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1 O Femvertising pela perspectiva racial: o empoderamento feminino negro na publicidade 1 Adriane Raiol (CESUPA/PA) 2 RESUMO O uso da imagem da mulher na publicidade mudou e o Femvertising trouxe uma representação feminina feita de forma positiva e empoderadora, caminhando para a desconstrução da imagem feminina que era explorada de forma objetificada e hipersexualizada. Entretanto, esse avanço se mantém com uma representação branca, limitando a participação da mulher negra a apenas 21% quando atuando como protagonistas em peças publicitárias, enquanto a participação de mulheres brancas chega a 74%, de acordo com o relatório apresentado em julho de 2017 pela agência Heads. A participação da mulher negra cresceu de 2015 a 2017 mas ainda representa menos da metade do protagonismo que mulheres brancas possuem. O objetivo principal desta pesquisa é compreender como o Femvertising atua para o empoderamento da mulher negra a partir da comunicação publicitária da marca de produtos capilares To de Cacho! da Salon Line, fazendo uma análise sobre a atual situação da representatividade feminina negra. A pesquisa bibliográfica foi a metodologia escolhida a partir de autoras como Angela Davis (2006) e Djamila Ribeiro (2018) para compreender as características do Feminismo Negro, Joice Berth para falar sobre Empoderamento e Benilda Brito (1997) para entender os pontos em que a opressão de raça e classe convergem a opressão de gênero, bem como Antonio Carlos Gil (2009) para estruturar a parte metodológica da pesquisa. PALAVRAS-CHAVE: Femvertising; Feminismo Negro; Publicidade; Representatividade. Introdução As discussões sobre a necessidade de mudar a forma como a imagem da mulher é representada na publicidade seguem como um debate importante e necessário, pois a utilização de estereótipos que envolvem o corpo e o comportamento da mulher são os principais pontos que contribuem para a perpetuação da imposição de padrões e a sexualização da imagem feminina como argumento de venda. Diversas marcas tentam seguir utilizando esses tipos de estratégia 3 , porém o conceito de Femvertising nasceu 1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA. 2 Bacharela em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário do Pará. Participante do Grupo de Estudos Feministas do Centro Universitário do Pará que faz parte do Grupo de Pesquisa sobre Democracia, Poder Judiciário e Direitos Humanos vinculado ao CNPQ. Email: [email protected] 3 No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”, que em 2015 lançou a campanha “Vai Verão”, personificando o “verão” em uma figura feminina e mantendo a repetição da mulher seminua e hipersexualizada para comunicar com o público masculino.

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Page 1: RESUMO - EAVAAMPesquisa sobre Democracia, Poder Judiciário e Direitos Humanos vinculado ao CNPQ. Email: adrianerraiol@gmail.com 3 No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”,

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O Femvertising pela perspectiva racial: o empoderamento feminino negro na

publicidade1

Adriane Raiol (CESUPA/PA)2

RESUMO

O uso da imagem da mulher na publicidade mudou e o Femvertising trouxe uma

representação feminina feita de forma positiva e empoderadora, caminhando para a

desconstrução da imagem feminina que era explorada de forma objetificada e

hipersexualizada. Entretanto, esse avanço se mantém com uma representação branca,

limitando a participação da mulher negra a apenas 21% quando atuando como

protagonistas em peças publicitárias, enquanto a participação de mulheres brancas

chega a 74%, de acordo com o relatório apresentado em julho de 2017 pela agência

Heads. A participação da mulher negra cresceu de 2015 a 2017 mas ainda representa

menos da metade do protagonismo que mulheres brancas possuem. O objetivo principal

desta pesquisa é compreender como o Femvertising atua para o empoderamento da

mulher negra a partir da comunicação publicitária da marca de produtos capilares To de

Cacho! da Salon Line, fazendo uma análise sobre a atual situação da representatividade

feminina negra. A pesquisa bibliográfica foi a metodologia escolhida a partir de autoras

como Angela Davis (2006) e Djamila Ribeiro (2018) para compreender as

características do Feminismo Negro, Joice Berth para falar sobre Empoderamento e

Benilda Brito (1997) para entender os pontos em que a opressão de raça e classe

convergem a opressão de gênero, bem como Antonio Carlos Gil (2009) para estruturar a

parte metodológica da pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Femvertising; Feminismo Negro; Publicidade;

Representatividade.

Introdução

As discussões sobre a necessidade de mudar a forma como a imagem da

mulher é representada na publicidade seguem como um debate importante e necessário,

pois a utilização de estereótipos que envolvem o corpo e o comportamento da mulher

são os principais pontos que contribuem para a perpetuação da imposição de padrões e a

sexualização da imagem feminina como argumento de venda. Diversas marcas tentam

seguir utilizando esses tipos de estratégia3, porém o conceito de Femvertising nasceu

1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os

dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA. 2 Bacharela em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário do Pará.

Participante do Grupo de Estudos Feministas do Centro Universitário do Pará que faz parte do Grupo de

Pesquisa sobre Democracia, Poder Judiciário e Direitos Humanos vinculado ao CNPQ. Email:

[email protected] 3 No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”, que em 2015 lançou a campanha “Vai

Verão”, personificando o “verão” em uma figura feminina e mantendo a repetição da mulher seminua e

hipersexualizada para comunicar com o público masculino.

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para mostrar que é possível criar campanhas e construir uma comunicação não ofensiva

e nem nociva para as mulheres, respeitando os diversos traços, corpos e

comportamentos que existem.

Neste ponto, a marca Dove é sempre lembrada por ter sido percursora do que

posteriormente chamariamos de femvertising, ou de empoderamento feminino na

publicidade, com sua campanha “Real Beleza” de 2003, que nasceu com um anúncio

em vídeo no Reino Unido que chamava a atenção para o corpo das mulheres. A

campanha foi o ponta pé inicial para que o mercado começasse a repensar a forma como

comunicava com o público feminino, principalmente quando o assunto eram os

produtos de beleza, iniciando a tendência de investir em uma comunicação mais

humana.

Considerar a atividade publicitária como algo além da venda apenas de

produtos, e sim de conceitos e ideias é necessário para que a criação vá além dos

modelos pré estabelecidos há décadas no mercado, passando a compreender melhor

cada público e a diversidade presente na sociedade. E no contexto nacional, a discussão

vai além e precisa discutir a representatividade a partir do contexto racial, já que 54% da

população brasileira é composta por negros e pardos.4

De acordo com uma pesquisa realizada pela agência Heads, 65% das mulheres

brasileiras não se sentem representadas pela publicidade. A pesquisa aponta que nos

anúncios de TV, as mulheres são protagonistas em 21%, e dentro deste número 74% são

brancas. As mulheres negras representam apenas 21% do protagonismo feminino em

comerciais de TV. A pesquisa também analisa postagens das marcas no Facebook e

neste contexto o número de personagens negras cai para 16%.

É importante saber que a pesquisa foi realizada 5 vezes, entre 2015 e 2017, e a

presença da mulher negra nas peças analisadas passou mudanças. Começou com 3%,

caiu para 1%, chegou em 12% e depois caiu novamente para 4%, antes de atingir os

21%. Isso aponta uma inconsistência no entendimento da necessidade de diversidade.

A partir desses dados, é possível perceber que o femvertising ainda atua dentro

de um padrão de protagonismo branco. Assim, é preciso pensar esse conceito a partir da

perspectiva racial para entender e empoderar mulheres e meninas negras. Com isso, o

presente artigo apresentará uma pesquisa bibliográfica e documental (GIL, 2009),

4 Disponível em: <https://goo.gl/TrxMSf>. Acesso em: 20 ago. 2018.

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analisando a atuação publicitária da marca To de Cacho! da Salon Line, focando em

peças de sua página no Facebook e em seu site.

Feminismo: a base do Femvertising

O termo Femvertising nasceu da junção de feminism e advertising, como uma

estratégia de marketing para tratar da autonomia e do empoderamento da mulher, dando

espaço para discursos e ideias que representam de forma mais real e positiva as

mulheres, usando mulheres como protagonistas de suas histórias e saindo do ciclo de

objetificação do corpo feminino, além de propor um empoderamento da diversidade de

corpos e traços, propondo a quebra de padrões comuns à publicidade.

Essas mudanças se mostram como um dos resultados do movimento por

equidade de gênero, o Feminismo, que trouxe consigo a “libertação” da mulher e do

corpo feminino do modelo tradicional.

Antes de falar sobre a atuação do Femvertising, é preciso compreender o

movimento Feminista, que abriu espaço para que o empoderamento feminino entrasse

em discussão. O Feminismo é um movimento político-social protagonizado por

mulheres e teve sua primeira e principal ascensão durante a luta pelo direito ao voto

feminino, como apresentado por Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel (2014, p. 93):

A conquista do direito ao voto foi, por muitas décadas, o ponto focal do

movimento de mulheres. Da metade do século XIX até as primeiras décadas

do século XX, o sufragismo foi a face pública das reivindicações feministas.

O acesso à franquia eleitoral representava o reconhecimento, pela sociedade e

pelo Estado, de que as mulheres tinham condições iguais às dos homens para

gerir a vida coletiva e também que elas possuíam visões de mundo e

interesses próprio, irredutíveis aos de seus familiares.

Esse é o ponto inicial para pensar o feminismo e começar a compreender sua

importância para a representação social da mulher, que influencia diretamente na forma

como o coletivo, a mídia e o individual compreende e trata a imagem feminina.

Entretanto, essa análise e discussão precisam ser feitas de forma interseccional,

compreendendo que, apesar do gênero em comum, mulheres sofrem opressões

diferentes de acordo com sua etnia, sexualidade e classe. A autora brasileira Djamila

Ribeiro (2016, p. 101), diz que:

Pensar a interseccionalidade é perceber que não pode haver primazia de uma

opressão sobre as outras e que, sendo estas estruturantes, é preciso romper

com a estrutura. É pensar que raça, classe e gênero não podem ser categorias

pensadas de forma isolada, mas sim de modo indissociável.

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Aqui cabe analisar a partir do conceito de raça e para isso é preciso

compreender o Feminismo Negro. Angela Davis e bell hooks são as principais autoras

sobre o assunto no contexto mundial. No Brasil, a filósofa Djamila Ribeiro desenvolve

pesquisas e debates que discutem sobre assuntos que dizem respeito às mulheres negras.

De acordo com Davis, o movimento Feminista inicialmente pouco falava sobre

os níveis de opressão pelos quais mulheres negras e mulheres brancas trabalhadoras

passavam, e focava sua luta na emancipação da mulher branca de classe alta que

desejava ter direito ao voto. A discussão não era interseccionalizada e muitas vezes

racista.

As líderes do movimento pelos direitos das mulheres não suspeitavam que a

escravização da população negra no Sul, a exploração econômica da mão de

obra no Norte e a opressão social das mulheres estivessem relacionadas de

forma sistemática. No interior do movimento de mulheres, em seus primeiros

anos, pouco se discutia sobre a população branca trabalhadora - nem mesmo

sobras mulheres brancas trabalhadoras. Embora muitas mulheres apoiassem a

campanha abolicionista, elas não conseguiam integrar sua consciência

antiescravagista à análise que faziam da opressão das mulheres. (DAVIS,

2016, p. 75)

As problemáticas de opressão que a mulher negra seguiu enfrentando são um

reflexo do período da escravidão, e por mais que a análise de Davis seja no contexto

norte americano ainda assim resume bem parte das situações de opressão com o povo

negro no contexto brasileiro. Havia uma suposição de que a Lei dos Direitos Civis

colocou o negro e a mulher branca na mesma situação política e social, porém era uma

análise equivocada.

A suposição de que a emancipação tornava os ex-escravos iguais às mulheres

brancas – sendo que os dois grupos precisavam conquistar o voto para

completar sua igualdade social – ignorava a total precariedade da recém-

conquistada “liberdade” da população negra após a Guerra Civil. Embora as

correntes da escravidão tivessem sido rompidas, a população negra ainda

sofria as dores da privação econômica e enfrentava a violência terrorista de

guangues racistas, cuja intensidade não se comparaa nem mesmo à da

escravidão. (DAVIS, 2016, p. 85)

É possível notar que a mulher negra passa por uma dupla opressão, a de gênero

e a de raça, e por isso o processo de empoderamento destas é mais lento, pois o

feminismo nem sempre caminha junto à luta antirracista. Benilda Brito discute sobre a

necessidade dessa interseccionalidade e afirma que:

Durante muitas décadas, o movimento feminista trabalhou com a idéia da

"irmandade" das mulheres; que a opressão da mulher, ou, como se diz hoje, a

opressão de gênero, atingia de forma igualitária e indiferenciada a todas as

mulheres. Graças à presença e ao trabalho de feministas negras esta idéia está

superada. Hoje, é ponto pacífico que, embora a opressão de gênero seja algo

comum a todas as mulheres nas sociedades patriarcais, ela é sentida

diferentemente porque entre nós, as mulheres, existem diferenças de classe e

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de raça. E o racismo só é comum às mulheres "não-brancas". (BRITO, 1997,

s/p)

Assim, os debates sobre gênero precisam considerar também as opressões de

raça e classe, caso contrário os efeitos da luta seguirão sendo para apenas uma parcela

das mulheres do movimento.

O Femvertising e o Empoderamento da Mulher Negra

A publicidade, por sua vez, criou a ideia de “corpo perfeito” e iniciou o

processo de incentivo e proposta de produtos que seriam a solução para que as mulheres

atingissem o padrão de beleza que era imposto. De acordo com Hoff (2005 apud

SAMARÃO, 2007, p. 51) “mutila-se, modifica-se, transforma-se e estetiza-se para

servir como aporte de mercadorias/produtos e de conceitos/ideias”, e assim a ideia de

que existia uma beleza ideal foi sendo perpetuada.

A publicidade lida com a beleza mercantil, ou seja, com a beleza direcionada

à promoção de marcas e ao faturamento das indústrias. Explora imagens que

povoam a imaginação da sociedade, e que podem não ser verossímeis, mas,

talvez, sejam parte da fantasia convencional dos indivíduos. A publicidade se

tornou a cultura da sociedade de consumo (SAMARÃO, 2007, p. 51)

De fato, o Femvertising trouxe mudanças positivas na representação de

mulheres na publicidade, como aponta a pesquisa realizada pela agência Heads, porém o

processo de empoderamento da mulher negra ainda caminha a passos curtos. O

mercado de beleza é o que mais investe na adesão dessa estratégia de marketing em seu

posicionamento e suas publicidades, como as marcas Lola Cosmetics, Salon Line, Dove

e Novex, servindo de inspiração para outros segmentos de mercado que incorporam o

conceito cautelosamente e, em alguns casos, aplicando erroneamente os argumentos

defendidos pela tática.

Em uma análise mais ampla, é possível considerar que a construção do discurso

publicitário dentro de um contexto social possui caráter político e evidencia as relações

de poder entre os indivíduos e a sociedade como um todo. Por isso, a problemática do

uso ou ausência da imagem da mulher negra na publicidade é algo necessário. É preciso

também entender que o processo de empoderamento não é algo exclusivamente

individual, mas sim um processo social.

Empoderar dentro das premissas sugeridas é, antes de mais nada, pensar em

caminhos de reconstrução das bases sociopolíticas, rompendo

concomitantemente com o que está posto entendendo ser esta a formação de

todas as vertentes opressoras que temos visto ao longo da história. (BERTH,

2018, p. 16)

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Com a ideia de empoderamento como reconstrução social, nasce o conceito de

representatividade, que cobra da publicidade e dos conteúdos midiáticos uma

pluralidade na criação de seus personagens. Como apresentado no início sobre a

pesquisa da Heads, essa representatividade ainda possui um espaço pequeno quando o

assunto é a mulher negra.

Considerando que o a lei que abolia a escravidão no Brasil data de 130 anos

atrás, é possível que o país ainda esteja no processo de humanização das pessoas negras,

que no período da escravatura eram considerados apenas força de trabalho e não

humanos com direitos. 5

Assim, o femvertising utiliza o empoderamento feminino como argumento de

venda e humaniza a imagem da mulher, e no campo do empoderamento negro feminino

ele atua para ressaltar traços que por décadas estiveram bem distantes do padrão branco

imposto e vendido pela publicidade. A seguir será apresentada a marca escolhida como

objeto de estudo para este artigo, bem como a análise de algumas peças dela no

ambiente digital.

A Salon Line

A empresa Salon Line nasceu entre 1997 e 1998 e se originou da linha SOS

Cachos, com produtos focados no crescimento rápido dos cabelos crespos e cacheados

que passavam pela transição capilar. A marca possui poucas informações sobre sua

criação e mantém seu site com a produção de conteúdo e texto de apresentação focado

no conceito que ela deseja transmitir através de sua comunicação.

Ela se posiciona como uma marca que valoriza todas as belezas, encorajando o

novo, a descoberta e a mudança, buscando entender dos diferentes tipos e texturas de

cabelos e peles, bem como incentivando que cada pessoa redescubra sua essência e se

reinvente, se assim quiser.

Atualmente a empresa possui 17 marcas, que trabalham com cremes capilares,

produtos elétricos como secador, chapinha e difusor, coloração e alisantes: To de

Cacho, SOS Cachos, SOS Bomba, Meu Liso, Maria Natureza, Tô Podendo, Elétricos,

Na Pele, Hidra+Multy, Creme para Pentear, Coloração, Transformação, Selagem +

Defrisagem, Light Color, Color Express Fun, Color Express e Color Total Pro.

5 GELEDÉS, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/5SavNA>. Acesso em: 20 ago. 2018.

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A marca trabalha majoritariamente com mulheres mas também possui produtos

direcionados para o público masculino, exclusivamente ou em conjunto com produtos já

voltados ao público feminino, trabalhando com a ideia de cuidado unissex.

Para além dos produtos de beleza, a Salon Line investiu na literatura também e

lançou o livro “Deixa Enrolar: a História dos Cachos e Crespos no Brasil”, fazendo uma

viagem década a década desde 1940 apresentando histórias de crespas e cacheadas.

O Empoderamento Negro na To de Cacho

A To de Cacho se posiciona como uma linha voltada exclusivamente para as

cacheadas e transformou suas redes em um “cantinho” especial da Salon Line para essas

pessoas. Ela possui 21 linhas de produtos para os diversos cuidados capilares, incluindo

os cachos de crianças com a linha #TodeCachinho.

A marca possui dois sites: um dentro do site da própria Salon Line6 focado na

apresentação dos produtos, com imagens e informações sobre cada produto e vídeos que

encaminham o público para seu canal no Youtube. Já seu segundo site 7é focado na

produção de conteúdo sobre as diferenças entre os tipos de produtos, dicas de uso,

cuidados e conta, atualmente, com a cantora Ludmilla como protagonista do principal

vídeo do site, disponível na página inicial.

Figura 1 - Página inicial do espaço da To de Cacho no site da Salon Line

(Fonte: Site da Salon Line)

6 Disponível em: < https://salonline.com.br/linha/todecacho/>. Acesso em: 30 ago. 2018. 7 Disponível em: <https://www.todecacho.com.br/>. Acesso em: 30 ago. 2018.

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Figura 2 - Página inicial do site da To de Cacho

(Fonte: Site To de Cacho)

O site oficial da To de Cacho atua como um aliado no processo de transição

capilar e redescoberta da natureza dos cabelos ondulados, cacheados e crespos, que de

acordo com a própria marca possuíam poucas opções de produtos especializados para

que fossem cuidados da forma certa e por falta de informações e opções acabavam por

serem alisados.

A grande atuação da marca começa nas redes sociais como o Facebook e

Instagram, utilizando o mesmo conteúdo em ambas. A To de Cacho também produz

conteúdo para o Youtube, com vídeo de média duração para responder dúvidas e dar

dicas práticas para o público, que ficam disponíveis no canal da Salon Line. Ela possui

920 mil seguidores no Instagram, 2 milhões de curtidores e seguidores no Facebook e

seus vídeos possuem em média 10 mil visualizações.

Como a mídia com maior número de seguidores, a página no Facebook será a

principal mídia analisada aqui, a partir de alguns posts selecionados do início da página

até o final de agosto de 2018. A página da marca foi criada em 2015 e desde esse

período já focava sua comunicação na utilização da mulher negra como protagonista e

alvo principal de seu conteúdo.

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Figura 3 - Postagem de 2015 no Facebook da marca

(Fonte: Facebook da To de Cacho)

Desde o ínicio a marca já buscava desmistificar a ideia de que ter cabelo

cacheado ou crespo, saindo da ideia de que alisar era a solução para não ter trabalho em

excesso. Essa linha de conteúdo atuava como motivador para que mais mulheres

cacheadas e crespas tivessem acesso a informações cruciais sobre seu cabelo natural.

Figura 4 - Exemplo de publicação da marca em 2015

(Fonte: Facebook da To de Cacho)

A To de Cacho também posiciona-se contra casos públicos de racismo desde

sua criação, como quando a jornalista Maju Coutinho, da Rede Globo, foi vítima de

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comentários racistas no Facebook. A marca entrou na campanha #SomosTodosMaju8,

que contou com o apoio de diversas pessoas nas redes sociais.

Figura 5 - Postagem de apoio a jornalista Maju Coutinho

(Fonte: Facebook da To de Cacho)

Ainda em 2015, a marca chegou a 10 mil seguidores no Facebook e em menos

de um ano duplicou este número.

Figura 6 - Postagem em comemoração aos 10 mil seguidores

(Fonte: Facebook da To de Cacho)

8 Disponível em: <https://goo.gl/df717E>. Acesso em: 20 ago. 2018.

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Figura 7 - Postagem em comemoração aos 20 mil seguidores

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Já no começo de sua comunicação, é possível perceber que a marca investia no

empoderamento negro a partir do conteúdo produzido, que trazia sempre pessoas negras

em quase todas as postagens. Em 2018 a marca mantém seu posicionamento, porém

agora abre mais espaço para a diversidade de cacheadas, tendo também personagens

brancas mas ainda assim utilizando mulheres, homens e crianças negras como maioria.

A página trabalha com conteúdo apresentando os produtos e apresentando

pessoas e cabelos, usando ou não um produto específico. Também tem espaço para

compartilhar histórias e resenhas de consumidores.

Figura 8 - Exemplo de Publicação com produto

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Apesar de trazer mulheres brancas cacheadas no conceito de diversidade,

quando ao ssunto é empoderamento, orgulho dos cachos ou black power as personagens

são sempre negras. Isso reflete o cuidado que a marca tem nas escolhas de cada

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conteúdo e em como ela atua na influência para o empoderamento negro a partir da

ideia de valorização dos traços negros, aqui especificamente o cabelo.

Figura 9 - Publicação sobre empoderamento capilar

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Peças com produtos focados no público masculino também existem, mesmo

que em número muito menor, e aqui os personagens são sempre negros.

Figura 10 - Exemplo de publicação para o público masculino

(Fonte: Facebook To de Cachos)

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Figura 11 - Publicação usando homem negro como protagonistas

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Além de desmistificar sobre o cuidado com os cabelos crespos e cacheados, a

marca trabalha com a desconstrução da crença de que o cabelo colorido é algo para

pessoas de pele branca.

Figura 12 - Publicação da linha de produtos de coloração fantasia

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Essa representatividade não se restringe às redes sociais. A marca também

investe em modelos negras nas embalagens de produtos de coloração.

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Figura 13 - Publicação com a linha de produtos de coloração

(Fonte: Facebook To de Cachos)

Aqui é possível perceber que o uso de personagens negras vai além dos

produtos pensados exclusivamente para cabelos cacheados e crespos. A linha de

coloração com cores fantasia é voltada para o público em geral. Inserir negros em

contextos além dos que tratam de seus traços faz parte do processo de ocupação de

espaços que o movimento pela representatividade negra busca.

As cacheadinhas também tem vez. A marca possui linhas voltadas para o

cuidado especial do cabelo cacheado infantil e usa, majoritariamente, crianças negras

para divulgar esses produtos.

Figura 14 - Exemplo de Publicação para o público infantil

(Fonte: Facebook To de Cachos)

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Figura 15 - Exemplo de Publicação com produto infantil

(Fonte: Facebook To de Cachos)

A representatividade para o público infantil também é importante para que

desde cedo mais crianças e famílias cacheadas saibam como cuidar de seus cabelos, e

assim evitem entrar no ciclo de alisamento, transição capilar e redescoberta, o

empoderamento pessoal é incentivado. Os efeitos dos padrões também atingem às

crianças e a marca busca mudar isso. Em 2018, a Youtuber mirim Ana Clara Barbosa

9foi vítima de diversos comentários em seu canal quando publico um vídeo no qual ela

ensina a arrumar o cabelo. Após o ataque vir a público, a Salon Line entrou em contato

com a blogueirinha para conhecer sua história, doar produtos e incentivar Ana.

9 Disponível em: <https://goo.gl/qs9BjC>. Acesso em: 20 ago. 2018.

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Figura 16 - Ana Clara Barbosa, Youtuber mirim, em publicação da To de Cacho

(Fonte: Facebook To de Cachos)

A iniciativa mostra que a marca aplica o femvertising negro e incentiva

genuinamente o empoderamento de pessoas negras através do cuidado com a beleza.

Em uma sociedade capitalista, é de regra que as empresas buscarão o lucro, porém a To

de Cacho juntamente com a Salon Line atua de forma positiva no propósito de

representatividade ao qual se propõe. O discurso da marca não se perde e segue dando

espaço para pessoas negras em um mercado que antes sequer criava produtos para

cuidar de traços desse grupo social.

Considerações Finais

A publicidade possui um poder simbólico de influência sobre a sociedade e

precisa representar de forma mais real a diversidade e o pluralismo do local onde atua.

No Brasil, o público negro busca uma representatividade que vá além de apenas inserir

um negro na comunicação, e sim que coopere para o empoderamento desse grupo social

através de estratégias que mostrem pessoas negras em situações comuns e como

protagonistas de campanhas.

A partir disso, vimos que o Femvertising atua como um impulsionador para o

uso da imagem da mulher na publicidade, mas ainda é preciso discutir a presença da

mulher negra no momento de pensar essa estratégia de marketing. Entender o

movimento feminista negro e compreender as nuances do racismo na sociedade

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brasileira, é essencial para saber quais pontos descontruir e como comunicar usando a

imagem da mulher negra na comunicação.

A Salon Line aplica o femvertising a partir da perspectiva racial de forma

positiva e consistente. Seu discurso não promove a competitividade feminina, exalta e

valoriza o cabelo cacheado e crespo dando espaço para que mulheres e crianças negras

sejam as principais protagonistas desse conteúdo e não se omite em situações públicas

de racismo.

É interessante perceber que a marca parece entender que falar sobre racismo e

falar sobre cabelo crespo e cacheado mostrando pessoas negras é importante para seu

público, por isso esse posicionamento se mantém desde o início da linha. Observar que

essa atuação existe desde 2005, enquanto a empresa Salon Line existe desde os anos de

1990, é um demonstrativo de que o processo de empoderamento negro através do cabelo

não é algo tão recente mas que ganhou força nos anos 2000, dando mais espaço para

que a marca se tornasse conhecida e que mais pessoas redescobrissem a natureza de

seus cabelos, contando com produtos específicos para cuidar deles.

Esse movimento de representatividade é importante em marcas que tratam de

produtos de beleza, pois dão a mulher negra a oportunidade de reconhecer seus traços

como belos, mesmo que totalmente fora dos padrões por décadas impostos. Apesar

disso, as marcas de modo geral preciso atentar-se para a urgência de propor uma

comunicação mais inclusiva e real, que represente de forma proporcional os indíviduos

brasileiros, usando seu discurso para desconstruir padrões, estereótipos e conceitos e

mostrar a diversidade existente no país e no mundo.

Assim, conclui-se que a mulher negra vem conquistando espaço na publicidade

e ganhando personagens fora do contexto objetificado e esteriotipado negativamente, e

esse espaço é reservado, principalmente, no mercado capilar. O empoderamento da

mulher negra pode ser considerado uma realidade acompanhada de perto por marcas de

produtos de beleza, mas que precisam entender genuinamente de forma esse

empoderamento atua para que seu discurso não seja oportunista, e a atuação do

femvertising precisa abrir espaço para a diversidade que há dentro do gênero feminino,

caso contrário essa revolução e representatividade manterá o padrão branco já existente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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