8ª edição da revista onisciencia

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REVISTA ONISCIENCIA

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  • Ficha Tcnica

    Vol. II Ano II N 8

    Setembro Dezembro 2014

    Perodico Quadrimestral

    ISSN 2182598X

    Braga - Portugal

    4700-006

    Indexador:

    O contedo dos artigos de inteira responsabilidade dos

    autores.

    Permite-se a reproduo parcial ou total dos artigos aqui

    publicados desde que seja mencionada a fonte.

    www.revistaonisciencia.com

    [email protected]

    Tel.: 351 964 952 864

    Revista Onis Cincia, Vol II, Ano II, N 8, Braga,

    Portugal, SetembroDezembro, 2014. Quadrimestral

    EDITOR:

    Ribamar Fonseca Jnior

    Universidade do MInho - Portugal

    DIRETORA COORDENADORA:

    Karla Hayd

    Universidade do MInho - Portugal

    CONSELHO EDITORIAL:

    Bendita Donaciano

    Universidade Pedaggica de Moambique - Moambique

    Camilo Ibraimo Ussene

    Universidade Pedaggica de Moambique - Moambique

    Cludio Alberto Gabriel Guimares

    Universidade Federal do Maranho - Brasil

    Claudia Machado

    Universidade do MInho - Portugal

    Carlos Renilton Freitas Cruz

    Universidade Federal do Par - Brasil

    Diogo Favero Pasuch

    Universidade Caxias do Sul - Brasil

    Fabio Paiva Reis

    Universidade do MInho - Portugal

    Hugo Alexandre Espnola Mangueira

    Universidade do MInho - Portugal

    Karleno Mrcio Bocarro

    Universidade Humboldt de Berlim - Alemanha

    Valdira Barros

    Faculdade So Lus - Brasil

    DIVULGAO E MARKETING

    Larissa Coelho

    Universidade do Minho - Portugal

    DESIGN GRFICO:

    Ricardo Fonseca - Brasil

  • ARTIGOS A CONDIO HUMANA E O ETHOS DO TRABALHO DOMSTICO LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT

    RANNIRY MAZZILLY SILVA DE SOUZA..................................................................................05

    AS REFORMAS DA ADMINISTRAO PBLICA NO BRASIL: DO PATRIMONIALISMO NOVA GESTO PBLICA RENATO PEREIRA MONTEIRO ..............................................................................23

    MODELOS EPISTEMOLGICOS CONTEMPORNEOS APLICADOS AO CAMPO DAS CINCIAS EMPRESARIAS CLEBER AUGUSTO PEREIRA...........................................................................40

    REFORMA PSIQUITRICA NO BRASIL: NOVO CENRIO PARA NOVOS DIREITOS CILENE TELIS DE OLIVEIRA....................................................................................................55

    SUMRIO

  • Revista Onis Cincia uma publicao on-line quadrimestral, voltada

    para as cincias sociais. Neste sentido, busca se consolidar como

    um frum de reflexo e difuso dos trabalhos de investigadores nacionais e

    estrangeiros. Desse modo pretende dar sua contribuio, nos diferentes

    campos do conhecimento, trazendo para o debate temas relevantes para as cincias

    sociais. Dirigida a professores e investigadores, estudantes de graduao e ps-

    graduao, a revista abre espao para a divulgao de Dossis, Artigos, Resenhas

    Crticas, Tradues e Entrevistas com temticas e enfoques que possam enriquecer a

    discusso sobre os mais diferentes aspetos desse importante campo das cincias.

    A

    APRESENTAO

  • 5 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    A CONDIO HUMANA E O ETHOS DO TRABALHO DOMSTICO

    LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT

    Ranniry Mazzilly Silva de Souza

    Doutorando em Cincias da Administrao pela Universidade do Minho (Braga-Portugal)

    Mestre em Sociedade e Cultura na Amaznia - Universidade Federal do Amazonas (Brasil)

    Bacharel em Administrao Pblica / Privada - Universidade Federal do Amazonas (Brasil)

    Professor Mestre Assistente B na Universidade do Estado do Amazonas (Brasil)

    [email protected]

    Este artigo logrou desvelar, luz do pensamento de Hannah Arendt, o trabalho, trabalho de

    mulheres e trabalho domstico para compreender a atividade da empregada domstica. Sob a

    categoria de pensamento, o Domstico de Suely Kofes. Porquanto, apresenta a condio

    humana como soma de tudo quanto se consegue ser-no-mundo e indica a realizao de uma

    vita activa neste mbito. O arcabouo metodolgico foi a abordagem complexa de Edgar

    Morin. Conclumos que apesar de uma herana histrica de lutas corporais com a floresta,

    com os homens, com outras mulheres e at mesmo com o progresso tecnolgico da indstria,

    no ethos do trabalho destas profissionais h a realizao de vita activa contemplada pelo

    Labor, o Trabalho, o Trabalho Criativo e a Ao.

    Palavras-chave: Condio Humana. Trabalho domstico. Empregada Domstica.

    1 INTRODUO

    Todo homem apenas faz o que deseja e, portanto, age de modo necessrio. E a razo

    est no fato de que ele j aquilo que quer: porque tudo o que ele faz decorre

    naturalmente do que . Artur Shcopenhauer, em O Livre Arbtrio

    As cincias humanas tm avanado na compreenso dos fenmenos sociais,

    afastando-se paulatinamente do esprito unvoco que aplica a sujeitos diversos, noes,

    conceitos ou categorias de tendncia generalista. Na medida em que realiza este movimento,

    aproxima-se de uma complexidade que, a um s tempo, conduz o pesquisador a uma viso

    humanstica de seu objeto e remete-o reflexo filosfica e cientfica.

    Adotamos como ponto de partida um questionamento que traveja todo o trabalho:

    que condies prprias de resistncia vm sendo criadas em torno da empregada domstica no

    bojo de sua vita activa?

    Para tanto, o arcabouo metodolgico da Complexidade situado em Edgar Morin

    concebe os sujeitos da relao tanto inseridos no ambiente onde atuam quanto interligados a

    outros ambientes, a fim de procurar apreender um sistema de causa e efeito no linear.

    Destarte, constituiu-se em uma reviso bibliogrfica em que procuramos situar o pensamento

    de Hannah Arendt a respeito da Condio Humana e da Vita Activa. A partir destes dois

  • 6 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    conceitos foi possvel refletir em torno de uma condio humana da empregada domstica

    como soma de suas atividades e capacidades.

    Analisamos a empregada domstica inserida no Domstico - categoria de

    pensamento construda por Suely Kofes (2001) - que abarca o sujeito na dimenso de suas

    relaes intra e extra-casa. Esta categoria constituiu o ponto de centralidade desta pesquisa

    que contempla um lugar enquanto espao e tempo, as relaes sociais nas estruturas sociais

    capitalista suas interaes, normas e trato cultural brasileiro em geral e no Amazonas em

    particular, da qual o trabalho domstico est inserido.

    Na perspectiva da Sociologia do Trabalho e da essencialidade do trabalho

    domstico os estudos formulados por Sueli Kofes (2001), Yoshiko Sassaki (1998), Amlia

    Sina (2005) Margareth Rago (1997) e Maria Angeles Duran (1983), entre outros, subsidiam a

    reflexo em torno das atividades realizadas pela mulher nas esferas do trabalho e/ou do lar.

    Logramos desvelar, luz do pensamento de Hannah Arendt, a condio humana e

    o ethos do trabalho domstico, a situao da empregada domstica em uma regio em que as

    mulheres possuem uma herana histrica de lutas corporais com a floresta, com os homens,

    com outras mulheres e at mesmo com o progresso tecnolgico da indstria.

    1.1. O Labor e o Trabalho

    Ao adentrar no pensamento arendtiano sobre a condio humana, este se desdobra

    em trs categorias interrelacionadas: labor, trabalho e ao que so as atividades fundamentais

    que orientam a vita activa conforme Arendt (2004).

    Na hierarquia das atividades que constituem a vita activa do homem, o labor

    corresponde ao processo biolgico do corpo humano, que tem a ver com as suas necessidades

    vitais. A condio humana do labor a prpria vida (Arendt , 2004, p.15)

    A seguir vem o trabalho que corresponde ao artificialismo da existncia

    humana, produz um mundo artificial de coisas, diferente de qualquer ambiente natural. Para

    esta filsofa a condio humana do trabalho a mundanidade.

    Completando a trade vem a ao, nica atividade que se exerce diretamente

    entre os homens, sem a mediao das coisas ou da matria, corresponde condio humana

    da pluralidade, ao fato de que os homens (e no o Homem) vivem na Terra e habitam o

    mundo. Aponta ainda que todas as atividades humanas so condicionadas pelo fato de que

    os homens vivem juntos; mas a ao a nica que no pode sequer ser imaginada fora da

    sociedade dos homens. (Arendt, 2004, p.31).

  • 7 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    A filosofia crist, particularmente em Toms de Aquino, acentua, na opinio de

    Arendt, a noo de que era dever daqueles que no tinham outro meio de sobrevivncia,

    manterem-se vivos. O dever, assim, era de sobreviver, e no de trabalhar, se fosse possvel a

    um homem sustentar-se com esmolas, tanto melhor.

    Essa ideia do labor como referencial da vida moderna ponto capital e decisivo

    para a reflexo da condio humana das empregadas domsticas na Regio Norte do Brasil

    (nomeadamente Amazonas) pelo motivo de que a ligao vida-corpo marcante na trajetria

    histrica dessas mulheres nesta regio.

    Importante ressaltar, ainda, que a condio de referncia da vida dada ao labor,

    no exclui, dentro do pensamento arendtiano, outras capacidades humanas como as de realizar

    trabalho criativo e comunicao inteligvel.

    Uma condio humana, portanto, simplesmente um retrato de uma manifestao

    possvel e passvel de ser recriada pelo prprio homem. a soma de tudo quanto se consegue

    ser-no-mundo e que delineia (e s vezes at determina) o modo pelo qual se realiza a vita

    activa do homem.

    Hannah Arendt apresenta a noo de condio humana em contraposio noo

    de natureza humana, esta ltima compreendendo a realidade a partir de uma essencialidade do

    homem frente s situaes da vida. Para esta filsofa (...) nada nos autoriza a presumir que o

    homem tenha uma natureza ou essncia no mesmo sentido em que as outras coisas as tm

    (Idem, p. 18). Assim, de maneira metdica, passa a construir o sentido de uma condio

    humana como soma total das atividades e capacidades humanas.

    neste diapaso que buscar-se- evidenciar a condio humana da empregada

    domstica no lcus em que foi analisada (Amazonas). Como se trata, contudo, da soma de

    atividades e capacidades, mister se fez adotar uma perspectiva: (1) a das atividades em si,

    atravs da compreenso de como se realiza a vita activa do sujeito (labor, trabalho e ao) na

    esfera social em que atua: Bem como (2) a das capacidades, que exige uma ateno ajustada a

    aspectos subjetivos do sujeito que no estejam sendo levados em conta na realizao de sua

    vita activa (capacidade de resistncia a presses, capacidade de se organizar coletivamente,

    capacidade de transformar situaes externas).

    H, portanto, de se levar em conta que o aspecto da legislao e das noes que

    so identificadas no entorno da realidade da empregada domstica (explorao,

    desorganizao, desmobilizao social, baixa instruo), embora respaldadas por pesquisas

    estatsticas, so todos conceitos a priori - necessrios de serem levados em conta, mas

  • 8 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    insuficientes para fornecerem ao pesquisador a percepo da condio humana do sujeito,

    todos esses so os riscos metodolgicos subjacentes a este trabalho dissertativo.

    Tais noes de entorno podem ser consideradas como produtos de um olhar de

    sobrevo, que no desvela a real posio da condio da empregada domstica pelo simples

    fato de que relega o mundo de suas capacidades, o mundo dos significados em que esteja

    inserida, aquele em que tudo, para ela, faz todo o sentido (no ir ou ir Justia do Trabalho,

    deixar ou no deixar os filhos em casa, buscar ou no outro tipo de ocupao, considerar-se

    ou no uma profissional, ser ou no ser de determinada maneira).

    Reportamos em Arendt (Idem, p. 12) que assevera com propriedade que (...) os

    homens que vivem, se movem e agem neste mundo, s podem experimentar o significado das

    coisas por poderem falar e ser inteligveis entre si e consigo mesmos. Este pressuposto de

    comunicao inteligvel que proporciona um estado em que se admita a existncia de um

    homem singular - inteligvel para si mesmo, e um homem plural, em constante relao com

    outros, ambos em ininterrupta tentativa de dar significado s impresses que cercam a vida.

    Isto, essencialmente, traduz o que a vita activa, ou seja, tudo o que o homem faz

    quando se movimenta no espao da vida com o intuito de entend-la, de dar significado s

    coisas que o cercam. Para Arendt, tudo isso so, na verdade, manifestaes elementares da

    condio humana que ela traduz nas trs esferas: o labor, o trabalho e a ao.

    Estas atividades, portanto, - consideradas fundamentais - emergem no mbito da

    vida da empregada domstica em um espao dinmico e sui generis, que fornece a ela as

    condies bsicas para realizar-se em sua humanidade.

    Por tudo isso, cabe distinguir, aqui, que a vita activa, a partir da orientao de

    Arendt (2004), s revela, de fato, a Condio Humana do homem quando levada em conta, na

    sua constituio, o complexo de significaes que envolvem este sujeito, e no somente o

    mundo das normas e das estatsticas que, por si s, so o resultado das atividades postas como

    esto e que bem poderiam ser considerados efeitos.

    Suely Kofes (2001), ao analisar a relao entre patroas e empregadas domsticas,

    afasta-se da ideia de categorias fixadas e determinadas em grupos de homens e mulheres

    organizados em classes, etnias ou raas, e opta por se manter em uma perspectiva o mais

    desabitada possvel de conceitos a priori, a fim de construir uma categoria ampla - o

    Domstico - que ao se situar para alm da unidade domstica, pode auxiliar na

    problematizao.

    Considerando-se, assim, a empregada domstica no como classe ou grupo, mas

    como categoria pouco demarcada e rgida, dinmica e em constante mutao, pode-se lograr

  • 9 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    penetrar com mais liberdade na complexidade de sua vita activa e, por conseguinte, na

    construo de sua condio humana, enquanto categoria social.

    Esse exerccio de liberalidade, contudo, realizar-se- a partir do olhar de

    sobrevoo, paulatinamente, inserindo-se no mundo dos significados do sujeito e dos sujeitos

    que com ela interagem. At o momento em que tentar refletir em sua condio humana como

    condio total, dentro da vita activa. Isto por duas razes simples. que no contexto

    esboado pela filsofa, h que se considerar duas relaes gerais diretamente ligadas ao

    conceito central da condio humana.

    A primeira delas que a vita activa consiste em coisas produzidas atravs de

    atividades humanas (labor, trabalho e ao); e a segunda, que ao mesmo tempo em que os

    homens so condicionados por estas atividades eles tambm criam as suas prprias condies.

    em direo a este ltimo ponto que se pretende caminhar, norteado por um questionamento

    bsico transversal neste artigo: Que condies prprias de resistncia vm sendo criadas pela

    empregada domstica no bojo de sua vita activa?

    Vislumbra-se o fato de que a vita activa da empregada domstica se acerca de

    fatores condicionantes que refletem a prpria dinmica da categoria no mundo social.

    Todavia, tambm se acerca de fatores de resistncia que quebram com estes

    condicionamentos e que podem (muito bem) no estarem relacionados mobilizao social

    de classe, mas a modos particulares de organizao pouco estudados, espcies de lacunas que

    necessitam ser preenchidas, onde as empregadas pensam e se sentem atuando coletivamente,

    na esfera desta Ao.

    1.2. O Trabalho Domstico

    Pelo menos duas vertentes distintas h com relao ao trabalho domstico. A

    primeira que afirma advirem os domsticos de uma conjuntura onde eram valorizados por

    seus empregadores, com honrarias e privilgios; e a segunda, que identifica seu aparecimento

    com a prtica escravagista, o que explicaria todo o preconceito e descaso por eles sofrido ao

    longo dos tempos.

    Credor da primeira tese, Roberto Davis (1998, p. 45) expe:

    O trabalho domstico assalariado uma instituio imemorial, tanto que a ele so

    numerosas as referncias mitolgicas, bblicas e, igualmente, na antiguidade

    clssica, a episdios dos quais temos notcia. (...) Na Grcia, tornou-se notvel

    Automedonte, intrpido cocheiro de Aquiles; Ganimedes, prncipe troiano, teria sido

    raptado por Zeus para ser copeiro dos deuses. Em Roma, a situao parece no ter

    sido diferente, pelo que se infere do exemplo de Fredegunda, terceira mulher de

    Quilprico (545/597), servial que mandou degolar as duas primeiras esposas

    daquele infortunado rei franco.

  • 10 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    Outros exemplos, alm dos citados acima, poderiam vir compor esta imagem. A

    literatura universal de Shakespeare mostrou a fidelidade incondicional da criada que prefere

    morrer com sua senhora, depois de descobrir o crime trgico de Otelo. O clssico Os amores

    de Moll Flanders, de Daniel Defoe, trazido para o cinema em 1995 por Robin Wright , traz a

    silenciosa e aristocrtica figura de um mordomo que auxilia a protagonista em todos os

    momentos cruciais da vida. No filme, Wright tem a sensibilidade de colocar o mordomo

    como o prprio narrador desse drama americano do incio do sculo XVIII.

    Destaca Fros (2002) que o trabalho domstico, em suas origens, diferentemente

    do que muitos pensam, era exercido nas cortes de reis e gros-senhores como tarefa

    nobilitante; na poca medieval, pajens e escudeiros dispunham de graus de escala honorfica

    das ordens de cavalaria e que ser aia de uma dama de estirpe era honraria disputadssima.

    Como justificativa pelo que ocorrera, ao longo dos anos, com os escravos, Fros

    (2002) afirma que os senhores rurais e urbanos teriam deslocado escravos das senzalas para

    dentro de suas casas com a finalidade de eximirem-se de aplicar leis que (j quela poca)

    protegiam os domsticos, a exemplo das Ordenaes Manuelinas de 1512 no Brasil.

    Por outro lado, a prtica escravagista remonta ao tempo das guerras, quando o

    grupo vencedor escravizava os adversrios que haviam perdido, a fim de que os mesmos

    passassem a servi-los. Para Oliveira (citado em Fres 2002) a escravatura foi um fenmeno

    universal no mundo antigo:

    (...) Durante sculos seguiu manchando a histria humana, deixando em seu trajeto

    ignominioso um rastro de ndoa indelvel e criminosa. Na velha Roma, o trabalho

    manual, porque reservado para os escravos, era considerado atividade subalterna e

    desonrosa, pesando sobre ela o estigma de carga, fadiga, nus, penalidade.

    Entre os gregos, alguns pensadores chegaram a ensinar que o escravo no era

    servo em razo da natureza, mas por conveno dos homens. Fato que a escravido durou

    sculos e o trabalho humano (...) veio atravessando as eras com esta conotao

    preconceituosa de sofrido encargo, assevera Oliveira (em Fres, 2002).

    A ideia de escravido, contudo, no tinha exatamente as mesmas associaes, nas

    sociedades muulmanas, que nos pases da Amrica do Norte e do Sul, descobertas e

    povoadas pelos pases da Europa Ocidental a partir do sculo XVI. Hourani (citado em Fres,

    2002) elucida que a escravido era um status reconhecido na lei islmica:

    (...) eles no possuam todos os direitos dos livres, mas a charia determinava que

    fossem tratados com justia e bondade; era um ato meritrio libert-los. O

    relacionamento de senhor e escravo podia ser estreito e continuar a existir depois de

  • 11 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    liberto o escravo: ele podia casar-se com a filha do senhor ou tomar conta dos

    negcios dele (...)

    J os criados domsticos, ainda na sociedade islmica, ficavam parte porque

    muitos eram mulheres, uma vez que tal servio, ou outros que pudessem ser feitos na casa,

    eram quase o nico tipo de ocupao urbana, aberto s mulheres, e tambm porque muitas

    delas eram escravas.

    O Cristianismo, com Santo Agostinho e So Toms de Aquino, veio fornecer uma

    concepo de trabalho ligada justia e sublimao. Apesar de no pregarem abertamente o

    fim da escravido, reclamavam um tratamento digno e caridoso para com os servos, uma vez

    que tambm eles corporificariam a imagem viva do Criador, visto serem todos os homens

    iguais uns aos outros perante Jesus Cristo.

    No Brasil Colonial, segundo Algranti (1997, p. 143) com o passar do tempo e

    com a formao de famlias habitando a colnia e fixando residncias, dois elementos

    comearam a dar um carter especial s atividades no interior dos domiclios: a escravido e o

    ter de lidar com a falta de produtos. Por conta disso, a atividade domstica acabou por herdar

    um estigma escravagista em sua histria, baseado em descries como a que segue:

    (...) Introduzida de incio na lavoura aucareira no litoral nordestino em meados do

    sculo XVI, a escravido negra espalhou-se por toda a Colnia, interferindo

    diretamente no modo de viver, de produzir e nas relaes pessoais dos indivduos e

    de toda a sociedade. Resultou da um preconceito prprio das sociedades escravistas,

    em relao ao trabalho manual, que se imps lentamente conforme aumentou o

    nmero de escravos africanos. Grande parte do trabalho desenvolvido no interior dos

    domiclios coube, portanto, a eles, figuras indispensveis inclusive nas casas mais

    simples, que possuam poucos escravos e at mesmo viviam do aluguel ou do

    trabalho de seus negros nas ruas das cidades.

    Isso aponta que os domsticos, no Brasil, alm de herdarem o estigma da

    escravido, em sua maioria, compunham-se de mulheres, o que, inegavelmente, corroborou

    sobremaneira para uma difcil trajetria emancipatria.

    Davis (1998) chega a dizer que no obstante a influncia da igreja e da indstria,

    dentre outros fatores, pode-se afirmar que o enfoque dado ao reconhecimento social do

    domstico, deveu-se ao desenvolvimento da estrutura social e poltica de cada pas. O que faz

    com que na Europa, por exemplo, hoje em dia, lhes sejam concedidos mais direitos que na

    Amrica Latina e no Brasil, lcus de uma legislao tmida e herdeira de um escravagismo

    colonial que tardou em ser superado.

  • 12 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    No Brasil, a presena das mulheres na fora de trabalho vem aumentando de

    forma consistente e significativa nas ltimas dcadas. Segundo dados do IBGE (2000) entre

    1960 e 1990, o nmero de mulheres economicamente ativas mais que triplicou, aumentando

    de dezoito para cinquenta e sete milhes, enquanto o nmero de homens nessa condio no

    chegou a duplicar, aumentando de oitenta para cento e quarenta e sete milhes (Abramo,

    2001). Nesse mesmo perodo a taxa de participao feminina aumentou de 18% para 27,2%,

    enquanto a masculina diminuiu de 77,5% para 70,3% na populao economicamente ativa

    PEA - segundo Bruschini, (1998).

    Braig & Br (2001) salientam que na Amrica Latina e no sudeste asitico, as

    mulheres em idade escolar primria e secundria tm alcanado progresso considervel, e

    tanto nos centros de formao profissional como tambm nas universidades tm aumentado a

    quantidade de mulheres. Mesmo aps se casarem e terem filhos elas demonstram no estarem

    dispostas a abandonar o trabalho fora do lar. Ainda assim, junto desta presena (cada vez

    mais marcante) cresce tambm a jornada de trabalho feminina e se acentuam as diferenas das

    condies de remunerao e da presena maior de mulheres em trabalhos considerados

    ocultos ou tarefas invisveis que esto relacionados s tarefas realizadas no lar ou nas

    empresas familiares.

    A este respeito Abramo (2001) elenca dois pontos: (1) uma ascendncia da

    participao da mulher no mercado de trabalho e uma leve diminuio das taxas de atividade

    masculina, no acompanhada por uma diminuio significativa das desigualdades

    profissionais entre mulheres e homens; e (2) a luta pela autoafirmao exterior economia

    do lar no produziu uma volta ao lar. Aponta ainda que a atividade feminina cresceu

    significativamente no mercado de trabalho e a mulher economicamente ativa se dedica ao

    trabalho fora do lar por muito mais anos e por um largo nmero de horas.

    Fato esse constatado por Bruschini (1990) nos anos 90, complementado por

    Sassaki (1998, p.41):

    A disponibilidade das mulheres para o trabalho assalariado, segundo

    Bruschini(1990), depende de uma complexa combinao de caractersticas pessoais,

    como idade e a escolaridade e familiares, como estado civil e a existncia de filhos,

    somadas com as caractersticas da prpria famlia como o ciclo de vida e a estrutura

    familiar.Sendo que esses fatores se interrelacionam com as condies

    socioeconmicas da famlia, direcionando as mulheres em cada estgio da vida

    familiar para os afazeres domsticos ou, para as atividades econmicas dentro e fora

    do lar

    Conforme Kartchevsky-Bulport (1986) citado por Sassaki, (1998, p.37):

    O assalariamento feminino um fato histrico que emana de contradies e no de

    pseudo-unidade lgica do sistema capitalista. As mulheres ingressam no mercado

  • 13 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    de trabalho, contribuindo ao mesmo tempo para uma eventual transformao das relaes sociais de classes e entre os sexos, sem ser possvel definir qual

    preponderante.

    Encarando a questo pelo prisma da complexidade, e procurando detalhar a linha

    de movimento do trabalho feminino, no Brasil, percebe-se historicamente uma diversidade de

    causas preponderantes tanto econmicas quanto sociais e at mesmo psicolgicas oriundas de

    toda uma trajetria especfica de experincias femininas. Sassaki (1998, p.37) acrescenta que:

    A sociedade capitalista contraditria e, as mulheres e meninas so colocadas no

    apenas diante da ideologia que determina o que o comportamento feminino, como

    tambm diante de ideologias que pregam o sucesso profissional no mundo

    competitivo e no domstico do trabalho. As respostas dadas pelas mulheres a esta

    contradio, representam um contnuo movimento de acomodao e resistncias s ideologias de papis sexuais(ANYON,1991) ou conformismo e resistncia como

    acentua Chau(1994).

    Sina (2005) aponta que essa participao da mulher no mundo econmico e social

    do pas atravs do trabalho possui uma fase bastante caracterstica, na qual ela salta da

    condio de rainha do lar at os anos cinquenta, para feminista a partir dos anos sessenta

    quando a populao brasileira (ento com cinquenta e dois milhes de habitantes) vivia o

    sonho da perfeio americana entronizado pela tela da televiso.

    Mesmo cercadas de preconceito surgiram nesta poca as primeiras garotas-

    propaganda e as jornalistas comearam a dar os primeiros passos no mundo da mdia

    eletrnica, era rara a atuao de mdicas, engenheiras, advogadas, bilogas, historiadoras.

    Todavia, o que comumente faziam as mulheres dessa poca, de forma a no causar grandes

    resistncias, diminuir os olhares de desconfiana e revolver a terra rida da competio com

    os homens eram atividades marcadas, em sua simplicidade, pelo cuidado e pelo

    perfeccionismo, o que lhes granjeou avano no mundo das atividades remuneradas.

    Os trabalhos femininos dessa poca podem ser assim destacados: Trabalho nas

    linhas de montagem de tecelagens ou nas empresas de ramo alimentcio (reservado a mulheres

    de poucos recursos econmicos); trabalho no comrcio (tambm reservado a mulheres

    pobres); trabalho com telefonia (as telefonistas vm sendo a imagem da comunicao a dois,

    distncia, desde os seus primrdios); trabalho como aeromoa, desenvolvido principalmente

    no ps-guerra e que introduziu a mulher no mundo dos plantes e das escalas; trabalho em

    carreiras de fino trato como tocar um instrumento com maestria, o que abria caminho ao

    magistrio (reservado s moas da classe mdia); trabalho como professora, atravs do qual

    algumas mulheres lograram abrir suas prprias escolas nos anos cinquenta, iniciando-se no

    empreendedorismo; trabalho como empregadas domsticas, na verdade uma atividade

  • 14 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    classicamente reservada s moas de poucos recursos econmicos e de baixa escolaridade, de

    acordo com Sina (2005, p. 39-42).

    Observa-se, assim, que a ideia de submisso feminina, muito embora gravada na

    memria coletiva atravs do esteretipo da dona-de-casa perfeita, carece de respaldo

    histrico, pois apesar de estarem situadas dentro do lar ou em espaos em que era aceitvel

    a sua fora de trabalho, tratavam de ampliar os seus domnios.

    Essa ampliao colaborou na redefinio da fixao de homens e mulheres nas

    atividades produtivas, bem como no interior das famlias. Ocorria uma reorganizao familiar

    e neste bojo comeava a surgir uma trabalhadora domstica diferenciada das escravas, das

    amas e das servas que no passado andaram as voltas com suas sinhs e patroas.

    A segunda metade do sculo XX apresentou uma tendncia significativa de

    alterao no modelo de famlia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. De acordo com

    Oliveira (2005, p. 123) houve um declnio acentuado no modelo patriarcal de famlia baseada

    nos papis de homem-provedor e mulher dona-de-casa. Nessa estrutura familiar tradicional,

    calcada em papis sexuais, cabe ao homem manter relao direta com o espao pblico (lugar

    onde exerce atividades de natureza instrumental) com a finalidade de suprir as necessidades

    materiais da casa e dos que a habitam como provedor. Caber mulher intermediar as

    relaes afetivas prprias do espao privado (lugar onde exerce trabalhos domsticos) com a

    finalidade de manter racionalmente o bem-estar dos membros da famlia, como dona-de-casa

    e dependentes do provedor.

    Oliveira (2005, p. 127), apresenta importante e oportuno questionamento para a

    compreenso integral do declnio desse modelo: Ser que a mulher cnjuge ativa (como

    chama aquela que passou a trabalhar na esfera pblica), adquiriu, efetivamente, o papel de

    coprovedora? Ou mesmo, em alguns casos, de provedora da famlia? A base emprica do

    trabalho deste pesquisador compreendeu de mais de mil e seiscentas pessoas de ambos os

    sexos, com dezoito anos ou mais, todas, residentes em reas urbanas do Brasil.

    Os dados apontaram no sentido da redefinio gradativa dos papis familiares de

    gnero no que diz respeito proviso familiar. Os alicerces do modelo patriarcal foram

    enfraquecidos devido passagem da mulher dona-de-casa em tempo integral para a mulher

    trabalhadora assalariada em tempo integral. Tal mudana vem permitindo um crescente

    avano na funo da mulher como coprovedora e provedora da famlia, transformando-se nas

    chefes de famlias.

    Portanto, o homem na famlia brasileira continua sendo o provedor de referncia,

    todavia, ele j no o nico provedor, e em alguns casos ainda, como revelou o grupo de

  • 15 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    famlias mais escolarizadas estudado na pesquisa em foco, ele no mais o provedor

    principal. A mulher brasileira vem efetuando, de fato, o movimento crescente de insero em

    atividades remuneradas fora do lar, o que alterou a funcionalidade do seu papel dentro da

    casa.

    Considera-se que participao feminina no mundo do trabalho forou a duas

    reorganizaes no Brasil: uma legislativa, que tornou a atividade assalariada feminina um fato

    social irreversvel, mas que ainda no logrou superar algumas disparidades relativas

    remunerao e jornadas de trabalho; e outra familiar, que delegou empregada domstica

    remunerada os trabalhos domsticos dos lares e virtude sua essencialidade, de acordo com

    Farias (1982).

    O trabalho feminino, ao contrrio do trabalho do homem, precisou ser

    reconhecido no mundo social como um direito e continua em plena trajetria de

    reconhecimento. Esse direito algumas vezes caracterizado por uma ambiguidade

    veladamente exposta no caso das trabalhadoras domsticas, que embora sendo mulheres

    exercendo uma atividade remunerada no logram o reconhecimento pleno legal e social de

    sua condio.

    1.3. Emancipao da atividade domstica como Trabalho

    Enquanto trabalho feminino domstico as atividades realizadas tanto pela dona-de-

    casa quanto pela empregada domstica possuem as mesmas caractersticas; em termos de

    natureza, inclusive, pode ser pensado sob o ponto de vista destes dois sujeitos.

    O carter de trabalho dessas tarefas, contudo, tem sido invisvel na histria,

    tambm sob o ponto de vista destas duas personagens. mulher do modelo familial

    patriarcal, as atividades domsticas sempre foram consideradas naturais para mulheres dentro

    da diviso sexual do trabalho e tambm gratuito. mulher empregada domstica sculo XXI

    as tarefas so tidas como to especficas que chegam a ser enquadradas em lugar diferenciado

    dos outros trabalhadores, no escopo da lei.

    Para Duran (1983), o trabalho da dona-de-casa adquire uma segunda dimenso que

    vai alm daquela em que o trabalho individualizado (da mulher para os membros da sua

    famlia). H, nessa atividade, uma dimenso coletiva, que torna este trabalho socialmente

    necessrio para que a sociedade siga o seu ritmo produtivo. Segundo esta autora (...) O

    trabalho de dona-de-casa no produz diretamente para o mercado, mas uma condio

  • 16 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    imprescindvel para que o mercado exista, tanto o mercado de bens e servios como o de mo-

    de-obra (Idem,p.41).

    Ainda na opinio desta autora, talvez no haja nenhum outro trabalho to

    necessrio quanto este na economia dos pases, uma vez que se as tarefas executadas por estas

    trabalhadoras fossem executadas entre os trabalhadores da economia exterior ao lar,

    requereria uma quantidade de pessoas trs vezes maior do que o nmero atual de

    trabalhadoras das economias domsticas.

    Para Fortuna (1981, p. 54) o trabalho da mulher identifica-se com os esforos

    intelectuais e fsicos que ela desenvolve para levar a cabo tarefas que diariamente executa

    como agente econmico e como dona-de-casa, sendo este de grande importncia para a

    coletividade, devido sua contribuio para as famlias, pela soma de utilidades e satisfaes

    que lhes proporciona. Ainda assim, a sua gratuidade um fato que muitas vezes tem levado a

    descriminao deste trabalho.

    Conforme ainda esse autor, pesquisas feitas na Europa dizem que se os homens

    tivessem de pagar s respectivas esposas, pelos preos correntes de mercado, as tarefas que

    elas executam gratuitamente no lar, a maioria deles no disporia de meios financeiros

    suficientes para suportar esse encargo(idem, p. 21).

    Contudo, a questo da gratuidade do trabalho, para Rago (1998), apenas

    consequncia, e no causa da desvalorizao dessa atividade. Esta autora acredita que a

    sociedade tenta no admitir o valor do trabalho feminino domstico negando justamente o seu

    carter de trabalho. Como, ento, afirmar com segurana que se trata de trabalho?

    A pesquisa especfica j logrou desvelar o valor do trabalho domstico no atravs

    da empregada domstica, mas atravs da figura da dona-de-casa que com o tempo se

    transformou em patroa. Com base no disposto por Duran (1983), o trabalho feminino

    domstico possui alguns caracteres que podem ser assim resumidos:

    a) As tarefas domsticas requerem um processo que um processo de trabalho. Trata-se de uma atividade adequada a um fim, um objeto e determinados

    meios. Para realiza-lo preciso prev-lo em todas as suas fases antes de

    comea-lo, exigindo de quem o executa um certo sentido de planejamento;

    b) tais atividades esto adequadas ao fim a que se propem e estes fins so, em primeiro lugar, a famlia a que se destina;

    c) a tarefa domstica exige o manejo de objetos cujo valor de uso se transforma e at aumenta a partir da ao sobre eles; trata-se, portanto, de transformao

    material de bens, muitas vezes at ampliando-se para compra, transporte para

    casa, armazenamento, diviso e distribuio entre os membros da famlia;

    d) O servio de casa tem como objetivao a manuteno e valorizao do patrimnio domstico, muito embora tal objetivao padea, ao mesmo

    tempo, a impossibilidade de identificar-se como uma obra, visto que

    desaparece poucas horas depois de feito, sem deixar outro rastro seno

    aquele da prxima tarefa que advir. (idem,p.18-27)

  • 17 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    Desta forma, pode-se afirmar que quando realiza, na vida prtica, os atributos de -

    processo, destino, transformao material e objetivao - a dona-de-casa realiza,

    efetivamente, trabalho amplo e socialmente necessrio, com ou sem ajuda da empregada

    domstica.

    Mas, as semelhanas acabam por a. O trabalho feminino domstico remunerado

    adentra em outra esfera de relaes distintas da imagem americana da dona-de-casa perfeita

    ou rainha do lar, pois a domstica realiza as suas tarefas hierarquicamente subordinada

    patroa, sob a sua superviso ou orientao. A prpria denominao dona-de-casa parece

    exprimir a outra funcionalidade quando da introduo da empregada domstica. No lugar da

    esposa que realiza as atividades da casa passa proprietria que organiza e administra a

    economia domstica, incluindo-se a disciplina dos empregados da casa.

    1.4. A esfera da Ao: tenso entre pblico e privado e a resistncia silenciosa

    Na execuo de sua atividade a empregada domstica atua no cerne de uma

    dicotomia do espao: o pblico e o privado.

    Contudo, importante que se entenda a evoluo porque passou o conceito de

    espao pblico e de espao privado, segundo Arendt (2004). Para esta filsofa, a apario do

    social alterou em definitivo o sentido destes termos. O privado deixou de ser pensado como

    algo de restritivo (como na Grcia) ou de temporrio (como em Roma) para se tornar algo de

    positivo. O carter de privao (que permanece na raiz do termo privado) desapareceu

    completamente com o individualismo moderno.

    Ainda mais importante o fato de que o privado, no mundo moderno, no se ope

    ao poltico, mas ao social. o que se pode verificar em Rousseau, o primeiro, que explorou

    este individualismo, segundo Hannah Arendt. Rousseau no se revolta contra o poder poltico

    opressor, mas contra uma sociedade invasora da privacidade, retomando o sentido antigo de

    privado, pois uma vida inteiramente privada implicaria em viver privado de coisas essenciais

    a uma vida verdadeiramente humana.

    A vida privada, portanto, na modernidade, no s a vida no interior da prpria

    casa, mas aquela dos interesses pessoais e das questes pessoais (problemas ou solues);

    aquela, em suma, onde os arbtrios logram privilegiar a si e aos seus (a famlia ou os amigos),

    enquanto a vida pblica o espao em que tais arbtrios se diluem e as relaes so regidas

    pelas normas ou leis, muito embora, no raras vezes, o mundo das normas ouse agir,

  • 18 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    diretamente, sobre o mundo das relaes privadas, como no caso do estatuto da criana e do

    adolescente e das delegacias de defesa da mulher.

    Como entender, portanto, a tenso entre pblico e privado, vivenciada pela

    empregada domstica? Ora, sob o ponto de vista da patroa ou do patro, a empregada

    domstica mergulha em sua esfera privada, mas sob a tica dela mesma, quando sai de sua

    casa para ir casa da patroa, que se insere na esfera pblica. E l, na casa do patro ou da

    patroa, que no raras vezes ela passa a tomar conscincia da difcil articulao entre sua vida

    familiar e sua vida profissional.

    Na esfera do cotidiano de seu trabalho a empregada domstica comea a notar o

    quanto improvvel que os seus problemas pessoais (com quem deixar os filhos, o que fazer

    se engravidar, como se comportar quando quebra um objeto, o que falar, como agir, etc.)

    sejam desconectados e tratados como questes coletivas, na arena poltica sindical que j

    logrou conquistas como creche, contracepo e procedimentos bsicos para outras profisses.

    Ainda uma vez sobrevm sobre a empregada domstica a confuso em que se

    arrosta por lidar no limiar do pblico e do privado. A realizao de suas atividades na esfera

    privada do lar gera certa oposio a que os problemas a ela relacionados cumpram a trajetria

    que j cumpriram para outras profissionais de serem transformados em questes de interesse

    coletivo. Tardam, assim, para a empregada domstica alguns direitos bsicos, como

    destacaremos adiante.

    Esta tenso responsvel, no mbito da legislao que ampara as empregadas

    domsticas, por um posicionamento contra a equiparao desta trabalhadora aos demais

    profissionais justo porque o seu ambiente de trabalho - o lar -, no poder, em nenhum

    momento, ser comparado a uma empresa, propriamente dita.

    No mbito da vita activa da empregada domstica essa tenso acarreta uma srie

    de dificuldades de incompreenso no relacionamento das mesmas com os seus empregadores.

    Afinal, no mbito privado e diminuto da famlia as questes pessoais de relao esto muito

    mais entrelaadas do que no ambiente de uma fbrica, por exemplo.

    por conta disso que, muitas vezes, mesmo os patres se dando tarefa de

    esclarecer a empregada domstica sobre os seus direitos, isso no ser suficiente para articular

    a vida particular e profissional dessa trabalhadora numa esfera mais organizada e ampliada da

    sociedade.

    Observa-se, assim, no aspecto social, a esfera da ao ou do pensar politicamente

    ou com liberdade, est comprometida para a empregada domstica no que se refere a trs

    aspectos cruciais: a) a tenso que vive entre o pblico e o privado confunde as relaes

  • 19 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    pessoais e profissionais no seu ambiente de trabalho; b) o baixo nvel de articulao para

    mobilizao social que provavelmente leva a uma legislao tmida; c) a herana escravagista

    ainda nos dias de hoje submete a empregada condio de trabalhadora precria e mal

    remunerada;

    No que tange a esse ltimo aspecto, Abramo (2001) constata que tambm tem

    havido um aumento da proporo de mulheres nas chamadas formas precarizadas de trabalho

    (com salrios baixos, baixa produtividade, ausncia de contratos, ausncia de proteo social),

    tanto nas velhas ocupaes precrias (trabalho domstico, por conta prpria) como nas

    novas modalidades de trabalho em domiclio, eventual, em tempo parcial ou subcontratado.

    Essa imagem da ocupao precria, em lugar da imagem da profisso, est

    claramente posta na sociedade, levando, qui, a empregada domstica a no identificar a si

    prpria e o seu trabalho como tal.

    Deve-se recorrer, por isso, ao apelo de que a empregada domstica tornou-se, por

    toda esta ordem de fatores, um ser incapaz na esfera da ao. E, portanto, incompleto na

    realizao de sua vita activa?

    Seria simples adentrar neste caminho, e at lgico, entretanto, trata-se, aqui, de

    desvelar a construo de uma Condio Humana como soma de atividades realizadas e

    capacidades do ser. Por isso mesmo, necessrio que se amplie o olhar ao patamar da

    resistncia a toda essa ordem de presses sofridas por esta categoria.

    Poder-se-ia dizer que tal resistncia, atualmente, assemelha-se, em grande parte,

    quela empreendida nas primeiras dcadas do sculo XX, no Brasil, por boa parte das

    mulheres que trabalhavam como operrias. Segundo Rago (1997, p. 579), no romance

    Parque Industrial, de Patrcia Galvo, est denunciada a difcil vida das operrias dessa

    poca. Cujas jornadas de trabalho eram longas, os salrios baixos, a relao de foras

    desiguais entre patres e empregadas levava a maus-tratos por parte dos primeiros, e alem

    disso, ainda havia um contnuo assdio sexual.

    Nas mobilizaes e greves que realizaram contra a explorao do trabalho, nos

    estabelecimentos fabris, entre 1890 e 1930, as operrias foram, muitas vezes, descritas como

    mocinhas infelizes e frgeis. Apareciam desprotegidas e emocionalmente vulnerveis aos

    olhos da sociedade e, por isso, podiam ser presas fceis da ambio masculina (Rago, 1997, p.

    579).

    Essa imagem vitimizada, de uma figura peripattica, altamente manipulada, sem

    expresso poltica e nem contorno pessoal, tem sido frequentemente reproduzida para uma

  • 20 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    identidade da trabalhadora domstica dos dias de hoje, apesar de se ver algumas raras

    inseres opositoras.

    Contudo, raramente se atenta para um fato: as lutas de classes pelo

    reconhecimento dos direitos da mulher iniciaram, curiosamente, nas cozinhas das manses,

    como se observa na seguinte descrio de Rago (1997, p. 594) que relata que (...) enquanto

    as fmeas da burguesia descem de Higienpolis e dos bairros ricos para a farra das

    garonires e dos clubs, a criadagem humilhada, de touquinha e avental conspira nas cozinhas

    e nos quintais dos palacetes. A massa explorada cansou e quer um mundo melhor! No eram,

    assim, somente figuras como Pagu que se rebelaram contra a moral social vigente na poca. O

    ato de conspirar nas cozinhas e nos quintais bem uma atitude de quem est cansada de

    uma situao de humilhao domstica e tenta novas perspectivas de trabalho.

    A conspirao como ato de maquinar e entrar em conluio com outros a fim de

    tramar alguma coisa , portanto, uma ao por si s silenciosa, mas que denota uma

    capacidade de resistncia muito particular, sutil, prpria daquelas que passaram anos

    vivenciando uma realidade acertadamente traduzida no ditado popular grego os homens

    so a cabea da famlia, mas a mulher o pescoo, que gira a cabea para onde quer!

    Tudo isso parece indicar a realizao de uma vita activa contemplada pelas

    mulheres que trabalham nesta profisso nas casas de famlia.

    2 CONSIDERAES FINAIS

    Diante deste percurso, conclumos que apesar de uma herana histrica de lutas

    corporais com a floresta, com os homens, com outras mulheres e at mesmo com o progresso

    tecnolgico da indstria, no ethos do trabalho das empregadas domesticas h uma diversa e

    paradoxal realizao de um vita activa conforme o pensamento de Hannah Arendt,

    contempladas nos caracteres a seguir:

    a) Realiza labor, em razo das condies precrias de efetivao de suas

    atividades e de todas as decorrncias materiais disso; na luta pela sobrevivncia ela reafirma a

    condio referencial do homo laborans no mundo moderno e revive o estigma do

    escravagismo;

    b) Realiza trabalho criativo quando suas atividades englobam processo, destino,

    transformao material e objetivao;

  • 21 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

    c) No realiza trabalho criativo quando a tenso experimentada no limiar entre os

    espaos - pblico e privado - faz emergir uma relao social de subjugao e violncia

    mantida com o empregador;

    d) Sempre realiza ao, pela resistncia silenciosa e sutil que opera.

    Resta saber que novos contornos ganhou esta resistncia nos dias de hoje, como

    esta se expressa no trabalho executado pela empregada domstica.

    THE HUMAN CONDITION AND THE ETHOS OF DOMESTIC WORK

    IN THE LIGHT OF HANNAH ARENDT THOUGHT

    ABSTRACT: This article was able to reveal, in the light of the thought of Hannah Arendt,

    labor, women's work and domestic work to understand the maid of activity. Under the

    category of thought, the Domestic Suely Kofes. Because, presents the human condition as the

    sum of all that can be in the world and indicates the completion of a vita activa in this area.

    The methodological framework was complex approach of Edgar Morin. We conclude that

    despite a historical legacy of physical fights with the forest, with men, with women and even

    with the technological progress of the industry, the ethos of the work of these professionals

    for the realization of vita activa contemplated by the Labor, Work, the Creative Work and

    Action.

    KEYWORDS: Human Condition. Domestic Work. Domestic Servant.

    REFERNCIAS

    Abramo, L. (2001). A Situao Da Mulher Latino-Americana O Mercado De Trabalho No Contexto Da Reestruturao. Proposta. N.88/89. Rio De Janeiro.

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    Arendt, H. (2004). A condio humana. Rio de Janeiro: Forense Universitria.

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    por gneros. Disponvel em: . Acesso em: Acesso em 20/02/2003.

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  • 22 Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

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    Fres, M. H. X. M. (2002). Trabalhador Domstico. Revista Direito, Estado e Sociedade, N 16 de 17 de Junho de. Disponvel em

  • AS REFORMAS DA ADMINISTRAO PBLICA NO BRASIL: DO PATRIMONIALISMO NOVA GESTO PBLICA

    Renato Pereira Monteiro

    Pesquisador vinculado ao Research Center in Political Science and Administration (CICP). Doutorando em Contabilidade pela Universidade de Aveiro e Universidade do Minho em Portugal,

    Mestre em Contabilidade pela UNISINOS, So Leopoldo-RS (2012) Bacharel em Cincias Contbeis pelo Centro Universitrio La Salle (2004)

    Contador do IFRS Campus Porto Alegre. [email protected]

    Cleber Augusto Pereira Pesquisador vinculado ao Research Center in Political Science and Administration (CICP).

    Doutorando em Cincias da Administrao pela Universidade do Minho em Portugal, Mestre em Inteligncia Artificial pela UFMA, Maranho (2010), Bacharel em Cincias Contbeis pela

    Universidade CEUMA, Maranho (1999), Professor Assistente na UFMA, Maranho. [email protected]

    Neimar Sousa Pinto Pereira

    Doutoranda em Cincias Empresariais pela Universidade do Minho em Portugal, Mestre em Administrao e Controladoria pela UFC, Cear (2010), Bacharel em Cincias Contbeis pela

    Universidade CEUMA, Maranho (2005), Professora Assistente na UFMA, Maranho. [email protected]

    Este estudo busca descrever os estgios da administrao pblica no Brasil ao longo dos anos, nomeadamente a gesto pblica patrimonialista, a burocrtica e a nova gesto pblica (NGP). O estudo relevante, pois permitiu evidenciar caractersticas e problemas de cada etapa, bem como a razo de seu surgimento. Nota-se que cada etapa surge como um processo de busca de melhoria do anterior. O patrimonialismo tinha problemas de no diferenciao entre o pblico e o privado, a burocracia problemas de ineficincia e a nova gesto pblica ao final surge na tentativa de aproximar a administrao pblica s necessidade das pessoas, alm de promover uma aproximao entre as prticas do setor privado na busca por melhor desempenho. Este estudo parte de uma robusta reviso da literatura para permitir identificar e descrever com clareza estas etapas. Palavras-chave: Patrimonialismo. Burocracia. Nova Gesto Pblica. INTRODUO

    Pesquisadores como Hood (1991) e (1995), Barberis (1998), Spathis &

    Ananiadis (2004), Mouritsen, Thorbjrnsen, Bukh, & Johansen (2004) Carvalho &

    Santiago (2009), Palermo, Cohen, LoanClarke & Mellahi (2010), afirmam que a administrao do setor pblico, de um modo geral, vem passando por presses da

    23

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • sociedade para melhorar e qualificar sua gesto e para o aumento da transparncia. A

    presso por mais qualidade na gesto do setor pblico deu origem a uma nova filosofia de

    gesto denominada New Public Management NPM, surgida na dcada de 1980 em pases

    como Dinamarca, Austrlia e Canad. Conforme afirma Hood (1991, 1995), a NPM

    consiste em aplicar na esfera pblica conceitos e tcnicas de gesto desenvolvidas e

    utilizados com sucesso na iniciativa privada. No Brasil ficou conhecida como Nova Gesto

    Pblica NGP e seu objetivo principal obter maior eficincia e efetividade no alcance

    dos objetivos das entidades pblicas.

    Os motivos da presso por avanos na qualidade da gesto pblica so muitos.

    Bliska & Vicente (2001), Araujo Neto, Freire, Ftima de Souza Rosano-pen, Carvalho, &

    Abreu (2013) descrevem como propulsores deste cenrio as crises no petrleo ocorridas

    em 1973 e em 1979, gerando a crise fiscal do Estado que j no obtinha recursos

    suficientes para comportar seus gastos, atingindo o chamado estado de ingovernabilidade.

    A crise fiscal que acarretou em um crescente dficit pblico, tambm apresentada como

    sendo responsvel por este processo de modernizao para outros autores como Hood

    (1995).

    Dado este cenrio de crise, desde 1980, pases membros da Organisation for

    Economic Co-operation and Development OECD, como Austrlia, Canad, Dinamarca,

    Finlndia, Islndia, Holanda, Nova Zelndia, Noruega e Sucia passaram a direcionar sua

    gesto para a obteno de melhores resultados. A experincia possibilitou aos organismos

    pblicos desses pases uma reformulao de sua postura administrativa culminando na

    remodelao de suas operaes para melhor atingir o interesse da sociedade e com maior

    estabilidade financeira (Oecd, 2004).

    O setor pblico brasileiro, passou por trs fases distintas que podem ser

    considerados como estgios da administrao pblica, comeando na chamada era

    Patrimonialista, depois a Burocrtica, e no seu estgio atual a Nova Gesto Pblica (NGP).

    Este estudo tem como objetivo descrever estas fases at o advento da NGP, por meio de

    uma robusta reviso da literatura em artigos publicados sobre a temtica.

    O estudo est organizado apresentando incialmente o que a administrao

    Pblica no contexto brasileiro para a seguir descrever os estgios pelos quais passou,

    aprofundando a abordagem sobre a nova gesto pblica e a concluso ao final do estudo.

    24

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • ADMINISTRAO PBLICA

    Como forma de dar sustentao ao estudo e ampliar o entendimento que se tem

    sobre a Administrao Pblica em seu conjunto, faz-se pertinente entender o seu

    significado e funcionamento. O termo Administrao Pblica quando utilizado em letras

    maisculas representa o Estado agindo por meio de suas funes e exercendo atividades

    administrativas. Meirelles (1989, p. 78-79) define a diferena entre a Administrao

    Privada e a Pblica que apresentada no Quadro 1. Quadro 1 - Administrao Privada e Administrao Pblica

    Administrar Em sentido lato gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues guarda e conservao alheia.

    Administrao Particular

    Gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens PARTICULARES entregues guarda e conservao alheia, envolve interesses particulares.

    Administrao Pblica

    Gerir interesses, conforme a lei, a moral e a finalidade dos bens PBLICOS entregues guarda e conservao alheia, envolve interesses pblicos. Neste sentido, entende-se como gesto de bens e interesses qualificados da comunidade no mbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum.

    No entender de Meirelles (1989), a Administrao Pblica o conjunto de

    aes do Estado no objetivo de gerir, cumprindo as leis, a moral e a tica, alm dos

    interesses da sociedade, sempre respeitando os interesses da coletividade. Enfim, so as

    aes que o Estado tem o dever e o direito de praticar.

    A Administrao Pblica no Brasil deve obedecer aos princpios da legalidade,

    impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia. Deve ser exercida por rgos da

    administrao direta, pelos rgos da administrao indireta e pelos rgos da

    administrao delegada. Tais princpios, norteadores da Administrao Pblica, so

    apresentados no Quadro 2.

    Quadro 2 - Princpios da Administrao Pblica

    Princpio Entendimento

    Legalidade Estrita obedincia lei; nenhum resultado poder ser considerado bom, nenhuma gesto poder ser reconhecida como de excelncia se executada revelia da lei.

    Impessoalidade

    No fazer acepo de pessoas. O tratamento diferenciado restringe-se apenas aos casos previstos em lei. A cortesia, a rapidez no atendimento e a confiabilidade so requisitos dos servios pblicos e devem ser agregados a todos os usurios indistintamente. Em se tratando de organizao pblica, todos os seus usurios devem ser pessoas muito importantes.

    Moralidade Pautar a gesto pblica por um cdigo moral.

    Fonte: Elaborado com base em Meirelles (1989).

    25

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • Publicidade Ser transparente, dar publicidade aos fatos e aos dados. uma forma eficaz de induo do controle social.

    Eficincia Fazer o que precisa ser feito com o mximo de qualidade ao menor custo possvel. No se trata de reduo de custos de qualquer maneira, mas de buscar a melhor relao entre qualidade do servio e qualidade do gasto.

    Segundo Sothe e Scarpin (2009, p. 28) dentre os princpios estabelecidos pela

    constituio a eficincia apresenta-se como fundamental para o cumprimento das funes

    atribudas administrao pblica. Tambm, nos ltimos anos, a publicidade dos atos

    pblicos ganhou relevncia com o advento de meios mais abrangentes de comunicao,

    como a rede mundial de computadores (Castro, 2011).

    Percebe-se que a Administrao Pblica o agente responsvel por gerir os

    bens pblicos no Brasil e deve realizar estas aes com fundamento nos Princpios

    Norteadores estabelecidos na Constituio Federal. No Brasil, esta administrao passou

    por trs perodos bem caractersticos e que no so excludentes entre si. Estes perodos

    ficaram conhecidos como o da administrao patrimonialista, da burocrtica e da gerencial.

    As caractersticas de um perodo anterior acabaram por contribuir para a formao do

    perodo seguinte (Bresser-Pereira, 1996). Tais perodos so tratados na sequncia.

    ADMINISTRAO PBLICA PATRIMONIALISTA

    O patrimonialismo, como ficou conhecido o perodo da administrao pblica

    patrimonialista, era a forma de atuao dos detentores de poder na poca das monarquias,

    caracterstica dos Estados absolutistas europeus do sculo XVIII. Neste modelo, o

    patrimnio pblico e o privado eram confundidos. Conforme Bresser-Pereira (1996, p. 3),

    neste tipo de administrao, o Estado era entendido como propriedade do rei. O autor

    ainda relata que a corrupo, o empreguismo e o nepotismo eram regras neste tipo de

    administrao. A tica e a legalidade estavam em um segundo plano neste modelo de

    gesto.

    Tambm para Campante (2003) o patrimonialismo personalista e tende a

    desprezar a distino entre as esferas privadas e pblicas. Afirma que o poder pessoal e o

    interesse particular imperam nas decises. A mesma viso apontada por Martins (1997, p.

    3) quando destaca que na poca do Patrimonialismo prevalecia o paternalismo e o

    Fonte: Lima (2009).

    26

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • nepotismo que empregava os inteis letrados, na prtica do bacharelismo cujos critrios de

    seleo e provimento oscilavam entre o status, o parentesco e o favoritismo. Verifica-se,

    segundo a tica de Martins (1997), a falta de profissionalismo da gesto pblica neste

    perodo.

    A administrao pblica, nesta fase, era dominada por grupos que visavam

    manuteno de seu poder, a garantia de seus interesses e a proteo mtua de seus pares.

    Esses grupos se aglutinavam no aparato estatal para defender seus interesses, em busca de

    recursos pblicos para sua sobrevivncia, construindo uma rede de apoio de lealdade

    poltica e preservao de lideranas. Esta face do patrimonialismo pode ser sentida ainda

    nos dias atuais (Abrucio, 2007).

    Motta (2007) descreve que a gesto dos recursos pblicos era voltada para

    atender demandas e necessidades de pequenos grupos particulares, aplicada na troca de

    favores, ficando em segundo plano o uso destes nas demandas e necessidades reais da

    comunidade, no referido perodo. Neste contexto, uma gesto econmica direcionada aos

    interesses da sociedade parece que inexistia neste perodo da administrao pblica

    nacional.

    Costa (2008, p. 846) afirma que a reforma administrativa do Estado Novo foi o

    primeiro passo para superar o patrimonialismo classificando como uma ao deliberada e

    ambiciosa no sentido da burocratizao do Estado brasileiro.. Na tentativa de combater as

    prticas de pessoalidade, a descentralizao inadequada da gesto, a relao imoral entre o

    pblico e o privado surgiu a Administrao Pblica Burocrtica que visava entre outras

    coisas estabelecer o sistema de mrito, separao entre o pblico e o privado, enfim

    construir uma administrao mais racional e eficiente para o crescimento e

    desenvolvimento do pas (Costa, 2008).

    ADMINISTRAO PBLICA BUROCRTICA

    O segundo perodo pelo qual passou a administrao pblica brasileira foi o

    modelo de gesto burocrtica, implantado no Brasil, durante o regime militar, nos anos 60,

    na tentativa de extinguir o modelo patrimonialista e avanar na profissionalizao do

    servio pblico (Bresser-Pereira, 1996). O modelo burocrtico foi muito difundido no

    sculo XX, uma vez o Estado comeou a exercer um papel social diferenciado, destinado a 27

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • atender as demandas da sociedade por sade, educao, segurana, cultura, previdncia e

    pesquisa cientfica.

    Secchi (2009, p.350) destaca que o modelo burocrtico weberiano atribudo a

    Max Weber por que o socilogo alemo analisou e sintetizou suas principais

    caractersticas. Ficou conhecido tambm na literatura inglesa como a progressive public

    administration, que induziu mudanas no setor pblico dos Estados Unidos, no sculo XIX

    e XX. Secchi (2009, p. 350) ainda afirma que desde o sculo XVI o modelo burocrtico j

    era bastante difundido nas administraes pblicas, nas organizaes religiosas e militares,

    especialmente na Europa.

    No Brasil, a burocratizao de seu sistema administrativo ocorreu de forma

    lenta e superficial nos seus primeiros 100 anos de histria independente, mas teve seu auge

    e acelerao na Revoluo de 1930 (COSTA, 2008). A estrutura estatal vigente estava

    corroda pelos vcios do patrimonialismo, assim, o Governo de Getlio Vargas deu incio

    tendo como objetivo: (1) estabelecer mecanismos de controle da crise econmica,

    resultante dos efeitos da Grande Depresso, iniciada em 1929, e subsidiariamente

    promover uma alavancagem industrial; e (2) promover a racionalizao burocrtica do

    servio pblico, por meio da padronizao, normatizao e implantao de mecanismos de

    controle, notadamente nas reas de pessoal, material e finanas (Costa, 2008).

    Uma das caractersticas deste modelo retratadas por Secchi (2009, p. 351) a

    impessoalidade das relaes dos membros da organizao, inclusive com o ambiente

    externo: A impessoalidade prescreve que a relao entre os membros da organizao e entre a organizao e o ambiente externo est baseada em funes e linhas de autoridade claras. O chefe ou diretor de um setor ou departamento tem a autoridade e responsabilidade para decidir e comunicar sua deciso. O chefe ou diretor a pessoa que formalmente representa a organizao. Ainda mais importante, a impessoalidade implica que as posies hierrquicas pertencem organizao, e no s pessoas que a esto ocupando. Isso ajuda a evitar a apropriao individual do poder, prestgio, e outros tipos de benefcios, a partir do momento que o indivduo deixa sua funo ou a organizao.

    Alguns dos problemas da administrao burocrtica considerados por Bliska e

    Vicente (2001) foram: (1) desperdcio de recursos pblicos; (2) desperdcio das

    capacidades e competncias dos servidores, com a inibio de seu potencial criativo; (3)

    distncia entre a deciso e a ao, em prejuzo ao atendimento dos cidados.

    28

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • Com efeito, o Estado foi estimulando o desenvolvimento de novos meios de

    gesto, dado que a administrao pblica burocrtica no comprovou ser o sinnimo de

    eficincia que se esperava. Verificou-se, com o passar dos anos, que ela no garantia

    rapidez, qualidade e custo baixo dos servios pblicos, ficando conhecida como lenta e

    cara, alm de pouco atender as demandas da populao (Bresser-Pereira, 1996).

    A busca pela nova configurao da gesto do setor pblico repercutiu na forma do

    movimento chamado Nova Gesto Pblica, que surge como resposta s falhas do modelo

    burocrtico-weberiano de gesto do Estado, que estava superado, tratado por Giacomo

    (2005, p.159) como caracterizado pelo aumento da mquina pblica pela falta de

    qualidade e ineficincia dos servios.

    ADMINISTRAO PBLICA GERENCIAL - NOVA GESTO PBLICA (NGP)

    Hood (1995) classificou a NPM como um programa que consiste em aplicar,

    na esfera pblica, conceitos e tcnicas desenvolvidos com sucesso na iniciativa privada,

    para obter uma maior eficincia e efetividade na conquista dos objetivos das entidades

    pblicas. A NPM tem sido usada por os governos desde a dcada de 1980 para melhorar a

    eficincia do sector pblico e da qualidade de seus servios, por meio da descentralizao e

    aplicando competio, tratando os beneficirios dos servios pblicos como clientes

    (Paloma Snchez; Elena; Castrillo, 2009).

    Outros autores afirmam que desde o final da dcada de 1990, o setor pblico na

    Europa passou por uma reforma radical de sua gesto e organizao as alteraes tinham o

    objetivo de melhorar a eficincia, eficcia e responsabilizao de todas as entidades do

    setor, incluindo universidades (Spathis; Ananiadis, 2004), (Agasisti; Arnaboldi; Azzone,

    2008).

    Para Giacomo (2005, p.160) a NPM tem como caracterstica a utilizao

    intensa das prticas gerenciais com nfase na eficcia, sem, contudo, perder de vista a

    funo eminentemente pblica do aparelho estatal. O autor apresenta como pontos-chave

    da NPM: (1) a descentralizao; (2) a delegao de autoridade; (3) um rgido controle

    sobre o desempenho; (4) a considerao da sociedade como consumidora.

    Os princpios da NPM privilegiam a informao para a tomada de decises e

    para a responsabilizao, defendendo a introduo de instrumentos de gesto privada no 29

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • setor pblico, a flexibilizao das estruturas, a descentralizao do poder e da autonomia, a

    orientao para o cliente, a racionalizao dos recursos, a medida de desempenho orientada

    para os outputs e outcomes, o conceito do Value for Money, sistemas contabilsticos onde

    adotada a base do acrscimo, a integrao da contabilidade financeira com a informao

    oramental tradicional e a avaliao das entidades pblicas por via de implementao de

    adequados sistemas de auditoria (HOOD, 1995).

    Fbin (2010, p. 43-44) estabelece seis dimenses onde a NPM deve agir: (1)

    os governos devem se envolver com as funes mais importantes; (2) estrutura de servio

    voltada e centrada no resultado organizacional; (3) os processos de gesto devem estar

    divididos de forma que cada etapa adicione valor etapa anterior; (4) expanso da

    automao e informatizao do setor pblico; (5) elementos competitivos devem ser

    aplicados ao setor pblico; e (6) gesto efetiva poltica e administrativamente.

    Percebe-se a relevncia das alteraes promovidas pelos conceitos da NPM no

    setor pblico. Esta aproximada com a forma de administrar do setor privado introduziu

    uma maior preocupao com o desempenho do setor alinhado com a responsabilizao dos

    gestores, com o controle social e com a transparncia.

    Graef (2010) enfatiza que, aps a Constituio Federal de 1988, com as

    primeiras eleies diretas, o governo vigente poca promoveu uma srie de reformas,

    contemplando: (1) abertura da economia ao capital externo; (2) desregulamentao do

    mercado; (3) desestatizao; (4) abertura do mercado nacional; (5) tentativas de controle

    do processo inflacionrio; (6) reduo do tamanho do Estado; (7) uma poltica de reduo

    do gasto pblico. Estas reformas colaboraram para o surgimento desta nova administrao

    no mbito nacional.

    Segundo Bliska e Vicente (2001), um modelo de administrao gerencial deve

    estar centrado na efetividade dos resultados da organizao, nas aes do corpo funcional e

    diretivo, que devem fortalecer o cumprimento da misso institucional e, ainda, na

    valorizao dos recursos pblicos aplicados em cada atividade. Conforme destaca Lima

    (2009), desde 1995, os poderes executivos dos Estados e da Unio tm desenvolvido

    inovaes em termos de gesto, alicerada em dois pontos principais: (1) tornar a gesto

    pblica mais voltada para o cidado e para a sociedade do que para a burocracia; (2)

    aproximar a gesto pblica das caractersticas da gesto contempornea.

    30

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • Na NGP, o cidado passa a ser considerado como cliente. Objetiva-se atingir

    melhores nveis de eficincia e eficcia, com base na tica e transparncia, com

    fundamento tambm na responsabilidade fiscal. Para Rezende (2002, p. 112), um dos

    relevantes fatores das recentes mudanas nos modelos de gesto pblica centra-se na

    necessidade contnua de lidar com problemas crnicos de eficincia, efetividade e eficcia

    na administrao pblica. Nas ltimas dcadas do sculo XX, mais especificamente nos

    anos 80, desencadearam-se em diversos pases os debates sobre a gesto pblica

    contempornea, com base na necessidade do Estado desenvolver um novo papel devido s

    novas demandas sociais oriundas das recentes crises financeiras (anos 70), de acordo com

    Marini (2002).

    Vivia-se um esgotamento do modelo burocrtico vigente, que tinha entre suas

    caractersticas a baixa qualidade do servio prestado aos cidados. Conforme afirma

    Marini (2002), este processo de gerar estratgias para o rompimento deste antigo modelo

    foi denominada de New Public Management - NPM. Com incio na Gr-Bretanha, ficou

    conhecida no Brasil como Nova Gesto Pblica - NGP. O novo modelo de gesto proposto

    tem entre seus objetivos eliminar ou substituir procedimentos burocrticos que contribuam

    para a ineficincia do setor pblico, bem como incentivar a adoo pelos governos locais

    de mtodos bem sucedidos na iniciativa privada, como a terceirizao de servios. Um dos

    efeitos dessa adoo foi a excluso de alguns cargos e das carreiras de poderes, como os de

    faxineira, motorista, porteiros e copeiros, substitudos por contratos de terceirizao.

    Hood (1995) classificou a NPM como um programa que consiste em aplicar,

    na esfera pblica, conceitos e tcnicas desenvolvidos com sucesso na iniciativa privada,

    para obter uma maior eficincia e efetividade na conquista dos objetivos das entidades

    pblicas. Giacomo (2005, p. 160) afirma que a NGP, a qual denomina APG -

    Administrao Pblica Gerencial, tambm tem como caracterstica a utilizao intensa

    das prticas gerenciais com nfase na eficcia, sem, contudo, perder de vista a funo

    eminentemente pblica do aparelho estatal. O autor apresenta como pontos chave da

    NGP: (1) a descentralizao; (2) a delegao de autoridade; (3) um rgido controle sobre o

    desempenho; (4) a considerao da sociedade como consumidora.

    Fabin (2010, p. 43-44) estabelece seis dimenses onde a NPM deve agir: (1)

    os governos devem se envolver com as funes mais importantes; (2) estrutura de servio

    voltada e centrada no resultado organizacional; (3) os processos de gesto devem estar 31

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • divididos de forma que cada etapa adicione valor etapa anterior; (4) expanso da

    automao e informatizao do setor pblico; (5) elementos competitivos devem ser

    aplicados ao setor pblico; e (6) gesto efetiva poltica e administrativamente.

    Na Amrica Latina, as mudanas no setor pblico tambm comearam a

    ocorrer de um modo geral. Marini (2002) apresenta um levantamento deste contexto em

    diversos pases como Uruguai, Chile, Peru, Nicargua, Argentina, Venezuela, Guatemala e

    Mxico. Marini (2002) relata que, no Uruguai, as modificaes iniciaram com medidas no

    sistema de seguridade social, na educao, no sistema poltico e na administrao pblica,

    principalmente, com alteraes no oramento pblico. Neste pas, as reformas tambm

    estavam voltadas para a estrutura organizacional e o melhor atendimento dos usurios de

    servios pblicos.

    No Chile, segundo Marini (2002), as mudanas tiveram por base o

    planejamento estratgico das aes de governo, alm de acordos de modernizao do

    Estado e tentativas de estabelecer indicadores e metodologias de avaliao de desempenho

    do setor pblico. J no Peru as mudanas tinham como foco, alm da melhoria da gesto

    como um todo, a construo de um Estado mais democrtico, descentralizado e voltado

    para os servios ao cidado (Marini, 2002).

    Na Argentina, o movimento teve incio em 1983, quando foi criada a Secretaria

    da Funo Pblica. Posteriormente, em 1999, foi criada a Subsecretaria de Gesto Pblica

    que desenvolveu um plano de modernizao do Estado visando implantao de um

    moderno sistema de gerncia pblica, para os organismos da Administrao Nacional

    (Marini, 2002). O Quadro 3 sintetiza alguns objetivos das reformas deste movimento pela

    reforma gerencial dos pases da Amrica Latina.

    Quadros 3 - Objetivos da NPM em Pases da Amrica Latina

    Pases Objetivos

    Uruguai

    (1) Melhorar a eficincia, eficcia e impacto do gasto pblico (...); (2) Obter maior transparncia, maior competitividade e eficincia nas aquisies pblicas (...); (3) Disponibilizar informaes sobre rendimentos dos funcionrios pblicos (...); (4) Aperfeioar as condies objetivas de trabalho por meio da disponibilizao de informaes sobre horas trabalhadas dos funcionrios da Administrao Central; (5) Implantar a administrao eletrnica usando a tecnologia (...); (6) Desregulamentar por intermdio da implementao de mudanas, visando reduo de custos e eliminao de restries desnecessrias para cidados e empresas.

    Chile

    (1) econmica: orientada a fortalecer a capacidade reguladora do Estado a partir dos processos de privatizao; (2) poltica: caracterizada pela transio de um Estado autoritrio e centralizador na direo de um Estado democrtico, participativo e descentralizado; (3) social: a partir de mudanas de um modelo frgil de provimento direto dos servios sociais para um novo

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  • modelo que compartilha estas funes com o mercado e o terceiro setor. (4) gesto: orientada para a introduo de uma nova gerncia pblica baseada na qualidade e em resultados em substituio a uma burocracia formalista baseada somente na norma.

    Peru (1) a melhoria da prestao de servios; (2) a criao de canais de participao cidad; (3) descentralizao e desconcentrao; (4) uma gesto pblica transparente e com equilbrio fiscal (5) a qualificao dos servidores.

    Argentina (1) Transformaes institucionais que tem entre suas caractersticas o compromisso com o cidado e a gesto por resultados; (2) Transformaes horizontais que tem foco no desenvolvimento do capital humano e na modernizao dos sistemas administrativos.

    Os objetivos da NPM consolidam um novo panorama mundial de maior

    preocupao tanto de gestores como da sociedade em melhorar no s a imagem das

    instituies pblicas como da gesto como um todo. Tambm visam incentivar o controle

    social por meio da instrumentalizao de ferramentas de maior transparncia e divulgao

    dos resultados e dos gastos pblicos. Observando-se os objetivos da NPM, na Amrica

    Latina, e a maneira como eles foram implantados, chama a ateno o alinhamento entre

    pases como Uruguai, Chile e Peru nos aspectos norteadores da NPM voltados em especial

    para a reduo de custos, aumento de eficincia e eficcia, aes de maior transparncia e

    prestao de servios de melhor qualidade. Nestes pases, as mudanas so focadas no s

    nas suas estruturas internas, mas tambm dependem da participao ativa da prpria

    sociedade para a conquista destes objetivos, como o maior controle e a efetiva

    transparncia. Ao contrrio da Argentina, que tem seus objetivos mais voltados para sua

    estrutura interna como qualificao do seu quadro funcional, mudanas na estrutura

    administrativa, assim como suas alteraes, no tem um nvel de incentivo participao

    social como nos objetivos dos outros pases apresentados no Quadro 3.

    Conforme Sano e Abrucio (2008), as primeiras ideias de Nova Gesto Pblica

    chegaram ao Brasil, no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, com a criao do

    Ministrio da Administrao e Reforma do Estado (MARE). Marini (2002) destaca que

    tambm, em 1995, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Este

    documento partia de um diagnstico dos principais problemas da administrao pblica e

    propunha um novo modelo conceitual, dividido em quatro segmentos, conforme

    apresentado no Quadro 4.

    Quadro 4 - Segmentos Caractersticos da Ao do Plano Diretor

    Segmento Orientao Ncleo Estratgico Definio de leis e de polticas pblicas e cobrana de seu cumprimento.

    Fonte: Elaborado com base em Marini (2002).

    33

    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • Atividades Exclusivas As que so indelegveis e para seu exerccio necessrio poder de Estado. Atividades no

    Exclusivas Aquelas de alta relevncia em que o Estado atua simultaneamente com outras organizaes privadas e do terceiro setor na prestao de servios sociais.

    Produo de Bens e Servios ao Mercado

    Correspondem ao setor de infraestrutura onde atuam as empresas, portanto, com tendncias privatizao.

    Uma das caractersticas do Plano Diretor foi estabelecer que no segmento

    estratgico do setor pblico fundamental que as decises sejam cumpridas conforme

    programadas. A efetividade considerada como mais relevante do que a eficincia. O

    ncleo estratgico fundamental para o cumprimento das aes, mas esta verificao s

    possvel utilizando os preceitos da administrao burocrtica (controles e processos) com a

    gesto gerencial no que tange ao cumprimento de metas. Nos segmentos de atividades

    exclusivas e no exclusivas, a prioridade se concentra na qualidade dos servios prestados

    e nos custos incorridos nestas atividades, primando-se pela eficincia das aes, buscando

    uma otimizao entre a qualidade e o custo dos servios colocados disposio do pblico

    altamente relacionados gesto gerencial (Brasil, 1995).

    No segmento da produo de bens e servios, as empresas visam ao lucro

    mesmo que faam parte do aparelho do Estado. Este tipo de segmento deve possuir uma

    regulamentao rgida, pois, em muitos dos casos, fazem parte de monoplios. Como

    visam ao lucro esto focadas na administrao gerencial. Destaca-se que a produo de

    bens e servios com o uso do capital estatal s deve ser aplicado quando no existir

    capitais privados disponveis (Brasil, 1995). A NPM no Brasil, segundo Sano e Abrucio

    (2008), consiste em trs mecanismos essenciais, conforme apresentado no Quadro 5:

    Quadro 5 - Aspectos Principais da Nova Gesto Pblica no Brasil

    Administrao voltada para resultado

    A gesto deve estar baseada em metas, indicadores e formas que possibilitem a cobrana dos gestores alicerada na transparncia das aes governamentais, que permitam o controle maior dos cidados e o uso de outros instrumentos de accountability.

    Pluralidade Governamental Pluralidade dos provedores de servios pblicos, possibilidade de estabelecer formas contratuais de gesto em estruturas estatais e entes pblicos no estatais.

    Flexibilizao da Gesto Burocrtica e aumento da

    responsabilizao

    Por meio do funcionamento efetivo dos mecanismos institucionais de controle.

    Os aspectos principais trazidos por Sano e Abrucio (2008) demonstram que a

    gesto deve estar voltada para cumprir metas aplicadas ao atendimento das necessidades da

    Fonte: Elaborado com base em Marini (2002).

    Fonte: Elaborado com base em Sano e Abrucio (2008).

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    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • populao por meio da prestao de servios de qualidade e, ainda, para a prestao de

    contas por meio da transparncia efetiva das aes de governo, alm de ampliar a estrutura

    estatal por meio da chamada descentralizao dos servios, utilizando contratos de gesto e

    parcerias pblicas. Por fim, a flexibilizao dos mecanismos burocrticos com o maior

    rigor no controle institucional.

    Christensen e Laegrid (2006) apontam o surgimento de uma nova tendncia de

    gesto no setor pblico, sendo uma segunda gerao das reformas no setor, conhecido em

    ingls como whole-of-government approach, inicialmente, chamada de joined-up

    government - JUG. Este tipo de administrao tem sido a tendncia em pases onde surgiu

    a NPM como o Reino Unido, Austrlia e Nova Zelndia. Os mesmos autores afirmam que

    este conceito foi introduzido inicialmente no governo de Tony Blair, em 1997, no Reino

    Unido, tendo como principal objetivo um melhor controle dos limites de aes do setor

    pblico, nos nveis administrativos e na rea poltica. Conforme estes autores, as iniciativas

    para a Totalidade do Governo - TG, como ficou conhecida no Brasil, so reaes s

    experincias negativas das reformas trazidas pela NPM, como a ineficincia no processo

    de delegao de servios pblicos e o excesso de diviso das organizaes especializadas

    que prejudica o controle e a efetividade dos servios.

    As razes elencadas por Christensen e Laegrid (2006) para esta nova fase da

    gesto pblica consistem: (1) no excesso de cargos e funes especializados sobrepostos;

    (2) em autoridades centradas em si mesmas; (3) na falta de cooperao e coordenao entre

    os rgos; (4) na dificuldade de atingir a eficincia e a eficcia.

    CONSIDERAES FINAIS

    A administrao pblica no Brasil passou por trs fases distintas. Cabe destacar

    que no houve um rompimento entre as fases, mas sim um processo de evoluo e busca

    por melhoria.

    O patrimonialismo foi implantado no Brasil na poca da colonizao

    portuguesa, quando comeou-se o processo de ttulos de terras e poderes quase absolutos

    aos senhores de terra legou posteridade uma prtica poltico-administrativa em que o

    pblico e o privado no se distingue perante as autoridades. Assim, torna-se "natural"

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    Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 8, setembro / dez 2014 ISSN 2182-598X

  • desde o perodo colonial (1500 - 1822), perpassando pelo perodo Imperial (1822 - 1889) e

    chegando mesmo Repblica Velha (1889 - 1930) a confuso entre o pblico e o privado.

    Na tentativa de uma resposta ao patrimonialismo, em especial combater a

    corrupo e o nepotismo patrimonialista, surgiu o modelo burocrtico que tinha entre suas

    principais caracterstica a implantao de controles, processos, impessoalidade,

    formalismo, diviso de tarefas e obrigaes, preocupao com a eficincia e regulao da

    hierarquia, profissionalizao do servidor. As crticas administrao pblica burocrtica

    so muitas; dentre elas a separao do Estado e sociedade, pelo fato de os funcionrios se

    concentrarem no controle e na garantia do poder do Estado. Em resumo, os atributos da

    administrao pblica burocrtica poderiam ser representados pelo controle efetivo dos

    abusos. Os defeitos, por sua vez, seriam a ineficincia e a incapacidade de se voltarem para

    o servio dos cidados como clientes.

    O estgio atual da administrao pblica no Brasil a NGP que tem no

    cidado, no Estado do Bem Estar Social seu principal objetivo. Deseja-se com as prticas

    da NGP obter um melhor desempenho dos processos e dos resultados. Neste tipo de

    administrao comea-se a implantar ferramentas e tcnicas de gesto consagradas no setor

    privado. O cidado percebido como cliente do servio pblico, que deseja servios de

    qualidade. Nesta administrao o incentivo a transparncia e ao controle social comum.

    Busca-se que desempenho seja o mais prximo do desejado pela sociedade.

    THE REFOMS IN PUBLIC ADMINISTRATION OF BRAZIL: PATRIMONIALISM, BUREAUCRACY AND NEW PUBLIC

    MANAGEMENT

    ABSTRACT: This study aims to describe the stages of the government in Brazil over the years, including the patrimonial governance, bureaucratic and the new publi