resenha dardel

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPESP INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LESTRAS – ICHL DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – DEGEO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – PPGG O HOMEM E A TERRA - RESENHA - DISCIPLINA: EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA PROFESSORA: DRª AMÉLIA REGINA BATISTA NOGUEIRA DISCENTE: ANDERSON DE SOUZA TAVARES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAMPR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROPESPINSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E LESTRAS ICHLDEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DEGEOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PPGG

O HOMEM E A TERRA- RESENHA -

DISCIPLINA: EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIAPROFESSORA: DR AMLIA REGINA BATISTA NOGUEIRADISCENTE: ANDERSON DE SOUZA TAVARES

MANAUS, MAIO DE 2014

DARDEL, Eric. O Homem e a Terra: natureza da realidade geogrfica. Traduo Werther Holzer. So Paulo: Perspectiva, 2011. Srie Estudos.

A obra dividida em prefcio edio brasileira, feita por Eduardo Marandola Jr, e dois captulos, sendo o primeiro intitulado O Espao Geogrfico e o segundo, Histria da Geografia. O primeiro captulo se subdivide em seis partes, j o segundo se subdivide em cinco partes. Aps o segundo captulo, a obra apresenta uma concluso, que encerra a obra traduzida. Em sua parte final o livro traz trs anexos, sendo estes artigos com base na obra principal. O Primeiro anexo intitulado Geografia e Existncia: a partir da obra de Eric Dardel, de autoria de Jean-Marc Besse; o segundo anexo, do tradutor da obra original, Werther Holzer, se intitula A Geografia Fenomenolgica de Eric Dardel; o ltimo anexo, intitulado de Biografia de Eric Dardel tem a assinatura de Philippie Pinchemel.O Homem e a Terra, originalmente publicado na Frana na dcada de 1950, surge como uma obra fora de seu tempo. A obra de Eric Dardel buscou dar um sentido diferente Geografia que se apresentava poca. Buscando um sentido mais humanista dos estudos geogrficos, Dardel apresenta o conceito de geograficidade e abre as portas para uma compreenso fenomenolgica da experincia geogrfica. Sua obra embasa trabalhos da geografia nos Estados Unidos na dcada de 1960 e ganha grande visibilidade a partir de sua traduo para o italiano na dcada de 1980. A abordagem fenomenolgica da histria da Geografia, tratada no segundo captulo da obra, envolta a obra em originalidade e a torna pertinente para os estudos contemporneos da epistemologia e histria da Geografia. Muito alm do enfoque puramente geogrfico, a obra de Dardel se mostra como uma reflexo filosfica acerca da dimenso espacial da existncia.

O Espao GeogrficoDardel afirma que o mundo ocidental ps Idade Mdia voltou seus interesses para a Terra, o Espao e a Matria, e que a cincia geogrfica, junto com a cosmografia, a geologia, a botnica, a zoologia, a hidrografia e a etnografia, pertencem a essa Geografia universal que busca compreender o mundo geograficamente como parte da vida humana. A histria mostra uma geografia de atitude, antes de ser cincia, baseada na inquietude de conhecer o desconhecido, numa relao concreta que liga o homem Terra, que ele chama de geograficidade do homem como modo de sua existncia e de seu destino.Espao Geomtrico, Espaos Geogrficos. Eric Dardel diferencia o espao geogrfico do espao geomtrico, afirmando que este ltimo homogneo, uniforme, neutro (p. 02), enquanto o primeiro se apresenta de formas diferentes, com nomes prprios. A geometria vai operar com os espaos abstratos e vazios de todo contedo, possvel para qualquer combinao; j o espao geogrfico possui modelagens, denso, horizontal. nesse espao que o homem se encontra e se relaciona geograficamente por meio de sentimentos e emoes. A geografia deve entender a terra como um texto sendo as feies naturais, um rio, o desenho da costa, uma montanha, signos deste texto. Com isso, Dardel afirma que o conhecimento geogrfico tem por objetivo esclarecer esses signos (...) (p. 02). A terra como texto remete o homem a uma linguagem potica, sem deixar de ser cincia. A prpria Terra possui seu vocabulrio o lquido, o rochoso, o areo , que se comunica com o movimento e os sons, uma geografia de glria em que os smbolos operam uma transmutao das substncias (p. 05). A Geografia, segundo Dardel, no deve implicar apenas em um mero reconhecimento da realidade materializada, ela se conquista como tcnica de irrealizao, sobre a prpria realidade (p. 05), pois entre o homem e a Terra h uma espcie de contnua cumplicidade no ser. H uma viso primitiva da Terra que o saber, em seguida, vem ajustar (p. 07).O Espao Material se expe sobre o espao geogrfico talhado na matria ou diludo em uma substncia mvel ou invisvel, sendo a falsia, a escarpa da montanha, o cu esfumaado das grandes cidades. No uma coisa indiferente de que se dispe ou que se pode destacar. sempre uma matria que acolhe ou ameaa a liberdade humana (p. 08). O espao geogrfico matria experimentada pelo homem, uma realidade percebida a partir dos desgnios do homem (p. 09). A liberdade humana se afirma sobre este espao ao suprimir ou reduzir suas distncias, pois acoplado distncia est a direo para se encontrar, desenham-se regies, que no so somente dimenses de orientao, mas tambm de qualidade do espao. a direo do frio, do gelo ou uma direo trrida. H tambm uma espacializao corprea que se decide sobre qual o caminho a seguir, ao mesmo tempo em que o qualifica em trajetrias, difcil, dcil, larga; enfim, direes e distintos tipos de caminhos, qualificados pelos caminhantes. O afastamento e as direes definem a situao do homem, seu sentido de localizao que pressupe um espao de referncia (lugar) onde se encontra e estabelece diversas relaes. A concretude geogrfica oferece smbolos aos movimentos interiores humanos.Dimensionamento alm-superfcie no espao telrico desdobram profundidades, prolongamentos que nos chegam pelas sensaes tteis, imagens, e que nos atraem para elevaes e/ou profundezas da experincia do homem com a Terra. O Espao telrico espao da essncia da terra que chegam ao homem pela sensao ttil de uma intimidade substancial antes de ser ideia. o espao das montanhas, que surgem das entranhas da Terra e remete o homem a um sentimento de ascenso da alma, de elevao e pureza. tambm o espao da floresta que envolve o homem em mistrio e temor. A floresta comunica ao espao sua profundidade e seu silncio (p. 19).Mas o espao geogrfico no apenas slido. Ele lquido. o espao aqutico que domina grande parte do espao geogrfico e o coloca em movimento. Mas este espao tambm o espao da discrio: Fala-se de bom grado do murmrio das guas, do sussurro dos riachos. (p. 20). Por sua mobilidade, as guas do mar exercem uma atrao que chega fascinao. Mas, somente na presena do homem que o mar tem significado: o mar une, divide, se retira, sobe o rio e suscita portos ativos. O espao do mar aquele que a geografia cientfica clssica vai chamar de agente, por ser inquieto e de constante movimento.O espao geogrfico tambm atmosfera, sutil e difuso, invisvel e sempre presente, cambiante e permanente. pelo espao areo que luz chega ao homem, crua ou filtrada, modificando a feio da Terra segundo a hora, segundo a estao (p. 23). O espao areo um espao sustentador, onde correm as nuvens e de onde caem as chuvas. Sua relao com o homem ultrapassa a avaliao quantitativa das temperaturas, se manifestando como sentimentos: frieza de um olhar, calor de um discurso... Este espao matria que nos d a sensao imediata de sua presena. espao de odores, de luminosidade, de sensaes tteis, em constante movimento que leva e trs emoes.A geografia tambm encontra um espao construdo, obra do homem, ligada ao seu habitat, em diferentes escalas e dimenses, que diferem para o homem em quantidade e significado. A cidade, por exemplo, por si s um certo horizonte geogrfico (p. 27). O homem um construtor de espaos, sendo capaz de modifica-lo, de recri-lo, de reagrupa-lo dando-lhe outros significados.Ainda sobre a reflexo do espao geogrfico destaca-se a questo da Paisagem, a qual transcende a reduo cientfica. Muito mais que uma justaposio de detalhes pitorescos, a paisagem um conjunto, uma convergncia, um momento vivido, um ligao interna, uma impresso, que une todos os elementos (p. 30). Ela se unifica em torno de uma tonalidade afetiva dominante, no sendo um crculo fechado, mas um desdobramento.O ltimo ato da discusso do espao geogrfico refere-se existncia e realidade geogrfica. A Geografia no , de incio, um conhecimento, a realidade geogrfica no , ento, um objeto, o espao geogrfico no um espao em branco a ser preenchido a seguir com colorido. (p. 33). A realidade para o homem e age sobre ele atravs de um alerta da conscincia. Reflete a intensidade, cores, ternura, medo, conduz por smbolos para alm da matria. A Terra se mescla a toda tomada de conscincia (p. 41), estabilizando a existncia. A realidade geogrfica vai muito alm de uma experincia medocre do cotidiano, um sobrevoo de si, uma evaso para uma nova dimenso do ser.

Histria da GeografiaSe a geografia como realidade terrestre o lugar da histria, uma persistncia que ultrapassa o acontecimento, as geografias como concepes do mundo circundante so testemunhos de pocas sucessivas onde elas eram a imagem admitida da Terra. (p. 47).Dardel no visa traar uma histria da descoberta da Terra, nem fazer um estudo do desenvolvimento da cincia geogrfica. Ele busca em sua obra mostrar o despertar de uma conscincia geogrfica por meio das diferentes intenes do homem acerca da fisionomia da Terra.Dentre as mltiplas fisionomias, h uma geografia mtica, onde, de acordo com Sahr (2007), para GeoGrafia, o nome Gaia d raiz ao termo moderno geo: a me-deusa grega da Terra, que com Urano gera a Terra. Paralelamente, Gaia significa para os gregos uma terra fsica, montanhas, rios, etc. Estando reunidos o mito e a cientificidade, a concretude discursiva e a concretude materialista, o verbo grego graphein tambm tem efeito semelhante: de um lado escrever a me Gaia com palavras, de outro lado, grafar indica riscar uma materialidade. O espao geogrfico mtico aparece ao homem como formas distintas de apreenses da Terra em seus misticismos: a) como origem, fonte de vida, fertilidade e me; b) enquanto presena no mito que no ocupa uma temporalizao cronolgica, mas uma constante, s vezes oculta, e que se faz aparecer por meio da superfcie; c) enquanto uma terceira qualificao da Geografia Mtica, que se refere ao poder sobrenatural, emanado de uma realidade geogrfica que demanda respeito e crena; d) o conceito de que a Terra o maior princpio da unidade de grupo, cl ou tribo, a forma e a condio do homem de ser-com (p.56) remete ao mundo mtico em que o ser s existe como parte do todo. A Terra a base desse todo, comunidade constituda pela correnteza da vida; e) embora no compondo pontos objetivos de distncias, possui, todavia um sentido notvel de orientao direes e delimitaes so qualificadas, disso o papel dos centros sagrados na orientao e qualificao do espao circundante. Essa Geografia Mtica o que faz aparecer a realidade como tal, e como um fundamento prpria realidade, confirma-o a todo o momento.A Terra da Interpretao Proftica se sobressai pelas ligaes entre o Homem e a Terra profundamente contagiadas pelas concepes profticas, enquanto histrias de mundo e criao. Em relao ao mundo mtico h uma inverso, como no discurso bblico em que o homem passa a dominar a Terra, antes origem: A Terra no origem; ela no est no comeo da vida e do Ser. Ela uma obra, uma criao. (p. 67). Embora provindo do p (Terra), a criao do homem conferida pelo Deus. A Terra deixa de ser uma essncia para ser um smbolo da palavra do seu criador. A Terra temporria e limitada pela espacialidade eterna e celestial.A Geografia Heroica configura uma geografia da curiosidade dada aos desbravadores, aventura, ampliao da morada terrestre. Essa geografia heroica manifesta uma viso de iniciativa individual, opondo-se viso coletiva e tradicional da geografia mtica. Essa nova maneira de compreender a realidade geogrfica supe um afastamento do poder dos mitos, uma diminuio do poder do cl sobre o indivduo. (p. 71). De um lado, o heri, de outro, um mundo que brinda as atitudes heroicas. A Terra da Geografia heroica aberta ao subjetivo, cheia de crenas em foras sobrenaturais, mgicas, onde a natureza no era obediente a leis invariveis.A Geografia das Velas Desfraldadas, de Lucien Febvre, se mostrando como um captulo da Geografia Heroica, revela uma nfase no descobrir e pisar inicialmente em um torro de terra virgem de humanidade, expressa tambm um horizonte geogrfico. Antes da Geografia institucional do sculo XIX, Dardel destaca que no sculo XVIII temos o surgimento de uma Geografia cientfica, concomitante a uma Geografia sentimental e emotiva que tende expresso literria. Ela humanista, ainda, de outra maneira, no sentido de que , tambm, o homem que procura os navegantes e os escritores atravs da realidade geogrfica, o homem como centro de interesse e ocasio de uma renovao de ideias. (p. 82).Sem expressar uma evoluo linear, chega-se Geografia Cientfica, que se encontrava em formao no movimento dos descobrimentos, mas que foi gestada de longa data, quando ainda predominava a concepo mtica do mundo. Para que tal concepo se desenvolva necessrio que a pesquisa e a afirmao de uma ordem lgica predominem, submetidas a leis invariveis e universalmente vlidas (p. 83). O objetivo do autor observar como se desperta uma conscincia da realidade geogrfica como conhecimento e em quais objetos ela se apoia. A pauta uma preocupao emprica, angariada por inventares de fins estratgicos. Contudo, Dardel distingue duas atitudes dessa objetivao geogrfica: uma cincia de descoberta matria, e a partir do sculo XVIII, um inventrio de laboratrio sistematizado cientificamente. Todavia, ambas so alimentadas por uma Geografia de viagem, a qual est no bojo de uma institucionalizao com Humboldt no sculo XIX, em um contexto das grandes expedies cientficas. Um dado a se destacar a problematizao do sujeito-pesquisa, naquilo que Dardel atribui como ponto de vista em que a realidade torna-se para um sujeito, sendo sempre para o homem, revelando alguma coisa do mesmo. A objetividade cientfica inscreve-se, at certo limite, como possibilidade da realizao do ser com a Terra. Explicativa ou descritiva, a geografia permanece profundamente fixada no real. [...] ela no desconhecer que o homem na Terra reage ao meio [...] (p. 88). A Geografia exprime uma inquietude do homem e colocar-se de fora da Terra e do espao concreto para conhec-los do exterior, esquecer que, por sua prpria existncia, o homem est comprometido como ser espacial e como ser terrestre. (p. 89).A concluso do livro de Dardel mostra mais que a relao Homem Terra, explicita as distintas conformaes de homem. O homem moderno, diante de uma representao de Terra para si, volta-se a um conhecimento cientfico deslumbrado em uma vontade de promover uma ordem espacial e visual do mundo (p.91), e com isso faz da Terra algo a ser dominado. Todavia, quanto s vises paradoxais da racionalidade, o autor mostra essa tendncia como a aceitao plena da subjetividade do homem, no sentido de uma verdade autocentrada na vigncia de seu eu. Contrariamente ao homem antigo, para o qual o mundo se desvela por si mesmo, ou mesmo ao homem medieval, que media seu pensar com autoridade de uma verdade-alm. Dardel, ainda, faz duras crticas crena racional e s consequncias drsticas dessa empreitada humana racionalista. Um dos dramas do mundo contemporneo que a Terra foi desnaturada, e o homem s pode v-la atravs de suas medidas e de seus clculos, em lugar de deixar-se decifrar sua escrita sbria e vvida (p. 96). Essa desnaturalizao da Terra, promovida pela viso desencantada do homem com o universo, em que no permitido Terra decifrar-se, se no for pelos parmetros da medida calculada contrasta com a capacidade do homem, apaga as cores e aniquila as diferenas. Essas duras crticas cincia questiona se so mais verdadeiras a onda do mar que observamos ou a molcula que vemos. Se a Geografia um conhecimento da existncia, no pode furtar-se desse debate, sem abrir mo de um debate cientfico, todavia sem negligenciar que os mesmos so tambm morais, estticos e espirituais.

CRTICAAo navegar pela potica da obra de Eric Dardel, vemos que seu pensamento se mostra muito contemporneo, no momento em que olhamos em volta e nos deparamos com um mundo cheio de regras e leis que restringem os olhos do homem e limitam sua capacidade natural de relacionar-se com o meio em que vive, que passa desatento todos os dias no seu cotidiano por um espao que no concebe como geogrfico, mas que est intrinsecamente ligado suas emoes, sua gographicit.Dardel vem mostrar que podemos fazer uma nova cincia geogrfica que no precisa ser, necessariamente, racional e que no perde seu rigor por s-la potica, por exprimir as emoes humanas, por ser humana. Parece que a cincia no consegue conceber o homem como sujeito que o , mas, ao objetiva-lo juntamente com o espao onde mantm suas relaes, o torna inanimado, concreto. Humanizar o pensamento geogrfico aceitar que o homem um ser complexo, racional e emocional, que atribui sentimentos em suas relaes, que se relaciona porque v razo e emoo para tanto.Neste sentido, O Homem e a Terra se torna mais que uma alternativa para a cincia geogrfica, se compe como uma nova forma de leitura geogrfica e que, por consequncia, nos proporciona uma cincia realmente humana.