revinter revista da toxicologia - volume 8 número 1 fev de 2015 - são paulo

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REVISTA INTERTOX DE TOXICOLOGIA, RISCO AMBIENTAL E SOCIEDADE

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Editorial

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Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 8-130, fev. 2015

A Revinter – Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade –

tem missão de divulgar a produção científica da Toxicologia, Meio Ambiente e

Sociedade, estimulando as contribuições criativas e inéditas do trabalho

acadêmico, de pesquisa e do meio empresarial, tanto de autores nacionais como

estrangeiros, contribuindo para a discussão e o desenvolvimento do

conhecimento nestas áreas. Trata-se de um periódico científico de acesso aberto,

quadrimestral (meses de fevereiro, junho e outubro), arbitrado, publicado em

São Paulo, SP, Brasil, pela parceria Intertox-Ecoadvisor, e classificado na

Tabela de Áreas do Conhecimento do CNPq em Ciências Biológicas - 2.10.07.00-

4 – Toxicologia. Seu foco está na publicação de contribuições científicas no

campo das Ciências Toxicológicas, com ênfase em todos os aspectos do

gerenciamento dos riscos químico e toxicológico que tenham repercussão sobre o

meio ambiente e a sociedade.

Para o ano de 2015, em que agora lançamos o primeiro número da revista, nosso

planejamento estratégico aprovado determina que continuemos a nos empenhar

cada vez mais para aumentar a penetração da Revinter e para assegurar sua

ascensão no Sistema Qualis da CAPES.

A verdadeira guerra travada entre a humanidade e os riscos químicos e

toxicológicos das substâncias químicas e dos processos produtivos que as

envolvem está mais cruenta do que nunca. A constatação de tal fato é,

infelizmente, muito fácil. Basta que sejam abertos os mais importantes jornais e

semanários do planeta. Dia-a-dia o noticiário destaca casos de acidentes e

derramamentos químicos, intoxicações as mais diversas, uso inadequado de

produtos químicos na agricultura, poluição da atmosfera, drogadição,

intoxicações por medicamentos, aquecimento global e gases tóxicos, etc. O

inventário não tem fim, para nossa consternação. Mas se isso nos sensibiliza e

aborrece por uma lado, por outro nos magnifica a energia e a determinação de

prosseguirmos nessa batalha em busca do bem comum, contribuindo com a

captação e disseminação do conhecimento químico e toxicológico e sua interface.

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Editorial

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Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 8-130, fev. 2015

É assim que surge então o número 1 do volume 7 da Revinter. Artigos de fôlego

e de largo interesse vêm a público, para conversar com o leitor e o pesquisador,

na consolidação de um diálogo que desde seu nascimento se pretende desigual.

Explicamos: de um lado da conversa apostamos numa Toxicologia como

interlocutor forte e seguro, e do outro lado, uma intoxicação cada vez mais rara

e ausente. É nosso sonho. É o ideal de todos nós!

Desejamos a todos uma boa leitura e convidamos a publicar e debater conosco

encaminhando contribuições para [email protected]

Fausto Antonio de Azevedo

Conselho Editorial Científico

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ISSN 1984-3577

São Paulo, v. 8, n. 1, fev. 2015

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Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 08-130, fev. 2015

2015 Intertox

Periódico científico de acesso aberto, quadrimestral e arbitrado

meses: (2) fevereiro, (6) junho e (10) outubro.

Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte.

As opiniões e informações veiculadas nos artigos são de inteira e exclusiva responsabilidade dos

respectivos autores, não representando posturas oficiais da empresa Intertox Ltda.

Seções

Artigo Original; Artigo de Atualização; Comunicação Breve; Ensaio; Nota de Atualização e

Revisão; Notas

Idiomas de Publicação

Português e Inglês

Contribuições devem ser enviadas para <[email protected]>.

Disponível em: <http://revinter.intertox.com.br>.

Normalização e Produção Web site

Henry Douglas

Capa

Henry Douglas

Dieffenbachia picta Nerium oleander Caladium bicolor Allamanda cathartica

Datura suaveolens Zantedeschia aethiopica

Projeto Gráfico

Henry Douglas

Rua Turiassú, 390 - cj. 95 - Perdizes - 05005-000 - São Paulo - SP – Brasil Tel.: 55 11 3872-8970

http://www.intertox.com.br / [email protected]

RevInter – Revista Intertox de Toxicologia,

Risco Ambiental e Sociedade. / InterTox uma empresa do

conhecimento. – v. 8, n. 1, (fev. 2015).- São Paulo: Intertox. 2015.

Quadrimestral

ISSN: 1984-3577

1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade

Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento.

Biblioteca InterTox II. Título.

1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade

Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento.

Biblioteca InterTox II. Título.

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Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 08-130, fev. 2015

Expediente

Editor(a) Conselho Editorial Científico (2011-2013)

Maurea Nicoletti Flynn Alice A. da Matta Chasin

Bibliotecária Doutora em Oceanografia (USP) Doutora em Toxicologia (USP)

Com Especialização Ecologia

Comitê Científico (2011-2013)

Irene Videira Lima

Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal

Toxicologista do IML-SP por 22 anos.

Marcus E. M. da Matta

Doutor em Ciência pela Faculdade de Medicina

USP. Especialista em Gestão Ambiental (USP).

Engenheiro Ambiental e Turismólogo.

Moysés Chasin

Farmacêutico-bioquímico pela UNESP-SP

especializado em Laboratório de Análises

Clínicas e Toxicológicas e de Saúde Pública.

Ex-Perito Criminal Toxicologista de classe

especial e Diretor no Serviço Técnico de

Toxicologia Forense do Instituto Médico Legal

da SSP/São Paulo. Diretor executivo da

InterTox desde 1999.

Ricardo Baroud

Farmacêutico-Bioquímico Toxicólogo, Editor

Científico da PLURAIS Revista

Multidisciplinar da UNEB e da TECBAHIA

Revista Baiana de Tecnologia.

Eduardo Athayde

Coordenador no Brasil do WWI - World Watch

Institute

Eustáquio Linhares Borges

Mestre em Toxicologia (USP), ex-Presidente da

Sociedade Brasileira de Toxicologia, ex-

Professor Adjunto de Toxicologia da UFBA.

Fausto Antonio de Azevedo

Mestre em Toxicologia USP, ex-Diretor Geral

do Centro de Recursos Ambientais do CRA-BA,

ex-Presidente do CEPED-BA, ex-Subsecretário

do Planejamento, Ciência e Tecnologia do

Estado da Bahia.

Isarita Martins

Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises

Toxicológicas (USP), Pós-doutorado em

Química Analítica (UNICAMP), Farmacêutica-

Bioquímica Universidade Federal de Alfenas

MG.

João S. Furtado

Doutor em Ciências (USP), Pós-doutorado

(Universidade da Carolina do Norte, Chapel

Hill, NC, EUA).

José Armando-Jr

Doutor em Ciências (Biologia Vegetal) (USP),

Mestre (UNICAMP), Biólogo (USF).

Sylvio de Queiroz Mattoso

Doutor em Engenharia (USP), ex-Presidente do

CEPED-BA.

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Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 08-130, fev. 2015

Sumário

TOXICOLOGIA

Humor Vítreo: Uma amostra biológica de interesse forense 8

Entre a beleza e o perigo: uma abordagem sobre as plantas tóxicas

ornamentais 19

Neurotoxicidade do ferro na fisiopatologia da doença de Parkinson 45

27 de janeiro: Toxicologia e História, um triste uso da toxicidade – o zyklon 58

ECOTOXICOLOGIA

Avaliação da função hepática de peixes Rhamdia quelen expostos aos

desreguladores endócrinos estriol e estona 82

SOCIEDADE

Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem com

estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - BA 100

Investigação dos riscos ambientais e ergonômicos em restaurantes privados de

um município do Piauí, Brasil 113

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SANTIAGO, Vívian Romero; VASCONCELOS, Auriana Serra; OLIVEIRA, Natália

Ferreira de; CÂNDIDO, Manuela Chaves Loureiro; SANTOS, Bruna Estefânia Carvalho

dos; NETO, José Nilson Ferreira Gomes. Humo Vítreo: Uma amostra biológica de interesse

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Humor Vítreo: Uma amostra biológica de

interesse forense

Vívian Romero Santiago

Perita legista da Perícia Forense do Ceará, Especialista em

Farmacologia Legal.

Email: [email protected]

Auriana Serra Vasconcelos

Mestranda em Farmacologia da Universidade Federal do Ceará.

Natália Ferreira de Oliveira

Farmacêutica graduada pela Universidade Federal do Ceará.

Manuela Chaves Loureiro Cândido

Perita criminal da Perícia Forense do Ceará, Mestre em Química.

Bruna Estefânia Carvalho dos Santos

Perita legista da Perícia Forense do Ceará, Mestre em Patologia.

José Nilson Ferreira Gomes Neto

Professor da Universidade de Fortaleza, Mestre em Ciências

Farmacêuticas.

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RESUMO

A toxicologia forense se define como uma das disciplinas técnico-científica

que constituem as denominadas ciências forenses. Essa envolve de maneira

ampla a pesquisa de drogas em diversas matrizes biológicas. Não é possível

falar de Toxicologia Forense sem falar da toxicologia analítica. A detecção

de drogas de abuso nos casos postmortem pode apresentar dificuldade

quando comparado com espécimes coletadas “in vivo”. A partir dessas

dificuldades que são encontradas nas amostras biológicas esse trabalho

pretende apresentar uma alternativa para ser utilizada em screening

toxicológico, tendo como objetivo principal avaliar a possibilidade da

utilização do humor vítreo como espécime biológico para detecção de

toxicantes no post-mortem. Para isso será realizada uma revisão da

literatura que não somente trará conceitos iniciais da amostra como também

apresentará vantagens e desvantagens dessa amostra quando comparada a

outras atualmente utilizadas. Trata-se de uma revisão da literatura a partir

de artigos científicos encontrados de 2003 a 2013. A pesquisa utilizou as

bases de dados Sciencedirect, Scielo e Lilacs. Pode-se definir humor vítreo

como um gel situado por trás da lente do olho. É um espécime que pode ser

coletada em investigações médico-legais na rotina durante as necropsias. O

uso desse espécime com a finalidade de dosar dois eletrólitos, glicose e

compostos de azoto, é bem elucidado. Em alguns casos a atividade

microbiana intensa e a fermentação da glicose que acontecem posmortem

podem ser responsáveis por uma produção de álcool. Por essa razão, outras

amostras são insuficientes para concluir um laudo medico legal. Portanto, a

utilização do humor vítreo para dosagem de algumas substâncias tem

grande valor. Dentre as principais funções consideradas essenciais da

medicina legal, incluem-se as investigações forenses, que envolvem em sua

maioria, a causa de morte. A partir desta revisão, foi possível determinar o

humor vítreo como espécime biológico que, apesar de ainda não ter sua

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utilização consolidada, apresenta inúmeras vantagens, podendo ser utilizado

mesmo com a degradação do organismo vivo.

Palavras-chave: Humor Vítreo, Espécimes Biológicos, Detecção de

Toxicantes.

ABSTRACT

Forensic toxicology is defined as one of the technical and scientific discipline

that constitute the so-called forensic sciences. This involves broadly drug

research in various biological matrices. Is not possible to speak about

forensic toxicology without mentioning analytical toxicology. The detection

of drugs of abuse in postmortem cases can present difficulties when

compared with specimens collected "in vivo". From these difficulties, found

in biological samples, this work aims to provide an alternative to

toxicological screening, having as main objective to evaluate the possibility

of using the vitreous humor as a biological specimen for the detection of

toxicants in post-mortem. This literature review will not only introduce the

initial concepts of sample but also present advantages and disadvantages of

this particular sample when compared to others currently in used. A review

of scientific articles from 2003 to 2013 at the bases science direct, lilacs and

scielo, were done. Humor vitreous can be defined as a gel located behind the

lens of the eye. It is a specimen that can be collected in legal investigations

in routine during autopsies. The use of this specimen in place of the

electrolytes, glucose and nitrogen compounds, is elucidated. In some cases,

intense microbial activity and fermentation of glucose occurring posmortem

may be responsible for the production of alcohol. For this reason, other

samples are insufficient in order to complete a medico legal report.

Therefore, the use of vitreous humor has great value. Among the main

functions considered essential, forensic includes forensic investigations,

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involving mostly the cause of death. From this review, we can determine the

vitreous body as a biological specimen; although it has not yet had it use

consolidated, it presents a larger number of advantages, including the

possibility of use even with the deterioration of the living organism.

Keywords: Vitreous Humor, Biological Specimens, Detection of Toxicants.

INTRODUÇÃO

A toxicologia forense é definida como uma das disciplinas técnico-

científica que constituem as denominadas ciências forenses. Essa envolve de

maneira ampla a pesquisa de drogas em diversas matrizes biológicas

(Society of Forensic Toxicologists 2013).

Não é possível falar de toxicologia forense sem falar da toxicologia

analítica. Isso faz com que uso das ferramentas apresentadas para análises

qualitativas, como a química analítica, possam aumentar a análise de

quantidade de substâncias de interesse toxicológico que podem se

apresentar em diferentes matrizes biológicas (GARCÍA-RODRÍGUEZ e

GÍMENEZ 2005).

A detecção de drogas de abuso nos casos post-mortem pode apresentar

uma maior dificuldade quando comparado com espécimes coletadas “in

vivo”. Quando se vai determinar a concentração de drogas em matrizes

biológicas é importante se ter conhecimento da estabilidade da substância

em tais tecidos. Esta situação é mais relevante em toxicologia forense, onde

os tecidos são susceptíveis a exposição por períodos prolongados. A extensão

da alteração química no intervalo post-mortem, ou mesmo no metabolismo

que ocorre após a morte, pode afetar a interpretação dos resultados. Como

algumas drogas são conhecidas pela sua natureza instável é mais indicado

utilizar as amostras biológicas que não sofrem essa alteração (ROBERTSON

e DRUMMER 1995; MORIYA e HASHIMOTO 1996).

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Uma vantagem de amostras coletadas do post-mortem quando

comparadas as situações clínicas habituais é a diversidade de amostras que

podem ser coletadas. A escolha da amostra é muitas vezes determinadas

pelo caso que está sendo investigado, no entanto, as espécimes mais comuns

utilizadas para a análise de drogas de abuso em caso de necropsia são o

sangue, no fígado e na urina, ou ainda, músculo, tecido adiposo, pulmão,

cérebro, ossos, e até mesmo, em casos de corpos em estado de putrefação,

pode-se coletar insetos que estejam alojados ao hospedeiro. No entanto,

espécimes como humor vítreo e cabelo tem usos importantes em casos de

rotina, enquanto cérebro, músculo, gordura, osso e derrames pleurais tem

aplicações mais especializadas (DRUMMER 2004).

A qualidade das perícias depende dos avanços científicos, aspecto

fundamental da toxicologia forense. É necessário que ocorra a

implementação correta de metodologias validadas para quantificação de

tóxicos. Aliado a isso, é indispensável realizar posteriormente uma

interpretação adequada baseada na quantificação dessas substancias tóxicas

(GARCÍA-RODRÍGUEZ e GÍMENEZ 2005).

A partir das dificuldades encontradas nas amostras biológicas, esse

trabalho pretende apresentar uma alternativa para ser utilizada em

screening toxicológico, tendo como objetivo principal avaliar a possibilidade

da utilização do humor vítreo como espécime biológico para detecção de

toxicantes no post-mortem. Para isso será realizada uma revisão da

literatura que não somente trará conceitos iniciais da amostra como também

apresentará vantagens e desvantagens dessa amostra quando comparada a

outras atualmente utilizadas.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão da literatura a partir de artigos científicos

encontrados de 2003 a 2013. A pesquisa utilizou as bases de dados

Sciencedirect, Scielo e Lilacs, incluindo estudos publicados em português,

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inglês ou espanhol. Após a leitura dos artigos encontrados nas bases de

dados, foram selecionados todos os relacionados com o tema, correspondendo

a um total de 20 artigos.

REVISÃO DA LITERATURA

Definição do humor vítreo

Pode-se definir humor vítreo como um gel situado por trás da lente do

olho (BOST 1997). Embora seja tecnicamente classificado como gel pode ser

considerado um fluido, que pode ser viscoso dependendo de sua constituição.

Pode ser constituido por colágeno e outras proteinas, responsáveis por sua

viscosidade. É um espécime que pode ser coletado em investigações médico-

legais na rotina durante as necropsias. O uso desse espécime com a

finalidade de dosar dois eletrólitos, glicose e compostos de azoto, é bem

elucidado (SUNSHINE 1990). Além disso, alguns autores utilizam essa

amostra na rotina a testes de etanol (LEVINE 2002). O humor vítreo

recebeu recentemente interesse como matriz para a detecção de drogas de

abuso e relatos foram publicados descrevendo estudos da detecção de

opiáceos, anfetaminas e cocaína e metabolitos (ZHU et al. 2002; ZHU et al.

2002; ZHU et al. 2005; ZHU et al. 2005; Li et al. 2006).

Vantagens apresentadas pelo humor vítreo em relação a outras

amostras biológicas

Para escolha da amostra biológica mais adequada para utilização nas

análises deve ser examinado tanto o estado do corpo, como também o tempo

entre a morte e a autópsia. Deve-se ressaltar que as condições ambientais

(temperatura e umidade), e a natureza do espécime coletado para análise,

são fatores importantes a considerar.

Em alguns casos a atividade microbiana intensa e a fermentação da

glicose que acontecem post-mortem podem ser responsáveis por uma

produção de álcool (KUGELBERG e JONES 2007). Além disso, pode ocorrer

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uma difusão do álcool contido no estômago para os locais aonde serão

realizadas coletas. Outro fator importante é o tempo entre a ingestão do

álcool e a morte (COOK et al. 2000 apud KUGELBERG e JONES 2007). Por

essa razão, algumas amostras biológicas como o sangue são insuficientes

para concluir um laudo medico legal.

Portanto, a utilização do humor vítreo para dosagem de algumas

substâncias tem grande valor (DRUMMER 2004).

Importância das amostras biológicas para medicina legal

Dentre as principais funções consideradas essenciais da medicina legal se

incluem as investigações forenses, que envolvem em sua maioria a causa de

morte. Para determinar a causa da morte é necessário que seja feita uma

interpretacão dos exames laboratorias usando um amplo espectro de

marcadores que envolvem a morfologia, toxicologia, microbiologia,

bioquímica e biologia molecular. Alem disso, a bioquímica realizada no post-

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mortem tornou-se um procedimento auxiliar importante na determinação da

causa e hora da morte (COE 1993; ZHU et al. 2002; ZHU et al. 2002, ZHU

et al. 2005, ZHU et al. 2005; LI et al. 2006, ZHU et al. 2006; ZHU et al.

2006; ZHU et al. 2007; ZHU et al. 2007). A possível utilidade da

investigação de biologia molecular tem sido também descrita (ISHIDA et al.

2002; ZHAO et al. 2006; ZHAO et al. 2006; ZHU et al. 2008).

CONCLUSÃO

Existe um desafio grande para os toxicologistas relacionado as

amostras post-mortem. Dentre as principais variáveis está a seleção de

amostras que sejam apropriadas para englobar análises de variadas drogas.

Para isso é imprescindível que se saiba qual substância será pesquisada e a

partir disso adequar a espécime que será utilizada.

A partir desta revisão, foi possível determinar o humor vítreo como

espécime biológica que, apesar de ainda não ter sua utilização consolidada, é

uma das amostras que apresenta um maior número de vantagens, podendo

ser utilizada mesmo com a degradação do organismo vivo.

Sugere-se, portanto, que estudos posteriores venham a padronizar

e/ou validar metodologias com este espécime.

REFERÊNCIAS

BOST, R.O. Analytical toxicology of vitreous humor. In: Wong SHY,

Sunshine I, editors. Handbook of analytical therapeutic drug

monitoring and toxicology. Boca Raton, FL: CRC Press, 1997.

COE, J.I. Postmortem chemistry update, emphasis on forensic application.

Am J

Forensic Med. Pathol., v. 14, p. 91–117, 1993.

COOK, D.S.; BRAITHWAITE, R.A.; HALE, K.A. Estimating antemortem

drug

concentrations from postmortem blood samples: the influence of postmortem

Redistribution, J. Clin. Pathol, v. 53, p. 282–285, 2000.

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DRUMMER, O.H. Postmortem toxicology of drugs of abuse, Forensic. Sci.

Int., vol. 142, p.101-113, 2004.

GARCÍA-RODRÍGUEZ, S.; GÍMENEZ, M.P. Recursos humanos en un

laboratorio de toxicología forense. Rev. Toxicol., v. 22, p. 1-11, 2005.

ISHIDA K, ZHU B-L, MAEDA H. A quantitative RT-PCR assay of

surfactant-associated protein A1 and A2 mRNA transcripts as a diagnostic

tool for acute asphyxia death. Leg. Med., v. 4, p. 7–12, 2002.

KUGELBERG, F.C.; JONES, A.W. Interpreting results of ethanol analysis in

postmortem specimens: A review of the literature. Forensic. Sci. Int., v.

165, p. 10-29, 2007.

LEVINE, B. Alcohol. In: Principles of forensic toxicology. Washington,

DC: AACC Press, 2002.

LI, D-R.; ZHU B-L.; ISHIKAWA, T.; ZHAO, D.; MICHIUE, T.; MAEDA, H.

Postmortem serum protein S100B levels with regard to the cause of death

involving brain damage in medico legal autopsy cases. Leg. Med., v. 8, p.

71–77, 2006.

MORIYA, F.; HASHIMOTO, Y. Postmortem stability of cocaine and coca

ethylene in blood and tissues of humans and rabbits, J. Forensic. Sci., v.

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ROBERTSON, M.D.; DRUMMER, O.H. Postmortem drug metabolism by

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at: http://www.softtox.org/images/stories/otherfiles/what is forensic

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v. 8, p. 132–136, 2006.

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SANTIAGO, Vívian Romero; VASCONCELOS, Auriana Serra; OLIVEIRA, Natália

Ferreira de; CÂNDIDO, Manuela Chaves Loureiro; SANTOS, Bruna Estefânia Carvalho

dos; NETO, José Nilson Ferreira Gomes. Humo Vítreo: Uma amostra biológica de interesse

forense. Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade,

v. 8, n. 1, p. 08-18, fev. 2015.

17

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SANTIAGO, Vívian Romero; VASCONCELOS, Auriana Serra; OLIVEIRA, Natália

Ferreira de; CÂNDIDO, Manuela Chaves Loureiro; SANTOS, Bruna Estefânia Carvalho

dos; NETO, José Nilson Ferreira Gomes. Humo Vítreo: Uma amostra biológica de interesse

forense. Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade,

v. 8, n. 1, p. 08-18, fev. 2015.

18

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Page 19: Revinter Revista da Toxicologia - Volume 8 Número 1 Fev de 2015 - São Paulo

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SILVA, Paulo Henrique da; OLIVEIRA, Ykaro Richard; SILVA, Ana Patrícia de Jesus;

MEIRELES, Victor de Jesus Silva; ABREU, Maria Carolina de. Entre a beleza e o perigo:

uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

19

Entre a beleza e o perigo: uma

abordagem sobre as plantas tóxicas

ornamentais

Paulo Henrique da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Piauí -

Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.

Ykaro Richard Oliveira

Licenciado em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Piauí -

Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.

Ana Patrícia de Jesus Silva

Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas,

Universidade Federal do Piauí - Campus Senador Helvídio Nunes de

Barros.

Victor de Jesus Silva Meireles

Doutorando em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais –

UEM/UFPI. Professor Assistente I, Curso de Ciências Biológicas,

Universidade Federal do Piauí- Campus Senador Helvídio Nunes de

Barros.

Maria Carolina de Abreu

Doutora em Botânica, Professora Adjunto II, Curso de Ciências

Biológicas, Universidade Federal do Piauí- Campus Senador Helvídio

Nunes de Barros.

E-mail: [email protected]

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SILVA, Paulo Henrique da; OLIVEIRA, Ykaro Richard; SILVA, Ana Patrícia de Jesus;

MEIRELES, Victor de Jesus Silva; ABREU, Maria Carolina de. Entre a beleza e o perigo:

uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

20

RESUMO

O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica acerca das plantas

tóxicas ornamentais, uma vez que, muitos vegetais, alguns de beleza

singular, representam grandes riscos a nossa integridade vital, seja pelo

simples contato com a pele, ingestão, seja pela inalação, em virtude da

presença de princípios tóxicos. Comumente, tais plantas são cultivadas

dentro dos nossos domicílios, sem o devido conhecimento acerca da sua

toxicidade, o que acaba favorecendo a ocorrência de intoxicações. Embora o

interesse e o conhecimento acerca da toxicidade de plantas datem de tempos

remotos, ainda nos dias de hoje, inúmeros acidentes toxicológicos acontecem

em decorrência da falta de conhecimento da população em geral quanto aos

vegetais tóxicos, onde, na maioria dos casos ocorre com crianças menores de

nove anos de idade, na maior parte, acidentalmente. Assim, torna-se

imprescindível conhecer os vegetais perigosos da região, da residência e do

quintal, conhecendo-os pelo aspecto e pelo nome, bem como acerca dos seus

princípios ativos. O estudo teve por objetivo o levantamento de dados e

informações sobre o tema abordado, desde conceitos até aspectos tóxicos e

preventivos acerca das plantas tóxicas, com a caracterização de algumas

plantas ornamentais de interesse toxicológico. Os materiais foram coletados

por meio de ferramentas virtuais de pesquisa, além de livros-textos e outros

documentos de referência na área, abrangendo um recorte temporal de 1977

a 2013. Assim, medidas e trabalhos educativos junto à população acerca das

plantas tóxicas, sobretudo crianças, torna-se de grande necessidade, posto

que, esta ainda é a melhor maneira de prevenir acontecimentos

indesejáveis.

Palavras chaves: Intoxicação por vegetais, princípios tóxicos, medidas

preventivas.

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SILVA, Paulo Henrique da; OLIVEIRA, Ykaro Richard; SILVA, Ana Patrícia de Jesus;

MEIRELES, Victor de Jesus Silva; ABREU, Maria Carolina de. Entre a beleza e o perigo:

uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

21

ABSTRACT

This study deals with a literature review about the ornamental toxic plants,

since many vegetables, some of singular beauty, pose great risks to our vital

integrity, either by skin contact, ingestion or by inhalation, in due to the

presence of toxic principles. These plants are grown within our homes,

without proper knowledge about their toxicity, which ends up favoring the

occurrence of poisoning. Although interest and knowledge on the toxicity of

plants date from ancient times, even today, many toxicological accidents

happens due to the lack of public knowledge in general about toxic plants,

where, in most cases occurs with children less than nine years old, mostly

accidentally. Thus, it is essential to know the dangerous plants in the

region, in the house and the yard, getting to know them by aspects, by name

and about their active principles. The study aimed to data collection and

information about the topic, from concepts until toxic and preventive aspects

about toxic plants, with the characterization of some ornamental plants of

toxicological interest. The materials were collected through virtual research

tools in addition to textbooks and others reference documents in the area,

covering a time frame among 1977 to 2013. Thus, measures and educational

works with the population about toxic plants, especially children, are of

great need, since this is still the best way to prevent undesirable events.

Keywords: Preventive measures, poisoning with plants, toxic principles.

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SILVA, Paulo Henrique da; OLIVEIRA, Ykaro Richard; SILVA, Ana Patrícia de Jesus;

MEIRELES, Victor de Jesus Silva; ABREU, Maria Carolina de. Entre a beleza e o perigo:

uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

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INTRODUÇÃO

A cada ano, são registrados vários casos de intoxicações por plantas

tóxicas ornamentais, que envolvem principalmente crianças e pequenos

animais de estimação. Os Centros de Informações Toxicológicas no Brasil

anunciam um expressivo número de intoxicações e de óbito de crianças que

ingeriram de forma acidental plantas ornamentais tóxicas (DIP et al., 2004).

Muitas plantas, algumas de incrível beleza, são potencialmente

perigosas a nossa saúde, tanto caso sejam ingeridas quanto pelo simples

contato com a pele, mucosas ou os olhos, em decorrência da presença de

toxinas. E não é raro tais plantas serem cultivadas dentro das residências,

como plantas ornamentais (SOARES et al., 2007)

Vasconcelos et al. (2009) expõem que as plantas tóxicas podem ser

encontradas em todos os lugares, seja como ornamentais dentro das

residências ou nos jardins e praças. Além disso, é bastante comum a

ocorrência de plantas tóxicas nas áreas rurais, as quais não são conhecidas

pelas populações locais, o que acaba favorecendo o acontecimento de

intoxicações.

Oliveira e Akisue (1997) destacam que toda planta é potencialmente

tóxica e, conforme Rodrigues e Copatti (2009), as plantas tóxicas

apresentam substâncias que, por suas propriedades naturais, físicas ou

químicas, modificam o conjunto funcional-orgânico em vista de sua

incompatibilidade vital, levando o organismo vivo a diversas reações

biológicas.

A carência de conhecimentos a respeito da toxicidade de espécies

utilizadas habitualmente pode conduzir a sérias consequências, já que as

plantas tóxicas possuem algum tipo de efeito lesivo ou substâncias

prejudiciais (SILVA et al., 2010). E, para um reconhecimento preciso dos

problemas com plantas tóxicas é imprescindível ter familiaridade com as

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uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

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plantas da região, compreendendo as de jardins e ornamentais presentes no

interior dos lares, e do conhecimento das variações sazonais na concentração

de substâncias tóxicas (OSWEILER, 1998).

Deste modo, em decorrência do perigo que muitas plantas

ornamentais representam diante dos seus princípios tóxicos, bem como pela

proximidade em que as pessoas e/ou animais tem com estas plantas, haja

vista o amplo uso e/ou cultivo destas para finalidades estéticas dos

ambientes, este estudo tem por objetivo a realização de uma abordagem de

caráter bibliográfico acerca das plantas tóxicas ornamentais, abrangendo

desde a esfera conceitual, tóxica até meios profiláticos acerca destas plantas,

com a caracterização tóxica de alguns vegetais que são amplamente

utilizados pelo seu caráter ornamental, para assim alertar à população em

geral sobre o perigo que se abriga por trás da beleza de muitas plantas.

MÉTODOLOGIA

O referido estudo foi conduzido através de uma pesquisa bibliográfica,

considerando a relevância do tema abordado. E, para que a mesmo fosse

desenvolvido de forma completa, elucidativa e confiável, os dados e

informações pesquisados foram obtidos por meio do SciELO (Scientific

Eletronic Library Online), PubMed, BDTD (Banco Digital Brasileiro de

Teses e Dissertações) e Google Acadêmico, selecionando-se estudos em

português e em inglês, além de livros-textos e outros documentos de

referência na área, abrangendo um recorte temporal de 1977 a 2013.

Os termos chaves empregados para a busca foram: plantas tóxicas,

plantas venenosas, plantas ornamentais, plantas ornamentais tóxicas,

toxicidade de plantas, intoxicação por plantas, princípios ativos de vegetais,

princípios tóxicos das plantas, plantas ornamentais de importância

toxicológica, plantas tóxicas do Brasil, Allamanda cathartica, Dieffenbachia

picta, Dieffenbachia ssp., Zantedeschia aethiopica, Datura suaveolens,

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Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

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Euphorbia milii, Euphorbia tirucalli, Caladium bicolor, Nerium oleander,

Thevetia peruviana, prevenção contra intoxicação com plantas, medidas

preventivas.

DESENVOLVIMENTO

Considerações gerais acerca das plantas tóxicas e ornamentais

Consoante Schvartsman (1992), o interesse e o conhecimento sobre a

toxicidade das plantas datam de tempos remotos e, sua relevância é

compreendida ora como instrumento de caça, através de flechas

envenenadas, ora como um meio adverso intencional de envenenamento

para finalidades políticas, militares e pessoais como os sucedidos na Idade

Média. Deste modo, o interesse mais eminente sobre as plantas tóxicas está

atrelado com o potencial de causar intoxicações em seres humanos ou em

animais (SCHENKEL et al., 2002).

Andrade Filho et al. (2013) enfatizam que as plantas consideradas

tóxicas são aquelas cujas pela inalação, ingestão e/ou contato tem a

capacidade de causarem efeitos lesivos ou distúrbios em organismos

humanos e de animais.

Diante da sua complexidade, os vegetais apresentam um metabolismo

extraordinário, que leva a síntese de um grande número de substâncias

químicas, dentre elas, substâncias que podem ser tóxicas e irritantes para

determinados organismos. Entretanto, a simples presença dessas

substâncias em uma determinada planta não é suficiente para qualificá-la

como tóxica (OLIVEIRA et al., 2003). De acordo com Souza et al. (2010), é

essencial o conhecimento acerca dos componentes químicos das plantas para

a elucidação dos inúmeros aspectos relacionados aos casos de intoxicação,

bem como para a identificação de potenciais substâncias químicas de ação

tóxica.

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Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

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Saliente-se que vários conceitos equivocados vêm sendo propagados

sobre as plantas tóxicas. Um deles faz referência à alegada existência de

instinto nos animais, o que os protegeria da ingestão de plantas tóxicas.

Porém, o consumo de vegetais pelos animais é condicionado pela satisfação

que o animal tem ao ingerir o alimento. Também está bem difundido o

conceito de que a toxicidade dos vegetais estaria relacionada à presença de

lactescência, o que não é verdadeiro, uma vez que a maioria das plantas

tóxicas não possuem esta característica, além do que, nem toda as plantas

lactescentes são tóxicas. Além disto, muitos consideram que certas plantas

sejam capazes de causar intoxicação com poucas folhas e que os efeitos

surjam imediatamente. Todavia, nenhuma das plantas conhecidas é tão

tóxica a ponto de a morte sobrevir poucos minutos após a ingestão de poucas

folhas (TOKARNIA et al., 2000).

Plantas ornamentais são aquelas cultivadas por seu caráter de beleza

– se bem que o conceito sobre tais plantas é bastante relativo e particular ao

observador, uma vez que se relaciona a sentimentos estéticos particulares –

sendo bastante utilizadas na arquitetura de interiores e no paisagismo de

ambientes externos (BARROSO et al., 2007). Assim, muitas destas plantas

apresentam potenciais tóxicos e quando seu princípio ativo entra em contato

com o organismo humano ou animal, ocasionam agravos que se refletem na

saúde e na vitalidade destes seres (HARAGUCHI, 2003).

Nos dias de hoje, as plantas ornamentais estão cada vez mais

ocupando espaços livres em jardins, praças, interiores de residências e de

ambientes de trabalho, haja vista que muitas delas se adaptam a condições

ambientais diferentes. Deste modo, são facilmente acessíveis a crianças e

adultos, podendo constituir meios de intoxicações. A grande parte das

espécies vegetais tóxicas são comuns e cultivadas em jardins como

ornamentais, porém, existem poucas informações disponíveis e agrupadas de

maneira que atinja a toda a população (LOPES et al., 2009).

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SILVA, Paulo Henrique da; OLIVEIRA, Ykaro Richard; SILVA, Ana Patrícia de Jesus;

MEIRELES, Victor de Jesus Silva; ABREU, Maria Carolina de. Entre a beleza e o perigo:

uma abordagem sobre as plantas tóxicas ornamentais. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 19-44, fev. 2015.

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Convém colocar em relevo que muitos populares e, sobretudo,

profissionais que manejam plantas ornamentais, na grande parte das vezes,

não possuem informações a respeito da composição química de tais plantas e

acabam utilizando-as como adorno, apenas por sua bela capacidade

ornamental e facilidade de manejo, não levando em conta os aspectos

prejudiciais que alguns vegetais podem ocasionar quando são manipulados

incorretamente. (OLIVEIRA et al., 2003)

Intoxicação por plantas

Conceituando intoxicação, Lomba (2007) caracteriza como sendo a

introdução voluntária ou involuntária de substância danosa ao organismo,

capaz de produzir consequências de alterações significativas das funções

vitais e que pode advir por inalação, ingestão e por contato direto com o

tegumento.

Segundo Lima et al., (1995), o processo de intoxicação vegetal pode

ser: fulminante, quando leva a morte do indivíduo; aguda, quando o

organismo apresenta defesa orgânica e crônica quando o indivíduo

apresenta equilíbrio funcional orgânico que bloqueia a atividade tóxica.

Destaque-se que quanto à diversidade de ação tóxica em espécies

diferentes, há certa relação entre o desenvolvimento cerebral dos animais e

a sua susceptibilidade para as substâncias tóxicas distintas. Aquelas que

agem sobre os centros nervosos são bem mais lesivas para o homem do que

para outros animais, ainda que diferenças digestivas também desempenhem

efeitos relacionados com a ação de uma mesma substância tóxica sobre

diversas espécies (LIMA et al, 1995).

Para que ocorra a intoxicação, seja por ingestão de uma dose tóxica,

seja pelo contato por meio da pele, os mecanismos próprios de defesa da cada

organismo devem ser vencidos. Assim sendo, uma espécie vegetal pode ser

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potencialmente tóxica e, apesar disso, não causar a intoxicação, gerando

neste caso, a ideia equivocada de falta de toxicidade (SIMÕES et al., 1999).

Ademais, o nível de toxicidade de uma planta vai depender de alguns

fatores, tais como, a saber: parte da planta ingerida, posto que diferentes

regiões de uma planta possuem diferentes substâncias químicas e/ou

distintas concentrações da mesma; a idade da planta e a situação de

amadurecimento do fruto; a taxa de sensibilização do indivíduo aos

compostos da espécie vegetal ingerida, bem como a quantidade ingerida e a

forma da ingestão (OLIVEIRA; AKISUE, 1997).

Lima et al. (1995) defendem que a relação entre a parte tóxica e ação

de toxidez pode estar ligada aos processos endógenos na planta como a

síntese de hormônios, a influência do ambiente onde a temperatura e a

umidade produzem o aumento ou a diminuição na quantidade dos princípios

tóxicos na planta ou produtos do metabolismo secundário como fator de

proteção contra herbivoria, predação ou patógenos.

Nos dias atuais, os saberes sobre plantas tóxicas não alcançam a

população nem mesmo os especialistas do campo de saúde o suficiente de

maneira a evitar acidentes causados pelas intoxicações por plantas

ornamentais, o que proporciona um risco ainda maior na ingestão de certos

tipos de plantas, caso não tenha um atendimento rápido e eficiente.

(OLIVEIRA et al., 2003).

Pinillos et al. (2003) também comentam que a desinformação dos

indivíduos junto a sua cultura e a quantidade ingerida pelo paciente, são

alguns dos fatores que dificultam num diagnóstico, assim como o seu

tratamento. Ainda segundo este autor, as intoxicações por plantas são

comuns tanto pelo consumo de espécies tóxicas por erro de identificação,

como pela quantidade ingerida em excesso, sem contar no consumo

negligente das crianças quando ingerem, durante as brincadeiras, partes de

plantas coloridas e atrativas.

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Silva e Takemura (2006) discorrem que também é muito comum

atendimentos de urgência sem a associação dos sinais e sintomas com o

produto ingerido, o que dificulta o diagnóstico etiológico. Várias plantas

ornamentais são tóxicas e podem oferecer risco à população e, comumente,

as principais vítimas destas plantas são animais e crianças, haja vista não

reconhecerem o perigo que estes vegetais proporcionam.

Aqui no Brasil, a cada dez casos de intoxicação por plantas, seis

acontecem em crianças menores de nove anos de idade, devido à presença de

plantas tóxicas em espaços públicos, inclusive nas escolas. Também são

frequentes as intoxicações entre os adultos, sendo sobretudo causadas, pelo

uso impróprio de plantas medicinais, alucinógenas e abortivas

(VASCONCELOS et al. 2009).

Semelhantemente, dados do Fiocruz através do sítio eletrônico do

Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológicas

(SINITOX) mostram que 60% dos casos de intoxicação por plantas tóxicas no

Brasil ocorrem com crianças menores de nove anos, dos quais 80% deles são

acidentais.

O envenenamento causado por plantas tóxicas ornamentais também é

um problema encontrado na Medicina Veterinária, comprometendo

pequenos e grandes animais, incidindo em todas as épocas do ano e em todo

o território nacional (MELO, 2000). A intoxicação por plantas ornamentais,

no caso de pequenos animais, ocorre geralmente por curiosidade, tédio,

idade do animal e alteração e/ou mudança de ambiente (ANDRADE et al.,

2001).

Convém também citar que, na pecuária, a ingestão de plantas tóxicas

representa uma expressiva causa de prejuízos econômicos posto que

influenciam diretamente na produção animal (BARBOSA et al., 2007).

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29

Portanto, as intoxicações estão presentes no dia-a-dia de cada

indivíduo, e por causa disso, numerosos acidentes domésticos toxicológicos

acontecem em virtude da deficiência de conhecimento da população,

especialmente ao se analisar os hábitos e os costumes dos moradores. A

intoxicação pode ser marcada como uma manifestação por meio de sinais e

sintomas, que acontecem no organismo vivo, posteriormente a exposição a

um certo tipo de produto ou substância, induzindo ao surgimento de

modificações bioquímicas, funcionais e/ou sinais clínicos que são compatíveis

com o quadro de intoxicação (PINILLOS et al., 2003).

Princípios ativos

As plantas são organismos complexos e, para tanto, seus processos

levam à síntese de uma variabilidade de substâncias químicas, substâncias

estas como por exemplo, proteínas, lipídios, carboidratos e ácidos nucléicos,

originárias do metabolismo primário, as quais são comuns a todos os seres

vivos, sendo utilizadas no crescimento, na reprodução e na manutenção do

vegetal (SILVA, 2009).

Contudo, um conjunto de compostos químicos produzidos pelas

plantas se direcionam a outros propósitos: os pigmentos (flavonóides,

antocianinas e betalaínas) e os óleos essenciais (monoterpenos,

sesquiterpenos e fenilpropanóides) atraem polinizadores, enquanto algumas

outras substâncias como os taninos, as lactonas sesquiterpênicas, os

alcalóides e os iridóides, além de possuírem sabores desagradáveis, podem

ser tóxicas e irritantes para outros organismos. Tais substâncias, oriundas

de rotas biosintética diversas, são produtos do metabolismo secundário

(VICKERY; VICKERY, 1981).

Ocorrem, em todas as partes do planeta, plantas que contêm venenos

ou princípios tóxicos, os quais apresentam a capacidade de perturbar ou

destruir as funções vitais essenciais de organismos animais e do próprio

homem. A ação desses venenos ou princípios tóxicos pode variar muito. Pode

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ser através da ingestão de suas partes, pelo mero contato ou ingestão das

substâncias que de certa maneira comprometeram a água, por exemplo

(BARSA, 1994). Em consonância com Franco (1996) e Korbes (1995), a

concentração de princípios ativos alcança os maiores valores no período de

floração, em decorrência, possivelmente, ao elevado acúmulo de massa seca

na planta.

Conforme destaca Cheeke (1998), as classes químicas mais

importantes de compostos tóxicos presentes nos vegetais são os alcaloides,

glicosídeos, lecitinas e ácidos orgânicos. Existe também os minerais

absorvidos do solo e acumulados na planta, como o selênio, bário, nitratos e

oxalatos.

Deste modo, a ação de toxicidade de um vegetal se deve a presença de

componentes químicos, ou princípios ativos tóxicos. Dentre os principais

metabólitos que causam intoxicações estão: as toxalbuminas (ricina e

curcina), provenientes do metabolismo primário das plantas; alcaloides,

terpenos e compostos fenólicos diversos, do metabolismo secundário. Deve-se

ainda mais uma vez frisar, que a intoxicação vai depender da quantidade de

substância tóxica absorvida, da natureza dessa substância e do meio de

introdução (HARAGUCHI, 2003).

Andrade Filho et al. (2001) também afirmam que variadas espécies de

vegetais sintetizam substâncias que têm a capacidade de desempenhar ação

extremamente tóxica em um organismo vivo. Exemplos dessas substâncias

são os alcalóides beladonados, alcalóides cumarínicos, alcalóides

pirrolizidínicos, glicosídeos cianogênicos (HCN), glicosídeos cardiotóxicos,

oxalato de cálcio, proteínas tóxicas (toxicoalbuminas), resinas (alcoóis,

ácidos e fenóis), saponinas, dentre outros.

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Algumas plantas ornamentais de importância toxicológica

Allamanda cathartica L. (Apocynaceae)

Allamanda cathartica conhecida como alamanda, alamanda-amarela,

carolina ou dedal-de-dama (LORENZI; SOUZA, 1999), é uma planta

arbustiva ornamental, latescente e avaliada tóxica. Sua ingestão ocasiona

distúrbios gastrointestinais em humanos (OLIVEIRA et. al., 2003).

Espécies de Allamanda são conhecidas pela síntese de princípios

ativos, dentre os quais se destacam os iridóides (ANDERSON et al., 1988).

Lorenzi e Matos (2002) acrescem que espécies do gênero Allamanda

apresentam metabólitos secundários com expressiva atividade

farmacológica, como: os irinóides, flavonóides, cumarinas e terpenoides. As

flores de Allamanda cathartica possuem flavonóides como metabólitos

secundários principais.

Toda a planta é considerada tóxica, sobretudo o látex, o qual pode

acarretar distúrbios gastrointestinais severos, tais como náuseas, vômitos,

cólicas e diarréia (LORENZI; MATOS, 2002; SCHENKEL et al., 2003a).

Além disso, alterações hidroeletrolíticas são complicações frequentes

(SCHVARTSMAN, 1992). Em bovinos, a planta causa cólica, edema do

rúmen e congestão da mucosa do trato digestivo (LORENZI; MATOS, 2002).

Em casos de intoxicação com esta planta, pode ser feita lavagem

gástrica, todavia deve-se ter cautela ao realizar esse processo, em

decorrência das propriedades cáusticas desse vegetal. É também

recomendado o tratamento sintomático das alterações gastrointestinais e

dos possíveis distúrbios eletrolíticos (SCHVARTSMAN, 1992).

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Dieffenbachia picta Schott (Araceae)

Conhecida como comigo-ninguém-pode, também é popular no Brasil

como aningá-do-pará (FERREIRA et al., 2006), bananeira-d’água (Ceará),

cana-de-imbé dentre outras denominações regionais (BARG, 2004).

Sua ação tóxica é conhecida há muito tempo. Documentos do

julgamento do Tribunal de Nurenberg indicam que os nazistas usavam o

extrato aquoso da planta em indivíduos presos nos campos de concentração,

com a finalidade de esterilizá-los, e, que os escravos jamaicanos eram

castigados pelos "senhores", tendo partes da planta esfregadas em suas

bocas (GARDNER, 1994).

A Dieffenbachia spp. tem sido caracterizada como uma das plantas

que mais ocasionam intoxicações, consoante dados dos Centros de

Informações e Controle de Intoxicações (SILVA; USHIROBIRA, 2010).

A Dieffenbachia ssp. apresenta numerosas ráfides de oxalato de cálcio

em formato de agulhas nas suas folhas e haste, as quais são as principais

responsáveis pelos ferimentos causados por essa planta. A ingestão por via

oral de alguma parte da Dieffenbachia ssp. pode acarretar dor imediata,

edema da língua, salivação, úlcera, vômitos, diarréia, e disfagia. Além disto,

a toxicidade ocular causa severa dor, inchaço, fotofobia, blefarospasmo,

lacrimejamento, lesão da córnea e conjuntivites (CUMPSTON et al., 2003).

Existem controvérsias a respeito da intoxicação trazida por D. picta.

Certos autores avaliam que ocorre apenas irritação mecânica pela ação das

ráfides, e outros que acontece irritação mecânica seguida da penetração de

componentes químicos contidos nas fendas e farpas das ráfides, os quais são

capazes de provocar inflamações (SAKAI et al., 1972).

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Zantedeschia aethiopica (L.) Spreng. (Araceae)

Conhecida como arum, calla lily, lírio-do-nilo ou copo-de-leite, tal

espécie é uma monocotiledônea ornamental que pertence à família Araceae e

nativa do continente africano. (KRITZINGER et al., 1998).

Esta espécie, assim como outras da família Araceae, tem como

característica anatômica marcante a presença de um amplo número de

idioblastos contendo cristais de oxalato de cálcio, em formato de agulhas,

nomeadas de ráfides. Esses idioblastos encontram-se me todas as partes do

vegetal e são ejetores. Ademais, nos tecidos vegetais encontram-se também

quantidades apreciáveis de ácido oxálico e seus sais solúveis, onde de acordo

com alguns autores, podem gerar um quadro de intoxicação por oxalato

(SCHENKEL et al., 2003a).

No que tange aos aspectos sintomatológicos, Barg (2004) explicita que

a seiva ocasiona inflamações na garganta e boca; a planta provoca irritação

das mucosas, edema de lábio, língua e palato; cólicas abdominais, náuseas e

vômitos; além disso, o contato com os olhos origina edema, fotofobia e

lacrimejamento.

Datura suaveolens Humb. & Bonpl. ex Willd. (Solanaceae)

Nativa da América do Sul e hoje em dia conhecida apenas como

planta cultivada, a D. suaveolens vem acompanhando o ser humano durante

os vários estágios da civilização. Dentre os indígenas americanos é,

possivelmente, a espécie que há mais tempo tem sido usada por causa de

suas propriedades psicotrópicas (SCHENKEL et al., 2003b).

Matos (2012) relata alguns nomes populares os quais tal espécie pode

ser reconhecida, dependendo da regionalidade, como: trombeta, trombeta-de-

anjo, trombeteira, cartucheira, zabumba, saia-branca, além disto, aponta

que todas as partes da planta são tóxicas apresentando como princípios

ativos, os alcaloides beladonados (atropina, escopolamina e hioscina).

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Concernente à sintomatologia, de acordo com o sítio eletrônico do

SINITOX, a ingestão pode provocar boca seca, pele seca, taquicardia,

dilatação das pupilas, rubor da face, estado de agitação, alucinação,

hipertermia e, nos casos mais graves pode levar a óbito.

Euphorbia milii Des Moul. (Euphorbiaceae)

Originária da Ilha de Madagascar, a coroa-de-cristo é uma arbusto

perene, muito ramificado, com látex, com ramos angulosos, armados de

numerosos espinhos de até 2,5 cm de comprimento. Das partes aéreas do

vegetal foram isolados princípios tóxicos, os diterpenos denominados

miliaminas, responsáveis pela ação irritante (UEMURA; HIRATA, 2001).

Conforme o site do SINITOX, o látex provoca lesão na pele e

mucosas, edema de lábios, boca e língua, dor em queimação e coceira; o

contato com os olhos gera irritação, lacrimejamento, edema das pálpebras e

dificuldade de visão e, caso ingerido pode provocar náuseas, vômitos e

diarreia.

Euphorbia tirucalli L. (Euphorbiaceae)

Oriunda da África e trazida para o Brasil com fins ornamentais, ficou

aqui popularmente conhecida como graveto-do-cão, árvore lápis ou mais

comumente como aveloz (FURSTENBERGER; HECKER, 1985), sendo

também muito cultivada para a formação de cercas vivas de maneira a

separar as lavouras agrícolas ou propriedades, principalmente na região

Nordeste do Brasil (LORENZI; MATOS, 2002).

O látex desta planta é considerado tóxico, principalmente se em

contato com a pele e mucosas, desempenhando sobre estas uma ação

irritante e cáustica (MATOS, 2000). Caso aconteça contato com os olhos

pode determinar o desenvolvimento de conjuntivites, queratites e uveítes ou

até mesmo levar à cegueira. Exposto a pele ou mucosa, dependendo da

intensidade da exposição, gera inflamação sobre a pele, gerando reações

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como vermelhidão, inchaço, dor e necrose dos tecidos (BESSA, 2010).

Também já foram documentados acidentes toxicológicos marcados por

distúrbios gastrintestinais como, náuseas, vômito e diarreia (MATOS, 2000).

No entanto, é importante ressaltar que todas as partes desta planta

são consideradas tóxicas (MATOS, 2000) e, Silva e Santos (2002) realçam

que os constituintes fitoquímicos majoritários desta espécie são os compostos

terpênicos.

Caladium bicolor (Aiton) Vent. (Araceae)

Conhecida como tinhorão ou tajá, taiá, caládio (MATOS, 2012), as

espécies do gênero Caladium são nativas da América do Sul e encontradas

nas regiões neotropicais do sul da América Central, norte da Argentina e

Brasil (HORSFALL et al., 2006).

Para Albuquerque (1980), a toxicidade desta espécie é procedente da

grande quantidade de oxalato de cálcio presente em toda a planta, que em

contato com a pele leva a sintomas como dermatite, provocado pela ação dos

cristais de oxalato de cálcio encontrado nas células vegetais. Por outro lado,

conforme HORSFALL et al., (2006), a literatura descreve sua utilização

como bioadsorvente de metais pesados como chumbo e cádmio de águas

residuais.

No que concerne aos sintomas, Barg (2004) elucida que a seiva

provoca inflamação da garganta e da boca; a planta causa irritação das

mucosas, edema de lábios, língua e palato; sialorréia, cólicas abdominais,

náuseas e vômitos; caso haja o contato com a região ocular, gera edema,

fotofobia e lacrimejamento.

Nerium oleander L. (Apocynaceae)

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De acordo com Oliveira et al. (2003), tal espécie, conhecida

popularmente como espirradeira, é muito apreciada como ornamento,

contudo, em alguns países da África são usualmente utilizadas em suicídio.

Simões et al. (2002) consideram a espirradeira de grande relevância

toxicológica em virtude da presença de metabólitos secundários (glicosídeos

cardioativos), sendo que, por esta razão, todas as suas partes são

consideradas tóxicas e, quando ingeridas provocam náuseas, vômitos,

diarreia, sintomas neurológicos como desorientação e dor de cabeça e ainda

arritmia cardíaca.

Thevetia peruviana K. Schum. (Apocynaceae)

A Thevetia peruviana K. Schum é popularmente conhecida como

chapéu-de-napoleão, sendo originária da América Central, porém é bem

distribuída em todas as regiões tropicais haja vista o seu aspecto

ornamental (SCHVARTSMAN, 1979).

Ainda conforme autor supracitado, a similaridade entre as sementes

da T. peruviana e castanhas comestíveis e o fácil acesso à planta, atraem e

levam a ingestão destas sementes pela população, principalmente as

crianças, tornando-a uma determinante potencial de surtos de intoxicação.

Ainda que as seivas, frutos, folhas e sementes sejam considerados tóxicos, a

grande parcela dos casos de toxicidade ocorridos e relatados estão

relacionados com a frequência de ingestão dos frutos. É válido destacar que

o látex possui intensa ação emética e purgativa, além de ser altamente

cáustico. Simões et al. (2002) reportam que o látex era popularmente, usado

como veneno em flechas.

Barg (2004) ratifica que os princípios ativos responsáveis pela

toxicidade desta planta são os glicosídeos cardioativos ou cardiotônicos,

denominados de glicosídeos esteroidais. Entretanto, é uma planta que

também é usada como fitoterápico.

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Quanto à sintomatologia, o látex produz queimação na boca, náuseas,

vômitos, cólicas e diarreia; na pele, produz irritações; nos olhos,

lacrimejamento, fotofobia e a ingestão de elevadas quantidades da planta,

pode ocasionar distúrbios cardíacos (BARG, 2004).

Prevenir ainda é o melhor remédio

Schavartsman (1992) enfoca os principais meios preventivos para

diminuir o risco de intoxicação com plantas, a saber: propagar o máximo que

possível e através de todos os meios de comunicação, as espécies de plantas

tóxicas mais comuns; recomendar a necessidade de orientação médica ao

fazer uso de determinado preparado vegetal para finalidades medicinais, e

por fim promover meios de educar a população acerca da inconveniência de

ingerir ou manusear qualquer espécie de planta não conhecida.

Consequentemente, é indispensável conhecer os vegetais perigosos da

região, da residência e do quintal, conhecê-las pelo aspecto e pelo nome.

Conforme Martins et al. (2005), um aspecto relevante a ser avaliado

no controle das intoxicações por vegetais, é o desenvolvimento de

apropriados sistemas de informações acerca da ocorrência das enfermidades,

incluindo as intoxicações por plantas nos animais domésticos.

Cheeke (1998) também salienta que os nomes populares ajudam na

identificação dessas plantas e, o conhecimento acerca do princípio ativo de

um vegetal permite o desenvolvimento apropriado de procedimentos

terapêuticos subsidiando no desenvolvimento de técnicas profiláticas. O

conhecimento da concentração do princípio ativo no vegetal proporciona

prever se este possui potencial de intoxicar distintas espécies animais.

Algumas medidas preventivas também estão disponíveis na página

eletrônica do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológicas

(SINITOX) da Fiocruz, em que se destacam: manter as plantas venenosas

fora do alcance das crianças; conhecer as plantas venenosas que existem em

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seu domicílio e adjacências pelo nome e características; ensinar as crianças a

não colocar plantas na boca e não usá-las como brinquedos; não preparar

remédios ou chás caseiros com vegetais sem ser sob orientação médica; não

ingerir folhas e raízes desconhecidas; tomar cuidado ao podar as plantas que

liberam látex causando irritação na pele, sobretudo nos olhos e evitar deixar

os galhos em qualquer parte onde possam vir a ser manuseados pelas

crianças; aos lidar com plantas venenosas utilizar luvas e lavar bem as mãos

após tal atividade e, em caso de acidentes, procurar logo após orientação

médica, guardando a planta para identificação.

Por fim, ainda de acordo com informações da página do SINITOX,

ressalte-se que não ocorrem leis que regulamentem o tratamento de

indivíduos vítimas de intoxicações por vegetais. Por outro lado, no ano de

2005, pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 19 da ANVISA, fora

criada a Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica

(RENACIAT), sob coordenação da Agência de Vigilância Sanitária

(ANVISA), cuja congrega centros de informação e de assistência

toxicológicas em vários estados do Brasil. Essa rede apresente como função

prover informações e orientação a respeito do diagnóstico, prognóstico,

tratamento e prevenção das intoxicações e envenenamentos, bem como

acerca da toxicidade das substâncias químicas e biológicas e os riscos que

elas acarretam à saúde, atendendo tanto o público em geral quanto os

profissionais de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, há de se considerar a importância de conhecer e

selecionar as plantas ornamentais as quais são utilizadas e/ou cultivadas

dentro das residências e adjacências dos lares, pois, a beleza e o encanto de

muitos vegetais que trazem ornato aos ambientes podem também

representar perigos e riscos à integridade vital quer de indivíduos humanos

quer de animais.

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O conhecimento acerca das plantas e das suas propriedades tóxicas,

principalmente daquelas que ladeiam o cotidiano das pessoas, é o principal

caminho contra acidentes indesejáveis, acidentes estes que muitas vezes

podem levar a situações delicadas, quiçá a morte. Assim, pela relevância do

tema que ora abordou-se, estudos como estes representam enormes

contribuição à população em geral, especialmente no que se refere à

divulgação de informações sobre plantas tóxicas que, ainda nos dias de hoje,

são deficitárias. Ademais, torna-se imperioso medidas e trabalhos

educativos junto à população, principalmente as crianças, acerca do perigo

de certos vegetais de grande beleza e popularidade.

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Artigo Original

CALOU, Iana Bantim Felício; CERQUEIRA, Gilberto dos Santos; SIQUEIRA, Rafaelly

Maria Pinheiro. Neurotoxicidade do ferro na fisiopatologia da doença de Parkinson.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 45-57, fev. 2015.

45

Neurotoxicidade do ferro na

fisiopatologia da doença de Parkinson

Iana Bantim Felício Calou

Doutora em farmacologia; Professora adjunto I da Universidade

Federal do Piauí. Rua Cícero Eduardo, S/N - Bairro Junco - Picos/PI.

Email: [email protected]

Gilberto dos Santos Cerqueira

Pós-doutorando em ciências morfológicas: professor adjunto A da

Universidade Federal do Piauí, Laboratório de Anatomia. Picos- Pi.

Rafaelly Maria Pinheiro Siqueira

Doutoranda em Farmacologia; Universidade Federal do Ceará,

Fortaleza-Ce.

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1, p. 45-57, fev. 2015.

46

RESUMO

O ferro consiste em um metal de extrema importância para homeostasia

cerebral. Não obstante, alterações em seu equilíbrio estão sendo apontadas

como cruciais para o processo neurodegenerativo envolvido na doença de

Parkinson. A substancia negra, alvo da degeneração no Parkinson, é a

região cerebral com maior concentração de ferro e este, aliado aos produtos

do metabolismo oxidativo da dopamina, desencadeia uma séries de reações

que culminam com a morte celular como: o aumento do estresse oxidativo

local, a neuroinflamação, a agregação de proteínas formando corpúsculos

citoplasmáticos tóxicos além da perda da capacidade de quelação que a

neuromelanina apresenta em condições fisiológicas diminuindo o dano

oxidativo causado pelo ferro. Modelos experimentais confirmam o

envolvimento do metal no processo neurodegenerativo e estratégias

terapêuticas inovadoras estão sendo experimentalmente testadas, tendo

como alvo principal a quelação do ferro para refinar a terapia farmacológica

da doença e impedir ou diminuir a progressão, até então inexorável, da

doença.

Palavras-chave: Doença de Parkinson, Ferro, Neurodegeneração.

ABSTRACT

Iron is an important metal in brain homeostasis. However, changes in

equilibrium identified as being crucial for the neurodegenerative process

involved in Parkinson's disease. The Substancia Nigra, target of

degeneration in Parkinson's, is the brain region with the highest

concentration of iron and this, combined with the products of oxidative

metabolism of dopamine, triggers a series of reactions that culminate in cell

death as: increased local oxidative stress, neuroinflammation, protein

aggregation forming toxic cytoplasmic corpuscles and the loss of chelation

capacity that neuromelanin shows under physiological conditions by

reducing oxidative damage caused by iron. Experimental models confirm the

involvement of the metal in the neurodegenerative process and innovative

therapeutic strategies are being tested experimentally, with the main target

iron chelation to refine the pharmacological therapy of the disease and

prevent or slow down the disease progression, hitherto inexorable.

Key words: Parkinson’s disease, Iron, Neurodegeneration

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INTRODUÇÃO

Os estados de transição de valência, mais comumente entre +2 e +3,

que ocorrem com mais frequência no Ferro que em outros metais, fazem

desse um dos metais mais úteis na biologia oxidativa. No ambiente celular,

mais da metade das enzimas são metaloproteínas, e uma parte delas

estabelece complexos com Fe2+ ou Fe3+ (WALDRON et al. 2009). No contexto

do metabolismo aeróbico, o ferro continuamente está alterando o seu estado

de valência para produzir espécies reativas de oxigênio (EROs). Enquanto

este metal estiver ligado à proteínas, tudo estará seguro, não obstante,

quando desprotegido, o ferro produz muitas espécies reativas e danosas de

radicais do O2, além de H2O2 através da reação de Fenton (WONG e DUCE

2014). As espécies reativas do metabolismo oxidativo lesionam o DNA, os

lipídios e as proteínas e estão envolvidos na fisiopatologia da doença de

Parkinson (CRICHTON e WAR 2014).

A despeito da origem da doença de Parkinson permanecer

desconhecida, pesquisas têm voltado o interesse para o papel do Ferro na

morte dos neurônios dopaminérgicos da substância negra (SN), ainda que o

mecanismo pelo qual este processo neurodegenerativo se inicie ainda não

esteja definido (MOCHIZUKI e YASUDA 2012).

O cérebro apresenta várias demandas para o ferro, pois o mesmo está

envolvido na respiração mitocondrial, na síntese de DNA e de

neurotransmissores e mielina (CRICHTON 2009). O comprometimento da

homeostasia celular de metais pode iniciar o processo de neurodegeneração

por vários mecanismos, onde o estresse oxidativo figura como o mais

compreendido até o momento (DUSEK et al. 2014). Não obstante, outros

mecanismos estão relacionados como a diminuição da produção de

metaloproteínas (MORELLO et al. 2007), a ativação microglial, levando a

neuroinflamação (ZANG et al. 2011) além da agregação e formação de

emaranhados neurofibrilares de alpha-sinucleína (UVERSKY et al. 2001).

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Estresse oxidativo (EO)

Os neurônios e as células da glia contêm uma rede de mitocôndrias

espalhadas ao longo dos axônios neurais com uma densidade máxima na

área perinuclear. A função das células eucariontes é inteiramente

dependente de um suprimento de ATP abundante proveniente de

mitocôndrias profícuas. Os neurônios são particularmente dependentes da

fosforilação oxidativa devido ao seu processo dinâmico de remodelação

sináptica. Defeitos mitocondriais provenientes de alterações no DNA

mitocondrial, mutações de suas proteínas ou mesmo de insultos de agentes

externos podem alterar o potencial de sua membrana e, se não controlados,

levar à neurodegeneração (GORMAN e DOYLE 2008; MULLIN e

SCHAPIRA 2013).

O ferro pode facilitar a formação de radicais hidroxila citotóxicos,

ânions superóxidos e de peróxido de hidrogênio e o acúmulo deste metal na

substancia negra de pacientes com Parkinson pode estar envolvido na morte

neuronal observada. Tendo o estresse oxidativo como um dos mecanismos de

ação, a toxicidade do ferro não se restringe aos neurônios dopaminérgicos,

mas estes são seus alvos preferencias devido exatamente ao conteúdo

dopaminérgico. Quando oxidada pela monoamino oxidase (MAO), a

dopamina libera peróxido de hidrogênio que, pela reação de Fenton (Figura

1), mediada pelo ferro, pode produzir mais radicais hidroxila tóxicos

(HALLIWELL 1989).

Figura 1. Reação de Fenton. Formação de radicais hidroxila

Outro importante fator contribuinte para o EO consiste na disfunção

do Complexo I da cadeia transportadora de elétrons da mitocôndria em

cérebros de humanos com Doença de Parkinson - DP (observação post-

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mortem) (SCHAPIRA et al. 1989). Modelos experimentais in vitro e in vivo

da doença foram desenvolvidos com a utilização de inibidores do complexo I

como o MPTP, a rotenona e a 6-OHDA, que provocam uma diminuição de

até 40% da atividade do complexo mitocondrial I (BETARBET et al. 2002).

O complexo I consiste em 8 grupamentos Ferro-Enxofre necessários

para o transporte de elétrons. Na DP as anormalidades nas ações

enzimáticas são encontradas apenas na parte compacta da substância negra

(REICHMANN & JANETZKY; 2000). O estudo da atividade de enzimas que

contém ferro é importante na DP devido à sobrecarga de ferro encontrada na

substancia negra dos pacientes (post mortem), particularmente de Fe3+

enquanto que o cérebro e a cadeia respiratória enzimática apresentam

grandes quantidades da isoforma reduzida, Fe2+ (GRIFFITHS et al. 1999;

SIAN-HÜLSMANN et al. 2011).

Neuromelanina

A neuromelanina (NM), responsável pela coloração característica da

substância negra, consiste no maior reservatório de ferro dos neurônios

dopaminérgicos (ZECCA et al. 2004 a, b) atuando como neuroprotetor por

quelar o ferro e impossibilitar a formação de radicais livres a partir da

reação de Fenton. Com o aumento do acúmulo de ferro na SN observada na

DP, a capacidade quelante da neuromelanina é saturada e o processo de

formação de grandes quantidades de radias livres é iniciado (GERLACH et

al. 2003).

Com a morte dos neurônios nigrais dopaminérgicos, a neuromelanina

é lançada para o ambiente extra celular ativando uma cascata de

neuroinflamação, via ativação de microglia, que culminará em aumento da

degeneração neuronal (ZHANG et al. 2011).

A neuromelanina insolúvel contém quantidades elevadas de ferro

reativo, que será liberado para o espaço extracelular onde iniciará o seu

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processo oxidativo neurotóxico. Um estudo mostrou que a adição de NM em

cultura de micróglia humana ativa a quimiotaxia e estimula a liberação de

TNF-α, IL-5 e óxido Nítrico (NO). Esta reação envolve a ativação do fator de

transcrição NF-κB pela neuromelanina através da fosforilação/degradação

do iκB e ativação da via de transcrição do mitógeno p38 (WILMS et al.

2003). Também foi demonstrado que a injeção de NM humana em ratos

induz a ativação microglial e degeneração de neurônios dopaminérgicos

(ZECCA et al. 2008).

α-sinucleína

A homeostase do ferro depende de proteínas envolvidas no seu

controle, fluxo e armazenamento. Atualmente já está bem delimitado o

papel das proteínas nas doenças neurodegenerativas (WONG e DUCE

2014). O marcador patognomônico da doença de Parkinson consiste nos

corpúsculos de Lewy, que são inclusões citoplasmáticas neuronais cujo

componente principal é a proteína α-sinucleina (α-sin). Já foi demonstrado

que geradores de radicais livres, como a dopamina e o próprio ferro,

estimulam a formação de agregados intracelulares que contem α-sinucleína

e ubiquitina facilitando a formação dos corpúsculos de Lewy e a morte de

células (OSTREROVA-GOLTS et al. 2000).

Os primeiros estudos sobre o papel fisiológico da α-sin mostraram que

ela interage com os terminais pré-sinápticos controlando a fusão das

vesículas às membranas pré-sinápticas e, por conseguinte, a reciclagem de

neurotransmissores. De forma mais direta, ela inibe a exocitose das

vesículas além de evitar a reutilização das mesmas, diminuindo o conteúdo

de neurotransmissores disponível para liberação na fenda sináptica

(LARSEN et al. 2006) e responsabilizando-se por diminuir a transmissão em

períodos em que a atividade neuronal está muito elevada (SULZER 2010).

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Não está completamente compreendido como uma proteína,

inicialmente envolvida na homeostasia cerebral, após a sua agregação

apresenta toxicidade mais direcionada à substancia negra. Uma das teorias

para esta maior vulnerabilidade é a maior concentração de ferro nesta

região, o que aumenta a agregação de proteínas. O ferro se liga a região C-

terminal da α-sinucleína e, sob condições de oxidação, desnatura a proteína

que posteriormente sofrerá agregação (BHARATHI et al. 2007).

Estudos in vitro mostraram que as moléculas “Mutantes” de α-

sinucleína interagem como moléculas de ferro aumentando sua toxicidade.

Os corpos de Lewy apresentam pois uma união da forma reativa do ferro

com proteínas e material lipídicos oxidados agregados (CASTELLANI et al.

2000).

Neuroinflamação

A neuroinflamação apresenta ações antagônicas podendo ser benéfica,

uma vez que efetivamente permite a remoção de detritos patogênicos e

facilita a liberação de moléculas imunomoduladoras como citocinas e

quimiocinas que podem fornecer suporte para as células vizinhas após um

insulto tóxico, ou apresentando potencial nocivo por meio de uma resposta

descontrolada que pode ser elicitada após a ativação microglial (ZHANG et

al. 2005 e 2007; KIM et al. 2007).

Várias evidências apontam para o envolvimento do processo

neuroinflamatório no desenvolvimento e progressão da Doença de

Parkinson. Os fatores imunogênicos liberados pelos neurônios

dopaminérgicos lesionados tem potencial para desencadear respostas

imunológicas nocivas, tanto inatas quanto adaptativas, além de conseguirem

amplificar o processo patológico. Estes mecanismos não apenas sugerem

uma complexa comunicação entre o sistema nervoso e o sistema imunológico

periférico, mas a interação entre as células imune residentes do cérebro (isto

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é, as micróglias) e outras células do parênquima cerebral como as células

endoteliais, os astrócitos e os próprios neurônios (HIRSCH et al. 2013).

A perda de neurônios dopaminérgicos está associada a altos níveis de

citocinas, espécies reativas de oxigênio e óxido nítrico. As citocinas pro-

inflamatórias expressas nos cérebros de pacientes com Parkinson altera de

forma sensível a homeostase dos astrócitos e microglia, como o aumento da

retenção do metal provocado pelo TNF-α (RATHORE et al. 2012).

O ferro apresenta um papel importante no processo inflamatório. O ferro

ativa o NK-κB e aumenta a expressão de citocinas nos macrófagos hepáticos

de ratos e causa inflamação. Estudos mostraram que a injeção

cerebroventricular de amônio ferroso induz a fosfolipase A2. A geração de

eicosanoides e do Fator de Ativação Plaquetária (PAF) intensifica o processo

inflamatório na progressão da doença de Parkinson (ONG et al. 2005).

Modelos Animais

Estudos experimentais envolvendo modelos animais são úteis na

compreensão dos mecanismos fisiopatológicos das doenças. Algumas

evidências experimentais autenticam a hipótese da neurotoxicidade do ferro.

A infusão intranigral de ferro em ratos saudáveis provoca uma perda

seletiva de neurônios dopaminérgicos (WESEMANN et al. 1994). A

administração intraperitoneal de 10 mg de ferro dextrano três vezes por

semana, durante três semanas em ratos Wistar jovens, produz o mesmo

efeito (JIANG et al. 2007).

O modelo do 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropiridina (MPTP) mostra

que o tratamento unilateral com a neurotoxina pode induzir um aumento de

até 100% do conteúdo de ferro da substância negra de ratos e primatas

dentro de três a seis meses (MOCHIZUKI et al. 1994; TEMLETT et al.

1994).

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Tais dados autenticam a estreita relação do ferro com a Doença de

Parkinson e abrem uma janela a ser explorada para a pesquisa de novos

fármacos para a doença que visem este metal como alvo afim de diminuir a

progressão da doença através da quebra da cascata de eventos que levam à

morte neuronal.

Perspectivas de tratamento

A importância do ferro no processo neurodegenerativo, não só na doença

de Parkison, abre perspectivas para estratégias terapêuticas que visem a

quelação como coadjuvante na lentificação do processo neurodegeneratico.

Esse alvo já foi testado na Doença de Alzheimer (DA) através do fármaco

desferrioxamina. A administração intramuscular diária deste quelante

durante vinte e quatro meses levaram a uma redução significativa

(aproximadamente metade) da taxa de declínio de habilidades da vida

diária em pacientes com DA (MCLACHLAN et al. 1991). Não obstante, a

Desferrioxamina não atravessa a barreira hemato encefálica facilmente, e

pode exercer o seu efeito através da redução geral

dos níveis de ferro.

A propriedade de atravessar a barreira hemato encefálica é importantes

em quelantes candidatos ao tratamento de desordens do sistema nervoso

central, neste ínterim, vários quelantes lipossolúveis tem sido desenvolvidos

e testados em modelos animais de neurodegeneração. Pode-se citar o VK-28

que protege contra a lesão estriatal dopaminérgica provocada pela 6-

hidroxidopamina quando administrado diariamente aos animais

(SHACHAR et al. 2004).

Considerando que a neuroinflamação facilita o transporte de ferro para o

cérebro, uma abordagem de diminuir a disponibilidade cerebral de ferro é

diminuir o processo inflamatório seja pelo consumo de antiinflamatórios não

esteroidais ou mesmo pelo controle da hipercolesterolemia e por uma dieta

com restrição calórica, afim de diminuir a síntese de mediadores

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inflamatórios. Estratégias naturais tem sido consideradas como a curcumina

e as catequinas (HALLIWELL et al. 2005). Uma sugestão é que estes

flavonoides possam exercer parte de seu efeito benéfico quelando metais no

intestino e impedindo sua absorção ou uma vez absorvidos exerçam seu

papel antiinflamatório (MANDEL et al. 2005).

CONCLUSÃO

Várias descobertas indicam o potencial envolvimento do acúmulo de ferro na

morte neuronal observada na Substância negra – pars compacta que ocorre

na Doença de Parkinson. No entanto, permanece controverso se este

acúmulo consiste no evento primário ou se representa apenas mudanças

secundárias à degeneração neuronal. Independente da origem, a pesquisa

por fármacos que visem a diminuição da disponibilidade de ferro livre no

cérebro é promissora uma vez que o mesmo está envolvido na maioria dos

mecanismos fisiopatológicos da doença.

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Artigo Original

CALOU, Iana Bantim Felício; CERQUEIRA, Gilberto dos Santos; SIQUEIRA, Rafaelly

Maria Pinheiro. Neurotoxicidade do ferro na fisiopatologia da doença de Parkinson.

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Artigo Original

CALOU, Iana Bantim Felício; CERQUEIRA, Gilberto dos Santos; SIQUEIRA, Rafaelly

Maria Pinheiro. Neurotoxicidade do ferro na fisiopatologia da doença de Parkinson.

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AZEVEDO, Fausto Antonio de; COLASSO, Camilla; SANTOS, Carlos E. Matos dos. 27 de

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EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 58-81, fev.

2015.

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27 de janeiro: Toxicologia e História, um

triste uso da toxicidade – o zyklon

Fausto Antonio de Azevedo

Analista de risco químico da Intertox.

Camilla Colasso

Analista de risco químico da Intertox.

Carlos E. Matos dos Santos

Analista de risco químico da Intertox.

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janeiro: Toxicologia e História, um triste uso da toxicidade – o zyklon. Revista Intertox-

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2015.

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RESUMO

Este artigo relata aspectos da história do uso de cianeto no Holocausto,

assim como descreve a toxicidade deste agente. O emprego de compostos

químicos por conta de suas propriedades tóxicas tem acontecido em guerras

desde tempos remotos. Corrobora-se aqui, como o conhecimento físico-

químico e toxicológico do cianeto foi utilizado com a bárbara finalidade de

provocar sofrimento e morte a milhares de civis, e até mesmo militares, nas

câmaras de gás em campos de concentração durante a Segunda Guerra

Mundial.

Palavras-chave: Holocausto. Auschwitz. Toxicologia. Cianeto. Zyklon B.

ABSTRACT

This article reports on aspects of cyanide historical use in the Holocaust, as

well as describes the toxicity of this agent. The use of toxic chemicals in

wars is frequent since ancient times. In this article, it is discussed how

physical-chemical knowledge and cyanide toxicology were used with the

barbaric purpose of causing suffering and bring death to thousands of

civilians, and even military, in gas chambers of concentration camps during

World War II.

Keywords: Holocaust. Auschwitz. Toxicology. Cyanide. Zyklon B.

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HISTÓRIA

Dia 27 de janeiro foi instituído, em 2005, pela Assembléia Geral da

ONU, como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto1.

Neste 2015, em especial, lembra-se o setuagésimo aniversário de libertação

do campo de concentração nazista Auschwitz Birkenau2. Foi em 27 de

janeiro de 1945, um sábado, pela tarde, que as tropas soviéticas chegaram

ao complexo, libertando-o, muito embora ainda na noite anterior os fornos

crematórios tivessem trabalhado incessantemente! Os soldados alemães

resistiram muito, o que provocou a morte de 231 soviéticos. Oito mil

prisioneiros foram libertados, quase todos em situação deplorável devido ao

martírio que sofreram3. O Dia Internacional objetiva incentivar a sociedade

civil a promover a memória do Holocausto a fim de que as gerações futuras

não repitam os erros do passado.

E os graves erros ocorridos puderam ser perpetrados porque, ao lado

de questões de cunho político, econômico, sociológico e psicológico

determinantes, as propriedades físico-químico-toxicológicas de algumas

substâncias ocasionaram o uso criminoso e altamente condenável de suas

toxicidades.

Assim é que as palavras cianeto (cianídrico), cloro e nitrogênio podem

ter muito mais em comum do que serem apenas nomes de elemento e

substâncias químicas. Qual misterioso e, no caso, triste elo poderia reuni-

las? Para auxiliar o leitor interessado vamos já dar a melhor pista, outra

palavra: zyklon.

Ajudaremos mais: diremos que zyklon é um vocábulo da língua

germânica e que se consultarmos dicionários de alemão-português

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encontraremos, em vários deles4, como equivalente em nosso idioma, o

verbete ciclone.

Será isso o suficiente? Para os leitores que não se cansaram e que

possuem espírito investigativo, acrescentaremos um momento e um fato

histórico: 1942, Segunda Guerra mundial. Mais? Pois bem: fazendo jus ao

título, listemos: cianeto, cloro, nitrogênio; zyklon; 1942, Segunda Guerra;

Toxicologia, toxicidade. Quem arrisca?

Parabéns, acertou quem percebeu que zyklon era a designação de um

artefato químico que continha cianetos, cloro, nitrogênio e que foi

intencionalmente empregado, por conta das características de sua

toxicidade, para produzir extermínio humano.

Assim, vejamos um pouco de sua toxicologia e de sua história.

Zyklon foi o nome de um produto praguicida, composto de cianetos,

cloro e nitrogênio, cujos substantivos em língua alemã são, respectivamente:

zyanid, chlor e nitrogen, e de cujas iniciais pode ter sido formado. Já Zyklon

B, marca registrada, indica o produto em uma de suas diferentes

concentrações.

Em 1924, a Deutsche Gesellschaft für Schädlingsbekämpfung mbH (Degesch),

corporação alemã para o controle de pragas, hoje Detia-Degesch GmbH5, criou o

Zyklon B como um inseticida6. O produto, baseado na ação tóxica do ácido (“gás”)

cianídrico, trazia o cianeto aplicado a um veículo poroso (terra diatomácea) e era

hermeticamente acondicionado em recipientes metálicos (houve também, dentre

outros, um Zyklon A, em que o ácido cianídrico era veiculado em um líquido e numa

dada concentração. Havia um leque de concentrações do produto7). Por ser inodoro,

para fins de segurança de comercialização adicionava-se um alerta de odorização, um

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éster do ácido bromo acético. O uso da palavra zyklon (na acepção de ciclone)

continua a provocar reações negativas de grupos judeus. Assim, a Bosch Siemens

Hausgeräte e a Umbro viram-se obrigadas, em 2002, a desistir das tentativas para usar

ou registrar a marca para produtos seus.

Figura 1. Detalhe das embalagens de Zyklon B e uma máscara de gás encontradas no campo de

concentração nazista Majdanek (Polônia) Fonte: http://www.historyplace.com/worldwar2/holocaust/h-

zyklon.htm

Mas a história começa antes de 1924. A Degesch, por ação, dentre

outras, da BASF e da Degussa, foi fundada após a Primeira Guerra

Mundial, em 1919, para desenvolver o uso de cianeto de hidrogênio para fins

civis. A Degesch conseguiu a patente de um derivado químico não-volátil,

especialmente odorizado, para uso na agricultura. Em 1922, a Degussa AG

assumiu a Degesch. O capital da Degesch foi aumentado em 1930 e a

Degussa AG e a IG Farben Industrie AG passaram a deter, cada uma, 42,5

por cento das ações da empresa, enquanto a Theo Goldschmidt AG Essen

ficou com os restantes 15 por cento. A I.G. Farben indicou três dos sete

membros do Conselho de Administração. As vendas de Zyklon B

aumentaram expressivamente na Segunda Guerra Mundial, constituindo

um negócio muito lucrativo. Em território francês, a antiga usina química

Ugine Kuhlmann (fundada em 1880) também produziu o Zyklon B, na

fábrica de Villers-Saint-Sépulcre (Oise), em 1942.

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O principal cliente comprador do produto foi a Wehrmacht8, embora a

polícia, as administrações de hospitais, e a SS tenham também utilizado

Zyklon B para fins diversos, como, desinfestação de quartéis, navios, vagões

de carga, galpões de armazenamento, fábricas e para fumigar roupas em

câmaras especialmente desenvolvidas (instalações de “despiolhar”).

O Zyklon B inicialmente chegou aos campos de concentração nazistas

para fins de desinfestação de piolhos e combate ao tifo. Todavia, o salto para

um uso triste, criminoso e condenável da toxicidade do produto foi

vertiginoso e intenso: já emsetembro de 1941, a SS9 experimentou-o em

Auschwitz I (campo principal) para o extermínio em massa de seres

humanos. As primeiras vítimas foram 600 prisioneiros de guerra soviéticos e

250 prisioneiros doentes. A primeira câmara de gás foi implantada numa

sala que era parte do crematório. Antes do uso do Zyklon B outros agentes

tóxicos foram pensados ou ensaiados para fins de extermínio humano em

massa, como o monóxido de carbono. Porém, a operacionalidade do uso desse

gás era bem mais complicada. Um oficial nazista, todavia, Otto Adolf

Eichmann, tenente coronel da SS Obersturmbannführer, percebeu a

compatibilidade do Zyklon B com os propósitos de extermínio que então era

buscado pelas forças nazistas e foi um implementador importante de seu

uso. Eichmann foi o homem da logística (identificando as pessoas e

organizando seu transporte) do extermínio dos milhões de pessoas que

tiveram esse fim durante a Segunda Grande Guerra, a chamada “solução

final” (Endlösung em alemão).

A ligação entre Eichmann e a adoção do Zyklon B como o gás de

extermínio ficou mais uma vez bem documentada durante as audiências do

julgamento de Nuremberg. Na página Crime Library da internet pode-se

ler:

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Later, when he actually visited the camps, Eichmann saw the results of

his planning for the first time. "I did visit Auschwitz repeatedly. It had

an unpleasant smell," he wrote of his experiences there. Eichmann took

notice of the inefficiency of the methods used to kill the prisoners. It

required too much effort and the production of the carbon monoxide gas

needed for the job was not cost effective. During the Nuremberg trial

years later, the former commandant of Auschwitz said, "We did not come

to a decision on the matter. Eichmann was going to inquire about a gas

that would be easy to use and would not require any special installations

and then report back to me." Eichmann eventually implemented the use

of a poison gas called Zyklon B. This action later became the basis for

the first of 15 criminal charges against him at his trial.

The Hunt for Adolf Eichmann

Mark Gado. The Problems of Mass Murder http://www.crimelibrary.com/gangsters_outlaws/cops_others/eichmann/6.html

O julgamento de Adolf Eichmann foi em Israel, iniciado 11 de abril de

1961, baseado em quinze ofensas criminosas, incluindo a decrimes contra a

Humanidade, crimes contra o povo judeu, e de pertencer a uma organização

criminosa. Ele foi considerado culpado de todas as acusações, condenado à

morte em 15 de dezembro de 1961 e enforcado nos primeiros minutos do dia

1º.de junho de 1962. Fato de destaque é que enquanto acompanhava o

julgamento, a filósofa Hannah Arendtescreveu uma série de cinco artigos

para a revista The New Yorker, os quais originaram posteriormente o

clássico Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. O

caso mereceu também uma versão cinematográfica: A solução final (título no

Brasil), 2007, Reino Unido e Hungria, dirigido por Robert Young, com

Thomas Kretschmann no papel de Eichmann10.

Em Auschwitz-Birkenau, em janeiro e junho de 1942, dois barracões

agrícolas foram convertidos (denominados Bunkers 1 e 2) e utilizados

primeiramente para “gaseamento” dos prisioneiros.

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Em março e junho de 1943, com a participação da empresa Erfurt

Topf & Söhne11, quatro grandes crematórios tornaram-se operacionais em

Birkenau. Eles foram equipados, ao menos parcialmente, com salas

subterrâneas para as pessoas se despirem e câmaras de gás disfarçadas em

salas de banho, para as quais a SS chegava a forçar perto de 2 mil

prisioneiros por vez.

Na página da Topf & Söhne (http://www.topfundsoehne.de/cms-

www/index.php?id=94&l=1) pode-se ler:

A fim de manter as vítimas sob engano e poder realizar o morticínio

com “máxima eficiência”, a SS instruiu os fornecedores do Zyklon B a

removerem o agente odorizante de alerta.

Mas toda essa lamentável história está assentada numa propriedade

tóxica do íon cianeto, que do ponto de vista bioquímico e toxicológico é em si,

como toxicodinâmica, ironicamente muito elegante.

1939

Ludwig and Ernst Wolfgang Topf, owners and

managing directors of the family business in the third

generation, begin supplying the SS and its

concentration camps with corpse incineration ovens

specially developed by furnace construction engineer

Kurt Prüfer to meet the needs of these camps.

1942

With full knowledge of the practises of mass murder

being carried out with gas at Auschwitz, the company

– on the initiative of engineer Fritz Sander – applies

for a patent for a “continuous-operation corpse

incineration oven for mass use”.

1943

The large-scale crematoria in the Auschwitz-Birkenau

extermination camp are equipped as “death factories”

with ovens and gas chamber ventilation systems from

Erfurt.

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O agente químico é considerado clássico, primeiro, pelo fato de que é

considerado um dos precursores dos ácidos nucleicos na teoria da origem da

vida; segundo, pela sua ampla ocorrência no uso industrial, em incidentes,

ou para fins bélicos, incluindo o uso em ações terroristas, pois há quem

prefira segmentá-lo do uso bélico; e terceiro, pela sua natureza tóxica

amplamente estudada em Toxicologia.

O primeiro isolamento relatado de ácido cianídrico (Azul da Prússia)

foi realizado pelo químico sueco Scheele, em 1782. Em 1786, Sheele

acidentalmente quebrou um frasco contendo o ácido cianídrico no laboratório

e morreu devido à inalação do vapor (BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

Desde os tempos da Roma antiga, o cianeto e seus derivados foram

utilizados em armas. Nero empregou o loureiro-cereja, que continha cianeto

como principal componente tóxico. Napoleão III propôs o uso de baionetas

impregnadas com cianeto durante a guerra Franco-Prussiana. Na Primeira

Guerra Mundial o uso do ácido cianídrico não foi bem sucedido, porque o

composto não era persistente. Contudo, o exército francês empregou

projéteis de artilharia com o nome de Vicennite (50% HCN, 30% tricloreto de

arsênio, 15% de cloreto de estanho e 5% de clorofórmio), mas devido à alta

volatilidade do HCN, essas armas não foram eficazes. Além do que, os

soldados alemães, estavam com máscaras respiratórias para se protegerem

dos vapores de HCN (BASKIN et al., 2008; BHATTACHARYA e FLORA,

2009).

Em 1916, o exército francês tentou empregar o cloreto de cianogênio,

uma vez que este era mais pesado e menos volátil do que o HCN. O efeito do

cloreto de cianogênio foi semelhante ao do HCN, entretanto, o composto

provocou também acentuado lacrimejamento, rinorréia e secreção brônquica

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semelhante à provocada pelo fosgênio. Tais efeitos foram considerados de

pouca importância militar (BASKIN et al., 2008; BHATTACHARYA e

FLORA, 2009).

Após a Segunda Guerra há relatos do uso de cianeto contra os

habitantes da cidade síria de Hama; contra a população curda de Halabja,

no Iraque; e no Shahabad, no Irã, durante a Guerra Irã-Iraque no final de

1980. Em 1995, em Tóquio, quando ocorreu o atentado com sarin no metrô,

foram encontrados compostos precursores de cianeto nos banheiros da

estação. Cianeto também foi adicionado nos explosivos utilizados no

primeiro ataque no World Trade Center em Nova Iorque, em 2001

(BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

No cenário atual, o cianeto é considerado um importante agente de

guerra química para fins suicidas ou homicidas. A possível ameaça de seu

emprego em atos terroristas não deve ser negligenciada.

TOXICIDADE DO ÍON CIANETO CN-

O ânion cianeto (CN-), também chamado grupo ciano [do grego κυανός

(kyanós) com o significado de cor azul-esverdeada], é uma espécie química

de elevada toxicidade, composta por um átomo de carbono e um átomo de

nitrogênio em ligação tripla e estável, constituindo uma molécula ionizada

com carga negativa. O cianeto pode formar vários compostos: orgânicos (que

serão normalmente chamados de nitrilas, em que o cianeto se liga

covalentemente a um carbono de outro grupo molecular) e inorgânicos,

sobretudo sais (todos estes sempre de elevado potencial tóxico).

Dentre os compostos de cianeto, o ácido cianídrico (HCN, também

ácido hidrociânico, cianeto de hidrogênio), um líquido altamente volátil,

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incolor e com o famoso odor característico de amêndoas amargas, é

considerado muito perigoso, sobretudo do ponto de vista ocupacional

(ZACARIAS, 2009), por poder estar presente no ar implicando, assim, no

risco de inalação. O ácido cianídrico, por ser um ácido fraco, forma-se

quando uma solução contendo um cianeto lábil é acidificada. Soluções

alcalinas são mais seguras de se usar, porque elas não permitem a evolução

do “gás” cianídrico.

A toxicidade do íon cianeto pode se mostrar tanto a curto quanto a

longo prazo, em função do tipo de exposição dos seres vivos. O ânion cianeto

é um potente inibidor de uma enzima essencial ao metabolismo animal.

Trata-se da citocromo c oxidase, do quarto complexo da cadeia de transporte

ou transferência de elétrons (ou cadeia respiratória celular), na membrana

das mitocôndrias de células eucarióticas (Figura 2).

Figura 2. Estrutura tridimensional da citocromo c oxidase. O átomo de ferro (destacado

em laranja) ligado ao grupo heme (em azul) (obtido de ALBERTS et al., 1994).

O CN- se liga ao átomo de ferro (Fe3+) presente no grupo heme da proteína

citocromo c oxidase (ou citocromo a-a3). A consequência de tal ligação é o

impedimento do transporte de elétrons do citocromo a3 para a molécula de

oxigênio aceptora final da via bioquímica. Como resultado, a cadeia de

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transporte eletrônico é interrompida, o que significa que a célula já não

poderá produzir aerobicamenteo ATP (adenosina trifosfato), composto que

guarda energia em suas ligações químicas e a libera para a realização de

trabalho celular. A produção de energia sob a forma de ATP é o propósito da

cadeia respiratória. Os tecidos que dependem em muito da respiração

aeróbica, mais vascularizados, tais como o sistema nervoso central e o

coração, serão particular e rapidamente afetados por essa ação tóxica,

caracterizando-se logo um quadro de hipóxia e/ou anóxia histotóxica que

pode ser prontamente fatal.

Assim, apesar do oxigênio disponível no sangue, não pode ser gerado

ATP por meio da cadeia respiratória, acontecendo interrupção do

metabolismo aeróbico nas células. Inicialmente, ocorre um mecanismo de

compensação com a formação de ATP pela via glicolítica, entretanto, tal

mecanismo compensatório é insuficiente para a demanda biológica,

principalmente para o metabolismo cardíaco e o do sistema nervoso central,

que dependem da via aeróbica e possuem metabolismo anaeróbico limitado.

O cianeto se liga também à anidrase carbônica, o que provoca acidose

metabólica clinicamente relevante nas intoxicações (uma complicação

secundária), ao passo que o metabolismo anaeróbico também promove a

formação de ácido lático.

A morte se segue ao dano dos neurônios do SNC que controlam a

respiração, uma vez que são muito sensíveis à hipóxia, acarretando

incapacidade de respirar.

O esquema para essa vital via bioquímica do organismo é apresentado

na Figura 3.

Ciclo de Krebs: Piruvato→NADH→FMN→Coenz.Q→cit.b→citc1→cit.a→cit.a3→

1/2O2→H2O

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Figura 3. Ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs. Destaque para o alvo molecular do cianeto

(Fe3+), que provoca o impedimento do transporte de elétrons do citocromo aa3 para a

molécula de oxigênio aceptora final da via bioquímica

A enzima citocromo c oxidase, ou complexo IV, é um complexo proteico

transmembranar presente nas mitocôndrias das células e atua

cataliticamente como último elo na cadeia de transferência de elétrons,

recebendo um elétron de cada uma das moléculas de citocromo c, oxidando-

os. Transporta, então, os elétrons para uma molécula de oxigênio (O2), vinda

da respiração pulmonar, transformando este oxigênio molecular em duas

moléculas de água, processo que ao mesmo tempo produz a translocação,

através da membrana, de quatro prótons que auxiliam na produção de um

potencial quimiosmótico (gradiente protônico, bomba de prótons,

YOSHIKAWA et al., 2006) que, por usa vez, é aproveitado pela presença de

outra enzima, a ATP sintase, para a formação de moléculas de ATP.

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A ligação do cianeto à citocromo c oxidase é complexa e depende do

estado redox da enzima. O centro binuclear pode existir nos estados

reduzido, oxidado e parcialmente oxidado, e, embora o oxigênio só possa se

ligar ao centro binuclear totalmente reduzido, o cianeto pode interagir com o

centro em todos três estados (maior afinidade com o centro no estado

parcialmente reduzido, alta afinidade para o estado totalmente oxidado e

menor afinidade para o estado totalmente reduzido) (LEAVESLEY, et al.,

2007).

O fato do oxigênio competir com o cianeto pelo centro nuclear

totalmente reduzido explica a indicação clínica de oxigênio hiperbárico na

intoxicação por cianetos, porque este agente altera a cinética de inibição do

cianeto.

TOXICOCINÉTICA DO ÍON CIANETO

Absorção

O cianeto (ácido cianídrico – HCN) é rapidamente absorvido,

independentemente da via, devido o seu baixo peso molecular

(BHATTACHARYA e FLORA, 2009). Trata-se de uma molécula pequena,

com boa solubilidade em água e lipídeos, o que favorece sua absorção.

A absorção oral do cianeto é rápida e os efeitos tóxicos podem ocorrer

dentro de minutos. Quando sais de cianeto são ingeridos, o ácido clorídrico

presente no estômago provoca a liberação de HCN, que é prontamente

absorvido como íons cianeto (CN). O cianeto é absorvido principalmente pela

mucosa respiratória, gastrointestinal, pele, e através dos olhos se o contato

for prolongado (BALLANTYNE, 1974; ELLENHORN et al., 1997; RYAN,

1998).

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Em estudos conduzidos com coelhos, o cianeto é rapidamente

absorvido pelos sacos conjuntivais em quantidades significativas para

produzir uma toxicidade sistêmica. A exposição cutânea é rara, porém, se for

exposta uma área grande para o contato, a absorção pode ser facilitada e a

toxicidade se manifestará (BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

Distribuição

Após absorção, o cianeto é distribuído para o volume correspondente a

cerca de 40% do peso corporal total. A distribuição, após uma única dose

intravenosa, é rápida e completa dentro de 5 minutos. O cianeto é

rapidamente transportado no corpo através da corrente sanguínea e cerca de

60% estarão ligados às proteínas plasmáticas, uma pequena quantidade

ficará presente nos glóbulos vermelhos (RBC), e o restante estará como

cianeto livre. A concentração de cianeto de RBC é estimada em uma

proporção de RBC/plasma de 100:1. Após a exposição aguda, a meia-vida de

eliminação plasmática de cianeto é em torno de 14,1 minutos. Depois da

intoxicação oral, uma quantidade significativa de cianeto pode ser detectada

no cérebro, no sangue, rins, parede do estômago, fígado e urina. Isso indica

que depois da absorção o agente é amplamente distribuído em todos os

tecidos (BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

Eliminação

Ao contrário de outros agentes químicos de guerra, o cianeto aparece

no sangue, urina e ar expirado (BHATTACHARYA e FLORA, 2009). Ele é

eliminado do corpo por vários mecanismos. Após 3 horas, cerca de 90% do

cianeto injetado são eliminados (modelo de estudo mamífero – cão). Uma

pequena quantidade de cianeto é eliminada pela urina e através dos

pulmões após ser incorporada a cianocobalamina (vitamina B12), oxidado a

formiato e dióxido de carbono, e conjugado à cistina (BHATTACHARYA e

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FLORA, 2009). Vias adicionais de eliminação incluem as enzimas

sulfotransferases, mercaptopiruvato, riossulfato redutase entre outras

(BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

RELAÇÃO DOSE/CONCENTRAÇÃO-RESPOSTA DO CIANETO

Não é simples determinar as doses letais para cianeto no ser humano.

A morbidade ou a mortalidade dependem da magnitude da intoxicação, que

varia de acordo com a dose, a forma do cianeto e a via de exposição. A

concentração máxima admissível para o HCN em humanos é 11mg/m³ por

via inalatória; a dose letal de HCN para adultos é estimada entre 50 a

100mg, e para KCN em torno de 150 a 250mg (BHATTACHARYA e FLORA,

2009).

Os números estimados em termos de peso corporal para HCN variam

entre 0,7 a 3,5mg/kg. No entanto, existem relatos de pessoas que ingeriram

3,0g de KCN e sobreviveram após rápida intervenção terapêutica

(BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

A Tabela 1 mostra os níveis de toxicidade do cianeto por inalação em

humanos. A ingestão oral de cianeto pode produzir sintomas rapidamente.

Estudos experimentais em animais demonstram que a absorção de cianeto é

diminuída caso o estômago esteja alcalino (BHATTACHARYA e FLORA,

2009).

Tabela 1. Toxicidade do cianeto de hidrogênio por inalação em humanos

Concentração

mg/m³ ppm Efeitos

20 – 40 18 – 36 Leves sintomas após várias horas

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50 – 60 45 – 54 Suportável por 20 – 60 minutos

sem efeitos

120 – 150 110 – 135 Muito perigoso (fatal) após 30 – 60

minutos de exposição

150 135 Letal após 30 minutos de exposição

200 181 Letal após 10 minutos de exposição

300 270 Imediatamente letal

Fonte: BHATTACHARYA e FLORA, 2009.

A toxicidade letal do HCN e de seus sais alcalinos variam a depender

das diferentes vias de exposição, diferentes espécies avaliadas e a depender

do sexo (BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

Estudo realizado em coelhos evidenciou a seguinte ordem decrescente

de toxicidade de cianeto de potássio (KCN) administrado por diferentes vias:

Intravenosa > intramuscular > intraperitonial > via oral > instilação no saco

conjuntival > percutânea. O comparativo para os valores de DL50 oral de

KCN em diferentes espécies de animais está apontado na Tabela 2. Dentre

os animais estudados, o coelho se mostrou mais suscetível do que os ratos e

camundongos (BHATTACHARYA e FLORA, 2009).

Tabela 2. Toxicidade aguda letal para KCN em diferentes espécies

Espécie Sexo DL50 (mg/kg) Referência

Camundongo Macho

Macho

8,50

12,5

SHEEHY e WAY, 1968

BHATTACHARYA et al.,

2002

Rato

Macho

Fêmea

Fêmea

10,0

7,49

14,1

HAYES, 1967

BALLANTYNE, 1984

BHATTACHARYA e

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VIJAYARAGHAVAN, 2002

Coelho Fêmea 5,82 BALLANTYNE, 1984

Fontes: BHATTACHARYA e FLORA, 2009.

Por se tratar de um mecanismo de ação que envolve tolerância de

sistemas fisiológicos e mecanismos de compensação, alguns modelos de dose-

resposta para o cianeto são caracterizados de maneira tempo-dependente. A

CLt50 (concentração*tempo letal para 50% da população exposta) do cianeto

é da faixa de 2500-5000 mg*min/m3 (Tabela 3).

Tabela 3. Estimativas da toxicidade aguda do cianeto em função do tempo

Tempo de

exposição

(min.)

CLt (mg min m-3) CL50 aproximada

(mg/m3) CLt1 CLt50 CLt90

0,5 1117 2032 3480 4064

1 1930 3404 5705 3404

3 2546 4440 7526 1466

10 3888 6072 11491 607

30 11992 20632 35443 688

Fonte: SALEM e KATZ, 2006.

Nota: Os autores consideram que para cálculo da CLt, há fatores como depuração e

mecanismos de compensação que demandam maiores concentrações para a resposta tóxica.

MECANISMOS DE DETOXIFICAÇÃO E ANTÍDOTOS

Existem vários processos naturais de detoxificação do cianeto no

organismo, pelos quais são responsáveis as enzimas rodanase,

mercaptupiruvado sulfotransferase, tiossulfato redutase e cistationase. Em

geral, as enzimas atuam fornecendo enxofre de distintas formas (direta ou

indiretamente) para a complexação com o cianeto e formação de tiocianato.

Os modelos modernos sugerem que a ligação do cianeto à albumina é

também um dos mecanismos naturais de detoxificação.

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Quando os mecanismos de compensação e de detoxificação são

insuficientes, ou seja, com a intoxicação estabelecida, existem antídotos

disponíveis, os quais podem ser divididos em três grupos: (i)

metemoglobinizantes, (ii) doadores de enxofre e (iii) agentes complexantes.

Considera-se o fornecimento oxigênio hiperbárico um tratamento de suporte

importante.

Os agentes metemoglobinizantes (como nitrito de sódio e nitrito de

amila) oxidam o Fe++ da hemoglobina a Fe+++, possibilitando a

complexação do cianeto à metemoglobina, formando-se a

cianometemoglobina. A enzima rodanase cataliza a reação de complexação

entre o cianeto e tiossufalto formando o tiocianato que é eliminado pela

urina.

Os doadores de enxofre (exemplo, tiossulfato de sódio) atuam

fornecendo o substrato para a rodanase e outras sulfotransferases,

resultando na formação do tiocianato. A baixa capacidade destes doadores

de penetrar na célula e na membrana mitocôndria é um fator limitante para

esta rota de detoxificação.

Devido às limitações de outros antídotos (metemoglobinemia

excessiva e outros efeitos adversos vs. grau de eficácia), o uso da

hidroxocobalamina tem sido uma das opções mais consideradas nas

intervenções clínicas atuais. A hidroxocobalamina se complexa com o cianeto

formando cianocobalamina, atóxica, a qual é eliminada na urina.

O uso de outros complexantes, como sais de cobalto, é também

estudado e sua aplicação tem sido considerado em alguns países.

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Outros estudos têm sido realizados para avaliar os benefícios de

nitritos e de outros agentes capazes de aumentar as concentrações

intracelulares de óxido nítrico (NO), já que há evidências que a citocromo

oxidase inibida foi parcialmente restaurada na presença de NO micromolar

(LEAVESLEY et al., 2007).

CONCLUSÃO

O toxicólogo é alguém que se dedica por inteiro a tentar entender

como substâncias químicas podem atuar – e atuam – sobre organismos vivos

produzindo-lhes um mal. Qual é a natureza dessa interação: suas

especificidades moleculares, suas características físico-químicas e biológicas,

suas dinâmicas bioquímicas, suas repercussões fisiológicas, os níveis de

tolerância, as zonas de perigo e risco, etc. E ele não faz isso, por certo,

apenas pelo próprio interesse científico, epistêmico, senão que também está

preocupado em poder auxiliar a toda a população humana e outras formas

de vida no como se defender, se curar, se proteger de exposições indevidas.

Tem uma finalidade seu saber. Tem uma finalidade humana seu saber. Tem

uma finalidade nobre e ética seu saber. Assim que é para ele, talvez mais do

que para qualquer outro, um sofrimento indizível e uma tristeza paralisante

constatar que a toxicidade de determinados agentes químicos possa ser

tantas vezes intencionalmente utilizada para produzir o dano, o castigo, a

morte, o crime. A Toxicologia é um apostolado de vida, é a crença no

conhecimento para realçar e valorizar a vida. Desvendar o conhecimento

toxicológico é um procedimento de fé e de afirmação do bem que nos

qualifique como verdadeiramente superiores e sapientes. Se o Homo sapiens

sapiens for sábio, ele jamais empregará, ou permitirá que se o faça, a

toxicidade como ferramenta da morte e da dor.

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8 Wehrmacht (palavra alemã equivalendo a Força de Defesa) era a

designação, no período do Terceiro Reich, 1935-1945, para o conjunto das

forças armadas alemãs. Veio no lugar do Reichswehr, criado em 1921. Em

1955, as novas forças armadas alemãs foram reorganizadas sob o nome de

Bundeswehr.

9 Schutzstaffel (algo próximo a Tropa de Proteção), abreviada como SS (

em alfabeto rúnico), foi uma organização paramilitar ligada ao partido

nazista e a Hitler. "Meine Ehre heißt Treue" era sua divisa, ou seja, "Minha

honra chama-se lealdade". Surgindo como pequena unidade paramilitar,

chegou a quase um milhão de homens e teve influência política notável no

Terceiro Reich. De ideologia nazista, foi responsável, sob o comando de

Himmler, por muitos dos crimes contra a humanidade praticados pelos

nazistas na Segunda Grande Guerra.

10 Ver: http://www.imdb.com/title/tt0901481/. Acessado em 13/1/2105.

11 Empresa fundada em 1878, por J. A. Topf, para a produção de

equipamentos e sistemas de combustão. Ver:

http://www.topfundsoehne.de/cms-www/index.php?id=94&l=1. Acessado em

13/1/2105.

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HARZER, Bárbara; STIPP, Maria Carolina; HERRERIAS, Tatiana. Avaliação da função

hepática de peixes Rhamdia quelen expostos aos desreguladores endócrinos estriol e

estrona. Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade,

v. 8, n. 1, p. 82-99, fev. 2015.

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Avaliação da função hepática de peixes

Rhamdia quelen expostos aos

desreguladores endócrinos estriol e

estrona

Bárbara Harzer

Graduanda concluinte do curso de Biomedicina - Universidade Positivo,

Curitiba, Paraná – Brasil.

E-mail: [email protected].

Maria Carolina Stipp

Graduanda concluinte do curso de Biomedicina - Universidade Positivo,

Curitiba, Paraná – Brasil.

E-mail: [email protected].

Tatiana Herrerias

Farmácia – Universidade Federal do Paraná. Doutora em Bioquímica.

Professora universitária do curso de Biomedicina, Universidade Positivo,

Curitiba, Paraná - Brasil.

E-mail: [email protected].

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HARZER, Bárbara; STIPP, Maria Carolina; HERRERIAS, Tatiana. Avaliação da função

hepática de peixes Rhamdia quelen expostos aos desreguladores endócrinos estriol e

estrona. Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade,

v. 8, n. 1, p. 82-99, fev. 2015.

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RESUMO

Os desreguladores endócrinos (DE) são substâncias exógenas capazes

de alterar uma ou mais funções do sistema endócrino, podendo provocar

efeitos adversos sobre a integridade do organismo intacto, sua descendência

e/ou populações (COM, 1999). Os lançamentos de efluentes industriais e

esgoto doméstico em corpos d’água são as principais formas de contaminação

pelos DEs, já que estes são excretados pela urina e fezes (MOREIRA, 2008).

Uma das maiores preocupações com esses micropoluentes, é que os

processos convencionais de tratamento de água não os removem totalmente,

podendo provocar efeitos adversos no sistema reprodutivo e causar falhas no

desenvolvimento de variadas espécies animais (GUIMARÃES, 2008;

MACHADO 2010; MOREIRA, 2008). Neste trabalho, os DEs pesquisados

são os hormônios sexuais femininos, dentre eles os estrógenos naturais

Estriol e Estrona, que por serem muito utilizados para uso médico em

terapias de reposição hormonal e métodos contraceptivos, podem ser

encontrados em abundância no ambiente, pois são excretados

continuamente (MOREIRA, 2008). O objetivo deste projeto é avaliar os

efeitos desses hormônios, sobre a função hepática dos peixes Rhamdia

quelen após um tratamento sub-crônico de 30 dias. Para isso, foram

avaliadas as atividades das enzimas que avaliam o dano hepático, como a

alanina-aminotransferase (ALT), aspartato-aminotransferase (AST) e a

fosfatase alcalina. Cada um dos testes analisou de forma completa o sistema

hepático onde, por meio da fosfatase alcalina (ALP), foi avaliada a agressão

ao trato biliar, e através das enzimas AST e ALT foram indicados os níveis

de lesão celular. Os resultados obtidos demonstraram alterações

importantes na função dos peixes tratados quando comparados com o

controle, indicando que a exposição desses animais aos hormônios estriol e

estrona é capaz de promover danos hepáticos.

Palavras – chave: Desreguladores endócrinos. Enzimas hepáticas. Estriol.

Estrona.

ABSTRACT

Endocrine disrupters (DE) are exogenous substances able to change

one or more functions of the endocrine system, causing adverse effects on

the integrity of the whole body, its descent and/or populations (COM, 1999).

The releases of industrial effluents and domestic sewage in water bodies are

the main forms of contamination by DEs, since these are excreted through

urine and feces (MAY, 2008). One of the biggest concerns with these organic

micropollutants, is that conventional water treatment processes do not

remove DE completely, causing adverse effects on the reproductive system

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and failures in the regular development of various animal species

(GUIMARÃES, 2008; MACHADO, 2010; MOREIRA, 2008). The DEs

surveyed here are female sex hormones, including estrogens Estrona and

Estriol natural, which are widely used for medical purpose in hormone

replacement therapies and birth control, and can be found in abundance in

the environment because they are excreted continually (MAY, 2008). The

goal of this project is to evaluate the effects of these hormones on liver

function of Rhamdia quelen fish after a sub-crônico treatment of 30 days.

For this, we evaluated the activities of the enzymes that evaluate the liver

damage, as the alanine-aminotransferase (ALT), aspartate-

aminotransferase (AST) and alkaline phosphatase. Each of the tests

analyzed the hepatic system where, by means of alkaline phosphatase

(ALP), the aggression to biliary tract was evaluated. Through the enzymes

AST and ALT levels of cellular injury were indicated. The results obtained

showed important changes in the function of the treated fish when

compared with the control, indicating that exposure of these animals to the

hormones estriol and estrona is able to promote liver damage.

Key-words: Endocrine disrupters. Hepatic enzymes. Estriol. Estrona.

INTRODUÇÃO

O sistema endócrino é um conjunto de órgãos que têm como principal

característica a produção e secreção direta na corrente sanguínea de

hormônios, os quais por sua vez vão atuar em outros órgãos, promovendo ou

auxiliando no controle da função deste órgão. Apesar de serem capazes de

controlar a maioria das funções metabólicas e endócrinas, as concentrações

de hormônios necessárias para promover sua ação de regulação e controle

são incrivelmente pequenas, podendo variar no sangue de não mais que um

picograma. Portanto, a secreção desses hormônios é extremamente pequena

e estritamente controlada pelo organismo (HALL et al., 2011).

Por este motivo, a exposição, voluntária ou acidental, a substâncias

naturais e/ou sintéticas que simulam a ação fisiológica desses hormônios,

pode promover alterações importantes na saúde de seres humanos e

animais. Essas substâncias são chamadas de desreguladores endócrinos

(BILA, 2007).

Os desreguladores endócrinos são por definição do Programa

Internacional de Segurança Química (IPCS) juntamente com a Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), “substâncias ou

compostos exógenos que alteram uma ou várias funções do sistema

endócrino e geram, consequentemente, efeitos adversos sobre a saúde no

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organismo intacto, sua descendência, ou (sub) populações” (COM, 1999).

Consequentemente, essas substâncias químicas são de grande interesse

científico.

Segundo Damstra et al. 2002, um receptor hormonal apresenta alta

sensibilidade e afinidade por determinado hormônio sintetizado pelo

organismo. Contudo, os receptores hormonais podem se ligar a outras

substâncias químicas, o que justifica o fato dos desreguladores endócrinos,

mesmo em baixas concentrações, serem capazes de promover uma resposta

similar à natural daquele determinado receptor, ou então bloquear o efeito

que normalmente seria produzido pelo receptor (GHISELLI, 2006).

Assim sendo, os desreguladores endócrinos são capazes de originar

alterações no sistema endócrino, que pode ocorrer de três mecanismos

diferentes: 1) atuando como antagonistas, de forma que reduza a atividade

hormonal; 2) atuação como agonistas nos receptores endócrinos, levando a

um aumento da atividade hormonal dos hormônios endógenos como o

estrógeno e a testosterona; 3) por fim, quando afetam a síntese, o transporte,

o metabolismo e a excreção dos hormônios naturais, alterando dessa forma

as concentrações dos hormônios naturais no corpo (GHISELLI et al., 2007).

A chegada dos DEs no meio ambiente ocorre por diferentes rotas, sendo

que uma importante fonte de contaminação é o lançamento de efluentes

industriais e esgoto doméstico, tratado ou in natura, em corpos d’água

(MOREIRA, 2008). Dentre os DEs encontrados em sistemas aquáticos

destacam-se os hormônios sexuais femininos, que são encontrados nas águas

de superfícies, as quais são na maior parte das vezes utilizadas como

suprimento de água potável. Esses compostos são o objeto de estudo desse

trabalho.

Dentre os hormônios sexuais, os estrógenos se destacam por serem

compostos extremamente ativos biologicamente e estarem relacionados à

etiologia de vários tipos de cânceres (FILHO et al., 2006).

Os estrógenos naturais 17 -Estradiol (E2), Estriol, Estrona e o

sintético 17 α –Etinilestradiol (EE2), desenvolvido para uso médico em

terapias de reposição hormonal e métodos contraceptivos, são os que

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despertam maior preocupação, tanto pela potência como pela quantidade

contínua introduzida no ambiente (FILHO et al., 2006).

Em geral, esses hormônios, tanto naturais quanto sintéticos, são

rapidamente absorvidos pelo organismo, e então metabolizados pelo fígado.

A sua excreção ocorre principalmente pela urina, como conjugados solúveis

em água, e em menor proporção pelas fezes, demonstrando variações

relacionadas com a solubilidade em água, taxa de excreção e catabolismo

biológico. Quando em condições ambientais, os conjugados passam

rapidamente por um processo de hidrólise, fazendo com que sejam liberados

os hormônios livres e seus metabólitos (GHISELLI et al., 2007).

Consequentemente, os estrógenos atingem o meio ambiente

diretamente, ou então após passarem por uma Estação de Tratamento de

Esgoto (ETE), onde os processos utilizados não são eficientes para retirá-los

da água. Dessa forma, estão presentes nos ecossistemas, podendo chegar ao

manancial de águas superficiais, a seus sedimentos, à matéria em

suspensão e aos organismos aquáticos. A partir dessas afirmações é possível

concluir que esses estrógenos, naturais ou sintéticos, em especial aqueles

que fazem parte do grupo dos contraceptivos orais, podem ser considerados

poluentes ambientais (GUIMARÃES, 2008).

Diversas pesquisas já demonstraram que esses hormônios possuem

efeitos danosos quando em contato com diferentes espécies animais, sendo

capazes de provocar lesões cancerígenas, assim como alterações importantes

no sistema reprodutivo das espécies (BROWN et al., 2008; DELCLOS et al.,

2009; NASH et al., 2004).

As alterações no metabolismo hepático e em processos celulares no

organismo devido aos efeitos de diversos poluentes podem gerar mudanças

nos testes do perfil bioquímico, possibilitando o estudo dos mecanismos

destas substâncias (BEGUM, 2004; BORGES, 2005; GALEB, 2010).

O fígado é um órgão de fundamental importância nos processos de

metabolização de xenobióticos, promovendo a biotransformação dessas

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substâncias, tendo como consequência a eliminação das mesmas do

organismo (RODRIGUES, 2003; SOUZA, 2006 apud MONTANHA et al.,

2012). Dentre as diversas funções hepáticas estão incluídas, o metabolismo

de carboidratos, de lipídeos e de proteínas, sendo responsável pela

desintoxicação e excreção de catabólitos e de outras substâncias, atuando

também na síntese de vários fatores de coagulação (GALEB, 2010).

As determinações da atividade de enzimas hepáticas são utilizadas

como marcadores de lesão hepática e o aumento da sua atividade sérica pode

ser decorrente da ruptura dos hepatócitos, que ocorre como resultado de

processos como necrose celular (alanina-aminotransferase - ALT, AST-

aspartato aminotransferase e LDH - lactato desidrogenase) ou do processo

de agressão por agentes tóxicos (fosfatase alcalina - ALP e gama

glutamiltransferase - GGT) (KANEKO,1989).

A enzima ALT é responsável por catalisar de forma específica a

transferência do grupo amina da alanina para o cetoglutarato, com formação

de glutamato e piruvato, sendo que este último é reduzindo à lactato por

ação da lactato desidrogenase (LDH), enquanto que a coenzima NADH é

oxidada a NAD (ALT/GPT, 2013; GALANTE, 2012). Já a enzima AST

catalisa especificamente a transferência do grupo amina do acido aspártico

para o cetoglutarato com formação de glutamato e oxalacetato, o qual seria

reduzido a malato por ação da malato desidrogenase (MDH), enquanto a

coenzima NADH era oxidada à NAD (AST/ GOT, 2013; GALANTE, 2012).

A Fosfatase alcalina promove a hidrolise da timolftaleína monofosfato

liberando timolftaleína, que em meio alcalino apresenta a coloração azul

(FOSFATASE ALCALINA, 2013).

Os peixes são modelos animais excelentes para estudos de impacto

toxicológico e tem sido muito utilizados para este fim. O peixe selecionado

para esse estudo foi o Rhamdia quelen (Jundiá) que é um peixe teleósteo

nativo da América do Sul.

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Desta forma, o objetivo desse trabalho foi avaliar o papel da exposição

crônica dos desreguladores endócrinos estriol e estrona sobre a função

hepática de peixes Rhamdia quelen.

MÉTODOS

Animais

Os organismos utilizados foram peixes da espécie Rhamdia quelen

(Jundiá), obtidos através de pisciculturas que não possuíam histórico de

contaminação ou fontes próximas que pudessem fazê-lo.

Os animais foram aclimatados durante aproximadamente 15 dias em

tanques de 100 litros, e então separados para os bioensaios em aquários

contendo no máximo 1 exemplar para cada 5 litros de água. A temperatura

da água foi mantida em torno de 28-29ºC, e a aeração controlada.

Tratamento

Foram utilizados 15 peixes Rhamdia quelen (Jundiá), os quais

permaneceram em água contaminada com 50 µg.L-1 dos hormônios estriol e

estrona e foram alimentados com ração especifica a cada 48 horas, por um

período de 30 dias para avaliação da toxicidade crônica desses compostos.

Após esse período os animais foram anestesiados até a morte com

benzocaína diluída em etanol a 20%. O procedimento de coleta ocorreu após

a morte dos animais, onde foi realizada uma punção caudal com auxílio de

seringa sem a utilização de anticoagulante, sendo obtidas, portanto,

amostras de soro dos animais.

Determinação das atividades enzimáticas

Para determinação da atividade das enzimas hepáticas foram

utilizadas amostras sanguíneas dos peixes, as quais foram centrifugadas à

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2.500 rpm, para obtenção do soro, necessário para as determinações

espectrofotométricas. Em todos os testes foram utilizados kits da marca

LabTest®.

Determinação da atividade enzimática da Alanina-

aminotransferase (ALT)

A atividade enzimática foi avaliada através de metodologia

colorimétrica, como indicado na bula do kit LabTest. A redução da

absorbância em 340 nm, consequente à oxidação da coenzima NADH, é

monitorada espectrofotometricamente, sendo diretamente proporcional à

atividade enzimática.

Determinação da atividade enzimática da Aspartato-

aminotransferase (AST)

O sistema para a determinação da Aspartato-aminotransferase (AST)

utiliza metodologia colorimétrica, como indicado na bula do kit LabTest. A

redução da absorbância em 340 nm, consequente à oxidação da coenzima

NADH, foi monitorada espectrofotometricamente, sendo diretamente

proporcional à atividade enzimática.

Determinação da atividade enzimática da Fosfatase Alcalina (ALP)

Para determinar a atividade enzimática da Fosfatase alcalina (ALP)

foram utilizados reagentes colorimétricos por método cinético de tempo fixo

e medição de ponto final. O produto final da reação foi formado pela

coloração azul (produzida pela timolftaleína) misturado com a cor própria do

substrato que foi medida em 590 nm.

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DISCUSSÃO E DISCUSSÕES

Os resultados obtidos a partir das determinações das atividades

enzimáticas da ALT, AST e ALP para o grupo de peixes tratados com o

hormônio estriol (tabela 1) e com o hormônio estrona (tabela 2), podem ser

observados abaixo:

Tabela 1 – Valores obtidos através das dosagens enzimáticas dos peixes Ramdhia quelen

expostos ao hormônio estriol.

Tabela 2 – Valores obtidos através das dosagens enzimáticas dos peixes Ramdhia quelen

expostos ao hormônio estrona.

As transaminases hepáticas alanina aminotransferase (ALT) e

aspartato aminotransferase (AST) são enzimas que possuem um papel chave

nas reações de transaminação hepáticas, e podem ser utilizadas como

biomarcadores de hepatotoxicidade, possuindo como principal objetivo

monitorar danos hepáticos, que por sua vez, podem ocorrer por meio da

exposição a agentes potencialmente tóxicos únicos ou em misturas

complexas (SILINS et al., 2011).

Enquanto os danos histopatológicos necessitam geralmente de

exposições de longo prazo para serem detectados, as análises bioquímicas

das atividades enzimáticas das enzimas AST e ALT são mais rapidamente

detectadas e indicam tanto um efeito agudo, quanto crônico da exposição aos

agentes tóxicos (VUTUKURU et al., 2007), pois suas atividades plasmáticas

podem se elevar em doença hepatocelular grave em algumas espécies de

peixe (GALEB, 2010; MARTINS, 2004). Estudos recentes com peixes

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demonstraram que as mudanças nas atividades enzimáticas são

provenientes de alterações bioquímicas induzidas por poluentes (HEATH,

1995).

No presente trabalho avaliou-se a atividade enzimática das

transaminases hepáticas e da fosfatase alcalina, buscando monitorar os

prováveis danos hepáticos nos peixes Rhamdia quelen, provocados pelos

desreguladores endócrinos.

A alanina aminotransferase (ALT) é uma enzima de extravasamento

que está livre em grande concentração no citoplasma de hepatócitos. Quando

os hepatócitos passam por um processo de alteração importante, como ocorre

nos casos de lesão, ou até mesmo necrose da célula, pode ocorrer um

aumento da atividade sérica de ALT (MONTANHA et al., 2012). Em caso de

lesões agudas, é provável que a atividade sérica de ALT seja proporcional à

quantidade de células lesadas. Contudo, a magnitude da atividade de ALT

não indica a causa ou o tipo da lesão que acomete os hepatócitos (THRALL

et al., 2007).

A atividade de ALT nos peixes tratados com hormônio estriol

apresentou uma atividade três vezes superior aos valores encontrados nos

organismos utilizados como controle, que eram os peixes que não foram

submetidos a contaminação com hormônios (Tabela 1 e Gráfico 1). Nos

animais tratados com estrona, foi verificado um aumento de cerca de 20% da

atividade sérica de ALT, quando comparado com o controle negativo (Tabela

2 e Gráfico 1).

Em peixes a atividade plasmática de ALT se eleva aproximadamente

12 horas após a lesão hepática, podendo se elevar também durante a fase de

recuperação da lesão hepática, quando os hepatócitos estão promovendo

regeneração ativa (THRALL et al., 2007).

Vutukuru 2007 observou um significativo aumento das transaminases

hepáticas em peixes Labeo rohita, expostos ao metal arsénio e chegou a

conclusão que essas elevações ocorrem devido a um possível vazamento de

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enzimas através das membranas plasmáticas danificadas, refletindo uma

situação de dano tecidual. Outro estudo realizado por Yang 2003, em peixes

Cyprinus carpio, também demonstrou um aumento da atividade de AST,

ALT e ALP após a exposição de gálio, que segundo o autor, é decorrente de

uma situação de danos teciduais e estresse.

A enzima aspartato aminotransferase (AST) encontra-se presente em

maior concentração na mitocôndria de hepatócitos, células musculares

esqueléticas e cardíacas de todas as espécies (MONTANHA et al., 2012).

A determinação da atividade enzimática da AST nos peixes tratados

com estrona indicou uma redução em 50% na sua atividade quando

comparado com o controle (Tabela 2, Gráfico 1). Contudo, não é normal o

aparecimento destas enzimas no soro de seres humanos e/ou animais,

portanto, níveis reduzidos das mesmas não podem ser tratados como

alterações fisiológicas, e sim, como uma determinação dentro da

normalidade. Por meio desta observação, as reduções encontradas para o

grupo estrona, não representam significado clínico.

É importante observar que não foi possível realizar a determinação da

AST nos peixes submetidos à exposição com o estriol, devido à interferência

dos níveis de hemoglobina na amostra, pois a técnica utilizada recomendava

que o valor máximo de hemoglobina permitido deveria ser de até 45 mg/dL,

e a amostra de soro utilizada encontrou-se em 61 mg/dL de hemoglobina.

Isso ocorreu como resultado de coletas extremamente difíceis, nas quais os

eritrócitos apresentaram um elevado índice de hemólise, dando origem a

liberação de uma concentração de hemoglobina no soro superior à permitida.

Salienta-se que esse interferente não afetou a dosagem de ALT (máximo 180

mg/dL de hemoglobina).

A fosfatase alcalina é uma enzima de indução sintetizada no fígado, nos

osteoblastos, nos epitélios intestinal e renal, sendo que grande parte da

atividade plasmática encontrada para esta enzima corresponde às formas

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hepáticas e ósseas. Entretanto os hepatócitos respondem pela maior parte

da atividade sérica normal de ALP (MONTANHA et al. 2012).

Após o tratamento sub-crônico de 30 dias com os hormônios estriol e

estrona houve um aumento na atividade enzimática da ALP em cerca de 2 e

3 vezes respectivamente (Tabela 1 e 2; Gráfico 1). O aumento das

concentrações séricas de ALP pode estar diretamente relacionado aos casos

de maior atividade osteoblástica, colestase, indução por drogas e várias

doenças crônicas (THRALL et al., 2007). Neste caso, o aumento observado

da atividade enzimática sérica da ALP pode ser relacionado à indução pelos

desreguladores endócrinos pesquisados.

No entanto, em alguns casos, pode-se observar uma redução na

concentração sérica de ALP, como por exemplo, no estudo realizado por

Montanha et al., 2014, em peixes jundiá (Rhamdia quelen) expostos a

concentrações de cipermetrina 1,5 e 2,5 mg / L, onde o autor observou uma

diminuição da atividade enzimática desta, quando comparado com o grupo

controle. Este é um caso similar ao da enzima AST no presente trabalho, e

por se tratar de uma redução da atividade enzimática, esses resultados não

representam significado clínico.

Gráfico 1 – Porcentagem da atividade enzimática em relação ao controle negativo.

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Os hormônios pesquisados são capazes de provocar um desequilíbrio

entre a geração de espécies reativas de oxigênio e os mecanismos de defesa

antioxidante (JÚNIOR, CRISTÓVÃO & HERRERIAS, 2014) que é

conhecido como estresse oxidativo, que por sua vez pode gerar lesões

cancerígenas, além de outras doenças (ZHOU et al., 1991).

O metabolismo dos peixes é amplamente oxidativo (BASER et al., 2003;

OSTI et al., 2007; POLAT et al., 2002; VIRAN et al., 2003; VELISEK et al.,

2007), possibilitando, portanto, a geração de espécies reativas de oxigênio, e

tendo como resultado o estresse oxidativo.

Desse modo, é possível sugerir que as alterações observadas nas

enzimas hepáticas pesquisadas podem ser o resultado de um aumento no

estresse oxidativo no hepatócito, que é um dos mecanismos comprovados

para promover danos celulares (BERTOLAMI, 2005). Entretanto, novos

estudos são necessários, utilizando-se outros desreguladores e em outras

doses para melhor compreensão do papel desses compostos na alteração da

função hepática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos resultados obtidos foi possível verificar que a exposição

crônica aos hormônios estriol e estrona deu origem a alterações nas

dosagens das enzimas hepáticas dos peixes Rhamdia quelen, indicando um

quadro de lesão no hepatócito. Estes resultados motivam novos

experimentos utilizando outros desreguladores endócrinos e em dosagens

diferentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALT/GPT Liquiform. Ref.: 108. LabTest® Diagnóstica S.A., 2013. Lagoa

Santa – Minas Gerais.

AST/GOT Liquiform. Ref.: 109. LabTest® Diagnóstica S.A., 2013. Lagoa

Santa – Minas Gerais.

BASER, S.; ERKOÇ. F.; SELVI, M.; KOÇAK, O. Investigation of acute

toxicity of permethrin on guppies Poecilia reticulate. Chemosphere,

v. 51, p. 469-474, 2003.

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hepática de peixes Rhamdia quelen expostos aos desreguladores endócrinos estriol e

estrona. Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade,

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Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

100

Auto-exame das mamas como fator de

prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da

cidade de São Francisco do Conde -

Bahia

Michele Santana Pacheco de Almeida

Estudante de Pós-Graduação em Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Administração Pública, Universidade Aberta do

Brasil. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira. Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil.

Vânia de Santana Silva

Estudante de Pós-Graduação em Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Administração Pública, Universidade Aberta do

Brasil. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira. Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil.

Itaciara de Oliveira do Carmo da Silva

Estudante de Pós-Graduação em Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Administração Pública, Universidade Aberta do

Brasil. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira. Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil.

Deivid Silva de Araújo Esquivel

Estudante de Pós-Graduação em Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Administração Pública, Universidade Aberta do

Brasil. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira. Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil.

Page 101: Revinter Revista da Toxicologia - Volume 8 Número 1 Fev de 2015 - São Paulo

Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

101

Ana Paula do Carmo Santos

Estudante de Pós-Graduação em Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Administração Pública, Universidade Aberta do

Brasil. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira. Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil.

Helson Freitas da Silveira

Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfofuncionais. Universidade

Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil.

Ana Paula Fragoso de Freitas

Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas. Universidade Federal

do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil.

Howard Lopes Ribeiro Júnior

Professor-Pesquisador II da Especialização em Gestão de Saúde.

Programa Nacional de Formação em Administração Pública,

Universidade Aberta do Brasil. Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Campus de São Francisco do

Conde, Bahia, Brasil.

E-mail: [email protected]

Page 102: Revinter Revista da Toxicologia - Volume 8 Número 1 Fev de 2015 - São Paulo

Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

102

RESUMO

O presente trabalho buscou avaliar o conhecimento que as estudantes da

Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio, de uma escola pública do

município de São Francisco do Conde, na Bahia, apresentam sobre conceitos

e importância do exame das mamas como fator preventivo ao câncer de

mama precoce. A pesquisa se desenvolveu mediante um estudo exploratório

do tipo descritivo, quantitativo com base em um questionário avaliativo,

aplicado a uma população constituída por mulheres com a faixa etária entre

18 e 70 anos. A coleta de dados foi realizada com 124 estudantes que se

disponibilizaram em responder um questionário com perguntas abertas e

fechadas sobre a realização do exame das mamas e o seu impacto na

prevenção do câncer de mama. Os principais resultados indicaram que:

houve uma predominância de estudantes na faixa de idade de 20 a 49 anos,

autodenominadas negras, com estado civil solteiro e sem filhos.

Adicionalmente, avaliamos que predominou mulheres que conhecem o

exame das mamas, mas não o realiza, e que frequentam o médico

ginecologista ou clinico geral de 2 a 3 vezes ao ano, porém o profissional de

saúde não realiza o exame das mamas na maioria dos casos. A partir do

presente estudo foi possível ser constatado que as informações e orientações

quanto às ações de prevenção ao câncer de mama na saúde pública do

referido munícipio tem sido pouco efetivas, necessitando, portanto, de uma

intensificação das atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde que

atuam nas atividades relacionadas à saúde da mulher, promovendo um

aumento na conscientização da importância da realização do exame das

mamas periodicamente.

Palavras – chave: Câncer de mama; Conhecimento sobre câncer de mama;

Saúde da Mulher.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the knowledge that the students of the Youth

and Adult Education in High School, a public school in São Francisco do

Conde, Bahia, present on concepts and importance of breast examination as

a preventive factor for cancer early breast. The research was developed

through an exploratory study of descriptive, quantitative type based on an

evaluation questionnaire administered to a population made up of women

aged between 18 and 70 years. Data collection was performed with 124

students who agreed to answer a questionnaire with open and closed

questions on the examination of the breasts and their impact on the

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Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

103

prevention of breast cancer. The main results showed that: there was a

predominance of students in the age group 20-49 years old, self-styled black,

with unmarried and childless. Additionally, we evaluated that prevailed

women who know the breast exam, but do not realize it, and attending the

gynecologist or general practitioner doctor 2-3 times a year, but the provider

does not perform breast examination in most cases. From the present study

it was possible to be seen that the information and guidance on the actions

to prevent breast cancer in public health of this municipality has been

ineffective, requiring therefore an intensification of the activities developed

by health professionals working in activities related to women's health,

promoting an increase in awareness of the importance of the examination of

the breasts regularly.

Keywords: Breast cancer; Knowledge about breast cancer; Women's Health

INTRODUÇÃO

O Câncer de Mama consiste em uma neoplasia maligna, hereditária

ou não, desenvolvida no tecido mamária e correspondendo a principal

neoplasia no mundo que leva ao óbito mulheres com idade superior a 50

anos (MARTINS 2009; BORGES, 2010; BIZERRA, 2013). O Instituto

Nacional do Câncer (INCA) estima que o quantitativo de novos casos de

câncer de mama no Brasil, em 2014, será de 57.120 (SILVA; FRANCO;

MARQUESINCA, 2005; INCA, 2014) com um risco estimado de 56,09 casos

a cada 100 mil mulheres. Já no estado da Bahia, de acordo com o INCA,

foram previstos 2.560 casos novos de câncer de mama no estado da Bahia

até o final de 2014, sendo 980 destes em Salvador (SILVA; FRANCO;

MARQUESINCA, 2005; CUNHA, 2009, p. 3; INCA, 2014).

Em relação aos fatores de risco que podem favorecer a minimização

dos casos de câncer de mama, podem ser destacados os relacionados à idade,

especialmente em mulheres acima dos 40 anos, a terapia de reposição

hormonal e o histórico de câncer na família. Fatores comportamentais

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Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

104

também no acometimento do câncer de mama, tais como a obesidade, o

tabagismo e o uso do álcool (INCA, 2014).

Segundo Silva et al (2009), o exame da mama consiste em um exame

físico simples, podendo ser realizado pela própria mulher (autoexame) ou

por profissional da saúde especializado, sem causas de dor, gratuito e

essencial para a detecção precoce do câncer de mama, prolongando a

sobrevida da paciente (SILVA et al, 2009; INCA, 2014). É fundamental,

também para o conhecimento mais aprofundado pela mulher das próprias

mamas de forma a familiarizar-se com a forma, tamanho, aspecto da pele e

do mamilo, o que vai facilitar precocemente, a detecção de anormalidades

possibilitando um bom prognóstico, podendo evitar a mutilação da mama.

Baseado neste contexto, o presente trabalho é resultado de uma

pesquisa pioneira desenvolvida no município de São Francisco do Conde –

BA, buscando avaliar o conhecimento de mulheres estudantes do Ensino

Médio de um colégio da rede pública de ensino sobre o câncer de mama e a

realização do autoexame, seja pela própria mulher ou pelo médico

assistencialista da rede pública de saúde, frente à conscientização e

minimização da ocorrência desta neoplasia no referido município.

MÉTODOS

A presente pesquisa trata-se de um estudo exploratório do tipo

descritivo, quantitativo, utilizando-se de dados primários obtidos a partir de

questionários avaliativos aplicados a estudantes matriculadas no curso de

Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio em um colégio público

estadual localizado no município de São Francisco do Conde – Bahia,

buscando a obtenção de informações sobre o conhecimento e a realização do

autoexame como fator de proteção ao câncer de mama precoce.

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Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

105

Os dados foram coletados a partir das respostas de 124 mulheres

estudantes, de um total de 368 alunos matriculados na referida unidade de

ensino. A análise dos dados possibilitou obter descrições sobre aspectos sócio

demográficos das estudantes, com as variáveis: faixa etária, naturalidade,

etnia, estado civil e número de filhos, seguida da descrição das variáveis

associadas a realização do autoexame como fator de prevenção ao

acometimento do câncer de mama tais como frequência de ida ao clínico

geral e ao ginecologista e sobre o conhecimento e a realização do autoexame

das mama tanto pela estudante quanto pelo médico.

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa com Seres Humanos da Universidade da Integração Internacional

da Lusofonia Afro-Brasileira sob número de protocolo: 566.468. Os dados

obtidos a partir das análises das variáveis contidas nos questionários foram

tabulados e analisados através da estatística analítico-descritiva, com

auxílio do software Microsoft Office Excel 2010.

RESULTADOS

Do total de 124 estudantes avaliadas, observamos uma

predominância de estudantes na faixa etária entre 20 a 49 anos de idade

(68,0%), seguida de estudantes na faixa etária de 18 a 19 anos (29,4%);

54,5% e 37,4% das mulheres considerando-se negras e pardas,

respectivamente; 78,0% das mulheres apresentando estado civil de solteiras

e 65,3% das entrevistadas declarando-se não possuírem filhos (Tabela 1).

Com relação as variáveis associadas ao autoexame da mama como

fator preventivo ao câncer de mama, avaliamos que 57,8% (70/121) das

estudantes afirmam que conhecem o autoexame das mamas, mas não o

realiza em 67,2% (80/119) dos casos (Tabela 2). Adicionalmente, observamos

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ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

106

que 47,9% (57/119) e 47,0% (55/117) das mulheres frequentam,

respectivamente, o clínico geral e o ginecologista entre 2 a 3 vezes ao ano

(Tabela 2). Ainda referente à ida da estudante ao ginecologista, observamos

que 58,3% (70/120) das mulheres informaram que o ginecologista não

examina suas mamas no momento da consulta.

Variáveis Nº de Pacientes (N=124) %

Faixa Etária*, **

18 a 19 anos 35 29,4

20 a 49 anos 81 68,0

50 anos ou mais 3 2,5

Naturalidade

São Francisco do Conde 38 30,6

Outras localidades 86 69,4

Etnia*

Branca 4 3,3

Parda 46 37,4

Negra 67 54,5

Amarela 2 1,6

Indígena 4 3,3

Estado Civil*

Solteira 96 78,0

Casada 21 17,1

Separada/Divorciada/Desquitada 3 2,4

Viúva 3 2,4

Possui Filhos*

Sim 43 34,7

Não 81 65,3

Tabela 1: Descrição dos aspectos sócio demográficos.

* 1 (um) ou mais participantes não responderam ao

questionamento.

** Média de 18,2 (26,0 – 13,0) anos de idade.

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Artigo Original

ALMEIDA, Michele Santana Pacheco de; SILVA, Vânia de Santana; SILVA, Itaciara de

Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

Revista Intertox-EcoAdvisor de Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n.

1, p. 100-112, fev. 2015.

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Quanto à caracterização das variáveis relacionadas às campanhas

municipais de saúde da cidade de São Francisco do Conde frente à promoção

da prevenção ao câncer de mama, identificamos que as estudantes

reconhecem (84,4%, 103/122) e veem como importante (98,4%, 122/124) a

realização das campanhas de saúde promovidas pelo município em questão

(Tabela 3). No entanto, 59,1% (55/93) das estudantes informam que

raramente participam das campanhas. Adicionalmente, 59,1% (100/124) das

mulheres avaliadas informam que falta orientação nos postos de saúde

frente à prevenção ao câncer de mama (Tabela 3).

Variáveis Nº de Pacientes (N=124) %

Frequência de ida ao clínico geral*

0-1 vez por ano 33 27,7

2-3 vezes por ano 57 47,9

4 ou mais vezes por ano 29 24,4

Frequência de ida ao ginecologista*

0-1 vez por ano 47 40,2

2-3 vezes por ano 55 47,0

4 ou mais vezes por ano 15 12,8

Conhece o autoexame das mamas*

Sim 70 57,8

Não 51 42,2

Realiza o autoexame das mamas*

Diariamente 13 10,9

Ocasionalmente 14 11,8

Raramente 12 10,1

Não realiza 80 67,2

Realização do exame da mama pelo ginecologista*

Sim 50 41,7

Não 70 58,3

Tabela 2: Descrição das variáveis associadas ao autoexame da mama como

fator preventivo ao câncer de mama.

* 1 (um) ou mais participantes não responderam ao questionamento.

Tabela 3: Descrição das variáveis relacionadas às campanhas municipais de prevenção ao

Câncer de Mama.

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Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

com estudantes de uma escola pública da cidade de São Francisco do Conde - Bahia.

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1, p. 100-112, fev. 2015.

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DISCUSSÃO

Nesse estudo, em relação às variáveis sociodemográficas (faixa etária,

etnia, estado civil), constatamos que a maioria das estudantes é de cor negra

e solteira. Em relação à variável faixa etária, 40,3% das estudantes

apresentou predominância de 20 a 29 anos, faixa de idade em que não é

frequente a ocorrência do câncer de mama em mulheres, pois estudos

comprovam que mulheres com menos de 30 anos não apresentam altas

incidências da doença (TESSARO, 1999). No entanto, é sempre relevante

considerar a importância da realização de exames clínicos na mama como

prática de prevenção e detecção precoce ao câncer de mama.

Em relação à cor da pele, 54,5% das alunas classificaram-se negras.

Em relação a essa variável, a prevalência de surgimento de neoplasias de

mama são maiores nas mulheres de pele branca, porém o diagnóstico tardio

é realizado mais frequentemente na população feminina afrodescendente

(BAIRROS; MENEGHEL; OLINTO, 2008). Segundo estudos, mulheres

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Lopes Ribeiro. Auto-exame das mamas como fator de prevenção ao câncer: uma abordagem

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negras fazem menos os exames essenciais para detecção precoce do câncer

de mama (BERGMAN, 2000). Com efeito, tal fato nos alerta para a

necessidade de implantar políticas para melhorar o acesso aos serviços de

saúde focados na população mais vulnerável no referido município.

Quanto ao estado civil das entrevistadas, observamos uma

predominância de mulheres com estado civil solteiro (78,0%). Estudos

confirmam que o diagnóstico de câncer em mulheres solteiras traz grandes

desafios, pois essas se encontram em fase reprodutiva, constituindo família e

iniciando carreira profissional (GRIPPA et al., 2003). Sobretudo, observa-se

que as mulheres casadas apresentam maior incidência da doença quando

comparadas com as solteiras (BERGMANN, 2000). Das entrevistadas, cerca

de 65,3% responderam que não possuem filhos, e, sobre esse ponto,

pesquisas indicam que o maior número de filhos e a maternidade podem ser

fatores protetores ao câncer de mama (TESSARO, 1999).

Com relação aos fatores preventivos ao câncer de mama, 40,2% das

mulheres pesquisadas apresentaram uma baixa frequência na consulta ao

ginecologista, apenas 0 -1 vez ao ano. A consulta ao médico é de

fundamental importância na prevenção e detecção precoce do câncer

mamário, conforme o INCA (2014). Sobre o uso de pílula anticoncepcional

23,7% afirmaram usá-la, isso se constitui como fator de risco ao câncer de

mama, segundo o INCA (2014).

Sobre o exame das mamas realizado pelo médico ginecologista, 58,3%

responderam que o médico em questão não realiza tal procedimento.

Contudo, 57,8% das entrevistadas afirmaram conhecerem o autoexame das

mamas, enquanto que 67,2% desse total não realizam o autoexame das

mamas com periodicidade. Segundo o INCA (2014), o exame das mamas

realizado por profissionais de saúde (médicos e enfermeiros, por exemplo) é

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de extrema importância para detecção precoce do câncer de mama. Martins

(2009, p. 22) considera que o exame clínico das mamas e a mamografia são

de extrema relevância para a detecção precoce da doença, pois a redução da

mortalidade está associada tanto pelo rastreamento quanto pelo tratamento

adequado. Quando há um retardamento no diagnóstico as chances de

sobrevida são reduzidas (INCA, 2014).

Em relação às campanhas municipais de prevenção ao câncer de

mama, 98,4% responderam que consideram importante a realização das

campanhas, 84,4% afirmaram que a Secretaria de Saúde realiza campanhas

de prevenção, entretanto, 59,1% raramente participam de tais campanhas

de prevenção ao câncer de mama. Sobre a orientação para prevenção ao

câncer de mama nos postos de saúde, 80,6% consideraram que falta

orientação nos postos de saúde. Tais aspectos indicam que os postos de

saúde do município precisam intensificar as atividades de prevenção ao

câncer de mama para que as mulheres possam conhecer o próprio corpo,

buscando cuidar da saúde, se atentando para a prevenção ao câncer de

mama através de hábitos de vida saudáveis, a necessidade de frequentar o

ginecologista com regularidade e da realização periódica do autoexame das

mamas, como também o exame clínico nos hospitais pelo profissional

médico.

CONCLUSÕES

A partir do presente estudo, estima-se que as estudantes do município

de São Francisco do Conde necessitam de mais informações sobre prevenção

ao câncer de mama, especialmente nos postos de atenção básica em saúde. A

partir dessas informações, as mulheres sanfranciscanas poderão obter o

conhecimento necessário para se prevenirem contra o câncer de mama que é

uma das doenças que mais matam as mulheres no Brasil e no mundo,

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segundo as pesquisas da OMS e do INCA. Estudos posteriores poderão

ampliar a amostra de mulheres entrevistadas, buscando abranger um maior

número de informações sobre o conhecimento das mulheres sanfranciscanas

sobre o câncer de mama, possibilitando mais dados que visem melhorar as

políticas públicas de saúde do município em questão.

Agradecimentos

Agradecemos o apoio da Sra. Valdinéia Ferreira Lima, diretora

responsável pelo Colégio Estadual Matinho Salles Brasil, por permitir e

disponibilizar o acesso da equipe executora da presente pesquisa para

aplicar os questionários às estudantes foco desta pesquisa.

Este estudo foi apoiado e suportado pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, juntamente com a

Universidade Aberta do Brasil – UAB.

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Oliveira do Carmo da Silva; ESQUIVEL, Deivid Silva de Araújo; SANTOS, Ana Paula do

Carmo; SILVEIRA, Helson Freitas da; FREITAS, Ana Paula Fragoso de; JÚNIOR; Howard

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TEIXEIRA, Sabrina Almondes; LUZ, Natália Santos; OLIVEIRA, Ellaine Santana de;

ALMONDES, Rinna Santos de; MONTE, Cléria Arrais de Moraes; LUCENA, Jalles Dantas

de; BARROS, Helierton Barbosa de. Investigação dos riscos ambientais e ergonômicos em

restaurantes privados de um município do Piauí, Brasil. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 113-130, fev. 2015.

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Investigação dos riscos ambientais e

ergonômicos em restaurantes privados

de um município do Piauí – Brasil

Sabrina Almondes Teixeira

Nutricionista, Especialista em Nutrição e Controle de Qualidade de

Alimentos. Docente vinculada ao curso de Nutrição da Universidade

Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Picos -

PI.

Email: [email protected]

Natália Santos Luz

Nutricionista, Especialista em Saúde Pública. Docente vinculada ao

curso de Nutrição da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador

Helvídio Nunes de Barros, Picos - PI.

Ellaine Santana de Oliveira

Nutricionista, Especialista em Saúde Pública. Chefe do Setor de Nutrição

e Dietética da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio

Nunes de Barros, Picos - PI.

Rinna Santos de Almondes

Graduanda em Nutrição. Universidade Federal do Piauí, Campus

Senador Helvídio Nunes de Barros, Picos - PI.

Jalles Dantas de Lucena

Enfermeiro, Mestrando em Neurociências Cognitivas e Comportamento

pela Universidade Federal da Paraíba.

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TEIXEIRA, Sabrina Almondes; LUZ, Natália Santos; OLIVEIRA, Ellaine Santana de;

ALMONDES, Rinna Santos de; MONTE, Cléria Arrais de Moraes; LUCENA, Jalles Dantas

de; BARROS, Helierton Barbosa de. Investigação dos riscos ambientais e ergonômicos em

restaurantes privados de um município do Piauí, Brasil. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 113-130, fev. 2015.

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Helierton Barbosa de Barros

Licenciado em Ciências Biológicas. Especialista em Gestão ambiental

pela Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro-RJ.

RESUMO

O processo de trabalho dentro de uma Unidade Produtora de Refeições

(UPR) exige que as atividades de preparo de alimentos, na maioria dos

casos, sejam desenvolvidas sob diferentes riscos decorrentes de condições

precárias do próprio ambiente ou do processo operacional utilizado. Tais

riscos são capazes de afetar a saúde, a segurança e o bem-estar do

trabalhador, podendo causar doenças profissionais ou do trabalho e/ou

ocupacionais. Dessa forma o objetivo da pesquisa foi avaliar os riscos à

saúde dos funcionários, relacionados às condições de trabalho, em UPRs

privadas de um município do Piauí. Trata-se de um estudo transversal,

descritivo, de caráter observacional, no qual se trabalhou com variáveis

qualitativas e quantitativas. Analisou-se 6 (seis) estabelecimentos

privados, localizados no perímetro urbano do município, em 2 (duas) etapas

consecutivas. A primeira referiu-se às informações do perfil pessoal e

funcional dos trabalhadores, informações estas disponibilizadas pela

gerencia de cada estabelecimento. A segunda etapa consistiu na

observação, pelos pesquisadores, quantos às atividades realizadas no setor.

De forma geral, observou-se uma incidência considerável para todos os

riscos avaliados, com destaque para duas UPRs, onde em uma houve uma

maior frequência para os riscos biológicos (71,4%) e em outra para os

ergonômicos (66,6%). Fato este que caracteriza essas unidades como um

ambiente de risco para a saúde dos funcionários, caso os pontos observados

não sejam corrigidos e controlados.

Palavras-chave: Alimentos. Meio ambiente. Saúde do Trabalhador.

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TEIXEIRA, Sabrina Almondes; LUZ, Natália Santos; OLIVEIRA, Ellaine Santana de;

ALMONDES, Rinna Santos de; MONTE, Cléria Arrais de Moraes; LUCENA, Jalles Dantas

de; BARROS, Helierton Barbosa de. Investigação dos riscos ambientais e ergonômicos em

restaurantes privados de um município do Piauí, Brasil. Revista Intertox-EcoAdvisor de

Toxicologia Risco Ambiental e Sociedade, v. 8, n. 1, p. 113-130, fev. 2015.

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ABSTRACT

The work process within a Meal Producer Unit requires that the activities of

food preparation, in most cases, must be developed under different risks

conditions related to a precarious environment or to the operational process

used. These risks can affect the health, safety and welfare of workers may

cause work and/or occupational diseases. Thus, the aim of the research was

to evaluate the health risks of employees, related to the working conditions

in private UPRs in Piauí. It is a cross-sectional, descriptive study, of an

observational kind, which deals with qualitative and quantitative variables.

We analyzed six (6) private establishments, located in the urban perimeter,

in two (2) consecutive steps. The first step refers to information relates to

the workers personal and functional profile, this information was provided

by the management of each establishment. The second step consists in the

observation, by researchers, of the sector activities. Overall, there was a

considerable incidence of all assessed risks, highlighting two UPRs, where,

in one there was a higher frequency of biological risks (71.4%) and in the

other, of ergonomic one (66, 6%). This fact characterizes these units as a

place of risk to the health of employees, if the observed points are not

corrected and controlled.

Keywords: Food. Environmental. Occupational Health.

INTRODUÇÃO

Nas sociedades modernas, as dificuldades impostas pelos longos

deslocamentos e a extensa jornada de trabalho impedem que um grande

número de pessoas realize suas refeições regulares em família. Nesse

contexto, as Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs) e Unidades

Produtoras de Refeições (UPRs) apresentaram-se como alternativas,

favorecendo o elevado crescimento do setor de refeições coletivas

(CARDOSO, SOUZA e SANTOS 2005).

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No Brasil, atualmente, observa-se o crescimento do número de

refeições realizadas fora do lar, alcançando em 2013, uma produção de 11,7

milhões de refeições ao dia, com estimativa de 12,5 milhões, para 2014.

Este setor emprega atualmente mais de 200 mil funcionários, assim, tal

realidade exige que restaurantes estejam estruturalmente preparados para

garantir a qualidade do alimento e a saúde do trabalhador (ABERC 2014;

ABREU, SPINELLI e PINTO 2007; VILLAROUCO e ANDRETO 2008).

O processo de trabalho dentro de uma UPR exige que as atividades de

preparo de alimentos, na maioria dos casos, sejam desenvolvidas em

intenso ritmo e esforço por meio de movimentos repetitivos e monótonos,

sob condições ambientais de ruído excessivo, temperatura elevada,

iluminação precária, ventilação insatisfatória, além de serem utilizados

equipamentos quebrados ou em condições arriscadas de funcionamento.

Ainda é exigidas a polivalência dos operadores, alocados a um número

elevado de tarefas diferentes, de acordo com as necessidades do momento e

a pressão gerada pelos horários em que as refeições devem ser servidas

(MATOS e PROENÇA 2003; NOVELETTO e PROENÇA 2004; ABREU,

SPINELLI e ARAÚJO 2002).

Dentro deste contexto, o trabalhador destas unidades é exposto a

diferentes riscos operacionais, decorrentes de condições precárias do

próprio ambiente ou do processo operacional utilizado. Tais riscos são

capazes de afetar a saúde, a segurança e o bem-estar do trabalhador,

podendo causar doenças profissionais ou do trabalho, ou ocupacionais

(RODRIGUES e SANTANA 2010).

A partir da criação da portaria do Ministério do Trabalho e Emprego

(MTE) nº 3214, de junho de 1978, foram criadas as normas

regulamentadoras (NRs) relativas à segurança e medicina do trabalho.

Estas NRs obrigam as empresas a observar os aspectos relacionados à

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segurança e saúde dos seus colaboradores (BRASIL 2014). Portanto, as

empresas devem observar minuciosamente essas regras, a fim de

desenvolver um programa de segurança e saúde dos seus trabalhadores.

Segundo Silva (2012), a implantação de um programa de segurança e

saúde deve ser de grande interesse tanto para as instituições privadas

como públicas, por ser menos oneroso o investimento educativo e

preventivo do que arcar com os afastamentos e aposentadorias precoces.

Estando a qualidade das refeições diretamente relacionada ao

desempenho da mão de obra é perceptível que são essenciais condições de

trabalho satisfatórias, haja vista que um trabalho bem desenvolvido gera

um produto final bem aceito. Logo, o objetivo da pesquisa foi avaliar os

riscos à saúde dos funcionários relacionados às condições de trabalho em

UPRs privadas de um município do Piauí.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descritivo, de caráter

observacional, o qual trabalhou com variáveis qualitativas e quantitativas.

São objetos da pesquisa, a investigação de aspectos relacionados às

atividades de trabalho em 6 (seis) restaurantes privados, localizados no

perímetro urbano de um município do Piauí. No entanto, como caráter de

inclusão, avaliou-se apenas os manipuladores de alimentos ligados à linha

de produção de refeições (chefe de cozinha, cozinheiros, auxiliares de

cozinha).

O estudo foi realizado em duas etapas consecutivas. A primeira

referiu-se às informações do perfil pessoal e funcional dos trabalhadores

(gênero, idade, setor de trabalho, tempo de serviço na UPR e jornada de

trabalho), informações estas disponibilizadas pela gerencia de cada

estabelecimento.

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A segunda etapa consistiu na observação das atividades realizadas no

setor, por pesquisadores previamente treinados. Estas observações foram

conduzidas por meio de um roteiro elaborado com baseado nas Normas

Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (NR 9 e NR17),

ocorrendo durante todo o período de produção das refeições, a fim de que

pudessem ser verificados os condicionantes ambientais e pessoais.

Após a coleta, os dados foram tabulados e analisados com auxílio do

software Microsoft Excel® 2007, obtendo-se o percentual dos riscos que

acometiam cada estabelecimento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A caracterização do grupo observado neste estudo, demonstrada na

Tabela 1, compreendeu as variáveis sexo, idade e escolaridade. No geral, o

estudo foi composto por 84,5% de mulheres e por 15,5% de homens,

demonstrando uma representação bem expressiva de funcionários do sexo

feminino. Este perfil concorda com os achados de Casarotto e Mendes

(2003), que ao realizarem estudo semelhante em quatro restaurantes

universitários e um hospital pediátrico, verificaram que 74% da amostra

era composta por mulheres. Em contrapartida, cenário bastante distinto foi

observado no estudo de Cavalli e Salay (2007), os quais observaram, em

restaurantes comerciais dos municípios de Campinas e Porto Alegre, que

51,5% e 48,5% eram homens e mulheres, respectivamente. Essa presença

maciça de mulheres no setor de alimentação coletiva, observada nesse

estudo, pode ser esclarecida pela cultura nordestina que ainda distingue

algumas profissões como inerentes ao homem ou à mulher.

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Tabela 1. Caracterização da população estudada, por estabelecimento.

VARIÁVEIS A B C D E F % GERAL

SEXO

Masculino 1 0 4 1 0 1 18,4%

Feminino 3 7 10 3 2 6 81,6%

TOTAL 4 7 14 4 2 7 100%

FAIXA ETÁRIA (anos)

Máximo 56 36 59 49 31 43

Mínimo 35 20 22 28 26 23

IDADE MÉDIA 44 29,7 36,4 38,3 28,5 34,4

ESCOLARIDADE

Fund. Comp. 1 0 4 0 1 0 15,8%

Fund. Incomp. 2 0 4 1 0 0 18,4%

Médio Comp. 1 3 5 1 0 5 39,4%

Médio Incomp. 0 3 0 1 0 2 15,8%

Sup. Comp. 0 0 1 0 1 0 5,3%

Sup. Incomp. 0 1 0 1 0 0 5,3%

A faixa etária do grupo estudado esteve entre a idade mínima de 20 e

máxima de 59 anos, apresentando uma média de 35 anos. Dados que

concordam com resultados do estudo de Scarparo, Amaro e Oliveira (2010),

que avaliaram trabalhadores dos Restaurantes da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul, encontrando idade média de 37 anos, o que aponta uma

busca por profissionais de idade mediana, possivelmente, pelo grande

esforço requerido neste tipo de atividade.

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Quanto à escolaridade, 39,4% da amostra cursou ensino médio

completo e quando somado aos empregados que cursaram o ensino médio e

não o concluíram (18,4%) esse valor atingiu 57,8%. Logo, esses resultados

evidenciam que a população avaliada tem buscado uma maior qualificação.

Esses resultados diferem dos observados por Campos e colaboradores

(2009) que avaliaram 39 funcionários, de ambos os sexos de um

Restaurante da Universidade Federal do Piauí – UFPI onde a maior parte

da população estudada (61,6%) cursou apenas o ensino fundamental,

enquanto apenas 28,2% concluiu o ensino médio. Resultado comparável ao

encontrado por Aguiar, Valente e Fonseca (2010) que verificaram que

25,1% dos trabalhadores do setor de serviços de alimentação dos

restaurantes populares do estado do Rio de Janeiro concluíram o ensino

médio.

Na Tabela 2 estão dispostos dados trabalhistas da população

estudada, dessa forma observa-se que, no geral, o tempo médio de serviço

dos funcionários foi de 37,7 meses ou 3,1 anos, onde em apenas um dos

restaurantes pôde-se observar média superior, 83,5 meses. Resultado

similar incidiu no estudo de Neves (2007) o qual encontrou tempo médio de

serviço de 3 anos em funcionários de restaurantes de Fortaleza - CE.

Tabela 2. Características trabalhistas da população estudada, por estabelecimento.

VARIÁVEIS A B C D E F MÉDIA

GERAL

TEMPO MÉDIO DE SERVIÇO (meses) 83,5 34,3 10,0 31,5 32,0 34,7 37,7

JORNADA DE TRABALHO (horas) 44 44 36 44 44 44 42,7

Nº MÉDIO DE ATIVIDADES /

FUNCIONÁRIO 2,0 1,7 1,3 1,8 2,0 6,4 2,5

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Estudos como os de Cavalli e Salay (2007) e de Collares e Freitas

(2007) revelam que o setor de alimentação coletiva é um setor percebido

como "de passagem", em que os indivíduos permanecem pouco tempo,

apresenta alta rotatividade, elevado absenteísmo e baixa atratividade,

ocasionados pelas limitações quanto à motivação e ao reconhecimento

profissional.

Quando analisamos a variável jornada de trabalho quase a totalidade

dos funcionários envolvidos no estudo estava submetida à carga horária

semanal de 44 horas. Resultados que concordam com os descritos por

Cavalli e Salay (2007), onde a jornada de trabalho média dos funcionários

dos restaurantes analisados foi de 41,5 horas semanais. Estudos apontam

que é comum a carga horária de trabalho ser superior às 40 horas

semanais, o que pode se tornar prejudicial à produção/hora, como ainda

trazer um aumento do absenteísmo, acompanhado de doenças e acidentes,

conforme mostrado por Torres (2003).

O número de atividades exercidas por funcionário foi outra variável

analisada, com isso observou-se que a maioria absoluta exerce mais de uma

atividade, sendo que em um dos restaurantes os funcionários são

submetidos a uma média maior do que 6 atividades. Isso faz com que este

grupo tenha maior possibilidade de sofrer acidentes de trabalho e de

apresentarem problemas de saúde como, por exemplo, a fadiga (ocasionada

pelo trabalho excessivo), conforme apresentado por Metzner e Fischer

(2001).

Dentro do grupo de riscos ambientais, incluem-se os agentes físicos,

biológicos e químicos, existentes nos ambientes de trabalho, capazes de

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causar danos à saúde do trabalhador em função de sua natureza,

concentração ou intensidade e tempo de exposição (IWAMOTO et al. 2008).

No presente estudo, verificou-se a presença de riscos físicos (Figura 1) em

todos os estabelecimentos visitados, com percentual de prevalência variando

de 35% a 55%, e destacando-se os fatores relacionados ao ruído e à

temperatura do ambiente, os quais apresentaram maior ocorrência.

RF: Riscos Físicos. RB: Riscos Biológicos. RQ: Riscos Químicos. RErg: Riscos ergonômicos

*Riscos intrínsecos aos Riscos Ambientais

Figura 1. Incidência dos riscos ambientais e ergonômicos que acometem manipuladores de

alimentos em UPRs do Piauí, Brasil.

Albuquerque e colaboradores (2012), verificaram em análise de uma

UAN níveis de ruído elevados em todos os ambientes, com exceção da área

de distribuição e recebimento de contêineres. Ruídos entre 70 e 80 db já são

suficientes para prejudicar a saúde e, passando dos 80 db, prejudicam o

aparelho auditivo (SILVA JUNIOR 2005), desta forma, torna-se de

fundamental importância a utilização de equipamentos de proteção

individual (EPI), tais como os protetores auriculares, fato que não foi

verificado em nenhum dos estabelecimentos participantes deste estudo.

A temperatura ideal para operações em serviços de alimentação situa-

se entre 22ºC a 26ºC com unidade relativa do ar entre de 50 a 60%

(MONTEIRO e BRUNA 2004; SILVA JÚNIOR 2008). Segundo Lida (2002),

níveis elevados de temperatura influem diretamente no desempenho do

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trabalho humano, tanto sobre a produtividade como sobre os riscos de

acidentes. Um trabalho físico muito pesado, associado a condições

extremamente desfavoráveis pode provocar um desequilíbrio térmico, com

o consequente aumento da temperatura corporal. Desta forma, torna-se

essencial a utilização de roupas e calçados adequados, que possibilitem

maior conforto durante o desenvolvimento das atividades, ações estas não

observadas em cinco das seis UPRs estudadas. Adicionalmente, outro fator

que poderia contribuir para a minimização deste risco seria a presença e

funcionamento adequado de sistema de exaustão, característica esta

verificada apenas em dois estabelecimentos avaliados.

No tocante aos riscos biológicos, demonstrado na Figura 1, a

prevalência foi muito variável, de 14,3% a 71,4%, sendo importante

destacar que a UPR que apresentou maior percentual também é a de

menor infraestrutura.

Silva Júnior (2001) cita que, além do perigo de contaminação do

alimento devido à sua manipulação por colaboradores contaminados, existe

também a situação inversa. Esse risco de contaminação é bastante

significativo na manipulação de alimentos in natura que possuem altas

cargas microbianas como carnes cruas e matérias primas contaminadas,

além do contato com utensílios e superfícies contaminados e resíduos

orgânicos.

De acordo com Silva e colaboradores (2007), como os microrganismos

não podem ser vistos a olho nu, gestores e manipuladores sem o devido

treinamento não compreendem a gravidade da exposição a esses riscos,

assim resistindo ao uso de EPIs, o que corrobora com os achados deste

estudo, onde pôde ser observado ausência de EPIs apropriados para as

atividades, especialmente àquelas relacionadas ao manuseio de lixo

orgânico. Adicionalmente, destacaram-se três estabelecimentos os quais

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não continham pessoal específico para as atividades de manipulação de

alimentos e de lixo orgânico, o que intensifica ainda mais o risco biológico.

Os riscos químicos observados nesse estudo (Figura 1) evidenciaram

uma prevalência de 25% a 45%, referentes principalmente à ausência de

capacitação para a utilização de produtos de limpeza, bem como a ausência

de EPIs adequados para estas atividades. Resultado semelhante foi

encontrado por Melo e Carvalho (2012), que observaram o uso de

detergentes, desengordurantes e hipoclorito de sódio em diluições

inadequadas, aumentando assim o risco de contaminação dos

colaboradores ao manipulá-los. Neste mesmo estudo muitos apresentaram

lesões descamantes na pele das mãos, reforçando a hipótese de agressão

pelo produto químico utilizado sem a utilização de EPIs.

Segundo Sousa e colaboradores (2005), diversas substâncias químicas

quando absorvidas pelo organismo em doses elevadas e ultrapassando os

valores limite de exposição podem provocar uma série de lesões no

organismo do manipulador, dentre elas queimaduras, encefalopatias,

ulcerações cutâneas, dentre outras. Tendo em vista que estes agentes

químicos podem penetrar no organismo pelas vias respiratória, digestiva,

dérmica e ocular, as principais medidas de prevenção a tomar incluem a

utilização de EPISs e um controle no processo produtivo o qual permita a

redução das emissões dos poluentes.

Diante do impacto provocado pelos riscos ambientais, torna-se de

suma importância a implantação do Programa de Prevenção de Riscos

Ambientais visto este objetivar a preservação da saúde e da integridade

dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e

consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que

venham a existir no ambiente de trabalho (SILVA, AGUIAR e SILVA

2010).

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Diversos estudos que incluem a análise do processo e das relações de

trabalho em UAN concluíram que as ocorrências de doenças e de acidentes

neste local apresentam uma estreita relação com as condições ergonômicas

existentes (ANTUNES, SPINELLI e KOGA 2005; KABKE et al. 2009;

MONTEIRO 2009; PAIVA e DA CRUZ 2009; LOURENÇO e MENEZES

2008; MONTEIRO e SANTANA 1997). Segundo Kabke e colaboradores

(2009), essas condições influenciam diretamente o desempenho das

atividades dos funcionários, podendo levá-los a um melhor ou pior

desenvolvimento na produção.

Através do gráfico apresentado na Figura 1 observa-se que os

percentuais para os riscos ergonômicos variaram de 22,2% à 66,5%,

caracterizados principalmente pelo trabalho com carga de peso excessivo,

além da ausência de descanso no decorrer das atividades, fato justificado

pelo número de funcionários insuficientes para a demanda.

Em situações em que há risco ergonômico devido ao esforço físico,

autores recomendam treinamento periódico sobre maneiras e

procedimentos corretos de levantamento e transporte manual de carga,

além da utilização, caso possível, de dispositivos de ajuda para o transporte

de materiais (LOURENÇO e MENEZES 2008). Essas ações contribuíram

de forma direta para a prevenção de inúmeros problemas de saúde, como

hiperflexão ou hiperextensão da coluna dorso-lombar, pressão sobre os

nervos, plexos nervosos e cartilagem intra-articular dos joelhos, dentre

outros acometimentos (SOUSA et al. 2005).

CONCLUSÃO

Constatou-se que em detrimento de terem sido observados

significativos riscos ambientais e ergonômicos em todas as UPRs estudadas,

estas se apresentam como um ambiente de risco para a saúde dos

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funcionários. Dessa forma verifica-se a necessidade de uma conscientização

por parte dos donos dos estabelecimentos, junto a seus funcionários, a fim de

reduzir ou mesmo extinguir os riscos aos quais estão expostos.

Tal situação observada neste estudo justifica a necessidade de

contínuas adaptações entre o estabelecimento, o trabalhador e o serviço a

ser desenvolvido, de modo que seja possível oferecer um produto final de

qualidade sem gerar danos à saúde dos envolvidos.

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