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Papa Francisco

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Índice

Abreviaturas e siglas 11

Prefácio 13

Introdução à edição original 17

I. «As palavras que vos disse são espírito e são vida.» 19

«Convertam-se e acreditem na Boa Nova» 21

Deixarmo-nos encontrar para ajudar ao encontro 24

«Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto» 31

O Tesouro do Nosso Barro 35

«Levanta-te e come, porque ainda tens um caminho

longo a percorrer…» 40

«Jesus subiu depois a um monte, chamou os que ele

queria e foram ter com ele» 45

Vigia os teus passos quando fores a casa do Senhor.

Aproxima-te disposto a escutar 54

Modelo do peregrino incansável 61

«Ele chama cada uma pelo seu nome, e fá-las sair…» 66

II. «A minha doutrina não Me pertence, é d’Aquele que Me enviou.» 73

Educar na cultura do encontro 75

«O que nutre e faz crescer» 89

Somos um povo com vocação de grandeza 96

Educar, um compromisso partilhado 120

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III. «“Eis a tua mãe.” E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua.» 143

Precisamos do seu olhar terno 145

«Ajuda-nos a encontrar Jesus em cada irmão» 147

«Mãe, ajuda-nos, queremos ser um só povo» 148

«Mãe, ajuda-nos a proteger a vida» 151

Mãe, dizemos-lhe, precisamos de viver como irmãos 164

IV. «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de David,

nasceu-vos um Salvador.» 167

«Deus connosco» 169

Uma luz que é a esperança do Povo de Deus 171

«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz» 173

Dai-nos um sinal 175

Nasceu de noite e foi anunciado de noite 178

Envolveu-o em panos e deitou-o numa manjedoura 181

V. «Dei-lhes a conhecer quem Tu és e continuarei a dar-Te a conhecer, a fim de que o amor que me tiveste esteja neles e Eu esteja neles também.» 183

Ungir é um gesto que se faz com todo o ser 185

Aos sacerdotes da arquidiocese 188

«Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de júbilo» 193

«Aquele que me ama será fiel à minha Palavra e o meu

Pai o amará» 196

Unge-o para sarar, unge-o para libertar… 200

A esperança de que Deus cuide da nossa fragilidade 203

Onde levamos a fragilidade de que saímos ao encontro

e de que estamos a cuidar? 207

«Hoje cumpriu-se esta passagem da Escritura que

acabam de ouvir» 210

A homilia de Jesus foi curtinha 213

Page 4: Papa Francisco

Enviados para levar esta unção com fervor apostólico

a todas as periferias 218

VI. «Porque procuram entre os mortos o que está vivo? Não está aqui, ressuscitou.» 225

O anjo tira o medo às mulheres: «não temam» 227

«Não está aqui, ressuscitou» 229

O sentido da história muda-nos a todos 232

A paralisia adoece-nos a alma 234

A recordação insere-as na realidade 236

Este era verdadeiramente o Filho de Deus! 239

Elas queriam ungir o corpo de Jesus 241

O que se passava no coração destas mulheres e

dos discípulos? 244

VII. «Dai-lhes vós mesmos de comer.» 247

Recordar o Pai não é apenas mais uma lembrança 249

Onde queres que te preparemos a eucaristia? 251

«Todos comeram até ficarem saciados» 254

«Recorda-te de todo esse caminho que o Senhor teu

Deus te fez percorrer» 257

«Partiu e deu o pão» 260

«Falou à multidão sobre o Reino de Deus» 263

«Há um só pão» 267

O Senhor caminha junto a nós 270

«O partiu e o deu aos seus discípulos» 274

VIII. «Quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus.» 279

Encontro de políticos e legisladores da América Latina 281

«O humano como chave do trabalho político-social» 283

Comunicador, quem é o teu próximo? 286

Duc in altum, o pensamento social de João Paulo II 296

Deixem-se reconciliar com Deus 312

Page 5: Papa Francisco

A doce e confortadora alegria de pregar 316

«Sangue de mártires, semente de cristãos» 330

«Levados pela sua mão» 336

Bem-aventurado sejas por não terem como te retribuir! 339

«O discípulo não é mais do que o seu Mestre» 343

«Aproximam-nos ou afastam-nos?» 347

«Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa

recompensa no Céu» 356

«A graça de nos sentirmos ouvidos» 366

«Dignidade e plenitude de vida» 369

Quando oramos estamos a lutar pelo nosso povo 373

Page 6: Papa Francisco

Abreviaturas e siglas

Abreviaturas dos livros da Bíblia

At Atos dos Apóstolos

Ap Apocalipse de São João

Cl Carta aos Colossenses

1 Cor 1.ª Carta aos Coríntios

2 Cor 2.ª Carta aos Coríntios

Dt Livro do Deuteronómio

Ef Carta aos Efésios

Ex Livro do Êxodo

Fl Carta aos Filipenses

Gl Carta aos Gálatas

Gn Livro do Génesis

Hb Carta aos Hebreus

Is Profecia de Isaías

Jo Evangelho segundo

São João

1 Jo 1.ª Carta de João

Jb Livro de Job

Jz Livro dos Juízes

Lc Evangelho segundo

São Lucas

1 Mc 1.º Livro dos Macabeus

Mc Evangelho segundo

São Marcos

Mt Evangelho segundo

São Mateus

Ne Livro de Neemias

Nm Livro dos Números

1 Rs 1.º Livro dos Reis

Rm Carta aos Romanos

Sf Livro de Sofonias

Sl Livro dos Salmos

1 Sm 1.º Livro de Samuel

2 Sm 2.º Livro de Samuel

1 Ts 1.ª Tessalonicenses

2 Tm 2.ª Carta a Timóteo

Tt Carta a Tito

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Siglas de Documentos da Igreja

AG Ad Gentes. Conc. Ecum.

Vaticano II, decreto

sobre a atividade

missionária da Igreja.

CA Centesimus Annus. Carta

encíclica de João Paulo II,

no centenário da Rerum

Novarum.

CaIC Catecismo da Igreja

Católica.

CL Christifideles Laici.

Exortação apostólica

pós-sinodal de João Paulo II

sobre os Leigos.

DCE Deus Caritas Est. Carta

encíclica de Bento XVI.

DD Dies Domini. Carta

apostólica de João Paulo II

sobre o Domingo.

DP Documento de Popula.

DV Dei Verbum. Conc. Ecum.

Vaticano II, constituição

dogmática sobre a revela-

ção divina.

EAm Ecclesia in America.

Exortação apostólica

pós-sinodal de João

Paulo II.

EE Ecclesia de Eucharistia.

Encíclica de João Paulo II

no seu Jubileu de Pontífice.

EN Evangelii Nuntiandi.

Exortação apostólica

de Paulo VI, sobre a

Evangelização.

GS Gaudium et Spes. Conc.

Ecum. Vaticano II,

constituição pastoral

sobre a Igreja no mundo

contemporâneo.

LE Laborem Exercens. Carta

encíclica de João Paulo II,

sobre o Trabalho Humano.

NMI Novo Millennio Ineunte.

Carta programática de

João Paulo II para o

3.º Milénio.

PDV Pastores Dabo Vobis.

Exortação apostólica

pós-sinodal de João

Paulo II sobre o clero.

RM. Redemptoris Missio. Carta

encíclica de João Paulo II.

RM Redemptoris Mater.

Encíclica de João Paulo II

sobre Maria.

SRS Sollicitudo Rei Socialis.

Encíclica social de João

Paulo II.

TMA Tertio Millennio

Adveniente. Exortação

apostólica de João Paulo II.

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Prefácio

Eu sei que a história se deve contar de trás para a frente e não ao contrário. Partir do presente para ver e julgar o passado traz sempre riscos dum olhar imperfeito, porventura desfo-cado, sobre factos e pessoas. Mas estou perplexo. Como falar dos escritos de Jorge Mario Bergoglio do início do século sem percorrer o itinerário que a Igreja e o mundo seguiram na tarde daquele dia 13 de março, em que um homem vestido de branco, vindo do «fim do mundo», deixou o mundo per-plexo com a sua serenidade, o seu olhar, o seu afeto, a sua humildade, o seu despojamento, inteiramente desarmado ou munido apenas da misericórdia, da Igreja desprendida, da atenção aos pobres, sós, idosos, doentes, e os que vivem na periferia da existência? Esse homem, sendo jesuíta, escolhe o nome de Francisco e, em poucos gestos, em poucos dias, profere um discurso de esperança e de Misericórdia. Escreve quase sem o querer a sua primeira Encíclica.

Em Roma acompanhei-o como jornalista, passo a passo, palavra a palavra, durante uma semana. E depois, já longe, nunca mais lhe perdi um gesto e um dizer. Não irei aqui descre-ver tudo o que segui e reportei em televisão. Mas com mais de

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

5000 jornalistas de todas as nacionalidades e crenças testemu-nhei a grandeza simples dum homem de Deus que, num palácio de aspeto sumptuoso, surge ao mundo como num recanto sóbrio do pobre de Assis. Foi esse milagre que o mundo não esqueceu e acompanhou na Varanda Central, na Casa de Santa Marta, no autocarro com os cardeais, na cruz peitoral, na Igreja de Santana, na Praça de S. Pedro, na Sala Clementina, no Auditório Paulo VI, na Quinta-feira Santa, no Instituto Prisional, na Adora- ção da Cruz, na Via Sacra, na Vigília Pascal e na mensagem sim-ples que dirigiu a Roma, sua Diocese, e ao mundo…

E ainda não falei deste livro, contrariando a frase com que abri este texto simples. Quero apenas dizer que não estaremos iludidos se nos fixarmos no rosto deste homem vindo de longe, que é o Papa que foi dado à sua Igreja. Aqui temos uma chave para compreendermos o que ele disse, desde 2000, sobre a cate-quese, a educação, a Mãe de Jesus, o Natal, a Páscoa, o Corpo de Deus, o mundo da cultura, a exigência da cidadania, o vín-culo social do serviço, o Povo. O Povo dos pobres, dos frágeis, dos vulneráveis, que exige que o Poder seja serviço. A escolha inteligente da Editorial Claretiana [editora argentina que ini-cialmente publicou estes escritos (N. do E.)] parece ter pegado também na história ao contrário. Expõe escritos inéditos que parecem profecias do Papa Francisco, na transparência de alma que acompanha todos os percursos pastorais, sendo ao mesmo tempo, como ele pede aos catequistas, alguém que ensina e testemunha, nunca separando este dois elementos na comunicação da fé.

Continuam a chegar notícias todos os dias deste homem invulgar. Uma tem que ver com a intervenção do Cardeal Bergoglio numa das reuniões em Sede Vacante com os Cardeais, antes da eleição do novo Papa, sobre o perfil e as primeiras obrigações da Igreja. Há um rascunho manuscrito da intervenção de Bergoglio. Mais original não podia ser.

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O Verdadeiro Poder É Servir

O Cardeal Jaime Ortega, de Cuba, pediu-lhe primeiro uma cópia, depois autorização para facultar a outros. Chegou-me esse manuscrito, original, em castelhano, através dum amigo. Não resisto a narrar literalmente o essencial dessa cábula cardinalícia: «A evangelização é a razão de ser da Igreja… A Igreja está chamada a sair de si mesma e a ir para as perife-rias não só geográficas, mas também as periferias existenciais: as do mistério do pecado, as da dor, as da injustiça, as da ignorância, da indiferença religiosa, as do pensamento, as de toda a miséria… Quando a Igreja não sai de si mesma para evangelizar torna-se autorreferência e então adoece… numa espécie de narcisismo teológico.»

Sei que um telefonema no início de março me fez escrever, quase em garatuja, uma nota sem futuro, com o nome Jorge Mario, argentino, como o primeiro da lista a ser Papa. Mas, depois, com tantos adivinhos sobre o futuro Papa, arrefeci de todo essa hipótese, reconhecendo a idade e a emergência de outros cardeais que estariam na crista da onda, ou melhor, das ondas, tantas eram as que se levantavam no interior do Vaticano, na casa da Cúria, no estado de desarrumação em que a Igreja vivia, nos documentos secretos, nas manobras dos bancos, nas mil e uma intrigas que traria um tal rela-tório entregue em segredo, para também em total segredo ser entregue ao novo Papa. Segui em Roma os últimos gestos e palavras de Bento XVI como Papa, segui análises de mil sábios que do Espírito Santo exigiam um super Papa, pertencente não ao mundo dos humanos mas ao planeta do imaginário. O Espírito enviou-nos o Papa Francisco que já estava latente em cada respiração deste Poder que é serviço. Guiados pelo Espírito, podemos ler a história em qualquer direção.

O presente livro não se perde nos atalhos da insignifi- cância. É um manual do Pastor de alma lavada, com o Evangelho e o Homem na mesma balança com o ponto de

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

equilíbrio na estonteante misericórdia de Deus. É disso que se não tem cansado de falar o Papa Francisco. Que muito antes de ser Papa tinha o coração moldado à medida de Deus. Com a urgência de evangelizar. Daí a oportunidade deste «Verdadeiro Poder que é Servir».

Cónego António Rego

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Introdução à edição original

Há já alguns anos que a Editorial Claretiana vem publicando pequenos livros do arcebispo de Buenos Aires, sempre muito bem recebidos pelo público. Desde então que tenho pensado em publicar todos os seus escritos num único volume. Depois de dar voltas à ideia e de discutir o assunto com os meus colegas da equipa editorial, desisti de reunir o que já estava publicado — e que continua à disposição dos leitores —, compilando apenas os textos que ainda não tinham sido edi-tados de maneira sistemática. Penso que tais textos podem prestar, hoje, um excelente serviço, não apenas à Igreja de Buenos Aires mas também a todo o Povo de Deus.

Organizámos o livro, com a equipa editorial, seguindo alguns núcleos que nos vão mostrando o pensamento e os ensinamentos de Jorge Bergoglio. Em primeiro lugar, agru-pámos os textos catequéticos, educativos e marianos. Num segundo núcleo, as homilias de Natal, Quinta-Feira Santa, Páscoa e Corpo de Cristo. Finalmente, uma série de textos dirigidos ao diálogo com o mundo da Cultura.

De qualquer modo, há certas constantes que atravessam todo o livro, todas as suas exposições e, consequentemente, toda a sua ação pastoral, que me parece importante destacar:

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

Por um lado, o facto de «criar cidadania», o desafio de sentir «o profundo chamamento a procurar a alegria e a satisfação de construirmos juntos um lar, a nossa Pátria». Por outro, numa conjuntura difícil e complicada como a que estamos a viver, impõe-se-nos deixarmo-nos «convocar pela força trans-formadora da amizade social, essa mesma que o nosso povo cultivou com tantos grupos e culturas que povoaram e povoam o nosso país. Um povo que aposta no longo prazo e não no momento…»

E tudo isto realizado segundo a perspetiva do serviço. «Fazer pelos outros e para os outros.» «Trata-se de uma revo-lução baseada no vínculo social do serviço.» Certamente, não devemos confundir serviço com servilismo — cega e vil adesão à autoridade. Devemos «entrar no território do serviçalismo, esse espaço que se estende até onde chega a nossa preocupa-ção com o bem comum e que é a pátria verdadeira».

Finalmente, estarmos conscientes da fragilidade em que estamos a viver, em todos os sentidos: no pessoal, nas nossas famílias, no nosso trabalho, na nossa sociedade. «Precisamos de cuidar da fragilidade do nosso povo. Esta é a Boa Nova: que, apesar de pobres, frágeis e vulneráveis, pequenos como somos, fomos, tal como Maria, olhados com bondade na nossa pequenez e fazemos parte de um povo sobre o qual se estende, de geração em geração, a misericórdia do Deus dos nossos pais.»

P. Gustavo Larrazábal, CMF

Diretor da Editorial Claretiana (2007)

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I

«As palavras que vos disse são espírito e são vida.»

Jo 6,63

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«CONVERTAM-SE E ACREDITEM NA BOA NOVA»

«Convertam-se e acreditem na Boa Nova», disse o Papa João Paulo II, na Quarta-feira de Cinzas.

Começamos a Quaresma com esta missão. Abrindo o nosso coração de forma a acreditar no verdadeiro Evangelho. Não no Evangelho em BD, no Evangelho light ou no Evangelho destilado, mas no verdadeiro Evangelho. E isto é-vos pedido hoje de uma forma especial a vós, catequistas: «Convertam--se e acreditem no Evangelho.»

Mas também vos é dada outra missão na Igreja: fazer com que outros acreditem no Evangelho. Observando-vos, vendo aquilo que fazem, como se comportam, o que dizem, como se sentem, como amam: que acreditam no Evangelho.

O Evangelho afirma que o Espírito levou Jesus ao deserto, onde conviveu com feras como se nada se passasse. Isto faz--nos recordar o que aconteceu no início: o primeiro homem e a primeira mulher viviam entre feras, e nada de mal se passava. Naquele paraíso tudo era paz, tudo era alegria. E ali foram tentados, tal como Jesus foi tentado.

Jesus quis fazer, no começo da sua vida, depois do seu batismo, algo parecido com o que aconteceu no início. E esse

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

gesto de Jesus de conviver em paz com toda a natureza, numa solidão fecunda do coração e em tentação, indica-nos o que viria a fazer. Viria a restaurar, a recriar.

Numa oração que fizemos durante o ano na missa, dis-semos algo muito bonito: «Deus, que tão admiravelmente criaste todas as coisas, mais admiravelmente as recriaste.»

Jesus veio com esta maravilhosa vocação para recriar, voltar a dar harmonia às coisas, mesmo na tentação. Será isto claro? A Quaresma é este caminho. Na Quaresma, todos temos de estar preparados para que Jesus, com a força do seu Espírito, o mesmo que o conduziu ao deserto, volte a dar harmonia aos nossos corações. Não uma harmonia como alguns pre-tendem, assente em escassas orações e intimismos baratos. Mas uma harmonia assente na missão, no trabalho apostó-lico, na oração diária, no trabalho, na força, no testemunho. Dando lugar a Jesus, porque, como nos diz o Evangelho, o tempo é cada vez mais curto. Estamos a viver os últimos tempos, desde há 2000 anos, os tempos que Jesus instaurou, tempos deste processo de rearmonização.

O tempo urge. Não temos o direito de ficar simplesmente a acariciar a alma. De ficarmos fechados no nosso mundinho… pequenino. Não temos o direito de nos sentirmos tranquilos e de gostarmos de nós próprios. Como me amo! Não, não temos esse direito! Temos de sair pelo mundo e contar que, há 2000 anos, um homem quis reconstruir o paraíso terrestre e veio para isso mesmo. Para voltar a equilibrar as coisas. Temos de o dizer à «dona Rosa», que encontramos na varanda. Temos de o dizer aos miúdos, àqueles que já perderam a esperança e àqueles para quem tudo é «pálido», tudo é música de tango, tudo é um cambalacho. Temos de o dizer à senhora gorda com a mania de que é fina e que acredita que esticando a pele vai obter a vida eterna. Temos de o anunciar aos jovens que, tal como a senhora da varanda, mostram que querem viver nos mesmos

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O Verdadeiro Poder É Servir

moldes. Não vou aqui dizer a letra do tango, mas, se o fizesse, seria algo como: «faças o que fizeres, é tudo igual.»

Temos de falar com estas pessoas da cidade que vemos nas suas varandas. Temos de abandonar as nossas cascas e dizer-lhes que Jesus vive, que Jesus vive para cada um de nós, afirmando-o com alegria... mesmo que às vezes nos asseme-lhemos a loucos. A mensagem do Evangelho é loucura, diz São Paulo. Nem toda a nossa vida chegaria para nos dedicar-mos a esta tarefa e anunciar que Jesus está a restaurar a vida. Temos de semear a esperança, de sair às ruas. Temos de começar.

Tal como a dona Rosa, quantos velhos vivem vidas tristes, sem muitas vezes terem dinheiro para comprar remédios. A quantas crianças estamos a meter na cabeça ideias que nós recebemos como grandes novidades, mas que, na Europa e nos Estados Unidos, foram atiradas para o lixo há mais de dez anos, e consideramos isso um grande progresso educativo.

Quantos jovens vivem as suas vidas atordoados com as dro-gas e o barulho porque não encontram um sentido, porque ninguém lhes disse que havia algo grandioso. Quantos nostál-gicos também há nas nossas cidades que precisam de saborear copo atrás de copo até se esquecerem.

Quantas pessoas boas, mas vaidosas, que vivem das apa-rências, correm o perigo de cair na soberba e no orgulho.

E nós, vamos ficar em casa? Vamos fechar-nos na paró-quia? Vamos ficar no cemitério paroquial ou nas escolas, nas instituições eclesiásticas? Quando toda a gente nos espera?! As pessoas da nossa cidade! Uma cidade que tem reservas religiosas e culturais, uma cidade preciosa, bela, mas que está tentada por Satanás. Não podemos ficar sós, não nos pode-mos limitar à paróquia ou à escola. Catequistas, saiam à rua! A educar, a procurar, a bater às portas. A bater aos corações.

A primeira coisa que a Virgem Maria fez, quando rece-beu a Boa Nova no seu sonho, foi sair a correr servindo o

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

Senhor. Saiamos também a correr para prestar o serviço de dar a conhecer aos outros a Boa Nova em que acreditamos. Que esta seja a nossa conversão: a Boa Nova de Cristo ontem, hoje e sempre. Assim seja.

Homilia aos Catequistas, Encontro Arquidiocesano de Catequistas

(EAC), março de 2000

DEIXARMO-NOS ENCONTRAR PARA AJUDAR AO ENCONTRO

Em cada segundo sábado de março temos a oportunidade de nos encontrar no EAC. Ali, retomamos juntos o ciclo anual da catequese, concentrando-nos numa ideia fulcral que nos acompanhará ao longo de todo o ano. É um momento intenso de encontro, de festa, de comunhão, que valorizo muito e tenho a certeza de que vós também.

Agora que se aproxima a celebração de São Pio X, padroeiro dos catequistas, queria dirigir-me a cada um de vós através desta carta. No meio de todas as atividades, quando o cansaço se começa a fazer sentir, desejo dar-vos ânimo, enquanto padre e irmão, e convidar-vos a parar para refletirmos juntos sobre alguns aspetos da vida pastoral catequística.

Tenho consciência de que, como bispo, devo ser o primeiro catequista da diocese. Mas queria sobretudo, por este meio, vencer um pouco o anonimato, próprio da grande cidade, que muitas vezes impede um encontro pessoal que certamente todos procu-ramos. Além disso, esta pode ser mais uma maneira de traçar linhas comuns na pastoral catequística da arquidiocese que per-mitam uma profunda unidade dentro da pluralidade lógica e sã própria de uma cidade tão grande e complexa como Buenos Aires.

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O Verdadeiro Poder É Servir

Nesta carta, preferi não me deter em nenhum aspeto parti- cular da práxis catequística, mas na própria pessoa do catequista.

Inúmeros documentos lembram-nos de que toda a comu-nidade cristã é responsável pela catequese. Algo lógico, já que a catequese é um aspeto da evangelização. E a Igreja é quem evangeliza; portanto, neste período de ensinamento e de apro-fundamento do significado do mistério de Cristo, «deve ser obra não apenas dos catequistas ou sacerdotes, mas de toda a comunidade dos fiéis…» (AG 14D). A catequese ver-se-ia seriamente comprometida se dependesse da ação isolada e solitária dos catequistas. Por isso, nunca é demais o esforço para esta tomada de consciência. O caminho empreendido há anos, na procura de uma vida pastoral fundamental, contribuiu notavelmente para um maior compromisso de toda a comunidade cristã em iniciar na vida cristã e educar na fé. No âmbito desta corresponsabilidade da comunidade cristã na transmissão da Fé, não posso deixar de resgatar a reali-dade da pessoa do catequista.

A Igreja reconhece no catequista uma forma de ministério que, ao longo da história, permitiu que Jesus fosse conhecido de geração em geração. Não de forma acessória, mas privi-legiada, a Igreja reconhece nesta parte do Povo de Deus essa corrente de testemunhas de que nos fala o Catecismo da Igreja Católica: «Foi de outrem que o crente recebeu a fé… é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo tam-bém para amparar os outros na fé» (CaIC 166).

Todos nós, ao recordarmos o nosso próprio processo de crescimento na fé, descobrimos rostos de simples catequistas que, com o seu testemunho de vida e a sua entrega generosa, nos ajudaram a conhecer e amar Cristo. Recordo com cari-nho e gratidão a Irmã Dolores, do Colégio da Misericórdia das Flores, que me preparou para a Primeira Comunhão e o

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

Sacramento da Confirmação. E até há uns meses ainda era viva outra das minhas catequistas: fazia-me bem visitá-la, recebê-la ou ligar-lhe. Hoje são também muitos os jovens e adultos que, silenciosamente, com humildade e desde bem cedo, continuam a ser instrumentos do Senhor para edificar a comunidade e tornar o Reino presente.

Por isso, hoje penso em cada catequista, ressaltando um aspeto que nas circunstâncias atuais em que vivemos me parece ter a maior urgência: o catequista e a sua relação pes-soal com o Senhor.

Na carta apostólica Novo Millennio Ineunte, João Paulo II adverte-nos com toda a lucidez: «O nosso tempo é vivido em contínuo movimento que muitas vezes chega à agitação, caindo-se facilmente no risco de “fazer por fazer”. Há que resistir a esta tentação, procurando o “ser” acima do “fazer”. A tal propósito, recordemos a censura de Jesus a Marta: “Andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária.” (Lc 10,41-42)» (NMI 15).

Na essência e na vocação de qualquer cristão está o encon-tro pessoal com o Senhor. Procurar Deus é procurar o Seu rosto, é entrar na Sua intimidade. Qualquer vocação, sobre-tudo a do catequista, pressupõe uma pergunta: «Mestre, onde vives? Vem e verás...» Da qualidade da resposta, da profun-didade do encontro surgirá a qualidade da nossa mediação como catequistas. A Igreja constitui-se sobre este «Vem e verás». O encontro pessoal e a intimidade com o Mestre é que fundamentam o verdadeiro discípulo e asseguram à catequese a sua natureza genuína, afastando o espreitar sem- pre atual de racionalismos e ideologias que tiram vitalidade e tornam estéril a Boa Nova.

A catequese necessita de catequistas santos, que contagiem com a sua presença única, que ajudem com o seu testemunho de vida a superar uma civilização individualista dominada

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por uma «ética minimalista e uma religiosidade superficial» (NMI 31). Hoje, mais do que nunca, torna-se urgente a necessidade de nos deixarmos encontrar pelo Amor, que tem sempre a iniciativa, para ajudar os homens a vivenciar a Boa Nova do encontro.

Hoje, mais do que nunca, podemos descobrir por trás de tantas demandas da nossa gente uma procura do Absoluto que, por momentos, adquire a forma de um grito doloroso de uma humanidade ultrajada: «Queríamos ver a Jesus» (Jo 12,21). São muitos os rostos que, com um silêncio maior do que mil palavras, nos formulam este pedido. Conhecemo-los bem: estão no meio de nós, são parte desse povo fiel que Deus nos confia. Rostos de crianças, de jovens, de adultos... Alguns deles têm o olhar puro do «discípulo amado», outros, os olhos baixos do filho pródigo. Não faltam rostos marcados pela dor e pela falta de esperança.

Mas todos esperam, procuram, desejam ver Jesus. E por isso necessitam dos crentes, especialmente dos catequistas, «não só que lhes “falem” de Cristo, mas também que de certa forma lh’O façam “ver”… Mas, o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro con-templativos do seu rosto» (NMI 16).

Hoje, mais do que nunca, as dificuldades que existem obri-gam aqueles a quem Deus convoca a consolar o seu Povo, a deixar raízes na oração, para nos trazer «até ao aspeto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema — a hora da Cruz.» (NMI 25). Só a partir de um encontro pessoal com o Senhor poderemos desempenhar a diaconia da ternura, sem perdermos força ou deixarmo-nos agoniar pela presença da dor e do sofrimento.

Hoje, mais do que nunca, é necessário que todo o movi-mento em direção ao irmão, todo o serviço eclesiástico, tenha o pressuposto e o fundamento da aproximação e familiaridade

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Jorge Bergoglio, Papa Francisco

com o Senhor. Assim como a visita de Maria a Isabel, rica em atitudes de serviço e de alegria, só se entende e se torna rea-lidade a partir da experiência profunda do encontro e a escuta que aconteceu no silêncio da Nazaré.

O nosso povo está cansado de palavras: não precisa de tantos mestres, mas de testemunhos…

E o testemunho consolida-se na interiorização, no encontro com Jesus Cristo. Qualquer cristão, e muito mais ainda o cate-quista, deve ser permanentemente um discípulo do Mestre na arte da oração: «É necessário aprender a rezar, voltando sem-pre de novo a conhecer esta arte dos próprios lábios do divino Mestre, como os primeiros discípulos: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1). Na oração, desenrola-se aquele diálogo com Jesus que faz de nós seus amigos íntimos: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.” (Jo 15,4)» (NMI 32).

Daí que devamos também entender o convite de Jesus para navegar mar adentro como uma chamada de atenção para nos abandonarmos na profundidade da oração, evitando assim que os espinhos asfixiem a semente. Por vezes a nossa pesca é infrutífera porque não a fazemos em Seu nome; por-que estamos demasiado preocupados com as nossas redes… e esquecemo-nos de o fazer com e por Ele.

Estes tempos não são fáceis, não são tempos para entusiasmos passageiros, para espiritualidades espasmódicas, sentimen-talistas ou gnósticas. A Igreja Católica tem uma rica tradição espiritual, com inúmeros e variados mestres que podem guiar e nutrir uma verdadeira espiritualidade que hoje torne possível a diaconia da escuta e a pastoral do encontro. Na leitura atenta do capítulo III da carta do Papa João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, encontrarão a fonte inspiradora de muito daquilo que queria partilhar com vós. Para terminar, peço-vos que tenham em conta três aspetos fundamentais na vida espiritual de qual-quer cristão e mais ainda na de um catequista.

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O encontro pessoal e vivo através de uma leitura orante da Palavra de Deus

Dou graças ao Senhor porque a Sua Palavra está cada vez mais presente nos encontros dos catequistas. Sei, além disso, que são muitos os avanços em relação à formação bíblica dos catequistas. Mas corria-se o risco de cairmos numa fria exegese ou uso do texto da Sagrada Escritura se faltasse o encontro pessoal, a meditação insubstituível que cada crente e cada comunidade devem fazer da Palavra para se produzir o «encontro vital, segundo a antiga e sem-pre válida tradição da lectio divina: esta permite ler o texto bíblico como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência» (NMI 39). O catequista encontrará assim a fonte inspiradora de toda a sua pedagogia, que necessaria-mente estará marcada pelo amor que se torna proximidade, oferenda e comunhão.

O encontro pessoal e vivo através da Eucaristia

Todos nós experimentamos, como Igreja, o gozo desta pre-sença próxima e quotidiana do Senhor Ressuscitado até ao fim da história. Mistério central da nossa fé, que realiza a comu-nhão e nos fortalece na missão. O Catecismo da Igreja Católica lembra-nos de que encontramos o bem da Igreja na Eucaristia. Nela temos a certeza de que Deus é fiel à sua promessa e assim permaneceu até ao fim dos tempos (cf. Mt 28,20).

Na visita e adoração ao Santíssimo experimentamos a pro-ximidade do Bom Pastor, a ternura do seu amor, a presença do fiel amigo. Todos experimentámos a grandiosa ajuda que brinda a fé, o diálogo íntimo e pessoal com o Senhor Sacramentado. E o catequista não pode vacilar nesta vocação de revelar aquilo que contemplou (cf. 1 Jo 1).

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Na celebração da Fração do Pão somos interpelados uma vez mais a imitar a sua entrega e a renovar o gesto inédito de multiplicar as ações de solidariedade. A partir do Banquete Eucarístico, a Igreja experimenta a Comunhão e é convidada a realizar o milagre de «proximidade» através do qual é pos-sível neste mundo globalizado dar espaço aos nossos irmãos e fazer com que cada pobre se sinta na comunidade como em sua casa (cf. NMI 50). O catequista é chamado a fazer da doutrina mensagem e da mensagem vida. Só assim a Palavra proclamada poderá ser celebrada e constituir-se verdadeira-mente em sacramento de Comunhão.

O encontro comunitário e festivo da Celebração de Domingo

Na Eucaristia dominical lembramos a Páscoa, o Passo do Senhor que quis entrar na história para nos tornar participan-tes da sua vida divina. Congrega-nos em cada domingo como família de Deus reunida em torno do altar, que se alimenta do Pão Vivo e que traz e celebra o que aconteceu no caminho, para renovar as suas forças e continuar a anunciar que Ele vive entre nós. Na Missa de cada domingo experimentamos a nossa presença nesse Povo de Deus no qual fomos incor-porados pelo Batismo e trazemos à memória o «primeiro dia da semana» (Mc 16,2-9). No mundo atual, muitas vezes enfraquecido pelo secularismo e consumismo, parece que se vai perdendo a capacidade de celebrar, de viver em família. Por isso o catequista é chamado a comprometer a sua vida para que o domingo não nos seja roubado, ajudando a que no coração do homem não termine a festa e ganhe sentido e plenitude a sua jornada semanal.

Santa Teresa do Menino Jesus, com o poder de síntese próprio das almas grandes e simples, escreve a uma das suas irmãs, resumindo no que consiste a vida cristã: «Amá-lo

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e fazê-lo amar...» Esta é também a razão de ser de todo o catequista. Só havendo um encontro pessoal se pode ser ins-trumento para que outros o encontrem.

Ao saudar-vos pelo dia do catequista, quero agradecer de coração a vossa entrega ao serviço do Povo fiel. E pedir a Maria Santíssima que mantenha viva nos vossos corações essa sede de Deus, para que nunca se cansem de procurar o Seu rosto.

Não deixem de rezar por mim para que seja um bom cate-quista. Que Jesus vos abençoe e que a Virgem Santa vos proteja.

Homilia aos catequistas, Encontro Arquidiocesano de Catequistas,

março de 2001

«ADORARÁS O SENHOR TEU DEUS E SÓ A ELE PRESTARÁS CULTO»

«Talvez como em poucas outras alturas da nossa história, esta sociedade gravemente ferida aguarda hoje uma nova che-gada do Senhor. Aguarda a entrada redentora e reconciliadora d’Aquele que é Caminho, Verdade e Vida. Temos razões para esperar. Não esquecemos que a Sua passagem e a Sua presença salvífica foram uma constante na nossa história. Descobrimos a maravilhosa marca da Sua obra criadora numa natureza de riqueza incomparável. A generosidade divina também se refle-tiu no testemunho de vida, de entrega e de sacrifício dos nossos pais e próceres, do mesmo modo que em milhões de rostos humildes e crentes, nossos irmãos, protagonistas anónimos do trabalho e das lutas heroicas, encarnação da silenciosa epopeia do Espírito que funda povos.

No entanto, vivemos muito longe da gratidão que mere-ceria tanto dom recebido. O que nos impede de vermos esta

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chegada do Senhor? O que torna impossível o “saborear e ver como o Senhor é bom” (Sl 34,9) perante tanta prodiga-lidade na terra e nos homens? O que trava, na nossa Nação, as possibilidades de aproveitarmos o encontro pleno entre o Senhor, os Seus dons e nós próprios? Como na Jerusalém de então, quando Jesus atravessava a cidade e aquele homem chamado Zaqueu não o conseguia ver por causa da multidão, algo nos impede de ver e sentir a Sua presença.»

Foi com estas palavras que comecei a homilia do Te Deum do passado dia 25 de maio. E gostaria que servissem de intro-dução a esta carta que, com afeto agradecido, vos faço chegar no meio da vossa silenciosa mas importante tarefa de edifica-ção da Igreja.

Creio não exagerar ao afirmar que estamos num tempo de «miopia espiritual e pobreza moral» que faz com que se nos queira impor como normal uma «cultura do baixo», na qual não parece haver lugar para a transparência e para a esperança.

Mas, por serem catequistas, pela sabedoria que vos dá o trato semanal com as pessoas, sabeis bem que o homem continua a sentir um árduo desejo e necessidade de Deus. Perante a soberba e a prepotência invasiva dos novos Golias que, a partir de alguns meios de comunicação e de outros tan-tos gabinetes oficiais, reatualizam preconceitos e ideologias autistas, torna-se hoje necessária, mais do que nunca, a serena confiança de David para defender a herança a partir da pla- nície. Por isso quero insistir naquilo que vos escrevi há um ano: «Hoje, mais do que nunca, podemos descobrir por trás de tan-tas demandas da nossa gente uma procura do Absoluto que, por momentos, adquire a forma de um grito doloroso de uma humanidade ultrajada: “Queríamos ver a Jesus” (Jo 12,21). São muitos os rostos que, com um silêncio maior do que mil palavras, nos formulam este pedido. Conhecemo-los bem: estão

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no meio de nós, são parte desse povo fiel que Deus nos confia. Rostos de crianças, de jovens, de adultos... Alguns deles têm o olhar puro do “discípulo amado”, outros, os olhos baixos do filho pródigo. Não faltam rostos marcados pela dor e pela falta de esperança. Mas todos esperam, procuram, desejam ver Jesus. E por isso necessitam dos crentes, especialmente dos cate-quistas, “não só que lhes ‘falem’ de Cristo, mas também que de certa forma lh’O façam ‘ver’… Mas, o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplati-vos do seu rosto.” (NMI 16).»

Por isso, quero propor-vos que este ano nos detenhamos no aprofundamento do tema da adoração.

Hoje, mais do que nunca, é necessário «adorar em espírito e verdade» (Jo 4,24). É uma tarefa indispensável do catequista que queira ganhar raízes em Deus, que não queira desfalecer no meio de tanta comoção.

Hoje, mais do que nunca, é necessário adorar para tornar possível a «proximidade» que reclamam estes tempos de crise. Só na contemplação do mistério do Amor que vence distâncias e se torna perto encontraremos a força para não cair na tenta-ção de seguir de longe, sem nos determos no caminho.

Hoje, mais do que nunca, é necessário ensinarmos os nossos catequizandos a adorarem, para que a nossa Catequese seja verdadeiramente Iniciação e não apenas ensino.

Hoje, mais do que nunca, é necessário adorar para não confundir com palavras que por vezes ocultam o Mistério, mas sim darmo-nos o silêncio cheio de admiração que cala perante a Palavra que se faz presença e proximidade.

Hoje, mais do que nunca, é necessário adorar!Porque adorar é prostrarmo-nos, é reconhecermos humilde-

mente a grandeza infinita de Deus. Só a verdadeira humil- dade pode reconhecer a verdadeira grandeza e reconhece também o pequeno que quer apresentar-se como grande.

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Talvez uma das maiores perversões do nosso tempo seja que nos proponham adorar o humano deixando de lado o divino. «Só adorarás o Senhor» é o grande desafio perante tantas propostas de nada e de vazio. Não adorar os ídolos contem-porâneos — com seus cantos de sereia — é o grande desafio do nosso presente, não adorar o não adorável é o grande sinal dos tempos de hoje. Ídolos que provocam a morte não merecem adoração alguma, só o Deus da vida merece «adoração e glória» (cf. DP 491).

Adorar é olhar com confiança para Aquele que aparece como confiável porque é doador de vida, instrumento de paz, gerador de encontro e de solidariedade.

Adorar é estar de pé perante tudo o que não é adorável, por-que a adoração nos torna livres e nos faz pessoas cheias de vida.

Adorar não é esvaziarmo-nos mas enchermo-nos, é reco-nhecer e entrar em comunhão com o Amor. Ninguém adora a quem não ama, ninguém adora alguém a quem não considere o seu amor. Somos amados! Somos queridos! «Deus é amor». Esta certeza é que nos leva a adorar com todo o nosso cora-ção Aquele que «nos amou primeiro» (1 Jo 4,10).

Adorar é descobrir a Sua ternura, é encontrar consolo e descanso na Sua presença, é poder experimentar o que diz o Salmo 22: «Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo, porque Tu estás comigo… A tua bondade e o teu amor hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida.»

Adorar é sermos testemunhas alegres da Sua vitória, é não nos deixarmos vencer pela grande tribulação e saborear antecipadamente a festa do encontro com o Cordeiro, o único digno de adoração, que secará todas as nossas lágrimas e em quem celebraremos o triunfo da vida e do amor, sobre a morte e o desamparo (cf. Ap 21-22).

Adorar é aproximarmo-nos da unidade, é descobrirmo--nos filhos de um mesmo Pai, membros de uma única família,

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é, como descobriu São Francisco, cantar louvores unidos a toda a Criação e a todos os homens. É atar os laços que rompemos com a terra, com os nossos irmãos, é reconhecê--l’O a Ele como Senhor de todas as coisas, Pai bondoso do mundo inteiro.

Adorar é dizer «Deus» e dizer «Vida». Encontrarmo-nos cara a cara, na nossa vida quotidiana, com o Deus da vida, é adorá-lo com a vida e o testemunho. É saber que temos um Deus fiel que ficou connosco e que confia em nós.

Adorar é dizer ÁMEN!Ao saudar-vos por este dia do catequista, quero agradecer-

-vos novamente toda a vossa entrega ao serviço do Povo fiel. E pedir a Maria Santíssima que mantenha viva no vosso cora-ção essa sede de Deus para que possam, como a samaritana do Evangelho, «adorar em espírito e verdade» e «fazer com que muitos se aproximem de Jesus» (Jo 4,39).

Não deixeis de rezar por mim, para que eu seja um bom catequista. Que Jesus vos abençoe e que Nossa Senhora vos proteja.

Carta aos Catequistas, agosto de 2002

O TESOURO DO NOSSO BARRO

«Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que este extraordinário poder é de Deus e não é nosso» (2 Cor 4,7).

Durante todo este ano, estamos a tentar, como Igreja Arquidiocesana, cuidar da «fragilidade do nosso povo», tornando-o, inclusivamente, tema e estilo da missão arqui- diocesana.

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Nessa linha, gostaria que também o tema da «fragilidade» estivesse presente na carta que, todos os anos, vos escrevo por ocasião da festa de São Pio X, padroeiro dos catequistas.

Em 2002, convidei-vos a refletirem sobre a missão do catequista como adorador, como aquele que se sabe perante um mistério tão grande e tão maravilhoso que o transborda até se converter em oração e louvor. Hoje, gostaria de insis-tir neste aspeto. Perante um mundo fragmentado, perante a tentação de novas fraturas fratricidas do nosso país, perante a experiência dolorosa da nossa própria fragilidade, torna-se necessário e urgente, atrever-me-ia mesmo a dizer imprescin-dível, aprofundar a oração e a adoração. Ela nos ajudará a unificar o nosso coração e nos dará «entranhas de miseri-córdia», para sermos homens de encontro e comunhão, que assumem como vocação própria tomarem a seu cargo a ferida do irmão. Não privem a Igreja do seu ministério de oração, que lhes permite oxigenarem o cansaço quotidiano dando testemunho de um Deus tão próximo, tão Outro: Pai, Irmão e Espírito; Pão, Companheiro de Caminho e dador de Vida.

Há um ano, escrevi-lhes: «…Hoje, mais do que nunca, é necessário adorar para tornar possível a “proximidade” que reclamam estes tempos de crise. Só na contemplação do mistério do Amor que vence distâncias e se torna perto encon-traremos a força para não cair na tentação de seguir de longe, sem nos determos no caminho…»

Justamente, foi o texto do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37) que iluminou o Te Deum de 25 de maio deste ano. Nele, convi-dei a «dar novamente significado à nossa vida — como pessoas e como Nação — no gozo de Cristo ressuscitado para permitir que brote, na própria fragilidade da nossa carne, a esperança de vivermos como uma verdadeira comunidade…».

Anunciar o Querigma, dar novo significado à vida, formar comunidade, são tarefas que a Igreja confia de modo particular

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aos catequistas. Tarefa grande que nos ultrapassa e até mesmo, por momentos, nos aflige. De algum modo sentimo-nos refle-tidos no jovem Gedeão que, ao ser enviado para combater frente aos madianitas, se sente desamparado e confuso com a aparente superioridade do inimigo invasor (cf. Jz 6,11-24). Também nós, perante esta nova invasão pseudocultural que nos apresenta os novos rostos pagãos dos «baalins» do pas-sado, experimentamos a desproporção de forças e a pequenez do enviado. Mas é justamente a partir da experiência da pró-pria fragilidade que se evidencia a força do alto, a presença d’Aquele que é o nosso garante e a nossa paz.

Por isso, este ano quero convidar-vos a que, com o mesmo olhar contemplativo com o qual descobris a proximidade do Senhor da História, reconheçais na vossa fragilidade o tesouro escondido, que confunde os soberbos e derruba os poderosos. Hoje, o Senhor convida-nos a abraçar a nossa fragilidade como fonte de um grande tesouro evangelizador. Reconhecermo-nos barro, vasilha e caminho é também pres-tar culto ao verdadeiro Deus.

Porque só aquele que se reconhece vulnerável é capaz de uma ação solidária. Pois comovermo-nos («movermo-nos com»), compadecermo-nos («padecermos com») de quem está caído à beira do caminho são atitudes de quem sabe reconhe-cer no outro a sua própria imagem, mescla de terra e tesouro, e por isso não a rejeita. Pelo contrário, ama-a, aproxima-se dela e, sem o procurar, descobre que as feridas que cura no irmão são unguento para as suas. A compaixão converte-se em comunhão, em ponte que aproxima e estreita laços. Nem os salteadores nem os que passam ao largo do caído têm cons- ciência do seu tesouro e do seu barro. Por isso, os primeiros não valorizam a vida do outro e atrevem-se a abandoná-lo quase morto. Se não valorizam a própria vida, como podem reco-nhecer como um tesouro a vida dos demais? Os que passam

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ao largo, por sua vez, valorizam a sua vida, mas apenas parcial-mente, atrevem-se a olhar apenas uma parte, aquela que creem ser valiosa: sabem-se eleitos e amados por Deus (curiosamente, na parábola, são duas personagens religiosas do tempo de Jesus, um levita e um sacerdote) mas não se atrevem a reconhecer-se argila, barro frágil. Por isso o caído lhes mete medo e não se atrevem a reconhecê-lo — como podem reconhecer o barro dos outros se não aceitam o próprio?

Se alguma coisa caracteriza a pedagogia catequística, se em alguma coisa deve ser especialista o catequista, é na sua capacidade de acolhimento, de se encarregar do outro, de cui-dar que ninguém fique à beira do caminho. Por isso, perante a gravidade e a extensão da crise, perante o desafio como Igreja Arquidiocesana de nos comprometermos a «cuidar da fragi-lidade do nosso povo», convido-vos a que renoveis a vossa vocação de catequista e ponhais toda a vossa criatividade em «saber estar» perto do que sofre, tornando realidade uma «peda-gogia da presença», em que a escuta e a «proximidade» não sejam apenas um estilo, mas também conteúdo da catequese.

E, nesta bonita vocação artesanal de ser «crisma e carícia do que sofre», não tenhais medo de cuidar da fragilidade do irmão com a vossa própria fragilidade: a vossa dor, o vosso cansaço, as vossas perdas; Deus transforma-os em riqueza, unguento, sacramento. Recordai o que meditámos juntos no dia do Corpo de Cristo: há uma fragilidade, a Eucaristia, que esconde o segredo do partilhar. Há uma fragmentação que per-mite, no gesto terno do dar, alimentar, unificar, dar sentido à vida. Que nesta festa de São Pio X possais, em oração, apre-sentar ao Senhor os vossos cansaços e fadigas, bem como os das pessoas que o Senhor colocou no vosso caminho, e deixai que o Senhor abrace a vossa fragilidade, o vosso barro, para o transformar em força evangelizadora e em fonte de fortaleza. Assim o experimentou o apóstolo Paulo:

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«Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundi-

dos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados;

abatidos, mas não aniquilados. Trazemos sempre no nosso corpo

a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta

no nosso corpo» (2 Cor 4, 8-10).

É na fragilidade que somos chamados a ser catequistas. A vocação não seria plena se excluísse o nosso barro, as nos-sas quedas, os nossos fracassos, as nossas lutas quotidianas: é nela que a vida de Jesus se manifesta e se faz anúncio sal-vador. Graças a ela descobrimos as dores do irmão como sendo nossas. E, a partir delas, a voz do profeta faz-se Boa Nova para todos:

«Fortalecei as mãos débeis, robustecei os joelhos vacilan-

tes. Dizei aos que têm o coração pusilânime: “Tomai ânimo,

não temais!” Eis o vosso Deus, que vem para nos vingar. Deus

vem em pessoa retribuir-vos e salvar-vos. Então se abrirão os

olhos dos cegos, os ouvidos do surdo ficarão a ouvir, o coxo

saltará como um veado, e a língua do mudo dará gritos de

alegria; porque as águas jorraram no deserto e as torrentes na

estepe» (Is 35,3-6).

Que Maria nos conceda valorizarmos o tesouro do nosso barro, para podermos cantar com ela o Magnificat da nossa pequenez junto com a grandeza de Deus.

Não deixeis de rezar por mim para que também viva esta experiência de limite e de graça. Que Jesus vos abençoe e que a Virgem Maria vos proteja. Com todo o carinho.

Carta aos Catequistas, agosto de 2003

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«LEVANTA-TE E COME, PORQUE AINDA TENS UM CAMINHO LONGO

A PERCORRER…»

Como Igreja Diocesana transitamos por um caminho que terá um momento forte do Espírito: as próximas Assembleias do Povo de Deus. Desejo que este tempo de preparação impli-que pormo-nos em marcha num caminho de discernimento comunitário através da oração.

Como Igreja na Argentina peregrinamos rumo a Corrientes, onde dentro de alguns dias nos congregaremos como Povo fiel em torno da Eucaristia, para pedirmos ao Senhor que a cele-bração quotidiana nos ajude a tornar realidade o sonho tantas vezes adiado de uma Nação verdadeiramente reconciliada e solidária. Fazemo-lo com a triste constatação de que há pes-soas que não têm o que comer na terra bendita do pão.

Identidade, memória, pertença a um povo que se sabe peregrino, a caminho.

Nesta realidade dinâmica da Igreja, quero, ao aproximar-se a festa de São Pio X, fazer-vos chegar as minhas saudações e afeto agradecido pelo dia do catequista. Quero partilhar con-vosco algumas reflexões que, nestes últimos tempos, têm sido objeto da minha oração, em consonância com o que vos escrevi na Quarta-Feira de Cinzas, quando vos convidei a cuidar da fragilidade do irmão com a audácia própria dos discípulos de Jesus que confiam na Sua presença de Ressuscitado.

A nossa Igreja de Buenos Aires está a precisar dessa audá-cia e desse fervor, que é obra do Espírito Santo, e que nos leva a anunciar, a gritar a Jesus Cristo com toda a nossa vida. É necessária muita audácia e muita coragem para, hoje, con-tinuar a caminhar no meio de tanta perplexidade.

Sabemos que existe a tentação de ficarmos presos pelo medo paralisador que às vezes se disfarça de recuo e cálculo

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realista e, noutros casos, de rotineira repetição. Mas escon-dendo sempre a vocação cobarde e conformista de uma cultura minimalista habituada apenas à segurança do andar pelas margens.

A audácia apostólica implica busca, criatividade, navegar mar adentro!

Nesta espiritualidade do caminho também é grande a ten-tação de atraiçoar o chamamento a caminhar como povo, renunciando ao mandato da peregrinação, para correr lou-camente a maratona do êxito. Desta maneira hipotecamos o nosso estilo, juntando-nos à cultura da exclusão, em que já não há lugar para o ancião, a criança incómoda e não há tempo para nos determos à beira do caminho. A tentação é grande, sobretudo porque se apoia nos novos dogmas moder-nos como a eficiência e o pragmatismo. Por isso, é necessária muita audácia para ir contra a corrente, para não renunciar à utopia possível de que seja precisamente a inclusão a marcar o estilo e o ritmo do nosso passo.

Caminhar como povo é sempre mais lento. Além do mais, ninguém ignora que o caminho é longo e difícil. Como naquela experiência fundadora do povo de Deus pelo deserto, não fal-tará o cansaço e o desconcerto.

Já nos aconteceu a todos, alguma vez, estarmos parados e desorientados no caminho, sem sabermos que passos dar. Muitas vezes, a realidade impõe-se-nos fechada, sem espe-rança. Duvidamos, como o povo de Israel, das promessas e da presença do Senhor na história e deixamo-nos envolver pela mentalidade positivista que pretende constituir-se como chave da interpretação da realidade. Renunciamos à nossa vocação de fazer história, para nos juntarmos ao coro nos-tálgico de queixas e censuras: «Não foi isto que te dissemos no Egito, quando dizíamos: “Deixa-nos! Queremos estar ao serviço do Egito, porque é melhor para nós servir o Egito do

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que morrer no deserto?”» (Ex 14,12). O fervor apostólico ajudar-nos-á a ter memória, a não renunciarmos à liberdade, a caminharmos como povo da Aliança: «Guarda-te, porém, de esquecer o Senhor que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão!» (Dt 6,12). Como catequistas de tempos difíceis, devem pedir a Deus a audácia e o fervor que vos permita aju-dar a recordar! «Guarda-te bem de esquecer os factos que os teus olhos viram…» (Dt 4,9). Na memória transmitida e cele-brada encontraremos como povo a força necessária para não cairmos no medo que paralisa e angustia.

Este caminhar do povo de Deus reconhece tempos e ritmos, tentações e provas, acontecimentos de graça em que se torna necessário renovar a Aliança.

Também hoje, no nosso caminhar como Igreja de Buenos Aires, vivemos um momento muito especial que nos anima-mos a vislumbrar como tempo de graça. Queremos abrir-nos ao Espírito para deixar que Ele nos ponha em movimento espi-ritual, para que as próximas Assembleias Diocesanas sejam um verdadeiro «Tempo de Deus» em que, na presença do Senhor, possamos aprofundar a nossa identidade e a tomada de cons-ciência da nossa missão. Poder fazer uma experiência fraterna de discernimento comunitário e fraternal em que a oração e o diálogo nos permitam superar desencontros e crescer em san-tidade comunitária e missionária.

Como todo o caminhar, obriga-nos a pormo-nos em mar-cha, em movimento, desinstala-nos e coloca-nos em situação de luta espiritual. Devemos prestar especial atenção ao que se passa no coração; estarmos atentos ao movimento dos diver-sos espíritos (o bom, o mau, o próprio). E isto, para poder discernir e encontrar a Vontade de Deus.

Não é de estranhar que neste caminho que começamos a trilhar surja a subtil tentação da sedução «alternativista», que se expressa no nunca aceitar um caminho comum, para

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apresentar sempre como absoluto outras possibilidades. Não se trata do são e enriquecedor pluralismo, ou de matizes, na hora do discernimento comunitário; mas sim da incapacidade de fazer um caminho com os outros porque, no fundo do cora-ção, se prefere andar solitariamente por carreiros elitistas que, em muitos casos, conduzem a fechar-se egoisticamente sobre si mesmo. O catequista, pelo contrário, o verdadeiro catequista, tem a sabedoria que se forja na proximidade com as pessoas e com a riqueza de todos os rostos e histórias partilhadas que o afastam de qualquer versão atualizada de «Iluminismo».

Não é de estranhar, também, que no caminho apareça o mau espírito, o que se nega a toda a novidade. O que se agarra ao adquirido e prefere a segurança do Egito às promessas do Senhor. Esse mau espírito leva-nos a deleitarmo-nos nas dificuldades, a apostar no fracasso desde o início, a despe-dir «com realismo» as multidões porque não sabemos, não podemos e, no fundo, não queremos incluí-las. Ninguém está isento deste mau espírito.

Daí que o convite a renovar o fervor seja um convite a pedir a Deus uma graça para a nossa Igreja de Buenos Aires: «A graça da audácia apostólica, audácia forte e fervorosa do Espírito.»

Sabemos que toda esta renovação espiritual não pode ser o resultado de um movimento de vontade ou de uma simples mudança de intenção. É graça, renovação interior, transfor-mação profunda que se fundamenta e apoia numa Presença que, como naquela tarde do primeiro dia da história nova, se faz caminho connosco para transformar os nossos medos em ardor, a nossa tristeza em alegria, a nossa fuga em anúncio.

Basta apenas reconhecê-lo como em Emaús. Ele continua a partir o pão para que também nos reconheçam ao partir-mos o nosso pão. E se nos falta audácia para assumirmos o desafio de sermos nós quem dá de comer, atualizemos nas nossas vidas o mandato de Deus ao cansado e aflito profeta

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Elias: «Levanta-te e come, pois tens ainda um longo caminho a percorrer» (1 Rs 19,7).

Ao agradecer-vos por todo o vosso caminho de catequista, peço ao Senhor da Eucaristia que renove o vosso ardor e o vosso fervor apostólico, para que nunca vos habitueis aos ros-tos dos muitos meninos que não conhecem Jesus, aos rostos dos muitos jovens que deambulam, sem sentido, pela vida, aos rostos das multidões de excluídos que, com as suas famílias e anciãos, lutam para ser comunidade, cuja passagem quoti-diana pela nossa cidade nos dói e interpela.

Mais do que nunca precisamos do vosso olhar próximo de catequista para contemplar, para vos comoverdes e para vos deterdes quantas vezes sejam necessárias para dar ao nosso caminhar o ritmo são de «proximidade». E podeis assim fazer a experiência da verdadeira compaixão, a de Jesus, que, longe de paralisar, mobiliza, impulsiona a sair com mais força, com mais audácia, a anunciar, a curar, a libertar (cf. Lc 4,16-22).

Mais do que nunca precisamos do vosso coração delicado de catequista, que traz, da vossa experiência do acompanha-mento, a sabedoria da vida e dos processos onde campeia a prudência, a capacidade de compreensão, a arte de esperar, o sentido de permanência, para protegermos assim — entre todos — as ovelhas que nos confiam dos lobos ilustrados que tentam desagregar o rebanho.

Mais do que nunca precisamos da vossa pessoa e minis-tério catequético para que com os vossos gestos criativos ponham, como David, música e alegria no andar cansado do nosso povo! (cf. 2 Sm 6,14-15).

Peço-vos, por favor, que rezeis por mim para que seja um bom catequista. Que Jesus vos abençoe e a Virgem Maria vos proteja.

Carta aos Catequistas, agosto de 2004

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«JESUS SUBIU DEPOIS A UM MONTE, CHAMOU OS QUE ELE QUERIA E FORAM

TER COM ELE»

«Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar…» (Mc 3,13-14). O texto de São Marcos permite-nos situar-nos na perspetiva do chamado.

Por trás de cada catequista, de cada um de vós, há um chamamento, uma escolha, uma vocação. Esta é uma ver-dade fundadora da nossa identidade: fomos chamados por Deus, escolhidos por Ele. Cremos e confessamos a iniciativa do amor que existe na origem do que somos. Reconhecemo--nos como dom, como graça…

E fomos chamados para estar com Ele. Por isso nos dize-mos cristãos, nos reconhecemos em estreita relação com Cristo… Com o apóstolo Paulo podemos dizer: «Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim…» (Gl 2,20). Esse viver com Cristo é realmente uma vida nova: a vida do cris-tão, que determina tudo o que se é e se faz. Daí que todo o catequista deva procurar permanecer no Senhor (Jo 15,4) e, com a oração, cuidar do seu coração transformado com a graça, porque é o que tem para oferecer e onde está o seu verdadeiro «tesouro» (cf. Lc 12,34).

Talvez alguns estejam a pensar para si mesmos: «Mas o que nos está a dizer poderia aplicar-se a todos os cristãos.» Sim, assim é. E é o que justamente quero partilhar convosco esta manhã. Todo o catequista é antes de mais um cristão.

Pode parecer quase óbvio… Contudo, um dos problemas mais sérios que a Igreja tem, e que põe em causa muitas vezes a sua tarefa evangelizadora, radica nos agentes pastorais, os que devemos estar mais com as «coisas de Deus», os que estamos mais próximos das coisas do mundo eclesiástico, frequentemente esquecemo-nos de ser bons cristãos. Começa

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então a tentação de absolutizar as espiritualidades no genitivo: a espiritualidade do laico, do catequista, do sacerdote… com o grave perigo de perder a sua originalidade e simplicidade evangélica. E, uma vez perdido o horizonte comum cristão, pode haver a tentação do snobe, do afetado, daquele que se distrai e engorda, mas não alimenta nem ajuda a crescer. As partes convertem-se em particularidades, e ao privilegiar as particularidades facilmente nos esquecemos do todo, de que formamos um mesmo povo. Então começam os movimentos centrífugos que nada têm de missionários, antes pelo contrário: dispersam-nos, distraem-nos e, paradoxalmente, enredam-nos nas nossas questões internas e nos nossos individualismos pas-torais. Não nos esqueçamos: o todo está acima da parte.

Parece-me importante insistir nisto porque uma tenta-ção subtil do Mal é fazer-nos esquecer da nossa pertença comum que tem como fonte o Batismo. E quando perdemos a identidade de filhos, irmãos e membros do Povo de Deus, entretemo-nos a cultivar uma «pseudoespiritualidade» artifi-cial, elitista… Deixamos de andar pelos frescos pastos verdes para ficar encurralados nos sofismas paralisantes de um «cristianismo de proveta». Já não somos cristãos mas «elites cultas» com ideias cristãs.

Tendo isto bem presente, podemos assinalar traços espe- cíficos.

O catequista é o homem da Palavra. Da Palavra com P mai-úsculo. Foi precisamente com a Palavra que Nosso Senhor ganhou o coração das pessoas. «E de todas as partes as pes-soas iam procurá-l’O.» (Mc 1,45). «Muitos que O escutavam ficavam admirados bebendo os seus ensinamentos» (Mc 6,2). «Sentiam que lhes falava como quem tem autoridade» (Mc 1,27). Foi com a Palavra que os apóstolos, que Jesus «instituíra para que ficassem com Ele e para os enviar a pregar» (Mc 3,14), atra-íram ao seio da Igreja todos os povos (cf. Mc 16,15-20).

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Esta relação da catequese com a Palavra não tem tanto que ver com o «fazer» como com o «ser». Não pode haver verda-deiramente uma catequese sem uma centralidade e referência real à Palavra de Deus que anime, sustente e fecunde todo o seu fazer. O catequista compromete-se, perante a comunidade, a meditar e interiorizar a Palavra de Deus para que as suas palavras sejam o eco dela. Por isso, acolhe-a com a alegria que dá o Espírito (cf. 1 Ts 1,6), interioriza-a e fá-la carne e gesto como Maria (cf. Lc 2,19). Encontra na Palavra a sabedoria divina que lhe permitirá fazer o necessário e ter discernimento agudo, tanto pessoal como comunitário.

«Na verdade, a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sen-timentos e intenções do coração…» (Hb 4,12).

O catequista é um servidor da Palavra, deixa-se educar por ela e nela tem a serena confiança de uma fecundidade que excede as suas forças: «Ela não volta para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão» (Is 55,11). O catequista pode fazer até o que João Paulo II escreve sobre o sacerdote: «…deve ser o primeiro “crente” na Palavra, com plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d’Aquele que o enviou. Desta Palavra, ele não é dono: é servo…» (PDV 26).

Para que seja possível escutar a Palavra, o catequista deve ser homem e mulher que goste do silêncio. Sim! O catequista, porque é o homem da Palavra, deverá ser também o homem do silêncio… Silêncio contemplativo, que lhe permitirá livrar--se da inflação de palavras que empobrecem e reduzem o seu ministério a um palavreado oco, como tantos que nos oferece a sociedade atual. Silêncio dialogante que tornará possível escu-tar o outro respeitosamente e assim embelezará a Igreja com a diaconia da palavra que se oferece como resposta. Silêncio

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transbordante de «proximidade», que complementará a pala-vra com gestos clarificadores que facilitem o encontro e tornem possível a «teofania do nós». Por isso, convido-vos, a vós, homens e mulheres da Palavra: amem o silêncio, busquem o silêncio, tornem fecundo o silêncio no vosso ministério!

Mas se alguma coisa especial deve caracterizar o catequista é o seu olhar. O catequista, diz-nos o Diretório Geral para a Catequese, é um homem perito na arte de comunicar. «O obje-tivo essencial da formação catequética é o de tornar apto à comunicação da mensagem cristã» (235). O catequista é cha-mado a ser um pedagogo da comunicação. Quer e procura que a mensagem se faça vida. E tudo isto sem descuidar todos os con-tributos das ciências atuais sobre a comunicação. Em Jesus temos sempre o modelo, o caminho e a vida. Como o Bom Mestre, cada catequista deverá ter presente o «olhar amoroso» que é o início e condição de todo o encontro verdadeiramente humano. Os evangelhos não pouparam versículos para documentar a pro-funda impressão que deixou, nos primeiros discípulos, o olhar de Jesus. Não se cansem de olhar com os olhos de Deus!

Numa civilização paradoxalmente ferida de anonimato e, ao mesmo tempo, despudoradamente enferma de curiosidade doentia pelo outro, a Igreja precisa do olhar próximo do cate-quista para contemplar, comover-se e deter-se quantas vezes seja preciso para dar ao nosso caminhar o ritmo reparador da «proximidade». Neste mundo, precisamente, o catequista deverá ter presente a fragrância do olhar do coração de Jesus. E terá de iniciar os seus irmãos nesta «arte do acompanha-mento», para que crianças e adultos aprendam sempre a tirar as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3,5). Olhar respeitoso, olhar reparador, olhar cheio de compaixão também ante o espetáculo sombrio da omnipotência manipuladora dos media, do passo prepotente e desrespeitoso daqueles que, como gurus do pensamento único e dos despachos oficiais,

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nos querem fazer claudicar na defesa da dignidade humana, contagiando-nos com uma incapacidade de amar.

Por isso vos peço, a vós, catequistas: cuidem do vosso olhar! Não vacilem nesse olhar dignificador. Não fechem nunca os olhos perante o rosto de uma criança que não conhece Jesus. Não desviem o olhar, não se finjam distraídos. Deus coloca--vos, envia-vos para que amem, olhem, acarinhem, ensinem… E os rostos que Deus vos confia não se encontram somente nos salões da paróquia, no templo… Vão mais além: este-jam abertos aos novos cruzamentos de caminhos em que a fidelidade adquire o nome de criatividade. Recordais segura- mente que o Diretório Geral para a Catequese, na Introdução, nos propõe a parábola do Semeador. Tendo presente este horizonte bíblico, não percam a identidade do vosso olhar de catequistas. Porque há maneiras e maneiras de olhar… Há quem olhe com olhos de estatística … e muitas vezes só veja números, só saiba contar… Há quem olhe com olhos de resultados… e muitas vezes só veja fracassos… Há quem olhe com olhos de impaciência … e só veja esperas inúteis…

Peçamos a quem nos meteu nesta sementeira que nos faça participante do seu olhar, o do semeador bom e «pródigo» em ternura. Para que seja um olhar confiante de grande alento, que não ceda à tentação estéril de querer espiar todos os dias o campo semeado porque sabe bem que, quer durma quer vele, a semente cresce por si mesma.

Um olhar encorajador e amoroso que, quando vê despon-tar o joio no meio do trigo, não tem reações queixosas nem alarmistas, porque sabe e tem memória da fecundidade gra-tuita da caridade.

Mas se há uma coisa que é própria do catequista é reconhecer--se como homem e mulher que «anuncia». Se é certo que todo o cristão deve participar na missão profética da Igreja, o cate-quista fá-lo de uma maneira especial.

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O que significa anunciar? É mais do que dizer algo, do que contar. É mais do que ensinar. Anunciar é afirmar, gritar, comu-nicar; é transmitir com toda a vida. É levar até ao outro o seu próprio ato de fé, que, por ser totalizador, se faz gesto, palavra, visita, comunhão… E anunciamos não uma mensagem fria ou um simples corpo doutrinal. Anunciamos perante todos uma Pessoa, um acontecimento: Cristo ama-nos e deu a sua vida por nós (cf. Ef 2,1-9). O catequista, como todo o cristão, anuncia e testemunha uma certeza: que Cristo ressuscitou e está vivo entre nós (cf. At 10,34-44). O catequista oferece o seu tempo, o seu coração, os seus dons e a sua criatividade para que esta certeza se faça vida no outro, para que o projeto de Deus se faça histó-ria no outro. É próprio também do catequista que esse anúncio que tem como centro uma pessoa, Cristo, se faça também anún-cio da sua mensagem, dos seus ensinamentos, da sua doutrina. A catequese é ensinamento. Há que dizê-lo sem complexos. Não se esqueçam que vós, como catequistas, completais a ação missionária da Igreja. Sem uma apresentação sistemática da Fé, o nosso seguimento do Senhor ficará incompleto, tornar-se-á difícil dar testemunho daquilo em que cremos, seremos respon-sáveis pelo facto de muitos não chegarem à maturidade da fé.

E, embora nalgum momento da história da Igreja se tenha separado o Querigma da catequese, hoje devem estar unidos mesmo que não identificados. A catequese deve, nestes tempos de descrença e indiferença generalizadas, ter uma forte marca querigmática. Contudo, não deve ser apenas Querigma, senão ao longo do tempo deixará de ser catequese. Deverá gritar e anunciar: Jesus é o Senhor! Mas deverá também conduzir o catecúmeno a gradual e pedagogicamente conhecer e amar a Deus, a entrar na sua intimidade, a iniciá-lo nos sacramen-tos e na vida de discípulo…

Não deixem de anunciar que Jesus é o Senhor… aju- dem justamente a que seja realmente o «Senhor» dos vossos

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catequizandos… Para isso, ajudem-nos a rezar em profundi-dade, a entrar nos Seus mistérios, a saborear a Sua presença… Não esvaziem a catequese de conteúdo mas também não a deixem reduzida a simples ideias que, quando saem do âmbito humano, do seu enraizamento na pessoa, no Povo de Deus e da história da Igreja, indiciam um problema. As ideias, assim entendidas, acabam sendo palavras que não dizem nada, e que podem transformar-nos em nominalistas moder-nos, em «elites cultas».

Neste contexto, adquire grande importância o testemu-nho. A catequese, como educação na fé, como transmissão de uma doutrina, exige sempre um suporte testemunhal. Isto é comum a todo o cristão, mas no catequista adquire uma dimensão especial. Porque se assume chamado e convocado pela Igreja para dar testemunho. A testemunha é aquele que, tendo visto algo, quer contá-lo, narrá-lo, comunicá-lo… No catequista, o encontro pessoal com o Senhor dá não só credibilidade às suas palavras como também credibilidade ao seu ministério, ao que é e ao que faz.

Se o catequista não contemplou o rosto do Verbo feito carne, não merece ser chamado catequista. Mais: pode mesmo ser chamado de impostor, porque está a enganar os seus catequizandos.

Além disso, sois catequistas deste tempo, desta cidade imponente que é Buenos Aires, nesta Igreja diocesana que caminha em conjunto… E por serem catequistas deste tempo marcado pela crise e por mudanças, não se envergonhem de propor certezas … Nem tudo está em mudança, nem tudo é instável, nem tudo é fruto da cultura ou do consenso. Há algo que nos foi dado como dom, que supera as nossas capacidades, que supera tudo o que possamos imaginar ou pensar. O catequista deve viver como ministério próprio o que diz o evangelista São João: «Nós conhecemos o amor

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que Deus nos tem, pois cremos nele...» (1 Jo 4,16). Estamos num tempo difícil, sem dúvida, de muitas mudanças, que nos levam inclusivamente a falar de mudança de época. O cate-quista, perante este novo e desafiante horizonte cultural, sentir-se-á em várias ocasiões questionado, perplexo mas nunca abatido. Do ponto de vista do atuar de Deus nas nossas vidas, podemos dizer com o apóstolo: «Sei em quem acredi-tei» (2 Tm 1,12). Nestes tempos de encruzilhada histórica e de grande crise, a Igreja necessita da força e perseverança do catequista, que, com a sua fé humilde mas segura, ajuda as novas gerações a dizer com o salmista: «Com o meu Deus posso escalar qualquer muralha…» (Sl 17,34). «Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo, por-que Tu estás comigo…» (Sl 22,4).

A tarefa de catequista, que no vosso caso se desenvolve aqui, em Buenos Aires, esta grande cidade com a sua complexidade, é de alguma maneira sumamente singular. Vós sois catequistas argentinos! E isso, por aquilo que implica uma grande cidade, deve diferenciar-vos do catequista de qualquer outro sítio.

Toda a grande cidade tem as suas riquezas, muitas pos-sibilidades, mas também muitos perigos. Um deles é o da exclusão. Às vezes questiono-me se, como Igreja diocesana, não somos cúmplices de uma cultura de exclusão em que já não há lugar para o idoso, para a criança incómoda, não há tempo para nos determos à beira do caminho. A tentação é grande sobretudo porque se apoia nos novos dogmas moder-nos como a eficiência e o pragmatismo. Por isso, é necessária muita audácia para ir contra a corrente, para não renunciar à utopia possível de que seja precisamente a inclusão que marque o estilo e o ritmo do nosso passo.

Pensem a pastoral e a catequese a partir da periferia, daqueles que estão mais distantes, dos que habitualmente não acorrem à paróquia. Eles também são convidados para a Ceia

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do Senhor. Há alguns anos dizia-lhes num EAC: Saiam das cavernas! Hoje repito: Saiam da sacristia, da secretaria paro-quial, dos salões VIP! Saiam! Exerçam a pastoral do átrio, das portas, das casas, da rua. Não esperem, saiam! E sobre-tudo exerçam uma catequese que não exclua, que conheça ritmos diferentes, aberta aos novos desafios deste mundo complexo. Não se transformem em funcionários rígidos, fundamentalistas da planificação que exclui.

Deus chamou-nos a ser Seus catequistas. Nesta Igreja de Buenos Aires que está a atravessar tempos do Espírito, sejam parte e protagonistas da assembleia diocesana, não para «influenciar», nem impor, mas para fazer juntos a apaixo-nante experiência de discernir com os outros, de deixar que seja Deus quem escreva a história.

Todos os anos vós, como catequistas, vos reunis no EAC. E o EAC é sinónimo de comunhão. Deixem por um dia o trabalho da paróquia para experimentar a riqueza da comunhão, sinfonia bela do diferente e comum. É um dia de partilha, de enriqueci-mento com o outro, de fazer a experiência de viver no pátio do La Salle a tenda do encontro de quem semana a semana anuncia Jesus a crianças e adultos. Vivam essa comunhão também com os outros agentes pastorais, com os outros membros do povo fiel. Sejam diáconos, quer dizer, servidores quase obsessivos da comunhão. Juntem-se a este sopro do Espírito que nos convida a superar o nosso individualismo argentino que canoniza o «não te metas». Afastemos por um pouco a mentalidade nostálgica e tangueira do «não vai dar», para vencer os profetas da des-graça que ainda estão a caminho e já estão velhos e cansados…

No mundo atual já há demasiada dor e rostos entriste-cidos para que aqueles de nós que cremos na Boa Nova do Evangelho escondamos a alegria pascal. Por isso, anunciem com satisfação que Jesus é o Senhor… Essa alegria profunda que tem a sua causa exatamente no Senhor.

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Com os catequistas de todo o país, peçam ao Senhor esta graça para este ano do ENAC. Por isso caminharão junta-mente com os catequistas da grande Buenos Aires a 24 de abril, para cuidar e preservar a capacidade festiva, a alegria de peregrinar com o outro, a satisfação de se saberem irmanados nesta vocação de catequistas. Fá-lo-ão com pouco equipa-mento, com o coração cheio de fervor… Fá-lo-ão em Luján1, junto da Mãe Fiel, para que ela os ajude a encontrarem-se com o seu Filho, e n’Ele com todo o povo de Deus que pere-grina nesta terra da Argentina…

Irão renovar a vossa vocação, confirmar a vossa missão. Peçam a graça de ser instrumentos de comunhão, para que, fazendo da Igreja uma Casa de todos, possam convocar a ternura de Deus nas situações penosas da vida, mesmo em tempos de conflito que sei que se vislumbram num futuro não muito distante.

Que Maria de Luján vos conceda o que pedem com os catequistas de todo o país: «Fazer do vosso ministério um lugar de escuta, anúncio e alegria.»

Homilia aos Catequistas, Encontro Arquidiocesano

de Catequistas, março de 2005

VIGIA OS TEUS PASSOS QUANDO FORES A CASA DO SENHOR. APROXIMA-TE

DISPOSTO A ESCUTAR

A festa de São Pio X e a celebração do dia do catequista são uma ocasião propícia para te fazer chegar o meu sentimento

1 Nossa Senhora de Lújan é a padroeira da Argentina. [N. dos T.]

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de gratidão pela tua entrega silenciosa e comprometida ao ministério da catequese.

Ministério que tem tantas crianças, jovens e adultos como destinatários, e é uma das festas em que a Igreja realiza hoje o mandato do Senhor: «Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16,15).

Ministério da Palavra que tem muito de anúncio, de ensina-mento, de educação na fé, de discipulado, de iniciação cristã.

Ministério da Igreja servidora que deseja tornar presente e próximo o Único Mestre que tem «palavras de vida eterna» (Jo 6,66).

Ministério que precisa que oremos (cf. Lc 22,46), contentes por estar com Ele (cf. Mc 3,14). Para que, depois da experiência sempre renovadora e libertadora do encontro com o Messias, possam ser mais testemunhas do que mestres. Porque o anún-cio simplifica-se e adquire força de Boa Nova quando no centro da catequese e de toda a vida da Igreja há uma pessoa e um acontecimento: Cristo, a sua Páscoa, o seu Amor…

Só assim o ministério poderá ter autoridade, consagrando nestes tempos de tanta desagregação o serviço valioso de tornar presente e próximo o Mestre que ensina com autoridade. Claro que não é com uma autoridade como o mundo muitas vezes a concebe, mais próxima da eloquência, do poder ou dos títulos ilustres; mas com aquela autoridade que produzia o assombro e a admiração dos homens simples contempo-râneos de Jesus. Autoridade e sabedoria que nada têm dessa ilustração que engorda e nos fecha, mas do sentido que etimo-logicamente nos refere o vocábulo autoridade, «o que nutre e faz crescer» (Autoritas, de augere). És chamado, como cate-quista, a acompanhar, conduzir às águas tranquilas para que o encontro se faça fonte, festa, abrigo.

Para isso é-te exigido que saibas escutar e ensines a escutar tal como fez Jesus. E não simplesmente como uma atitude que

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facilita o encontro entre as pessoas, mas fundamentalmente como um elemento essencial da mensagem revelada. De facto, toda a Bíblia é um convite recorrente: Escuta!

Por isso, será parte do teu ministério catequético não só saber escutar e ajudar a aprender a escutar, mas principal-mente mostrar Deus que sabe e quer escutar.

Foi justamente esta a ideia pela qual rezámos há pou-cos dias por ocasião da festa de São Caetano. «A leitura do Livro do Êxodo diz-nos uma coisa muito simples e ao mesmo tempo bela e consoladora: Que Deus nos escuta. Que Deus, nosso Pai, escuta o clamor do seu povo. Este clamor silen-cioso da fila interminável que passa diante de São Caetano. O nosso Pai do Céu escuta o rumor dos nossos passos, a ora-ção que vamos murmurando no nosso coração à medida que nos aproximamos.

O nosso Pai escuta os sentimentos que nos comovem ao recordar os nossos entes queridos, ao ver a fé dos outros e as suas necessidades, ao recordarmo-nos de coisas lin-das e de coisas tristes que se passaram connosco este ano… Deus escuta-nos.

Ele não é como os ídolos que têm ouvidos mas não ouvem. Não é como os poderosos que ouvem o que lhes convém. Ele ouve tudo. Também as queixas e os cansaços dos seus filhos. E não só escuta como gosta de escutar. Gosta de estar atento, ouvir bem, ouvir tudo o que se passa connosco…»

Não é de estranhar que, neste caminho que fazemos como Igreja diocesana, nestes últimos anos tenha surgido em mais do que uma ocasião o tema da escuta.

Porque aprender a escutar permitir-nos-á dar o primeiro passo para que, nas nossas comunidades, se torne realidade o tão desejado acolhimento cordial. Quem escuta saudavel-mente recria os vínculos pessoais tantas vezes lesados, com o simples bálsamo de reconhecer o outro como importante

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e com alguma coisa para me dizer. A escuta conduz ao diálogo e torna possível o milagre da empatia que vence distâncias e receios.

Esta atitude livrar-nos-á de alguns perigos que podem hipo-tecar o nosso estilo pastoral. O de nos entrincheirarmos como Igreja, edificando muros que nos impedem de ver o horizonte. O perigo de ser Igreja autorreferencial que escrutina todas as encruzilhadas da história e é capaz de ter um ataque de his-teria com os problemas internos até das melhores iniciativas pastorais. O perigo de empobrecer a catequese concebendo-a como mero ensinamento, ou simples doutrinamento com con-ceitos frios e distantes no tempo.

A atitude de escutar ajudar-nos-á a não trair a fres-cura e força do anúncio querigmático perturbando-a numa moralidade falsa e frouxa que, mais do que a novidade do «Caminho», se transforma em lama que cega e atola.

Precisamos de nos exercitar na escuta… Para que a nossa ação evangelizadora se enraíze nesse âmbito da interiori-dade onde se faz o verdadeiro catequista que, para lá das suas atividades, sabe fazer do seu ministério diakonia do acompanhamento.

Escutar é mais do que ouvir… Este último está na linha da informação. O primeiro na linha da comunicação, na capaci-dade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não é possível um verdadeiro encontro. A escuta ajuda-nos a encontrar o gesto e a palavra oportunos, que nos desinstalam da sempre mais tranquila posição de espetador.

Queres, como catequista, animar verdadeiros encon-tros de catequese? Pede ao Senhor a graça da escuta. Deus chamou-te a ser catequista, não simples técnico de comuni-cação. Deus escolheu-te para que tornes presente o calor da Igreja Mãe, matriz indispensável para que Jesus seja amado e conhecido hoje.

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Escutar é também a capacidade de partilhar perguntas e de procurar, de fazer o caminho juntos, de nos distanciarmos de todo o complexo de omnipotência para nos unirmos no tra-balho comum que se faz peregrinação, pertença, povo.

Nem sempre é fácil escutar. Às vezes é mais cómodo fingir-se surdo, pôr os phones para não ouvir ninguém. Com facilidade trocamos o escutar pelo email, o SMS ou o chat, e assim privamos a escuta da realidade de rostos, olhares e abraços. Podemos também pré-selecionar a escuta e escutar alguns, logicamente os que nos convêm. Nunca faltam nos nossos ambientes eclesiais aduladores que nos dirão exata-mente o que queremos escutar.

Escutar é atender, querer entender, valorizar, respeitar, saudar a opinião alheia… Há que tomar medidas para escutar bem, para que todos possam falar, para que se tenha em conta o que cada um quer dizer. Há — no escutar — algo de martírio, um pouco de morrer ao mesmo tempo que recria o gesto sagrado do Êxodo: Tira as sandálias, anda com cuidado, não atropeles. Cala-te, é terra sagrada; há alguém que tem uma coisa para te dizer! É um dom que se deve pedir e treinar.

Sempre me chamou a atenção quando perguntaram a Jesus qual é o mandamento principal, e Ele responde com a ora-ção judaica mais famosa: o «Chemá». Esta palavra, que em hebraico quer dizer «escuta», deu nome próprio a um dos textos mais importantes da Sagrada Escritura.

«Escuta, Israel: o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.

Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,

Com toda a tua alma e com todas as tuas forças.

Grava no teu coração estas palavras que te dito hoje.

Transmite-as aos teus filhos, e fala-lhes delas

Quando estás em casa

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E quando vais no caminho, ao deitar-te e ao levantar-te.

Ata-as à tua mão como um sinal,

E que fiquem como uma marca sobre a tua fronte.»

Deuteronómio 6,4-8

Para o povo de Israel esta oração é tão importante que os judeus piedosos a guardam em pequenos rolos que atam sobre a sua fronte ou no braço junto do coração, e constitui um ensinamento inicial e principal que se transmite de pais para filhos, de geração em geração. Na sua génese está a cer-teza comunicada de geração em geração: a consciência de que a única maneira de aprender e transmitir a Aliança de Deus é esta, escutando.

Jesus soma a este primeiro mandamento um outro que se lhe segue em importância:

«…O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Não há outro mandamento maior do que este» (Mc 12,31).

Escutar para amar, escutar para dialogar e responder; «escutar e pôr em prática a Palavra de Deus», dirá Ele nou-tras ocasiões para falar sobre o chamamento e a resposta ao amor de Deus. Escutar e comover-se será a sua atitude per-manente perante o que sofre. Não há possibilidade de amor a Deus e ao próximo sem esta primeira atitude: escutar.

Na mesma linha, São Bento inicia a sua regra monástica, que tanta influência teve na vida da Igreja: «Escuta, filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração» (Regla Benedictina, Prólogo).

São Bento sintetiza-nos, neste primeiro conselho, toda a sabedoria monástica. O verbo original que ele utiliza em Latim é obsculta, que além de «escuta» significa «ausculta», «examina», «explora», «observa», «reconhece». Isto é escutar

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inclinando o ouvido do nosso coração, com uma atenção que tudo examina, tudo observa, e sabe abrir-se a tudo o que o Mestre quer dizer-lhe para poder entrar em comunhão com Ele.

Tendo em conta estas coisas, neste tempo em que nos reconhecemos como Igreja em Assembleia, convido-te a que assumas, como parte do ministério que a Igreja te confiou, a pedagogia do diálogo. Assim, tornarás presente, com os teus gestos e palavras oportunas, o rosto da Madre Igreja, caracterizada por uma autêntica atitude dialogante.

Dialogar é estar atento à Palavra de Deus, e deixar-me pro-curar por Ele; dialogar é anunciar a Boa Nova e também saber «auscultar» aqueles que interrogam, as dúvidas, os sofrimen-tos e as esperanças dos nossos irmãos, a quem nos compete acompanhar e também a quem reconhecemos como nossos acompanhantes e guias no caminho.

Este será um serviço eclesial muito valioso e uma maneira concreta de ir ao encontro dos homens e mulheres de Buenos Aires que, além da sua condição religiosa, como todo o ser humano, desejam e buscam espaços de diálogo verdadeiro.

Escutar para tornar possível o diálogo verdadeiro hoje! A todos os níveis… em todos os âmbitos. Diálogo, encontro, respeito… constantes de Deus, Trinitário e próximo que te fez participante da sua pedagogia da salvação. Não te esque-ças: como catequista, mais que falar, deverás escutar: foste chamado a dialogar.

Maria é perita em tudo isto. Como ninguém, fez da sua vida escuta de Deus e olhar pronto para as necessidades dos outros. Que ela nos ensine a ter os ouvidos do coração aten-tos para poder ser hoje, nesta Buenos Aires em convulsão e pagã, discípulos de Jesus e irmãos de todos.

«O mesmo Senhor deu-me uma língua de discípulo, para que eu saiba reconfortar o fatigado com uma palavra de alento.

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Cada manhã, Ele desperta o meu ouvido para que eu escute como um discípulo. O Senhor abriu o meu ouvido e eu não resisti nem me afastei» (Is 50,4-5).

Não deixes de rezar por mim para que seja um bom cate-quista. Que Jesus te abençoe e que a Virgem Maria olhe por ti.

Carta aos Catequistas, agosto de 2006

MODELO DO PEREGRINO INCANSÁVEL

A vida cristã é sempre um caminhar na presença de Deus, mas não está isenta de lutas e provações, como a que nos narra a primeira leitura, em que aparece um velho conhecido de todos nós: Abraão. Figura do crente fiel, modelo de pere-grino incansável, do homem que tem um santo temor a Deus ao ponto de Lhe não negar o seu próprio filho, sendo aben-çoado com uma grande descendência…

Hoje Abraão interpela-nos como Igreja em Buenos Aires em Assembleia, sobre a maneira como estamos a caminhar na presença de Deus… Porque há maneiras e maneiras de caminhar na presença de Deus. Uma verdadeira, a de Abraão, irrepreensível, em liberdade, sem medo, porque confiava no Senhor. Deus era a sua força e segurança, como cantá-mos no salmo. O outro modo, o que às vezes nós fazemos, em que nos dizemos peregrinos mas, no fundo, já escolhe-mos o caminho, o ritmo, os tempos…; nem somos discípulos, porque nos seguimos a nós próprios; nem somos irmãos, por-que fazemos «à nossa maneira». Já aprendemos, porventura, a arte de fazer crer aos outros, e até por vezes a nós mesmos, que é essa a vontade de Deus.

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Por isso, é sempre bom o deserto quaresmal, que nos per-mite, ano após ano, «peregrinar interiormente até à fonte de misericórdia» (Bento XVI) para purificar o coração, fazer inci-dir luz sobre as tentações do nosso caminhar como Igreja, e, no vosso caso, o caminhar como catequistas. E é isto que vos traz a este encontro todos os anos que é o EAC. Para, num clima de união e festa, ver o Deus fiel, para que a memória se faça identidade, e a missão fraternidade…

Assim é a nossa vida de cristãos… olhar Deus e n’Ele refletir sobre nós próprios… Um Deus fiel mas desinstalador, exigente, que nos pede a obediência da fé… Um cristão que se reco-nhece peregrino, que experimenta na sua vida o passo zeloso do Deus da Aliança mas que sabe, ao mesmo tempo, caminhar na presença amorosa do Pai, entregar-se a Ele com infinita confiança como soube fazer Santa Teresa ou o irmão Charles de Foucauld… Na vida de todo o cristão, de todo o discípulo, de todo o catequista, não pode faltar a experiência do deserto, da purificação interior, da noite escura, da obediência da fé, como a que viveu o nosso pai Abraão. Mas aí também está a raiz do discipulado, do abandono, da experiência do povo que nos permite reconhecermo-nos como irmãos.

Na realidade, na sua providência, vós mesmos haveis experimentado hoje, em pequena escala, a desinstalação… e haveis deixado os amplos pátios do La Salle para viver a novi-dade que lhes trazia a mudança de local. E talvez me engane mas penso que não terá faltado algum doente de nostalgia com sintomas de aburguesamento que não gozou o presente sentindo saudades de comodidades passadas.

Qualquer coisa assim, mas muito mais grave, pode acontecer--nos na nossa vida espiritual e eclesial. Se há alguma coisa que paralisa a vida é renunciar a continuar caminhando para lutar pelo já adquirido, pelo seguro, pelo de sempre. Por isso, o Senhor desinstala. E fá-lo sem anestesia… Como a Abraão,

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pede-lhe que entregue o seu filho, os seus sonhos, os seus projetos… Está a podá-lo sem explicação, a iniciá-lo na escola do desprendimento para que seja autenticamente livre, plenamente disponível para os projetos de Deus com o objetivo de o fazer, assim, colaborador da história grande, da história de salvação para ele e sobretudo para o povo que lhe foi confiado.

As únicas palavras de Abraão a Deus, que aparecem no texto que hoje ouvimos, são: «Aqui estou.» Duas vezes e somente estas palavras são o que diz Abraão: «Aqui estou.» E nessas palavras, «Aqui estou», está tudo! Como o profeta, como o crente, como o peregrino… o «Aqui estou», o «Faça--se em mim segundo a tua palavra», o «Ámen»… são as únicas respostas possíveis. Se não forem estas, tudo o resto é ruído, distrai, confunde… Se não pudermos pronunciar com a nossa vida o «Aqui estou», é melhor calares-te, não fales, não vá acontecer que te afundes em tanto palavreado oco que anda à solta pela nossa grande cidade.

Como nos custa dizer «Aqui estou»! Muitas vezes condi- cionamo-lo…

«Aqui estou» se coincidir com o que penso… «Aqui estou» se me agradar a proposta, o tempo…«Aqui estou» se não significar destruir os meus planos,

projetos, questões individuais… Por isso, neste segundo domingo da Quaresma, tempo

de conversão interior, convido-vos a encarnar nas vos-sas vidas todo o caminho interior que pressupõe o estado de Assembleia: o de nos pormos em «movimento espiritual» que nos permita ir incorporando critérios pastorais e gestos adequados para estabelecer um estilo comum de ser Igreja hoje em Buenos Aires.

Mas tudo isto não será possível se estivermos instalados… protegidos no nosso pequeno mundo. Quando perdemos a

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capacidade de nos abrirmos à novidade do Espírito, não pode- mos responder aos sinais dos tempos… E não podemos ser autênticos discípulos, e, menos ainda, irmãos de todos… Transformamo-nos em «fariseus modernos» que vão fechando a sua capacidade de escuta e acolhimento, para tornar a nossa Igreja em comunidades estéreis, tristes e velhas… Cheia de medos paralisantes que nos levam muitas vezes a trair a men-sagem e a dizer e fazer qualquer coisa menos anunciar a Boa Nova. E quando não estamos abertos à novidade do Espírito, que tem sempre a frescura da comunhão, corremos o risco de ir convivendo no nosso coração com um certo prurido de desagrado perante qualquer postura dos meus irmãos que não se entenda ou controle.

Prestemos também atenção ao Evangelho de hoje. Diz o texto de São Marcos: «Pedro estava tão assustado que não sabia o que dizia.» Ao Pedro medroso, fechado ao Espírito, nasce-lhe a tentação de ficar no monte, renunciando ao cha-mamento para ser levedura do pasto. É uma tentação subtil do espírito do mal. Não o tenta com uma coisa grosseira, mas com algo aparentemente piedoso, que o desvia da sua missão, daquilo para que foi escolhido por Deus. O olhar acobarda-se, a tentação de se instalar também surge na vida do apóstolo… O estar bem, seguro, cómodo, até espiritual-mente contido, pode ser tentação do caminho da nossa vida e ministério de catequistas. Ficarmos aqui nas nossas tendas, nos nossos montes, nas nossas praias, nas nossas paróquias, nas nossas comunidades tão lindas e enfadonhas… pode ser muitas vezes, não sinal de piedade e pertença eclesial, mas cobardia, comodidade, falta de horizonte, rotina… que cos-tuma ter como principal causa não ter ouvido bem o Filho amado de Deus, não o termos contemplado, não o termos compreendido…

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O Bom Deus, na sua providência, permite-nos concluir este encontro de catequistas com o Evangelho da Transfiguração, que nos convida a pôr o nosso olhar no Senhor, só n’Ele, para podermos, nós também, dizer: «Aqui estou.» E fazemo--lo também como Igreja em Buenos Aires em Assembleia que pede a graça de «reforçar os vínculos da caridade fraterna para, assim, poder recriar a consciência de pertencer ao único Povo de Deus». E para isso é necessário pedir uns para os outros a graça de uma conversão sincera.

Conversão pessoal e eclesial para nos podermos renovar no espírito de comunhão e participação que nos permitam, superando os medos paralisantes, caminhar na liberdade do Espírito… Conversão pessoal e eclesial para afrontar purifi-cações, correções… que nos permitam crescer em fidelidade e encontrar caminhos novos de evangelização… Conversão pessoal e eclesial para encarnar em gestos de proximidade a pedagogia da santidade, que se faz escuta, diálogo, discerni-mento… Conversão pessoal e eclesial para não nos deixarmos levar pelos profetas do «não vai dar», para não nos deixar-mos enfermar pelo coração desiludido que ao mesmo tempo se vai endurecendo, vai perdendo a emoção da festa e da vida, para apenas abraçar as críticas e os medos…

Que no meio desta peregrinação quaresmal possamos redescobrir Cristo transfigurado, para que Ele, só Ele… com a sua presença de proximidade e ternura, cure, sane, supere todo o temor e medo, porque Ele é o Deus-connosco, o Emanuel. «E se Deus está connosco, quem poderá estar contra nós?» (Rm 8,31).

Homilia aos Catequistas, Encontro Arquidiocesano de

Catequistas, março de 2007

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«ELE CHAMA CADA UMA PELO SEU NOME, E FÁ-LAS SAIR…»

Como acontece todos os anos, a festa de São Pio X é a opor-tunidade para, juntos, darmos graças a Deus por este lindo ministério eclesial em que a Palavra se torna compreensível e significativa para a vida de tantas crianças, jovens e adultos. Faço-o a partir do ponto sempre atual do caminho que estamos a percorrer como Igreja diocesana em estado de assembleia, para encontrar as atitudes próprias que tornem possível uma evangelização orientada para as periferias, para que todos, e não apenas alguns, tenham vida em plenitude.

Escrevo-vos consciente das enormes dificuldades que a vossa tarefa representa. A transmissão da fé nunca foi um tra-balho fácil, mas nestes tempos de mudança o desafio é ainda maior: «…As nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração para outra com a mesma fluidez do passado. Isso afeta, inclusivamente, esse núcleo mais profundo de cada cultura, constituído pela experiência religiosa, que agora tam-bém se torna mais difícil transmitir através da educação e da beleza das expressões culturais, chegando mesmo à família que, como lugar do diálogo e da solidariedade intergeracio-nal, foi um dos veículos mais importantes da transmissão da fé» (Aparecida, 39). Por isso, precisamos de «…recomeçar em Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou no seu ministério a plenitude do cumprimento e do sentido da voca-ção humana» (Aparecida, 41). Só pondo os olhos no Senhor poderemos cumprir a sua missão e adotar as suas atitudes.

Uma das contribuições mais lúcidas da recente Assembleia de Aparecida2 foi a tomada de consciência de que talvez o maior

2 Referência à V Assembleia Geral do Episcopado da América Latina e Caraíbas, que se realizou na cidade brasileira de Aparecida entre 13 e 31 de maio de 2007. [N. dos T.]

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perigo para a Igreja não deva ser procurado fora mas sim entre os seus filhos; na eterna e subtil tentação do abroquelamento e do confinamento para se sentirem protegidos e seguros:

A Igreja… não pode recuar perante quem só vê confusão, perigos e ameaças e perante quem pretende cobrir a variedade e complexidade de situações com uma capa de ideologias gastas ou de agressões irresponsáveis. Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arreigada na nossa his-tória, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo que desperte discípulos e missionários. Isso não depende muito de grandes programas e estruturas, mas sim de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários do seu Reino, prota-gonistas de vida nova para uma América Latina que se quer reconhecer com a luz e a força do Espírito.

«Não resistiria aos embates do tempo uma fé católica reduzida

a conjunto de conhecimentos, a elenco de normas e proibições,

a práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e par-

ciais das verdades da fé, a uma participação ocasional em alguns

sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a moralismos

brandos ou crispados que não convertem a vida dos batizados.

A nossa maior ameaça é o pragmatismo cinzento da vida quo-

tidiana da Igreja em que, aparentemente, tudo corre dentro da

normalidade mas, na realidade, a fé se vai desgastando e dege-

nera em mesquinhez. Cabe-nos a todos «recomeçar em Cristo»,

reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão

ética ou uma grande ideia, mas sim pelo encontro com um acon-

tecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e,

com isso, uma orientação decisiva» (Aparecida, 11-12).

Paradoxalmente, este centrar-nos em Cristo tem de nos descentralizar. Porque onde há verdadeira vida em Cristo há

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saída em nome de Cristo. Isto é autenticamente recomeçar em Cristo! É reconhecermo-nos chamados por Ele a estarmos com Ele, a sermos seus discípulos mas para experimentar-mos a graça do envio, para sairmos a anunciar, para irmos ao encontro do outro (cf. Mc 3,14). Recomeçar em Cristo é olhar o Bom Mestre que nos convida a sairmos do nosso caminho habitual para vermos o que se passa junto ao cami-nho, à beira, na periferia, experiência de «proximidade» e verdadeiro encontro com o amor que nos faz livres e plenos.

Recordo o que partilhei convosco, há muitos anos, num dos primeiros EAC: «…Uma coisa que há que ter em conta para orientar a catequese é que o recebido deve ser anun-ciado (cf. 1 Cor 15,3). O coração do catequista submete-se a este duplo movimento: centrípeto e centrífugo (receber e dar). Centrípeto enquanto “recebe” o querigma como dom, o acolhe no centro do seu coração. Centrífugo, enquanto o anuncia com uma necessidade existencial (“ai de mim se não evangelizo”). A dádiva do querigma é missionária: nesta ten-são se move o coração do catequista. Trata-se de um coração eclesial que “ouve religiosamente a Palavra de Deus e a pro-clama com coragem” (DV).»

Permitam-me que insista convosco sobre este aspeto, por serem catequistas, por acompanharem o processo de cresci-mento da fé, por estarem comprometidos com o ensino: pode o «tentador» fazer-vos crer que o vosso âmbito de ação é intra-eclesial e vos leve a estarem demasiado em volta do templo e do adro. Costuma acontecer… Quando as nossas palavras, o nosso horizonte, têm uma perspetiva fechada e de pequeno mundo, não há de surpreender-nos que a nossa catequese perca a força do querigma e se transforme em ensino insípido de doutrina, em transmissão frustrante de normas morais, em experiência esgotante por estarmos a semear inutilmente.

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Por isso, «recomeçar em Cristo» é, concretamente, imi-tar o Bom Mestre, o único que tem a Palavra de Vida Eterna e sair mil e uma vezes pelos caminhos, em busca da pessoa nas suas mais diversas situações.

«Recomeçar em Cristo» é olhar o Bom Mestre; ao que soube diferenciar-se dos rabinos do seu tempo porque o seu ensino e o seu ministério não ficavam instalados na esplanada do templo, porque ele foi capaz de «fazer-se ao caminho», porque saiu ao encontro da vida do seu povo para o fazer participante das primícias do Reino (cf. Lc 9,57-62).

«Recomeçar em Cristo» é cuidar da oração no meio de uma cultura agressivamente pagã, para que a alma não se enrugue, o coração não perca a sua cor e a ação não se deixe invadir pela pusilanimidade.

«Recomeçar em Cristo» é sentirmo-nos interpelados pela sua palavra, pelo seu envio, e não ceder à tentação minimalista de nos contentarmos apenas em conservar a fé e darmo-nos por satisfeitos se alguns vêm à catequese.

«Recomeçar em cristo» implica empreender continua-mente a peregrinação em direção à periferia. Como Abraão, modelo do peregrino incansável, cheio de liberdade, sem medo, porque confiava no Senhor. Ele era a sua força e a sua segu-rança, por isso não se deteve na sua caminhada, porque o fazia na presença do Senhor (cf. Gn 17,1).

Além do mais, na vida de qualquer cristão, de qualquer discípulo, de qualquer catequista, não falta a experiência do deserto, da purificação interior, da noite escura, da obediência da fé, como a que viveu nosso pai Abraão. Mas aí também está a razão do discipulado. Os cansaços do caminho não podem acobardar e deter os nossos passos, porque tal equivaleria a paralisar a vida. «Recomeçar em Cristo» é deixarmo-nos desinstalar para não nos agarrarmos ao já adquirido, ao que

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é seguro, ao de sempre. E, porque a minha alma só descansa em Deus, saio ao encontro de outras almas.

«Recomeçar em Cristo» supõe não ter medo da periferia. Aprendamos com Jonas, para quem olhámos várias vezes ao longo deste ano. A sua figura é paradigmática neste tempo de tantas mudanças e incertezas. É um homem piedoso, que tem uma vida tranquila e em ordem. Mas, justamente, como por vezes este tipo de espiritualidade pode trazer tanta ordem, tanta clareza no modo de viver a religião, leva-nos a enquadrar rigidamente os lugares de missão, a deixarmo-nos tentar pela segurança do que «sempre foi assim». E, para o assustadiço Jonas, o envio a Nínive provocou crise, des-concerto, medo. Porque se tratava de um convite para se aproximar do desconhecido, do que não tem resposta, da periferia do seu mundo eclesial. E, por isso, o discípulo quis escapar à missão, preferiu fugir…

As fugas não são boas. Muitas escondem traições e renún-cias. E costumam ter semblantes tristes e conversas amargas (cf. Lc 24,17-18). Na vida de cada cristão, de cada discípulo, de cada catequista tem de existir a alegria de ir até à perife-ria, de sair dos seus circuitos normais; caso contrário, não poderá ser hoje testemunha do Mestre; além do mais, com toda a certeza, transformar-se-á em pedra e em escândalo para os outros (cf. Mt 16,23).

«Recomeçar em Cristo» é ter a todo o momento a expe-riência de que Ele é o nosso único pastor, o nosso único centro. Por isso, centrarmo-nos em Cristo significa «ir com Cristo». E, assim, a nossa ida para a periferia não será um afastamento do centro, mas sim permanecer na videira e dar, dessa forma, verdadeiro fruto no seu amor (cf. Jo 15,4). O para-doxo cristão exige que o itinerário do coração do discípulo precise de ir para poder permanecer, precise de mudar para poder ser fiel.

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Por isso, desde aquela bendita madrugada do domingo da história, ressoam no tempo e no espaço as palavras do anjo que acompanha o anúncio da ressurreição: «Ide, pois, dizer aos Seus discípulos e a Pedro que Ele vos precederá a cami-nho da Galileia; lá O vereis como vo-lo disse» (Mc 16,7). O Mestre precede-nos sempre, Ele vai à frente (cf. Lc 19,28) e, por isso, mostra-nos o caminho, ensina-nos a não ficar-mos quietos. Não há nada tão oposto ao acontecimento pascal do que dizer: «estamos aqui, venham». O verdadeiro discípulo sabe e cuida de um mandato que dá identidade, sentido e beleza ao seu crer: «Ide…» (Mt 28,19). Então sim, o anúncio será querigma; a religião, vida plena; o discípulo, verdadeiro cristão.

No entanto, a tentação do confinamento, do medo para- lisante também acompanhou os primeiros passos dos segui- dores de Jesus: «…estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se achavam juntos, com medo…» (Jo 20,19-20). Hoje como ontem podemos ter medo. Também hoje, muitas vezes, estamos com as portas fechadas. Reconheçamos que estamos em dívida.

Hoje, ao agradecer-te por toda a tua entrega, querido catequista, animo-me mais uma vez a pedir-te: vai, deixa a gruta, abre as portas, anima-te a transmitir novos cami-nhos. A fidelidade não é repetição. Buenos Aires precisa que continues a pedir ao Senhor a criatividade e a audácia para atravessares muralhas e esquemas que possibilitem, como aquela gesta de Paulo e Barnabé, a alegria de muitos irmãos (cf. At 15,3).

Convido-te para, mais uma vez, voltarmos o nosso olhar e a nossa oração para Nossa Senhora de Luján. Peçamos-lhe que transforme o nosso coração vacilante e temeroso para que, como São Paulo, tornemos realidade uma Igreja fiel, que entende feridas, perigos e sofrimentos por ter descoberto que,

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quando o amor urge, tudo é pouco para que soe na periferia a Boa Nova de Jesus (cf. 2 Cor 11,26).

Peço-te, por favor, que rezes por mim, para que eu seja um bom catequista. Que Jesus te abençoe e que Nossa Senhora te proteja.

Carta aos Catequistas, agosto de 2007

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