resumo - eavaampesquisa sobre democracia, poder judiciário e direitos humanos vinculado ao cnpq....
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O Femvertising pela perspectiva racial: o empoderamento feminino negro na
publicidade1
Adriane Raiol (CESUPA/PA)2
RESUMO
O uso da imagem da mulher na publicidade mudou e o Femvertising trouxe uma
representação feminina feita de forma positiva e empoderadora, caminhando para a
desconstrução da imagem feminina que era explorada de forma objetificada e
hipersexualizada. Entretanto, esse avanço se mantém com uma representação branca,
limitando a participação da mulher negra a apenas 21% quando atuando como
protagonistas em peças publicitárias, enquanto a participação de mulheres brancas
chega a 74%, de acordo com o relatório apresentado em julho de 2017 pela agência
Heads. A participação da mulher negra cresceu de 2015 a 2017 mas ainda representa
menos da metade do protagonismo que mulheres brancas possuem. O objetivo principal
desta pesquisa é compreender como o Femvertising atua para o empoderamento da
mulher negra a partir da comunicação publicitária da marca de produtos capilares To de
Cacho! da Salon Line, fazendo uma análise sobre a atual situação da representatividade
feminina negra. A pesquisa bibliográfica foi a metodologia escolhida a partir de autoras
como Angela Davis (2006) e Djamila Ribeiro (2018) para compreender as
características do Feminismo Negro, Joice Berth para falar sobre Empoderamento e
Benilda Brito (1997) para entender os pontos em que a opressão de raça e classe
convergem a opressão de gênero, bem como Antonio Carlos Gil (2009) para estruturar a
parte metodológica da pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Femvertising; Feminismo Negro; Publicidade;
Representatividade.
Introdução
As discussões sobre a necessidade de mudar a forma como a imagem da
mulher é representada na publicidade seguem como um debate importante e necessário,
pois a utilização de estereótipos que envolvem o corpo e o comportamento da mulher
são os principais pontos que contribuem para a perpetuação da imposição de padrões e a
sexualização da imagem feminina como argumento de venda. Diversas marcas tentam
seguir utilizando esses tipos de estratégia3, porém o conceito de Femvertising nasceu
1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os
dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA. 2 Bacharela em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário do Pará.
Participante do Grupo de Estudos Feministas do Centro Universitário do Pará que faz parte do Grupo de
Pesquisa sobre Democracia, Poder Judiciário e Direitos Humanos vinculado ao CNPQ. Email:
[email protected] 3 No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”, que em 2015 lançou a campanha “Vai
Verão”, personificando o “verão” em uma figura feminina e mantendo a repetição da mulher seminua e
hipersexualizada para comunicar com o público masculino.
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para mostrar que é possível criar campanhas e construir uma comunicação não ofensiva
e nem nociva para as mulheres, respeitando os diversos traços, corpos e
comportamentos que existem.
Neste ponto, a marca Dove é sempre lembrada por ter sido percursora do que
posteriormente chamariamos de femvertising, ou de empoderamento feminino na
publicidade, com sua campanha “Real Beleza” de 2003, que nasceu com um anúncio
em vídeo no Reino Unido que chamava a atenção para o corpo das mulheres. A
campanha foi o ponta pé inicial para que o mercado começasse a repensar a forma como
comunicava com o público feminino, principalmente quando o assunto eram os
produtos de beleza, iniciando a tendência de investir em uma comunicação mais
humana.
Considerar a atividade publicitária como algo além da venda apenas de
produtos, e sim de conceitos e ideias é necessário para que a criação vá além dos
modelos pré estabelecidos há décadas no mercado, passando a compreender melhor
cada público e a diversidade presente na sociedade. E no contexto nacional, a discussão
vai além e precisa discutir a representatividade a partir do contexto racial, já que 54% da
população brasileira é composta por negros e pardos.4
De acordo com uma pesquisa realizada pela agência Heads, 65% das mulheres
brasileiras não se sentem representadas pela publicidade. A pesquisa aponta que nos
anúncios de TV, as mulheres são protagonistas em 21%, e dentro deste número 74% são
brancas. As mulheres negras representam apenas 21% do protagonismo feminino em
comerciais de TV. A pesquisa também analisa postagens das marcas no Facebook e
neste contexto o número de personagens negras cai para 16%.
É importante saber que a pesquisa foi realizada 5 vezes, entre 2015 e 2017, e a
presença da mulher negra nas peças analisadas passou mudanças. Começou com 3%,
caiu para 1%, chegou em 12% e depois caiu novamente para 4%, antes de atingir os
21%. Isso aponta uma inconsistência no entendimento da necessidade de diversidade.
A partir desses dados, é possível perceber que o femvertising ainda atua dentro
de um padrão de protagonismo branco. Assim, é preciso pensar esse conceito a partir da
perspectiva racial para entender e empoderar mulheres e meninas negras. Com isso, o
presente artigo apresentará uma pesquisa bibliográfica e documental (GIL, 2009),
4 Disponível em: <https://goo.gl/TrxMSf>. Acesso em: 20 ago. 2018.
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analisando a atuação publicitária da marca To de Cacho! da Salon Line, focando em
peças de sua página no Facebook e em seu site.
Feminismo: a base do Femvertising
O termo Femvertising nasceu da junção de feminism e advertising, como uma
estratégia de marketing para tratar da autonomia e do empoderamento da mulher, dando
espaço para discursos e ideias que representam de forma mais real e positiva as
mulheres, usando mulheres como protagonistas de suas histórias e saindo do ciclo de
objetificação do corpo feminino, além de propor um empoderamento da diversidade de
corpos e traços, propondo a quebra de padrões comuns à publicidade.
Essas mudanças se mostram como um dos resultados do movimento por
equidade de gênero, o Feminismo, que trouxe consigo a “libertação” da mulher e do
corpo feminino do modelo tradicional.
Antes de falar sobre a atuação do Femvertising, é preciso compreender o
movimento Feminista, que abriu espaço para que o empoderamento feminino entrasse
em discussão. O Feminismo é um movimento político-social protagonizado por
mulheres e teve sua primeira e principal ascensão durante a luta pelo direito ao voto
feminino, como apresentado por Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel (2014, p. 93):
A conquista do direito ao voto foi, por muitas décadas, o ponto focal do
movimento de mulheres. Da metade do século XIX até as primeiras décadas
do século XX, o sufragismo foi a face pública das reivindicações feministas.
O acesso à franquia eleitoral representava o reconhecimento, pela sociedade e
pelo Estado, de que as mulheres tinham condições iguais às dos homens para
gerir a vida coletiva e também que elas possuíam visões de mundo e
interesses próprio, irredutíveis aos de seus familiares.
Esse é o ponto inicial para pensar o feminismo e começar a compreender sua
importância para a representação social da mulher, que influencia diretamente na forma
como o coletivo, a mídia e o individual compreende e trata a imagem feminina.
Entretanto, essa análise e discussão precisam ser feitas de forma interseccional,
compreendendo que, apesar do gênero em comum, mulheres sofrem opressões
diferentes de acordo com sua etnia, sexualidade e classe. A autora brasileira Djamila
Ribeiro (2016, p. 101), diz que:
Pensar a interseccionalidade é perceber que não pode haver primazia de uma
opressão sobre as outras e que, sendo estas estruturantes, é preciso romper
com a estrutura. É pensar que raça, classe e gênero não podem ser categorias
pensadas de forma isolada, mas sim de modo indissociável.
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Aqui cabe analisar a partir do conceito de raça e para isso é preciso
compreender o Feminismo Negro. Angela Davis e bell hooks são as principais autoras
sobre o assunto no contexto mundial. No Brasil, a filósofa Djamila Ribeiro desenvolve
pesquisas e debates que discutem sobre assuntos que dizem respeito às mulheres negras.
De acordo com Davis, o movimento Feminista inicialmente pouco falava sobre
os níveis de opressão pelos quais mulheres negras e mulheres brancas trabalhadoras
passavam, e focava sua luta na emancipação da mulher branca de classe alta que
desejava ter direito ao voto. A discussão não era interseccionalizada e muitas vezes
racista.
As líderes do movimento pelos direitos das mulheres não suspeitavam que a
escravização da população negra no Sul, a exploração econômica da mão de
obra no Norte e a opressão social das mulheres estivessem relacionadas de
forma sistemática. No interior do movimento de mulheres, em seus primeiros
anos, pouco se discutia sobre a população branca trabalhadora - nem mesmo
sobras mulheres brancas trabalhadoras. Embora muitas mulheres apoiassem a
campanha abolicionista, elas não conseguiam integrar sua consciência
antiescravagista à análise que faziam da opressão das mulheres. (DAVIS,
2016, p. 75)
As problemáticas de opressão que a mulher negra seguiu enfrentando são um
reflexo do período da escravidão, e por mais que a análise de Davis seja no contexto
norte americano ainda assim resume bem parte das situações de opressão com o povo
negro no contexto brasileiro. Havia uma suposição de que a Lei dos Direitos Civis
colocou o negro e a mulher branca na mesma situação política e social, porém era uma
análise equivocada.
A suposição de que a emancipação tornava os ex-escravos iguais às mulheres
brancas – sendo que os dois grupos precisavam conquistar o voto para
completar sua igualdade social – ignorava a total precariedade da recém-
conquistada “liberdade” da população negra após a Guerra Civil. Embora as
correntes da escravidão tivessem sido rompidas, a população negra ainda
sofria as dores da privação econômica e enfrentava a violência terrorista de
guangues racistas, cuja intensidade não se comparaa nem mesmo à da
escravidão. (DAVIS, 2016, p. 85)
É possível notar que a mulher negra passa por uma dupla opressão, a de gênero
e a de raça, e por isso o processo de empoderamento destas é mais lento, pois o
feminismo nem sempre caminha junto à luta antirracista. Benilda Brito discute sobre a
necessidade dessa interseccionalidade e afirma que:
Durante muitas décadas, o movimento feminista trabalhou com a idéia da
"irmandade" das mulheres; que a opressão da mulher, ou, como se diz hoje, a
opressão de gênero, atingia de forma igualitária e indiferenciada a todas as
mulheres. Graças à presença e ao trabalho de feministas negras esta idéia está
superada. Hoje, é ponto pacífico que, embora a opressão de gênero seja algo
comum a todas as mulheres nas sociedades patriarcais, ela é sentida
diferentemente porque entre nós, as mulheres, existem diferenças de classe e
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de raça. E o racismo só é comum às mulheres "não-brancas". (BRITO, 1997,
s/p)
Assim, os debates sobre gênero precisam considerar também as opressões de
raça e classe, caso contrário os efeitos da luta seguirão sendo para apenas uma parcela
das mulheres do movimento.
O Femvertising e o Empoderamento da Mulher Negra
A publicidade, por sua vez, criou a ideia de “corpo perfeito” e iniciou o
processo de incentivo e proposta de produtos que seriam a solução para que as mulheres
atingissem o padrão de beleza que era imposto. De acordo com Hoff (2005 apud
SAMARÃO, 2007, p. 51) “mutila-se, modifica-se, transforma-se e estetiza-se para
servir como aporte de mercadorias/produtos e de conceitos/ideias”, e assim a ideia de
que existia uma beleza ideal foi sendo perpetuada.
A publicidade lida com a beleza mercantil, ou seja, com a beleza direcionada
à promoção de marcas e ao faturamento das indústrias. Explora imagens que
povoam a imaginação da sociedade, e que podem não ser verossímeis, mas,
talvez, sejam parte da fantasia convencional dos indivíduos. A publicidade se
tornou a cultura da sociedade de consumo (SAMARÃO, 2007, p. 51)
De fato, o Femvertising trouxe mudanças positivas na representação de
mulheres na publicidade, como aponta a pesquisa realizada pela agência Heads, porém o
processo de empoderamento da mulher negra ainda caminha a passos curtos. O
mercado de beleza é o que mais investe na adesão dessa estratégia de marketing em seu
posicionamento e suas publicidades, como as marcas Lola Cosmetics, Salon Line, Dove
e Novex, servindo de inspiração para outros segmentos de mercado que incorporam o
conceito cautelosamente e, em alguns casos, aplicando erroneamente os argumentos
defendidos pela tática.
Em uma análise mais ampla, é possível considerar que a construção do discurso
publicitário dentro de um contexto social possui caráter político e evidencia as relações
de poder entre os indivíduos e a sociedade como um todo. Por isso, a problemática do
uso ou ausência da imagem da mulher negra na publicidade é algo necessário. É preciso
também entender que o processo de empoderamento não é algo exclusivamente
individual, mas sim um processo social.
Empoderar dentro das premissas sugeridas é, antes de mais nada, pensar em
caminhos de reconstrução das bases sociopolíticas, rompendo
concomitantemente com o que está posto entendendo ser esta a formação de
todas as vertentes opressoras que temos visto ao longo da história. (BERTH,
2018, p. 16)
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Com a ideia de empoderamento como reconstrução social, nasce o conceito de
representatividade, que cobra da publicidade e dos conteúdos midiáticos uma
pluralidade na criação de seus personagens. Como apresentado no início sobre a
pesquisa da Heads, essa representatividade ainda possui um espaço pequeno quando o
assunto é a mulher negra.
Considerando que o a lei que abolia a escravidão no Brasil data de 130 anos
atrás, é possível que o país ainda esteja no processo de humanização das pessoas negras,
que no período da escravatura eram considerados apenas força de trabalho e não
humanos com direitos. 5
Assim, o femvertising utiliza o empoderamento feminino como argumento de
venda e humaniza a imagem da mulher, e no campo do empoderamento negro feminino
ele atua para ressaltar traços que por décadas estiveram bem distantes do padrão branco
imposto e vendido pela publicidade. A seguir será apresentada a marca escolhida como
objeto de estudo para este artigo, bem como a análise de algumas peças dela no
ambiente digital.
A Salon Line
A empresa Salon Line nasceu entre 1997 e 1998 e se originou da linha SOS
Cachos, com produtos focados no crescimento rápido dos cabelos crespos e cacheados
que passavam pela transição capilar. A marca possui poucas informações sobre sua
criação e mantém seu site com a produção de conteúdo e texto de apresentação focado
no conceito que ela deseja transmitir através de sua comunicação.
Ela se posiciona como uma marca que valoriza todas as belezas, encorajando o
novo, a descoberta e a mudança, buscando entender dos diferentes tipos e texturas de
cabelos e peles, bem como incentivando que cada pessoa redescubra sua essência e se
reinvente, se assim quiser.
Atualmente a empresa possui 17 marcas, que trabalham com cremes capilares,
produtos elétricos como secador, chapinha e difusor, coloração e alisantes: To de
Cacho, SOS Cachos, SOS Bomba, Meu Liso, Maria Natureza, Tô Podendo, Elétricos,
Na Pele, Hidra+Multy, Creme para Pentear, Coloração, Transformação, Selagem +
Defrisagem, Light Color, Color Express Fun, Color Express e Color Total Pro.
5 GELEDÉS, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/5SavNA>. Acesso em: 20 ago. 2018.
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A marca trabalha majoritariamente com mulheres mas também possui produtos
direcionados para o público masculino, exclusivamente ou em conjunto com produtos já
voltados ao público feminino, trabalhando com a ideia de cuidado unissex.
Para além dos produtos de beleza, a Salon Line investiu na literatura também e
lançou o livro “Deixa Enrolar: a História dos Cachos e Crespos no Brasil”, fazendo uma
viagem década a década desde 1940 apresentando histórias de crespas e cacheadas.
O Empoderamento Negro na To de Cacho
A To de Cacho se posiciona como uma linha voltada exclusivamente para as
cacheadas e transformou suas redes em um “cantinho” especial da Salon Line para essas
pessoas. Ela possui 21 linhas de produtos para os diversos cuidados capilares, incluindo
os cachos de crianças com a linha #TodeCachinho.
A marca possui dois sites: um dentro do site da própria Salon Line6 focado na
apresentação dos produtos, com imagens e informações sobre cada produto e vídeos que
encaminham o público para seu canal no Youtube. Já seu segundo site 7é focado na
produção de conteúdo sobre as diferenças entre os tipos de produtos, dicas de uso,
cuidados e conta, atualmente, com a cantora Ludmilla como protagonista do principal
vídeo do site, disponível na página inicial.
Figura 1 - Página inicial do espaço da To de Cacho no site da Salon Line
(Fonte: Site da Salon Line)
6 Disponível em: < https://salonline.com.br/linha/todecacho/>. Acesso em: 30 ago. 2018. 7 Disponível em: <https://www.todecacho.com.br/>. Acesso em: 30 ago. 2018.
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Figura 2 - Página inicial do site da To de Cacho
(Fonte: Site To de Cacho)
O site oficial da To de Cacho atua como um aliado no processo de transição
capilar e redescoberta da natureza dos cabelos ondulados, cacheados e crespos, que de
acordo com a própria marca possuíam poucas opções de produtos especializados para
que fossem cuidados da forma certa e por falta de informações e opções acabavam por
serem alisados.
A grande atuação da marca começa nas redes sociais como o Facebook e
Instagram, utilizando o mesmo conteúdo em ambas. A To de Cacho também produz
conteúdo para o Youtube, com vídeo de média duração para responder dúvidas e dar
dicas práticas para o público, que ficam disponíveis no canal da Salon Line. Ela possui
920 mil seguidores no Instagram, 2 milhões de curtidores e seguidores no Facebook e
seus vídeos possuem em média 10 mil visualizações.
Como a mídia com maior número de seguidores, a página no Facebook será a
principal mídia analisada aqui, a partir de alguns posts selecionados do início da página
até o final de agosto de 2018. A página da marca foi criada em 2015 e desde esse
período já focava sua comunicação na utilização da mulher negra como protagonista e
alvo principal de seu conteúdo.
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Figura 3 - Postagem de 2015 no Facebook da marca
(Fonte: Facebook da To de Cacho)
Desde o ínicio a marca já buscava desmistificar a ideia de que ter cabelo
cacheado ou crespo, saindo da ideia de que alisar era a solução para não ter trabalho em
excesso. Essa linha de conteúdo atuava como motivador para que mais mulheres
cacheadas e crespas tivessem acesso a informações cruciais sobre seu cabelo natural.
Figura 4 - Exemplo de publicação da marca em 2015
(Fonte: Facebook da To de Cacho)
A To de Cacho também posiciona-se contra casos públicos de racismo desde
sua criação, como quando a jornalista Maju Coutinho, da Rede Globo, foi vítima de
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comentários racistas no Facebook. A marca entrou na campanha #SomosTodosMaju8,
que contou com o apoio de diversas pessoas nas redes sociais.
Figura 5 - Postagem de apoio a jornalista Maju Coutinho
(Fonte: Facebook da To de Cacho)
Ainda em 2015, a marca chegou a 10 mil seguidores no Facebook e em menos
de um ano duplicou este número.
Figura 6 - Postagem em comemoração aos 10 mil seguidores
(Fonte: Facebook da To de Cacho)
8 Disponível em: <https://goo.gl/df717E>. Acesso em: 20 ago. 2018.
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Figura 7 - Postagem em comemoração aos 20 mil seguidores
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Já no começo de sua comunicação, é possível perceber que a marca investia no
empoderamento negro a partir do conteúdo produzido, que trazia sempre pessoas negras
em quase todas as postagens. Em 2018 a marca mantém seu posicionamento, porém
agora abre mais espaço para a diversidade de cacheadas, tendo também personagens
brancas mas ainda assim utilizando mulheres, homens e crianças negras como maioria.
A página trabalha com conteúdo apresentando os produtos e apresentando
pessoas e cabelos, usando ou não um produto específico. Também tem espaço para
compartilhar histórias e resenhas de consumidores.
Figura 8 - Exemplo de Publicação com produto
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Apesar de trazer mulheres brancas cacheadas no conceito de diversidade,
quando ao ssunto é empoderamento, orgulho dos cachos ou black power as personagens
são sempre negras. Isso reflete o cuidado que a marca tem nas escolhas de cada
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conteúdo e em como ela atua na influência para o empoderamento negro a partir da
ideia de valorização dos traços negros, aqui especificamente o cabelo.
Figura 9 - Publicação sobre empoderamento capilar
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Peças com produtos focados no público masculino também existem, mesmo
que em número muito menor, e aqui os personagens são sempre negros.
Figura 10 - Exemplo de publicação para o público masculino
(Fonte: Facebook To de Cachos)
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Figura 11 - Publicação usando homem negro como protagonistas
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Além de desmistificar sobre o cuidado com os cabelos crespos e cacheados, a
marca trabalha com a desconstrução da crença de que o cabelo colorido é algo para
pessoas de pele branca.
Figura 12 - Publicação da linha de produtos de coloração fantasia
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Essa representatividade não se restringe às redes sociais. A marca também
investe em modelos negras nas embalagens de produtos de coloração.
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Figura 13 - Publicação com a linha de produtos de coloração
(Fonte: Facebook To de Cachos)
Aqui é possível perceber que o uso de personagens negras vai além dos
produtos pensados exclusivamente para cabelos cacheados e crespos. A linha de
coloração com cores fantasia é voltada para o público em geral. Inserir negros em
contextos além dos que tratam de seus traços faz parte do processo de ocupação de
espaços que o movimento pela representatividade negra busca.
As cacheadinhas também tem vez. A marca possui linhas voltadas para o
cuidado especial do cabelo cacheado infantil e usa, majoritariamente, crianças negras
para divulgar esses produtos.
Figura 14 - Exemplo de Publicação para o público infantil
(Fonte: Facebook To de Cachos)
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Figura 15 - Exemplo de Publicação com produto infantil
(Fonte: Facebook To de Cachos)
A representatividade para o público infantil também é importante para que
desde cedo mais crianças e famílias cacheadas saibam como cuidar de seus cabelos, e
assim evitem entrar no ciclo de alisamento, transição capilar e redescoberta, o
empoderamento pessoal é incentivado. Os efeitos dos padrões também atingem às
crianças e a marca busca mudar isso. Em 2018, a Youtuber mirim Ana Clara Barbosa
9foi vítima de diversos comentários em seu canal quando publico um vídeo no qual ela
ensina a arrumar o cabelo. Após o ataque vir a público, a Salon Line entrou em contato
com a blogueirinha para conhecer sua história, doar produtos e incentivar Ana.
9 Disponível em: <https://goo.gl/qs9BjC>. Acesso em: 20 ago. 2018.
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Figura 16 - Ana Clara Barbosa, Youtuber mirim, em publicação da To de Cacho
(Fonte: Facebook To de Cachos)
A iniciativa mostra que a marca aplica o femvertising negro e incentiva
genuinamente o empoderamento de pessoas negras através do cuidado com a beleza.
Em uma sociedade capitalista, é de regra que as empresas buscarão o lucro, porém a To
de Cacho juntamente com a Salon Line atua de forma positiva no propósito de
representatividade ao qual se propõe. O discurso da marca não se perde e segue dando
espaço para pessoas negras em um mercado que antes sequer criava produtos para
cuidar de traços desse grupo social.
Considerações Finais
A publicidade possui um poder simbólico de influência sobre a sociedade e
precisa representar de forma mais real a diversidade e o pluralismo do local onde atua.
No Brasil, o público negro busca uma representatividade que vá além de apenas inserir
um negro na comunicação, e sim que coopere para o empoderamento desse grupo social
através de estratégias que mostrem pessoas negras em situações comuns e como
protagonistas de campanhas.
A partir disso, vimos que o Femvertising atua como um impulsionador para o
uso da imagem da mulher na publicidade, mas ainda é preciso discutir a presença da
mulher negra no momento de pensar essa estratégia de marketing. Entender o
movimento feminista negro e compreender as nuances do racismo na sociedade
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brasileira, é essencial para saber quais pontos descontruir e como comunicar usando a
imagem da mulher negra na comunicação.
A Salon Line aplica o femvertising a partir da perspectiva racial de forma
positiva e consistente. Seu discurso não promove a competitividade feminina, exalta e
valoriza o cabelo cacheado e crespo dando espaço para que mulheres e crianças negras
sejam as principais protagonistas desse conteúdo e não se omite em situações públicas
de racismo.
É interessante perceber que a marca parece entender que falar sobre racismo e
falar sobre cabelo crespo e cacheado mostrando pessoas negras é importante para seu
público, por isso esse posicionamento se mantém desde o início da linha. Observar que
essa atuação existe desde 2005, enquanto a empresa Salon Line existe desde os anos de
1990, é um demonstrativo de que o processo de empoderamento negro através do cabelo
não é algo tão recente mas que ganhou força nos anos 2000, dando mais espaço para
que a marca se tornasse conhecida e que mais pessoas redescobrissem a natureza de
seus cabelos, contando com produtos específicos para cuidar deles.
Esse movimento de representatividade é importante em marcas que tratam de
produtos de beleza, pois dão a mulher negra a oportunidade de reconhecer seus traços
como belos, mesmo que totalmente fora dos padrões por décadas impostos. Apesar
disso, as marcas de modo geral preciso atentar-se para a urgência de propor uma
comunicação mais inclusiva e real, que represente de forma proporcional os indíviduos
brasileiros, usando seu discurso para desconstruir padrões, estereótipos e conceitos e
mostrar a diversidade existente no país e no mundo.
Assim, conclui-se que a mulher negra vem conquistando espaço na publicidade
e ganhando personagens fora do contexto objetificado e esteriotipado negativamente, e
esse espaço é reservado, principalmente, no mercado capilar. O empoderamento da
mulher negra pode ser considerado uma realidade acompanhada de perto por marcas de
produtos de beleza, mas que precisam entender genuinamente de forma esse
empoderamento atua para que seu discurso não seja oportunista, e a atuação do
femvertising precisa abrir espaço para a diversidade que há dentro do gênero feminino,
caso contrário essa revolução e representatividade manterá o padrão branco já existente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTH, Joice. O Que é Empoderamento? Belo Horizonte-MG: Letramento:
Justificando, 2018.
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BRITO, Benilda Regina Paiva de. Mulher, negra e pobre: a tripla discriminação. In:
Teoria e Debate, ed. 36, 01 de outubro de 1997. Disponível em:
<https://goo.gl/tCDDvQ>. Acesso em: 20 jul. 2018.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2006.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2009.
HEADS. TODXS? Disponível em: <https://goo.gl/u8kC3j>. Acesso em: 20 jul. 2018.
MIGUEL, L.; BIROLI, F. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo:
Boitempo, 2014.
RIBEIRO, Djamila. Feminismo Negro para um novo marco civilizatório: uma
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SAMARÃO, Liliany. O Espetáculo da Publicidade: a representação do corpo
feminino na mídia. Disponível em: <http://goo.gl/fC9WVG>. Acesso em: 02 ago. 2018.