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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 12 (2.609) Cidade do Vaticano terça-feira 24 de março de 2020 y(7HB5G3*QLTKKS( +"!z!@!#!$! No Angelus Francisco convidou todos os cristãos a recitar o Pai-Nosso a 25 de março A universalidade da oração contra a pandemia E no dia 27 em São Pedro adoração, bênção Urbi et Orbi e indulgência plenária Fé, perseverança e coragem: estas são as três condições para a oração — «nestes dias, quando é necessá- rio rezar, rezar mais», porque «o Senhor... nos faz esperar, leva o seu tempo, mas não desilude» — indicou o Papa Francisco durante a missa celebrada em Santa Marta na manhã de segunda-feira, 23 de março, no início de uma semana caracterizada por dois importantes compromissos anunciados pelo próprio Papa no Angelus domini- cal para combater a pandemia da Covid-19: quarta-feira, 25 de mar- ço, solenidade da Anunciação, ao meio-dia, a recitação do Pai-Nosso por «todos os cristãos», com o convite dirigido a «todos os chefes das Igrejas e líderes de todas as comunidades cristãs, juntamente com todos os cristãos das diversas denominações»; e sexta-feira, 27 de março, com a mesma intenção, às 18h, um «momento de oração» por ele presidido «no adro da Ba- sílica de São Pedro, com a praça vazia». Pode-se «participar espiri- tualmente», explicou, «através da mídia». E no final, o Papa dará «a bênção Urbi et Orbi, à qual será anexada a possibilidade de receber a indulgência plenária». Antes da oração da biblioteca particular do Palácio Apostólico, Francisco co- mentou o Evangelho do 4º domin- go da Quaresma: o capítulo 9 de São João. Entretanto a Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou que «devi- do à atual situação mundial e de acordo com as autoridades e a Igreja local, a anunciada viagem apostólica» do Sumo Pontífice a Malta, prevista para 31 de maio, «foi adiada para uma data a ser definida». O bispo de Roma reza com a Itália Mensagem vídeo aos participantes na recitação do rosário Com a seguinte mensagem vídeo o Papa Francisco quis unir-se à recitação do Rosário pela Itália promovido pela Conferência episcopal do país, às 21h de quinta-feira, 19 de março, Solenidade de São José. Caros irmãos e irmãs! Uno-me à oração que a Conferência Episcopal quis promover, como sinal de unidade para todo o país. Nesta situação sem precedentes, em que tudo parece vacilar, ajude- mo-nos a permanecer firmes no que realmente importa. Esta é uma indi- cação do caminho a seguir que en- contro em tantas cartas dos vossos Pastores que, ao partilharem um momento tão dramático, procuram apoiar a vossa esperança e a vossa fé com as suas palavras. A recitação do Rosário é a oração dos humildes e santos que, nos seus mistérios, com Maria contemplam a vida de Jesus, o rosto misericordioso do Pai. E como todos nós precisa- mos de ser verdadeiramente consola- dos, para nos sentirmos abrangidos pela sua presença de amor! A verdade desta experiência me- de-se na nossa relação com os ou- tros, que neste momento coincidem com os nossos parentes mais próxi- mos: sejamos próximos uns dos ou- tros, exercendo primeiro a caridade, a compreensão, a paciência e o per- dão. Por necessidade os nossos espaços podem ter-se limitado às paredes de casa, mas tende um coração maior, onde o outro pode encontrar sempre disponibilidade e acolhimento. Esta noite rezemos unidos, con- fiando-nos à intercessão de São Jo- sé, Guarda da Sagrada Família, Guarda de todas as nossas famílias. Também o carpinteiro de Nazaré co- nheceu a precariedade e a amargura, a preocupação pelo amanhã; mas sa- bia caminhar na escuridão de certos momentos, deixando-se guiar sem- pre sem hesitações pela vontade de D eus. Protege, Santo Guarda, este nosso país. Ilumina os responsáveis pelo bem comum, para que saibam — como tu — cuidar das pessoas confiadas à tua responsabilidade. a inteligência da ciência àque- les que procuram os meios adequa- dos para a saúde e o bem-estar físi- co dos irmãos. Apoia aqueles que se dedicam aos necessitados: voluntários, enfermei- ros, médicos, que estão na linha da frente no tratamento dos doentes, mesmo à custa da própria incolumi- dade. Abençoa, São José, a Igreja: a co- meçar pelos seus ministros, faz dela um sinal e um instrumento da tua luz e da tua bondade. Acompanha, São José, as famílias: com o teu silêncio orante, constrói a harmonia entre pais e filhos, espe- cialmente os mais pequeninos. Preserva os idosos da solidão: que ninguém seja deixado no desespero do abandono e do desânimo. Conforta os mais frágeis, encoraja os que vacilam e intercede pelos po- bres. Com a Virgem Mãe, roga ao Se- nhor para que liberte o mundo de qualquer forma de pandemia. Amém! NESTE NÚMERO Pág. 2: Indulgência plenária e possíveis absolvições coleti- vas para a emergência do co- ronavírus; Nota da Peniten- ciaria Apostólica sobre o sa- cramento da reconciliação pág. 3: Audiência geral de quarta-feira, 18 de março; págs. 4-5: Em diálogo com Francesco De Gregori, por Andrea Monda; pág. 6: Mis- sa em Santa Marta; Os sinos continuam a tocar, por Giu- lia Alberigo; pág. 7: Infor- mações; pág. 8: Angelus de 22 de março.

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Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO · 2020-03-26 · missão» (Salvifici doloris, 31). Também o Papa Francisco, nestes últimos dias, mostrou

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 12 (2.609) Cidade do Vaticano terça-feira 24 de março de 2020

y(7HB5G3*QLTKKS( +"!z!@!#!$!

No Angelus Francisco convidou todos os cristãos a recitar o Pai-Nosso a 25 de março

A universalidade da oração contra a pandemiaE no dia 27 em São Pedro adoração, bênção Urbi et Orbi e indulgência plenária

Fé, perseverança e coragem: estassão as três condições para a oração— «nestes dias, quando é necessá-rio rezar, rezar mais», porque «oSenhor... nos faz esperar, leva oseu tempo, mas não desilude» —indicou o Papa Francisco durantea missa celebrada em Santa Martana manhã de segunda-feira, 23 demarço, no início de uma semanacaracterizada por dois importantescompromissos anunciados pelopróprio Papa no Angelus domini-cal para combater a pandemia daCovid-19: quarta-feira, 25 de mar-ço, solenidade da Anunciação, aomeio-dia, a recitação do Pai-Nossopor «todos os cristãos», com oconvite dirigido a «todos os chefesdas Igrejas e líderes de todas ascomunidades cristãs, juntamentecom todos os cristãos das diversasdenominações»; e sexta-feira, 27de março, com a mesma intenção,às 18h, um «momento de oração»por ele presidido «no adro da Ba-sílica de São Pedro, com a praçavazia». Pode-se «participar espiri-tualmente», explicou, «através damídia». E no final, o Papa dará «abênção Urbi et Orbi, à qual seráanexada a possibilidade de recebera indulgência plenária». Antes daoração da biblioteca particular doPalácio Apostólico, Francisco co-mentou o Evangelho do 4º domin-go da Quaresma: o capítulo 9 deSão João.

Entretanto a Sala de Imprensada Santa Sé anunciou que «devi-do à atual situação mundial e deacordo com as autoridades e aIgreja local, a anunciada viagemapostólica» do Sumo Pontífice aMalta, prevista para 31 de maio,«foi adiada para uma data a serdefinida».

O bispo de Roma reza com a ItáliaMensagem vídeo aos participantes na recitação do rosário

Com a seguinte mensagem vídeo oPapa Francisco quis unir-se àrecitação do Rosário pela Itáliapromovido pela Conferência episcopaldo país, às 21h de quinta-feira, 19 demarço, Solenidade de São José.

Caros irmãos e irmãs!Uno-me à oração que a ConferênciaEpiscopal quis promover, como sinalde unidade para todo o país.

Nesta situação sem precedentes,em que tudo parece vacilar, ajude-mo-nos a permanecer firmes no querealmente importa. Esta é uma indi-cação do caminho a seguir que en-contro em tantas cartas dos vossosPastores que, ao partilharem ummomento tão dramático, procuramapoiar a vossa esperança e a vossa fécom as suas palavras.

A recitação do Rosário é a oraçãodos humildes e santos que, nos seusmistérios, com Maria contemplam avida de Jesus, o rosto misericordiosodo Pai. E como todos nós precisa-mos de ser verdadeiramente consola-dos, para nos sentirmos abrangidospela sua presença de amor!

A verdade desta experiência me-de-se na nossa relação com os ou-tros, que neste momento coincidemcom os nossos parentes mais próxi-mos: sejamos próximos uns dos ou-tros, exercendo primeiro a caridade,a compreensão, a paciência e o per-dão.

Por necessidade os nossos espaçospodem ter-se limitado às paredes decasa, mas tende um coração maior,onde o outro pode encontrar sempredisponibilidade e acolhimento.

Esta noite rezemos unidos, con-fiando-nos à intercessão de São Jo-sé, Guarda da Sagrada Família,Guarda de todas as nossas famílias.Também o carpinteiro de Nazaré co-nheceu a precariedade e a amargura,a preocupação pelo amanhã; mas sa-bia caminhar na escuridão de certosmomentos, deixando-se guiar sem-

pre sem hesitações pela vontade deD eus.

Protege, Santo Guarda, este nossopaís.

Ilumina os responsáveis pelo bemcomum, para que saibam — como tu— cuidar das pessoas confiadas à tuaresp onsabilidade.

Dá a inteligência da ciência àque-les que procuram os meios adequa-dos para a saúde e o bem-estar físi-co dos irmãos.

Apoia aqueles que se dedicam aosnecessitados: voluntários, enfermei-ros, médicos, que estão na linha dafrente no tratamento dos doentes,mesmo à custa da própria incolumi-dade.

Abençoa, São José, a Igreja: a co-meçar pelos seus ministros, faz delaum sinal e um instrumento da tualuz e da tua bondade.

Acompanha, São José, as famílias:com o teu silêncio orante, constrói aharmonia entre pais e filhos, espe-cialmente os mais pequeninos.

Preserva os idosos da solidão: queninguém seja deixado no desesperodo abandono e do desânimo.

Conforta os mais frágeis, e n c o ra j aos que vacilam e intercede pelos po-b re s .

Com a Virgem Mãe, roga ao Se-nhor para que liberte o mundo dequalquer forma de pandemia.

Amém!

NESTE NÚMEROPág. 2: Indulgência plenáriae possíveis absolvições coleti-vas para a emergência do co-ronavírus; Nota da Peniten-ciaria Apostólica sobre o sa-cramento da reconciliaçãopág. 3: Audiência geral dequarta-feira, 18 de março;págs. 4-5: Em diálogo comFrancesco De Gregori, porAndrea Monda; pág. 6: Mis-sa em Santa Marta; Os sinoscontinuam a tocar, por Giu-lia Alberigo; pág. 7: Infor-mações; pág. 8: Angelus de22 de março.

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO · 2020-03-26 · missão» (Salvifici doloris, 31). Também o Papa Francisco, nestes últimos dias, mostrou

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 24 de março de 2020, número 12

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

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Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

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Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: € 162.00 - U.S. $ 240.00.

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Indulgência plenária e possíveis absolviçõescoletivas para a emergência do coronavírus

PENITENCIARIA APOSTÓLICADECRETO

O dom das Indulgências especiais é concedidoaos fiéis atingidos pela Covid-19, em geral co-nhecida como Coronavírus, assim como aosprofissionais da saúde, aos familiares e a todosaqueles que cuidam deles de qualquer maneira,inclusive através da oração.

«Sede alegres na esperança, constantes natribulação, perseverantes na oração» (Rm12, 12). As palavras escritas por São Paulo àIgreja de Roma ecoam ao longo de toda ahistória da Igreja e guiam o julgamento dosfiéis face a qualquer sofrimento, doença ecalamidade.

O momento presente em que toda a hu-manidade, ameaçada por uma doença invisí-vel e insidiosa, que há já algum tempo setornou prepotentemente parte da vida detodos, é marcado dia após dia por medosangustiados, novas incertezas e, sobretudo,por um sofrimento físico e moral generaliza-do.

A Igreja, seguindo o exemplo do seu Di-vino Mestre, sempre cuidou dos doentes.Como assinala São João Paulo II, o valor dosofrimento humano é duplo: «É s o b re n a t u ra l ,porque se radica no mistério divino da Re-denção do mundo; e é também profunda-mente humano, porque nele o homem seaceita a si mesmo, com a sua própria huma-nidade, com a própria dignidade e a própriamissão» (Salvifici doloris, 31).

Também o Papa Francisco, nestes últimosdias, mostrou a sua paterna proximidade erenovou o seu convite a rezar incessante-mente pelos enfermos de Coronavírus.

Para que todos aqueles que sofrem porcausa da Covid-19, precisamente no mistériodeste sofrimento, possam redescobrir «opróprio sofrimento redentor de Cristo»(ibid., n. 30), esta Penitenciaria Apostólica,ex auctoritate Summi Pontificis, confiando napalavra de Cristo Senhor e considerandocom espírito de fé a atual epidemia, que de-ve ser vivida em espírito de conversão pes-soal, concede o dom das Indulgências deacordo com a seguinte disposição.

A Indulgência plenária é concedida aosfiéis que sofrem de Coronavírus, sujeitos aquarentena por ordem da autoridade dasaúde nos hospitais ou nas próprias casas,se, com espírito desprendido de qualquerpecado, se unirem espiritualmente atravésdos meios de comunicação social à celebra-ção da Santa Missa, à recitação do Santo

Rosário, à prática piedosa da Via-Sacra oude outras formas de devoção, ou se pelomenos recitarem o Credo, o Pai-Nosso euma piedosa invocação à Bem-AventuradaVirgem Maria, oferecendo esta prova em es-pírito de fé em Deus e de caridade para

«Eis que estou convosco todos os dias» (Mt 28, 20)

Nota da Penitenciaria Apostólicasobre o sacramento da reconciliação

A gravidade das circunstânciasatuais exige uma reflexão so-bre a urgência e a centralidadedo Sacramento da Reconcilia-ção, juntamente com algunsesclarecimentos necessários,tanto para os fiéis leigos comopara os ministros chamados acelebrar o Sacramento.

Mesmo no tempo da Co-vid-19, o Sacramento da Re-conciliação é administrado deacordo com o direito canónicouniversal e com as disposiçõesda Ordo Paenitentiae.

A confissão individual é omodo ordinário de celebrareste sacramento (cf. cân. 960CD C), enquanto a absolviçãocoletiva, sem confissão indivi-dual prévia, não pode ser con-cedida a não ser em caso deperigo iminente de morte, jáque não há tempo suficientepara ouvir as confissões dospenitentes individuais (cf. cân.961 § 1 CD C), ou uma necessi-dade grave (cf. cân. 961 § 1, 2ºCD C). cuja consideração é daresponsabilidade do Bispodiocesano, tendo em conta os

critérios concordados com osoutros membros da Conferên-cia Episcopal (cf. cân. 455, § 2CD C) e sem prejuízo da neces-sidade, para uma absolviçãoválida, do sacramento do vo-tum sacramenti por parte decada penitente, ou seja, a fina-lidade de confessar oportuna-mente pecados graves indivi-duais, que na altura não erapossível confessar (cf. cân. 962§ 1 CD C).

Esta Penitenciaria Apostólicaconsidera que, especialmente noslugares mais afetados pelo con-tágio pandémico e enquanto ofenómeno não acabar, se sigamos casos de grave necessidademencionados no cân. 961 § 2CDC.

Qualquer outra especifica-ção é confiada pelo direito aosBispos diocesanos, tendo sem-pre em conta o bem supremoda salvação das almas (cf. cân.1752 CD C.).

Se surgir uma súbita neces-sidade de conceder a absolvi-ção sacramental a vários fiéisem conjunto, o sacerdote é

obrigado a avisar o Bispo dio-cesano, na medida do possívelou, se não puder, a informá-loquanto antes (cf. Ordo Paeni-tentiae, n. 32).

Na atual emergência pandé-mica, cabe portanto ao Bispodiocesano indicar aos sacerdo-tes e aos penitentes as pruden-tes atenções a adotar na cele-bração individual da reconci-liação sacramental, tais comoa celebração num lugar venti-lado fora do confessionário, aadoção de uma distância ade-quada, a utilização de másca-ras protetoras, sem prejuízo daatenção absoluta à salvaguar-da do selo sacramental e à ne-cessária discrição.

Além disso, cabe sempre aoBispo diocesano determinar,no território da sua circunscri-ção eclesiástica e em relaçãoao nível de contágio pandémi-co, os casos de grave necessi-dade em que é lícito concedera absolvição coletiva: porexemplo, à entrada das enfer-

CO N T I N UA NA PÁGINA 7

CO N T I N UA NA PÁGINA 7

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número 12, terça-feira 24 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

A primaziada misericórdia

Francisco insistiu sobre o tema-chave do Pontificado

C AT E Q U E S E

«Recordo que este tema foi escolhidodesde o primeiro An g e l u s ... comoPapa: a misericórdia». Com opensamento voltado para o alvorecerdo seu Pontificado, na vigília dosétimo aniversário do início doministério petrino, Francisco dedicoua audiência geral de quarta-feira, 18de março, à quinta das bem-aventuranças. Sintonizado emstreaming da Biblioteca particular doPalácio apostólico do Vaticano, oSumo Pontífice pronunciou a seguintecatequese.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje meditamos sobre a quintabem-aventurança, que diz: «Bem-aventurados os misericordiosos, porquealcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).Nesta bem-aventurança há umaparticularidade: é a única em que acausa e o fruto da felicidade coinci-dem, a misericórdia. Aqueles queexercem a misericórdia encontrarãomisericórdia, serão “m i s e r i c o rd i a -dos”.

Este tema da reciprocidade doperdão não está presente apenasnesta bem-aventurança, mas é re-corrente no Evangelho. E comopoderia ser de outra forma? A mi-sericórdia é o próprio coração deDeus! Jesus diz: «Não julgueis enão sereis julgados; não condeneise não sereis condenados; perdoai esereis perdoados» (Lc 6, 37). Sem-pre a mesma reciprocidade. E aCarta de Tiago afirma que «a mi-sericórdia prevalece sempre sobre ojulgamento» (2, 13).

Mas é sobretudo no Pai-Nossoque rezamos: «Perdoai-nos as nos-sas ofensas, assim como nós per-doamos a quem nos tem ofendido»(Mt 6, 12); e este é o único pedidoretomado no final: «Porque, seperdoardes aos outros as suas ofen-sas, também o vosso Pai celeste vosperdoará; mas, se não perdoardesaos outros, tampouco o vosso Paiperdoará as vossas ofensas» (Mt 6,

14-15; cf. Catecismo da Igreja Católi-ca, n. 2.838).

Existem dois elementos que nãopodem ser separados: o perdãooferecido e o perdão recebido. Masmuitas pessoas sentem-se em difi-culdade, não conseguem perdoar.Muitas vezes o mal recebido é tãogrande que conseguir perdoar separece com a escalada de umamontanha muito alta: um esforçoenorme; e pensamos: não se pode,isto não se pode! Esta questão dareciprocidade da misericórdia indi-ca que temos necessidade de inver-ter a perspetiva. Sozinhos não con-seguimos, precisamos da graça deDeus, devemos pedi-la. Com efei-to, se a quinta bem-aventurançapromete encontrar misericórdia, eno Pai-Nosso pedimos a remissãodas dívidas, isto significa que so-mos essencialmente devedores e te-mos necessidade de encontrar mi-s e r i c ó rd i a !

Todos nós somos devedores, to-dos! A Deus, que é tão generoso, eaos nossos irmãos. Cada pessoa sa-be que não é o pai ou a mãe, o es-poso ou a esposa, o irmão ou a ir-mã que deveria ser. Todos nós esta-mos “em falta” na vida. E precisa-mos de misericórdia. Sabemos quetambém nós praticamos o mal, fal-ta sempre algo para o bem que de-veríamos ter feito.

Mas é precisamente esta nossapobreza que se torna a força paraperdoar! Somos devedores e se, co-mo ouvimos no início, formos me-didos pela medida com que medi-mos os outros (cf. Lc 6, 38), entãoconvém-nos alargar a medida eperdoar as ofensas, perdoar. Cadaum deve recordar-se que tem ne-cessidade de perdoar, que precisado perdão, que precisa da paciên-cia; este é o segredo da misericór-dia: é perdoando que somos perdoa-dos. Porque Deus nos precede enos perdoa primeiro (cf. Rm 5, 8).Recebendo o seu perdão nós, pornossa vez, tornamo-nos capazes de

perdoar. Assim, a nossa miséria e anossa falta de justiça tornam-seocasião para nos abrirmos ao reinodos céus, a uma medida maior, àmedida de Deus, que é a misericór-dia!

De onde nasce a nossa miseri-córdia? Jesus disse-nos: «Sede mi-sericordiosos, como o vosso Pai émisericordioso» (Lc 6, 36). Quantomais aceitarmos o amor do Pai,tanto mais amaremos (cf. Catecismoda Igreja Católica, n. 2.842). A mi-sericórdia não é uma dimensão en-tre outras, mas constitui o cerne davida cristã: não há cristianismo semmisericórdia [cf. São João Paulo II,Encíclica Dives in misericordia (30de novembro de 1980); Bula Mise-ricordae vultus (11 de abril de 2015);Carta Apostólica Misericordia et mi-s e ra (20 de novembro de 2016)]. Setodo o nosso cristianismo não nosleva à misericórdia, erramos o ca-minho, pois a misericórdia é a úni-ca meta verdadeira de todo o cami-nho espiritual. Constitui um dosfrutos mais bonitos da caridade (cf.Catecismo da Igreja Católica, n.1.829).

Recordo que este tema foi esco-lhido desde o primeiro An g e l u s querecitei como Papa: a misericórdia.E isto ficou muito gravado emmim, como uma mensagem que,como Papa, eu deveria transmitirsempre, uma mensagem que deveser de todos os dias: a misericór-dia. Recordo que naquele dia assu-mi também uma atitude um pouco“descarada” de fazer publicidadede um livro sobre a misericórdia,que tinha acabado de ser publica-do pelo cardeal Kasper. E naqueledia senti muito fortemente que, co-mo Bispo de Roma, esta é a men-sagem que devo transmitir: miseri-córdia, misericórdia, por favor, per-dão!

A misericórdia de Deus é a nos-sa libertação e a nossa felicidade.Vivemos de misericórdia e não nospodemos dar ao luxo de viver sem

misericórdia: é o ar que se devere s p i r a r ! Somos demasiado pobrespara estabelecer as condições, te-mos necessidade de perdoar, por-que precisamos de ser perdoados.O brigado!

No final da catequese, antes derecitar o “Pater Noster” e conceder aBênção apostólica, Francisco proferiu,entre outras, as seguintes saudações.

Queridos ouvintes de língua portu-guesa, a todos vos saúdo e encora-jo no caminho quaresmal que nos éproposto, embora num modo umpouco diverso do que era habitualnos demais anos. Mas Deus, Pai deMisericórdia, sabe-o! Desejo-vosum caminho abençoado, que vospermita seguir e imitar mais deperto Jesus, a Misericórdia divinaem pessoa. E possais assim dizer,como São Paulo, «já não sou euque vivo, é Cristo que vive emmim». Sobre vós e vossas famíliasdesça a bênção do Senhor!

Na próxima sexta-feira e sábado,20-21 de março, realizar-se-á a ini-ciativa de 24 horas para o Senhor. Éum importante encontro da Qua-resma para a oração e a aproxima-ção ao sacramento da reconcilia-ção.

Infelizmente em Roma, na Itáliae noutros países, esta iniciativa nãopoderá ter lugar nas formas habi-tuais, devido à emergência do coro-navírus. No entanto, esta bonitatradição continuará em todas asoutras partes do mundo. Encorajoos fiéis a aproximar-se de maneirasincera da misericórdia de Deus naconfissão e a rezar especialmentepor aqueles que vivem na provaçãopor causa da pandemia.

Onde não for possível celebrar24 horas para o Senhor, estou certode que este momento penitencialpoderá ser vivido através da oraçãop essoal.

A misericórdia de Deusé a nossa libertação e a nossa felicidade.

Temos necessidade de perdoar,porque temos necessidade de ser perdoados.

#AudiênciaGeral #BemAventuranças

(@Pontifex_pt)

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número 12, terça-feira 24 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 4/5

Em diálogo com Francesco De Gregori

Ter ouvido as mesmas históriasajuda os homens a reconhecer-se

ANDREA MONDA

Corria o ano de 1983 e FrancescoDe Gregori cantava sobre uma jo-vem e uma mina, sobre o coraçãohumano, «um arbusto de espi-nhos»: e sobre o facto que: «Aindabem que há sempre alguém quecanta / E a tristeza faz passar / Senão a nossa vida seria / Como umbarquinho no meio do mar».

A 24 de janeiro, o Papa publicoua Mensagem para o Dia Mundialdas Comunicações Sociais e falouda necessidade da narração, de ha-

ver quem tenha a capacidade e acoragem de contar boas histórias,porque de outra forma prevalece-riam o desnorteamento, a desorien-tação, a rendição ao domínio dosmexericos e das narrações falsas enegativas, manipuladoras e desen-corajadoras.

O cantor-compositor romano fi-cou muito impressionado com aspalavras do Papa: «Na verdade, seeu penso na canção, La ragazza ela miniera, não sei se a tristeza po-de realmente passar graças a al-guém que canta. Talvez não, talveznem sempre, talvez dependa de

qual seja a canção... Eu não acredi-to muito nas canções “edificantes”no sentido banal do termo, assimcomo nunca acreditei nas canções“afetadas”. Não significa que porser “b oa” uma narração deva neces-sariamente triunfar sobre o mal,nem sempre o final feliz é obriga-tório, plausível ou suportável».

De facto, na mesma Mensagem, oPapa destacou que “histórias boas”não significa que estão desprovidasda narração do mal, pelo contrário,«Também quando narramos o mal,podemos aprender a deixar espaçopara a redenção, podemos reconhecerno meio do mal até o dinamismo dobem e dar-lhe espaço».

Sim, certamente. Penso num fil-me como Pathos of Glory de Stan-ley Kubrick que, no final, vê a in-justiça e a ferocidade triunfarem,mas que, justamente na canção deuma prisioneira alemã espezinhadae forçada a apresentar-se diantedos soldados franceses vencedores,encontra nos últimos fotogramasuma redenção da piedade e um re-conhecimento recíproco da dor co-mum. Então talvez sim, uma can-ção pode fazer bem, num texto po-demos encontrar a nós mesmos eaos outros, quer sejam vencedoresou vencidos. Afinal, ter lido, vistoou ouvido as mesmas coisas ajudaas pessoas a reconhecerem-se umasàs outras, cria uma compreensão,uma linguagem compartilhada des-de o início. Se cito Kubrick, e sabequem ele é, é como se naquele bre-ve momento estivéssemos a reverjuntos todos os seus filmes. Quan-to tempo poupámos para nos co-nhecermos, para sabermos um dooutro, para podermos contar outrascoisas um ao outro! E que vergo-nha, se eu, por acaso, der por certoque o meu interlocutor viu 8 e 1/2de Fellini e percebo que não é as-sim (obviamente o oposto tambémpode acontecer!).

O olhar de De Gregori é lúcido sobreas grandes transformações que têminvestido a sociedade, especialmenteno campo das relações e portantotambém na comunicação interpessoal,em detrimento do momento da narra-ção.

Hoje, conta-se menos do que an-tigamente: as férias, o casamentoda prima, o nascimento de umacriança já não são contados. Geral-mente veem-se fotos no telemóvel eessas fotos não “contam” muito.Quando as vejo, imagino férias ter-

minadas mal, casamentos destina-dos a não durar, filhos que se tor-narão um pouco antipáticos. Istoacontece quando uma tecnologia éabusada em vez de ser usada ade-quadamente, quando invade outrocampo, quando estimula a nossapreguiça e não a nossa criatividade.Quando a beleza da narração e daescuta é removida em nome deuma reivindicação de velocidadeou simplicidade na comunicação,que muitas vezes são o oposto daverdade. Outro filme que me vemà mente, Blow Up, de Antonioni,que revejo de bom grado, onde arealidade é diferente, inevitavel-mente, da realidade fotografada.Em suma, também a foto das fériasnas Maldivas é uma fake news co-mo muitas outras, certamente maisaberrantes e perigosas, que estão ànossa volta e que tiram espaço àspalavras e à verdade.

Há outra razão pela qual De Gregorificou muito impressionado com amensagem do Papa, um pouco pes-soal, relacionada com o seu trabalhode cantor-compositor.

A primeira coisa que me impres-sionou na reflexão do Papa é pe-quenina, mas que de alguma formame diz respeito pessoalmente: ofacto de que ele não tenha proble-ma algum em colocar as cançõesao lado da literatura e do cinema.Isto não é sempre garantido. É di-fícil que as canções sejam conside-radas cultura, raramente o que ascanções “contam” é convidado para

a mesma mesa das chamadas artes“m a i o re s ”. Por outro lado, a Igrejatem muitas vezes antecipado atitu-des e aberturas semelhantes. Há al-guns dias visitei os Museus do Va-ticano e, ao longo do corredor doscandelabros, admirei no teto umbelíssimo afresco do final do séculoXIX dedicado às artes e entre elasestá incluída, embora colocada aospés das religiosas, também a foto-

Dos três requisitos que o Papa Fran-cisco indica como propriedades funda-mentais das histórias que a humani-dade precisa, o verdadeiro, o belo, obom, é o primeiro que mais impressio-na o cantor-compositor romano.

Sim, o Papa fala de belas histó-rias, histórias verdadeiras e boas,talvez seja uma forma de dizer queelas não só devem ser esteticamen-

qual todos nós temos experiência,mas que escapa a uma descriçãoexata. Parece-me, no entanto, queo “v e rd a d e i ro ” também pode in-cluir os outros dois, sem forçar emdemasia. Para aqueles que produ-zem histórias, para aqueles que te-cem a trama do real e do imaginá-rio, para aqueles que se deixamvestir escutando, lendo, vivendonuma grande casa comum. É a ver-dade que informa o trabalho do ar-tista, se o artista for honesto (nãonecessariamente um “grande artis-ta”).

Numa canção de 1966 Bob Dylandiz que «se quiser viver fora da lei,um homem tem que ser honesto». Osenhor sempre reconheceu uma dívidade inspiração para com Dylan; nãoacha que há uma grande verdadenesta frase? Uma verdade própria doartista, que de um certo ponto de vis-ta é sempre desregulado, mas tambémpara cada homem chamado à própriaresponsabilidade, a uma “lei” que vaialém da escrita, e que está ligada àfidelidade, quase lealdade à vida, àterra, a fazer parte da humanidade?

É um verso sintético, bonito e,apesar da aparência, nada enigmá-tico. O conflito do homem com alei sempre esteve no coração daspessoas desde a época de Antígo-na. Dylan parece banalizá-lo por-que o coloca nos lábios de um ho-mem que está na prisão, torna-o,por assim dizer, diário, levando-oao terreno do canto popular doqual é epígono e continuador. Co-nhecemos a religiosidade de Dylan,as suas frequentes referências àsEscrituras. Como também conhece-mos o período em que se aproxi-mou da religião dos Cristãos Re-nascidos, quando ele produziu trêsdiscos de pouco sucesso comerciale enfrentou conscientemente umpúblico que ficou compreensivel-mente desiludido com essa conver-são artística e também pessoal.Neste caso ele transgrediu uma lei,foi “honesto”.

De Gregori volta ao tema da verda-de; está muito perto do seu coração,ele quer explicá-lo com mais exatidão.

A verdade que pretendo dizernão é vista como uma solução, mascomo uma pesquisa e inspiraçãocontínua. «State contenti, umanagente, al quia»: não podemos saber

tudo, adverte Dante, se não adiar-mos a nossa legítima exploração denós mesmos e do mundo para algoque nos transcende e nos escapacontinuamente, que só podemosintuir e fazer nosso com um ato deconfiança, ou até de fé, numa ver-dade que está sempre um passo ànossa frente. A arte habita na dúvi-da que circunda a existência, e natentativa sempre frustrada de pene-trar a verdade, ela encontra a suaconsistência, a sua força consolado-ra. Porque nos sentimos frágeis,mas intuímos que na verdade nãopodem haver nem maldade nemfealdade. Que forma, então, devemter uma história e uma bibliografiado mundo que sejam verdadeiras,boas e belas, mas que não renun-ciem à descrição do mal e do fra-casso tão presentes na história hu-mana? Como não cometer falsotestemunho? Qual é a responsabili-dade do artista, do editor, do enge-nheiro? Como distinguir a verdadedo fake? Como colocar o Evange-lho e o Mein Kampf na mesma bi-blioteca? E como percorrer as salasdesta biblioteca sem se perder? Tal-vez a resposta a todas estas per-guntas esteja confusa no vento, co-mo diz Dylan, mas basta saber es-cutar para nos orientarmos, esco-lher o que contar, o que ler e a ma-neira de viver como árbitros de nósmesmos.

Há um seu verso que efetivamenteencerra esta reflexão, quando em “Tileggo nel pensiero”, diz «Sarà quelche sarà, se sarà vero» [“Será o quefor, se for verdade”]. Parece-me umacanção de espiritualidade intensa: oprotagonista dirige-se a uma mulher,mas também poderia ser uma oraçãoa Alguém que está mais alto, capazde “pescar um homem que caiu nomar”, tudo isto num horizonte dra-mático, mas rico de esperança: «Saràquel che sarà, e mi vedrai davvero /Poco prima dell’alba, quando il buioè più nero» [“Será o que for, e real-mente me verás / Pouco antes doamanhecer, quando a escuridão formais intensa”]. Estou a sentir algoou talvez esteja a fazer como o polígo-no e caio no risco de querer compreen-der e definir tudo?

Não, não é dedicada a uma figu-ra feminina. É precisamente umacanção que alude ao mistério, àtranscendência, à espiritualidade.

«Desejo dedicar a Mensagem deste ano ao tema da narração,pois, para não nos perdermos, penso que precisamosde respirar a verdade das histórias boas: histórias que edifiquem,e não as que destruam; histórias que ajudema reencontrar as raízes e a força para prosseguirmos juntos»

(Papa Francisco para o Dia das comunicações sociais de 2020)

grafia, incrível! Muito antes queela fosse reconhecida como umaexpressão artística e narrativa au-tónoma. No afresco uma máquinafotográfica primitiva, uma simplescaixa com uma lente rudimentar,certamente uma das primeiras ex-perimentadas, é representada aolado de um tear. Portanto, a arteda narração ao lado daquela da te-celagem. Ambas narram. Um úni-co “texto”, como diz o Papa, en-volve o homem e concerne a hu-manidade.

te belas, mas devem lidar direta econcretamente com a vida, devemser capazes de a transformar. Aquestão é que a vida, e estes trêsaspetos fundamentais dela, sãoquase como o polígono e a dor dedentes de que Borges fala (encon-trei este esplêndido exemplo preci-samente ao ler «L'Osservatore Ro-mano»): apenas o primeiro é clara-mente definível, enquanto o belo, overdadeiro e o bom são três concei-tos difíceis de definir, assemelham-se um pouco à dor de dentes da

A verdade que pretendo dizer não é vista como umasolução, mas como uma pesquisa e inspiração contínuaA arte habita na dúvida que circunda a existência, e natentativa sempre frustrada de penetrar a verdade, elaencontra a sua consistência, a sua força consoladoraPorque nos sentimos frágeis, mas intuímos que na verdadenão podem haver nem maldade nem fealdade

«Hoje, conta-se menos do que antigamenteGeralmente veem-se fotos no telemóvel e essas fotos não “contam” muitoIsto acontece quando uma tecnologiaé abusada em vez de ser usada adequadamente, quando invade outrocampo, quando estimula a nossa preguiçae não a nossa criatividade. Quando a beleza da narração e da escutaé removida em nome de uma reivindicação de velocidadeou simplicidade na comunicaçãoque muitas vezes são o oposto da verdade»

Pormenor da capa do Álbum «La donna cannone» (1983)

NARRAÇÃO — PALAVRA DO ANO

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 24 de março de 2020, número 12

Celebração da missa em Santa Marta

O Papa rezou pelos idosose pessoas sozinhas

Com a adoração e a bênção eucarís-tica, o Papa Francisco concluiu aMissa celebrada na manhã de terça-feira, 17 de março, na capela da CasaSanta Marta. Depois da comunhão,com o ostensório colocado no altarpara adoração, o bispo de Romaconcedeu a bênção que, através datransmissão ao vivo em s t re a m i n g ,chegou a todos aqueles que estão aviver este tempo de pandemia.

Francisco ofereceu a celebração,de modo especial, pelas pessoas ido-sas e sozinhas. «Gostaria — disse im-provisando no início da missa — quehoje rezássemos pelos idosos que so-frem este momento de uma maneiraespecial, com uma solidão interiormuito grande e às vezes com tantomedo».

«Peçamos ao Senhor — a c re s c e n -tou — que esteja próximo dos nossosavós, das nossas avós, de todos osidosos e lhes dê forças». Eles trans-mitiram-nos sabedoria, vida, história.Também nós estamos próximos de-les com a oração.

E para reforçar a sua intenção es-piritual o Pontífice leu a antífona daentrada, tirada do Salmo 17 (6-8).«Invoco-Vos, Senhor, porque merespondereis; inclinai para mim osVossos ouvidos, escutai as minhaspalavras. Guardai-me como a pupilados olhos, escondei-me à sombra dasVossas asas».

Partindo do trecho do Evangelhode Mateus (18, 21-35) proposto pelaliturgia, Francisco proferiu a homiliasobre o perdão. «Jesus — explicoureferindo-se ao texto evangélico ime-diatamente anterior (18, 15-20) — fezuma catequese sobre a unidade dosirmãos e terminou com uma bela pa-lavra: asseguro-vos que «se dois devós, dois ou três, concordarem e pe-direm uma graça, ela vos será conce-dida».

Assim, «a unidade, a amizade, apaz entre os irmãos atrai a benevo-lência de Deus», disse o Papa. E as-sim, diz Mateus, «Pedro faz a per-gunta: sim, mas o que devemos fazercom as pessoas que nos ofendem?“Se o meu irmão comete pecadoscontra mim”, se ele me ofender,“quantas vezes terei que lhe per-doar? Até sete vezes?”».

À pergunta de Pedro, observou oPontífice, «Jesus respondeu comaquela palavra que significa, na lín-gua deles, “s e m p re ”: “Setenta vezessete”. Em síntese, diz o Senhor, «épreciso perdoar sempre e não é fácilperdoar, porque o nosso coraçãoegoísta está sempre apegado aoódio, à vingança, aos rancores».

Além disso, continuou Francisco,«todos nós vimos famílias destruídaspor ódios familiares que vão de ge-ração em geração». Há «irmãos que,diante do caixão de um dos seuspais, não se cumprimentam porquecarregam velhos rancores». Real-mente, insistiu, «parece que é maisforte apegar-se ao ódio do que ao

amor e isto é apenas “o tesouro”,por assim dizer, do diabo».

Com efeito o diabo, explicou oPapa, esconde-se sempre nos nossosressentimentos, nos nossos ódios efá-los crescer, conserva-os neles paradestruir». Destruir tudo. E muitasvezes, por coisas pequenas, destrói».

Além disso, disse Francisco, «tam-bém se destrói este Deus que nãoveio para condenar, mas para per-doar». Este Deus que é capaz de fa-zer festa e esquecer tudo por um pe-cador que se aproxima. QuandoDeus nos perdoa, Ele esquece todoo mal que fizemos». A ponto que«alguém dizia» que o perdão «é adoença de Deus: ele não tem memó-ria, é capaz de perder a memória,nestes casos. Deus perde a memóriadas histórias más de tantos pecado-res, dos nossos pecados. Ele perdoa-nos e vai em frente».

Deus, explicou o Papa, «pede-nosunicamente: “Faz o mesmo, aprendea perdoar, não carregues esta cruznão fecunda do ódio, do rancor, do“vais pagar por isso”». Uma «pala-vra», insistiu o Pontífice, que «não écristã nem humana».

Aqui está, pois, «a generosidadede Jesus, que nos ensina que paraentrar no céu é preciso perdoar»,disse Francisco. De facto, acrescen-tou: «Ele diz-nos: “Vais à missa?” —“Sim” — “Mas se quando fores àmissa te lembrares que o teu irmãotem algo contra ti, reconcilia-te pri-meiro; não venhas a mim com oamor por mim numa mão e com o

ódio pelo teu irmão na outra”». Épreciso «coerência de amor: perdoar,perdoar de coração».

«Há pessoas — salientou o Papa —que vivem condenando os outros, fa-lando mal do próximo, manchandocontinuamente os seus companheirosde trabalho, os seus vizinhos, osseus parentes, porque não perdoamalgo que lhes fizeram ou não per-doam algo que não agradou». E as-sim «parece que a riqueza própriado diabo é esta: semear a paixão pe-lo não perdoar, viver apegado aonão perdoar».

Mas «o perdão é uma condiçãopara entrar no céu», recordou Fran-cisco. E «a parábola que Jesus nosconta é muito clara: perdoar», acres-centou. Com os votos «de que o Se-nhor nos ensine esta sabedoria doperdão, que não é fácil».

A este respeito, o Papa deu tam-bém um conselho espiritual: «Faça-mos uma coisa: quando formos àconfissão, para receber o sacramentoda reconciliação, perguntemo-nosprimeiro: eu perdoo? Se sentir quenão perdoo, não finjo que peço per-dão, porque eu não serei perdoado».Na verdade, não se deve esquecerque «pedir perdão significa perdoar:ambos estão juntos, não se podemseparar».

Referindo-se ao trecho do Evan-gelho de Mateus, o Pontífice disseque «aqueles que pedem perdão pa-ra si mesmos» — como o mau servoda parábola diante do mestre que«perdoa tudo» — «mas não per-doam aos outros, acabarão como»ele. É o próprio Jesus que nos lem-bra isto no Evangelho de hoje: «As-sim fará o meu Pai celeste tambémconvosco se não perdoardes de cora-ção, cada um ao seu irmão».

O Papa concluiu a sua meditaçãoconvidando-nos a rezar para que «oSenhor nos ajude a entender isto e abaixar a cabeça, a não sermos sober-bos, a sermos magnânimos no per-dão». Ou «pelo menos a perdoar“por interesse”. Por que razão? Sim,perdoar porque se eu não o fizer,não serei perdoado. Pelo menos isto.Mas sempre o perdão».

No final da celebração, após aadoração e a bênção eucarística,Francisco confiou as suas orações àMãe de Deus, permanecendo dianteda imagem mariana colocada ao la-do do altar da capela de Santa Mar-ta, acompanhado pelo canto da antí-fona Ave Regina Caelorum.

Ao meio-dia, na Basílica Vaticana,o Cardeal Arcipreste Angelo Comas-tri retomou a oração do Papa, con-duzindo a recitação do Angelus e doRosário.

Os sinoscontinuam a tocar

GIULIA ALBERIGO

Mais cedo ou mais tarde, talvezmais tarde do que mais cedo, va-mos contar este tempo no qualmergulhamos. A meio caminhoentre um pesadelo e um filme deficção científica.

Mudámos os nossos hábitos,mortificámos as nossas liberdades,redefinimos o nosso movimentopara zero. No fechamento dasnossas casas, mantemo-nos ocu-pados como podemos.

O tempo tem, de repente, ou-tro significado e valor.

Talvez reflitamos muito maissobre a nossa fragilidade, sobre afragilidade da criação. As ruas va-zias, persianas fechadas por todaparte, um silêncio soberano sobreos nossos dias de prisioneiros.

Mas, de manhã, ao meio-dia eàs vésperas, tocam os sinos dasigrejas! Sempre o fizeram, masagora esse concerto corta o ar deuma maneira nova e diz muitas,

muitas coisas. Vou à varanda dacasa e fico ali, enquanto o som sedifunde, três vezes por dia, e sin-to uma imensa gratidão pela vidaque tenho até como prisioneiro,pelo pároco, pelos sinos, pelaIgreja que existe, e como!

Entre as muitas reflexões de in-telectuais que nestes dias leio nosjornais, há também críticas aber-tas à Igreja que é sentida, nesteperíodo trágico, como ausente.

Ter-se adaptado às rígidas re-gulamentações governamentais évisto como retirada, fechamentoem si mesma. Eu não acho. Porcausa dos sinos. Enquanto elestocarem, receberemos um sinal deexistência, de resistência, deunião amorosa com todo o povo.

Os sinos tocam para todos nós:fiéis e distraídos, incrédulos, lei-gos e religiosos. O sagrado quetraz dentro de si esse som deveser intuído, acolhido e cultivadodentro de nós, se soubermos co-mo fazê-lo.

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número 12, terça-feira 24 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

INFORMAÇÕES

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 14 de março

Os Senhores Cardeais Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; e Leonardo Sandri, Prefeitoda Congregação para as IgrejasOrientais; D. Santo Gangemi, Nún-cio Apostólico em El Salvador eObservador Extrarregional da Santa

Sé no Sistema de Integração Centro-Americana; e a Rev.da Ir. YvonneReungoat, Superiora-Geral das Fi-lhas de Maria Auxiliadora.O Dr. Cav. Ambrogio M. Piazzoni,Vice-Prefeito da Biblioteca Apostóli-ca do Vaticano, com a Ex.ma Esp osa,em visita de despedida.

No dia 16 de marçoOs Senhores Cardeais Kevin JosephFarrell, Prefeito do Dicastério paraos Leigos, a Família e a Vida; e Be-niamino Stella, Prefeito da Congre-gação para o C l e ro .O Dr. Paolo Ruffini, Prefeito do Di-castério para a Comunicação.O Senhor Cardeal Giuseppe Betori,Arcebispo de Florença (Itália).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 18 de marçoDe D. Martin Tetsuo Hiragaal, aogoverno pastoral da Diocese de Sen-dai (Japão).

De D. David McGough, ao cargo deBispo Auxiliar da Arquidiocese deBirmingham (Grã-Bretanha).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 17 de marçoBispo da Diocese de Kitui, no Qué-nia, o Rev.do Pe. Joseph Mwongela,do clero de Kitui, até agora Vigário-Geral da mesma Sede.

D. Joseph Mwongela nasceu a 7 deabril de 1968, em Kakumi (Quénia), efoi ordenado Sacerdote no dia 7 de se-tembro de 1996.

No dia 18 de marçoO Senhor Cardeal Luis Antonio G.Tagle, Prefeito da Congregação paraa Evangelização dos Povos, EnviadoEspecial ao Congresso EucarísticoNacional na República Democráticado Congo, que será celebrado emLubumbashi, de 7 a 14 de junho.Membro da Comissão Cardinalíciada Administração do Património daSé Apostólica (Apsa), o Senhor Car-deal Daniel Fernando SturlaBerhouet, Arcebispo de Montevidéu( U ru g u a i ) .Bispos Auxiliares da Arquidiocesede Birmingham (Grã-Bretanha), oR e v. do Cón. David Ernest Charles

Evans e o Rev.do Pe. Stephen JamesLawrence Wright, ambos do clero damesma Sede e até à presente data,respetivamente, Vigário Episcopalpara Birmingham e Worcester, e Vi-gário-Geral, simultaneamente no-meados Bispos Titulares de Cunca-cestre e de Ramsbiria.

D. David Ernest Charles Evansnasceu em Henley on Thames, Ox-fordshire, na Grã-Bretanha, no dia 22de outubro de 1953, e recebeu a Orde-nação presbiteral em 29 de julho de1978.

D. Stephen James Lawrence Wrightnasceu em Stafford, na Grã-Bretanha,a 9 de outubro de 1970, foi ordenadoSacerdote no dia 9 de setembro de2000.

Prelados falecidos

Adormeceu no Senhor:

A 15 de março

D. Gilbert E. Chávez, ex-Bispo Au-xiliar de San Diego, nos EstadosUnidos da América.

O saudoso Prelado nasceu em Ontá-rio (Estados Unidos da América), a 9de maio de 1932. Foi ordenado Sacer-dote em 19 de março de 1960 e recebeua Ordenação episcopal no dia 21 dejunho de 1974.

Indulgência plenária para a emergência do coronavírus

com os irmãos, com a vontade decumprir as condições habituais (con-fissão sacramental, comunhão euca-rística e oração segundo as intençõesdo Santo Padre), o mais depressap ossível.

Os agentes da saúde, os familiarese todos aqueles que, seguindo oexemplo do Bom Samaritano, ex-

pondo-se ao risco de contágio, cui-dam dos doentes de Coronavírus se-gundo as palavras do divino Reden-tor: «Ninguém tem maior amor doque aquele que dá a sua vida pelosseus amigos» (Jo 15, 13), obterão omesmo dom da Indulgência plenáriaem idênticas condições.

Além disso, esta PenitenciariaApostólica concede de bom grado aIndulgência plenária nas mesmas con-

dições por ocasião da atual epidemiamundial, até àqueles fiéis que ofere-cerem uma visita ao Santíssimo Sa-cramento, ou a adoração eucarística,ou a leitura da Sagrada Escrituradurante pelo menos meia hora, ou arecitação do Santo Rosário, ou oexercício piedoso da Via-Sacra, ou arecitação do Rosário da Divina Mi-sericórdia, para implorar de DeusTodo-Poderoso o fim da epidemia,

alívio para os aflitos e salvação eter-na para aqueles que o Senhor cha-mou a si.

A Igreja reza por aqueles que nãopodem receber o Sacramento daUnção dos Enfermos e do Viático,confiando cada um deles à Miseri-córdia Divina em virtude da comu-nhão dos santos e concedendo aosfiéis a Indulgência plenária em pontode morte, contanto que esteja devi-damente disposto e tenha recitadohabitualmente durante a vida algu-ma oração (neste caso a Igreja supreàs três habituais condições exigidas).Para a consecução desta indulgênciaé recomendável o uso do crucifixoou da cruz (cf. Enchiridion indulgen-tiarum, n. 12).

Que a Bem-Aventurada sempreVirgem Maria, Mãe de Deus e daIgreja, Saúde dos Enfermos e Auxí-lio dos Cristãos, nossa Advogada,ajude a humanidade sofredora, afas-tando de nós o mal desta pandemiae obtendo-nos todo o bem necessá-rio para a nossa salvação e santifica-ção.

O presente Decreto é válido, nãoobstante qualquer disposição contrá-ria.

Dado em Romada Sede da Penitenciaria Apostólica

a 19 de março de 2020.

MAU R O C a rd . PIACENZAPe n i t e n c i á r i o - M o r

KRZYSZTOF NYKIELRegente

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

Nota da Penitenciaria Apostólica

marias hospitalares, onde estão in-ternados os fiéis contagiados emperigo de morte, utilizando, na me-dida do possível e com as devidasprecauções, os meios de amplificara voz para que a absolvição possaser ouvida.

Devem ser consideradas a neces-sidade e a oportunidade de criar,quando necessário, de acordo comas autoridades da saúde, grupos de“capelães extraordinários de hospi-tais”, também numa base voluntáriae em conformidade com as normasde proteção contra o contágio, paragarantir a necessária assistência es-piritual aos doentes e aos moribun-dos.

Onde o fiel se encontrar na dolo-rosa impossibilidade de receber aabsolvição sacramental, deve-se re-cordar que a contrição perfeita,

proveniente do amor do Deus ama-do acima de tudo, expressa por umsincero pedido de perdão (o que openitente é atualmente capaz demanifestar) e acompanhada pelovotum confessionis, ou seja, pela fir-me resolução de recorrer, quantoantes, à confissão sacramental, ob-tém o perdão dos pecados, até mor-tais (cf. CIC, n. 1.452).

Nunca antes a Igreja experimen-tou o poder da comunhão dos san-tos, elevando ao seu Senhor Cruci-ficado e Ressuscitado votos e pre-ces, especialmente o Sacrifício daSanta Missa, celebrado diariamente,mesmo sem fiéis, pelos sacerdotes.

Como mãe bondosa, a Igreja im-plora ao Senhor que a humanidadeseja libertada de tal flagelo, invo-cando a intercessão da Bem-Aven-turada Virgem Maria, Mãe de Mi-sericórdia e Saúde dos Enfermos, e

do seu Esposo São José, sob cujopatrocínio a Igreja sempre cami-nhou pelo mundo.

Maria Santíssima e São José ob-tenham para nós abundantes graçasde reconciliação e salvação, na es-cuta atenta da Palavra do Senhor,que ele repete hoje à humanidade:«Parai, reconhecei que eu souDeus» (Sl 46, 11), «Eu estarei con-vosco todos os dias» (Mt 28, 20).

Dado em Roma,da sede da Penitenciaria Apostólica,

a 19 de março de 2020,Solenidade de São José,

Esposo da B.A. Virgem Maria,Padroeiro da Igreja Universal.

MAU R O Card. PIACENZAPe n i t e n c i á r i o - M o r

KRZYSZTOF NYKIELRegente

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 24 de março de 2020, número 12

A universalidadeda oração

contra a pandemia do vírus

A 27 de março a bênção Urbi et Orbi

ANGELUS

«Queremos responder à pandemia dovírus com a universalidade daoração»: disse o Papa no final doAngelus de domingo — recitado aomeio-dia de 22 de março naBiblioteca particular do Palácioapostólico do Vaticano — anunciandoduas iniciativas espirituais para 25 e27 de março próximos. Anteriormenteo Pontífice comentou o Evangelho doquarto domingo da Quaresma.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!No centro da liturgia deste quartodomingo de Quaresma está o temada luz. O Evangelho (cf. Jo 9, 1-41)relata o episódio do cego de nas-cença, ao qual Jesus dá a vista. Es-te sinal milagroso é a confirmaçãodas palavras de Jesus que diz de simesmo: «Eu sou a luz do mundo»(v. 5), a luz que ilumina as nossastrevas. Este é Jesus. Ele realiza ailuminação em dois níveis: um físi-co e um espiritual: primeiro o cegorecebe a visão dos olhos e depois élevado à fé no «Filho do Homem»(v. 35), ou seja, em Jesus. É tudoum caminho. Hoje seria bom quetodos vós pegásseis no Evangelhode João, capítulo nove, e lêsseis es-ta passagem: é tão bonita e nos fa-rá bem lê-la uma ou duas vezes.Os prodígios que Jesus realiza nãosão gestos espetaculares, mas desti-nam-se a conduzir à fé através deum caminho de transformação inte-r i o r.

Os doutores da lei — que esta-vam lá, um grupo — persistem emnão admitir o milagre, e fazem per-guntas insidiosas ao homem cura-do. Mas ele desconcerta-os com aforça da realidade: «Uma coisa eusei: havendo sido cego, agora vejo»(v. 25). Entre a desconfiança e ahostilidade dos que o rodeiam e ointerrogam incrédulos, ele realizaum itinerário que gradualmente oleva a descobrir a identidaded’Aquele que lhe abriu os olhos e aconfessar a fé nele. Primeiro consi-dera-o profeta (cf. v. 17); depois re-conhece-o como alguém que vemde Deus (cf. v. 33); por fim acolhe-o como o Messias e prostra-sediante dele (cf. vv. 36-38). Compre-endeu que ao dar-lhe a visão Jesus«manifestava nele as obras deDeus» (cf. v. 3).

Que também nós possamos fazeresta experiência! Com a luz da fé,

aquele que era cego descobre a suanova identidade. Ele é agora uma«nova criatura», capaz de ver a suavida e o mundo ao seu redor sobuma nova luz, porque entrou emcomunhão com Cristo, entrou nou-tra dimensão. Ele já não é ummendigo marginalizado pela comu-nidade; já não é um escravo da ce-gueira e do preconceito. O seu ca-minho de iluminação é uma metá-fora para o caminho de libertaçãodo pecado a que somos chamados.O pecado é como um véu escuroque cobre o nosso rosto e nos im-pede de ver claramente a nós mes-mos e o mundo; o perdão do Se-nhor tira este manto de sombra eescuridão e restitui-nos nova luz. AQuaresma que estamos a viver sejaum tempo oportuno e precioso pa-ra nos aproximarmos do Senhor,pedindo a Sua misericórdia, nas di-ferentes formas que a Mãe Igrejanos propõe.

O cego curado, que agora vêcom os olhos do corpo e da alma,é a imagem de todos os batizadosque, imersos na Graça, foram ar-rancados das trevas e colocados naluz da fé. Mas não é suficiente re c e -ber a luz, é preciso tornar-se luz.Cada um de nós é chamado a rece-ber a luz divina a fim de a mani-festar com toda a nossa vida. Osprimeiros cristãos, os teólogos dosprimeiros séculos, disseram que acomunidade dos cristãos, ou seja, aIgreja, é o «mistério da lua», por-que dava luz mas não tinha luzprópria, era a luz que recebia deCristo. Também nós devemos ser«mistério da lua»: dar a luz recebi-da do sol, que é Cristo, Senhor.São Paulo recorda-nos isto hoje:«Comportai-vos, pois, como filhosda luz; agora o fruto da luz consis-te na bondade, na justiça e na ver-dade» (Ef 5, 8-9). A semente de vi-da nova colocada em nós no Batis-mo é como a centelha de um fogo,que nos purifica antes de tudo,queimando o mal nos nossos cora-ções, e permite-nos brilhar e ilumi-nar. Com a luz de Jesus.

Que Maria Santíssima nos ajudea imitar o homem cego do Evange-lho, para que sejamos inundadospela luz de Cristo e nos coloque-mos com Ele no caminho da salva-ção.

No final da recitação da precemariana o Papa convidou para osdois encontros de 25 e 27 de março,elogiou o trabalho de quantos estãona primeira linha no combate àpandemia e recordou a populaçãocroata atingida por um terramoto.

Caríssimos irmãos e irmãs!Nestes dias de provação, enquantoa humanidade treme com a ameaçada pandemia, gostaria de propor atodos os cristãos que unam e ele-vem as suas vozes ao céu. Convidotodos os chefes das Igrejas e os lí-deres de todas as comunidadescristãs, juntamente com todos oscristãos das várias confissões, a in-vocar o Deus Altíssimo e Todo-Po-deroso, recitando ao mesmo tempoa oração que Jesus Nosso Senhornos ensinou. Convido, portanto,todos a fazerem isto várias vezes aodia, mas, todos juntos, a recitarem oPai Nosso na próxima quarta-feira,25 de Março, ao meio-dia, to dosjuntos. No dia em que muitos cris-tãos recordam o anúncio à VirgemMaria da Encarnação do Verbo,que o Senhor ouça a oração unâni-me de todos os seus discípulos quese preparam para celebrar a vitóriade Cristo ressuscitado.

Com a mesma intenção, na pró-xima sexta-feira, 27 de março, às 18horas, presidirei a um momento deoração no adro da Basílica de SãoPedro, com a praça vazia. A partirde agora convido todos a partici-par espiritualmente através da mí-

dia. Escutaremos a Palavra deDeus, elevaremos a nossa súplica,adoraremos o Santíssimo Sacra-mento, com o qual, no final, dareia Bênção Urbi et Orbi, à qual seráanexada a possibilidade de recebera indulgência plenária.

Nós queremos responder à pan-demia do vírus com a universalida-de da oração, da compaixão, daternura. Permaneçamos unidos. Fa-çamos sentir a nossa proximidadeàs pessoas mais sozinhas e prova-das. A nossa proximidade aos mé-dicos, profissionais de saúde, enfer-meiros e enfermeiras, voluntários...A nossa proximidade às autorida-des que devem tomar medidas du-ras, mas para o nosso bem. A nos-sa proximidade aos polícias, comos soldados que procuram mantera ordem nas ruas, para que sejacumprido o que o governo nos pe-de para o bem de todos. Proximi-dade a todos.

Expresso a minha proximidadeao povo da Croácia atingido porum terramoto esta manhã. Que oSenhor lhes dê a força e a solida-riedade para enfrentar esta calami-dade.

E não vos esqueçais: hoje, pegaino Evangelho e lede calma e lenta-mente, o capítulo nove de João. Eutambém o farei. Vai fazer-nos bema todos.

E desejo-vos bom domingo. Nãovos esqueçais de rezar por mim.Bom almoço e adeus!