresidenteMarcelo Dutra Victor (Belo Horizonte/MG)

1ª TesoureiraRoberta Mariana Barros de Aguiar Corrêa (Porto Alegre/RS)

2º TesoureiroDuílio José Sánchez Oliveira (São José dos Campos/SP)

1º SecretárioMagdiel Jeus Gomes Araújo (João Pessoa/PB)

2º SecretárioJustiniano Dias da Silva Júnior (Recife/PE)

Diretor de Relacionamento InstitucionalCarlos Alberto Regueira Castro e Silva (Recife/PE)

Diretor de Comunicação Social e EventosHenrique Chagas (Presidente Prudente/SP)

Diretor de HonoráriosMarcelo Quevedo do Amaral (Novo Hamburgo/RS)

Diretora de Negociação ColetivaAnna Claudia de Vasconcellos (Florianópolis/SC)

Diretor de PrerrogativasMarcos Nogueira Barcellos (Rio de Janeiro/RJ)

Diretor JurídicoRenato Luiz Harmi Hino (Curitiba/PR)

Diretor SocialJosé de Anchieta Bandeira Moreira Filho (Belém/PA)

Page 4: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA

Alaim Giovani Fortes StefanelloDoutor em Direito Econômico e Socioambiental pela PontifíciaUniversidade Católica do Paraná – PUC/PR. Mestre em DireitoAmbiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/AM.

Antonio Carlos FerreiraMinistro do Superior Tribunal de Justiça, Ex-Diretor Jurídico daCaixa Econômica Federal, Ex-Presidente da Escola de Advocacia daCAIXA.

Bruno Queiroz OliveiraDoutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza –UNIFOR. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal doCeará – UFC e Presidente do Conselho Editorial.

Cacilda Lopes dos SantosDoutora em Direito Urbanístico pela Universidade de São Paulo –USP e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC./SP.

Carolina Reis Jatobá CoêlhoDoutoranda em Direito Administrativo pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Direito das RelaçõesInternacionais pelo Centro Universitário de Brasília – Uniceub/DF.Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto de DireitoPúblico de Brasília – IDP/DF. Pós-graduada em Direito Público pelaEscola Superior do Ministério Público do Distrito Federal emBrasília- ESMPDF.

Clarissa Bueno WandscheerDoutora em Direito Econômico e Socioambiental pela PontifíciaUniversidade Católica do Paraná. Mestre em Direito Econômico eSocial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professorada Universidade Positivo. Integrante do Centro de Pesquisa Jurídicae Social – CPJUS. Membro do Núcleo de Pesquisa sobreSustentabilidade, Responsabilidade e Novos Modelos Econômicos(UP). Membro do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente: SociedadesTradicionais e Sociedade Hegemônica (PUC/PR).

Cláudio Gonçalves MarquesMestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica deMinas Gerais. Pós Graduado em Direito Público pela Universidade deBrasília. Pós Graduado em Direito de Empresa pela Fundação GetúlioVargas. Professor de Direito Empresarial concursado na PontifíciaUniversidade Católica de MG – desde 2001.

Davi DuarteEspecialista em Direito Público pelo Centro de Estudos Fortium/Faculdade Projeção/DF. Presidente da Comissão Especial doAdvogado Empregado da OAB/RS.

Page 5: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

Iliane Rosa PagliariniMestre em Direito Processual e Cidadania pela UniversidadeParanaense – UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pelaUniversidade da Amazônia. Membro da Comissão da AdvocaciaPública da OAB/PR.

João Pedro SilvestrinDesembargador Federal do Trabalho no TRT da 4ª Região,Especialista em Direito e Economia pela Fundação Getúlio Vargas –FGV e Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho ePrevidenciário pela Universidade de Santa Cruz do Sul/RS – UNISC.

Juarez de FreitasPós-doutorado em Direito na Università degli Studi di Milano.Doutor em Direito e Mestre em Filosofia. Presidente do ConselhoEditorial da Revista Interesse Público. Co-Diretor de Tese naUniversidade Paris II. Presidente do Instituto Brasileiro de AltosEstudos de Direito Público. Membro Nato do Conselho do InstitutoBrasileiro de Direito Administrativo. Presidente do Instituto deDireito Administrativo do Rio Grande do Sul. Pesquisador comênfase nas áreas de Interpretação Constitucional e DireitoAdministrativo. Professor de Direito da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul (Mestrado e Doutorado) e daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de várias obrasjurídicas. Advogado, Consultor e Parecerista.

Kátia Aparecida MangoneDoutora e Mestre em Processo Civil pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC/SP.

Lucia Elena Arantes Ferreira BastosDoutora em Direito pela Universidade de São Paulo (2007) e pósdoutorado pelo Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP (2010).Mestre em Programa de Pós Graduação em Integração da Américapela Universidade de São Paulo (2003). Graduação em Direito pelaUniversidade de São Paulo (1997)

Luiz Guilherme Pennacchi DelloreDoutor e Mestre em Processo Civil pela Universidade de São Paulo –USP e Mestre em Constitucional pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC/SP.

Manuel Munhoz CaleiroDoutorando em Direito Econômico e Socioambiental pela PontifíciaUniversidade Católica do Paraná. Mestre em Direitos Coletivos eCidadania pela Universidade de Ribeirão Preto. Pesquisador integrantedo Grupo de Pesquisa Meio Ambiente: Sociedades Tradicionais eSociedade Hegemônica. Membro da Rede para o ConstitucionalismoDemocrático Latino-Americano. Pesquisador integrante da RedeLatino-americana de Antropologia Jurídica (RELAJU). Pesquisadorassociado ao Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais(IPDMS). Diretor Executivo do Centro de Pesquisa e Extensão emDireito Socioambiental (CEPEDIS). Advogado.

Page 6: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

CONSELHO FISCAL

CONSELHO DELIBERATIVO

Reis FriedeDesembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Mestre emDireito do Estado pela Universidade Gama Filho – UGF e Mestre eDoutor em Direito Público pela Universidade Federal do Rio deJaneiro – UFRJ. Diplomado pela Escola Superior de Guerra e pelaEscola de Comando do Estado-Maior da Aeronáutica e Membro daSociedade Brasileira de Direito Aeroespacial – SBDA.

Roberto Di BenedettoDoutor em Sociologia pelo IESP/UERJ e mestre em Direito pelaUniversidade Federal do Paraná. Coordenador-Geral do Direito daUniversidade Positivo, professor titular da Universidade Positivo,Avaliador de Curso de Graduação em Direito do Instituto Nacionalde Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministérioda Educação – INEP/MEC e pesquisador visitante do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada – IPEA.

Vera Regina HipplerDoutora e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC/SP.

Membros EfetivosCleucimar Valente Firmiano (Campinas)Rogério Rubim de Miranda Magalhães (Belo Horizonte)Melissa dos Santos Pinheiro (Porto Velho)

Membros SuplentesRodrigo Trassi de Araújo (Bauru)Edson Pereira da Silva (DIJUR/GETEN)

Membros EfetivosDione Lima da Silva (Porto Alegre)Octavio Caio Mora Y Araujo de Couto e Silva (Rio de Janeiro)Luiz Fernando Padilha (Rio de Janeiro)Maria Rosa de Carvalho Leite Neta (Fortaleza)Luiz Fernando Schmidt (Aposentado/Goiânia)Fernando da Silva Abs da Cruz (Porto Alegre)Marta Bufaiçal Rosa (Aposentada/Brasília)

Membros SuplentesElton Nobre de Oliveira (Rio de Janeiro)Aline Lisboa Naves Guimarães (DIJUR/SUAJU)Luís Gustavo Franco (Porto Alegre)

Page 7: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

7Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 9

PARTE 1 – ARTIGOS

Licitação sustentávelVera Hippler ............................................................................. 13

Apontamentos gerais da apelação no CPC/2015Vinicius Silva Lemos ................................................................ 29

Precedentes judiciais. Superação. Overruling. Distinção.Distinguishing. Peculiaridades do caso concreto

Jeremias Pinto Arantes de Souza e Marcelo Quevedodo Amaral ................................................................................ 69

Considerações sobre o crime de obtenção fraudulentade financiamento à agricultura familiar

Álisson dos Santos Cappellari e Vicente Cardosode Figueiredo .......................................................................... 87

Formação do direito privado moderno. Codificaçãoe sua ideologia. A “descodificação” e a “era dosestatutos”. Repercussões jurídicas

José Gabriel Boschi ............................................................... 111

O sistema de precedentes judiciais vinculantes noNovo CPC: uma busca por uniformização, segurançajurídica e celeridade processual

Marcos Paulo Pereira Gomes ............................................... 131

A eficácia das normas constitucionais que promovema justiça distributiva no capitalismo. Interdisciplinaridadena Economia, Filosofia e Psicanálise

Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevidesde Magalhães Neto .............................................................. 157

O reflexo do sistema de precedentes na teoria dadecisão judicial à luz do Código de Processo Civilde 2015

Lilese Barroso Benevides de Magalhães ............................ 187

Page 8: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

SUMÁRIO

8 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O instituto do parcelamento, edificação e utilizaçãocompulsórios no município de Juiz de Fora

Bruna Alice Nardy Abbud e Frederico AugustoD’Avila Riani .......................................................................... 227

PARTE 2 – JURISPRUDÊNCIA

Superior Tribunal de JustiçaExpurgos de planos econômicos. Ação coletiva.Coisa julgada. Inviabilidade de ajuizamento de açõesindividuais ............................................................................. 259

Tribunal Superior do TrabalhoContrato de prestação de serviços. Ente público.Responsabilidade subsidiária não reconhecida.Fiscalização comprovada...................................................... 269

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso trabalhista. Fase de execução. Multa doCPC/1973. Art. 475-J. Inaplicabilidade ............................... 295

Tribunal de Justiça do Rio Grande do SulVigilância bancária armada ininterrupta. Incompetênciado Município para legislar. Inconstitucionalidade ........... 305

PARTE 3 – NORMAS EDITORIAIS DE PUBLICAÇÃO .............................. 311

Page 9: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

9Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APRESENTAÇÃO

A Associação Nacional dos Advogados da Caixa, com muitasatisfação, apresenta a 26ª edição de seu periódico de Direito, cujoconteúdo contribui de forma significativa para o reconhecimentodo conhecimento científico produzido pelos advogados da Caixae por outros operadores do Direito.

Em agosto de 2005, era lançado o primeiro número da Revistade Direito da ADVOCEF. Seu propósito mais destacado era o deservir como instrumento de disseminação de estudos críticos de te-mas da grande área do conhecimento decorrente da atuação pro-fissional dos advogados da Caixa. O resultado não tardou, pois aRevista figura como importante ferramenta para valorização doquadro jurídico da Caixa não apenas no âmbito interno da empre-sa, mas também no seio de toda a comunidade jurídica e acadêmi-ca, o que, certamente, é motivo de grande orgulho para todos quefazem a Revista.

Merece registro o fato de que, desde o lançamento do primei-ro volume até os dias atuais, a Revista sempre esteve na pauta deprioridades de todos os dirigentes que passaram pela conduçãodos interesses da ADVOCEF, o que denota seu grau de relevância eum horizonte repleto de excelentes perspectivas para o nosso Peri-ódico.

Nos mais diferentes espectros científicos, o conhecimento pro-duzido acompanha e até mesmo gera novas situações de comple-xidade decorrentes da pós-modernidade. Grande parte desse co-nhecimento tem sido socializado por meio dos periódicos científi-cos, e esse tem sido o caminho percorrido pela Revista de Direitoda ADVOCEF, que, em seus 13 anos de vida editorial, temcorrespondido às expectativas de seu público leitor, alcançando altonível de atualização e sintonia do conhecimento jurídico produzi-do com os problemas que o mundo real apresenta aos pesquisado-res, especialmente para a construção de novas alternativas políticase jurídicas.

Page 10: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

APRESENTAÇÃO

10 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O Direito é fenômeno social e funciona como instrumento empermanente processo de mutação. As experimentações legislativasrevelam-se, no mais das vezes, ineficazes ou mesmo maléficas paraa organização social. Assim, o que a regra proibia ontem, pode serpermitido hoje, e o antes permitido, pode ser hoje proibido. Nessaperspectiva, o debate deve considerar sempre o todo, ou seja, pe-quenas alterações no texto de um artigo de lei podem significargrandes mudanças na ordem jurídica.

É para este rumo que os artigos apresentados ao nosso públi-co leitor apontam. Alertam para o novo e o necessário olhar refle-xivo acerca das escolhas e dos possíveis caminhos.

Uma excelente leitura a todos!

Bruno Queiroz Oliveira

Presidente do Conselho Editorial daRevista de Direito da ADVOCEF

Page 11: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

PARTE 1

ARTIGOS

Page 12: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 13: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

13Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

Licitação sustentável

Vera HipplerDoutora e Mestre em Direito do Estado, subárea deconcentração Direito Administrativo, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo - PUCSPEspecialista em Direito Constitucional pelo Centro

Universitário Amparense - UNIFIASPFormada em Direito e Filosofia pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul - UFRGSConselheira Editorial da Revista de Direito daAssociação Nacional dos Advogados da Caixa

Econômica Federal - ADVOCEF

RESUMO

O artigo trata da ecoaquisicão ou licitação sustentável ese propõe a responder a questão: pode o Estado enquantogrande consumidor de produtos e serviços consumir de maneiradesvinculada da responsabilidade socioambiental? Porconseguinte, o esboço busca analisar o procedimento que visaequacionar a difícil relação entre economicidade e susten-tabilidade ambiental. Feito isso, constata-se que o papel indutordo Estado em criar mercados para produtos sustentáveis, dadoo imenso poder de compra que possui, mostra-se como opor-tunidade de promover mudanças nos modos de pensar e agirdo setor produtivo.

Palavras-chave: Licitação sustentável. Ecoaquisição.Compras verdes. Responsabilidade socioambiental.

ABSTRACT

The article focuses on sustainable public procurement andquestions if the State can continue consuming withoutaddressing social and environmental issues. It explores ways tobalance conflicting economic and environmental demands andconcludes that, given its immense purchasing power, the Statecan promote markets for sustainable products through shapingthe production sector's way of thinking and acting.

Keywords: Sustainable Public Procurement. Eco-efficientProcurement. Buying Green. Social and environmental issues

Page 14: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

14 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Introdução

Pode o Estado, enquanto grande consumidor de produtose serviços, consumir de maneira desvinculada da responsabilida-de socioambiental ou sustentabilidade?1 A inserção de cláusulasque prestigiam um consumo sustentável no edital do certamelicitatório vem sendo denominada de licitação sustentável.

1 Definição e legislação aplicável – Brasil, EUA e ComunidadeEconômica Europeia

Licitação sustentável, também conhecida como ecoaquisição2,é a licitação

que, com isonomia e busca efetiva do desenvolvimentosustentável, visa a seleção de proposta mais vantajosapara a Administração Pública, ponderados, com a máxi-ma objetividade possível, os custos e benefícios sociais,econômicos e ambientais. Ou de forma mais completa,são os procedimentos administrativos, por meio dosquais um órgão ou entidade da Administração Públicaconvoca interessados – no bojo de certame isonômico,probo e objetivo – com a finalidade de selecionar a me-lhor proposta, isto é, a mais sustentável, quando almejaefetuar ajuste relativo a obras e serviços, compras, alie-nações, locações, arrendamentos, concessões e permis-sões, exigindo na fase de habilitação as provas realmenteindispensáveis para assegurar o cumprimento das obri-gações pactuadas (FREITAS, 2011, p. 34).

A constitucionalidade da licitação sustentável insere-se comodever estatal (art. 2253) e da livre iniciativa (art. 170, VI4), ambos

1 O conceito de sustentabilidade que é empregado neste artigo é o preco-nizado por Freitas (2012, p. 41 e 303): “é o princípio constitucional quedetermina, independentemente de regulação legal, com eficácia diretae imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pelaconcretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, social-mente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador,ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modopreventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar”.

2 Há outros nomes para o certame, como “compra governamental verde”(green public procurement) ou “compra governamental sustentável”(sustainable public procurement), além de environmental procurement,environmentally friendly purchasing, buying green e eco-efficientprocurement (PIRES; TEIXEIRA, 2009, p. 11, nota 12).

3 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equili-brado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo epreservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

Page 15: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

15Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

da Constituição Federal. Todavia, não pode ser considerada for-ma de regulação da atividade econômica promovida pelo Esta-do, impondo-se ao particular que fosse contratar com a Adminis-tração Pública. O artigo 1745 da Constituição Federal dispõe quea regulação da atividade econômica é indicativa para o setor pri-vado, não o obrigando a nada. O ente privado fabrica se quiserprodutos com as especificações ambientais que interessam ao Es-tado. Pensar o contrário colocaria em dúvida a constitucionalidadedesses certames. Em suma, o certame visa dar preferência nos pro-cessos licitatórios aos produtos socioambientalmente corretos, commenor impacto ambiental, cujo processo de produção incorporepadrões socioambientalmente sustentáveis. O objetivo é preser-var o meio ambiente.

As questões, portanto, relativas ao papel indutor do Estadoem criar mercados para produtos sustentáveis estão sintetizadasno princípio da ecoeficiência, consagrado no art. 6o, V, da Lei no

12.305/2010 – PNRS, lei que prevê no seu art. 7o, XI, a licitaçãosustentável como um de seus instrumentos.6

Do ponto de vista normativo, há outras normas que impri-mem validade à licitação sustentável. Destaca-se a Lei no 12.187/09 (art. 6, XII)7, que instituiu a Política Nacional de Mudanças doClima (PNMC), e a alteração da Lei no 8.666/93 promovida pela

4 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento dife-renciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seusprocessos de elaboração e prestação”.

5 “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica,o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo eplanejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativopara o setor privado.”

6 “Art. 7o [...] XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamen-tais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obrasque considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social eambientalmente sustentáveis”.

7 “Art. 6o São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:[...] XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem odesenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a re-dução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como paraa adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferên-cia nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parceriaspúblico-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão paraexploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostasque propiciem maior economia de energia, água e outros recursos natu-rais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos”.

Page 16: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

16 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Lei no 12.349/10 ao preceituar que a licitação se destina “[à] pro-moção do desenvolvimento nacional sustentável” (Lei no 8666/93, art. 3, caput)8.

E, mais recentemente, a Lei 13.303/2016, que dispõe sobreo estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de econo-mia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios, em seus artigos 1o,§ 7o, VIII; 27, § 2o; 31; 32, §§ 1o e 2o, e 47, III, faz referência àinclusão da variável ambiental nas licitações e contratos admi-nistrativos que ela disciplina. Em razão de os dispositivos apre-sentarem cunho eminentemente preventivo, que visa a evitar oenvolvimento das empresas estatais em práticas que destoam dalegislação ambiental vigente, faz-se importante transcrevê-losabaixo:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico daempresa pública, da sociedade de economia mista ede suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer em-presa pública e sociedade de economia mista da União,dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios queexplore atividade econômica de produção ou comer-cialização de bens ou de prestação de serviços, aindaque a atividade econômica esteja sujeita ao regimede monopólio da União ou seja de prestação de servi-ços públicos. [...]§ 7o Na participação em sociedade empresarial emque a empresa pública, a sociedade de economia mis-ta e suas subsidiárias não detenham o controleacionário, essas deverão adotar, no dever de fiscali-zar, práticas de governança e controle proporcionaisà relevância, à materialidade e aos riscos do negóciodo qual são partícipes, considerando, para esse fim: [...]VIII - relatório de cumprimento, nos negócios da soci-edade, de condicionantes socioambientais estabele-cidas pelos órgãos ambientais. Art. 27. A empresa pública e a sociedade de econo-mia mista terão a função social de realização do inte-

8 “Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio cons-titucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a ad-ministração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável eserá processada e julgada em estrita conformidade com os princípiosbásicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumen-to convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”(grifos nossos).

Page 17: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

17Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

resse coletivo ou de atendimento a imperativo da se-gurança nacional expressa no instrumento de autori-zação legal para a sua criação. [...]§ 2o A empresa pública e a sociedade de economiamista deverão, nos termos da lei, adotar práticas desustentabilidade ambiental e de responsabilidade so-cial corporativa compatíveis com o mercado em queatuam.

Art. 31. As licitações realizadas e os contratos cele-brados por empresas públicas e sociedades de econo-mia mista destinam-se a assegurar a seleção da pro-posta mais vantajosa, inclusive no que se refereao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações emque se caracterize sobrepreço ou superfaturamento,devendo observar os princípios da impessoalidade, damoralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiên-cia, da probidade administrativa, da economicidade,do desenvolvimento nacional sustentável, davinculação ao instrumento convocatório, da obtençãode competitividade e do julgamento objetivo (grifosnossos).

Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata estaLei serão observadas as seguintes diretrizes: [...]§ 1o As licitações e os contratos disciplinados por estaLei devem respeitar, especialmente, as normas rela-tivas à: I - disposição final ambientalmente adequada dosresíduos sólidos gerados pelas obras contrata-das; II - mitigação dos danos ambientais por meio de medi-das condicionantes e de compensação ambiental, queserão definidas no procedimento de licenciamentoambiental; III - utilização de produtos, equipamentos e ser-viços que, comprovadamente, reduzam o con-sumo de energia e de recursos naturais; IV - avaliação de impactos de vizinhança, na forma dalegislação urbanística; V - proteção do patrimônio cultural, histórico, arque-ológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação doimpacto direto ou indireto causado por investimen-tos realizados por empresas públicas e sociedades deeconomia mista; VI - acessibilidade para pessoas com deficiência oucom mobilidade reduzida. § 2o A contratação a ser celebrada por empresa pú-blica ou sociedade de economia mista da qual decorraimpacto negativo sobre bens do patrimônio cultural,histórico, arqueológico e imaterial tombados depen-derá de autorização da esfera de governo encarre-

Page 18: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

18 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

gada da proteção do respectivo patrimônio, devendoo impacto ser compensado por meio de medidas de-terminadas pelo dirigente máximo da empresa públi-ca ou sociedade de economia mista, na forma da le-gislação aplicável (grifos nossos).

Art. 47. A empresa pública e a sociedade de econo-mia mista, na licitação para aquisição de bens, pode-rão:[...]III - solicitar a certificação da qualidade do pro-duto ou do processo de fabricação, inclusive sobo aspecto ambiental, por instituição previamen-te credenciada (grifos nossos).

Ainda no plano infralegal e no âmbito federal, há a Instru-ção Normativa no 1/10 da Secretaria de Logística e Tecnologia daInformação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento eGestão (MPOG), que dispõe sobre os critérios de sustentabilidadeambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obraspela Administração Pública Federal direta, autárquica efundacional.

No Direito Comparado e especificamente nos Estados Uni-dos da América, a licitação sustentável encontra-se na chamadaExecutive Order no 13.101/19989 e no âmbito da ComunidadeEconômica Europeia na diretiva ROHS (Restriction of CertainHazardous Substances), que restringe a utilização de determi-nadas substâncias, como chumbo, cádmio, mercúrio e outros nafabricação de equipamentos elétricos e eletrônicos.10

9 Executive Orders (E.O.) are edicts issued by the President. A ExecutiveOrder é ato privativo do presidente estadunidense e tem força de lei oua ela é equiparada. Acessível em The White House. Executive Order n.13.101 of September 14, 1998. Federal Register, v. 63, n. 179, Sept. 16,1998. Disponível em: <http://www.epa.gov/epp/pubs/guidance/executiveorders.htm>. Acesso em: 05 maio 2014.

10 Ver sobre isso em: Comissão Européia. Comprar ecológico. Manual decontratos públicos ecológicos. 2. ed. (emprega legislação e jurisprudênciavigentes em junho de 2011). Luxemburgo. Serviço das Publicações Oficiaisdas Comunidades Européias, 2005. Disponível em: <http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/handbook_pt.pdf>. Acesso em: 05 maio 2014. Essemanual, ao final, contém a legislação e políticas aplicávies às comprasecológicas. No enquadramento jurídico europeu atentar para as Diretivas2004/17/CE e 2004/18/CE - designadas “diretivas relativas aos contratospúblicos”.

Page 19: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

19Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

2 Limites da licitação sustentável

A licitação sustentável é aquela, portanto, que integra cri-térios ambientais de acordo com o estado da técnica, ou seja,com o melhor para o meio ambiente conforme a ciência atualnum preço razoável. Por conseguinte, dita licitação não autori-za qualquer compra, qualquer critério subjetivo e qualquer pre-ço na busca em equacionar a difícil relação entre economicidadee sustentabilidade ambiental. O Estado ambiental ainda é umEstado de direito no dizer de Canotilho e tem como consequênciaprática o afastamento “de qualquer fundamentalismo ambientalque, por amor ao meio ambiente, resvalasse para formas políti-cas autoritárias e até totalitárias com o desprezo das dimensõesgarantísticas do Estado de direito” (CANOTILHO, 1999, p. 43).

Qual amplitude que se pode dar aos parâmetros protetoresdo meio ambiente – ao consumo ambientalmente responsável –quando o Estado consome bens, produtos ou serviços, nos pro-jetos a serem executados, nos casos de alienação de bens oumesmo nas concessões, permissões ou autorizações?

Por certo não é o pagamento de qualquer preço a qualquercusto. A Súmula 177 do Tribunal de Contas da União exige queos critérios sustentáveis devam estar claros no objeto do edital,uma vez que a descrição precisa do objeto licitável constitui re-gra indispensável para prestigiar a competitividade da licitação,bem como a igualdade entre os licitantes.

Os parâmetros empregados podem ser variados11, tais como:1 - “especificações técnicas do produto (exigir o uso de cer-

ta quantidade de borracha reciclada no asfalto, não comprarprodutos com amianto, preferir carros a álcool ou exigir licençaspara a atividade a ser contratada)12,

2 - especificações de desempenho (se referem à cobrança deresultados ambientais, como exigir maior economia ou eficiên-cia em um determinado processo, por exemplo, na distribuiçãode energia, coleta e eliminação de lixo com menor prejuízo aomeio ambiente ou na escolha de aparelhos elétricos que gastemmenos energia ou veículos que consomem menos combustível),

11 Conforme BIM, Eduardo Fortunato, Considerações sobre a Juridicidade eos Limites da Licitação Sustentável, p. 178 a 180. In Licitações eContratações Públicas Sustentáveis, SANTOS, Murillo Giordan e BARKI,Teresa Villac Pinheiro (coord.) Belo Horizonte: Ed. Forum, 2011.

12 As especificações do bem a ser adquirido ou mesmo dos critérios decertificação devem ser tecnicamente justificadas e de forma completa/precisa e suficiente (Lei nº 8.666/93, artigos 7º, parágrafo 5º, e 15, pará-grafo 7º, I, c/c Súmula 177 do TCU).

Page 20: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

20 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

3 - especificações de método de produção/prestação do ser-viço (aquelas nas quais o Poder Público impõe aos licitantes de-terminados métodos de produção ou prestação de serviçosambientalmente defensáveis. O Poder Público pode recusar acompra de bens fabricados sem seguir determinadas especifi-cações de produção, tal como comprar energia produzida a par-tir de energias renováveis – eólica, solar, geotérmica, ondas dasmarés, gases dos aterros – bem como rechaçar prestação de servi-ços que não atendam a determinadas técnicas),

4 - e a elaboração de projetos estruturalmente sustentáveis(critério que se origina com a estrutura da obra). O uso da ener-gia solar, o reúso da água, o tratamento de efluentes gerados eo aproveitamento da água da chuva são alguns exemplos destetipo de concepção sustentável”.

Há quem imponha resistência à licitação sustentável em ra-zão de ela violar o art. 3º, parágrafo 1º, I da Lei nº 8.666/93 –pela imposição pelo Estado de cláusulas que restringiriam acompetitividade do certame, estabelecendo requisito “imperti-nente ou irrelevante para o específico objeto do contrato”.13

O critério ambiental será impertinente ou irrelevante se elevier a beneficiar alguns particulares, em detrimento da propostamais vantajosa, Todavia, se vier a atender ao interesse público,ele é pertinente e relevante.

Ora, a própria Lei de Licitações prevê que os projetos bási-cos e executivos de obras ou serviços levem em conta diversosaspectos que dão sustentação à inserção de critérios ambientaisnos editais dos certames públicos, como a previsão do art. 12, VII– a consideração pelo “impacto ambiental da obra ou serviço” –e a do art. 6º, IX, para assegurar o “adequado tratamento doimpacto ambiental do empreendimento”.

13 “Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio cons-titucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a ad-ministração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável eserá processada e julgada em estrita conformidade com os princípiosbásicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumen-to convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. 1o Évedado aos agentes públicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atosde convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam oufrustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedadescooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da na-turalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra cir-cunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do con-trato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Leino 8.248, de 23 de outubro de 1991”.

Page 21: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

21Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

Com relação ao impacto ambiental da obra ou serviço, oentendimento cristalizado após a edição da Lei nº 12.305/2010 –Política Nacional de Resíduos Sólidos – é de que tal impactoambiental é o do ciclo de vida do produto, que deve ser consi-derado não só na execução da obra, mas na sua manutençãoe operação, incluindo-se a preocupação com o descarteambientalmente adequado de resíduos e rejeitos gerados naexecução, desativação/desmobilização do empreendimento. Por-tanto, o critério ambiental é pertinente e relevante aos olhos dolegislador.

Também o art. 13, III da Lei Nacional da Política do MeioAmbiente preceitua que o Poder Executivo deve (é cogente opreceito) incentivar as atividades voltadas ao meio ambiente,visando a “iniciativas que propiciem a racionalização do uso derecursos ambientais”.

Resta concluir, portanto, que o Estado deve consumir comresponsabilidade ambiental porque atende ao interesse públi-co primário.

Nesse ínterim, pode o Estado – bem dito, o Poder Executivo– editar norma que veda a compra de produtos ou equipamen-tos que agridam a camada de ozônio14, que proíba a utilizaçãode alimentos transgênicos na composição da merenda escolarfornecida aos alunos dos estabelecimentos de ensino oficial15,que obriga ou recomenda a aquisição de impressoras que impri-mam, preferencialmente, em frente e verso, que institui a coletaseletiva de resíduos etc.

Para o Supremo Tribunal Federal (STF) existe reserva daAdministração na edição dessas normas. As regras de iniciativalegislativa devem ser do Executivo. O Tribunal trata comoindevida a interferência do Poder Legislativo se dele provier ainiciativa de edição de ditos preceitos.16 Vide ADI nº 3.059-MC,na qual a Corte decidiu que a Lei nº 11.871/02, do Estado doRio Grande do Sul, que instituiu, no âmbito da AdministraçãoPública sul-rio-grandense, a preferencial utilização de softwareslivres ou sem restrições proprietárias – no caso lei de iniciativa daAssembleia Legislativa – não poderia antecipar a avaliação con-creta da Administração Pública, feita caso a caso, criando prefe-rência legal atemporal para determinado software. Dita avalia-ção deve ser feita pelo Executivo, sob pena de violação do prin-cípio da separação de poderes (art. 2º da CF).

14 Decreto federal n. 2.783/98.15 Lei do Estado de São Paulo n. 10.761/10.16 Todavia, a reserva sofre moderação, se a lei for de iniciativa do Poder

Executivo ou se a emenda ao texto legal dele provier.

Page 22: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

22 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

3 Direito subjetivo à licitação sustentável

“Seria possível a uma ação judicial ou administrativa (tribu-nal de contas) determinar a alteração de editais ou a interrup-ção de licitações e/ou contratos se não for respeitada a inserçãode critérios sustentáveis na licitação? A licitação sustentável exis-tiria apenas como direito objetivo (law) ou também se constitui-ria em um direito subjetivo (right), gozando de proteção judici-ária?17”

Entende-se que tais certames existem também como direitosubjetivo, mas com algumas reservas.

Uma dessas reservas é o entendimento de que os critériosambientais não existem isoladamente e devem se compatibilizarcom todos os demais valores inseridos na ordem jurídica.

Outra reserva decorre da natureza que o direito de se exi-gir a licitação sustentável assume no contexto jurídico. Ele de-corre do princípio a um meio ambiente ecologicamente equili-brado (art. 225 da CF), cuja natureza jurídica é de um direitodifuso. Sob essa perspectiva, tal direito teria a proteção dosmeios judiciais que os direitos difusos possuem. Entretanto, háa possibilidade de o particular prejudicado em uma licitaçãoprovocar o Tribunal de Contas18 ou mesmo exercer certo con-trole e exigibilidade judicial da licitação sustentável alegandoinviabilidade no processo licitatório por não observância dasregras sustentáveis, quando estas não sejam claras. Diz-se certocontrole porque há limitações na caracterização da licitação sus-tentável como direito subjetivo exigível e uma delas é o pró-prio estado da técnica – o Estado não pode ser obrigado a se-guir modismos, estudos científicos novos e não amadurecidosna comunidade científica – e outra é a vedação do custo exces-sivo – a técnica adotada pelo Estado pode ser cara, desde quenão seja exorbitante. As duas limitações abarcam área reconhe-cidamente da discricionariedade administrativa, cuja zona édefesa ao Judiciário ou aos tribunais de contas, exceto nos ca-sos desarrazoados. No caso do estado da técnica, o SuperiorTribunal de Justiça (STJ) prudentemente adota o princípio dadeferência técnico-administrativa, isto é, atuação com a maiorcautela possível , cautela que não se coaduna cominsindicabilidade, covardia ou falta de arrojo. São situações queenvolvem aspectos multidisciplinares – telecomunicações, con-

17 Questões todas levantadas por Bim (2011, p. 203). As respostas estão emconformidade com o texto do autor.

18 Possibilidade acolhida no Acórdão do TCU n. 1.260/2010.

Page 23: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

23Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

corrência, direito de usuários de serviços públicos etc.19 Em setratando do estado da técnica, admite-se que o custo da licita-ção sustentável seja superior desde que não seja exorbitanteou desarrazoado. A vedação de custo excessivo pode traduzir-se em preços competitivos por analogia com o princípio daecoeficiência previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos,Lei nº 12.305/2010, art. 6º, V.

4 Formas práticas de implementação das licitaçõessustentáveis20

Resumidamente, as l icitações sustentáveis podem serimplementadas através de três tipos de medidas: escolha eespecificação técnica do objeto do certame, exigência de requi-sitos de habilitação e imposição de obrigações contratuais.

A especificação técnica do objeto deve evitar o direcio-namento indevido. Evita-se citada acusação quando na etapade “caracterização do objeto a ser licitado, sejam observados osprincípios da impessoalidade ou da finalidade pública, da efici-ência e da isonomia, com descrição adequada do objeto de for-ma a atender ao interesse público, maximizar o resultado e am-pliar a competitividade, evitando-se tanto a deficiência como oexcesso na caraterização do objeto. [...] As exigências quanto àsespecificações técnicas de determinado produto a ser adquiridodevem ser somente aquelas indispensáveis ao atendimento dasnecessidades específicas da administração em termos de desem-penho, durabilidade, funcionalidade e segurança. (Acórdãonº 2.476/2008, Plenário. Rel. Auditor André Luís de Carvalho.Julg. 5.11.2008. DOU, 7 nov. 2008)”. Todavia, não deve limitar-se ao aspecto econômico apenas, mas deverá ser conjugado coma avaliação do ciclo de vida do produto21, já que a Administra-ção Pública deve atuar para obter a proposta mais vantajosa parao interesse coletivo e esta deve acarretar o menor impactoambiental nos respectivos processos de fabricação, consumo edisposição final. Em suma, a especificação técnica do objeto dalicitação com base em elementos de sustentabilidade ambiental

19 Ver Resp nº 1.171.688/DF, Segunda Turma, v.u. Rel. Min. Mauro CampbellMarques. Julg. 1º.6.2010. Dje, 23 jun. 2010.

20 Conforme Terra, Csipai e Uchida (2011, p. 219-245).21 Art. 3, IV, da lei n 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos.

“Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IV - ciclo de vida doproduto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, aobtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consu-mo e a disposição final”.

Page 24: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

24 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

deve ter um fundamento objetivo – técnico ou legal – que afas-te qualquer alegação de direcionamento do certame ou de res-trição injustificada à ampla competitividade e à isonomia entreos participantes.

No que tange às exigências de habilitação, estas devem seras mínimas possíveis nos termos exatos da Constituição Federalde 1988, não podem ultrapassar aquelas indispensáveis à ga-rantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI). Em vistadisso, os requisitos de habilitação são interpretados restri-tivamente pela jurisprudência, e critérios ambientais somente sãoadmitidos quando têm por fim garantir o cumprimento do con-trato. É muito difícil, portanto, a inserção de critérios ambientaisnessa fase do certame, sendo mais seguro o seu uso na escolhado objeto da licitação ou na fase das propostas, mas não é im-possível. Pode-se empregá-los na qualificação jurídica, na qualhaveria a possibilidade de se exigir registros, licenças, certifica-dos e congêneres quando a atividade assim o exigir (art. 28, V,da lei n. 8.666/93).

Finalmente, a inserção de critérios socioambientais nas obri-gações impostas à contratada refere-se ao dever da Administra-ção Pública de estipular obrigações ao contratado com vistas aminimizar prejuízos ambientais. A tarefa do Poder Público foifacilitada pela novel Lei 12.305/2010, que prevê no seu art. 3,XII, o instrumento da logística reversa, definida como

instrumento de desenvolvimento econômico e socialcaracterizado por um conjunto de ações, procedimen-tos e meios destinados a viabilizar a coleta e a resti-tuição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, parareaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclosprodutivos, ou outra destinação final ambientalmenteadequada.

Referida Lei traz no art. 33, incisos I a IV, os produtos queobrigatoriamente deverão ser objeto de logística reversa cujosfabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes estãoobrigados a estruturar e implementar sistemas de fluxo reverso,mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, deforma independente do serviço público de limpeza urbana e demanejo dos resíduos sólidos. São eles: agrotóxicos, seus resíduose embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, apóso uso, constitua resíduo perigoso; pilhas e baterias; pneus; óleoslubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescen-tes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e produtoseletroeletrônicos e seus componentes. Ora, a Administração Pú-

Page 25: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

25Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

blica poderá inserir entre as obrigações da empresa contratadaque, na qualidade de fabricante, importador, distribuidor oucomerciante, adote as providências compatíveis, mediante o re-colhimento do produto ou embalagem abarcado pela logísticareversa, com a consequente destinação dos resíduos ou a dispo-sição final ambientalmente adequada de rejeitos provenientesda execução do contrato. Também poderá inscrever cláusula nocontrato que amplie as responsabilidades do particular contra-tado impondo-lhe deveres não apenas inerentes a sua própriaatividade comercial ou industrial, mas também relacionada a seusfornecedores.

Nesse ínterim, a Lei 12.305/2010 instituiu a responsabilida-de compartilhada pelo ciclo de vida do produto nos seguintestermos:

Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilha-da pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementadade forma individualizada e encadeada, abrangendoos fabricantes, importadores, distribuidores e comer-ciantes, os consumidores e os titulares dos serviçospúblicos de limpeza urbana e de manejo de resíduossólidos, consoante as atribuições e procedimentos pre-vistos nesta Seção.Parágrafo único. A responsabilidade compartilhadapelo ciclo de vida dos produtos tem por objetivo: I - compatibilizar interesses entre os agentes econô-micos e sociais e os processos de gestão empresarial emercadológica com os de gestão ambiental, desen-volvendo estratégias sustentáveis; II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos,direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou paraoutras cadeias produtivas;III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdí-cio de materiais, a poluição e os danos ambientais; IV - incentivar a utilização de insumos de menoragressividade ao meio ambiente e de maiorsustentabilidade; V - estimular o desenvolvimento de mercado, a pro-dução e o consumo de produtos derivados de materi-ais reciclados e recicláveis; VI - propiciar que as atividades produtivas alcancemeficiência e sustentabilidade; VII - incentivar as boas práticas de responsabilidadesocioambiental.

Essa mesma lei prevê, no art. 8º, incisos XVI e XVIII, os instru-mentos hábeis a gerar os chamados vínculos de atributividadeque enlaçam fabricantes, importadores, distribuidores e comer-ciantes – acordos setoriais, termos de compromisso e os termos

Page 26: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VERA HIPPLER ARTIGO

26 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

de ajustamento de conduta, nos quais deverão estar expressa-mente previstas as obrigações de cada gerador.

Não é exagero, portanto, o Poder Público exigir da contra-tada, na qualidade de distribuidora ou comerciante, a assunçãode responsabilidade concomitante, porém individualizada, como fabricante, do item que disponibiliza no mercado.

Conclusão

Com essas considerações, tem-se que a tendência atual daAdministração Publica é gradualmente conceder preferência aosprodutos e serviços socioambientalmente adequados, até quese imponham no mercado em razão do fabuloso poder de com-pra que o Estado detém. Está, portanto, nas mãos do gestor pú-blico a oportunidade de promover mudanças nos modos de pen-sar e agir do setor produtivo.22

Referências

BETIOL, L. S. et al. Compras públi-cas compartilhadas: a prática daslicitações sustentáveis. Consumoresponsável de madeira amazôni-ca: a adoção do instrumento dalicitação sustentável por governossubnacionais membros da RedeAmigos da Amazônia. RevistaCadernos de Gestão Pública eCidadania, v. 16, p. 1-20, 2011.

BIM, Eduardo Fortunato. Conside-rações sobre a Juridicidade e os Li-mites da Licitação Sustentável. In:SANTOS, Murillo Giordan; BARKI,Teresa Villac Pinheiro. (Coord.) Li-citações e Contratações Públi-cas Sustentáveis. Belo Horizon-te: Forum, 2011.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Estado de direito. Lisboa:Gradiva, 1999.

COMISSÃO EUROPEIA. Comprarecológico. Manual de contratospúblicos ecológicos. 2. ed. (empre-ga legislação e jurisprudência vigen-tes em junho de 2011). Luxem-burgo: Serviço das Publicações Ofi-ciais das Comunidades Europeias,2005. Disponível em: <http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/handbook_pt.pdf>. Acesso em:7 maio 2018.

FREITAS, Juarez. Sustentabilida-de – Direito ao Futuro. 2. ed. BeloHorizonte: Forum, 2012.

22 Para saber mais: Monzoni Neto et al. (2008); Betiol et al. (2011); Santos e Barki(2011); Guia de Compras Públicas Sustentáveis para a Administração Federal.Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2011; Catálogo Sustentá-vel. Disponível em: <http://www.catalogosustentavel.com.br/>. Acesso em:06 maio 2014; CES – FGV. Centro de Estudos em Sustentabilidade da FundaçãoGetúlio Vargas de São Paulo. Disponível em: <www.ces.fgvsp.br>; e Silva eBarki (2012).

Page 27: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

27Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL

FREITAS, Juarez. Licitações e sus-tentabilidade: ponderação obriga-tória dos custos e benefícios soci-ais. Interessse Público – IP, BeloHorizonte, ano 13, n. 70, p. 15-35,nov./dez. 2011.

MONZONI NETO, M. P. et al. Guiade Compras Públicas Sustentá-veis: uso do poder de compras dogoverno para a promoção do de-senvolvimento sustentável. 2. ed.Rio de Janeiro: FGV, 2008. v. 2.

PIRES, Brigida Raquel Coelho daFonseca; TEIXEIRA, José Manuel Car-doso. Environmental Criteria inPublic Procurement of Cons-truction Work: a Portugue-seAnalysis. Säarbrucken: VDM, 2009.

SANTOS, Murillo; BARKI, Teresa.(Org). Licitações e ContrataçõesPúblicas Sustentáveis. Belo Ho-rizonte: Forum, 2011.

SILVA, Renato Cader da; BARKI, Te-resa Villac Pinheiro. Compras pú-blicas compartilhadas: a práticadas licitações sustentáveis. Revis-ta do Serviço Público, Brasília,v. 63, n. 2, p. 157-175, abr./jun. 2012.

TERRA, Luciana Maria Junqueira;CSIPAI, Luciana Pires; UCHIDA,Mara Tieko. Formas Práticas deImplementação das Licitações Sus-tentáveis: Três Passos para Inserçãode Critérios Sociambientais nasContratações Públicas. In: SANTOS,Murillo Giordan; BARKI, TeresaVillac Pinheiro. (Coord.). Licita-ções e Contratações PúblicasSustentáveis. Belo Horizonte:Forum, 2011. p. 219-245.

Page 28: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 29: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

29Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

Apontamentos gerais daapelação no CPC/2015

Vinicius Silva LemosAdvogado em Rondônia

Doutorando em Processo pela UNICAP/PEMestre em Sociologia e Direito pela UFF/RJ

Especialista em Processo Civil pela Faculdadede Rondônia – FARO

Professor de Processo Civil da FARO e da UNIRONCoordenador da Pós-Graduação em

Processo Civil da Uninter/FAPVice-Presidente do Instituto de Direito Processual

de Rondônia – IDPRMembro da Associação Norte-Nordeste

de Professores de Processo – ANNEPMembro do Centro de Estudos Avançados

em Processo – CEAPROMembro da Academia Brasileira de

Direito Processual Civil – ABDPCMembro da Associação Brasileira de

Direito Processual – ABDPRO

RESUMO

Este artigo analisa as alterações legislativas realizadas pelonovo ordenamento processual civil no tocante ao recurso deapelação, com o implemento de nova conceituação epossibilidades de utilização de tal espécie recursal. O intuitodesse estudo está em analisar, de maneira geral, as inovaçõesna apelação, como a relação com os efeitos suspensivo eregressivo, a teoria da causa madura e, principalmente, com arecorribilidade das decisões interlocutórias não passíveis derecurso imediato. Um estudo sobre essas novidades e os aspectosgerais da apelação.

Palavras-chave: Apelação. Recorribilidade da sentença.Impugnação das decisões interlocutórias. Teoria da causamadura.

ABSTRACT

This article analyzes the legislative changes made by thenew civil procedure with regard to the lodging of an appeal,

Page 30: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

30 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

with the attachment of new concepts and possibilities of use ofsuch species resources. The aim of this study is to examine, ingeneral, the innovations on appeal, as the relationship with thesuspension effects and regressive, the theory of cause matureand, especially, with the Possibility appeal of interlocutoryappeals are not subject to appeal immediately. A study on thesenews and general aspects of the appeal.

Keywords: Appeal. Possibility appeal of sentence.Challenge the interlocutory decisions. Theory of the CauseMature.

Introdução

A sanção de um novo ordenamento processual proporcio-na diversas mudanças no cotidiano forense e acadêmico, com anatural e necessária adaptação aos ditames já em vigência. Asinovações processuais visam à melhor prática processual, em buscade uma procedimentalidade condizente com uma prestaçãojurisdicional com duração razoável do processo.

Neste artigo, o estudo foca-se no recurso de apelação e nasua relação com a sentença e, ainda, com a nova relação com asdecisões interlocutórias não passíveis de agravo de instrumento,além de detalhar as alterações pertinentes nessa espécie recursal.

A apelação tem novas relações com institutos antigos, comoo efeito suspensivo e regressivo, com o juízo de admissibilidade,a teoria da causa madura e a sua própria procedimentalidade e,desse modo, é pertinente um trabalho para delinear todas essasalterações e impactos processuais diante da nova realidade des-se instituto recursal, tão importante para o processo civil brasi-leiro.

Analisaremos a seguir todos os pontos da apelação dianteda nova sistemática imposta no CPC/2015.

1 Apelação

A apelação sofreu, em sua base geral, apenas a mudançano deslocamento de artigos no CPC/2015, antes estava no art.513 e, agora, foi deslocada para o art. 1.009. Não há, de manei-ra inicial, sobre a relação do recurso com a sentença, o que semudar na conceituação recursal, dado que não foi realizadaqualquer alteração na redação do caput: “De sentença cabeapelação”. Segundo Theodoro Jr. (2007, p. 595), a “apelação,portanto, é o recurso que se interpõe das sentenças dos juízesde primeiro grau de jurisdição para levar a causa ao reexame

Page 31: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

31Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

dos tribunais do segundo grau, visando a obter uma reformatotal ou parcial da decisão impugnada, ou mesmo suainvalidação”.

Se o artigo que dispõe sobre a apelação não mudou suaredação inicial, o mesmo não procede em relação à sentença, oque já vimos, que ampliou sua conceituação, com maiorabrangência do que é o instituto. Tal alteração impacta, igual-mente, no recurso de apelação, ampliando as possibilidades deimpugnação, não alterando, no entanto, suas características. Asentença, no CPC/73, reputava a uma visão consequencial sobreo encerramento do processo de conhecimento como uma defi-nição do instituto. Parcialmente essa visão se mantém, mas demodo a inserir-se como fase de conhecimento, não mais proces-so, pensando na forma sincrética, com um só procedimento, mascom diversos momentos processuais, ocasionando, portanto, vá-rios encerramentos. Logo, quando houver o encerramento doconhecimento, teremos uma sentença e, posteriormente, quan-do chegar ao fim a fase de cumprimento de sentença, teremosnova sentença, não limitando a quantidade de sentenças noprocesso.

De certo modo, a alteração somente positiva o que já erarealidade forense, na alteração que o CPC/73 sofreu em 2005(Lei nº 11.232/2005), quando se alterou, de sobremaneira, a exe-cução de título judicial para um novo formato, intitulado decumprimento de sentença. Com isso, partiu-se o processo em di-versas fases. Ainda no CPC/73, a decisão final dessa fase semprefoi prolatada por sentença, sendo atacada por apelação, nãomudando no CPC/2015 nada em relação ao cotidiano forenseprocessual, porém positivando uma prática, corrigindo o rumolegal para tanto.

Quando se impõe que de sentença cabe apelação, qualquerque seja a sentença existente na demanda, cabe apelação, sejauma de conteúdo de mérito ou sem mérito, respaldadas pelosarts. 485 e 487. Não há, portanto, uma limitação sobre a espéciede sentença que se busca impugnar na apelação.

A grande alteração na conceituação da apelação, no en-tanto, não está na sua relação com a sentença, e sim nos moldesdo art. 1.009, § 1º, com as decisões interlocutórias não passíveisde impugnação via agravo de instrumento, as quais serão passí-veis de impugnação na preliminar de apelação, alterando, en-tão, a própria conceituação da apelação.

Diante dessa inserção acima, a apelação terá a conceituaçãoampla, como o meio processual impugnativo de uma sentença –com ou sem mérito – ou qualquer decisão interlocutória não pas-

Page 32: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

32 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

1 Tradução livre: devolvido tanto quanto apelado.

sível de agravo de instrumento, com o viés de anulação ou re-forma, almejando uma melhoria processual ou material.

1.1 Amplitude da apelação

1.1.1 Devolutividade da apelação – tantum devolutumquantum appellatum1

O recurso de apelação depende da vontade da parte, comoqualquer outro. Mesmo quando a parte sucumbente decide in-terpor a apelação, não será obrigada a recorrer sobre toda asentença, sobre todos os assuntos – processuais e materiais – alicontidos ou sobre todos os pedidos. Há uma necessidade de re-querimento do que se impugna, pela existência do próprio prin-cípio da voluntariedade, somente se recorre do que se quer de-volver à rediscussão ao juízo recursal. De certo modo, avoluntariedade operar-se-á em dois planos, no primeiro, sobrea própria recorribilidade como ato, o exercício do ato recursal,uma opção da parte e, ao realizar tal desiderato, há, ainda, aescolha de qual matéria deseja devolver para a análise do Tribu-nal, impugnando essa parte da sentença ou do processo.

Com base no art. 1.013, a apelação devolve ao Tribunal amatéria impugnada, dependendo da delimitação realizada nopróprio ato recursal, que segundo Lucon (2000, p. 218) “é deli-mitada por o que é submetido ao órgão ad quem a partir daamplitude das razões apresentadas no recurso. O objeto do jul-gamento pelo órgão ad quem pode ser igual ou menos extensocomparativamente ao julgamento do órgão a quo, mas nuncamais extenso”.

O recorrente, com base na sua irresignação, sua vontade derecorrer e seu pedido recursal, delimita quais serão as matériasdevolvidas ao tribunal, que ficará adstrito à resposta jurisdicionala esse pedido, não podendo manifestar-se sobre matérias ouquestão não colocadas em discussão pelo recurso de apelação.

Essa devolutividade delimitada é a manifestação do princí-pio do dispositivo, uma vez que a parte que pretende apelartem a total disponibilidade de recorrer amplamente, tanto detodos os pontos da sentença, quanto de todas as decisõesinterlocutórias não agraváveis do processo, bem como de váriosaspectos processuais, alegando nulidades.

Dessa maneira, não pode o Tribunal manifestar-se sobre ma-téria que nenhuma das partes apelou, pelo fato de que aquela

Page 33: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

33Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

parte da sentença ou decisão, pela ausência de impugnação,restou como transitada em julgado. Materialmente, o que seimpugnou, continuou sub judice, em litígio; no entanto, o quese deixou de impugnar, não restará mais discussão, com o devi-do trânsito em julgado, e depende exatamente das partes, pri-meiro com o ato de recorrer e, posteriormente, do quanto recor-rer.

A impugnação recursal da apelação é importante para a de-limitação do quanto se devolve de matéria no recurso e do al-cance judicante do Tribunal. Em concordância, estabelece o enun-ciado nº 100 do FPPC que “não é dado ao tribunal conhecer dematérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela au-sência de impugnação”.

1.1.1.1 Das argumentações e finalidades da apelaçãoA apelação, como principal recurso do processo civil, tem

abrangência enorme sobre os fundamentos processuais, fáticose jurídicos da ação, devolvendo-os, quando impugnados, parareapreciação do Tribunal. Cada fundamentação diversa propor-ciona um pedido diferente na apelação, devendo coadunar opedido com a argumentação, criando uma relação condizente.Como a maioria dos recursos, o apelante utiliza a argumentaçãode erro in procedendo ou erro in judicando.

Na primeira hipótese, o erro in procedendo divide-se, paraa impugnabilidade da sentença, em duas possibilidades: o víciode formação da sentença (intrínseco) ou o vício processual ouprocedimental (extrínseco). No vício de formação, importantelembrar que a sentença tem regras rígidas de formação, com anecessidade do cumprimento de requisitos formais, tais como orelatório, fundamentação e dispositivo, e, ainda, outras regrasprimordiais, como o respeito ao princípio da adstrição/congruência e a impossibilidade de a sentença ser ilíquida quan-do o autor formular pedido certo e determinado.

No caso de desrespeito a uma dessas possibilidades, há umvício inerente à própria formação da sentença, tornando-a to-talmente anulável, de acordo com a extensão do vício no atojudicial. O erro in procedendo será interno da sentença, ou seja,intrínseco.

Na segunda hipótese, há um vício de procedimento, ou seja,as impugnações que a apelação pode suscitar versam sobre aprópria condução processual, a qual o recorrente entende comorealizada de modo errôneo pelo juízo, fora dos ditames legais,sem ater-se ao disposto no CPC/2015, seja com supressão de atos,falta de intimação, não cumprimento do contraditório, entre

Page 34: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

34 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

tantas outras hipóteses, somente há a necessidade de demons-trar que a regra processual foi tergiversada, logo causando pre-juízo à parte.

Comprovado o vício, por via recursal, seja intrínseco ouextrínseco, justifica-se a invalidação da sentença em grau de ape-lação pelo colegiado. A consequência da alegação do erro inprocedendo – qualquer deles – é a necessidade do pedido deanulação da decisão pelo recorrente, não há como alegar esseerro sem culminar no pedido de anulação. Em regra, quandohouver a invalidação/anulação da sentença pelo Tribunal, o pro-cesso retorna ao primeiro grau para que outra decisão seja pro-ferida (intrínseco) ou para realizar-se o ato suprimido ou sanaro vício do ato defeituoso, para, somente após, percorrer o cami-nho restante, ainda em primeiro grau, para a prolação de umanova sentença (extrínseco).

Quando se alega erro in judicando, o mérito é o erro daatividade do julgador quanto à aplicabilidade da lei para o casoem concreto, o ato de subsunção, mediante sua interpretaçãoentre os fatos e o direito, seja por meio de doutrina, jurispru-dência ou precedente, o que o recorrente entende como solu-ção decisória equivocada para o caso, impugnando a decisãocom a possibilidade de alegá-la como injusta, como imperfeitapara ser a definição meritória daqueles fatos.

A alegação do equívoco recai exatamente sobre a interpre-tação judicial dada aos fatos ou também sobre a maneira decomo os próprios fatos foram decididos, influenciando, por con-seguinte, o direito ali decidido. Ou seja, os próprios fatos, medi-ante a atividade cognitiva, devem ser definidos diante da buscapela melhor probabilidade de acontecimentos, o que as alega-ções e as provas levam o juízo a crer como o razoável para adefinição fática daquela questão exposta na demanda. Se o juízodefine como os fatos serão considerados para a prolação de de-cisão, logo estes também poderão ser impugnados na sentença,perfazendo, do mesmo modo que as alegações de argumenta-ções jurídicas, um erro in judicando.

Com a congruência entre a argumentação e o pedido, háde se pedir, diante do erro in judicando, a reforma da decisão,seja para alterar a definição dos fatos da decisão ou os própriosfundamentos jurídicos desta, com a substituição decisória peloacórdão a ser proferido pelo órgão fracionário ad quem.

Antes de julgar o mérito, deverá o relator (ou o ór-gão colegiado respectivo, cf. § 4.º do art. 938 do CPC/2015) identificar se há alguma questão preliminar aser resolvida (sobre questões prévias, preliminares e

Page 35: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

35Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

prejudiciais, cf. comentário ao art. 489 do CPC/2015).Não se conhecerá do mérito, caso sua análise sejaincompatível com o que se tiver decidido, em relaçãoà questão preliminar. Deve-se, porém, antes de nãose conhecer do recurso (juízo de admissibilidade ne-gativo), verificar se sua correção ou o saneamento deoutro vício processual que impeça o exame do méritoé possível (cf. comentário a seguir). Rejeitada a preli-minar ou não sendo ela incompatível com o mérito,seguir-se-á o julgamento, com o exame da questãoprincipal (cf. art. 939 do CPC/2015). (MEDINA, 2015,p. 836).

O julgamento do erro in procedendo sempre precederá aodo erro in judicando, pelo fato de que o êxito do primeiro podeimpossibilitar, por vezes, o julgamento da segunda argumenta-ção. Se o juízo entender que há vícios processuais – intrínsecosou extrínsecos –, não há motivos para adentrar-se nas questõesjurídicas, com a anulação da decisão ou de parte do processo,com a volta do processo para um ponto anterior, sem a necessi-dade, portanto, de análise sobre o mérito oriundo do erro injudicando, o que restou como prejudicado.

1.1.1.2 Possibilidade de reexame de provasPor se tratar do recurso com a maior devolutividade no pro-

cesso civil , a apelação tem a possibilidade, mediante aimpugnação realizada, de devolver toda a matéria discutida noprocesso de conhecimento, com total abertura de âmbito, a cri-tério, evidentemente, do recorrente, desde os seus fundamen-tos fáticos, tanto quanto os jurídicos.

Para uma reanálise sobre os fatos da demanda, é necessá-rio, portanto, que haja a possibilidade de rediscutirem-se as pro-vas nos autos, devolvendo ao órgão colegiado do Tribunal aapreciação das provas. A maioria dos recursos não permite arediscussão das provas em grau recursal, sendo, então, exceçãoa revisão de prova no âmbito dos Tribunais.

No entanto, como a apelação visa possibilitar a efetividadedo duplo grau de jurisdição, concedendo abertura para umaampla discussão da demanda nos Tribunais, a discussão probatóriaé matéria pertinente e importante para a apelação. Obviamenteque a decisão pela devolutividade da análise probatória passapela voluntariedade da parte, uma vez que o recorrente deveescolher rever a prova ou não, permitindo, se for o caso, umatotal e ampla reanálise sobre as provas produzidas e até, excep-cionalmente, permitir-se-á a própria produção de prova no Tri-bunal.

Page 36: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

36 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Desse modo, a amplitude da apelação é tamanha, material-mente, que possibilita questões fáticas serem reexaminadas.

1.1.1.3 As questões suscitadas e discutidas no processo, aindaque não tenham sido solucionadas

Nos moldes do art. 1.013, § 1º, as questões que, no primeirograu, foram discutidas ou suscitadas no processo, porém não fo-ram solucionadas, serão, automaticamente, devolvidas ao Tribu-nal, não operando sobre estas a preclusão.

Questões são polêmicas suscitadas em torno de al-gum assunto no decorrer da lide. Surgem quando umfundamento, de fato ou de direito, invocado no pedi-do ou na defesa, é impugnado pela parte adversa.Vale dizer, os fundamentos ensejam questões quan-do são impugnados. Ambos – questões e fundamen-tos – podem dizer respeito apenas ao processo em si(as chamadas preliminares) ou a temas de fundo (PE-REIRA, 2004, p. 88).

Esse dispositivo permite duas reações processuais diversas. Aprimeira, muito importante, é a visão de que o recorrente, emsua peça recursal, pode trazer matérias que não estejam cons-tantes na sentença, desde que tenham sido discutidas realmenteno processo, com um efetivo contraditório, com a devidasuscitação por uma parte e a resposta ou, ao menos, oportuni-dade de resposta pela outra parte. De certo modo, a apelação étão ampla que se pode recorrer de matéria que não esteja inseridana sentença, ainda que esteja inserida no processo como umtodo.

A outra reação pertinente está na possibilidade de o Tribu-nal se manifestar sobre tais matérias, ainda que não sejam alvode impugnabilidade, oficiosamente, uma vez que tais pontosou matérias fazem parte da demanda e estariam, processualmen-te, representando uma lacuna na lide e, principalmente, na sen-tença, podendo até classificá-la, de certo modo, como uma deci-são citra petita, justamente por conter uma lacuna a ser sanada,possibilitando a análise pelo Tribunal, sem atingir o princípioda adstrição recursal.

Diferentemente de pedidos que o recorrente não impugnae, com isso, não serão analisados pelo Tribunal, essas questõesnão foram solucionadas pelo juízo a quo, criando uma lacunasobre determinadas matérias, o que possibilita ao colegiado nãorevisitá-las, pelo fato de que nunca foram visitadas, tampoucosolucionadas, mas debruçar-se sobre elas, pela primeira vez na

Page 37: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

37Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

demanda, para solucioná-las. Não serão, assim, reanalisadas, esim analisadas pela primeira vez para suprir a falha na prestaçãojurisdicional anterior.

Nesse momento, com base na abertura dada pelo art. 1.013,§ 1º, se o recorrente não impugnou essa parte do processo, coma possibilidade de o Tribunal manifestar-se oficiosamente, esta-rá presente o efeito translativo, como já vimos nas hipóteses deenfrentamento de matérias de ordem pública, o que não deixade ser uma questão não solucionada, pois, de acordo com Bueno(2008, p. 82), “sendo legítima a atuação oficiosa do órgão adquem nos casos de ‘matérias de ordem pública’, desde que te-nha havido proferimento de juízo positivo de admissibilidade”,porém se houver pontos processuais ou de direito material, ain-da que não sejam de ordem pública, suscitados e não decididos,será possível a manifestação oficiosa, permitindo, portanto, novahipótese de translatividade.

No entanto, toda essa translatividade somente ocorre, deigual modo a devolutividade, após o juízo positivo deadmissibilidade. Mas, se o recorrente impugnou, em sua peçarecursal, essa matéria, ainda que não decidida, o efeito serádevolutivo? É um tanto estranho imaginar que irá devolver-seuma matéria nunca decidida, contudo ao encarar que o efeitodevolutivo está interligado à delimitação da matéria a ser res-pondida pelo julgamento recursal, suscitar uma matéria não cons-tante na sentença, almejando que o Tribunal analise-a, é ummodo de visualizar o efeito devolutivo, mesmo que de maneiraum pouco transversa.

Se o recorrente não requerer no recurso, não haverá umpedido em específico, somente permitindo-se a análise das ques-tões não decididas ou não solucionadas, desde que contraditadas,o efeito será translativo, e não devolutivo.

Sobre a ordem de julgamento recursal, essas questões nãojulgadas em primeiro grau podem vir de duas maneiras: comopreliminar e como mérito. Na primeira hipótese, essa questãodeve ser analisada de maneira antecipada ao mérito do própriorecurso, primeiramente, as questões não decididas, para depoisse adentrar ao mérito, podendo essas questões até influenciar opróprio mérito recursal. Por outro lado, se a questão não julgadapelo primeiro grau for meritória, como um pedido não julgado,uma sentença citra petita, não há problemas em ser posterior-mente, junto ou após o julgamento de mérito dos outros pedi-dos existentes.

Page 38: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

38 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

1.1.1.4 Se o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamentoe o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolveráao tribunal o conhecimento dos demais

O recurso devolve a matéria para o Tribunal, de acordo enos limites dos seus pedidos, traduzindo, literalmente, o signifi-cado do efeito devolutivo. O recorrente deve fundamentar orecurso com as suas razões e argumentos para embasar os moti-vos de sua irresignação recursal, mediante o pedido realizadonaquele ato.

No entanto, é pertinente salientar que a devolutividaderecursal está atrelada ao pedido realizado na peça impugnativa,não sobre as matérias que ali estão delimitadas somente, poden-do, se for o caso, que o colegiado fale sobre outras matérias oufundamentos existentes na demanda, mas que não foram suscita-dos, seja para a base fático-jurídica da sentença ou do própriorecurso. Logo, para o acolhimento ou não do recurso, independede o Tribunal ater-se aos fundamentos do recorrente, o vínculoentre o recurso e o acórdão que surge do julgamento está nopedido, a fundamentação do recorrente somente serve para de-monstração legítima da sucumbência, do descontentamento, nãoestabelece um vínculo entre o recurso e a necessidade do funda-mento para acolhimento ou não pelo Tribunal.

Se o autor invocara dois fundamentos para o pedidoe o juiz o julgou procedente apenas por um deles,silenciando sobre o outro, ou repelindo-o expressa-mente, a apelação do réu, que pleiteia a declaraçãode improcedência, é suficiente para devolver ao tri-bunal o conhecimento de ambos os fundamentos(CHACPE, 2011).

A revisão realizada pelo Tribunal tem total amplitude paratratar de diversos fundamentos que foram suscitados e debati-dos entre as partes, independente de a sentença ou recurso fa-lar sobre todos, o colegiado pode ater-se a qualquer dos funda-mentos, tanto do recorrente quanto do recorrido. O efeitodevolutivo devolve toda a matéria de mérito para reapreciaçãoexistente na demanda sobre aquele pedido, a relação deste efeitoé, exatamente, com o pedido impugnado. Em conformidade, oenunciado nº 102 do FPPC afirma que “o pedido subsidiário (art.326) não apreciado pelo juiz – que acolheu o pedido principal –é devolvido ao tribunal com a apelação interposta pelo réu”.

Já para Rodrigo Barioni (2007) a principal diferençaentre questões e fundamentos consiste no fato de

Page 39: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

39Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

ser possível que um único fundamento contenha di-versas questões a serem resolvidas. A recíproca, con-tudo, para o autor, não é verdadeira: não há questõesque contenham diversos fundamentos. Isso implicaoutra importante diferença entre os temas: a solu-ção das questões antecede, logicamente, a decisãode acolhimento ou rejeição dos fundamentos. Para sesaber se determinado fundamento será acolhido, obri-gatoriamente o juiz deverá ter julgado questões aele pertinentes (CHACPE, 2001).

Desse modo, por mais que o recorrente tente limitar o seuato recursal quanto aos argumentos que entende como perti-nentes para a revisão, o colegiado pode interpretar outros fun-damentos, estando estes de volta ao julgamento justamente portodo o processo, dentro da limitação do pedido impugnado,poder ser reanalisado. O intuito recursal é analisar tudo aquiloque foi pedido, ou seja, o mérito do recurso, independentementedos fundamentos necessários para basear essa análise, desde queexistentes na demanda. Caso o relator queira inovar em termosde fundamentos, pode intimar as partes para manifestação, mas,no caso de argumentações das partes no processo, o colegiadodetém total liberdade para acatar outros fundamentos que jáforam debatidos ou suscitados na demanda.

1.1.2 Momento de impugnar as decisões interlocutórias nãopassíveis de agravo de instrumento

O art. 1.009, § 1º versa sobre as questões decididas em pri-meiro grau durante a fase de conhecimento, ou seja, as decisõesinterlocutórias realizadas nessa fase. No entanto, o legisladordividiu as decisões interlocutórias, quanto a sua recorribilidade,em duas espécies, durante a fase de conhecimento: aquelas pas-síveis de impugnação via agravo de instrumento e aquelas nãopassíveis dessa recorribilidade.

As primeiras, com a possibilidade do agravo de instrumen-to, serão impugnadas, se a parte prejudicada entender perti-nente, imediatamente e, caso não o faça, a preclusão lógica seconsuma e serão questões definidas no processo. De modo in-verso, as decisões interlocutórias não passíveis de interposiçãode agravo de instrumento somente poderão ser impugnadasapós a prolação da sentença, de modo inserto na apelação, es-pecificando como o momento correto para manifestar requeri-mento de análise em sede recursal de qualquer incidente deci-dido durante o processo, sobre o qual não há previsão derecorribilidade imediata.

Page 40: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

40 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O resultado prático: de decisão interlocutória não agravávelde instrumento, cabe apelação. Evidente que não será imedia-tamente, porém cabe apelação. A decisão interlocutória serárecorrível, mas, por escolha do legislador, somente em momentoposterior, diferido para após a prolação da sentença. Cunha eDidier Jr. (2015, p. 231/232) firmam que “Não se deve estranhar:como visto em item precedente, no sistema do Código de Pro-cesso Civil de 2015, a apelação é um recurso que também serve àimpugnação de decisões interlocutórias – aquelas não impugná-veis por agravo de instrumento”.

No campo da preclusão, as decisões interlocutórias sobre asquais o agravo de instrumento será o remédio imediato, opera-se esse fenômeno, caso não haja o intento recursal neste mo-mento. Já na recorribilidade posterior, quando é postergada aomesmo momento da apelação, a preclusão não deve aparecerde imediato, ficando, de igual modo, transferida para o momentoulterior, sem necessidade de impugnação imediata, postergan-do para o momento da apelação.

O CPC/2015 contém relevante modificação relativa-mente ao sistema de recorribilidade das decisõesinterlocutórias que culmina por afetar a amplitudedo recurso de apelação, alargando-a. Com efeito, aocontrário do que sucede no CPC/1973, as decisõesinterlocutórias não serão, em regra, passíveis de re-curso de agravo (no CPC/2015, agravo de instrumen-to): serão objeto de impugnação ou no bojo da apela-ção, em capítulo preliminar próprio, ou nascontrarrazões. O CPC/2015, portanto, torna absolu-tamente excepcionais as hipóteses de interposição derecurso em separado (agravo de instrumento) em facede decisões interlocutórias (WAMBIER et al., 2015,p. 1439/1440).

Com o fim do agravo retido, a impugnação das decisõesinterlocutórias, que não são agraváveis por via instrumental,acontecerá pela arguição na preliminar da apelação, devolven-do a matéria para o Tribunal. Desse modo, não há uma limita-ção, nesse recurso, de quantidade de interlocutórias a seremimpugnadas, dependendo somente da sucumbência e do inte-resse do apelante em arguir a revisão dessas decisões interlo-cutórias.

Toda essa novel situação sobre a recorribilidade dasinterlocutórias existe pela escolha pela taxatividade das hipóte-ses do agravo de instrumento, a possibilidade de impugna-bilidade das decisões interlocutórias foi restrita a somente pou-cas hipóteses imediatas, deixando em aberto, por outro lado,

Page 41: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

41Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

todas as outras espécies de momentos interlocutórios decisórios,sobre os quais não cabe um recurso para aquele momento, sen-do específico em esperar a apelação. Uma inovação no processoque, em tese, pode trazer benefícios sobre a retirada do agravoretido, por sua própria inutilidade, entretanto retirou-se de di-versas decisões importantes e urgentes a possibilidade recursalimediata do agravo de instrumento.

Quando a impugnação das decisões agraváveis for pela partevencida, a alegação deve ser na peça do recurso de apelação, deforma preliminar, caso seja recorrente. Essa apelação tem duplafunção, mesmo que seja somente uma peça, de modo a umaparte servir para impugnar uma decisão interlocutória, outraparte para impugnar a sentença. De fato, Hill (2015, p. 367) dis-põe que “o recurso de apelação foi objeto de algumas modifi-cações relevantes. Primeiramente, as decisões interlocutórias pas-sam a ser desafiadas, em regra, mediante preliminar de apela-ção ou suas contrarrazões (art. 1.009 § 1º)”.

Existe, de maneira excepcional, a hipótese de o vencido inter-por a apelação somente para falar sobre a decisão interlocutória,sem mencionar a sentença. É uma possibilidade um tanto arriscadaprocessualmente, se a apelação for provida, consequentemente,há impacto na sentença, com possível anulação e retorno do pro-cesso àquele momento da decisão. De outro modo, com oimprovimento, sem impugnação sobre a sentença, o Tribunal nãoobteve a devolutividade sobre esta, não podendo julgar nada so-bre ato sentencial, devido à apelação não alcançá-la.

1.1.2.1 O requisito da impugnação das decisões interlocutóriasnão agraváveis: formalidade ou subjetividade?

O art. 1.009, § 1º, em sua transcrição, menciona a necessida-de de tal impugnabilidade das interlocutórias na apelação sere“suscitada em preliminar de apelação”, ou seja, no início dapetição recursal, deixando de modo específico de que recorreda decisão interlocutória, primeiramente e, somente após,adentra-se nos argumentos impugnativos da sentença.

De certa maneira, o dispositivo regulamenta uma divisãotemporal sobre a recorribilidade dessas interlocutórias nãoagraváveis, uma vez que devem, em regra, ser analisadas de modoantecedente à impugnação da sentença, o que torna pertinen-te a impugnabilidade vir, em termos organizacionais, de mesmamaneira.

Entretanto, há de se imaginar que, apesar de a lei prever talsituação, não se pode imaginar como um requisito formal deadmissibilidade dessa apelação, uma vez que o próprio princí-

Page 42: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

42 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

pio da primazia ao julgamento de mérito já tem serventia parasuperar o excesso de formalidade. Se, na peça recursal, houveruma impugnação visível sobre a decisão interlocutória na fun-damentação e, no momento do pedido, houver a menção daimpugnabilidade de tal ato decisório, a apelação deve ser con-siderada alcançando a decisão interlocutória.

Evidentemente que não se deve conhecer a apelação, ou aparte desta sobre a decisão interlocutória, caso não haja pedidoespecífico de impugnação – anulação ou reforma – de tal atointerlocutório, ainda que haja fundamentação sobre talrecorribilidade. O mesmo ocorrerá de maneira inversa, se hou-ver pedido recursal sobre a decisão interlocutória, contudo semfundamentação de tal ponto, não haverá a possibilidade de co-nhecimento. Conclui-se, então, que há a necessidade de pedidoe fundamentação e, na ausência de qualquer desses sobre aimpugnabilidade da decisão interlocutória, o recurso – ou so-mente parte deste – deve ser não conhecido.

Nas contrarrazões que versam sobre as decisões interlo-cutórias, como veremos a seguir, não há nenhuma especificaçãosobre ser de modo preliminar ou não, contudo há de seguir amesma regra, com a necessidade de fundamentação e do pedi-do para tanto. Pela cooperação, é importante que o recorrido,ao apresentar as contrarrazões, se estas tiverem pedido recursal,indicar desde logo, na petição de endereço, essa intenção. Ob-viamente que a ausência de indicação não pode transformar-seem um não conhecimento, mas é uma atitude de boa-fé e coo-peração.

1.1.2.2 O caráter de recurso das contrarrazões do vencedorEssa hipótese acontece quando arguida a impugnação da

decisão interlocutória não passível de agravo de instrumento,não pela parte vencida na apelação, como vimos no subcapítuloanterior, mas pela parte vencedora, quando for realizar a res-posta ao recurso interposto pelo vencido, ou seja, não o fará naapelação, e sim nas contrarrazões. Essa recorribilidade do vence-dor da sentença será de modo diverso do que seria na apelação,o que deixa clara a necessidade de diferenciar quanto à alega-ção realizada em preliminar de apelação, uma vez que o vence-dor não apelará. Justamente por não ter, em regra, interesse derecorrer. Sem sucumbência, sem interesse recursal.

O primeiro ponto necessário a entender como novidade:contrarrazões sobre decisão interlocutória não agravável são umaespécie recursal, ainda que não presentes como tal no art. 994.São um recurso, uma apelação do vencedor.

Page 43: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

43Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

Será, portanto, um recurso apresentado nas contra-rrazões à apelação, sem pagamento de custas, pre-paro, etc, e cujo interesse recursal pode permanecermesmo em caso de desistência do apelante. Aliás,neste aspecto, não pode ser confundido com o recur-so adesivo onde, em relação ao capítulo principal, hou-ve sucumbência recíproca. Em termos comparativos,as contrarrazões impugnando interlocutória anteri-ormente irrecorrível, guarda semelhança, inclusive noque respeita ao não impedimento de julgamento, aocaso de desistência da ação, estando pendente deapreciação o pedido contraposto formulado pelo réu.É possível concluir, portanto, que se trata de um pedi-do contraposto recursal nas contrarrazões à apela-ção do vencido (ARAUJO, 2016).

Mesmo sem um interesse recursal imediato, uma vez que asentença lhe foi procedente, não há óbice para o vencedor, tam-bém recorrido, impugnar a decisão interlocutória que anterior-mente lhe causou prejuízo. Contudo, o momento correto dessaimpugnação está na apresentação das contrarrazões, contendouma parte com formalidade recursal, por mais que a peça sejapara que o recorrido responda à apelação. Desse modo, a exis-tência de impugnação de decisão interlocutória lhe concede umanatureza diversa de umas simples contrarrazões.

Diferentemente da alegação do agravo retido em contrar-razões, como era no CPC/73, essa impugnação tem viés recursal,não somente a confirmação de um recurso preexistente. As ca-racterísticas recursais devem ser seguidas para o conhecimentodo pedido recursal inserto nas contrarrazões, com volun-tariedade, impugnação, dialeticidade, entre outras.

A peça das contrarrazões tem um caráter duplo, com a ma-nifestação sobre a apelação do vencido em uma parte – caráterdefensivo – e, em outra, a voluntariedade e a impugnação so-bre a decisão interlocutória – caráter ofensivo/recursal. Uma par-te como contra-argumentação à apelação interposta, já a outraparte com a fundamentação de impugnação sobre a decisãointerlocutória.

1.1.2.3 Características das contrarrazões como apelação dovencedor

Essa apelação, realizada de modo interno nas contrarrazões,tem o caráter de recurso subordinado, com subserviência àadmissibilidade da apelação interposta pela outra parte. Se aapelação do vencido for não conhecida, com a falta de algumrequisito de admissibilidade, ou simplesmente houver a desis-

Page 44: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

44 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

2 Comentário do autor: o recurso adesivo tem outras três característicasdiversas que não deixam acontecer a confusão com a apelação do vence-dor. Primeiramente, a apelação do vencedor somente é possível nestaforma recursal, enquanto o adesivo é cabível em outros recursos. Outroponto é a impugnação: no recurso adesivo nasce de uma sucumbênciarecíproca com ambas as partes atacando a sentença; na apelação do ven-cedor, não há sucumbência recíproca e as partes impugnam decisões dife-rentes, uma a sentença, outra uma decisão interlocutória. No recursoadesivo, independe do provimento do recurso principal para o seu julga-mento, na apelação do vencedor, prescinde do provimento do recurso dovencido. O ponto de convergência entre ambos é a subordinação.

tência, “a apelação do vencedor perde o sentido: por ter sidovencedor, o interesse recursal somente subsiste se a apelação dovencido for para frente” (CUNHA; DIDIER JR, 2015, p. 231/232).

Nessa subordinação, a apelação do vencedor, interna nascontrarrazões, parece com o recurso adesivo, mas com diferençaspertinentes2, entre as quais, a mais importante é a presença desua forma condicionada. O que seria essa condição? Não há, naapelação do vencedor, interesse recursal. O vencedor não detémesse interesse, justamente por ter logrado êxito em seu intentona demanda, no entanto, com a possibilidade de provimentodo recurso do vencido, pode nascer o interesse recursal. Logo, aapelação pelo vencedor nas contrarrazões é uma precaução, so-mente com a necessidade de julgamento se o recurso do venci-do for provido; de modo inverso, caso a apelação principal nãofor provida, não há necessidade de julgamento pelo colegiadodas contrarrazões – em sua parte de viés recursal, por falta deinteresse.

Desse modo, qual a condição para julgar a apelação do ven-cedor, constante nas contrarrazões? O provimento da apelaçãodo vencido. É uma condição, somente nesta hipótese, há o jul-gamento daquele recurso interposto.

Apesar de a forma expressa do momento da impugnaçãoser nas contrarrazões, se o vencedor também interpuser um re-curso adesivo – seja por ter outros pontos da sentença atacáveisou simplesmente por utilizar esse meio ao invés das contrarrazões–, não há óbice algum que promova a impugnação da decisãointerlocutória, uma vez que a primazia ao julgamento de méritoe a fungibilidade proporcionariam o aceite dessa maneiraimpugnativa, ainda que equivocada.

Outra possibilidade, contudo com um certo risco, seria a hi-pótese de o vencedor interpor a apelação autônoma sobre umadecisão interlocutória, situação ventilada por Cunha e Didier Jr.Nesse caso, a apelação autônoma do vencedor não tem interes-

Page 45: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

45Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

se recursal sozinha, necessitando de a outra parte também im-pugnar a sentença, ou seja, interpor a sua própria apelação e,ainda, que contenha a sua admissibilidade positiva, proporcio-nando, em consequência, que a apelação do vencedor tambémfosse aceita.

Ocorre, porém, que esse recurso do vencedor é, comojá se viu, subordinado e dependente. É preciso quehaja a apelação da parte vencida. Se o vencedor ante-cipar-se e já recorrer contra alguma interlocutória nãoagravável, e não sobrevier a apelação da partevencida, faltará interesse recursal ao vencedor, de-vendo ser inadmitido o seu recurso (CUNHA; DIDIERJR, 2015, p. 231/232).

De certo modo, tal atitude do vencedor seria um granderisco, uma vez que, se o vencido nada fizer, a sua apelação nãoserá conhecida.

Entretanto, há uma exceção sobre subordinação/condiçãodas contrarrazões que impugnam uma decisão interlocutória,ocasião em que, independentemente de a sentença ser impug-nada ou não pela outra parte, terão interesse recursal.

Há, por fim, a hipótese de apelação autônoma, cabí-vel sempre que não exista relação de prejudicialidadeentre a sentença e a decisão interlocutória. Nessescasos, poderá o vencedor na sentença apelar exclusi-vamente da decisão interlocutória desfavorável, semqualquer laço de subordinação com o recurso do ven-cido (LIBARDONI, 2015, p. 245).

Se o recurso interposto – apelação, contrarrazões ou recur-so adesivo – for para impugnar decisão interlocutória que nãoguarda influência com a sentença, de matéria autônoma ou di-versa desta, como, por exemplo, a decisão que estipula a multaatentatória à justiça, não há motivos para esta via recursal, sejaqualquer de suas modalidades, ser subordinada, tampouco condi-cionada, por não influenciar ou impactar a sentença, com a ne-cessidade de, sob qualquer hipótese, ser julgada.

1.1.2.4 O contraditório e a ordem de julgamentoIndependente da forma escolhida pelo vencedor, com a ape-

lação, ainda que interna nas contrarrazões, o vencido, que jáapelou, é intimado a se manifestar quanto a essa forma recursal,pelo fato que não houve manifestação sobre esse momentodecisório interlocutório pelo recorrente vencido, devendo, porconsequência, cumprir-se o contraditório.

Page 46: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

46 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A sistemática de julgamento da apelação do vencedor fun-ciona de maneira diversa quando a impugnação da decisãointerlocutória for pelo vencido. Explicando:

Se a apelação impugnativa da decisão interlo-cutória for pelo vencido junto com impugnaçãosobre a sentença, o colegiado deve julgar primeira-mente a decisão interlocutória e o recurso que a im-pugna, para posteriormente, em caso de impro-vimento deste, julgar o recurso que ataca a sentença.Se a apelação impugnativa da decisãointerlocutória for pelo vencedor, ainda que internanas contrarrazões, primeiro se julga a apelação queimpugna a sentença, somente após, se houver provi-mento deste recurso, se julga a apelação que impugnaa decisão interlocutória.

O motivo de ordem de julgamentos diferentes é a condi-ção. A apelação do vencedor somente serve como uma condiçãofutura, no momento da interposição das contrarrazões, não háo interesse de recorrer da sentença, tampouco da decisãointerlocutória, pelo fato de que o seu resultado anularia a sen-tença que lhe é favorável. Desse modo, com o provimento daapelação da outra parte, a partir deste momento, a impugnaçãoque fez sobre a decisão interlocutória alcança interesse recursal,merecendo o seu julgamento.

Outra hipótese é aquela em que o vencedor argumenta emcontrarrazões o seu pedido recursal e o Tribunal não julga aapelação principal, aquela do vencido, ou julga improvida, oque importaria em fato de falta de interesse recursal dascontrarrazões, não persistindo motivos para o julgamento, jus-tamente pelo colegiado ter mantido a sentença.

Por outro lado, na hipótese que levantamos sobre a exce-ção – sem subordinação ou condicionamento – a ordemindepende, não necessitando ser antes ou após o julgamentode qualquer decisão, inclusive da sentença. Todavia, o naturalserá ser antes do julgamento das outras decisões, sejam asinterlocutórias que impactam a sentença, bem como da própriasentença impugnada.

1.1.3 A impugnação da tutela provisória na apelação

Toda e qualquer decisão ou liminar deferida ou até indefe-rida como tutela provisória deve ser revisitada, seja para a suadevida confirmação ou revogação (sejam estas totais ou parci-ais) na sentença, sendo, consequencialmente, matéria essencialde impugnação na apelação. Se a decisão de tutela provisória

Page 47: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

47Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

deve ser rediscutida na sentença, logicamente, a matéria serápassível de impugnabilidade via apelação.

Esse ponto é importante para retirar a confusão de que todadecisão que versa sobre tutela provisória seria uma decisãointerlocutória, cabendo, logo, o agravo de instrumento. Se adecisão é provisória, em regra, será revisitada na sentença, tor-nando-se matéria de apelação, ainda que posteriormente.

Existe, ainda, a possibilidade, na sentença, de se deferir a tu-tela provisória – urgência ou evidência – naqueles pedidos quenecessitam de cumprimento imediato ou em hipóteses permissivaslegalmente. Qualquer uma dessas possibilidades, por ser inclusacomo parte do pedido da demanda – seja na forma antecedenteou incidental – e sua resposta na sentença ser matéria de mérito daação, tem como recurso cabível a apelação, devendo por esta viaser impugnada, ainda que tenha caráter de tutela provisória.

Independentemente do resultado dado na sentença – conces-são, revogação ou modificação – da tutela provisória, no tocante aesse capítulo da própria sentença, a sua validade é imediata, o quefoi decidido nessa decisão já detém efeito imediato, gerando obri-gações e direitos com eficácia executiva. Desse modo, sobre a ma-téria decidida em tutela provisória, não se opera o efeito suspensivo,mesmo sendo inserta em uma sentença, sendo uma das suas pou-cas hipóteses de ausência desse efeito automático, conforme a dic-ção do art. 1.012 § 1º, V, possibilitando, portanto, a execução ime-diata daquele comando judicial, obviamente, nos limites materiaisdados pelo juízo naquele capítulo da sentença. Se a tutela provi-sória concedida na sentença envolver todo o seu conteúdo, seráum ato sentencial sem o efeito suspensivo, uma saída para permi-tir-se a recorribilidade, mas possibilitar o cumprimento imediatodaquela decisão. E, ainda, independe se for concedida a tutela deurgência ou de evidência, em ambas, a regra será a mesma.

Caso o resultado, na sentença, seja pela negativa ou revo-gação da tutela provisória, o capítulo da sentença que versa so-bre isso não impactará no processo, sendo que será devolvida amatéria para o tribunal julgar via apelação, ainda que sem oefeito suspensivo. Como a sentença teve como resultado a revo-gação ou a negativa de uma tutela provisória, o que ali se plei-teou não será, caso seja interposta apelação, alcançado pelo efei-to suspensivo. Em regra, a negativa ou revogação importaria emuma ineficácia da decisão, caso procedente no geral, mas nega-da ou revogada a tutela, importando em uma suspensão do con-teúdo e, durante um tempo, em uma ineficácia.

Por outro lado, haverá hipóteses em que essa revogação ounegativa da tutela provisória na sentença abre possibilidade de

Page 48: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

48 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cobranças ou obrigações de fazer/não fazer, justamente por nãoter alcançado a tutela provisória que sustaria ou impediria taiscobranças ou obrigações, contudo, de igual maneira, se houverapelação, esta não será recebida com efeito suspensivo.

O réu, aquele que sofre e será impactado pelo deferimentoda tutela provisória, deve, desde já, cumprir o que foi dispostona sentença, se nesta houver a concessão, ou permanecer cum-prindo, se a concessão foi, anteriormente, no transcorrer da de-manda. A eficácia da tutela provisória é imediata, importandoem um impacto processual sobre a matéria da tutela provisória.

O caminho recursal para impugnar a parte da sentença so-bre a tutela provisória, nessa hipótese, é a apelação. No entan-to, como combater a eficácia imediata da tutela provisória? Se orecurso é a apelação, como proceder para suspender a tutelaprovisória? No caso, o réu apelante, mesmo sendo uma exceçãoao efeito suspensivo da apelação, pode requerer, perante o Tri-bunal, a concessão deste almejado efeito para sua apelação, paraevitar o cumprimento imediato do conteúdo da sentença.

Como a remessa da apelação para o Tribunal demora umcerto tempo, o réu – ou apelante – pode, desde já, requerer oefeito suspensivo à sua apelação, em petição avulsa, direcionadaao Tribunal competente, expondo os motivos que entende se-rem necessários para a concessão do efeito suspensivo daquelasentença, inclusive diante da tutela provisória deferida oumantida, deixando o relator para este pedido, realizado empetição avulsa, prevento para receber a apelação. Caso a apela-ção já tenha sido distribuída perante o Tribunal, o pedido empetição avulsa será direcionado ao relator definido na distribui-ção para a apelação.

Como o § 3º do art. 1.012 especifica “por requerimento di-rigido”, entende-se que não deve ser inserido na apelação opedido de efeito suspensivo, devendo ser sempre em requeri-mento à parte. O motivo é pela própria eficiência, o relator so-mente terá ciência do conteúdo da apelação quando for reali-zar a análise para julgamento, fato que ocorrerá com um lapsotemporal maior do que a necessidade do recorrente, importan-do em uma ineficácia de pleitear-se na apelação, contudo nãohá vício se assim proceder.

1.1.4 Possibilidade de suscitar questões de fato não realizadasno juízo anterior

Suscitar questão de fato não realizada no juízo de primeirograu é exceção. A fase para alegar e comprovar fatos está no

Page 49: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

49Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

processo de conhecimento, durante a instrução probatória, an-tes da sentença. Fato não alegado durante a instrução processu-al, anterior à prolação da sentença, tende a precluir em sua ale-gação, não podendo, em regra, fazer parte como matéria dorecurso essa alegação fática nova.

Entretanto, há a exceção imposta no art. 1.014, quando aparte comprovar em seu apelo que não suscitou anteriormenteas questões fáticas, propostas agora perante o Tribunal, pormotivo de impedimento por força maior. Logo, é importanterequisito a comprovação da existência da força maior para pos-sibilitar tal suscitação fática. Sem isso, a preclusão operou-se e ofato não suscitado anteriormente não interferirá no julgamentodo recurso.

Se há alegação de força maior, a parte que suscita tem totalônus de comprovação desta. Para a verificação do requisito daforça maior, há de se aceitar alguns pontos: primeira hipóteserecai na possibilidade de que o fato seja realmente novo, reali-zado após a sentença, guardando relação com o processo, pro-piciando influência sobre os fatos anteriores; outro ponto estána possibilidade de também poder ser um fato novo somenteno processo, mas a sua existência ser anterior à sentença, ou atémesmo antes do processo como um todo.

Em qualquer dessas hipóteses de fato novo, há de se trazera sua devida comprovação, “fatos novos não se confundem comfatos supervenientes, de forma que os fatos serão novos porqueainda não foram levados à apreciação do Poder Judiciário na-quele processo, ainda que tenham ocorrido – como em regraacontece – antes da prolação da sentença” (NEVES, 2016, p. 2116/2117).

A primeira hipótese – fato posterior à sentença – já nascerevestida de força maior, pelo fato ser superveniente, demons-trando por si só a impossibilidade de suscitação anterior, deven-do, portanto, realizar a comprovação da formação do fato emdata posterior à sentença. Contudo, esse fato realmente posteri-or somente seria possível em obrigações continuadas, com a pre-visão de um impacto posterior, em hipóteses totalmente excep-cionais. No outro caso, o fato é novo ao processo, no entantoantigo quanto à sua existência, contendo o recorrente o ônusde comprovar a impossibilidade da apresentação do fato novoanteriormente, justamente por motivos de força maior e, por essarazão específica, não ter trazido aos autos.

Deve reconhecer-se a ocorrência de tal motivo, em pri-meiro lugar, quando o fato que se traz à apreciação dotribunal ainda não se verificara até o último momento

Page 50: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

50 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

em que a parte poderia tê-lo eficazmente arguido noprimeiro grau de jurisdição. Assim, também quando ofato já se dera, antes ou depois da ins-tauração do pro-cesso, mas a parte ainda não tinha ciência dele; ou quan-do, apesar de conhecê-lo, estava impossibilitada, porcircunstância alheia à sua vontade, de comunicá-lo aoadvogado, para que este o levasse à consideração dojuiz; ou, enfim, quando ao próprio advogado fora im-possível a arguição opportuno tempore (MOREIRA, 2011,p. 457).

O fato alegado como novo na fase recursal não pode inau-gurar um novo pedido, pelo motivo de ser impossível inovarquanto ao pedido da ação e seus reflexos, somente admitindofato que tenha relação com os pedidos já realizados na deman-da. A forma de suscitar o fato pode ser tanto na apelação reali-zada quanto em petição avulsa encaminhada ao relator, depen-dendo da força maior e sua justificativa.

2 Forma de interposição

O recurso de apelação deve ser interposto no prazo de 15dias, agora com a contagem em dias úteis e da ciência da sen-tença, com ressalva dos privilégios da Defensoria Pública, doMinistério Público e da Fazenda Pública – estes através de suaprocuradoria –, que têm prazo em dobro para recorrer, de modoigual ao litisconsórcio, “como a pluralidade de sujeitos em umou nos dois polos da relação jurídica processual que se reúnempara litigar em conjunto” (NEVES, 2016, p. 370), desde que te-nham advogados de escritórios diferentes para cada um doslitisconsortes, a menos que o processo seja eletrônico, o que re-tira essa necessidade.

Em cumprimento ao princípio do contraditório e da ampladefesa, o apelado será intimado para manifestar-se sobre o re-curso de apelação, apresentando as contrarrazões às alegaçõesdo recorrente, no mesmo prazo de 15 dias, também contadosem dias úteis. A não apresentação das contrarrazões não geraefeitos processuais de presunção, como na revelia, não propor-cionando, portanto, um prejuízo processual automático, somentea parte não impugna os fundamentos do recurso, ocasionandoem possibilidade um prejuízo de argumentação, não de formaprocessual em si.

A petição deve ser realizada na forma escrita, seja no modofísico ou eletrônico, dependendo do Tribunal local, interposta pe-rante o mesmo juízo recorrido de primeiro grau, aquele que profe-riu a sentença sobre a qual a apelação apresenta impugnação. Esse

Page 51: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

51Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

recurso deve conter todos os requisitos de admissibilidade para queseja conhecido, inclusive com o devido preparo recursal em anexo,o pagamento das custas processuais dessa fase, variando o valorpara cada Tribunal, de acordo com o seu próprio regimento.

Nas razões de apelação, o recorrente pode alegar tanto osargumentos de erro in judicando, impugnando vícios presentesno julgamento e seu conteúdo, bem como aqueles de erro inprocedendo, indicando vícios na condução do processo ou nodescumprimento da formalidade da sentença. Na primeira hipó-tese, o pedido deve ser pela reforma da decisão, pelo fato denão concordar com os fundamentos fáticos ou jurídicos da deci-são, porém, na segunda hipótese, o pedido deve ser para a anu-lação da sentença, pelo motivo do andamento processual ousua formalidade ser ultrapassada, ou seja, houve uma tergiver-sação do direito processual, inclinando a um vício na sentença.

Há, no entanto, a possibilidade da argumentação conjuntado erro in procedendo e erro in judicando, no mesmo recursode apelação, contudo há de se observar que será antecedente ojulgamento dos argumentos processuais, para, posteriormente,se houver ainda necessidade, julgar-se os argumentos meritóri-os do erro in judicando.

3 O efeito suspensivo automático da apelação

A apelação é o recurso com maior devolutividade no pro-cesso civil brasileiro, devolvendo para a apreciação do Tribunalnão somente a matéria impugnada mas também as matérias deordem pública e as questões suscitadas e discutidas no processo,mesmo que não decididas na sentença. A decisão prolatada nojuízo singular de primeiro grau, com a interposição da apela-ção, encontra-se impugnada, devolvendo a matéria para um novojulgamento, reexaminando questões de fato ou questões de di-reito e, com isso, não tendo uma eficácia imediata, pela existên-cia do efeito suspensivo, conforme determinação legal para tan-to. O efeito suspensivo, portanto, é “aquele destinado a provo-car a suspensão da imediata executividade da decisão impugna-da, de modo a só lhe dar cumprimento após o julgamento dorecurso” (NERY JR, 2004, p. 39).

A apelação, no CPC/83, já era o único recurso com efeitosuspensivo automático, com base no antigo art. 520. Com ainterposição do recurso, automaticamente, a sentença, mesmocom validade, não tem eficácia alguma, até o julgamento dorecurso pela instância superior, neste caso, pelo tribunal de se-gundo grau. Sem eficácia imediata, a sentença restava suspensa,

Page 52: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

52 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

3 Comentário do autor: a retirada do efeito suspensivo estava no projetoapresentado no Senado Federal para o novo código de processo civil, oque foi retirado por emenda na Câmara Federal, mudando todo um tra-balho de construção recursal da apelação para uma nova forma. Umapena.

pelo fato de impugnada pelo recurso, impedindo, também, asua execução ou o próprio cumprimento do conteúdo constantena sentença, que só terá plena eficácia quando for realizado ojulgamento do recurso, levando em consideração o teor do quese decidir no acórdão do segundo grau.

No CPC/2015, o efeito suspensivo automático prevaleceu3 efoi mantido. O art. 1.012 é categórico ao dizer “a apelação teráefeito suspensivo”, de modo claro e simples, sem maiores rodei-os. Continua com a forma da legislação anterior, persistindo, coma interposição da apelação, a manutenção da falta de eficáciaimediata da sentença, em regra.

O novo Código de Processo Civil não foi capaz de cor-rigir a principal disfunção do Código de 1973, quando,é preciso lembrar, essa foi a principal razão eleita paradesculpar a sua criação. Recorde-se que todos viamcomo grave e imperdoável contradição, diante do ins-tituto da tutela antecipada surgido em 1994, a faltade executividade imediata da sentença na pendênciada apelação. Ocorre que o legislador, pressionado porsetores ignorantes e reacionários, manteve a senten-ça na mesma condição de inefetividade em que esta-va no Código de 1973 (MARINONI, 2016).

No CPC/73, o juízo de primeiro grau era o responsável pelaadmissibilidade do recurso de apelação, ao menos perfunctoria-mente, momento no qual realizava também a concessão, ou não,do efeito suspensivo. Agora, diante da nova sistemática deadmissibilidade, não há mais a incumbência do juízo recorridoem realizar tal análise processual, o que importa em uma deter-minada pergunta: quando será concedido o efeito suspensivo?Não há, no CPC/2015, um momento para a concessão do efeitosuspensivo na apelação, entendendo-se, portanto, um real efei-to de concessão automático, uma vez interposta a apelação,automaticamente, há de se pensar a incidência de tal efeito, sema necessidade de manifestação judicial. Desse modo, uma vezinterposta a apelação, esta influencia no processo ao prolongara ineficácia dos efeitos da sentença, não necessitando para tan-to uma manifestação judicial sobre a questão.

Só havia na legislação anterior o efeito suspensivo quandoo recurso era recebido pelo juízo recorrido em sua admissibilidade

Page 53: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

53Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

4 Comentário do autor: ou, no máximo, este recurso que restava inadmissí-vel, detinha o efeito suspensivo do ato de interposição até a decisãosobre a admissibilidade, sem, nesse período, ter eficácia.

preliminar, concedendo, no mesmo ato decisório, o efeitosuspensivo ou não. Recurso sem a admissibilidade positiva nãotinha, na legislação anterior, efeito suspensivo.4 No entanto,agora, sem existência de decisão a quo sobre admissibilidade,não há a necessidade de que as partes esperem por uma decisãojudicial para a concessão do efeito suspensivo, a própriainterposição da apelação gera automaticamente a suspensão dasentença e seu conteúdo. Desse modo, uma vez interposta aapelação, suspensa estará a sentença.

Mesmo uma apelação interposta de forma equivocada, coma ausência de um dos requisitos de admissibilidade, conterá oefeito suspensivo, uma vez que essa análise formal somente serárealizada no juízo ad quem, o que demanda um certo lapso detempo. Desde a interposição do recurso até o momento da aná-lise pelo relator ou colegiado sobre a admissibilidade, mesmoque culmine numa decisão negativa, durante esse período detempo, o recurso conterá efeito suspensivo, sem a possibilidadede execução da sentença.

3.1 A impossibilidade de o efeito suspensivo alcançar asdecisões interlocutórias impugnadas na apelação

O art. 1.012, como já vimos, trata sobre a automaticidadedo efeito suspensivo na apelação. Ou seja, com a interposiçãodo recurso, os efeitos da sentença estarão totalmente suspensos,sem qualquer eficácia e, consequentemente, sem poder realizaro cumprimento da sentença. No entanto, uma dúvida surge noenquadramento desse dispositivo legal com a nova conceituaçãoda apelação, justamente pelo fato de que essa espécie recursalnão se prende mais somente à sentença, impugnando, em igualmomento e possibilidade, as decisões interlocutórias nãoagraváveis.

A dúvida surge: o efeito automático da apelação, existentepelo art. 1.012, alcança a suspensão das decisões interlocutóriasimpugnadas no recurso? Esse ponto é omisso no ordenamento,com um tratamento simplório pelo dispositivo, como se a apela-ção fosse somente sobre a sentença, uma vez que o intuito dasuspensão recai somente sobre o conteúdo do ato sentencial.

Desse modo, para que o art. 1.012 tenha total eficiência emseu intuito legislativo e não comprometa a própria conceituação

Page 54: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

54 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

da apelação, não há como se entender que o efeito suspensivoalcance as decisões interlocutórias impugnadas no bojo da ape-lação. Com isso, há de se entender que o dispositivo somenteguarda relação com a sentença, sem suspender as decisõesinterlocutórias, como constitui o Enunciado nº 559 do FPPC: “Oefeito suspensivo ope legis do recurso de apelação não obsta aeficácia das decisões interlocutórias nele impugnadas”.

Não há sentido em deixar todas as decisões interlocutórias, cujaeficácia é imediata, durante todo o processo, por causa dainterposição da apelação, passarem a não conter mais eficácia, coma suspensão de todos os atos, a insegurança jurídica seria tamanhae não haveria sentido para tal consideração, levando à necessida-de de entender que o efeito suspensivo ope legis da apelação nãoalcance as decisões interlocutórias não agraváveis ali impugnadas.

Evidentemente que as decisões interlocutórias nãoagraváveis que não foram alvo de impugnação na apelação nãosão alcançadas, de igual maneira, pela apelação, por própriaimpossibilidade de alcance material, por falta de devolutividade.

3.2 Das exceções ao efeito suspensivo da apelação

No CPC/2015, da mesma maneira que se optou por mantero efeito suspensivo automático com a interposição da apelação,optou-se, também, pela manutenção de hipóteses deexcepcionalidades para tal efeito, situações em que, mesmo in-terposto o recurso, as sentenças não conterão o efeito suspensivoautomático. Ou seja, mesmo com a impugnação da sentença coma interposição do recurso de apelação, na dicção do art. 1.012,§ 1º e seus incisos, não serão suspensas as seguintes espécies desentenças: aquela que homologa divisão ou demarcação de ter-ras; a que condena a pagar alimentos; aquela que extingue semresolução do mérito ou julga improcedentes os embargos doexecutado; a que julga procedente o pedido de instituição dearbitragem; aquela que confirma, concede ou revoga tutela pro-visória; ou aquela que decreta a interdição.

Todas são hipóteses que trazem em seu conteúdo determi-nada urgência e necessidade de cumprimento imediato da sen-tença, sob fundamento de, assim não o sendo, a própria decisãoperder muito de seus motivos de existência. Por exemplo, umasentença que versa sobre a condenação em alimentos tem umaurgência em sua própria existência, em sua própria aplicabilidade.Se há a condenação, há a necessidade de alimentar diariamen-te, sem a possibilidade de imaginar-se a sentença ser suspensadurante a recorribilidade.

Page 55: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

55Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

Evidente que a excepcionalidade ao efeito suspensivo nãoimpede a interposição da apelação pelo réu, o que é totalmen-te lícito, mesmo na ação de alimentos, por quaisquer motivos,mas este ato recursal não pode suspender a decisão, impondoao recorrido uma possível ineficácia da sentença, impossibilitan-do aquele autor que necessita de alimentos, enquanto o recur-so não fosse julgado, demonstrando que a opção pelaexcepcionalidade é salutar e necessária. Obviamente, nessa hi-pótese, há evidente urgência na viabilidade do cumprimentoimediato da sentença, impossibilitando que sejam amparadas asapelações dessas espécies de processos pela suspensão automá-tica. Em todas as outras hipóteses excepcionais acima citadas epresentes no art. 1.012, § 1º e seus incisos, a urgência está pre-sente em cada um dos méritos, tornando-os excepcionais e, des-se modo, impondo a necessidade da não aplicabilidade do efei-to suspensivo automático.

Não há um momento processual específico para a concessãodo efeito suspensivo, que era no antigo juízo de admissibilidadepelo juízo a quo, agora inexistente no CPC/2015, importando,então, que a apelação interposta, em regra, tem efeito suspensivoe, logo, os casos dispostos como excepcionais serão automatica-mente enquadrados como sem efeito suspensivo, sem necessida-de de manifestação judicial para tanto. Se a regra tem a automa-ticidade do efeito suspensivo, como consequência da própriainterposição da apelação, em modo inverso, quando houverenquadramento em hipótese excepcional, não há necessidadede decisão para dispor que a decisão não será suspensa em suaeficácia.

Não há mais a questão da concessão ou não do efeitosuspensivo, a disposição legal é objetiva, passando a ser sobreo devido enquadramento, utilizando as hipóteses descritas noart. 1.012, § 1º e seus incisos, não contendo dúvidas sobre oassunto, somente enquadrando a sentença e seu conteúdonaquelas matérias discriminadas nas hipóteses excepcionais e,em caso positivo, com a presença material enquadrável, não háo efeito suspensivo, com a sentença podendo, desde logo, sercumprida.

Se uma sentença tiver multiplicidade de pedidos, alguns semas hipóteses excepcionais, porém outros com o enquadramentoem algumas dessas matérias, caso interposta a apelação, os pedi-dos, em regra, serão revestidos do efeito suspensivo, somente ocapítulo de enquadramento no art. 1.012, § 1º, em qualquer deseus incisos, que pode ser já executada provisoriamente, por serausente o efeito suspensivo especificamente para esse pedido.

Page 56: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

56 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

3.3 A possibilidade de pedido avulso de efeito suspensivo nashipóteses excepcionais

Caso a sentença, materialmente, se moldar – ou algum capítu-lo – em alguma hipótese excepcional, a apelação – ou parte dela –não tem efeito suspensivo, podendo, desde já, a decisão ser cum-prida provisoriamente. No entanto, se a parte recorrente, mesmodiante do enquadramento das hipóteses do art. 1.012, § 1º emqualquer de seus incisos, tiver provas ou argumentos para que seconceda o efeito suspensivo, o recorrente poderá pleiteá-lo.

Mas como realizar esse pedido? O recorrente, para taldesiderato, deve requerer a concessão do efeito suspensivo àsua apelação, em petição avulsa, direcionada ao Tribunal com-petente, expondo os motivos que argumenta serem necessáriospara o deferimento de tal efeito. A competência para tal análiseserá do Tribunal e, especificamente, do relator, não podendo ojuízo recorrido versar sobre a questão, ainda que o recorrentepeça no bojo recursal. O § 3º do art. 1.012 especifica que “porrequerimento dirigido” entende-se que não deve ser inseridona apelação tal pedido, devendo ser, em regra, em requerimen-to à parte, criando um incidente recursal para o relator decidirquando chegar a seu conhecimento essa situação. Contudo, nãohá problemas caso o recorrente faça em seu recurso, uma vezque ele será o mais prejudicado, justamente pela demora quetal recurso terá para a devida remessa ao Tribunal.

Caso o recurso já tenha sido distribuído perante o Tribunal,o pedido de efeito suspensivo, em petição avulsa, será endere-çado direcionando ao relator definido na distribuição para aapelação, ficando com deslinde mais fácil e célere para a conces-são do efeito suspensivo. Por outro lado, caso o recurso aindaesteja para ser remetido ao Tribunal, uma vez que o trâmite daapelação no juízo de primeiro grau pode demorar, se houverdemasiada urgência, o recorrente pode, desde a interposiçãoda apelação, protocolar tal requerimento diretamente no Tribu-nal, antes mesmo do recurso lá chegar.

Com essa disposição, o CPC/2015 resolveu o problemaatinente ao limbo que existia entre a interposição dorecurso e a sua distribuição ao respectivo relator. Nes-sa hipótese não haverá mais necessidade de ajuiza-mento de ação cautelar, como descrito no inc. I, o pe-dido formulado por simples petição será objeto dedistribuição a um relator, que se tornará preventopara julgar a apelação. De outra parte, se já distribu-ída a apelação, a petição será direcionada diretamenteao relator (JORGE, 2016, p. 415).

Page 57: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

57Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

5 Código de 1973: "Artigo 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhe-cimento da matéria impugnada. [...] § 3o Nos casos de extinção do proces-so sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logoa lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver emcondições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de26.12.2001)"

Desse modo, o requerimento, anterior à remessa da apela-ção ao Tribunal, deve ser distribuído para um colegiado e,consequentemente, escolhido um relator, o qual restará preventopara receber a apelação, posteriormente, uma vez que já co-nhecerá a matéria por analisar a petição avulsa de pedido deefeito suspensivo.

Em qualquer das hipóteses, o relator decidirá sobre a con-cessão ou não do efeito suspensivo para aquela apelação comconteúdo do art. 1.012, § 1º em qualquer de seus incisos. Decerta maneira, a concessão de tal efeito é comparável com a aná-lise para conceder a tutela provisória, uma vez que os mesmosrequisitos estão precedentes: probabilidade do direito e riscoao resultado útil do processo.

4 A ampliação da teoria da causa madura na apelação

O CPC/73 continha em seu art. 515, § 3o 5, a possibilidade deo Tribunal afastar questões processuais proferidas em sentençaterminativa e, em caso de provimento do recurso na parteterminativa, com a retirada daquele vício meramente processuale, com matéria somente de direito, se o processo estivesse pron-to para julgamento, poderia, desse modo, proceder. Não have-ria, portanto, a remessa de volta ao juízo a quo, decidindo, des-de já, o mérito do processo, mesmo que não haja pronuncia-mento judicial de primeiro grau sobre as questões meritórias.

Com a nova regra, mesmo que a sentença tenha sidoterminativa, o efeito devolutivo da apelação permiti-rá ao tribunal julgar o mérito da causa, desde quesatisfeitos dois requisitos: a) se a causa versar sobrequestão exclusivamente de direito; e b) o feito esti-ver em condições de imediato julgamento (um recur-so contra indeferimento da inicial, por exemplo, nãopode ser apreciado pelo mérito da causa, porque ain-da não se realizou o contraditório; assim, tambémquando a extinção se deu na fase de saneamento,sem que ainda se pudesse ter o contraditório comple-to). Não basta, portanto, que a questão de mérito adecidir seja apenas de direito; é necessário que o pro-cesso esteja maduro para a solução do mérito da cau-sa (THEODORO JR., 2007, p. 661/662).

Page 58: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

58 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O intuito de existência dessa possibilidade passa pela ne-cessidade de celeridade processual, de almejar uma duração ra-zoável do processo, princípio primordial para o processo civil. OTribunal, nessa hipótese, está julgando um recurso de um pro-cesso que impugna uma decisão sem mérito, afastando o vícioque o juízo a quo alegou para encerrar o processo, podendo,desde logo, continuar o julgamento para, numa nova fase, al-cançar-se o mérito. Entretanto, há a necessidade de cumprimen-to de alguns requisitos para tal desiderato: a matéria ser somen-te de direito e o processo estar pronto para julgamento.

Essa inovação atende ao desiderato de acelerar a ou-torga da tutela jurisdicional, rompendo com um his-tórico e prestigioso mito que ao longo dos séculos osprocessualistas alimentam sem discutir. Não há porque levar tão longe um princípio, como tradicional-mente se levava o do duplo grau nos termos em queele sempre foi entendido, quando esse verdadeiroculto não for indispensável para preservar as balizasdo processo justo e équo, fiel às exigências do devidoprocesso legal (DINAMARCO, 2002, p. 152).

Se os requisitos estiverem presentes naquele processo, coma desobstrução do vício anteriormente existente, desnecessáriose faz remeter para o juízo inferior para a prolação de uma ou-tra sentença e, posteriormente, ser cabível novamente um recur-so de apelação para rediscutir essa “nova sentença”, agora demérito. Ao permitir que o órgão fracionário julgue o mérito,nessa hipótese, economiza-se tempo ao processo, ao impedir quehaja uma remessa de retorno ao juízo inferior e, ainda, umapossível interposição de recurso para o Tribunal, com tanto tem-po para ir e voltar, demoraria o processo, para sua devida reso-lução, muito mais tempo. Assim, ao julgar a sentença terminativa,ultrapassando essa parte, convém, desde logo, realizar-se o jul-gamento do mérito.

Manteve, no § 3º, a expressão: se a causa estiver em“condição de imediato julgamento”. Deve-se enten-der, por essa expressão, a situação de o mérito ter sidodiscutido pelas partes em primeiro grau de jurisdição –ou, pelo menos, de se ter verificado o contraditório – aponto de ser possível identificar, com clareza, qual é oquadro fático sobre o qual se funda o pedido. O mes-mo não se verifica, contudo, quando não tiver ocorridoo contraditório. (CONCEIÇÃO et al., 2015, p. 1.450).

O motivo por que se autoriza essa excepcionalidade recai napossibilidade de que aquele processo esteja pronto para ser jul-

Page 59: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

59Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

gado em seu mérito, naquele momento recursal, com o provimen-to pela mudança da sentença terminativa. Com isso, o processoestá maduro para ser julgado e resolvido, com a devida prestaçãojurisdicional naquele momento, pronto para a decisão da ques-tão meritória, concedendo a doutrina a especificação de teoriada causa madura para essa possibilidade, “na verdade, quando otribunal aprecia o objeto de uma causa, sem que o a quo o tivessefeito, de forma total ou parcial, não está propriamente julgandoo recurso, mas sim fazendo o que o juízo inferior faria se os autoslhes fossem devolvidos” (LOPES JR., 2007, p. 36).

Pela possibilidade da teoria da causa madura, abre-se umefeito diferente ao recurso, que não é o devolutivo, pelo fatode este somente devolver a matéria sobre a sentença terminativa,a parte sobre o pedido posterior, da análise do mérito, não con-tém devolução, e sim julgamento pela primeira vez. Dessa for-ma, a apelação serviria como um efeito desobstrutivo, com o pro-vimento do recurso para afastar a sentença terminativa,desobstruiu-se o processo para proferir decisão de mérito, desdelogo. Cunha e Didier Jr. (2016, p. 194) determinam que “o jul-gamento do mérito diretamente pelo tribunal não é conse-quência do efeito devolutivo do recurso, até porque ele ocorreapós o julgamento do recurso - é um outro efeito da apelação,já denominado efeito desobstrutivo do recurso”.

Entretanto, será necessário que a apelação contenha o pe-dido no sentido do julgamento do mérito da ação, para a possi-bilidade em que o pedido anterior sobre a sentença terminativaseja provido? Essa parte é complexa, justamente pelo dispositi-vo autorizante especificar como um dever do Tribunal, e nãouma faculdade, o que importaria na visualização do colegiadosobre o enquadramento na questão, cumprindo o deverjurisdicional.

Cunha e Didier Jr. entendem que o Tribunal somente assimdeve proceder se houver requerimento para tanto, ainda quehaja o enquadramento naquela situação. E, ainda, por outrolado, caso haja, nos pedidos recursais, pedido de tal possibilida-de, a questão deve ser analisada, imbuindo o colegiado do de-ver de enfrentar o enquadramento ou não na teoria da causamadura. Na mesma linha, estabelecem:

Assim, para que seja aplicada a regra do § 30 do art.1.013 do CPC, é preciso que o recorrente, em suasrazões recursais, requeira expressamente que o tri-bunal dê provimento à apelação e, desde logo, apre-cie o mérito da demanda. Caso o apelante requeiraque, após o provimento do recurso, sejam os autos

Page 60: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

60 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

devolvidos ao juízo de primeira instância para análisedo mérito, não poderá o tribunal, valendo-se do § 30do art. 1.013 do CPC, adentrar o exame do mérito,sob pena de proferir decisão extra petita. Caso o ape-lante requeira que o tribunal, provendo seu recurso,já aprecie o mérito, aí sim cabe ao tribunal, obrigato-riamente, proceder a análise do mérito, sob pena dea decisão ser citra petita. Nesse caso, o tribunal ape-nas deixará de apreciar o mérito, se o processo nãoestiver em condições de imediato julgamento. Valedizer que, havendo requerimento expresso do ape-lante, e preenchidos os demais pressupostos legais, éobrigatório ao tribunal, aplicando o § 30 do art. 1.013do CPC, já conhecer do mérito da demanda (CUNHA;DIDIER JR., 2016, p. 195).

Por um lado, sem a existência de pedido para julgamentodo mérito da ação, o Tribunal, ao adentrar-se em questões nãorequeridas na peça recursal, proferiria acórdão incongruente como pedido feito no recurso. No entanto, há um evidente dever docolegiado (OLIVEIRA, 2015, p. 109), uma vez que o art. 1013, §3o estipula que o Tribunal deve, desde logo, decidir o mérito, deum modo que não concede discricionariedade e, ainda, impor-ta, pela própria previsibilidade legal, cientificando as partes,quando houver tal recurso, com enquadramento em situaçõesespecíficas da norma processual em questão, que a utilização dateoria da causa madura é efeito subsequente, sem a necessidadede requerimento ou escolha do recorrente, como prerrogativado próprio colegiado.

Desse modo, quando o colegiado, ao desobstruir o acórdãoviciado, reabrindo a matéria para um novel julgamento, mesmosem requerimento do recorrente, adentra nas questões meritóri-as da demanda, não profere um acórdão inadequado, mas deacordo com os ditames legais, uma vez que detém total liberda-de, pela previsão legal expressa, para já julgar o mérito da de-manda ou, se entender pertinente e necessário, remeter ao pri-meiro grau.

Não há necessidade de requerimento para que se utilize ateoria da causa madura e, ainda, o efeito desobstrutivo. No en-tanto, se o apelante pleitear o julgamento de mérito, de modosubsequente ao provimento da apelação, o colegiado terá queanalisar tal ponto, com total liberdade sobre a escolha de man-dar novamente para o primeiro grau ou julgar o mérito, mas semliberdade se analisa ou não. Há, se houver o pleito, a vinculaçãosobre a análise, ainda que não seja para prover o recurso sobretal ponto, sendo possível o Tribunal optar pela remessa ao pri-meiro grau para completar, processualmente, a demanda.

Page 61: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

61Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

4.1 As matérias possíveis de utilização da teoria da causamadura

No CPC/2015, o art. 1013, § 3o versa sobre as matérias possí-veis de serem devolvidas para um novel julgamento sobre omérito, quando, positivamente, realizar-se a análise dos víciosprocessuais. As hipóteses da aplicação da teoria da causa madu-ra estão estipuladas no dispositivo acima exposto, primeiramen-te replicando a mesma do CPC/73, na sentença terminativa, comoexplicamos, contudo, inova ao acrescentar outras situações le-gais para tanto, ampliando o alcance do próprio instituto dacausa madura na apelação, concedendo maior probabilidade,adequação e viabilidade do instituto.

As outras hipóteses de aplicação da teoria em questão, alémdaquela de sentença terminativa, estão no mesmo parágrafocitado do art. 1.013, as quais indicamos a seguir: falta decongruência da sentença com os pedidos da petição inicial; omis-são na sentença sobre um dos pedidos realizadas na petição ini-cial; nulidade da sentença por falta de fundamentação baseadano art. 489, § 1o; e a última, nesse caso baseada no art. 1.013,§ 4º, quando uma apelação impugna uma sentença em que sereconheceu a decadência ou a prescrição e consegue-se o efeitodesobstrutivo. Em conformidade, Siqueira (2016) disserta sobreassunto:

Não é o caso, assim, de deixar de pronunciar a nulidade.Na verdade, a questão é que, mesmo anulando a sen-tença, não serão os autos mais remetidos à instânciaoriginária, podendo o tribunal, desde logo, apreciar omeritum causae. A questão, repita-se, diz respeito àsupressão de uma instância em favor de se obter umjulgamento definitivo em menor espaço de tempo. Éimportante ter em vista a necessidade de que, efetiva-mente, a nulidade seja pronunciada pelo tribunal adquem nestes casos até mesmo em observância à corre-ta técnica de julgamento nos órgãos colegiados. Pare-ce-nos que, para aplicar o disposto no art. 1013, §3º, IV,do Novo CPC (como, mutatis mutandis, todas as demaishipóteses de “causa madura”), o tribunal deve, antesde tudo, (i) anular a sentença por deficiência de funda-mentação. Posteriormente, deve haver nova delibera-ção a respeito (ii) da possibilidade de julgamento imedi-ato do mérito, pela desnecessidade da produção de ou-tras provas e, em caso positivo, (iii) devem os julgadores,finalmente, proceder à análise do meritum causae.

Quando o Tribunal decretar a nulidade da sentença por serincongruente com o limite do pedido e a causa de pedir, caberá

Page 62: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

62 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

ao colegiado, desde logo, enfrentar o mérito da ação no julga-mento dessa apelação. Nessa hipótese, a decisão recorrida, emsua prolação, fugiu dos limites da formalidade do próprio atoda sentença, com uma evidente violação ao princípio dacongruência/adstrição do ato judicial decisório, uma vez que oslimites impostos no momento do pedido inicial foram ultrapas-sados na decisão, pelo fato de que o juízo não se satisfez emsomente responder os pedidos requeridos na exordial, versandosobre matérias que não constavam na própria lide, seja para ul-trapassar o limite ou para inserir ponto decisório estranho.

Em qualquer deles, seja matéria que ultrapasse ou estranhaa inicial, o vício está na formalidade da sentença, necessitando,portanto, ser anulada, e, se o processo, por estar vencida a fasede produção de provas, estiver pronto para julgamento do mé-rito, ao decretar a nulidade da sentença, no julgamento da ape-lação, o colegiado pode adentrar na análise do mérito da de-manda, uma vez que há o cumprimento do requisito de estarapto para tal julgamento, faltando-lhe, após o efeito desobs-trutivo, somente a matéria de direito a ser aplicada na análisemeritória, podendo valer-se da teoria da causa madura.

Na sentença ultra petita, o juiz concede ao autor atutela jurisdicional pedida, o gênero do bem da vidapretendido, mas extrapola a quantidade indicada peloautor. A sentença extra petita é tradicionalmente con-siderada como a sentença que concede algo diferen-te do que foi pedido pelo autor (NEVES, 2016, p. 1.084/1.085).

Quando houver omissão em um dos pedidos da inicial, ainterposição da apelação permitirá ao Tribunal a possibilidadede apreciá-lo, mesmo quando o juízo de primeiro grau atuoucom desídia, deixando uma lacuna processual, ao não respon-der, em sua sentença, todos os pedidos realizados pelo autor napetição inicial. De certo modo, o Tribunal terá a permissão paraanalisar pela primeira vez tal matéria, o que impossibilita deimaginar uma devolutividade, pelo fato de que não houve umaimpugnação de uma decisão, tampouco uma reanálise, mas opedido para que se analise pela primeira vez. O efeitodesobstrutivo, presente na teoria da causa madura, nessa hipó-tese não está presente, uma vez que não há um vício para serdesobstruído, mas somente uma omissão a ser sanada com umaação, ou seja, com o julgamento do pedido.

O autor – ou, por vezes, o réu – pode interpor embargos dedeclaração para sanar tal vício, contudo não há uma obrigato-

Page 63: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

63Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

riedade, uma vez que a apelação tem ampla devolutividadematerial, possibilitando até a impugnação daquilo que não éconteúdo da sentença. Então, o Tribunal pode, desde logo, jul-gar o mérito desse pedido ausente da sentença, aplicando a te-oria da causa madura, pelo motivo de o processo já estar aptopara tal julgamento, tanto que os outros pedidos foram julga-dos e esse esquecido, gerando uma sentença citra petita, sendosuprida pela possibilidade de o colegiado já julgar tal ponto.Neves (2016, p. 1.086/1.087) esclarece que:

A sentença é citra petita, também chamada de infrapetita, quando fica aquém do pedido do autor ou dei-xa de enfrentar e decidir causa de pedir ou alegaçãode defesa apresentada pelo réu. No aspecto subjeti-vo é citra petita a decisão que não resolve a demandapara todos os sujeitos processuais.

A última hipótese versa sobre a ausência de fundamentaçãoda sentença, quando não se segue a forma especificada no art.489, § 1o, ou seja, não há uma fundamentação adequada na sen-tença, tornando-a desidiosa e lacunosa. De um modo geral, o CPC/2015 primou por uma fundamentação mais real e analítica emcada decisão judicial, impondo ao juízo, quando da prolação dequalquer ato decisório, a necessidade de responder todas as tesesjurídicas levantadas pelas partes, fundamentando de maneira co-erente com a jurisprudência, explicando, de maneira clara, osmotivos da utilização da norma, sem campos vazios ou simplesindicação de normas ou jurisprudências, necessitando deexplicitação da relação destas com o caso, numa real fundamen-tação. Quando a apelação impugnar a sentença, pelo fato de nãohaver a fundamentação correta, o Tribunal, ao acatar tal tese,deve decretar a nulidade da decisão por ausência ou vício de fun-damentação, entrando, desde logo, no mérito da questão, anali-sando pela primeira vez, sem considerar a sentença prolatada, umavez que não se almejará a reforma, e sim um novo julgamento, jáque houve um vício formal na sentença, tornando-a nula.

Além das hipóteses elencadas anteriormente, outra vem logoa seguir, no art. 1.013, § 4º, quando uma apelação impugnauma sentença em que se reconheceu a decadência ou a prescri-ção e, na via recursal, conseguiu-se o provimento para afastarestas prejudiciais, podendo, se houver possibilidade processual,ou seja, com a aptidão para o julgamento meritório, desde logo,proferir o acórdão com o enfrentamento do mérito.

O CPC/2015 ampliou as hipóteses de utilização da teoria dacausa madura e, com isso, buscou-se a celeridade processual e a

Page 64: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

64 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

economicidade de não devolver o processo para o primeiro grau,quando o Tribunal tiver capacidade processual para apreciar omérito diretamente. Ainda no CPC/73, discutia-se, na doutrina,a inconstitucionalidade da possibilidade de utilização da teoriada causa madura, pela sua inerente supressão de instância, nãopermitindo o juízo de primeiro grau sentenciar o mérito, tendoa parte somente o pronunciamento meritório diretamente doTribunal, sem possibilidade de recurso com duplo grau de juris-dição, ocasionando, em tese, um prejuízo processual para a par-te que viesse a ser sucumbente na apelação que se aproveitoudessa teoria. Porém, esse ponto é uma questão totalmente supe-rada na doutrina e jurisprudência sobre a validade da teoria dacausa madura e sua constitucionalidade. Em relação ao § 3º doart. 515:

Segundo pensamos, o § 3º do art. 515 não viola aConstituição Federal. Como se viu, o princípio do du-plo grau de jurisdição não é garantia constitucional.Essa concepção, no entanto, como se mencionou, nãoé pacífica, havendo defensores de orientação contrá-ria. Para estes, muito provavelmente o § 3º do art.515 do CPC deverá ser considerado inconstitucional.O fato de não estar diante de inconstitucionalidade,contudo, não torna, só por isso, menos criticável o pre-ceito, porquanto nos casos em que, em atenção ao §3º do art. 515 do CPC, o tribunal – ou o relator sozinho(cf. art. 557 do CPC) – julga questão de mérito quenão havia sido sequer examinada pelo juízo a quo,estará realizando julgamento que só excepcionalmen-te poderá vir a ser reapreciado (MEDINA, 2002,p. 342).

Assim sendo, o que pretende o referido § 3º do art.515 é estabelecer que em certos casos que se tenhaproferido sentença terminativa (isto é, sentença quenão contém a resolução do mérito) poderá o tribunal,ao apreciar a apelação, julgar o objeto do processo.Ter-se-á, aqui, uma supressão de instância,excepcionando-se a incidência do princípio do duplograu de jurisdição. É de bom alvitre, contudo, recor-dar que o duplo grau não é uma garantia constitucio-nal, tendo suas bases na legislação ordinária. Sendoassim, é perfeitamente possível à própria lei ordiná-ria afastá-lo, como o fez no caso que ora se examina(CÂMARA, 2009, p. 94).

O duplo grau de jurisdição não é um direito absoluto, po-dendo, por diversos momentos e motivos, ser tergiversado nalegislação, com a quebra dessa formalidade de instâncias. Pode-

Page 65: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

65Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

mos dizer, sobre a teoria da causa madura, que há uma supres-são de instância, contudo sem nenhum prejuízo para as partes.

5 Efeito regressivo na apelação

A apelação não tem, em regra, efeito regressivo. A senten-ça, ao ser proferida, é revestida de perfeição como ato processu-al, representando a concepção de resolução judicial para aque-les fatos e demanda, não podendo, o juízo, alterá-la (salvo emcasos de erro material). Mesmo quando interposta uma apela-ção, a sentença ali prolatada não pode ser alterada pelo juízo,nem que este concorde com todos os termos do recurso, uma vezque cabe, por competência organizacional judicante, ao Tribu-nal realizar o julgamento da revisão proposta pelo ato recursal.

Entretanto, em algumas hipóteses, pode o juízo, aquele queprolatou a sentença, por causa da interposição da apelação,reanalisar sua decisão e o recurso e, com isso, retratar-se, anu-lando sua decisão e prosseguindo com o processo justamentedaquela fase processual em que houve a prolação da sentença.Essa possibilidade de retratação é a manifestação do efeito re-gressivo, escasso na apelação, mas existente em três situações:indeferimento da inicial (art. 331), improcedência liminar (art.332, § 3º) ou quaisquer dos casos de sentença terminativa (art.485, § 7º), todos no prazo de cinco dias.

A sentença prolatada pelo juízo, em todos esses casos ex-cepcionais, abrevia o processo de seu andamento normal, cau-sando um encerramento abrupto, longe do ideal, normal e es-perado no CPC/2015, levando à possibilidade, pela interposiçãoda apelação, de o juízo rever sua decisão no sentido de verificarse essa abrupção deve ser mantida ou não, e, com isso, se remeteou não a apelação ao Tribunal julgar ou, desde logo, volta atrásprosseguindo com o processo do momento processual anterioràquela sentença impugnada nessas hipóteses de apelação.

A novidade, no CPC/2015, ficou pela inclusão das hipótesesde sentença terminativa, fato que não existia no CPC/73, de-monstrando que o intuito da nova lei processual passa por pro-porcionar um devido aproveitamento processual, ao possibili-tar, diante de uma apelação interposta sobre uma discussão desentença terminativa, a análise do juízo recorrido se seria ou nãoo caso de voltar atrás e prosseguir com o processo ou realizar aremessa ao Tribunal.

Alguns pontos são pertinentes sobre a possibilidade do efei-to regressivo na apelação. O primeiro está na visualização deque o efeito regressivo nessa espécie recursal é a manifestação

Page 66: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

66 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

do princípio da primazia ao julgamento de mérito, pelo fato deque há a busca pelo julgamento correto em primeiro grau. Ou-tro ponto será a indagação se o juízo deve manifestar-se sobre aadmissibilidade para tal desiderato: como se retratar sem saberse o recurso é tempestivo ou admissível? Esse ponto é pertinentee lacunoso, simplesmente pelo fato de que o juízo de primeirograu não tem mais competência para tal desiderato, mas, comovimos, terá para realizar o efeito regressivo. Desse modo, mesmoque seja uma incongruência, somente há possibilidade de retra-tação em recurso com aparência de admissibilidade positiva.

Conclusão

A apelação é o recurso que representa o princípio do du-plo grau de jurisdição, permitindo a ampla recorribilidade dasentença, culminando, portanto, na revisão, por um órgão hie-rarquicamente superior, de todo aquele processo decidido emprimeiro grau. No CPC/2015, tal espécie recursal passou por umaprofunda transformação, com uma alteração na sua própriaconceituação e hipótese de cabimento, trazendo para sua am-plitude impugnativa as decisões interlocutórias não passíveis deagravo de instrumento, alterando a própria sistemática darecorribilidade das interlocutórias.

Além dessa mudança no cabimento e o impacto na concei-tuação, a apelação tem mudança em seu juízo de admissibilidade,com a mudança na sistemática para uma estrutura somentemonofásica, analisada somente pelo Tribunal, causando impac-to em diversos momentos, como na automaticidade do efeitosuspensivo e na impossibilidade de o próprio juízo analisar aadmissibilidade do recurso interposto. O efeito regressivo – pos-sibilidade de o mesmo julgador rever a sua decisão – aumentoupara incluir a sentença terminativa.

A teoria da causa madura, com a possibilidade de o Tribu-nal julgar, desde já, o mérito da demanda, quando a matériaestiver pronta para julgamento, sem necessidade de produçãode provas, foi ampliada para várias hipóteses, concedendo, por-tanto, uma importância maior do instituto para a própria judi-cância da apelação.

São diversas as mudanças nos aspectos da apelação, demodo a conceder maior amplitude ao recurso e, assim, uma mai-or devolutividade a essa espécie recursal, com a necessidade deadaptação ao cotidiano forense.

Page 67: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

67Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

APONTAMENTOS GERAIS DA APELAÇÃO NO CPC/2015

Referências

ARAUJO, José Henrique Mouta. Asdecisões interlocutórias e o sis-tema impugnativo no novoCPC: alguns questionamentos.2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/as-decisoes-in te r locutor ia s -e -o - s i s tema-impugnativo-no-novo-cpc-alguns-questionamentos/>. Acesso em: 11maio 2018.

BUENO, Cassio Scarpinella. Cur-so sistematizado de direitoprocessual civil, 5: recursos,processos e incidentes nos tribu-nais, sucedâneos recursais: técni-cas de controle das decisões judi-ciais. São Paulo: Saraiva, 2008.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Li-ções de direito processual ci-vil. 17. ed. 2ª Tiragem. Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 2009. v. II.

CHACPE, Juliana Fernandes. Oefeito devolutivo da apelação –apontamentos sobre a aplicaçãodo art. 515 do CPC. Princípio doduplo grau de jurisdição e pers-pectivas frente à reforma do Có-digo de Processo Civil. ÂmbitoJurídico, Rio Grande, XIV, n. 95,dez 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10943>.Acesso em: 23 abr. 2018.

CUNHA, Leonardo Carneiro da;DIDIER JR, Fredie. Apelação con-tra a decisão interlocutória nãoagravável: a apelação do venci-do e a apelação subordinada dovencedor. Revista de Processo,São Paulo, v. 241, p. 231-242, 2015.

CUNHA, Leonardo José Carneiroda; DIDIER JR., Fredie. Curso dedireito processual civil. Meiosde impugnação às decisões judi-ciais e processo nos tribunais. 13.ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Areforma da reforma. São Pau-lo: Malheiros, 2002.

HILL, Flavia Pereira. Breves comen-tários às principais inovaçõesquanto aos meios de impugnaçõesdas decisões judiciais no NovoCPC. In: DIDIER JR., Fredie et al.(Org.). Coleção Novo CPC - Dou-trina Selecionada - v.6 - Proces-so nos Tribunais e Meios deImpugnação às Decisões Judi-ciais. Salvador: JusPodivm, 2015.

JORGE, Flavio Cheim. Teoria Ge-ral dos Recursos. 7. ed. RT: SãoPaulo, 2016.

LIBARDONI, Carolina Uzeda. Ape-lação exclusivamente contradecisão interlocutória: a ausên-cia injustificada à audiência de con-ciliação ou mediação e o recursocontra a multa arbitrada. Disponí-vel em: <http://portalprocessual.com/apelacao-exclusivamente-con-tra-decisao-interlocutoria-a-ausen-cia-injustificada-a-audiencia-de-conciliacao-ou-mediacao-e-o-recur-so-contra-a-multa-arbitrada/>.Acesso em: 23 abr. 2018.

LIBARDONI, Carolina Uzeda. Inte-resse recursal complexo e condicio-nado quanto às decisões interlo-cutórias não agraváveis no novoCódigo de Processo Civil: segundasimpressões sobre a apelação autô-

Page 68: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

VINICIUS SILVA LEMOS ARTIGO

68 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

noma do vencedor. Revista deProcesso, São Paulo, ano 40, v. 249,p. 233-248, nov. 2015.

LOPES JR., Gervásio. Julgamen-to direto do mérito na instân-cia recursal. Salvador: JusPodivm, 2007.

LUCON, Paulo Henrique dos San-tos. Eficácia das decisões e exe-cução provisória. São Paulo: RT,2000.

MARINONI, Luiz Guilherme. O No-vo CPC e a garantia de duraçãorazoável do processo. Disponí-vel em: <http://portalprocessual.com/o-novo-cpc-e-a-garantia-de-duracao-razoavel-do-processo/>.Acesso em: 23 abr. 2018.

MEDINA, José Miguel Garcia. As-pectos Polêmicos e Atuais dosRecursos e outros meios deimpugnação às decisões judi-ciais. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2002.

______. Novo código de proces-so civil comentado. 2. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MOREIRA, José Carlos Barbosa.Comentários ao Código de Pro-cesso Civil. 16. Rio de Janeiro:Forense, 2011.

NERY JR, Nelson. Teoria Geraldos Recursos. 6. ed. atualizada,ampliada e reformulada. Princí-pios fundamentais – teoria geraldos recursos. São Paulo: RT, 2004.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção.Manual de direito processualcivil. 8. ed. Salvador: JusPodivm,2016. Volume único.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. No-víssimo Sistema Recursal - con-forme o CPC/2015. Florianópolis:Conceito Editorial, 2015.

PEREIRA, Joana Carolina Lins. Re-cursos de Apelação. Amplitu-de do efeito devolutivo. Curitiba:Juruá, 2004.

SIQUEIRA, Thiago Ferreira. Aaplicação da “teoria da causamadura” em caso de nulida-de da sentença por falta defundamentação: um diálogocom Marco Antonio Perez de Oli-veira. Disponível em: <http://por-tal processual.com/a-aplicacao-da-teoria-da-causa-madura-em-caso-de-nulidade-da-sentenca-por-falta-de-fundamentacao-um-dia logo-com-marco-antonio-perez-de-oliveira/>. Acesso em:23 abr. 2016.

THEODORO JR., Humberto. Cur-so de direito processual civil:Teoria geral do direito processu-al civil e processo de conhecimen-to. 47. ed. Rio de Janeiro: Foren-se, 2007. v. 1.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim etal. Primeiros comentários aonovo código de processo civil.1. ed. São Paulo: RT, 2015.

Page 69: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

69Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

Precedentes judiciais. Superação.Overruling. Distinção.

Distinguishing. Peculiaridadesdo caso concreto

Jeremias Pinto Arantes de SouzaAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalhopela Anhanguera-Uniderp

Marcelo Quevedo do AmaralAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Doutorando em Direito pela Unisinos/RSMestre em Direito pela Unisinos/RS

Especialista em Direito Registral Imobiliáriopela PUCMG e em Processo Civil pela

Universidade de Santa Cruz do SulGraduado em Ciências Econômicas pela UFRGS

RESUMO

O artigo visa, através de exemplos práticos, incentivar ocuidado necessário para enquadramento dos precedentesjudiciais a teses jurídicas. Objetiva ainda uma reflexão sobre aforma para superação de precedentes. Primeiro é demonstradaa importância legal dos precedentes, principalmente a partirdo CPC de 2015, e consequentemente da superação, da distinçãoe do devido enquadramento. Depois são indicados dispositivoslegais que impõem a observância acurada dos precedentes sejapara superação, seja para distinção, seja para enquadramento,bem como são abordados os institutos do direito norte-americano denominados distinguishing e overruling, relaciona-dos às duas primeiras hipóteses. Feito isso são trazidos exemplosde distinção relacionados aos temas gratuidade da justiça eexceção à impenhorabilidade de remuneração, bem como desuperação de entendimento sumulado. Por fim, o leitor é chama-do para uma reflexão sobre o controle difuso de constituciona-lidade de precedentes obrigatórios.

Palavras-chave: Precedente. Enquadramento. Distinção.Superação. Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

The article aims through practical examples to encouragethe necessary care to frame legal precedents to legal theses.

Page 70: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

70 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

It also aims to reflect on how to overcome precedents. First isdemonstrated the legal importance of the precedents, mainlyfrom the CPC of 2015, and consequently of the overcoming,the distinction and the due framework. Then legal provisionsare indicated that require the accurate observance ofprecedents either for overcoming, for distinction or forframing, as well as for the institutes of North American lawknown as distinguishing and overruling, related to the firsttwo hypotheses. This is done by bringing examples ofdistinction related to the themes of gratuitousness of justiceand exception to the impenhorability of remuneration, as wellas of overcoming the summed up understanding. Finally, thereader is called for a reflection on the diffuse control ofconstitutionality of mandatory precedents.

Keywords: Precedent. Framework. Distinction. Overcoming.Unconstitutionality.

Introdução

O presente artigo versa sobre superação, distinção e devidoenquadramento de precedentes judiciais ao caso concreto, coma indicação de dispositivos legais que assim exigem e exemplospráticos, objetivando incentivar o devido cuidado pelos opera-dores do direito, sejam juízes, advogados, promotores etc. Versaainda sobre a atribuição para superação do precedente.

São apontadas e transcritas normas recursais e de julgamen-to do Código de Processo Civil, do regimento interno do Superi-or Tribunal de Justiça (STJ) e da Consolidação das Leis do Traba-lho e tratados os institutos norte-americanos do distinguishinge overruling.

É abordada uma visão filosófica sobre o tema tomando porbase as visões de Dworkin e Lênio Streck e tratada a necessidadede coerência e de integridade da decisão judicial em prol doEstado Democrático de Direito.

São trazidos exemplos de distinção relacionados àgratuidade da justiça e impenhorabilidade de salário, além desuperação relacionada ao enunciado sumulado do STJ que au-toriza revisão de pactos renegociados pelas partes.

Por fim o leitor é chamado para reflexão a respeito da for-ma de superação de precedentes obrigatórios e é trazido exem-plo sobre entendimento sumulado do STJ inconstitucional porafronta à previsão legal do código civil.

Page 71: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

71Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

1 Superação, distinção e aplicação de precedentes judiciais

1.1 Normas sobre superação, distinção e devidoenquadramento de precedentes judiciais

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 traz uma importân-cia maior aos precedentes judiciais1, razão pela qual o estudo so-bre superação, distinção e devido enquadramento desses àsespecificidades do caso concreto se faz ainda mais importante.

Existe imposição legal neste sentido conforme dispositivosdo CPC de 20152, do Regimento Interno do Superior Tribunal de

1 Exemplo: efeito vinculante de precedentes judiciais específicos, entre eles,dos acórdãos em incidentes de resolução de demandas repetitivas e dassúmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Fede-ral (STF) - artigo 927 do CPC.Exemplo 2: provimento de recursos contra decisões opostas a preceden-tes judiciais - artigo 932, IV, do CPC.

2 Exemplos do CPC de 2015:Art. 489. São elementos essenciais da sentença:II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja elainterlocutória, sentença ou acórdão, que:V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identifi-car seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sobjulgamento se ajusta àqueles fundamentos;VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedenteinvocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no casoem julgamento ou a superação do entendimento.Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-laestável, íntegra e coerente.§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às cir-cunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, cons-tatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá de-cisão de afetação, na qual:§ 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processoe aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, aparte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.Art. 966. (§§ 5º e 6º não existiam na publicação original do NCPC – inclu-ídos pela LEI Nº 13.256, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2016)§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput desteartigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão pro-ferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado aexistência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrãodecisório que lhe deu fundamento.§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo,caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente,tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou dequestão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

Page 72: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

72 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Justiça3, entre outros. Veja-se também enunciado do Fórum Per-manente de Processualistas Civis (FPPC) a respeito4.

O artigo 896, §§ 1º-A, 7º e 8º, parte final, da CLT, traz ex-pressamente já há algum tempo, entre outros, os seguintes re-quisitos para caracterizar a decisão paradigma apta a ensejar ocabimento de recurso de revista por divergência jurisprudencial:

a) indicação do trecho da decisão recorrida que diverge dadecisão paradigma, mencionando as circunstâncias que asse-melham os fatos e direito objeto das decisões em análise;

b) decisão paradigma tem que ser atual, não se consideran-do como tal julgado ultrapassado por súmula do Tribunal Supe-rior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ou superadopor iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior doTrabalho.

Seguindo a mesma linha, o artigo 489, § 1º, V, do CPC de-termina que o magistrado indique os fundamentos determi-nantes dos precedentes invocados, bem como demonstre que ocaso concreto se enquadra em tais fundamentos, sob pena denulidade da decisão por falta de fundamentação.

1.2 Experiência norte-americana

No direito norte-americano, temos os mecanismos que ver-sam sobre precedentes denominados distinguishing e overruling.

3 RISTJ:Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabe-lecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo.§ 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados naalínea c do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita: (Incluído pelaEmenda Regimental n. 1, de 1991)a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados diver-gentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado,sob sua responsabilidade pessoal; (Redação dada pela Emenda Regimen-tal n. 6, de 2002)b) pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em queos mesmos se achem publicados. (Incluído pela Emenda Regimental n. 1,de 1991)§ 2º Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dosacórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias queidentifiquem ou assemelhem os casos confrontados. (Incluído pela Emen-da Regimental n. 1, de 1991)

4 Enunciado 306, do FPPC:“O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunaldistinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente,tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a imporsolução jurídica diversa.”

Page 73: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

73Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

O distinguishing traz o afastamento do precedente judicialdevido a especificidades/distinção do caso concreto. Já ooverruling diz respeito ao afastamento total (revogação/anu-lação) do precedente judicial.

2 A interpretação e a integridade do direito

O tema em debate é intimamente afeto à questão da coe-rência decisória. O juiz não pode decidir desconsiderando a his-tória jurídica precedente, pois o exercício da função impõe aresponsabilidade de garantir no processo de interpretação a in-tegridade estrutural do direito. O juiz, assim, não pode agir iso-ladamente, com base na sua própria consciência e subjetivida-de, devendo proceder a uma avaliação geral do que já foi ditopelos juízes anteriormente.

Seguindo a interpretação construtiva proposta por Dworkin,o juiz deve justificar sua decisão e atender aos princípios demoralidade política que (con)formam o Direito.

Aceitar a integridade como um ideal político porquequeremos tratar nossa comunidade política como umacomunidade de princípios, e os cidadãos de uma co-munidade de princípios não têm por único objetivoprincípios comuns, como se a uniformidade fosse tudoque desejassem, mas os melhores princípios comunsque a política seja capaz de encontrar. A integridadeé diferente da justiça e da equidade, mas está ligadaa elas da seguinte maneira: a integridade só faz sen-tido entre pessoas que querem também justiça eequidade (DWORKIN, 2007, p. 314).

Desconsiderar a integridade do direito, permitindo que osubjetivismo se imponha nas decisões, como bem denunciaDworkin, é algo perigoso que compromete a própria ordem cons-titucional:

O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurí-dico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição,a história da sua promulgação, as decisões anterioresda Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as du-radouras tradições de nossa cultura política. O ativistaignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Es-tado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiçaexige. O direito como integridade condena o ativismo equalquer prática de jurisdição constitucional que lhe es-teja próxima. [...] O direito como integridade é sensívelàs tradições e à cultura política de uma nação, e, por-tanto, também a uma concepção de equidade que con-vém a uma Constituição (DWORKIN, 2007, p. 451-452).

Page 74: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

74 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Como alerta o professor Lênio Streck, exigir coerência e in-tegridade nas decisões judiciais impede que o julgador possa“dar o drible da vaca hermenêutico” ao analisar determinadacausa ou recurso, apoiando-se “na própria consciência, paradecidir de modo diverso dos precedentes”, ou seja, não podequebrar a cadeia discursiva simplesmente “porque deseja”.

A integridade no direito obriga o julgador a um tratamen-to equânime a todos, não podendo decidir de modo diversohoje aquilo que ontem decidiu em outro sentido, ou seja, deveadotar postura coerente, fazendo um “jogo limpo” (fairness).Desse modo, a integridade do direito legitima e justifica o po-der exercido pelo Estado e pelo próprio direito.

Mas isso não significa que o juiz esteja engessado, compeli-do a seguir de forma mecânica e acrítica as decisões passadas,que seja um mero repetidor dos comandos assentadosjurisprudencialmente. O julgador não só pode como deve alte-rar o rumo da história, alterar as decisões de acordo com as pos-sibilidades e condicionalidades do presente. Mas, como ressaltaDworkin, o seu veredicto deve ser extraído de uma interpreta-ção que ao mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e osjustifique, até onde isso seja possível.

O prof. Lênio Streck (2009) defende que as teorias do direi-to e da Constituição preocupadas com a democracia e a concre-tização dos direitos fundamentais sociais não podem prescindirda existência de um minimum applicandi. Qual seja? A aceita-ção de um conjunto de princípios que tenham a função de esta-belecer padrões hermenêuticos com o fito de: a) preservar a au-tonomia do direito; b) estabelecer condições hermenêuticas pararealização de um controle da interpretação constitucional; c)garantir o respeito à integridade e à coerência do direito; d)estabelecer que a fundamentação das decisões é um dever fun-damental dos juízes e tribunais; e e) garantir que cada cidadãotenha sua causa julgada a partir da Constituição e que haja con-dições para aferir se esta resposta está ou não constitucional-mente adequada.

Na obra Levando os direitos a sério, Dworkin observa queos precedentes judiciais possuem uma espécie de forçagravitacional que predispõe o julgador a adotá-los quando con-frontado com casos similares. Essa predisposição facilita a ado-ção de uma postura convencionalista, com a simples reproduçãodas razões das decisões proferidas no passado. Nesse ponto, oautor alerta que somente os argumentos de princípio devempossuir uma força gravitacional capaz de influir na decisão dojuiz, sendo preciso não só levar em consideração as decisões an-

Page 75: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

75Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

teriores, mas verificar como, por quem e em quais circunstânciasforam tomadas.

3 Exemplos práticos

3.1 Requisitos para gratuidade da justiça – distinguishing

Pense-se em hipótese de impugnação da gratuidade da jus-tiça concedida com base em indícios (início de prova) de que ocidadão aufere renda acima da isenção legal de imposto de ren-da (corroborado pelo enunciado 38, do FONAJEF5; AC5000251-36.2010.404.7015/PR, TRF4; AC 5048252-54.2011.404.7100/RS, TRF4; AR EM MS 2006.04.00.000077-4/RS, TRF4 CORTE ESPECIAL6; entre outros).

Na AC 5008804-40.2012.404.7100, TRF4 temos a seguintedecisão:

EMENDAINCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊN-CIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/

5 A qualquer momento poderá ser feito o exame de pedido de gratuidadecom os critérios da Lei nº 1.060/50. Para fins da Lei nº 10.259/01, presu-me-se necessitada a parte que perceber renda até o valor do limite deisenção do Imposto de Renda.

6 TRF4, 2ª Turma (grifos nossos):‘APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000251-36.2010.404.7015/PR[...]A jurisprudência, no entanto, tem-se posicionado no sentido deque, se os vencimentos do postulante estiverem além da faixa deisenção do Imposto de Renda, não há como afirmar que não pos-sa arcar com as custas do processo.[...]’‘APELAÇÃO CÍVEL Nº 5048252-54.2011.404.7100/RS[...]2. A concessão da assistência judiciária gratuita é devida a quem perceberendimentos mensais aquém da faixa de isenção do imposto de renda,segundo iterativo entendimento desta 2ª Turma. Inexistindo comprova-ção nesse sentido, indefere-se o pedido.[....]’TRF4, agora através da sua corte especial (grifos nossos):‘AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2006.04.00.000077-4/RSAGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚ-BLICO. PEDIDO DE AJG. INDEFERIMENTO. LIMINAR INDEFERIDA. AGRA-VO REGIMENTAL.É de ser reconhecido o direito ao benefício da assistência judiciá-ria gratuita tão somente para aqueles que percebam renda líqui-da mensal inferior ao rendimento máximo não-tributável, o quenão é o caso da impetrante [...]’

Page 76: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

76 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

50. ART. 4ª. ESTADO DE MISERABILIDADE. PRESUN-ÇÃO PELA SIMPLES AFIRMAÇÃO. ÔNUS DA PROVA.PARTE CONTRÁRIA.1. Para a concessão da assistência judiciária gratuitabasta que a parte declare não possuir condições dearcar com as despesas do processo sem prejuízo dopróprio sustento ou de sua família, cabendo à partecontrária o ônus de elidir a presunção de veracidadedaí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50.2. Descabem critérios outros (como isenção do impos-to de renda ou renda líquida inferior a 10 saláriosmínimos) para infirmar presunção legal de pobreza,em desfavor do cidadão.3. Uniformizada a jurisprudência com o reconhecimen-to de que, para fins de Assistência Judiciária Gratui-ta, inexistem critérios de presunção de pobreza di-versos daquela constante do art. 4º da Lei nº 1060/50.(APELAÇÃO CÍVEL Nº 5008804-40.2012.404.7100/RS;CORTE ESPECIAL; RELATOR : CARLOS EDUARDOTHOMPSON FLORES LENZ; REL. ACÓRDÃO : Des. Fede-ral NÉFI CORDEIRO; Data do julg. 28.02.2013)

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes asacima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tri-bunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,não conhecer da questão de ordem, dispensada alavratura de acórdão quanto ao ponto e, por maioria,vencidos os Desembargadores Carlos Eduardo ThopsonFlores Lenz, Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, RicardoTeixeira do Valle Pereira, Tadaaqui Hirose e Maria deFátima Freitas Labarrère, julgar procedente o inci-dente de uniformização de jurisprudência nos ter-mos do relatório, voto do Desemb. Federal NéfiCordeiro e notas taquigráficas que ficam fazendo par-te integrante do presente julgado.Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2013.(grifos nossos)

Pois bem, só conseguimos devidamente enquadrar este pre-cedente ao caso concreto ao analisar o voto que prevaleceu paraessa decisão colegiada. Vamos a ele em trecho que esclarece oitem 2 anterior:

Esclareço que vejo em princípio como possível ao cida-dão comprometer entre dez a vinte por cento de suarenda mensal ou patrimônio com despesas extraordi-nárias, entre elas as pertinentes às despesas proces-suais. Daí porque quem recebe montante maior doque o limite legal de isenção do IRPF possivelmentepoderá ser considerado como pessoa não necessitadaou pobre para os efeitos da AJG. Isto, porém, évaloração casuística da prova, não passível de

Page 77: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

77Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

uniformização, descabendo alteração no critériode presunção legal de pobreza, em desfavor docidadão....

Ante o exposto, voto por julgar procedente o inciden-te de uniformização de jurisprudência, reconhecendopara fins de Assistência Judiciária Gratuita ainexistência de presunção de pobreza diversa daque-la constante do art. 4º da Lei nº 1060/50.É O VOTO.Des. Federal NÉFI CORDEIRO

No trecho destacado fica bem claro que o TRF4, na verdade,não afastou a tese de que a comprovação de renda acima dedez salários mínimos ou acima da isenção de Imposto de Rendaimplica o indeferimento da gratuidade da justiça; o tribunalapenas não apreciou esse ponto, pois se tratava de incidente deuniformização de jurisprudência, sendo que a renda paraindeferimento da gratuidade da justiça é questão casuística, nãodevendo ser tratada em tal expediente.

Pelo contrário, o desembargador afirma que “quem rece-be montante maior do que o limite legal de isenção do IRPFpossivelmente poderá ser considerado como pessoa nãonecessitada ou pobre para os efeitos da AJG”.

Aliás, é bom que se diga que se assim não fosse chegaría-mos à situação absurda de cidadãos que comprovadamente ga-nhassem mais de dez salários mínimos, ou seja, mais de R$9.000,00, e teriam gratuidade da justiça deferida pelo TRF4. Emoutras palavras, a presunção de necessidade pela declaração depobreza pela própria parte postulante seria absoluta, não ad-mitiria prova em contrário, o que é desarrazoado e afronta aexpressa previsão em sentido contrário do artigo 99, § 2º, doCPC, bem como a possibilidade de defesa da parte contrária,conforme determina o artigo 100 do mesmo CPC de 2015.

Outrossim, diga-se de passagem que a adoção de critériode dez salários mínimos como teto para a concessão dagratuidade da justiça implicaria o fato de que apenas um bai-xo percentual da população economicamente ativa do País comidade superior a 10 anos pagassem custas processuais, confor-me pode se verificar em estudos do IBGE, o que foge totalmen-te da razoabilidade. É notório que apenas um pequeno grupode cidadãos da população brasileira aufere renda de dez salá-rios mínimos ou mais.

Com efeito, a AC em apreço não é apta a afastar pedido derevogação ou indeferimento da gratuidade da justiça quando

Page 78: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

78 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

comprovado que a parte litigante requerente desta aufere ren-da superior à isenção de imposto de renda ou superior a dezsalários mínimos.

3.2 Honorários advocatícios como exceção àimpenhorabilidade de salário – distinguishing

Hipótese em que é formulado pedido para penhora de sa-lário visando pagamento de honorários advocatícios, nos ter-mos do § 2º, do artigo 833, do CPC7, especialmente na expressão“independente de sua origem”, bem como nos moldes de di-versas decisões do egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ)8 eenunciado da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselhoda Justiça Federal9.

Não servem para afastar o pedido acima os REsp 805.454/SP,REsp 1.182.108/MS e REsp 904.774/DF.

Em relação ao REsp 805.454/SP, julgado em 2009, observe-seque não se discutia honorários, e sim valores de alugueres, ou seja,não havia discussão sobre a exceção legal do artigo 649, § 2º, do

7 Art. 833. São impenhoráveis:IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações,os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios,bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destina-das ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhadorautônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limitede 40 (quarenta) salários-mínimos;§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese depenhora para pagamento de prestação alimentícia, independente-mente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50(cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar odisposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o. (grifo nosso)

8 REsp 1.619.868, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2017; AgRg no AREsp634.032/MG, T3, DJe 31/08/2015; AgRg no AREsp 632356 / RS, T4 - QUAR-TA TURMA, DJe 13/03/2015; AgRg no AREsp 311.093/SP, Rel. MinistroANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2015;DJe 19/02/2015, AgRg no AREsp 32031 / SC, T4 - QUARTA TURMA, DJe 03/02/2014; REsp 1.326.394 – SP, TERCEIRA TURMA, JULGADO: 12/03/2013;AgRg no REsp 1.206.800/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011; REsp 1.365.469/MG, Rel.Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2013,DJe 26/06/2013.

9 ENUNCIADO 105 – As hipóteses de penhora do art. 833, § 2º, do CPCaplicam-se ao cumprimento da sentença ou à execução de títuloextrajudicial relativo a honorários advocatícios, em razão de sua natu-reza alimentar.

Page 79: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

79Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

CPC/73, vigente à época. Foi reconhecida a impenhorabilidade dosalário para pagar alugueres, e não honorários.

No que tange ao REsp 1.182.108/MS, julgado em 2011, fri-se-se que estava em discussão enquadramento na exceção daLei 8.009/90, que, diga-se, é clara ao estabelecer exceção somentepara “credor de pensão alimentícia” – artigo 3º, III, da norma,nada dizendo sobre “prestação alimentícia, independentemen-te de sua origem”. Não havia discussão de enquadramento naexceção do artigo 649, §2º, do CPC/73, vigente à época. Estavaem discussão impenhorabilidade de bem de família, e não desalário.

Quanto ao REsp 904.774/DF, julgado em 2011, note-se quetambém não se discutiam honorários, ou seja, aqui também nãohavia discussão sobre a exceção legal do artigo 649, § 2º, doCPC/73, vigente à época. Não havia objeto de cobrança comnatureza alimentar.

3.3 Revisão de pactos extintos por renegociação – overruling

A súmula 286 do STJ estabelece que “a renegociação decontrato bancário ou a confissão da dívida não impede apossibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades doscontratos anteriores”. Tal enunciado foi publicado lá no mêsde maio do ano de 2004.

As decisões do STJ no REsp 886150/PR, AgRg no REsp1069460/RS, AgRg no Ag 1335565/RJ e AgRg no REsp 1082738/SC10, entre outros, publicadas respectivamente nos anos de 2007,2009, 2010 e 2011, estabelecem que a extinção da avença pelaadjudicação do bem ao credor hipotecário implica a ausênciade interesse processual para revisão dos pactos extintos.

Note-se que, se falta interesse de agir para revisão de avençaem que houve adjudicação da propriedade em favor do credor,

10 AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SFH. AÇÃO REVISIONAL. EXE-CUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. SÚMULAS 284/STF E 286/STJ. INAPLICABILIDADE.1 - Após a adjudicação do bem, com o conseqüente registro dacarta de arrematação no Cartório de Registro de Imóveis, a rela-ção obrigacional decorrente do contrato de mútuo habitacional ex-tingue-se com a transferência do bem, donde se conclui que não háinteresse em se propor ação de revisão de cláusulas contratuais, fi-cando superadas todas as discussões a esse respeito.2 - Inaplicável ao caso as Súmulas 284/STF e 286/STJ.3 - Agravo Regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1082738/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUAR-TA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 11/04/2011, grifos nossos)

Page 80: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

80 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

com mais razão ainda carece de interesse o mutuário que extin-gue avença por renegociação/confissão. Afinal, onde cabe mais,leia-se, falta de interesse de agir em face de adjudicação que ex-tingue o pacto e ocorre independente da vontade do mutuário,cabe menos, leia-se, ausência de interesse processual consideran-do renegociação/confissão de dívida em que é extinto o pactocom a vontade do mutuário.

Mencione-se de passagem que a ausência de interesse deagir é corroborada também por previsão do CPC, em seu artigo487, III.11 Veja-se que o Diploma Processual Civil determina aextinção do processo com resolução do mérito em caso de tran-sação entre as partes. Logo, a lide que foi transacionada nãopode mais ser objeto de outra ação judicial, uma vez que existecoisa julgada a respeito. Ora, trata-se de caso idêntico ao casode extinção por renegociação/confissão de dívida, devendo,portanto, ser aplicado o mesmo raciocínio, qual seja, a dívidatransacionada extrajudicialmente não pode mais ser discutidajudicialmente.

Temos ainda os REsp 141.879/SP, REsp n.º 95539-SP e REsp1217951/PR, entre outros, com decisões publicadas respectiva-mente nos anos de 1998, 1996 e 2011, em que o STJ reconhece ovenire contra factum proprium, com raciocínio perfeitamenteaplicável para superação da súmula 286 em questão, levandoem conta o comportamento contraditório na pretensão de reverjudicialmente avença extinta pela renegociação entre as partes,renegociação esta que sempre traz algum benefício ao mutuá-rio, levando em conta desconto para reparcelamento, afastamen-to de vencimento antecipado da integralidade do saldo deve-dor, elastecimento do prazo originalmente contratado etc.

Com efeito, existe overruling pelo próprio STJ da súmula286, publicada no mês de maio do ano de 2004, considerandodecisões posteriores do superior tribunal pela falta de interessede agir para rever pactos extintos, bem como pela vedação decomportamento contraditório.

4 Overruling através de controle difuso deconstitucionalidade

O exemplo de superação acima do item 3.3 não gera maio-res dificuldades, já que o próprio órgão prolator supera seu en-tendimento anterior. Maior complexidade surge ao pensarmos

11 Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:III - homologar:b) a transação.

Page 81: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

81Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

na superação de precedente por órgão que não foi responsávelpela sua criação.

A superação só seria possível pelo órgão prolator do prece-dente? Sendo positiva a resposta, o cidadão não ficaria em umaposição de fragilidade?

Sim, isso porque, por exemplo, se um juiz de primeiro graujulgar com base em precedente do STJ inconstitucional que devaser superado, mas que não conte ainda com decisão do mesmoSTJ neste sentido, tecnicamente ficaria o cidadão impossibilita-do de recorrer ao tribunal de justiça ou ao tribunal regionalfederal, uma vez que estes também não poderiam superar o pre-cedente do STJ. Restaria tão somente buscar a revogação do pre-cedente através de pedido à comissão do STJ, contudo isso nãoimpediria o trânsito em julgado da decisão de primeiro grauproferida no processo em curso.

Pensando em solucionar esse impasse, veja-se que, se a ob-servância do entendimento do precedente é obrigatória, estetem força de lei com efeitos erga omnes e, se é assim, sobre elecabe controle difuso de constitucionalidade, o que permite aconclusão de que é possível a superação por órgão diverso doresponsável pela criação do precedente.

Assim defende o ilustre professor e renomado jurista Nelson NeryJunior em palestra ministrada em simpósio sobre o CPC de 2015.

4.1 Exemplo prático – enunciados de entendimento sumulado84 e 308 do STJ – inconstitucionalidade

Conforme determina o artigo 1.417 do CC12, promessa decompra e venda de bem imóvel só gera direito real de aquisiçãoao promitente comprador após seu registro no cartório.

Além disso, a lei é clara ao estabelecer que a propriedaderegistrada no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) deve preva-lecer, sendo que, uma vez não registrado o título de transferên-cia, o transmitente é havido como dono do imóvel.

Em outras palavras, por expressa previsão legal, não há trans-missão de bens imóveis sem registro. Vejamos in verbis:

Código CivilArt. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade me-diante o registro do título translativo no Registro deImóveis.

12 Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pac-tuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, eregistrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente com-prador direito real à aquisição do imóvel.

Page 82: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

82 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, oalienante continua a ser havido como dono do imóvel.§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação pró-pria, a decretação de invalidade do registro, e o respec-tivo cancelamento, o adquirente continua a ser havidocomo dono do imóvel.

Nesse contexto, diferentemente do que ocorre com os bensmóveis, a tradição não implica transferência da propriedade.Logo, ainda que o imóvel seja objeto de negócio não registra-do no CRI com terceiro de boa-fé, é legítima restrição judicial/garantia levada a efeito considerando o que consta registradojunto ao órgão competente.

Corroborando tal entendimento, posição sumulada do Su-premo Tribunal Federal (STF), in verbis:

Súmula 621NÃO ENSEJA EMBARGOS DE TERCEIRO À PENHORAA PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO INSCRITANO REGISTRO DE IMÓVEIS.

Ainda nesse mesmo sentido temos a Lei nº 13.097/2015, queem seu artigo 54, parágrafo único assim determina, expressa-mente tratando do terceiro de boa-fé:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim cons-tituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imó-veis são eficazes em relação a atos jurídicos prece-dentes, nas hipóteses em que não tenham sidoregistradas ou averbadas na matrícula do imóvel asseguintes informações:Parágrafo único. Não poderão ser opostas situa-ções jurídicas não constantes da matrícula noRegistro de Imóveis, inclusive para fins deevicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou re-ceber em garantia direitos reais sobre o imóvel, res-salvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses deaquisição e extinção da propriedade que independamde registro de título de imóvel.

Portanto, a propriedade de imóvel (ou o direito real deaquisição de promitente comprador) só é transferida se o tí-tulo translativo for registrado na matrícula, sendo eficaz desdeo momento de seu protocolo junto ao Registro de Imóveis, talqual determinam os artigos 1.245 e 1.246 do CC.13

13 Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o regis-tro do título translativo no Registro de Imóveis. [...]Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentaro título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Page 83: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

83Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

Neste sentido, AI 50238488320174040000, julgado em24/08/2017:

Trecho esclarecedor do voto que prevaleceu:“[...]Alega a parte agravante que os documentos levadosaos autos não têm o condão de comprovar a data emque teria sido firmado o negócio entre as partes, nãohavendo reconhecimento de firma ou certificação emcartório. Pondera que, nos termos do art. 1.245 do Có-digo Civil, enquanto não se registrar o título translativo,o alienante continua a ser havido como dono do imó-vel. Requer a imediata realização das diligênciasrequeridas para penhora do imóvel de propriedade daparte executada, viabilizando-se a efetiva cobrançajudicial da dívida exeqüenda. Pugna pela condenaçãoda parte agravada ao pagamento de honoráriosadvocatícios, nos termos do art. 85, § 1º do CPC. Postu-la a antecipação dos efeitos da tutela recursal.É o relatório. Passo a decidir.No caso em exame, a decisão agravada reconheceu ainaptidão do bem em questão para satisfação da exe-cução.[...]Tem-se, portanto, a indicação de que parte da áreacompreendida pelo imóvel em comento teria sido alie-nada aos atuais possuidores, conforme descrito peloOficial de Justiça.Em relação à parte que serve de residência para o exe-cutado, a presunção é de que se trata de bem de famí-lia, acobertado pela impenhorabilidade.As demais partes do imóvel, em tese, também restari-am afastadas da possibilidade de constrição, em razãodo destino que lhes foi dado.Ocorre que os contratos juntados aos autos como pro-va da alienação de parte do imóvel em questão nãoforam levados a registro na matrícula do referido imó-vel, bem como não contam com o reconhecimento defirma das assinaturas apostas nos documentos ou qual-quer carimbo cartorário. Dessa forma, os documentosacostados ao processo não têm o condão de, por si só,comprovar a efetiva transferência da titularidade doimóvel, assim como a data em que teriam sidoperfectibilizadas eventuais transferências.

Assim, tenho que procede a irresignação manifesta-da pela parte agravante neste ponto, na medida emque se apresenta como solução adequada para aquestão a constrição do bem, sendo franqueado aosproprietários produzir a prova que entenderem cabí-vel em relação ao seu direito sobre o imóvel.[...]” (grifos nossos)

Page 84: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

84 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Tal cuidado despendido pelo legislador acerca das formalida-des da transferência dos bens imóveis se dá justamente para evitarfraudes e ilegalidades, protegendo tanto vendedor e compradorquanto terceiros, tendo a publicidade dos atos efeito erga omnes.

Frise-se que esta previsão legal de que a transferência debens imóveis só ocorre com o registro no CRI tem fundamentoconstitucional na segurança jurídica (artigo 5º, caput). Este é oprincipal fundamento dos registros públicos, que servem paragerar efeitos erga omnes, ou seja, para todos, inclusive terceiros,de negócio firmado entre as partes. Com efeito, gerar-se-ia gran-de insegurança jurídica reconhecer a possibilidade de transfe-rência de bens imóveis sem o efetivo registro no CRI.

Destaque-se que o princípio da legalidade previsto no arti-go 5º, inciso II, da Carta Magna também impede que prevaleçao entendimento no sentido de que a propriedade sobre bemimóvel pode ser transferida sem o devido registro junto ao CRI.

Como já dito, há previsão legal determinando que esta trans-ferência só ocorre com o devido registro, sendo o proprietárioefetivamente registrado havido como dono do bem imóvel.

Não há na legislação previsão para que a propriedade debens imóveis se dê sem o devido registro junto ao CRI, pelo con-trário, não podendo o Poder Judiciário inovar o ordenamentojurídico neste sentido.

Sublinhe-se, por fim, que, caso se aceite que a transferênciade bens imóveis pode se dar independentemente do registro jun-to ao CRI, estar-se-ia diante de nítida violação, além dos já men-cionados princípios da segurança jurídica e da legalidade, ao pos-tulado fundamental da separação dos poderes contido no artigo2º, da CF, já que se permitiria que o Poder Jurisdicional atuassecomo legislador positivo, função esta que compete essencialmen-te ao Poder Legislativo.

Observe-se que não pode o Poder Judiciário fazer as vezesdo legislador e criar o que não foi criado previamente por lei,sob pena de violação ao postulado da separação dos poderes,que se traduz em um dos pilares do Estado Democrático de Di-reito, garantido, inclusive, como cláusula pétria não passível demodificação por Emenda Constitucional, nos moldes do artigo60, § 4º, III, da CF.

Neste contexto todo, os enunciados de entendimentosumulado 84 e 308, ambos do STJ, devem ser superados. O STJnão pode simplesmente estabelecer que contrato de gaveta debem imóvel, ou seja, sem o devido registro junto ao CRI, im-possibilita a penhora do bem/impede efeitos de garantia cons-tituída.

Page 85: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

85Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PRECEDENTES JUDICIAIS. SUPERAÇÃO. OVERRULING. DISTINÇÃO. DISTINGUISHING. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO

É preciso que seja justificada a não aplicação dos artigos doCódigo Civil e da Lei nº 13.097/2015 mencionados antes, sobpena de, como já mencionado, nítida afronta aos caros direitosfundamentais da segurança jurídica e da legalidade, bem comoinobservância do postulado da separação de poderes.

Note-se que as súmulas do STJ em apreço são bem antigas,publicadas ainda nos anos de 1993 e 2005. Nos precedentes dosenunciados, verifica-se que não foi afastada a aplicação dos dis-positivos do Código Civil e da Lei 13.097/15 anteriormente indi-cados.14 Os precedentes nem mencionam os dispositivos legais.Na verdade, os artigos 1.417 e 1.418, do CC e 54, parágrafo úni-co, da nº 13.097/2015 nem existiam quando da edição da súmula84 e por isso não tinham mesmo como terem sido mencionados.

Não se olvida da previsão contida no artigo 927, IV, do CPC.Contudo, conforme demonstrado no item 4, cabe controle deconstitucionalidade difuso para reconhecer a inconstitucio-nalidade do entendimento sumulado em apreço por violar cla-ramente preceito legal e, portanto, os direitos fundamentais dasegurança jurídica e da legalidade, bem como o postulado daseparação dos poderes.

Note-se que o STJ deve interpretar a lei, mas nunca afrontá-la, sob pena de violação da legalidade. Assim, não pode o STJlegislar em sentido contrário do que prevê a lei, como ocorre nocaso em apreço. Note-se que legisla o STJ ao editar enunciadode entendimento sumulado, considerando a força de observân-cia obrigatória prevista no já citado artigo 927, IV, do CPC.

Conclusão

Conclui-se que superação, distinção e devido enquadra-mento de precedentes judiciais ao caso concreto são imprescin-díveis para evitar injustiças com tratamento de situações desi-guais de forma igual ou aplicação de precedentes superados peloórgão prolator ou inconstitucionais. Além disso, existem diver-sas normas legais que isso impõe.

Neste diapasão, os princípios hermenêuticos da integridadee da coerência das decisões judiciais estão intimamente ligadosao tema, sendo que o desrespeito a tais postulados implica riscoconsiderável ao Estado Democrático de Direito.

14 h t t p : / / w w w. s t j . j u s . b r / S C O N / s u m a n o t / t o c . j s p ? & b = T E M A & p =false&t=&l=50&i=51&ordem=@SUB#TIT84TEMA0h t t p : / / w w w. s t j . j u s . b r / S C O N / s u m a n o t / t o c . j s p ? & b = T E M A & p =false&t=&l=50&i=301&ordem=@SUB#TIT308TEMA0

Page 86: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA E MARCELO QUEVEDO DO AMARAL ARTIGO

86 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Como demonstrado, quando não devidamente observadosos fundamentos fáticos e jurídicos dos precedentes judiciais, nãoé possível que estes sejam devidamente aplicados ao caso con-creto.

Ademais, sob pena de injustiça/inconstitucionalidade, de-vem ser superados precedentes judiciais obrigatóriosinconstitucionais, em especial aqueles que afrontem expressaprevisão legal, já que nenhum cidadão é obrigado a fazer oque a lei não determina.

Assim, este texto visa incentivar a busca da superação, dadistinção e do devido enquadramento dos precedentes judiciaispelos operadores do direito considerando as teses do dia a dia,sejam de defesa, sejam de ataque, sejam de julgamento.

Referências

CFC - Simpósio - O Novo CPC e osimpactos no processo do trabalho.Conferência – A Força dos Prece-dentes Judiciais no Estado Federa-tivo – 15 e 16 de setembro de 2014– Palestrante Nelson Nery Junior.Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lxXIPKureAc>.Acesso em: 17 abr. 2018.

COLLODEL, Keeity Braga; PINHEIRO,Alessandra Hoffmann de Oliveira.Eficácia temporal das súmulas e asegurança jurídica. Revista de Di-reito da ADVOCEF, Porto Alegre,v. 1, n. 25, 2017, p. 241-262.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso dedireito processual civil, teoriageral do processo e processode conhecimento. 7. ed. Salva-dor: Jus Podivm, 2007.

DWORKIN, Ronald. O império dodireito. São Paulo: Martins Fontes,2007.

LEMOS, Vinicius Silva. Os prece-dentes judiciais e suas técnicas desuperação no novo Código de Pro-cesso Civil. Revista de Direito daADVOCEF, Porto Alegre, v.1, n. 21,2015, p. 77-93.

MONTESQUIE, Charles de Secondat.O espírito das leis. 3. ed. São Pau-lo: Martins, 2005.

NOVELINO, Marcelo. Direito cons-titucional. 4. ed. São Paulo: Mé-todo, 2010.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção.Manual de Direito ProcessualCivil. 8. ed. Salvador: Jus Podivm,2016. Volume único.

STRECK, Lenio Luiz. Dicionário deHermenêutica: quarenta temasfundamentais da teoria do direitoà luz da crítica hermenêutica doDireito. Belo Horizonte: Casa doDireito, 2017.

______. Hermenêutica Jurídicae(m) Crise. Uma exploraçãohermenêutica da construção dodireito. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1999.

Page 87: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

87Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

Considerações sobre o crime deobtenção fraudulenta de

financiamento à agricultura familiar

Álisson dos Santos CappellariAdvogado no Rio Grande do Sul

Doutorando em Direito pelo Programa dePós-Graduação em Direito da PUCRS

Mestre em Ciências Criminais pela PUCRSEspecialista em Direito Penal Empresarial

pela PUCRSMembro sócio do Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais (IBCCRIM)

Vicente Cardoso de FigueiredoAdvogado no Rio Grande do Sul

Mestre em Ciências Criminais pela PUCRSEspecialista em Direito Penal e Processo Penal

Especialista em ComplianceMembro da Comissão Especial de Prevenção à

Corrupção da OAB/RS

RESUMO

O objeto central do presente ensaio consiste na análise defatores relevantes do crime de desvio de financiamento,particularmente no tocante às verbas destinadas ao fomentoda atividade produtiva voltado à agricultura familiar,examinando os aspectos estruturais e conceituais da tipificaçãopresente no artigo 19 da Lei 7.492, de 16 de junho de 1986.Metodologicamente, o trabalho aborda algumas questões-chave sobre o tema, como, por exemplo, a conturbadaelaboração da legislação examinada, qual seria o bem jurídicopor ela tutelado e qual o alcance das relações por ela abrangidas.Essas questões se fazem presentes no momento em que restanotória a dificuldade da doutrina em se posicionar diante doreferido tema, bem como o crescente volume de recursospúblicos aplicados no fomento da atividade produtiva no país.Diante disso, se faz necessária uma análise crítica dos elementosconstituintes deste cenário, à luz das ciências econômica, sociale penal.

Page 88: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

88 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Palavras-chave: Sistema financeiro. Agronegócio. Ordemeconômica. Direito penal econômico.

ABSTRACT

The main objective of this essay is to analyze the relevantfactors of the crime of misappropriation of financing,particularly in relation to the funds destined to the productiveactivity for family agriculture, examining the structural andconceptual aspects of the typification present in article 19 ofLaw 7,492 of 16 June 1986. Methodologically, the paperaddresses some key issues on the subject, such as the turbulentdrafting of the legislation examined, the legal good that itprotects, and the scope of the relationships it covers. Theseissues are present when the doctrine’s difficulty in positioningitself in front of this theme is evident, as well as the increasingvolume of public resources invested in the promotion ofproductive activity in the country. Given this, a critical analysisof the constituent elements of this scenario is necessary, in thelight of the economic, social and penal sciences.

Keywords: Financial system. Agribusiness. Economic order.Economic criminal law.

Introdução

Nota-se na sociedade atual um crescente dinamismo nas rela-ções atinentes à economia. O fenômeno da globalização apresen-tou como consequências a desmaterialização das riquezas e adinamização das relações econômicas. A economia e, conse-quentemente, o sistema que a legitima, tais quais originalmenteformulados, tiveram seus paradigmas rompidos, o que causou umacrise não apenas em seus mecanismos, mas também nos conceitosclássicos do liberalismo econômico, base do sistema capitalista demercado. Os Estados nacionais, território-base para a aplicação dasteorias econômicas tradicionais, também tiveram o seu conceito mo-dificado, sobretudo no fim do século passado. Vemos então, atual-mente, um resgate dos conceitos tradicionais de soberania a fim deregulamentar o dinamismo econômico internacional.

Um dos fatores de maior influência na configuração daspeças do xadrez econômico mundial é, sem dúvida, o seu po-tencial de produção de matéria-prima, sobretudo no que se re-fere à produção de alimentos à raça humana, seja direta, atra-vés da produção de víveres para o consumo próprio, seja indire-ta, mediante a produção de insumos para a criação e desenvol-vimento de animais que servirão de alimento ao ser humano.

Page 89: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

89Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

A produção primária possui um caráter diferente das de-mais atividades da economia. Trata-se de um setor cuja produti-vidade é indispensável para a vida humana. A falta de alimen-tos produziria o caos social e levaria milhares de pessoas à mor-te, motivo pelo qual o Estado tem o dever de assumir a políticaagrícola de um país, para garantir o abastecimento da popula-ção e controlar a exploração racional e adequada da terra. Mo-tivos mais que suficientes para a proteção estatal, consubs-tanciados no artigo 186 do texto constitucional.1

A atividade rural, devido à sua natureza, é extremamentefrágil, sujeita a alterações do clima, desastres da natureza e mu-danças provocadas por alterações nas diretrizes econômicas go-vernamentais. Os atores atuantes nessa função não bastam em simesmos para alcançar seu intento, fazendo-se necessário o apoioestatal. Por tais motivos, conforme a Carta Federal, o GovernoFederal deve proporcionar ao produtor as condições necessáriaspara o plantio, a manutenção e a comercialização dos alimen-tos. O financiamento rural, como parte da política agrária brasi-leira, atua de forma a prover a verba necessária para essas ativi-dades2, apresentando nas instituições financeiras o principal ins-trumento de apoio para a concretização dessa finalidade.

1 O papel das instituições financeiras como agentesfinanciadores do agronegócio

1.1 Evolução histórica dos instrumentos de financiamentoagrícola no Brasil

Na sociedade capitalista, as instituições bancárias atuam comoprotagonistas, assumindo funções que vão além da simplesintermediação do capital. Tamanha importância fora conquista-

1 “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos emlei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II –utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meioambiente; III – observação das disposições que regulamentam as relações detrabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dostrabalhadores.”

2 “Os mútuos de espécie, necessários e relevantes ao setor campesino [...] têmcomo objetivos específicos e inarredáveis: estimular o crescimento de inves-timentos, qualquer que seja a sua finalidade na propriedade rural; propiciaratendimento creditício no tempo e nas condições adequadas segundo asexigências da exploração empreendida; criar condições ou possibilidades paraque haja maior fortalecimento econômico dos produtores rurais” (PEREIRA,2009, p. 20).

Page 90: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

90 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

da ao longo dos anos, com o desenvolvimento das relações eco-nômicas tanto em nível local como global, sendo o dinamismodestas um dos traços marcantes do atual contexto social.

O setor produtivo primário consiste em um delicado porémestratégico setor de atividade econômica nacional, cujapotencialidade está intimamente ligada com a atuação estatal,através da política agrícola governamental. Esta deve, para queseja alcançada a plenitude de seus objetivos, sempre ser pauta-da pelo equilíbrio. Caso a política seja desfavorável, a agricultu-ra não se desenvolve de modo satisfatório. No sentido contrá-rio, com incentivos exagerados, há desperdício de recursos quepoderiam ser realocados em outras atividades produtivas(LUCENA; SOUZA, 2001, p. 19).

O crédito rural situa-se em uma classificação típica de fo-mento, visto que financia o desenvolvimento de uma atividadeque diretamente importa ao interesse público. Contribuindo parao correto abastecimento do país, ele ajuda a garantir a ordempública, segundo os ditames da Lei 4.829/1965, em seus artigos1º3 e 2º.4

A atividade agropecuária apresenta como característica in-trínseca o seu caráter de continuidade. Diferentemente de ou-tras atividades produtivas, o setor primário, independentemen-te de eventuais contratempos e intempéries, necessita recome-çar a cada período temporal. Tendo em vista tal característica, ocrédito rural possui taxas e condições de pagamento diferencia-das. Isso ocorre para que o produtor não seja prejudicado casoimprevistos impeçam a quitação no tempo certo. O contrato definanciamento agrário pode ser alterado de forma que um agri-cultor que perdeu sua safra em função de alguma intempérieclimática, por exemplo, não seja lesado e possa retomar as ativi-dades de cultivo em sua propriedade.

Historicamente, tem-se no cenário nacional a consagraçãodo Banco do Brasil S/A como o agente financiador do agrone-gócio por excelência. Seu papel de agente desenvolvimentistado setor agrícola e pecuário teve início na metade do séculoXIX, mais especificamente com a reforma do sistema bancário de1857, capitaneada pelo então Ministro de Fazenda Bernardo de

3 “Art. 1º. O crédito rural, sistematizado nos termos desta lei, será distribuídoe aplicado de acordo com a política de desenvolvimento da produção ruraldo país e tendo em vista o bem-estar do povo.”

4 “Art. 2º. Considera-se Crédito Rural o suprimento de recursos financeirospor entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produ-tores rurais ou a suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividadeque se enquadrem nos objetivos indicados na legislação em vigor.”

Page 91: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

91Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

Sousa Franco. Tal reestruturação apresentou como fator princi-pal a criação de vários bancos emissores de meio circulante denatureza regional5, medida esta que acabou retirando do entãoBanco do Brazil a exclusividade na emissão da moeda nacional.Tal medida acabou desagradando a vários setores do governo,inclusive o próprio Imperador D. Pedro II, acarretando num in-cremento descontrolado do montante geral de moeda em circu-lação interna. Tal medida foi revogada pela Lei nº 1.083 de 1860,que novamente limitou a emissão de numerário de maneiraindiscriminada e centralizando-a novamente na então institui-ção financeira estatal.

Tal medida levou a uma crise no setor bancário na décadade 1860, o que levou o governo imperial a socorrer os poupa-dores e capitalistas mediante o Banco do Brazil, que acabou setransformando na tábua de salvação para praticamente todosos integrantes do setor. O papel do principal integrante do novelsistema financeiro imperial fora repensado, levando-o a ummovimento em que cada vez se aproximava mais de um papelde fomento, depósito e empréstimos, com a licença para operarhipotecas e prestar financiamento agrícola em todo o territórionacional6, e cada vez se afastar mais da função de mero emissorde moeda.

O final do século XIX trouxe, juntamente com a novel formarepublicana de Estado, o apogeu da cultura cafeeira, cultivo estepotencializado no afã de substituir a já decadente cultura dacana-de-açúcar, que atravessou tal período combatida pela con-corrência, sobretudo, das colônias europeias nas Antilhas. O ad-vento da República e o sistema federativo descentralizaram aspolíticas de crédito e de imigração, fazendo com que o governocentral transferisse tais responsabilidades aos estados-membros,o que incrementou significativamente a produção do grão, ini-

5 “Apesar das críticas e acusações de inconstitucionalidade, Sousa Franco op-tou por criar novos bancos de emissão através de simples decretos executi-vos. Assim, a seu critério, aprovou a criação dos seguintes estabelecimentosemissores: Banco Comercial e Agrícola, por decreto de 31 de agosto de 1857;Banco da Província do Rio Grande do Sul, por decreto de 24 de outubro de1857; Banco da Província de Pernambuco, por decreto de 4 de novembro de1857; Banco da Província do Maranhão, por decreto de 25 de novembro de1857; Banco Rural e Hipotecário, que já existia como de Descontos, por de-creto de 3 de abril de 1858. Quatro dessas autorizações foram dadas àsvésperas da crise de 1857, e as duas últimas quando os efeitos da crise já seabrandavam” (DIRETORIA DE MARKETING E COMUNICAÇÃO DO BANCODO BRASIL, 2010b, p. 40-41).

6 “As iniciativas para estabelecer crédito rural eram realmente de boa inspi-ração, mas pareciam prematuras. Naquele tempo ainda era fraca e insufici-

Page 92: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

92 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cialmente na serra fluminense e posteriormente, em maior esca-la, no Estado de São Paulo, já dominado pela oligarquia agríco-la. Aliado a isso, os grandes concorrentes nacionais na sua pro-dução – no caso, colônias inglesas e francesas do sudeste asiáti-co, como Ceilão e Indochina – sofreram com intempéries climáti-cas que praticamente dizimaram a produção local. A coincidên-cia desses fatores levou ao crescimento geométrico da produçãoem pouquíssimo tempo, chegando o Brasil, no final do período,a ser responsável por três quartos do mercado mundial, o quepropiciou aos produtores brasileiros, por certo tempo, ter a prer-rogativa de controle do preço internacional da mercadoria atra-vés da manipulação dos estoques (FURTADO, 2007, p. 251).

No entanto, com a crise abatida nos Estados Unidos em 1893,a valorização cambial causou um revés aos produtores nacionais,fazendo com que o preço da saca de café despencasse no merca-do mundial. Tal fator, aliado ao já encorpado volume dos esto-ques internos preexistentes, resultantes da manipulação dos pre-ços do mercado externo, fez com que a capacidade de estocagemdo grão fosse insuportável internamente. Em 1906, foi assinadoo chamado Convênio de Taubaté, entre o governo republicanoe os produtores, acordo este que visava à valorização do produ-to nos mercados internos e externos.7 Tal medida salvou a classecafeeira até o final da década de 1920. No entanto, a crise mun-dial de 1929 fez com que a produção sofresse um revés que trazreflexos até os dias de hoje, uma vez que tanto a produção in-terna quanto o papel do Brasil no cenário internacional do cafénunca mais foram os mesmos.

Por mais nefastas que tenham sido as consequências dodeclínio da cultura cafeeira na economia nacional, não pode sedizer que o Brasil tenha sido um dos países mais afetados pelagrande depressão econômica mundial da década de 1930. O cres-

ente a base de garantia indispensável a todo financiamento agrícola – apropriedade rural. Faltavam as condições mínimas de estabilidade e defini-ção, pois as terras ainda não eram precisamente demarcadas, dificultando asua avaliação. Uma das garantias mais seguras era o escravo, considerado oativo mais valioso, mas que já se desvalorizava rapidamente, não só pelaaplicação gradual da Lei do Ventre Livre, como porque o regime da escravi-dão se enfraquecia com a conscientização da opinião pública, que conduziria,previsivelmente, à sua completa abolição”(DIRETORIA DE MARKETING ECOMUNICAÇÃO DO BANCO DO BRASIL, 2010b, p. 77).

7 “A ideia de retirar do mercado parte desses estoques amadurece cedo noespírito dos dirigentes dos estados cafeeiros, cujo poder político e financeirofora amplamente acrescido pela descentralização republicana. No convêniocelebrado em Taubaté em fevereiro de 1906, definem-se as bases do que sechamaria política de ‘valorização’ do produto. Em essência, essa política

Page 93: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

93Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

cimento da renda e a qualificação da mão de obra europeia mi-grada fizeram com que a incipiente produção industrial nacionalse mantivesse a níveis satisfatórios no período, bem como, sobre-tudo após a mudança de comando na política central após a as-censão de Getúlio Vargas ao poder, notou-se um período de in-centivo à descentralização da agricultura, tanto geograficamen-te, com a implementação de políticas de migração e colonizaçãointerna, como culturalmente, com a diversificação da produção.

A política econômica de Vargas, ao contrário do períodorepublicano oligárquico anterior, era de centralização das deci-sões, de continuidade do apoio à produção agrícola, sobretudoa cafeeira, mas, principalmente, sob um viés nacionalista, de ex-pansão da indústria nacional. A política do Estado Novo, como,aliás, está expresso em seu nome, remete a uma mudança radicaldos rumos da economia política nacional, sendo a industrializa-ção uma questão de Estado. Tem-se aí o crescimento da influên-cia da corrente econômica desenvolvimentista, que teve emRoberto Cochrane Simonsen seu fundador.

A referida corrente defendia a ideia principal de que o atrasono desenvolvimento nacional somente viria, a passos largos, coma industrialização plena do país – leia-se aí indústria de bens deconsumo, bens de capital e indústria de base –, lastreada porações intervencionistas marcadas pelo protecionismo e planeja-mento. Tais ações não contrariariam as posições dos países alia-dos do Brasil, uma vez que favoreciam a importação, não ape-nas de matérias-primas de países produtores agrícolas como osEstados Unidos, mas também de maquinário de diversos países,especialmente europeus. A corrente ainda defendia a interven-ção estatal para o desenvolvimento de setores da economia nãoagraciados com os interesses privados (OLIVEIRA; GENNARI, 1999,p. 334-338).

No campo financeiro, caracterizava-se o Brasil pela aindanão existência de um Banco Central propriamente dito. A fun-ção de regulamentação da economia se dava a cargo do tripéSuperintendência da Moeda e Crédito (SUMOC), Banco do Bra-sil e Tesouro Nacional.

consistia no seguinte: a) com o fim de restabelecer o equilíbrio entre ofertae procura de café, o governo interviria no mercado para comprar os exce-dentes; b) o financiamento destas compras se faria com empréstimos es-trangeiros; c) o serviço destes empréstimos seria coberto com um novo im-posto cobrado em ouro sobre cada saca de café exportada; d) a fim desolucionar o problema mais a longo prazo, os governos dos estados produto-res deveriam desencorajar a expansão das plantações” (FURTADO, 2007, p.253-254).

Page 94: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

94 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Criada em 1945, a SUMOC apresentava, entre suas atribui-ções, atividades típicas do atual Banco Central, tais como deter-minar a taxa de juros básica, estabelecer a taxa de redesconto(assistência financeira de liquidez) e seus limites, implementar apolítica de câmbio, definir os depósitos compulsórios etc. Alémdisso, cabia a seu Conselho a determinação dos rumos da políti-ca monetária e de crédito. Ao Banco do Brasil competiam fun-ções regulatórias, fiscalizatórias e operacionais de autoridadeeconômica na área monetária, creditícia e cambial, além da ope-ração da Carteira de Redescontos (CARED), responsável pelo for-necimento de redescontos seletivos e de liquidez à rede bancá-ria, e da Carteira de Mobilização Bancária (CAMOB), responsá-vel por socorrer bancos em situação de iliquidez. Além disso, suasCarteiras de Câmbio e de Comércio Exterior cumpriam as políti-cas determinadas pela SUMOC, bem como competia a ele nãoapenas a guarda das reservas voluntárias dos demais bancos, mastambém a realização da compensação de cheques de toda a rede.Por sua vez, ao Tesouro Nacional cabia a emissão de papel-moe-da e suprimento deste, através de sua Caixa de Amortização, àCARED e à CAMOB (DIRETORIA DE MARKETING E COMUNICA-ÇÃO DO BANCO DO BRASIL, 2010a, p. 24-25).

Trata-se de um período em que os mecanismos de funciona-mento da economia se viam regidos por dois diplomas legaisque engessavam a dinâmica econômica, irrigando ainda mais ojá crescente cenário inflacionário nacional, ambos promulgadosem 1933. Trata-se da Lei de Usura (Decreto 22.626), que proibiaoperações com juros nominais superiores a 12% ao ano, e a Leida Cláusula Ouro (Decreto 23.501), que impedia legalmente acontratação de valores em outras moedas que não a moeda na-cional. Em uma época em que não havia um mecanismo de cor-reção monetária, o engessamento da taxa de juros e a impossi-bilidade de utilização da variação cambial de moedas estrangei-ras em contratos internos eram fatores que potencializavam adesvalorização da moeda nacional.

O período correspondente ao regime militar apresenta jáde início a chamada Reforma Financeira de 1964, consubs-tanciada através da Lei 4.595/1964. Entre outras medidas, trans-formou a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC)em Banco Central do Brasil (BCB) e o seu antigo Conselho emConselho Monetário Nacional (CMN), que seria presidido peloministro da Fazenda e composto por mais oito membros, en-tre eles os presidentes do Banco do Brasil e do atual BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Aonovel Banco Central foram transferidas as competências refe-

Page 95: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

95Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

rentes ao serviço dos meios de pagamento, exercidas anteri-ormente pela Caixa de Amortização, e os serviços da CARED eda CAMOB. Ao Banco do Brasil coube a manutenção do seupapel de agente financeiro do governo federal para arreca-dação de receitas e pagamento de despesas, com a criação daConta Movimento.

Além do tocante à regulamentação econômica, foram edi-tados vários outros diplomas visando não somente a uma mai-or adaptação do Brasil à economia mundial mas também à di-retriz do “milagre econômico”, objetivo central do governofederal na época. Entre eles, podemos citar a Lei da CorreçãoMonetária (Lei 4.357/1964), que indexava os débitos fiscais atra-vés das ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional),buscando abrandar os efeitos da desvalorização da moeda na-cional, antecipando receitas com a finalidade de custear inves-timentos internos; a Lei do Plano Nacional da Habitação (Lei4.380/1964), que criava o BNH (Banco Nacional da Habitação),visando à criação de empregos na construção civil com o finan-ciamento direto à população para a aquisição de imóveisresidenciais, em uma tentativa de amainar os efeitos da recessãoeconômica então presente; a Lei do Mercado de Capitais (Lei4.728/1965), com o objetivo de incentivar a dinamização dapoupança interna em títulos mobiliários, que até então eramconcentrados em imóveis de renda e reserva de valor, visandosuprir a carência da crescente demanda por crédito e populari-zar os investimentos dessa modalidade; a Lei da CVM (Lei 6.385/1976), que criava a Comissão de Valores Mobiliários, entidadeque fiscalizava o mercado de capitais; e a Lei das S.A. (Lei 6.404/1976), que visava modernizar a regulamentação das socieda-des anônimas e do mercado acionário e de valores mobiliáriosno Brasil.

Tal período foi marcado por um amplo debate entre a esco-la econômica desenvolvimentista, capitaneada pelo economistaparaibano Celso Furtado, e a corrente estruturalista neoliberal,cujos maiores expoentes foram Eugênio Gudin Filho, RobertoCampos e Otávio Gouveia de Bulhões.

Celso Furtado foi membro efetivo da Comissão Econômicapara a América Latina e o Caribe (CEPAL), sendo o primeiro teó-rico nacional a tecer um estudo sistemático da economia brasi-leira que serviu de base para a adoção dos rumos da economianacional por várias décadas, traçando em sua obra um quadrohistórico das etapas da economia nacional. Defendia a ideia deque o subdesenvolvimento dos países da América Latina não erauma etapa a ser necessariamente atravessada ao caminho do

Page 96: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

96 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

desenvolvimento econômico e social, mas resultado de políticasexternas dos países centrais aplicadas sobre a periferia, e que oprocesso inflacionário dos países subdesenvolvidos era devido,em grande parte, às medidas protecionistas e predatórias dospaíses desenvolvidos, bem como às buscas das elites brasileiraspelo ganho fácil. Sua preocupação era basicamente com a pro-dução e distribuição da renda interna como fator primordial dedesenvolvimento, defendendo, para isso, uma atuação maior doEstado na tributação do consumo conspícuo para elevar a rendaper capita nacional, bem como a implementação da reformaagrária, uma vez que a estrutura agrícola arcaica, além da ten-dência ao consumo de luxo pelos grandes proprietários, nãopermitia a formação de poupança nem os investimentos paramodernização e aumento da produção (OLIVEIRA; GENNARI,1999, p. 338-347).

O advento do Governo Militar fez com que, por motivos ób-vios, tais ideias não fossem prestigiadas. Nesse período, surgecomo grande arauto da economia nacional o mato-grossenseRoberto Campos. Estruturalista de postura conservadora, pau-tou sua teoria no sentido de que existe uma incompatibilidadeentre desenvolvimento econômico e distribuição de renda, de-vendo ser o primeiro colocado como objetivo principal em detri-mento do segundo. Para ele, a distribuição de renda como fatorde crescimento é uma ilusão, pois o desenvolvimento econômi-co, uma vez concretizado, por si só causaria um desequilíbriosocial tolerável. O bolo deveria crescer primeiro para depois serrepartido. A divisão de renda em um país subdesenvolvido seriaapenas coletivizar ainda mais a miséria social. O processo de in-dustrialização visto no país a partir da década de 1950 seria, paraele, uma arrancada em direção ao desenvolvimento, que, alia-do à expansão da infraestrutura, da produtividade agrícola edas exportações, teria seu destino fatalmente alcançado (OLI-VEIRA; GENNARI, 1999, p. 347-356). Defensor da estabilidadeinstitucional, foi um dos mais influentes nomes, não apenas naeconomia como também na política nacional a partir da décadade 1960, fornecendo as bases teóricas para a institucionalizaçãoda pragmática político-econômica do período militar e como umdos mais ardentes defensores do neoliberalismo após a aberturademocrática.

O neoliberalismo nacional, a propósito, teve em EugênioGudin Filho seu grande expoente. Engenheiro de origem e arti-culista de economia na imprensa carioca, acompanhou de pertotodas as transformações na economia nacional no século passa-do. Combatente direto das ideias desenvolvimentistas do perío-

Page 97: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

97Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

do do governo de Getúlio Vargas, era contrário a qualquer tipode intervenção estatal na economia, pois sua prática desfavoreciaa concorrência e o incremento da produção, já que aumentava opreço final ao consumidor. Defendia, também, a substituição damatriz agrícola como mola propulsora da economia externa naci-onal, uma vez que se tratava de um setor da economia de desen-volvimento arcaico e sujeito a intempéries e variáveis fora do do-mínio humano. Crítico mordaz das intervenções estatais nos seto-res energéticos, como petróleo e energia, e de infraestrutura,defendia a administração destes pela iniciativa privada. Era favo-rável à ideia de que um nível de tributação superior a 20% seriade natureza confiscatória e impediria o desenvolvimento dos se-tores produtivos. Combatia também a implementação de uma re-forma agrária, sob a alegação de que o desenvolvimento do se-tor primário dependia, sobretudo, do nível educacional, de saú-de e de políticas de crédito e assistência técnica. Contrário às leistrabalhistas e ao aumento de salários, que considerava possívelapenas quando o aumento na produção assim possibilitasse, oque passava a ser fator de desencadeamento do processo inflaci-onário (OLIVEIRA; GENNARI, 1999, p. 363-369).

Outro grande discípulo das ideias de Gudin foi OtávioGouveia de Bulhões, contemporâneo de Roberto Campos naatividade burocrática durante o período militar. A dupla foi agrande responsável pela criação do Banco Central do Brasil, quedescentralizou do Banco do Brasil os papéis de fiscalização edireção da política econômica nacional; pela implementação doinstituto da correção monetária, com a criação das ORTNs e doFundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como fator depoupança interna. Criou o Conselho Monetário Nacional e, nocampo tributário, editou o atual Código Tributário e foi o res-ponsável pela criação do Imposto sobre Produtos Industrializa-dos (IPI), como instrumento de direcionamento da política depreços (OLIVEIRA; GENNARI, 1999, p. 372-374). Seu pensamentoteórico preconizava o Estado Mínimo e o fortalecimento dascorporações, através de processos de fusões e concentrações, comoinstrumento de condução ao desenvolvimento.

O período militar foi marcado por uma fase inicial que, alémda reforma financeira, trouxe também as reformas tributária, queculminou com a edição do Código Tributário Nacional, e cambi-al, além de uma política salarial restritiva, visando o combate àinflação crescente. Nota-se, no período entre 1968-1973, umafase de crescimento vigoroso do Produto Interno Bruto, em índi-ces superiores a 10% anuais, caracterizando o período conheci-do como “milagre econômico”, caracterizado pela busca do cres-

Page 98: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

98 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cimento através de reformas estruturais e crescente endivida-mento externo.8

Tal modelo entrou em curva descendente nos dez anos finaisdo regime, principalmente devido à retomada do crescimento dainflação e da dívida externa nacional, culminando, no início dosanos 1980, em um período marcado um forte desequilíbrio fiscal eno balanço de pagamentos, além da já referida espiral inflacionária(GIAMBIAGI et al., 2016, p. 74). Tais aspectos, combinados com aprópria deterioração política do modelo centra-lizador então vigen-te, fizeram com que a chamada transição democrática fosse marcadapor um momento de alta instabilidade econômica.

1.2 O Sistema Nacional do Crédito Rural e o posteriordesenvolvimento das políticas de fomento aoagronegócio

O período de auge do fomento agrícola no Brasil ocorreu apartir da década de 1960, com a implementação da política decrédito rural com a criação do Sistema Nacional do Crédito Rural(SNCR), em 1965. Tal iniciativa impulsionou a produção agrícolanacional.

Nos anos 60, a produção agrícola apresentou melhor de-sempenho do que na década anterior, sendo que a maior partedos produtos exportáveis e de mercado interno cresceram maisdo que a população nacional, na época em torno de 3% aoano. De outra parte, a economia brasileira, nessa década, ficoumais aberta ao exterior, com aumento das exportações de pro-dutos agrícolas industrializados. No final da década, a situaçãodo mercado internacional estava favorável. Os preços dosinsumos e dos bens de capital estavam em declínio, e os preçosagrícolas, em alta. Isso mostrava o acerto da política agrícola queestava sendo adotada (LUCENA; SOUZA, 2001, p. 181-182).

8 “Taxas de crescimento da ordem de 11% ao ano por seis anos consecutivosjá mereceriam a designação de ‘milagre econômico’. A façanha da economiabrasileira neste período foi ainda mais surpreendente porque tal ritmo decrescimento foi acompanhado de queda da inflação (embora moderada) ede sensível melhora do BP (balanço de pagamentos), que registrou superávitscrescentes ao longo do período. O termo ‘milagre’ se justifica ainda maisneste caso em, razão de duas relações macroeconômicas bastante conheci-das: (1) a relação direta entre crescimento e inflação (ou inversa entre de-semprego e inflação, no original), retratada na Curva de Phillips; e (2) arelação inversa entre crescimento econômico e saldo do BP, retratada emdiversos modelos de macroeconomia aberta, que ressaltam o ‘dilema’ dapolítica econômica entre o equilíbrio interno (rumo ao pleno emprego) eexterno” (GIAMBIAGI et al., 2016, p. 62-63).

Page 99: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

99Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

A tendência de crescimento perdurou por durante boa par-te da década seguinte. A conjunção de preços internacionais empatamar favorável com uma política agrícola de altos subsídiosgerou um aumento nas exportações de produtos como soja ecafé. Outro fator que contribuiu para o aumento da produçãofoi a crise internacional do petróleo, que justificou o apoio go-vernamental intenso na produção de álcool combustível.

Ao longo de toda a década de 70, as taxas nominais de ju-ros do crédito rural ficaram abaixo da taxa de inflação. Nesseperíodo, o crédito rural foi o responsável pelo desenvolvimentodo setor agrícola, o que pode ser explicado pelos substanciaissubsídios ao crédito rural. Até 1975, os empréstimos eram a jurozero, com três anos de carência e cinco anos para pagar. A fasede declínio do crédito rural se iniciou em dezembro de 1979,aumentando as taxas de juros, que se tornaram mais altas doque a taxa de inflação, reduzindo a demanda de crédito.

As taxas de juros passaram a ser ajustadas por um coeficien-te aplicado à correção monetária. Com o segundo choque dopetróleo, em 1979, aumentou o desequilíbrio da balança co-mercial. A taxa de inflação passou de 77,2% ao ano em 1979para 110,2% em 1980, reduzindo os subsídios implícitos nosempréstimos rurais.

Em função do crédito subsidiado, a agricultura cresceu cer-ca de 66% na década de 70. Isso também foi explicado pela aber-tura de novos mercados externos, assim como pelo crescimentoda demanda internacional e do crescimento do próprio merca-do interno. Esse crescimento teve dois aspectos. Primeiro, pelaevolução dos preços internacionais de produtos agrícolas e pelapolítica de crédito rural subsidiado; segundo, a partir de 1979,pela deterioração da política de crédito rural, provocada pelosdesequilíbrios macroeconômicos internos (LUCENA; SOUZA, 2001,p. 182).

A alta inflação da década de 1980 reduziu as facilidades docrédito rural. O modelo de operação anterior, no qual a verbaera disponibilizada em depósitos bancários à vista, foi desban-cado pela crise, que não permitia que o dinheiro ficasse paradoem conta-corrente. Os recursos, antes ilimitados, passaram a ficarcondicionados a disponibilidades orçamentárias do governo.Dadas as dificuldades na oferta do crédito rural, a nova modali-dade de incentivo passou a ser a fixação de preços mínimos paraa compra de produtos agrícolas.

Em 1981, o Governo introduziu novas mudanças na políticaagrícola. A principal foi a adoção de limites ao crédito para cus-teio, que passaram a refletir apenas parte dos custos variáveis; a

Page 100: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

100 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cobertura do seguro rural foi reduzida para apenas 80% do va-lor financiado. Houve, também, mudanças das taxas de juros; oscréditos para investimento e comercialização passaram a receberas mesmas taxas de juros de mercado, praticadas no resto da eco-nomia.

Em 1982, estabeleceu-se a vinculação das taxas de juros àvariação do INPC. Os encargos financeiros aplicáveis ao créditorural passaram, a partir daí, a incorporar correção monetária compercentuais variáveis das ORTNs.

Em 1983, ainda com os resultados negativos da política decontenção do déficit público, veio a decisão do Governo de au-mentar os encargos financeiros do crédito rural e de eliminar ossubsídios embutidos nas taxas de juros cobradas. Essas intençõesse concretizaram quando se estabeleceram novas regras deindexação para os anos de 1983, 1984 e a partir de 1985. Em1983, foi introduzida uma taxa de juros de 3% ao ano, mais85% da variação das ORTNs. Em 1984-1985, a taxa de juros co-brada tornou-se positiva, pela primeira vez, desde a criação doSNCR (3% ao ano mais variação integral das ORTNs) (LUCENA;SOUZA, 2001, p. 183).

A produção agrícola, assim como toda a atividade produti-va nacional, sofreu com os seguidos planos de estabilização eco-nômica e combate da inflação implementados a partir da segun-da metade da década de 1980. As exportações baixaram de ma-neira significativa, gerando um colapso na atividade primáriano país.

Na segunda metade da década de 80, as exportações agríco-las entraram em crise. Elas se reduziram de US$ 5,089 milhões em1985 para US$ 2,985 milhões em 1990 (-41,3%), correspondendoà queda de participação no total de 19,8% para 9,5% no mesmoperíodo. Caíram as participações de todos os grupos de produtosagrícolas nas exportações totais. Novamente, esse mau desempe-nho se deveu à redução das exportações de café e de seus deriva-dos, cujos valores passaram de US$ 2,487 milhões em 1985 paraUS$ 1,190 milhões em 1990. Em toda a década de 80, a queda dasexportações agrícolas foi de 31,2%, correspondendo à reduçãonas exportações totais de 21,6% em 1980 para 9,5% em 1990.Porém, como se viu, a crise ocorreu mesmo na segunda metadedos anos 80. A expressiva redução das exportações agrícolas nasexportações totais, sobretudo entre 1985 e 1990, deve-se à criseeconômica e aos sucessivos planos de estabilização, que penali-zaram o setor agrícola (LUCENA; SOUZA, 2001, p. 188).

A partir dos anos 1990, as políticas agrícolas vigentes no Brasilmostram uma redução da intervenção estatal no financiamento

Page 101: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

101Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

rural. Alternativas com capital não governamental são apresen-tadas de modo a amparar o produtor. A Lei nº 11.076, de 30 dedezembro 2004, veio a consagrar essa tendência, com a institui-ção de novos instrumentos de política agrícola e títulos de credi-to especialmente desenvolvidos para financiar o agronegócio,com o objetivo de criar uma via de contato entre a crescentedemanda de crédito dos produtores e a oferta de recursos pelosinvestidores urbanos, desde pequenos poupadores até grandesfundos de pensão, permitindo que estes possam financiar deforma competitiva a atividade rural em complemento ao créditorural oficial (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABAS-TECIMENTO, 2017). Tal direcionamento na política de financia-mento acabou também por gerar um movimento de crescentedescentralização do aporte de recursos através do Banco do Bra-sil e a pulverização do fomento pelas demais instituições finan-ceiras, a fim de aumentar a competitividade no setor.

Nota-se, portanto, uma tentativa de adaptação da ativida-de primária nacional ao novo cenário internacional, tanto porparte dos produtores quanto do governo, buscando adescentralização das fontes de recursos para o financiamento daprodução e o incremento do apoio governamental em reformasde infraestrutura para o escoamento da produção para a satisfa-ção dos mercados interno e internacional.

1.3 Instrumentos atuais da política agrícola no Brasil

O crédito agrícola pode ser empregado em diversos elemen-tos da cadeia produtiva. Geralmente é utilizado para custeio(compra de insumos), investimento (compra de máquinas, bovi-nos, reflorestamento etc.) e comercialização (descontos de pro-missórias, duplicatas rurais e transporte de produtos). Com osurgimento e institucionalização da política do crédito rural,notório foi o desenvolvimento da agricultura comercial, geran-do crescimento do PIB, ingresso de divisas, redução do déficitcomercial e abastecimento interno.

Na atualidade, as principais políticas do Estado para o incenti-vo das atividades agropecuárias são linhas de crédito (para investi-mento, custeio e comercialização), apoio à comercialização e segu-ro agrícola. As modalidades de crédito visam investir na moderni-zação tecnológica da agricultura brasileira, no custeio do plantio(especialmente de produtos essenciais, como soja, trigo, milho, entreoutros) e na garantia de venda. O Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Geraçãode Emprego e Renda (Proger) beneficiam respectivamente peque-

Page 102: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

102 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

nos e médios produtores com taxas de juros mais amenas do que asaplicadas para os grandes latifúndios. O crédito para comercializaçãoobjetiva auxiliar o produtor na venda durante a entressafra ou paraantecipar o valor que seria obtido mediante a entrega do produtopara investimentos como novos plantios ou compra de maquinário.

O apoio à comercialização dos insumos agrícolas tem comoobjetivo reduzir os efeitos das oscilações do mercado para o pro-dutor rural. Um dos instrumentos utilizados com essa finalidade é agarantia de preço oferecida pelo governo federal: os preços sãofixados antes do plantio de modo a orientar a produção. Em casosde supersafras, o Governo pode realizar a compra da mercadoriaexcedente, de modo a impedir uma queda acentuada dos preços.Como essa conduta é, atualmente, menos usual, uma alternativa aela é o Prêmio por Escoamento de Produto (PEP). Através dessesistema, o Governo paga um prêmio ao comprador que adquirir osprodutos em excesso no mercado. Há também o Contrato de Op-ção de Venda de Produtos Agrícolas. Este permite ao agricultor ouà cooperativa vender por preços preestabelecidos, com o valor fi-xado na época do contrato. Esses contratos são oferecidos pelogoverno em leilões públicos de bolsas de mercadorias. Já a Cédulado Produtor Rural (CPR) é um título que pode ser emitido por pro-dutores ou cooperativas e tem a liquidação vinculada à entregafísica da mercadoria.

O Seguro Agrícola tem como principal política o Programa deGarantia da Atividade Rural (Proagro). Esse programa tem comoobjetivo segurar os riscos do crédito rural. Toda a normatização eregulamentação do crédito rural e de seus instrumentos deimplementação compete ao Conselho Monetário Nacional. Suaatuação consiste na definição de termos, prazos, juros e demaiscondições a serem aplicadas pelas instituições financeiras concessivasdos valores destinados ao financiamento da atividade primária.

O Brasil indiscutivelmente ocupa lugar de destaque no cená-rio mundial do agronegócio, apresentando como grande forçamestra de seu impulso ao desenvolvimento a produção primária,sendo uma das grandes potências mundiais no setor, sobretudo notocante à produção agrícola, pecuária e de combustíveis renováveis.O Brasil é um dos raros exemplos mundiais de país que conseguesuprir a demanda interna de alimentos e combustíveis orgânicos e,ao mesmo tempo, apresenta o maior crescimento mundial na pro-dução de excedentes. Além disso, apresenta ainda um potencialde incremento da área cultivável, o que é extremamente raro emoutros países.

De acordo com o Plano Agrícola e Pecuário 2017-2018, traça-do pelo Governo Federal e apresentado ao público através do Mi-

Page 103: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

103Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a meta traçadapara o período é a de superar a produção conquistada no períodoanterior, a ponto de se igualar aos números da Safra 2014-2015.Para pôr em prática a sua política de agronegócio, destinou, paraa safra 2017-2018, R$ 188,3 bilhões, sendo 79% desse valordisponibilizados a juros controlados. Do montante total, R$ 150,2bilhões foram direcionados para o custeio e comercialização dasafra9, e o restante foi para a aplicação de políticas complementa-res de apoio à produção primária, através de Linhas e Programasde Financiamento de Investimento Agropecuário, como o Progra-ma ABC (introdução de novas culturas, como oliveiras e nogueiras)e ampliação dos programas Inovagro, Moderfrota e Seguro Rural(PSR) (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMEN-TO, 2017).

Por sua vez, o Plano Safra da Agricultura Familiar, adminis-trado pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do De-senvolvimento Agrário, cujo principal instrumento de atuaçãose dá através do Pronaf, conta com o aporte de R$ 30 bilhões emrecursos públicos, sendo R$ 6,2 bilhões destes destinados à mo-dalidade investimento, através do Programa Pronaf Mais Alimen-tos, sendo o restante direcionado para o custeio da atividadeprodutiva através de vários outros programas, tais como Seguroda Agricultura Familiar, Garantia-Safra, Apoio ao Cooperativismo,à Comercialização e à Produção das Mulheres Rurais e PlanoNacional de Juventude e Sucessão Rural.

2 O delito de obtenção fraudulenta de financiamento – artigo19 da Lei 7.492/1986

2.1 Análise estrutural do tipo incriminador

Entrando especificamente na seara de proteção ao SistemaFinanceiro Nacional, o legislador elegeu como uma das condu-tas lesivas passíveis de repreensão pelo sistema penal a obten-ção de financiamentos com origem em recursos governamentaisde maneira fraudulenta.

Tendo-se por base que o bem jurídico protegido pela Lei 7.492é a higidez do Sistema Financeiro Nacional e da ordem econômicainterna, a proteção trazida pelo artigo 19 se destina primordial-mente ao combate ao desvirtuamento, sobretudo acerca do públi-co-alvo, para a obtenção de recursos governamentais destinadosao fomento das atividades rural, comercial e industrial, com recur-

9 Através das linhas de crédito PRONAMP, FUNCAFÉ, Fundos Constitucionais,Estocagem de Álcool, LCA e recursos livres.

Page 104: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

104 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

sos fornecidos por agentes estatais ou, em caso de instituição fi-nanceira privada, que seja esta mera intermediária no repasse derecursos de origem pública (BALTAZAR JÚNIOR, 2014).

Já se encontra superada a questão atinente à constituciona-lidade de seu dispositivo, quando muitos alegavam se tratar, in-diretamente, de prisão por dívida. Entretanto, a jurisprudênciaconsolidou entendimento de que tal conduta se trata de umamodalidade especial de estelionato, cujo objeto de tutela penalé a própria credibilidade do sistema financeiro, visando assegurarque os reais beneficiários da concessão do dinheiro público ve-nham a obter tais valores a fim de fazer valer as finalidades dosprogramas de fomento agrícola governamentais.

É crescente a tendência jurisprudencial, sobretudo a ema-nada das Cortes Superiores, no sentido de considerar a configu-ração do tipo penal quando se tratar não apenas de verbas deorigem pública mas também das disponibilizadas pelas institui-ções financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional comdestinação específica, mesmo que de natureza integralmenteprivada, sendo este o elemento diferenciador do estelionatocomum, previsto no artigo 171 do Código Penal.10

No mesmo sentido, nota-se uma cada vez mais crescente apli-cação de tal dispositivo, sobretudo na incriminação por aplica-ção indevida nos financiamentos rurais destinados ao pequenoe médio produtor agrícola (Pronaf e Pronimp), bem como naslinhas de crédito que visam beneficiar pequenas e médias em-presas e indústrias (Proger).

2.2 Análise da conduta delituosa – Do complemento da normapenal em branco do tipo incriminador

O artigo 19 da Lei 7.492/1964 apresenta como verbo nucle-ar do tipo o verbete obter, compreendido na doutrina mais fes-tejada como alcançar ou conseguir algo que se deseja.

Ao contrário da previsão do artigo 20, que no caso se referea um crime cometido a posteriori, a conduta delituosa não estáno desvio dos valores obtidos de modo fraudulento, mas sim setrata de um delito formal, de consumação instantânea. Os estu-dos elaborados para a concessão do financiamento, nesse caso,partem de uma premissa equivocada, consubstanciada em ele-mentos irreais fornecidos à instituição financeira ou ao órgãooficial de intermediação dos recursos do financiamento. Sua con-sumação se dá no momento da assinatura do contrato.

10 AgRg nos EDcl no REsp 1317791 / PR, CC 140184 / SP e CC 140381 / PR.

Page 105: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

105Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

Outro fator que merece destaque é a possibilidade do con-curso material com a conduta descrita no já citado artigo 20. Odesvio ou aplicação dos recursos obtidos fraudulentamente emfinalidade diversa da estipulada em lei ou contrato não seconsubstancia em mero exaurimento do crime, mas sim se tratade uma conduta autônoma, uma vez que para a consumação docrime do desvio, os estudos e requisitos necessários para a con-cessão do benefício podem ser provenientes de elementos ver-dadeiros e comprováveis.

Cabe ainda o registro de que se trata de norma penal embranco, cujo preenchimento, segundo a doutrina, se faz com asdisposições legais do programa no qual é fornecido o financia-mento. Tal aspecto tem ligação intrínseca com os aspectos relati-vos às normas de compliance a que estão sujeitas as instituiçõesfinanceiras responsáveis pela administração dos fundos destina-dos ao fomento da atividade agrícola.

2.3 O Pronaf e as fraudes para a obtenção de financiamentosoriundos do programa

O fomento à agricultura de pequeno porte, também conhe-cida como agricultura familiar, conforme descrito anteriormen-te, ganhou impulso significativo por parte dos Governos Federale Estaduais a partir do início da década passada.

Consequência natural do incremento a tal nicho da produçãoprimária foi o aumento exponencial dos casos de fraudes na ob-tenção de valores oriundos das linhas de crédito governamental,vinculados sobretudo ao Pronaf, nas mais diversas regiões do país.

Segundo as regras atinentes ao referido programa gover-namental, está definido que “são beneficiários do Pronaf aspessoas que compõem as unidades familiares de produção rurale que comprovem seu enquadramento, mediante apresentaçãoda Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP)”.

E é justamente no fornecimento da referida declaração quese concentra a maior parte das fraudes perpetradas. Segundoinformações disponibilizadas pelo Banco Central do Brasil, tra-ta-se de documento que deve ser fornecido por agentescredenciados pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar eDesenvolvimento Agrário (SEAD), a ser elaborado para a unida-de familiar de produção, abrangendo todos os seus constituin-tes. Assim, trata-se de documentação de caráter coletivo, a serobtida perante entidades terceirizadas.

Segundo dados fornecidos pelo referido órgão estatal, so-mente no que se refere ao Estado do Rio Grande do Sul, a quan-

Page 106: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

106 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

tidade de DAPs por Entidade Emissora em vigor até 31 de de-zembro de 2014 era a seguinte:

Entidade Qte de DAPsConfederação Nacional dos Trabalhadores Ruraisna Agricultura – CONTAG/FETAG 153.947

Entidades de ATER – EMATER 153.492

Federação Nacional dos Trabalhadores naAgricultura Familiar – FETRAF 11.404

Associacao Nacional de Pequenos Agricultores – ANPA 9.072

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil– CNA / FARSUL 8.032

Secretaria de Reordenamento Agrário 2.440

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 1.834

Entidades que deixaram de emitir 723

Total 340.944

Cabe ainda registrar que a DAP válida, ou seja, apta para aefetivação do beneficiário junto ao Programa, é aquela cujosdados utilizados no processo de identificação e qualificação dasUnidades Familiares de Produção Rural passaram por análise deconsistência assecuratória da condição de agricultora familiar. ADAP somente é considerada válida se assinada e posteriormenteencaminhada ao órgão estatal regulamentador do Programa,que posteriormente disponibiliza os documentos validados parao Banco Central do Brasil e para o Banco do Brasil, instituiçãofinanceira intermediária dos recursos. O acompanhamento doiter percorrido durante essas etapas pode ser consultado atravésdo sistema Extrato da DAP, junto ao site da Secretaria Especialde Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário11. São consi-deradas ratificadas e homologadas as DAPs que não tiverem seusregistros de bloqueio incluídos na base de dados do referidoórgão até o dia 30 de abril de cada ano.

A partir de abril de 2017, várias alterações foram trazidas naregulamentação atinente à emissão e validade das referidas de-clarações por parte do órgão regulamentador, através da ediçãodas Portarias SAF 01/2017 e SEAD 234/2017, que alteraram as dis-posições das Portarias SAF 26/2014 e MDA 21/2014, respectiva-mente. Entre as principais modificações estão a redução do pra-

11 Disponível em: <http://smap14.mda.gov.br/extratodap/>. Acesso em: 31 ago.2017.

Page 107: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

107Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

zo de validade das referidas Declarações de três para dois anos,a possibilidade de suspensão das DAPs para fins de averiguaçãodas informações prestadas e a regulamentação da emissão dasDAPs para as Cooperativas Centrais de produtores.

A fiscalização dos requisitos necessários para a concessão dosfinanciamentos do referido programa cabe à instituição finan-ceira intermediária dos recursos. É justamente nesse tópico quese encontra o ponto de contato entre o Direito Penal e as nor-mas de compliance regentes do Sistema Financeiro, uma vez queé indiscutível a responsabilidade dos prepostos de tais entida-des pela verificação dos requisitos e dos controles atinentes àadministração dos fundos públicos que lastreiam o programa.Evidentemente que a original responsabilidade estatal pelo con-trole de seus atos foi, nesse caso, repassada aos agentes finan-ceiros.

Assim, à guisa de conclusão, a jurisprudência também apre-senta como pacífica a possibilidade de incriminação dos funcio-nários responsáveis pelo exame dos requisitos necessários para aconcessão do financiamento como coautores da conduta delitiva.

Conclusão

Finalize-se o presente ensaio com a propositura de tópicospara reflexão e discussão acerca do tema tortuoso do sigilo ban-cário.

A relevante posição dos Bancos na sociedade capitalistaglobalizada pode ser atribuída, entre diversos outros fatores, àdinamicidade e eficiência com que essas instituições aprimoramseus processos, produtos e operações, em consonância com asnecessidades de seus clientes e dentro da expectativa do seu seg-mento econômico de atuação, maximizando resultados e, porconsequência, a rentabilidade almejada por seus proprietários eacionistas.

No entanto, tamanha importância traz consigo altos encar-gos de responsabilidade social. O gigantismo das instituições ban-cárias, bem como seu alto grau de (inter)dependência, deixatransparecer que as instituições financeiras não podem ser trata-das à margem da regulamentação estatal, cabendo encontrarpontos de equilíbrio entre a manutenção dos princípios da li-vre-iniciativa e do Estado Social e Democrático de Direito na atu-ação deste como agente regulador.

Neste ensejo, a superação da visão de compliance como meropilar de política de “boas práticas de Governança Corporativa”para uma verdadeira função no âmbito das empresas pode repre-

Page 108: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

108 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

sentar importante ferramenta para a gestão dos riscos a que osbancos estão expostos, especialmente no que tange ao risco le-gal, ao risco de mercado e ao risco de imagem, ao tempo em queuma de suas bases é a disseminação da cultura da atuação daempresa em conformidade com leis e normas regulamentares.

De outro modo, ao se analisar a conceituação e estruturado Sistema Financeiro Nacional, ficou demonstrado que, primei-ramente, o referido sistema, assim como todo o mercado finan-ceiro brasileiro, é de remoto desenvolvimento, cenário comum apraticamente toda a América Latina. Devido à grande influênciareligiosa resultante de séculos de dominação colonial ibérica, osconceitos básicos de uma economia de mercado capitalista nãoestão ainda solidificados, gerando uma indeterminação na deli-mitação de um bem jurídico a ser tutelado penalmente.

Concluímos também que a evolução legislativa do SistemaFinanceiro Nacional apresenta falhas históricas. As leis que ain-da hoje regem o complexo sistema econômico brasileiro tiveramsua origem durante o regime militar, quando a tônica era a ela-boração legislativa por técnicos não especializados nas ciênciasjurídicas, sendo eles, em sua maioria, economistas. Isso levou ainconsistências estruturais gritantes da citada legislação.

A Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, é um exemplo clarodesse cenário. Sua elaboração foi impulsionada por um momen-tâneo clamor popular resultante de escândalos financeiros reite-rados, repercutidos amplificadamente pelos meios de comunica-ção de massa. Propostas legislativas sérias, elaboradas pelas maisdiversas fontes íntegras, foram desconsideradas. Foi aprovada, noentanto, uma legislação abolida da mais correta técnica, cujo ca-ráter foi descrito pelo então Presidente da República comoemergencial, dotada de imperfeições e carente de novos melho-ramentos. O referido texto legal surgiu como resultante de umprocesso legislativo dirigido por técnicos carentes de maiortraquejo jurídico. Trata-se de um emaranhado de regras unidasem uma só unidade legislativa e de existência condenável antea Ciência Penal, muito embora seja algo comum na legislaçãopátria. No que concerne à análise conceitual do crime de obten-ção de financiamento ligado à produção primária, nota-se omesmo cenário.

Deste cenário, exsurge o compliance como instrumento decontrole de condução privada de políticas públicas, com a ado-ção de práticas preventivas que busquem evitar a realização decondutas criminosas, por meio da disseminação de uma “culturade compliance” nos mais diversos pilares das instituições finan-ceiras (do “chão de fábrica” ao “board”).

Page 109: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

109Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO À AGRICULTURA FAMILIAR

Ainda, no caso dos atores do Sistema Financeiro Nacional,deve-se considerar a possibilidade de utilização dos serviços eoperações disponibilizados por estes para a consecução de atosilícitos, como, no caso, o delito objeto deste estudo, que igual-mente pode gerar consideráveis prejuízos à empresa pela inci-dência de multas administrativas e não raro a responsabilizaçãode gestores como partícipes de condutas criminosas. Destaqueespecial merece a necessidade de controle das contratações definanciamentos através do Pronaf, devido à sua pulverizaçãoentre agricultores de pequeno porte, de cunho predominante-mente familiar, uma vez que, por mais que os valores em opera-ções particularizadas não alcancem montantes financeiros consi-deráveis, em um contexto amplo movimentam um significativopercentual da receita orçamentária nacional.

Resta claro que o estudo de um tema dotado de tamanha com-plexidade não se esgota, em absoluto, nas observações aquitraçadas. As constatações encontradas neste pequeno artigo po-dem ser consideradas apenas como um ponto de partida para no-vas análises do Sistema Financeiro Nacional como bem jurídicomerecedor de tutela penal, bem como seu papel dentro do sistemade garantias trazido pela Constituição Federal, apontando suasinconsistências visando buscar elementos concretos de discussão parao aprimoramento e enriquecimento da literatura sobre o tema.

Referências

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo.Crimes federais. 9. ed. São Pau-lo: Saraiva, 2014.

DIRETORIA DE MARKETING E CO-MUNICAÇÃO DO BANCO DO BRA-SIL. Banco do Brasil: 200 anos –1964-2008 – Livro 2. Belo Hori-zonte: Del Rey, Fazenda Comuni-cação & Marketing, 2010a.

______. História do Banco doBrasil. Belo Horizonte: Del Rey,Fazenda Comunicação & Marke-ting, 2010b.

FURTADO, Celso. Formação eco-nômica do Brasil. 34. ed. São Pau-lo: Companhia das Letras, 2007.

GIAMBIAGI, Fábio et al. Econo-mia brasileira contemporânea(1945-2015). 3ª ed. Rio de Janei-ro: Elsevier, 2016.

LUCENA, Romina Batista; SOUZA,Nali de Jesus. Políticas agrícolase desempenho da agricultura bra-sileira: 1950-00. Indicadoreseconômicos FEE, Porto Alegre,v. 29, n. 2, 2001, p. 180-200.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA,PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Se-cretaria de Política Agrícola. Pla-no Agrícola e Pecuário 2017-2018. Brasília: Mapa/SPA, 2017.

Page 110: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

ÁLISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E VICENTE CARDOSO DE FIGUEIREDO ARTIGO

110 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

OLIVEIRA, Roberson de; GENNARI,Adilson Marques. História dopensamento econômico. SãoPaulo: Saraiva, 1999.

PEREIRA, Lutero de Paiva. Finan-ciamento rural. 2. ed. Curitiba:Juruá, 2009. (Coleção Direito doAgronegócio).

Page 111: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

111Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

Formação do direito privadomoderno. Codificação e sua ideologia.

A "descodificação" e a "era dosestatutos". Repercussões jurídicas

José Gabriel BoschiEspecialista em Direito dos Negócios

pela Unisinos/RSMestre em Direito Civil pela PUCRS

RESUMO

O presente artigo pretende analisar o surgimento dodireito privado moderno, sua origem e influência no sistemajurídico europeu e também na América Latina. Neste trabalhoserão abordados, de forma breve, os componentes históricos,sociais, políticos e econômicos que acompanharam a evoluçãodo direito privado a partir do seu surgimento até o seu momentode codificação. Antes, de forma introdutória, será exposto brevecenário social, político, econômico e jurídico da idade média,antecedente histórico da Era Moderna. No exame do surgimentodo direito privado na Modernidade, serão expostos ospensamentos de autores e obras jurídicas mais importantes noprocesso de codificação europeu, em especial na França e naAlemanha, apontando-se críticas ao modelo de codificação,sobretudo por conta da influência que determinada classe socialpode exercer sobre o processo de consolidação de leis em umpaís. Após, ingressa-se no estudo do momento históricoseguinte, representado na era das decodificações, em queinúmeras leis especiais passam a tratar de assuntos antes afetosaos códigos civis ou comerciais europeus e latino-americanos. Ahiperinflação legislativa e a reflexão sobre seus efeitosencerram o presente trabalho.

Palavras-chaves: Direito Privado moderno. Codificação.Descodificação. Novos estatutos.

ABSTRACT

This article aims to analyze the emergence of modernprivate law, its origin and influence in the European legal systemand also in Latin America. This paper will briefly discuss thehistorical, social, political and economic components thataccompanied the evolution of private law from its emergenceuntil its codification. Before, in an introductory way, a brief

Page 112: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

112 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

social, political, economic and juridical scenario of the middleages, historical antecedents of the Modern Era will be exposed.In examining the emergence of private law in modernity, thethoughts of authors and more important legal works in theEuropean codification process, especially in France and Germany,will be presented, pointing to criticisms of the codification model,mainly due to the influence that determined social class canexert on the process of consolidation of laws in a country. Hethen embarked on a study of the following historical moment,represented in the era of decodification, where numerousspecial laws deal with subjects formerly related to Europeanand Latin American civil or commercial codes. Legislativehyperinflation and the reflection on its effects conclude thepresent work.

Keywords: Modern Private Law. Codification. Decoding.New statutes.

1 O fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.O surgimento do direito privado

Antes de se iniciar o exame da formação do direito privadomoderno, é necessário tecer breves linhas introdutórias sobre osseus antecedentes históricos, para melhor compreender a pró-pria noção de “privado” e de “moderno”.

Assim, antecede à Modernidade, na história, o período co-nhecido como Idade Média, que se dividiu em Alta Idade Médiae Baixa Idade Média. A Alta Idade Média tem seu início com aqueda do império do Ocidente, século V, e perdura até XI, quan-do então se inicia o período histórico anterior à Modernidade,chamado então Baixa Idade Média, que terá o seu declínio noséculo XV.

A Baixa Idade Média, especialmente o seu fim, e o início daIdade Moderna são períodos históricos marcados por profundasalterações no cenário urbano, político e econômico. É, sem dú-vida, um período novo, de renascimento, em que os componen-tes e estruturas sociais irão ressurgir e se reinventar, assentandoas bases para a Modernidade que se iniciará.1

Com efeito, a Baixa Idade Média assiste à crise e ao fim dosistema feudal que imperou em toda a Europa durante séculosanteriores, bem como ao surgimento das monarquias absolutis-tas europeias. Alguns fatos históricos são determinantes para isso.

Em primeiro lugar, o regime feudal não mais se sustenta coma força de séculos passados. O desenvolvimento agrícola dentro

1 A respeito disso, veja-se Lima Lopes (2011).

Page 113: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

113Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

dos seus limites, através da utilização do arado de ferro com ro-das, dos moinhos hidráulicos e da atrelagem dos animais à car-roça (aumentando a força de trabalho), rompe com a tradiçãoarcaica feudal e cria um aumento exponencial de produção eriqueza.

Essa produção e riqueza serão consumidas por uma socie-dade em crescimento populacional, tendo em vista o fim dasguerras e epidemias decorrentes das cruzadas, o que vai durarao menos até o século XIV, quando a peste bubônica (peste ne-gra) dizimou quase um terço da população europeia. Com efei-to, com o fim das batalhas no Oriente Médio houve relativa paze tranquilidade aos povos europeus, gerando aumento da den-sidade populacional, o que, ao mesmo tempo em que deu va-zão à produção agrícola também criou novas rotas comerciaispara negociar as riquezas trazidas pelos combatentes, em co-mércio instaurado em burgos.

Consoante a História relata, ao retornarem das cruzadas, oscavaleiros saqueavam ou se apropriavam de riqueza (ouro, teci-dos, temperos, obras de arte, entre outros) por onde passavam(especialmente nas cidades orientais) e comercializavam essesbens no seu regresso à Europa, criando, assim, rotas comerciais efeiras medievais.

O local para a realização desses negócios iniciou-se nas pro-ximidades de abadias, igrejas, mosteiros e outras edificações re-ligiosas, para proteger os comerciantes que ali se instalavam. Como tempo, passou-se a chamar tais locais de burgos, e, conse-quentemente, de burguesia a classe negociante que ali opera-va. Outras atividades surgem em meio a esse cenário, como osartesãos, os cambistas (que trocavam moedas e bens por dinhei-ro) e os banqueiros (que guardavam recursos, emprestavam di-nheiro etc.). O sistema capitalista tem ali o seu marco inicial.

O crescimento físico do local e a intensidade dos negóciosfizeram com que muitos burgos edificassem muros para sua pro-teção, o que, com o passar dos tempos, ensejou as cidades mura-das europeias. As cidades passaram a atrair aquelas pessoas queantes habitavam a zona rural e o campo.

Naturalmente todas essas transformações implicaram mudan-ça no cenário jurídico, nesta transição da Idade Média para aIdade Moderna.

No regime feudal, o senhor proprietário de terras absorviaa função de legislar (na acepção de editar regras, e não comoum poder constituído especificamente para tanto, o que somen-te irá ocorrer com o fim das monarquias absolutistas, que suce-deram o regime feudal), administrar e impor sanção aos infrato-

Page 114: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

114 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

res. Os camponeses, em troca do trabalho exercido nas terras dosenhor, recebiam proteção militar. Havia, nesse contexto,prevalência de normatização das relações jurídicas públicas, comacentuada incidência na cobrança de taxas e tributos e delimi-tação da propriedade, a qual, aliás, hierarquizava a própria so-ciedade feudal.

A Igreja organizou-se de forma semelhante ao sistema dedomínios da sociedade feudal, ao criar mosteiros, abadias e igre-jas fortificadas, as quais funcionavam à semelhança de castelos evilas feudais. Apoiou a disseminação do feudalismo porque, atra-vés da descentralização que ele proporcionava, a manutençãodos domínios eclesiais inalienáveis era facilitada.

A Igreja exercia relevante papel na regulação da vida daspessoas, ao regular muitos assuntos ligados à relação familiar eaté aos negócios, coibindo práticas mercantis e limitando con-tratos.

Com o surgimento dos burgos e do comércio e com a migra-ção das pessoas da zona feudal para as áreas de comércio, hou-ve natural diminuição dos trabalhadores rurais e por isso os se-nhores feudais obrigaram-se a estimular os servos a permanecernas zonas de feudo, através da redução de tributos e de estímu-lo financeiro. Porém, o movimento de urbanização era irreversívelna Europa.

Ao mesmo tempo em que o século XI é um marco de declíniodo sistema feudal, é também marcado pelo movimento de estu-do do direito justinianeu ou Corpus Iuris Civilis2, especialmente

2 No século VI o imperador do Império Romano do Oriente (chamado ImpérioBizantino), preocupado com a decadência do antigo direito romano, no anode 528 encarregou Triboniano, homem de confiança, de resgatar o direitoromano clássico, a fim de preservar aspectos jurídicos relevantes. Triboniano,então, reuniu juristas e cumpriu o encargo compilando com muito esforço aobra em quatro partes. Já no ano seguinte foi publicado o Codex, que reu-nia as “constituições” imperiais, ou seja, o conjunto da “legislação” promul-gada pelos antigos Imperadores Romanos, especialmente do Império Roma-no do Ocidente. Em 533 são publicadas as Institutas e o Digesto, sendoaquelas uma espécie de manual de Direito, inspirado na obra homônima dojurisconsulto clássico Gaio, destinada aos funcionários graduados do Impé-rio, que representavam o poder central junto às províncias do ImpérioBizantino. O Digesto (designação latina, ou Pandectae ou Pandectas, emgrego) reunia os textos dos maiores jurisconsultos clássicos (cerca de 40 au-tores), através de uma compilação sobre temas jurídicos, buscando umapossível harmonização. A obra é dividida em 50 livros, subdivididos em apro-ximadamente 1.500 títulos. Por fim, já quando falecido Justiniano, no séculoIV (565), foi publicada as Novelas (ou Novellae), obra que reunia a obralegiferante de Justiniano – foram mais de 177 “constituições” imperiais

Page 115: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

115Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

o Digesto, que se inicia na Universidade de Bologna, na Itália, eestende-se por outras universidades europeias. Nos séculos se-guintes, mais precisamente nos séculos XII e XIII, surge a chama-da escola de glosadores e, posteriormente, comentadores, o queserá conhecido na História também como mos italicus e será abase para o ius commune, o direito comum, aplicado a toda aEuropa nos séculos seguintes.

Com efeito, os glosadores procediam às anotações ao ladodo Digesto de Justiniano e buscavam a interpretação e elimina-ção das ambiguidades do texto, para depois sistematizar a glosa.Não havia, contudo, aplicação aos casos reais, práticos, pois oensino jurídico era analítico, voltado para a lógica interna dostextos. Diferentemente do tradicional método teológico, quebusca o sentido e significado, as glosas procediam à análise decada palavra, na tentativa de extrair a correta compreensão dotexto. No século XIII, pode-se dizer que a compilação justinianahavia sido totalmente glosada, de modo que no século seguinteum novo método inicia-se para estudo e ensino jurídico, com in-fluência determinante até o século XV: os comentaristas, queaprofundaram o método interpretativo do direito romano aoscasos contemporâneos de época. A maior intenção era sistemati-zar o direito romano então glosado, de forma que os comentadorescaracterizavam-se por buscar solucionar controvérsias e proble-mas reais advindos da aplicação do Digesto. Os comentadores tor-nam possível a convivência da tradição feudal com as novas ten-dências da vida europeia, reproduzidas no comércio e namonetarização da vida e das obrigações e no direito de terras esucessão. Podem-se referir como expoentes os comentadores Cinode Pistóia (1270-1336), Baldo de Ulbadis (1327-1400) e principal-mente Bártolo de Sassoferrato (1314-1357).

por ele baixadas, inovando o direito anterior. O Corpus Juris Civilis é o conjun-to das quatro partes da obra de Justiniano e recebe esse nome quando doinício do estudo pelas universidades europeias, na Baixa Idade Média. De suacriação até sua redescoberta, ou seja, entre os séculos VI e XI, o Corpus nãoteve quase nenhuma importância no espaço jurídico europeu, em razão daenorme feudalização que se vivia na Alta Idade Média, com acentuadainvolução jurídica e ausência de estudos jurídicos formais. Naquele período asociedade, quase que exclusivamente rural, era regida por um direito costu-meiro bastante primitivo. Todavia, com a redescoberta dos textos do Corpus,com especial destaque para o Digesto, o Corpus Juris Civilis veio a ter umacrucial importância para o renascimento do direito. Esse renascimento jurí-dico inicia no norte da Itália, no século XI, com a fundção das primeiras uni-versidades, e nos séculos seguintes se espalha por toda a Itália e pelos de-mais países europeus. A respeito disso veja-se Schipani (1996) e FacchiniNeto e Haeberlin (2014).

Page 116: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

116 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Aos comentadores sucederam-se, no século XVI, na França,os humanistas, que corrigiram os métodos empregados peloscomentadores, para reaver a pureza dos textos da Antiguidade.A escola humanista chamou-se também escola culta, eleganteou mos gallicus docendi. Havia, nos humanistas, atenção à Anti-guidade clássica, própria do Renascimento, o que, em se tratan-do de direito, representou o apego aos textos originais do direi-to romano. Os humanistas beneficiaram-se com o progressivofortalecimento das monarquias absolutistas e dos direitos nacio-nais, o que libertava o direito romano de fins práticos. Assim,consideravam o direto romano a ser estudado como ramo da his-tória do direito, e não como o direto atual e vigente.3

Não se pode furtar a referência à influência do direito ro-mano na Alemanha, através do movimento migratório de alu-nos alemães para universidades italianas, a partir do século XIII.Os estudantes, quando do retorno à Alemanha, fundaram algu-mas universidades, como a de Heidelberg, em 1386, a de Colô-nia, em 1388, a de Wurzburg, em 1402, e a de Leipzig, em 1409,entre outras.

A partir do século XV, a recepção do direito romano na Ale-manha acentua-se com mais vigor, o que se justifica pelo au-mento das universidades alemãs, pela forte centralizaçãomonárquica, o que culminou com o decreto imperial do Impera-dor Maximiliano I, em 1495, segundo o qual os casos levados aoTribunal da Câmara Imperial seriam julgados de acordo com odireito comum, isso é, o Direito romano, versado nas universida-des.

Consoante se vê, portanto, ao fim da Idade Média o direitoprivado sofria influência do direito romano, canônico e feudal. Odireito romano era o direito comum europeu, fundado nos tex-tos romanos (principalmente o Digesto), a partir, primeiro, do mositalicus (iniciado pelos glosadores italianos nos séculos XII e XIII edesenvolvido pelos comentadores ou pós-glosadores nos séculosXIV e XV); passando pelo mos gallicus ou “jurisprudência culta”ou “elegante” (desenvolvido pelos juristas humanistas franceses,no século XV), culminando no mos germanicus (desenvolvido pe-los alemães, de cunho mais racional e sistemático, a partir do sé-culo XVII e principalmente no século XVIII). Somente com a con-solidação das monarquias absolutistas é que este processo de uni-ficação legislativa ganhará força, até se ultimar nas codificaçõesoitocentistas. Porém, até lá, um grande caminho é percorrido,conforme se passa a expor no próximo item.

3 A respeito disso, veja-se Zweigert e Kötz (1998).

Page 117: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

117Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

2 A Idade Moderna e o direito privado

A Idade Moderna é o período histórico que se inicia no sé-culo XVI e vai até o século XVIII, com profundas mudanças naordem econômica, política, jurídica e humana dos países ociden-tais. Pode-se dizer que a transição do medievo para a moder-nidade passa pela queda do Império Romano do Oriente (Bizan-tino), pela reforma protestante e pelo surgimento e consolida-ção das grandes navegações. Há, assim, novas riquezas advindasda posse, das invenções, do direito do mar, sobre índios e terri-tórios conquistados.4

O direito privado, neste contexto, especialmente no surgi-mento do Estado Moderno, ainda era tratado pontualmente,não era um ramo do direito com formação sistémica (como nãoera, aliás, o próprio direito). Não havia unidade uma vez quenão havia unidade sequer territorial. Isso muda, paulatinamen-te contudo, com a consolidação do Estado Moderno e das mo-narquias absolutistas (que também representam a transição daidade média para a idade moderna). Contudo, ainda que nãofosse organizado e sistemático, já não era mais subordinado ou

4 Muito do que se comenta, nos dias atuais, sobre importantes acontecimen-tos históricos do passado refere-se ao período modernista. Assim, entreinúmeros acontecimentos do século XVI, pode-se referir, por exemplo, aspinturas de Mona Lisa por Leonardo da Vinci e na Capela Sistina porMichelangelo; a ocorrência de grandes navegações e descobertas marítimas(assim, os franceses chegam às costas brasileiras; os espanhóis conquistamos astecas no México e os incas no Peru; a expedição de Martim Afonso deSouza marca o início da colonização no Brasil, com a chegada dos primeirosescravos em meados do século: os portugueses aportam em Macau, na Chi-na), a primeira universidade é fundada na América Latina, em Lima, noPeru; São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro são fundadas no Brasil; Camõespublica o clássico Os Lusíadas e William Shakespeare publica Romeu e Julieta.O século seguinte foi de continuidade do período de pujança nas artes, lite-ratura, do comércio e da ciência. Assim, pode-se referir que no século 1600William Shakespeare escreve Hamlet; Galileu inventa o telescópio; os fran-ceses fundam São Luís, e os holandeses, Recife; o Padre Antônio Vieira chegaao Brasil; Miguel de Cervantes publica Dom Quixote, e René Descartes, OMétodo; Thomas Hobbes publica O Leviatã; Isaac Newton publica a Lei daGravidade; a Revolução Gloriosa surge na Inglaterra; entre outros. Por fim,no século XVIII, pode-se referir que se acentuam os conflitos nos territóriosconquistados e nas colônias; desenvolvem-se avanços na ciência e, entreoutros, Rousseau publica o Contrato Social; Luís XVI torna-se rei na França;Goethe escreve Werther; início e fim da Guerra da Independência nos EUA;Kant publica Crítica da Razão Pura; e finalmente a ocorrência da RevoluçãoFrancesa, que marca o fim da Idade Moderna e início da Contemporânea ouPeríodo Liberal. A respeito disso, vejam-se Lima Lopes (2011); Fausto (2012)e Forgioni (2012).

Page 118: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

118 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

estritamente dependente do direito público, como fora o marcodo período medieval e feudalista. Passa-se, agora, a haver umarelação de mútua convivência, sem necessária superioridade deum sobre o outro, sendo este período histórico o momento, ali-ás, no qual se afirma ter surgido definitivamente a separaçãoprópria e conceitual entre estes ramos do direito.

Aos governantes passa a ser relevante o reconhecimento,valorização e disciplina jurídica de relações privadas, ao mesmotempo em que para a burguesia emergente passa-se a ser rele-vante, também, a regulação e sistematização de um direito pú-blico, não mais sobreposto ao direito privado. Os burgueses an-siavam, neste primeiro momento, de formação e consolidaçãodo Estado Moderno, quando surgiam como classe comerciantedominante, que os governantes os protegessem enquanto clas-se econômica – através de medidas voltadas ao comércio – bemcomo enquanto próprios governados – mediante proteção defronteiras territoriais às invasões vizinhas. Da mesma forma, aomonarca passava a ser interessante um direito privado regula-dor da atividade mercantil emergente, de modo a poder cobrarcom êxito tributos e regular a atividade que surgia.

A respeito disso é a lição de Facchini Neto (2010, p. 41),segundo a qual:

A partir do final da I. Média, com a formação do Esta-do Moderno, há uma nova interpretação entre o di-reito público e o direito privado, com uma funcio-nalização do poder público ao privado (pois interessa-va à burguesia emergente o fortalecimento da mo-narquia nacional, já que um governo centralizado eúnico tenderia a favorecer o desenvolvimento do co-mércio, reduzindo as barreiras alfandegárias, as múl-tiplas moedas, etc.), mas também com uma funcio-nalização do privado ao público (já que igualmenteinteressava ao monarca o fortalecimento da burgue-sia, de quem se cobrava tributos cada vez maiores, ede quem aquele obtinha empréstimos para financiarsuas campanhas militares e outros empreendimen-tos régios).

Como referido antes, o fim da Idade Média e o surgimentoda Modernidade assistem ao direito privado fruto dos mos italicus,passando pelo mos gallicus e, por fim, pelo mos germanicus. Eraum direito que se assentava no direito romano, especialmente naItália e no sul da França, ou no costume, sobretudo no norte daFrança e Alemanha, onde, a despeito do recebimento do direitoromano, este não era prevalente. Ainda, o direito privado pos-suía forte caráter de vinculação ao próprio direito canônico, o

Page 119: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

119Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

que foi esvaziando-se com o período iluminista. Na Itália e sul daFrança, o direito privado será chamado de droit écrit, ao passoque no norte da França e Alemanha o direito privado será cha-mado de droit coutumier (pela influência do direito romano epelos costumes, respectivamente).

Os séculos XVII e XVIII assistem também ao surgimento dojusnaturalismo e posteriormente ao jusracionalismo, o que seráo antecedente histórico da Revolução Francesa, que se avizinha.5

O jusnaturalismo consagra o predomínio da individualida-de humana, com base na própria natureza do homem. Por essemotivo o retrato humano se sobressai como objeto de inspira-ção nas artes, cujo ambiente é, sobretudo, personalista e indivi-dualista. O direito não seria mais de natureza secular, ou seja,vinculado aos dogmas da Igreja, mas sim decorrente da condi-ção humana. O homem deixa de olhar para o céu e passa a olharpara si, como fonte e fundamento jurídico.

O jusracionalismo, ao seu turno, desenvolvido a partir doséculo XVII e hegemônico até fins do século XVIII, traz a acepçãode um direito natural racional, fruto da razão humana. Diz-seinstrumental, pois a razão do homem deve ser instrumento paraa paz civil e prosperidade econômica. Diz-se não finalista, umavez que os fins humanos são distintos, disformes e relativos (asguerras questionam os dogmas impostos de finalidade). A razãodo homem deve ser instrumental, paz civil e prosperidade eco-nômica. Pretendia, em síntese, que o direito fosse fundado emprincípios racionais válidos independentemente das condiçõessociais ou culturais nas quais foi formulado ou das sociedadesque deveria reger.

Seu ciclo encerra-se com a Revolução Francesa, que ensejoudois movimentos positivistas jurídicos: o primeiro, na França, noqual a escola da exegese ou de hermenêutica imperativista pro-punha positivismo legalista e de estrita observância à lei postano Código Napoleônico; o segundo, nos estados germânicos,através da Escola Histórica do Direito, cujo método deu origemà chamada “jurisprudência dos conceitos”, de hermenêuticametodológica, que propunha um positivismo conceitualista.

Foram expoentes do pensamento jusnaturalista e jusra-cionalista, entre outros, o francês René Descartes, que buscou odiscurso do método para o reconhecimento de um direito siste-mático; o alemão Hugo Grocius e o inglês John Locke, sendoaquele o de maior exponencial neste pensamento jurídico naEuropa, tendo ambos se atido acerca da filosofia política que

5 A respeito disso, veja-se Bobbio (1988).

Page 120: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

120 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

abordasse liberdade religiosa, individualismo e crença); o ale-mão Samuel Pufendorf e os franceses Domat e Robert Pothier,cujo objeto de estudo foi o mercado e a obrigatoriedade novínculo celebrado entre as partes.

Domat, por sinal, que viveu entre 1625-1696, publicou rele-vante obra civil, denominada Les lois civiles dans leur ordre naturel(1689), em que buscou sistematizar e adaptar o direito romanoaos novos tempos, à luz das ideias jusnaturalísticas então em as-censão. Especialmente no que se refere à responsabilidade civil,Domat influenciou notavelmente a concepção francesa da respon-sabilidade civil subjetiva e é dele a base da redação do célebreart. 1.382 do Código Civil frances (cláusula geral da responsabili-dade civil com base na culpa), que posteriormente influenciou oCódigo Civil italiano e os artigos 159 e 186 do Código Civil brasi-leiro de 1916.

Já Pothier (1699-1772) era considerado mestre tanto do di-reito romano como do direito consuetudinário e foi quem mai-or influência teve sobre a redação do Código Civil francês. Em1740 publicara célebre comentário sobre os costumes de Orleanse em 1748 escreveu sobre o direito romano, na obra intituladaPandectae in novum ordinem digestae. Sua obra mais famosa,contudo, foi Traiteì des Obligations, considerada o modelo detratado jurídico na Europa do século XVIII.

Dito isso, e vistos (ainda que de forma sintética) os movi-mentos políticos e jurídicos na Idade Moderna, passa-se ao exa-me dos atos normativos existentes na França e na Alemanhadurante a Era Moderna, o que foi antecedente para as respecti-vas codificações.

3 A era das codificações. Seus antecedentes e sua ideologia

a) Na FrançaNo século XVI há várias ordenações (ordonnances) editadas

pelo rei, na falta de um parlamento legiferante. As monarquiasabsolutistas já vigiam com força em diversos países na Europa.

Já nos séculos XVI e XVII há uma intervenção legislativa maisincisiva, sobretudo no direito material. Pode-se citar, como exem-plo, a Ordonnance de Moulins, de 1566, exigindo prova escritapara os contratos e criando a figura da hipoteca judiciária; aOrdonnance du Commerce, de 1673; o Code de la Marine, de1681, todos regulamentando o direito comercial terrestre e ma-rítimo. Vê-se, nesse cenário, flagrantemente a tradição latina dedisciplinar, de forma separada, o direito comercial e o direitocivil.

Page 121: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

121Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

O século XVIII, sob o reinado de Luís XV e em anos antece-dentes à criação do Code, assiste às Ordonnances sobre doações(de 1731); sobre testamentos (de 1735); e sobre fideicomisso(1747). As duas primeiras ordenações foram grandemente reto-madas por ocasião da redação do Código Civil Napoleônico de1804.

O sistema de governo existente e os atos da monarquia fran-cesa, contudo, conduziam a um cenário de profunda insatisfa-ção da classe dominante, a burguesia, que era taxada sensivel-mente em sua atividade mercantil. Assim, aliado a um cenáriode profunda desigualdade, o século XVIII caminha, na França,para o evento que marcará o fim da Idade Moderna e o iníciodo liberalismo, que será a Revolução Francesa.

Assim, a revolução, que se inicia simbolicamente com a que-da da Bastilha, prisão francesa símbolo da opressão e violênciado regime absolutista, consolida os ideais políticos da classe bur-guesa que irá ascender ao poder: igualdade, liberdade e fra-ternidade. A autonomia da vontade, respeitada em seu graumáximo, será o princípio otimizador do valor liberdade, em es-pecial nos negócios de circulação de riquezas, principalmenteno primeiro ciclo de codificações. O mercado e os interesses co-merciais passam a ser decisivos para as ações individuais e tam-bém para as próprias escolhas políticas, por isso a noção de Esta-do Liberal e pouco intervencionista.

O direito, como consequência da revolução, passa a ser es-tatal e burguês. Inicia-se, assim, o projeto de criação do CódigoCivil francês, em observância à própria Constituição francesa de1791: “il sera fait un code de lois civiles communes à toute leroyaume” (título I, L). Com a ascensão de Napoleão Bonaparteao poder, no final do século XVIII, quase início do século XIX,intensificam-se as atividades para confecção do Code, o qual vema ser publicado em 21 de março de 1804. Sua vigência sacramentadefinitivamente a separação entre o direito público e o direitoprivado, ficando este para as relações econômicas entre os go-vernados e aquele para a política, sociedade civil e relações deEstado. Nesse sentido é a lição de Díez-Picazo e Gullón (1995,p. 37):

La cristalización definitiva del derecho civil comoderecho nacional y privado se opera con lacondificación. La idea de un Código civil hay que ligarlacon el pensamiento de la Ilustración u del racionalismoque dominó en Europa a partir del siglo XVIII. Hastaese momento se acostumbraba a recoger las diversasleyes vigentes en un determinado momento en un

Page 122: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

122 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

solo texto, recopilándolas. La idea de la codificaciónes, sin embargo, más amplia que la de una purarecompilación de textos.

O Código Napoleônico trouxe equilíbrio entre as disposi-ções próprias do direito romano e do direito costumeiro que vi-giam na França até então.6 Napoleão nomeou uma comissãocomposta por quatro advogados: Trochet, Bigot Du Pémameneu,Portalis e Mavile, sendo os primeiros dois originários do norte,região do direito costumeiro (droit coutumier), e os outros doisdo sul, região do droit écrit. Napoleão tinha tanto interesse naobra que presidiu pessoalmente inúmeras sessões de delibera-ção sobre normas do código.

O código tem seus 36 títulos divididos em três livros e porisso traz a ideia de sistematização. Ele dispõe sobre as pessoas,sobre as coisas e sobre a propriedade (obrigações), em mais de 2mil artigos.

Há que se destacar a relevância da disciplina dos vícios davontade, da culpa e da responsabilidade civil. Não importam aocódigo, por outro lado, aspectos de justiça contratual, como arevisão do contrato, por exemplo. Vigia, na excelência, o dogmado pacta sun servanda. Por outro lado, é relevante o estudo dosvícios da vontade, já que a vontade livre era pilar de validadedo próprio sistema jurídico privado.

A ideologia que marca o Código Civil e a própria era dascodificações que se seguiram, assim, é da busca de uma legisla-ção completa, clara e coerente, naquilo que se pode chamar dea “ideologia dos três C”.7

A completude representa a ideia de que seria possível regu-lar todas as relações jurídicas dentro do Diploma Civil. O Códi-go, com toda a sua vasta disposição normativa, teria a pretensãode antever e dispor sobre todas as relações privadas, tendoNapoleão a pretensão de formular um código como verdadeiraobra para o presente e futuro. Tanto é assim que se lhe atribui afrase de que o seu verdadeiro legado à história não seriam asbatalhas vencidas, mas o Código Civil francês por ele publicado.

A clareza impunha a noção de que as disposições do Códi-go seriam facilmente interpretadas pelo aplicador da lei e pelopróprio jurisdicionado. Esta, aliás, é outra característica do códi-go: a sua redação não complexa e sua pretensão de que todosos franceses pudessem entendê-lo.

6 Importa destacar, contudo, que, ainda que tenha havido uma nova ordemjurídica com a Revolução Francesa, não há uma revogação da legislação doancien régime.

7 Nesse sentido, Facchini Neto (2010, p. 44).

Page 123: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

123Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

Por fim, a coerência pressupunha a ausência de antinomiano Código Civil francês, ou seja, a ausência de conflito entre asnormas ali dispostas.

A completude, a clareza e a coerência (ausência de antino-mia), ademais, serviriam para afastar eventual pretensão doaplicador da lei em interpretá-la de acordo com suas convicçõese ideologias, superando as disposições expressas na lei e os valo-res implicitamente contidos nas normas do Code. Como a bur-guesia temia a arbitrariedade e a parcialidade monárquica, nãodesejava que o juiz repristinasse essa prática aplicando a lei como“bem quisesse”. Por isso Montesquieu consagrou em sua obraclássica que o juiz deveria ser tão e simplesmente a boca da lei,ou seja, sem atividade interpretativa.

A respeito disso, importa trazer a lição de Wieacker (1993,p. 367):

os códigos jusnaturalistas foram actos de transfor-mação revolucionária. Acerca desta afirmação nãodeve ser omitido que eles apenas em França e nasáreas do seu domínio de influência foram levados àprática pelos portadores da revolução política, enquan-to que no resto da Europa o foram pelo despotismoesclarecido. Enquanto que desde o Corpus Iuris até oinício deste século a edição legislativa em geral fora,na maior parte dos casos, o último dos frutos de umaantiga tradição científica, estas novas codificaçõesentendem-se antes como pré-projetos de um futuromelhor. [...]. Foi por esses mesmos motivos que os có-digos jusnaturalistas protestaram muito frequente-mente e de forma expressa contra os costumes e pre-conceitos que se lhes opunham.

Esse pensamento, aliás, será o fundamento da Escola deExegese, que predominará a partir da publicação do Código.

A Escola de Exegese, com efeito, imporá uma submissão dojuiz à figura de um intérprete racional e sistemático. Para osexegéticos, interpretar é simplesmente conhecer a vontade dolegislador. Como o legislador trouxe para a confecção do Códi-go os valores da Revolução Francesa, eram eles que estavam im-plícitos e explícitos nas normas do Code, bastando ao juiz sim-plesmente aplicá-lo. O Código ganha mais relevo do que o pró-prio direito civil, a ponto de os manuais publicados na épocatrazerem introdução ao Código Civil, e não introdução ao direi-to civil. Nesse sentido pode-se referir a clássica frase do magistra-do Jean Joseph Bugnet, que, diante da completude, clareza ecoerência do Code, não ensinaria direito civil, mas sim o próprioCódigo de Napoleão.

Page 124: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

124 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Acerca do método exegético, importa trazer a lição de Sacco(2001, p. 271), para quem

A classificação do método francês do período 1806-80 como método exegético tem, em todo o caso, umvalor negativo. Serve para explicar que o intérpretefrancês da época não conceitualiza, não sistematiza,não elabora juízos de valor. A centralização monár-quica, primeiro, a Revolução, depois, confiaram o di-reito aos práticos (legislador, acima de todos, e de-pois juízes), e não aos professores. O prático se ocupadas regras de direito, o professor, respeitador das ins-tituições, analisa regras de direito: regras legais, eacima de tudo, e integradas, se for o caso, por regrasromanas, consuetudinárias, e reais. Mas se ocuparásempre de regras.

Posteriormente ela será confrontada pela Escola Científicaou de Livre Investigação Científica, de François Geny, que na suaessência determina que o direito não se reduz à lei, sendo ne-cessária a investigação além dos preceitos impostos pelo legisla-dor.

Como obras doutrinárias relevantes após a publicação doCódigo francês, muitas delas trazendo em seu título a mençãoao estudo do Code (e não do direito civil), pode-se referir asobras de Jean Proudhon, Cours de droit français (1809); Alexan-dre Duranton, Cours de droit français: suivant le Code civil (1825);Hyacinthe Blondeau, L’autorité de la loi: de quelle source doiventdécouler aujourd’hui toutes les décisions juridiques (1841);Charles Demolombe, Cours de Code civil (1845); e Charles Aubrye Charles-Frédéric Rau, Cours de droit civil français: d’après laméthode de Zachariae (1897).

Por fim, importa aludir que o Código Civil francês será, en-tão, por todas as razões supraexpostas, adotado na Itália e naEspanha, entre outros países.

b) Na AlemanhaNa Alemanha a discussão sobre um Código alemão surge já

na primeira década dos oitocentos, com a derrota de Napoleão.Indaga-se um Código alemão para os alemães. Há, naquela épo-ca, 39 reinos, cada qual com seu ordenamento, e sem uma or-dem superior legislativa unificante. Impunha-se, nesse cenário,uma unificação do direito privado.

Assim, em 1871 uma comissão com 11 membros é instituída,sendo o projeto reprovado. Em 1890, nova comissão é compos-ta, sendo o trabalho concluído em 1895, com reforma em 1896,

Page 125: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

125Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

sendo aprovado como terceiro projeto para vigorar em 1900. Àexceção de Windscheid, os demais membros da comissão eramfuncionários públicos, o que restringia a visão do mundo práti-co do Código que veio a ser promulgado.

A respeito da criação do Código Civil alemão, ensinamFacchini Neto e Haeberlin (2014, p. 263):

O Código Civil alemão (Burgerliches Gesetzbuch – BGB)é produto da ciência jurídica pandectista de expressãoalemã. As definições, cuidadosamente reduzidas emsistemas e auxiliadas por um aparato linguístico elabo-rado [...]. Nada é deixado à improvisação. A elabora-ção do Código Civil – prevista desde a unificação ale-mã, em 1871, com a fundação do Império (Reich) – du-rou mais de vinte anos. Um primeiro projeto, elabora-do por uma comissão integrada, além de outros, pordois renomados juristas – Bernard Windscheid eGottlieb Planck –, foi finalizado em 1887 e enviado àsuniversidades, às cortes e aos altos funcionários do Es-tado, a fim de receber críticas e sugestões. As críticas,relacionadas ao excessivo viés doutrinário, à incom-preensão da linguagem e à complexidade da técnica,fizeram com que fosse nomeada uma nova Comissão,em 1890, cujo trabalho cingiu-se, em grande parte, auma revisão de linguagem. Foi esse o projeto aprova-do em 1896 pelo Reichstag.

O BGB, assim, passa a ser o primeiro Código a possuir umaparte geral. A parte especial, com quatro divisões, também é di-versa do Code Napoleón, com que, em verdade, não guardaidentificação. A estrutura do Código é de rigor exaustivo econceitual. Aos moldes alemães, parece-se com uma máquinaperfeita, com uma grande engrenagem estruturalmente rigoro-sa, sem repetição de palavras e termos e com muita remissão adispositivos quando já citados ao longo do corpo legal. Há, ade-mais, a inserção de cláusulas gerais, de modo a permitirem aointérprete a frequente adaptação do Código às mudanças soci-ais. É um Código liberal e que na sua essência não se preocupoucom as questões sociais que já se impunham nos oitocentos, coma Revolução Industrial já em vigor, e com todos os seus efeitosdecorrentes (ausência quase completa da casuística). Por essemotivo, muitos afirmam que foi um Código que entrou de cos-tas para o novo século.

A respeito disso, importa referir a lição de Andrade (1997,p. 10):

Contudo, embora logo tenha sido considerado comouma obra do mesmo nível do Code Civil, influenciando

Page 126: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

126 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

diversos países, o BGB não foi para a Alemanha o queo Código de Napoleão foi para a França. E isto, talvez,porque ele foi mais uma consequência, um fruto tar-dio do liberalismo, do que uma semente. Quando elesurgiu, a hora e a vez do liberalismo e do positivismojá estavam passando.

A ideologia do Código é de consensualismo equilibrado,no qual a autonomia da vontade não possui a supremacia quelhe empresta o Código Civil francês. Com efeito, a liberdade in-dividual cede frente à segurança jurídica e sofre enfrentamentopelas cláusulas gerais, ainda que de forma implícita. Não se podefurtar de referir que o Código alemão apresenta importante di-ferenciação entre os negócios obrigacionais e os negócios reais,estes ligados ao princípio da abstração.

Assim como ocorrera com o Code Napoleon, o BGB tambémexerceu sensível influência nas codificações modernas, especial-mente no que diz respeito à previsão de uma parte geral e decláusulas gerais ao longo do texto, permitindo a atividade deintegração das normas aos novos cenários sociais e comerciais.

O BGB influenciou os códigos da Suíça, Grécia e Portugal edo próprio Brasil, sobretudo o CCB/02.

4 A era das descodificações. A hiperinflação legislativa

A história assistiu a dois séculos de incessante trabalho decodificação dos sistemas jurídicos ocidentais, pela unificaçãopolítica, territorial, e de modo a adequar o direito local a mu-danças que se operavam com força desde a Idade Moderna. Asvantagens das codificações foram evidentes, por sistematizar di-reitos não unificados e sem regulamentação legal, apenas cos-tumeira. Por outro lado, não se pode desprezar que o processode codificação trouxe a mácula de regular, dispor e até prestigiaros anseios, desejos, da classe política que dominava na época, oque poderia não reproduzir, necessariamente, os interesses dasociedade. Assim, por exemplo, certamente os ideais da burgue-sia, o que pautou a formação do Código Civil napoleônico, nãointeressavam à classe empregada, subordinada ou mais carente,que certamente postularia direitos de maior intervenção e pro-teção individual, o que, contudo, somente ocorrerá no séculoseguinte.

Após a era das codificações, contudo, assiste-se a um pro-cesso de hiperinflação legislativa, com a produção de inúmerasleis nacionais para tratar de assuntos não disciplinados no Códi-go Civil respectivo.

Page 127: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

127Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

A partir da Primeira Guerra Mundial, o mundo mergulhanum período de incertezas, em que a dicotomia homem vs má-quina tem papel fundamental no desequilíbrio de relações jurí-dicas laborais, habitacionais, sociais e influencia até mesmo nodireito privado por excelência, o negocial. Este, contudo, vaisofrer profundo abalo a partir também da crise da bolsa de 29,nos Estados Unidos, e de outros acontecimentos que se sucede-ram, o que ira impor a exigência de que o Estado passe a intervirna economia e nas relações entre particulares, em movimentode contrafluxo ao que preconizava o liberalismo oitocentista.Há, na expressão de Gierke e Cimbali, um socialismo jurídico. Aolado disso, os negócios tornam-se cada vez mais complexos e aevolução científica passa a exigir a regulação de novos direitosaté então não reconhecidos ou não disciplinados.

Enfim, a própria sociedade está altamente diferenciada epluralizada.

Esse é o cenário em que surgem, então, microssistemaslegislativos, na expressão consagrada de Natalino Irti. Há, a par-tir de então, um particularismo jurídico, descentralizando-se,então, a unidade de direito privado até então vigente.

No Brasil o direito comercial possui papel relevante nesseprocesso de descodificação do direito privado, ao criar, sistema-ticamente, inúmeros diplomas legais para tratar pontualmentede aspectos comerciais. O direito civil, num movimento similar,passou também a dispor em leis esparsas sobre assuntos eminen-temente de direito privado, o que rompe definitivamente a uni-dade desse ramo do direito. Há uma ramificação até entãoirreversível de novas disciplinas de direito privado.

Paradoxalmente, os estatutos que são editados, ao mesmo tem-po em que se afastam do Código Civil – lei geral – e ao se afastaremcriam, muitas vezes, antinomias sistêmicas, passam a receber o status,agora, de verdadeiros “códigos”. Por exemplo, cita-se o Código deDefesa do Consumidor, que, pela sua relevância, passou a gerar aindagação se seria um novo direito geral singular.

A preocupação pela falta de sistematização e harmonia en-tre os diplomas legais levou autores a repensar as confluênciasentre os microssistemas agora vigentes. E nesse sentido importareferir a doutrina do diálogo das fontes do professor deHeidelberg, Erik Jayme, e desenvolvida no Brasil pioneiramentepor Cláudia Lima Marques.8

8 MARQUES, Cláudia Lima. A protecão do consumidor no comércio eletrônico.Conferência apresentada no Painel Direitos do Consumidor, dia 12 de no-vembro de 2002, na XVIII Conferência Nacional dos Advogados - Cidadania,Ética e Estado, em Salvador (BA), organizada pelo Conselho Federal da OAB.

Page 128: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

128 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Dito isso, e passando-se ao encerramento do artigo, questio-na-se o futuro da codificação. As leis esparsas manterão osmicrossistemas em evidência, desprezando-se os códigos entendi-dos como leis gerais? Ou haverá um movimento cíclico de reva-lorização dos diplomas centrais, de modo a buscar harmonia, uni-dade e coerência para o direito privado? Terão as cláusulas geraisa habilidade e a aptidão de permitir que os diplomas gerais se-jam fluidos e adaptáveis às realidades sempre mutantes?

A resposta não será padronizada, porque os países não ca-minham ao mesmo tempo e na mesma velocidade na História.Por exemplo, os países de independência tardia, de pós-guerra,como Egito (1948), Síria (1949), Iraque (1951) e Líbia (1953),necessitam de processo de unificação do direito, o que se traduzna criação de um diploma geral. No mesmo sentido, o Códigoturco (1940), ao buscar a efetivação de sua secularização, apoi-ando-se no Código suíço de obrigações.

Certamente, para uma efetivação e eficácia dos códigos ge-rais tal como concebidos em sua essência, haverá necessidade dereexame dos temas de direito privado, para uma melhor eleição ehierarquização dentro da ordem legal, cumprindo os princípios,cláusulas gerias, postulados etc., papel crucial de adequação dostempos às novas realidades sociais e aos novos direitos existentes.

Referências

ANDRADE, Fábio Siebeneichler de.Da Codificação: Crônica de umConceito. Porto Alegre: Livraria dosAdvogados, 1997.

BOBBIO, Norberto. O PositivismoJurídico - Lições de Filosofia, 1988.

DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Anto-nio. Instituciones de DerechoCivil. Volumen I. Madrid: Editori-al Tecnos, 1995.

FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexõeshistórico-evolutivas sobre a cons-titucionalização do direito priva-do. In: SARLET, Ingo Wolfgang.(Org.). Constituição, DireitosFundamentais e Direito Priva-do. Porto Alegre: Liv. do Advoga-do, 2010. p. 37-73.

______; HAEBERLIN, Mártin P. O“estilo” jurídico alemão – brevesconsiderações sobre alguns dos seusfatores determinantes. Revista daAjuris, v. 41, n. 133, p. 245-281,mar. 2014.

FAUSTO, Boris. A história do Bra-sil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FORGIONI, Paula. A evolução dodireito comercial brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2012.

IRTI, Natalino. L’età della deco-dificazione. Milano: Giuffrè, 1999.

LIMA LOPES, José Reinaldo. O Di-reito na História. 3. ed. São Pau-lo: Atlas, 2011.

Page 129: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

129Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO MODERNO. CODIFICAÇÃO E SUA IDEOLOGIA.

SACCO, Rodolfo. Introdução aoDireito Comparado. Tradução VeraJacob de Fradera. São Paulo: RT,2001.

SCHIPANI, Sandro. La codi cazio-ne del diritto romano comune.Torino: Giappichelli, 1996.

WIEACKER, Franz. História doDireito Privado Moderno. Tra-dução A. M. Botelho Hespanha.3. ed. Lisboa: Fudação CalousteGulbenkian, 1993.

ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein.Introduzione al Diritto Com-parato. vol. I. Tradução BarbaraPozzo. Milano: Giuffrè, 1998.

Page 130: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 131: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

131Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

O sistema de precedentes judiciaisvinculantes no Novo CPC: uma busca

por uniformização, segurançajurídica e celeridade processual

Marcos Paulo Pereira Gomes Advogado

Mestrando em Direito pela Universidade de LisboaEspecialista em Processo Civil pela

Universidade AnhangueraEspecialista em Direito Constitucional e Docência no

Ensino Superior pela Faculdade daAmazônia Ocidental – FAAO

Professor de Direito Processual Civil na Faculdadeda Amazônia Ocidental – FAAOProfessor da Escola Superior da

Advocacia da OAB/ACMembro da Associação Norte e Nordeste de

Professores de Processo – ANNEP

RESUMO

Os precedentes obrigatórios (ou vinculantes), alvo dopresente estudo, são um tema atual que está em evidênciadevido ao impacto que dá ao processo civil e seus sujeitos. Aproblemática apresentada, seguindo os questionamentos dadoutrina, aponta dificuldades na importação do sistemajudicialista anglo-saxônico ao legalismo romano-germânico,predominante no Brasil, que, além de possíveis incompatibilidadescom os princípios da separação de poderes, livre convencimentomotivado e independência funcional dos juízes, pode encontraróbice na análise da distinção dos casos, devido à judicialização deescalas gigantescas, resultando na aplicação indiscriminada deteses jurídicas a casos que não possuam identidade fática oumaterial, de modo a sacrificar o adequado provimentojurisdicional em função da buscada celeridade.

Palavras-chave: Processo Civil. Precedentes obrigatórios.Fontes do Direito. Celeridade processual.

ABSTRACT

The Judicial precedents (or binding), target of the presentstudy, is a current theme and that is in evidence due to the impact

Page 132: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

132 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

it gives to the civil process and its subjects. The problematicpresented, following the questioning of the doctrine, points todifficulties in the importation of the Anglo-Saxon judicial systemto Roman-Germanic legalism, predominant in Brazil, which,besides possible incompatibilities with the principles of separationof powers, free convincing and functional independence of judges,may find it difficult to analyze the distinction of cases, due to thejudicialisation of gigantic scales, resulting in the indiscriminateapplication of legal theses to cases that do not have a factual ormaterial identity, in order to sacrifice the appropriate jurisdictionalprovision in function of the desired speed.

Keywords: Civil Procedure. Precedents Required. Sourcesof Law. Procedural speed.

Introdução

O instituto dos precedentes judiciais – tema que será abor-dado no presente trabalho – tem natureza jurídica de DireitoPúblico, pertence ao ramo do Direito Processual Civil e pode al-cançar o status de norma jurídica. É utilizado em diferentes siste-mas jurídicos, com raízes no Common Law, onde o costume éfonte preponderante do Direito, porém é também aplicado aoCivil Law, este adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A atualidade do tema é patente, sendo um dos principaispontos trazidos pelo novo CPC, causador de impacto na esferateórica e prática da vivência jurídica, portanto faz-se necessáriaa pesquisa para a elucidação do assunto e a contribuição aodebate, estando ainda longe de ser esgotado.

Utiliza-se o debate entre diferentes conceitos e posiciona-mentos de estudiosos do processo civil a respeito da problemáti-ca apresentada, valendo-se do uso de documentações indiretas,buscar-se-á compreender a dinâmica com que são operados osprecedentes no nosso processo civil.

Em primeira análise, a “importação” deste instituto podeentrar em conflito com diversos princípios do sistema jurídico bra-sileiro. Apesar disso, a presente tese está alicerçada na ideia deque, apesar de que controverso, o uso dos precedentes comofonte do direito é benéfico ao jurisdicionado, desde que reali-zado com responsabilidade e com o objetivo de uma melhorprestação jurisdicional, no sentido de alcançar a segurança jurí-dica e a celeridade processual, e não apenas “julgamentos emmassa” para “desafogar o Judiciário”.

Primeiramente, através da utilização de um apanhado his-tórico da evolução do instituto, que está ligada a tradições jurí-

Page 133: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

133Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

dicas, buscamos compreender o que levou a ocorrer este fenô-meno. Após, adentrando a parte teórica, temos os principais con-ceitos acerca do precedente e sua incidência no novo código.Por fim, apresentada a problemática da importação do institutodos precedentes, constatamos que, se utilizado segundo as dire-trizes dadas pelo código, de fundamentação e coerência, é umgrande instrumento de estabilização, integridade e celeridade.

1 Teoria do precedente e seu sistema no CPC

1.1 Fontes do direito e o precedente

Hodiernamente, o direito brasileiro segue a tradição jurídi-ca Civil Law, que tem por principal característica a positivaçãodo direito. A norma jurídica só existe, é aplicável, se for decor-rente do processo legislativo.

A palavra fonte remete ao significado de nascente de água,uma metáfora utilizada no direito para assimilar como regrasjurídicas emergem para o mundo do Direito (NADER, 2012).

Tal afirmação de que o Brasil tem uma tradição positivista ératificada pela própria doutrina clássica, como observado a se-guir:

Para os países que seguem a tradição romano-germânica, como no Brasil, a principal forma de ex-pressão é o Direito escrito, que se manifesta por leise códigos, enquanto o costume figura como fontecomplementar. A jurisprudência, que se revela peloconjunto uniforme de decisões judiciais sobre deter-minada indagação jurídica, não constitui uma fonteformal, pois a sua função não é gerar normas jurídi-cas, apenas interpretar o direito à luz dos casos con-cretos (NADER, 2012, p. 143).

Na visão de Paulo Nader, bastante utilizada na formaçãojurídica dos acadêmicos brasileiros, a lei é a fonte direta, legíti-ma e preponderante do direito, enquanto a jurisprudência nãopode alcançar esse patamar, por não produzir norma jurídica,ficando lado a lado com a doutrina na função de fonte indireta,apenas interpretativa.

Enquanto os juízes e teóricos do common law inglêscompreendem a força vinculante do precedente judi-cial como uma “convenção constitucional’, a doutrinatradicional na maioria dos sistemas jurídicos da tradi-ção do civil law é enfática ao negar o status de fontedo direito para o precedente judicial.

Page 134: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

134 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Na percepção dominante entre os teóricos do direitoe os comparatistas, vigora uma curiosa either-orassumption em relação ao precedente judicial, a qualpode ser formulada nos seguintes termos: ou o pre-cedente é uma fonte do direito, e, portanto ele éinvariavelmente vinculante ou obrigatório, ou entãoele não é reconhecido como uma fonte do direito, epor conseguinte é nada mais do que um elementopersuasivo ou um “argumento extra ou adicional” quepode ser utilizado pelo juiz na fundamentação de suasentença (BUSTAMANTE, 2016, p. 278).

A figura da decisão judicial com efeito vinculante desconstróio conceito da clássica doutrina positivista, desfaz essa separaçãoem que de um lado existem as leis sempre como fonte direta e,do outro, a jurisprudência apenas como função interpretativa,pois a interpretação atribuída a um caso passível devinculatividade, tornando-se obrigatória, passa a ser lei em sen-tido amplo.

O critério para classificação de uma regra jurídica como fon-te formal é que seja um meio de expressão do direito, uma for-ma pela qual a norma jurídica exterioriza-se e torna-se conheci-da (NADER, 2012). Os precedentes, da forma que estão instituí-dos, obviamente se enquadram nesse conceito; logo, são fontesformais do direito.

Além disso, para Nader (2012), para que um processo jurídi-co constitua fonte formal, é necessário que tenha o poder decriar o Direito, introduzir no ordenamento jurídico novas nor-mas jurídicas.

Portanto, a instituição da stare decisis (doutrina dos prece-dentes) no direito brasileiro modifica até mesmo concepções tra-dicionais e consolidadas, como o elenco de fontes formais, dire-tas ou imediatas.

Novas correntes já equiparam o processo jurisdicional ao pro-cesso legislativo no tocante à criação do direito, desde que ob-servado o devido processo constitucional.1

Em suma, interessa ponderar que, essencialmente, oprocesso jurisdicional não difere do processo legislativo,sendo ambos instrumentos de produção do direito,muito embora o primeiro volte-se precipuamente àconcretização da norma jurídica, enquanto que o se-gundo destina-se à produção de textos normativos queservirão de base para a futura construção judicial ou

1 Calmon de Passos utiliza essa expressão para se referir não somente aoprocesso legislativo, mas também à própria produção judicial da norma jurí-dica e a produção privada do direito.

Page 135: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

135Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

extrajudicial (na esfera privada não contenciosa, porexemplo) de normas jurídicas (BARREIROS, 2016, p. 192).

O legislador possui maior liberdade na criação do direitodo que o julgador, mas este também é criador do direito, tam-bém de forma relativamente livre (KELSEN, 2006).

Para Wambier, T. (2017), a lei, pura e simplesmente, muitasvezes não garante mais automaticamente tratamento isonômicoaos jurisdicionados, porque passa necessariamente pelo “filtro”dos Tribunais para que estes, à luz da doutrina e de outros ele-mentos, decidam casos concretos, por meio de processosinterpretativos cada vez mais complexos e que têm, de fato, opotencial de levar a decisões diferentes e desarmônicas entre si.

A lei traz conceitos vagos, cláusulas gerais, que necessitampassar por um filtro jurisdicional, para adequá-la ao caso con-creto, pois a lei não consegue absorver a complexidade do mun-do real.

O juiz preenche esss conceitos vagos. “Todos os conceitossão, de certo modo e em certa medida, vagos! Até quando dizque a mãe, que consta do texto legal, abrange (ou não) a mãeadotiva” (WAMBIER, T., 2017, p. 264).

Então, se houver a indagação acerca da criação/alteraçãodo direito no âmbito decisional, a resposta será positiva. O legis-lador, daquele difere apenas no sentido de que, reiterando odescrito anteriormente, é prestigiado pela prerrogativa de criaro direito “do nada”, segundo o interesse social.

1.2 Hermenêutica na aplicação dos precedentes

A norma processual visa viabilizar a satisfação do direito ma-terial ligado a um sujeito do processo, da pretensão que, porpremissa, foi resistida pelo sujeito oposto. Tal relação envolvepessoas, interesses, fatos, elementos essenciais de uma ação. Osfatos jurídicos, em regra, decorrem de condutas de seres huma-nos, que, por sua vez, têm por característica a individualidade,personalidade, o que distingue um indivíduo dos demais, tor-nando-o único. Essa individualidade é resultado de predisposi-ções genéticas, interações sociais e vivência em geral.

O desafio, no particular, é conseguir conciliar a pers-pectiva multicultural (e seu apreço à diversidade e aorespeito à diferença) com a concretização do princí-pio da igualdade, que conduz – especialmente se fei-ta de forma indiscriminada – ao caminho oposto: o dauniversalização. Ou seja: no quadro de um Judiciárioque se vê às voltas com a progressiva atribuição de

Page 136: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

136 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

eficácia aos precedentes judiciais pelo sistema pátrio,com o apelo à igualdade e com o exponencial cresci-mento das demandadas de massa, como impedir queesse movimento claramente voltado à uniformizaçãodas decisões judicias aniquile o respeito à diversida-de? (BARREIROS, 2016, p. 203).

Visto isso, se o fato jurídico decorre de uma conduta huma-na, logo, reveste-se da mesma característica, a individualidade,ou seja, as peculiaridades são inerentes aos fatos jurídicos, assimcomo aos seres humanos. Desta forma, como é possível que sejalegitimado o julgamento de maneira “genérica”, em que umasó sentença abrangerá e fará coisa julgada sob diversos sujeitos,processos, inclusive futuros? Isso não levaria casos diferentes aserem julgados, erroneamente, de maneira igual?

Tal questionamento, a princípio, não pode ser respondidode maneira simplória. Trata-se de um paradoxo: o intuito é evi-tar julgamentos diferentes para demandas semelhantes; contu-do, como visto, é grande a possibilidade de julgar, de formaequivocada, casos peculiares de forma genérica. Ou seja, o quedeve ser priorizado no processo, a celeridade ou a individuali-dade? Se prezamos pela celeridade por meio da stare decisis,temos uma jurisdição uniformizada, porém mecânica. Se preza-mos a individualidade, temos uma jurisdição menos engessada,porém insegura juridicamente.

Essa problemática ronda o tema dos precedentes obrigató-rios. Neste ponto, outro relevante jurista é enfático ao afirmar anecessidade da interpretação hermenêutica na aplicação do pre-cedente:

É necessária uma compreensão hermenêutica, decariz pós-positivista, do fenômeno jurídico para se as-segurar uma aplicação íntegra, coerente e constituci-onalmente adequada dos provimentos vinculanteselencados no art. 927 do NCPC.[...] Esse equívoco pode conduzir a um retrocesso paraum modelo primitivo de positivismo, a partir do qualo texto passa a se equiparar à norma que, por suavez, resgata uma natureza abstrata e não concreta,como se fosse possível um provimento vinculante con-ter em si a solução já pronta para os casos futuros.[...] Não se trata apenas de evitar aplicar preceden-tes para “casos diferentes” ou, menos ainda, de reco-nhecer que “cada caso é um caso”. Como afirma omesmo autor, “o mero juízo de identificação entrecasos, tida como semelhança entre fatos, não é sufici-ente para sustentar a aplicação de um precedente”,uma vez que não existe a separação cirúrgica entre a“questão de fato” e a “questão de direito” imagina-

Page 137: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

137Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

da pela dogmática corriqueira. É possível que um casoX apresente uma situação “de fato” mais diferentedaquela do precedente P do que o Y, mas que o prece-dente P seja aplicável ao caso X e não ao caso Y. Apedra de toque está na applicatio: “É preciso ver oprecedente como a aplicação feita por um julgador auma situação concreta; o comando não pode ser en-tendido em sua literalidade, como se estivesse desco-lado da situação para a qual foi produzido, passandoa existir e valer em uma abstração etérea” (STRECK,2016, p. 175/178).

Como se extrai do texto destacado, Lenio Streck asseveraque a hermenêutica na aplicação do precedente é necessáriapara assegurar a coerência. Isso, pois, se os julgadores se vale-rem da existência de vinculantes jurisprudenciais para, de formaindiscriminada, extinguir demandas consideradas repetitivas,representaria uma mecanização dos julgamentos, prejudicandoo provimento jurisdicional.

O risco maior reside nesse ponto, a forma indutiva de solu-ção de conflitos, mediante a utilização de precedentes judiciais.Assim, de uma constatação individual, se faria uma conclusãogeral, técnica que não é compatível com os princípios da jurisdi-ção, pois não há uma prévia e pronta regra jurídica apta a solu-cionar diversos casos futuros.

Por isso mesmo é que devemos tirar lições do sistemade precedentes do common law para melhor compre-ensão do “sistema de vinculação jurisprudencial” (enão de precedentes) criado pelo CPC no Brasil.A principal é a impossibilidade de se aplicar de formamecânica os provimentos vinculantes, problemáticasque, aliás, já de há muito vem denunciadas pela Críti-ca Hermenêutica do Direito (CHD), isto é, nenhumtexto jurídico, seja lei, enunciado jurisprudencial ousúmula vinculante ou não, pode ser aplicado de for-ma dedutiva-subjuntiva-mecânica.[...] Ou seja, quando o CPC afirma a obrigatoriedadede juízes e tribunais observarem súmula vinculante eacórdão vinculante não há interesse nesse ponto emuma proibição de interpretar. Quem pensa isso pare-ce estar indo ainda com os pés – ou a cabeça – najurisprudência analítica do século XIX, modalidade dopositivismo da common law equiparável ao positivismoexegético francês e ao pandectismo alemão. O quefica explícito é a obrigatoriedade de os juízes e tribu-nais utilizarem os provimentos vinculantes na moti-vação de suas decisões para assegurar não apenas aestabilidade, mas a integridade e a coerência da ju-risprudência (STRECK, 2016, p. 176).

Page 138: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

138 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O próprio processualista defende, ainda, que a interpreta-ção hermenêutica dos precedentes judiciais vai além de identifi-car os casos diferentes ou reconhecer sua peculiaridade em de-trimento da aplicação do provimento vinculante, pois “nem tudoque estiver contido numa decisão vinculante (seja uma súmula,um acórdão jurisprudencial ou um precedente) é efetivamentevinculante” (STRECK, 2016, p. 178). Da mesma forma, apesar deestar previamente delimitado aquilo que é vinculante, como umasúmula, nunca será dispensável a interpretação do julgador paraprecisar seu sentido perante o caso concreto.

Ao autor e réu deve ser garantida a possibilidade deexternarem as razões acerca de que forma deverá ser aplicadadeterminada súmula vinculante ou acórdão paradigma. (STRECK,2016). Isso é um reflexo da norma fundamental constante noart. 10 do CPC, que assenta o princípio da proibição de decisãosurpresa.

Não se pode universalizar automaticamente a regradesse julgado para torná-la geral e abstrata aplicávelpor subsunção a situações posteriores. Não se podeproceder como proposto por Marinoni e defender se-riamente que esse precedente “deve ser aplicado atéos seus limites, regulando todos os casos aí cabíveis”.Não se pode crer “possível a sua adoção para soluçãode casos particularizados por outras circunstâncias ousituações inicialmente não tratadas”.O que justifica a não aplicação do precedente não sãoexclusivamente formais, nem exaustivos. Não seembasa numa mera comparação fática e jurídica en-tre os casos. Não basta distinguir as questões fáticasou mesmo jurídicas. Elas são inegavelmente impor-tantes, mas não são únicas nem determinantes (LOPESFILHO, 2016, p. 171).

Essa visão corrobora o entendimento de que a observânciados precedentes deve ser feita de modo racional e crítico, nãopode ser realizada em total abstração e dissonância, pois, comas particularidades do caso no qual se pretende aplicá-los. As-sim, abre-se espaço para a seguinte discussão, acerca da possi-bilidade de afastamento da aplicação de provimentos obriga-tórios.

1.2.1 Distinguishing

Trata-se da utilização de técnicas para que, conforme a in-terpretação hermenêutica aplicada, possa-se afastar ou não aadoção de um entendimento previamente fixado. Consiste em

Page 139: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

139Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

identificar o que é de cada um, o que torna os casos iguais oudiferentes, de forma que mostre o que deva ser tratado do mes-mo modo ou não.

A princípio, para que seja imposta a uniformização, tem-secomo pressuposto que as situações sejam integralmente idênti-cas, ou seja, fatos e questão jurídica absolutamente iguais. Po-rém, entre os fatos, não se consideram os tidos como subjacentes,irrelevantes, que não são necessários à consequência sobre a qualse discute. Assim, é razoável que a identidade seja exigida ape-nas quanto aos traços eleitos pelo legislador como essenciais àhipótese de incidência da consequência (WAMBIER, T., 2016).

É, por exemplo, o método pelo qual se agruparam oscasos em que consumidores discutiam ser ou não le-gal a cobrança da assinatura básica, por parte dasCompanhias Telefônicas, para julgamento de acordocom o regime dos arts. 543 B e C do CPC/73. Fatoscomo, por exemplo, a idade ou a profissão dos consu-midores autores das ações não eram idênticos. Isto é,todavia, absolutamente irrelevante para efeitos detraçar contornos da hipótese de incidência do direito:para se saber se assinatura básica era (ou não) devi-da, pouco importam idade e profissão dos assinantes.Entretanto, há maneiras de uniformizar o entendi-mento dos Tribunais muito mais refinadas, em que oque há de comum nos casos nada mais é do que umnúcleo pequeno, mas fortemente significativo, emtorno dos quais podem estar fatos completamentediferentes. Dando um exemplo extremo, poderíamosconsiderar contraditórias decisões em que se tivesseconcedido indenização de dez mil reais pela perda deuma perna e de cinquenta mil reais por um dedo de-cepado (WAMBIER, T., 2016, p. 269).

Conforme muito bem exemplificado acima, têm-se casos emque conforme a complexidade adota-se diferentes critérios paradistinguir as semelhanças. No caso acima, mesmo sem qualquersemelhança de fato, é possível facilmente arguir a contradiçãodos julgamentos, tendo como parâmetro o núcleo das condi-ções “de direito”.

Temos um grande exemplo verídico da atuação do STF emque um precedente cuja repercussão da tese jurídica dispensaidentidade fática, enquanto o núcleo jurídico da demanda temreflexos de grandes proporções. Trata-se do julgamento do Re-curso Extraordinário nº 440.028-SP.

O Ministério Público de São Paulo promoveu ação civilpública para impelir uma determinada escola à re-moção das barreiras arquitetônicas existentes. A

Page 140: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

140 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

matéria desembocou no Tribunal de Justiça de SãoPaulo, prevalecendo a tese de impossibilidade do Po-der Judiciário ordenar ao Executivo a realização deinvestimento público à promoção de acessibilidadefísica numa escola específica; na decisão do tribunalde justiça ficou assentado que haveria a necessidadede estudo e orçamento para que fossem determina-das adaptações em toda a rede, e não num ambienteescolar isolado.A matéria aportou no STF mediante recurso extraor-dinário interposto pelo Ministério Público de São Pau-lo, relatado pelo Min. Marco Aurélio. Em voto seguidoà unanimidade pelos demais ministros componentesda 1ª turma (RE 440.028-SP) – antes de se examinar oeventual dever do Estado em promover as adapta-ções necessárias – foi enfrentada uma questão recor-rente, porém polêmica, na doutrina e na jurisprudên-cia: limites da intervenção do Poder Judiciário emmatéria de políticas públicas; direitos fundamentais;“mínimo existencial” e a cláusula da “reserva do pos-sível”; tudo isso no contexto da acessibilidade e inclu-são social de pessoas com deficiência (PEREIRA; ALVES,2017, p. 240).

Esse julgamento é emblemático, traduz muito do que se falana presente temática, pois a princípio uma discussão acerca daremoção de barreiras arquitetônicas teve uma abrangência mui-to maior. A tese jurídica firmada nesse RE é a autopermissão doSTF no sentido do ativismo judicial, intervenção do Poder Judi-ciário no Executivo para execução de políticas públicas.

A respeito do distinguishing, nota-se que, no caso em tela, éirrelevante a identidade “de fato” entre acórdão paradigma e oque estiver sob análise, o que se levará em condição é o núcleojurídico. Sendo assim, não só as barreiras arquitetônicas mas todabarreira comunicacional, instrumental, programática, atitudinale metodológica, ou qualquer outra que a literatura venha a iden-tificar, são abrangidas pelo entendimento apresentado.

Bustamante (2016) entende que, nesse momento do pro-cesso, o momento de diferenciação de casos, é necessário que secrie uma cultura argumentativa. Segundo ele, a cada caso emque se cogita a aplicação de um precedente judicial, abre-se aoportunidade de uma reflexão que Dworkin chama de “pós-interpretativa”, na medida em que as interpretações construti-vas realizadas pelos juízes anteriores são novamente postas aprova no caso concreto, isto é, se elas atendem ou não à justifi-cação que foi apresentada para sua criação.

Essa cultura argumentativa exigiria que fossem levadas emconta todas as circunstâncias do caso, para que se permita iden-

Page 141: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

141Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

tificar os fatores e as circunstâncias individuais do caso que tor-nem justificada a sua operação ou derrotabilidade (defeasibility)da regra jurisprudencial aplicável ao caso concreto(BUSTAMANTE, 2016).

Vigora no Reino Unido uma importante regra segun-do a qual os advogados devem “citar todas as autori-dades [precedentes] relevantes, mesmo quando se-jam contrárias ao interesse dos seus clientes”; nessescasos, o debate fica restrito à aplicabilidade dos pre-cedentes judiciais. Estes são escrutinados com granderiqueza de detalhe, sendo frequentes a extensão poranalogia ou a criação de exceções por meio da técnicado distinguishing, seja por meio de reconhecimentode exceção direta (direct exception) à regra judicialinvocada, seja pela via de exceções indiretas (indirectexception) ou reclassificação dos fatos (circumvention)(BUSTAMANTE, 2016, p. 287).

Essa tese pede por uma “cultura argumentativa”, ou seja,uma ampla discussão, uma análise aprofundada, a cargo de ad-vogados e juízes, que devem trazer à tona tantos julgamentosrelacionados quantos forem possíveis, a fim de que sejam coibi-das decisões baseadas em questões meramente abstratas, quenão têm incidência sobre o caso concreto, permitindo se utilizar,justamente, das técnicas de distinguishing.

É possível classificar a técnica de distinção (distinguishing)tomando por base um sentido amplo e outro estrito: a distinçãoem sentido amplo consiste no processo argumentativo oudecisional por meio do qual o raciocínio por contra-analogiasse manifesta; a distinção em sentido estrito refere-se ao resulta-do do processo argumentativo, quando se chega a efetivamen-te diferenciar dois casos ou duas situações, afastando-se a apli-cação de determinado precedente (NUNES; HORTA, 2016).

O distinguishing é direito subjetivo da parte e, se dessa for-ma reconhecido, fará do sistema de precedentes um aliado darazoável duração do processo sem, todavia, precarizar a presta-ção jurisdicional, aplicando a igualde aos iguais e assegurandoo respeito às diferenças.

1.3 Fundamentação adequada e os precedentes no NCPC

Dois institutos extremamente ligados e dependentes, deigual importância, são os do precedente e da fundamentação,aquele deste depende para ser produzido, bem como para serinterpretado e aplicado. Tamanha a importância da fundamen-tação adequada na decisão judicial, que o legislador afirma ex-

Page 142: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

142 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

pressamente a nulidade da sentença ou acórdão que não a fi-zer:

Dessa forma, pelo art. 486 do NCPC, são consideradassem fundamento as sentenças, acórdãos ou decisõesinterlocutórias que: i) se limitem a indicar, reproduzir ouparafrasear ato normativo, sem explicar sua relaçãocom a causa ou a questão decidida; ii) empreguem con-ceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivoconcreto de sua incidência no caso; iii) invoquem moti-vos que se prestariam a justificar qual outra decisão; iv)não enfrentem todos os argumentos deduzidos no pro-cesso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adota-da pelo julgador; v) se limitem a invocar precedente ouenunciado de súmula, sem identificar seus fundamen-tos determinantes nem demonstrar que o caso a serjulgado se ajusta àqueles fundamentos; vi) deixarem deseguir enunciado de súmula, jurisprudência ou prece-dente invocado pela parte, sem demonstrar a existên-cia de distinção no caso em julgamento ou a superaçãodo entendimento (CAMBI; FOGAÇA, 2016, p. 350).

Para Lorena Barreiros, se fazem comuns as decisões que selimitam a transcrever ementas e enunciados, o que representauma deformidade, empecilho à devida utilização dos preceden-tes, se tal defeito não for superado.

Um primeiro sintoma da deformidade encontrável dautilização dos precedentes no Brasil é a sua invocaçãoem um caso concreto apenas pela transcrição de suaementa. Não raro, decisões judiciais informam esta-rem aplicando um dado precedente, de cujo teor ape-nas referem a ementa, sem a preocupação de fazer ocotejo fático necessário para que se afira se o caso aser julgado se insere ou não na linha argumentativada ratio decidendi do precedente utilizado. Casos dis-tintos são, assim, inseridos em uma “vala comum”,como se iguais fossem.[...] Ainda mais comum é a utilização de enunciado desúmula vinculante (que constitui texto normativo quecontempla a especificação da ratio decidendi de pre-cedentes retirados em matéria constitucional) comose de texto de lei se tratasse, olvidando-se que suacriação não se faz dissociada de casos concretos, de-tentores de substratos fáticos que hão de ser consi-derados na aplicação do enunciado sumular(BARREIROS, 2016, p. 198-199).

Contudo, devemos ser esperançosos e acreditar que a cultu-ra jurídica, influenciada pelo CPC, está indo em direção ao aper-feiçoamento do instituto da fundamentação e, assim, do staredecisis.

Page 143: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

143Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

1.4 Precedentes obrigatórios no CPC

A incidência de precedentes obrigatórios no direito brasi-leiro foi acrescida e magnificada com o advento do novo Códi-go de Processo Civil. Foram consolidadas as conhecidas hipóte-ses e estabelecidos novos casos em que serão observados(adotados obrigatoriamente) entendimentos anteriores.

As mais relevantes dentre essas hipóteses serão analisadasindividualmente a seguir.

1.4.1 Decisões do Supremo Tribunal Federal em controleconcentrado de constitucionalidade

O Supremo Tribunal Federal exerce uma primorosa funçãooutorgada pela Magna Carta, a qual seja a guarda da Constitui-ção, conforme o artigo 102 da CF. Em razão dessa incumbência,cabe-lhe realizar o controle de constitucionalidade das leis.

Controle de constitucionalidade nada mais é que o exercí-cio de verificação da compatibilidade de lei ou ato normativo,tendo como parâmetro o texto constitucional, tendo em vista oprincípio da supremacia da Constituição, devendo toda lei sub-meter sua matéria ao disposto na Carta Magna, para que sejamantida a ordem jurídica.

Controle de constitucionalidade consiste na verificaçãoda compatibilidade das leis e dos atos normativos com aConstituição. Decorre da supremacia formal da Consti-tuição sobre as demais leis do ordenamento jurídico deum país. Ora, se a Constituição é a lei mais importantedo ordenamento jurídico, sendo o pressuposto de vali-dade de todas as leis, para que a lei seja válida precisaser compatível com a Constituição. Caso a lei ou atonormativo não seja compatível com a constituição, seráinválido, inconstitucional (MARTINS, 2017, p. 535).

O controle concentrado, objetivo, fechado, direto ou reser-vado, se dá quando é proposta uma ação direta deinconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou arguiçãode descumprimento de preceito fundamental, diretamente nasuprema corte, por um dos legitimados, com intuito de que de-terminada lei ou ato normativo seja declarado inconstitucional,com efeitos erga omnes.

A decisão proferida em sede de controle concentrado, dan-do procedência, alcança toda a coletividade, fazendo com quea lei deixe de produzir efeitos. Assim, somente o Supremo Tribu-nal Federal é competente para realizar tal controle.

Page 144: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

144 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Neste ínterim, a lei federal de nº 13.105 de 2015, o Códi-go de Processo Civil, em seu artigo 927, inciso I, reafirma queas decisões do STF em controle concentrado deconstitucionalidade são vinculantes, devendo ser observadaspelos julgadores ao apreciar controvérsia em que esteja pre-sente a aplicação da lei submetida a tal controle anteriormen-te, sob pena de nulidade.

A ordem de apresentação dos precedentes em cadaum dos incisos do artigo 927 do NCPC revela a exis-tência de uma verdadeira hierarquia a ser observadano momento do julgamento. Em primeiro lugar, de-verão ser aplicados os precedentes do Supremo Tri-bunal Federal em controle de constitucionalidade(CAMBI; FOGAÇA, 2016, p. 348).

Desta forma, fica, então, evidenciada a existência de um sis-tema de precedentes no novo CPC, que dá ênfase primeiramen-te a decisões do STF, privilegiando a matéria constitucional nosentido de dar valor obrigatório aos precedentes judiciais.

Ressalte-se que, embora não se mencionem os tribunais lo-cais, é essencial que se defenda a interpretação por simetria: oórgão julgador deve seguir a decisão do tribunal local ao tratarde direito estadual (MACÊDO, 2016).

Ocorre que existe também outra espécie de controle deconstitucionalidade, o qual todo órgão jurisdicional é capaz defazê-lo, de forma subjetiva, em um caso concreto, mas, nesse caso,se extrai do inciso I do artigo 927 do CPC que esse controle sub-jetivo não possui eficácia vinculante.

Contudo, como preleciona Neves (2016), se o referido dis-positivo sugere que apenas decisão em controle concentrado éde observância obrigatória, o inciso V parece autorizar tambéma decisão em controle difuso, pois torna a orientação de plená-rio ou órgão especial hierarquicamente obrigatória, sendo o STFórgão máximo, esse dispositivo vincula todos os demais juízos.

Essa eficácia vinculante atribuída a precedentes de nature-za apenas persuasiva tem sido chamada de abstrativização docontrole difuso ou transcendência dos motivos determinantes,justamente por dar ao controle concreto de constitucionalidadeum efeito abstrato, transcendendo sua ratio decidendi, algo re-almente inovador e controverso.

1.4.2 Súmula vinculante

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seuartigo 103-A, autoriza o Supremo Tribunal Federal, mediante

Page 145: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

145Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas deci-sões sobre matéria constitucional, a aprovar súmula que, a partirde sua publicação, terá efeito vinculante em relação aos demaisórgãos do Poder Judiciário e à administração pública.

A eficácia obrigatória do enunciado de súmula vinculanteestá expressa, também, no artigo 927, inciso II, do Código deProcesso Civil, o rol de precedentes vinculantes. Contudo, esseatributo da súmula vinculante não é novidade para os conhece-dores do direito desde 2004, quando, por meio da Emenda Cons-titucional nº 45, ratificou-se o instituto.

No mesmo sentido do IRDR, a súmula vinculante surge deuma matéria reiteradamente levada ao Judiciário. Nesse caso, aproposta de uma súmula vinculante poderá ser realizada pelosministros da suprema corte, ou pelos legitimados nos termos dalei, e aprovada por dois terços dos integrantes do STF.

A súmula vinculante “terá por objetivo a validade, ainterpretação e a eficácia de normas determinadas”e apenas será cabível quando em relação a tais nor-mas houver “controvérsia atual entre órgãos judiciá-rios ou entre esses e a administração pública que acar-rete grave insegurança jurídica e relevante multipli-cação de processos sobre questão idêntica” (art. 103-A, § 1.º, da CF). (WAMBIER, T., 2016).

Diferente dos outros instrumentos de controle de consti-tucionalidade, a súmula vinculante não surge como solução parauma controvérsia específica, mas objetiva-se atribuir eficáciavinculante a um entendimento consolidado da suprema corte.

A vinculação da súmula alcançará os órgãos do Poder Judi-ciário e a administração pública direta e indireta. Por isso, todoato de juízes, tribunais e agentes da administração que for deencontro a enunciado de súmula vinculante será passível de re-clamação constitucional.

A exceção se dá no âmbito do Poder Legislativo, no quetange ao exercício de sua função normativa, ou seja, poderão oslegisladores adotar entendimento diverso do conteúdo desúmula vinculante ao criar uma espécie normativa, não estando,portanto, vinculados.

Com a ressalva de que a súmula não é precedente,causa estranheza a importância a ela atribuída peloNCPC, pois sua existência está em sentido contrário àprópria valorização do precedente judicial comoreferencial normativo de todo sistema processual. Defato, a incidência da norma jurídica no caso concretofaz nascer o precedente judicial e ele que servirá à

Page 146: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

146 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

edição do enunciado da súmula. Com efeito, na medi-da em que o precedente possui força obrigatória, asúmula perde sua própria razão de existir.Assim, quando o §1º do artigo 924 do NCPC determi-na a edição de enunciado de súmulas, com ou semcaráter vinculante (CF, art. 103-A), cria inegável en-trave à boa operação da teoria dos precedentes obri-gatórios, pois, como é intuitivo, é o precedente judici-al que deverá ocupar a posição de referencialnormativo, não a súmula (CAMBI; FOGAÇA, 2016,p. 346-347).

Conforme o destacado acima, alguns pontos com relação àpresença da súmula vinculante no rol dos precedentes vinculantesdo novo CPC são contestados pela doutrina.

A primeira questão reside na discussão acerca da configura-ção ou não da súmula como precedente, já que não se encaixaperfeitamente em nenhum dos conceitos, uma vez que não éuma decisão judicial, mas surge para consolidar um entendimentofixado através de precedentes.

O art. 926, §2º ressalta essa inconsistência do legislador aodeterminar a edição de súmulas, pois ora incentiva o uso desúmulas como referencial normativo, ora o de precedentes.

Ademais, uma vez que o precedente adquire caráter obri-gatório, deve ser observado, unifica e torna pacífica a matériafruto de reiteradas demandas, função esta que fora anterior-mente confiada às súmulas, que, pelo visto, não se mostrarameficazes, pois é de sua característica a abstratividade, a presençade cláusulas gerais, textos genéricos, para que possam ter umaabrangência maior, assemelhando-se muito com o conceito delei.

Por essa insuficiência, os esforços têm se voltado aos prece-dentes como solução, para criar normas cada vez mais concretase menos abstratas, a fim de dar a mínima margem possível a de-cisões contraditórias. Assim, a súmula “perde” sua função, tor-na-se “inútil” nesse sentido, pois a sua existência pressupõe, emregra, precedentes anteriores, tendo eficácia apenas em matéri-as que não foram objeto de nenhum dos outros precedentesobrigatórios.

Para Neves (2016), o inciso II do art. 927 do Novo CPC sejustifica apenas se levarmos em conta o objetivo do dispositivolegal de elencar todas as hipóteses em que há eficácia vinculanteem nosso sistema jurídico. Afinal, se a súmula é vinculante, édizer o óbvio que tem eficácia vinculante.

Page 147: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

147Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

1.4.3 Incidente de assunção de competência

É admissível a assunção de competência quando o julga-mento de recurso, de remessa necessária ou de processo de com-petência originária, envolver relevante questão de direito, comgrande repercussão social, sem repetição em múltiplos proces-sos. Este é o texto trazido pelo artigo 947 do novo código.

Quando se tratar de questão de grande relevância ecom o objetivo de prevenir ou de compor divergênciaentre os órgãos do tribunal, pode o relator proporque o recurso seja julgado, não pelo órgão fracionário(v.g., Turma ou Câmara), mas pelo órgão colegiadoque o regimento do tribunal indicar (v.g., Seção, Ór-gão Especial, Pleno). A assunção, pelo colegiado mai-or, da competência do órgão menor, pode ocorrerquando convier ao interesse público – ou, nos termosdo CPC 947, envolver questão relevante de direito,com grande repercussão social e sem repetição deprocessos (o que remete a questão para o incidentede resolução de demandas repetitivas ou para o pro-cedimento específico do julgamento do RE/REsprepetitivos, conforme o caso). (NERY JR, 2016, p. 256).

Esse é o procedimento pelo qual o colegiado maior assumea competência do colegiado menor, quando se tratar de rele-vante questão de direito não acobertada por Incidente de Reso-lução de Demandas Repetitivas.

A proposta do relator deverá ser aprovada pelo colegiado, aquem caberá remeter a causa ao exame do órgão colegiado maior.Afetada a causa ao colegiado maior, é dele a competência paradecidir se deverá assumir essa mesma competência (NERY JR, 2016).

A decisão proferida nessas circunstâncias fixará uma tesevinculante, obrigando os órgãos subordinados a adotar a ratiodecidendi firmada no acórdão de assunção de competência.

O referido instituto foi recepcionado pelo TST através daInstrução Normativa n. 39, sendo aplicado também à Justiça doTrabalho. Porém, o 1ª FNPT (Fórum Nacional de Processo do Tra-balho) levantou a discussão acerca da constitucionalidade desseprecedente obrigatório.

O referido fórum concluiu que é inconstitucional o § 3º doart. 947 do NCPC, que determina que o acórdão emitido noscasos de assunção de competência terá efeito vinculativo paratodos os juízes e órgãos fracionários, pois somente a Constitui-ção da República pode autorizar a lei a atribuir a um Tribunal acompetência para editar súmulas ou adotar decisão com carátervinculante.

Page 148: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

148 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Esse é o grande foco do debate a respeito da instauração dostare decisis no direito brasileiro, a suposta inconstitucionalidadecom base no princípio de que somente a Constituição poderiadeterminar a hipótese de ser atribuído efeito vinculante a prece-dentes.

Tanto o incidente de assunção de competência quanto oIRDR são técnicas de julgamento para situações distintas, masque têm em comum a criação de precedentes obrigatórios. Énormal que o precedente formado em incidente de assunção decompetência venha a ser aplicado com menor frequência pornão se tratar de demandas de massa.

1.4.4 Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)

É sabido que o judiciário brasileiro enfrenta graves proble-mas em sua estrutura. A intensa judicialização é um fator quecontribui para essa crise, já que culturalmente grande parte dosconflitos são judicializados independentemente da existência deoutras maneiras de solução.

Essa demanda ao longo dos anos vem acumulando pro-cessos nas prateleiras ou plataformas dos fóruns e, conse-quentemente, recursos nos tribunais. O serventuário está lon-ge de ser suficiente para dar andamento célere a tantos pro-cessos.

Diante disso, vêm-se buscando alternativas para, de certaforma, aliviar esse problema. Nesse contexto surgem os “julga-mentos em massa”, como, por exemplo, o Incidente de Resolu-ção de Demandas Repetitivas.

Notou-se que grande parte das ações que estão em trami-tação possuem similaridade de fato e de direito, a exemplo deuma pluralidade de indivíduos que impugnam, individualmen-te, um mesmo tributo, sob o mesmo argumento. Nesses casos,seria prudente dar-lhes uma solução idêntica, o que traria segu-rança jurídica e celeridade processual.

Destaque-se, a título informativo, que quem lidera a posi-ção de maior litigante no Poder Judiciário brasileiro é o próprioPoder Público, figurando em 51% das demandas nacionais, es-tando a União presente em 31% das ações, Estados em 8% eMunicípios em 5%, conforme dados do CNJ, sendo muitas dessasações de matéria comum.

Assim, o IRDR é um instrumento que possibilita aos tribu-nais fazer um julgamento que tenha o condão de fazer coisajulgada em diversos processos de uma só vez.

Page 149: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

149Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

Uma vez sedimentada certa orientação jurispru-dencial sobre a questão reiterativa, é razoável quetodos os casos julgados subsequentemente, em prin-cípio, sejam decididos de um mesmo modo.O incidente de resolução de demandas repetitivas(IRDR) presta-se a incentivar que isso ocorra.Serve também para garantir uma discussão mais am-pla da questão por ocasião do julgamento que venhaa fixar essa orientação a ser seguida nos demais ca-sos. Está regulado nos arts. 976 a 987 do CPC/2015.Assim, trata-se de mecanismo que permite aos Tri-bunais de segundo grau (TJs e TRFs) julgar por amos-tragem demandas repetitivas, que tenham por ob-jeto controvertido uma mesma e única questão dedireito. Seleciona-se como amostra um caso, ou umconjunto de casos, em que a questão jurídicarepetitiva é discutida e que retrate adequadamen-te a controvérsia. Essa amostra servirá como basepara a discussão e exame daquela questão. No IRDR,o caso-amostra pode ser um recurso, reexame ne-cessário ou uma ação de competência do Tribunal.Depois, aplica-se o resultado do julgamento do caso-amostra (i.e., a “decisão-quadro”) aos demais casosidênticos (WAMBIER, T., 2016).

Esse procedimento assemelha-se ao julgamento de recursosrepetitivos dos Tribunais Superiores e está regulamentado nosarts. 976 a 986 do CPC. Destaca-se entre as demandas repetitivasuma amostra, ou seja, um caso, que servirá como parâmetro paraa discussão jurídica, sobrestando os processos análogos, e o jul-gamento deste valerá para todos os demais.

O diploma legal referido acima, em seu artigo 927, inciso III,afirma que os juízes e tribunais observarão os acórdãos em inci-dente de resolução de demandas repetitivas. O termo “observa-rão” é interpretado pela ampla doutrina como uma imposiçãodo legislador, fazendo do acórdão que decidir em sede de IRDRum precedente obrigatório.

O IRDR surge para exercer uma importante função no pro-cesso civil. Seus objetivos são a economia processual, previ-sibilidade, segurança jurídica e isonomia entre os jurisdicio-nados.

Os pressupostos para possibilitar o IRDR são a efetiva repeti-ção de processos sobre a mesma questão unicamente de direito(art. 976, I, do CPC). A questão repetitiva pode se referir a ques-tões de direito material ou processual. É preciso ainda que hajaum risco de violação da segurança jurídica ou da economia (art.976, II, do CPC).

Além de instituir o incidente, o código dispõe sobre o respei-to às decisões proferidas em demandas repetitivas. O artigo 988,

Page 150: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

150 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

inciso IV, dispõe que caberá reclamação da parte interessada oudo Ministério Público para garantir a observância de acórdão pro-ferido em julgamento de incidente de resolução de demandasrepetitivas ou de assunção de incompetência, tanto na aplicaçãoindevida da tese jurídica como em caso de não aplicação.

Nesse mesmo sentido, o artigo 521, inciso IV, do Código deProcesso Civil concede dispensa de caução no cumprimento desentença provisória sem efeito suspensivo quando estiver con-forme precedente fixado em julgamento de demandasrepetitivas.

Ainda no intuito de garantir a observância de decisão emsede de IRDR, o CPC possibilita que a demonstração de que ocaso em questão se amolda ao julgamento já realizado em âm-bito repetitivo é fundamento tanto para a concessão de tutelade evidência (art. 311, inciso II), como possibilita o julgamentomonocrático do relator (art. 955, inciso II).

Diante disso, percebe-se a nítida valorização do julgamen-to proferido em âmbito de julgamento repetitivo pelo novo CPC,com uma forma de prevenir decisões conflitantes em demandasmassificadas (MENDES; SILVA, 2016).

Assim, se colocaria um fim à indefinição jurisprudencial quetende a instigar a litigiosidade, pois leva o indivíduo a judicializarsem razão ou recorrer protelatoriamente na expectativa de ob-ter a distribuição do processo a determinado julgador que po-deria ter um entendimento favorável.

Há ainda um ponto polêmico quanto ao instituto IRDR noque diz respeito a sua aplicação nos juizados especiais. O artigo985, inciso I, determina que o julgamento do incidente implica-rá a aplicação da tese jurídica a todos os processos que versemsobre idêntica questão de direito, inclusive aqueles que trami-tem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região.

A princípio, a aplicação da vinculação do IRDR nos juizadosse mostra uma boa opção, visto que é nesse âmbito que surge amaior parte das demandas repetitivas. Contudo, a doutrina afir-ma que algumas peculiaridades não foram levadas em conside-ração pelo legislador, acarretando inclusive na inconstitucionali-dade dessas disposições.

É caso da inexistência de subordinação jurisdicional dosjuizados aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Re-gionais Federais, segundo o STF. Nesse caso a vinculação de tesefixada por TJ ou TRF aos juizados viola o entendimento da su-prema corte sobre a matéria com base no art. 98, I, da CF.

A lógica do procedimento dos juizados especiais é a de queos incidentes de sua competência devem ser analisados por tur-

Page 151: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

151Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

ma de juízes de primeiro grau, o que não se limitaria apenas aosrecursos. Como exemplo, vem se decidindo que a competênciapara julgamento de mandado de segurança e habeas corpus porato de juiz do juizado cabe à própria turma recursal, e não aotribunal, segundo o STF.

Para Koehler (2016), as consequências práticas, caso não aco-lhida a inconstitucionalidade do IRDR quanto aos juizados es-peciais, serão negativas, visto que o sistema recursal dos juizadosdiverge da justiça comum. Afinal, a matéria de competência dosjuizados não chegará aos tribunais para que seja fixada a tese.

Dentre todas essas previsões contidas no novo CPC, pode-mos, então, salientar as principais, que trarão resultados práti-cos ao cotidiano forense, a título exemplificativo:

1.4.5 Improcedência liminar do pedido

Os precedentes apresentados anteriormente terão, talvez,sua grande importância quando da aplicação do artigo 332 doCodex processual, pois serão determinantes já na admissibilidadeda petição inicial. Segundo o regramento, o juiz julgaráliminarmente o pedido que contrariar enunciado de súmula doSTF ou STJ (por isso existe a tese de que, hoje, qualquer súmulaeditada por esses tribunais detém efeito vinculante, burlando odeterminado na CF), acórdão proferido pelo STF ou STJ em jul-gamento de recursos repetitivos, teses firmadas nos casos de IRDRe IAC e súmula de Tribunal de Justiça quando se tratar de direitolocal.

Imagine-se a hipótese em que um advogado ajuíza uma açãoem favor de seu cliente, sem ter conhecimento de que seu pedi-do é contrário a teses firmadas em precedentes obrigatórios.Nesse caso seu pedido será julgado improcedente pelo juiz, quesequer citará a parte contrária. Se não o fizer, será caso de recla-mação ao tribunal competente, que poderá cassar a decisão dojuízo a quo, como se verá a seguir.

Tal situação reforça a importância que deve ser dada ao temapor todos os operadores do direito e justifica, ainda mais, apertinência da presente pesquisa.

1.4.6 Tutela de evidência

O art. 311 cria a denominada tutela de evidência e estabe-lece que uma das hipóteses de sua concessão (a do inc. II) de-pende da existência de tese favorável firmada pelos tribunaissuperiores em julgamento de casos repetitivos ou de súmulavinculante:

Page 152: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

152 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A tutela da evidência será concedida, independente-mente da demonstração de perigo de dano ou de riscoao resultado útil do processo, quando: [...] II - as alega-ções de fato puderem ser comprovadas apenasdocumentalmente e houver tese firmada em julgamentode casos repetitivos ou em súmula vinculante; [...].

Nesse caso o juiz julgará liminarmente inaldita altera pars.

1.4.7 Remessa necessária

A remessa necessária não se efetivará se a sentença estiverfundada em súmulas ou acórdãos proferidos em sede de resolu-ção de demandas repetitivas ou em julgamento de recursosrepetitivos, a teor do § 3º do art. 496.

Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindoefeito senão depois de confirmada pelo tribunal. A sentença nashipóteses elencadas no artigo sobredito, porém, não se aplicaráquando estiver fundada em: a) súmula de tribunal superior; b)acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Su-perior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de deman-das repetitivas ou de assunção de competência; d) entendimen-to coincidente com orientação vinculante firmada no âmbitoadministrativo do próprio ente público, consolidada em mani-festação, parecer ou súmula administrativa.

1.4.8 Reclamação

Segundo o artigo 988 do CPC, caberá reclamação para: a)garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e dedecisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentradode constitucionalidade; b) garantir a observância de acórdão pro-ferido em julgamento de incidente de resolução de demandasrepetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Verifica-se, portanto, a relevância cada vez maior conferidaao direito jurisprudencial e ao próprio Poder Judiciário, que,balizados pelo processo constitucional e pelas novas premissasdo CPC/15 (com destaque, a teoria normativa da compartição),promovem o dimensionamento das mais diversas espécies delitigiosidade (NUNES; HORTA, 2016, p. 303).

Conclusão

Vemos que o legislador preocupou-se em elencar diretrizes àaplicação dos precedentes, que devem reger-se de maneira ínte-

Page 153: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

153Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

gra, estável e coerente. Ora, essa disposição demonstra o risco quehá nesse sistema, a ponto de ser necessário antecedê-lo de princí-pios. Esses riscos compreendem a precarização jurisdicional emnome da celeridade. Não se pode ter como regra o julgamentocoletivo, e ignorar as peculiaridades inerentes aos fatos jurídicos,em que pesem as semelhanças de fato e de direito.

Contudo, embora aparentemente exista um confronto en-tre o uso de decisões judiciais como forma de criar normas geraisde direito e a limitação da jurisdição à função de “escravo dalei”, é necessário entender que o Estado Democrático de Direitozela pela igualdade de tratamento diante de decisões judiciais.Sendo assim, o fortalecimento da eficácia dos precedentes ajudaa garantir a segurança jurídica, para que casos semelhantes nãotenham julgamento diferente.

Portanto, pode-se dizer que, se aplicada responsavelmente,a atribuição de eficácia vinculante a uma gama maior de deci-sões judiciais compatíveis, legítimas, não ofende a legalidade,representa um avanço na direção da uniformização, da segu-rança jurídica e da celeridade processual, pontos carentes dodireito brasileiro. Sendo assim, feita a correta ponderação entrea individualização e a celeridade, esta não será um fim no pro-cesso, e sim uma consequência, como deve ser.

Como se pode perceber, os olhares dos processualistas e ju-ristas em geral encontram-se voltados para esse tema. O estágioatual de conteúdo disponível é de certa forma vasto, porém es-tando ainda longe de ser esgotado.

Referências

BARREIROS, Lorena Miranda San-tos. Coleção grandes temas donovo CPC: Precedentes. Salva-dor: Juspodivm, 2016.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosade. Coleção grandes temas donovo CPC: Precedentes. Salva-dor: Juspodivm, 2016.

CAMBI, Eduardo; FOGAÇA,Mateus Vargas. Coleção gran-des temas do novo CPC: Prece-dentes. Salvador: Juspodivm,2016.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Di-reito Processual Civil. São Pau-lo: Juspodivm, 2016.

DIERLE, Nuner; HORTA, AndréFrederico. Coleção grandes te-mas do novo CPC: Precedentes.Salvador: Juspodivm, 2016.

DONIZETE, Elpídio. A força dosprecedentes do novo código deprocesso civil. Disponível em:<https://elpidiodonizetti.jusbra-sil.com.br/artigos/155178268/a-for-ca-dos-precedentes-do-novo-codigo-de-processo-civil>. Acessoem: 25 fev. 2017.

Page 154: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

MARCOS PAULO PEREIRA GOMES ARTIGO

154 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

DWORKIN, Ronald. Levando osDireitos a Sério. São Paulo:WMF Martins Fontes, 2017.

KELSEN, Hans. Teoria pura do di-reito. 7. ed. Tradução de JoãoBaptista Machado. São Paulo:Martins Fontes, 2006.

KOEHLER, Frederico AugustoLeopoldino. Coleção grandestemas do novo CPC: Preceden-tes. Salvador: Juspodivm, 2016.

LOPES FILHO, Juraci Mourão. Co-leção grandes temas do novoCPC : Precedentes. Salvador:Juspodivm, 2016.

LOURENÇO, Haroldo. Preceden-te Judicial como fonte do di-reito. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publica-tion/267708506_PRECEDENTE_JUDICIAL_COMO_FONTE_DO_DIREITO_ALGUMAS_CONSIDERACOES_SOB_A_OTICA_DO_NOVO_CPC>Acesso em: 17 fev. 2017.

MACÊDO, Lucas Buril de. Coleçãograndes temas do novo CPC:Precedentes. Salvador: Juspodivm,2016.

MARINHO, Hugo Chacra Carvalho.Coleção grandes temas donovo CPC: Precedentes. Salva-dor: Juspodivm, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. Prece-dentes obrigatórios. Disponívelem: <http://www.marinoni. adv.br/wpcontent/uploads/2016/08/Confer%C3%AAncia_IAP2.pdf>. Acessoem: 25 fev. 2017.

MARTINS, Flávio. Curso de Direi-to Constitucional. 1. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2017.

MAXIMILIANO, Ana Maria et al.Enunciados Aprovados noFórum Nacional de Processo doTrabalho. Disponível em: <https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:_LXFRY0SqM E J : h t t p s : / / w w w. c u r s o f m b .com.br/arquivosprof/FNPT-FI -NAL%2520-%2520enunciados%2520aprovados%2520e%2520revisados.doc+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 17 jan. 2018.

MENDES, Aluisio Gonçalves deCastro; SILVA, Larissa ClarePochmann da. In: DIDIER JR,Fredie et al. Coleção grandestemas do novo CPC: Preceden-tes. Salvador: Juspodvm, 2016.

MENDES, Joyce Barros. Preceden-te judicial como fonte do di-reito. Pós-graduação em direitoprocessual civil. [Monografia].Brasília: Instituto Brasiliense deDireito Público - IDP, 2015.

MERRYMAN, Jhon Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradiçãoda civil law: uma introdução aossistemas jurídicos da Europa e daAmérica Latina. Tradução: CássioCasagrande. Porto Alegre: SérgioAntônio Fabris, 2009 .

NADER, Paulo. Introdução aoestudo do direito. 34. ed. Riode Janeiro: Forense, 2012.

NERY JR, Nelson. Código de Pro-cesso Civil Comentado. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2016.eBook.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção.Manual de Direito ProcessualCivil. Salvador: Jus Podivm, 2016.Vol. único.

Page 155: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

155Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NO NOVO CPC

NUNES, Dierle; HORTA, AndréFrederico. Coleção grandes te-mas do novo CPC: Precedentes.Salvador: Juspodivm, 2016.

PEREIRA, Matheus Costa; ALVES,Pedro Espíndola Bezerra. Cole-ção grandes temas do novoCPC : Precedentes. Salvador:Juspodivm, 2016.

STRECK, Luiz Lênio. Coleçãograndes temas do novo CPC:Precedentes. Salvador: Juspodivm,2016.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.Coleção grandes temas donovo CPC: Precedentes. Salva-dor: Juspodvm, 2016.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Cur-so Avançado de Processo Ci-vil. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2016. v. 2. eBook.

Page 156: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 157: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

157Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

A eficácia das normasconstitucionais que promovem a

justiça distributiva no capitalismo.Interdisciplinaridade na Economia,

Filosofia e Psicanálise

Gouvan Linhares LopesAdvogado da CAIXA no Ceará

Especialista em Direito Público e PrivadoGraduado em Economia, Filosofia e Psicologia

Floriano Benevides de Magalhães NetoAdvogado da CAIXA no Ceará

Especialista em Direito Público e PrivadoGraduado em Economia

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar os limites do DireitoConstitucional na realização da Justiça Distributiva dentro docapitalismo, ao estabelecer no art. 3º e incisos da ConstituiçãoFederal de 1988 como objetivo fundamental da RepúblicaFederativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa,erradicando a pobreza, reduzindo as desigualdades e promovendoo bem de todos. Busca-se compreender, a partir da interdis-ciplinaridade com a Economia, Filosofia e Psicanálise como aconcepção de homem pelo Direito influenciou na formação efinalidade do Estado e da ideia de Justiça Distributiva, assimcomo na eficácia das normas constitucionais que objetivamredução das desigualdades, via regramento da relação jurídicada repartição do produto do trabalho dentro do modo deprodução capitalista, fundado no lucro individual, através damais-valia. Mostra-se a importância deste estudo, ao identificaros mecanismos contraditórios do sistema jurídico e as relaçõesde forças dentro do Estado, que ora estimulam o lucro, oraprocuram defender os menos favorecidos, concluindo-se queesse antagonismo interfere na eficácia das normasconstitucionais que enunciam os direitos e garantias daConstituição Federal de 1988 e promovem a Justiça Distributiva,inclusive através de ações afirmativas. Diante do quadroapresentado, o presente trabalho, como a seguir demonstrado,reflete sobre o fato (produção e desejo do consumo de benscomo origem dos conflitos), do valor (atribuído à forma de

Page 158: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

158 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

repartição através da necessidade e ideia de Justiça), que culminacom o estudo e eficácia da norma constitucional (art. 3º eincisos).

Palavras-chave: Direito Constitucional. Justiça. Capitalismo.Limites do Direito.

ABSTRACT

This article aims to analyze the limits of ConstitutionalLaw in the implementation of Distributive Justice withincapitalism, by establishing in art. 3 and subsections of the FederalConstitution of 1988 as a fundamental objective of theFederative Republic of Brazil, to build a free and fair society,eradicating poverty, reducing inequalities and promoting thegood of all. It seeks to understand, from the interdisciplinaritywith the economy, philosophy and psychoanalysis like theconception of man by the right, influenced in the formation andpurpose of the State and the idea of Distributive Justice, aswell as in the effectiveness of the constitutional norms thataim at reducing the inequalities , through the rule of the legalrelation of the distribution of the product of labor within thecapitalist mode of production, based on individual profit, throughsurplus value. It is shown the importance of this study, byidentifying the contradictory mechanisms of the legal systemand the relations of forces within the State, which now stimulateprofit, or seek to defend the less favored, and conclude thatthis antagonism interferes with the effectiveness of the normsconstitutional provisions that set forth the rights and guaranteesof the Federal Constitution of 1988 and promote DistributiveJustice, including through affirmative action. In view of the tablepresented, the present work, as shown below, reflects on thefact (production and desire of the consumption of goods as thesource of conflicts), value (attributed to the form of distributionthrough the necessity and idea of Justice), which culminateswith the study and effectiveness of the constitutional norm(article 3 and subsections).

Keywords: Constitutional Law. Justice. Capitalism. Limitsof the Law.

Introdução

O homem, ao nascer dentro de uma sociedade, submete-sea um processo civilizatório que regula, através de diversas regrasde conduta, seu comportamento externo, nas suas interações como mundo e o outro, assim como na maneira de satisfazer seusdesejos e necessidades.

Page 159: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

159Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

Ocorre que, na sociedade atual, chamada de pós-moderna,tais objetivos sofrem interferência, diante da busca do lucro eda concentração da riqueza produzida no modo de produçãocapitalista albergado também pela Carta Magna (arts. 1º e 170),assim como pelo consumismo, estimulado pelos meios de comu-nicação, que envolvem a liberdade de manifestação do pensa-mento, de expressão e de informação (art. 5º, IV, IX e XIV, CF/88,respectivamente).

Tal fato enseja uma divergência entre o que prescrevem asnormas jurídicas e as regras de conduta (religiosas, morais e éti-cas) quanto à distribuição dos bens produzidos na sociedade eao comportamento no mercado de trabalho.

Portanto, há um descompasso entre os valores insculpidosna norma jurídica e a realidade vivida pelas pessoas em seu coti-diano, que compromete a eficácia da norma jurídica, ensejandoa problematização do direito, que é o objeto de reflexão destetrabalho

1 Filosofia e problematização do Direito: eficácia da norma eideia de justiça

O objetivo da filosofia do Direito é problematizar, segundoCretella Junior (1993, p. 4): "Problematizar o Direito - eis o ob-jetivo da filosofia do Direito".

Neste passo, a filosofia do Direito, segundo Bobbio (2014,p. 53), sempre se ocupou dos três problemas fundamentais danorma jurídica, que são a justiça, a validade e a eficácia: "Pode-se inclusive sustentar que os três problemas fundamentais, deque tradicionalmente se ocupa e sempre se ocupou a filosofiado direito, coincidem com as três qualificações normativas dajustiça, da validade e da eficácia".

A reflexão em estudo é exatamente uma investigação emtorno da vida do direito, quanto à eficácia das normas constitu-cionais que promovem a Justiça Distributiva, ou seja, quanto àaplicação dos seus comandos, que envolve o comportamento dohomem em sociedade, e dos seus interesses contrastantes, deacordo com Bobbio (2014, p. 53):

O problema da eficácia nos leva ao terreno da aplica-ção das normas jurídicas, que é o terreno dos compor-tamentos efetivos dos homens que vivem em socie-dade, dos seus interesses contrastantes, das ações ereações frente à autoridade, dando lugar às investi-gações em torno da vida do direito.

Page 160: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

160 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Nestes termos, como a eficácia da norma jurídica é terrenodos comportamentos efetivos dos homens que vivem em socie-dade, esta investigação em torno da vida do direito e dos seuslimites, com o estudo da eficácia da norma jurídica, justifica umaabordagem interdisciplinar nos campos da Economia, Filosofia ePsicologia.

As paixões, os interesses e os instintos humanos são barradospelas regras de conduta religiosas, morais, jurídicas e sociais, queregulam a vida social, permitindo a estabilidade da sociedade edas suas instituições no processo civilizatório, conforme as liçõesde Bobbio (2014, p. 26):

O fenômeno da normatividade nos aparecerá de modonão menos impressionante e ainda mais merecedorda nossa reflexão. A história pode ser imaginada comouma imensa corrente fluvial represada: as barragenssão as regras de conduta, religiosas, morais, jurídicas,sociais, que detiveram a corrente das paixões, dos in-teresses, dos instintos, dentro de certos limites, e quepermitiram a formação daquelas sociedades estáveis,com as suas instituições e com os seus ordenamentos,que chamamos de “civilização”.

Dentre as regras de conduta (éticas, morais e sociais) do fenô-meno da normatividade, destacam-se as regras jurídicas, que mo-delam a forma de distribuição dos bens a serem consumidos pelasociedade, dentro do sistema capitalista.

Barrando as paixões e os instintos humanos e regulando asformas de apropriação da riqueza produzida através da JustiçaDistributiva, a Lei Maior estabeleceu como objetivo fundamen-tal da República Federativa do Brasil, no art. 3º e incisos, cons-truir uma sociedade livre, justa, erradicando a pobreza, redu-zindo as desigualdades e promovendo o bem de todos.

Na compreensão dos limites do Direito, utiliza-se uma abor-dagem interdisciplinar (Filosofia, Economia e Psicologia), visan-do entender como o modo de produção capitalista interfere naeficácia dos direitos e garantias constitucionais e como se tornaabsurda a ideia do Direito, a partir de um critério de JustiçaDistributiva. De acordo com a teoria tridimensional de Reale(1994, p. 120, sublinhas nossas), que visa disciplinar a relaçãojurídica em questão:

O Direito é sempre fato, valor e norma, para quemquer que o estude, havendo apenas variação no ân-gulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, deordem metodológica, segundo o alvo que se tenhaem vista atingir. E o que com acume Aristóteles cha-

Page 161: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

161Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

mava de “diferença específica”, de tal modo que odiscurso do jurista vai do fato ao valor e culmina nanorma; o discurso do sociólogo vai da norma para ovalor e culmina no fato; e, finalmente, nós podemosir do fato à norma, culminando no valor, que é sem-pre uma modalidade do valor do justo, objeto próprioda Filosofia do Direito.

Para tanto, esta investigação parte da reflexão sobre a ideiade Justiça e do modo de produção capitalista, mostrando o ab-surdo da ideia de Direito e as ações afirmativas. Justificando anecessidade da interdisciplinaridade do Direito com a Psi-cologia na explicação dos fatos jurídicos e do desejo huma-no pelo consumo de bens, mostra a relação entre o sofrimentopsíquico e o consumismo como fonte de prazer.

2 Reflexão sobre a ideia de Justiça – binômio escassez xnecessidades humanas como origem dos conflitos

2.1 A ideia de Justiça segundo Platão

Mas, afinal, o que é Justiça? Qual a ideia de Justiça?A República, escrita por Platão, foi a primeira obra dedicada

à filosofia da Justiça.Designando o Justo e legal, as leis, regulando a vida social,

impedem as pessoas de sofrerem uma injustiça, de acordo comas lições de Belini (2009, p. 56-57, sublinhas nossas), ao comen-tar uma das ideias de justiça (não defendida por Platão) na obraA República:

Segundo Glauco, “dizem que cometer uma injustiça épor natureza um bem, e sofrê-la, um mal, mas queser vítima de injustiça é um mal maior do que o bemque há em cometê-la” (358 E). Por isso, as pessoas,principalmente para não serem vítimas de injustiçasem poder cometê-la, estabeleceram as leis que re-gulam a vida social, designando de legal e justo aquiloque é conforme a lei e convenção. Essa é “a gênese eessência da justiça, que se situa a meio caminho entreo maior bem, não pagar a pena das injustiças, e omaior mal, ser incapaz de se vingar de uma injustiça”(359 A).

Conforme Belini (2009, p. 57), nesse relato de Glauco, a ideiade Justiça é a de um pacto entre os homens, em que o justo seriaquem obedece às leis, aproxima-se do pensamento sofista, daJustiça como sendo um pacto entre os homens, igualando a Jus-tiça à Lei:

Page 162: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

162 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Glauco apresenta uma idéia nitidamente sofística dajustiça. Ela é apenas um pacto entre os homens pornatureza destinados a receberem injustiças sem po-der cometê-las. Estabelecidas as leis, é justo quem lhesobedece, injusto quem desobedece. Assim, se é justopor incapacidade de cometer injustiça, logo, a justiçanão é estimada por si mesma, mas é necessariamentepraticada pelos incapazes, vale dizer, pelos mais fracos(359 B). Ilustração disso é a história de Giges com oanel mágico (359 D - 360 B).

2.1.1 A ideia de Justiça em Hobbes

Hobbes acompanha esse entendimento do relato de Glauco(contido na obra A República, de Platão) do justo como obedi-ência à Lei.

Desta forma, sem lei não haverá ideia de Justiça.O Estado administra a Justiça, através das leis que estabele-

cem um critério de certo e errado, assim como de justo e injusto,pois o desejo humano origina os conflitos humanos e necessida-de do Direito e da Justiça, como a seguir demonstrado.

Hobbes (1988, p. 77) articula seu pensamento filosófico apartir de um Estado de Natureza em que os homens seriam to-talmente livres e iguais entre si.

Nesse Estado, não haveria poder comum e, destarte, nãohaveria lei nem noção de Direito, justiça ou injustiça, bem oumal, numa guerra de todos contra todos, longe da formação dasociedade.

Desta guerra de todos contra todos também isto éconseqüência: que nada pode ser injusto. As noçõesde bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aíter lugar. Onde não há poder comum não há lei, eonde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força ea fraude são as duas virtudes cardeais. A justiça e ainjustiça não fazem parte das faculdades do corpo oudo espírito (HOBBES, 1988, p. 77).

Diante desse quadro de insegurança, dessa luta de todoscontra todos decorrente da liberdade e igualdade absolutas, casodois homens desejem a mesma coisa que não possa ser gozadapor ambos, tornam-se inimigos e esforçam-se por destruir ou sub-jugar um ao outro, de acordo com Hobbes (1988, p. 74-75):

Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igual-dade quanto à esperança de atingirmos nossos fins.Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, aomesmo tempo que é impossível ela ser gozada porambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para

Page 163: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

163Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

seu fim (que é principalmente sua própria conserva-ção, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se porse destruir ou subjugar um ao outro.

Logo, o desejo humano como origem dos conflitos huma-nos não poderá ser resolvido por destruição ou outra forma, sur-gindo, assim, a necessidade do Direito e da Justiça, como umpacto celebrado entre os homens, nos termos do relato de Glaucona obra de Platão.

Segundo Hobbes (1988, p. 161), os homens resolvem esta-belecer um contrato para entrar em um Estado Político, que ad-ministrará a Justiça através da lei civil e, portanto, de um DireitoPositivo que determinará o que é certo ou errado, entre o bem eo mal:

A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelasregras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por es-crito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade,para usar como critério de distinção entre o bem e omal; isto é, do que é contrário ou não é contrário àregra.

Destarte, nos termos hobbesianos, diante do desejo gera-dor de conflitos, de conseguir as coisas necessárias para uma vidaconfortável através do trabalho, surgiu a necessidade do DireitoPositivo e da Justiça, passando os homens a aceitarem normas depaz instituídas na Lei, para chegarem a um acordo, que não adestruição de um ao outro.

As paixões que fazem os homens tender para a pazsão o medo da morte, o desejo daquelas coisas quesão necessárias para uma vida confortável, e a espe-rança de consegui-las através do trabalho. E a razãosugere adequadas normas de paz, em torno das quaisos homens podem chegar a acordo.

No entanto, como adiante exposto, as coisas necessárias auma vida confortável, frutos do trabalho, são escassas, ocasio-nando a necessidade da lei como Direito Posto e da JustiçaDistributiva, na tentativa de evitar a guerra de todos contra to-dos e de igualar os desiguais, distribuindo os bens para pessoasem posições diferentes, nos termos da art. 3º e incisos da Consti-tuição Federal de 1988, que estabelece como objetivos funda-mentais da República Federativa, construir uma sociedade livre,justa, erradicando a pobreza, reduzindo as desigualdades e pro-movendo o bem de todos.

Page 164: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

164 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

2.2 Do processo de formação do conceito de JustiçaDistributiva – binômio escassez x necessidades humanascomo origem dos conflitos

2.2.1 Platonismo x Liberalismo. Processo de formação doconceito de Justiça Distributiva

Sobre a repartição dos frutos do trabalho e das coisas neces-sárias à vida confortável, leciona Casertano (2014, p. 100) quePlatão, em sua obra A República, pregava uma justiça social eeconômica com a abolição da propriedade privada como causade ruína da cidade inteira:

Platão introduz o conceito revolucionário do seu co-munismo: a abolição da propriedade privada para osguardiões e para os governantes, isto é, para os guer-reiros e os filósofos, e a “vida em comum” de ambos.Eles não receberam nenhum salário pela sua obra eterão tudo em comunhão. A propriedade privada dosgovernantes é, de fato, a causa de sua ruína e dacidade inteira.

Essa repartição coletiva dos bens é uma condição de aplica-ção da Justiça e decorre de os recursos naturais serem escassos,de acordo com as seguintes lições de Hoffe (2003, p. 29, subli-nha nossa):

Escassez ou conflito. “Admitamos que a natureza te-nha dotado o homem de uma abundância tão rica emtodos os confortos exteriores”, de modo que não hajanecessidade de um “trabalho penoso”, de “nenhumaagricultura, de nenhuma navegação”, então “afigura-se plausível que em tal estado feliz qualquer outra vir-tude social floresceria e decuplicar-se-ia, mas nem terí-amos sonhado com a virtude cautelosa, desconfiada dajustiça”. Como para David Hume (Princípios da moral,Cap. III: “Sobre a Justiça”), assim também para outrosfilósofos liberais a escassez pertence às condições deaplicação da justiça. E indiretamente Platão já defendeessa opinião, à medida que ele ainda não fala de justiçaonde os homens estão satisfeitos com o que é necessá-rio para seu sustento. Com efeito, muitas tarefas dajustiça resultam da limitação dos recursos naturais.

Portanto, tem-se como condição de Justiça para Hume obinômio escassez dos recursos/bens e para Hobbes os desejos hu-manos para satisfação de suas necessidades.

No entanto, na tradição liberal, o Estado, com a revoluçãoindustrial e o consequente modo de produção capitalista, não

Page 165: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

165Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

tinha como tarefa distribuir ou redistribuir bens escassos parasatisfação dos desejos humanos, pois acreditava numa mão invi-sível na economia, apregoada por Adam Smith, em sua obra ARiqueza das Nações, como distribuidora adequada dos bens,conforme leciona Amaral Junior (1999, p. 416/419):

A primeira versão dos direitos, na tradição liberal,está associada a essa visão do individuo como dono desi, capaz de ser proprietário de bens materiais e livrepara comprar e vender no mercado. [...]Não havendo interferência perturbadora, a distribui-ção do mínimo necessário à vida será garantida, atéporque os ricos não podem consumir alimentos alémde certo limite. A mão invisível não só garante o fun-cionamento eficiente da economia, orientando-a parao máximo aproveitamento dos meios de produção,mas também assegura a adequada distribuição dosbens.

Nesse quadro de injustiça social, surge uma nova concepçãode Justiça Distributiva, de acordo com Fleischacker (2006, p. 81),pois, no século XVIII, o Estado passou a ter a tarefa de distribuirbens e riquezas, visando não levar à ruína a cidade inteira, nostermos platônicos.

Por volta do final do século, começamos a ver clara-mente uma crença segundo a qual o Estado pode edeve tirar as pessoas da pobreza, e que ninguém me-rece, e nem precisa, ser pobre, e que, em vista disso, étarefa do Estado, pelo menos em parte, distribuir ouredistribuir bens.

Afinal, a visão de mercado de Adam Smith, de uma mão invisí-vel assegurando uma adequada distribuição dos bens, mostrou-seirreal, pois gerava concentração de renda e o comprometimento davida dos trabalhadores, como demonstra o pensamento de Marx,em sua obra O Capital – a seguir exposto –, numa crítica ao capitalis-mo que guarda sintonia com o platonismo.

2.2.2 Platonismo e Marxismo. A ideia grega de Justiça comodesigualdade

É conhecido o pensamento de Aristóteles quanto ao fatode ser natural a escravidão e, destarte, a desigualdade entre oshomens.

Bodéus (2003, p. 50) leciona que o pensamento grego deAristóteles entende justa e natural a desigualdade entre os ho-mens, decorrente de suas posições na associação do trabalho:

Page 166: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

166 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A posição de Aristóteles resume-se, pois, primeira-mente, em contestar a dos modernos ao avaliar es-sencial e natural entre os homens segundo a desi-gualdade de suas posições nas associações de traba-lho, exigidas para a sobrevivência.

No entanto, esse entendimento não guarda sintonia com oplatonismo e o marxismo, que entendem ser o tecido social mi-nado pelo egoísmo e propriedade privada, de acordo comBodéus (2003, p. 52):

O parentesco do projeto platônico com todas as for-mas posteriores de comunismo, inclusive as que fo-ram inspiradas pelo marxismo contemporâneo, não éum parentesco vago.Ele se baseia, em primeiro lugar, em uma reação aomesmo egoísmo que parece ser consagrado pela pro-priedade privada e que parece minar a solidariedadenecessária ao tecido sociopolítico.

Contrariando o pensamento de Platão e Marx, tanto o tra-balho como a propriedade privada, nos termos do inciso IV doart. 1º da CF/88, são fundamentos da República Federativa doBrasil, pelos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, re-presentada no modo de produção capitalista.

Igualmente, o art. 170 da Lei Maior assevera que a ordemeconômica, fundada na valorização do trabalho humano ena livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existênciadigna, conforme os ditames da justiça social, observados osprincípios da propriedade privada e da função social da pro-priedade.

Nesses termos, cabe uma reflexão sobre o modo de produ-ção capitalista como fundamento da República Federativa (art.1º e 170/CF88), que, segundo Platão e Marx, funciona na basedo egoísmo e da propriedade privada, diante dos objetivos daRepública de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades (art.3º e incisos da CF/88).

3 Modo de produção capitalista (arts. 1º e 170 CF/88)

Ocorre que, no modo de produção capitalista, há impossi-bilidade de uma distribuição equânime do resultado do traba-lho, explicada por Marx com o termo mais-valia, diante do con-flito entre o capital e o trabalho.

Na mais-valia, segundo Marx, o trabalhador vende sua for-ça de trabalho ao capitalista detentor dos meios de produção,por um valor suficiente apenas para comprar uma cesta de bens

Page 167: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

167Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

necessários ao seu sustento e produz bens em valor maior, deacordo com as lições Meireles (2000, p. 26):

Para explicar o fenômeno, seria necessário encontrar-se uma mercadoria que, tendo um determinado va-lor, fosse, contudo, capaz de produzir um valor maior.E essa mercadoria existe: para Marx é a “força dotrabalho”, origem da mais-valia.Para esse teórico, o capitalista compra a “mercado-ria” força de trabalho por um determinado valor, va-lor esse que é suficiente para que o trabalhador com-pre uma cesta de bens necessários ao seu sustento, eo faz produzir bens em valor maior, pelo expedientedo prolongamento da jornada de trabalho. O valorcorrespondente a esta jornada excedente constitui amais-valia.

Ora, esse valor para a compra de uma cesta de bens necessá-rios para suprir suas necessidades vitais básicas encontra-se pre-visto como salário mínimo, no inciso IV do art. 7º da Constitui-ção Federal, como direito do trabalhador, nos seguintes termos:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente uni-ficado, capaz de atender a suas necessidades vitaisbásicas e às de sua família com moradia, alimenta-ção, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, trans-porte e previdência social, com reajustes periódicosque lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedadasua vinculação para qualquer fim.

Logo, há uma desigualdade estrutural do sistema capitalis-ta, fruto do egoísmo e da propriedade privada, que a Justiçacom seus mecanismos, como, por exemplo, as ações afirmativas,não é capaz de modificar, restando o absurdo humano e do pró-prio Direito, no confronto entre os fatos e a ideia de Justiça,entre o trabalho e o capital, que se tornam inconciliáveis, nostermos do pensamento filosófico de Camus, onde o Direito apre-senta-se como ausente de um conteúdo ético delineado (fl.17),adiante exposto.

4 O absurdo da ideia de Direito na Filosofia camusiana e asações afirmativas

Diante da violência de os homens se diferenciarem pelas clas-ses sociais, manifesta-se Einstein (2016, p. 1) frente ao absurdono confronto entre o desejo humano de compreender o mundoe sua incapacidade de entendê-lo, na busca de um sentido oufinalidade para a existência:

Page 168: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

168 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Minha condição humana me fascina. Conheço o limitede minha existência e ignoro por que estou nesta ter-ra, mas às vezes o pressinto. [...] Vejo os homens sediferenciarem pelas classes sociais e sei que nada asjustifica, a não ser pela violência. Sonho ser acessívele desejável para todos uma vida simples e natural, decorpo e espírito. [...] Vejo então o mundo com bomhumor. Não posso me preocupar com o sentido ou afinalidade de minha existência, nem da dos outros,porque, do ponto de vista estritamente objetivo, éabsurdo.

Igualmente, relata Camus (1989, p. 44) que o homem vivefrente a uma incompreensão diante da vida, do seu significadoe finalidade, que gera uma angústia. O absurdo reside nesteconfronto entre o desejo de entendimento do mundo e da vidae a impossibilidade de compreensão.

Camus desenvolve uma filosofia do absurdo humano, doconfronto entre a realidade dos fatos e as ideias, no caso entre adesigualdade estrutural do sistema capitalista em que os homensse diferenciam pelas classes sociais, como anteriormente expostopor Einstein, e a ideia de Justiça que propicie uma distribuiçãodos bens de forma justa e igualitária, pois a escassez pertence àscondições de aplicação da justiça, conforme visto antes nas li-ções de Hoffe (2003, p. 29), ao expor o pensamento do filósofoHume.

Esse absurdo será maior na medida em que as ideias e osfatos se confrontem, de acordo com Camus (1989, p. 44), quan-do há uma comparação e, destarte, um divórcio, no caso, entreum estado de fato (a situação do trabalhador no modo de pro-dução capitalista e a mais-valia) e a ideia de uma JustiçaDistributiva.

Há casamentos absurdos, desafios, rancores, silênci-os, guerras e até acordos de paz. Para cada um deles,a absurdidade nasce de uma comparação. Tenho base,portanto, para dizer que o sentimento da absurdidadenão nasce do simples exame de um fato ou impres-são, mas que ele brota da comparação entre um es-tado de fato e uma certa realidade, entre uma ação eo mundo que a ultrapassa. O absurdo é essencialmen-te um divórcio. Não está nem num nem noutro doselementos comparados: nasce de sua confrontação.

O Estado, através de norma de aplicação geral do art. 3º eincisos da CF/88, reconhece esse absurdo camusiano, pois há umdivórcio entre a ação de promover uma Justiça Distributiva a quemnão detém os meios de produção (ao estabelecer como objeti-

Page 169: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

169Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

vos fundamentais da República Federativa a redução de todasas formas de desigualdade e o combate a todas as formas dediscriminação e marginalização) e o mundo, regido pelo modode produção capitalista, baseado no egoísmo humano e na pro-priedade privada, como fundamentos da República Federativa(art. 1º e 170/CF88), mostrando-se a construção do fenômenojurídico na pós-modernidade, baseado em categorias/normasabstratas e idealistas.

Visando evitar a discriminação ao acesso a bens fundamen-tais como educação e emprego, reconhecido na Lei Maior (art.3º e incisos), as ações afirmativas buscam minorar esse divórcioem que se encontra o trabalhador e a ideia de Justiça Distributiva,apontado por Camus (1989, p. 44), com vistas a uma efetiva igual-dade de oportunidades a que todos têm direito, conforme asseguintes lições de Santos (2003, p. 27, sublinha nossa):

Atualmente as ações afirmativas podem ser defini-das como um conjunto de políticas públicas e privadasde caráter compulsório, facultativo ou voluntário, con-cebidas com vistas ao combate à discriminação racial,de gênero, por deficiência física e de origem nacional,bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presen-tes da discriminação praticada no passado, tendo porobjetivo a concretização do ideal de efetiva igualda-de de acesso a bens fundamentais como a educação eo emprego. Diferentemente das políticas governa-mentais antidiscriminatórias, baseadas em leis de con-teúdo meramente proibitivo, que se singularizam poroferecerem às respectivas vítimas tão somente ins-trumentos jurídicos de caráter reparatório e de in-tervenção ex post facto, as ações afirmativas têmnatureza multifacetária. Visam a evitar que a discri-minação se verifique nas formas usualmente conhe-cidas – isto é, formalmente, por meio de normas deaplicação geral ou específica, ou através de mecanis-mos informais, difusos, estruturais, enraizados naspráticas culturais e no imaginário coletivo. Em sínte-se, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusãoconcebidos por entidades públicas, privadas e por ór-gãos dotados de competência jurisdicional, com vistasà concretização de um objetivo constitucional univer-salmente reconhecido - o da efetiva igualdade de opor-tunidades a que todos os seres humanos têm direito.

Diante da escassez dos recursos como condição de aplicaçãoda Justiça, há necessidade de o Estado harmonizar o mundo dotrabalho para que os bens produzidos possam ser comprados,segundo Einstein (2016, p. 85):

Page 170: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

170 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Inclino-me a pensar que o Estado pode ser realmenteeficaz se marcar os limites e harmonizar os movimen-tos do mundo do trabalho. Deve velar para reduzir aconcorrências das forças de trabalho a limites huma-nos, garantir a todas as crianças uma educação sóli-da, garantir um salário suficientemente elevado deforma que os bens produzidos sejam comprados. Porseu estatuto de controle e de regulamentação, o Es-tado pode realmente intervir, se suas decisões forempreparadas por homens competentes e independen-tes com toda a objetividade.

No entanto, o absurdo camusiano e do próprio Direito man-tém-se, mesmo diante das ações afirmativas previstas na Consti-tuição Federal de 1988, com a missão do Estado, segundoEinstein, de marcar os limites e harmonizar os movimentos domundo do trabalho.

Eis o problema do Estado, na regulação e socialização doegoísmo, pois a política é o reino das relações de forças, segun-do Sponville (2002, p. 30), onde não é possível, diante do siste-ma capitalista, efetivar uma maior Justiça Distributiva, gerandopara o Direito seu próprio absurdo.

O grande problema do Estado é a regulação e a soci-alização dos egoísmos. É por isso que ele é necessário.É por isso que é insubstituível. A política não é o reinoda moral, do dever, do amor. É o reino das relações deforças e de opiniões, dos interesses e dos conflitos deinteresses. Vejam Maquiavel ou Marx.

Neste passo, a explicação dos limites do Direito perpassa umanecessidade de compreensão do comportamento humano e desua natureza egoísta nas relações, que justifica uma interdisci-plinaridade da Ciência Jurídica com a Psicologia na explicaçãodos fatos jurídicos.

5 A interdisciplinaridade do Direito com a Psicologia naexplicação dos fatos jurídicos

A explicação dos limites do Direito perpassa uma necessida-de de compreensão do comportamento humano e de suas rela-ções, a demonstrar como a concepção de homem pelo Direitoinfluenciou na formação e finalidade do Estado e da ideia deJustiça Distributiva, assim como na eficácia das normas constitu-cionais que objetivam redução das desigualdades, via regramentoda relação jurídica da repartição do produto do trabalho den-tro do modo de produção capitalista, fundado no egoísmo e nolucro individual, através da mais-valia.

Page 171: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

171Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

Enquanto o Direito refere-se ao dever-ser, através danormatização que regula as leis do convívio, a Psicologia refere-se ao Ser, como ele é, na busca da compreensão dos comporta-mentos, conforme leciona Sordi (2007, p. 293):

O direito e a psicologia são ciências que, em últimaanálise, têm o mesmo objeto de estudo, qual seja: oHomem e as relações humanas. Enquanto o direito seocupa com a normatização dos comportamentos hu-manos que fazem parte das relações sociais, tratan-do de regulamentar as leis do convívio, a psicologiabusca uma compreensão da inter-relação de fatoresetiológicos, biológicos, sócio-econômicos e culturais,entre outros, determinantes dos comportamentoschamados patológicos.

Na normatização dos comportamentos humanos, o Direito,na vontade coletiva do Estado de redução das desigualdades(art. 3º e incisos da CF/88) e de uma maior Justiça Distributiva,não sabe o que acontece na intersubjetividade do sujeito dedireito, em seu plano psicológico.

O Direito, dentro do fenômeno da normatização que re-gula as leis de convívio e barra os instintos e paixões, é repressorde comportamentos que comprometem a sociedade, opondo-se à satisfação das paixões em que tudo se passa segundo odesejo e vontade do ente racional, de acordo com Kant (2003,p. 443).

Neste passo, a absurdidade do Direito, nos termos camu-sianos, surge na confrontação entre um estado de fato e da rea-lidade, entre a busca do Direito por uma Justiça Distributiva e aprópria natureza humana.

Embora o Estado, em Hobbes, restrinja a liberdade indivi-dual para aquilo que não é proibido pelas leis, de forma nega-tiva, segundo Freud (1978, p. 116) o homem, por sua natureza,sempre reivindicará sua liberdade individual, contra a vontadedo grupo, estabelecida no direito positivo (art. 3º e incisos daCF/88) na redução de todas as formas de desigualdade eerradicação da pobreza.

Logo, citada norma constitucional (art. 3º. CF/88) não temqualquer influência de transformar a natureza egoísta do ho-mem, no caso, na exploração da força de trabalho do outro e nabusca do lucro, de acordo com o seguinte trecho: “Não pareceque qualquer influência possa induzir o homem a transformarsua natureza na de um térmita. Indubitavelmente, ele sempredefenderá sua reivindicação à liberdade individual, contra avontade do grupo” (FREUD,1978, p. 116).

Page 172: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

172 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Desta forma, o direito positivo, através da Lei, como fontede limitação da liberdade individual do homem como lobo dohomem, também apregoada por Hobbes para possibilitar a vidaem sociedade, é uma fonte de sofrimento psíquico, frente à ini-bição dos seres humanos em explorar a força de trabalho dopróximo, sem ressarci-lo, por exemplo, nos termos da lição deFreud (1978, p. 133):

Sob circunstâncias propícias, quando estão ausentesas forças anímicas contrárias que a inibem, [a agres-são cruel] se exterioriza também espontaneamente,desmascara os seres humanos como bestas selvagensque nem sequer respeitam os membros de sua pró-pria espécie. Em conseqüência, o próximo não é so-mente um possível auxiliar e objeto sexual, mas umatentação para satisfazer nele a agressão, explorarsua força de trabalho sem ressarci-lo, usá-lo sexual-mente sem seu consentimento, despojá-lo de seupatrimônio, humilhá-lo, infligir-lhe dores, martirizá-lo e assassiná-lo. Homo homini lupus. Quem, em facede toda sua experiência da vida e da História, terá acoragem de discutir essa asserção?

O sofrimento decorrente do relacionamento com o outro,segundo Freud (1978, p. 67, sublinha nossa), é o mais penoso:

Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre sãorestringidas por nossa própria constituição. Já a infe-licidade é muito menos difícil de experimentar. O so-frimento nos ameaça a partir de três direções: denosso próprio corpo, condenado à decadência e à dis-solução, e que nem mesmo pode dispensar o sofri-mento e a ansiedade como sinais de advertência; domundo externo, que pode voltar-se contra nós comforças de destruição esmagadoras e impiedosas; e,finalmente, de nossos relacionamentos com os outroshomens. O sofrimento que provém dessa última fon-te talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.Tendemos a encará-lo como uma espécie de acrésci-mo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidi-camente inevitável do que o sofrimento oriundo deoutras fontes.

Logo, objetivamente, a realidade do mundo, regido pelomodo de produção capitalista baseado no egoísmo humano ena propriedade privada, como fundamentos da República Fe-derativa (art. 1º e 170/CF88), abre a possibilidade de o outro serexplorado em sua força de trabalho através da mais-valia, com-prometendo a eficácia da norma (art. 3º e incisos da CF/88) queobjetiva a redução das desigualdades, assim como das ações afir-

Page 173: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

173Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

mativas, ensejando sofrimento psíquico e sentimento de impo-tência econômica e de poder político no cidadão.

Como elemento psicológico que acompanha a produção nomodo capitalista, constata-se que, frente ao sofrimento psíquicoe compensação pela impotência econômica e do poder político,o cidadão passará a consumir, visando não se lembrar do traba-lho que foi necessário para produzir seus brinquedos, conformeas seguintes lições Silva (2016, p. 216):

Pensar por esta via permite tematizar algo esqueci-do pelos teóricos do consumo, nos lembra Jameson(2002), uma vez que mostra que o trabalho e o modode produção que o orienta não acabou e que está empermanente dinamismo e mutação no capitalismotardio.A outra definição de reificação que tem sido relevan-te nos últimos anos é a do “apagamento dos traçosda produção” do próprio objeto, da mercadoria assimproduzida. Esse procedimento consiste em ver a ques-tão do ponto de vista do consumidor: sugere que otipo de culpa da qual as pessoas são liberadas se con-seguirem não se lembrar do trabalho que foi neces-sário para produzir seus brinquedos e suas mobíliasAssim, para uma sociedade que quer se esquecer dasclasses sociais, a reificação, nesse sentido de embalaro consumidor, é realmente muito funcional; oconsumismo como cultura envolve muito mais que isso,mas esse tipo de “esmaecimento” é certamente aprecondição indispensável a partir da qual todo o res-to é construído. Uma psicologia social marxista temque insistir acima de tudo nos elementos psicológicosque acompanham a produção. A impotência é exata-mente isso, uma mortalha sobre a psique, a perdagradual do interesse no eu e no mundo exterior, algobastante parecido com a descrição de luto por Freud.[...] É claro que a outra maneira é o próprioconsumismo, como uma compensação pela impotên-cia econômica que é também uma ausência total depoder político: o que é chamado de apatia dos eleito-res é principalmente visível nas camadas sociais quenão têm meios para se distrair através do consumo.

Diante desse sofrimento e para amenizá-lo, há uma clararelação entre o consumismo e a moral, nos termos da lição deBauman (2013, p. 95), como a seguir demonstrado:

Deve-se ter cuidado ao pronunciar veredictos inequí-vocos sobre as complicadas relações entre consumismoe moral. Como as coisas estão nesse momento, a rela-ção não é diferente dos dilemas dos inúmeros matri-mônios de nossos dias: os cônjuges acham a convivên-

Page 174: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

174 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cia penosa e turbulenta, cheia de som e fúria, e mui-tas vezes repugnante e insustentável; no entanto, malpodem viver um sem o outro, e o divórcio é uma op-ção impensável.

6 Consumismo e moralidade

No século XX, ocorreram profundas mudanças na sociedadehumana, que receberam vários adjetivos, tais como sociedadepós-moderna, sociedade pós-capitalista, sociedade da informa-ção ou modernidade líquida.

Corolário dessas mudanças, a ética, como uma das regras dofenômeno da normatividade (além das regras morais, jurídicas esociais), que barram os instintos e paixões, foi afetada.

Há uma evidente crise ética (no sentido de como viver), fru-to de um novo olhar do homem sobre si mesmo, numa evidenteliquidez e superficialidade de suas relações, chamada porBauman (2001) de modernidade líquida, ao contrário damodernidade sólida, do período anterior, propiciando maiorespossibilidades e desejos que norteiam sua busca de felicidade.

As pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas pelos po-deres de derretimento da modernidade, tendo entre as váriasescolhas possíveis, “in casu”, pelo consumismo como forma desuportar o sofrimento psíquico.

Barros (2005, p. 47) leciona que esta fragmentação de umsentido e múltiplos caminhos a serem seguidos gera o esvazia-mento de valores até então instituídos pela cultura:

Os tempos de hoje se caracterizam pela fragmentaçãode um sentido, por múltiplas direções ordenando o ca-minho para os homens, vias plurais: diversas teorias so-bre o comportamento produzem uma pluralidade deconhecimentos e conceitos causando o esvaziamentodos valores até então instituídos na cultura. O homemjá não partilha de um consenso sobre uma orientaçãoque lhe indique a estrada em direção ao bem.Esse fenômeno de fragmentação se expande por todoo planeta globalizado. Basta olharmos as manchetes dejornais para nos depararmos com a expressão de umafalência na eficácia de certos valores morais publica-mente estabelecidos, manifesta tanto no cotidiano, pormeio de comportamentos individuais, quanto na vidapolítica, econômica e social. Há quem diga de uma certafalência do pai, do nome e da lei. Falha a crença numaordem que promova em volta de si uma unidade. Hojelidamos com a pluralidade em todos os campos.

Frente a essa crise ética da pós-modernidade, a reflexão so-bre como viver e o que é a vida guarda estreita relação com a

Page 175: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

175Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

busca da felicidade, encontrando a Filosofia seu objeto, de acor-do com Nasio (2012a, p. 12):

A filosofia não é apenas atividade de pensadores bri-lhantes porém excêntricos, como popularmente sepensa. Filosofia é o que todos fazemos quandoestamos livres de nossas atividades cotidianas e te-mos uma chance de nos perguntar: o que é a vida e ouniverso?

A ética, enquanto ramo da Filosofia, responde a como viver,que leva à sabedoria ou felicidade; a moral responde o que devofazer, nos termos das seguintes lições de Sponville (2002, p. 139):

Como viver? É essa a questão com que a filosofia, des-de seu começo, se depara. A sabedoria seria a respos-ta, mas encarnada, mas vivida, mas em ato: cada qualinvente a sua. E aí que a ética, que é uma arte de viver,se distingue da moral, que só concerne aos nossos de-veres. Que as duas possam e devam andar juntas, éóbvio. Perguntar-se como viver também é perguntar-se que importância atribuir a seus deveres. Mas nempor isso os dois escopos deixam de ser diferentes. Amoral responde à pergunta: Que devo fazer? A ética,à pergunta: Como viver? A moral culmina na virtudeou santidade; a ética, na sabedoria ou na felicidade.

Na pergunta sobre como viver (ética) ou o que devo fazer(moral), surge o ponto de ruptura da pós-modernidade, em queo certo e o errado passam a ser palpite de cada um, inclusive nasdiversas maneiras de fugir do sofrimento e atingir a felicidade,numa universalidade moral que se afasta do kantismo, confor-me Barros Filho (2013, p. 36):

Neste ponto, o senso comum moral se afasta dokantismo. Porque é muito comum encontrar justifica-tivas que se fundam na parcialidade do julgamentomoral. O certo e o errado vão muito de cada um, de-creta o palpiteiro, com ares de erudição. Além do sen-so comum, pensadores legítimos, arautos da pós-modernidade, consideram que um dos principais pon-tos de ruptura entre o pós e o simplesmente moder-no reside neste ponto, da universalidade moral.

Frente a essa universalidade moral, a opção freudiana defugir do sofrimento através do consumismo passa a ser certa ouerrada, dependendo do palpite de cada um, sendo estimuladapela sociedade de consumo e pelos meios de comunicação a nãosatisfação de seus membros, nos termos das seguintes lições deBauman (2008, p. 64):

Page 176: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

176 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A sociedade de consumo prospera enquanto conseguetornar perpétua a não-satisfação de seus membros (eassim, em seus próprios termos, a infelicidade deles).O método explícito de atingir tal efeito é depreciar edesvalorizar os produtos de consumo logo depois deterem sido promovidos no universo dos desejos dosconsumidores. Mas outra forma de fazer o mesmo, ecom maior eficácia, permanece quase à sombra e difi-cilmente é trazido às luzes da ribalta, a não ser porjornalistas investigativos perspicazes: satisfazendocada necessidade/desejo/vontade de tal maneira queeles só podem dar origem a desejos/vontades aindamais novos. O que começa como um esforço para satis-fazer uma necessidade deve se transformar emcompulsão ou vício. E assim ocorre, desde que o impul-so para buscar soluções de problemas e alívio para asdores e ansiedades nas lojas, e apenas nelas, continuesendo um aspecto do comportamento nas apenas des-tinado, mas encorajado com avidez, a se condensarnum hábito ou estratégia sem alternativa aparente.

Destarte, na sociedade atual, chamada de pós-moderna, avontade coletiva (art. 3º CF/88) de aplicação da Justiça na redu-ção das desigualdades sofre interferência, diante da busca do lu-cro e da concentração da riqueza produzida como símbolo desucesso pessoal no modo de produção capitalista (art. 170 CF/88).

Nos termos das lições acima, a perpétua infelicidade a sersuprimida como ideal de felicidade pelo consumismo, estimula-do pelos meios de comunicação, frente às garantias constitucio-nais da liberdade de manifestação do pensamento, de expres-são e de informação (art. 5º, IV, IX e XIV CF/88, respectivamente),implica a nível subjetivo uma sensação de desigualdade e umapercepção de uma inevitável ausência de Justiça Distributiva,como adiante demonstrado.

6.1 Consumismo x meios de comunicação

Se, por um lado, os membros da sociedade submetem-se auma desigualdade estrutural do sistema capitalista, fruto do ego-ísmo e da propriedade privada, que a Justiça com seus mecanis-mos não é capaz de modificar, por outro lado, submetem-se auma propaganda maciça, que estimula um maior sofrimento,assim como uma perpétua infelicidade, a ser suprida pelo consu-mismo.

O consumo é um fato social próprio da existência humanana satisfação de suas necessidades, através do qual os cidadãosconsumidores adquirem bens ou serviços realmente oferecidosno mercado, quando estão realmente precisando destes.

Page 177: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

177Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

Por outro lado, no consumismo, não ocorre a real necessi-dade do bem ou serviço, ou seja, o consumidor, indiscrimina-damente, adquire do fornecedor esses objetos sem a real neces-sidade destes. Tal fato é próprio das sociedades capitalistas, emque a compra é estimulada pela publicidade em rádios, televi-sões, jornais, revistas e outros meios de comunicação. Nesse caso,o consumidor acredita que a aquisição de determinados bens eserviços, direcionados pela publicidade, proporcionar-lhe-á bem-estar.

O consumismo, que ocorre no sistema capitalista, iniciou-se,segundo estudiosos, a partir de 1920 e após a Segunda GuerraMundial com a criação da obsolescência programada, visandoevitar o declínio da economia americana.

O consumismo, como fenômeno de massa, foi um desdobra-mento dessa situação, em que as pessoas passaram a adquirirprodutos no mercado sem necessidade, pois havia uma produ-ção excedente ofertada que deveria ser consumida. Os fornece-dores, para promover o consumo das mercadorias produzidas,passaram a utilizar, entre outras, as seguintes estratégias:

a) a obsolescência programada, visando ao descarte maisrápido dos produtos vendidos;

b) a utilização da propaganda como ferramenta para indu-zir os consumidores ao comportamento de adquirir produtos semnecessidade e produzir felicidade.

Criticando a obsolescência programada, vale ser transcritoo seguinte trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça, noRecurso Especial n° 984.106, julgado em 04.10.2012, da lavra doMinistro Luis Felipe Salomão. Nessa decisão, ao relatar que osprodutores tornam os produtos menos duráveis de forma pro-posital para que o consumidor promova novas aquisições, de-terminou, baseado no Código de Defesa do Consumidor, que ofornecedor repare o dano/bem, no caso um trator com defeitoapresentado fora do prazo de garantia:

6.2. Ressalte-se, também, que desde a década de 20 -e hoje, mais do que nunca, em razão de uma socieda-de massificada e consumista -, tem-se falado emobsolescência programada, consistente na reduçãoartificial da durabilidade de produtos ou do ciclode vida de seus componentes, para que seja forçada arecompra prematura.Como se faz evidente, em se tratando de bens durá-veis, a demanda por determinado produto estávisceralmente relacionada com a quantidade dessemesmo produto já presente no mercado, adquiridano passado. Com efeito, a maior durabilidade de um

Page 178: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

178 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

bem impõe ao produtor que aguarde mais tempopara que seja realizada nova venda ao consumidor,de modo que, a certo prazo, o número total de ven-das deve cair na proporção inversa em que a durabili-dade do produto aumenta.

Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que ha-verá grande estímulo para que o produtor eleja es-tratégias aptas a que os consumidores se antecipemna compra de um novo produto, sobretudo em umambiente em que a eficiência mercadológica não éideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso dopoder econômico, e é exatamente esse o cenário pro-pício para a chamada obsolescência programada (apropósito, confira-se: CABRAL, Hildeliza LacerdaTinoco Boechat; RODRIGUES, Maria Madalena de Oli-veira. A obsolescência programada na perspectiva daprática abusiva e a tutela do consumidor. in. RevistaMagister de Direito Empresarial, Concorrencial e doConsumidor. vol. 1. Porto Alegre: Magister (fev./mar.2005 e vol. 42, dez./jan. 2012).

Na obsolescência psicológica, de acordo com Packard (1965,p. 174), caberá aos meios de comunicação, através da propa-ganda, instigar no comprador esse desejo de possuir, interferin-do em sua liberdade psicológica:

A dificuldade no emprego dessa segunda forma decriação da obsolescência como uma estratégia está emconvencer o público de que o estilo é um importanteelemento na desejabilidade do produto. Uma vez acei-ta essa premissa, é possível criar a obsolescência namente simplesmente mudando-se para outro estilo.Às vezes, essa obsolescência de desejabilidade é cha-mada “obsolescência psicológica”.

Destarte, se, por um lado, os fornecedores, donos dos meiosde produção, passaram a utilizar a obsolescência programadapara diminuir e vida útil dos produtos, por outro, passaram autilizar a propaganda como estímulo à compra pelos consumi-dores, interferindo na liberdade psicológica das pessoas.

A questão da propaganda repercute na liberdade psicoló-gica do indivíduo e, destarte, na compra, devido ao consumismo,como forma de fugir do sofrimento, estimulado pelos meios decomunicação, que teve início, historicamente, com o desenvolvi-mento do capitalismo, o excesso de oferta de bens e aobsolescência programada e psicológica.

Nestes termos, o Estado, segundo Einstein (2016, p. 85), alémde não ser capaz de promover uma Justiça Distributiva naharmonização do mundo do trabalho para que os bens produ-

Page 179: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

179Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

zidos possam ser comprados, ainda deixará seus cidadãos seremsubmetidos, de acordo com Bauman (2008, p. 64), a nível psico-lógico, a uma eterna insatisfação como consumidores, sob penade desaquecimento da economia, pois, “sem a repetida frustra-ção dos desejos, a demanda de consumo logo se esgotaria e aeconomia voltada para o consumidor ficaria sem combustível”.

Tal insatisfação deverá ser promovida pelos fornecedores dosprodutos, que exercem atividade econômica, através da publici-dade dos bens produzidos e ofertados aos consumidores, desti-natários desta propaganda, e não guardam nenhuma censura,nos termos da Lei Maior, em que se destaca o inciso IX do art. 5ºe vedação a qualquer censura no parágrafo 2º do artigo 220:

Art. 5º. [...]IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artís-tica, científica e de comunicação, independentemen-te de censura ou licença;[...]Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, aexpressão e a informação, sob qualquer forma, pro-cesso ou veículo não sofrerão qualquer restrição, ob-servado o disposto nesta Constituição.[...] §2º É vedada toda e qualquer censura de nature-za política, ideológica e artística.

Botton (2013, p. 83) assevera que há interesses dos fornece-dores/empresários que atuam na iniciativa privada e visam aoLUCRO em provocar esse impulso na compra dos seus produtossupérfluos, ao associá-los na publicidade como solução plausí-vel para as necessidades no plano psicológico do consumidor(opinião vã), desvalorizando, assim, o que não pode ser com-prado, como amizade, reflexão e liberdade:

Por que, então, somos tão fortemente atraídos porcoisas caras, se elas não podem nos trazer alegriasextraordinárias? Por causa de um erro semelhanteao do enfermo acometido de uma crise de enxaquecaque faz uma perfuração no crânio; porque objetoscaros podem parecer soluções plausíveis para neces-sidades que não compreendemos. Os objetos imitam,em uma dimensão material, aquilo que necessitamosno plano psicológico. Precisamos reorganizar nossamente, mas somos seduzidos por prateleiras repletasde novidades.Mas não somos os únicos culpados de nossos equívo-cos. Nosso débil entendimento de nossas necessida-des é agravado pelo que Epicuro denominou de “opi-niões vãs” daqueles que nos cercam, que não refle-tem a hierarquia natural de nossas necessidades,

Page 180: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

180 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

enfatizando o luxo e a riqueza, raramente a amiza-de, a liberdade e a reflexão. A prevalência de umaopinião vã não é uma coincidência. Faz parte dos inte-resses do mundo dos negócios que essa hierarquiaseja desvirtuada, para a promoção de uma visão ma-terial do bem e uma desvalorização do que não podeser comprado.

Os anunciantes dos produtos ou serviços são pessoas titula-res de direitos fundamentais que atuam como agentes econômi-cos na livre iniciativa, tutelada como princípio fundamental noinciso IV do artigo 1º e caput da Lei Maior. No artigo 170 da CF/88, como princípio da atividade econômica, a livre iniciativa étambém assegurada, juntamente com a livre concorrência e adefesa do consumidor.

Insuflado e estimulado pelas promessas de uma felicidadematerial das propagandas elaboradas pelos fornecedores indi-cados no Código de Defesa do Consumidor, numa liberdade deexpressão sem limites para esta situação, o consumidor, o “HomoConsumens”, somente se considera aceito socialmente se consu-mir os produtos das empresas e marcas que aparecem nos meiosde comunicação.

Hannah Arendt, de forma magnífica, resume a dinâmicadesse consumismo, cuja origem remonta à obsolescência progra-mada americana do desperdício, em que se tem de devorar mó-veis, carros e não apenas usá-los, leia-se consumi-los, de acordocom o seguinte trecho:

Em nossa necessidade de substituir cada vez mais de-pressa as coisas mundanas que nos rodeiam, já nãopodemos nos dar ao luxo de usá-las, de respeitar epreservar sua inerente durabilidade; temos que con-sumir, devorar, por assim dizer, nossas casas, nossosmóveis, nossos carros, como se estas fossem as “boascoisas” da natureza que se deteriorariam se não fos-sem logo trazidas para o ciclo infindável domutabilismo do homem com a natureza (ARENDT,1981, p. 138).

Tal fato fragiliza a eficácia da norma de Direito Constitucio-nal (art. 3º e incisos da CF/88) e evidencia o absurdo camusiano,ao enfatizar o divórcio entre a realidade do capitalismo, basea-do no egoísmo e na propriedade privada, e as ações que o Esta-do promove através de ações afirmativas na redução das desi-gualdades e marginalização.

Afinal, para o cidadão que não consumir, mesmo sem a realnecessidade, os produtos que a publicidade estimula, subjetiva-

Page 181: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

181Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

mente, não haverá a Justiça Social promovida pelo Estado atra-vés de ações afirmativas que restauram um mínimo de igualda-de, conforme as lições de Borges de Macedo (1995, p. 75):

Para o indivíduo, a justiça social consiste na observân-cia das regras éticas gerais da atividade econômica,das da profissão e no respeito às leis tributárias. Aobservância, pelo indivíduo, da justiça social legitimasuas aquisições e rendimentos. Pelo Estado, a justiçasocial significa a instauração de uma ordem econômi-ca competitiva que permita o desenvolvimento decada um e de todos, bem como ações afirmativas querestaurem, sempre que necessário, um mínimo deigualdade de oportunidades entre indivíduos, seto-res, regiões, etc. O exemplo mais pertinente dessaobrigação de justiça social pelo Estado é a erradicaçãototal do analfabetismo, obrigatória na maioria abso-luta dos países.

Neste passo, evidencia-se o absurdo do Direito, pois a buscaem erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades (art. 3º CF/88)só existe em palavras e no pedaço de papel que nunca alcançaráa realidade de levar a felicidade aos cidadãos, tornando-se merosímbolo do que poderia ser, conforme assenta Saramago (2004,p. 97):

[...] os direitos só o são integralmente nas palavrascom que tenham sido enunciados e no pedaço de pa-pel em que hajam sido consignados, quer ele seja umaconstituição, uma lei ou um regulamento qualquer[...] a sua aplicação desmedida, inconsiderada, convul-sionaria a sociedade mais solidamente estabelecida[...] o simples senso comum ordena que os tomemoscomo mero símbolo daquilo que poderia ser, se fosse,e nunca como sua efetiva e possível realidade.

Assim, a evolução do Direito e da ideia de Justiça a partir doconflito sobre o consumo de bens a serem consumidos mostraque o Estado não é capaz de promover uma maior redução dasdesigualdades (art. 3º e incisos da Lei Maior de 1988) viaregramento da relação jurídica da repartição do produto do tra-balho dentro do modo de produção capitalista, fundado no lu-cro individual, através da mais-valia.

Tal fato decorre da própria natureza egoísta do homem, quebusca compensar seu sofrimento na pós-modernidade peloconsumismo, estimulado pela propaganda dos meios de comu-nicação (art. 5o, IV, IX e XIV CF/88, respectivamente), numa alian-ça entre o capitalismo, causador do sofrimento, como fundamen-to da ordem econômica (art. 170 e seguintes CF/88).

Page 182: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

182 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Logo, evidencia-se assim o absurdo do Direito em um peda-ço de papel que nunca alcançará a realidade de levar a felicida-de aos cidadãos, tornando-se símbolo do que poderia ser comorealização de justiça.

Neste passo, enquanto o Direito, através do Direito Consti-tucional, valora o fato jurídico da produção e consumo dos bens,buscando uma forma de repartição através da necessidade e daJustiça, nos termos do art. 3º e incisos da CF/88, o mesmo Direito,através das garantias constitucionais, possibilita, dentro do modode produção capitalista, a exploração e o sofrimento do traba-lhador através da mais-valia, apontando como busca da felici-dade o consumismo dos bens produzidos, limitando, assim, aeficácia deste objetivo da República Federativa de erradicaçãoda pobreza e das desigualdades.

O ideal de Justiça Distributiva não será alcançado pelo cida-dão que, frente ao sofrimento psíquico e compensação pela im-potência econômica, consome sem necessidade, pois, no exercí-cio de sua liberdade de escolha, não o faz por um dever nempor obrigação legal, mas sim por escolha ética de como viver,pela moral na escolha do certo e do errado, e também por umalimitação dos desejos e instintos, visando não se lembrar do tra-balho a que foi submetido pela mais-valia, não sendo o Direitosuficiente para impedir o comportamento em questão, e no pe-daço de papel que nunca alcançará a realidade de levar a felici-dade aos cidadãos.

Neste caso, o Direito funciona como um freio aos instintos eformas de satisfação do homem em sua busca de felicidade, aoestimular o consumismo dentro do modo de produção capitalis-ta, que prega uma felicidade imediata e sem limites, gerando so-frimento e um conflito diante desta impossibilidade da vida real.

De um lado, há uma norma jurídica que busca a erradicaçãoda pobreza e das desigualdades. De outro lado, a maneira decomo viver de cada um e sua moral. O Direito surge quando aética e a moral falharam e a pessoa, na busca de sua felicidade,age contra sua saúde, para minorar seu sofrimento.

Nessa situação, o Direito terá pouca eficácia frente à liber-dade humana como garantia constitucional, pois quando o in-divíduo escolhe o consumismo como fonte de felicidade, a nor-ma jurídica não é suficiente para obrigar as pessoas a serem me-nos egoístas na repartição da riqueza produzida.

Conclusão

A partir da análise do Direito Constitucional à luz dainterdisciplinaridade com a Filosofia, Economia e Psicanálise, ve-

Page 183: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

183Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

rificou-se que as questões humanas transbordam os limites doDireito, pois apenas a norma não é capaz de impor obrigações.Mais do que isso, existe o meio econômico em que os cidadãosvivem, a moral, o psiquismo, o desejo interno de cada um atu-ando na satisfação dos seus desejos e instintos, e, enfim, na suabusca da felicidade e nas maneiras de enfrentar seu sofrimento.

Diante do fato jurídico da produção e consumo de bens edo objetivo fundamental da República Federativa de constituiruma sociedade livre e justa com redução de desigualdades (art.3º e incisos da CF/88), constata-se, através de uma visãointerdisciplinar da Economia, Filosofia e Psicanálise, que é limi-tada a eficácia da norma do Direito Constitucional através deações afirmativas.

Na análise dos limites do Direito Constitucional na proteçãodos menos favorecidos, constata-se, a partir da reflexão sobre aideia de Justiça, originada do conflito humano sobre o consumodos bens produzidos, que o Estado não é capaz de promover,pela própria natureza humana egoísta, uma distribuição menosdesigual da riqueza produzida, causando um sofrimento psíqui-co que será compensado pelo consumismo, estimulado pela pro-paganda dos meios de comunicação, que envolve a liberdadede manifestação do pensamento, de expressão e de informação(art. 5o, IV, IX e XIV CF/88, respectivamente) na pós-modernidade,evidenciando-se, assim, o absurdo do Direito, que se tornou di-vorciado da Justiça, como mera tecnologia social de resoluçãode conflitos.

Neste quadro, constata-se um descompasso e conflito entreos valores insculpidos na norma jurídica e as demais normas soci-ais que espelham a realidade vivida pelas pessoas em seu cotidi-ano, comprometendo a eficácia da norma jurídica, o que propi-ciou a problematização do Direito e das normas em questão,própria da filosofia do Direito e objeto de reflexão deste traba-lho.

Referências

AMARAL JUNIOR, Alberto do. OCinqüentenário da DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem.São Paulo: Editora da Universida-de de São Paulo, 1999.

ARENDT, Hannah. A condiçãohumana. Trad. de Alberto Rapo-so. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

BARROS FILHO, Clóvis de. 1965.A filosofia explica as grandesquestões da humanidade / Cló-vis de Barros Filho & JúlioPompeu. 1. ed. Rio de Janeiro:Casa da Palavra; São Paulo: Casado Saber, 2013.

Page 184: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

GOUVAN LINHARES LOPES E FLORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO ARTIGO

184 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

BARROS, Fernanda Otoni de. DoDireito ao Pai. 2. ed. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Danoscolaterais – Desigualdades soci-ais numa era global. Rio de Ja-neiro: Zahar, 2013.

BAUMAN, Zygmunt. Modernida-de Líquida. Tradução: PlínioDentzien. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Vida paraconsumo. A transformação daspessoas em mercadoria. Rio deJaneiro: Zahar, 2008.

BELINI, Luiz Antônio. A justiçana República de Platão (427-347a.C.). Sarandi: Humanitas Vivens,2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria daNorma Jurídica . São Paulo:Edipro, 2014.

BODÉUS, Richard. Aristóteles –A Justiça e a Cidade. São Paulo:Edições Loyola, 2003.

BORGES DE MACEDO, Ubiratan.Liberalismo e Justiça Social.São Paulo: Ibrasa, 1995.

BOTTON, Alain. Consolações daFilosofia. Rio de Janeiro: Ed.Rocco/Coleção L&PM Pocket, 2013.

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo.Rio de Janeiro: Guanabara. 1989.

CRETELLA JUNIOR, José. Cursode filosofia do direito. 11. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1993.

CASERTANO, Giovanni. Uma intro-dução à República de Platão.Porto Alegre: Paulus, 2014.

EINSTEIN, Albert. Como vejo omundo. Ed. especial. Rio de Ja-neiro: Nova Fronteira, 2016.

FLEISCHACKER, Samuel. Umabreve história da justiçadistributiva. São Paulo: MartinsFontes, 2006.

FREUD, Sigmund. O mal-estar nacivilização, ESB XXI. Rio de Ja-neiro: Imago, 1978. [1930]

HOBBES, Thomas. Leviatã ou amatéria, forma e poder de umestado eclesiástico e civil. 4. ed.São Paulo: Nova Cultural, 1988.

HOFFE, Otfried. O que é Justi-ça? Tradução Peter Naumann.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

KANT, I. Crítica da razão práti-ca. Tradução, introdução e notasde Valério Rohden. São Paulo:Martins Fontes, 2003..

MEIRELES, Manuel. O lucro. SãoPaulo: Arte e Ciência, 2000.

NASIO. Juan-David. O Livro daFilosofia. Grandes Idéias. SãoPaulo: Globo, 2012.

PACKARD, Vance. A estratégiado desperdício . São Paulo:Ibrasa, 1965.

REALE, Miguel. Teoria Tridimen-sional do Direito. 5. ed. São Pau-lo: Saraiva, 1994.

SARAMAGO, José. Ensaio sobrea lucidez. São Paulo: Companhiadas Letras, 2004.

SANTOS, Renato E. Lobato. O De-bate Constitucional sobre asAções Afirmativas. Ações Afir-mativas: políticas públicas contra

Page 185: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

185Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE PROMOVEM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO CAPITALISMO

as desigualdades raciais. Rio deJaneiro: DP & A, 2003.

SILVA, Sidinei Pithan. Pós-moder-nidade, capitalismo e educa-ção. 1. ed. Curitiba: Appris, 2016.

SORDI, Rudyard. Psiquiatria Fo-rense. Aspectos Psicológicos naPrática Jurídica. Campinas: Mille-nnium, 2007.

SPONVILLE, André Comte. 1952.Apresentação da Filosofia .Tradução Eduardo Brandão. SãoPaulo: Martins Fontes, 2002.

Page 186: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 187: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

187Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

O reflexo do sistema de precedentesna teoria da decisão judicial à luz do

Código de Processo Civil de 2015

Lilese Barroso Benevides de MagalhãesAdvogada no Ceará

Pós-graduanda em Ciências Criminais

RESUMO

Estudar a história do direito é imprescindível paracompreender o atual funcionamento do sistema jurídico e dosinstitutos que o compõem. Nesse sentido, o presente trabalhoapresenta uma análise do Civil Law, com enfoque no ordenamentobrasileiro, enfatizando as recentes mudanças trazidas com o Códigode Processo Civil de 2015, e de que forma o Common Law conseguiuinfluenciar diretamente e positivamente essas mudanças.Demonstra-se que o Common Law foi sendo paulatinamenteimplantado em nosso sistema jurídico, seja pela utilização deinstitutos como súmulas vinculantes, julgamento de recursosrepetitivos e posteriormente com o Código de Processo Civil de 2015.De maneira enfática, traduz que a adoção de um sistema deprecedentes no direito brasileiro não decorre simplesmente de umaimportação de um instituto estrangeiro, mas sim da necessidade deadaptação do sistema positivista às rápidas mudançassocioeconômicas e culturais que ocorrem no Brasil, pois no sistemaanterior, de livre convencimento do juiz, havia sobre o mesmo fatojulgamentos antagônicos, razão pela qual a sociedade buscava maiorsegurança jurídica, todavia sem retirar a liberdade de convencimentodos juízes, pois os precedentes utilizados como parâmetros parajulgamentos também podem ser alterados, de acordo com aevolução da sociedade e do próprio sistema jurídico.

Palavras-chave: Civil Law. Common Law. Código de ProcessoCivil de 2015. Livre convencimento do juiz.

ABSTRACT

Study the history of law is essential to understand thecurrent operation of the legal system and institutions thatcompose it. Along these lines, this paper aims to analyze theCivil Law, with a focus on Brazilian legal system, emphasizingthe recent changes brought with the Civil Procedure Code of2015, and how Common Law was able to influence thesechanges directly and positively. It is demonstrated that CommonLaw was gradually being implemented in our legal system,

Page 188: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

188 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

because of it’s application of institutes as binding constituents,trial of repetitive appeals and later with the New Code of CivilProcedure. Which characterizes the adoption of a system ofpre-requisites in Brazilian law does not stem simply from theestablishment of a foreign institute, but rather from the needto adapt the positivist system to the rapid socioeconomic andcultural changes that occur in Brazil, since no previous system,of a judge’s convention, there is on the same fact judgmentsOnce the company has its accounting, the company aims tocreate a creative company, but can also be changed, accordingto the evolution of society and the legal system.

Keywords: Civil Law. Common Law. Civil Procedure Code of2015. Judge’s free convention.

Introdução

Neste trabalho é abordado de que forma o sistema brasilei-ro foi influenciado ao longo dos anos pelo sistema anglo-saxônico.

Historicamente, faz-se necessário destacar que a Constitui-ção de 1988 é resultante do contexto neoconstitucionalista, re-flexo do pós-positivismo. Este, que sucedeu o Positivismo Jurí-dico, adotou preceitos diversos do então legalismo exacerba-do, dando margem à atividade de apreciação do juiz, de for-ma que a Constituição e seus princípios passaram a ser o centrodo sistema, abrindo passagem para a flexibilização do direitopositivado.

Dentre as influências em nosso ordenamento, cabe destacaro Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), que trouxe inova-ções à teoria da decisão judicial no que tange aos precedentesjudiciais e ao convencimento do juiz, e de que forma alterarama dinâmica da elaboração da decisão judicial. E se por um ladosustenta-se que houve a subtração da prerrogativa de julgar dojuiz, por outro lado defende-se que o sistema jurídico se tornoumais uniforme e estável.

O objetivo geral é analisar a repercussão do CPC/15 na Teo-ria da Decisão Judicial, especialmente no que tange ao papel dojuiz em face do sistema de precedentes, recentementerecepcionado pela doutrina e perante a nova legislação proces-sual.

O objetivo específico desta pesquisa é analisar o sistema deprecedentes no CPC/2015 e sua influência na decisão, nadiscricionariedade judicial e na atividade criativa do juiz, verifi-cando os reflexos dessa mudança no papel do julgador e na so-

Page 189: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

189Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

ciedade, em busca de um sistema jurídico estável, uniforme, do-tado de segurança jurídica.

Analisam-se os precedentes no nosso sistema processual, suaevolução histórica, seus objetivos, o modo de aplicação e tam-bém de superação. Discute-se a influência dos presentes na teoriada decisão judicial, quanto à sua mudança metodológica, deven-do a fundamentação ser devidamente estruturada, justificando,por exemplo, a aplicação de um precedente e a exclusão dos de-mais que poderiam ser também aplicados ao caso concreto.

No capítulo seguinte, estuda-se especificamente a teoria dadecisão e a discricionariedade do julgador frente aos novosparâmetros de julgamento, bem como são discutidas algumascríticas ao sistema de precedentes. Define-se a relação do queseriam as decisões consideradas como precedentes, que se apre-sentam, ainda que não exaustivamente, de início, no artigo 927do CPC/2015, tendo em vista que a característica essencial dosprecedentes é conter a carga normativa sobre outras decisões,persistindo a atividade dos magistrados de interpretar os fatos eaplicar o direito, conforme os interesses da sociedade e buscan-do uniformizar o sistema jurídico.

Ainda, são discutidas as críticas ao sistema de precedentes e,por fim, aborda-se a questão do direito como integridade, emque se busca a equidade, a justiça e o devido processo legal, afim de oferecer a melhor interpretação construtiva para a socie-dade e a magnitude do trabalho do julgador, haja vista a difi-culdade de se aplicar a lei ao caso concreto.

1 Os precedentes judiciais

A recente incorporação do precedente, util izado noCommon Law, ao sistema processual brasileiro, juntamente à leiescrita, norma positivada, pode explicar a incompreensão doinstituto pela comunidade jurídica pátria, em que é ausente umaaplicação satisfatória do precedente judicial. De acordo com oentendimento de Bustamante (2012, p. 115) sobre o tema:

Muito embora o raciocínio jurídico, compreendidocomo o processo hermenêutico de construção de sen-tido para as normas jurídicas, e os modos de justifica-ção da decisão sejam semelhantes em ambos os siste-mas, a maneira como o legislador atua em cada umdeles, ao codificar o Direito no civil law e ao ser maisreticente no common law, dando espaço à criaçãojurisprudencial, justifica o grau de familiaridade como precedente.

Page 190: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

190 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Com efeito, o Civil Law é pautado pela codificação do di-reito, porém, com a crise da legalidade, que se acentuou no sé-culo XXI, as leis positivadas tornaram-se insuficientes, de forma ademandar uma remodelagem. Convém destacar o ensinamentode Ataíde Junior (2012, p. 44):

Além da remodelagem da lei, que passou a exigir aconstrução de sentido das normas, a efervescência dodireito jurisprudencial no Civil Law se deu também poroutras razões, entre as quais o constitucionalismo, oqual minou o dogma da lei ao conferir efeito vinculanteàs decisões emanadas no controle de constitu-cionalidade; o advento do Estado Social (WelfareState), a partir de quando surgiu um modelo de legis-lação baseado em normas programáticas (de texturaextremamente abertas), cuja responsabilidade pelaformação e adjudicação foi confiada ao Judiciário; osurgimento de cláusulas gerais e conceitosindeterminados, de forma a permitir a adaptação doDireito às mudanças sociais e às particularidades docaso concreto, e cuja aplicação também demanda opoder criativo da magistratura; e o crescente númerode causas repetitivas, que vêm eclodindo em virtudede transformações da sociedade, cada vez mais plu-ral e complexa, e que exigem entendimento único paraa mesma questão jurídica.

Em busca da estabilidade e previsibilidade das decisões, foi-se instituindo paulatinamente o sistema de precedentes, advindodo Common Law. Esse sistema jurídico, através da eficáciavinculante dada às teses jurídicas produzidas pelos Tribunais –chamadas de stare decisis –, garante, ao conceder eficáciavinculante às teses jurídicas de Tribunais (stare decisis), a casosanálogos decisões semelhantes.

Para os positivistas, a segurança jurídica estaria necessaria-mente atrelada à observância pura e simples da lei.

Ocorre que a aplicação limpa e seca da lei, por caber váriostipos de interpretações, inclusive a partir de percepções moraisdo próprio julgador, resulta em julgamentos contraditórios emcasos semelhantes (ou iguais), não assegurando aosjurisdicionados a segurança jurídica. Sobre a questão, vale trans-crever Magalhães Neto e Benevides (2013, p. 59):

Obviamente não estamos defendendo a adoção peloBrasil do sistema Common Law, até porque a nossalegislação é bastante codificada, abrangente e avan-çada. Entretanto, a utilização crescente de jurispru-dência e súmulas vinculantes, a instituição dos recur-sos repetitivos e as propostas para a reforma do Có-

Page 191: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

191Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

digo de Processo Civil mostram características do sis-tema inglês que estão fazendo mais e mais parte denosso Direito, como também a mediação e concilia-ção como meio de solução de conflitos, que atende aoPrincípio da Celeridade e nos traz fundamentos doCommon Law. Destarte, estão se instituindo alterna-tivas ao esquema rígido do nosso Direito, que se ba-seava em uma parte ingressar com a ação, a parteadversa contestar e o juiz julgar. As partes tambémestão atuando no processo de forma a pôr fim à de-manda, ao lado do Judiciário, mesmo antes de ajuiza-da a ação, na fase pré-processual. Está se passandoda fase de triangularização do direito, onde o juiz ficano vértice superior, para a fase de círculo do direito,onde as partes e o juiz ficam no mesmo patamar, bus-cando uma forma rápida de pôr fim ao processo. Éum grande avanço em nossa sociedade e pode seruma importante alternativa para acelerar afinalização das causas, como também a redução dosrecursos.

É cediço compreender de forma pormenorizada os prece-dentes e suas características, a fim de analisá-los inseridos noordenamento brasileiro, especificamente no Código de Proces-so Civil de 2015.

1.1 Entendendo o precedente

A composição da chamada dimensão objetiva1, explicada porRosito (2012, p. 103), está talhada em dois conceitos fundamentaispara a compreensão do conceito de precedente: a ratio decidendi eo obter dictum.

A ratio decidendi2 é o conceito mais importante dentro dateoria dos precedentes. Transcrevendo Didier Jr. (2012, p. 388):

É a motivação da decisão, os fundamentos do juiz, osargumentos por ele utilizados que são determinantespara a situação e que podem servir de paradigma parafuturas decisões. São as razões de decidir do prece-dente que vão operar vinculação, extraindo-se umaregra geral que se aplica a outras situações seme-lhantes.

1 Rosito (2012) denomina dimensão objetiva do precedente a parte espe-cífica da decisão que adquire força de precedente, seja vinculativo, sejapersuasivo.

2 A expressão Ratio Decidendi é mais utilizada pelos ingleses e comumenteexpressa a razão de decidir. Na linguagem dos operadores americanos, édenominada Holding.

Page 192: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

192 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Ao analisar o precedente, deve o operador primeiramenteidentificá-lo e distingui-lo, pois é a essência da tese jurídica sufi-ciente para decidir o caso concreto. Considera-se na atualidadeque razão de decidir engloba não só o dispositivo da sentençamas também os fundamentos principais para aquela decisão. Naspalavras de Nogueira (2014), “a ratio decidendi inclui os fatosrelevantes da causa (statement of material facts), o raciocíniológico-jurídico da decisão (legal reasoning) e o juízo decisório(judgement)”.

Em suma, a ratio decidendi é o fundamento importante edeterminante que leva aÌ decisão final. Em tradução literal, é arazão de decidir.

Outro conceito de enorme relevância é o obiter dictum. Estefaz parte da decisão, porém não da ratio decidendi. Assim, nãoé necessário para a decisão. São juízos acessórios, secundários,utilizados pelo juiz para a construção da decisão judicial, masprescindíveis para o deslinde da controvérsia.

Para Cruz e Tucci (2004, p. 175), o obiter dictum não se prestapara ser invocado como precedente vinculante em caso análo-go, mas pode servir como argumento de persuasão, portantofundamental, podendo ser relevante o seu uso para fundamen-tação de situações similares .

Teoricamente, a distinção entre ratio decidendi e obterdictum é simples, mas, na prática, há a dificuldade da identifica-ção. Assim, sugere Engisch (2008, p. 365) que a distinção se dêpor exclusão, isto é, deve o sujeito delimitar a ratio e, ao não seencaixar na ratio, na razão decisória, tem-se o obter dictum.

Espelhando essa tendência, o precedente, seja vinculanteou não, vem sendo utilizado há algum tempo como fundamen-tação das decisões judiciais brasileiras, e, com o advento da Lein. 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, oinstituto adquiriu maior importância. Nos ensinamentos de Lima(2013, p. 82):

Em todos os países que adotam o civil law, há umaprevalência explícita do direito escrito e legislado emdetrimento das demais fontes do direito. Doutrina,jurisprudência e costume gozam, nitidamente, de umstatus normativo inferior, sendo utilizados exclusiva-mente como fonte supletiva, no caso de a legislaçãonão solucionar a contento determinada questão.

O que se pretende com a adoção de um sistema de prece-dentes é oferecer soluções idênticas para casos idênticos e deci-sões semelhantes para demandas que possuam o mesmo funda-

Page 193: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

193Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

mento jurídico, evitando, assim, a utilização excessiva de recur-sos e o aumento na quantidade de demandas, buscando-se umaJustiça mais célere.

É de se destacar, conforme Macedo (2017), que o direitobrasileiro sempre esteve na vanguarda da aproximação entre ossistemas jurídicos. Na Constituição de 1891, por exemplo, incor-poraram-se institutos do direito estadunidense, tais como a for-ma federativa de estado, a criação do Supremo Tribunal Fede-ral, análogo à Corte Suprema, o judicial review. “As evidênciashistóricas demonstram que o direito brasileiro encontra-se maispróximo do common law e de um sistema de precedentes obri-gatórios do que aparentemente está” (MACEDO, 2017, p. 171),inclusive trazendo, como exemplo, o Decreto nº 23.055, de09.08.1933.3

Apesar de bastante autoritário, era um caso de precedenteobrigatório do Supremo Tribunal, sendo uma força de prece-dente até sem igual no direito norte-americano, pois naquelesistema não há previsão de recursos oficiais para forçar a aplica-ção de precedentes de sua Corte Suprema.

1.2 Evolução dos precedentes

Para se analisar a evolução dos precedentes, deve-se par-tir do conceito de positivismo jurídico. A ideia de positivismojurídico parte da distinção entre direito positivo e direito na-tural.

Bobbio (1995, p. 16) leciona que o direito natural “prescreveações cujo valor não depende do juízo que sobre elas tenha osujeito, mas [o direito natural] existe independentemente do fatode parecerem boas a alguns ou más a outros”; já o direito positi-vo tem eficácia no âmbito em que foi posto e estabelece determi-nadas ações que, uma vez previstas em lei, devem ser desempe-nhadas tal como nela previsto (assim, a lei diz como agir) (BOBBIO,1995, p. 17-27). Como Wendpap (2012) ensina:

3 “Art. 1º. As justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território doAcre devem interpretar as leis da União de acordo com a jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal.§ 1º - Sempre que os julgamentos das mesmas justiças se fundarem emdisposição do princípio constitucional, ou decidirem contrariamente a leisfederais, ou a decretos ou atos do Governo da União, o presidente doTribunal ou o da Câmara respectiva, a quem couber, recorrerá ‘ex officio’para o Supremo Tribunal Federal, com efeito suspensivo, dentro do prazode três dias contados da publicação do respectivo acórdão.”

Page 194: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

194 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Aos romanos, a distinção entre direito natural e di-reito positivo equivalia a jus gentium4 [direito dasgentes] e a jus civile [direito civil]. O primeiro, imutá-vel, não tem limites e é posto pela naturalis ratio [ra-zão natural]; o segundo, limita-se a um certo povo epor ele é posto. No período medieval, considerava-secomo direito positivo aquele posto pelos homens e odireito natural como advindo de outrem (naturezaou Deus). [...] Para os jusnaturalistas dos séculos XVIIe XVIII, o direito natural advém na natureza racionaldo homem, enquanto o direito civil vem do poder ci-vil, que compete ao Estado. Tem-se, portanto, que odireito positivo é aquele posto pelo Estado, de modoque o critério diferenciador entre direito natural edireito positivado está na sua origem.

Antes do Estado Moderno, o direito aplicável poderia serobjeto de escolha, dentre vários, pelos juízes, depois a codificaçãotrouxe à sociedade a vontade soberana do Estado, através dasnormas positivadas, podendo-se inclusive considerar os prece-dentes como uma evolução da codificação, conforme Bobbio(1995, p. 119):

[...] O direito positivo é posto pelo poder soberano doEstado, mediante normas gerais e abstratas, isto é,como “lei”. Logo, o positivismo jurídico nasce do im-pulso histórico para a legislação, se realiza quando alei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo,absolutamente prevalente – do direito, e seu resulta-do último é representado pela codificação.

Ainda, de acordo com os ensinamentos de Bobbio (1995, p.28; 32; 119):

O juiz podia obter a norma a aplicar tanto de regraspreexistentes na sociedade (direito positivo) quantode princípios equitativos e de razão (direito natural).Depois, o juiz passa a integrar o Estado, de tal formaque só pode aplicar as normas dele emanadas. Issofaz com que o Estado seja o único criador do direito,já que edita normas e as aplica. [...] O monopólio daprodução jurídica é parte do Estado absoluto e culmi-nou nas codificações (séculos XVII/XIX). [...] O sistemade precedentes é ainda mais cristalizado que ascodificações; a ausência de maleabilidade do códigotraz maior segurança jurídica; e, por fim, os códigoseliminam equívocos e ambiguidades.

4 Normas de direito romano que eram aplicáveis aos estrangeiros, de modoa facilitar as relações comerciais.

Page 195: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

195Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Logo, não se nega a juridicidade do direito posto pelosjuízes. Porém, eles estão submetidos a controles, como as nor-mas emanadas do Legislativo, os precedentes e os órgãos judici-ários superiores.

Kelsen (1987, p. 240), em sua Teoria Pura do Direito, descre-ve a ordem jurídica como um sistema de normas jurídicasescalonadas em diferentes níveis:

A sua unidade é produto da conexão de dependênciaque resulta do fato de a validade de uma norma, quefoi produzida de acordo com outra norma, se apoiarsobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, édeterminada por outra; e assim por diante, até abicarfinalmente na norma fundamental - pressuposta. Anorma fundamental - hipotética, nestes termos - é,portanto, o fundamento de validade último que cons-titui a unidade desta interconexão criadora. Comomostra a pirâmide, a norma hipotética fundamentalé a mais superior dentre o ordenamento jurídico, sen-do o fundamento supremo de validade da ordem jurí-dica inteira.

Vê-se que Kelsen chega a uma norma hipotética fundamen-tal. Porém, mesmo com o ordenamento escalonado, poderiahaver conflitos entre normas superiores e inferiores. Quando osconflitos envolverem decisões judiciais, somente poderão seranuladas pelo próprio tribunal que as proferiu ou por tribunalsuperior, e, quando forem contrárias à Constituição, serãoinconstitucionais (KELSEN, 1987, p. 287).

Porém, conforme Vasconcelos (2003, p. 148), Kelsen não sepreocupava com o modo de vivificar o direito:

Kelsen, como autor do projeto positivista de uma te-oria pura do Direito, não está, decisivamente, inte-ressado nessa problemática metafísico-humanista.Não se encontra, na sua obra jurídica, nenhuma preo-cupação com os problemas fundamentais daquilo quese pode admitir como antropologia filosófica.

A questão da interpretação a que aduz Kelsen, mesmo den-tro da moldura normativa, está também presente na tradição daCommon Law, sendo usada para conceituar os hard cases [casosdifíceis], aqueles em que os resultados são indeterminados ousubdeterminados pelo direito e o juiz vai escolhendo entre asvariáveis legalmente aceitáveis para sua decisão.

Vale destacar que enquanto no Brasil o Pós-Positivismo estáimplantado há algum tempo, no direito norte-americano aindaestão vigentes as ideias originalistas, com debate entre os

Page 196: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

196 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

interpretativistas e os não interpretativistas5, inclusive com mui-tos adeptos do Positivismo também nas Cortes de Justiça.

Bonavides (2001, p. 237) vislumbra o Jusnaturalismo, oPositivismo e o Pós-Positivismo como três fases por que passa ajuridicidade dos princípios:

Na fase jusnaturalista, os princípios ocupam uma es-fera abstrata e sua normatividade é duvidosa; nopositivismo, os princípios já se encontram no Direitoescrito, mas apenas como normas de integração ousuplementação do sistema normativo.No pós-positivismo, as novas constituições promulga-das acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,convertidos em pedestal normativo sobre o qual as-senta todo o edifício jurídico dos novos sistemas cons-titucionais.

No pós-positivismo, busca-se uma teoria da justiça, agorano sistema brasileiro com a utilização de parâmetros do CommonLaw na decisão judicial, entre os quais os precedentes, com maisênfase após a emenda constitucional nº 45/2004.

As tradições do Civil Law e do Common Law tornam-se pau-latinamente mais próximas. A eficácia dos direitos fundamentaise a concretização dos princípios que possibilitam maior criatividadeaos juízes, o denominado neoconstitucionalismo, o crescimentoda importância da doutrina nos países de Common Law, especial-mente nos Estados Unidos.

Chega-se a afirmar que o direito estadunidense não é apro-priadamente um sistema de Common Law, mas uma combinaçãodos dois sistemas (MACEDO, 2017, p. 61).

De outro lado, os sistemas de Civil Law vêm outorgandomaior importância aos precedentes judiciais, que são uma formabastante antiga de manifestação, mesmo antes de sua renova-ção pelo direito romano, como forma de externar os costumeslocais, mesmo antes da codificação.

Além disso, a atual utilização dos princípios dá uma novaface à atividade jurisprudencial, sobremaneira criativa, razão pelaqual se vive um momento de descodificação no Civil Law, essespassando a ser usados não mais como o início e fim de determi-nada área do Direito, mas como um centro da matéria que éobjeto de complemento, ao lado das normas jurisprudenciais.

5 Os interpretativistas defendem que os juízes devem se ater ao texto daConstituição, com a geração que escreveu a norma podendo controlar asopções das gerações futuras; enquanto para os não interpretativistas osjuízes podem e devem ir além do texto para fazer cumprir valores éticosou princípios que estão encerrados no texto da Constituição.

Page 197: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

197Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

1.3 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015

No direito brasileiro, diversos dispositivos vinham corrobo-rando a construção do sistema de precedentes. O sistema brasi-leiro, tradicionalmente visto como Civil Law, na verdade, nadamais é que mestiço, como defende Marinoni (2010, p. 19), ten-do como exemplo a Constituição de 1891, que recepcionou aforma de Estado Federado e o judicial review (controle deconstitucionalidade difuso), derivados dos Estados Unidos.

Em verdade, pode-se dizer que o CPC/2015 organiza as re-gras já existentes em nosso sistema, como já mencionado na in-trodução deste texto, associando os princípios da legalidade, dasegurança jurídica, da duração razoável do processo, da prote-ção da confiança e da isonomia como pressupostos valorativosda obrigatoriedade do sistema de precedentes judiciais. A ideiaé a uniformização da jurisprudência dos tribunais superiores, demodo a dar ao jurisdicionado maior previsibilidade das deman-das judiciais e reduzir o nível de insegurança existente pela pos-sibilidade de decisões díspares em casos judiciais em que a seme-lhança dos fatos materiais indique a aplicação da mesma solu-ção judicial.

De fato, a Lei nº 8.038/90 concedeu ao relator, no SupremoTribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirmonocraticamente o pedido ou o recurso que tiver perdido oobjeto, bem como negar seguimento a pedido ou recurso mani-festamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou, ainda,que contrariar, nas questões predominantemente de direito,súmula do respectivo Tribunal (art. 38).

A Emenda Constitucional nº 03/1993, que acrescentou o §2ºao art. 102 da Constituição Federal e atribuiu efeito vinculanteà decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em AçãoDeclaratória de Constitucionalidade, pode ser considerada mar-co normativo da aplicação dos precedentes judiciais no Brasil.

No revogado Código de Processo Civil de 1973, diversos dis-positivos aprovados ao longo dos anos demonstraram que a te-oria dos precedentes também ganhou corpo no âmbito proces-sual. Por exemplo, quando havia entendimento contrário à tesealegada na inicial, o juiz ficava dispensado inclusive de citar aparte contrária para contestação, poderia julgar de pleno im-procedentes os pedidos autorais.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu em nossoordenamento as chamadas súmulas vinculantes e introduziu arepercussão geral nas questões submetidas a recurso extraordi-nário (art. 102, §3º da Constituição Federal).

Page 198: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

198 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Exsurgiu no Novo Código de Processo Civil importância vul-tosa aos precedentes. Com efeito, a Exposição de Motivos doAnteprojeto do Novo Código, após informar o problema da exis-tência de posicionamentos diferentes e incompatíveis nos Tribu-nais a respeito da mesma norma jurídica, deixa claro que foiprestigiada a criação de “[...] estímulos para que a jurisprudên-cia se uniformize, à luz do que venham a decidir os tribunaissuperiores e até de segundo grau, e se estabilize” (BRASIL, 2015),salientando a função paradigmática que os Tribunais Superioresdevem desempenhar.

Macedo dispõe que precedentes “são resoluções em que amesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamen-te, já foi resolvida uma vez por um tribunal noutro caso”. E res-salta que o precedente judicial abarca toda a decisão – relató-rio, fundamentos e dispositivo – e que, “muito embora todadecisão judicial gere um precedente, nem todo precedente seráseguido como obrigatório” (MACEDO, 2017, p. 70-71).

Todavia, com o CPC/15, não se pode mais aceitar classificar osprecedentes em persuasivos e vinculantes. Os primeiros seriam“aqueles que naÞo precisam ser seguidos pelo julgador seguinte.Nesse caso, naÞo haì obrigac’aÞo de decidir da forma como foradecidido anteriormente, ou seja, o julgamento pode dissentir deuma decisaÞo anterior sem constituir erro”. De outro lado, os pre-cedentes vinculantes correspondem aÌqueles em que se gera “odever de observancia da norma neles contida para os julgadoressubsequentes” (MACEDO, 2017, p. 79). E prossegue:

A obrigação de seguir o precedente é, destarte, espécieda obrigação de julgar conforme o Direito, e, nesse pon-to, em nada difere da obrigação de aplicar a lei. Assimsendo, julgar conforme o Direito, em um sistema deprecedentes obrigatórios, é considerar como normas ju-rídicas as ratione decidendi [razões de decidir] dos pre-cedentes judiciais vinculantes que se relacionam com ocaso em questão (MACEDO, 2017, p. 79).

Já referente à hierarquia entre o órgão prolator da decisãoe o órgão subsequente que vai analisar sua aplicação no casoconcreto, podem-se classificar os precedentes obrigatórios emverticais e horizontais.

Destaque-se que os precedentes dos tribunais ou juízes in-feriores hierarquicamente são considerados como persuasivospara o tribunal superior.

Precedentes verticalmente vinculantes são aqueles que “pres-supõem a superioridade hierárquica do tribunal prolator para quehaja a obrigação de serem obedecidos” (MARINONI, 2015, p. 118).

Page 199: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

199Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Ainda, como exemplifica Macedo, um juiz de direito de Re-cife estaria obrigado a aplicar os precedentes do Tribunal deJustiça de Pernambuco, do Superior Tribunal de Justiça e do Su-premo Tribunal Federal:

A verticalidade da eficácia obrigatória é justificadapela competência dada a determinados tribunais paraenunciar a última palavra sobre determinada maté-ria de direito, não sendo razoável que órgão hierar-quicamente inferior possa tratar das questões jurídi-cas a despeito do que enunciaram os tribunais querevisam suas decisões, sujeitando o jurisdicionado auma prestação contraditória e ao penoso e custosotrâmite recursal. (MACEDO, 2017, p. 81).

Precedentes horizontalmente vinculantes são os que possu-em autoridade sobre o próprio órgão prolator ou juízes a elevinculados. Vale ressaltar, por exemplo, que um precedente doTribunal de Justiça de Pernambuco pode ser obrigatório paraum juiz de direito de Recife, mas pode ser meramente persuasi-vo para um juiz de Direito de Fortaleza/CE.

É de se considerar a existência de uma margem de incertezacomo característica essencial do Direito. A previsão do resultado deuma decisão estará sempre sujeita a incertezas típicas do processo,haja vista o julgado se relacionar diretamente a fatos na aplicaçãoda norma jurídica. Por isso se afigura necessária a mutabilidade doprecedente, e até mesmo uma margem de liberdade, fazendo-seuso do overruling (superação) e do distinguishing (diferenciação),respectivamente, para não aplicá-lo em certos casos concretos in-compatíveis.

Além disso, no CPC/15 tem-se um novo modelo de processo,buscando-se a realização da justiça e a pacificação social, comcooperação entre as partes, em busca de uma solução rápida ejusta. O juiz passa a ter seu papel redimensionado, paritário nacondução do processo e assimétrico quando da decisão da cau-sa, uma comunidade de trabalho entre as partes e o tribunal,daí o incentivo também à conciliação disposta no CPC/15.

1.4 Objetivo do sistema de precedentes

Com o sistema de precedentes, busca-se a segurança jurídi-ca, a estabilidade, a previsibilidade e a coerência. O stare decisis6

6 Decorrente do latim “stare decisis et non quieta movere” (respeitar ascoisas decididas e não mexer no que está estabelecido), utilizado no direi-to para se referir à doutrina segundo a qual as decisões de um órgãojudicial criam precedente (jurisprudência) e vinculam futuras decisões.

Page 200: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

200 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

é a principal forma de garantir estabilidade, por lidar com o di-reito na sua concretização.

Na tradição do Common Law, a vinculação aos precedentestem como uma de suas principais características a objetividade(que reforça o conceito de imparcialidade), a economia proces-sual e a eficiência jurisdicional, com tendência a atingir a dura-ção razoável do processo. Casos semelhantes têm decisões seme-lhantes, porém diversos são os meios de que o juiz poderá seutilizar para definir uma solução justa ao caso concreto, deixan-do o stare decisis margem de liberdade para o juiz decidir dife-rentemente nas situações em que os fatos não se adequem àque-le precedente, ainda que vinculante.

Por outro lado, o sistema de precedentes ressalta o controledo Judiciário, um controle racional da atividade criativa dosjuízes, por meio, dentre outros, da existência de tribunais supe-riores para afirmar em decisão final o direito, com coerência eracionalidade da atuação judiciária, sendo evidente erro as de-cisões dissonantes ao entendimento consolidado.

A doutrina dos precedentes é tida como um corolário doEstado de Direito nos países de Common Law, contribuindo paraa própria integridade do sistema constitucional. É de se ressaltarque é da Teoria do Stare Decisis que vêm os precedentes. Se-guindo os ensinamentos de Lima (2008, p. 45):

A Teoria do Stare Decisis é aquela adotada pelos paísesda Common Law e considera os precedentes judiciaiscomo de observância obrigatória (blinding precedents).Assim, é a prática de aplicar precedentes para o desen-volvimento do raciocínio jurídico na decisão ou comoforma de alegação, de modo a manter a igualdade en-tre casos anteriores e presentes que sejam similares,que é a base do Stare Decisis.

Black (1990, p. 1117), juridicamente, define o prece-dente judicial como um caso sentenciado ou decisão de uma corteconsiderada como fornecedora de um exemplo ou de autorida-de para um caso idêntico ou similar posteriormente surgido oupara uma questão similar de direito.

Os precedentes são as decisões de uma corte que servem desubsídio para processos posteriores similares. O próprio nome jádiz: é algo que precede o anteriormente ocorrido.

Pode-se dizer que o novo CPC/15 organizou as regras já exis-tentes em nosso sistema, associando os princípios da legalidade, dasegurança jurídica, da duração razoável do processo, da prote-ção da confiança e da isonomia como pressupostos valorativos daobrigatoriedade do sistema de precedentes judiciais.

Page 201: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

201Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

A ideia é a uniformização da jurisprudência dos tribunais su-periores, de modo a dar ao jurisdicionado maior previsibilidadedas demandas judiciais e reduzir o nível de insegurança existentepela possibilidade de decisões díspares em casos judiciais em que asemelhança dos fatos materiais indique a aplicação da mesmasolução judicial.

De acordo com Rosito (2012, p. 92), “são decisões de umacorte que são consideradas para um caso subsequente e podem,portanto, projetar efeitos jurídicos ao futuro condicionando osindivíduos, o que demonstra a sua força normativa”.

Destarte, é preciso que a decisão seja excepcional – ou quealcance além dos limites do que é normal – para que se torne umparadigma digno de orientação, pois, obviamente, nemtoda decisão constitui um precedente. Há diversas decisões queocorrem no dia a dia de um órgão jurídico que não possuemqualquer relevância às situações futuras, não havendo por queserem consideradas paradigmas. Não se deve confundir prece-dente com jurisprudência. Nas palavras de Nogueira (2014):

Entre as distinções indispensáveis, é preciso que fiqueclaro que o precedente judicial não se confunde com ajurisprudência, há entre eles uma diferença quantitati-va: para que se forme jurisprudência é indis-pensável um conjunto de decisões reiteradas, enquan-to que para que haja precedente é suficienteapenas uma decisão.

Rosito (2012, p. 100) menciona, ainda, uma diferença qua-litativa entre precedente e jurisprudência, já que, “enquantoos precedentes oferecem substrato para sua aplicação a casos fu-turos, a jurisprudência apenas aponta sentidos”.

Por conseguinte, quando a jurisprudencia passa a ser domi-nante em um determinado tribunal, essa corte pode, de acordocom as regras regimentais, editar uma suìmula. A suìmula é, por-tanto, nas palavras de Diniz (1995, p. 270), um “enunciado queresume uma tendencia de julgamento sobre determinadamateìria, decidida contiìnua e reiteradamente pelo Tribunal”.

1.5 Técnicas de aplicação e superação dos precedentes

A atividade interpretativa tende a se modificar ao longo dosanos. A constante evolução da sociedade e a necessidade de sis-tematização dos princípios, de modo a considerá-los em cone-xão com outras normas do ordenamento, são formas que possi-bilitam a mudança no sentido interpretativo nas normas.

Page 202: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

202 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Por tais razões é que a doutrina – amparada nas teorias norte-americanas – propõe a adoção de técnicas de superação dos prece-dentes judiciais. É a técnica do overruling, que difere dodistinguishing, na medida em que este se caracteriza pelo confron-to do caso à ratio decidendi do paradigma, visando aplicar ou afas-tar o precedente, enquanto aquele corresponde à revogação doentendimento paradigmático consubstanciado no precedente.

Acompanhada de uma elevada carga de argumentação ju-rídica, a revisão do precedente pode ocorrer, segundo Wambier(2009, p. 135-136): “quando se detecta a necessidade de mu-dança, ou porque (a) se considera agora a norma errada; ouporque (b) se considera agora a norma errada, embora ela nãoestivesse errada quando foi criada”.

Por meio dessa técnica (overruling) – que significa anula-ção, revogação –, o precedente é revogado ou superado em ra-zão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos,da tecnologia ou mesmo em virtude de erro gerador de instabi-lidade em sua aplicação.

Um precedente deixa de corresponder aos modelos decongruência social no momento em que se distancia das vigentes pro-posições morais, políticas e de experiência. Deixa de ter consistênciasistêmica quando não guarda coerência com outras decisões. E, porfim, é considerado errado somente na hipótese de um equívoco evi-dente, “de modo a dar à Corte a nítida ideia de que a perpetuaçãodo precedente constituirá uma ‘injustiça’” (MARINONI, 2010, p. 392).

O overruling, além de afastar a aplicação do precedente aocaso concreto, objetiva infirmar a validade da regra paradigma.Logo, “as razões que o justificam devem ser ainda mais fortes queas que seriam suficientes para o distinguished” (BUSTAMANTE,2012, p. 388).

Além de revogar o precedente, o órgão julgador terá queconstruir uma nova posição jurídica para aquele contexto, a fimde que as situações geradas pela ausência ou insuficiência danorma não se repitam, destacando-se que somente o órgão le-gitimado pode proceder à revogação do precedente e à forma-ção de um novo, como, por exemplo, o STJ e o STF.

O overruling pode ter efeitos pretéritos (retrospectiveeffects) ou efeitos para o futuro (prospective effects). Quando seatribuem efeitos pretéritos (ex tunc), o jurisdicionado é julgadocom base em regra nova, inexistente quando agiu ou se omitiude maneira indevida, sendo surpreendido com novo padrão deconduta (CAMARGO, 2012, p. 569).

Como explica Wambier (2009, p. 135), “a parte sucumbentevai ser ‘punida’ não porque deixou de cumprir um dever que ti-

Page 203: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

203Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

nha, mas porque deixou de cumprir um dever criado depois deocorrida a sua conduta”.

Por outro lado, quando se aplica o overruling com efeitosprospectivos, o novo entendimento vigerá da data da decisãopara frente (ex nunc), ou de outro marco temporal futuro (profuturo), estabelecido pelo tribunal (CAMARGO, 2012, p. 570).

No Brasil, conforme entendimento de Donizetti (2015), se hárevogação de um precedente e a construção de uma nova tese ju-rídica, esta passará a reger as relações constituídas anteriormente àdecisão revogadora – é o que se denomina retroatividade plena –, sem levar em conta a jurisprudência “vigorante” à época do aper-feiçoamento do ato jurídico. Como explica Macedo (2017, p. 263):

O método de aplicação dos precedentes é marcado pelasdistinções (distinguishing) [...], o jurista deve operar atra-vés do raciocínio analógico entre os fatos do precedentee os do caso presente, identificando quais as diferenças esimilitudes, demonstrando que são substanciais, ou seja,que são juridicamente relevantes. Essa característica daoperação com precedentes faz o processo de sua aplica-ção essencial e especialmente fundado em analogias, quemoldam e remoldam as normas a partir de cada decisão.

Partindo dessas premissas, os precedentes buscam dar estabili-dade, previsibilidade e racionalidade ao sistema jurídico, mas tam-bém não impedem as mudanças necessárias ou convenientes à so-ciedade, retirando-se uma ratio decidendi do ordenamento jurídi-co e substituindo-a por outra, através de uma carga argumentativa,destacando-se que a superação é uma prerrogativa dos tribunaissuperiores.

No Brasil, por exemplo, os precedentes dos tribunais superi-ores e do Supremo Tribunal Federal são obrigatórios, sendo queeste pode reverter as decisões e superar os precedentes daque-les em face de sua competência recursal, como também nos casosem que possui mais de uma ratio decidendi pode ser superadasomente uma delas, as outras ficando preservadas.

Os motivos para a superação podem ser a crítica acadêmicaou doutrinária, a fragilidade da norma perante o próprio Judi-ciário, o desuso, o conflito entre precedentes, a mudança de si-tuação que serviu de base para sua fundamentação, o cresci-mento da utilização de distinções, a mudança de contexto e oreconhecimento de erro na decisão anterior. Além disso, é de seressaltar que modificações em algumas áreas do direito necessi-tam de maior carga argumentativa, tornando-se assim mais difí-ceis, como no direito tributário e direito penal.

Page 204: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

204 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

1.6 Precedentes e a teoria da decisão judicial

A análise da fundamentação das decisões judiciais na vigên-cia do Código de Processo Civil de 1973 tinha como base o deverde fundamentar e a estrutura trifásica da sentença e dos acórdãos.Não havia uma normatização que vinculasse diretamente ojulgador ao dever de fundamentar adequadamente suas decisões.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 93, IX, previuexpressamente o dever de fundamentação das decisões judici-ais. Com efeito, decisões interlocutórias, sentenças e acórdãossem fundamentação adequada são considerados nulos por vio-larem o texto constitucional ensejando, inclusive, interposiçãode recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

É de se destacar a chamada constitucionalização doordenamento jurídico, destacando-se a garantia jurisdicional daconstituição, a interpretação extensiva da constituição e a inter-pretação das leis em conformidade com a constituição.

Além disso, a previsão de um amplo catálogo de direitosfundamentais torna-se incompatível com um sistema legalista. Ojulgador deixa de ser considerado um aplicador da lei e passa adecidir num mais amplo aspecto de análise da lei, da constitui-ção, de decisões dos tribunais superiores, é o chamadoneoconstitucionalismo, que traz uma nova postura interpretativa.

O CPC/15 promove uma mudança metodológica nas deci-sões judiciais, passando-se a admitir como válida a decisão judi-cial cuja fundamentação for devidamente estruturada, justifican-do pormenorizadamente, por exemplo, a opção por aplicar umdeterminado precedente judicial e a exclusão dos demais que,em tese, também poderiam ser aplicados ao caso concreto.

Os precedentes não devem ser aplicados de qualquer ma-neira pelos magistrados. Há, com a vigência do novo Código deProcesso Civil, novos instrumentos utilizados previamente à apli-cação dos precedentes, para que seja realizada uma compara-ção entre o caso concreto e a ratio decidendi da decisãoparadigmática. Segundo Cruz e Tucci (2004, p. 174), essa com-paração recebe o nome de distinguishing, que é o método deconfronto “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamentopode ou não ser considerado análogo ao paradigma”.

Portanto, de acordo com o art. 489, §1º, V7, exige-se a apli-cação do sistema de precedentes não só determinando a moti-

7 “Art. 489. [...] §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judi-cial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...]V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identifi-car seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sobjulgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

Page 205: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

205Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

vação da distinção (distinguish) como também evidenciando deforma inequívoca a ratio decidendi do precedente que melhorse ajusta ao caso sob julgamento.

O novo código também ampliou as hipóteses de improce-dência liminar do pedido e passou a prever a sentença parcial(art. 356) nos casos de pedidos incontroversos (inciso I) e quan-do um ou alguns dos pedidos estiverem em condições de imedi-ato julgamento (inciso II). Trata-se de instituto novo no direitoprocessual civil brasileiro, com os respectivos efeitos da coisajulgada material.

Destarte, mudanças foram instauradas ao ordenamento pro-cessual, no que tange à estipulação de limites ao poder do juízo.De fato, foi estabelecido um sistema de precedentes que deveráser observado pelo juiz no momento de sua tomada de decisão,deixando a legislação positivada de ser o único paradigma obri-gatório que vincula a decisão do julgador.

Entretanto, apesar do desenvolvimento dos métodoshermenêuticos, em busca da verdade e da justiça, Kelsen (1987,p. 393) reconhece que “todos os métodos de interpretação atéao presente elaborados conduzem a um resultado apenas possí-vel, nunca a um resultado que seja o único correto” e que ainterpretação correta não é um problema da teoria do Direito,mas da política do Direito.

Além disso, a própria moldura normativa a que aduz Kelsenressalta a discricionariedade judicial, o que legitimaria a ativi-dade criativa dos juízes. De outro lado, se tem a questão doempoderamento dos juízes, que deve ser evitado, a fim de “ga-rantir a separação de poderes e assegurar que as decisões políti-cas sejam discutidas e adotadas por quem tem legitimidade de-mocrática e competência para tanto: a esfera política” (JORGENETO, 2017, p. 515).

Quando fundamentam as decisões, os juízes querem conven-cer as partes e as instâncias superiores de que aquela é a melhordecisão para o caso concreto. E as razões jurídicas produzidas pe-las partes em casos semelhantes servirão “dentro da perspectivado diálogo ou discurso externo e do uso de precedentes, paralimitar a discricionariedade do julgador e estabelecer um padrãode racionalidade, universalidade e coerência às decisões” (JORGENETO, 2017, p. 166). Ainda, aduz Jorge Neto (2017, p. 168) que:

As razões manifestadas por um juiz ou tribunal irãolimitar a discricionariedade judicial em matérias se-melhantes, na medida em que estabelecem uma car-ga argumentativa para as decisões futuras para omesmo órgão ou para o órgão inferior de jurisdição.

Page 206: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

206 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O novo processo civil instituiu um sistema de precedentes dis-pondo que o juiz deverá analisá-los quando proferir sua decisão.Vale destacar que não se trata de excluir a análise interpretativa,racional e argumentativa dos juízes, mas de uma metodologiavoltada para racionalizar a administração da justiça.

É uma nova metodologia de julgamento em que o julgadorcontinua com sua discricionariedade judicial, mas dentro de umaracionalidade sistêmica, entre precedente, distinguish,overrulling, ratio decidendi, obter dicta para a decisão judicial,que serão analisados no tópico posterior.

Robert Alexy, alemão (tradição Civil Law), chama essa esco-lha entre normas jurídicas, regras metodológicas e enunciadosjurídicos de juízo de valor ou valoração, na medida em que im-porta em opção entre ações ou comportamentos, até porque osistema jurídico pode ser entendido como uma simplificação dacomplexidade do sistema social. Para Alexy (2011, p. 267), as re-gras para uso dos precedentes são as seguintes: “Quando se pudercitar um precedente a favor ou contra uma decisão deve fazê-lo;quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga deargumentação”.

Os precedentes judiciais também vinculam as decisões judi-ciais atualmente, já que o CPC prevê que não se reputa funda-mentada a decisão judicial que deixar de seguir precedente oujurisprudência invocada pela parte, sem que mostre a existênciade distinção no caso em julgamento ou mesmo a superação doentendimento (redação do artigo 489 do CPC/15).8

Referido artigo foi introduzido na lei com o objetivo de queas decisões judiciais sejam tomadas com coerência ou integrida-de, ou seja, que não haja multiplicidade de decisões sobre omesmo tema e envolvendo as mesmas circunstâncias. Aliás, nãosó o artigo 489 CPC demonstra esse objetivo, mas todo o sistemaprocessual novo, com vistas a conferir maior segurança jurídica eestabilidade à sociedade, como se observa a partir da leitura dosartigos 926 e 927 do CPC.

Jorge Neto salienta que não se pode afirmar que uma argu-mentação jurídica perca em racionalidade se deixar de ser cita-do um precedente a favor ou contra a decisão. O uso do prece-dente é um argumento forte a favor ou contra uma conclusão,mas, quando o julgador afastar o precedente, deve demonstrar

8 “Art. 489. [...] §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judi-cial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...]VI - Deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedenteinvocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no casoem julgamento ou a superação do entendimento”.

Page 207: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

207Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

as razões de não aplicá-lo ao caso concreto, é a questão da ar-gumentação (JORGE NETO, 2017, p. 241).

Da mesma forma, os precedentes devem vincular não somen-te as decisões, mas as razões de decidir, sob pena de aplicaçãoindevida de tais preceitos aos casos concretos:

No Brasil, como os fundamentos da decisão judicialnão fazem coisa julgada (art. 509, CPC), há umadissociação entre a força obrigatória e vinculante dodispositivo e a adoção dos mesmos fundamentos comorazão de decidir. [...] Nesses casos parece correto con-cluir que os argumentos não apreciados, desde quenão sejam infirmados pela razão de decidir do prece-dente, podem ser utilizados em contrariedade ao pre-cedente. Neste caso temos um distinguish não emrazão da apresentação do pedido, ou dos fatos, masem razão dos próprios argumentos apresentados peloprecedente (JORGE NETO, 2017, p. 301).

Observa-se, então, que os precedentes judiciais deverão le-var coerência e integridade às decisões judiciais, principalmentequando a parte invoca um precedente amoldável de formasilogística ao caso concreto que, se observado pelo julgador, emrespeito à lei processual vigente, culminaria no acolhimento datese lançada no julgado, como observa a doutrina pátria. Assim,de acordo com os ensinamentos de Marinoni (2015, p. 494):

Existindo precedente constitucional ou precedentefederal sobre o caso debatido em juízo, a fidelidadeao direito constitui fidelidade ao precedente. Daí quea ausência de efetivo enfrentamento – mediante ademonstração da distinção – pelo juízo de preceden-te invocado pela parte constitui omissão relevantena redação da fundamentação. Existindo preceden-te invocado pela parte, esse deve ser analisado pelojuízo. Se disser efetivamente respeito à controvér-sia examinada em juízo, deve ser adotado como ra-zão de decidir. Se não, a distinção entre o caso prece-dente e o caso concreto deve ser declinada na fun-damentação. A ausência de efetivo enfrentamentodo precedente constitui violação do dever de funda-mentação.

Portanto, é cediço destacar que, “com o novo CPC, os juízes,em especial, não são mais meros aplicadores da lei, mas, sobre-tudo, criadores do direito, embora não estejam completamentelivres de vínculos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 24).

Os precedentes contribuem para realizar essa atividade cri-ativa, vinculada a um parâmetro mínimo declarado pelo próprio

Page 208: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

208 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Judiciário, o que, espera-se, permitir uma maior eficiência e pro-dução de resultados.

Assim, na abordagem do tema, Nogueira enfatiza que oprecedente judicial deve, pois, seguir esse caminho e ser uma téc-nica processual a serviço da efetividade e concretização da justi-ça, através da uniformidade na aplicação do direito. Deve ga-rantir a legítima expectativa de se ter decisão semelhante à docaso já julgado e consensualmente formado porque resultadoda participação cooperativa dos interessados (NOGUEIRA, 2014).

Da mesma forma, permite-se a revogação de precedentesque já não correspondam mais à realidade econômica, política,social ou jurídica, por técnicas de superação a serem abordadasem capítulo posterior.

É de se destacar que no direito brasileiro podem se formartantas normas do precedente quanto são os capítulos da deci-são, ou seja, várias decisões em uma única sentença, cada partereconhecida como formadora de norma pelo juiz subsequente.Da mesma forma, pode ocorrer precedente sem nenhuma ratiodecidendi, como em havendo fundamentação deficiente ouinexistência de fundamento vencedor, destacando que a ratiodecidendi deve ser compreendia de acordo com a construçãodos fatos e a fundamentação está ligada à intensidade da auto-ridade do precedente. Portanto, o foco para a operação dos pre-cedentes deve sair dos fatos que foram decisivos para que a de-cisão anterior fosse efetivamente prolatada e “analisar as simila-ridades com o caso subsequente”, sendo as distinções “um pro-cesso argumentativo conforme o qual se busca demonstrar o acer-to de aplicar ou não o precedente a um novo caso” (MACEDO,2017, p. 250 e 264).

2 A teoria da decisão frente ao sistema de precedentes noCódigo de Processo Civil de 2015

O ponto de partida da proposta aqui apresentada é escla-recer a obrigatoriedade da fundamentação das decisões, insti-tuída pelas Constituições contemporâneas, que funciona comouma garantia de afastamento do arbítrio e da discricionariedadedo juiz. Além disso, é uma exigência que se concretiza por meioda aplicação das fontes do Direito, entre as quais se insere oPrecedente Judicial, fonte do Direito consubstanciada em umpadrão decisório a ser repetido.

Page 209: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

209Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

2.1 Teoria da decisão e oposições ao sistema de precedentes

Os opositores à teoria dos precedentes judiciais alegam, entreoutros fatores, a inflexibilidade, complexidade, ofensa ao con-vencimento motivado e à independência do juiz, impedimentode acesso à justiça, redução da qualidade das decisões judiciais,inexistência de uma cultura de respeito aos precedentes e atripartição dos poderes.

Como já demonstrado, o sistema de precedentes é dotadode especial mobilidade, considerando-se mais fácil alterar umanorma pelo processo jurisdicional do que pelo processolegislativo, como já ocorre no sistema brasileiro, em que, poromissão do Poder Legislativo, o Poder Judiciário termina por re-gular determinada matéria.

O nosso sistema já é complexo, com um infindável númerode leis em nível federal, estadual e municipal, algumas até quese contradizem, mas o sistema de precedentes busca essencial-mente tornar o sistema jurídico mais racional e coerente.

A cultura de respeito aos precedentes será útil, conforme adoutrina, para reordenar o sistema jurídico brasileiro, porqueem muitas vezes os próprios tribunais tomam decisões sem fazerreferência nem mesmo a seus precedentes ou decisões anterio-res pertinentes sobre o tema, buscando-se a segurança jurídica.

O sistema de precedentes e os princípios que justificam aadoção do stare decisis no direito do Common Law e no direitobrasileiro são compatíveis com o nosso direito constitucional. “Es-tabelecer que o Judiciário deve ordinariamente seguir seus pre-cedentes, somente podendo suprimi-los ou afastá-los se presen-tes circunstâncias determinadas, muito embora seja pragmatica-mente uma mudança significativa, não viola os alicerces do di-reito brasileiro” (MACEDO, 2017, p. 187).

Quanto à afirmação de que o sistema de precedentes violaa tripartição dos poderes, que a criação de normas seria tarefado Legislador, os juízes já interpretam a norma, já ocorre ativi-dade judiciária criativa. Essa separação de poderes clássica nãofaz mais sentido na realidade atual. Além disso o stare decisis jáimpõe limites à criatividade do juiz, mas buscando benefíciospara a sociedade, como já exposto noutro tópico, pelaefetividade, celeridade, coerência e segurança jurídica, entreoutros.

Sobre a redução da qualidade das decisões judiciais, tem-seque os precedentes judiciais obrigatórios são pautados nauniversalização da decisão judicial com vistas a solucionar da me-lhor forma o caso concreto, buscando a melhor solução para

Page 210: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

210 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

aquele caso e os casos semelhantes. Alicerça-se na ideia da segu-rança jurídica. Se o caso não for semelhante, “o juiz fará distin-ção, elencando as razões que justificam a diferença entre casos eque ensejam um tratamento jurídico diferente” (MACEDO, 2017,p. 183).

2.2 Decisão judicial e o convencimento do julgador

Historicamente, segundo Ricardo Cavalli, o princípio do li-vre convencimento do juiz surgiu após a Revolução Francesa de1789. Anteriormente a isso, os julgadores decidiam da forma quelhes fosse mais conveniente, mesmo contra a lei. Por essa razão,surgiram as regras para avalição de provas, buscando maior se-gurança jurídica e transparência das decisões. O princípio veiodescrito pela primeira vez na Declaração Universal dos DireitosHumanos9, porém, com o passar do tempo, foram instituídosoutros sistemas de valoração de provas, “sendo que a doutrinaapresenta três sistemas: a) critério positivo legal; b) livre convic-ção; c) persuasão racional ou livre convencimento motivado”(CAVALLI, 2016).

No primeiro, como explica Greco Filho, o juiz decide de acor-do com pesos probatórios previamente legais. Tal sistema foi am-plamente utilizado nas Ordenações do Reino, especialmente emmatéria criminal (GRECO FILHO, 2003, p. 228).

Como explica Cavalli (2016), na livre convicção, o julgadorse afasta das regras legais e julga livremente, tal sua consciência.Esse sistema ainda é utilizado nos julgamentos de competênciado tribunal do júri, pois basta que os jurados respondam aosquesitos apresentados, sem qualquer necessidade de fundamen-tação ou apresentação das razões que os levaram a decidir dessaou de outra maneira.

O terceiro sistema, adotado pelo Código de 1973, é inter-mediário, segundo Greco Filho (2003, p. 229), porque admite alivre apreciação da prova, esta devendo estar vinculada aos fa-tos e circunstâncias constantes dos autos, mesmo que não alega-dos pela parte, e, ainda, exige a fundamentação dos motivosque formaram o convencimento do juiz, por isso se dá o nomede sistema de livre convencimento motivado. Essa é a lição daclássica doutrina:

9 “Artigo X: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justae pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial,para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualqueracusação criminal contra ele.”

Page 211: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

211Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Adotou o CPC, no que se refere à avaliação da prova,o princípio da livre convicção motivada ou persuasãoracional. Embora tenha o juiz plena liberdade paraaceitar ou não o resultado da prova, que não tem ovalor pré-fixado, necessário que a decisão a respeitoseja acompanhada de fundamentação. Não têm apli-cação, portanto, os princípios da prova legal outarifada, segundo os quais o valor encontra-se previ-amente determinado em lei, e da íntima convicção,que dispensa motivação do julgador (BEDAQUE, 2008,p. 386).

Entretanto, há parâmetros a seguir pelo magistrado, pois olivre convencimento, se não for regido por regras, pode levar adecisões sem fundamentação, inclusive indo de encontro ao prin-cípio do duplo grau de jurisdição e do Acesso à Justiça, hajavista que um magistrado pode ter um entendimento numa ques-tão e outro magistrado pode ter um outro entendimento sobreum mesmo assunto, acarretando ao jurisdicionado uma situaçãode busca de sorte na distribuição do processo no tribunal. Comodiscorre Theodoro Júnior (2007, p. 476):

[...] a) embora livre o convencimento, este não podeser arbitrário, pois fica condicionado às alegações daspartes e às provas dos autos; b) a observância de cer-tos critérios legais sobre provas e sua validade nãopode ser desprezada pelo juiz (arts. 335 e 366) nemas regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstritoàs regras de experiência, quando faltam normas le-gais sobre as provas, isto é, os dados científicos e cul-turais do alcance do magistrado são úteis e não po-dem ser desprezados na decisão da lide; d) as senten-ças devem ser sempre fundamentadas, o que impedejulgamentos arbitrários ou divorciados da prova dosautos.

Ainda na vigência do CPC de 1973, era entendimento doSuperior Tribunal de Justiça que o juiz não precisava acolhercom primazia determinada prova, podendo analisar todas asprovas em igualdade.

Vale ressaltar que o dever de fundamentar as decisões é umagarantia ao jurisdicionado. Por isso, o magistrado deve explicaras razões que o levaram a decidir, acolhendo as provas do ven-cedor e o porquê de afastar a pretensão do vencido.

Porém, não se pode apenas transportar a doutrina doCommon Law para o nosso sistema jurídico sem superar as pos-turas positivistas. Como lecionam Streck e Abboud (2015, p. 7),“sem um olhar hermenêutico, o novo CPC corre o risco de acu-mular dois positivismos: o velho exegetismo, pela aposta em uma

Page 212: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

212 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

espécie de conceitualização, e o positivismo pós-exegético deperfil normativista, porque aposta no poder discricionário dosjuízes”. E continuam: “há que se ter uma vigilância epistêmica,para evitar que a cotidianidade das práticas do Judiciáriorepristine o livre convencimento e, portanto, as posturasdecisionistas”.

Diferentemente da tradição do livre convencimento moti-vado, adotada pelo CPC/73, ensina Bedaque (2008, p. 386) que,embora tenha o juiz plena liberdade decisória, inclusive no quese refere à valoração da prova, é necessário que a decisão sejaacompanhada de fundamentação.

Como destaca Portanova (1999, p. 245), “[...] o juiz é livrepara basear seu convencimento tanto naquilo que as partes fa-zem (ativamente) no processo, como naquilo que elas deixamde fazer”. Também nesse sentido, Nery Júnior (2008, p. 391)aduz que no livre convencimento motivado:

O juiz é soberano na análise das provas produzidas nosautos. Deve decidir de acordo com o seu convencimen-to. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu conven-cimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure(CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricasque nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirmeque defere ou indefere o pedido por falta de amparolegal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei queveda a pretensão da parte ou interessado e por que éaplicável no caso concreto.

Entretanto, o sistema do livre convencimento motivado foisendo distorcido ao longo dos anos, e ao juiz, ao contrário doque deveria ser, foi sendo atribuído um poder discricionário cadavez maior, conforme seus critérios pessoais, vindo o novo Códi-go de Processo Civil alterar essa sistemática, com a supressão dolivre convencimento do juiz.

Com isso, com a entrada em vigor do CPC de 2015, surgiramdiscussões acerca do princípio do livre convencimento motiva-do, em razão da supressão da adjetivação “livre” no que se re-fere à valoração das provas pelo juiz. Ante a tais questões, im-portantes doutrinadores consideram que o novo CPC abando-nou a referência ao livre convencimento motivado, embora háquem defenda o contrário.

Consoante entendimento de Didier Jr. (2015, p. 103), “o si-lêncio do novo CPC é eloquente, ao retirar o advérbio ‘livre-mente’ da expressão ‘o Juiz apreciará a prova’, contido no art.371". Para ele, essa foi uma das mais importantes mudanças doponto de vista simbólico do novo Código de Processo Civil.

Page 213: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

213Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Contudo, vale observar que o objetivo do legislador ao for-mular o Novo CPC foi demonstrar, a partir do artigo 1º, que oprocesso civil deverá estar sempre em consonância com os valo-res e fundamentos constitucionais, reproduzindo, inclusive, noart. 11, o conceito previsto no artigo 93, inciso IX, da Constitui-ção Federal, assinalando que “todos os julgamentos dos órgãosdo Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas asdecisões, sob pena de nulidade”.

Com base nisso, constatou-se a necessidade de acabar como livre convencimento pelas distorções ocorridas nesse sistema,em que o juiz conferia, de acordo com sua consciência, o pesoque bem entendesse, proferindo decisões com alto grau de sub-jetividade. Coutinho (2015) aduz que o fim do “livre convenci-mento” do juiz visa à rejeição da figura do que julga motivandoas próprias razões, previamente eleitas, que promove a decisãocom base nos seus próprios meios (motivação pessoal), ao con-trário do que se propõe.

Portanto, tem-se que, no CPC/15, não há mais lugar para osistema do livre convencimento. No entanto, cabe destacar queapenas a alteração da letra da lei não tem força para produzir asmudanças processuais que devem ser implementadas pelos ope-radores do Direito para que seja efetiva, de modo a proporcio-nar uma grande evolução processualista, evitando que se torneletra morta.

2.3 Livre convencimento: superação ou adequação?

Parte da doutrina procura demonstrar que o livre convenci-mento motivado persevera no CPC/2015, não obstante a retira-da da expressão no novo texto legal, porque, conforme Delfinoe Lopes (2015), “jamais foi concebido como método de (não)aplicação da lei a permitir que o juiz julgue como bem entenda,e sim como antídoto eficaz e necessário para o combate dos sis-temas da prova legal e do livre convencimento puro”.

De início, a interpretação do direito é nitidamente depen-dente do julgador. Há um problema filosófico-paradigmático re-lacionado à jurisdição e ao papel do juiz, que vem desde o finaldo século XIX. A relação está na figura do juiz como um transmis-sor do sentimento jurídico do povo, o que repercutiu também nodireito brasileiro. Nas palavras de Streck (2014, p. 40-41):

Essa aposta solipsista está lastreada no paradigmaracionalista-subjetivista, que atravessa dois séculos,podendo facilmente ser percebida, na sequência, emChiovenda, para quem a vontade concreta da lei é

Page 214: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

214 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

aquilo que o juiz afirma ser a vontade concreta da lei;em Carnellutti, de cuja obra se depreende que a juris-dição é “prover”, “fazer o que seja necessário”; tam-bém em Couture, para o qual, a partir de sua visãointuitiva e subjetivista, o problema da escolha do juizé, em última análise, o problema da justiça; emLiebman, para quem o juiz, no exercício da jurisdição,é livre de vínculos enquanto intérprete qualificado dalei. No Brasil, essa dependência do juiz atravessou oséculo XX, sendo que tais questões estão presentesna concepção instrumentalista de um sujeitocognoscente: o julgador.

Na vigência do então livre convencimento, foram proferi-dos decisões e votos como o transcrito a seguir, de lavra do Mi-nistro do STJ Humberto Barros, de moldes positivistas:

Não me importa o que pensam os doutrinadores.Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça,assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamen-to daqueles que não são ministros deste Tribunal im-porta como orientação. A eles, porém, não me subme-to. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreiraou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minhaconsciência. Precisamos estabelecer nossa autonomiaintelectual, para que este Tribunal seja respeitado. Épreciso consolidar o entendimento de que os Srs.ministros Francisco Peçanha Martins e HumbertoGomes de Barros decidem assim, porque pensamassim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seusintegrantes pensa como esses ministros. Esse é o pen-samento do Superior Tribunal de Justiça e a dou-trina que se amolde a ele. É fundamental expressar-mos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não so-mos aprendizes de ninguém. Quando viemos paraeste Tribunal, corajosamente assumimos a declaraçãode que temos notável saber jurídico – uma imposição daConstituição Federal. Pode não ser verdade. Em relaçãoa mim, certamente, não é, mas, para efeitos constituci-onais, minha investidura obriga-me a pensar que assimseja. (STJ, AgReg em ERESP 279.889-AL, Primeira Se-ção, j. 14 ago. 2002, destaques nossos).

No Estado Democrático de Direito, o julgador, em vez de“fundamentar a partir da própria consciência (ou das essências),se trata de compreender, ‘reconhecer’ na tradição asdeterminantes da decisão”. E os princípios “fecham a interpre-tação, talham o acontecer da norma no caso concreto” (DELFINO;LOPES, 2015).

Todavia, impor que decidir conforme um julgado anterior im-pede o convencimento do juiz, conforme Macedo (2017, p. 178), é

Page 215: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

215Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

equivocado, porque, segundo o autor, o convencimento motiva-do é regra pertinente à apreciação probatória; os precedentes obri-gatórios “determinam que as regras ou princípios postos em deci-sões anteriores sejam reconhecidos como parte do ordenamentojurídico, portanto, não na valoração das provas do caso”.

Portanto, aplicar o precedente é também aplicar o direito,não se podendo ater a um resíduo do positivismo legalista, jásuperado no nosso ordenamento jurídico.

2.4 Decisões no CPC/2015 e o sistema de precedentes

A reformulação da teoria geral do processo e, comoconsequência, da teoria da decisão inicia-se com a reanálise doconceito de decisão judicial, utilizando-se, para tanto, as dou-trinas de Ronald Dworkin e Jungen Habermas.

Aplica-se a ideia do construtivismo judicial de Dworkin parasolução dos casos difíceis, e a estruturação de um sistema de pre-cedentes judiciais baeados no Direito como integração.

De Habermas, a proposta dialógica de construção das deci-sões judiciais e a sua concepção acerca de um procedimento ade-quado para inclusão dos interesses da sociedade civil no espaçopúblico, com a democratização do debate judicial e da constru-ção dialógica das decisões judiciais.

O novo CPC, que ressalta a importância dos precedentes ju-diciais, traz expressamente a relevância da fundamentação dasdecisões judiciais não conforme o julgador acredita ser suficien-te (simplesmente por acreditar correto), mas juridicamente moti-vada, não deixando de considerar as decisões já proferidas pe-los Tribunais Superiores.

A decisão judicial não é baseada somente no livre convenci-mento do julgador. Conforme Jorge Neto (2017, p. 19), é umato que resulta de um processo argumentativo-pragmático, quetambém recebe influxos de outras decisões judiciais em que asmesmas questões foram anteriormente decididas, da comunida-de acadêmica e da sociedade civil. O autor destaca:

Até agora, as decisões têm sido analisadas pela doutri-na simplesmente como válidas ou inválidas em funçãoda fundamentação adequada. Falta um critério delegitimação. Falta um critério de justiça. Esses critéri-os, ainda que não sejam conclusivos, são importantesporque possibilitam outro nível de crítica à atividadejurisdicional. Um nível em que a crítica é também umaparticipação ativa, no sentido de legitimar as decisõese participar da construção do Direito (JORGE NETO,2017, p. 10).

Page 216: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

216 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

E, sobre a previsão de aplicação de precedentes no novocódigo, Jorge Neto (2016) faz o seguinte comentário:

O sistema de precedentes “exige dos juízes e advogadoscoerência, previsibilidade e, sobretudo, uniformidade notratamento de casos semelhantes, ainda que ao custo deproduzir decisões erradas nos casos desviantes do pa-drão [...] Segundo Schauer, ao exigir que as decisões judi-ciais sigam os precedentes, o Direito está comprometidocom a visão de que, frequentemente, é melhor que adecisão esteja de acordo com o precedente do que estejacerta; de que, frequentemente, é mais importante que adecisão seja consistente com o precedente que traga osmelhores resultados.

Didier Junior (2012, p. 84) aborda o Princípio da Coopera-ção, mais adequado para uma democracia. Para ele, a “decisãojudicial é fruto da atividade processual de cooperação, é resul-tado das discussões travadas ao longo de todo o arco do proce-dimento”. Nesse sentido, apesar da liberdade judicial em profe-rir sua decisão, o magistrado não deve surpreender as partes comsentenças, ainda que de acordo com o sistema processual e ma-terial vigente, sem ter proporcionado antecipadamente às par-tes uma discussão sobre a tese que levou à decisão final.

A decisão deixa de ser um julgamento solitário do juiz, peloseu entendimento individual, e passa a ser um ato democráticoentre as partes, num debate que pode inclusive se encerrar me-diante um consenso, uma conciliação como forma de resolver osconflitos.

Destacando Cavalli (2016), no voto do Min. Gilmar Mendesdo MS 24.268/04, que tomou como base a jurisprudência do Tri-bunal Constitucional alemão:

[...] expôs o direito-dever fundamental de as decisõesserem fundamentadas. Afirmou que o cidadão queentra em juízo tem:a) direito de informação (Recht auf Information) queobriga o órgão julgador a informar a parte contráriados atos praticados no processo sobre os elementosdele constantes;b) direito de manifestação (Recht auf Aussirung), queassegura ao defensor a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticose jurídicos constantes do processo.c) direito de ver seus argumentos considerados (Rechtauf Berucksichtigung), que exige do julgador capacida-de, apreensão e isenção de ânimo (aufnahmefahigkeitund aufnahmebereitschaft) para contemplar as razõesapresentadas.

Page 217: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

217Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Logo, decisões que apenas transcrevem acórdãos ou súmulassem uma análise das questões jurídicas do caso concreto e seminformar as razões que levam à aplicação deste ou daquele pre-cedente judicial podem ser consideradas como não fundamen-tadas (CAVALLI, 2016).

Na verdade, há lides repetitivas, porém toda situação fáticarequer uma análise individualizada. Caso contrário, chegar-se-á aum momento em que o padrão estabelecido em decisões anterio-res subjugará o julgador, tornando-o um repetidor. Portanto, oprocesso tem a finalidade de solucionar o caso concreto e servir debase para casos futuros. Ao aplicar o precedente, o juiz deve reali-zar a distinção e interpretar o precedente, tendo em vista que suaeficácia serve para toda a sociedade. O direito, como ciência social,é dinâmico, com reinterpretações e superações de entendimentos,podendo surgir um precedente que supere aquele anterior, o cha-mado overruling. Assim, ao contrário do que temem alguns, o pre-cedente não levará o direito à estagnação social.

Atualmente, vive-se a fase da ampliação dos direitos e datentativa de efetivação de acesso à justiça. Buscam-se alternati-vas para encontrar soluções aptas a tornar a prestação jurisdicionalmais célere, efetiva e justa, entre as quais o sistema de preceden-tes judiciais.

Conforme Streck (2014, p. 7), o Projeto trazia um modelode precedentes, mas para as instâncias inferiores. Não havia pre-visão de controle. Então, foi apresentada à Comissão Elaboradorado Código uma sugestão de introduzir um novo parágrafo aoProjeto, de forma a preencher essa lacuna.

Gerhardt (2008, p. 10), por exemplo, lista dez funções paraos precedentes judiciais que permitem a sua diferenciação deuma simples decisão judicial. Em suas palavras:

O precedente serviria para argumentar; solucionarlides; vincular casos semelhantes; estabelecer agen-das ou prioridades; facilitar o diálogo; definir a estru-tura legislativa ou constitucional; ser marco histórico;educar; simbolizar; definir identidade nacional eimplementar valores constitucionais.

Alguns julgados possuem carga normativa que repercute so-bre outras decisões. Porém, persiste a função judicante dos ma-gistrados, posto que cabe a eles interpretar os fatos e aplicar odireito, não só como atividade de cunho positivista, de moldes“dá-me os fatos que te dou o direito”, mas dentro de uma pers-pectiva de correlação com os interesses da sociedade. Transcre-vendo Zaneti Jr. (2016, p. 11):

Page 218: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

218 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

[...] a redução da discricionariedade dos juízes e tri-bunais aumenta a independência e a autonomia des-tes em relação aos demais poderes, pois a diminuiçãoda subjetividade decisória evita a exposição dejulgadores a pressões políticas e sociais de ocasião, jáque estarão vinculados unicamente à lei e aos prece-dentes. Em verdade, tornam-se mais independentes,mais livres dos interesses políticos e privados contin-gentes, seja em razão de poderes extremos (PoderExecutivo e mercado), seja em razão de poderes in-ternos (visto que a cúpula do Poder Judiciário tam-bém é vinculada aos seus próprios precedentes).

Por isso também o desenvolvimento dos controles de juris-dição nas Cortes Superiores, haja vista que o sistema é uniformee não disperso em causas isoladas, de modo a haver a necessida-de da adoção de precedentes, em face da complexidade das re-lações jurídicas num meio social em constante mudança, às vezesevolução e também revolução.

2.5 O Direito como integridade de Ronald Dworkin

Dworkin identifica, na teoria política, três virtudes que de-vem ser levadas em conta: a equidade, a justiça e o devido pro-cesso legal adjetivo.

A equidade constituiria “uma questão de encontrar os pro-cedimentos [...] que distribuem o poder político da maneira ade-quada”. Pela justiça busca-se atender à preocupação de que“nossos legisladores e outras autoridades distribuam recursosmateriais e protejam as liberdades civis de modo a garantir umresultado moralmente justificável”. A integridade é uma ques-tão de princípio. Na concepção do direito como integridade, “asproposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam,dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal queoferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídicada comunidade” (DWORKIN, 2003, p. 200 e 272). Nas palavrasdo autor:

O convencionalismo exige que os juízes estudem osrepertórios jurídicos e os registros parlamentarespara descobrir que decisões foram tomadas pelas ins-tituições às quais convencionalmente se atribui poderlegislativo. Tem os olhos voltados para o passado. [...]O direito como integridade é diferente: deve partirda concepção atual, considerando o passado – comoadequação linear – mas com vistas a produzir a me-lhor decisão no futuro. Deve imprimir um caráter decontinuidade ao direito [...] A história contém os prin-

Page 219: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

219Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

cípios que lastrearam as decisões anteriores, e servede adequação linear para construção de uma novadecisão. A integridade requer coerência para inter-pretação de um princípio e sua identificação. [...] Umaruptura total pode existir, mas exigirá uma argumen-tação maior para ser justificada, sobretudo em ter-mos de princípios (DWORKIN, 2003, p. 275).

Não há apenas uma teoria interpretativa do direito. As teo-rias interpretativas de cada juiz são diferentes porque cada umdeles tem suas próprias convicções sobre a prática do direito:seus propósitos, objetivos ou princípios justificativos são identi-ficados individualmente. Como ressalta o autor, embora existaminúmeras divergências entre os juízes, toda comunidade tem seusparadigmas em direito, daí a razão de ser dos precedentes judi-ciais (DWORKIN, 2003, p. 110).

Dworkin utiliza a ideia de Hércules para traduzir a magni-tude do trabalho do julgador. Critica a noção de vontade dolegislador, tendo em vista a dificuldade de se aplicar ao casoconcreto, por exemplo, leis votadas e aprovadas há muito tem-po, em outro contexto social:

Se Hércules houvesse decidido ignorar a supremacialegislativa e o precedente estrito sempre que a igno-rância dessas doutrinas lhe permitisse aperfeiçoar aintegridade do direito, considerada por si só, matériarelevante, então ele teria violado totalmente a inte-gridade. Pois qualquer interpretação geral bem-su-cedida de nossa prática legal deve reconhecer essaslimitações institucionais (DWORKIN, 2003, p. 479).

Sobre o assunto vale transcrever opinião de Habermas (2003,p. 263):

Dworkin exige a construção de uma teoria do direito,não de uma teoria da justiça. A tarefa não consiste naconstrução filosófica de uma ordem social fundada emprincípios da justiça, mas na procura de princípios edeterminações de objetivos válidos, a partir dos quaisseja possível justificar uma ordem jurídica concreta emseus elementos essenciais, de tal modo que nela seencaixem todas as decisões tomadas em casos singula-res, como se fossem componentes coerentes.

Vale destacar que no sistema de precedentes brasileiro a ati-vidade dos juízes e tribunais é interpretativa. Destarte, não for-mula normas jurídicas, ao contrário do sistema Common Law empaíses de tradição inglesa, razão pela qual é considerado um

Page 220: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

220 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Common Law à brasileira, adaptado às nossas origens do direitoromano.

Apesar da previsão constitucional contida no art. 93, IX, daCF, o CPC/15 também consagra expressamente o princípio da fun-damentação das decisões judiciais em seu art. 11, segundo o qualos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos efundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade.

O CPC/15, entretanto, foi além, ao prever expressamente hi-póteses em que a decisão judicial não pode ser considerada comofundamentada. No caso em concreto, interpretação diversa dadisposição do artigo 489, § 1º, do CPC/15 viola a integridade doDireito.

A construção do que é direito envolve uma dupla exi-gência: sistemática, na elaboração de uma ordem ju-rídica coerente e, ainda, pragmática, já que busca de-cisões aceitáveis pelo meio e, portanto, razoáveis, en-volvendo um conceito de adesão e não de verdade(PERELMAN, 2004, p. 238).

Portanto, o uso do sistema de precedentes é um grande avan-ço em nossa sociedade, tendo em vista que o juiz deverá atentarpara os precedentes judiciais a partir de uma regra coerente,sem espaço para julgamentos antagônicos. Como visto, tambémé uma importante alternativa para acelerar a finalização das cau-sas, como também a redução dos recursos, mas desde que fiquemassegurados a segurança jurídica, o amplo direito de defesa e osdemais princípios, que são os pilares fundamentais de nossoordenamento jurídico.

Ademais, a decisão judicial foi remodelada, passando-se doinstituto do livre convencimento do juiz para uma decisão base-ada em precedentes. Todavia, ao contrário dos que afirmam tero trabalho dos juízes reduzido, demonstrou-se que, pelo con-trário, o julgamento segue regras prescritas no código processu-al de 2015, passando a ser uma atividade de extrema importân-cia para a sociedade, em que pese o juiz deixar de ser especta-dor para atuar em cooperação entre as partes e, numa integri-dade, buscando refletir a justiça.

Conclusão

Foram analisadas as mudanças quanto aos limites do poderde decisão do juiz, haja vista que o sistema de precedentes de-verá ser observado, e esse se o novo sistema afasta a atividadecriativa do juiz ou se a torna inclusive mais complexa, como téc-nica processual para concretização da justiça. Em face da modifi-

Page 221: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

221Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

cação interpretativa, da evolução social e de outros fatores, podehaver necessidade de alteração dos precedentes, ou seja, elesnão podem ser imutáveis, sob risco de inviabilizar a evolução dodireito, essencial à sociedade.

Demonstrou-se a técnica de superação (overruling), quecorresponde à revogação do entendimento consubstanciado noprecedente, porém determinando-se os efeitos da alteração.

Consagra-se a necessidade de decisões fundamentadas, afas-tando-se julgamentos que simplesmente descrevam pura e sim-plesmente o entendimento do julgador. A questão da sentençacomo um ato argumentativo-pragmático, com reflexo de outrasdecisões judiciais, legitimando as decisões e buscando a Justiça,a estabilização e a uniformização do sistema jurídico, procuran-do solucionar o caso concreto e servir de base para o futuro,com celeridade, eficiência e efetividade.

Porém, deve-se reconhecer o papel criativo do julgador con-siderando as circunstâncias dos casos, buscando a solução maisracional possível do litígio e admitindo que por vezes deverá ojuiz transcender a lei, inclusive quando observar que sua aplica-ção de forma literal não atenderá a pretensão do caso concreto.

Além disso, viu-se que os precedentes despontaram no CPCde 2015 em face de posicionamentos diferentes e incompatíveisnos tribunais, ressaltando a busca pela uniformização das deci-sões judiciais, sabendo que os precedentes são decisões que ser-vem de subsídios para processos similares, dando maiorprevisibilidade às demandas e aumentando a segurança jurídi-ca, porquanto casos semelhantes terão desfechos semelhantes.

Posteriormente, aprofundou-se a discussão acerca da teoriada decisão e a discricionariedade judicial, bem como foram des-tacadas as críticas mais comuns ao sistema de precedentes e tece-ram-se considerações a respeito.

Assim, cabe ressaltar que, historicamente, o princípio do livreconvencimento do juiz, a partir da Revolução Francesa e da derro-cada dos governos absolutistas, foi mitigado. Porém, sempre man-tiveram a livre expressão do juiz quanto ao seu entendimento.

Já no CPC de 2015 foi retirada a expressão “livremente” noque tange à apreciação das provas, o que foi considerado umadas mais importantes mudanças no Código. Por outro lado, mes-mo não havendo o livre convencimento de forma literal no tex-to, nada impede que seja aplicado. No entanto, ao interpretar olivre convencimento à luz da aplicação dos precedentes, tem-seque o Código visou somente à rejeição da figura do julgadorque decide somente conforme suas próprias razões, previamen-te eleitas, afastando a segurança jurídica do sistema.

Page 222: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

222 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

No que tange às críticas mais comuns, os opositores à teoriados precedentes judiciais alegam questões como a inflexibilida-de, complexidade, ofensa ao convencimento motivado e à in-dependência do juiz, impedimento de acesso à justiça, reduçãoda qualidade das decisões judiciais, inexistência de uma culturade respeito aos precedentes e a tripartição dos poderes, o quefoi devidamente contestado no presente trabalho.

Referências

ALEXY, Robert. Teoria da argu-mentação jurídica: a teoria dodiscurso racional como teoria dafundamentação jurídica. Trad.Zilda Hutchinson Schild Silva. 3.ed. São Paulo: Forense, 2011.

ATAÍDE JÚNIOR, JaldemiroRodrigues de. Precedentesvinculantes e irretroatividadedo direito no sistema proces-sual brasileiro: os precedentesdos tribunais superiores e sua efi-cácia temporal. Curitiba: Juruá,2012.

BEDAQUE, José Roberto dos San-tos. Código de Processo Civilinterpretado. (coord. AntônioCarlos Marcato). 3. ed. São Pau-lo: Atlas, 2008.

BLACK, Henry Campbell. Black’slaw dictionary. 7. ed. St. Paul:West Publishing, 1990.

BOBBIO, Norberto. O Positivismojurídico: lições de filosofia do di-reito. São Paulo: Ícone, 1995.

BONAVIDES. Paulo. Curso deDireito Constitucional. 13. ed.São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL. Código de ProcessoCivil (2015). São Paulo: Saraiva,2016.

______. Constituição (1988). Cons-tituição da República Federati-va do Brasil. Brasília: Senado,1988.

______. Superior Tribunal de Jus-tiça. Recurso Especial nº 7556/GO,j. 3ª Turma, Rel. Min. EduardoRibeiro, RSTJ 25/439.

______. Agravo Regimental emEmbargos de Divergência ERESP279.889-AL, Rel. Min. HumbertoBarros, Primeira Seção, j. 14 ago2002.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosade. Teoria do precedente judi-cial: a justificação e aplicação dasregras jurisprudenciais. São Pau-lo: Noeses, 2012.

CAMARGO, Luiz Henrique Volpe.A força dos precedentes no mo-derno processo civil brasileiro. In:WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.(Coord.). Direito jurispruden-cial. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2012. p. 553-673.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,Brynnt. Acesso à justiça. Trad.Ellen Gracie Northflleet. PortoAlegre: Fabris, 1988.

CAVALLI, Ricardo Fachin. Princí-pio do livre convencimento mo-tivado do juiz. Âmbito Jurídico,

Page 223: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

223Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

Rio Grande, XIX, n. 144, jan. 2016.Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/index.php/%3Fn_link%3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D13175%26revista_caderno%3D8?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16725&revista_caderno=21>.Acesso em: 09 out. 2017.

COUTINHO, Sheyla Yvette Caval-canti Ribeiro. O novo CPC e a supe-ração do empoderamento judicial?.Âmbito Jurídico. Rio Grande, XVIII,n. 139, ago. 2015. Disponível em:<http : / /www.ambito jur id ico .com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15309&revista_caderno=21>Acesso em: 10 nov. 2017.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Pre-cedente judicial como fontedo direito. São Paulo: RT, 2004.

DELFINO, Luìcio; LOPES, ZielFerreira. A expulsaÞo do livre con-vencimento motivado do NovoCPC e os motivos pelos quais arazaÞo estaì com os hermeneutas.Justificando, 13 abr. 2015.Disponiìvel em: <http://justifi-c a n d o . c o m / 2 0 1 5 / 0 4 / 1 3 / a -expulsao-do-livre-convencimen-to-motivado-do-novo-cpc-e-os-motivos-pelos-quais-a-razao-esta-com-os-hermeneutas/> Acessoem: 10 out. 2017.

DIDIER JR, Fredie. Curso de di-reito processual civil: introdu-ção ao direito processual civil,parte geral e processo de conhe-cimento. 17. ed. Salvador:JusPodivm, 2015. v.1.

______. Sobre a teoria geral doprocesso: essa desconhecida. Sal-vador: Juspodivm, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Compên-dio de introdução à ciência dodireito. 8. ed. São Paulo: Sarai-va, 1995.

DONIZETTI, Elpídio. A força dosprecedentes no novo código deprocesso civil. JusBrasil, 2015. Dis-ponível em: <https://elpidio-donizetti.jusbrasil.com.br/artigos/155178268/a-forca-dos-preceden-tes-do-novo-codigo-de-processo-ci-vil>. Acesso em: 26 out. 2016.

DWORKIN, Ronald. O Império dodireito. Trad. Jefferson LuizCamargo. São Paulo: Martins Fon-tes, 2003.

ENGISCH, Karl. Introdução ao pen-samento jurídico. 10. ed. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian,2008.

GERHARDT, Michael J. The powerof precedent. Oxford: OxfordUniversity, 2008.

GRECO FILHO, Vicente. DireitoProcessual Civil brasileiro. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2.

HABERMAS, Jürgen. Direito edemocracia: entre a facticidadee a validade. Trad. Flávio BenoSiebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 2003. v. 1.

JORGE NETO, Nagibe de Melo. Sis-tema de precedentes no novo CPCcoloca o Direito brasileiro numaencruzilhada. Consultor Jurídico,8 mar. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mar-08/nagibe-melo-sistema-precedentes-poe-direito-numa-encruzilhada>.Acesso em: 3 maio 2018.

Page 224: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

LILESE BARROSO BENEVIDES DE MAGALHÃES ARTIGO

224 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

______. Uma teoria da DecisãoJudicial: fundamentação, legitimi-dade e justiça. Salvador: JusPodivm,2017.

KELSEN, Hans. Teoria Pura doDireito. São Paulo: Martins Fon-tes, 1987.

LIMA, Tiago Asfor Rocha. Prece-dentes judiciais civis no Brasil.São Paulo: Saraiva, 2013.

MACEDO, Lucas Buril de. Prece-dentes judiciais e o direito pro-cessual civil. 2. ed. Salvador:JusPodivm, 2017.

MAGALHÃES NETO, Floriano B;BENEVIDES, Lilese B. Common Lawe Civil Law: história, peculiarida-des e utilização no Brasil e no di-reito de outros países. Revista deDireito da ADVOCEF, Fortaleza,ano IX, nº 17, nov. 2013, p.45-60.

MARINONI, Luiz Guilherme. Cur-so de Processo Civil: TeoriaGeral do Processo. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2015.

______. Precedentes obrigató-rios. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2010.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, RosaMaria Andrade. Código de Pro-cesso Civil Comentado. 10. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais,2008.

NOGUEIRA, Cláudia Albagli. ONovo Código de Processo Civil eo sistema de precedentes judiciais:pensando um paradigma discur-sivo da decisão judicial. RevistaBrasileira de Direito Processual– RBDPro, Belo Horizonte, ano 22,nº 88, Out/Dez 2014. Disponível em:

<http://bid.editoraforum. com.br/bid/PDI0006.aspx?pdi Cntd=213410>. Acesso em: 22 dez. 2017.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurí-dica : nova retórica. Trad.Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Pau-lo: Martins Fontes, 2004.

PORTANOVA, Rui. Princípios doProcesso Civil. 3. ed. Porto Ale-gre: Livraria do Advogado, 1999.

ROSITO, Francisco. Teoria dos pre-cedentes judiciais: racionalidadeda tutela jurisdicional. Curitiba:Juruaì, 2012.

SCHAUER, Frederick. Thinkinglike a lawyer: a new introductionto legal reasoning. Cambridge:Harvard University Press, 2009.Kindle.

STRECK, Lenio Luiz. Novo CPCterá mecanismos para combaterdecisionismos e arbitrariedades?Consultor Jurídico, 2014. Dispo-nível em: <http://www.conjur.c o m . b r / 2 0 1 4 - d e z - 1 8 / s e n s o -incomum-cpc-mecanismos-com-bater-decisionismos-arbitrarieda-des>. Acesso em: 08 abr. 2017.

______; ABBOUD, Georges. ONCPC e os precedentes – afi-nal, do que estamos falando.Salvador: JusPodivm, 2015.

THEODORO JUNIOR, Humberto etal. Novo CPC – Fundamentos esistematização. Rio de Janeiro:Forense, 2015.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoriapura do direito: repasse críticode seus principais fundamentos.Rio de Janeiro: Forense, 2003.

Page 225: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

225Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O REFLEXO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL À LUZ DO CPC/2015

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.A uniformidade e a estabilidadeda jurisprudencia e o estado dedireito - Civil law e Common law,Revista Juriìdica, Porto Alegre, v.57, n. 384, 2009.

WENDPAP, Elis. Breve análise dohistórico do positivismo jurídico,a partir da obra “positivismo jurí-dico”, de Norberto Bobbio. Âmbi-to Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97,fev. 2012. Disponível em: <http://ambi to - ju r id i co . com.br / s i te /i n d e x . p h p ? n _ l i n k = r e v i s t a _artigos_leitura&artigo_id=11154>.Acesso em out. 2017.

ZANETI JR, Hermes. Comentári-os ao novo código de proces-so civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2016.

Page 226: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 227: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

227Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

O instituto do parcelamento,edificação e utilização compulsórios

no município de Juiz de Fora

Bruna Alice Nardy AbbudAcadêmica da Faculdade de Direito da Universidade

Federal de Juiz de Fora

Frederico Augusto D’Avila RianiProfessor Doutor do Departamento de Direito

Público Material da Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Juiz de Fora

RESUMO

O instituto do parcelamento, edificação e utilizaçãocompulsórios, previsto na Constituição Federal e no Estatuto daCidade, é um instrumento urbanístico capaz de conferir funçãosocial à propriedade urbana. Ocorre que o instituto deve serprevisto de forma clara e objetiva nos planos municipais, sobpena de se tornar inaplicável. Em Juiz de Fora, apesar de haverprevisão legal para o uso dessa ferramenta, ela é ineficaz, umavez que não consegue produzir os seus efeitos. Tal ineficáciatambém é constatada no Projeto de Lei que visa à atualizaçãoda legislação urbanística da cidade, conforme será demonstradono presente trabalho.

Palavras-chave: Parcelamento, edificação e utilizaçãocompulsórios. Função social. Eficácia. Juiz de Fora.

ABSTRACT

The institute of compulsory installment, building and use,provided in the Federal Constitution and in the City Statute isan urbanistic instrument capable of conferring a social functionon real state property. It occurs that the institute must be clearlyand objectively foreseen in municipal plans, otherwise it won’tbe appliable. In Juiz de Fora, although there is legal provisionfor the use of this tool, it is ineffective, since it cannot produceeffects. This ineffectiveness is also evidenced in a Law projectthat seeks to update the urban planning legislation of the city,as it will be verified.

Keywords: Compulsory parceling, building and use. Socialrole. Efficiency. Juiz de Fora.

Page 228: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

228 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Introdução

O presente trabalho tem por escopo analisar o instrumentourbanístico do parcelamento, edificação e utilização compulsó-rios previsto no Plano Diretor de Juiz de Fora, Lei nº 9.811, bemcomo no Anteprojeto de Lei que visa a sua atualização.

Esse instrumento é previsto constitucionalmente, além de serapresentado de maneira detalhada no Estatuto da Cidade, Lei10.257.

O plano diretor, mediante as suas ferramentas, como a doparcelamento, uso e edificação compulsórios, possui a capacida-de de fazer com que os imóveis cumpram sua função social.

Para tanto, mister que o plano diretor e as leis correlatastratem de forma objetiva a aplicação dos instrumentos urbanís-ticos, sempre observando os anseios específicos de cada realida-de urbana.

Ocorre que não se observa isso no Plano Diretor de Juiz deFora nem na proposta preliminar de plano, sendo possível apon-tar as inúmeras lacunas, obscuridades e termos genéricos ali exis-tentes, os quais, por sua vez, tornam a lei municipal umbilicalmentedependente de outros diplomas legais. Todavia, as leis comple-mentares ao plano sequer foram criadas, fazendo com que oparcelamento, uso e edificação compulsórios sejam inaplicáveis.

Assim, o presente trabalho gira em torno da verificação danormatização do instrumento na legislação urbanística de Juizde Fora, conseguinte analisando os problemas que obstarão suaplena aplicação e eficácia no plano fático.

Para tanto, toma-se como paradigma o parcelamento,edificação e utilização compulsórios, previstos no plano diretordos municípios de São Paulo, pelo fato de este ser um exemplo aser seguido devido a sua completude, trazendo também, a títu-lo exemplificativo, o Plano Diretor de Belo Horizonte, bem comoo Projeto de Lei nº 1.749, que pretende atualizar a legislaçãourbanística da capital mineira.

1 O plano diretor

O plano diretor é um mecanismo basilar de orientação doordenamento e desenvolvimento dos municípios, previsto no art.1821 da Constituição Federal e disciplinado no Estatuto das Ci-dades, Lei nº 10.257.

1 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pú-blico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo

Page 229: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

229Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Importante esclarecer que os municípios que se enquadramnos casos previstos do art. 41 da Lei nº 10.257 são obrigados aelaborar e implementar um plano diretor, devendo este ser cria-do de maneira multidisciplinar e com intensa participação po-pular, uma vez que é feito, justamente, para proporcionar umamelhor condição de vida aos munícipes.

Frisa-se que o plano diretor deve ter um conteúdo mínimoque aborde o aspecto físico, econômico, social e administrativoda cidade.

No que tange ao aspecto físico, faz-se necessário mencionarque esse deverá conter diretrizes claras e objetivas, delimitandoas áreas que poderão ser atingidas pelas obrigações, garantin-do, assim, a implementação dos instrumentos urbanísticos, comoo parcelamento, utilização e edificação compulsórios, que serãoestudados aqui.

Nesse sentido é o entendimento de Pires (2007, p. 139): “Aespecificação e a delimitação de áreas têm por finalidade ga-rantir a implementação do instrumento e estabelecer segurançajurídica para a medida que será adotada” e Silva (2012, p. 139):“deverá conter disposições sobre a delimitação das áreas urba-nas onde poderão ser aplicados: (a) o parcelamento, a edificaçãoe utilização compulsória, considerando a existência de infraes-trutura e de demanda de uso”.

Somado a isso, o art. 5º do Estatuto da Cidade deixa clara anecessidade de haver previsão na legislação municipal comple-

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir obem-estar de seus habitantes.§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório paracidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da políticade desenvolvimento e de expansão urbana.§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende àsexigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano dire-tor.§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justaindenização em dinheiro.§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica paraárea incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietá-rio do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promovaseu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:I - parcelamento ou edificação compulsórios;II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo notempo;III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública deemissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgatede até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valorreal da indenização e os juros legais.”

Page 230: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

230 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

mentar ao plano acerca das áreas afetadas. Dessa forma, a leidiscriminará de forma detalhada as localidades em que o poderpúblico poderá impor as obrigações urbanísticas, como oparcelamento, edificação e utilização compulsórios.

Assim sendo, o plano diretor deve englobar o municípiocomo um todo, ou seja, área urbana e rural, e ser revisto pelomenos a cada dez anos, atendendo às constantes transforma-ções da cidade.

Destarte, a existência de um plano e a criação de leis muni-cipais que visam detalhar a aplicação dos instrumentos urbanís-ticos previstos no primeiro são condições necessárias para a im-posição desses.

Insta frisar que a existência de um plano diretor é impres-cindível para que a propriedade urbana cumpra a sua funçãosocial. Porém, a mera existência no plano legal não basta, sendonecessário que a lei surta efeito no plano material, concreto,dos indivíduos.

2 A eficácia jurídica

Uma norma possui eficácia jurídica quando consegue cum-prir o fim ao qual se destinava quando foi criada, ou seja, ainfalibilidade da norma consiste na sua capacidade de serexigível, aplicável e executável. Nesse sentido é o ensinamentode Silva (2007, p. 66):

Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previa-mente fixados como metas. Tratando-se de normasjurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingiros objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em últi-ma análise, realizar os ditames jurídicos objetivadospelo legislador.

Em relação aos planos diretores, infelizmente nem todos con-seguem alcançar os objetivos pretendidos no momento de suacriação, sendo o de Juiz de Fora um de tantos outros. Isso por-que, além de serem repletos de termos genéricos e imprecisos,portanto, desnudados de qualquer carga semântica e/ou cogente,dependem de leis específicas, que muitas vezes inexistem ou sãoinsuficientes.

Neste ponto vale colacionar uma crítica aos planos diretoresfeita por Villaça (2001, p. 188):

Dos enormes volumes com centenas de páginas re-cheados de mapas, pesquisas e estatísticas elabora-

Page 231: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

231Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

das por equipes multidisciplinares e abordando enor-me leque de problemas, transformam-se em merosprojetos de lei, às vezes contendo apenas declaraçõesde princípios, políticas ou diretrizes gerais, às vezesaté sem mapas, ou com poucos mapas.

Sendo assim, o plano não pode ser composto apenas de leisque reproduzam princípios e apresentem diretrizes genéricas,sob pena de se tornar uma norma ineficaz.

Além disso, o plano deve abranger aspectos de ordem prá-tica e programática, que se reproduz na legislação específica demodo que esta traga a solução para os problemas verificados nafase de diagnóstico, anterior a sua elaboração, para assim pos-suir eficácia jurídica necessária.

3 Função social da propriedade imóvel urbana

Antigamente, a propriedade era garantida de forma extre-mamente individualista, nessa concepção o proprietário tinha odireito de usar, gozar e dispor do bem conforme assim o desejas-se, sem qualquer preocupação para com terceiros e/ou bem-es-tar da sociedade.

Ocorre que, com o decurso do tempo, passou a se verificarum certo tipo de publicização do direito à propriedade, umavez que o proprietário deixou de ser somente detentor de direi-tos para ter também deveres, impostos na tentativa de fazer comque a propriedade atinja o bem-estar coletivo, ou seja, cumpraa sua função social.

Dessa forma, o direito à propriedade deixou de ser absolu-to, sendo garantido quando o bem atenda concomitantementeaos interesses coletivos.

Nesse sentido é o ensinamento de Tepedino (1997, p. 321):

propriedade, portanto, não seria mais aquela atribui-ção de poder tendencialmente plena, cujos confinssão definidos externamente, ou de qualquer modo,em carácter predominantemente negativo, de talmodo que, até uma certa demarcação, o proprietárioteria espaço livre para as suas atividades e para aemanação de sua senhoria sobre o bem. A determi-nação do conteúdo da propriedade, ao contrário, de-penderá de centros de interesses extraproprietários,os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurí-dica de propriedade.

Essa mitigação do direito à propriedade é observada na ju-risprudência pátria, como se vê na Apelação Cível nº

Page 232: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

232 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

100241126929260012, que tramitou na 6ª Câmara Cível do Tri-bunal de Justiça de Minas Gerais, cuja relatora foi a Desembar-gadora Selma Marques.

A apelação citada trata-se de recurso interposto pelo HotelCalifórnia Ltda. em face do Município de Belo Horizonte na ten-tativa de rever a sentença que julgou improcedente o pedidodo apelante de permanecer utilizando a área em que o hotel ésediado.

Verifica-se que Prefeitura Municipal de Belo Horizonte ha-via notificado o recorrente para encerrar as suas atividades porestar funcionando sem o devido alvará de localização e funcio-namento e, além disso, pelo fato de a referida atividade não serpermitida no local, conforme prevê a lei de parcelamento, ocu-pação e uso do solo, desde o ano de 1976.

Dessa forma, só seria permitida a permanência das ativida-des no local caso estas tivessem se iniciado antes da edição da leisupracitada, o que não foi provado, pois a empresa autora ini-ciou suas atividades no ano de 1994, como demonstra o seu con-trato social. Somado a isso, conforme sabiamente destacado nojulgado, mesmo que ficasse demonstrado o uso anterior a 1976,este teria que ser lícito e regular.

O voto da relatora, acompanhado pelo DesembargadorCorrêa Junior e pela Desembargadora Sandra Fonseca, traduzclaramente que o direito à propriedade, para ser garantido, deveser seguido do exercício da função social, que no presente casoseria o atendimento das normas de parcelamento, uso e ocupa-ção do solo.

A relatora fundamenta seu voto no art. 30, VIII da Consti-tuição Federal, que dispõe acerca da competência do Municípiopara promover o adequado ordenamento territorial, mencionan-do ainda o art. 182, § 2º do mesmo diploma legal, aduzindo

2 Ementa: PROPRIEDADE URBANA. ATIVIDADE ECONÔMICA EM DETERMI-NADA ÁREA. PROIBIÇÃO PELA LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO. NECESSI-DADE DE OBSERVÂNCIA DA REGRA SOB PENA DO DESCUMPRIMENTO DAFUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA. -A propriedade urbana cum-pre sua função social (art. 182, parágrafo 2º, da CF/88), quando observa asregras de utilização do solo, tal qual a proibição para o desempenho dedeterminadas atividades econômicas, em áreas especificadas pelo ente mu-nicipal. - A inexistência de pendências ambientais, os gastos com a reformaou melhoramento do imóvel, ou mesmo a alegação evasiva atrelada à fun-ção social da empresa, não autoriza o desempenho de atividade econômicaem área na qual é vedada pela Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solodo Município de Belo Horizonte, mormente se referida proibição era depleno conhecimento do empresário, que dela buscava incessantemente sefurtar.

Page 233: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

233Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

que a propriedade urbana quando atende as exigências muni-cipais cumpre a função social.

Embasa ainda a sua decisão denegatória nos arts. 2º e 39 doEstatuto da Cidade, afirmando que não há proporcionalidadeou razoabilidade que permita a inobservância da função socialde um imóvel, tendo em vista o fato de estarmos frente a umanorma constitucional.

Portanto foi negado o provimento ao recurso interposto,sob o fundamento de que a propriedade urbana deve obedeceràs diretrizes municipais para atender a função social, o que nãofoi verificado no caso concreto pelo fato de a área onde o hotelser sediado não comportar a atividade exercida.

Em relação à função social, cabe ainda mencionar que o seusignificado é amplo, dependendo da realidade de cada municí-pio para ser determinado. Nesse sentido é o entendimento deCollado (1979, p. 138) apud Silva (2012, p. 77):

o direito do proprietário está submetido a um pressu-posto de fato, à qualificação urbanística dos terre-nos, cuja fixação é da competência da Administração,de natureza variável, de acordo com as necessidadesdo desenvolvimento urbanístico das cidades, cuja apre-ciação corresponde também à Administração.

Assim sendo, conforme prevê o art. 182 da Carta Magna, épapel do plano diretor e das leis correlatas delinearem de formaobjetiva, observando os anseios locais, o que seria o cumprimentoda função social para aquela realidade urbana, sendo possívelentão aferir o seu cumprimento, bem como disciplinar mecanis-mos de efetivação e as sanções nos casos de não atendimento.

4 O parcelamento, edificação e utilização compulsórios

O instrumento urbanístico do parcelamento, edificação e uti-lização compulsórios está previsto no art. 182, § 4º, inciso I daConstituição Federal, assim como nos artigos 4º, 5º3 e 6º do Esta-tuto da Cidade, Lei nº 10.257.

3 “Art. 5º. Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderádeterminar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios dosolo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar ascondições e os prazos para implementação da referida obrigação.§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ouem legislação dele decorrente;

Page 234: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

234 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O parcelamento compulsório, resumidamente, consiste naobrigação do proprietário de dividir uma determinada áreaabrangida pelo plano diretor e lei específica, mediante desmem-bramento ou loteamento, conforme a necessidade municipal nasleis mencionadas, visando a sua urbanização.

Já a imposição de edificar, conforme sabiamente mencionaLevin (2010, p. 89) é aplicável ao “dono de imóvel urbano semnenhum aproveitamento, desde que a situação de não edificaçãodo solo seja contrária às disposições do plano diretor, e desdeque cumpridos os demais requisitos do art. 5º da Lei nº 10.257/2001”, sendo os bens não edificados aqueles isentos de qual-quer construção.

Por fim, a utilização compulsória é aplicável nos casos emque a propriedade urbana não apresente qualquer utilizaçãoou se encontre subutilizada, descumprindo, de tal forma, as dis-posições estabelecidas no plano municipal.

Cabe esclarecer que o imóvel subutilizado é aquele cujoaproveitamento é inferior ao mínimo estabelecido na legislaçãourbanística municipal, enquanto o não utilizado é caracteriza-do pela total ausência de uso útil e legal, enquadrando-se nes-ses também os imóveis abandonados.

O município tem o poder-dever de notificar o proprietáriodo imóvel que não esteja cumprindo com as disposiçõesestabelecidas no plano diretor e na legislação correlata, casoexista, acerca da necessidade de conferir o devido aproveitamen-to ao bem, com o objetivo de fazer com que a propriedade atin-ja a função social.

II – (VETADO) § 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo muni-cipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbadano cartório de registro de imóveis.§ 3o A notificação far-se-á:I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, aoproprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenhapoderes de gerência geral ou administração;II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação naforma prevista pelo inciso I.§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto noórgão municipal competente;II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras doempreendimento.§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a leimunicipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão emetapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendi-mento como um todo.”

Page 235: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

235Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

A notificação ao proprietário do imóvel deverá se dar deforma fundamentada e, posteriormente, ser averbada no cartó-rio de registro de imóveis, tornando pública a obrigação e dan-do início à contagem de prazo para que o proprietário apresen-te um projeto de adequação do uso do bem.

O prazo para apresentação do projeto e início das obrasdeve ser determinado pelo plano diretor, não podendo ser infe-rior a um ano para a apresentação do projeto e a dois, contadosa partir da aprovação do projeto, para o início das obras, con-forme dispõe o art. 5º, § 4º da Lei nº 10.257. Salienta-se que osprazos para análise do projeto e conclusão da obra tambémdevem ser estabelecidos pela legislação municipal.

Caso o proprietário descumpra os prazos, haverá a incidên-cia do IPTU progressivo no tempo, que consiste em uma majoraçãoda alíquota do imposto. Cabe esclarecer que a majoração ocor-rerá anualmente, perdurando até o quinto ano consecutivo dedescumprimento, nos moldes do art. 7º do Estatuto da Cidade.

Após os cinco anos de majoração da alíquota do IPTU, semque haja o cumprimento da obrigação de parcelar, edificar ouutilizar, poderá o município desapropriá-lo, mediante pagamentoem títulos da dívida pública.

Ocorre que alguns planos municipais, como o da cidade deJuiz de Fora, são demasiadamente genéricos ou deixam as con-dições de aplicação do instituto do parcelamento, utilização eedificação compulsórios sob a responsabilidade de leis comple-mentares, que nem sempre existem ou são genéricas, vedando aimposição da obrigação.

Neste ponto, faz-se necessário destacar a existência da Resolu-ção nº 34 do Conselho Nacional das Cidades, que recomenda queo plano diretor apresente pelo menos os critérios para caracterizarum imóvel como não edificado, subutilizado e não utilizado; apre-sente as áreas em que o instrumento urbanístico poderá ser impos-to; e determine os prazos para o cumprimento da obrigação.

5 O instituto na legislação de São Paulo e Belo Horizonte

5.1 O instituto em São Paulo

O instrumento urbanístico do parcelamento, uso e edifica-ção compulsórios é abordado na Lei Municipal de São Paulonº 16.050, principalmente, nos artigos 90 ao 101.4

4 “Art. 90. O Executivo, na forma da lei, poderá exigir do proprietário do solourbano não edificado, subutilizado, ou não utilizado, que promova seu ade-quado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

Page 236: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

236 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

A princípio, faz-se necessário mencionar que o art. 915 da leiem comento apresenta as áreas passíveis da imposição de parcelar,edificar e utilizar de maneira clara, não deixando margem de dúvi-das em relação aos locais cuja imposição poderá ser observada.

Já os artigos 92 a 95 traduzem o que seria um imóvel nãoedificado, subutilizado ou não utilizado, através de parâmetrosobjetivos, tornando possível a imposição do instrumento aos pro-prietários dos imóveis que não estão conferindo o devido apro-veitamento à área.

Neste ponto, cabe elucidar que os artigos supracitados dis-põem que os lotes e glebas não edificados são caracterizadoscomo aqueles que medem mais de 500m² (quinhentos metrosquadrados), porém com o coeficiente de aproveitamento utili-zado igual a zero; os subutilizados são aqueles que possuemárea maior que 500m² (quinhentos metros quadrados), cujo co-eficiente de aproveitamento é inferior que o definido pelosquadros anexos ao Plano; e, por fim, classifica os não utilizadoscomo aqueles cujo coeficiente de aproveitamento usado é igualou superior ao nível de aproveitamento mínimo definido nosquadros anexos ao Plano, possuindo pelo menos 60% (sessentapor cento) de sua área edificada desocupada por mais de umano ininterrupto. Confira-se:

I - parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;II - Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo no Tempo;III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.Parágrafo único. (VETADO)”

5 “Art. 91. Para aplicação dos instrumentos indutores da função social dapropriedade, são consideradas passíveis de aplicação dos instrumentosindutores do uso social da propriedade os imóveis não edificados,subutilizados, ou não utilizados localizados nas seguintes partes do territó-rio:I - Zonas Especiais de Interesse Social 2, 3 e 5;II - no perímetro da Operação Urbana Centro;III - áreas de influência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana;IV - nos perímetros e perímetros expandidos das Operações Urbanas Con-sorciadas;V - nos perímetros das Subprefeituras da Sé e da Mooca;VI - nas Macroáreas de Urbanização Consolidada e de Qualificação da Urba-nização;VII - na Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana, exclusivamentepara glebas ou lotes com área superior a 20.000 m² (vinte mil metros qua-drados);VIII - em todas as áreas do perímetro urbano, definidas como tal no Mapa2A, nas quais não incide o IPTU, ressalvadas as áreas efetivamente utiliza-das para a exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustriale as exceções previstas nos arts. 92 e 94.”

Page 237: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

237Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Art. 92. São considerados imóveis não edificados os lotese glebas com área superior a 500m² (quinhentos metrosquadrados), com coeficiente de aproveitamento utiliza-do igual a 0 (zero).§ 1º As obrigações estabelecidas por esta lei aos proprie-tários de imóveis caracterizados no “caput” não serãoaplicadas enquanto o terreno não tiver acesso àinfraestrutura básica, assim definida pela legislação fe-deral de parcelamento do solo urbano, ressalvados oscasos em que os equipamentos urbanos ali estabelecidospossam ser exigidos no processo de licenciamento.§ 2º A tipificação estabelecida no “caput” se estende aoslotes com metragem inferior a 500m² (quinhentosmetros quadrados), quando:a) originários de desmembramentos aprovados após apublicação desta lei; ou que,b) somados a outros contíguos do mesmo proprietário,perfaçam área superior a 500m² (quinhentos metrosquadrados).

Art. 93. São considerados imóveis subutilizados os lotes eglebas com área superior a 500m² (quinhentos metrosquadrados) que apresentem coeficiente de aproveita-mento inferior ao mínimo definido nos Quadros 2 e 2Aanexos.

Art. 94. Ficam excluídos das categorias de não edificadosou subutilizados os imóveis que:I - abriguem atividades que não necessitem de edificaçãopara suas finalidades, com exceção de estacionamentos;II - integrem o Sistema Municipal de Áreas Protegidas,Áreas Verdes e Espaços Livres, forem classificados comoZEPAM ou cumpram função ambiental relevante;III - forem classificados como ZEPEC, tombados, ou quetenham processo de tombamento aberto pelo órgãocompetente de qualquer ente federativo, ou ainda cujopotencial construtivo tenha sido transferido;IV - estejam nestas condições devido a impossibilidadesjurídicas momentaneamente insanáveis pela simples con-duta do proprietário, e apenas enquanto estas perdura-rem.Parágrafo único. As exceções previstas no “caput” serãoregulamentadas pelo Poder Executivo, considerando osprincípios e objetivos desta lei.

Art. 95. São considerados imóveis não utilizados aquelescom coeficiente de aproveitamento utilizado igual ousuperior ao coeficiente de aproveitamento mínimo defi-nido nos Quadros 2 e 2A anexos e que tenham, no míni-mo, 60% (sessenta por cento) de sua área construídadesocupada por mais de 1 (um) ano ininterrupto.§ 1º Quando se tratar de edificação constituída porunidades autônomas para fins residenciais ou nãoresidenciais, a não utilização será aferida pela deso-

Page 238: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

238 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

cupação de pelo menos 60% (sessenta por cento) den-tre elas, também pelo prazo de 1 (um) ano.§ 2º A desocupação dos imóveis poderá ser compro-vada, por meio de consulta às concessionárias, pelanão utilização ou pela interrupção do fornecimentode serviços essenciais como água, luz e gás.§ 3º A classificação do imóvel como não utilizado po-derá ser suspensa devido a impossibilidades jurídicasmomentaneamente insanáveis pela simples condutado proprietário, e apenas enquanto estas perdura-rem, conforme regulamentação do Poder Executivo.

O artigo 966 da lei em questão trata dos prazos para o cum-primento da obrigação, fixando o lapso temporal máximo con-ferido ao proprietário para que este realize as adequações ne-cessárias no imóvel.

6 “Art. 96. Os imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados são sujei-tos ao parcelamento, edificação e utilização compulsórios.§ 1º Os proprietários dos imóveis não parcelados, não edificados ousubutilizados deverão ser notificados pela Prefeitura e terão prazo máximode 1 (um) ano a partir do recebimento da notificação para protocolar, juntoao órgão competente, pedido de aprovação e execução de projeto deparcelamento ou edificação desses imóveis, conforme o caso.§ 2º Os proprietários dos imóveis notificados nos termos do parágrafo ante-rior deverão iniciar a execução do parcelamento ou edificação desses imó-veis no prazo máximo de 2 (dois) anos a contar da expedição do alvará deexecução do projeto, cabendo aos proprietários a comunicação à adminis-tração pública.§ 3º Os proprietários dos imóveis não utilizados deverão ser notificados pelaPrefeitura e terão prazo máximo de 1 (um) ano, a contar do recebimento danotificação, para ocupá-los, cabendo aos proprietários a comunicação à ad-ministração pública.§ 4º Caso o proprietário alegue como impossibilidade jurídica a inviabilidadede ocupação do imóvel não utilizado em razão de normas edilícias, o Execu-tivo poderá conceder prazo de 1 (um) ano, a partir da notificação, exclusiva-mente para promover a regularização da edificação se possível, nos termosda legislação vigente, ou a sua demolição, fluindo a partir de então prazoigual para apresentação de projeto de nova edificação ou documentaçãorelativa à regularização do imóvel.§ 5º O proprietário terá o prazo de até 5 (cinco) anos, a partir do início dasobras previstas no § 2º, para comunicar a conclusão do parcelamento dosolo, ou da edificação do imóvel, ou da primeira etapa de conclusão de obrasno caso de empreendimentos de grande porte.§ 6º Os prazos previstos neste artigo serão contados em dobro quando oproprietário notificado for cooperativa habitacional ou associação sem finslucrativos.§ 7º No setor Orla Ferroviária e Fluvial da Macroárea de Estruturação Me-tropolitana, a notificação se dará a partir da aprovação da lei específica dereordenamento territorial da região ou do setor onde esteja inserido o imó-vel em questão.

Page 239: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

239Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Já o art. 97 do referido plano aborda a notificação ao pro-prietário do imóvel, objeto da imposição de parcelar, edificar eutilizar, sendo a redação deste praticamente idêntica à previstano Estatuto da Cidade.

Por fim, e não menos importantes, os arts. 100 e 101 tratamdo mecanismo de fiscalização do cumprimento da imposição emquestão, uma vez que dispõem sobre a listagem dos imóveis quenão estão sendo aproveitados devidamente.

Segundo os dispositivos legais mencionados, os imóveis cujaobrigação for imposta estarão relatados em uma listagem de aces-so público para que a própria população possa fiscalizar se osproprietários, bem como o poder público, estão tomando asmedidas necessárias para que o bem cumpra a sua função social.

Além disso, os próprios munícipes podem indicar os imóveisque não estão em consonância com a política de parcelamento,uso e edificação do solo, para que o poder público, caso enten-da necessário, notifique o proprietário e imponha que este con-fira ao bem adequada destinação. Verifica-se:

Art. 100. Será disponibilizada ao público para consul-ta a listagem dos imóveis cujos proprietários foramnotificados em virtude do descumprimento da fun-ção social da propriedade, na Secretaria Municipal deDesenvolvimento Urbano e nas Subprefeituras, bemcomo em portal eletrônico oficial do Executivo.§ 1º Uma primeira versão da listagem prevista no“caput” deste artigo deverá ser publicada pelo Exe-cutivo no prazo de 6 (seis) meses, contado a partir dapromulgação desta lei.§ 2º O imóvel permanecerá na listagem até que oproprietário promova seu parcelamento, edificaçãoou utilização, conforme o caso, ou imissão na possepelo Poder Público.§ 3º Na listagem deverão constar, no mínimo, as se-guintes informações:I - número do Setor – Quadra - Lote;II - endereço do imóvel;III - data da notificação prevista no art. 97;IV - identificação do instrumento para cumprimentoda função social aplicado no momento;

§ 8º Nas glebas ou lotes com área superior a 20.000m² (vinte mil metrosquadrados) localizados na Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urba-na, mencionados no inciso VII do art. 91, a notificação deverá se referirexclusivamente ao parcelamento compulsório.§ 9º A transmissão do imóvel, por ato “intervivos” ou “causa mortis”, posteriorà data da notificação prevista nos §§ 1º e 3º, transfere as obrigações deparcelamento, edificação ou utilização sem interrupção de quaisquer prazos.”

Page 240: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

240 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

V - data de início da aplicação do respectivo instrumen-to;VI - data de protocolo, junto ao órgão competente, dopedido de aprovação e execução de projeto deparcelamento ou edificação desses imóveis, se o caso;VII - data da expedição do alvará de execução do proje-to, se o caso;VIII - data da comunicação da ocupação do imóvel, se ocaso;IX - data da comunicação da conclusão do parcelamentodo solo, ou da edificação do imóvel ou da primeira eta-pa de conclusão de obras na hipótese de empreendi-mentos de grande porte, se o caso.§ 4º Caso o proprietário informe a observância do pre-visto nos incisos V, VI, VII e VIII do § 4o, a Prefeitura teráo prazo de 2 (dois) meses a partir do recebimento dainformação pelo órgão competente para verificar o efe-tivo parcelamento, edificação ou utilização do imóvel eproceder a sua exclusão da listagem.§ 5º Caso o imóvel se encontre na fase de aplicação deIPTU Progressivo no Tempo, a listagem também deveráconter:I - data da primeira aplicação de alíquota progressiva,com a respectiva alíquota;II - valor da alíquota de cada ano subsequente.§ 6º Caso o imóvel encontre-se na fase de aplicação dedesapropriação mediante pagamento da dívida públi-ca, a listagem também deverá conter:I - data da publicação do respectivo decreto de desapro-priação do imóvel;II - data de propositura de ação de desapropriação;III - data da efetiva imissão na posse;IV - destinação do imóvel;V - justificativa da ausência de interesse na aquisição doimóvel.§ 7º Tão logo decorram os prazos previstos nos arts. 96e 98 sem que o proprietário cumpra as obrigações nelesestabelecidas, a Prefeitura deverá atualizar as infor-mações presentes na listagem.

Art. 101. Para elaboração da listagem de que trata oart. 100, a Prefeitura poderá:I - realizar levantamento para identificar os imóveis quese caracterizem como não edificados, subutilizados ounão utilizados;II - analisar indicações de imóveis e áreas feitas por pes-soas físicas e jurídicas.Parágrafo único. (VETADO) O Poder Executivo poderáescalonar, com aprovação do Conselho Municipal deHabitação, em etapas, o procedimento de notificação,incluindo obrigatoriamente terrenos localizados em ZEIS2, 3 e 5 e nos Eixos de Estruturação, dando publicidadeaos critérios de escalonamento que considerem os prin-cípios e objetivos que regem a aplicação desta lei.

Page 241: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

241Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Diante da previsão do art. 101, a prefeitura de São Paulocriou uma plataforma colaborativa em que o cidadão pode secadastrar e enviar os dados das áreas que não estão sendo utili-zadas conforme os moldes estabelecidos pelo Plano Diretor.

A prefeitura, ao receber as informações, irá verificá-las, e,caso sejam verídicas, o imóvel será cadastrado. A partir de então,o imóvel será demarcado no mapa existente na plataforma, pos-sibilitando o acompanhamento das medidas tomadas pelo mu-nicípio.

Frisa-se que ainda ocorrerá uma análise acerca do cabimen-to da imposição de parcelar, edificar ou utilizar, que pode seracompanhada pelos cidadãos através da plataforma digital des-de o momento da demarcação do bem.

Caso o imóvel demarcado seja realmente notificado peloórgão municipal, haverá a sua inclusão em outra plataforma,chamada de “Geosampa”.

Assim sendo, resta claro que o instrumento do parcelamento,uso e edificação compulsórios neste plano diretor tem capacida-de de ser aplicável, uma vez que independe de outras leis, alémde possuir formas pioneiras de fiscalização, como a plataformadigital supramencionada.

5.2 O instituto no Plano Diretor de Belo Horizonte

No Plano Diretor do município de Belo Horizonte, Leinº 7.165, o instrumento do parcelamento, utilização e edificaçãocompulsórios aparece nos artigos 74-B a 74-E.

Verifica-se que os arts. 74-C7 e 74-E8 delimitam as áreas deaplicação do instituto, bem como as vedações à sua imposição,possibilitando a identificação das zonas em que o ônus poderáser imposto.

7 “Art. 74-C. A aplicação dos instrumentos previstos no caput do art. 74-Bdesta Lei é válida em todo o território do Município, exceto nas ZPAMs, ZPs-1 e ZPs-2.Parágrafo Único. A aplicação, nas ZARs, dos instrumentos previstos no caputdo art. 74-B desta Lei deverá observar as características da área relativas àcapacidade da infraestrutura, e aos aspectos ambientais e de sistema viário,nos termos do regulamento. (Redação acrescida pela Lei nº 9959/2010).”

8 “Art. 74-E. A incidência do instrumento de parcelamento, edificação ou uti-lização compulsórios fica vedada no caso de:I - gleba ou lote onde haja impossibilidade técnica de implantação deinfraestrutura de saneamento e de energia elétrica;II - gleba ou lote com impedimento de ordem legal ou ambiental;III - gleba que não tenha acesso por logradouro pavimentado e pertencentea parcelamento aprovado. (Redação acrescida pela Lei nº 9959/2010).”

Page 242: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

242 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

No art. 74-D9 da Lei nº 7.165, são apresentados parâmetrosobjetivos para que se possa caracterizar um imóvel como nãoutilizado e subutilizado, incluindo na categoria dos não utiliza-dos aqueles que não foram edificados, o que viabiliza a identi-ficação dos bens sujeitos à imposição de parcelar, utilizar eedificar.

Comparando tal artigo com o art. 95 do Plano Diretor deSão Paulo constata-se que o prazo para caracterização de umimóvel como não utilizado é mais rígido neste, uma vez que énecessária a verificação do não uso a partir de um ano, enquan-to no da capital mineira tal prazo é de no mínimo cinco anos.Tal rigidez deve ser vista de forma positiva, uma vez que ampliaas possibilidades de imposição do instrumento e inibe a existên-cia de regiões vazias.

Diferentemente do Plano de São Paulo, não há no de BeloHorizonte os prazos para o cumprimento da obrigação nem asformas de notificação, devendo ser aplicado o art. 5º, §§ 3º e 4ºdo Estatuto da Cidade.

Cabe mencionar que existem dois projetos de lei tramitan-do na câmara de Belo Horizonte acerca da temática aqui abor-dada, quais sejam o PL 1.749, que corresponde ao plano diretor,e o PL 1.750, que trata das ferramentas de política urbana apre-sentadas no projeto de plano diretor.

A imposição de parcelar, edificar e utilizar é abordada noPL 1.749, a partir do seu art. 8º10, podendo o instrumento ser

9 “Art. 74-D. Para os efeitos desta Seção, considera-se:I - imóvel não utilizado:a) gleba não parcelada e o lote não edificado;b) edificação que esteja abandonada ou sem uso comprovado há mais de 5(cinco) anos;c) a edificação caracterizada como obra paralisada, entendida como aquelaque não apresente Alvará de Construção em vigor e não possua Certidão deBaixa de Construção;II - imóvel subutilizado: o lote com área total edificada inferior ao aproveita-mento mínimo deste, definido pela fórmula “Área do lote x Coeficiente deAproveitamento Básico x 0,15”.Parágrafo Único. Não serão considerados subutilizados os lotes ocupadospor uso não residencial com área total edificada inferior ao definido noinciso II do caput deste artigo, desde que a atividade exercida no local façauso de toda a área não construída existente. (Redação acrescida pela Leinº 9959/2010).”

10 “Art. 8°. O Executivo pode determinar o parcelamento, a edificação ou autilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou nãoutilizado, observadas a capacidade de suporte e as diretrizes da políticaurbana das diferentes porções do território municipal, visando ao cumpri-mento da função social.

Page 243: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

243Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

aplicado nos locais ali apontados. Destaca-se que tal artigo ébem parecido com os artigos 74-C e 74-E do plano em vigência,porém o PL 1.750, em seu art. 2º11, complementa o art. 8º, tra-zendo as áreas prioritárias de aplicação da imposição.

A definição como imóvel subutilizado e não utilizado, in-cluindo nessa categoria os não edificados, é apresentada nosartigos 9º12 e 10º13 do projeto de lei, sendo mais esmiuçada do

§ 1° - Fica autorizada a aplicação dos instrumentos de que trata o caputdeste artigo em todo o território do Município, observados os requisitospara sua instituição constantes da legislação federal, bem como o que dispu-ser lei específica que os regulamente.§ 2° - Excetuam-se do disposto no § 1° deste artigo as áreas para as quaisnão há previsão de coeficiente de aproveitamento mínimo - CAmin, nasquais somente poderá se exigir a utilização compulsória de edificações exis-tentes, vedadas as demais hipóteses de aproveitamento impositivo dos re-feridos inseridos em tais áreas.§ 3° - O instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsóriosnão será aplicado:I - à gleba ou ao lote no qual haja impossibilidade técnica de implantação deinfraestrutura de saneamento e de energia elétrica;II - à gleba ou ao lote com impedimento de ordem ambiental à sua ocupaçãoou utilização;III - à gleba que não tenha acesso por sistema de circulação implantado;IV - a outros casos previstos em legislação específica.”

11 “Art. 2°. O parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solourbano não edificado, não utilizado ou subutilizado, poderá ser determina-do pelo Executivo, respeitado o Plano Diretor do Município e observadas acapacidade de suporte e as diretrizes da política urbana, as potencialidadese as características das diferentes porções do território municipal.§ 1° - A aplicação dos instrumentos previstos no caput deste artigo é admiti-da em todo o território municipal, sendo prioritária para as seguintes por-ções territoriais:I - áreas especiais de interesse social - Aeis-1;II - áreas classificadas com categorias de estruturação urbana de ocupaçãopreferencial;III - áreas classificadas com categoria complementar de centralidade regio-nal e intermediária não demarcadas como áreas de operação urbana con-sorciada;IV - áreas classificadas com as categorias complementares de área de gran-des equipamentos econômicos - Agee.§ 2° - São prioridade para aplicação de instrumentos de utilização compulsó-ria os imóveis localizados na Área Central e em terrenos lindeiros a eixos detransporte coletivo.§ 3° - O Executivo deverá dar publicidade aos atos relativos à aplicação doparcelamento, da edificação e da utilização compulsórios.”

12 “Art. 9°. Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel subutilizado:I - aquele cujo potencial construtivo praticado seja inferior à multiplicação daárea do terreno pelo CAmin;

Page 244: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

244 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

que aquela apresentada no atual plano. Além disso, neste é re-duzido o extenso prazo de cinco anos para caracterização deum imóvel como não utilizado, fixando-o em dois anos.

Observa-se que o PL 1.749 não trata a respeito da forma denotificação do proprietário para cumprir a obrigação nem dosprazos para o seu cumprimento, sendo estes apresentados nosart. 3º14 e 4º15 do PL 1.750.

II - o imóvel inserido na categoria de estruturação urbana Ocupação Prefe-rencial3 - OP-3 - que, utilizado como estacionamento de veículos, não atendaa, pelo menos, uma das seguintes condições:a) constitua edifício-garagem com área edificada igual ou superior à multi-plicação do coeficiente de aproveitamento básico - CAbas - pela área doterreno;b) esteja associado a uma ou mais atividades com área utilizada igual ousuperior àquela ocupada pela atividade de estacionamento.§ 1° - Não se considera subutilizado o terreno que abrigue uso não residencialcom área líquida edificada inferior ao definido no inciso I do caput desteartigo, desde que a área não ocupada do terreno seja essencial ao exercícioda atividade.§ 2° - Aos imóveis identificados no inciso II do caput deste artigo, aplicam-seos parâmetros urbanísticos previstos no item 1 da tabela 37. A do Anexo XVdesta Lei.§ 3° - Contra o ato administrativo que declarar imóvel como subutilizadocaberá recurso ao Conselho Municipal de Política Urbana - Compur.”

13 “Art. 10º. Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel não utilizado:I - a gleba não parcelada e o lote não edificado;II - o imóvel abandonado, nos termos do art. 1.276 do Código Civil;III - o imóvel edificado sem uso comprovado há mais de 2 (dois) anos;IV - o imóvel inserido em edificação caracterizada como obra paralisada,entendida como aquela que não apresente alvará de construção em vigor enão possua certidão integral de baixa de construção.§ 1° - Regulamento disporá sobre os critérios para enquadramento de imó-veis no disposto no inciso III do caput deste artigo, visando a coibir a retençãoespeculativa dos mesmos.§ 2° - Contra o ato administrativo que declarar imóvel como não utilizadocaberá recurso ao Conselho Municipal de Política Urbana - Compur.”

14 “Art. 3°. O Executivo notificará o proprietário do imóvel para parcelar, edificarou utilizar o imóvel, devendo a notificação ser averbada no cartório de regis-tro de imóveis.§ 1° - A notificação far-se-á:I - por funcionário do órgão competente do Executivo, ao proprietário doimóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes degerência geral ou administração;II - por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação naforma prevista no inciso I deste parágrafo.§ 2° - Uma vez promovido, pelo proprietário, o adequado aproveitamentodo imóvel em conformidade com o disposto na legislação municipal, caberáao Executivo efetuar o cancelamento da averbação prevista no caput desteartigo.”

Page 245: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

245Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Os prazos fixados no art. 4º do projeto supramencionado,além de impor limite temporal para que o proprietário cumpra aobrigação, delimita prazo para que o poder público aprove oprojeto apresentado, proporcionando a garantia do interessepúblico, que muitas vezes é maculado por vontades díspares.

6 O instituto em questão na legislação de Juiz de Fora

O instrumento urbanístico do parcelamento e edificaçãocompulsórios está previsto no Plano Diretor de Juiz de Fora, Leinº 9.811, em seu art. 49. Observa-se:

Art. 49. O Parcelamento e Edificação Compulsóriosde imóveis urbanos, previstos no Art. 182, § 4º, da

15 “Art. 4º. A partir do recebimento ou da publicação da notificação para par-celar, edificar ou utilizar o imóvel, o proprietário observará os seguintesprazos e condições:I - 2 (dois) anos, contados do recebimento ou da publicação da notificaçãopara parcelar, para aprovação do projeto de parcelamento do solo segundoas regras definidas no Plano Diretor do Município;II - 1 (um) ano, contado do recebimento ou da publicação da notificação paraedificar, para aprovação do projeto de edificação segundo as regras defini-das no Plano Diretor do Município;III - 2 (dois) anos, contados da emissão do alvará de urbanização ou de cons-trução, para início das obras do empreendimento;IV - 4 (quatro) anos, contados da emissão do alvará de urbanização ou deconstrução, para a conclusão das obras, seguida da obtenção da certidão deorigem ou da certidão de baixa de construção;V - 6 (seis) meses, contados do recebimento ou da publicação da notificaçãopara utilização do imóvel ou da emissão da certidão de baixa de construçãopara efetivar a utilização da edificação, cabendo ao proprietário a compro-vação perante o Executivo.§ 1° - O protocolo do projeto de parcelamento ou de edificação suspende ocurso dos prazos de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo, respec-tivamente, e, o que lhe sobejar, recomeçará a correr do primeiro dia útilseguinte ao seu indeferimento, se for o caso.§ 2° - Os prazos de que tratam este artigo serão contados excluindo o dia docomeço e incluindo o do vencimento.§ 3° - A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posteriorà data do recebimento ou da publicação da notificação, transfere as obriga-ções de parcelamento, edificação ou utilização, sem interrupção de quais-quer prazos.§ 4° - Na hipótese do imóvel considerado subutilizado ou não utilizado apre-sentar situação de descumprimento de critérios de salubridade,habitabilidade ou segurança que os impeça do cumprimento do disposto noinciso V deste artigo, será concedido ao proprietário do imóvel:I - 6 (seis) meses para apresentação de projeto de regularização do edifício;II - 1 (um) ano para adequação da edificação aos critérios da legislação vigente.”

Page 246: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

246 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Constituição Federal, serão feitos em seguida à apli-cação do imposto territorial e/ou predial progressivo,culminando com a desapropriação mediante paga-mento em títulos da dívida pública.§ 1º O instrumento é aplicável nas áreas dotadas deinfraestrutura de saneamento básico definidas poreste PDDU, por um Plano Local de Urbanificação oupor um Projeto Geral de Urbanificação como área deespecial interesse social ou que, no zoneamentoambiental, seja considerada área urbanizada ou deconsolidação da urbanização.§ 2º Os prazos aplicáveis à imposição do instrumentoserão definidos por Lei Municipal, dentro do prazomáximo de 01 (um) ano a partir da publicação destaLei.

Conforme se verifica, a redação do artigo supracitado éomissa em relação à utilização compulsória, tendo em vista quesomente dispõe sobre a edificação e o parcelamento.

Somado a isso, a aplicação do instituto é dependente deleis municipais que sequer foram criadas, o que torna o instru-mento inaplicável, ou seja, ineficaz.

Frisa-se que o fracasso do plano é reconhecido pelo própriopoder público, como se retira da descrição apresentada no siteda prefeitura. Verifica-se:

O Plano Diretor programou a elaboração de PlanosLocais de Urbanificação – PLUs, elementos essenciaispara a plena aplicação dos instrumentos de interven-ção urbana previstos. Infelizmente, os PLUs não fo-ram desenvolvidos, impossibilitando a adequação dalegislação urbanística, em vigência desde 1986, aospropósitos do PDDU.

Além disso, a ordem de aplicação do instituto é contráriaàquela prevista no Estatuto da Cidade, pois a lei municipal pre-vê a aplicação do instrumento posteriormente à majoração daalíquota do IPTU, sendo que o Estatuto determina a aplicaçãodo parcelamento, edificação e utilização a princípio, majorandoa alíquota do imposto somente em caso de descumprimento daobrigação.

Mister esclarecer que a divergência entre a ordem de apli-cação da imposição poderia ter se dado pelo fato de a Lei nº9.811 ser anterior ao Estatuto da Cidade, porém o art. 18216 daConstituição Federal já existia quando a lei municipal foi criada,e os seus incisos nos apresentam claramente a ordem de aplica-

16 Vide referência 1.

Page 247: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

247Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

ção da imposição, razão pela qual não há justificativa para oequívoco.

Portanto, é evidente que a legislação vigente no municípiode Juiz de Fora acerca do instrumento em estudo é completa-mente deficitária, sendo impossível que o poder público impo-nha a obrigação de parcelar, edificar e utilizar compulsoriamen-te tendo por base somente o artigo mencionado.

Diante da evidente ineficácia do Plano Diretor de Juiz deFora, in casu, do instrumento do parcelamento, uso e edificaçãocompulsórios, bem como da necessidade de atualizar a lei, namedida em que esta possui mais de dez anos, se iniciou, no anode 2013, o processo de revisão do Plano Diretor de Juiz de Fora.

O anteprojeto do Plano prevê a aplicação do instrumentourbanístico em foco no seu Capítulo II, confira-se:

CAPÍTULO IIDO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO OU UTILIZAÇÃOCOMPULSÓRIOS

Art. 135. Em cumprimento à função social da proprie-dade, o Município poderá exigir que o proprietário dosolo urbano não edificado, subtilizado ou não utiliza-do promova seu adequado aproveitamento, sob penade aplicar sucessivamente os mecanismos previstosno Estatuto da Cidade, de:I - parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;II - imposto Predial e Territorial Urbano progressivono tempo;III - desapropriação, com pagamento mediante títu-los da dívida pública.

Art. 136. São passíveis de aplicação dos instrumentosprevistos no art. 135 os imóveis não edificados,subutilizados ou não utilizados situados na Macroáreade Requalificação, Consolidação e Expansão Urbana -MA1.Parágrafo único. Os Planos Regionais de EstruturaçãoUrbana indicarão as zonas em que os instrumentosreferidos no caput serão aplicados.

Art. 137. Lei municipal específica, com base nesta LeiComplementar, estabelecerá:I - critérios diferenciados de classificação dos imóveiscomo não edificados, subutilizados e não utilizados;II - definição das etapas de aplicação deste instrumentoconsiderando, dentre outros critérios, a localização,proximidade de infraestrutura implantada e a dimen-são dos lotes.§ 1º. Caberá ao Órgão de Planejamento Urbano iden-tificar os imóveis que se caracterizam como nãoedificados, subutilizados e não utilizados.

Page 248: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

248 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

§ 2º. A não ocupação dos imóveis poderá ser compro-vada, por meio de consulta às concessionárias, pela nãoutilização ou pela interrupção do fornecimento de ser-viços essenciais como água e luz.§ 3º. A classificação do imóvel como não utilizado po-derá ser suspensa devido a impossibilidades jurídicasmomentaneamente insanáveis pela simples condutado proprietário, e apenas enquanto estas perdurarem,conforme regulamentação do Poder Executivo.§ 4º. A lei municipal específica, tratada no caput desteartigo, definirá os prazos para aplicação dos instru-mentos previstos no art. 135, e que não poderão serinferiores a:I - um ano, a partir da notificação, para que sejaprotocolado o projeto no órgão municipal competen-te;II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, parainiciar as obras do empreendimento.§ 5º. Em empreendimentos de grande porte, em cará-ter excepcional, a lei municipal específica a que se re-fere o caput poderá prever a conclusão em etapas,assegurando-se que o projeto aprovado compreendao empreendimento como um todo.

Art.138. No procedimento visando à aplicação dos ins-trumentos previstos no art. 135, o proprietário seránotificado pelo Poder Executivo municipal para o cum-primento da obrigação, devendo a notificação seraverbada no cartório de registro de imóveis.§ 1º. A notificação far-se-á:I - por funcionário do órgão competente do Poder Pú-blico municipal, ao proprietário do imóvel ou, no casode este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes degerência geral ou administração;II - por edital quando frustrada, por três vezes, a ten-tativa de notificação na forma prevista pelo inc. I.§ 2º A transmissão do imóvel, por ato inter vivos oucausa mortis, posterior à data da notificação, transfe-re as obrigações de parcelamento, edificação ou utili-zação sem interrupção de quaisquer prazos.

Art.139. O Poder Público Municipal poderá realizar con-sórcio imobiliário conforme previsto no Estatuto da Ci-dade para viabilizar financeiramente o aproveitamen-to de imóveis que estejam sujeitos ao parcelamento,edificação e utilização compulsórios.

Apesar de a abordagem do instrumento estudado parecermais completa no anteprojeto do que na Lei 9.811, aquele, atéo presente momento, não passa de uma mera compilação doEstatuto da Cidade e da Constituição Federal, bastando umacomparação entre os artigos supracitados, com a redação dos

Page 249: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

249Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

arts. 5º e 6º da Lei 10.257 e do § 4º do art. 182 da nossa CartaMagna. Observa-se:

Art. 5o. Lei municipal específica para área incluída noplano diretor poderá determinar o parcelamento, aedificação ou a utilização compulsórios do solo urbanonão edificado, subutilizado ou não utilizado, devendofixar as condições e os prazos para implementação dareferida obrigação.§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo defini-do no plano diretor ou em legislação dele decorrente;II – (VETADO)§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executi-vo municipal para o cumprimento da obrigação, de-vendo a notificação ser averbada no cartório de regis-tro de imóveis.§ 3o A notificação far-se-á:I – por funcionário do órgão competente do Poder Pú-blico municipal, ao proprietário do imóvel ou, no casode este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes degerência geral ou administração;II – por edital quando frustrada, por três vezes, a ten-tativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão serinferiores a:I - um ano, a partir da notificação, para que sejaprotocolado o projeto no órgão municipal competen-te;II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, parainiciar as obras do empreendimento.§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em cará-ter excepcional, a lei municipal específica a que se re-fere o caput poderá prever a conclusão em etapas,assegurando-se que o projeto aprovado compreendao empreendimento como um todo.

Art. 6o.A transmissão do imóvel, por ato intervivos oucausa mortis, posterior à data da notificação, transfe-re as obrigações de parcelamento, edificação ou utili-zação previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupçãode quaisquer prazos.

Art. 182. [...]§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediantelei específica para área incluída no plano diretor, exi-gir, nos termos da lei federal, do proprietário do solourbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,sucessivamente, de:I - parcelamento ou edificação compulsórios;II - imposto sobre a propriedade predial e territorialurbana progressivo no tempo;

Page 250: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

250 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

III - desapropriação com pagamento mediante títulosda dívida pública de emissão previamente aprovada peloSenado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados ovalor real da indenização e os juros legais.

A proposta preliminar de plano diretor, no art. 136, dispõeque os imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizadossituados na macroárea de requalificação, consolidação e expan-são urbana serão passíveis de aplicação dos mecanismos previs-tos no art. 135 do referido anteprojeto. Porém, apesar de preverqual área será passível da imposição em comento, o seu pará-grafo único deixa sob a responsabilidade dos Planos Regionaisde Estruturação Urbana, que ainda não existem, a delimitaçãoexata das zonas em que a obrigação poderá ser imposta, tor-nando o anteprojeto dependente dos PREU (Planos Regionaisde Estruturação Urbana), ou seja, sem aplicabilidade imediata.

Tal dependência também é observada no art. 137 do pré-projeto, uma vez que os critérios de classificação dos imóveis comonão edificados, subutilizados e não utilizados, da mesma formaque as etapas de aplicação do instrumento, não são apresenta-dos sob a alegação de que serão tratados por lei específica.

É evidente que não há como impor a obrigação em tela semque o município fixe o valor do coeficiente mínimo de aprovei-tamento dos imóveis, pois este é essencial para a aferição dodevido aproveitamento e, consequentemente, para que o po-der público determine o cumprimento das diretrizes de ocupa-ção do solo.

Em consulta às propostas de alterações ao anteprojeto foiencontrada a seguinte sugestão no que tange ao art. 137:

Art. 137. Lei municipal específica, com base nesta LeiComplementar, estabelecerá:I. critérios diferenciados de classificação dos imóveiscomo não edificados, subutilizados e não utilizados;II. definição das etapas e prazos de aplicação deste ins-trumento considerando, dentre outros critérios, a loca-lização, proximidade de infraestrutura implantada e adimensão dos lotes.§ 1º. O executivo Municipal deverá apresentar a pro-posta de lei de que trata o caput do artigo, no prazomáximo de 90 dias (noventa dias), contados a partir dapromulgação da lei do Plano Diretor Participativo;§ 2º. Caberá ao Órgão de Planejamento Urbano identi-ficar os imóveis que se caracterizam como nãoedificados, subutilizados e não utilizados.§ 3º. A lista dos imóveis não edificados, subutilizadose não utilizados localizados na Macrozona de Consoli-

Page 251: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

251Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

dação e Qualificação Urbana - MZQ deve ser apresen-tada, na forma de lei, no prazo máximo de 120 dias(cento e vinte dias), contados a partir da promulga-ção da lei do Plano Diretor Participativo;§ 4º. O Executivo Municipal deverá notificar os propri-etários de todos os imóveis alvo da aplicação da lei deque trata o caput do artigo, para que deem a devidadestinação, nos termos desta Lei.§ 5º Em empreendimentos de grande porte, em cará-ter excepcional, a lei municipal específica a que serefere o caput poderá prever a conclusão em etapas,assegurando-se que o projeto aprovado compreendao empreendimento como um todo.

A alteração apresentada visa estabelecer prazos, tanto paraque seja criada a lei específica que trataria dos critérios de classi-ficação dos imóveis e das etapas de aplicação do instrumentocomo para a apresentação dos bens passíveis da imposição emquestão.

Ocorre que em relação aos prazos para o cumprimento daimposição não houve qualquer proposta de alteração, manten-do o texto idêntico ao do Estatuto da Cidade, ou seja, sem pra-zo máximo.

A existência de prazos para a criação da legislação que seráaplicável destina-se a impedir que o município simplesmentedeixe de criá-la, como ocorreu com o plano ainda vigente, po-rém não é suficiente para conferir a tão sonhada eficácia.

Ainda sobre a proposta de mudança do pré-projeto citado,importante salientar que esta não apresenta solução em relaçãoà definição do aproveitamento mínimo do imóvel para que estenão sofra a imposição de edificar, usar ou parcelar compulsoria-mente, transferindo tal função para lei específica inexistente.

Logo, apesar de existir essa proposta de mudança, pode-seconcluir que se a lei for promulgada da forma em que se encon-tra, entenda-se mera reprodução de legislação já existente, semqualquer adaptação, ou mesmo que seja acatada tal alteração,pelo menos em relação ao instrumento em análise, ela continua-rá sendo genérica, subjetiva e dependente, e, consequentemente,isenta de eficácia.

7 A comparação do instituto do parcelamento, edificação eutilização compulsórios nas legislações de Juiz de Fora, BeloHorizonte e São Paulo

Da análise dos artigos supramencionados observa-se que oinstrumento em questão é tratado de forma bem mais objetiva

Page 252: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

252 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

nos planos diretores de São Paulo e Belo Horizonte do que nalegislação de Juiz de Fora.

Verifica-se, ainda, que todas as respostas sobre o modo deaplicação do instrumento são apresentadas no plano da capitalpaulista. Além de este apresentar métodos de fiscalização documprimento da função social, uma vez que há uma plataformadigital que permite a denunciação ao poder público dos imó-veis que não estão em consonância com a política de uso e ocu-pação do solo, também permite a fiscalização das medidas queo órgão municipal tomou após ser informado.

Neste ponto, imperioso mencionar que o plano de Juiz deFora, ao revés do que prevê o de São Paulo, deixa sob a respon-sabilidade do Órgão de Planejamento Urbano a identificaçãodos imóveis que se caracterizam como não edificados,subutilizados e não utilizados, sendo que a ajuda da populaçãoneste processo seria de extrema importância.

O Plano de São Paulo, bem como a legislação de Belo Hori-zonte, delimita, claramente, quais são as áreas passíveis de apli-cação da imposição de edificar, parcelar e utilizar, enquanto ode Juiz de Fora, assim como o projeto de lei que visa a sua atua-lização, dispõe que tais áreas serão delimitadas por legislaçãoespecífica.

Frisa-se que não há problema no fato de uma lei específicatratar sobre quais áreas são vulneráveis ao instrumento. O pro-blema está no fato de essa lei não ser criada, como no caso doplano vigente em Juiz de Fora, cerceando a aplicação do instru-mento, ou ser criada sem ser discutida, objetivando interessesescusos aos da população, uma vez não foi debatida no mo-mento de elaboração do plano diretor, que é uma ótima opor-tunidade para a constatação dos anseios populares.

Mais um erro do Plano Diretor de Juiz de Fora e do projetode lei que visa a sua atualização é a inexistência de prazos máxi-mos para o cumprimento da imposição em estudo, o que não severifica no plano de São Paulo e no PL 1.749.

Além disso, a falta de parâmetros para caracterizar um imó-vel como não utilizado, subutilizado e não edificado, o que seconstata em Juiz de Fora, implica na impossibilidade de se impora obrigação.

Portanto, ao analisar a legislação das cidades paradigmas,constata-se que em Juiz de Fora o poder público carece de res-paldo legal para impor ao proprietário de um imóvel o parce-lamento, uso e edificação, uma vez que apesar de haver previ-são legal para isso, nos moldes atuais, a lei é ineficaz.

Page 253: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

253Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

Conclusão

O plano diretor é uma ferramenta de orientação doordenamento e desenvolvimento dos municípios, prevista cons-titucionalmente e disciplinada no Estatuto das Cidades, capazde fazer com que a propriedade cumpra a sua função socialmediante a aplicação dos instrumentos urbanísticos ali discipli-nados, como o parcelamento, utilização e edificação compulsó-rios.

Porém, somente a previsão legal do instrumento não é sufi-ciente, na medida em que é crucial que o plano possua eficácia,ou seja, consiga atingir o fim para o qual foi criado, sendo ca-paz de ser exigível, aplicável e executável.

Restou claro, após as considerações feitas, que o instrumen-to em estudo na legislação urbanística da cidade de Juiz de Foraé isento de eficácia, tanto no plano vigente como no projeto delei que visa a sua atualização.

A disposição do instrumento no plano vigente não trata dautilização compulsória, dispondo somente acerca da edificaçãoe do parcelamento compulsórios. Além disso, a aplicação do ins-tituto depende de lei complementar que nunca foi criada, tor-nando impossível a aplicação da imposição.

Em relação ao projeto de lei, a ineficácia perdura até o pre-sente momento pelo fato de este ser majoritariamente uma com-pilação do Estatuto da Cidade e da Constituição Federal; pordeixar a delimitação das zonas em que a obrigação será impostasob a responsabilidade de lei ainda não elaborada; por não tra-zer critérios de classificação acerca do que seria um imóvel nãoedificado, subutilizado e não utilizado; e por não apresentar oprazo máximo para o cumprimento da imposição.

Portanto, para que o instrumento possa ser aplicado no mu-nicípio de Juiz de Fora, a legislação urbanística deste deveriautilizar como paradigma a de São Paulo, obviamente respeitan-do as particularidades da cidade mineira.

Cabe esclarecer que disposição legal do instrumento em es-tudo na cidade de Belo Horizonte, até o presente momento, édeficitária, porém o projeto de lei que visa a sua atualização ébem completo e, ao que tudo indica, irá conseguir atingir osfins para os quais a lei foi criada, sendo também um ótimo exem-plo de legislação a ser seguida.

Page 254: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

BRUNA ALICE NARDY ABBUD E FREDERICO AUGUSTO D’AVILA RIANI ARTIGO

254 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Referências

BELO HORIZONTE. Lei nº 7.165,de 27 de agosto de 1996. Insti-tui o Plano Diretor do Municípiode Belo Horizonte. Disponívelem: <https://cm-belo-horizonte.j u s b r a s i l . c o m . b r / l e g i s l a c a o /237742/lei-7165-96>. Acesso em:10 maio 2017.

BELO HORIZONTE. Projeto de Leinº 1.749, de 22 de setembro de2015. Aprova o Plano Diretor doMunicípio de Belo Horizonte e dáoutras providências. Disponível em:<https://www.cmbh. mg.gov.br/ati-v idade- legis lat iva /pesquisar -proposicoes/projeto-de-lei/1749/2015>. Acesso em: 10 julho 2017.

BELO HORIZONTE. Projeto de Leinº 1.750, de 22 de setembro de2015. Regulamenta a aplicaçãodos instrumentos de política urba-na no Município de Belo Horizon-te. Disponível em: <https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-proposicoes/projeto-de-lei/1749/2015>. Acessoem: 10 julho 2017.

BRASIL. Constituição Federal de1988. Promulgada em 5 de outu-bro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acesso em: 05 maio 2017.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 dejulho de 2001. Regulamenta osarts. 182 e 183 da Constituição Fe-deral, estabelece diretrizes geraisda política urbana e dá outras pro-vidências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acessoem: 05 maio 2017.

CONSELHO NACIONAL DAS CIDA-DES. Resolução nº 34, de julhode 2005. Disponível em: <http://www.c idades .gov.br / images /s t o r i e s / A r q u i v o s C i d a d e s /A r q u i v o s P D F / R e s o l u c o e s /resolucao-34-2005_alterada.pdf>.Acesso em: 05 nov. 2017.

GEOSAMPA. Mapa digital da ci-dade de São Paulo. Disponívelem: <http://geosampa.prefeitu-ra.sp.gov.br /PaginasPubl icas /_SBC.aspx>. Acesso em: 09 maio2017.

GESTÃO URBANA SP. MapaColaborativo da Função Soci-al da Propriedade. Disponívelem: <http://mapacolaborativo.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/funcao-social/>. Acesso em: 10maio 2017.

JUIZ DE FORA. Lei nº 9.811, de27 de junho de 2000. Institui oPlano Diretor de Desenvolvimen-to Urbano de Juiz de Fora. Dispo-nível em: <http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php? cha-ve=0000023630>. Acesso em: 10jul. 2017.

JUIZ DE FORA. Plano Diretor –O PDDU 2000. Disponível em:<http://www.planodiretorpartici-pativo.pjf.mg.gov.br/plano_ dire-tor/o_pddu_2000.php>. Acessoem: 10 jul. 2017.

JUIZ DE FORA. Projeto de LeiComplementar. Dispõe sobre aPolítica de Desenvolvimento Ur-bano e Territorial, o Sistema Mu-nicipal de Planejamento do Terri-tório e a revisão do PDP/JF de Juiz

Page 255: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

255Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

O INSTITUTO DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA

de Fora conforme o disposto naConstituição Federal e no Estatu-to da Cidade e dá outras provi-dências. Disponível em: <http://www.planodiretorparticipativo.pjf.mg.gov.br/mensagem_plano_diretor_participativo.pdf>. Aces-so em: 10 jul. 2017.

LEVIN, Alexandre. Parcelamento,Utilização e Edificação Compul-sórios de Imóveis Públicos. BeloHorizonte: Fórum, 2010.

MINAS GERAIS. Tribunal de Jus-tiça do Estado de Minas Ge-rais (6. Câmara Cível). ApelaçãoCível nº 1.0024.11.269292-6/001.Apelante: Hotel Califórnia LTDA.Apelado: Município de Belo Ho-rizonte. Relatora: Des.ª SelmaMarques, Belo Horizonte, julga-mento em 29/04/2014, publicaçãoem 13/05/2014. Disponível em:<http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0024.11.269292-6%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar> Acesso em: 17 jun.2014.

PIRES, Lilian Regina GabrielMoreira. Função social da pro-priedade urbana e o plano di-retor. Belo Horizonte: Fórum,2007.

PLANO DIRETOR PARTICIPATIVOPJF. Plano Diretor – O PDDU2000. Disponível em: <http://www.planodiretorparticipativo.pjf.mg.gov.br/plano_diretor/o_pddu_2000.php>.Acesso em: 20 maio 2017.

PLANO DIRETOR PARTICIPATIVOPJF. Proposta ao anteprojeto.Disponível em: <http://www.planodiretorparticipativo.pjf.mg.gov.br/documentos/eventos/conferencia/propostas_ao_anteprojeto.xls>.Acesso em: 22 maio 2017.

SÃO PAULO. Lei nº 16.050, de31 de julho de 2014. Aprova aPolítica de Desenvolvimento Ur-bano e o Plano Diretor Estratégi-co do Município de São Paulo erevoga a Lei nº 13.430/2002. Dis-ponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/tex-to-da-lei-2/>. Acesso em: 05 maio2017.

SILVA, José Afonso da. DireitoUrbanístico Brasileiro. 7. ed.Rio de Janeiro: Malheiros, 2012.

SILVA, José Afonso da. Poderconstituinte e o poder popu-lar. 1. ed. 3. tiragem. São Paulo:Malheiros, 2007.

TEPEDINO, Gustavo. Contornosconstitucionais da propriedadeprivada. In: MENEZES, CarlosAlberto (Coord.). Estudos emhomenagem ao professorCaio Tácito. Rio de Janeiro: Re-novar, 1997.

VILLAÇA, Flávio. Uma contribui-ção para a história do planeja-mento urbano no Brasil. In: DEÁK,Csaba; SCHINFFER, Sueli Ramos.(Org.). O Processo de Urbaniza-ção no Brasil. São Paulo: Edusp,2001.

Page 256: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 257: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

PARTE 2

JURISPRUDÊNCIA

Page 258: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 259: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

259Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

EXPURGOS DE PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA. INVIABILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1668781&num_registro=201200913620&data=20180201&formato=PDF>

Superior Tribunal de Justiça

Expurgos de planos econômicos. Ação coletiva. Coisa julgada.Inviabilidade de ajuizamento de ações individuais.1

EMENTA OFICIAL

AGRAVO REGIMENTAL NOSEMBARGOS DE DECLARAÇÃO NORECURSO ESPECIAL. RECURSO IN-TERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/73. DIREITO CIVIL E PROCESSUALCIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COI-SA JULGADA. IMPEDIMENTOPARA A PROPOSITURA DE AÇÕESINDIVIDUAIS. AGRAVO REGIMEN-TAL NÃO PROVIDO.

1. Inaplicabilidade do NCPCneste julgamento ante os termosdo Enunciado Administrativo nº2 aprovado pelo Plenário do STJna sessão de 9/3/2016: Aos recur-sos interpostos com fundamentono CPC/1973 (relativos a decisõespublicadas até 17 de março de2016) devem ser exigidos os re-quisitos de admissibilidade naforma nele prevista, com as inter-pretações dadas até então pela ju-risprudência do Superior Tribunalde Justiça.

2. Discute-se, nos autos, se acoisa julgada formada na Ação Ci-vil Pública nº 98.0016021-3/PR, in-tentada pela APADECO contra oBANESTADO, poderia impedirpoupador do estado do Paraná deajuizar, posteriormente, deman-da individual com o mesmo pe-dido e causa de pedir.

3. A sentença proferida na re-ferida ação coletiva dispôs queseus efeitos alcançariam todos ospoupadores do BANESTADO doEstado do Paraná.

4. O art. 104 do CDC não sesubsume à hipótese dos autos,sendo de se reconhecer a exis-tência de coisa julgada coletivacapaz de impedir o prossegui-mento da ação individual. Pre-cedente.

4. Agravo regimental não pro-vido.

(AgRg nos EDcl no REsp1321796/PR, Rel. Ministro MOURARIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julga-do em 12/12/2017, DJe 01/02/2018)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosos autos em que são partes as aci-ma indicadas, acordam os Senho-res Ministros da Terceira Turma doSuperior Tribunal de Justiça, porunanimidade, em negar provi-mento ao agravo, nos termos dovoto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros NancyAndrighi, Paulo de TarsoSanseverino, Ricardo Villas BôasCueva e Marco Aurélio Bellizze(Presidente) votaram com o Sr.Ministro Relator.

Page 260: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

260 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Brasília, 12 de dezembro de2017(Data do Julgamento)

MINISTRO MOURA RIBEIRORelator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTROMOURA RIBEIRO(Relator):

MAURÍLIO MENDES DA SILVA(MAURÍLIO) promoveu ação derito ordinário contra CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL (CEF), pleitean-do diferenças de juros e correçãomonetária incidentes sobre depó-sitos em caderneta de poupançanos meses de maio, junho e ju-lho de 1987; dezembro de 1988;janeiro e fevereiro de 1989, mar-ço, abril e maio de 1990 e feve-reiro de 1991 (e-STJ, fls. 3/15).

A sentença julgou parcialmen-te procedentes os pedidos. Des-tacou que a conta foi encerradaem julho de 1989, razão pela qualnão haveria interesse de agir emrelação aos expurgos dos mesessubsequentes. Em seguida, conde-nou a CEF ao pagamento da dife-rença verificada entre os índicesaplicados nos meses de junho ede janeiro de 1989. Diante dasucumbência recíproca, conde-nou cada parte ao pagamento de50% das custas processuais e deupor compensados os honoráriosadvocatícios (e-STJ, fls. 209/220).

O Tribunal de origem negouprovimento ao recurso de apela-ção de MAURÍLIO e deu provi-mento ao da CEF para extinguiro processo, sem resolução demérito, na parte relativa ao perí-odo remanescente (perdasverificadas nos Planos Bresser e

Verão), tendo em vista a ocorrên-cia de coisa julgada.

O acórdão ficou assimementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECOBRANÇA. EXPURGOS INFLA-CIONÁRIOS. PLANOS BRES-SERE VERÃO. CERCEAMENTO DEDEFESA. INOCORRÊNCIA. APA-DECO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº98.0016021/PR. COISA JULGA-DA. EXTINÇÃO DO PROCESSOSEM JULGAMENTO DO MÉRI-TO. INVERSÃO DA SUCUM-BÊNCIA. PLANOS COLLOR I E II.AUSÊNCIA DE INTERESSE PRO-CESSUAL. EXTIN-ÇÃO DO PRO-CESSO SEM RESOLUÇÃO DOMÉRITO. MANUTENÇÃO DASENTENÇA.1. O juiz é soberano na análisedas provas a serem produzi-das nos autos, cabendo a eledecidir sobre a suficiência parafirmar o seu convencimento.2. Mantida a sentença que re-conheceu a ausência de inte-resse processual da autora empostular as diferenças de cor-reção monetária relativamen-te aos anos de 1.990 e seguin-tes, julgando extinto o proces-so, com fulcro no art. 267, VI,do CPC.3. O art. 16 da Lei 7.347/85 éexplícito no sentido de que “Asentença civil fará coisajulgada erga omnes, nos limi-tes da competência territorialdo órgão prolator, exceto se opedido for julgado improce-dente por insuficiência de pro-vas, hipótese em que qualquerIegitimado poderá intentaroutra ação com idêntico fun-damento, valendo-se de novaprova.”, deve se reconhecidoo trânsito em julgado na ACP

Page 261: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

261Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

EXPURGOS DE PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA. INVIABILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS

98.0016021-3/PR ajuizada pelaAPADECO, cuja sentença decla-rou o direito às diferenças nosPlanos Bresser e Verão. Assim,inexiste qualquer direito da par-te-autora de questionar taisplanos em ação individual ajui-zada posteriormente em virtu-de da ocorrência de coisajulgada na ação coletiva. Emrelação a tais valores cabeexclusivamnente execução desentença.4. Em vista da existência de coi-sa julgada na ACP 98.0016021-3/PR, ajuizada pela APADECO,com relação às perdas ocorri-das nos Planos Bresser e Verão,reforma-se a sentença para jul-gar extinto o processo, sem jul-gamento do mérito.5. Decorrentemente, conde-na-se a parte autora ao paga-mento de custas processuais ehonorários advocatícios, estesfixados em R$ 1.000,00 (um milreais), restando, suspensa, to-davia, sua exigibilidade emface da concessão do benefi-cia da MG.6. Registra-se, para fins deprequestionamento, que asentença não vulnerou o dis-posto no artigo 20, do Códigode Processo Civil.(e-STJ, fls. 305/306).

Os embargos de declaraçãoforam parcialmente acolhidos,apenas para fins de prequestio-namento (e-STJ, fls. 313/320).

MAURÍLIO interpôs, então, re-curso especial com fundamentonas alíneas a e c do permissivoconstitucional, alegando que oTribunal de origem teria divergi-do do entendimento adotado poroutros tribunais e também viola-

do os arts. 103, III, §§ 2º e 3º, e104 do CDC ao concluir que a coi-sa julgada formada na ação cole-tiva poderia impedir oprocessamento da ação individu-al com base nos mesmos fatos.

Apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 329/334), o recurso foiadmitido na origem (e-STJ, fls.335/336).

Nesta Corte Superior, a Minis-tra NANCY ANDRIGHI negou se-guimento ao recurso especial emdecisão monocrática assimindexada:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ES-PECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUI-ZADA POR ASSOCIAÇÃO CIVILEM DEFESA DE DIREITOS IN-DIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.EXPURGOS INFLACIONÁRIOSDEVIDOS EM CADERNETA DEPOUPANÇA. EFICÁCIADA DECISÃO.-A sentença genérica proferi-da na ação civil coletiva ajui-zada pela Apadeco, que con-denou o Banestado ao paga-mento dos chamados expur-gos inflacionários sobre cader-netas de poupança, dispôs queseus efeitos alcançariam todosos poupadores da instituiçãofinanceira do Estado doParaná, de modo que a alte-ração do seu alcance implica-ria vulneração da coisajulgada.-Negado seguimento ao recur-so especial. (e-STJ, fl. 343).Os embargos de declaraçãoopostos contra essa decisãoforam rejeitados (e-STJ, fls.351/352).Irresignado, MAURÍLIO inter-pôs o presente agravo regi-mental, alegando que, ao con-

Page 262: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

262 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

trário do que afirmado, nãohaveria harmonia entre oposicionamento adotado peloTribunal de origem e a orienta-ção jurisprudencial firmada porCorte Superior. Acrescentouque o acórdão recorrido nãoatenta contra a coisa julgada,tendo em vista os arts. 103, III,§§ 1º, 2º e 3º, e 104 do CDC. Apropósito, ainda reiterou odissídio jurisprudencial suscita-do no recurso especial.É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MOU-RA RIBEIRO(Relator):

De plano, vale pontuar que asdisposições do NCPC, no que serefere aos requisitos de admissi-bilidade dos recursos, sãoinaplicáveis ao caso concreto anteos termos do Enunciado Adminis-trativo n. 2 aprovado pelo Plená-rio do STJ na sessão de 9/3/2016:

Aos recursos interpostos comfundamento no CPC/1973 (re-lativos a decisões publicadasaté 17 de março de 2016) de-vem ser exigidos os requisitosde admissibilidade na formanele prevista, com as interpre-tações dadas até então pelajurisprudência do Superior Tri-bunal de Justiça.

Discute-se, nos autos, se a coi-sa julgada formada na Ação CivilPública nº 98.0016021-3/PR, inten-tada pela APADECO, poderia im-pedir poupador do estado doParaná de ajuizar, posteriormen-te, demanda individual com oobjetivo de receber diferenças de

correção monetárias relativas amarço, abril e maio de 1990 e fe-vereiro de 1991.

Na Ação Civil Pública nº98.0016021-3/PR, intentada pelaAPADECO, a CEF foi condenada adepositar, nas contas de caderne-tas de poupança por ela mantidas,o valor da diferença apurada en-tre o que foi efetivamente credi-tado e o que deveria ter sido pagode acordo com o IPC, em razão dosplanos econômicos Bresser (junhode 1987) e Verão (janeiro de 1989).

Ocorre que, posteriormente,MAURÍLIO ajuizou ação individu-al autônoma, com o mesmo pe-dido e causa de pedir.

Confira-se, nesse sentido, a se-guinte passagem da petição ini-cial.

e) Seja a ação julgada proce-dente, condenando-se a ré,com relação às contas inicia-das ou renovadas entre os dias01 e 15 de cada mês, ao paga-mento da diferença do índicedos juros e da correção mone-tária de acordo com o IPC apu-rado no período: 26,06% emjunho/87, 42,72%, janeiro/89,84,32% em março/90, 44,80%em abril/90, 7,87% em maio90 e 21,87% em fevereiro/91mais juros de 1 % ao mês, de-vendo ser corrigido até a datado efetivo pag’mento, na for-ma da Lei 6.899/81, a contarda data em que era devido,com a aplicação de jurosmoratórios e compensatóriose a devida correção monetá-ria, consubstanciando-se no va-lor total que será apurado emsede de liquidação de senten-ça (e-STJ, fl. 15).

Page 263: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

263Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

EXPURGOS DE PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA. INVIABILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS

A sentença, conforme relata-do, extinguiu o pedido por faltade interesse de agir em relaçãoaos expurgos posteriores a julhode 1989, mas concedeu osexpurgos relativos aos planosBresser (junho de 1987) e Verão(janeiro de 1989).

O TRF da 4ª Região deu pro-vimento ao apelo da CEF, reco-nhecendo a existência de coisajulgada em relação ao períodocontemplado pela sentença e,em função disso, extinguiu oprocesso.

Nas razões do recurso especi-al, MAURÍLIO afirmou, com fun-damento nos arts. 103, III, §§ 1º,2º e 3º, e 104 do CDC, e tambémno entendimento fixado pela Se-gunda Seção, no julgamento doCC nº 48.106/DF, que a coisajulgada formada na ação coleti-va não impediria a propositura daação individual.

No enfrentamento do tema épreciso destacar, em primeiro lu-gar, que esta Corte Superior, nojulgamento de recurso repetitivo,já assentou que a decisãoverificada naquela ação coletivaaproveitou todos os poupadoresdo Estado do Paraná.

Confira-se:

DIREITO PROCESSUAL. RECUR-SO REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC).DIREITOS METAINDIVIDUAIS.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APA-DECO BANESTADO. EXPUR-GOS INFLACIONÁRIOS. EXE-CUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVI-DUAL. FORO COMPETENTE.ALCANCE OBJETIVO E SUBJE-TIVO DOS EFEITOS DA SEN-

TENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃOTERRITORIAL. IMPROPRIEDA-DE. REVISÃO JURISPRUDEN-CIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCI-ADOS. INVIABILIDADE. OFEN-SA À COISA JULGADA.1. Para efeitos do art. 543-Cdo CPC: 1.1. A liquidação e aexecução individual de senten-ça genérica proferida em açãocivil coletiva pode ser ajuizadano foro do domicílio dobeneficiário, porquanto osefeitos e a eficácia da senten-ça não estão circunscritos alindes geográficos, mas aos li-mites objetivos e subjetivos doque foi decidido, levando-seem conta, para tanto, semprea extensão do dano e a quali-dade dos interesses metain-dividuais postos em juízo (arts.468, 472 e 474, CPC e 93 e 103,CDC).1.2. A sentença genérica pro-ferida na ação civil coletivaajuizada pela Apadeco, quecondenou o Banestado ao pa-gamento dos chamados ex-purgos inflacionários sobrecadernetas de poupança, dis-pôs que seus efeitos alcança-riam todos os poupadores dainstituição financeira do Esta-do do Paraná. Por isso descabea alteração do seu alcance emsede de liquidação/execuçãoindividual, sob pena de vul-neração da coisa julgada. As-sim, não se aplica ao caso a li-mitação contida no art. 2º-A,caput, da Lei n. 9.494/97.2. Ressalva de fundamentaçãodo Ministro Teori Albino Zavas-cki.3. Recurso especial parcialmen-te conhecido e não provido.(REsp 1.243.887/PR, Rel. Minis-tro LUIS FELIPE SALOMÃO,Corte Especial, DJe 12/12/2011)

Page 264: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

264 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

É possível afirmar, assim, que,pelo menos em relação aosexpurgos relativos a julho de 1987(Plano Bresser) e janeiro de 1989(Plano Verão), a sentença transi-tada em julgado que foi proferi-da na ação coletiva efetivamenteaproveitou ao autor da ação in-dividual, MAURÍLIO.

De rigor, portanto, reconhecera existência de coisa julgada, in-clusive porque essa circunstâncianão foi contestada nas razões dorecurso especial. Com efeito, aúnica coisa que se alega no apeloextremo é que referida coisajulgada, em casos como o dosautos, não conduziria à extinçãodo processo, devendo ser assegu-rado ao consumidor, com funda-mento nos arts. 103, III, §§ 1º, 2ºe 3º, e 104 do CDC, prosseguircom a demanda individual.

De acordo com MAURÍLIO, essapossibilidade teria sido reconheci-da no julgamento do CC 48.106/DF,Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,Rel. p/ Acórdão Ministro TEORIALBINO ZAVASCKI, Primeira Seção,DJ 5/6/2006, assim ementado naparte em que interessa:

PROCESSO CIVIL. CONFLITO DECOMPETÊNCIA. DEMANDASCOLETIVAS E INDIVIDUAISPROMOVIDAS CONTRA AANATEL E EMPRESAS CONCES-SIONÁRIAS DE SERVIÇO DE TE-LEFONIA. CONTROVÉRSIARESPEITO DA LEGITIMIDADEDA COBRANÇA DE T A R I F ADE ASSINATURA BÁSICA NOSSERVIÇOS DE TELEFONIA FIXA.(...)5. Considera-se existente, po-rém, conflito positivo de com-

petência ante a possibilidadede decisões antagônicas noscasos em que há processos cor-rendo em separado, envolven-do as mesmas partes e tratan-do da mesma causa. É o queocorre, freqüentemente, coma propositura de ações popu-lares e ações civis públicas re-lacionadas a idênticos direitostransindividuais (= indivisíveise sem titular determinado),fenômeno que é resolvido pelaaplicação do art. 5º, § 3º, daLei da Ação Popular (Lei 4.717/65) e do art. 2º, parágrafo úni-co, da Lei da Ação Civil Pública(Lei 7.347/85), na redaçãodada pela Medida Provisória2.180-35/2001.6. No caso dos autos, porém, oobjeto das demandas são di-reitos individuais homogêne-os (= direitos divisíveis,individualizáveis, pertencen-tes a diferentes titulares). Aocontrário do que ocorre comos direitos transindividuais —invariavelmente tutelados porregime de substituição proces-sual (em ação civil pública ouação popular) —, os direitos in-dividuais homogêneos podemser tutelados tanto por açãocoletiva (proposta por substi-tuto processual), quanto poração individual (proposta pelopróprio titular do direito, aquem é facultado vincular-seou não à ação coletiva). Do sis-tema da tutela coletiva, disci-plinado na Lei 8.078/90 (Códi-go de Defesa do Consumidor -CDC, nomeadamente em seusarts. 103, III, combinado comos §§ 2º e 3º, e 104), resulta(a) que a ação individual podeter curso independente daação coletiva; (b) que a açãoindividual só se suspende por

Page 265: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

265Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

EXPURGOS DE PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA. INVIABILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS

iniciativa do seu autor; e (c)que, não havendo pedido desuspensão, a ação individualnão sofre efeito algum do re-sultado da ação coletiva, ain-da que julgada procedente. Sea própria lei admite a convi-vência autônoma e harmôni-ca das duas formas de tutela,fica afastada a possibilidadede decisões antagônicas e,portanto, o conflito.(CC 48.106/DF, Rel. MinistroFRANCISCO FALCÃO, Rel. p/Acórdão Ministro TEORIALBINO ZAVASCKI, PrimeiraSeção, DJ 5/6/2006 – sem des-taques no original).

Uma leitura mais açodada des-sa ementa parece mesmo corro-borar a tese deduzida no recursoespecial. Analisando com aten-ção, é possível concluir, porém,que as teses jurídicas fixadas nãotêm aplicação ao caso dos autos.

A orientação assinalada de que(a) a ação individual pode ter cur-so independente da ação coleti-va não é relevante para o julga-mento do presente processo por-que não se tem, aqui, duas açõestramitando simultaneamente,uma coletiva e outra individual.

A assertiva de que (b) que aação individual só se suspendepor iniciativa do seu autortampouco pode ser invocada,porque não se discute, no caso, asuspensão da ação individual,mas sim a sua extinção pela coisajulgada.

Por fim, a conclusão de que (c)não havendo pedido de suspen-são, a ação individual não sofreefeito algum do resultado da açãocoletiva, ainda que julgada pro-

cedente , deve ser compreendidae aplicada no contexto fático ima-ginado pelo art. 104 do CDC eressaltado pelos itens a e b, ante-riores. Com efeito, a possibilida-de de a ação individual prosse-guir independentemente do trâ-mite e do próprio resultado deprocedência da ação coletiva ape-nas ocorrerá quando a ação indi-vidual houver sido proposta an-tes do ajuizamento da ação cole-tiva e, nela, não vem a ser apre-sentado pedido de suspensão dofeito. Nessa hipótese, o legisladordá a entender que o autor da de-manda individual assume o riscode sua pretensão ser julgada im-procedente.

O afastamento da coisajulgada somente ocorre, portan-to, quando o autor individual dedemanda contemporânea à cole-tiva deixar de requerer a suspen-são do processo individual, apósnotificado da propositura da de-manda coletiva (art. 104 do CDC).

No caso dos autos, a situaçãoé diversa. Aqui, a ação individu-al foi proposta após o trânsito emjulgado da sentença prolatada naação coletiva, que certificou omesmo direito reivindicado naação individual. Permitir, em umasituação como essa, o ajuiza-mento de uma nova demanda,com o mesmo pedido, por quemjá é beneficiado pela sentençaproferida na ação civil pública,depõe contra o princípio da eco-nomia e constitui medida abso-lutamente contraproducente.

Convém ressaltar que o insti-tuto da coisa julgada, além desua função de pacificação social,

Page 266: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

266 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

é também limitador da funçãojurisdicional, oferecendo barrei-ra, em regra, intransponível, àjurisdição estatal. Assim, mesmoquando recaia o provimentojurisdicional sobre direitos dispo-níveis, não poderá o Judiciárioemitir novo entendimentojurisdicional sobre a mesma rela-ção jurídica acertada, seja nomesmo processo, seja em proces-so novo.

A Terceira Turma, desta Corte,em julgado recente, decidiu que,tramitando simultaneamente, ocumprimento individual de sen-tença coletiva e a ação individu-al de cobrança, deve a parte in-teressada noticiar nos autos des-se último processo a existência decoisa julgada para que ele sejaextinto.

Anote-se, a propósito a emen-ta desse julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROCES-SUAL CIVIL. CONSUMIDOR. PE-DIDO DE CUMPRIMENTO INDI-VIDUAL DE SENTENÇA COLE-TIVA. AÇÃO DE CONHECIMEN-TO INDIVIDUAL. CONCOMI-TÂNCIA. LITISPENDÊNCIANÃO CARACTERIZADA. AU-SÊNCIA DE TRÍPLICE IDENTI-DADE. COISA JULGADA MA-TERIAL COLETIVA. IMPOSSIBI-LIDADE DE NOVO JULGA-MENTO POSTERIOR. RECURSOESPECIAL DESPROVIDO.1. Nos termos do art. 104 doCódigo de Defesa do Consumi-dor, adotou-se, no Brasil, o sis-tema opt out para alcance dosefeitos da coisa julgada ergaomnes produzida no julga-mento de procedência dasações coletivas de tutela de

direito individual homogêneo,ao mesmo tempo em que seafastou, expressamente, a ca-racterização de litispendência,mesmo porque ausente atríplice identidade dos ele-mentos da ação.2. Inexistindo pendência de jul-gamento individual à época dojulgamento coletivo, não háque se cogitar de afastamen-to da coisa julgada por meraaplicação do art. 104 do CDC.3. A coisa julgada material,além de consistir em importan-te instrumento de segurançajurídica e pacificação social,obsta ao Poder Judiciário areapreciação da relação jurí-dica material acertada.4. Havendo coisa julgada ma-terial, compete ao réu (arts.301, VI, do CPC/1973 e 337, VII,do CPC/2015) sua alegação pe-rante o Juízo competente parajulgamento de mesma relaçãojurídica material, in casu, oJuízo perante o qual tramitaa ação de conhecimento.5. Recurso especial conhecidoe desprovido.(REsp 1.620.717/RS, Rel. Minis-tro MARCO AURÉLIO BELLI-ZZE, Terceira Turma, DJe 23/10/2017)

Do inteiro teor desse acórdão,extrai-se, ainda, o seguinte:

Assim, a partir de qualquerprisma, fica evidente a inapli-cabilidade do comando do art.104 do Código de Defesa doConsumidor à hipótese dos au-tos. É de se notar, com efeito,que cabia ao recorrente plei-tear, na ação de conhecimen-to, a suspensão do processoaté que se ultimasse a decisão

Page 267: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

267Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

EXPURGOS DE PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA. INVIABILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS

judicial acerca do alcance dorecorrido naquele títuloexequendo, se dúvida existia,para, então, aduzir a existên-cia de coisa julgada material aimpor extinção daquele pro-cesso. O caminho inverso emnada abala a tramitação dapresente execução, que deve-rá acertar a inclusão do recor-rido no âmbito de alcance dotítulo coletivo e individualizar-lhe, por fim, o direito tutela-do.

Ressalte-se que, no caso, as ra-zões do recurso especial não ale-garam que o pedido da ação in-dividual era mais amplo do queo da ação coletiva por envolverjuros remuneratórios, por exem-plo. Também não alegou que oconsumidor teria alguma outravantagem com o ajuizamento daação individual, como a supera-ção da prescrição, por exemplo.

Nessas condições, NEGO PRO-VIMENTO ao agravo regimental.

Advirta-se que eventual recur-so interposto contra esta decisãoestará sujeito às normas do NCPC,inclusive no que tange ao cabi-mento de multa (arts. 1.021, § 4ºe 1.026, § 2º).

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia TERCEI-RA TURMA, ao apreciar o proces-so em epígrafe na sessão realiza-da nesta data, proferiu a seguin-te decisão:

A Turma, por unanimidade,negou provimento ao agravo,nos termos do voto do Sr. Minis-tro Relator. Os Srs. MinistrosNancy Andrighi, Paulo de TarsoSanseverino, Ricardo Villas BôasCueva e Marco Aurélio Bellizze(Presidente) votaram com o Sr.Ministro Relator.

Page 268: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 269: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

269Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

Tribunal Superior do Trabalho

Contrato de prestação de serviços. Ente público. Responsabilidadesubsidiária não reconhecida. Fiscalização comprovada.1

EMENTA OFICIAL

I - AGRAVO DE INSTRUMENTODO RECLAMANTE. RECURSO DEREVISTA. LEI Nº 13.015/2014. INS-TRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DOTST. ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. ENTE PÚBLICO. RESPONSA-BILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RE-CONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COM-PROVADA NOS AUTOS.

1 - No recurso de revista, fo-ram atendidos os requisitos doart. 896, § 1.º-A, da CLT.

2 - No caso, o TRT consignouque "Os documentos apresenta-dos nos autos juntamente com acontestação da Caixa EconômicaFederal, afinal, revelam que atomadora sempre acompanhoude perto o pagamento dos salári-os, recolhimentos previdenciáriose do FGTS, tanto que nas ocasi-ões em que a empregadora nãohonrou com suas obrigações, atomadora dos serviços assumiu opagamento dos trabalhadores.Tendo se tornado recorrente aconduta da empregadora em nãorealizar o pagamento dos salári-os, a Caixa Econômica providen-ciou a rescisão unilateral do con-trato de prestação de serviços, im-

1 Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acor-dao.do?anoProcInt=2017&numProcInt=228110&dtaPublicacaoStr=02/03/2018%2007:00:00&nia=7079312>

pondo à prestadora a penalidadede suspensão temporária de par-ticipação em licitação e impedi-mento de contratar com a CAIXApelo prazo de dois anos.".

3 - Assim, concluiu que há pro-va nos autos de que o ente públi-co exerceu efetiva fiscalizaçãoquanto ao cumprimento das obri-gações trabalhistas por parte daempresa prestadora de serviços,o que, conforme entendimentodo STF seguido por esta Corte, nostermos da Súmula nº 331 do TST,impede o reconhecimento da pre-tendida responsabilidade subsidi-ária.

4 - Quanto às provas, aplica-sea Súmula n.º 126 do TST.

5 - No mais, a decisão do Regi-onal está em sintonia com aSúmula nº 331, IV e V, do TST e adecisão do Pleno do STF, o conhe-cimento do recurso de revista en-contra óbice no § 7º do artigo 896da CLT.

6 - A incidência das Súmulasnº 126 e 331 do TST e do § 7º doartigo 896 da CLT afasta a viabili-dade do conhecimento do recur-so de revista com base na funda-mentação jurídica invocada pelaparte. 7 - Agravo de instrumento

Page 270: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

270 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

a que se nega provimento. II -RECURSO DE REVISTA DO RECLA-MANTE. LEI Nº 13.015/2014. INS-TRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DOTST. ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS. ATRASO NO PAGAMEN-TO DE SALÁRIO E DAS VERBASRESCISÓRIAS. 1 - No recurso de re-vista, foram atendidos os requisi-tos do art. 896, § 1.º-A, da CLT. 2 -Em relação às verbas rescisórias,conforme jurisprudência desta Cor-te, o deferimento de indenizaçãopor danos morais com base emmera presunção da ocorrência defatos danosos não é cabível. É ne-cessária a comprovação de aomenos algum fato objetivo doqual se pudesse inferir que hou-ve abalo moral, o que não ocor-reu no caso, segundo o TRT. Nes-se contexto, o que gera o danonão é a mora em si, mas as cir-cunstâncias nas quais se configu-rou, e/ou as consequências even-tualmente advindas desse atraso,como, por exemplo, a inscriçãodo devedor em cadastros deinadimplência, entre outros ca-sos. Julgados. 3 - Já em relaçãoao pagamento dos salários, estaTurma entende que o atraso rei-terado no pagamento dos salári-os enseja o pagamento de inde-nização a título de dano moral,pois, nesse caso, o dano moralverifica-se in re ipsa, hipótese emque se exige tão somente a pro-va dos fatos que ensejam o pedi-do indenizatório. 4 - Com efeito,a Constituição Federal, especial-mente em seu artigo 5º, incisos Ve X, estabeleceu o dano moralcomo ilícito passível de repara-

ção, a exemplo daqueles causa-dos à honra, intimidade e ima-gem do indivíduo, expressões pró-prias dos direitos da personalida-de. 5 - As previsões do artigo 5º,incisos V e X, aliadas ao caráterprotetivo do Direito do Trabalhoe às demais garantias expressas daCarta Magna, relativas à nature-za de direito social fundamentaldo trabalho e das necessidadesbásicas que ele viabiliza (saúde,moradia, lazer, etc.), levam aodever de indenizar, em caso comoo dos autos. 6 - O fato de o em-pregado estar privado, ainda quetemporariamente, dos recursosnecessários à sua subsistência,considerando principalmenteque o salário tem natureza ali-mentar e recebe especial prote-ção constitucional, revela a gra-vidade do fato e o prejuízo cau-sado ao trabalhador.

7 - Nesse mesmo sentido foramproferidos os julgados da SBDI-1do TST.

8 - No caso concreto, o TRT nãorejeitou o pedido de indenizaçãopor danos morais decorrentes doreiterado atraso de salários porfalta de prova dos fatos alegadospelo reclamante, mas, sim, porfalta de prova dos prejuízos ma-teriais decorrentes dos fatos ale-gados - o que é inexigível, namedida em que, como já referi-do, o pedido é de indenizaçãopor danos imateriais, constatáveisin re ipsa.

9 - Caracterizada, portanto, aconduta ilícita patronal e de-monstrados os pressupostos paraa responsabilização civil (ação ouomissão culposa ou dolosa do

Page 271: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

271Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

agente, nexo de causalidade edano experimentado pela vítima),é devida a indenização por danomoral postulada, comportandoconhecimento o apelo por diver-gência jurisprudencial.

10 - Nesse passo, cumpre assi-nalar que, na fixação do montan-te da indenização por danos mo-rais, devem ser levados em consi-deração os critérios daproporcionalidade, darazoabilidade, da justiça e daequidade, não havendo norma le-gal que estabeleça a forma de cál-culo a ser utilizada para resolvera controvérsia, pois o artigo 944do Código Civil apenas estabele-ce que a indenização é medidapela extensão do dano.

11 - A par dessas considerações,de acordo com o entendimentodoutrinário e jurisprudencial, nafixação do montante devem serobservados os seguintes objetivos:compensar a vítima pela lesão aodireito da personalidade e servircomo medida pedagógica aoofensor.

12 - A partir do quadro fáticodescrito no acórdão recorrido, ali-ado ao fato de que foi reconheci-da a rescisão indireta, com base noart. 483, d, da CLT, em razão doreiterado atraso no pagamento dossalários, arbitra-se o montante daindenização por danos morais emR$ 5.000,00 (cinco mil reais).

13 - Recurso de revista a quese dá provimento.

(ARR - 24722-76.2015.5.24.0003,Relatora: Ministra Kátia MagalhãesArruda, Data de Julgamento: 28/02/2018, 6ª Turma, DEJT 02/03/2018)

ACÓRDÃO(6ª Turma)GMKA/tps

I - AGRAVO DE INSTRUMEN-TO DO RECLAMANTE. RE-CURSO DE REVISTA. LEI Nº13.015/2014. INSTRUÇÃONORMATIVA Nº 40 DO TST.ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. ENTE PÚBLICO. RES-PONSABILIDADE SUBSIDIÁ-RIA NÃO RECONHECIDA. FIS-CALIZAÇÃO COMPROVADANOS AUTOS.1 - No recurso de revista, fo-ram atendidos os requisitos doart. 896, § 1.º-A, da CLT.2 - No caso, o TRT consignouque “Os documentos apresen-tados nos autos juntamentecom a contestação da CaixaEconômica Federal, afinal, re-velam que a tomadora sem-pre acompanhou de perto opagamento dos salários, reco-lhimentos previdenciários e doFGTS, tanto que nas ocasiõesem que a empregadora nãohonrou com suas obrigações,a tomadora dos serviços assu-miu o pagamento dos traba-lhadores. Tendo se tornado re-corrente a conduta da empre-gadora em não realizar o pa-gamento dos salários, a CaixaEconômica providenciou a res-cisão unilateral do contrato deprestação de serviços, impon-do à prestadora a penalidadede suspensão temporária departicipação em licitação e im-pedimento de contratar coma CAIXA pelo prazo de doisanos.”.3 - Assim, concluiu que háprova nos autos de que oente público exerceu efeti-

Page 272: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

272 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

va fiscalização quanto aocumprimento das obriga-ções trabalhistas por parteda empresa prestadora deserviços, o que, conformeentendimento do STF se-guido por esta Corte, nostermos da Súmula nº 331 doTST, impede o reconheci-mento da pretendida res-ponsabilidade subsidiária.4 - Quanto às provas, aplica-sea Súmula n.º 126 do TST.5 - No mais, a decisão do Regi-onal está em sintonia com aSúmula nº 331, IV e V, do TST ea decisão do Pleno do STF, o co-nhecimento do recurso de re-vista encontra óbice no § 7º doartigo 896 da CLT.6 - A incidência das Súmulas nº126 e 331 do TST e do § 7º doartigo 896 da CLT afasta a via-bilidade do conhecimento dorecurso de revista com base nafundamentação jurídicainvocada pela parte.7 - Agravo de instrumento aque se nega provimento.

II - RECURSO DE REVISTA DORECLAMANTE. LEI Nº 13.015/2014. INSTRUÇÃO NORMA-TIVA Nº 40 DO TST. ANTERI-OR À LEI Nº 13.467/2017. IN-DENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS. ATRASO NO PAGA-MENTO DE SALÁRIO E DASVERBAS RESCISÓRIAS.1 - No recurso de revista, fo-ram atendidos os requisitos doart. 896, § 1.º-A, da CLT.2 – Em relação às verbasrescisórias, conforme juris-prudência desta Corte, o de-ferimento de indenização pordanos morais com base emmera presunção da ocorrênciade fatos danosos não é cabí-vel. É necessária a comprova-

ção de ao menos algum fatoobjetivo do qual se pudesse in-ferir que houve abalo moral,o que não ocorreu no caso, se-gundo o TRT.Nesse contexto, o que gera odano não é a mora em si, masas circunstâncias nas quais seconfigurou, e/ou as conse-quências eventualmenteadvindas desse atraso, como,por exemplo, a inscrição do de-vedor em cadastros deinadimplência, entre outros ca-sos. Julgados.3 – Já em relação ao pagamen-to dos salários, esta Turmaentende que o atraso reitera-do no pagamento dos saláriosenseja o pagamento de indeni-zação a título de dano moral,pois, nesse caso, o dano moralverifica-se in re ipsa, hipóteseem que se exige tão somente aprova dos fatos que ensejam opedido indenizatório.4 - Com efeito, a ConstituiçãoFederal, especialmente emseu artigo 5º, incisosV e X, estabeleceu o dano mo-ral como ilícito passível de re-paração, a exemplo daquelescausados à honra, intimidadee imagem do indivíduo, ex-pressões próprias dos direitosda personalidade.5 - As previsões do artigo 5º,incisos V e X, aliadas ao cará-ter protetivo do Direito doTrabalho e às demais garanti-as expressas da Carta Magna,relativas à natureza de direi-to social fundamental do tra-balho e das necessidades bási-cas que ele viabiliza (saúde,moradia, lazer, etc.), levam aodever de indenizar, em casocomo o dos autos.6 - O fato de o empregado es-tar privado, ainda que tempo-

Page 273: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

273Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

rariamente, dos recursos neces-sários à sua subsistência, consi-derando principalmente que osalário tem natureza alimentare recebe especial proteção cons-titucional, revela a gravidade dofato e o prejuízo causado ao tra-balhador.7 - Nesse mesmo sentido fo-ram proferidos os julgados daSBDI-1 do TST.8 – No caso concreto, o TRTnão rejeitou o pedido de in-denização por danos moraisdecorrentes do reiteradoatraso de salários por faltade prova dos fatos alega-dos pelo reclamante, mas,sim, por falta de prova dosprejuízos materiais decor-rentes dos fatos alegados -o que é inexigível, na me-dida em que, como já refe-rido, o pedido é de indeni-zação por danos imateriais,constatáveis in re ipsa.9 - Caracterizada, portanto, aconduta ilícita patronal e de-monstrados os pressupostospara a responsabilização civil(ação ou omissão culposa oudolosa do agente, nexo de cau-salidade e dano experimenta-do pela vítima), é devida a in-denização por dano moral pos-tulada, comportando conheci-mento o apelo por divergên-cia jurisprudencial.10 - Nesse passo, cumpre assi-nalar que, na fixação do mon-tante da indenização por da-nos morais, devem ser levadosem consideração os critériosda proporcionalidade, darazoabilidade, da justiça e daequidade, não havendo normalegal que estabeleça a formade cálculo a ser utilizada pararesolver a controvérsia, pois oartigo 944 do Código Civil ape-

nas estabelece que a indeni-zação é medida pela extensãodo dano.11 - A par dessas considera-ções, de acordo com o enten-dimento doutrinário ejurisprudencial, na fixação domontante devem ser observa-dos os seguintes objetivos:compensar a vítima pela lesãoao direito da personalidade eservir como medida pedagógi-ca ao ofensor.12 - A partir do quadro fáticodescrito no acórdão recorrido,aliado ao fato de que foi reco-nhecida a rescisão indireta,com base no art. 483, d, da CLT,em razão do reiterado atrasono pagamento dos salários, ar-bitra-se o montante da inde-nização por danos morais emR$ 5.000,00 (cinco mil re-ais). 13 - Recurso de revista aque se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso de Revistacom Agravo n° TST-ARR-24722-76.2015.5.24.0003, em que éAgravante e Recorrente RENANKATALINO FERREIRA GOMESLOPES e Agravado e RecorridoFÁCIL INFORMÁTICA & TECNO-LOGIA LTDA. e CAIXA ECONÔ-MICA FEDERAL - CEF.

O Tribunal Regional do Traba-lho deu parcial provimento aorecurso ordinário do reclamante.

O reclamante interpôs recursode revista.

O juízo primeiro de admissi-bilidade negou seguimento aorecurso de revista quanto ao tema“responsabilidade subsidiá-ria” e admitiu o recurso quantoao tema “indenização por

Page 274: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

274 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

dano moral”, por divergênciajurisprudencial.

O reclamante interpôs agravode instrumento, com base no art.897, b, da CLT.

Foram apresentadas contrami-nuta e contrarrazões.

Os autos não foram remetidosao Ministério Público do Trabalhoporque não se configuraram ashipóteses previstas em lei e noRITST.

É o relatório.

VOTO

I - AGRAVO DE INSTRUMEN-TO DO RECLAMANTE

1. CONHECIMENTOPreenchidos os pressupostos

de admissibilidade, conheço doagravo de instrumento.

2. MÉRITOO Tribunal Regional, juízo pri-

meiro de admissibilidade do re-curso de revista (art. 682, IX, daCLT), denegou seguimento ao re-curso, sob os seguintes fundamen-tos:

“PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOSTempestivo o recurso (acórdãopublicado em 14/02/2017 - ID.1e96602 - Pág. 1 - Lei 11.419/2006, art. 4º, § 3º); interpostoem 21/02/2017 - ID. 0c6355b -Pág. 1, por meio do sistema PJe.Regular a representação, ID.3843f7d - Pág. 1.Desnecessário o preparo.PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOSResponsabilidade Solidária/Subsidiária / Tomador de Ser-viços/Terceirização.Alegação(ões):- contrariedade à Súmula 331,V, do Colendo TST.

Sustenta a recorrente que fi-cou evidenciada a culpa ineligendo e in vigilando da CEF,como tomadora de serviços,uma vez que procedeu à reno-vação do contrato firmadocom a prestadora de serviçossem a necessária garantiacontratual, mesmo tendo ple-na ciência dos problemas finan-ceiros que fatalmenteinviabilizariam a sua continui-dade.Além disso, aduz que a CEF foiresponsável pelo inadimple-mento das verbas trabalhistase rescisórias dos empregadosda recorrida Fácil, ao priorizarpagamentos de créditos diver-sos sem qualquer garantia deidoneidade e ainda efetuar obloqueio de todo o crédito res-tante para a quitação de mul-tas e despesas contratuais.Consta do v. acórdão (ID.bb8d42a - Págs. 2/3):

2.1 - RESPONSABILIDADE SUB-SIDIÁRIAInsiste o reclamante na conde-nação subsidiária da CAIXAECONOMICA FEDERAL, toma-dora dos serviços prestados, de-fendendo que houve culpa inelegendo na renovação do con-trato de prestação de serviços eculpa in vigilando na fiscalizaçãodo cumprimento das obrigaçõestrabalhistas por parte da em-presa empregadora.O apelo, no entanto, não com-porta provimento.Conforme asseverado pelojulgador de piso, o STF, em de-cisão proferida no ADC 16, de-clarou a constitucionalidade doart. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, com efeitos vinculantes.Contudo, tal decisão não afas-tou a possibilidade de análise

Page 275: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

275Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

da responsabilidade do entepúblico tendo por fundamen-tos outros aspectos, como aculpa da tomadora.Assim, a responsabilidade sub-sidiária de entes da adminis-tração continua sendo possívele tem respaldo nos artigos 186e 927 do Código Civil, bemcomo na Súmula n. 331, V, doC. TST, nos casos em que evi-denciado o descumprimentodo artigo 58, III, da Lei de Lici-tações.No caso vertente, entretanto,a prova dos autos deixatransparecer que não houveomissão na fiscalização con-duzida pela tomadora dos ser-viços ao longo do contrato detrabalho.Com efeito, consoante muitobem pontuado na sentença deorigem, a renovação do con-trato de prestação de serviçosnão configura ausência de fis-calização hábil a justificar acondenação subsidiária da em-presa tomadora dos serviços.Ademais, o pagamento dos sa-lários diretamente aos empre-gados, ao contrário do alega-do pelo recorrente, evidenciaa efetiva fiscalização e a pre-ocupação da tomadora paracom o cumprimento dos direi-tos trabalhistas dos emprega-dos prestadores de serviços.Os documentos apresentadosnos autos juntamente com acontestação da Caixa Econô-mica Federal, afinal, revelamque a tomadora sempre acom-panhou de perto o pagamen-to dos salários, recolhimentosprevidenciários e do FGTS, tan-to que nas ocasiões em que aempregadora não honrou comsuas obrigações, a tomadorados serviços assumiu o paga-

mento dos trabalhadores.Tendo se tornado recorrentea conduta da empregadoraem não realizar o pagamentodos salários, a Caixa Econômi-ca providenciou a rescisão uni-lateral do contrato de presta-ção de serviços, impondo àprestadora a penalidade desuspensão temporária de par-ticipação em licitação e impe-dimento de contratar com aCAIXA pelo prazo de dois anos.Assim, em que pese os prejuí-zos ocasionados ao patrim-ônio jurídico do reclamante,não se pode repassar aresponsabilização secundáriaautomaticamente à tomadorados serviços, a qual, conformese extrai dos autos, não agiucom culpa in vigilando , eis quenão houve incúria na fiscaliza-ção, nem com culpa in elegen-do, já que não há qualquer evi-dência de falhas no procedi-mento licitatório.Pelo exposto, nego provimen-to ao recurso.

Inviável o seguimento do recur-so ante a conclusão da Turma deque não há como atribuir à 2ªreclamada responsabilidadesubsidiária pelo contrato de tra-balho, pois não foi produzidanenhuma prova de eventualdescumprimento da Lei de Lici-tações. Ademais, verifica-se quea 2ª ré primou pela efetiva fis-calização na execução do contra-to, tanto que os pagamentosprogramados à 1ª eram condici-onados à apresentação da do-cumentação comprovando o re-gular cumprimento das obriga-ções trabalhistas e previden-ciárias.Na hipótese, portanto, a Tur-ma decidiu em sintonia com a

Page 276: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

276 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Súmula 331 do Colendo TST, oque inviabiliza o seguimentodo recurso (Súmula 333 doTST).No mais, para o acolhimentoda pretensão recursal serianecessário o reexame de fa-tos e provas, o que encontraóbice na Súmula 126 doColendo TST e inviabiliza o se-guimento do recurso.Destaca-se que o IUJ suscitadopor este Tribunal, autuado sobn. 0024299-28.2015.5.24.0000,relativo ao ente público, e se oinadimplemento das obrigaçõestrabalhistas pelo seu prestadorde serviços configura omissãoquanto ao dever de fiscalizaçãoe, consequentemente, reconhe-cimento da sua responsabilida-de subsidiária quanto àquelesdébitos, não foi admitido poreste Tribunal, por entender quea hipótese necessita devaloração da prova.Responsabilidade Civil do Em-pregador/Empregado / Indeni-zação por Dano Moral.Alegação(ões):- divergência jurisprudencial.Sustenta que o atraso reitera-do no pagamento de salários,bem como o inadimplementoda última parcela salarial e dasverbas rescisórias, não podemser considerados como merodissabor, na medida em queprivam o trabalhador do rece-bimento de verba de naturezaalimentar e implicam em ofen-sa ao princípio constitucional dadignidade da pessoa humana.Consta do v. acórdão (ID.bb8d42a - Págs. 8/9):

2.7 - INDENIZAÇÃO POR DA-NO MORALPor fim, busca o reclamante acondenação da reclamada ao

pagamento de indenizaçãopelo dano moral decorrentedo reiterado atraso no paga-mento de seus salários, bemcomo em razão da ausência depagamento das verbasrescisórias.Sem razão, contudo.O dano moral consiste na vio-lação de um bem integranteda personalidade da vítima, vi-olação esta da qual resultamsofrimento e humilhação capa-zes de atingir o sentimento dedignidade do ofendido.No caso, mesmo reconhecidaa mora salarial e o não-paga-mento de verbas rescisóriaspelo empregador, tais circuns-tâncias não são fatoresdeterminante do abalo moralapontado pelo autor, não sen-do aptas, por si sós, para cau-sar sentimentos de humilha-ção, constrangimento ou ver-gonha, capazes de atingir suahonra e dignidade, justifica-dores de eventual reparaçãode ordem moral.Nesse sentido, o entendimen-to atual do C. Tribunal Superi-or do Trabalho:RECURSO DE REVISTA INTER-POSTO PELO RECLAMANTE(ROGÉRIO OLDAIR SEVERO).INDENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS. ATRASO NO PAGA-MENTO DE SALÁRIOS. I. O en-tendimento desta Corte Supe-rior é no sentido de que o atra-so no pagamento de salárionão enseja o pagamento de in-denização por danos morais,porquanto tal situação, isolada-mente considerada, não impor-ta resultado lesivo à honra ou àimagem das pessoas. II. Recur-so de revista de que não se co-nhece. (TST - RR: 70100-08.2009.5.04.0008 - Data de

Page 277: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

277Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

Julgamento: 09/03/2016, Datade Publicação: DEJT 11/03/2016)O entendimento que prevale-ce, portanto, é no sentido deque o descumprimento deobrigações trabalhistas, isola-damente considerado, nãoacarreta violação aos direitosda personalidade, devendo otrabalhador comprovar queem razão da violação foi sub-metido à situação vexatória ouhumilhante.Assim, não comprovado o efe-tivo dano moral experimenta-do pelo reclamante, assimcomo a prática pela reclama-da de ato que pudesse ter cau-sado abalos de dessa ordem,não subsiste o dever de inde-nizar.Nego provimento.A recorrente demonstrou aexistência de divergência aptaa ensejar o seguimento do re-curso, com as ementascolacionadas no ID. 0c6355b,Págs. 6/7, provenientes do TRTda 3ª Região e do TRT da 4ª Re-gião, in verbis:“ATRASO NO PAGAMENTODOS SALÁRIOS - DANO MORALINDENIZAÇÃO DEVIDA - O sa-lário constitui direito funda-mental do trabalhador e, porisso, encontra proteção no art.7º, X, da Constituição da Repú-blica, por ser fonte primária dasubsistência. Sendo assim, nãohá dúvidas de que o não paga-mento dos salários e verbasrescisórias ocasionou ao recla-mante transtornos e dissabo-res, que afetam diretamentea ordem da subsistência mate-rial e, de consequência, atribu-to da personalidade moral dapessoa do trabalhador. Nessepasso, tenho por caracterizadoo dano moral ensejador da in-

denização postulada com ful-cro no art. 186 do Código Civile no art. 5º, X, da Constituiçãoda República. (TRT 03ª R. - RO02596/2013-063-03-00.1 5ª T. -Rel. Des. Marcus Moura Fer-reira - DJe 15.07.2014 - p. 504)”“INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL - ATRASO CONTUMAZNO PAGAMENTO DE SALÁRI-OS - O atraso no pagamentode salário, mais do que umsimples descumprimento con-tratual, configura dano extra-patrimonial passível de repa-ração. O pagamento da multanormativa pela mora restituitão somente o dano material,não eximindo a ré da obriga-ção de indenizar o abalo mo-ral. Apelo provido, para conde-nar a reclamada ao pagamentode R$5.000,00 a título de inde-nização por danos morais, comacréscimo de juros e correçãomonetária. (TRT 04ª R. - RO0001985-21.2012.5.04.0204 - 2ªT. - Rel. Des. Alexandre Corrêada Cruz - DJe 11.07.2014)”CONCLUSÃORECEBO parcialmente o recur-so de revista.Inclua-se o indicador “Lei 13.015/2014”, conforme ofício circularSEGJUD/TST n. 051/2014.Cumpridas as formalidades le-gais, remetam-se os autos vir-tuais ao Colendo TST.”

Recurso de revista sob a vigên-cia da Lei nº 13.015/2014.

A fim de demonstrar oprequestionamento da matéria,foram transcritos nas razões dorecurso de revista, os seguintesfragmentos do acórdão do TRT:

“Insiste o reclamante na con-denação subsidiária da CAIXA

Page 278: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

278 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

ECONOMICA FEDERAL, toma-dora dos serviços prestados,defendendo que houve culpain elegendo na renovação docontrato de prestação de ser-viços e culpa in vigilando na fis-calização do cumprimento dasobrigações trabalhistas porparte da empresa emprega-dora.O apelo, no entanto, não com-porta provimento.Conforme asseverado pelojulgador de piso, o STF, em de-cisão proferida no ADC 16, de-clarou a constitucionalidade doart. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, com efeitos vinculantes.Contudo, tal decisão não afas-tou a possibilidade de análiseda responsabilidade do entepúblico tendo por fundamen-tos outros aspectos, como aculpa da tomadora.Assim, a responsabilidade sub-sidiária de entes da adminis-tração continua sendo possívele tem respaldo nos artigos 186e 927 do Código Civil, bemcomo na Súmula n. 331, V, doC. TST, nos casos em que evi-denciado o descumprimentodo artigo 58, III, da Lei de Lici-tações.No caso vertente, entretanto,a prova dos autos deixatransparecer que não houveomissão na fiscalização con-duzida pela tomadora dos ser-viços ao longo do contrato detrabalho.Com efeito, consoante muitobem pontuado na sentença deorigem, a renovação do con-trato de prestação de serviçosnão configura ausência de fis-calização hábil a justificar acondenação subsidiária da em-presa tomadora dos serviços.Ademais, o pagamento dos sa-

lários diretamente aos empre-gados, ao contrário do alega-do pelo recorrente, evidenciaa efetiva fiscalização e a pre-ocupação da tomadora paracom o cumprimento dos direi-tos trabalhistas dos emprega-dos prestadores de serviços.Os documentos apresentadosnos autos juntamente com acontestação da Caixa Econô-mica Federal, afinal, revelamque a tomadora sempre acom-panhou de perto o pagamen-to dos salários, recolhimentosprevidenciários e do FGTS, tan-to que nas ocasiões em que aempregadora não honrou comsuas obrigações, a tomadorados serviços assumiu o paga-mento dos trabalhadores.Tendo se tornado recorrentea conduta da empregadoraem não realizar o pagamentodos salários, a Caixa Econômi-ca providenciou a rescisão uni-lateral do contrato de presta-ção de serviços, impondo àprestadora a penalidade desuspensão temporária de par-ticipação em licitação e impe-dimento de contratar com aCAIXA pelo prazo de dois anos.Assim, em que pese os prejuí-zos ocasionados ao patrimô-nio jurídico do reclamante, nãose pode repassar a respon-sabilização secundária auto-maticamente à tomadora dosserviços, a qual, conforme seextrai dos autos, não agiu comculpa in vigilando, eis que nãohouve incúria na fiscalização,nem com culpa in elegendo, jáque não há qualquer evidên-cia de falhas no procedimentolicitatório.Pelo exposto, nego provimen-to ao recurso.”

Page 279: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

279Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

Nas razões do recurso de re-vista, renovadas no agravo de ins-trumento, o reclamante sustentaque a CEF agiu com culpa ineligendo e in vigilando. Alegacontrariedade à Súmula nº 331,V, do TST.

Ao exame.Atendidas as exigências do art.

896, § 1º-A, da CLT.O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/

1993, tem a seguinte redação:

Art. 71. O contratado é res-ponsável pelos encargos tra-balhistas, previdenciários, fis-cais e comerciais resultantesda execução do contrato.§ 1º A inadimplência do con-tratado, com referência aosencargos trabalhistas, fiscais ecomerciais não transfere à Ad-ministração Pública a respon-sabilidade por seu pagamen-to, nem poderá onerar o obje-to do contrato ou restringir aregularização e o uso das obrase edificações, inclusive peran-te o Registro de Imóveis.§ 2º A Administração Públicaresponde solidariamente como contratado pelos encargosprevidenciários resultantes daexecução do contrato, nos ter-mos do art. 31 da Lei nº 8.212,de 24 de julho de 1991.

O Pleno do STF, na ADC nº 16/DF, Relator Ministro Cezar Peluso,DJE 8/9/2011 (divulgação) e 9/9/2011 (publicação), proferiu a de-cisão sintetizada na seguinteementa:

RESPONSABILIDADE CONTRA-TUAL. Subsidiária. Contrato coma administração pública. Ina-dimplência negocial do outro

contraente. Transferênciaconsequente e automáticados seus encargos trabalhis-tas, fiscais e comerciais, resul-tantes da execução do contrato,à administração. Impossibilida-de jurídica. Consequênciaproibida pelo art. 71, § 1º, daLei federal nº 8.666/93.Constitucionalidade reco-nhecida dessa norma. Açãodireta de constitucionalidadejulgada, nesse sentido, proce-dente. Voto vencido. É constitu-cional a norma inscrita no art.71, § 1º, da Lei federal nº 8.666,de 26 de junho de 1993, com aredação dada pela Lei nº 9.032,de 1995.

Constou no voto do MinistroCezar Peluso, Relator, a ressalvade que a vedação de transfe-rência consequente e automá-tica de encargos trabalhistas,“não impedirá que a Justiçado Trabalho recorra a outrosprincípios constitucionais e,invocando fatos da causa, re-conheça a responsabilidadeda Administração, não pelamera inadimplência, mas poroutros fatos”. Contudo, a Sex-ta Turma do TST, por disciplinajudiciária, a partir da Sessão deJulgamento de 25/3/2015, passoua seguir a diretriz fixada em re-clamações constitucionais nasquais o STF afastou a atribuiçãodo ônus da prova ao ente públi-co nessa matéria.

Em razão da decisão do STF naADC nº 16/DF, o Pleno deu a atualredação da Súmula nº 331 do TST:

CONTRATO DE PRESTAÇÃODE SERVIÇOS. LEGALIDADE

Page 280: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

280 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

(nova redação do item IV einseridos os itens V e VI àredação) - Res. 174/2011,DEJT divulgado em 27, 30 e31.05.2011(...)IV - O inadimplemento dasobrigações trabalhistas, porparte do empregador, implicaa responsabilidade subsidiáriado tomador dos serviços quan-to àquelas obrigações, desdeque haja participado da rela-ção processual e conste tam-bém do título executivo judici-al.V - Os entes integrantes daAdministração Pública dire-ta e indireta respondemsubsidiariamente, nas mes-mas condições do item IV,caso evidenciada a sua con-duta culposa no cumpri-mento das obrigações daLei n.º 8.666, de 21.06.1993,especialmente na fiscaliza-ção do cumprimento dasobrigações contratuais elegais da prestadora de ser-viço como empregadora. Aaludida responsabilidadenão decorre de meroinadimplemento das obri-gações trabalhistas assumi-das pela empresa regular-mente contratada.VI – A responsabilidade subsi-diária do tomador de serviçosabrange todas as verbas de-correntes da condenação refe-rentes ao período da presta-ção laboral.

O Pleno do TST editou asúmula no exercício da sua com-petência regimental, legal e cons-titucional, observando o princí-pio da separação de poderes (aCorte Superior não legislou sobre

a matéria, mas, sim, em âmbitojurisprudencial, interpretou a le-gislação que rege a matéria). Nasúmula há tese sobre a aplicaçãodo art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, e não sobre a sua constitu-cionalidade, a qual foi declaradapelo STF na ADC nº 16/DF. A res-ponsabilidade subsidiária do entepúblico, tratada na súmula, dizrespeito à hipótese de terceiriza-ção lícita, e não de terceirizaçãoilícita. A responsabilidade subsi-diária a que se refere a súmula éaquela na qual o ente público fi-gura na relação jurídica comotomador de serviços, e não comoempregador. Nos termos dasúmula, a culpa do ente público,quando reconhecida, não é auto-mática e não decorre do meroinadimplemento da empregado-ra. É dizer: quando reconhecida,a culpa é subjetiva (e não objeti-va). A culpa do ente público éreconhecida quando ocorre odescumprimento dos deveres (enão da faculdade) previstos na Leinº 8.666/93, a qual exige a esco-lha de empresa prestadora de ser-viços idônea e a fiscalização documprimento das obrigaçõescontratuais e legais pela empre-gadora. A Súmula nº 331, V, doTST cita “especialmente” (e nãoexclusivamente) a fiscalização,com a finalidade de sinalizar quepode haver caso em que seja de-monstrada a irregularidade na li-citação (ou na dispensa de licita-ção), o que também permite oreconhecimento da culpa do entepúblico.

No Agravo Regimental em Re-clamação nº 16.094, Relator Mi-

Page 281: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

281Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

nistro Celso de Mello, 19/11/2014,também o Pleno do STF proferiua decisão sintetizada na seguinteementa:

RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃODE DESRESPEITO À AUTORI-DADE DA DECISÃO PROFERI-DA, COM EFEITO VINCULAN-TE, NO EXAME DA ADC 16/DF– INOCORRÊNCIA – RESPON-SABILIDADE SUBSIDIÁRIA DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICAPOR DÉBITOS TRABALHISTAS(LEI Nº 8.666/93, ART. 71, § 1º)– ATO JUDICIAL DE QUE SERECLAMA PLENAMENTEJUSTIFICADO PELO RECO-NHECIMENTO, NO CASO,POR PARTE DAS INSTÂNCIASORDINÁRIAS, DE SITUAÇÃOCONFIGURADORA DE RES-PONSABILIDADE SUBJETIVA(QUE PODE DECORRER TAN-TO DE CULPA “IN VIGI-LANDO” QUANTO DE CULPA“IN ELIGENDO” OU “INOMITTENDO”) – DEVER JURÍ-DICO DAS ENTIDADES PÚBLI-CAS CONTRATANTES DE BEMSELECIONAR E DE FISCALIZARO CUMPRIMENTO, POR PARTEDAS EMPRESAS CONTRATA-DAS, DAS OBRIGAÇÕES TRA-BALHISTAS REFERENTES AOSEMPREGADOS VINCULADOSAO CONTRATO CELEBRADO(LEI Nº 8.666/93, ART. 67), SOBPENA DE ENRIQUECIMENTOINDEVIDO DO PODER PÚBLI-CO E DE INJUSTO EMPOBRECI-MENTO DO TRABALHADOR –SITUAÇÃO QUE NÃO PODESER COONESTADA PELO PO-DER JUDICIÁRIO – ARGUIÇÃODE OFENSA AO POSTULADODA RESERVA DE PLENÁRIO (CF,ART. 97) – SÚMULA VINCU-LANTE Nº 10/STF – INAPLICA-

BILIDADE – INEXISTÊNCIA, NAESPÉCIE, DE JUÍZO OSTENSIVO,DISFARÇADO OU DISSIMULA-DO DE INCONSTITUCIONA-LIDADE DE QUALQUER ATOESTATAL – CARÁTER SOBE-RANO DO PRONUNCIAMEN-TO DAS INSTÂNCIAS ORDI-NÁRIAS SOBRE MATÉRIAFÁTICO-PROBATÓRIA –CONSEQUENTE INADEQUA-ÇÃO DA VIA PROCESSUAL DARECLAMAÇÃO PARA EXAMEDA OCORRÊNCIA, OU NÃO, DOELEMENTO SUBJETIVO PERTI-NENTE À RESPONSABILIDADECIVIL DA EMPRESA OU DAENTIDADE PÚBLICA TOMA-DORA DO SERVIÇO TERCEIRI-ZADO – PRECEDENTES – NA-TUREZA JURÍDICA DA RECLA-MAÇÃO – DESTINAÇÃO CONS-TITUCIONAL DO INSTRUMEN-TO RECLAMATÓRIO – RECUR-SO DE AGRAVO IMPROVIDO.

Na fundamentação do AgravoRegimental em Reclamação nº16.094, constou o seguinte:

(...) não obstante o Plenário doSupremo Tribunal Federal te-nha confirmado a plena vali-dade constitucional do § 1º doart. 71 da Lei nº 8.666/93 – porentender juridicamente in-compatível com a Constituiçãoa transferência automática,em detrimento da Administra-ção Pública, dos encargos tra-balhistas, fiscais, comerciais eprevidenciários resultantes daexecução do contrato na hipó-tese de inadimplência da em-presa contratada –, enfatiou-se que essa declaração deconstitucionalidade nãoimpediria, em cada situaçãoocorrente, o reconhecimen-

Page 282: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

282 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

to de eventual culpa ‘inomittendo’, ‘in eligendo’ou ‘in vigilando’ do PoderPúblico.Essa visão em torno do tematem sido observada – é impor-tante destacar – por Ministrosde ambas as Turmas desta Su-prema Corte (...), em julga-mentos nos quais se tem reco-nhecido possível a atribuiçãode responsabilidade subsi-diária ao ente público nahipótese excepcional de res-tar demonstrada a ocorrên-cia de comportamentoculposo da AdministraçãoPública.Vale referir, bem por isso, antea pertinência de seu conteú-do, fragmento da decisão queo eminente Ministro JOAQUIMBARBOSA proferiu no âmbitoda Rcl 12.925/SP, de que foiRelator:‘(...) ao declarar a constitucio-nalidade do referido § 1º doart. 71 da Lei 8.666/1993, aCorte consignou que se, naanálise do caso concreto, fi-car configurada a culpa daAdministração em fiscalizara execução do contrato fir-mado com a empresa con-tratada, estará presente suaresponsabilidade subsidiá-ria pelos débitos trabalhistasnão adimplidos. Em outras pa-lavras, vedou-se, apenas, atransferência automática oua responsabilidade objetivada Administração Públicapor essas obrigações.No presente caso, a autorida-de reclamada, embora deforma sucinta, a partir doconjunto probatório pre-sente nos autos da reclama-ção trabalhista, analisou aconduta do ora reclamante

e entendeu configurada asua culpa ‘in vigilando’.(...)Se bem ou mal decidiu a auto-ridade reclamada ao reconhe-cer a responsabilidade por cul-pa imputável à reclamante, areclamação constitucional nãoé o meio adequado para subs-tituir os recursos e as medidasordinária e extraordinaria-mente disponíveis para corre-ção do alegado erro.(...)’Cumpre assinalar, por necessá-rio, que o dever jurídico dasentidades públicas contra-tantes de bem selecionar ede fiscalizar a idoneidadedas empresas que lhes pres-tam serviços abrange nãoapenas o controle prévio àcontratação – consistenteem exigir das empresas li-citantes a apresentação dosdocumentos aptos a de-monstrarem a habilitaçãojurídica, a qualificação téc-nica, a situação econômico-financeira, a regularidadefiscal e o cumprimento dodisposto no inciso XXXIII doartigo 7º da ConstituiçãoFederal (Lei nº 8.666/93, art.27) -, mas compreende,também, o controle conco-mitante à execução con-tratual, viabilizador, entreoutras medidas, da vigilân-cia efetiva e da adequadafiscalização do cumprimen-to das obrigações trabalhis-tas em relação aos empre-gados vinculados ao con-trato celebrado (Lei nº8.666/93, art. 67), sob penade enriquecimento indevido doPoder Público e de injusto em-pobrecimento do trabalhador,situação essa que não pode ser

Page 283: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

283Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

coonestada pelo Poder Judici-ário.(...)Fundamental, no ponto, éo reconhecimento, por par-te das instâncias ordinári-as (cujo pronunciamento ésoberano em matériafático-probatória), da ocor-rência, na espécie, de situ-ação configuradora da res-ponsabilidade subjetiva daentidade de direito público,que tanto pode resultar deculpa ‘in eligendo’ quantode culpa ‘in vigilando’ ou‘in omittendo’.

O Pleno do STF, em repercus-são geral, com efeitovinculante, no RE nº 760.931,Redator Designado MinistroLuiz Fux, 30/3/2017, fixou aseguinte tese:O inadimplemento dos encar-gos trabalhistas dos emprega-dos do contratado não trans-fere automaticamente aoPoder Público contratante aresponsabilidade pelo seu pa-gamento, seja em caráter so-lidário ou subsidiário, nos ter-mos do art. 71, § 1º, da Lei nº8.666/93.

Conforme os debates nojulgamento do RE nº 760.931,o Pleno do STF deixou claroque o art. 71, § 1º, da Lei nº8.666/93, ao estabelecer que“a inadimplência do contrata-do, com referência aos encar-gos trabalhistas, (...) nãotransfere à Administração Pú-blica a responsabilidade porseu pagamento”, veda a trans-ferência automática, objetiva,sistemática, e não a transfe-

rência fundada na culpa doente público.

Embora não tenham cons-tado na tese vinculante, nojulgamento do RE nº 760.931foram decididas as seguintesquestões: a) ficou vencido ovoto da Ministra Relatora RosaWeber de que o ônus da provaseria do ente público (o recursoextraordinário foi interposto con-tra acórdão do TST no qual sedecidiu com base na distribuiçãodo ônus da prova contra o entepúblico); b) o entendimento damaioria julgadora foi de que oreconhecimento da culpa do entepúblico exige elemento concretode prova, não se admitindo a pre-sunção (como são os casos da dis-tribuição do ônus da prova e domero inadimplemento); c) haven-do elemento concreto de prova,não cabe ao STF verificar o acer-to ou desacerto do acórdão recor-rido sob tal enfoque.

No julgamento do RE nº760.931, alguns Ministros chama-ram a atenção para o aspecto deque a fiscalização pelo ente pú-blico seria obrigação de meio, ouseja, por amostragem, procedi-mento admitido em acórdãos doTCU e utilizado pelo BNDES comaltos índices de acerto. Destaca-ram que, embora a Lei nº 8.666/1993 determine que o ente públi-co indique servidor para fiscali-zar o contrato, a fiscalizaçãocomo obrigação de resultado(quanto a todas as verbas traba-lhistas de todos os trabalhadoresterceirizados em todos os meses)exigiria que o ente público mon-tasse departamento de gestão de

Page 284: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

284 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

pessoas para monitorar a situa-ção de cada um dos empregadosda prestadora de serviços, o quetornaria a terceirização menoseficiente em nível federal e, maisainda, em níveis estadual e mu-nicipal. Disseram que a fiscaliza-ção como obrigação de resulta-do, na prática, levaria à respon-sabilidade subsidiária automáti-ca, com base no mero inadim-plemento da empregadora. Acres-centaram que não basta a fiscali-zação, mas, também que o entepúblico tome medidas na hipóte-se de descumpri-mento das obri-gações trabalhistas pela empresaprestadora de serviços. As porta-rias sobre fiscalização em âmbitofederal seriam de difícil aplicaçãono caso dos demais entes da Fe-deração. Constou no voto do Mi-nistro Luís Roberto Barroso: “eudiria, pelo menos em obiterdictum, que a fiscalização ade-quada por amostragem satisfaz odever de fiscalização e eu diriaque a inércia diante de inequívo-ca denúncia de violação de deve-res trabalhistas gera responsabi-lidade. Diria isso como obiterdictum, para que nós sinalizemospara a Justiça do Trabalho o quenós achamos que é comporta-mento inadequado. Eu concordoque não fique na tese, mas se nósnão dissermos isso, o automáticosignifica: bom, então tá, não éautomático; eu verifiquei que elanão fiscalizou todos os contratos”(fl. 347).

Trechos de votos no RE nº760.931 sobre a necessidadede prova concreta: “Não é vá-lida a responsabilização subsidi-

ária da Administração Pública: 1)com base em afirmação genéricade culpa in vigilando sem indi-car, com rigor e precisão, os fa-tos e as circunstâncias que confi-guram a sua culpa in vigilando”;“a Justiça do Trabalho não podecondenar genericamente por cul-pa in vigilando, tem que demons-trar qual foi a culpa”; “A res-ponsabilização da União é a ex-ceção e, portanto, precisa ser pro-vada” (Ministro Luís Roberto Bar-roso, fls. 219/220); “A alegadaausência de comprovação, emjuízo, (...) da efetiva fiscalizaçãodo contrato administrativo nãosubstitui a necessidade de provataxativa no nexo de causalidadeentre a conduta da Administraçãoe o dano sofrido pelo trabalha-dor”; “no julgamento da AçãoDeclaratória de Constitucio-nalidade n. 16/DF, a imputação deresponsabilidade subsidiária àAdministração Pública desacom-panhada da demonstração efeti-va e suficiente da irregularidadede seu comportamento, comis-sivo ou omissivo, quanto à fisca-lização do contrato de prestaçãode serviços, é rigorosamente,fragorosamente e exemplarmen-te contrário à Constituição, por-que o artigo 37, § 6º, trata de res-ponsabilidade objetiva patrimo-nial ou extracontra-tual. Aqui éresponsabilidade contratual” (Mi-nistra Carmen Lúcia, fl. 312); “OSupremo Tribunal Federal fixou,na ADC 16, que a mera inadim-plência não pode converter a Ad-ministração Pública em responsá-vel por verbas trabalhistas, deci-dindo que não é todo e qualquer

Page 285: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

285Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

episódio de atraso na quitação deverbas trabalhistas que pode serimputado subsidiariamente aoPoder Público, mas só aqueles quetenham se reiterado com a coni-vência comissiva ou omissiva doEstado. Não me parece que sejaautomaticamente dedutível, daconclusão deste julgamento, umdever estatal de fiscalização dopagamento de toda e qualquerparcela, rubrica por rubrica, ver-ba por verba, devida aos traba-lhadores. O que pode induzir àresponsabilização do Poder Públi-co é a comprovação de um com-portamento sistematicamentenegligente em relação aosterceirizados; ou seja, a necessi-dade de prova do nexo de causa-lidade entre a conduta comissivaou omissiva do Poder Público e odano sofrido pelo trabalha-dor”(Ministro Alexandre deMoraes, fl. 323); “A conclusãoaqui, pelo que entendi, foi no sen-tido de que o ônus da prova é sem-pre do reclamante e que se exigeprova robusta nessa linha. Essa,segundo entendi, a solução em-prestada pela Suprema Corte aotema em debate; com todo respei-to, foi o que eu compreendi” (Mi-nistra Rosa Weber, fl. 337); “com-provação é demonstração mesmoe não referências”; “Comprovaçãonão é apenas referência, como vi-nha sendo feito” (Ministra CarmenLúcia, fls. 338 e 342).

No caso, o TRT consignouque “Os documentos apresen-tados nos autos juntamentecom a contestação da CaixaEconômica Federal, afinal, reve-lam que a tomadora sempre

acompanhou de perto o paga-mento dos salários, recolhi-mentos previdenciários e doFGTS, tanto que nas ocasiõesem que a empregadora nãohonrou com suas obrigações,a tomadora dos serviços assu-miu o pagamento dos trabalha-dores. Tendo se tornado recor-rente a conduta da empregado-ra em não realizar o pagamen-to dos salários, a Caixa Econô-mica providenciou a rescisãounilateral do contrato de pres-tação de serviços, impondo àprestadora a penalidade desuspensão temporária de par-ticipação em licitação e impe-dimento de contratar com aCAIXA pelo prazo de doisanos.”.

Quanto às provas, aplica-se aSúmula n.º 126 do TST.

No mais, a decisão do Regio-nal está em sintonia com a Súmulanº 331, IV e V, do TST e a decisãodo Pleno do STF, o conhecimentodo recurso de revista encontraóbice no § 7º do artigo 896 da CLT.

A incidência das Súmulas nº126 e 331 do TST e do § 7º do ar-tigo 896 da CLT afasta a viabili-dade do conhecimento do recur-so de revista com base na funda-mentação jurídica invocada pelaparte.

Ante o exposto, nego provi-mento ao agravo de instrumento.

II – RECURSO DE REVISTA IN-TERPOSTO PELO RECLAMANTE

1. CONHECIMENTO1.1. INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS. ATRASO NO PAGAMEN-

Page 286: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

286 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

TO DE SALÁRIO E DAS VERBASRESCISÓRIAS

A fim de demonstrar oprequestionamento, a parte indi-cou o seguinte trecho do acórdãorecorrido:

“Por fim, busca o reclaman-te a condenação da recla-mada ao pagamento de in-denização pelo dano moraldecorrente do reiteradoatraso no pagamento deseus salários, bem como emrazão da ausência de paga-mento das verbas rescisó-rias.Sem razão, contudo.O dano moral consiste na vio-lação de um bem integranteda personalidade da vítima, vi-olação esta da qual resultamsofrimento e humilhação capa-zes de atingir o sentimento dedignidade do ofendido.No caso, mesmo reconhecidaa mora salarial e o não-paga-mento de verbas rescisóriaspelo empregador, tais circuns-tâncias não são fatoresdeterminante do abalo moralapontado pelo autor, não sen-do aptas, por si sós, para cau-sar sentimentos de humilha-ção, constrangimento ou ver-gonha, capazes de atingir suahonra e dignidade, justifica-dores de eventual reparaçãode ordem moral.Nesse sentido, o entendimen-to atual do C. Tribunal Superi-or do Trabalho:RECURSO DE REVISTA INTER-POSTO PELO RECLAMANTE(ROGÉRIO OLDAIR SEVERO).INDENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS. ATRASO NO PAGA-MENTO DE SALÁRIOS. I. O en-tendimento desta Corte Supe-

rior é no sentido de que o atra-so no pagamento de salárionão enseja o pagamento de in-denização por danos morais,porquanto tal situação, isola-damente considerada, não im-porta resultado lesivo à honraou à imagem das pessoas. II.Recurso de revista de que nãose conhece. (TST - RR: 70100-08.2009.5.04.0008 - Data deJulgamento: 09/03/2016, Datade Publicação: DEJT 11/03/2016)O entendimento que prevale-ce, portanto, é no sentido deque o descumprimento deobrigações trabalhistas, isola-damente considerado, nãoacarreta violação aos direitosda personalidade, devendo otrabalhador comprovar queem razão da violação foi sub-metido à situação vexatória ouhumilhante.Assim, não comprovado o efe-tivo dano moral experimenta-do pelo reclamante, assimcomo a prática pela reclama-da de ato que pudesse ter cau-sado abalos de dessa ordem,não subsiste o dever de inde-nizar.Nego provimento.”

Nas razões do recurso de re-vista, o reclamante sustenta queé devida indenização por danosmorais em razão dos constantesatrasos no pagamento dos salári-os e do não pagamento das ver-bas rescisórias. Colaciona arestos.

Ao exame.Foram atendidos os requisitos

do art. 896, §1º-A, da CLT.Em relação às verbas resci-

sórias, conforme jurisprudênciadesta Corte, o deferimento de

Page 287: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

287Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

indenização por danos moraiscom base em mera presunção daocorrência de fatos danosos nãoé cabível. É necessária a compro-vação de ao menos algum fatoobjetivo do qual se pudesse infe-rir que houve abalo moral, o quenão ocorreu no caso, segundo oTRT.

Nesse contexto, o que gera odano não é a mora em si, mas ascircunstâncias nas quais se confi-gurou, e/ou as consequênciaseventualmente advindas desseatraso, como, por exemplo, a ins-crição do devedor em cadastrosde inadimplência, entre outroscasos.

Nesse sentido, os seguintes jul-gados:

2) INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL. ATRASO NO PAGA-MENTO DAS VERBAS RESCI-SÓRIAS. A jurisprudência des-ta Corte tem consideradopertinente o pagamento deindenização por dano moralnos casos de atrasos reitera-dos nos pagamentos salari-ais mensais. Porém, não temadotado a mesma condutaquanto ao atraso na quita-ção de verbas rescisórias, porexistir, na hipótese,apenação específica na CLT(multa do art. 477, § 8º, CLT),além da possibilidade da in-cidência de uma segundaapenação legal, fixada noart. 467 da Consolidação.Desse modo, no caso de atrasorescisório, para viabilizar a ter-ceira agregação de valor (inde-nização por dano moral), serianecessária a evidenciação deconstrangimentos específicossurgidos, aptos a afetar a hon-

ra, a imagem ou outro aspectodo patrimônio moral do tra-balhador. Recurso de revistanão conhecido neste tópico.(RR - 1858-19.2013.5.15.0018,Relator Ministro: MauricioGodinho Delgado, Data de Jul-gamento: 05/08/2015, 3ª Tur-ma, Data de Publicação: DEJT14/08/2015)

DANO MORAL. ATRASO NOPAGAMENTO DE VERBAS SA-LARIAIS. A premissa fática re-gistrado no acórdão recorridoé de que houve atraso no pa-gamento de verbas salariais.Não consta a premissa fáticade atrasos reiterados de salá-rios. Somente o atraso reite-rado no pagamento dos sa-lários enseja o pagamentode indenização a título dedano moral, pois, nessecaso, o dano moral verifica-se in re ipsa, o que não écaso dos autos. Súmula nº 126do TST. Recurso de revista deque não se conhece. Processo:RR - 34400-62.2010.5.17.0011Data de Julgamento: 16/03/2016, Relatora Ministra: KátiaMagalhães Arruda, 6ª Turma,Data de Publicação: DEJT 22/03/2016.

ATRASO NO PAGAMENTODAS VERBAS RESCISÓRIAS.DANO MORAL NÃO CONFIGU-RADO. O pagamento adestempo das verbasrescisórias não resulta danomoral in re ipsa, mas de-pende da comprovação dereal prejuízo e constrangi-mento ocorridos por culpado empregador, circunstân-cia não demonstrada nestecaso. Precedentes. Recurso derevista conhecido e provido. ( RR

Page 288: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

288 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

- 21495-95.2014.5.04.0027 ,Relator Ministro: Aloysio Corrêada Veiga, Data de Julgamento:20/04/2016, 6ª Turma, Data dePublicação: DEJT 29/04/2016)

Os julgados citados trazem te-ses que levam em conta situaçõessimilares à examinada no casoconcreto, demonstrando o enten-dimento desta Corte Superior so-bre a matéria, o qual tambémdeve ser aplicado neste processo.

Em relação ao pagamentodos salários, de acordo com otrecho transcrito, a alegação doreclamante, não afastada peloTRT, é de atraso reiterado de sa-lários.

Com efeito, o Regional assen-tou que “mesmo reconhecida amora salarial e o não-pagamentode verbas rescisórias pelo empre-gador, tais circunstâncias não sãofatores determinante do abalomoral apontado pelo autor, nãosendo aptas, por si sós, para cau-sar sentimentos de humilhação,constrangimento ou vergonha,capazes de atingir sua honra edignidade, justificadores de even-tual reparação de ordem moral”.

Esta Turma entende que o atra-so reiterado no pagamento dossalários enseja a indenização atítulo de dano moral, pois, nessecaso, o dano moral verifica-se inre ipsa.

Com efeito, a Constituição Fe-deral, especialmente em seu art.5º, V e X, estabeleceu o danomoral como ilícito passível de re-paração, a exemplo daqueles cau-sados à honra, intimidade e ima-gem do indivíduo, expressões pró-

prias dos direitos da personalida-de.

As previsões do artigo 5º, V eX, aliadas ao caráter protetivo dodireito do trabalho e às demaisgarantias expressas da Carta Mag-na, relativas à natureza de direi-to social fundamental do traba-lho e das necessidades básicas queele viabiliza (saúde, moradia,lazer, etc.), levam ao dever deindenizar, em caso como o dosautos.

O fato de o empregado estarprivado, ainda que temporaria-mente, dos recursos necessários àsua subsistência, considerandoprincipalmente que o salário temnatureza alimentar e recebe es-pecial proteção constitucional,revela a gravidade do fato e oprejuízo causado ao trabalhador.

E, portanto, caracterizada aconduta ilícita patronal e de-monstrados os pressupostos paraa responsabilização civil (ação ouomissão culposa ou dolosa doagente, nexo de causalidade edano experimentado pela vítima),é devida a indenização por danomoral postulada, nos termos dosartigos 1º, 5º, X, 6º, caput, e 7º,X, da Constituição Federal e 186e 927 do Código Civil.

Citem-se, por oportuno, os se-guintes julgados da Subseção IEspecializada em Dissídios Indivi-duais:

“EMBARGOS REGIDOS PELALEI Nº 11.496/2007. INDENI-ZAÇÃO POR DANO MORAL.MORA REITERADA NO PAGA-MENTO DE SALÁRIOS. DESNE-CESSIDADE DE COMPROVA-

Page 289: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

289Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

ÇÃO DE PREJUÍZO. DANO INRE IPSA. Denota-se do acórdãoregional, transcrito na decisãoda Turma, que houve moracontumaz no pagamento dossalários, tanto que ensejou arescisão indireta do contratode emprego. A reclamantenão necessitava demonstrarque a inadimplência contra-tual acarretou prejuízos à suaesfera íntima e moral. Nessascircunstâncias, é presumívelque a empregada se sentisseinsegura e apreensiva. Esseestado de constante apreen-são compromete a tranqui-lidade psíquica e agride a dig-nidade da pessoa humana, ouseja, do trabalhador que cum-priu sua obrigação prevista nocontrato de trabalho, mas nãorecebeu por isso. Não se trataapenas de um contrato nãocumprido, que se difere dasregras do Direito Civil, pois, nocontrato de trabalho, a forçade trabalho do empregado écontraprestada pelo paga-mento de salário, que possuinatureza alimentar. O salárioconstitui o único meio de sub-sistência do trabalhador. A au-sência do cumprimento do de-ver do empregador de pagaros salários no prazo legal im-pede o trabalhador não ape-nas de arcar com os custos desua subsistência e de sua fa-mília, mas também de assumirnovos compromissos, em faceda incerteza no recebimentodos salários na data aprazadana lei. Portanto, a conse-quência do descumprimentodas obrigações do empregadorno pagamento de salários noprazo legal é a impossibilida-de do trabalhador de cumprirseus compromissos, por fatos

totalmente alheios a ele. Nãose pode olvidar que o risco daatividade econômica não é dotrabalhador, mas do empre-gador. Qualquer pessoa quenão recebe seus salários noprazo legal sofre abalo psico-lógico, principalmente aqueleque conta apenas com o salá-rio para sua subsistência. Nãoé necessário nenhum esforçopara se chegar a essa conclu-são. Ressalta-se a máxima “oextraordinário se prova e oordinário se presume”. Por-tanto, o ato ilícito praticadopelos reclamados acarretadano moral in re ipsa, que dis-pensa comprovação da existên-cia e da extensão, sendopresumível em razão do fatodanoso. Nesse sentido se paci-ficou o entendimento da egré-gia SbDI-1 desta Corte, por oca-sião do julgamento do Processonº E-RR-971-95.2012.5.22.0108,Rel. Min. Augusto César Leite deCarvalho, julgado em sessãocompleta, cujo julgamento seultimou em 23/10/2014, em de-cisão proferida por maioria devotos, no sentido da desne-cessidade da comprovação deprejuízo sofrido pelo empre-gado, decorrente do recebi-mento de seus salários comatraso, para ensejar a conde-nação do empregador à inde-nização por dano moral, consi-derado dano in re ipsa. Embar-gos conhecidos e providos.” (E-RR-1436-94.2011.5.04.0511,Relator Ministro: José RobertoFreire Pimenta, Data de Julga-mento: 19/10/2017, Subseção IEspecializada em Dissídios In-dividuais, Data de Publicação:DEJT 27/10/2017)

Page 290: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

290 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

“RECURSO DE EMBARGOS. RE-GÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ATRASO REITERADO NOPAGAMENTO DE SALÁRIOS.INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL. Esta Subseção Especi-alizada firmou o entendimen-to de que o atraso reiteradono pagamento de salários con-figura, por si só, lesão aos di-reitos da personalidade do em-pregado, sendo atribuída aoempregador inadimplente nocumprimento da obrigação aresponsabilidade pela com-pensação dos danos, sem ne-cessidade de prova do abalopsicológico sofrido pela vítima(dano “in re ipsa”), pois a le-são moral decorre da condutailegal e/ou antijurídica da em-presa, com repercussões dano-sas na vida privada e a digni-dade do empregado, que reite-radamente se vê privado dacontraprestação salarial de ca-ráter alimentício por culpa doempregador, que, por isso,deve pagar indenização com-pensatória, nos termos do art.5º, X, da Constituição Federal.Recurso de embargos conheci-do e provido.” (E-Ag-RR-202-94.2013.5.05.0021, Relator Mi-nistro: Walmir Oliveira da Cos-ta, Data de Julgamento: 14/09/2017, Subseção I Especializadaem Dissídios Individuais, Datade Publicação: DEJT 22/09/2017)

“RECURSO DE EMBARGOS EMRECURSO DE REVISTA.INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDEDA LEI 11.496/07. ATRASO REI-TERADO NO PAGAMENTO DESALÁRIOS. DANO MORAL.CONFIGURAÇÃO PELA SIM-PLES OCORRÊNCIA DO FATO.

1. No caso, o atraso reiteradono pagamento dos salários dareclamante é premissa fáticaincontroversa nos autos. Sobretal premissa, a Eg. Turmaerigiu a tese de que bastacomprovação de atraso no pa-gamento dos salários paraconfigurar dano moral in reipsa e, assim, gerar a indeni-zação correspondente. 2. Em-bora os atrasos no cumprimen-to das obrigações trabalhistas,em regra, acarretem apenasdanos patrimoniais, sanadoscom a condenação ao paga-mento das parcelas corres-pondentes, no caso, configura-se também o dano moral, por-quanto inegável que houvereiterado atraso no paga-mento dos salários da traba-lhadora. 3. O atraso no paga-mento dos salários não se li-mita a meros dissabores, já quedeixa o trabalhador em totalinsegurança quanto ao futuro,sem poder se programarquanto à adimplência de seuscompromissos financeiros. Acontumaz impontualidade“quebra” toda a programaçãoe organização mensal do em-pregado para o pagamento decontas, gerando-lhe insegu-rança e natural angústia. 4.Nesse sentido são os prece-dentes da C. SbDI-1 do TST.Recurso de embargos conheci-do, por divergência jurispru-dencial, e não provido.” (E-ARR- 241400-36.2009.5.09.0093,Relator Ministro: Hugo CarlosScheuermann, Data de Julga-mento: 14/04/2016, SubseçãoI Especializada em Dissídios In-dividuais, Data de Publicação:DEJT 22/04/2016)

Page 291: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

291Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

“RECURSO DE EMBARGOS. VI-GÊNCIA DA LEI Nº 13015/2014. INDENIZAÇÃO PORDANO MORAL. ATRASO REITE-RADO NO PAGAMENTO DOSSALÁRIOS. AUSÊNCIA DE RE-AJUSTE SALARIAL DE 2004 A2012. CONTRATO DE TRABA-LHO QUE PERDUROU PORMAIS DE 40 ANOS. DANO INRE IPSA. A delimitação trazidano julgado embargado permi-te verificar dano moral inde-nizável, porque presumido osofrimento da empregada di-ante do dano sofrido pelo atra-so injustificado no pagamen-to dos salários, do longo perí-odo do contrato de trabalho,mais de 40 anos, e ainda por-que constatado que de 2004 a2012 a autora não obteve ne-nhum reajuste salarial. Inafas-tável o entendimento do eg.Tribunal Regional de que hádano in re ipsa, pelo evidenteconstrangimento à autora, de-corrente da conduta do Sindi-cato, cuja mora salarial contu-maz, em conjunto com odescumprimento de direitostrabalhistas por longo perío-do de tempo, determinou arescisão indireta do contratode trabalho da autora, aos 72anos de idade. Restabeleci-mento da decisão de origemque se impõe. Precedentes.Recurso de Embargos conheci-do e provido.” (E-RR - 98-21.2012.5.05.0027, RelatorMinistro: Aloysio Corrêa daVeiga, Data de Julgamento:31/03/2016, Subseção I Especi-alizada em Dissídios Individu-ais, Data de Publicação: DEJT08/04/2016)

“EMBARGOS EM RECURSO DEREVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB

A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. DANO MORAL. COM-PENSAÇÃO. ATRASO REITE-RADO NO PAGAMENTO DESALÁRIOS. NÃO PROVIMEN-TO. 1. Segundo a atual juris-prudência desta Corte Superi-or, o atraso reiterado no pa-gamento de salários, por si só,gera lesão aos direitos da per-sonalidade, uma vez que im-pede o empregado de honraros seus compromissos e pro-ver o sustento próprio e de suafamília, presumindo-se o danoem tais casos. Precedentes.Ressalva de entendimento doRelator. 2. Recurso de embar-gos de que se conhece e a quese nega provimento.” (E-RR -1250 -49 .2012 .5 .04 .0701 ,Relator Ministro: GuilhermeAugusto Caputo Bastos, Datade Julgamento: 10/03/2016,Subseção I Especializada emDissídios Individuais, Data dePublicação: DEJT 18/03/2016)

“DANO MORAL. INDENIZA-ÇÃO. ATRASO REITERADO NOPAGAMENTO DE SALÁRIOS 1.A mora salarial reiterada acar-reta, por si só, lesão aos direi-tos da personalidade, porqueo empregado não conseguehonrar compromissos assumi-dos e tampouco prover o sus-tento próprio e de sua família.A lesão à dignidade do empre-gado nesse caso é presumida.Precedentes da SbDI-1 do TST.2. Embargos da Reclamante deque se conhece, por divergên-cia jurisprudencial, e a que sedá provimento. (E-ARR -155400-04.2011.5.17.0008 ,Relator Ministro: João OresteDalazen, Data de Julgamento:03/03/2016, Subseção I Especi-alizada em Dissídios Individu-

Page 292: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

292 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

ais, Data de Publicação: DEJT11/03/2016)

No caso concreto, verifica-se que o TRT não rejeitou opedido por falta de prova dosfatos alegados pelo reclaman-te, mas, sim, por falta de pro-va de prejuízos materiais de-correntes dos fatos alegados- o que é inexigível, na medi-da em que o pedido é de in-denização por danosimateriais, constatáveis in reipsa na reiteração de atrasode salários.

Os arestos transcritos a fls.1928/1929, oriundos dos TRT’s das3º e 4º Regiões, apresentam tesedivergente da exposta pelo Tribu-nal Regional, ao decidirem, emsuma, que o atraso reiterado nopagamento dos salários, fere oprincípio da dignidade da pessoahumana, o que enseja a repara-ção.

Conheço, por divergênciajurisprudencial.

2. MÉRITO2.1. INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS. ATRASO NO PAGAMEN-TO DE SALÁRIO E DAS VERBASRESCISÓRIAS

Como consequência do conhe-cimento do recurso de revista, pordivergência jurisprudencial, deveser provido o recurso de revista,para condenar a reclamada aopagamento de indenização pordano moral, decorrente dos atra-sos reiterados de salário.

Nesse passo, cumpre fixar oquantum indenizatório, já quetanto a Vara do Trabalho quanto

o Tribunal Regional de origemnegaram a pretensão formuladapelo reclamante.

Pois bem, na fixação do mon-tante da indenização por danosmorais, devem ser levados emconsideração os critérios daproporcionalidade, da razoabi-lidade, da justiça e da equidade,não havendo norma legal queestabeleça a forma de cálculo aser utilizada para resolver a con-trovérsia, pois o artigo 944 doCódigo Civil apenas estabeleceque a indenização é medida pelaextensão do dano.

A par dessas considerações, deacordo com o entendimento dou-trinário e jurisprudencial, na fi-xação do montante devem serobservados os seguintes objetivos:compensar a vítima pela lesão aodireito da personalidade e servircomo medida pedagógica aoofensor.

Assim, a partir do quadrofático descrito no acórdão recor-rido, aliado ao fato de que foireconhecida a rescisão indireta,com base no art. 483, d, da CLT,em razão do reiterado atraso nopagamento

dos salários, arbitro o montan-te da indenização por danos mo-rais em R$ 5.000,00 (cinco milreais).

Ante o exposto, dou provi-mento ao recurso de revista doreclamante para condenar a recla-mada ao pagamento de indeni-zação por danos morais, fixadaem R$ 5.000,00 (cinco mil reais).Juros e correção monetária nostermos da Súmula nº 439 do TST.

Page 293: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

293Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO RECONHECIDA. FISCALIZAÇÃO COMPROVADA

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros daSexta Turma do Tribunal Superi-or do Trabalho, por unanimida-de: I – negar provimento ao agra-vo de instrumento do reclaman-te; II - conhecer do recurso de re-vista do reclamante quanto aotema “INDENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS. ATRASO NO PAGAMEN-TO DE SALÁRIO E DAS VERBASRESCISÓRIAS”, por divergênciajurisprudencial e, no mérito, dar-

lhe provimento para condenar areclamada ao pagamento de in-denização por danos morais, fi-xada em R$ 5.000,00 (cinco milreais). Juros e correção monetá-ria nos termos da Súmula nº 439do TST.

Brasília, 28 de fevereiro de 2018.

Firmado por assinatura digital(MP 2.200-2/2001)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDAMinistra Relatora

Page 294: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 295: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

295Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PROCESSO TRABALHISTA. FASE DE EXECUÇÃO. MULTA DO CPC/1973. ART. 475-J. INAPLICABILIDADE

Tribunal Superior do Trabalho

Processo trabalhista. Fase de execução. Multa do CPC/1973.Art. 475-J. Inaplicabilidade.1

1 Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2015&numProcInt=227353&dtaPublicacaoStr=23/02/2018%2007:00:00&nia=7073896>

EMENTA OFICIAL

AGRAVO DE INSTRUMENTOPROCESSO EM FASE DE EXECU-ÇÃO. MULTA PREVISTA NO ARTI-GO 475-J DO CÓDIGO DE PROCES-SO CIVIL DE 1973 (ARTIGO 523, §1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CI-VIL DE 2015). APLICAÇÃO ÀS EXE-CUÇÕES NO PROCESSO DO TRA-BALHO. IMPOSSIBILIDADE. De-monstrada a possível violação doartigo 5º, LIV, da Constituição daRepública, dá-se provimento aoAgravo de Instrumento, a fim dedeterminar o processamento doRecurso de Revista. RECURSO DEREVISTA PROCESSO EM FASE DEEXECUÇÃO. MULTA PREVISTA NOARTIGO 475-J DO CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL DE 1973 (ARTIGO523, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCES-SO CIVIL DE 2015). APLICAÇÃO ÀSEXECUÇÕES NO PROCESSO DOTRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. 1.O Tribunal Pleno desta Corte su-perior, no julgamento do TST-IRR-1786-24.2015.5.04.0000, em 21/8/2017, decidiu que o artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil de2015 (artigo 475-J do Código deProcesso Civil de 1973) é incom-patível com o Processo do Traba-lho. 2. A Consolidação das Leis do

Trabalho traz regramento especí-fico quanto à execução, resultan-do inaplicável a multa previstano artigo 475-J do Código de Pro-cesso Civil de 1973 ao Processo doTrabalho, sob pena de violação doartigo 5º, LIV, da Constituição daRepública. Precedentes desta Cor-te superior. 3. Recurso de Revistaconhecido e provido.

(RR - 46700-85.2005.5.01.0008, Relator Ministro: Lelio BentesCorrêa, Data de Julgamento: 21/02/2018, 1ª Turma, DEJT 23/02/2018)

ACÓRDÃO(1ª Turma)GMLBC/joj/

AGRAVO DE INSTRUMENTOPROCESSO EM FASE DE EXE-CUÇÃO. MULTA PREVISTANO ARTIGO 475-J DO CÓDI-GO DE PROCESSO CIVIL DE1973 (ARTIGO 523, § 1º, DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVILDE 2015). APLICAÇÃO ÀSEXECUÇÕES NO PROCESSODO TRABALHO. IMPOSSIBI-LIDADE. Demonstrada a pos-sível violação do artigo 5º, LIV,da Constituição da República,dá-se provimento ao Agravode Instrumento, a fim de de-

Page 296: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

296 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

terminar o processamento doRecurso de Revista. RECURSODE REVISTAPROCESSO EM FASE DE EXE-CUÇÃO. MULTA PREVISTANO ARTIGO 475-J DO CÓDI-GO DE PROCESSO CIVIL DE1973 (ARTIGO 523, § 1º, DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVILDE 2015). APLICAÇÃO ÀSEXECUÇÕES NO PROCESSODO TRABALHO. IMPOSSIBI-LIDADE. 1. O Tribunal Plenodesta Corte superior, no julga-mento do TST-IRR-1786-24.2015.5.04.0000, em 21/8/2017, decidiu que o artigo 523,§ 1º, do Código de Processo Ci-vil de 2015 (artigo 475-J do Có-digo de Processo Civil de 1973)é incompatível com o Proces-so do Trabalho. 2. A Consoli-dação das Leis do Trabalhotraz regramento específicoquanto à execução, resultan-do inaplicável a multa previs-ta no artigo 475-J do Códigode Processo Civil de 1973 aoProcesso do Trabalho, sobpena de violação do artigo 5º,LIV, da Constituição da Repú-blica. Precedentes desta Cor-te superior. 3. Recurso de Re-vista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos es-tes autos de Recurso de Revista n°TST-RR-46700-85.2005.5.01.0008,em que é Recorrente CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL - CEF e Recor-rida TANIA MARA FERREIRA.

Inconformada com a decisãomonocrática proferida às pp.1.058/1.059 do Sistema de Infor-mações Judiciárias (eSIJ), aba“Visualizar Todos (PDFs)”, medi-ante a qual se denegou seguimen-

to ao seu Recurso de Revista, por-quanto não configurada a hipó-tese do artigo 896, § 2º, da Con-solidação das Leis do Trabalho,interpõe a executada o presenteAgravo de Instrumento.

Alega a agravante, medianterazões aduzidas às pp. 1.071/1.074do eSIJ, que seu Recurso de Re-vista merecia processamento, por-quanto comprovada a afronta adispositivos de Lei Federal e daConstituição da República.

Foram apresentadas contrami-nuta e contrarrazões.

Autos não submetidos a pare-cer da douta Procuradoria-Geraldo Trabalho, à míngua de inte-resse público a tutelar.

É o relatório.

VOTO

AGRAVO DE INSTRUMENTOI - CONHECIMENTOObservada a cláusula constitu-

cional que resguarda o ato jurí-dico (processual) perfeito (artigo5º, XXXVI, da Constituição daRepública), o cabimento e aadmissibilidade deste Agravo deInstrumento serão examinados àluz da legislação processual vi-gente à época da publicação dadecisão agravada.

O apelo é tempestivo. A deci-são monocrática foi publicada em24/10/2014, sexta-feira, e as razõesrecursais protocolizadas em 3/11/2014. A reclamada está regular-mente representada nos autos,consoante procuração acostada àspp. 1.052/1.054 do eSIJ e substa-belecimento à p. 1.075 do eSIJ.

Page 297: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

297Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PROCESSO TRABALHISTA. FASE DE EXECUÇÃO. MULTA DO CPC/1973. ART. 475-J. INAPLICABILIDADE

II – MÉRITOPROCESSO EM FASE DE EXE-

CUÇÃO. MULTA PREVISTA NOARTIGO 475-J DO CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL DE 1973 (AR-TIGO 523, § 1º, DO CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL DE 2015).APLICAÇÃO ÀS EXECUÇÕES NOPROCESSO DO TRABALHO. IM-POSSIBILIDADE.

A Exma. DesembargadoraVice-Presidente do Tribunal Regi-onal da 1ª Região denegou segui-mento ao Recurso de Revista in-terposto pela executada sob osseguintes fundamentos (pp.1.058/1.059 do eSIJ):

PRESSUPOSTOS INTRÍNSE-COSDIREITO PROCESSUAL CIVILE DO TRABALHO / PenalidadesProcessuais / Multa do Art. 475-J do CPC.Alega-ção(ões):- viola-ção do(s) artigo 5º, inciso II; arti-go 5º, inciso LIV, da ConstituiçãoFederal.- violação d(a,o)(s) Con-solidação das Leis do Trabalho,artigo 769; artigo 880; artigo889.- divergência jurisprudencial:folha 588, 2 arestos.Trata-se derecurso contra decisão proferi-da no julgamento de agravo depetição. Esta peculiaridade exi-ge o enquadramento do recur-so nos estritos limites traçadospelo artigo 896, § 2º, da CLT. Nocaso dos autos, não se verificaa referida adequação, isso por-que inexiste ofensa direta e li-teral à Constituição da Repú-blica, restando inviável o pre-tendido processamento.CON-CLUSÃONEGO seguimento aorecurso de revista.

Sustenta a agravante, em suasrazões recursais, ser inaplicável orito previsto no artigo 475-J do

Código de Processo Civil de 1973no Processo do Trabalho, em vir-tude de o processo de execuçãotrabalhista encontrar-se discipli-nado na Consolidação das Leis doTrabalho. Aponta violação dosartigos 769, 889 e 880 da Consoli-dação das Leis do Trabalho, e 5º,II e LIV, da Constituição da Repú-blica, além de transcrever arestospara o confronto de teses.

Ao exame.Cinge-se a controvérsia a defi-

nir se o artigo 475-J do Códigode Processo Civil de 1973 (artigo523, § 1º, do Código de ProcessoCivil de 2015) é aplicável ao pro-cesso do trabalho, em face da pre-visão específica da Consolidaçãodas Leis do Trabalho quanto àexecução.

Ante a possível violação doartigo 5º, LIV, da Constituição daRepública, dou provimento aoAgravo de Instrumento.

Encontrando-se os autos sufi-cientemente instruídos, propo-nho, com apoio no artigo 897, §7º, da Consolidação das Leis doTrabalho (Lei n.º 9.756/1998), ojulgamento do recurso na primei-ra sessão ordinária subsequente àpublicação da certidão de julga-mento do presente agravo,reautuando-o como Recurso deRevista, observando-se daí emdiante o procedimento relativo aeste último.

RECURSO DE REVISTAI - CONHECIMENTO1 - PRESSUPOSTOS GENÉRI-

COS DE ADMISSIBILIDADE RE-CURSAL.

Page 298: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

298 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Observada a cláusula constitu-cional que resguarda o ato jurí-dico (processual) perfeito (artigo5º, XXXVI, da Constituição daRepública), o cabimento e aadmissibilidade deste Recurso deRevista serão examinados à luz dalegislação processual vigente àépoca da publicação da decisãorecorrida.

O apelo é tempestivo. Oacórdão foi publicado em 18/9/2014, quinta-feira, e as razõesrecursais protocolizadas em 25/9/2014. A executada está regular-mente representada nos autos,consoante procuração acostada àspp. 1.052/1.054 do eSIJ, e substa-belecimento à p. 1.051 do eSIJ.

2 - PRESSUPOSTOS ESPECÍFI-COS DE ADMISSIBILIDADERECURSAL.

PROCESSO EM FASE DE EXE-CUÇÃO. MULTA PREVISTA NOARTIGO 475-J DO CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL DE 1973 (AR-TIGO 523, § 1º, DO CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL DE 2015).APLICAÇÃO ÀS EXECUÇÕES NOPROCESSO DO TRABALHO. IM-POSSIBILIDADE.

Manteve a Corte de origem acondenação da executada ao pa-gamento da multa prevista noartigo 475-J do CPC de 1973, ado-tando, para tanto, as seguintesrazões de decidir, expressas às pp.1.039/1.041 do eSIJ:

A agilização se harmoniza, ou,melhor dizendo, instrumen-taliza a nova garantia consti-tucional, contida no incisoLXXVIII do art. 50 da CartaMagna.

É certo que a matéria aindadesperta polêmica na jurispru-dência trabalhista, inclusive noTST.Atualmente, o que se tem deconcreto são os dispositivos daCLT, da Lei dos Executivos Fis-cais (LEF) e do CPC, aplicadossucessivamente ao processode execução trabalhista, semque haja colisão.O artigo 10 da Lei n° 6.830180,ao qual o operador de direito éremetido pelo artigo 889 da CLT,prevê a aplicação supletiva doCPC, obviamente, ressalvadasas hipóteses em que um ou ou-tro diploma legal for omisso, enaquilo em que compatíveis.No caso, a CLT não prevê a im-posição da multa de que tratao art. 475-J do CPC, nem qual-quer outro meio coercitivo paradesestimular a frequente de-mora no pagamento. Tampoucoo faz a Lei de Executivo Fiscal.Então, pode-se afirmar queomissas ambas as legislaçõesneste aspecto. Também não sevislumbra incompatibilidade,até porque o referido dispositi-vo não revogou as demais nor-mas da execução cível, ou seja,não alterou os procedimentosparalelos na execução forçada,como é o caso da penhora. Ape-nas acrescentou uni meio coer-citivo para que o devedor seapresse em pagar a dívida.À vista de tudo o que foi dito,concluo que não há óbice à apli-cação do mencionado art. 475-J do CPC no processo trabalhis-ta. Ao contrário, além de com-patível com as normas proces-suais da execução trabalhista,contribui para o cumprimentoda garantia constitucional dacélere tramitação dos feitos.Nego provimento.

Page 299: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

299Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PROCESSO TRABALHISTA. FASE DE EXECUÇÃO. MULTA DO CPC/1973. ART. 475-J. INAPLICABILIDADE

Sustenta a executada, em suasrazões recursais, ser inaplicável orito previsto no artigo 475-J doCódigo de Processo Civil de 1973,no Processo do Trabalho, em vir-tude de o processo de execuçãotrabalhista encontrar-se discipli-nado na Consolidação das Leis doTrabalho. Aponta violação do ar-tigo 5º, II e LIV, da Constituiçãoda República, além de transcre-ver arestos para o confronto deteses.

Ao exame.Cinge-se a controvérsia a defi-

nir se o artigo 475-J do Códigode Processo Civil de 1973 (atualartigo 523, § 1º, do Código deProcesso Civil de 2015) é aplicá-vel ao processo do trabalho, emface da previsão específica daConsolidação das Leis do Traba-lho quanto à execução.

Trata-se de recurso de revistainterposto a acórdão prolatadoem processo de execução, cujocabimento depende de demons-tração inequívoca de violação di-reta da Constituição da Repúbli-ca, consoante dispõem o § 2º doartigo 896 da Consolidação dasLeis do Trabalho e o entendimen-to consagrado na Súmula n.º 266deste Tribunal Superior. Afasta-se,assim, a tentativa de caracteriza-ção de divergência jurispruden-cial.

A Consolidação das Leis do Tra-balho traz regramento específicoquanto à execução no âmbito daJustiça do Trabalho. Dispõe, emseus artigos 876 a 892, sobre aforma como se processará a exe-cução nesta Justiça especializada,estabelecendo que o executado

será citado para o cumprimentoda decisão ou acordo, no modo esob as cominações estabelecidas,ou para o pagamento, quando setratar de condenação em dinhei-ro, da quantia devida no prazode 48 (quarenta e oito) horas, sobpena de penhora (artigo 880).

A disposição do artigo 475-J doCódigo de Processo Civil de 1973(artigo 523, § 1º, do Código deProcesso Civil de 2015), por ou-tro lado, traz regramento especí-fico para o âmbito de sua aplica-ção, dispondo que o devedor de-verá ser intimado para o cumpri-mento da sentença no prazo dequinze dias, sob pena de acrésci-mo de dez por cento ao montan-te da condenação a título demulta.

Por ocasião do julgamento doIRR-1786-24.2015.5 .04.0000(Relator: Exmo. Ministro MauricioGodinho Delgado, data do julga-mento: 21/8/2017), sob o rito doIncidente de Recursos de RevistaRepetitivos, o Tribunal Pleno des-ta Corte superior consolidou en-tendimento no sentido de que oartigo 523, § 1º, do Código deProcesso Civil de 2015 (artigo 475-J do Código de Processo Civil de1973) é incompatível com o pro-cesso do trabalho.

Consignou-se, na ocasião, queos dispositivos em comparaçãoestão a disciplinar procedimentosdiferentes para a execução.

De acordo com o artigo 769 daConsolidação das Leis do Traba-lho, as disposições do Código deProcesso Civil somente poderãoser aplicadas no âmbito trabalhis-ta nos casos omissos, o que, evi-

Page 300: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

300 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

dentemente, não se enquadra napresente hipótese, em que háregramento específico.

Diante disso, a determinaçãoda Corte de origem, no sentidoda aplicação do regramento civilna execução trabalhista, em de-trimento das normas próprias eespecíficas da Consolidação dasLeis do Trabalho, afronta o arti-go 5º, LIV, da Constituição daRepública.

Nesse sentido orientaram-se osseguintes precedentes destecolendo Tribunal Superior do Tra-balho:

RECURSO DE REVISTA. EXE-CUÇÃO. MULTA DO ART.475-J DO CPC. INAPLICA-BILIDADE NO PROCESSO DOTRABALHO. 1. Hipótese emque o Tribunal Regional ado-tou o entendimento de que“não há incompatibilidade en-tre o disposto no artigo 475-Jdo CPC e o artigo 880 da CLT,que cuida da execução traba-lhista”. 2. A jurisprudênciadesta Corte Superior estásedimentada no sentido deque inaplicável à situação emexame a regra contida no art.475-J do CPC, porque não sevisualiza omissão na Consoli-dação das Leis do Trabalho,tampouco compatibilidade danorma processual civil com asnormas processuais trabalhis-tas. 3. A decisão regional em con-trário, proferida em execução,viola a norma insculpida no art.5º, II, da Constituição da Repú-blica. Precedentes. Recurso derevista conhecido e provido. (TST-RR-2100-56.2006.5.15.0039,Relator Ministro Hugo CarlosScheuermann, 1ª Turma, pu-

blicado no DEJT de 23/05/2014);

AGRAVO DE INSTRUMENTOEM RECURSO DE REVISTA -EXECUÇÃO - MULTA DO ART.475-J DO CPC - INAPLICA-BILIDADE AO PROCESSO DOTRABALHO. Diante de possí-vel violação do art. 5º, II, daConstituição da República, dá-se provimento ao agravo deinstrumento, para melhor exa-me do recurso de revista.Agravo de instrumento a quese dá provimento. II - RECUR-SO DE REVISTA - EXECUÇÃO- 1. MULTADO ART. 475-J DOCPC - INAPLICABILIDADE AOPROCESSO DO TRABALHO. OTribunal Regional entendeuaplicável ao Processo do Tra-balho o art. 475-J do CPC. Aexecução de sentença profe-rida na Justiça do Trabalhoestá regulamentada nos arts.876 e 892 da CLT. É claro o art.880 ao dispor que o executa-do, quando condenado, será ci-tado para que proceda ao pa-gamento do débito em 48 ho-ras ou garanta a execução, sobpena de penhora. Por outrolado, nos termos do artigo475-J do CPC, o devedor con-denado ao pagamento dequantia certa ou já fixada emliquidação tem o prazo dequinze dias para cumprir asentença, sob pena de seremacrescidos dez por cento aomontante da condenação, a tí-tulo de multa. Verifica-se, por-tanto, que a CLT traz parâ-metros próprios para a execu-ção, especificamente quanto àforma e ao prazo, o que nãojustifica a aplicação do citadoart. 475-J do CPC. Assim, nãoé possível, na hipótese, a inci-

Page 301: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

301Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PROCESSO TRABALHISTA. FASE DE EXECUÇÃO. MULTA DO CPC/1973. ART. 475-J. INAPLICABILIDADE

dência do art. 769 da CLT, queautoriza a aplicação das regrasdo Direito Processual Civil noscasos em que houver omissão.Precedentes. Ofensa ao art.5º, II, da Constituição Federalconfigurada. Recurso de revis-ta de que se conhece e a quese dá provimento. (TST-RR-36-28.2011.5.09.0892, RelatorDesembargador ConvocadoValdir Florindo, 2ª Turma, pu-blicado no DEJT de 28/03/2014);

MULTA DO ART. 475-J DOCPC. INAPLICABILIDADE NOPROCESSO DO TRABALHO.4.1. O princípio do devido pro-cesso legal é expressão da ga-rantia constitucional de que asregras pré-estabelecidas pelolegislador ordinário devem serobservadas na condução doprocesso, assegurando-se aoslitigantes, na defesa dos direi-tos levados ao Poder Judiciá-rio, todas as oportunidadesprocessuais conferidas por Lei.4.2. A aplicação das regras dedireito processual comum, noâmbito do Processo do Traba-lho, pressupõe a omissão daCLT e a compatibilidade dasrespectivas normas com osprincípios e dispositivos queregem este ramo do Direito,a teor dos arts. 769 e 889 daCLT. 4.3. Existindo previsão ex-pressa, na CLT, sobre a postu-ra do devedor em face do tí-tulo executivo judicial e asconsequências de sua resistên-cia jurídica, a aplicação subsi-diária do art. 475-J do CPC, nosentido de ser acrescida, deforma automática, a multa dedez por cento sobre o valor dacondenação, implica contrari-edade aos princípios da legali-

dade e do devido processo le-gal, com ofensa ao art. 5º, II eLIV, da Constituição Federal,pois subtrai-se o direito doexecutado de garantir a exe-cução, em quarenta e oito ho-ras, mediante o oferecimentode bens à penhora, nos termosdo art. 882 consolidado. Recur-so de revistaconhecido e desprovido. (TST-ARR-1346-10.2011.5.06.0001,Relator Ministro Alberto LuizBresciani de Fontan Pereira, 3ªTurma, publicado no DEJT de16/05/2014);

RECURSO DE REVISTA. EXE-CUÇÃO. MULTA DO ART.475-J DO CPC. PROCESSO DOTRABALHO. CONSTITUIÇÃOFEDERAL, ART. 5º, II 1. Con-quanto recomendável, de legeferenda, a aplicação da mul-tado art. 475-J do CPC no Pro-cesso do Trabalho encontraóbice intransponível em nor-mas específicas por que serege a execução trabalhista. 2.Se, de um lado, o art. 475-J doCPC determina ao devedor odepósito obrigatório do valordevido, o art. 882 da CLT abrepara o executado a faculdadede garantia do juízo com ou-tro tipo de bem. Manifestoque, se a CLT assegura ao exe-cutado o direito à nomeaçãode bens à penhora, issologicamente exclui a ordempara imediato pagamento dadívida, sob pena de incidênciada multa de 10%. 3. A aplica-ção à risca do procedimento doart. 475-J do CPC igualmenteconflita com a CLT no tocanteà exigência de citação, vistoque, pela atual sistemática doProcesso Civil, não há mais cita-ção do executado em execução

Page 302: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

302 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

de sentença condenatória parapagamento de dívida, tampou-co citação para pagar ou nome-ar bens à penhora, como sedava outrora. No entanto, esseainda é o modelo ou o rito abra-çado pela CLT para a execuçãotrabalhista (art. 880 da CLT). 4.Outro contraste manifesto en-tre o procedimento do art. 475-J do CPC e o da CLT repousa nosembargos do devedor: garanti-do o juízo pela penhora, o art.884 da CLT assegura ao execu-tado o prazo de cinco dias paraopor embargos à execução, aopasso que o § 1º do art. 475-Jdo CPC faculta ao executadoapenas impugnar o título judi-cial, querendo, no prazo de quin-ze dias. Ao substituir os embar-gos à execução, verdadeiraação conexa de cognição, pelaimpugnação, mero incidenteprocessual desprovido de efei-to suspensivo, o CPC introduziuuma inovação sumamente re-levante e que ainda mais evi-dencia o descompasso de pro-cedimentos em cotejo com oProcesso do Trabalho. 5. Na prá-tica, a insistência em aplicar-seno âmbito da execução traba-lhista o art. 475-J do CPC, nãoobstante inspirada nos melho-res propósitos, apenas retardaa satisfação do crédito exe-quendo. A desarmonia doutri-nária e jurisprudencial multipli-ca recursos, amplia a sensaçãode insegurança jurídica e travaa celeridade processual almeja-da. 6. A aplicação ao Reclama-do em execução da penalidadeprevista no art. 475-J do CPCofende o art. 5º, II, da Consti-tuição Federal por adotar nor-ma legal inexistente no Pro-cesso do Trabalho e com ele in-compatível. 7. Recurso de re-

vista conhecido e provido paraexcluir do débito a multa doart. 475-J do CPC. (TST-RR-22400-68.1998.5.17.0005,Relator Ministro João OresteDalazen, 4ª Turma, publicadono DEJT de 15/04/2014);

AGRAVO DE INSTRUMENTO.ADMISSIBILIDADE. EXECU-ÇÃO. MULTA. APLICAÇÃODO ARTIGO 475-J DO CPC.Mostra-se prudente o provi-mento do agravo de instru-mento para determinar oprocessamento do recurso derevista, ante a provável viola-ção do artigo 5º, II, da Consti-tuição Federal. Agravo de ins-trumento provido. II - RECUR-SO DE REVISTA. ADMISSIBI-LIDADE. EXECUÇÃO. MUL-TA. APLICAÇÃO DO ARTI-GO475-J DO CPC. A aplicaçãode norma processual de cará-ter supletivo só é possível noProcesso do Trabalho quandoduas condições simultâneas seapresentam: a) há omissão naCLT quanto à matéria emquestão; e b) há compatibili-dade entre a norma aplicadae os princípios do Direito doTrabalho. A matéria regidapelo artigo 475-J do CPC estáexpressamente disciplinadano artigo 883 da CLT, motivopelo qual é inaplicável ao Pro-cesso do Trabalho. Assim, con-siderando que a sistemáticaprocessual trabalhista não im-põe a aludida multa, entendoviolado o artigo 5º, II, da Cons-tituição Federal. Precedentes.Recurso de revista conhecidoe provido. (TST-RR-387300-41.2005.5.09.0303, RelatorMinistro Emmanoel Pereira, 5ªTurma, publicado no DEJT de09/05/2014);

Page 303: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

303Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

PROCESSO TRABALHISTA. FASE DE EXECUÇÃO. MULTA DO CPC/1973. ART. 475-J. INAPLICABILIDADE

RECURSO DE REVISTA. EXE-CUÇÃO. MULTA DO ART.475-J DO CPC. INCOMPATIBI-LIDADE COM O PROCESSODO TRABALHO. O art. 475-Jdo CPC determina que o deve-dor que, no prazo de quinzedias, não tiver efetuado o pa-gamento da dívida, tenhaacrescido multa de 10% sobreo valor da execução e, a reque-rimento do credor, mandadode penhora e avaliação. A apli-cação de norma processualextravagante, no processo dotrabalho, está subordinada àomissão no texto da Consoli-dação. Nos incidentes da exe-cução o art. 889 da CLT reme-te à Lei dos Executivos Fiscaiscomo fonte subsidiária. Persis-tindo a omissão, tem-se o pro-cesso civil como fonte subsidi-ária por excelência, como pre-ceitua o art.769 da CLT. Não há omissão noart. 880 da CLT a autorizar aaplicação subsidiária do direi-to processual comum. Nessesentido firmou-se a jurispru-dência da c. SDI no julgamentodos leading cases E-RR - 38300-47.2005.5.01.0052 (Relator Mi-nistro Brito Pereira) e E-RR -1568700-64.2006.5.09.0002(Relator Ministro AloysioCorrêa da Veiga), julgados em29/06/2010. Recurso de revistaconhecido e provido. (TST-RR-1276 -91 .2012 .5 .03 .0081 ,Relator Ministro Aloysio Corrêada Veiga, 6ª Turma, publicadono DEJT de 13/03/2015);

AGRAVO DE INSTRUMENTOEM RECURSO DE REVISTA.EXECUÇÃO. MULTA DO ART.475-J DO CPC. INAPLICABI-LIDADE NO PROCESSO DOTRABALHO. Constatada, na

decisão regional, possível vio-lação ao artigo 5º, LIV, da Cons-tituição Federal, deve ser pro-vido o agravo de instrumento,viabilizando-se o trânsito darevista, nos moldes do art. 896,§2º, da CLT. Agravo de instru-mento conhecido e provido.RECURSO DE REVISTA. EXE-CUÇÃO. MULTA DO ART.475-J DO CPC. INAPLICABI-LIDADE NO PROCESSO DOTRABALHO. As disposiçõesque regem os processos tra-balhista e civil, no tocante àexecução por quantia certa de-corrente de título judicial,apresentam parâmetros pró-prios, quanto à forma e aoprazo para cumprimento dasentença condenatória. Inviá-vel, portanto, a aplicação su-pletiva da multa prevista noart. 475-J do CPC, face à au-sência de lacuna normativa ede compatibilidade com asnormas do processo do traba-lho, nos termos do art. 769 daCLT. Precedentes da SBI-1 des-ta Corte. Recurso de revista co-nhecido e provido. (TST-RR-40000-82.2008.5.01.0204,Relator Desembargador Con-vocado André Genn de Assun-ção Barros, 7ª Turma, publica-do no DEJT de 20/02/2015);trabalho a multa prevista noart. 475-J do CPC, porque aexecução trabalhista se pro-cessa nos termos dos artigos876 e seguintes da CLT. Prece-dentes. Recurso de Revista co-nhecido e provido. (TST-RR-81200-58.2006.5.01.0004,Relator Ministro Márcio EuricoVitral Amaro, 8ª Turma, pu-blicado no DEJT de 05/05/2014).

Page 304: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

304 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Ante o exposto, conheço doRecurso de Revista por violaçãodo artigo 5º, LIV, da Constituiçãoda República.

II - MÉRITOConhecido o Recurso de Revis-

ta por violação do artigo 5º, LIV,da Constituição da República,consequência lógica é o seu pro-vimento.

Dou provimento ao recursopara excluir da condenação o pa-gamento da multa prevista noartigo 475-J do Código de Proces-so Civil de 1973 (artigo 523, § 1º,do Código de Processo Civil de2015), porque inaplicável ao pro-cesso do trabalho.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros daPrimeira Turma do Tribunal Supe-rior do Trabalho, por unanimida-de, dar provimento ao Agravo de

Instrumento para determinar oprocessamento do Recurso deRevista. Acordam, ainda, por una-nimidade, julgando o Recurso deRevista, nos termos do artigo 897,§ 7º, da Consolidação das Leis doTrabalho, dele conhecer por vio-lação do artigo 5º, LIV, da Cons-tituição da República e, no méri-to, dar-lhe provimento para ex-cluir da condenação o pagamen-to da multa prevista no artigo475-J do Código de Processo Civilde 1973 (artigo 523, § 1º, do Có-digo de Processo Civil de 2015),porque inaplicável ao processo dotrabalho.

Brasília, 21 de fevereiro de2018.

Firmado por assinatura digital(MP 2.200-2/2001)

LELIO BENTES CORRÊAMinistro Relator

Page 305: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

305Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

VIGILÂNCIA BANCÁRIA ARMADA ININTERRUPTA. INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR. INCONSTITUCIONALIDADE

Tribunal de Justiça doRio Grande do Sul

Vigilância bancária armada ininterrupta. Incompetência doMunicípio para legislar. Inconstitucionalidade.1

1 Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/s i te_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70075680066%26num_processo%3D70075680066%26codEmenta%3D7696371+70075680066&ie=UTF-8&access=p&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&site=ementario&oe=UTF-8&numProcesso=70075680066&comarca=Comarca%20de%20Piratini&dtJulg=28/03/2018&relator=Jo%C3%A3o%20Barcelos%20de%20Souza%20Junior&aba=juris>

EMENTA OFICIAL

APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NE-CESSÁRIA. MANDADO DE SEGU-RANÇA. DIREITO PÚBLICO NÃO ES-PECIFICADO. DIREITO ADMINIS-TRATIVO. INCONSTITUCIONALI-DADE DE LEI MUNICIPAL EM RA-ZÃO DA INCOMPETÊNCIA LEGIS-LATIVA. MATÉRIA DE DEFESA ADIREITO SUBJETIVO. POSSIBILI-DADE.

1. O Mandado de Segurançavisa resguardar direito líquido ecerto, negado ou ameaçado porautoridade pública no exercíciode atribuição do poder público.

2. A parte impetrante demons-trou a violação de seu direito lí-quido e certo, uma vez que o Mu-nicípio de Piratini não detémcompetência para legislar sobrea obrigatoriedade das agênciasbancárias e cooperativas de cré-dito contratem serviço de vigi-lância armada, diuturnamente,in-cluindo final de semana e feri-

ados. Portanto, a Lei Municipalnº 1695/2016 reveste-se de incons-titucio-nalidade arguível comomatéria de defesa a direito sub-jetivo, o que importa na manu-tenção da segurança concedidaem sentença.

3. O recurso de apelação esgo-tou a análise da matéria, restan-do prejudicada a remessa neces-sária.

À UNANIMIDADE, NEGARAMPROVIMENTO AO RECURSO E JUL-GARAM PREJUDICADA A REMES-SA NECESSÁRIA.

AC nº 70075680066, RelatorDesembargador João Barcelos deSouza Júnior, Data de Julgamen-to 28/03/2018, 2ª Câmara Cível,DJe RS 06/04/2018.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosos autos.

Acordam os Desembargadoresintegrantes da Segunda Câmara

Page 306: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL JURISPRUDÊNCIA

306 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Cível do Tribunal de Justiça do Es-tado, à unanimidade, em negarprovimento ao recurso e julgarprejudicada a remessa necessária.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento,

além do signatário, os eminentesSenhores Des.ª Lúcia de FátimaCerveira (Presidente) e Des.Ricardo Torres Hermann.

Porto Alegre, 28 de março de2018.

DES. JOÃO BARCELOSDE SOUZA JÚNIOR,

Relator.

RELATÓRIO

Des. João Barcelos de SouzaJúnior (RELATOR)

Cuida-se de apelação (fl. 91),apresentada pelo MUNICÍPIO DEPIRATINI, contra sentença de fls.87/89v que concedeu a seguran-ça postulada pela COOPERATIVADE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃODE ASSOCIADOS DA REGIÃO CEN-TRO DO RS – SICREDI, para reco-nhecer a inconstitucionalidade daLei Municipal nº 1695/2016 e de-cretar sua ineficácia.

Em razões, o Município dePiratini entende ser parte compe-tente para legislar sobre a maté-ria, uma vez que o artigo 30, I,da Constituição Federal, bemcomo a jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federal assegura au-tonomia municipal para elabora-ção de leis destinadas à garantiado melhor atendimento e confor-to aos usuários de serviços ban-cários. Diz que tanto é verdade

que a própria constituição, emseu artigo 144, § 8º, garante aosmunicípios o direito de constituirguardas municipais com a finali-dade de proteger seus bens, ser-viços e instalações. Pede pelo pro-vimento do recurso.

A impetrante ofereceu con-trarrazões às fls. 96/102.

O Ministério Público opinoupelo desprovimento do recurso(fls. 104/108).

Vieram os autos conclusos.É o relatório.

VOTOS

Des. João Barcelos de SouzaJúnior (RELATOR)

Eminentes Colegas.A COOPERATIVA DE CRÉDITO

DE LIVRE ADMISSÃO DE ASSOCI-ADOS DA REGIÃO CENTRO DO RS– SICREDI impetrou mandado desegurança contra ato praticadopelo Prefeito Municipal de Piratinie Secretário Municipal de Finan-ças para reconhecer a ilegalidadeda Lei Municipal nº 1695/2016,que determinou às agências ban-cárias e cooperativas de créditodo Município de Piratini contra-tem serviço de vigilância armada,dioturnamente, incluindo final desemana e feriados.

A segurança foi concedida e,desta decisão, recorre o ente mu-nicipal.

O recurso não merece acolhi-da.

Inicialmente, é de ser destaca-do que, embora o juízo de pri-meiro grau não possa declararinconstitucional uma lei munici-pal, pois essa é competência do

Page 307: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

307Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

VIGILÂNCIA BANCÁRIA ARMADA ININTERRUPTA. INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR. INCONSTITUCIONALIDADE

Órgão Especial do Tribunal deJustiça, tal pode ser conhecidacomo matéria de defesa a direitosubjetivo que visa a parte resguar-dar. O que é o caso dos autos.

O Mandado de Segurança visaresguardar direito líquido e cer-to, negado ou ameaçado por au-toridade pública no exercício deatribuição do poder público.

Na lição do Mestre Pontes deMiranda1 o direito líquido e cer-to é aquele “que não despertadúvidas, que está isento de obs-curidades, que não precisa seraclarado com o exame de provasem dilações; que é, de si mesmo,concludente e inconcusso”.

No caso, a parte impetrantedemonstrou a violação de seu di-reito líquido e certo, uma vez queo Município de Piratini não de-tém competência para legislarsobre a matéria, estando, portan-to, a Lei Municipal nº 1695/2016revestida de inconstitucionali-dade, o que importa na manuten-ção da segurança concedida emsentença.

A decisão a quo, da lavra doDr. Mauro Peil Martins, bem apli-cou o direito ao caso e, em razãodisso, peço vênia para reprodu-zir a decisão, pois abordou compropriedade a inconstitucionali-dade da lei em sede de defesa adireito subjetivo:

A competência para legislar ématéria constitucional e estárevista nos artigos 22, 24 e 30,I, da Carta Magna. Trata-se deuma distribuição organizacio-nal cujo fundamento é a pre-servação da soberania dos en-tes, fundamento primeiro da

República Federativa do Bra-sil, artigo 1º, caput, da CF. Emuma análise topográfica, é oregramento mais importantedo país. Deve, portanto, ser es-tritamente observado.No caso em tela, discute-se aeficácia de uma lei ordinárialocal, a qual estabeleceu aobrigatoriedade de os estabe-lecimentos bancários mante-rem vigilância privada por vin-te e quatro horas ao dia, inclu-sive aos finais de semana. É aLei 1.695/16.A intenção do legislador é lou-vável, resguardar a segurançada comunidade, que no ano de2016 foi vítima de um roubo degrande proporção, na qual tran-seuntes foram feitos reféns,além de ter havido forte trocade tiros entre os criminosos eos policiais. Trata-se de um maljá conhecido de todos, a explo-são de caixas eletrônicos em pe-quenas cidades do interior.Ocorre que a competênciapara legislar sobre o tema nãoé local e, portanto, não detémo Município de Piratini legiti-midade para impôr às institui-ções bancárias os deveres dis-postos na Lei.Já no artigo primeiro resta claraa invasão de competência, aoestabelecer dever aos bancosque não visa garantir a seguran-ça dos usuários, afinal, duranteo período em que está em funci-onamento há efetiva seguran-ça armada. O que pretende, naverdade, é imputar à iniciativaprivada a colaboração com aspolícias, tema que não diz cominteresse local, mas sim com asegurança pública.Neste contexto, transcrevo oque prevê o artigo 144 da Cons-tituição Federal:

Page 308: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL JURISPRUDÊNCIA

308 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Art. 144. A segurança pú-blica, dever do Estado, di-reito e responsabilidade detodos, é exercida para apreservação da ordem pú-blica e da incolumidade daspessoas e do patrimônio,através dos seguintes ór-gãos:I - polícia federal;II - polícia rodoviária fede-ral;III - polícia ferroviária fede-ral;IV - polícias civis;V - polícias militares e cor-pos de bombeiros militares.

Conforme o dispositivo acima,apenas estes são os órgãos en-carregados da segurança pú-blica. Podem, ainda, os Muni-cípios criarem as guardas mu-nicipais, nos termos do pará-grafo oitavo do mesmo arti-go. Não podem, portanto, de-cidir a forma como as institui-ções bancárias irão zelar pelasegurança de seu próprio pa-trimônio, em especial porquenão repassam aos consumido-res os prejuízos decorrentesdos assaltos sofridos.No mesmo sentido é a disposi-ção dos parágrafos primeiro esegundo do artigo inicial da Leilocal. Prevê que os vigilantesde trata o caput deste artigodeverão permanecer no inte-rior da instituição bancária eou de crédito, em local seguropara que possam se protegerem função de sinistro, num pe-ríodo de 24hs, de posse do bo-tão de pânico e terminal tele-fônico para possível aciona-mento rápido de corporaçãopolicial. (sic)Em seguida, no parágrafo se-gundo diz: o botão de pânico

citado no parágrafo primeirodeverá bipar a Sala de Opera-ções da Brigada Militar, e emlocal de pronto e imediato co-nhecimento do Delegado Titu-lar local, para rápida ação po-licial. Tendi ainda o vigilantedispor de um dispositivo paraacionar sirene de alto volumesonoro do lado externo daagência bancária ou de crédi-to, chamando atenção dostranseuntes e afastando de-linquentes, de forma preven-tiva a cada acionamento. (sic)Da leitura dos artigos resta fá-cil observar a clara intenção deaprimorar a segurança da po-pulação, porém transferindo àiniciativa privada a responsa-bilidade pela segurança públi-ca, o que não se mostra possí-vel nem sequer adequado. Aexigência do botão de pânicoé emblemática, ao impor à Po-lícia Civil que disponha de liga-ção direta com os bancos, semque tenha observado que setrata de um órgão estadual,com regras padrões. Não podeter de cumprir disposições di-versas em cada cidade, sobpena de inviabilizar suas ativi-dades. Por isso a divisão decompetências prevista naConstituição Federal.O funcionamento da ativida-de bancária é de âmbito na-cional. Foi permitida a cria-ção de leis locais dispondosobre o atendimentos aos cli-entes, como tempo de espe-ra, e a colocação de portas gi-ratórias, a fim de garantir asegurança dos consumidores.Diverso, porém, é exigir se-gurança quando o local estáfechado, inacessível aos clien-tes. Quando se tentou alte-rar o horário de funciona-

Page 309: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

309Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

VIGILÂNCIA BANCÁRIA ARMADA ININTERRUPTA. INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR. INCONSTITUCIONALIDADE

mento, o Supremo TribunalFederal impediu que houves-se ingerência legislativa local,dispondo que a atividadebancária tem caráter nacio-nal e, portanto, deve obser-var um padrão único. Mesmoraciocínio vale para a formacomo as instituições irão ze-lar pelo seu próprio patri-mônio.

Neste sentido:

Ementa: AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADEDE LEI MUNICIPAL. REPAR-TIÇÃO DE COMPETÊNCIA.HORÁRIO DE FUNCIONA-MENTO DOS BANCOS. Se-gundo a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal,é inconstitucional a lei mu-nicipal que dispõe sobre ohorário de funcionamentodos bancos. Ação julgadaprocedente. (Ação Diretade Inconstitucionalidade Nº70019327840, Tribunal Ple-no, Tribunal de Justiça doRS, Relator: Maria Isabel deAzevedo Souza, Julgado em13/08/2007)

Vale observar, ainda, que a le-gislação imputa aos bancos acontratação de vigilantes emperíodo integral, situação queacarreta o aumento de despe-sas e diz respeito ao exercícioda atividade econômica. Otema já foi referido na deci-são que concedeu a antecipa-ção de tutela, fls. 70-71. Comojá manifestado, a Lei trata deassunto relativo ao direitoeconômico, cuja competênciapara legislar compete à Uniãoe aos Estados, artigo 24, I, daConstituição Federal. E não há

nada de interesse local ao im-por a colaboração com a segu-rança pública, mas tão somen-te a transferência de deveresestatais à iniciativa privada.Neste sentido também é a po-sição do Tribunal de Justiça doEstado do Rio Grande do Sul:

Ementa: AGRAVO DE INS-TRUMENTO - LEI MUNICI-PAL DE SÃO FRANCISCO DEPAULA QUE ESTABELECELIMITAÇÕES DE HORÁRIOPARA O TRÂNSITO E ESTA-CIONAMENTO DE ̀ CARROS-FORTE¿. A matéria sobre aqual o Município legislou éde competência federal, es-tando em vigor a Lei nº7.102/83 que disciplina a Vi-gilância Bancária de Trans-portes de Valores. Além deusurpar a competência fe-deral, a lei municipal emdiscussão impõe restriçõesdesnecessárias à livre inici-ativa e ao livre exercício daatividade econômica dosbancos, garantia previstano artigo 170, IV, parágra-fo único da Constituição Fe-deral. Medida que não temcapacidade para impedir oassalto às agências bancá-rias, mais vulneráveis doque os `carros-forte¿, con-tribuindo para o acúmulode valores nos estabeleci-mentos bancários, prejudi-cando a sua circulação, comreflexos negativos para ocomércio local e populaçãoem geral. AGRAVO DES-PROVIDO. (Agravo de Ins-trumento Nº 70022932560,Quarta Câmara Cível, Tribu-nal de Justiça do RS, Relator:João Carlos Branco Cardo-so, Julgado em 09/04/2008)

Page 310: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL JURISPRUDÊNCIA

310 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Ementa: AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE.BANCOS E LEI MUNICIPAL. FI-XAÇÃO DE HORÁRIO RAZO-ÁVEL DE ATENDIMENTO. IN-TERESSE LOCAL. ART. 30, I, CF/88. Não interferindo a leimunicipal com a contrataçãode empregados, nem assu-mindo ingerência relativa-mente ao horário de presta-ção de trabalho e de funcio-namento das agências bancá-rias, ao prever ela razoávelprazo de atendimento dosusuários apenas cuidou de in-teresse local, quanto ao queinegável a competêncialegislativa dos municípios.(Ação Direta de Inconstitu-cionalidade Nº 70007570534,Tribunal Pleno, Tribunal deJustiça do RS, Relator: LeoLima, Redator: Armínio JoséAbreu Lima da Rosa, Julgadoem 07/06/2004)

No mais, o sistema financeironacional deve ser regido por LeisComplementares, conforme pre-vê o artigo 192 da ConstituiçãoFederal. E por ser atividade una,cabe à União legislar. Flagrante,portanto, a invasão de compe-tência e ineficácia da Lei Munici-pal de Piratini, por sua inconstitu-cionalidade.”

Portanto, tendo o Municípiode Piratini ferido direito líquidoe certo da impetrante, ao criarmandamento legal claramenteinconstitucional – ainda que tallei não tenha sido objeto de deci-são de ADI perante o Órgão Espe-cial do Tribunal de Justiça, conce-de-se a segurança para salvaguar-dar o direito subjetivo da parte.Sentença mantida.

O recurso de apelação esgotoua matéria dos autos, estando pre-judicada a análise da remessa ne-cessária.

Ante o exposto, nego provi-mento ao recurso e julgo preju-dicada a remessa necessária.

É o voto.

Des. Ricardo Torres Hermann -De acordo com o(a) Relator(a).

Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira(PRESIDENTE) - De acordo como(a) Relator(a).

DES.ª LÚCIA DE FÁTIMACERVEIRA - Presidente - ApelaçãoRemessa Necessária nº 70075680066,Comarca de Piratini: "À UNANIMI-DADE, NEGARAM PROVIMENTO AORECURSO E JULGARAM PREJUDICA-DA A REMESSA NECESSÁRIA."

Julgador(a) de 1º Grau: MAUROPEIL MARTINS.

Page 311: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

Page 312: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto
Page 313: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

313Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Normas Editoriais de Publicação

I - INFORMAÇÕES GERAIS

A Revista de Direito da ADVOCEF é uma publicação científicaperiódica da Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econô-mica Federal. Publica artigos originais referentes à atuação profis-sional do advogado, à pesquisa, ao ensino ou à reflexão críticasobre a produção de conhecimento na área do Direito.

Sua missão principal é contribuir para a formação profissionale acadêmica do advogado da Caixa e demais Operadores do Direi-to, bem como socializar o conhecimento técnico e científico produ-zido por aqueles que pesquisam e/ou atuam em todos os camposdo conhecimento jurídico.

II – LINHA EDITORIAL

Os textos remetidos para publicação devem ser preferencial-mente inéditos e abranger assuntos pertinentes ao Direito. Os tra-balhos serão avaliados por um Conselho Editorial, sem a identifica-ção dos autores e instituições (blind review system), o qual decidirápela publicação do material enviado com base em critérios científi-cos, interesse institucional ou técnico e, ainda, atualidade de seuconteúdo.

Eventual adequação do conteúdo ao formato eletrônico po-derá ser proposta, sem prejuízo da informação. Pequenas modi-ficações no texto poderão ser feitas pelo Conselho Editorial, masas modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Serápermitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada afonte.

Ao remeter o texto para publicação, o Autor cede à ADVOCEFo direito de fazer uso do material enviado na Revista de Direito,no encarte “Juris Tantum” do Boletim Informativo Mensal e/ou emseu site na internet, a critério da associação.

A publicação em qualquer veículo de comunicação daADVOCEF não é remunerada e o conteúdo é de responsabilidadedo autor. Os originais, publicados ou não, não serão devolvidos.

III – TIPOS DE TEXTO

1. Artigos doutrinários – análise de temas e questões funda-mentadas teoricamente, levando ao questionamento de modos depensar e atuar existentes e a novas elaborações na área jurídica;

Page 314: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

314 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

2. Relatos de experiência profissional e estudos de caso – rela-tos de experiência profissional ou estudos de caso de interesse paraas diferentes áreas de atuação do advogado;

3. Comunicações – relatos breves de pesquisas ou trabalhosapresentados em reuniões científicas/eventos culturais;

IV - APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

O texto, de até 30 laudas, deve ser enviado por e-mail àADVOCEF, no formato Word, redigido em fonte Times New Roman,tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5 cm e margensde 2 cm (eventualmente, o conselho editorial poderá aprovar tex-tos acima de 30 laudas, caso entenda ser de interesse da Revista apublicação na íntegra do material enviado).

O autor deve ainda enviar à ADVOCEF, por correio ou malote,devidamente preenchido e assinado, um termo de cessão de direitosautorais, elaborado a partir de formulário padrão disponibilizado em<http://www.advocef.org.br/_arquivos/40_1047_termocessao.doc>.

O arquivo do trabalho deve conter:

1. Folha de rosto com o nome do(s) autor(es) e: a) título emportuguês; b) nome de cada autor, seguido da afiliação institucionale titulação acadêmica; c) endereço eletrônico para envio de corres-pondência.

2. Resumo em português – com no máximo 150 palavras e acom-panhado de quatro palavras-chave. Palavras-chave são vocábulosrepresentativos do conteúdo do documento que devem ser sepa-rados entre si por ponto e finalizados também por ponto.

2.1 Sumário indicando as principais partes ou seções do artigo.

2.2 Resumo bilíngue – Título, resumo e palavras-chave devemser traduzidos para outro idioma, acompanhando os originais emportuguês.

3. Notas de rodapé – As notas não bibliográficas devem serreduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e colo-cadas no rodapé da página, não podendo ser muito extensas.

4. As citações de autores devem ser feitas da seguinte forma:a) Por meio do último sobrenome do autor, com apenas a pri-

meira letra maiúscula, seguido, entre parênteses, do ano de publi-cação do trabalho e, para citações diretas, do número da página.

Page 315: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

315Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

Quando o sobrenome do autor vier entre parênteses, deve ser es-crito todo em letra maiúscula.

b) As obras e fontes citadas devem constar, obrigatoriamente,nas referências.

c) As citações diretas com mais de três linhas são consideradascitações longas e são transcritas em parágrafo distinto, começandoa 4 cm da margem esquerda, sem deslocamento da primeira linha.O texto é apresentado sem aspas e transcrito com espaçamento entrelinhas simples e fonte tamanho 10, devendo ser deixada uma linhaem branco entre a citação e os parágrafos anterior e posterior.

5. Referências – Deve-se utilizar a norma ABNT 6023. Exem-plos:

a) Livros: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.São Paulo: Max Limonad, 2001.

b) Capítulo de livro: Autor(es) (ponto). Título do capítulo (pon-to). In: referência completa do livro seguida pela paginação iniciale final do capítulo (p. XX-XX) ou pelo número dele (cap. X).

Exemplo: VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de incons-titucionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras comple-mentares de Direito Constitucional: controle de constitucio-nalidade. Bahia: JusPodivm, 2007. cap. 7.

c) Artigo em periódico científico: Autor (ponto). Título do arti-go (ponto). Nome da revista ou periódico em negrito (vírgula),local de publicação (vírgula), volume e/ou ano (vírgula), fascículoou número (vírgula), paginação inicial e final (vírgula), data ouintervalo de publicação (ponto).

Exemplo: DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povosindígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia:Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v. 1, nº 1, p.85-120, ago./dez. 2003

d) Documentos consultados na internet: além dos elementosindicados em a, b e c, deve-se informar o endereço eletrônico com-pleto inserido dentro de < > (que remeta diretamente à fonte con-sultada, e não apenas à página inicial do site) e precedido de "Dis-ponível em:". Informa-se também a data de acesso, precedida daexpressão "Acesso em:" (o horário de acesso é opcional).

Exemplo: STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo AndradeCattoni; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A nova perspec-tiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso:mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Cons-titucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1498, ago. 2007.Não paginado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10253>. Acesso em: 6 nov. 2007.

Page 316: Revista de Direito da ADVOCEF · na Economia, Filosofia e Psicanálise Gouvan Linhares Lopes e Floriano Benevides de Magalhães Neto ... e por outros operadores do Direito. Em agosto

316 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XIII – Nº 26 – Mai 18

V - ANÁLISE DOS TRABALHOS

A análise dos trabalhos recebidos para publicação respeitará oseguinte fluxo:

1. Análise pelos membros do Conselho Editorial;2. Resposta ao autor, informando se o texto foi aceito (com ou

sem ressalvas) ou não;3. Remessa para a composição e diagramação;4. Publicação.

VI - ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Fe-deral – ADVOCEF

Brasília/DF:SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 510 e 511Ed. João Carlos Saad - Fone (61) 3224-3020

E-mail: [email protected]

**O envio eletrônico do documento pelo e-mail pessoal doautor substitui a assinatura física da carta de encaminhamento.