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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 49 (2.493) Cidade do Vaticano quinta-feira 7 de dezembro de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +/!#!?!&!}! Concluiu-se a visita do Pontífice ao Myanmar e ao Bangladesh A viagem fez-me bem «Tantos rostos provados pela vida, mas nobres e sorridentes», permane- ceram «no coração e na oração» do Papa Francisco depois da visita ao Myanmar e ao Bangladesh, confi- denciou ele mesmo durante o Ange- lus recitado no domingo, 3 de de- zembro, no dia seguinte à conclusão da viagem. Tendo regressado na noite de sá- bado 2, durante o habitual encontro com os jornalistas a bordo do avião exortando a interrogar-se sobre o «limite» da corrida aos armamentos — todas as perguntas foram centra- das nos aspetos mais significativos da visita. Começando pelo encontro de sexta-feira 1 com os rohingyas, ção de fazer chegar «a mensagem» aos seus destinatários sem «bater a porta na cara publicamente». Assim, explicou, «descrevi as situações, os direitos de cidadania, sem excluir nada, para me permitir ir mais além nos colóquios privados». E no final, confidenciou, «fiquei muito satisfei- to com os colóquios», porque «tive a satisfação de dialogar, de fazer fa- lar o outro, de dar a minha opinião e, assim, a mensagem chegou». O Papa falou também do encontro que teve no início da viagem com o ge- neral Min Aung Hlaing, revelando que durante a conversa não houve “negociação” alguma da verdade e que «também neste caso a mensa- gem chegou». Quanto ao Bangladesh, Francisco reafirmou a escolha das autoridades de apostar tudo na educação para contrastar as dramáticas consequên- cias de uma globalização que penali- za as camadas mais pobres da popu- lação. Por fim, o Pontífice referiu-se a outras duas prováveis viagens ao continente asiático: a Índia, onde es- pera ir em 2018 e a China. A propó- sito desta última, o Papa afirmou que «não está em preparação» mas admitiu: «Gostaria, não o escondo». PÁGINAS 2 A 12 O importante é que a mensagem chegue GIOVANNI MARIA VIAN O importante é que «a mensagem chegue»: a primeira resposta do Papa na conversa com os jornalis- tas, tradicional durante o voo de regresso nas viagens internacio- nais, vai muito além da questão dos rohingyas, sobre a qual inclu- sive antes da partida para o Myanmar e o Bangladesh os meios de comunicação internacio- nais tinham finalmente concentra- do a atenção, mas que há tempos é recorrente nas preocupações do Pontífice. Resposta que vai tam- bém além da questão da comuni- cação, âmbito no qual é geral- mente reconhecida a Bergoglio uma capacidade extraordinária. Com efeito, trata-se do modo co- mo o Papa e a Santa Sé escolhem mover-se nas várias situações, muitas vezes dramáticas, que a Igreja no mundo deve enfrentar. Iluminadores são o objetivo de- CONTINUA NA PÁGINA 13 em voo de Daca para Roma, o Pon- tífice fez um primeiro balanço dos dias passados na Ásia. Se excetuarmos uma referência à questão dos arsenais nucleares — so- bre a qual o Papa evocou o espetro da «destruição da humanidade» que Francisco evocou com comoção, esclarecendo que a escolha de não os nomear expressamente durante a etapa no Myanmar foi ditada pela vontade de não fechar imediatamen- te a porta do diálogo. Ao contrário, o que moveu o Pontífice foi a inten- O Papa exprimiu profunda preocupação e lançou um urgente apelo para que se apliquem as resoluções das Nações Unidas Respeito pelo status quo de Jerusalém «Profunda preocupação pela situa- ção que se criou nos últimos dias» em Jerusalém depois do anúncio do presidente Trump de transferir a em- baixada americana em Israel para Je- rusalém, reconhecendo esta última como capital israelita, foi expressa pelo Papa no final da audiência ge- ral de quarta-feira 6 de dezembro. Recordando a «vocação especial pa- ra a paz» da cidade, Francisco lan- çou «um urgente apelo a fim de que seja compromisso de todos respeitar o status quo, em conformidade com as pertinentes resoluções das Nações Unidas». Aos fiéis presentes na Sala Paulo VI, o Pontífice recordou que «Jerusa- lém é uma cidade única, sagrada pa- ra os judeus, os cristãos e os muçul- manos, que nela veneram os lugares sagrados das respetivas religiões». Eis os votos do Papa a fim de que «tal identidade seja preservada e for- talecida em benefício da Terra San- ta, do Médio Oriente e do mundo inteiro e que prevaleçam sabedoria e prudência, para evitar o acréscimo de novos elementos de tensão num panorama mundial já agitado e mar- cado por muitos e cruéis conflitos». Significativamente antes da au- diência, Francisco recebeu no gabi- nete adjacente à Sala Paulo VI os participantes na reunião entre o Pontifício conselho para o diálogo inter-religioso e a correspondente Comissão do Estado da Palestina, que se encontraram com a finalidade de constituir um grupo de trabalho permanente. «A Terra Santa é para nós cristãos a terra por excelência do diálogo entre Deus e a humanida- de». E a condição principal do diá- logo, acrescentou, «é o respeito recí- proco e, ao mesmo tempo, a consoli- dação deste respeito a fim de reco- nhecer os direitos a todas as pessoas, onde quer que se encontrem». De facto, «do diálogo nasce um conhe- cimento recíproco maior, uma estima mútua maior e uma colaboração pa- ra a consecução do bem comum e para uma ação sinérgica em relação às pessoas carenciadas, garantin- do-lhes toda a assistência necessá- ria». PÁGINA 20 Aos participantes num congresso Como apoiar as vocações PÁGINA 14

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 49 (2.493) Cidade do Vaticano quinta-feira 7 de dezembro de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +/!#!?!&!}!

Concluiu-se a visita do Pontífice ao Myanmar e ao Bangladesh

A viagem fez-me bem«Tantos rostos provados pela vida,mas nobres e sorridentes», permane-ceram «no coração e na oração» doPapa Francisco depois da visita aoMyanmar e ao Bangladesh, confi-denciou ele mesmo durante o Ange-

lus recitado no domingo, 3 de de-zembro, no dia seguinte à conclusãoda viagem.

Tendo regressado na noite de sá-bado 2, durante o habitual encontrocom os jornalistas a bordo do avião

exortando a interrogar-se sobre o«limite» da corrida aos armamentos— todas as perguntas foram centra-das nos aspetos mais significativosda visita. Começando pelo encontrode sexta-feira 1 com os rohingyas,

ção de fazer chegar «a mensagem»aos seus destinatários sem «bater aporta na cara publicamente». Assim,explicou, «descrevi as situações, osdireitos de cidadania, sem excluirnada, para me permitir ir mais alémnos colóquios privados». E no final,confidenciou, «fiquei muito satisfei-to com os colóquios», porque «tivea satisfação de dialogar, de fazer fa-lar o outro, de dar a minha opiniãoe, assim, a mensagem chegou». OPapa falou também do encontro queteve no início da viagem com o ge-neral Min Aung Hlaing, revelandoque durante a conversa não houve“nego ciação” alguma da verdade eque «também neste caso a mensa-gem chegou».

Quanto ao Bangladesh, Franciscoreafirmou a escolha das autoridadesde apostar tudo na educação paracontrastar as dramáticas consequên-cias de uma globalização que penali-za as camadas mais pobres da popu-lação. Por fim, o Pontífice referiu-sea outras duas prováveis viagens aocontinente asiático: a Índia, onde es-pera ir em 2018 e a China. A propó-sito desta última, o Papa afirmouque «não está em preparação» masadmitiu: «Gostaria, não o escondo».

PÁGINAS 2 A 12

O importanteé que a

mensagem chegueGI O VA N N I MARIA VIAN

O importante é que «a mensagemchegue»: a primeira resposta doPapa na conversa com os jornalis-tas, tradicional durante o voo deregresso nas viagens internacio-nais, vai muito além da questãodos rohingyas, sobre a qual inclu-sive antes da partida para oMyanmar e o Bangladesh osmeios de comunicação internacio-nais tinham finalmente concentra-do a atenção, mas que há temposé recorrente nas preocupações doPontífice. Resposta que vai tam-bém além da questão da comuni-cação, âmbito no qual é geral-mente reconhecida a Bergogliouma capacidade extraordinária.Com efeito, trata-se do modo co-mo o Papa e a Santa Sé escolhemmover-se nas várias situações,muitas vezes dramáticas, que aIgreja no mundo deve enfrentar.

Iluminadores são o objetivo de-

CO N T I N UA NA PÁGINA 13

em voo de Daca para Roma, o Pon-tífice fez um primeiro balanço dosdias passados na Ásia.

Se excetuarmos uma referência àquestão dos arsenais nucleares — so-bre a qual o Papa evocou o espetroda «destruição da humanidade»

que Francisco evocou com comoção,esclarecendo que a escolha de não osnomear expressamente durante aetapa no Myanmar foi ditada pelavontade de não fechar imediatamen-te a porta do diálogo. Ao contrário,o que moveu o Pontífice foi a inten-

O Papa exprimiu profunda preocupação e lançou um urgente apelo para que se apliquem as resoluções das Nações Unidas

Respeito pelo status quo de Jerusalém

«Profunda preocupação pela situa-ção que se criou nos últimos dias»em Jerusalém depois do anúncio dopresidente Trump de transferir a em-baixada americana em Israel para Je-rusalém, reconhecendo esta últimacomo capital israelita, foi expressapelo Papa no final da audiência ge-

ral de quarta-feira 6 de dezembro.Recordando a «vocação especial pa-ra a paz» da cidade, Francisco lan-çou «um urgente apelo a fim de queseja compromisso de todos respeitaro status quo, em conformidade comas pertinentes resoluções das NaçõesUnidas».

Aos fiéis presentes na Sala PauloVI, o Pontífice recordou que «Jerusa-lém é uma cidade única, sagrada pa-ra os judeus, os cristãos e os muçul-manos, que nela veneram os lugaressagrados das respetivas religiões».Eis os votos do Papa a fim de que«tal identidade seja preservada e for-talecida em benefício da Terra San-ta, do Médio Oriente e do mundointeiro e que prevaleçam sabedoria eprudência, para evitar o acréscimode novos elementos de tensão numpanorama mundial já agitado e mar-cado por muitos e cruéis conflitos».

Significativamente antes da au-diência, Francisco recebeu no gabi-nete adjacente à Sala Paulo VI osparticipantes na reunião entre oPontifício conselho para o diálogointer-religioso e a correspondenteComissão do Estado da Palestina,

que se encontraram com a finalidadede constituir um grupo de trabalhopermanente. «A Terra Santa é paranós cristãos a terra por excelência dodiálogo entre Deus e a humanida-de». E a condição principal do diá-logo, acrescentou, «é o respeito recí-proco e, ao mesmo tempo, a consoli-dação deste respeito a fim de reco-nhecer os direitos a todas as pessoas,onde quer que se encontrem». Defacto, «do diálogo nasce um conhe-cimento recíproco maior, uma estimamútua maior e uma colaboração pa-ra a consecução do bem comum epara uma ação sinérgica em relaçãoàs pessoas carenciadas, garantin-do-lhes toda a assistência necessá-ria».

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Aos participantes num congresso

Como apoiaras vocações

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

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Respeito das legítimas diferençasDiscurso do Papa às autoridades do Bangladesh na sua chegada ao aeroporto de D aca

Minorias vitais

Senhor PresidenteIlustres Autoridadesde Estado e civisEminênciaAmados Irmãos no EpiscopadoDistintos Membrosdo Corpo DiplomáticoSenhoras e Senhores!

No início da minha presença noBangladesh, quero agradecer-lhe, Se-nhor Presidente, o amável convitepara visitar esta nação e as suas de-ferentes palavras de boas-vindas. Se-guindo as pegadas de dois dos meusPredecessores, o Papa Paulo VI e oPapa João Paulo II, estou aqui pararezar com os meus irmãos e irmãscatólicos e oferecer-lhes uma mensa-gem de estima e encorajamento. OBangladesh é um Estado jovem e to-davia ocupou sempre um lugar espe-cial no coração dos Papas, que desdeo princípio expressaram solidarieda-de ao seu povo, procurando acom-panhá-lo na superação das dificulda-des iniciais e apoiando-o na tarefaexigente da construção da nação edo seu desenvolvimento. Agradeço aoportunidade de me dirigir a estaassembleia, que reúne homens e mu-lheres com responsabilidades espe-ciais na tarefa de dar forma ao futu-ro da sociedade do Bangladesh.

Durante o voo para chegar aqui,foi-me lembrado que o Bangladesh— «Golden Bengal» — é uma naçãointerligada por uma vasta rede flu-vial e por vias navegáveis, grandes epequenas. Creio que esta beleza na-tural é emblemática da vossa parti-cular identidade como povo. O Ban-gladesh é uma nação que se esforçapor alcançar uma unidade de lingua-gem e cultura com o respeito pelasdiferentes tradições e comunidades,que fluem como inúmeros ribeirosvindo enriquecer o grande curso davida política e social do país.

No mundo de hoje, nenhuma co-munidade, nação ou Estado podesobreviver e progredir no isolamen-to. Como membros da única famíliahumana, precisamos uns dos outrose estamos dependentes uns dos ou-tros. O Presidente Xeque MujiburRahma compreendeu e procurou in-corporar este princípio na Constitui-ção Nacional. Imaginou uma socie-dade moderna, pluralista e inclusiva,onde cada pessoa e cada comunida-de pudesse viver em liberdade, paz esegurança, respeitando a inata digni-dade e igualdade de direitos de to-dos. O futuro desta jovem democra-cia e a saúde da sua vida política de-pendem essencialmente da fidelida-de a esta visão fundadora. Com efei-

to, só através de um diálogo sinceroe do respeito pelas legítimas diversi-dades é que um povo pode reconci-liar as divisões, superar perspetivasunilaterais e reconhecer a validadede pontos de vista divergentes. Umavez que o diálogo autêntico apostano futuro, ele constrói unidade aoserviço do bem comum e está atento

às necessidades de todos os cida-dãos, especialmente dos pobres, dosdesfavorecidos e daqueles que nãotêm voz.

Nos meses passados, pôde-se ob-servar de maneira bem tangível o es-pírito de generosidade e solidarieda-de — sinais caraterísticos da socieda-de do Bangladesh — no seu ímpetohumanitário a favor dos refugiadoschegados em massa do Estado deRakhine, proporcionando-lhes abri-go temporário e provisões para asnecessidades primárias da vida. Istofoi conseguido à custa de não pouco

sacrifício; e foi realizado tambémsob o olhar do mundo inteiro. Ne-nhum de nós pode deixar de estarconsciente da gravidade da situação,do custo imenso exigido de sofri-mentos humanos e das precáriascondições de vida de tantos dos nos-sos irmãos e irmãs, a maioria dosquais são mulheres e crianças amon-toados nos campos de refugiados. Énecessário que a comunidade inter-nacional implemente medidas resolu-tivas face a esta grave crise, não sótrabalhando por resolver as questõespolíticas que levaram à massiva des-locação de pessoas, mas tambémprestando imediata assistência mate-rial ao Bangladesh no seu esforçopor responder eficazmente às urgen-tes carências humanas.

Apesar da minha visita ser prima-riamente dirigida à Comunidade ca-tólica do Bangladesh, considero ummomento privilegiado o meu encon-tro que terá lugar amanhã emRamna com os Responsáveis ecumé-nicos e inter-religiosos. Juntos, reza-remos pela paz e reafirmaremos onosso compromisso de trabalhar pe-la paz. O Bangladesh é conhecidopela harmonia que tradicionalmenteexiste entre os seguidores de váriasreligiões. Esta atmosfera de respeitomútuo e um clima crescente de diá-

GI O VA N N I MARIA VIAN

Foram suficientes quinze minutos para o Papa se des-pedir do povo do Myanmar do modo como desejava,ou seja, encontrando-se com ele sem formalidades.Com efeito, a conclusão da missa na catedral de Yan-gon antes do tempo previsto permitiu ao Pontífice per-correr a bonita igreja neogótica do final do século XIX,entre duas alas jubilosas de rapazes e moças. Sem pres-sa, apoiando-se na cruz processional de Paulo VI, o seuatual sucessor deteve-se com muitas centenas de jo-vens, provenientes de dezenas de etnias diversas, paraos saudar de perto. E eles retribuíram, procurando eapertando a mão estendida por Francisco ou a cruzcom a figura de Cristo levada pelo Pontífice, ritmandorepetidamente numa mistura de línguas «Papa Franciswe love you». Numa atmosfera entusiasta da qual Ber-goglio gostou muito, circundando-o de carinho e cor-dialidade pouco antes de partir para o Bangladesh, on-de chegou no início da tarde.

O que une os dois países visitados pelo Pontíficenesta viagem asiática é o facto de que os católicos e oscristãos são minorias minúsculas, as quais Bergoglioquer encontrar para as apoiar e encorajar a dar um tes-temunho missionário que não seja prepotente mas omais eficaz possível. «Nem tenhais medo, se às vezesnotardes que sois poucos e dispersos por aqui e porali. O Evangelho cresce sempre a partir de pequenasraízes. Por isso, fazei-vos ouvir! Gostaria de vos pedirpara gritar, mas não com a voz, não; gostaria que gri-tásseis com a vida, com o coração, de modo a ser sinaisde esperança para quem está desanimado, uma mão es-tendida para quem está doente, um sorriso acolhedor

para quem é estrangeiro, um apoio carinhoso paraquem está sozinho», disse aos jovens reunidos na cate-dral de Yangon.

Realidade de minorias, mas vitais, que foi novamen-te abordada no primeiro discurso do Papa em Daca.Aqui no palácio presidencial falou às autoridades danação, muito populosa e quase totalmente muçulmana,recebido pelo presidente. «Embora em número relati-vamente reduzido, os católicos do Bangladesh procu-ram desempenhar um papel construtivo no desenvolvi-mento da nação, especialmente através das suas esco-las, clínicas e dispensários», disse o Pontífice, que emseguida mencionou o apreço geral pelo compromissoeducativo tradicional: com efeito, nos institutos católi-cos, onde «a grande maioria dos estudantes e muitosdos professores» são de outras religiões, a Igreja, semfazer distinções e contando com a liberdade afirmadana constituição nacional, «procura promover uma cul-tura do encontro, que tornará os alunos capazes de as-sumir as suas próprias responsabilidades na vida da so-ciedade», realçou.

Depois, voltando a falar sobre o drama dos refugia-dos, quase totalmente muçulmanos, provenientes do vi-zinho Estado de Rakhine e recebidos com grande ge-nerosidade pelo Bangladesh, «sob o olhar do mundointeiro», o Pontífice descreveu as «precárias condiçõesde vida de tantos dos nossos irmãos e irmãs, a maioriados quais são mulheres e crianças amontoados noscampos de refugiados», e lançou um novo apelo à co-munidade internacional, a fim de que intervenha politi-camente para resolver a crise e, no plano humanitário,para socorrer os refugiados.

Na parte da tarde de 30 de novembro, o Papa Francisco chegou ao Bangladesh,segunda etapa da viagem começada no dia 27 no Myanmar.O primeiro encontro público do Pontífice foi com as autoridades, com osrepresentantes da sociedade civil e com os membros do corpo diplomático, nopalácio presidencial em Daca. Em seguida, o texto do discurso do Pontífice.

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Francisco ordenou dezasseis presbíteros no Suhrawardy Udyan Park

A oração do povoem apoio dos sacerdotes

Na saudação durante a visita à catedral

O tesouro de Deus

Foram 16 os diáconos que receberamdas mãos do Papa Francisco aordenação sacerdotal durante a missacelebrada na manhã de 1 de dezembro,no Suhrawardy Udyan Park de Daca.Na liturgia o Sumo Pontíficepronunciou a homilia ritual previstapela edição italiana do pontificalromano para a ordenação dospresbíteros, improvisando no finalalgumas considerações pessoais. Eis aspalavras do Santo Padre nessac i rc u n s t â n c i a .

Irmãos caríssimos, no momento emque estes nossos filhos, que são fa-miliares e amigos vossos, vão entrarna Ordem dos presbíteros, ponderaicom atenção o grau do ministério aque eles são elevados.

É certo que todo o povo santo deDeus se torna, em Cristo, um sacer-dócio real. No entanto, o nossogrande Sacerdote, Jesus Cristo, esco-lheu alguns discípulos para desem-penharem na Igreja, em seu nome, oministério sacerdotal em favor doshomens. Enviado pelo Pai, Ele mes-mo enviou os Apóstolos por todo omundo a fim de continuar, por meiodeles e dos Bispos que lhes haviamde suceder, a sua missão de Mestre,Sacerdote e Pastor. Ora os presbíte-ros são constituídos cooperadoresdos Bispos e, associados a eles namissão sacerdotal, são chamados aoserviço do povo de Deus.

Estes irmãos, depois de séria eprolongada reflexão, vão ser ordena-dos para o sacerdócio na Ordem dospresbíteros, para servirem a Cristo,Mestre, Sacerdote e Pastor, por cujoministério o seu Corpo, que é aIgreja, cresce e se edifica como tem-plo santo e povo de Deus.

Vós, queridos filhos, que ides en-trar na Ordem dos presbíteros, exer-cereis, no que vos compete, o sagra-do múnus de ensinar em nome deCristo, nosso Mestre. Distribuí a to-dos a palavra de Deus que vós mes-mos recebestes com alegria. Medi-tando na lei do Senhor, procuraicrer o que ledes, ensinar o que cre-des e viver o que ensinais.

Seja o vosso ensino alimento parao povo de Deus, e o vosso viver mo-tivo de alegria para os fiéis de Cris-to, para edificardes, pela palavra epelo exemplo, a casa que é a Igrejade Deus.

Exercereis também, em Cristo, omúnus de santificar. Pelo vosso mi-nistério se realiza plenamente o sa-crifício espiritual dos fiéis, unido aosacrifício de Cristo, que, juntamentecom eles, é oferecido pelas vossasmãos sobre o altar, de modo sacra-mental, na celebração dos santosmistérios. Tomai, pois, consciênciado que fazeis, imitai o que realizais.Celebrando o mistério da morte e daressurreição do Senhor, esforçai-vospor fazer morrer em vós todo o male por caminhar na vida nova.

Ao fazer entrar os homens no po-vo de Deus pelo Batismo, ao per-doar os pecados em nome de Cristoe da Igreja no sacramento da Peni-tência, ao aliviar os enfermos com o

óleo santo, ao celebrar os ritos sa-grados, ao oferecer, nas horas dodia, o louvor com ações de graças esúplicas, não só pelo povo de Deusmas também por todo o mundo,lembrai-vos de que fostes assumidosde entre os homens e postos ao ser-viço dos homens nas coisas que sãode Deus. Realizai, pois, com verda-deira caridade e alegria constante, oministério de Cristo Sacerdote, nãoprocurando os vossos interesses, massim os de Jesus Cristo.

Finalmente, ao exercer, na parteque vos compete, o ministério deCristo, Cabeça do Corpo da Igreja ePastor do seu povo, procurai, filhoscaríssimos, unidos e atentos ao Bis-po, congregar os fiéis numa só famí-lia, a fim de poderdes conduzi-los aDeus Pai, por Cristo, no EspíritoSanto. Trazei sempre diante de vós oexemplo do Bom Pastor que veionão para ser servido mas para servire para buscar e salvar o que estavap erdido.

Agora quero dirigir-me a vós, que-ridos irmãos e irmãs que viestes a es-ta festa, a esta grande festa de Deusque é a Ordenação destes irmãos sa-cerdotes. Sei que muitos de vós vie-

ram de longe, precisando de viajarmais de dois dias. Obrigado pelavossa generosidade! Isto mostra oamor que tendes pela Igreja; istomostra o amor que tendes por JesusCristo. Muito obrigado! Muito obri-gado pela vossa generosidade, muitoobrigado pela vossa fidelidade. Con-tinuai a caminhar, com o espíritodas Bem-aventuranças. E recomen-do-vos, especialmente hoje vos reco-mendo que rezeis sempre pelos vos-sos sacerdotes, especialmente poraqueles que hoje vão receber o sa-cramento das Sacras Ordens. O po-vo de Deus apoia os sacerdotes coma oração. Tendes a responsabilidade

de apoiar os sacerdotes. Alguém devós poderia perguntar-me: «Mas,padre, como se faz para apoiar umsacerdote?». Deixai-vos guiar pelavossa generosidade. O coração gene-roso que tendes, dir-vos-á comoapoiar os sacerdotes. Mas o primeiroapoio ao sacerdote é a oração. O po-vo de Deus — isto é, todos, todos —apoia o sacerdote com a oração.Nunca vos canseis de rezar pelosvossos sacerdotes. Eu sei que o fa-reis. Muito obrigado! E agora vamoscontinuar o rito da Ordenação des-tes diáconos, que serão os vossos sa-cerdotes. Obrigado!

Antes de se encontrar com os bispos, na tarde de sexta-feira1 de dezembro, o Sumo Pontífice foi à catedral de SantaMaria, onde improvisou um breve discurso aos fiéis alipresentes. Eis as palavras do Santo Padre.

Boa tarde!Agradeço a presença de todos vós, líderes cristãos, lei-gos que trabalhais na construção do Reino de Deus.Quando me disseram para vos saudar, veio-me à menteuma palavra que quero partilhar convosco e que oapóstolo Paulo dizia sentir dentro de si: «Ai de mim,se não evangelizar!».

Cremos que o Evangelho se vive como uma graça,como um tesouro que recebemos gratuitamente. Deve-mos pedir ao Senhor que nos dê a graça de sentir omesmo que Paulo: sentir aquele fogo, sentir no coraçãoaquela ânsia de evangelizar. Não se trata de proselitis-mo; isso não. A Igreja, Reino de Deus, não cresce comproselitismo, cresce com o testemunho. Trata-se demostrar com a palavra e a vida o tesouro que nos foidado. Isto é evangelizar. Eu vivo assim, vivo esta pala-

vra, e que os outros vejam; mas não é fazer proselitis-mo.

Agradeço o que fazeis, agradeço o vosso compromis-so, agradeço por mostrardes o presente que Deus nosdeu.

Atrevo-me a pedir-vos um favor: guardai o tesouroque Deus nos deu no Evangelho. E a melhor maneirapara o conseguirdes é a graça de Deus. Por isso vospeço: rezai muito, rezai muito para receberdes a graçade cuidar daquele tesouro.

Continuemos a caminhar, fazendo ver este tesouroque Deus nos deu gratuitamente e que, gratuitamente,devemos oferecer aos outros. Agora como irmãos, to-dos juntos, peçamos uns para os outros esta graça, re-zando a oração que Jesus nos ensinou.

[Pai Nosso]Que o Senhor vos abençoe e proteja. Faça brilhar o

seu rosto sobre vós e vos mostre a sua graça. Que Elevos mostre o seu rosto e vos dê a sua graça. Amém!

Não vos esqueçais de rezar por mim.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

Respeito das legítimas diferenças

Ministério de presençaAos bispos do Bangladesh

logo inter-religioso permitem aoscrentes expressar livremente as suasconvicções mais profundas sobre osignificado e a finalidade da vida.Assim podem contribuir para pro-mover os valores espirituais quesão a base segura para uma socie-dade justa e pacífica. Num mundoonde muitas vezes a religião é —escandalosamente — usada para fo-mentar a divisão, revela-se aindamais necessário um tal género detestemunho do seu poder de recon-ciliação e união. Isto manifestou-sede forma particularmente eloquen-te na reação comum de indignaçãoque se seguiu ao brutal ataque ter-rorista do ano passado aqui emDaca e na mensagem clara enviadapelas autoridades religiosas da na-ção, segundo a qual o santíssimonome de Deus não pode jamais serinvocado para justificar o ódio e aviolência contra outros seres huma-nos, nossos semelhantes.

Embora em número relativamen-te reduzido, os católicos do Ban-gladesh procuram desempenharum papel construtivo no desenvol-vimento da nação, especialmenteatravés das suas escolas, clínicas edispensários. A Igreja aprecia a li-berdade — de que beneficia toda anação — de praticar a sua fé e reali-

zar as suas obras sociocaritativas,incluindo a de oferecer aos jovens,que representam o futuro da socie-dade, uma educação de qualidadee um exercício de sãos valores éti-cos e humanos. Nas suas escolas, aIgreja procura promover uma cul-tura do encontro, que tornará osalunos capazes de assumir as suaspróprias responsabilidades na vidada sociedade. Com efeito, nestasescolas, a grande maioria dos estu-dantes e muitos dos professoresnão são cristãos, mas provêm deoutras tradições religiosas. Tenho acerteza de que a Comunidade cató-lica, de acordo com a letra e o es-pírito da Constituição Nacional,continuará a gozar da liberdade delevar por diante estas boas obrascomo expressão do seu empenho afavor do bem comum.

Senhor PresidenteQueridos amigos!Agradeço a vossa atenção e assegu-ro-vos as minhas orações para que,nas vossas nobres responsabilida-des, sejais sempre inspirados pelosaltos ideais de justiça e serviço aosvossos concidadãos. De bom gradoinvoco, sobre vós e sobre todo opovo do Bangladesh, as bênçãosdivinas da harmonia e da paz.

O brigado!

Na tarde de 1 de dezembro, antes de seencontrar com os líderes religiosos, oPapa Francisco saudou os bispos doBangladesh, congregados na casa parasacerdotes idosos no complexo doarcebispado de Daca. A seguir,publicamos o discurso pronunciado peloPontífice.

EminênciaAmados Irmãos no Episcopado!Como é bom podermos estar juntos!Agradeço ao Cardeal Patrick [D'Ro-zario] as palavras de exórdio comque apresentou as mais variadas ati-vidades espirituais e pastorais daIgreja no Bangladesh. Agradou-mede modo particular a sua referênciaao clarividente Plano Pastoral de1985, que pôs em evidência os prin-cípios evangélicos e as prioridadesque guiaram a vida e a missão dacomunidade eclesial nesta jovem na-ção. A minha experiência pessoal deAparecida, onde se lançou a MissãoContinental na América do Sul, con-venceu-me da fecundidade de taisplanos, que envolvem todo o povode Deus num processo contínuo dediscernimento e ação.

Gosto também da duração desteplano pastoral, porque uma dasdoenças dos planos pastorais é quemorrem jovens. Mas este está vivodesde 1985: Parabéns! Bom sucesso!Vê-se que foi bem feito, reflete a rea-lidade do país e as necessidades pas-torais; e reflete também a perseve-rança dos bispos.

No coração do Plano Pastoral, es-teve a realidade da comunhão, quecontinua a inspirar o zelo missioná-

rio que carateriza a Igreja no Ban-gladesh. A vossa própria guia epis-copal esteve tradicionalmente marca-da pelo espírito de colegialidade eapoio mútuo. Isto é admirável! Esteespírito de afeto colegial é comparti-lhado pelos vossos sacerdotes e,através deles, propagou-se pelas pa-róquias, pelas comunidades e pelosmultiformes serviços de apostoladodas vossas Igrejas locais. Nas vossasdioceses, expressa-se na seriedadecom que vos dedicais às visitas pas-torais e demonstrais um real interes-se pelo bem do vosso povo. Peço-vos para perseverardes neste ministé-rio de presença. Quero destacar oque se quer dizer com isto: não sig-nifica apenas fazer-se ver — p o de-sefazer ver através da TV — mas é umapresença semelhante à de Deus emnós: uma presença que se fez vizi-nhança, que se fez proximidade naEncarnação do Verbo, na condescen-dência, a condescendência do Paique enviou o Filho para Se fazer umde nós. Gosto de como cunhastes es-ta expressão: «ministério de presen-ça». O bispo é alguém que está pre-sente e está próximo. Sempre. Repi-to: perseverar neste ministério depresença, o único que pode estreitarlaços de comunhão unindo-vos aosvossos sacerdotes, que são vossos ir-mãos, filhos e colaboradores na vi-nha do Senhor, e aos religiosos e re-ligiosas que prestam uma contribui-ção fundamental para a vida católicaneste país.

Gostaria de pôr em relevo a essên-cia dos religiosos. Estamos acostu-mados a dizer: Sim, há dois cami-nhos de santificação na Igreja, ou

seja, o caminho presbiteral e o cami-nho laical. Mas as Irmãzinhas, quesão? Leigas? Não. Por favor, é preci-so desenvolver a ideia de que há umterceiro caminho de santificação: ocaminho da vida consagrada. E nãose trata de um adjetivo — «este é umleigo consagrado, esta é uma leigaconsagrada» — mas de um substanti-vo: «Este é um consagrado, esta éuma consagrada». Tal como dize-mos: «Este é um leigo, ou esta éuma leiga», e «este é um sacerdote».Isto é importante.

Ao mesmo tempo, pedir-vos-ia pa-ra mostrardes uma proximidade ain-da maior aos fiéis leigos. Eles têmde crescer. É preciso promover a suareal participação na vida das vossasIgrejas particulares, nomeadamenteatravés das estruturas canónicas queasseguram que as suas vozes sejamouvidas e as suas experiências apre-ciadas. Reconhecei e valorizai os ca-rismas dos leigos, homens e mulhe-res, e encorajai-os a colocarem osseus dons ao serviço da Igreja e doconjunto da sociedade. Penso aquinos numerosos e zelosos catequistasdesta nação — os catequistas são ospilares da evangelização — cujoapostolado é essencial para o cresci-mento da fé e para a formação cristãdas novas gerações. São verdadeirosmissionários e guias de oração, espe-cialmente nas áreas mais remotas.Cuidai das suas necessidades espiri-tuais e da sua constante formação nafé. Os catequistas. Mas também osleigos que nos ajudam e acompa-nham, os conselheiros: os conselhei-ros pastorais, os conselheiros nos as-suntos económicos. Numa reuniãoque houve há seis meses, ouvi dizerque talvez pouco mais de metadedas dioceses — metade ou poucomais — teria os dois conselhos que oDireito Canónico nos pede para ter:o pastoral e o dos assuntos económi-cos. E a outra metade? Isso não po-de ser. Não é questão apenas deuma lei, não é só uma ajuda; é espa-ço para os leigos.

Nestes meses de preparação paraa próxima assembleia do Sínodo dosBispos, todos somos instados a pen-sar como tornar os nossos jovensmais participantes da alegria, verda-de e beleza da nossa fé. O Bangla-desh foi abençoado com vocaçõespara o sacerdócio — vimo-lo hoje —e para a vida religiosa; é importantegarantir que os candidatos sejambem preparados para comunicar asriquezas da fé aos outros, particular-mente aos seus coetâneos. Num es-pírito de comunhão que une as gera-ções, ajudai-os a ocupar-se com ale-gria e entusiasmo do trabalho queoutros começaram, sabendo que umdia serão eles próprios chamados atransmiti-lo. Esta disposição interiorde receber a herança, fazê-la crescere transmiti-la é o espírito apostólicode um presbitério. Que os jovenssaibam que o mundo não começacom eles, que devem procurar as raí-zes, devem procurar as raízes históri-cas, religiosas... Fazer crescer aquelasraízes e transmitir os frutos. Ensinaios jovens a não ser desarraigados;ensinai-os a conversar com os ido-sos. Quando entrei aqui [na CasaEpiscopal], encontrei os alunos do

Seminário Médio. Devia ter-lhes fei-to duas perguntas, breves, mas fizapenas uma. A primeira, a mais na-tural: «Jogais futebol?». Todos:«Sim!». A segunda era: «Ides visitaros avós, os sacerdotes anciãos? Paraouvir as histórias da sua vida, do seuapostolado?» Os formadores do Se-minário devem educar os jovens se-minaristas para ouvir os sacerdotesanciãos: ali estão as raízes, ali está asabedoria da Igreja.

Na Igreja do Bangladesh, é notá-vel a atividade social voltada para aassistência das famílias e, especifica-mente, o empenho na promoção dasmulheres. O povo desta nação é co-nhecido pelo seu amor à família, pe-lo seu sentido de hospitalidade, pelorespeito que demonstra para com ospais e os avós e os cuidados que re-serva aos idosos, aos doentes e aosmais inermes. Estes valores são con-firmados e sublimados pelo Evange-lho de Jesus Cristo. Uma expressãode especial gratidão é devida a todosaqueles que trabalham, silenciosa-mente, por apoiar as famílias cristãsna sua missão de dar testemunhodiário do amor reconciliador do Se-nhor e tornar conhecido o seu poderde redenção. Como assinalou aExortação Ecclesia in Asia, a família«não é simplesmente objeto dos cui-dados pastorais da Igreja, mas umdos mais eficazes agentes da evange-lização» (n. 46).

Um objetivo significativo indicadono Plano Pastoral, intuição que sedemonstrou verdadeiramente proféti-ca, é a opção pelos pobres. A Comuni-dade católica no Bangladesh podeorgulhar-se da sua história de servi-ço aos pobres, especialmente nasáreas mais remotas e nas comunida-des tribais; continua diariamente esteserviço através das suas obras deapostolado educacional, dos seushospitais, clínicas e centros de saúde,e das obras sociocaritativas em todaa sua variedade. Contudo não ces-sam de aumentar, especialmente àluz da atual crise dos refugiados, asnecessidades a colmar. A inspiraçãopara as vossas obras de assistênciaaos necessitados deve ser sempre acaridade pastoral, que se mostra solí-cita no reconhecimento das feridashumanas procurando responder comgenerosidade a cada pessoa indivi-dualmente. Trabalhando por criar

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Desejo comum de uma pazgenuína e duradoura

Admoestação a quem fomenta divisão e violência em nome da religião

O salde Deus

GI O VA N N I MARIA VIAN

Depois de quase meio século poucos re-cordam a estadia inesperada em Dacade Paulo VI, que deste modo quis teste-munhar proximidade à população doPaquistão oriental devastado por umterrível furacão. Com efeito, enquanto onúmero das vítimas ganhava proporçõescada vez mais trágicas, Montini decidiuque teria feito uma paragem na regiãoatingida pelo desastre durante a longaviagem que o levou ao Irão, Filipinas,ilhas Samoa, Austrália, Indonésia, HongKong, para honrar o povo chinês, eCeilão.

O arcebispo de Daca, cardeal PatrickD’Rozario, reevocou aquela escala nãoprevista do voo papal na noite de 26 denovembro de 1970, comparando-a com oamor e a «ternura em relação aos maisnecessitados» demonstrados hoje peloPontífice com a visita ao Bangladesh ecom o abraço a um grupo de refugiadosrohingyas. As palavras do arcebispo,criado cardeal pela primeira vez na his-tória do país por Francisco, foram pro-feridas de manhã no final de uma cele-bração durante a qual o Papa ordenoudezasseis sacerdotes num histórico par-que da cidade, de agora em diante liga-do também à memória dos católicos pa-ra simbolizar «o papel especial da Igre-ja nesta nação» disse D’Rozario.

E se mais uma vez à comunidade ca-tólica — falando aos seus bispos — oPontífice dedicou a primeira parte datarde, durante o encontro pela paz jun-tamente com representantes de outrasreligiões e confissões cristãs a atençãovoltou para um dos pontos cruciais maisdramáticos destes anos, ou seja, o usoinstrumental da religião para «fomentardivisão, ódio e violência». Esta verda-deira blasfémia do santo nome de Deusque Francisco, em continuidade com osseus predecessores, condenou várias ve-zes, contrasta com o «desejo de harmo-nia, fraternidade e paz ínsito nas reli-giões do mundo» sublinhou o Papa.

Concordantes com a afirmação deBergoglio tinham sido pouco antes asintervenções de representantes da comu-nidade islâmica, largamente maioritáriano país, das minorias hindu e budista,de um leigo, do representante da Cári-tas Bangladesh e uma oração do bispoanglicano de Daca. E o Pontífice falousobre a necessidade de abrir o coração,descrevendo-a com as imagens da portaque se abre ao outro, da escada rumo aDeus, do caminho em busca do bem,para contrastar corrupção política, ideo-logias religiosas destruidoras, indiferen-ça.

E precisamente devido à indiferençado mundo em relação à tragédia dosrohingyas o Papa, comovido, afirmouestar cheio de vergonha e pediu perdãodepois de ter saudado e ouvido, um porum, alguns refugiados. A sua trágica si-tuação, para qual Francisco nos últimosmeses e durante os dias passados noMyanmar invocou várias vezes uma so-lução, tinha sido abordada nas interven-ções dos diversos representantes religio-sos. São pessoas que segundo a narra-ção bíblica das origens foram criadas àimagem de Deus e cada uma delas tra-zem um pouco de sal de Deus, disse oPapa evocando uma tradição religiosaespecífica destes povos, para denunciarmais uma vez o egoísmo de quem vira acara para o outro lado.

Os representantes das comunidadescristãs e dos credos religiosos doBangladesh reuniram-se na parte datarde de 1 de dezembro, no jardimda residência do arcebispo de Daca,para participar no encontro a favorda paz, na presença do PapaFrancisco. Publicamos a seguir odiscurso que o Pontífice lhes dirigiu.

Ilustres ConvidadosQueridos Amigos!O nosso encontro, que reúne osrepresentantes das diversas comu-nidades religiosas deste país, cons-titui um momento muito significa-tivo da minha visita ao Bangla-desh. Reunimo-nos para aprofun-dar a nossa amizade e para expres-sar o desejo comum do dom deuma paz genuína e duradoura.

A minha gratidão ao CardealD’Rozario pelas suas amáveis pa-lavras de boas-vindas e a quantosme acolheram calorosamente emnome das comunidades muçulma-

na, hindu, budista, cristã e tam-bém da sociedade civil. Agradeçoao Bispo anglicano de Daca a suapresença, às várias Comunidadescristãs e a todos aqueles que con-tribuíram para tornar possível estee n c o n t ro .

As palavras que ouvimos e tam-bém os cânticos e danças que ani-maram a nossa assembleia fala-ram-nos eloquentemente do desejode harmonia, fraternidade e pazencarnado nos ensinamentos dasreligiões do mundo. Que o nossoencontro desta tarde seja um sinalclaro dos esforços empreendidospelos líderes e seguidores das reli-giões presentes neste país para vi-verem juntos no respeito mútuo ena boa vontade. No Bangladesh,onde o direito à liberdade religio-sa é um princípio fundamental,que este compromisso seja umapelo respeitoso, mas firme, aquem procura fomentar divisão,ódio e violência em nome da reli-gião.

Constitui um sinal particular-mente reconfortante dos nossostempos o facto de os crentes epessoas de boa vontade se senti-rem cada vez mais chamados a co-operar na formação de uma cultu-ra do encontro, diálogo e colabo-ração ao serviço da família huma-na. Isto requer mais do que sim-ples tolerância; estimula-nos a es-tender a mão ao outro numa atitu-de de mútua confiança e compre-ensão, para construir uma unidadeque considere a diversidade, nãocomo ameaça, mas como potencialfonte de enriquecimento e cresci-mento. Anima a exercitar-nos naabertura do coração, para ver os ou-tros como um caminho e não co-mo um obstáculo.

Permiti-me explorar, brevemen-te, algumas características essen-ciais desta «abertura do coração»,que é a condição para uma culturado encontro.

A um grupo de refugiados rohingyas

Não olhemos para o outro ladoPublicamos a seguir o texto integral das palavrasdirigidas pelo Papa Francisco ao grupo de refugiadosrohingyas, saudados no final do encontro de 1 dedezembro com os líderes religiosos do Bangladesh, na sededo arcebispado de Daca.

Amados irmãos e irmãs, todos nós estamos próximosde vós. É pouco aquilo que podemos fazer, porque avossa tragédia é muito grande. Mas criamos espaçono nosso coração. Em nome de todos, daqueles quevos perseguem, de quantos praticaram o mal, sobre-tudo pela indiferença do mundo, peço-vos perdão.Perdão! Muitos de vós falastes sobre o coração gene-roso do Bangladesh que vos acolheu. Agora faço ape-lo ao vosso grande coração, para que seja capaz denos conceder o perdão que pedimos.

Estimados irmãos e irmãs, a narração judaico-cristãda Criação afirma que o Senhor, que é Deus, criou ohomem à sua imagem e semelhança. Todos nós so-mos esta imagem. Inclusive estes irmãos e irmãs.Também eles são imagem do Deus vivo. Uma tradi-ção das vossas religiões reza que, no princípio, Deuspegou num pouco de sal e o lançou na água, que eraa alma de todos os homens; e cada um de nós trazdentro de si um pouco do sal divino. Estes irmãos eirmãs trazem dentro de si o sal de Deus.

Prezados irmãos e irmãs, somente mostremos aomundo o que o egoísmo do mundo faz com a ima-gem de Deus. Continuemos a fazer-lhes o bem, aajudá-los; continuemos a mover-nos para que sejamreconhecidos os seus direitos. Não fechemos os cora-ções, não olhemos para o outro lado. Hoje, a presen-ça de Deus chama-se também “Rohingya”. Cada umde nós dê a sua resposta!

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Diante da tragédiade um povo em fuga

do nosso enviadoGIANLUCA BICCINI

O Papa Francisco pediu perdão aosrohingyas, em nome de todos os queos perseguem e de quantos pratica-ram o mal contra eles, mas sobretu-do do mundo que permanece indife-rente diante da tragédia de um povoem fuga. Estes irmãos, explicou, sãotambém imagem do Deus vivo, por-tanto é preciso continuar a ajudá-los,seguindo o exemplo do Bangladeshque recebeu muitíssimos deles. Nãohá tempo a perder, é necessário mo-ver-se para que sejam reconhecidosos seus direitos, sem fechar o cora-ção nem olhar para o outro lado. Defacto, segundo Francisco a presençade Deus hoje chama-se tambémrohingya: por isso garantiu-lhes quefará tudo o que puder para os aju-d a r.

Era já noite em Daca quando oPapa, visivelmente comovido, depoisde ter ouvido em silêncio os teste-munhos de cerca de quinze refugia-dos provenientes dos campos deCox Bazar, pegou o microfone e im-provisou o seu doloroso apelo.Aconteceu no final do encontro in-ter-religioso e ecuménico pela paz,realizado no dia 1 de dezembro nojardim da residência do cardeal arce-bispo, onde o Pontífice concluiu umdia intenso, durante o qual, pela pri-meira vez numa viagem internacio-nal, ordenou novos sacerdotes: de-zasseis, numa nação que no total hácerca de quatrocentos. Mas foi o seuabraço aos refugiados — entre osquais duas famílias e uma menina denove anos que perdeu os seus entesqueridos, pais e irmãos — a imagemsímbolo da visita à Ásia.

Aqui no Bangladesh dizem Milone ananda para exprimir «a alegriada comunhão», quando se está beminclusive junto de pessoas que pro-fessam crenças diferentes. A atmosfe-ra que se respirou durante o encon-tro vespertino de oração no coraçãoda capital: o Papa chegou transpor-tado num coloradíssimo riquixá, emsinal de respeito pelas tradições lo-cais. Introduzido por músicas e dan-ças folclóricas, que evocavam as vá-rias índoles do povo bengalês, nasquais as diversidades étnicas refletemas religiosas, esse momento sugestivofoi enriquecido por cinco testemu-nhos, dados por competentes repre-sentantes das comunidades muçul-mana, hindu, budista, católica e dasociedade civil.

O cântico pela paz, entoado pelocoro, precedeu o discurso do Pontí-fice, centrado na promoção da cultu-ra do encontro e da colaboração, pa-ra contrastar os vírus da corrupção,das ideologias destrutivas e, sobretu-do, a tentação de fechar os olhosdiante das necessidades dos pobres,dos refugiados e das minorias perse-guidas, representadas em Daca pre-cisamente pelo pequeno grupo derohingya, acompanhados por doisintérpretes da Cáritas. Com elesFrancisco transcorreu poucos masintensos minutos, feitos de olhares elágrimas, logo após a oração ecumé-nica pronunciada por um bispo an-glicano particularmente comovido,que se ajoelhou diante do Papa parareceber a bênção.

Acolhidos com um clamorosoaplauso pelos presentes, um atrás dooutro, os refugiados subiram ao pal-co para contar ao Pontífice as suashistórias dramáticas de dor, lutos,violências, privações, dado que noscampos nos quais procuram sobrevi-ver faltam água, alimentos, remé-dios, roupas e cobertores. Entre elesduas mulheres com o véu e o niqabsobre o rosto. Francisco ouviu todoscom atenção, o semblante absorto,segurando-os pelas mãos ou acari-ciando a sua cabeça para os encora-jar. Depois do apelo, convidou-os aposar juntamente com ele para umafoto, e um deles começou a chorar;por fim juntos rezaram, cada um co-mo sabia. Através desses gestosFrancisco quis como que abraçar osmais de seiscentos mil refugiados,metade dos quais crianças, que su-perlotam a localidade de fronteira,onde numerosas Ongs oferecem as-sistência humanitária.

O encontro selou um dia que teveinício com a missa celebrada sob umsol muito forte no SuhrawardyUdyan Park de Daca. Trata-se deoutro sacrário da nação: primeiro foium clube militar das tropas coloniaisbritânicas, depois tornou-se o hipó-dromo de Ramna, e atualmente édestinado a memorial e museu daindependência, onde repousam trêsgrandes líderes. Aqui o “Banga-bandhu” Xeque Mujibur Rahmanpronunciou um discurso históricoantes da guerra que em 1971 levouao nascimento da jovem nação. Eaqui o exército paquistanês rendeu-se, no fim de um sangrento conflitoque custou muitas vidas humanas.Dado que a Igreja esteve em primei-ra linha na assistência e na reabilita-ção das vítimas da guerra de liberta-ção, ela goza de um discreto prestí-gio, embora represente uma exíguaminoria (0,24 por cento) no quartopaís com a maior população islâmicano mundo. E a missa da manhã dodia 1 de dezembro testemunhou demodo visível tanto a capacidade or-ganizativa como a fé devota da co-munidade católica.

Recebido, conforme a tradiçãoasiática, com uma grinalda de flores,o Pontífice pendurou-a no pescoçoantes de entrar no papamóvel — umpequeno veículo de fabricação india-na — com o qual deu uma amplavolta entre os cem mil fiéis presen-tes, provenientes de todas as regiões

país vivem diversas tribos indígenas— e Cizar Costa que é originário deRajshahi: «Todos estudaram no úni-co seminário maior do Bangladesh,que atualmente hospeda quatrocen-tos estudantes», disse-nos o reitorEmmanuel Kanon Rozario.

Apresentou-os por nome, um porum, o bispo Shorot Francis Gomes,auxiliar de Daca. Depois na presen-ça do Pontífice o cardeal D’Souza,primeiro purpurado na história dopaís, pediu a ordenação p0r eles.

Feliz pela presença de tantos fa-miliares e amigos dos ordenandos,na homilia — tirada do ritual para aordenação dos presbíteros — o Paparecomendou um ministério centradono amor, na amizade e no serviçoaos outros. Em seguida, pronuncioualgumas palavras improvisadas, queforam traduzidas em bengalês.

Durante o canto das ladainhasdos santos os dezasseis jovens deita-ram-se no chão; em seguida, o Pon-tífice impôs as mãos sobre a cabeçade cada um, recitando a oração deconsagração. A vestição com a estolae a cásula, e a unção das mãos com-pletaram o sugestivo rito, culminadocom a liturgia eucarística. Algumaspartes em língua nacional, o ofertó-rio em idioma mandi, os cantos emtripura e santal, e um original ritodo incenso caraterizaram a missa,concelebrada por alguns cardeais e

bispos da região — entre os quais ospurpurados Gracias, Toppo e Alen-cherry — que o Papa saudou no finaldo rito.

Ao voltar para a nunciatura noinício da tarde, Francisco recebeu avisita da primeira-ministra ShekhHasina. A filha do “pai da nação”estava na Alemanha quando seu paifoi assassinado e ela foi obrigada aviver muito tempo no exílio. Tor-nou-se líder da oposição e a partirde 1996 assumiu o governo do Ban-gladesh, com cargos renovados em2008 e 2014. No final do colóquio,que durou quinze minutos, Francis-co ofereceu-lhe um trítico de meda-lhas, recebendo dela a miniatura deprata de uma caraterística embarca-ção dos pescadores do golfo de Ben-gala.

Depois foi a Ramna, onde resideo cardeal D’Souza e repousam osseus predecessores, arcebispos Theo-tonio Amal Ganguly e Michael Ro-zario. No complexo, que abrange acatedral, o arcebispado, a casa parasacerdotes idosos e o seminário, oPontífice benzeu os mosaicos come-morativos das três visitas papais —de Montini, a 27 de novembro de1970, de Wojtyła, a 19 de novembrode 1986, e a sua — além da primeirapedra de um novo centro pastoral.Depois entrou na catedral de SantaMaria para rezar em silêncio na ca-pela do Santíssimo Sacramento. Nacircunstância, o Pontífice prestouhomenagem nos túmulos dos trêsprecedentes ordinários diocesanos eimprovisou uma breve saudação aosp re s e n t e s .

Por fim, na casa para os sacerdo-tes idosos, encontrou-se com a Con-ferência episcopal: cerca de dozeprelados entre os quais Paul PonenKubi, o primeiro adivasi, como sãochamados os autóctones.

No seu discurso, integrado comdiversos acréscimos, Francisco ex-pressou apreço pelo plano pastoralde 1985, relançando a opção pelospobres. Na despedida saudou algunssacerdotes doentes, depois foi tercom os participantes no encontro in-ter-religioso durante o qual fez oapelo a favor dos rohingyas. No fi-nal, voltou para a nunciatura.

da nação. Entre elesas crianças, com asvestes da primeira co-munhão, que abana-vam fitas coloridas, emuitas religiosas quese protegiam do calorcom os cartõezinhosazuis das capas doslivretes litúrgicos.

Do austero altar,construído de modosimples com canas debambú e palha, Fran-cisco presidiu à Euca-ristia para a ordena-ção de dezasseis no-vos sacerdotes locais:dez diocesanos, umoblato de Maria ecinco da congregaçãoda Santa Cruz. Entreeles Jashmin Murmu,proveniente de Dinaj-pur e primeiro sacer-dote da sua aldeia deetnia Santal — no

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Morder a língua antes de falarAos sacerdotes e consagrados o Pontífice pediu para serem exemplo de harmonia

Na primeira parte da manhã desábado, 2 de dezembro, teve lugar oencontro do Papa com os sacerdotes,religiosos, seminaristas e noviças, naigreja do Santo Rosário. Antes de lhesentregar o discurso preparado, quepublicamos na página 8, Franciscoimprovisou as seguintes palavras.

Amados irmãos e irmãs!Agradeço ao Arcebispo Costa a suaintrodução, e também as vossas in-tervenções. Aqui tenho preparadoum discurso de oito páginas... Masviestes aqui para escutar o Papa; nãopara vos aborrecerdes! Por isso, en-tregarei o discurso ao senhor Car-deal, que vo-lo dará depois de o fa-zer traduzir em bengali; entretantodir-vos-ei o que me dita o coração.Não sei se será melhor ou pior, masasseguro-vos que será menos aborre-cido!

Quando estava a entrar e vos iasaudando, veio-me à mente umaimagem do profeta Isaías, que en-contraremos precisamente como pri-meira Leitura na próxima terça-feira:«Naqueles dias, brotará um pequenorebento da casa de Israel. Este re-bento crescerá, crescerá, e será cheiodo Espírito de Deus: Espírito de sa-bedoria, de inteligência, de ciência,de piedade, de temor de Deus» (cf.Is 11, 1-2). De certo modo, Isaíasdescreve aqui os aspetos pequenos egrandes da vida de fé, da vida deserviço a Deus. E, ao falar de vidade fé e de serviço a Deus, estais in-cluídos vós, que sois homens e mu-lheres de fé e servis a Deus.

Comecemos pelo rebento. Brota oque está no seio da terra, e isto é asemente. A semente não é tua nem

minha: a semente, semeia-a Deus, eé Deus que a faz crescer. Cada umde nós pode dizer: «Eu sou um re-bento». Sim, mas não por teu méri-to: é mérito da semente que te fazc re s c e r.

E eu, que devo fazer? Regá-la, re-gá-la para te fazer crescer e chegar àplenitude do espírito. Tal é o teste-munho que deveis dar.

Como se pode regar esta semente?Cuidando dela. Cuidando da semen-te e cuidando do rebento que come-ça a crescer! Cuidar da vocação querecebemos. Como se cuida de umacriança, como se cuida de um doen-te, como se cuida de uma pessoaidosa. A vocação cuida-se com ter-nura humana. Se falta esta dimensãode ternura humana nas nossas comu-nidades, nos nossos presbitérios, orebento fica raquítico, não cresce epode até secar. É preciso cuidar dela

rebento da boa semente, e vede co-mo cresce; vede como difere da másemente e da erva daninha.

Um de vós — creio que foi Marcel— disse: «ir discernindo cada dia pa-ra ver como cresce a minha voca-ção». Cuidar é discernir. E dar-seconta de que a planta que cresce, sevai por este lado e a controlo todosos dias, cresce bem; mas, se vai paraoutro lado e me descuido, crescemal. E dar-me conta de quandocresce mal ou quando há compa-nhias, pessoas ou situações queameaçam o crescimento. Discernir…Mas só se pode discernir, quando apessoa tem um coração orante. Re-zar. Cuidar é rezar. É pedir Àqueleque deitou a semente, que me ensinea regá-la. E se eu estiver em crise oume tiver adormentado, que a regueum pouquinho por mim. Rezar épedir ao Senhor que cuide de nós,

que nos dê a ternura que temos dedar aos outros. Esta é a primeiraideia que gostaria de vos dar: a ideiade cuidar da semente, para que o re-bento cresça até à plenitude da sabe-doria de Deus. Cuidá-la com solici-tude, cuidá-la com a oração, cuidá-lacom discernimento. Cuidá-la comternura. Porque é assim que Deuscuida de nós: com ternura de pai.

A segunda ideia que me vem: nes-te jardim do Reino de Deus, não háapenas um rebento; existem milharese milhares de rebentos, todos nóssomos rebentos. E não é fácil fazercomunidade. Não é fácil. Sempre aspaixões humanas, os defeitos, as li-mitações ameaçam a vida comunitá-ria, ameaçam a paz. A comunidadede vida consagrada, a comunidadedo Seminário, a comunidade dopresbitério e a comunidade da Con-ferência Episcopal devem saber-sedefender de qualquer tipo de divi-são. Ontem, agradecemos a Deuspelo exemplo que dá o Bangladeshno campo do diálogo inter-religioso.Um dos que falaram citou uma frasedo Cardeal Tauran: o Bangladesh éo melhor exemplo de harmonia nodiálogo inter-religioso [aplausos]. Eeste aplauso é para o Cardeal Tau-ran. Se ontem dissemos isso a pro-pósito do diálogo inter-religioso,não vamos fazer o contrário dentroda nossa fé, da nossa confissão cató-lica, das nossas comunidades! Tam-bém aqui deve ser exemplo de har-monia o Bangladesh.

São muitos os inimigos da harmo-nia; são muitos. Gosto de citar um,suficiente como exemplo. Talvez al-guém me possa criticar por ser repe-titivo, mas para mim é fundamental:o inimigo da harmonia numa comu-nidade religiosa, num presbitério,num Episcopado, num Seminário éo espírito da maledicência. E istonão é novidade minha; disse-o, doismil anos atrás, um tal São Tiago nu-ma Carta que escreveu à Igreja. Alíngua, irmãos e irmãs, a língua! Oque destrói uma comunidade é falarmal dos outros; assinalar os defeitosdos outros. E não o dizer à pessoainteressada, mas dizê-lo aos outros,criando assim um ambiente de des-confiança, um ambiente de suspeita,um ambiente onde não há paz, masdivisão. Há uma imagem que gostode usar para dizer o que é o espíritoda maledicência: é terrorismo. Sim,terrorismo. Pois quem fala mal dou-tro, não o faz publicamente. O ter-rorista não diz publicamente: «Souum terrorista». E quem fala maldoutro, fá-lo às escondidas: fala comum, atira a bomba e vai-se embora.E aquela bomba destrói. E ele vai,tranquilamente, atirar outra bomba.Querida irmã, querido irmão, quan-do tiveres vontade de falar mal dou-trem, morde-te a língua; o mais pro-vável é que ela se inche um pouco,mas não causarás dano ao teu irmãoou à tua irmã.

O espírito de divisão. Quantas ve-zes, nas Cartas de São Paulo, se lê atristeza que ele sentia quando entra-va este espírito na Igreja. Entretantopoderíeis perguntar-me: «Mas, pa-dre, se vejo um defeito num irmão,

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Admoestação a quem fomenta divisão e violência

Em primeiro lugar, é uma porta.Não é uma teoria abstrata, masuma experiência vivenciada. Permi-te-nos empreender, não um merointercâmbio de ideias, mas um diá-logo de vida. Requer boa vontade eacolhimento, mas não deve ser con-fundida com a indiferença ou a he-sitação em expressar as nossas con-vicções mais profundas. Compro-meter-se frutuosamente com o ou-tro significa partilhar as nossas dife-rentes identidades religiosas e cul-turais, mas sempre com humildade,honestidade e respeito.

A abertura do coração é seme-lhante também a uma escada que al-cança o Absoluto. Ao lembrar estadimensão transcendente da nossaatividade, damo-nos conta da ne-cessidade de purificar os nossos co-rações, para podermos ver todas ascoisas na sua verdadeira perspetiva.Passo a passo, ir-se-á tornando maisclara a nossa visão e receberemos aforça para perseverar no compro-misso de compreender e valorizaros outros e o seu ponto de vista.Assim, encontraremos a sabedoria ea força necessárias para estender atodos a mão da amizade.

A abertura do coração é tambémum caminho, que leva à busca debondade, justiça e solidariedade.Induz a procurar o bem do nossopróximo. Assim exortou São Paulo,na sua carta aos cristãos de Roma:«Não te deixes vencer pelo mal,mas vence o mal com o bem» (12,21). Trata-se de um sentimento quetodos nós podemos imitar. A solici-tude religiosa pelo bem do nossopróximo, que brota de um coraçãoaberto, flui como um grande rio, ir-rigando as terras áridas e desertasdo ódio, da corrupção, da pobrezae da violência que lesa imenso asvidas humanas, divide as famílias edesfigura o dom da criação.

As várias comunidades religiosasdo Bangladesh abraçaram de modoparticular este caminho no compro-misso pelo cuidado da terra, nossacasa comum, e na resposta aos de-sastres naturais que afligiram a na-ção nos últimos anos. Penso tam-bém na manifestação coletiva depesar, oração e solidariedade que seseguiu ao trágico desabamento doRana Plaza, que permanece grava-do na mente de todos. Nestas ex-pressões, vemos como o caminhoda bondade leva à cooperação noserviço dos outros.

Um espírito de abertura, aceita-ção e cooperação entre os crentesnão é simplesmente mais um contri-buto para uma cultura de harmoniae de paz; é o seu coração pulsante.Quanto necessita o nosso mundoque este coração bata com força,para contrastar o vírus da corrup-ção política, as ideologias religiosasdestrutivas, a tentação de fechar osolhos às necessidades dos pobres,dos refugiados, das minorias perse-guidas e dos mais vulneráveis!Quanta abertura é necessária paraacolher as pessoas ao nosso redor,especialmente os jovens que às ve-zes se sentem sozinhos e confusosna busca do sentido da vida!

Queridos amigos, agradeço osvossos esforços por promover a cul-tura do encontro e rezo para que,com a demonstração do compro-misso comum dos seguidores dasreligiões por discernir o bem e pô-lo em prática, possamos ajudar to-dos os crentes a crescerem na sabe-doria e na santidade e a coopera-rem para construir um mundo sem-pre mais humano, unido e pacífico.

Acolho-vos a todos vós no meucoração e agradeço mais uma vez ovosso acolhimento. Lembremo-nosuns dos outros, nas nossas orações!

com ternura, porque cadairmão do presbitério, cadairmão da ConferênciaEpiscopal, cada irmão e ir-mã da minha comunidadereligiosa, cada irmão semi-narista é uma semente deDeus. E Deus olha-a comternura de pai.

É verdade que, de noite,vem o inimigo e deita ou-tra semente, e a boa se-mente corre o risco de fi-car sufocada pela cizânia.Como é feia a cizânia nospresbitérios! Como é feia acizânia na ConferênciaEpiscopal! Como é feia acizânia nas comunidadesreligiosas e nos Seminá-rios! Cuidai do rebento, o

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Encontro com os consagrados na igreja do Santo Rosário

Serviço e não carreiraPublicamos o texto do discurso escrito,que o Papa Francisco entregou aossacerdotes, religiosos, seminaristas enoviças, na igreja do Santo Rosário.

Amados irmãos e irmãs!Sinto-me muito feliz por estar con-vosco. Agradeço ao Arcebispo Mo-ses [Costa] a calorosa saudação queme fez em vosso nome. Estou espe-cialmente agradecido a quantos ofe-receram os seus testemunhos e parti-lharam connosco o seu amor aDeus. Expresso a minha gratidãotambém ao padre Mintu [Palma]por ter composto a oração que, embreve, recitaremos a Nossa Senhora.Como sucessor de Pedro, é meu de-ver confirmar-vos na fé. Mas gosta-ria que soubésseis que hoje, atravésdas vossas palavras e da vossa pre-sença, também vós me confirmais nafé e me dais uma grande alegria.

A Comunidade católica no Ban-gladesh é pequena. Mas sois como ogrão de mostarda que Deus, no tem-po devido, fará árvore perfeita (cf.Mt 13, 31-32). Alegro-me por ver co-mo cresce este grão e por ser teste-munha direta da fé profunda queDeus vos deu. Penso nos missioná-rios dedicados e fiéis que plantarame cuidaram deste grão de fé durantequase cinco séculos. Em breve, visi-tarei o cemitério e rezarei por esteshomens e mulheres que serviram,com tanta generosidade, esta Igrejalocal. Pousando os olhos em vós, ve-jo missionários que continuam estasanta obra. Vejo também muitas vo-cações nascidas nesta terra: são umsinal das graças com que o Senhor aestá a abençoar. Uma alegria parti-cular me dão as irmãs de clausuracom a sua presença entre nós e assuas orações.

É significativo que o nosso encon-tro tenha lugar nesta antiga igrejado Santo Rosário. O Rosário é umameditação magnífica sobre os misté-rios da fé que são a seiva vital daIgreja; uma oração que forja a vidaespiritual e o serviço apostólico.Quer sejamos sacerdotes, religiosos,consagrados, seminaristas ou novi-ços, a oração do Rosário incentiva-nos a dar as nossas vidas completa-mente a Cristo, em união com Ma-ria. Convida-nos a participar na soli-citude de Maria para com Deus nomomento da Anunciação, na compai-xão de Cristo por toda a humanida-de quando está pregado na cruz ena alegria da Igreja quando recebe,do Senhor ressuscitado, o dom doEspírito Santo.

A solicitude de Maria. Terá havido,ao longo da história, uma pessoa tãosolícita como Maria no momento daAnunciação? Deus preparou-a paraaquele momento e Ela respondeucom amor e confiança. Assim tam-bém o Senhor preparou cada um denós e nos chamou pelo nome. Res-ponder a tal chamada é um processoque dura toda a vida. Cada dia, so-mos chamados a aprender a ser maissolícitos para com o Senhor na ora-ção, meditando as suas palavras eprocurando discernir a sua vontade.Sei que o trabalho pastoral e o apos-tolado exigem muito de vós e quemuitas vezes as vossas jornadas sãolongas e vos deixam cansados. Mas

não podemos levar o nome de Cris-to ou participar na sua missão, semsermos antes de tudo homens e mu-lheres radicados no amor, inflama-dos pelo amor, através do encontropessoal com Jesus na Eucaristia enas palavras da Sagrada Escritura.Isto mesmo nos lembraste, padreAbel, quando falaste da importânciade intensificar uma relação íntimacom Jesus, porque nela experimenta-mos a sua misericórdia e dela rece-bemos uma nova energia para serviros outros.

A solicitude pelo Senhor permite-nos ver o mundo através dos olhosd’Ele e, deste modo, tornar-nos maissensíveis às necessidades daqueles aquem servimos. Começamos a enten-der as suas esperanças e alegrias, osmedos e pesos, vemos de forma maisclara os numerosos talentos, carismase dons que trazem para construir aIgreja na fé e na santidade. IrmãoLawrence, ao falares do teu eremité-rio, ajudaste-nos a compreender aimportância de cuidar das pessoasprocurando saciar a sua sede espiri-tual. Que todos vós possais, nagrande variedade dos vossos serviçosde apostolado, ser uma fonte de res-

tauração espiritual e de inspiraçãopara aqueles que servis, tornando-oscapazes de partilhar cada vez maisplenamente os seus dons entre eles,promovendo a missão da Igreja.

A compaixão de Cristo. O Rosáriointroduz-nos na meditação da pai-xão e morte de Jesus. Penetrandomais profundamente nestes mistériosdolorosos, chegamos a conhecer asua força salvífica e sentimo-nosconfirmados na vocação de tomarparte neles com as nossas vidas, coma compaixão e o dom de nós mes-mos. O sacerdócio e a vida religiosanão são carreiras. Não são veículospara avançar. São um serviço, umaparticipação no amor de Cristo queSe sacrifica pelo seu rebanho. Confi-gurando-nos diariamente Àquele queamamos, chegamos a apreciar o fac-to de que as nossas vidas não nospertencem. Já não somos nós que vi-vemos, mas é Cristo que vive em nós(cf. Gl 2, 20).

Encarnamos esta compaixão quan-do acompanhamos as pessoas, espe-cialmente nos seus momentos de so-frimento e provação, ajudando-as aencontrar Jesus. Obrigado, padreFranco, por teres colocado este aspe-to em primeiro plano: cada um denós é chamado a ser um missionário,levando o amor misericordioso deCristo a todos, especialmente aquantos estão nas periferias das nos-sas sociedades. Sinto-me particular-mente agradecido, porque muitos de

vós estão comprometidos, de tantosmodos, nos campos do serviço so-cial, da saúde e da educação, aten-dendo às necessidades das vossas co-munidades locais e dos numerososmigrantes e refugiados que chegamao país. O vosso serviço à comuni-dade humana mais alargada, espe-cialmente àqueles que estão mais ne-cessitados, é precioso para construiruma cultura do encontro e da soli-dariedade.

A alegria da Igreja. Por fim, o Ro-sário enche-nos de alegria pelotriunfo de Cristo sobre a morte, pelasua ascensão à direita do Pai e a efu-são do Espírito Santo sobre o mun-do. Todo o nosso ministério tem emvista proclamar a alegria do Evange-lho. Na vida e no apostolado, todosestamos bem cientes dos problemasdo mundo e dos sofrimentos da hu-manidade, mas nunca perdemos aconfiança no facto que a força doamor de Cristo prevalece sobre omal e sobre o Príncipe da mentira,que nos procura enganar. Nunca vosdeixeis desanimar pelas vossas falhasou pelos desafios do ministério. Sepermanecerdes solícitos para com oSenhor na oração e perseverardes naoferta da compaixão de Cristo aosvossos irmãos e irmãs, então o Se-nhor encherá certamente os vossoscorações com a alegria reconfortantedo seu Espírito Santo.

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Aos bispos do Bangladesh

uma «cultura de misericórdia»(Carta ap. Misericordia et misera,20), as vossas Igrejas locais de-monstram — com este trabalho — asua opção pelos pobres, reforçam asua proclamação da misericórdia in-finita do Pai e contribuem conside-ravelmente para o desenvolvimentointegral da sua pátria.

Um momento importante da mi-nha visita pastoral ao Bangladesh éa reunião inter-religiosa e ecuméni-ca que terá lugar imediatamente de-pois deste nosso encontro. A vossaé uma nação onde a diversidade ét-nica reflete a diversidade das tradi-ções religiosas. O esforço da Igrejapor fazer avançar a compreensãointer-religiosa, através de semináriose programas didáticos e tambémpor meio de contactos e convitespessoais, contribui para a difusãoda boa vontade e da harmonia. Tra-balhai incessantemente por cons-truir pontes e promover o diálogo,porque estes esforços não só facili-

tam a comunicação entre diferentesgrupos religiosos, mas despertamtambém as energias espirituais ne-cessárias para a obra de construçãoda nação na unidade, na justiça ena paz.

Quando os líderes religiosos sepronunciam publicamente, a umasó voz, contra a violência revestidade religiosidade e procuram substi-tuir a cultura do conflito pela cul-tura do encontro, inspiram-se nasraízes espirituais mais profundasdas respetivas tradições. Prestamtambém um serviço inestimável aofuturo dos seus países e do nossomundo, ensinando aos jovens o ca-minho da justiça: «É preciso acom-panhar e fazer amadurecer geraçõesque, à lógica incendiária do mal,respondam com o crescimento pa-ciente do bem» (Discurso aos parti-cipantes na Conferência internacionalem prol da Paz, Al-Azhar, Cairo, 28de abril de 2017).

Queridos Irmãos Bispos, agrade-ço ao Senhor estes momentos dediálogo e partilha fraterna. Estou

contente também por esta viagemapostólica, que me trouxe ao Ban-gladesh, me ter permitido testemu-nhar a vitalidade e o ardor missio-nário da Igreja nesta nação. Aoapresentar ao Senhor as alegrias eas dificuldades das vossas comuni-dades locais, peçamos juntos umarenovada efusão do Espírito Santo,para que nos conceda «a força paraanunciar a novidade do Evangelhocom ousadia — parrésia — em vozalta e em todo o tempo e lugar,mesmo contracorrente» (Exort. ap.Evangelii gaudium, 259). Que os sa-cerdotes, as pessoas consagradas eos fiéis leigos confiados aos vossoscuidados pastorais possam experi-mentar uma força constantementerenovada nos seus esforços por se-rem «evangelizadores que anunciema Boa Nova, não só com palavrasmas sobretudo com uma vida trans-figurada pela presença de Deus»(Ibid.). Com grande afeto, concedoa todos vós a minha bênção e peço-vos, por favor, que rezeis por mim.O brigado!

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

A sabedoria que libertaO Papa recomendou aos jovens que não cedam às falsas promessas de felicidade

O último encontro público que o Santo Padre teve noBangladesh foi com os jovens, reunidos na tarde de 2de dezembro, no Notre Dame College de Daca. Eis odiscurso proferido pelo Sumo Pontífice.

Amados jovens, queridos amigos, boa tarde!Sinto-me grato a todos pela vossa calorosa rece-ção. Agradeço a D. Gervas [Rozario] as suas amá-veis palavras, a Upasana e Anthony os seus teste-munhos. Há qualquer coisa de único nos jovens:vós estais sempre cheios de entusiasmo, sempre. Eisto é bom! E eu sinto-me rejuvenescer sempreque vos encontro. Upasana, falaste disto no teutestemunho, quando disseste que eras verdadeira-mente «muito entusiasta» e posso vê-lo e tambémnotá-lo. Este entusiasmo juvenil está ligado com oespírito de aventura. Expressou-o um dos vossospoetas nacionais, Kazi Nazrul Islam, ao definir ajuventude do país como «arrojada», «habituada a

do o vosso programa, prestando ouvidos ao Senhore aceitando o desafio de fazer a sua vontade. Osoftware atualizado. É triste quando o software nãoestá atualizado; e mais triste ainda quando estáavariado e deixa de servir.

Anthony, fizeste referência a este desafio no teutestemunho, quando disseste que sois homens emulheres que estais a «crescer num mundo frágilque clama por sabedoria». Usaste a palavra sabe-doria e, com ela, forneceste-nos a chave. Quandose passa do viajar ao vagar sem rumo, perdeu-setoda a sabedoria! A única coisa que nos orienta efaz avançar pelo caminho certo é a sabedoria, asabedoria que nasce da fé. Não é a falsa sabedoriadeste mundo. É a sabedoria que se vislumbra nosolhos dos pais e dos avós, que puseram a suaconfiança em Deus. Como cristãos, podemos vernos seus olhos a luz da presença de Deus, a luzque descobriram em Jesus, que é a própria sabe-doria de Deus (cf. 1 Cor 1, 24). Para receber estasabedoria, devemos ver o mundo, as nossas situa-ções, os nossos problemas… tudo com os olhosde Deus. Recebemos esta sabedoria quando co-meçamos a ver as coisas com os olhos de Deus, aescutar os outros com os ouvidos de Deus, a amarcom o coração de Deus e a avaliar as coisas comos valores de Deus.

Esta sabedoria ajuda-nos a identificar e re j e i t a ras promessas falsas de felicidade. Há tantas! Umacultura que faz promessas falsas não pode liber-tar; conduz apenas a um egoísmo que enche o co-ração de escuridão e amargura. Pelo contrário, asabedoria de Deus ajuda-nos a saber como aco-lher e aceitar aqueles que agem e pensam de for-ma diferente de nós. É triste quando começamosa fechar-nos no nosso pequeno mundo e nos re-traímos em nós próprios. Então adotamos o prin-cípio «ou é como digo eu, ou não se faz nada».Isto é um princípio mau: «ou é como digo eu, ounão se faz nada». Isto não ajuda. E quando usa-mos este princípio, acabamos enredados, fechadosem nós mesmos. Quando um povo, uma religiãoou uma sociedade se tornam um «pequeno mun-do», perdem o melhor que têm e precipitam nu-ma mentalidade presunçosa, que faz dizer «eusou bom, tu és mau». Upasana, destacaste as con-sequências desta maneira de pensar, quando dis-seste: «Perdemos a direção e perdemo-nos a nósmesmos» e «a vida torna-se insensata». Dissestebem. A sabedoria de Deus abre-nos aos outros.Ajuda-nos a olhar para além das nossas comodi-dades pessoais e das falsas seguranças que nosdeixam cegos perante os grandes ideais que tor-nam a vida mais bela e digna de ser vivida.

Alegro-me por estarem connosco, ao lado doscatólicos, muitos jovens amigos muçulmanos edoutras religiões. Com o facto de vos encontrar-des aqui hoje, mostrais a vossa determinação depromover um clima de harmonia, onde se estendea mão aos outros, apesar das vossas diferenças re-ligiosas. Isto lembra-me uma experiência que tive

em Buenos Aires, numa nova paróquia situadanuma área extremamente pobre. Um grupo de es-tudantes estava a construir alguns locais para aparóquia e o padre convidara-me para ir encon-trá-los. Fui e, quando cheguei à paróquia, o padreapresentou-mos um por um, dizendo: «Este é oarquiteto, é judeu, este é comunista, este é católi-co praticante» (Saudação aos jovens do Centro cul-tural P. F. Varela, Havana, 20 de setembro de2015). Aqueles estudantes eram todos diferentes,mas estavam todos a trabalhar para o bem co-mum. Isto é importante! Não vos esqueçais: dife-rentes, mas trabalhando para o bem comum, emharmonia. Compreendestes? Esta é a bela harmo-nia que se nota aqui no Bangladesh. Aqueles es-tudantes, diferentes entre si, estavam abertos àamizade social e decididos a dizer não a qualquercoisa que pudesse afastá-los do propósito de esta-rem juntos e de se ajudarem uns aos outros.

A sabedoria de Deus ajuda-nos também a olharpara além de nós mesmos para intuir a bondadedo nosso património cultural. A vossa cultura en-sina-vos a respeitar os idosos. Isto é muito impor-tante. Como disse antes, os idosos ajudam-nos aapreciar a continuidade das gerações. Possuem amemória e a sabedoria feita de experiência, quenos ajudam a evitar a repetição dos erros do pas-sado. Os idosos têm o «carisma de colmar as dis-tâncias», assegurando que os valores mais impor-tantes sejam transmitidos aos filhos e aos netos.Através das suas palavras, do seu amor, do seu ca-rinho e da sua presença, compreendemos que ahistória não começou connosco, mas somos partede um antigo «viajar» e que a realidade é maiordo que nós. Falai com os vossos pais e os vossosavós, não passeis o dia inteiro com o telemóvel,ignorando o mundo ao vosso redor! Falai com osavós, dar-vos-ão sabedoria.

Upasana e Anthony, terminastes os vossos tes-temunhos com palavras de esperança. A sabedoriade Deus fortalece em nós a esperança e ajuda-nosa enfrentar o futuro com coragem. Nós, cristãos,encontramos esta esperança no encontro pessoalcom Jesus na oração e nos Sacramentos, e no en-contro concreto com Ele nos pobres, doentes,atribulados e abandonados. Em Jesus, descobri-mos a solidariedade de Deus, que caminha cons-tantemente ao nosso lado.

Amados jovens, queridos amigos, ao olhar osvossos rostos, sinto-me cheio de alegria e esperan-ça: alegria e esperança para vós, para o vossopaís, para a Igreja e para as vossas comunidades.Que a sabedoria de Deus continue a inspirar ovosso compromisso de crescer no amor, na frater-nidade e na bondade. Ao despedir-me hoje dovosso país, asseguro-vos a minha oração para quetodos possais continuar a crescer no amor deDeus e do próximo. E, por favor, não vos esque-çais de rezar por mim. Deus abençoe o Bangla-desh! [Isshór Bangladeshké ashirbád Korun].

arrancar a luz do ventre das trevas». Isto é belo!Os jovens estão sempre prontos para avançar, fa-zer com que as coisas aconteçam e correr riscos.Encorajo-vos a avançar com este entusiasmo nascircunstâncias boas e nas más. Avançar, esp ecial-mente nos momentos em que vos sentis oprimi-dos pelos problemas e pela tristeza e, olhando pa-ra fora, parece que Deus não se faz ver no hori-zonte.

Mas, ao avançar, certificai-vos de escolher o ca-minho certo. Que significa isto? Significa saberviajar na vida, não vagar sem rumo. Pe rg u n t o - v o s :vós viajais ou vagais? Que fazeis: viajais ou vagaissem rumo. A nossa não é vida sem direção; temum objetivo, um objetivo que nos foi dado porDeus. Ele guia-nos, orientando-nos com a suagraça. É como se tivesse colocado dentro de nósum software, que nos ajuda a discernir o seu pro-grama divino e a responder-lhe livremente. Mas,como qualquer software, também este precisa deser constantemente atualizado. Mantende atualiza-

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 10/11

O Papa durante o encontro com os jornalistas no voo de regresso de Daca

A viagem fez-me bemDurante o voo de Daca para Roma, naconclusão da viagem apostólica aoMyanmar e Bangladesh, o Papa Fran-cisco encontrou-se com os jornalistas abordo do avião. Publicamos a seguir atranscrição das respostas do Sumo Pon-tífice e uma síntese das perguntas. De-pois da introdução do diretor da Salade imprensa, Greg Burke, o Santo Pa-dre dirigiu aos jornalistas as seguintespalavras: «Boa noite, se nos imagina-mos aqui, ou boa tarde, se nos imagi-namos em Roma. Muito obrigado pelovosso trabalho! Como disse Greg, sãodois países muito interessantes com cul-turas muito tradicionais, profundas, ri-cas. Por isso, penso que o vosso traba-lho tenha sido muito intenso. Muitoobrigado!».

[Sagrario Ruiz de Apodaca, «Radio Na-cional de España»]: A crise dos rohin-gyas, em grande parte, esteve no centro daviagem. Ontem, no Bangladesh, designou-os com o seu nome. Teve vontade de fazero mesmo no Myanmar: designá-los com apalavra rohingya? E que sentiu ontem,quando lhes pediu perdão?

Não foi a primeira vez ontem. Váriasvezes os nomeei em público, na Praçade São Pedro, durante o An g e l u s ou nasaudiências.

[Sagrario Ruiz de Apodaca]: Mas nestaviagem...

Sim, mas quero assinalar que já sesabia o que eu pensava e o que diria.Todavia a sua pergunta é muito interes-sante, porque me leva a refletir no mo-do como procuro comunicar. Para mim,o mais importante é que a mensagemchegue; por isso, procuro dizer as coi-sas passo a passo e ouvir as respostas,para que a mensagem chegue. Porexemplo, um exemplo da vida diária,um jovem, uma jovem, na crise da ado-lescência, pode dizer aquilo que pensafechando a porta na cara do outro, e amensagem não chega, fecha-se. A mim,interessa-me que esta mensagem che-gue. Por isso, vi que, se no discursooficial [no Myanmar] tivesse dito aque-la palavra, ter-lhes-ia fechado a portana cara. Mas descrevi as situações, osdireitos de cidadania, «ninguém excluí-do», para me ser permitido ir maisalém nos colóquios privados. Fiqueimuito, muito satisfeito com os coló-quios que pude ter, porque, se é verda-de que não tive — digamos — o prazerde fechar a porta na cara publicamente,de fazer uma denúncia, tive porém asatisfação de dialogar, de fazer falar ooutro, de dizer o que pensava e, assim,a mensagem chegou. E chegou de talmodo, que continuou, continuou sem-pre até desembocar naquele encontrode ontem. Isto é muito importante nacomunicação: a preocupação de que amensagem chegue. Muitas vezes as de-núncias, mesmo nos mass media (nãoquero ofender), com alguma dose deagressividade fecham o diálogo, fechama porta e a mensagem não chega. Evós, que sois especialistas em fazer che-gar mensagens, compreendeis bem isto.

A senhora pergunta-me o que sentiontem. Aquilo não estava programado,

vés do governo, que os protege e lhesdá hospitalidade, e isto é estupendo!Aquilo que o Bangladesh faz por eles éestupendo, é um exemplo de acolhi-mento. Um país pequeno, pobre, querecebeu 700 mil refugiados... Quandopenso em países que fecham as por-tas... Devemos ser-lhe gratos peloexemplo que nos deram. O governo te-ve de mover-se nas suas relações inter-nacionais com o Myanmar, dialogandopara conseguir autorizações... Porqueestão em campos de refugiados, umacondição especial. Mas por fim vieram.Vinham cheios de medo, não sabiam...Alguém — não do governo do Bangla-desh, mas uma das pessoas que se ocu-pava dos contactos — lhes dissera:“Cumprimentai o Papa, não digais na-da”. A dada altura, depois do diálogointer-religioso, veio a oração inter-reli-giosa; isto preparou o coração de todosnós, religiosamente sentíamo-nos muitoabertos. Pelo menos eu sentia-me as-sim. E chegou o momento de eles vi-rem cumprimentar-me. Em fila indiana:já não gostei disto, um atrás do outro.O pior é que, imediatamente, queriamexpulsá-los do palco. Nesse momentoirritei-me e levantei um pouco a voz —sou pecador — e repeti muitas vezes apalavra “resp eito”, respeito. Fiz parar aevacuação, e eles ficaram lá. Em segui-da, depois de os ouvir um a um com aajuda do intérprete que falava a línguadeles, comecei a sentir algo dentro demim: “Não posso deixá-los ir embora,sem dizer uma palavra”; e pedi o mi-crofone. E comecei a falar... Não melembro o que disse. Sei que, a dada al-tura, pedi perdão. Penso que duas ve-zes, não me lembro. Entretanto, a suapergunta é: “Que senti?”. Naquele mo-mento, eu chorava. Fazia de modo quenão se visse. Eles choravam também.Depois pensei que estávamos num en-

giosos, já falamos. Peço a um de vósque faça uma oração, um do vosso gru-p o”. Penso que foi um imã, um “cléri-go” da sua religião, que fez aquela ora-ção, e eles também rezaram ali connos-co. E, ao ver todo o caminho percorri-do, senti que a mensagem tinha chega-do. Não sei se correspondi à sua per-gunta. Uma parte estava programada,mas a maior parte saiu espontaneamen-te. Em seguida, já hoje houve — disse-ram-me — um programa feito por umde vós — não sei se está aqui ou não —o TG1: é um programa longo, longo...Quem o fez, a senhora sabe?

[Greg Burke]: O jornalista do TG1 aindaestá no Bangladesh.

Em seguida foi repetido no TG4... Eunão o vi, mas viram-no alguns que es-tão aqui. Uma reflexão: a mensagemnão chegou só aqui. Vistes hoje a pri-meira página dos jornais: todos recebe-ram a mensagem. E não ouvi qualquercrítica. Talvez haja, mas eu não a ouvi.

[George Abraham Kallivayalil, «DeepikaDaily»]: Sabemos que, nesta mesma oca-sião, Vossa Santidade teria querido ir àÍndia. Qual é exatamente a razão pelaqual a hipótese da Índia foi abandonadanesta viagem? Podemos esperá-lo na Índiaem 2018?

Sim, o primeiro plano era ir à Índiae ao Bangladesh; mas os procedimentosrevelaram-se muito demorados, o tem-po premia e escolhi estes dois países. OBangladesh permaneceu, mas com oMyanmar. Foi providencial, porque, pa-ra visitar a Índia, é preciso uma viageminteira: deve-se ir ao sul, ao centro, aoleste, ao oeste, ao norte... pelas diferen-tes culturas da Índia. Espero, se Deusme der vida, poder realizá-la em 2018!Mas a ideia era a Índia e o Bangla-

desh. Depois o tempo obrigou-nos afazer esta escolha. Obrigado.

[Etienne Loraillère, «Kto»]: Alguns con-trapõem diálogo inter-religioso e evangeli-zação. Durante esta viagem, o Santo Pa-dre falou do diálogo para construir a paz.Mas qual é a prioridade: evangelizar oudialogar para a paz?

Obrigado. Primeira distinção: evan-gelizar não é fazer proselitismo. A Igre-ja cresce, não por proselitismo, mas poratração, isto é, por testemunho. Isto foidito pelo Papa Bento XVI. Como é aevangelização? É viver o Evangelho, étestemunhar como se vive o Evangelho:testemunhar as Bem-Aventuranças, tes-temunhar Mateus 25, testemunhar oBom Samaritano, testemunhar o per-dão setenta vezes sete. E, neste teste-munho, trabalha o Espírito Santo edão-se as conversões. Mas não somosmuito entusiastas em fazer as conver-sões imediatamente. Se vierem, há umtempo de espera: fala-se, conhece-se asua tradição... Faz-se de modo queuma conversão seja a resposta a algoque o Espírito Santo moveu no cora-ção, tocado pelo testemunho do cris-tão. No almoço que tive com os jovensna Jornada da Juventude em Cracóvia— eram cerca de quinze de todo omundo — um deles fez-me esta pergun-ta: «Que devo dizer a um colega deuniversidade, um amigo, bom, mas queé ateu? Que lhe devo dizer para o mu-dar, para o converter?». A resposta foiesta: “A última coisa que tu deves fazeré dizer qualquer coisa. Tu vives o teuEvangelho e, se ele te perguntar porque o fazes, podes explicar-lhe o por-quê. E deixa que o Espírito Santo oatraia”. Esta é a força e a mansidão doEspírito Santo nas conversões. Não éconvencer mentalmente com apologéti-cas, com razões... não. É o Espírito quefaz a conversão. Nós somos testemu-nhas do Espírito, testemunhas doEvangelho. “Te s t e m u n h a ” é uma pala-vra que, em grego, se diz “mártir”: omartírio de todos os dias, o martíriomesmo de sangue, quando acontece...Quanto à pergunta que me fez: que éprioritário, a paz ou a conversão?Quando se vive com testemunho e res-peito, faz-se a paz. A paz começa aromper-se neste campo quando começao proselitismo; e há muitos tipos deproselitismo, mas isto não é evangélico.Não sei se respondi.

[Joshua McElwee, «National CatholicReporter»]: Durante a guerra fria, JoãoPaulo II disse que a política mundial dedissuasão nuclear era considerada moral-mente aceitável. No mês passado, numaconferência sobre o desarmamento, VossaSantidade disse que a própria posse dearmas nucleares deve ser condenada. Quefoi que mudou no mundo para o impelir afazer esta mudança? Que papel tiveram osinsultos e as ameaças entre o presidenteTrump e Kim Jong-un nas suas decisões?E que diz o Santo Padre aos políticos quenão querem renunciar aos arsenais nuclea-res nem reduzi-los?

Eu preferiria — digo-o a todos — quese fizessem primeiro as perguntas sobre

a viagem. Mas aqui faço uma exceção,porque o senhor já fez a pergunta.

Que mudou? Mudou a irracionalida-de. Vem-me à mente a encíclica Lauda-to si’, a salvaguarda do mundo criado,da criação. Desde o tempo em que oPapa São João Paulo II disse aquilo atéhoje, passaram tantos anos... Quantos?Tens a data?

[Joshua McElwee]: 1982.

34 anos. No âmbito nuclear, em 34anos, foi-se andando sempre mais além.Hoje estamos no limite. Isto pode-sediscutir, é a minha opinião, mas opi-nião convicta: estou convencido disso.Estamos no limite da liceidade de pos-suir e usar as armas nucleares. Porquê?Porque hoje, com o arsenal nuclear tãosofisticado, corremos o risco de destruira humanidade, ou pelo menos grandeparte da humanidade. Por isso me ape-lo à Laudato si’. Que mudou? Isto: ocrescimento do armamento nuclear.Não só cresceu, também mudou. São[armamentos] sofisticados e até cruéis;são capazes inclusive de destruir as pes-soas sem tocar as estruturas. Estamosno limite; e dado que estamos no limi-te, ponho-me esta pergunta, não comoMagistério pontifício, mas é a perguntaque se põe um Papa: Será lícito hojemanter os arsenais nucleares como es-tão, ou não será necessário hoje, parasalvar a criação, salvar a humanidade,voltar para trás? Repito uma coisa quejá disse e que é de Guardini, não é mi-nha. Existem duas formas de “incultu-ra”: primeiro a incultura que Deus nosdeu para fazer a cultura, com o traba-

energia atómica, quando não se conse-gue ter todo o controle: pensai nos in-cidentes da Ucrânia. Por isso, voltandoàs armas que servem para vencer des-truindo, eu digo que estamos no limiteda liceidade.

[Greg Burke]: Agora assinalaram-me queas perguntas mudam da viagem para ou-tros assuntos. Por conseguinte, se o SantoPadre quiser dizer algo sobre a viagem...

Gostaria de mais alguma perguntasobre a viagem, porque deixaria a im-pressão de que não foi muito interes-sante, não é?

[Delia Gallagher, «Cnn»]: Estou muitocuriosa de saber algo sobre o seu encontrocom o general Hein. Que tipo de encontrofoi e como conseguiu falar com ele?

Sagaz, mas bela a questão. Eu distin-guiria entre dois tipos de encontro. Osencontros em que fui visitar as pessoase os encontros em que recebi pessoas.No caso deste general, ele pediu parafalar comigo: recebi-o. Nunca fecho aporta. Tu pedes para falar? — Anda!Falando, não se perde nada, ganha-sesempre. Foi uma conversa interessante.Não posso dizer o conteúdo, porquefoi privada, mas asseguro-vos que nãonegociei a verdade. Fiz de modo queele compreendesse um pouco que umaestrada, como acontecera nos maustempos, renovada hoje, não é praticá-vel. Foi um belo encontro, civil; e, tam-bém neste caso, a mensagem chegou.

[Gerry O’Connell, «America Magazine»]:Vossa Santidade encontrou Aung San SuuKyi, o presidente, os militares, o mongeque cria um pouco de dificuldade...; emseguida foi ao Bangladesh, encontrou tam-bém o primeiro-ministro, o presidente...; oslíderes muçulmanos ali e os líderes budis-tas no Myanmar. Que leva de tudo isto?Qual é a sua análise de todos estes encon-tros? Quais são as perspetivas de melhordesenvolvimento no futuro para estes doispaíses, mesmo considerando a situação dosro h i n g y a s ?

Não será fácil avançar num desenvol-vimento construtivo, como não seria fá-cil para alguém que quisesse voltaratrás. Estamos num ponto em que sedevem analisar bem as coisas. Alguémme disse — não sei se é verdade — queo Estado de Rakhine é muito rico empedras preciosas e que poderiam talvezhaver interesses de que a terra fosse umpouco desabitada para se manobrar.

Mas não sei se é verdade; são hipótesesque se fazem. Também sobre a Áfricase fazem tantas... Penso, porém, que es-tamos num ponto em que não será fácilavançar em sentido positivo, como nãoserá fácil recuar, porque hoje a cons-ciência da humanidade, o facto — e vol-to aos rohingyas — de as Nações Uni-das terem afirmado que os rohingyassão atualmente a minoria religiosa e ét-nica mais perseguida do mundo, isto éum ponto que deve pesar sobre quemdesejar voltar para trás. Encontramo-nos num ponto em que, com o diálogo,se pode começar a dar um passo e ou-tro passo, talvez meio passo para trás edois para a frente, mas sempre como sefazem as coisas humanas: com benevo-lência, com diálogo, nunca com aagressão, nunca com a guerra. Não éfácil. Contudo, é um ponto de viragem:mas este ponto de viragem é para obem, ou para voltar atrás? Mas a espe-rança, eu não a perco, porque sincera-mente, se o Senhor permitiu isto quevivemos ontem e que vivemos de formamais reservada para além dos dois dis-cursos [oficiais às Autoridades], o Se-nhor permite uma coisa para prometeroutra. Eu tenho a esperança cristã:nunca se sabe...

[Valentina Alazraki, «Televisa»]: VossaSantidade queria ir ao campo dos refugia-dos rohingyas? E por que não foi?

É verdade, gostaria de ter ido; masnão foi possível. Estudou-se o caso,mas não foi possível por vários fatores,incluindo o tempo, a distância e outros.Mas «veio» uma representação do cam-po de refugiados... Gostaria, é verdade,mas não foi possível.

[Enzo Romeo, «Rai»]: Vimos que oBangladesh é um país que procura sairda pobreza, mas com sistemas que nos pa-recem, a nós, verdadeiramente pesados. Doque viu e ouviu, pensa que é possível sairdeste mecanismo? E a outra coisa é umaque está no pensamento de todos: na ques-tão rohingya, parecia haver a vontade deintervir também da parte dos grupos jiha-distas, al Qaeda, Ei, que procuravam fa-zer-se tutores deste povo, da liberdade des-te povo. É interessante que o chefe da cris-tandade se tenha mostrado mais amigo doque esses grupos extremistas: é correta estasensação?

Começo pela segunda. Havia gruposterroristas que procuravam aproveitar-seda situação dos rohingyas, que são pes-

soas de paz. Como em todas as etnias eem todas as religiões, há sempre umgrupo fundamentalista. Nós, católicos,também o temos. Os militares justifi-cam a sua intervenção com estes gru-pos. Eu não escolhi falar com tais pes-soas, escolhi falar com as vítimas dessaspessoas. Porque as vítimas eram o povorohingya, que por um lado sofria aque-la discriminação e, por outro, era de-fendido pelos terroristas. Que infelizes!O governo do Bangladesh tem umaforte campanha — assim me disseram osministros — de tolerância zero ao terro-rismo, e não só por esta questão… háainda outras. Aqueles que se alistaramno Ei, embora sejam rohingyas, são umpequeno grupo fundamentalista extre-mista. Mas isto é o que fazem os extre-mistas: justificam a intervenção quedestruiu bons e maus.

[Greg Burke]: E a globalização, a primei-ra pergunta?

É um dos problemas mais sérios. Fa-lei sobre isso nos encontros pessoais.Eles estão conscientes disso, estão cons-cientes também do facto de que a liber-dade está condicionada, até certo pon-to, não só pelos militares, mas tambémpelos grandes trusts internacionais. Eapostaram na educação; penso que te-nha sido uma escolha sábia. Existemplanos educacionais... Fizeram-me veras percentagens dos últimos anos, vercomo caiu o analfabetismo. Esta é aopção deles e talvez tenha êxito, por-que — segundo afirmam — com a edu-cação o país melhorará.

[Jean-Marie Guénois, «Le Figaro»]: Es-tá em preparação uma viagem à China?E o que aprendeu nesta viagem sobre amentalidade asiática e também em vistadeste projeto sobre a China? Que lição ti-ro u ?

Repita, por favor! Quantas coisas euaprendi nesta viagem...

[Jean-Marie Guénois]: Quais são as coi-sas que aprendeu sobre a Ásia desta vez?Porque dá a impressão que o Santo Padregira em torno da China, mas a Chinapermanece fechada, por enquanto...

...“pôr os pés” na China... Hoje, aSenhora Conselheira de Estado doMyanmar foi a Pequim. Vê-se que dia-logam... Pequim tem uma grande in-fluência na região, como é natural: o

CO N T I N UA NA PÁGINA 12

assim. Eu sabia que iria encontrar osrohingyas; não sabia onde nem como,mas para mim isso era condição da via-gem, e preparava-se a modalidade. De-pois de muitos contactos, inclusive como governo, com a Cáritas, o governopermitiu a viagem destes que vieramontem. Com efeito, isto aconteceu atra-

contro inter-religioso, mas os líderesdas outras tradições religiosas estavamdistantes. [Então disse:] “Vinde tam-bém vós; estes rohingyas são de todosnós”. E eles cumprimentaram. Eu nãosabia o que dizer mais, porque os fixa-va, os cumprimentava... Veio-me estepensamento: “Todos nós, líderes reli-

lho, com a investigação [a pesquisa] eavançar, fazendo cultura. Pensemos nasciências médicas: tanto progresso, tantacultura; pensemos na mecânica, emtantas coisas. E o homem tem a missãode fazer cultura a partir da incultura re-cebida. Mas chegamos a um ponto emque o homem, com esta cultura, temnas suas mãos a capacidade de fazeroutra i n c u l t u ra : pensemos em Hiroximae Nagasaki. E isto 60, 70 anos atrás. Adestruição. E o mesmo acontece com a

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 10 No voo de regresso de DacaMyanmar compartilha não sei quan-tos quilómetros de fronteira; nasMissas também havia chineses vin-dos de lá. Penso que estes países quecircundam a China — também oLaos, o Camboja — precisam de terboas relações, são vizinhos. E istoconsidero-o sábio, politicamenteconstrutivo se se pode avançar. En-tretanto é verdade que hoje a Chinaconstitui uma potência mundial: se aolharmos deste lado, pode mudar opanorama. Mas isso hão de ser ospolitólogos a explicar-nos. Eu nãoposso, não sei. Mas parece-me natu-ral que tenham um bom relaciona-mento.

A viagem à China não está empreparação, podeis estar tranquilos!Por enquanto, não está em prepara-ção. Mas, ao regressar da Coreia,quando me disseram que estávamossobrevoando o território chinês eperguntaram-me se queria dizerqualquer coisa, [disse] que gostariamuito de visitar a China. Gostaria,não o escondo. As negociações coma China são de alto nível cultural:por exemplo, nestes dias, há umaexposição dos Museus do Vaticanona China, depois haverá uma — ouhouve uma, não sei — dos museuschineses no Vaticano. Temos rela-ções culturais, científicas, professo-res, sacerdotes que ensinam na uni-versidade estatal chinesa... Isto é umponto. Depois temos o diálogo polí-tico, relativo sobretudo à Igreja chi-nesa — com o caso da Igreja patrió-tica e da Igreja clandestina — que sedeve realizar passo a passo, com de-licadeza, como se está a fazer. Lenta-mente. Penso que, nestes dias (hojeou amanhã), começará em Pequimmais um encontro da Comissão Mis-ta. E isto, com paciência. Mas asportas do coração estão abertas. Epenso que fará bem a todos umaviagem à China. Eu gostaria de a fa-z e r. . .

[James Longman, «AbcNews»]: Notoua grande quantidade de críticas feitasa Aung San Suu Kyi? Que pensa dascríticas que lhe foram feitas por não seter pronunciado explicitamente sobre aquestão dos rohingyas?

Ouvi tudo isso, ouvi também ascríticas, ouvi a crítica de ela não terido à província de Rakhine. Depoisfoi... esteve lá meio dia, mais ou me-nos. No Myanmar, é difícil avaliaruma crítica sem se pôr a questão: erapossível fazê-lo? Ou então: como se-rá possível fazê-lo? Com isto, nãoquero dizer que não foi um erro nãoir; mas no Myanmar a situação polí-tica... É uma nação a crescer, politi-camente em crescimento; é uma na-ção em transição que tem muitos va-lores culturais na sua história, maspoliticamente está em transição. E,por isso, as possibilidades devemavaliar-se também sob esta perspeti-va. Neste período de transição, seriapossível ou não fazer isto ou aquilo?E ver se foi um erro, ou não era pos-sível. E não só para a Senhora Con-selheira de Estado, mas também pa-ra o Presidente, os Deputados, oParlamento... No Myanmar, deveter-se sempre presente a construçãodo país. Lá faz-se como eu disse noprincípio: dois passos em frente, umpara trás, dois para a frente, um pa-ra trás... a história ensina-nos isto.Não sei responder de outra forma,

com os poucos conhecimentos quetenho sobre a situação. E não gosta-ria de cair naquilo que fazia um filó-sofo argentino: era convidado a fa-zer conferências em países da Ásia,demorava-se lá uma semana e, quan-do voltava, escrevia um livro sobre arealidade daquele país. Isto é serp re s u n ç o s o .

[Phil Pullella, «Reuters»]: Origina-riamente o encontro com o general esta-va previsto — penso — para a manhãde quinta-feira; devendo Vossa Santi-dade ver primeiro Aung San Suu Kyi.Pedindo o general para ver o SantoPadre antes, ou seja, no dia da chega-da, não lhe parece que foi um modo dedizer: “Aqui mando eu, o Santo Padredeve ver primeiro a mim”? Naquelemomento, não sentiu que ele ou elestalvez quisessem manipular Vossa San-tidade?

Eu compreendi. O pedido foi fei-to porque ele devia partir para aChina e, quando sucedem estas coi-sas, se eu puder deslocar o encontro,faço-o. Quanto às intenções, não asconheço. A mim interessava-me odiálogo: um diálogo pedido por elese que seriam eles a vir ter comigo;não era prevista a minha visita. Pen-so que era mais importante o diálo-go do que aquilo que o senhor sus-peita: “Aqui mandamos nós, somosos primeiros”.

[Phil Pullella]: Durante aquele encon-tro com o general, usou a palavra« ro h i n g y a » ?

Usei as palavras para fazer chegara mensagem e, quando vi que amensagem era recebida, ousei dizertudo o que queria dizer. Intelligentipauca.

[Alicia Romay, «Gestiona Radio»]:Ontem, quando estivemos com os sacer-dotes que foram ordenados, pensei senão teriam medo de ser padres católicosneste momento da vida católica dopaís, e pergunto se pediram, a VossaSantidade, como fazer quando chega omedo e não sabem o que fazer.

Desde sempre tenho o hábito de,cinco minutos antes da Ordenação,falar com eles privadamente. Pare-ciam-me serenos, tranquilos, convic-tos, conscientes da missão, pobres,normais. Uma pergunta que lhes fizfoi esta: “Jogais futebol?” — “Sim,todos! Isto é importante. Uma per-gunta teológica! Mas, quanto a termedo, não me dei conta. Eles sabemque devem estar perto, muito pertodo seu povo; sentem que devem es-tar unidos ao povo, e disso gostei;gostei disso. Depois falei com osformadores, com alguns bispos queme disseram: antes de entrar no Se-minário, faz-se um pré-seminário pa-ra aprenderem tantas coisas, criaremhábitos, para aprenderem perfeita-

mente também o inglês. Digo istocomo exemplo de algo prático: senão conhecem o inglês, começam noSeminário, de tal modo que a Orde-nação não é aos 23 ou 24 anos masaos 28 ou 29 mais ou menos. Pare-cem crianças, porque todos eles pa-recem muito jovens, mesmo os maisvelhos. Vi-os seguros. Isto, sim, ti-nham-no: permanecer junto do seupovo. Isto, sim. E fazem questãodisso! Porque cada um deles perten-ce à sua etnia, e orgulham-se disso.O brigado.

Agradeço-vos; dizem-me que pas-sou o tempo. Agradeço as pergun-tas, agradeço tudo o que fizestes.

E que pensa o Papa da sua via-gem? A mim, a viagem faz-me bemquando consigo encontrar o povodo país, o povo de Deus. Quandoconsigo falar-lhe, encontrá-lo ousaudá-lo: encontros com as pessoas.Falamos dos encontros com os polí-ticos... Sim, é verdade que se devemfazer; com os sacerdotes, com os bis-pos... mas também com a popula-ção, com o povo. O povo que cons-titui precisamente a realidade pro-funda de um país. O povo. E, quan-do o encontro, quando consigo en-contrá-lo, então sou feliz. Agradeço-vos imenso a vossa ajuda. Muitoobrigado!

E obrigado também pelas pergun-tas, pelas coisas que aprendi com asvossas perguntas. Obrigado. Bomj a n t a r.

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Aos sacerdotes e consagrados

numa irmã, e quero corrigi-lo, ouquero dizê-lo, mas não posso atirara bomba, que posso fazer?». Podesfazer duas coisas (nunca as esque-ças!). A primeira: se for possível —porque nem sempre é — di-lo à pes-soa, cara a cara. Assim nos aconse-lha Jesus. É verdade que algum devós me pode dizer: «Não, não sepode fazer, padre, porque é umapessoa complicada». Complicada…como tu! Está bem; pode ser que,por prudência, não convenha. Se-gundo princípio: se não o podes di-zer à pessoa, di-lo a quem podepôr remédio e a mais ninguém. Ouo dizes diretamente à pessoa, ouentão di-lo à pessoa que lhe possapôr remédio, mas privadamente,com caridade. Quantas comunida-des — e não falo por ter ouvido di-zer, mas porque vi — quantas co-munidades vi destruírem-se pelo es-pírito da maledicência! Por favor,mordei-vos a língua a tempo!

E a terceira coisa que queria di-zer-vos — assim pelo menos não étão aborrecido... tereis depois aparte aborrecida no texto escrito —é procurar ter, pedir e ter, um espí-rito de alegria. Sem alegria, não sepode servir a Deus. Pergunto a ca-da um de vós, mas respondei paravós próprios, não em voz alta: «Co-mo é a tua alegria?». Asseguro-vosque é verdadeiramente triste encon-trar sacerdotes, consagrados, consa-gradas, seminaristas, bispos amar-gosos, com um rosto tão triste, queapetece perguntar: «Com que fizes-te a refeição desta manhã, com vi-nagre?». Rosto de vinagre. Aquele

amargor do coração, quando vem asemente má e diz: «Mas olha!Àquele fizeram-no superior, àquelafizeram-na superiora, àquele fize-ram-no bispo... e a mim deixam-mede lado». Aí não há alegria. SantaTeresa — a grande — tem uma fraseque é uma maldição; di-la às suasmonjas: «Ai da monja que diz: fize-ram-me uma injustiça (usa a pala-vra espanhola s i n ra z ó n , ou seja, fize-ram-me algo que não é razoável).Quando encontrava — dizia ela —monjas que estavam a lamentar-seporque «não me deram o que medeviam dar», ou «não me promove-ram», «não me fizeram priora» oucoisa parecida, concluía: vão pormau caminho.

Alegria. Alegria, mesmo nos mo-mentos difíceis. Uma alegria que,embora não possa sorrir porque ador é grande, é paz. Vem-me àmente um caso da outra Teresa, apequena, Teresa do Menino Jesus.Ela tinha de acompanhar, todas asnoites, até ao refeitório uma monjaidosa intratável, sempre irritada,muito doente, uma infeliz, que sequeixava de tudo. Em qualquerponto que a tocasse, dizia: «Não,que me dói!». Certa noite, enquan-to a acompanhava através do claus-tro, ouviu, vinda de uma casa vizi-nha, a música de uma festa, a músi-ca de pessoas que se divertiambem, boas pessoas — como ela fize-ra e tinha visto as suas irmãs fazer— e, imaginando as pessoas quedançavam, disse: «A minha grandealegria é esta, e por nada a troco».Mesmo nos momentos problemáti-cos, momentos de dificuldade nacomunidade — suportar às vezes

um superior ou uma superiora umpouco «esquisito» — mesmo entãodizer: «Estou contente, Senhor. Es-tou contente», como dizia SantoAlberto Hurtado.

A alegria do coração. Asseguro-vos que me dá muita ternura quan-do encontro sacerdotes, bispos ouirmãs idosas, que viveram a vida emplenitude. Os seus olhos são indes-critíveis. Estão cheios de alegria ede paz! Quanto àqueles que não vi-veram a sua vida assim, Deus ébom, Deus cuida deles, mas falta-lhes aquele brilho nos olhos quepossuem as pessoas que foram ale-gres na vida. Tentai procurar estebrilho — vê-se sobretudo nas mu-lheres — tentai procurá-lo nas irmãsidosas, naquelas que passaram todaa vida a servir com tanta alegria epaz: possuem olhos sagazes e bri-lhantes... Porque têm a sabedoriado Espírito Santo.

O pequeno rebento, nestes ido-sos, nestas idosas, tornou-se a ple-nitude dos sete dons do EspíritoSanto. Na próxima terça-feira,quando ouvirdes a Leitura na Mis-sa, lembrai-vos de perguntar a vósmesmos: cuido do rebento? Rego orebento? Cuido do rebento nos ou-tros? Tenho medo de ser terroristae, por isso, nunca falo mal dos ou-tros e abro-me ao dom da alegria?

Desejo a todos vós que a vida,como sucede ao vinho bom, vos fa-ça amadurecer até ao fim, e que osvossos olhos brilhem daquela saga-cidade, alegria e plenitude do Espí-rito Santo.

Rezai por mim, como eu rezopor vós.

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

«Está gravada em mim a recordaçãode tantos rostos provados pela vida,mas nobres e sorridentes»: assim oPapa Francisco lembrou a viagemrealizada ao Myanmar e aoBangladesh com os fiéis presentes noAngelus de 3 de dezembro na praça deSão Pedro. Antes da oração mariana oPontífice comentou o Evangelho deMarcos (13, 33-37) do primeirodomingo do Advento.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!Hoje começamos o caminho do Ad-vento, que culminará no Natal. OAdvento é o tempo que nos é conce-dido para acolher o Senhor que vemao nosso encontro, também para ve-rificar o nosso desejo de Deus, paraolhar em frente e nos preparar ao re-gresso de Cristo. Ele voltará a nósna festa do Natal, quando fizermosmemória da sua vinda histórica nahumildade da condição humana;mas vem dentro de nós todas as ve-zes que estamos dispostos a recebê-lo, e virá de novo no fim dos tem-pos para «julgar os vivos e os mor-tos». Por isso, devemos estar vigilan-tes e esperar o Senhor com a expeta-tiva de o encontrar. A liturgia ho-dierna introduz-nos precisamenteneste tema sugestivo da vigilância eda expetativa.

No Evangelho (cf. Mc 13, 33-37)Jesus exorta a prestar atenção e a vi-g i a r, a fim de estarmos prontos para

o acolher no momento do regresso.Diz-nos: «Ficai de sobreaviso, vigiai;porque não sabeis quando será otempo [...]; vigiai, para que, vindode repente, não vos encontre dor-mindo» (vv. 33-36).

A pessoa atenta é a que, em meioao barulho do mundo, não se deixatomar pela distração ou pela superfi-cialidade, mas vive de maneira plenae consciente, com uma preocupaçãovoltada antes de tudo aos outros.

Com esta atitude percebemos as lá-grimas e as necessidades do próximoe podemos dar-nos conta tambémdas suas capacidades e qualidadeshumanas e espirituais. A pessoaatenta também se preocupa com omundo, procurando contrastar a indi-ferença e a crueldade presentes nele,e alegrando-se pelos tesouros de be-leza que contudo existem e devemser preservados. Trata-se de ter umolhar de compreensão para reconhe-cer quer as misérias e as pobrezasdos indivíduos e da sociedade, quera riqueza escondida nas pequenascoisas de cada dia, precisamente alionde nos colocou o Senhor.

A pessoa vigilante é a que aceita oconvite a vigiar, ou seja, a não sedeixar dominar pelo sono do desen-corajamento, da falta de esperança,da desilusão; e ao mesmo tempo, re-jeita a solicitação de tantas vaidadesde que o mundo está cheio e atrásdas quais, por vezes, se sacrificamtempo e serenidade pessoal e fami-liar. É a experiência dolorosa do po-vo de Israel, narrada pelo profetaIsaías: Deus parecia ter deixado des-viar para longe dos seus caminhos oseu povo (cf. 63, 17), mas estes eraum efeito da infidelidade do própriopovo (cf. 64, 4b). Também nós en-contramo-nos frequentemente nestasituação de infidelidade à chamadado Senhor: Ele indica-nos o cami-nho bom, o caminho da fé, o cami-nho do amor, mas nós procuramos anossa felicidade noutro lugar.

Estar atentos e vigilantes são ospressupostos para não continuar a“desviar para longe dos caminhos doSenhor”, perdidos nos nossos peca-dos e nas nossa infidelidades; estaratentos e ser vigilantes são as condi-ções para permitir que Deus irrompana nossa existência, para lhe restituirsignificado e valor com a sua presen-ça cheia de bondade e ternura. Ma-ria Santíssima, modelo na expetativade Deus e ícone da vigilância, nosguie ao encontro do filho Jesus, revi-gorando o nosso amor por Ele.

No final do Angelus, o Pontíficerecordou a viagem à Ásia e saudou osgrupos presentes.

Esta noite regressei da viagem apos-tólica ao Myanmar e ao Bangladesh.Agradeço a todos aqueles que meacompanharam com a oração, e con-vido a unir-se à minha ação de graçaao Senhor, que me concedeu a opor-tunidade de me encontrar com aque-las populações, em particular com ascomunidades católicas, e de ser edi-ficado pelo seu testemunho. Estágravada em mim a recordação detantos rostos provados pela vida,mas nobres e sorridentes. Trago-ostodos no coração e na oração. Muitoobrigado ao povo do Myanmar e aopovo do Bangladesh!

Na minha oração recordo de ma-neira particular também o povo deHonduras, porque possa superar deforma pacífica o atual momento dedificuldade.

Dirijo a minha saudação a vós, ro-manos e peregrinos, aqui presentes.Saúdo especialmente os fiéis vindosde Bratislávia (Eslováquia) e deLudwigshafen na Alemanha.

Saúdo o grupo de Pregaziol (Tre-viso) e os jovens crismandos deMestrino (Pádua); assim como a co-munidade romena que vive na Itáliae que hoje celebra a festa nacionalda Roménia.

A todos desejo um bom domingoe um bom caminho de Advento. Porfavor, não vos esqueçais de rezar pormim. Bom almoço e até à vista!

Rostos provados mas nobres e sorridentesNo Angelus o Papa falou sobre a viagem ao Myanmar e Bangladesh

Na manhã de domingo 3 de dezembrocomo de costume, o Papa Francisco

visitou a basílica romanade Santa Maria Maior

para confiar os frutos da viagem à Ásiaà Salus populi Romani

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

O importanteé que a mensagem chegue

clarado pelo Pontífice e a compara-ção que ele usou: «Para mim, omais importante é que a mensagemchegue; por isso, procuro dizer ascoisas passo a passo e ouvir as res-postas, para que a mensagem che-gue. Por exemplo, um exemplo davida diária: um jovem, uma jovem,na crise da adolescência, pode di-zer aquilo que pensa, fechando aporta na cara do outro, e a mensa-gem não chega, fecha-se». Portan-to, à denúncia pungente é preferí-vel o caminho da persuasão e daescuta, ou seja, do verdadeiro diá-logo.

Diálogo que é confronto cons-trutivo e que não renuncia às pró-prias convicções, a ponto que, soli-citado por outras perguntas sobre aquestão da minoria muçulmanados rohingyas, o Papa afirmou quenão «negociou a verdade». E de-pois de ter usado palavras oportu-nas para transmitir a mensagem eapós ter «visto que a mensagem foiaceite», Bergoglio declarou: «Ou-sei dizer tudo o que queria dizer».

A pedido explícito do Pontífice,a conversa foi dedicada em grandeparte aos temas da viagem, casocontrário «deixaria a impressão deque não foi muito interessante»,comentou com ironia. Todavia,Bergoglio aceitou responder a umapergunta sobre a dissuasão nuclear,que lhe foi feita por um jornalista

norte-americano, segundo o qualem 1982 João Paulo II a teria defi-nido moralmente aceitável. Na rea-lidade, naquela ocasião o Papa des-creveu-a numa mensagem às Na-ções Unidas como uma «etapa nocaminho de um desarmamento pro-gressivo», acrescentando que era«indispensável não se contentarcom um mínimo, sempre ameaçadopor um perigo real de explosão».

Na resposta ao jornalista, Fran-cisco interrogou-se com eficáciadramática e inquestionável: «Esta-mos no limite; e dado que estamosno limite, ponho-me esta pergunta,não como Magistério pontifício,mas é a pergunta que se põe umPapa: será lícito hoje manter os ar-senais nucleares como estão, ounão será necessário hoje, para sal-var a criação, salvar a humanidade,voltar para trás?». Em coerênciacom o que, já em 1965 observavaPa u l o VI, falando às Nações Uni-das: «As armas, sobretudo as terrí-veis armas que a ciência modernavos deu, antes mesmo de causaremvítimas e ruínas, engendram maussonhos, alimentam maus sentimen-tos, criam pesadelos, desconfianças,sombrias resoluções. Exigem enor-mes despesas. Detêm os projetosde solidariedade e de útil trabalho.Falseiam a psicologia dos povos».Portanto, até neste âmbito o im-portante é que a mensagem che-gue.

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Mensagem pontifícia

Como apoiaras vocações

Qual pastoral vocacional para osjovens de hoje? O Papa procurouresponder a esta pergunta na seguintemensagem enviada aos participantes nocongresso internacional sobre o tema«Pastoral vocacional e vidaconsagrada. Horizontes e esperanças»,que teve lugar em Roma de 1 a 3 dedezembro, no Ateneu Pontifício ReginaAp o s t o l o r u m .

Queridos irmãos e irmãs!Saúdo os participantes neste Con-gresso Internacional promovido pelaCongregação para os Institutos deVida Consagrada e as Sociedades deVida Apostólica sobre «Pastoral Vo-cacional e Vida Consagrada. Hori-zontes e esperanças». Agradeço àmencionada Congregação a iniciati-va deste evento que pretende ser acontribuição do mesmo Dicastériopara o próximo Sínodo dos Bisposque se ocupará do tema: «Os jo-vens, a fé e o discernimento vocacio-nal». E ao mesmo tempo, atravésdesta mensagem saúdo todos vósque viestes a Roma para participarneste encontro, garantindo-vos tam-bém a minha oração ao Senhor damesse para que este Congresso ajudetodos os consagrados a dar uma res-posta generosa à sua vocação e, aomesmo tempo, a intensificar a pasto-ral vocacional entre as famílias e osjovens a fim de que, quantos sãochamados a seguir Cristo na vidaconsagrada ou noutras vocações noâmbito do Povo de Deus, possamencontrar os meios adequados paraacolher esta chamada e lhe respon-dam com generosidade.

Antes de mais desejo manifestar-vos algumas convicções sobre a pastoralvocacional. E a primeira é a seguinte:falar de pastoral vocacional significaafirmar que toda a ação pastoral daIgreja está orientada, por sua nature-za, para o discernimento vocacional,tendo ela como objetivo último aju-dar o crente a descobrir o caminhoconcreto para realizar o projeto devida ao qual Deus o chama.

O serviço vocacional deve ser vis-to como a alma de qualquer evange-lização e pastoral da Igreja. Fiel aeste princípio não hesito em afirmarque a pastoral vocacional não se po-de reduzir a atividades fechadas emsi mesmas. Isto poderia converter-seem proselitismo e levar também acair «na tentação de um fácil e pre-cipitado recrutamento» (João PauloII, Exort. ap. Vita consecrata, 64). Emcontrapartida, a pastoral vocacionaldeve colocar-se em estreita relaçãocom a evangelização e a educaçãopara a fé, de forma que a pastoralvocacional seja um verdadeiro itine-rário de fé e leve ao encontro pes-soal com Cristo, e com a pastoral or-dinária, de modo especial com apastoral da família, de tal forma queos pais assumam, com alegria e res-ponsabilidade, a sua missão de se-rem os primeiros animadores voca-cionais dos seus filhos, libertando-seeles mesmos e libertando os seus fi-lhos do fechamento em perspetivasegoístas, de cálculo ou de poder,

que muitas vezes se verificam noseio das famílias, mesmo das prati-cantes.

Isto significa consolidar a propos-ta vocacional e também a propostavocacional à vida consagrada numasólida eclesiologia e numa adequadateologia da vida consagrada, queproponha e valorize conveniente-mente todas as vocações no âmbitodo Povo de Deus.

Uma segunda convicção é que apastoral vocacional deve ter o seu«húmus» mais adequado na pastoraljuvenil. Pastoral juvenil e pastoralvocacional devem caminhar de mãosdadas. A pastoral vocacional apoia-se, surge e desenvolve-se na pastoraljuvenil. Por sua vez, a pastoral juve-nil, para ser dinâmica, completa, efi-caz e verdadeiramente formativa temque estar aberta à dimensão vocacio-nal. Isto significa que a dimensãovocacional da pastoral juvenil não éalgo que se deve propor somente nofinal de todo o processo ou a umgrupo particularmente sensível auma chamada vocacional específica,mas deve ser proposta constante-mente ao longo de todo o processode evangelização e de educação nafé dos adolescentes e dos jovens.

Uma terceira convicção é que aoração deve ocupar um lugar muitoimportante na pastoral vocacional.O Senhor diz isto claramente: «Ro-gai, pois, ao Senhor da seara, quemande ceifeiros para a sua seara»(Mt 9, 38). A oração constitui o pri-meiro e insubstituível serviço quepodemos oferecer à causa das voca-ções. Considerando que a vocação ésempre um dom de Deus, a chama-da vocacional e a resposta à mesmavocação só podem ressoar e fazer-seouvir na oração, sem que isto sejaentendido como um recurso fácil pa-ra descuidar o trabalho na evangeli-zação dos jovens, a fim de que seabram à chamada do Senhor. Rezarpelas vocações supõe, em primeirolugar, orar e trabalhar pela fidelida-de à própria vocação; criar ambien-

tes nos quais seja possível ouvir achamada do Senhor; pormo-nos acaminho para anunciar o «evangelhoda vocação», para promover e susci-tar vocações. Quem reza deveras pe-las vocações, trabalha incansavel-mente para criar uma cultura voca-cional.

Estes princípios levam-me agora aapresentar-vos alguns desafios queconsidero importantes. O primeiro éa confiança. Confiança nos jovens econfiança no Senhor. Confiança nosjovens, pois há muitos jovens que,pertencendo à geração «selfie» ou aesta cultura que mais do que «flui-da» parece ser «gasosa», buscam umsentido pleno para as suas vidas,mesmo se nem sempre o procuramonde o podem encontrar. É aqui quenós, consagrados, desempenhamosum papel importante: permanecervigilantes a fim de despertar os jo-vens, estar centrados no Senhor parapoder ajudar o jovem a concentrar-se n’Ele. Muitas vezes os jovens es-peram de nós um anúncio explícitodo «evangelho da vocação», umaproposta vigorosa, exigente sob oponto de vista evangélico e ao mes-mo tempo profundamente humana,sem limites nem rigidez. Por outrolado, confiança no Senhor, certos deque ele continua a suscitar no Povode Deus diversas vocações para oserviço do Reino. É preciso vencer atentação fácil que nos leva a pensarque nalguns ambientes já não é pos-sível suscitar vocações. A Deus «na-da é impossível» (Lc 1, 37). Cada fa-se da história é tempo de Deus, tam-bém a nossa, pois o seu Espírito so-pra onde, como e quando quer (cf.Jo 3, 8). Qualquer época pode serum «kairos» para a colheita (cf. Jo4, 35-38).

Outro desafio importante é a luci-dez. É necessário ter um olhar pers-picaz e, ao mesmo tempo, uma visãode fé sobre o mundo e em particularsobre o mundo dos jovens. É essen-cial conhecer bem a nossa sociedadee a atual geração de jovens de modo

que, procurando os meios oportunospara lhes anunciar a Boa Nova, pos-samos anunciar-lhes também o«evangelho da vocação». Caso con-trário, estaríamos a dar respostas aperguntas que ninguém faz.

Um último desafio que gostariade assinalar é a convicção. Para pro-por hoje a um jovem o «vem e se-gue-me» (Jo 1, 39) é necessário au-dácia evangélica; a convicção de quevale a pena seguir Cristo, tambémna vida consagrada, e que o dom to-tal de si à causa do Evangelho é al-go maravilhoso e belo que pode darsentido à vida inteira. Só assim apastoral vocacional será narração doque se vive e com que se enche desentido a própria vida. E só destemodo a pastoral vocacional seráuma proposta convincente. O jovem,como todos os nossos contemporâ-neos, já não crê tanto nos mestres,mas quer ver testemunhas de Cristo(cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangeliinuntiandi, 41).

Se quisermos que uma propostavocacional ao seguimento de Cristotoque o coração dos jovens para quese sintam atraídos por Cristo e pelasequela Christi própria da vida consa-grada, a pastoral vocacional deveser:

D i f e re n c i a d a , de tal modo que res-ponda às perguntas que cada jovemapresenta, e que ofereça a cada umdeles o necessário para satisfazer emabundância o seu desejo de busca(cf. Jo 10, 10). Não se pode esquecerque o Senhor chama cada qual pelonome, com a sua história e a todosoferece e pede um caminho pessoale intransferível na sua resposta voca-cional.

N a r ra t i v a . O jovem deseja ver«narrado» na vida concreta de umconsagrado o modelo a seguir: JesusCristo. A pastoral de «contágio», do«vinde ver» é a única pastoral voca-cional verdadeiramente evangélica,sem sabor de proselitismo. «Os jo-vens sentem a necessidade de figurasde referência próximas, credíveis,coerentes e honestas, assim como delugares e ocasiões nos quais pôr àprova a capacidade de relação comos outros» (Sínodo dos Bispos, XVAssembleia geral ordinária, Os jo-vens, a fé e o discernimento vocacional.Documento preparatório, 2017, 2). Sóuma proposta de fé vocacional en-carnada, pode entrar na vida de umjovem e não o contrário.

Eclesial. Uma proposta de fé ouvocacional aos jovens tem que serfeita no contexto eclesial do Vatica-no II. Ele é «a bússola para a Igrejado século XX» (João Paulo II, Cartaap. Novo millennio ineunte, 43) e paraa vida consagrada dos nossos dias.Este contexto eclesial pede aos jo-vens um compromisso e uma partici-pação na vida da Igreja, como atorese não como simples espetadores. De-vem sentir-se também partícipes davida consagrada: atividades, espiri-tualidade, carisma, vida fraterna, for-ma de viver o seguimento de Cristo.

CO N T I N UA NA PÁGINA 15

Mark Lawrence«A chamada de Deus»

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 14

Evangélica e como tal comprometi-da e responsável. A proposta de fé,assim como a proposta vocacional àvida consagrada, têm que partir docentro de toda a pastoral: JesusCristo, tal como nos é apresentadono Evangelho. Não serve evadir,nem são válidas as fugas intimistasou compromissos meramente so-ciais. A «pastoral show» ou a «pas-toral passatempo» estão longe dapastoral vocacional. É preciso colo-car o jovem diante das exigênciasdo Evangelho. «O Evangelho é exi-gente e requer ser vivido com radi-calidade e sinceridade» (Carta a to-dos os consagrados, 21 de novembrode 2014, 2). É necessário colocar ojovem numa situação na qual aceiteresponsavelmente as consequênciasda própria fé e do seguimento deCristo. Neste tipo de pastoral nãose trata de recrutar agentes sociais,mas verdadeiros discípulos de Jesuscom o mandamento novo do Se-nhor como palavra de ordem e como código das bem-aventuranças co-mo estilo de vida.

Ac o m p a n h a d a . Na pastoral juveniluma coisa é clara: é necessárioacompanhar os jovens, caminharcom eles, ouvi-los, provocá-los, des-pertá-los para que vão mais além

do conforto no qual se acomodam,despertar o seu desejo, explicar-lheso que estão a viver, conduzi-los pa-ra Jesus, favorecendo sempre a li-berdade, a fim de que respondam àchamada do Senhor livre e respon-savelmente (cf. Sínodo dos Bispos,XV Assembleia geral ordinária, Osjovens, a fé e o discernimento vocacio-nal. Documento preparatório, 2017,III, 1). É necessário criar um am-biente de confiança, fazer sentir aosjovens que são amados tal comosão e pelo que são. O trecho dosdiscípulos de Emaús pode consti-tuir um bom exemplo de acompa-nhamento (cf. Lc 24, 13-35). A rela-ção pessoal dos consagrados comos jovens é insubstituível.

P e rs e v e ra n t e . Com os jovens épreciso ser perseverantes, semear eesperar pacientemente que a semen-te cresça e um dia possa dar o seufruto. A missão do agente de pasto-ral juvenil deve ser muito conscien-te de que o seu trabalho consisteem semear, alguns farão crescer eoutros colherão os frutos.

Juvenil. Não podemos tratar osjovens como se não fossem tais. Anossa pastoral juvenil deve estarmarcada pelas seguintes característi-cas: dinâmica, participativa, alegre,esperançosa, audaz e confiante. E

sempre cheia de Deus, que é o queo jovem mais necessita para colmaro seu justo anseio de plenitude;cheia de Jesus que é o único cami-nho que eles devem percorrer, aúnica verdade à qual eles são cha-mados a aderir, a única vida pelaqual vale a pena dar tudo (cf. Jo 1,35ss).

Queridos participantes nesteCongresso: duas coisas me parecemcertas no tema da pastoral vocacio-nal e vida consagrada. A primeira éque não há respostas mágicas e asegunda consiste no facto de que seestá a pedir à vida consagrada, co-mo aliás a toda a Igreja, uma ver-dadeira «conversão pastoral», nãosó de linguagem, mas também deestilo de vida, se pretende conectar-se com os jovens, propor-lhes umcaminho de fé e fazer-lhes uma pro-posta vocacional.

Que ninguém vos roube a alegriade seguir Jesus Cristo e a coragemde o propor aos outros como cami-nho, verdade e vida (cf. Jo 14, 6)!Vençamos os nossos receios! Che-gou o momento em que os jovenssonhem e os idosos profetizem (Jl 3,1)! Levantemo-nos agora! «Mãos àobra» (Esd 10, 4). Os jovens espe-ram-nos. Chegou o momento decaminhar!

Como apoiar as vocações

Proximidade do Papa à Igreja assíria do Oriente

Testemunhas de violências brutaisSolidariedade para com a população que na Síria «sofre perseguições e étestemunha de violências brutais, perpetradas em nome de extremismosfundamentalistas» foi testemunhada pelo Papa na sexta-feira, 24 de novembro ,durante a audiência aos membros da comissão mista para o diálogo teológicoentre a Igreja católica e a Igreja assíria do Oriente, recebidos por ocasião daassinatura de uma Declaração conjunta sobre a vida sacramental. No início doencontro o Metropolita Meelis Zaia, num discurso pronunciado em inglês,repercorreu as principais etapas do processo de aproximação entre as duas Ig re j a s .

abençoado e tão esperado, no qualteremos a alegria de celebrar nomesmo altar a plena comunhão naIgreja de Cristo.

Gostaria de frisar um aspeto destanova Declaração conjunta. Nela refe-rimo-nos ao sinal da cruz como a«um símbolo explícito de unidadeentre todas as celebrações sacramen-tais». Alguns autores da Igreja Assí-ria do Oriente inseriram o sinal dacruz entre os mistérios sagrados, na

convicção de que cada celebração sa-cramental dependa precisamente daPáscoa de morte e ressurreição doSenhor. É uma bonita intuição, por-que o Crucificado Ressuscitado é anossa salvação e a nossa própria vi-da: da sua cruz gloriosa obtemos aesperança e a paz, dela brota a uni-dade entre os mistérios sagrados quecelebramos, mas também entre nós,que fomos batizados na mesma mor-te e ressurreição do Senhor (cf. Rm6, 4).

Quando olhamos para a cruz oufazemos o sinal da cruz, somos con-vidados também a recordar-nos dossacrifícios sofridos em união com osde Jesus e a estar próximos de quan-tos hoje carregam sobre os ombrosuma cruz pesada. Também a IgrejaAssíria do Oriente, juntamente comoutras Igrejas e com tantos irmãos e

irmãs da região, sofre perseguições eé testemunha de violências brutais,perpetradas em nome de extremis-mos fundamentalistas. Situações desofrimento tão trágico radicam-semais facilmente em contextos degrande pobreza, injustiça e exclusãosocial, em grande parte devidos àinstabilidade, fomentada tambémpelos interesses externos e pelosconflitos, que recentemente causa-ram situações de grave necessidade,originando verdadeiros desertos cul-turais e espirituais, nos quais se tor-na fácil manipular e incitar ao ódio.A isto acrescentou-se recentemente odrama do violento terramoto nafronteira entre o Iraque, terra nativada vossa Igreja, e o Irão, onde seencontram também vossas comuni-dades desde há muito tempo, assimcomo na Síria, no Líbano e na Ín-dia.

Deste modo, sobretudo nos perío-dos de maiores sofrimentos e priva-ções, um grande número de fiéis te-ve que deixar as próprias terras, emi-grando para outros países e aumen-tando a comunidade da diáspora,que tem muitos desafios a enfrentar.Por exemplo, entrando nalgumas so-ciedades, encontram-se as dificulda-des causadas por uma nem semprefácil integração e por uma marcadasecularização, que podem obstaculi-zar a preservação das riquezas espiri-tuais das próprias tradições e até otestemunho de fé.

Em tudo isto, o sinal da cruz, re-petidamente ritmado, poderá recor-dar que o Senhor da misericórdianunca abandona os seus irmãos, masao contrário acolhe as suas feridasnas próprias. Fazendo o sinal dacruz, recordamos as chagas de Cris-to, aquelas chagas que a ressurreiçãonão cancelou, mas encheu de luz.Também as feridas dos cristãos, in-clusive as abertas, quando são atra-vessadas pela presença viva de Jesuse pelo seu amor, se tornam lumino-sas, como sinais de luz pascal nummundo envolvido por tantas trevas.

Com estes sentimentos, ao mesmotempo urgentes e esperançosos, gos-taria de vos convidar a prosseguir ocaminho, confiando na ajuda de tan-tos nossos irmãos e irmãs que derama vida seguindo o Crucificado. Eles,já no céu plenamente unidos, são osprecursores e os padroeiros da nossacomunhão visível na terra. Pela suaintercessão peço também ao Senhorque os cristãos das vossas terras pos-sam trabalhar na obra paciente dereconstrução depois de tantas devas-tações, em paz e no pleno respeitocom todos.

Na tradição síria Cristo na cruz érepresentado como Médico bom eRemédio de vida. A Ele peço quecure completamente as nossas feridasdo passado e sare as muitas feridasque hoje no mundo se abrem devidoaos desastres das violências e dasguerras. Queridos irmãos, prossiga-mos juntos a peregrinação de recon-ciliação e de paz na qual o Senhornos encaminhou! Ao expressar-vosgratidão pelo vosso compromisso,invoco sobre vós a bênção do Se-nhor e a proteção amorosa da sua enossa Mãe, pedindo-vos que vos re-cordeis de mim na oração.

Amados irmãos!Dou-vos calorosas boas-vindas, agra-decendo-vos a visita e as gentis pala-vras que o Metropolita Meelis Zaiame dirigiu em vosso nome. Atravésde vós, desejo fazer chegar a minhasaudação fraterna no Senhor a SuaSantidade Mar Gewargis III. Recor-do com alegria o encontro tão cor-dial e apreciado que tive com ele háum ano, o qual constituiu mais umpasso no percurso para incrementara proximidade e a comunhão entrenós.

O encontro de hoje oferece-nos aoportunidade de olhar com gratidãopara o caminho percorrido pela Co-missão mista, estabelecida após a his-tórica assinatura, aqui em Roma em1994, da Declaração cristológica con-junta. Tendo confessado a mesma féno mistério da Encarnação, a Comis-são programou duas fases: uma so-bre teologia sacramental e outra so-bre a constituição da Igreja. Convos-co, dou graças ao Senhor pela assi-natura hodierna da Declaração con-junta, que sanciona a feliz conclusãoda fase relativa à vida sacramental.Por conseguinte, hoje podemosolhar ainda com mais confiança parao futuro e pedir ao Senhor que oprosseguimento dos vossos trabalhoscontribua para aproximar aquele dia

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Francisco esclareceu definitivamente alguns aspetos fundamentais do novo processo matrimonial

O bispo é paichefe e juiz dos fiéis

O bispo é pai, chefe e juiz dos fiéis,afirmou o Papa, esclarecendodefinitivamente alguns aspetosfundamentais do novo processomatrimonial durante a audiência —realizada na manhã de sábado, 25 denovembro, na Sala Clementina — aosparticipantes no curso de formaçãopara clérigos e leigos promovido pelotribunal apostólico da Rota romana.

Estimados irmãos e irmãs!Sinto-me feliz por me encontrarconvosco no final do Curso de for-mação para clérigos e leigos promo-vido pelo Tribunal Apostólico daRota Romana sobre o tema: O novoprocesso matrimonial e o procedimentoSuper Rato. Agradeço ao Decano,monsenhor Pinto, as palavras queme dirigiu. O curso que se realizouaqui em Roma, assim como aquelesque são feitos noutras dioceses, sãoiniciativas louváveis e que encorajo,porque contribuem para ter um co-nhecimento oportuno e uma trocade experiências a vários níveis ecle-siais acerca de importantes procedi-mentos canónicos.

É necessário, em particular, pres-tar grande atenção e adequada análi-se aos dois recentes Motu proprio:Mitis Iudex Dominus Iesus e Mitis etmisericors Iesus, a fim de aplicar osnovos procedimentos que eles esta-belecem. Estas duas medidas nasce-ram de um contexto sinodal, são ex-pressão de um método sinodal, sãoo ponto de chegada de um sério ca-minho sinodal. Face às questõesmais difíceis relativas à missão evan-gelizadora e à salvação das almas, éimportante que a Igreja recupere ca-da vez mais a prática sinodal da pri-meira comunidade de Jerusalém, naqual Pedro juntamente com os ou-tros Apóstolos e com toda a comu-nidade sob a ação do Espírito Santoprocuravam agir segundo o manda-mento do Senhor Jesus.

Foi quanto se fez também nas As-sembleias sinodais sobre a família,nas quais, em espírito de comunhãoe fraternidade, os representantes doepiscopado de todo o mundo se reu-niram em plenária para ouvir a vozdas comunidades, para debater, re-

fletir e realizar obra de discernimen-to. O Sínodo teve a finalidade depromover e defender a família e omatrimónio cristão para o maiorbem dos cônjuges fiéis ao pacto ce-lebrado em Cristo. Devia tambémestudar a situação e o desenvolvi-mento da família no mundo de hoje,a preparação para o matrimónio, osmodos para socorrer quantos sofremdevido à falência do próprio matri-mónio, a educação dos filhos e ou-tras temáticas.

Retornando às vossas comunida-des, esforçai-vos por ser missionáriose testemunhas do espírito sinodal queestá na origem delas, assim como daconsolação pastoral que é a finalidadedesta nova normativa matrimonial, afim de corroborar a fé do povo san-to de Deus mediante a caridade. Oespírito sinodal e a consolação pas-toral se tornem forma do vosso agirna Igreja, especialmente naquele âm-bito tão delicado que é o da famíliaem busca da verdade sobre o estadoconjugal dos esposos. Com estecomportamento cada um de vós sejacolaborador leal do próprio Bispo,ao qual as novas normas reconhecemum papel determinante, sobretudono processo curto, enquanto ele é o“juiz nato” da Igreja particular.

Nos vossos serviços, sois chama-dos a estar próximos da solidão e dosofrimento dos fiéis que esperam dajustiça eclesial a ajuda competente e

factual para poder reencontrar a pazdas suas consciências e a vontade deDeus sobre a readmissão à Eucaris-tia. Eis a necessidade e o valor doCurso no qual participastes — e façovotos que outros sejam organizados— para favorecer uma justa aborda-gem da questão e um estudo cadavez mais vasto e sério sobre o novoprocesso matrimonial. Ele é expres-são da Igreja que é capaz de acolhere cuidar de quantos são feridos devárias maneiras pela vida e, ao mes-mo tempo, é evocação ao compro-misso para a defesa da sacralidadedo vínculo matrimonial.

A fim de tornar a aplicação da no-va lei do processo matrimonial, doisanos depois da promulgação, causae motivo de salvação e paz para umgrande número de fiéis feridos nasua situação matrimonial, decidi, emrazão do cargo de Bispo de Roma eSucessor de Pedro, esclarecer defini-tivamente alguns aspetos fundamen-tais dos dois Motu proprio, em parti-cular a figura do Bispo diocesanocomo juiz pessoal e único no P ro c e s -sus brevior.

Desde sempre o Bispo diocesanoé Iudex unum et idem cum Vicario iu-diciali; mas dado que tal princípio éinterpretado de maneira de facto ex-cludente o exercício pessoal do Bis-po diocesano, delegando quase tudoaos Tribunais, estabeleço a seguirquanto considero determinante e ex-clusivo no exercício pessoal do Bis-po diocesano juiz:

1. O Bispo diocesano em virtudedo seu ofício pastoral é juiz pessoale único no processus brevior.

2. Portanto a figura do Bispo dio-cesano-juiz é a arquitrave, o princí-pio constitutivo e o elemento discri-minante do inteiro processus brevior,instituído pelos dois Motu proprio.

3. No processus brevior são requeri-das, ad validitatem, duas condiçõesinseparáveis: o episcopado e o ser chefede uma comunidade diocesana de fiéis(cf. cân. 381 § 2). Se faltar uma dasduas condições o processus breviornão pode ter lugar. O pedido deveser julgado com o processo ordiná-rio.

4. A competência exclusiva e pes-soal do Bispo diocesano, inseridanos critérios fundamentais do p ro c e s -sus brevior, faz referência direta àeclesiologia do Vaticano II, que nos

recorda que só o Bispo tem já, naconsagração, a plenitude de todo opoder que é ad actum expedita, atra-vés da missio canonica.

5. O processus brevior não é umaopção que o Bispo diocesano podeescolher mas é uma obrigação quelhe provém da sua consagração e damissio recebida. Ele é competente ex-clusivo nas três fases do p ro c e s s u sb re v i o r :

— a petição deve ser enviada sem-pre ao Bispo diocesano;

— o debate instrutório, como já afir-mei no discurso de 12 de março doano passado no Curso junto da RotaRomana, deve ser guiado pelo Bispo«sempre coadjuvado pelo Vigário ju-dicial ou por um instrutor, até leigo,pelo assessor, e sempre presente odefensor do vínculo». Se o Bispo fordesprovido de clérigos ou leigos ca-nonistas, a caridade, que distingue oofício episcopal, de um bispo vicinio-re poderá socorrê-lo pelo tempo ne-cessário. Além disso recordo que oprocessus brevior deve ser encerradohabitualmente numa única sessão,requerendo-se como condição im-prescindível a absoluta evidência dosfactos comprobatórios da pressupos-ta nulidade do conjúgio, além doconsentimento dos dois esposos;

— a decisão, que deve ser pronun-ciada coram Domino, é sempre e sódo Bispo diocesano.

6. Confiar o inteiro processus bre-vior ao tribunal interdiocesano (tan-to do v i c i n i o re como de outras dioce-ses) levaria a desnaturar e reduzir afigura do Bispo pai, chefe e juiz dosseus fiéis a mero signatário da sen-tença.

7. A misericórdia, um dos critériosfundamentais que garantem a salus,exige que o Bispo diocesano cumpraquanto antes o processus brevior; de-pois, caso no presente não se consi-derasse pronto no presente para oencerrar, deve reenviar a causa aoprocesso ordinário, o qual contudodeve ser guiado com a devida solici-tude.

8. A proximidade e a gratuitidade,como afirmei muitas vezes, são asduas pérolas das quais têm necessi-dade os pobres, que a Igreja deveamar acima de tudo.

9. Quanto à competência, ao rece-ber a apelação contra a sentençaafirmativa no processus brevior, doMetropolitano ou do Bispo indicadono novo cân. 1687, especifica-se quea nova lei conferiu ao Decano daRota uma potestas decidendi nova e,por conseguinte constitutiva sobre arejeição ou a admissão da apelação.

Concluindo, gostaria de reafirmarcom clareza que isto acontece sempedir a autorização ou permissão aoutra Instituição ou à AssinaturaAp ostólica.

Queridos irmãos e irmãs, desejo acada um de vós todo o bem para es-te estudo e serviço eclesial. O Se-nhor vos abençoe e Nossa Senhoravos proteja. E, por favor, não vos es-queçais de rezar por mim. Obriga-do.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Serviço e não carreira

Irmã Mary Chandra, partilhasteconnosco a alegria que brota datua vocação religiosa e do carismada tua Congregação. Marcelius,também tu nos falaste do amor quetu e os teus companheiros do Se-minário tendes pela vocação ao sa-cerdócio. Lembrastes-nos, ambos,que todos somos chamados dia adia a renovar e aprofundar a nossaalegria no Senhor, esforçando-nospor imitá-lo cada vez mais plena-mente. Ao princípio, isto pode pa-recer árduo, mas enche os nossoscorações de alegria espiritual. Comefeito, cada dia torna-se uma opor-tunidade para começar mais uma

vez a responder de novo ao Se-nhor. Nunca desanimeis, porque apaciência do Senhor é para nossasalvação (cf. 2 Pd 3, 15). Alegrai-vos sempre no Senhor!

Queridos irmãos e irmãs, agrade-ço a vossa fidelidade em servir aCristo e à sua Igreja, através dodom da vossa vida. Asseguro a mi-nha oração por todos vós e peço avossa por mim. Voltemo-nos agorapara Nossa Senhora, para a Rainhado Santo Rosário, pedindo-lhe quenos obtenha, a todos, a graça decrescer em santidade e ser testemu-nhas sempre mais alegres da forçado Evangelho, para levar cura, re-conciliação e paz ao nosso mundo.

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 17

Unamos o que está divididoMensagem ao patriarca Bartolomeu para a festa de Santo André

No âmbito da tradicional troca de delegações para as respetivas festas dos santospadroeiros — a 29 de junho em Roma para a celebração dos santos Pedro ePaulo e a 30 de novembro em Istambul para a celebração de Santo André — ocardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício conselho para a promoção da unidadedos cristãos, guiou a delegação da Santa Sé para a festa do Patriarcadoecuménico. O purpurado foi acompanhado pelo bispo Brian Farrell, secretário dodicastério, e por monsenhor Andrea Palmieri, subsecretário. Em Istambul, onúncio apostólico na Turquia, arcebispo Paul F. Russell, uniu-se à delegação daSanta Sé, a qual participou na solene divina liturgia presidida por Bartolomeuna igreja patriarcal de São Jorge no Fanar, depois teve um encontro com opatriarca e colóquios com a comissão sinodal encarregada das relações com aIgreja católica. O cardeal Koch entregou ao patriarca ecuménico a seguintemensagem assinada pelo Pontífice, lida na conclusão da divina liturgia.

memoração litúrgica de Santo Andréapóstolo, irmão de Simão Pedro e oprimeiro dos apóstolos a ser chama-do, santo padroeiro da Igreja deConstantinopla e do Patriarcadoecuménico. Quando o diácono, nadivina liturgia, convidar os fiéis alireunidos a rezar «por quantos via-jam por terra, mar e céu», peço-vosque rezeis também por mim.

A Delegação que enviei é um si-nal da minha solidariedade espiritualcom a vossa oração de ação de gra-ças e de louvor por tudo o que onosso Deus Todo-Poderoso e Mise-ricordioso realizou através do teste-munho do apóstolo André. De mo-do análogo, a Delegação do Patriar-cado ecuménico, recebida em Romano passado mês de junho, demons-trou-nos a sua proximidade enquan-to celebrávamos as maravilhosasobras realizadas por Deus, fonte detodo o bem, através dos apóstolosPedro e Paulo, santos padroeiros daIgreja de Roma.

Os apóstolos proclamaram até aosconfins da terra, através das palavrase do sacrifício da própria vida, o queviram, ouviram e sentiram: a Palavrade Vida, nosso Senhor Jesus Cristo,morto e ressuscitado para a nossasalvação. Fazer nossa tal proclama-ção permite-nos entrar em comu-nhão com o Pai, através do Filho,no Espírito Santo, que é precisamen-te o fundamento da comunhão quejá une quantos são batizados em no-me da Santíssima Trindade (cf. 1 Jo1, 1-3). Católicos e ortodoxos, profes-sando juntos os dogmas dos primei-ros sete concílios ecuménicos, crendona eficácia da Eucaristia e dos ou-tros sacramentos e preservando a su-cessão apostólica do ministério dosbispos, já experimentam uma pro-funda proximidade recíproca (cf.Unitatis redintegratio, n. 15). Hoje,em ação de graças ao Deus do amor,em obediência à vontade de nossoSenhor Jesus Cristo e em fidelidadeao ensinamento dos apóstolos, reco-nhecemos como é urgente crescer naplena e visível comunhão.

É motivo de alegria saber que navigília da festa de Santo André, du-rante um encontro no qual VossaSantidade participou, foi comemora-do o cinquentenário da visita do Pa-pa Paulo VI ao Fanar a 25 de julhode 1967. Aquele momento históricode comunhão entre os Pastores daIgreja de Roma e a Igreja de Cons-tantinopla traz à mente as palavrasdo Patriarca Atenágoras quando re-cebeu o Papa Paulo VI na igreja pa-triarcal de São Jorge, onde estaisreunidos hoje. Penso que aquelaspalavras possam continuar a inspiraro diálogo entre as nossas Igrejas:«Unamos o que está dividido, noque for possível, através de atos nosquais ambas as Igrejas estão integra-das, dando uma força adicional àsquestões de fé e à disciplina canóni-ca que temos em comum. Guiemoso diálogo teológico segundo o prin-cípio [de] plena comunidade nosfundamentos de fé e liberdade, querno pensamento teológico, onde istoé piedoso e edificante e inspiradopelo grupo principal dos Padres,quer na variedade dos costumes lo-cais, como a Igreja propiciou desdeo início» [Tomos Agapis, Vatican-Phanar (1958-1970), pp. 382-383].

Exprimo-lhe, Santidade, a minhasentida gratidão pela generosa e cor-

dial hospitalidade que a sede metro-politana de Leros do Patriarcadoecuménico, sob a guia pastoral deSua Eminência Paisios, ofereceu aosmembros do Comité misto de coor-denação da Comissão internacionalpara o Diálogo teológico entre aIgreja católica e a Igreja ortodoxa.Desejo encorajar novamente estediálogo teológico. O consenso alcan-çado, entre católicos e ortodoxos,sobre alguns princípios teológicosfundamentais que regulam a relaçãoentre primado e sinodalidade na vi-da da Igreja no primeiro milénio,pode servir para avaliar, até de ma-neira crítica, algumas categorias epráticas teológicas que se desenvol-veram no segundo milénio em con-formidade com tais princípios. Esteconsenso pode permitir-nos prefigu-rar um modo comum de entender oexercício do ministério do Bispo deRoma, no contexto da sinodalidadee do serviço da comunhão da Igrejano contexto atual. Esta tarefa delica-da deve ser desempenhada num cli-ma de abertura recíproca e, sobretu-do, em obediência às exigências queo Espírito Santo apresenta à Igreja.

Santidade, amado irmão em Cris-to, nos últimos meses segui comgrande interesse a sua participaçãoem importantes eventos internacio-nais que se realizaram em todo omundo, relativos ao cuidado da cria-ção, à pacífica coexistência entre po-vos de diferentes culturas e tradiçõesreligiosas e à presença dos cristãosno Médio Oriente. O seu engaja-mento, Santidade, é para mim umafonte de inspiração, de apoio e deencorajamento porque, como VossaSantidade sabe, partilhamos estasmesmas preocupações. É minha fer-vorosa esperança que católicos e or-todoxos possam promover iniciativascomuns a nível local em relação atais questões, porque há muitos con-textos nos quais ortodoxos e católi-cos já podem trabalhar juntos semesperar o dia da plena e visível co-munhão.

Garantindo-lhe a minha recorda-ção constante na oração, com senti-mentos de caloroso afeto troco comVossa Santidade, um abraço fraternode paz.

FRANCISCO

A Sua Santidade BartolomeuArcebispo de Constantinopla

Patriarca ecuménicoMesmo estando distante de Roma,em visita pastoral ao Myanmar e aoBangladesh, desejo transmitir osmeus melhores votos fraternos aVossa Santidade e aos membros doSanto Sínodo, ao clero e aos mon-ges, assim como a todos os fiéis reu-nidos para a divina liturgia na igrejapatriarcal de São Jorge, para a co-

Credenciais do novoembaixador do Equador

Sua Excelência o Senhor José LuisÁlvarez Palacio, novo embaixadordo Equador junto da Santa Sé,nasceu em Quito a 25 de agosto de1960; é casado e tem quatro filhos.

Obteve o bacharelado no colégiosalesiano Cardenal Spellman (1979)e frequentou a escola de economiae comércio (Incae, 1982). Depois,obteve o diploma em comércio in-ternacional (Oea-México, 1985), alicenciatura em administração deempresas (universidade central doEquador, 1985) e o doutoramentoem engenharia comercial (universi-dade central do Equador, 1989).Foi membro da comissão «justiça epaz» do Equador; professor degeografia económica da escola mili-tar Eloy Alfaro (1986-1987); profes-sor de finanças e economia na fa-culdade de administração de em-presas da Pontifícia universidade

católica em Quito (1989-1992); ge-rente-geral de Interdin S.A., grupocorporativo Banco de Pechincha(1989-1993); presidente executivoda financeira Promerica & SaintGeorges Bank (1989-1993); vice-pre-sidente da Câmara de comércioequatoriano-americana (1992-1994);diretor e pró-tesoureiro da Câmarade comércio de Quito (1996-1998);fundador e diretor-geral da multi-nacional educativa Wall Street En-glish (1999-2015); diretor da empre-sa nacional de telecomunicaçõesAndinatel (2001-2004); presidenteregional da Young Presidents Or-ganization (2003-2005); sócio deFrontconsulting-Equador (2005-2010); representante do Equadorna universidade argentina de Em-presas Uade (2010-2014); presiden-te executivo da cadeia hoteleiraCialco S.A. (desde 2014).

Na manhãde 4 de dezembroo Papa recebeuem audiênciaSua Excelência o SenhorJosé Luis Álvarez Palacio,embaixador do Equadorpara a apresentaçãodas cartasque o acreditavamjunto da Santa Sé

Angelo Biancini, «Paulo VI e Atenágoras»

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página 18 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Missas matutinas em Santa MartaQuinta-feira23 de novembro

A força das mulheres«Só a força das mulheres é capaz deresistir a uma colonização cultural eideológica»: testemunham-no a his-tória, da Bíblia à resistência italianae às ditaduras genocidas na Europado século passado. E o segredo dacapacidade das mulheres de defen-der com «coragem e ternura» a his-tória de um povo está na transmis-são da fé, apostando na memória eno dialeto, na capacidade de se fazerentender pelas crianças, ensinando-lhes os valores autênticos e salvan-do-as das «doutrinações».

«Na primeira leitura, referindo-seao trecho litúrgico do primeiro livrodos Macabeus (2, 15-29) — ouvimosque continua a colonização culturaldo rei Antíoco Epifânio: como sem-pre, cada colonização cultural eideológica tem o mesmo estilo, e nóspodemos vê-lo». Em particular, «umdos indicadores de uma colonizaçãocultural é que tira a liberdade: aque-le povo não tinha o direito de pen-sar; todos assim, pensa-se assim». E«outro indicador é anular a história,deixar de recordar», como se dissés-semos: «a história começa comigo,agora, com a narração que faço nes-te momento, não com a memóriaque lhe transmitiram». «O terceiroindicador é educativo», pois «cadacolonização cultural e ideológicaquer impor um sistema educativoaos jovens. Sempre. E preocupa-secom isto». De resto, «pensai no quefizeram as ditaduras do século passa-do aqui na Europa» e «qual era asua preocupação: “O que fazemoscom os jovens, façamos assim?».

«Eu — afirmou o Papa — não que-ro citar nomes. Conheceis os nomesque davam a estas escolas de doutri-nação dos jovens: tira-se a liberdade,desconstrói-se a história, a memóriado povo, impondo um sistema edu-cativo aos jovens. Todas agem assim,algumas até com luvas brancas». Eacontece «que um país, uma naçãopede um empréstimo» e a respostaque recebe é: «Dou-te, mas nas es-colas deves ensinar isto, isso e aqui-lo». Eis, «indicam-te os livros queanulam tudo o que Deus criou e co-mo o criou. Cancelam as diferenças,anulam a história: a partir de hojecomeça-se a pensar assim, e quemnão o fizer será deixado de lado eaté perseguido».

Foi esta «a história da colonizaçãocultural e ideológica que o povo deDeus sofreu, quando alguns dosseus membros instauraram estasideias: ela tira a liberdade e introduza perseguição». Com efeito, «vimosque os fiéis são perseguidos: até aquina Europa, no século passado, quan-tos se opunham às ditaduras genoci-das eram perseguidos». Mas «aindahoje, há alguma colonização culturalcom luvas brancas: se não fores poreste caminho, aquele lugar não seráteu, será para outra pessoa, não con-segues progredir na vida, condicio-nam-te a existência. É outra formade tortura. Tiram-te a liberdade».

E não só, porque «depois te tirama memória», disse. É assim mesmo,

«nenhuma memória: são fábulas.Nada! Eis a narração que construopara vós: deve-se crer nisto, a histó-ria começa connosco, o que passou émentira, coisas de velhos».

«É interessante — referindo-se aosirmãos Macabeus — a palavra que amãe diz ao filho mais jovem: “Mos-tra-te digno dos teus irmãos” —“Mostra-te digno do teu povo. Temmemória. Não a regateies». É umconvite, afirmou, a «guardar a me-mória: a memória da salvação e dopovo de Deus, aquela memória quefortalecia a fé do povo perseguidopela colonização ideológico-cultu-ral». E «é a memória que nos ajudaa derrotar qualquer sistema educati-vo perverso: recordar os valores, ahistória, aquilo que aprendemos».Francisco quis meditar de novo so-bre a figura da mãe: «O texto dizque a mãe falava duas vezes “na lín-gua dos pais”: falava em dialeto. Enão existe colonização cultural algu-ma que possa vencer o dialeto». Odialeto «tem raízes históricas».

Portanto, prosseguiu, «a mãe “fa-lava na língua dos pais”, em dialeto,e por isso o rei não entendia, o in-térprete não compreendia». E falava,explicou, «temperando a ternura fe-minina com uma coragem viril: istofaz-nos pensar que só a força dasmulheres é capaz de resistir a umacolonização cultural». Uma palavra,“re s i s t ê n c i a ”, que «aqui na Itália temum profundo eco histórico, e quesoube vencer aquelas colonizações».

«Até hoje estamos diante de mui-tas colonizações que querem destruirtudo e começar de novo». Coloniza-ções que já apresentam novos «valo-res» e «a história começa aqui», oresto «passou». Como ocorreu «comAntíoco Epifânio, acontece cada vezque na terra surge uma nova ditadu-ra cultural ou ideológica, ou coloni-zação». Mas «duas coisas defendem-nos sempre: a memória e o dialeto».E «quem leva em frente a memória eo dialeto? As mulheres, que são maisfortes que os homens». «Olhandopara esta mulher, pensemos: comose transmite a fé? Em dialeto! A féverdadeira aprende-se dos lábios damãe, o dialeto que só a criança podeconhecer». Depois, «os teólogos aexplicarão, mas a transmissão derivadali». E «este é um exemplo do mo-do como as mães, as mulheres, sãocapazes de defender um povo, a his-tória de um povo, os filhos: transmi-tir a fé».

«Se Eleazar — disse o Papa, refe-rindo-se à figura bíblica, sempre li-gada ao livro dos Macabeus, propos-ta de novo nos dias passados pela li-turgia — se tornou raiz para os jo-vens, contra a raiz perversa que eraAntíoco Epifânio, esta mulher fez-sememória: memória que desperta tu-do o que foi semeado quando éra-mos crianças e que não se pode ne-gociar, não se pode ceder às propos-tas de qualquer colonização cultu-ral». De resto, reconheceu o Papa,«o povo de Deus foi em frente coma força de muitas mulheres corajo-sas, que souberam transmitir a fé aosfilhos, e somente elas — as mães —sabem comunicar a fé em dialeto».

Concluindo, Francisco desejou naoração «que na Igreja o Senhor nosconceda sempre a graça de ter me-mória, de não esquecer o dialeto dospais e de poder contar com mulhe-res corajosas».

ra serem formuladas a nós mesmos:«Sei conservar aquele templo? Cui-do do templo com o meu serviço?Aproximo-me para ajudar, vestir,consolar os que precisam?».

«São João Crisóstomo repreendiaos que faziam muitas ofertas paraornar, embelezar o templo físico enão cuidavam dos necessitados, di-zendo: “Não, isto não está bem, pri-meiro o serviço depois as ornamen-tações”». Resumindo, somos chama-dos a «purificar o templo que são osoutros». E para o fazer bem é preci-so perguntar: «De que modo ajudoa purificar aquele templo?». A res-posta é simples: «Com o serviço aosnecessitados. O próprio Jesus dizque ele está presente neles». E «estápresente neles — explicou o Papa —e quando nos aproximamos paraprestar um serviço, ajudar, asseme-lhamo-nos a Jesus que está ali den-t ro » .

Francisco confidenciou que viu«um ícone tão bonito do Cireneuque ajudava Jesus a carregar a cruz:olhando bem para aquele ícone, oCireneu tinha o mesmo rosto que Je-sus». Portanto «se acudires o temploque está doente, o preso, o necessi-tado, o faminto, também o teu cora-ção será mais parecido com o de Je-sus». Por isso, «conservar o templosignifica serviço».

«A primeira palavra, vigilância»,exprime algo que «acontece dentrode nós». Enquanto «a segunda pala-vra» indica-nos o «serviço aos neces-sitados: isso significa purificar otemplo». E «a terceira palavra queme vem à mente lendo o Evangelhoé gratuitidade». No trecho do Evan-gelho, Jesus diz: «A minha casa serácasa de oração. Vós, ao contrário, fi-zestes dela um covil de ladrões».Tendo em mente as palavras do Se-nhor, «quantas vezes com tristezaentramos num templo, numa paró-quia, num episcopado, e não sabe-mos se estamos na casa de Deus ounum supermercado: há ali os merca-dores, até com uma lista dos preçospara os sacramentos» e «falta a gra-tuitidade». Contudo, «Deus salvou-nos gratuitamente, nada nos co-brou», disse, convidando a ajudar«para que as nossas igrejas, paró-quias não sejam supermercados: mascasa de oração, que não sejam covilde ladrões, mas serviço gratuito».Alguém poderia objetar que «deve-mos ter dinheiro para manter a es-trutura e para dar de comer aos sa-cerdotes, aos catequistas». A respos-ta do Pontífice foi clara: «Tu dá gra-tuitamente e Deus providenciará oresto, providenciará o que falta».

«Conservar o templo significa: vi-gilância, serviço e gratuitidade». An-tes de tudo «vigilância no templo donosso coração: devemos prestar aten-ção ao que acontece lá, estar atentosporque é o templo do Espírito San-to». Depois «serviço aos necessita-dos», repetiu, sugerindo que se leiao cap. 25 do Evangelho de Mateus.Serviço inclusive «aos famintos, aosdoentes, aos presos, aos que têm ne-cessidade porque ali está Cristo»,sempre com a certeza de que «o ne-cessitado é o templo de Cristo».

O «terceiro» ponto é a «gratuiti-dade no serviço que se oferece nasnossas igrejas: igrejas de serviço, gra-tuitas. Como foi gratuita a salvação,e não “igrejas-sup ermercado”».

Sexta-feira24 de novembro

A Igreja não éum supermercado

«Igrejas de serviço, igrejas gratuitas,como foi gratuita a salvação, não“igrejas-sup ermercado”»: o Papa nãohesitou em repropor a atualidade dogesto de Jesus de expulsar os merca-dores do templo. «Vigilância, serviçoe gratuitidade»: eis as três palavras-chave de hoje.

«Ambas as leituras da liturgia dehoje falam do templo, aliás, da puri-ficação do templo». Inspirando-seno primeiro livro dos Macabeus (4,36-37.52-59) o Papa observou que«depois da derrota das pessoas queAntíoco Epifânio enviara para paga-nizar o povo, Judas Macabeu e osseus irmãos quiseram purificar otemplo onde se faziam sacrifícios pa-gãos e restabelecer a beleza espiri-tual do templo, o sagrado do tem-plo». Por isso «o povo sentia-se ale-gre». Lê-se que «grandíssima foi aalegria do povo, porque se canceloua vergonha dos pagãos». Portanto,«o povo encontra de novo a sua lei,o seu ser; o templo torna-se outravez o lugar do encontro com Deus».

«O mesmo faz Jesus quando ex-pulsa aqueles que comerciavam notemplo: purifica o templo», afirmouevocando Lucas (19, 45-48). Assim oSenhor torna o templo «como deveser: puro, só para Deus e para o po-vo que vai rezar». Mas «como pode-mos purificar o templo de Deus?».A resposta está em «três palavrasque podem ajudar-nos a compreen-der. Primeira: vigilância; segunda:serviço; terceira: gratuitidade».

«Portanto, vigilância é a primeirapalavra: «Não só o templo físico, osedifícios são os templos de Deus: omais importante templo de Deus é onosso coração, a nossa alma». Aponto que São Paulo diz: «Sois tem-plo do Espírito Santo». Portanto, «oEspírito Santo habita em nós».

E «por isso a primeira palavra»proposta é «vigilância». Eis algumasperguntas para um exame de cons-ciência: «O que acontece no meucoração? Dentro de mim? Como mecomporto com o Espírito Santo? OEspírito Santo é um dos muitos ído-lo que conservo dentro de mim oucuido do Espírito Santo? Aprendi avigiar dentro de mim, a fim de queo templo no meu coração seja só pa-ra o Espírito Santo?».

Eis a importância de «purificar otemplo interior e vigiar». «Está aten-to, está atenta: o que acontece noteu coração? Quem vem quem vai...quais são os teus sentimentos, astuas ideias? Falas com o EspíritoSanto? Ouves o Espírito Santo?».Trata-se contudo de «vigiar: estaratento ao que acontece no nossotemplo, dentro de nós».

A segunda palavra é «serviço».«Jesus faz-nos compreender que eleestá presente de modo especial notemplo dos necesstados». E «diz cla-ramente: está presente nos doentes,nos que sofrem, nos famintos, nospresos, está presente neles». Tam-bém para a palavra «serviço» Fran-cisco sugeriu algumas perguntas pa-

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número 49, quinta-feira 7 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 19

INFORMAÇÕES

Beatificação de Catalina de Maria na Argentina

Na escola de Santo InácioA cidade e arquidiocese argentina deCórdova viveram um evento históri-co, porque pela primeira vez se cele-bou ali uma beatificação: a de ma-dre Catalina de Maria Rodríguez deZavalía (1823-1896), frisou o cardealAngelo Amato, prefeito da Congre-gação para as Causas dos Santos, aopresidir ao rito de beatificação, emrepresentação do Papa Francisco,desta «figura de extraordinária rele-vância eclesial e social». A concele-bração foi realizada no Centro cívicodo bicentenário brigadeiro-generalJuan Bautista Bustos, conhecido po-pularmente como “el panal”, no cen-tro da cidade.

Os santos não são «corpos alheiosà sociedade», acrescentou o purpu-rado. «Formados por Jesus, eles sãopedras vivas da Igreja e da socieda-de» e «edificam a humanidade coma sua bondade e a sua incansável ecriativa obra de caridade». Os san-tos «defendem o bem e procuram detodos os modos limitar o mal». Istofizeram na vida o cura Brochero emadre Catalina, «inspirados peloEvangelho e apoiados pela graça di-vina e hoje justamente glorificadospela Igreja». A beata Catalina, en-contrando o Senhor Jesus, ofereceu-lhe uma dupla resposta: «primeirofoi esposa exemplar e depois, quan-do ficou viúva, coroou o seu sonhojuvenil de consagração total aDeus», fundando as hermanas escla-vas del Corazón de Jesús, consagra-

ção de vida ativa, «dedicada à evan-gelização das mulheres pobres».

Durante a vida, evidenciou o car-deal, «quer casada quer consagrada,difundiu por toda a parte o bomperfume das suas virtudes com umaatitude constante de amabilidade,gentileza e doçura». Como leiga ereligiosa, «manifestou um profundoespírito de fé, visível na oração, naparticipação da missa, na adoraçãoeucarística, na devoção a Nossa Se-nhora, na obediência ao Papa e aosbispos». No instituto, desde o início,o dia 29 de cada mês, recordou opurpurado, «era dedicado à oraçãopelo Santo Padre e à oferta da missae da comunhão segundo as suas in-tenções». Madre Catalina de Maria«vivia na presença de Deus, comoum peixe na água». O tabernáculo«constituía o oásis de descanso econfidência com o Senhor Jesus».Uma devoção particular, «feita deoração e sacrifício, era reservada aoSagrado Coração, fundamento espi-ritual do instituto».

Apoiada por uma fé inabalável,como a de Abraão, madre Catalina«enfrentava as tempestades da vidacom a serenidade própria dos santos,confiando-se completamente à provi-dência divina». E a providência ma-nifestava-se não só «de maneira es-piritual, sugerindo soluções aos pro-blemas, mas também de modo con-

creto, com a chegada de fundos ealimentos para as necessidades diá-rias». Esta fé plena de esperança«proporcionava-lhe consolação e ale-gria, porque a projetava no horizon-te da vida eterna, rumo ao encontrocom o Senhor Ressuscitado, comMaria e com os santos».

A sua caridade «manifestava-se noamor ao próximo na prática dasobras de misericórdia corporal e es-piritual». E a caridade animava tam-bém o carisma fundamental do insti-tuto, «finalizado à redenção espiri-tual e social das adolescentes, das jo-vens e das mulheres pobres, regene-radas pelos exercícios espirituais». Ocardeal Amato evocou um episódiopara frisar a grande caridade da no-va beata. Havia uma menina que,tendo acabado os estudos e devendopagar as últimas taxas, foi abando-nada pelos parentes. Madre Catalinaencontrou uma família que a aco-lheu. Noutra ocasião, ocupou-se deuma aluna cujo pai era protestante.«Os seus preferidos eram os pobrese os humildes — disse o purpurado— mas exercia a sua gentileza tam-bém nas atitudes de bondade paracom as domésticas, os empregados,os operários, todos os que iam tra-balhar no instituto». As testemunhasafirmam que «com espírito maternose preocupava em oferecer-lhes amerenda, de modo a aliviar a sua fa-

diga». Com frequência, ela mesmaservia as jovens enfermas, ajudando-as com médicos e remédios. Nutriauma ternura especial pelas religiosas«dando ordem à enfermeira de reser-var para elas o melhor. Assim faziatambém com as pessoas de serviço».O cardeal recordou que a sua carida-de resplandecia «no perdão dasofensas, retribuindo o mal com obem». Narra-se que uma aluna docolégio de Santiago del Estero adoe-ceu gravemente, recebendo das reli-giosas encarregadas pela madre oscuidados mais solícitos para a suacura. Mas a recompensa foi «a in-gratidão da sua família. Não obstan-te isto, a madre deu ordem para su-portar pacientemente e acolher denovo a menina».

Com criatividade feminina, «aju-dava as mulheres pobres, não só for-mando-as espiritualmente com osexercícios espirituais» mas também«fundando um instituto que as aju-dasse a viver bem». Educada na es-cola inaciana dos exercícios espiri-tuais, a madre «viveu o espírito comgenerosidade, servindo o próximocom amor, prestando o seu serviçoapostólico pela maior glória de Deuse em conformidade com a sua vonta-de, na abnegação ao amor próprio eao interesse pessoal». A herança dabeata madre Catalina é a santidade,concluiu o purpurado, e o lema dobrasão da congregação: «Amor e re-paração» é a síntese mais bonita dasua santidade e laboriosidade.

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 4 de dezembroSua Ex.cia o Senhor José Luis Álva-rez Palacio, Embaixador do Equadorpara a apresentação das Cartas Cre-denciais.Os Senhores Cardeais LeonardoSandri, Prefeito da Congregação pa-ra as Igrejas Orientais; e Juan LuisCipriani Thorne, Arcebispo de Lima(Peru); D. Martín de Elizalde, BispoEmérito de Nueve de Julio (Argenti-na); e Mons. Francesco Follo, Ob-servador Permanente junto das Or-ganizações das Nações Unidas paraa Educação, a Ciência e a Cultura(UNESCO).

Ereção de Dioceses

Sua Santidade erigiu:

A 30 de novembroA Diocese de Bluefields (Nicará-gua), até esta data homónimo Vica-riato Apostólico.A Diocese de Siuna (Nicarágua).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 30 de novembro

De D. Robert Patrick Ellison,C.S.S P., ao governo pastoral da Dio-cese de Banjul (Gâmbia).De D. Peter William Ingham, ao go-verno pastoral da Diocese de Wol-longong (Austrália).

No dia 2 de dezembroDe D. Armando Umberto Gianni,O F.M. Cap., ao governo pastoral daDiocese de Bouar (República Cen-t ro - A f r i c a n a ) .De D. Franciscus Jozef MariaWiertz ao governo pastoral da Dio-cese de Roermond (Países Baixos).

No dia 6 de dezembroDe D. Francisco Javier Delvalle Pa-redes, ao governo pastoral da Dioce-se de Campo Mourão (Brasil).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 30 de novembroBispo de Banjul (Gâmbia), o Rev.do

Pe. Gabriel Mendy, C.S.S P., até hojeProfessor e Vice-Reitor da “SpiritanInternational School of Theology”em Enugu, na Nigéria.

D. Gabriel Mendy, C.S.S P., nasceu a9 de abril de 1967, em Banjul (Gâm-bia). Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 15 de novembro de 1997.

Bispo da Diocese de Wollongong(Austrália), o Rev.mo Mons. BrianMascord, do clero da Diocese deMaitland-Newcastle, até esta dataVigário-Geral da mesma Sede.

D. Brian Mascord nasceu emNewcastle (Austrália), no dia 30 dejaneiro de 1959. Foi ordenado Sacerdo-te a 31 de outubro de 1992.

Bispo de Sulmona-Valva (Itália), oR e v. do Pe. Michele Fusco, do cleroda Arquidiocese de Amalfi — Cavade’ Tirreni, até agora Pároco deSanta Maria Assunta em Positano eDiretor Espiritual no Seminário Me-tropolitano João Paulo II de Saler-no.

D. Michele Fusco nasceu em Pianodi Sorrento (Itália), a 6 de dezembrode 1963. Recebeu a Ordenação sacer-dotal no dia 25 de junho de 1988.

Bispo de Bluefields (Nicarágua), D.Pablo Schmitz Simon, O.F.M. Cap.,até hoje Vigário Apostólico da mes-ma Sede.Primeiro Bispo da Diocese de Siuna(Nicarágua), D. David Albin ZywiecSidor, O.F.M. Cap., até à presente da-ta Auxiliar do Vicariato Apostólicode Bluefields.

A 2 de dezembroBispo da Diocese de Bouar (Repú-blica Centro-Africana), o Rev.do Pe .M i ro s ław Gucwa, do clero da Dioce-se de Tarnów (Polónia), até esta da-ta Vigário-Geral da mesma Sede.

D. Mirosław Gucwa nasceu em Pi-sarzowa (Polónia), a 21 de novembrode 1963. Foi ordenado Sacerdote nodia 12 de junho de 1988.

A 3 de dezembroAuxiliar de Brownsville (E UA ), oR e v. do Pe. Mario Alberto Avilés,

C.O., até agora Procurador-Geral daConfederação do Oratório de SãoFilipe Neri e Pároco da «SacredHeart Parish» em Hidalgo, simulta-neamente eleito Bispo Titular deCataquas.

D. Mario Alberto Avilés, C.O., nas-ceu no dia 16 de setembro de 1969, naCidade do México. Recebeu a Ordena-ção sacerdotal a 21 de julho de 1998.

A 5 de dezembroBispo de Richmond (E UA ), D. BarryC. Knestout, até à presente data Au-xiliar de Washington.Bispo de Christchurch (Nova Zelân-dia), o Rev.do Pe. Paul Martin, M.S.,até hoje Ecónomo-Geral dos PadresMaristas em Roma.

D. Paul Martin, M.S., nasceu emHastings (Nova Zelândia), no dia 5de maio de 1967. Foi ordenado Sacer-dote a 4 de setembro de 1993.

Auxiliar de Quilmes (Argentina), oR e v. do Pe. Marcelo Julián Margni,do clero da mesma Sede, até estadata Reitor do Seminário diocesano,simultaneamente Bispo Titular deStephaniacum.

D. Marcelo Julián Margni nasceuem Avellaneda (Argentina), a 12 de se-tembro de 1971. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal no dia 24 de setembro de1999.

A 6 de dezembroBispo da Diocese de Campo Mou-rão (Brasil), D. Bruno Elizeu Versa-ri, até à presente data Coadjutor damesma Sede.

Page 19: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO · guindo as pegadas de dois dos meus Predecessores, o Papa PauloVI eo Papa João PauloII, estou aqui para rezar

página 20 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 7 de dezembro de 2017, número 49

Na audiência geral a recordação da viagem ao Myanmar e Bangladesh

Vi o futuro da ÁsiaNa audiência geral de quarta-feira, 6de dezembro, o Papa repercorreu a 21ªviagem internacional do Pontificado.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje gostaria de falar sobre a viagemapostólica que realizei recentementeao Myanmar e ao Bangladesh. Foium grande dom de Deus e por issodou-lhe graças por todas as coisas,especialmente pelos encontros quepude realizar. Renovo a expressãoda minha gratidão às autoridadesdos dois países e aos respetivos Bis-pos, por todo o trabalho de prepara-ção e pelo acolhimento reservado amim e aos meus colaboradores. De-sejo transmitir um sentido “obriga-do” ao povo birmanês e bengalês,que me demonstraram tanta fé emuito afeto: obrigado!

Pela primeira vez um sucessor dePedro visitava o Myanmar e istoaconteceu pouco depois que foramestabelecidas relações diplomáticasentre esse país e a Santa Sé.

Desejei, também neste caso, expri-mir a proximidade de Cristo e daIgreja a um povo que sofreu devidoa conflitos e repressões e que agoraestá a caminhar lentamente rumo auma nova condição de liberdade e depaz. Um povo no qual a religião bu-dista está fortemente radicada, comos seus princípios espirituais e éti-cos, e onde os cristãos estão presen-tes como pequeno rebanho e fer-mento do Reino de Deus. Tive aalegria de confirmar na fé e na co-munhão esta Igreja, viva e fervorosa,durante o encontro com os Bisposdo país e nas duas celebrações euca-rísticas. A primeira foi na grandeárea desportiva no centro de Yan-gon, e o Evangelho daquele dia re-cordou que as perseguições por cau-sa da fé em Jesus são normais paraos discípulos, como ocasião de teste-munho, mas que “nem sequer um fiode cabelo lhes será tocado” (cf. Lc21, 12-19). A segunda Missa, últimoato da visita ao Myanmar, foi dedi-cada aos jovens: um sinal de esperançae um dom especial da Virgem Ma-ria, na catedral que tem o seu nome.Nos rostos daqueles jovens, cheiosde alegria, vi o futuro da Ásia: umfuturo que não será de quem fabricaarmas, mas de quem semeia fraterni-dade. E sempre em sinal de esperan-ça benzi as primeiras pedras de 16igrejas, do seminário e da nunciatu-ra: dezoito!

Além da Comunidade católica,pude encontrar-me com as Autorida-des do Myanmar, encorajando os es-forços de pacificação do país e fa-zendo votos para que todos os várioscomponentes da nação, sem excluirninguém, possam cooperar para talprocesso no respeito recíproco. Neste es-pírito, quis encontrar-me com os re-presentantes das diversas comunida-des religiosas presentes no país. Emparticular, ao Supremo Conselhodos monges budistas manifestei a es-tima da Igreja pela sua antiga tradi-ção espiritual, e a confiança de quecristãos e budistas juntos possam aju-dar as pessoas a amar a Deus e aopróximo, rejeitando qualquer violên-cia e opondo-se ao mal com o bem.

Ao deixar o Myanmar, fui aoBangladesh, onde o meu primeiro

gesto foi prestar homenagem aosmártires da luta pela independênciae ao “Pai da Nação”. A populaçãodo Bangladesh é em grande parte dereligião muçulmana e, por conse-guinte, a minha visita — depois da-quelas do beato Paulo VI e de sãoJoão Paulo II — deu um ulterior passoa favor do respeito e do diálogo entre ocristianismo e o islão.

Recordei às Autoridades do paísque a Santa Sé apoiou desde o iní-cio a vontade do povo bengalês dese constituir nação independente, as-sim como a exigência de que nelaseja sempre tutelada a liberdade reli-giosa. Em particular, quis exprimirsolidariedade ao Bangladesh no seucompromisso de socorrer os refugia-dos Rohingyas, que afluem em mas-sa ao seu território, onde a densida-de demográfica é já uma das maiselevadas do mundo.

A Missa celebrada num históricoparque de Daca foi enriquecida pelaOrdenação de dezasseis sacerdotes, eeste foi um dos eventos mais signifi-cativos e jubilosos da viagem. Defacto, tanto no Bangladesh como noMyanmar e nos outros países do su-deste asiático, graças a Deus não fal-tam vocações, sinal de comunidadesvivas, nas quais ressoa a voz do Se-nhor que chama para o seguir. Parti-lhei esta alegria com os Bispos doBangladesh e encorajei-os no seu ge-nerosos trabalho em prol das famí-lias, dos pobres, da educação, dodiálogo e da paz social. E partilheiesta alegria com muitos s a c e rd o t e s ,

c o n s a g ra d a s e consagrados do país, as-sim como com os seminaristas, as no-viças e os noviços, nos quais vi reben-tos da Igreja naquela terra.

Em Daca vivemos um momentoforte de diálogo inter-religioso e ecu-ménico, que me deu a oportunidadede evidenciar a abertura do coraçãocomo base da cultura do encontro,da harmonia e da paz. Também visi-tei a “Casa Madre Teresa”, onde asanta se hospedava quando ia àquelacidade, e que acolhe muitos órfãos epessoas com deficiência. Lá, segun-do o carisma delas, as religiosas vi-vem cada dia a oração de adoração eo serviço a Cristo pobre e sofredor.E nunca falta nos seus lábios o sorri-so: religiosas que rezam muito, queservem os sofredores e mantêm con-tinuamente o sorriso. É um bonitotestemunho. Agradeço muito a estasirmãzinhas.

O último evento foi com os jovensbengaleses, rico de testemunhos, can-tos e danças. Mas como dançambem, esses bengaleses! Sabem dan-çar bem! Uma festa que manifestoua alegria do Evangelho recebido poraquela cultura: uma alegria fecunda-da pelos sacrifícios de tantos missio-

nários, catequistas e pais cristãos.No encontro estavam presentes tam-bém jovens muçulmanos e de outrasreligiões: um sinal de esperança parao Bangladesh, para a Ásia e para omundo inteiro. Obrigado.

No final do encontro o Santo Padresaudou os grupos presentes e lançouum apelo a favor de Jerusalém.

Dirijo uma cordial saudação aos pe-regrinos de língua portuguesa aquipresentes, particularmente aos fiéisbrasileiros. Caros amigos, neste iní-cio de Advento, somos convidados air ao encontro de Jesus que nos es-pera em todos os necessitados, aosquais podemos levar a luz do Evan-gelho e o alívio da caridade. QueDeus vos abençoe!

O meu pensamento agora dirige-se a Jerusalém. Não posso silenciar aminha profunda preocupação pelasituação que se criou nos últimosdias e, ao mesmo tempo, lanço umurgente apelo a fim de que sejacompromisso de todos respeitar ostatus quo da cidade, em conformi-dade com as pertinentes Resoluçõesdas Nações Unidas.

Jerusalém é uma cidade única, sa-grada para os judeus, os cristãos eos muçulmanos, que nela veneramos Lugares Sagrados das respetivasreligiões, e tem uma vocação espe-cial para a paz.

Peço ao Senhor que esta identida-de seja preservada e fortalecida embenefício da Terra Santa, do MédioOriente e do mundo inteiro e queprevaleçam sabedoria e prudência,para evitar que se acrescentem novoselementos de tensão num panoramamundial já agitado e marcado pormuitos e cruéis conflitos.

Francisco em prol da Terra Santa

Onde Deus fala à humanidade

Gentis Senhores e Senhoras,é-me grato receber a vossa delegação, hóspede do Pon-tifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, queveio ao Vaticano a fim de explorar caminhos para acriação de um Grupo de trabalho permanente para odiálogo entre este Dicastério e a Comissão Palestinapara o Diálogo Inter-religioso.

Se para a Igreja Católica é sempre uma alegria cons-truir pontes de diálogo com comunidades, pessoas eorganizações, é sem dúvida uma alegria particular fazê-lo com personalidades religiosas e intelectuais palesti-nos.

A Terra Santa é, por excelência, para nós cristãos aterra do diálogo entre Deus e a humanidade. Um diá-logo que culminou em Nazaré, entre o Anjo Gabriel ea Virgem Maria, acontecimento ao qual faz referênciatambém o Alcorão.

O diálogo continua também de maneira singular en-tre Jesus e o seu povo em representação de toda a hu-manidade. Com efeito, Jesus é o Verbo de Deus e oseu falar aos homens e às mulheres é, retomando as pa-lavras de um expoente muçulmano, «o diálogo deDeus com a humanidade».

O diálogo estabelece-se a todos os níveis: consigomesmos, através da reflexão e da oração, em família,

no seio da comunidade religiosa, entre as diversascomunidades religiosas, e também com a sociedadecivil. A sua condição primária é o respeito recíprocoe, ao mesmo tempo, a consolidação deste respeito afim de reconhecer os direitos a todas as pessoas, ondequer que se encontrem. Do diálogo brota um maiorconhecimento recíproco, uma maior estima recíprocae uma colaboração para o consecução do bem comume para uma ação sinérgica em relação às pessoascarenciadas, garantindo-lhes toda a assistência neces-sária.

Faço votos a fim de que as vossas consultas levem acriar um espaço de diálogo sincero em prol de todas ascomponentes da sociedade palestina, em particular da-quela cristã, tendo em conta a sua exígua consistêncianumérica e os desafios aos quais é chamada a respon-der, especialmente no que diz respeito à emigração.

Estou ciente da atenção que as Autoridades do Esta-do da Palestina, em particular o Presidente MahmoudAbbas, têm em relação à comunidade cristã, reconhe-cendo o seu lugar e o seu papel na sociedade palestina.Invoco sobre todos vós abundantes bênçãos e desejopaz e prosperidade para o povo palestino, para a TerraSanta e para todo o Médio Oriente, que é muito queri-do a mim e à Igreja Católica.

Antes da audiência geral de quarta-feira 6 de dezembro, no gabinete adjacente à Sala Paulo VI, o Papa recebeu osparticipantes na reunião entre o Pontifício conselho para o diálogo inter-religioso e a correspondente comissão do Estadoda Palestina, realizada no dia 5. A delegação palestina guiada pelo xeque presidente Mahmoud Al-Habbash, juizsupremo, era composta por Ziad Al-Bandak, Adnan Al-Husseini, Issa Kassisieh e Ammar Al-Nisnas. Com eles estavapresente a senhora May Al-Kaila, embaixadora do Estado da Palestina na Itália. Pelo dicastério vaticano estavampresentes o cardeal presidente Jean-Louis Tauran, o bispo secretário Miguel Ángel Ayuso Guixot e monsenhor KhaledAkasheh, chefe de departamento para o islão. As duas partes decidiram instituir um Grupo de trabalho permanente,através da assinatura de um memorandum de entendimento. Publicamos a seguir o texto do discurso do Pontífice.