8ª edição da revista onisciencia
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REVISTA ONISCIENCIATRANSCRIPT
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Ficha Tcnica
Vol. II Ano II N 8
Setembro Dezembro 2014
Perodico Quadrimestral
ISSN 2182598X
Braga - Portugal
4700-006
Indexador:
O contedo dos artigos de inteira responsabilidade dos
autores.
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publicados desde que seja mencionada a fonte.
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Revista Onis Cincia, Vol II, Ano II, N 8, Braga,
Portugal, SetembroDezembro, 2014. Quadrimestral
EDITOR:
Ribamar Fonseca Jnior
Universidade do MInho - Portugal
DIRETORA COORDENADORA:
Karla Hayd
Universidade do MInho - Portugal
CONSELHO EDITORIAL:
Bendita Donaciano
Universidade Pedaggica de Moambique - Moambique
Camilo Ibraimo Ussene
Universidade Pedaggica de Moambique - Moambique
Cludio Alberto Gabriel Guimares
Universidade Federal do Maranho - Brasil
Claudia Machado
Universidade do MInho - Portugal
Carlos Renilton Freitas Cruz
Universidade Federal do Par - Brasil
Diogo Favero Pasuch
Universidade Caxias do Sul - Brasil
Fabio Paiva Reis
Universidade do MInho - Portugal
Hugo Alexandre Espnola Mangueira
Universidade do MInho - Portugal
Karleno Mrcio Bocarro
Universidade Humboldt de Berlim - Alemanha
Valdira Barros
Faculdade So Lus - Brasil
DIVULGAO E MARKETING
Larissa Coelho
Universidade do Minho - Portugal
DESIGN GRFICO:
Ricardo Fonseca - Brasil
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ARTIGOS A CONDIO HUMANA E O ETHOS DO TRABALHO DOMSTICO LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
RANNIRY MAZZILLY SILVA DE SOUZA..................................................................................05
AS REFORMAS DA ADMINISTRAO PBLICA NO BRASIL: DO PATRIMONIALISMO NOVA GESTO PBLICA RENATO PEREIRA MONTEIRO ..............................................................................23
MODELOS EPISTEMOLGICOS CONTEMPORNEOS APLICADOS AO CAMPO DAS CINCIAS EMPRESARIAS CLEBER AUGUSTO PEREIRA...........................................................................40
REFORMA PSIQUITRICA NO BRASIL: NOVO CENRIO PARA NOVOS DIREITOS CILENE TELIS DE OLIVEIRA....................................................................................................55
SUMRIO
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Revista Onis Cincia uma publicao on-line quadrimestral, voltada
para as cincias sociais. Neste sentido, busca se consolidar como
um frum de reflexo e difuso dos trabalhos de investigadores nacionais e
estrangeiros. Desse modo pretende dar sua contribuio, nos diferentes
campos do conhecimento, trazendo para o debate temas relevantes para as cincias
sociais. Dirigida a professores e investigadores, estudantes de graduao e ps-
graduao, a revista abre espao para a divulgao de Dossis, Artigos, Resenhas
Crticas, Tradues e Entrevistas com temticas e enfoques que possam enriquecer a
discusso sobre os mais diferentes aspetos desse importante campo das cincias.
A
APRESENTAO
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A CONDIO HUMANA E O ETHOS DO TRABALHO DOMSTICO
LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
Ranniry Mazzilly Silva de Souza
Doutorando em Cincias da Administrao pela Universidade do Minho (Braga-Portugal)
Mestre em Sociedade e Cultura na Amaznia - Universidade Federal do Amazonas (Brasil)
Bacharel em Administrao Pblica / Privada - Universidade Federal do Amazonas (Brasil)
Professor Mestre Assistente B na Universidade do Estado do Amazonas (Brasil)
Este artigo logrou desvelar, luz do pensamento de Hannah Arendt, o trabalho, trabalho de
mulheres e trabalho domstico para compreender a atividade da empregada domstica. Sob a
categoria de pensamento, o Domstico de Suely Kofes. Porquanto, apresenta a condio
humana como soma de tudo quanto se consegue ser-no-mundo e indica a realizao de uma
vita activa neste mbito. O arcabouo metodolgico foi a abordagem complexa de Edgar
Morin. Conclumos que apesar de uma herana histrica de lutas corporais com a floresta,
com os homens, com outras mulheres e at mesmo com o progresso tecnolgico da indstria,
no ethos do trabalho destas profissionais h a realizao de vita activa contemplada pelo
Labor, o Trabalho, o Trabalho Criativo e a Ao.
Palavras-chave: Condio Humana. Trabalho domstico. Empregada Domstica.
1 INTRODUO
Todo homem apenas faz o que deseja e, portanto, age de modo necessrio. E a razo
est no fato de que ele j aquilo que quer: porque tudo o que ele faz decorre
naturalmente do que . Artur Shcopenhauer, em O Livre Arbtrio
As cincias humanas tm avanado na compreenso dos fenmenos sociais,
afastando-se paulatinamente do esprito unvoco que aplica a sujeitos diversos, noes,
conceitos ou categorias de tendncia generalista. Na medida em que realiza este movimento,
aproxima-se de uma complexidade que, a um s tempo, conduz o pesquisador a uma viso
humanstica de seu objeto e remete-o reflexo filosfica e cientfica.
Adotamos como ponto de partida um questionamento que traveja todo o trabalho:
que condies prprias de resistncia vm sendo criadas em torno da empregada domstica no
bojo de sua vita activa?
Para tanto, o arcabouo metodolgico da Complexidade situado em Edgar Morin
concebe os sujeitos da relao tanto inseridos no ambiente onde atuam quanto interligados a
outros ambientes, a fim de procurar apreender um sistema de causa e efeito no linear.
Destarte, constituiu-se em uma reviso bibliogrfica em que procuramos situar o pensamento
de Hannah Arendt a respeito da Condio Humana e da Vita Activa. A partir destes dois
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conceitos foi possvel refletir em torno de uma condio humana da empregada domstica
como soma de suas atividades e capacidades.
Analisamos a empregada domstica inserida no Domstico - categoria de
pensamento construda por Suely Kofes (2001) - que abarca o sujeito na dimenso de suas
relaes intra e extra-casa. Esta categoria constituiu o ponto de centralidade desta pesquisa
que contempla um lugar enquanto espao e tempo, as relaes sociais nas estruturas sociais
capitalista suas interaes, normas e trato cultural brasileiro em geral e no Amazonas em
particular, da qual o trabalho domstico est inserido.
Na perspectiva da Sociologia do Trabalho e da essencialidade do trabalho
domstico os estudos formulados por Sueli Kofes (2001), Yoshiko Sassaki (1998), Amlia
Sina (2005) Margareth Rago (1997) e Maria Angeles Duran (1983), entre outros, subsidiam a
reflexo em torno das atividades realizadas pela mulher nas esferas do trabalho e/ou do lar.
Logramos desvelar, luz do pensamento de Hannah Arendt, a condio humana e
o ethos do trabalho domstico, a situao da empregada domstica em uma regio em que as
mulheres possuem uma herana histrica de lutas corporais com a floresta, com os homens,
com outras mulheres e at mesmo com o progresso tecnolgico da indstria.
1.1. O Labor e o Trabalho
Ao adentrar no pensamento arendtiano sobre a condio humana, este se desdobra
em trs categorias interrelacionadas: labor, trabalho e ao que so as atividades fundamentais
que orientam a vita activa conforme Arendt (2004).
Na hierarquia das atividades que constituem a vita activa do homem, o labor
corresponde ao processo biolgico do corpo humano, que tem a ver com as suas necessidades
vitais. A condio humana do labor a prpria vida (Arendt , 2004, p.15)
A seguir vem o trabalho que corresponde ao artificialismo da existncia
humana, produz um mundo artificial de coisas, diferente de qualquer ambiente natural. Para
esta filsofa a condio humana do trabalho a mundanidade.
Completando a trade vem a ao, nica atividade que se exerce diretamente
entre os homens, sem a mediao das coisas ou da matria, corresponde condio humana
da pluralidade, ao fato de que os homens (e no o Homem) vivem na Terra e habitam o
mundo. Aponta ainda que todas as atividades humanas so condicionadas pelo fato de que
os homens vivem juntos; mas a ao a nica que no pode sequer ser imaginada fora da
sociedade dos homens. (Arendt, 2004, p.31).
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A filosofia crist, particularmente em Toms de Aquino, acentua, na opinio de
Arendt, a noo de que era dever daqueles que no tinham outro meio de sobrevivncia,
manterem-se vivos. O dever, assim, era de sobreviver, e no de trabalhar, se fosse possvel a
um homem sustentar-se com esmolas, tanto melhor.
Essa ideia do labor como referencial da vida moderna ponto capital e decisivo
para a reflexo da condio humana das empregadas domsticas na Regio Norte do Brasil
(nomeadamente Amazonas) pelo motivo de que a ligao vida-corpo marcante na trajetria
histrica dessas mulheres nesta regio.
Importante ressaltar, ainda, que a condio de referncia da vida dada ao labor,
no exclui, dentro do pensamento arendtiano, outras capacidades humanas como as de realizar
trabalho criativo e comunicao inteligvel.
Uma condio humana, portanto, simplesmente um retrato de uma manifestao
possvel e passvel de ser recriada pelo prprio homem. a soma de tudo quanto se consegue
ser-no-mundo e que delineia (e s vezes at determina) o modo pelo qual se realiza a vita
activa do homem.
Hannah Arendt apresenta a noo de condio humana em contraposio noo
de natureza humana, esta ltima compreendendo a realidade a partir de uma essencialidade do
homem frente s situaes da vida. Para esta filsofa (...) nada nos autoriza a presumir que o
homem tenha uma natureza ou essncia no mesmo sentido em que as outras coisas as tm
(Idem, p. 18). Assim, de maneira metdica, passa a construir o sentido de uma condio
humana como soma total das atividades e capacidades humanas.
neste diapaso que buscar-se- evidenciar a condio humana da empregada
domstica no lcus em que foi analisada (Amazonas). Como se trata, contudo, da soma de
atividades e capacidades, mister se fez adotar uma perspectiva: (1) a das atividades em si,
atravs da compreenso de como se realiza a vita activa do sujeito (labor, trabalho e ao) na
esfera social em que atua: Bem como (2) a das capacidades, que exige uma ateno ajustada a
aspectos subjetivos do sujeito que no estejam sendo levados em conta na realizao de sua
vita activa (capacidade de resistncia a presses, capacidade de se organizar coletivamente,
capacidade de transformar situaes externas).
H, portanto, de se levar em conta que o aspecto da legislao e das noes que
so identificadas no entorno da realidade da empregada domstica (explorao,
desorganizao, desmobilizao social, baixa instruo), embora respaldadas por pesquisas
estatsticas, so todos conceitos a priori - necessrios de serem levados em conta, mas
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insuficientes para fornecerem ao pesquisador a percepo da condio humana do sujeito,
todos esses so os riscos metodolgicos subjacentes a este trabalho dissertativo.
Tais noes de entorno podem ser consideradas como produtos de um olhar de
sobrevo, que no desvela a real posio da condio da empregada domstica pelo simples
fato de que relega o mundo de suas capacidades, o mundo dos significados em que esteja
inserida, aquele em que tudo, para ela, faz todo o sentido (no ir ou ir Justia do Trabalho,
deixar ou no deixar os filhos em casa, buscar ou no outro tipo de ocupao, considerar-se
ou no uma profissional, ser ou no ser de determinada maneira).
Reportamos em Arendt (Idem, p. 12) que assevera com propriedade que (...) os
homens que vivem, se movem e agem neste mundo, s podem experimentar o significado das
coisas por poderem falar e ser inteligveis entre si e consigo mesmos. Este pressuposto de
comunicao inteligvel que proporciona um estado em que se admita a existncia de um
homem singular - inteligvel para si mesmo, e um homem plural, em constante relao com
outros, ambos em ininterrupta tentativa de dar significado s impresses que cercam a vida.
Isto, essencialmente, traduz o que a vita activa, ou seja, tudo o que o homem faz
quando se movimenta no espao da vida com o intuito de entend-la, de dar significado s
coisas que o cercam. Para Arendt, tudo isso so, na verdade, manifestaes elementares da
condio humana que ela traduz nas trs esferas: o labor, o trabalho e a ao.
Estas atividades, portanto, - consideradas fundamentais - emergem no mbito da
vida da empregada domstica em um espao dinmico e sui generis, que fornece a ela as
condies bsicas para realizar-se em sua humanidade.
Por tudo isso, cabe distinguir, aqui, que a vita activa, a partir da orientao de
Arendt (2004), s revela, de fato, a Condio Humana do homem quando levada em conta, na
sua constituio, o complexo de significaes que envolvem este sujeito, e no somente o
mundo das normas e das estatsticas que, por si s, so o resultado das atividades postas como
esto e que bem poderiam ser considerados efeitos.
Suely Kofes (2001), ao analisar a relao entre patroas e empregadas domsticas,
afasta-se da ideia de categorias fixadas e determinadas em grupos de homens e mulheres
organizados em classes, etnias ou raas, e opta por se manter em uma perspectiva o mais
desabitada possvel de conceitos a priori, a fim de construir uma categoria ampla - o
Domstico - que ao se situar para alm da unidade domstica, pode auxiliar na
problematizao.
Considerando-se, assim, a empregada domstica no como classe ou grupo, mas
como categoria pouco demarcada e rgida, dinmica e em constante mutao, pode-se lograr
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penetrar com mais liberdade na complexidade de sua vita activa e, por conseguinte, na
construo de sua condio humana, enquanto categoria social.
Esse exerccio de liberalidade, contudo, realizar-se- a partir do olhar de
sobrevoo, paulatinamente, inserindo-se no mundo dos significados do sujeito e dos sujeitos
que com ela interagem. At o momento em que tentar refletir em sua condio humana como
condio total, dentro da vita activa. Isto por duas razes simples. que no contexto
esboado pela filsofa, h que se considerar duas relaes gerais diretamente ligadas ao
conceito central da condio humana.
A primeira delas que a vita activa consiste em coisas produzidas atravs de
atividades humanas (labor, trabalho e ao); e a segunda, que ao mesmo tempo em que os
homens so condicionados por estas atividades eles tambm criam as suas prprias condies.
em direo a este ltimo ponto que se pretende caminhar, norteado por um questionamento
bsico transversal neste artigo: Que condies prprias de resistncia vm sendo criadas pela
empregada domstica no bojo de sua vita activa?
Vislumbra-se o fato de que a vita activa da empregada domstica se acerca de
fatores condicionantes que refletem a prpria dinmica da categoria no mundo social.
Todavia, tambm se acerca de fatores de resistncia que quebram com estes
condicionamentos e que podem (muito bem) no estarem relacionados mobilizao social
de classe, mas a modos particulares de organizao pouco estudados, espcies de lacunas que
necessitam ser preenchidas, onde as empregadas pensam e se sentem atuando coletivamente,
na esfera desta Ao.
1.2. O Trabalho Domstico
Pelo menos duas vertentes distintas h com relao ao trabalho domstico. A
primeira que afirma advirem os domsticos de uma conjuntura onde eram valorizados por
seus empregadores, com honrarias e privilgios; e a segunda, que identifica seu aparecimento
com a prtica escravagista, o que explicaria todo o preconceito e descaso por eles sofrido ao
longo dos tempos.
Credor da primeira tese, Roberto Davis (1998, p. 45) expe:
O trabalho domstico assalariado uma instituio imemorial, tanto que a ele so
numerosas as referncias mitolgicas, bblicas e, igualmente, na antiguidade
clssica, a episdios dos quais temos notcia. (...) Na Grcia, tornou-se notvel
Automedonte, intrpido cocheiro de Aquiles; Ganimedes, prncipe troiano, teria sido
raptado por Zeus para ser copeiro dos deuses. Em Roma, a situao parece no ter
sido diferente, pelo que se infere do exemplo de Fredegunda, terceira mulher de
Quilprico (545/597), servial que mandou degolar as duas primeiras esposas
daquele infortunado rei franco.
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Outros exemplos, alm dos citados acima, poderiam vir compor esta imagem. A
literatura universal de Shakespeare mostrou a fidelidade incondicional da criada que prefere
morrer com sua senhora, depois de descobrir o crime trgico de Otelo. O clssico Os amores
de Moll Flanders, de Daniel Defoe, trazido para o cinema em 1995 por Robin Wright , traz a
silenciosa e aristocrtica figura de um mordomo que auxilia a protagonista em todos os
momentos cruciais da vida. No filme, Wright tem a sensibilidade de colocar o mordomo
como o prprio narrador desse drama americano do incio do sculo XVIII.
Destaca Fros (2002) que o trabalho domstico, em suas origens, diferentemente
do que muitos pensam, era exercido nas cortes de reis e gros-senhores como tarefa
nobilitante; na poca medieval, pajens e escudeiros dispunham de graus de escala honorfica
das ordens de cavalaria e que ser aia de uma dama de estirpe era honraria disputadssima.
Como justificativa pelo que ocorrera, ao longo dos anos, com os escravos, Fros
(2002) afirma que os senhores rurais e urbanos teriam deslocado escravos das senzalas para
dentro de suas casas com a finalidade de eximirem-se de aplicar leis que (j quela poca)
protegiam os domsticos, a exemplo das Ordenaes Manuelinas de 1512 no Brasil.
Por outro lado, a prtica escravagista remonta ao tempo das guerras, quando o
grupo vencedor escravizava os adversrios que haviam perdido, a fim de que os mesmos
passassem a servi-los. Para Oliveira (citado em Fres 2002) a escravatura foi um fenmeno
universal no mundo antigo:
(...) Durante sculos seguiu manchando a histria humana, deixando em seu trajeto
ignominioso um rastro de ndoa indelvel e criminosa. Na velha Roma, o trabalho
manual, porque reservado para os escravos, era considerado atividade subalterna e
desonrosa, pesando sobre ela o estigma de carga, fadiga, nus, penalidade.
Entre os gregos, alguns pensadores chegaram a ensinar que o escravo no era
servo em razo da natureza, mas por conveno dos homens. Fato que a escravido durou
sculos e o trabalho humano (...) veio atravessando as eras com esta conotao
preconceituosa de sofrido encargo, assevera Oliveira (em Fres, 2002).
A ideia de escravido, contudo, no tinha exatamente as mesmas associaes, nas
sociedades muulmanas, que nos pases da Amrica do Norte e do Sul, descobertas e
povoadas pelos pases da Europa Ocidental a partir do sculo XVI. Hourani (citado em Fres,
2002) elucida que a escravido era um status reconhecido na lei islmica:
(...) eles no possuam todos os direitos dos livres, mas a charia determinava que
fossem tratados com justia e bondade; era um ato meritrio libert-los. O
relacionamento de senhor e escravo podia ser estreito e continuar a existir depois de
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liberto o escravo: ele podia casar-se com a filha do senhor ou tomar conta dos
negcios dele (...)
J os criados domsticos, ainda na sociedade islmica, ficavam parte porque
muitos eram mulheres, uma vez que tal servio, ou outros que pudessem ser feitos na casa,
eram quase o nico tipo de ocupao urbana, aberto s mulheres, e tambm porque muitas
delas eram escravas.
O Cristianismo, com Santo Agostinho e So Toms de Aquino, veio fornecer uma
concepo de trabalho ligada justia e sublimao. Apesar de no pregarem abertamente o
fim da escravido, reclamavam um tratamento digno e caridoso para com os servos, uma vez
que tambm eles corporificariam a imagem viva do Criador, visto serem todos os homens
iguais uns aos outros perante Jesus Cristo.
No Brasil Colonial, segundo Algranti (1997, p. 143) com o passar do tempo e
com a formao de famlias habitando a colnia e fixando residncias, dois elementos
comearam a dar um carter especial s atividades no interior dos domiclios: a escravido e o
ter de lidar com a falta de produtos. Por conta disso, a atividade domstica acabou por herdar
um estigma escravagista em sua histria, baseado em descries como a que segue:
(...) Introduzida de incio na lavoura aucareira no litoral nordestino em meados do
sculo XVI, a escravido negra espalhou-se por toda a Colnia, interferindo
diretamente no modo de viver, de produzir e nas relaes pessoais dos indivduos e
de toda a sociedade. Resultou da um preconceito prprio das sociedades escravistas,
em relao ao trabalho manual, que se imps lentamente conforme aumentou o
nmero de escravos africanos. Grande parte do trabalho desenvolvido no interior dos
domiclios coube, portanto, a eles, figuras indispensveis inclusive nas casas mais
simples, que possuam poucos escravos e at mesmo viviam do aluguel ou do
trabalho de seus negros nas ruas das cidades.
Isso aponta que os domsticos, no Brasil, alm de herdarem o estigma da
escravido, em sua maioria, compunham-se de mulheres, o que, inegavelmente, corroborou
sobremaneira para uma difcil trajetria emancipatria.
Davis (1998) chega a dizer que no obstante a influncia da igreja e da indstria,
dentre outros fatores, pode-se afirmar que o enfoque dado ao reconhecimento social do
domstico, deveu-se ao desenvolvimento da estrutura social e poltica de cada pas. O que faz
com que na Europa, por exemplo, hoje em dia, lhes sejam concedidos mais direitos que na
Amrica Latina e no Brasil, lcus de uma legislao tmida e herdeira de um escravagismo
colonial que tardou em ser superado.
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No Brasil, a presena das mulheres na fora de trabalho vem aumentando de
forma consistente e significativa nas ltimas dcadas. Segundo dados do IBGE (2000) entre
1960 e 1990, o nmero de mulheres economicamente ativas mais que triplicou, aumentando
de dezoito para cinquenta e sete milhes, enquanto o nmero de homens nessa condio no
chegou a duplicar, aumentando de oitenta para cento e quarenta e sete milhes (Abramo,
2001). Nesse mesmo perodo a taxa de participao feminina aumentou de 18% para 27,2%,
enquanto a masculina diminuiu de 77,5% para 70,3% na populao economicamente ativa
PEA - segundo Bruschini, (1998).
Braig & Br (2001) salientam que na Amrica Latina e no sudeste asitico, as
mulheres em idade escolar primria e secundria tm alcanado progresso considervel, e
tanto nos centros de formao profissional como tambm nas universidades tm aumentado a
quantidade de mulheres. Mesmo aps se casarem e terem filhos elas demonstram no estarem
dispostas a abandonar o trabalho fora do lar. Ainda assim, junto desta presena (cada vez
mais marcante) cresce tambm a jornada de trabalho feminina e se acentuam as diferenas das
condies de remunerao e da presena maior de mulheres em trabalhos considerados
ocultos ou tarefas invisveis que esto relacionados s tarefas realizadas no lar ou nas
empresas familiares.
A este respeito Abramo (2001) elenca dois pontos: (1) uma ascendncia da
participao da mulher no mercado de trabalho e uma leve diminuio das taxas de atividade
masculina, no acompanhada por uma diminuio significativa das desigualdades
profissionais entre mulheres e homens; e (2) a luta pela autoafirmao exterior economia
do lar no produziu uma volta ao lar. Aponta ainda que a atividade feminina cresceu
significativamente no mercado de trabalho e a mulher economicamente ativa se dedica ao
trabalho fora do lar por muito mais anos e por um largo nmero de horas.
Fato esse constatado por Bruschini (1990) nos anos 90, complementado por
Sassaki (1998, p.41):
A disponibilidade das mulheres para o trabalho assalariado, segundo
Bruschini(1990), depende de uma complexa combinao de caractersticas pessoais,
como idade e a escolaridade e familiares, como estado civil e a existncia de filhos,
somadas com as caractersticas da prpria famlia como o ciclo de vida e a estrutura
familiar.Sendo que esses fatores se interrelacionam com as condies
socioeconmicas da famlia, direcionando as mulheres em cada estgio da vida
familiar para os afazeres domsticos ou, para as atividades econmicas dentro e fora
do lar
Conforme Kartchevsky-Bulport (1986) citado por Sassaki, (1998, p.37):
O assalariamento feminino um fato histrico que emana de contradies e no de
pseudo-unidade lgica do sistema capitalista. As mulheres ingressam no mercado
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de trabalho, contribuindo ao mesmo tempo para uma eventual transformao das relaes sociais de classes e entre os sexos, sem ser possvel definir qual
preponderante.
Encarando a questo pelo prisma da complexidade, e procurando detalhar a linha
de movimento do trabalho feminino, no Brasil, percebe-se historicamente uma diversidade de
causas preponderantes tanto econmicas quanto sociais e at mesmo psicolgicas oriundas de
toda uma trajetria especfica de experincias femininas. Sassaki (1998, p.37) acrescenta que:
A sociedade capitalista contraditria e, as mulheres e meninas so colocadas no
apenas diante da ideologia que determina o que o comportamento feminino, como
tambm diante de ideologias que pregam o sucesso profissional no mundo
competitivo e no domstico do trabalho. As respostas dadas pelas mulheres a esta
contradio, representam um contnuo movimento de acomodao e resistncias s ideologias de papis sexuais(ANYON,1991) ou conformismo e resistncia como
acentua Chau(1994).
Sina (2005) aponta que essa participao da mulher no mundo econmico e social
do pas atravs do trabalho possui uma fase bastante caracterstica, na qual ela salta da
condio de rainha do lar at os anos cinquenta, para feminista a partir dos anos sessenta
quando a populao brasileira (ento com cinquenta e dois milhes de habitantes) vivia o
sonho da perfeio americana entronizado pela tela da televiso.
Mesmo cercadas de preconceito surgiram nesta poca as primeiras garotas-
propaganda e as jornalistas comearam a dar os primeiros passos no mundo da mdia
eletrnica, era rara a atuao de mdicas, engenheiras, advogadas, bilogas, historiadoras.
Todavia, o que comumente faziam as mulheres dessa poca, de forma a no causar grandes
resistncias, diminuir os olhares de desconfiana e revolver a terra rida da competio com
os homens eram atividades marcadas, em sua simplicidade, pelo cuidado e pelo
perfeccionismo, o que lhes granjeou avano no mundo das atividades remuneradas.
Os trabalhos femininos dessa poca podem ser assim destacados: Trabalho nas
linhas de montagem de tecelagens ou nas empresas de ramo alimentcio (reservado a mulheres
de poucos recursos econmicos); trabalho no comrcio (tambm reservado a mulheres
pobres); trabalho com telefonia (as telefonistas vm sendo a imagem da comunicao a dois,
distncia, desde os seus primrdios); trabalho como aeromoa, desenvolvido principalmente
no ps-guerra e que introduziu a mulher no mundo dos plantes e das escalas; trabalho em
carreiras de fino trato como tocar um instrumento com maestria, o que abria caminho ao
magistrio (reservado s moas da classe mdia); trabalho como professora, atravs do qual
algumas mulheres lograram abrir suas prprias escolas nos anos cinquenta, iniciando-se no
empreendedorismo; trabalho como empregadas domsticas, na verdade uma atividade
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classicamente reservada s moas de poucos recursos econmicos e de baixa escolaridade, de
acordo com Sina (2005, p. 39-42).
Observa-se, assim, que a ideia de submisso feminina, muito embora gravada na
memria coletiva atravs do esteretipo da dona-de-casa perfeita, carece de respaldo
histrico, pois apesar de estarem situadas dentro do lar ou em espaos em que era aceitvel
a sua fora de trabalho, tratavam de ampliar os seus domnios.
Essa ampliao colaborou na redefinio da fixao de homens e mulheres nas
atividades produtivas, bem como no interior das famlias. Ocorria uma reorganizao familiar
e neste bojo comeava a surgir uma trabalhadora domstica diferenciada das escravas, das
amas e das servas que no passado andaram as voltas com suas sinhs e patroas.
A segunda metade do sculo XX apresentou uma tendncia significativa de
alterao no modelo de famlia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. De acordo com
Oliveira (2005, p. 123) houve um declnio acentuado no modelo patriarcal de famlia baseada
nos papis de homem-provedor e mulher dona-de-casa. Nessa estrutura familiar tradicional,
calcada em papis sexuais, cabe ao homem manter relao direta com o espao pblico (lugar
onde exerce atividades de natureza instrumental) com a finalidade de suprir as necessidades
materiais da casa e dos que a habitam como provedor. Caber mulher intermediar as
relaes afetivas prprias do espao privado (lugar onde exerce trabalhos domsticos) com a
finalidade de manter racionalmente o bem-estar dos membros da famlia, como dona-de-casa
e dependentes do provedor.
Oliveira (2005, p. 127), apresenta importante e oportuno questionamento para a
compreenso integral do declnio desse modelo: Ser que a mulher cnjuge ativa (como
chama aquela que passou a trabalhar na esfera pblica), adquiriu, efetivamente, o papel de
coprovedora? Ou mesmo, em alguns casos, de provedora da famlia? A base emprica do
trabalho deste pesquisador compreendeu de mais de mil e seiscentas pessoas de ambos os
sexos, com dezoito anos ou mais, todas, residentes em reas urbanas do Brasil.
Os dados apontaram no sentido da redefinio gradativa dos papis familiares de
gnero no que diz respeito proviso familiar. Os alicerces do modelo patriarcal foram
enfraquecidos devido passagem da mulher dona-de-casa em tempo integral para a mulher
trabalhadora assalariada em tempo integral. Tal mudana vem permitindo um crescente
avano na funo da mulher como coprovedora e provedora da famlia, transformando-se nas
chefes de famlias.
Portanto, o homem na famlia brasileira continua sendo o provedor de referncia,
todavia, ele j no o nico provedor, e em alguns casos ainda, como revelou o grupo de
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famlias mais escolarizadas estudado na pesquisa em foco, ele no mais o provedor
principal. A mulher brasileira vem efetuando, de fato, o movimento crescente de insero em
atividades remuneradas fora do lar, o que alterou a funcionalidade do seu papel dentro da
casa.
Considera-se que participao feminina no mundo do trabalho forou a duas
reorganizaes no Brasil: uma legislativa, que tornou a atividade assalariada feminina um fato
social irreversvel, mas que ainda no logrou superar algumas disparidades relativas
remunerao e jornadas de trabalho; e outra familiar, que delegou empregada domstica
remunerada os trabalhos domsticos dos lares e virtude sua essencialidade, de acordo com
Farias (1982).
O trabalho feminino, ao contrrio do trabalho do homem, precisou ser
reconhecido no mundo social como um direito e continua em plena trajetria de
reconhecimento. Esse direito algumas vezes caracterizado por uma ambiguidade
veladamente exposta no caso das trabalhadoras domsticas, que embora sendo mulheres
exercendo uma atividade remunerada no logram o reconhecimento pleno legal e social de
sua condio.
1.3. Emancipao da atividade domstica como Trabalho
Enquanto trabalho feminino domstico as atividades realizadas tanto pela dona-de-
casa quanto pela empregada domstica possuem as mesmas caractersticas; em termos de
natureza, inclusive, pode ser pensado sob o ponto de vista destes dois sujeitos.
O carter de trabalho dessas tarefas, contudo, tem sido invisvel na histria,
tambm sob o ponto de vista destas duas personagens. mulher do modelo familial
patriarcal, as atividades domsticas sempre foram consideradas naturais para mulheres dentro
da diviso sexual do trabalho e tambm gratuito. mulher empregada domstica sculo XXI
as tarefas so tidas como to especficas que chegam a ser enquadradas em lugar diferenciado
dos outros trabalhadores, no escopo da lei.
Para Duran (1983), o trabalho da dona-de-casa adquire uma segunda dimenso que
vai alm daquela em que o trabalho individualizado (da mulher para os membros da sua
famlia). H, nessa atividade, uma dimenso coletiva, que torna este trabalho socialmente
necessrio para que a sociedade siga o seu ritmo produtivo. Segundo esta autora (...) O
trabalho de dona-de-casa no produz diretamente para o mercado, mas uma condio
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imprescindvel para que o mercado exista, tanto o mercado de bens e servios como o de mo-
de-obra (Idem,p.41).
Ainda na opinio desta autora, talvez no haja nenhum outro trabalho to
necessrio quanto este na economia dos pases, uma vez que se as tarefas executadas por estas
trabalhadoras fossem executadas entre os trabalhadores da economia exterior ao lar,
requereria uma quantidade de pessoas trs vezes maior do que o nmero atual de
trabalhadoras das economias domsticas.
Para Fortuna (1981, p. 54) o trabalho da mulher identifica-se com os esforos
intelectuais e fsicos que ela desenvolve para levar a cabo tarefas que diariamente executa
como agente econmico e como dona-de-casa, sendo este de grande importncia para a
coletividade, devido sua contribuio para as famlias, pela soma de utilidades e satisfaes
que lhes proporciona. Ainda assim, a sua gratuidade um fato que muitas vezes tem levado a
descriminao deste trabalho.
Conforme ainda esse autor, pesquisas feitas na Europa dizem que se os homens
tivessem de pagar s respectivas esposas, pelos preos correntes de mercado, as tarefas que
elas executam gratuitamente no lar, a maioria deles no disporia de meios financeiros
suficientes para suportar esse encargo(idem, p. 21).
Contudo, a questo da gratuidade do trabalho, para Rago (1998), apenas
consequncia, e no causa da desvalorizao dessa atividade. Esta autora acredita que a
sociedade tenta no admitir o valor do trabalho feminino domstico negando justamente o seu
carter de trabalho. Como, ento, afirmar com segurana que se trata de trabalho?
A pesquisa especfica j logrou desvelar o valor do trabalho domstico no atravs
da empregada domstica, mas atravs da figura da dona-de-casa que com o tempo se
transformou em patroa. Com base no disposto por Duran (1983), o trabalho feminino
domstico possui alguns caracteres que podem ser assim resumidos:
a) As tarefas domsticas requerem um processo que um processo de trabalho. Trata-se de uma atividade adequada a um fim, um objeto e determinados
meios. Para realiza-lo preciso prev-lo em todas as suas fases antes de
comea-lo, exigindo de quem o executa um certo sentido de planejamento;
b) tais atividades esto adequadas ao fim a que se propem e estes fins so, em primeiro lugar, a famlia a que se destina;
c) a tarefa domstica exige o manejo de objetos cujo valor de uso se transforma e at aumenta a partir da ao sobre eles; trata-se, portanto, de transformao
material de bens, muitas vezes at ampliando-se para compra, transporte para
casa, armazenamento, diviso e distribuio entre os membros da famlia;
d) O servio de casa tem como objetivao a manuteno e valorizao do patrimnio domstico, muito embora tal objetivao padea, ao mesmo
tempo, a impossibilidade de identificar-se como uma obra, visto que
desaparece poucas horas depois de feito, sem deixar outro rastro seno
aquele da prxima tarefa que advir. (idem,p.18-27)
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Desta forma, pode-se afirmar que quando realiza, na vida prtica, os atributos de -
processo, destino, transformao material e objetivao - a dona-de-casa realiza,
efetivamente, trabalho amplo e socialmente necessrio, com ou sem ajuda da empregada
domstica.
Mas, as semelhanas acabam por a. O trabalho feminino domstico remunerado
adentra em outra esfera de relaes distintas da imagem americana da dona-de-casa perfeita
ou rainha do lar, pois a domstica realiza as suas tarefas hierarquicamente subordinada
patroa, sob a sua superviso ou orientao. A prpria denominao dona-de-casa parece
exprimir a outra funcionalidade quando da introduo da empregada domstica. No lugar da
esposa que realiza as atividades da casa passa proprietria que organiza e administra a
economia domstica, incluindo-se a disciplina dos empregados da casa.
1.4. A esfera da Ao: tenso entre pblico e privado e a resistncia silenciosa
Na execuo de sua atividade a empregada domstica atua no cerne de uma
dicotomia do espao: o pblico e o privado.
Contudo, importante que se entenda a evoluo porque passou o conceito de
espao pblico e de espao privado, segundo Arendt (2004). Para esta filsofa, a apario do
social alterou em definitivo o sentido destes termos. O privado deixou de ser pensado como
algo de restritivo (como na Grcia) ou de temporrio (como em Roma) para se tornar algo de
positivo. O carter de privao (que permanece na raiz do termo privado) desapareceu
completamente com o individualismo moderno.
Ainda mais importante o fato de que o privado, no mundo moderno, no se ope
ao poltico, mas ao social. o que se pode verificar em Rousseau, o primeiro, que explorou
este individualismo, segundo Hannah Arendt. Rousseau no se revolta contra o poder poltico
opressor, mas contra uma sociedade invasora da privacidade, retomando o sentido antigo de
privado, pois uma vida inteiramente privada implicaria em viver privado de coisas essenciais
a uma vida verdadeiramente humana.
A vida privada, portanto, na modernidade, no s a vida no interior da prpria
casa, mas aquela dos interesses pessoais e das questes pessoais (problemas ou solues);
aquela, em suma, onde os arbtrios logram privilegiar a si e aos seus (a famlia ou os amigos),
enquanto a vida pblica o espao em que tais arbtrios se diluem e as relaes so regidas
pelas normas ou leis, muito embora, no raras vezes, o mundo das normas ouse agir,
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diretamente, sobre o mundo das relaes privadas, como no caso do estatuto da criana e do
adolescente e das delegacias de defesa da mulher.
Como entender, portanto, a tenso entre pblico e privado, vivenciada pela
empregada domstica? Ora, sob o ponto de vista da patroa ou do patro, a empregada
domstica mergulha em sua esfera privada, mas sob a tica dela mesma, quando sai de sua
casa para ir casa da patroa, que se insere na esfera pblica. E l, na casa do patro ou da
patroa, que no raras vezes ela passa a tomar conscincia da difcil articulao entre sua vida
familiar e sua vida profissional.
Na esfera do cotidiano de seu trabalho a empregada domstica comea a notar o
quanto improvvel que os seus problemas pessoais (com quem deixar os filhos, o que fazer
se engravidar, como se comportar quando quebra um objeto, o que falar, como agir, etc.)
sejam desconectados e tratados como questes coletivas, na arena poltica sindical que j
logrou conquistas como creche, contracepo e procedimentos bsicos para outras profisses.
Ainda uma vez sobrevm sobre a empregada domstica a confuso em que se
arrosta por lidar no limiar do pblico e do privado. A realizao de suas atividades na esfera
privada do lar gera certa oposio a que os problemas a ela relacionados cumpram a trajetria
que j cumpriram para outras profissionais de serem transformados em questes de interesse
coletivo. Tardam, assim, para a empregada domstica alguns direitos bsicos, como
destacaremos adiante.
Esta tenso responsvel, no mbito da legislao que ampara as empregadas
domsticas, por um posicionamento contra a equiparao desta trabalhadora aos demais
profissionais justo porque o seu ambiente de trabalho - o lar -, no poder, em nenhum
momento, ser comparado a uma empresa, propriamente dita.
No mbito da vita activa da empregada domstica essa tenso acarreta uma srie
de dificuldades de incompreenso no relacionamento das mesmas com os seus empregadores.
Afinal, no mbito privado e diminuto da famlia as questes pessoais de relao esto muito
mais entrelaadas do que no ambiente de uma fbrica, por exemplo.
por conta disso que, muitas vezes, mesmo os patres se dando tarefa de
esclarecer a empregada domstica sobre os seus direitos, isso no ser suficiente para articular
a vida particular e profissional dessa trabalhadora numa esfera mais organizada e ampliada da
sociedade.
Observa-se, assim, no aspecto social, a esfera da ao ou do pensar politicamente
ou com liberdade, est comprometida para a empregada domstica no que se refere a trs
aspectos cruciais: a) a tenso que vive entre o pblico e o privado confunde as relaes
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pessoais e profissionais no seu ambiente de trabalho; b) o baixo nvel de articulao para
mobilizao social que provavelmente leva a uma legislao tmida; c) a herana escravagista
ainda nos dias de hoje submete a empregada condio de trabalhadora precria e mal
remunerada;
No que tange a esse ltimo aspecto, Abramo (2001) constata que tambm tem
havido um aumento da proporo de mulheres nas chamadas formas precarizadas de trabalho
(com salrios baixos, baixa produtividade, ausncia de contratos, ausncia de proteo social),
tanto nas velhas ocupaes precrias (trabalho domstico, por conta prpria) como nas
novas modalidades de trabalho em domiclio, eventual, em tempo parcial ou subcontratado.
Essa imagem da ocupao precria, em lugar da imagem da profisso, est
claramente posta na sociedade, levando, qui, a empregada domstica a no identificar a si
prpria e o seu trabalho como tal.
Deve-se recorrer, por isso, ao apelo de que a empregada domstica tornou-se, por
toda esta ordem de fatores, um ser incapaz na esfera da ao. E, portanto, incompleto na
realizao de sua vita activa?
Seria simples adentrar neste caminho, e at lgico, entretanto, trata-se, aqui, de
desvelar a construo de uma Condio Humana como soma de atividades realizadas e
capacidades do ser. Por isso mesmo, necessrio que se amplie o olhar ao patamar da
resistncia a toda essa ordem de presses sofridas por esta categoria.
Poder-se-ia dizer que tal resistncia, atualmente, assemelha-se, em grande parte,
quela empreendida nas primeiras dcadas do sculo XX, no Brasil, por boa parte das
mulheres que trabalhavam como operrias. Segundo Rago (1997, p. 579), no romance
Parque Industrial, de Patrcia Galvo, est denunciada a difcil vida das operrias dessa
poca. Cujas jornadas de trabalho eram longas, os salrios baixos, a relao de foras
desiguais entre patres e empregadas levava a maus-tratos por parte dos primeiros, e alem
disso, ainda havia um contnuo assdio sexual.
Nas mobilizaes e greves que realizaram contra a explorao do trabalho, nos
estabelecimentos fabris, entre 1890 e 1930, as operrias foram, muitas vezes, descritas como
mocinhas infelizes e frgeis. Apareciam desprotegidas e emocionalmente vulnerveis aos
olhos da sociedade e, por isso, podiam ser presas fceis da ambio masculina (Rago, 1997, p.
579).
Essa imagem vitimizada, de uma figura peripattica, altamente manipulada, sem
expresso poltica e nem contorno pessoal, tem sido frequentemente reproduzida para uma
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identidade da trabalhadora domstica dos dias de hoje, apesar de se ver algumas raras
inseres opositoras.
Contudo, raramente se atenta para um fato: as lutas de classes pelo
reconhecimento dos direitos da mulher iniciaram, curiosamente, nas cozinhas das manses,
como se observa na seguinte descrio de Rago (1997, p. 594) que relata que (...) enquanto
as fmeas da burguesia descem de Higienpolis e dos bairros ricos para a farra das
garonires e dos clubs, a criadagem humilhada, de touquinha e avental conspira nas cozinhas
e nos quintais dos palacetes. A massa explorada cansou e quer um mundo melhor! No eram,
assim, somente figuras como Pagu que se rebelaram contra a moral social vigente na poca. O
ato de conspirar nas cozinhas e nos quintais bem uma atitude de quem est cansada de
uma situao de humilhao domstica e tenta novas perspectivas de trabalho.
A conspirao como ato de maquinar e entrar em conluio com outros a fim de
tramar alguma coisa , portanto, uma ao por si s silenciosa, mas que denota uma
capacidade de resistncia muito particular, sutil, prpria daquelas que passaram anos
vivenciando uma realidade acertadamente traduzida no ditado popular grego os homens
so a cabea da famlia, mas a mulher o pescoo, que gira a cabea para onde quer!
Tudo isso parece indicar a realizao de uma vita activa contemplada pelas
mulheres que trabalham nesta profisso nas casas de famlia.
2 CONSIDERAES FINAIS
Diante deste percurso, conclumos que apesar de uma herana histrica de lutas
corporais com a floresta, com os homens, com outras mulheres e at mesmo com o progresso
tecnolgico da indstria, no ethos do trabalho das empregadas domesticas h uma diversa e
paradoxal realizao de um vita activa conforme o pensamento de Hannah Arendt,
contempladas nos caracteres a seguir:
a) Realiza labor, em razo das condies precrias de efetivao de suas
atividades e de todas as decorrncias materiais disso; na luta pela sobrevivncia ela reafirma a
condio referencial do homo laborans no mundo moderno e revive o estigma do
escravagismo;
b) Realiza trabalho criativo quando suas atividades englobam processo, destino,
transformao material e objetivao;
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c) No realiza trabalho criativo quando a tenso experimentada no limiar entre os
espaos - pblico e privado - faz emergir uma relao social de subjugao e violncia
mantida com o empregador;
d) Sempre realiza ao, pela resistncia silenciosa e sutil que opera.
Resta saber que novos contornos ganhou esta resistncia nos dias de hoje, como
esta se expressa no trabalho executado pela empregada domstica.
THE HUMAN CONDITION AND THE ETHOS OF DOMESTIC WORK
IN THE LIGHT OF HANNAH ARENDT THOUGHT
ABSTRACT: This article was able to reveal, in the light of the thought of Hannah Arendt,
labor, women's work and domestic work to understand the maid of activity. Under the
category of thought, the Domestic Suely Kofes. Because, presents the human condition as the
sum of all that can be in the world and indicates the completion of a vita activa in this area.
The methodological framework was complex approach of Edgar Morin. We conclude that
despite a historical legacy of physical fights with the forest, with men, with women and even
with the technological progress of the industry, the ethos of the work of these professionals
for the realization of vita activa contemplated by the Labor, Work, the Creative Work and
Action.
KEYWORDS: Human Condition. Domestic Work. Domestic Servant.
REFERNCIAS
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AS REFORMAS DA ADMINISTRAO PBLICA NO BRASIL: DO PATRIMONIALISMO NOVA GESTO PBLICA
Renato Pereira Monteiro
Pesquisador vinculado ao Research Center in Political Science and Administration (CICP). Doutorando em Contabilidade pela Universidade de Aveiro e Universidade do Minho em Portugal,
Mestre em Contabilidade pela UNISINOS, So Leopoldo-RS (2012) Bacharel em Cincias Contbeis pelo Centro Universitrio La Salle (2004)
Contador do IFRS Campus Porto Alegre. [email protected]
Cleber Augusto Pereira Pesquisador vinculado ao Research Center in Political Science and Administration (CICP).
Doutorando em Cincias da Administrao pela Universidade do Minho em Portugal, Mestre em Inteligncia Artificial pela UFMA, Maranho (2010), Bacharel em Cincias Contbeis pela
Universidade CEUMA, Maranho (1999), Professor Assistente na UFMA, Maranho. [email protected]
Neimar Sousa Pinto Pereira
Doutoranda em Cincias Empresariais pela Universidade do Minho em Portugal, Mestre em Administrao e Controladoria pela UFC, Cear (2010), Bacharel em Cincias Contbeis pela
Universidade CEUMA, Maranho (2005), Professora Assistente na UFMA, Maranho. [email protected]
Este estudo busca descrever os estgios da administrao pblica no Brasil ao longo dos anos, nomeadamente a gesto pblica patrimonialista, a burocrtica e a nova gesto pblica (NGP). O estudo relevante, pois permitiu evidenciar caractersticas e problemas de cada etapa, bem como a razo de seu surgimento. Nota-se que cada etapa surge como um processo de busca de melhoria do anterior. O patrimonialismo tinha problemas de no diferenciao entre o pblico e o privado, a burocracia problemas de ineficincia e a nova gesto pblica ao final surge na tentativa de aproximar a administrao pblica s necessidade das pessoas, alm de promover uma aproximao entre as prticas do setor privado na busca por melhor desempenho. Este estudo parte de uma robusta reviso da literatura para permitir identificar e descrever com clareza estas etapas. Palavras-chave: Patrimonialismo. Burocracia. Nova Gesto Pblica. INTRODUO
Pesquisadores como Hood (1991) e (1995), Barberis (1998), Spathis &
Ananiadis (2004), Mouritsen, Thorbjrnsen, Bukh, & Johansen (2004) Carvalho &
Santiago (2009), Palermo, Cohen, LoanClarke & Mellahi (2010), afirmam que a administrao do setor pblico, de um modo geral, vem passando por presses da
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sociedade para melhorar e qualificar sua gesto e para o aumento da transparncia. A
presso por mais qualidade na gesto do setor pblico deu origem a uma nova filosofia de
gesto denominada New Public Management NPM, surgida na dcada de 1980 em pases
como Dinamarca, Austrlia e Canad. Conforme afirma Hood (1991, 1995), a NPM
consiste em aplicar na esfera pblica conceitos e tcnicas de gesto desenvolvidas e
utilizados com sucesso na iniciativa privada. No Brasil ficou conhecida como Nova Gesto
Pblica NGP e seu objetivo principal obter maior eficincia e efetividade no alcance
dos objetivos das entidades pblicas.
Os motivos da presso por avanos na qualidade da gesto pblica so muitos.
Bliska & Vicente (2001), Araujo Neto, Freire, Ftima de Souza Rosano-pen, Carvalho, &
Abreu (2013) descrevem como propulsores deste cenrio as crises no petrleo ocorridas
em 1973 e em 1979, gerando a crise fiscal do Estado que j no obtinha recursos
suficientes para comportar seus gastos, atingindo o chamado estado de ingovernabilidade.
A crise fiscal que acarretou em um crescente dficit pblico, tambm apresentada como
sendo responsvel por este processo de modernizao para outros autores como Hood
(1995).
Dado este cenrio de crise, desde 1980, pases membros da Organisation for
Economic Co-operation and Development OECD, como Austrlia, Canad, Dinamarca,
Finlndia, Islndia, Holanda, Nova Zelndia, Noruega e Sucia passaram a direcionar sua
gesto para a obteno de melhores resultados. A experincia possibilitou aos organismos
pblicos desses pases uma reformulao de sua postura administrativa culminando na
remodelao de suas operaes para melhor atingir o interesse da sociedade e com maior
estabilidade financeira (Oecd, 2004).
O setor pblico brasileiro, passou por trs fases distintas que podem ser
considerados como estgios da administrao pblica, comeando na chamada era
Patrimonialista, depois a Burocrtica, e no seu estgio atual a Nova Gesto Pblica (NGP).
Este estudo tem como objetivo descrever estas fases at o advento da NGP, por meio de
uma robusta reviso da literatura em artigos publicados sobre a temtica.
O estudo est organizado apresentando incialmente o que a administrao
Pblica no contexto brasileiro para a seguir descrever os estgios pelos quais passou,
aprofundando a abordagem sobre a nova gesto pblica e a concluso ao final do estudo.
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ADMINISTRAO PBLICA
Como forma de dar sustentao ao estudo e ampliar o entendimento que se tem
sobre a Administrao Pblica em seu conjunto, faz-se pertinente entender o seu
significado e funcionamento. O termo Administrao Pblica quando utilizado em letras
maisculas representa o Estado agindo por meio de suas funes e exercendo atividades
administrativas. Meirelles (1989, p. 78-79) define a diferena entre a Administrao
Privada e a Pblica que apresentada no Quadro 1. Quadro 1 - Administrao Privada e Administrao Pblica
Administrar Em sentido lato gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues guarda e conservao alheia.
Administrao Particular
Gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens PARTICULARES entregues guarda e conservao alheia, envolve interesses particulares.
Administrao Pblica
Gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens PBLICOS entregues guarda e conservao alheia, envolve interesses pblicos. Neste sentido, entende-se como gesto de bens e interesses qualificados da comunidade no mbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum.
No entender de Meirelles (1989), a Administrao Pblica o conjunto de
aes do Estado no objetivo de gerir, cumprindo as leis, a moral e a tica, alm dos
interesses da sociedade, sempre respeitando os interesses da coletividade. Enfim, so as
aes que o Estado tem o dever e o direito de praticar.
A Administrao Pblica no Brasil deve obedecer aos princpios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia. Deve ser exercida por rgos da
administrao direta, pelos rgos da administrao indireta e pelos rgos da
administrao delegada. Tais princpios, norteadores da Administrao Pblica, so
apresentados no Quadro 2.
Quadro 2 - Princpios da Administrao Pblica
Princpio Entendimento
Legalidade Estrita obedincia lei; nenhum resultado poder ser considerado bom, nenhuma gesto poder ser reconhecida como de excelncia se executada revelia da lei.
Impessoalidade
No fazer acepo de pessoas. O tratamento diferenciado restringe-se apenas aos casos previstos em lei. A cortesia, a rapidez no atendimento e a confiabilidade so requisitos dos servios pblicos e devem ser agregados a todos os usurios indistintamente. Em se tratando de organizao pblica, todos os seus usurios devem ser pessoas muito importantes.
Moralidade Pautar a gesto pblica por um cdigo moral.
Fonte: Elaborado com base em Meirelles (1989).
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Publicidade Ser transparente, dar publicidade aos fatos e aos dados. uma forma eficaz de induo do controle social.
Eficincia Fazer o que precisa ser feito com o mximo de qualidade ao menor custo possvel. No se trata de reduo de custos de qualquer maneira, mas de buscar a melhor relao entre qualidade do servio e qualidade do gasto.
Segundo Sothe e Scarpin (2009, p. 28) dentre os princpios estabelecidos pela
constituio a eficincia apresenta-se como fundamental para o cumprimento das funes
atribudas administrao pblica. Tambm, nos ltimos anos, a publicidade dos atos
pblicos ganhou relevncia com o advento de meios mais abrangentes de comunicao,
como a rede mundial de computadores (Castro, 2011).
Percebe-se que a Administrao Pblica o agente responsvel por gerir os
bens pblicos no Brasil e deve realizar estas aes com fundamento nos Princpios
Norteadores estabelecidos na Constituio Federal. No Brasil, esta administrao passou
por trs perodos bem caractersticos e que no so excludentes entre si. Estes perodos
ficaram conhecidos como o da administrao patrimonialista, da burocrtica e da gerencial.
As caractersticas de um perodo anterior acabaram por contribuir para a formao do
perodo seguinte (Bresser-Pereira, 1996). Tais perodos so tratados na sequncia.
ADMINISTRAO PBLICA PATRIMONIALISTA
O patrimonialismo, como ficou conhecido o perodo da administrao pblica
patrimonialista, era a forma de atuao dos detentores de poder na poca das monarquias,
caracterstica dos Estados absolutistas europeus do sculo XVIII. Neste modelo, o
patrimnio pblico e o privado eram confundidos. Conforme Bresser-Pereira (1996, p. 3),
neste tipo de administrao, o Estado era entendido como propriedade do rei. O autor
ainda relata que a corrupo, o empreguismo e o nepotismo eram regras neste tipo de
administrao. A tica e a legalidade estavam em um segundo plano neste modelo de
gesto.
Tambm para Campante (2003) o patrimonialismo personalista e tende a
desprezar a distino entre as esferas privadas e pblicas. Afirma que o poder pessoal e o
interesse particular imperam nas decises. A mesma viso apontada por Martins (1997, p.
3) quando destaca que na poca do Patrimonialismo prevalecia o paternalismo e o
Fonte: Lima (2009).
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nepotismo que empregava os inteis letrados, na prtica do bacharelismo cujos critrios de
seleo e provimento oscilavam entre o status, o parentesco e o favoritismo. Verifica-se,
segundo a tica de Martins (1997), a falta de profissionalismo da gesto pblica neste
perodo.
A administrao pblica, nesta fase, era dominada por grupos que visavam
manuteno de seu poder, a garantia de seus interesses e a proteo mtua de seus pares.
Esses grupos se aglutinavam no aparato estatal para defender seus interesses, em busca de
recursos pblicos para sua sobrevivncia, construindo uma rede de apoio de lealdade
poltica e preservao de lideranas. Esta face do patrimonialismo pode ser sentida ainda
nos dias atuais (Abrucio, 2007).
Motta (2007) descreve que a gesto dos recursos pblicos era voltada para
atender demandas e necessidades de pequenos grupos particulares, aplicada na troca de
favores, ficando em segundo plano o uso destes nas demandas e necessidades reais da
comunidade, no referido perodo. Neste contexto, uma gesto econmica direcionada aos
interesses da sociedade parece que inexistia neste perodo da administrao pblica
nacional.
Costa (2008, p. 846) afirma que a reforma administrativa do Estado Novo foi o
primeiro passo para superar o patrimonialismo classificando como uma ao deliberada e
ambiciosa no sentido da burocratizao do Estado brasileiro.. Na tentativa de combater as
prticas de pessoalidade, a descentralizao inadequada da gesto, a relao imoral entre o
pblico e o privado surgiu a Administrao Pblica Burocrtica que visava entre outras
coisas estabelecer o sistema de mrito, separao entre o pblico e o privado, enfim
construir uma administrao mais racional e eficiente para o crescimento e
desenvolvimento do pas (Costa, 2008).
ADMINISTRAO PBLICA BUROCRTICA
O segundo perodo pelo qual passou a administrao pblica brasileira foi o
modelo de gesto burocrtica, implantado no Brasil, durante o regime militar, nos anos 60,
na tentativa de extinguir o modelo patrimonialista e avanar na profissionalizao do
servio pblico (Bresser-Pereira, 1996). O modelo burocrtico foi muito difundido no
sculo XX, uma vez o Estado comeou a exercer um papel social diferenciado, destinado a 27
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atender as demandas da sociedade por sade, educao, segurana, cultura, previdncia e
pesquisa cientfica.
Secchi (2009, p.350) destaca que o modelo burocrtico weberiano atribudo a
Max Weber por que o socilogo alemo analisou e sintetizou suas principais
caractersticas. Ficou conhecido tambm na literatura inglesa como a progressive public
administration, que induziu mudanas no setor pblico dos Estados Unidos, no sculo XIX
e XX. Secchi (2009, p. 350) ainda afirma que desde o sculo XVI o modelo burocrtico j
era bastante difundido nas administraes pblicas, nas organizaes religiosas e militares,
especialmente na Europa.
No Brasil, a burocratizao de seu sistema administrativo ocorreu de forma
lenta e superficial nos seus primeiros 100 anos de histria independente, mas teve seu auge
e acelerao na Revoluo de 1930 (COSTA, 2008). A estrutura estatal vigente estava
corroda pelos vcios do patrimonialismo, assim, o Governo de Getlio Vargas deu incio
tendo como objetivo: (1) estabelecer mecanismos de controle da crise econmica,
resultante dos efeitos da Grande Depresso, iniciada em 1929, e subsidiariamente
promover uma alavancagem industrial; e (2) promover a racionalizao burocrtica do
servio pblico, por meio da padronizao, normatizao e implantao de mecanismos de
controle, notadamente nas reas de pessoal, material e finanas (Costa, 2008).
Uma das caractersticas deste modelo retratadas por Secchi (2009, p. 351) a
impessoalidade das relaes dos membros da organizao, inclusive com o ambiente
externo: A impessoalidade prescreve que a relao entre os membros da organizao e entre a organizao e o ambiente externo est baseada em funes e linhas de autoridade claras. O chefe ou diretor de um setor ou departamento tem a autoridade e responsabilidade para decidir e comunicar sua deciso. O chefe ou diretor a pessoa que formalmente representa a organizao. Ainda mais importante, a impessoalidade implica que as posies hierrquicas pertencem organizao, e no s pessoas que a esto ocupando. Isso ajuda a evitar a apropriao individual do poder, prestgio, e outros tipos de benefcios, a partir do momento que o indivduo deixa sua funo ou a organizao.
Alguns dos problemas da administrao burocrtica considerados por Bliska e
Vicente (2001) foram: (1) desperdcio de recursos pblicos; (2) desperdcio das
capacidades e competncias dos servidores, com a inibio de seu potencial criativo; (3)
distncia entre a deciso e a ao, em prejuzo ao atendimento dos cidados.
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Com efeito, o Estado foi estimulando o desenvolvimento de novos meios de
gesto, dado que a administrao pblica burocrtica no comprovou ser o sinnimo de
eficincia que se esperava. Verificou-se, com o passar dos anos, que ela no garantia
rapidez, qualidade e custo baixo dos servios pblicos, ficando conhecida como lenta e
cara, alm de pouco atender as demandas da populao (Bresser-Pereira, 1996).
A busca pela nova configurao da gesto do setor pblico repercutiu na forma do
movimento chamado Nova Gesto Pblica, que surge como resposta s falhas do modelo
burocrtico-weberiano de gesto do Estado, que estava superado, tratado por Giacomo
(2005, p.159) como caracterizado pelo aumento da mquina pblica pela falta de
qualidade e ineficincia dos servios.
ADMINISTRAO PBLICA GERENCIAL - NOVA GESTO PBLICA (NGP)
Hood (1995) classificou a NPM como um programa que consiste em aplicar,
na esfera pblica, conceitos e tcnicas desenvolvidos com sucesso na iniciativa privada,
para obter uma maior eficincia e efetividade na conquista dos objetivos das entidades
pblicas. A NPM tem sido usada por os governos desde a dcada de 1980 para melhorar a
eficincia do sector pblico e da qualidade de seus servios, por meio da descentralizao e
aplicando competio, tratando os beneficirios dos servios pblicos como clientes
(Paloma Snchez; Elena; Castrillo, 2009).
Outros autores afirmam que desde o final da dcada de 1990, o setor pblico na
Europa passou por uma reforma radical de sua gesto e organizao as alteraes tinham o
objetivo de melhorar a eficincia, eficcia e responsabilizao de todas as entidades do
setor, incluindo universidades (Spathis; Ananiadis, 2004), (Agasisti; Arnaboldi; Azzone,
2008).
Para Giacomo (2005, p.160) a NPM tem como caracterstica a utilizao
intensa das prticas gerenciais com nfase na eficcia, sem, contudo, perder de vista a
funo eminentemente pblica do aparelho estatal. O autor apresenta como pontos-chave
da NPM: (1) a descentralizao; (2) a delegao de autoridade; (3) um rgido controle
sobre o desempenho; (4) a considerao da sociedade como consumidora.
Os princpios da NPM privilegiam a informao para a tomada de decises e
para a responsabilizao, defendendo a introduo de instrumentos de gesto privada no 29
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setor pblico, a flexibilizao das estruturas, a descentralizao do poder e da autonomia, a
orientao para o cliente, a racionalizao dos recursos, a medida de desempenho orientada
para os outputs e outcomes, o conceito do Value for Money, sistemas contabilsticos onde
adotada a base do acrscimo, a integrao da contabilidade financeira com a informao
oramental tradicional e a avaliao das entidades pblicas por via de implementao de
adequados sistemas de auditoria (HOOD, 1995).
Fbin (2010, p. 43-44) estabelece seis dimenses onde a NPM deve agir: (1)
os governos devem se envolver com as funes mais importantes; (2) estrutura de servio
voltada e centrada no resultado organizacional; (3) os processos de gesto devem estar
divididos de forma que cada etapa adicione valor etapa anterior; (4) expanso da
automao e informatizao do setor pblico; (5) elementos competitivos devem ser
aplicados ao setor pblico; e (6) gesto efetiva poltica e administrativamente.
Percebe-se a relevncia das alteraes promovidas pelos conceitos da NPM no
setor pblico. Esta aproximada com a forma de administrar do setor privado introduziu
uma maior preocupao com o desempenho do setor alinhado com a responsabilizao dos
gestores, com o controle social e com a transparncia.
Graef (2010) enfatiza que, aps a Constituio Federal de 1988, com as
primeiras eleies diretas, o governo vigente poca promoveu uma srie de reformas,
contemplando: (1) abertura da economia ao capital externo; (2) desregulamentao do
mercado; (3) desestatizao; (4) abertura do mercado nacional; (5) tentativas de controle
do processo inflacionrio; (6) reduo do tamanho do Estado; (7) uma poltica de reduo
do gasto pblico. Estas reformas colaboraram para o surgimento desta nova administrao
no mbito nacional.
Segundo Bliska e Vicente (2001), um modelo de administrao gerencial deve
estar centrado na efetividade dos resultados da organizao, nas aes do corpo funcional e
diretivo, que devem fortalecer o cumprimento da misso institucional e, ainda, na
valorizao dos recursos pblicos aplicados em cada atividade. Conforme destaca Lima
(2009), desde 1995, os poderes executivos dos Estados e da Unio tm desenvolvido
inovaes em termos de gesto, alicerada em dois pontos principais: (1) tornar a gesto
pblica mais voltada para o cidado e para a sociedade do que para a burocracia; (2)
aproximar a gesto pblica das caractersticas da gesto contempornea.
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Na NGP, o cidado passa a ser considerado como cliente. Objetiva-se atingir
melhores nveis de eficincia e eficcia, com base na tica e transparncia, com
fundamento tambm na responsabilidade fiscal. Para Rezende (2002, p. 112), um dos
relevantes fatores das recentes mudanas nos modelos de gesto pblica centra-se na
necessidade contnua de lidar com problemas crnicos de eficincia, efetividade e eficcia
na administrao pblica. Nas ltimas dcadas do sculo XX, mais especificamente nos
anos 80, desencadearam-se em diversos pases os debates sobre a gesto pblica
contempornea, com base na necessidade do Estado desenvolver um novo papel devido s
novas demandas sociais oriundas das recentes crises financeiras (anos 70), de acordo com
Marini (2002).
Vivia-se um esgotamento do modelo burocrtico vigente, que tinha entre suas
caractersticas a baixa qualidade do servio prestado aos cidados. Conforme afirma
Marini (2002), este processo de gerar estratgias para o rompimento deste antigo modelo
foi denominada de New Public Management - NPM. Com incio na Gr-Bretanha, ficou
conhecida no Brasil como Nova Gesto Pblica - NGP. O novo modelo de gesto proposto
tem entre seus objetivos eliminar ou substituir procedimentos burocrticos que contribuam
para a ineficincia do setor pblico, bem como incentivar a adoo pelos governos locais
de mtodos bem sucedidos na iniciativa privada, como a terceirizao de servios. Um dos
efeitos dessa adoo foi a excluso de alguns cargos e das carreiras de poderes, como os de
faxineira, motorista, porteiros e copeiros, substitudos por contratos de terceirizao.
Hood (1995) classificou a NPM como um programa que consiste em aplicar,
na esfera pblica, conceitos e tcnicas desenvolvidos com sucesso na iniciativa privada,
para obter uma maior eficincia e efetividade na conquista dos objetivos das entidades
pblicas. Giacomo (2005, p. 160) afirma que a NGP, a qual denomina APG -
Administrao Pblica Gerencial, tambm tem como caracterstica a utilizao intensa
das prticas gerenciais com nfase na eficcia, sem, contudo, perder de vista a funo
eminentemente pblica do aparelho estatal. O autor apresenta como pontos chave da
NGP: (1) a descentralizao; (2) a delegao de autoridade; (3) um rgido controle sobre o
desempenho; (4) a considerao da sociedade como consumidora.
Fabin (2010, p. 43-44) estabelece seis dimenses onde a NPM deve agir: (1)
os governos devem se envolver com as funes mais importantes; (2) estrutura de servio
voltada e centrada no resultado organizacional; (3) os processos de gesto devem estar 31
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divididos de forma que cada etapa adicione valor etapa anterior; (4) expanso da
automao e informatizao do setor pblico; (5) elementos competitivos devem ser
aplicados ao setor pblico; e (6) gesto efetiva poltica e administrativamente.
Na Amrica Latina, as mudanas no setor pblico tambm comearam a
ocorrer de um modo geral. Marini (2002) apresenta um levantamento deste contexto em
diversos pases como Uruguai, Chile, Peru, Nicargua, Argentina, Venezuela, Guatemala e
Mxico. Marini (2002) relata que, no Uruguai, as modificaes iniciaram com medidas no
sistema de seguridade social, na educao, no sistema poltico e na administrao pblica,
principalmente, com alteraes no oramento pblico. Neste pas, as reformas tambm
estavam voltadas para a estrutura organizacional e o melhor atendimento dos usurios de
servios pblicos.
No Chile, segundo Marini (2002), as mudanas tiveram por base o
planejamento estratgico das aes de governo, alm de acordos de modernizao do
Estado e tentativas de estabelecer indicadores e metodologias de avaliao de desempenho
do setor pblico. J no Peru as mudanas tinham como foco, alm da melhoria da gesto
como um todo, a construo de um Estado mais democrtico, descentralizado e voltado
para os servios ao cidado (Marini, 2002).
Na Argentina, o movimento teve incio em 1983, quando foi criada a Secretaria
da Funo Pblica. Posteriormente, em 1999, foi criada a Subsecretaria de Gesto Pblica
que desenvolveu um plano de modernizao do Estado visando implantao de um
moderno sistema de gerncia pblica, para os organismos da Administrao Nacional
(Marini, 2002). O Quadro 3 sintetiza alguns objetivos das reformas deste movimento pela
reforma gerencial dos pases da Amrica Latina.
Quadros 3 - Objetivos da NPM em Pases da Amrica Latina
Pases Objetivos
Uruguai
(1) Melhorar a eficincia, eficcia e impacto do gasto pblico (...); (2) Obter maior transparncia, maior competitividade e eficincia nas aquisies pblicas (...); (3) Disponibilizar informaes sobre rendimentos dos funcionrios pblicos (...); (4) Aperfeioar as condies objetivas de trabalho por meio da disponibilizao de informaes sobre horas trabalhadas dos funcionrios da Administrao Central; (5) Implantar a administrao eletrnica usando a tecnologia (...); (6) Desregulamentar por intermdio da implementao de mudanas, visando reduo de custos e eliminao de restries desnecessrias para cidados e empresas.
Chile
(1) econmica: orientada a fortalecer a capacidade reguladora do Estado a partir dos processos de privatizao; (2) poltica: caracterizada pela transio de um Estado autoritrio e centralizador na direo de um Estado democrtico, participativo e descentralizado; (3) social: a partir de mudanas de um modelo frgil de provimento direto dos servios sociais para um novo
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modelo que compartilha estas funes com o mercado e o terceiro setor. (4) gesto: orientada para a introduo de uma nova gerncia pblica baseada na qualidade e em resultados em substituio a uma burocracia formalista baseada somente na norma.
Peru (1) a melhoria da prestao de servios; (2) a criao de canais de participao cidad; (3) descentralizao e desconcentrao; (4) uma gesto pblica transparente e com equilbrio fiscal (5) a qualificao dos servidores.
Argentina (1) Transformaes institucionais que tem entre suas caractersticas o compromisso com o cidado e a gesto por resultados; (2) Transformaes horizontais que tem foco no desenvolvimento do capital humano e na modernizao dos sistemas administrativos.
Os objetivos da NPM consolidam um novo panorama mundial de maior
preocupao tanto de gestores como da sociedade em melhorar no s a imagem das
instituies pblicas como da gesto como um todo. Tambm visam incentivar o controle
social por meio da instrumentalizao de ferramentas de maior transparncia e divulgao
dos resultados e dos gastos pblicos. Observando-se os objetivos da NPM, na Amrica
Latina, e a maneira como eles foram implantados, chama a ateno o alinhamento entre
pases como Uruguai, Chile e Peru nos aspectos norteadores da NPM voltados em especial
para a reduo de custos, aumento de eficincia e eficcia, aes de maior transparncia e
prestao de servios de melhor qualidade. Nestes pases, as mudanas so focadas no s
nas suas estruturas internas, mas tambm dependem da participao ativa da prpria
sociedade para a conquista destes objetivos, como o maior controle e a efetiva
transparncia. Ao contrrio da Argentina, que tem seus objetivos mais voltados para sua
estrutura interna como qualificao do seu quadro funcional, mudanas na estrutura
administrativa, assim como suas alteraes, no tem um nvel de incentivo participao
social como nos objetivos dos outros pases apresentados no Quadro 3.
Conforme Sano e Abrucio (2008), as primeiras ideias de Nova Gesto Pblica
chegaram ao Brasil, no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, com a criao do
Ministrio da Administrao e Reforma do Estado (MARE). Marini (2002) destaca que
tambm, em 1995, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Este
documento partia de um diagnstico dos principais problemas da administrao pblica e
propunha um novo modelo conceitual, dividido em quatro segmentos, conforme
apresentado no Quadro 4.
Quadro 4 - Segmentos Caractersticos da Ao do Plano Diretor
Segmento Orientao Ncleo Estratgico Definio de leis e de polticas pblicas e cobrana de seu cumprimento.
Fonte: Elaborado com base em Marini (2002).
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Atividades Exclusivas As que so indelegveis e para seu exerccio necessrio poder de Estado. Atividades no
Exclusivas Aquelas de alta relevncia em que o Estado atua simultaneamente com outras organizaes privadas e do terceiro setor na prestao de servios sociais.
Produo de Bens e Servios ao Mercado
Correspondem ao setor de infraestrutura onde atuam as empresas, portanto, com tendncias privatizao.
Uma das caractersticas do Plano Diretor foi estabelecer que no segmento
estratgico do setor pblico fundamental que as decises sejam cumpridas conforme
programadas. A efetividade considerada como mais relevante do que a eficincia. O
ncleo estratgico fundamental para o cumprimento das aes, mas esta verificao s
possvel utilizando os preceitos da administrao burocrtica (controles e processos) com a
gesto gerencial no que tange ao cumprimento de metas. Nos segmentos de atividades
exclusivas e no exclusivas, a prioridade se concentra na qualidade dos servios prestados
e nos custos incorridos nestas atividades, primando-se pela eficincia das aes, buscando
uma otimizao entre a qualidade e o custo dos servios colocados disposio do pblico
altamente relacionados gesto gerencial (Brasil, 1995).
No segmento da produo de bens e servios, as empresas visam ao lucro
mesmo que faam parte do aparelho do Estado. Este tipo de segmento deve possuir uma
regulamentao rgida, pois, em muitos dos casos, fazem parte de monoplios. Como
visam ao lucro esto focadas na administrao gerencial. Destaca-se que a produo de
bens e servios com o uso do capital estatal s deve ser aplicado quando no existir
capitais privados disponveis (Brasil, 1995). A NPM no Brasil, segundo Sano e Abrucio
(2008), consiste em trs mecanismos essenciais, conforme apresentado no Quadro 5:
Quadro 5 - Aspectos Principais da Nova Gesto Pblica no Brasil
Administrao voltada para resultado
A gesto deve estar baseada em metas, indicadores e formas que possibilitem a cobrana dos gestores alicerada na transparncia das aes governamentais, que permitam o controle maior dos cidados e o uso de outros instrumentos de accountability.
Pluralidade Governamental Pluralidade dos provedores de servios pblicos, possibilidade de estabelecer formas contratuais de gesto em estruturas estatais e entes pblicos no estatais.
Flexibilizao da Gesto Burocrtica e aumento da
responsabilizao
Por meio do funcionamento efetivo dos mecanismos institucionais de controle.
Os aspectos principais trazidos por Sano e Abrucio (2008) demonstram que a
gesto deve estar voltada para cumprir metas aplicadas ao atendimento das necessidades da
Fonte: Elaborado com base em Marini (2002).
Fonte: Elaborado com base em Sano e Abrucio (2008).
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populao por meio da prestao de servios de qualidade e, ainda, para a prestao de
contas por meio da transparncia efetiva das aes de governo, alm de ampliar a estrutura
estatal por meio da chamada descentralizao dos servios, utilizando contratos de gesto e
parcerias pblicas. Por fim, a flexibilizao dos mecanismos burocrticos com o maior
rigor no controle institucional.
Christensen e Laegrid (2006) apontam o surgimento de uma nova tendncia de
gesto no setor pblico, sendo uma segunda gerao das reformas no setor, conhecido em
ingls como whole-of-government approach, inicialmente, chamada de joined-up
government - JUG. Este tipo de administrao tem sido a tendncia em pases onde surgiu
a NPM como o Reino Unido, Austrlia e Nova Zelndia. Os mesmos autores afirmam que
este conceito foi introduzido inicialmente no governo de Tony Blair, em 1997, no Reino
Unido, tendo como principal objetivo um melhor controle dos limites de aes do setor
pblico, nos nveis administrativos e na rea poltica. Conforme estes autores, as iniciativas
para a Totalidade do Governo - TG, como ficou conhecida no Brasil, so reaes s
experincias negativas das reformas trazidas pela NPM, como a ineficincia no processo
de delegao de servios pblicos e o excesso de diviso das organizaes especializadas
que prejudica o controle e a efetividade dos servios.
As razes elencadas por Christensen e Laegrid (2006) para esta nova fase da
gesto pblica consistem: (1) no excesso de cargos e funes especializados sobrepostos;
(2) em autoridades centradas em si mesmas; (3) na falta de cooperao e coordenao entre
os rgos; (4) na dificuldade de atingir a eficincia e a eficcia.
CONSIDERAES FINAIS
A administrao pblica no Brasil passou por trs fases distintas. Cabe destacar
que no houve um rompimento entre as fases, mas sim um processo de evoluo e busca
por melhoria.
O patrimonialismo foi implantado no Brasil na poca da colonizao
portuguesa, quando comeou-se o processo de ttulos de terras e poderes quase absolutos
aos senhores de terra legou posteridade uma prtica poltico-administrativa em que o
pblico e o privado no se distingue perante as autoridades. Assim, torna-se "natural"
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desde o perodo colonial (1500 - 1822), perpassando pelo perodo Imperial (1822 - 1889) e
chegando mesmo Repblica Velha (1889 - 1930) a confuso entre o pblico e o privado.
Na tentativa de uma resposta ao patrimonialismo, em especial combater a
corrupo e o nepotismo patrimonialista, surgiu o modelo burocrtico que tinha entre suas
principais caracterstica a implantao de controles, processos, impessoalidade,
formalismo, diviso de tarefas e obrigaes, preocupao com a eficincia e regulao da
hierarquia, profissionalizao do servidor. As crticas administrao pblica burocrtica
so muitas; dentre elas a separao do Estado e sociedade, pelo fato de os funcionrios se
concentrarem no controle e na garantia do poder do Estado. Em resumo, os atributos da
administrao pblica burocrtica poderiam ser representados pelo controle efetivo dos
abusos. Os defeitos, por sua vez, seriam a ineficincia e a incapacidade de se voltarem para
o servio dos cidados como clientes.
O estgio atual da administrao pblica no Brasil a NGP que tem no
cidado, no Estado do Bem Estar Social seu principal objetivo. Deseja-se com as prticas
da NGP obter um melhor desempenho dos processos e dos resultados. Neste tipo de
administrao comea-se a implantar ferramentas e tcnicas de gesto consagradas no setor
privado. O cidado percebido como cliente do servio pblico, que deseja servios de
qualidade. Nesta administrao o incentivo a transparncia e ao controle social comum.
Busca-se que desempenho seja o mais prximo do desejado pela sociedade.
THE REFOMS IN PUBLIC ADMINISTRATION OF BRAZIL: PATRIMONIALISM, BUREAUCRACY AND NEW PUBLIC
MANAGEMENT
ABSTRACT: This study aims to describe the stages of the government in Brazil over the years, including the patrimonial governance, bureaucratic and the new publi