preço € 1,00. número atrasado € 2,00 ol’ s s e rvator e … · aquela alegria por que...

15
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 26 (2.522) Cidade do Vaticano quinta-feira 28 de junho de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!z!.!$!]! Concluída a peregrinação ecuménica do Papa a Genebra A experiência do encontro Pe rd ã o e missão GIOVANNI MARIA VIAN Foi o Pai-Nosso, a oração ensina- da aos discípulos pelo único Se- nhor, o cerne da viagem papal a Genebra. Uma visita de poucas horas decidida por Bergoglio pa- ra participar «pessoalmente», co- mo ele mesmo quis sublinhar, nas celebrações para o septuagésimo aniversário do Conselho ecuméni- co das Igrejas. E esta centralidade tornou-se evidente em dois mo- mentos: durante o canto comove- dor do Notre père de Rimsky-Kor- sakov, executado em francês pelos representantes das mais de trezen- tas confissões cristãs que acolhe- ram o Pontífice, e depois na ho- milia, que justamente comentou três palavras da oração por exce- lência durante a missa conclusiva celebrada por Francisco para qua- renta mil católicos, vindos de to- das as partes da Suíça. Portanto, uma viagem muito breve, mas igualmente positiva, que no balanço feito pelo próprio Papa, já na conferência de im- prensa durante o voo de regresso, foi por ele sintetizado numa só palavra: encontro. Realidade tão importante para Francisco, por- que exprime a caraterística essen- cial do seu pontificado, mas antes ainda da sua experiência vivida como cristão, como jesuíta, como bispo, ou seja, a missão, aquele mandato que deve levar os segui- dores de Cristo a sair de si mes- mos para o anunciar e o testemu- nhar no mundo. No discurso para o septuagési- mo aniversário do Conselho ecu- ménico das Igrejas, o Papa iniciou precisamente do número setenta, que nas Sagradas Escrituras evoca o perdão, mas também a missão. «O Senhor pede-nos unidade; o mundo, dilacerado por demasiadas divisões que atingem sobretudo os mais débeis, invoca unidade». Dian- te de mais de duzentos representan- tes das comunidades cristãs, reuni- dos na capela do centro do Conse- lho ecuménico das Igrejas (Wcc), em Genebra, o Pontífice reiterou que «a nossa estrada mestra» não é da divi- são que «leva a guerras e destrui- ções» mas «da comunhão que con- duz à paz». Um apelo que ressoou com vigor na manhã de quinta-feira 21 de junho, durante a oração ecu- ménica que distinguiu o primeiro encontro público da viagem papal à cidade suíça por ocasião dos setenta anos de vida do Wcc. A meditação de Francisco inspi- rou-se no convite de São Paulo «a caminhar segundo o Espírito» para recordar que as divisões entre cris- tãos ainda hoje continuam a ser um «escândalo» para o mundo. Depois do almoço no instituto ecuménico de Bossey, a visita de Francisco prosseguiu na parte da tarde com um encontro ecuménico e com a missa para a comunidade ca- tólica suíça. Falando aos represen- tantes de Igrejas e Confissões cristãs, o Papa reiterou a necessidade de percorrer juntos «uma via tanto no- va quanto antiga»: o caminho da «comunhão reconciliada, rumo à manifestação visível daquela fraterni- dade que já une os crentes». Em particular evocou três atitudes con- cretas que devem marcar o percurso comum — «caminhar, rezar, traba- lhar juntos» — e recordou que «a credibilidade do Evangelho é posta à prova pelo modo como os cristãos responderem ao grito de quantos, em todas as partes da terra, são in- justamente vítimas do trágico au- mento de uma exclusão que, geran- do pobreza, fomenta conflitos». Um apelo contra a «indiferença em rela- ção ao irmão» que ressoou também durante a sucessiva celebração euca- rística presidida no Palaexpo da ci- dade que concluiu a visita papal. E durante o habitual colóquio com os jornalistas no voo de regres- so a Roma, na noite de 21 de junho, o próprio Santo Padre sugeriu que «encontro» foi a palavra-chave do «dia ecuménico» que ele passou em Genebra. PÁGINAS 2 A 7 CONTINUA NA PÁGINA 7 Francisco auspicia uma bioética global Diferenças fundamentais da vida humana Vivian Borsani, «A árvore da vida» Consistório ordinário público Criação de catorze novos cardeais Na tarde de quinta-feira, 28 de junho, o Santo Padre presidiu na basílica de São Pedro ao consistório para a criação de quatorze cardeais, entre os quais o por- tuguês António Augusto dos Santos Marto, bispo de Leiria-Fátima. No dia seguinte, os novos purpurados concele- braram com o Pontífice a missa na sole- nidade dos Santos Pedro e Paulo, pa- droeiros de Roma. Na próxima edição publicaremos os pronunciamentos do Papa Francisco. Uma «bioética global» para uma «ecologia humana» integral: eis o compromisso indicado pelo Papa aos participantes na assembleia geral da Pontifícia academia para a vida, recebidos em audiência a 25 de junho, na sala Clementina. Inspirando-se no tema do en- contro, o Pontífice convidou a ter em conta a «qualidade ética e es- piritual da vida em todas as suas fases». «O “bom” trabalho da vi- da — explicou — é a geração de uma nova pessoa, a educação das suas qualidades espirituais e cria- tivas, a iniciação no amor da fa- mília e da comunidade, o cuida- do das suas vulnerabilidades e fe- ridas». Para o Pontífice, o «valor da vida pessoal e comunitária de- ve ser preservado e promovido até nas condições mais difíceis». Mas «sem o adequado apoio de uma proximidade humana res- ponsável, regulação puramente jurídica e auxílio técnico algum poderão, sozinhos, garantir con- dições e contextos relacionais correspondentes à dignidade da pessoa». PÁGINA 11 Sínodo sobre os jovens Procurar respostas concretas LORENZO BALDISSERI NA PÁGINA 8

Upload: lamkiet

Post on 03-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 26 (2.522) Cidade do Vaticano quinta-feira 28 de junho de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!z!.!$!]!

Concluída a peregrinação ecuménica do Papa a Genebra

A experiência do encontro

Pe rd ã oe missão

GI O VA N N I MARIA VIAN

Foi o Pai-Nosso, a oração ensina-da aos discípulos pelo único Se-nhor, o cerne da viagem papal aGenebra. Uma visita de poucashoras decidida por Bergoglio pa-ra participar «pessoalmente», co-mo ele mesmo quis sublinhar, nascelebrações para o septuagésimoaniversário do Conselho ecuméni-co das Igrejas. E esta centralidadetornou-se evidente em dois mo-mentos: durante o canto comove-dor do Notre père de Rimsky-Kor-sakov, executado em francês pelosrepresentantes das mais de trezen-tas confissões cristãs que acolhe-ram o Pontífice, e depois na ho-milia, que justamente comentoutrês palavras da oração por exce-lência durante a missa conclusivacelebrada por Francisco para qua-renta mil católicos, vindos de to-das as partes da Suíça.

Portanto, uma viagem muitobreve, mas igualmente positiva,que no balanço feito pelo próprioPapa, já na conferência de im-prensa durante o voo de regresso,foi por ele sintetizado numa sópalavra: encontro. Realidade tãoimportante para Francisco, por-que exprime a caraterística essen-cial do seu pontificado, mas antesainda da sua experiência vividacomo cristão, como jesuíta, comobispo, ou seja, a missão, aquelemandato que deve levar os segui-dores de Cristo a sair de si mes-mos para o anunciar e o testemu-nhar no mundo.

No discurso para o septuagési-mo aniversário do Conselho ecu-ménico das Igrejas, o Papa iniciouprecisamente do número setenta,que nas Sagradas Escrituras evocao perdão, mas também a missão.

«O Senhor pede-nos unidade; omundo, dilacerado por demasiadasdivisões que atingem sobretudo osmais débeis, invoca unidade». Dian-te de mais de duzentos representan-tes das comunidades cristãs, reuni-

dos na capela do centro do Conse-lho ecuménico das Igrejas (Wcc), emGenebra, o Pontífice reiterou que «anossa estrada mestra» não é da divi-são que «leva a guerras e destrui-ções» mas «da comunhão que con-duz à paz». Um apelo que ressooucom vigor na manhã de quinta-feira21 de junho, durante a oração ecu-ménica que distinguiu o primeiroencontro público da viagem papal àcidade suíça por ocasião dos setentaanos de vida do Wcc.

A meditação de Francisco inspi-rou-se no convite de São Paulo «acaminhar segundo o Espírito» pararecordar que as divisões entre cris-tãos ainda hoje continuam a ser um«escândalo» para o mundo.

Depois do almoço no institutoecuménico de Bossey, a visita deFrancisco prosseguiu na parte datarde com um encontro ecuménico ecom a missa para a comunidade ca-tólica suíça. Falando aos represen-tantes de Igrejas e Confissões cristãs,o Papa reiterou a necessidade depercorrer juntos «uma via tanto no-va quanto antiga»: o caminho da«comunhão reconciliada, rumo àmanifestação visível daquela fraterni-dade que já une os crentes». Emparticular evocou três atitudes con-cretas que devem marcar o percursocomum — «caminhar, rezar, traba-lhar juntos» — e recordou que «acredibilidade do Evangelho é postaà prova pelo modo como os cristãosresponderem ao grito de quantos,

em todas as partes da terra, são in-justamente vítimas do trágico au-mento de uma exclusão que, geran-do pobreza, fomenta conflitos». Umapelo contra a «indiferença em rela-ção ao irmão» que ressoou tambémdurante a sucessiva celebração euca-rística presidida no Palaexpo da ci-dade que concluiu a visita papal.

E durante o habitual colóquiocom os jornalistas no voo de regres-so a Roma, na noite de 21 de junho,o próprio Santo Padre sugeriu que«encontro» foi a palavra-chave do«dia ecuménico» que ele passou emGenebra.

PÁGINAS 2 A 7

CO N T I N UA NA PÁGINA 7

Francisco auspicia uma bioética global

Diferenças fundamentaisda vida humana

Vivian Borsani, «A árvore da vida»

Consistório ordinário público

Criação de catorzenovos cardeais

Na tarde de quinta-feira, 28 de junho, oSanto Padre presidiu na basílica de SãoPedro ao consistório para a criação dequatorze cardeais, entre os quais o por-tuguês António Augusto dos SantosMarto, bispo de Leiria-Fátima. No diaseguinte, os novos purpurados concele-braram com o Pontífice a missa na sole-nidade dos Santos Pedro e Paulo, pa-droeiros de Roma. Na próxima ediçãopublicaremos os pronunciamentos doPapa Francisco.

Uma «bioética global» para uma«ecologia humana» integral: eis ocompromisso indicado pelo Papaaos participantes na assembleiageral da Pontifícia academia paraa vida, recebidos em audiência a25 de junho, na sala Clementina.

Inspirando-se no tema do en-contro, o Pontífice convidou a terem conta a «qualidade ética e es-piritual da vida em todas as suasfases». «O “b om” trabalho da vi-da — explicou — é a geração deuma nova pessoa, a educação dassuas qualidades espirituais e cria-tivas, a iniciação no amor da fa-mília e da comunidade, o cuida-do das suas vulnerabilidades e fe-ridas». Para o Pontífice, o «valorda vida pessoal e comunitária de-ve ser preservado e promovidoaté nas condições mais difíceis».Mas «sem o adequado apoio deuma proximidade humana res-ponsável, regulação puramentejurídica e auxílio técnico algumpoderão, sozinhos, garantir con-dições e contextos relacionaiscorrespondentes à dignidade dap essoa».

PÁGINA 11

Sínodo sobre os jovens

Pro curarrespostas concretas

LORENZO BALDISSERI NA PÁGINA 8

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assin a t u r a s @ o s s ro m .v a

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

Na manhã de 21 de junho, na capelado centro ecuménico do Conselhomundial das Igrejas (Wcc), teve lugara oração comum, primeiro eventopúblico da visita do Papa Francisco aGenebra. Em seguida, publicamos otexto da homilia pronunciada peloPontífice.

Amados irmãos e irmãs!Ouvimos as palavras do ApóstoloPaulo aos Gálatas, a braços comtranstornos e lutas internas. De fac-to, havia grupos que se contrapu-nham e se acusavam mutuamente. Éneste contexto que por duas vezes,em poucos versículos, o Apóstoloconvida a «caminhar segundo o Es-pírito» (cf. Gl 5, 16.25).

Caminhar: o homem é um ser acaminho. Durante toda a vida, échamado a pôr-se a caminho, saindocontinuamente de onde se encontra:desde quando sai do ventre da mãee vai passando de uma idade da vidaa outra; desde que deixa a casa dospais até quando sai desta existênciaterrena. O caminho é uma metáforaque revela o sentido da vida huma-na, de uma vida que não se basta asi mesma, mas está sempre à procurade algo mais. O coração convida-nosa caminhar, a alcançar uma meta.

Mas caminhar requer disciplina,causa fadiga; é necessária paciênciadiária e treinamento constante. Épreciso renunciar a tantas estradas,para se escolher a que conduz à me-ta e mantê-la viva na memória paranão se extraviar dela. Meta e memó-ria! Caminhar requer a humildadede rever os próprios passos, quandofor necessário, e a solicitude peloscompanheiros de viagem, porque sóse caminha bem juntos. Em suma,caminhar exige uma conversão con-tínua de si mesmo. É por isso quemuitos desistem, preferindo a tran-quilidade doméstica, onde pode cui-dar comodamente dos seus negóciossem se expor aos riscos da viagem.Mas, assim, prende-se a segurançasefémeras, que não dão aquela paz eaquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio.

A isto nos chama Deus, desde osprimórdios. Já pedira a Abraão paradeixar a sua terra, pondo-se a cami-nho armado apenas de confiança emDeus (cf. Gn 12, 1). De igual modoMoisés, Pedro e Paulo, e todos osamigos do Senhor viveram cami-nhando. Mas foi sobretudo Jesusque nos deu o exemplo. Por nós,saiu da sua condição divina (cf. Fl 2,6-7) e desceu para caminhar entrenós, Ele que é o Caminho (cf. Jo 14,

6). Senhor e Mestre, fez-se peregri-no e hóspede no meio de nós. Ten-do regressado ao Pai, deu-nos o seupróprio Espírito, para que tambémnós tenhamos a força de caminharna sua direção, de realizar o quePaulo pede: caminhar segundo o Es-pírito.

Segundo o Espírito: se todo o ho-mem é um ser a caminho e, fechan-do-se em si mesmo, renega a sua vo-cação, muito mais o cristão. Porquea vida cristã — assinala Paulo — de-para-se com uma alternativa inconci-liável: caminhar no Espírito, atendo-se ao traçado inaugurado pelo Batis-mo, ou «realizar os apetites da car-ne» (cf. Gl 5, 16). Que significa estaúltima expressão? Significa tentarrealizar-se seguindo o caminho daacumulação de bens, a lógica doegoísmo, segundo a qual o homemprocura, aqui e agora, agarrar tudoo que lhe apetece. Não se deixa le-var docilmente para onde Deus indi-ca, mas segue a própria rota. Temosdiante dos olhos as consequênciasdeste percurso trágico: na sua vora-cidade de coisas, o homem perde devista os companheiros de viagem;em consequência, pelas estradas domundo reina uma grande indiferen-ça. Impelido pelos seus instintos,

torna-se escravo de um consumismodesenfreado; em consequência, a vozde Deus é silenciada, os outros — so-bretudo se incapazes de caminharpelo próprio pé como bebés e ido-sos — são descartados porque impor-tunos, a criação serve apenas paraproduzir à medida das necessidades.

Amados irmãos e irmãs, mais doque nunca interpelam-nos hoje estaspalavras do Apóstolo Paulo: cami-nhar segundo o Espírito é rejeitar omundanismo. É escolher a lógica doserviço e avançar no perdão. É inse-rir-se na história com o passo deDeus: não com o passo ribombanteda prevaricação, mas com o passocadenciado por «uma única palavra:Ama o teu próximo como a ti mes-mo» (v. 14). De facto, o caminho do

Espírito está assinalado pelos marcosmiliários que Paulo enumera: «amor,alegria, paz, paciência, benignidade,bondade, fidelidade, mansidão, au-todomínio» (v. 22).

Somos chamados, juntos, a cami-nhar assim: a estrada passa por umaconversão contínua, pela renovaçãoda nossa mentalidade para que seamolde ao Espírito Santo. Muitasvezes, no decurso da história, as di-visões entre cristãos deram-se porquena raiz, na vida das comunidades, seinfiltrou uma mentalidade mundana:primeiro cultivavam-se os própriosinteresses e só depois os de JesusCristo. Nestas situações, o inimigode Deus e do homem não teve difi-culdade em separar-nos, porque adireção seguida era a da carne, não ado Espírito. Mais, algumas tentati-vas do passado para acabar com taisdivisões falharam miseravelmente,porque inspiradas sobretudo por ló-gicas mundanas. Mas o movimentoecuménico, para o qual tanto contri-buiu o Conselho Ecuménico dasIgrejas, surgiu por graça do EspíritoSanto (cf. Concílio Ecum. VaticanoII, Decreto Unitatis redintegratio, 1).O ecumenismo pôs-nos em movi-mento segundo a vontade de Jesus epoderá avançar se, caminhando soba guia do Espírito, recusar toda a re-clusão autorreferencial.

Mas — poder-se-ia objetar — cami-nhar assim é trabalhar com prejuízo,porque não se tutelam devidamenteos interesses das próprias comunida-des, muitas vezes solidamente liga-dos a origens étnicas ou a orienta-ções consolidadas, sejam estas de ti-po mais «conservador» ou mais«progressista». Sim, escolher ser deJesus antes que de Apolo ou de Ce-fas (cf. 1 Cor 1, 12), antepor o ser deCristo ao facto de ser «judeu ou gre-go» (cf. Gl 3, 28), ser do Senhor an-tes que de direita ou de esquerda,escolher em nome do Evangelho oirmão antes que a si mesmo significafrequentemente, aos olhos do mun-do, trabalhar com prejuízo. Não te-nhamos medo de trabalhar com pre-

Em Genebra a oração no centro do Conselho ecuménico das Igrejas

O mundoinvoca unidade

Em Bossey

No final do encontro ecuménico, acompanhado pelo cardeal Koch, pe-lo reverendo Fykse Tveit e pela senhora Agnes Abuom, o Pontíficechegou ao Instituto ecuménico de Bossey, a cerca de 18 km do Wcc. Ocentro internacional de estudos e pesquisas reúne pessoas pertencentesa diversas Igrejas, culturas e proveniências, no comum interesse peloecumenismo. Em Bossey, o Papa foi recebido, entre outros, pelo dire-tor, o sacerdote ortodoxo Ioan Sauca, e pelo novo decano académico,o nigeriano Lawrence Iwuamadi, primeiro católico a desempenhar talfunção. Depois do almoço com a liderança do Wcc e com o cardealKoch, nos jardins do instituto teve lugar a troca de dons. Em seguida,o Papa visitou a capela ecuménica, onde estavam presentes cerca detrinta estudantes. CO N T I N UA NA PÁGINA 12

Page 3: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

A credibilidade dos cristãos depende da capacidade de ouvir o grito dos pobres

Caminhar, rezar e trabalhar juntos

A caminhoGI O VA N N I MARIA VIAN

Desde a época conciliar os Papas afirma-ram e recordaram em várias ocasiões que,para a Igreja católica, a escolha ecuménicaé irreversível. Como está a confirmar comtenacidade o pontificado de Bergoglio,pessoalmente convicto da importância ca-pital deste compromisso, já assumido epraticado com paixão em Buenos Aires.Por conseguinte, não é por acaso que abreve viagem a Genebra seja dedicadaprincipalmente à celebração do septuagé-simo aniversário do Conselho ecuménicodas Igrejas.

Nas origens, depois da tragédia bélicaque incendiou e assolou o continente eu-ropeu, as confissões cristãs representadasno organismo fundado em 1948 em Ames-terdão eram 147, enquanto que hoje sãomais do dobro, ou seja, 348. Com elas aIgreja católica percorre um caminho para-lelo e partilha um compromisso comum,como frisou Agnes Aboum, moderadorado comité central do organismo, ao rece-ber o Papa.

Denso de significado foi então o factode que o primeiro encontro da “p eregrina-ção” papal tenha sido uma longa oraçãoecuménica na capela do centro em Gene-bra. O seu cerne foram a leitura e a escutade alguns versículos de uma das cartasmais pessoais e dramáticas do apóstoloPaulo, escrita aos Gálatas, comentada peloPontífice com uma meditação sobre a ex-pressão «caminhar segundo o Espírito».

Assim Francisco convidou a refletiracerca da metáfora do caminho, «que re-vela o sentido da vida humana», sempreem busca. «O coração convida-nos a ir, aalcançar a meta» disse o Papa, o qualacrescentou imediatamente que o caminhoé disciplina e fadiga. Por isso, «servempaciência diária e treino pessoal» e «é pre-ciso renunciar a muitos caminhos para es-colher aquele que conduz à meta e reavi-var a memória a fim de não a perder», ob-servou com perspicácia.

Realçando depois que «só juntos se ca-minha bem», Bergoglio recordou o exem-plo de alguns «amigos do Senhor», comode Abraão a Moisés, até Pedro e Paulo.«Mas sobretudo Jesus nos deu o exem-plo» saindo da condição divina para cami-nhar no meio das mulheres e dos homens:precisamente «ele que é o caminho» quisfazer-se «peregrino e hóspede no meio denós» para que os seus discípulos o seguis-sem no seu percurso, recordou o Pontífi-ce.

Um caminho marcado e indicado: pre-cisamente «segundo o Espírito», como re-comenda Paulo a uma comunidade dilace-rada pelas divisões. Como aconteceu mui-tas, demasiadas vezes, ao longo dos sécu-los na história dos cristãos que abandona-ram «o caminho», expressão usada peloevangelista Lucas no seu segundo livropara indicar a experiência cristã. Seguiramassim a mundanidade e «para o inimigode Deus e do homem foi fácil separar-nos» observou o Papa.

Às numerosas separações reagiu o movi-mento ecuménico, «que surgiu por graçado Espírito Santo» especificou Francisco,que exortou a continuar este caminho tra-balhando «com prejuízo». Ou seja, sem sepreocupar por salvaguardar interesses con-servadores ou progressistas, de direita oude esquerda, e sem cair na omnipresentetentação da autorreferencialidade, mas«escolhendo com santa obstinação o cami-nho do Evangelho», a partir de agora,pois a divisão «danifica a mais santa dascausas», isto é, o anúncio do Evangelho,disse o Papa citando o concílio VaticanoII.

Amados irmãos e irmãs!Estou feliz por vos encontrar egrato pela vossa calorosa receção.Agradeço de modo particular aoSecretário-Geral, Reverendo Dr.Olav Fykse Tveit, e à Moderado-ra, Dra. Agnes Abuom, pelas suaspalavras e por me terem convida-do por ocasião do septuagésimoaniversário da criação do Conse-lho Mundial das Igrejas.

Biblicamente, o cômputo de se-tenta anos evoca a duração com-pleta de uma vida, sinal de bên-ção divina. Mas, setenta é tam-bém um número que traz à menteduas passagens famosas do Evan-gelho. Na primeira, o Senhormandou perdoar-nos, não até setevezes, mas «até setenta vezes se-te» (Mt 18, 22). O número nãopretende por certo indicar um li-mite quantitativo, mas abrir umhorizonte qualitativo: não mede ajustiça, mas alonga a medida parauma caridade desmesurada, capazde perdoar sem limites. É esta ca-ridade que nos permite, depois deséculos de contrastes, estar juntoscomo irmãos e irmãs reconcilia-dos e agradecidos a Deus nossoPa i .

O facto de nos encontrarmosaqui deve-se também a quantosnos precederam no caminho, es-colhendo a estrada do perdão econsumindo-se para responder àvontade do Senhor: que «todossejam um só» (Jo 17, 21). Impeli-dos pelo desejo ardente de Jesus,não se deixaram manietar pelosnós complicados das controvér-sias, mas encontraram a audáciade olhar mais além e acreditar naunidade, superando as barreirasdas suspeitas e do medo. É verda-de aquilo que afirmava um antigopai na fé: «Se verdadeiramente oamor conseguir eliminar o medoe este se transformar em amor,então descobrir-se-á que o quesalva é precisamente a unidade»(SÃO GREGÓRIO DE NISSA, Homi-lia 15 sobre o Cântico dos Cânti-cos). Somos os beneficiários da fé,da caridade e da esperança demuitos que tiveram, com a força

desarmada do Evangelho, a cora-gem de inverter o sentido da his-tória; aquela história que nos le-vara a desconfiar uns dos outros ea alhear-nos mutuamente, seguin-do a espiral diabólica de inces-santes fragmentações. Graças aoEspírito Santo, inspirador e guiado ecumenismo, o sentido mudoue ficou indelevelmente traçadoum caminho novo e, ao mesmotempo, antigo: o caminho da co-munhão reconciliada, rumo à ma-nifestação visível daquela fraterni-dade que já une os crentes.

Mas, o número setenta propor-ciona-nos um segundo motivoevangélico: lembra aqueles discí-pulos que Jesus, durante o minis-tério público, enviou em missão(cf. Lc 10, 1) e são objeto de cele-bração no Oriente cristão. O nú-mero destes discípulos alude aonúmero das nações conhecidas,elencadas nos primeiros capítulosda Sagrada Escritura (cf. Gn 10).Que sugestão nos deixa isto? Quea missão tem em vista todos ospovos, e cada discípulo, para sertal, deve tornar-se apóstolo, mis-sionário. O Conselho Ecuménicodas Igrejas nasceu como instru-mento do movimento ecuménicoque foi suscitado por um forteapelo à missão: como podem oscristãos evangelizar, se estão divi-didos entre si? Esta premente in-terpelação orienta ainda o nossocaminho e traduz o pedido doSenhor para permanecermos uni-dos a fim de que «o mundocreia» (Jo 17, 21).

Permiti-me, amados irmãos eirmãs, que, além de viva gratidãopelo empenho que dedicais à uni-dade, vos manifeste também umapreocupação. Esta deriva da im-pressão de que o ecumenismo e amissão já não aparecem tão inti-mamente interligados como noprincípio. E todavia o mandatomissionário, que é mais do que adiakonia e a promoção do desen-volvimento humano, não pode seresquecido nem anulado. Em cau-sa está a nossa identidade. Oanúncio do Evangelho até aos úl-

timos confins da terra é conaturalao nosso ser de cristãos. Com cer-teza, a maneira de exercer a mis-são varia segundo os tempos e lu-gares e, perante a tentação — infe-lizmente habitual — de se imporseguindo lógicas mundanas, épreciso lembrar-se de que a Igrejade Cristo cresce por atração.

Mas, em que consiste esta forçade atração? Não está por certonas nossas ideias, estratégias ouprogramas: não se crê em JesusCristo através de uma recolha deconsensos, nem o Povo de Deusse pode reduzir ao nível de umaorganização não governamental.Não! A força de atração está todanaquele dom sublime que con-quistou o Apóstolo Paulo: «Co-nhecer a [Cristo], na força da suaressurreição e na comunhão comos seus sofrimentos» (Fl 3, 10).Este é o nosso único motivo deglória: «o conhecimento da glóriade Deus, que resplandece na facede Cristo» (2 Cor 4, 6) e que nosfoi dado pelo Espírito vivificador.Este é o tesouro que nós, frágeisvasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7),devemos oferecer a este nossoamado e atribulado mundo. Nãoseríamos fiéis à missão que nosfoi confiada, se reduzíssemos estetesouro ao valor de um humanis-mo puramente imanente, ao sabordas modas do momento. E sería-mos maus guardiões, se quisésse-mos apenas preservá-lo, enterran-do-o com medo de sermos provo-cados pelos desafios do mundo(cf. Mt 25, 25).

Aquilo de que temos verdadei-ramente necessidade é de um novoímpeto evangelizador. Somos cha-mados a ser um povo que vive epartilha a alegria do Evangelho,que louva ao Senhor e serve os ir-mãos, com o espírito que desejaardentemente descerrar horizontesde bondade e beleza inauditos aquem ainda não teve a graça deconhecer verdadeiramente a Jesus.Estou convencido de que, se au-mentar o impulso missionário,crescerá também a unidade entrenós. Como nos primórdios oanúncio marcou a primavera daIgreja, assim a evangelização mar-cará o florescimento de uma novaprimavera ecuménica. Como nosprimórdios, estreitemo-nos em co-munhão ao redor do Mestre, en-

CO N T I N UA NA PÁGINA 4

Depois da prece comum, recitada na manhã de 21 de junho, na parte datarde a visita do Papa a Genebra teve outro momento de grande significadoecuménico. Numa sala do centro do Conselho ecuménico das Igrejas,Francisco encontrou-se com os membros da comissão central do Wcc, algunsdelegados ecuménicos e autoridades civis da Suíça.A seguir, o texto do discurso pronunciado pelo Pontífice.

Page 4: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

Todos nascidos de Jesus Cristodo nosso enviadoMARCELO FIGUEROA

A oração ecuménica na capela doacolhedor centro do Conselho ecu-ménico das Igrejas (Wcc), em Gene-bra, decorreu num clima de recolhi-mento, alegria e reflexão. Foi o pri-meiro encontro público da visita rea-lizada a 21 de junho pelo Papa Fran-cisco para comemorar os setentaanos do Wcc.

Desde o cântico inicial, com oqual recordou que a Igreja tem umafundação única dada pela sua per-tença em e por meio de Jesus Cristo,até ao hino final que, como um en-vio, exortou os presentes a mover-sesegundo o Espírito, toda a oraçãoecuménica assumiu a nuance de umcaminho espiritual comum.

O metropolita Gennadios de Sas-sima, vice-moderador do Conselho,deu as boas-vindas ao Pontífice, re-cordando este evento histórico. Abispa Mary Ann Swensen, tambémela vice-moderadora, dirigiu palavrasespeciais ao bispo de Roma, afir-mando que a sua visão e o seu tra-balho inspiraram, entusiasmaram efortaleceram as relações e a coopera-ção com o Conselho no engajamen-to comum pela justiça e a paz. Con-cluindo as saudações iniciais, a se-nhora Agnes Aboum, moderadorado Wcc, fez votos para que se possacontinuar a ser voz profética no

mundo de hoje e instrumento damissão de Deus: uma missão de re-conciliação e santidade radicada nes-tes dois fundamentos do peregrinar,a paz e a justiça.

Depois, todos os participantes en-toaram cânticos ao Deus três vezessanto, frisando deste modo o sentidotrinitário da fé, já recordado no iní-cio do encontro no pronunciamentodo Papa, o qual invocou o nome deDeus: «Em nome do Pai, do Filho edo Espírito Santo». E tambémquando, em seguida, disse: «O Se-nhor esteja convosco» e todos res-ponderam: «Ele está no meio denós», foi reiterada a unidade em Je-sus Cristo, Senhor do ecumenismocristão. A Trindade que exorta àunidade e a caminhar no Espírito es-teve presente também na bênção fi-nal do Papa Francisco, o qual recor-dou que Jesus é a nossa paz.

A leitura bíblica escolhida, tiradada carta aos Gálatas (5, 13-16; 22,26), sobre a qual o Pontífice centroua homilia, por sua vez encontrou ofio condutor espiritual no caráter eno sentido profundo das orações es-peciais que precederam as palavrasde Francisco. Foi muito importantee significativo que este tempo deoração tenha sido animado por duasintenções de fundo: o arrependimen-to e a reconciliação. Em cada cora-ção ressoam palavras como «nãoobstante a unidade que recebemos

em Cristo, persistimos na desunião»,e «falhamos ao servir-te nos nossosirmãos e irmãs e ao viver em harmo-nia e respeito pela tua criação», pro-nunciadas pelo secretário-geral doWcc, Olav Fykse Tveit. Por sua vezo cardeal Kurt Koch pediu: «DeusTodo-Poderoso tenha compaixão denós, perdoe os nossos pecados e nosconduza à vida eterna». Nas oraçõesde reconciliação, elevadas por repre-sentantes do Quénia, Estados Uni-dos, República Checa, Brasil e Co-reia, a unidade foi evocada comovontade de Jesus, assim como foi ex-pressa também pela sucessiva leiturabíblica. Nos pronunciamentos mani-festou-se claramente o desejo de serum só no Senhor a fim de que omundo creia que lhe pertencemos,que todas as nações são benditas,que a criação inteira está sob o do-mínio de Jesus Cristo. E no final fo-ram dadas graças e glória a Deuspor tudo isto.

Na sua homilia o Pontífice cen-trou a reflexão no conceito de «ca-minhar segundo o Espírito». Naconclusão, houve um momento desilêncio respeitoso e reflexivo, inter-rompido só pelo hino do jubileu damisericórdia e pela recitação conjun-ta do Credo niceno-constantinopoli-tano.

Depois da intercessão comum, soba guia dos representantes do Egito,Argentina e Samoa, foi reiterada a

necessidade de apoiar a unidadecristã na oração sacerdotal de JesusCristo, pedindo a Deus uno e trinoque faça de cada um de nós um ins-trumento de amor, paz, unidade eharmonia, independentemente de ra-ça ou crença. Muito significativosforam os conceitos expressos na ora-ção de Toai Metanoia Tumaaii-Vaau-li, que recordou que o próprio Jesus,tendo experimentado a vida de mi-grante e refugiado quando era crian-ça, exorta a dar as boas-vindas nafamília de Deus a quantos provêmde outras terras, fugindo da opres-são, pobreza, perseguição, violênciae guerra.

Antes da oração conclusiva do Pa-pa Francisco pela unidade da Igreja,todos recitaram o Pai-Nosso.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 3 Caminhar, rezar e trabalhar juntosvergonhando-nos das nossas contí-nuas hesitações e dizendo-lhe comPedro: «A quem iremos nós, Se-nhor? Tu tens palavras de vida eter-na» (Jo 6, 68).

Amados irmãos e irmãs, desejeiparticipar pessoalmente nas come-morações deste aniversário do Con-selho inclusive para reafirmar o em-penhamento da Igreja católica nacausa ecuménica e encorajar a coo-peração com as Igrejas-membros ecom os parceiros ecuménicos. A pro-pósito, quero deter-me um pouco,também eu, no lema escolhido paraeste dia: Caminhar — Rezar — Tra b a -lhar juntos.

Caminhar: sim, mas para onde?Na base do que ficou dito, sugeririaum movimento duplo: de entrada ede saída. De entrada, a fim de nosdirigirmos constantemente para ocentro, reconhecendo-nos ramos en-xertados na única videira que é Je-sus (cf. Jo 15, 1-8). Não daremos fru-to sem nos ajudarmos mutuamente apermanecer unidos a Ele. De saída,rumo às múltiplas periferias existen-ciais de hoje, para levarmos juntos agraça sanadora do Evangelho à hu-manidade atribulada. Poderíamosinterrogar-nos se estamos a caminharde verdade ou apenas em palavras,se apresentamos os irmãos ao Se-nhor e os temos verdadeiramente apeito, ou se estão longe dos nossosreais interesses. Poderíamos interro-gar-nos também se o nosso caminhoé um mero cirandar sobre os nossospassos, ou uma convicta saída pelomundo levando-lhe o Senhor.

Rezar: como no caminho, tambémna oração não podemos avançar so-

zinhos, porque a graça de Deus,mais do que retalhar-se à medida doindivíduo, difunde-se harmoniosa-mente entre os crentes que se amam.Quando dizemos «Pai nosso», res-soa dentro de nós a nossa filiação,mas também o nosso ser irmãos. Aoração é o oxigénio do ecumenismo.Sem oração, a comunhão asfixia enão avança, porque impedimos queo vento do Espírito a empurre paradiante. Interroguemo-nos: quantorezamos uns pelos outros? O Senhorrezou para sermos um só; imitamo-lo nisto?

Trabalhar juntos: a propósito, que-ro reiterar que a Igreja católica reco-nhece a importância particular dotrabalho realizado pela Comissão Fée Constituição e deseja continuar acontribuir para ele através da partici-pação de teólogos altamente qualifi-cados. A pesquisa de Fé e Constitui-ção em ordem a uma visão comumda Igreja e o seu trabalho no discer-nimento das questões morais e éticastocam pontos nevrálgicos do desafioecuménico. De igual modo a presen-ça ativa na Comissão para a Missãoe a Evangelização, a colaboraçãocom o Departamento para o Diálo-go Inter-Religioso e a Cooperação –ainda recentemente sobre o tema im-portante da educação para a paz — apreparação conjunta dos textos paraa Semana de Oração pela Unidadedos Cristãos e várias outras formasde sinergia são elementos constituti-vos de uma sólida e corroborada co-laboração. Além disso, aprecio o pa-pel imprescindível do Instituto Ecu-ménico de Bossey na formação ecu-ménica das jovens gerações de res-

ponsáveis pastorais e académicos demuitas Igrejas e Confissões cristãsde todo o mundo. Há muitos anosque a Igreja católica colabora nestaobra educativa com a presença deum professor católico na Faculdade;e cada ano tenho a alegria de saudaro grupo de alunos que realiza a suavisita de estudo a Roma. Querotambém mencionar, como bom sinalde «harmonia ecuménica», a cres-cente adesão ao Dia de Oração pelaSalvaguarda da Criação.

Além disso, o trabalho tipicamen-te eclesial tem um sinónimo bem de-finido: diakonia. É o caminho poronde podemos seguir o Mestre, que«não veio para ser servido, mas paraservir» (Mc 10, 45). O serviço varia-do e intenso das Igrejas-membros doConselho encontra uma expressãoemblemática na Peregrinação de justi-ça e de paz. A credibilidade doEvangelho é testada pela maneiracomo os cristãos respondem ao cla-mor de quantos injustamente, nosdiferentes cantos da terra, são víti-mas do trágico aumento de uma ex-clusão que, gerando pobreza, fomen-ta os conflitos. Os fracos são cadavez mais marginalizados, vendo-sesem pão, sem trabalho nem futuro,enquanto os ricos são sempre menose sempre mais ricos. Sintamo-nos in-terpelados pelo pranto dos que so-frem e compadeçamo-nos, porque«o programa do cristão (...) é um co-ração que vê» (BENTO XVI, CartaEnc. Deus caritas est, 31). Vejamos oque é possível fazer concretamente,em vez de nos desencorajar pelo quenão o é. Olhemos também paramuitos dos nossos irmãos e irmãs

que em várias partes do mundo, es-pecialmente no Médio Oriente, so-frem porque são cristãos. Estejamosao seu lado. E lembremo-nos de queo nosso caminho ecuménico é prece-dido e acompanhado por um ecume-nismo já realizado, o ecumenismodo sangue, que nos exorta a avançar.

Encorajemo-nos a superar a tenta-ção de absolutizar certos paradigmasculturais e de nos deixar absorverpor interesses de parte. Ajudemos aspessoas de boa vontade a dar maiorespaço a situações e vicissitudes queafetam grande parte da humanidade,mas ocupam um lugar demasiadomarginal na grande informação. Nãopodemos desinteressar-nos, e deve-mos inquietar-nos quando algunscristãos se mostram indiferentes facea quem passa necessidade. E maistriste ainda é a convicção de quantosconsideram os seus benefícios comopuros sinais de predileção divina, enão como apelo a servir responsavel-mente a família humana e salvaguar-dar a criação. É sobre o amor aopróximo, a cada pessoa que nos estápróxima, que nos interpelará o Se-nhor (cf. Mt 25, 31-46), o Bom Sa-maritano da humanidade (cf. Lc 10,29-37). Perguntemo-nos, então: quepodemos fazer juntos? Se um serviçoé possível, por que não projetá-lo erealizá-lo conjuntamente, começandoa experimentar uma fraternidademais intensa no exercício da carida-de concreta?

Amados irmãos e irmãs, reitero-vos a minha cordial gratidão. Ajude-mo-nos a caminhar, rezar e trabalharjuntos, para que, com a ajuda deDeus, progrida a unidade e o mun-do acredite. Obrigado!

Page 5: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Irmãos na única família humanaNa missa em Genebra o Papa convidou à sobriedade

No Palaexpo de Genebra, o PapaFrancisco presidiu à santa missa natarde de 21 de junho, memórialitúrgica de São Luís Gonzaga. Aseguir, o texto da homilia proferidapelo Pontífice.

Pai, pão, perdão: três palavras, queencontramos no Evangelho de hoje;três palavras, que nos levam ao cora-ção da fé.

Pai: começa assim a oração. Pode-se continuar com palavras diferentes,mas não é possível esquecer a pri-meira, porque a palavra «Pai» é achave de acesso ao coração de Deus;com efeito, só dizendo Pai é que re-zamos «em língua cristã», é que re-zamos em «cristão»: não um Deusgenérico, mas Deus que é, antes demais nada, Papá. De facto, Jesus pe-diu-nos para dizer «Pai nosso que es-tais no céu»; não «Deus dos céus,que sois Pai». Antes de tudo, antesde ser infinito e eterno, Deus é Pai.

D’Ele provém toda a paternidadee maternidade (cf. Ef 3, 15). N’Eleestá a origem de todo o bem e danossa própria vida. Então «Pai nos-so» é a fórmula da vida, aquela querevela a nossa identidade: somos fi-lhos amados. É a fórmula que resolveo teorema da solidão e o problemada orfandade. É a equação que indi-ca o que se deve fazer: amar a Deus,nosso Pai, e aos outros, nossos irmãos.É a oração do nós, da Igreja; umaoração sem o eu nem o meu, mas to-da voltada para o vós de Deus («ovosso nome», «o vosso reino», «a vos-sa vontade») e que se conjuga ape-nas na primeira pessoa do plural.«Pai nosso»: duas palavras que nosoferecem a sinalética da vida espiri-tual.

Desta forma, sempre que fazemoso sinal da cruz no princípio do dia eantes de cada atividade importante,sempre que dizemos «Pai nosso»,reapropriamo-nos das raízes que nosservem de fundamento. Precisamosde o fazer nas nossas sociedades fre-quentemente desenraizadas. O «Painosso» revigora as nossas raízes.Quando está o Pai, ninguém fica ex-cluído; o medo e a incerteza não le-vam a melhor. Prevalece a memóriado bem, porque, no coração do Pai,não somos personagens virtuais, masfilhos amados. Ele não nos une emgrupos de partilha, mas gera-nosjuntos como família.

Não nos cansemos de dizer «Painosso»: lembrar-nos-á que não existefilho algum sem Pai e, por conse-

tanto do bebé que ainda não nasceucomo do idoso que já não fala, tantode um nosso conhecido a quem nãoconseguimos perdoar como do po-bre descartado. Isto é o que o Painos pede, nos manda: amar-nos comcoração de filhos, que são irmãos en-tre si.

Pão: Jesus diz para pedir cadadia, ao Pai, o pão. Não é preciso pe-dir mais: só o pão, isto é, o essencialpara viver. O pão é, antes de maisnada, o alimento suficiente para ho-je, para a saúde, para o trabalho dehoje; aquele alimento que, infeliz-mente, falta a muitos dos nossos ir-mãos e irmãs. Por isso digo: ai da-queles que especulam sobre o pão!O alimento básico para a vida quoti-diana dos povos deve ser acessível ato dos.

Pedir o pão de cada dia é dizertambém: «Pai, ajudai-me a fazeruma vida mais simples». A vida tor-nou-se tão complicada; apetece-medizer que hoje, para muitos, a vidade certo modo está «drogada»: cor-re-se de manhã à noite, por entre

gem do silêncio e da o ra ç ã o , fermentode uma vida verdadeiramente huma-na. Optemos pelas pessoas em vezdas coisas, para que levedem rela-ções, não virtuais, mas pessoais. Vol-temos a amar a genuína fragrânciadaquilo que nos rodeia. Em casa,quando eu era criança, se o pão caís-se da mesa, ensinavam-nos a apa-nhá-lo imediatamente e a beijá-lo.Apreciar o que temos de simples ca-da dia e guardá-lo: não usar e jogarfora, mas apreciar e guardar.

E não esqueçamos também que«o Pão de cada dia» é Jesus. SemEle, nada podemos fazer (cf. Jo 15,5). Ele é o alimento básico para vi-ver bem. Às vezes, porém, reduzi-mos Jesus a um condimento; mas, senão for o nosso alimento vital, ocentro dos nossos dias, o respiro davida quotidiana, tudo é vão, temoscondimento e nada mais. Ao supli-car o pão, pedimos ao Pai e dizemospara nós mesmos cada dia: simplici-dade de vida, cuidado por aquiloque nos rodeia, Jesus em tudo e an-tes de tudo.

P e rd ã o : é difícil perdoar, dentrotrazemos sempre um pouco de quei-xume, de ressentimento e, quandosomos provocados por quem já tí-nhamos perdoado, o rancor volta e...com juros. Mas, como dom, o Se-nhor pretende o nosso perdão. Im-pressiona o facto de o único comen-tário original ao Pai-Nosso, o de Je-sus, se concentrar numa única frase:«Porque, se perdoardes aos outrosas suas ofensas, também o vosso Paiceleste vos perdoará a vós. Se, po-rém, não perdoardes aos homens assuas ofensas, também o vosso Painão vos perdoará as vossas» (Mt 6,14-15). O único comentário que faz o

Senhor! O perdão é a cláusula vin-culante do Pai-Nosso. Deus liberta-nos o coração de todo o pecado,Deus perdoa tudo, tudo; mas pedeuma coisa: que nós, por nossa vez,não nos cansemos de perdoar. Decada um de nós pretende umaamnistia geral das culpas alheias. Se-ria preciso fazer uma boa radiografiado coração, para ver se, dentro denós, há bloqueios, obstáculos aoperdão, pedras a remover. E entãodizer ao Pai: «Vede este penedo!Confio-o a Vós e peço-vos por estapessoa, por esta situação; emborasinta dificuldade em perdoar, peço-vos a força de o fazer».

O perdão renova, o perdão faz mi-l a g re s . Pedro experimentou o perdãode Jesus e tornou-se pastor do seurebanho; Saulo tornou-se Paulo de-pois do perdão que recebeu de Estê-vão; cada um de nós renasce comonova criatura quando, perdoado pe-lo Pai, ama os irmãos. Só então in-troduzimos uma novidade verdadei-ra no mundo, porque não há novi-dade maior do que o perdão, esteperdão que muda o mal em bem. Ve-mo-lo na história cristã. Como nosfez e continua a fazer bem o factode nos perdoarmos uns aos outros,de voltar a descobrir-nos irmãos de-pois de séculos de controvérsias e la-cerações! O Pai é feliz, quando nosamamos e perdoamos verdadeira-mente de coração (cf. Mt 18, 35); eentão dá-nos o seu Espírito. Peça-mos esta graça: de não nos fechar-mos com ânimo endurecido, semprea reivindicar dos outros, mas de daro primeiro passo, na oração, no en-contro fraterno, na caridade concre-ta. Assim seremos mais parecidoscom o Pai, que ama sem esperar re-embolso. E Ele derramará sobre nóso Espírito de unidade!

No final da celebração eucarística,antes de se despedir dos fiéis reunidos,o Santo Padre agradeceu e saudou ospresentes, pronunciando as seguintesp a l a v ra s .

Agradeço cordialmente a D. More-rod e à comunidade diocesana deLausana-Genebra-Friburgo. Obriga-do pela vossa receção, preparação eoração! Oração, que peço, por favor,para continuardes. Também eu reza-rei por vós, para que o Senhor velesobre o vosso caminho, especialmen-te o ecuménico. A minha saudaçãoagradecida estende-se a todos osPastores das dioceses suíças e aosoutros Bispos presentes, bem comoaos fiéis vindos de várias partes daSuíça, da França e de outros países.

Saúdo os habitantes desta bela ci-dade, onde exatamente há seiscentosanos se hospedou o Papa MartinhoV e que é sede de importantes insti-tuições internacionais, nomeadamen-te a Organização Internacional doTrabalho, cujo centenário de funda-ção terá lugar no próximo ano.

Agradeço vivamente ao Governoda Confederação Suíça pelo amávelconvite e a excelente colaboração.O brigado!

Por favor, não vos esqueçais de re-zar por mim. Até à próxima!

No final da missao Papa Francisco

saudou os bispos da Suíçae os colaboradores danunciatura apostólica

em Berna e da Missãojunto das Nações Unidas

e instituições especializadasem Genebra

guinte, nenhum de nós está sozinhoneste mundo; mas lembrar-nos-átambém que não há Pai sem filhos:nenhum de nós é filho único, cadaum deve cuidar dos irmãos na únicafamília humana. Ao dizer «Pai nos-so», afirmamos que cada ser humanoé parte nossa e, face aos inúmerosmalefícios que ofendem o rosto doPai, nós, seus filhos, somos chama-dos a reagir como irmãos, comobons guardiões da nossa família e atrabalhar para que não haja indife-rença perante o irmão, cada irmão:

mil chamadas e mensagens, incapa-zes de parar fixando os rostos, mer-gulhados numa complexidade quefragiliza e numa velocidade que fo-menta a ansiedade. Impõe-se umaopção de vida sóbria, livre de pesossupérfluos. Uma opção contracor-rente, como outrora fez São LuísGonzaga que hoje recordamos. Aopção de renunciar a muitas coisasque enchem a vida, mas esvaziam ocoração. Irmãos e irmãs, optemospela simplicidade, a simplicidade dopão, para voltar a encontrar a cora-

Page 6: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

Com os jornalistas durante o voo de regresso a Roma

A experiência do encontroDurante o voo de Genebra para Ro-ma, no final da peregrinação ecumé-nica, o Papa Francisco encontrou-secom os jornalistas a bordo para umaconferência de imprensa. Publicamosa transcrição das respostas do Pontí-fice e uma síntese das perguntas.Depois da introdução do diretor daSala de imprensa, Greg Burke, oPontífice dirigiu-se aos presentescom estas palavras: «Obrigado pelovosso trabalho! Foi um dia um pou-co cansativo, pelo menos para mim.Mas estou contente porque as diver-sas atividades que empreendemos,desde a oração do início, o diálogodurante o almoço, que foi belíssimo,e depois a missa, foram eventos queme deixaram feliz. Cansam, mas sãoboas. Muito obrigado. E agora, es-tou à vossa disposição».

[Arnaud Bédat, da revista «L’Illus-tré»]: Quais foram os momentos quemais o impressionaram durante estedia?

Obrigado. Penso — diria — que háuma palavra comum: encontro. Fo ium dia de encontros. Variegados. Apalavra justa a propósito do dia éencontro; e, quando uma pessoa en-contra outra e se compraz no encon-tro, isso toca sempre o coração. Fo-ram encontros positivos, mesmo be-los, a começar pelo diálogo com oPresidente [da Confederação Suíça],no início, que se revelou um diálogonão apenas de cortesia, normal, masum diálogo profundo, sobre temasmundiais profundos e com uma inte-ligência que me impressionou. A co-meçar por este. Depois os encontrosque vós todos vistes... E aquele quevós não vistes, isto é, o encontro doalmoço, que foi muito profundo nomodo de abordar tantos assuntos. Otema sobre o qual nos demoramosmais talvez tenha sido o dos jovens,porque todas as Confissões tambémestão preocupadas, no bom sentido,com os jovens. E o pré-Sínodo feitoem Roma, de 19 de março paradiante, chamou bastante a atenção,porque eram jovens de todas asConfissões, inclusive agnósticos, ede todos os países. Pensai: 315 jovenspresentes e 15 mil conectados em re-de que «entravam e saíam». Foi istotalvez que despertou um interesseespecial. Mas a palavra que me pare-ce resumir o conjunto da viagem se-

para esclarecer ou os bispos alemãesdeverão encontrar um acordo?

Certamente não se trata de umanovidade, porque, no Código de di-reito canónico, está previsto aquilode que falavam os bispos alemães: aComunhão em casos especiais. Eles,tendo em mente o problema dos ma-trimónios mistos, perguntavam-se seaquela é possível ou não. Entretantoo Código diz que o bispo da Igrejaparticular — é importante esta pala-vra p a r t i c u l a r, se é bispo de umadiocese — deve decidir sobre o pro-blema: está nas suas mãos. Isto estáno Código. Os bispos alemães, ven-do que o caso não era claro e que al-guns sacerdotes procediam à reveliado bispo, quiseram debruçar-se so-bre este tema estudando-o — não

vê isto. Prevê a competência do bis-po diocesano, mas não da Conferên-cia episcopal. Porquê? Porque umacoisa aprovada numa Conferênciaepiscopal torna-se imediatamenteuniversal. E esta foi a dificuldade dadiscussão: não tanto o conteúdo,mas isto. Eles enviaram o documen-to; depois houve dois ou três encon-tros de diálogo e de esclarecimento;e o arcebispo Ladaria enviou estacarta, mas com a minha autorização,não o fez sozinho. Disse-lhe: «Sim,é melhor dar um passo em frente,dizendo que o documento ainda nãoestá maduro — isto dizia a carta! — edeve-se estudar melhor o assunto».Depois houve outra reunião para es-tudar definitivamente a questão.Creio que este será um documentoo r i e n t a d o r, para que cada um dos

bispos diocesanos possa decidiraquilo que o direito canónico já per-mite. Não houve qualquer travão,não. Tratou-se de decidir a questãopara que seguisse pelo bom cami-nho. Quando visitei a igreja luteranade Roma, foi feita uma perguntadeste género e eu respondi segundoo espírito do Código de direito ca-nónico, o espírito que eles [os bis-pos] procuram agora. Talvez não te-nha havido a informação correta nahora certa… Deu lugar a um poucode confusão, mas a situação é esta.Para a Igreja p a r t i c u l a r, o Códigopermite-o; para a Igreja local não,porque seria universal. É isto.

[Roland Juchem]: A Igreja local é aConferência?

É a Conferência. Mas a Conferên-cia pode estudar e oferecer diretrizespara ajudar os bispos a decidir oscasos particulares. Obrigado.

[Eva Fernández, da rádio Cope]:Também o secretário-geral do Conselhoecuménico das Igrejas falou sobre aajuda aos refugiados. Recentemente vi-mos o incidente do navio Aquarius eoutros casos, bem como a separação dasfamílias nos Estados Unidos. Acha quealguns governos instrumentalizam odrama dos refugiados?

Tenho falado muito sobre os refu-giados, e os critérios resumem-se na-quilo que eu disse: «acolher, prote-ger, promover, integrar». São crité-rios para todos os refugiados. De-pois disse que cada país deve fazeristo com a virtude de governançaque é a prudência, porque um paísdeve acolher tantos refugiados quan-tos possa, isto é, quantos possa inte-g ra r : integrar, ou seja, educar, daremprego... Diria que este é o planotranquilo, sereno dos refugiados.Hoje estamos a viver uma vaga derefugiados, que fogem das guerras eda fome. Guerra e fome em muitospaíses da África, guerras e persegui-ção no Médio Oriente. A Itália e aGrécia foram muito generosas noacolhimento. Quanto ao MédioOriente — em relação à Síria — aTurquia recebeu tantos; o Líbano,tantos: o Líbano tem tanto síriosquanto libaneses; e depois a Jordâ-nia e outros países. A própria Espa-nha os acolhera. Existe o problemado tráfico de migrantes. E há tam-bém o problema dos casos em queretornam, porque devem voltar: te-mos este caso. Não conheço bem ostermos do acordo, mas, se estiveremnas águas líbias, devem voltar. E vifotografias de lá, das prisões geridaspelos traficantes. Estes separam ime-diatamente as mulheres dos homens:as mulheres e crianças vão só Deussabe para onde! Isto fazem os trafi-cantes. Conheço também um casoem que os traficantes se aproxima-ram de um navio que acolhera refu-giados das barcaças e disseram:«Dai-nos as mulheres e as crianças elevai convosco os homens». É o quefazem os traficantes. E as prisões ge-ridas pelos traficantes, para aquelesque retornaram, são terríveis, sãohorríveis. Nos campos de concentra-ção da segunda guerra mundial,viam-se estas coisas. Inclusive muti-lações, torturas... E, os homens, de-

Bolo sardoNo final da conferência de imprensa o Papa Francisco fez uma surpresa aoarcebispo Angelo Becciu: «E agora, chamemos o substituto porque esta é aúltima viagem que faz connosco, pois mudará de cor [com a criação cardi-nalícia no consistório de 28 de junho]: mas não por vergonha! Queremosdespedir-nos dele e há um bolo sardo para festejar». Angelo Becciu — quea partir de 1 de setembro tomará posse do cargo de prefeito da Congrega-ção para as causas dos santos — aproximou-se sorridente: «Obrigado! Éuma dupla surpresa, chamar-me aqui e agradecer-me diante de todos. Edepois um bolo sardo, muito bem! Prová-lo-emos com prazer. Agradeçomuito ao Santo Padre por esta ocasião e também por tudo, porque meproporcionou fazer esta experiência magnífica de viajar bastante com ele.No começo assustei-me porque me disse “farei poucas viagens” [dirigindo-se ao Papa], recorda-se? Mas depois de uma acrescentava outra, e outra, ecomentámos: ainda bem que tinha dito que seriam poucas! E foram mui-tas! Uma experiência magnífica: ver o Santo Padre difundir a Palavra deDeus com coragem. O meu serviço foi só este: ajudá-lo nisto. Obrigado atodos vós e a quantos nos ajudaram, obrigado».

ria esta: foi uma viagem de e n c o n t ro .A experiência do encontro. Não me-ra cortesia, nada de puramente for-mal, mas encontro humano. E isto,entre protestantes e católicos... estátudo dito. Obrigado!

[Roland Juchem, da agência católicaalemã Cic]: Em relação à chamadaintercomunhão os bispos alemães ulti-mamente decidiram dar um passo, eentão perguntamo-nos por que o arce-bispo Ladaria [prefeito da Congregaçãopara a doutrina da fé] lhes escreveuuma carta que lembra de certo modo oacionar um travão de emergência.Quais serão os próximos passos? Seránecessária uma intervenção do Vaticano

quero exagerar — durante mais deum ano; não sei ao certo, mas maisde um ano. Estudaram-no bem; umestudo bem feito. E a conclusão érestritiva: aquilo que os bispos pre-tendiam era dizer claramente o queestá no Código. E também eu, queo li, digo: este é um documento res-tritivo. Não era para «abrir a to-dos»; não. Trata-se de uma coisabem pensada, com espírito eclesial.E quiseram fazer o estudo para aIgreja local: não para a particular.Não estava na vontade deles, mas aquestão deslizou para outro nível, ouseja, dizendo que é para a Conferên-cia episcopal alemã. E aqui há umproblema, porque o Código não pre-

Page 7: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Perdão e missão

Unidadena diversidade

pois jogam-nos nas valas comuns.Por isso, os governos temem fazê-losvoltar, para não caírem nas mãosdessas pessoas. Esta preocupação émundial. Sei que os governos falamdisto e querem encontrar um acordo,inclusive alterar o Acordo de Du-blin. Na Espanha, tivestes o casodeste navio que atracou em Valência.Mas todo este fenómeno é uma tro-pelia. O problema das guerras é difí-cil de resolver; o problema da perse-guição dos cristãos também, no Mé-dio Oriente e mesmo na Nigéria.Mas o problema da fome pode serresolvido. E muitos governos euro-peus estão a pensar num plano ur-gente para investir nesses países; in-vestir de forma inteligente para lhesdar estas duas coisas — trabalho eeducação — nos países donde pro-vêm os migrantes. Porque — semofender, mas é a verdade — no in-consciente coletivo, há um lema feio:«A África é para ser explorada». Is-to está no inconsciente: «Eh, sãoafricanos!...». Terra de escravos. Eisto deve mudar com este plano deinvestimentos, de educação, de de-senvolvimento, porque o povo afri-cano possui tantas riquezas culturais,tantas. E tem uma grande inteligên-cia: as crianças são inteligentíssimase podem, com uma boa educação, irmais além. Este será o caminho amédio prazo. Mas, por agora, devemos governos pôr-se de acordo a fim

de levar por diante esta emergência.Isto, aqui na Europa.

Passemos à América. Existe umgrande problema de migração naAmérica Latina, e há também o pro-blema migratório interno. Na minhapátria, há um problema migratóriode norte a sul; as pessoas deixam ocampo, porque não há trabalho, evão para as grandes cidades, e temosestas megalópoles que são as favelase tudo o mais... Mas há tambémuma migração externa para outrospaíses que dão emprego. Falandoconcretamente da migração para osEstados Unidos, estou de acordocom o que dizem os bispos daquelepaís. Apoio-os. Obrigado!

[Deborah Castellano Lubov, da agên-cia “Zenit”]: Sabemos que algumas dasIgrejas do Conselho ecuménico são cha-madas “Igrejas da paz”, por acredita-rem que um cristão não pode usar aviolência. Vossa Santidade pensa que éo caso, para a Igreja católica, de sejuntar a estas chamadas «Igrejas dapaz» e deixar de lado a teoria da«guerra justa»?

Um esclarecimento: por que dizque existem «Igrejas da paz»?

[Deborah Castellano Lubov]: São con-sideradas “Igrejas da paz”, porque têmesta conceção segundo a qual uma pes-soa que usa violência já não pode serconsiderada cristã.

Obrigado, compreendi. Colocou odedo na chaga... Hoje, ao almoço,um Pastor disse que o primeiro di-reito humano talvez seja o direito àesperança; gostei daquilo e tem a verde algum modo com este tema.Conversamos sobre a crise atual dosdireitos humanos. Creio que devocomeçar disto para chegar à sua per-gunta. A crise dos direitos humanosé clara. Fala-se um pouco de direitoshumanos, mas muitos grupos ou al-guns países distanciam-se. Sim, te-mos os direitos humanos, mas nãoexiste a força, o entusiasmo, a con-vicção — não digo de há 70 anos —mas de 20 anos atrás. E isto é grave,porque devemos ver as causas.Quais são as causas que nos fizeramchegar a isto? É que hoje os direitoshumanos são re l a t i v o s . O próprio di-reito à paz é re l a t i v o . É uma crisedos direitos humanos. Creio que te-mos de nos debruçar profundamentesobre isto.

Depois, as chamadas “Igrejas dapaz”. Penso que todas as Igrejascom este espírito de paz se devemreunir e trabalhar juntas, como dis-semos nos discursos de hoje (eu e asoutras pessoas que falaram) e ao al-moço falamos disso. A unidade emprol da paz: hoje a paz é uma neces-sidade, porque há o risco de umaguerra... Alguém disse: se se fizer es-ta terceira guerra mundial, não sabe-mos as armas com que será combati-da, mas uma quarta será seguramen-te a pedra e pau… Porque a huma-nidade acabaria destruída. O com-promisso em prol da paz é um as-sunto sério. Quando se pensa no di-nheiro que se gasta em armamen-tos… Por isso bem-vindas as «Igre-jas da paz»! Mas é o mandato deDeus: a paz, a fraternidade, a huma-nidade unida. E os conflitos todos…é preciso não os resolver comoCaim; mas resolvê-los com negocia-ções, com o diálogo, com as media-ções. Por exemplo, estamos em crisede mediações. Atualmente a media-ção, que é uma figura jurídica tãopreciosa, está em crise. Crise de es-perança, crise de direitos humanos,crise de mediações, crise de paz. En-tretanto, ao ouvir a senhora dizerque existem “Igrejas da paz”, vem-me a pergunta: mas será que existem“Igrejas da guerra”? É difícil enten-der isto, é difícil, mas há certamentealguns grupos (diria em quase todasas religiões), grupos pequenos queeu designaria — simplificando umpouco — “fundamentalistas”, queprocuram as guerras. Nós, católicos,também temos algum que buscasempre a destruição. É muito impor-tante ter isto sob os olhos. Não seise respondi...

Dizem-me que o pessoal de bordopede para servir o jantar, que é otempo justo para chegar [a casa]com o estômago cheio. Quero dizerclaramente apenas uma palavra: quehoje foi um dia ecuménico, mesmoecuménico. E, no almoço, dissemosuma coisa linda, que vos deixo paranela pensardes, refletirdes e fazerdesestupendas considerações: no movi-mento ecuménico, devemos tirar dodicionário uma palavra: p ro s e l i t i s m o .É claro? Não pode haver ecumenis-mo com proselitismo, é preciso esco-lher: ou és de espírito ecuménico, oués um “p ro s e l i t i s t a ”. O brigado!

Um momento do almoço no instituto Bossey

do nosso enviadoMARCELO FIGUEROA

Numa atmosfera de espiritualida-de ecuménica, depois da precematutina de 21 de junho, no Vis-ser’t Hooft Hall do Conselhoecuménico das Igrejas (Wcc) emGenebra, realizou-se o encontrocelebrativo dos setenta anos desteo rg a n i s m o .

Exaltando a unidade na diver-sidade reconciliada em nome deCristo, guiados pela lema «Pere-grinação ecuménica: caminhar,trabalhar e rezar juntos» e na pre-sença de representantes de diver-sas confissões cristãs, foram en-toados hinos e partilhadas ora-ções profundas e proferidos dis-cursos que desafiam.

A oração de abertura foi con-fiada ao metropolita Nifon deT â rg o v i şte, da Igreja ortodoxa ro-mena, o qual pediu ao Senhor:«Faz com que sejamos um só emamor e ministério, a fim de queinvoquemos o nome de Cristo,sejamos instrumentos de paz, pro-cedendo juntos como peregrinosno caminho do teu reino para ser-vir o teu povo e a criação paraglória do teu nome».

Particularmente sentidas e pro-fundas foram as palavras de OlavFykse Tveit, secretário-geral doWcc, que depois de ter citado otexto bíblico «Este é o dia que oSenhor fez: seja para nós dia dealegria e de felicidade» (Sl 118[117], 24), exortou a superar as di-visões e falou sobre a visita deFrancisco como de um marco nahistória das relações entre as Igre-jas. Depois, prosseguiu dizendo:«Permitiremos que as próximasgerações criem novas expressõesde unidade, justiça e paz, se pro-gressivamente compartilharmoscada vez mais».

As palavras de Agnes Aboum,de confissão anglicana e atualmoderadora do comité central doConselho ecuménico das Igrejas,foram ouvidas com grande aten-ção num clima de silêncio, inter-rompido apenas pelos aplausos fi-nais. Fazendo referência ao PapaFrancisco ela afirmou que a suavisita «demonstra que o compro-misso das Igrejas com a unidade,pelo bem da humanidade inteirae de toda a criação de Deus, estásalvo e vivo».

No seu discurso, o Pontíficefrisou a necessidade de «um novoimpulso evangelizador», dizendoque está convicto de que «se au-mentarmos o ímpeto missionário,aumentará também a unidade en-tre nós». Depois de ter desenvol-vido e aprofundado os conceitosdo lema escolhido — c a m i n h a r,rezar e trabalhar juntos — Fr a n c i s -co concluiu o seu pronunciamen-to dirigindo-se diretamente à as-sembleia com este convite: «Aju-demo-nos a caminhar, rezar e tra-balhar juntos para que, com agraça de Deus, a unidade progri-da e o mundo creia».

E Bergoglio insistiu exatamente so-bre estes dois pontos. Com efeito, operdão é necessário também entreos cristãos, divididos ao longo dosséculos por causa de contrastes edivergências: uma história marcadapela «diabólica espiral de fragmen-tações contínuas» e cuja direção épreciso, ao contrário, inverter, comofizeram muitos pioneiros do ecume-nismo. De facto, só «o amor conse-gue eliminar o medo», ao passoque «o que salva é precisamente aunidade», afirmou o Pontífice ci-tando um trecho de São Gregóriode Nissa, teólogo e místico que vi-veu numa época anterior às grandesdivisões na Igreja.

Falando ao mundo cristão, sim-bolicamente reunido na sede gene-brina do organismo ecuménico, oPapa manifestou uma grande preo-cupação, isto é, que «ecumenismoe missão já não estariam tão estrei-tamente ligados como no início.

Sem dúvida, é necessário recordarque «a Igreja de Cristo cresce poratração» reafirmou Francisco, mas«não se acredita em Jesus Cristomediante a obtenção de consenso eo povo de Deus não se pode redu-zir a nível de organização não go-vernamental». Nós cristãos, acres-centou referindo-se ao anúncio doEvangelho, «não seríamos fiéis àmissão que nos foi confiada se re-duzíssemos este tesouro ao valor deum humanismo puramente imanen-te, adaptável às modas do momen-to». Nem sequer se deve enterrareste tesouro devido ao medo dosdesafios do mundo, que o Pontíficedefiniu «amado e atormentado».

Portanto, necessitamos de «umnovo ímpeto evangelizador» frisouBergoglio, afirmando «estar con-victo de que, se aumentar o impul-so missionário, crescerá também aunidade entre nós» e pode surgir«uma nova primavera ecuménica»,que florescerá caminhando, rezan-do e trabalhando juntos.

Page 8: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Apresentado o Instrumentum laboris do sínodo sobre os jovens

Procurar respostas concretasLORENZO BALDISSERI

Desejo ajudar todos e cada um a pôr-seem sintonia com o Instrumentum laborisdo próximo sínodo dos jovens sobre otema «Os jovens, a fé e o discernimen-to vocacional», que terá lugar em Ro-ma de 3 a 28 de outubro próximos.

Como certamente já devem ter repa-rado, trata-se de um texto bastante am-plo e estruturado, do qual vou tentarilustrar alguns elementos principais, co-meçando por dizer algo sobre as finali-dades do sínodo, o método seguido e aestrutura do documento.

O sínodo tem como primeiro objeti-vo tornar consciente toda a Igreja acer-

dade, observando o modo como Deusfala a nós através dela.

O segundo trecho concentra-se noverbo “i n t e r p re t a r ”. A realidade é maisimportante do que a ideia, mas asideias tornam-se necessárias no momen-to em que se reconhecem os apelos queprovêm da realidade. É preciso ter umquadro de referência para interpretar arealidade, caso contrário permanecemos

bém as escolhas fundamentais queorientaram a sua redação.

Primeira parte: “Reconhecer:a Igreja em escuta da realidade”

Depois de ter explicado na introdu-ção os objetivos, o método e a estrutu-ra, a primeira parte é composta porcinco capítulos.

Os primeiros dois oferecem um olharbastante amplo sobre os diversos con-textos, mostrando que há deveras mui-tas diferenças e muitos aspectos em co-mum entre os jovens do mundo inteiro:a globalização cria muita homologação,mas as diversidades sociais, económi-cas, culturais, religiosas e espirituaispermanecem contudo numerosas. Entreas várias preocupações indicadas, subli-nho o tema das relações intergeracio-nais — que vê os adultos tendencial-mente em concorrência e não em alian-ça com os jovens — e a presença játransversal do continente digital, que éuma inédita plataforma de vida para osjovens com oportunidades importantese novos perigos.

Seguem três capítulos que podemosdefinir três aprofundamentos específi-cos sobre questões pontuais.

A primeira lupa está apontada paraos jovens mais pobres e abandonados,que são rejeitados constantemente porum mundo que se compreende a simesmo a partir do paradigma do des-carte, o do “compra, usa e deita fora”.

va compreensão do corpo, da afetivida-de e da sexualidade; o advento de no-vos paradigmas cognitivos que veicu-lam uma diversa abordagem da verda-de; os afetos antropológicos do mundodigital, que impõe uma compreensãodiferente do tempo, do espaço e das re-lações humanas; a desilusão institucio-nal generalizada tanto em âmbito civilcomo eclesial; a paralisia decisória queaprisiona as jovens gerações em percur-sos limitados e limitantes; por fim, anostalgia e a busca espiritual dos jo-vens, que parecem menos “re l i g i o s o s ”,contudo mais abertos a experiências detranscendência autênticas.

O terceiro e último aprofundamentoda primeira parte refere-se à escuta dapalavra dos jovens. Partindo da cons-ciência de que hoje a Igreja tem dificul-dade em escutar, sobressaem os pedi-dos e as atenções dos jovens: requeremcoerência, autenticidade, espiritualida-de; desejam uma renovada capacidaderelacional e dinâmicas de acolhimentoproféticas; pedem uma liturgia viva evivaz; solicitam um engajamento abne-gado a favor da justiça no mundo. Sãosedentos de fraternidade. A voz dos se-minaristas e dos jovens religiosos e reli-giosas sobre estes temas é particular-mente preciosa.

Segunda parte. “I n t e r p re t a r :fé e discernimento vocacional”

A segunda parte é composta porquatro capítulos. À luz da fé, ofereceuma panorâmica com vários pontos devista sobre palavras-chave do sínodo:juventude, vocação, discernimento,acompanhamento.

O primeiro capítulo, de índole bíbli-ca e antropológica, tem como objetivoacompanhar o leitor a aprofundar aideia de juventude partindo de algumasconstantes bíblicas que iluminam osseus traços fundamentais. Através dediversos textos sobressai que a juventu-de é o tempo do amor e da alegria, dafortaleza, da conquista e do risco, daincerteza e do medo, da queda e daconversão, da disponibilidade à escutae do amadurecimento. Sobretudo étempo de contacto salvífico com oDeus da aliança e do amor que oferecea sua Palavra e a relação com Ele emvista de uma vida plena e abundante.

O segundo capítulo é de índole teo-lógica e eclesiológica. Partindo da escu-ta dos jovens e dos educadores/forma-dores, é clara a necessidade de oferecerum quadro de nova compreensão daquestão vocacional de amplo alcance,que a torna capaz de ser significativapara todos os jovens, sem excluir ne-nhum, e não só no sentido mais especí-fico de vocação ao ministério ordenadoe à vida consagrada. Por esta razão, es-te capítulo parte da necessidade de ilu-minar a vida a partir do horizonte vo-cacional e termina convidando a valori-zar qualquer tipo de vocação na Igrejae no mundo. Entre estas, a família, temsem dúvida uma posição de relevo, al-go (aspecto) que nos liga de novo de

maneira forte ao sínodo precedente.Gostaria de realçar também o emergirna Igreja de uma pergunta, menos ha-bitual, acerca da colocação vocacionalde pessoas que escolhem permanecer“single” sem se referir nem ao matrimó-nio nem a uma consagração particular;de facto, constata-se que em muitospaíses o seu número está a aumentar.

O terceiro capítulo entra tambémnos dinamismos do discernimento vo-cacional. Muitos jovens, num mundoque sentem como confuso e fragmenta-do, pedem para serem ajudados a ler oseventos da sua vida à luz da fé. Porconseguinte, o capítulo esclarece o sen-tido e o conteúdo do discernimento,baseando-se nos três verbos reconhecer-interpretar-escolher. Decisivo neste ca-minho permanece o confronto com aconsciência pessoal.

O último capítulo é dedicado ao te-ma do acompanhamento. É oferecidoum olhar sobre os diversos tipos deacompanhamento: com efeito, há umacompanhamento de ambiente e de co-munidade, há um acompanhamento naleitura dos sinais dos tempos, um tipopsicológico e um mais espiritual, assimcomo quando somos acompanhados emfamília e entre iguais. Sobressai tam-bém a relação entre o sacramento dareconciliação e acompanhamento. Sãomuito interessantes as palavras dos jo-vens quando evidenciam as qualidadesque se espera das pessoas que os acom-panham. Eles constatam com deceçãoque em muitas situações e em numero-sos contextos eclesiais não encontrampessoas preparadas e adequadas.

Terceira parte: “Escolher:caminhos de conversão pastorale missionária”

O título da terceira parte retomauma expressão da Evangelii gaudium. Éuma perspetiva exigente: depois de terreconhecido e interpretado, a referênciaà escolha está orientada decididamentepara a conversão do coração e da men-te, e para a renovação das práticas pas-torais. Também aqui, como na segundaparte, temos quatro capítulos.

O primeiro é introdutório e serve deorientação: acompanha na redefinição

do rosto de uma Igreja que deseja sergeradora em relação aos jovens, fazen-do do discernimento a sua maneira deproceder habitual e o seu estilo incon-fundível. Uma Igreja chamada a tomaras rédias das suas formas e do seu mo-do de habitar o mundo de hoje; cha-mada a ser sinal de fraternidade nummundo dilacerado; chamada a trabalharpelo reino de Deus de forma integral,abnegada e descentralizada.

O segundo capítulo é o mais consis-tente de todo o Instrumentum laboris.Mostra a necessidade de que a Igreja seconfronte com a vida diária dos jovense esteja presente e ativa onde eles vi-vem a sua existência concreta. Aconteceque muitas vezes se culpabilizam mui-tos jovens, atribuindo-lhes a responsa-bilidade de se terem afastado da Igreja.Mas muitas vezes eles vivem situaçõesque os levam a afirmar que foi a Igrejaque se afastou deles. E dizem-no aber-tamente. Em muitos casos não a senti-ram nem a sentem próxima, nas váriasexperiências e nos diversos âmbitos dasua vida: escola, universidade, mundodo trabalho, compromisso político, am-biente digital, música, desporto e ami-zade. Sem excluir a necessária proximi-dade e o devido apoio na dificuldade ena marginalização: deficiência e enfer-midade, dependências e outras fragili-dades, prisão, violência e guerra, migra-ções e morte. Participar na vida quoti-diana dos jovens significa poder reco-nhecer que a sua existência é permeadapela presença de Deus e pela ação dagraça, que deve ser acolhida, acompa-nhada e levada a cumprimento.

O terceiro capítulo focaliza a forma ea força da comunidade eclesial hoje,em relação à sua identidade e missãopara e com os jovens. Em dez trechossão realçados pontos de força, de debi-lidade, de profecia e de debate que so-bressaíram dos pedidos dos jovens edas respostas das Conferências episco-pais do mundo inteiro. Aqui são mui-tos os pontos que precisam de ser apro-fundados: da forma familiar da Igreja àsua proposta de espiritualidade, da ava-liação da sua paixão educativa à parti-cipação das famílias na pastoral juvenilvocacional, da qualidade da iniciaçãocristã à valorização da palavra de Deus

e da liturgia, do serviço e do volunta-riado na ótica do discernimento voca-cional à vocação da Igreja aberta e aco-lhedora para todos.

O último capítulo do Instrumentumlaboris é dedicado à animação e à orga-nização da pastoral. Também aqui so-bressaem várias opções e escolhas a fa-zer, pois as perguntas que emergiramda escuta foram inúmeras: como pro-mover o protagonismo juvenil numarealidade eclesial tendencialmente aindadominada pelo clericalismo? Comocriar comunhão entre os vários níveisde animação da pastoral (mundial, dio-cesana, paroquial)? Como iniciar ou re-vigorar um trabalho de comunhão en-tre os diversos agentes da pastoral juve-nil vocacional (clero, religiosos, religio-sas, movimentos e associações)? De quemodo fortalecer o trabalho na rede,não apenas na Igreja, mas entre diver-sas religiões e vários agentes civis, so-ciais e religiosos? De que maneira es-truturar percursos educativos e pasto-rais que saibam unificar eventos ex-traordinários e a vida quotidiana dosjovens? Como projetar propostas for-mativas apropriadas para os candidatosao sacerdócio e à vida religiosa, acom-panhando-os num percurso de amadu-recimento na liberdade e de progressivodiscernimento em vista de uma escolhadefinitiva? Por fim, a partir de queperspetiva devemos pensar numa pasto-ral que seja verdadeiramente integradae orientada para a centralidade dos jo-vens?

O Instrumentum laboris termina comuma proposta à santidade. Em três bre-ves passagens esclarece-se que a santi-dade é a vocação única e unificadorapara a humanidade inteira, porque nin-guém está potencialmente excluído des-ta meta da existência. Em seguida, su-blinha-se que até a juventude, como to-das as outras idades da vida é um tem-po propício para a santidade, ou seja,para viver em conformidade com avontade de Deus. Enfim, recorda-seque temos à nossa disposição umaplêiade de jovens santos, que nos indi-caram o melhor modo de viver aquela

idade da vida entusiasmante, que é amo cidade.

A esperançaComo se pode ver, o Instrumentum

laboris oferece inúmeras sugestões dereflexão e incentiva a procurar respos-tas concretas. Certamente é um docu-mento interlocutório, que reúne e fazconvergir numerosas indicações de mui-tos protagonistas. Quer ajudar a reco-nhecer, interpretar e escolher. E estimu-la a caminhar, a esclarecer problemas ea encontrar percursos para os resolver.

Sobretudo, num mundo que já nãonos ajuda a sonhar, pode ser lido comoum convite a desejar de novo o impos-sível, a sonhar coisas grandes para ecom os jovens. O n. 43 do Instrumen-tum laboris cita aquilo que os jovens di-zem no documento da reunião pré-si-nodal: «Às vezes, acabamos por renun-ciar aos nossos sonhos. Temos demasia-do medo e alguns de nós deixaram desonhar. Isso está ligado às numerosaspressões socioeconómicas que podemaridificar a esperança entre os jovens.Por vezes não temos nem sequer aoportunidade de continuar a sonhar».E no n. 81, na parte dedicada à antro-pologia bíblica, referindo-se a um tre-cho do qual o Papa Francisco gostamuito, tirado do livro de Joel, afirma-seque «os sonhos dos idosos e as profe-cias dos jovens só podem verificar-sejuntos (cf. Jl 3, 1), confirmando a bon-dade das alianças intergeracionais». Senós, adultos e idosos, não sonharmos,os jovens não conseguirão profetizar!

Eis que o Sínodo dedicado aos jo-vens nos oferece a oportunidade devoltar a encontrar a esperança da vidaboa, o sonho da renovação pastoral, odesejo da comunhão e a paixão pelaeducação. Para falar aqui somente deesperança, não de uma esperança ima-nente e genérica mas cristã, faço refe-rência a um dado deveras triste, quenos obriga a pensar. A escuta que puse-mos em prática durante estes últimosanos, em vista do Sínodo, restituiu-nosuma falta de esperança bastante gene-ralizada: em vez de cultivar uma espe-rança fidedigna e viver a partir dela,muitos jovens tentam continuamente asorte: as apostas em todos os camposaumentam exponencialmente; o jogode azar alastra-se entre os jovens; nasnossas cidades multiplicam-se as salasde jogo, onde se deixa de esperar, con-fiando a própria vida a um improvávelgolpe de sorte. Efetivamente, quandose perde a esperança procura-se a fortu-na.

O maior desejo que eu gostaria decomunicar é que este Sínodo constituauma ocasião de vida e de esperança pa-ra os jovens, para a Igreja e para omundo. Para todos os jovens, a fim deque, num mundo que rouba os seusafetos, vínculos e perspetivas de vida,voltem a descobrir a beleza da vida apartir da feliz relação com o Deus daaliança e do amor. Para a Igreja, a fimde que, num momento não fácil read-quira através de um percurso de autên-tico discernimento no Espírito, um re-novado dinamismo juvenil. E finalmen-te para o mundo inteiro, a fim de quetodos os homens e mulheres possam re-descobrir que são destinatários privile-giados da boa notícia do Evangelho.

ca da sua importante tarefa que, de ma-neira alguma, não é facultativa, deacompanhar cada jovem, sem excluirnenhum, rumo à alegria do amor; emsegundo lugar, assumindo seriamenteesta missão, a própria Igreja poderáreadquirir um renovado dinamismo ju-venil; em terceiro lugar, é fundamentaltambém para a Igreja aproveitar estaoportunidade a fim de se predispor aodiscernimento vocacional, de modo adescobrir novamente de que forma cor-responder melhor hoje à sua chamada aser alma, luz, sal e fermento do nossomundo.

Como consequência desta finalidade,o Instrumentum laboris foi redigido con-forme o “método do discernimento”.Com isto tenciono afirmar que, subs-tancialmente, o próprio sínodo é umexercício de discernimento, cujo proces-so se concretiza dando os mesmos pas-sos que ajudam cada jovem a esclarecera própria vocação. O Papa Francisco,na Evangelii gaudium 51, apresenta oprocesso de discernimento com trêsverbos: reconhecer, interpretar, escolher.Por este motivo, o texto está divididoem três partes, cada uma se refere a umdos três verbos.

O primeiro trecho do discernimentoé marcado pelo verbo “re c o n h e c e r ”. Amemória vai imediatamente à narraçãodo episódio de Emaús, onde se afirmaque «então se lhes abriram os olhos e oreconheceram» (Lucas, 24, 31). Portan-to, é evidente que “re c o n h e c e r ” não éum genérico ver ou um simples ouvir,mas significa muito mais: trata-se de sedeixar habitar pela graça a fim de ter oolhar do discípulo, uma compreensãoda realidade que sabe ver o coração,uma inteligência que nasce das víscerasde misericórdia que habitam em cadaum de nós. “Reconhecer” significa par-ticipar do olhar de Deus sobre a reali-

clarividentes à luz do percurso realiza-do. O discernimento, muitas vezes, cor-re o risco de se encalhar em análises in-finitas e em numerosas e diversas inter-pretações, que não alcançam um bomêxito, ou seja, não chegam a decisõesconcretas, proféticas e práticas. Eis que

reféns da superficialidade. De-vemos ir em profundidade, emdireção a um nível bíblico eantropológico, teológico e ecle-siológico, pedagógico e espiri-tual. As boas ideias iluminam,esclarecem, desatam os nós,ajudam a desenredar uma mea-da, a superar a confusão e asolucionar os problemas dafragmentação, acompanhandorumo a uma visão integral esinfónica.

O terceiro momento concen-tra-se na necessidade de “esco-lher”. Depois de ter reconheci-do e interpretado, a fase maisdelicada e importante consisteem tomar decisões corajosas e

De 3 a 28 de outubro

Na manhã de terça-feira, 19 de junho, foiapresentado na Sala de imprensa da SantaSé, o Instrumentum laboris da décima quintaassembleia geral ordinária do Sínodo dosbispos, sobre o tema: «Os jovens, a fé e odiscernimento vocacional», que terá lugar de3 a 28 de outubro. Publicamos integralmentea intervenção do cardeal secretário-geral.

Ceri Richards«A ceia em Emaús»

se torna importante completar o cami-nho através de escolhas partilhadas,que nos ajudem no nosso percurso deconversão pastoral e missionária.

Os conteúdosÉ impossível esclarecer nesta sede to-

dos os conteúdos do Instrumentum labo-ris. Descrevo brevemente alguns deles,passando em revista o documento deforma linear. Sobressairão assim tam-

Quando esta “cultura” se aplica aos se-res humanos perde-se qualquer consi-deração da sua dignidade: o trabalho(quer na ótica da sua ausência quer nada exploração), as migrações, as discri-minações e as exclusões sociais são dis-to um triste exemplo.

A segunda lupa — o capítulo quarto— oferece uma leitura mais aprofunda-da acerca dos seis “desafios antropoló-gicos e culturais” que a Igreja é chama-da a enfrentar hoje no seu compromis-so pastoral em relação aos jovens: a no-

Uma das participantes na reunião pré-sinodalem Roma no passado dia 19 de março

Page 9: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

Discurso à sessão plenária da Roaco

O sofrimentodo Médio Oriente

Durante a audiência aos participantesna sessão plenária da Reunião dasobras de ajuda às Igrejas orientais(Roaco), que teve lugar na manhã de22 de junho, o Papa entregou aospresentes o texto do discurso preparado,e dirigiu-lhes as palavrasimprovisadas, cuja tradução passamosa publicar.

A ROACO é algo muito importante.Hoje o Médio Oriente é uma encru-zilhada de situações difíceis, doloro-sas. E até no Médio Oriente há orisco — não quero dizer a vontade dealguém — o perigo de cancelar oscristãos. Um Médio Oriente semcristãos não seria Médio Oriente.Por ocasião do cinquentenário daROACO eu queria ler-vos este discur-so [mostra o texto escrito]. Todosvós o tendes nas mãos em inglês, enão é bom fazer um duplicado. Mas

dado que a preocupação pelo MédioOriente é grande, permiti-me dizeralgo espontaneamente, e entrego odiscurso escrito ao Cardeal Sandri.Vós já o tendes em inglês. E assimnão vos aborreço, repetindo os mes-mos conceitos.

Hoje o Médio Oriente sofre, cho-ra, e algumas potências mundiaisolham para o Médio Oriente talveznão tanto com preocupação pelacultura, pela fé, pela vida daquelespovos; ao contrário, observam-nopara conquistar uma sua parte e termais domínio. “Os cristãos — to dosdizem — são os primeiros no MédioOriente, devemos respeitá-los”. Masa realidade não é assim. O númerode cristãos diminui. Recentementefalei sobre isto com o Cardeal Zenari[Núncio Apostólico na Síria]. Dimi-nui! E muitos não querem voltar,porque o sofrimento é grande.

Amam a terra, amam a fé, mas o so-frimento foi grande, muito intenso.

O Médio Oriente é o berço doCristianismo: a terra de Jesus. Ovosso trabalho de ajuda ao MédioOriente, de preocupação pelo Mé-dio Oriente, é muito grande, deverasimportante. E estou-vos muito gratopor isso. No Médio Oriente existemgrandes Igrejas, as Igrejas antigas,

com a sua teologia, as suas liturgias.E estas belezas..., os seus Santos Pa-dres, os seus mestres espirituais... Agrande tradição do Médio Oriente.Devemos preservar tudo isto. Temosque lutar por isto. Vós já o fazeis, eagradeço-vos, porque esta é tambéma linfa — digamos assim — que deri-va das raízes, para dar vida à nossaalma. Quantos de nós utilizam, paraa nossa vida espiritual, a doutrinados Padres do Oriente, dos antigosmonges que nos ensinam o caminhoda contemplação, da santidade!

Neste momento de dor, o MédioOriente é terra de migrações. E esteé um dos problemas mais graves.Pensemos no Líbano, onde um terçoda população é constituída por refu-giados, na maioria sírios, porque fo-ram acolhidos numerosos sírios. Pen-semos na Jordânia, que também temum elevado número de sírios, osquais sofrem... E também na Tur-quia. Depois, na Europa. Quandoestive em Lesbos, havia muitíssimossírios, muitos, estava cheia... Cris-tãos, muçulmanos que fugiam. E naItália a mesma situação. É terra deimigrações. E inclusive entre os pró-prios países do Médio Oriente.

Comete-se um grave pecado noMédio Oriente, e quem sofre é opobre povo. O pecado do desejo depoder, o pecado da guerra, cada vezmais vigoroso, mais forte... Até comarmas sofisticadas. E quem sofre é opovo, as crianças. Digamos que hojeo Médio Oriente não está desprovi-do de escolas, mas dispõe de poucasescolas, porque os bombardeamen-tos destroem tudo. E tem poucoshospitais. Esta é a dor do MédioOriente. É o grande pecado daguerra. Mas no Médio Oriente hátambém o nosso pecado. O nosso!O pecado da incoerência entre vidae fé. Existem — talvez não tantos,mas há alguns — sacerdotes, algunsbispos, algumas congregações reli-giosas, que professam a pobreza,mas vivem como ricos. E a ROACOrecebe inclusive os pequenos óbolosdas viúvas, como disse o CardealPrefeito, como símbolo: o pouco doshumildes. Mas eu gostaria que estes“epulões” — religiosos, cristãos, al-guns bispos ou algumas congrega-ções religiosas — se despojassemmais em benefício dos seus irmãos,das suas irmãs. O Senhor não nosdeixará sozinhos. E por isso eu digoque o Médio Oriente é uma espe-rança, uma esperança que nós deve-mos cultivar. É uma realidade espiri-tual, pela qual devemos trabalhar,como vós fazeis.

Muito obrigado por tudo isto.Agradeço de coração!

Identidade e vocação da cidade santaA «identidade» e a «vocaçãopeculiar» de Jerusalém devem serpreservadas «independentemente dasvárias tensões e disputas políticas».Foi o apelo contido no discursopreparado pelo Papa para os membrosda Roaco, recebidos na manhã desexta-feira, 22 de junho, na Sala doConsistório.

Queridos amigos!Apraz-me encontrar-me convoscono final dos trabalhos da vossa As-sembleia Plenária, que este anocoincide com o cinquentenário defundação da R O A C O. Saúdo cordial-mente o Cardeal Sandri e agradeço-lhe as suas palavras de introdução.Estendo a minha saudação reconhe-cida aos Representantes Pontifícios

dos países do Médio Oriente, quetodos os dias acompanham a espe-rança das populações cristãs ou deoutras tradições religiosas nas terrasmarcadas, infelizmente, por confli-tos e sofrimentos. Saúdo com grati-dão os representantes das Agênciascatólicas juntamente com os benfei-tores da Congregação para as Igre-jas Orientais, e também quantos fo-ram colaboradores nos anos passa-dos e estão presentes por ocasiãodo importante aniversário.

Depois do centenário do Dicasté-rio, que acabou de se concluir, aROACO vive o seu ano jubilar. Se-gundo as Escrituras, no cinquente-nário ressoava o s h o f a r, a trombetaque anunciava o ano de libertaçãodos escravos, do perdão das dívi-

das, do regresso à posse das terras,tudo fundado sobre a consciênciado dom gratuito da aliança e daterra, que disto era sinal, por partede Deus ao seu povo. Convido-vosa recordar com gratidão o tempotranscorrido, e em primeiro lugar osrostos — alguns já concluíram a suaperegrinação terrena — que na Con-gregação assim como em cada umadas vossas Agências contribuírampara o esforço de ajuda e de carida-de. Com efeito, o estudo dos proje-tos e o seu apoio material, graças àgenerosidade de muitíssimos fiéisno mundo inteiro, permitiu que di-versas expressões das Igrejas Orien-tais católicas, quer na terra de ori-gem quer na diáspora, se desenvol-vessem e levassem em frente o tes-temunho evangélico. Um testemu-nho duramente demonstrado, mui-tas vezes através de sofrimentos eperseguições, inicialmente por partedos regimes totalitários da EuropaOriental, depois, mais recentemen-te, por formas de fundamentalismoe fanatismo com pretextos religio-sos e por conflitos que parecem nãoquerer cessar sobretudo no MédioOriente. A solidariedade concretaque expressastes veio ao encontrodas emergências das guerras e dasmigrações, mas em primeiro lugarsoube garantir a própria vida dasIgrejas, as atividades pastorais e deevangelização, as obras sociais e as-sistenciais. Tudo isto manifesta orosto da Igreja de Cristo que anun-cia o Evangelho com as obras e aspalavras, tornando presente a pró-pria caridade de Deus em relação acada homem. Com efeito, o ano degraça do Senhor tem sempre umadimensão de libertação interior, docoração do homem oprimido pelopecado, e exterior, na vida novados remidos que antecipa os céusnovos e a terra nova nos quais ha-

CO N T I N UA NA PÁGINA 13

Visita de surpresa

No final da tarde de domingo, 24 de junho, o Papa encontrou-se com umgrupo de pessoas deficientes, com os seus familiares e acompanhadores,membros da fundação “Durante e dopo di noi” [Durante e depois denós] e da cooperativa Osa. O encontro, no qual estavam presentes duzen-tas pessoas, teve lugar no Casale 4.5, na rua Ardeatina, em Roma. AoPontífice foi apresentado “Durante e dopo di noi. Casa Osa”, um projetode vida e autonomia para as pessoas com deficiências graves.

Page 10: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Aos participantes na assembleia geral da Pav

Diferenças fundamentaisda vida humana

Uma «bioética global» para uma«ecologia humana» integral: eis ocompromisso indicado pelo PapaFrancisco aos participantes naassembleia geral da Pontifíciaacademia para a vida, recebidos emaudiência na manhã de 25 de junho,na Sala Clementina.

Ilustres Senhores e Senhoras!Sinto-me feliz por dirigir a minhasaudação a todos vós, começandopelo Presidente, Arcebispo VincenzoPaglia, a quem agradeço ter-meapresentado esta Assembleia Geral,na qual o tema da vida humana serásituado no amplo contexto do mun-do globalizado em que hoje vive-mos. E também, gostaria de dirigiruma saudação ao Cardeal Sgreccia,que com noventa anos é entusiasta,jovem, na luta pela vida. Obrigado,Eminência, por tudo o que fez nesteâmbito e pelo que está a fazer. Obri-gado.

A sabedoria que deve inspirar onosso comportamento em relação à“ecologia humana” é chamada aconsiderar a qualidade ética e espiri-tual da vida em todas as suas fases.Existe uma vida humana concebida,uma vida em gestação, uma vidavinda à luz, uma vida menina, umavida adolescente, uma vida adulta,uma vida envelhecida e consumada— e existe a vida eterna. Existe umavida que é família e comunidade,uma vida que é invocação e esperan-ça. Assim como existe também a vi-da humana frágil e doente, a vidaferida, ofendida, aviltada, marginali-zada, descartada. É sempre vida hu-mana. É a vida das pessoas huma-nas, que habitam a terra criada porDeus e partilham a casa comum atodas as criaturas vivas. Certamentenos laboratórios de biologia estuda-se a vida com os instrumentos quepermitem explorar os seus aspetosfísicos, químicos e mecânicos. Umestudo importantíssimo e imprescin-dível, mas que deve ser integradocom uma perspetiva mais ampla eprofunda, que requer atenção à vidapropriamente humana, que irrompeno cenário do mundo com o prodí-gio da palavra e do pensamento, dosafetos e do espírito. Qual reconheci-mento recebe hoje a sabedoria huma-na da vida das ciências da natureza?E qual cultura política inspira a pro-moção e a proteção da vida humanareal? O trabalho “b onito” da vida éa geração de uma pessoa nova, aeducação das suas qualidades espiri-tuais e criativas, a iniciação ao amorda família e da comunidade, o cui-dado das suas vulnerabilidades e fe-ridas; assim como a iniciação à vidade filhos de Deus, em Jesus Cristo.

Quando abandonamos as criançasna privação, os pobres na fome, osperseguidos na guerra, os idosos nodesamparo, porventura não fazemosnós mesmos o trabalho “sujo” damorte? De facto, de onde deriva otrabalho sujo da morte? Vem do pe-cado. O mal procura persuadir-nosde que a morte é o fim de tudo, queviemos ao mundo por acaso e esta-mos destinados a acabar no nada.

Excluindo o outro do nosso hori-zonte, a vida fecha-se em si mesma etorna-se bem de consumo. Narciso,o personagem da mitologia antiga,que se ama a si mesmo e ignora obem dos outros, é ingénuo e nem se-quer se dá conta. Entretanto difundeo vírus espiritual muito contagioso,que nos condena a tornar-nos ho-mens-espelho e mulheres-espelho,que só veem a si mesmos e nadamais. É como tornar-se cego na vidae na sua dinâmica, enquanto domrecebido de outros e que exige serposto responsavelmente em circula-ção para outros. A visão global dabioética, que vos apressastes a relan-çar no campo da ética social e dohumanismo planetário, fortalecidospela inspiração cristã, comprometer-se-á com mais seriedade e rigor a de-sativar a cumplicidade com o traba-lho sujo da morte, apoiado pelo pe-cado. Desta forma, poderá restituir-

der a economia e o progresso, o va-lor próprio de cada criatura, o senti-do humano da ecologia, a necessida-de de debates sinceros e honestos, agrave responsabilidade da políticainternacional e local, a cultura dodescarte e a proposta dum novo esti-lo de vida» (n. 16).

Em segundo lugar, numa visão ho-lística da pessoa, trata-se de estrutu-rar com clareza cada vez maior todasas ligações e as diferenças concretasnas quais habita a condição humanauniversal e que nos envolvem a par-tir do nosso corpo. Com efeito, «épreciso reconhecer que o nosso cor-po nos põe em relação directa com omeio ambiente e com os outros seresvivos. A aceitação do próprio corpocomo dom de Deus é necessária pa-ra acolher e aceitar o mundo inteirocomo dom do Pai e casa comum;pelo contrário, uma lógica de domí-nio sobre o próprio corpo transfor-

firme e apaixonada, porque neste ca-so está em jogo a dignidade da vidahumana, sempre sagrada, e exige-o oamor por toda a pessoa, indepen-dentemente do seu desenvolvimento.Mas igualmente sagrada é a vida dospobres que já nasceram e se deba-tem na miséria, no abandono, na ex-clusão, no tráfico de pessoas, na eu-tanásia encoberta de doentes e ido-sos privados de cuidados, nas novasformas de escravatura, e em todas asformas de descarte» (Exort. ap.Gaudete et exsultate, 101).

Nos textos e nos ensinamentos daformação cristã e eclesiástica, estes te-mas da ética da vida humana deve-rão encontrar adequada colocaçãono âmbito de uma antropologia glo-bal e não serem confinados entre asquestões-limite da moral e do direi-to. Faço votos de que no vosso com-promisso intelectual, civil e religioso,no apoio válido e na entoação proa-tiva se encontre uma conversão à ho-dierna centralidade da ecologia hu-mana integral, isto é, de uma com-preensão harmoniosa e total da con-dição humana.

Portanto, a bioética chama-nos àsabedoria de um discernimento pro-fundo e objetivo do valor da vidapessoal e comunitária, que deve serpreservado e promovido até nas con-dições mais difíceis. Além disso deve-mos afirmar com vigor que, sem oadequado apoio de uma p ro x i m i d a d ehumana responsável, regulação pura-mente jurídica e auxílio técnico al-gum poderão, sozinhos, garantircondições e contextos relacionaiscorrespondentes à dignidade da pes-soa. A perspetiva de uma globaliza-ção que, deixada apenas à sua dinâ-mica espontânea, tende a aumentar eaprofundar as desigualdades, exigeuma resposta ética a favor da justiça.A atenção aos fatores sociais e eco-nómicos, culturais e ambientais quedeterminam a saúde insere-se nestecompromisso, e torna-se modalidadeconcreta de realizar o direito de cadapovo «à participação, na base daigualdade e da solidariedade, e àfruição dos bens destinados a todosos homens» (João Paulo II, Cartaenc. Sollicitudo rei socialis, 21).

Por fim, a cultura da vida deve di-rigir mais firmemente o olhar para a“questão séria” do seu destino último.Trata-se ressaltar com mais clareza oque orienta a existência do homempara um horizonte que o supera: cadapessoa é chamada gratuitamente «aunir-se, como filho, a Deus e a parti-cipar na sua felicidade. Ensina, alémdisso, a Igreja que a importância dastarefas terrenas não é diminuída pelaesperança escatológica, mas que estaantes reforça com novos motivos asua execução» (CONC. ECUM. VA T.II, Const. past. Gaudium et spes, 21).É preciso questionarmo-nos maisprofundamente sobre o destino últi-mo da vida, capaz de restituir digni-dade e sentido ao mistério dos seusafetos mais profundos e sagrados. Avida do homem, tão bonita que en-canta e frágil a ponto de morrer, re-

nos às razões e práticas da aliançacom a graça destinada por Deus àvida de cada um de nós. Esta bioéti-ca não se moverá a partir da doençae da morte para decidir o sentido davida e definir o valor da pessoa. Aocontrário, mover-se-á a partir daprofunda convicção da i r re v o g á v e ldignidade da pessoa humana, assimcomo Deus a ama, dignidade de ca-da pessoa, em cada fase e condiçãoda sua existência, na busca das for-mas do amor e do cuidado que de-vem ser dedicados à sua vulnerabili-dade e fragilidade.

Portanto, em primeiro lugar, estabioética global será uma modalidadeespecífica para desenvolver a perspe-tiva da ecologia integral que é própriada Encíclica Laudato si’, na qual in-sisti sobre estes pontos fortes: «a re-lação íntima entre os pobres e a fra-gilidade do planeta, a convicção deque tudo está estreitamente interliga-do no mundo, a crítica do novo pa-radigma e das formas de poder quederivam da tecnologia, o convite aprocurar outras maneiras de enten-

ma-se numa lógica, por vezes subtil,de domínio sobre a criação. Apren-der a aceitar o próprio corpo, a cui-dar dele e a respeitar os seus signifi-cados é essencial para uma verdadei-ra ecologia humana. Também é ne-cessário ter apreço pelo próprio cor-po na sua feminilidade ou masculi-nidade, para se poder reconhecer asi mesmo no encontro com o outroque é diferente» (Laudato si’, 155).

Por conseguinte, é preciso proce-der um cuidadoso discernimento dascomplexas diferenças fundamentais davida humana: do homem e da mu-lher, da paternidade e da maternida-de, da filiação e da fraternidade, dasocialidade e também de todas as di-versas idades da vida. Assim comode todas as condições difíceis e daspassagens delicadas ou perigosasque exigem especial sabedoria éticae resistência moral corajosa: a sexua-lidade e a geração, a doença e a ve-lhice, a insuficiência e a deficiência,a privação e a exclusão, a violência ea guerra. «A defesa do inocente nas-cituro, por exemplo, deve ser clara, CO N T I N UA NA PÁGINA 13

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

O mundo invoca unidade

juízo! O ecumenismo é «um grandeempreendimento com prejuízo».Mas trata-se de prejuízo evangélico,segundo o caminho traçado por Je-sus: «Quem quiser salvar a sua vi-da, há de perdê-la; mas, quem per-der a sua vida por minha causa, háde salvá-la» (Lc 9, 24). Salvaguar-dar-se a si próprio é caminhar se-gundo a carne; perder-se seguindoJesus é caminhar segundo o Espíri-to. Só assim se produz fruto na vi-nha do Senhor. Como ensina opróprio Jesus, não quantos amea-lham produzem fruto na vinha doSenhor, mas os que, servindo, se-guem a lógica de Deus, o Qualcontinua a dar e a dar-se (cf. Mt 21,33-42). É a lógica da Páscoa, a úni-ca que dá fruto.

Contemplando o nosso caminho,podemos ver espelhadas nele algu-mas situações das comunidades daGalácia de então: como é difícilamortecer as animosidades e culti-var a comunhão, como é duro sairde contrastes e rejeições mútuas ali-mentadas durante séculos! E maisárduo ainda é resistir à tentaçãosubtil de estar junto com os outros,caminhar juntos, mas com a inten-

ção de satisfazer algum interesse departe. Esta não é a lógica do Após-tolo; é a de Judas, que caminhavajunto com Jesus, mas para proveitodos seus negócios. A resposta aosnossos passos vacilantes é sempre amesma: caminhar segundo o Espíri-to, purificando o coração do mal,escolhendo com santa obstinação ocaminho do Evangelho e recusandoos atalhos do mundo.

Depois de tantos anos de empe-nho ecuménico, neste septuagésimoaniversário do Conselho, peçamosao Espírito que revigore o nossopasso. Este detém-se, com demasia-da facilidade, à vista das divergên-cias que persistem; muitas vezesbloqueia-se logo à partida, entorpe-cido pelo pessimismo. Que as dis-tâncias não sejam desculpas! É pos-sível, já agora, caminhar segundo oEspírito. Rezar, evangelizar, servirjuntos: isto é possível e agradável aDeus. Caminhar juntos, rezar jun-tos, trabalhar juntos: eis a nossa es-trada mestra de hoje!

Esta estrada tem uma meta con-creta: a unidade. A estrada oposta,a da divisão, leva a guerras e des-truições. Basta ler a história! O Se-nhor pede-nos para embocar conti-nuamente o caminho da comunhão,

que leva à paz. De facto, a divisão«contradiz abertamente a vontadede Cristo, e é escândalo para omundo, como também prejudica asantíssima causa da pregação doEvangelho a toda a criatura» (Decr.Unitatis redintegratio, 1). O Senhorpede-nos unidade; o mundo, dilace-rado por demasiadas divisões queafetam sobretudo os mais fracos, in-voca unidade.

Amados irmãos e irmãs, desejeivir aqui, peregrino em busca deunidade e de paz. Agradeço a Deusporque aqui vos encontrei a vós, ir-mãos e irmãs já a caminho. Cami-nhar juntos, para nós cristãos, nãoé uma estratégia para fazer valermais o nosso peso, mas um ato deobediência ao Senhor e de amorpelo mundo. Obediência a Deus eamor ao mundo, o verdadeiro amorque salva. Peçamos ao Pai para ca-minhar juntos, com mais vigor, noscaminhos do Espírito. Que a Cruznos sirva de orientação no caminho,porque lá, em Jesus, foram abatidosos muros de separação e foi vencidatoda a inimizade (cf. Ef 2, 14): lácompreendemos que, apesar de to-das as nossas fraquezas, nada pode-rá jamais separar-nos do seu amor(cf. Rm 8, 35-39). Obrigado!

Francisco invocou um uso sábio e ético dos recursos do continente

Paz e solidariedade para a ÁfricaHoje, é «improrrogável» umcompromisso comum para promover apaz e a solidariedade na África, disseo Papa Francisco a uma delegação daOrganization of African InstitutedChurches, recebida em audiência namanhã de sábado, 23 de junho, nabiblioteca particular.

Queridos amigos!Saúdo-vos cordialmente na paz deCristo! Estou feliz por me encontrarpela primeira vez com uma represen-tação da Organization of African Insti-tuted Churches. Agradeço-vos a vossavisita e a disponibilidade a procurarlaços mais estreitos com a Igreja ca-tólica.

As vossas Comunidades, na suahistória relativamente breve, forammarcadas pela luta a favor da inde-pendência empreendida pelo conti-nente africano e pelos sucessivos es-forços de criar sociedades carateriza-das pela justiça e pela paz, capazesde defender a dignidade da grandevariedade dos povos africanos. Infe-lizmente, a promessa de progresso ede justiça, contida neste processo deemancipação nem sempre foi manti-da e muitos países ainda estão longede alcançar a paz e um desenvolvi-mento económico, social e políticoque abranja todos os setores e ofere-ça condições de vida e oportunida-des adequadas a todos os cidadãos.Vós conheceis bem os desafios que aÁfrica enfrenta no seu conjunto, as-sim como os que encontram as di-versas Igrejas na sua missão de evan-gelização, de reconciliação e de aju-da humanitária. Em particular, estaiscientes do enorme desafio de ofere-cer estabilidade, educação e oportu-nidades de trabalho aos jovens, que

constituem uma parte tão ampla dassociedades africanas.

A África de hoje foi comparadacom aquele homem que descia deJerusalém para Jericó e que caiu nasmãos de salteadores, que o despoja-ram; e depois de o terem maltrata-do, retiraram-se, deixando-o meio-

morto (cf. Lc 10, 30-37). A perguntafundamental à qual devemos respon-der é a seguinte: em que sentido amensagem cristã é uma boa notíciapara os povos da África? Contra odesespero dos pobres, a frustraçãodos jovens, o grito de dor dos idosose dos atribulados, o Evangelho deJesus Cristo, transmitido e vivido,

traduz-se em experiências de espe-rança, paz, alegria, harmonia, amore unidade.

Se estivermos deveras convictos deque os problemas da África poderãoser mais facilmente resolvidos recor-rendo aos recursos humanos, cultu-rais e materiais do continente entãoé claro que a nossa tarefa cristã con-siste em acompanhar todos os esfor-ços para favorecer um uso sábio eético destes recursos. Em particular,é improrrogável o compromisso co-mum para promover os processos depaz nas várias áreas de conflito. Hánecessidade urgente de formas con-cretas de solidariedade para com osnecessitados, e é tarefa dos responsá-veis das Igrejas ajudar as pessoas areunir as próprias energias a fim deas pôr ao serviço do bem comum e,ao mesmo tempo, de defender a suadignidade, liberdade e direitos. Épreciso, mais do que nunca, que to-dos os cristãos aprendam a trabalharjuntos pelo bem comum. Emboraexistam diferenças relevantes entrenós sobre questões de natureza teo-lógica e eclesiológica, há tambémmuitas áreas em que os líderes e osfiéis das várias comunidades da fa-mília cristã podem estabelecer obje-tivos comuns e trabalhar para o bemde todos, especialmente para o bemdos nossos irmãos e irmãs mais des-favorecidos e débeis.

Os povos da África possuem umprofundo sentido religioso, o sentidoda existência de um Deus criador ede um mundo espiritual. A família,o amor pela vida, os filhos conside-rados como dom de Deus, o respeitopelos idosos, as obrigações em rela-ção aos próximos e distantes... Estesvalores religiosos e estes princípiosde vida não pertencem por ventura atodos nós, cristãos? Podemos por-tanto, a partir deles, expressar a nos-sa solidariedade nas relações inter-pessoais e sociais.

Uma especial tarefa dos cristãosnas sociedades africanas consiste empromover a coexistência de gruposétnicos, de tradições, de línguas etambém de diversas religiões, umatarefa que encontra muitos obstácu-los devido a graves hostilidades recí-procas. Também por este motivo,gostaria de encorajar um encontro ediálogo ecuménico mais intenso en-tre nós e com todas as outras Igre-jas. Que o Espírito Santo nos ilumi-ne a fim de que consigamos encon-trar o modo para promover a cola-boração entre todos — cristãos, reli-giões tradicionais, muçulmanos —em prol de um futuro melhor para aÁfrica.

Queridos amigos, agradeço-vosnovamente a vossa visita. Esperoque estes dias passados em Roma, acidade do martírio dos ApóstolosPedro e Paulo, contribuam para vosdar a certeza da firme vontade daIgreja católica de fazer o possível,juntamente com os seus parceirosecuménicos, a fim de promover oReino de justiça, de paz e de frater-nidade que Deus deseja para toda ahumanidade. Ele dirija o seu olharde amor para vós, as vossas famíliase nações. E peço-vos, por favor, querezeis por mim, pois preciso muito.O brigado!

Bright Dankyi Mensah, «Aldeia de paz»

Page 12: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 10

bitará a justiça.São Pedro, no seu discurso de-

pois do Pentecostes, recorda a pro-fecia — para mim muito querida —de Joel: «Acontecerá nos últimosdias que derramarei do meu Espíri-to sobre todo ser vivo: profetizarãoos vossos filhos e as vossas filhas.Os vossos jovens terão visões, e osvossos anciãos sonharão» (At 2,17). As Igrejas Orientais católicas,que são testemunhas vivas das ori-gens apostólicas, são chamadas demaneira especial a preservar e di-fundir a centelha do fogo pente-costal: são chamadas todos os diasa redescobrir a própria presençaprofética em todos os lugares ondesão peregrinas. Começando por Je-rusalém — Cidade Santa cuja iden-tidade e vocação peculiar deve serpreservada independentemente dasvárias tensões e disputas políticas— a presença dos cristão, emborapequeno rebanho, haure do Espíri-to a força para a missão de teste-munho, hoje mais urgente do quenunca. Dos lugares santos, onde osonho de Deus cumpriu-se no mis-tério da Encarnação e da Morte eRessurreição de Jesus Cristo, che-gue um renovado espírito de forta-leza que anime os cristãos da TerraSanta e do Médio Oriente emcompreender a sua vocação especí-fica e em dar razão da fé e da es-perança. Os filhos e as filhas dasIgrejas Orientais católicas possampreservar a sua carga profética, deanúncio do Evangelho de Jesus, in-clusive nos contextos muitas vezessecularizados do nosso Ocidente,onde chegam como emigrados ou

refugiados. Possam encontrar aco-lhimento quer a nível prático querno âmbito da vida eclesial, conser-vando e desenvolvendo o patrimó-nio das próprias tradições. Eles,também graças à vossa ajuda, sãocapazes de testemunhar aos nossoscorações, por vezes entorpecidos,que vale ainda a pena viver e sofrerpelo Evangelho, mesmo sendo elesminoria ou até perseguidos, porqueo Evangelho é a alegria e a vidados homens e das mulheres de to-dos os tempos.

Permiti-me uma última palavrade agradecimento e exortação.Graças à atividade da R O A C O, atra-vés dos olhares e dos gestos de ca-ridade que apoiam a vida das Igre-jas Orientais, o Sucessor de Pedropode continuar também a sua mis-são de busca dos percursos possí-veis rumo à unidade visível de to-dos os cristãos. Enquanto se procu-ra apertar, com humildade e cora-ção sincero, a mão dos irmãos maisdistantes, os filhos não são menosamados e não são esquecidos, mastambém com a vossa ajuda sãosempre ouvidos e ajudados a cami-nhar como a Igreja do Ressuscita-do, através dos desafios e dos sofri-mentos espirituais e materiais, noMédio Oriente e na Europa Orien-tal.

Caríssimos, vos acompanhe sem-pre na vossa atividade a constanteassistência divina. Concedo de co-ração a todos vós a Bênção Apos-tólica, que estendo aos Organismosque representais, às vossas famíliase às Comunidades de pertença. Epeço-vos, por favor, que rezeis pormim. Obrigado.

Discurso à Roaco

O Deus das surpresasAntes do Angelus o Pontífice comentou a natividade de João Batista

«Deus não depende das nossas lógicasnem das nossas limitadas capacidadeshumanas», porque «é o Deus dassurpresas», disse Francisco durante oAngelus de domingo, 24 de junho, napraça de São Pedro, falando sobre oepisódio evangélico da natividade deJoão Batista.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje a liturgia convida-nos a cele-brar a festa da Natividade de SãoJoão Batista. O seu nascimento é oevento que ilumina a vida dos seuspais, Isabel e Zacarias, e envolve osparentes e os vizinhos na alegria ena admiração. Estes pais idosos ti-nham sonhado e até preparadoaquele dia, mas já não o esperavam:sentiam-se excluídos, humilhados,desiludidos: não tinham filhos.Diante do anúncio do nascimentode um filho (cf. Lc 1, 13), Zacarias fi-cara incrédulo, porque as leis natu-rais não o permitiam: eram velhos,idosos; por conseguinte, o Senhor otornou mudo durante todo o tempoda gestação (cf. v. 20). É um sinal.Mas Deus não depende das nossaslógicas nem das nossas limitadas ca-pacidades humanas. É preciso apren-der a confiar e a silenciar diante domistério de Deus e a contemplar

com humildade e silêncio a suaobra, que se revela na história e quemuitas vezes supera a nossa imagi-nação.

E agora que o evento se realiza,agora que Isabel e Zacarias experi-mentam que «a Deus nada é impos-sível» (Lc 1, 37), é grande a alegriadeles. A página evangélica de hoje(Lc 1, 57-66.80) anuncia o nascimen-to e depois detém-se no momentoda imposição do nome ao menino.Isabel escolhe um nome incomumna tradição familiar e diz: «Chamar-se-á João» (v. 60), dom gratuito e jáinesperado, pois João significa«Deus concedeu uma graça». E estacriança será arauta, testemunha dagraça de Deus aos pobres que espe-ram com fé humilde a sua salvação.Inesperadamente Zacarias confirmaa escolha daquele nome, escrevendo-o numa pequena tábua — pois eramudo — e «naquele momento abriu-se-lhe a boca, a sua língua soltou-se,e ele começou a falar, louvando aDeus» (v. 64).

Todo o acontecimento do nasci-mento de João Batista está circunda-do por um jubiloso sentido de admira-ção, de surpresa e de gratidão. Admi-ração, surpresa, gratidão. As pessoassão tomadas por um santo temor deDeus «e por toda a região monta-nhosa da Judeia se comentavam es-ses factos» (v. 65). Irmãos e irmãs, opovo fiel intuiu que aconteceu algograndioso, mesmo se humilde e es-condido, e pergunta-se: «O que viráa ser este menino?» (v. 66). O povofiel de Deus é capaz de viver a fécom alegria, com sentido de admira-ção, de surpresa e de gratidão. Olhe-mos para aquela gente que falavabem acerca deste evento maravilho-so, deste milagre do nascimento deJoão, e fazia-o com alegria, estavafeliz, com sentido de admiração, sur-presa e gratidão. E pensando nistoperguntemo-nos: como é a minhafé? É uma fé jubilosa, ou é uma fésempre igual, uma fé “tíbia”? Tenhoo sentido da admiração, quando vejoas obras do Senhor, quando ouço fa-lar da evangelização ou da vida deum santo, ou quando vejo tantaspessoas boas: sinto a graça, dentro,ou nada se move no meu coração?Sei sentir as consolações do Espíritoou sou fechado? Questionemo-nos,

cada um de nós, num exame deconsciência: como é a minha fé? Éjubilosa? É aberta às surpresas deDeus? Porque Deus é o Deus dassurpresas. “Exp erimentei” na almaaquele sentido da admiração que apresença de Deus dá, aquele sentidode gratidão? Pensemos nestas pala-vras, que são estados de ânimo dafé: alegria, sentido de admiração,surpresa e gratidão.

A Virgem Santa nos ajude a com-preender que em cada pessoa huma-na há a marca de Deus, nascente davida. Ela, Mãe de Deus e nossaMãe, nos torne cada vez mais cons-cientes de que na geração de um fi-lho os pais agem como colaborado-res de Deus. Uma missão deverassublime que faz de cada família umsantuário da vida e desperta — onascimento de cada filho — a alegria,a admiração, a gratidão.

No final da prece mariana, antes deconceder a bênção final, o Papasaudou os fiéis presentes.

Queridos irmãos e irmãs!Dirijo a minha saudação a todosvós, romanos e peregrinos! Em par-ticular, aos que vieram de Hannovere Osnabrück, na Alemanha, e aos daEslováquia.

Saúdo a comunidade romena naItália; os fiéis de Enna, Paternò, Ro-solini e San Cataldo; e o grupo deciclistas de Sesto San Giovanni.

Desejo a todos bom domingo.Por favor, não vos esqueçais de rezarpor mim. Bom almoço e até à vista!

«Natividade de São João Batista» (séc. X V, Rússia)

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 11

mete para além de si mesma: so-mos infinitamente mais do que po-demos fazer por nós mesmos.Contudo, a vida do homem étambém incrivelmente tenaz, de-certo por uma graça misteriosaque vem do alto, na audácia dasua invocação de uma justiça e deuma vitória definitiva do amor. Eé capaz até — esperança contratoda a esperança — de se sacrifi-car por ela, até ao fim. Reconhe-cer e apreciar esta fidelidade e de-dicação à vida suscita em nós gra-tidão e responsabilidade, e enco-raja-nos a oferecer generosamenteo nosso saber e a nossa experiên-cia à comunidade humana inteira.A sabedoria cristã deve reabrircom paixão e audácia o pensa-mento do destino do género huma-no à vida de Deus, que prometeuabrir ao amor da vida, para alémda morte, o horizonte infinito deamorosos corpos de luz, sem maislágrimas. E surpreendê-los eterna-mente com o encanto sempre no-vo de todas as coisas “visíveis einvisíveis” que se escondem noventre do Criador. Obrigado.

À assembleiageral da Pav

Page 13: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

O rito presidido pelo cardeal Angelo Amato em Assunção

Chiquitunga proclamada beata“Chiquitunga” — a sua alcunhaquando era menina — «renunciou aoamor humano para se doar comple-tamente ao Senhor». Em síntese, es-te é o perfil de Maria Felicia de Je-sus Sacramentado, no século MariaFelicia Guggiari Echeverría, a monjacarmelita descalça que o cardeal An-gelo Amato, em representação doPapa Francisco, elevou às honrasdos altares a 23 de junho, no estádioNueva Olla de Assunção, no Para-guai.

O prefeito da Congregação paraas causas dos santos observou que oamor a Jesus foi «o verdadeiro pro-tagonista da sua existência». De fac-to, o lema Todo te ofrezco, Señor foi«o seu programa de vida, desde ajuventude até à morte». Desejava«oferecer a vida pelo Senhor, atéderramando o seu sangue no martí-rio». Com efeito, num período degraves turbulências sociopolíticas,dizia que estava pronta a morrer pe-la fé. «Deste amor a Deus — disse ocardeal — brotava uma transbordantecaridade fraterna, feita de acolhi-mento, compreensão e perdão».

Era solícita com todos, adultos ecrianças, ricos e pobres. Todos admi-ravam o seu espírito de serviço. «Asua própria pessoa — contou umatestemunha — era um serviço, não sópelo que fazia mas também com asua presença». Tanto na Ação católi-ca como no convento «estava sem-pre pronta para a colaboração, a aju-

da, a concórdia». Era caridosa e ge-nerosa para com os marginalizados,os idosos, os pobres, os doentes, aponto que «algumas testemunhas acompararam com madre Teresa deCalcutá». Em Villarrica, a sua cida-de natal, a paróquia da catedral con-fiou-lhe a secção das meninas. Comfrequência “Chiquitunga” «com assuas pequenas amigas ia aos bairrospobres e periféricos da cidade paravisitar as velhinhas e os doentes, fa-zendo com que as meninas conhe-cessem o mistério do sofrimento eda pobreza».

O cardeal frisou que ela era «umverdadeiro anjo benfeitor, que seaproximava das almas desanimadas edos corpos feridos para lhes oferecero dom da partilha humana sentida».A mesma generosidade e magnani-midade, “Chiquitunga” d e m o n s t ro uno mosteiro: «Era solícita e benévolacom todas. A sua caridade para comas irmãs carentes era deveras heroica,ou como disse uma irmã de hábito,“exagerada”». Com efeito, «perdoa-va prontamente e sempre quantos amaltratavam. Vencia as dificuldadescom a sua paciência sorridente».

Depois da sua morte as religiosasmais hostis ou críticas em relação aela «foram as primeiras a chorar e atestemunhar com comoção a sua ca-ridade heroica». Toda a sua existên-cia, recordou o cardeal, foi «cheia deepisódios de bondade, caridade ehumildade. É uma verdadeira biblio-

teca de santidade». Maria Felicia deJesus Sacramentado foi «uma gran-de figura de jovem generosa e alegreao viver integralmente o seu batismoe a sua consagração religiosa à luzda graça de Deus e ao serviço dopróximo». De facto, ela tinha «umapaixão irreprimível pelo bem. O seucoração, como o de Jesus, só estavadisponível a fazer o bem, a amar eservir os pequenos e o próximo ne-cessitado. Era, como Maria, deverasa serva do Senhor».

Amava «o trabalho, preferia asocupações mais humildes. A sua op-ção era decididamente pelos po-bres». Era «entusiasta pela vocaçãocarmelita e fidelíssima à regra. Faziatudo por obediência». A nova beata,disse o cardeal, convida hoje as suasirmãs de hábito «a serem, como ela,orgulhosas da sua vocação e alegresna sua doação diária ao Senhor».Depois, exorta todos «a viver comserenidade a existência cristã, sob osinal do amor de Deus e da caridadepara com o próximo. Assim comofoi para ela, também para nós a pre-sença viva de Jesus seja lâmpada queilumina os nossos passos». De facto,a «bondade e a santidade dos cris-tãos torna a sociedade mais nobre,fraterna e rica de humanidade».

O cardeal recordou também queem Assunção, em 1988, João PauloII celebrou a canonização do grandejesuíta paraguaio, padre RoqueGonzález de Santa Cruz, e compa-nheiros mártires. São Roque foi ofundador das famosas “re d u c c i o n e sde Paraguay”, «conhecidas e aprecia-das no mundo inteiro como modelosde evangelização e formação social ecultural do povo guarani».

Hoje, com a beatificação da irmãMaria Felicia de Jesus Sacramenta-do, acrescentou o cardeal, a Igrejaparaguaia «apresenta à comunidadecristã mundial uma figura eminentede jovem culta e santa, entusiasta dasua fé e da sua vocação de consagra-da». Com efeito, o seu «sorriso gen-til revelava uma alma beijada pelagraça divina. O seu olhar transcen-dia as realidades visíveis e projetava-se para o céu numa serena contem-plação da eternidade». Uma pessoaque «correspondeu cem por cento àchamada de Deus, vivendo o seu ba-tismo com simplicidade, constância,entusiasmo e alegria». A sua «fé erasólida, viva e ativa». As testemunhasfalam «de uma fé imensa, convicta,expansiva, que transpirava de todosos poros e que se manifestava diaria-mente na obediência pronta, na cari-dade extraordinária, na humildadede pedir perdão pelas faltas próprias

e alheias». O prefeito observou tam-bém que a leitura e a meditação daSagrada Escritura, sobretudo do No-vo Testamento, era «o alimento e oinstrumento do seu apostolado».Não foi por acaso que, quando en-trou no convento, «ofereceu às irmãsum exemplar dos quatro evangelhoscom dedicatória». Na comunidadetrazia sempre consigo a Bíblia e du-rante a recreação comentava algunstrechos. «Ajudada pelos diretores es-pirituais — acrescentou — era obe-diente e dócil ao magistério do Pa-pa. Rezava e sacrificava-se pela san-tificação dos sacerdotes. Deixou-nosaté uma espécie de vade-mécum so-bre a importância do sacerdote naI g re j a » .

Rescriptum ex audientia SS.miOs Romanos Pontífices tiveram sempre um olhar de fraterna predileçãopelo Colégio dos Padres Cardeais. Com efeito, eles oferecem um peculiarapoio à missão do Sucessor de Pedro, dando o precioso contributo da suaexperiência e do serviço às Igrejas particulares espalhadas por todo omundo e enriquecendo de maneira eficaz o vínculo de comunhão com aIgreja de Roma.

Nestes últimos decénios registou-se um significativo ampliamento doColégio dos Cardeais. Contudo, no seu âmbito, enquanto os membrospertencentes às Ordens dos Presbíteros e dos Diáconos aumentaram con-sideravelmente, o número dos que fazem parte da Ordem dos Bispos per-maneceu constante e invariado no tempo. Por conseguinte, vendo a ne-cessidade de alargar a atual composição da Ordem dos Bispos,

o Sumo Pontífice Francisco,na Audiência concedida ao abaixo assinado Substituto para os Assun-

tos Gerais a 12 de junho de 2018, dediciu cooptar na Ordem dos Bispos,equiparando-os em tudo aos Cardeais distinguidos com o título de umaIgreja suburbicária, em derrogação aos cânones 350 §§ 1-2 e 352 §§ 2-3do CIC, os seguintes Purpurados:

Senhor Cardeal Pietro Parolin,do Título dos Ss. Simão e Judas Tadeu em Torre Angela,Secretário de Estado;Senhor cardeal Leonardo Sandri,do Título dos Ss. Brás e Carlos “ai Catinari”,Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais;Senhor Cardeal Marc Ouellet,do Título de Santa Maria “in Traspontina”,Prefeito da Congregação para os Bispos;Senhor Cardeal Fernando Filoni,Diácono de Nossa Senhora de Coromoto em São João de Deus,Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos.O presente Rescrito será promulgado através da publicação em «L’O s-

servatore Romano», entrando em vigor a 28 de junho de 2018, e em se-guida pubblicado nas «Acta Apostolicae Sedis».

Vaticano, 26 de junho de 2018ANGELO BECCIU

Substituto

Tweet do Papa

Torturar pessoas é um pecado mortal«Torturar pessoas é um pecado mortal! As comunidades cristãs se compro-metem a apoiar as vítimas da tortura», eis o tweet do Papa Francisco na ma-nhã de terça-feira, 26 de junho, por ocasião do dia internacional das NaçõesUnidas de apoio às vítimas de torturas. A data de 26 de junho remete parao dia em que, em 1987, entrou em vigor a Convenção Onu, assinada em1984, contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos oudegradantes. Até hoje aderiram à convenção 163 países no mundo.

Rescriptumex audientia SS.miNa audiência concedida ao subs-crito Substituto para os AssuntosGerais da Secretaria de Estado a27 de fevereiro de 2018,

o Sumo Pontífice Francisco,depois de ter ouvido o parecer

do Conselho dos Cardeais, decidiuque a Secretaria para a Comunica-ção se chame, de agora em diante,Dicastério para a Comunicação.

O presente Rescrito será pro-mulgado através da publicação em«L’Osservatore Romano», entran-do em vigor no mesmo dia, e emseguida publicado nas «ActaApostolicae Sedis».

Vaticano, 27 de fevereiro de2018

Angelo BecciuSubstituto

Page 14: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

número 26, quinta-feira 28 de junho de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 22 de junhoSua Alteza Eminentíssima Fr. Giaco-mo Dalla Torre do Templo de “San-guinetto”, Príncipe e Grão-Mestreda Soberana Ordem Militar de Mal-ta com o Séquito.O Senhor Cardeal Fernando Filoni,Prefeito da Congregação para aEvangelização dos Povos; e D. Jean-Marie Speich, Núncio Apostólico noGana.

A 23 de junhoO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; os seguintes Prelados em vi-sita «ad limina Apostolorum»: D.Michael Yeung Ming-cheung, Bispode Hong Kong, com o Auxiliar D.Joseph Ha Chi-ching; e D. StephenLee Bun-sang, Bispo de Macau; eD. Eusebio Hernandez Sola, Bispode Tarazona (Espanha).

A 25 de junhoD. Alberto Ortega Martin, NúncioApostólico na Jordânia e no Iraque.Suas Ex.cias os Senhores Peter Cos-grove, Governador-Geral da Com-monwealth da Austrália, com aEx.ma Esposa e o Séquito; e Léo-pold Diouf, Embaixador do Senegal,em visita de despedida.

A 26 de junhoSua Ex.cia o Senhor Emmanuel Ma-cron, Presidente da República daFrança, com a Ex.ma Esposa e o Sé-quito.Suas Ex.cias a Senhora Annette Scha-van, Embaixadora da República Fe-deral da Alemanha; e o Senhor Ber-nard Giluk Dompok, Embaixadorda Malásia, em visita de despedida;e o Senhor Julio Aníbal Riaño Ve-landia, Embaixador da Colômbia.D. Joaquín Gimeno Lahoz, Bispo deComodoro Rivadavia (Argentina).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 22 de junhoDe D. Ambrose Kiapseni, M.S.C., aogoverno pastoral da Diocese de Ka-vieng (Papua-Nova Guiné).

No dia 23 de junhoDe D. Jean Teyrouz, ao governopastoral da Eparquia de Sainte-Croix-de-Paris dos Arménios (Fran-ça), em conformidade com o cânone210 §§ 1-2 do C C I O.De D. James Kazuo Koda, ao cargode Auxiliar da Arquidiocese de Tó-quio (Japão).

No dia 24 de junhoDo Cardeal Telesphore P. Toppo, aogoverno pastoral da Arquidiocese deRanchi (Índia).

No dia 26 de junhoDo Cardeal Domenico Calcagno, aocargo de Presidente da Administra-ção do Património da Sé Apostólica,por limite de idade.

De D. José Francisco Sanches Alves,ao governo pastoral da Arquidiocesemetropolitana de Évora (Portugal).De D. Robert W. Muench, ao gover-no pastoral da Diocese de BatonRouge (E UA ).

No dia 27 de junhoDe D. Daniel Eugene Hurley, ao go-verno pastoral da Diocese deDarwin (Austrália).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 21 de junhoArcebispo Coadjutor da Arquidioce-se de Dar-es-Salam (Tanzânia), D.Thadaeus Ruwa’ichi, O.E.M. Cap, atéesta data Arcebispo de Mwanza.

A 22 de junhoBispo de Kavieng (Papua-Nova Gui-né), D. Rochus Tatamai, M.S.C., atéhoje Bispo de Bereina.Administrador Apostólico «sede ple-na» da Arquieparquia Metropolitanade Ernakulam-Angamaly dos Sírio-Malabares (Índia), D. Jacob Mana-thodath, atualmente Bispo dePalghat dos Sírio-Malabares.

A 23 de junhoBispo da Diocese de Machakos(Quénia), D. Norman King’ooWambua, até esta data Bispo daDiocese de Bungoma.Bispo da Diocese de Villarrica delEspíritu Santo (Paraguai), D. Adal-berto Martínez Flores, até hoje Or-dinário Militar do Paraguai.Bispo da Eparquia de Sainte-Croix-de-Paris dos Arménios (França), oR e v. do Pe. Elie (Yéghia) Yéghiayan,do Instituto do Clero Patriarcal deBzommar, até esta data Pároco daSanta Cruz em Zalka (Líbano).

D. Elie (Yéghia) Yéghiayan nasceuem Alepo (Síria), a 29 de maio de1950. Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 24 de março de 1974.

Auxiliar da Arquidiocese de Malta(Malta), o Rev.mo Mons. Joseph Ga-lea-Curmi, do clero da mesma Ar-quidiocese, até à presente data Vigá-rio-Geral, simultaneamente eleitoBispo Titular de Cebarades.

D. Joseph Galea-Curmi nasceu emBalzan (Malta), no dia 1 de janeirode 1964. Foi ordenado Sacerdote a 5de julho de 1991.

Administrador Apostólico Sede va-cante da Arquieparquia de Baghdaddos Arménios (Iraque), o Rev.do Pe .Nersès (Joseph) Zabbara, do Clerode Alepo dos Arménios.

A 24 de junhoArcebispo de Ranchi (Índia), D. Fe-lix Toppo, S.J., até agora Bispo deJ a m s h e d p u r.

A 26 de junhoPresidente da Administração do Pa-trimónio da Sé Apostólica, D. Nun-zio Galantino, Bispo Emérito deCassano all’Jonio, até esta data Se-

cretário-Geral da Conferência Epis-copal Italiana.Arquivista e Bibliotecário da SantaIgreja Romana, o Rev.do Pe. José To-lentino Calaça de Mendonça, atéhoje Vice-Reitor da UniversidadeCatólica Portuguesa em Lisboa, si-multaneamente eleito Arcebispo Ti-tular de Suava. Ele assumirá o novocargo a partir de 1 de setembro.

D. José Tolentino Calaça de Men-donça nasceu na Madeira (Portugal),a 15 de dezembro de 1965, foi ordena-do Sacerdote para a diocese do Funchalno dia 28 de julho de 1990. Obteve alicenciatura em teologia na universida-de católica portuguesa (Ucp) em Lis-boa em 1989 e em ciências bíblicas noPontifício instituto bíblico em Roma em1992. Obteve o doutoramento em teolo-gia bíblica na Ucp em Lisboa em2004. Foi docente no seminário dioce-sano de Funchal, reitor do Pontifíciocolégio português em Roma, vice-reitore docente na Ucp em Lisboa, docenteconvidado no Brasil nas universidadescatólicas de Pernambuco e do Rio deJaneiro e na faculdade de filosofia eteologia de Belo Horizonte. Consultordo Pontifício conselho para a culturadesde 2011, publicou numerosos volu-mes e artigos em âmbito teológico e exe-gético, além de várias obras poéticas.De 18 a 23 de fevereiro passado pre-gou em Ariccia os exercícios espirituaispara o Papa e a Cúria romana sobre otema «Elogio da sede».

Arcebispo Metropolitano da Arqui-diocese de Évora (Portugal), D.Francisco José Villas-Boas Senra de

Faria Coelho, até agora Auxiliar deBraga.Bispo de Baton Rouge (E UA ), D.Michael G. Duca, até esta data Bis-po de Shreveport.

A 27 de junhoPresidente da Agência da Santa Sépara a Avaliação e Promoção daqualidade das Universidades e Fa-culdades Eclesiásticas, o Rev.do Pe .Andrzej Stefan Wodka, C.S S.R.Bispo de Darwin (Austrália), oRev.do Pe. Charles Victor Emma-nuel Gauci, do clero da Arquidioce-se de Adelaide, até esta data Admi-nistrador da Catedral.

D. Charles Victor Emmanuel Gaucinasceu em Malta no dia 31 de marçode 1952. Foi ordenado Sacerdote a 10de dezembro de 1977.

Coadjutor de Nova Iguaçu (Brasil).D. Gilson Andrade da Silva, até àpresente data Bispo Auxiliar da Ar-quidiocese de São Salvador da Ba-hia.

Prelados falecidos

Adormeceu no Senhor:

No dia 19 de junhoD. Jean-Paul Marx, dos missionáriosdo Sagrado Coração de Jesus, BispoEmérito de Kerema (Papua-NovaGuiné).

O venerando Prelado nasceu emMutzig (França), a 12 de março de1935. Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 29 de junho de 1963. Foi orde-nado Bispo em 13 de dezembro de1985.

Francisco recebeu o presidenteda República francesa

O Papa Francisco recebeu em audiência na manhã de 26 de junho o pre-sidente da República francesa, Emmanuel Macron, o qual se encontrou aseguir com o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, acompanhadopelo arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações comos Estados. Durante os colóquios cordiais foram frisadas as boas relaçõesbilaterais entre a Santa Sé e a França, e foi relevada, com particular refe-rência ao compromisso da Igreja, a contribuição das religiões para a pro-moção do bem comum do país.

Sucessivamente foram abordadas as questões globais de interesse parti-lhado, como a proteção do meio ambiente, as migrações e o compromissoa nível multilateral para a prevenção e a resolução dos conflitos, sobretu-do em relação ao desarmamento. O colóquio permitiu ainda uma trocade avaliação sobre algumas situações de conflito, particularmente no Mé-dio Oriente e em África. Por fim, não faltou uma reflexão conjunta acer-ca das perspetivas do projeto europeu.

À tarde, tomou posse do título de proto-cónego de honra do Capítuloda Basílica de São João de Latrão, uma tradição que remonta ao rei Hen-rique I V, cujas raízes afundam na Idade Média.

Page 15: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · aquela alegria por que aspira o cora-ção e que se encontram apenas sain-do de si próprio. A isto nos chama

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 28 de junho de 2018, número 26

Ser cristão é um caminhode libertação

Na audiência geral o Papa falou sobre os mandamentos

«Ser cristão é um caminho de libertação», porque«os mandamentos libertam» do egoísmo emanifestam o amor de Deus, recordou o Papa naaudiência geral de quarta-feira 27 de junho, napraça de São Pedro, dando continuidade ao ciclo decatequeses dedicadas ao decálogo.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje, esta audiência terá lugar como na quarta-feira passada. Na Sala Paulo VI há muitos doen-tes, e para os proteger do calor, a fim de que esti-vessem mais confortáveis, estão ali. Mas acompa-nharão a audiência através do grande ecrã, e tam-bém nós com eles, ou seja, não há duas audiên-cias. Há uma só. Saudemos os enfermos na SalaPaulo VI. E continuemos a falar dos mandamen-tos que, como dissemos, mais do que mandamen-tos, são as palavras de Deus ao seu povo, paraque caminhe bem; palavras amorosas de um Pai.As dez Palavras começam assim: «Eu sou o Senhorteu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servi-dão» (Êx 20, 2). Este início pareceria não estar re-lacionado com verdadeiras leis que seguem. Masnão é assim!

Qual o motivo desta proclamação que Deus fazde si mesmo e da libertação? Porque só se chegaao Monte Sinai depois de ter atravessado o MarVermelho: primeiro, o Deus de Israel salva, e de-pois pede confiança.1 Ou seja: o Decálogo come-ça pela generosidade de Deus. Deus nunca pedesem dar primeiro. Jamais! primeiro salva, primeirodoa e depois pede. Assim é o nosso Pai, o bomD eus.

E compreendemos a importância da primeiradeclaração: «Eu sou o Senhor teu Deus». Há umpossessivo, existe uma relação, uma pertença.Deus não é um estranho: é o teu D eus.2 Isto ilu-mina o Decácolo inteiro e revela também o segre-do do agir cristão, porque é a própria atitude deJesus que diz: «Assim como o Pai me ama, tambémEu vos amo» (Jo 15, 9). Cristo é o Amado do Paie ama-nos com este amor. Ele não começa por simesmo, mas pelo Pai. Muitas vezes as nossasobras falham, porque começamos por nós mes-mos, e não pela gratidão. E onde chega quem co-meça por si mesmo? Chega a si próprio! É inca-paz de progredir, volta para si mesmo. É exata-mente aquela atitude egoísta que, brincando, aspessoas dizem: “Essa pessoa é um eu, eu comigomesmo e para mim”. Sai de si e volta para si.

A vida cristã é antes de tudo a resposta grata aum Pai generoso. Os cristãos que seguem apenas“d e v e re s ” denunciam que não têm uma experiênciapessoal daquele Deus que é “nosso”. Devo fazer is-to, isso, aquilo... Somente deveres. Mas falta-tealgo! Qual é o fundamento deste dever? O funda-mento deste dever é o amor de Deus Pai, que pri-meiro dá, depois manda. Colocar a lei antes darelação não ajuda o caminho de fé. Como podeum jovem desejar ser cristão, se nós começamospelas obrigações, compromissos, coerências, e nãopela libertação? Mas ser cristão é um caminho delibertação! Os mandamentos libertam-te do teuegoísmo, e libertam-te porque há o amor de Deusque te faz ir em frente. A formação cristã não estábaseada na força de vontade, mas no acolhimentoda salvação, no deixar-se amar: primeiro o MarVermelho, depois o Monte Sinai. Primeiro a sal-vação: Deus salva o seu povo no Mar Vermelho;depois, no Sinai diz-lhe que deve fazer. Masaquele povo sabe que Ele faz tais gestos porquefoi salvo por um Pai que o ama.

A gratidão é um traço caraterístico do coraçãovisitado pelo Espírito Santo; para obedecer aDeus é preciso, antes de tudo, recordar os seusbenefícios. São Basílio diz: «Quem não deixa quetais benefícios caiam no esquecimento, orienta-separa a boa virtude e para todas as obras de justi-ça» (Regras breves, 56). Onde nos leva tudo isto?

A fazer exercício de memória:3 quantas maravilhasfez Deus por cada um de nós! Como é generosoo nosso Pai celestial! Agora gostaria de vos pro-por um pequeno exercício, em silêncio, cada qualresponda no seu coração. Quantas maravilhas fezDeus por mim? Esta é a pergunta. Cada um denós responda em silêncio. Quantas maravilhas fezDeus por mim? E esta é a libertação de Deus.Deus faz muitas maravilhas e liberta-nos.

E no entanto, alguém pode sentir que aindanão viveu uma verdadeira experiência da liberta-ção feita por Deus. Isto pode acontecer. Pode serque alguém olhe para dentro de si e só encontresentido de dever, uma espiritualidade de servo, enão de filho. Que fazer em tal caso? Como faz opovo eleito. O livro do Êxodo diz: «Os israelitas,que ainda gemiam sob o peso da servidão, clama-ram e, do fundo da própria escravidão, subiu oseu clamor até Deus. Deus ouviu os seus gemi-dos, lembrando-se da sua aliança com Abraão,Isaac e Jacob. Deus olhou para os israelitas e re-conheceu-os» (Êx 2, 23-25). Deus pensa em mim!

A ação libertadora de Deus, inserida no iníciodo Decálogo — ou seja, dos mandamentos — é aresposta a esta lamentação. Nós não nos salvamossozinhos, mas de nós pode brotar um grito de aju-da: “Senhor, salvai-me; Senhor, ensinai-me o ca-minho; Senhor, acariciai-me; Senhor, concedei-meum pouco de júbilo”. Trata-se de um clamor quepede ajuda. Compete-nos isto: pedir para ser li-bertados do egoísmo, do pecado, das correntes daescravidão. Este brado é importante, é oração, éconsciência daquilo que ainda existe de oprimidoe não libertado em nós. Existem muitas coisasnão libertadas na nossa alma. “Salvai-me, ajudai-me, libertai-me!”. Esta é uma bonita prece ao Se-nhor. Deus espera este grito, porque pode e querquebrar as nossas correntes; Deus não nos cha-mou à vida para que permanecêssemos oprimidos,mas para ser livres, e para vivermos na gratidão,obedecendo com alegria Àquele que nos ofereceutanto, infinitamente mais do que poderíamos dar-lhe. Isto é bonito! Que Deus seja sempre benditopor tudo o que fez, faz e há de fazer em nós!

1. Na tradição rabínica encontra-se um textoiluminador a este propósito: «Por que as dez pa-lavras não foram proclamadas no início da Torá?[...] Com o que se pode comparar? A um tal que,assumindo o governo de uma cidade, perguntouaos habitantes: “Posso reinar sobre vós?”. Maseles replicaram: “Que nos fizeste de bem, paraque pretendas reinar sobre nós?”. Então, que fez?Construiu-lhes muros de defesa e uma canalizaçãopara abastecer a cidade de água; depois, comba-teu guerras a favor deles. E quando voltou a per-guntar: “Posso reinar sobre vós?”, eles retorqui-ram-lhe: “Sim, sim!”. Assim também o Lugar fezIsrael sair do Egito, dividiu o mar para eles, fezcom que lhes descesse o maná e subisse a água dopoço, levou até eles codornizes em voo e final-mente combateu para eles a guerra contra Ama-lec. E quando os interrogou: “Posso reinar sobrevós?”, eles responderam-lhe: “Sim, sim!”» (Il donodella Torah. Commento al decalogo di Es 20 nellaMekilta di R. Ishamael, Roma 1982, p. 49).

2. Cf. Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est, 17:«A história do amor entre Deus e o homem con-siste precisamente no facto de que esta comunhãode vontade cresce em comunhão de pensamento ede sentimento e, assim, o nosso querer e a vonta-de de Deus coincidem cada vez mais: a vontadede Deus deixa de ser para mim uma vontade es-tranha que me impõem de fora os mandamentos,mas é a minha própria vontade, baseada na expe-riência de que realmente Deus é mais íntimo paramim mesmo de quanto o seja eu próprio. Cresceentão o abandono em Deus, e Deus torna-se anossa alegria».

3. Cf. Homilia da Missa em Santa Marta, 7 deoutubro de 2014: «[Que significa rezar?]. É fazermemória diante de Deus da nossa história. Por-que a nossa história [é] a história do seu amorpor nós». Cf. Detti e fatti dei padri del deserto, Mi-lão 1975, p. 71: «O esquecimento é a raiz de todosos males».

«O Senhor reserva um lugar especial no seu coraçãopara quantos têm alguma deficiência», disse o Papaaos numerosos doentes que participaram na audiênciageral, reunidos na sala Paulo VI.

Caros amigos!Dou calorosas boas-vindas ao grupo “Deaf Catho-lic Youth Initiative of the Americas”. Rezo a fim deque a vossa peregrinação, à qual chamastes “Umtempo para caminhar com Jesus” — possa ajudar-vos a crescer no amor a Cristo e uns pelos outros.O Senhor reserva um lugar especial no seu cora-ção para quantos têm alguma deficiência, e assimé também para o Sucessor de São Pedro! Esperoque o tempo que passardes em Roma vos enri-queça espiritualmente e fortaleça o vosso testemu-nho do amor de Deus por todos os seus filhos.Continuai a vossa viagem e, por favor, peço-vosque não vos esqueçais de rezar por mim. DeusTodo-Poderoso abençoe todos vós abundante-mente!

Boas-vindas particulares à delegação da organi-zação das “Special Olympics”, por ocasião do cin-quentenário da sua fundação. O mundo do des-porto oferece uma oportunidade particular às pes-soas, para crescer na recíproca compreensão eamizade, e rezo a fim de que esta Chama Olímpi-ca possa ser um sinal de alegria e esperança noSenhor, que concede os dons da unidade e da pazaos seus filhos. Sobre todos os que apoiam as fi-nalidades das “Special Olympics”, invoco de bomgrado as bênçãos de alegria e paz de Deus Todo-Po deroso.

Após a catequese o Papa saudou, entre outros, osgrupos lusófonos presentes.

Dirijo uma cordial saudação aos grupos vindos dePortugal e do Brasil, e demais peregrinos de lín-gua portuguesa, desejando que esta visita porocasião da Solenidade dos Santos Apóstolos Pe-dro e Paulo possa confirmar a todos na fé, espe-rança e caridade. Que Nossa Senhora vos acom-panhe e proteja!