revista a república 8ª edição

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Um crime que movimenta entre US$ 800 bilhões e US$ 2 trilhões no mundo: esse é o impacto da lavagem de dinheiro, segundo a ONU. A despeito de avanços na legislação e de uma nova lei ter apertado ainda mais o cerco, o delito continua sendo praticado com requin-

tes de criatividade por organizações criminosas. É o que aborda a re-portagem de capa desta edição de A República.

A matéria traça um panorama do que instituições – entre elas o MPF, COAF e GAFI – têm feito para recuperar parte dos recursos des-viados. Além disso, busca mostrar como a Estratégia Nacional de Com-bate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) – que completa 10 anos – está contribuindo para a criação de formas mais eficazes de repressão a esse crime.

Já a entrevista deste número mostra a importância da utilização de audiências públicas na instrução de inquéritos e de abrir espaço de diálogo com todos os envolvidos em uma ação. Especialista no assun-to, a procuradora regional da República Gisele Porto (PRR1) explica porque escolheu priorizar essa ferramenta no seu cotidiano e como ela tem tido um peso significativo na solução de casos relacionados ao meio ambiente e tutela coletiva.

Ela destaca que as audiências públicas são uma importante ferra-menta para a garantia da efetividade da democracia participativa: por meio delas, o Ministério Público consegue identificar as mais variadas demandas vindas da sociedade.

Outro destaque é a atuação de procuradores regionais dos Direi-tos do Cidadão em prol da preservação da cultura cigana. A matéria revela o preconceito e as dificuldades enfrentadas – como o acesso a educação – e mostra um pouco da realidade vivida por essas comu-nidades. Membro do MPF, Felipe Fritz aponta que as esferas governa-mentais não estão preparadas para lidar com os povos ciganos.

A República traz, também, um resumo dos debates ocorridos durante os quatro dias do 30º Encontro Nacional dos Procuradores da República (ENPR). Entre os principais temas, figuraram a demo-cracia participativa, a garantia de acesso à cultura e à formação dos cidadãos, medidas mais eficazes de combate à corrupção e a defesa dos direitos humanos.

No Congresso Nacional, o destaque vai para proposições que têm o intuito de combater o trabalho escravo. A Proposta de Emenda à Constituição nº 57-A/1999 prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas nas quais se esteja utilizando mão de obra de trabalhadores reduzidos à escravidão. Já o PL nº 432/2013 pode alterar a definição do que é trabalho escravo. Membros do MPF avaliam as duas medidas.

Boa leitura!Alexandre Camanho de Assis

Revista A República

Esta é uma publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República

Diretoria Biênio 2011/2013

Presidente

Alexandre Camanho de Assis (PRR1)Vice-Presidente

José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)Diretor de Comunicação Social

Alan Rogério Mansur (PR/PA)Diretor para Aposentados

José R. Ferreira (aposentado/PGR) Diretora-Secretária

Caroline Maciel (PR/RN)Diretor Financeiro

Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ)Diretor de Assuntos Legislativos

Sergei Medeiros Araújo (PRR3)Diretora Cultural

Monique Cheker de Souza (PR/RJ)Diretor de Assuntos Corporativos

Maria Hilda Marsiaj Pinto (PRR4) Diretor de Assuntos Institucionais

Léa Batista de Oliveira (PR/GO) Diretor de Assuntos Jurídicos

Antônio Edílio M. Teixeira (PRR5) Diretora de Eventos

Zani Cajueiro (PR/MG)

Revista A República

Dezembro de 2013Tiragem: 4.000 exemplaresFoto da capa: Pedro LinoJornalista Responsável

Renata Freitas ChamarelliMTB – 6945/15/172-DFEdição: Renata Freitas ChamarelliTextos:

Rafania Almeida e Sylvia DimittriaProjeto Gráfico:

Pedro LinoContato:

SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B Salas 113/114 – Brasília (DF)Cep 70.050-900 Fone: 61 – 3961-9025Fax: 61 – 3201-9023e-mail: [email protected]: @Anpr_BrasilFacebook: ANPRBrasilwww.anpr.org.br

Fala, Presidente!

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Curtas O mais luxuoso dos crimes

“MPF na comunidade” e as transformações sociais no Amazonas

Nossos escritores

Processo colaborativo entre MP e sociedade garante melhores resultados

30º ENPR

Na rota do esquecimento

Trabalho escravo: mudança de conceito pode comprometer erradicação

5 e 6

10-13

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14-178-9

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Integração

Em Destaque Artigo

Entrevista

Parlamento

Capa

ANPR recomenda

Índice

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de morte a lei original e representam um retrocesso na legislação ambien-tal e de desenvolvimento sustentá-vel já consolidadas no Brasil”.

Acompanhando o voto em se-parado apresentado pelo deputado Fernando Ferro, a ANPR manifestou--se pela rejeição do projeto de lei.

A Associação explica que o mé-rito da proposta é recompor par-cialmente o poder aquisitivo dos membros do Ministério Público da União, no intuito de compensar perdas ocasionadas pelo processo infl acionário no período de janei-ro de 2012 a dezembro de 2013.

A nota diz, ainda, que não se trata de postulação de aumento no valor real dos subsídios nem de recomposição integral das perdas infl acionárias. “Os membros do Ministério Público da União ainda sofrem os efeitos das perdas infl a-cionárias ocorridas entre 2007 e 2012, superiores a 29%, que não foram integralmente compensa-das pelos reajustes previstos na Lei 12.770/2013”, relata.

A ministra do Planejamen-to, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, recebeu nota técnica da ANPR sobre o projeto de lei que postula o reajuste do subsídio do procurador-geral da Repúbli-ca (PL nº 6.230/2013). A entrega ocorreu no dia 20 novembro, du-rante audiência pública promo-vida pela Comissão de Trabalho, de Serviço e Administração Pú-blica da Câmara dos Deputados. O presidente e o vice-presidente da ANPR, Alexandre Camanho e José Robalinho, respectivamente, acompanharam a sessão.

O documento pede a aprova-ção do projeto na forma do voto em separado apresentado pela deputada Gorete Pereira (PR-CE).

Subsídios: Em nota, ANPR defende recomposição das perdas infl acionárias

Membros do MPU ainda sofrem os efeitos das perdas infl acionárias

superiores a 29%

Projeto de Lei nº 3.682/2012 representa um retrocesso na legislacão ambiental

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Curtas

órgão ambiental competente uma área com o dobro da área concedi-da para mineração”, acrescenta.

A entidade de classe pede a rejeição, ainda, do substitutivo apresentado pelo relator, deputado Bernardo Vasconcellos. Segundo a ANPR, ambas proposições “ferem

Em novembro, a ANPR en-tregou nota técnica contrária ao PL nº 3.682/2012 para os de-putados Bernardo Vasconcelos (PR-MG), Fernando Ferro (PT--PE) e Fernando Jordão (PMDB--RJ). A proposição altera a Lei 9.985/2000, para permitir ativi-dades de mineração nas unida-des de conservação (UCs).

A Associação entende que a prática do extrativismo mineral é proibida por lei nas unidades de conservação e não pode ocorrer em hipótese alguma. “O intento do PL – em seu texto original – é ex-cepcionar a norma proibitiva, per-mitindo a mineração, caso a em-presa mineradora adquira e doe ao

Associação é contra PL que permite mineração em unidades de conservação

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(PSB-RN) e Vieira da Cunha (PDT-RS).

A ANPR entende que a pro-posta apresenta “inconstitucio-nalidades que comprometem a separação dos poderes e ofendem garantias individuais”.

A proposição está apensa-da às PECs nº 86/2011, 163/2012 e 291/2013. Porém, a Associação

Orgânica do Ministério Público da União, que viria a ser aprova-da somente em 1993.

Gurgel ocupou cargos de liderança, entre eles o posto mais alto da instituição. Eleito o mais votado da Lista Tríplice da ANPR, foi procurador-geral da República por dois manda-tos – de 2009 a 2013. Durante o período, incumbiu-se de fazer as alegações f inais do julga-mento do Mensalão, ação penal que obteve reconhecimento no exterior, com o prêmio da Inter-national Association of Prose-cutors (IAP).

Entre os cargos que exer-ceu em três décadas de traba-lho no MPF, destacam-se o de vice-procurador-geral da Re-pública, durante o mandato de procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza; vice-procurador-geral Eleitoral; membro do Conselho Superior do MPF; membro da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF; procurador-chefe da Pro-curadoria Regional da Repúbli-ca da 1ª Região, e secretário de oito concursos para procurador da República.

Curtas

Após 31 anos de trabalho no Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da Repú-blica Roberto Monteiro Gurgel Santos se aposentou no dia 6 de novembro. Sua trajetória no MPF coadjuvou momentos his-tóricos do país. Como diretor (1985 a 1987) e, em seguida, pre-sidente da ANPR (1987 a 1989), ele acompanhou de perto a As-sembleia Constituinte e a pro-mulgação da Constituição Fede-ral de 1988, colaborando assim de maneira significativa para a construção do MP dos dias de hoje. À frente da Associação, deu continuidade à adequação da Proposta de Anteprojeto da Lei

Roberto Gurgel se aposenta e deixa legado significativo para o MPU

Permitir a perda do cargo de membro do Ministério Público com base em decisão administra-tiva: esse é o objetivo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 505/2010.

A ANPR está acompanhan-do a tramitação da matéria e entregou parecer contrário aos parlamentares Sandra Rosado

PEC nº 505/2010 é inconstitucional, diz ANPR

Há mais de 30 anos no MPF, Gurgel coadjuvou momentos históricos do país

ressalta que há elementos con-traditórios entre as matérias. “A PEC nº 291/2013 não prevê a perda do cargo, mas atribui ao procurador-geral da República a iniciativa de propor lei comple-mentar que disponha sobre o re-gime disciplinar único do Minis-tério Público da União”, destaca no documento.

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de civil e setores do Estado. Ele acredita que a provação do PL nº 432/2013 seria um retrocesso. “É negar quase 20 anos de luta ferre-nha contra o novo trabalho escra-vo”, lamenta Plassat.

Trabalho escravo: mudança de conceito pode comprometer erradicação

Parlamento

SYLVIA DIMITTRIA

Em 13 de maio de 1888, um decreto da Princesa Isabel deter-minou a extinção da escravidão no Brasil.

Naquela época, a prática estava associada ao tráfico negreiro e à diversidade étnica. A mão de obra era adquirida por uma quantia simbólica. Em tese, a Lei Áurea pôs fim a esse tipo de exploração no Brasil. Essa realidade, contudo, ainda assombra mais de dois mil trabalhadores por ano, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra. Passados 125 anos, a práti-ca se modernizou. Não acontece como nos tempos do Império, po-rém continua atentando contra a dignidade do ser humano.

Segundo a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Escra-vidão Contemporânea da 2ª Câ-mara de Coordenação e Revisão (2ª CCR) do Ministério Público Federal, procuradora da Repúbli-ca Maria Clara Noleto (PR/PA), as formas atuais são mais sutis do que no Século XIX. “O cerceamen-to da liberdade pode ocorrer por meio de constrangimentos econô-micos e não necessariamente físi-cos”, acrescenta.

Punição - Na tentativa de coibir o crime, tramita no Senado Fe-deral o Substitutivo da Câmara à Proposta de Emenda à Consti-tuição nº 57-A/1999 – que prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas nas quais se utiliza a mão de obra de trabalhadores em condição de escravidão. Para que a matéria seja chancelada, a Casa apresentou, em outubro deste ano, o Projeto de Lei (PL) nº 432/2013.

Entretanto, há divergências quanto a sua eficácia. “O proble-ma não é a PEC nº 57-A, mas sim a regulamentação por meio do PL nº 432/2013, que alteraria a defi-nição do que é trabalho escravo”, afirma a procuradora.

Na Constituição Federal já existe um conceito para trabalho escravo. Entre outras pondera-ções, o artigo 149 do Código Penal estabelece a prática como “redu-zir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva”. Com a justificativa de que há insegurança sobre a con-ceituação, o relator do PL, senador Romero Jucá (PMDB-RR), vê no projeto uma forma de acabar com a imprecisão. Para ele, configurar escravidão no caso de jornadas exaustivas é uma referência muito vaga e essa interpretação deve ficar a critério do fiscal do trabalho. Em declarações ao Jornal do Câmara (de 21 de outubro de 2013), o par-lamentar acrescentou que a mera desobediência à legislação traba-lhista não pode ser enquadrada como escravidão.

A procuradora Clara Noleto ressalta que a nova definição esva-ziaria o compromisso universal as-sumido pelo Brasil de erradicar o trabalho escravo. “O artigo 149 do CP atende plenamente as obriga-ções acordadas internacionalmen-te”, argumenta.

Sem retroceder - Para o Frei Xavier Plassat, coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra, o país é exemplo pela luta histórica travada entre socieda-

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“O artigo 149 do CP atende plenamente

as obrigações acordadas

internacionalmente”, diz Clara Noleto

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Em celebração aos 40 anos da ANPR e respeito à sua história, Camanho convidou ex--presidentes da entidade de classe para compor a mesa da solenidade: Álvaro Augusto, Wagner Gonçalves, Ela Wiecko – vice-procuradora-ge-ral da República – e Nicolao Dino.

Ela Wiecko lembrou que a exemplo deste ano, o 15º ENPR, realizado durante sua presi-dência na ANPR, também ocorreu na Ilha de Co-mandatuba (BA). “A ANPR não se desviou do seu passado. O presente vem sendo construído per-manentemente, sem se afastar dos seus valores”, afirmou a vice-procuradora-geral da República.

A palestra da primeira noite do 30º ENPR foi proferida pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e ex-diretor da ANPR, José Fran-cisco Rezek. Ele aconselhou os procuradores da República a ancorarem o entendimento da cida-dania na Constituição Federal. “Ela levou o Brasil a um ponto de exaltação extrema do prestígio dos operadores do Direito – da Justiça, do Ministério Público”, afirmou. E completou: “A cidadania é o que faz de nós, procuradores, um componente da dimensão humana do estado Brasileiro”.

Carreira - As prerrogativas dos membros do MPF também foram debatidas durante o evento. Na ocasião, o procurador-geral da República, Ro-drigo Janot, respondeu aos questionamentos dos colegas sobre temas relevantes para o fortaleci-mento da instituição.

O procurador-geral salientou que o diálogo é a base de sua gestão e pediu aos colegas que atuem não apenas para o presente, mas pensando no fu-turo. “Vamos atender às demandas de hoje e tentar nos antecipar às dos próximos cinco anos. É assim que se faz uma gestão inteligente, com os resulta-dos que a sociedade espera da gente”, disse.

Esta foi a primeira vez que a Plenária de um ENPR foi transmitida ao vivo, pela internet, para todo o Brasil. A iniciativa da ANPR buscou reunir o maior número possível de membros para discutir as prerrogativas da carreira e per-mitir o envio de perguntas para quem não pôde estar presente no evento.

Entre os dias 28 de outubro e 2 de novembro, cerca de 250 membros do Ministério Público Federal esti-veram reunidos na Ilha de Coman-datuba (BA) para participar da 30ª

edição do tradicional Encontro Nacional dos Procuradores da República. Com o tema “MPF na defesa da Cidadania, as palestras abordaram assuntos como inclusão social, transparência, racismo, democracia participativa e cultura in-dígena.

Na solenidade de abertura do evento, o pre-sidente da ANPR, Alexandre Camanho, desta-cou a importância da atuação dos membros da carreira. “Os procuradores da República são os protagonistas na luta pela cidadania”, enfatizou.

Camanho tratou também da atuação exem-plar dos membros da carreira, citando o prêmio concedido pela International Association of Prossecutors, devido à investigação do caso Men-salão. “É a primeira vez que ganhamos um prê-mio pela excelência da nossa persecução crimi-nal”, disse o presidente. Ele destacou o trabalho dos colegas como “qualificado e inigualável”.

Associação reúne 250 membros do MPF no 30º ENPRRENATA CHAMARELLI

Destaque

“Os procuradores da República são os protagonistas na luta pela cidadania”, afirma Camanho

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tria, turismo; legislação ambiental; implantação de áreas protegidas; e monocultura.

Carta - Entre os principais temas da Carta de Una figuram: democracia participativa, garantia de acesso à cultura e à formação dos cidadãos, medi-das mais eficazes de combate à corrupção e defesa dos direitos humanos e a segurança pública.

Os procuradores da República decidiram, ainda, manifestar apoio à PEC nº 283/2013, que visa a estender a aplicação da Lei da Ficha Lim-pa aos ocupantes de cargos e funções públicas e confiam em sua célere aprovação na Câmara dos Deputados.

Quanto à segurança pública, os partici-pantes reafirmaram que ela é uma questão de cidadania. “Os membros do MPF devem cola-borar com a elaboração e efetivação de política nacional de segurança pública voltada à defe-sa do cidadão, na elaboração de novo modelo para as polícias no uso proporcional da força”, enfatizou o documento.

No dia 1º de novembro, os parti-cipantes do 30º Encontro Na-cional dos Procuradores da Re-pública discutiram a Carta de Una, onde ficaram firmados os

compromissos da carreira relacionados ao tema do evento: “MPF na defesa da cidadania”.

Os assuntos debatidos em quatro dias de pa-lestras serviram para orientar os procuradores na construção do documento.

A fundadora da Escola de Gente – Comu-nicação e Inclusão, Cláudia Werneck, foi uma das palestrantes do ENPR. Ela abordou o tema “Sociedade inclusiva – Quem cabe no seu todos?” e afirmou que existem hoje mais de um bilhão de pessoas com deficiência no mundo. Cláudia Werneck salientou a importância do papel do Ministério Público em assegurar que as políticas públicas inclusivas não discriminem qualquer condição humana.

Outro palestrante foi o procurador da Re-pública Áureo Makiyama (PRM-Campinas), que apresentou o projeto “Teia Social”. O pro-grama cria uma base aberta de informações de responsabilidade comum entre sociedade civil, órgãos públicos e entidades privadas, que visa a buscar soluções para problemas públicos.

Já a coordenadora do Mapa de Conflitos En-volvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, Tânia Pacheco, trouxe dados sobre conflitos en-volvendo povos indígenas, agricultores, comuni-dades carentes e em área de risco em todo o país.

Ela enumerou as principais causas e conse-quências desses conflitos. Entre eles: atuação de entidades governamentais; especulação, indús-

Associação reúne 250 membros do MPF no 30º ENPR

Procuradores da República firmam compromissos com a cidadaniaRENATA CHAMARELLI

Entre os principais temas da Carta de Una figuram: democracia participativa,

garantia de acesso à cultura e a defesa dos direitos humanos

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Com legislação mais moderna e efi ciente, o Brasil se aperfeiçoa no combate à lavagem de dinheiro, enquanto criminosos inovam nas formas de omitir os ganhos e de explicar o enriquecimento ilícito.

Capa

No início dos anos 90, um esdrúxulo caso de sorte intrigava o país. O deputado João Alves (falecido

em 2004), estava entre os grandes campeões da Loteria Federal, por ganhar o concurso, segundo ele, incríveis 125 vezes em apenas dois anos. Os bilhetes premiados aju-davam o parlamentar a justifi car o estrondoso crescimento de seu patrimônio para a Receita Federal. A explicação, nada convincente, foi a forma encontrada por Alves para lavar o dinheiro desviado do Orça-mento da União. O crime histórico envolveu sete deputados federais, que elaboravam emendas que re-metiam dinheiro para entidades fi lantrópicas ligadas a parentes e cobravam propinas de empreitei-ras para investir verbas em grandes obras. O rombo nas contas públicas foi de cerca de R$ 800 milhões.

Naquela época, a legislação era frágil, e uma lei específi ca para o crime só foi de fato sancionada em 1998 (Lei 9.613/1999).

Todavia, enquanto o regra-mento se torna mais moderno e rígido – uma nova lei foi publi-cada em 2012 (Lei nº 12.683) –, os infratores inovam nas práticas para burlá-lo. Desde a impossível sequência de bilhetes premiados para um único ganhador, os crimi-nosos criaram as mais diferentes formas de lavar dinheiro no Brasil e no mundo. Hoje, a lavagem passa tanto pelo óbvio de guardar o fru-to do crime em bancos (nacionais e internacionais), até o comércio de equinos e bovinos, além de “inves-timento” em clubes de futebol.

Apesar de ser um crime oculto e de difícil mensuração de danos, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) estimou, em 2010, que essa modalidade de delito movimenta no mundo,

O mais luxuoso dos crimes

RAFANIA ALMEIDA

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De acordo com o presidente do

Conselho de Controle de Atividades

Financeiras (COAF), Antônio Gustavo

Rodrigues, a “forma favorita” de infratores

brasileiros lavarem o dinheiro fruto

da criminalidade é colocando nos bancos

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Rodrigues justifi ca que, ape-sar de o sistema fi nanceiro ser mais moderno e a fi scalização mais efi -ciente, o número de operações é muito grande. Também fi ca mais complicado identifi car um crime caso haja funcionários dos bancos que contribuam com esquemas fraudulentos. E ainda existe a pos-sibilidade de falhas.

Carla De Carli afi rma que o Brasil tem altos índices de criminali-dade. “Logo, há mais dinheiro ilícito para ser lavado”, conclui. Os métodos mais utilizados são o sistema fi nan-ceiro internacional, com a remessa dos valores para contas off shore, em paraísos fi scais, mas também se lava dinheiro no mercado imobiliário, na movimentação de dinheiro em espé-cie, em negócios de fachada e de mui-tas outras formas.

Uma modalidade que vem ganhando destaque no Brasil é o uso do setor artístico. A compra de obras de arte para ocultar o dinhei-ro do tráfi co tornou-se uma opção para os criminosos. A procurado-ra explica que o mercado de arte é pouco regulado no país. “Apesar de existir a obrigação de reportar ope-rações suspeitas ao COAF, na práti-ca são poucas as comunicações que vêm desse setor”, afi rma. Porém, na avaliação da procuradora, a lava-gem é dinâmica: quando se identi-fi ca um método, e se passa a atuar para tentar impedir esse tipo de operação, o crime migra para outro esquema diferente.

Relatório elaborado, em 2010, pelo Grupo de Atuação Financeira Internacional (GAFI) – organismo intergovernamental que objetiva promover estratégias contra a lava-gem de dinheiro e o fi nanciamento do terrorismo – mostra que o Brasil

anualmente, entre US$ 800 bilhões e US$ 2 trilhões, o que corresponde de 2% a 5% do Produto Interno Bru-to (PIB) mundial. Contudo, as auto-ridades avaliam que esse número seja bem maior: no Brasil, calcula--se que esse valor chegue a US$ 35 bilhões por ano.

“Na prática é muito difícil estimar o volume do dinheiro la-vado porque esse crime é orien-tado para o segredo, pretende dar aparência de legitimidade a bens e valores”, diz a procuradora regio-nal da República Carla De Carli (PRR4). Segundo ela, os danos da lavagem são melhor compreendi-dos quando se pensa no volume de ganhos do crime organizado, na lesividade de crimes como o tráfi -co de pessoas, de armas, de drogas, dos valores que são suprimidos ou desviados dos cofres públicos pela sonegação fi scal e pelos crimes contra a administração, etc – de onde se origina o dinheiro sujo.

Somado a isso tudo, está a im-punidade que a lavagem de dinhei-ro garante aos criminosos, que des-frutam dos ganhos ilícitos.

“Lavanderias” favoritas - De acor-do com o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Antônio Gustavo Rodri-gues, a “forma favorita” de infratores brasileiros lavarem o dinheiro oriun-do da criminalidade é colocando nos bancos. Além da garantia de que não haverá perdas, eles operam milhões de transações diárias, que podem não ser detectadas caso não corres-pondam a grandes montantes. “No mundo inteiro o melhor lugar para se ocultar dinheiro é num banco. É o lugar onde tem muito dinheiro e giro absoluto”, explica.

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melhorou signifi cativamente a ca-pacidade de persecução desse tipo de crime por meio da implementa-ção de um sistema de Varas Federais Especializadas, que reúnem procu-radores e juízes federais especializa-dos e com experiência no assunto e em outros crimes fi nanceiros.

O Gafi avaliou que as princi-pais fontes dos recursos do crime no país são a corrupção e crimes contra o Sistema Financeiro Nacio-nal, incluindo fraude e evasão de divisas. Outras destacadas fontes de recursos ilícitos são: tráfi co de drogas, tráfi co de armas, crime or-ganizado, contrabando e desvio de dinheiro público. “Acho que hoje poderíamos acrescentar também a sonegação fi scal, como outra gran-de fonte de recursos ilícitos porque, com a mudança da lei, esse crime também passou a ser antecedente da lavagem de dinheiro”, comple-menta Carla De Carli.

O relatório informa ainda que o risco de lavagem de dinheiro foi detectado no setor de títulos através do uso de uma corretora para depo-sitar fundos e realizar operações no mercado de ações. Na área de apóli-ces, os seguros de vida e acumulação, vida e previdência privada são tidos como os produtos mais vulneráveis ao crime. Também foram registrados casos envolvendo tráfi co de drogas e troca de entorpecentes por pedras preciosas, embora não seja comum, já que as margens de lucros de pedras preciosas vendidas no mercado aber-to são relativamente baixas.

Estratégia - Graças à moderniza-ção, surgiu a necessidade de criar formas de combate mais efi caz. Com isso, a Estratégia Nacional de

Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) foi criada em 2003. A iniciativa partiu do Minis-tério da Justiça, com o intuito de planejar uma forma sistemática de combate ao crime no Brasil.

A Enccla articula vários órgãos que atuam direta ou indiretamente na prevenção e combate à corrup-ção e à lavagem de dinheiro. A ideia é aprimorar esse serviço. Além do Ministério Público Federal, outros 60 órgãos e entidades compõem a Estratégia, como a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribu-nal de Contas da União (TCU), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), o Banco Central do Brasil, a Agência Brasileira de Inteligência e a Advo-cacia Geral da União.

Naquele ano, a promotora de Justiça do Ministério Público do Dis-trito Federal e Territórios (MPDFT) Cláudia Chagas foi convidada pelo Ministro da Justiça, Márcio Th omaz Bastos, para ocupar o cargo de Se-cretária Nacional de Justiça.

Cinco anos após a aprovação da primeira Lei de Lavagem de Dinheiro, de 1998, ela avaliou por meio de um levantamento que ha-via poucas condenações, denúncias e inquéritos relacionados a esse crime. “É como se a lavagem de di-nheiro não existisse”, afi rma.

Para que se combatesse o cri-me organizado de uma maneira mais efi ciente, era necessário en-frentar a lavagem de dinheiro. “Ela garantia o enriquecimento desses grupos e precisávamos sufocar fi -nanceiramente as organizações, evitando que esse dinheiro circu-lasse”, lembra.

Além do combate, era neces-sário estabelecer uma política para recuperação de ativos e trabalhar na cooperação jurídica nacional. “É um trabalho que deveria envolver vários órgãos para garantir o su-cesso. A falta de articulação entre os diversos atores envolvidos na in-vestigação, na penalização e na fi s-calização é o que prejudicava esse enfrentamento”, detalha Claudia. Entre as diversas frentes nas quais a Estratégia trabalhava, estava a me-lhoria do diálogo e a aceleração da troca de informações.

Em dez anos de atuação da Enccla, mais de 11 mil promotores, juízes, procuradores, delegados, técnicos, peritos, entre outros, fo-ram capacitados em todo o Brasil para tratar do assunto. Para Clau-dia, essa foi uma das principais mu-danças, uma vez que transformou a mudança mesmo de atitude dos membros do Judiciário, que “come-çaram a se dedicar, se especializar, formar quadros, ver a necessidade de ter outros técnicos especializa-dos, preparados para lidar com essa questão”. Com isso, conseguiu-se aumentar os inquéritos, as denún-cias, as condenações e o diálogo.

Uma nova Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 12.683/2013) foi elaborada e, após seis anos, apro-vada no Congresso Nacional, mo-dernizando a legislação brasileira nesse assunto. “Isso foi fundamen-tal, especialmente ao eliminar a lista de crimes antecedentes que difi cultava todo o trabalho nas in-vestigações e punições relaciona-das à lavagem de dinheiro”, pon-derou a promotora.

Por meio da Enccla, o Bra-sil já conseguiu recuperar R$ 40

A lavagem de dinheiro no mundo movimenta mais de

US$ 2 tri por ano

No Brasil, calcula-se que

US$ 35 bi são lavados anualmente

O Brasil possui

US$ 3 bi bloqueados em contas no exterior

A Enccla conseguiu repatriar

US$ 40 milhões

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Claudia Chagas lamenta que

ainda exista tanta morosidade nos

processos judiciais no Brasil

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milhões desviados, sobretudo, da União, estados e municípios. Ou-tros R$ 300 milhões foram blo-queados em diversos países, pela Secretaria Nacional de Justiça.

Claudia Chagas ressalta que uma das grandes conquistas da Enccla foi a cooperação internacio-nal, especialmente com Suíça, Rei-no Unido e diversos outros países dos quais se tinha notícia de depó-sitos de grandes valores desviados do Brasil. Ela se recorda de um dos mais famosos casos de lavagem de dinheiro no país, envolvendo o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf. Na ocasião, foram bloquea-dos cerca de US$ 113 milhões, no Reino Unido, devido à acusação de desvio de recursos públicos na construção do túnel Ayrton Senna e da Avenida Roberto Marinho, na capital paulista, quando ele estava à frente da prefeitura (1993-1996).

Ele teria recebido US$ 344 milhões do valor desviado, como revelado em investigações do Mi-nistério Público. No entanto, Ma-luf nega o desvio, o controle das empresas e a existência de contas em seu nome fora do Brasil.

Todo esse processo, segundo Cláudia, só foi possível graças à evo-lução brasileira nos acordos interna-cionais e na legislação. “Não há mais clima no mundo para não se colabo-rar. Ninguém vai dar guarita para di-nheiro oriundo do crime. Existe uma pressão muito grande da comunida-de internacional nesse sentido”, diz.

Dificuldades - Cláudia Chagas lamenta, no entanto, que ain-da exista tanta morosidade nos processos judiciais no Brasil. “A maior parte dos países para onde o fruto do crime é levado só libera

a devolução desse dinheiro após a sentença transitada em julgado e isso leva muito tempo”, afirma.

Para o presidente do COAF, Antônio Gustavo Rodrigues, o país enfrenta um problema crônico. “O Brasil tem a quarta ou quinta po-pulação carcerária do mundo, mas tem dificuldade em mandar rico para a cadeia e o crime de lavagem de dinheiro envolve, na maioria dos casos, ricos”, garante. Além disso, na avaliação dele, para mui-tos presos vale a pena passar al-guns anos preso e sair de lá com uma “gorda poupança”, conquista-da na ilegalidade.

O Departamento de Recu-peração de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) in-formou, durante seminário sobre cooperação jurídica internacional promovido pela França e pela Se-cretaria de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria Geral da República, que o Brasil tem, atualmente, US$3 bilhões de dólares bloqueados no exterior, sendo que apenas US$40 milhões de dólares foram repatriados. “Para repatriar o restante, será necessário que possamos demonstrar que as condenações são firmes, ou seja, que os processos de lavagem de di-nheiro já têm decisão transitada em julgado. Essa é a nossa dificuldade. A justiça brasileira é muito morosa”, lamenta Carla De Carli, que tam-bém integra a Enccla.

A procuradora regional da República salienta que o Ministé-rio Público Federal tem tido uma atuação destacada no tema da la-vagem de dinheiro, em especial em razão da atribuição para atuar nos crimes contra o sistema finan-ceiro e em decorrência da especia-

lização das Varas Federais para o processo e o julgamento. Isso trou-xe, a reboque, a especialização da Polícia Federal e dos procuradores da República que atuam na área. “Acredito que o empenho do Pro-curador-Geral da República em aparelhar a Secretaria de Coopera-ção Jurídica Internacional vai tra-zer bons resultados, porque muitas vezes a prova dos delitos depen-de da cooperação internacional. Quanto à recuperação de ativos, espero que também aí consigamos melhores resultados”, conclui.

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Processo colaborativo entre MP e sociedade garante melhores resultados

Entrevista

Com a edição da Lei 9.868/1999, fo-ram inseridos alguns institutos an-tes estranhos à jurisdição brasileira. Entre eles, destaca-se a audiência pública para a manifestação de

especialistas sobre temas técnicos que envolvem áreas distintas do conhecimento.

As audiências públicas são consideradas, hoje, uma ferramenta poderosa de instrução dos inquéritos. Isso porque a comunicação com to-dos os envolvidos e o acesso à mais ampla infor-mação em todos os âmbitos na fase de instrução do inquérito mostra-se, muitas vezes, suficiente para resolver consensualmente os conflitos, ou no mínimo para garantir o deferimento de uma liminar, concretizando de fato o princípio da prevenção e da precaução.

Especialista no assunto, a procuradora re-gional da República Gisele Porto (PRR1) afirma que as audiências públicas garantiram aumento de vitórias para o meio ambiente e para o patri-mônio cultural – áreas em que atua.

Designada pela presidente Dilma como um dos membros da Delegação do Brasil para a Conferência das Naçōes Unidas sobre Desen-volvimento Sustentável - Rio+20, pela atuação de excelência nas questão de meio ambiente, Gisele Porto tem um currículo vasto. Atual-mente ocupa várias funções: é representante do Ministério Público Federal no Grupo Integrado do Gerenciamento Costeiro da Comissão Inter-ministerial para Recursos do Mar (GI-GERCO); representante da Procuradoria Federal dos Di-reitos do Cidadão na Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID), do Grupo Nacio-nal de Defesa dos Direitos Humanos, vinculado ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Público dos Estados e da União (GNDH/CNPG); coordena o Grupo de Trabalho Energia Nuclear da 4ª CCR; é membro e coorde-nadora substituta do GT Patrimônio Cultural da 4ª CCR e membro do GT Intercameral Grandes Empreendimentos da 4ª e 6ª CCR e da PFDC.

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Qual a importância do uso desse instru-mento pelo Ministério Público?

As audiência públicas são um mecanismo pelo qual o cidadão e a sociedade organizada podem colaborar com o Ministério Público no exercício das finalidades institucionais ligadas ao zelo do interesse público e à defesa dos di-reitos e interesses difusos e coletivos de modo geral. Elas auxiliam a identificar as variadas demandas sociais que instam atuação do MP, fornecendo informações que irão auxiliar nos procedimentos, e possibilitando a verificação da correspondência da percepção do membro do MP sobre a medida eleita como adequada para tratar de determinado caso à luz da legis-lação com a medida percebida pela sociedade como a adequada para atender aos anseios da sociedade. Além disso, trata-se de um instru-mento que o membro do MPF tem em mãos para defesa do direito de informação e partici-pação do cidadão no debate de temas com rele-vância social – maior expressão da democracia participativa.

Como e por que decidiu se aprofundar nessa temática das audiências públicas. O que isso representa na sua carreira?

Atuando na área ambiental, verifiquei que, muitas vezes, o resultado das ações ju-diciais propostas não correspondiam a uma vitória efetiva dos interesses defendidos pelo Ministério Público, especialmente em razão do longo tempo de trâmite do processo no Po-der Judiciário. Ao instruir inquéritos civis, fui percebendo que as maiores vitórias dependem muito de uma atuação extrajudicial forte, im-prescindível para instrução da ação judicial, que deve conter o maior conjunto probatório possível, obtido por meio do inquérito civil. Isto representou na minha carreira, e princi-palmente na minha satisfação profissional, o

aumento de vitórias para o meio ambiente e para o patrimônio cultural, embora em troca da diminuição de minha estatística proces-sual. Passei a contabilizar mais resultados ma-teriais visíveis diretamente por toda a coleti-vidade; e a abrir mão de colecionar resultados processuais, invisíveis aos olhos da coletivida-de e encontrados apenas em folhas de papel impressas após buscas num sistema informa-tizado pelo interessado.

Pode-se dizer que as audiências públicas são instrumentos de legitimidade demo-crática, uma vez que dão ao público em ge-ral a oportunidade de participar de decisões importantes proferidas pelo Judiciário?

Mais do que isso: são instrumentos de garantia da efetividade da democracia parti-cipativa. E as audiências públicas convocadas pelas Procuradorias da República possibili-tam aos cidadãos maior acesso à informação e participação nos temas em que o Ministério Público apresenta os seus interesses. A susten-tabilidade esta intrinsecamente ligada ao regi-me democrático: não há sustentabilidade sem

“Passei a contabilizar mais resultados materiais visíveis diretamente por toda a coletividade; e a

abrir mão de colecionar resultados processuais”

As audiências públicas são consideradas, hoje, uma ferramenta poderosa de

instrução dos inquéritos

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apresentado para fundamentar uma decisão que não seja considerado, ou não sejam afasta-das suas conclusões também por argumentos técnicos no momento da decisão, estaremos diante de uma decisão que deve ser questiona-da por todas as vias cabíveis, e aí é preciso que o procurador dê continuidade aos trabalhos necessários após a audiência.

Como evitar que as audiências públicas se-jam utilizadas como instrumento de mani-pulação por determinados grupos?

O membro do Ministério Público deve preparar um roteiro, divulgá-lo previamente. Após a Resolução nº 82/2012 do CNMP, deve ser necessariamente feito através de publicação de edital, e deve seguir estritamente o roteiro durante a audiência, garantindo os espaços de participação dos envolvidos em conformida-de com o previamente estabelecido nas regras do edital. Na qualidade de coordenador, o membro do MPF deve ser firme na condução dos trabalhos da audiência de acordo com o planejado, justamente para impedir que a de-sordem tumultue os trabalhos e prejudique os resultados. E não deve se deixar manipular por pressões de determinados grupos. A AP não é o espaço para que o membro do MP manifeste a decisão que será tomada com relação à ques-tão discutida, ou seja, o que ele concluiu do que acabou de ser dito, ou o que vai fazer. A AP é um espaço democrático de troca de informa-ções. O MPF está ali para informar o que já foi feito e receber informações úteis à instruir a tomada de suas próximas decisões. Cabe a ele analisar o resultado da audiência e com base nisso, ou dar início ao processo de negociação das cláusulas de um TAC se houver manifes-tação de interesse nesse sentido na audiência; ou expedir uma recomendação em que um dos

“A democracia não implica que todos

tenham seus interesses atendidos da forma como

esperam, mas sim que tenham possibilidade

para poder participar das discussões”

instrumentos que garantam o efetivo exercí-cio da democracia participativa.

Em que casos acredita que esse modelo po-deria ser melhor utilizado?

Avalio em três ocasiões:

1) Para obter informações técnicas, vi-sando à instrução dos inquéritos civis possibi-litando melhor fundamentação nas decisões relacionadas ao seu encaminhamento, tal qual o modelo de audiência pública previsto para instruir as ações utilizado no STF;

2) Para promover o acesso pela sociedade a informações de interesse público através da criação de um canal de comunicação com as entidades detentores da informação, e possibi-litar sua participação nas decisões de interesse público, atuando legitimamente em defesa do regime democrático;

3) Para prestar contas à sociedade sobre compromissos de ajustamento de conduta ce-lebrados pelos membros do MPF que versam sobre os interesses da coletividade, promoven-do acesso à informação aos seus termos e co-lhendo manifestações daqueles que desejarem apresenta-las.

Mas nem sempre são levadas em conside-ração as manifestações técnicas dos con-vocados para a audiência pública. Isso pode ser considerado descaso? Qual a sua avaliação disso?

Não é raro que se apresentem manifesta-ções técnicas divergentes. Neste caso uma delas será levada em consideração, mas não adotada no momento da tomada de decisão. O simples fato de o cidadão ter acesso à informação sobre os assuntos de interesse público que especial-mente lhe interessam para poder se manifestar sobre estes já afasta a alegação de descaso. A democracia não implica que todos tenham seus interesses atendidos e acatadas suas manifesta-ções da forma como esperam, mas sim que te-nham possibilidade, ou seja, meios de obter in-formação suficiente para poder participar das discussões e ter suas manifestações ouvidas e levadas em consideração na hora da tomada de decisão. Então, isto vai depender do caso con-creto. Claro que se houver um estudo técnico

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cinco dias, e passaram a fazer o que chamam de reuniões públicas para não ter que cumprir estas formalidades. Desde antes da Resolução, eu já usava o edital como forma de convoca-ção, mas com o prazo de 15 dias de antecedência da Resolução do CONAMA. Acho importante o edital e também a ata, mas concordo que o prazo para apresentação da ata realmente poderia ser um pouco maior. Acho que as coisas podem ir se construindo e sendo adaptadas para atingir a melhor forma. A prática vem se fortalecen-do cada vez mais, agregando as lições aprendi-das ao longo do caminho e as mudanças acon-tecendo aos poucos. Quando comecei a fazer AP em 2000, havia quem questionasse se o MP poderia marcar uma audiência fora do Judi-ciário. A cultura foi e está sendo construída e ninguém questiona a legitimidade do MP para convocar AP, e é inegável que seu valor vem sendo reconhecido cada vez mais. Tem que ser um processo de constante aprimoramento do instrumento para o efetivo alcance da demo-cracia participativa.

considerandos faça referência à audiência pú-blica; ou no dia seguinte propor uma ação em que fará referência à realização da audiência.

Que caso destacaria como modelo de sucesso?A primeira AP que realizei, depois de ter

sido chamada para participar de uma no Sena-do Federal, no ano de 2000, com apoio da pro-curadora da República Ana Padilha Luciano de Almeida, que ainda atuava na área criminal. Resultado: celebração de compromisso de ajus-tamento de conduta – TAC, que determinou a execução de medidas preventivas de danos, diante da situação crítica apontada em audito-ria sobre todos os dutos da PETROBRAS exis-tentes na Baía de Guanabara, até que o órgão ambiental adequasse o licenciamento ambien-tal, através de todas as exigências necessárias, o que ocorreu nove meses depois. O segundo seria a AP que resultou no TAC para adequação do licenciamento ambiental da Usina Nuclear de Angra 2 às exigências do IBAMA, numa épo-ca em que o IBAMA tentava firmar sua compe-tência para fazer exigências às atividades nu-cleares, independentemente da autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Na sua opinião, esse instrumento vem sendo utilizado pelo MP da melhor forma ou proporia mudanças?

É visível que este instrumento vem sendo cada vez mais utilizado pelo MP. Alguns mem-bros se ressentiram com a edição da Resolução nº 82/2012 do CNMP, que determina dez dias úteis de antecedência para publicação do edital e prazo para publicação da ata da audiência de

“A prática vem se fortalecendo cada vez mais, agregando as

lições aprendidas ao longo do caminho e as mudanças

acontecendo aos poucos”

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Na rota do esquecimento

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SYLVIA DIMITTRIA

Ler a sorte, viajar os continentes, criar danças e artesanatos típicos, usar vestes que ostentam riquezas e vai-dades. Algumas dessas característi-cas, certamente, estariam no imagi-

nário de muitas pessoas ao descrever o universo dos ciganos. A realidade vivida por esse povo, po-rém, é bem diferente das lendas que permeiam a cultura brasileira. A história deles sempre se confundiu com a de aventureiros pelo mundo, e por onde passam são vistos com olhos de medo e desconfi ança. Wanderley da Rocha, cigano Ca-lon residente no Distrito Federal, não entende o motivo do tratamento desigual. “Por que essa indiferença com a gente? Não somos andarilhos sem destino. Queremos mostrar nossa alegria, nosso povo nasceu para ser livre”, afi rma.

Objeto de estudo até os dias atuais, a origem do povo cigano é a Índia. No Brasil, os primeiros registros datam de 1574, quando os ciganos João Torres e sua esposa Angelina foram deportados após um decreto português. Atualmente, três et-nias vivem aqui: Calon, Rom e Sinti. Cada uma com linguagens, culturas e costumes próprios. Contudo, desde os tempos de colônia, sempre fo-ram alvo de enorme preconceito, que se agrava dia a dia com o avanço da globalização e a falta de políticas públicas que atendam às suas neces-sidades básicas.

Segundo dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do Instituto Brasi-leiro de Geografi a e Estatística (IBGE), em 2011 foram identifi cados 291 acampamentos ciganos, em 21 estados brasileiros. A maior concentração está em Minas Gerais, na Bahia e em Goiás. Ape-nas 13,7% dos municípios que abrigam essa po-

pulação declararam ter políticas públicas espe-cífi cas para eles. Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da Re-pública no Distrito Federal (PR/DF), Felipe Fritz, as esferas governamentais não estão preparadas para lidar com essa comunidade e as secretarias setoriais não trabalham em conjunto para solu-cionar o problema, o que agrava ainda mais o ce-nário enfrentado por eles.

O acesso à terra é o principal pleito. Em Sousa (PB), reside a maior comunidade cigana sedentarizada do Brasil. Há mais de 30 anos, a população que mora lá deixou de ser itinerante. São aproximadamente 250 famílias da etnia Ca-lon vivendo em três ranchos, divididos em duas comunidades: de Baixo e de Cima. Mesmo fi xa-dos no município paraibano, o direito à terra ain-da não está garantido. Segundo o procurador da República Flávio Pereira da Costa Matias (PRM/Sousa), o Ministério Público Federal está traba-lhando pela regularização da área. “As terras ain-da não são deles. Há uma divergência sobre quem seria o proprietário e isso tem impedido algumas reivindicações relacionadas à moradia”, lembra.

A falta de habitação não é o único proble-ma encarado por eles: educação básica é outro ponto delicado. No acampamento de Wanderley – instalado em uma área rural da cidade satélite de Planaltina, no Distrito Federal –, algumas fa-mílias não puderam seguir o grupo de 65 pessoas na última viagem. “Uma parte das mulheres teve que fi car em Goiás para as crianças não perde-rem o ano na escola”, lamenta o líder cigano. A itinerância das famílias faz com que o ano letivo nem sempre seja completado. O direito ao ensi-no é assegurado pelo Ministério da Educação por

Parte da população brasileira há mais de 400 anos, a comunidade cigana tem sofrido com a crescente discriminação, além da falta de moradia, educação e infraestrutura. O Ministério Público Federal acompanha a discussão entre os órgãos municipais e federais para assegurar que seus direitos sejam reconhecidos

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busca identifi car questões de natureza básica: o reconhecimento da identidade e da cultura, e, a partir disso, garantir os direitos sociais previstos na Constituição brasileira.

A ANPR manifestou-se favoravelmente ao projeto. Para a Associação, “o reconhecimento dos modos de ser, fazer e viver dos diversos povos e comunidades que contribuíram com o processo civilizatório brasileiro garante o direito à diferen-

meio da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos. O sistema educacional deve oferecer a matrícula de estudantes em situação de itinerân-cia sem qualquer imposição, mas nem sempre é isso que acontece. “Quando chegamos aqui, em Planaltina, tentei colocar minha fi lha na escola, mas disseram que não tinha vaga. É a segunda vez que ela vai perder o ano”, lamenta a cigana Daiane da Rocha.

A discriminação é outro fator preocupante no ambiente escolar. “As crianças desistem de es-tudar. Muitas vezes é preciso negar sua identida-de. Se diz que é cigano há um preconceito muito grande”, ressalta a Gerente de Projetos da Secre-taria de Políticas para Comunidades Tradicio-nais (Secomt), Luana Lazzeri Arantes. Os casos de segregação não se restringem apenas aos que frequentam a escola: a população cigana é hosti-lizada em situações diversas. Luana lembra que é preciso realizar um trabalho de conscientização com a sociedade nacional, pois todos os dias eles são vítimas de violência e é muito difícil resisti-ra a ela. “Dessa forma, cria-se um ambiente que difi culta a perpetuação da tradição. Obviamente, esses costumes vão se adequando a novas reali-dades, mas essa população deve existir com, no mínimo, positividade e aceitação”, declara.

Direitos garantidos – Na legislação brasilei-ra não há um ordenamento específi co para a comunidade cigana: ela está inserida no grupo de comunidades tradicionais e minorias. Para Wanderley, esse pode ser o motivo para tanta dis-criminação. “Colocar todos os que são minoria em um único grupo gera um preconceito ainda maior. As culturas e costumes são diferentes, o que está assegurado para um, pode não ser o ne-cessário para outro”, reitera o cigano.

Buscando englobar as principais prerroga-tivas de direito desses povos, tramita na Comis-são de Direitos Humanos e Minoria (CDHM), da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 7.447/2010. A matéria estabelece diretrizes e ob-jetivos para a formulação e implementação de políticas públicas destinadas a garantir o desen-volvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais. Para o autor do PL, deputado Luiz Alberto (PT-BA), a aprovação é urgente e neces-sária. “Essa proposta fortalece a ideia de que essas comunidades, para sua sobrevivência física, ma-terial e espiritual, precisam de um território”, ex-plica. O parlamentar acrescenta que a proposição

“Colocar todos os que são minoria em um único grupo gera um preconceito ainda maior. As

culturas e costumes são diferentes, o que está assegurado para um, pode não ser o necessário para

outro”, reitera o cigano

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ça, de serem e de se conservarem como tais, evi-tando sua integração total à cultura hegemônica e mantendo peculiaridades culturais”.

Para o procurador da República Flávio Ma-tias (PRM/Sousa), as iniciativas públicas devem vir acompanhadas da consciência cidadã dos próprios povos ciganos. “Uma lei municipal seria algo simbólico para lembrá-los todos os dias, mas o essencial é que essa população tenha conheci-mento de seus direitos e cobre o dever do estado: a execução de políticas públicas”, acredita.

Em maio deste ano, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), por meio da Secretaria de Políticas para Comunida-des Tradicionais (Secomt), lançou o Guia de Po-líticas Públicas para Ciganos. A cartilha traz um pacote de ações promovidas pelo Governo Fede-ral que podem abranger as necessidades desse

povo, entre elas: o Bolsa Família; o Minha Casa Minha Vida; e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “Esse guia deu uma legitimidade para que essas pessoas ba-tam na porta dos gestores municipais e estaduais e digam ‘Somos gente, temos direitos, o Governo Federal nos legitima’”, destaca a gerente de proje-tos da Secomt, Luana Lazzeri.

Na tentativa de serem contemplados pelos programas sociais do governo, os irmãos Wan-derley e Jeff erson da Rocha, líderes do acampa-mento Calon fi xado em Planaltina (DF), funda-ram a Associação Nacional das Etnias Ciganas. A entidade existe há três anos, mas até hoje sofre com burocracia e trâmites que impedem o avanço de seus integrantes como cidadãos. Outro ponto é a violação da cultura nativa para o enquadra-mento nesses benefícios. O procurador regional dos Direitos do Cidadão da PR/DF, Felipe Fritz, lembra que o modo como vivem foge do que a so-ciedade está acostumada. “As garantias de direito não podem abstrair da cultura e da realidade da pessoa. Direito é respeitar também as realidades”, ressalta. Dessa forma, devem haver organizações especiais dentro das ações que já existem para que a população cigana possa usufruir.

O deputado Luiz Alberto também acredita que os programas sociais devem oferecer possi-bilidades que dialoguem com o padrão de vida das comunidades tradicionais. “Há de se respei-tar a disposição geográfi ca e histórica, como vi-vem e moram. No caso dos ciganos, são povos que se deslocam constantemente e o governo tem que entender essa dimensão cultural”, sa-lienta o parlamentar. Luana Lazzeri garante que há um avanço na discussão tanto das ferramen-tas que estão disponíveis, como na forma que o governo tem visto essa população. “Só esse ano realizamos mais de dez reuniões interministe-riais para pensar políticas para os ciganos”, afi r-ma. Segundo ela, as ações sociais no Brasil são universais e o estado está aprendendo a lidar com tanta diferença.

Movidos pela esperança de dias melhores, eles seguem de parada em parada, pleiteando desde um pedaço de chão até o reconhecimen-to de sua cultura. “Um dia me disseram que sou cigano, por isso não preciso me fi xar em lugar nenhum. Respondi que nunca me fi xei porque jamais tive direto a um território. Queremos pro-duzir nossos alimentos, trabalhar. Não queremos ser vistos pelos olhos da indiferença”, clama o ci-gano Wanderley.

“As garantias de direito não podem abstrair da cultura e da realidade da pessoa. Direito é respeitar também as realidades”, afi rma Felipe Fritz

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Autor: Procurador Regional da República Marcelo Alves Dias de Souza Livro: Códigos InglesesEditora: FeedbackSinopse: Após morar três anos na Inglaterra, o procurador regional da República Marcelo Alves (PRR5) encerra a experiência de vida no país com o livro Códigos Ingleses. A obra fecha uma trilogia de crônicas escritas enquanto cursava doutorado. Em 2011, publicou Ensaios Ingleses e no ano seguinte Retratos Ingleses. Os textos são uma mistura de tudo o que apreciou durante o período em que esteve por lá: direito, literatura, cinema, política e filosofia. “Esta última obra é mais madura. Mostra melhor o que aprendi e como meus conhecimentos da vida inglesa foram se aprimorando”, destaca o procurador sobre as novidades do livro. As crônicas também compu-seram uma coluna dominical no jornal potiguar Tribuna do Norte.

Perfil do autor: Doutor em Direito Comparado pela King’s College London, o potiguar é membro do Ministério Público Federal há 16 anos. Em sua trajetória, exerceu a função de procurador regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba e em seu estado natal. Alves atuou ainda em casos de grande repercussão, como a Operação Paraíso, que de-nunciou 30 pessoas por envolvimento em lavagem de dinheiro por meio de luxuosos empreendimentos imobiliários no Rio Grande do Norte, e na fraude conhecida como Escândalo da Fazenda Nacional.

Autor: Procurador da República Sidney Pessoa Madruga da SilvaLivro: Pessoas com deficiência e direitos humanos – Ótica da diferença e ações afirmativasEditora: SaraivaSinopse: Engajado na promoção de Direitos Humanos desde as práticas acadêmicas, o pro-curador da República Sidney Madruga (PR/BA) traz, em sua mais recente publicação, o resul-tado da tese de Doutorado em que mostra a realidade de portadores de deficiência no Brasil.A obra contempla abordagens inéditas sobre os direitos desse grupo não apenas no âmbito jurídico, mas também no social e antropológico. A discussão central acontece em torno das realidades da América do Sul e da Europa, baseando-se nas experiências vivenciadas no Brasil e na Espanha, respectivamente.O texto dialoga com os aspectos mais relevantes e inovadores da atual Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência e com a Lei Espanhola nº 51/2003, além de des-tacar a atuação e as dificuldades do Ministério Público Federal brasileiro no trato das questões judiciais e extrajudi-ciais relativas à temática. Madruga destaca, ainda, casos emblemáticos dos quais participou, como a implementação do primeiro vestibular para surdos numa universidade pública.

Perfil do autor: Há 16 anos no Ministério Público Federal, Sidney Madruga ocupou o cargo de procurador re-gional dos Direitos do Cidadão (PRDC) por três vezes consecutivas na Bahia, onde, atualmente, exerce a função de procurador regional Eleitoral. Como PRDC, ajuizou, aproximadamente, 50 ações civis públicas de repercussão. As conquistas acadêmicas levaram à publicação de dois livros. Ao se tornar Mestre em Direito Público pela Universida-de Federal da Bahia, publicou “Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira”. Já o doutorado foi cursado na Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, na Espanha. A tese apresentada foi revista e ampliada, o que resultou na recente publicação.

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permitir, por meio do diálogo e do apoio do MPF, que as comunidades sejam, elas próprias, capazes de vei-cular suas demandas e enfrentar as mazelas encontradas no maior Es-tado do Brasil. A passagem do MPF pelas comunidades não constitui, assim, um mero lampejo, um fato isolado em meio a tantos desman-dos nessas regiões, mas um convite à luta por Justiça.

Nesse ponto, a aposta no em-poderamento das comunidades e dos movimentos sociais representa a aproximação não apenas entre órgão público e comunidade, mas entre co-munidades e demais atores sociais. Os vínculos crescem e cria-se uma rede de conscientização e de apoio.

É por meio dessa simbiose que o projeto procura romper com a ameaça de passividade na relação da sociedade com a instituição para dizer aos cidadãos que a transforma-ção social depende da organização da população local, que terá o apoio do MPF sempre que necessário, espe-cialmente quando imprescindível.

Surge assim um estreitamento de vínculo que não coloca o MPF numa posição superior à das comu-nidades, mas sim como um órgão dotado de institucionalidade para prestar apoio na conscientização de direitos. Em tempos em que, após as jornadas de junho, discutimos o país que queremos, o “MPF na Comuni-dade” é mais um aliado no fomento à reflexão crítica e à transformação social no norte do Brasil.

Em 8 de novembro de 2012, partia uma pequena equipe do Ministério Público Federal no Amazo-

nas (PR/AM) ao município de São Gabriel da Cachoeira, distante 852 quilômetros de Manaus e situado na fronteira do Brasil com a Vene-zuela e a Colômbia. Com mais de 90% de população indígena, a ci-dade foi escolhida para a 1ª edição do projeto “MPF na Comunidade”.

O projeto foi criado diante da percepção de que, sendo a PR/AM uma unidade com área de atribui-ção tão grande, não poderia conten-tar-se em atuar à distância diante dos diversos problemas ocorridos no interior do Estado, notadamen-te ambientais e ligados a questões indígenas e fundiárias, com reper-cussões nas áreas do patrimônio público e criminal.

Ao mesmo tempo, constatava--se que as dificuldades de comuni-cação com os municípios – dada a pouca presença de vias rodoviárias no Estado – impunham uma atua-ção permanente para atender à for-te demanda reprimida e às dificul-dades de organização da sociedade civil e dos movimentos sociais nes-sas localidades.

Desse diagnóstico emergiram os três principais objetivos do “MPF na Comunidade”. Em primeiro lu-

“MPF na comunidade” e as transformações sociais no Amazonas

Julio José Araujo Junior*

*Procurador da República no Amazonas (AM)

gar, busca-se fomentar a cidada-nia e estreitar os vínculos do MPF com as comunidades. Aliado a isso, procura-se coletar a demanda até então reprimida para o incremen-to da atuação institucional da PR/AM. Assegura-se, ainda, a atuação concreta dos Procuradores da Re-pública e servidores em diligências nesses locais para a instrução de procedimentos existentes.

O “MPF na Comunidade” é realizado por meio do deslocamento físico de uma equipe da PR/AM, por uma semana, para a realização de de-bates, reuniões, diligências, atendi-mento ao cidadão e capacitações nos municípios. É um momento em que a instituição mostra a sua cara em lu-gares em que a ausência do Poder Pú-blico é a regra, apontando caminhos para a melhoria na qualidade de vida das pessoas e indicando as possíveis soluções de seus problemas.

Passado um ano desde a pri-meira edição, com mais três reali-zadas (nos municípios de Humaitá, Lábrea e Tefé) – e prestes à realização de mais uma, em Barcelos – e dois re-tornos a municípios já visitados (Hu-maitá e São Gabriel da Cachoeira) -, o projeto cresceu. A sua institucio-nalização e consolidação, mediante o apoio da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e das Câmaras de Coordenação e PFDC, bem como o envolvimento de movimentos sociais que desenvol-vem a luta por Justiça, mostram que o projeto conseguiu envolver cada vez mais a sociedade amazonense nos seus propósitos.

Pode-se dizer mais: hoje, o grande mérito do projeto reside em

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