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“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
A Ressignificação do Espaço Vivido nas Áreas Rurais da “Gleba de Vila
Amazônia” no Município de Parintins/AM
Anderson de Souza Tavares
Instituo Federal do Amazonas - IFAM / Mestrando PPG Geografia da UFAM 2014/2016 [email protected]
Dra. Amélia Regina Batista Nogueira Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFAM
INTRODUÇÃO
Os estudos geográficos remetem às relações que o homem, como agente
transformador, desenvolve junto ao meio onde vive, seja esse meio natural ou artificial.
Tais relações refletem os anseios e a capacidade humana de transformar e se
transformar no espaço em que vive. Com isso, o homem desenvolve uma relação de
reciprocidade onde suas ações vão intervir no meio e, por conseguinte, irá afetar suas
ações futuras, como uma resposta do meio às ações pretéritas. O espaço se mostra como
uma extensão do homem, como parte de sua história, de sua vida. Ele (o espaço) não
está alheio ao homem, mas integrado, em perfeita harmonia, com este.
Essa abordagem do espaço está presente na obra de Eric Dardel, “L’homme et la
terre: nature de la réalité géographique”, de 1952. Em sua obra, Dardel oferece uma
nova perspectiva para as investigações geográficas. A geograficidade surge como um
novo conceito que responde às mais contemporâneas questões dos estudos em
geografia. “[...] uma relação concreta liga o homem à Terra, uma geograficidade
(géographicité) do homem como modo de sua existência e de seu destino.” (DARDEL,
2011, p. 02). Tomando por base a abordagem “dardeliana” da geografia, o presente
artigo visa observar como se apresenta a imagem que os indivíduos obtém do seu
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
espaço vivido perante as circunstâncias de constante modificação que vêm ocorrendo na
Vila Amazônia, área rural do município de Parintins/AM.
A Vila Amazônia surgiu como decorrência de um projeto elaborado pelo
governo de Efigênio Salles que, com a queda do ciclo borracha no Amazonas, procurou
alternativas econômicas para o estado, oferecendo aos japoneses um milhão de hectares
de terra para produção agrícola, em troca da mão-de-obra especializada. O deputado
Isukasa Uyetsuka foi quem acreditou a se comprometeu em executar o projeto, optando
pelo cultivo da juta como base econômica, pois a sua fibra era fundamental no mercado
internacional para confecção de sacos para carregamento café e outras mercadorias,
além de não ser produzida em larga escala por outros países. Com o fim do ciclo da juta
na década de 80, a Vila Amazônia passou a fazer parte de projetos de Assentamento
pelo governo brasileiro por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, que até os dias de hoje vem atuando na localidade.
Não sendo diferente do que ocorre em diversas outras áreas rurais do interior do
estado do Amazonas, a infraestrutura da Vila Amazônia, até o final do século passado,
não apresentava nenhum traço forte de urbanização, não possuindo rede de energia
elétrica ou água encanada, com moradias, em sua maioria, estruturadas de forma rústica,
de palha ou de madeira. As principais atividades econômicas desenvolvidas na
localidade estavam ligadas à produção de culturas de curto ciclo, nas áreas de várzea, e
de médio ciclo, nas áreas de terra firme.
Devido ao grande número de projetos de políticas públicas destinadas àquela
localidade, a Vila Amazônia começou a passar por um significativo processo de
mudança infra estrutural. Pavimentação de vias públicas, instalação de rede elétrica,
proporção de serviço de abastecimento de água, entre outros, modificaram muito além
da paisagem: modificaram o modo de vida e a forma como os moradores dessas
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
comunidades encaram o seu “novo” espaço cotidiano. O espaço construído para atender
à comunidade, o espaço do homem, toma novas conotações e se enche de novos
significados. Trata-se de um espaço que adquire uma outra qualidade, uma outra
geograficidade, levando os indivíduos a uma outra relação existencial com a Terra,
eivada de re-significados.
A transformação da paisagem observada pelos olhos dos sujeitos que se ligam à
ela leva a uma concepção geográfica diferente das abordagens científicas tradicionais,
pois “o espaço geográfico não é um espaço em branco a ser preenchido...” (DARDEL,
2011, p. 33). A geografia não pode ser indiferente à essa concepção. O espaço
geográfico não pode ser concebido como tal senão quando vivido pelo homem e ligado
a ele, pois a Geografia está intrínseca no modo de vida que o cada ser humano
desenvolve por meio de suas experiências com a Terra. “A ‘geografia’ permanece,
habitualmente, discreta, mais vivida que exprimida”. (DARDEL, 2011, p. 34). É por
suas atividades que o homem exterioriza sua relação com a Terra. São essas
experiências, que agora possuem outros significados que se tornam o alvo da pesquisa
exposta neste artigo.
OBJETIVOS
Tomando por base a abordagem fenomenológica de Eric Dardel para a
geografia, o trabalho se propõe a compreender como as mudanças na infraestrutura das
comunidades da Gleba de Vila Amazônia vêm sendo percebidas pelos moradores dessas
localidades.
Para atingir a meta principal, buscar-se-á identificar quais as mudanças ocorridas
ao longo de um período de vinte anos na infraestrutura das comunidades. Feito isso, a
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
próxima meta é observar quais as mudanças socioeconômicas e culturais provocadas
pela modificação da infraestrutura nos lugares das comunidades. Outro objetivo, mas
não menos importante, será traçar o perfil socioeconômico, apenas para efeito
demonstrativo. Por fim, far-se-á reflexões teóricas acerca dos conceitos de rural e
urbano tomando por base a Geografia Fenomenológica.
METODOLOGIAS
A geografia, para Dardel, não deve ser reduzida a uma simples disciplina
científica, ela deve expressar uma reflexão sobre as ações humanas no mundo,
compreender como tais ações são inscritas na Terra e como esta, por sua vez, se
inscreve na vida do homem. Partindo dessa premissa, a metodologia empregada na
pesquisa tem como aporte teórico metodológico a fenomenologia na perspectiva da
percepção, a fim de levar a reflexões teóricas acerca dos conceitos do rural e urbano,
tendo as comunidades da Gleba de Vila Amazônia como palco contextual para as
observações desses conceitos.
Para realização do trabalho têm-se utilizado a pesquisa qualitativa com aplicação de
entrevistas semiestruturadas e levantamento iconográfico. O contato direto e interativo entre o
pesquisador e os sujeitos da pesquisa se torna primordial para a compreensão dos significados
que as mudanças na infraestrutura das comunidades de Vila Amazônia adquirem na vida dos
indivíduos que experienciam o lugar. A pesquisa qualitativa faz com que o pesquisador procure
entender os fenômenos segundo a perspectiva dos próprios sujeitos envolvidos na pesquisa.
Assim, como método, a pesquisa qualitativa empregada neste trabalho busca a descrição e
interpretação das percepções que os moradores das comunidades de Vila Amazônia têm
desenvolvido frente ao atual contexto espacial em que se encontram, conforme a abordagem
fenomenológica da geografia dardeliana.
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
RESULTADOS PRELIMINARES
A Geografia tem como objetivo apresentar sempre uma imagem renovada do
mundo, que passa por modificações constantes e é percebida pela concepção de mundo
materializada na sociedade. O espaço geográfico adquire, a todo instante, significados
diferentes, sempre pautados nas vivências e experiências que o indivíduo tem com ele.
Significações e ressignificação do espaço ocorrem a todo instante, principalmente para
indivíduos que veem seu espaço vivido passando por bruscas transformações. A
geograficidade, que se constitui um elemento terrestre entre as dimensões fundamentais
da existência humana, segundo Besse (In: DARDEL, 2011, p. 120, anexos), surge como
conceito chave para a interpretação da percepção e dos ressignificados que o espaço
vivido adquire, para os moradores das comunidades de Vila Amazônia.
Tendo em vista que a pesquisa encontra-se em fase intermediária de execução,
os resultados aqui descritos estão mais pautados no levantamento teórico realizado para
embasar a pesquisa. Contudo, os primeiros contatos com o campo já nos permite
realizar as primeiras descrições dos fenômenos alvos da pesquisa.
Como já falado anteriormente, a Vila Amazônia é resultado de um grande
projeto do governo do estado do Amazonas nas décadas de 1920-30, que incentivou a
vinda de migrantes japoneses para uma área de cerca de 300 hectares de terra nas
proximidades da sede do município de Parintins, próximo ao limite com o estado do
Pará (fig. 01), para contribuir com o crescimento econômico da região.
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
Figura 01 – Localização da Vila Amazônia – Fonte: Google Earth – junho de 2014.
Com o fim do ciclo da juta, já na década de 1980, a Vila Amazônia passou a ser
ocupada por diversos migrantes de origem nordestina, principalmente, e de outras
localidades próximas (do estado do Pará e de outros municípios do Amazonas), que
passaram a praticar a agricultura de ciclos curtos, a pesca e o extrativismo. A
infraestrutura da Vila Amazônia, durante a permanência dos japoneses, contava com
vias de circulação em piçarra e chão batido; as casas dos migrantes japoneses eram de
alvenaria. As casas dos migrantes não japoneses, por sua vez, eram construídas em
madeira, palha ou taipa, em sua maioria, sendo poucas de alvenaria. As práticas
agrícolas eram desenvolvidas tanto nos terrenos das residências dos moradores como
em terrenos afastados das áreas das residências, onde se pratica a agricultura de ciclos
médios e longos, como a plantação de banana e de mandioca de terra firme.
Como espaço construído, a paisagem da Vila Amazônia, pós ciclo da juta,
desenhava-se como uma ambiente rural, onde seu significado firmava-se no trabalho do
campo, na pesca e no extrativismo, em um ritmo lento, tendo o homem um contato
extremamente forte com o meio natural. As águas expressavam calma e tranquilidade,
segundo relatos de moradores antigos da localidade. “O ar podia ser ouvido bem melhor
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
naquele tempo”, relata um morador local que reside ali há mais de quarenta anos. “Hoje,
praticamente todo dia a gente acorda com esse barulho alto do vizinho”, continua
relatando o morador ao se reportar à mudança ocorrida com a chegada da energia
elétrica para a comunidade, que levou seu vizinho a adquirir um aparelho de som que,
segundo o morador citado, é ligado todos os dias em um volume muito alto,
perturbando o descanso dos comunitários.
Neste pequeno exemplo supracitado, pode-se observar que o significado do
espaço toma conotações diferentes para cada indivíduo. “A chegada da luz pra
comunidade trouxe muitas melhorias... hoje posso ouvir um ‘somzinho’ bacana, assistir
TV, além de poder ter uma geladeira, que eu nunca pensei que poderia ter antes”, diz
outro morador da localidade, se referindo à chegada da energia elétrica para a
comunidade. O espaço construído se apresenta para este morador como algo prazeroso,
o desligando do seu relacionamento mais forte que possuía com o meio natural: “hoje,
graças à Deus”, diz o homem, “não preciso mais acordar de madrugada pra tá
pescando... já compro o peixe na feirinha, que já vem até tratado [risos]”. Essas palavras
se reproduzem em vários outros moradores.
É cedo para se afirmar quais são as principais ressignificações que as mudanças
na infraestrutura da Vila Amazônia têm ocorrido na vida dos moradores locais. Há de se
considerar, ainda, os fatores socioeconômicos e culturais que influem nessas novas
significações, nas mais distintas percepções do espaço vivido. Além disso, há de se
relevar que até o presente momento, os estudos estão concentrados, ainda, em uma
pequena porção da chamada Gleba de Vila Amazônia, que compreende várias
comunidades rurais. A comunidade de Vila Amazônia, aqui tratada, até o momento, é
apenas uma dessas comunidades, onde há uma grande concentração populacional e onde
as mudanças de infraestrutura são mais latentes e abrangentes.
“Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do Governo do Estado do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas”.
O que já começa a ficar definido e clarificado é o fato de que o espaço
construído transforma o significado do espaço vivido e que, como afirma Eric Dardel
(2011, p. 29), “o espaço construído coloca em cheque o alcance do olhar, apaga e
submerge o desenho natural dos lugares”.
BIBLIOGRAFIA
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transformações sócioespaciais em comunidades rurais: um estudo na comunidade
de Bom Socorro do Zé Açu, no município de Parintins – AM, Brasil. In:
Contribuciones a las Ciencias Sociales. Málaga, Agosto 2013, Disponível em:
<www.eumed.net/rev/cccss/25/comunidade.html> Acesso em: 23 mar. 2014.
DARDEL, Eric. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica.
Tradução de Werther Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011.
GRESSLER, L. A. Introdução à pesquisa, projetos e relatórios. 3º. ed. São
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RODRIGUES, Jeane Ribeiro; ALBUQUERQUE, Carlossandro Carvalho.
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Geógrafos da América Latina. São Paulo, 2005. P. 12706-12726. Disponível em:
<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Geografiasocioeconomica/G
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