monografia frederico benevides

103
FREDERICO BENEVIDES PARENTE Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social, Universidade Federal do Ceará, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação do Prof. Dr. Silas José de Paula

Upload: fredbenevides

Post on 06-Feb-2016

54 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Monografia apresentada ao curso de comunicação da UFC Pensamentos de montagem sobre o filme As Vilas Volantes, o Verbo contra o Vento, de Alexandre Veras

TRANSCRIPT

Page 1: Monografia Frederico Benevides

FREDERICO BENEVIDES PARENTE

Monografia apresentada ao

Curso de Comunicação Social,

Universidade Federal do Ceará,

como requisito para obtenção

do grau de Bacharel em

Comunicação Social, com

Habilitação em Publicidade

e Propaganda, sob a orientação

do Prof. Dr. Silas José de Paula

Fortaleza

2006

Page 2: Monografia Frederico Benevides

FREDERICO BENEVIDES PARENTE

Imagens Volantes: Pensamentos de Montagem no Cinema e Vídeo

Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal

do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita de acordo com

as normas da ética científica.

Monografia apresentada à Banca Examinadora

__________________________________________________

Prof. Dr. Silas José de Paula

__________________________________________________

Prof. Dr. Wellington Júnior

_________________________________________________

Profa. Dra. Beatriz Furtado

Fortaleza

2006

1

Page 3: Monografia Frederico Benevides

Esse trabalho é dedicado à capacidade de sonhar de meus pais.

2

Page 4: Monografia Frederico Benevides

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, Rubinha, minha mais nova família (Gordim, Didi, Jojô); à

grande “Equipe!“ (Ali, Mimi, Ivo, Thaís, Danilo, Wan, e toda galera do Alpendre), aos

professores que participaram do meu processo de formação; àqueles que abriram portais

para meu ingresso no mundo das imagens em movimento (Silas, Gilmar, Wellington);

Patrick (valeu a força nos 48 do segundo tempo), e Jorge Luís Borges (porque sim).

3

Page 5: Monografia Frederico Benevides

“Toda coisa que vive é um relâmpago”

Cacaso

4

Page 6: Monografia Frederico Benevides

SUMÁRIO

Resumo……………………………………………………………………………6

Abstract…………………………………………………………………………...7

Introdução…………………………………………………………………………8

Aspectos da Montagem nas imagens em movimento………………………….…10

Imagens em Movimento: Ficção, Documentário e outras Fronteiras..…………...30

Vilas Volantes – o Verbo contra o Vento………………………………………...46

Conclusão…………………………………………………………………………61

Referências Bibliográficas…………..…………………………………………....62

5

Page 7: Monografia Frederico Benevides

RESUMO

Esse trabalho é sobre mutações observadas na montagem das imagens em movimento em

suas linhas mais estudadas. É também sobre o surgimento dos gêneros cinematográficos

(ficção e documentário) e videográficos (videoarte) e como esses gêneros interpenetram-

se. Por fim, a análise do documentário “Vilas Volantes – o Verbo Contra o Vento”,

mostra como são buscados elementos de montagem nessas três (e não só aí) categorias.

PALAVRAS-CHAVE: Vídeo, Cinema, Ficção, Documentário, Montagem, Vilas

Volantes

6

Page 8: Monografia Frederico Benevides

ABSTRACT

This research is about the changes of editing process in “moving images”, found in some

of the most studied movements. It’s about the appearing of cinematographic (fiction and

documentary) and videographic (videoart) genres. The analisys on the documentary

“Vilas Volantes - o Verbo contra o Vento” is to show how the editing process is

fullfilled with those three categories (and not only) elements, in order to pass it’s

message.

KEYWORDS: Video, Cinema, Fiction, Documentary, Editing, Vilas Volantes

7

Page 9: Monografia Frederico Benevides

Introdução

O documentário brasileiro vive hoje um grande momento. Realizadores

consagrados, como João Moreira Salles (“Notícias de uma Guerra Particular), Eduardo

Coutinho (“O Fim e o Princípio”) conseguem realizar seus projetos e exibí-los em salas

de cinema em todo país. Ao mesmo tempo, novos realizadores, através de leis de

incentivo e editais, vão buscando seu espaço na formação de uma nova geração de

documentaristas do país, experimentando outras linguagens e evidenciando outros

olhares.

É dentro desse segundo grupo que surge o objeto de estudo dessa pesquisa: o

documentário “Vilas Volantes – O Verbo Contra o Vento”, de Alexandre Veras.

O vídeo teve sua realização financiada a partir da premiação em um edital de

incentivo à cultura audiovisual, o II DOCTV. Criado em 2003, o “DOCTV – Programa

de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro”, como é entitulado. O

programa encontra-se em sua terceira edição, tendo financiado até o presente momento a

execução de 61 documentários em todo o Brasil, e tem como marca a ênfase na forma de

abordagem e linguagem utilizadas pelo documentarista.

A “relevância” do tema é algo deixado a cargo da subjetividade do proponente,

com a premissa de que qualquer temática encontrada dentro do território brasileiro é

relevante para compor essa miríade cultural própria do país. Até hoje, três documentários

foram realizados no Ceará: “Borracha para a Vitória” (2004), de Wolney Oliveira,

Cumpadre Jacaré, de Firmino Holanda (2005), além do “Vilas” (2005), de Alexandre

Veras.

O edital é de iniciativa do governo federal, na gestão do Presidente Luís Inácio

Lula da Silva, levado a cabo pelo Ministério da Cultura (que tem como ministro o cantor

e compositor Gilberto Gil) e Secretaria do Audiovisual (que tem à frente o cineasta

Orlando Sena), em associação com a Tv Cultura (a qual é responsável pela exibição

nacional dos documentários, sempre aos domingos às onze horas da noite, horário de

Brasília) e a Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e

Culturais), com o apoio da ABD (Associação Brasileira de Documentaristas).

8

Page 10: Monografia Frederico Benevides

Sua realização tem como meio de exibição primário a televisão, entretanto, o

objeto de análise será uma versão de 52 minutos sem pausas para intervalos da emissora,

portanto, sem as vinhetas que marcam o início e o fim dos blocos. Essa decisão deve-se

também ao fato de que o trabalho dedica-se à aspectos formais mais próximos da

linguagem cinematográfica. Um estudo que avaliasse melhor as influências televisivas

precisaria de outras referências.

Apoiando-se no que diz Tarkovski :

“Nenhum dos componentes de um filme pode ter qualquer significado autônomo: o que

constitui a obra de arte é o filme. E só podemos falar dos seus componentes de uma forma muito

arbitrária, decompondo-o artificialmente para facilitar a discussão teórica.” (1998, p.135)

É impossível falar sobre sua montagem sem tratar das outras variantes próprias da

realização de uma obra audiovisual – da pesquisa às filmagens – assim como o “mundo

já dado” em que toma lugar o documentário.

Em um primeiro momento, serão apresentadas algumas teorias sobre montagem

cinematográfica, sua relevância, suas estratégias. Esse caminho vai até o surgimento do

vídeo e algumas modificações que o mesmo traz para a concepção de montagem dos

realizadores de então.

Em seguida, uma exploração de tênues fronteiras entre ficção, documentário e

outras formas de expressão artística que conhecem as imagens em movimento do século

XX e início deste.

A junção desses dois capítulos fornecerá o material necessário para a abordagem

do objeto, que apesar de inscrito dentro da tradição documental, apresenta traços poéticos

levados em alta conta por outras teorias da imagem cinematográfica (o cinema de poesia

de Pasolini e Buñuel, por exemplo) e videográfica (a videoarte).

9

Page 11: Monografia Frederico Benevides

Aspectos da Montagem nas Imagens em Movimento

Andrei Tarkovski, em seu livro “Esculpir o Tempo”, reafirma a ideia (que prediz

anterior, e não criação sua) de “que toda forma de arte envolve a montagem, no sentido

de seleção e cotejo, ajuste de partes e peças.” Partindo dessa premissa e aproximando-a

da imagem cinematográfica propriamente dita, vale uma digressão sobre a história da

montagem.

Consta1 que já na idade da pedra, uma pintura, o “Javali de Altamira”, possui um

artifício que dá ao observador a impressão de movimento: a pintura possui oito patas

dispostas de maneira a causar a sensação da corrida do animal. Na antiguidade, 5000 anos

antes da era atual, orientais (chineses, indianos, javaneses) criaram o que hoje é um jogo

infantil. Através de sombras projetadas pela interferência de mãos ou recortes imitando as

formas da natureza, criavam-se narrativas, acompanhadas por diálogos ou músicas, as

primeiras trilhas sonoras. Avançando ao período egípicio, Ramsés, faraó que dista 1600

anos do nascimento de Cristo, mandou executar pinturas nas colunas externas de um

templo, de tal maneira que as pessoas que passavam a cavalo podiam perceber um

movimento. Quando no Renascimento Leonardo da Vinci projeta sua câmara escura,

lança as bases para a fotografia, uma visão de captura do momento com absoluta

fidelidade está formando-se, porém, de ponta-cabeça, o que é corrigido no século XVII,

por Kircher e Milliet, que o fazem através de um jogo de lentes. O Fantascópio, do físico

e ilusionista belga Étienne Gaspard Robertson, criado em 1784, tinha a particularidade de

poder projetar em uma tela transparente toda a sorte de objetos e seres que pudessem

ficar em cima do engenho, que funcionava sobre rodas, possuindo assim uma mobilidade

que reduzia ou ampliava a imagem, dando à humanidade as primeiras noções de

obturador-diafragma.

O desenvolvimento da fotografia, em 1839, já produz uma fiel representação da

realidade2, e é a partir da “ordenação de diversas fotografias” (24 por segundo), que

surgirá o cinema. Embora por si só já fosse um amplo objeto de estudos, e existam

1 “Cinema e tv no ensino”, 1972, pág.21

2 Esse assunto será melhor abordada no terceiro capítulo, explicitando a relação de construção em jogo quando o artista retrata seu objeto.

10

Page 12: Monografia Frederico Benevides

inclusive filmes compostos apenas por fotografias (“La Jeteè, Chris Marker, 1962), o

foco aqui são as imagens em movimento.

Aproveitando-se dos estudos sobre a persistência retiniana (uma característica do

limitado olho humano, que fixa as imagens na retina por um décimo de segundo) e

ampliando-os, outro belga, este também físico (porém matemático), Joseph Antoine

Plateau constrói o Fenascistoscópio, primeiro mecanismo que tentava recompor o

movimento. Funcionava com um disco de papelão que girado em determinada rapidez,

conferia uma movimentação para as figuras estampadas em seu verso.

Chegando mais perto do que hoje é o cinema, Thomas Edson, além de inventar a

lâmpada com filamento e o fonógrafo, também produziu alguns filminhos. Seu invento, o

cinetoscópio (1891), permitia que, individualmente, pessoas assistissem esses curtos

filmes, nos quais utilizava a película de 35 milímetros, formato mais comum do cinema

até os dias atuais.

Com pretensões científicas do estudo do movimento, os irmãos Lumière (Louis e

Auguste) assombraram o mundo com sua primeira projeção em 1894: o retrato fiel de um

trem em movimento, que parecia arremeter-se contra a plateia incrédula e apavorada.

Nessa mesma ocasião, George Meliès, também boquiaberto, tenta adquirir um

“cinematógrafo” (nome da maravilhosa invenção dos irmãos franceses), e recebe um

“não” como resposta, acrescido de completo desencorajamento por parte dos Lumière,

que afirmaram não existir um público interessado em puro entretenimento com as tais

imagens em movimento.

Não satisfeito, em abril de 1896, Meliès consegue adquirir do pioneiro e inventor

inglês Robert Paul, o “bioscope”, um projetor que exibia as películas 35mm de Edson.

Aprimorando a invenção, adapta uma câmera, a “kinetograph”, iniciando sua carreira de

cineasta e mestre do ilusionismo. Cabeças que cantam depois de arrancadas do próprio

corpo do autor (que também atua em seus filmes), mudanças de fantasia tornadas

“instantâneas” por conta de fusões, anúncios que criam vida e viagens à lua e outros

lugares fantásticos, e até a encenação da cerimônia de coroação do rei da Inglaterra (que,

reza a lenda, o próprio rei teria jurado ser real) são alguns dos expedientes utilizados por

Meliès, que acaba por tornar-se o “pai” da montagem, já que de acordo com a definição

11

Page 13: Monografia Frederico Benevides

de Ismail Xavier (1983, p.15), montagem implica na “combinação de, pelo menos, dois

registros distintos.”

Phillipe Dubois caracteriza esse primeiro momento do cinema como um “cinema

primitivo”, onde o filme correspondia à própria filmagem, ou à quantidade disponível de

negativo sensibilizado. Experimentando a nova forma de “capturar o tempo”, os

realizadores da época utilizam o plano-sequência “bruto”, como em “L’entrée de train en

gare de La Ciotat”, dos Lumière (1895), ou uma montagem mínima, como Meliès em

“Viagem à Lua” (1902).

Ainda que Meliès utilizasse o corte, realizando filmes de até quatorze minutos,

ocasionando uma montagem, esta era muito rudimentar no tocante à narrativa. Sua

contribuição se dá na montagem pela elaboração que dispensava aos seus truques:

dispositivo que causavam, entre outros, efeitos de “desaparecimento”. A câmera é

colocada em um local fixo e os personagens mudam de lugar (a moça que some de dentro

da caixa em “Escamoteação de uma dama no Robert Houdini”, de 1896, por exemplo),

ou de indumentária, causando transformação (“Un Homme de Têtes”, 1897). O que

estava em jogo era a atuação e o efeito, o que leva Tom Gunning (GUNNING apud

LABAKI, 1986, p.369) a classificar esse cinema como um “cinema de atrações”, e não

um ritmo pensado para a narrativa. Os planos eram “colados” um ao outro, sem quaisquer

critérios ou dramaticidade associadas ao roteiro (que, nas palavras do próprios Meliès ao

referir-se aos seus “filmes de trucagem”: “…quanto ao roteiro, a fábula ou a história, eu

só considero ao fim.”. O que importava era a “mágica” contida ali. Além disso, era

pouca a preocupação com o enquadramento, ainda não “...concebido como gesto de

domínio complementar da montagem” (AUMONT, 2004, p.144)

Com Edwin S. Porter, a montagem ganha outro aspecto. Em “A vida de um

bombeiro americano” (1903), Porter realiza um salto, como comenta Karel Reisz: “

Porter revelou que um simples plano, registrando uma parte incompleta da ação, é a

unidade a partir da qual os filmes devem ser construídos e assim estabeleceu o princípio

fundamental da montagem”3. Porter inicia o filme com cenas reais de um incêndio, a

intenção é de dar uma maior dramaticidade a partir da veracidade, reiterada pela

alternância com planos encenados, quase todos planos de conjunto, com a exceção de um

3 Karel reisz e Gavin Millar, The technique of film editing (Bóston:Focal Press, 1968), 19

12

Page 14: Monografia Frederico Benevides

único close de uma mão puxando a alavanca de alarme de incêndio. Embora simples,

esses recursos deram à realização cinematográfica uma dimensão espaço-temporal

inédita. A partir de então, ficava provado que a combinação de planos filmados em locais

e momentos diferentes poderiam surtir efeito mais complexo que a simples soma de

imagens justapostas. Ainda em 1903, Porter realiza em “ O grande roubo de trem”, uma

montagem mais aprimorada com relação à narrativa: as ações dos diferentes planos

unidos por corte seco encontram-se já em movimento, fazendo com que o espectador

assimile a continuidade. Roubo, fuga e perseguição, no entanto, não possuem uma

contiguidade rítmica, não contribuindo para um impacto dramático.

Continuando esse momento de grande evolução dramática, chegamos a D.W.

Griffith, conhecido como o precursor da montagem cinematográfica no sentido moderno.

Várias foram as transformações operadas (transformações que contribuíram no sentido

da prática cinematográfica, vale ressaltar, já que quanto à temática, alguns de seus filmes

expunham a ideologia de um branco racista do sul dos Estados Unidos da América do

início do século XX), entre elas a alternância de “planos para criar impacto, incluindo o

grande plano geral, o close-up, inserts e o travelling; a montagem paralela e as variações

de ritmo” (Dancynger, 2003, p.5) A isso soma-se também a câmera subjetiva, como em O

Lírio partido, de 1919. Alguns exemplos dessas inovações estão em seus curtas

(Greaser’s Gauntlet, Enoch Arden, ambos de 1908), que pela drasticidade da

experimentação para época, foram ameaçados de corte pela própria empresa em que

Griffith trabalhava (Biograph). A ameaça, de valor anedótico, era com relação ao close

up do rosto de uma mulher, e seus chefes ficaram temerosos que o mesmo fosse

confundido com uma decapitação por parte do público. Em 1909 Griffith desenvolve a

montagem paralela, que consiste em mostrar duas histórias que acontecem ao mesmo

tempo, de forma que o realismo seja ressaltado, pois planos mais curtos são intercalados,

e as ações dos personagens podem ser resumidas ao essencial, passando incompletas de

um plano ao outro. O suspense também cresce, e o tempo dramático começa a impor-se

sobre o tempo real como critério para montagem (The Lonely Villa, 1909). Dois de seus

filmes são considerados clássicos e muito têm se escrito sobre eles: “O nascimento de

uma nação” (1915) e “Intolerância” (1916). Nos dois filmes, todas as inovações

perpretadas por Griffith são desenvolvidas, culminando em duas narrativas épicas em que

13

Page 15: Monografia Frederico Benevides

o grande plano geral (principalmente de belas paisagens) é imprescindível para conferir

essa grandiosidade às obras; a montagem paralela é condição sine qua non para narrar as

quatro histórias de intolerância (retiradas da própria história da humanidade: Babilônia de

Belshazzar, Jerusalém de Cristo, huguenotes na França e Estados Unidos da América da

era moderna) que são costuradas por uma mulher balançando um berço. Esse artifício foi

utilizado com o objetivo de sempre nos lembrar que as histórias são oriundas da própria

aventura humana na Terra.

Essas “regras” influenciam não só a ficção, como também o documentário da

época, como Grierson. Se a análise é preferencialmente de filmes de ficção, isso deve-se

a maior quantidade de material disponível existente em relação à montagem

cinematográfica.

Enquanto a preocupação dos cineastas de Hollywood (até os dias atuais) é a de

fazer filmes para atender uma grande indústria, assim consolidando essa forma narrativa

(adaptando o produto para que atenda à demanda industrial de entretenimento através dos

tempos, e ecoa no Brasil, em 1949, com os filmes da Vera Cruz4), acompanhando as

evoluções tecnológicas e a retração da censura, quase nada modificando em sua estrutura

desde então, utilizando como sua retórica de base a “impressão da realidade” (XAVIER,

1983, p11), um grupo de cineastas russos começa a utilizar o cinema como instrumento

de luta revolucionário.

O cinema construtivista russo notabiliza-se também pela contribuição teórica de

seus realizadores. Kulechov, Pudovkin, Vertov, Eisenstein, todos deixaram contribuições

não só em forma de filmes, mas em seus muitos trabalhos escritos e experimentos. Dentre

estes últimos, vale ressaltar o que ficou conhecido na história como “efeito Kuleshov”,

experimento realizado por Kuleshov e seu maior discípulo, Pudovkin: um ator

(Mosjukin) faz um ar inexpressivo, o mais neutro possível, e é filmado. Também são

feitos planos de um prato de sopa, de um caixão com uma mulher morta e um terceiro, de

uma criança com um brinquedo. Depois disso, o plano do ator é encadeado com os três

outros planos, um de cada vez. O resultado, nas palavras de Pudovkin: “Os espectadores

(...) sublinhando os seus sentimentos de profunda melancolia, suscitado pela sopa

4 Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Projeto burguês e industrial orientado para uma produção

baseada no trinômio “naturalismo/decupagem clássica/identificação”. (O discurso cinematográfico, p35)

14

Page 16: Monografia Frederico Benevides

esquecida, mostravam-se tocados e comovidos pelo profundo desgosto com que

considerava a morte, e admiravam o sorriso doce com que vigiava as brincadeiras da

menina”(PUDOVKIN, apud Xavier, 1983, p.153).

Pudovkin é o cineasta russo que mais critica Griffith no sentido de querer

ultrapassar sua montagem clássica intuitiva. Porém, não distancia-se de seu modelo

narrativo. Sua formulação de uma teoria da montagem é toda baseada em um maior

controle do diretor com o material coletado. Partindo da percepção griffithiana da

fragmentação da cena em planos para extrapolar o seu significado, fala de montagem a

partir do roteiro. É lá que estarão todas as indicações para que seja montado o plano, que

funciona como o “tijolo”, ou o elemento básico a partir do qual serão formados as cenas,

as quais desembocarão em sequências, que formarão, por sua vez, o filme. Porém, esse

agrupamento não pode ser aleatório. Entre as regras enunciadas pelo autor, há sempre a

preocupação com a inteligibilidade e o “aprendizado” do espectador. Uma dessas regras

diz que deve-se concentrar o máximo de letreiros para o início do filme (o cinema ainda

era mudo) e deixar o final para a ação initerrupta. Continuando, explica que para o

máximo aproveitamento dessas junções, alguns métodos para controlar a “direção

psicológica” do espectador deveriam ser observados para sua “montagem relacional” ser

efetivada: o “contraste” de situações limites (um faminto e um glutão); o “paralelismo”,

semelhante ao contraste, porém mais abrangente, no sentido de que uma imagem não

necessariamente nega a outra, mas a sublinha (um líder sindical na cadeia sentenciado à

morte com hora marcada para execução e seu ex-patrão saindo de um bar, bêbado,

minutos antes. As trajetórias são mostradas em paralelo até a hora marcada para a morte);

o “simbolismo”, com o exemplo do filme “ A Greve” (Eisenstein, 1924), onde a

repressão aos trabalhadores é pontuada por imagens de um matadouro; “simultaneidade”,

método o qual explica já ter sido usado à exaustão por filmes dos EUA, inclusive citando

o exemplo de “Intolerância”, de Griffith, e extrai sua essência da montagem paralela

inaugurada pelo mesmo. Apesar da crítica de “método puramente emocional”, reconhece

a infalibilidade de seu uso para situações de desenlace. Por último, o leitmotiv, ou

reiteração do tema, que pode ser atingido pela repetição, por exemplo. No caso

apresentado pelo autor (PUDOVKIN apud Xavier, 1983) um roteiro onde a crítica à

crueldade e hipocrisia da igreja fossem a tônica dominante, poderia-se repetir o plano de

15

Page 17: Monografia Frederico Benevides

um sino tocando vagarosamente, com letreiros superpostos: “O som dos sinos envia ao

mundo uma mensagem de paciência e amor”, carregando o tom irônico de descrença na

mensagem. Sobre seu filme “A Mãe” (1926):

“Tentei afetar os espectadores não pela interpretação psicológica do ator, mas pela síntese

plástica através da montagem. O filho está na cadeia. De repente, ele recebe a informação de que

será libertado no dia seguinte. O problema era exprimir cinematograficamente sua alegria. A

imagem de sua face se iluminando devia ser sem variação e vazio de sentido. Por isso, eu mostrei

o movimento nervoso das mãos e um grande close-up da metade inferior de seu rosto, as curvas

do sorriso. Desses planos eu cortei para diferentes materiais – planos de um rio correndo

caudaloso, a luz do sol nas águas, pássaros brincando em um lago e, finalmente, o sorriso de uma

criança. Através da reunião dessas partes, nossa expressão da “alegria do prisioneiro” tomou

forma.” (PUDOVKIN apud DANCYNGER, 2004, p.16)

No ápice da elaboração teórica sobre cinema (e principalmente sobre montagem)

do período, está Sergei Eisenstein. Comprometido com um cinema cerebral e com ideais

marxistas, Eisenstein corrobora da opinião de Tarkovski sobre a existência de montagem

nas diversas manifestações artísticas, reconhecendo uma dívida do cinema para com

todas as formas anteriores de fazer arte. Em seu texto “Dickens, Griffith e Nós”,

(EISENSTEIN, 2002a, p.176) Eisenstein recolhe indícios e afirmações do próprio

Griffith de que a evolução da montagem cinematográfica teria surgido através da obra de

Charles Dickens, que inclui além de romances, contos (Oliver Twist, Um conto de duas

cidades, entre outros), o que Eisenstein chama de um “tratado” sobre a montagem de uma

história, onde Dickens discorre sobre o teatro e os melodramas, apontando estratégias do

tipo da alternância entre as cenas trágicas e cômicas e a montagem paralela tão cara a ele

mesmo e a seu “pupilo” Griffith. O russo ainda fala do sucesso ribombante que obteve

Dickens em sua época, sugerindo Griffith como um “sucessor natural” da nova

linguagem para sociedades que organizam-se de forma semelhante (a Inglaterra vitoriana

de Charles Dickens e os Estados Unidos liberais burgueses de D.W. Griffith), usando a

própria metáfora do escritor que compara o jogo entre o trágico e o cômico com fatias

vermelhas e brancas do presunto, Eisenstein expõe a fraca dualidade cristã na qual se

baseiam as obras dos dois autores considerando-a reducionista e calcada na

16

Page 18: Monografia Frederico Benevides

incompatibilidade das camadas alternadas “brancas” e “vermelhas” – ricos e pobres. O

que é a grande qualidade de Griffith (nas palavras de Eisenstein: “...nada pode tirar de

Griffith o fôlego de um dos mestres genuínos do cinema norte-americano”)

(EISENSTEIN, 2002a, p.204), é também sua grande fraqueza, e o diretor russo não

titubeia ao afirmar o cinema russo como muito além do praticado por Griffith, devido a

uma superioridade no “espírito e conteúdo do nosso próprio país”, excluindo a

possibilidade do cinema russo ser “ um parente pobre ou devedor insolvente” do cinema

clássico engendrado nos EUA. Em Griffith, sua “limitação” é sua ideologia.

Antes disso, porém, ao formular seu primeiro artigo sobre montagem entitulado

“Montagem de atracões”, seu foco está no teatro, é diretor no Teatro Proletário de

Proletkult. A essa altura, vai distinguir dois tipos de teatro: “o narrativo-representativo,

próprio à ala direita da produção teatral e o teatro de agit-atrações, definidor da linha

correta na edificação de uma prática teatral compatível com as exigências ideológicas da

revolução” (Xavier, 1977, p.107). Aqui Eisentein já distancia-se de uma representação

naturalista, considerando o teatro que segue tal linha como não “equipado com os

recursos necessários ” (idem), pois já que limitava-se à cópia do fato e à utilização de

elementos cenográficos para criar a atmosfera necessária, “ele não seria eficiente na

discussão das implicações ideológicas daquilo que estaria representado pelo espetáculo”

(idem).

“Um novo método emerge – montagem livre, de efeitos (atrações) independentes,

arbitrariamente selecionados (fora dos limites da composição dada e das ligações entre as

personagens advindas da estória); livre, mas não sem uma visão que estabelece um certo efeito

temático final – montagem de atrações” (EISENSTEIN apud XAVIER, 1977, p.110)

E a definição de atração:

“Uma atração é qualquer aspecto agressivo do teatro; ou seja, qualquer elemento que

submete ao espectador a um impacto sensual e psicológico, regulado experimentalmente e

matematicamente calculado para produzir nele certos choques emocionais que, quando postos em

uma sequência apropriada na totalidade da produção, tornam-se o único meio que habilita o

espectador a perceber o lado ideológico daquilo que está sendo demonstrado – a conclusão

17

Page 19: Monografia Frederico Benevides

ideológica final. (os meios da cognição – “através do jogo vivo de paixões” – aplicam-se

especificamente ao teatro)” (EISENSTEIN apud XAVIER, 1977, p.110)

A partir dessa afirmação já fica clara sua intenção do uso de estratégias não

naturalistas. A adaptação da teoria para o cinema transforma-a em “método de produção

de um cinema proletário”, seguindo o princípio de Maiakovski de que sem forma

revolucionária não há arte revolucionária, Em detrimento da montagem do cinema

narrativo clássico, propõe a “montagem figurativa”, como explica Ismail Xavier:

“Uma montagem que segue o raciocínio, que compara e define significações claras. Uma

montagem que interrompe o fluxo dos acontecimentos e marca a intervenção do sujeito do

discurso através da inserção de planos que destroem a continuidade do espaço diegético, que se

transforma em parte integrante da exposição de uma idéia.” (XAVIER, 1977, p.105)

Enquanto Pudovkin trata o plano como “tijolos”, assim colaborando com a

montagem paralela dualista de Griffith no que diz respeito à narrativa, Eisenstein (que

pertencia a mesma geração de Pudovkin, e chega a narrar alguns encontros onde reuniam-

se para discutir preocupações formais, o que acontecia sempre) vê o plano como célula da

montagem, que só pode realizar-se através do conflito. Em “Fora do quadro”, um dos

textos de “A Forma do Filme”, há a descrição (do próprio autor) de um fragmento de

papel amarelado e amassado, onde pode-se ler “Ligação-P” e “Colisão-E”. Isso ilustra a

querela existente entre os dois companheiros. Por “Ligação”, está enunciado o

pensamento de Pudovkin com relação à junção dos planos, enquanto “Colisão”, além de

ser a maneira como os planos vão ser justapostos (termo de sua preferência), é a própria

condição essencial da arte para Eisenstein. “Arte é sempre conflito, de acordo com sua

metodologia”(EISENSTEIN, 2002a, p.52). O cineasta admite a ligação, mas apenas

como uma das possibilidades. Fazendo uma comparação com a física, fala das infinitas

combinações que podem ocorrer depois de um impacto de esferas. Pode então existir um

caso “em que o impacto é tão fraco que a colisão é reduzida a um movimento regular de

ambos na mesma direção” (idem). E essa fraca colisão é o que seria a “ligação” de

Pudovkin, que, tempos depois, passa a concordar com o ponto de vista de Eisenstein.

18

Page 20: Monografia Frederico Benevides

Então plano e montagem são os elementos básicos do cinema soviético

personificado por Eisenstein. Dessa forma, o plano também é encarado sob a ótica do

conflito:

“ Conflito dentro do plano é montagem em potencial que, no desenvolvimento de sua

intensidade, fragmenta a moldura quadrilátera do plano e explode seu conflito em impulsos de

montagem entre os trechos da montagem. Tal como, num ziguezague de mímica, a mise-en-scène

esparrama-se em um ziguezague espacial com a mesma fragmentação.” (EISENSTEIN, 2002,

p.43)

A essa afirmação seguem os possíveis conflitos “cinematográficos” dentro do

quadro: conflito de direções gráficas (linhas – ou estáticas ou dinâmicas), de escalas, de

volumes, de massas (volumes preenchidos com várias intensidades de luz), de

profundidades. A esses principais, somam-se os que “exigem apenas um impulso

adicional de intensificação antes de formarem pares antagônicos de fragmentos”:

conflitos de primeiros planos e planos gerais; fragmentos de direções graficamente

variadas, resolvidos em volume com fragmentos resolvidos em área; fragmentos de

escuridão e claridade. Finalizando, propõe “conflitos inesperados”: entre o objeto e sua

dimensão; entre o evento e sua duração. Esses últimos obtidos respectivamente, através

do uso de uma lente oticamente distorcida (uma grande angular poderosa dá esse efeito),

e com o uso da câmera lenta ou câmera parada.

Embora isso ainda não esgote a discussão sobre o plano e a imagem

cinematográfica, nos dá uma pista da direção escolhida por Eisenstein em suas

elaborações: o estranhamento em detrimento da conformidade burguesa e a possível

afinação (inclusive formal) do cinema com outras artes, estudar os processos criativos de

outras modalidades artísticas, já que “construir a cinematografia a partir “da idéia de

cinematografia” e de princípios abstratos, é bárbaro e estúpido”, e que “...não será nos

cadáveres de obras cinematográficas desgastadas que examinaremos os processos de

produção dos nossos próprios trabalhos”(idem, p.90). Para tanto, eram frequentes

também suas analogias do cinema com a música, já que apesar de não ser

necessariamente uma representação da realidade, desperta sensações humanas as mais

variadas, a partir de sua linguagem própria, inteligível a qualquer ser humano.

19

Page 21: Monografia Frederico Benevides

Eisenstein vai além do campo da arte, chega a relacionar teóricos da língua que

confirmam, de certa forma, seu ponto de vista sobre a elaboração da montagem. Aqui é

reproduzido um trecho escolhido por Eisenstein de Ivan Meshchaninov, acadêmico russo,

que fala sobre o idioma:

“Palavra e sentença aparecem como produto da história e estão longe de ser identificadas

com a longa época de sons guturais. São precedidas por um estado de desintegração, até hoje não

detectados nos componentes dos idiomas incorporados.

Fragmentadas em suas partes componentes, as palavras-sentenças mostram uma unidade

entre as palavras originais e sua combinação no complexo sintático da sentença. Isto adquire uma

diversidade de possibilidades de expressivas combinações de palavra...

Os embriões da sintaxe, previamente estabelecidos, existiam na forma latente de

palavras-sentenças incorporadas, que, mais tarde, durante sua decomposição, foram projetadas

para fora. A sentença parecia ter sido fragmentada em seus elementos principais, isto é, a

sentença é criada como tal pelas leis da sintaxe...” (MESHCANIOV apud EISENSTEIN, 2002a,

p.207)

Aqui, “palavra” equivale a “plano”, e “palavra-sentença” a “montagem”, de onde

parte Eisenstein: “ Assim é dividida uma unidade de montagem – a célula – numa cadeia

múltipla, que é novamente reunida numa nova unidade – na frase de montagem, que

personifica o conceito de uma imagem do fenômeno.” Também aos idiomas japonês e

chinês e ao hai-kai recorre o diretor, esclarecendo que em todos os mecanismos citados

anteriormente há a composição de um significado abstrato através da junção de suas

respectivas e particulares “células” (os ideogramas e os versos). Para ilustrar, entre os

inúmeros exemplos que cita em “Uma inesperada junção” (A Forma do filme, p27), há o

dos ideogramas independentes “boca” e “criança”, que juntos, significam “gritar”.

Mais adiante, formula sua teoria definitiva sobre a montagem, a “montagem

intelectual”. A respeito dessa teoria, e debruçando-se sobre as anotações de um filme

nunca realizado, O Capital, discorre Ismail Xavier:

“Nas notas para a filmagem de O Capital, o cinema intelectual define-se de um modo

distinto. Afirma-se como explicitação de uma modalidade de raciocínio, como tática de

20

Page 22: Monografia Frederico Benevides

provocação a partir de atrações calculadas, mas não está aí implicada a liberação total frente aos

vestígios narrativos. Nessas notas, ele acha necessário partir de uma situação básica, tomada

como pretexto para a discussão desenvolvida pelas imagens.” (Xavier, 1977, p. 108)

O que estava em jogo aqui era a “exposição de um processo mental”: o

pensamento dialético em processo. Em Outubro, exemplificado pela sequência da marcha

de Kornilov sobre Petrogrado, sob o lema “ Em nome de Deus e do País”. Nessa famosa

sequência, várias imagens de deuses de diferentes religiões vão sendo justapostas,

começando com um Cristo barroco. Gradualmente, a imagem mostrada afasta-se da idéia

preconcebida de “Deus”, pois as imagens mostradas a seguir correspondem a

representações que não fazem parte da cultura local, como um ídolo esquimó. “ Neste

caso, também, uma cadeia de imagens tentou obter uma solução puramente intelectual,

resultante de um conflito entre uma preconcepção e um descrédito gradual dela através de

pessoas propositais” (EISENSTEIN, 2002, p69).

Noel Burch, em seu “Práxis do Cinema”, menciona o que considera uma das

maiores contribuições de Eisenstein: “a estruturação da montagem em função de planos

sucessivos, principalmente no que se refere a uma série de planos mostrando o mesmo

tema sob ângulos sucessivos”. Outra observação diz respeito ao raccord, que Burch

define como sendo “qualquer elemento de continuidade entre dois ou mais planos” e é o

equivalente ao “conflito” de Eisenstein (1969, p.30). Burch considera, então o diretor

russo como o primeiro a recorrer a esse expediente, e revela a origem do procedimento

entre os anos 1905 e 1920, como a tentativa de preservar a ilusão do espaço do proscênio

teatral. Assim, os raccord podem referir-se a pessoas ou objetos, ao espaço e ao tempo.

Burch relaciona quinze tipos fundamentais de mudança de plano através dos parâmetros

temporais e espaciais. Entre os mais utilizados, há o “raccord de olhar”, explicitado pela

situação de dois personagens que, ocupando o mesmo espaço, olham-se, separados por

dois planos diferentes. Se o personagem da esquerda olha para direita, o outro deve olhar

para esquerda, causando no espectador a impressão automática da troca dos olhares. Já o

“raccord de direção” consiste em fazer com que o movimento continue quando da

mudança de plano: um personagem que sai do quadro caminhando pelo lado esquerdo,

deve entrar pelo lado direito do próximo quadro.

21

Page 23: Monografia Frederico Benevides

Eisenstein não só consolida o raccord como também utiliza o “falso raccord”

(uma vez que o naturalismo nunca foi seu objetivo), que cria um espaço de ambiguidade

ao, por exemplo, não prender-se completamente às distâncias entre os padres que rezam

numa capela durante a falsa agonia de Ivan, o Terrível (Ivan, o Terrível, 1941). Nesse

plano, o escuro predomina, com a exceção de um ícone iluminado. A cada corte, o ícone

está em posição e distancia focal diferentes, contrastando com os padres, que formam

massas escuras. Aqui encontra-se ilustrado o conflito de “claros e escuros” a que

Eisenstein refere-se. Outras estratégias de montagem que geralmente estão ligadas ao

“falso raccord” são as elipses (um “salto” no tempo, que continua), os flashbacks e os

flashforwards, que significam, respectivamente, uma volta no tempo e um avanço no

mesmo, ambos obrigatoriamente relacionados com um tempo presente, ao qual retornam.

Essa associação com o “raccord” deve-se ao uso convencional de um primeiro plano de

um personagem seguido de um plano de conjunto, onde o mesmo personagem encontra-

se em outra situação, em outro tempo.

Outro russo que coloca a montagem no centro de suas discussões teóricas é Dziga

Vertov. Mais radical que seus contemporâneos mencionados, rompe completamente com

o estilo narrativo clássico, a representação naturalista e quaisquer “contaminações”

advindas de outras artes. Para os “KINOKS” (grupo do qual fazia parte e era fundador), a

busca da verdade através da experiência cinematográfica era a missão maior a que

destinava-se a arte cinematográfica. Em “Extrato do ABC dos KINOKS”, de 1929

(presente em “A Experiência do Cinema, de Ismail Xavier), há as leis básicas de

realização usadas em “O Homem com a câmera” (1929) e “Câmera-Olho” (ambos de

Vertov): “Todo filme do “Cine-Olho” está em montagem desde o momento em que se

escolhe o tema até a edição definitiva do material, isto é, ele é montagem durante todo o

processo de sua fabricação.” (Vertov apud XAVIER, 1983, p.263)

Em seguida são definidas três fases: a primeira elenca todos os dados documentais

(podemos observar desde sempre a preocupação com a verdade, pravda em russo) que

tenham alguma relação com o tema que será tratado no filme. Só com essa reunião (da

qual podem fazer parte manuscritos, objetos, imagens de arquivo, fotografias, jornais, ou

qualquer outro material) é que o tema se revela, “se monta”. A segunda fase é a filmagem

propriamente dita, que é formada pela observação humana seguida da observação pelo

22

Page 24: Monografia Frederico Benevides

“cine-olho” (a câmera), contando com todas as suas limitações e vantagens sobre o olho

humano. A terceira então, é o que denomina “montagem central”, e assim a define:

“Resumo das observações inscritas na película pelo “cine-olho”. Cálculo cifrado dos

grupos de montagem. Associação (adição, subtração, multiplicação, divisão e colocação entre

parênteses) dos trechos filmados do mesmo tipo. Permuta incessante desses pedaços-imagens até

que todos sejam colocados numa ordem rítmica em que os encadeamentos de sentido coincidam

com os encadeamentos visuais. Como resultado final de todas essas junções, deslocamentos,

cortes, obtemos uma espécie de equação visual, uma espécie de fórmula visual. Esta fórmula, esta

equação, obtida a partir da montagem geral dos documentos registrados sobre a película, é o filme

cem por cento, o extrato, o concentrado do “eu vejo”, o “cine-eu vejo”. (Vertov apud XAVIER,

1983, p.263)

A partir dessa afirmação e de fortes expressões como “a batalha da montagem”,

“montagem ininterrupta”, pode-se perceber a seriedade com que era encarada a

montagem para Vertov e seus correlatos. A vontade de estabelecer um sistema de

imagens que pudesse ser universal afastava-o, por um lado da narrativa propagada por

Pudovkin, de influência griffthiana. e por outro, da “montagem intelectual” de Eisenstein,

que considerava elitista. O que aproxima os KINOKS de Eisenstein é a noção de

continuidade, que se dá, no corte, através da observância dos enquadramentos,

movimentos no interior nas imagens, correlação de luzes e sombras, volumes, etc.

Ainda no período mudo, um destaque tem que ser dado à Luís Buñuel nos dois

filmes que realizou com o pintor surrealista Salvador Dali. Renunciando à narrativa e à

montagem clássicas, Buñuel descarta a montagem convencional para ligar suas imagens

de cunho oniríco. Frustando as expectativas do público, Um Cão Andaluz (1929) e L’age

D’or (1930), justapõe imagens que se propõe a não significar absolutamente nada, e se

encontram-se unidas, é só por meio da montagem com efeito plástico (Xavier, 1977,

p.95).

“Começa então na tela, e no interior da pessoa, a incursão pela noite do inconsciente;

como no sonho, as imagens aparecem e desaparecem mediante fusões e escurecimentos; o tempo

e o espaço tornam-se flexíveis, prestando-se a reduções ou distenções voluntárias; a ordem

23

Page 25: Monografia Frederico Benevides

cronológica e os valores relativos da duração deixam de corresponder à realidade; a ação

transcorre em ciclos que podem abranger minutos séculos ou séculos; os movimentos se

aceleram.” (BUÑUEL apud SAVERNINI, 2004, p.63)

Pasolini concorda com Buñuel no sentido em que um verdadeiro “cinema de

poesia” (oposto ao “cinema de prosa”, que é o da narrativa clássica) deveria harmonizar

forma e conteúdo da melhor forma possível. No caso, um filme de um sonho, não poderia

ser materializado de outra forma. Pasolini diferencia dois momentos (que não se excluem

na realização do filme) da montagem: denotativa e conotativa. A primeira como sentido

relacional mesmo entre as imagens na sua justaposição; a segunda, além da síntese entre

os planos, cria diferentes ritmos de acordo com a situação (suspense, tensão,

tranquilidade) proposta:

“... tudo no cinema é reproduzido da realidade, mas não o são os ritmos que apenas por

acaso coincidem com os do real. É nos ritmos, por conseguinte, ou seja, na montagem, que se

pode sobretudo falar da arbitrariedade e de convencionalidade no que se refere à língua do

cinema. “ (PASOLINI, 1975, p.54)

Alguns experimentos também foram propostos por artistas esparsos ou integrados

em vanguardas cinematográficas, como Fernand Lèger, por exemplo, em “Ballet

Mecanique” (1924), Duchamp, com “Anemic Cinemà” (1926) Joris Ivens (“The

Bridge”, 1928), Oskar Fischinger (animação, “Studie nr. 9”). Nesses experimentos, as

normas de montagem clássicas são desafiadas e a presença do artista faz-se notar. Uma

liberdade maior do autor é o que pode ser percebido.

A essa estilização da montagem, seguiu-se o que Noel Burch denomina de “grau

zero do estilo cinematográfico”, e completa: “pelo menos no que diz respeito à mudança

de plano”. Burch associa isso à evolução das técnicas de decupagem, ao advento do

cinema sonoro e ao “falso pressuposto de que o cinema seria um meio de expressão

realista”, calcado muito em parte na literatura. A montagem perfeita agora é a que torna o

corte imperceptível, retirando do repertório dos cineastas o “falsos raccord” e o “raccord

pouco claro, pois os mesmos indicam uma descontinuidade na mudança do plano,

causando uma ambiguidade não desejável para um cinema que quer representar o real. O

24

Page 26: Monografia Frederico Benevides

corte de um plano ao outro é realizado por razões estéticas não definidas, de

conveniência, chegando quase a abolí-las (como em Festim Diabólico, de Hitchcok). O

ideal seria, em sua opinião, uma montagem que não fosse apenas plástica, porém também

não exclusivamente semântica, ou seja, de causa e efeito, mas uma montagem que unisse

os dois fatores, transformando-se em uma poética (Burch, 1969, p. 15)

O advento do som quando surge no cinema (1927, com “O Cantor de Jazz”)

desvia as atenções da montagem da imagem para a difícil tarefa que era a gravação

sonora com os limites tecnológicos da época. Nos primeiros filmes sonoros, devido às

dificuldades técnicas, há sequências mudas e sonoras alternadas. É o caso de “M, O

Vampiro de Düsseldorf” (1931) de Fritz Lang e “Chantagens e Confissões” (1929), de

Hitchcock. Por uma lado, os cineastas russos prontamente defendem o assincronismo da

imagem com o som, único método pelo qual não seria deturpada a mensagem passada

pela imagem, servindo assim como mais uma ferramenta na montagem criativa do filme.

Outros cineastas, como Basil Wright e Alberto Cavalcanti, defendem o uso do som para

criar uma nova realidade, neutralizando o realismo dos diálogos introduzindo ruídos,

efeitos, narrações e música.. Havia um temor que o cinema se tornasse um “teatro

filmado”, de cunho excessivamente naturalista.

A emergência do neo-realismo italiano, traz outra contribuição para a discussão

sobre o “específico cinematográfico”. Bazin, um de seus principais defensores, ajuda a

difundir a noção de montagem como ilusão, como forma de deturpar a realidade, inimiga

então, da verdade a que se deveria prestar a revelação proporcionada pelo cinema.

Ao invés disso, longos planos, sem interrupção. “Ladrões de Bicicletas” 1948,

“Umberto D” 1951, (ambos de De Sicca) e Stromboli (1949, Rosselini), são exemplos de

como a preocupação com a significação da montagem vai ficar em segundo plano, vale

mais o estado interior dos personagens, e o que é revelado pela sua observação. Esse

estilo vai influenciar os “cinemas-novos” na América Latina, e a tradição documentarista,

com o surgimento do “cinema verdade” (que, por sua vez, influencia a nouvelle-vague) e

do “cinema direto”, como melhor observado no capítulo sobre ficção e documentário. A

crítica à montagem é voraz, não mais impulsionada pelo tipo de imagens encadeadas,

mas pela própria manipulação inerente ao ato de montar, que roubaria a “duração

concreta da ação”, como diz Rosselini.

25

Page 27: Monografia Frederico Benevides

Na nouvelle-vague, uma contribuição significativa e que quebra a impressão de

continuidade do filme clássico, é o “jump cut”, que consiste simplesmente na quebra do

eixo ou descontinuidade da ação na passagem de um plano ao outro. Essa técnica também

lembra o espectador que tudo trata-se de um filme, frusta a ilusão de realidade oferecida

pelo espetáculo. É um estilo desenvolvido com influências do cinema verdade, com

paródias de reportagens, ou a “voz oficial” Foi bastante utilizado por realizadores dessa

vanguarda para afrontar o que se tinha até então no cinema. Hoje o “jump-cut” é um

recurso utilizado em muitos filmes, e o espectador já consegue perceber uma

continuidade, tornando-se mais uma ferramenta de montagem.

Um cineasta que não está inscrito em nenhuma dessas vanguardas e merece

atenção por suas ponderações sobre a realização cinematográfica é Andrei Tarkovski.

Crendo num cinema mais espiritual, em um estatuto de verdade emanado pela imagem

cuidadosamente observada, Tarkovski acredita não na montagem como impressora do

ritmo de um filme, mas no tempo dedicado à cada imagem: “Embora a junção dos planos

seja responsável pela estrutura de um filme, ela não determina seu ritmo, como se

costuma pensar.” (2002, p.138) À montagem, Tarkovski associa métrica, e ao tempo das

tomadas, ritmo:

“O tempo específico que flui através das tomadas cria o ritmo do filme, e o ritmo não é

determinado pela extensão das peças montadas, mas, sim, pela pressão de tempo que passa por

elas. A montagem não pode determinar o ritmo (nesse aspecto, ela só pode ser característica do

estilo); na verdade, o fluxo do tempo no filme se dá muito mais apesar da montagem do que por

causa dela. (...) O tempo, impresso no fotograma, é quem dita o critério de montagem, e as peças

que ‘não se montam’ – que não podem ser coladas adequadamente – são aquelas em que está

registrada uma espécie radicalmente diferente de tempo. Não se pode, por exemplo, colocar

juntos o tempo real e o tempo conceitual, da mesma maneira como é impossível encaixar tubos de

água de diferentes diâmetros. (...) De que modo o tempo se faz sentir numa tomada? Ele se torna

perceptível quando sentimos algo de significativo e verdadeiro, que vai além dos acontecimentos

mostrados na tela; quando percebemos, com clareza, que aquilo que vemos no quadro não se

esgota em sua configuração visual, mas é indício de alguma coisa que se estende para além do

quadro, para o infinito: um indício de vida.” (2002, p.138)

26

Page 28: Monografia Frederico Benevides

Esses preceitos serão de fundamental importância na análise do objeto, já que a

apreensão da superfície dos objetos é parte do processo observado no filme.

Octavio Paz, em “Signos em Rotação”, diferencia ritmo e métrica e, embora fale

de poesia escrita, seus conceitos elucidam a questão para que não fique parecendo que

para alcançar um ritmo, haja necessariamente implicada uma adesão forçada a qualquer

tipo de combinação axiomática de planos:

“Sustentar que o ritmo é o núcleo do poema não quer dizer que este seja um conjunto de

metros. A existência de uma prosa carregada de poesia e de muitas obras corretamente

versificadas e absolutamente prosaicas, revelam a falsidade dessa identificação. Metro e ritmo

não são a mesma coisa. Os antigos retóricos diziam que o ritmo é o pai da métrica. Quando um

metro se esvazia do conteúdo e se converte em forma inerte, mera casca sonora, o ritmo continua

engendrando novos metros. O ritmo é inseparável da frase; não é composto só dde palavras

soltas, nem é só medida ou quantidade silábica, acentos e pausas: é imagem e sentido. Ritmo,

imagem e significado se apresentam simultaneamente, em uma unidade indivisível e compacta: a

frase poética, o verso. O metro, ao invés disso, é uma medida abstrata e independente da imagem.

A única exigência do metro é que cada verso tenha as sílabas e os acentos requeridos. (...) O

ritmo, pelo contrário, jamais se apresenta sozinho; não é medida, mas conteúdo qualitativo e

concreto.” (2005, p.13)

Tarkovski diz que no cinema, esse ritmo é criado pela “pressão interior dentro dos

quadros”, pela vida do objeto visivelmente registrado no fotograma.”

Fica patente então a impossibilidade da sistematização do conjunto total das

imagens em movimento feitas e do porvir. Fórmulas clássicas ou vanguardistas, todas

precisam atentar para o “mundo já dado”, como aponta a fenomenologia. E uma grande

revolução ocorre com o surgimento das imagens eletrônicas e suas poéticas.

No período pós-guerra ganha força a televisão. Agora, as pessoas não precisavam

mais sair de casa para obter um entretenimento com as imagens e movimento, o que gera

uma evasão das salas de cinema. Na década de 60, começa a exibir filmes também, por

ocasião do desenvolvimento de outra forma de gravar imagens em movimento, o

videotape, em 1952, no Japão; até então, tudo que era emitido pelos estúdios de televisão

era feito ao vivo, praticamente sem registro. O diálogo do cinema com o vídeo é intenso,

27

Page 29: Monografia Frederico Benevides

e hoje pode-se inclusive gravar com câmeras de vídeo de alta definição (HDTV) e

transformar em película (transfer), dificultando muito ao espectador (e mesmo aos

profissionais da área) diferenciar uma produção realizada toda em negativo de uma

apenas finalizada em película.

Anterior a esse momento contemporâneo, no entanto, e junto com a popularização

do vídeo, surgem os artistas que se utilizam do suporte em suas poéticas. Num primeiro

momento, a maioria era de artistas plásticos, como seu precursor, Nam June Paik: “não é

a imagem que me interessa (nem sua verdade), mas as condições técnicas e materiais de

sua fabricação”5. Mais tarde, surgem artistas que vão encontrar no vídeo o melhor (mais

acessível também, sem dúvida) meio de expressão, videastas. No rastro da invenção e do

experimento, essa modalidade da criação com as imagens em movimento subverte as

regras usuais de perspectiva, volume e “espessura” da imagem. Além da visível alteração

no produto final, o processo também é afetado, pois a montagem vai acontecendo, em

muitos casos, junto com a gravação. Como sentencia Phillipe Dubois: “Enfim, as noções

de filmagem e montagem enquanto operações específicas (a exemplo de várias outras

advindas do cinam, como plano, espaço-off, regras de corte...) devem ser revistas e

redefinidas quando se trata de vídeo.”

No que se refere propriamente à montagem em comparação ao cinema, pode-se

observar algumas profundas modificações. Enquanto o cinema utiliza-se de seus planos

em ordem sucessivas, o vídeo pode, com a “montagem vertical”, adicionar camadas

infindáveis a uma mesma imagem. Há aí uma desvalorização do espaço “fora da tela”, já

que o plano e o contra-plano de um mesmo personagem, estão lá, ao mesmo tempo, e já

não há a necessidade primordial desse mesmo personagem sair do plano por nenhum dos

lados, pode facilmente surgir do interior da mesma imagem. É o que Phillipe Dubois

chama de uma imagem “totalizante”

“O modelo abstrato (e matemático) desta lógica visual do vídeo poderia ser encontrado

na lógica de visualização dos fractais: mergulhamos aí até o infinito, como numa zoom-in (ou

out) interminável (aliás, o zoom digital e por compressão realiza efetivamente isto). Estamos em

um universo que absorve e regurgita tudo, estamos em um mundo sem limite, e portanto, sem

5 http://www.eavparquelage.org.br/30anos.htm

28

Page 30: Monografia Frederico Benevides

espaço off, já que ele contém em si mesmo (em sua matéria de imagem, em seu corpo interior) a

totalidade do universo” (2004, p. 129)

Outra característica dessa “mixagem de imagens” é a incrustação (ou chroma-

key), que possibilita que um objeto seja filmado em um fundo verde (ou azul, depende da

coloração do próprio objeto, pois a cor do fundo será suprimida), e depois reaplicada em

qualquer outro lugar. Bill Viola, por exemplo, faz um passeio turístico pelas escadarias de

Odessa do “Encouraçado Potenkim” de Eisenstein. A hibridização começada pelo vídeo e

amplificada com as imagens informáticas, é um processo sem volta, que transforma o

cinema e a história das imagens em movimento.

A montagem do vídeo acontece em ilhas de edição cada vez mais avançadas.

Computadores poderosos substituem o trabalho extremamente manual das moviolas e dos

laboratórios. As imagens, dispostas na “linha do tempo” (timeline, no original) dos

programas desenvolvidos para a montagem de uma obra audiovisual, parecem peças de

um quebra-cabeça, e as possibilidades são inesgotáveis. Pode-se mudar desde a cor, a luz,

ou no caso de programas mais avançados, mudar as feições de um rosto. É difícil resistir

à tentação de manipular todos esses pixels6, que diferente das partículas invisíveis que

desprendem-se dos corpos, ferindo nossos olhos e nos fazendo enxergar (como queria

Lucrécio e reafirma Locke mil e setecentos anos depois), podem adiquirir a conformação

desejada pelo manipulador. É nesse cenário em que pode-se “tudo”, que alguns

realizadores vão marcar sua passagem na história através de narrativas nas quais não

fique patente apenas o efeito estético das novas tecnologias (que, na passagem de tempo,

mostram-se logo “velhas”, ultrapassadas), mas que antes, a técnica sirva à poética.

Imagens em movimento:

6 unidades mínimas que compõe a imagem eletrônica digital

29

Page 31: Monografia Frederico Benevides

Ficção, Documentário e Outras Fronteiras

“Descobri aos seis anos que quase tudo no mundo era falsificado,

elaborado por espelhos. Desde então, sempre quis ser mágico.”

Orson Welles

O autor da frase que abre esse capítulo foi um mestre no que refere-se explorar

regiões de fronteiras, principalmente entre ficção e documentário. Desde o episódio da

“guerra dos mundos”, quando, em um programa de rádio anuncia a invasão de Nova

Jersey por alienígenas causando um rebuliço total na cidade, até forjar cinejornais,

notícias e personagens (re)afirmados como reais para suas ficções. No início de seu filme

“Verdades e Mentiras” (“F for Fake”), o próprio diretor, atuando, incorpora a

frontalidade próprias do jornalismo televisivo e do documentário e dá seu testemunho em

prol da veracidade dos fatos. Com a ironia que lhe é própria, usa depois letreiros onde se

lê em letras garrafais: “FOR THE NEXT HOUR, EVERYTHING IN THIS FILM IS

STRICTLY BASED ON THE AVAILABLE FACTS7”, com a sua voz em off, dizendo:

“agora, por escrito”. Welles não limita-se à temática, faz uso ainda de diferentes texturas

de imagem, misturando filmagens em 35mm e 16mm, câmeras fixas e câmeras na mão

“documentais”, e toda sorte de enquadramentos improváveis. Seu trabalho inteiro é

marcado pela ambiguidade. Essa também é uma das marcas da imagem pós-moderna,

como enunciado no trabalho de Maria Beatriz Furtado Rhade e Flávio Vinícius Cauduro:

“Há uma tendência nas imagens pós-modernas de cultivar a ambiguidade, a polissemia, a

indeterminação, o que vem gerando uma outra concepção para os mitos contemporâneos. Os

mitos sacralizados do passado são revisitados por uma concepção heterogênea na representação

iconográfica, devido ao pluralismo transformador dos sonhos de muitas culturas, quase fundidas

numa só, frente à globalização dos meios de comunicação.” 8

7 “NA PRÓXIMA HORA, TUDO NESSE FILME É ESTRITAMENTE BASEADO EM FATOS DISPONÍVEIS”8 RAHDE, M. B.; CAUDURO, F. V. “Algumas características das imagens contemporâneas”,

2005. Revista Fronteiras – estudos midiáticos.. Unisinos. .

30

Page 32: Monografia Frederico Benevides

Bill Nichols, em “Introdução ao Documentário”, afirma: “A definição de

“documentário” é sempre relativa ou comparativa. (…) o documentário define-se pelo

contraste com filme de ficção ou filme experimental e de vanguarda.”

Afastando-se desse olhar estruturalista, em seu artigo “A direção do olhar”,

presente no livro “O Cinema do Real”, Eduardo Escorel comenta o caso do cineasta

brasileiro Leon Hirszman (Eles não usam black-tie, São Bernardo) e sua consideração

sobre a diferença entre ficção e documentário, caracterizando-os como “duas direções

distintas do olhar”, sendo o primeiro um olhar “para dentro” e o segundo um olhar “para

fora”.

O gradual desaparecimento dessa rígida dicotomia (que em “Imagens do

inconsciente”, 1984, já não se verifica) por parte do cineasta, pode ser já vista em “São

Bernardo”, em duas sequências: na primeira, Paulo Honório anda pela feira oferecendo

redes e uma imagem de santo; e na segunda sequência, Paulo Honório realiza seu

monólogo conclusivo. Sobre o monólogo, Escorel: “Primeiro, na reencenação do canto

lancinante do trabalho, fonte de inspiração para a trilha sonora do filme, depois nos

planos documentais em que os moradores da fazenda encaram a câmera.”

Para explicar o que significa o olhar “para dentro” da ficção, Escorel recorre,

entre outros, a Welles. Refere-se ao momento em ques está reunindo a matéria mediante a

qual desenvolverá a criação ficcional de “Cidadão Kane”. Welles partiu de

reminiscências9 a respeito de um magnata das comunicações (Hearst), dono de uma

grande rede de jornais e que era amigo de seu pai, Richard Welles. Além dessa

proximidade, Welles tem contato com outras pessoas próximas ao jornalista, e compõe

uma livre adaptação da trajetória de Hearst – biografia caleidoscópica a que só temos

acesso por meio de declarações feitas por pessoas próximas, amigos, empregados, em

suma, personagens secundários. A narrativa utiliza-se de reportagens, investigações,

imagens de arquivo, reconstituições. Tudo ficcionado, ou, encenado. Uma pergunta

atravessa o filme: o que significa “Rosebud”, a última palavra que o magnata pronunciou

antes de morrer, na sequência inicial. O que gera um paradoxo no filme é o fato de que o

9 Luiz Nazário, em seu artigo ”É tudo mentira! Redescobrindo Orson Welles.”, publicado em “Estudos de Cinema” org. SOCINE. 2000, p.271

31

Page 33: Monografia Frederico Benevides

magnata encontrava-se sozinho na hora em que pronuncia a derradeira palavra10, e só

depois de expirar é que entra a enfermeira, cobrindo o corpo inerte. No entanto, o assunto

é de conhecimento geral.

Ou seja, um recorte da realidade é elegido como tema, porém, a objetividade com

relação ao tratamento do tema fica em segundo plano, enquanto é privilegiada a

subjetividade do próprio autor. Uma crítica severa é feita aos meios de comunicação de

massa, sem que os “denunciados” fiquem explicitados. O procedimento utilizado por

Welles aproxima-se do utilizado por Leon Hirszman, como declara a respeito de seu

primeiro filme de ficção (Pedreira de São Diogo, 1983). Hirszman “tirava da realidade” a

imagem que já estava “nele, na sua cabeça”, partindo então, de um olhar “para dentro”

mesmo precedido de um olhar “para fora”: o ambiente e o outro.

Essa insistência em demarcar uma fronteira tão rígida é tida por Escorel como

uma mostra do que se acentua como “o atraso relativo do cinema brasileiro dessa época”,

já que essa interpenetração ficção-documentário já era recorrente há muito. Mas aqui

mesmo existem os filmes do Cinema Novo, com “Terra em Transe”, de Glauber Rocha,

por exemplo, que recorre a alegorias e cria um país imaginário, “Eldorado”, para expor a

situação brasileira da época.

O exemplo que seria o precursor cinematográfico a tornar tênue essa fronteira,

segundo Escorel, é “Nanook do norte”(1922), de Flaherty. O filme de Flaherty conta a

história de uma família inuit que vive no Àrtico, sua luta pela sobrevivência e sua cultura.

Para realizar o filme, o diretor contava com suas lembranças de viagens anteriores,

quando chegou a filmar com Nanook, mas perdeu os negativos, voltando para refazer o

filme, quando testemunhou certos procedimentos que já não eram os mesmos da época da

primeira filmagem. Dormir em iglus e caçar com arpões fazem parte desses

procedimentos que ficaram obsoletos frente à tecnologia trazida entre outros, pelo

financiador do filme. Seu patrocinador é Revillon Freres, comerciante de peles, dono de

um comércio local e aparece distribuindo gulouseimas e objetos para Nanook,

convidando inclusive a família para jantar. No entanto, em nenhum momento a família

“pensa” em, por exemplo, adquirir um rifle para a caça (o método da época). Como essas,

uma série de situações são propostas por Flaherty, culminando no “documentário

10 idem

32

Page 34: Monografia Frederico Benevides

prototípico” a que alude Nichols. Escorel, por sua vez, que afirma “embora seja uma

encenação, o resultado pode dar a impressão de documentário”. Essa discordância

oberva-se apenas em parte, e ajuda a perceber como é controversa um distinção completa

entre os gêneros.

Bill Nichols, assim refere-se ao filme:

“A ênfase numa família nuclear, reunida para o filme, e nas habilidades de Nanook como

caçador – apesar do fato de que a maioria dos esquimós na década de 1920 já não se fiassem nas

técnicas tradicionais mostradas no filme, por exemplo – pertence ao cinema de satisfação de

desejos: é uma ficção sobre o tipo de povos e culturas que alguém como Flaherty deseja encontrar

no mundo” (1998, p.30)

Mais na frente, Nichols refere-se ao filme de Flaherty como “documentário

prototípico”. Ao falar do seu conceito de “voz” no documentário, o teórico recorre mais

uma vez ao “Nanook do norte”, pondo em cheque a honestidade da “objetividade” do

documentário:

“As legendas de Nanook, por exemplo, contam que Nanook e sua família enfrentam a

fome quando esse grande caçador do norte não consegue comida, mas não nos dizem o que

Flaherty comia ou se ele providenciava comida para Nanook. Flaherty pede que afastemos nossa

incredulidade no aspecto ficcional de sua história à custa de uma certa desonestidade que revela

sobre sua verdadeira relação com o tema.” (1998, p.49)

Nessa época, talvez fascinado pelo recente aparecimento das imagens em

movimento e pela possibilidade de levar algo “original”, exótico, Flaherty impõe seus

conceitos, e quanto não terá posto de seu imaginário, para contar uma história que não

leva em conta o ambiente em que está, não passa em seu trabalho a verdade de um

encontro com os indivíduos e a situação. Mas pensar que Flaherty não sabia o que fazia é

uma perspectiva talvez ingênua, já que havia um interesse econômico em jogo, e o

cinema é uma indústria.

Contrariando Nichols, José Manuel Costa, citado por Paulo Filipe Monteiro em

artigo publicado na “Revista de Comunicação e Linguagens” de Portugal, afirma:

33

Page 35: Monografia Frederico Benevides

“aí se sublinha que o documentário não deve ser identificado com o primeiro

impulso do cinema, ou com o seu mais automático e inocente exercício. O documentário

foi uma invenção, e foi justamente uma invenção que reagiu aos extremos de

manipulação em que o cinema caiu quando em busca da sua autonomia. O documentário

projecto nasceu quando o termo foi agarrado pelos autores da língua inglesa em plena

década de 20, face ao percurso da ficção e da arte para os terrenos mais fechados da

montagem. Quando nasceu, foi o contrário da inocência (já então impossível), foi o

veículo de um olhar, ou de um poder, que dirige a câmara sob regras próprias.” O

documentário teve um segundo e último momentum através do que, normalmente, se

designa por cinema-verdade, ou cinema-directo, cujo advento assentou na incorporação

de nova tecnologia – as câmaras e gravadores de som portáteis – a partir de 1958/60. Na

verdade, se há algo que me parece essencialmente distinto entre a primeira e a segunda

épocas fortes do documentário, esse algo, derivando embora directamente da

incorporação do som síncrono, pode ser encontrado na própria imagem e é a relação desta

com o tempo.” (1996, p.23)

Grierson então, é responsável pela “primeira forma acabada de documentário”11.

Com princípios didáticos que pretendiam, como afirma Paulo Emílio Sales Gomes12,

“estender a difusão do documentário fora do limite das exibições comerciais” e

“conquistar pela boa causa as escolas e igrejas do país”, utilizava “uma narração fora-de

campo, supostamente autorizada, mas quase sempre arrogante13”, uma voz over que

explicava os acontecimentos de acordo com sua sucessão. Grierson não associa a busca

do belo (estilização) ao documentário, salvo em caso de documentários cujo foco

estivesse sobre a natureza, os animais. Sobre a questão temporal, Grierson não dava-lhe

uma importância definitiva, o que importava era que a mensagem pudesse ser pasada de

forma objetiva, sem que fossem também destituídas de qualquer interferência da

criatividade do diretor. Brian Winston: “para Grierson, os documentários deveriam ser

muito mais; deveriam passar do plano da “descrição do material natural” para arranjos,

rearranjos e a remodelação criativa do mundo natural.” Características essas que já

11 Nichols, in “Teoria contemporânea do Cinema”, 2005,pág. 4812”1981, pág. 31513 Nichols, in “Teoria contemporânea do Cinema”, 2005,pág. 48

34

Page 36: Monografia Frederico Benevides

exibiam Nanook (até demais, como visto), e teriam entusiasmado Grierson quando

conhece Flaherty.

O “cinema verdade”, surgido na França na década de 60, no entanto, compreende

que a verdade existente no ato de fazer um documentário é a verdade da interação, do

encontro, que acontece com a condição primordial da existência da câmera naquele

espaço. O termo “cinèma vèritè” surge14 com a tradução de Jean Rouch e Edgar Morin de

“kinopravda”, originalmente cunhado por Dziga Vertov, citado no capítulo sobre

montagem. A metáfora utilizada para caracterizá-lo, é a “mosca na sopa”: uma equipe

menor, sendo também registrada no momento da tomada, participando ativamente. É o

que acontece, por exemplo, em “Saravá”, do documentarista Pierre Barouh (1969), no

qual as situações acontecem num clima de conversa de mesa de bar (algumas realmente o

são). Suas interlocuções com Pixinguinha, Paulinho da Viola, Maria Betânia, Baden

Powell e outros músicos brasileiros tomam lugar em botecos, nas casas dos artistas, nos

estúdios onde os mesmos estão gravando, e não há tentativas de esconder a equipe,

composta do diretor, que conduz as entrevistas, um câmera e um técnico de som.

Eduardo Coutinho, célebre documentarista brasileiro, realizador de “Babilônia

2000”, “Santo Forte”, “Cabra Marcado para Morrer” (citado por Eduardo Escorel no

referido ensaio como um dos raros casos de “documentário iniciado como filme de

ficção”), “Edifício Master”, entre vários outros, surge como um exemplo que poderia ser

identificado com a segunda tendência apontada por Costa (mas que guarda profundas

diferenças na abordagem, como se fará ver). Sobre a questão da objetividade, Coutinho

utiliza uma citação de David MacDougall, cineasta e antropólogo: “Na verdade, mesmo

no filme etnográfico, ele não filma o real, ele filma um encontro entre o cineasta e o

mundo.” Coutinho completa com suas palavras: “O documentário é isso: o encontro do

cineasta com o mundo, geralmente socialmente diferentes e intermediados por uma

câmera que lhe dá um poder, e esse jogo é fascinante.” (2005, p119).

Coutinho assume esse encontro em seus filmes, sempre voltados para relações

humanas, e o próprio autor se coloca, tanto na imagem (aparecendo em seus filmes como

mais um personagem) quanto na voz, quando o ouvimos não só narrar certos

acontecimentos, mas também quando decide deixar audíveis as interpelações que dirige

14 Nichols. 1998, p 155

35

Page 37: Monografia Frederico Benevides

aos seus entrevistados. O que o difere do “cinema verdade” praticado por Arnaldo Jabor

em “A Opinião Pública” (1968), primeiro longa brasileiro do gênero, é a sutileza com que

Coutinho se expõe. Apesar da maneira como a equipe interage no ato da gravação,

aparecendo a todo momento, Coutinho não busca apontar objetivamente seu ponto de

vista através de locuções off como o faz Jabor. Este, por sua vez, utiliza-a todo o filme,

diminuindo seus entrevistados, no caso, a classe média através do que afirma como

“senso comum”: uma classe completamente apática diante dos acontecimentos políticos

do país. A discussão não diz respeito à veracidade do que é dito, mas como é colocado

por Jabor.

Coutinho é mais afeito ao uso de “dispositivos”, marca do cinema estrutural, que

buscava a forma, em detrimento do conteúdo. Parecem mais “ensaios”, e fica difícil

enquadrar os artistas desse tempo nos gêneros tradicionais. No cinema estrutural15 (anos

60), os realizadores elegiam um “modo” de fazer a imagem (o uso da câmera fixa por

diversos dias, o zoom impassível ao que acontecesse em seu percurso) e, seguido esse

modo, tinha-se o filme. Coutinho adapta esse conceito e o diversifica, dependendo da

situação que se impõe. Pode-se perceber isso na sequência inicial de “EdifícioMaster”,

quando uma voz over (do próprio Coutinho, a única do filme) acompanhada da imagem

da equipe entrando no prédio tomada sob o ponto de vista de uma câmera de vigilância,

narra: “Um edifício em Copacabana, a uma esquina da praia. Duzentos e setenta

apartamentos conjugados. Uns quinhentos moradores. Doze andares. Vinte e três

apartamentos por andar. Por um mês alugamos um apartamento. Com três equipes

filmamos a vida por uma semana.”

Essa concepção de Coutinho é uma transgressão ao que acreditava o “cinema

direto” surgido nos Estados Unidos da década de 60. Trata-se de uma tentativa de não

interferir no ambiente. Sua metáfora é a de uma “mosca na parede”, que observa o

acontecimento em seu desenrolar, sem mediação, querendo a partir daí excluir a idéia de

uma narração pré-concebida. Se momentos familiares, gravados com câmeras portáteis,

configuram representações “verdadeiras”, na acepção desses cineastas, por que

profissionais não conseguiriam fazer o mesmo? Esse conceito surge num momento em

15 Um exemplo é “Asyl” (1975), de Kurt Kren. No filme, uma paisagem é composta por uma série de tomadas alternadas em forma de círculo. Assim, pode-se ver o mesmo panorama com pedaços de dia, outros noite; verão e inverno alternados formando a mesma imagem.

36

Page 38: Monografia Frederico Benevides

que as câmeras tornam-se menores, surgindo as 16mm de manuseio mais fácil, e

aparecem os gravadores de som com possibilidade de sincronia com a imagem,

permitindo as idas e vindas dos operadores de câmera e som de forma mais eficiente para

captar o momento, como diz Costa. A respeito da ideologia presente em alguns

realizadores mais radicais desse tipo de cinema, fala Brian Winston:

“Quando os próprios cineastas ressaltam que o trabalho do seu documentário é a

evidência, apenas a evidência, eles estão defendendo um conceito ideologicamente poderoso,

porém com uma noção ingênua de objetividade. Estão encorajando o público em sua ingenuidade.

Quando assumem essa posição, estão realmente pondo em risco o conceito do documentário

como “tratamento criativo”; a única coisa que torna os documentários diferentes das outras

formas audiovisuais de não-ficção.” (2005, p.22)

E é também utilizando o conceito original de John Grierson de “tratamento

criativo da realidade” que Bill Nichols completa:

“Geralmente, entendemos e reconhecemos que um documentário é um tratamento

criativo da realidade, não uma transcrição fiel dela. Transcrições ou registros documentais estritos

têm seu valor, como nos vídeos de sistemas de segurança ou na documentação de um

acontecimento ou situação específica, como o lançamento de um foguete, o progresso de um

sessão terapêutica ou a apresentação de uma peça ou evento esportivo em particular. Entretanto,

costumamos ver tais registros estritamente como documentos ou “simples filmagem”, não como

documentários. Os documentários reúnem provas e, em seguida, utilizam-nas para construir sua

própria perspectiva ou argumento sobre o mundo. Esperamos que aconteça uma transformação da

prova em algo mais do que fatos comuns. Ficamos decepcionados se isso não acontece” (Nichols,

1998, p.138)

Porém, o “cinema direto” não é apenas isso, como afirma o próprio Nichols,

ressaltando: “Poucos estão preparados para admitir, através do tecido e da textura de sua

obra, que todo filme é uma forma de discurso que fabrica seus próprios efeitos,

impressões e pontos de vista.” Dentre esses poucos, cita “Soldier Girls” (1981), de Nick

Broomfield e Joan Churchill), que trata do treinamento militar voluntário de mulheres. O

37

Page 39: Monografia Frederico Benevides

filme não usa comentários, entrevistas ou títulos, suscitando controvérsias sobre seu

ponto de vista, entre antimilitarista e disciplinador.

“…as estratégias organizacionais estabelecem uma leitura preferencial – nesse caso, uma

leitura que privilegia o pessoal em detrimento do político, que visa e celebra as irrupções de

sentimento e da consciência individuais diante das restrições institucionais, que reescreve o

processo histórico como expressão de uma essência humana indomável, sob qualquer

circunstância.” (Nichols, 2005, p.51)

O filme ainda utiliza-se de estratégias do tipo da que Nichols remete às “vinhetas

clássicas de Hollywood, usadas para identificar os astros principais”: antes dos créditos

iniciais, uma sequência apresenta três voluntárias, terminando com um uma imagem

congelada e um fechamento da íris no rosto de cada mulher. O uso dessas estratégias

encontrará eco em uma grande parcela do cinema direto norte-americano: “Ela se

caracteriza por um individualismo romântico e uma estrutura dramática semelhante à da

ficção, mas utilizando casos ‘reais’ em lugar das histórias totalmente inventadas de

Hollywood.”

Cronologicamente anterior, e fonte de inspiração do “cinema direto” e do

“cinema verdade”, é discutindo sobre o Neo-realismo italiano que surgem grandes

discussões sobre a questão da realidade no cinema.

André Bazin, célebre crítico cinematográfico francês do realismo, afirma que

embora fossem narrativas fictícias, os filmes italianos demonstravam um profundo

respeito pela realidade16, encontrando uma “voz” narrativa humilde e modesta, mas quase

nunca silente. Esse respeito manifesta-se na recusa às estilizações propostas pelo

surrealismo alemão e pelos impressionistas franceses, em que a imagem era distorcida

com o fim de apresentar estados interiores dos personages, ou sua apreensão do mundo.

Esse realismo recusava a ênfase dada aos aspectos formais da imagem, às técnicas de

montagem rebuscada tão caras aos realizadores russos, que a utilizavam com o intuito de

difundir idéias, conceitos. Bazin sustentava17 que o tipo de montagem defendida por

16 Nichols,. 1998, p.. 127

17 Savernini. 2004, p.23

38

Page 40: Monografia Frederico Benevides

Eisenstein “subaproveitava a imagem do real, produzindo um sentido exterior a ele,

impondo ao espectador a interpretação do realizador acerca do mundo”18. Importava para

Bazin a reprodução íntegra do espaço-tempo, a qual poderia, em todo caso, ser sugerida

pela montagem, mas que, por respeitar essa integridade, ganhava uma outra dimensão.

Daí a opção pelo plano-sequência, sem interrupções ou cortes abruptos, o que passa uma

extrema noção de realidade, de “ao vivo”. Além disso, os cineastas renunciam ao estúdio,

tudo é feito em locações externas, com luz ambiente.

José Carlos Avellar (2003) reúne alguns pensadores do neo-realismo, como

Salvyano Cavalcanti de Paiva, que fala a respeito do “específico cinematográfico” e de

como essa preocupação fez a crítica desviar-se “da verdadeira essência do filme”:

“As tentativas de classificar o cinema entre as artes plásticas, resultaram no filme

abstracionista, no cinema de vanguarda, curioso e efémero. O culto da montagem como elemento

diferencial da nova arte quase leva à negação do argumento. O culto da câmera absoluta quase

leva à negação do ator ou do intérprete. Finalmente, após a luta entre as teorias da montagem

arbitrária, apriorística e a posteriori, chegou-se ao culto do roteiro técnico na condição de

específico fílmico. Toda essa luta produziu resultados mesquinhos. Está provado hoje que a

alquimia do cenário19, como a macumba da montagem, foram de escasso proveito.” (PAIVA apud

AVELLAR, 2003, p.164)

Em seguida, Teixeira Salles:

“...é a predominância do conteúdo sobre a forma, segundo Zavattini e segundo os

principais filmes do movimento. Não cabem dúvidas sobre a função precisa e predominante do

conteúdo sobre a forma nos filmes neo-realistas, e esta predominância não significa fraqueza ou

abandono da técnica; esta, quanto melhor, menos exposta, mais discreta e sutil.” (SALLES apud

AVELLAR, 2003, p.165)

Observa-se então uma retroalimentação: se num primeiro momento, o

documentário beneficia-se das descobertas de D.W. Griffith de narração paralela (por

18 idem

19 Em alguns autores, “cenário” é o equivalente a “roteiro”

39

Page 41: Monografia Frederico Benevides

exemplo), é chegada a vez da ficção procurar no documentário uma fórmula que melhor

descreva a ação cotidiana, o banal, o corriqueiro, principal temática do neo-realismo.

Como melhor enuncia Nichols:

“O neo-realismo ajudou a demonstrar que essa forma de estilo narrativo criou um fio

comum entre ficção e não-ficção, que permanece até hoje: contar uma história ou dar voz a uma

visão do mundo não precisam ser vistos como alternativas completamente polarizadas.” (1998,

p.157)

Nichols, entretanto, prontamente afirma que ao adotar esse modelo, não se trata

de exprimir a verdade, mas contar uma história através de um estilo realista, o qual é

alcançado mediante o uso de certos artifícios, ainda que discretos. Difere então, três

formas de realismo que considera importantes no documentário: o realismo fotográfico, o

realismo psicológico e o realismo emocional.

Por realismo fotográfico, entende-se o realismo que é também próprio da

fotografia estática. Nesse caso, a relevância da preservação da integridade do tempo e do

espaço é máxima. É a marca dos documentários do cinema verdade e do cinema direto.

O realismo psicológico configura-se na observância da veracidade dos estados

íntimos dos personagens. Ainda que o diretor recorra à efeitos como trilha sonora e

planos não convencionais, o que importa é que o estado interior do personagem retratado

convença quem está assistindo. Raiva, tristeza, alegria devem mostrar-se como se o

personagem estivesse mesmo exposto ao mundo e suas vicissitudes e belezas.

A “trilogia da incomunicabilidade” deAntonioni (“L’Aventura”, “A Noite”, “O

Eclipse”), busca a verdade desse estado emocional na representação de seus personagens

e na composição de seu filme. Antonioni, que também foi documentarista e produziu

filmes neo-realistas, sabia o que estava buscando na interpretação de seus atores, e já

percebia o cinema como meio de atingir uma verdade que não estava necessariamente

atrelada a informação objetiva.

O último modo, o realismo emocional é o mais dúbio e propõe-se a repetir no

espectador um sentimento reconhecido pelo mesmo, ainda que não existam profundidade

psicológica ou plausibilidade no cenário em que se desenrola. Algo parecido com os

filmes de Spielberg, onde através de vários mecanismos, consegue levar toda a platéia ao

40

Page 42: Monografia Frederico Benevides

choro ao contar a história de um extraterrestre que pretende voltar para seu planeta natal

com a ajuda de crianças terráqueas. Spielberg é bem realista na sua própria versão da

história de Jesus Cristo.

O neo-realismo começa a criar em seus filmes uma valorização de uma abertura

própria da ambiguidade inerente à vida. O que o afasta da junção “entre o realismo

clássico de Griffith e a pureza do documentário”, como quer Nichols. Diz Ismail Xavier:

“uma coisa é dizer: a arte é ambígua. Outra é dizer: a arte deve ser ambígua porque a

realidade é ambígua.” Os finais inconclusivos do neo-realismo, não fecham uma “saga”

de um “herói”, ou “evento”, como os filmes de Griffth. E há a diferença fundamental de

suas motivações, nesse cinema feito por sobreviventes da catástrofe cujos escombros de

guerra servem de cenário para a ficção; tomada por seus artistas como “uma relação

privilegiada com o real, mais verdadeira ou mais intensa do que a do cinema naturalista –

o que vem a colocar o cinema, no dizer de Marina Zancan, ‘entre verdadeiro e belo,

documento e arte’.” (ZANCAN apud MONTEIRO, 1996, p.12)

Bazin, sobre os neo-realistas: “eles não esquecem que, antes de ser condenável,

o mundo, simplesmente, é”.

Porém, como já mostrado, todo olhar supõe uma construção. No simples

encadeamento das imagens, o ângulo em que são tomados os planos, a ordem em que

aparecem… sempre há um olho por trás da câmera e mãos humanas montando o filme:

manipulação, no sentido exato do termo.

Phillipe Dubois caracteriza esse cinema moderno anteriordo pós-guerra, que iria

até os 1975) como um “cinema do plano”, cuja verdade apresentada assemelha-se ao que

chama “cinema primitivo”, a época dos pioneiros da arte cinematográfica. Essa

aproximação acontece com a tendência do cinema moderno de ser um cinema

“...habitado pela idéia de filmagem, do traço a reter daquilo que ela comporta de mágico

(ou de terrível): estas fagulhas de real que vêm respingar na película, dar-lhe sua cota de

verdade, de modo que cada plano, para os modernos, seja uma aventura.”

Pier Paolo Pasolini, cineasta que começa neo-realista (“Accatone”, 1961), e que

depois parte para outros vôos (“Pocilga” 1969) concorda com Luis Buñuel na existência

de um possível diálogo a ser feito entre o formalismo apresentado por essas vanguardas

(expressionismo alemão, avant garde francesa) – cuja excessiva estilização afasta a

41

Page 43: Monografia Frederico Benevides

“verdade” da imagem – e as propostas de captação da “verdade irretocável” do neo-

realismo.

Negando a decupagem clássica, Pasolini intui a assimilação que o espectador

cinematográfico já possui dos códigos mais tradicionais do cinema. Através do

“estranhamento” (como no exemplo citado por Erika Savernini,20 onde uma pessoa

poderia estar em um quarto fechado e no quadro seguinte, olhar para um campo deserto),

o espectador recorda-se ser um espetáculo o que se apresenta diante dos olhos. Esse tipo

de recurso tende a criar “zonas indeterminadas” ou “pontos de indeterminação”,

designando a “abertura” do filme, vazios que cabe ao espectador preencher. Como diz

Anatol Rosenfeld na citação escolhida por Savernini:

“O curioso é que o leitor não nota as zonas indeterminadas (que também no filme são

múltiplas). Antes de tudo porque se atém ao que é positivamente dado e que, precisamente por

isso, encobre as zonas indeterminadas; depois, porque tende a atualizar certos esquemas

preparados; finalmente, porque costuma ‘ultrapassar’ o que é dado no texto, embora geralmente

guiado por ele.” (2004, p.55)

Savernini conceitua dois níveis básicos de abertura:

“... um, sob uma forma funcional que conduz o espectador a um resultado preciso,

unívoco (denominamos aqui como ‘vazios funcionais’); e outra, sob forma mais indefinida que

apenas o induz a procurar respostas possíveis (‘vazios de indeterminação). A interpretação da

narrativa cinematográfica, seja ela de prosa ou de poesia, pode ser visualizada como uma

constante alternância e combinação desses dois tipos de construção.” (2004, p.55)

Após o perído moderno, na escala de Dubois, surge o cinema “maneirista”, um

cinema do “depois”. Realizado nos anos 80, por quem “tem a perfeita consciência de ter

chegado tarde demais, num momento em que certa perfeição já fora atingido em seu

domínio.” Relaciona o momento com o de mesmo nome que a pintura conheceu depois

de Michelangelo ou Rafael. Como fazer cinema em uma época que já possuía tantos

canônes? A resposta foi encontrada, por um lado, nas “‘maneiras’ frequentemente

20 2004, p.55

42

Page 44: Monografia Frederico Benevides

sinuosas”, sofisticações impostas a si mesmo pelo cinema, que caía frequentemente no

“cinema de artifício, do factício, do excesso, da panóplia, do cenário ostensivamente

teatral”. Porém, “o cinema maneirisra coloca ainda, de outra forma, a questão do espaço:

não se trata mais de saber o que se passa atrás, na profundidade de campo, nem o que se

mostra por cima, na superfície da imagem”. O peso da tradição e principalmente o

aparecimento da televisão como ameaça onipresente, faz com que a imagem comece

também a ser tratadas em camadas, como já referido sendo uma marca estética da

videoarte. “O cinema é seu próprio pano de fundo. Seu passado não mais abandona o

cineasta maneirista”, diz Dubois.

O vídeo é a marca da passagem entre essas duas épocas caracterizadas por

Dubois. Para demonstrá-lo, recorre ao primeiro episódio de uma série (em vídeo) de doze

episódios dirigida por Jean-Luc Godard. Nesse episódio, a imagem de uma mulher

grávida (da qual só se vê a barriga, enorme) é acompanhada de uma voz over que diz: “a

verdade”. Então ocorre o “milagre”: a imagem de um bebê surge de dentro da barriga da

mãe, por incrustação, ocupando toda a tela. A incrustação acontece novamente, de dentro

da cabeça do bebê, para o retorno à imagem da “mãe”. O “parto eletrônico”. Várias

camadas sobrepostas, dando a idéia de “espessura” da imagem vídeo em substituição à

noção de “profundida de campo” cinematográfica. Godard utilizou o vídeo também para

fazer seus “vídeo-roteiros”, que na prática, funcinavam muito mais como materialização

da idéia que pretendia encenar (ou mesmo já havia encenado), e essas obras têm uma

autonomia tal, que muitas vezes são apresentadas em festivais “desacompanhadas” dos

respectivos filmes.

São também detectadas no vídeo21 duas fases: modernista, antes dos anos 80,

seguida por um maneirismo. Na fase modernista, o vídeo, era meio de expressão ainda

quase inexplorado. É a época em que são postos os grandes gêneros (experimental,

conceitual, minimalista, instalação, etc.), e em que o vídeo procura uma auto-definição. O

problema em que essa busca de uma auto-referencialidade da imagem vídeo encontra é

de uma multiplicidade infindável de referências, que vão desde o uso do próprio meio

(Nam June Paik, com seus experimentos envolvendo a própria matéria – o tubo catódico,

as linhas de varredura – a experiência com os ímãs, por exemplo), passando pela ampla

21 DUBOIS, 2004, p.166

43

Page 45: Monografia Frederico Benevides

gama de possibilidades variações imagéticas que eram novidade para os artistas (como o

Bill Viola de “Chott-el-Djerid”). O vídeo “afoga-se” em si mesmo. No âmbito das vídeo-

instalações, a história é diferente, pois a maior aproximação com as artes plásticas faz o

vídeo funcionar como dispositivo, parte do processo de experimentação da própria obra

de arte plástica. Havia, no meio desse aparente descaso com que Dubois trata a videoarte,

porém, uma atitude de contrapor a linguagem televisiva, como diz Aristarco:

“A videoarte valoriza em definitivo e procura utilizar a fundo – contra as banalizações e

subutilizações televisivas – as características “específicas” do meio eletrônico; assim, joga

exatamente sobre aquilo que a televisão oficial considera “erros” técnicos (granulosidade,

nebulosidade, hipercoloração, deformação da relação entre linhas) e que a comercialização

selvagem da imagem eletrônica está a reduzir a ‘efeitos especiais’ ”(1985, p.131)

A época do maneirismo (anos 80) é a época da incorporação do vídeo pelo meio

televisivo. Muito da pesquisa inicial dos videastas (videoarte) transforma-se em adereço

de campanhas publicitárias e aberturas de programas. O que era combatido antes pelos

artistas, confirma-se em uma terrível verdade, a “teleclastia”. Dessa época, segundo

Dubois, a apatia dos artistas fez o vídeo ser limitado a “uma arte do menos”.

A marca da videoarte, então, é essa indefinição. Não constituindo uma linguagem

propriamente dita, torna-se um ponto de convergência que pode valer-se de (e ser

utilizado por) outros meios:

“Sabemos, pelo simples exame retrospectivo da história desse meio de expressão, que o

vídeo é um sistema híbrido; ele opera com códigos significantes distintos, parte importados do

cinema, parte importado do teatro, do rádio, da literatura e, mais modernamente, da computação

gráfica, aos quais acrescenta alguns recursos expressivos específicos...” (MACHADO. 1997,

p.190)

Voltando ao cinema, o meio vídeo vai fornecer aos documentaristas (claro que

não só, mas pela natureza de seu trabalho, tanto em quantidade de tempo de gravação

quanto no quesito “estar sempre preparado”, é notável sua utilidade) uma câmera que

pode estar sempre ligada, “boiando” no espaço. Sua empreitada é ainda facilitada pelo

44

Page 46: Monografia Frederico Benevides

advento da tecnologia digital, com câmeras menores ainda. Ainda assim, não quer dizer

quer isso tenha operado uma mudança determinante na sua forma:

“…a dimensão mimética da imagem corresponde a um problema de ordem estética, e não

é sobredeterminada pelo dispositivo tecnológico em si mesmo. Todo dispositivo tecnológico

pode, com seus próprios meios, jogar com a dialética entre semelhança e dessemelhança, analogia

e desfiguração, forma e informe. A bem da verdade, é exatamente este jogo diferencial e

modulável que é a condição da verdadeira invenção em matéria de imagem: a invenção é sempre

estética, nunca técnica.” (DUBOIS, 2005, p.57)

Essa indeterminação, vinda tanto das reflexões sobre imagem cinematográfica

quanto francamente expostas no vídeo, influenciam as gerações seguintes de realizadores,

tendendo a diminuir, cada vez mais, uma distância entre os gêneros.

Vilas Volantes – O Verbo Contra o Vento

“Há alguns aspectos da vida humana que só

podem ser reproduzidos fielmente pela poesia.”

Andrei Tarkoviski

O argumento original para o documentário “As Vilas Volantes – O Verbo Contra

o Vento” (2005) de direção deAlexandre Veras, surgiu a partir da dissertação de mestrado

homônima de Ruy Vasconcelos. A pesquisa, realizada há quinze anos, é calcada na

45

Page 47: Monografia Frederico Benevides

tradição de contadores de histórias que habitam essas “vilas volantes” (vilarejos

litorâneos que ficam à mercê das forças naturais da natureza materializadas na forma de

enormes dunas de areia que, carregadas pelo vento, viajam incessantemente, sem poupar

nada em seu caminho), no caso, localizadas no litoral oeste do Ceará, e traz para o

campo da sociologia uma “escuta poética”, reconstituindo traços culturais e

comportamentais da região através do relato oral, “essencialmente realista, mesmo

quando utiliza-se do fantástico ou do esotérico para se efetivar”.22

O projeto inicial contava com mais de dez personagens divididos em seis

diferentes localidades: Camocim, Guriú, Jericoacoara, Chaval, Bitupitá e Tatajuba. O

documentário apresenta seis personagens concentrados em uma única localidade:

Tatajuba.

Os habitantes da costa do Ceará já observam mudanças na paisagem de suas

janelas há tempos imemoriais. As intempéries da natureza, impiedosa, carregando seus

castelos de areia grão à grão, forçando um êxodo dos residentes no seu trajeto; as marés

mais altas a cada ano, o sol inclemente que calcina a pele, principalmente quem trabalha

com água e sal ao seu redor, dias a fio. Mais pungente e rápida é a ação humana: a farta

invasão turística que vive hoje todo estado, na incessante busca do Ceará como destino

turístico de belas praias, povo acolhedor e costumes “exóticos”, como a

institucionalização das quinta-feiras para o ato de comer caranguejos, começa

incentivada pelas gestões do Governo do Estado desde meados dos anos 80 (iniciada na

gestão de Tasso Jereissati), e é continuada até os dias atuais, sendo muito amplificada

com a crescente globalização que o século XXI está conhecendo. Hoje, em todo o litoral

cearense, existem “resorts” de luxo, restaurantes refinados e toda sorte de atividades

ilegais ligados ao tipo de turismo predatório praticado no estado (incluindo a

desapropriação de terras dos moradores locais por especuladores, que as revendem, com

um lucro exorbitante; a prostituição infantil...), geralmente de propriedade de imigrantes

europeus (Portugueses e Italianos são notadamente os mais numerosos), que não têm

entre suas preocupações a promoção ou preservação dessa cultura nativa. Outro fator de

exploração da região é a ampla possibilidade da prática de esportes aquáticos que

necessitam de ventos. Windsurf e kitesurf atraem milhares de turistas para um local

22 Projeto apresentado ao Doctv

46

Page 48: Monografia Frederico Benevides

considerado como um dos melhores do mundo para realização de competições e prática

amadora, com minoria absoluta da presença de atletas locais (quando existem), devido ao

alto custo do esporte.

Por parte das autoridades locais, estaduais e municipais (o prefeito de

Jericoacoara é um “gringo”), estas manifestações nativas quase sempre recebem um

tratamento que mais parece a projeção do que seria um anseio do estrangeiro, exaltando a

terra e seus atrativos naturais; seu povo parece tão simples a ponto de poder ser

desvendado por toda beleza descartável dos anúncios luminosos e cheios de cores

quentes. O sentido é atrair mais e mais gente com promessas de um lugar “puro”, quase

intocado, recorrendo a estereotipia. O símbolo da jangada é prova disso, largamente

utilizado em campanhas publicitárias (de órgãos públicos ou empresas privadas), como

símbolo do pescador cearense.

Em Tatajuba, (cerca de 400km de Fortaleza), não se pesca de jangada. Lá, a canoa

de quilha (leva nome de mulher, sentimento, graça) é que conduz os poucos pescadores

que ainda enfrentam a fúria marinha nessas coloridas, ou mesmo na pesca de arrasto. A

continuidade da àrdua profissão não mais é garantida pelos filhos desses trabalhadores do

mar. A sociedade de consumo invade as casas pelas televisões (até a década de 90

Tatajuba não possuía luz elétrica), ou monta uma filial entre a paisagem e a janela. As

antigas narrativas vão incorporando elementos do espetáculo social urbano em bocas

mais jovens, ou são abandonadas em prol de outros ídolos.

É nesse ambiente (que fora das altas estações de férias recupera uma calmaria

ainda assim, provavelmente muito diversa da que experimentava há menos de 20 anos

atrás), em que acontece o registro desse encontro que culminará no documentário.

O documentário inicia com uma imagem escura. Não pode-se afirmar com certeza

que movimento duas mãos que aparecem e somem com ritmo cadenciado estão

executando. Algo brilha entre as mãos. Surge o título (a única aplicação da palavra escrita

para designar algo, no caso, o nome do documentário) em tipos finos vazados, que dão

idéia de movimento, e somem como aparecem, em fusão. A imagem dura

aproximadamente vinte e seis segundos e é o convite para entrada em um universo

fabular, na forma de mãos que chamam ou entretecem uma trama de luz em meio à

escuridão da noite e sons de cigarras, que gradualmente somem. Aqui já está iniciado um

47

Page 49: Monografia Frederico Benevides

processo que atravessará todo o vídeo: a manipulação sonora, desnaturalizada, um fator

de unificação nesse espaço (universo criado a partir do real pelo autor) onde a

ambiguidade imagética se faz forte em muitas imagens. Fora o tema instrumental

(composto e executado por Ruy Vasconcelos) que ouve-se ao longo dos créditos finais, o

documentário não possui trilha musical alguma.

Após o título, uma série de planos gerais, alguns mais próximos, outros mais

distantes, vão revelando a primeira personagem, Dona Bil, uma senhora de idade, munida

de um balde e uma forquilha, que faz as vezes de bengala e instrumento de caça. O som,

uma combinação de passos, cantos de aves e uma estranha sonoridade que guarda

semelhanças com o vento (mas obviamente modificado, esse, um som recorrente), aqui

contribui para adensar o mistério sugerido pela pouca objetividade da câmera no que diz

respeito a mostrar a ação executada pela personagem, movimentando-se sem pressa por

essas águas rasas. Ao aproximar-se, sem ainda revelar o rosto da senhora (a câmera está

contra a luz), uma ação mais próxima: algo é percebido dentro d’água, e prontamente a

senhora abaixa-se para pegar. Há um “raccord” de posição, e outro plano, mais distante,

registra o ato em sua conclusão: o objeto que foi pego é depositado no balde, e o som

proveniente dessa ação é completamente desproporcional, aumentando a curiosidade em

torno do conteúdo do pequeno balde. Desse momento pode-se inferir a existência de um

microfone sem fio acoplado à senhora, sem o qual não haveria registro desse som, devido

à distância e amplitude do plano. Outra observação é o uso do “raccord” dentro da

tradição narrativa clássica, que usa dois momentos em dois planos distintos, unindo-os

por conta da mesma ação executada.

O momento em que ouve-se pela primeira vez sua voz é quando mede forças com

um siri, pacientemente capturando-o para dentro de seu balde: “Mordeu mesmo. Não é

bonitim o bixim?”. É o primeiro close, feito com a câmera baixa, da perspectiva do siri, e

minimiza um sentimento inicial de fraqueza da senhora. Após esse primeiro “embate”,

uma aproximação acontece, e já pode-se definir as linhas do rosto de Dona Bil, que

prossegue tranquila em sua caça. Agora o foco é sua experiência de habitante litorânea, e

é utilizada a frontalidade objetiva, “olho-no-olho” para ouvir seus conselhos na

preparação de um “café de cavalo-marinho”, chamando atenção para sua aplicação

medicinal. Seu objetivo é a câmera, ou a equipe que encontra-se atrás dela. Lembra-se da

48

Page 50: Monografia Frederico Benevides

filha, que falava sobre sua longevidade e desejava-lhe duzentos anos de existência. Hora

de reflexões sobre a vida e a morte, desconcertada, mas bem-humorada. A imagem que

segue, um amplo panorama com o mar no horizonte, é composta por uma árvore seca e a

caminhada de Dona Bil em sua direção Seus trajes lembram figuras japonesas saídas de

um filme de Akira Kurosawa (“Rapsódia de Agosto”, “Sonhos”). O som de sua

forquilha-bengala transmuta-se em um som com outra frequência, como já acontece

antes. Essa é a personagem que guarda a correspondência mais fraca com a premissa

inicial da reconstituição do “material pelo imaterial”. Isso se apresenta nessa sequência

referida, quando o som das passadas ecoa, sugerindo um caminho assaz repetido pela

personagem em seus longos anos de vida.

Uma forte referência do trabalho, a obra do cineasta Andrei Tarkovski. Fala sobre

a passagem do tempo que emprestaria um valor singular às coisas:

“Considera-se que o tempo ‘per se’, ajuda a tornar consciente a essência das coisas. Os

japoneses, portanto, têm um fascínio especial por todos os sinais de velhice. Sentem-se atraídos

pelo tom escurecido de uma velha árvore, pela aspereza de uma rocha ou até mesmo pelo aspecto

sujo de uma figura cujas extremidades foram manuseadas por um grande número de pessoas. A

todos esses sinais de uma idade avançada eles dão o nome de ‘saba’ que significa ‘corrosão’.

‘Saba’, então, é um desgaste natural da matéria, o fascínio da antiguidade, a marca de tempo ou

pátina. ‘Saba’, como elemento do belo, corporifica a relação entre a arte e a natureza.” (1998,

p.144)

Tarkovsky sempre foi muito rigoroso a respeito do fazer artístico. Em toda sua

filmografia pode-se perceber um apreço pela imagem, um cuidado com cada plano e sua

duração interna, como já referido. É isso a que se refere como dimensão espiritual da

imagem, no tempo da superfície das coisas, ou em suas palavras: “...ao registrar

fielmente na película (no caso, fita magnética) o tempo que flui para além dos limites do

fotograma, o verdadeiro filme vive no tempo, se o tempo também estiver vivo nele...”

Dessa forma, o que irá se verificar na construção desse e dos demais personagens,

será uma observação no tempo. Melhor explicando, os personagens são retratados com a

ênfase não na informação objetiva que podem passar, mas no que possibilitam entrever

através da postura, da maneira como articulam os corpos (ao invés das “cabeças falantes”

49

Page 51: Monografia Frederico Benevides

do jornalismo ou de algumas vertentes do documentário que privilegiam a informação

prioritariamente verbal) do gesto, na forma em que desenvolvem a relação com o

ambiente. Isso tudo em seu devido tempo. Além disso, na maneira em como se enquadra,

usando sempre a grande angular, e com bastante profundidade de campo, reforçando a

idéia de amplitude, vastidão. O uso do “steadycam” (espécie de braço mecânico dotado

de um sistema de molas, que acoplado ao operador de câmera por meio de um colete, dá

essa sensação de leveza ao movimento) é essencial para conseguir a movimentação

desejada em trezentos e sessenta graus, sem brusquidão. Uma idéia de dignidade

perspassa essa figura (essa impressão, aliás, está nos demais personagens, enfocados no

que fazem com a infalibilidade de quem sabe realmente do que está falando) que avança

incólume e altiva no seu passo lento e firme. e, por estar sozinha, Dona Bil dá uma idéia

de solidão e autonomia frente ao ambiente natural em que vive.

Como foi observado, Dona Bil não foi “flagrada” em seu ato, existia uma

preparação para a cena. No entanto, sobressai uma imagem de espontaneidade. Nesse

personagem em particular, a construção no sentido de harmonizá-la com o ambiente,

como uma força da natureza, é caracterizada, além do longo tempo de contemplação

(algo sagrada, do latim “com-templum”) dos atos, por sua generosa sabedoria, que

detecta formas de vida abaixo d’água e da terra por baixo desta, oferecendo-a à vista do

espectador.

A impressão descrita é reafirmada em sua caminhada entre as árvores com a praia

ao fundo. Aqui o som está em sincronia com a imagem e corresponde com maior

fidelidade ao real, além de ser uma imagem recorrente e a única a dar uma unidade

espacial ao filme, será novamente mencionada mais tarde. Como se o encanto daquela

criatura mágica fosse mais poderoso em contato com o mar. Porém, na última imagem da

caminhada composta por três planos (sugerindo um longo percurso na mudança de

enquadramento) Dona Bil dirige-se para a vegetação, ali parando. Pode-se perceber que

não há uma trilha. Em seguida, uma imagem dúbia (e rápida, se comparada à estrutura

geral do documentário) toma a tela, só percebendo-se na imagem seguinte tratar-se da

ampliação (realizada na ilha de edição, e um artifício muito usado por vídeo-artistas) da

imagem do fogão sendo aceso pela dona da casa, que agora prepara o fruto de sua caçada.

50

Page 52: Monografia Frederico Benevides

Uma correspondência cromática acontece entre a caminhada, a imagem ampliada e as

paredes do interior de sua casa. Em todos, há uma predominância da cor verde.

Tem início a única sequência interna do documentário, que ainda assim, não faz

uso de iluminação artificial. Dona Bil está cozinhando, enquanto os bichos passeiam pela

casa. Espanta um pato e surge um gato. Mas tudo isso mansamente, em seu próprio

tempo. Na tradição documentaria, essa sequência é bastante parecida com o que exigia o

cinema direto, a postura de “mosca na parede”, que não interfere, nem exprime juízo de

valor. Mas não se pode afirmar que não há uma construção. A câmera passeia pela casa e

tira a medida dos utensílios domésticos pela dona, descendo até os pés da mesa. Os

frágeis pés da mesa parecem encontrar correspondência com os pés da senhora, que

esconde o fino graveto outrora utilizado como arma.

Se no caso da cozinha, o estranhamento da imagem é rapidamente revertido em

esclarecimento, surtindo um efeito plástico, nas próximas imagens uma ambiguidade

crescente começa a apresentar-se. Um homem entre várias cercas, com casas ocas, em

ruínas, prestes a desabar, atrás de si. A alternância dos planos sugere que o homem está

construindo mais uma cerca, pois é possível distinguir que manipula pedaços de madeira

iguais aos usados nas várias camadas de cerca. As cercas não parecem estar cercando

coisa alguma, além de montes de areia.

Noel Burch conceitua em “Praxis do Cinema” dois espaços: “dentro” e “fora” da

tela. É a percepção de que, quando vê-se apenas um pedaço do objeto retratado, como as

cercas, por exemplo, intui-se seu prolongamento “para fora do quadro”. Bazin amplia,

afirmando que tudo que se vê na tela é um recorte, e que a imagem de cinema é

centrífuga, e prolonga-se para além do mostrado, ao contrário da imagem de um quadro,

centrípeta. Nada de cidade ou vila é mostrado. Os hiatos que quebram a continuidade

dessas imagens são tão importantes quanto as imagens apresentadas. Somem as cores.

Tons de cinza esverdeados compõe agora a imagem. Tarkovski utiliza um filtro

semelhante em “O Espelho” e “Stalker”. O vento permeia toda a próxima sequência: o

movimento das árvores, grandes e pequenas. Grandes espaços vazios ocupam a tela e são

vislumbrados através das cercas, uma água negra com um reflexo ininteligível e pela qual

uma folha passa lentamente. Duas crianças que brincam, uma cai, a outra solta um grito

agudo, a primeira permanece caída. Sobre essa sequência como se estrutura, parece

51

Page 53: Monografia Frederico Benevides

preparar para a próxima, uma pescaria à noite, no breu. Parece preparar a entrada em um

território desconhecido, perigoso.

Talvez por uma necessidade de causalidade, as pessoas queiram sempre inferir um

significado de uma sequência de imagens. Sobre isso e a noção de narrativa, o diretor

(que também assina a fotografia junto com Ivo Lopes (“Uma folha que cai”, 2001) afirma

em entrevista feita para o trabalho:

“Tem uma coisa pra mim que sintetiza essa questão da narrativa. Quando você quer que

as imagens digam alguma coisa. Uma narrativa posta por cima das imagens, um “thelos”, uma

razão que justifica o desenvolvimento dessas imagens. É como se as imagens tivessem que

carregar um sentido. Nesse caso, acho que a narrativa é uma necessidade que a gente tem de ver

sentido entre a conexão das coisas, porque na verdade as coisas da vida da gente são

profundamente desconectadas. (...) A gente tem uma necessidade de causalidade, talvez pela

perda de Deus, de tentar atribuir sequências causais que na verdade são muito mais ilusões

retroativas, que a gente coloca essa causalidade posterior ao acontecido, do que na hora em que

ela está acontecendo. Tem um nível de abertura no real que a narrativa não dá conta. A narrativa é

uma estratégia nossa de tentar construir linhas de sentido a partir disso. Por isso que talvez a

narrativa seja mais uma função do espectador, acho. No “Vilas” não é que você não tenha um

pensamento de estrutura, podemos parar e analisar, porque isso está aqui, ali, tem um senso de

estrutura. Mas quando falo em estrututra, não estou falando de narrativa.”

E sobre a imagem da água com o reflexo: “Sobre essa imagem específica, é uma

imagem posta posterior à edição, eu eu queria pô-la, pois achava bonita. E botei no

momento em que achava que ela tinha mais a ver”.

Apesar dessas afirmações, é possível encontrar algo da narrativa clássica no

documentário. A própria noção de “raccord” apresenta-se constantemente, como os

falsos “raccord”, como é fácil observar na sequência da caminhada solitária de Dona Bil

pela praia e em outros exemplos que seguirão.

A sequência a seguir é esclarecedora com relação à imagem inicial do vídeo. Lá

estão os pescadores em uma pesca noturna, executando os mesmos movimentos

cadenciados, um burburinho é tudo que se pode ouvir, misturado ao barulho da água. É a

passagem para o elemento água.

52

Page 54: Monografia Frederico Benevides

Uma voz over (a primeira de apenas duas) fala da dificuldade da pesca noturna:

“...precisa de muita prática, senão não vem não. A gente vê só pelos planetas. Às vezes

até em noite de cerração, mas pela onda do mar a gente sabe pra onde vai correndo, a

gente sabe que vai correndo pra terra todo tempo (...) e quando o dia clareia a gente sabe

mais ou menos o clima que tá. ” É dedutível tratar-se de um pescador pela medida

métrica que usa: “braça”.

O dia clareia, e o ponto de vista é o da canoa. A fragilidade do barco é mostrada,

pode-se divisar a terra, ao longe, e o segundo personagem surge, o dono da voz. É Burica,

na “terceira margem do rio”. O pescador conta lendas passadas na região, de um tempo

que “a duna não andava não”; embarcações inteiras que surgiam e desapareciam sem

deixar rastro, seres que habitavam o mangue e ninguém conseguia aproximar-se. O

encantamento esvai-se do lugar: “Pra cê ver, isso era exagero da antigamente... Hoje

acabou-se tudo, ninguém ouve mais falar dessas coisas...” A esses relatos fantásticos

seguem relações geográficas: a câmera agora assume o ponto de vista do pescador

olhando pra costa: “Assim que nós cumecemo, as casa tava aí, o mar ficava longe das

casa... Aí o mar foi avançando pra diante... Tomou as casa tudinho”.

Nesse personagem, à diferença de Dona Bil, a construção se dá primeiramente ao

nível da fala. Embora esteja conduzindo o barco, não há muita ação. A utilização de

legendas adiciona outra camada à imagem, a da inteligibilidade objetiva: o forte sotaque,

as palavras e a velocidade em que pronuncia as palavras dificultam a compreensão de

seu discurso até mesmo para pessoas do mesmo estado.

Nessa sequência também há uma construção narrativa bem clássica: à noite

sucede o dia, “trazido” pela fala do personagem. Depois, a chegada à terra, seguida da

despesca. Entre esses dois momentos, há uma quebra de linearidade, surgindo novamente

o caminho percorrido por Dona Bil, agora traçado por Burica, que carrega duas metades

de arraia na mão direita e várias redes no ombro. Fora os óbvios elementos de praia, o

mar, as dunas, coqueiros, em suma, o ambiente (que é uma constante na região), é esse

caminho que dá a percepção de tratar-se da mesmo localidade. Durante a caminhada de

Burica também há um som que faz a ligação com o próximo plano, e é o primeiro som

que não é essencialmente naturalista nessa sequência.

Sobre a questão sonora, outra declaração do diretor:

53

Page 55: Monografia Frederico Benevides

“O que mantém a aspereza da imagem é o ruído. Qualquer outro som cria uma linha

melódica. Qualquer outro som harmônico serve como uma chave interpretativa da imagem. A

música é muito forte, ela entra muito direto na gente. Ela te dá o tom emocional, o tom perceptivo

da imagem. A única coisa que mantém uma certa ambiguidade na imagem é o ruído. Daí a opção

pelo ruído ampliado. Porque, por exemplo, eu gravei com microfone sem fio e microfone

direcional, e uma boa parte dos ruídos são do sem fio quando estão nos personagens, porque é o

ruído que desloca os pontos de vista. Esse deslocamento do plano sonoro dá um estranhamento à

imagem, mas não um estranhamento que te “joga pra fora”, é um estranhamento que te faz achar

aquela imagem esquisita. (...) O som do “Vilas” não é naturalista e é todo com ruído ambiente,

mas os ruídos estão amplificados e ainda tem introdução de frequências diferentes. Mas como ele

tem uma relação de ligação com a imagem, permanece atrelado a ela, porém estabelecendo essa

relação de estranhamento.”

A sequência da despesca é a mais movimentada do documentário. A câmera

limita-se a observar, sem interferir, indo quase de um extremo ao outro da rede estendida.

O esforço feito pelos pescadores é desproporcional à quantidade de peixes e camarões

conseguidos, evidenciado pela rede vazia e por um plano mais fechado do fruto do

trabalho. Uma onda apaga o reflexo do sol, ao mesmo tempo em que a câmera vai

subindo, revelando as mulheres que ajudam os maridos egressos do mar.

Em seguida, uma imagem que brinca com a percepção do espectador: um plano

cuja intenção é fazer parecer ser tomado debaixo d’água. Os fatores que propiciam essa

ilusão são as cores, o som e a leveza da tomada, que teve seu tempo distorcido, relentado.

Quando chega no que parece ser uma ruína submersa, o movimento retrocede. Percebe-se

que se trata do mesmo percurso, mas agora o som de água vai sendo substituído pelo som

do vento, e a superfície vai retomando sua coloração de terra. O que parecia água é

revelado como terra, através da montagem. Por cima dessa imagem, agora “emersa”, a

segunda voz off: uma reminiscência da época em que as dunas “começaram a invadir” o

lugar, expulsando os moradores, que se espalham, abandonando o local. Essa é uma

imagem muito forte, especialmente para os nordestinos, rememorando de imediato a

velha história do “sertão vai virar mar”, presente nas manifestações artísticas da região e

no imaginário coletivo. Um exemplo é “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber

54

Page 56: Monografia Frederico Benevides

Rocha, que traz essa idéia explícita na trilha sonora. Difícil não lembrar também de

Canudos, submersa para apagar dali qualquer vestígio da luta ocorrida no lugar. No

Ceará, Jaguaribara, inundada por ocasião da construção do açude Castanhão, seus

moradores foram “transferidos” para uma outra cidade, Nova Jaguaribara, terreno sem

correspondência com suas lembranças, submersas. Essa talvez seja a sequência composta

apenas por imagens sem entrevistas que guarda mais sentido literal com a

seguinte.Seguem imagens de movimento da areia, e é esse precisamente o movimento

que faz as dunas viajarem. É inóspita a paisagem, e galhos secos reafirmam a aridez

desse solo, onde a vida humana não é em nada facilitada.

Uma moto atravessa um grande plano geral que tem as dunas ao fundo. A

dessaturação das cores é quase total (tendendo para o esverdeado já presente em outras

sequências) Trata-se de areia ou neve? Pela simples observação da imagem é impossível

dizer. Essa conformação da paisagem é uma referência ao trabalho fotográfico do

iraniano Abbas Kiarostami, no qual está presente essa indeterminação. É interessante

como os elementos de construção e acaso aqui misturam-se também. O som da moto aos

poucos vai sendo cortado, até que some. Isso acontece devido à faixa de alcance do

microfone que está no motoqueiro, um dado técnico. Acontece a mesma coisa em uma

sequência de “Close Up”, também de Kiarostami e já citado no capítulo anterior. Ao

mesmo tempo, cinco vacas atravessam a pista, compondo a paisagem e tomando a

atenção do motoqueiro. Sua lentidão contrasta com a rapidez da moto, que já quase

some, em direção a uma cordilheira de areias móveis.

Uma nova lógica nas entrevistas é observada agora. Se nos personagens anteriores

essa abordagem se dava de forma mais parecida com o “cinema direto”, com a

observação sem muita interferência, no que se quer fazer crer, ser seus próprios afazeres

diários, nos novos personagens apresentados isso muda. A abordagem agora é mais

parecida com o “cinema verdade”. Vicente Pedro e Chicó Pedro encontram-se em uma

situação proposta para o documentário. Seu improviso se dá agora balizado por essa

condição, ao contrário dos encontros anteriores. A situação em questão é um passeio

onde antigamente existia a vila que foi coberta pela duna, onde hoje só existem uns

resquícios, os “restos mortais” (como referem-se) das fundações das casas. Os

personagens têm bastante afinidade (são irmãos, o que não está no filme) e compartilham

55

Page 57: Monografia Frederico Benevides

das mesmas lembranças, por vezes contraditórias, o que dá um clima de cumplicidade

que chega a ser cômica à dupla. Esse clima é reforçado por alguns planos onde os dois

gargalham. Porém, algo enternecido, pois esse retorno ao solo onde viveram desde a

infância deve despertar muitas recordações. Seria interessante “ver” sua casa, por

exemplo. Aos poucos, vão delineando os contornos de uma vila na paisagem, cidade esta

desaparecida há quarenta anos, como diz Vicente Pedro a respeito da última missa.

Invoca junto com as construções seus antigos moradores. São seus gestos e corpos que

desenham as casas que nunca foram vistas pelo espectador. Muitas vezes servem de

paredes, marcando os limites. Merleau-Ponty, ao falar dos objetos, diz que “uma vez

constituído, aparece como a razão de todas as experiências que tenhamos tido ou que

possamos ter”, e usa, por coincidência, uma casa como exemplo. Em sua perspectiva

temporal:

“Se considero a casa atentamente e sem nenhum pensamento, ela tem um ar de

eternidade, e emana dela uma espécie de estupor. Sem dúvida, vejo-a bem de um certo ponto de

minha duração, mas ela é a mesma casa que via ontem, menos velha um dia; é a mesma casa que

um velho ou uma criança contemplam. Sem dúvida, ela tem ela mesma sua idade e suas

mudanças; mas, mesmo se ela afundar amanhã, permanecerá como verdadeiro que ela existiu

hoje, cada momento do tempo se dá como testemunha de todos os outros, mostra, surgindo,

“como isso devia girar”, e “como isso acabará”, cada presente fundamenta definitivamente um

ponto do tempo que solicita o reconhecimento de todos os outros, o objeto é pois visto de todos

os tempos como é visto de todas as partes e pelo mesmo meio, que é a estrutura do horizonte. O

presente tem ainda na sua mão o passado imediato, sem colocá-lo como objeto, e como este aqui

retém da mesma maneira o passado imediato que o procedeu, o tempo escoado é inteiramente

retomado e buscado no presente.” (1971, p.83)

A câmera comporta-se como se pudesse “enxergar” o que apontam os

personagens, e os espaços vazios tornam-se plenos pelo poder da palavra. Esse

procedimento atinge o ápice, talvez, no momento em que falam da igreja. E não é a toa.

Em toda cidade ou vilarejo do Ceará, há a presença de uma igreja. Por modesta que seja,

quase sempre é a construção mais opulenta da cidade e muitos acontecimentos tomam

lugar em seu território. É a isso que vão referir-se ao falar sobre a inauguração (“muita

56

Page 58: Monografia Frederico Benevides

gente”), um grande evento memorável, inventariando os finados que fizeram parte do seu

“batizado”, no “dia dezessete de cinquenta”. A imprecisão do relato não diminui em nada

sua propriedade. Interessante também é a noção de memória evocada por Chicó Pedro ao

reprovar a atitude de “João Gregório”, de deixar que desmanchassem as paredes da

igreja, mesmo que ficasse abandonada. “Isso aqui era um monumento do pai dele, viu?”

sentencia. E completa: “Aí se acabava aí e ficava pra todo mundo ver”. Essa “aula” sobre

preservação patrimonial é entremeada por imagens dos resquícios da igreja, num

montinho mais alto. Mais uma vez, o recorte onde salta a sabedoria desses personagens é

valorizado, e o movimento de câmera (“tilt up”) cortando seus corpos ajuda no sentido de

perceber a magnitude da construção, que pode variar de três a cinco metros, no dizer de

seus antigos frequentadores.

O tom vai ficando nostálgico, culminando no recital de Vicente Pedro, que

emociona-se ao recitar dois poemas “da infância pra velhice”, disfarçando com uma

risada. Mais uma vez, Tarkovski, que fala sobre reminiscências: “Em geral, as

recordações são muito caras às pessoas. Não se deve ao acaso o fato de estarem sempre

envolvidas por um colorido poético. As mais belas lembranças são as da infância.”

A imagem modifica-se e vai perdendo as cores, assim como os cabelos da poesia,

e, a exemplo da sequência “submersa”, o espectador acompanha essa gradação.

Bresson diz que “o cinema sonoro inventou o silêncio”. Isso pode mais uma vez ser

constatado na sequência do menino andando de bicicleta nas dunas. Em mais uma ilusão

própria da montagem, só se ouve um barulho de bicicleta, que em hipótese alguma pode

ser correspondente à imagem. No entanto, essa imagem pode transportar o espectador a

um momento de liberdade, de juventude. A vastidão do espaço e a coloração que vem

desde o final do encontro com os dois velhos tornam a imagem atemporal, um momento

em suspensão, acentuado pela gradual supressão do som. A árvore vergada ao sabor do

vento troca de lugar com o garoto que passa em frente, assumindo para si o foco da

imagem.

De volta à água, as canoas agora são o objeto da câmera, preparando o encontro

com Mané Pedro, comerciante e construtor de barcos. O único que começa contando sua

trajetória. O depoimento é diferente dos outros, mais ancorado na realidade material das

coisas, assim como seu tratamento, mais objetivo. A própria aparência do personagem

57

Page 59: Monografia Frederico Benevides

colabora nesse sentido, de óculos escuros e indumentária mai urbana. Seu linguajar é

mais claro, e a dicção a de um comerciante. Transparece de forma mais clara o

direcionamento das perguntas na montagem. Ao contário do comportamento da câmera

anterior, que privilegia o vazio, o personagem toma conta do plano. Mané Pedro descreve

o barco ideal, o barco como “fenômeno” – “O objeto acabado é translúcido, é penetrado

de todos os lados por uma infinidade atual de olhares que se recortam em sua

profundidade e nada deixam escondido aí” (1971, p.82) – através da palavra e do gesto,

movimenta-se de lá pra cá nessa manufatura imaginária. Mais realista, atribui o avanço

das dunas à destruição dos mangues, em uma época em que não havia órgãos de proteção

ambiental. Dá um panorama sobre a geografia do lugar. Voltando ao tema da

reconstituição, percebe-se agora a ruína ao lado do lugar onde descreve o barco. É a

antiga mercearia e bar, onde vendia mantimentos aos pescadores.

O personagem final surge percorrendo o caminho em sentido contrário ao

percorrido por Dona Bil e Burica. É a idéia de ciclo se fechando, construção clássica em

termos narrativos. Luís Quirino é a segunda “situação proposta” do documentário, dá a

maior parte do depoimento de pé em cima de um barco no seco, situação improvável para

um pescador. Outra pista sobre a proposição de uma situação, aparece quando fala sobre

o destino: “O destino é você investir no que você sonha. Não tem o alpinista, o destino

dele não é de subir no monte? Embora que ele morra, mas ele vai, não vai? E é que nem

eu, meu destino é pescar, embora que eu morresse lá, mas eu fui.” Por essa afirmação

verifica-se que o pescador está aposentado, tudo que fala tem como base as lembranças

que guarda com orgulho de sua época na ativa. Luís Quirino também devolve uma aura

mais poética ao documentário, usando suas metáforas da natureza para designar o que

deseja, como na passagem: “Que o homem tem que viver de sonho e acreditar. Porque

quem não acredita no seu sonho pra você realizar, vira erosão.” Uma metáfora desgastada

renova seu valor na boca do ex-pescador, que usa o substantivo “erosão” como adjetivo.

O conhecimento dos sinais da natureza e o respeito com que se referem, aproximam

Quirino de Dona Bil ainda mais.

Em meio ao seu depoimento, uma imagem de canoas ancoradas que executam um

tipo de dança, lentamente impulsionados pela correnteza. Quirino fala em off: “O sono é

porque é irmão da morte, não é?” Na sequência de cortes mais rápidos de um depoimento

58

Page 60: Monografia Frederico Benevides

do vídeo, um pensamento mais objetivo toma conta, aspectos da pescaria e da vida no

mar saem de sua boca com autoridade e energia, impondo o ritmo, aceito na montagem.

A aproximação do plano é máximo quando Quirino diz: “Aí é que tá! Todo mundo quer

ser pescador e quer ser um profissional, mas... pra você ser um profissional no mar,

precisa você ter muita manha!” Em seguida, Quirino, que é ainda o centro das atenções

da câmera, refere-se à falésia em frente ao barco e convida a equipe a imaginar uma onda.

A imagem subsequente (um plano mais geral) é tomada por trás do pescador, que

continua a encenação: “...nós ‘tamo’ aqui em cima do visgueiro, todo mundo puxando

peixe, né? Isso aqui é que nem uma onda. Taí a onda! Quando você vê a onda desse jeito

que tá aqui, todo mundo perde a fala, porque já sabe que vai ter um ‘naufrago’, né?” E

completa: “ E ele vem de lá pra cá. Olha onde a proa da canoa fica pró barranco, né? É a

mesma onda! ‘Tá’!” Essa encenação toda é reforçada pela montagem, que corta para três

planos em close da ponta da falésia, com a câmera em movimento, simulando a onda. O

som também é de onda. A união entre forma e conteúdo assegura o efeito, e o espectador

imagina (vê) um vagalhão, e continua a explicação de como a onda pode chocar-se contra

a frágil canoa e seus indefesos tripulantes. A última fala do personagem é também a

preparação para o final do documentário, que começa com “Vou terminar com esse

assunto”. A reflexividade manifesta-se fortemente na opção de deixar esse fragmento de

fala antes do assunto propriamente dito (poderia ser cortado sem prejuízo para o

entendimento da questão abordada): o espectador sabe que não é para ele que Quirino se

dirige, e existe uma equipe em torno do personagem. A fala final também é uma

reafirmação da bravura e do valor do pescador, trazendo novamente a tônica do

documentário: mostrar a dignidade dessa gente que vive sua vida em constante conflito

com o rolo compressor da modernidade. Nas palavras do próprio Quirino: “Não tem essa

de ser gostoso não!”

Uma sequência de imagens que iniciam dentro de um barco encerram o

documentário. Primeiro, voltando à rede vazia, ameaça. Depois usando o som

(modificado) incorporado ao vento, para viajar junto (com uma câmera que se movimenta

na mesma direção) com as areias que formam as dunas. Os últimos planos, estáticos,

mostram a vastidão desse deserto, e o último remete novamente à idéia de ciclo, fazendo

o tempo, e consequentemente, as areias, retrocederem.

59

Page 61: Monografia Frederico Benevides

Conclusão

A tentativa de classificar de uma forma definitiva a obra audiovisual dentro das

categorias tradicionais de “ficção” ou “documentário” é praticamente impossível na

comtemporaneidade. Os abismos que existiam entre o documentário com fins “didáticos”

de Grierson e os vôos de imaginação realizados pelo surrealismo alemão, vai estreitando-

se através da história, recente, das imagens em movimento. Ademais, é um exercício

menos instrutivo do que a observação de como as diversas linguagens da arte

interpenetram-se e modificam a percepção do mundo à medida que são modificados por

este e suas demandas, cada dia mais velozes na sociedade de consumo.

A indeterminação que marca uma parte (a maior) das imagens, do som, remete

aos vanguardistas do século XX; assim como há uma porção bastante clássica no

60

Page 62: Monografia Frederico Benevides

desenrolar de sua montagem. Aliar o objetivismo com o extremo subjetivismo não é algo

novo, nem é o que o trabalho, em momento nenhum, pretendeu provar.

A sensibilidade com que trata o universo em decide embrenhar-se, buscando uma

temporalidade própria do lugar e de seus habitantes, é um aspecto determinante para

tornar o vídeo uma obra capaz de destacar-se em meio à vertiginosa produção ágil, veloz

e “eficiente”, dessa época.. É mais um caminho, o de sentir o encontro com o outro, ainda

que mediado pela tela, permitir-se experienciar um tempo diverso do que se vive. Deixar

que a subjetividade do ser possa, ainda que imaterial, ser levada em boa conta, para que o

fazer artístico não institua-se, finalmente e definitivamente, como uma produção

serializada para ser consumida enquanto se caminha no supermercado.

Longe de exaurida, a inventividade no que concerne às imagens em movimento é

um campo vasto para novas tentativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUMONT, Jacques. As Teorias dos Cineastas. São Paulo: Papirus, 2004.

AVELLAR, José Carlos. O Neo-Realismo e a Revisão do Modelo Crítico. Cinemais, Rio

de Janeiro, n. 34, p.135-176, abril-julho de 2003.

BERNARDET, Jean-Claude. Caminhos de Kiarostami. São Paulo: Companhia das

Letras, 2004.

BERNARDET, Jea-Claude. O Que é Cinema. São Paulo: Brasiliense, 2004.

BRESSANE, Júlio. Do Neo Realismo Italiano. Cinemais, Rio de Janeiro, n. 34, p.47-56,

abril-julho de 2003.

61

Page 63: Monografia Frederico Benevides

BRESSON, Robert. Notas sobre o Cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005.

BURCH, Noel. Práxis do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1992.

CARRIÈRE, Jean-Claude. A Linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2006.

COLODA, Santos Carlos & Vian, Itamar Navildo. Cinema e Tv no Ensino. Porto

Alegre: Sulina, 1972.

DANCYGER, Ken. Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo. Rio de Janeiro: Elsevier,

2003.

DUBOIS, Philippe. Cinema, Vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

GOMES, Paulo Emílio Sales. Crítica de Cinema no Suplemento Literário, Volume I.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

MACHADO, Arlindo. Pré-Cinema & Pós-Cinema. Campinas: Papirus, 1987

MONTEIRO, Paulo Filipe. Fenomenologias do Cinema. Revista de Comunicação e

Linguagens – O que é o Cinema?, Lisboa, n.23, pgs 61-112, abril, 1996

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Freitas

Bastos, 1971.

MOURÃO, Maria Dora. & LABAKI, Almir (org.). O Cinema do Real. São Paulo:

Cosac Naify, 2005.

NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2005.

NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo Herege. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.

PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 2005.

62

Page 64: Monografia Frederico Benevides

RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria Contemporânea do Cinema, Volume II. São

Paulo: Senac, 2004.

SAVERNINI, Erika. Índices de um Cinema de Poesia. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

SOCINE (org.). Estudos de Cinema. São Paulo: Annablume, 2000.

RAHDE, Maria Beatriz; CAUDURO, Flávio Vinícius. Algumas Características das

imagens contemporøaneas. Revista Fronteira – Estudos Midiáticos VII, Rio Grande do

Sul, v.3, p.195-205, set.-dez. 2005.

TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

XAVIER, Ismail. O Discuroso Cinematográfico: A Opacidade e a Transparência.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

XAVIER, Ismail (org.). A experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

XAVIER, Ismail (org.). O Cinema no Século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

63

Page 65: Monografia Frederico Benevides

64