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207 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof. Ms. Antonio Sales da Silva Curso de Licenciatura em Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected] Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br Site da UFPBVIRTUAL www.virtual.ufpb.br Site do curso www.mat.ufpb.br/ead Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257 Carga horária: 60 horas Créditos: 04 Ementa Semiótica e terminologia matemáticas. Cálculo Proposicional. Quantificadores. Demonstrações. Indução Matemática. Descrição Todo processo de ensino e aprendizagem em Matemática envolve um forte apelo comunicativo, seja nas formas escrita, falada, gestual ou em uma combinação destas. É por estas vias que são construídos e compartilhados conceitos e relações no âmbito da Matemática. Para a apreensão deles concorrem, portanto, as maneiras pelas quais são representados a fim de impressionar os nossos sentidos, uma vez que os objetos matemáticos não guardam uma efetiva relação de semelhança com a natureza das porções estruturadas da realidade física: os objetos matemáticos são, sob esta perspectiva, imateriais. A disciplina Argumentação em Matemática integra a estrutura curricular deste curso de licenciatura com a finalidade de prover ferramental teórico para o desenvolvimento de uma prática interpessoal, mas autônoma, visando à compreensão e à construção de discursos significativos em Matemática. Particular atenção é dedicada aqui às funções que desempenham o sistema simbólico e a terminologia, que na Matemática assumem características muito peculiares. Buscaremos ver o grau de imbricação da linguagem natural com o registro da Matemática. A falta de consciência desta gradação pode acarretar sérios obstáculos para a instauração de um processo de efetiva aprendizagem de conceitos matemáticos. Aqui você terá contato com contribuições que a lógica das proposições e os quantificadores dão à Matemática, para a elaboração de sentenças equivalentes; verá como negar rigorosamente uma dada sentença, o quanto é importante avaliar se há reciprocidade entre duas sentenças. Pode parecer pouco, mas trata-se de um projeto ambicioso, que, se concretizado, terá como resultado imediato o desenvolvimento de habilidades que o(a) tornarão independente, rigoroso(a) e transparente, tanto na emissão quanto na compreensão de discursos em Matemática. Apesar de parecer exclusivamente abstrato, todo este aparato intelectual tem uma importante destinação social, pois a apropriação deste conjunto de aptidões pode determinar as

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Disciplina: Argumentação em Matemática Prof. Ms. Antonio Sales da Silva

Curso de Licenciatura em Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected]

Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br

Site da UFPBVIRTUAL www.virtual.ufpb.br Site do curso www.mat.ufpb.br/ead

Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257

Carga horária: 60 horas Créditos: 04

Ementa

Semiótica e terminologia matemáticas. Cálculo Proposicional. Quantificadores.

Demonstrações. Indução Matemática.

Descrição

Todo processo de ensino e aprendizagem em Matemática envolve um forte apelo

comunicativo, seja nas formas escrita, falada, gestual ou em uma combinação destas. É por estas

vias que são construídos e compartilhados conceitos e relações no âmbito da Matemática. Para a

apreensão deles concorrem, portanto, as maneiras pelas quais são representados a fim de

impressionar os nossos sentidos, uma vez que os objetos matemáticos não guardam uma efetiva

relação de semelhança com a natureza das porções estruturadas da realidade física: os objetos

matemáticos são, sob esta perspectiva, imateriais.

A disciplina Argumentação em Matemática integra a estrutura curricular deste curso de

licenciatura com a finalidade de prover ferramental teórico para o desenvolvimento de uma prática

interpessoal, mas autônoma, visando à compreensão e à construção de discursos significativos

em Matemática. Particular atenção é dedicada aqui às funções que desempenham o sistema

simbólico e a terminologia, que na Matemática assumem características muito peculiares.

Buscaremos ver o grau de imbricação da linguagem natural com o registro da Matemática. A falta

de consciência desta gradação pode acarretar sérios obstáculos para a instauração de um

processo de efetiva aprendizagem de conceitos matemáticos.

Aqui você terá contato com contribuições que a lógica das proposições e os

quantificadores dão à Matemática, para a elaboração de sentenças equivalentes; verá como negar

rigorosamente uma dada sentença, o quanto é importante avaliar se há reciprocidade entre duas

sentenças. Pode parecer pouco, mas trata-se de um projeto ambicioso, que, se concretizado, terá

como resultado imediato o desenvolvimento de habilidades que o(a) tornarão independente,

rigoroso(a) e transparente, tanto na emissão quanto na compreensão de discursos em

Matemática.

Apesar de parecer exclusivamente abstrato, todo este aparato intelectual tem uma

importante destinação social, pois a apropriação deste conjunto de aptidões pode determinar as

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formas e o conteúdo de sua postura como cidadão(ã) no mundo, uma vez que este o(a) desafia

permanentemente a percebê-lo e interpretá-lo, para nele intervir.

Seguindo o espírito essencialmente virtual do nosso curso, vale destacar que o presente

texto não tem a pretensão de ser auto-suficiente e, por isso, porções importantes, seja de material

teórico ou prático, são apresentadas de modo complementar na plataforma moodle.

Objetivos

• Conhecer termos matemáticos, seus símbolos, suas origens e seus usos.

• Distinguir raciocínio dedutivo de raciocínio indutivo.

• Compreender o significado formal dos quantificadores lógicos e identificar padrões nas

estruturas de sentenças em que estes ocorrem.

• Conhecer princípios que dão sustentação a elaboração de demonstrações em Matemática.

• Compreender e elaborar demonstrações em Matemática.

• Elaborar e compreender discursos em Matemática.

Conteúdo

Unidade I Comunicação em Matemática

Objetos matemáticos: significados e representações.

Unidade II Rudimentos de Lógica Matemática

Conectivos lógicos;

Conjunção e Disjunção;

Negação;

O Condicional QP → ;

Sentenças equivalentes;

O Bicondicional QP ↔ ;

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Quantificadores Lógicos.

Unidade III Demonstração em Matemática

Demonstrações envolvendo conectivos lógicos;

Teoremas cujas conclusões são do tipo QP → ;

Teoremas cujas conclusões são do tipo QP ↔ ;

Demonstração por contradição (ou redução a um absurdo).

Unidade IV Indução Matemática

Tipos de raciocínio

Raciocínio por analogia

Raciocínio indutivo

Raciocínio dedutivo

O Princípio de Indução Finita

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Unidade I Comunicação em Matemática

1. Situando a Temática

Nesta unidade começaremos a pôr em prática as idéias que, na apresentação,

anunciamos sobre o papel da comunicação nos processos de ensino e aprendizagem de

Matemática. Ou seja, abordaremos aspectos da construção de significados em Matemática tendo

como foco genérico o ambiente escolar. Com isto queremos dizer que o palco para o desenrolar

do enredo será a sala de aula, espaço este que é ponto de convergência de algumas necessárias

ante-salas, as quais, por essa configuração, teremos de visitar.

Vale aqui observar que a generalidade a que nos referimos há pouco é devida ao fato de

considerarmos a sala de aula como resultado de um feixe de relações que se dão entre pessoas,

entre pessoas e objetos ou instrumentos e entre estes e outros dessa mesma natureza, todos

mobilizados para atos de ensino e aprendizagem. Portanto, vemos a materialização desse

entendimento como suporte indispensável à fluidez do nosso trabalho, que tem a especificidade

de ser conduzido à base de trocas semipresenciais de informações visando à construção de

conhecimentos.

Estudar processos comunicativos em qualquer âmbito é essencialmente voltar-se

para a exploração de aspectos vitais da linguagem, o que, por sua vez, exige uma espécie de

caminhada reveladora de como são construídos conceitos e seus significados. A comunicação

em Matemática não escapa a essa cadeia de procedimentos. Na verdade, vistas desse ângulo, as

coisas parecem ganhar especial dimensão quando abraçamos a tarefa de examinar os meandros

da comunicação em Matemática.

Mas, afinal, do que se ocupam interlocutores engajados em eventos de

comunicação em Matemática? De modo simplificado, diríamos que estão promovendo uma

recíproca veiculação de fatos matemáticos, isto é, compartilham relações entre objetos da

Matemática. Por esta razão é que nesta unidade nos deteremos - sem forte rigor mas com

abrangência e profundidade adequadas aos propósitos da disciplina Argumentação em

Matemática – a examinar a natureza dos objetos matemáticos, a multiplicidade de suas

representações e a construção de seus significados.

2. Problematizando a Temática

Quem de nós não já se flagrou falando “Bombril” quando queria se referir a uma esponja

de aço qualquer, ou dizendo “Gillette” querendo fazer referência a uma lâmina de barbear

qualquer? Ou, ainda, quantas vezes não já ouvimos alguém tentando se referir ao grande ator

Lima Duarte dizer “aquele que era o Sinhozinho Malta na novela Roque Santeiro”? Pois bem, é

que, por razões que vão desde o pioneirismo à qualidade, objetos dessas marcas viraram

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sinônimos das categorias às quais eles pertencem. Estamos aí diante de um problema de

tomarmos um representante por aquilo que ele representa. Na maioria dos casos, uma

substituição dessas não traz qualquer transtorno. Daí a adotarmos involuntariamente ou

propositadamente no dia-a-dia.

Você já se perguntou por que o poema musicado Asa Branca, peça marcante do

nosso cancioneiro popular, de autoria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, pode ser executado

indistintamente em uma sanfona, um violão ou um piano? Aqui, uma questão que surge é saber

onde “moram” os sons que compõem a melodia de Asa Branca. Habitam todo e qualquer

instrumento musical? Ou a sua existência independe da existência de tais instrumentos, servindo

estes apenas para promover uma espécie de materialização de acordes, harmonias e ritmos? Se

é assim, qual é o mundo dos sons musicais? Em suma, qual é a natureza da música?

Antes de passar para o nosso próximo tópico, Conhecendo a Temática, procure

descobrir relações entre as situações acima apresentadas e algumas que você porventura tenha

encontrado em suas experiências matemáticas.

Esse preâmbulo tem por finalidade preparar o seu espírito para lidar com uma

questão central na filosofia da Matemática: Qual é a natureza dos objetos matemáticos? Opa, não

se assuste! A nossa intenção não é fazê-lo mergulhar profundamente nesse assunto. Isso

escaparia aos objetivos da nossa disciplina. O que temos, sim, é a pretensão de trazer ao seu

conhecimento aspectos determinantes nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática

que, na grandessíssima maioria dos casos, são deixados de lado. Por puro desconhecimento

mesmo. Portanto, é de bom grado que lhe dirigimos o convite com a firme expectativa de poder

conduzi-lo(a) a fazer uma espécie de reconhecimento de tão fértil terreno. Vamos lá!

3. Conhecendo a Temática

3.1 A natureza dos objetos matemáticos

A existência dos seres humanos, vista como parte de um complexo conglomerado

de formas de vida e de coisas, acha-se impregnada de um permanente ir e vir em ambientes nos

quais eles são convocados a realizar discriminações e efetuar identificações. Estes são processos

que, de certo modo, se complementam: na identificação, dizemos o que algo é ou como está; na

discriminação, dizemos o que esse algo não é ou como não está. Por trás disso está uma

extremada compatibilidade do sistema sensório-motor, comum aos indivíduos da espécie humana,

com os meios em que atuam.

Na maioria dos casos, discriminar e identificar não são atos que começam e se encerram

em um único indivíduo. Mais explicitamente, são estimulados por um outro ato que visa a se

consubstanciar num outro indivíduo: o compartilhar. Essa é uma ação-chave nos projetos e na

execução de intervenções que realizamos nos vários mundos a que nos expomos ou que a nós

são expostos, pois é nessa via de mão dupla que enriquecemos o nosso repertório de conceitos.

É essa tal via que sustenta o que costumamos chamar de comunicação.

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A propósito, vamos encontrar na versão eletrônica do Dicionário Hoauiss da língua

portuguesa (http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=comunicar&stype=k) algumas acepções

para o verbete ‘comunicar’, tais como: “transmitir, passar (conhecimento, informação, ordem,

opinião, mensagem etc.) a alguém”; “estar ou entrar em contato mais ou menos direto (falando,

escrevendo, gesticulando etc.) com; manter relações com; trocar idéias”; “passar (algo) de um

possuidor ou detentor para outro; transmitir, transferir”; “pôr em comum, dividir, partilhar, ter

relações com”. A partir daí, podemos considerar cada acepção dessas como um mapa daquilo

que um ato comunicativo engloba. Mas, de olho nos nossos propósitos, podemos nos restringir a

recortes desses mapas e determinar que basta-nos considerar o ato de comunicar como aquele

em que se transmite, passa (conhecimento, informação, mensagem) a alguém, falando,

escrevendo, gesticulando; em que se divide, partilha, tem relações com; em que algo de um

possuidor ou detentor é passado para outro.

Agora, recortando mais ainda, detenhamo-nos um pouco no ‘comunicar’ como ato em que

se transmite, passa (conhecimento, informação, mensagem) a alguém, falando, escrevendo,

gesticulando. Pois bem, é justamente nessa confluência que parece nascer uma explicação para o

modo como se dá a comunicação em Matemática. Segundo essa acepção que tomamos agora, o

ato comunicativo envolve a transmissão de uma mensagem, que pode ser falada, escrita, gestual.

Ora, lembrando que o nosso foco é a Matemática tal qual ela se dá em um ambiente de ensino e

aprendizagem, vemos que, com pouquíssimas variações de uma para outra, essa ocorrência é

típica dos eventos que as salas de aula de Matemática abrigam. Ou seja, praticamente em todo e

qualquer empreendimento de ensino e aprendizagem de Matemática há pelo menos uma

mensagem a ser transmitida cuja veiculação é feita quase sempre por uma conjunção de escrita,

fala e gestos.

A mensagem acima referida tem como conteúdo central algum objeto ou relações entre

objetos matemáticos. Agora, você deve estar se perguntando: Afinal de contas, o que vem a ser

um tal objeto matemático? Tomados de supetão por essa pergunta, arriscamos afirmar que é

quase certo que uma resposta salvadora será buscada na geometria ou na aritmética, porções da

Matemática com as quais nos relacionamos de um modo particularmente natural. Assim, num

primeiro ímpeto, apelaríamos para as formas geométricas que enchem de valores estéticos e

funcionais as paisagens que nos rodeiam, ou pescaríamos no oceano dos algarismos alguns

exemplares com os quais damos vida às contas que fazemos cotidianamente.

Mas, deixando de lado o supetão e o ímpeto, verificamos que os objetos matemáticos são

dotados de uma configuração que extrapola as formas geométricas e os algarismos que nos

pareceram chão firme na hora da resposta impetuosa. De saída, formas geométricas e algarismos

são descartados como exemplos de objetos matemáticos porque um ingrediente que não faz parte

da configuração de um objeto matemático é a concretude física. Os objetos matemáticos não

ocupam um lugar em qualquer porção estruturada do mundo físico. Em outras palavras, eles

escapam às familiares intervenções de que são capazes nossos velhos conhecidos cinco

sentidos: olfato, visão, tato, audição e paladar. Com isso, somos guiados para bem longe das

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coisas que se realizam em nós através desses cinco sentidos. Então para onde ir se quisermos

explorar o mundo dos objetos matemáticos? A resposta mais natural, mas também cheia de

redundância, seria: vamos à Matemática. Neste caso, a naturalidade sobressai à redundância, e lá

vamos nós, rumo à Matemática.

Logo ali acima, falamos que a concretude física não é atributo de um objeto matemático.

Olhando atenciosamente o que dissemos parece que sinalizamos com a possibilidade de

ocorrência de algum tipo de concretude na configuração dos objetos matemáticos. De fato, fora do

plano físico, a nossa experiência faz-nos, por complementaridade, conjecturar que fica então

reservada aos objetos matemáticos uma concretude essencialmente mental. O advérbio de modo

‘essencialmente’ vem como que qualificar a natureza mental dessa concretude porque a

existência de um objeto matemático se consubstancia nos atos comunicativos, ou seja, a partir de

alguma ação negociada e acatada por indivíduos que dele se aperceberam, assim como de

conexões dele com outros cronologicamente anteriores a ele. Isso faz lembrar a quase

consensual metáfora de que a Matemática é um edifício, no sentido de que é erguida a partir de

adequadas conexões entre seus componentes: tijolo a tijolo (conceito a conceito), parede a

parede (proposição a proposição).

Não poderíamos falar dos objetos matemáticos sem nos reportarmos ao que sobre eles

pensa a corrente platônica da natureza da Matemática. Para essa corrente de pensamento,

conceitos e relações são dotados de uma concretude que ignora os humanos como necessários à

materialização de tais objetos. São, portanto, preexistentes ao que pode ser captado pela nossa

consciência. Dessa forma, para os adeptos desse pensamento, no âmbito da Matemática não

cabe o criar e sim o descobrir. Mesmo considerando que é assim que as coisas se dão,

haveremos de levar em conta os obstáculos que se nos são apresentados quando pretendemos

transmitir um discurso matemático.

A presença marcante de um ato comunicativo na consubstanciação de um objeto

matemático encontra sua razão de ser na severa dependência da escrita que parece ser inerente

à Matemática. Impossibilitados de discorrer oral ou gestualmente sobre uma idéia matemática, por

um razoável período ininterrupto de tempo, somos empurrados ao recurso da escrita para garantir

a condução do raciocínio, para nos fazermos entendidos. Em suma, a oralidade é,

indubitavelmente, uma drástica limitação de que padece a Matemática vista como uma linguagem.

Então, o que são mesmo aquelas “garatujas” ( )6

(,81log),(,,,,,, 3π

βξϕ +−∉∞∀≤ ∫ sen ) que

povoam densamente um discurso matemático escrito? Pelo que vimos anteriormente, não podem

ser objetos matemáticos, pois as percebemos com a visão ou com o tato, quando a escrita é feita

em alto relevo, por exemplo. Ah, as tais “garatujas” são símbolos, e têm papel crucial na

formulação de conceitos. Representam algo. Representam o quê? Objetos, relações entre

objetos, operações. É das conexões entre objetos matemáticos, seus significados e suas

representações que nos ocuparemos na próxima seção.

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3.2 Objetos matemáticos: significados e representações

A fim de estruturar as conexões anunciadas no final da seção anterior, vamos imprimir um

pouco mais de rigor à abordagem que daremos aqui por tratar-se de um tópico que tem atraído a

atenção de estudiosos com as mais variadas formações, o que nos leva a considerar de bom

alvitre estirar o fio condutor do nosso raciocínio a partir dessas fontes abalizadas.

Nunca será demais lembrar que o nosso interesse central são as teias de relações que

sustentam e/ou nascem durante a construção de discursos matemáticos em ambientes de ensino

e aprendizagem de Matemática. Tendo isso em mente, centraremos nossa atenção para o que

têm a dizer sobre o tema o professor Bruno D’Amore e pesquisadores a quem recorreu para

escrever o interessantíssimo livro Epistemologia e didática da Matemática.

Comecemos por atentar para o fato de que ao tratar da natureza dos objetos matemáticos

estaremos lidando essencialmente com duas importantes dimensões deles: seus significados e

suas representações. Isso nos remete inescapavelmente para um mergulho nas estruturas da

linguagem subjacente a tais objetos. Não é à toa que D’Amore (2003, p. 24) vai buscar em A. A.

E. Dummet a seguinte reflexão sobre essas ligações:

Com o olhar voltado simultaneamente para uma sala de aula de Matemática e para o que

nos fala Dummet na frase acima, somos levados a considerar que a apreensão de um conceito

passa necessariamente pelo que nele é revelado pelas estruturas da linguagem, assim como por

aquilo que ele empresta à linguagem a fim de se revelar. Cabe, portanto, ao professor buscar

permanentemente a construção colaborativa dessa dupla troca. Quem serão os colaboradores

nesse processo? Os alunos, naturalmente. Assim, é vão o esforço de ensinar um conceito quando

o tratamos de modo hipercentrado nos símbolos envolvidos na sua formulação. Queremos com

isso dizer que a exploração adequada do enunciado de um conceito deve levar em conta, acima

de tudo, a teia de significados ali presentes. Para complementar a idéia de Dummet citada acima,

D’Amore (2003, p. 24) convida então A. Sierpinska:

“Uma teoria do significado é uma teoria da

compreensão. Isso quer dizer que tudo aquilo a respeito do qual

uma teoria do significado deve prestar contas é o que se conhece

quando se conhece a linguagem, isto é, quando se conhecem os

significados das expressões e dos discursos da linguagem.”

Ampliando o seu conhecimento...

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Um aspecto aqui enfatizado por Sierpinska para a apreensão de um conceito que merece

especial atenção é a necessidade de se instaurar um processo que inclui uma decomposição do

enunciado em significados de outros conceitos nele presentes, assim como a compreensão do

que significa uma síntese deles. Sierpinska faz então uma espécie de teorização de uma prática

corrente entre professores e estudantes de Matemática. Tomemos, a título de ilustração, o

seguinte enunciado: “Dois conjuntos, A e B , são iguais quando A é subconjunto de B e B é

subconjunto de A ”. Trata-se de um enunciado que tem como ponto central o conceito de

igualdade de conjuntos. Uma decomposição desse enunciado leva-nos a detectar a presença de

um outro conceito nele presente, qual seja: subconjunto. Para a apreensão do significado do

conceito de igualdade a partir desse enunciado torna-se necessário que compreendamos o

significado do conceito de subconjunto. Feito isso, é hora de realizarmos uma síntese dos

elementos conceituais que figuram no enunciado: no caso presente, descobrir o que significa a

conjunção “ A é subconjunto de B e B é subconjunto de A ”. Portanto, é da confluência de uma

tal decomposição com uma tal síntese que emerge o conceito que buscamos.

A partir daí vemos que a apreensão de um conceito exige sobretudo o estabelecimento de

relações que envolvem elementos do conceito em questão e o indivíduo ou a instituição, aqui

considerada como conjunto de pessoas, não existindo portanto aqui qualquer dicotomia entre

sujeito e objeto. Nesse sentido, D’Amore (2003, p.30) vai buscar em Y. Chevallard uma

formalização para esse processo:

“Compreender o conceito será (...) concebido como o ato

de apreender o seu significado. Tal ação provavelmente será uma ação

de generalização e de síntese de significados em relação a elementos

particulares da ‘estrutura’ do conceito (a ‘estrutura’ do conceito é a rede

de significações dos enunciados que foram considerados). Esses

particulares significados devem ser apreendidos com ações de

compreensão. (...) A metodologia dessas ações de compreensão

preocupa-se principalmente com o processo de construção do

significado dos conceitos.”

Trocando Experiência...

“Um objeto existe a partir do momento em que uma pessoa X (ou uma instituição

I ) reconhece o objeto como existente (para si). Mais exatamente, dir-se-á que o objeto O

existe para X (respectivamente para I ) se existe um objeto representado por ),( OXR

(respectivamente ),( OIR ), denominado relação pessoal de X a O (respectivamente

relação institucional de I a O ).”

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Neste ponto, cabe ressaltar o papel da representação na apreensão de um conceito. As

relações de que fala Chevallard têm como elo fundamental a captura do significado mediada por

símbolos, coisa que é possibilitada, como já dissemos, por essa estonteante homogeneidade do

sistema perceptivo da espécie humana. Na verdade, o recurso representacional vai além da

função de organizador do pensamento; as representações parecem estar impregnadas de

partículas de conceitos mutuamente atraentes, mas que se acham encapsulados. É a efetivação

de operações materializadas no plano simbólico que irá promover uma revelação do que está no

plano mesmo do conceito. Para reforçar essa idéia, D’Amore (2003, p. 56) lembra que “durante a

aprendizagem de Matemática, os estudantes são introduzidos em um mundo novo, conceitual e simbólico

(sobretudo representativo)”.

No âmbito da semiótica, o termo registro designa o conjunto de conceitos, palavras, gestos

e símbolos utilizados nos processos comunicativos de uma determinada comunidade. Assim,

poderíamos falar de registro da Matemática, da Química, do Direito, da Medicina etc. Fizemos

essa apresentação aqui para partilhar com vocês a seguinte reflexão de Chevallard encontrada

em D’amore (2003, p. 29), que consideramos relevante para essa nossa discussão. Ele diz que

um objeto matemático é:

“um emergente de um sistema da práxis no qual são manipulados objetos materiais que se

decompõem em diferentes registros semióticos: registro oral, das palavras ou das expressões

pronunciadas; registro gestual; domínio das inscrições, ou seja, aquilo que se escreve ou se desenha

(gráficos, fórmulas, cálculos,...), isto é, registro da escrita”.

Aqui fica patente a complexidade presente na apreensão de um conceito matemático, uma

vez que, em geral, esta se realiza através do concurso dessas várias instâncias do registro

matemático. A depender da metodologia utilizada, na prática a construção de um conceito

matemático será efetivada na medida em que: o representemos em um dado registro; tratemos

Na plataforma moodle apresentamos ilustrações de como

esse processo se instaura. Lá abordaremos também situações

referentes a um tema correlato: o papel das imagens mentais na

construção de conceitos em matemática. Visite-a!

No Moodle...

Que tal uma consulta a um bom dicionário

para explorar a riqueza que o verbete práxis abriga?! Em que

acepção ele foi usado na citação acima?

Sugerimos também que você faça uma pequena lista

de termos que integram os registros da Matemática, da

Biologia, da Física, do Direito, da Informática, da Medicina,

da Economia etc.

Ampliando o seu conhecimento...

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essas representações no interior de um mesmo registro; façamos a conversão de um dado

registro para outro (D’Amore, 2003, p. 62).

Adotando um comedido otimismo, podemos afirmar que a combinação dessas três ações

parece estar no cerne da tarefa de conduzir o processo de apropriação da natureza dos objetos

matemáticos. Apóiam-se nesse paradigma professores que, por exemplo, no ensino de Cálculo

dão ênfase à exploração balanceada dos seus aspectos simbólicos, gráficos e numéricos. Agora,

caros alunos, esperamos que possam perceber que, longe de, gratuitamente, querer imprimir a

vocês uma sobrecarga, o professor que assume tal postura acha-se pedagogicamente muito bem

ancorado.

Porém, isso não quer dizer que esse processo se realiza em cada indivíduo segundo uma

mesma seqüência de procedimentos. Mesmo nos casos em que isso ocorre, quase sempre

haverá uma discrepância no que diz respeito ao ritmo. Essa construção é fortemente individual e,

portanto, está intimamente ligada à história pessoal.

Entretanto, não estamos fazendo nenhuma apologia do “cada um por si”. Não, o que

estamos tentando ressaltar é uma bidimensionalidade do processo. Ou seja, na sala de aula, o

debate sobre fatos matemáticos é salutar para a instauração de um ambiente em que as

informações fervilhem em abundância. Nesse clima, cada um as captura e organiza de um modo

muito peculiar, que tem muito a ver com o grau de familiaridade com o tema central abordado,

assim como com conceitos correlatos e interesse. Essa é uma situação que demonstra com

eloqüência a indissociabilidade entre diversidade (multiplicidade) e singularidade (especificidade).

Se a sessão é de resolução de problemas, o clímax é, por exemplo, alcançado com uma chuva de

diferentes soluções para uma mesma situação problema.

Vocês já notaram que no dia-a-dia não fazemos qualquer distinção entre os termos

‘dados’, ‘informação’ e ‘conhecimento’? Cuidado! Do ponto de vista técnico eles significam

coisas distintas. A este respeito, vejamos o que nos diz o site

http://www.contentious.com/archives/2004/07/29/what-do-we-know-the-great-info-

knowledge-debate/

Informação geralmente inclui fatos, observações, sensações, e mensagens. Informação é

conteúdo que informa nossas mentes. É combustível.

Conhecimento, ao contrário, é a experiência humana da informação – é o que as nossas

mentes fazem com todo aquele conteúdo. É o fogo na forja.

No site http://prkarve.wordpress.com/2006/03/06/difference-between-knowledge-and-

information/ vamos encontrar o seguinte: Conhecimento é o que possuímos e informação é

o que intercambiamos. Portanto, informação é algo objetivo e o conhecimento é subjetivo.

Procure pesquisar sobre o significado de ‘dados’, e sobre a etimologia da palavra

informação.

Ampliando o seu conhecimento...

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218

O apelo estético é outro aspecto a considerar quando está na mira a apropriação de um

conceito matemático. É isso mesmo, gente. O interesse a que nos referimos acima pode ter pelo

menos duas vertentes: uma, de caráter prático (a apreensão de um determinado conceito será

primordial para a resolução de um problema, por exemplo) e outra, que tem aquela faculdade de

fazer bem ao espírito. Neste caso, a beleza se manifesta (ou é percebida), tanto na esfera mental

como no plano físico da visão.

Quem, diante de um quadro-de-giz tomado por gráficos e fórmulas matemáticas,

entremeados com palavras em português, não já se regozijou e disse (nem que tenha sido de si

para si): Que beleza! O termo ‘elegante’ não é exclusividade do registro dos(as) costureiros(as),

estilistas e modelos; matemáticos costumam ver em certas soluções o atributo da elegância. Fala-

se de “solução elegante”. Isso tem tudo a ver com os modos como ela foi concebida e

representada. Portanto, a Matemática, particularmente no que diz respeito aos seus discursos,

tem muito a ver com a semiótica.

Em tudo o que fizemos até agora o nosso conhecimento da língua portuguesa foi decisivo.

Isso porque os leitores que são destinatários dessa nossa mensagem são também proficientes

nesse idioma. Nosso tema central tem sido a natureza dos objetos matemáticos, aqui tratados

com o que nos permite essa linguagem natural. Se fosse um outro o contexto cultural, talvez

precisássemos optar por um outro idioma, uma outra linguagem natural. Você deve estar se

perguntando por que trouxemos para cá essa chamada de atenção. De fato, trata-se de uma

chamada de atenção, uma sacudidela no intelecto. É que a naturalidade com que estão

imbricadas a Matemática e as línguas naturais é tamanha que nem nos damos conta de que uma

alimenta a outra mas sem perda de suas respectivas identidades. Inspirados no que pode ser

encontrado no mundo da ecologia, diríamos que há entre elas uma relação simbiótica. No

parágrafo anterior, demos ênfase na necessidade de trabalharmos com o sentido de que a sala de

aula de Matemática seja um ambiente fértil para o debate. É nessa práxis que nos tornaremos co-

autores da simbiose que acabamos de mencionar.

Você seria capaz de partilhar com alguém um simples discurso matemático sem recorrer a

pelo menos uma palavra ou um signo de alguma língua natural? E que tal um discurso em alguma

língua natural sem sequer um ingrediente matemático? Experimente. Esse é um exercício que

serve para nos deixar conscientes da imbricação da qual temos falado. Imbricação sim, mas

autonomamente.

No caso da Matemática, diríamos que há uma reciprocidade na constituição de um

discurso matemático e seus objetos, como aprendemos com A. Sfard (Sfard, 1991): “É a atividade

discursiva que cria a necessidade de objetos matemáticos e são os objetos matemáticos que

influenciam o discurso matemático conduzindo-o para novas direções”. Isso equivale a dizer que a

apreensão de um objeto matemático inclui duas dimensões: uma que é essencialmente conceitual

Na plataforma moodle você encontrará mais

informações sobre temas dos quais a semiótica se ocupa.

No Moodle...

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219

e outra, de caráter eminentemente lingüístico, como bem observa G. Vergnaud (Vergnaud, 1998).

Essa é, em suma, uma observação que confere às línguas naturais um status de

imprescindibilidade para a construção de objetos matemáticos.

Como já vimos, a apreensão de um objeto não é uma ação isolada, isto é, não se realiza

sozinha. Ela se faz acompanhar de um feixe de relações e representações. Isto mesmo, a

Matemática não escapa de um processo que é inerente à “cinemática” de uma língua natural, qual

seja: somos movidos por uma rigorosa necessidade de dar nomes a objetos, relações deles com

outras entidades, atitudes, gestos, eventos e sentimentos. Mas essa tal necessidade não pára por

aí, ou seja, na nomeação.

Etapa fortemente importante é a da representação. Tudo se passa como se a existência de

um objeto fosse impossível de se firmar sem que ele ganhasse algum tipo de representação. É

exatamente isso o que acontece na Matemática: objetos, relações, fatos são manipulados a partir

de alguma representação, uma espécie de dimensão material deles.

Agora, experimente estabelecer conexões entre as perguntas com que abrimos esta

unidade e a enunciação de um discurso matemático. Viu como a apreensão de um objeto

matemático está intimamente ligada ao modo como se estrutura a língua natural em que o

discurso matemático está sendo feito? Pois é, no cerne de uma tarefa como essas está, de um

modo expresso ou implícito, a imbricação entre objetos, nomes e representações. Para corroborar

o que estamos dizendo, apresentamos abaixo tabelas com símbolos que estão entre os mais

usados em Matemática.

O alfabeto grego

Tabela 1.1

Maiúscula Minúscula Nome Equivalência de uso no Portugues

Maiúscula Minúscula Nome Equivalência de uso no Portugues

Α α Alfa A Ξ ξ Csi X

Β β Beta B Ο ο Ômicron O (breve)

Γ γ Gama G Π π Pi P

∆ δ Delta D Ρ ρ Rô R

Ε ε Épsilon E (pronúncia

breve)

Σ σ Sigma S

Ζ ζ Zeta Z Τ τ Tau T

Η η Eta E (pronúncia

longa) Υ υ Ípsilon Y

Θ θ Téta Th (t) Φ φ Fi Ph (f)

Ι ι Iota I Χ χ Qui Ch (c)

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Tabela 1.2 Notações comumente usadas na comunicação escrita em Matemática

Uso do símbolo Significado

possível

Uso do símbolo Significado

possível

BA = A é igual a B BA ∪ A união B

BA ≠ A é diferente de

B

BA ∩ A interseção B

yx > x é maior do que

y

BA ⊂ A está contido

em B

yx < x é menor do que

y

BA ⊃ A contém B

yx ≥ x é maior do que

ou igual a y

Bx ∈ x pertence ao

conjunto B

yx ≤ x é menor do que

ou igual a y

Ay ∉ y não pertence

ao conjunto A

yx ≈ ou yx ≅ x é

aproximadamente igual a

y

cA Complemento do

conjunto A

TS ≡ S é côngruo com

T ou S é equivalente a T

)(xxP∃ Existe (algum,

pelo menos um) x

satisfazendo à propriedade

)(xP

+∞→x x tende a mais

infinito

)(! xxP∃ Existe um único

x satisfazendo à

propriedade )(xP

−∞→x x tende a menos

infinito

)(xxQ∀ Para cada (para

todo, para qualquer que

seja) x ocorre )(xQ

−→ cx x tende a c por

valores menores do que c

P¬ ou P~ Não P (a negação

de P )

+→ cx x tende a c por

valores maiores do que c

QP ∧ Conjunção de P

com Q

100...321 ++++ Soma de todos os

números naturais de 1 até

100

QP ∨ Disjunção entre

P e Q

∑=

100

1j

j

Soma de todos os

números naturais de 1 até

100

QP ⇒ P implica

(acarreta) Q

100...321 ⋅⋅⋅⋅ Produto de todos

os números naturais de 1

até 100

QP ⇔ P implica

(acarreta) Q e Q implica

(acarreta) P

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∏=

100

1k

k

Produto de todos

os números naturais de 1

até 100

∴ Daí (portanto,

então, donde conclui-se

que)

Chamamos sua atenção para o fato de que o uso adequado desses e de tantos outros

símbolos na comunicação escrita em Matemática tem como seus principais atributos concisão e

precisão. Ou seja, em variadas situações podem auxiliar decisivamente na transmissão de

quantidades de informações muito densas ocupando pouco espaço. Se usados sem a devida

consciência do papel que desempenham, porém, podem acarretar sérios transtornos. Ao usá-los

devemos mantê-los imbricados aos possíveis significados que pretendemos sejam por eles

comunicados. Com isso, podemos, por exemplo, evitar corriqueiras confusões entre símbolos e

objetos que os primeiros representam.

A título de ilustração, tomemos o caso da função modular,

<−

≥==

0,

0,)(

xsex

xsexxxf , no

modo como é habitualmente definida.

Em grande medida, é a confusão entre objeto e símbolo que deixa embaraçados muitos

aprendizes de Matemática quando lhes pedimos, por exemplo, que expressem 1−t através de

duas sentenças matemáticas (abertas). É comum que nos dêem, incorretamente, como retorno a

seguinte resposta:

<−−

≥−=−

0),1(

0,11

tset

tsett .

Se levassem em conta que o “ x ” que aparece na definição da função modular representa

um número real, tenha ele a cara que tiver, os aprendizes veriam que o “ 1−t ” é simplesmente

uma outra cara para um número real qualquer, ou seja, é um representante genérico dos números

reais. Com isso em mente, dariam, corretamente, a seguinte resposta:

<−−−

≥−−=−

01),1(

01,11

tset

tsett , ou, ainda,

<+−

≥−=−

1,1

1,11

tset

tsett .

Portanto, nunca será demais enfatizar que o “ x ” é uma espécie de “guardador de lugar” de

números reais, qualquer que seja a aparência deles. Nessa linha de pensamento, não

cometeríamos nenhum excesso se apresentássemos a definição em questão da seguinte

maneira:

Ampliando o seu conhecimento: Na página 15 do livro Um convite à Matemática (vide

bibliografia no final deste nosso texto sobre Argumentação em Matemática), você

encontrará interessantes informações adicionais sobre símbolos listados na tabela 1.2.

Para um exame da história dos primeiros usos de uma variedade enorme de símbolos

matemáticos, sugerimos a exploração do site http://jeff560.tripod.com/mathsym.html

Ampliando o seu conhecimento...

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<−

≥=

0@@,

0@@,@

se

se,

em que @ é um guardador de lugar de números reais, qualquer que seja a configuração

que assumam, estejam sob a ação de quaisquer que sejam as operações. A escolha do símbolo

@ aqui é declaradamente proposital, uma vez que o seu uso é incomum na comunicação escrita

em Matemática e, portanto, tem a serventia primeira de quebrar o mito de que números reais só

podem ser representados por x , y , z etc.

Ainda na linha de ter em mente que a construção de um conceito em Matemática pode ser

facilitada pelo caráter de forte indissociabilidade do universo vocabular da Matemática com a

linguagem natural tal como é usada no cotidiano, achamos que vale a pena lançar mão dos

seguintes exercícios lingüísticos: buscar associar ao significado dos objetos matemáticos a

etimologia dos seus nomes; procurar ver as eventuais aproximações existentes entre significados

de termos que são usados, tanto na Matemática quanto na linguagem natural.

Você já parou para pensar sobre a etimologia das palavras geometria, logaritmo,

escalonamento, eqüipolente, perpendicular, polígono? E que tal procurar ver até que ponto os

significados assumidos por certos termos no dia-a-dia podem auxiliar na compreensão dos seus

usos na Matemática? Veja, por exemplo, o que acontece com expressões tais como: ângulos

adjacentes, discriminante de uma função quadrática, pontos colineares, derivada de uma função,

triângulos congruentes, ângulo agudo.

Encerraremos essa unidade trazendo para sua reflexão uma situação do cotidiano em uma

noção matemática que evidencia uma autonomia desta ao se projetar para além daquilo que o

senso comum incorporou. Pois bem, tendo falado de aproximações entre a linguagem do dia-a-dia

e o universo vocabular da Matemática, não poderíamos deixar de chamar a atenção para a

ocorrência de distanciamentos que se verificam entre esses dois ambientes.

Uma ilustração emblemática pode ser feita com o que se dá com a multiplicação entre

números reais. Trata-se de uma ação cujo resultado, no modo como ela é concebida no dia-a-dia,

está intimamente associado a aumento, crescimento. Quando partimos para observar certos

efeitos do ato de multiplicar em um ambiente rigorosamente matemático deparamo-nos com

situações em que o resultado da multiplicação é menor do que a quantidade sobre a qual essa

operação foi realizada. Veja, por exemplo, o que acontece quando multiplicamos 45 por 3

1.

Aproveite a deixa para elaborar observação semelhante quando a operação é a divisão, tomando

por base que, no dia-a-dia, o resultado dessa operação acha-se fortemente associado a

diminuição, decréscimo.

A consciência de tais aproximações e distanciamentos é de importância vital para uma

exploração adequada do vastíssimo universo do que convencionou-se chamar argumentação em

Matemática.

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Não deixe de visitar a plataforma moodle para enriquecer o seu

repertório de situações que explicitam essa relação de simbiose

da linguagem natural com a Matemática, no que diz respeito a

apreensão de conceitos desta última

No Moodle...

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Unidade II Rudimentos de Lógica Matemática

1. Situando a Temática

Dando continuidade à nossa tarefa de explorar o mundo da construção de significados em

Matemática, reservamos para esta unidade um breve passeio pelo que se convencionou chamar

Lógica Matemática, hoje um campo de conhecimentos cujas ramificações podem ser encontradas

nas mais variadas áreas do saber. É sobre pilares dessa ciência que a Matemática assenta

grande parte de seus fundamentos.

Esse tópico comparece aqui em plena sintonia com os propósitos da disciplina

Argumentação em Matemática que, indo além de propiciar maestria na manipulação de

algoritmos, pretende mesmo é estimulá-lo(a) a, quando do desempenho de uma atividade

matemática, buscar compreendê-la no como, nos porquês e no quando. Ou seja, sempre que lhe

for proposto um desafio ao seu repertório matemático, esperamos que a sua postura seja a de

pinçar as ferramentas (argumentação) adequadas à situação sabendo por que as convocou. Com

isto queremos dizer que uma solução para um problema matemático ou assemelhado passa

necessariamente por um planejamento, uma execução, uma interpretação e, finalmente, exige um

registro escrito de como você foi impactado intelectualmente pelo conjunto dessas ações. De

modo bastante simplificado, diríamos que é aí que reside a essência dessa nossa disciplina.

A Lógica Matemática terá entre nós um papel especial: o de um poderoso recurso

organizador do pensamento. Com ela, estaremos em boa companhia para nos apropriarmos de

objetos matemáticos, suas representações e definições, teoremas e suas demonstrações. Como

pano de fundo de tudo isso se situa a nossa meta de penetrar nos modos peculiares de raciocínio

dos quais a Matemática se utiliza.

2. Problematizando a Temática

Considere a afirmação: “Quem envereda por uma atividade matemática está sempre às

voltas com a necessidade de emitir juízos de valor de dois tipos: falso ou verdadeiro, mas não

ambos.” De fato, o labutar matemático consiste em viver em um mar de situações cujo

desvendamento requer a invocação de fatos consagrados da Matemática com os quais montamos

uma teia para dar sustentação aos juízos a serem emitidos. Não nos esqueçamos de que para

que tudo isso seja possível é necessário que os interlocutores compartilhem uma língua natural

através da qual a troca de idéias se realiza.

Fazemos, pois, uso desse pressuposto para convidá-lo(a) a julgar como falsa ou

verdadeira cada uma das seguintes afirmações:

1. Todo triângulo eqüilátero é isósceles.

2. Ser um triângulo isósceles é condição necessária para ser um triângulo eqüilátero.

3. Ser um quadrado é condição suficiente para ser um retângulo.

4. Se x é um número primo, então 2=x ou x é ímpar.

5. Se x é um número par ou x é ímpar, então x é um número natural.

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Guarde suas respostas de agora para confrontá-las com as que dará ao final da nossa

viagem por esta unidade.

3. Conhecendo a Temática

3.1 Conectivos lógicos

Logo ali acima, dissemos que uma língua natural é suporte indispensável para

proferimento de discursos. Um discurso concatenado é caracterizado por conexões apropriadas

de idéias e a materialização dessas conexões é realizada por partículas da linguagem comumente

chamadas conectivos. Se o discurso é sobre matemática, então devemos dar atenção a

conotações peculiares que tais partículas podem expressar. A não-observância desse cuidado

pode levar-nos a cometer erros ou tropeçar em imprecisões.

As palavras que aparecem negritadas no parágrafo anterior assim o foram

propositadamente. Recorremos a esse dispositivo gráfico para realçar a intenção de apresentar-

lhe um exemplo da ocorrência de conectivos através de uma porção viva da língua portuguesa.

Vale salientar que o vocábulo ‘conectivo’ está sendo usado aqui não no sentido estrito que o seu

sinônimo ‘conjunção’ tem no âmbito da gramática portuguesa. Daí, a inclusão do ‘não’,

sabidamente um advérbio, nessa nossa lista de termos destacados. Mas, a intenção maior é tratar

de peculiaridades que eles assumem quando o discurso é essencialmente matemático. Mais

explicitamente, veremos até que ponto as funções que eles denotam na língua portuguesa se

aproximam ou se afastam daquelas de que se revestem no discurso matemático. Dediquemos,

pois, a devida atenção aos usos dos conectivos ali destacados: e, ou, não, Se ... então.

Comecemos por tecer uma breve consideração sobre o conectivo ‘e’. Em português, a

presença do conectivo dele numa frase expressa conjunção (simultaneidade, concomitância) de

eventos (fatos). Exemplos disto:

• Água potável é incolor e insípida.

• A Paraíba e o Maranhão são dois estados nordestinos.

• O Brasil é rico em minério de ferro e o teor de umidade relativa do ar de Brasília é

muito baixo.

Já o conectivo ‘ou’ aparece em uma frase para exprimir disjunção (separação no tempo, no

espaço) de fatos (eventos) como a declará-los mutuamente excludentes, isto é, não ocorrem dois

deles concomitantemente. É o que podemos ver em:

• João toma café com adoçante líquido ou com açúcar mascavo.

• Agende uma audiência ou prepare-se para um chá de cadeira.

• Pague R$3,00 ou leve 1kg de alimento não-perecível.

Agora, passemos a examinar o que ocorre com esses conectivos em discursos proferidos

no âmbito da Matemática. Antes, porém, precisamos introduzir a noção de sentença em

Matemática. Diremos que uma sentença matemática (ou, simplesmente, uma sentença) é uma

frase declarativa portadora de um valor-verdade (ou valor lógico): falso ou verdadeiro. Assim, por

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226

exemplo, 147

6+

−,

a

b

4

∆−− e hr

2π não são sentenças, uma vez que não faz sentido classificá-

las como falsas ou verdadeiras.

Na Matemática, conectivos têm essencialmente o mesmo papel que assumem em um

idioma, isto é, interligam sentenças para gerar sentenças mais complexas (mais ricas em

significados). Sentenças assim formadas são denominadas sentenças compostas. Assim, o

conectivo ‘e’ permanece expressando caráter de concomitância de fatos em uma sentença

matemática composta. Vejamos alguns exemplos:

• Três é um número ímpar e a função 3)( xxf = é contínua.

• A área de um quadrado cujo lado tem medida igual a l é 2l e o número dois não é

primo.

• Para dois conjuntos dados, A e B , sua interseção, BA ∩ , é definida como o

conjunto formado por todos os elementos, x , que pertencem ao conjunto A e ao conjunto B .

Detenhamo-nos um pouco nesta definição que acabamos de apresentar. Ali, a porção

“pertencem ao conjunto A e ao conjunto B ” indica enfaticamente em que circunstâncias

dizemos que um elemento pertence à interseção BA ∩ : é quando tal elemento pertence tanto ao

conjunto A como ao conjunto B .

Agora, vejamos mais de perto quais cuidados devemos ter quanto ao uso do conectivo ‘ou’

em sentenças matemáticas. Primeiramente, observemos que a presença do conectivo ‘ou’ em

uma sentença matemática composta dá a esta um caráter mais liberal no seguinte sentido: as

sentenças que a compõem não precisam mais ser mutuamente excludentes. Mais explicitamente,

cada uma das sentenças componentes deve ser interpretada como uma ocorrência possível. As

situações pontuadas a seguir servem de ilustração para o que acabamos de afirmar.

• Para dois conjuntos dados, A e B , sua união, BA ∪ , é definida como o conjunto

formado por todos os elementos, x , que pertencem ao conjunto A ou ao conjunto B . Não se

esqueça de que dizer que x é um elemento do conjunto BA ∪ significa que estamos falando de

três possibilidades: x é elemento apenas do conjunto A , x é elemento apenas de B , x é

elemento de ambos, A e B .

• Admita que t represente genericamente um número real. É fato bastante conhecido

que “ 1−≥t ” lê-se: “ t é maior do que 1− ou t é igual a 1− ”. No dia-a-dia, esta leitura é

abreviada para: “ t é maior do que ou igual a 1− ”. Trata-se de uma sentença composta, que, por

ação do conectivo ‘ou’, é formada pelas sentenças “ t é maior do que 1− ” e “ t é igual a 1− ”.

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Exercitando o seu senso crítico:

1. Em que circunstâncias, a sentença “ t é maior do que 1− ou t é igual a 1− ” é

verdadeira? Sob quais condições ela é falsa?

2. A partir do raciocínio adotado para dar respostas às duas perguntas acima, classifique

como falsa ou verdadeira cada uma das seguintes sentenças:

a) 913 −≥− , b) 17

2≥ , c) 88 ≥ , d) 1227 −≤ , e)

9

8

5

4 −≤

−.

3. Agora, suponha que x represente, genericamente, um número real. É sabido que

“ 62 ≤≤ x ” lê-se: “ x é maior do que ou igual a 2 e x é menor do que ou igual a 6 ”. Estamos

aqui diante de uma sentença composta, que, pela ação do conectivo “e”, é formada pelas

sentenças: “ x é maior do que ou igual a 2 ” e “ x é menor do que ou igual a 6 ”.

a) Quais condições um número real x deve satisfazer, de modo que a sentença “ x é

maior do que ou igual 2 e x é menor do que ou igual a 6 ” seja falsa?

b) Quais devem ser as características de um número real x para que a sentença “ x é

maior do que ou igual 2 e x é menor do que ou igual a 6 ” seja verdadeira?

4. De acordo com o raciocínio utilizado para dar respostas às perguntas da questão 3

acima, classifique como falsas ou verdadeiras as sentenças seguintes:

a) 46

45458 ≤≤ .

b) 7 é ímpar e 24334 = .

c) Se a e b são números reais, então ( ) 3223333 babbaaba ++−=+ e 1

4=

πtg .

d) 999 ≤< .

A idéia por trás de convidá-lo(a) a trabalhar com os casos particulares acima foi prepará-

lo(a) para uma tarefa mais arrojada, qual seja: estabelecer critérios para julgar como falsas ou

verdadeiras sentenças matemáticas quaisquer em que comparecem os conectivos ‘ou’ e ‘e’.

Nestes casos, eles recebem uma adjetivação: são chamados conectivos lógicos. Inicialmente,

veremos como estes conectivos podem contribuir para a geração de novas sentenças a partir de

sentenças dadas. É o que vamos encontrar na definição seguinte.

Conjunção e Disjunção

Definição 3.1-1

Consideremos que P e Q representem duas sentenças. Usamos a notação QP ∧ para

representar a sentença “ P e Q ”, denominada conjunção de P e Q . Adotamos a notação QP ∨

para representar a sentença “ P ou Q ”, chamada disjunção entre P e Q . Neste contexto, ∧ e

∨ são conhecidos como símbolos de conectivos lógicos.

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No ambiente matemático, para que a conjunção QP ∧ seja é verdadeira é necessário

que, tanto a sentença P como a sentença Q sejam verdadeiras. Portanto, basta que uma das

sentenças componentes, P ou Q , seja falsa para que a sentença QP ∧ seja falsa. No caso da

disjunção QP ∨ , esta só será falsa se ambas as componentes, P e Q , forem falsas. Para que

QP ∨ seja verdadeira, basta que uma das sentenças componentes seja verdadeira.

Pelo que temos visto, o valor lógico de sentenças compostas é fortemente determinado

pelos valores lógicos de suas componentes, assim como pelo modo como estas se combinam (ou

seja, depende também do conectivo que as liga). Considerando que a quantidade de

componentes de uma sentença composta é finita, concluímos que são também finitas as

possibilidades de se combinarem os valores lógicos de sentenças compostas. Tais possibilidades

podem ser organizadas em tabelas especiais que recebem a denominação de tabelas-verdade.

Nelas, o valor lógico de uma sentença verdadeira é representado pela letra V enquanto o valor

lógico de uma sentença falsa é denotado pela letra F .

Com as considerações acima, podemos, por exemplo, construir tabelas-verdade para a

conjunção QP ∧ e para a disjunção QP ∨ .

Fig. 3.1-1 – Tabela-verdade de QP ∧ .

P Q QP ∧

V V V

V F F

F V F

F F F

Fig. 3.1-2 – Tabela-verdade de QP ∨ .

P Q QP ∨

V V V

V F V

F V V

F F F

Exercícios 3.1-1

Com base nas tabelas 3.1-1 e 3.1-2, realize as tarefas seguintes.

1. Tomando como universo de discurso o conjunto dos números reais R , e

considerando a sentença “ 0>x ou 0>y ”, classifique como verdadeira ou falsa cada uma das

seguintes afirmações:

a) x pode ser negativo.

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b) y pode ser zero.

c) y não pode ser negativo.

2. Determine o valor lógico da sentença “Existem dois números primos entre os

números 23 e 42 , ou 22

”.

3. Considere os conjuntos { }4; −≥∈= yRyA , { }4; −>∈= tRtB e { }4−=C . Então,

podemos afirmar:

• CBA ∪=

• CBA ∩=

4. Se x e y são números reais tais que 0<⋅ yx , então classifique como falsas ou

verdadeiras as seguintes sentenças:

a) 0>x e 0>y

b) 0<x ou 0>y

c) 0>x ou 0>y

d) 0<x e 0>y

e) 0( >x ou )0<y e 0( <x ou )0>y

f) 0( <x e )0>y ou 0( >x e )0<y

5. Classifique, justificadamente, como falsa ou verdadeira a sentença “Para todo número

real, a , ocorre aa =2 e 14

cos <π

”.

Como na vida, saber negar (dizer um “não”) em Matemática requer muita cautela. É

chegada a hora de trabalharmos com o conectivo lógico que expressa a negação de uma

sentença.

Negação

Definição 3.1-2

Se P representa uma sentença, a negação de P é a sentença “não ocorre P ” (ou,

simplesmente, “não P ”), e é denotada por P¬ . É também comum o uso da notação P~ para

representar a negação de P .

A definição 3.1-2 fica materializada nas seguintes relações: “Se P é falsa, então P¬ é

verdadeira” e “Se P é verdadeira, então P¬ é falsa”. Esta materialização pode ser expressa

da seguinte maneira em uma tabela-verdade.

Fig. 3.1-3 – Tabela da negação P¬

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230

P P¬

V F

F V

Por achar que a compreensão do uso deste conectivo ganha mais densidade em situações

que envolvam todos os quatro aqui destacados: ou, e, não, se ... então, é que vamos voltar a

atenção para este último agora.

O Condicional QP →

Definição 3.1-3

Sendo P e Q são sentenças, a sentença no formato “Se P , então Q ” é chamada

implicação (ou condicional), e é representada por QP → . A sentença P chama-se antecedente

enquanto Q recebe a denominação de conclusão (ou conseqüente).

Faremos a construção da tabela-verdade deste conectivo com inspiração na análise de um

caso bem particular da ocorrência dele no nosso idioma. Adiantamos que a tabela-verdade para o

conectivo “Se P , então Q ” é a seguinte:

Fig. 3.1-4 Tabela-verdade da implicação QP →

P Q QP →

V V V

V F F

F V V

F F V

Suponhamos que um amigo tenha afirmado: “Se amanhã fizer sol, então irei à praia”. Em

que circunstâncias diríamos que o amigo não falou a verdade ao afirmar isso? Examinemos as

possibilidades segundo o que está expresso na tabela 3.1-4.

• No primeiro caso (primeira linha da tabela), em que realmente fez sol e o amigo foi

à praia, ele falou a verdade.

• No segundo caso (segunda linha da tabela), em que fez sol e o amigo não foi à

praia, ele não falou a verdade.

• Nos terceiro e quarto casos, não fez sol. Nestes, não é razoável considerar o amigo

mentiroso, porque ele fez uma afirmação que dependia da ocorrência de um dia ensolarado.

Vale observar que o conectivo “Se P , então Q ” pode ser formulado de várias maneiras.

Aqui listamos algumas:

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• “Q é verdadeira sempre que P é verdadeira”

• “Q , se P ”

• “ P é condição suficiente para Q ” (significando que basta que P ocorra, para que Q

também ocorra).

• “Q é condição necessária para P ” (significando que para que P aconteça é

necessário que Q aconteça).

• “ P ocorre somente se Q ocorre”.

Uma outra observação que vale a pena ser feita é que, diferentemente do que se passa na

linguagem natural, em que dizer “ P implica Q ” é afirmar que entre P e Q existe uma relação de

causa e efeito, a implicação, nos âmbitos da Lógica e da Matemática, não está sujeita a tal

relação. Em outras palavras, o valor lógico de QP → depende unicamente dos valores lógicos

de P e de Q , não sendo necessária qualquer conexão factual (“palpável”, “perceptível”) entre P

e Q . Por isso, faz sentido atribuir um valor lógico a sentenças do tipo “Se π é um número

racional, então 216 não é múltiplo de 9 ”. A propósito, você consegue enxergar alguma relação de

causa e efeito entre as componentes desta sentença? Qual é o valor lógico desta sentença?

Aproveite para se lembrar de situações do cotidiano em que o uso do “se .., então” expressa

claramente relações de causa e efeito.

Ainda sobre o condicional QP → , há algo importante a ser dito. Trata-se de sentenças

correlacionadas a ela que têm papel fundamental na comunicação em Matemática. Vejamos isto.

• A sentença PQ → é chamada recíproca de QP → .

• A sentença PQ ¬→¬ é denominada contrapositiva de QP → .

Desmanchando uma confusão. Como dissemos ali atrás, recíprocas e contrapositivas de

sentenças são peças-chave na comunicação em Matemática. Por causa disso, vale a pena

examinar algumas particularidades delas. O que queremos ressaltar pode ser obtido a partir

de uma comparação de tabelas-verdade. Portanto, compare as tabelas-verdade de

QP → , PQ → e PQ ¬→¬ . A que conclusão chegou?

É isto mesmo:

- O grau de parentesco entre uma sentença e a sua recíproca é incerto.

- Já o parentesco entre uma sentença e a contrapositiva dela é total: elas são equivalentes.

Em termos puramente simbólicos, isto pode ser expresso assim:

)()( PQQP ¬→¬≡→ .

Uma aplicação. Considere a proposição “Se n é um inteiro par, então n é um múltiplo de

2”. Formule a recíproca e a contrapositiva desta proposição.

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A versatilidade da linguagem natural possibilita-nos dispor de várias sentenças para

expressar uma mesma informação. No cotidiano, é o contexto que determina qual, entre várias

sentenças, é mais adequada para transmitir a informação que queremos. Versatilidade e

conveniência como essas quando aplicadas a situações matemáticas dão origem à noção de

equivalência entre sentenças. Informalmente, diríamos que duas sentenças que transmitem uma

mesma informação são equivalentes. Pondo certa dose de formalidade, poderíamos adotar a

seguinte definição para sentenças equivalentes.

Sentenças equivalentes

Definição 3.1-4

Sendo nRRRR ...,,,, 321 representações de n sentenças simples, usaremos a notação

)...,,,,( 321 nRRRRP para representar uma sentença, P , composta pelas sentenças

nRRRR ...,,,, 321 . De modo análogo, adotaremos a notação )...,,,,( 321 nRRRRQ para representar a

sentença composta, Q , cujas componentes são as sentenças simples nRRRR ...,,,, 321 . Diremos

que as sentenças P e Q são equivalentes quando possuem valores lógicos iguais para cada

combinação possível dos valores lógicos das sentenças simples nRRRR ...,,,, 321 . Para indicar que

duas sentenças, P e Q , são equivalentes será usada a notação QP ≡ .

A essência do conteúdo da definição 3.1-4 é que duas sentenças equivalentes possuem

tabelas-verdade iguais. Sendo assim, sugerimos que você recorra a tabelas-verdade para

constatar as equivalências listadas logo depois deste parágrafo. Com isso, terá dado início à

organização de uma pequena coletânea de sentenças equivalentes que estão entre as mais

usadas. As referidas equivalências são algumas importantes propriedades da conjunção e da

disjunção:

1. Idempotência

a) PPP ≡∧ b) PPP ≡∨

2. Comutatividade

a) PQQP ∨≡∨ b) PQQP ∧≡∧

3. Associatividade

a) )()( RQPRQP ∧∧≡∧∧

b) )()( RQPRQP ∨∨≡∨∨

4. Distributividade

a) )()()( RPQPRQP ∧∨∧≡∨∧

b) )()()( RPQPRQP ∨∧∨≡∧∨

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Exercícios 3.1-2

Parece que agora reunimos condições para armar um caleidoscópio de sentenças em que

os conectivos lógicos que vimos estudando têm papel determinante. Construa tabelas-verdade

para verificar as equivalências, quando for o caso. Vamos lá.

1. PP ≡¬¬ (Dupla negação)

2. Leis de De Morgan

a) QPQP ¬∨¬≡∧¬ )(

b) QPQP ¬∧¬≡∨¬ )(

c) Estabeleça um paralelo entre as Leis de De Morgan e as seguintes conhecidas relações

encontradas na Teoria dos Conjuntos envolvendo a operação de complementação de união e

interseção de dois conjuntos, A e B :

c1) CCC BABA ∩=∪ )(

c2) CCC BABA ∪=∩ )(

d) Pesquise sobre a vida e a obra do matemático e lógico Augustus De Morgan.

3. Considere que x e y representem números reais quaisquer. Escreva por meio de

símbolos lógicos e matemáticos a negação de cada uma das seguintes sentenças:

a) 0≤x

b) 0<x

c) 0≥z

d) 0>z

4. Encontre sentenças equivalentes às sentenças dadas a seguir. Por meio de tabelas-

verdade confira a veracidade dos resultados encontrados.

a) )( QP ¬∨¬

b) )( QP ∧¬¬

c) )( QP ¬∧¬

d) )( QP ¬∧¬¬

5. Examine a tabela-verdade para a sentença )( QP ¬∧¬ que você construiu no item c) da

questão anterior. Compare-a com a tabela da implicação (Fig. 3.1-4). A que conclusão chegou?

6. Considere a sentença “Se i é um número natural par, então i é um número inteiro não-

negativo”. Formule uma sentença equivalente a esta, baseando-se no que obteve na questão

anterior.

Esperamos que, trabalhando na questão 5 acima, você tenha concluído que as sentenças

)( QP ¬∧¬ e QP → são equivalentes. Agora, aplicando De Morgan à sentença )( QP ¬∧¬ ,

chegamos também à seguinte conclusão: QP → é equivalente a QP ∨¬ .

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Como falamos anteriormente, no nosso cotidiano somos levados a conviver com

formulação e compreensão de modos distintos de expressar uma mesma informação. Também

dissemos que a escolha por essa ou aquela formulação é, em grande medida, ditada pelo

contexto. Ou seja, às vezes fala mais alto a agilidade na veiculação/captação da informação,

enquanto em outras ocasiões é a precisão o item que deve sobressair. Parece claro que

situações ideais seriam aquelas em que conseguíssemos reunir as duas coisas. Pois bem, em

ambientes formais, como no caso da Matemática e da Lógica, isso também se passa.

Tomemos como exemplo o conteúdo do parágrafo anterior. Como você formularia a

negação da implicação QP → ? Saiba que esta não é uma tarefa muito fácil se partimos dela

própria. Entretanto, se partimos de uma sentença equivalente a ela, digamos, QP ∨¬ , temos:

QPQP ∨¬≡→ , e, assim, vem: )()( QPQP ∨¬¬≡→¬ , o que, por De Morgan, leva-

nos a: QPQPQPQP ¬∧≡¬∧¬¬≡∨¬¬≡→¬ )()( . Vale a pena observar que esta cadeia de

equivalências é uma espécie de retrato de um específico processo mental que experimentamos

para construir modos diferentes de veicular uma mesma informação. Ressalte-se, porém, que a

marca da individualidade em cada um de nós imprime modos peculiares de organizar o

pensamento e, portanto, a cadeia a que chegamos acima pode sofrer alterações de pessoa para

pessoa. Depois desta breve digressão acerca de processo mentais, voltemos ao ponto em

questão.

Da cadeia obtida no parágrafo anterior, fiquemos com a equivalência QPQP ¬∧≡→¬ )( .

Esta equivalência, como você deve ter notado no trabalho que pedimos para fazer, permite-nos

formular textualmente a negação da implicação QP → a partir de sua equivalente, QP ¬∧ .

Portanto, no modo textual, esta equivalência pode ser interpretada da seguinte maneira: Dizer que

não ocorre a implicação QP → significa dizer que podem acontecer, simultaneamente, P e

Q¬ . Em outros termos, pode ocorrer P sem que Q ocorra.

Com o que acabou de ver, formule textualmente uma negação para a sentença “Se k é

um número real qualquer, então 02 >k ”.

Rigorosamente falando, o que fizemos até aqui foi trabalhar com formas de sentenças, isto

é, com representações delas, e não com sentenças propriamente ditas. Assim, por exemplo, ao

tratar de )( QPQ ∨→ estaremos, na verdade, falando de todas as sentenças que são da forma

)( QPQ ∨→ . Para ilustrar mais explicitamente isto, observemos que a sentença “Se todo losango

No moodle exploraremos mais abundantemente estas relações

de equivalência. Prepare-se para a viagem.

No Moodle...

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é um paralelogramo, então 12 é menor do que 39− ou todo losango é um paralelogramo” dota de

significado (matemático) a forma de sentença )( QPQ ∨→ . Ou, ainda, a sentença acima referida

é uma instância da forma de sentença )( QPQ ∨→ . Para exercitar esta distinção (entre sentença

e forma de sentença), faça o que pedimos a seguir.

Exercícios 3.1-3

Construa tabelas-verdade para as sentenças a seguir. Procure atribuir significados a cada

uma delas, isto é, associe-as a situações reais do universo matemático.

1a) )( QPP ∨→

Uma solução:

P Q QP ∨ )( QPP ∨→

V V V V

V F V V

F V V F

F F F V

A sentença “Se x é um número real satisfazendo 3>x , então x é um número real

satisfazendo 3>x ou 39,26 −< ” é do tipo )( QPP ∨→ .

1b) )( QPQ ∨→

2a) PQP →∧ )(

2b) QQP →∧ )(

3) )()( QPQP ∨→∧

Vejamos agora mais um interessante caráter utilitário de tabelas-verdade. Além do que já

aprendemos através delas, estas podem sinalizar quando no trabalho com sentenças estamos em

uma das seguintes situações críticas (extremas): sendo redundantes ou caindo em contradição.

Definição 3.1-5

Uma sentença é denominada tautologia se, para cada possível combinação dos valores

lógicos de suas componentes, ela sempre assume o valor lógico verdadeiro (V ). Por outro lado,

dizemos que uma sentença é uma contradição quando, diante de tais combinações, ela assume

apenas o valor lógico falso ( F ).

Percebeu como uma tabela-verdade pode ser de grande utilidade na detecção de

tautologias e contradições? Exercite esta percepção construindo tabelas-verdade para as

seguintes sentenças. Em seguida, classifique-as como tautologias ou contradições.

• PP ¬∨

• PP ∧¬

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• )()( QPQP ¬∨¬∨∧

Agora, assumindo uma postura bastante informal, experimente construir uma pequena lista

de expressões lingüísticas, comuns no nosso cotidiano, que lembram as formais tautologias e

contradições. Aqui vai uma mãozinha: “Durante muito tempo, o rádio foi um dos principais elos de

ligação entre o campo e a cidade”. Esta lembra uma tautologia, por ser redundante. Um lingüista

diria que trata-se de um pleonasmo.

O Bicondicional QP ↔

Há situações matemáticas em que, metaforicamente, poderíamos dizer que ocorre uma

simbiose (aproveite para vasculhar o seu repertório conceitual da Biologia, e veja o que vem a ser

simbiose no registro dela): duas sentenças “alimentando-se” mutuamente. Estamos falando de

situações envolvendo duas sentenças, P e Q , em que são verdadeiras ambas as sentenças

QP → e PQ → .

Quando isto ocorre, dizemos que estamos diante de um bicondicional, que, como o próprio

nome indica, é formado por dois “condicionais”. Formalmente falando, o bicondiconal é definido

pela conjunção )()( PQQP →∧→ , e é, abreviadamente, denotado por QP ↔ . Usando o

registro da Matemática, dizemos que a ocorrência do bicondicional, QP ↔ , significa que:

• “ P implica Q ” e “Q implica P ”, ou, equivalentemente,

• “ P é condição suficiente para Q ” e “Q é condição suficiente para P ”, ou, ainda,

• “Q é condição necessária para P ” e “ P é condição necessária para Q ”. Também,

• “Q , se P ” e “ P , somente se Q ”.

Vejamos como fica a tabela-verdade do bicondicional QP ↔ .

Benditas contradições! No dia-a-dia, vivemos evitando redundâncias e

contradições. Particularmente, as contradições parecem só encontrar guarida em âmbitos

muito restritos, tais como as esferas de trabalho investigativo, pois ali uma condenação

quase sempre acontece a partir de contradições em que se metem eventuais suspeitos

(indiciados). Por mais incrível que possa parecer, fizemos esta pequena pausa para

anunciar que na Unidade III lidaremos com situações matemáticas em que contradições

serão objetos de desejo.

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Fig. 3.1-5 Tabela do bicondicional QP ↔

P Q QP → PQ → QP ↔

V V V V V

V F F V F

F V V F F

F F V V V

Esta tabela fornece algumas informações importantes. A sentença QP ↔ é verdadeira

em duas situações: quando ambas P e Q são verdadeiras ou quando as duas são falsas, isto é,

quando as duas possuem o mesmo valor lógico. Quando P e Q têm valores lógicos contrários, a

sentença QP ↔ é falsa.

Vamos aproveitar a ocasião para ver uma aplicação do significado do bicondicional.

Deixando de lado as razões de cunho pedagógico que levam a isto, o certo é que a presença do

bicondicional em proposições matemáticas tem altíssimas chances de trazer embaraços para o

aprendiz, seja no entendimento da própria proposição ou na compreensão de uma demonstração

sua.

Vamos abordar esta questão a partir de um caso particular. Tomemos a seguinte

proposição: “Considere que A e B sejam conjuntos. Sendo assim, ABA =∩ se, e somente

se, BA ⊆ ”. Tente encontrar a presença do bicondicional nesta proposição. Se não encontrou,

siga nossos passos a partir daqui. Primeiramente, comecemos por observar que esta proposição

tem a presença de duas sentenças, quais sejam: “ ABA =∩ ”, que representaremos por Q e

“ BA ⊆ ” , que será denotada por P . Agora, dirija a atenção para aquela listinha de significados

de proposições do tipo QP ↔ que apresentamos logo acima da tabela 3.1-5. Uma delas diz que

QP ↔ significa “Q , se P ” e “ P , somente se Q ”. Com isto, vemos que, na verdade, a

proposição que estamos estudando aqui é composta de duas sentenças, a saber: “ ABA =∩ , se

BA ⊆ ” e “ BA ⊆ , somente se ABA =∩ ”. Em termos puramente simbólicos, a proposição em

questão pode muito bem ser “traduzida” como )()( PQQP →∧→ , ou seja, QP ↔ . Em suma,

a proposição que estamos analisando pode ser reescrita da seguinte maneira: “Considere que

A e B sejam conjuntos. Sendo assim, são válidas as sentenças: ‘Se ABA =∩ , então

BA ⊆ ’ e ‘Se BA ⊆ , então ABA =∩ ’”.

Após esta breve discussão, uma conclusão a que podemos chegar é que uma proposição

do tipo “ P se, e somente se Q ” evidencia a ocorrência de um bicondicional. Portanto, sempre

que você sentir algum desconforto para compreender o que um bicondicional quer dizer, não

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hesite em reescrevê-lo como a conjunção de dois condicionais. Tudo começa, claro, com a

escolha adequada das sentenças que comporão a conjunção. Deste modo, o famoso “se, e

somente se” não passa de uma forma abreviada para exprimir a conjunção de duas sentenças

do tipo “se ... então”.

Faça agora mais aplicações do que já foi discutido até aqui.

Exercícios 3.1-4

1. Justifique por que é razoável ler-se QP ↔ como “ P é condição necessária e

suficiente para Q ”.

2. Recorra a uma tabela-verdade para mostrar que a sentença QP ↔ é equivalente

a )()( QPQP ¬∧¬∨∧ .

3. E, sem o uso de uma tabela-verdade, como você resolveria a questão do item 2?

4. Mostre que são equivalentes as sentenças )()( RQRP →∧→ e RQP →∨ )( .

5. Encontre uma forma de sentença que seja equivalente à negação de QP ↔ .

6. Formule a negação da proposição “ ABA =∩ se, e somente se, BA ⊆ ”.

3.2 Quantificadores lógicos

Nesta seção trataremos de um tópico que também tem função de destaque nos

processos comunicativos em Matemática: os quantificadores lógicos. Surgem naturalmente como

são na comunicação em geral. Sempre que precisamos nos referir a características de seres ou

coisas de determinadas categorias, é conveniente destacar a quantidade dos que são detentores

de tais propriedades: São todos? Somente alguns? Nenhum?

Estes cuidados são fundamentais para a comunicação em Matemática, pois estão

intimamente ligados às operações de identificação e de discriminação. Previnem contra erros e

imprecisões, por exemplo. “Ser par” é característica de quantos números divisíveis por 2 ?

Quantos são os números pares que são primos? São quantos os triângulos retângulos cuja soma

dos ângulos internos é menor do que o180 ? Nossa experiência permite responder, segundo a

ordem das perguntas acima, o seguinte: Todos, um e nenhum.

Aqui, trataremos de variados conjuntos, que serão nossos universos de discurso cujas

denominações e representações serão anunciadas conforme a necessidade. Usaremos letras

minúsculas de alfabetos conhecidos, para representar elementos genéricos de tais conjuntos: x ,

y , α , entre outras. Estas serão chamadas variáveis. Vale observar que expressões tais como:

“para cada”, “para todo(a)”, “algum(a)”, “existe algum(a)” exprimem quantificação. Daí serem

denominadas quantificadores.

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Seguindo notação convencionalmente adotada, usaremos o símbolo ∀ para representar

expressões tais como: “para todo(a)”, “para cada”, “qualquer que seja”. Dada a natureza daquilo

que representa, o símbolo ∀ é, de modo simplificado, chamado quantificador universal.

Analogamente, o símbolo ∃ , associado a expressões do tipo “algum(a)”, “existe algum(a)”, é

chamado quantificador existencial.

Uma sentença, )(xP , que exprime algo a respeito da variável x , em um dado universo de

discurso U , pode ser falsa para certos valores de x ou verdadeira, para outros valores de x .

Para significar que )(xP é verdadeira para todo Ux ∈ , escrevemos ))(( xPx∀ . De modo

semelhante, para dizer que )(xP é verdadeira para algum (pelo menos um) Ux ∈ , escrevemos

))(( xPx∃ .

• ))(( xPx∀ lê-se: Para todo x , ocorre )(xP .

• ))(( xPx∃ lê-se: Existe (pelo menos) um x para o qual ocorre )(xP .

Fixado o universo de discurso, U , o conjunto formado pelos elementos Ux ∈ que tornam

a sentença )(xP verdadeira é chamado conjunto-verdade de )(xP . Assim, quando )(xP é

verdadeira para todo Ux ∈ , o conjunto-verdade de )(xP é o próprio U . Se existe algum Ux ∈ ,

para o qual acontece )(xP , o conjunto-verdade de )(xP é não-vazio.

Vejamos alguns usos dos símbolos de quantificação.

• Se RU = é o conjunto dos números inteiros, a forma de sentença )0( <∃ xx

significa que existe (pelo menos) um número inteiro negativo. Trata-se, portanto, de uma sentença

verdadeira. Qual seria o valor lógico desta sentença se U fosse o conjunto dos números

naturais?

• Se U é o conjunto dos números reais, a sentença )04( 2 ≠+∃ yy significa que

existe um número real y , tal que 042 ≠+y . Uma sentença falsa, portanto. Agora, estamos

diante de uma sentença falsa. O que aconteceria com o valor lógico desta sentença se U fosse o

conjunto dos números complexos?

• Se QU = é o conjunto dos números racionais, a forma de sentença )( yxyx >∃∀

significa que para cada número racional x , existe um número racional y de tal modo que yx > .

Já vimos a necessidade de trabalhar com a negação de sentenças suportadas por

implicação, disjunção e conjunção. Chegou a vez de lidarmos com a negação de sentenças que

exprimem quantificação. A formalização deste tipo de negação parte de situações bastante

intuitivas, inspiradas no cotidiano. Por exemplo, negar que “todo animal é mamífero” equivale a

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dizer que “existe pelo menos um animal que não é mamífero”. Por sua vez, negar que “existe pelo

menos um boi alado” equivale a dizer que “qualquer que seja o boi, ele não é alado”.

A formalização da negação de sentenças que expressam quantificação pode ser

apresentada da seguinte maneira:

• ))(())((( xPxxPx ¬∃≡∀¬

• ))(())((( xPxxPx ¬∀≡∃¬

Para os dois exemplos a seguir, considere que o universo de discurso seja o conjunto dos

números reais. Assim, temos:

• )0())0(())0(( ≥∀≡<¬∀≡<∃¬ xxxxxx

• )0())0(())0(( >∃≡≤¬∃≡≤∀¬ zzzzzz

A esta altura, vale lembrar que o valor lógico de uma sentença está intimamente ligado ao

contexto. Porque o universo de discurso é o conjunto dos números reais, para os exemplos dados

acima, a primeira seqüência é de sentenças falsas. Já a segunda seqüência é formada por

sentenças verdadeiras. Experimente o jogo de alterar o universo de discurso, para ver o que

acontece.

Achamos conveniente apresentar aqui dois importantes casos particulares dos tipos de

negação sobre os quais estamos falando, desta feita envolvendo o condicional.

• ))()(()))()((()))()((( 212121 xPxPxxPxPxxPxPx ¬∧∃≡→¬∃≡→∀¬

• ))()(()))()((()))()((( 212121 xPxPxxPxPxxPxPx ¬∧∀≡→¬∀≡→∃¬

Baseados nisto que acabamos de estabelecer, temos, por exemplo:

- A negação da proposição “Para qualquer que seja o número natural x , se x é primo

então x é ímpar ou x é igual a 2 ” pode ser feita observando que a sentença que queremos

negar é do tipo: ))()((( 21 xPxPx →∀¬ em que )(1 xP representa a sentença “ x é primo” e )(2 xP

representa a sentença “ x é ímpar ou x é igual a 2 ”. Recorrendo à primeira das duas cadeias de

equivalências vistas acima, notamos que para chegar à negação pedida precisaremos construir a

conjunção )()( 21 xPxP ¬∧ . Ora, mas )(2 xP é uma disjunção (“ x é ímpar ou x é igual a 2 ”) e,

para sua negação, o recurso a De Morgan é recomendável. Por uma de suas leis, a negação de

)(2 xP é a conjunção da negação de “ x é ímpar” com a negação de “ x é igual a 2 ”, isto é, “ x é

par” e “ x é diferente de 2 ”. Com isto, a tarefa está realizada e negação é dada por: “Qualquer

que seja o número natural x , se x é primo então x é par e x é diferente de 2 ”. É claro que o

que fizemos aqui foi uma tradução literal do rigor da Lógica para o Português, resultando em um

linguajar pouco elegante. Reunindo elegância e rigor, a negação que foi solicitada poderia ser

expressa assim: “Qualquer que seja o número natural x , se x é primo então x é um número par

diferente de 2 ”.

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Que tal um efetivo exercício intelectual agora? As questões que apresentamos no seguinte

bloco de exercícios têm por finalidade fazê-lo(a) usar adequadamente os quantificadores lógicos

que estamos estudando nesta seção.

Exercícios 3.2-1

Considere, aqui, o conjunto dos números reais como o universo de discurso.

1. Use símbolos da Lógica e da Matemática para “traduzir” as seguintes sentenças.

a) Todo número real t , diferente de zero, satisfaz à relação 02 >t .

Uma solução: )0)0(( 2 >→=¬∀ ttt .

b) Existe um número irracional, y , tal que 032 =−y .

c) Não existe um número racional w que seja um natural.

d) Nem todo número real, z , tal que 0≤z , satisfaz 5<z e 2−>z .

e) Para todo número real, x , tal que 3>x , ocorre 0322 =−− xx .

f) Existe um número inteiro, w , tal que, para cada número real s , tem-se ws < .

2. Expresse, por escrito, a negação de cada uma das sentenças que aparecem na questão

1 acima.

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Unidade III Demonstração em Matemática

1. Situando a Temática

“Esta afirmação, Cassandra, você vai ter de provar por a mais b”. Você arriscaria afirmar

que a frase que acabou de ler, dita em tom tão imperativo assim, só poderia ter como contexto

uma sala de aula de Matemática? Nós, mesmo sem poder ouvir o que você tem a falar diante

desta pergunta, arriscamos dizer que acabou de pronunciar, nem que tenha sido de si para si, um

sonoro “Não”. É que as nossas (minhas e suas) interconexões culturais garantem que a frase em

questão cabe em qualquer ambiente social. Ela habita o imaginário popular, e apenas toma de

empréstimo o rigor com que, ainda segundo este mesmo imaginário, a Matemática trata a verdade.

Falando de modo bastante simplificado, diríamos que a verdade em Matemática

materializa-se através de uma complexa teia de objetos e relações entre eles, que são

estabelecidas através de afirmações “indefectíveis”: axiomas e teoremas. Os axiomas são, para

uma dada teoria (geometria, álgebra etc.), sentenças geradoras, sobre as quais se assenta todo e

qualquer processo de dedução ou resultado. Os teoremas constituem as afirmações que são

geradas pelos axiomas. Cada teorema segue uma estrutura padronizada, em que sobressaem

dois blocos: o das hipóteses e o da conclusão. As primeiras reúnem as condições sob as quais

“algo” acontece; a conclusão é justamente o “algo”.

Parece que é a engenharia desta articulação, apresentada de modo supersimplificado

acima, que provoca uma sensibilização no senso comum sempre que estão em jogo rigor ou

harmonia para uma tomada de decisão. Tudo se passa como se o senso comum se apropriasse

profundamente de um uma espécie de modo matemático de ser. Exemplos disto não faltam:

expressões tais como “provar por a mais b”, “chegar a um denominador comum”, “como dois e

dois são quatro”, juntamente com outras tantas, caíram no domínio público.

Vale salientar que o estabelecimento de um teorema requer um processo de elaboração

que inclui etapas importantes. Por vezes, acontece um lampejo e o matemático parece apossar-se

de um palpite segundo o qual o que ele tem diante de si é um fato matemático; em outros casos, é

levado a uma suspeita destas pelo reconhecimento de padrões que surgem de um apurado senso

de observação de interligações. Achamos oportuno trazer ao seu conhecimento que esta última

modalidade ganhou mais ênfase com o advento de recursos de cálculos computacionais de alta

precisão e velocidade.

Enquanto um lampejo e uma suspeita, da maneira como foram descritos acima, não são

provados ou refutados estes assumem a condição de uma conjectura. Aquilo que serve para

refutar uma conjectura é denominado contra-exemplo, isto é, um exemplo que contradiz a

conjectura.

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2. Problematizando a Temática

A história da Matemática registra o aparecimento de conjecturas que se tornaram

mundialmente famosas, quer pela temática envolvida ou pela simplicidade dos seus enunciados.

Entre estas, destaca-se a conjectura que por mais de 350 anos ficou conhecida como “O Último

Teorema de Fermat”, hoje reverenciada como Teorema de Fermat-Wiles, em homenagem ao

matemático britânico Andrew Wiles, que, em 1995, apresentou uma prova deste teorema.

Segundo a literatura sobre o tema, por volta do ano 1637, o matemático francês Pierre de Fermat

afirmou ter elaborado uma prova cabal e simples (mas que não cabia naquele espaço onde

escreveu tal declaração) para o seguinte: “Se 2>n é um inteiro, então não existem inteiros, não

simultaneamente nulos, x , y , e z , que satisfaçam à relação nnn zyx =+ ”.

O termo “último” foi atrelado àquela conjectura porque era a última que, dentre várias

conjecturas de Fermat, ficou durante muito tempo sem solução. Todas as outras foram provadas

verdadeiras ou foram refutadas. No meio das poucas que foram refutadas, está a seguinte: “Se p

é um número natural, então o número 122 +p

é primo”. A refutação foi apresentada pelo

matemático suíço Leonhard Euler, mostrando que, para 5=p , a afirmação é falsa, pois

6416700417297.967.294.41252 ⋅==+ . Com isto, Euler apresentou um contra-exemplo para essa

conjectura de Fermat.

A situação descrita acima deve servir de inspiração para a postura que devemos adotar

diante de uma frase declarativa em Matemática. No caso em questão, foram necessários apenas

seis passos para Euler derrubar a declaração de Fermat. Portanto, muita prudência e procura por

argumentos bem fundados são procedimentos recomendáveis para o trabalho de elaboração de

discursos em Matemática.

3. Conhecendo a Temática

3.1 Demonstrações envolvendo conectivos lógicos

Para falar sobre demonstração no contexto em questão convém uma palavrinha acerca de

um tipo de raciocínio que é vital para a construção de significados em Matemática: o raciocínio

dedutivo.

Ampliando o seu conhecimento. Procure saber mais sobre as vidas e as obras de

Fermat e Wiles, particularmente sobre O Último Teorema de Fermat. Para começo desta

viagem, sugerimos visitar a enciclopédia virtual Wikipedia, no endereço www.wikipedia.org.

Além disso, vale a pena ler o livro “O Último Teorema de Fermat” de autoria de Simon

Singh, publicado no Brasil em 1998 pela Editora Record.

Ampliando o seu conhecimento...

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Grosso modo, dizemos que o raciocínio dedutivo se caracteriza por possibilitar que se

obtenham informações acerca de eventos (situações) específicos a partir de eventos (situações)

gerais. Essa versão traz desconforto aos lógicos, pois há raciocínios dedutivos válidos que partem

do particular para o geral: “Água potável é insípida. Portanto, existe algo insípido”.

De um modo menos informal do que isto, diríamos que o raciocínio dedutivo é empregado

na construção de um argumento em que a conclusão é implicação direta de premissas

conhecidas. Ou seja, se as premissas são verdadeiras então a conclusão é verdadeira.

Este é o tipo de raciocínio que dá sustentação final a boa parte do trabalho desenvolvido

por matemáticos. Estes, para se convencerem e se fazerem convencidos por seus pares,

recorrem a vários procedimentos: fazem simulações com casos particulares, fazem tentativas para

ver até que ponto são confiáveis as conexões entre suas hipóteses e suas conclusões, isto é, até

que ponto aquelas podem conduzir a erros; além disso, matemáticos, como já foi dito

anteriormente, recorrem inevitavelmente à intuição.

Mas, a sua convicção acerca do que se lhe é apresentado como fato matemático só se

realiza se o tal fato passa nos testes dos princípios do raciocínio lógico. Isto se dá através de um

procedimento a que os matemáticos denominam prova ou demonstração.

Quem de vocês já não viu uma prova matemática? Mais do que isto, muitos já realizaram

demonstrações. Vamos dedicar um olhar mais atento a este tema por tratar-se de algo que é

inerente ao cotidiano do trabalho matemático.

A construção de uma prova matemática tem, como diz Daniel Velleman (Velleman, p. 82)

no seu livro “How to Prove It”, forte analogia com a montagem de um quebra-cabeça, pois, por

exemplo, não há uma receita universal para se obter êxito em uma tarefa destas, mas certos

procedimentos parecem levar a bons resultados:

• Não parece sensato sair colocando as peças no modo “uma sim, outra não”,

e depois voltar preenchendo as lacunas que ficaram.

• Tampouco é produtivo começar pelo topo e ir assim até a base, ou vice-

versa; da esquerda para a direita, ou vice-versa.

• A prática nos diz que vale a pena começar pelas bordas e tentar montar

porções a partir delas, avaliando se estamos no caminho certo.

• Tentativas às vezes podem conduzir a uma colocação que descobrimos não

ser legal; neste caso, tratamos de fazer as correções que consideramos convenientes.

• É sempre bom parar e dar uma olhada panorâmica, a fim de vermos se o

que temos feito até ali apresenta fortes indícios daquilo que queremos alcançar. Somos

tomados por uma sensação prazerosa ao perceber que aquilo que já conseguimos indica,

por exemplo, a formação de partes de corpos, porções de um jardim, picos de montanhas

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por detrás e por cima das quais já vislumbramos o sol a espraiar seus raios em um céu

azulado etc.

• Aí, mais uma daquelas paradinhas, e mãos à obra, para, minutos, horas,

quem sabe, dias depois, termos as peças enlaçadas de modo harmônico, enchendo de

brilho de satisfação o nosso olhar diante de uma obra construída com doses equilibradas

de racionalidade e intuição.

Uma vez composto o quebra-cabeça, será que nos desfazemos dele imediatamente? É

quase certo que não, o deixamos ali e a ele voltamos para, admirando-o, reviver o ato da

construção: Qual porção nos deu mais trabalho? Qual surgiu com mais facilidade? Qual porção foi

geradora imediata de várias outras?

Informalmente falando, é deste modo que se dá a construção de uma demonstração em

Matemática, objeto de trabalho nesta seção. Esperamos, com a presente abordagem, contribuir

para que você compreenda estruturas e funcionamento de demonstrações, mas, mais que isso,

torne-se capaz de construí-las com autonomia.

Pois bem, agora, apropriemo-nos mais formalmente de alguns conceitos e nomes.

Teorema é o nome que os matemáticos dão a um texto que serve de resposta definitiva a

alguma indagação que é feita no universo matemático. Nesta resposta, há condições que

conduzem a um fato bem definido. Essas condições recebem a denominação de hipóteses do

teorema e o fato bem definido é a tese deste.

Normalmente, nas hipóteses e na tese são encontradas variáveis livres que ali

representam, genericamente, objetos do universo de discurso do teorema. Quando substituímos

tais variáveis por valores particulares obtemos o que se chama uma instância do teorema.

Uma afirmação com “jeito” de teorema é de fato um teorema quando se mostra válida para

toda e qualquer instância sua. Quando, para alguma instância, a validade é quebrada, estamos

diante de algo que tem apenas jeito de teorema, mas não é um teorema. Neste caso, aquela

instância é chamada um contra-exemplo para aquela afirmação.

3.1.1 Teoremas cujas conclusões são do tipo QP →

Consideremos o seguinte teorema: “Suponha que x e y sejam números reais quaisquer

satisfazendo 5>x e 2<y . Então, 1932 >− yx ”.

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No teorema acima, o universo de discurso é o conjunto dos números reais. Como

hipóteses, temos “ x e y são números reais tais que 5>x e 2<y ”. A tese do teorema é

“ 1932 >− yx ".

Ao substituir, a título de ilustração, x por 7 e y por 4− , vemos que

19611249)4(372 >=+=−− . Ou seja, temos aqui uma instância do teorema: “Como 57 > e

24 <− , então 19)4(372 >−− ”.

Atenção! Não confunda uma instância de um teorema com a prova deste. A prova só

estará realizada quando mostrarmos que a afirmação aplica-se a toda e qualquer instância dele.

Aqui vai um desafio para você: construa uma prova para o teorema acima. Compare o que

você fez aqui com aquilo fará, nesta mesma tarefa, depois de ter estudado demonstrações em

que a conclusão é do tipo QP → .

Mais uma tarefa. Mostre, por meio de um contra-exemplo, que a proposição “Se x e y

são números reais quaisquer, sendo 5>x , então 1932 >− yx ” não é um teorema.

Agora, vejamos com mais detalhes como responder à pergunta: O que fazer para

demonstrar um teorema em que a conclusão é do tipo QP → ?

Uma primeira providência é admitir que P seja verdadeira, o que equivale a acrescentar

P ao nosso conjunto de hipóteses. Feito isto, partimos para provar que Q é verdadeira. Observe

que, com isto, alteramos o conjunto inicial de hipóteses mas não modificamos a lógica dos nossos

objetivos. Explicitamente, inicialmente tínhamos de provar QP → , ao passo que agora a

conclusão a que queremos chegar é Q .

Vale salientar que este procedimento tem como finalidade principal enriquecer o nosso

conjunto de hipóteses que, esperamos, faça com o que a demonstração flua mais naturalmente.

Mas, observemos que isto não encerra a demonstração; gera, na verdade, um novo problema

que, provavelmente, seja menos complexo do que o original.

É também oportuno ressaltar que não é comum que uma demonstração seja feita de um

só fôlego, nem que uma técnica sozinha dê conta do recado. Normalmente, começamos com um

esboço que inclui o recurso a fatos matemáticos que não constam do rol de hipóteses do teorema,

além de, às vezes, ser necessário trazer à cena outras técnicas.

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O conjunto resultante da agregação de novas hipóteses ao conjunto de hipóteses iniciais

recebe a denominação de dados, enquanto a conclusão, que nesse processo resta ser provada, é

chamada meta.

Façamos uma aplicação disto que acabamos de teorizar.

Teorema 3.1.1-1

Considere que x e y sejam números reais positivos. Se yx > , então 22 yx > .

Esboço de demonstração

Comecemos por fazer uma radiografia do teorema em questão. Aqui, temos como hipótese

que x e y são números reais. A nossa conclusão é do tipo QP → em que 0: >> yxP e

22: yxQ > .

A fim de organizar o pensamento, recorramos à seguinte tabela, que chamaremos quadro

organizador do pensamento, e refletirá a situação inicial do processo de demonstração:

Dados Meta

x e y são números reais positivos )()( 22 yxyx >→>

De acordo com o que discutimos anteriormente, deveremos considerar yx > como um

fato (acrescentando-o à nossa lista de hipóteses) e, partir daí, tentar provar que .22 yx > Isto

implica que o nosso quadro inicial agora se altera para o seguinte:

Dados Meta

x e y são números reais positivos

yx >

22 yx >

É chegada a hora de pôr a mão na massa, ou melhor, nos dados. Partamos, pois, para

articular os dados a fim de chegarmos à meta:

Iniciamos por identificar algum “parentesco” entre os dados. Pois bem, ao comparar as

desigualdades yx > e 22 yx > , somos levados a imaginar que a multiplicação da primeira delas

por x ou por y parece nos aproximar da meta. De fato, teremos yxxx ⋅>⋅ ou yyyx ⋅>⋅ , isto

é, yxx ⋅>2 ou 2yyx >⋅ . (Por que o sentido destas desigualdades não se altera?) Agora, basta

observar que 22 xyxy <⋅< para concluir que, em qualquer um dos dois casos acima, teremos:

22 yx > , que é a nossa meta.

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O que fizemos acima foi um esboço descritivo (explicitação das entrelinhas) da

demonstração do teorema. A demonstração propriamente dita, segundo os padrões dos

matemáticos profissionais, é normalmente composta por um texto “enxuto”, ou seja, que deixa

implícitas as entrelinhas.

Como ilustração, apresentamos a seguir o que vem a ser uma demonstração do teorema

3.1.1-1.

Demonstração

Suponhamos que x e y sejam números reais positivos quaisquer satisfazendo yx > . Ao

multiplicar a desigualdade yx > pelo número positivo x , obteremos yxx ⋅>2 ; fazendo o mesmo,

agora com y , chegaremos a 2yyx >⋅ . Ou seja, 22 xyxy <⋅< , o que nos dá 22 xy < , que é o

mesmo que 22 yx > , a nossa meta.

De uma maneira geral, a estratégia adotada acima pode ser estruturada da seguinte

maneira.

Para provar uma meta do tipo QP → , admita que P seja verdadeira e então prove que Q

é verdadeira.

Um esboço da demonstração assume, inicialmente (antes de usar a estratégia), a seguinte

forma:

Dados Meta

Hipóteses QP →

Depois da estratégia, o quadro organizador torna-se:

Dados Meta

Hipóteses

P Q

Nesta altura dos acontecimentos, mobilizamos o nosso repertório de fatos matemáticos

para tirar o melhor proveito das interconexões dos dados (hipóteses + P ), a fim de alcançar a

meta, Q .

Em suma, tendo admitido que P é verdadeira e provado que a sentença Q também o é

equivale a ter provado que QP → é verdadeira, a conclusão do teorema.

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Uma abordagem alternativa

Às vezes, torna-se difícil ou trabalhoso demonstrar diretamente um teorema cuja conclusão

é do tipo QP → segundo a estratégia que acabamos de ver. Quando isto ocorre, mantemos a

estratégia, mas optamos por uma demonstração indireta. Mais explicitamente, uma iniciativa que

se mostra bastante conveniente é recorrer ao fato de que a sentença QP → é equivalente à sua

contrapositiva, PQ ¬→¬ .

Em tais situações, admitimos que a sentença Q seja falsa, isto é, que a sentença Q¬

seja verdadeira, procedemos à incorporação dela às hipóteses iniciais, e isto faz com que a nossa

meta passe a ser provar que a sentença P é falsa, ou seja, que a sentença P¬ é verdadeira. Os

dois primeiros quadros organizadores do pensamento assumem a seguinte configuração:

Antes da estratégia

Dados Meta

Hipóteses QP →

Depois da estratégia

Dados Meta

Hipóteses

Façamos agora uma aplicação desta abordagem alternativa.

Teorema 3.1.1-2

Suponha que x , y e z sejam números reais satisfazendo à relação yx > . Prove que se

yzxz ≤ , então 0≤z .

Nota digna de destaque. Procure identificar quais diferenças há entre o esboço da

demonstração do teorema 3.1.1-1 e a demonstração do mesmo. Achamos oportuno

chamar a sua atenção para uma diferença fundamental entre um e a outra, a saber: o

esboço é caracterizado por explicações de como o raciocínio da demonstração é

desenvolvido, ou seja, trata-se de um conjunto de ações essencialmente psicológicas;

enquanto isto, a demonstração propriamente dita é marcada pela reunião de justificativas

técnicas para as conclusões (inferências), isto é, trata-se da realização de atos

essencialmente matemáticos.

Estas observações extrapolam o caso particular aqui estudado, são características válidas

em geral.

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Esboço de demonstração

Aqui, consideremos )(: yzxzP → e )0(: ≤zQ . Deste modo, chegamos ao seguinte

quadro:

Quadro 1, antes da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais

yx >

)0()( ≤→≤ zyzxz

Observemos que a contrapositiva da meta é )()0( yzxzz ≤¬→≤¬ , ou seja,

)()0( yzxzz >→> , que é equivalente a )0()( ≤→≤ zyzxz .

Assim, obtemos o seguinte quadro:

Quadro 2, antes da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais

yx >

)()0( yzxzz >→>

A meta que temos agora é )()0( yzxzz >→> , ou seja, PQ ¬→¬ . Assim, para aplicar a

estratégia que escolhemos para estes casos, admitamos que a sentença Q¬ seja verdadeira, isto

é, que a sentença 0>z seja verdadeira. Incorporando-a ao conjunto de hipóteses, a meta torna-

se )( yzxz > e o próximo quadro organizador do pensamento assume a seguinte configuração:

Quadro 3, depois da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais

yx >

0>z

yzxz >

Demonstração

A demonstração pode, então, ser redigida da seguinte forma:

Por conveniência, adotaremos a estratégia que apela para a contrapositiva da conclusão

do teorema. Assim, suponhamos, por hipótese, que 0>z . Multiplicando ambos os membros da

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desigualdade yx > pelo número positivo z , vamos obter yzxz > . Portanto, concluímos que se

yzxz ≤ então 0≤z .

A seguir, convidamos você a fazer uma crítica utilizando o que acaba de ver sobre

demonstrações que envolvem conclusões do tipo QP → .

Considere o seguinte teorema:

Teorema 3.1.1-3

Suponha que x seja um número real diferente de 5 . Se 65

37=

+

x

x, então 33−=x .

Você concorda que o que apresentamos a seguir seja uma demonstração deste teorema?

Justifique a sua resposta.

“Tome 33−=x . Então, teremos:

638

228

533

3)33(7

5

37=

−=

−−

+−=

+

x

x. Logo, se 6

5

37=

+

x

x, então 33−=x ”.

Caso tenha discordado, apresente uma demonstração do teorema 3.1-3.

Exercícios 3.1.1-1

1. Em cada situação seguinte, identifique a hipótese e a conclusão.

a) A soma dos quadrados dos n primeiros números naturais é 6

)12)(1( ++ nnn.

b) Considere que C seja um círculo, 1P e 2P sejam os pontos extremos de um diâmetro

qualquer de C . Se 1r e 2r são retas tangentes a C nos pontos 1P e 2P , então 1r e 2r

são paralelas.

c) Considere que a , b e c sejam números reais. Se 0<a , 0<b e 042 =− acb , então

a única solução da equação 02 =++ cbxax é negativa.

d) Se a e b são números reais não-negativos, então a média aritmética deles não é

menor do que a sua média geométrica.

e) Se BAf →: e CBg →: são funções bijetivas, então a função CAfg →:o é

bijetiva.

f) Se BAf →: é uma função bijetiva, então xxff =− ))(( 1o , para todo Ax ∈ e

yyff =− ))(( 1o , para todo By ∈ .

2. Demonstre as proposições b), c), d), e) e f) da questão anterior.

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3.1.2 Teoremas cujas conclusões são do tipo QP ↔

Como já vimos, o conectivo “se, e somente se” é caracterizado por uma sentença

bicondicional, ou seja, do tipo QP ↔ . Esta, por sua vez, é equivalente a )()( PQQP →∧→ .

Logo, para realizar a demonstração de um teorema cuja conclusão seja do tipo em questão, basta

que apliquemos, separadamente, a estratégia adotada na seção 3.1-1 às sentenças QP → e

PQ → .

Vejamos um caso ilustrativo.

Teorema 3.1.2-1

Considere que A e B sejam conjuntos. Nestas condições, ABA =∪ se, e somente se,

AB ⊆ .

Esboço de demonstração

Primeiramente, mostraremos que “se AB ⊆ , então ABA =∪ ”. Feito isto, provaremos

que “se ABA =∪ , então AB ⊆ ”.

Observemos que a prova de “se AB ⊆ , então ABA =∪ ” requer que mostremos serem

verdadeiras as afirmações: “se AB ⊆ , então ABA ⊆∪ ” e “se AB ⊆ , então BAA ∪⊆ ”.

Para provar a sentença “se AB ⊆ , então ABA ⊆∪ ”, suponhamos que AB ⊆ e

tomemos BAx ∪∈ . Sendo assim, Ax ∈ ou Bx ∈ . Se Ax ∈ , a prova está realizada. Se Bx ∈ ,

temos que Ax ∈ pois, por hipótese, AB ⊆ .

Agora, provemos que “se AB ⊆ , então BAA ∪⊆ ”. Para tanto, suponhamos que AB ⊆

e tomemos Ax ∈ . Ora, mas isto significa que BAx ∪∈ . Ou seja, BAA ∪⊆ .

Nos dois parágrafos acima está a prova de que “se AB ⊆ , então ABA =∪ ”.

Resta mostrar que “se ABA =∪ , então AB ⊆ ”. Para isto, suponhamos que ABA =∪ ,

para chegar a AB ⊆ . Tomando Bx ∈ , obtemos BAx ∪∈ . Ora, mas, por hipótese, ABA =∪ ,

o que implica Ax ∈ , que é aonde queríamos chegar.

3.1.3 Demonstração por contradição (ou redução a um absurdo)

Esta situação, corriqueira no cotidiano de quem faz Matemática, consiste em manter todas

as hipóteses do teorema e acrescentar a elas uma suposição “estranha” mas providencial, qual

seja: admitir que diante das condições dadas pelo teorema, a conclusão por ele anunciada é falsa.

Se tal suposição nos conduz a uma contradição (absurdo), esta foi gerada pela negação da

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conclusão que foi acrescentada ao conjunto de hipóteses do teorema. Portanto, o que é falso é a

nossa “estranha” suposição, implicando na veracidade da conclusão do teorema.

O teorema seguinte constitui um caso clássico entre aqueles cuja demonstração pode ser

feita por redução a um absurdo.

Teorema 3.1.3-1

O número 2 não é racional.

Demonstração

A demonstração será feita por redução a um absurdo. Comecemos, pois, negando a

conclusão do teorema, ou seja, vamos supor que 2 seja um número racional. Nossa expectativa

é que esta suposição leve-nos a uma contradição. Vamos lá!

Admitindo que 2 é um racional, existem números inteiros, p e q , tais que q

p=2 . Por

razões de simplificação, suponhamos que a fração q

p já esteja no modo irredutível ( p e q são

primos entre si). Da igualdade q

p=2 , vem: pq =2 , ou seja, 222 pq = . Isto significa que o

número 2p é par. Sendo assim, p é também um número par. Logo, existe algum inteiro n de

modo que np 2= , implicando 22 4np = . Assim, obtemos: 22 42 nq = , ou seja, 22 2nq = ,

evidenciando que o número 2q é par. Sendo 2q um número par, o mesmo acontece o número q .

Daí e do que obtivemos logo acima, vemos que os números p e q são pares e, portanto,

admitem (pelo menos) um divisor comum: o número 2 . Mas, entra em choque com o fato de

termos admitido que p e q são primos entre si. Esta contradição nasceu da negação da

conclusão do teorema. Portanto, o número 2 não pode ser um racional, e a demonstração está

concluída.

Mais uma aplicação

Agora, considere o teorema abaixo e um esboço da demonstração dele, apresentada logo

em seguida.

Teorema 3.1.3-2

Suponha que BCA ⊆∩ e Ca ∈ . Prove que )( BAa −∉ .

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Esboço de demonstração

Dados Meta

BCA ⊆∩ )( BAa −∉

Ca ∈

Observemos que a meta é uma sentença constituída de uma negatividade, isto é, refere-se a algo

que deixa de acontecer ( a não está em )( BA − ). Vamos substituí-la por uma sentença marcada por uma

positividade, ou seja, que expresse algo que acontece. Indo ao nosso repertório de sentenças equivalentes,

vamos encontrar:

)( BAa −∉ ≡ )()()( BaAaBaAa ∈→∈≡∉∧∈¬

Assim, podemos substituir a meta )( BAa −∉ pela sentença )()( BaAa ∈→∈ , e o

próximo quadro assume o aspecto seguinte:

Dados Meta

BCA ⊆∩ Ba ∈

Ca ∈

Aa ∈

No passo seguinte, o quadro torna-se:

Dados Meta

BCA ⊆∩ Contradição

Ca ∈

Aa ∈

Ba ∉

Trabalhando com os dados do quadro acima, vemos que eles são incompatíveis e,

portanto, levam a uma contradição, que é a nossa meta. Isto significa que não pode ocorrer

)( BaAa ∉∧∈ , que equivale à sentença )( BAa −∈ . Portanto, o que de fato ocorre é

)( BAa −∉ , que é aonde queríamos chegar.

Fica para você a tarefa de redigir uma demonstração para o teorema 3.1.3-2, assim como

praticar um exercício mental com as seguintes questões.

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Exercícios 3.1.3-1

1. Ao aplicar a técnica de demonstração por contradição às seguintes proposições,

como você redigiria o começo da demonstração? Mais explicitamente, começaria

negando o quê?

a) Se A é uma matriz não-invertível, então as colunas de A não são linearmente

independentes.

b) Suponha que certos conjuntos 1C , 2C e 3C satisfaçam às relações 31 CC ⊆ ,

Φ=∩ 21 CC . Nestas condições, se 1Ca ∈ , então 2Ca ∉ .

c) Considere que BAf →: seja uma função injetiva. Nestas condições, para quaisquer

que sejam 1a , Aa ∈2 , tais que )()( 21 afaf = , então 21 aa = .

2. Finalizando, pela técnica de demonstração por contradição, uma prova para a

sentença QP → , Augusto escreveu: “... e, assim, a demonstração está

concluída, pois mostramos que P é falsa”. Você concorda com Augusto?

Justifique sua resposta.

3. Por redução a um absurdo, prove que se m é um inteiro e 2m é par, então m é

par.

4. Por redução a um absurdo, prove que se n é um inteiro e 2n é ímpar, então m

é ímpar.

Uma pequena observação relacionada com o mundo dos signos e códigos, que, em suma,

são objetos destes nossos estudos. É comum encontrarmos ao final da demonstração de um

teorema as seguintes inscrições: ‘(qed)’ ou ‘(cqd)’. A primeira representa o conjunto das letras

iniciais da expressão latina “quod erat demonstrandum”; a segunda representa, em Português,

a expressão “como queríamos demonstrar”, equivalente à expressão latina representada por

“qed”. São uma espécie de declaração de regozijo diante de um desafio que acaba de ser

vencido.

Na plataforma moodle, apresentamos material teórico e

exercícios de consolidação que complementam a abordagem

feita aqui sobre demonstração em Matemática.

No Moodle...

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Narrativa escrita em Matemática: algumas recomendações.

Esperamos que você já tenha percebido que uma das mais importantes tarefas de um estudante de

Matemática é a de ser um comunicador de fatos matemáticos. Como já descrevemos, a disciplina

Argumentação em Matemática tem por finalidade principal prover condições teóricas com as quais você

desenvolverá uma prática de compreensão e elaboração de narrativas em Matemática, o que implica convocá-

lo(a) a assumir, efetiva e permanentemente, as funções de leitor e redator de textos matemáticos.

Pensando que tão importante quanto o que você tem a comunicar é a forma como o faz, resolvemos

apresentar aqui algumas dicas que, segundo nossa expectativa, o(a) ajudarão a fundir estes dois aspectos

mutuamente complementares de um ato comunicativo. Estão voltadas mais enfaticamente à redação de

demonstrações em Matemática. Vamos a elas, pois!

� Procure sempre deixar suficientemente claro, para você mesmo(a) e para o leitor, o que

representa cada conjunto de símbolos que você adota. Este cuidado tem ligação direta com a

construção de significados em Matemática.

� Evite cometer ambigüidades no uso da notação: em uma demonstração nunca use um símbolo

para representar mais de um objeto.

� Siga à risca as normas gramaticais, especialmente no que diz respeito à composição de

frases: sujeito, verbo e predicado têm presença obrigatória nelas.

� Evite iniciar uma frase com um símbolo próprio da Lógica ou da Matemática, pois isto pode

criar situações embaraçosas, além de comprometer o valor estético da frase. Qual das frases

você acha mais inteligível e apresentável: “ Ayx ∈∀ , , tem-se: yx ≤ ” ou “Para quaisquer x

e y do conjunto A , tem-se: yx ≤ ”?

� Procure fazer uma combinação equilibrada de símbolos e palavras.

� Não “esconda o leite”: diga de onde vai partir e aonde pretende chegar; de onde provém algum

fato que está usando, se é conseqüência de algum teorema etc. Explicite qual técnica de

demonstração está usando.

� Para atender ao item anterior, às vezes você não precisa fazer referência direta à técnica que

está sendo usada, uma vez que certas expressões da nossa língua se encarregam de fazê-lo.

É, por exemplo, o caso da expressão “Admitamos que a sentença Q seja falsa”, quando você

está querendo demonstrar algo do tipo QP → . Esta expressão indica fortemente que ali está

em curso um processo de demonstração por redução a um absurdo.

� Sempre que as circunstâncias permitam, compartilhe a solução encontrada com alguém em

quem você deposita confiança para o estabelecimento de uma parceria dessas.

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Unidade IV Indução Matemática

1. Situando a Temática

Temos sido insistentes em mantê-lo(a) atento(a) às relações que há entre objetos

matemáticos e suas várias formas de representação. Ao lado desta observação merece destaque

o modo como é conduzido o raciocínio matemático quando estão em jogo a construção de

significados, a elaboração de hipóteses assim como a obtenção de conclusões. Vista como parte

do patrimônio cultural da humanidade, a Matemática mantém com outros ramos do saber

vínculos que variam em grau no que diz respeito à sua estrutura e ao seu funcionamento. Estas

organizações estruturais e funcionais estão intimamente ligadas à maneira como são conduzidos

os raciocínios na urdidura e no fazer de cada área do conhecimento. Assim, por exemplo, a

Matemática, no que tange aos parâmetros ‘estrutura’ e ‘funcionamento’, muito se parece com

certas áreas do saber, enquanto de outras dessemelha-se.

Grosso modo, diríamos que há três categorias de raciocínio: raciocínio por analogia,

raciocínio dedutivo (ou, simplesmente, dedução) e raciocínio indutivo (ou, simplesmente, indução).

Como a própria denominação já anuncia, no raciocínio por analogia, situações semelhantes são

consideradas fontes de efeitos semelhantes. Um exemplo marcante disto é o que acontece em

grande parte das pesquisas biológicas visando à descoberta de cura para doenças em seres

humanos, a partir da observação do que se passa em cobaias.

Já o ponto forte da indução é a repetição exaustiva (observação de uma quantidade

razoavelmente grande), feita com uma instância do fenômeno como suporte para elaboração de

uma generalização. Para ilustrar este tipo de raciocínio, consideremos o caso do nascer e do pôr

do sol: esta ocorrência assumiu o status de uma regularidade astronômica que, por mais nublado

que esteja o tempo, nem de longe nos ocorre imaginar que, por exemplo, a alegre algazarra de

pardais e andorinhas não seja sinal de que, naquele momento, está em curso mais um de infinitos

arrebóis.

Nos dois casos acima mencionados, a condução das experiências não pode prescindir do

concurso dos aparatos anatomofisiológico e sensorial dos humanos. Além disso, apesar de

marcados por premissas muito fortes, estas não garantem que as conclusões até então

observadas ocorrerão haja o que houver. Estes dois aspectos, característicos no raciocínio por

analogia e da indução, não são o traço fundamental do raciocínio dedutivo, o forte de uma

atividade de cunho eminentemente matemático. Este se caracteriza pela assunção de certos fatos

aceitos sem questionamento a partir dos quais são produzidas conseqüências verdadeiras.

Entretanto, tal correlação de confiabilidade não se realiza de modo aleatório: tanto as premissas

como as conclusões devem seguir cláusulas de reconhecido rigor.

O conhecido fato que a área de um retângulo de lados cujos comprimentos são 1l e 2l é

dada pelo produto 21 ll ⋅ não poderia ser estabelecido a partir de intermináveis medições

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realizadas em uma quantidade infinita de tais retângulos. Chega-se a ela através de uma

combinação de premissas e de outros fatos, a ela relacionados, que não levam em conta, por

exemplo, a acuidade visual de quem está com a tarefa de obter a área em questão. O raciocínio

dedutivo vale-se dos nossos conhecidos cinco sentidos, mas não se esgota neles; cria e trata

rigorosamente de situações que não possuem correspondentes no mundo físico. Aliás, faz

surgirem outros mundos, dá-lhes significados específicos.

Vale salientar, porém, que na prática as coisas não se dão de modo estanque, ou seja,

apesar da prevalência do raciocínio dedutivo na exploração do universo matemático, as atividades

neste âmbito são realizadas por uma mescla dessas três formas de organização do pensamento.

2. Problematizando a Temática

Convidado a provar que a soma dos n primeiros números naturais ímpares é dada por 2n ,

por onde você começaria? Muito provavelmente, procuraria verificar que a anunciada regularidade

acontece para alguns casos particulares, instâncias da proposição:

Para os dois primeiros ( )2=n , veria que 22431 ==+ ;

Para os três primeiros )3( =n , observaria que 239531 ==++ ;

Para os quatro primeiros )4( =n , veria acontecer 24167531 ==+++ ;

E, assim por diante. Ou seja, 2)12()32(...7531 nnn =−+−+++++ . Como provar isto?

Dá para perceber que você está diante de um problema que envolve uma propriedade que

diz respeito a todos os elementos de um subconjunto infinito do conjunto dos números naturais, e,

por uma limitação essencial da nossa arquitetura biopsicológica em relação ao infinito, não pode

ser verificada caso a caso. Você tem, portanto, de domar o infinito, ou, no dizer do poeta William

Blake, deter o infinito na palma da mão. É este o tema da Unidade IV.

Trata-se de um tipo de demonstração, essencialmente dedutivo, mas que tem na sua base

uma proposição cujo nome parece estar em desacordo com os procedimentos da dedução: O

Princípio de Indução Finita. Mas, o desacordo pára por aí: fica apenas no nível da aparência.

3. Conhecendo a Temática

3.1 O Princípio de Indução Finita (ou Princípio de Indução Matemática)

Na abertura da Unidade IV deste texto (os números primos de Fermat), vimos que a

verificação que uma dada afirmação acerca de números naturais é válida para todo o conjunto

destes números, tomando por base uma regularidade evidenciada somente através de exemplos,

não constitui um método seguro de prova. Para ajudar a consolidar esta observação,

consideremos um caso apresentado por Daepp & Gorkin (Daepp, 2003, p. 207): provocados a

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demonstrar que, “se n é um número natural qualquer, então o número 412 ++ nn é primo”,

certamente começaríamos a tarefa vendo se a afirmação se sustenta para uma quantidade

razoável de casos. Representemos por )(nf a sentença “ 412 ++ nn é primo”. Assim,

encontraríamos:

• 434111)1( 2 =++=f , que é um número primo.

• 474122)2( 2 =++=f , que é primo.

• 534133)3( 2 =++=f , que é primo.

• 614144)4( 2 =++=f , que é primo.

Continuaríamos, nesse ritmo, obtendo números primos até o passo 39=n . Então, no

quadragésimo passo, a falácia se descortinaria diante de nós, com a obtenção do número

1681414040)40( 2 =++=f , que é o quadrado de 41 e, portanto, não é um número primo.

Para superar desafios como os apresentados por afirmações, do tipo )(nP , que são feitas

acerca dos elementos de subconjuntos infinitos do conjunto de números naturais, a Matemática

vale-se do Princípio de Indução Finita, que, em essência, consiste no seguinte: Para provar que

uma afirmação )(nP é válida para qualquer número natural n , basta:

1. Mostrar que a afirmação é válida para 1=n , isto é, que )1(P é verdadeira, e

2. Mostrar que sempre que a afirmação for verdadeira para um natural qualquer k ,

ela será verdadeira para o natural seguinte, ou seja, será verdadeira para o número

natural 1+k .

Na prática, o que se passa é o seguinte: tendo verificado a veracidade da afirmação para

1=n , o passo 2, acima, garante que ela é válida para 2=n . Reaplicando o passo 2, obtemos a

validade da afirmação para 3=n , e, assim por diante, estendendo-se para todo e qualquer

número natural.

Um enunciado formal para o Princípio de Indução Finita é:

Teorema 3.1-1 O Princípio de Indução Finita

Considere que )(nP seja uma afirmação acerca de um número natural n . Suponhamos

que:

1) (Passo Básico) )1(P seja verdadeira, e

2) (Passo de Indução) Para cada natural k , se )(kP é verdadeira, então )1( +kP é

verdadeira.

Nestas condições, a afirmação )(nP é verdadeira para todo número natural n .

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Um comentário

Este teorema pode ser demonstrado usando o fato do conjunto dos números naturais ser

bem-ordenado. Trata-se de uma noção que escapa aos objetivos desta disciplina, mas,

certamente, você será apresentado a ela em disciplinas posteriores, tais como

Fundamentos de Matemática ou Matemática Elementar. Aguarde!

Ponhamos o Princípio de Indução Finita à nossa disposição, para a realização de algumas

tarefas matemáticas.

Exemplo 3.1-1

Use o Princípio de Indução Finita, para provar que a soma dos n primeiros números

naturais é dada por 2

)1( +nn.

Uma solução

Em símbolos do registro da Matemática, o que temos de provar é:

2

)1()1()2(...4321

+=+−+−+++++

nnnnn .

Representando por )(nP a sentença 2

)1()1()2(...4321

+=+−+−+++++

nnnnn , vem:

Verificação do Passo Básico

Como 2

)11(11

+= , constatamos que )1(P é verdadeira.

Verificação do Passo de Indução

Seguindo o alerta lançado logo ali atrás, vamos admitir como verdadeira a hipótese de

indução, a saber: )(kP é verdadeira, para, em seguida, mostrar que )1( +kP é verdadeira. Ou

seja, vamos partir de

Alerta Geral!! É muito comum cometerem-se erros na interpretação do passo de indução

do Princípio de Indução Finita. O de maior ocorrência é confundi-lo com a conclusão,

propriamente dita, do Princípio. Observe que se trata de uma sentença implicativa, dizendo

que se a afirmação )(nP é verdadeira para kn = , então )(nP é verdadeira para

1+= kn . Portanto, o passo de indução não afirma que )(nP é verdadeira para todo

natural n .

No passo de indução, o antecedente, )(nP é verdadeira para kn = , é chamado hipótese

de indução.

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2

)1()1()2(...4321

+=+−+−+++++

kkkkk , para tentar chegar a

2

]1)1)[(1()1(])1()2(...4321[

+++=+++−+−+++++

kkkkkk .

Vejamos se isto acontece. Ora, usando a hipótese de indução, vemos que:

)1(]2

)1([)1(])1()2(...4321[ ++

+=+++−+−+++++ k

kkkkkk . Ou,

2

)1(2)1()1(])1()2(...4321[

+++=+++−+−+++++

kkkkkkk . Ou,

2

)2)(1()1(])1()2(...4321[

++=+++−+−+++++

kkkkkk . Ou,

2

]1)1)[(1()1(])1()2(...4321[

+++=+++−+−+++++

kkkkkk , que é justamente

)1( +kP , aonde queríamos chegar. Com isto, verificamos que a afirmação com que estamos

lidando satisfaz aos dois passos do Princípio de Indução Finita e, assim, é verdadeira para todo

número natural n . (c.q.d.)

Exemplo 3.1-2

Usando indução matemática, prove que, para todo número natural n , o número 14 −n é

múltiplo de 3 .

Uma solução

Aqui, vale a pena transcrever para o âmbito das representações simbólicas o que significa

dizer que o número 14 −n é múltiplo de 3 : existe um número natural p tal que pn 314 =− .

Representemos por )(nP a sentença “ 14 −n é múltiplo de 3 ”. Vamos à verificação dos

dois passos do Princípio de Indução Finita.

Verificação do Passo Básico

Como 3141 =− , constatamos que )1(P é verdadeira.

Verificação do Passo de Indução

Aqui, devemos considerar que a hipótese de indução é verdadeira, isto é, que )(kP é

verdadeira, para, em seguida, ver se isto nos leva à veracidade de )1( +kP . Falando mais

diretamente, vamos admitir que o número 14 −k seja múltiplo de 3 , para, na seqüência, verificar

se isto implica que o número 14 1 −+k é múltiplo de 3 .

Um lampejo de criatividade. Procure descobrir o que o matemático alemão Karl

Friedrich Gauss tem a ver com um caso particular da fórmula que acabamos de provar.

Mais explicitamente, o que ele, ainda criança, fez para obter o resultado da adição

100999897...4321 ++++++++ ?

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Assim, admitindo que 14 −k seja múltiplo de 3 , então existe um número natural q para o

qual acontece qk 314 =− . Assumindo isto, vejamos o que acontece com o número 14 1 −+k .

Ora,

)14(431)443(1441)44(14 1 −+⋅=−+⋅=−⋅=−⋅=−+ kkkkkkk . Mas, pela hipótese de

indução, temos: qk 314 =− . Daí, a cadeia de igualdades acima, nos fornece:

)4(3343)14(4314 1 qq kkkkk +=+⋅=−+⋅=−+ , que é um múltiplo de 3 . Chegamos,

assim, à conclusão que 14 1 −+k é um múltiplo de 3 . Isto mostra que a afirmação com que

estamos trabalhando satisfaz ao Princípio de Indução Finita, e, desse modo, fica provado que ela

é verdadeira para todo número natural. (c.q.d.)

Exemplo 3.1-3

Use o Princípio de Indução Finita, para demonstrar que, para todo número natural positivo

n , vale a desigualdade nn 2< .

Uma solução

Representemos por )(nP a sentença “ nn 2< ”. Sigamos em busca da verificação dos dois

passos do Princípio de Indução Finita.

Verificação do Passo Básico

Observemos que 121 < . Isto significa que )1(P é verdadeira.

Verificação do Passo de Indução

A esta altura, vamos considerar verdadeira a hipótese de indução, isto é, que )(kP é

verdadeira, para, com isto, averiguar se )1( +kP é verdadeira. Mais formalmente, o que

queremos é partir da suposição que kk 2< , para obter 121 +<+ k

k . Vamos ao trabalho, então.

Ora, 121 +<+ kk , porque, pela hipótese de indução, k

k 2< .

Agora, observando que, sendo k um natural positivo, k21 < , temos:

122222121 +=⋅=+<+<+ kkkkkk , ou seja, 121 +<+ k

k , o que queríamos obter nesta

etapa.

Como a afirmação com que estamos trabalhando satisfaz ao Princípio de Indução Finita,

ela é verdadeira para todo natural n . (q.e.d.)

Uma observação

Pela formulação do teorema 3.1-1 e pelos exemplos apresentados até agora, você pode

ser induzido a achar que o passo básico consiste sempre da verificação da veracidade da

sentença )1(P . Abrimos este espaço para dizer que nem sempre é assim que procedemos para

verificar o referido passo. Tudo depende do enunciado da afirmação que pretendemos provar com

o uso do Princípio de Indução Finita. Explicitando, se m é o menor dos números naturais a que a

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afirmação se refere, no passo básico, o que devemos examinar é a veracidade da sentença

)(mP . Vejamos isto no seguinte exemplo.

Exemplo 3.1-4

Usando o Princípio de Indução Finita, mostre que, para todo número natural 4>n , vale

22 nn > .

Uma solução

Representemos por )(nP a sentença 22 nn > , e observemos que o menor número natural

a que a afirmação se refere é 5 . Assim, no passo básico, temos de checar se )5(P é verdadeira.

Verificação do passo básico

Como 25 52 > , fica constatada a veracidade de )5(P .

Verificação do passo de indução

Admitamos que )(kP seja verdadeira, isto é, 22 kk > é verdadeira, para, em seguida,

checar a veracidade de )1( +kP , ou seja: Será que 21 )1(2 +>+ kk é verdadeira? Façamos isto,

pois.

Ora, kk 222 1 ⋅=+ . Pela hipótese de indução, 22 kk > e, assim, temos:

2221 2222 kkkkk +=>⋅=+ .

Agora, como 5≥k então kkkk 52 ≥⋅= , o que conduz a:

kkkkkkk 52222 22221 +≥+=>⋅=+ .

Observando que kkkkk 325 22 ++=+ , e 13 >k porque 5≥k , obtemos:

22222221 )1(123252222 +=++>++=+≥+=>⋅=+ kkkkkkkkkkkkk .

A cadeia de igualdades acima nos fornece: 21 )1(2 +>+ kk , a constatação que )1( +kP é

verdadeira.

Tudo isto mostra que a afirmação em questão satisfaz ao Princípio de Indução Finita,

ficando provado, portanto, que )(nP é verdadeira para todo natural 5≥n . (q.e.d.)

É hora de consolidar o que acabou de ser discutido. Bom trabalho!

Exercícios 3.1-1

Usando o Princípio de Indução Finita, prove as seguintes proposições.

1. A soma dos n primeiros números ímpares é 2n .

2. Para todo número natural p , acontece: 1222...2222 113210 −=++++++ +− ppp .

3. O número )( 2 mm + é divisível por 2 , qualquer que seja o natural m .

4. Para todo número natural n , tem-se: 2

33333

2

)1(...3210

+=+++++

nnn .

5. Sendo n um número natural, encontre uma fórmula para a soma

nn 33...333 1210 +++++ − . Por indução finita, prove que a sua fórmula está correta.

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Sites na internet

Wikipedia: www.wikipedia.org

Dicionário Houaiss da língua portuguesa: http://houaiss.uol.com.br

Na plataforma moodle, apresentamos material e atividades para

aprofundamento do tema desta unidade. Visite-a!

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