edição especial de eleição do papa francisco

4
PAPA FRANCISCO Especial – 19 a 25 de março de 2013 A referência é justa e cabe ter presente sempre. Quem dirige os rumos da Igreja é o Espírito Santo. Foi assim lá na Igreja primitiva, quando, após decisões importantes do colégio dos apóstolos, elas eram comunicadas à comunidade com as palavras: “O Espírito Santo e nós decidimos que...”. Foi assim em todos os Conclaves, na decisão de quem deveria ser o sucessor de Pedro. Foi assim no último Conclave, em que o Espírito Santo e 115 cardeais decidiram que a Cátedra de Pedro, vazia pela renúncia de Bento 16, seria ocupada pelo cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, que a si mesmo deu o nome de Francisco. O Espírito Santo e os cardeais mandaram um recado aos analistas do mundo todo, aos vaticanólogos de ofício e de ocasião que viram na eleição do papa interesses políticos, brigas pelo poder, facções se digladiando. Quem manda na Igreja é a Trindade Santa. A Igreja é uma instituição divina e humana. Humana, tem problemas, tem desa- fios, tem feridas a curar. Instituição divina, tem a luz do alto a iluminá-la em sua caminhada no mundo. E o mundo católico, positiva e alegremente surpreso, dá as boas-vindas à Sua Santidade, o papa Francisco. Nesta edição, queremos oferecer aos nos- sos leitores alguns dados que permitam traçar um início de perfil daquele que será o bispo de Roma e o sucessor de Pedro na condução da Igreja. Seja bem-vindo, papa Francisco. Nós, os católicos do mundo inteiro, o amamos e lhe prometemos com as nossas constantes preces, a nossa dócil obediência. Seja bem-vindo! L'Osservatore Romano

Upload: arquidiocese-de-sao-paulo

Post on 05-Feb-2016

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Caderno especial do O São Paulo, semanário da Arquidiocese de São Paulo, mostra a tragetória e a eleição do cardeal Bergoglio para Papa da Igreja

TRANSCRIPT

Page 1: Edição especial de eleição do papa Francisco

PAPA FRANCISCOEspecial – 19 a 25 de março de 2013

A referência é justa e cabe ter presente sempre. Quem dirige os

rumos da Igreja é o Espírito Santo. Foi assim lá na Igreja primitiva,

quando, após decisões importantes do colégio dos apóstolos, elas eram

comunicadas à comunidade com as palavras: “O Espírito Santo e nós

decidimos que...”. Foi assim em todos os Conclaves, na decisão de

quem deveria ser o sucessor de Pedro. Foi assim no último Conclave,

em que o Espírito Santo e 115 cardeais decidiram que a Cátedra

de Pedro, vazia pela renúncia de Bento 16, seria ocupada pelo

cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, que a si mesmo deu

o nome de Francisco.

O Espírito Santo e os cardeais mandaram um recado aos

analistas do mundo todo, aos vaticanólogos de ofício e de

ocasião que viram na eleição do papa interesses políticos,

brigas pelo poder, facções se digladiando. Quem manda

na Igreja é a Trindade Santa. A Igreja é uma instituição

divina e humana. Humana, tem problemas, tem desa-

fios, tem feridas a curar. Instituição divina, tem a luz

do alto a iluminá-la em sua caminhada no mundo.

E o mundo católico, positiva e alegremente

surpreso, dá as boas-vindas à Sua Santidade, o papa

Francisco. Nesta edição, queremos oferecer aos nos-

sos leitores alguns dados que permitam traçar um início

de perfil daquele que será o bispo de Roma e o sucessor de

Pedro na condução da Igreja. Seja bem-vindo, papa Francisco. Nós,

os católicos do mundo inteiro, o amamos e lhe prometemos com as

nossas constantes preces, a nossa dócil obediência.

Seja bem-vindo! L'O

sser

vato

re R

oman

o

Page 2: Edição especial de eleição do papa Francisco

2 19 a 25 de março de 2013O SÃO PAULO PAPA FRANCISCO

Eram 7h7 da noite em Roma – 3h7 da tarde no Brasil quando a fumaça branca começou a sair da chaminé da Capela Sistina, no Vaticano. Imediatamente, os sinos da Basílica de São Pedro iniciaram um repicar alegre, se estendendo, depois às demais igrejas de Roma, anunciando ao mundo que a Igreja Católica Apostólica Romana tinha um novo papa. Foram cinco votações – uma a mais do que na escolha de Bento 16 – e dois dias de Conclave, depois dos 13 dias da renúncia de Bento 16, para que os fiéis – que não arredaram pé da praça de São Pedro desde cedo, apesar da chuva e dos 9 graus que fazia, com sensação térmica de 8, dos últimos dias do inverno europeu – e o mundo co-nhecessem aquele que sucedeu a Pedro.

Foram necessários 60 minutos (uma hora) para que o protodiá-cono, o cardeal francês Jean-Lou-is Tauran, chegasse à sacada do palácio apostólico para anunciar: “Eu vos anuncio com grande ale-gria: temos papa! Eminentíssimo reverendíssimo Jorge Mario, car-deal da Santa Madre Igreja, Ber-goglio, que escolheu como nome Francisco”. A multidão, ainda aos gritos pelo anúncio, quase não se conteve quando cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, 76 anos – a grande surpresa do Conclave, de acordo com o te-ólogo, padre Marcial Maçaneiro, comentando a eleição do papa a uma tradicional emissora de TV brasileira – chegou à sacada. Visivelmente emocionado. Ele permaneceu mudo por quase 20 segundos olhando com ar grave os fiéis de todas as nacionalida-des que saudavam “O papa do fim do mundo”. Eram 20h22 de Roma – 16h22 do Brasil.

Francisco, o primeiro papa latino-americano, primeiro jesu-íta e 167º papa religioso depois de Gregório 16 (1831 a 1846), surpreendeu o povo na praça, ao pedir “um favor”, neste encontro inicial: “Peço-vos que rezem ao Senhor para que me abençoe, a oração do povo pedindo a bên-ção pelo seu bispo. Façamos em silêncio esta oração”, declarou, conseguindo calar a multidão que se encontrava em festa há cerca de uma hora, após a saída da fumaça branca da chaminé colocada sobre a Capela Sistina. E rezou com o povo o Pai Nosso

EXPECTATIVAS DOS BISPOS COM O NOVO PAPA

Igreja convoca América Latina à evangelização

‘Começou bem, testemunhando simplicidade’

Avançar no conhecimento e aprofundamento da fé

‘Terá dois desafios fundamentais: ouvir e acolher’

‘Dar continuidade ao processo de renovação da Igreja’

É um fato inédito a eleição de um papa argentino. Além de nos encher de alegria, essa escolha representa para a Igreja Universal uma aposta em vista do futuro. Os países de antiga e milenar evangelização continuam a desempenhar um papel decisivo na evangelização. Essa responsabilidade não é negada nem é colocada em se-gundo plano como se a Igreja Católica nesses países tivesse esgotado a sua capacidade de gerar a vida nova do Evangelho. Com essa eleição, porém, a Igreja convoca a América Latina, inclusive o Brasil, para desempenhar um papel ainda mais ativo na evange-lização. Chegou a hora de darmos uma contribuição maior e mais efetiva. As portas estão abertas: não podemos decepcionar a esperança depositada na América Latina.

Sobretudo, não podemos deixar de corresponder ao dom de Deus que se exprime nessa eleição: o de dar continuidade à insistência de Bento 16 em voltar ao essencial e ao mais genuíno do Cristianismo, que é o encontro pessoal com Cristo. Essa concentração ao essencial tem como finalidade a abertura missionária e a transmissão da fé. A transmissão da fé será o desafio do futuro: transmissão vital e humanizante; transmissão viva com a força do Espírito, que renova as pessoas a partir de dentro; transmissão como ação, que eleva e conduz à ple-na realização e não como imposição que nega a identidade das culturas e tradições religiosas; transmissão do próprio Deus Vivo e Verdadeiro, num mundo cada vez mais secularista.

É sempre válido recordar o que Bento 16 expôs na homilia de posse como papa: o programa de governo é fazer a vontade de Deus. Isso parece uma afirmação óbvia e um programa evidente: todo e qualquer papa deve fazer a vontade de Deus, assim como toda pessoa que crê em Deus. Mas,

vivemos em tempos em que a fé não deve ser mais pressuposta; vivemos em uma situação em que fazer a vontade de Deus não pode ser mais considerado como um programa óbvio. É preciso buscá-la com perseverança, humildade e esperança. É preciso discerni-la com fidelidade e decisão. É preciso cumpri--la com consciência, com esforço sincero e com coerência permanente. Em todas as atividades e iniciativas pastorais, em todos os trabalhos a ser realizados, a vontade de Deus não pode ser mais pressuposta. Precisamos tornar essa busca, essa escuta e esse cumpri-mento da vontade de Deus explícitos e conscientes. Para que nossa ação pastoral seja aceita por Deus, é preciso estabelecer a prioridade absoluta de sua vontade. Não podemos mais confundir coordenação pastoral com gestão de recursos finalizados para a obtenção de resultados. Se a vontade de Deus não for uma escolha explícita dos agentes de pastoral, se ela não tiver prioridade absoluta sobre todas as metas e resul-tados, nós transformaremos a Igreja em uma ONG.

Acolhi o anúncio de que temos um novo papa com um sentido grandís-simo de gratidão a Deus, porque no meio de muitas especulações, opiniões, críticas que foram feitas, surge um nome que não pertenceu a nenhum desses falatórios, que não era esperado. Isso me revela Deus agindo na história da Igreja, como aconteceu no Ato dos

Apóstolos, "apareceu bem ao Espírito Santo e a nós". Acolhi com a alegria de perceber que os cardeais têm essa consciência de que a Igreja é católica, isto é, o papa pode vir de qualquer um dos continentes, porque ele será papa para toda a Igreja e não necessaria-mente para um só continente. Sendo latino-americano, o papa Francisco tem diante dos olhos o Documento de Aparecida, grande documento da evangelização. Ele tem um pouco do espírito da simplicidade, mas também a alegria do povo latino-americano. Ele levará consigo toda a nossa expec-tativa, ele é aqui da América Latina,

essa é uma grande alegria para nós. Imediatamente, me surpreendi

com a maneira simples com que ele se apresentou: apenas com a batina branca, uma cruz muito simples, im-plorou ao povo que rezasse por ele, antes que ele mesmo desse a benção ao povo todo reunido e ao mundo in-teiro, foi uma apresentação de grande simplicidade. E como a missão passa pelo testemunho, acredito que essa é uma maneira importantíssima de evangelizar. Começou bem, teste-munhando simplicidade, confiança em Deus, confiança na oração, na comunhão, na fraternidade.

É difícil fazer um diagnóstico sobre desafios e possibilidades que o novo Papa terá à frente. Mas, creio que um

dos mais importantes desafios que deverá enfrentar será levar a Igreja a avançar no conhecimento e aprofun-damento da fé e, ao mesmo tempo, no dinamismo missionário. Hoje, mais do que nunca, será importante que o novo papa reúna em si a força carismá-tica com a determinação constante em levar a Igreja a avançar por águas mais profundas, no anúncio do Evangelho.

Creio que o novo Papa dará con-tinuidade ao magistério dos últimos papas, particularmente, Paulo 6º, João Paulo 2º e Bento 16, no espírito do Concílio Vaticano 2º, será de gran-de importância para que possamos consolidar nossas ações pastorais e avançar na conversão missionaria e pastoral, proposta pela Conferência de Aparecida.

O novo Papa terá dois desafios fundamentais: ouvir e acolher. A Cúria Romana sempre precisa ouvir mais os bispos, o clero, os demais fiéis e também os que não fazem

parte do redil. No entanto, ouvir não é suficiente, precisa também acolher o que ouviu e deixar-se interrogar por todo este mundo novo, para que à luz da Palavra, da Doutrina e do Magistério possa apresentar caminhos de vivência da fé em um mundo em profunda mutação.

Na Arquidiocese, acompanho os setores da vida e família e a animação missionária. O setor vida e família está bem articulado e

tem nos documentos pontifícios, orientação segura e muito clara nos campos doutrinal e moral. Poderia o Santo Padre enfatizar a necessidade de que as instituições eclesiais re-alizem o que é proposto. Muito se escreve e se fala, mas com pouca ressonância na base. Em relação à animação missionária, estamos aguardando a publicação das pro-postas do Sínodo sobre a Nova evangelização.

O Papa inicia seu pontificado num momento exigente para a vida e a missão evangelizadora da Igreja. A realidade cultural de uma mudança de época, que se complexifica com a globalização econômica e cultural, acelerada pelas novas tecnologias, especialmente as de comunicação, é a moldura dos múltiplos temas que

chamam a atenção neste momento: nova ordem econômica mundial; superação da fome e da pobreza; construção da paz; diálogo ecumênico e inter-religioso; liberdade religiosa; secularismo; relativismo; indiferença religiosa; retomada da missionarie-dade da Igreja; e a transmissão da fé.

Creio que o principal desafio do Papa é dar continuidade ao processo de renovação da Igreja instaurado pelo Concílio Vaticano 2º, com aten-ção aos novos sinais dos tempos, para que a Igreja possa realizar sua missão evangelizadora de forma mais com-preensível para os dias de hoje.

A presença na Jornada Mundial da Juventude marcará o início do pontificado, com uma clara atenção aos jovens e à evangelização da juven-tude. A JMJ será uma convocação dos jovens para se assumirem como Igreja e para assumirem a missão da Igreja. Com relação à Catequese, certamente o Papa dará continuidade às reflexões da Igreja nestes últimos anos, espe-cialmente nos sínodos da Palavra e da Nova Evangelização, que apontaram para novas formas de evangelizar, de fazer Catequese, retomando a expe-riência milenar da Igreja de iniciação catecumenal à vida cristã.

DOM JULIO ENDI AKAMINE, BISPO

AUXILIAR NA REGIÃO LAPA

DOM EDMAR PERON, BISPO AUXILIAR NA

REGIÃO BELÉM

DOM MILTON KENAN JÚNIOR, BISPO AUXILIAR

NA REGIÃO BRASILÂNDIA

DOM SERGIO DE DEUS BORGES,

BISPO AUXILIAR NA REGIÃO SANTANA

DOM TARCÍSIO SCARAMUSSA,

BISPO AUXILIAR NA REGIÃO SÉ

Após dois dielegem 1º

ELVIRA FREITASREDAÇÃO

e a Ave-Maria. Após a oração, as feições do Papa se abriram e ele, já mais descontraído, brincou com os fiéis, dizendo: “Sabeis que o dever do Conclave era dar um bispo a Roma: parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase ao fim do mundo”. Então, Francisco deu a tradicional bênção papal Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo).

Não passou despercebido a

Tendo ao lado o amigo cardeal dom Claúdio Hummes, o santo padre Francisw Daniel Gomes

Page 3: Edição especial de eleição do papa Francisco

19 a 25 de março de 2013 3O SÃO PAULOPAPA FRANCISCO

Durante a primeira entrevista aos 5.500 jornalistas do mundo inteiro que cobriram o Conclave, na Sala Paulo 6º, no interior do Vaticano, o papa Francisco reve-lou o porquê ter escolhido esse nome para seu pontificado. Ele disse que se inspirou nas palavras do cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero, seu amigo.

Francisco contou que à medida que a eleição evoluía, dom Cláudio o abraçou e recomendou: “Não se esqueça dos pobres”. Em seguida,

dom Cláudio o abraçou novamente e o beijou. Ao ouvir as palavras do cardeal brasileiro, o Pontífice pensou em São Francisco de Assis, que defendia os pobres e a paz. “Imediatamente me veio à mente São Francisco, o defensor dos po-bres, que combatia as guerras, e o homem da paz”, disse.

Francisco disse que também recebeu sugestões para escolher o nome de Adriano, em alusão ao papa Adriano 6º, reformador e con-siderado moderno. Outra sugestão era o nome Clemente. “Mas aí eu disse: não, Clemente foi o papa que pensou em extinguir a ordem dos jesuítas, a minha. Isso, não posso fazer”, contou.

“Todos os dias, Jorge Mario Bergoglio abria pessoalmente a sede do arcebispado de Buenos Aires. Não morava no Palácio Episcopal, mas num pequeno apartamen-to de um bairro próximo. Era fácil vê-lo, lá pelas 5h30 da manhã, atravessando a rua ou lendo os jornais e tomando mate. Prefe-re ônibus e metrô a carros oficiais”, contou, ao O SÃO PAULO, Sergio Alejandro Ribaric, teólogo argentino, doutorando em teologia pela PUC-Rio.

Papa Francisco, o cardeal Bergoglio, é um dos cinco filhos de um operário ferroviário, descende de uma família de imigrantes italianos e nasceu no bairro de Flores, na cidade de Buenos Aires, no dia 17 de dezembro de 1936. Formou-se como técnico químico, mas escolheu a vocação sacerdotal e ingressou no seminário da "Companhia de Jesus" em 1958, aos 22 anos.

Embora torcedor do time de San Lo-renzo, nunca pôde se dedicar ao esporte porque, aos 14 anos, sofreu uma grave infecção no pulmão, e a partir daí, sempre teve cuidados com sua alimentação e tam-bém por isso, fazia a sua própria comida. Como um bom argentino, gosta de tango, do escritor argentino Jorge Luis Borges e de rezar todas as manhãs.

Entre 1964 e 1966, foi professor de literatura e de psicologia e em 13 de de-zembro de 1969 foi ordenado sacerdote. Foi mestre de noviços nos anos de 1972 e 1973, quando foi escolhido provincial dos jesuítas na Argentina, função que exerceu durante seis anos. Em março de 1986, foi confessor e diretor espiritual, na cidade de Córdoba. Em maio de 1992, o papa João Paulo 2º o nomeou bispo titular de Auca e auxiliar de Buenos Aires, arquidiocese da qual se tornou titular em 1998.

“Na Arquidiocese de Buenos Aires, sempre incentivou a presença nas favelas e comunidades pobres. É conhecido por seu trabalho nas ‘villas', [como são conhe-cidas as favelas argentinas] e por apoiar os chamados ‘curas villeros' [padres que se dedicam aos pobres]. Durante a gestão dos Kirchner, enfrentou corajosamente os presidentes, afirmando que era imoral, ilegítimo e injusto continuar permitindo que a desigualdade continuasse crescendo no país”, continuou Sergio.

Padre Mário Geremia, gaúcho e pároco da Santa Cecília e São Pio X, na zona sul do Rio de Janeiro, foi aluno do cardeal Bergoglio na cidade de São Miguel de Buenos Aires, nos anos de 1987 e 1988. “Lembro com muito carinho suas aulas de teologia pastoral nas quais ele conseguia integrar conteúdo e prática. A maioria dos jesuítas da época foi profeta no combate à violência da ditadura militar da Argentina e ele foi um dos que sempre esteve ao lado das vítimas”.

“É um grande defensor do Concílio Vaticano 2º e os documentos mais aprecia-dos por ele são o Evangelium Nunciandi e a Gaudio et Spes. Nos primeiros gestos como Papa, eu pude confirmar o mesmo padre, professor, bispo e cardeal que sem-pre foi. Como latino-americano, me sinto bem representado pelo papa Francisco. Creio que a Igreja e a humanidade vão ganhar com sua presença humilde, sábia, amiga e santa”, ressaltou padre Mário.

“Logo que reconheci o nome do cardeal Bergoglio, veio à minha mente a vez que lhe dei a mão e comentei que era postulante da Congregação Filhas de São Paulo. Queria pedir-lhe que rezasse por mim, mas antes que pudesse abrir a boca, ele me disse: ‘Rezem por mim'. Sempre assinava suas mensagens assim e terminava as homilias pedindo que rezássemos por ele. Recordo seu tom de voz, suave e tranquilo, muito baixo, às vezes. Mas, na hora de denunciar uma injustiça, podia levantar sua voz e reali-zar gestos enérgicos e surpreendentes”, contou irmã Gabriela Flores.

Biografia do primeiro papa latino-americano é contada por quem o conhece

NAYÁ FERNANDESESPECIAL PARA O SÃO PAULO

dias de Conclave, cardeais papa latino-americano

Dom Cláudio Hummes influencia escolha do nome

REDAÇÃO

quantos viram ao vivo ou pela televisão, o primeiro pronun-ciamento do Papa, as palavras ditas, que, de acordo com padre Marcial Maçaneiro, indicam a linha de pontificado que será dada pelo Pontífice. “Fraterni-dade, amor e confiança mútua”, foram as primeiras palavras pro-nunciadas pelo nosso querido papa Francisco. Uma verdadeira mensagem de esperança e de

paz de que nosso mundo tanto necessita”, analisou o bispo da Diocese de Santo André, dom Nelson Westrupp. O próprio nome escolhido, sugerido pelo arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes, também é sinal de que a Igreja sairá da Cúria romana para estar mais próxima dos pobres.

Ao quebrar protocolos após a eleição, dispensando os paramen-

tos papais, ao retornar ao hotel onde estava hospedado antes do Conclave e pagar a conta, ao dis-pensar a limusine do Vaticano e voltar para a Basílica de São Pedro, sua nova residência, de ônibus, ao continuar usando sapatos pretos, ao invés do tradicional mocassim vermelho, na primeira entrevista com os 5.500 jornalistas do mundo inteiro, ao afagar o cão-guia labra-dor de um jornalista deficiente

visual, e tantas outras quebras, o Papa deu mostras disso. “Sinais que Francisco nos transmite, com muita naturalidade, de que pre-tende estar num encontro direto com o Povo de Deus e fazer com que todos se sintam membros da Igreja, essa grande família, como ele falou”, analisou monsenhor André Sampaio, mestre e doutor em direito canônico, no Rio de Janeiro.

Filho de um ferroviário, o jesuíta padre Jorge tornou-se bispo e arcebispo de Buenos Aires, dedicou-se aos pobres e aos jovens dependentes químicos, elegeu Bento 16 e tornou-se o primeiro papa das Américas e, surpreendendo o mundo, deu a si mesmo o nome de Francisco, o pobrezinho de Assis

sco saúda os milhares de peregrinos que o aguardavam na praça de São Pedro

Fotos: L'Osservatore RomanoArquivo pessoal

Page 4: Edição especial de eleição do papa Francisco

4 19 a 25 de março de 2013O SÃO PAULO PAPA FRANCISCO

Padre Víctor Manuel Fer-nández, reitor da Universida-de Católica Argentina (UCA) concedeu ao O SÃO PAULO uma entrevista exclusiva em que revela a simplicidade do Papa e a proximidade, en-quanto arcebispo de Buenos Aires, do cardeal Jorge Mario Bergoglio.

O SÃO PAULO – Que significa, para a Igreja, um papa argentino (latino-ame-ricano)?

Padre Víctor Manuel Fer-nández – Em suas primeiras palavras, ele demarcou sua origem, ao dizer que os carde-ais foram buscar um papa no final do mundo. É um papa do sul, ali onde habitam os mais pobres do planeta, o primeiro

papa latino-americano, que leva em seu coração as angús-tias, os cansaços, o abandono daqueles que são considera-dos “descartáveis”.

O SÃO PAULO – A es-colha do nome Francisco demonstra o desejo de uma Igreja que quer transforma-ção e mais compromisso com os mais pobres?

Padre Víctor – Nós que o conhecemos sabemos da sua austeridade real e sincera, de seu intenso amor pelos que sofrem. É sinal de uma Igre-ja identificada com o Jesus entregue, cordeiro, generoso até o fim. Por isso, escolheu o nome Francisco, evocando a alegre simplicidade de Fran-cisco de Assis, aquele pobre irmão de todos.

O SÃO PAULO – Que ca-racterísticas do cardeal Jorge Mario Bergoglio, agora papa

Em entrevista coletiva, na Cúria Metropolitana da Arquidiocese de São Paulo, na tarde da quarta-feira, dia 13, o vigário episcopal da comunica-ção, padre Antonio Aparecido Pereira (Cido) e os bispos au-xiliares da Arquidiocese, dom Edmar Peron e dom Sergio de Deus Borges, falaram à imprensa sobre a escolha do arcebispo de Buenos Aires como papa.

No início da coletiva, o padre Cido leu a mensagem da Arquidiocese, na qual a mesma “se alegra com a elei-ção do novo papa e já proclama sua total e plena obediência ao Santo Padre”.

Dom Edmar destacou a surpresa em receber o anúncio do nome do novo Papa, pois ele não o contava como “papá-

Missa celebrada na Cate-dral da Sé, em ação de gra-ças pelo pontificado do papa Francisco, reuniu fiéis, se-minaristas, diáconos, padres e bispos na quinta-feira, dia 14. A celebração foi presidida pelo vigário geral da Arqui-diocese de São Paulo, dom Tarcísio Scaramussa, e conce-lebrada pelos também bispos auxiliares dom Sergio de Deus Borges, dom Milton Kenan Jú-nior, dom Edmar Peron e dom Julio Endi Akamine, além de padres da Arquidiocese.

Logo no início da celebra-ção, foi lida uma mensagem do cardeal dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropo-litano. “Alegremo-nos todos! Agradeçamos a Deus pelo novo Pastor universal da Igre-ja! No Ano da Fé, Deus está nos dando muitos sinais de esperança e chamados para a renovação da nossa fé”, escreveu.

Na homilia, dom Tarcísio destacou que os católicos “amam e acolhem o novo Papa”. “O Senhor deseja reco-lher a todos os que estão dis-persos. O Papa, bispo de Roma

São Paulo agradece a Deus pelo papa'Não foi a vontade do homem nem da imprensa, mas a vontade de Deus', diz fi el sobre escolha do Santo Padre

EDCARLOS BISPO DE SANTANAESPECIAL PARA O SÃO PAULO

e sucessor de São Pedro, ‘é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, quer dos bispos, quer da multidão dos fiéis’ (CIC 882). Cristo, ao instituir os doze, ‘instituiu--os à maneira de colégio ou

grupo estável, ao qual propôs Pedro, escolhido dentre eles. Assim como, por disposição do Senhor, São Pedro e os ou-tros apóstolos constituem um único colégio apostólico, de modo semelhante o Romano

Pontífice, sucessor de Pedro, e os bispos, sucessores dos Apóstolos estão unidos entre si (CIC 880)", disse.

Ao final da celebração, dom Tarcísio ressaltou que o “Papa já cativou a todos com sua sim-

plicidade” e que a escolha de seu nome, Francisco, aponta para “um programa de vida, um caminho para a Igreja de fideli-dade ao Evangelho, simplicida-de, humildade e de amor espe-cialmente para com os pobres”.

Para Clara Suzuki, que participou da missa na Cate-dral da Sé, é preciso esperar, pois “tem muita coisa para conhecer dele [do Papa]”. A simplicidade do Santo Padre durante a sua primeira aparição chamou a atenção de Clara, que espera que o Pontífice faça isso mais vezes.

Já a ministra extraordinária da Sagrada Comunhão, da Paróquia Nossa Senhora das Dores, Casa Verde, Apareci-da de Jesus Del Padre, que dedicou uma hora de seu almoço para “acolher este novo Pontífice”, acredita que a escolha foi “realmente do Espírito Santo”. “Não foi a vontade do homem nem da imprensa, mas a vontade de Deus”, acrescentou.

Aparecida destacou que sentiu grande emoção quan-do da primeira aparição do Papa, “quando o vi na janela, senti uma emoção muito grande, é como se nele visse o Cristo”. A ministra da Sa-grada Comunhão que, ainda, possui trabalhos na Pastoral da Pessoa Idosa na Reno-vação Carismática Católica, espera que com o novo Papa a “Igreja tenha um renovado ardor missionário”.

‘Nós que o conhecemos sabemos de seu intenso amor pelos que sofrem’NAYÁ FERNANDES

ESPECIAL PARA O SÃO PAULO

Francisco, o senhor destacaria?Padre Víctor – Bergoglio

teve sempre um grande cari-nho pela figura de São José. Via nele uma humilde discri-ção, esse mesmo perfil pobre

que sempre lhe agradou. Sabemos que nunca, em sua vida, quis mostrar-se perto do poder, civil ou militar, e tam-pouco frequentou os espaços de poder eclesiástico. Porém,

ao mesmo tempo, José é a figura do homem que cuida de Jesus e Maria. Comove--me que hoje seja Papa um homem que sempre se pre-ocupou em cuidar. Sendo arcebispo de Buenos Aires, ninguém podia aproximar-se dele com um problema sem sentir-se aliviado, porque ele assumia como sendo suas as angústias e preocupações das pessoas. Ele seguirá fazen-do isso como papa, porém, pensando agora no mundo inteiro, com seus inesgotáveis dramas.

O SÃO PAULO – O que o senhor destacaria das atitudes pastorais do cardeal Bergo-glio em Buenos Aires?

Padre Víctor – Tem uma linguagem sempre simples, clara, direta e amável. Acre-dito que vai surpreender a muita gente quando começar

a falar. Ele tem uma formação sólida e uma cultura muito ampla, porém não gosta de exagerar usando palavras es-tranhas. Preocupa-se que às pessoas chegue a mensagem do Evangelho sem rodeios, com claridade, simplicidade e beleza.

O SÃO PAULO – Pesso-almente, o senhor teria algo a contar (um fato, história, tes-temunho) do papa Francisco enquanto arcebispo?

Padre Víctor – Um dia, antes de sua viagem a Roma, chamei-o pelo telefone, de-vido a um trâmite da minha universidade [UCA], e ao final da conversa ele me disse: “te peço encarecidamente que reze para que Deus ilumine aos cardeais e possamos eleger um papa disponível, porque eu quero voltar rápido para Buenos Aires”.

Arcebispo Bergoglio visita assentamento em Buenos Aires, em 2007

Arquivo pessoal

À imprensa, Arquidiocese fala da escolha do pontíficeEDCARLOS BISPO DE SANTANA

ESPECIAL PARA O SÃO PAULO

vel” de acordo com as projeções que a imprensa fazia. O Bispo ressaltou, ainda, que a pre-sença do cardeal Hummes ao lado do Papa durante o anúncio, possa representar uma li-gação com o nome escolhido pelo car-deal Bergoglio.

Outro ponto destacado por dom Edmar foi a sim-plicidade com que o papa Francisco se apresentou. “A primeira impressão positiva foi o fato de vê-lo chegando sem nada, apenas com a batina branca, sem aqueles ornamentos que o papa usa na apresentação”.

Quando perguntados se ha-

via alguma frustração pelo fato da escolha do Papa, o Vigário da Comunicação lembrou que antes de viajar o cardeal dom

Odilo reuniu sua família e as-sessores e pediu para que não houvesse “ansiedade, nenhu-ma torcida e nenhuma mani-

festação”, mas que houvesse oração para se escolher o papa “que o coração do Cristo desejar”.

Dom Edmar, afirmou que, em suas orações, sem-pre pedia para que “Deus, em seu amor de Pai, pu-desse conceder à Igreja um pastor que fosse agradável a Ele. Pela virtude, pela santidade e que cuidasse com solicitude de toda a Igreja”, e acres-centou que ao fazer isso “não rezava por esse ou por aquele”.

O Bispo ressal-tou, ainda, que “não querendo decepcioná-los [aos jornalis-tas]”, se sentiu aliviado ao ver que o Papa era um cardeal

argentino e não o Arcebispo de São Paulo que, segundo dom Edmar, “está tão empenhado nos desafios da Arquidiocese e sua presença a nos conduzir é muito boa”.

Ao serem perguntados sobre os desafios do novo Pontífice, os bispos lembraram o Concílio Vaticano 2º e a im-portância de, após cinquenta anos, levar adiante o que pro-pôs esse grande encontro: uma “Igreja que no Cristo se faz servidora do mundo”. Ainda sobre o Concílio Vaticano 2º, dom Edmar lembrou que é preciso “causar nos fiéis uma adesão profunda e sincera”.

“Um Papa não europeu foi importante para mostrar a ‘catolicidade’ da Igreja”, afirmaram os bispos, ao res-ponder o questionamento sobre o que mudaria na Igre-ja com o fato do Papa não ser um europeu.

Fiéis e clero da Arquidiocese de São Paulo celebram, com fé, missa em ação de graças pela escolha do cardeal Bergoglio como papa

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Bispos auxiliares e Vigário da Comunicação falam em coletiva de imprensa sobre o Papa

Luciney Martins/O SÃO PAULO