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1Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

RDA | Ano VIII | Nº 15 | 288p | Nov 12

Revista de Direitoda ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados

da Caixa Econômica Federal

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Capa: Marcelo TorrecillasEditoração Eletrônica: José Roberto Vazquez ElmoRevisão: Simone Diefenbach BorgesTiragem: 2.200 exemplaresPeriodicidade: semestralImpressão: Athalaia Gráfica e EditoraSolicita-se Permuta

Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v.1, n.15, 2012

SemestralISSN: 1808-5822

1. Advogado. 2. Direito. 3. Legislação. 4. Banco. I. Associação Nacional dosAdvogados da Caixa Econômica Federal. II. Título.

343.03343.8103

ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410, Edifício João CarlosSaad, CEP 70070-120, Fones (61) 3224-3020 e [email protected]

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DIRETORIA EXECUTIVA DA ADVOCEF

PresidenteCarlos Alberto Regueira de Castro e Silva (Recife)

Vice-PresidenteÁlvaro Sérgio Weiler Júnior (Porto Alegre)

1º TesoureiroEstanislau Luciano de Oliveira (Brasília)

2º TesoureiraDaniele Cristina Alaniz Macedo (São Paulo)

1º SecretáriaLenymara Carvalho (Brasília)

2º SecretáriaLya Rachel Basseto Vieira (Campinas)

Diretor de Articulação e Relacionamento InstitucionalJúlio Vitor Greve (Brasília)

Diretor de Comunicação, Relacionamento Interno e EventosRoberto Maia (Porto Alegre)

Diretor de Honorários AdvocatíciosDione Lima da Silva (Porto Alegre)

Diretor de Negociação ColetivaMarcelo Dutra Victor (Belo Horizonte)

Diretora de PrerrogativasMaria Rosa de Carvalho Leite Neta (Fortaleza)

Diretor JurídicoPedro Jorge Santana Pereira (Recife)

Diretora SocialIsabella Gomes Machado (Brasília)

CONSELHO EXECUTIVO DA REVISTA

Altair Rodrigues de PaulaPatrícia Raquel Caíres Jost GuadanhimRoberto Maia

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Membros EfetivosAnna Claudia de Vasconcellos (Florianópolis)Davi Duarte (Porto Alegre)Fernando da Silva Abs Cruz (Porto Alegre)Henrique Chagas (Presidente Prudente)Luciano Caixeta Amâncio (Brasília)Patrícia Raquel Caíres Jost Guadanhim (Londrina)Renato Luiz Harmi Hino (Curitiba)Membros SuplentesAntônio Xavier de Moraes Primo (Recife)Elton Nobre de Oliveira (Rio de Janeiro)Justiniano Dias da Silva Júnior (Recife)

CONSELHO DELIBERATIVO

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA

Alaim Giovani Fortes StefanelloDoutorando em Direito Econômico e Socioambiental pelaPUC/PR. Mestre em Direito Ambiental pela UEA/AM. Especialistaem Direito Civil e Processo Civil pela FADIVALE/MG. Membro daComissão de Direito Ambiental da OAB/PR.

Bruno Queiroz OliveiraMestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará.Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UniversidadeEstácio de Sá/RJ. Conselheiro Seccional da OAB/CE. Professor doCurso de Direito da Faculdade Christus e da Escola Superior doMinistério Público no Ceará.

Davi DuarteEspecialista em Direito Público pelo Centro de EstudosFortium/Faculdade Projeção/DF. Presidente da Comissão Especialdo Advogado Empregado da OAB/RS.

Iliane Rosa PagliariniMestre em Direito Processual e Cidadania pela UniversidadeParanaense - UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pelaUniversidade da Amazônia. Membro da Comissão da AdvocaciaPública da OAB/PR.

João Pedro SilvestrinDesembargador do Trabalho no TRT da Quarta Região.Pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa pelaFundação Getúlio Vargas e Especialista em Direito do Trabalho,Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário pelaUNISC.

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Membros EfetivosAdonias Melo de Cordeiro (Fortaleza)Edson Pereira da Silva (Brasília)Jayme de Azevedo Lima (Curitiba)Membros SuplentesMelissa Santos Pinheiro Vassoler Silva (Porto Velho)Sandro Endrigo de Azevedo Chiarotti (Ribeirão Preto)

CONSELHO FISCAL

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 9

PARTE 1 – ARTIGOS

Efetividade, tempo e isonomia dos direitos no contextoprocessual constitucional

Gryecos Attom Valente Loureiro eCamille Ferreira Missick Guimarães ........................................ 13

O princípio da justiça formal na justificação das decisõesjurídicas: considerações acerca da formação e aplicaçãodos precedentes jurisprudenciais sob a forma de direitosumular

Pedro Jorge Santana Pereira .................................................. 33

O novo marco legal nacional da regularização fundiária:possibilidades e limitações da atuação do Poder Público

Pedro Araújo e Solange Gonçalves Dias ............................... 55

O perecimento dos saldos (e correspondentes direitos)dos depósitos populares efetuados no século passado

Marcos Vinícius de Andrade Ayres ......................................... 81

A penhora de bem imóvel alienado fiduciariamenteDaniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza ...................... 101

O princípio da igualdade e as limitações ao ingresso noSimples Nacional

Débora Couto Cançado Santos ............................................ 119

Análise da viabilidade de cláusula coletiva autônomano que tange ao estabelecimento de culpa recíproca eindenização de 20% como hipótese de saque do FGTS

Marcos Ulhoa Dani ................................................................. 147

Embargos de declaração no processo do trabalho.Objeto. Efeito Modificativo. Necessidade docontraditório

João Pedro Silvestrin .............................................................. 161

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SUMÁRIO

8 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

PARTE 2 – JURISPRUDÊNCIA

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial repetitivo. Ações revisional e de busca eapreensão convertida em depósito. Contrato de financia-mento com garantia de alienação fiduciária. Capitalizaçãode juros. Juros compostos. Decreto 22.626/1933 MedidaProvisória 2.170-36/2001. Comissão de permanência.Mora. Caracterização ............................................................. 185

Superior Tribunal de JustiçaContrato de conta-corrente. Cabimento da ação deprestação de contas (súmula 259). Interesse de agir.Revisão de cláusulas contratuais. Comissão depermanência, juros, multa, tarifas. Impossibilidade ......... 215

Superior Tribunal de JustiçaSistema Financeiro da Habitação. Pedido de coberturasecuritária. Vícios na construção. Agente financeiro.Ilegitimidade .......................................................................... 229

Superior Tribunal de JustiçaAntecipação de tutela concedida. Sentença de improcedên-cia. Responsabilidade objetiva pelos danos causados pelaexecução da tutela antecipada. Arts. 273, § 3º, Art. 475-O,Incisos I e II, e Art. 811, parágrafo único, do CPC. Indagaçãoacerca da má-fé do autor ou da complexidade da causa.Irrelevância. Responsabilidade que independe depedido, ação autônoma ou reconvenção .......................... 245

Superior Tribunal de JustiçaReclamação. Apresentação de extratos pela instituiçãofinanceira. Multa diária. Juizado especial.Descabimento ......................................................................... 267

Tribunal Superior do TrabalhoRecurso de revista. Desvirtuamento do contrato de estágio.Sociedade de economia mista. Impossibilidade dereconhecimento de vínculo de emprego. Efeitos.Súmula Nº 363 do TST ........................................................... 271

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoAção de exibição de documentos incidental em ação deconhecimento sobre conta vinculada ao FGTS.Responsabilidade pela apresentação de extratos. CEF.Banco depositário .................................................................. 277

PARTE 3 – NORMAS EDITORIAIS DE PUBLICAÇÃO ........................... 285

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APRESENTAÇÃO

Vinte anos de ADVOCEF. Oitavo ano desta Revista de Direito,agora em seu 15° volume.

A história é construída por obras representativas damultiplicidade dos pensamentos jurídicos. Nesta edição repetem-se o cuidado, o esmero, a dedicação e o carinho, atributos que osAutores conferiram às suas obras em prol de leitores mais exigen-tes.

A recíproca qualificação é parte indissociável do progresso in-telectual, decorrente do natural amadurecimento de ideias expres-sas de forma inédita.

E a distribuição deste exemplar coincide com o histórico julga-mento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Penal nº 470, re-sultado que ecoou junto à sociedade como sinal do fim da impuni-dade. Igualmente houve projeção ímpar, no meio jurídico, face àmultiexplicitação da teoria do domínio do fato e pelos acirradosdebates e diálogos, condutores de ideias em sentidos opostos,extremando as posições e deixando clara a diversidade do pensar.

São fatos e pontos relevantes, que produzirão, por certo, fru-tos em todas as searas, especialmente no mundo do Direito.

A seu turno, a Revista de Direito da ADVOCEF permanece fiela seus propósitos como veículo de estímulo à produção científicana área jurídica, fonte de informação, de consulta e de pesquisa.

Ótima leitura.

Diretoria Executiva da ADVOCEF

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PARTE 1

ARTIGOS

PARTE 1

ARTIGOS

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13Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

EFETIVIDADE, TEMPO E ISONOMIA DOS DIREITOS NO CONTEXTO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Efetividade, tempo e isonomia dosdireitos no contexto processual

constitucional

Gryecos Attom Valente LoureiroAdvogado da CAIXA no Rio de Janeiro

Professor do Centro Universitário Geraldo Di Biasi/RJMestrando em Hermenêutica e Direitos

Fundamentais pela UNIPAC/JFMBA em Direito Empresarial pela FGV/RJPós-graduado em Direito Processual Civil

pela UNISC/RS

Camille Ferreira Missick GuimarãesProfessora da Universidade Estácio de Sá/RJ

Mestranda em Hermenêutica e DireitosFundamentais pela UNIPAC/JF

Pós-graduada em Direito Processual Civilpela UNESA/RS

RESUMO

O presente estudo visa a discutir a necessidade de efetivaçãodos direitos fundamentais estabelecidos na constituição, de molde aassegurar seu exercício por todos os seus destinatários. O pontocentral da investigação parte das causas que levam ao distanciamentoentre esses direitos e seus beneficiários. Nesse caminho de análise,serão abordados o impacto causado pelo tempo de duração doprocesso judicial, a necessidade de existência de sistemas de assistênciajudiciária gratuita para os necessitados, bem como alguns dos meiosprocessuais existentes no direito brasileiro com vista ao alcance daefetividade. O tema conduz a uma abordagem de aspectos dehermenêutica constitucional como pressuposto lógico da análisecientífica do problema apresentado. Para tanto, utiliza-se ametodologia de pesquisa bibliográfica que consiste, basicamente, naleitura, no fichamento e na comparação das teorias dos principaisautores do Direito que tratam desse problema. Partindo-se dopressuposto de que há direitos fundamentais estabelecidos naconstituição e seu exercício esbarra em diversos óbices pragmáticos,“Efetividade, tempo e isonomia dos direitos no contexto processualconstitucional” é um tema que se apresenta como de granderelevância para todo operador do direito.

Palavras-chave: Efetividade. Processo. Tempo. Igualdade dedireitos.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO E CAMILLE FERREIRA MISSICK GUIMARÃES ARTIGO

14 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

ABSTRACT

The present study aims to address the need forenforcement of fundamental rights established in theconstitution, so as to ensure their enjoyment by all its recipients.The focus of the investigation starts on the causes that lead toestrangement between these rights and beneficiaries. In thisway the analysis will be discussed the impact caused by theduration of the judicial process, the need for existence of systemsof legal aid to the needy, as well as some of the remedies existingunder Brazilian law for the achievement of effectiveness. Thetheme leads to an approach to constitutional aspects ofhermeneutics, as logical assumption scientific analysis of theproblem presented. For the present study, we use themethodology of literature research that basically consists inreading, cataloging and comparison of the theories of theprincipal authors of the law that deal with this problem. Startingfrom the assumption that there are fundamental rightsestablished in the constitution and that its exercise runs intoseveral obstacles pragmatic, “Effectiveness, time and equalityof rights in constitutional procedural context” is a theme thatpresents itself as relevant for all law students.

Keywords: Effectiveness. Process. Time. Equality of rights.

Introdução

A atenção dedicada aos direitos fundamentais, especialmenteapós o advento da Constituição de 1988, reflete a evolução dodireito constitucional brasileiro quanto à positivação das garantiasfundamentais do indivíduo.

Tem-se observado, entretanto, a carência de meios, políticas eações que efetivem esses direitos, impossibilitando que todo cida-dão os possa usufruir em sua magnitude. Busca-se com o presenteestudo verificar aspectos que envolvam a problemática em ques-tão, ou seja, a necessidade de efetivação dos direitos fundamen-tais.

O Poder Judiciário passa a ser o órgão guardião desses direi-tos, no sentido de assegurar que essas garantias individuais, queessa luz que emana da Constituição ilumine adequadamente todaa atuação do Estado, especialmente na sua relação com o particu-lar. Nesse contexto, o processo é apresentado como o instrumentopor excelência para a realização concreta de um direito fundamen-tal negado ou violado.

Ocorre que este próprio instrumento de efetivação – o proces-so – demonstra claros sinais de ineficiência, especialmente pelo fa-tor temporal. A demora na conclusão do processo tem sido apon-

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EFETIVIDADE, TEMPO E ISONOMIA DOS DIREITOS NO CONTEXTO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

tada, não só no campo da ciência jurídica, como um grande contri-buinte da inefetividade dos direitos, na medida em que é sensocomum que justiça tardia não é justiça.

Diante disso, são analisadas medidas processuais hábeis a ser-virem de meio –e fim – para o atingimento dessa meta efetivatória.

1 Direitos Fundamentais e a Constituição de 1988

Muito já se falou sobre os direitos fundamentais na Consti-tuição Cidadã. O tema, de novel no texto constitucional brasilei-ro, passou a ser comezinho ao operador do direito e cada vezmais tem inspirado toda a produção legislativa infraconstitucional,bem como tem norteado a aplicação do direito pelo Poder Judici-ário.

Precisa síntese dos conceitos presentes na doutrina constituci-onal brasileira sobre o tema é encontrada em Moraes (2001, p. 57-58), quando apresenta a classificação de direitos fundamentais deprimeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem his-tórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente re-conhecidos. Assim, os direitos fundamentais de primeira geraçãosão os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberda-des públicas), os de segunda geração são os direitos sociais, econô-micos e culturais surgidos no início do século XX (trabalho, previ-dência, saúde etc.). Já os de terceira geração são os chamados di-reitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito aum meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vidaentre outros direitos difusos.

Barroso (2001, p. 82, grifos do autor) delimita muito bem oponto ao qual o presente estudo está circunscrito quando fala

no âmbito dos direitos individuais, cuja origem se en-contra ligada às revoluções liberais e às declaraçõesdelas resultantes. Os direitos individuais, freqüen-te-mente referidos como liberdades públicas, são a afir-mação da personalidade humana. Talhados no indivi-dualismo liberal e dirigidos à proteção de valores rela-tivos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,contêm limitações ao poder político, traçando a esferade proteção jurídica do indivíduo em face do Estado.Os direitos individuais impõem, em essência, deveresde abstenção aos órgãos públicos, preservando a inici-ativa e a autonomia dos particulares. Na Constituiçãobrasileira em vigor, eles se concentram na extensaenunciação dos 77 incisos do art. 5.1

1 A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, introduziu o incisoLXXVIII ao art. 5º da CRFB.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO E CAMILLE FERREIRA MISSICK GUIMARÃES ARTIGO

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Esse olhar da constituição para o indivíduo, sendo os direitosdeste indivíduo encarados como liberdades públicas, é tambémencontrado em Nogueira (2003, p. 415-420)

Do direito Constitucional clássico, que atingiu seu pontoculminante com o modelo do Estado Democrático deDireito, passa-se a um plano ainda mais elevado, osupradireito das Liberdades Públicas moldado no Esta-do Democrático dos Direitos Humanos.[...] O ocaso de uma era é a aurora de outra moldada naexperiência passada, mas modelada em um mundo com-pletamente renovado.Um Direito outra vez humanizado para o “homem doterceiro milênio” pós-burguês. É nessa perspectiva quena incessante busca de uma Ordem Jurídica Justa (de-ver de todo jurista e também de cada cidadão, cada serhumano, mas especialmente do jurista...), o objetivofundamental, senão o único, é alçar o Direito [...] como amatriz, ou centro gravitacional, dos demais sistemas ouordens.

No tocante aos direitos fundamentais, nosso ponto de estudoficará delimitado aos direitos chamados de terceira geração, namedida em que sua efetivação se apresenta, na prática, bem maistormentosa que nas gerações anteriores.

2 Agentes da efetividade dos direitos fundamentais

A questão da titularidade da efetivação dos direitos funda-mentais sempre foi tema de discussão no âmbito acadêmico, sendoum conceito em constante evolução, diante das próprias mudançashistóricas que afetaram o instituto.

O processo evolutivo da relação do Estado com osjurisdicionados tem por início a titularidade inicial quase que ex-clusiva em mãos do Poder Legislativo, através da elaboração de leisque garantissem tais direitos. Passado o tempo, o foco migrou parao Poder Executivo, pela possibilidade de realizar tais direitos atra-vés de políticas públicas específicas. Tempos depois, seja pela inér-cia do Poder Legislativo, seja pela ineficiência ou inexistência depolíticas públicas adequadas, a titularidade muda para o PoderJudiciário, sendo hoje o atual guardião dos direitos dessa enverga-dura.

Abordando esse contexto histórico, especialmente a passagemde titularidade do Legislativo para o Executivo, Alves (2006, p. 21-23)esclarece que

[...] mais adiante [...] o protagonismo passou a ser exer-cido pelo Poder Executivo. Do “governo” se esperava

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EFETIVIDADE, TEMPO E ISONOMIA DOS DIREITOS NO CONTEXTO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

que tomasse medidas concretas mediante programas eserviços bem estruturados, capazes de assegurar condi-ções suficientes de qualidade de vida, especialmente nocampo da saúde, educação e previdência social. Tal fase[...] o chamado Estado Social de Direito [...] passou a serdesignado Estado do Bem-Estar Social (do inglêsWelfare State), ou Estado Providência (do francês ÉtatProvidence).

Ocorre que no mundo contemporâneo, no mundo das socie-dades de massa, as políticas públicas têm se mostrado muito precá-rias quanto à efetivação dos direitos fundamentais. Não interessaaqui discutir a gênese da falência da maioria dessas políticas – issoquando existem –, mas sim constatar que o Poder Executivo, por sisó, se mostrou ineficaz nesse particular.

Ao introduzir o tema da necessidade de o Estado prover meiosde acesso gratuito à justiça, Alves (2006, p. 25-26) conclui que

[...] de nada adiantará assegurar a observância do pro-cesso democrático na fase de produção do Direito se asautoridades encarregadas de interpretá-lo e de executá-lo não estiverem comprometidas com a realização davontade popular, presumidamente latente no preceitoestabelecido pela norma jurídica, e sem as necessáriasgarantias de possibilidade real de acionamento do apa-relho judiciário.

Mas não basta o Poder Judiciário assumir essa competência,se de forma pragmática o titular do direito violado não conse-guir apresentar sua pretensão perante o Estado-juiz. Para queessa participação seja efetiva, os meios de acesso à justiça devemser facilitados e libertos de entraves burocráticos injustificáveis.Possibilitar esse acesso partirá inexoravelmente – e aquiretornamos à atribuição do Poder Executivo – da estruturação eoferta gratuita de serviços profissionais jurídicos a quem não possapagar por eles.

Acerca do tema, Alves (2006, p. 25-26) adverte:

As importantes medidas que vêm sendo tomadas ulti-mamente no Brasil, com vistas à reformulação do Judi-ciário, com a criação dos Juizados Especiais [...] de simpli-ficação e reforma das leis processuais e de democrati-zação da justiça, não serão suficientes nem adequadaspara viabilizar a efetiva aproximação das classes maispobres à Justiça, enquanto o Poder Executivo e o PoderLegislativo não compreenderem a necessidade urgentede se implementar medidas e ações para tornar efetivaa norma constitucional que impõe ao poder público aobrigação de prestar “assistência jurídica integral e gra-tuita” aos necessitados.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO E CAMILLE FERREIRA MISSICK GUIMARÃES ARTIGO

18 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

E, nesse contexto, Gaio Júnior (2011, p. 98) eleva o princípiodo acesso à justiça como um dos três pilares principiológicos para aefetividade do processo, especialmente quando afirma:

O princípio do acesso à justiça está fortemente ligado ànoção de justiça social, no qual o direito à igualdadedeve significar direito à igualdade de oportunidades e,justamente, partindo da ideia de que os desiguais têmque ser tratados de forma desigual, a igualdade, obri-gatoriamente, tem que atingir a mesma oportunidadede acesso à justiça a todos.

Fora do âmbito de organização do Estado, a ciência jurídicapassa a considerar o próprio processo como agente transformadorda realidade particular. A independência alcançada pela ciênciaprocessual, se constituindo como verdadeiro ramo autônomo dodireito, faz com que o processo deixe de ser visto como mero meiopara a efetivação de direitos materiais, se tornando verdadeiro fimem si mesmo. Torna-se ele, o processo, um legítimo agente daefetividade dos direitos fundamentais.

Gaio Júnior (2011, p. 90) afirma:

Tem-se como processo, no tocante ao aspecto jurídico-político, por isso ligado essencialmente às funções doEstado, o método pelo qual se opera a Jurisdição, comvistas à composição de situações incertas e conflituosas,sendo, portanto, instrumento de realização da justiça.

Em oportunidade anterior, Gaio Júnior (2007, p. 97), já reafir-mava a ideia que norteia suas obras “de que o processo, na medi-da do que for praticamente possível, deve proporcionar a quemtem um direito tudo e precisamente aquilo a que faria jus, casonão tivesse o direito sido molestado”.

Cintra, Grinover e Dinamarco (1996, p. 279, grifos dos autores)definem a questão dizendo:

O processo é indispensável à função jurisdicional exercidacom vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer jus-tiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É,por definição, o instrumento através do qual a jurisdi-ção opera (instrumento para a positivação do poder).

A necessidade premente de serem implementados meios e con-dições favoráveis ao pleno acesso à justiça – no âmbito do processo– não é preocupação nova e já vem sendo tratada de há muitopelos processualistas pátrios.

Os mesmos professores Cintra, Grinover e Dinamarco (1996, p.42-45) ainda quando jovens mestres de direito (prefácio da 1ª edi-

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EFETIVIDADE, TEMPO E ISONOMIA DOS DIREITOS NO CONTEXTO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

ção - 1974) já externavam sua preocupação com a efetividade doprocesso como meio de acesso à justiça e com a necessidade indis-pensável de haver a consciência de que o processo não é meroinstrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas sim um pode-roso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.

É possível identificar forte carga de conteúdo na preocupaçãodos juristas paulistas, quando fica dito:

Se temos hoje uma vida societária de massa, com ten-dência a um direito de massa, é preciso ter também umprocesso de massa, com a proliferação dos meios deproteção a direitos supra-individuais e relativa supera-ção das posturas individuais dominantes; se postulamosuma sociedade pluralista, marcada pelo ideal isonômico,é preciso ter também um processo sem óbices econômi-cos e sociais ao pleno acesso à justiça; se queremos umprocesso ágil e funcionalmente coerente com os seusescopos, é preciso também relativizar o valor das for-mas e saber utilizá-las e exigi-las na medida em quesejam indispensáveis à consecução do objetivo que justi-fica a instituição de cada uma delas (CINTRA; GRINOVER;DINAMARCO, 1996, p. 45).

Faz-se necessário conjugar o aprendizado adquirido atravésda experiência e dos estudos da ciência no passado com a realida-de contemporânea. Nesse processo, sempre poderemos deparar-nos como artífices de um processo de revolução científica, tal comoprevisto por Kuhn (2011).

Sobre a relevância dos estudos pretéritos e o respeito à evi-dência histórica, no que concerne ao processo de evolução da ci-ência, Kuhn (2011, p. 94) conclui que “se a consciência da anoma-lia desempenha um papel na emergência de novos tipos de fenô-menos, ninguém deveria surpreender-se com o fato de que umaconsciência semelhante, embora mais profunda, seja um pré-requi-sito para todas as mudanças de teoria aceitáveis”. Assim, a necessi-dade de existência de processos de massa que possam darefetividade a direitos de massa, a luta para eliminar óbices econô-micos que dificultem o livre acesso ao Poder Judiciário e a elimina-ção de estatutos formais estanques e herméticos constituem-se emverdadeiros paradigmas científicos – antecendentes históricos – aostrabalhos hoje desenvolvidos nessa seara.

3 O processo e o tempo

O meio por excelência para a solução de um conflito de inte-resses no mundo ocidental é o processo judicial, doravante referi-do apenas como processo.

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Não se ignora a existência dos diversos meios de soluçãoextrajudicial de conflitos, especialmente a arbitragem, muito utili-zada em sistemas jurídicos estrangeiros, mas ainda incipiente nodireito pátrio, em que pese sua legislação ordenadora2 já distarcerca de quinze anos. Muito menos se fecha os olhos para o méto-do que poderia ser, filosoficamente, o fim último para o esgota-mento das controvérsias – o consenso.

Apesar dessas constatações, fato é, para o bem ou para o mal,que o sistema em uso hoje no Brasil é o processo e, em o sendo,faz-se necessário investigar se tem atendido efetivamente aquelesque dele se socorrem.

E por atendimento a seus usuários entendemos o efetivoasseguramento, por obtenção ou manutenção, de um direito vio-lado.

Tal efetividade pode ser compreendida sob dois prismas: o quefoca nos instrumentos processuais específicos e disponíveis para oatingimento do direito buscado e o que se reflete no lapso tempo-ral necessário para esse mister.

Nossa investigação não objetiva enumerar as medidas proces-suais adequadas para cada caso concreto, tal como um manual deprática forense. Basta-nos, dentro do espectro limitado de nossocampo de visada, saber que existe no direito brasileiro um sistemaprocessual estruturado e que este é capaz de viabilizar ao titularde um direito violado, independente da natureza da violação, desua extensão ou do agente violador, apresentar seu inconformismodiretamente ao Poder Judiciário.

Avançar na investigação sugerida no parágrafo anterior nosconduzirá para dois caminhos: o da análise do mérito das decisões,o que não toca nem tangencialmente ao objeto deste trabalho, eo da legitimidade (e sua extensão) do Estado-juiz em não só ga-rantir o alcance ao direito, mas também possibilitar os efetivos mei-os para sua realização. Este segundo caminho é o que nos interessae será trilhado em tópico próprio logo mais.

Portanto, o presente tópico será integralmente dedicado apensar sobre o tempo de duração do processo judicial e sobre qualseria o melhor critério de razoabilidade para se mensurar se essetempo foi adequado ou excessivo.

Vox populi, vox Dei. Se esse brocardo traz em si um argumentoque possa ser cientificamente demonstrado, ou seja, se a opiniãogeral reflete uma constatação empírica, não temos como provarnesta oportunidade. O que fica evidente, por outro ângulo, é acarga conceitual ínsita ao seguinte brocardo: “Mais vale um mauacordo do que uma boa demanda”.2 Brasil. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

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Aqui fica evidente que o imaginário popular conclui que nãoexiste provimento jurisdicional que possa ser melhor à soluçãoconsensual do litígio, ainda que o “consenso” reflita um prejuízopara ambas as partes. Veja-se que o foco do brocardo não são osganhos de ambas as partes, mas sim as perdas. E essas perdas estãodiretamente vinculadas à morosidade na efetivação da justiça, postoque uma pessoa só pode preferir abrir mão de seu direito, supor-tando um prejuízo concreto, se concluir que o tempo para suaefetivação será tão longo que, quando chegar, não lhe seja maisinteressante ou útil.

Tucci (1997) apresenta um extenso e profícuo trabalho de in-vestigação acerca do tema de duração do processo e seus reflexosna realização da justiça. Nesse criterioso trabalho, fica evidenciadoque o problema da morosidade na prestação jurisdicional não éum problema exclusivamente brasileiro. Afeta diversos países, àsvezes pelos mesmos problemas, como a França, Itália, Espanha ePaíses Baixos, e às vezes por particularidades setoriais, como a cha-mada empty bench syndrome3 nos Estados Unidos.

Percebe-se, então, que o problema não é geneticamentetupiniquim e que incumbe à ciência jurídica buscar a gênese dasfalhas e mesmo se reinventar, caso necessário, para que possamosencontrar a saída deste labirinto.

Sobre a legitimidade da ciência para a resolução dessa espéciede problema, Kuhn (2011, p. 210) estabelece que “a comunidadecientífica é um instrumento imensamente eficiente para resolverproblemas ou quebra-cabeças definidos por seu paradigma. Alémdo mais, a resolução desses problemas deve levar inevitavelmenteao progresso”.

De lege lata, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezem-bro de 2004, introduziu o inciso LXXVIII ao art. 5º da CRFB, demolde a conferir ao princípio da “razoável duração do processo” ostatus de direito fundamental individual.

De lege ferenda, a matéria já vinha sendo tratada na doutrinapátria, fortemente inspirada na experiência estrangeira, que jápossuía estatuída em seus ordenamentos a disposição hoje presen-te em nossa constituição.

O princípio sob holofote já foi referendado em pelo menosdois instrumentos supranacionais. A Carta Europeia para a Salva-

3 Tucci (1997) esclarece que a empty bench syndrome, que equivaleria a “síndromedo banco vazio”, refletiria a carência de juízes nos EUA, não por falta de organiza-ção judiciária, mas sim pelo desinteresse na comunidade jurídica em ocupar taispostos. Na mesma linha, aponta, citando como exemplo o estado de Illinois, apreferência que as causas criminais têm sobre as cíveis, o que faria com quemesmo questões simples levassem anos para serem julgadas.

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guarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais –celebrada em Roma em 04/11/1950 – já continha essa previsão noinciso I de seu art. 6º, e a Convenção Interamericana de DireitosHumanos, mais conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, con-tinha disposição análoga no inciso I de seu art. 8º.

Não se pode perder de vista que o conceito “duração razoá-vel” é dotado de extrema vagueza. Trata-se de um bom exemplodo chamado conceito jurídico indeterminado.

Giorgis (2004) nos ensina que conceitos jurídicosindeterminados são palavras ou expressões indicadas na lei de con-teúdo e extensão vagos, imprecisos e genéricos. Não se referem aobjetos, mas a significações atribuíveis a uma coisa ou situação.Tais conceitos carecem de um preenchimento valorativo, o que deveocorrer caso a caso através de atos de validação, ou seja, no mo-mento no qual o juiz faz a substituição do fato à norma, deve dizerse a norma se aplica ou não ao caso concreto.

Considerando estarmos, nos dizeres de Cintra, Grinover eDinamarco (1996, p. 43), na fase instrumentalista do processo, oponto nodal é descobrir se o conceito de duração razoável podeser definido in abstracto ou se somente é aferível no caso concreto.

Para uma melhor contextualização do tema, convém esclare-cer o pensamento dos professores citados, na medida em que deli-mitam as linhas evolutivas do direito processual civil no que cha-mam de três fases metodológicas fundamentais: o período dosincretismo, a fase autonomista e a atual, que é a que nos interes-sa, a instrumentalista. Na inteligência dos autores:

A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemen-te crítica. O processualista moderno sabe que, pelo as-pecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveismuito expressivos de desenvolvimento, mas o sistemacontinua falho na sua missão de produzir justiça entreos membros da sociedade. É preciso agora deslocar oponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de umângulo externo, isto é, examina-lo nos seus resultadospráticos. Como tem sido dito, já não basta encarar osistema do ponto-de-vista dos produtores do serviçoprocessual (juízes, advogados, promotores de justiça): épreciso levar em conta o modo como os seus resultadoschegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à po-pulação destinatária (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,1996, p. 43).

Tucci (1997, p. 51) utiliza a Convenção Europeia sobre DireitosHumanos e apresenta uma fórmula interessante acerca do temaque consiste na observação de três regras para a aferição darazoabilidade do tempo do processo. A diferenciação entre os pro-

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cessos deveria considerar (a) a complexidade do assunto, (b) o com-portamento do litigante e de seus procuradores e (c) a atuação doórgão jurisdicional.

Portanto, se demonstrado que a causa era complexa, que aspartes e os advogados foram leais e não promoveram diligênciasprocrastinatórias e que o juiz foi diligente, não haveria como apon-tar uma demora irrazoável ao processo.

É um critério de inegável valor, especialmente quanto a suaobjetividade, mas que aponta toda a sua racionalidade para o olhardo cientista do direito.

Parece-nos que a análise de juristas não tem o condão de es-gotar o tema, na medida em que o reconhecimento do que seria aduração razoável necessita, inexoravelmente, de referendo popu-lar.

E se o argumento de réplica insistir que somente o conheci-mento técnico é capaz de auferir qual lapso temporal seria o ne-cessário para a duração razoável de um processo, é possível treplicardizendo que é obrigação da comunidade científica apresentar ar-gumentos coerentes que permitam convencer ao leigo de que umprocesso pelo rito comum, por exemplo, pode razoavelmente du-rar quatro anos até o trânsito em julgado.

O grande desafio, em nosso sentir, é a elaboração de um linkentre o conhecimento técnico e o anseio popular de uma justiçarápida.

Inicialmente, ousamos apontar o indicador, faz-se necessáriolevar ao conhecimento de toda a população o fato de que os con-ceitos de “velocidade” e “efetividade” podem não ser compatíveise, em alguns casos, podem mesmo conflitar. Veja-se o caso, porexemplo, de uma ação litigiosa para a definição da guarda de fi-lhos menores, em que haja alegação de maus-tratos de um lado,alienação parental de outro, incapacidade econômica de um, in-fluência imoral de outro etc. A fase instrutória, inclusive com o con-curso de auxiliares da justiça, necessitará de análise criteriosa, sen-do que esta, por óbvio, demandará um maior lapso temporal.

Precisa ficar claro para todos os envolvidos que os conceitos deampla defesa e de celeridade no julgamento podem, e normal-mente são, antagônicos. Quanto mais possibilidade a parte tiverpara se manifestar sobre pontos, detalhes, peculiaridades do pro-cesso, com o direito de ouvida da parte adversa, mais lento será oprovimento jurisdicional. Trata-se de mera constatação, sem ne-nhum juízo valorativo, pontue-se.

Nessa linha de raciocínio, é fácil constatar que em todas ascontribuições do Poder Judiciário para o tema identifica-se a nítidaintenção em petrificar as decisões dos Tribunais Superiores, siste-

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matizando o agir dos demais juízes no Brasil. Vimos isso na criaçãodas súmulas vinculantes, na lei dos recursos repetitivos, e agora, noprojeto de reforma do Código de Processo Civil, essa investida seráainda mais evidente. Trata-se, também aqui, de mera constatação,sem nenhum juízo valorativo.

Didier Jr (2008, p. 43-44) analisa o tema com profunda agude-za e precisão quando diz:

É preciso, porém, fazer uma reflexão como contraponto.Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da his-tória, um direito à demora na solução dos conflitos. Apartir do momento em que se reconhece a existênciade um direito fundamental ao processo, está-se reco-nhecendo, implicitamente, o direito de que a solução doconflito deve cumprir, necessariamente, uma série deatos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo dodevido processo legal. A exigência do contraditório, odireito à produção de provas e aos recursos, certamen-te, atravancam a celeridade, mas são garantias que nãopodem ser desconsideradas ou minimizadas. É precisofazer o alerta, para evitar discursos autoritários, quepregam a celeridade como valor insuperável. Os proces-sos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, po-rém, que se sente saudade deles.

Na mesma linha de raciocínio, mas pontuando acerca da faltade fatos e dados que possam garantir que o caminho hoje trilhadopelas recentes alterações e projetos de alteração ao Código de Pro-cesso Civil alcance a almejada celeridade do processo, Moreira ex-põe:

Já que só se podem comparar grandezas conhecidas,para chegarmos à conclusão segura acerca da repercus-são de uma reforma na duração dos pleitos, necessitarí-amos de dois dados: um relativo ao período anterior àreforma, outro ao período posterior a ela [...] qualquerafirmação categórica ficará exposta à censura a que sesujeita o ‘argumento empírico sem base empírica’.

Ao estabelecer um consenso entre juristas e jurisdicionadosacerca da necessidade de um prazo mínimo para a duração de cadatipo de processo, de molde à assegurar a ampla defesa e o contra-ditório, será possível abrir o debate e receber também a contribui-ção de outros ramos da ciência humana.

Está demonstrado que o problema do tempo de duração doprocesso assola não só o Brasil, mas diversos outros países, inclusiveaqueles onde os modelos de democracia, distribuição de renda emobilidade social estão muito mais avançados que aqui na terraonde tudo dá.

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A ciência jurídica, portanto, vem se dedicando ao estudo dotema e à proposição de soluções em vários cantos do mundo, masainda não tem alcançado níveis de satisfação popular razoáveis emquaisquer desses lugares. Talvez a revolução científica da qual ne-cessitamos tenha sua semente na filosofia, na antropologia, na so-ciologia, ou mesmo fora das ciências humanas.

Encerramos o presente tópico com a temperança de Moreira(1994, p. 26 a 37), que nos ensina:

O problema da duração do processo [...] nada tem deexclusivo no Brasil: é um problema universal. [...] E, emtoda parte, ouvem-se as mesmas lamentações com re-ferência ao problema da duração do processo. [...] Maseu gostaria de pedir aqui o emprego de certo tempera-mento, porque, por vezes, se nota uma propensão ahipertrofiar esse dado, a dedicar a esse tópico uma aten-ção quase que exclusiva, em detrimento de outros as-pectos que não têm, penso eu, menor relevância. Que-remos, sim, uma justiça rápida; mas não é só isso quequeremos: queremos uma justiça melhor.

4 A efetividade e o processo

O processo é utilizado como instrumento da prestaçãojurisdicional. Gaio Júnior (2011, p. 25) pontua que

o processo é elemento indispensável à função jurisdicionalque objetiva a relisão de conflitos, garantindo a satisfa-ção, a paz social e a segurança jurídica, mediante a atu-ação concreta da lei, sendo, por definição, o instrumen-to através do qual a justiça se opera.

Entretanto, sabemos que quando este é realizado por seu proce-dimento ordinário, pode não se apresentar com a efetividade e aeficácia necessárias.

Muitos são os processos que se encontram, por muitos e mui-tos anos, em andamento na justiça brasileira. Com a lentidão pro-cessual, direitos se perdem, acabando por ser um tempo desneces-sário e inútil. Como consequências, temos afronta à vida, à saúdeetc.

Marinoni (1994, 187), já no início da década de 90 do séculopassado, alertava:

Na verdade o direito processual é imprescindível – emnível de efetividade – para a sobrevivência do própriodireito substancial. Cabe investigar, assim, como é possí-vel a tolerância da difundida lentidão do processo deconhecimento, e da sua consequente inefetividade paraa tutela dos direitos.

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Sabemos que não basta que a decisão final proferida por umjuiz seja teoricamente justa se não for tempestiva, pois uma sen-tença tardia representa, principalmente às partes mais pobres e fra-cas, uma consequência desastrosa, tanto no sentido econômico comono psicológico.

Sem dúvida, colocar um fim a tantos infortúnios causadospela demora de decisões judiciais trata-se de assunto e medidade grande relevância. Muitas medidas surgiram para a soluçãodessa problemática, como, por exemplo, as tutelas de urgência,uma das maiores conquistas para a efetivação da tutelajurisdicional, entre muitas outras medidas legais, jurisprudenciaise doutrinárias.

Antes de 1994, a tutela antecipada tinha sua ocorrência ape-nas como liminar em alguns processos como, por exemplo, nas açõespossessórias, na busca e apreensão (Decreto-Lei nº 911, de 01.10.69),na cautelar de busca de apreensão de menores, na ação de despe-jo (Lei nº 8.245, de 18.10.91, art. 59, § 1º), no mandado de segu-rança, na ação declaratória de inconstitucionalidade, na ação civilpública, entre outros.

A partir do ano de 1994, com a reforma realizada no Códigode Processo Civil, a antecipação da tutela passou a constituir umnovo instituto como aplicação de regra geral, inserido nos seus ar-tigos 273 e 461 através da Lei nº 8.952, de 31 de dezembro de1994.

No ano de 2002, com o advento da Lei nº 10.444, houve umaampliação da aplicação do instituto da tutela antecipada, com amodificação no art. 273, § 3º e acréscimo dos §§ 6º e 7º do Códigode Processo Civil.

As tutelas de urgência emergem, no cenário jurídico, com essefiel propósito de obstar que o decurso da relação processual culmi-ne na ineficácia do provimento ao final concedido ou na perda dodireito postulado. Essa é, incontestavelmente, a finalidade precípuadesses mecanismos processuais. Contribuem para a melhor distri-buição, entre autor e réu, do ônus decorrente do tempo processu-al, uma vez que este, via de regra, cria situação vantajosa ao réu,favorecendo-o em detrimento do autor.

Tucci (1997, p. 122-123) pontua:

Partindo-se do pressuposto de que o fator tempo tor-nou-se um elemento determinante para garantir aefetividade da prestação jurisdicional, a técnica decognição sumária delineia-se de crucial importância paraa idéia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vo-cação que é a de servir de instrumento à efetiva reali-zação dos direitos.

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Defende, ainda, a existência de três frentes que visam erradicarou, pelo menos, minimizar os efeitos deletérios produzidos pelaintempestividade da tutela jurisdicional, que podem ser classifica-dos em: a) mecanismos endoprocessuais de repressão à chicana; b)mecanismos de aceleração do processo; e c) mecanismosjurisdicionais de controle externo da lentidão.

As tutelas de emergência estariam inseridas nos mecanismosde aceleração do processo.

O que se vê, pois, é que as tutelas de urgência possuem comomola propulsora a inaptidão do processo de rito ordinário paraatender a todas as espécies de direito.

Entretanto, muitos são os fatores que influenciam demasiada-mente a morosidade processual.

No intuito de impedir tantas injustiças que ocorrem em funçãoda lentidão processual, encontram-se o princípio da celeridade e adisposição constitucional que garante um direito à razoável dura-ção do processo.

A Celeridade Processual ganhou destaque com a introduçãoda Emenda Constitucional nº 45, de 2004. O princípio foi introdu-zido na Carta Magna, em seu art. 5º, inciso LXXVIII4, como garantiade um processo justo.

Ao mesmo tempo, a Emenda nº 45 acrescentou ao art. 93 daCF o inciso XIII, que dispõe que “o número de juízes na unidadejurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à res-pectiva população”.

Porém, nessa urgência pela celeridade processual, não háde ser esquecida a segurança jurídica processual. Nesse aspecto,observa-se que há um vácuo perigoso entre a necessidade dedecisão célere e a importância da segurança na defesa do direi-to.

Há quem defenda que a garantia da razoável duração do pro-cesso, na prática, nada representa, isso porque a princípio aceleridade processual depende de implementações de meios naprópria estrutura física do Judiciário.

Em relação ao tempo da duração do processo, a razoabilidadetem destaque, pois, ao que parece, o Poder Judiciário não teriacondições de atender a uma determinação exata de tempo a cum-prir. Além do mais, a miríade de situações que são apresentadas emcada caso processual leva à inexorável conclusão de que critériosmuito rígidos não trarão bons resultados, ou seja, a imposição desupostos prazos para o encerramento de cada fase processual nãoseria recomendável, a priori.

O esperado é que todo processo alcance a solução da lide emtempo hábil. E para se chegar a esse tempo ideal há necessidade

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de que seja priorizado o Princípio da Celeridade, bem como a Ga-rantia da Razoável Duração do Processo. Só assim será alcançada aefetividade processual judiciária. O contrário é bem conhecido ecostuma ocasionar perdas, muitas delas irreversíveis.

Porém, além da necessidade de o processo ser célere e efetivo,há de ser seguro. Nesse aspecto se encontra a Segurança Jurídica,princípio que deve nutrir o Ordenamento Jurídico.

Atingir a ágil prestação de serviços e atender ao Princípio daCeleridade em detrimento do Princípio de Segurança Jurídica éatentar contra o equilíbrio do Ordenamento Jurídico e, porconsequência, representa a fragilização das relações da sociedade.

A celeridade processual, nesse contexto, passou a ser o cen-tro das atenções, fazendo com que a preocupação com a preserva-ção do Princípio do Devido Processo Legal seja ainda mais necessá-ria, a fim de que não se desenvolva insegurança jurídica.

O desenrolar do processo em prazo hábil e razoável pode re-presentar a própria segurança jurídica se efetivando. Porém, é difí-cil termos a Segurança Jurídica com celeridade sem que ocorra adevida reestruturação do Poder Judiciário, como, por exemplo, nasquestões de recursos humanos, pois o crescimento das demandas éevidente e se constitui um reflexo da própria evolução da socieda-de.

Na prática, o que não pode ocorrer é a colisão entre o Princí-pio da Celeridade e o Princípio da Segurança Jurídica. Não é segu-ro pensar em uma prevalência de um princípio sobre o outro. Osdois devem se complementar, sendo que o limite de cada um deveser respeitado. Apenas haverá a verdadeira efetividade processualse esta coexistir com a segurança jurídica.

Em todos os casos processuais jurídicos, a celeridade deve exis-tir em cada ato de procedimento, porém, ao se verificar que a se-gurança jurídica será afetada, há de se desacelerar, logicamente,somente com o ato comprometedor.

Moreira (disponível na internet, p.126), em palestra antesreferenciada, pontua sobre a falta de estrutura do Poder Judiciá-rio:

Na verdade, os fatores da lentidão processual são múl-tiplos, e essa é uma verdade acaciana; são múltiplos emuito variados. Assim, sem pretensão de exaustividade,eu diria que temos de contar com fatores de ordemmuito diversificada, a começar por fatores administra-tivos, entre os quais eu salientaria, em primeiro lugar, onúmero insuficiente de juízes.

Por outro lado, alguns valores associados à segurança jurídicapodem ser repensados. Alguns desses valores são apenas dogmas e

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mitos e devem abrir espaço à efetividade processual. Alguns atosde procedimentos devem ser banidos do processo. O receio é que aextinção desses atos poderia afetar a segurança processual. Mas,na prática, uma ilusória segurança jurídica não pode impedir aefetividade do processo.

Ou, ainda, pode-se dizer que a suposta segurança jurídica nãopode engessar o processo, não pode paralisá-lo ao ponto de gerartantas perdas de Direitos pelo excesso de tempo para um julga-mento final.

Ao falar em segurança jurídica, faz-se mister pontuar sobre aisonomia processual e, até mesmo, a isonomia material.

A igualdade das partes advém da garantia constitucional daqual goza todo cidadão que é a igualdade de tratamento de to-dos perante a lei.

O caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 estabeleceque “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residen-tes no País a inviolabilidade do seu direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Enfim, a própria Constituição Federal criou mecanismos quevisam assegurar a igualdade das pessoas perante a lei, conforme sepode constatar nos seus incisos. Tal como ocorre na vida cotidiana,o mesmo deve ocorrer no processo civil, ou seja, as pessoas tambémpossuem esse direito e devem ser tratadas de forma igual perante alei. Daí que deriva o que se chama de princípio da isonomia pro-cessual.

Aliás, conforme se observa do art. 125, inciso I, do Código deProcesso Civil, a igualdade de tratamento das partes é um dever dojuiz e não uma faculdade. As partes e os seus procuradores devemmerecer tratamento igual, com ampla possibilidade e oportunida-de de fazer valer em juízo as suas alegações.

Cretella Neto (2006) afirma que

a noção de igualdade perante a lei dá origem ao princí-pio da igualdade processual das partes, que deste modopode ser enunciado: tanto o autor quanto o réu, bemcomo os terceiros intervenientes, têm idênticos direitosprocessuais. Daí ser denominado, também, princípio daisonomia processual.

Porém, o que se busca é a efetiva igualdade entre as partes,aquela de fato. Busca-se a denominada igualdade real ou subs-tancial, em que se proporcionam as mesmas oportunidades aos liti-gantes em geral.

Afirma-se que o Brasil é o país cujo direito se vincula à tradi-ção civil law. Mas a realidade da tradição jurídica brasileira é um

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direito constitucional de inspiração estadudinense e um direitoinfraconstitucional inspirado na tradição romano-germânica. Há ocontrole de constitucionalidade difuso, inspirado na judicial reviewestadudinense, e o concentrado, modelo austríaco. Há inúmerascodificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-seum sistema de valorização dos precedentes judiciais de inspiraçãoda tradição common law. O fato é que a convergência entre asduas tradições no Brasil resta clara. Adentra-se na valorização dajurisprudência, ao passo de ser até considerada fonte primária dodireito, ou como meio suplementar de sua integração.

Independente do posicionamento adotado a implicar umanova visão da teoria do direito, nos deterá a força dos precedentesno direito brasileiro, cuja fonte está em um devido processo legal,seja em sua dimensão procedimental, seja em sua dimensão subs-tancial, na perspectiva do processo cooperativo, para que a cons-trução das decisões justas, no momento em que reiteradas por ór-gãos colegiados pela ratio decidendi, se torne vinculativa, medi-ante o stare decisis, permitindo, destarte, a segurança jurídica. Issoporque não se pode mais tolerar no atual Estado Constitucional aexistência de decisões diferentes para casos iguais.

Um dos mecanismos para essa almejada celeridade é a existên-cia de técnicas e instrumentos para a uniformização da jurispru-dência, a exemplo do art. 518, § 1º, do CPC (possibilita ao magis-trado não receber o recurso de apelação quando a sentença esti-ver em consonância com a súmula do STJ e STF); art. 543-C, do CPC(permite ao STJ o julgamento por amostragem quando houvermultiplicidade de recursos em idêntica questão de direito, com asuspensão dos processos em tramitação com fundamento idênticoaté que o STJ julgue o mérito); art. 557, caput, e §1º A, do CPC(permite ao relator, em decisão monocrática, negar seguimentoquando em confronto com Súmula ou com jurisprudência domi-nante do respectivo tribunal, do STF, STJ); as Súmulas vinculantes(art. 103-A, da CF); e o Pedido de Uniformização de Jurisprudência(art. 14 da Lei 1.259/2001), entre outros.

Entretanto, tais instrumentos e técnicas não são suficientes paraatender de forma célere e efetiva o direito material. Isso porque, aexemplo do Pedido de Uniformização, a parte terá que esperarpor tempo demasiado para ter a resolução de seu litígio.

É preciso referir a necessidade de fazer parte da tradição dodireito brasileiro soluções como o distinguish, que trata da distin-ção entre os casos julgados e o caso em julgamento, e o overrule,alertando para a possibilidade de superação dos precedentes an-teriores (o direito é dinâmico). Seguindo esse caminho está o art.103-A da Constituição, também incluído pela Emenda Constitucio-

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EFETIVIDADE, TEMPO E ISONOMIA DOS DIREITOS NO CONTEXTO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

nal 45/2004, que sinaliza as hipóteses de revisão e cancelamentode súmulas vinculantes.

Assim, é fundamental nunca perder de vista a perspectiva bra-sileira, pois, por mais técnico que seja o processo, este se justifica namedida em que instrumentaliza a realização do Direito em ordemà Justiça.

Conclusão

No decorrer do presente estudo identificamos a existência dedireitos fundamentais expressos na Constituição Federal, que seconfiguram em verdadeiras garantias do indivíduo. São eles queasseguram, em face do Estado, as liberdades públicas, os direitossociais e mesmo os direitos supraindividuais.

Diante de tal magnitude, ficou clara a necessidade de suaefetivação, especialmente diante da ineficiência, constatada histo-ricamente, da atuação do Poder Legislativo, do Poder Executivo e,já se verifica, também do Poder Judiciário.

Neste nosso caminhar intelectual, apontou-se o Processo comoo instrumento por excelência para a efetivação de direitos indivi-duais. O Processo como a forma adequada de se compelir o Estadoa cumprir seu mister constitucional. Nos dizeres de Gaio Jr (2007, p.198), como “o meio para se obter mais justiça ou menos injustiça”.

Ficou evidenciado, entretanto, que a morosidade do processoé um fato inquestionável e que não é “privilégio” brasileiro. Oproblema é grave e afeta diversos países, inclusive aqueles em queo sistema vigente é o da commom law. Se o fato desculpa, em algu-ma medida, o que se verifica no Brasil, também serve de alerta paraa dimensão do problema real, recomendando à ciência jurídicabuscar meios de solução do problema em outros ramos das ciênci-as, rumo a uma verdadeira revolução científica.

As alterações no sistema processual ocorridas nas últimas duasdécadas, em sede constitucional e infraconstitucional, demonstram quea preocupação é comum na comunidade jurídica e compartilhada peloPoder Legislativo, bem como que esforços têm sido empenhados nabusca para a melhoria na prestação da atividade jurisdicional.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO E CAMILLE FERREIRA MISSICK GUIMARÃES ARTIGO

32 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

O princípio da justiça formal najustificação das decisões jurídicas:

considerações acerca da formação eaplicação dos precedentes

jurisprudenciais sob a forma de direitosumular

Pedro Jorge Santana PereiraAdvogado da CAIXA em Pernambuco

Pós-graduado em Direito Processual e Decisão Jurídica pela Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO

A prática forense revela a utilização de precedente judicialsem uma prévia análise de pertinência em relação ao casoconcreto, o que apresenta reflexos sobre a força justificativa desua argumentação. Ainda, observa-se que o direito sumular sedestaca como a forma potencializada da jurisprudência em razãode seus efeitos vinculantes dos órgãos jurisdicionais na decisãode casos semelhantes, pendentes ou futuros. Assim, o presenteartigo tem como objeto a análise do princípio da justiça formalcomo um instrumento de controle de consistência das decisõesjurídicas, visto que possibilita reconhecer e criticar erros najustificação do julgado, de modo a contribuir com a segurançajurídica.

Palavras-chave: Princípio da justiça formal. Direito sumular.Justificação das decisões jurídicas. Precedentes jurisprudenciais.

ABSTRACT

The forensics practice reveals the use judicial precedentwithout a previous analysis of its contents and possible aplicationto the case, which presents reflections on the strength of hisargument justification. It is also observed that the approvedbinding precedent stands out as the case of an exponential waydue to its binding effect of the courts in deciding similar casespending or future. Thus, this article is about the analysis of theprinciple of formal justice as an instrument of control consistencyof legal decisions, since enables the recognition and critiqueerrors in justification of decision, in order to contribute to legalcertainty.

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PEDRO JORGE SANTANA PEREIRA ARTIGO

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Keywords: Principle of formal justice. Right sumular.Justification of legal decisions. Jurisprudential precedents.

1 Giro linguístico: delimitação epistemológica

Antes de adentrar na análise da problemática proposta, im-porta serem tecidas algumas considerações acerca da função pre-ponderante da linguagem na atualidade, com vistas a delimitar aperspectiva epistemológica da presente investigação.

Dessa forma, passa-se a apresentar um breve retrospecto histó-rico a respeito da essência da linguagem humana, legitimada pe-los respectivos sistemas filosóficos.

Em sua obra Crátilo, Platão apresenta um questionamentopropedêutico a qualquer consideração relativa à significaçãolinguística, qual seja: por meio de que um nome obtém-se seu sig-nificado? (PLATÃO, 2001, 391 a-b, p. 53-54)

Como resposta a essa indagação, a semântica tradicional ouocidental desenvolveu-se fulcrada na tese da correspondência ouda coordenação entre linguagem e realidade, ou seja, entre estru-turas gramaticais e estruturas ontológicas, o que consistia na teoriada verdade por correspondência (OLIVEIRA, 2006, p. 18; 114).

Nessa concepção da linguagem, a significação de uma palavraqualquer dependia da compreensão do que por ela era designado,por meio de uma relação perfeita entre objeto e mundo, o que im-portava na fixação de seus fins, seus limites, de uma forma definitiva.

Uma vez que a linguagem não passava de um reflexo do mun-do, o que importava era a estrutura ontológica do mesmo que alinguagem deveria demonstrar, merecendo colacionar oposicionamento de Wittgenstein (2002, § 4.01, p. 53), em seuTractatus Lógico-Philosophicus, quando assevera: “A proposição éuma imagem da realidade. A proposição é um modelo da realida-de como nós a pensamos”.

Nesse cenário, a concepção de justiça era analisada como ideiasuprassensorial, ou seja, como um tema com pressupostos metafísicos.Por essa razão, durante quase três milênios os estudos acerca dajustiça foram considerados como não científicos, visto que não seestabeleciam as bases de um conhecimento sólido e sustentável, àmedida que a concepção de justiça não encontrava correspondên-cia específica no mundo real (BITTAR, 2000, p. 7; 14).

Entrementes, a partir do giro linguístico inaugurado porWittgenstein em suas Investigações Filosóficas, vislumbra-se umamudança radical do paradigma da filosofia enquanto tal, visto quea linguagem deixa de ser objeto de reflexão filosófica e passa a serum momento necessário formador de todo o conhecimento huma-no (OLIVEIRA, 2006, p. 12-13).

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Considerando-se essa nova perspectiva, tem-se que não mais secogita a respeito da natureza ou das essências das coisas ou dos en-tes (ontologia), tampouco da consideração sobre as representaçõese os conceitos da consciência ou da razão (teoria do conhecimento),porém passa-se a considerar a significação ou o sentido das expres-sões linguísticas (análise da linguagem) (APEL, 2000, v.I, p. 425-426).

De modo a evidenciar a importância da mencionada mudançade paradigma após o giro linguístico, Seiffert (apud NEVES, 2003,p. 119, grifo autor) aduz:

Desde que se define um ‘objeto’ como aquilo que sedesigna com uma palavra da linguagem, deixam-se delado os problemas sem fronteiras que há quase três milanos se têm fixado em torno de coisas como ‘ser’ e ‘co-nhecimento’; falando em termos técnicos: toda a‘ontologia’ (doutrina do ser) e a teoria do conhecimen-to. Com efeito, o analítico da linguagem já não necessi-ta de perguntar-se ‘que’ ‘é’ um objeto ou ‘como’ o co-nhecemos. Basta-lhe que se fale do objeto.

Acresça-se que, em suas Investigações Filosóficas, Wittgenstein(2002, § 43, p. 207) assevera que “o sentido de uma palavra é seuuso na linguagem”.

Feitas essas preleções, observa-se que um tratamento científi-co das concepções de justiça deve partir do uso das mesmas consi-derando-se os contextos do presente e do passado aceitos peloshomens, de modo a analisar objetivamente as diversas acepções dajustiça consideradas válidas racionalmente e, com isso, determinarum elemento comum designativo do entendimento geral de justi-ça (KELSEN, 2003, p. 16).

Por conseguinte, o presente trabalho terá como pressupostoepistemológico a análise dos usos de algumas concepções de justi-ça compiladas pela doutrina, com o intuito de se extrair um princí-pio comum para em seguida analisar certos aspectos dos preceden-tes jurisprudenciais reunidos sob a forma de súmula pelos tribunaissuperiores.

2 A concepção de justiça segundo John Rawls

À partida, faz-se necessário serem esclarecidos alguns proble-mas acerca da racionalidade discursiva atualmente em voga.

É de se ter em mente que a racionalidade de um enunciadonão implica sua verdade, mas apenas a sua aceitabilidade funda-mentada em um contexto dado (HABERMAS, 2004, p. 105).

Partindo-se dessa concepção de racionalidade habermasiana,objeta-se acerca de como se legitimaria o consenso fundamenta-

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do, pelo que a resposta seria um consenso sobre o consenso. Assim,observa-se que a formação do consenso necessário para o processode comunicação racional conduziria a um regresso indefinido(KAUFMANN, 2002, p. 483).

Diante dessa situação, um retrocesso ao infinito apenas se po-deria evitar se a necessidade de fundamentação cessasse em umdeterminado momento e fosse substituída por uma decisãoconsensual que já não mais se precisaria fundamentar (ALEXY,2005b, p. 182).

Sobreleva-se, assim, a pertinência da concepção da justiçarawlseniana baseada na teoria do contrato social como forma deobtenção do consenso acerca da ideia de justiça em uma posiçãoinicial de igualdade, por intermédio de um procedimento discursivoentabulado entre pessoas livres e racionais, preocupadas em pro-mover seus próprios interesses (RAWLS, 2002, p. 12).

A teoria do contrato pressupõe algo como desejado, à medi-da que racionalmente não pode não ser querido, posto que re-pousa nos verdadeiros interesses dos contratantes em uma situaçãode equidade.

Essa posição original de igualdade é concebida como uma si-tuação puramente hipotética destinada à obtenção de certa ideiada justiça, em que a escolha dos princípios da justiça é levada aefeito sob um “véu de ignorância”, isto é, em uma situação emque ninguém conhece seu lugar na sociedade, a sua classe socialou o status social, além de que ninguém sabe sua sorte na distri-buição de dotes e habilidades naturais, sua inteligência, sua forçae coisas assemelhadas (RAWLS, 2002, p. 13).

Veja-se que nessa conjuntura inicial as partes se apresentamcomo racionais e mutuamente desinteressadas, razão pela qual nin-guém pode escolher princípios para favorecer sua condição parti-cular; ao revés, os mesmos devem ser avaliados unicamente combase nas condições gerais.

Nesse sentido, as pessoas na posição original devem escolherprincípios cujas consequências estejam preparadas para aceitar semque se tenha conhecimento das particularidades, evitando, assim,um resultado influenciado por contingências arbitrárias como ainveja, a qual tende a piorar o estado de todos (RAWLS, 2002, p.147; 154-155).

Segundo Kaufmann (2002, p. 480-481), a novidade da teoriado contrato rawlseniana reside em que as partes na posição origi-nal estão por trás do “véu da ignorância”, o que significa que nes-sa situação não há lugar para nenhuma potencialidade de poder eintimidação. Ainda, aduz que em virtude da consequência da men-cionada ignorância sobre as próprias posições em uma ordem futu-

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

ra todas as partes do contrato se comportam com temor ao risco.Dessa forma, elas elegeriam em condições de incerteza o princípioque contém o menor risco próprio na vida real.

Por seu turno, impende destacar que, nesse contexto, os prin-cípios de justiça para as instituições não devem ser confundidoscom os princípios que se aplicam aos indivíduos e às suas açõesconsideradas particularmente (RAWLS, 2002, p. 57-58).

Imagine-se que a concepção de justiça tenha uma ampla acei-tação na sociedade e que as instituições são administradas de for-ma imparcial e consistente por juízes e demais autoridades, tem-seque os casos similares são tratados de modo semelhante. A essaadministração imparcial e consistente das leis e instituições deno-mina-se justiça formal (RAWLS, 2002, p. 61).

Tendo em vista que o princípio da justiça formal é de sumaimportância para fundamentar as conclusões ao final apresenta-das, o mesmo merece ser detidamente analisado.

3 Relações entre as concepções de justiça material e a justiçaformal

Seria ilusório pretender enumerar todos os possíveis sentidosda noção de justiça vislumbrados ao longo da história da humani-dade.

Pode-se, entretanto, evidenciar a seguir algumas concepçõesda justiça como forma de amostragem necessária ao cotejo do as-pecto comum entre elas, as quais foram elencadas por Perelman(2005, p. 9-12).

De acordo com a noção de justiça que confere a cada qual amesma coisa, todos os seres levados em conta pertencem a umaúnica categoria essencial e, por isso, devem ser tratados da mesmaforma, sem consideração de qualquer particularidade que os dife-rencie.

Já segundo a concepção a cada qual segundo seus méritos,não mais se reclama a igualdade de todos os seres considerados,mas um tratamento proporcional ao mérito da pessoa, razão pelaqual todos aqueles que se encontrem na mesma categoria essenci-al quanto ao mérito devem ser igualitariamente tratados.

Por seu turno, a cada qual segundo suas obras requer um tra-tamento proporcional encarado apenas no tocante ao resultadoda ação humana, sendo de ser dispensado igual tratamento àque-les que se encontrem na mesma categoria essencial em função daprodução ou do conhecimento.

A fórmula da justiça a cada qual segundo suas necessidadestem como cerne diminuir os sofrimentos que resultam da impossi-

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bilidade em que se encontra o homem de satisfazer suas necessida-des essenciais, devendo ser tratados da mesma forma aqueles quepertencem à mesma categoria essencial em virtude de suas necessi-dades.

Ainda, a noção a cada qual segundo sua posição consisteem tratar os indivíduos conforme pertençam a uma ou outra de-terminada categoria de seres, pelo que ser justo é tratar de ma-neira diferente os membros das diversas classes, desde que setrate da mesma forma os que integram a mesma classe ou cate-goria essencial.

Por fim, a cada qual segundo a lei lhe atribui refere-se à efeti-va aplicação do que a lei concede a cada ser, sendo certo que adistribuição em categorias essenciais é imposta por lei e deve serobrigatoriamente observada.

Mesmo inexistindo consenso em relação à concepção de jus-tiça material ou concreta, não há dúvidas de que o princípiogeral latente nessas diversas concepções de justiça é o de que osindivíduos têm direito, em suas relações mútuas, a certa posiçãorelativa de igualdade ou desigualdade. Isto é, ser justo é tratarde forma igualitária todos os seres que são iguais de certa pers-pectiva, ou seja, que se achem inseridos na mesma categoria es-sencial.

Entretanto, essa igualdade nada mais é do que uma conclu-são lógica do caráter geral de toda norma que prescreva que sobdeterminado pressuposto se deve verificar uma determinadaconsequência, sobretudo um determinado tratamento. O carátergeral dessa norma consiste em dever a mesma ser aplicada não ape-nas em um único caso, mas em um número de casos indeterminado(KELSEN, 2003, p. 56).

Por conseguinte, a justiça formal traduz-se em “observar umacerta regra que enuncia a obrigação de tratar de uma certa manei-ra todos os seres de uma determinada categoria” (PERELMAN, 2005,p. 45).

Desta maneira, tem-se evidente que a justiça formal constituio elemento comum a todas as concepções de justiça material, umavez que prescreve um determinado tratamento sem afirmar nadasobre a natureza e o modo desse tratamento.

Depreende-se, assim, que a justiça formal acha-se vinculada àlógica, uma vez que o ato justo há de ser em conformidade com aconclusão de um silogismo1 universal imperativo, visto que a pre-missa maior e a conclusão têm uma forma imperativa.

1 Silogismo é apresentado como "um discurso argumentativo no qual, uma vezformuladas certas coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta necessaria-mente através delas pura e simplesmente" (ARISTÓTELES, 2005, p. 347).

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Aplicando-se esse silogismo à interpretação jurisprudencial doscasos submetidos a uma decisão judicial, observa-se que sua estru-tura tem a seguinte forma:

(a) Todo caso “S” deve ser interpretado da forma “P”(b) Todo caso “M” é igual a “S” nos aspectos relevantes_______________________________________________________(a) (b) Logo, todo caso “M” deve ser interpretado daforma “P”

As condições de aplicação silogística da justiça formal depen-dem da conjugação de três elementos, a saber: I) a regra a ser apli-cada, que fornece a premissa maior (a) do silogismo apresentado epode ser um precedente jurisprudencial, como será explanado nopróximo tópico; II) a qualificação de um ser ou de um caso comopertencente a determinada categoria essencial, o que representa apremissa menor (b); e III) o ato justo do ponto de vista formal quedeve ser conforme a conclusão (c) do silogismo (PERELMAN, 2005,p. 45).

Sendo assim, o preceito condutor do princípio geral de justiçaformal é seguidamente formulado como “tratar da mesma manei-ra os casos semelhantes e diferentemente os casos diferentes” (HART,1994, p. 173).

4 A função criadora do juiz e a universalidade das decisõesjudiciais

Quando se fala em função criadora do juiz, costuma-se incor-rer em confusões e excessos, como aconteceu com a escola exegéticaque pretendeu eliminar toda intromissão judicial ao ratificar aassertiva de Montesquieu no sentido de que o juiz apenas seria aboca que pronuncia as palavras da lei (FERNANDEZ, 1980, p. 70).

De acordo com o princípio da obrigatoriedade da decisão (proi-bição do non liquet), não pode o magistrado deixar de julgar ocaso que lhe é submetido sob alegação de existência de lacuna ouobscuridade da lei, conforme se depreende do art. 126 do Códigode Processo Civil brasileiro.

Deve-se ter em mente que a ciência jurídica é individualizadora,à medida que a aplicação do Direito apresenta-se como a criaçãode uma norma inferior – decisão do caso concreto – com base emuma norma superior. Por esse motivo, pode-se dizer que o Direito,em sentido teleológico, é o conjunto das decisões (RADBRUCH,1997, p. 245-246).

Não há dúvidas de que um juiz, sobretudo um tribunal deúltima instância, possui competência para criar, através de suas de-

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cisões, não apenas uma norma individual aplicável ao caso concre-to, mas também normas gerais chamadas precedentes judiciais. Nessesentido, merece destacar o pensamento kelseniano (KELSEN, 2006,p. 278):

Uma decisão judicial pode ter um tal caráter de prece-dente quando a norma individual por ela estabelecidanão é predeterminada, quanto ao seu conteúdo, poruma norma geral criada por via legislativa ou consuetu-dinária, ou quando essa determinação não é unívoca e,por isso, permite diferentes possibilidades de interpre-tação. No primeiro caso, o tribunal cria, com a sua deci-são dotada de força de precedente, Direito materialnovo; no segundo caso, a interpretação contida na deci-são assume o caráter de uma norma geral.

No âmbito da aplicabilidade das normas constitucionais, so-bretudo em relação aos direitos fundamentais, Smend (apud ALEXY,2001, p. 535) é enfático ao asseverar que na prática a Lei Funda-mental vale tal como a interpreta o Tribunal Constitucional Fede-ral, no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal.

Em verdade, a decisão judicial é uma norma jurídica, hajavista que, entre outras características, apresenta a mesma estrutu-ra da lei, tem a essência da normatividade ao constituir-se com acópula do modal deôntico “dever ser”, bem como participa dageneralidade da lei, pois com a uniformização da jurisprudênciadeve a mesma ser aplicada aos casos análogos (FERNANDEZ, 1980,p. 90).

As proposições normativas são compostas de hipótese e tese. Ahipótese apresenta-se de forma descritiva de fato de possível ocor-rência, é o fato jurídico extraído do suporte fático. Por seu turno, atese é normativamente vinculada à hipótese pelo retrocitado modale possui natureza prescritiva (VILANOVA, 2005, p. 94).

Sendo assim, do ponto de vista formal, uma norma jurídica éuma proposição prescritiva, pois é formada por um conjunto depalavras que apresentam significado e determinam a observânciade um comando omissivo ou comissivo (BOBBIO, 1993, p. 50-51).

Entretanto é importante não olvidar que a função criadora dojuiz representa o resultado de uma atividade referida às normaslegislativas e que delas deriva, não podendo, pois, colocar-se emcontraposição à lei, competindo com esta como fonte de produçãode direito (ZACCARIA, 2004, p. 132).

Por seu turno, observa-se que a decisão judicial de um casoconcreto é vinculante para a decisão de casos iguais nos aspectosrelevantes em virtude de a norma individual que ela representa sergeneralizada (KELSEN, 2006, p. 278).

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Essa generalidade tem como fundamento a universalidade dasexpressões descritivas contidas na hipótese das proposiçõesnormativas. Por universalidade das expressões descritivas, Hare (apudALEXY, 2005b, p. 87) se refere ao fato de que proposições do tipo“A é vermelho” obrigam a dizer que qualquer outro objeto que seassemelhe a “A” em todos os aspectos relevantes também é verme-lho.

A análise dos juízos de dever é semelhante à dos juízos devalor, à medida que quando se diz que alguém deve fazer algo seestá obrigando pelo princípio da universalidade de Hare a idênti-ca atitude em relação a qualquer um que esteja exatamente namesma situação, sob pena de incorrer em contradição.

Por conseguinte, tem-se que o princípio da universalidade criauma conexão entre o dever fazer ou não fazer algo e a razão paratanto, ao ponto de ser visto por Wieacker (apud ALEXY, 2005b, p.219) como característica necessária da decisão jurídica.

Em termos de proposições normativas, como as decisões judici-ais, tem-se que uma vez posta a relação entre o descritor (hipótese)e o prescritor (tese) observa-se uma relação implicacional lógico-formal segundo a qual, se se dá a hipótese, segue-se a consequência;se não se verifica a consequência, necessariamente não se dá a hi-pótese (VILANOVA, 2005, p. 93).

Importa destacar que de acordo com o imperativo contido noart. 458 do Código de Processo Civil pátrio, dentre os requisitosessenciais da sentença, e bem assim do acórdão previsto no art. 163do mencionado diploma legal, constam os fundamentos de fato ede direito e o dispositivo em que efetivamente se decide o casomediante a enunciação do juízo de dever.

Ainda, cabe referenciar que nos termos do art. 93, IX, da Cons-tituição Federal brasileira de 1988 as decisões judiciais devem serfundamentadas, sob pena de nulidade. Essa exigência permaneceintacta mesmo que na prática observe-se que a argumentação jurí-dica lançada na decisão seja entimemática (ocultação de premis-sas), segundo a qual as conclusões não decorrem necessariamentedas premissas apresentadas (ADEODATO, 2002, p. 278-279).

É precisamente através da fundamentação que o magistradodescreve a situação fática que permeia o caso que lhe é apresenta-do, assim como teoricamente exprime a proposição normativa a serempregada na solução do mesmo. Por conseguinte, vislumbra-seque a fundamentação da decisão jurídica é a razão para se impor odever fazer ou não algo existente em sua parte dispositiva.

Dessa maneira, não há dúvidas de que, se é apresentado ou-tro caso semelhante nos aspectos essenciais ao anteriormente jul-gado por determinado órgão jurisdicional, o resultado da deci-

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são posterior deve ser o mesmo, tendo em vista a universalidadedos enunciados descritivos existentes na fundamentação, sob penade contradição e consequente violação ao princípio da justiçaformal.

5 Os precedentes jurisprudenciais e a justiça formal

Como visto, o princípio da universalidade preconiza que todofalante só pode afirmar os juízos de valor e de dever que afirmariadessa mesma maneira em todas as situações em que afirme que sãoiguais em todos os aspectos relevantes.

O fundamento do uso do precedente jurisprudencial é consti-tuído pelo princípio da universalidade, o qual serve de base para oprincípio da justiça formal.

A exigência de tratar casos semelhantes de modo semelhanteimplica que o magistrado deve decidir o caso de hoje com funda-mentos que esteja disposto a adotar para a decisão de casos seme-lhantes no futuro, exatamente tanto quanto implica que hoje omagistrado deve levar em consideração as decisões anteriores emcasos semelhantes no passado. As duas implicações são de adesãoao princípio da justiça formal (MACCORMICK, 2006, p. 96).

O fato de que em um caso anterior de caráter semelhante setenha escolhido certa regra como fundamento da decisão constituium forte motivo para que o magistrado baseie a decisão presentenessa mesma regra. Tal procedimento encontra-se estreitamente re-lacionado ao princípio da justiça formal no sentido de que os casosanálogos recebam tratamento similar, ou de que cada decisão con-creta seja baseada em uma regra geral (ROSS, 2003, p. 111).

Entrementes, tendo em vista que a decisão que constitui o pre-cedente apenas tem caráter vinculante para a decisão de casosiguais, importante serem tecidas algumas considerações sobre aquestão da igualdade entre os casos.

É de todo evidente que nenhum caso é igual ao precedentesob todos os aspectos. Sendo assim, a “igualdade” entre dois casosapenas reside no fato de eles coincidirem em certos pontos essenci-ais, a exemplo do que acontece com fatos delituosos em que oresultado foi a morte da vítima, muito embora as circunstâncias nãocoincidam em todos os pontos, porém apenas em alguns pontosmais importantes que são considerados pela norma.

Segundo esclarece Kelsen (2006, p. 278), a pergunta em quepontos os casos submetidos à apreciação jurisdicional têm de coin-cidir para que sejam considerados como “iguais” apenas pode serrespondida com base na norma geral que determina a hipóteselegal (Tatbestand), fixando seus elementos essenciais.

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Importa destacar que na hipótese ou descritor da norma geralconsubstanciada na lei e no precedente jurisprudencial não se achaproposição empírica em que se tenha a narração do comportamentoefetivo ou a descrição de um fato.

Deveras, apesar de sua descritividade, a hipótese é qualificadoranormativa do fático, à medida que o fato se torna fato jurídicoquando ingressa no universo do direito através da hipótese. Ade-mais, o que determina quais elementos entram e quais não entramé o ato de valoração que preside à feitura da hipótese da normageral (VILANOVA, 2005, p. 85).

Vale registrar que o caráter vinculante do precedente não serefere a cada palavra consignada quando da justificação da deci-são judicial, mas somente à fundamentação, à ratio decidendi.

Feitas essas considerações, é de se ressaltar que a forma de seredigir as decisões guarda uma importante influência no peso quese atribui ao precedente, sendo de grande relevância a ampla dis-cussão dos pontos de vista fáticos e jurídicos que fundamentam adecisão, a fim de fornecer ao novo magistrado que se depare comcaso semelhante nos aspectos essenciais um vasto acervo materialpara lhe servir de guia, sob pena de se perder o valor de preceden-tes orientativos das decisões (ROSS, 2003, p. 117).

Por conseguinte, a apreciação da necessária universalidadedas razões justificatórias para a decisão de casos concretos des-vela os poderes coercitivos da justiça formal, ao passo que obri-ga o juiz e o tribunal a atentarem para a necessidade da adoçãode deliberações genéricas sobre questões do direito como algoessencial para a justificação das decisões judiciais, a fim de con-ferir maior plausibilidade ao aspecto descritivo da norma geralutilizada na solução da demanda e que passará a constituir pre-cedente para outros casos semelhantes (MACCORMICK, 2006, p.109-110).

6 O princípio da justiça formal na justificação das decisõesjurídicas

Conforme adverte Gunther (2004, p. 63), o princípio da uni-versalidade, e consequentemente o princípio da justiça formal, nãopode ser aplicado de forma monológica, mas apenas em discursospráticos nos quais cada participante tem o mesmo direito de exporas suas razões, como sói ocorrer no processo jurisdicional.

Ainda, observa-se que nos discursos jurídicos cuida-se da justi-ficação de um caso especial de proposições normativas, as decisõesjurídicas. Essa justificação é realizada sob dois aspectos, a saber: ajustificação interna, mediante a qual se verifica se a decisão se se-

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gue logicamente das premissas que se expõem como fundamenta-ção; e a justificação externa, cujo objeto é a correção dessas pre-missas (ALEXY, 2005b, p. 217-218).

O princípio da justiça formal satisfaz a justificação interna dasdecisões jurídicas mediante regras universais requeridas pelo prin-cípio da universalidade, o qual constitui uma das condições depossibilidade de qualquer comunicação linguística em que se trateda verdade ou correção (ALEXY, 2005b, p. 191). É que quem afirmaque algo é justo afirma ao mesmo tempo que é correto (ALEXY,2005a, p. 58).

A justificação interna das decisões tem por base o princípio dajustiça formal, o qual se apresenta como um mecanismo de contro-le da consistência da decisão, de modo a contribuir com a seguran-ça jurídica, sobretudo no tocante à determinabilidade eprevisibilidade da mesma no âmbito do sistema jurídico (CANARIS,1996, p. 22).

Na esteira do pensamento de Bobbio (1999, p. 71; 81), sistemaé uma totalidade ordenada, isto é, um conjunto de entes entre osquais há certa ordem segundo a qual os entes não estão apenasem relacionamento com o todo, mas também em um relaciona-mento de coerência entre si. Sendo assim, a tese de que oordenamento jurídico é sistemático significa que o Direito não ad-mite antinomias. Nesse contexto, casos similares devem ser tratadosde modo similar, sendo que as semelhanças e diferenças são aque-las identificadas pelas normas existentes.

Conforme pontifica Larenz (1997, p. 300), se o magistrado temque interpretar novamente uma determinada expressão ou certoenunciado jurídico no caso a ser decidido, pode fazê-lo não ape-nas para esse caso específico, mas também de maneira tal que suainterpretação possa subsistir para todos os outros casos semelhan-tes. Contraria a exigência de justiça formal de tratar igualmente oscasos iguais, bem como a segurança jurídica, se os magistrados in-terpretam as mesmas disposições em casos semelhantes ora de umamaneira, ora de outra.

De fato, a imprecisão das palavras que compõe as normas jurí-dicas em geral encoraja uma arbitrariedade na tomada de decisõesque somente uma sujeição ao princípio da justiça formal pode com-bater (RAWLS, 2002, p. 63).

Ademais, a segurança jurídica exige decisões que resultem con-sistentes considerando-se sistematicamente o ordenamento jurídi-co. Nesse sentido, o direito vigente é o produto de todo o inacabadotecido de decisões emanadas do legislador e dos magistrados. Porconseguinte, a pretensão de legitimidade do ordenamento jurídi-co exige decisões que não apenas concordem com o que foi deci-

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

dido em casos semelhantes do passado, mas também contemplemo horizonte do futuro (HABERMAS, 2001, p. 268).

Imaginem-se tribunais e juízes decidindo os litígios ao acaso,sem direito escrito algum, sem vinculação à interpretação unifor-me, sem precedentes de julgamento, ter-se-ia a incerteza, o quefindaria por ocasionar o erro judiciário e a injustiça (VILANOVA,2003, p. 358).

Por oportuno, acresça-se que segundo Singer (apud ALEXY,2005b, p. 87) o indigitado princípio da universalidade, além deservir de base para o princípio da justiça formal, ainda tem outrafunção importante, qual seja: a carga da argumentação de queexiste uma relevante diferença entre um caso e outro. Ou seja, sedesejar afastar-se de julgar segundo o precedente, o órgão julgadordeve oferecer motivos relevantes e suficientes para infirmar asimilitude entre o caso atual e o precedente, de modo que nãoincorra em flagrante incoerência.

Nesse particular, observa-se o princípio da inércia perelmaniano,segundo o qual uma decisão só poderá ser mudada caso se possamapresentar razões suficientes para tanto. Sendo assim, quem pre-tenda tratar um caso diferentemente de outro a princípio seme-lhante deve afirmar e provar que existe uma diferença relevante,sob pena de violar o princípio da justiça formal (ALEXY, 2005b, p.197).

Pode-se formular, portanto, as seguintes regras mais gerais douso dos precedentes na justificação das decisões jurídicas, de modo agarantir a observância do princípio da justiça formal: (1) quando sepuder utilizar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-lo; e (2) quem quiser se afastar da observância de um prece-dente assume a carga da argumentação (ALEXY, 2005b, p. 267).

A força da utilização dos precedentes se manifesta não apenasem casos nos quais se tem a aplicação reiterada de uma regra jáformulada, mas também se estende a casos com novas característi-cas fáticas para os quais ainda não se tenha encontrado uma regraaplicável (ALEXY, 2001, p. 538). É que quando o magistrado nãoencontrar norma aplicável ao caso controvertido deve procurar re-mediar essa deficiência construindo uma norma a partir dos ele-mentos fornecidos pela lei e pelos precedentes jurisprudenciais atra-vés da analogia.

A analogia assenta-se no entendimento de que de uma nor-ma, seja ela legal ou precedente jurisprudencial, pode extrair-seprincípios que são aplicáveis a casos que não encontramdisciplinamento, mas que, por apresentarem uma semelhança subs-tancial com os contemplados nas proposições normativas existen-tes, devem ter a mesma solução (LATORRE, 1997, p. 112).

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Em suma, observa-se que o princípio da justiça formal tem pa-pel preponderante na justificação das decisões jurídicas, uma vezque permite reconhecer e criticar erros, razão pela qual apresentarregras universais contribui para a consistência da decisão e,consequentemente, para a segurança jurídica.

7 Os precedentes jurisprudenciais e o direito sumular

É de se ter em mente que o uso de um precedentejurisprudencial significa a aplicação da norma que justifica a impo-sição da consequência fixada na parte dispositiva da decisão jurídi-ca anterior (ALEXY, 2005b, p. 268).

A despeito de a jurisprudência e o direito sumular serem produ-tos de uma mesma fonte, a função jurisdicional do Estado, o direitosumular se destaca como a forma potencializada da jurisprudência,visto que seus efeitos de certa forma vinculam os órgãos jurisdicionaisna decisão de casos outros, pendentes ou futuros (MANCUSO, 1999,p. 77). Diz-se que o direito sumular é “o reflexo do direito emanadode súmulas de um tribunal” (ROSAS, 2004, p.12).

Por oportuno, vale colacionar a conceituação de direitosumular consignada em decisão do Superior Tribunal de Justiça noAgravo Regimental no Recurso Especial nº 3.317-BA:

DIREITO SUMULAR. CONCEITO. O direito sumular tra-duz o resumo da jurisprudência sedimentada emincontáveis e uniformes decisões das Cortes Superioresdo país, que visam a rapidificação de causas no Judiciá-rio. A se dar seguimento ao inconformismo das partes,manifestado em peça recursal, em total colidência comtexto de Súmula do Tribunal, estar-se-ia a instaurar umregime anárquico, que afronta o princípio de uniformi-zação das decisões. Prevalência do entendimento conti-do no direito sumulado, que traduz a manifestação deum colegiado, para negar provimento ao agravo regi-mental (BRASIL, 1990).

A prática forense desvela que as partes, e bem assim os própri-os julgadores, constantemente invocam precedente judicial semuma prévia análise de pertinência para com o caso concreto, preju-dicando a força justificativa de sua argumentação.

Em certa demanda objetivando a declaração de inexistênciade relação jurídica com sociedade empresária exploradora de ativi-dade no ramo securitário, a parte autora argumentou não ter anu-ído com a formação de um determinado contrato. Em defesa, aseguradora ré arguiu prescrição invocando a Súmula nº 101 do STJ(“A ação de indenização do segurado em grupo contra a segura-dora prescreve em um ano”).

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Ocorre que os precedentes da mencionada súmula tratam dedemanda ajuizada por segurados em face de seguradoras que dei-xavam de efetuar o pagamento da indenização devida quando daocorrência do sinistro. Logo, os precedentes não guardavam ne-nhuma relação de pertinência com o caso concreto, razão pela quala prescrição arguida com fulcro nessa súmula foi afastada.

Ademais, observa-se problema na elaboração dos enunciadosdas súmulas dos tribunais, os quais muitas vezes se acham despidosde correlação com as razões decisórias expostas nos precedentesjurisprudenciais que foram sumulados.

Considerando-se apenas o Supremo Tribunal Federal e o Su-perior Tribunal de Justiça para fins do presente trabalho, tem-seque a prática dessas Cortes consiste na elaboração de enunciadosabstratos e genéricos, de modo a englobar situações de fatoinespecíficas e impessoais.

Todavia, consoante alhures explicitado, a importância de apre-sentação de regras universais para a garantia de observância dajustiça formal na justificação de decisões proferidas em casos essen-cialmente análogos tem como fundamento a universalidade dahipótese fática que autoriza a imposição da consequência previstana parte dispositiva do julgado.

Deveras, a forma de elaboração das súmulas dos indigitadostribunais superiores não expõe claramente os aspectos de fato ne-cessários para que o julgador identifique adequadamente se o casoconcreto assemelha-se ao vislumbrado pelo enunciado sumular.

Tal circunstância finda por ocasionar decisões conflitantes eque, muitas vezes, sequer guardam relação com os precedentes queresultaram na edição da súmula aplicada.

À guisa de exemplo, o cotejo do enunciado da Súmula nº 625do Supremo Tribunal Federal (“Controvérsia sobre matéria de di-reito não impede concessão de mandado de segurança”) revelaque os quatro julgados mencionados como precedentes da súmulaem comento (RE 117936, MS 21143 AgR, MS 21188 AgR e RE195186) não são exatamente iguais, mas todos transmitem a ideiade que o direito líquido e certo é a exigência de comprovaçãodocumental dos pressupostos fáticos do direito do impetrante, sen-do, pois, uma noção eminentemente processual (BRASIL, 2003).Nenhum dos citados precedentes se refere à “matéria de direito”de que trata a indigitada súmula.

A elaboração e, sobretudo, a aplicação de enunciados desúmula sem a devida correlação entre eles e as razões decisivas tra-zem em si o risco de os enunciados virem a assumir completa inde-pendência, vida própria, passando a ter força normativa semvinculação à lei e/ou aos precedentes. Não se deve descurar que o

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enunciado da súmula resume os precedentes jurisprudenciais a elarelacionados.

Por sua vez, algumas observações interessantes podem ser ob-tidas a partir da análise do enunciado da Súmula nº 7 do SuperiorTribunal de Justiça (“A pretensão de simples reexame de prova nãoenseja recurso especial”), o qual é largamente utilizado para obs-tar o julgamento do recurso especial (BRASIL, 1990).

Na apreciação do REsp 693.172/MG (BRASIL, 2005b), a Primei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentidode que para a aferição de culpa exclusiva da vítima seria indispen-sável a reapreciação do conjunto probatório dos autos, o que seriavedado pelo teor da Súmula nº 7, a despeito de existir no acórdãorecorrido referência às provas dos autos cuja valoração conduziuao entendimento de que não restou demonstrada a referidaexcludente de responsabilidade civil.

Em seguida, na mesma decisão, foi colacionado entendimen-to pacificado do âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentidode ser possível a redução ou a majoração do valor da indenizaçãopor danos morais desde que o mesmo seja excessivo ou irrisório.

No acórdão do retrocitado recurso especial foram colacionadasvárias decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido da possi-bilidade de revisão do valor da indenização, merecendo destaqueo REsp 604.801/RS (BRASIL, 2005a), segundo o qual restou assenta-do que a fixação do valor do dano moral não observa regra fixa,oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais, masque a revisão do valor do dano pode ser levada a efeito pela cita-da Corte Especial e essa posição jurisprudencial é suficiente paracontornar o óbice da Súmula nº 7 pela valoração jurídica da prova.

Ao assim se posicionar, o Superior Tribunal de Justiça manifes-tou entendimentos contraditórios ao admitir a valoração da provapara fins de redução do quantum indenizatório a título de danosmorais e vedou a valoração probatória para a aferição da culpaexclusiva da vítima com base no enunciado da Súmula nº 7 por eleeditada.

Tal proceder constitui afronta ao princípio da justiça formal,haja vista que a possibilidade de valoração da prova seria a cate-goria essencial que conferiria semelhança às duas hipóteses trata-das, qual seja a modificação do valor da indenização por danosmorais e a culpa exclusiva da vítima, no mencionado REsp 693.172/MG do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda, ressalte-se que a Súmula nº 7 e os precedentes a elarelacionados são de clareza meridiana no sentido da impossibili-dade da análise de matéria que demande reexame probatório, comoa redução do valor da indenização por danos morais.

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Não é demais lembrar que de acordo com o art. 103 do Re-gimento Interno do Supremo Tribunal Federal e do art. 125, §1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça qual-quer ministro pode propor a revisão da jurisprudênciacompendiada na súmula.

Dessa forma, não há razão alguma para o Superior Tribunalde Justiça construir entendimento no sentido de contornar a apli-cação da Súmula nº 7 em casos de modificação do valor da inde-nização por danos morais que demanda reexame das circuns-tâncias fáticas e probatórias, uma vez que seria suficiente a revi-são do enunciado da mencionada súmula.

Afigura-se importante colacionar os referenciados casos deformação e aplicação dos precedentes reunidos nas súmulas dostribunais superiores, a fim de evidenciar que a menção acríticaa precedentes poderia afetar uma exigência mínima de técnicana argumentação jurídica baseada no princípio da justiça for-mal, o que igualmente pode ser ocasionado pela produção deenunciados de súmula de jurisprudência predominante sem adevida correlação entre os próprios enunciados e as razões de-cisivas.

Resultado totalmente diverso ocorrerá caso o órgãojurisdicional se valha de precedente inadequado para o caso.

É que a utilização de tal precedente como verdadeira razãode decidir pode ocasionar efeitos jurídicos graves, mormente con-siderando-se o permissivo contido no art. 285-A do Código deProcesso Civil, o qual possibilita que o órgão jurisdicional jul-gue imediatamente improcedente o pedido do autor, se consta-tar a existência de reiteradas decisões proferidas pelo juízo emcasos iguais.

Vê-se, pois, que a aferição da igualdade apenas pode seradequadamente levada a efeito mediante a comparação da hi-pótese fática existente na fundamentação da decisão jurídica,tendo em vista a universalidade das expressões descritivas.

Igualmente, de acordo com o imperativo contido no art. 518,§ 1º, do Código de Processo Civil, que se costumou denominarsúmula impeditiva de recurso, o juiz não receberá a apelaçãoquando a sentença estiver em consonância com súmula do Su-premo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse caso, a simples menção ao teor da súmula não se reve-la suficiente para justificar a conformidade entre sentença e oentendimento jurisprudencial sumulado, sobretudo consideran-do-se a insuficiência da exposição da hipótese fática na súmula,a qual confere universalidade ao julgado e possibilita a identifi-cação das semelhanças ao fixar as categorias essenciais que justi-

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ficam a imposição da consequência observada na partedispositiva da decisão judicial.

Portanto, é imprescindível que sejam expostas as razões quejustificam a semelhança entre os casos não apenas com base noenunciado da súmula, mas principalmente comparando-se comos precedentes que lhe deram origem, sob pena de se tratar ca-sos diferentes como se semelhantes fossem e, consequentemente,violar o princípio da justiça formal com seus reflexos nocivos àsegurança jurídica.

No tocante à súmula vinculante prevista no art. 103-A daConstituição Federal de 1988, acresça-se que o que vincula nãoé o enunciado da súmula, mas os precedentes a ele vinculados.

Desta feita, a reclamação para o Supremo Tribunal Federal,prevista no art. 103-A, § 3º, da Constituição, para a hipótese decontrariedade à súmula vinculante por ato administrativo ou de-cisão judicial, deve conter a demonstração analítica de que ocaso concreto se assemelha nos aspectos fáticos aosconsubstanciados nos precedentes que originaram a respectivasúmula.

É que, conforme esposado, se a hipótese fática dos casosconfrontados for semelhante nos aspectos essenciais fixados pe-los precedentes reunidos na súmula vinculante, necessariamen-te se dará a consequência prevista na tese constante na partedispositiva dos mesmos e, bem assim, o provimento da reclama-ção interposta, em atenção ao princípio da justiça formal comoconsectário lógico da justificação das decisões jurídicas.

Conclusão

Como visto, muitos problemas resultam da utilizaçãoindiscriminada dos precedentes jurisprudenciais e especialmentedaqueles reunidos em súmulas pelos tribunais.

Não se pode descurar que a universalidade das expressõesdescritivas contidas na hipótese das proposições normativas, comoos precedentes jurisprudenciais, é de fundamental importância paraa identificação das semelhanças entre os casos confrontados, àmedida que é através da hipótese fática que se estabelecem as ca-tegorias essenciais abarcadas pela consequência lançada na teseconstante na parte dispositiva do julgado.

Cada vez mais, tem-se buscado garantir a efetividade das deci-sões judiciais, especialmente no tocante aos direitos fundamentaisà razoável duração do processo e aos meios que garantam aceleridade de sua tramitação previstos no art. 5º, LXXVIII, da Cons-tituição Federal de 1988.

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O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA FORMAL NA JUSTIFICAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS

Para tanto, foram criados mecanismos que possuem a finalida-de de obstar a discussão de matérias cujo entendimento já se achapacificado pelos tribunais superiores, a exemplo do julgamentoantecipado da lide, da súmula impeditiva de recurso e da súmulavinculante, já abordados.

Entretanto, conforme restou evidenciado, a utilização des-sas ferramentas deve ser precedida da necessária análise e de-monstração da semelhança entre o caso concreto e o tratadonos precedentes jurisprudenciais e naqueles reunidos nas súmulasdos tribunais superiores.

Nesse contexto, o princípio da justiça formal apresenta-secomo um instrumento de controle de consistência das decisõesjurídicas, pois possibilita reconhecer e criticar erros na justifica-ção interna do julgado, de modo a contribuir com a segurançajurídica, notadamente em relação à determinabilidade eprevisibilidade da mesma no âmbito do sistema jurídico.

Mais do que nunca, exigir-se-á dos magistrados uma funda-mentação comparativa capaz de demonstrar a relação de identi-dade havida entre o novo caso concreto e os precedentes invo-cados.

Julgar improcedente o pedido do autor com base no art.285-A do Código de Processo Civil, por exemplo, sem a precisaanálise comparativa a indicar a relação de pertinência entre ocaso concreto e os precedentes ensejará decisão arbitrária, mor-mente considerando-se os delatados problemas que permeiama elaboração e aplicação do direito sumular.

Essa situação tem o condão de fomentar a arbitrariedadena tomada de decisão, uma vez que poderia o magistrado apli-car ou não os precedentes jurisprudenciais sumulados diante decasos essencialmente semelhantes, violando assim o princípio dajustiça formal.

Acresça-se que a justiça formal em relação às instituições le-gais se apresenta como um aspecto inerente ao estado de direi-to que apoia e assegura expectativas legítimas dos cidadãos, vis-to que os mesmos devem ao menos saber o que lhes é exigido eo comportamento que devem adotar diante da multiplicidadede situações com as quais se deparam, a fim de que possam seproteger adequadamente.

Não há dúvidas de que a imprecisão das leis em geral e aampla margem permitida para sua interpretação encorajam umaarbitrariedade na tomada de decisões que apenas uma submis-são ao princípio da justiça formal pode derrotar.

Deste modo, pode-se afirmar que onde esteja presente ajustiça formal, o estado de direito e o respeito às expectativas

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legítimas provavelmente também se vislumbrará uma justiça subs-tantiva.

Por conseguinte, impõe-se uma maior reflexão sobre as con-dutas adotadas pelos órgãos jurisdicionais, de maneira que sepossa rever a forma como se utilizam dos precedentesjurisprudenciais, não apenas quando forem invocados como ar-gumentos, mas, sobretudo, quando empregados como razão dedecidir.

É necessária, pois, a análise desconstrutiva dos precedentes,viabilizando estabelecer as relações de identidade havidas com ocaso concreto por intermédio do cotejo analítico da hipótese fáticaconstante na fundamentação do julgado, tendo em vista a univer-salidade das expressões descritivas.

Também se impõe a revisão da forma como ocasionalmentesão elaborados os enunciados de súmula pelos tribunais, haja vistaque a pretendida pacificação de divergências interpretativas e auniformização do tratamento dos casos semelhantes dependem daconstrução de um enunciado que espelhe da forma mais clara eprecisa os precedentes a ele vinculados, considerando-se as possi-bilidades linguísticas.

Referências

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PEDRO JORGE SANTANA PEREIRA ARTIGO

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

O novo marco legal nacional daregularização fundiária:

possibilidades e limitações da atuaçãodo Poder Público

Pedro AraújoMestrando do Programa de Planejamento de

Gestão do Território da Universidade Federal do ABCCoordenador da equipe de regularização fundiária

do Programa Mananciais da Secretaria deHabitação do Município de São Paulo

Solange Gonçalves DiasMestre e doutora em Direito do Estado pela

Universidade de São PauloProfessora da Faculdade de Direito da

Universidade São Judas TadeuEx-coordenadora do Programa de Regularização

Fundiária do Município de Santo André

RESUMO

O artigo apresenta a regularização fundiária sob aperspectiva do novo marco legal sobre o tema, surgido com a ediçãoda Lei Federal nº 11.977/2009, que explicita o seu conceito,estabelece seus princípios, procedimentos e competências, tudono âmbito de uma lei nacional que vincula a atuação da União,Estados e Municípios às regras nela estabelecidas. Não se prestandoa uma análise aprofundada de todos os conceitos e instrumentostrazidos por essa lei, o texto oferece uma visão estrutural doprocesso de regularização fundiária, analisando as possibilidadese limitações a que se sujeitam os Poderes Públicos no Brasil diantedo novo marco legal.

Palavras-chave: Regularização fundiária. Assentamentosurbanos informais. Novo marco legal.

ABSTRACT

This article presents the agrarian regularization from deperspective of the new legal framework issued with the edition ofFederal Law 11.977/2009, which explains its concepts, establishesits principles, procedures and competencies, all under the rule of anational law that binds the action of Federal, State and Municipal

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rules set out therein. Not providing a thorough review of allconcepts and instruments brought by this law, this paper offers astructural vision of agrarian regularization process, analyzing thepossibilities and limitations that submit governmental action inlight of the new legal framework in Brazil.

Keywords: Agrarian Regularization. Urban informalsettlements. New legal framework.

Introdução

A inserção na Lei Federal nº 11.977/2009 (alterada pela Lei nº12.424/2011)1 do Capítulo III, que trata da regularização fundiáriade assentamentos urbanos, se deve à constatação de que, numavariedade de assuntos ligados ao tema, havia a necessidade de seestabelecer, em nível nacional, os conceitos e parâmetros básicosde atuação dos Poderes Públicos e dos particulares obrigados à suarealização.

Questões referentes aos limites da autonomia municipal parapromover e, especialmente, para regrar o procedimento de regu-larização fundiária de forma autônoma, ao conflito entre normasmunicipais, estaduais e federais sobre o tema, à competência parapromoção do licenciamento ambiental e ao registro da regulariza-ção fundiária na serventia imobiliária careciam há muito de umadefinição mais clara no âmbito federal, de modo a vincular a atua-ção dos demais entes, o que se concretizou com a edição da Lei nº11.977/2009.

Ademais, a referida lei estabeleceu um conteúdo mínimo desentido para os termos utilizados ordinariamente ao se tratar deregularização fundiária, definindo, por exemplo, o conceito de ZEIS,de assentamento irregular e, sobretudo, definindo e diferencian-do a regularização fundiária de interesse social e a de interesseespecífico.

Por fim, consolidou legalmente a demarcação urbanística ea legitimação na posse como duas novas ferramentas à disposi-ção dos Poderes Públicos para a superação de um dos maioresobstáculos à regularização fundiária plena, que é a consolida-ção da propriedade dos moradores de áreas privadas sobre seuslotes.

Assim, estabelecendo princípios, definindo procedimentos ecompetências, trazendo novos instrumentos e buscando criar uma

1 A Lei nº 12.424/2011 apenas introduziu alterações que foram consolidadas notexto da Lei nº 11.977/2009, de forma que, a partir deste momento, nos referire-mos apenas a essa última.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

linguagem própria e unificada acerca da matéria, a lei confere umarcabouço normativo que dá estrutura à regularização fundiária epossibilita uma melhor atuação dos Poderes Públicos (notadamenteo municipal, como se verá no item destinado à competêncialegislativa) na sua execução.

Há ainda, todavia, muito no que se avançar.Os poucos anos que se passaram desde a publicação da lei já

mostram uma resistência, por parte de diversos setores, à aplicaçãoprática de várias de suas disposições.

Por outro lado, os municípios ainda têm que reforçar suas es-truturas institucionais para que possam desempenhar a contento opapel central a eles destinado, incorporando e exercendo sua au-tonomia, garantida constitucionalmente e consolidada na lei sobestudo.

1 Regularização fundiária plena: o que é?

A expressão regularização fundiária tem sido utilizada das for-mas mais diversas, conforme o foco adotado por cada estudioso doassunto. A nós interessa o conceito de regularização fundiária ple-na, que abarca o fenômeno em sua inteireza.

Sob esse prisma, Alfonsin (2001, p. 24) definiu regularizaçãofundiária como o processo de intervenção pública, sob os aspectosjurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência depopulações moradoras de áreas urbanas ocupadas emdesconformidade com a lei para fins de habitação, implicandoacessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento,no resgate da cidadania e da qualidade de vida da populaçãobeneficiária.

Tal definição doutrinária é bastante aceita.Do ponto de vista jurídico-positivo, a Lei nº 11.977/2009,

em seu art. 46, definiu regularização fundiária como um con-junto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociaisque visam à regularização de assentamentos irregulares e àtitulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito soci-al à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais dapropriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado.

Notam-se nas definições acima ao menos dois pontos em co-mum: o primeiro, que ambas deixam transparecer os reflexos deuma concepção de regularização fundiária plena, que não se limi-ta a descrever de maneira unidimensional o processo, buscandoabarcá-lo na sua integralidade; o segundo, que as definições têmseu eixo num “processo” ou num “conjunto de medidas” de cu-

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nho jurídico, urbanístico, social e ambiental, cabendo uma breveanálise de cada um desses aspectos.

O “conjunto de medidas” jurídicas consiste em todas aquelasnecessárias à consolidação formal do domínio ou da posse da ter-ra, por meio de transferência de propriedade ou de concessão deuso, onerosa ou gratuita, aos ocupantes de áreas que são utiliza-das para sua moradia.

Abrange desde a aprovação municipal do parcelamento dosolo, registro desse parcelamento em cartório de imóveis, aberturade matrículas individuais por lote e, finalmente, o registro dos títu-los de posse ou propriedade já concedidos.

Vale ressaltar nesse ponto que a transferência da titularidadedas terras particulares ocupadas por assentamentos precários doseu proprietário formal para os seus efetivos ocupantes consiste, senão no maior, num dos maiores problemas em se tratando do as-pecto jurídico dos processos de regularização fundiária.

Dessa maneira, os instrumentos da demarcação urbanística eda legitimação da posse representam um importante passo na re-solução dessa questão, como se verá adiante.

O mesmo objetivo pode ser alcançado ainda por meio das di-versas formas da usucapião de áreas privadas, especialmente a Es-pecial Urbana, ressaltando-se, contudo, que em se tratando de pro-cedimentos judiciais estão sujeitas às vicissitudes a eles inerentes,como a demora e os altos custos, o que muitas vezes inviabiliza suautilização nos processos de regularização fundiária de assentamen-tos de baixa renda.

Mas apenas a regularização formal do parcelamento e atitulação dos moradores sem a necessária intervenção urbanísticaresultarão certamente na perpetuação da precariedade.

Assim porque o modelo de desenvolvimento da cidade brasi-leira legou aos pobres apenas as terras que em função de suas ca-racterísticas topográficas ou de restrições legais ao seu parcelamentonão interessavam ao mercado imobiliário formal, o que resultounum grande número de favelas e loteamentos clandestinos/irregu-lares.

Aos cidadãos de baixa renda foi permitida a construção desuas casas em locais não dotados de infraestrutura urbana, locali-zados em áreas de proteção a mananciais, de preservação perma-nente, de preservação ambiental, em aterros sanitários e, sobretu-do, em áreas de risco, sendo imperiosa a intervenção urbanísticapara provisão dessa infraestrutura e para o saneamento ambientaldo assentamento.

Ressalta-se, portanto, a importância da dimensão física ou ur-banística dos processos de regularização, “de forma a corrigir situ-

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

ações de degradação e a introduzir parâmetros formais de regulaçãodo uso e da ocupação do solo” (PINHO, 1998, p. 69).

A vertente social da regularização fundiária cuida da caracte-rização socioeconômica, da quantificação e qualificação da popu-lação atendida, o que, ao fim e ao cabo, define o projeto de urba-nização.

Cuida ainda do estabelecimento e implantação de mecanis-mos de participação popular, inserindo os moradores no processode regularização fundiária, na tentativa de afastar o estigma damarginalização social e espacial.

Por esse motivo, “programas de regularização devem ser arti-culados com outros programas de combate à exclusão, como aces-so a crédito, escolarização etc.” (BRASIL, 2001, p. 155).

Sob o aspecto ambiental, os processos de regularizaçãofundiária são responsáveis pelo saneamento das ocupações reali-zadas em áreas ambientalmente frágeis, procurando conciliar pre-servação e recuperação ambiental com o direito à moradia dos ocu-pantes.

2 Princípios orientadores

A Lei nº 11.977/2009 estabeleceu em seu art. 48 os princípiosque devem orientar a ação dos Poderes Públicos tanto na elabora-ção de regras quanto no planejamento e execução de suas políti-cas de regularização fundiária, sempre guardando respeito às dire-trizes gerais da política urbana constantes do Estatuto da Cidade,Lei nº 10.257/2001, que regulamentou os artigos 182 e 183 da CRFBde 1988, que dispõem sobre o tema.

Cabe dizer, primeiramente, que a regularização fundiária, sen-do ela própria diretriz geral e instrumento da Política Urbana con-sagrada no Estatuto da Cidade2, é ainda ferramenta para a conse-cução de outras diretrizes, haja vista que também por meio dela seconsolida o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamentoambiental e à infraestrutura urbana.

Dessa maneira, seus princípios específicos são desdobramentosdesses outros, mais amplos, todos tendentes ao pleno desenvolvi-mento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.Abaixo os reproduzimos, comentando com brevidade cada um delesem seguida.

Art. 48. Respeitadas as diretrizes gerais da política ur-bana estabelecidas na Lei no 10.257, de 10 de julho de

2 Vide Lei nº 10.257/2001, art. 2º, XIV e 4º, V, q.

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2001, a regularização fundiária observará os seguintesprincípios: I – ampliação do acesso à terra urbanizada pela popula-ção de baixa renda, com prioridade para sua perma-nência na área ocupada, assegurados o nível adequadode habitabilidade e a melhoria das condições desustentabilidade urbanística, social e ambiental; II – articulação com as políticas setoriais de habitação,de meio ambiente, de saneamento básico e de mobili-dade urbana, nos diferentes níveis de governo e com asiniciativas públicas e privadas, voltadas à integração so-cial e à geração de emprego e renda; III – participação dos interessados em todas as etapasdo processo de regularização; IV – estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e V – concessão do título preferencialmente para a mu-lher.

O princípio contido no Inciso I consubstancia-se no cerne daregularização fundiária, refutando o tratamento anteriormentedado aos assentamentos precários no Brasil, que se pautava pelasua remoção e, quando muito, reassentamento de seus moradoresem áreas longínquas e não dotadas de infraestrutura urbana, per-petuando o ciclo de produção ilegal das cidades.

Assim o faz priorizando a manutenção dos moradores nas áre-as originalmente ocupadas, onde sob todos os aspectos desen-volvem suas relações sociais, garantindo a eles, todavia, o direitoà terra urbanizada, com níveis salubres de moradia e condiçõesdignas do ponto de vista urbanístico-ambiental, fazendo desa-parecer ou diminuindo a diferença entre a cidade formal e a in-formal.

Já o contido no Inciso II indica a necessidade de se inserir aregularização fundiária no contexto mais amplo das políticassetoriais urbanas e ambientais por meio da articulação entre osPoderes Públicos e entre estes e a iniciativa privada, levando emconta a multidimensionalidade inerente ao seu conceito, para aper-feiçoar suas ações.

O princípio contido no Inciso III na realidade materializa a di-retriz geral contida na Lei nº 10.257/20013, que propugna a gestãodemocrática da cidade por meio da participação da população ede associações representativas dos vários segmentos da comunida-de na formulação, execução e acompanhamento de planos, pro-gramas e projetos de desenvolvimento urbano.

Espera-se com isso, além de possibilitar a manifestação da po-pulação diretamente interessada na regularização fundiária, con-

3 Vide art. 2º, II do Estatuto da Cidade.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

ferir maior sustentabilidade ou durabilidade às ações desenvolvi-das pelo Poder Público.

Assim porque em vez de impor, de cima para baixo e semconsulta, uma intervenção pública que afetaria de forma impor-tante a vida dos moradores (seja pela realização de obras deinfraestrutura, pela remoção e reassentamento de famílias ou pelainsegurança gerada quanto à posse sobre seus lotes), o referidoprincípio determina a inclusão desses na própria concepção eposterior execução dessa intervenção, gerando uma sensação depertencimento da comunidade em relação ao processo, sendotalvez esse o aspecto mais importante da dimensão social da re-gularização fundiária.

O estímulo à resolução extrajudicial de conflitos procura evitaro condicionamento dos processos de regularização fundiária à so-lução de lides entre os atores envolvidos na questão, o que corri-queiramente se verifica4, fazendo com que o Poder Público res-ponsável por seu regramento e execução deixe a condição de pro-tagonista para ocupar a posição de mero espectador de uma tramasobre a qual não tem qualquer controle.

Vale ressaltar também que, apesar de um perceptível aumentona sensibilidade dos juízes em relação às questões urbanas, grassaainda no Poder Judiciário relativa ignorância tanto em relação àsnovas concepções relativas à cidade e à propriedade urbana5 comoquanto às implicações de decisões tomadas em ações individuaissobre o conjunto da cidade.

Uma ação de reintegração de posse que tenha por objetoárea ocupada por, digamos, mil famílias não se resume a um con-flito de direito civil entre particulares, consistindo em questãoque afeta diretamente todo o corpo social e também, em especi-al, o Poder Público, que ao fim e ao cabo será responsável peloatendimento habitacional dos moradores expulsos de suas mo-radias.

O objetivo do princípio sob análise é, portanto, que o PoderPúblico, notadamente o municipal, em função da regra de compe-tência explicitada no item seguinte, retome o protagonismo dosprocessos de regularização fundiária postos legalmente sob suaresponsabilidade, procurando articular os interesses conflitantesnuma solução de consenso.

4 Trata-se aqui, por exemplo, de ações possessórias e reivindicatórias, de ações civispúblicas que determinam o desfazimento de parcelamentos e de ações de indeni-zação por desapropriação indireta, que muitas vezes condicionam a atuação doPoder Público.

5 Funções sociais da cidade e da propriedade.

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3 Regularização fundiária: competência para regrar ecompetência para promover

A clara distribuição de competências talvez tenha sido o as-pecto mais importante da Lei nº 11.977/2009, tendo em vista a ba-rafunda legislativa e institucional que se formou, no decorrer dosanos, ao redor dos processos de regularização fundiária, o quemuitas vezes impediu o êxito dos programas públicos voltados paraesse fim.

Assim, consolidando o princípio constitucional da autonomiados municípios, outorgou-se a estes a competência para dispor (ouseja, legislar) sobre os procedimentos de regularização fundiáriaem seu território (art. 49), contanto que respeitadas as demais dis-posições da própria lei e do Estatuto da Cidade.

Dessa maneira, a Lei nº 11.977/2009, subsumindo-se em regrageral sobre o tema, deixou aos municípios, maiores conhecedoresda realidade local, a competência para legislar de forma mais espe-cífica sobre regularização fundiária, podendo estabelecer princípi-os, diretrizes e regras próprias sobre o procedimento de aprovaçãodo projeto de regularização de que trata o art. 51.

No que se refere à promoção (execução) das ações de regula-rização fundiária, dentro da esfera dos Poderes Públicos são com-petentes para tanto a União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios (art. 50).

Podem ainda promover a regularização fundiária os seusbeneficiários, individual ou coletivamente, e demais entidades li-gadas à questão habitacional, tais como cooperativas, associaçõesde moradores, fundações e organizações sociais.

Há, assim, uma multiplicidade de agentes promotores da re-gularização fundiária, mas apenas um ente responsável peloregramento de seu procedimento: o município.

Importante ressaltar, contudo, que a regra de competênciaacima explicitada é constantemente tensionada pela existência denormas de outras esferas da Federação.

Assim porque à competência dos municípios para dispor sobreassuntos de interesse local contrapõem-se competências conferidasaos Estados-Membros ou até mesmo à União para, por exemplo,legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da nature-za, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambi-ente e controle da poluição” (CRFB, art. 24, VI).

Assim se dá, por exemplo, nas áreas de proteção e recupera-ção de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, ten-do em vista a existência de leis estaduais específicas para prote-ção aos mananciais estipulando procedimentos próprios para re-

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

gularização fundiária perante o órgão ambiental desse Estado-Membro.

Cabe, portanto, na análise de cada caso, observar as regrasque sobre ele incidem, para se definir a estratégia de regulariza-ção fundiária pertinente.

4 Regularização fundiária de interesse social e de interesseespecífico

A Lei nº 11.977/2009 criou dois tipos diferentes de regulariza-ção fundiária: a de interesse social e a de interesse específico, esti-pulando regimes jurídicos diversos para cada uma delas, sempre deacordo com suas características próprias.

Para distingui-las, utilizou-se dos critérios da renda da popu-lação beneficiada, do tempo de ocupação e do zoneamento daárea. Analisemos cada uma delas.

4.1 A regularização fundiária de interesse social (RFIS)

É aquela que tem por objeto assentamentos precários locali-zados em área urbana pública ou privada ocupada por populaçãode baixa renda e que atenda a um ou mais dos seguintes requisitos(art. 47, VII):

• estar a área ocupada, sem oposição, há pelo menos cincoanos;

• estar a área situada em ZEIS; e• nos casos de áreas pertencentes à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios, a declaração de que elas são deinteresse para implantação de projetos de regularização fundiáriade interesse social.

Desde logo, cabe ressaltar que o elemento central da defini-ção, a condição de baixa renda da população atendida, muito acer-tadamente não foi quantificado na Lei Federal, cabendo ao muni-cípio estipular, pautado pela realidade local, o conceito de “baixarenda” em sua legislação.

A RFIS está condicionada à aprovação, pelo município, do Pro-jeto de Regularização Fundiária, detalhado no art. 51 da lei, quedeverá levar em conta, na definição de parâmetros urbanísticos eambientais, as características próprias de cada assentamento.

Há, contudo, uma importante mudança em relação aos proce-dimentos anteriormente adotados.

É que, para os casos de regularização fundiária de interessesocial, tornou-se possível a unificação dos licenciamentos urbanís-tico e ambiental no âmbito do município, desde que este possua

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Conselho de Meio Ambiente e órgão ambiental capacitado, con-forme explicitado no § 1º do art. 53 da Lei nº 11.977/2009.

A separação entre os licenciamentos urbanístico e ambientalrefletia a antiga e superada rixa entre urbanistas e ambientalistasou entre a “agenda verde” e a “agenda marrom”, que opunhaaqueles que defendiam o direito ao meio ambiente àqueles quedefendiam o direito à moradia.

Tal visão, contudo, vem sendo substituída por outra, que en-cara o território de forma mais holística. É patente que os projetosde intervenção pública em áreas degradadas devem sermultidisciplinares, sendo contemplados em sua concepção os as-pectos urbanísticos e ambientais, indissociáveis dentro do conceitode regularização fundiária aqui adotado.

Sendo ambos os aspectos parte de uma mesma intervenção, nãofaria sentido separar o licenciamento ambiental do urbanístico, oque na maioria dos casos apenas multiplica o número de exigênciasa serem cumpridas pelos promotores da regularização fundiária,aumentando sobremaneira o tempo necessário para sua finalização.

Outra importante definição foi a imputação ao Poder Públicoda responsabilidade pela execução das obras de infraestrutura bá-sica previstas no art. 2º, § 6º da Lei Federal nº 6.766/796 e da im-plantação do sistema viário, mesmo que ainda não concluída a re-gularização dominial do imóvel, inclusive naqueles casos em que omunicípio não é o promotor direto da regularização.

De acordo com a disposição inserida no art. 55 da Lei nº 11.977/2009, nos processos de regularização fundiária de interesse social,mesmo naqueles não promovidos diretamente pelo Poder Públicoe ainda que a intervenção urbanística tenha que se dar em áreasparticulares porque não finalizada a regularização dominial, esta-ria o Poder Público obrigado7 a fazê-la.

6 “Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamentoou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislaçõesestaduais e municipais pertinentes.[...]§ 6º. A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionaisdeclaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: I - viasde circulação; II - escoamento das águas pluviais; III - rede para o abastecimento deágua potável; e IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energiaelétrica domiciliar.”

7 Para não mencionar a obrigação imposta constitucionalmente às três esferas degoverno de promover programas de construção de moradias e a melhoria dascondições habitacionais e de saneamento básico e de combater as causas dapobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dossetores desfavorecidos (CRFB, art. 23, IX e X), o legislador utilizou no art. 55 da Leinº 11.977/09 o termo “caberá”, indicando a obrigatoriedade da conduta.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

Do ponto de vista da qualidade urbanística da cidade e dasalubridade e segurança dos moradores beneficiados pela inter-venção, a forma como dispôs a lei é sem dúvida benéfica. Assimtambém nos casos em que a regularização fundiária esteja a cargodos moradores ou de cooperativas habitacionais, situações em quea realização de obras, em grande parte dos casos, fica prejudicadapela falta de verbas.

Há algumas questões a serem consideradas, contudo.Confrontando os requisitos que autorizam definirmos um pro-

cesso de regularização fundiária como de interesse social8 com assituações fáticas que se apresentam cotidianamente nessa seara,verifica-se, por exemplo, a possibilidade de existência de assenta-mentos irregulares ocupados por população de baixa renda locali-zados em ZEIS, mas em que haja oposição à posse dos moradoresconsubstanciada em ação judicial, hipótese na qual a entrada ino-pinada do Poder Público municipal poderia gerar direito à indeni-zação em favor dos titulares do domínio da área.

Assim, importante a análise, por parte dos Poderes Públicosmunicipais, de cada caso específico, atentando para a existência deimpedimentos legais à implantação de infraestrutura pública e iden-tificando as alternativas legais e institucionais para a consecuçãode seus fins.

4.1.1 A regularização fundiária de interesse social em Áreas dePreservação Permanente

Como já asseverado na introdução, o modelo de desenvolvi-mento das cidades brasileiras propiciou a segregação socioespacialdas populações de baixa renda que, excluídas do mercado imobili-ário formal e diante da premência de ter um teto sobre a cabeça,foram forçadas a se utilizar do mercado imobiliário informal para oatendimento de suas necessidades habitacionais.

Esse mercado imobiliário informal atuou e atua nas porçõesda cidade desprezadas pelo mercado imobiliário formal em funçãode suas características físicas (estarem sujeitas a alguma espécie derisco, por exemplo) ou da existência de restrições legais aoparcelamento (Áreas de Preservação Permanente, por exemplo),de forma que, ao longo dos anos e sob a omissão dos PoderesPúblicos, tais áreas foram sendo tomadas por favelas e loteamentosclandestinos.

8 Art. 47, VII da Lei 11.977/2009 define RFIS: regularização de assentamentos irre-gulares ocupados por população de baixa renda nos seguintes casos: i) ocupaçãomansa e pacífica da área por no mínimo 05 anos; ii) área definida como ZEIS.

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A realidade decorrente disso é que grande parte dos assenta-mentos precários está localizada em beiras de córrego e topos demorro.

Até o ano de 2006, quando houve a edição da ResoluçãoCONAMA 369/20069, não havia previsão legal para regularizaçãofundiária de assentamentos localizados em Áreas de PreservaçãoPermanente. Contudo, apesar de a referida resolução ter consisti-do num avanço, não se mostrou suficiente para o enfrentamentodo problema das ocupações em APP, tendo obtido resultados par-cos nesse sentido.

Almejando a alteração dessa realidade, a Lei nº 11.977/2009modificou inteiramente a abordagem sobre a regularizaçãofundiária de interesse social de assentamentos localizados em áre-as de preservação permanente.

Reforçando a autonomia municipal para regramento dos as-suntos de interesse local (CFRB, art. 30), a lei facultou aos municípi-os regularizar, mediante decisão motivada, assentamentos consoli-dados em Áreas de Preservação Permanente ocupadas até dezem-bro de 2007, no âmbito dos processos de regularização fundiáriade interesse social (art. 54, § 1º). Para tanto, estabeleceu como re-quisito básico a melhoria da condição ambiental da APP em rela-ção ao que se verificava antes da intervenção pública.

Tal verificação se dará pela elaboração de estudo técnico feitopor profissional legalmente habilitado e compatível com o Projetode Regularização Fundiária, possuindo como conteúdo mínimo:

• caracterização da situação ambiental da área a ser regulari-zada;

• especificação dos sistemas de saneamento básico;• intervenções propostas para controle de risco geotécnico e

de inundações;• proposta de recuperação ambiental das áreas degradadas e

das que não puderem ser consolidadas;• comprovação da melhoria das condições ambientais na ocu-

pação em APP a ser regularizada.Atente-se para o fato de que, na forma como estatuído na lei,

os municípios ficam livres para estipular quando e de que forma sepoderão consolidar ocupações em Áreas de Preservação Permanen-te, independentemente das disposições da Resolução CONAMA 369/2006, contanto que atendidos os requisitos acima citados.

9 A Resolução CONAMA 369/06 dispõe sobre os casos em que, excepcionalmente,poderão os Poderes Públicos promover a consolidação e a regularização fundiáriade assentamentos de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, esti-pulando uma série de requisitos, entre eles as faixas não edificáveis em beiras decórregos e prazo-limite (10/07/2001) de consolidação da ocupação.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

Assim pelas razões que seguem abaixo.A Resolução CONAMA 369/2006 (como todas as demais desse

Conselho) foi editada com fulcro na delegação contida no art. 8º,VII, da Lei Ordinária Federal 6.938/1981 (Política Nacional do MeioAmbiente), que atribui ao órgão a capacidade de “estabelecernormas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutençãoda qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dosrecursos ambientais, principalmente os hídricos”.

Em que pese a origem dessa competência encontrar-se em leifederal, ela manifesta-se juridicamente por meio de simples resolu-ção de órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

A edição de lei ordinária federal posterior, dispondo de formadiversa sobre a mesma matéria, prepondera inquestionavelmentesobre quaisquer resoluções de quaisquer órgãos.

Não fosse o argumento acima suficiente, questiona-se, alémdisso, que a competência delegada por lei ao CONAMA10 encontralimites na autonomia municipal consagrada na Carta Constitucio-nal vigente.

Dessa maneira, não caberia ao CONAMA, com base em dele-gação da competência genérica acima descrita, imiscuir-se em as-suntos como uso, ocupação, parcelamento e regularização do solo,que integrariam o rol das matérias de interesse local a serem defi-nidas pela legislação municipal.

Apesar do exposto, verifica-se uma enorme resistência à ideiade os municípios regrarem tal matéria de forma independente,havendo inclusive manifestações (oficiosas, é bem verdade) de ór-gãos públicos ligados ao meio ambiente arguindo uma supostainconstitucionalidade – nunca explicada ou demonstrada – do § 1ºdo art. 54 da Lei nº 11.977/2009.

4.1.2 Demarcação urbanística e legitimação da posse

A Lei nº 11.977/2009 trouxe duas novas ferramentas própriaspara uso na regularização fundiária de interesse social, conformedefinido anteriormente.

O conjunto formado pela demarcação urbanística e pelalegitimação na posse procura oferecer novos caminhos para a cons-tituição da propriedade imobiliária de assentamentos precários emnome de seus moradores, que se dará pela conversão da legitimaçãoem propriedade nos termos do art. 60 da lei.

Esses instrumentos de regularização fundiária guardamsimilitudes com os processos de usucapião, sendo chamados com

10 Lembrando que tal competência foi conferida no ano de 1981, sete anos antes dapromulgação da CRFB de 1988.

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frequência de usucapião administrativa, já que têm por fim aformalização de um direito de propriedade de fato já exercido pelosmoradores em relação aos seus lotes.

Destaca-se, contudo, que, ao contrário do que ocorre nausucapião, a responsabilidade pela comprovação do tempo de ocu-pação, pela elaboração do material técnico que instruirá o pedido,pela identificação dos proprietários e pela formalização do pedidoperante o cartório de imóveis será sempre do Poder Público.

Superam-se assim algumas das grandes dificuldades da utiliza-ção da usucapião nos processos de regularização fundiária: a com-provação do tempo de posse, o alto custo do processo para osmoradores (custas judiciais, perícias técnicas, honorários de advo-gado etc.) e a morosidade dos processos judiciais.

No mais, estando vinculados a um projeto de regularizaçãofundiária promovido pelo Poder Público, se prestam à resoluçãodo problema da propriedade de forma integral, para todos os lo-tes abrangidos por ele, e não apenas de forma pontual, como acon-tece frequentemente quando se utiliza a usucapião.

Analisemos cada um deles, deixando claro desde já que nãose pretende esgotar todo o aspecto técnico jurídico contido na Leinº 11.977/2009, mas apenas destacar suas principais características.

Demarcação urbanística é o

procedimento administrativo pelo qual o poder público,no âmbito da regularização fundiária de interesse soci-al, demarca imóvel de domínio público ou privado, defi-nindo seus limites, área, localização e confrontantes,com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualifi-car a natureza e o tempo das respectivas posses (art.47, III).

Destina-se à intervenção em áreas de ocupação já consolida-da, não havendo oposição por parte do proprietário do imóvel.Apenas podendo ser aplicada nos casos de regularização fundiáriade interesse social, a área a ser demarcada deverá ser ocupada pre-dominantemente por população de baixa renda e atender ao me-nos a um dos requisitos exigidos para essa modalidade de regulari-zação.

A demarcação urbanística somente poderá ser feita pelo Po-der Público, ou seja, pela União, pelos Estados, pelos Municípios epelo Distrito Federal, incluindo seus órgãos delegados da adminis-tração indireta.

Nos casos de terras particulares, qualquer um desses entes podefazer a demarcação urbanística. Nos casos de áreas públicas, qual-quer ente pode fazer a demarcação de terras de seu próprio domí-nio. A demarcação em terras federais, em razão da Seção III-A do

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Decreto-Lei nº 9.760/46, somente poderá ser feita pela própriaUnião.

Já a demarcação em terras municipais e estaduais poderá serfeita por outro ente público, desde que não haja vedação na legis-lação patrimonial e se obtenha a anuência do município ou doestado titular da área.

Além disso, como os municípios são os responsáveis pela exe-cução da política de desenvolvimento urbano e pela disciplina doparcelamento, do uso e da ocupação do solo em seus territórios,deve ser observada a legislação municipal referente à matéria, afim de verificar se não há incompatibilidade entre a regularizaçãoproposta e as leis de uso e ocupação do solo.

O auto de demarcação urbanística poderá abranger parte oua totalidade de um ou mais imóveis inseridos em uma ou mais dasseguintes situações: i) domínio privado com proprietários não iden-tificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anterio-res; ii) domínio privado objeto do devido registro no registro deimóveis competente, ainda que de proprietários distintos; e iii)domínio público (art. 56, § 5º).

Instruído com a documentação especificada no art. 56 da lei eatendidas as demais exigências legais, o ato de demarcação urba-nística deverá ser enviado ao cartório de registro de imóveis, paraque sejam tomadas as providências estipuladas no art. 57 e, estan-do em ordem, averbe o auto na matrícula do imóvel.

A partir daí o Poder Público deverá elaborar e aprovar o Pro-jeto de Regularização Fundiária previsto no art. 51 da Lei e, após oseu registro na matrícula do imóvel, conceder aos moradores ca-dastrados os títulos de Legitimação de Posse.

A legitimação de posse é um instrumento destinado ao reco-nhecimento da posse de moradores de áreas objeto de demarca-ção urbanística. Trata-se da identificação, pelo Poder Público, dasituação fática da posse mansa e pacífica de uma área por pessoasque não sejam proprietárias de outro imóvel urbano ou rural,foreiras de outro imóvel urbano ou rural ou beneficiários delegitimação de posse concedida anteriormente.

Um dos objetivos da legitimação é dar publicidade às possesidentificadas e qualificadas, por meio da confecção de um títulopelo Poder Público, em nome do morador, e de seu registro nocartório de registro de imóveis.

Quando feita em áreas privadas, a legitimação de posse possi-bilita a aquisição de propriedade por meio da usucapião adminis-trativa. Em relação a áreas públicas, pode facilitar a instrução depedidos de concessão de uso para fins de moradia ou de outrosinstrumentos definidos pelo titular de domínio da área.

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Como o título de legitimação de posse não reconhece um di-reito real, sua utilização em áreas públicas é interessante apenasnos casos em que o ente promotor da ação não é o proprietário doimóvel. Quando o procedimento é feito pelo próprio ente deten-tor do domínio, a legitimação é um passo desnecessário, já que épossível fazer de imediato a transferência de direito real em nomedo possuidor por meio de instrumentos como a CUEM, a CDRU, adoação, entre outros.

A legitimação de posse, devidamente registrada, constitui di-reito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia.

O detentor do título de legitimação de posse, passados cincoanos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imó-veis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo emvista sua aquisição por usucapião.

A aplicação desses instrumentos, contudo, ainda permaneceum mistério, não sendo conhecidos ainda casos em que os doisprocedimentos tenham chegado ao seu termo final.

Sabe-se, contudo, que têm surgido questionamentos sobre aconstitucionalidade ou legalidade de algumas de suas disposições,como a possibilidade de demarcação urbanística e a legitimaçãona posse de áreas públicas, que, segundo alguns entendimentos,se consubstanciariam em usucapião de terras públicas, o que é ve-dado constitucionalmente.

Dessa maneira, é necessário ainda algum tempo antes que sepossam tecer afirmações sobre o real alcance dos instrumentos.

4.2 A regularização fundiária de interesse específico (RFIE)

Essa modalidade de regularização foi definida legalmente porexclusão: toda regularização fundiária que não for de interessesocial será de interesse específico (Lei nº 11.977/09, art. 61).

Refere-se, portanto, àqueles assentamentos que, apesar de ir-regulares, ou não são compostos por famílias de baixa renda, ounão estão localizados em ZEIS ou não estão implantados há maisde cinco anos sem oposição.

Em função disso, o regime jurídico reservado à RFIE difere muitodaquele reservado à regularização fundiária de interesse social. Emcomum possuem apenas o fato de ambas dependerem da análise eaprovação pela autoridade licenciadora (município) do Projeto deRegularização Fundiária detalhado no art. 51 da Lei. De resto, di-vergem em quase todos os aspectos, senão vejamos.

Primeiramente, ressalta-se que os licenciamentos urbanístico eambiental deverão ser feitos independentemente um do outro, nãotendo sido mantida a fusão de ambos, como na RFIS.

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No que se refere à possibilidade de regularização de assenta-mentos localizados em Área de Preservação Permanente, a RFIEdeverá observar as restrições impostas à sua ocupação e “demaisdisposições previstas na legislação ambiental” (art. 61, § 1º).

Assim, nesses casos, deverão ser atendidas, por exemplo, as re-gras da Resolução CONAMA 369/06, como a necessidade de guar-dar faixas não edificáveis de, no mínimo, 15 metros em beira decórregos e a impossibilidade de regularizar ocupações consolida-das após julho de 2001.

Ademais, na regularização fundiária de interesse específico,será possível ao órgão licenciador exigir contrapartidas e compen-sações urbanísticas e ambientais na forma da legislação vigente (art.61, § 2º).

Quanto à realização de obras de infraestrutura básica, de aber-tura de sistema viário, de implantação de equipamentos públicos edemais intervenções previstas no projeto de regularização fundiária,caberá ao município, ao emitir as licenças urbanística e ambiental,definir a responsabilidade pela sua implantação, podendo ou nãoser esta compartilhada com os beneficiários de acordo com o crité-rio estabelecido no § 1º, I e II, do art. 62.

Por fim, vale ressaltar que as medidas de mitigação e com-pensação urbanística e ambiental deverão fazer parte de termode compromisso firmado entre os responsáveis e o órgãolicenciador, tendo este termo força de título executivo extrajudicial(art. 62, § 2º).

5 O papel das Zonas Especiais de Interesse Social no processode regularização fundiária

As ZEIS têm desempenhado historicamente papel fundamen-tal nos processos de regularização fundiária.

Os adjetivos “irregular” ou “clandestino” aplicados a um dadoparcelamento do solo se justificam pela inadequação deste aosparâmetros de uso, ocupação e parcelamento do solo estabeleci-dos em lei.

Pressupondo, diante da grandeza dessa realidade, a impossi-bilidade de adequação física de todos os assentamentos precáriosexistentes, é imprescindível uma fórmula de, sem revogar as leisde uso, ocupação e parcelamento do solo, suspender a sua apli-cação nesses casos específicos, sob pena de se perpetuar a irregu-laridade fundiária. Nesse sentido, as ZEIS têm se mostrado funda-mentais.

A edição da Lei nº 11.977/2009, contudo, trouxe alterações narelação entre as ZEIS e os processos de regularização fundiária, de

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que trataremos neste item. Antes, porém, é importante resgatarum mínimo de informações sobre esse instrumento de política ur-bana.

5.1 Conceito e objetivos

As ZEIS são uma espécie de zoneamento dentro do qual seadmite a flexibilização das normas de uso, ocupação e parcelamentodo solo para áreas já ocupadas ou que venham a ser ocupadas porpopulação de baixa renda, tendo em vista precipuamente a salva-guarda do direito social à moradia previsto no artigo 6° da Consti-tuição Federal.

A Lei nº 11.977/2009 as definiu como “parcela de área urbanainstituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal,destinada predominantemente à moradia de população de baixarenda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupa-ção do solo” (art. 47, V).

As ZEIS, sob um prisma mais genérico, se prestam ao cumpri-mento de dois objetivos.

O primeiro é concretizar as diretrizes da política urbana conti-das no art. 2º, XIV e XV, do Estatuto da Cidade:

XIV - regularização fundiária e urbanização de áreasocupadas por população de baixa renda mediante oestabelecimento de normas especiais de urbani-zação, uso e ocupação do solo e edificação, consi-deradas a situação socioeconômica da população e asnormas ambientais (grifo nosso)XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso eocupação do solo e das normas edilícias, com vistas apermitir a redução dos custos e o aumento da ofertados lotes e unidades habitacionais.

O segundo refere-se à ampliação da oferta de moradia para apopulação de baixa renda em regiões da cidade dotadas deinfraestrutura e de equipamentos urbanos, ao destinar áreas urba-nas não utilizadas, não edificadas ou subutilizadas à execução deprojetos de habitação de interesse social.

De forma mais específica, ao estabelecerem Zonas Especiais deInteresse Social, os municípios podem objetivar (BRASIL, 2001, p.156):

• o aumento da oferta de terras para os mercados urbanos debaixa renda;

• a regulação do mercado de terras urbanas, mediante a re-dução das diferenças de qualidade entre padrões de ocupação e acorrespondente redução das diferenças de preços entre as terras;

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

• a introdução de mecanismos de participação direta dos mo-radores no processo de definição dos investimentos públicos emurbanização para a consolidação dos assentamentos;

• a inclusão de parcelas da população marginalizadas por nãoterem tido a possibilidade de ocupação do solo urbano dentro dasregras válidas para o restante da cidade.

Nelson Saule Júnior afirma:

Constituir nas Zeis – enquanto porção do território des-tinada à moradia da população de baixa renda – umregime urbanístico especial é reconhecer o direito à di-ferença. Aqui, esse direito à diferença se baseia no im-perativo ético de que o Poder Público deve facilitar oexercício, em seu território, do direito social à moradiade modo que a função social da propriedade seja cum-prida. [...]A área gravada como Zeis se torna uma espécie de zonaespecífica e especial, liberada de regras usuais de uso eocupação do solo e detentora, portanto, de regras es-peciais (SAULE JUNIOR, 2006, p. 3762-3773).

5.2 Espécies

As ZEIS podem ser genericamente agrupadas em duastipologias básicas: ZEIS de áreas ocupadas e ZEIS de áreas vazias.

Na categoria ZEIS de áreas ocupadas estariam incluídos todosos assentamentos eivados de algum tipo de irregularidade, comoas favelas, os conjuntos habitacionais irregulares e os loteamentosirregulares e clandestinos.

Na categoria ZEIS não ocupadas estariam incluídos os “vaziosconstruídos” e os terrenos e glebas não utilizados ou subutilizados(SAULE JÚNIOR, 2006, p. 3762-3773).

Sobre esse assunto observou Saule Júnior (2006, p. 3762-3773):

A dinâmica de desenvolvimento urbano implica histori-camente em [sic] processo concomitante de esvaziamen-to econômico, social e cultural de determinados espaçose no adensamento de outros que, por diversas razões,são mais demandados pelo capital. Alguns desses pro-cessos se dão pela obsolescência de alguns espaços quan-do não mais respondem ao uso original; outras vezes opróprio mercado imobiliário se encarrega de induzir pro-cessos de esvaziamento ou adensamento, e enunciarnovas lógicas de uso e ocupação do solo a favor dos seusinteresses. Nessa dinâmica, criam-se vazios construídos,de um modo geral em áreas consolidadas e providas dainfraestrutura básica e de serviços urbanos. São galpões,antigas fábricas, edifícios comerciais e de escritórios, en-tre outros, que podem vir a cumprir a sua função socialquando destinados a Habitação de Interesse Social.

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Os terrenos vazios, embora produtos da mesma lógicade acumulação promovida por agentes que têm na ci-dade o seu campo direto de atuação (empreendedorese incorporadores imobiliários, construtoras, corretorase outros), configuram situações, espacialidades e pro-blemas urbanos próprios, a demandar orientações oudeterminações específicas quanto ao uso e ocupação e,em particular, na política de produção de Habitação deInteresse Social.

5.3 Gênese, desenvolvimento e consolidação das ZonasEspeciais de Interesse Social

A ideia das ZEIS antecipa-se tanto à nova ordem jurídica inau-gurada com a CRFB de 1988 quanto ao Estatuto da Cidade, queprevê expressamente a instituição dessa espécie de zoneamentovisando à regularização de assentamentos ocupados por popula-ção de baixa renda.

Assim porque no plano municipal, desde o início da décadade 1980, algumas prefeituras já vinham instituindo legislação deinteresse social com o objetivo de viabilizar a regularização de as-sentamentos erigidos em desacordo com as leis federais e munici-pais de uso, ocupação e parcelamento do solo.

Nesse contexto, as experiências de Belo Horizonte (MG), com oProjeto Profavela, e de Recife (PE), com a criação, em 1983, das ZEISe do Plano de Regularização das Zonas de Especial Interesse Social(Prezeis), tornaram-se referência para as demais cidades brasileiras.

As ZEIS, como instituídas em Recife, constituíram importanteinstrumento de gestão participativa dos processos de urbanizaçãoe permitiram a adoção de padrões urbanísticos diferenciados, nãoadmitidos pela legislação existente, para a chamada cidade for-mal.

Na região do ABC paulista, vários municípios criaram mecanis-mos semelhantes. Diadema instituiu as Áreas de Especial InteresseSocial (AEIS) no âmbito do Plano Diretor (Lei nº 25/94). No municí-pio de Santo André, as AEIS foram introduzidas no ano de 1991 –por meio de legislação específica (Lei nº 6.864/91) –, inspiradas nasZEIS implantadas em Recife.

A Constituição de 1988, por sua vez, ampliou o conceito defunção social da propriedade, que havia sido trazido pela Cartaconstitucional anterior, delegando ao município a sua definição,de forma a fortalecer a autonomia municipal.

Nesse mesmo sentido, no ano de 1999, a Lei nº 6.766/79 sofreualterações significativas, reforçando a autonomia dos municípiospara a promoção de empreendimentos habitacionais de interessesocial e para a regularização de assentamentos informais.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

Por fim, o Estatuto da Cidade inseriu as ZEIS no rol dos instru-mentos da política urbana.

As Zeis se consolidaram, então, como o instrumento por exce-lência dos processos de regularização fundiária, consistindo no modopelo qual os municípios conseguem, através do seu zoneamento,excetuar a aplicação de suas leis de uso, ocupação e parcelamentodo solo naquelas áreas próprias para a implantação ou consolida-ção de habitação de interesse social.

Dessa maneira, as políticas municipais de regularizaçãofundiária têm se estruturado em torno desse instrumento, que cons-ta, se não de todos, da grande maioria dos Planos Diretores muni-cipais.

5.4 Lei nº 11.977/2009: há a possibilidade de regularizaçãofundiária de interesse social desvinculada de ZEIS?

A fórmula utilizada pela Lei nº 11.977/2009 para definir regu-larização fundiária de interesse social, caracterizando-a como aque-la feita em assentamentos irregulares ocupados por população debaixa renda nos casos (i) em que a área esteja ocupada, de formamansa e pacífica, há pelo menos cinco anos, (ii) de imóveis situadosem ZEIS, ou (iii) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federale dos Municípios declaradas de interesse para implantação de pro-jetos de regularização fundiária de interesse social, deixou dúvidasquanto à possibilidade de se alcançar a regularização de assenta-mentos independentemente da demarcação de ZEIS.

Uma leitura superficial do dispositivo legal acima reproduzidopode dar a entender que a resposta à pergunta acima deve serpositiva, mas uma análise sistêmica do ordenamento jurídico leva auma conclusão diferente.

Primeiramente, cabe relembrar que a regularização fundiáriade interesse social “depende da análise e da aprovação pelo muni-cípio” de um projeto de regularização fundiária cujo conteúdomínimo está definido no art. 51 da Lei nº 11.977/2009.

Tal aprovação, obviamente, se pautará pela legislação munici-pal, que, por meio do zoneamento da cidade, estabelece regras deuso, ocupação e parcelamento do solo em seu território, cabendolembrar que em função do princípio da legalidade a única possibi-lidade de não aplicação de tais regras é a previsão, também em lei,de exceções à sua aplicação.

Assim, em se tratando de assentamentos que são precários jus-tamente por não se adequarem à legislação, é imprescindível apossibilidade de flexibilização de seus parâmetros, o que se dá oupela demarcação de ZEIS, ou pela declaração (por meio de lei), por

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parte da União, Estados ou Municípios, de que tais assentamentossão de interesse social para implantação de projetos de regulariza-ção fundiária de interesse social11, ou, por fim, pela edição de leiespecífica estabelecendo parâmetros urbanísticos diferenciados paraáreas individualizadas.

Concluindo, pode-se dizer que a aprovação do projeto de re-gularização fundiária depende da edição de lei municipalflexibilizadora de parâmetros urbanísticos, sendo a demarcação deZEIS a forma consagrada para tanto.

Por outro lado, como se verá no item abaixo, o registro doparcelamento do solo oriundo do projeto de regularizaçãofundiária também está vinculado à aprovação municipal do mes-mo12, que, como aduzido anteriormente, encontra-se fortementevinculado à demarcação das ZEIS.

Temos então que, se considerada a regularização fundiáriaplena, a resposta à questão formulada deverá ser negativa.

É possível, contudo, dar passos no processo de regularizaçãofundiária independentemente da demarcação de ZEIS. A implan-tação de infraestrutura urbana básica, a outorga de títulos de pos-se ou de uso aos moradores e a tomada de algumas providênciasde âmbito administrativo, como denominação e oficialização devias, independem dessa providência.

6 O registro imobiliário da regularização fundiária

As modificações nos processos de regularização fundiáriatrazidas pela Lei nº 11.977/2009 abrangeram também as questõesrelativas ao seu registro imobiliário.

Referida lei trouxe disposições gerais acerca do tema e tam-bém disposições específicas para as regularizações de interesse so-cial e de interesse específico.

De forma comum às duas espécies de regularização, a lei de-termina que o registro do parcelamento resultante da aprovaçãodo projeto de regularização fundiária implicará (i) a abertura dematrícula para a totalidade da área objeto da regularização, casonão haja e (ii) a abertura de matrícula para cada uma das parcelasresultantes desse mesmo projeto (art. 66, I e II).

Define ainda que as matrículas das áreas de uso público deve-rão ser abertas de ofício, independente de requerimento, comaverbação da destinação e eventuais restrições (art. 67).

Por fim, estabelece a gratuidade de custas e emolumentos parao registro do auto de demarcação urbanística, do título de

11 O que, convenhamos, não difere muito da demarcação de uma ZEIS.12 Vide art. 65, II, da Lei nº 11.977/2009.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

legitimação de posse e de sua conversão em título de propriedadee ainda dos parcelamentos decorrentes da regularização fundiáriade interesse social.

6.1 O registro imobiliário da regularização fundiária deinteresse social

O registro do parcelamento oriundo de projeto de regulari-zação fundiária de interesse social deverá ser requerido, por qual-quer dos legitimados no art. 5013 da lei, diretamente perante aserventia imobiliária, instruído com (i) certidão atualizada da ma-trícula do imóvel, se houver, (ii) projeto de regularizaçãofundiária aprovado pelo município, (iii) instrumento de institui-ção e convenção de condomínio, quando for o caso e (iv) certi-dão atualizada dos atos constitutivos nos casos do Inciso II doart. 50 da lei.

Por fim, vale ressaltar que o registro da RFIS independerá doatendimento às exigências constantes da Lei nº 6.766/79.

6.2 O registro imobiliário da regularização fundiária deinteresse específico

Sobre a RFIE, a Lei nº 11.977/2009 dispôs de forma bastantesucinta, afirmando que o seu registro deverá ser requerido peranteo registro de imóveis, observando as disposições a ela pertinentesnessa lei e na legislação em vigor sobre a matéria.

Intui-se, portanto, exigíveis as disposições da Lei 6.766/79.

Conclusão

A edição da Lei nº 11.977/2009 representou uma importanteevolução do ponto de vista jurídico-institucional para os processosde regularização fundiária, cristalizando conceitos, estatuindo prin-cípios e estabelecendo competências legislativas e executivas.

A atribuição de competência legislativa aos municípios pararegrar os procedimentos de regularização fundiária (inclusive emAPP) e de competência executiva para a realização das obras deinfraestrutura reforça o princípio da autonomia municipal e possi-

13 “Art. 50. A regularização fundiária poderá ser promovida pela União, pelos Esta-dos, pelo Distrito Federal e pelos Municípios e também por: I – seus beneficiários,individual ou coletivamente; e II – cooperativas habitacionais, associações demoradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil deinteresse público ou outras associações civis que tenham por finalidade ativida-des nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária.”

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bilita a racionalização desses processos na medida em que podemser mais bem adaptados à realidade local.

Também a integração dos licenciamentos ambiental e urba-nístico em um só procedimento é de se destacar, bem como oregramento da demarcação urbanística e da legitimação de posse,que podem vir a ser instrumentos importantes para regularizaçãodominial.

Por fim, o estabelecimento de regras específicas para o regis-tro da regularização fundiária urbana atende a uma demandaantiga dos que lidam com o tema, anteriormente obrigados a ba-talhar com normas de registro produzidas para aprovação, e nãopara regularização de parcelamentos.

A aplicação dessa lei, porém, demanda o enfrentamento dealguns desafios.

O primeiro deles se refere à necessidade de se fazer os mu-nicípios incorporarem institucionalmente a autonomia adquiri-da constitucionalmente em 1988, com os bônus e ônus dela de-correntes.

No caso particular da regularização fundiária, a competênciaoutorgada aos municípios implica a necessidade de levantamen-to e análise de dados habitacionais, de elaboração de diagnósti-cos, da estruturação de equipes, da elaboração e execução deplanos, da necessária previsão orçamentária e de produçãonormativa.

Poucos municípios brasileiros dispõem de estrutura e pessoalsuficientes para tanto. Dado ainda mais preocupante é que muitosdaqueles com estrutura institucional mais robusta, que possuemarcabouço jurídico (Planos Diretores, Leis de ZEIS, Planos Munici-pais de Habitação etc.) e institucional (Secretarias Municipais deHabitação, Desenvolvimento Urbano ou Meio Ambiente, por exem-plo), não logram executar suas políticas e seu planejamento, ha-vendo verdadeiro abismo entre o legislado e planejado e a reali-dade objetiva das cidades.

É preciso, portanto, robustecer a estrutura institucional dosmunicípios para que estes possam exercer a contento a competên-cia de estabelecer e executar sua política urbana.

Por outro lado, há aspectos da Lei nº 11.977/2009 que aindademandarão um processo mais aprofundado de discussão em fun-ção da diversidade de interpretações acerca deles.

É, assim, por exemplo, no que se refere à possibilidade de osmunicípios regrarem a regularização fundiária de interesse socialem Áreas de Preservação Permanente sem atendimento à Resolu-ção CONAMA 369/2006, ou quanto à possibilidade de flexibilizaçãode parâmetros urbanísticos fora de ZEIS.

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O NOVO MARCO LEGAL NACIONAL DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

No mais, é necessário por à prova a demarcação urbanísticae a legitimação de posse, dois instrumentos que, do ponto devista formal, encontram-se bem estruturados, mas que carecemde aplicação empírica para que possamos vislumbrar sua efetivaefetividade.

Referências

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BRASIL. Comissão de Desenvolvi-mento Urbano e Interior da Câmarados Deputados, Secretaria Especialde Desenvolvimento Urbano da Pre-sidência da República, Caixa Econô-mica Federal e Instituto Polis. Esta-tuto da Cidade: guia paraimplementação pelos municípios e

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SAULE JÚNIOR. N. et al. As ZonasEspeciais de Interesse Social comoinstrumento da política de regulari-zação fundiária. Fórum de DireitoUrbano e Ambiental, n° 30,p. 3762-3773, novembro de 2006.

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

O perecimento dos saldos(e correspondentes direitos) dos

depósitos populares efetuados noséculo passado*

Marcos Vinícius de Andrade AyresAdvogado da CAIXA em Minas Gerais

Pós-Graduado em Direito Econômico e da Empresapela Fundação Getúlio Vargas, Campus de Brasília/DF

RESUMO

Os “depósitos populares” regulados pelo Decreto 24.427/34 já pereceram de fato e direito. O perecimento “de fato”ocorreu porque eles não percebiam correção monetária,enquanto, no período de 1967/1994, a inflação fez com quequantias inferiores a Cr$ 27.500.000.000.000,00 perdessemexpressão econômica pela desvalorização do(s) padrão(ões)monetário(s), agravada pela incidência das taxações das contasinativas determinada pela Resolução 312/74 do CMN. Outrossim,o perecimento “de direito” ocorreu pela perda ou prescrição dospretensos direitos: a) pela inatividade da conta por 30 anos,conforme previsto no artigo 72 do Decreto 24.427/34; b) pelaprescrição dos direitos, decorrente da revogação da Lei 2.313/54pelo artigo 1º, da Lei 2.437/55, que alterou o artigo 177 do CódigoCivil Brasileiro; c) pela prescrição dos direitos em razão dainadequação da imprescritibilidade à Constituição/88, por violaçãoaos princípios da razoabilidade e proporcionalidade; d) pelarevogação lógica da imprescritibilidade mencionada, pelo artigo4º-A da Lei 9.526/97.

Palavras-chave: Depósitos populares. Perecimento de fato edireito. Inflação. Prescrição.

ABSTRACT

“Popular Deposits”, regulated by the Decree 24.427/34have already perished in fact and by law. The perishment “infact” occurred because the funds were not subject to monetaryrestatements; meanwhile in the period of 1967/1994 inflationcaused values lower than Cr$ 27.500.000.000.000,00 to lose its

* Publicado originalmente em "Teoria do Direito e Conflitos Jurídicos", pela Edito-ra O Lutador, Belo Horizonte, 2011.

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economic value by the decrease of monetary standards,exacerbated by the taxation on inactive accounts, set forth bythe Resolution 312/74 of the CMN. The perishment “by law”occurred either by a loss or by the application of the statute oflimitations: a) by the inactivity of the bank account for a periodof 30 years, as set forth in Article 72 of the Decree 24.427/34;b) by the repeal of Law 2.313/54 (Article 1 of Law 2.437/55),which amended Article 177 of the Civil Code; c) by the applicationof the statute of limitations since its non-application violatesthe Constitution of 1988 and the its principles of reasonablenessand proportionality; d) by the logical setting aside of the non-application of the statute of limitations, mentioned in Article4-A of Law 9.526/97.

Keywords: Popular deposits. Perishment in fact and by Law.Inflation. Statute of limitations.

Introdução

A chamada “Constituição Cidadã” e o incremento do aces-so ao Judiciário, seja em razão da necessidade de dirimir dis-cussões relevantes, seja por força de aventuras jurídicas

A Constituição Federal de 1988 é conhecida como a “Consti-tuição Cidadã”. Essa expressão, cunhada pelo combativo constitu-inte e exemplar democrata Ulysses Guimarães, buscava chamar aatenção para os avanços alcançados na história política relativa-mente recente de nosso país, com a promulgação da Constituiçãode 1988, notabilizada pelo seu enfoque na salvaguarda dos direi-tos e garantias fundamentais dos administrados.

Ainda que em diversos aspectos os avanços não tenham ultra-passado a expectativa gerada pela enunciação de normas constitu-cionais com conteúdos programáticos, a Carta Constitucional emvigor despertou no cidadão o interesse em buscar a defesa de seussupostos direitos com mais empenho, valendo-se inclusive do Judi-ciário, se assim for necessário.

Um dos principais motivadores dessa maior busca e confiançano Judiciário foi, sem dúvida, a criação do Código de Defesa doConsumidor, por meio da promulgação da Lei 8.078/90.

A partir daí, seguiu-se um aparelhamento maior do Judiciárionacional para fazer frente à nova investida dos cidadãos na buscade seus presumidos direitos, inclusive mediante a criação dosJuizados Especiais Estaduais, pela Lei 9.099/95, e Federais, pela Lei10.259/01, que proporcionaram um incremento substancial do aces-so do cidadão ao Judiciário.

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

Se, por um lado, isso se mostrou um benefício precioso pro-porcionado pela Constituição Cidadã, por outro, fez com que amaior facilidade de acesso ao Judiciário originasse uma espécie de“indústria” ávida em gerar ou detectar supostos conflitosmassificados que somente poderiam ser solucionados pela mani-festação definitiva daquele Poder.

Isso resulta atualmente naquilo que já se intitula de “excessode litigiosidade”, abrangendo lides que em alguns casos podemser caracterizadas como uma aventura jurídica.

Nos últimos anos, vislumbrou-se nessa linha o surgimento deum novo “produto” de discussões jurídicas, despropositadas noentender deste autor.

Trata-se das ações versando sobre pretensos saldos remanescen-tes de contas de depósito popular, abertas entre os anos 30 e finsdos anos 60 do século passado, os quais têm sido reclamados, geral-mente, com base em documentos que atestam apenas a abertura daconta, sob o pretexto de que nunca ocorreram saques posteriores.

É notório, contudo, que, se tais saldos não foram integralmentesacados pelos depositantes ao longo de suas vidas, seus valorespereceram, indefectivelmente, pela delongada predominâncianaquele período de quadros inflacionários corrosivos do poder decompra da moeda ou pelo perecimento do próprio direito, em ra-zão do que preceitua a lei que regulamentou os depósitos popu-lares. Não se pode desprezar, tampouco, o efeito deletério que ainércia da parte em buscar seus supostos direitos provoca, qual sejaa perda do direito de ação, em observância à prescrição e à neces-sidade de respeito à segurança jurídica da população.

Esse será o enfoque desta matéria.

1 O depósito popular: origem e características principais

Os depósitos populares são depósitos à vista que percebiamjuros remuneratórios de até 6% ao ano, porém sem qualquer for-ma de correção monetária, como definido no art. 52 do Decreto24.427, de 19 de junho de 1934, que instituiu o Regulamento dasCaixas Econômicas Federais, ainda não unificadas àquela época(unificação determinada pelo Decreto-Lei 759/69).

O art. 1º do referido decreto estabeleceu que as Caixas Econô-micas Federais tinham, entre outras atribuições, a de receber emdepósito as “economias populares e reservas de capitais”, razãopela qual o tipo de depósito regulado no art. 52 do mesmo diplo-ma legal é chamado de “depósito popular”.

O dispositivo mencionado no parágrafo anterior aduzia queos depósitos eram destinados à movimentação, incentivo à pou-

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pança, desenvolvimento e circulação de riqueza. Esse tipo de livremovimentação do depósito o notabilizava como um depósito àvista, ou seja, sem necessidade de carência ou observância de mar-cos temporais para movimentação da conta ou fruição de remune-ração.

Essa característica o diferenciava substancialmente dos depósi-tos em caderneta de poupança que vieram a ser criados posterior-mente, cuja natureza era de depósito a prazo, tornando imprópriaa confusão entre os institutos, muito comumente verificada nas li-des dessa natureza.

Importa salientar que a caderneta de poupança foi instituídapor meio da Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, quando tambémforam criados o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o BancoNacional da Habitação (BNH) e as Sociedades de Crédito Imobiliá-rio.

Entretanto, originalmente, a caderneta de poupança só po-deria ser resgatada, com a incidência da remuneração e reajusta-mento monetário previstos na lei, após o decurso do prazo mínimode 1 ano contado da realização de seu depósito – o que a caracte-rizava como um depósito a prazo. Isso é o que previa o art. 15 daLei 4.380/64.1

Outra característica peculiar da caderneta de poupança que adiferenciava do depósito popular era a sua vinculação às opera-ções específicas do programa habitacional instituído por meio dalei que a criou, no contexto da criação do Sistema Financeiro daHabitação (SFH), sendo restringida legalmente a incidência da cor-reção monetária aos depósitos vinculados ao SBPE/SFH.

Assim, os saldos das cadernetas de poupança que integraramo chamado SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo)eram destinados à constituição de um fundo de lastro para opera-ções de empréstimos destinados à construção e aquisição de mora-dia, realizados no âmbito do SFH.

Por outro lado, o depósito popular não tinha destinação es-pecífica, até porque, sendo um depósito à vista, não poderia servirde lastro a operações de longo prazo.

1 “Art. 15. As entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação poderãoassegurar reajustamento monetário nas condições previstas no artigo 5º:I - aos depósitos no sistema que obedeça às normas gerais fixadas pelo BancoNacional da Habitação cujo prazo não poderá ser inferior a um ano, e que nãopoderão ser movimentados com cheques;[...]§ 1° Em relação às Caixas Econômicas Federais e a outras entidades do sistema,que não operem exclusivamente no setor habitacional, o reajustamento previstoneste artigo somente poderá ser assegurado aos depósitos e empréstimos dassuas carteiras especializadas no setor habitacional.”

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

A convivência simultânea dos dois tipos de depósito foi muitocurta, eis que em 6 de maio de 1969 foi editada a Resolução 114/69, pela qual o Conselho Monetário Nacional, por meio do BACEN,vedou expressamente a incidência de qualquer remuneração so-bre as contas de depósito à vista, tais como o depósito popular, apartir de 1 de junho de 1969, conforme estatuído no item VI dacitada resolução.2

Ora, essas contas deixaram de perceber qualquer remunera-ção a partir de então, eis que já não contavam com correção mone-tária.

Consequência lógica dessa nova política monetária foi umacorrida aos bancos por parte dos detentores de contas de depósitopopular para transferirem seus ativos para a conta de poupançarecém-criada.

Vale ressaltar que essa providência não poderia, em hipótesealguma, ser adotada pela iniciativa dos próprios prepostos do ban-co depositário, especialmente no caso da CAIXA, em vista até devedação legal, prevista no art. 73 do mesmo decreto que regulou odepósito popular e o funcionamento das Caixas Econômicas Fede-rais.3

O item 11 da Resolução 29/68, do Conselho de Administraçãodo BNH, esclarece que “as contas de poupança serão abertas pelosinteressados”, o que reforça a afirmação de que caberia necessari-amente aos próprios clientes detentores de depósitos populares, àépoca, promover o encerramento daquelas contas e a transferên-cia do numerário, se desejassem, para as recém-criadas cadernetasde poupança, que previam a correção monetária, além da remu-neração à taxa de 6% ao ano, ou para outro ativo financeiro quejulgassem adequado às suas necessidades e conveniências.

Aliás, essa vedação é plenamente compreensível: existem di-versas espécies de aplicações oferecidas pelas instituições financei-ras, entre as quais há variações significativas de rentabilidade,liquidez e segurança, que demandam definição personalíssima deprioridades pelo aplicador. Assim, o preposto da CAIXA não detinhaautoridade nem segurança para escolher, de iniciativa própria, o

2 “A partir de 01.06.1969 os estabelecimentos bancários comerciais deixarão deabonar juros às contas de depósitos, que serão contados unicamente até31.05.1969 e creditados até o fim do mesmo semestre, respeitadas as taxas ante-riormente convencionadas, dentro do limite máximo admitido de 3% a/a.”

3 “Art. 73. E’ [sic] expressamente vedado aos funcionários e empregados das CaixasEconômicas, seja qual fôr a sua situação, representar partes, nos serviços dasCaixas Econômicas ou promover o andamento de qualquer negócio ou processono interêsse dessas partes, ou receber qualquer paga ou remuneração de tercei-ros em negócios com as Caixas Econômicas.”

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novo ativo para substituir a aplicação em depósito popular contra-tada pelo cliente. Essa impossibilidade ainda mais se avulta na hi-pótese em comento, na qual se cogita a transferência de recursosde um depósito à vista para outro ativo, como a poupança, queera caracterizada, à época, por ser um depósito a prazo, com ca-rência mínima de um ano de movimentação.

Desse modo, é indubitável que as aplicações em depósito po-pular deixaram de existir pelo próprio interesse de seus titulares emtransferir os saldos para ativos com algum tipo de remuneração.

Na remota hipótese de algum depositante não ter providenci-ado a retirada e transferência dos respectivos saldos, seus recursosfatalmente pereceram pela incidência da inflação galopante queimperou no país nos anos 60, 70, 80, e até meados da década de90, como a seguir abordar-se-á.

2 O depósito popular: perecimento de eventuais saldosremanescentes pela corrosão inflacionária

É sabido que a economia brasileira enfrentou o problema crô-nico da inflação galopante no século passado, com pequenos perí-odos de exceção, restritos praticamente ao período posterior aoPlano Real, a partir de julho de 1994.

Por tal motivo, o padrão monetário vigente no Brasil passoupor inúmeras alterações desde o tempo em que existiram as contasde depósito popular (1934 a 1969) até os dias atuais, por meio dequatro sucessivas depreciações da expressão do valor da moedapor 1.000 e finalmente por 2.750, na implantação do Plano Real.Confira-se:

– até 31.10.1942, vigia o “mil-réis”. A partir de 01.11.1942,passou a viger o “cruzeiro”, com o mesmo valor (Decreto-Lei 4.791,de 05.10.1942);

– em 13.02.1967, o cruzeiro foi substituído pelo cruzeiro novo,na proporção de 1.000 para 1, ou seja, Ncr$ 1,00 = Cr$ 1.000,00,nos termos previstos no art. 1º do Decreto-Lei 1, de 13.11.1965, cc/Decreto 60.190, de 08.02.1967, e da Resolução 47, do BACEN, de08.02.1967. A partir de 15.05.1970, a moeda voltou a chamar-secruzeiro;

– 27.02.1986: o art. 1º, e seu parágrafo 1º do Decreto-Lei 2.283,de 27.02.1986, alterou o padrão monetário de cruzeiros (já haviasido renomeada a moeda de cruzeiro novo para cruzeiro) para cru-zados, na proporção de 1.000 para 1: Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros) =Cz$ 1,00 (um cruzado);

– 16.01.1989: o art. 1º, e seu parágrafo 1º, da MP 32, de15.01.1989, posteriormente convertida na Lei 7.730, de 31.01.89,

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

alterou o padrão monetário de cruzados para cruzados novos,na proporção de 1.000 para 1: Cz$ 1.000,00 (Mil cruzados) =NCz$ 1,00 (um cruzado novo). A partir de 16.03.1990, a moeda vol-tou a se chamar cruzeiro, por força do disposto no §2º do art. 1º daLei 8.024/90, sem alteração de seu valor;

– 02.08.1993: o art. 1º (e seu parágrafo 1º) da MP 336, de28.07.93, posteriormente convertida na Lei 8.697, de 28.08.1993,alterou o padrão monetário de cruzeiros (já havia sido renomeadaa moeda de cruzado novo para cruzeiro) para cruzeiros reais, naproporção de 1.000 para 1: Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros) = CR$ 1,00(um cruzeiro real);

– 01.07.1994: finalmente, a Medida Provisória 542 (posteriormenteconvertida na Lei 9.069, de 29.06.1995), de 30.06.1994, em seu art. 1º,alterou novamente o padrão monetário estabelecendo o real em lu-gar do cruzeiro real, na proporção de 1 para 2.750, conforme Comu-nicado 4000, do BACEN, de 29.06.1994: R$ 1,00 (um real) =CR$ 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinquenta cruzeiros reais).

Desse quadro se extrai a conclusão insuperável de que qualquerdepósito efetuado na modalidade do ativo financeiro debatida nes-te estudo, ainda que não tenha sido objeto de saque integral, teriafatalmente perecido pela nefasta ação corrosiva de uma inflação semcontrole, de tal modo que o depósito existente em 12.02.1967 cujosaldo fosse inferior a Cr$ 27.500.000.000.000,00 (vinte e sete trilhões equinhentos bilhões de cruzeiros) perderia totalmente sua expressãomonetária, vale dizer: se tornaria zero, pela sua divisão por 1.000 qua-tro vezes, seguida de uma divisão por 2.750 uma vez!

Lembra-se que sobre esses depósitos só incidiam jurosremuneratórios de até 6% ao ano, capitalizados semestralmente,até 01.06.1969, data fixada na Resolução 114/69, do BACEN, paraparalisação da incidência da remuneração sobre essas contas, sen-do também inaplicável a correção monetária, até por vedação le-gal (art. 15, § 1º, da Lei 4.380/64).

Desse modo, por maior que fosse o saldo da conta de depósitopopular, apura-se que seu valor teria sofrido sensível perda de ex-pressão monetária até o seu total perecimento.

2.1 Da não incidência de correção monetária sobre osdepósitos populares

As contas de depósito popular foram abertas muito antes dacriação de qualquer indexador econômico pelo legislador pátrio.

É notório que a correção monetária foi instituída pela Lei 4.357/64, que criou a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN)e previu a correção periódica do seu valor.

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Entretanto, não quis o legislador criar paralelamente à ORTNum mecanismo de indexação direta da economia nacional, nãosendo prevista naquela oportunidade a aplicação da correçãomonetária a todo e qualquer contrato, tanto os que viessem a serassinados a partir daquele momento, quanto, principalmente, osque já haviam sido firmados antes.

A intenção do legislador foi expressamente outra – restringir aaplicação da correção monetária somente aos contratos firmados noâmbito do SFH, conforme restou previsto no parágrafo 1º do art. 15 daLei 4.380, transcrito alhures (na abordagem efetuada no item 2 retro).

Ademais, há que se lembrar que o contrato de depósito firmadoentre o depositante e a instituição financeira depositária não previa aincidência de correção monetária, mas tão somente de juros, que tive-ram sua incidência vedada pelo Banco Central por meio da Resolução114/69, de 06.05.1969, conforme previsto no seu item VI.

Sabe-se que impera no direito pátrio o princípio da legalidade,bem como do respeito ao ato jurídico perfeito, insculpidos no art.5º, incisos II e XXXVI, da Carta Magna. É sabido também que o con-trato que preenche os requisitos legais de validade constitui-se emum ato jurídico perfeito, que conta com a proteção constitucional.

Nos depósitos em análise, os depositantes firmaram um con-trato de abertura de depósito popular perante a CAIXA, identifi-cando qual o ativo financeiro no qual essa instituição deveria apli-car os respectivos recursos.

É óbvio, pois, que esse contrato se afigura como lei entre aspartes (pacta sunt servanda). Daí se extrai que qualquer alteraçãounilateral sua violaria o princípio constitucional da necessidade derespeito ao ato jurídico perfeito.

Nem é possível cogitar pretenso dever de zelo que seria impu-tável ao depositário, conforme preceitua o art. 1266 do CC de 1916,haja vista que o depósito popular é uma modalidade de depósitoà vista, ou seja, que deve estar disponível ao titular a qualquermomento em que este desejar sacá-lo, sendo temerária a transfe-rência de seus recursos sem sua autorização para um tipo de depó-sito a prazo, como a poupança. De plano se observa que a CAIXA,por meio de seus prepostos, não poderia ousar a alterar, por suainiciativa própria, o ativo financeiro escolhido pelo cliente.

Por fim, há que se registrar que os depósitos em questão nãopodem ser caracterizados como dívida de valor. Afinal, há que sefazer uma distinção básica entre as dívidas de dinheiro – que sãoaquelas em que o objeto da obrigação é a própria moeda, comono caso do mútuo ou do depósito – e as dívidas de valor, que tra-tam de obrigações indenizatórias, como aquelas decorrentes deato ilícito, por exemplo.

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Nas dívidas de valor, o Judiciário vem aplicando a atualizaçãodo débito mesmo antes da criação da correção monetária, enquan-to, nas dívidas de dinheiro, isso não se dá, eis que a correção háque ter sido prevista em contrato ou em disposição legal.

A atual ministra do STJ Maria Izabel Galotti Rodrigues pon-tuou isso de forma exemplar em voto proferido no julgamento daApelação Cível nº 2002.33.00.007564-6/BA, quando compunha aSexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conformedecisão publicada no DJ de 23.05.2005, a seguir transcrita:

Assinalo que os depósitos populares de que se trataeram depósitos à vista, de quantias até determinadolimite máximo, remunerados com juros a partir dos pri-meiros 30 dias, na taxa estabelecida pelo Banco Cen-tral, capitalizados semestralmente. Na época em queefetivados, no caso dos autos, 09.11.62, não havia sidolegalmente instituída a correção monetária e não exis-tia caderneta de poupança.A criação das cadernetas de poupança foi autorizada pelaLei 4.380/64, que instituiu a correção monetária nos con-tratos imobiliários de interesse social e criou o sistemafinanceiro para a aquisição da casa própria, o Banco Naci-onal da Habitação, entre outras providências.A Lei 4.380/64 permitiu o reajustamento monetário dedepósitos bancários, em caráter excepcional, desde queatendidas as condições nela previstas, a saber, depósi-tos no sistema que obedeçam às normas gerais fixadaspelo BNH, cujo prazo não poderá ser inferior a um ano,e que não poderão ser movimentados com cheques (art.15, I). Em razão do caráter excepcional da autorizaçãode reajuste monetário, enfatizou o parágrafo primeirodo art. 15 que, “em relação às Caixas Econômicas Fede-rais e a outras entidades do sistema, que não operemexclusivamente no setor habitacional, o reajustamentoprevisto neste artigo somente poderá ser asseguradoaos depósitos e empréstimos de suas carteirasespecializadas no setor habitacional.”Justificava-se o cuidado da Lei 4380/64 ao reservar o be-nefício da correção monetária aos depósitos e emprésti-mos vinculados às carteiras habitacionais e com prazomínimo de um ano: em uma economia regida pelo princí-pio nominalista da moeda, a indexação foi concebida comoregra de exceção, para beneficiar setor da economia quese pretendia privilegiar, em razão de seu caráter social.Tal medida tem relação direta com a política monetária,especialmente no tocante ao aumento da inflação, queexistia na época, embora não na forma vertiginosa quevivemos em passado recente. Somente muitos anos maistarde, foi sendo progressivamente indexada toda a eco-nomia. A atualização de débitos oriundos de decisõesjudiciais – ressalvadas as dívidas de valor – somente pas-sou a ocorrer com a edição da Lei 6.899, de 1981.

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A criação da caderneta de poupança, autorizada pela Lei4.380/64, somente foi regulamentada pela Instrução 6,do Conselho de Administração do Banco Nacional da Ha-bitação, datada de 8.3.66. Como não poderia deixar deser, a referida instrução repetiu todas as exigências con-tidas na Lei 4.380/64 para a configuração de um depósitocomo sendo de poupança, a saber, ser mantido por prazonão inferior a um ano e não ser movimentado por che-que, assinalando o parágrafo primeiro do art. 6º que “osdepósitos serão recebidos em conta especial e beneficia-dos com a correção monetária, vedada qualquer movi-mentação antes de decorrido o prazo de 12 meses e su-jeita a retirada a aviso prévio de 90 dias, admitido esteaviso a partir do nono mês.” Havia um valor mínimo a serdepositado, conforme o previsto no art. 8o. Em caso deretirada antecipada, com a rescisão das condições previs-tas no art. 6o, o correntista receberia apenas o valor no-minal do depósito, com a perda do direito à correçãomonetária e juros (art. 12).Assim posta a questão, adotando a premissa de que nãohá como julgar fatos ocorridos há mais de quatro déca-das, antes da instituição da correção monetária, tendoem mente a economia totalmente indexada de anosmuito posteriores e a legislação e jurisprudência concebi-das em função dela, passo a analisar se houve ilegalidadena conduta da CEF, de não aplicar correção monetáriaaos depósitos, conduta esta que culminou com a suaextinção.Em primeiro lugar, a análise feita acima - da Lei 4.380/64e da Instrução 6/66, do BNH, não deixa dúvida alguma deque a CEF não poderia ter transformado os depósitos àvista em nome dos Autores em depósitos em cadernetade poupança, com movimentação vedada pelo prazo deum ano, sem a necessária manifestação de vontade dosinteressados. A caderneta de poupança, assim como acorreção monetária, era instituto excepcional e não re-gra geral no sistema bancário, somente podendo haverdepósitos assim caracterizados caso atendidos os requisi-tos estabelecidos em lei de ordem pública. Se a ela nãoera possível ter adotado tal conduta sem o concurso davontade dos depositantes, não há como impor-lhe as con-sequências de ato que não poderia ter praticado (CF, art.5o, II).Não havia, portanto, como se esperar da CEF atitude quehoje parece razoável, mas completamente divorciada docontexto em que ocorreram os fatos.Também não há como conferir aos depósitos bancários anatureza de dívida de valor, cujo conceito é lapidarmentedefinido por Arnoldo Wald nesses termos:[...]Como exemplos de dívidas de valor, cita Arnoldo Wald aobrigação de reparar dano causado por ato ilícito ou a defornecer alimentos. Nestes casos, o objeto da obriga-ção não é certo número de unidades monetárias, mas

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ressarcir determinado prejuízo, ou fornecer os meiosnecessários à sobrevivência do alimentando, sendo amoeda uma simples medida de valor da obrigação.Nos casos das dívidas de valor, o Poder Judiciário já admitiaa atualização de sua avaliação, quando, desde o início doprocesso até o momento do pagamento, o seu valor semodificou em virtude da inflação, mesmo antes da insti-tuição da correção monetária. Ao contrário, as dívidas dedinheiro – aquelas nas quais a moeda é o próprio objetoda obrigação – somente se tornaram passíveis de atuali-zação por força de cláusulas contratuais, que foram sendogradualmente admitidas em nosso ordenamento jurídico,ou de estipulação legal, generalizada esta, no tocante àsdívidas de dinheiro reconhecidas por decisão judicial, a par-tir da entrada em vigor da Lei 6.899/81. Observo que, a despeito do significativo grau de indexaçãoda economia atual, contas correntes ainda hoje não so-frem, como regra geral, correção monetária, salvo ex-pressa estipulação contratual em sentido contrário.Também não me impressiona a alegação de que, tendoa instituição financeira mantido os depósitos e, portan-to, tido a possibilidade de administrar o dinheiro em seuproveito, consistiria enriquecimento ilícito ou enriqueci-mento sem causa a sua atitude de não atualizá-lo, demodo a deixar que perdesse a expressão monetária.Não houve enriquecimento ilícito ou enriquecimentosem causa, porque houve causa lícita para a manuten-ção do dinheiro em poder da CEF. A causa foi contratode depósito, sem cláusula de atualização monetária,como era a regra na época, dinheiro este que permane-ceu à disposição dos Autores enquanto teve expressãomonetária. O prejuízo sofrido pela falta de diligência nozelo de seu patrimônio não pode ser imputado à insti-tuição financeira (BRASIL, TRF1, 6ª Turma, Apelação Cívelnº 2002.33.00007564-6/BA (correspondente ao nº0007580-42.2002.4.01.3300), Relatora – Desem-bargador Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Aplte:CAIXA x Sílvia Cristina Carmo dos Santos e outros (evice-versa), Brasília, 23.05.2005, DJDF).

Essa decisão está em conformidade com várias outras exaradas pe-los Tribunais pátrios, citando-se como exemplo os acórdãos recentes pro-feridos nos julgamentos das apelações cíveis 2002.38.00023107-5/MG(correspondente ao nº 0023140-76.2002.4.01.3800 – aplte. CAIXA x MarcoAntônio Batista e Outra), da relatoria da desembargadora federal SeleneMaria de Almeida, e 2006.38.00.014947-7/MG (correspondente ao nº0014834-79.2006.4.01.3800 – aplte. CAIXA x Dalva Ribeiro Borges eOutra), relatada pelo juiz convocado Pedro Silva, da 5ª Turma, do TRF1.

Por tudo isso, confirma-se a impossibilidade de aplicação decorreção monetária sobre as contas de depósitos populares abertasentre o início dos anos 30 e o fim dos anos 60 do século XX.

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2.2 Da extinção dos saldos porventura remanescentes pelaincidência das taxações sobre contas inativasdeterminada pela Resolução 312/74, do BACEN

As quantias que, porventura, ainda remanesciam nas contasde depósito popular pereceram fatalmente a partir de janeiro de1975, por força das taxações incidentes sobre as contas inativas,determinadas pela Resolução 312/74, do BACEN, de 19.11.74, queestabeleceu a taxação no valor correspondente a 3% do maior sa-lário mínimo vigente, que àquela época remontava à quantia deCr$ 376,80, o que implicava a circunstância de que o valor da taxa-ção semestral definida na resolução mencionada era de Cr$ 11,30,em novembro de 1974. Assim, isso significa que todos os saldosporventura existentes em 12.2.1967 na modalidade de ativo finan-ceiro conhecido como depósito popular que fossem inferiores aCr$ 31.075.000.000.000,00 (trinta e um trilhões e setenta e cincobilhões de cruzeiros), se não perderam totalmente a sua expressãomonetária por força da desvalorização da moeda, que a reduziuem 2.750.000.000.000.000 (dois quatrilhões, setecentos e cinquentatrilhões de vezes), ao longo das diversas mudanças de padrão mo-netário (1.000 (1967) / 1.000 (1986) / 1.000 (1989) / 1.000 (1993) /2.750 (1994)), fatalmente foram zerados pela incidência das taxa-ções aqui mencionadas, ocorridas de forma semestral a partir dejaneiro de 1975.

Desse modo, não é difícil compreender o perecimento dos sal-dos dos depósitos populares também por força da previsãonormativa ora comentada.

2.3 Do perecimento do suposto direito pela superveniênciado prazo de 30 anos sem movimentações financeiras narespectiva conta, causando a extinção do contratobancário por força do art. 72 do Decreto 24.427/34

O próprio Decreto 24.427, de 19 de junho de 1934, que re-gulou o funcionamento das Caixas Econômicas Federais, bemcomo os depósitos populares por elas custodiados, previu em seuartigo 724 que se tais depósitos ficassem inativos por mais de 30anos haveria a perda dos respectivos recursos.

Posteriormente, a Lei 2.313, de 3 de setembro de 1954, reduziuo prazo-limite de inatividade das contas bancárias de 30 anos (fixa-do de forma genérica também na Lei 370, de 4 de janeiro de 1937)4 “Art. 72. Tôdas as contas de depósitos, que fiquem sem movimento por 30

(trinta) anos ininterruptos, prescreverão, em favor do – fundo de reserva – dasCaixas Econômicas a cuja conta deverão ser levados os respectivos saldos.”

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para 25 anos e estabeleceu que os depósitos populares seriamimprescritíveis.

Observa-se, porém, que a Lei 2.313 era norma geral maisabrangente, destinada à regulamentação de todos os depósitosbancários do país, enquanto o Decreto 24.427/1934 era norma es-pecífica, que regulamentou o depósito popular.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro – a chamadaLICC (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), ainda em vi-gor, dispõe que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais apar das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Logo, a inovação trazida pela Lei 2.313/54 quanto àimprescritibilidade dos depósitos populares tem que ser analisadasob o prisma da Lei de Introdução ao Código Civil, que norteia ointérprete a considerar que a norma específica anterior não érevogada pela geral que lhe é subsequente.

Conclui-se, então, que a Lei 2.313/54 estabeleceu que os titula-res de depósitos populares terão a salvaguarda da imprescritibilidadede seu direito de acesso ao Judiciário para discutir sobre os saldos deseus respectivos depósitos populares, sem contudo afastar a normaespecífica anterior que impôs que a inatividade da conta de depósi-to popular por mais de 30 anos conduz à perda do respectivo saldo.

Afinal, o que se percebe é que a norma anterior (art. 72 doDecreto 24.427/34) estabeleceu disposições que surtem efeito nocampo do direito material, ou seja, a extinção do contrato de de-pósito bancário, enquanto a norma posterior (Lei 2.313/54) esta-beleceu disposições que afetam a possibilidade do exercício da pre-tensão de discussão judicial sobre a conta. Destarte, a norma queregula o depósito popular diz respeito ao contrato bancário em si,enquanto a norma que trata da prescrição (Lei 2.313/54) afasta olimite temporal de discussão judicial do direito material. Assim, portratarem de matérias distintas, com efeitos também diferentes, umanão poderia revogar a outra, a não ser de forma expressa, o quenão ocorreu.

Desse modo, não há dúvida de que a norma estatuída no art. 72do Decreto 24.427, que trata da perda da titularidade do depósitopopular com o advento do prazo de 30 anos de sua inatividade, sen-do de ordem material, há que ser reconhecida como vigente até hoje,paralelamente à norma contida no parágrafo 1º do art. 2º da Lei 2.313/54, que introduziu norma que trata da pretensão da cobrança, a res-peito da imprescritibilidade do direito de promover ação para discutiros supostos direitos decorrentes da realização desses depósitos.

Assim, há que se convir, a regra que proclama a inexistência deprescrição do direito de ação não afasta a regra de direito materialque proclama a perda do próprio direito ao depósito.

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Com isso, é inconteste que os depósitos populares pereceramindefectivelmente, pela superveniência de prazo superior a 30 anos,desde o ano de 1969, quando da edição da Resolução do BancoCentral do Brasil 114/69, que afastou a remuneração incidente so-bre os depósitos populares e os conduziu à inatividade.

2.4 Quanto à insubsistência da imprescritibilidade prevista no§1º do art. 2º da Lei 2.313/54

Mesmo para aqueles que considerarem, de forma equivocada,permissa venia, que a norma contida no §1º do art. 2º da Lei 2.313/54 afastaria a vigência da regra de direito material prevista no art.72 do Decreto 24.427/34, que dispõe sobre a perda do direito aodepósito após a inatividade por 30 anos da respectiva conta dedepósito popular, não pode prevalecer o entendimento de que osrespectivos saldos estariam disponíveis até hoje, haja vista ainsubsistência atual dos preceitos contidos no referido parágrafo.Isso se dá por vários motivos a seguir delineados.

2.4.1 Insubsistência da imprescritibilidade mencionada na Lei2.313/54 por sua revogação expressa (inteligência da Lei2.437/55)

Algumas decisões judiciais procuram afastar a prescrição dospretensos direitos oriundos dos depósitos populares com base noentendimento de que o §1º do art. 2º da Lei 2.313/54 teria dispos-to que os depósitos populares seriam imprescritíveis.

Sucede que no ano seguinte à edição da Lei 2.313/54 foi edi-tada a Lei 2.437, de 7 de março de 1955, que alterou, entre outros,o artigo 177 do Código Civil então vigente e revogou as disposi-ções em contrário.5

É sabido que em nosso país uma lei ou dispositivo legal temvigência até que outra a revogue ou modifique, conforme dis-põe o art. 2º do Decreto Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 – aLei de Introdução ao Código Civil.

Tendo sido editada em 7 de março de 1955, a Lei 2.437 éposterior à Lei 2.313, e, assim, não pode haver dúvida que aalteração do Código Civil Brasileiro, introduzida após a Lei 2.313,

5 “Art. 1º Os arts. nºs 177, 481, 550, 551, 619, 693, 698, 760, 817, 830 e 1.772, §2º, do Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em vinte anos, as reaisem dez, entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em quepoderiam ter sido propostas.[...]Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”

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fixando o limite do prazo prescricional das ações pessoais em 20anos, alcançou os pretensos direitos discutidos nas demandasmencionadas neste estudo.

Ademais, a própria Lei 2.437 deixou expresso, em seu art. 4º,que revogava as disposições contrárias anteriormente existentes.

Por outro lado, para aqueles que entendem que a Lei 2.437/55 seria norma de caráter geral, não provocando o efeito derevogar disposições da Lei 2.313/54, que regulou de modo espe-cífico os depósitos bancários, há que se ressaltar que a Lei 2.313estabelece disposições mais genéricas do que o Decreto 24.427/34, que regula especificamente o depósito popular. Assim, aoadotar-se tal critério, já explanado e defendido neste próprioestudo, há que se dar primazia à incidência do art. 72 do referi-do decreto sobre a matéria, em lugar do §1º do art. 2º da Lei2.313/54.

Caso contrário, estariam sendo adotados dois pesos e duasmedidas diferentes para a solução do mesmo dilema, havendo,então, evidente casuísmo, impróprio à isonomia que deve impe-rar no direito e no Judiciário pátrio.

2.4.2 Insubsistência da imprescritibilidade mencionada naLei 2.313/54 por sua incompatibilidade com aConstituição de 1988 – teoria da recepção

Há que se ressaltar que o instituto da prescrição vocaciona-se a garantir segurança jurídica aos administrados quanto aosefeitos temporais das relações jurídicas, e, nesse aspecto, aindaque se considere que o §1º do art. 2º da Lei 2.313/54 não tenhasido revogado pelo art. 4º da Lei 2.437/55, aquele dispositivonão teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988,em razão da inegável incompatibilidade do seu comando comos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, insculpidosna Constituição Federal vigente, como se debaterá a seguir.

2.4.2.1 Quanto à incompatibilidade da imprescritibilidadeprevista no §1º do art. 2º da Lei 2.313/54 com osprincípios constitucionais da razoabilidade e daproporcionalidade

É inegável que a eventual perpetuação dos efeitos das rela-ções jurídicas, tanto mais aquelas de caráter massificado, envolven-do inúmeras operações e atividades de mesma natureza, com di-versos e múltiplos cidadãos, pode causar verdadeiro colapso nomundo empresarial, ao impor a necessidade de acúmulo desmesu-rado de papéis, documentos e dados infinitamente.

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É completamente absurda a ideia de que um banco seja obri-gado a manter por 50, 100, 1.000 ou 10.000 anos todos os inúme-ros documentos de um determinado tipo de operação bancáriaindefinidamente, seja no aspecto do tempo ou da quantidade dedocumentos envolvidos, para fazer prova de eventual perecimen-to do suposto direito reclamado, pela superveniência de fatosmodificativos, extintivos ou impeditivos do direito contraposto.

Não há espaço físico nem em memória digital paraarmazenamento de documentos e dados que tendem ao infinito.

Assim, ainda que pairem dúvidas sobre a revogação da Lei2.313/54 pela lei 2.437/55, até para os intérpretes mais renitentes,há que se chamar atenção para o fato de que estão implícitos naConstituição Federal vigente os princípios da razoabilidade e daproporcionalidade, os quais conduzem, indefectivelmente, à con-clusão de que o dinamismo das relações negociais do mundo mo-derno, com sua descomunal multiplicação instantânea de opera-ções, de alcance nacional e até além fronteira, torna incompatívela supressão de prazos delimitadores da possibilidade de discussãodos efeitos jurídicos dessas infinitas transações.

Esses princípios elementares (razoabilidade e proporcionalidade),considerados como integrantes dos direitos e garantias fundamen-tais do cidadão, implícitos no texto constitucional, têm a mesma re-levância e validade dos princípios explícitos.

O ministro Carlos Ayres Britto, antes de chegar ao PretórioExcelso, escreveu a respeito da efetividade dos princípios como nor-mas fundamentais, independentemente de serem expressos ou não:

[...] realmente, o parâmetro de interação das normasconstitucionais originárias consigo mesmas reside nadualidade temática princípios/preceitos. Vale dizer: asnormas que veiculam princípios servem de roteiro para aexegese das normas que veiculam preceitos ou simplescomandos pontuais. Como remansosamente sabido, osprincípios consubstanciam ou tipificam valores, enquan-to que os preceitos consubstanciam ou tipificam provi-dências, fatos, condutas e tudo o mais que sirva paradensificar os princípios mesmos. A relação entre as duascategorias (princípios e preceitos) é de continente paraconteúdo, que termina sendo uma relação entre a fuma-ça dos preceitos e o fogo dos princípios (‘onde há fumaça,há fogo’) (BRITO, 1998, p. 22-23, grifos nossos).

Paulo Bonavides também pontua magistralmente a esse respeito:

Em resumo, a teoria dos princípios chega à presentefase do pós-positivismo com os seguintes resultados jáconsolidados: a passagem dos princípios da especula-ção metafísica e abstrata para o campo concreto e

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

positivo do direito, com baixíssimo teor de densidadenormativa; a transição crucial da ordem jusprivatista(sua antiga inserção nos Códigos) para a órbitajuspublicística (seu ingresso nas Constituições); a sus-pensão da distinção clássica entre princípios e normas;o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofiapara o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação desua normatividade; a perda de seu caráter de normasprogramáticas; o reconhecimento definitivo de suapositividade e concretude por obra sobretudo das Cons-tituições; a distinção entre regras e princípios, comoespécies diversificadas do gênero norma, e, finalmen-te, por expressão máxima de todo esse desdobramen-to doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: atotal hegemonia e preeminência dos princípios. Fazemeles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade deum sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâ-mide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de nor-ma das normas, de fonte das fontes. São qualitativa-mente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimi-dade constitucional, o penhor da constitucionalidadedas regras de uma Constituição. De último, essa posi-ção de supremacia se concretizou com a jurisprudênciados princípios, que outra coisa não é senão a mesmajurisprudência dos valores, tão em voga nos tribunaisconstitucionais de nossa época. As sentenças dessasCortes marcam e balizam a trajetória de juridicizaçãocada vez mais fecunda, inovadora e fundamental dosprincípios (BONAVIDES, 2004, p. 294, grifos nossos).

De fato, a jurisprudência da Corte Suprema de nosso país vemreconhecendo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidadecomo normas fundamentais que devem nortear a atividade judicante.Veja-se a respeito o seguinte excerto, extraído de trabalho das mãosdo ministro Gilmar Ferreira Mendes, escrito quando ainda não haviachegado ao STF:

Portanto, o Supremo Tribunal Federal considerou que,ainda que o legislador pudesse estabelecer restriçãoao direito dos partidos políticos de participar do pro-cesso eleitoral, a adoção de critério relacionado comfatos passados para limitar a atuação futura dessespartidos parecia manifestamente inadequada e, porconseguinte, desarrazoada. Essa decisão consolida odesenvolvimento do princípio da proporcionalidade ouda razoabilidade como postulado constitucional autô-nomo que tem a sua sedes materiae na disposição cons-titucional que disciplina o devido processo legal (artigo5°, inciso LIV). Por outro lado, afirma-se de maneirainequívoca a possibilidade de se declarar ainconstitucionalidade da lei em caso de suadispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta

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MARCOS VINÍCIUS DE ANDRADE AYRES ARTIGO

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de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência derazoabilidade em sentido estrito (desproporção entreo objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)(MENDES, 2004, p. 94, grifo nosso).

Do último excerto se observa que são citados como princípiosimplícitos da Constituição os princípios da razoabilidade e daproporcionalidade, conceituados a seguir.

RazoabilidadeTranscreve-se o conceito de razoabilidade dado por Luiz

Roberto Xavier:

Por razoabilidade temos que: “Dentre os critériosnorteadores de uma prestação jurisdicional adequada atal premissa mais próxima dos anseios dos cidadãos des-taca-se a razoabilidade, ou seja, a busca da adequaçãodas normas jurídicas a realidade concreta e seus valores,objetivando aplicar a lei de acordo com sua finalidade epossibilidade contemporâneas” (XAVIER, 1996, pág. 21).

ProporcionalidadeVale citar aqui o conceito defendido por Elimar Szaniawski:

a proporcionalidade em sentido estrito, chamada peladoutrina alemã de Prinzip der Verhälnismässigkeit, de-nominado, entre nós, de princípio da proporcionalidade,(em sentido estrito), o qual determina que os meiosutilizados pelo operador do direito devem ser sempreproporcionais à situação fática. Isto é, a proporcionali-dade resulta sempre da pesagem e da ponderação daintensidade do atentado praticado ou dirigido aos direi-tos e interesses privados, de uma parte, em relação aopeso que o interesse público, ou alheio, posto em causa,efetivamente apresenta.O princípio da proporcionalidade é operado através daverificação, pelo juiz, diante de determinado caso con-creto, onde surge o conflito de dois interesses legitima-mente tuteláveis, se são, os mesmos, juridicamente pro-tegidos. Em caso afirmativo, deverão estes interesses,postos em causa, serem pesados e ponderados e seu re-sultado estabelecerá os limites de atuação das normasna verificação do interesse predominante. Deste modo,o magistrado, mediante minuciosa valoração dos inte-resses, decidirá em que medida deve-se fazer prevalecerum ou outro interesse, impondo as restrições necessáriasao resguardo de outros bens jurídicos (SZANIAWSKI, 2000,p. 22-23, grifo nosso).

Concluindo, ao se buscar a adequação das normas jurídicas àrealidade concreta e seus valores, objetivando aplicar a lei de acordo

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O PERECIMENTO DOS SALDOS (E CORRESPONDENTES DIREITOS) DOS DEPÓSITOS POPULARES EFETUADOS NO SÉCULO PASSADO

com sua finalidade e possibilidade contemporâneas como orientaXavier (1996), o Judiciário nacional deve afastar a aplicabilidade do§1º do art. 2º da Lei 2.313/54, pela sua manifesta inconstitucionalidade,em vista da sua incompatibilidade com os princípios da razoabilidadee proporcionalidade.

Por conseguinte, haverá que se reconhecer então a prescriçãovintenária sobre os pretensos direitos decorrentes da abertura de con-tas de depósito popular ocorridas há mais de 50 anos, por força doque está estabelecido no art. 177 do Código Civil de 1916, com aredação introduzida pelo art. 1º da Lei 2.437, de 7 de março de 1955.

2.4.3 Insubsistência da imprescritibilidade mencionada na Lei2.313/54 por sua revogação lógica pelo art. 4º-A da Lei9.526/97

A Lei 9.526/97 estabeleceu a necessidade de recadastramentode todas as contas bancárias do país até o dia 28.11.97.

A lei sobredita definiu no parágrafo 2º do art. 1º que, após sefindar esse prazo, os saldos das contas que não fossem recadastradasdeveriam ser transferidos ao BACEN, com o encerramento das res-pectivas contas.

Os titulares dos saldos de contas não recadastradas teriam en-tão o prazo de 30 dias para reclamar seus direitos junto ao BACEN,findo o qual os valores correlatos seriam repassados para o TesouroNacional, como receita orçamentária.

A Lei 9.526/97 dispôs ainda, em seu art. 4º, que ela não seaplicaria aos depósitos abrangidos pela Lei 2.313, de 3 de setem-bro de 1954.

Assim, uma análise mais açodada poderia induzir o intérpreteao entendimento de que a Lei 9.526 não se aplicaria aos depósitospopulares. Esse raciocínio, entretanto, se mostraria evidentementeequivocado. Afinal, aqueles que entendem que o parágrafo 1º doart. 2º da Lei 2.313 afastou expressamente a incidência do art. 72do Decreto 24.427 baseiam sua ótica numa visão mais abrangentedaquele primeiro dispositivo mensionado nesta sentença, a seguirtranscrito:

§1º Excetuam-se do disposto neste artigo os depósitospopulares feitos nos estabelecimentos mencionados, quesão imprescritíveis e os casos para os quais a lei determi-ne prazo de prescrição menor de 25 (vinte e cinco) anos.

Desse modo, quem defende tal entendimento haveria de re-conhecer que, se as disposições da Lei 2.313/54 não incidiam sobreos depósitos populares for força de exclusão expressa em seu bojo,

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então, aqueles depósitos foram alcançados pelas disposições conti-das na Lei 9.526/97, eis que ela se aplicou às contas de depósito a“qualquer título” (vide art. 1º, caput), com exceção apenas dosdepósitos abrangidos pela Lei 2.313.

Logo, tendo sido estabelecido no art. 4º-A da Lei 9.526/97,com a redação introduzida pela Lei 9.814/99, o prazo de 31.12.2002para os titulares de contas não recadastradas arguirem seus supos-tos direitos junto ao BACEN, a omissão de tal providência pelodepositante fez com que seus eventuais direitos também fossemalcançados pela decadência, sendo perdidos.

Conclusão

Do exposto se conclui que as ações pleiteando os pretensossaldos remanescentes dos depósitos populares, efetuados no perí-odo decorrido entre o início dos anos 30 até meados dos anos 60do século passado, se afiguram, permissa venia, verdadeiras aven-turas jurídicas, uma vez que tais saldos e respectivos direitos pere-ceram indefectivelmente pelos motivos expostos neste trabalho.

Referências

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direi-to Constitucional. 14. ed. São Pau-lo: Malheiros, 2004.

BRITTO, Carlos Ayres. Painel 1. Asmodernas formas de interpretaçãoconstitucional. Interpretação confor-me a Constituição. Balanço: O Supre-mo Tribunal Federal e a interpreta-ção constitucional. In: 10 anos deConstituição: uma análise. Coord.IBDC. São Paulo: Celso Bastos Edi-tor/Instituto Brasileiro de Direito Cons-titucional, 1998.

MENDES, Gilmar Ferreira. MoreiraAlves e o Controle de constitucio-nalidade no Brasil. São Paulo: Sa-raiva, 2004.

XAVIER, Luiz Roberto. A razoabilidadecomo parâmetro para atuação con-temporânea do judiciário. Revista Ju-rídica Síntese, ano XLIV, Rio de Janei-ro, nº 222, pgs. 21 a 26, abr./1996.

SZANIAWSKI, Elimar. Consideraçõessobre o princípio da proporcionalidade.Revista da Faculdade de Direito daUFPR, Curitiba, v. 33, p. 19-29, 2000.

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A PENHORA DE BEM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

A penhora de bem imóvel alienadofiduciariamente

Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de SouzaAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Pós-Graduado em Direito Notarial e Registral pelaAnhanguera-Uniderp

Pós-Graduado em Direito Tributário pela UNPPós-Graduado em Direito Constitucional pela UNP

RESUMO

Objetiva-se demonstrar a possibilidade de compatibilizaçãodo instituto da alienação fiduciária de bem imóvel com a penhora.Estudo dos institutos da alienação fiduciária em garantia de bemimóvel (apontando natureza jurídica, sujeitos e casos de extinção)e da penhora de direitos. Metodologia: revisão bibliográfica epesquisa jurisprudencial. Na penhora, é imperioso diferenciar aexecução em que o executado é o credor fiduciário e a que éexecutado o devedor fiduciante. Em qualquer hipótese, devemser preservados os direitos do fiduciário e do fiduciante. Indicaçãode medidas judiciais que o proprietário fiduciário e o devedorfiduciante podem adotar para salvaguardar seus direitos.

Palavras-chave: Processo civil. Alienação fiduciária. Penhorade direitos. Embargos de terceiros.

ABSTRACT

The objective is to demonstrate the possibilityof reconciling the institute of alienation fiduciary on the landedproperty to its attachment. The study of the institutes of alienationfiduciary on the landed property (pointing a legal nature, subjectsand cases of extinction) and the attachment of rights.Methodology: literature review and research case law.In attachment, imperative to differentiate the execution inwhich the debtor is the fiduciary and the execution in which thedebtor is the fiduciant. In any event, should be preserved the rightsof the fiduciary and fiduciant. Indication of legal measures that theowner fiduciary and the debtor fiduciant can take to safeguard theirrights.

Keywords: Civil procedure. Alienation fiduciary. Attachmentof rights. Embargoes of third.

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DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA ARTIGO

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Introdução

No presente estudo, abordar-se-á a respeito da possibilidadeou não de penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente.

Tem-se por objetivo do artigo apontar as hipóteses de cabi-mento da penhora sobre bem imóvel dado em garantia fiduciária,bem como possíveis erros judiciais.

Ademais, tem-se por fito demonstrar a possibilidade decompatibilização da penhora e do direito real de garantia em liça,bem como as medidas judiciais que o proprietário fiduciário e odevedor fiduciante podem adotar para salvaguardar seus direitos.

1 Considerações sobre negócio fiduciário

Ab initio, importa gizar o conceito de negócio fiduciário, oqual é, segundo Dantzger (2010, p. 31), aquele em que a transmis-são da propriedade tem por desiderato outro fim que não a pró-pria transmissão, servindo de negócio “jurídico que não seja efeti-vamente o de alienação ao adquirente”. Nesse sentido é o escóliode Junqueira (1998, p. 13 apud DANTZGER, 2010, p. 31), verbo adverbum:

No negócio fiduciário, prevalece o fator confiança e aexistência de dois elementos essenciais, um de nature-za real e outro de natureza obrigacional. O primeirocompreende a transmissão da propriedade e o segundoa obrigação da restituição do bem ao transmitente, apósexaurido o objetivo do contrato.

Para Ferreira (2004, p. 405), fiduciário é um adjetivo que signi-fica: “Dependente de confiança, ou que a revela; fiducial”. Nadefinição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, fidúcia éo “Negócio que implica confiança”.

Em apertada síntese, podemos destacar ter o negócio fiduciáriofito diverso daquele da transmissão, existindo confiança entre aspartes.

2 A alienação fiduciária

A alienação fiduciária é um contrato acessório, pressupon-do um contrato principal, normalmente de mútuo (MAIRINK,2009). Sublinhe-se ser a alienação fiduciária em garantia institu-to tipicamente brasileiro (ROQUE, 2010, p. 38). Ademais, é umnegócio jurídico condicional, o qual se subordina a uma condi-ção resolutiva. Isso porque “a propriedade fiduciária cessa emfavor do alienante, uma vez verificado o implemento da condi-

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A PENHORA DE BEM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

ção resolutiva” (GONÇALVES, 2008, p. 403). Outrossim, é um di-reito real de garantia sobre bem móvel (artigo 1.361 e seguintesdo Código Civil) ou imóvel (Lei Federal nº 9.514/97), instituídopara garantir o adimplemento de uma obrigação principal (SOU-ZA, 2011).

Para Diniz (2006, p. 1090), o instituto em comento pode serassim conceituado:

Propriedade fiduciária. É a decorrente da alienaçãofiduciária em garantia, que consiste na transferênciafeita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvele da posse indireta de coisa móvel infungível e de umbem imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 33), de título decrédito, de coisa móvel fungível (no âmbito do mercadofinanceiro de capitais – art. 66-B, §3º, da Lei 4.728/65,acrescentado pela Lei n. 10.931/2004) e de bensenfitêuticos (Lei n. 9.514/97, art. 22, parágrafo único)como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito doadquirente com o adimplemento da obrigação, ou me-lhor, com o pagamento da dívida garantida.

São direitos reais de garantia o penhor, a hipoteca, a anticrese(GONÇALVES, 2008). Para alguns, também se inclui nesse rol a alie-nação fiduciária em garantia (SOUZA, 2011).

Dantzger (2010, p. 21) refere: “A alienação fiduciária é umaespécie de negócio em que se utiliza a transmissão da propriedadepara fins de garantia”.

A alienação fiduciária pode se dar sobre bens imóveis ou mó-veis (DANTZGER, 2010, p. 48).

3 A alienação fiduciária de bem imóvel

3.1 Natureza jurídica e principais características

A alienação fiduciária de bem imóvel, desde sua instituiçãopela Lei 9.514/97, vem fomentando o empréstimo de capitais paraa aquisição de imóveis (MAIRINK, 2009).

Pont (2010, p. 39) assevera ser o instituto em apreço um negó-cio jurídico uno composto de duas relações jurídicas, uma de cu-nho obrigacional (expressa no débito) e outra de natureza real(verificada na garantia).

Irrefragavelmente, teve por desiderato “fortalecer os contra-tos de financiamento imobiliário, através da recuperação rápidado crédito em caso de inadimplência do mutuário”, trazendo se-gurança e agilidade (PEREIRA, 2009). É, portanto, um contrato tí-pico e bilateral (pela onerosidade) (DANTZGER, 2010, p. 53). Diz oartigo 22 da mencionada lei:

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DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA ARTIGO

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A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negóciojurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopode garantia, contrata a transferência ao credor, oufiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Conforme expõe Dantzger (2010, p. 18), a Lei 9.514 de 1997constituiu em favor do credor uma propriedade resolúvel “sobre oimóvel que lhe é dado pelo devedor, para garantir a dívida queeste assumiu perante aquele”.

De forma indubitável, substituiu, na prática extraforense(DANTZGER, 2010), outros institutos de direito real de garantia,notadamente por se constituir em uma garantia mais sólida aocredor. Nessa alheta, Restiffe e Restiffe Neto (2009, p. 21-27) cons-tataram a fragilização dos direitos reais de garantia nas execu-ções concursais (ordem de preferência dos créditos), nas execu-ções extrajudiciais individuais sumárias pelo rito do Decreto-Leinº 70 de 1966 (restrições impostas pelos Tribunais) e nas execu-ções judiciais individuais (lentidão processual e outros percal-ços).

O objeto do contrato é um bem imóvel construído ou em cons-trução (LOUREIRO, 2007, p. 883). Forte no parágrafo primeiro doartigo 22 da citada lei, não apenas a propriedade plena pode serobjeto de alienação fiduciária, sendo concebível que os bensenfitêuticos, o direito de uso especial para fins de moradia, o direitoreal de uso e a propriedade superficiária também sejam abrangidos.

Mairink (2009, 12) disserta:

O instituto da alienação fiduciária sobre bens imó-veis, como nova garantia real aos financiamentos imo-biliários e outros negócios, constitui em favor do cre-dor uma propriedade resolúvel sobre o imóvel quelhe é dado pelo devedor para garantir a dívida queeste assumiu perante aquele. Esse novo tipo de ga-rantia tem por finalidade conceder maior segurançaao credor e celeridade na execução de seu crédito,caso este não seja satisfeito pelo devedor no tempodevido. Destaca-se que as garantias até então exis-tentes, mesmo as reais, em especial a hipoteca, noBrasil, nem sempre tornam os negócios imobiliáriosseguros ou ágeis.

Persiste dúvida quanto à natureza jurídica do instituto da ali-enação fiduciária de bem imóvel: se direito real de garantia decoisa própria ou de coisa alheia (COSTA, 2006). No instituto, há atransferência ao credor fiduciário da propriedade resolúvel da coi-sa, bem como a posse indireta desta; por seu turno, o devedorfiduciante se torna possuidor direto e possui direito expectativo decaráter real (DANTZGER, 2010, p. 69).

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A PENHORA DE BEM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

Loureiro (2007, p. 879) explica que o devedor fiduciário trans-fere a propriedade resolúvel e a posse indireta, permanecendo coma posse direta do bem.

O contrato em foco é formal (DANTZGER, 2010), estipulandoo artigo 24 da Lei 9.514/97 várias cláusulas obrigatórias. Como apon-ta Roque (2010, p. 39):

Não deixa de ser propriedade resolúvel, pois sua resolu-ção está prevista em contrato. A diferença é que não hápagamento de imposto de transmissão imobiliária, querinter vivos, quer causa mortis, enquanto na transmissãode coisas móveis, como o automóvel, é emitida notafiscal com o pagamento de impostos sobre a venda dobem, como o ICMS e o IPI.

O contrato de alienação fiduciária de bem imóvel é um títuloregistrável no Álbum Imobiliário, forte no artigo 167, inciso I, 35,da LRP (PONT, 2010, p. 44). Para valer contra terceiros, o registroreferido deve ser realizado no Ofício competente. Sem este, tem-se direito de crédito; com o registro, direito real (DINIZ, 2006, p.1090).

3.2 Sujeitos

Costa (2006) menciona haver dúvidas se há ou não a efetivatransmissão da propriedade ao fiduciário, o que nos dá a proble-mática de quem é o efetivo proprietário do bem. Com sapiência,Paroski (2009) aponta quem é o proprietário do bem alienadofiduciariamente:

O bem financiado, portanto, não é de propriedade dodevedor fiduciante, mas sim, do credor fiduciário, en-quanto pendente de pagamento o financiamento. Qui-tado este, resolve-se aquela, para todos os efeitos quelhe são próprios. Disso resulta que a posse direta dobem, em caso de inadimplemento da obrigação, podeser retomada pelo credor fiduciário, que já tem a pro-priedade resolúvel.

Destarte, a posse se desdobra em direta (com o fiduciante) eindireta (com o fiduciário) (DINIZ, 2006, p. 1090).

Ademais, a alienação fiduciária não é privativa das entidadesque operam no Sistema Financeiro da Habitação, podendo ser con-tratada, inclusive, por pessoa física. Todavia, o mais comum, no diaa dia, é uma instituição financeira ser a credora fiduciária.

Por conseguinte, são sujeitos da alienação fiduciária em ga-rantia o credor fiduciário e o devedor fiduciante, podendo estesser pessoas físicas ou jurídicas.

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DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA ARTIGO

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Enquanto não ocorrer pagamento integral da dívida dofiduciante junto ao fiduciário, o bem pertence ao último (ROQUE,2010, p. 39).

3.3 Extinção

Dantzger (2010, p. 79-80) leciona que a extinção da aliena-ção fiduciária se opera por três módulos: a) pelo cumprimento,mediante o pagamento da dívida; b) pelo inadimplemento daobrigação; c) pela transação, nos termos do artigo 26, §8º, da Lei9.514/97.

Consoante reza o artigo 25 da Lei 9.514/97, a propriedadefiduciária do imóvel é resolvida pelo pagamento da dívida e seusencargos. Na glosa de Roque (2010, p. 39), o credor fiduciário per-de sua propriedade quando recebe seu crédito.

De outra banda, Dantzger (2010, p. 20 e 27) obtempera ga-rantir a alienação fiduciária de bem imóvel à simplificada e rápidarecuperação do crédito, através de um procedimento de cobrançaextrajudicial. Assim, o “credor deverá promover a venda do imóvelem público leilão, entregando ao devedor o quantum que exce-der à dívida, encargos e despesas”.

Em sua cátedra, salienta o autor, in verbis:

O devedor, fiduciante, transmite ao credor, fiduciário,uma propriedade resolúvel, denominada pela próprialei de propriedade fiduciária, cuja característica é a limi-tação temporal do domínio do devedor.Tal limitação decorre do seguinte fato: uma vez paga adívida na sua integralidade pelo devedor, o bem, anteri-ormente transmitido ao credor, retorna ao seupatrimônio, automaticamente e por força de lei, comefeitos ex tunc, ou seja, retroativos (DANTZGER, 2010,p. 53).

Como bem escreve Roque (2010, p. 93), com o pagamento,não há falar em garantia de débito já não mais existente. Após opagamento, deve o fiduciário fornecer o termo de quitação aofiduciante, no prazo de 30 dias após a liquidação, sob pena demulta, nos termos do artigo 25 da Lei 9.514/97.

Nesse diapasão, Lima (2010, p. 167) refere a existência de di-reito expectativo do devedor fiduciante no retorno à propriedade,tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva. A propriedade docredor fiduciário não é plena e definitiva, sendo transitória e restri-ta, existindo a condição futura e incerta do pagamento da dívida(DANTZGER, 2010, p. 53).

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A PENHORA DE BEM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

4 A penhora

No que concerne à penhora, com sapiência, Greco (2008, p. 82)a define como o “ato de apreensão de bens, com finalidade execu-tiva e que dá início ao conjunto de medidas tendentes à expropria-ção de bens do devedor para pagamento do credor”. Do conceito,extrai-se que os bens devem ser, preferencialmente, do devedor. Nessediapasão, obtempera Moreira (2004, p. 225), ipsis litteris:

Denomina-se penhora o ato pelo qual se apreendembens para empregá-los, de maneira direta ou indireta,na satisfação do crédito exeqüendo. Podem constituirobjeto da penhora bens pertencentes ao próprio deve-dor ou, por exceção, pertencentes a terceiros, quandosuportem a responsabilidade executiva.

Em algumas raras hipóteses, o bem de terceiro poderá ser pe-nhorado, quando haja atribuição de responsabilidade executivaao dono, como é o caso do fiador judicial, do responsável tributá-rio, do sócio e do cônjuge do devedor (MOREIRA, 2004, p. 227).

Montenegro Filho (2008, p. 683) aduz que a execução porquantia certa contra devedor solvente persegue a apreensão debens do devedor, havendo a possibilidade de “transformação dobem penhorado em dinheiro, a transferência do bem penhoradopara o exeqüente ou o uso do imóvel”.

Chalhub (2010) alude, expressis verbis:

É que por efeito da alienação fiduciária o bem é excluí-do do patrimônio do devedor fiduciante e incluído no docredor, sob forma de propriedade resolúvel, enquantopela hipoteca o imóvel, embora onerado pela dívida,permanece no patrimônio do devedor. Tal distinção im-plica importantes conseqüências.Em primeiro lugar, na medida em que o bem é retiradoda esfera patrimonial do devedor, não mais pode serobjeto de constrição em razão de suas dívidas, mesmoque se trate de dívidas tributárias, já estando consolida-da nesse sentido a jurisprudência em relação às dívidastributárias de responsabilidade do devedor fiduciante.O mais relevante efeito da segregação patrimonial dobem objeto da propriedade fiduciária é sua exclusãodos efeitos de eventual insolvência do devedor-fiduciante.

Paroski (2009) anota: “A penhora, por evidente, incide sobrebens do devedor, estejam ou não em sua posse, ou seja, mesmoquando se encontram com terceiros”.

Montenegro Filho (2007, p. 408) cita ser comum a penhorarecair indevidamente sobre bem não integrante do patrimônio do

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devedor, trazendo grandes transtornos tanto para o terceiro, comopara o próprio processo executivo.

5 A penhora sobre a alienação fiduciária de bem imóvel

Efetivamente, como referido alhures, a penhora deve se dar,preferencialmente, sobre bens de propriedade do devedor(MOREIRA, 2004). Conforme apontado, o proprietário do imóvelobjeto de alienação fiduciária é o credor fiduciário (DANTZGER,2010, p. 41).

Em verdade, é imperioso diferenciar a execução em que o exe-cutado é o credor fiduciário e a em que é executado o devedorfiduciante. Senão vejamos.

5.1 O executado é o devedor fiduciante

a) Efetivamente, ensina Dantzger (2010) possuir o devedorfiduciante direito expectativo de caráter real, o qual é passível detransmissão, inclusive pela penhora. Loureiro (2007, p. 895) narra:

O fiduciante, por sua vez, também pode transferir seusdireitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária,desde que com a anuência do credor (o proprietáriofiduciário). Tal cessão deve ser objeto de registro, paraque, uma vez paga a dívida, o adquirente possa exigir apropriedade plena.

Paroski (2009, grifo nosso) esclarece a respeito da necessidadede preservação dos direitos do credor fiduciário quando da pe-nhora:

Finalmente, estuda-se a possibilidade de alienação judi-cial do bem pela Justiça do Trabalho, porém, preservan-do os direitos do credor fiduciário, transferindo-se aoadquirente, pela arrematação ou pela adjudicação, aposse direta do bem e todos os demais direitos e obri-gações derivados do contrato de financiamento, pelométodo da sub-rogação, ou seja, o arrematante ouadjudicante assume frente ao credor fiduciário a mes-ma condição que o devedor fiduciante originário.

b) Efetivamente, em se tratando de execução em que é execu-tado o fiduciante, importa diferenciar se houve ou não oadimplemento do contrato.

c) Indubitavelmente, o credor fiduciário perde sua propriedadequando receber seu crédito (ROQUE, 2010, p. 39), havendo a conso-lidação da propriedade em favor do devedor fiduciante; não ha-vendo, pois, nessa situação, óbices à penhora sobre o bem imóvel.

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d) Em não tendo ainda ocorrido o adimplemento do contra-to, o bem ainda pertence ao credor fiduciário, devendo ser obser-vada a penhora de direitos (PAROSKI, 2009) na execução em que éexecutado o fiduciante. Portanto, não há falar na penhora do bemfiduciário, uma vez que este pertence a pessoa estranha à execu-ção.

Com clareza solar, a penhora e a venda judicial não prejudica-rão o credor fiduciário, porquanto haverá arrematação dos direi-tos do fiduciante, o qual será substituído pelo arrematante, que“assumirá todas as responsabilidades inerentes à figura doarrematante” (DANTZGER, 2010, p. 70). Para o arrematante conso-lidar a propriedade plena, deverá quitar o contrato junto aofiduciário.

Na prática forense, verifica-se que, com o leilão, primeiramen-te é satisfeito o crédito do fiduciário; após, paga-se o exequente eas custas processuais; em havendo saldo, devolve-se o numerárioao fiduciante.

Paroski (2009) disserta a respeito da penhora de direitos,secundum verba:

Afigura-se perfeitamente possível a penhora dos direi-tos sobre o bem gravado com alienação fiduciária, emprincípio de titularidade do devedor fiduciante, a exem-plo da posse direta, uso e gozo, e a própria expectativade domínio definitivo, o que já seria suficiente para jo-gar por terra a equivocada tese da impenhorabilidadedesse bem ou dos direitos dele decorrentes em execu-ção trabalhista.Isso não significa que não deve haver preocupação como resguardo da preferência do credor fiduciário, massomente até o limite do crédito fiduciário. O que exce-der dessa garantia legal é suscetível de constrição judi-cial para satisfazer o crédito trabalhista.

Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em pro-cesso em que o executado era o devedor fiduciante:

PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.CONTRATO. DIREITOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIADO ARTIGO 655, XI, DO CPC. RECURSO ESPECIAL CO-NHECIDO E PROVIDO.1. “O bem alienado fiduciariamente, por não inte-grar o patrimônio do devedor, não pode ser obje-to de penhora. Nada impede, contudo, que os direitosdo devedor fiduciante oriundos do contrato sejamconstritos.” (REsp 679821/DF, Rel. Min. Felix Fisher, Quin-ta Turma, unânime, DJ 17/12/2004 p. 594) 2. Recursoespecial conhecido e provido. (BRASIL, 2011a)

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Na decisão citada, o STJ elucidou bem a controvérsia: o bemnão integra o patrimônio do fiduciante. Conforme já destacado,na alienação fiduciária. “o bem é excluído do patrimônio do deve-dor fiduciante e incluído no do credor” (CHALHUB, 2010).

Decisão em sentido contrário estará em desacordo com osparâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais, consistindo emerro judicial na operacionalização do direito, conforme será abor-dado no item 5.3.

Nesse mesmo diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado do RioGrande do Sul:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA. IMÓVEL COMER-CIAL. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIREITO EAÇÕES. MULTA. EMBARGOS ROCRASTINATÓRIOS.Penhora de imóvel comercial destinado ao exercício pro-fissional da executada. Lei nº 8.009/90 e art. 649, V, CPC.Não incidência. Direitos e ações do devedor fiduciárioque possuem valor econômico, e integram seupatrimônio (art. 591, CPC). Possibilidade de penhora detais direitos. Necessidade de ciência ao credor. Multapor embargos procrastinatórios. Não aplicação. Erromaterial. Negaram provimento à apelação (BRASIL,2011b, grifos nossos).

No magistério de Paroski (2009, grifo nosso):

Trata-se da penhora e da expropriação do bem gravadofiduciariamente, cujo resultado financeiro do leilão primei-ro satisfaz o credor fiduciário, entregando-lhe o que é dedireito (quantias financiadas e ainda não pagas pelofiduciante e despesas), transferindo a propriedade do bempara o arrematante e disponibilizando para satisfazer ocredor trabalhista a quantia remanescente, que, não fos-sem a penhora e a expropriação, seria restituída ao deve-dor fiduciante (executado na execução trabalhista).

Logo, é factível ao devedor fiduciante ter penhorado o crédi-to que possui na relação jurídica em apreço.

e) Por conseguinte, pode-se afirmar que, em se tratando deexecução em que é executado o fiduciante, importa diferenciar sehouve ou não o adimplemento do contrato.

O credor fiduciário perde sua propriedade quando receber seucrédito (ROQUE, 2010, p. 39); não havendo, portanto, nessa hipó-tese, óbices à penhora sobre o bem imóvel.

Em não tendo ainda ocorrido o pagamento integral da dívidado fiduciante junto ao fiduciário (ROQUE, 2010, p. 39), deve serobservada a penhora de direitos, não sendo legítimo falar na pe-nhora do bem fiduciário, uma vez que este pertence a pessoa es-tranha à execução.

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A PENHORA DE BEM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

5.2 O executado é o credor fiduciário

O credor fiduciário possui crédito de expressão monetáriamensurável, sendo titular de domínio sob uma condição resolutiva.Tal direito pode ser cedido e, inclusive, penhorável (DANTZGER,2010). Quem adquire o direito do credor fiduciário:

[...] passa a ser titular da propriedade fiduciária, adqui-rindo todos os direitos e obrigações inerentes a essaposição, principalmente, de um lado, o de receber o cré-dito e seus acessórios e, de outro, o de restituir, imedia-tamente, nos termos da lei, a propriedade plena doimóvel ao fiduciante, uma vez quitada a dívida(DATZGER, 2010, p. 77).

Na prática, observa-se tal situação quando um banco incorpo-ra outro, adquirindo seus créditos. Assim, por exemplo, o bancoincorporador passa a ser o credor fiduciário em substituição ao in-corporado.

O mais comum é a cessão de direitos, embora seja viável a pe-nhora. O arrematante passa a ser o credor fiduciário em substitui-ção ao anterior.

Dantzger (2010, p. 78-79) arremata:

Nesta hipótese, serão objetos da hasta pública tanto ocrédito como também a garantia – propriedadefiduciária –, que é seu acessório por excelência, e, noleilão, ao adquirir o crédito, o arrematante será sub-rogado nos direitos e obrigações decorrentes do con-trato de alienação fiduciária, tornando-se o proprietá-rio fiduciário em substituição ao credor original, deven-do ser averbada a carta de arrematação no RegistroImobiliário, nos termos da lei.

Loureiro (2007, p. 895) ensina: “O fiduciário poderá ceder ocrédito objeto da alienação fiduciária, o que implicará a cessão dapropriedade fiduciária, mediante o necessário registro no Cartóriode Registro de Imóveis”.

Dessa forma, o arrematante se tornará credor na relação jurí-dica existente entre o fiduciário e o fiduciante. Conquanto juridi-camente lícito, provavelmente de pouca aplicação prática.

Irrefragavelmente, decisão em sentido contrário estará em de-sacordo com os parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais,consistindo em erro judicial na operacionalização do direito, con-forme será explanado no item 5.3.

Destarte, na execução em que é executado o credor fiduciário,é possível a penhora do crédito (a propriedade fiduciária) que estepossui na relação jurídica em apreço.

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5.3 Medidas para salvaguarda de direitos

Efetivamente, tanto o fiduciário quanto o fiduciante poderãose ver atingidos por decisões judiciais que não observem os dita-mes legais, jurisprudenciais e doutrinários anteriormente aponta-dos. Infelizmente, muitas decisões judiciais confundem o institutoem apreço com a hipoteca.

Como consabido, existe o direito de acesso à justiça. Nesse ín-terim, assevera Santos (2009, p. 74): “De outro lado existe o direitode acesso à justiça, que pressupõe o direito à proteção jurisdicionaladequada a todos os direitos (inclusive os urgentes), devendo amesma ser efetiva e, sobretudo, justa”.

Para salvaguardar seus direitos, o fiduciante e o fiduciário po-derão opor embargos de terceiros, remédio previsto no artigo 1.046do Código de Processo Civil1 (CPC). Nesse sentido, já decidiram oTribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o Superior Tribunalde Justiça:

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BENSOBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA.LEGITIMIDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO OPOR EMBAR-GOS DE TERCEIRO PARA RESGUARDAR OS BENS SOBSEU DOMÍNIO. INSUBSISTÊNCIA DA PENHORA. É lícitoao credor fiduciário opor embargos de terceiro parasalvaguardar bens que estão sob seu domínio, em facede contrato celebrado com o devedor executado antesdo ajuizamento da execução. É insubsistente a penhorade bem objeto de alienação fiduciária em garantia, eisque o domínio do bem é transferido ao credor fiduciário(BRASIL, 2006).

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA. SEQUESTRO. EMBARGOS DE TERCEIRO.CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.I. Nos termos da jurisprudência do STJ, é possível aocredor a oposição de embargos de terceiro para res-

1 “Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho naposse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora,depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inven-tário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio deembargos.§ 1º Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possui-dor.§ 2º Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bensque, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, nãopodem ser atingidos pela apreensão judicial.§ 3º Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bensdotais, próprios, reservados ou de sua meação” (BRASIL, 1973).

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guardar o bem alienado fiduciariamente, que foi obje-to de restrição judicial (sequestro). Precedentes.II. Recurso especial conhecido e provido (BRASIL, 2010).

Para NUNES (1999, p. 481)2, podemos conceituar embargos deterceiros da seguinte maneira:

Denomina-se embargos de terceiro o remédio proces-sual posto à disposição de “quem, não sendo parte noprocesso, sofrer turbação ou esbulho na posse de seusbens por ato de apreensão judicial, em casos como o depenhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judici-al, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha” (art.1.046).

Salienta Araújo (2001): “Vimos que o ato judicial de constriçãode bem ou direito, ensejador de embargos de terceiro, pode ocor-rer em processo de conhecimento, de execução ou cautelar”.

Ministra Montenegro Filho (2008, p. 927) serem os embargosde terceiro ação judicial, tendo por objetivo, entre outros, adesconstituição de constrição da penhora. Assevera:

Finalidade da ação de embargos de terceiros: A açãoem exame persegue a desconstituição da constrição (pe-nhora, arresto, sequestro, etc) incidente sobre bem depropriedade do autor (de igual modo possuidor) ou quese encontra na sua posse (sem que seja proprietário),cuja procedência depende da demonstração da injusti-ça do ato combatido.

De outra banda, o autor afirma ser praticável simples petiçãonos autos para que seja interrompida indevida penhora. Argui:

Se o prejudicado consegue demonstrar a sua condição deterceiro, de forma cabal e inquestionável, e que a penho-ra judicial atingiu bem que integra o seu patrimônio, nãose revelando qualquer indício de fraude à execução ou defraude contra credores, afiançamos o entendimento deque a questão pode ser desatada no âmbito da própriaexecução, tornando a penhora sem efeito.Pior solução seria impulsionar a lide executiva, com a con-dução de um vício dessa natureza, obstando o seu segui-mento a partir da oposição dos embargos de terceiro,que forçosamente serão apresentados em momentoprocessual específico, forçando a declaração de nulidadede vários atos até ali práticos, retroagindo-se à penhorajudicial [...] (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 408-409).

Em caso de urgência, o prejudicado poderá fazer uso do pro-cesso cautelar, o qual pode ser sintetizado na cátedra de Santos(2009, p. 75):

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A técnica conhecida como cautelar afigura-se como ummétodo apto a proteger de forma urgente e a permitirque a resolução do conflito seja realizada, com toda acalma necessária, através do processo de conhecimentopleno e exauriente. Trata-se de uma técnica que permi-te que a tutela jurisdicional final seja efetiva e justapara ambas as partes que litigam no processo.

Desse modo, o fiduciário e o fiduciante, para salvaguardar seusdireitos, dispõem dos embargos de terceiros e/ou, eventualmente,para alguns doutrinadores (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 408-409),simples petição nos próprios autos. Em caso de urgência, podemfazer uso de alguma medida cautelar.

Conclusão

Diante do exposto, infere-se:a) no negócio fiduciário, a transmissão da propriedade tem

por desiderato outro fim que não a própria transmissão;b) a alienação fiduciária é um contrato acessório, pressupon-

do um contrato principal, normalmente de mútuo; alienaçãofiduciária é um negócio jurídico condicional, o qual se subordina auma condição resolutiva;

c) a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel deve serregistrada no Álbum Imobiliário competente. Sem este, tem-se di-reito de crédito; com o registro, direito real;

d) São sujeitos da alienação fiduciária: o credor fiduciário e odevedor fiduciante;

e) a propriedade do credor fiduciário não é plena e definitiva,sendo transitória e restrita, existindo a condição futura e incerta dopagamento da dívida;

f) os bens penhorados devem ser, preferencialmente, do deve-dor;

g) imperioso diferenciar a execução em que o executado é ocredor fiduciário e a em que é executado o devedor fiduciante. Emqualquer hipótese, devem ser preservados os direitos do fiduciárioe do fiduciante;

h) em se tratando de execução em que é executado o devedorfiduciante, importa diferenciar se houve ou não o adimplementodo contrato:

– o credor fiduciário perde sua propriedade quando receberseu crédito, havendo a consolidação da propriedade em favor dodevedor fiduciante; não havendo, portanto, nessa hipótese, óbi-ces à penhora sobre o bem imóvel;

– em não tendo ainda ocorrido o pagamento integral da dívi-da do fiduciante junto ao fiduciário, o bem pertence ao último,

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devendo ser observada a penhora de direitos. Logo, é possível aodevedor fiduciante ter penhorado o crédito que possui na relaçãojurídica em apreço;

– a constrição judicial não prejudicará o credor fiduciário, por-quanto haverá arrematação dos direitos do fiduciante, o qual serásubstituído pelo arrematante. Para que este consolide a proprie-dade plena, deverá quitar o contrato junto ao fiduciário;

– na prática forense, verifica-se que, com o leilão, primeira-mente é satisfeito o crédito do fiduciário; após, paga-se o exequentee as custas processuais; em havendo saldo, devolve-se o numerárioao fiduciante;

i) em se tratando de execução em que é executado o credorfiduciário, é aceitável a penhora do crédito (a propriedadefiduciária) que este possui na relação jurídica em apreço:

– o credor fiduciário possui crédito de expressão monetáriamensurável, sendo titular de domínio sob uma condição resolutiva.Tal direito pode ser cedido e, inclusive, penhorável;

– o fiduciário e o fiduciante, para salvaguardar seus direitos,dispõem dos embargos de terceiros e/ou, eventualmente, para al-guns doutrinadores, de simples petição nos próprios autos. Em casode urgência, podem fazer uso de alguma medida cautelar.

Referências

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

O princípio da igualdade e aslimitações ao ingresso no

Simples Nacional

Débora Couto Cançado SantosAdvogada da CAIXA em Minas GeraisEspecialista em Direito Tributário pela

Faculdade Milton CamposMestranda em Direito Empresarial pela

Faculdade Milton Campos

RESUMO

A Lei Complementar no 123/2006 foi publicada com afinalidade de simplificar e desonerar as empresas instaladas nosestratos mais baixos de faturamento, unificando a apuração e orecolhimento de oito tributos, de competência dos três entesfederativos. A intenção altruísta do legislador, todavia,desprendeu-se do princípio da igualdade, sendo possívelvislumbrar, no decorrer da norma, discriminações aleatórias einjustificadas. A utilização de elementos subjetivos paradiferenciar as empresas gera enorme insegurança jurídica,esbarrando nos princípios da proteção da confiança e da boa-féobjetiva. A pesquisa buscou identificar as inconstitucionalidadesexistentes ao longo da Lei Complementar no 123/2006, apontandosituações em que faltou ao legislador razoabilidade na aplicaçãodo critério de discriminação. Utilizando como método a pesquisalegislativa, doutrinária e jurisprudencial, o trabalho concluiu pelaexistência de várias inconstitucionalidades na legislação que regea matéria.

Palavras-chave: Igualdade. Microempresa. Empresa depequeno porte. SIMPLES.

ABSTRACT

Law n. 123/2006 was published with the exact aim ofsimplifying and relieving the burden of low revenue enterprisesregulating the unification of the assessment and disbursement ofeight tax levies, from the three federative levels. The legislator’saltruistic intention, however, violated in many ways the principleof equality, creating random and unjustified discrimination. Theemployment of subjective criteria for telling apart small businessescreated an immense legal uncertainty, threatening, thus, theprinciples of thrust and objective good faith. This paper attempts

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DÉBORA COUTO CANÇADO SANTOS ARTIGO

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to identify the unconstitutionalities of Law n. 123/2006, pointingout the circumstances where it lacks reasonableness and rationalityin applying a discrimination standard. The study finishes off withthe conclusion that although micro and small businesses have anenormous importance on social and economic improvement, thereare innumerous unconstitutionalities in the legislation applied tothem.

Keywords: Equality. Small business. SIMPLES (SIMPLE).

Introdução

O Simples Nacional é um regime especial e unificado de tribu-tação e arrecadação de impostos e contribuições federais, estadu-ais e municipais, idealizado pelo art. 146, III, “d” e § único da Cons-tituição Federal e concretizado pela Lei Complementar no 123/2006,norma geral de Direito Tributário.

Possui caráter facultativo e irretratável. Uma vez feita a op-ção, deve a pessoa jurídica enquadrada na condição demicroempresa ou empresa de pequeno porte seguir as regras im-postas no Estatuto e nos regulamentos editados pelo ComitêGestor, não podendo alterar sua forma de tributação durante todoo ano-calendário.

Marins e Bertoldi (2007, p. 68) conceituam analiticamente oSimples Nacional como um

Regime especial de tributação por estimação objeti-va, constituído em microssistema tributário, materi-al, formal e processual, que unifica a fiscalização, olançamento e a arrecadação de determinados impos-tos e contribuições de competência da União, Esta-dos, Municípios e Distrito Federal, aplicávelopcionalmente às Microempresas e Empresas de Pe-queno Porte, com o escopo de atribuir a estes contri-buintes um tratamento fiscal diferenciado e favore-cido, em caráter parcialmente substitutivo ao regimegeral e compulsório.

A Lei do SIMPLES, ao eleger a receita bruta como medida ob-jetiva para pagamento de diversos tributos com bases de cálculocompletamente distintas, consagrou o sistema de estimação objeti-va. Utiliza uma base de cálculo estimada para a cobrança de reali-dades tributárias completamente diferentes, aplicando alíquotascondensadas por faixas de receita.

Constitui um microssistema próprio, que substitui as normasgerais de direito tributário por uma incidência diferenciada efavorecida, com relação aos tributos e contribuições contempla-

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

dos. Não substitui a totalidade do sistema geral, sendo aplicávelsomente aos impostos e contribuições taxativamente previstos:IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a Contribuiçãoprevidenciária patronal incidente sobre a folha de salários e de-mais rendimentos dos segurados obrigatórios do Regime Geralda Previdência Social (CPP). O Simples Nacional não se limita àesfera tributária federal, abrangendo tributos de competência dosdiversos entes federativos.

Diante do sistema de compartilhamento da fiscalização, dolançamento e do produto da arrecadação, qualquer dos entestributantes pode movimentar seu aparelho administrativo, comrelação à totalidade do tributo devido pelo optante.

Além de unificar e simplificar o recolhimento dos tributos, oSimples Nacional prevê isenção para as exportações, permite odesconto dos tributos pagos antecipadamente por substituiçãotributária e do ISS retido na fonte, além de reduzir obrigaçõesfiscais acessórias exigidas das empresas de pequeno porte e dasmicroempresas. Os benefícios estendem-se a outras regulamenta-ções e exigências empresariais, e não somente às questões tribu-tárias, tais como: maior facilidade para acesso a linhas especiaisde crédito e a novas tecnologias, incentivos especiais para fomen-to das exportações e tratamento diferenciado nas licitações parafornecimento de bens e serviços aos órgãos públicos (CAMPOS,2009, p. 69).

O ingresso no SIMPLES não é automático, demandando o cum-primento das seguintes condições: (1) enquadrar-se na definiçãode microempresa ou de empresa de pequeno porte; (2) cumprir osrequisitos previstos na legislação; e (3) formalizar a opção na Secre-taria da Receita Federal.

Assim, com o objetivo de simplificar as obrigações e reduzir apesada carga tributária para as micro e pequenas empresas, o Sim-ples Nacional determina o pagamento unificado de oito tributos,que passam a incidir sobre a receita bruta auferida no mês pelocontribuinte. As alíquotas serão diferenciadas conforme ofaturamento e a atividade desempenhada pela pessoa jurídica e orecolhimento é feito mediante documento único. O produto daarrecadação é repassado a cada um dos entes federativos, confor-me a parcela que lhes cabe.

Diante de um sistema tão completo de tributação e arrecada-ção, surgiram na doutrina questionamentos sobre suaconstitucionalidade. A incidência de diferentes impostos e contri-buições sobre um único fato gerador e a sua arrecadação unificadasupostamente violariam o pacto federativo. Esse tema será tratadono tópico a seguir.

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1 O Simples Nacional e o pacto federativo

Conforme já explanado anteriormente, o Simples Nacional con-solida o pagamento de diversos impostos e contribuições de com-petência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, resumin-do suas bases de cálculo à receita bruta auferida no mês pelo con-tribuinte. A unificação desses tributos não criou um imposto único;apenas modificou dois critérios de incidência tributária: base decálculo e alíquotas.

A receita bruta, base de cálculo adotada pelo Simples Nacio-nal, está em total sintonia com a Constituição e com as leis queregulamentam os tributos unificados. O IRPJ e a CSLL têm comobase de cálculo a receita bruta quando calculados pelo lucro pre-sumido. O PIS e a COFINS, independentemente do sistema de apu-ração escolhido pelo contribuinte, incidem sobre o faturamentoou receita bruta da pessoa jurídica, nos moldes do art. 195, I, b daCR/88. A incidência da CPP sobre a receita bruta também é compa-tível com a Constituição, pois desonera a folha de pagamento daspessoas jurídicas. A alteração da base de cálculo da CPP já foi, in-clusive, utilizada como incentivo fiscal para alguns segmentos daeconomia.1

Quanto ao IPI, ICMS e ISS, a Lei Complementar no 123/2006não alterou suas bases de cálculo, mas apenas reduziu suas alíquotas.As receitas sujeitas a esses tributos, auferidas pelas empresas optantes,devem ser contabilizadas em separado, segregando-as de acordocom cada atividade.

Embora os Estados sejam obrigados a arrecadar o ICMS de acor-do com a sistemática do Simples Nacional, poderão aplicar sublimitesde receita, para efeito de recolhimento do ICMS das empresasoptantes, em seus respectivos territórios. Esses sublimites serão apli-cados de acordo com a participação do Estado no Produto InternoBruto.2

1 Vide Medida Provisória 540/2011, convertida na Lei no 12.546/2011.2 Art. 19 da Lei Complementar no 123/2006: “Sem prejuízo da possibilidade de

adoção de todas as faixas de receita previstas nos Anexos I a V desta Lei Comple-mentar, os Estados poderão optar pela aplicação de sublimite para efeito derecolhimento do ICMS na forma do Simples Nacional em seus respectivos territó-rios, da seguinte forma:I - os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja de até 1%(um por cento) poderão optar pela aplicação, em seus respectivos territórios, dasfaixas de receita bruta anual até 35% (trinta e cinco por cento), ou até 50%(cinquenta por cento), ou até 70% (setenta por cento) do limite previsto no incisoII do caput do art. 3º;II - os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja de maisde 1% (um por cento) e de menos de 5% (cinco por cento) poderão optar pela

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

Essa norma, prevista no art. 19 da Lei Complementar no 123/2006, não viola o pacto federativo. O art. 146, § único, inciso II daCR/88 prevê que a Lei Complementar poderá estabelecer condi-ções de enquadramento diferenciadas por Estado. Ademais, o art.151, I da CR/88 admite a concessão pela União de incentivos fiscaisdestinados a promover o equilíbrio do desenvolvimentosocioeconômico entre as diferentes regiões do País.

Tendo em vista a instituição de questões fiscais que poderiamalterar o equilíbrio original do pacto federativo, cláusula pétreaprevista no art. 60, §4º da CR/88, foi arguida por alguns autores ainconstitucionalidade do Estatuto. Segundo essa corrente doutri-nária, a permissão concedida ao Congresso Nacional de modificaras bases de cálculo e alíquotas de tributos de competência Estadu-al, Distrital e Municipal interferiria no equilíbrio original da Fede-ração brasileira, configurando autêntica abolição da Federação.

Esse entendimento é minoritário, uma vez que o pacto fede-rativo não é um modelo pronto e acabado, sendo suscetível a ajus-tes, rearranjos e aperfeiçoamentos, desde que não lhe modifiquema fisionomia a ponto de extinguir a Federação.

Assim, o regime único de tributação, instituído pela Lei Com-plementar no 123/2006, está longe de representar uma tendência àabolição da Federação brasileira. Pelo contrário: o modelo nãoapenas atende aos preceitos do art. 146 da CR/88, como tambémaos desígnios principiológicos da ordem econômica, previstos nosartigos 170 e 179 da CR/88 (MARINS; BERTOLDI, 2007, p. 26).

Embora alguns dispositivos da lei possam e devam ter a suaconstitucionalidade questionada, a exemplo das exclusões aleató-rias promovidas pelo legislador, tais vícios não podem contaminartodo um microssistema criado em prol do desenvolvimento de tãoimportante segmento da economia.

O Simples Nacional unificou as bases de cálculo e a arrecada-ção de oito diferentes tributos, melhorando o ambiente de negó-cios no país ao facilitar a vida de empresários e empreendedores.Por conseguinte, não viola o pacto federativo, sendo constitucio-nal no que tange a essa matéria.

Ultrapassado esse impasse, dedicaremos o próximo capítuo àanálise das exclusões aleatórias feitas pelo legislador, estas siminconstitucionais. Serão enumeradas as vedações previstas no art.

aplicação, em seus respectivos territórios, das faixas de receita bruta anual até50% (cinquenta por cento) ou até 70% (setenta por cento) do limite previsto noinciso II do caput do art. 3º; eIII - os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja igual ousuperior a 5% (cinco por cento) ficam obrigados a adotar todas as faixas de receitabruta anual”.

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17 da LC no 123/2006, ressaltando as proibições expressas nos incisosV e XI.3

2 Das vedações ao ingresso no Simples Nacional

O Simples Nacional é um regime tributário simplificado e fa-cultativo, aplicável às sociedades simples e empresárias, aos empre-sários individuais e de responsabilidade limitada, que se enqua-drem no conceito de microempresa e empresa de pequeno porte,expresso no art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 2006.

Analisando detidamente as normas inseridas na Lei Comple-mentar, percebe-se a existência de requisitos e vedações impostasàs empresas que possuem reduzido faturamento, dependendo doseu modelo ou quadro societário, do seu objeto social ou da exis-tência de débitos ou irregularidades em seu cadastro fiscal. Embo-ra essas empresas tenham interesse em ingressar no regime de tri-butação diferenciado, tais limitações impedem a sua opção.

Assim, está impedida de optar pelo regime simplificado, devi-do ao modelo ou quadro societário, a empresa:

a) de cujo capital participe outra Pessoa Jurídica (art. 3º,§4º, I);

b) que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País,de pessoa jurídica com sede no exterior (art. 3º, §4º, II);

c) de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita comoempresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamentojurídico diferenciado nos termos da Lei Complementar no 123/2006,desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de R$3.600.000,00 (art. 3º, §4º, III)4;

d) cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do capitalde outra empresa não beneficiada pelo SIMPLES, desde que a re-

4 Até 2011 o limite previsto era de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentosmil reais). A partir de 2012, subiu para R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentosmil reais).

3 “Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do SimplesNacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte:[...]V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com asFazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não estejasuspensa;[...]XI - que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício deatividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultu-ral, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste servi-ços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediaçãode negócios”.

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

ceita bruta global ultrapasse o limite de R$ 3.600.000,00 (art. 3º,§4º, IV);

e) cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado deoutra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita brutaglobal ultrapasse o limite de R$ 3.600.000,00 (art. 3º, §4º, V);

f) constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consu-mo (art. 3º, §4º, VI);

g) que participe do capital de outra pessoa jurídica (art. 3º,§4º, VII);

h) resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra for-ma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido emum dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores (art. 3º, §4º, IX);

i) constituída sob a forma de sociedade por ações (art. 3º,§4º, X);

j) que tenha sócio domiciliado no exterior (art. 17, II);k) de cujo capital participe entidade da administração pú-

blica, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal (art.17, III).

Tampouco poderão optar pelo regime de tributação diferen-ciado as pessoas jurídicas cujo objeto social preveja o exercício de:

a) atividade de banco comercial, de investimentos e de desen-volvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financi-amento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora oude distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empre-sa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitaliza-ção ou de previdência complementar (art. 3º, §4º, VIII);

b) atividade de prestação cumulativa e contínua de serviçosde assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, adminis-tração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (assetmanagement), compras de direitos creditórios resultantes de ven-das mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring) (art.17, I);

c) serviço de transporte intermunicipal e interestadual de pas-sageiros (art. 17, VI);

d) geração, transmissão, distribuição ou comercialização deenergia elétrica (art. 17, VII);

e) atividade de importação ou fabricação de automóveis emotocicletas (art. 17, VIII);

f) atividade de importação de combustíveis (art. 17, IX);g) atividade de produção ou venda no atacado de:– cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de

fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes;– bebidas alcoólicas; refrigerantes, inclusive águas saborizadas

gaseificadas; preparações compostas, não alcoólicas (extratos con-

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centrados ou sabores concentrados), para elaboração de bebidarefrigerante, com capacidade de diluição de até 10 (dez) partes dabebida para cada parte do concentrado; cervejas sem álcool (art.17, X);

h) prestação de serviços decorrentes do exercício de atividadeintelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística oucultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem comoa que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante oude qualquer tipo de intermediação de negócios (art. 17, XI);

i) cessão ou locação de mão de obra (art. 17, XII);j) atividade de consultoria (art. 17, XIII);k) loteamento e incorporação de imóveis (art. 17, XIV);l) atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se

referir à prestação de serviços tributados pelo ISS (art. 17, XV).Por fim, não poderão optar pelo SIMPLES as pessoas jurídicas

que possuam débitos com as Fazendas Públicas ou irregularidadesno cadastro fiscal. Logo, são impedidas de optar pela tributaçãosimplificada as pessoas jurídicas:

a) que possuam débitos com o Instituto Nacional do SeguroSocial - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ouMunicipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa (art. 17, V);

b) com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadas-tro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível (art. 17,XVI).

Vamos analisar esses grupos de vedações no tópico a seguir.

2.1 Análise dos grupos de vedações

Conforme delineado acima, são inúmeras as vedações ao in-gresso no sistema de tributação unificado enumeradas pelo legis-lador. Importante, por conseguinte, analisar se essas limitações sãocompatíveis ou não com a Constituição Federal.

Desde logo, é possível observar que apenas as vedações relati-vas ao modelo ou quadro societário revelam, ainda que de modonão expresso, algum critério legal para justificar o tratamentoexcludente. Na hipótese das vedações pela existência de sóciodomiciliado no exterior ou por participação societária da adminis-tração pública, há critérios visíveis. No primeiro caso, por exemplo,excluir do regime especial empresas que possam remeter lucros parao exterior e, no segundo caso, não beneficiar empresas que já este-jam sendo favorecidas pela participação de capital público no em-preendimento. Também existe justificativa jurídica nos casos relati-vos aos impedimentos à existência, na sociedade, de sócios ou ad-ministradores de outras pessoas jurídicas, ou mesmo no caso do

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

impedimento relativo às empresas resultantes de cisão ou outrasformas de desmembramento. Nessas hipóteses legais, o objetivoclaro da norma é assegurar que não sejam beneficiados pelo regi-me especial quaisquer grupos societários, de fato ou de direito, etambém coibir a prática de cisões com o escopo de pulverizar ofaturamento, buscando-se evitar que os contribuintes lancem mãode possíveis formas jurídicas ou práticas oblíquas com o propósitode, na prática, ultrapassar os limites legais de receita bruta. Haven-do critério, é possível formular seu ajustamento ao princípio daisonomia, ou seja, são empresas impedidas porque são diferentes apartir de certo critério, de forma a permitir que sociedades diferen-tes sejam tratadas distintamente, mesmo que se alojem na mesmafaixa de faturamento de outras empresas às quais se permite a op-ção (MARINS; BERTOLDI, 2007, p. 114-115).

Algumas vedações por ramo de atividade também possuemcritério legal para justificar o tratamento excludente. A restriçãoprevista no art. 17, X da Lei (empresas que exercem atividades deprodução ou venda no atacado de cigarros, armas de fogo e bebi-das alcoólicas) pode ser justificada pelo princípio da seletividadeconstitucional. Essas empresas constituem setores que não recebemestímulos do Estado, pois trabalham com produtos nocivos à saúdee à segurança pública. As restrições enumeradas nos incisos VII (ge-ração, transmissão, distribuição ou comercialização de energia elé-trica) e IX (importação de combustíveis) do art. 17 fundamentam-seno regime jurídico diferenciado a que estão submetidas essas ativi-dades. Por serem fiscalizadas por agências reguladoras, AgênciaNacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Agência Nacional de Petró-leo (ANP), respectivamente, e por sujeitarem-se a um controle maisrígido de mercado, essas empresas estão impedidas de optar peloregime tributário especial. A mesma interpretação pode ser aplica-da às atividades previstas no art. 17, I e no art. 3º, §4º, VIII (serviçosfinanceiros), que exigem um rígido controle pelo Banco Central(MARINS; BERTOLDI, 2007, p. 115-116).

As demais vedações por grupo de atividade, todavia, não for-necem critérios objetivos e coerentes que permitam, pela análiseobjetiva da norma, compreender os objetivos pretendidos pelo le-gislador.

Tanto é assim que a própria lei complementar, em seu art. 18,parágrafos 5º-B, 5º-C e 5º-D, elenca exceções às vedações sem ne-nhuma correlação lógica entre a medida de comparação eleita (por-te da empresa) e a finalidade que justifica a sua utilização (trata-mento favorecido à ME e à EPP).

Somente uma distinção fundada em uma diferenciação factualexistente entre os contribuintes pode ser considerada válida. Uma

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diferenciação dos contribuintes feita com base em motivos mera-mente subjetivos e não fundamentada em finalidade objetivamenteverificável e constitucionalmente aferível é irrazoável (ÁVILA, 2008b,p. 44).

Analisando as exceções às vedações elencadas ao longo dosparágrafos do art. 18 da norma, é possível citar vários exemplos dedistinções meramente subjetivas, que se configuram verdadeirasafrontas ao princípio da igualdade entre contribuintes:

a) é vedado às empresas que prestem serviços de transporteintermunicipal e interestadual de passageiros optarem pelo SIM-PLES (art. 17, VI). Contudo, a lei não obsta a opção ao regime dosserviços de transporte municipal de passageiros; de transporte mu-nicipal, intermunicipal e interestadual de cargas; e de transporteinternacional, seja de passageiros ou de cargas;

b) é vedado às empresas que realizem cessão ou locação demão de obra (art. 17, XII) optarem pelo SIMPLES. Entretanto, a leicomplementar excepciona os serviços de vigilância, limpeza ou con-servação e a construção e obras de engenharia em geral, inclusivesob a forma de subempreitada, execução de projetos e serviços depaisagismo, bem como decoração de interiores.5 Segundo a legis-lação, uma empresa que terceiriza mão de obra de telefonistas ouascensoristas não poderá optar pelo SIMPLES. Todavia, empresasque terceirizam mão de obra de limpeza e conservação poderãopor ele optar. Da mesma forma, é vedada a opção a um escritóriode arquitetura, mas esta não o é para um escritório de decoraçãode interiores. Isso logicamente não é razoável.

c) a prestação de serviços de perícia contábil, judicial ouextrajudicial por escritórios de serviços contábeis registrados noConselho Regional de Contabilidade poderá ser tributada peloSIMPLES.6 Estão impedidas de aderir ao regime simplificado, toda-via, as empresas que prestem serviços de perícias, avaliações, inspe-ção técnica, inspeção de segurança veicular e emitam certificadosde capacitação técnica, haja vista sua natureza intelectual/técnica.7

Qual a lógica dessa distinção?Os exemplos acima citados evidenciam a ausência de um crité-

rio claro para diferenciar, tratando-se de discriminações juridica-

6 Art. 18, §5º-B, XIV da Lei Complementar nº 123/2006. Processo de Consulta nº226/11. Órgão: SRRF/9ª Região Fiscal. Publicação no DOU: 06/12/2011.

7 Art. 17, XI da Lei Complementar nº 123/2006. Processo de consulta nº 166/2010.Órgão: SRRF/6ª Região Fiscal. Publicação no DOU: 30/12/2011.

5 A Lei Complementar nº 123/2006 não previa a possibilidade de opção pelo SIM-PLES em relação à execução de projetos e serviços de paisagismo, bem comodecoração de interiores, em sua redação original. Essas atividades foram incluídaspela Lei Complementar nº 128/2008, com vigência a partir de 01/01/2009.

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

mente insustentáveis à luz de valores constitucionais. Nos dizeresde Ávila (2008b, p. 45):

O fundamento da diferenciação deve provir da “natu-reza das coisas” (Natur der Sache), não podendo sercontrário à “realidade concreta” (sachgerechtenErwagungen) e assim por diante. O essencial é que,sem uma diferença real, concretamente existente, adiferenciação normativa é arbitrária. Uma lei, porexemplo, que atribua uma vantagem a alguém que,no plano concreto, não possui diferença que justifiqueo tratamento diferenciado, a rigor, está concedendoum privilégio.[...]Enfim, a medida de comparação utilizada pelo PoderLegislativo só pode ser aquela que mantenha uma rela-ção de pertinência com a finalidade buscada pela dife-renciação.

Embora mais razoável que as distinções por tipo de atividade,a restrição relativa à existência de débitos com a Fazenda Públicatambém gera questionamentos por parte dos contribuintes, umavez que faltou ao legislador razoabilidade na aplicação do critériode discriminação.

O meio escolhido para afastar a igualdade no caso em telanão foi adequado nem necessário à promoção da finalidade cons-titucional almejada. Exigir o pagamento ou parcelamento de dé-bitos considerados indevidos exclui direitos assegurados pela Cons-tituição Federal ao contribuinte.

A relevância econômica, social, política e jurídica dessa maté-ria está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal. Recentemente,sua repercussão geral foi reconhecida no Recurso Extraordinárionº 627.543-RS, relatado pelo ministro Dias Toffoli.

Não obstante os inúmeros exemplos de discriminações aleató-rias e subjetivas existentes na lei, o presente estudo se aterá à aná-lise pormenorizada de duas vedações: a prevista no art. 17, inciso Vda Lei, que impede o ingresso de empresas que possuem débitosnão garantidos com a Fazenda Pública e a prevista no art. 17, incisoXI da Lei, que veda o ingresso de atividades intelectuais.

A primeira constitui uma constrição indevida e excessiva, re-vestindo-se de forma oblíqua de cobrança de tributos. A segunda,por sua vez, extrapola os limites impostos pelo princípio da igual-dade, tendo em vista que não foi apresentada pelo legislador umajustificativa plausível para o tratamento desigual entre contribuin-tes. Esses dois assuntos serão tratados nos tópicos a seguir.

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2.2 Vedação de ingresso à microempresa ou empresa depequeno porte que possua débito com o INSS ou com asFazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal semexigibilidade suspensa

O art. 17, inciso V da Lei Complementar no 123/2006 dispõeque

Não poderão recolher os impostos e contribuições naforma do Simples Nacional a microempresa ou a em-presa de pequeno porte que possua débito com o Insti-tuto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazen-das Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cujaexigibilidade não esteja suspensa.

A priori, essa vedação apresenta um critério objetivo de distin-ção: poderão optar pelo Simples Nacional as empresas que estejamem dia com suas obrigações fiscais. Aquelas que não estiverem fi-nanceiramente organizadas poderão parcelar os seus débitos nosmoldes do art. 79 da Lei Complementar e assim ingressar no regimede tributação simplificado.

Esse critério de discrímen, aparentemente simples e objetivo,quando analisado à luz dos princípios constitucionais da igualda-de e do devido processo legal, corrompe o principal objetivo idea-lizado pelo Constituinte ao redigir a referida lei complementar: apossibilidade de diminuição da carga tributária das empresas dereduzido faturamento que contribuem para o desenvolvimento ecrescimento do país.

Analisando os precedentes históricos dessa vedação, perce-be-se que o Simples Federal, instituído pela revogada Lei nº 9.317/96, já possuía restrição em relação à existência de débitos. Eravedada a opção à pessoa jurídica que possuía débito inscrito emdívida ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social(INSS), cuja exigibilidade não estivesse suspensa (art. 9º, XV, daLei nº 9.317/96).

Não era qualquer débito que inviabilizava a opção do contri-buinte pelo Simples Federal, mas somente aquele inscrito em dívi-da ativa, sem exigibilidade suspensa. Dessa forma, a falta ou atrasono pagamento de tributos em um único mês não causaria proble-mas à opção pelo Simples Federal, haja vista que dificilmente essedébito já estaria inscrito em dívida ativa.

No Simples Nacional a realidade é bem diferente: basta a exis-tência de débitos, inscritos ou não em dívida ativa, com qualquerdos entes da Federação, para que seja vedada a opção pelo regi-me.

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

Outra questão relevante ao presente impedimento refere-se àabrangência do conceito de débitos. Há autores que entendemque essa vedação alcançaria dívidas relativas a quaisquer tributos,ainda que não estivessem abrangidos pelo Simples Nacional, a exem-plo do IPTU e do IPVA (ONO; GEOVANINI; OLIVEIRA, 2012). Esta,contudo, não é uma interpretação que merece prevalecer. A nor-ma contida no inciso V do art. 17 da Lei Complementar nº 123/2006 prevê uma regra restritiva de direitos, devendo, por conse-guinte, ser interpretada restritivamente. Ademais, possui sentidodiametralmente oposto aos incentivos propostos pelo governo fe-deral, relativamente à matéria tributária, em prol das pequenasempresas. Em vez de fomentar a atividade empresarial do peque-no e microempreendedor, a citada norma limita a inscrição para oregime simplificado às empresas que não possuem débitos fiscais.Essa postura viola frontalmente os princípios do devido processolegal e da preservação da empresa. Trata-se de uma sanção política(ou indireta), com a finalidade de compelir o sujeito passivo a cum-prir o seu dever tributário.

Ultrapassadas essas duas premissas, percebe-se que a interpre-tação no sentido da exigência de pagamento ou parcelamento dedébitos, cuja exigibilidade não esteja suspensa, para acesso ao sis-tema de tributação unificado viola o direito de livre acesso à juris-dição e ao contraditório e à ampla defesa, princípios elencados noart. 5º, XXXV e LV da CR/88. A Administração Pública não tem odireito de coagir o devedor a efetuar o pagamento de tributo demodo indireto quando há mecanismos próprios para a cobrançade crédito que considerar devido.

2.2.1 Unilateralidade do título executivo fazendário e aexecução fiscal

Segundo Coêlho e Santos (2011), a execução fiscal é um pro-cedimento especial destinado à cobrança dos créditos devidos àFazenda Pública. É o meio que autoriza ao Estado utilizar o em-prego de força (coerção) para efetivar a obrigação que não foiespontaneamente cumprida pelo devedor. A base para a execuçãoforçada, no atual sistema processual brasileiro, é o título executivo(princípio nulla executio sine titulo).

O título executivo é subdividido em duas espécies: judicial eextrajudicial. O título executivo judicial é formado pelo juiz pormeio de atuação jurisdicional. Diferentemente, o título executivoextrajudicial é formado por ato de vontade das partes envolvidasna relação jurídica de direito material, independentemente damanifestação imparcial do magistrado.

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Os títulos executivos extrajudiciais, previstos no art. 585 do CPC,são documentos públicos ou particulares aos quais é emprestadaeficácia executiva pela lei. Não há no direito pátrio a possibilidadede criação de título extrajudicial fundado apenas na vontade daspartes.

Campos (1989, p. 46-47) define o título executivo extrajudicialcomo “um acertamento procedido pelos próprios interessados. [...]ato portador da razoável certeza quanto à incidência da norma, àviolação do preceito, e à pertinência da sanção”.

Partindo da definição de Campos (1989), o título executivoextrajudicial pode ser conceituado como um negócio jurídico fir-mado entre credor e devedor, cujo objeto é uma obrigação de pagarquantia certa, de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, com a im-posição de sanção por seu inadimplemento.

Esse acertamento é ato portador da razoável certeza quanto àincidência da norma, à violação do preceito e à pertinência da san-ção, estando apto a substituir a manifestação do magistrado noprocesso de conhecimento. A força executória dos títulosextrajudiciais vem da inexistência de lide. Decorre de um encontrode vontades, do consenso entre as partes.

O título executivo da Fazenda Pública é a Certidão de DívidaAtiva. Esse título surge com a inscrição do débito em dívida ativaapós o lançamento e a constituição do crédito tributário. Para queesse crédito seja cobrado, é obrigatória a abertura de oportunida-de para a impugnação administrativa. É direito do contribuintediscutir o lançamento e dever do Estado exercer o controle de le-galidade dos seus atos.

A norma que impede a pequena empresa de optar pelo siste-ma de tributação e recolhimento simplificado pelo único fato depossuir débitos com a Fazenda Pública viola o princípio do devidoprocesso legal.

A vedação em tela somente seria aplicável após as seguintesetapas: (1) abertura de oportunidade de impugnação pelo contri-buinte por meio de processo administrativo; (2) indeferimento daimpugnação; (3) inscrição em dívida ativa; (4) possibilidade de sus-pender a exigibilidade do crédito tributário nos moldes do art. 151do CTN. Cumpridas essas etapas e não regularizada a situação fis-cal, seria lícito à Fazenda impedir o acesso da micro e da pequenaempresa ao Simples Nacional. Caso contrário, a empresa em débitoseria privilegiada, pois deixaria de se encontrar em situação equi-valente à dos demais contribuintes.

O princípio da igualdade garante, sob o aspecto negativo, odireito de não ser discriminado e, sob o aspecto positivo, o direitode igual participação em benefícios e oportunidades. Assim, viola-

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ria a igualdade a possibilidade de empresas em débito com a Fa-zenda Pública, após indeferimento da impugnação em regular pro-cesso administrativo e não suspensão da exigibilidade do créditotributário e inscrição em dívida ativa, recolherem seus tributos deforma privilegiada.

Sobre o princípio da isonomia, o Pleno do Supremo TribunalFederal, no julgamento do MI nº 58-DF, relator min. Celso de Mello,publicado no DJ de 19/04/1991, p. 4.580, manifestou-se no seguin-te sentido:

O princípio da isonomia, que se reveste deautoaplicabilidade, não é – enquanto postulado funda-mental de nossa ordem político-jurídica – suscetível deregulamentação ou de complementação normativa. Esseprincípio – cuja observância vincula, incondicionalmen-te, todas as manifestações do Poder Público – deve serconsiderado, em sua precípua função de evitar discrimi-nações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob oduplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igual-dade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numafase de generalidade puramente abstrata – constituiexigência destinada ao legislador que, no processo desua formação, nela não poderá incluir fatores de discri-minação, responsáveis pela ruptura da ordem econômi-ca. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo leijá elaborada, traduz imposição destinada aos demaispoderes estatais, que, na aplicação da norma legal, nãopoderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamen-to seletivo a discriminatório. A eventual inobservânciadesse postulado pelo legislador imporá ao ato estatalpor ele elaborado a eiva da inconstitucionalidade.

A igualdade garante às empresas qualificadas como micro oupequenas o direito a um tratamento diferenciado e favorecido, deforma a torná-las mais competitivas no mercado. Atendendo a essetão importante princípio, a Lei Complementar nº 123/2006 foi edi-tada com a finalidade de conceder aos pequenos negócios benefí-cios fiscais, trabalhistas, previdenciários, administrativos e creditíciose, assim, reduzir o enorme abismo existente entre eles e os grandesempreendimentos.

Andou bem o legislador ao eleger o reduzido faturamentopara diferenciar as micro e pequenas empresas das demais pessoasjurídicas. A mesma sorte não teve, contudo, nos impedimentos evedações ao ingresso no Simples Nacional. Embora algumas vedaçõespossam ser objetivamente justificadas, a limitação por restrição nocadastro fiscal não foi razoável. Proibir o acesso a um tratamentodiferenciado de pessoas jurídicas que já se encontram em situaçãode desvantagem econômica sem antes lhes dar oportunidade de

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discutir a existência e validade do débito fere o princípio do devi-do processo legal.

Todavia, permitir acesso a um tratamento jurídico diferencia-do a empresas que não cumprem suas obrigações fiscais configuramanifesta violação ao princípio da isonomia, na medida em que seestará dando tratamento igual a pessoas diferentes.

Da leitura das afirmativas supracitadas, percebe-se que o art.17, V da Lei Complementar nº 123/2006 oferece certas possibilida-des de interpretação, sendo algumas compatíveis e outras incom-patíveis com a Constituição. Cabe, assim, ao Poder Judiciário fazeruma interpretação do dispositivo conforme a Constituição, exclu-indo os sentidos da norma contrários aos valores consagrados naCarta Maior.

Sobre a interpretação conforme a Constituição, ensina Ávila(2008b, p. 185):

A interpretação conforme a Constituição só pode serfeita quando o dispositivo objeto de interpretação forsuscetível de múltiplos sentidos, dentre os quais um de-les é compatível com a Constituição. [...] A interpreta-ção conforme a Constituição só é viável se não contrari-ar o teor literal e objetivo inequívoco da lei. Se o sentidonormativo da norma interpretada for novamente defi-nido e a finalidade legal afastada em pontos essenciais,esse método interpretativo é desnaturado. [...] A inter-pretação conforme a Constituição só pode declarar ainconstitucionalidade de um fragmento de uma normase ele tiver um significado autônomo. Não havendo sen-tido que subsista à nulidade de uma parte da norma,em virtude do entrelaçamento semântico dos fragmen-tos normativos, a interpretação conforme a Constitui-ção é inadequada.

Conforme já explicitado, a limitação contida no art. 17, V daLei Complementar nº 123/2006 possui múltiplos sentidos, sendo umdeles compatível com a Constituição. Esse sentido harmoniza-se como objetivo da lei: conferir um tratamento diferenciado e favoreci-do às micro e pequenas empresas. As possíveis interpretações danorma em tela possuem significado autônomo, podendo, assim,ser declarada sua nulidade parcial.

Em suma, após a regular constituição do crédito tributáriona repartição competente e esgotamento do prazo fixado parao seu pagamento pela lei ou por decisão final prolatada em re-gular processo administrativo, pode o contribuinte suspender aexigibilidade do crédito tributário. Se não o fizer, a Fazendarestará autorizada a obstar o ingresso da microempresa ao Sim-ples Nacional.

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Cabe, assim, ao Judiciário efetuar a interpretação conforme oart. 17, inciso V da Lei Complementar n° 123/2006, restringindo assuas hipóteses de interpretação e adequando o preceito normativoaos desígnios da Magna Carta.

2.3 Vedação de ingresso das prestadoras de serviços

Entre as vedações de ingresso ao SIMPLES previstas no art. 17da Lei Complementar nº 123/2006, encontra-se a disposta no incisoXI, que retira de algumas prestadoras de serviços o direito de optarpelo regime de tributação simplificado:

Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribui-ções na forma do Simples Nacional a microempresa oua empresa de pequeno porte:[...]XI. Que tenha por finalidade a prestação de serviçosdecorrentes do exercício de atividade intelectual, denatureza técnica, científica, desportiva, artística ou cul-tural, que constitua profissão regulamentada ou não,bem como a que preste serviços de instrutor, de corre-tor, de despachante ou de qualquer tipo deintermediação de negócios.

Esse dispositivo, de natureza extremamente ampla e subjetiva,utilizou um critério de distinção puramente extrafiscal e aleatório:a profissão.

Analisando os pressupostos históricos dessa vedação, verifica-mos que a revogada Lei nº 9.317/96 já a previa em seu art. 9º, incisoXIII, in verbis:

Art. 9o Não poderá optar pelo SIMPLES, a pessoa jurídi-ca:[...]XIII - que preste serviços profissionais de corretor, re-presentante comercial, despachante, ator, empresário,diretor ou produtor de espetáculos, cantor, músico, dan-çarino, médico, dentista, enfermeiro, veterinário, en-genheiro, arquiteto, físico, químico, economista, conta-dor, auditor, consultor, estatístico, administrador, pro-gramador, analista de sistema, advogado, psicólogo,professor, jornalista, publicitário, fisicultor, ou asseme-lhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício de-penda de habilitação profissional legalmente exigida.

Essa norma, de constitucionalidade duvidosa, foi objeto deanálise pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1643. Os ministros,naquela oportunidade, em decisão não unânime, manifestaram-se no sentido de sua constitucionalidade. A tese vencedora argu-

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mentou que pode o legislador “discriminar por motivo extrafiscalentre os ramos de atividade econômica, desde que a distinção sejarazoável [...] derivada de uma finalidade objetiva e se aplique atodas as pessoas da mesma classe ou categoria” (BRASIL, 2003).

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não poderia “al-terar o sentido inequívoco da norma por via de declaração deinconstitucionalidade de parte do dispositivo de lei”, já que ele“só pode atuar como legislador negativo, não porém, como legis-lador positivo”. Tudo isso porque, ao eliminar a exclusão de deter-minados profissionais do benefício, o Poder Judiciário terminariapor conferir-lhes um benefício que o Poder Legislativo não lhesquis conferir. E, ao fazê-lo, violaria sua função de apenas excluirdo ordenamento jurídico a norma atentatória ao princípio da igual-dade (ÁVILA, 2008b, p. 179-180).

Essa tese merece severas críticas. A distinção, proposta pelo le-gislador nos dispositivos em tela, não foi razoável, necessária ouproporcional, configurando-se singelo impedimento por ramo deatividade de natureza tão somente qualitativa, o que é expressa-mente vedado pelo art. 150, II da CR/88. Ademais, não foi eleitoum critério de discrímen juridicamente válido e objetivo: não foidemonstrada uma diferença de capacidade contributiva que justi-ficasse a vedação das prestadoras de serviços de optar pelo regimetributário favorecido (MARINS; BERTOLDI, 2007, p. 116-117).

Não se pode, apenas porque há uma finalidade extrafiscal,deixar de realizar integralmente a igualdade sustentando que oato é discricionário e, por isso, escapa ao controle do Judiciário. Afinalidade extrafiscal não torna o ato nem discricionário nem imu-ne ao controle: não o torna discricionário porque, como já foi vis-to, a finalidade eleita continua tendo que manter uma relação depertinência fundada e conjugada com a medida de comparaçãoescolhida pelo órgão competente; não o torna imune ao controledo Poder Judiciário porque este tem a competência para realizarvários juízos positivos. Dentre esses, ressalta-se a condição de anali-sar os efeitos prospectivos da lei, considerar alternativas que deve-riam ter sido cogitadas pelo Poder Legislativo, excluir medidas decomparação incompatíveis com as finalidades eleitas, anular medi-das de comparação compatíveis com as finalidades não previstaspela Constituição, concretizar padrões legais, verificar a compatibi-lidade da diferenciação com os direitos fundamentais dos contri-buintes e escolher um dos múltiplos significados compatíveis com oteor literal e o objetivo inequívoco da lei. Alegar a discricio-nariedade do poder competente e a imunidade do controle emvirtude de finalidade extrafiscal é silenciosamente violar a igualda-de (ÁVILA, 2008b, p. 186).

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Não obstante as críticas acima tecidas, o art. 9º, XIII da Lei no

9.317/96 foi, por maioria, declarado constitucional pelo STF. Assim,inspirado nesse dispositivo, cuja constitucionalidade já havia sidotestada, a Lei Complementar nº 123/2006 previu semelhante restri-ção às prestadoras de serviços em seu art. 17, XI.

Seguindo os moldes da antiga norma, o legislador comple-mentar não se preocupou em delinear um critério claro de discrimi-nação entre as prestadoras de serviços e as demais empresas comreduzido faturamento. Legislou de forma aleatória, baseado nãoem critérios jurídicos e objetivos, mas em razões meramente políti-cas e subjetivas. Essa afirmação se justifica, a título de exemplo,pela possibilidade de ingresso no regime de escritórios de contabi-lidade (art. 18, §5º-B, XIV), das empresas prestadoras de serviços detransporte municipal de passageiros (art. 18, §5º-B, XIII) e dasprestadoras de serviços de construção de imóveis e obras de enge-nharia em geral (art. 18, §5º-C, I).

Tramita no Senado Federal o PLC n° 90/2010, que prevê a in-clusão no Simples Nacional dos prestadores de serviços de enge-nharia e arquitetura, sob o argumento de que essas profissões ca-recem de estímulo e valorização. Enquanto isso, os advogados, quea exemplo dos engenheiros e arquitetos exercem profissão legal-mente regulamentada e que são considerados indispensáveis àadministração da Justiça, nos termos do art. 133 da CR/88, ficam defora do benefício do regime diferenciado (HARADA, 2010).

Percebe-se que categorias são incluídas e excluídas do SIM-PLES por mero arbítrio do legislador, sem a apresentação de qual-quer razão, de fato ou de direito, que justifique a decisão. Essasistemática, além de violar o princípio da igualdade e do devidoprocesso legal substantivo, confere imenso poder ao Legislativo,uma vez que lhe dá a prerrogativa de negociar o favorecimentofiscal com os representantes das categorias profissionais por razõesmeramente íntimas e subjetivas.

Tal crítica fundamenta-se pela simples análise dos §§5º-B,5º-C, 5º-D e 5º-E do art. 18 da Lei Complementar nº 123/2006, queadmite a opção pelo regime de tributação simplificado das seguin-tes atividades:

Art. 18. [...]§ 5º-B. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 destaLei Complementar, serão tributadas na forma do Ane-xo III desta Lei Complementar as seguintes atividadesde prestação de serviços:I - creche, pré-escola e estabelecimento de ensino fun-damental, escolas técnicas, profissionais e de ensinomédio, de línguas estrangeiras, de artes, cursos técnicosde pilotagem, preparatórios para concursos, gerenciais

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e escolas livres, exceto as previstas nos incisos II e III do §5º-D deste artigo;II - agência terceirizada de correios;III - agência de viagem e turismo;IV - centro de formação de condutores de veículosautomotores de transporte terrestre de passageiros ede carga;V - agência lotérica;[...]IX - serviços de instalação, de reparos e de manutençãoem geral, bem como de usinagem, solda, tratamento erevestimento em metais;[...]XIII - transporte municipal de passageiros;XIV - escritórios de serviços contábeis, observado o dis-posto nos §§ 22-B e 22-C deste artigo.XV - produções cinematográficas, audiovisuais, artísti-cas e culturais, sua exibição ou apresentação, inclusiveno caso de música, literatura, artes cênicas, artes visu-ais, cinematográficas e audiovisuais. (Incluído a partirde 1° de janeiro de 2010 pela Lei Complementar n° 133,de 28 de dezembro de 2009)§ 5º-C. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 destaLei Complementar, as atividades de prestação de servi-ços seguintes serão tributadas na forma do Anexo IVdesta Lei Complementar, hipótese em que não estaráincluída no Simples Nacional a contribuição prevista noinciso VI do caput do art. 13 desta Lei Complementar,devendo ela ser recolhida segundo a legislação previstapara os demais contribuintes ou responsáveis:I - construção de imóveis e obras de engenharia em ge-ral, inclusive sob a forma de subempreitada, execuçãode projetos e serviços de paisagismo, bem como decora-ção de interiores;[...]VI - serviço de vigilância, limpeza ou conservação.§ 5º-D. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 destaLei Complementar, as atividades de prestação de servi-ços seguintes serão tributadas na forma do Anexo Vdesta Lei Complementar:I - cumulativamente administração e locação de imóveisde terceiros;II - academias de dança, de capoeira, de ioga e de artesmarciais;III - academias de atividades físicas, desportivas, de na-tação e escolas de esportes;IV - elaboração de programas de computadores, inclusi-ve jogos eletrônicos, desde que desenvolvidos em esta-belecimento do optante;V - licenciamento ou cessão de direito de uso de progra-mas de computação;VI - planejamento, confecção, manutenção e atualiza-ção de páginas eletrônicas, desde que realizados emestabelecimento do optante;

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

[...]IX - empresas montadoras de estandes para feiras;[...]XII - laboratórios de análises clínicas ou de patologiaclínica;XIII - serviços de tomografia, diagnósticos médicos porimagem, registros gráficos e métodos óticos, bem comoressonância magnética;XIV - serviços de prótese em geral.§ 5º-E. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 destaLei Complementar, as atividades de prestação de servi-ços de comunicação e de transportes interestadual eintermunicipal de cargas serão tributadas na forma doAnexo III, deduzida a parcela correspondente ao ISS eacrescida a parcela correspondente ao ICMS prevista noAnexo I.

Essas discriminações dificilmente encontrariam justificativas den-tro da isonomia. A instituição de normas pelo Poder Legislativo visa aatingir determinada finalidade. No caso, parece que a finalidade ime-diata da lei era favorecer o desenvolvimento do pequeno empreen-dedor, estimulando a economia e a criação de empregos. Para atingiressa finalidade, a lei utilizou uma medida de comparação entre oscontribuintes: o seu tamanho ou porte. E para aferir o tamanho ouporte, usou um elemento indicativo ou proxy: a receita bruta anual.Seriam considerados “pequenos empresários” e, portanto, dignos doestímulo estatal os contribuintes que tivessem uma receita bruta anu-al até determinado limite; e seriam considerados grandes empresáriose, assim, excluídos do benefício os contribuintes que tivessem receitabruta anual acima daquele patamar. Isso significa que a lei, para atin-gir determinada finalidade (estimular o desenvolvimento do peque-no empresário), escolheu uma medida de comparação (tamanho ouporte), aferindo-a por meio de um elemento indicativo (receita brutaanual). Em suma, haveria uma vinculação fundada, de um lado, entrea receita bruta anual e o tamanho da empresa e, de outro, entre otamanho da empresa e a necessidade de estímulo estatal. Essa normageral foi, porém, excepcionada com uma regra de exclusão do bene-fício: o porte poderia também ser verificado pelo tipo de profissãoexercida. Em outras palavras, o exercício de profissão liberal seria umelemento cuja existência indicaria o porte da empresa (ÁVILA, 2008b,p. 38-39).

Salta aos olhos a violação ao princípio da igualdade nessa re-gra de exclusão. Como poderia ser o tamanho da empresa aferidopelo tipo de atividade exercida? Há relação de pertinência lógicaentre o porte da empresa e o seu objeto social?

É claro que não! Para se garantir a igualdade, os sujeitos de-vem ser comparados por algum motivo que possua relação de

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pertinência lógica com a medida de comparação. Logo, o tama-nho da empresa pode ser mensurado pela sua receita bruta, pelonúmero de empregados, pelo número de estabelecimentos, masnão pela profissão!

Em suma, o Legislador Federal criou um mecanismo diferenci-ado de pagamento de tributos federais (finalidade). Estabeleceu,como regra geral, um critério de distinção baseado no porte daempresa (medida de comparação), escolhendo a receita bruta anualcomo seu elemento indicativo. No entanto, excluiu desse mecanis-mo determinadas categorias profissionais. O porte da empresa, nessecaso, seria aferido por outro elemento indicativo: a profissão. Ocorreque não há uma correlação lógica entre a medida de comparaçãoporte da empresa e o elemento indicativo profissão.

Ademais, a utilização do elemento indicativo profissão paradistinguir contribuintes é expressamente vedada pelo art. 150, IIda CR/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradasao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Dis-trito Federal e aos Municípios:[...]II - instituir tratamento desigual entre contribuintes quese encontrem em situação equivalente, proibida qual-quer distinção em razão de ocupação profissional oufunção por eles exercida, independentemente da deno-minação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos(grifos nossos).

Por conseguinte, é vedado ao legislador excluir do microssis-tema tributário, por razões meramente subjetivas e políticas, as ati-vidades profissionais delineadas no art. 17, XI da Lei Complemen-tar nº 123/2006. Essas profissões, da mesma forma que as demais,sujeitam-se à dominação do mercado por grandes empresas, inse-rem-se na economia informal e geram grande número de empre-gos, carecendo de auxílio estatal para estimular o seu exercício re-gular. Assim, compete ao Poder Público favorecer o seu desenvolvi-mento e não criar vedações aleatórias, diferenciando com base emmedida de comparação constitucionalmente vedada.

Segundo Mello (2009, p.41), um discrímen legal somente serácompatível com a isonomia se possuir os quatro elementos:

I. Que a desequiparação não atinja de modo atual eabsoluto um só indivíduo;II. Que as situações ou pessoas desequiparadas pela re-gra de direito sejam efetivamente distintas entre si,vale dizer, possuam características, traços, nelas resi-dentes, diferençados;

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

III. Que exista, em abstrato, uma correlação lógica entreos fatores diferenciais existentes e a distinção de regi-me jurídico em função deles, estabelecida pela normajurídica;IV. Que, in concreto, o vínculo de correlação supra-refe-rido seja pertinente em função dos interesses constitu-cionalmente protegidos, isto é, resulte em diferencia-ção de tratamento jurídico fundada em razão valiosa –ao lume do texto constitucional – para o bem público(MELLO, 2009, p. 41).

Partindo dos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira deMello, a lei que discrimina deve ser em primeiro lugar geral e abs-trata, não possuindo um destinatário específico. Deve diferençarsomente situações efetivamente distintas entre si. Imprescindível aexistência de pertinência lógica entre a medida de comparação elei-ta e o seu elemento indicativo. Por fim, este elemento indicativonão pode colidir com os ditames constitucionais.

Portanto, não é qualquer diferença que possui suficiência paradiscriminações legais, mas somente aquelas prestigiadas peloordenamento jurídico capitaneado pela Carta Maior.

A ausência de uma correlação lógica entre a medida de com-paração eleita pelo legislador (porte da empresa) e o seu elemen-to indicativo (profissão) gera enorme insegurança jurídica, esbar-rando nos princípios da proteção da confiança e da boa-fé objeti-va. A violação desses princípios pelo Estado gera para o particularlesado o direito de ingressar em juízo para reivindicar o direitoque lhe foi suprimido, segundo Derzi (2009, p. 495):

O princípio da proteção da confiança e da boa-fé objeti-va são princípios e direitos fundamentais individuais, quesomente o privado pode reivindicar, em contraposição àAdministração Pública, ao poder Legislativo e Poder Ju-diciário, quando os Poderes do Estado criam o fato ge-rador da confiança.

Cabe ao Judiciário, assim, verificar se os critérios eleitos pelolegislador estão em pertinência com a igualdade, corrigindo osseus excessos. Os princípios da proteção da confiança e da boa-fé garantem competência ao Poder Judiciário para revogar asdiscriminações infundadas eleitas pelo legislador, determinan-do a realização de juízos positivos, com o objetivo de anularmedidas de comparação incompatíveis com as finalidades cons-titucionais.

A previsão constitucional de um tratamento jurídico diferencia-do para a micro e pequena empresa e, posteriormente, a redação deuma lei complementar regulamentando o tema geraram aos peque-

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nos empresários, independentemente da atividade por eles pratica-da, uma expectativa de redução da carga tributária e de simplifica-ção de suas obrigações administrativas, trabalhistas, previdenciáriase creditícias. Ao publicar uma lei e excluir determinada categoriaprofissional de sua abrangência, sem demonstrar claramente os mo-tivos dessa exclusão, feriu o legislador os princípios da proteção daconfiança e da boa-fé objetiva do particular. A liberdade de confi-guração do legislador não é, portanto, total. Ao contrário, já nasce,na Constituição, delimitada por regras e princípios que garantemdireitos fundamentais aos contribuintes (ÁVILA, 2008b, p. 167).

Considerando a hipossuficiência das micro e pequenas empre-sas, incluindo as atividades exercidas pelos profissionais liberais, éimprescindível ao legislador conferir-lhes, efetivamente, a partir deum critério justificável de discriminação, um tratamento diferencia-do que lhes seja favorável, garantido, assim, a efetividade dos prin-cípios da capacidade contributiva e da igualdade tributária.

Conclusão

O presente trabalho dedicou-se ao estudo de temas contro-vertidos sobre o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tri-butos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas dePequeno Porte: o Simples Nacional. Discorreu, primeiramente, so-bre a sua compatibilidade com o pacto federativo, tendo em vistaa unificação de tributos de competência dos três entes da Federa-ção. Concluiu que o SIMPLES não viola o pacto federativo, pois éum modelo que não o agride, mas o aperfeiçoa.

Abordou os grupos de vedações ao ingresso no sistema detributação unificado enumerados na Lei Complementar nº 123/2006.

No que tange à vedação de ingresso pela existência de débi-tos com a Fazenda Pública, restou assentado que:

a) a limitação de ingresso no SIMPLES de micro e pequenasempresas que possuem débitos não garantidos com a Fazenda Pú-blica antes de ser concedida a elas oportunidade de discuti-los emprocesso administrativo constitui violação ao princípio do devidoprocesso legal;

b) todavia, permitir acesso a um tratamento jurídico diferenci-ado a empresas que não cumprem suas obrigações fiscais configuramanifesta violação ao princípio da isonomia, na medida em que seestará dando tratamento igual a pessoas diferentes;

c) cabe, assim, ao Poder Judiciário interpretar o dispositivo con-forme a Constituição, excluindo os sentidos da norma contráriosaos valores consagrados na Carta Maior;

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

d) após a inscrição do débito em dívida ativa, deve seroportunizada manifestação do contribuinte em procedimento ad-ministrativo. Promovido o acertamento da dívida tributária e nãosuspendida a exigibilidade do crédito, pode a Fazenda obstar oingresso da microempresa ao Simples Nacional.

No que tange à vedação de ingresso das prestadoras de servi-ços, concluiu-se que:

a) houve violação ao princípio da isonomia, uma vez que olegislador não delineou um critério claro de discriminação entre asprestadoras de serviços e as demais empresas com reduzidofaturamento. Legislou de forma aleatória, baseado não em critéri-os jurídicos e objetivos, mas em razões meramente políticas e sub-jetivas;

b) não foi possível apontar uma correlação lógica entre o ele-mento indicativo eleito pelo legislador para mensurar o porte daempresa (profissão) e a finalidade almejada: o tratamento favore-cido e diferenciado às empresas classificadas como micro e peque-nas;

c) para se garantir a igualdade, os sujeitos devem ser com-parados por algum motivo que possua relação de pertinêncialógica com a medida de comparação. Logo, o tamanho da em-presa pode ser mensurado pela sua receita bruta, pelo númerode empregados, pelo número de estabelecimentos, mas não pelaprofissão.

Em suma, o estudo buscou confrontar a legislação aplicávelàs microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil com oprincípio da igualdade, elencando temas pouco discutidos peladoutrina: talvez pelo pequeno volume financeiro que asmicroempresas e empresas de pequeno porte representam na ar-recadação tributária, talvez pela complexidade das normas que,ironicamente, formam um microssistema tributário denominadoSIMPLES.

Referências

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DÉBORA COUTO CANÇADO SANTOS ARTIGO

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS LIMITAÇÕES AO INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL

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ANÁLISE DA VIABILIDADE DE CLÁUSULA COLETIVA AUTÔNOMA COMO HIPÓTESE DE SAQUE DO FGTS

Análise da viabilidade de cláusulacoletiva autônoma no que tange ao

estabelecimento de culpa recíproca eindenização de 20% como hipótese de

saque do FGTS*

Marcos Ulhoa DaniEx-Advogado da CAIXA

Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 3a Região

RESUMO

O presente estudo faz uma análise de uma nova situaçãoapresentada ao Judiciário Trabalhista. Trata-se da verificação daviabilidade de saque do FGTS, através de culpa recíproca encetadamediante convenção coletiva autônoma, com negociação de 20%da multa e não pagamento do aviso prévio. O trabalho estabeleceum cotejo entre a flexibilização coletiva e os princípios limitadoresda autonomia coletiva no Direito do Trabalho, além da análise daspossibilidades de saque do Fundo, aliada à da atuação de seu órgãogestor. Análise do Princípio da Dignidade Humana sob os prismasindividual e coletivo. Finalmente, verifica-se o conceito legal edoutrinário para a configuração de culpa recíproca.

Palavras-chave: FGTS. Culpa recíproca. Convenção coletiva.Indisponibilidade.

ABSTRACT

The present study makes an analysis of a new situationpresented to the Judiciary. One is about the verification of the FGTS’sdraft viability, settled through “reciprocal guilt” in independentCollective Agreement, with negotiation of 20% of the fine and withoutthe notice to quit. The study establishes a confrontation between thecollective flexibilization and the limiter principles of the collectiveautonomy in Labor Law. Furthermore, establishes an analysis of theFGTS’s draft possibilities, combined to the performance of itsManaging Agency. Analysis of the Human Dignity’s principle underindividual and collective´s views. Finally, the legal and doctrinal conceptfor the configuration of reciprocal guilt is verified.

* Publicado originalmente In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009.Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5940>.

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MARCOS ULHOA DANI ARTIGO

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Keywords: FGTS. Reciprocal guilt. Collective Agreement.Unavailableness.

Introdução

O Judiciário Trabalhista vem enfrentando uma questão novano que concerne à possibilidade de levantamento do numeráriodo FGTS. Sindicatos de empresas prestadoras de serviços terceirizadosestão encetando convenções coletivas com os sindicatos profissio-nais no sentido de estabelecer uma nova hipótese de saque. Trata-se de estabelecimento de “culpa recíproca” via negociação coleti-va. De pronto, cabe frisar que qualquer discussão acerca da compe-tência para tratar de tais feitos está solapada pela incidência dasdisposições da EC-45/04, que alteraram o artigo 114 da CRFB-88,bem como pela incidência do artigo 625 da CLT1. De fato, a compe-tência, nesses casos, é da J. Especializada.

Exemplificativamente, analisa-se o recurso de revista RR-63/2007-003-10-00, julgado pela 1ª turma do TST e publicado no DJUem 29-08-2008. No instrumento coletivo analisado, foi encetada,sem a participação do órgão gestor do FGTS (CAIXA ECONÔMICAFEDERAL), convenção coletiva cuja cláusula 30ª estabelecia os se-guintes parâmetros:

CLÁUSULA 30ª - INCENTIVO À CONTINUIDADE DOCONTRATO DE TRABALHO. Considerando a tipicidadeda atividade de terceirização de serviços e a necessi-dade de prever para os trabalhadores maior seguran-ça no emprego, e para isso incentivar as empresas paraefetivamente participarem desse intento, fica pactua-do que as empresas que sucederam as outras na pres-tação do mesmo serviço, em razão de nova licitaçãopública ou novo contrato, contratarão todos os empre-gados da empresa anterior sem descontinuidade quan-to ao pagamento dos salários e a prestação dos servi-ços. Nesse caso a rescisão do contrato obrigará ao pa-gamento do percentual de 20% (vinte por cento) so-bre os depósitos do FGTS a título de multa e as empre-sas ficarão desobrigadas de pagar o aviso prévio, por-que não caracteriza hipótese de despedida e muitomenos arbitrária ou sem justa causa. A rescisão do con-trato de trabalho será por acordo, por ter ocorridoculpa recíproca das partes, em relação ao rompimentodo contrato de trabalho; conforme previsto no Decre-to nº 99.684/90, art. 9º, § 2º. O Termo de RescisãoContratual, no campo referente a forma de rescisão,constará CL 28ª - CCT ou na sua impossibilidade, deverá

1 “Artigo 625. As controvérsias resultantes da aplicação de Convenção ou de Acor-do celebrado nos termos deste Título serão dirimidas pela Justiça do Trabalho.”

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ANÁLISE DA VIABILIDADE DE CLÁUSULA COLETIVA AUTÔNOMA COMO HIPÓTESE DE SAQUE DO FGTS

constar no ato da homologação, a expressa referênciaà presente cláusula. Parágrafo Primeiro - Havendo realimpossibilidade da continuação do trabalhador nos ser-viços, devidamente justificada perante os dois sindica-tos convenentes, este trabalhador terá direito à inde-nização normal no percentual de 40% (quarenta porcento) sobre os depósitos do FGTS e demais verbasrescisórias.

O caso é de sindicatos de empresas terceirizadoras de mão deobra que, ao resultarem vencidas em procedimento licitatório paraserviços em órgãos da Administração Pública, resolveram encetarconvenção coletiva com o sindicato profissional e criar uma hipóte-se “culpa recíproca, via negociação coletiva”. Tal disposição prevêos efeitos de depósito de multa de apenas 20% do FGTS aos em-pregados e não pagamento de aviso prévio. Tais consequênciasocorreriam na hipótese de os trabalhadores serem absorvidos poroutra empresa, vencedora do procedimento licitatório.

Em outras palavras, a cláusula coletiva convenciona que asresilições unilaterais dos contratos de trabalho seriam registradascomo casos de rescisão por culpa recíproca, implicando o não pa-gamento do aviso prévio e saque do numerário do FGTS, com mul-ta de apenas 20%, além das demais consequências previstas naSúmula 14 do TST.

A situação vem se repetindo com alguma frequência e trazpara a análise o sopesamento entre princípios norteadores da pro-dução jurídica oriunda de fontes autônomas e heterônomas; entreflexibilização trabalhista, os limites jurídicos de ordem pública e ospatamares mínimos civilizatórios que devem ser observados em si-tuações como a presente. Ademais, mostra-se necessário verificar sea situação se amolda ao taxativo rol de possibilidades de movi-mentação da conta do FGTS.

Analisa-se, no estudo, a viabilidade e eficácia jurídica de talcláusula, tanto em relação aos empregados demitidos, como emrelação ao órgão gestor do FGTS – a CEF.

1 Ausência de previsão legal para o levantamento einobservância de direitos de terceiros – órgão gestor doFGTS

Inicialmente, é necessário verificar que o artigo 20 da Lei nº8.036/90, reguladora do FGTS, não prevê o saque nestas condições(culpa recíproca decorrente de negociação coletiva). A culpa recí-proca decorre, como se irá demonstrar, de uma análise fática paraconsequente subsunção normativa, e não o contrário.

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MARCOS ULHOA DANI ARTIGO

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De acordo com Cassar (2008), a culpa recíproca detém quatroelementos caracterizadores, quais sejam: a) duas faltas graves; b)proporcionalidade entre as faltas; c) atualidade ou contem-poraneidade; d) nexo de causalidade. Com relação ao primeirorequisito, diz a autora:

Para a caracterização da culpa recíproca é necessárioque o empregado pratique uma falta gravíssima a pon-to de, por si só, justificar o rompimento do contrato eque o empregador também tenha praticado outra fal-ta gravíssima capaz de tornar insuportável a continui-dade do contrato. Logo, são duas faltas graves, umapraticada por cada um (CASSAR, 2008, p. 1137).

Sob esse prisma, percebe-se que, faticamente, o requisito exi-gido pela doutrina não existe no caso em análise, na medida emque a culpa recíproca decorre de uma subsunção de fatos à norma,e não o contrário. A situação fática denota uma resilição unilateraldo contrato, feita pelas empregadoras, derrotadas no procedimentolicitatório. Os defensores da possibilidade da cláusula em debateadvogam a tese de que a viabilidade da disposição decorreria dodisposto no artigo 7º, XXVI da CRFB-88, aliado aos princípios daCriatividade Jurídica das Negociações Coletivas e da AdequaçãoSetorial Negociada e à Teoria do Conglobamento.

O conflito de disposições aponta para uma solução viasopesamento de direitos e princípios, com observância da OrdemPública e Proteção aos direitos indisponíveis dos trabalhadores/fundistas. Ademais, resta observar que os direitos de que os traba-lhadores estão abrindo mão (multa de 40% do FGTS e aviso pré-vio), através de instrumento coletivo, não estão inseridos nas res-salvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição daRepública Federativa do Brasil - art. 7º, VI, XIII e XIV.

É de se observar que o órgão gestor do FTGS, CEF, não partici-pou do instrumento coletivo, sendo que as negociações coletivasnão podem se imiscuir em direitos de terceiros. O FGTS, previstoconstitucionalmente no art. 7º, III, está inserido entre os direitossociais básicos e fundamentais dos trabalhadores e foi instituídocom funções benéficas a toda a sociedade, entre elas, a utilizaçãodo numerário para infraestrutura, habitação e saneamento. Alémdisso, o intuito primordial foi o amparo do trabalhador em seumomento mais delicado, qual seja, o momento da perda do em-prego. Nesse diapasão, o legislador infraconstitucional estabele-ceu a Caixa Economica Federal (CEF) como órgão gestor do Fundo.A CEF atua por determinação legal – artigo 7º da Lei nº 8.036/90 –, sendo responsável, entre outras atribuições que lhe são conferidas,por centralizar os recursos do FGTS, manter e controlar as contas

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vinculadas, bem como por emitir, quando for o caso, o Certificadode Regularidade do FGTS.

O FGTS, como entidade despersonalizada, além dos numerári-os oriundos dos próprios depósitos mensais feitos pelas empresas,conta com outras rendas, com o intuito de atender todas as suasfunções legalmente estabelecidas. Exemplo disso é a contribuiçãosocial de 10% do valor da conta vinculada, revertida a favor doFundo, no caso de dispensa imotivada do trabalhador, prevista noartigo 1º da Lei Complementar nº 110/01. A situação presente que,faticamente, configuraria uma dispensa imotivada poderia, segun-do o instrumento coletivo, transmudar-se para culpa recíproca. Es-tabelece-se, portanto, que, além de afetar os direitos dos trabalha-dores, a prática pode afetar direitos de terceiros, uma vez que opatrimônio do FGTS se reverte em benefício de toda a sociedade,daí a necessidade de gestão da CEF.

A importância do FGTS, portanto, transpõe os limites do inte-resse de empregados e empregadores, sendo o mesmo relevantepara toda a sociedade, porquanto se volta para o financiamentode projetos essenciais ao desenvolvimento social, mormente aque-les relativos ao saneamento básico, à infraestrutura e à habitação.Nesse contexto, indubitável que o órgão gestor também tem inte-resse no pleito, em obediência aos termos da Lei nº 8.036/90, di-ploma legal que rege o Fundo de Garantia.

Assim, entende-se que o estabelecimento da referida cláusulacoletiva firma uma obrigação para terceiros, no caso a CEF, em libe-rar o numerário do FGTS fora das hipóteses legais e contra os inte-resses do próprio Fundo, observado, nesse particular, o artigo 1ºda LC 110/01 (contribuição social de 10% em caso de dispensaimotivada). Disposição que extrapola os limites das entidadesconvenentes vai contra o entendimento do artigo 611, parágrafo1º da CLT c/c a Súmula 374 do TST, em aplicação analógica. Frise-seque, nessa situação, de estipulação de promessa de fato de tercei-ro, eventual negativa da CEF em autorizar o saque, uma vez quefora das hipóteses legais, implica a responsabilização dos sindica-tos convenentes pela invalidade da cláusula2, na forma do artigo439 do Novo Código Civil.

Com efeito, não se vislumbra a possibilidade de que, por meiode acordo ou convenção coletiva, conceitos legais estabelecidospossam ser alterados ou ampliados, especialmente no que tangeaos critérios legalmente previstos para a movimentação da contavinculada. Isso porque, dada a importância do numerário para o

2 Lembra-se, sempre, que a doutrina considera a convenção e o acordo coletivocomo negócios jurídicos sui generis.

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trabalhador e para a sociedade, todas as hipóteses de saque sãoautorizadas taxativamente na lei. Entre elas não está uma “culparecíproca” criada em negociação e não comprovada pela Justiçado Trabalho. Além disso, não se vislumbra a possibilidade de seestabelecer obrigações, através de instrumento coletivo, para ter-ceiros.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana sob os prismas

individual e coletivo – análise da possibilidade de saque

Apesar de nos posicionarmos acerca da taxatividade do rol doartigo 20 da Lei nº 8.036/90, que trata das hipóteses de saque doFGTS, é necessária a análise de eventuais possibilidades de saquefora das previsões legais, avaliando, como pano de fundo, o casoconcreto.

Jantalia (2008) traz interessante discussão acerca da possibili-dade de saque do numerário do FGTS fora das hipóteses legais. Oque se discute seria que o trabalhador, eventualmente, poderiafazer o saque do Fundo, fora das hipóteses legais, com fincas aproteger a sua própria dignidade, em um momento de necessida-de financeira. Um exemplo disso seriam as doenças degenerativasnão previstas no rol do artigo 20 da lei de regência, como o mal deParkinson.

Em hipóteses como essa, o STJ já tem julgados3 prevendo apossibilidade de saque do numerário, mesmo fora das hipóteseslegais, como um meio de garantia à dignidade humana dofundista, que se encontra fragilizado por uma doença de imensagravidade.

Situações como essa realmente retratam a possibilidade de in-terpretação acerca da norma, apesar de lembrarmos, mais uma vez,que, ao gestor do Fundo, por exercer um munus público, não lhecabe fazer interpretações extensivas. Deve, como administradorpúblico, aplicar, tão somente, o previsto em lei. Todavia, para quea questão seja solucionada, uma vez apresentada ao Judiciário, osusomencionado autor faz o cotejo entre a dignidade humana emsua dimensão individual e coletiva. Com efeito:

Dentro dessa linha, a dignidade humana tem contornosindividuais e a análise de sua concretização leva em con-ta apenas a situação ou as necessidades pessoais e fun-damentais do titular da conta vinculada, não cogitandode qualquer aspecto externo a ele, como uma eventualrepercussão do FGTS. A dimensão individual da dignida-de, então, vai privilegiar linhas de interpretação da Lein. 8036-90 que exaltem o direito do fundista, como úni-

3 REsp 670027/CE, DJ 13-12-2004; AgRg no REsp 630602/CE, DJ 30-09-2004.

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co detentor de direitos sobre aqueles recursos, partin-do do pressuposto de que a conta vinculada é patrimôniodo trabalhador. Por outro lado, se examinando o FGTS àluz da ampla destinação social conferida aos seus recur-sos, identifica-se uma espécie de dimensão coletivada dignidade humana, expressada através do provi-mento de condições básicas de existência aos cidadãosque, direta ou indiretamente, são beneficiados com in-vestimentos em saneamento básico, habitação e infra-estrutura urbana, tendo acesso a dignas condições devida. Essa dimensão está associada à visão do FGTS comofonte de recursos para investimento em habitação po-pular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, afigu-rando-se como instrumento de fomento, por destinar cré-dito a setores e atividades geradoras de emprego ebem-estar social. [...] No caso do Fundo de Garantia, aescolha majoritária firmada pelo Estado brasileiro foi nosentido de se valer de seus recursos para a garantia daindenização por tempo de serviço do trabalhador e,subsidiariamente, financiar o desenvolvimento urbano.Desta destinação específica, e da prerrogativa constituci-onalmente assegurada ao legislador ordinário de confor-mar os direitos sociais constitucionalmente assegurados –preservando-lhe, por certo, sua efetividade – é que resul-ta a legitimidade da restrição, imposta pela própria Lei n.8.036/90, ao saque das contas vinculadas (JANTALIA, 2008,p. 187, 191 e 192, grifo do autor).

Trazendo a reflexão para o caso concreto analisado, percebe-se que a dignidade humana, tanto em sua dimensão individualcomo na coletiva, impede a possibilidade de saque por culpa recí-proca encetada via negociação coletiva. A um porque o fundistanão se encontra em situação extrema, que possibilitaria uma inter-pretação extensiva dos ditames legais; a dois porque há uma di-mensão coletiva da dignidade humana em xeque, eis que o Fundodetém funções sociais que garantem à coletividade condições dig-nas de vida, impingindo o respeito à taxatividade legal; e, final-mente, porque o recolhimento a menor da multa (20%) em umasituação em que, faticamente, não há culpa recíproca viola a pró-pria dignidade humana do fundista que, em um posterior momen-to de real necessidade, encontrar-se-á privado ao acesso da maiorparte de seu numerário em conta vinculada. O procedimento tratade verdadeira renúncia, uma vez que o direito é indisponível ecerto, tanto pelos aspectos individual e coletivo (sociedade), comopela ótica do Administrador Público que gere o Fundo (CEF).

Compreende-se que o desejo a benefício imediato pode viciara vontade da categoria profissional, ansiosa por um acesso precoceao numerário, sem o devido sopesamento com necessidades futu-ras, daí a obrigatoriedade de extrema cautela por parte do intér-

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prete na análise do caso concreto. Nesse sentido, ensina PláRodriguez (2000, p. 177):

Em geral, admite-se a transação e rechaça-se a renún-cia. Há duas razões fundamentais. A primeira, de cará-ter teórico, porque a transação supõe a troca de umdireito litigioso ou duvidoso por um benefício concreto ecerto, enquanto a renúncia supõe simplesmente a pri-vação de um direito certo. A segunda, de caráter práti-co, porque o fato de a transação ser bilateral não signi-fica sacrifício gratuito de qualquer direito, vez que, aocontrário de uma concessão, sempre se obtém algumavantagem ou benefício. Mas isto obriga a examinar cui-dadosamente o conteúdo de cada acordo para desco-brir se ele não se limita a dissimular uma ou mais renún-cias, tentação que muitas vezes os trabalhadores en-frentam, desejosos de tornar efetivo, de imediato umcrédito que o empregador se nega a pagar integral-mente, com ou sem fundamentos.

2 Presunção de culpa recíproca, jus variandi e Princípio daAlteridade

O FGTS, conforme esclarecido, tem importância que vai alémda relação de emprego entre patrões e trabalhadores, benefician-do toda a sociedade. Constitui direito social básico/fundamentalprevisto na CRFB-88. Assim, necessário foi o estabelecimento deum rol taxativo para as hipóteses de saque dos numerários, na for-ma do artigo 20 da Lei nº 8.036/90.

Esse diploma prevê, como uma das hipóteses de saque, a cul-pa recíproca, com multa de 20%. Todavia, a verificação de tal culparecíproca depende de confirmação do fato pela Justiça do Traba-lho, como efeito de incidência do parágrafo 2º do artigo 18 domesmo diploma legal.

A culpa recíproca não pode ser presumida nem fictícia, sendoque a própria lei exige o seu reconhecimento em ação judicial pró-pria. Diz o parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.036/90 (grifo nos-so):

Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, porparte do empregador, ficará este obrigado a depositarna conta vinculada do trabalhador no FGTS os valoresrelativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão eao imediatamente anterior, que ainda não houver sidorecolhido, sem prejuízo das cominações legais.§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador semjusta causa, depositará este, na conta vinculada do tra-balhador no FGTS, importância igual a quarenta por

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cento do montante de todos os depósitos realizados naconta vinculada durante a vigência do contrato de tra-balho, atualizados monetariamente e acrescidos dosrespectivos juros.§ 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ouforça maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, opercentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) porcento.

Igual entendimento poder-se-ia inferir do artigo 484 da CLT,que remete o reconhecimento da culpa recíproca aos Tribunais doTrabalho.

Assim, é necessária a análise do instituto da culpa recíproca,sendo que, no caso, vem o socorro do magistério de Carrion (2008,p. 390-391), in verbis:

A culpa recíproca possui na doutrina uma conceituaçãomuito rigorosa, tornando difícil, quando não impossível,a configuração do caso concreto. [...] São elementoscaracterizadores: a) a existência de duas justas causas;uma do empregado, outra do empregador; as duas gra-ves e suficientes por si sós serem causa da rescisão(Maranhão, Instituições, v.1, p. 507; também Lamarca,Manual, p. 45); não se trata de duas faltas leves quepela concomitância se transformem em uma grave(idem); duas relações de causa e efeito; a segunda falta,que é causa da rescisão do contrato, é por sua vez efeitoda culpa cometida pela outra parte (idem); c)contemporaneidade (Giglio, Justa Causa) e não simul-taneidade, que seria exagero; d) uma certaproporcionalidade entre as faltas. [...] Veja-se o mestreLamarca, que quis filtrar e vivificar o que havia no cam-po da justa causa: reproduziu dez casos onde os tribu-nais tipificaram a culpa recíproca; aceita apenas umadas hipóteses como sendo culpa recíproca e ainda assimo que consistiu “troca de ofensas” entre empregado eempregador (Manual de Justas Causas, 51-S). Haveriaque reconhecer que é exatamente assim que a primei-ra falta rescindiria o contrato e que a segunda, provocadapela primeira, também o fez.

Nessa esteira, observa-se que a doutrina não corrobora o fatoem análise como culpa recíproca, eis que, primordialmente, não háatitudes faltosas por parte dos empregados. Tais atitudes, segundoCarrion, são aquelas caracterizadas no artigo 482 (justas causas) daCLT, o que, indubitavelmente, inocorre no caso. Seriam necessáriasduas justas causas, uma por parte dos empregadores e outra porparte dos empregados. A elasticidade na interpretação do rol doartigo 482 não admite ilações muito extensivas, uma vez que asnormas sancionatórias não podem ser alargadas para causar preju-

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ízo. A rigor, também não haveria como capitular no artigo 483 daCLT a atitude dos empregadores.

O que se observa, no caso, é a atuação dos empregadores, noexercício de seu jus variandi, para a terminação dos contratos detrabalho. É certo que o término dos contratos de trabalho deveu-se à ausência de êxito de uma determinada empresa em procedi-mento licitatório. Todavia, o ônus/risco do insucesso da atividadeempresarial é do empregador, segundo informa o Princípio daAlteridade. Insucesso na atividade empresarial por derrota em pro-cedimento licitatório caracteriza, quando muito, fortuito interno,inerente à atividade empresarial. Esse tipo de situação, portanto,não é excludente da responsabilidade patronal. O que se percebeé uma tentativa de divisão de responsabilidades com o emprega-do, o que, por via transversa, constituiria uma verdadeira cláusulastar del credere, a desfavor dos trabalhadores, figura esta rechaçadapelo ordenamento jurídico.

Ademais, a figura da culpa recíproca deve ser estabelecida pelaJustiça do Trabalho, por força dos dispositivos legais suso men-cionados.

No caso analisado, não há qualquer reconhecimento, pelaJustiça do Trabalho, de culpa recíproca. Tal situação foi verdadeira-mente criada para afetar direitos/deveres de terceiros, uma vez quea CEF teria que responder por um dever criado em uma negocia-ção coletiva da qual não participou. Mais grave, direitos de toda asociedade estariam sendo violados, na medida em que se estariacriando nova hipótese, não prevista em lei, de saque desse nume-rário, que é público. Frise-se que entendemos ser a lei taxativa noque tange às hipóteses de saque do FGTS, dada a importância doFundo para a Nação. O órgão gestor não pode permitir saquesfora das hipóteses da lei, sob pena de ferir toda a sociedade e suaspróprias obrigações, previstas em lei e sujeitas à fiscalização do Tri-bunal de Contas da União e do Conselho Curador do FGTS.

Nos termos da própria lei civil, em aplicação subsidiária autori-zada pelo artigo 8º da CLT, diz o inciso VI, do artigo 166 do NCC,que o negócio jurídico será inválido naquilo que tentar extrapolarlei imperativa. Por certo que a lei reguladora do saque do FGTS énorma de ordem pública, com clara função social, que não podeser desvirtuada para além dos seus limites. Tanto assim o é que ainterpretação sistemática do artigo 7º da CRFB autoriza a sua inclu-são como direito fundamental do trabalhador.

Afigura-se temerário que, para solucionar essas questões, anorma coletiva possa dispor contrariamente à lei e, inclusive,impactar no ingresso e na saída de recursos ao Fundo de Garantia,o qual não se destina apenas ao trabalhador, já que se constitui

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em fundo social de múltiplas e complexas funções, com benefíciospara toda a coletividade, que, diga-se de passagem, não podemser comprometidos.

Nesse sentido, Delgado (2002, p. 1272), com maestria, leciona,in verbis:

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, embora pre-servando nítida natureza trabalhista, tambémconsubstancia, em seu conjunto global e indiferenciadode depósitos, um fundo social de destinação variada,que se especifica expressamente na ordem jurídica. Defato, a Lei do FGTS dispõe que o Fundo é formado nãosomente dos recolhimentos mensais feitos pelo empre-gador ou tomador de serviços, mas de outras fontesmonetárias (art. 2º, Lei n. 8.036/90). Além disso, o Fun-do de Garantia, considerado na globalidade de seus va-lores, constitui um fundo social dirigido a viabilizar, fi-nanceiramente, ‘a execução de programas de habita-ção popular, saneamento básico e infra-estrutura urba-na’ (art. 6º, IV, VI, e VII; art. 9º, § 2º, Lei n. 8.036/90).

3 Sopesamento entre princípios da negociação coletiva eindisponibilidade de direitos fundamentais

Por certo que a evolução do Direito do Trabalho perpassa pelaevolução e respeito dos instrumentos coletivos. Isto já vem sendoreconhecido pela Carta Magna, que propugna o respeito à nego-ciação coletiva, nos termos do artigo 7º, XXVI. Os instrumentos co-letivos são, de fato, ferramentas indispensáveis para a evolução domundo do trabalho. Todavia, a corrente flexibilizadora do Direitodo Trabalho não escapa ao controle do Estado, no que tange àlimitação de seus efeitos e estipulações. O Princípio da CriatividadeJurídica Coletiva, que orienta o estabelecimento de novas condi-ções de trabalho através da negociação coletiva, tem que ser sope-sado com os patamares mínimos civilizatórios que equilibram a re-lação negocial a benefício, inclusive, de uma desejada maturidadesindical ainda a ser alcançada. Esses limites objetivos se encontramna harmonização entre as normas negociadas e a imperatividadede normas heterônomas estatais que, primordialmente, se orien-tam pela proteção a direitos indisponíveis do trabalhador. Nessediapasão, a doutrina diferencia as parcelas contratuais a serem ne-gociadas. Frisa-se, nos dizeres de Plá Rodriguez (2000, p. 188), que“as normas irrenunciáveis continuam sendo irrenunciáveis, seja orenunciante um sujeito individual ou coletivo”. Não se nega, por-tanto, que a posição da categoria profissional, no que tange à ca-pacidade negocial, é infinitamente superior à do trabalhador indi-

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vidualmente considerado. Todavia, a disponibilidade não é abso-luta. Há parcelas de indisponibilidade absoluta, infensas à negoci-ação coletiva, e parcelas de indisponibilidade relativa, passíveis denegociação, pela incidência, inclusive, do Princípio da AdequaçãoSetorial Negociada.

Esse princípio prega que a negociação coletiva, até pela suanatureza transacional, implica a capacidade negocial das partes emtransacionar, ou seja, tudo gira em torno de prestações opostas dasduas partes. Como ensina Carnelutti, elemento fundamental danegociação em torno dessas prestações é que o objeto das mesmas,muito além de ser res litigiosa, seja res dubia. Nesse tocante, cabefrisar que qualquer direito tido como certo e, por assim dizer, indis-ponível não pode ser qualificado como res dubia. É que, se um doscontratantes está certo da obrigação que lhe cabe solver (median-te, como foi demonstrado, disposições legais e constitucionais), ageobviamente contra legem ao transacionar com a outra parte, be-neficiando-se das recíprocas concessões então ajustadas. Nesse sen-tido, novamente o mestre Plá Rodriguez (2000, p. 175-176): “A resdubia – elemento essencial da transação – deve ser entendida emum sentido subjetivo, isto é, dúvida razoável sobre a situação jurí-dica objeto do precitado acordo”. E continua mais a frente: “É que,se um dos contratantes tem certeza da obrigação que deve cum-prir, age obviamente de má-fé ao transacionar com a outra parte,beneficiando-se das recíprocas concessões convencionadas”.

Assim, não prevalece a criatividade jurídica coletiva seconcernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta,os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negocia-ção sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas protegidas por umatutela de interesse público, por serem estabelecidas em um pata-mar civilizatório mínimo que a sociedade moderna, fruto doConstitucionalismo Social, não concebe ver reduzidas em qual-quer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontara própria dignidade da pessoa humana e a valorização social aotrabalho (arts. 1º, III e 170, caput, CRFB/88). Entre as normas tra-balhistas heterônomas concernentes aos direitos revestidos deindisponibilidade absoluta, encontram-se as normas constitucio-nais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressa-mente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, porexemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vi-gorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º,CRFB/88); as normas legais infraconstitucionais que assegurampatamares de cidadania ao indivíduo (especialmente preceitosrelativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentesa bases salariais mínimas, normas de identificação profissional,

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dispositivos antidiscriminatórios etc.). Percebe-se que, no casoanalisado, há disposição (diga-se, clara renúncia) a direitos indis-poníveis dos trabalhadores, que dizem respeito ao FGTS e ao avi-so prévio. Portanto, a regra subtrai direitos dos trabalhadores re-vestidos de indisponibilidade absoluta, garantidos na CRFB-88 (art.7º, incisos III e XXI) e na legislação infraconstitucional (art. 487 eseguintes da CLT e Lei nº 8.036/96), sendo que as disposições tra-tadas não dizem respeito às ressalvas autorizadas pelo Texto Cons-titucional (artigo 7º, VI, XIII e XVI, exemplificativamente). Ade-mais, adentra em direitos da própria sociedade, na medida emque, como explicitado, o FGTS detém funções sociais maiores, abenefício de toda a coletividade. O certo é que não há que seconfundir transação com renúncia, pura e simples, ainda maisquando estamos tratando de direitos irrenunciáveis.

No caso, as disposições coletivas extrapolam os limites negociaistípicos do pacto social negociado, adentrando no campo daindisponibilidade do mínimo civilizatório.

Conclusão

A prática em análise viola uma série de direitos de ordem soci-al indisponíveis, bem como estabelece obrigações a terceiros quenão participaram da negociação coletiva. Finalmente, há uma cria-ção jurídica que intenta sobrepujar norma imperativa, gerando fic-ção jurídica onde a norma é taxativa.

A prática, portanto, deve ser vedada, sendo que, a princípio,este vem sendo exatamente o entendimento do TST, haja vista re-centes decisões a respeito (RR-415/2006-011-10-00.6 – 7ª turma –DJ 07-12-07; relator: ministro Ives Gandra Martins Filho; RR-63/2007-003-10-00; relator: ministro Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho – 1ªturma – DJ 29-08-2008; RR-853/2006-020-10-00 – 8ª turma – DJ 22-02-2008; relator: ministro Márcio Eurico Vitral Amaro; RR-232/2007-003-10-00.7 – 4ª turma – DJe 6-11-08; relator: ministro Antônio Joséde Barros Levenhagen; RR-419/2007-016-10-00.7 – 2ª turma – Dje21-11-08; relator: ministro José Simpliciano Fernandes; RR-710-2006-021-10-00-0 – 5ª turma – julgamento em 17-12-2008; relator: minis-tro João Batista Brito Pereira).

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

Embargos de declaração no processodo trabalho. Objeto. Efeito

Modificativo. Necessidade docontraditório

João Pedro SilvestrinEx-advogado da CAIXA

Desembargador do Trabalho do TRT da 4a RegiãoPós-graduado em Direito da Economia e da Empresa

pela Fundação Getúlio VargasEspecialista em Direito do Trabalho, Direito Processual

do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC

RESUMO

São objeto de estudo, no presente trabalho, os embargosde declaração. A partir da análise retrospectiva e atual dasnormas regulamentadoras da espécie, discorre-se sobre anatureza jurídica do instituto, as hipóteses de cabimento, a suadestinação e o seu objeto. O artigo pretende alertar sobre aimportância da medida, indispensável para saneamento dospronunciamentos jurisdicionais, ao mesmo tempo em que instigaà sua valorização, pelo emprego consciente e adequado. Ainda,tenciona-se situar o cabimento e a oponibilidade de embargosque visem conferir efeito modificativo ao julgado e a observânciado contraditório como requisito indispensável à validação dadecisão que os examina.

Palavras-chave: Embargos de declaração. Natureza jurídica.Hipóteses de cabimento e alcance da medida. Efeito modificativo.

RESUMEN

Son objeto de estudio, en el presente trabajo doctrinario, losembargos aclaratorios. A partir de uma evaluación retrospectiva yactual de las normas que reglamentan la especie, discorremos sobrela naturaleza jurídica del instituto, las hipótesis en que tiene lugar,su destinación y objeto. El artículo pretende alertar sobre laimportancia de la medida, indispensable para sanear lospronunciamientos judiciales, al mismo tiempo que instiga a suvalorización, mediante el empleo consciente y adecuado. Aún, seintenta situar los casos de oponibilidad cuando visen modificar elfallo y la necesidad de observar el derecho al contradictorio comorequisito indispensable a la eficacia de la decisión que se manifiesta

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al respecto.

Palabras-clave: Embargos aclaratórios. Naturaleza jurídica.Hipótesis en que tienen lugar y alcance de la medida. Efectomodificativo.

Introdução

Os embargos de declaração, até a edição da Lei nº 9.957, de12 de janeiro de 2000, que introduziu o artigo 897-A na Consoli-dação das Leis do Trabalho, não eram objeto de previsão legalespecífica no Processo do Trabalho. Aplicava-se, de forma subsidiá-ria, o contido no Código de Processo Civil, em atenção ao dispostono artigo 769 da Consolidação.

Neste estudo, nos propomos a apresentar um breve relato quan-to aos seus antecedentes históricos, a conceituar o instituto, bemcomo a nos posicionar em relação a sua natureza jurídica, questãode acirrada discussão doutrinária. Examinaremos a continuidade,ou não, da aplicação subsidiária das normas contidas no Códigode Processo Civil, diante da disposição legal específica introduzidana Consolidação das Leis do Trabalho, para, após, identificar quaisas decisões que podem ser objeto de embargos declaratórios eapontar as causas específicas que possibilitam a sua oposição.

Analisaremos a admissão do efeito modificativo ao julgadoembargado, quando isso é possível e a necessidade, ou não, demanifestação do adversário, em tais situações, sem risco de afrontaao princípio constitucional do contraditório.

1 Antecedentes históricos

Os embargos de declaração, no direito pátrio, remontam aoRegulamento 737, de 1850, que já previa o seu cabimento nos ca-sos de obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão da sen-tença.

A Constituição Federal de 1891 atribuiu competência aos Esta-dos-membros para legislarem sobre Direito Processual Civil, razãopela qual alguns códigos de processo regionais contemplaram dis-posições sobre o tema, entre eles destacam-se os do Rio Grande doSul (1908), da Bahia (1915), de São Paulo (1930), do Rio de Janeiro(1919) e do Paraná (1920).

Contudo, a competência para legislar sobre Direito ProcessualCivil, por força da Constituição Federal de 1934, passou a ser exclu-siva da União. Em decorrência disso, foi editado o Código de Pro-cesso Civil de 1939, que passou a regular de modo uniforme noPaís as normas processuais civis. Posteriormente, em 1973, restou

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revogado aquele código editado em 1939, por meio da edição daLei nº 5.869, que instituiu novo Código de Processo Civil, vigenteaté os dias de hoje – embora com inúmeras alterações.

Os dois códigos trataram dos embargos de declaração relativa-mente ao primeiro e segundo graus de jurisdição, com diversidadede regime legal, admitindo-os nos casos de dúvida, obscuridade,omissão ou contradição das decisões.

Por meio da edição da Lei nº 8.950, de 13 de dezembro de1994, o regime legal dos embargos de declaração restou uniformi-zado, tanto no primeiro grau (sentença), quanto no segundo grau(acórdão), mediante a revogação dos artigos 464 e 465 do Códigode Processo Civil – relativos aos embargos de primeira instância – ealterações dos artigos 535 a 538. Essas modificações unificaram oprazo para oposição dos embargos de declaração para cinco dias –antes era de 48 horas no caso de sentença e de cinco dias paraacórdão –, bem como alteraram o seu efeito, de suspensivo parainterruptivo.

A Consolidação das Leis do Trabalho, instituída pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, não previa, entre suas normas,os embargos de declaração.

A Lei nº 2.244, de 23 de junho de 1954, atribuindo redação aoartigo 702, I, “e” e § 2º, “d” da Consolidação das Leis do Trabalho,instituiu, pela vez primeira no Processo do Trabalho, tratamentoexpresso aos embargos de declaração, restringindo, todavia, suaoponibilidade aos acórdãos proferidos por Turmas ou pelo Plenodo TST. Referida disposição legal foi revogada em 1988, por meioda Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988.

Os embargos de declaração voltaram a ter regulamentação naConsolidação das Leis do Trabalho por força da edição da Lei nº9.957, de 12 de janeiro de 2000, que inseriu o artigo 897-A, com aseguinte redação:

Art. 897-A. – Caberão embargos de declaração da sen-tença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seujulgamento ocorrer na primeira audiência ou sessãosubseqüente a sua apresentação, registrada na certi-dão, admitido efeito modificativo da decisão nos casosde omissão e contradição no julgado e manifesto equí-voco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.

A norma legal acima destacada, a toda evidência, não esgota, emseu conteúdo, a regulamentação que se faz necessária ao tratamentodos embargos de declaração no âmbito do Processo do Trabalho.

Registre-se, porém, que o artigo 769 da Consolidação das Leisdo Trabalho prevê que o Direito Processual Civil será fonte subsidi-ária do Direito Processual do Trabalho, salvo quando for incompa-

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tível e nos casos em que este for omisso, sendo viável recorrer a esseinstituto, no cabível.

2 Conceito e natureza jurídica

Os embargos de declaração se constituem em instrumento peloqual as partes dirigem-se ao juiz ou ao órgão prolator da decisão,quando esta contiver obscuridade, contradição ou omissão, comobjetivo de obter esclarecimento e complementação do julgado,consoante a doutrina pátria. Vejamos.

De Plácido e Silva (1982, p. 740), de forma técnica, diz queembargar é o “meio ou medida de oposição a ato ou ação de ou-trem, para que impeça ou seja suspensa a sua execução”.

Na lição de Silva (1998, p. 448), “é o instrumento de que aparte se vale para pedir ao magistrado prolator de uma dada sen-tença que a esclareça, em seus pontos obscuros, ou a completequando omissa, ou finalmente que lhe repare ou elimine eventu-ais contradições que ela porventura contenha”.

Segundo Teixeira Filho (2003, p. 456), os embargos de decla-ração, em sentido estrito,

[...] constituem o meio específico que a lei põe ao alcan-ce das partes sempre que desejarem obter do órgãojurisdicional uma declaração com o objetivo de escoimara sentença ou o acórdão de certa falha de expressãoformal que alegam existir. Pede-se, por intermédio des-ses embargos, que o julgador sane omissão, aclare obs-curidade ou extirpe contraditoriedade.

Por sua vez, Demo (2003, p. 1), em sua obra Embargos de De-claração: aspectos processuais e procedimentais, consigna em suaintrodução:

Mostram-se os embargos declaratórios como o instru-mento processual de correção da arte de proceder àprestação jurisdicional, tanto no sentido de que ela sejamais clara possível às partes, bem assim no de viabilizar,em determinadas situações, os princípios dainstrumentalidade, da efetividade e da economia pro-cessuais, evitando-se a propagação de vícios de procedi-mento que seriam corrigidos somente em etapas maisavançadas do ‘iter processual’ (na fase recursal).

Examinando-se os conceitos acima destacados, constata-se queos doutrinadores utilizam, ao referirem-se aos embargos de decla-ração, as expressões “meio” ou “instrumento” processual que aspartes dispõem para aclarar ou complementar uma decisão judici-al, demonstrando que, em relação à conceituação, não há discus-

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são doutrinária.Diversamente ocorre quanto à natureza jurídica dos embar-

gos de declaração, aspecto sobre o qual há acirrada divergênciadoutrinária.

Enquanto parte dos doutrinadores defendem que os embar-gos de declaração não seriam recurso, outra parte sustenta queeles são espécie de recurso.

Entre os autores que defendem a natureza não recursal dosembargos de declaração encontram-se Sérgio Bermudes, Egas Dir-ceu Moniz de Aragão e Manoel Antonio Teixeira Filho.

Ao enfrentar a questão, Manoel Antonio Teixeira Filho, em-bora reconheça que renomados doutrinadores sustentam tese con-trária, consigna:

O traço essencial, capaz de distinguir com eficácia osembargos de declaração dos recursos, é a ‘finalidade’.Enquanto estes visam à reforma, à cassação da decisãoimpugnada, aqueles se destinam, meramente, a obter,do mesmo órgão jurisdicional, uma declaração de qualseja o verdadeiro conteúdo da sentença (ou do acórdão),para integrá-la ou para liberá-la de qualquer eiva deexpressão. [...] Quando os embargos obtêm um acrésci-mo da condenação (a sentença declarativa, e.g., aco-lheu pedido que a declarada se esqueceu de apreciar),há uma aparente interpenetração com a finalidade pró-pria dos recursos, porquanto se obteve uma alteraçãoquantitativa do conteúdo da sentença; essa interpreta-ção, contudo, é falsa, pois os embargos, mesmo nestecaso, não se desviaram um milímetro sequer de suasrazões finalísticas: longe de terem provocado uma re-forma da decisão embargada, nada mais fizeram doque integrá-la, do que preencher um vazio do primeiropronunciamento jurisdicional. [...] A natureza não-recursal dos embargos declaratórios ancora, portanto,não no fato de serem julgados pelo mesmo órgãoprolator da decisão embargada, mas, sim, na sua finali-dade de aclarar a sentença, de integrá-la; enfim, decorrigir alguma falha de expressão formal do pronunci-amento do juízo (TEIXEIRA FILHO, 2003, p. 458-459).

Por outro lado, entre os autores que defendem a naturezarecursal dos embargos de declaração encontram-se Pontes deMiranda, Alcides de Mendonça Lima, Rodrigo Reis Mazzei e RobertoLuis Luchi Demo.

Destaca-se o posicionamento de Roberto Luis Luchi Demo:

A par do ‘nomen juris’ – na esteira de Pontes de Miranda,que o tem como correto –, o relevante mesmo paraidentificar a natureza de um instituto é o regime jurídi-co que o submete (e não o seu invólucro). Assim, os

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embargos de declaração são recurso porque: poster-gam a relação processual, vale dizer, os embargos sedão na mesma relação jurídico-processual em que foiproferida a decisão objurgada; são um prolongamentoprocedimental da situação jurídico-processual das par-tes no processo, de sorte que impedem a preclusão (emsentido lato, incluindo-se o trânsito em julgado), instau-rando tão-somente um novo procedimento (o procedi-mento recursal); devem ser fundamentados, trazer oporquê dessa nova provocação jurisdicional (ainda quedo mesmo juízo), da continuidade da relação jurídico-processual e são ônus processual da parte. Andante,são denominados recurso pela lei federal (melhor seriadizer: lei nacional), em obediência ao princípio dataxatividade dos recursos. Essas características, semembargo de suas peculiaridades (ausência de contradi-tório – há exceções, como se verá adiante –, como ocor-re com o recurso ‘ex-officio’, e direção ao mesmo juízo,como ocorrem com os embargos infringentes do art. 34da Lei 6.830/80), lhe conferem a natureza ontológica derecurso (DEMO, 2003, p. 27-28).

Segundo Barbosa Moreira (2002, p. 540),”a questão é pura esimplesmente de direito positivo”.

Cumpre registrar, por pertinente, o posicionamento e o alertafeito por Rodrigo Reis Mazzei:

É importante notar, contudo, que os declaratórios têmíndole diversa dos recursos que permitem o ‘efeitosubstitutivo’ previsto no art. 512 do CPC, na medida emque o instituto visa ‘sanear’ (e não substituir) o ato judi-cial. Vale dizer nesse sentido que o enfoque que se dáao chamado efeito ‘modificativo’ ou ‘infringente’, comtodo o respeito, não é o ponto basilar para o exame danatureza jurídica do instituto, uma vez que tal situaçãoexcepcional é apenas um efeito secundário do sanea-mento do ‘error in procedendo’ tipificado. Em que peseautorizada doutrina negar natureza recursal à figuraem comento, não temos a menor dúvida de que os em-bargos declaratórios hão de ser classificados como re-curso, pois (i) trata-se de ato postulatório que, (ii) man-tendo a litispendência (adiando ou retardando os efei-tos da preclusão e/ou coisa julgada), (iii) busca corrigirato judicial (MAZZEI, 2004, p. 147).

Compartilhamos desse entendimento, razão pela qual reco-nhecemos a natureza recursal dos embargos de declaração, tantono Processo Civil quanto no Processo do Trabalho.

Na esfera cível, as alterações introduzidas no Código de Pro-cesso Civil, por força da Lei nº 8.950, de 13 de dezembro de 1994,unificaram o regramento dos embargos de declaração quanto ao

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prazo para oposição, atribuindo-lhes efeito interruptivo no que serefere à contagem de prazo para interposição posterior de recurso,bem como os incluíram, de forma expressa, no rol dos recursos ca-bíveis, previstos no artigo 496.

Outro não é o entendimento a ser adotado no que se refereao Processo do Trabalho. Os embargos de declaração foram con-templados na Consolidação das Leis do Trabalho no ano de 2000,com a edição da Lei nº 9.957, de 12 de janeiro de 2000, mediantea inclusão do artigo 897-A.

Referido artigo foi incluído no Capítulo VI – Dos Recursos – quecompõe o Título X - Do Processo Judiciário do Trabalho – da Consoli-dação das Leis do Trabalho, ou seja, foi definido como recurso, embo-ra não conste no rol dos recursos contemplados no artigo 893 da Con-solidação, no nosso entendimento, por mero lapso do legislador.

A natureza recursal dos embargos de declaração restou reco-nhecida pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgarIncidente de Uniformização Jurisprudencial:

O inciso IV do art. 496 do CPC enumera como recurso osembargos declaratórios e, a teor do art. 1º do Decreto-Lei nº 779/69, as pessoas jurídicas de direito público go-zam do prazo recursal em dobro para recorrer.Comungo do entendimento jurisprudencial desta Corteno sentido de que os embargos declaratórios constitu-em recurso em sentido amplo, e às pessoas jurídicas dedireito público deve ser concedido o prazo em dobropara a sua interposição (RR-274.809/96, 1ª Turma, Rel.Ministra Regina Rezende; RR-240.649/96, 2ª Turma, Rel.Ministro Valdir Righetto; RR-161.287/95, 4ª Turma,Relator Ministro Galba Velloso; RR-293.012/96, 5ª Tur-ma, Relator Ministro Nelson Daiha)(TST IUJ-RR246428/1996, Pleno, Rel. Min. Vantuil Abdala,DJ 20.10.2000) (HADDAD, 2002, p. 405).

Em idêntico sentido dispõe a Orientação Jurisprudencial da SDI-1 de nº 192: “Embargos declaratórios. Prazo em dobro. Pessoa jurídi-ca de direito público. Decreto-lei nº 779/69 (Inserido em 08.11.2000)”.

Embora teses de naturezas diversas possam ser sustentadas, osembargos de declaração, não só por expressa disposição legal, mastambém porque assim consagra a jurisprudência, constituem-se emrecurso.

3 Objeto dos embargos de declaração

São objeto dos embargos de declaração, tanto na dicção doartigo 535 do Código de Processo Civil, quanto na do artigo 897-Ada Consolidação das Leis Trabalhistas, as sentenças e os acórdãos.

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Do exame das disposições legais anteriormente mencionadas,resta evidente que o legislador não se manifestou quanto a seremobjeto dos embargos de declaração as decisões interlocutórias, ra-zão pela qual exegese apressada de referidas normas pode levar ointérprete a afastar a possibilidade de estas serem objeto dos em-bargos de declaração.

Por força do disposto no artigo 93, inciso XI, da ConstituiçãoFederal vigente, é condição de validade das decisões judiciais a suafundamentação. Portanto, toda e qualquer decisão judicial, e nãosó as sentenças e acórdãos, deve ser fundamentada e, caso não ofor ou contiver vícios que lhe comprometam a compreensão, pode-rá ser objeto de embargos de declaração.

A questão é enfrentada por Demo (2003, p. 34) nos seguintestermos:

A parte atingida pelas conseqüências de uma decisãotem o direito de conhecer os seus respectivos contornose os motivos que conduziram a ela. Se esses motivos oucontornos não estão claros, a decisão está viciada for-malmente, caracterizando um ‘error in procedendo’. Tema parte, de conseqüência, o direito de provocar o julgadorpara que os explicite, por meio dos embargos de decla-ração, remédio por excelência para a correção do men-cionado ‘error’. Uma vez e somente se explicitados, aísim estará a decisão formalmente apta a verter conse-qüências jurídicas sobre a parte destinatária. Não háinterpretar literalmente o art. 535 do CPC, consoantesomente as sentenças e acórdãos podem ser atacadospor este remédio.

Teixeira Filho (2003, p. 463), revendo posicionamento firma-do em sentido contrário, também se curva ao entendimento deque o objeto dos embargos de declaração não se restringe às sen-tenças e aos acórdãos:

Já não mantemos esse entendimento, conquanto nãonos arrependamos de havê-lo perfilhado, por algumtempo. Dois motivos, fundamentalmente, nos levarama admitir a possibilidade de os embargos declaratóriosserem dirigidos, também, a despachos simples e a des-pachos-decisórios, vale dizer, a pronunciamentosjurisdicionais que não configurem sentença ou acórdão.O primeiro desses motivos diz respeito à própria trans-formação extraordinária por que passaram esses em-bargos, nos últimos tempos. Transformações impostaspela Lei, pela doutrina e pela jurisprudência. Os embar-gos de declaração abandonaram a sua função estrita (ehistórica) de mecanismo corretivo de imperfeições for-mais dos atos judiciais, para se converterem, por exem-plo, em instrumento de prequestionamento, com vistas

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a interposição de recursos de natureza extraordinária,como é o caso do de revista, no sistema do processo dotrabalho. O segundo se refere ao dano que ainadmissibilidade desses embargos (a despachos-decisórios, especialmente) acarretaria à parte.

O entendimento da ampla embargabilidade, que afasta a in-terpretação restrita do artigo 535 do CPC e é plenamente aplicávelao artigo 897-A da CLT, é sustentado também por Pontes de Miranda(1975, p. 401): “contra decisões interlocutórias e nos próprios des-pachos de expediente”, e Barbosa Moreira (2002, p. 542): “Na rea-lidade, qualquer decisão judicial comporta embargos de declara-ção”.

A jurisprudência, por sua vez, tem acolhido o cabimento dosembargos de declaração em qualquer decisão judicial. Nesse sen-tido já se pronunciou a Corte Especial do Superior Tribunal deJustiça:

PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. EMBAR-GOS DECLARATÓRIOS. CABIMENTO. INTERRUPÇÃO DOPRAZO RECURSAL. APRESENTAÇÃO POSTERIOR DEAGRAVO. VALIDADE. GRANTIA MAIOR DA FUNDA-MENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. DOUTRINA. PRE-CEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. Osembargos de declaratórios são cabíveis contra qualquerdecisão judicial e, uma vez interpostos, interrompem oprazo recursal. A interpretação meramente literal doart. 535 do CPC atrita com a sistemática que deriva dopróprio ordenamento processual, notadamente após tererigido a nível constitucional o princípio da motivaçãodas decisões judiciais (BRASIL, 1999).

Reconhece-se o cabimento de embargos de declaração atémesmo em relação a decisões irrecorríveis. Esse posicionamento éconsagrado no Supremo Tribunal Federal: “Registre-se o cabimen-to dos embargos declaratórios contra toda e qualquer decisão, ain-da que apontada como irrecorrível em norma legal. É que têm comoobjeto a integração do que decidido, o aperfeiçoamento da en-trega da prestação jurisdicional pelo Estado-juiz” (BRASIL, 2000a).

No âmbito do Processo do Trabalho, decisões monocráticaspodem ser objeto de embargos de declaração, entre elas as trata-das pelo artigo 557, caput, do CPC e as que versam sobre pedidode antecipação de tutela e pedido de liminar em medida cautelare mandado de segurança.

No caso de serem opostos embargos de declaração de decisõesmonocráticas, não competirá ao órgão colegiado o julgamento,mas sim ao próprio julgador que proferiu a decisão, salvo se oembargante postular efeito modificativo, quando deverão ser con-

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vertidos em agravo, conforme jurisprudência já pacífica no âmbitodo Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da Súmula de nº421:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONTRA DECISÃOMONOCRÁTICA DO RELATOR CALCADA NO ART. 557DO CPC. CABIMENTO. (conversão da OrientaçãoJurisprudencial nº 74 da SDI-II, Res. 137/05 - DJ 22.08.05)I - Tendo a decisão monocrática de provimento oudenegação de recurso, prevista no art. 557 do CPC, con-teúdo decisório definitivo e conclusivo da lide, comportaser esclarecida pela via dos embargos de declaração,em decisão aclaratória, também monocrática, quandose pretende tão-somente suprir omissão e não, modifi-cação do julgado.II - Postulando o embargante efeito modificativo, os em-bargos declaratórios deverão ser submetidos ao pro-nunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, emface dos princípios da fungibilidade e celeridade proces-sual. (ex-OJ nº 74 - inserida em 08.11.00)

O princípio da motivação das decisões judiciais, expresso emnível constitucional, também dá sustentáculo à amplaembargabilidade das decisões proferidas.

A sua aplicação, contudo, requer do julgador extremo cuida-do, especialmente na Justiça do Trabalho, que envolve matéria decaráter alimentar, diante da possibilidade de referida abertura vira comprometer a celeridade processual, o que é vedado, de igualmodo, pela Constituição Federal, que assegura, no âmbito judici-al, a razoável duração do processo, nos termos do inciso LXXVIII,do artigo 5º, acrescido pela Emenda Constitucional de nº 45, de 08de dezembro de 2004.

Nos casos de abuso, pela parte, na utilização dos embargos dedeclaração, o julgador os declarará manifestamente protelatórios,nos termos que lhe faculta o artigo 538, § único, do CPC, aplicávelsubsidiariamente à CLT, e condenará a parte embargante nas san-ções nele previstas, conforme o caso.

4 Causas de oponibilidade

O artigo 535 do Código de Processo Civil estabelece que sãooponíveis os embargos de declaração quando na decisão houverobscuridade, contradição ou omissão.

Já o artigo 897-A da Consolidação das Leis do Trabalho prevêo cabimento dos embargos de declaração, admitindo efeitomodificativo da decisão, nos casos de omissão e contradição dojulgado ou manifesto equívoco no exame dos pressupostosextrínsecos do recurso.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

Do confronto de referidas normas legais, constata-se que aConsolidação das Leis do Trabalho não contempla como causa deoponibilidade dos embargos de declaração a obscuridade, contu-do, diversamente do Código de Processo Civil, contempla o mani-festo equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso,bem como admite, de forma expressa, a possibilidade do efeitomodificativo.

Com o advento de norma específica na Consolidação das Leisdo Trabalho quanto aos embargos de declaração (art. 897-A), sur-giram vozes no sentido de que, no âmbito do Processo do Traba-lho, não mais se poderia aplicar de forma subsidiária, conformeinteligência do artigo 769 da Consolidação, o contido no Códigode Processo Civil.

Sendo assim, não mais seriam oponíveis embargos de declara-ção na Justiça Laboral tendo como causa a obscuridade da decisão.

Nesse sentido já se pronunciou, inclusive, a jurisprudência:

Embargos de declaração. Obscuridade. Impropriedade.Na Justiça do Trabalho os embargos de declaração têmcomo pressupostos de conhecimento a omissão, a con-tradição, o equívoco manifesto no exame dos pressu-postos extrínsecos do recurso, como posto no art. 897-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redaçãoque lhe deu a Lei nº 9.957, de 12.01.2000. Significa dizerque a obscuridade deixou de justificar a medida, a me-nos que por omissão de fundamentação lógica, a sen-tença seja mesmo incompreensível e não de difícil com-preensão diante do subjetivismo da parte (BRASIL,2002).

Ousamos discordar de referido pensamento. Isso porque a pre-visão contida na Consolidação das Leis do Trabalho relativamenteaos embargos de declaração, se examinada de forma mais cuida-dosa, evidencia que não restaram estabelecidas todas as causas desua oponibilidade, autorizando concluir que continuam sendo asprevistas no artigo 535 do Código de Processo Civil, consignandosomente, de forma expressa, aquelas hipóteses que possibilitam aadmissão de efeito modificativo.

Dispõe o artigo 897-A:

Caberão embargos de declaração da sentença ouacórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julga-mento ocorrer na primeira audiência ou sessão subse-qüente a sua apresentação, registrada na certidão,admitido efeito modificativo da decisão nos casos deomissão e contradição no julgado e manifesto equívo-co no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso(grifo nosso).

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A norma Celetista é inovadora no sentido de admitir, expres-samente, a atribuição de efeito modificativo aos embargos de de-claração nos casos em que a decisão contiver omissão, contradiçãoe manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos dorecurso. Contrário senso, nos casos em que a decisão for obscura,não será admitido efeito modificativo. Esta é, a nosso ver, a melhorexegese a ser atribuída ao artigo 897-A da Consolidação das Leisdo Trabalho.

Referido posicionamento é sustentado por Teixeira Filho (2003,p. 474):

Estatui o art. 535. I e II, do CPC que os embargos dedeclaração são cabíveis quando houver na sentença: a)obscuridade; b) contradição, ou quando ela c) omitirponto sobre o qual deveria manifestar-se. Poder-se-iaimaginar não ser justificável a referência que estamosa fazer a essa norma do processo civil, uma vez que oart. 897-A, da CLT, conteria disposição acerca da maté-ria. Nada mais equivocado. O art. 897-A, da CLT, apenascogita do cabimento dos embargos de declaração, semmencionar as ‘causas’ que os autorizam. A menção fei-ta, por essa norma trabalhista, à ‘omissão’ e à ‘contradi-ção’ no julgamento teve em mira, apenas, especificar oscasos em que tais embargos seriam dotados de efeitomodificativo do pronunciamento jurisdicional a que fo-ram dirigidos. Deste modo, os embargos em exame sãocabíveis nos casos previstos no art. 535, do CPC (obscuri-dade, contradição e omissão), sendo certo que a invoca-ção dessa norma forânea está autorizada pelo art. 769,da CLT.

Na mesma linha de raciocínio consigna Mazzei (2004, p. 147):

Assim, no processo do trabalho, as ‘hipóteses deoponibilidade’ dos declaratórios devem ser buscadasno artigo 535 do CPC (obscuridade, contradição e omis-são) e de outra parte, ‘a verificação do cabimento dopedido modificativo’ estará na observância do esqua-dro do art. 897-A da CLT (omissão, contradição e mani-festo equívoco no exame dos pressupostos extrínsecosdo recurso).

Portanto, as causas de oponibilidade dos embargos de decla-ração, no âmbito do Processo do Trabalho, são idênticas àquelasprevistas no artigo 535 do Código de Processo Civil, quais sejam:obscuridade, contradição e omissão.

Diante do reconhecimento da natureza recursal dos embargosde declaração, e estando ele subordinado a causas deoponibilidade previamente estabelecidas, melhor dizendo,tipificadas, estamos diante de recurso de fundamentação vincula-

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

da, não se prestando para versar sobre toda e qualquer matériadiscutida no processo, sendo obrigação da parte indicar o pontoobscuro, contraditório ou omisso, em obediência ao disciplinadono artigo 536 do Código de Processo Civil.

A obscuridade caracteriza-se quando falta clareza na decisão,o que a torna incompreensível, e, por via de consequência, impe-de a correta interpretação do que foi decidido. Reveste-se, pre-ponderantemente, de aspectos subjetivos.

Tanto o dispositivo quanto a fundamentação da decisão po-dem estar maculados pela obscuridade. A exata compreensão dojulgado e a clara exposição dos motivos de decidir conferem segu-rança aos destinatários da prestação jurisdicional.

A ambiguidade, que decorre da utilização de vocábulos commais de um significado, sem que se possa extrair da decisão qual asua correta acepção, também configura obscuridade.

Teixeira Filho (2003, p. 475), relativamente à obscuridade, as-sim se manifesta:

Obscura é a sentença ininteligível, que não permite com-preender-se o que consta do seu texto. É conseqüência,quase sempre, de um pronunciamento jurisdicional con-fuso, em que as idéias estão mal-expostas ou mal-arti-culadas. A parte não sabe, enfim, o que o juiz preten-deu dizer, ao realizar a prestação jurisdicional. É ele-mentar que a obscuridade é um problema de foro sub-jetivo: o que pode ser ininteligível para a parte podeparecer, aos olhos do julgador, absolutamente claro.Podemos mesmo reconhecer a existência de graduaçãode obscuridade: há as que são manifestas e as que sãodiscutíveis. Importa, contudo, que a parte, convencen-do-se da obscuridade da sentença, a ela oponha embar-gos declaratórios com a finalidade de aclará-la, de torná-la inteligível.

Estaremos diante de contradição quando presente na decisãoincoerência entre os fundamentos ou entre os fundamentos e odispositivo. Em outras palavras, afirma-se alguma coisa para logoadiante negá-la na própria decisão.

Disposições antagônicas na decisão, além de configuraremcontradição, afrontam a exigência de que todo o julgado deve seruniforme e harmônico.

Moniz de Aragão (1988, p. 17), ao examinar a contradiçãoque pode estar presente nas decisões judiciais, leciona:

Ocorrendo tais hipóteses, o julgamento pronunciadopode ser no todo ou em parte inútil, tanto com vistasà fundamentação quanto com vistas ao dispositivo,isto é, ao próprio julgamento em si. No todo porque,

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se contiver somente duas idéias (ou duas proposições)que se excluam, ou se isso ocorrer, duas a duas, nadaconterá – em tal caso a sentença estará viciada deomissão: de motivos (fundamentos) ou de dispositivo(julgamento); em parte porque, se o vício afetá-loparcialmente (de mais de duas idéias ou proposições,somente duas são contraditórias), nessa parte nãoterá havido, propriamente, ou fundamentação ou jul-gamento. O mesmo ocorrerá se as idéias ou proposi-ções forem contrárias, o que tornará o julgamentoincerto, pois duas proposições contraditórias não po-dem ser nem verdadeiras nem falsas ao mesmo tem-po e duas proposições contrárias não podem ser ver-dadeiras ao mesmo tempo; se uma é verdadeira, aoutra é falsa. Além disso, pode ocorrer de duas pro-posições contraditórias ou contrárias serem ambasfalsas. Em qualquer caso, será indispensável rever asidéias e as proposições exaradas no julgamento a fimde corrigida a contradição, ou a contrariedade, torná-lo harmonioso.

Haverá omissão quando deixa o julgador de se manifestar so-bre ponto relevante ou pedido veiculado no processo.

Demo (2003, p. 72) destaca em sua obra o conceito de omissãode Ivan Campos de Souza:

A omissão, como vício do ato sentencial, indica, no co-mando estatal, que não foi dito alguma coisa, ou por-que, simplesmente, deixou de dizer, ou porque descui-dou-se de dizer o órgão jurisdicional; importa na faltamaterial, ausência, lacuna de alguma coisa que neledeveria existir, exatamente a preterição de um dizer.Para conhecimento do vício cumpre determinar tudoque é imprescindível dizer na sentença, porque somen-te aquilo que é imprescindível, segundo for exigido pelodireito positivo, importará em lacuna, caracterizando ovício de omissão.

Com efeito, necessário aqui mencionar o contido no artigo131 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que o juiz apreci-ará livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstânciasconstantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes, masdeverá indicar, na sentença, os motivos que formaram seu con-vencimento.

Isso porque não está o magistrado obrigado a julgar a matériaposta rebatendo um a um os argumentos apresentados pelas par-tes e afastando a incidência, de igual modo, de todos os dispositi-vos legais. Necessário se faz que a decisão seja suficientementemotivada, capaz de demonstrar que houve enfrentamento da ques-tão relevante trazida ao julgador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

A jurisprudência pátria reforça o acima consignado:

4. O Tribunal não fica obrigado a examinar todos osartigos de lei invocados no recurso, desde que decida amatéria questionada sob fundamento suficiente parasustentar a manifestação jurisdicional. Precedente des-ta Corte.5. O princípio do livre convencimento motivado justificaa ausência de análise dos dispositivos que pareçam paraa parte significativos, mas que para o julgador, se nãoirrelevantes, constituem questões superadas pelas ra-zões de julgar. Precedente desta Corte.6. Certa ou errada, foi proferida decisão fundamenta-da sobre o mérito da controvérsia. Qualquerinconformidade com o julgamento deve ser argüido emrecurso próprio para tal, porque não são os embargosdeclaratórios o meio processual hábil para modificar ojulgamento (BRASIL, 2000b).

No que se refere ao manifesto equívoco no exame dos pressu-postos extrínsecos do recurso, previsão contida no artigo 897-A daConsolidação das Leis do Trabalho, como causa que possibilita aatribuição de efeito modificativo ao julgado, entendemos que talcircunstância, como motivo de oponibilidade dos embargos dedeclaração, se configura omissão.

Examinadas as causas que autorizam a oponibilidade dos em-bargos de declaração (obscuridade, contrariedade e omissão), pre-vistas no Código de Processo Civil (art. 535) que é aplicável ao Pro-cesso do Trabalho, de forma subsidiária, por força do contido noartigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, passaremos aanalisar, no tópico seguinte, as causas previstas no artigo 897-A daConsolidação, que possibilitam a atribuição de efeito modificativoaos embargos de declaração e a necessidade ou não do contradi-tório nesses casos.

5 Efeito modificativo. Contraditório

As teses que sustentam o entendimento de que a decisão pro-ferida em sede de embargos de declaração não pode provocar areforma da decisão embargada têm como fundamento o fato deque o provimento judicial a ser proferido restringe-se a esclarecerou complementar o julgado.

O Código de Processo Civil de 1939, enquanto vigente, porforça do contido no artigo 862, § 2º, dava guarida aoposicionamento acima destacado, pois referida disposição legaldeterminava que a decisão proferida em embargos de declaraçãodeveria se restringir à correção da causa de oponibilidade aponta-da pela parte.

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Contudo, a regra que impunha tal limite não foi reproduzidano Código de Processo Civil de 1973, que, ao contrário, contemplanorma expressa que possibilita a alteração da decisão mediante ojulgamento de embargos de declaração: art. 463, II.

O reconhecimento de efeito modificativo – também denomi-nado efeito infringente – aos embargos de declaração se constituiem matéria pacífica, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência,desde que presente causa para sua oponibilidade na decisãoembargada.

O efeito modificativo é consequência inerente à decisão judi-cial a ser proferida nos embargos de declaração, pois a correção damácula apontada acarretará necessariamente alteração do julga-mento embargado.

Já à época em que os embargos de declaração eram reguladostão só pelo Código de Processo Civil, o Tribunal Superior do Traba-lho editou a Súmula de nº 278, pela qual foi reconhecido aos em-bargos de declaração o efeito modificativo:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NO JULGADO.A natureza da omissão suprida pelo julgamento deembargos declaratórios pode ocasionar efeitomodificativo no julgado. (Resolução 11/88, DJ de1.3.1988).

O Supremo Tribunal Federal, de longa data, reconhece a possi-bilidade de atribuir efeito modificativo aos embargos de declara-ção: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Contradição que vicia a inteire-za lógica do julgado, a constituir verdadeiro erro material, suscetívelde modificação pela via dos embargos declaratórios (BRASIL, 1972)”.

Qualquer dúvida que pudesse existir nesse sentido, no âmbitodo Direito Processual do Trabalho, restou afastada a partir da edi-ção da Lei nº 9.957, de 12 de janeiro de 2000, que introduziu, naConsolidação das Leis do Trabalho, o artigo 897-A, o qual dispõede forma específica quanto à admissão de efeito modificativo dadecisão embargada, nos casos em que o julgado contiver omissão,contradição e manifesto equívoco no exame dos pressupostosextrínsecos do recurso.

A disposição legal (artigo 897-A) é taxativa em relação às hi-póteses em que é admitido o efeito modificativo, não tendo con-templado uma das causas de oponibilidade dos embargosdeclaratórios, qual seja: a obscuridade. Portanto, resta afastada apossibilidade de se atribuir efeito modificativo aos embargos dedeclaração quando destinados a aclarar obscuridade.

Embora reconhecido o efeito modificativo aos embargos dedeclaração, o legislador deixou de ditar qual o procedimento a ser

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

adotado para seu julgamento, em nada auxiliando a prerrogativaaludida no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho quan-to à aplicação supletiva do Código de Processo Civil, porquantoeste Diploma padece de idêntica omissão.

Questão de extrema importância refere-se à necessidade, ounão, da observância do princípio do contraditório nas hipótesesem que os embargos de declaração podem produzir efeitomodificativo no julgado embargado.

Processam-se os embargos de declaração, em geral, sem que sedê vista à parte contrária para que se manifeste. Assim é procedidoporque os embargos de declaração, embora tenham naturezarecursal e se constituam em recurso vinculado, não se prestam àreapreciação do decidido, de modo que a complementação da pres-tação jurisdicional, como regra, não acarretará modificação do jul-gado, alterando a situação das partes no processo.

Contudo, diversa é a situação nos casos em que o julgador, aosuprir a causa de oponibilidade veiculada nos embargos de decla-ração (expressa no artigo 897-A da Consolidação das Leis do Tra-balho), constata a possibilidade de modificar o julgado embargado.

Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência pátria têm entendi-do ser necessária a oitiva da parte contrária, muito embora ausenteprevisão legal nesse sentido, antes de ser analisada a questão pelojulgador, sob o argumento de que, em assim não procedendo, res-taria violado o princípio do contraditório previsto na ConstituiçãoFederal (art. 5º, LV).

Entre os doutrinadores, Dinamarco (1995, p. 206) sintetiza aquestão:

A modificação do julgado, em casos assim, é absolutamen-te ilegítima quando feita sem a parte embargada em con-traditório. Ainda que nada disponha a lei a respeito, aobservância do contraditório nesses casos é de rigor cons-titucional e viola a garantia do contraditório o julgamentofeito sem oportunidade para a resposta do embargado.

O Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento quanto ànecessidade do contraditório, sob pena de violação ao artigo 5º,LV, da Constituição Federal, quando houver possibilidade de atri-buição de efeito modificativo aos embargos de declaração:

Embargos de declaração, efeito modificativo e contra-ditório (CF, art. 5º, LV). Firme o entendimento do Tribu-nal que a garantia constitucional do contraditório exigeque à parte contrária se assegure a possibilidade demanifestar-se sobre embargos de declaração que pre-tendam alterar decisão que lhe tenha sido favorável:precedentes (BRASIL, 2004).

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Seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, oTribunal Superior do Trabalho editou Orientação Jurisprudencialda SDI I, de nº 142: “Embargos declaratórios. Efeito modificativo.Vista à parte contrária”.

A jurisprudência pátria apresenta-se uníssona quanto à neces-sidade do contraditório nos casos em que os embargos de declara-ção impliquem modificação do julgado embargado, sob pena denulidade, por violação ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal.

Muito embora se entenda que casos há em que a causa deoponibilidade questionada em sede de embargos de declaraçãonão exige o contraditório, pois nenhum prejuízo acarretará à par-te, ainda assim é prudente que o julgador observe oposicionamento jurisprudencial predominante nos Tribunais sobreo tema, em observância ao princípio da celeridade processual, oque, num primeiro momento, pode parecer paradoxal.

Exemplifiquemos o caso: quando a decisão embargada é omis-sa no exame de pedido (adicional de insalubridade), em relaçãoao qual já foram produzidas todas as provas possíveis e as partes jáse manifestaram de forma ampla sobre a matéria no processo, e osembargos de declaração opostos cingem-se a postular que seja su-prida essa omissão, a decisão a ser proferida virá a complementartão só a decisão embargada, e nenhum prejuízo sofrerá oembargado, no que se refere ao seu direito ao contraditório, oqual foi amplamente assegurado e exercido no processo.

Contudo, caso não seja observada a regra do contraditório, aparte que se sentir, em tese, prejudicada terá a sua disposição re-curso contra o julgado, com grande possibilidade de ser provido,para nulificar a decisão proferida em sede de embargos de decla-ração, com o consequente retorno do processo à origem para seuregular processamento.

Assim, se o princípio da celeridade não recomendava o retar-damento do processo por alguns dias, para o fim de propiciar aouvida do embargado, o que se dirá do atraso que decorre doprocessamento de mais um recurso, com boas chances de provi-mento e consequente declaração de nulidade processual?

Garantir o contraditório, portanto, em tais casos, embora pa-reça contrassenso, torna a prestação jurisdicional mais rápida e efe-tiva.

Conclusão

Os embargos de declaração se constituem no instrumento pro-cessual pelo qual a parte pode obter esclarecimento ecomplementação da decisão judicial. A natureza jurídica dos em-

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. OBJETO. EFEITO MODIFICATIVO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO

bargos declaratórios, por expressa disposição legal, é recursal, etrata-se de recurso do tipo vinculado.

Todas as decisões judiciais são objeto de embargos de declara-ção, e não só as sentenças e os acórdãos, em observância ao princí-pio constitucional da motivação. O abuso da parte na utilizaçãodesse instrumento processual será combatido mediante a aplicaçãode multa.

A norma legal introduzida na Consolidação das Leis do Traba-lho (artigo 897-A), que versa de forma específica sobre os embar-gos de declaração, não afasta a aplicação, de forma subsidiária,das disposições contidas no Código de Processo Civil (artigos 535 a538).

O artigo 897-A da Consolidação das Leis do Trabalho cinge-sea admitir e apontar, de forma taxativa, as causas de oponibilidadeque permitem a atribuição de efeito modificativo.

A atribuição de efeito modificativo aos embargos de declara-ção é reconhecida, de forma uníssona, tanto pela doutrina quantopela jurisprudência.

O princípio constitucional do contraditório, quando houverpossibilidade de atribuição de efeito modificativo ao julgado, é deobservância obrigatória nos moldes da doutrina e da jurisprudên-cia pátria, sob pena de nulidade.

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial repetitivo. Ações revisional e de busca eapreensão convertida em depósito. Contrato de financiamentocom garantia de alienação fiduciária. Capitalização de juros. Juroscompostos. Decreto 22.626/1933. Medida Provisória 2.170-36/2001.Comissão de permanência. Mora. Caracterização. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1142925&sReg=200701790723&sData=20120924&formato=PDF>Acesso em: 25 out. 2012.

EMENTA OFICIAL

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSOESPECIAL REPETITIVO. AÇÕESREVISIONAL E DE BUSCA E APRE-ENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSI-TO. CONTRATO DE FINANCIAMEN-TO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DEJUROS. JUROS COMPOSTOS. DE-CRETO 22.626/1933. MEDIDA PRO-VISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃODE PERMANÊNCIA. MORA. CARAC-TERIZAÇÃO.

1. A capitalização de juros ve-dada pelo Decreto 22.626/1933 (Leide Usura) em intervalo inferior aum ano e permitida pela MedidaProvisória 2.170-36/2001, desde queexpressamente pactuada, tem porpressuposto a circunstância de osjuros devidos e já vencidos serem,periodicamente, incorporados aovalor principal. Os juros não pagossão incorporados ao capital e so-bre eles passam a incidir novos ju-ros.

2. Por outro lado, há os concei-tos abstratos, de matemática finan-ceira, de “taxa de juros simples” e“taxa de juros compostos”, méto-

dos usados na formação da taxa dejuros contratada, prévios ao iníciodo cumprimento do contrato. Amera circunstância de estar pactu-ada taxa efetiva e taxa nominal dejuros não implica capitalização dejuros, mas apenas processo de for-mação da taxa de juros pelo méto-do composto, o que não é proibi-do pelo Decreto 22.626/1933.

3. Teses para os efeitos do art.543-C do CPC:

- “É permitida a capitalizaçãode juros com periodicidade inferi-or a um ano em contratos celebra-dos após 31.3.2000, data da publi-cação da Medida Provisória n.1.963-17/2000 (em vigor como MP2.170-36/2001), desde que expres-samente pactuada.”

- “A capitalização dos juros emperiodicidade inferior à anual devevir pactuada de forma expressa eclara. A previsão no contrato ban-cário de taxa de juros anual supe-rior ao duodécuplo da mensal ésuficiente para permitir a cobran-ça da taxa efetiva anual contrata-da”.

4. Segundo o entendimentopacificado na 2ª Seção, a comissão

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de permanência não pode sercumulada com quaisquer outrosencargos remuneratórios oumoratórios.

5. É lícita a cobrança dos encar-gos da mora quando caracteriza-do o estado de inadimplência, quedecorre da falta de demonstraçãoda abusividade das cláusulascontratuais questionadas.

6. Recurso especial conhecido emparte e, nessa extensão, provido.

ACÓRDÃO

Retificada, por unanimidade, aproclamação ocorrida na sessão dodia 27/06/2012 para modificação doitem 2 das teses fixadas para osefeitos do artigo 543, C, do CPC,passando o item 2 a ser o seguin-te: “... 2) A capitalização dos jurosem periodicidade inferior à anualdeve vir pactuada de forma expres-sa e clara. A previsão no contratobancário de taxa de juros anualsuperior ao duodécuplo da men-sal é suficiente para permitir a co-brança da taxa efetiva anual con-tratada.”

RETIFICADA, FICA A PROCLAMA-ÇÃO INTEGRAL DA SEGUINTE FOR-MA:

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista da Sra. MinistraIsabel Gallotti divergindo do Sr.Ministro Relator e dando provimen-to ao recurso especial em maiorextensão, no que foi acompanha-da pelos Srs. Ministros Raul Araú-jo, Antonio Carlos Ferreira, VillasBôas Cueva e Marco Buzzi, a Se-gunda Seção, por maioria, deu pro-vimento ao recurso especial, emmaior extensão, vencidos os Srs.

Ministros Relator, Paulo de TarsoSanseverino e Nancy Andrighi.

Lavrará o acórdão a Sra. Minis-tra Maria Isabel Gallotti.

Para os efeitos do artigo 543, C,do CPC, foram fixadas as seguintesteses:

1) É permitida a capitalizaçãode juros com periodicidade inferi-or a um ano em contratos celebra-dos após 31/3/2000, data da publi-cação da Medida Provisória nº1.963-17/2000, em vigor como MPnº 2.170-01, desde que expressa-mente pactuada;

2) A capitalização dos juros emperiodicidade inferior à anual devevir pactuada de forma expressa eclara. A previsão no contrato ban-cário de taxa de juros anual superi-or ao duodécuplo da mensal é sufi-ciente para permitir a cobrança dataxa efetiva anual contratada.

Impedido o Sr. Ministro MassamiUyeda.

Ausente, justificadamente, naassentada do dia 08/08/2012, aSra.Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 08 de agosto de2012 (Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI

Relatora para acórdãoREsp 973.827 – DJe 24.09.2012

VOTO-VENCIDO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO:

(...)

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Trata-se, na origem, de

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

ação ordinária ajuizada por JoãoFelipe Zanella Felizardo, em facedo Banco Sudameris Brasil S/A, pormeio da qual pretende seja revisa-do contrato de financiamento paraaquisição de veículo. Pelo emprés-timo de R$ 7.076,02, comprome-teu-se a pagar 36 prestações men-sais fixas, no valor de R$ 331,83cada, no período de 21.8.2003 a21.7.2006.

Pagou apenas as duas primeirasprestações. Diante da inadim-plência, o Banco ajuizou, em abrilde 2004, ação de busca e apreen-são do veículo. Em maio de 2004,o autor ingressou com a presenteação, na qual postula sejam decla-radas nulas cláusulas que entendeabusivas, requerendo sejam limita-dos os juros remuneratórios (con-tratados em 3,16% ao mês e45,25% ao ano) a 12% ao ano; sejavedada a capitalização mensal dejuros e afirmada a impossibilidadede cumulação da correção mone-tária com a comissão de permanên-cia. Como consequência da revisãopretendida, pede seja determina-da a “consignação das (34) presta-ções restantes e que atualmentemontam em R$ 199,72 (cento enoventa e nove reais, setenta e doiscentavos) cada uma, acrescidas ain-da de correção monetária e jurosconstitucionais de 1% ao mês (...)”(fl. 15).

A sentença julgou improceden-te o pedido. Sobre a alegação decapitalização, afirmou o JuizOyama Assis Brasil de Moraes: “Des-taco que não há que se falar emcapitalização de juros, pois o con-trato em discussão prevê juros pre-fixados (...)” (fl. 86).

O Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul, no julgamento daapelação, quanto à capitalização,afirmou que “o exame do contra-to mostra que foram pactuadosjuros de 3,16% ao mês e 45,25664%ao ano (fl. 16 dos autos da ação debusca e apreensão convertida emdepósito), o que demonstra a prá-tica de cobrança de juros sobre ju-ros mensalmente.” De qualquerforma, considerou que “mesmoque pactuada a capitalização men-sal de juros, esta é inconcebível, eisque o artigo 4º do Decreto n.22.262/33 não foi revogado pela Lei4.595/64”. Quanto à MP 2.170/36,reputou-a inconstitucional (ques-tão objeto de recurso extraordiná-rio). Considerou admissível a capi-talização anual, com base no art.591 do Código Civil de 2002 (fls.145-148).

O voto vencido, da lavra doDesembargador Carlos AlbertoEtcheverry, na mesma linha da sen-tença, assentou: “Contudo, trata-se, na espécie de contrato comprestações de valor pré-fixado,acrescidas de juros compostos,modalidade de capitalização cujoafastamento não é viável, dadoque empregada, no sistema finan-ceiro tanto para a concessão demútuos e financiamentos, quantopara a remuneração das diversasoperações através das quais as ins-tituições financeiras captam recur-sos no mercado. Precisamente porisso encontra permissivo em nossodireito, conforme se depreende daleitura do art. 5º da Medida Provi-sória nº 2.170-36. Nem haveria, dequalquer forma, sentido prático emproibir a utilização de juros com-

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postos exercido controle sobre suaeventual excessiva onerosidade,como ocorre neste caso.” (fl. 151).

Em síntese, decidiu, por maio-ria, o acórdão: “inexistindo previ-são legal, é incabível a capitaliza-ção mensal de juros, em contratode financiamento garantido poralienação fiduciária, devendoincidir a anual, nos termos do art.591 do Código Civil”. Consideran-do a existência de encargosabusivos, foi afastada a mora edecretada a improcedência da bus-ca e apreensão.

O acórdão tomado do julga-mento dos embargos infringentes,relator o Desembargador SejalmoSebastião de Paula Nery, além deafirmar a inconstitucionalidade daMedida Provisória nº 2.170-36, con-siderou que, no caso, seria vedadaa cobrança da capitalização de ju-ros por ausência de expressa dis-posição contratual, dado que “afalta de indicação adequada e cla-ra sobre a incidência de capitaliza-ção de juros e, tampouco,especificação da periodicidade emque é cobrada (mensal, semestralou anual) viola o princípio da boa-fé objetiva e do direito básico doconsumidor à informação (inciso IIIdo art. 6º do CDC).” (fls. 196-203).

O recurso especial (fls. 208-244)sustenta, entre outros pontos, alegalidade da pactuação de capi-talização mensal de juros. Argu-menta que “a vedação à capitali-zação de juros sobre juros ... ape-nas prejudica a necessária transpa-rência que deve haver nos contra-tos financeiros por forçar os ban-cos a embutir nas taxas nominaisde juros um adicional equivalente

à capitalização”. Friza que, nomercado financeiro internacional,a não capitalização de juros mos-tra-se como exceção que deve serexpressamente estipulada, por es-tranha à boa técnica bancária eque, conforme a Exposição deMotivos da Medida Provisória nº1963-17, ‘ao captar recursos as ins-tituições nacionais remuneram osaplicadores com juros capitaliza-dos. Até mesmo os depósitos dapopulação para pequenos valores(v.g. caderneta de poupança) ren-dem juros capitalizados.” (...)Acrescenta que, no caso, “mostra-se incabível o seu afastamento,haja vista que os juros contratadosforam em valores prefixados, depleno conhecimento do Recorrido,pois calculados com base na taxaanual constante do contrato.”

Foi interposto, também, recur-so extraordinário, sendo ambosadmitidos.

Assim delimitada a controvér-sia, passo a apreciar a questão re-ferente à capitalização de juros, aúnica a respeito da qual seráestabelecida tese para os efeitos doart. 543-C do CPC.

Acompanho o voto do relator,Ministro Luís Felipe Salomão, noque toca à inexistência de impedi-mento ao exame do recurso espe-cial, em que pese a repercussãogeral da matéria reconhecida peloSTF no julgamento do RE 592.377/RS, já que serão examinados norecurso especial apenas os aspec-tos infraconstitucionais da causa.

Igualmente adiro ao seu enten-dimento no sentido da possibilida-de de “capitalização mensal noscontratos bancários firmados após

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

31.3.2000, data da publicação daMedida Provisória 1.963-17/00, des-de que expressamente pactuada”,primeira das teses assentadas parao efeito do art. 543-C do CPC noitem 3.6 do seu douto voto. Con-forme exaustivamente demonstra-do pelo eminente relator, a juris-prudência de ambas as Turmas da2ª Seção é unânime quanto àprevalência do art. 5º da referidamedida provisória em relação aoart. 591 do Código de 2002.

Neste ponto, assinalo que o art.5º da Medida Provisória 1.963-17/00 tornou admissível nas operaçõesrealizadas pelas instituições inte-grantes do Sistema Financeiro Na-cional “a pactuação de capitaliza-ção de juros com periodicidadeinferior a um ano”; vale dizer, nocontrato bancário poderá ser pac-tuada a capitalização semestral,trimestral, mensal, diária, contínuaetc. O intervalo da capitalizaçãodeverá ser expressamente definidopelas partes do contrato. Diversa éa disciplina legislativa dos contra-tos vinculados ao Sistema Financei-ro da Habitação, “a qual somenteem recente alteração legislativa(Lei 11.977 de 7 de julho de 2009),previu o cômputo capitalizado dejuros em periodicidade mensal” (2ªSeção, Recurso Especial 1.070.297,submetido ao rito do art. 543-C doCPC, relator Ministro Luis FelipeSalomão, DJe 18/9/2009 e 2ª Seção,Recurso Especial 1.095.852-PR, DJe19.3.2012, de minha relatoria, noqual ficou decidido, em esclareci-mento ao acórdão do Recurso Es-pecial 1.070.297, que a capitaliza-ção anual já era admitida, comoregra geral que independe de

pactuação expressa, pelo Decreto22.626/33, antes, portanto, da Lei11.977/2009).

Note-se que o art. 15-A da Lei4.380/64, com a redação dada pelaLei 11.977/2009, dispõe ser “permi-tida a pactuação de capitalizaçãode juros com periodicidade men-sal nas operações realizadas pelasinstituições integrantes do SistemaFinanceiro da Habitação - SFH.”

Em síntese, desde 31.3.2000,data da publicação da Medida Pro-visória 1.963-17/00, admite-se, noscontratos bancários em geral, apactuação de capitalização de ju-ros com periodicidade inferior aum ano (a mensal, inclusive); sal-vo nos contratos do Sistema Finan-ceiro da Habitação, em relação aosquais até a edição da Lei 11.977/2009 somente era permitida a ca-pitalização anual, passando, a par-tir de então, a ser admitida apenaspactuação de capitalização de ju-ros com periodicidade mensal, ex-cluída, portanto, a legalidade depactuação em intervalo diário oucontínuo.

IIO motivo de meu pedido de vis-

ta foi a tese assim sintetizada noitem 3.6, alínea b, do voto dorelator: “a pactuação mensal dosjuros deve vir estabelecida de for-ma expressa, portanto, é necessá-rio que o contrato seja transparen-te e claro o suficiente a ponto decumprir o dever de informaçãoprevisto no Código de Defesa doConsumidor.”

Não tenho dúvida alguma emaderir às premissas tão bem expos-tas pelo relator, amparado na dou-trina de Cláudia Lima Marques,

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Rizzato Nunes e Paulo de TarsoSanseverino, acerca da absolutanecessidade de que o contrato ban-cário seja transparente, claro, re-digido de forma que o consumi-dor, leigo, vulnerável não apenaseconomicamente, mas sobretudosem experiência e conhecimentoeconômico, contábil, financeiro,entenda, sem esforço ou dificulda-de alguma, o conteúdo, o valor ea extensão das obrigações assumi-das. A pactuação de capitalizaçãode juros deve ser expressa. A taxade juros deve estar claramente de-finida no contrato. A periodicida-de da capitalização também. So-bretudo, não deve pairar dúvidaalguma acerca do valor da dívida,dos prazos para pagamento e dosencargos respectivos.

O que se deve entender, toda-via, por “capitalização de juros”,admitida pela Lei de Usura (Decre-to 22.626/33) apenas em intervaloanual; cuja pactuação em periodi-cidade inferior a um ano passou aser permitida pela MP 1.963-17/00(atual MP 2.170-36)?

Qual o conceito jurídico de ca-pitalização de juros? Haveria iden-tidade, no sistema jurídico vigen-te, entre os termos “capitalizaçãode juros”, “anatocismo”, “juroscompostos”?

A pactuação expressa de taxaefetiva em percentual superior aoda taxa nominal significaria capi-talização de juros vedada pela Leide Usura, apenas permitida medi-ante expressa pactuação a partir daentrada em vigor da MP 1.963-17/00 atual MP 2.170-36? Sendo esteo conceito jurídico da capitaliza-ção, seria suficiente, ao perfeito

esclarecimento do devedor, e, por-tanto, à validade do contrato, amenção expressa ao percentual dataxa mensal e anual, sendo estasuperior a doze vezes a mensal (4ªTurma, AgRg no REsp 1.231.210-RS,rel. Ministro Raul Araújo, DJe1.8.2011, unânime; REsp. 1.220.930,rel. Ministro Massami Uyeda, deci-são singular, DJe 9.2.2011; AgRg noREsp 809.882/RS, rel. Ministro AldirPassarinho, decisão singular, DJ24.4.2006; 4ª Turma, AgRg no REsp735.711-RS, rel. Ministro FernandoGonçalves, unânime, DJ 12.9.2005;4ª Turma, AgRg no REsp 714.510-RS, rel. Ministro Jorge Scartezzini,unânime, DJ 22.8.2005)? Ou, aocontrário, a pactuação expressa dataxa efetiva superior aoduodécuplo da taxa mensal nãoseria suficiente para informar odevedor a respeito da capitaliza-ção e, portanto, seria inválida apactuação (4ª Turma, AgRg no REsp1.306.559-RS, rel. Ministro LuísFelipe Salomão, unânime, DJe27.4.2012 e 3ª Turma, REsp1.302.738-SC, rel. Ministra NancyAndrighi, unânime, DJe 10.5.2012)?

Verifica-se, portanto, que a una-nimidade tão bem demonstradapelo relator no sentido da legali-dade da pactuação expressa da ca-pitalização mensal de juros noscontratos bancários posteriores a31.3.2000 não existe a propósito doque se deva entender como ade-quada forma de pactuar a capitali-zação.

Para expor meu entendimentosobre a questão, começo por ex-trair do sistema jurídico pátrio -mediante a análise não apenas daliteralidade das leis, mas sobretu-

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

do da respectiva interpretação con-solidada pela jurisprudência desteTribunal - o conceito jurídico doque seja a capitalização de jurosvedada em intervalo inferior aoanual pela Lei de Usura e, atual-mente, admitida pela MP 2.170-36,desde que expressamente pactua-da.

A propósito da importância doestabelecimento dos conceitos pre-sentes nas normas jurídicas, invo-co a preciosa lição de San TiagoDantas:

“Em primeiro lugar, submete asnormas a um tratamentoindutivo, para evidenciar osprincípios que nelas se achaminclusos. As normas jurídicasque a primeira vista são desli-gadas entre si, desde que nósnos ponhamos a raciocinar so-bre elas, começam a evidenciarparentesco”....“O segundo trabalho dodogmatista é fixar os conceitoscom que são construídas as nor-mas. Toda a norma jurídica em-prega idéias que são constan-tes dentro do mesmo sistemade normas. Quando abrem umalei que se promulga e que con-tém uma frase dizendo “o danoserá composto assim”; e depoisoutra lei, nas compilações, diz:“no dano observar-se-á tal re-gra”, deverão saber se a pala-vra dano significa a mesma coi-sa nesta e na outra lei, se existeeste conceito técnico de danona legislação e, se porventura alei empregar a palavra noutrosentido, precisar que numa leié isto e na outra é diferente. Épreciso construir os conceitos “....

“O jurista, além de fixar os con-ceitos de dogmática, tem de fi-xar a terminologia”....O Direito não dispensa grandeestudo dos termos, porque umerro de termos conduz a umerro de direito. A linguagemestá para o jurista como o de-senho para o arquiteto. A únicamaneira de exprimir as catego-rias lógicas com que ele traba-lha é fixar a terminologia, ou-tra preocupação dadogmática.” (“Programa deDireito Civil”, Teoria Geral, Fo-rense, 3ª edição, 2001, p. 7-8).

Cumpre, portanto, definir oconceito de capitalização de jurosno sistema jurídico brasileiro.

O texto legal a ser tomadocomo ponto de partida para a aná-lise do significado de “capitaliza-ção”, em nosso sistema jurídico, éo Decreto 22.626/33, o qual assimdispõe:

“Art 1º. É vedado, e será puni-do nos termos desta lei, estipu-lar em quaisquer contratos ta-xas de juros superiores ao do-bro da taxa legal (Código Civil,art. 1.062)”.Art 4º. É proibido contar jurosdos juros; esta proibição nãocompreende a acumulação dejuros vencidos aos saldos líqui-dos em conta corrente de ano aano.”

O Decreto 22.626/33, tambémconhecido como “Lei de Usura”,estabeleceu, portanto, duas restri-ções à liberdade pactuar de taxade juros: no art. 1º limitou opercentual ao máximo de 12% aoano (dobro da taxa legal prevista

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no Código de 1916) e, no art. 4º,proibiu a contagem de “juros dosjuros”, salvo a “acumulação de ju-ros vencidos aos saldos líquidos emconta corrente de ano a ano”.

O limite previsto no art. 1º ain-da está em vigor, não se aplican-do, todavia, às instituições finan-ceiras, conforme jurisprudênciaconsolidada na Súmula 596 do STF,segundo a qual “as disposições doDecreto 22.626 de 1933 não se apli-cam às taxas de juros e outros en-cargos cobrados nas operações re-alizadas por instituições públicasou privadas, que integrem o Siste-ma Financeiro Nacional.” Tambémo STJ consolidou o entendimentode que “A estipulação de jurosremuneratórios superiores a 12%ao ano, por si só, não indicaabusividade” (Súmula 382) e deque “são inaplicáveis aos jurosremuneratórios dos contratos demútuo bancários as disposições doart. 591 c/c art. 406 do CC/02” (2ªSeção do STJ no REsp 1.061.530,relatora Ministra Nancy Andrighi).Havendo abuso na fixaçãocontratual das taxas de juros, de-verá ser comprovado caso a caso,e invalidado pelo Judiciário combase no Código de Defesa do Con-sumidor e no princípio que veda oenriquecimento sem causa.

Vale dizer, para as instituiçõesfinanceiras, não há limite legalfixo; a taxa de juros passível deestipulação contratual legítimavaria conforme a conjuntura eco-nômica, podendo ser invalidadapelo Judiciário em caso de compro-vado abuso.

A segunda ordem de restrição,contida no art. 4º (proibição da “con-

tagem de juros dos juros, salvo aacumulação de juros vencidos aossaldos líquidos em conta corrente deano a ano”), é a base legal daSúmula 121 do STF, segundo a qual“É vedada a capitalização de juros,ainda que expressamente pactuada”.Esta restrição, até março do ano2.000, aplicava-se, na linha da pací-fica jurisprudência, também às ins-tituições financeiras, salvo permissãolegal prevista em legislação especi-al, como ocorre com as cédulas decrédito rural, industrial, comercial(Súmula 93/STJ). A partir da entradaem vigor da MP 1.963/00 (atual MP2.170/01), passou a ser legalmenteadmitida a pactuação expressa da ca-pitalização de juros em intervalo in-ferior ao anual.

Vejamos o que se entende porcapitalização de juros.

O Vocabulário Jurídico de Plá-cido e Silva assim define:

“CAPITALIZAÇÃO. Segundo suaorigem, tomado em acepçãoprópria, capitalização , seja nosentido jurídico, seja no sentidoeconômico, quer significar aconversão dos rendimentos oudos frutos de um capital, emcapital, unindo-se tais frutos aoprincipal, para se igualarem ouse acumularem a ele.Desse modo, a capitalizaçãomostra-se a gênese de novo ca-pital, que se vem anexar ou acu-mular ao primitivo, de onde seproduziu, para aumentar a suasoma.A capitalização ocorre segundose ajustar, pois que, não haven-do ajuste ou convenção, em re-gra não se opera a capitaliza-ção, isto é, os juros ou as rendasnão se acumulam ao capital.

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Capitalização. Em acepção es-pecial também se chama de ca-pitalização ao cálculo do valor-capital de um bem produtivo,isto é, a estimação de sua valiaou de seu preço (capital), ten-do-se em conta as suas rendasjá vencidas e que nele se com-putam para efeito desta avali-ação.”(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edi-ção, 1984, Volume I, p. 373).

O mesmo Vocabulário defineanatocismo como sinônimo de ca-pitalização:

“ANATOCISMO. É vocábulo quenos vêm do latim anatocismus ,de origem grega, significandousura, prêmio composto ou ca-pitalizado.Desse modo vem significar acontagem ou cobrança de jurossobre juros.A cobrança ou exigência de ju-ros sobre juros acumulados nãoé admitida, desde que, resultan-te de contrato, não exista esti-pulação que a permita.Quer isso dizer que a capitali-zação de juros, isto é, a incorpo-ração dos juros vencidos ao ca-pital, e a cobrança de juros so-bre o capital assim capitaliza-do, somente tem apoio legalquando há estipulação que aautorize.Desde que não haja esta esti-pulação, os juros não se capita-lizam e, em consequência, nãorenderão para o credor juroscontados sobre eles, mesmovencidos e escriturados na con-ta do devedor.Quando se trata, porém, de ju-ros contados em conta corren-te , o próprio Direito Comercial(art. 253) permite a acumula-

ção dos juros vencidos aos sal-dos liquidados de ano a ano, e,em tal caso, se permite a con-tagem posterior dos juros sobreos saldos então apurados.O próprio Cód. Civil brasileiro,em seu art. 1.262, permitiu acapitalização.Havendo convenção, embora oCódigo fale em capitalizaçãoanual, a contagem dos juros so-bre os juros acumulados podeser permitida semestralmen-te.”(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edi-ção, 1984, Volume I, p. 151).

Nos verbetes “JUROS COMPOS-TOS” e “JUROS ACUMULADOS”, oVocabulário de Plácido e Silva li-mita-se a fazer remissão ao verbe-te “JUROS CAPITALIZADOS”, oqual tem o seguinte texto:

“JUROS CAPITALIZADOS: Ex-pressão usada na técnica do co-mércio para designar os jurosdevidos e já vencidos que, peri-odicamente, se incorporam aoprincipal, isto é, se unem ao ca-pital representativo da dívidaou obrigação, para constituíremum novo total.São, assim, juros que se integra-ram no capital, perdendo suaprimitiva qualidade de frutos,para se apresentarem na somado capital assim constituído.E, neste caso, se capitalizáveis,em virtude de estipulação oudeterminação legal, passamcomo parcela do capital a pro-duzir frutos, tal qual ele.Dizem-se, também, juros com-postos , em oposição aos quenão se acumulam, que se dizemjuros simples.”(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edi-ção, 1984, Volume III, p. 36).

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O voto do Ministro Luís FelipeSalomão, valendo-se da doutrinade Roberto Arruda de Souza Limae Adolfo Mamoru Nishiyama, de-fine juros capitalizados como “ju-ros devidos e já vencidos que, pe-riodicamente (v.g., mensal, semes-tral ou anualmente), se incorporamao valor principal (in ContratosBancários - Aspectos Jurídicos eTécnicos da Matemática Financei-ra para Advogados, Editora AtlasS/A, São Paulo: 2007, p. 36).

De todas essas definições, extrai-se que a noção jurídica de “capita-lização”, de “anatocismo”, de “ju-ros capitalizados”, de “juros com-postos”, de juros acumulados, tra-tados como sinônimos, está ligadaà circunstância de serem os jurosvencidos e, portanto, devidos, quese incorporam periodicamente aocapital; vale dizer, não é conceitomatemático abstrato, divorciadodo decurso do tempo contratadopara adimplemento da obrigação.O pressuposto da capitalização éque, vencido o período ajustado(mensal, semestral, anual), os jurosnão pagos sejam incorporados aocapital e sobre eles passem a incidirnovos juros.

Por outro lado, há os conceitosabstratos, de matemática financei-ra, de “taxa de juros simples” e“taxa de juros compostos”. Dizemrespeito ao processo matemáticode formação da taxa de juros co-brada. Com o uso desses métodoscalcula-se a equivalência das taxasde juros no tempo (taxas equiva-lentes). Quando a taxa é apresen-tada em uma unidade de tempodiferente da unidade do períodode capitalização diz-se que a taxa

é nominal; quando a unidade detempo coincide com a unidade doperíodo de capitalização a taxa éa efetiva. Por exemplo, uma taxanominal 12% ao ano, sendo a ca-pitalização dos juros feita mensal-mente. Neste caso, a taxa efetiva éde 1% ao mês, o que é equivalen-te a uma taxa efetiva de 12,68%ao ano. Se a taxa for de 12% aoano, com capitalização apenas anu-al, a taxa de 12% será a taxa efeti-va anual.

Extraio de trabalho de autoriade Teotônio Costa Rezende publi-cado no site da Universidade Fe-deral Rural do Rio de Janeiro(www.ufrrj.br/posgrad/ppgem/03/64.pdf) as seguintes noções: (1) emum prazo inferior ao período detempo da taxa (ex: período de 15dias para uma taxa de juros men-sal), o montante dos juros calcula-dos pela sistemática de juros sim-ples é maior do que o montantedos juros compostos. Este fato éresultante da transformação dataxa para períodos menores pormeio de taxas proporcionais; (2) noprazo igual ao período da taxa (porexemplo taxa de juros mensal, comjuros apurados mensalmente) omontante dos juros calculados pelasistemática de juros simples é igualao dos juros compostos, não ha-vendo distorções; (3) num prazosuperior ao período de tempo dataxa (por exemplo, período de 6meses e taxa de juros mensal), omontante dos juros calculados pelasistemática de juros simples é me-nor do que o montante dos juroscalculados no modelo de juros com-postos. A diferença é tanto maior,quanto for o período considerado.

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Essas assertivas somente são váli-das se os juros forem apurados acada período, porém quitados nofinal do prazo.

Teotônio Costa Rezende tam-bém esclarece: “É comum receber-mos cálculos mirabolantes, onde sepretende demonstrar que uma taxade juros anual se multiplica váriasvezes se a capitalização passar a sermensal (por exemplo: uma taxa de12,0% a.a. passaria para 144% etc).Na verdade, o critério de capitali-zação se apura através deexponenciação e não de multipli-cação. Se começarmos a simulartaxas capitalizadas anualmente,semestralmente, mensalmente, di-ariamente e continuamente, sere-mos surpreendidos pelos resulta-dos, uma vez que a diferença en-tre estas irá ficando cada vez me-nor, até atingir um limite”. E apósdescrever a fórmula matemáticapara a apuração da taxa efetiva,esclarece que à medida que se au-menta o “n” (períodos de capitali-zação) do divisor da taxa nominal,também se aumenta o “n”exponencial, ou seja, o número aser potencializado torna-se cadavez menor. E prossegue: “A títulode exemplo, veja o que acontececom a maior taxa nominal de ju-ros que praticamos no crédito imo-biliário, ou seja, 12,0% a.a. Se ca-pitalizada semestralmente =12,360% a.a; mensalmente,corresponde a 12,683% a.a.; diari-amente = 12,747% a.a e continua-mente = 12,750% a.a. Nota-se quea mudança de anual para semes-tral implicou em um acréscimo de0,36 pontos percentuais; de semes-tral para mensal de 0,32 pontos

percentuais; de mensal para diáriode 0,06 pontos percentuais e dediário para contínuo praticamen-te não existe diferença. Duas liçõesprecisam ser extraídas destes co-mentários: primeiro - o fato de astaxas serem capitalizadas não traznenhuma mudança astronômicaentre taxa nominal e efetiva; se-gundo - à medida que se aumentaos períodos de capitalização, re-duz-se o impacto em termos deproporção do crescimento da taxaefetiva.”

Em síntese, o processo compos-to de formação da taxa de juros émétodo abstrato de matemáticafinanceira, utilizado para a própriaformação da taxa de juros a sercontratada, e, portanto, prévio aoinício de cumprimento das obriga-ções contratuais. A taxa nominalde juros, em período superior aoperíodo de capitalização (vg, taxaanual, capitalizada mensalmente),equivale a uma taxa efetiva maisalta. Pode o contrato informar ataxa anual nominal, esclarecendoque ela (a taxa) será capitalizadamensalmente; ou optar por consig-nar a taxa efetiva anual e a taxamensal nominal a ela correspon-dente. Não haverá diferença naonerosidade da taxa de juros e,portanto, no valor a ser pago pelodevedor. Trata-se, portanto, apenasde diferentes formas de apresen-tação da mesma taxa de juros, con-forme o tempo de referência. Porser método científico, neutro, abs-trato, de matemática financeira,não é afetado pela circunstância,inerente à cada relação contratual,de haver ou não o pagamentotempestivo dos juros vencidos.

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Por outro lado, ao conceito dejuros capitalizados (devidos e ven-cidos), juros compostos (devidos evencidos), capitalização ouanatocismo é inerente a incorpo-ração ao capital dos juros vencidose não pagos, fazendo sobre elesincidir novos juros. Não se trata,aqui, de método de matemáticafinanceira, abstrato, prévio ao iní-cio da vigência da relaçãocontratual, mas de vicissitude in-trínseca à concreta evolução darelação contratual. Conforme fo-rem vencendo os juros, haverá pa-gamento (aqui não ocorrerá capi-talização); incorporação ao capitalou ao saldo devedor (capitalização)ou cômputo dos juros vencidos enão pagos em separado, a fim deevitar a capitalização vedada emlei.

Postos estes conceitos, voltemosao texto do Decreto 22.626/33. Oreferido diploma legal veda a con-tagem de juros dos juros; mas es-tabelece que a proibição não com-preende a acumulação de jurosvencidos aos saldos líquidos emconta corrente de ano a ano. Apacífica jurisprudência do STJ com-preende que a ressalva permite acapitalização anual como regraaplicável aos contratos de mútuoem geral. Assim, não é proibidocontar juros de juros em intervaloanual; os juros vencidos e não pa-gos podem ser incorporados aocapital uma vez por ano para so-bre eles incidirem novos juros (Se-gunda Seção, EREsp. 917.570/PR,relatora Ministra Nancy Andrighi,DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR,de minha relatoria, DJe 19.3.2012).

O objetivo do art. 4º do Decre-

to 22.626/33, ao restringir a capi-talização, é evitar que a dívidaaumente em proporções nãoantevistas pelo devedor em dificul-dades ao longo da relaçãocontratual. Nada dispõe o art. 4ºacerca do processo de formação dataxa de juros, como a interpreta-ção meramente literal e isolada desua primeira parte (é proibido con-tar juros de juros) poderia fazersupor.

Quanto à taxa de juros, a limi-tação de percentual máximo (e nãorestrição quanto ao método mate-mático de formação da taxa) estáestabelecida no art. 1º do mesmodecreto (12% ao ano) e não se apli-ca, como já exposto, às instituiçõesfinanceiras.

Como já visto que a taxa nomi-nal tem uma correspondente efe-tiva (sendo esta superior se calcu-lada em período maior do que oda taxa), e se não hálimite legalprefixado para esta taxa efetiva (aqual somente será invalidada peloJudiciário se comprovadamenteabusiva), não me parece coerentecom o sistema jurídico vigente, talcomo compreendido pela pacíficajurisprudência do STJ e do STF, ex-tirpar do contrato a taxa efetivaexpressamente contratada emnome da vedação legal à capitali-zação de juros.

O coerente com o sistema será,data maxima venia, respeitar o con-tratado, inclusive a taxa efetiva dejuros, glosando-a apenas se de-monstrado o abuso, nos termos dapacífica jurisprudência assentadasob o rito dos recursos repetitivos.Neste caso, o abuso consistirá noexcesso da taxa de juros.

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A mera circunstância de estarpactuada taxa efetiva e taxa nomi-nal de juros não implica, portan-to, capitalização de juros, mas ape-nas processo de formação da taxade juros pelo método composto.

Seria incongruente com o siste-ma admitir, por exemplo, a legali-dade da contratação de taxa dejuros calculada pelo método sim-ples de 12% ao ano e não admitira legalidade da contratação de ju-ros compostos em taxa mensal (ex-pressa no contrato) corresponden-te a uma taxa efetiva anual inferi-or (também expressa no contrato).

Esclarecedor o exemplo imagi-nado pelo Professor José DutraVieira Sobrinho:

“O exemplo a seguir evidencia oabsurdo que representa a proi-bição de se capitalizar juros. Deacordo com o entendimento ju-rídico predominante, um em-préstimo poderia ser contratadoa juros de 1% ao mês, pelo prazode um ano, desde que não capi-talizado, o que totalizaria 12%no vencimento; entretanto, essamesma operação não poderia sercontratada a juros compostos de0,75% ao mês pelo mesmo pra-zo, embora o total no vencimen-to, de 9,38%, seja menor que oanterior” (extraído do trabalho“Conflitos Judiciais EnvolvendoConceitos Básicos de Matemáti-ca Financeira”).

A coerência, parâmetrodefinidor de um sistema de normascomo sistema jurídico, éenfatizada por San Tiago Dantas:

“Finalmente, o trabalho dedogmática se conclui pela cons-

trução do sistema. Evidenciar osprincípios, induzir os conceitos,fixar a terminologia e construiro sistema de normas jurídicas,que formam a regulamentaçãoda vida numa certa sociedade,isto é um estudo de dogmáticajurídica, que quer dizer que ésempre possível construir, comqualquer das instituições e comas normas, um sistema coeren-te, lógico, em que os institutosse acham evidentemente clas-sificados, em que o mais geralabrange o mais particular e emque, portanto, a inteligênciapode penetrar segundo um es-quema lógico. Eis porque pode-mos fazer esta afirmação capi-tal: nem todo corpo de normasé um sistema jurídico.Se amanhã nos pusermos a le-gislar para pequena sociedadeimaginária ou construída pornós mesmos, e determinarmosnormas como estas, “ninguémpode matar”, todo mundo podefurtar”, “ninguém está obriga-do a reparar o prejuízo que cau-sa”, “todo mundo está obriga-do a compor o que tiver contra-tado”; poderemos formar umcorpo de leis e aplicá-las, masninguém pode construir sobreeste corpo de leis um sistema.Não se formará dogmática des-te corpo de normas, porque ve-remos que estas várias normasse contradizem, se repelem en-tre si, e não podemos criar umaciência jurídica sobre a base defenômenos desta maneira con-traditórios (ob. citada, p. 8-9).

Assim, embora o método com-posto de formação da taxa de ju-ros seja comumente designado, emtextos jurídicos e matemáticos,como “juros compostos”, empre-

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gada esta expressão também comosinônimo de “capitalização”, “ju-ros capitalizados” e “anatocismo”,ao jurista, na construção do direi-to civil, cabe definir a acepção emque o termo é usado na legislação,a fim de que os preceitos legais erespectivas interpretaçõesjurisprudenciais não entrem emcontradição, tornando incoerenteo sistema.

Tomando por base essas premis-sas, concluo que o Decreto 22.626/33 não proíbe a técnica de forma-ção de taxa de juros compostos (ta-xas capitalizadas), a qual, repito,não se confunde com capitalizaçãode juros em sentido estrito (incor-poração de juros devidos e venci-dos ao capital, para efeito de inci-dência de novos juros, prática ve-dada pelo art. 4º do citado Decre-to, conhecida como capitalizaçãoou anatocismo).

A restrição legal ao percentualda taxa de juros não é a vedaçãoda técnica de juros compostos (me-diante a qual se calcula a equiva-lência das taxas de juros no tem-po, por meio da definição da taxanominal contratada e da taxa efe-tiva a ela correspondente), mas oestabelecimento do percentualmáximo de juros cuja cobrança épermitida pela legislação, vale di-zer, como regra geral, o dobro dataxa legal (Decreto 22.626/33, art.1º) e, para as instituições financei-ras, os parâmetros de mercado, se-gundo a regulamentação do Ban-co Central (Lei 4.595/64).

Dessa forma, se pactuados juroscompostos, desde que a taxa efeti-va contratada não exceda o máxi-mo permitido em lei (12%, sob a

égide do Código Civil de 1916, e,atualmente, a taxa legal previstanos arts. 406 e 591 do Código vi-gente, limites estes não aplicáveisàs instituições financeiras, cf.Súmulas 596 do STF e 382 do STJ eacórdão da 2ª Seção do STJ no REsp1.061.530, rel. Ministra NancyAndrighi) não haverá ilegalidadena fórmula adotada no contratopara o cálculo da taxa efetiva dejuros embutidos nas prestações.

Este entendimento encontraapoio na doutrina de José DutraVieira Sobrinho:

“1.4 – O que é anatocismoDe acordo com a ampla pesqui-sa que realizei, anatocismonada tem a ver o critério de for-mação dos juros a serem pagos(ou recebidos) numa determi-nada data; ele consiste na co-brança de juros vencidos e nãopagos, exatamente como con-ceituado no Novo DicionárioBrasileiro. E como a legislaçãobrasileira foi inspirada nas leisdos países europeus como aFrança, Portugal, Alemanha,Itália, Espanha e Holanda, en-tendo ser importante transcre-ver o conceito de anatocismocontido nos códigos civis e co-merciais de alguns desses paí-ses. Embora parte dessas naçõestenham promulgado seus códi-gos civis posteriormente ao anode 1850, a legislação vigente naépoca já contemplava aqueleconceito. Assim, no Código Civilportuguês, a definição encon-trada endossa plenamente onosso entendimento: “Art. 560– Para que os juros vencidos pro-duzam juros é necessária con-venção posterior ao vencimen-to; pode haver também juros de

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juros, a partir da notificação ju-dicial feita ao devedor para ca-pitalizar os juros vencidos ouproceder ao seu pagamentosob pena de capitalização. Sópodem ser capitalizados os ju-ros correspondentes ao perío-do mínimo de um ano.”No Código Civil italiano encon-tramos entendimento seme-lhante: “Art. 1283 – Na falta deuso contrário, os juros vencidossó podem produzir juros do diado pedido judicial, ou por efeitode convenção posterior ao seuvencimento, e sempre que tra-te de juros devidos pelo menospor 6 meses.” E no Código Civilfrancês, conhecido também porCódigo de Napoleão, considera-do pela maioria dos grandes ju-ristas como o pai de todos oscódigos, o entendimento não édiferente: “Art. 1154 – Os jurosvencidos dos capitais podemproduzir juros, quer por um pe-dido judicial, quer por uma con-venção especial, contando que,seja no pedido, seja na conven-ção, se trate de juros devidos,pelo menos por um ano inteiro.Com base nessas evidências po-demos deduzir que o Art. 253do nosso Código Comercial edi-tado em 1850, copiado literal-mente no Art. 4º do Decreto22626 de 7 de abril de 1933, foimal copiado ou mal traduzido.Esse artigo tem a seguinte re-dação: “É proibido contar jurosdos juros; esta proibição nãocompreende a acumulação dejuros vencidos aos saldos liqui-dados em conta corrente deano a ano.” Observa-se clara-mente que primeira frase de-veria ser “É proibido contar ju-ros dos juros vencidos, ou ain-da, “É proibido calcular jurossobre juros vencidos.

1.5 – Existência do anatocismoe a prática dos juros compostosEntendido o anatocismo talcomo foi caracterizado, ele so-mente existiria se após o venci-mento de uma operação o cre-dor cobrasse juros sobre os ju-ros vencidos e não pagos. Va-mos esclarecer melhor essaquestão como exemplo de umempréstimo de R$ 1.000,00para ser quitado por R$1.225,00 no final de 9 meses. Oanatocismo somente ocorreriase após o vencimento, e numprazo inferior a 12 meses, o cre-dor cobrasse juros também so-bre os juros de R$ 225,00.É importante também observara seguinte questão: o que mudapara o devedor ou credor saber,que no exemplo mencionado, aoperação custa 2,5% ao mês secalculada a juros simples ou2,28% se calculada a juros com-postos? Para efeitos legais, osdados relevantes são o valor doempréstimo, o valor de resga-te e o vencimento; entendo queo critério utilizado para obten-ção do valor os juros é absolu-tamente secundário!” (extraí-do do trabalho “Conflitos Judi-ciais Envolvendo Conceitos Bá-sicos de Matemática Financei-ra”).

No caso em exame, os juros con-tratados foram prefixados no con-trato, no qual consta a taxa men-sal nominal (3,16% ao mês) e a taxaanual efetiva (45,25% ao ano). Nãofoi comprovada a abusividade, emtermos de mercado, da taxa efeti-va de juros remuneratórios pactu-ada. O valor fixo das 36 prestaçõesigualmente está expresso no con-trato, não podendo o consumidoralegar surpresa quanto aos valores

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fixos, inalteráveis, das 36 presta-ções que se comprometeu a pagar.Não está prevista a incidência decorreção monetária. A expectativainflacionária já está embutida nataxa de juros. Após pagar duasprestações, deixou de honrar suasobrigações e ajuizou ação postu-lando a redução da prestação acor-dada em R$ 331,83 para R$ 199,80.

Na realidade, a intenção do au-tor/recorrido é reduzir drasticamen-te a taxa efetiva de juros, usandocomo um de seus argumentos aconfusão entre o conceito legal de“capitalização de juros vencidos edevidos” e o “regime composto deformação da taxa de juros”, am-bos designados indistintamente naliteratura matemática e em diver-sos textos jurídicos, até mesmo nasinformações prestadas nestes autospelo Banco Central, com o mesmotermo “juros compostos” ou “ju-ros capitalizados”.

Não poderia ser, com a devidavênia, mais clara e transparente acontratação do que a forma comofoi feita no caso concreto em exa-me: com a estipulação das presta-ções em valores fixos e iguais (36prestações de R$ 331,83) e a men-ção à taxa mensal e à correspon-dente taxa anual efetiva.

Nada acrescentaria à transparên-cia do contrato, em benefício doconsumidor leigo, que constasseuma cláusula esclarecendo que astaxas mensal e anual previstas nocontrato foram obtidas medianteo método matemático de juroscompostos.

Sabedor da taxa mensal e daanual e do valor das 36 prestaçõesfixas, fácil ficou para o consumi-

dor pesquisar, entre as instituiçõesfinanceiras, se alguma concederiao mesmo financiamento com umataxa mensal ou anual inferior, per-fazendo as prestações fixas um va-lor menor.

As informações prestadas peloBanco Central enfatizam que seafastada a legalidade/constitucio-nalidade da formação composta dataxa de juros haverá “redução datransparência (...) dado que cadainstituição financeira poderá apre-sentar diferentes taxas de juros sim-ples para diferentes prazos, semque necessariamente seja possívelpadronizá-las e daí compará-las,caso as instituições se especializemem operações com prazos diver-sos.” (e-STJ fl. 323).

Lê-se, ainda, nas informações doBanco Central (referindo-se, nesteponto, à taxa estipulada sob o re-gime de juros compostos):

“Ademais, a capitalização dejuros é capaz de gerar uma pa-dronização na forma de côm-puto e, pela viabilidade do co-tejo, fomentar a competiçãoentre as instituições financeiras.Um ambiente mais competiti-vo é mais apto a gerar reduçõesnas taxas de juros e nos spreadspraticados. É o que concluiu a aConsultoria da Diretoria de Po-lítica Econômica do Banco Cen-tral em estudo elaborado a pe-dido desta Procuradoria-Geralpara subsidiar esta manifesta-ção da Autarquia:Um terceiro aspecto a ser con-siderado é a redução de trans-parência que a decisão [pelainconstitucionalidade] proporci-onará, dado que cada institui-ção financeira poderá apresen-

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tar diferentes taxas de jurossimples para diferentes prazos,sem que necessariamente sejapossível padronizá-las, caso asinstituições se especializem emoperações com prazos diver-sos.” (fl. e-STJ 323).(...)“Caso seja declarada inconsti-tucional a medida provisória quepermite a capitalização, as ins-tituições financeiras não se li-mitarão a conceder crédito comas mesmas taxas atualmentepraticadas. Certamente, irãopraticar taxas nominais equiva-lentes à taxa capitalizada. As-sim, se notará um desestímuloao alongamento de prazos, pois,como mostra a referida notatécnica, sem a capitalização,quanto maior o prazo, maior ataxa de juros nominais equiva-lentes, a qual se apura de for-ma crescente. O tomador logose sentirá desestimulado a ope-rar com prazos mais longos, nasuposição, equivocada, de queos juros são maiores e, assim,deixará de contratar em melho-res condições”. (fl. e-STJ 325).

Por outro lado, se constasse docontrato em exame, além do valordas prestações, da taxa mensal eda taxa anual efetiva, também clá-usula estabelecendo “os juros ven-cidos e devidos serão capitalizadosmensalmente”, ou “fica pactuadaa capitalização mensal de juros”,por exemplo, como passou a seradmitido pela MP 2.170-36, aconsequência para o devedor nãoseria a mera validação da taxa dejuros efetiva expressa no contratoe embutida nas prestações fixas. Talpactuação significaria que, nãopaga determinada prestação, sobre

o valor total dela (no qual estãoincluídos os juros remuneratórioscontratados) incidiriam novos ju-ros remuneratórios a cada mês, ouseja, haveria precisamente a inci-dência de juros sobre juros venci-dos e não pagos incorporados aocapital (capitalização ou anatocis-mo), prática esta vedada pela Leide Usura em intervalo inferior aum ano e atualmente permitidaapenas em face de prévia, expres-sa e clara previsão contratual.

Esta prática - capitalização dejuros vencidos e não pagos – aca-bou admitida em nosso sistemajurídico, como regra nas operaçõesbancárias, pela vigente MP 2.170-36, editada, como se verifica dasinformações do Banco Central, como intuito de resolver a incertezajurídica sobre a legalidade do sis-tema de juros compostos,comumente tratado como sinôni-mo de “capitalização de juros”, daqual se valiam maus pagadores,gerando o aumento do risco e,portanto, o aumento do spread edas taxas de juros, em prejuízo detodo o sistema financeiro.

A consequência do texto damedida provisória foi permitir,como regra geral para o sistemabancário, não apenas o regimematemático de juros compostos,mas o anatocismo propriamentedito, o qual também tem sua justi-ficativa econômica, assim posta nasinformações do Banco Central (fl.325):

“Acrescente-se, ainda, que a ca-pitalização de juros desestimulaas instituições financeiras arenegociarem os contratos com

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periodicidade mensal, situaçãoem que, ao final do mês, o valoremprestado, acrescidos dos ju-ros correspondentes, deve serquitado. Tal situação enseja ochamado ‘anatocismo indireto’,bem mais oneroso para o deve-dor, que seria obrigado a cap-tar recursos em outra institui-ção financeira para adimplir aprimeira operação. Dessemodo, sob o ponto de vista eco-nômico, a capitalização de ju-ros, tal como prevista pela me-dida provisória impugnada,apresenta-se muito mais bené-fica ao tomador, atendendo as-sim aos interesses da coletivi-dade (cf. itens 8 e 9 da Exposi-ção de Motivos 210/MF, de 24de março de 2000). Eis a razãopela qual a medida provisóriadeve ser mantida.”

Conclui-se, portanto, que a ca-pitalização de juros vedada pelaLei de Usura e permitida, desde quepactuada, pela MP 2.170-36, dizrespeito às vicissitudes concreta-mente ocorridas ao longo da evo-lução do contrato. Se os juros pac-tuados vencerem e não forem pa-gos, haverá capitalização(anatocismo, cobrança de juros ca-pitalizados, de juros acumulados,de juros compostos) se estes jurosvencidos e não pagos forem incor-porados ao capital para sobre elesfazer incidir novos juros.

Não se cogita de capitalização,na acepção legal, diante da merafórmula matemática de cálculo dosjuros. Igualmente, não haverá ca-pitalização ilegal, se todas as pres-tações forem pagas no vencimen-to. Neste caso, poderá haver taxade juros exorbitante, abusiva, cal-

culada pelo método simples oucomposto, passível de revisão peloPoder Judiciário, mas não capitali-zação de juros.

Pode haver capitalização naevolução da dívida de contrato emque pactuado o regime de jurossimples ou o regime de juros com-postos. Isso poderá ocorrer, entreoutras situações, em caso deinadimplência do mutuário, quan-do os juros vencidos e não pagos,calculados de forma simples oucomposta, forem incorporados aocapital (saldo devedor) sobre o qualincidirão novos juros.

Com base nas premissas expos-tas acima e na fundamentação ane-xa, passo a sintetizar a conclusãodo voto.

Acompanho o voto do relatorquanto à primeira das teses postasem seu douto voto. Penso, toda-via, que a redação do enunciadopara os efeitos do art. 543-C do CPCdeve espelhar-se no texto legal quea embasa, motivo pelo qual sugi-ro a seguinte redação: “É permiti-da a capitalização de juros comperiodicidade inferior a um anoem contratos celebrados após31.3.2000, data da publicação daMedida Provisória n. 1.963-17/00(em vigor como MP 2.170-01), des-de que expressamente pactuada.”

Em divergência parcial, penso,data vênia, que não configura acapitalização vedada pela Lei deUsura e permitida, desde que pac-tuada, pela MP 2.170-01, a previ-são expressa no contrato de taxade juros efetiva superior à nomi-nal (sistema de juros compostos,utilizado para calcular a equivalên-cia de taxas de juro no tempo).

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Caso, todavia, prevaleça o enten-dimento de que a mera previsãocontratual de taxa de juros efetivasuperior à nominal implica a capi-talização a que se refere a legisla-ção, adiro ao entendimento no sen-tido da validade da estipulação,perfeitamente compreensível aoconsumidor, notadamente em ca-sos como o presente de juros pre-fixados e prestações idênticas, in-variáveis.

A segunda tese que proponhopara os efeitos do art. 543-C é, por-tanto, “A pactuação mensal dosjuros deve vir estabelecida de for-ma expressa e clara. A previsão nocontrato bancário de taxa de jurosanual superior ao duodécuplo damensal é suficiente para permitira cobrança da taxa efetiva anualcontratada.”

Anoto que, no presente caso, apretensão deduzida na inicial foi ade reduzir o próprio valor das 36prestações acordadas, cuja evoluçãoestá demonstrada no anexo a estevoto, ou seja voltou-se o devedorcontra a taxa de juros compostos,especificada no contrato e embuti-da nas prestações fixas. Este foi tam-bém o fundamento exclusivo doacórdão para reputar presente acapitalização ilegal de juros. Nãodemonstrada a abusividade em ter-mos de mercado, conforme acen-tuado no voto do Relator, deve sermantida a taxa efetiva de jurosremuneratórios contratada.

No caso concreto, divergindoparcialmente do relator, voto pelalegalidade do regime de juros com-postos adotado expressamente nocontrato como método de cálculodas prestações. Mantenho, portan-

to, as taxas mensal e anual contra-tadas. Não havendo ilegalidade nafase de normalidade contratual,restabeleço os efeitos da mora.

Acompanho o relator quando àcomissão de permanência, cujacobrança na fase de inadimple-mento não pode ser acumuladacom juros remuneratórios, jurosmoratórios e multa contratual.

No caso concreto, em síntese,dou provimento ao recurso espe-cial em maior extensão, restabe-lecendo os ônus da sucumbênciafixados na sentença, porque mí-nima a sucumbência do banco re-corrente.

É como voto.

FUNDAMENTAÇÃO ANEXA AOVOTO DO RESP. 973.827 -

TABELA PRICE

As prestações sucessivas dos di-ferentes métodos de amortizaçãoabrangem uma parcela de juros(calculados sobre o saldo devedoratualizado, a qual se destina a qui-tar os juros do período) e outra deamortização, de forma que, quita-da a última delas, o saldo devedorseja igualado a zero.

No caso da Tabela Price, o valorda parcela de juros vai decrescen-do, na medida em que o da parce-la de amortização vai crescendo,até findar o prazo do contrato e osaldo devedor, mantendo-se asprestações mensais durante todo ocontrato no mesmo valor (SOUZALIMA, Roberto Arruda eNISHIYAMA, Adolfo Mamoru,“Contratos Bancários - AspectosJurídicos e Técnicos da Matemáti-ca Financeira para Advogados”,

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Editora Atlas S/A, São Paulo: 2007,p. 140-141; SACAVONE, Luiz Antô-nio Junior, “Juros no Direito Brasi-leiro”, RT, 2007, p. 195; DEL MAR,Carlos Pinto, Aspectos Jurídicos daTabela Price, Editora Jurídica Bra-sileira, 2001, p. 23; RIZZARDO,Arnaldo, “Contratos de CréditoBancário”, RT, 9ª edição, p. 143 ePENKUHN, Adolfo Mark, “A legali-dade da Tabela Price, Revista deDireito Bancário do Mercado deCapitais e da Arbitragem, p. 284).Isso em um ambiente sem inflaçãoou caso a expectativa de inflaçãojá esteja embutida na taxa de ju-ros, como ocorre no caso em exa-me. De igual modo, ocorrerá aquitação da dívida no final do pra-zo contratual se o saldo devedor eas prestações forem reajustadospelo mesmo índice.

O entendimento esposado peloacórdão recorrido, no sentido deque dívidas decorrentes contratosem que estabelecida taxa de jurospelo método composto são ilegais,alcançaria, pelos mesmos funda-mentos, os principais sistemas deamortização adotados internacio-nalmente e também no Brasil, asaber, Tabela Price, SACRE (Sistemade Amortização Real Crescente),SAC (Sistema de Amortização Cons-tante) e SAM (Sistema de Amorti-zação Misto).

Assim, os incontáveis contratos demútuo e financiamentos contrata-dos diariamente (antes e depois daMP 2.170-01), por instituições finan-ceiras e estabelecimentos comerciaisdiversos, de pequeno ou grandeporte, para as mais diversas finali-dades do setor produtivo, de longoe de curto prazo, estariam destina-

dos à invalidade, alterando-se asbases em que celebrados os contra-tos, com prejuízo para o contratan-te de boa-fé, pequeno ou grandecomerciante ou instituição financei-ra, para planos de aplicação de re-cursos em cadernetas de poupança,fundos de investimentos, fundos deprevidência, títulos de capitalizaçãoe FGTS, em que a remuneração dosinvestidores também é calculada pormeio de juros compostos.

No sistema financeiro, em quecada mutuário ou investidor temcontrato com data-base para o dé-bito ou crédito de juros diversa,sendo o fluxo de recursos (emprés-timos e pagamentos, créditos edébitos) diário, a técnica de juroscompostos permite a avaliaçãoconsistente de ativos e passivos dasinstituições e a comparação entreas taxas de juros praticadas emcada segmento do mercado.

Exemplo elucidativo da amor-tização de dívida por meio da Ta-bela Price é dado por Obed de Fa-ria Junior:

“Assuma você, leitor, que exis-tam economias suas amealhadascom seu trabalho e das quaisvocê não necessita utilizar-se nes-te momento e que, seu vizinho,amigo de longa data, em face denecessidades inesperadas, lhevenha solicitar um empréstimode R$ 1.000,00 para ser pagodaqui um ano.Para efeito de simplificação éde todo aconselhável quedesconsideremos os efeitos in-flacionários porque isto implica-ria em utilizar critérios, fórmu-las e cálculos que fugiriam doânimo de apresentar uma de-monstração simplista. (...)

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Pois bem, caro leitor, é bastanterazoável crer que você não sejaum usurário e, menos ainda, quetente levar vantagens indevidassobre alguém - que dirá de umamigo seu de longa data. Con-tudo, suas economias compõemseu patrimônio e decorrem dofruto de seu trabalho, razãoporque é natural que se estipu-le alguma remuneração sobre oempréstimo pretendido.Portanto, seu senso de justiça in-dica que a cobrança de juros de1% (um por cento) ao mês sãomódicos, justos e, até onde dita osenso comum no Brasil, absolu-tamente legais. Seu vizinho ami-go, mutuário nessa relação, con-corda com tais encargos e suge-re pagar tudo ao final de um ano,isto é: R$ 1.120,00. Assim, ele lheestaria reembolsando o principalde R$ 1.000,00 mais juros de 12%relativos ao ano em que o capitalficaria emprestado.Nada impediria que tal ajustefosse feito nessas bases, entre-tanto, tanto você quanto seuamigo têm plena ciência queesse tipo de negócio não é usual.Afinal, todas as dividas e obriga-ções assumidas pelo brasileiromédio - como você e seu vizinho -são contratadas para serem sal-dadas em prestações mensais.Ainda, é lógico acreditar, inclusi-ve, que tais economias estives-sem devidamente aplicadas numFundo de Investimentos ou Ca-derneta de Poupança que geramrendimentos, no mínimo, umavez por mês. Assim, suacontraproposta é de que seu vi-zinho faça amortizações mensaisdesse empréstimo, de forma que,ao final, daqui um ano, toda adívida esteja paga.O negócio está evoluindo bem eseu amigo concorda com a esti-

pulação de pagamentos mensais.Assim, ele lhe propõe que, a cadamês e durante doze meses, pa-garia R$ 10,00 (dez reais), querepresentam exatamente 1%do valor do empréstimo e, no úl-timo vencimento, daqui um ano,saldaria também o principal. Issoequivaleria aos mesmos R$1.120,00, porém, pagos de umaforma mais razoável, como se atodo mês ele “renovasse” o em-préstimo.Apesar de seu inegável senso dejustiça, você entende que maisjusto é que sejam pagos, a cadamês, não só os juros, mas tam-bém parcelas do principal em-prestado, o que seu vizinho acei-ta meio a contragosto, pois afi-nal ele precisa do dinheiro.Então, você sugere a seu amigodividir o valor total em doze ve-zes, isto é R$ 1.120,00: 12 meses,o que implicaria em pagamen-tos mensais de R$ 93,33. Ou seja,12 parcelas de 83,33 que repre-sentariam os R$ 1.000,00 do em-préstimo, mais 12 parcelas de R$10,00, que equivaleriam a 1% aomês sobre o valor emprestado.Seu vizinho coça a cabeça e,constrangido, lhe informa quetal forma não seria correta,porque se ele estaria pagando,a cada mês, parte do emprésti-mo, não seria justo que pagas-se o mesmo valor de juros todomês sobre o montante total.A partir disso, ele sugere as 12parcelas do principal, no caso,R$ 83,33 a cada mês e, no finalos juros sobre elas. Você, obvi-amente, diz que em princípioisso seria bom, contudo, não sa-beria dizer qual o valor dos ju-ros ao final de um ano. Seuamigo, mais que depressa,toma papel e caneta e faz aseguinte conta:

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Você olha bem para o cálculo deseu vizinho e, mesmo assim,acha que não ficou bom, por-que vocês já haviam concorda-do que ele iria pagar, todo mês,tanto os juros como parte doempréstimo. O único problema

Empréstimo hoje 1.000,00Juros de 1% 10,00Pagto. dos juros daqui 1 mês -10,00Pagto. parte do empréstimo daqui 1 mês -83,33 -93,33 1º Pagto.Saldo 916,67Juros de 1% 9,17Pagto. dos juros daqui 2 meses -9,17Pagto. parte do empréstimo daqui 2 meses -83,33 -92,50 2º Pagto.Saldo 833,34Juros de 1% 8,33Pagto. dos juros daqui a 3 meses -8,33Pagto. parte do empréstimo daqui 3 meses -83,33 -91,66 3º Pagto.Saldo 750,01Juros de 1% ...

Hoje, você me empresta 1.000,00Devolvo daqui 1 mês -83,33 1% -0,83Devolvo daqui 2 meses -83,33 2% -1,67Devolvo daqui 3 meses -83,33 3% -2,50Devolvo daqui 4 meses -83,33 4% -3,33Devolvo daqui 5 meses -83,33 5% -4,17Devolvo daqui 6 meses -83,33 6% -5,00Devolvo daqui 7 meses -83,33 7% -5,83Devolvo daqui 8 meses -83,33 8% -6,67Devolvo daqui 9 meses -83,33 9% -7,50Devolvo daqui 10 meses -83,33 10% -8,33Devolvo daqui 11 meses -83,33 11% -9,17Devolvo daqui 12 meses -83,33 12% -10,00Total da devolução daqui a 1 ano -1.000,00Pago os juros daqui 12 meses ? -65,00

seria que sua conta de R$ 93,33todo mês estava errada.Então, você começa a refazer aconta, considerando que devamser pagos, todos os meses, ju-ros e parcelas do valor do em-préstimo:

Seu vizinho interrompe seu cál-culo e diz que os valores men-sais de juros que você está cal-culando são iguais aos que elehavia calculado, só que “de trás

para frente”. Portanto, seguin-do tal raciocínio, os valores dasparcelas que você estaria calcu-lando seriam:

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

Hoje, você me empresta 1.000,00Devolvo daqui 1 mês -83,33 -10,00 - 93,33Devolvo daqui 2 meses -83,33 -9,17 -92,50Devolvo daqui 3 meses -83,33 -8,33 -91,66Devolvo daqui 4 meses -83,33 -7,50 -90,83Devolvo daqui 5 meses -83,33 -6,67 -90,00Devolvo daqui 6 meses -83,33 -5,83 -89,16Devolvo daqui 7 meses -83,33 -5,00 -88,33Devolvo daqui 8 meses -83,33 -4,17 -87,50Devolvo daqui 9 meses -83,33 -3,33 -86,67Devolvo daqui 10 meses -83,33 -2,50 -85,84Devolvo daqui 11 meses -83,33 -1,67 -85,01Devolvo daqui 12 meses -83,33 -0,83 -84,17Total da devolução daqui a 1 ano - 1.000,00 -65,00 -1.065,00

lhor seria se todas as parcelastivessem o mesmo valor todosos meses, para facilitar o con-trole dos pagamentos e recebi-mentos.Nesse ponto, você e seu amigocomeçam a confabular para en-contrar uma solução que sejaadequada. No verso daquelepapel relacionam as contas quefizeram até então:

Então os amigos parecem terchegado a um consenso, poisdesta forma, você receberiatodos os meses os juros e par-celas proporcionais do emprés-timo e seu vizinho desembolsa-ria, ao final, os mesmos R$ 65,00de juros calculados por ele pró-prio.Contudo, apesar da concordân-cia, ambos entendem que me-

Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00+ Juros sobre tudo daqui um ano 120,00Total 1.120,00Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00+ 12 parcelas de juros de R$ 10,00 120,00Total 1.120,00Tudo dividido em 12 x R$ 93,33 1.120,00(esse está errado)O empréstimo em 12 x R$ 83,33 1.000,00+ Juros sobre tudo daqui um ano 65,00Total 1.065,00Tudo em 12 parcelas de valores diferentes (93,33;92,50; ...) 1.065,00

Você e seu vizinho já estão qua-se fechando o negócio, porém,não chegam a um valor queseja idêntico todos os meses eque satisfaça o interesse deambos.Seu vizinho, entretanto, vai bus-car em casa um velho livro de

matemática financeira que eleutilizou no “colegial” e que pos-sui várias tabelas no apêndice.Lá, você localiza uma tal de “Ta-bela Price” onde identifica:(...)Diante disso, seu amigo faz onovo cálculo:

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Valor do empréstimo = R$1.000,00Taxa de juros = 12% a.a.Número de prestações = 12Fator da TP = 0,088849Valor da prestação :R$1.000,00 x 0,088849 = R$ 88,85Tudo dividido em 12 x R$ 88,85 = 1.066,20

pantado com a reação de seuamigo, que lhe pediu um favor,concordou com todas as condi-ções no momento de tomar oempréstimo e, depois, veio ale-gando que não iria pagar o com-binado porque teria sido enga-nado.Por certo, uma amizade de lon-go tempo vale mais que R$1.000,00. Entretanto, o que écerto é certo! Perguntou vocêa seu amigo qual a alternativaque ele encontrava para o pa-gamento da dívida. Ele, cheio debrios, invocou parâmetros maisjustos como são utilizados porpovos mais adiantados do queo brasileiro. Assim, sugeriu quefossem buscadas na “Internet”fórmulas de cálculo dentro deparâmetros americanos ou eu-ropeus.Assim, foram ambos a frentedo computador e lá, apóspesquisarem alguns dicionáriosvirtuais, descobriram os seguin-tes termos em outros idiomaspara fazer uma busca:• “Loan payment calculator”

- em inglês• “Calcul dámortissement

financier” - em francês• “Calcolo rata di mutuo” - em

italiano• “Calculadora de prestamo”

- em espanhol; e• “Anleihe kalkulation” - em

alemão.A tela multicolorida do compu-tador começou a retornar pá-

Você não fica muito convencidoe questiona seu amigo porqueo resultado, afinal, não seriamuito mais do que o R$ 83,33por mês que, inclusive com osjuros, haviam totalizado R$1.065,00 no outro cálculo ante-rior. Ele, entretanto, diz que ocálculo com o qual vocês concor-daram também alcançava a ci-fra total de R$ 1.065,00 e dessaforma, também não chegariaaos R$ 1,120,00 daquela contaque você mesmo havia reco-nhecido que estava errada.Diante disso - e pondo um pon-to final nas tratativas - os valo-res das prestações e do total depagamentos foram aceitoscomo corretos por ambos, por-que se situaram num nível in-termediário e aparentementerazoável. Assim, o negócio foifechado nessa forma: você en-tregou os R$ 1.000,00 a seuamigo e ele se comprometeu apagar 12 prestações mensais deR$ 88,85.Entretanto, dias depois, apóster pego o dinheiro e utilizadopara o que necessitava, seuamigo retornou até sua casa elhe disse que não iria mais pa-gar os R$ 88,85 por mês, por-que ele leu em algum lugar quea Tabela Price seria ilegal e quevocê estaria abusando da situ-ação de necessidade em que elese encontrava.E você, que sempre agiu dentroda maior honestidade, ficou es-

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

ginas que continham calculado-ras virtuais de financiamentose empréstimos, tanto nos Esta-dos Unidos da América como naEuropa. Obviamente, foraminseridas as informações dosempréstimos combinado, paraaferir-se o resultado. O que sedescobriu, ao final de tal busca,foi que:- em outros países, assim comono Brasil, é perfeitamente pos-sível ajustar amortizações par-ciais ou liquidação antecipadade mútuos o que, em si, reduz ovalor das parcelas e dos jurospagos;- as taxas de juros praticadas emeconomias mais sólidas que a doBrasil são inferiores do que asque aqui se praticam; e- quando o interesse do mutuá-rio é pagar prestações de valorigual durante todo o período deempréstimo, sem nenhumaamortização parcial, o resulta-do da conta é absolutamenteigual ao do cálculo feito combase na Tabela Price.” (“Dainocorrência do anatocismo na

Tabela Price: uma análise técni-co-jurídica”, texto extraído doJus Navegandi )

No caso concreto em exame noREsp. 973.827-RS, o valor do finan-ciamento foi de R$ 7.076,02 (R$6.980,00 mais R$ 96,02 do IOF), comtaxa mensal de 3,16000% e taxa anu-al efetiva de 45,25664% expressa-mente consignadas no contrato(conforme consta do acórdão recor-rido). O pagamento foi acordado em36 prestações fixas e iguais (fatoincontroverso afirmado na inicial ena contestação), estabelecidas nocontrato no valor de R$ 331,83, oque indica que o método de amor-tização adotado foi a Tabela Price,cuja característica é, precisamente,possibilitar o pagamento de presta-ções iguais de amortização e juros,ficando quitada a dívida com o pa-gamento da última prestação. O es-quema abaixo simula a evolução dasprestações, mês a mês, em situaçãode adimplemento contratual:

Data Num. Prestação Juros Amortização Prestação Saldo Devedor

21-jul-03 - - - - 7.076,0221-ago-03 1 223,60 108,29 331,89 6.967,7321-set-03 2 220,18 111,71 331,89 6.856,0221-out-03 3 216,65 115,24 331,89 6.740,7821-nov-03 4 213,01 118,88 331,89 6.621,8921-dez-03 5 209,25 122,64 331,89 6.499,2521-jan-04 6 205,38 126,52 331,89 6.372,7321-fev-04 7 201,38 130,51 331,89 6.242,2221-mar-04 8 197,25 134,64 331,89 6.107,5821-abr-04 9 193,00 138,89 331,89 5.968,6921-mai-04 10 188,61 143,28 331,89 5.825,4121-jun-04 11 184,08 147,81 331,89 5.677,6021-jul-04 12 179,41 152,48 331,89 5.525,1221-ago-04 13 174,59 157,30 331,89 5.367,8221-set-04 14 169,62 162,27 331,89 5.205,5521-out-04 15 164,50 167,40 331,89 5.038,1521-nov-04 16 159,21 172,69 331,89 4.865,4621-dez-04 17 153,75 178,14 331,89 4.687,32

... cont.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

210 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

Data Num. Prestação Juros Amortização Prestação Saldo Devedor

21-jan-05 18 148,12 183,77 331,89 4.503,5521-fev-05 19 142,31 189,58 331,89 4.313,9721-mar-05 20 136,32 195,57 331,89 4.118,4021-abr-05 21 130,14 201,75 331,89 3.916,6421-mai-05 22 123,77 208,13 331,89 3.708,5221-jun-05 23 117,19 214,70 331,89 3.493,8121-jul-05 24 110,40 221,49 331,89 3.272,3321-ago-05 25 103,41 228,49 331,89 3.043,8421-set-05 26 96,19 235,71 331,89 2.808,1321-out-05 27 88,74 243,16 331,89 2.564,9821-nov-05 28 81,05 250,84 331,89 2.314,1421-dez-05 29 73,13 258,77 331,89 2.055,3721-jan-06 30 64,95 266,94 331,89 1.788,4321-fev-06 31 56,51 275,38 331,89 1.513,0521-mar-06 32 47,81 284,08 331,89 1.228,9721-abr-06 33 38,84 293,06 331,89 935,9121-mai-06 34 29,57 302,32 331,89 633,6021-jun-06 35 20,02 311,87 331,89 321,7321-jul-06 36 10,17 321,73 331,89 0,00

Verifica-se, do esquema acima,que os juros sempre incidem sobreo saldo devedor do mês anterior,não havendo incorporação de jurosao capital. Por exemplo: ao final doprimeiro mês, sobre o valor inicialde R$ 7.076,02 x 3,16% a.m, temosjuros de R$ 223,60. Como a presta-ção foi de R$ 331,89, a diferença,R$ 108,29 foi amortizada na dívi-da, resultando em saldo devedor deR$ 6.967,73. Ao final do 2º mês, so-bre o capital (saldo devedor do mêsanterior), R$ 6.967,73, incidiram ju-ros de 3,16% a.m no valor de R$220,18, sendo amortizado o valorde R$ 111,71. Novamente os jurosincidiram apenas sobre o capital e,assim, sucessivamente, o valor daquota de juros foi decrescendo e oda amortização aumentando, atéque, na 36ª prestação (R$ 10,17 dejuros e R$ 321,73 de amortização,perfazendo a prestação fixa de R$331,89), foi quitada integralmentea dívida.

A capitalização de juros somen-te ocorrerá, no caso concreto emexame, em face do inadimplementodo devedor, se o credor fizer incidirnovos juros remuneratórios sobre ovalor dos juros vencidos e não pa-gos (embutidos estes nas prestaçõesnão pagas no vencimento).

Diversamente, em contratos delonga duração, em que as presta-ções são contratualmente sujeitasa índice de correção diferente doíndice adotado para a correçãomonetária do saldo devedor,como é o caso dos contratos definanciamento habitacional cele-brados no âmbito do sistema fi-nanceiro da habitação, é frequen-te a situação em que o valor daprestação mensal deixa, ao longodo contrato, de ser suficiente parao pagamento dos juros do perío-do. Acontecerá, então, a capitaliza-ção vedada pela Lei de Usura, a qualsomente passou a ser admitida, noSFH, com a entrada em vigor da Lei

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

11.977/2009. O anatocismo é, toda-via, consequência não da fórmulamatemática da Tabela Price, utiliza-da para o cálculo da prestação inici-al do contrato, mas do descompassoentre os índices de correção dasprestações (salário do mutuário) edo saldo devedor (TR), no curso daevolução do contrato. Neste caso,a solução que vem sendo preconi-zada pela jurisprudência, inclusi-ve do STJ, é a contagem dos jurosvencidos em conta separada, so-bre a qual incide apenas a corre-ção monetária (cf, entre outros,AgRg no REsp 954113 / RS, Rel.Ministra DENISE ARRUDA, 1ª Tur-ma, pub. DJe 22/09/2008).

Neste ponto, registro que tra-balhos de autoria do já citadoTeotonio Costa Rezende dão con-ta da ampla utilização da TabelaPrice nos sistemas jurídicos de di-versos países (Estados Unidos, Ca-nadá, França, Espanha, Portugal,México, Uruguai, Argentina, Chi-le, Colômbia), com destaque parao caso da Colômbia, onde o Po-der Judiciário proibiu a capitali-zação de juros em qualquer perí-odo, quando se trata de créditoimobiliário, porém adotou a Ta-bela Price (com o nome de Siste-ma de Amortización Gradual ouSistema de Cuota Constante)como sistema-padrão exatamentepor considerar que tal sistema deamortização não contempla capi-talização de juros (“Sistemas deamortização e retorno do capital”e “Lei de Usura, Tabela Price e ca-pitalização de juros”, publicadosna Revista do Sistema FinanceiroImobiliário, n. 32 e 33, nov. 2010e abr. 2011, respectivamente).

Por fim, lembro o esforço deRoberto Arruda de Souza Lima eAdolfo Mamoru Nishiyama, apósressaltar o amplo emprego do Sis-tema Francês de Amortização noBrasil, tanto por instituições finan-ceiras (empréstimos e financiamen-tos), quanto no comércio (vendasparceladas), ao justificar a procurapor um sistema de amortizaçãonão concebido mediante o uso dejuros compostos, em substituiçãoà Tabela Price, cuja legalidade nosistema jurídico pátrio é questio-nada:

“Não se trata de buscar redu-ção nas taxas de juros, pois osjuros são determinados pelomercado. Uma metodologiacom juros simples implicaria ouna alteração das taxas pactua-das (para ficarem equivalentesàs taxas compostas) ou no pro-cesso de embutir juros ao pre-ço. Em ambos, o resultado fi-nanceiro é o mesmo, mas comgrande diferença de ser estri-tamente legal (SCAVONE-JÚNIOR, 1999).(...)Não é uma tarefa fácil obteruma fórmula que, dado o valorde principal (P), juros (i) e o nú-mero de prestações (n), resulteem:- Prestações (PMT) iguais (de va-lores constantes);- a soma do valor presente, cal-culado pelo método dos ju-ros simples, de todas as pres-tações (PMT), seja igual ao prin-cipal (P).” (ob. citada, p. 141-152)

E, após elaborar cálculos comple-xos, propõe uma fórmula acopladaa uma tabela, ressalvando:

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

212 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

“A utilização da tabela possui li-mitações, sendo a mais eviden-te a impossibilidade de prevertodas as possíveis combinaçõesde taxas de juros e número deprestações. E, nesse caso, a solu-ção é realizar o cálculo para ocaso específico, ou utilizar umaaproximação do valor correto daprestação.” (ob. citada, p. 152)

Não me parece, data maximavênia, favorável aos direitos doconsumidor, ao princípio da trans-parência e à segurança jurídica,proscrever a Tabela Price, métodoamplamente adotado, há séculos,no mercado brasileiro e mundial,substituindo-a por fórmula desco-nhecida, insatisfatória, conformereconhecido pelos esforçados au-tores que a conceberam, em nomede interpretação meramente lite-ral e assistemática da Lei de Usura.

VOTO-VOGAL

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARA-ÚJO: Sr. Presidente, no caso, notoque o próprio Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul, examinan-do o contrato, considerou suficien-te a menção às taxas, porque diz:“O exame do contrato mostra queforam pactuados juros de 3,16%a.m. e de 45,25664% a.a., o quedemonstra a prática de cobrançade juros sobre juros mensalmente.”

Quer dizer, o Tribunal tambémentendeu que não há dificuldadealguma em, fazendo-se o compa-rativo entre taxa mensal e taxaanual, constatar-se a existência dejuros compostos.

Agora, o que esse voto denso,técnico, científico da Sra. Ministra

Isabel Gallotti traz de fundamen-tal é que nos convida a encerrar-mos o erro definitivo que comete-mos, que é um erro conceitual, dedenominar de capitalização o quenão é; o que é, na verdade, apenasjuros compostos.

Os juros compostos estão pre-vistos em todos os contratos ban-cários, sabemos. E o que é capitali-zação, que sempre tratamos comose fosse o mesmo que juros com-postos? Capitalização é: “Em faceda ausência de pagamento, a inci-dência de novos juros, juros novos,sobre aqueles juros já computadosem razão da pactuação dos juroscompostos.” Isso é que é capitali-zação, cientificamente, um concei-to primoroso que nos traz, ampa-rada em doutrina fundamental, aeminente Ministra Isabel Gallotti.

Sr. Presidente, para mim, é sufi-ciente.

Estou aderindo ao brilhante,judicioso e científico voto da emi-nente Ministra Isabel Gallotti, coma devida vênia do eminenteRelator, Ministro Luis FelipeSalomão.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULODE TARSO SANSEVERINO

(Relator):Sr. Presidente, com a vênia da

Sra. Ministra Isabel Gallotti, acom-panho o voto do Sr. Ministro LuisFelipe Salomão, Relator.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTO-NIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presiden-

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

te, com a devida vênia do Sr. Mi-nistro LUIS FELIPE SALOMÃO, es-tou aderindo à proposta da Sra.Ministra ISABEL GALLOTTI.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAR-CO BUZZI:

Acompanho a Sra. Ministra Isa-bel Gallotti.

MINISTRO MARCO BUZZIMINISTROPRESIDENTE O SR. MINISTRO

SIDNEI BENETIRELATOR O SR. MINISTRO LUIS

FELIPE SALOMÃOSEGUNDA SEÇÃO - SESSÃO DE

JULGAMENTO 27/06/2012

RATIFICAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO:

(...)

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista da Sra. MinistraIsabel Gallotti divergindo do Sr.Ministro Relator e dando provimen-to ao recurso especial em maiorextensão, no que foi acompanha-da pelos Srs. Ministros Raul Araú-jo, Antonio Carlos Ferreira, VillasBôas Cueva e Marco Buzzi, a Se-ção, por maioria, deu provimentoao recurso especial, em maior ex-tensão, vencidos os Srs. Ministros

Relator, Paulo de Tarso Sanseverinoe Nancy Andrighi.

Lavrará o acórdão a Sra. Minis-tra Maria Isabel Gallotti.

Para os efeitos do artigo 543, C,do CPC, foram fixadas as seguintesteses:

1) É permitida a capitalizaçãode juros com periodicidade infe-rior a um ano em contratos cele-brados após 31/3/2000, data da pu-blicação da Medida Provisória nº1.963-17/2000, em vigor como MPnº 2.170-01, desde que expressa-mente pactuada;

2) A pactuação mensal dos ju-ros deve vir estabelecida de formaexpressa e clara. A previsão no con-trato bancário de taxa de jurosanual superior ao duodécuplo damensal é suficiente para permitira cobrança da taxa efetiva anualcontratada.

Votaram vencidos os Srs. Minis-tros Luis Felipe Salomão, Paulo deTarso Sanseverino e NancyAndrighi.

Votaram com a Sra. MinistraMaria Isabel Gallotti os Srs. Minis-tros Raul Araújo, Antonio CarlosFerreira, Ricardo Villas Bôas Cuevae Marco Buzzi.

Impedido o Sr. Ministro MassamiUyeda.

Brasília, 27 de junho de 2012ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNERSecretária

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Retificada, por unanimidade,a proclamação ocorrida na ses-são do dia 27/06/2012 para mo-dificação do item 2 das teses fi-xadas para os efeitos do artigo543, C, do CPC, passando o item2 a ser o seguinte: “... 2) A capi-talização dos juros em periodi-cidade inferior à anual deve virpactuada de forma expressa eclara. A previsão no contratobancário de taxa de juros anualsuperior ao duodécuplo da men-sal é suficiente para permitir acobrança da taxa efetiva anualcontratada.”

RETIFICADA, FICA A PROCLAMA-ÇÃO INTEGRAL DA SEGUINTE FOR-MA:

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista da Sra. Minis-tra Isabel Gallotti divergindo doSr. Ministro Relator e dando pro-vimento ao recurso especial emmaior extensão, no que foiacompanhada pelos Srs. Minis-tros Raul Araújo, Antonio CarlosFerreira, Villas Bôas Cueva e Mar-co Buzzi, a Seção, por maioria,deu provimento ao recurso espe-cial, em maior extensão, venci-dos os Srs. Ministros Relator, Pau-

lo de Tarso Sanseverino e NancyAndrighi.

Lavrará o acórdão a Sra. Minis-tra Maria Isabel Gallotti.

Para os efeitos do artigo 543, C,do CPC, foram fixadas as seguintesteses:

1) É permitida a capitalizaçãode juros com periodicidade inferi-or a um ano em contratos celebra-dos após 31/3/2000, data da publi-cação da Medida Provisória nº1.963-17/2000, em vigor como MPnº 2.170-01, desde que expressa-mente pactuada;

2) A capitalização dos juros emperiodicidade inferior à anualdeve vir pactuada de forma ex-pressa e clara. A previsão no con-trato bancário de taxa de jurosanual superior ao duodécuplo damensal é suficiente para permitira cobrança da taxa efetiva anualcontratada.

Impedido o Sr. Ministro MassamiUyeda.

Ausente, justificadamente, naassentada do dia 08/08/2012, a Sra.Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 08 de agosto de 2012.ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNERSecretária

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CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

Superior Tribunal de Justiça

Contrato de conta-corrente. Cabimento da ação de prestaçãode contas (súmula 259). Interesse de agir. Revisão de cláusulascontratuais. Comissão de permanência, juros, multa, tarifas.Impossibilidade.1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001372942&dt_publicacao=24/10/2012>. Acesso em: 25 out. 2012.

EMENTA OFICIAL

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOREGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.CONTRATO DE CONTA-CORRENTE.CABIMENTO DA AÇÃO DE PRESTA-ÇÃO DE CONTAS (SÚMULA 259).INTERESSE DE AGIR. REVISÃO DECLÁUSULAS CONTRATUAIS. CO-MISSÃO DE PERMANÊNCIA, JUROS,MULTA, TARIFAS. IMPOSSIBILIDA-DE.

1. O titular de conta-correntebancária tem interesse processualpara exigir contas do banco(Súmula 259). Isso porque a aber-tura de conta-corrente tem porpressuposto a entrega de recursosdo correntista ao banco (depósitoinicial e eventual abertura de limi-te de crédito), seguindo-se relaçãoduradoura de sucessivos créditos edébitos. Por meio da prestação decontas, o banco deverá demonstraros créditos (depósitos em favor docorrentista) e os débitos efetivadosem sua conta-corrente (chequespagos, débitos de contas, tarifas eencargos, saques etc) ao longo darelação contratual, para que, aofinal, se apure se o saldo da contacorrente é positivo ou negativo,vale dizer, se o correntista tem cré-

dito ou, ao contrário, se está emdébito.

2. A entrega de extratos perió-dicos aos correntistas não implica,por si só, falta de interesse de agirpara o ajuizamento de prestaçãode contas, uma vez que podem nãoser suficientes para o esclarecimen-to de todos os lançamentosefetuados na conta-corrente.

3. Hipótese em que a padroni-zada inicial, a qual poderia servirpara qualquer contrato bancário,bastando a mudança do nome daspartes e do número da conta-cor-rente, não indica exemplos concre-tos de lançamentos não autoriza-dos ou de origem desconhecida esequer delimita o período em rela-ção ao qual há necessidade de pres-tação de contas, postulando sejamprestadas contas, em formato mer-cantil, no prazo legal de cinco dias,de todos os lançamentos desde aabertura da conta-corrente. Tal pe-dido, conforme voto do MinistroAldir Passarinho Junior, acompa-nhado pela unanimidade da 4ª Tur-ma no REsp. 98.626-SC, "soa absur-do, posto que não é crível que des-de o início, em tudo, tenha havidoerro ou suspeita de equívoco dosextratos já apresentados."

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

216 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

4. A pretensão deduzida na ini-cial, voltada, na realidade, a aferira legalidade dos encargos cobra-dos (comissão de permanência, ju-ros, multa, tarifas), deveria ter sidoveiculada por meio de ação ordi-nária revisional, cumulada comrepetição de eventual indébito, nocurso da qual pode ser requerida aexibição de documentos, caso estanão tenha sido postulada em me-dida cautelar preparatória.

5. Embora cabível a ação deprestação de contas pelo titular daconta-corrente, independentemen-te do fornecimento extrajudicialde extratos detalhados, tal instru-mento processual não se destina àrevisão de cláusulas contratuais enão prescinde da indicação, na ini-cial, ao menos de período deter-minado em relação ao qual buscaesclarecimentos o correntista, coma exposição de motivos consisten-tes, ocorrências duvidosas em suaconta-corrente, que justificam aprovocação do Poder Judiciáriomediante ação de prestação decontas.

6. Agravo regimental a que sedá provimento. Recurso especialnão provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista da Ministra MariaIsabel Gallotti, dando provimentoao agravo regimental para negarprovimento ao recurso especial, di-vergindo do relator, e os votos dosMinistros Antonio Carlos Ferreria,Marco Buzzi e Raul Araujo, no sen-tido da divergência, a Quarta Quar-ta Turma, por maioria, deu provi-

mento ao agravo regimental paranegar provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto divergen-te da Ministra Maria Isabel Gallottti,que lavrará o acórdão, nos termosdo RISTJ, art. 52, II. Vencido oRelator, Ministro Luis FelipeSalomão. Votaram com a Sra. Mi-nistra Maria Isabel Gallotti os Srs.Ministros Raul Araújo, AntonioCarlos Ferreira e Marco Buzzi.

Brasília/DF, 25 de setembro de2012(Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI

RelatoraAgRg no REsp 1.203.021 - DJe

24.10.2012

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO(Relator):

1. Cuida-se de agravo regimen-tal interposto pelo HSBC BANKBRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO, con-tra decisão de fls. 291-292, que deuprovimento recurso especial da oraagravada, pelos seguintes funda-mentos:

"2. Razão assiste ao recorren-te, porquanto verifica-se nítidoo interesse processual do agra-vado na tutela jurisdicional doEstado para fazer com que oente financeiro preste contasdos lançamentos realizados nasfaturas mensais. O dever deprestar contas da instituição fi-nanceira ao seu cliente/correntista está consolidado noentendimento desta Corte, ateor da Súmula nº 259/STJ: "Aação de prestação de contaspode ser proposta pelo titularde conta-corrente bancária."

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217Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

A jurisprudência do STJ orien-ta-se no sentido de que não épossível exigir do cliente do ban-co que detalhe, de forma rigo-rosa, os pontos duvidosos surgi-dos durante a relação jurídicamantida.3. Outrossim, o cliente não podeatender à exigência de forne-cer elementos ao juiz sobre osfatos dos quais procura infor-mar-se, porquanto é exatamen-te deles que não tem conheci-mento.Nesse sentido, confiram-se osseguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOREGIMENTAL EM AGRAVODE INSTRUMENTO. CON-TRATO DE ABERTURA DECRÉDITO EM CONTA-COR-RENTE. AÇÃO DE PRESTA-ÇÃO DE CONTAS. PEDIDOGENÉRICO. INOCORRÊNCIA.DIVERGÊNCIA NÃO DE-MONSTRADA. INCIDÊNCIADA SÚMULA 83/STJ.I - A jurisprudência do STJorienta-se no sentido de quenão é possível exigir do cli-ente do banco umapormenorização rigorosados pontos que se lhe apre-sentam duvidosos, durante arelação jurídica mantida. In-cidência da Súmula 83/STJ.II. Agravo improvido. (AgRgno Ag 812.923/PR, Rel. Minis-tro SIDNEI BENETI, TERCEIRATURMA, julgado em 7/8/2008, DJe 28/8/2008)__________PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOREGIMENTAL. AGRAVO DEINSTRUMENTO. AUSÊNCIADE OFENSA AO ARTIGO 535DO CPC. INÉPCIA. PETIÇÃOINICIAL. DESCRIÇÃO SUFICI-ENTE DOS FATOS. DOCU-MENTOS DESVINCULADOS

COM A NARRAÇÃO DOS FA-TOS. SÚMULA 7. AÇÃO DEPRESTAÇÃO DE CONTAS. IN-TERESSE PROCESSUAL.(...) - Independentemente dofornecimento de extratosbancários e da prova de pré-vio pedido de esclarecimen-to, se há dúvida quanto àcorreção dos valores lança-dos na conta, há interesseprocessual na ação de pres-tação de contas. (AgRg noAg 792320/SP, TERCEIRATURMA, Rel. Min. HumbertoGomes de Barros, DJ 30/4/2007).__________BANCO. PRESTAÇÃO DECONTAS. CONTA CORRENTE.O correntista tem o direitode propor ação de prestaçãode contas ao Banco com oqual manteve contrato deconta corrente, solicitandoinformações sobre a nature-za dos lançamentos unilate-ralmente efetuados.- Recurso conhecido e provi-do. (REsp 238162/RJ, Rel. Mi-nistro RUY ROSADO DEAGUIAR, QUARTA TURMA,DJ 15/5/2000 p. 167)__________PROCESSO CIVIL - RECURSOESPECIAL - AÇÃO DE PRES-TAÇÃO DE CONTAS - LANÇA-MENTOS EM CONTA-COR-RENTE - PEDIDO GENÉRICO- INEXISTÊNCIA - INDICAÇÃODO PERÍODO E DOS LANÇA-MENTOS DE DÉBITO A SE-REM ESCLARECIDOS.1 - Na ação de prestação decontas, inexiste pedido gené-rico se o autor indica o perío-do e os lançamentos de dé-bito efetuados pela institui-ção financeira a serem escla-recidos. Esta Corte de Uni-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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formização já decidiu no sen-tido da negativa do direitoao exercício da ação em exa-me na hipótese de se exigirdo autor detalhada descri-ção, na petição inicial, de da-tas, itens e lançamentos re-alizados em sua conta-cor-rente em desconformidadecom o contrato celebradoentre as partes. Ademais, édireito do correntista solici-tar informações acerca doslançamentos realizados uni-lateralmente pelo Banco.2 - Precedentes (REsp nºs175.569/SC, 238.162/RJ,114.237/SC; e AgRg no AgRgno Ag nº 402.420/SE).3 - Recurso não conhecido.(REsp 242.204/RJ, Rel. MinistroJORGE SCARTEZZINI, QUARTATURMA, DJ 22/8/2005 p. 275)__________AGRAVO INTERNO - AGRA-VO DE INSTRUMENTO -AÇÃO DE PRESTAÇÃO DECONTAS - INSTITUIÇÃO FI-NANCEIRA - LEGITIMIDADEE INTERESSE - CORRENTISTA- DISCORDÂNCIA DOS LAN-ÇAMENTOS EFETUADOS EMCONTA CORRENTE - PRECE-DENTES DA SEGUNDA SE-ÇÃO DO SUPERIOR TRIBU-NAL DE JUSTIÇA - SÚMULA83/STJ.Segundo entendimentoperfilhado pela Segunda Se-ção desta Corte, aocorrentista de instituição fi-nanceira que discorde doslançamentos constantes deseus extratos bancários, as-siste legitimidade e interes-se para ajuizar ação de pres-tação de contas visando ob-ter pronunciamento judicialacerca de sua correção ou in-correção.

Agravo desprovido. (AgRg noAgRg no Ag 402.420/SE, Rel.Ministro CASTRO FILHO,TERCEIRA TURMA, DJ 4/11/2002 p. 201)__________

4. Diante do exposto, com fun-damento no artigo 557, § 1º-A,do CPC , conheço do recurso es-pecial e, na extensão, na exten-são, dou-lhe provimento a fimde restabelecer a r. sentençaque condenou a Instituição Fi-nanceira, ora recorrida, a pres-tar contas ao autor na formapleiteada.Ônus de sucumbência inverti-dos."

O agravante sustenta, que nãoestariam preenchidos os requisitosprevistos no art. 557 do CPC, umavez que a matéria em discussãonão é pacífica na jurisprudência.

Por fim, reitera as alegaçõesveiculados nas razões do recursoespecial e pugna pela sua aprecia-ção É o relatório.

VOTO VENCIDO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

(...)

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: - Em 23.5.2008, PauloHenrique de Moura ajuizou açãode prestação de contas em face deHSBC Bank Brasil S.A. com o intui-to de obter a movimentação finan-ceira da conta-corrente 27039-79,da agência 1811, com discrimina-ção de "...todas as taxas, tarifas,multa, percentuais, modo de apli-

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CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

cação dos juros, existência decumulação de encargos moratóriose remuneratórios com comissão depermanência, tributos queincidiram sobre cada umas das ope-rações durante toda a vigência daconta corrente (desde sua abertu-ra até o presente momento), espe-cialmente ao que diz respeito aosencargos de utilização na contacorrente, e demais movimentaçõesnesta, demonstrando-as não so-mente em valores comocontabilizando-as e também mo-tivando-a..." (fl. 9).

Deferida a gratuidade judiciá-ria provisoriamente à fl. 24.

O Juízo de Direito da 7ª VaraCível de Curitiba julgou proceden-te o pedido, condenando o réu aprestar as contas em formato mer-cantil no prazo de cinco dias, bemcomo condenou a instituição finan-ceira ao pagamento de verba ho-norária de R$ 200,00.

Apelou o banco e, adesi-vamente, o autor, pretendendo amajoração dos honoráriosadvocatícios.

O recurso do HSBC, por unanimi-dade, foi provido pela 14ª CâmaraCível do Tribunal de Justiça do Esta-do do Paraná, conduzida pelo votodo Desembargador Laertes FerreiraGomes, conforme ementa lavradanos seguintes termos (fl. 159):

"APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DECONTAS. PRIMEIRA FASE, PRO-CEDENTE. CARÊNCIA DE AÇÃO.FALTA DE INTERESSE DE AGIR.PEDIDO GENÉRICO. RECONHE-CIMENTO DE OFÍCIO. AUSÊNCIADE INDÍCIOS DE PROVA DELANÇAMENTOS DUVIDOSOS.EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM

EXAME DO MÉRITO. ART. 267,VI, O CPC. INVERSÃO DO ÔNUSSUCUMBENCIAL. RECURSOSPREJUDICADOS."

No especial, interposto combase na Constituição Federal, art.105, III, alínea "c", o autor-recor-rente alega que não está obrigadoa discriminar na inicial os lança-mentos que reputa irregulares eque a ação postula unicamente acorreta aplicação das cláusulas queforam pactuadas, propósito com-patível com a primeira fase da açãode prestação de contas.

Em função disso, salienta quepossui interesse processual na de-monstração da efetiva aplicaçãodas cláusulas contratuais na conso-lidação dos encargos que adimpliu.

Invoca divergência e promoveo confronto analítico com o AgRgno Ag 812.923/PR (3ª Turma, Rel.Ministro Sidnei Beneti, DJe de28.8.2008 - fls. 180/185), o REsp242.204/RJ (4ª Turma, Rel. MinistroJorge Scartezzini, DJU de 22.8.2005- fls. 187/191) e o REsp 828.350/RS(3ª Turma, Rel. Ministro HumbertoGomes de Barros, DJU de 13.8.2007,fls. 193/196), nos quais se reconhe-ceu ao consumidor o direito aos es-clarecimentos pleiteados, interpre-tação diversa da empregada pelaCorte estadual.

A instituição financeira apresen-tou contrarrazões às fls. 203/211,alegando a falta de demonstraçãodo dissídio segundo os requisitoslegais, infringência ao enunciado7 da Súmula do STJ e, no mérito,que as alegações são genéricas,devendo ser mantido o acórdãoestadual que concluiu pela falta deinteresse de agir.

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O recurso foi admitido na ori-gem pela decisão presidencial defls. 213/215.

O relator, Ministro Luís FelipeSalomão, deu provimento ao recur-so especial, restabelecendo a sen-tença (fls. 230/232), na esteira dejulgados paradigmáticos, que, combase no enunciado 259 da Súmula,dispensam a pormenorização dasdiscordâncias.

Inconformado, o banco HSBCBank Brasil S.A. - Banco Múltiplo,interpôs agravo regimental no qualsustenta que a matéria não é pací-fica no STJ, o que não recomendaa utilização do art. 557, § 1º-A, doCPC; levanta novamente a prelimi-nar de ausência de interesse de agirpor falta de impugnação específi-ca dos lançamentos reputadosindevidos, além de arguir a pres-crição trienal dos juros e de outrasprestações acessórias.

Apresentado o feito em mesa nasessão da Quarta Turma do dia15.12.2011, o voto do relator pro-pôs a negativa de provimento aorecurso do banco.

Na oportunidade, pedi vista dosautos para melhor exame da con-trovérsia e comparação com outrosfeitos da mesma procedência quea mim foram distribuídos.

Assim posta a controvérsia, pas-so à análise da questão.

É certo que a "ação de presta-ção de contas pode ser propostapelo titular de conta-corrente ban-cária" (Súmula 259).

Há, pois, consenso de que o ti-tular de conta-corrente bancáriatem legitimidade ativa e interesseprocessual para exigir contas dainstituição bancária. Isso porque a

abertura de conta-corrente tem porpressuposto a entrega de recursosdo correntista ao banco (depósitoinicial e eventual limite de créditoaberto em favor do correntista),seguindo-se relação duradoura desucessivos créditos e débitos. Pormeio da prestação de contas, obanco deverá demonstrar os crédi-tos (depósitos em favor docorrentista) e os débitos efetivadosem sua conta-corrente (chequespagos, débitos de contas, saquesetc) ao longo da relação contratual,para que, ao final, se apure se osaldo da conta-corrente é positivoou negativo, vale dizer, se ocorrentista tem crédito ou, ao con-trário, se está em débito.

Também não é objeto de discus-são que a entrega de extratos peri-ódicos aos correntistas não impli-ca, por si só, falta de interesse deagir para o ajuizamento de presta-ção de contas, uma vez que podemnão ser suficientes para o esclare-cimento de todos os lançamentosefetuados na conta-corrente a res-peito dos quais tem dúvida o con-sumidor.

No caso em exame, alega o au-tor, na inicial, que "foram lança-dos valores em débito, os quaisnão encontram respaldo no con-trato vigente entre as partes (...)"(...) "sem prévio conhecimento ouautorização do consumidor" (fl. e-STJ 5); aventa a eventual ilegali-dade de encargos cobrados e men-ciona a falta de compreensão dasabreviaturas constantes dos extra-tos mensais. Não delimita um pe-ríodo da longa relação contratualdurante o qual teria havido lan-çamentos não esclarecidos, duvi-

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CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

dosos, indevidos ou ilegais. Pedea prestação de contas desde aabertura da conta-corrente até aatualidade.

Não especifica o autor, portan-to, nenhum exemplo concreto delançamento não autorizado, deorigem desconhecida, designadopor abreviatura não compreensívelou impugnado por qualquer mo-tivo legal ou contratual. A genéri-ca inicial poderia servir para qual-quer contrato bancário, bastandoa mudança do nome das partes edo número da conta-corrente.

Recordo-me de que, ao levar ajulgamento, perante a 2ª Seção, orecurso repetitivo (REsp. 1.117.614)a propósito de questão de há mui-to pacificada na jurisprudência da3ª e da 4ª Turma - a inaplicabili-dade do prazo de decadência (90dias), previsto no art. 26 CDC, paraa reclamação pelos vícios aparen-tes ou de fácil constatação, às co-branças de tarifas por serviços ban-cários - fui surpreendida com oscandentes memoriais e sustentaçãooral que preconizavam a mudan-ça do entendimento desta Corte,sob o argumento de que estariaformada verdadeira "indústria deações de prestação de contas" emalguns Estados, animada pela im-possibilidade de ordem prática deprestação de contas de longa rela-ção contratual (eventualmentepelo período de 20 anos) no exí-guo prazo legal de 5 dias. Diantedessa impossibilidade, a qual acar-reta invariavelmente a condenaçãodos bancos, na primeira fase daação, aos ônus da sucumbência,postulava-se fosse reconhecida adecadência do direito de apresen-

tar reclamação após o prazo de 90dias de cada lançamento.

Ponderei, então, que a causa detão grande número de ações, emgeral padronizadas, estava relaci-onada ao conjunto da jurisprudên-cia do STJ desenvolvida a partir daedição da Súmula 259, no sentidode que as ações de prestação decontas de tal tipo de relaçãocontratual, a despeito de sua lon-ga e indefinida duração e da re-messa periódica de extratos, podemser ajuizadas, livres de ônus e dequalquer risco processual pelocorrentista, bastando-lhe indicar onúmero de sua conta-corrente, sema especificação dos lançamentosduvidosos ou questionáveis, sem opagamento das tarifas bancáriasexigíveis para o fornecimento desegunda via de extratos e, muitasvezes, sob o pálio da assistênciajudiciária em razão de alegadaimpossibilidade de pagamento decustas.

A liberalidade dessa jurisprudên-cia ensejou abusos, é certo, mas nãopoderia, no meu entender, ser ajustificativa para suprimir o direitodo correntista de, após o exíguoprazo de decadência (90 dias), ques-tionar fundamentadamente a lega-lidade de débito feito em sua con-ta-corrente, desde que dentro doprazo de prescrição. Embora já pa-cificada a questão, houve polêmi-ca e, após sucessivos pedidos de vis-ta, a 2ª Seção, por maioria, reafir-mou a inaplicabilidade do prazo dedecadência do art. 26 CDC para oquestionamento da cobrança detarifas por serviços bancários.

A profícua discussão levou-mea este pedido de vista, a fim de

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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analisar os precedentes da Súmula259 e verificar extensão do enten-dimento nela compendiado, à luzda realidade atual.

Passo, pois, a analisar alguns dosprecedentes da referida súmula.

No REsp. 12.393-0/SP, 4ª Turma,relator o Ministro Sálvio deFigueiredo, decidiu-se que "aocorrentista que, recebendo extra-tos bancários, discorde dos lança-mentos deles constantes, assistelegitimidade e interesse para ajui-zar ação de prestação de contasvisando a obter pronunciamentojudicial acerca da correção ou in-correção de tais lançamentos" (DJ28.4.1994, grifo não constante dooriginal). Neste precedente,controvertia-se sobre a existênciaou não de interesse, por parte decorrentista que tem por incorretosos lançamentos constantes dos ex-tratos de movimentação forneci-dos extrajudicialmente pela insti-tuição bancária, para ajuizar açãode prestação de contas, com vistasa obter pronunciamento judicialacerca da exatidão, ou não, do con-teúdo das contas oferecidas e re-jeitadas. Após esclarecer que a açãode prestação de contas divide-seem duas fases, discutindo-se, naprimeira, apenas se o réu está ounão obrigado a prestar contas e,na segunda, procedendo-se ao exa-me das contas oferecidas visandoà apuração da existência de saldoem favor de uma ou de outra par-te, observou o eminente relatorque, no caso em exame, a primei-ra fase fora esvaziada, não haven-do lide, pois o banco reconhecera,ao enviar os extratos, a existênciada obrigação de prestar contas.

Remanescia, contudo, o interessede agir, porque o correntista nãohavia aceito como boas as contasofertadas. E prosseguiu o MinistroSálvio de Figueiredo, invocando alição de Adroaldo Furtado Fabrí-cio:

"Nem só em juízo se podemprestar e tomar contas. Ressal-vados aqueles casos em que ascontas são dadas ao própriojuízo, como as de tutores ecuradores, em todas as demaishipóteses, tratando-se de obri-gação de origem negocial, aprestação de contas pode e, emprincípio, deve ser feita extra-judicialmente.O oferecimento ou a exigênciadas contas por via das ações cor-respondentes só se justificaquando haja recusa ou mora daparte contrária em recebê-lasou em dá-las, ou quando a for-ma amigável se torne impossí-vel em razão de dissídio entreas partes quanto a composiçãodas parcelas de 'deve' e 'haver'.Por outras palavras, o empre-go da ação em causa, sobre qual-quer de suas modalidades, pres-supõe divergência entre as par-tes, seja quanto a existênciamesma obrigação de dar con-tas, seja sobre o estado delas,vale dizer, sobre a existência, osentido ou o montante do sal-do" ("Comentários ao Códigodo Processo Civil", vol. VIII, TomoIII, Forense, 4ª ed., 1992, nº 255,p. 235).

E, voltando ao caso em julga-mento, concluiu o Ministro Sálviode Figueiredo:

"No caso em tela, em que a pró-pria autora fez juntar à inicial

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CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

os extratos que lhe foram envi-ados, mais se evidencia o des-propósito de falar-se em pri-meira fase, dada a limitação doâmbito da controvérsia à exati-dão, ou não, dos lançamentos,ficando o resultado da causacondicionado somente ao ofe-recimento de demonstraçãocomprobatória e justificadorados mesmos.Em conclusão: a apresentaçãodos extratos pelo banco, embo-ra importando no reconheci-mento de sua obrigação deprestar contas ao correntista-recorrente, não retira a este apossibilidade de, discordandodos lançamentos deles constan-tes, valer-se da ação de presta-ção de contas para obter pro-nunciamento judicial acerca dacorreção ou não de tais lança-mentos, hipótese em que o pro-cesso se desenvolve em umaúnica fase e os ônus dasucumbência são fixados emfunção apenas do êxito ou fra-casso quanto à exatidão dascontas extrajudicialmenteofertadas.Em face do exposto, conhecen-do do recurso pela alínea c dopermissivo constitucional, dou-lhe provimento para, afastan-do a carência decretada em se-gundo grau, ensejar da eg. Câ-mara julgadora sobre as demaisquestões que lhe foram devol-vidas ao conhecimento."

O ponto de vista divergente erasustentado, na 3ª Turma, pelo Mi-nistro Eduardo Ribeiro. Segundoseu entendimento, manifestado noREsp. 68.575-RS, ao qual aderiu oMinistro Menezes Direito, se ascontas forem apresentadas pelobanco de forma clara, "não há jus-

tificativa para a ação de pedir con-tas, o que importaria movimentara Jurisdição para pleitear se deter-minasse fizesse o réu aquilo que jáhavia feito. Aquele a quem sejamdevidas, entretanto, poderá discor-dar dos lançamentos. Nem por issoteria interesse em pedir contas.Poderá tê-lo em obter pronuncia-mento judicial sobre os elementosapresentados, com a conseqüentefixação do saldo devedor ou cre-dor. Por isso ajuizará demanda,impugnando o que lhe parecer ine-xato e pleiteando sentença quedisponha sobre aquele saldo. Tra-ta-se de providência substancial-mente idêntica, ainda que proces-sualmente distinta, da prevista no§1º do artigo 915 do Código deProcesso Civil". Foi vencedor o votodo Ministro Waldemar Zveiter, sin-tetizado na seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. PRESTA-ÇÃO DE CONTAS. INTERESSE DEAGIR.I - Ao correntista que, receben-do extratos bancários, discordedos lançamentos deles constan-tes, assiste legitimidade e inte-resse para ajuizar ação de pres-tação de constas visando a ob-ter pronunciamento judicialacerca de correção ou incorre-ção de tais lançamentos (REspnº 12.395.0/SP).II Recurso conhecido e provido."(REsp.68575-RS, rel. MinWaldemar Zveiter, Terceira Tur-ma, pub. D.J. 15/9/97).

Dentre os demais precedentes dasúmula, destaco o REsp. 264.506/ES,relator o Ministro Aldir PassarinhoJúnior, no qual se considerou cabí-vel a prestação de contas, porque

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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justificado o pedido "por correntistaque questiona a natureza de trans-ferência e débitos em conta corren-te lançados pela instituição deposi-tária" (DJ 26.3.2001). No REsp.198.071/SP, relator o Ministro Bar-ros Monteiro, decidiu-se que "aoconcorrentista que, recebendo ex-tratos bancários, discorde dos lan-çamentos deles constantes, assistelegítimo interesse para intentar açãode prestação de contas, visando aobter pronunciamento judicial acer-ca da correção ou incorreção de taislançamentos" (DJ 24.5.1999). NoREsp. 184.283/SP, afirmou-se "Ocorrentista, inconformado com oslançamentos feitos em sua contacorrente, sem condições de conhe-cer a natureza e a origem dos regis-tros constantes dos extratos bancá-rios que recebe, tem legítimo inte-resse de propor a ação de presta-ção de contas" (DJ 22.3.1999). Osgrifos não constam dos originais. Nomesmo sentido, o REsp. 114.237/SC,relator Ministro Waldemar Zveiter,DJ 1.3.1999; REsp. 75.612/SC, rel. Mi-nistro Costa Leite, DJ 4.3.1996.

A Súmula 259 pacificou, portan-to, a divergência de entendimen-to a propósito do cabimento, ounão, de ação de prestação de con-tas quando o banco já as apresen-ta extrajudicialmente, mediante oenvio de extratos claros, suficien-tes à compreensão de todos os lan-çamentos efetuados. Não se cogi-tava, nos primeiros precedentes daSúmula 259, de iniciais vagas, ge-néricas, sem especificação dos lan-çamentos duvidosos ou sequer doperíodo em que ocorreram os dé-bitos acerca dos quais se busca es-clarecimento.

É certo que a jurisprudência evo-luiu a ponto de, atualmente, diver-sos precedentes admitirem a açãode prestação de contas genérica,sem necessidade de menção aoslançamentos duvidosos ou sequerde especificação de período emque ocorreram, bastando a men-ção do número da conta e a afir-mação de que se busca prestaçãode contas desde a sua abertura atéos dias atuais.

Este entendimento extensivo daSúmula 259, embora reiterado, nãoé unânime. Transcrevo elucidativovoto do Ministro Aldir PassarinhoJunior, relator de parte dos prece-dentes da Súmula 259, ao qual adi-ro integralmente:

"É certo que o entendimentoconsagrado nesta Corte é nosentido de que os correntistasfazem jus à prestação de con-tas, para esclarecimento de dú-vidas sobre lançamentos feitosem seus extratos, independen-temente do fornecimento des-tes, como se infere dos seguin-tes acórdãos:

'Ação de prestação de con-tas. Depósito bancário con-ta corrente.Interesse processual. Emen-da da inicial. O correntistainconformado com os lan-çamentos feitos em suaconta corrente, sem condi-ções de conhecer a nature-za e a origem dos registrosconstantes dos extratosbancários que recebe, temlegítimo interesse de pro-por ação de prestação decontas. Não indicado na ini-cial o período a que se re-fere, incide o disposto noart. 284 do CPC.

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CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

Recurso conhecido, pela diver-gência, e provido em parte.'(4ª Turma, REsp n. 156.319/SC, Rel. Min. Ruy Rosado deAguiar, unânime, DJU de22.06.1998)__________'AÇÃO DE PRESTAÇÃO DECONTAS. DISCORDÂNCIAACERCA DE LANÇAMENTOSFEITOS EM CONTA-CORREN-TE. INTERESSE DE AGIR.Ao correntista que, receben-do extratos bancários, dis-corde dos lançamentos delesconstantes, assiste legítimointeresse para intentar aação de prestação de contas,visando a obter pronuncia-mento judicial acerca da cor-reção ou incorreção de taislançamentos.Precedentes.Recurso especial conhecido eprovido.'(4ª Turma, REsp n. 198.071/SP, Rel. Min. Barros Monteiro,unânime, DJU de 24.05.1999)

Ocorre, porém, que não bastaa mera presunção genérica deque há possível erro nos lança-mentos para respaldar umaação judicial, sendo necessáriaindicação consistente da irregu-laridade, sob pena de se ence-tar um litígio judicial em tese epraticamente condicional.Nesse sentido:

'PROCESSUAL CIVIL. AÇÃODE PRESTAÇÃO DE CONTAS.INTERESSE. FATURAS DECARTÃO DE CRÉDITO. LAN-ÇAMENTOS. FALTA DEINDIVIDUALIZAÇÃO. CA-RÊNCIA DE AÇÃO. SÚMULAN. 7-STJ.I. Inobstante se reconheça odever de prestação de con-tas pela administradora docartão de crédito, firmou o

Tribunal a quo a carência daação com base em omissõesda exordial sobre os lança-mentos, o que envolve ma-téria fática, cujo reexame éobstado pela Súmula n. 7 doSTJ.II. Recurso especial não co-nhecido.'(4ª Turma, REsp n. 469.931/RS, Rel. Min. Aldir PassarinhoJunior, unânime, DJU de02.06.2003)

Aqui, além de não explicitar,fundamentada e concretamen-te, as razões para a postulaçãoda contas, a autora ainda pre-tende que elas se estendam atodo o período de dez anos (cf.fl. 6), em que é correntista dainstituição bancária ré, o que soaabsurdo, posto que não é crívelque desde o início, em tudo, te-nha havido erro ou suspeita deequívoco dos extratos já apre-sentados.A pretensão da autora soa, naverdade, como protelatória.Ante o exposto, não conheço dorecurso especial."(4ª Turma, REsp. 98.626-SC,unânime, negrito não constan-te do original).

O acórdão no REsp. 98.626-SCfoi assim ementado:

"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃODE PRESTAÇÃO DE CONTAS.MOVIMENTAÇÃO DE CONTA-CORRENTE. POSTULAÇÃO GE-NÉRICA NA INICIAL, SEM MAI-OR EXPLICITAÇÃO DE MOTIVOSCONCRETOS AO EMBASAMEN-TO DA DEMANDA. EXORDIALINDEFERIDA.I. Conquanto seja direito do cli-ente de entidade bancária ob-ter a prestação de contas sobreos lançamentos efetuados em

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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sua conta-corrente, indepen-dentemente do fornecimentode extratos pelo réu, imprescin-dível se faz concreta indicaçãoe fundamentação, na inicial, dasirregularidades detectadas,sendo imprestável a mera re-ferência genérica e vazia a res-peito, na interpretação do Tri-bunal estadual sobre os fatosnarrados, que não é possívelrever em sede especial, ao teorda Súmula n. 7 do STJ.II. Recurso especial não conheci-do."

No caso em exame, depreende-se da leitura da genérica inicial ainconformidade do autor com osaldo de sua conta-corrente, aven-tando ele a ilegalidade dos encar-gos contratados, tais como comis-são de permanência, juros, multa,tarifas etc. Pede seja acertada a re-lação jurídica, a fim de que se apu-re se está em débito ou possui cré-dito perante a instituição financei-ra, caso em que esta deverá sercondenada a ressarcir-lhe o quepagou em excesso.

A pretensão deduzida na inici-al, voltada a aferir a legalidade dosencargos cobrados (comissão depermanência, juros, multa, tarifas),deveria ter sido veiculada, portan-to, por meio de ação ordináriarevisional, cumulada com repeti-ção de eventual indébito, no cur-so da qual, se insuficientes os ex-tratos, pode ser requerida a exibi-ção de documentos, caso esta nãotenha sido postulada em medidacautelar preparatória.

A propósito, a jurisprudência deambas as Turmas que compõem aSegunda Seção reconhece a impos-sibilidade de revisão de cláusulas

contratuais em sede de ação deprestação de contas, em razão dadiversidade de ritos.

Nesse sentido, os seguintes jul-gados:

"CUMULAÇÃO DE PEDIDOS.NULIDADE DE CONTRATO,INEXIGIBILIDADE DE TÍTULOSDE CRÉDITO E PRESTAÇÃO DECONTAS. INADMISSIBILIDADEEM RELAÇÃO A ESTA ÚLTIMA.- De feições complexas e com-portando duas fases distintas,inadmissível é a cumulação daação de prestação de contascom as ações de nulidade decontratos e declaratória deinexigibilidade de títulos, porensejar tumulto e desordem narealização dos atos processuais.Precedente da Quarta Turma.Recurso especial conhecido eprovido parcialmente."(4ª Turma, REsp 190.892/SP, Rel.Ministro BARROS MONTEIRO,unânime, DJU de 21.8.2000)

"AGRAVO REGIMENTAL. RE-CURSO ESPECIAL. CUMULAÇÃODE PEDIDOS. REVISÃO CON-TRATUAL. PRESTAÇÃO DE CON-TAS. RITOS. INCOMPATIBILIDA-DE.1. Consoante entendimentodesta Corte, é inviável acumulação de ação de revisãode cláusulas contratuais comação de prestação de contas, emface da diversidade dos ritos.Precedentes.2. Agravo regimental desprovi-do."(4ª Turma, AgRg no REsp739.700/RS, Rel. MinistroFERNANDO GONÇALVES, unâ-nime, DJU de 22.10.2007)

"AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO DE INSTRUMENTO.

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227Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDI-NÁRIA. PEDIDO DE PRESTAÇÃODE CONTAS. CUMULAÇÃO. IM-POSSIBILIDADE. INCOMPATIBILI-DADE DE RITOS.1. É impossível cumular ação deprestação de contas com açãoordinária em que se busca a re-visão contratual, em face da in-compatibilidade de ritos.2. Agravo regimental desprovi-do."(4ª Turma, AgRg no Ag1.094.287/MG, Rel. MinistroJOÃO OTÁVIO DE NORONHA,unânime, DJe de 27.5.2010)

"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃODE PRESTAÇÃO DE CONTAS.REVISÃO CONTRATUAL. CUMU-LAÇÃO. RITOS. INCOMPATIBILI-DADE.I - Consoante entendimento des-ta Corte, é inviável a cumulaçãode ação de revisão de cláusulascontratuais com ação de presta-ção de contas, em face da diver-sidade dos ritos. Precedentes.Agravo Regimental improvido."(3ª Turma, AgRg no REsp1.177.260/PR, Rel. Ministro SID-NEI BENETI, unânime, DJe de7.5.2010)

Em síntese, embora cabível aação de prestação de contas pelotitular da conta-corrente (Súmula259), independentemente do for-necimento extrajudicial de extra-tos detalhados, tal instrumentoprocessual não se destina à revisãode cláusulas contratuais e não pres-cinde da indicação, na inicial, aomenos de período determinado emrelação ao qual busca esclareci-mentos o correntista, com a expo-sição de motivos consistentes, ocor-rências duvidosas em sua conta-

corrente, que justificam a provo-cação do Poder Judiciário median-te ação de prestação de contas.

Em face do exposto, rogandovênias ao eminente Relator, douprovimento ao agravo regimentalpara negar provimento ao recursoespecial.

É como voto.

VOTO-VOGAL

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARA-ÚJO: Sr. Presidente, também enten-do que têm havido abusos no ma-nejo dessas ações de prestação decontas, o que nos leva a refletirsobre a excessiva liberalidade coma qual temos admitido essas ações.Há necessidade de se formular, deforma mais criteriosa, aadmissibilidade das ações de pres-tação de contas, como agora nosconvida o voto da eminente Minis-tra Isabel Gallotti, a quem peçovênia a V. Exa. para acompanhar.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTO-NIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presiden-te, cumprimento a eminente Mi-nistra MARIA ISABEL GALLOTTIpelo voto, pela pormenorizadapesquisa sobre a origem e a evolu-ção da jurisprudência, que traznovas luzes à jurisprudência daCorte, inclusive chamando a aten-ção para a circunstância da utiliza-ção inadequada da ação de presta-ção de contas, que muitas vezestem inspiração e motivações me-nos nobres.

Por isso, cumprimentando a emi-nente Ministra ISABEL GALLOTTI e

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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pedindo vênia a V. Exa., acompanhoa divergência.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAR-CO BUZZI:

Sr. Presidente, da mesma sorte,acompanho também a divergência.

MINISTRO MARCO BUZZIMINISTROPRESIDENTE O SR. MINISTRO

LUIS FELIPE SALOMÃORELATOR O SR. MINISTRO LUIS

FELIPE SALOMÃO

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista da Ministra Ma-ria Isabel Gallotti, dando provimen-to ao agravo regimental para ne-gar provimento ao recurso especi-al, divergindo do relator, e os vo-tos dos Ministros Antonio CarlosFerreria, Marco Buzzi e Raul Arau-jo, no sentido da divergência, aQuarta Turma, por maioria, deuprovimento ao agravo regimentalpara negar provimento ao recursoespecial, nos termos do voto diver-gente da Ministra Maria IsabelGallottti, que lavrará o acórdão,nos termos do RISTJ, art. 52, II.Vencido o Relator, Ministro LuisFelipe Salomão.

Votaram com a Sra. MinistraMaria Isabel Gallotti os Srs. Minis-tros Raul Araújo, Antonio CarlosFerreira e Marco Buzzi.

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

Superior Tribunal de Justiça

Sistema Financeiro da Habitação. Pedido de cobertura securitária.Vícios na construção. Agente financeiro. Ilegitimidade.1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1009553&sReg=200802640490&sData=20120206&formato=PDF>. Aces-so em: 25 out. 2012.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL. SISTEMAFINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PE-DIDO DE COBERTURA SECURI-TÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO.AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMI-DADE.

1. Ação em que se postulacomplementação de coberturasecuritária, em decorrência danosfísicos ao imóvel (vício de constru-ção), ajuizada contra a seguradorae a instituição financeira estipulantedo seguro. Comunhão de interes-ses entre a instituição financeiraestipulante (titular da garantia hi-potecária) e o mutuário (segurado),no contrato de seguro, em face daseguradora, esta a devedora da co-bertura securitária. Ilegitimidadepassiva da instituição financeiraestipulante para responder pela pre-tendida complementação de cober-tura securitária.

2. A questão da legitimidadepassiva da CEF, na condição deagente financeiro, em ação de in-denização por vício de constru-ção, merece distinção, a depen-der do tipo de financiamento edas obrigações a seu cargo, po-dendo ser distinguidos, a grosso

modo, dois gêneros de atuaçãono âmbito do Sistema Financeiroda Habitação, isso a par de suaação como agente financeiro emmútuos concedidos fora do SFH(1) meramente como agente fi-nanceiro em sentido estrito, as-sim como as demais instituiçõesfinanceiras públicas e privadas (2)ou como agente executor de po-líticas federais para a promoçãode moradia para pessoas de bai-xa ou baixíssima renda.

3. Nas hipóteses em que atuana condição de agente financei-ro em sentido estrito, não osten-ta a CEF legitimidade para res-ponder por pedido decorrente devícios de construção na obra fi-nanciada. Sua responsabilidadecontratual diz respeito apenas aocumprimento do contrato de fi-nanciamento, ou seja, à liberaçãodo empréstimo, nas épocas acor-dadas, e à cobrança dos encargosestipulados no contrato. A previ-são contratual e regulamentar dafiscalização da obra pelo agentefinanceiro justifica-se em funçãode seu interesse em que o emprés-timo seja utilizado para os finsdescritos no contrato de mútuo,sendo de se ressaltar que o imó-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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vel lhe é dado em garantia hipo-tecária.

4. Hipótese em que não se afir-ma, na inicial, que a CEF tenhaassumido qualquer outra obriga-ção contratual, exceto a liberaçãode recursos para a construção.Não integra a causa de pedir a ale-gação de que a CEF tenha atuadocomo agente promotor da obra,escolhido a construtora ou tidoqualquer responsabilidade relati-va à elaboração ao projeto.

5. Recurso especial providopara reconhecer a ilegitimidadepassiva ad causam do agente fi-nanceiro recorrente.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista da Ministra Ma-ria Isabel Gallotti, dando provi-mento ao recurso, no que foiacompanhada pelos MinistrosJoão Otávio de Noronha e RaulAraújo, a Turma, por maioria, deuprovimento ao recurso especial.Vencido o Relator, Ministro LuisFelipe Salomão, que lhe negavaprovimento.

Lavrará o acórdão a Sra. Mi-nistra Maria Isabel Gallotti. Vota-ram com a Sra. Ministra Maria Isa-bel Gallotti os Srs. Ministros RaulAraújo e João Otávio de Noronha.

Impedido o Sr. Ministro Anto-nio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 09 de agosto de2011(Data do Julgamento).

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI

RelatoraREsp 1.102.539 – DJe 06.02.2012

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPESALOMÃO (Relator):

1. Maria de Lourdes de Almeidae outros seis autores ajuizaramação objetivando indenização,cumulada com obrigação de fazer,em face de Caixa Seguradora S/Ae Caixa Econômica Federal (CEF),noticiando que são moradores doCondomínio Habitacional Pinhei-ros, bloco 3-A, localizado em Re-cife/PE, cuja obra foi financiada efiscalizada pela Caixa EconômicaFederal, e que desde a entrega dosapartamentos vêm os mutuários emoradores reclamando, sem suces-so, dos vícios e defeitos de cons-trução do empreendimento, bemcomo da ausência de registro daincorporação. Somente após o Mi-nistério Público Estadual tomar ci-ência do fato, bem como compro-vado o risco de desabamento, éque a CEF e Caixa Seguradora com-peliram os moradores do Condo-mínio Pinheiros a desocupar osapartamentos, para que fosseminiciadas as obras de recuperação.A ação proposta, destarte, preten-de ressarcimento de todos os da-nos decorrentes dos vícios de cons-trução, inclusive os havidos emrazão da desocupação das unida-des habitacionais, quais sejam, opagamento de aluguel no valor deR$ 500,00 mensais, taxa de condo-mínio, IPTU e conta de energia,pedido compatível com a locaçãode imóvel do mesmo padrão po-pular daquele então financiado.

O Juízo Federal da 6ª Vara daSeção Judiciária de Pernambucoconcedeu parcialmente a anteci-

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

pação da tutela pleiteada, asse-verando, no particular à legitimi-dade da CEF para responder à de-manda, o seguinte:

“É lícito cogitar-se da respon-sabilidade da Caixa Econômi-ca Federal e da seguradoraquanto aos possíveis defeitosda construção financiada, im-putando-lhe, também, as des-pesas desembolsadas pelo mu-tuário, em virtude desses de-feitos ou da desocupação for-çada (aluguel etc.).Deveras, o agente financeiro,efetuando a fiscalização téc-nica, obriga-se a garantir o re-sultado da construção, segun-do os padrões de normalida-de, porque o mutuário consti-tui-se na parte vulnerável nanegociação, e sem dúvida pas-sa a confiar nessa atuação decunho técnico” (fl. 41).

Contra essa decisão, a CEF in-terpôs agravo de instrumento,alegando, essencialmente, ilegi-timidade passiva, inexistência dosrequisitos para a concessão da an-tecipação de tutela, impossibili-dade de atribuir-se responsabili-dade solidária entre o agente fi-nanceiro e a seguradora, inexis-tência do dever de fiscalização daobra por parte do agente finan-ceiro e, ainda, benefício de ordem(fls. 02/11). O agravo foi impro-vido, nos termos da seguinteementa:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO.ADMINSTRATIVO. SFH. RISCODE DESABAMENTO. DESOCU-PAÇÃO FORÇADA. ARBITRA-MENTO DE ALUGUEL E DE-

MAIS DESPESAS. RESPONSABI-LIZAÇÃO DA CEF E DA SEGU-RADORA. MEDIDA EMERGEN-CIAL.- Insurge-se a CEF em face dedecisão que deferiu parcial-mente a antecipação de tute-la requerida no sentido de atri-buir-lhe a responsabilidade so-lidária com a Caixa Seguros,para que as mesmas deposi-tem em juízo(50% para cadaqual) as despesas necessáriasà desocupação das unidadesresidenciais, desde janeiro de2005, além do pagamento dasdespesas de permanência nosimóveis alugados, inclusive aquantia mensal de até R$500,00(quinhentos reais) porapartamento, a título de alu-guel, enquanto perdurar a re-forma do prédio.- A responsabilidade solidáriaem relação às despesas de-sembolsadas pelo mutuário,em virtude da desocupaçãoforçada, trata-se de uma me-dida emergencial, em face dorisco de desabamento do imó-vel. Assim, mesmo que nãohaja previsão contratual acer-ca dessas despesas, deve-secustear uma alternativahabitacional compatível du-rante as obras de recuperação,é, no mínimo, o que se podeesperar para a preservação daintegridade física dos seusocupantes.- Ademais, mesmo que hajaprevisão contratual por parteda Seguradora – Caixa Seguros- em custear os encargos do fi-nanciamento durante o perío-do de desocupação, não consti-tui bis in idem o pagamento dealuguel por parte da CEF, hajavista que os mutuários dos apar-tamentos interditados não de-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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ram causa ao fato que ensejoutal responsabilização, portanto,devem ser compensados pelostranstornos sofridos.- A reforma do imóvel já estáem curso, sendo realizada àsexpensas da seguradora, demodo a reconhecer o compro-metimento da construção fi-nanciada pela Caixa Econômi-ca Federal.- Agravo de instrumentoimprovido e agravo regimen-tal prejudicado”. (fl. 152)

Sobreveio recurso especialfulcrado nas alíneas “a” e “c” dopermissivo constitucional, noqual alega, além de dissídiojurisprudencial, ofensa aos arts.186 e 265 do Código Civil, baten-do-se a Caixa por sua ilegitimi-dade para figurar no pólo passi-vo da demanda.

A CEF, em essência, sustentaque “nunca celebrou, nem com aconstrutora responsável pelaobra, nem com a vendedora doimóvel e nem com a parte Recor-rente, qualquer contrato ondetenha assumido responsabilidadepor eventuais danos físicos ocor-ridos no imóvel em questão” (fl.159); que “não pode ser respon-sabilizada pelos danos sofridospelo imóvel em comento, quer osditos danos tenham sido decor-rentes de vício de construção, damá utilização do imóvel ou de aci-dente. Em outras palavras, qual-quer que seja a origem dos da-nos apresentados pelo imóvel emquestão, não há como se impu-tar responsabilidade à CAIXA” (fl.159); que “só possuía a obrigaçãolegal de vistoriar e fiscalizar aobra com o único intuito de veri-

ficar se os recursos estão sendoliberados de acordo com ocronograma físico-econômico doprojeto, de modo a garantir aconclusão da obra” (fl. 161).

Sem contrarrazões, o especialfoi admitido na origem como re-presentativo da controvérsia, nostermos da Resolução n.º 08/2008do STJ (fls. 184/185), decisão cor-roborada pelo então Relator, e.Ministro Carlos Fernando Mathias(fl. 190).

A União veio, às fls. 243/246,requererseu ingresso no feitocomo interveniente.

A CEF, às fls. 249/251, reque-reu a desafetação do processo, aoargumento de que a causa deba-tida havia sido resolvida nos mol-des do art. 543-C do CPC, quandodo julgamento do REsp. n.º1.091.393/SC, de relatoria do e.Ministro Carlos Fernando Mathias.

A Coordenadoria da SegundaSeção informou, às fls. 259/260,que a questão versada nos presen-tes autos - responsabilidade soli-dária da CEF por vícios na cons-trução de imóvel financiado peloSistema Financeiro da Habitação- não teria sido debatida no alu-dido paradigma por ausência deprequestionamento, razão pelaqual indeferi o pedido dedesafetação (fls. 268).

O Ministério Público Federal,mediante parecer subscrito peloi. Subprocurador-Geral da Repú-blica Henrique Fagundes Filho,opinou pelo conhecimento par-cial e provimento do recurso es-pecial (fls. 271/279).

Finalmente, a CEF peticionou,uma vez mais, requerendo a cor-

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

reção do despacho de afetação aoargumento de não condizer coma matéria efetivamente tratadanos autos (fl. 281).

Na assentada do dia22.09.2010, a e. Segunda Seçãoentendeu por bem desafetar opresente recurso da sistemáticaprevista no art. 543-C do CPC.

É o relatório.

VOTO VENCIDO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPESALOMÃO (Relator):

(...)

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o proces-so em epígrafe na sessão realiza-da nesta data, proferiu a seguin-te decisão:

Após o voto do Sr. MinistroRelator,negando provimento aorecurso especial no que foi acom-panhado pelo Sr. Ministro RaulAraújo, PEDIU VISTA dos autos aSra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Aguardam os Srs. MinistrosAldir Passarinho Junior e JoãoOtávio de Noronha.

Brasília, 05 de outubro de 2010TERESA HELENA DA ROCHA

BASEVISecretária

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Cuida-se de recurso es-pecial interposto pela CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL, com funda-mento nas alíneas a e c do art.

105, III da CF, contra acórdão daTerceira Turma do Tribunal Regi-onal Federal da 5ª Região, assimementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.ADMINISTRATIVO. SFH. RISCODE DESABAMENTO. DESOCU-PAÇÃO FORÇADA. ARBITRA-MENTO DE ALUGUEL E DE-MAIS DESPESAS. RESPONSABI-LIZAÇÃO DA CEF E DA SEGU-RADORA. MEDIDA EMERGEN-CIAL.- Insurge-se a CEF em face dedecisão que deferiu parcial-mente a antecipação de tute-la requerida no sentido de atri-buir-lhe a responsabilidade so-lidária com a Caixa Seguros,para que as mesmas deposi-tem em juízo (50% para cadaqual) as despesas necessáriasà desocupação das unidadesresidenciais, desde janeiro de2005, além do pagamento dasdespesas de permanência nosimóveis alugados, inclusive aquantia mensal de até R$500,00 (quinhentos reais) porapartamento, a título de alu-guel, enquanto perdurar a re-forma do prédio.- A responsabilidade solidáriaem relação às despesas desem-bolsadas pelo mutuário, emvirtude da desocupação força-da, trata-se de uma medidaemergencial, em face do riscode desabamento do imóvel.Assim, mesmo que não hajaprevisão contratual acerca des-sas despesas, deve-se custearuma alternativa habitacionalcompatível durante as obras derecuperação, é, no mínimo, oque se pode esperar para apreservação da integridade fí-sica dos seus ocupantes.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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- Ademais, mesmo que hajaprevisão contratual por parteda Seguradora - Caixa Seguros- em custear os encargos do fi-nanciamento durante o perío-do de desocupação, não cons-titui bis in idem o pagamentode aluguel por parte da CEF,haja vista que os mutuários dosapartamentos interditadosnão deram causa ao fato queensejou tal responsabilização,portanto, devem ser compen-sados pelos transtornos sofri-dos.- A reforma do imóvel já estáem curso, sendo realizada àsexpensas da seguradora, demodo a reconhecer o compro-metimento da construção fi-nanciada pela Caixa Econômi-ca Federal.- Agravo de instrumentoimprovido e agravo regimen-tal prejudicado.

Alega a recorrente que a cober-tura securitária compete apenas àseguradora e que não tem, na qua-lidade de agente financeiro, res-ponsabilidade alguma sobre víci-os de construção no imóvel finan-ciado. Nesse sentido, aponta diver-gência jurisprudencial, bem comoviolação ao art. 265 e 186 do Có-digo Civil, defendendo a sua ile-gitimidade para figurar no pólopassivo da demanda.

Não houve apresentação decontrarrazões pelos recorridos.

Na assentada do dia22.09.2010, a Segunda Seção de-cidiu desafetar o feito do rito pre-visto no art. 543-C do CPC.

O recurso foi levado à julga-mento na sessão do dia05.10.2010, onde foi proferidovoto pelo Ministro relator no sen-

tido de negar provimento ao re-curso, considerando ser a CEF par-te legítima para integrar o pólopassivo da ação juntamente coma seguradora.

Ultrapassadas as questões re-lativas ao ingresso da União ape-nas na fase de recurso, sem pre-juízo dos atos já praticados, oMinistro relator fundamentou oseu voto, em suma, nas seguintespremissas:

i) Nesse momento processual,apenas se discute a legitimidadedo agente financeiro para res-ponder solidariamente por danosna obra financiada, sem adentraro tema de mérito acerca da pro-cedência do pedido de respon-sabilização da CEF pelos danosque se discutem na ação;

ii) A jurisprudência predomi-nante do STJ orienta-se no senti-do de que o agente financeiro éresponsável pela solidez e segu-rança de imóvel cuja obra forapor ele financiada, guardando ocaso em exame a particularidadede tratar-se de financiamentopara a construção de imóveis po-pulares, destinado a moradores debaixa renda.

iii) As operações básicas daconstrução e do financiamentonão admitem cisão, porque per-deram a autonomia e a simetriacompleta com a tipologia usual,resultando em um tipo novo denegócio, denominado de “negó-cio de aquisição da casa própria”.Nesse sentido, a solidariedade doagente financeiro decorreria dopróprio negócio, embora nãohaja cláusula expressa nesse sen-tido.

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

iv) O agente financeiro contro-la o empreendimento desde o iní-cio, fiscalizando o curso dasobras, inclusive a sua qualidade,sem a qual não há a liberação derecursos, conforme estabelece aRes. nº 31, de 28.11.68, do Conse-lho de Administração do BNH.Assim, a solidariedade entre osque participam do empreendi-mento seria condição para o efe-tivo resgate dos empréstimos. v)O Sistema Financeiro da Habita-ção possui evidente escopo soci-al-distributivo e, nesse sentido,quando uma instituição financei-ra ingressa no sistema, não o fazcomo mero banco comercial, mascomo partícipe e operador dessesistema, com uma destinação so-cial predeterminada. Nesse senti-do, tal providência seria esvazia-da caso o agente financeiro nãofosse corresponsável por eventu-ais vícios na construção do imó-vel e, por mais esse motivo, reve-la-se que a solidariedade decor-reria do negócio como um todo.

vi) No âmbito de financiamen-to de moradias populares, a CEFatua de modo diferenciado, a umsó tempo administrando recursosdo FGTS para repasse a outrosagentes financeiros participantesdo SFH, fiscalizando o correr daobra financiada e, ainda, promo-vendo a aquisição da casa própriajuntamente com outros operado-res. Além disso, a fiscalização daCEF é técnica, relativa à engenha-ria e arquitetura do empreendi-mento financiado.

vii) A compra de casa própriapelo SFH caracteriza uma relaçãode consumo regulada pelo CDC,

que impõe a solidariedade mes-mo àqueles que teoricamente sãoindependentes, tendo em vista ofim comum, que é fornecer o pro-duto e o serviço. Os mutuários se-riam, assim, hipossuficientes poressência. No caso concreto, refor-ça essa tese o próprio comporta-mento da CEF junto aos autores,dado que, em diversas oportuni-dades, enviou correspondências eparticipou de reuniões relativasàs providências necessárias à re-forma do imóvel.

Assevera, ainda, que esta Cor-te por diversas vezes reconheceua responsabilidade de empresasdo mesmo grupo econômico pe-los danos causados aos que comelas contratam.

O voto foi acompanhado peloMinistro Raul Araújo, notada-mente pelo fundamento de queo empreendimento em questãotem contornos de relevância so-cial.

Diante da complexidade dotema, pedi vista dos autos paramelhor exame acerca das diferen-tes circunstâncias em que a CEF con-cede financiamentos habitacionaise a natureza e extensão de suasobrigações contratuais em cadatipo de financiamento.

O voto do eminente Relator,Ministro Luís Felipe Salomão,também levando em considera-ção o caráter social do SFH, entreoutros fundamentos, afirma a le-gitimidade passiva ad causam doagente financeiro, em demandasdo gênero, notadamente em setratando de construção de mora-dia para a população de baixarenda.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

236 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

Conforme acentuado peloRelator, está em julgamento ape-nas a legitimidade passiva da CEF,na condição de agente financei-ro, e não o mérito do pedido. Orecurso especial foi tirado deacórdão que decidiu questãointerlocutória.

Não se pode deixar de ter pre-sente, todavia, que a legitimida-de ad causam é definida em fun-ção de elementos fornecidos pelodireito material. A propósito, éesclarecedora a lição de ARRUDAALVIM:

“Mas, devemos ter presenteque a legitimidade ad causam,uma das condições da ação, senão integra os fundamentosda demanda, partindo do di-reito substancial, é definidaem função de elementos for-necidos pelo direito material(apesar de ser dele, existenci-almente, desligada). Alegitimatio ad causam é a atri-buição, pela lei ou pelo siste-ma, do direito de ação ao au-tor, possível titular ativo deuma dada relação ou situaçãojurídica, bem como a sujeiçãodo réu aos efeitos jurídicos-processuais e materiais dasentença.Normalmente, a legitimaçãopara a causa é do possível ti-tular do direito material (art.6º).A legitimidade é idéia transi-tiva, isto é, alguém é legítimoem função de outrem; vale di-zer, o perfil final da legitimi-dade exige a consideração dooutro. Essa realidade pode,muitas vezes, passar desper-cebida, mas é verdadeira. As-sim, o proprietário, que sofreu

esbulho, será parte legítimaativa em fase de quem, efeti-vamente, esbulhou; o maridoem relação à mulher, e vice-versa, para solicitar separação;o credor em relação ao seu de-vedor (e, não, por hipótese,em relação à sociedade de quefaça parte o devedor), e assim,sucessivamente.O que é necessário ter presen-te, todavia, é que as condiçõesda ação são requisitos de or-dem processual, lato sensu, in-trinsecamente instrumentaise operam, em última análise,para se verificar se o direitode ação existe ou não. Não en-cerram, em si, bem-fim; sãorequisitos-meio para, admiti-da a ação, ser julgado o seumérito (...).” (Manual de Direi-to Processual Civil, RT, 5ª edi-ção, Volume I, p. 349-350).

Cumpre, portanto, verificar,das alegações do autor na inici-al, quais os sujeitos da relação dedireito material descrita comocausa de pedir . Antes, todavia,permito-me transcrever parte devoto que proferi no REsp. 738.071-SC, também julgado na presenteassentada, a propósito da respon-sabilidade civil do agente finan-ceiro em causas em que se postu-la ressarcimento por vício deconstrução:

“Penso que a questão da legi-timidade passiva da CEF me-rece distinção, a depender dotipo de financiamento e dasobrigações a seu cargo, poden-do ser distinguidos, a grossomodo, dois gêneros de atua-ção no âmbito do Sistema Fi-nanceiro da Habitação, isso apar de sua ação como agente

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

financeiro em mútuos conce-didos fora do SFH (1) mera-mente como agente financei-ro em sentido estrito, assimcomo as demais instituições fi-nanceiras públicas e privadas,na concessão de financiamen-tos com recursos do SBPE (altarenda) e do FGTS (média e altarenda), (2) ou como agenteexecutor de políticas federaispara a promoção de moradiapara pessoas de baixa oubaixíssima renda.Nas hipóteses em que a CEFatua meramente como agen-te financeiro em sentido estri-to, não vejo, via de regra, comoatribuir-lhe, sequer em tese -o que seria necessário para oreconhecimento da legitimida-de passiva ad causam - respon-sabilidade por eventual defei-to de construção da obra fi-nanciada.Há hipóteses em que o finan-ciamento é concedido aoadquirente do imóvel após otérmino da construção, sendoo imóvel novo ou usado.Em outras, o financiamento éconcedido à construtora ou di-retamente ao adquirente du-rante a construção. Em outroscasos, é o próprio mutuárioquem realiza a construção oureforma.Não considero que a mera cir-cunstância de o contrato de fi-nanciamento ser celebradodurante a construção, ou nomesmo instrumento do con-trato de compra e venda fir-mado com o vendedor, impli-que a responsabilidade doagente financeiro pela solideze perfeição da obra.A instituição financeira só temresponsabilidade pelo cumpri-mento das obrigações que as-

sume para com o mutuário re-ferentes ao cumprimento docontrato de financiamento, ouseja, a liberação do emprésti-mo, nas épocas acordadas, ecom a cobrança dos encargostambém estipulados no con-trato.Figurando ela apenas comofinanciadora, não tem respon-sabilidade sobre a perfeiçãodo trabalho realizado pelaconstrutora escolhida pelo mu-tuário, e nem responde pelaexatidão dos cálculos e proje-tos feitos por profissionais nãocontratados e nem remunera-dos pelo agente financeiro.Observo que impor aos agen-tes financeiros este ônus, emcaráter solidário, sem previ-são legal e nem contratual(art. 896 do Código Civil), im-plicaria aumentar os custos dosfinanciamentos imobiliários doSFH, pois a instituição financei-ra passaria a ter que contarcom quadros de engenheirospara fiscalizar, diariamente, acorreção técnica, os materiaisempregados e a execução detodas as obras por ela financi-adas, passo a passo, e não ape-nas para fiscalizar, periodica-mente, o correto emprego dosrecursos emprestados.Nestes casos em que atuacomo agente financeiro“stricto sensu”, a previsãocontratual e regulamentar defiscalização da obra, pela CEF,tem o óbvio motivo de que elaestá financiando o investimen-to, tendo, portanto, interesseem que o empréstimo seja uti-lizado para os fins descritos nocontrato de financiamento. Seela constatar a existência defraude, ou seja, que os recur-sos não estão sendo integral-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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mente empregados na obra,poderá rescindir o contrato definanciamento. Em relação àconstrutora, ela tem o direitoe não o dever de fiscalizar. Odever de fiscalizar surge pe-rante os órgãos integrantes doSistema Financeiro da Habita-ção, podendo ensejar sançõesadministrativas, mas não serinvocado pela construtora,pela seguradora ou pelosadquirentes das unidades paraa sua responsabilização dire-ta e solidária por vícios de cons-trução.Fosse o caso de atribuir legiti-midade à CEF nas causas emque se discute vício de constru-ção de imóvel por ela financi-ado (financiamento “strictosensu”), deveria ela figurar nopólo ativo da demanda, ao ladodos adquirentes dos imóveis,os mutuários. Isto porque aCEF tem interesse direto na so-lidez e perfeição da obra, umavez que os apartamentos lheforam dados em hipoteca.Assim, não responde a CEF, pe-rante o mutuário, por vício naexecução da obra cometidopela construtora por ele esco-lhida para erguer o seu imó-vel, ou de quem ele adquiriu oimóvel já pronto.No segundo grupo de financi-amentos acima lembrados, hádiferentes espécies de produ-tos financeiros destinados àbaixa e à baixíssima renda, emcada um deles a CEF assumin-do responsabilidades próprias,definidas em lei, regulamen-tação infralegal e no contratocelebrado com os mutuários.Em alguns casos, a CEF contra-ta a construtora, em nome doFundo de ArrendamentoResidencial (FAR), para a

edificação dos empreendi-mentos e arrenda ou vende osimóveis aos mutuários. Emoutros programas de políticade habitação social (recursosdo FDS, do OGU ou do FGTS), aCEF atua como agente execu-tor, operador ou mesmo agen-te financeiro, conforme a le-gislação específica de regên-cia, concedendo financiamen-tos a entidades organizadorasou a mutuários finais, sem as-sumir qualquer etapa da cons-trução. Não cabe, no presentevoto, adiantar entendimentoacerca da responsabilidade daCEF em cada um desses tiposde atuação, o que deverá serperquirido em cada caso con-creto, a partir das responsabi-lidades assumidas pelas partesenvolvidas.Examino, portanto, apenas ocaso concreto posto no presen-te recurso especial.No caso dos autos, o autor ale-ga que adquiriu o imóvel emagência da CEF, sem possibili-dade de escolha da construto-ra e do projeto.Afirma que a instituição finan-ceira promoveu o empreendi-mento, escolheu a construto-ra e as características do pro-jeto, apresentando o negóciocompleto ao mutuário, dentrode programa habitacional po-pular com recursos do FGTS.Nos termos em que deduzidaa controvérsia, portanto, pare-ce-me clara a legitimidade pas-siva ad causam da instituiçãofinanceira. Esta legitimidadepassiva não decorre, ao meusentir, da mera circunstância dehaver financiado a obra e nemde se tratar de mútuo contraí-do no âmbito do SFH, mas deafirmar o mutuário na inicial,

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

como parte da causa de pedir -e a exatidão de suas alegaçõesserá decidida em sentença demérito, após a instrução - quea CEF promoveu o empreendi-mento, elaborou o projeto comtodas as suas especificações,escolheu a construtora e o ne-gociou diretamente, dentro deprograma de habitação popu-lar.”

No caso dos autos, não se ale-ga, na inicial, que a CEF tenha as-sumido qualquer outra obrigaçãocontratual, exceto a liberação derecursos para a construção. Nãose alega e, portanto, não integraa causa de pedir, que a CEF tenhaatuado como agente promotor daobra, escolhido a construtora etido responsabilidade em relaçãoao projeto e muito menos que te-nha vendido diretamente as uni-dades imobiliárias aos mutuários.Não consta do traslado o contra-to de financiamento e nem suascaracterísticas são descritas noacórdão recorrido, o qual não fazdistinção entre os diversos tiposde financiamentos concedidospela CEF e suas fontes respectivasde recursos. A CEF afirma que aobra foi financiada com recursosoriundos da caderneta de pou-pança (e não do FGTS) e que a seuvistoriador não cabia conferir aqualidade do material emprega-do, mas apenas por certificar aexecução de cada etapa do em-preendimento pela CooperativaHabitacional Sete de Setembro,responsável pela contratação doengenheiro construtor, a fim deliberar as parcelas do financia-mento.

Ressalto, ainda, que não sãonarrados na inicial elementos quepermitam verificar que se trate definanciamento para pessoas debaixa ou baixíssima renda, demodo a ensejar a presunção - nãoalegada na inicial e, portanto, es-tranha à causa de pedir - de quea atuação da CEF não se limite ade agente financeiro “strictosensu”, como ocorre em algunstipos de financiamentos mencio-nados no voto do Relator, dosquais é exemplo o financiamen-to objeto do já citado REsp.738.071-SC.

Não há, portanto, na linha dovoto acima transcrito (REsp.738.071-SC), com a devida vênia,fundamento que justifique a le-gitimidade passiva da CEF, em de-corrência de sua atuação exclusi-vamente como agente financeiroem sentido estrito.

IIPor outro lado, diversamente

do que sucede no precedente aci-ma citado, observo que a ação foiajuizada contra a Caixa Segura-dora S/A, sucessora da SASSE, econtra a Caixa Econômica Fede-ral, instituição bancária que fi-nanciou a construção do Conjun-to Habitacional Pinheiros, emPernambuco e, em nome dos mu-tuários, celebrou o contrato de se-guro na condição de estipulante.A Construtora não figura como ré,não tendo o seu nome sido sequermencionado na petição inicial(fls. 13-31).

Narram os autores que seusimóveis apresentam vícios deconstrução com ameaça de des-moronamento. Afirmam que a

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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seguradora reconheceu que o si-nistro encontra cobertura na apó-lice, os procedimentos para a re-paração dos imóveis estão emcurso, com a interveniência daCEF, mas que não têm onde mo-rar durante o período da obra eas rés se negam a custear as des-pesas de aluguel, condomínio,IPTU, energia elétrica e água, des-pesas estas objeto do pedido ini-cial.

O acórdão recorrido conside-rou que o agente financeiro e aseguradora têm responsabilidadesolidária quanto aos possíveis de-feitos da construção financiada.Entendeu, no tocante ao agentefinanceiro, que tal responsabili-dade deriva da “fiscalização deseus engenheiros credenciados,ou no caso de aquisição de pré-dio já construído, da necessáriavistoria da obra, observando-se ocumprimento às normas da ABNTe preservando-se o direito dosfuturos mutuários a uma moradiaedificada conforme as normas dequalidade e segurança” (fl. 147).

Ressaltou o acórdão que a re-forma do imóvel já está em cur-so, sendo realizadas as expensasda seguradora. A controvérsia re-side, portanto, apenas em relaçãoàs despesas ocasionadas pela de-socupação, a qual foi necessáriapara as obras de restauro.

Reconheceu o acórdão não ha-ver previsão contratual acerca des-sas despesas, mas que “custearuma alternativa habitacional com-patível durante as obras de recu-peração é, no mínimo, o que sepode esperar para a preservaçãoda integridade física de seus ocu-

pantes” e que não há bis in idemna circunstância de a seguradoracustear, durante as obras, os en-cargos do financiamento, e a CEFo pagamento de aluguel, “hajavista que os mutuários dos apar-tamentos interditados não deramcausa ao fato que ensejou talresponsabilização, portanto, de-vem ser compensados pelos trans-tornos sofridos.” Com esses fun-damentos, confirmou a decisãoantecipatória de tutela que afir-mou a legitimidade passiva soli-dária da CEF e da seguradora, im-pondo-lhes a obrigação de pagaraluguéis desde 2005 e enquantoperdurar a reforma, no valor deR$ 500,00, para cada autor; des-pesas de condomínio dos imóveisalugados; IPTU, se esta despesa,no contrato de locação, couber aolocatário e despesas mínimas deenergia elétrica, sob pena da san-ção prevista no art. 14, inciso V,parágrafo único, do CPC, a qualpoderá ser suportada pessoalmen-te pelos gerentes ordenadores depagamento das despesas.

Observo, portanto, que a pre-sente causa trata da extensão decobertura securitária. A segurado-ra não discute que o sinistro es-teja coberto pela apólice. Preten-dem os autores obter o pagamen-to de despesas relativas ao imó-vel que ocupam durante o desen-volver das obras de reforma.

Discute-se, portanto, no casosub judice, não a responsabilida-de solidária do agente financeirocom a construtura por vício deconstrução (matéria versada noREsp. 738.071-SC e também noREsp. 51.169/RS, da acórdão da

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

lavra Ministro Ari Pargendler, im-portante precedente mencionadono voto do Ministro Relator), masa solidariedade da instituição fi-nanceira com a seguradora.

Analiso, pois, as partes inter-venientes no contrato de segurohabitacional.

A respeito do tema, reporto-me a voto proferido no TRF da 1ªRegião:

“A CEF, estipulante do contra-to de seguro, é representantedos mutuários perante a segu-radora. É o que se depreendeda cláusula do contrato de mú-tuo, segundo a qual o seguroserá processado por intermé-dio da CEF e, em caso de sinis-tro, a CEF receberá da segura-dora a importância do seguro,aplicando-a na amortizaçãoda dívida e colocando o saldo,se houver, à disposição do mu-tuário. Também esta conclu-são deriva da cláusula segun-do a qual o mutuário constituia CEF sua procuradora pararepresentá-lo, entre outros,em todos os assuntos referen-tes a seguro, inclusive para re-cebimento de sinistro.A CEF representa o mutuáriona contratação do seguro, ce-lebrando o contrato com a se-guradora, recebendo o valordo prêmio (que é cobradocomo parte da prestação men-sal) e repassando-o à segura-dora. Esta representação de-riva de poderes conferidos àCEF pelo mutuário, no contra-to de mútuo, e é permitida ex-pressamente pelo Decreto-lei73/66, cujo art. 21 estabeleceque “nos casos de seguros le-galmente obrigatórios, o

estipulante equipara-se ao se-gurado para os efeitos decontratação e manutenção doseguro” e que “estipulante éa pessoa que contrata o segu-ro por conta de terceiros, po-dendo acumular a condição debeneficiário.”É possível a representação domutuário pela CEF porque, notocante ao contrato de segu-ro, há comunhão de interes-ses entre ambos.Com efeito, o seguro é contra-tado em benefício não apenasdo mutuário, mas também dainstituição financeira, que temo imóvel hipotecado como ga-rantia do pagamento do fi-nanciamento. Em caso de sinis-tro, um incêndio, por exemplo,não fosse o seguro, o mutuá-rio perderia o imóvel e conti-nuaria devedor, e a instituiçãofinanceira perderia a garantiahipotecária.Não existe, todavia, essa co-munhão de interesses entre aseguradora, de um lado, e ainstituição financeira e o mu-tuário de outro, de forma quenão me parece juridicamentepossível cogitar-se de repre-sentação da seguradora pelainstituição financeira, além denão haver amparo legal e nemcontratual para tal represen-tação.Note-se que se a CEF repre-sentasse não apenas os mutu-ários, mas também a segura-dora, o contrato de segurosseria celebrado pela CEF con-sigo mesmo.Não sendo a CEF representan-te da seguradora, mas dos mu-tuários, não há, data vênia,como considerá-la com pode-res para representar, em juízo,a seguradora. Os poderes para

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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representação em juízo não sepresumem, devem ser expres-sos (...)”

A instituição financeira atua,portanto, como representante domutuário, circunstânciaincontroversa, admitida pelospróprios autores (fl. 19), sendoestipulante do contrato de segu-ro celebrado com a seguradora.Tal procedimento é expressamen-te previsto pelo art. 21 c/c art. 20,alínea f, do Decreto-lei 73/66. Emrelação ao contrato de seguroadjeto ao mútuo habitacional, ointeresse da instituição financei-ra é comum aos mutuários: emcaso de sinistro (dano ao imóvel)a seguradora deverá restaurar oimóvel, patrimônio do mutuárioe garantia hipotecária concedidaem favor da instituição financei-ra. Não há, portanto, data vênia,fundamento legal ou contratual(Código Civil, art. 896) que justi-fique a atribuição de solidarieda-de, ao agente financeiro, com aseguradora, invertendo os pólosda relação jurídica, de modo quea instituição financeira passaria debeneficiária a devedora da pro-teção securitária.

Considerar-se que o agente fi-nanceiro estipulante, em caso desinistro, pela mera circunstânciade haver financiado o empreen-dimento, é responsável solidáriopela cobertura securitária, alémde não ter respaldo contratual enem legal, data vênia, equivale-ria a transformá-lo em seguradorde todos os contratos de mútuohabitacional, nos quais, obedien-te ao comando legal, estipulou o

seguro obrigatório, desvirtuando-se o contrato de financiamento eo contrato de seguro a ele adjeto.

Invoca, ainda, o voto do emi-nente Relator, a jurisprudênciadeste Tribunal que, com o escopode proteger o consumidor de boa-fé, em diversas oportunidades re-conheceu a responsabilidade deempresas do mesmo grupo econô-mico, notadamente a controla-dora, pelos danos causados aosque com elas contratam. Nesteponto, anoto que a SASSE Segu-ros passou, desde julho de 2000, aser denominada Caixa Seguros e,em fins de agosto de 2001, a CNPAssurances, líder do mercado deseguros na França, adquiriu o con-trole acionário da Caixa Seguroscom 50,75% das ações ordinárias,ficando a CEF com 48,21% dasações, conforme de verifica napágina da empresa na Internet.Cuida-se, portanto, de pessoa ju-rídica distinta e independente daCEF, atualmente controlada porempresa estrangeira.

IIIEm conclusão, penso, data vê-

nia, que a CEF, na condição deagente financeiro “stricto sensu”,não ostenta legitimidade para res-ponder pelo pedido de ampliaçãoda cobertura securitária deduzi-do na inicial.

Ressalvo-lhe, todavia, a possi-bilidade de requer o ingresso nosautos, na condição de assistente,em razão do interesse jurídico de-corrente de atuar, em nome doFCVS, como administradora doreferido Fundo e da extinta Apó-lice do Seguro Habitacional (Lei12.409/11).

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SFH. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE

Em face do exposto, com a de-vida vênia do Relator, dou provi-mento ao recurso especial, parareconhecer a ilegitimidade passi-va ad causam do agente financei-ro recorrente.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o proces-so em epígrafe na sessão realiza-da nesta data, proferiu a seguin-te decisão:

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista da Ministra Ma-

ria Isabel Gallotti, dando provi-mento ao recurso, no que foiacompanhada pelos MinistrosJoão Otávio de Noronha e RaulAraújo, a Turma, por maioria, deuprovimento ao recurso especial.Vencido o Relator, Ministro LuisFelipe Salomão, que lhe negavaprovimento.

Lavrará o acórdão a Sra. Mi-nistra Maria Isabel Gallotti.

Votaram com a Sra. MinistraMaria Isabel Gallotti os Srs. Mi-nistros Raul Araújo e João Otáviode Noronha.

Impedido o Sr. Ministro Anto-nio Carlos Ferreira.

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

Superior Tribunal de Justiça

Antecipação de tutela concedida. Sentença de improcedência.Responsabilidade objetiva pelos danos causados pela execuçãoda tutela antecipada. Arts. 273, § 3º, Art. 475-O, Incisos I e II, eArt. 811, parágrafo único, do CPC. Indagação acerca da má-fé doautor ou da complexidade da causa. Irrelevância. Respon-sabilidade que independe de pedido, ação autônoma oureconvenção.1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1177335&sReg=201000779356&sData=20121016&formato=PDF>. Aces-so em: 25 out. 2012.

EMENTA OFICIAL

DIREITO PROCESSUAL CIVIL.AÇÃO DE INTERDIÇÃO DE ESTABE-LECIMENTO COMERCIAL LOCALI-ZADO EM SHOPPING CENTER. AN-TECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDI-DA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊN-CIA. RESPONSABILIDADE OBJETI-VA PELOS DANOS CAUSADOS PELAEXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPA-DA. ARTS. 273, § 3º, ART. 475-O,INCISOS I E II, E ART. 811, PARÁ-GRAFO ÚNICO, DO CPC. INDAGA-ÇÃO ACERCA DA MÁ-FÉ DO AUTOROU DA COMPLEXIDADE DA CAU-SA. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABI-LIDADE QUE INDEPENDE DE PEDI-DO, AÇÃO AUTÔNOMA OURECONVENÇÃO.

1. Recurso especial interpostopor Condomínio do Conjunto Na-cional:

1.1. Afigura-se dispensável queo órgão julgador venha a exami-nar uma a uma as alegações e fun-damentos expendidos pelas partes,bastando-lhe que decline as razõesjurídicas que embasaram a decisão,

não sendo exigível que se reportede modo específico a determina-dos preceitos legais. Inexistência deofensa ao art. 535 do CPC.

1.2. O acórdão ostenta funda-mentação robusta, explicitando aspremissas fáticas adotadas pelosjulgadores e as conseqüências jurí-dicas daí extraídas. O seu teor re-sulta de exercício lógico, revelan-do-se evidente a pertinência entreos fundamentos e a conclusão, en-tre os pedidos e a decisão, razãopor que não se há falar em ausên-cia de fundamentação ou de jul-gamento citra petita.

1.3. As conclusões a que chegouo acórdão recorrido no queconcerne à segurança do empreen-dimento e à ausência de infraçãoa disposições condominiais decor-reram da análise soberana da pro-va e, por isso, não podem ser re-vistas por esta Corte sem o reexamedo acervo fático-probatório. Inci-dências das Súmulas 5 e 7 do STJ.

2. Recurso especial interpostopor Mozariém Gomes do Nascimen-to:

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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2.1. Os danos causados a partirda execução de tutela antecipada(assim também a tutela cautelar ea execução provisória) são disci-plinados pelo sistema processualvigente à revelia da indagaçãoacerca da culpa da parte, ou se estaagiu de má-fé ou não. Basta a exis-tência do dano decorrente da pre-tensão deduzida em juízo paraque sejam aplicados os arts. 273,§ 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 doCPC. Cuida-se de responsabilidadeobjetiva, conforme apregoa, deforma remansosa, doutrina e ju-risprudência.

2.2. A obrigação de indenizaro dano causado ao adversário,pela execução de tutela antecipa-da posteriormente revogada, éconsequência natural da impro-cedência do pedido, decorrênciaex lege da sentença e da ine-xistência do direito anteriormen-te acautelado, responsabilidadeque independe de reconhecimen-to judicial prévio, ou de pedidodo lesado na própria ação ou emação autônoma ou, ainda, dereconvenção, bastando a liquida-ção dos danos nos próprios autos,conforme comando legal previs-to nos arts. 475-O, inciso II, c/cart. 273, § 3º, do CPC. Preceden-tes.

2.3. A complexidade da causa,que certamente exigia ampladilação probatória, não exime aresponsabilidade do autor pelodano processual. Ao contrário, nes-te caso a antecipação de tutela seevidenciava como providência ain-da mais arriscada, circunstânciaque aconselhava conduta de redo-brada cautela por parte do autor,

com a exata ponderação entre osriscos e a comodidade da obten-ção antecipada do pedido dedu-zido.

3. Recurso especial do Condo-mínio do Shopping Conjunto Na-cional não provido e recurso deMozariém Gomes do Nascimentoprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, os Ministros da QUAR-TA TURMA do Superior Tribunal deJustiça acordam, na conformidadedos votos e das notas taquigráficasa seguir, Prosseguindo no julga-mento, após o voto-vista do Minis-tro Marco Buzzi, acompanhando orelator, e os votos dos Ministros RaulAraujo, Maria Isabel Gallotti e An-tonio Carlos Ferreira, no mesmosentido, a Quarta Turma, por una-nimidade, negar provimento aorecurso especial do Condomínio doShopping Conjunto Nacional e darprovimento ao recurso deMozariém Gomes do Nascimento.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Ma-ria Isabel Gallotti, Antonio CarlosFerreira e Marco Buzzi (voto-vista)votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de setembro de2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALO-MÃO, Relator.

REsp 1.191.262 – DJe 16.10.2012

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Condomínio do ShoppingConjunto Nacional de Brasília (CNB)

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

ajuizou ação inibitória com pedi-do de antecipação de tutela emface de Mozariém Gomes do Nas-cimento, noticiando que o réu ex-plorava de forma ilegal e irregularum restaurante em local imprópriopara tanto, no quarto pavimentodo edifício, contrariando laudotécnico de engenharia e a conven-ção do condomínio. Afirmou oautor que, segundo informaçõestécnicas de que dispunha, a áreaem questão foi projetada para ser-vir como terraço, mirante do ter-ceiro andar, não havendo condi-ções de segurança para ali ser ins-talado o restaurante. Enfatizou quetodo o conjunto estrutural (lajes,vigas e pilares), com as mudançasrealizadas pelos antigos proprietá-rios, chegara ao seu limite máxi-mo, sendo certo que o excesso desobrecarga na área colocava emrisco a vida daqueles que frequen-tam o estabelecimento, lojistas eoutros consumidores.

Em 19 de dezembro de 2007,último dia do semestre judiciário,foi concedida a antecipação de tu-tela pleiteada “para determinar ainterdição do empreendimentodenominado de Brasil Verde, situ-ado na área denominada de L-401do SHOPPING CONJUNTO NACIO-NAL, sob pena de aplicação demulta diária de R$ 5.000,00, até olimite de R$ 200.000,00”. Advertiuo magistrado de piso, emcontrapartida, “que o autor emcaso de insucesso da demanda,deverá indenizar o réu por todosseus danos materiais e morais, es-pecialmente em razão da melhorépoca de venda para qualquer co-merciante e, sabidamente, a inter-

dição do empreendimento irá cau-sar prejuízos de todas as ordens”(fls. 100-101).

Após regular tramitação do fei-to, em 2 de dezembro de 2008, re-alizada análise exauriente da con-trovérsia, o Juízo de Direito da 10ªVara Cível da Circunscrição Especi-al Judiciária de Brasília/DF julgouimprocedentes os pedidos autorais,revogou a tutela anteriormenteantecipada e condenou o autor aopagamento dos danos materiais emorais decorrentes da interdição,a serem apurados em liquidação desentença (fls. 474-484).

Em grau de apelação, a senten-ça foi parcialmente reformada ape-nas para afastar a condenação doautor ao ressarcimento de danos.O acórdão recebeu a seguinteementa:

APELAÇÃO. CONDOMÍNIO.DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. ATI-VIDADE. RESTAURANTE. AS-SEMBLÉIA CONDOMINIAL. PROI-BIÇÃO NÃO VERIFICADA. LAU-DO PERICIAL. QUESITOS. CAPA-CIDADE DE SOBRECARGA. RES-PONSABILIDADE. DANOS MA-TERIAIS E MORAIS. DOCUMEN-TO NOVO.O artigo 397 do CPC permite ajuntada de documentos novosquando destinados a fazer pro-va de fatos ocorridos depois dosarticulados. Não se enquadran-do no conceito de documentonovo o juntado em sede de ape-lação, não é possível a sua apre-ciação.Não há nulidade na perícia de-corrente de ausência de mani-festação sobre quesito que nãofoi aventado pela parte.Não havendo proibição para a

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execução da atividade de res-taurante no pavimento onde sesitua o imóvel, e tratando-se deatividade lícita, pode serexercida pelo réu.Não pode o juiz, de ofício, im-por condenação ao autor pordanos materiais e morais decor-rentes de ordem judicialexarada em antecipação de tu-tela que determinou a interdi-ção de restaurante se o autornão agiu com má-fé ou culpa,ou praticou ato ilícito, mormen-te quando o réu não apresen-tou reconvenção nesse sentido(fl. 562).

Opostos dois embargos de de-claração, foram acolhidos aquelesmanejados pelo Condomínio doConjunto Nacional, para arbitrarhonorários com base no art. 20, §4º, do CPC (fls. 590-594 e 595-598).

Novos embargos de declaraçãoforam opostos, os quais foram re-jeitados (fls. 612-614).

Autor e réu interpuseram recur-so especial.

No recurso especial deMozariém Gomes do Nascimento,que está apoiado nas alíneas “a” e“c” do permissivo constitucional,alega-se, além de dissídio, ofensaaos arts. 273, § 3º, 475-O, inciso I e811, inciso I e parágrafo único, to-dos do Código de Processo Civil.

Aduz o recorrente, em síntese,ser objetiva a responsabilidadepelos danos causados no processodiante da tutela antecipada, quedeverão ser liquidados nos própri-os autos, independentemente depedido da parte lesada.

No recurso especial do Condo-mínio do Shopping Conjunto Na-cional, que está apoiado na alínea

“a” do permissivo constitucional,alega o autor ofensa aos arts. 128,460 e 535 do CPC; arts. 3º, 9º e 19da Lei n. 4.591/64, e arts. 1.228 e1.336, incisos II, III e IV, do CódigoCivil.

Aduz a recorrente que oacórdão foi omisso e não funda-mentou suas conclusões com baseem todas as causas de pedirdeduzidas na inicial. Sustenta, ade-mais, que o réu violou a conven-ção de condomínio, pois esta nãoautorizava a instalação de restau-rante na área litigiosa, porquantoreservada a destinação diversa.

Contra-arrazoados (fls. 727-740e 742-753), os recursos especiaisforam admitidos, o de MozariémGomes do Nascimento por decisãodo Presidente do TJDFT, ao passoque o do Condomínio do ShoppingConjunto Nacional por decisão pro-ferida no Ag. 1.311.053/DF, de mi-nha relatoria, para melhor examee julgamento conjunto.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Analiso, primeiramente, orecurso especial interposto porCondomínio do Shopping Conjun-to Nacional, em razão da potenci-al prejudicialidade.

2.1. Afasto, de saída, a alegadaofensa ao art. 535 do CPC, pois oEg. Tribunal a quo dirimiu as ques-tões pertinentes ao litígio, afigu-rando-se dispensável que venhaexaminar uma a uma as alegaçõese fundamentos expendidos pelaspartes. Além disso, basta ao órgão

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

julgador que decline as razões ju-rídicas que embasaram a decisão,não sendo exigível que se reportede modo específico a determina-dos preceitos legais (EDcl no RHC6.570/PR, Rel. Ministro BARROSMONTEIRO, QUARTA TURMA, jul-gado em 03/10/2000, DJ 27/11/2000p. 163).

Por outro lado, do exame dapetição inicial constata-se tambéma absoluta congruência entre ascausas de pedir e o que foi decidi-do nas duas instâncias recursais. Emrevista aos fundamentos do votocondutor, revela-se clara a aborda-gem completa do Tribunal a quoacerca de todos os pontos relevan-tes ao desate da controvérsia, sejano que concerne à segurança doempreendimento realizado peloréu, seja em relação à adequaçãoàs normas condominiais relativasà destinação da área.

Quanto à segurança do empre-endimento, assim se manifestou oacórdão:

Pelo que consta das informaçõestrazidas pelo réu/apelado emsede de contestação, este iniciouas atividades de um restauranteem meados de agosto de 2007(fl. 146). Em 19/12/2007, o imó-vel, e consequen-temente a ati-vidade do restaurante, foi inter-ditado pela decisão exaradadaem antecipação de tutela (fls. 99/100), que tomou como base olaudo apresentado pelo autor/apelante (fls. 73/75), o qual ates-tou que no imóvel não haveriacondições de se estabelecer umrestaurante.Contestando os documentostrazidos com a inicial, o réu/ape-lado apresentou laudo favorá-

vel à instalação de restauranteno imóvel em litígio (fl. 158).Diante dos fatos intrincados, oMM. juiz a quo determinou aprodução de prova pericialobjetivando esclarecer a situa-ção e responder os quesitos for-mulados por si e pelas partes.Sobreveio, então, o laudo peri-cial e os documentos (fls. 357/392), que concluíram:“(...) a sobrecarga de 250,00 kg/m² não pode ser ultrapassada,pois foi a utilizada no cálculo daestrutura. Conforme ficou cons-tatado, a carga de utilização dorestaurante, que é de 45,85 kg/m² está muito inferior a 250,00kg/ m². Portanto, não oferecenenhum risco à estrutura doShopping.”Com base, então, no minuciosolaudo pericial, o magistrado depiso julgou improcedente o pe-dido e condenou o autor/ape-lante ao pagamento dos danosmorais e materiais sofridos peloréu/apelado no período em queo restaurante ficou interditado.[...]Com efeito, o laudo pericial foielaborado com o objetivo de“constatar se há excesso decargas na área das instalaçõesdo restaurante do Réu, locali-zado na Loja L-401, de modo anão provocar aumento de so-brecarga na estrutura doShopping. “ (fl. 357).Conforme já explicitado, a perí-cia foi feita para verificar se oimóvel suportaria a instalaçãodas atividades de um restauran-te e concluiu pela ausência desobrecarga provocada pela ati-vidade, uma vez que a capacida-de de carga de utilização do res-taurante é muito inferior à per-mitida para o imóvel. Além dis-so, o laudo foi explícito ao reco-

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mendar que se evite carga dinâ-mica na estrutura, e exemplificaque como carga dinâmica pode-se considerar “danças carnava-lescas com pessoas pulando, fes-tas dançantes do tipo usadas emboates “. Desse modo, o laudonão considerou a atividade coti-diana de um restaurante comocarga dinâmica capaz de com-prometer a estrutura do imóvel,sendo, assim, desnecessárionovo estudo para considerar talaspecto.Não merece acolhimento, por-tanto, a alegação de nulidadeda sentença (fls.565-566).

Alinhando-se às conclusões doRelator, a Desembargadora revisoraassentou que:

No mérito, depois de analisardetidamente os autos, em es-pecial o laudo pericial confecci-onado pelo perito nomeadopelo juiz condutor da causa, che-guei à mesma conclusão doeminente Relator.Referido laudo não deixa dúvi-das de que o imóvel denomina-do L-401, localizado no Condo-mínio do Conjunto Nacional,tem capacidade para abrigarum restaurante, sem que a ati-vidade coloque em risco as pes-soas e a estrutura do ShoppingConjunto Nacional (fl. 570).

No que concerne à adequaçãodo empreendimento do réu às nor-mas condominiais, inclusive quan-to à regular destinação, o acórdãorecorrido também se manifestouexplicitamente:

DA DESTINAÇÃO DO IMÓVELEM ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL

Argui o autor/apelante que aperícia desconsiderou o docu-mento da Assembléia Geral doCondomínio que vedou adestinação das unidades para aatividade de restaurante.Entendo, todavia, não haverqualquer irregularidade do lau-do pericial ao não apreciar o do-cumento juntado pelo autor/apelante à fl. 352, já que as dis-posições ali constantes não seaplicam ao imóvel em litígio, issoporque as vedações de realiza-ção de determinadas atividadesconstantes na Convenção deCondomínio de fl. 352 referem-se a lojas do “terceiro pavimen-to “, contudo, o imóvel em dis-cussão está situado no quartopavimento, de acordo com a suamatrícula no Registro de Imó-veis (fl. 43).Dessa forma, sem razão o au-tor/apelante neste ponto.DA ÁREA COMUM DO CONDO-MÍNIOO autor/apelante alega que asentença desconsiderou ser depropriedade do Condomínio doConjunto Nacional a área co-mum contígua à sala L-401, de-vendo-se cassar a decisão paraque novo laudo seja elaborado,calculando-se a sobrecarga ape-nas sobre a área privativa doimóvel, de 103,00 m².De fato, a área privativa doimóvel L-401 é de 103,023m²,conforme disposto em sua ma-trícula. Ocorre que o imóvel oraanalisado possui uma situaçãopeculiar em relação ao condo-mínio, pois está localizado emuma parte separada do prédio,sendo que a sua área privativae as suas imediações sãoacessadas conjuntamente e es-tão isoladas das demais lojas doshopping, enquanto estas divi-

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dem corredores e elevadores,o que não ocorre no imóvel incasu. Por isso, devido à suaespecificidade, aliada ao usopelo réu/apelado da área priva-tiva conjuntamente com as ime-diações, o laudo pericial calcu-lou a sobrecarga em relação atoda a área de 777,00 m² (fl.370), o que não induz àinvalidade de suas avaliações,pois a perícia foi requerida emrelação à área total, e não àprivativa, não podendo o autor/apelante querer modificar emsede recursal o objeto da perí-cia.Assim, apesar de a perícia terconsiderado a área total, semavaliar exclusivamente a áreaprivativa de propriedade doréu/apelado, não há vício naconclusão pericial, que se ateveaos quesitos elencados pelo juize pelas partes, não tendo o au-tor/apelante, quando especifi-cou os seus quesitos à fls. 321/322, arguido pontualmente so-bre a capacidade de a área pri-vativa suportar um restauran-te, razão pela qual não podeagora, em sede recursal, alegara nulidade de uma perícia pornão ter considerado um fatoque nem mesmo ele aduziu.Acrescente-se que, possivel-mente, tal questionamento nãofoi aventado em razão deambas as partes terem inferi-do que o réu/apelado usaria atotalidade da área para a ins-talação de seu empreendimen-to, sendo certo que a discussãosobre a propriedade e a utiliza-ção da área não privativa nasimediações da sala L-401 não éobjeto desta lide.Não merece acolhimento o re-curso neste tocante (fls. 566-567).

Com efeito, percebe-se que oacórdão ostenta fundamentaçãorobusta, explicitando as premissasfáticas adotadas pelos julgadorese as conseqüências jurídicas daíextraídas. O seu teor resulta deexercício lógico, revelando-se evi-dente a pertinência entre os fun-damentos e a conclusão, entre ospedidos e a decisão, razão por quenão se há falar em ausência de fun-damentação ou de julgamentocitra petita .

2.2. Quanto ao mais, é bem dever que as conclusões a que che-gou o acórdão recorrido, especial-mente no que concerne à seguran-ça do empreendimento e à ausên-cia de infração a disposiçõescondominiais, decorreram da aná-lise soberana da prova e, por isso,não podem ser revistas por estaCorte sem o reexame do acervofático-probatório, circunstânciaque atrai a incidências das Súmulas5 e 7 do STJ.

2.3. Assim, quanto ao recursointerposto pelo Condomínio doShopping Conjunto Nacional, delese conhece parcialmente e, na ex-tensão, nega-se-lhe provimento.

3. Quanto ao recurso especialinterposto por Mozariém Gomesdo Nascimento, o ponto controver-tido é a possibilidade de o autor,em razão da revogação de tutelaantecipada, responder pelos danoscausados ao réu, independente-mente de pedido nesse sentido.

O restaurante de propriedade doautor permaneceu interditado poraproximadamente 1 (um) ano, emrazão da antecipação de tutela con-cedida com suporte em laudo apre-sentado pelo Condomínio do

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Shopping e que foi, posteriormen-te, infirmado por outro, confecci-onado por perito nomeado peloJuízo sentenciante. Por isso, a de-cisão liminar foi revogada por sen-tença meritória de improcedência.

Já na decisão antecipatória, ad-vertiu o magistrado de piso “queo autor em caso de insucesso dademanda, dever[ia] indenizar o réupor todos seus danos materiais emorais, especialmente em razão damelhor época de venda para qual-quer comerciante e, sabidamente,a interdição do empreendimentoirá causar prejuízos de todas as or-dens” (fls. 100-101).

Na sentença de improcedência,o Juízo condenou o autor a ressar-cir o réu pelos danos experimenta-dos, os quais deveriam ser liquida-dos posteriormente.

Nesse sentido, confira-se o se-guinte trecho da sentença:

Desta feita, deverá o autor in-denizar o réu pelos prejuízosmateriais e morais pelos danosprocessuais causados ao réu,tais como o valor mensal da lo-cação do imóvel que ficou fe-chado, pelo valor comercial,além dos prejuízos efetivosacarretados, tais como a resci-são de contrato de trabalhocom os pagamentos devidos(multa rescisória, férias propor-cionais, aviso prévio e outroseventuais pagamentos queteve de suportar), e os prejuí-zos com a perda de estoque,mercadorias e despesas com oconsumo de energia, água, ta-xas de condomínio, impostos,taxas e fornecedores, eis que oautor obstou o funcionamentodo empreendimento explorado

pelo réu, como determina o ar-tigo 611 (rectius, 811) do CPC,que se aplica subsidiariamenteao presente feito.Deverá indenizar também pe-los danos morais, como dito su-pra, eis que não é crível que oautor utilizando-se de afirma-ções falsas, eis que tinha conhe-cimento das falsidades apre-sentadas, cause tamanho pre-juízo para terceiro (réu), e, cer-tamente repercutiu em suaimagem, reputação e em suahonra, pois não é crível que umapessoa que explore um comér-cio sofra os dissabores vividospelo réu em razão de uma or-dem judicial como a proferida eacredita que tais fatos possamficar sem indenização (fls. 482).

Em grau de apelação, todavia,esse ponto foi reformado, uma vezque entendeu o Tribunal a quo nãoser cabível a condenação de ofíciopelo magistrado sentenciante, semque houvesse pedido nesse senti-do.

Afirmou o acórdão orahostilizado que, não havendoreconvenção, nem demonstrada amá-fé do autor, descaberia a refe-rida disposição de ofício.

Confira-se:

Observa-se que a condenaçãopor danos materiais e moraisnão foi requerida pelo réu/ape-lado, tendo o juiz de piso fixa-do-a de ofício. A meu ver, omagistrado decidiu além dos li-mites da lide, sem que houves-se pedido do réu/apelado e semque tenha se configurado qual-quer situação que exigisse o pro-nunciamento de ofício do ma-gistrado, até mesmo porque

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

não se verificou, pela análise dosautos, que o autor/apelante ti-vesse agido com má-fé ou cul-pa, ou que houvesse configura-ção de ato ilícito.O autor/apelante, ao requer aantecipação de tutela, estavaapenas exercendo o seu direitode ação, tanto que trouxe aosautos elementos capazes deconvencer o magistrado que,vislumbrando a presença dosrequisitos previstos no artigo273 do CPC, deferiu a tutela an-tecipada e determinou a inter-dição do restaurante, que ocor-reu tão somente após a ordemjudicial. Repise-se que esta or-dem judicial foi fundamentada,não havendo que se falar emresponsabilidade do autor/ape-lante por interrupção das ativi-dades empresariais do réu/ape-lado, que decorreu exclusiva-mente de medida judicial.Além da interdição do restau-rante ter sido autorizada porordem judicial, nos autos nãoficou demonstrado que o autor/apelante tenha agido com má-fé ou culpa, ou que tenha prati-cado fato ilícito, capazes deensejar a responsabilidade pordanos. Isso porque, quando doajuizamento da ação, o autor/apelante não detinha condiçõesde saber qual seria o resultadoda lide, em razão de que os fa-tos trazidos aos autos erambastante complexos e contro-vertidos, tendo cada uma daspartes juntado laudos técnicosdivergentes sobre a capacida-de do imóvel, sendo que o lau-do do autor/apelante atestouque não haveria condições defuncionamento de um restau-rante no local, enquanto o réu/apelado sustentava exatamen-te o contrário.

Em razão das provas controver-tidas, o juiz determinou a pro-va pericial, que foi devidamen-te acompanhada pelos assisten-tes técnicos indicados pelas par-tes. Assim, foi necessária a pro-dução de conjunto probatóriopara se verificar a procedênciaou improcedência do pedido ini-cial, não se sabendo, até oproferimento do julgamento,qual seria o resultado da lide.Dessa forma, tendo em vista queos fatos eram intricados, que ainterdição do restaurante decor-reu de ordem judicial, e que oautor/apelante não agiu commá-fé ou culpa, entendo quenão houve configuração, pelomenos na análise relativa aospedidos deduzidos nesta ação,de responsabilidade do autor/apelante de indenizar o réu/apelado, mormente porque oréu/apelado não apresentoureconvenção nesse sentido, me-recendo parcial provimento orecurso para afastar a condena-ção à indenização por danosmateriais e morais (fls. 568-567).

3.1. Cumpre ressaltar que se tra-ta de antecipação de tutela conce-dida com amparo no art. 273 doCPC, cujo § 3º assim preleciona:

§ 3º A efetivação da tutela an-tecipada observará, no que cou-ber e conforme sua natureza,as normas previstas nos arts.588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

A referência ao art. 588, revoga-do pela Lei n. 11.232/05, deve seratualizada para que se aplique o art.475-O, sobretudo os incisos I e II:

Art. 475-O. A execução provi-sória da sentença far-se-á, no

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que couber, do mesmo modoque a definitiva, observadas asseguintes normas: (Incluído pelaLei nº 11.232, de 2005)I – corre por iniciativa, conta eresponsabilidade do exeqüente,que se obriga, se a sentença forreformada, a reparar os danosque o executado haja sofrido;II – fica sem efeito, sobrevindoacórdão que modifique ou anu-le a sentença objeto da execu-ção, restituindo-se as partes aoestado anterior e liquidadoseventuais prejuízos nos mes-mos autos, por arbitramento;

Ressalte-se também que a ante-cipação de tutela é espécie do gê-nero tutelas de urgência previstono direito brasileiro, assim como atutela cautelar, razão pela qual étranquila, na doutrina, aaplicabilidade dos preceitos relati-vos a esta última (tutela cautelar)à antecipação de tutela (cf. portodos, MEDINA, José Miguel Garcia.Código de processo civil comenta-do . São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2011, p. 259; BEDAQUE,José Roberto dos Santos. Tutelacautelar e tutela antecipada: tute-las sumárias e de urgência . 5 ed.São Paulo: Malheiros, p. 435).

Assim, no particular, em conjun-to com o mencionado art. 475-Odo CPC, aplica-se o art. 811, assimredigido:

Art. 811. Sem prejuízo do dis-posto no art. 16, o requerentedo procedimento cautelar res-ponde ao requerido pelo preju-ízo que Ihe causar a execuçãoda medida:I - se a sentença no processoprincipal Ihe for desfavorável;

II - se, obtida liminarmente amedida no caso do art. 804 des-te Código, não promover a cita-ção do requerido dentro em 5(cinco) dias;III - se ocorrer a cessação da efi-cácia da medida, em qualquerdos casos previstos no art. 808,deste Código;IV - se o juiz acolher, no procedi-mento cautelar, a alegação dedecadência ou de prescrição dodireito do autor (art. 810).Parágrafo único. A indenizaçãoserá liquidada nos autos do pro-cedimento cautelar.

O mencionado “microssistema”representado pelos arts. 273, § 3º,475-O, incisos I e II, e art. 811 doCPC não exaure, todavia, a siste-mática legal vocacionada à com-pensar o chamado dano processu-al, que encontra suporte tambémem diversos dispositivos do CPC,como nos arts. 16, 17, 18, 538, pa-rágrafo único, 557, § 2º, e 601.

Porém, muito embora os menci-onados dispositivos visem a comba-ter o dano processual, a sistemáticaadotada para a tutela antecipada,tutela cautelar e a execução provi-sória inspira-se em princípios diver-sos daqueles que norteiam as de-mais disposições do Código, asquais buscam reprimir as condutasmaliciosas e temerárias das partesno trato com o processo - o chama-do improbus litigator (por todos,BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Aresponsabilidade das partes pelodano processual no direito brasilei-ro . Temas de direito processual. SãoPaulo: Saraiva, 1977, p. 24).

Se a demanda é ajuizada de for-ma maliciosa ou temerária pelo li-

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

tigante, ou se da mesma forma secomporta o litigante no trâmite dofeito, para esse vício processualacionam-se as reprimendas previs-tas nos arts. 16, 17 e 18 do CPC,além de outros congêneres, cujajustificação hospeda-se na existên-cia de má-fé processual, do queresulta responsabilidade processu-al fundada na culpa.

Nesse caso, nem mesmo even-tual procedência do pedido é ca-paz de elidir a reprovabilidade daconduta da parte no decorrer doprocesso.

3.2. Por sua vez, os danos cau-sados a partir da execução de tute-la antecipada (assim também a tu-tela cautelar e a execução provisó-ria) são disciplinados pelo sistemaprocessual vigente à revelia da in-dagação acerca da culpa da parte,ou se esta agiu de má-fé ou não.

Basta a existência do dano de-corrente da pretensão deduzida emjuízo para que sejam aplicados osarts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II,e art. 811. Cuida-se de responsabi-lidade processual objetiva, confor-me apregoa, de forma remansosa,doutrina e jurisprudência.

É que, para efeito da responsa-bilidade de que tratam os mencio-nados artigos, não se deve confun-dir o pleito ilícito com pedido in-justo.

A ilicitude da demanda - cujaanálise passa certamente pelo di-reito público de ação - pode sersuavizada pela subjetiva convicçãodo autor acerca do aparente direi-to deduzido. Porém, o posteriorreconhecimento da inexistênciadesse direito revela necessariamen-te a injustiça da demanda, e é essa

(injustiça), e não aquela (ilicitude),que é objeto das disposições pre-vistas nos arts. 273, § 3º, 475-O, e811 do CPC.

Nessa linha de raciocínio, con-fira-se o magistério do saudosoGaleno Lacerda, criticando as sis-temáticas adotadas no direito com-parado, em que prevalece a exi-gência de culpa:

O erro maior da teoria subjeti-va consiste em não compreen-der que o princípio da culpa nãoserve para solucionar o proble-ma do dano produzido pelo pro-cesso, quando movido dentro daesfera do lícito jurídico. Se odano é produzido no exercícioda atividade lícita (como no usoda ação cautelar, ou da execu-ção provisória), não há quepensar em nexo de causalidadeculposa, e sim em nexo de cau-salidade objetiva, provinda dofato da sucumbência(LACERDA, Galeno. Comentári-os ao código de processo civil.volume VIII. Forense: Rio de Ja-neiro, 1998, p. 313).

Em boa verdade, como bem es-clarece Galeno Lacerda, na esteirado magistério de Chiovenda, a jus-tiça da fórmula objetivista, adota-da no direito brasileiro, hospeda-se exatamente na circunstância deque para o interessado experimen-tar, a bem de sua comodidade einteresse, a execução de tutela an-tecipada, cautelar ou execução pro-visória, deve também suportar oincômodo de indenizar os danoscausados, se decair do pedido fu-turamente - ubi commoda ibiincommoda . A responsabilidade,no caso, justifica-se pela livre ava-

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liação dos riscos que podem advirdo processo (Idem. Ibidem ).

Na mesma direção, confira-se alição de Pontes de Miranda:

A responsabilidade do art. 811é de direito processual, e nãode direito material. Não se tra-ta de princípio de direito civil,que se haja colocado,heterotopicamente, no Códigode Processo Civil, mas de regrajurídica de direito processualposta no lugar próprio.No art. 811, parágrafo único,estatui que, no caso de respon-sabilidade do autor da açãocautelar, conforme os itens doart. 811, a indenização se liqui-da nos autos do procedimentocautelar. Quer dizer: não se pre-cisa da propositura de ação decondenação, pois art. 811, queabstrai do pressuposto da má-fé (art. 16), já apontou os qua-tro fundamentos apresentadospelo prejudicado com a medidacautelar, e basta a liquidação.[...] O pedido de liquidação é nospróprios autos, com a simplesinvocação de qualquer dos fun-damentos do art. 811. Se hou-ve sentença desfavorável noprocesso principal, basta a cer-tidão da sentença (Comentári-os do código de processo civil.Tomo XII. Forense, 1976, p. 101).

3.3. Com efeito, reputo que aobrigação de indenizar o danocausado ao adversário, pela exe-cução de tutela antecipada pos-teriormente revogada, é conseqü-ência natural da improcedênciado pedido, decorrência ex legeda sentença, e por isso independede pronunciamento judicial, dis-pensando também, por lógica,

pedido da parte interessada.Independe, com mais razão, depedido reconvencional ou deação própria para o acertamentoda responsabilidade da parteacerca do dano causado pela exe-cução da medida.

Na verdade, se bem refletida aquestão, toda sentença é apta aproduzir seus efeitos principais (ode condenar, declarar, constituir,por exemplo), que decorrem dademanda e da pretensão apresen-tada pelo autor, e também efeitossecundários, que independem davontade das partes ou do própriojuízo.

Em relação aos primeiros, há dese observar a congruência entre opedido e a sentença, sem a qualhaverá julgamento extra, ultra oucitra petita.

Ao passo que em relação aossegundos se mostra imprópria aaveriguação acerca da observânciados pedidos e da causa de pedir.

São efeitos automáticos, produ-zidos por força de lei, como de-corrência do efeito principal oudo simples fato de ter sidoprolatada sentença, dispensan-do até mesmo, qualquer pedi-do expresso da parte ou pro-nunciamento do juízo acercados mesmos (PORTO, Sérgio Gil-berto. Comentários ao códigode processo civil. vol. 6. Revistados Tribunais: São Paulo, 2000,p. 137).

Apenas a título de exemplosdesses efeitos secundários da sen-tença, vale lembrar a sentençacondenatória como título de hipo-teca judiciária (art. 466, CPC), e, no

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

direito penal, a aptidão de a sen-tença penal “tornar certa a obri-gação de indenizar o dano causa-do pelo crime” (art. 91, inciso I, doCP).

Assim, não causa nenhum as-sombro o fato de a sentença deimprocedência, quando revogatutela antecipadamente concedi-da, constituir, como efeito secun-dário, título de certeza da obriga-ção de o autor indenizar o réu pe-los danos eventualmente por esteexperimentados, cujo valor exatoserá posteriormente apurado emliquidação.

Em suma, a responsabilidadeobjetiva pelo dano processual cau-sado por tutela antecipada poste-riormente revogada decorre dainexistência do direito anterior-mente acautelado, responsabilida-de que independe de reconheci-mento judicial prévio ou de pedi-do do lesado.

Reporto-me, uma vez mais, aomagistério de Galeno Lacerda:

A indenização será liquidadanos próprios autos do procedi-mento cautelar, reza o parágra-fo único do art. 811. Como setrata de cautela jurisdicional, li-tigiosa, e como a responsabili-dade objetiva do autor resultadiretamente da lei, não há ne-cessidade de ação própria nemde pedido reconvencional paraessa liquidação. Como acentuaDini, o pedido de ressarcimen-to dos danos, no caso, não sedeve considerar demandareconvencional, porque não setrata de pedido baseado em tí-tulo anterior ou estranho aoprocesso, mas de demanda queencontra seu título no próprio

processo, por força de lei. Daí,carecer de razão Marcos Afon-so Borges, quando afirma que,“para que haja indenização, énecessário que a sentença quejulgar improcedente o proces-so principal condene expressa-mente o requerente da caute-la a efetuá-la. Se isso não ocor-rer não se pode falar em res-ponsabilidade, pois não existetítulo judicial que lhe sirva desuporte”.Não. O título judicial exequendoé a sentença de liquidação , denatureza condenatória, resul-tante do pedido de liquidaçãoformulado nos próprios autosdo procedimento cautelar (Op.cit., p. 318)

Sobre o mesmo tema, e comreferência ao mestre dos pampas,arremata Ovídio A. Baptista daSilva:

Como mostra Galeno Lacerda (p.440), diferentemente do queacontece com o Direito alemão,entre nós a indenização não ne-cessita de ser pedida em açãoautônoma ou através de de-manda reconvencional, inseridano processo da ação principal.Daí sua conclusão, rigorosamen-te correta, de ser dispensável, eaté mesmo impossível, que asentença do processo principalcontenha um capítulo condenan-do aquele que executa medidacautelar a indenizar perdas edanos, o que a Marcos AfonsoBorges (Comentários , 32) pare-cera indispensável, como pres-suposto para a ação de liquida-ção (SILVA, Ovídio A. Baptista da.Do processo cautelar. 4 ed. Riode Janeiro: Forense, 2009, pp.231-232).

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Dispensando má-fé, ação pró-pria ou reconvenção, cito os se-guintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL - MEDIDACAUTELAR - INDENIZAÇÃO -RESPONSABILIDADE OBJETIVA -INTERPRETAÇÃO DO ART. 811,DO CPC - SOCIEDADE DE FATO -INEXISTENCIA - SUMULA 07/STJ.I - Consoante a melhor doutri-na, “o código estabelece, ex-pressamente, que respondapelos prejuízos que causar aparte que, de má-fé, ou não,promove medida cautelar. Bas-ta o prejuízo, se ocorrente qual-quer das espécies do art. 811, Ie V, do CPC e, nesse tipo de res-ponsabilidade objetiva proces-sual, o pedido de liquidação éformulado nos próprios autos,com simples invocação de qual-quer dos fundamentos do art.811 do CPC.[...](REsp 127.498/RJ, Rel. MinistroWALDEMAR ZVEITER, TERCEI-RA TURMA, julgado em 20/05/1997, DJ 22/09/1997, p. 46462)_________PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. EQUIPAMENTOS IN-TRODUZIDOS NO TERRITÓRIONACIONAL DE MODO IRREGU-LAR. APLICAÇÃO DE PENA DEPERDIMENTO DE BENS. PROCE-DIMENTO CAUTELAR. DEPÓSI-TO. AÇÃO PRINCIPAL. PEDIDOJULGADO IMPROCEDENTE.ART. 811 DO CPC. VIOLAÇÃONÃO-VERIFICADA. RECURSODESPROVIDO.1. Da leitura do art. 811, I, doCPC, observa-se que, no proce-dimento cautelar, independen-temente da existência de doloou culpa, a requerente deveráressarcir os danos advindos àparte requerida em razão da

execução da medida, na hipó-tese de a sentença prolatada noprocesso principal ser-lhe des-favorável. O parágrafo único docitado dispositivo consigna quea indenização devida será liqui-dada nos autos do procedimen-to cautelar.[...](REsp 744.380/MG, Rel. MinistraDENISE ARRUDA, PRIMEIRATURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 03/12/2008)_________PROCESSUAL CIVIL. AÇÃOCAUTELAR DE SUSTAÇÃO DEPROTESTO. CESSAÇÃO DOSEFEITOS DA LIMINAR CONCEDI-DA E EXTINÇÃO DO FEITO EMRAZÃO DA NÃO PROPOSITURADA AÇÃO PRINCIPAL NO PRA-ZO LEGAL. LIQUIDAÇÃO DAINDENIZAÇÃO NOS PRÓPRIOSAUTOS. CPC, ART. 811, PARÁ-GRAFO ÚNICO. POSSIBILIDADE.1.- Em conformidade com o pa-rágrafo único do artigo 811 doCódigo de Processo Civil, pode oRequerido, mesmo após o trân-sito em julgado da sentença deextinção, formular nos própri-os autos do procedimentocautelar pedido de liquidaçãodos prejuízos causados pelaexecução da medida.2.- Recurso Especial provido.(REsp 802.735/SP, Rel. MinistroSIDNEI BENETI, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 03/12/2009,DJe 11/12/2009)_________

Nesse último precedente, o emi-nente relator, Ministro SidneiBeneti, fundamentou a conclusãona mesma direção ora proposta:

5.- Como se vê, o Acórdão re-corrido não vislumbra a possibi-lidade de liquidação nos própri-

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os autos da cautelar em razãodo seu trânsito em julgado e de“ausência de cargasancionadora que pudesse re-almente ser liquidada”.[...]8.- A interpretação empresta-da ao dispositivo legal peloAcórdão recorrido esvazia seuconteúdo, tornando-o inócuo. Eo texto legal é expresso no sen-tido de que “a indenização seráliquidada nos autos do procedi-mento cautelar” (CPC, art. 811,parágrafo único).No presente feito, a cessaçãodos efeitos da medida deferidacoincidiu com a extinção dacautelar, desse modo, a respon-sabilidade da Autora somenteemergiu nesse momento. Narealidade, é o que comumenteocorre nesses casos.Assim, limitar a possibilidade deliquidação nos próprios autos aotrânsito em julgado e condicioná-la à existência de condenaçãonesse sentido inviabiliza sua apli-cação.Na verdade, o objetivo da normaem tela é a celeridade e a econo-mia do processo, com a possibili-dade de liquidação dos danos so-fridos pela execução da cautelarfrustrada nos próprios autos.E, como bem demonstrado pelaRecorrente, a obrigação de in-denizar decorre da extinção damedida cautelar e a sentençada liquidação formulada nobojo dos autos concederá aoRequerente o título de conteú-do condenatório._________

No Supremo Tribunal Federaltambém há antigo precedente:

ARTIGO 811, I, DO CPC. SUA APLI-CAÇÃO. A RESPONSABILIDADE

PREVISTA NO ART-811, I, DO CÓ-DIGO DE PROCESSO CIVIL E DENATUREZA PROCESSUAL, FUN-DA-SE NO FATO DA EXECUÇÃODA MEDIDA CAUTELAR E NACASSAÇÃO DELA PELA SENTEN-ÇA FINAL PROFERIDA NO PRO-CESSO PRINCIPAL. INDEPENDEDA PROVA DE MA-FÉ E DERECONVENÇÃO. RECURSO EX-TRAORDINÁRIO CONHECIDO EPROVIDO.(RE 100624, Relator(a): Min.SOARES MUNOZ, Primeira Tur-ma, julgado em 04/10/1983, DJ21-10-1983 PP-16307 EMENTVOL-01313-02 PP-00462 RTJVOL-00109-02 PP-00785)_______

3.4. Retomando o raciocíniopara o caso concreto, há de ser re-formado o acórdão recorrido, queafastou a responsabilidade do au-tor, Condomínio do Shopping Con-junto Nacional de Brasília, pelosdanos experimentados pelo réu,decorrentes da interdição açodadade seu estabelecimento comercialdurante quase 1 (um) ano.

Ressalte-se, finalmente, que nãome impressiona a assertiva conti-da no acórdão recorrido, segundoa qual o autor não responderiapelos danos porque, por ocasião doajuizamento da ação, ele “não de-tinha condições de saber qual se-ria o resultado da lide, em razãode que os fatos trazidos aos autoseram bastante complexos e contro-vertidos, tendo cada uma das par-tes juntado laudos técnicos diver-gentes sobre a capacidade do imó-vel”.

A prosperar essa tese, com adevida vênia, quanto mais comple-xa a causa, tanto mais razão terá o

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autor para pleitear a antecipaçãode tutela de forma leviana, combase na conhecida e odiosa “lote-ria judicial”.

Ora, a par da já mencionadadispensabilidade do elemento sub-jetivo, a complexidade da causa,que exigia ampla dilaçãoprobatória, não exime a responsa-bilidade do autor pelo dano pro-cessual. Ao contrário, nesse caso, aantecipação de tutela se evidenci-ava como providência ainda maisarriscada, circunstância que acon-selhava uma conduta de redobra-da cautela por parte do autor, coma exata ponderação entre os riscose a comodidade da obtenção an-tecipada do pedido deduzido.

Ao final, não se sagrando vito-rioso o autor, mostra-se mesmo derigor o reconhecimento de sua res-ponsabilidade objetiva pelos danossuportados pela parte adversa, osquais poderão ser simplesmenteliquidados nos presentes autos, porarbitramento, conforme comandolegal previsto nos arts. 475-O, incisoII, c/c art. 273, § 3º, do CPC.

3.5. Finalmente, apenas a títulode esclarecimento, cumpre ressaltarque a conclusão ora encaminhadanão se aplica, de forma automáti-ca, a eventuais questionamentosacerca da responsabilidade civil doEstado ou mesmo do magistradoque deferiu a multicitada tutelaantecipada.

Certamente, caso queira o au-tor voltar-se contra o Estado deve-rá procurar a via própria, manejan-do ação autônoma que obedeceráa princípios específicos, como o daresponsabilidade subjetiva por atojudicial.

Como já decidido pelo Supre-mo Tribunal Federal em diversasoportunidades, “o princípio da res-ponsabilidade objetiva do Estadonão se aplica aos atos do PoderJudiciário, salvo os casos expressa-mente declarados em lei” (RE219.117, Relator(a): Min. ILMARGALVÃO, Primeira Turma, julgadoem 03/08/1999, DJ 29-10-1999).

No mencionado precedente,dentre vários outros citados, oeminente relator citou a doutrinamajoritária trilhada por Hely LopesMeirelles, nos seguintes termos:

Para os atos administrativos, jávimos que regra constitucionalé a responsabilidade objetivada Administração. Mas, quantoaos atos legislativos e judiciais,a Fazenda Pública só respondemediante comprovação de cul-pa manifesta na sua expedição,de maneira ilegítima e lesiva.Essa distinção resulta do própriotexto constitucional que só serefere aos agentes administra-tivos (servidores), sem aludiraos agentes políticos (parla-mentares e magistrados), quenão são servidores da Adminis-tração Pública, mas sim mem-bros de Poderes do Estado.

Continua Sua Excelência a afir-mar que:

[...] a independência de que de-vem gozar os juízes e as garan-tias que precisam ter, para jul-gar sem receio, estariam irre-mediavelmente postas em xe-que se eles houvessem de res-sarcir os danos provenientes deseus erros. E mais: ficariam osjuízes permanentemente ex-postos ao descontentamento

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

da parte vencida e o foro setransformaria no repositório deações civis contra eles. Para cor-rigir sentença errada bastamrecursos; o prejuízo por ela cau-sado é consequência natural dafalibilidade humana; essa pos-sibilidade de erro é fato da Na-tureza, não é ato do juiz.Nesse diapasão, não há que secogitar de total irresponsabi-lidade dos órgãos judiciários, es-ses poderão no exercício de suasfunções serem responsabili-zados por erros que vierem arealizar, entretanto, essas hipó-teses autolimitadoras da sobe-rania desse Poder deverão serexpressas em lei. Atualmenteestão regradas, principalmente,no art. 5º, inciso LXXV, da Cons-tituição Federal (regulamenta-do pelo artigo 630 do Código deProcesso Penal), além do artigo133 do Código de Processo Civil,este no entanto, como frisa o re-corrente, define a responsabili-dade subjetiva do magistrado,exigindo deste modo do juris-dicionado a comprovação dodolo ou culpa do órgão judiciárioresponsável pela ação ou omis-são que eventualmente lheacarretou o dano [...].

Na mesma linha, confira-se oseguinte precedente:

CONSTITUCIONAL E ADMINIS-TRATIVO. EMBARGOS DE DECLA-RAÇÃO EM RECURSO EXTRAOR-DINÁRIO. CONVERSÃO EMAGRAVO REGIMENTAL. RES-PONSABILIDADE OBJETIVA DOESTADO. PRISÃO EM FLAGRAN-TE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DEPROVAS. ART. 5º, LXXV, 2ª PAR-TE. ATOS JURISDICIONAIS. FATOSE PROVAS. SÚMULA STF 279. 1.Embargos de declaração recebi-

dos como agravo regimental,consoante iterativa jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal.2. O Supremo Tribunal já assen-tou que, salvo os casos expressa-mente previstos em lei, a respon-sabilidade objetiva do Estado nãose aplica aos atos de juízes. 3. Pri-são em flagrante não se confun-de com erro judiciário a ensejarreparaçãonos termos da 2ª parte do incisoLXXV do art. 5º da ConstituiçãoFederal. 4. Incidência da SúmulaSTF 279 para concluir de mododiverso da instância de origem.5. Inexistência de argumentocapaz de infirmar o entendi-mento adotado pela decisãoagravada. Precedentes. 6.Agravo regimental improvido(RE 553637 ED, Relator(a): Min.ELLEN GRACIE, Segunda Turma,julgado em 04/08/2009).

4. Diante do exposto, nego pro-vimento ao recurso do Condomíniodo Shopping Conjunto Nacional edou provimento ao recurso deMozariém Gomes do Nascimento.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Após o voto do Relator, Minis-tro Luis Felipe Salomão, negandoprovimento ao recurso especial doCondomínio do Shopping Conjun-to Nacional e dando provimentoao recurso de Mozariém Gomes doNascimento, PEDIU VISTA antecipa-da o Sr. Ministro Marco Buzzi.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Aguardam os Srs. Ministros RaulAraújo, Maria Isabel Gallotti e An-tonio Carlos Ferreira.

VOTO-VOGAL

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARA-ÚJO: Sr. Presidente, também acom-panho V. Exa. e o Sr. Ministro Mar-co Buzzi, lembrando aquele pre-cedente de que fui Relator, quan-do imputamos responsabilidade àseguradora de plano de saúde pelopagamento das despesas hospita-lares decorrentes de antecipaçãode tutela. Este caso é semelhante.

Nego provimento ao recursoespecial do Condomínio e dou pro-vimento ao recurso de MozariémGomes do Nascimento.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MAR-CO BUZZI:

Trata-se de recursos especiais,interpostos por CONDOMÍNIO DOSHOPPING CONJUNTO NACIONALDE BRASÍLIA (CNB) e MOZARIÉMGOMES DO NASCIMENTO, no in-tuito de ver reformado o acórdãoproferido pelo Tribunal de Justi-ça do Distrito Federal e dos Terri-tórios, nos autos da ação inibitó-ria c/c antecipação de tutela, pro-posta pelo primeiro em face dosegundo.

O aresto atacado restou assimementado:

APELAÇÃO. CONDOMÍNIO.DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. ATI-VIDADE. RESTAURANTE. AS-SEMBLÉIA CONDOMINIAL. PROI-BIÇÃO NÃO VERIFICADA. LAU-DO PERICIAL. QUESITOS. CA-

PACIDADE DE SOBRECARGA.RESPONSABILIDADE. DANOSMATERIAIS E MORAIS. DOCU-MENTO NOVO.O artigo 397 do CPC permite ajuntada de documentos novosquando destinados a fazer pro-va de fatos ocorridos depois dosarticulados. Não se enquadran-do no conceito de documentonovo o juntado em sede de ape-lação, não é possível a sua apre-ciação.Não há nulidade na perícia de-corrente de ausência de mani-festação sobre quesito que nãofoi aventado pela parte.Não havendo proibição para aexecução da atividade de res-taurante no pavimento onde sesitua o imóvel, e tratando-se deatividade lícita, pode serexercida pelo réu.Não pode o juiz, de ofício, im-por condenação ao autor pordanos materiais e morais decor-rentes de ordem judicialexarada em antecipação de tu-tela que determinou a interdi-ção de restaurante se o autornão agiu com má-fé ou culpa,ou praticou ato ilícito, mormen-te quando o réu não apresen-tou reconvenção nesse sentido.(fl. 562, e-STJ)

Os embargos de declaração in-terpostos pelo condomínio resta-ram rejeitados (fls. 595-598, e-STJ),e aqueles do réu, parcialmente aco-lhidos (fls. 590-594, e-STJ).

Em suas razões (art. 105, III, “a”,da CF), CONDOMÍNIO DOSHOPPING CONJUNTO NACIONALDE BRASÍLIA (CNB) defende viola-ção aos artigos 128, 460 e 535 doCPC, 3º, 9º e 19 da Lei 4591/64, 1228e 1336, do CC. Sustenta, em sínte-se, a omissão do aresto Estadual, e

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SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

o desrespeito à convenção do con-domínio, a qual não autoriza a ins-talação de restaurante na área liti-giosa.

De sua vez, o réu MOZARIÉMGOMES DO NASCIMENTO defende,em suas razões recursais (art. 105,III, “a” e “c”, da CF), além dodissídio jurisprudencial, a afrontaaos artigos 273, § 3º, 475-O, I, e 811,I, todos do CPC. Para tanto, sustentaque a responsabilidade pelos da-nos causados em decorrência dodeferimento da tutela antecipada,posteriormente revogada, é obje-tiva.

Após as contrarrazões e decisãode admissibilidade do recurso es-pecial, os autos ascenderam a estaegrégia Corte de Justiça.

É o relatório.Acompanho o eminente Relator.O cerne da discussão que cul-

minou no meu pedido de vista re-side na viabilidade de o autor, emrazão da revogação da tutela an-tecipada deferida initio litis, res-ponder pelos danos causados aoréu, independentemente de pedi-do da parte adversa.

Com efeito, a interpretação sis-temática dos artigos 273, § 3º, 475-O, I e II, e 811, todos do CPC, per-mite extrair do sistema processu-al civil a responsabilidade objeti-va daquele que postula antecipa-ção dos efeitos da tutela e, em de-corrência de tal circunstância, cau-sa danos ao réu que, ao final,sagra-se vencedor, por ser titulardo direito material discutido nademanda.

Tal interpretação possui respal-do na doutrina processualista pá-tria, que, diante da similitude exis-

tente entre os institutos da tutelacautelar (art. 811 do CPC), e da an-tecipada de tutela (art. 273 do CPC)- espécies do gênero tutelas de ur-gência -, determina a aplicação daprevisão constante do art. 811 doCPC, analogicamente, aos casos emque os prejuízos ao réu sejamoriundos do deferimento de tute-la antecipada no curso da lide, in-dependentemente de pedido doréu para que tal condenação sejaefetivada na sentença, porquantocuida-se de responsabilidade pro-cessual objetiva.

Sobre o assunto:

Responsabilidade. Revogada aantecipação de tutela, odemandante fica obrigado aresponder pelos danos eventu-almente causados ao deman-dado (arts. 273, § 3º, e 475-O, I,CPC). Trata-se de responsabili-dade objetiva, independente dedolo ou culpa. Basta o fato ob-jetivo da revogação aliado aodano para responsabilização dodemandante. (Marinoni, LuizGuilherme. Código de processocivil anotado artigo por artigo.3ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 276)Rejeitada a pretensão do autor,não parece possível sejam man-tidos os efeitos decorrentes daantecipação da tutela. Essa pro-vidência foi tomada com baseem cognição sumária, que apon-tou para a probabilidade do di-reito afirmado na inicial. Inves-tigação mais profunda dos fa-tos revelou, todavia, o equívo-co dessa conclusão, o que moti-vou a improcedência da preten-são. (...)Se o beneficiário obtiver a tute-la satisfativa referente à sançãoe o resultado do processo lhe for

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

264 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

desfavorável, surgirá, em tese,o dever de indenizar a parte con-trária, fundado na responsabili-dade objetiva de quem se bene-ficia indevidamente com a tute-la provisória (CPC, art. 811). Estaconclusão está fundada na pre-missa de que à tutela antecipa-da aplicam-se as regras dacautelar, tendo em vista tratar-se de espécies do mesmo gêne-ro. (Bedaque, José Roberto dosSantos. Tutela cautelar e tutelaantecipada: Tutelas sumárias ede urgência. 5ª ed. São Paulo:Malheiros, 2009, p. 431 e 434-435)Ponto que não desperta maio-res polêmicas em sede de dou-trina e de jurisprudência é o deque a responsabilidade daqueleque se beneficia da tutela ante-cipada é objetiva, a exemplo doque o art. 811 reserva, expres-samente, para o beneficiário da“tutela cautelar”. É o que, deresto, extrai-se do inciso I do art.475-O, que, no particular, nãoaceita nenhuma das ressalvasfeitas pelo § 3ª do art. 273.Por “responsabilidade objeti-va” deve ser entendido que obeneficiário da tutela antecipa-da, pelo simples fato de o ser,deve responder, perante a par-te contrária, pelos prejuízos queela, de alguma forma, experi-mentar. Não se cogita, na espé-cie, de perquirir qualquer graude culpabilidade do bene-ficiário. Basta seu favorecimen-to com a tutela antecipada. Tra-ta-se, inequivocamente, de “tu-tela genérica”, com finalidadeindenizatória, a ser exercitada,em momento oportuno (quan-do a tutela antecipada deixarde ser eficaz), pela parte con-trária.(...)

Considerando que todos os ele-mentos relativos à reparaçãodo dano encontram-se nos au-tos do processo em que a tute-la foi antecipada e cumprida,nada mais coerente, visando àotimização da prestaçãojurisdicional, que a parte que sesinta prejudicada possa valer-sedaqueles mesmos autos paraperseguir sua indenização, apli-cando-se, ao caso, o disposto noinciso II do art. 475-O. não hánisso uma “nova ação” ou um“novo processo”. A “ação” e o“processo” são os mesmos quejá existem, alterando-se, ape-nas, a busca de uma diversa tu-tela jurisdicional diante dos fa-tos derivados da concessão e documprimento da tutela anteci-pada. (Bueno, Cássio Scarpinella.Cursos Sistematizado de DireitoProcessual Civil. v.4. São Paulo:Saraiva, 2009, p. 85-86)

Com efeito, firmada a possibili-dade de aplicação dos artigos 475-O e 811 do CPC ao instituto da an-tecipação de tutela, por força dodisposto no art. 273, § 3º, do CPC,demonstra-se prescindível pedidoexpresso do réu - por meio dereconvenção ou mesmo ação au-tônoma - visando a indenizaçãopelos prejuízos sofridos em decor-rência de antecipação de tutelacontra si deferida, e posteriormen-te revogada.

Isso porque, o art. 811 do CPCpermite que tais prejuízos sejamapurados em liquidação de sen-tença, deflagrada pelo réu daação, dispensando, inclusive, con-denação expressa do autor a talpagamento quando do julgamen-to de improcedência da demandacautelar.

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265Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS PELA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA

Nesse sentido, leciona o mestreOvídio A. Baptista da Silva:

Como e onde, todavia, se iráaveriguar e declarar a existên-cia de tais prejuízos, senão dafase de liquidação dos danos,prevista pelo art. 811? Comomostra Galeno Lacerda, dife-rentemente do que aconteceno Direito alemão, entre nós aindenização não necessita deser pedida em ação autônomaou através de demandareconvencional, inserida noprocesso da ação principal. Daísua conclusão, rigorosamentecorreta, de ser dispensável, eaté mesmo impossível, que asentença do processo principalcontenha um capítulo conde-nando aquele que executara amedida cautelar a indenizarperdas e danos (...)Sendo assim, então a sentençade liquidação do art. 811, pará-grafo único, não pode ser tra-tada como se fora uma ordiná-ria ação de liquidação de sen-tença condenatória que, nocaso, por definição ainda nãohouve. Tem-se de condeber oart. 811 como um efeito anexoda sentença desfavorável pro-ferida no processo principal,que se traduz na outorga dapretensão à liquidação de da-nos, cuja existência se há deprovar na própria demanda deliquidação. (Do processoCautelar. Rio de Janeiro: Foren-se, 2009, p. 233-234)

Na mesma linha, retira-se dajurisprudência desta Corte de Jus-tiça:

PROCESSUAL CIVIL - MEDIDACAUTELAR - INDENIZAÇÃO -

RESPONSABILIDADE OBJETIVA- INTERPRETAÇÃO DO ART. 811,DO CPC - SOCIEDADE DE FATO- INEXISTÊNCIA - SUMULA 07/STJ. I - CONSOANTE A MELHORDOUTRINA, “O CÓDIGO ESTA-BELECE, EXPRESSAMENTE, QUERESPONDA PELOS PREJUÍZOSQUE CAUSAR A PARTE QUE, DEMA-FÉ, OU NÃO, PROMOVEMEDIDA CAUTELAR. BASTA OPREJUÍZO, SE OCORRENTEQUALQUER DAS ESPÉCIES DOART. 811, I E V, DO CPC E, NESSETIPO DE RESPONSABILIDADEOBJETIVA PROCESSUAL, O PE-DIDO DE LIQUIDAÇÃO E FOR-MULADO NOS PRÓPRIOS AU-TOS, COM SIMPLES INVOCAÇÃODE QUALQUER DOS FUNDA-MENTOS DO ART. 811 DO CPC.II - SOCIEDADE DE FATO NÃOCOMPROVADA. (SUMULA 07/STJ).III - RECURSO DO ESPÓLIO-RÉUPROVIDO E RECURSO DA AUTO-RA IMPROVIDO. (REsp 127498/RJ,Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER,3ª Turma, j. em 20/05/1997)

Tal raciocínio, como visto aci-ma, deve ser aplicado aos casos derevogação de tutela antecipada,porquanto se a legislação sequerexige a condenação expressa paraque a parte adversa pleiteie a li-quidação de sentença, na qual de-monstrará os prejuízos mediante ainstauração do contraditório, nãoé crível que se vede a condenação,ex officio, pelo magistrado, e aconseqüente apuração do quantumem fase liquidatória.

É o caso dos autos, porquanto omagistrado singular, ao promovera revogação da antecipação dosefeitos da tutela no bojo da senten-ça, condenou o autor a ressarcir os

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

266 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

prejuízos suportados pelo réu, re-sultantes de tal medida, determi-nando que as quantias fossem apu-radas em liquidação de sentença.

Do exposto, acompanho o judi-cioso voto do eminente Relator,para negar provimento ao recursodo autor, e prover aquele interpos-to pelo réu.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista do MinistroMarco Buzzi, acompanhando orelator, e os votos dos MinistrosRaul Araujo, Maria Isabel Gallottie Antonio Carlos Ferreira, no mes-mo sentido, a Quarta Turma, porunanimidade, negou provimentoao recurso especial do Condomí-nio do Shopping Conjunto Naci-onal e deu provimento ao recur-so de Mozariém Gomes do Nasci-mento.

Os Srs. Ministros Raul Araújo,Maria Isabel Gallotti, AntonioCarlos Ferreira e Marco Buzzi (voto-vista) votaram com o Sr. MinistroRelator.

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267Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

RECLAMAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. MULTA DIÁRIA. JUIZADO ESPECIAL. DESCABIMENTO

Superior Tribunal de Justiça

Reclamação. Apresentação de extratos pela instituição financeira.Multa diária. Juizado especial. Descabimento.1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=24849055&formato=PDF>. Acessoem: 25 out. 2012.

DECISÃO

Trata-se de reclamação, compedido de liminar, ajuizada peloBanco Santander Brasil S/A em facede acórdão do Colégio Recursal dosJuizados Especiais Cíveis e Crimi-nais do Estado de São Paulo, assimementado (e-STJ Fl. 121):

Obrigação de Fazer. Apresenta-ção de extrato de conta corren-te pela instituição financeira. In-teresse de agir presente. Nãoapresentação administrativa.Existência da lide diante da re-sistência da recorrente da pre-tensão do recorrido, de ter osextratos. Sentença mantida pe-los próprios fundamentos Recu-so improvido.

Alega o reclamante, em sínte-se, que a cominação de multa diá-ria fixada no caso em apreço afron-taria o disposto no enunciado n.372 da Súmula do STJ (“Na açãode exibição de documentos, nãocabe a aplicação de multacominatória”).

Na decisão de fls. 256/259 (e-STJ),foi parcialmente deferida a liminarcom a suspensão do acórdão recla-mado até o julgamento final des-ta reclamação.

Assim delimitada a controvér-sia, passo a decidir.

Cumpre, inicialmente, ressaltarque a Corte Especial, apreciandoquestão de ordem levantada na Rcl3.752/GO, em razão do decididonos EDcl no RE 571.572/BA (STF, Rel.Ministra Ellen Gracie), admitiu apossibilidade do ajuizamento dereclamação perante o STJ,objetivando, assim, adequar asdecisões proferidas pelas TurmasRecursais dos Juizados Estaduais àsúmula ou jurisprudência domi-nante nesta Corte.

A mencionada espécie de recla-mação foi disciplinada pela Reso-lução 12/2009. Ela não se confundecom uma terceira instância para jul-gamento da causa, e tem âmbitode abrangência necessariamentemais limitado do que o do recursoespecial, incabível nos processosoriundos dos Juizados Especiais. Tra-ta-se de instrumento destinado, emcaráter excepcionalíssimo, a evitara consolidação de interpretação dodireito substantivo federal ordiná-rio divergente da jurisprudência pa-cificada pelo STJ.

A 2ª Seção, no julgamento dasReclamações 3.812/ES e 6.721/MT,interpretando a citada resolução,decidiu que a jurisprudência do STJ

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

268 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

a ser considerada para efeito docabimento da reclamação é apenasa relativa a direito material, con-solidada em súmulas ou tesesadotadas no julgamento de recur-sos repetitivos (CPC, art. 543-C). Nãose admitirá, desse modo, apropositura de reclamações somen-te com base em precedentes toma-dos no julgamento de recursos es-peciais. Questões processuais típi-cas da legislação específica resol-vidas pelos Juizados não são passí-veis de reclamação, dado que oprocesso, nos juizados especiais,orienta-se pelos princípios da Lei9.099/95. Fora desses critérios foiressalvada somente a possibilida-de de revisão de decisões aber-rantes.

A partir dessas premissas, obser-vo que, efetivamente, no caso emapreço, se configura a divergênciaalegada com o entendimento con-solidado na Súmula 372 do STJ. Apropósito:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. RECEBIMENTO DECHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIOREQUERIMENTO ADMINISTRA-TIVO DO ENDEREÇO DO EMI-TENTE. DESCABIMENTO. AÇÃODE EXIBIÇÃO EM FACE DO BAN-CO PARA QUE A INSTITUIÇÃOFINANCEIRA EXIBA O DOCU-MENTO DE CADASTRO DO EMI-TENTE DO CHEQUE. POSSIBILI-DADE. MULTA COMINATÓRIA.INVIABILIDADE.1. A atividade bancária, dadasua relevância econômico-soci-al, sofre intervenção direta eindireta do Estado, consoantemanifesto interesse público quea envolve, submetendo-se à Lei4.595/64 e a normatização do

Conselho Monetário Nacional eBanco Central.2. O acórdão recorrido consig-nou que a cártula de cheque foidevolvida pelo denominado“motivo 11”, o que, nos termosdo artigo 4º da Circular 2.989/2000, da Diretoria colegiada doBanco Central, vigente à épocados fatos, impunha à instituiçãofinanceira que prestasse infor-mação acerca do endereço doemitente.3. Tendo em vista que os arti-gos 339 a 341 do Código deProcesso Civil impõem a tercei-ros o dever de colaboração como Judiciário, o fornecimento deinformações de naturezacadastral aos credores da obri-gação cambiária é feito em be-nefício do direito fundamentalde ação, da função social do con-trato, do sistema de crédito eda economia, da adequada uti-lização do cheque, que contri-bui para o aperfeiçoamento dosistema financeiro, da proteçãodo credor deboa-fé e da solu-ção rápida dos conflitos, nãopodendo o Banco acobertar odevedor.4. Como é cediço, a sentençaproferida na ação de exibição,proposta em face de terceiro,tem caráter mandamental, nãocabendo a imposição deastreintes, mas pode ser fixadoprazo para que o requerido exi-ba o documento vindicado, sobpena de ser determinada a ex-pedição de mandado de buscae apreensão. É bem por isso queorienta a Súmula 372/STJ que,na ação de exibição de docu-mentos, não cabe a aplicação demulta cominatória.5. Recurso especial parcialmen-te provido para afastar a mul-ta cominatória.

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RECLAMAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. MULTA DIÁRIA. JUIZADO ESPECIAL. DESCABIMENTO

(REsp 1159087/MG, Rel. Minis-tro LUIS FELIPE SALOMÃO,QUARTA TURMA, julgado em17/04/2012, DJe 15/05/2012)

AGRAVO REGIMENTAL NOS EM-BARGOS DE DECLARAÇÃO NORECURSO ESPECIAL. AÇÃOCAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DO-CUMENTOS. DESCUMPRIMENTODA DECISÃO JUDICIAL. IMPOSI-ÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA.DESCABIMENTO. SÚMULA 372/STJ. BUSCA E APREENSÃO.1. Nos termos da súmula 372/STJ, “na ação de exibição de do-cumentos, não cabe a aplicaçãode multa cominatória.”2. A medida coercitiva cabívelna hipótese de não cumprimen-to da decisão judicial que deter-mina a exibição de documentosé a busca e apreensão, nos mol-des do artigo 362 do Código deProcesso Civil.

3. AGRAVO REGIMENTAL DES-PROVIDO.(AgRg nos EDcl no REsp1142802/PR, Rel. Ministro PAU-LO DE TARSO SANSEVERINO,TERCEIRA TURMA, julgado em28/02/2012, DJe 05/03/2012)

Em face do exposto, julgo pro-cedente o pedido da presente re-clamação para afastar a multa diá-ria imposta.

Oficie-se ao Presidente do Colé-gio Recursal dos Juizados Especi-ais Cíveis e Criminais do Estado deSão Paulo, ora reclamado, acercada presente decisão.

Publique-se. Intime-se.Brasília (DF), 28 de setembro de

2012.MINISTRA MARIA ISABEL

GALLOTTIRelatoraRcl 7.571 - DJe 05.10.2012.

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DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS

1 Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true&numeroFormatado=RR%20%20142140-68.2006.5.12.0008&base=acordao&numProcInt=406741&anoProcInt=2008&dataPublicacao=28/09/2012%2007:00:00&query=>. Acesso em: 25 out. 2012.

Tribunal Superior do Trabalho

Recurso de revista. Desvirtuamento do contrato de estágio.Sociedade de economia mista. Impossibilidade de reconhecimentode vínculo de emprego. Efeitos. Súmula Nº 363 do TST.1

ACÓRDÃO

RECURSO DE REVISTA. DESVIRTU-AMENTO DO CONTRATO DE ESTÁ-GIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MIS-TA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHE-CIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO.EFEITOS. SÚMULA Nº 363 DO TST.

O Tribunal Regional confirmoua sentença quanto à conclusão quehouve desvirtuamento do contra-to de estágio, sem o reconhecimen-to da existência da relação de em-prego, em face do disposto noinciso II do art. 37 da ConstituiçãoFederal, e ao deferimento das di-ferenças salariais havidas entre ovalor percebido e o valor do pisoda categoria. Nos termos daSúmula nº 363 do TST, em hipóte-se de contrato nulo, somente sãoassegurados a contraprestação pac-tuada, em relação ao número dehoras trabalhadas, respeitado ovalor da hora do salário mínimo, eos valores referentes aos depósitosde FGTS. A jurisprudência destaCorte, aplicando o entendimentocontido na Súmula nº 363, especi-ficamente quanto às hipóteses dedesvirtuamento do contrato de es-tágio, está firmada no sentido de

que a contraprestação pactuada éo valor da bolsa mensal paga me-diante convênio com a instituiçãode ensino. Nesse contexto, consta-ta-se que, no acórdão recorrido,restaram extrapolados os limitesconsubstanciados na Súmula nº 363desta Corte.

Recurso de revista conhecido eprovido.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso de Revistan° TST-RR-142140-68.2006.5.12.0008(Convertido de Agravo de Instru-mento de mesmo número), em queé Recorrente BANCO DO BRASILS.A. e Recorrido JAISSON SCHONS.

Contra a decisão em que sedenegou seguimento ao recurso derevista, o reclamado interpõe agra-vo de instrumento.

Não foram apresentadas acontraminuta ao agravo de instru-mento e as contrarrazões ao recur-so de revista.

Dispensada a remessa dos autosao Ministério Público do Trabalho,em face do disposto no art. 83, §2º, II, do Regimento Interno do TST.

É o relatório.RR-142140-68.2006.5.12.0008 –

DEJT 28.09.2012.

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

272 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

VOTO

AGRAVO DE INSTRUMENTOCONHECIMENTOSatisfeitos os pressupostos de

admissibilidade pertinentes àtempestividade (fls. 03 e 177) e àrepresentação processual (fls. 23 e25), e encontrando-se devidamen-te instruído, com o traslado daspeças essenciais previstas no art.897, § 5º, I e II, da CLT e no item IIIda Instrução Normativa nº 16/99 doTST, CONHEÇO do agravo de ins-trumento.

2. MÉRITODESVIRTUAMENTO DO CON-

TRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDA-DE DE RECONHECIMENTO DE VÍN-CULO DE EMPREGO. EFEITOS.SÚMULA Nº 363 DO TST.

Ante o recurso de revista inter-posto pelo reclamado às fls. 159-167,merece ser provido o agravo de ins-trumento para processamento dorecurso de revista, em face de con-figuração de contrariedade àSúmula nº 363 desta Corte.

Do exposto, configurada a hi-pótese prevista no art. 896, a, daCLT, DOU PROVIMENTO ao agravode instrumento para determinar ojulgamento do recurso de revista,observado o procedimento estabe-lecido na Resolução Administrati-va nº 928/2003 do Tribunal Superi-or do Trabalho.

RECURSO DE REVISTA

CONHECIMENTOSatisfeitos os requisitos

extrínsecos de admissibilidade,pertinentes à tempestividade (fls.

157 e 159), à regularidade de re-presentação (flS. 169 e 171) e aopreparo (fls. 109, 111 e 173). Pre-enchidos os pressupostos genéricosde admissibilidade, passa-se ao exa-me dos específicos do recurso derevista.

DESVIRTUAMENTO DO CON-TRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDA-DE DE RECONHECIMENTO DE VÍN-CULO DE EMPREGO. EFEITOS.SÚMULA Nº 363 DO TST

O Tribunal Regional negou pro-vimento ao recurso ordinário inter-posto pelo reclamado, confirman-do a sentença quanto à conclusãoque houve desvirtuamento do con-trato de estágio, sem o reconheci-mento do vínculo de emprego, emface do disposto no inciso II do art.37 da Constituição Federal, e aodeferimento das diferenças salari-ais havidas entre o valor percebi-do e o valor do piso da categoria.Manifestou-se nos seguintes ter-mos (fls. 153-154), verbis:

Com efeito, a prova dos autosdeixou evidente que o autor de-senvolvia funções bancárias,prestando serviços na centralde auto-atendimento.Tal como assinalado na senten-ça revisada, entendo que:Resta evidente que a intençãomaior da espécie de contrataçãoem análise foi afastar a incidên-cia das normas trabalhistas, pois,data venia, é impossível se ad-mitir um estágio com duraçãode dois anos para aprendizadode trabalho junto ao auto-aten-dimento, separação de docu-mentos e abertura de contas.Sem desmerecer as funções aci-ma, é óbvio que em nada, ou

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DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS

quase nada, acrescentam aoplano curricular, não se justifi-cando o período de dois anosutilizado pelo banco.Assim, entendo desconfiguradoo contrato de estágio, uma vezque não atendidos os requisitoslegais capazes de afastar a re-lação de emprego.Verificado o desvirtuamentodos propósitos da Lei n° 6 494/97, tem-se por consequência oreconhecimento da relaçãoempregatícia entre as partes.No entanto, dada a naturezajurídica do banco-réu, restainviável a formação do liamelaboral, sem que tenha havidoatendimento ao requisito cons-titucional da submissão a con-curso público.E de ser aplicado, portanto, oregramento sumular do TST(Súmula 363), sendo devidasao autor apenas as diferençassalariais já deferidas na sen-tença.

O Reclamado, em suas razõesde revista, indica contrariedade àSúmula nº 363 do TST e violaçãodos arts. 4º da Lei nº 6.494/77 e 37,II, § 2º, da Constituição Federal.Argumenta que o reconhecimen-to do direito às diferenças salariaisentre o valor pago e o valor do pisoda categoria se contrapõe ao pre-conizado na Súmula nº 363 destaCorte, destacando que esta defineque o pagamento a ser assegura-do restringe-se à contraprestaçãopactuada, em relação ao númerode horas trabalhadas, tendo comobase o salário mínimo e não o pisoda categoria. Sustenta que a retri-buição pactuada em relação a es-tagiário restringe-se ao valor da“bolsa”. Requer a exclusão da con-

denação imposta, em razão do efe-tivo pagamento do pactuado ou alimitação do direito ao pagamen-to da contraprestação pactuada,em relação ao número de horastrabalhadas, tomando-se comobase o salário mínimo.

A questão cinge-se aos efeitosdecorrentes do reconhecimento dodesvirtuamento do contrato de es-tágio, o qual levaria ao reconheci-mento do vínculo de emprego, quefoi afastado em face da exigênciade concurso público, contida noart. 37, II, da Constituição Federal,aplicável em razão do reclamadotratar-se de sociedade de economiamista.

Nos termos da Súmula nº 363do TST, em hipótese de contratonulo, somente são assegurados acontraprestação pactuada, em re-lação ao número de horas traba-lhadas, respeitado o valor da horado salário mínimo, e os valores re-ferentes aos depósitos de FGTS.

Cabe ressaltar, ainda, que a ju-risprudência desta Corte, aplican-do o entendimento contido naSúmula nº 363 desta Corte, especi-ficamente quanto às hipóteses dedesvirtuamento do contrato de es-tágio, está firmada no sentido deque a contraprestação pactuada éo valor da bolsa mensal paga me-diante o convênio com a institui-ção de ensino.

Nesse sentido, os seguintes pre-cedentes:

DESVIRTUAMENTO DO CONTRA-TO DE ESTÁGIO. DIFERENÇASSALARIAIS. CONTRATO NULO.SÚMULA Nº 363 DESTA CORTESUPERIOR. 1. É insuscetível de re-visão, em sede extraordinária,

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

274 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

a decisão proferida pelo Tribu-nal Regional à luz da provacarreada aos autos. Somentecom o revolvimento dosubstrato fático-probatório dosautos seria possível afastar apremissa sobre a qual se erigiua conclusão consagrada pelaCorte de origem, no sentido deter-se comprovado o desvirtu-amento do contrato de estágio.Incidência da Súmula n.º 126 doTribunal Superior do Trabalho.2. A contratação de servidorpúblico, após a promulgação daConstituição da República de1988, sem prévia aprovaçãoem concurso público, encontraóbice no respectivo artigo 37, IIe § 2º, somente lhe conferindodireito ao pagamento dacontraprestação pactuada, emrelação ao número de horas tra-balhadas, respeitado o valor dahora do salário-mínimo, e dosvalores referentes aos depósi-tos do FGTS (Súmula n.º 363 doTST). 2. Na hipótese dos autosem que se verificou o desvirtu-amento do contrato de estágio,a contraprestação pactuada dizrespeito à bolsa-auxílio estágioe não à remuneração previstapara a categoria dos bancários.3. Recurso de revista parcial-mente conhecido e provido. (...)(RR-124800-11.2008.5.04.0511,Relator Ministro Lelio BentesCorrêa, 1ª Turma, Data de Pu-blicação: 30/09/2011)EMBARGOS EM EMBARGOSDECLARATÓRIOS EM RECURSODE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLI-CADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº11.496/2007. ESTÁGIO. NULIDA-DE DO CONTRATO. SOCIEDADEDE ECONOMIA MISTA. NECESSI-DADE DE CONCURSO PÚBLICO.EFEITOS. Esta Corte Superior temreiteradamente decidido pela

declaração de nulidade dos con-tratos de trabalho celebradoscom ente da Administração Pú-blica sem a prévia aprovação emconcurso público, aplicando à hi-pótese o disposto no art. 37, II e §2º, da Constituição Federal de1988, de modo a assegurar aotrabalhador tão-somente o pa-gamento da contraprestaçãopactuada, em relação ao núme-ro de horas trabalhadas, respei-tado o salário-mínimo/hora e osvalores referentes aos depósitosdo FGTS. Esse posicionamento foiconfirmado com a nova redaçãoda Súmula nº 363 do TST. Assim,o não-reconhecimento de víncu-lo de emprego do Banco com oestagiário, em face de nulidadecontratual, determina o afasta-mento das verbas salariais, emface do que dispõe o art. 37, incisoII, § 2º, da Constituição da Repú-blica, diante da ausência de pré-via aprovação em concurso pú-blico. Destarte, deve ser limita-da a condenação tão-somente aopagamento da contraprestaçãopactuada, em relação ao núme-ro de horas trabalhadas, respei-tado o valor da hora do saláriomínimo, e dos valores referen-tes aos depósitos do FGTS, con-forme consta do verbete, sendoque o equivalente à contrapres-tação pactuada, no caso do esta-giário, é a bolsa mensal pagamediante convênio com a insti-tuição. Recurso de embargos co-nhecido e provido. (RR-739635-96.2001.5.04.5555, Relator Mi-nistro Horácio Raymundo deSenna Pires, Subseção I Especi-alizada em Dissídios Individuais,Data de Publicação: 21/08/2009)

Dessa forma, o Tribunal a quo,

ao manter ao deferimento das di-ferenças salariais havidas entre o

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275Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS

valor percebido e o valor do pisoda categoria, extrapolou os limi-tes consubstanciados na Súmula nº363 desta Corte.

Portanto, CONHEÇO do recursode revista, por contrariedade àSúmula nº 363 desta Corte.

MÉRITO

DESVIRTUAMENTO DO CON-TRATO DE ESTÁGIO. SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDA-DE DE RECONHECIMENTO DE VÍN-CULO DE EMPREGO. EFEITOS.SÚMULA Nº 363 DO TST.

Conhecido o recurso por contra-riedade à Súmula nº 363, seu pro-vimento é medida que se impõe, afim de adequar a decisão recorri-da à jurisprudência uniforme des-ta Corte.

Dou provimento ao recurso derevista para excluir a condenaçãoao pagamento das diferenças sala-riais, por consequência, julgar im-procedente a reclamação trabalhis-ta. Custas invertidas, das quais ficadispensado o reclamante, na for-ma da lei.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Pri-meira Turma do Tribunal Superiordo Trabalho, por unanimidade,conhecer do agravo de instrumen-to e, no mérito, dar-lhe provimen-to para determinar o julgamentodo recurso de revista. Acordam,ainda, por unanimidade, julgandoo recurso de revista, na forma doart. 897, § 7º, da CLT, dele conhe-cer, por contrariedade à Súmula nº363 desta Corte, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a con-denação ao pagamento das dife-renças salariais, por consequência,julgar improcedente a reclamaçãotrabalhista. Custas invertidas, dasquais fica dispensado o reclaman-te, na forma da lei.

Brasília, 26 de setembro de2012.

Firmado por assinatura digital(Lei nº 11.419/2006)

Walmir Oliveira da CostaMinistro Relator

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277Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS INCIDENTAL EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. EXTRATOS FGTS. RESPONSABILIDADE. BANCO DEPOSITÁRIO ANTERIOR

Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Ação de exibição de documentos incidental em ação deconhecimento sobre conta vinculada ao FGTS. Responsabilidadepela apresentação de extratos. CEF. Banco depositário.1

1 Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=5374218>. Acesso em: 25 out. 2012.

EMENTA OFICIAL

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCU-MENTOS INCIDENTAL EM AÇÃO DECONHECIMENTO SOBRE CONTAVINCULADA AO FGTS. RESPONSA-BILIDADE PELA APRESENTAÇÃO DEEXTRATOS. CEF. BANCO DEPOSITÁ-RIO.

1.Há responsabilidade da CEFperante o depositário de apresen-tar os documentos relativos à suaconta.

2. A discussão aqui é da respon-sabilidade do banco depositáriofrente à CEF de fornecer esses do-cumentos.

3. Nos termos do art. 14 do De-creto 59.820/66 (regulamento doFGTS), existia obrigação legal (como respectivo dever) dos bancos de-positários manterem a escrituraçãodos valores, inclusive fornecendoanualmente e sempre que solicita-do os respectivos extratos de mo-vimentação das contas vinculadasdo FGTS que neles tinham sidodepositadas e estavam guardadas

2. A centralização e transferên-cia dos depósitos para a CEF nãoalterou o dever dos bancos depo-sitários de guardarem essas infor-mações. A entrega do “último” dosextratos pelos bancos depositários

para a CEF não os exime de conti-nuarem com os registros guarda-dos enquanto não prescritos.

3. Logo, em sede de açãoincidental de exibição de docu-mentos entre a CEF e o Banco de-positário, é obrigação deste últimofornecer documentos/extratos àCEF relativos às contas de FGTS.

4. Afirmado o dever legal deexibir os documentos, cabe perqui-rir o cumprimento da obrigaçãolegal pelo banco depositário, e emcaso de não-cumprimento, ponde-rar se é legítima a sua recusa à exi-bição daqueles documentos.

5. No caso dos autos, é ilegíti-ma a recusa porque o banco depo-sitário apresentou documento sin-gelo, que sequer se revestiu dasformalidades apropriadas e nemestá assinado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos emque são partes as acima indicadas,decide a Egrégia 4a. Turma do Tri-bunal Regional Federal da 4ª Re-gião, por unanimidade, dar provi-mento à apelação, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integran-te do presente julgado.

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO JURISPRUDÊNCIA

278 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

Porto Alegre, 24 de outubro de2012.

Desembargador Federal CÂNDI-DO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

RelatorTRF 4ª Região - APELAÇÃO CÍVEL

Nº 5001488-11.2010.404.7111/RS.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sen-tença que julgou improcedenteação incidental de exibição de do-cumentos proposta pela CEF con-tra o Unibanco e condenou a CEFao pagamento de R$ 1.000,00 a tí-tulo de honorários advocatícios.

Aquela ação de exibição de do-cumentos foi proposta incidental-mente em ação ordinária movidapor titular de conta vinculada doFGTS contra a CEF, pretendendonesta a condenação da CEF ao pa-gamento de diferenças que enten-de devidas e não-pagas quantoaos depósitos de FGTS decorren-tes de contrato de trabalho man-tido no período compreendidoentre 30/03/1970 (data de opçãopelo FGTS) e 15/07/1992 (data deafastamento).

Na ação de exibição de docu-mentos, a CEF pretendia que oUnibanco (banco depositário du-rante o contrato de trabalho)apresentasse em juízo os extratosda conta vinculada do FGTS na-quele período, permitindo assimque fossem encontrados os valo-res eventualmente devidos na açãoordinária.

Na sentença de improcedência,o juiz de origem aceitou a recusado Unibanco em apresentar os ex-tratos porque este apresentou pes-

quisa infrutífera quanto aos extra-tos e porque entendeu que oUnibanco não possui dever legal deexibi-los (art. 358, I, do CPC), namedida em que a responsabilida-de exclusiva pela apresentação dosextratos é da CEF.

Apela a CEF, buscando a proce-dência da ação incidental (porqueo Unibanco deveria guardar aque-les documentos pelo menos desde1981, já que ainda não houve pres-crição). Também pretende seja afas-tada sua condenação em honorá-rios advocatícios (pelo princípio dacausalidade).

Com contrarrazões, vieram osautos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, reconheço que narelação existente entre CEF e titu-lar da conta vinculada do FGTS, aresponsabilidade pela apresenta-ção dos extratos de contas de FGTSna ação de conhecimento é da CEF,mesmo quanto ao período anteri-or a 1992.

Esse entendimento é atualmen-te pacífico nos tribunais brasileiros,estando assentado que essa res-ponsabilidade decorre de que a CEF,quando se tornou gestora do FGTS,com a edição da Lei 8.036/90, assu-miu o controle das contas vincula-das e desde então passou a ser suaessa responsabilidade.

Entretanto, não é esta relaçãoque está sendo discutida nesta açãoincidental movida pela CEF contraaquele que na época dos depósi-tos discutidos era o banco deposi-tário.

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279Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS INCIDENTAL EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. EXTRATOS FGTS. RESPONSABILIDADE. BANCO DEPOSITÁRIO ANTERIOR

O que se discute nesta açãoincidental de exibição de docu-mentos é relação distinta daquelaprimeira, agora envolvendo a CEF(atual gestora do FGTS e que nelateve centralizados todos os depó-sitos por força da Lei 8.036/90) eaquela instituição financeira quena época dos depósitos era o ban-co depositário e tinha a obrigaçãolegal de manter e fornecer os ex-tratos.

A questão central a ser resolvi-da nesta ação incidental é saber seaquele que foi o banco depositá-rio na época dos depósitos do FGTScontinua com responsabilidadequanto à guarda dos documentosrelativos às contas de FGTS quantoaos períodos ainda não-prescritos.

Ora, a questão deve ser dirimi-da a partir do exame das responsa-bilidades quanto à guarda e à exi-bição dos documentos, verifican-do-se inicialmente se há obrigaçãolegal de exibição do documentopelo réu da ação incidental, se hou-ve cumprimento desse dever, e seeventual recusa apresentada deveser aceita.

Passo ao exame dessas questões,portanto.

Sobre a Obrigação LegalA primeira questão diz respei-

to a examinar se há ou não deverlegal daquele que era o banco de-positário das contas do FGTS paraexibir agora os documentos que aCEF necessita para sua defesa e ins-trução do processo de conheci-mento.

Antes da centralização das con-tas no FGTS (período justamente docontrato de trabalho discutido naação ordinária), os depósitos do

FGTS poderiam ser feitos em con-tas vinculadas mantidas em outrosbancos depositários que não a CEF,conforme consta do § único do ar-tigo 2º da Lei 5.107/66, nestes ter-mos:

“As contas bancárias vinculadasa que se refere este artigo se-rão abertas em estabelecimen-to bancário escolhido pelo em-pregador, dentre os para tantoautorizados pelo Banco Centraldo Brasil, em nome do empre-gado que houver optado peloregime desta Lei, ou em nomeda empresa, mas em conta in-dividualizada, com relação aoempregado não optante”.

O respectivo Regulamento doFGTS vigente na época (Decreto59.820/66) estabelecia a obrigaçãodo banco depositário fornecer osextratos da movimentação doFGTS, conforme consta de seu arti-go 14, com esta redação:

“Art. 14. Cabe aos Bancos De-positários, através das empre-sas, fornecer aos empregadosoptantes extrato anual de suascontas vinculadas, devendo, ain-da, atender aos pedidos de in-formação que lhes sejam feitospelos empregados, por inter-médio do respectivo Sindicato,ou, na falta deste, diretamen-te pelos interessados”.

Portanto, existia obrigação le-gal (com o respectivo dever) dosbancos depositários manterem essaescrituração dos valores, inclusivefornecendo anualmente e sempreque solicitado os respectivos extra-tos de movimentação das contasvinculadas do FGTS que neles ti-

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO JURISPRUDÊNCIA

280 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

nham sido depositadas e estavamguardadas.

Por ocasião da centralização etransferência dos depósitos, nadafoi alterado quanto a esse deverdos bancos depositários guardaremessas informações, havendo apenasdeterminação para que os depósi-tos fossem transferidos à CEF e queo banco depositário encaminhasseà CEF o “último extrato” das con-tas vinculadas, conforme estabele-cido pelo artigo 24 do Decreto99.864/90:

Art. 24. Por ocasião da centrali-zação na CEF, caberá ao bancodepositário emitir o último ex-trato das contas vinculadas sobsua responsabilidade, que deve-rá conter, inclusive, o registrodos valores transferidos e a dis-criminação dos depósitosefetuados na vigência do últi-mo contrato de trabalho

Ora, a obrigação do banco de-

positário naquela ocasião não erarepassar todos os extratos dos de-pósitos anteriores das contas vin-culadas, mas apenas o último da-queles extratos.

Então se não havia obrigaçãolegal de que o banco depositáriotransferisse todas as informaçõespara a CEF (mas apenas o últimoextrato), não se poderia concluirque a simples transferência e cen-tralização das contas do FGTS paraa CEF tivesse acabado com o deverque os bancos depositários tinhamde manter os registros dos depósi-tos e das movimentações feitas nascontas vinculadas do FGTS no pe-ríodo em que essas contas estive-ram depositadas e aos cuidados

desses bancos depositários, distin-tos da CEF.

Portanto, o banco depositáriotinha na época (e não perdeu coma centralização e transferência dosdepósitos) a obrigação legal demanter a escrituração das contas deFGTS e o consequente dever legalde exibir e fornecer esses extratosdas contas vinculadas sob sua ad-ministração no período anterior àmigração dessas à CEF.

Esse dever legal persiste en-quanto não prescrita a obrigação(no mesmo prazo que prescreve-ria a possibilidade de reclamarquanto aos depósitos feitos na-queles períodos) ou enquanto nãotivessem todas essas informaçõessido transferidas e centralizadasna CEF.

Repito que não houve transfe-rência e centralização de todas asinformações na CEF, apenas o ban-co depositário entregou o “último”dos extratos para a CEF por oca-sião daquela centralização, o quenão eximiu os bancos depositáriosde continuarem com esses registrosguardados até que não fossem maisnecessários (estivessem prescritos)ou tivessem sido entregues aonovo depositário dos depósitos ecentralizador das contas de FGTS(a CEF).

Cumprimento da ObrigaçãoAfirmado o dever legal de exi-

bir os documentos, cabe perquirirse o banco depositário cumpriu suaobrigação legal quando instadopela ação de exibição de documen-tos a fazê-lo.

No presente caso, o Unibancofoi intimado a acostar os extratosdo autor da ação principal, neste

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281Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 15 – Nov 12

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933

procedimento baseado nos artigos360 a 363 do CPC:

“quando o documento ou a coi-sa estiver em poder de tercei-ro, o juiz mandará citá-lo pararesponder no prazo de 10 dias”(artigo 360 do CPC).

Entretanto, em resposta, o ban-co depositário informou (EXTR2 doevento 18) que os extratos não fo-ram encontrados.

Portanto, o dever legal do ban-co depositário não foi cumprido(não exibiu os documentos), apre-sentando escusa para assim ter agi-do.

Diante do não-cumprimento daobrigação, resta ponderar se é le-gítima a sua recusa à exibição da-queles documentos.

Escusabilidade da RecusaExaminando o teor do docu-

mento que apresentou o bancodepositário, constato que não foisuficientemente comprovado quea escusa era legítima.

Ao contrário, o banco deposi-tário apresentou documento sin-gelo, que sequer se revestiu dasformalidades apropriadas e nemestá assinado. Nada mencionaquanto às pesquisas que realizounem apresenta evidências concre-tas de que não dispunha dos do-cumentos, que tinha motivo jus-to para não mais dispor dos docu-mentos, que transferiu os docu-mentos integralmente para a CEF,que houve algum motivo de for-ça maior que impediu que conti-nuasse guardando os referidosdocumentos, como seria seu de-ver enquanto não prescrita a obri-gação.

Portanto, aquela recusa do ban-co depositário em exibir os docu-mentos não se mostra legítima nemjusta, não cumprindo nem escusan-do o banco depositário quantocumprimento de seu dever legalfrente à CEF.

Convém salientar aqui que nãose trata de discutir se a CEF deveou não exibir os documentos naação ordinária, que lhe move o ti-tular da conta vinculada do FGTS.Não há dúvida, como já foi afir-mado, que existe essa obrigaçãolegal da CEF de prestar contas aotitular da conta vinculada do FGTSe fornecer os documentos necessá-rios para apuração e liquidação dosvalores decorrente de eventual con-denação judicial em ação de res-sarcimento ajuizada pelo corren-tista.

Não é isso que está em jogo naação incidental de exibição de do-cumentos, onde se discute se obanco depositário deve ou não for-necer os documentos para a CEF.Ora, pelo que foi dito, existe obri-gação legal do banco depositáriofornecer esses documentos à CEF,sendo portanto o banco depositá-rio parte passiva legítima para res-ponder à ação incidental, sem queisso signifique que a CEF fica escu-sada ou dispensada de cumprir seudever em relação ao titular da con-ta vinculada. Apenas se está reco-nhecendo que também o bancodepositário tem esse dever, agoraem relação à CEF, o que não signi-fica - é bom deixar claro - que aCEF possa ser escusada ou furtar-sede apresentar a documentação de-vida na ação ordinária. O que a CEFpode fazer é também voltar-se con-

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO JURISPRUDÊNCIA

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tra o banco depositário, mas semque isso isente a ela (CEF) do quetambém lhe compete e é assentena jurisprudência.

Portanto, considero ilegítima arecusa apresentada pelo Unibanco.

ConclusãoPortanto, havendo o dever le-

gal de exibir os documentos e nãosendo justa nem escusável a recu-sa apresentada pelo banco deposi-tário em fazê-lo, deve ser reforma-da a sentença de improcedência daação incidental de exibição dosdocumentos.

A instituição financeira deposi-tária deve diligenciar no sentido deobter os extratos do trabalhador,porque é prova necessária à even-tual liquidação de sentença sobreos consectários na conta vinculadade FGTS, porque assegura o seudireito de ação e de defesa na açãoprincipal, e porque é seu devermanter aquela documentação eprestar as informações solicitadaspela CEF ou pelos correntistas.

Saliento que, obviamente, issonão exime a CEF das suas obriga-ções diante do correntista titularda conta vinculada no FGTS.

Quanto aos honoráriosadvocatícios, a sucumbência deveser invertida, condenando-se o

Unibanco ao pagamento dos ho-norários advocatícios arbitrados,agora em favor da CEF.

Ante o exposto, voto por darprovimento à apelação da CEF parajulgar procedente a ação incidentalde exibição de documentos e de-terminar que o banco depositárioexiba em juízo e forneça à CEF noprazo de 10 dias os documentosreferidos na petição inicial, na for-ma e sob as penas dos artigos 360-363 do CPC.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que este processo foiincluído na Pauta do dia 16/10/2012, na seqüência 185,disponibilizada no DE de 03/10/2012, da qual foi intimado(a) oMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, aDEFENSORIA PÚBLICA e as demaisPROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 4ª TURMA, aoapreciar os autos do processo emepígrafe, em sessão realizada nes-ta data, proferiu a seguinte deci-são:

A TURMA, POR UNANIMIDADE,DECIDIU DAR PROVIMENTO À APE-LAÇÃO.

Simone Deonilde DartoraSecretária

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PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

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Normas Editoriais de Publicação

I - INFORMAÇÕES GERAIS

A Revista de Direito da ADVOCEF é uma publicação científicaperiódica da Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econô-mica Federal. Publica artigos originais referentes à atuação profis-sional do advogado, à pesquisa, ao ensino ou à reflexão críticasobre a produção de conhecimento na área do Direito.

Sua missão principal é contribuir para a formação profissionale acadêmica do advogado da Caixa e demais Operadores do Direi-to, bem como socializar o conhecimento técnico e científico produ-zido por aqueles que pesquisam e/ou atuam em todos os camposdo conhecimento jurídico.

II – LINHA EDITORIAL

Os textos remetidos para publicação devem ser preferencial-mente inéditos e abranger assuntos pertinentes ao Direito. Os tra-balhos serão avaliados por um Conselho Editorial, sem a identifica-ção dos autores e instituições (blind review system), o qual decidirápela publicação do material enviado com base em critérios científi-cos, interesse institucional ou técnico e, ainda, atualidade de seuconteúdo.

Eventual adequação do conteúdo ao formato eletrônico po-derá ser proposta, sem prejuízo da informação. Pequenas modi-ficações no texto poderão ser feitas pelo Conselho Editorial, masas modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Serápermitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada afonte.

Ao remeter o texto para publicação, o Autor cede à ADVOCEFo direito de fazer uso do material enviado na Revista de Direito,no encarte “Juris Tantum” do Boletim Informativo Mensal e/ou emseu site na internet, a critério da associação.

A publicação em qualquer veículo de comunicação daADVOCEF não é remunerada e o conteúdo é de responsabilidadedo autor. Os originais, publicados ou não, não serão devolvidos.

III – TIPOS DE TEXTO

1. Artigos doutrinários – análise de temas e questões funda-mentadas teoricamente, levando ao questionamento de modos depensar e atuar existentes e a novas elaborações na área jurídica;

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2. Relatos de experiência profissional e estudos de caso – rela-tos de experiência profissional ou estudos de caso de interesse paraas diferentes áreas de atuação do advogado;

3. Comunicações – relatos breves de pesquisas ou trabalhosapresentados em reuniões científicas/eventos culturais;

IV - APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

O texto, de até 30 laudas, deve ser enviado por e-mail àADVOCEF, no formato Word, redigido em fonte Times New Roman,tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5 cm e margensde 2 cm (eventualmente, o conselho editorial poderá aprovar tex-tos acima de 30 laudas, caso entenda ser de interesse da Revista apublicação na íntegra do material enviado).

O autor deve ainda enviar à ADVOCEF, por correio ou malote,devidamente preenchido e assinado, um termo de cessão de direitosautorais, elaborado a partir de formulário padrão disponibilizado em<http://www.advocef.org.br/_arquivos/40_1047_termocessao.doc>.

O arquivo do trabalho deve conter:

1. Folha de rosto com o nome do(s) autor(es) e: a) título emportuguês; b) nome de cada autor, seguido da afiliação institucionale titulação acadêmica; c) endereço eletrônico para envio de corres-pondência.

2. Resumo em português – com no máximo 150 palavras e acom-panhado de quatro palavras-chave. Palavras-chave são vocábulosrepresentativos do conteúdo do documento que devem ser sepa-rados entre si por ponto e finalizados também por ponto.

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2.2 Resumo bilíngue – Título, resumo e palavras-chave devemser traduzidos para outro idioma, acompanhando os originais emportuguês.

3. Notas de rodapé – As notas não bibliográficas devem serreduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e colo-cadas no rodapé da página, não podendo ser muito extensas.

4. As citações de autores devem ser feitas da seguinte forma:a) Por meio do último sobrenome do autor, com apenas a pri-

meira letra maiúscula, seguido, entre parênteses, do ano de publi-cação do trabalho e, para citações diretas, do número da página.

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Quando o sobrenome do autor vier entre parênteses, deve ser es-crito todo em letra maiúscula.

b) As obras e fontes citadas devem constar, obrigatoriamente,nas referências.

c) As citações diretas com mais de três linhas são consideradascitações longas e são transcritas em parágrafo distinto, começandoa 4 cm da margem esquerda, sem deslocamento da primeira linha.O texto é apresentado sem aspas e transcrito com espaçamento entrelinhas simples e fonte tamanho 10, devendo ser deixada uma linhaem branco entre a citação e os parágrafos anterior e posterior.

5. Referências – Deve-se utilizar a norma ABNT 6023. Exem-plos:

a) Livros: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.São Paulo: Max Limonad, 2001.

b) Capítulo de livro: Autor(es) (ponto). Título do capítulo (pon-to). In: referência completa do livro seguida pela paginação iniciale final do capítulo (p. XX-XX) ou pelo número dele (cap. X).

Exemplo: VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de incons-titucionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras comple-mentares de Direito Constitucional: controle de constitucio-nalidade. Bahia: JusPodivm, 2007. cap. 7.

c) Artigo em periódico científico: Autor (ponto). Título do arti-go (ponto). Nome da revista ou periódico em negrito (vírgula),local de publicação (vírgula), volume e/ou ano (vírgula), fascículoou número (vírgula), paginação inicial e final (vírgula), data ouintervalo de publicação (ponto).

Exemplo: DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povosindígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia:Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v. 1, n. 1, p.85-120, ago./dez. 2003

d) Documentos consultados na internet: além dos elementosindicados em a, b e c, deve-se informar o endereço eletrônico com-pleto inserido dentro de < > (que remeta diretamente à fonte con-sultada, e não apenas à página inicial do site) e precedido de "Dis-ponível em:". Informa-se também a data de acesso, precedida daexpressão "Acesso em:" (o horário de acesso é opcional).

Exemplo: STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo AndradeCattoni; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A nova perspec-tiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso:mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Cons-titucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1498, ago. 2007.Não paginado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10253>. Acesso em: 6 nov. 2007.

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V - ANÁLISE DOS TRABALHOS

A análise dos trabalhos recebidos para publicação respeitará oseguinte fluxo:

1. Análise pelos membros do Conselho Editorial;2. Resposta ao autor, informando se o texto foi aceito (com ou

sem ressalvas) ou não;3. Remessa para a composição e diagramação;4. Publicação.

VI - ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Fe-deral – ADVOCEF

Brasília/DF:SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410 - Ed. João Carlos SaadFone (61) 3224-3020

E-mail: [email protected]

**O envio eletrônico do documento pelo e-mail pessoal doautor substitui a assinatura física da carta de encaminhamento.

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