repensando a criança-consumidora_novas práticas novos paradigmas

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    Repensando a Criana-consumidora:Novas Prticas, Novos Paradigmas

    Repensando el nio-consumidor:Nuevas prcticas, nuevos paradigmas

    Rethinking the Child Consumer:

    New Practices, New Paradigms

    David Buckingham1

    ResumoO relacionamento das crianas com a mdia e com a cultura doconsumidor vem se tornando, nesta ltima dcada, um foco de ateno e de debate.

    As crianas ganharam mais e mais importncia no apenas como um mercado em

    si, mas tambm como um meio de atingir os mercados dos adultos; e em paralelo,

    um nmero crescente de comentadores critica a aparente comercializao da

    infncia, demandando uma mais rgida regulamentao do marketing direcionado

    s crianas. Este estudo busca contestar os termos em que a questo social do

    consumo das crianas tipicamente apresentada e compreendida, e a viso

    sentimental da infncia que tende a informar esse debate. Este estudo argumenta

    que precisamos ter uma viso mais ampla da atividade comercial, indo para alm

    da propaganda ou do marketing; e que precisamos entender o consumo infantil em

    relao ao consumo dos pais, e tambm da sociedade em um mbito maior. No

    tocante a este aspecto, este estudo destaca especialmente o papel da mdia, que est

    sempre mudando, e contesta alguns dos relatos mais otimistas sobre o uso da mdia

    digital pelos jovens, alm de considerar as dimenses comerciais de formas tais como

    as redes sociais (social networking) e as tecnologias mveis. Finalmente, argumentaque precisamos olhar para alm das conhecidas dicotomias entre estrutura e atuao

    que ainda caracterizam o debate pblico e acadmico nesta rea.

    Palavras-chave: Infncia. Consumo. Marketing. Comercializao. Mdia.

    1 Professor de Mdia e Comunicao na Universidade de Louhborough, na Gr-Bretanha, e Professor Visitanteno Centro Noruegus para Pesquisa sobre a Criana em Trondheim. Sua pesquisa se concentra nas interaes dascrianas com a mdia e com a educomunicao. Ele o autor, coautor ou editor de 26 livros, incluindo, dentre os

    mais recentes, Beyond Technology (2007) (Para alm da Tecnologia), Video Cultures (2009) (Culturas de Vdeo) eThe Material Child (2011) (A Criana Material).

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    ResumenLa relacin de los nios con los medios de comunicacin y con la culturadel consumidor se est convirtiendo, en la ltima dcada, en un foco de atencin y de

    debate. Los nios han adquirido cada vez ms importancia no solo como constituyentes

    de un mercado en s, sino tambin como medio de alcanzar los mercados de los

    adultos; paralelamente, un creciente nmero de observadores critica la aparente

    comercializacin de la infancia, demandando una reglamentacin ms rgida del

    marketing dirigido a los nios. Este estudio pretende contestar los trminos en que la

    cuestin social del consumo en la infancia se presenta y comprende tpicamente, y la

    visin sentimental de la infancia que tiende a informar ese debate. Adems, argumenta

    la necesidad de una visin ms amplia de la actividad comercial, que vaya ms all

    de la propaganda o del marketing; y de entender el consumo infantil en relacin alconsumo de los padres, y tambin de la sociedad en un mbito mayor. En lo que toca

    a este aspecto, este trabajo destaca especialmente el papel de los medios, siempre

    cambiante, y responde a algunos de los relatos ms optimistas sobre el uso de los medios

    digitales por los jvenes, adems de considerar las dimensiones comerciales de formas

    tales como las redes sociales (social networking) y las tecnologas mviles. Finalmente,argumenta la necesidad de ver ms all de las conocidas dicotomas entre estructura y

    actuacin, que siguen caracterizando el debate pblico y acadmico en esta rea.

    Palabras-clave: Infancia. Consumo. Marketing. Comercializacin. Medios

    de comunicacin.

    AbstractChildrens relationship with media and consumer culture has been thefocus of increasing attention and debate over the past decade. Children have become

    more and more important both as a market in their own right and as a means to reach

    adult markets; while growing numbers of commentators have criticised the apparent

    commercialisation of childhood, calling for tighter regulation of marketing to children.

    This article seeks to challenge the terms in which the social issue of childrens consumption

    is typically framed and understood, and the sentimental views of childhood that tend

    to inform the debate. It argues that we need a broader view of commercial activity,

    which goes beyond advertising or marketing; and that we need to understand childrens

    consumption in relation to the consumption of parents, and indeed of the wider society. It

    pays particular attention to the changing role of media in this respect, challenging some

    of the more optimistic accounts of young peoples uses of digital media, and considering

    the commercial dimensions of forms such as social networking and mobile technologies.

    Finally, it argues that we need to look beyond familiar dichotomies between structure and

    agency that continue to characterise both public and academic debate in this area.

    Keywords: Childhood. Consumption. Marketing. Commercialisation. Media.

    Data de submisso: 27/04/2012Data de aceite: 05/06/2012

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    O marketing comercial direcionado criana no um fenmeno novo.De fato, estudos histricos demonstram que as crianas vm sendo um

    importante foco de interesse pelo menos desde o incio do marketing demassa moderno (por exemplo: COOK, 2004; CROSS, 1997; DENISOFF,2008; JACOBSON, 2004). No entanto, nos ltimos anos as crianas tmse tornado cada vez mais importantes no apenas como um mercado emsi, mas tambm como um meio de se alcanar os mercados dos adultos.Os mercadlogos esto visando mais diretamente s crianas, cada vezmais jovens, e esto usando uma gama bem mais ampla de tcnicas quevo muito alm da propaganda convencional.

    Os mercadlogos costumam alegar que as crianas esto se tornandomais poderosas neste novo ambiente comercial e que o mercado estatendendo s necessidades e desejos das crianas, que at agora tinhamsido ou simplesmente ignoradas ou marginalizadas, principalmente porcausa do domnio social dos adultos. No entanto, os crticos tm expres-sado uma preocupao crescente com a aparente comercializao dainfncia. Publicaes populares, reportagens da imprensa e campanhas

    tm abordado o que se pensa serem os efeitos perniciosos das influn-cias comerciais sobre a sade fsica e mental das crianas. Longe de setornarem mais poderosas, as crianas so vistas aqui tipicamente comovtimas de uma forma potente e altamente manipulativa da cultura doconsumidor, da qual quase impossvel escapar ou resistir.

    Neste artigo eu argumento que preciso olhar para alm desse topolarizado debate. H duas razes para isso. Primeiro, eu sugiro queos termos do debate em si so limitados e problemticos, refletindo as

    contnuas dificuldades das nossas concepes sobre a infncia. O debatesobre o consumo das crianas reflete noes binrias sobre a infnciae amalgama distines conceituais importantes que precisam ser man-tidas. Segundo, eu argumento que essas noes sobre crianas comoconsumidores deixam de abordar as maneiras pelas quais a prpria cul-tura do consumidor est se desenvolvendo e mudando atualmente. Euargumento que as tcnicas mais ubquas e participatrias que ora esto

    sendo usadas pelas companhias comerciais refletem um novo constructo

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    da criana-consumidora. Este novo constructo, por sua vez, exige querepensemos os termos do debate e alguns dos pressupostos bsicos da

    teoria da cultura do consumidor.

    Construindo a criana-consumidora:crticos, mercadlogos e tericos acadmicos

    No rastro do influente livro No Logo (Sem Logotipo) de Naomi Klein(2001), est havendo um grande nmero de publicaes crticas sobreas crianas e a cultura do consumidor: exemplos proeminentes incluemNascida para Comprar (Born to Buy) de Juliet Schor (2004), CrianasConsumidoras(Consuming Kids) de Susan Linn (2004) e Crianas--consumidoras (Consumer Kids) de Ed Mayo e Agnes Nairn (2009).Outros livros populares deste filo incluem discusses a respeito do con-sumo infantil em paralelo a argumentos mais amplos sobre o aparentedeclnio das noes tradicionais sobre a infncia como no caso de In-

    fncia Txica (Toxic Childhood) de Sue Palmer (2006) ou Uma BoaInfncia (A Good Childhood) de Richard Layard e Judy Dunn (2009).Os argumentos dessas publicaes no so, de modo geral, nada no-vos. Argumentos semelhantes foram discutidos em trabalhos da dcadade 1970, por exemplo, por grupos como Ao para a Televiso dasCrianas (Action for Childrens Television) nos Estados Unidos(HENDERSHOT, 1998); ou em anncios sobre a morte da infnciaque tm periodicamente aparecido ao longo dos dois ltimos sculos

    (por exemplo: POSTMAN, 1983). Mesmo assim, agora parece existirum renovado sentido de urgncia nessas alegaes.

    Tais livros tipicamente pressupem que as crianas viviam em ummundo essencialmente no comercial, ou em uma espcie de eradourada idlica. Muitos deles ligam a questo do consumismo a ou-tras preocupaes bem conhecidas sobre a mdia e a infncia: alm detransformar as crianas em consumidores prematuros, a mdia acusada

    de promover sexo e violncia, obesidade, drogas e lcool, esteretipos

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    sexuais e valores falsos, e de desviar as crianas de outras atividades ti-das como mais proveitosas. Esta uma litania bem familiar, que tende

    a amalgamar tipos muito diferentes de efeitos e influncias. Concebe acriana como um ser inocente, indefeso e incapaz de resistir ao poder damdia. Estes textos descrevem as crianas como se elas estivessem sendobombardeadas, assaltadas, assediadas, ou mesmo sujeitas a um bombar-deio de saturao por parte da mdia: as crianas esto sendo seduzidas,manipuladas, exploradas, sofrendo lavagem cerebral, programadas, asso-ciadas a marcas comerciais. E a soluo previsvel que os pais faam acontrapropaganda, censurem seus filhos pelo uso que fazem da mdia,ou simplesmente afastem seus filhos das influncias comerciais corrup-toras. Esses livros raramente incluem a voz das crianas, ou tentam levarem considerao suas perspectivas: trata-se essencialmente de um dis-curso gerado pelos pais em nome das crianas.

    Enquanto isso, tem havido um crescimento paralelo no discurso demarketing focado especificamente nas crianas. Aqui tambm h umalonga histria relacionada a este tipo de material. Como Dan Cook

    (2004) e Lisa Jacobson (2004) demonstraram, as primeiras dcadas dosculo XX viram os mercadlogos intensificarem sua ateno sobre ascrianas diretamente, em vez de se dirigir aos pais. Ao faz-lo, eles seesforaram para entender a perspectiva da criana e comearam o cons-tructo da criana como uma espcie de autoridade, inclusive por meiode pesquisas de mercado. Entretanto, esse tipo de discurso mercadol-gico tem se proliferado nos ltimos anos, principalmente em relao categoria recentemente identificada como os pr-adolescentes (tween).

    Exemplos mais recentes incluem Criando Sempre Cool(Creating EverCool) de Gene del Vecchio (1997) e Influncia Infantil (Kidfluence)de Beth Thompson (2003); embora o relato mais inf luente seja A Crian-a de Marca (Brandchild) de Martin Lindstrom (2003). O prprio nomeBrandchild se tornou uma marca.

    O contraste mais marcante entre esses relatos e os dos crticos da cul-tura do consumidor o diferente constructo da criana-consumidora.

    A criana vista aqui como sofisticada, exigente e difcil de agradar.

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    Os pr-adolescentes, segundo dizem, no so facilmente manipulados:eles so um mercado esquivo, at mesmo volvel, ctico quanto s ale-

    gaes dos publicitrios, e perspicazes na obteno do melhor valor pelodinheiro gasto (value for money); e para serem entendidos e captados preciso um esforo considervel. Obviamente, devido presso polticaque cerca atualmente a questo de marketing direcionado s crianas,principalmente em relao chamada junk food (comida lixo), os mer-cadlogos so propensos a argumentar que a propaganda tem muito pou-co efeito, e que as crianas so consumidores judiciosos. No entanto,essa ideia de criana como consumidor soberano frequentemente se jun-ta ideia da criana como cidado, ou um ator social autnomo, e coma noo dos direitos das crianas; e frequentemente acompanhada deuma espcie de antiadultismo uma abordagem muito aparente, porexemplo, no marketing do Nickelodeon, canal global de televiso paracrianas (BANET-WEISER, 2007; HENDERSHOT, 2004). Para usarum dos slogans-chave de marketing do Nickelodeon, no novo mundo dacultura de consumo das crianas, as crianas dominam.

    Estas noes contrastantes sobre consumo tambm aparecem nas te-orias e debates acadmicos. Por um lado, temos relatos que veem o con-sumo como uma espcie de traio dos valores humanos fundamentais.Deste ponto de vista, o prazer de consumir algo suspeito, uma questode ilegtima satisfao a curto prazo, ao contrrio dos prazeres aparen-temente legtimos da interao humana, da verdadeira cultura, ou dosentimento espontneo. Este argumento se sustenta na longa tradioda teoria crtica, desde Adorno e Marcuse (e, de fato, de crticos mais

    conservadores como F. R. Leavis e Ortega y Gasset) at os autores con-temporneos como Zygmunt Bauman (2007) e Benjamin Barber (2007).Para tais crticos, geralmente o consumo das outras pessoas que vistocomo problemtico: o argumento informado por uma espcie de elitis-mo, segundo o qual crticos geralmente brancos, do gnero masculinoe provenientes da classe mdia estigmatizam as prticas de consumodos outros das mulheres, das classes trabalhadoras e agora tambm das

    crianas (SEITER, 1993).

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    Por outro lado, h relatos que enfatizam a atuao dos consumidores,ou seja, sua capacidade de definir seus prprios significados e prazeres, e

    de exercer poder e controle. Tais relatos foram particularmente proemi-nentes nos Estudos Culturais do ps-modernismo no incio da dcadade 1990 (por exemplo: FISKE, 1990; FEATHERSTONE, 1991), em-bora tenham ressurgido com mais alguns relatos celebrantes de fs e dachamada cultura participatria (JENKINS, 2006). Longe de serem v-timas passivas do mercado, os consumidores aqui so considerados comoativos e autnomos; e commodities podem receber mltiplos significadospossveis, que os consumidores podem selecionar, usar e retrabalhar paraseus prprios objetivos. Ao se apropriarem dos recursos simblicos queencontram no mercado, os consumidores esto se engajando no proces-so produtivo e consciente de criao de um estilo de vida individual ede armar um constructo ou moldar suas identidades. Ao faz-lo, elesso vistos como estando se esquivando ou resistindo ao controle do queFiske (1990) chama de o bloco do poder.

    Admito que esbocei esses debates em termos um tanto severos e exa-

    gerados. Contudo, h uma clara polarizao nos relatos da cultura doconsumidor e especificamente das crianas como consumidores querelembra uma polarizao muito mais ampla dentro das cincias huma-nas em geral, entre estrutura e atuao (agency). Em relao s crian-as, isto resulta tipicamente em um impasse entre duas noes sobre acriana diametralmente opostas: a criana como vtima inocente versusa criana como um ator social competente. Por um lado, ns temos queproteger as crianas contra a explorao e manipulao; por outro, temos

    que estender seus direitos para que alcancem o poder de autodetermina-o e autonomia. Em relao ao consumo infantil, isto leva a uma sriede oposies binrias que tendem a dominar o debate. As crianas soconsumidores ativos ou passivos? Elas so versadas no assunto ou inocen-tes, competentes ou incompetentes, poderosas ou impotentes?

    Discutirei mais a seguir, neste captulo, alguns dos problemas maistericos deste debate e apontarei alguns meios possveis de se ir alm

    do que se tornou uma espcie de impasse conceitual. No entanto, que-

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    ro inicialmente descrever algumas das maneiras em que o mercado in-fantil est mudando. Em minha opinio, essas mudanas representam

    um modo diferente de conceber ou de armar o constructo da criana--consumidora; e isto, por sua vez, significa que precisamos desenvolverdiferentes teorias e metodologias de pesquisa. Novos desenvolvimentosno mercado direcionado s crianas, novas tcnicas e estratgias de ma-rketing, e novos discursos sobre o consumidor infantil parecem tornarredundantes as oposies binrias que descrevi acima, e requerem quefaamos algumas novas perguntas.

    Crianas: um mercado crescente, mas incerto

    Estimativas do tamanho do mercado infantil so at certo ponto va-riveis e, por vezes, parecem bem exageradas. O guru de marketinginfantil Marin Lindstrom (2003), por exemplo, sugere que as crianasentre 8 e 14 anos nos Estados Unidos gastam cerca de $150 bilhes

    por ano, controlam outros $150 bilhes do dinheiro dos seus pais einf luenciam os gastos familiares em at $600 bilhes por ano. Ele afir-ma que as crianas podem ser responsveis por quase dois trilhes dedlares de gastos globais por ano. Os dados referentes Europa tendema ser mais modestos. No Reino Unido, uma pesquisa anual sobre asmesadas dadas s crianas sugere que, entre os 7 e 16 anos, as crianasrecebem em mdia 35 por ms, totalizando quase 80 milhes umdado que aumentou 600% nos ltimos 20 anos (HBOS, 2007). Estima-

    -se que o custo de criar uma criana desde o nascimento at a idadede 21 anos ultrapasse 220,000, uma cifra que vem crescendo bemmais rapidamente do que a inflao (LIVERPOOL Victoria FriendlySociety, 2010).

    Do ponto de vista de marketing, as crianas geralmente desempe-nham trs papis principais. Elas representam um mercado cada vezmais significativo por si s, por gastarem sua prpria renda disponvel,

    obtida como presentes e trabalho em tempo parcial, bem como mesadas

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    regulares. Contudo, elas tambm representam uma maneira importantede se chegar at os adultos: a influncia que as crianas exercem sobre

    as compras dos adultos mais significativa economicamente do que oque os adultos compram para eles mesmos, podendo incluir as escolhasde frias, carros, novas tecnologias e outros bens de consumo caros. Emterceiro lugar, as crianas so vistas como um mercado do futuro umpotencial de mercado com quem as empresas desejam estabelecer re-lacionamentos e lealdades que esperam que sejam mantidas at a idadeadulta (MCNEAL, 1999).

    Apesar disso, o mercado infantil muito mais voltil e incerto doque o do adulto. A taxa de falha de novos produtos muito mais altano mercado infantil do que no mercado adulto (MCNEAL, 1999);e enquanto enormes quantias de dinheiro indubitavelmente possamprovir de marcas comerciais e de uma gama de produtos bem-suce-didos, h sempre um alto grau de risco. A histria dos modismos in-fantis (tais como Pokemon ou Tartarugas Ninjas) mostra recorrenteslinhas de altos e baixos, que as companhias tm grandes dificuldades

    em prever ou gerenciar (TOBIN, 2004). No auge de um modismo,pais desesperados chegam a passar horas em filas em lojas de brinque-dos para comprar um produto escasso; enquanto que, dali a poucosmeses, vastas quantidades do mesmo produto estaro sendo jogadasno lixo. At mesmo as marcas bem estabelecidas no esto imunes aodesafio da competio, como demonstrado recentemente pela guerradas bonecas entre a gama das Barbies e das Bratz (CLARK, 2007).Uma abordagem utilizada pelos mercadlogos na tentativa de geren-

    ciar o risco no mercado infantil a segmentao, embora esta abor-dagem apresente algumas consequncias ambivalentes. De um lado,a segmentao fornece um meio para os mercadlogos gerenciaremo risco, para saberem e talvez exercerem um maior controle sobre osmercados potenciais; mas quanto mais segmentados os mercados, me-nores eles se tornam. A lgica ento aponta para a globalizao: osmercados nacionais menores podem ser agregados a mercados muito

    maiores se eles forem abordados em uma escala global embora esta

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    opo exija, por sua vez, que os produtos sejam produzidos para consu-mo global em vez de consumo nacional, o que exige clculos difceis

    sobre especificidade cultural (BUCKINGHAM, 2007).Portanto, a diferenciao baseada no sexo dos consumidores torna-se

    um fator-chave, particularmente no caso de crianas mais jovens, ondeo mercado fortemente polarizado entre azul e rosa. Quanto a istoh riscos substanciais para os mercadlogos que tentam cruzar a linhaa fim de atrair os dois grupos. Antigamente, era sabedoria comum entreos mercadlogos que, para terem sucesso, precisavam atrair os meninosantes as meninas provavelmente comprariam os produtos direcionadosaos meninos, embora os meninos se sentissem menos confortveis comprodutos considerados como sendo coisas de meninas (SCHNEIDER,1987). As anlises mais recentes dos anncios contemporneos de brin-quedos sugerem que esta polarizao continua (GIFFITHS, 2002); ealguns produtos (e de fato at canais inteiros de televiso) so por ve-zes desenvolvidos em verses distintas para meninos e para meninas.Ainda assim, enquanto os crticos argumentam que o mercado produz

    ativamente ou pelo menos refora essas distines entre os sexos e iden-tidades, seria claramente de interesse comercial para os mercadlogosminimizar tais diferenas (e, assim maximizar o tamanho do mercado)ao invs de acentu-las.

    Da mesma forma, as diferenas de idade tambm so altamente sig-nificativas, embora complexas para gerenciar. Dividir as crianas emuma srie de nichos de mercados, definidos por idade, faz com que no-vos produtos possam ser vendidos em etapas diferentes, enquanto outros

    so descartados ou ultrapassados; e a histria do marketing infantil tempresenciado a construo progressiva de novas categorias definidas poridade, tais como, crianas pequenas, adolescentes e, mais recente-mente, pr-adolescentes (COOK, 2004). No entanto, as crianas nemsempre agem de acordo com a sua idade. Enquanto crianas mais jo-vens podem muito bem desejar consumir produtos que parecem destina-dos s mais velhas que elas, as crianas mais velhas muito provavelmente

    no desejam se associar a itens que so considerados como infantis

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    demais para elas. Os produtos comerciais servem como marcadores po-derosos, mas tambm bastante ambivalentes, das identidades de idade

    embora aqui tambm seja bem difcil para os mercadlogos gerencia-rem e controlarem os significados que as crianas produzem.

    Novas tcnicas de marketing

    Uma outra maneira pela qual os mercadlogos tentam gerenciar o risconos mercados infantis atravs do uso de novas mdias e novas tcni-cas. Destaca-se entre essas o surgimento do marketing integrado e demulticanal, s vezes tambm chamado de marketing 360 graus ou demarketing sinrgico. Esta prtica tem se evidenciado principalmentena maioria dos modismos dominantes e nas gamas de produtos infan-tis dos ltimos 30 anos: exemplos de sucessos atuais incluem o HighSchool Musical e Hannah Montana da Disney e Harry Potterda WarnerBrothers, assim como personagens de franquias direcionadas s crianas

    mais jovens, tais como Bob o Construtor (Bob The Builder) e Tomse Seus Amigos (Thomas the Tank Engine). Em cada caso, as caracters-ticas ou benefcios nicos (core) do texto ou produto o esteio de umagama sempre crescente de produtos e mercadorias adicionais.

    Isto obviamente no um desenvolvimento recente. Disney oexemplo mais conhecido desse fenmeno: desde o princpio dos clubesdo Mickey Mouse (que comearam nos cinemas na dcada de 1930 epassaram televiso nos meados da dcada de 1950), o merchandising

    tem sido um aspecto indispensvel do empreendimento e at mesmoserviu para sustentar a operao de produo de mdia (BRYMAN,1995; CORDOVA, 1994; WASKO, 2001). Entretanto, com o adventodos chamados infomerciais na televiso americana no final da dca-da de 1970, os desenhos animados produzidos ou encomendados pelascompanhias de brinquedo como vitrines para seus produtos, a mdia eo merchandising tornaram-se inextricavelmente ligados. A presena de

    tais produtos de marca em tantos setores da mdia e do mercado, incluin-

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    do no somente brinquedos, mas tambm roupas, comidas, presentes edemais parafernlias, torna efetivamente impossvel de evit-los, gerando

    um crculo vicioso de promoo mtua e onipresente.Nesse contexto, a propaganda tradicional (por exemplo, na televiso

    ou na imprensa) est se tornando gradualmente redundante e de fa-to produtos como os produtos Pokemon nunca foram anunciados comotal. Os reclames tradicionais esto em declnio, e uma parcela crescentedos oramentos de marketing agora gasta em outras formas de promo-o, relaes pblicas e identificao de marcas. Os mercadlogos tam-bm esto desenvolvendo uma gama de novas tcnicas, muitas das quaisso especialmente predominantes nos mercados infantis e juvenis(MONTOMERY, 2007). Dentre elas, incluem-se:

    Colocao de Produto (Product placement): no uma nova estrat-gia em si, mas sim uma prtica que est se tornando mais comum emuma gama de mdias, e que foi recentemente legalizada na Europa(mas no para programas infantis);

    Outros mtodos de embutir mensagens comerciais, por exemplo,atravs do uso de propaganda em jogos de esportes no computadorou nas mdias sociais online;

    Advergames, atravs dos quais os jogadores se envolvem em jogos(mais obviamente em websites da companhia) usando imagens oucontedo comercial ou de marca;

    Marketing viral, pelo qual uma mensagem comercial (em forma dee-mails ou torpedos ou imagens via SMS) passada de um usurio a

    outro; Marketing de imerso e a coleta de dados pessoais em redes sociais

    online, tantos os sites pagos quanto os sites de marca gratuitos; Redes Sociais, especialmente o uso de aplicaes que envolvem

    usurios em competies apresentando produtos e servios de marca,o uso de materiais de marca (tais como os skins ou fundos), e os mo-dos pelos quais os usurios so convidados a definir e construir seus

    prprios perfis quanto a suas preferncias de bens de consumo;

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    Patrocnio: mais uma vez, uma estratgia bem estabelecida, mas queparece estar se tornando mais difundida, principalmente como parte

    das muitas privatizaes de instituies pblicas, eventos e servios(por exemplo, em educao);

    O peer-to-peer marketing, pelo qual lderes de opinio so recrutadose pagos como defensores da marca ou embaixadores que iro ati-vamente exibir e defender o uso de certos produtos dentro de seusgrupos de convivncia (a onipresente exibio de logotipos em roupasde marca pode ser vista como uma forma mais suave dessa prtica);

    O cultivo comercial das formas da cultura de fs que envolvemcolecionar produtos (em geral os que tm um valor de raridade in-duzido pelo mercado), ou criar formas de arte de fs (por exemplo,criar e circular material de vdeo reeditado);

    O chamado contedo gerado pelo usurio, pelo qual as companhiasrecrutam consumidores para criar blogs ou vdeos online (ou entose disfararem de consumidores comuns para faz-lo), promovendoassim marcas comerciais ou produtos especiais.

    Essas novas tcnicas so bastante diversas, e algumas podem vir a termuito mais sucesso do que as outras embora os gastos com tais abor-dagens estejam sem dvida alguma crescendo bastante atualmente. Noentanto, elas tm certas qualidades em comum. Em sua maioria, elasrelacionam-se com marcas comerciais (branding), criando um conjuntode valores e emoes associadas marca e no com o marketing deprodutos especficos. Muitas dessas tcnicas dependem em grande parte

    do uso da mdia digital, com seu imediatismo de acesso, sua capacidadede networking, e seu aparente poder de seduo por causa do seu aspec-to jovem, assim como com sua capacidade de vigilncia do comporta-mento do consumidor. Muitas so personalizadas no sentido de queparecem agradar e responder aos desejos e necessidades do indivduo, aoinvs de dirigir-se a ele enquanto membro de um mercado de massa. Es-sas tcnicas so em geral enganadoras ou furtivas no sentido de que su-

    as intenes persuasivas no se mostram, como, por exemplo, atravs de

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    mensagens comerciais embutidas em outros contedos, e no so clara-mente identificveis, como o caso dos comerciais de televiso ou propa-

    gandas online em banners. Finalmente, muitas delas so participativasou interativas, pois requerem um engajamento positivo do consumidor,que pode ser convocado a se engajar ativamente com a comunicao,enviando-a a outros, ou mesmo ajudando a criar a mensagem.

    Em todos esses aspectos, estas novas tcnicas refletem tendnciasmuito mais amplas na atual cultura do consumidor, que se aplicam aadultos e crianas tambm. Ao invs de adotar tcnicas agressivas de ven-da (hard sell), os mercadlogos precisam cada vez mais levar em conta oceticismo e a possvel resistncia dos consumidores. O consumidor de-finido e abordado no como se fosse vulnervel e aberto manipulao,mas sim esperto, sofisticado e conhecedor. Esta abordagem tambmtem uma longa histria, que remonta pelo menos ao final da dcada de1950 (FRANK, 1997), mas que se tornou cada vez mais de rigueurnessesetor. O objetivo aqui no tanto vender produtos especficos, mas simengajar-se com o sentido de atuao pessoal do consumidor e criar vn-

    culos (bonding) nas relaes entre consumidores e marcas comerciais(ARVIDSSON, 2006).

    Consumidores conhecedores?

    Os crescentes riscos e incertezas do mercado infantil tambm outor-gam grande valor ao conhecimento. Os mercadlogos nunca podem ter

    a certeza de que eles conhecem totalmente as crianas ou que pos-sam adivinhar seu comportamento. Devido a isso, um prspero negciode pesquisa cresceu em torno desse mercado infantil, buscando agora oacesso direto s perspectivas das crianas, em vez das perspectivas dospais. Estas epistemologias comerciais (COOK, 2000) inspiram-se nasferramentas criativas e etnogrficas para acessar a voz das crianas,tcnicas essas desenvolvidas dentro de disciplinas acadmicas como An-

    tropologia e Estudos Culturais. Por exemplo, pesquisadores chegam a

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    visitar as crianas repetidamente em seus lares, passando longos per-odos com elas nos espaos mais privativos como quartos e banheiros.

    Filmam crianas brincando e entretidas em tarefas corriqueiras comocomer, usando esses mtodos porque entrevistas nem sempre revelamos comportamentos que as crianas no gostam de admitir (como, porexemplo, brincar com brinquedos que elas acham ultrapassados para suaidade). Desta forma, os pesquisadores tm acesso a novas informaesque podem ser usadas comercialmente: por exemplo, ver crianas brin-cando com frascos de espuma de banho vazios inspirou um novo designpara a embalagem (SCHOR, 2004).

    Da mesma forma, na prtica conhecida como pesquisa de tendncias(cool hunting), jovens podem ser recrutados como consultores paraopinar sobre produtos e anncios, ou serem pagos para rastrear tendn-cias nos grupos de seus pares (peer groups). Por exemplo, Dubit, umaempresa britnica de pesquisa sobre jovens, mantm um website parajovens e paga-os para responder a pesquisas sobre novas campanhas pu-blicitrias, tecnologias ou produtos, alm de bate-papo (chats) e jogos.

    A mdia digital tambm oferece novos meios de coletar e acessar da-dos sobre o comportamento do consumidor. A prtica de minerao dedados (data mining) envolve a coleta, agrupamento e anlise de dadossobre os consumidores, baseando-se ou em suas respostas a solicitaesonline ou em questionrios, ou (mais veladamente) atravs do uso decookies que rastreiam seus movimentos online. Tais prticas so ampla-mente usadas em sites de redes sociais e nos ambientes online, e no so-mente em sites de compras ou sites de marcas comerciais. Dessa forma,

    as mdias, geralmente celebradas por sua habilidade de outorgar poderaos consumidores, tambm fornecem meios poderosos de vigilncia.

    As empresas que operam nesse mercado caracteristicamente alegamoferecer percepes privilegiadas das opinies e perspectivas dos jovens.Sua pesquisa frequentemente alinhada retrica de outorgar poder(empowerment ) identificada anteriormente: os jovens so geralmentedescritos como autodeterminados, autnomos e naturalmente espertos

    em suas transaes com o mundo comercial. As crianas, pelo que pa-

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    rece, querem estar no controle, serem ouvidas, notadas, respeitadas ecompreendidas: elas no devem ser tratadas como se fossem inferiores.

    Elas podem reconhecer quando os anunciantes esto tentando mani-pul-las; e assim como adotam novas tendncias rapidamente, com amesma rapidez mudam de gostos. Como tal, as crianas enquanto con-sumidores so extremamente poderosas e influentes: elas conseguemo que querem e quando o querem (SUTHERLAND; THOMPSON,2001). Esta nova retrica da criana-consumidora competente tambmest alinhada com o conhecido discurso sobre os jovens e a tecnolo-gia. As crianas so representadas como operadores digitais natos, quenasceram com um mouse na mo, como diz Lindstrom (2003). Comotal, a melhor maneira de se aproximar delas atravs das tcnicas de tipoparticipativo que identifiquei anteriormente. Enquanto os ativistas fre-quentemente se alarmam com a natureza enganadora e invasiva de taisabordagens, para os mercadlogos, essas abordagens so uma maneira deoutorgar poder, fornecendo os meios para que as crianas registrem su-as necessidades, se expressem e construam sua autoestima, definam seus

    prprios valores e desenvolvam independncia e autonomia.Ainda assim, mesmo que seus mtodos e discursos possam parecerrelativamente inovadores, as teorias que inspiram tais empresas para ex-plicar os jovens so geralmente muito mais tradicionais: a hierarquiade necessidades de Maslow e a psicologia do desenvolvimento de Piagetso frequentemente citadas, juntamente com a psicologia pop e teoriassimplistas das mudanas generacionais. Apesar de toda nfase no novo,os mercadlogos tambm so aconselhados a abordar as necessidades

    que so vistas como de certa forma atemporais e inatas: necessidadesde domnio, estabilidade, fantasia, romance e rebeldia etc.. As crianasde diferentes idades so vistas como quem procura uma identidade,buscando identificar-se com um modelo a ser seguido, comeando adesenvolver e entender seu prprio poder no mundo, ou indo atrs depoder, liberdade, divertimento e pertencimento asseres que pare-cem fazer pouco mais do que repetir os trusmos do senso comum sobre

    a infncia (SIEGEL et al., 2001).

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    tica e teorias: para alm dos binrios

    Estas novas prticas indubitavelmente suscitam novas questes ticas. Osregulamentos que se aplicam propaganda convencional (por exemplo,na televiso) ainda no se aplicam online, ou a estas formas de marke-ting mais penetrantes. Muitas das novas tcnicas de marketing embaamos limites entre mensagens promocionais e outros contedos, tornandopossvel embutir propaganda em contextos onde menos provvel queela seja reconhecida como tal. Geralmente, essas tcnicas acarretam acoleta, agregao e uso de dados pessoais sobre consumidores sem quenecessariamente eles fiquem cientes disso; e crianas podem tambm serlevadas ou solicitadas a fornecer informaes pessoais sobre outras pesso-as, como pais ou amigos, sem seu conhecimento, causando srias dvi-das sobre privacidade (BUCKINGHAM et al., 2007; LIVINGSTONE,2006; NAIRN; MONKOL, 2007). O peer-to-peer marketing e o marke-ting viral representam uma maneira moderna do boca a boca, emboraeles tambm dependam de um certo grau de logro, pelo qual os usurios

    (e no as empresas) so vistos como os autores, ou pelo menos como osdistribuidores de mensagens comerciais. H tambm uma preocupaojustificada com as crianas cada vez mais jovens sendo recrutadas parapesquisa de mercado, e os objetivos de tal pesquisa nem sempre sendoclaramente explicados. Pode haver outras violaes de privacidade nestecaso, visto que tais pesquisadores esto cada vez mais interessados noestudo da criana no habitat natural de seus lares ou da convivnciacom seus pares (peers).

    Tais problemas por sua vez suscitam outras questes sobre se as crian-as compreendem as motivaes e prticas comerciais, e mais ampla-mente sobre a competncia delas como consumidores. Recentementealgumas pesquisas comearam a tentar entender melhor como as crian-as se engajam com essas novas prticas (por exemplo: NAIRN; DEW,2008), embora haja pouca razo para se pensar que as crianas sejammenos versadas nessas prticas, ou de fato mais vulnerveis a embuste

    do que os adultos. H preocupaes bem fundamentadas a esse respei-

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    to. Mesmo assim, as questes suscitadas tambm vo alm de questessobre a competncia infantil, ou a falta dela. As crianas (ou at mesmo

    adultos) podem ser mais ou menos versadas em tais tcnicas, mas esseconhecimento em si no concede o poder de resistir a elas. Alm domais, o fato de que as crianas cada vez mais so abordadas e engajadascomo participantes ativos no significa necessariamente que elas te-nham maior atuao ou poder.

    Como sugeri, esses desenvolvimentos podem ser considerados comorepresentando uma mudana paradigmtica muito mais geral na nature-za da cultura do consumidor, afastando-se de um modelo de marketingde massa e aproximando-se de um modelo muito mais penetrante, maispersonalizado e mais participativo. Nesse contexto, a atuao dos consu-midores est sendo produzida e engajada em novas maneiras. Oposiesfceis do tipo daquelas mencionadas inicialmente entre o ativo e o pas-sivo, o versado e o inocente, o competente e o incompetente, o poderosoe o impotente no se aplicam mais. Precisamos olhar para alm de talpensamento binrio, na direo de uma compreenso mais complexa

    sobre as prticas de consumo das crianas.No final das contas, as limitaes de grande parte das discusses sobreeste assunto derivam de seus pressupostos mais amplos sobre a infncia.Parece que se supe que haja um estado natural da infncia que foi des-trudo ou corrompido pelos mercadlogos, ou ento que as necessidadesinatas reais das crianas estejam de alguma forma sendo reconhecidase abordadas, mesmo que pela primeira vez. Acredita-se tambm que hajaalgo de especial na condio de ser criana que a torna necessariamente

    mais vulnervel, ou at espontaneamente mais sbia e sofisticada, porexemplo, no seu uso da tecnologia; e que o adulto esteja de certo modoisento destes argumentos.

    Fora o sentimentalismo desses pressupostos, este tipo de polarizaodeixa de reconhecer alguns dos paradoxos aqui presentes. Por exemplo, inteiramente possvel que as crianas (ou de fato os adultos) possamser leitores de mdia ativos e sofisticados, mas passveis mesmo assim de

    serem influenciados; ou que realmente uma iluso de autonomia e de

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    escolha possa ser um dos pr-requisitos da atual cultura do consumi-dor.Atividade no necessariamente o mesmo que atuao (agency). Ao

    mesmo tempo precisamos reconhecer as dificuldades, riscos e incertezasgenunas que tm os mercadlogos quando realmente alvejam as crian-as e que o poder dos mercadlogos talvez seja mais limitado do quegeralmente se pensa.

    Teoricamente, a questo aqui tipicamente colocada em termos darelao entre estrutura e atuao (BUCKINGHAM; SEFTON-GREEN,2003). Quanto estrutura, o mercado claramente tenta montar um cons-tructo e definir a criana-consumidora; oferece s crianas definiespoderosas de seus prprios desejos e necessidades, fazendo-as ao mesmotempo supor que vai satisfaz-los. Apesar disso, no que diz respeito suaatuao, as crianas tambm montam um constructo e definem suasprprias necessidades e identidades, inclusive pela maneira como elas seapropriam e se servem dos bens de consumo. O paradoxo do marketingcontemporneo que est destinado a montar um constructo de crian-as como seres ativos, desejosos e autnomos, e em alguns aspectos resis-

    tindo aos imperativos dos adultos, e ao mesmo tempo tentando faz-lascomportarem-se de certas maneiras. Como tal, positivamente equivo-cado ver esta relao em termos de uma simples oposio entre estruturae atuao, ou como uma espcie de jogo com resultado nulo, em quemais de um automaticamente significa menos de outro. A estrutura pre-cisa de atuao, mas esta s funciona atravs da estrutura: neste sentidocada uma produz ativamente a outra.

    Consumo fora do contexto

    O outro problema recorrente deste debate polarizado sua tendncia dedesviar a ateno das outras causas possveis dos fenmenos em questo.Isto acontece principalmente porque o consumo infantil removido doscontextos sociais em que ele ocorre, e que de fato ajuda a produzir. Gran-

    de parte da pesquisa deste assunto se concentra nas respostas das crian-

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    as aos anncios especialmente a propaganda na televiso em vezde outros aspectos de marketing ou de consumo. Uma boa parte da pes-

    quisa tambm diz respeito ao comportamento aquisitivo (ou aspectos dapr-compra, tais como a busca de informaes, preferncia e escolha);e relativamente pouco com a maneira como as crianas se apropriam eusam os produtos em seu dia a dia. Como tal, este estudo centra-se numaspecto relativamente reduzido do nexo mais amplo de produo, distri-buio, circulao e consumo.

    Grande parte da pesquisa neste campo tem sido feita por psiclogos,que seguem duas principais tradies: os efeitos da mdia e a socia-lizao do consumidor. Ambas as abordagens tm sido extensamentecontestadas no que diz respeito a suas bases metodolgicas, o que no preciso abordar aqui. O que mais significativo neste contexto so asquestes tericas e polticas dessas abordagens. A pesquisa de efeitos,como diz o nome, obviamente se baseia na opinio de que os relacio-namentos da criana com a mdia so uma questo de causa e efeito.Uma perspectiva behaviorista clssica (que, s vezes, erroneamente

    denominada teoria do aprendizado social) concebe este processo emtermos de estmulo e resposta, cujo exemplo mais bvio seria a imita-o. Deste ponto de vista, os anncios televisivos so considerados comoproduzindo efeitos diretos sobre os telespectadores no somente nosentido de comportamento aquisitivo, mas tambm no sentido de atitu-des e valores. Expoentes mais sofisticados desta abordagem postulam aexistncia de variveis intervenientes (tanto as diferenas individuaiscomo os fatores sociais) que se interpem entre o estmulo e a resposta,

    e assim mediam qualquer efeito potencial, embora o modelo bsico decausa e efeito continue sendo aplicvel. Esta espcie de pesquisa im-plicitamente concebe a criana-consumidora como uma tbula rasa uma superfcie em branco, sobre a qual os mercadlogos escrevem suasmensagens perniciosas.2

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    Apud LOBE, B.; LIVINGSTONE, S.; HADDON, L. Researching children's experiences on the Internet acrossCountries: Issues and Problems in Methodology. 2007.

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    Em contraste, a pesquisa sobre a socializao do consumidor ten-de a se basear nas estruturas da psicologia do desenvolvimento, propon-

    do uma sequncia de idades e estgios em maturao (JOHN, 1999;MCNEAL, 2007). Deste ngulo, o desenvolvimento das crianas comoconsumidores est relacionado ao desenvolvimento de habilidades e ca-pacidades cognitivas mais gerais, tais como a capacidade de processarinformaes, de compreender as perspectivas dos outros, de pensar e re-fletir de maneira mais abstrata, e de considerar mltiplos fatores que po-dem influir na tomada de deciso. Considera-se que, influenciado pelospais e pelos pares (peers), assim como pela mdia e marketing, o com-portamento de consumidor das crianas torne-se gradativamente maisautnomo, consistente e racional. Esta abordagem inevitavelmente levaa um modelo de dficit sobre como as crianas entendem, interpretame agem sobre o mundo; elas so vistas simplesmente em termos do queelas no tm. A concepo de socializao aqui fundamentalmenteteleolgica: considera o desenvolvimento como uma progresso lineardirigida a um fim que a racionalidade adulta. Juntamente com a psico-

    logia do desenvolvimento em termos amplos, esta abordagem tambmnegligencia os aspectos emocionais e simblicos do comportamento doconsumidor, favorecendo mais os aspectos cognitivos e intelectuais.

    Os crticos dessa abordagem argumentam que preciso uma con-siderao mais sociocultural da socializao do consumidor. KerinEkstrom (2006), por exemplo, prope que a socializao do consumi-dor um processo contnuo, que ocorre pela vida toda, e no algo quetermina efetivamente ao entrarmos na vida adulta; que varia entre os

    diferentes grupos sociais e culturais, e atravs dos tempos; e que envolvediferentes experincias de vida e contextos de consumo. Como tal, nopode haver apenas uma nica definio do que seja um consumidorcompetente. Ekstrom tambm argumenta que as crianas devem servistas como participantes ativos no processo de socializao, e no comoreceptores passivos de inf luncias externas. Da mesma forma, Dan Cook(2010) prope que a noo de socializao deveria ser substituda pela

    noo de enculturao, que, segundo ele, ajudaria a ir alm da abor-

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    dagem normativa e monoltica adotada pela pesquisa da socializaodo consumidor. Ele argumenta que as crianas j esto implicadas na

    cultura do consumidor mesmo antes do nascimento; e que em lugar deprocurar avaliar o conhecimento infantil no abstrato, precisamos consi-derar como esse conhecimento usado (ou no) na prtica social diria.Aprender a consumir visto aqui no como uma questo de transmissoem uma via de mo nica, dos pais criana, mas, pelo contrrio, comoum processo de negociao envolvendo vrios agentes sociais, em quemltiplos significados entram no jogo.

    Como objeto de investigao psicolgica, as crianas tendem a serconsideradas e definidas de maneiras especficas. O primeiro interesseest nos processos mentais internos de cognio ou emoo: o contextosocial predominantemente entendido como uma varivel ou influn-cia externa. As crianas tambm so conceitualizadas principalmenteem termos de desenvolvimento isto , em termos de sua progresso emdireo ao objetivo de atingir a maturidade adulta. E, metodologicamen-te, grande parte do foco se concentra sobre o que as crianas pensam

    ou dizem que pensam, geralmente em respostas a testes psicomtricos e no no que elasfazem, nem sobre como usam seu conhecimento navida diria. De modo geral, as crianas no so consideradas aqui comoatores sociais independentes: como diriam os socilogos da infncia, elasno so consideradas sendo, mas apenas tornando-se (cf. LEE, 2001).

    Politicamente, este tipo de abordagem tambm alimenta o jogo fami-liar de culpar a mdia. Por exemplo, h uma tendncia crescente emmuitos pases de culpar os mercadlogos e anunciantes pelo aumento

    da obesidade infantil, e este um assunto que tambm est se tornandoinquietador para os pesquisadores (BUCKINGHAM, 2009a, b). No en-tanto, pode haver muitas outras razes complexas para esse fenmeno.De fato, os pobres correm um risco maior de se tornarem obesos, e istoest claramente relacionado com a disponibilidade e o preo do alimen-to fresco, e com o tempo disponvel para as pessoas fazerem as compras eprepararem suas refeies. O aumento da obesidade pode tambm estar

    relacionado com o crescimento da cultura do carro, com o fato de que

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    as crianas (pelo menos em alguns pases) se movem de um lugar ao ou-tro com muito menos independncia, e que as reas pblicas de lazer es-

    to sendo privatizadas. Como acontece com os debates sobre a violnciana mdia, culpar a mdia oferece aos polticos a oportunidade de desviara ateno de outras causas possveis, e ao mesmo tempo de serem vistoscomo se estivessem fazendo alguma coisa a respeito do problema.

    Consumo em contexto

    O ponto chave aqui que no h muito sentido em abstrair o relaciona-mento das crianas com a propaganda, ou seu comportamento de con-sumidor, do contexto social e histrico mais amplo. De fato, a prpriadistino entre consumo e o contexto no qual ele acontece pode serequvoca: mais apropriado considerar o consumo como uma forma deprtica social, e como uma dimenso de outras prticas sociais que co-letivamente constroem contextos. Em uma sociedade capitalista, qua-

    se todas as nossas atividades e relacionamentos sociais esto embutidosem relaes econmicas. O mercado infantil funciona atravs e com afamlia, com o grupo de pares (peers) e, cada vez mais, com a escola.Precisamos discutir como as prticas de consumo so realizadas nessesdiferentes cenrios, como elas ajudam a definir os prprios cenrios, ecomo elas esto envolvidas na gerncia do poder, tempo e espao. Aofaz-lo, precisamos ir alm da noo de consumidor como um indivduoindependente, e alm das noes individualistas de desejo, identidade

    e estilo de vida, para ento focar em relacionamentos e reciprocidade.Johansson (2010) indica a Teoria Ator-Rede como uma alternativa

    a essa viso individualista, por causa da sua nfase em conexes, redese fluxos. A atuao (agency) vista aqui no como uma possesso doindivduo, mas sim como algo que exercitado em situaes e eventosespecficos, e por meio de aglutinaes de atores humanos e no hu-manos (incluindo objetos, artefatos e textos). Esta abordagem tem muito

    em comum, a meu ver, com o circuito da cultura que caracterstico

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    dos Estudos Culturais (DU GAY et al., 1997; BUCKINGHAM, 2008),principalmente porque vai alm da dicotomia da estrutura e atuao:

    no se v o poder nem com os consumidores nem com os produtores,mas precisamente nas inter-relaes entre eles.

    Os estudos antropolgicos e sociolgicos sobre a infncia come-aram a abordar essas dinmicas em outras reas da vida infantil(QVORTRUP et al., 2009); e em estudos recentes esta abordagem come-ou a ser aplicada s prticas de consumo dirio das crianas, assim comode seus pais (MARTENS et al., 2004). Este estudo aborda questes cen-trais relativas construo das identidades da infncia e uma mais amplaordem das geraes, derivada da Sociologia da Infncia e dos EstudosCulturais, e tambm dos estudos antropolgicos da cultura material(BUCKINGHAM; TINGSTAD, 2010; BUCKINGHAM, 2011).

    Um ponto de especial interesse aqui como o consumo produz e sus-tenta hierarquias de status e autoridade nos grupos de pares (peers) dascrianas. Assim sendo, algumas pesquisas mostram como as compras devesturio das crianas podem se tornar motivo de ansiedade sobre status

    e pertencimento, assim como de diverso e criatividade (BODEN et al.,2004). At que ponto o conhecimento da cultura do consumidor funcio-na como uma espcie de capital cultural (ou subcultural) para as crian-as? Como as hierarquias de gosto e de ser maneiro (cool) dentro dogrupo de seus pares (peers) se relacionam com as hierarquias da cultu-ra adulta (por exemplo, de classe, etnicidade ou sexo)? Como poderiamtais hierarquias funcionar com ou contra os imperativos da cultura doconsumidor (por exemplo, ao transformar o maneiro em no maneiro

    da noite para o dia)? Como interpretamos a retrica anticonsumista dealgumas formas da cultura da juventude, e as maneiras pelas quais elafoi apropriada pelo chamado consumo tico?

    Outro ponto de interesse aqui a mudana do papel dos pais, e as ex-pectativas sociais em torno disso. Gary Cross (2004) identificou a tensosimblica entre o desejo dos pais de proteger a criana, de usar a infnciacomo uma poca para educao pedaggica, e o desejo de permitir que

    as crianas tenham um espao para se expressarem, para aproveitarem

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    a liberdade que eles prprios (os pais) perderam. Como os pais passamcada vez menos tempo com seus filhos, eles tendem a compensar isso

    oferecendo bens de consumo. Como tal, ser pai ou me hoje em dia en-volve operaes do mercado cada vez mais, e mesmo assim os pais veemisto com bastante ambivalncia (PUGH, 2009).

    Outros estudos abordaram a experincia dos jovens que se acham exclu-dos da cultura do seu grupo de pares (peers) por no terem acesso a bensde consumo (por exemplo: CHIN, 2001; CROGHAN et al., 2006). Nemtodos os consumidores tm a mesma capacidade de participar, uma vez queessa participao no depende somente de criatividade, mas tambm dacapacidade de acessar recursos materiais: o mercado no um mecanismoneutro, e a proviso marketizada de bens e servios (inclusive na mdia ena educao) pode exacerbar as desigualdades existentes. Neste contexto, especialmente importante entender as prticas de consumo das crian-as em comunidades menos favorecidas, para quem a escolha do consu-midor pode ser um assunto tenso e complexo. Enquanto muitas crianasconseguem acessar alguns aspectos dos bens que se tornam a lngua franca

    da cultura infantil, por exemplo, sendo parte da audincia da propagandaque as rodeia, sua experincia dos prprios produtos provavelmente variabastante com o poder material de compra. O estudo de Elizabeth Chin(2001) sobre as crianas afro-americanas pobres contesta apropriadamentea ideia de que as crianas menos favorecidas corram de certa forma ummaior risco de serem seduzidas pela cultura do consumidor: Chin inves-tigou como as prticas de consumo impressionantemente altrustas dessascrianas (durante uma sada para compras que ela organizou como parte

    da pesquisa) esto embutidas em suas relaes sociais e familiares.

    Concluso

    O envolvimento das crianas na cultura do consumidor um fenmenode profunda ambivalncia. Obviamente, no fim das contas h sempre

    uma base econmica: o mercado infantil global uma fonte significa-

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    tiva de lucro comercial embora, como j expliquei, o lucro no seja demaneira nenhuma fcil ou assegurado. Por outro lado, os significados e

    prazeres que a cultura do consumidor possibilita s crianas, e os papisque podem exercer na formao das identidades da infncia, so muitomais difceis de serem previstos. O mercado obviamente tem um consi-dervel poder de determinar os significados e prazeres disponveis; masas prprias crianas exercem um papel fundamental na criao dessessignificados e prazeres, e elas podem defini-los e se apropriar deles dediferentes maneiras. Apesar das alegaes muitas vezes melodramticasdos ativistas, e do otimismo generalizado dos mercadlogos, os resultadosda crescente imerso infantil na cultura do consumidor no so sempreos mesmos para todos. inapropriado considerar isto em termos de umasimples oposio entre estrutura e atuao, particularmente no contextoconstantemente mutvel da atual cultura do consumidor. Sem dvida,precisamos de mais abordagens tericas adequadas; mas tambm precisa-mos levar em considerao a especificidade das prticas infantis de con-sumo em relao aos contextos sociais e s circunstncias da vida diria.

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