preço € 1,00. número atrasado € 2,00 ol’ s s e rvator ......essencial para enfrentar a...

11
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 31-32 (2.657) Cidade do Vaticano terça-feira 4-11 de agosto de 2020 No Angelus o Papa rezou pelo povo da Nicarágua e auspiciou novas formas de solidariedade Sem trabalho famílias e sociedade não vão em frente A «pobreza», causada pela «falta de trabalho... é e será um problema pós-pandémico». E para o resolver é necessária «muita solidariedade e criatividade». Com um acréscimo pessoal ao texto preparado para o Angelus dominical de 2 de agosto, o Papa Francisco desejou «que, com o empenho convergente de todos os lí- deres políticos e económicos, o tra- balho seja relançado», pois — expli- cou — sem trabalho as famílias e a sociedade não podem ir em frente». O apelo do Pontífice ressoou no fi- nal da oração mariana, recitado ao meio-dia da janela do estúdio parti- cular do Palácio apostólico do Vati- cano com os fiéis presentes na Praça de São Pedro — respeitando as me- didas de segurança adotadas para evitar a propagação do contágio de Covid-19 — e com quantos o se- guiam através dos meios de comuni- cação. Na circunstância, o Papa dirigiu um pensamento «também ao povo da Nicarágua que sofre pelo ataque à Catedral de Manágua, onde a muito venerada imagem de Cristo foi gravemente danificada — quase destruída»; e recordou o dia do «Perdão de Assis», «o dom espiri- tual que São Francisco obteve de Deus através da intercessão da Vir- gem Maria». É — esclareceu — uma indulgência plenária que pode ser recebida abeirando-se dos Sacramen- tos... e visitando uma igreja... reci- tando o Credo, o Pai-Nosso e oran- do pelo Papa e pelas suas inten- ções». Além disso, «a indulgência também pode ser concedida a uma pessoa falecida», acrescentou o Bis- po de Roma, realçando a importân- cia de «colocar sempre o perdão de Deus no centro, pois “gera o paraí- so” em nós e à nossa volta». Antes do Angelus, no seu habitual comentário ao Evangelho do domin- go, Francisco frisou a necessidade de traçar «o caminho da fraternidade, essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial- mente neste grave momento». Inspi- rando-se no «prodígio da multiplica- ção dos pães» relatado pelo evange- lista Mateus (14, 13-21), o Papa iden- tificou «duas atitudes contrárias» na resposta à multidão faminta: a dos discípulos, que ao dizer a Jesus «despede-os» concretamente fazem a «proposta de um homem prático, mas não generoso: « ...que se arran- jem»; e a de Jesus, que «pensa de outra forma»; na realidade, «através desta situação, ele quer educar os seus amigos de ontem e de hoje para a lógica de Deus», ou seja, «cuidar do próximo; não lavar as mãos; não olhar para outro lado». Por isso, realçou, «“que se desenrasquem” não entra no vocabulário cristão». Ao contrário no dicionário dos cris- tãos, frisou Francisco, há outra «pa- lavra que se repete no Evangelho quando Jesus vê um problema... “compadeceu-se”. Compaixão não é um sentimento puramente material; a verdadeira compaixão é sofrer com, assumir as dores dos outros». Por isso, concluiu, «talvez hoje nos faça bem perguntar-nos: quando leio as notícias de guerras, fome, pande- mias... será que sinto compaixão por essas pessoas? PÁGINA 12 Além da cultura do provisório Mensagem aos jovens reunidos em Medjugorje CONTINUA NA PÁGINA 9 A lição de Romano Guardini e a luta de Jacob com o anjo Acaba de ser publicado o livro “A luta de Jacob, paradigma da criação artística. Uma experiên- cia comunitária de formação in- tegral sobre Igreja, estética e arte contemporânea inspirada em Romano Guardini”. Publi- camos uma reflexão do nosso diretor e excertos do prefácio, escrito pelo reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana. PÁGINA 6 Por ocasião do encontro anual de jovens em Medjugorje, na noite de sábado, 1 de agosto, foi lida uma mensagem enviada pelo Papa aos participantes. O texto original em croato foi entregue pelo arcebispo Luigi Pezzuto, núncio apostólico na Bósnia e Herzegovina. Caríssimos! O encontro anual dos jovens em Medjugorje é um tempo rico de oração, catequese e fraternidade. Oferece a todos vós a possibilidade de encontrar Jesus Cristo vivo, espe- cialmente na Eucaristia, celebrada e adorada, e na Reconciliação. E des- te modo ajuda-vos a descobrir outra forma de viver, diferente da cultura do provisório, segundo a qual nada pode ser definitivo, mas é importan- te apenas aproveitar o momento presente. Neste clima de relativismo, em que é difícil encontrar respostas verdadeiras e seguras, as palavras- guia do Festival: «Vinde ver»» (Jo 1, 39), dirigidas por Jesus aos discípu- los, são uma bênção. Também a vós Jesus dirige o seu olhar e vos convi- da a sair e a estar com ele. Não tenhais medo! Cristo vive e quer que cada um de vós viva. Ele é a verdadeira beleza e juventude deste mundo. Tudo o que toca tor- na-se jovem, fica novo, enche-se de vida. (cf. Exort. ap. Christus vivit, 1). Vemos isto precisamente naquela cena evangélica, quando o Senhor pergunta aos dois discípulos que o seguem: «O que procurais?». E eles respondem: «Rabi, onde vives?». E Jesus diz: «Vinde ver» (cf. Jo 1, 35- 39). Eles vão, veem e permanecem. Na memória daqueles discípulos, a experiência do encontro com Jesus ficou tão marcada que um deles até registou a hora: «e era já quase a hora décima» (v. 39). O Evangelho narra-nos que de- pois de terem estado na casa do Se- nhor, os dois discípulos tornaram-se “mediadores” que permitem que outros O encontrem, O conheçam e O sigam. André foi contar ao seu irmão Simão e conduziu-o a Jesus. Quando viu Simão, o Mestre deu- lhe imediatamente um apelido: “Cefas”, isto é “Pedra”, que se tor- nará Pedro (cf. Jo 1, 40-42). Isto mostra que ao encontrar Jesus uma

Upload: others

Post on 04-Sep-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 31-32 (2.657) Cidade do Vaticano terça-feira 4-11 de agosto de 2020

No Angelus o Papa rezou pelo povo da Nicarágua e auspiciou novas formas de solidariedade

Sem trabalhofamílias e sociedade não vão em frente

A «pobreza», causada pela «falta detrabalho... é e será um problemapós-pandémico». E para o resolver énecessária «muita solidariedade ecriatividade». Com um acréscimopessoal ao texto preparado para oAngelus dominical de 2 de agosto, oPapa Francisco desejou «que, com oempenho convergente de todos os lí-deres políticos e económicos, o tra-balho seja relançado», pois — expli-cou — sem trabalho as famílias e asociedade não podem ir em frente».O apelo do Pontífice ressoou no fi-nal da oração mariana, recitado aomeio-dia da janela do estúdio parti-cular do Palácio apostólico do Vati-cano com os fiéis presentes na Praçade São Pedro — respeitando as me-didas de segurança adotadas paraevitar a propagação do contágio deCovid-19 — e com quantos o se-guiam através dos meios de comuni-cação.

Na circunstância, o Papa dirigiuum pensamento «também ao povoda Nicarágua que sofre pelo ataqueà Catedral de Manágua, onde amuito venerada imagem de Cristo

foi gravemente danificada — quasedestruída»; e recordou o dia do«Perdão de Assis», «o dom espiri-tual que São Francisco obteve deDeus através da intercessão da Vir-

gem Maria». É — esclareceu — umaindulgência plenária que pode serrecebida abeirando-se dos Sacramen-tos... e visitando uma igreja... reci-tando o Credo, o Pai-Nosso e oran-

do pelo Papa e pelas suas inten-ções». Além disso, «a indulgênciatambém pode ser concedida a umapessoa falecida», acrescentou o Bis-po de Roma, realçando a importân-cia de «colocar sempre o perdão deDeus no centro, pois “gera o paraí-so” em nós e à nossa volta».

Antes do Angelus, no seu habitualcomentário ao Evangelho do domin-go, Francisco frisou a necessidade detraçar «o caminho da fraternidade,essencial para enfrentar a pobreza eo sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se no «prodígio da multiplica-ção dos pães» relatado pelo evange-lista Mateus (14, 13-21), o Papa iden-tificou «duas atitudes contrárias» naresposta à multidão faminta: a dosdiscípulos, que ao dizer a Jesus«despede-os» concretamente fazem a«proposta de um homem prático,mas não generoso: « ...que se arran-jem»; e a de Jesus, que «pensa deoutra forma»; na realidade, «atravésdesta situação, ele quer educar osseus amigos de ontem e de hoje paraa lógica de Deus», ou seja, «cuidardo próximo; não lavar as mãos; nãoolhar para outro lado». Por isso,realçou, «“que se desenrasquem”não entra no vocabulário cristão».Ao contrário no dicionário dos cris-tãos, frisou Francisco, há outra «pa-lavra que se repete no Evangelhoquando Jesus vê um problema...“compadeceu-se”. Compaixão não éum sentimento puramente material;a verdadeira compaixão é sofrercom, assumir as dores dos outros».Por isso, concluiu, «talvez hoje nosfaça bem perguntar-nos: quando leioas notícias de guerras, fome, pande-mias... será que sinto compaixão poressas pessoas?

PÁGINA 12

Além da cultura do provisórioMensagem aos jovens reunidos em Medjugorje

CO N T I N UA NA PÁGINA 9

A lição de RomanoGuardini e a luta

de Jacob com o anjoAcaba de ser publicado o livro“A luta de Jacob, paradigma dacriação artística. Uma experiên-cia comunitária de formação in-tegral sobre Igreja, estética earte contemporânea inspiradaem Romano Guardini”. Publi-camos uma reflexão do nossodiretor e excertos do prefácio,escrito pelo reitor da PontifíciaUniversidade Gregoriana.

PÁGINA 6

Por ocasião do encontro anual dejovens em Medjugorje, na noite desábado, 1 de agosto, foi lida umamensagem enviada pelo Papa aosparticipantes. O texto original emcroato foi entregue pelo arcebispo LuigiPezzuto, núncio apostólico na Bósniae Herzegovina.

Caríssimos!O encontro anual dos jovens emMedjugorje é um tempo rico deoração, catequese e fraternidade.Oferece a todos vós a possibilidade

de encontrar Jesus Cristo vivo, espe-cialmente na Eucaristia, celebrada eadorada, e na Reconciliação. E des-te modo ajuda-vos a descobrir outraforma de viver, diferente da culturado provisório, segundo a qual nadapode ser definitivo, mas é importan-te apenas aproveitar o momentopresente. Neste clima de relativismo,em que é difícil encontrar respostasverdadeiras e seguras, as palavras-guia do Festival: «Vinde ver»» (Jo 1,39), dirigidas por Jesus aos discípu-los, são uma bênção. Também a vós

Jesus dirige o seu olhar e vos convi-da a sair e a estar com ele.

Não tenhais medo! Cristo vive equer que cada um de vós viva. Eleé a verdadeira beleza e juventudedeste mundo. Tudo o que toca tor-na-se jovem, fica novo, enche-se devida. (cf. Exort. ap. Christus vivit,1). Vemos isto precisamente naquelacena evangélica, quando o Senhorpergunta aos dois discípulos que oseguem: «O que procurais?». E elesrespondem: «Rabi, onde vives?». EJesus diz: «Vinde ver» (cf. Jo 1, 35-39). Eles vão, veem e permanecem.Na memória daqueles discípulos, aexperiência do encontro com Jesusficou tão marcada que um deles atéregistou a hora: «e era já quase ahora décima» (v. 39).

O Evangelho narra-nos que de-pois de terem estado na casa do Se-nhor, os dois discípulos tornaram-se“m e d i a d o re s ” que permitem queoutros O encontrem, O conheçam eO sigam. André foi contar ao seuirmão Simão e conduziu-o a Jesus.Quando viu Simão, o Mestre deu-lhe imediatamente um apelido:“Cefas”, isto é “Pe d r a ”, que se tor-nará Pedro (cf. Jo 1, 40-42). Istomostra que ao encontrar Jesus uma

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 4-11 de agosto de 2020, número 31-32

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: € 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assinaturas.or@sp c.va

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

A verdadeira pandemia é a indiferençaEm conversa com o padre Gianfranco Graziola missionário nas prisões do Brasil

FRANCESCO RICUPERO

«É um grande erro pensar que fe-char um indivíduo na prisão poderesolver os problemas da sociedade.Dentro das prisões o ser humanodeixa de ser senhor de si mesmo; asprisões esvaziam as pessoas reduzin-do-as a nada, tornando-se apenas lu-gares de castigo e controlo, especial-mente dos mais pobres e dos jovensdas periferias»: está firmemente con-vencido disto o padre GianfrancoGraziola, missionário da Consolatahá vinte anos no Brasil, diretor-pre-sidente da Associação de Apoio eAcompanhamento (Asaac) no seioda pastoral carcerária nacional brasi-leira que, a «L’Osservatore Roma-no», relata as difíceis condições dosprisioneiros e prisioneiras neste mo-mento particular de emergência sani-tária caracterizada pela pandemia daCovid-19, que causou mais de2.442.000 de contagiados e mais de87.600 mortos. «Devemos enfrentarjuntos», explica, «para evitar o des-contentamento da população que,para além de ter medo do coronaví-rus, corre o risco de morrer de fome.A Igreja está a fazer o possível paraajudar, mas sozinha não é suficiente.As instituições devem ser envolvi-das».

Qual é o vosso compromisso com umaprisão de rosto humano?

A pastoral carcerária no Brasil étotalmente diferente de outras expe-riências no mundo, especialmente naEuropa, Estados Unidos da Améri-ca, Ásia e Oceânia e na própriaAmérica Latina onde trabalha o ca-pelão da prisão, uma figura inexis-tente no nosso país. Aqui, a pastoralcarcerária é levada a cabo pelo Povode Deus, leigos e leigas, consagradose consagradas, religiosos e religiosas,sacerdotes e bispos que semanal,quinzenal ou mensalmente visitamas penitenciárias nos vinte e sete es-tados do Brasil e no distrito federalonde se encontra a capital Brasília.Existe uma coordenação nacionalque, por sua vez, se ramifica a nívelestatal, regional e diocesano. Ogrande desenvolvimento da pastoralcarcerária na sua forma atual come-çou com a Campanha da Fraternida-de de 1997 cujo tema era: “Fr a t e r n i -dade e Prisioneiros” e o slogan“Cristo liberta de todas as prisões”.Mas há outro acontecimento, o“Massacre do Carandiru” durante oqual, a 2 de outubro de 1992, 111 pri-sioneiros da então penitenciária fo-ram cruelmente mortos pela políciamilitar. Hoje, neste lugar, banhadopelo sangue de muitos irmãos, en-contra-se o parque da juventude in-titulado ao saudoso cardeal Paulo

Evaristo Arns. A pastoral carceráriano Brasil tem como princípio básicoe objetivo a construção de um“Mundo sem prisão”, referindo-se aodiscurso de Jesus na sinagoga deNazaré (Lc 4, 18-19) e à carta de SãoPaulo aos Gálatas 5, 1. A própria en-cíclica Laudato si’ vem reforçar aindamais esta nossa convicção quandoafirma a necessidade de uma conver-são ecológica integral.

Qual é a vossa relação com as famíliasdos prisioneiros?

A rotina diária da pastoral carce-rária é visitar os nossos irmãos e ir-mãs na prisão pondo em prática oEvangelho: «Estava na prisão e vies-tes visitar-me» (Mt 25, 36). É por is-so que os agentes pastorais, quandoentram na prisão, vão ao encontrode Jesus e escutam-no a fim de sen-tir a presença misericordiosa deDeus. O crescimento desproporcio-nado nas últimas décadas do núme-ro de reclusos (700%) levou à cria-ção do departamento “Mulher Pri-sioneira”, que hoje tem uma coorde-nadora nacional. A celebração em2017 do 300º aniversário da redesco-berta da imagem de Nossa Senhorano rio Paraíba, a norte do estado deSão Paulo, daí o nome “A p a re c i d a ”,inspirou-nos a celebrar este jubileupensando em “Maria e Marias naprisão”, não só nas reclusas, mas emtodas as mães, esposas, filhas, irmãsque se alinham semanalmente emfrente das prisões levando consigo oestigma de uma sociedade desigual eseletiva. Isto deu origem a uma novadimensão da pastoral carcerária queé uma relação com as famílias dosprisioneiros e prisioneiras que contri-bui para a sua organização em asso-ciações, envolvendo-os e tornando-osprotagonistas do projeto “Mundosem prisão”.

O que fazeis especificamente?

Pastorais inspiradas pela DoutrinaSocial da Igreja, e que no Brasil es-tão agrupadas na Comissão PastoralEpiscopal de Ação Social Transfor-madora, devem contribuir, a partirdo Evangelho, para uma renovaçãoefetiva da sociedade através da cons-trução daquilo a que São Paulo cha-mou a “Civilização do Amor”. Cons-cientes, como disse Montini, de quea proclamação da Boa Nova anda demãos dadas com a promoção huma-na, não podemos deixar de nospreocupar com a política, com obem comum, a mais alta expressãoda caridade, combatendo as causasque levam à prisão em massa, comoacontece com os traficantes e consu-midores de drogas. Por esta razão, apartir de 2013, juntamente com orga-nizações da sociedade civil, identifi-cámos uma série de pontos, chama-dos “os dez mandamentos da pasto-ral carcerária”, que incluímos na“agenda nacional pelo desencarcera-mento”.

Quais são os pontos centrais?

O documento abrange as questõescruciais do sistema prisional e apre-senta algumas exigências como asuspensão dos fundos para a cons-trução de novas unidades; a reduçãoda população prisional e da violên-cia produzida nas instituições pe-nais; alterações à lei para limitar aprisão preventiva; mudanças na polí-tica de combate à droga; racionaliza-ção do sistema penal; abertura aosmecanismos de controlo social; proi-bição da privatização do sistema;prevenção e luta contra a tortura;desmilitarização.

Como é sentida a vossa atividade nasinstituições penais?

Hoje em dia a pastoral carceráriagoza da confiança tanto dos presoscomo das suas famílias, e tem umacredibilidade que se foi construindoao longo do tempo, até nos camposestritamente legais e técnicos. Istoassegura o seu respeito pelas insti-tuições e pelas muitas organizaçõescivis e não governamentais queacompanham as questões criminais.Denunciamos constantemente a su-perlotação, que é o resultado de umprocesso de detenção em massa queviola a constituição e a burocraciado sector. De facto, nas prisões bra-sileiras temos aproximadamente 40%de prisioneiros/prisioneiras, e nal-guns estados como o Amazonas até60%, que são “p ro v i s ó r i o s ”, ou seja,ainda não foram ouvidos por umjuiz ou estão à espera de uma sen-tença definitiva.

Recentemente milhares de prisioneirosforam libertados por receio de que o co-ronavírus se difundisse ainda mais.Não acha que isto poderia aumentar aviolência no país?

A situação prisional no Brasil émuito má: há falta de serviços bási-cos como cuidados médicos, higiene,alimentação saudável e manutençãode edifícios. Por exemplo, ao visitaruma instituição com uma capacidadede 140 pessoas, havia 1400 prisionei-ros, muitos dos quais deveriam serapenas assistidos por políticas so-ciais.

Na sua opinião, é necessário, em tem-pos de pandemia, que a política inter-venha para determinar regras ad hoc,em conformidade com as atuais cir-cunstâncias de emergência?

A fim de corrigir esta realidade eresponder às graves questões sociais,os governos estão a pensar em resol-ver os problemas confiando a gestãodo sistema penal a privados. Nãoqueremos ver os massacres dentrodas prisões, como aconteceu em Ma-naus em 2017 e 2019. A pastoral eoutras organizações continuam a de-nunciar a exploração e comercializa-ção de um sistema prisional cada vezmais cruel e desumano.

O Brasil é o segundo país mais atingi-do do mundo pela Covid-19: alguémestá a pensar nos prisioneiros e nas fa-mílias?

Na realidade, o sistema prisionalestá constantemente a experimentarvárias formas de pandemia. O últi-mo exemplo é em Boa Vista, no es-tado de Roraima, onde uma epide-mia de sarna tem sido registada naprisão agrícola de Monte Cristo des-

CO N T I N UA NA PÁGINA 3

Page 3: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

número 31-32, terça-feira 4-11 de agosto de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

de 2019. Só a denúncia dos familia-res, apoiados pela pastoral carcerá-ria, conseguiu evitar um elevadonúmero de mortes, que infelizmentetambém nesta ocasião não faltaram.Nos últimos meses, para além dapreocupação com a chegada da Co-vid-19 às prisões brasileiras e o ele-vado número de infeções e vítimas,o que preocupa a nós e às famíliasdos prisioneiros é o ambiente insa-lubre, as condições alimentares esanitárias e a impossibilidade de vi-sitar os prisioneiros. Durante meses,milhares de famílias não tiveramnotícias dos seus entes queridos.Por esta razão, o provedor de Justi-ça, algumas organizações da socie-dade civil e a pastoral carcerária so-licitaram a instalação de telefonespúblicos nas unidades prisionais.

O Papa Francisco reiterou em váriasocasiões que a superlotação é um pro-blema que se verifica em várias partesdo mundo. O Brasil é certamente umpaís em risco?

A recente libertação de algumascentenas de prisioneiros e prisionei-ras foi classificada pela imprensacomo um grave perigo. No entanto,a realidade é bastante diferente. Ovírus está a causar milhares de víti-mas. A violência na sociedade nãoé causada pela libertação de prisio-neiros, mas sim por outros fatores.Isto leva-nos a pensar que a verda-deira pandemia nada mais é do quea indiferença repetidamente denun-ciada pelo Pontífice.

Recentemente, foi enviado a todos osagentes prisionais um inquérito anóni-mo online sobre a situação das mulhe-res e em particular das mães na pri-são com os seus filhos. O que pensasobre isto?

Um capítulo importante da situa-ção atual é a realidade do mundofeminino na prisão que sofre dupla-mente. Visito semanalmente amaior prisão feminina do Brasilcom mais de 2.000 reclusas, em SãoPaulo, e do diálogo e da escuta sin-to sempre uma grande preocupaçãopelos filhos. Muitas mães, fechadasem celas, são impedidas de abraçar

os seus filhos. Neste momento, asleis permitem a prisão domiciliáriaapenas para mulheres grávidas emães com filhos até aos 12 anos deidade. Acreditamos que a libertaçãoda prisão é a forma correta de criaruma nova sociedade, pois, quemmelhor do que uma mãe pode criaros seus filhos? Porventura, em vezde julgar e condenar, somos chama-dos a trabalhar para criar políticaspúblicas que deem às mulheres aoportunidade de reconstruir umanova vida.

Falando de detenção, refere-se à Lau-dato si’. Porquê?

A questão da prisão é uma pan-demia pré-Covid-19 que a tornaainda mais atual e chama a nossaatenção. São necessárias políticaspúblicas sérias para superar e curara pandemia que é a prisão. Temosde trabalhar por um “Mundo semprisão”. Como o Papa recorda nasua encíclica, temos de nos compro-meter com uma ecologia integral,salvaguardando a casa comum parao “bom viver” de todos.

A verdadeira pandemia é a indiferença

Em diálogo com o padre Awi Mello no sétimo aniversário da Jmj do Rio de Janeiro

Contagiar o mundo com renovada esperança cristãGIANLUCA BICCINI

Com quase cinquenta anos, o padreAlexandre Awi Mello é secretário doDicastério para os leigos, a família ea vida desde 2017. Como diretor na-cional do Movimento de Schoenstattno seu país, pôde seguir de perto oPapa Francisco na primeira viageminternacional do pontificado porocasião da Jornada mundial da ju-ventude no Rio de Janeiro. Nestaentrevista, o sacerdote brasileiro con-tou a «L’Osservatore Romano» asua experiência durante aqueles diase falou sobre as perspetivas da pas-toral juvenil neste tempo marcadopela pandemia.

De 22 a 29 de julho de 2013, há exa-tamente sete anos, o povo do Brasil - anação com o maior número de católicosdo mundo - pôde ver com os própriosolhos o novo Pontífice, que celebrouaquela que foi definida “uma Jmj aoritmo de samba”. Que memórias pes-soais conserva com maior afeto, dadoque nasceu na metrópole carioca?

Lembro-me sobretudo do calorosoacolhimento que o povo brasileiro eos jovens de todo o mundo reserva-ram ao Papa. Ele próprio afirmouque ficou impressionado. Guardo namemória inúmeros gestos de afetoentre o Santo Padre e o povo, comopor exemplo no encontro particularcom oito jovens presos. Nessa oca-sião, a sua capacidade de ouvir - es-cuta atenta, paciente e empática -impressionou-me profundamente.Significativo para mim foi também odia em que acompanhei o Santo Pa-dre ao Santuário Mariano de Apare-cida. Com efeito, encontramo-nos aliem 2007 para trabalhar durante ainesquecível experiência da quintaConferência geral do episcopado la-

tino-americano e do Caribe, cujas li-nhas programáticas ainda hoje mar-cam o seu pontificado.

Na primeira Jmj do Papa Bergoglio,muitos ficaram impressionados peloconvite dirigido aos jovens argentinos a“fazer barulho”, “fazer confusão”. Nasua opinião, esse conselho foi praticado?Pode-se falar de uma nova geração decatólicos que já não está fechada emsacristias mas é capaz de sair pelomundo como o Pontífice continua aexortar?

O encontro com os jovens argenti-nos não estava previsto e o discursofoi completamente espontâneo; po-dia-se ver que fluía do seu coraçãoentusiasta de pastor. Naquele perío-do eu trabalhava no Brasil com osjovens e posso assegurar-vos que oconvite do Papa foi muito bem rece-

bido. Foi o primeiro sinal da impor-tância que os jovens iriam adquirirdurante o pontificado. Com a Jmjno Rio e o forte impulso missionáriodado aos jovens, o Papa iniciava umcaminho que culminou no Sínodode 2018 sobre “os jovens, a fé e odiscernimento vocacional” e na pu-blicação da sucessiva exortação Ch-ristus vivit; um caminho que conti-nua a pleno ritmo através de muitasiniciativas no nosso Dicastério e emtodo o mundo.

Tendo desempenhado um papel signifi-cativo na Jmj do Rio, imaginava queteria sido chamado para organizar ou-tra no continente americano: a do Pa-namá, em 2019?

Ser intérprete do Papa no Brasilfoi, sem dúvida, uma experiênciaúnica! Na realidade o trabalho não

foi muito, porque o Pontífice comu-nicou muito bem com os brasileirose todos compreenderam a força dosseus gestos e a ternura das suas pa-lavras! Nunca teria imaginado, en-tão, que colaboraria tão diretamentena organização de outra Jmj naAmérica Latina, muito menos que oteria feito do interior da Santa Sé.Mas devo dizer que, a um nível es-tritamente pessoal, a experiência pa-namenha ultrapassou a do Rio. Tra-balhar na Jmj de 2019 foi uma forteexperiência de comunhão eclesial: oprofissionalismo e a alegria do comi-té organizador local, juntamentecom uma grande abertura e flexibili-dade, marcaram-me de forma pro-funda.

A devoção a Nossa Senhora está pro-fundamente enraizada entre os membrosdo Movimento de Schoenstatt, ao qualpertence. Nesta perspetiva, pensa queFrancisco é um Papa mariano?

Não tenho dúvidas quanto a isto.Mais do que uma simples devoção, éuma verdadeira espiritualidade ma-riana, enraizada no povo santo deDeus, que marca a visão e o projetoeclesial do seu pontificado. Tive agraça de o entrevistar duas vezes, deescrever um livro e uma tese de dou-toramento sobre este tema. O amordo Papa a Nossa Senhora tem a vercom a visão de uma Igreja em saída,com a revolução da misericórdia eda ternura, e com a figura de umaIgreja de rosto feminino e materno,que ele está a promover cada vezmais.

Por fim, uma pergunta sobre a próxi-ma Jornada mundial da juventudeque terá lugar em Lisboa, Portugal, emagosto de 2023. Inicialmente previstapara 2022, foi adiada de um ano de-vido à emergência do coronavírus. Pen-sa que as limitações e o isolamento im-postos para enfrentar a Covid-19 pos-sam afastar os jovens da prática reli-giosa?

Sinceramente acho que a pande-mia poderia ser uma excelente opor-tunidade para levar a proposta cristãaos jovens de diferentes formas. Aimportância dos laços familiares epessoais, a comunicação, os cuida-dos intergeracionais, a solidariedadee muitos outros valores evangélicosestão a difundir-se de várias manei-ras neste período específico. A pró-pria Igreja também está a aprender afalar outras linguagens. Espero quequando a pandemia acabar, a Jmj deLisboa possa ser uma grande ocasiãopara recolher as lições aprendidashoje, oferecendo aos jovens de todoo mundo a possibilidade de se en-contrarem de novo pessoalmente pa-ra alimentar a própria fé como discí-pulos e para se sentirem enviadoscomo missionários, a um futuro tal-vez difícil e incerto, dando «espaçoà criatividade que só o Espírito é ca-paz de suscitar», como diz o SantoPadre. Imagino jovens que, quandoregressarem aos seus países, se sin-tam chamados a empenhar-se emnovas formas de hospitalidade, fra-ternidade e solidariedade, e que pos-sam “contagiar” as suas comunida-des com uma esperança cristã reno-vada.

Page 4: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 4-11 de agosto de 2020, número 31-32

O Vade-mécum para o tratamento dos casos de abusos contra menores cometidos por clérigos

Manual para bispose superiores religiosos

Conversa com o secretário da Congregação para a doutrina da fé

ANDREA TORNIELLI

Um manual à disposição dos bispose superiores religiosos para os orien-tar no tratamento de casos de abu-sos dos foram informados. Assim oarcebispo Giacomo Morandi, secre-tário da Congregação para a doutri-na da fé, define nesta entrevista con-cedida aos meios de comunicaçãosocial do Vaticano o Vade-mécum pu-blicado recentemente.

Quem preparou este documento e porque demorou tanto tempo desde que foianunciado em fevereiro de 2019

Foi predisposto pela Congregaçãosobretudo graças à contribuição doDepartamento disciplinar que nosúltimos anos adquiriu uma experiên-cia particular nos casos em questão.O tempo aparentemente longo paraa sua elaboração deve-se ao trabalhode comparação não só na Congrega-ção mas também fora, com peritosna matéria, com outros dicastérios eem particular com a Secretaria deEstado.

Qual é a finalidade deste Vade-mécume a quem se dirige?

Gosto de o definir, como faz oprefeito da nossa Congregação, um“manual”. Por conseguinte, não éum texto normativo, mas um instru-mento à disposição dos bispos, su-periores religiosos, tribunais eclesiás-ticos, profissionais do direito e tam-bém dos responsáveis pelos centrosde escuta criados pelas Conferênciasepiscopais. Na complexidade dasnormas e da praxe, este guia pro-põe-se apontar um caminho e ajudara não se perder.

Este documento contém novas indica-ções?

Não. Não se promulgam novas re-gras. A verdadeira novidade, porém,é que pela primeira vez o procedi-mento é descrito de forma organiza-da, desde a primeira notícia de umpossível crime até à conclusão defi-nitiva da causa, unindo as normasexistentes e a praxe da Congregação.As normas são conhecidas, enquantoa praxe da Congregação, ou seja, aforma prática de aplicar as normas,só é conhecida por aqueles que já li-daram com estes casos.

O Vade-mécum é um documento fecha-do e definitivo, ou deve ser atualizado?

Precisamente por ser um instru-mento, um manual, presta-se a umaatualização contínua. Tanto devido apossíveis mudanças futuras no direi-to penal, como a esclarecimentos epedidos que podem chegar a nívellocal da parte dos ordinários e pro-fissionais do direito. Neste sentido, aversão que sai hoje chama-se “1.0”,que pode ser atualizada. E qualquerajuda para o melhorar é um serviçoútil à justiça.

Quais são os casos de competência davossa Congregação?

Em geral, os crimes reservados ànossa Congregação são todos aque-les contra a fé e apenas os mais gra-ves (na linguagem comum agora emuso fala-se de delicta graviora) contraa moral e a administração dos sacra-mentos. Contudo, o Va d e - m é c u m re -fere-se apenas a um destes crimes,que o artigo 6 do motu proprio Sa-cramentorum sanctitatis tutela atribuiao clérigo, quando ele pratica açõescontra o sexto mandamento do De-cálogo com menores. Trata-se doscasos que ocasionam mais manchetesnos meios de comunicação social,também devido à sua gravidade.

Quando para a Igreja se trata de abu-so contra “m e n o re s ”? Como mudou o li-mite de idade?

Na esfera penal, a criança é o me-nor que ainda não completou 18anos. Neste sentido, outras distin-ções de idade, abaixo de 18 anos,não são relevantes. O Código latino,no cân. 1.395 § 2, ainda fala de 16anos, mas o motu proprio S a c ra m e n -torum sanctitatis tutela, de João Pau-lo II, em 2001 elevou a idade para 18anos. Os casos de “abuso” (como sedisse anteriormente, um “crime con-tra o sexto mandamento do Decálo-go com menores”) são frequente-mente fáceis de delinear, por exem-plo, relações sexuais enquanto taisou outros contactos físicos que nãosão propriamente “re l a ç õ e s ” mas têmuma clara intenção sexual, e outrasvezes os casos são menos fáceis dedelinear, com nuances que devemser avaliadas para verificar se são de-licta graviora no sentido jurídico, deacordo com a lei em vigor na época.

O que impressiona é a mudança deatitude em relação às denúncias anóni-

mas, que outrora eram simplesmentedescartadas. O que mudou e por queaté uma denúncia anónima deve sertomada em consideração?

A questão é delicada. Percebeu-seque uma atitude peremptória numsentido ou noutro não é boa para abusca da verdade e da justiça. Comose pode rejeitar uma denúncia que,embora seja anónima, contém certasprovas (por exemplo fotos, filmes,mensagens, áudio...), ou pelo menosindícios concretos e plausíveis sobrea prática de um crime? Seria injustoignorá-la só porque não foi assinada.Por outro lado, como considerar cre-díveis todas as notificações, até asgenéricas e sem remetente? Neste ca-so, seria inapropriado proceder. Por-tanto, é necessário fazer um discerni-mento cuidadoso. Em geral, não da-mos crédito às denúncias anónimas,mas não desistimos a priori da suaavaliação inicial para ver se existemelementos objetivos e motivos evi-dentes, ao que na nossa linguagemchamamos fumos delicti.

Em que medida os casos clamorososdos últimos anos influenciaram a reda-ção deste documento e de outros textosrecentes sobre esta matéria?

Os casos mais clamorosos são tra-tados como os menos conhecidos,sempre de acordo com as regras dalei. À nossa frente não há “p ersona-gens” mas pessoas: acusados, presu-míveis vítimas, possíveis testemu-nhas... em geral, há sempre um ce-nário de sofrimento particular. Cer-tamente, a atenção dos meios de co-municação social aos casos em ques-tão aumentou muito nos últimosanos, e isto é mais um estímulo paraque a Congregação para procurar fa-ça justiça de uma forma cada vezmais correta e eficaz. Também por

este motivo, o Vade-mécum p o deráser útil.

Os bispos e superiores religiosos têm aobrigação de denunciar às autoridadescivis as notícias de presumíveis abusoscometidos por clérigos?

Sobre este ponto, as Conferênciasepiscopais nacionais prepararam di-retrizes que têm em consideração osregulamentos locais. Não é possíveldar uma resposta unívoca. Nalgunspaíses a lei já prevê esta obrigação,noutros não. Com efeito, o motuproprio Vos estis lux mundi do PapaFrancisco, promulgado no ano pas-sado, explica que a Igreja atua emcasos deste tipo «sem prejuízo dosdireitos e obrigações estabelecidosem cada lugar pelas leis estatais,particularmente aquelas relativas aeventuais obrigações de notificaçãoàs autoridades civis competentes»(art. 19). Além disso, no artigo 17,também o Va d e - m é c u m declara: «Aténa ausência de uma explícita obriga-ção normativa, a autoridade eclesiás-tica apresente denúncia às autorida-des civis competentes, sempre que oconsiderar indispensável para tutelara pessoa ofendida ou outros meno-res do perigo de novos atos delituo-sos».

Em que consiste o “processo penal ex-t ra j u d i c i a l ”? Quando e por que se per-corre este caminho?

Trata-se de um procedimento pre-visto pelos dois Códigos canónicosem vigor. É uma rota mais rápida.No final do processo penal extraju-dicial, o ordinário (ou o seu delega-do), coadjuvado por dois assessores,chega a uma decisão sobre a culpa-bilidade ou não do acusado e (seculpado com certeza moral) sobre a

Uma das sessões do «Encontrosobre a proteção dos menores na Igreja»,

realizadas no Vaticanode 21 a 24 de fevereiro de 2019

CO N T I N UA NA PÁGINA 5

Page 5: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

número 31-32, terça-feira 4-11 de agosto de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Prefácio do Papa ao livro «Comunhão e esperança»

Dar testemunho da féem tempos de coronavírus

«Comunhão e esperança» é o título es-colhido pela Libreria editrice vaticana— Dicastério para a comunicação, paraa versão italiana de uma publicaçãoeditada por Walter Kasper e GeorgeAugustin (Cidade do Vaticano, 2020,166 páginas). Como diz o subtítulo, otrabalho do cardeal presidente eméritodo pontifício Conselho para a promoçãoda unidade dos cristãos e do sacerdotealemão que fundou e dirige o institutointitulado ao purpurado seu concida-dão, reúne contribuições sobre o modode «dar testemunho da fé em temposde coronavírus». A seguir, o Prefácioescrito pelo Papa Francisco.

A crise do coronavírus surpreendeutodos nós como uma tempestade im-prevista, mudando de repente e nomundo inteiro a nossa vida familiar,profissional e pública. Muitos cho-ram a morte de parentes e amigosqueridos. Muitas pessoas estão emdificuldade sob o ponto de vista fi-nanceiro ou perderam o emprego.Em vários países, precisamente naPáscoa, principal solenidade do cris-tianismo, não foi possível celebrar aEucaristia de maneira comunitária epública, nem receber força e conso-lação dos sacramentos.

Esta situação dramática tornouevidente toda a vulnerabilidade, ainconsistência e a necessidade deresgate dos homens, pondo em cau-sa muitas certezas nas quais nos ba-seamos na nossa vida diária para osnossos planos e projetos. A pande-mia apresenta-nos questões funda-mentais sobre a felicidade na nossavida e sobre o tesouro da nossa fécristã.

Esta crise representa um sinal dealarme que leva a refletir sobre o lu-gar onde se encontram as raízesmais profundas que sustentam todos

nós na tempestade. Recorda-nos queesquecemos e descuidamos algunsaspetos importantes da vida e faz-nos meditar sobre o que é realmenteimportante e necessário, e o que émenos importante ou só o é na apa-rência. É um tempo de provação ede escolha, a fim de podermosorientar a nossa vida de maneira re-novada para Deus, nosso sustentácu-lo e nossa meta. Esta crise mostrou-nos que precisamente nas situaçõesde emergência dependemos da soli-dariedade dos outros e convida-nosa colocar a nossa vida ao serviço do

próximo de modo novo. Deve des-pertar-nos da injustiça global, parapodermos acordar e ouvir o clamordos pobres e do nosso planeta, gra-vemente doente.

Em plena crise do coronavírus,pudemos celebrar a Páscoa e ouvir amensagem pascal da vitória da vidasobre a morte. Esta mensagem frisaque, como cristãos, não devemosdeixar-nos paralisar pela pandemia.A Páscoa dá-nos esperança, confian-ça e coragem, fortalece-nos na soli-dariedade. Diz-nos para superar asrivalidades do passado e para nos re-

conhecermos como membros de umagrande família que vai além de todasas fronteiras e na qual uns carregamos fardos dos outros. O perigo decontágio de um vírus deve ensinar-nos outro tipo de “contágio”, o doamor, que é transmitido de coraçãoa coração. Agradeço os numerosossinais de disponibilidade à ajuda es-pontânea e o esforço heroico dosprofissionais da saúde, dos médicose dos sacerdotes. Durante estas se-manas sentimos a força que derivavada fé.

A primeira fase da crise do coro-navírus, na qual não foi possível ce-lebrar publicamente a Eucaristia, re-presentou para muitos cristãos umtempo de doloroso jejum eucarístico.Muitos experimentaram que o Se-nhor está presente onde dois ou trêsestiverem reunidos em seu nome. Atransmissão mediática das celebra-ções eucarísticas foi uma solução deemergência que muitos agradeceram.Mas a transmissão virtual não podesubstituir a presença real do Senhorna celebração eucarística. Assim, re-gozijo-me porque agora podemosvoltar à vida litúrgica normal. A pre-sença do Senhor ressuscitado na suaPalavra e na celebração eucarísticadar-nos-á a força necessária para en-frentar os difíceis problemas que nosesperam depois da crise.

Os meus votos e a minha esperan-ça são de que as reflexões teológicascontidas neste pequeno volume esti-mulem a reflexão e suscitem emmuitas pessoas uma nova esperançae uma nova solidariedade. Como osdois discípulos de Emaús, tambémno futuro o Senhor nos acompanha-rá ao longo do caminho com a suaPalavra e, partindo o Pão eucarísti-co, dir-nos-á: «Não tenhais medo!Eu venci a morte!».

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 4

pena proporcional a impor. Há próse contras neste procedimento, tam-bém chamado “administrativo”. Pro-cede-se deste modo extrajudicialquando, por exemplo: as circunstân-cias são claras; a atividade criminosadenunciada já foi confirmada peloacusado; o ordinário pede que seproceda deste modo por motivosbem fundamentados; a Congregaçãojulga que é oportuno, com base nascircunstâncias particulares (pessoalqualificado, geografia, oportunidade,etc.). Naturalmente, o direito de de-fesa do acusado deve ser sempre eabsolutamente garantido. Tambémpor esta razão, o processo extrajudi-cial no direito latino prevê até trêsgraus de recurso, a fim de assegurartanto quanto possível a objetividadeda sentença.

Referimo-nos a crimes que normalmen-te são cometidos sem a presença de tes-

temunhas. Como é possível averiguar avalidade das acusações para garantirque os culpados sejam punidos e nãopossam continuar a lesar?

Adotam-se os instrumentos pro-cessuais geralmente utilizados paraverificar a fiabilidade das provas.Muitos crimes, não só estes emquestão, são cometidos sem testemu-nhas. Mas isto não significa que nãopossamos chegar a uma certeza.Existem instrumentos processuaisque o permitem: a fiabilidade daspessoas envolvidas, a coerência dasocorrências declaradas, a eventualcontinuidade dos crimes, a existên-cia de documentos acusatórios, etc.Deve-se dizer que em várias ocasiõeso próprio arguido, consciente domal praticado, admite a culpa no tri-bunal.

E como se pode evitar que uma pessoaseja acusada e condenada injustamen-te?

Quando o facto não está suficien-temente provado, é válido o princí-pio in dubio pro reo. É um princípioque está na base da nossa cultura ju-rídica. Em tais casos, mais do quedeclarar a inocência, declara-se anão-culpabilidade.

Por que, quando é acusado de abuso, oclérigo pode pedir imediatamente a dis-pensa do celibato?

É verdade: quando o clérigo reco-nhece o crime e a sua inaptidão paracontinuar o ministério, pode pedirpara ser dispensado. Assim, perma-nece sacerdote (o sacramento não sepode revogar nem perder) mas jánão é um clérigo: deixa o estado cle-rical não por renúncia mas com umpedido consciente dirigido ao SantoPadre. São formas diferentes de al-cançar o mesmo resultado no quediz respeito à condição jurídica dapessoa: um ex-clérigo que nuncamais se poderá apresentar como mi-nistro da Igreja.

Uma última pergunta: pode apresen-tar-nos alguns dados sobre a dimensãodeste fenómeno? As novas normas sótrazem à luz casos do passado ou ain-da hoje existe o flagelo do abuso contramenores no âmbito da Igreja?

O fenómeno está presente em to-dos os continentes, e continuamos aassistir ao surgimento de denúnciasde factos antigos, por vezes até demuitos anos. Certamente, alguns cri-mes são também recentes. Masquando esta fase de “emersão” dopassado chegar ao fim, estou con-vencido (e todos esperamos) de queo fenómeno a que hoje assistimospoderá diminuir. Deve dizer-se, noentanto, que a vereda da verdade eda justiça é uma das vias de respostada Igreja. Necessária sim, mas insu-ficiente. Sem formação adequada,discernimento cuidadoso e preven-ção serena mas decisiva, por si só elanão poderá debelar este flagelo aque hoje assistimos.

Conversa com o secretário da Congregação para a doutrina da fé

Page 6: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

número 31-32, terça-feira 4-11 de agosto de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

A lição de Romano Guardini e a misteriosa luta noturna de Jacob com o anjo

Para um estilo profético da Igreja

O livroAcaba de ser publicado o livro La lotta di Giacobbe,paradigma della creazione artistica. Un’esperienzacomunitaria di formazione integrale su Chiesa, estetica earte contemporanea ispirata a Romano Guardini — “Aluta de Jacob, paradigma da criação artística. Umaexperiência comunitária de formação integral sobre Igreja,estética e arte contemporânea inspirada em RomanoG u a rd i n i ”, editado por Yvonne Dohna Schlobitten eAlbert Gerhards (Assis, Cittadella Editrice, 2020, 510páginas). Ao longo dos séculos, a página bíblica deJacob que luta com o anjo, narrada pelo livro doGénesis (32, 23-33), gerou uma infinidade dereverberações. Este volume reúne as reflexõesteóricas, artísticas e pedagógicas de uma experiênciade formação integral, desabrochadas deste íconebíblico, envolvendo um grupo de professores, artistas,estudantes e várias instituições (PontifíciaUniversidade Gregoriana, Kunst-Station Sankt PeterKöln, Museus do Vaticano e Museu de ArteContemporânea de Aachen). Com efeito, a luta deJacob pode ser entendida como paradigma da criaçãoartística, daquele processo complexo que implicatanto a reflexão (bíblica, histórica, filosófica, estética,teológica, pedagógica e espiritual) como a praxe(pictórica, escultórica). O volume contém mais detrinta contribuições de diferentes contextosdisciplinares, além das ilustrações dos projetos dosartistas participantes. Nesta página publicamos umareflexão do nosso diretor e excertos do prefácio,escrito pelo reitor da Pontifícia UniversidadeG re g o r i a n a . Eugène Delacroix, «Jacob luta com o anjo»

Emoção estética

NUNO DA SI LVA GO N Ç A LV E S

Oprocesso de criação artística adquireformas muito diferentes. Compreen-demo-lo, quando os artistas aceitam

falar sobre si mesmos. Nestas narrações, paraalém das alegrias, muitas vezes vislumbramosprocessos criativos laboriosos e, em particu-lar, batalhas com a matéria que é transforma-da e recriada, com as palavras que adquiremnovos significados, ou com os sons e os si-lêncios que confluem nas composições musi-cais.

Através da diversidade dos processos cria-tivos, o artista narra-se a si mesmo, comunicaemoções e pensamentos e, mais ou menosexplicitamente, intervém no debate social.Para o espetador, numa perspetiva simétricaigualmente diversificada, a ideia ou fruiçãode uma obra de arte é um processo de comu-nhão, às vezes não imediato, por causa da ri-queza dos significados que nos são propos-tos, ou devido à impenetrabilidade dos sím-bolos com que nos confrontamos. Diante daobra de arte, há necessidade de aceitação,humildade, educação dos sentidos, sensibili-dade e disponibilidade ao encontro, atitudesque nos ajudam a ir além das possíveis difi-culdades iniciais, para entrar no mistério dabeleza e da comunhão, ou seja, no mistériodaquilo que me ensinaram a denominar“emoção estética”. Neste sentido, se a criaçãoartística adquire formas muito diferentes, éigualmente verdade que a ideia de uma obrade arte é tanto diferente quanto as pessoasenvolvidas.

Os gestos da criação artística aproximam-nos do ato criador por excelência, que é o dopróprio Deus. Assim como a criação de Deusé um mistério que desvendamos lentamente,do mesmo modo a criação artística constituium mistério em que só podemos penetrarpouco a pouco. Portanto, aproximar-se daexperiência espiritual e da criação artística émais urgente e necessário do que nunca. Pro-vavelmente, este é o verdadeiro caminho paraencarar o afastamento entre os artistas e aIgreja, um divórcio que São Paulo VI e osseus sucessores se esforçaram muito por su-perar, conscientes de que a via pulchritudinisé inseparável da missão evangelizadora de to-dos os batizados.

Estes são os pensamentos que me vêm àmente quando folheio estas páginas, cujo fiovermelho é a apresentação do episódio bíbli-co da luta de Jacob como paradigma da cria-ção artística. Com efeito, na luta de Jacob hátenacidade, superação de si mesmo, comu-nhão, pedido de bênção... No diálogo entreo artista, a obra de arte e quem a admira, es-tas atitudes são indispensáveis e deveríamosagradecer a quantos nos ajudam a aprofun-dar este mistério de comunhão, como aconte-ce nestas páginas. Portanto, dirijo a minhagratidão aos autores do livro e aos partici-pantes no projeto interdisciplinar do qual eleé o fruto. Neste projeto interdisciplinar, nas-cido na Faculdade de História e Bens Cultu-rais da Igreja, da Pontifícia UniversidadeGregoriana, colaboraram professores, estu-dantes e artistas, todos envolvidos numa “lu-ta de Jacob” que, não obstante os seus esfor-ços, foi para todos uma confirmação, umabênção e um enriquecimento. Agora nós, lei-tores, participamos nesta bênção e enriqueci-mento. Portanto, dirijo o meu reconhecimen-to e gratidão à doutora Yvonne Dohna Sch-lobitten, principal idealizadora e organizado-ra do projeto.

ANDREA MONDA

No célebre ensaio Sobre osagrado, Rudolph Ottocita um trecho do Ser-

mão sobre o Génesis, de Frederi-ck W. Robertson, que se con-centra no episódio bíblico doencontro-desencontro noturnoentre Jacob e “alguém” (um an-jo? o próprio Deus?) e afirma:«Naquela noite, no meio da-quela estranha cena, Deus im-primiu na alma de Jacob umaconsternação religiosa, a partirde então destinada a desenvol-ver-se [...] Jacob compreendeuo Infinito, aquele Infinito que étanto mais genuinamente senti-do, quanto menos menciona-do». É uma noite de que se fa-la, uma noite marcada pela po-larização sombra/luz, que co-meça nas trevas da solidão (“Ja-cob ficou sozinho...”) mas aca-ba luminosamente (“E o solnasceu...”). Esta noite misterio-sa, cheia de sinais, enigmas epresença humana e divina, éuma noite que no âmbito da fi-losofia e da arte gerou de modoinesgotável, e ainda hoje nãodeixa de gerar, tanto pensamen-to como beleza.

O livro que apresentamos, Lalotta di Giacobbe, paradigma del-la creazione artistica, editado porYvonne Dohna Schlobitten eAlbert Gerhards, é uma suaconfirmação clara e forte já naabordagem, como Dohna expli-ca na introdução: «A intençãodeste volume não consiste emaprofundar a contribuição deGuardini, mas em i n s p i ra r - s e ne-la a fim de indicar o caminho

para criar e viver experiênciasformativas de acordo com o seuestilo no nosso mundo contem-porâneo. O projeto propõe umanova educação para a contem-poraneidade, através de um diá-logo criativo para uma Igrejaem saída». O que os autores,inspirando-se na leitura guardi-niana do episódio bíblico (umacontecimento que contém aexperiência da passagem, datransformação e da mudança),pedem à Igreja é que ela vivaum estilo profético, inclusiveem relação ao mundo da arte.

É forte o eco da pregação deBergoglio, a quem o volume édedicado, também à luz da dí-vida contraída, e sempre reco-nhecida, pelo jesuíta argentinocom o teólogo ítalo-alemão.Neste sentido, é esclarecedor otexto inspirador do ensaio, noqual Guardini por um lado ob-serva o dado decisivo de que nofinal Jacob venceu a luta com oanjo e, por outro, reflete sobreo tema da liberdade, dom dra-mático de Deus aos homens,chamados a «receber Deus co-mo “bênção” e sob a forma do“nome” através da luta. Deusopõe-se a nós em tudo. [...] Asua força vem na nossa direção;mas tem a forma do amor, por-que vem para ser superada»;por isso, Deus «não se elevadiante de nós como um muro,contra o qual se esmaga toda aforça; não ataca como uma vio-lência que predomina e des-trói». Ao contrário, vem na fi-gura do amor, que deseja servencido, para se poder conce-der. Só se pode conceder se for

vencido, assim dá a força e vol-ta a chamá-la... Como é miste-rioso que uma criatura deve ser“forte” perante Deus!». Sente-seo mesmo timbre de Guardini,autor de L’opposizione polare, umtexto que teve tanto impacto nopensamento de Bergoglio. À luzdeste aspeto, o ensaio de Doh-na e Gerhards revela-se nãoapenas como um audaz textode filosofia estética, mas tam-bém como uma requintada in-trodução ao pensamento e àpregação do Papa Francisco,entendidos no momento presen-te da “luta”, extenuante mas vi-tal, com a contemporaneidade.

Relendo a entrevista de Martin Scorsese a “La Civiltà Cattolica”

«Respirar. Aqui. Agora»A doença e a bênção

O cineasta, o Papa, o jesuíta

«N unca estive em lugar al-gum, a não ser na doen-ça. De certa forma, a

doença é um lugar, mais instrutivo doque uma longa viagem à Europa, umlugar onde ninguém te pode seguir. Adoença antes da morte é algo muitooportuno, e quem não passa por elaperde uma bênção do Senhor. Tam-bém quase isola o sucesso, e nadarealça a vaidade tão bem como ela».

As palavras utilizadas pela escritoraFlannery O’Connor, com a habitualprecisão cirúrgica, encerram de formaextremamente eficaz o sentido da in-tensa entrevista concedida pelo ci-neasta Martin Scorsese ao diretor de“La Civiltà Cattolica”, Antonio Spa-daro. Estabeleceu-se uma verdadeira eprofunda amizade entre os dois, o quetambém acontece entre as linhas destaúltima conversa, publicada na ediçãoitaliana da revista dos jesuítas a 18 dejulho com o significativo título L’asmae la grazia (A asma e a graça).

Entre estes dois polos, já destaca-dos pelas palavras de FlanneryO’Connor, que falava de doença ebênção, desenvolve-se uma reflexão àsvezes comovedora e vertiginosa, apartir de uma meditação sobre o pe-ríodo que o mundo está a atravessar,atingido pelo “furacão” da Covid-19,período em que apareceu, diz Scorse-se, «uma nova forma de ansiedade. Aansiedade de nada saber. Absoluta-mente nada. Estava tudo suspenso,adiado para não se sabe quando, co-mo num sonho em que se fica sem fô-lego, mas nunca se alcança a meta.Até certo ponto ainda é assim. Quan-do terminá? E depois uma perguntaexata: «Se não tivesse conseguido fa-zer o meu filme, quem seria eu?».

A viagem para o polo negativo (adoença, a asma) é realizada até aofim: «A ansiedade aumentava, e comela a consciência de que talvez eu nãosaísse vivo. Sofro de asma desde quenasci, e este vírus parece atacar ospulmões com mais frequência do quequalquer outra parte do corpo. Com-preendi que podia realmente dar omeu último suspiro naquele quarto daminha casa, que tinha sido um abrigoe que agora se tornara uma espécie defortaleza, e que eu começava a sentircomo a minha prisão. Encontrei-me a

sós no meu quarto, a viver de respiroem respiro».

A leitura destas palavras faz pensarquase automaticamente no Papa Fran-cisco que, como se sabe, com 21 anos,devido a uma forma grave de pneu-monia, sofreu a remoção cirúrgica deuma parte do pulmão direito e muitasvezes usou a metáfora do pulmão, darespiração, da palpitação. Por exem-plo, na recente publicação La preghie-ra. Il respiro di vita nuova (publicadopela Libreria Editrice Vaticana) afir-mou: «Existem algumas funções es-senciais no corpo humano, tais comoo batimento cardíaco e a respiração.Gosto de imaginar que a oração pes-soal e comunitária de nós cristãos é arespiração, a palpitação do coração daIgreja, que infunde a própria força noserviço de quantos trabalham, estu-dam, ensinam (...) Nem sempre esta-mos conscientes de respirar, mas nãopodemos parar de respirar».

Scorsese e Bergoglio, ligados nãosó por problemas respiratórios co-muns, mas também por uma relaçãode profunda estima e grande afeto,sentimentos tangíveis também no seu

último e rápido encontro em outubro,durante o Sínodo para a Amazónia,quando o Papa e o cineasta falaramsobre o filme The Irishman (O Irlan-dês) e, depois, sobre Dostoievski, umapaixão literária comum.

Estimulado pelas perguntas do pa-dre Spadaro, o cineasta ítalo-america-no relacionou o momento de crise vi-vido durante a pandemia com umaprecedente, vivida há cerca de 40anos, no momento do grande sucessode Raging Bull, um momento dramá-tico em que Scorsese praticamente en-carnou o pensamento de Pascal, paraquem «toda a infelicidade dos ho-mens deriva de uma única causa, denão saberem estar sozinhos num quar-to» e pensou: «“Será que alguma vezterei a capacidade de estar sozinhonum quarto, a sós comigo mesmo?Nunca poderei simplesmente ser”? Emuitos anos depois, de repente, aquiestou eu, sozinho no meu quarto, aviver o momento, cada instante pre-cioso do meu estar vivo. Obviamente,era uma situação difícil, mas ei-la».

O momento crítico é vivido até aofim, sem descontos, mas depois algoacontece: «Então, algo... chegou.Pousou em mim e dentro de mim.Não posso descrevê-lo de outra for-ma. De repente, vi tudo de um pontode vista diferente e melhor. Sim, euainda não sabia o que ia acontecer,mas ninguém sabia. Eu poderia teradoecido e nunca mais ter sair daque-le quarto, mas se isto tivesse aconteci-do, não poderia fazer nada. Tudo fi-cou mais fácil e tive uma sensação de

alívio. E esta consciência trouxe-mede volta ao essencial da minha vida.Aos meus amigos e às pessoas queamo, às pessoas das quais tenho decuidar. Às bênçãos que recebi: aosmeus filhos, a cada momento que pas-sei com eles, a cada abraço, a cadabeijo e a cada saudação... à minha es-posa e à sorte de ter encontrado al-guém com quem consegui crescer eformar uma filha, juntos e ao mesmotempo... poder fazer o trabalho queamo». As palavras de Scorsese pos-suem aquela força simples que impe-de de acrescentar qualquer forma decomentário, até o mais discreto.

O que emerge desta conversa nua eessencial é a consciência de ter recebi-do um dom: «E depois algo foi-nosrevelado, foi-nos doado». As antigasperguntas habituais: “Como está?”,“Está bem?” tornaram-se imediatas ecruciais. Tornaram-se vitais. Descobri-mos que estávamos realmente todosunidos, não apenas na pandemia, masna existência, na vida. Tornamo-nosverdadeiramente um só».

O idoso cineasta transmite um pen-samento aos jovens e aqui vem-me àmente outro encontro entre Scorsese eo Papa quando, durante o Sínodo dosjovens, em 2018, o livro La saggezzadel tempo (A sabedoria do tempo),editado pelo padre Spadaro, foi apre-sentado num momento de encontroentre gerações e houve um bonito diá-logo entre o Papa e o artista que hoje,através dos microfones de “La CiviltàCattolica”, diz aos jovens: «Que sortetêm de estar vivos num momento tãoiluminante. Muitos de nós pensamosque tudo voltará a ser como antes,mas obviamente não será assim: tudomuda sempre, e é precisamente esteperíodo que nos faz lembrar isto demodo tão forte. Pode inspirar-nos areconhecer a nossa capacidade de me-lhorar. Com efeito, é isto que aconte-ce neste momento com os protestosde massa no mundo inteiro: os jovenslutam para tornar tudo melhor».

O final da entrevista é sobre arte,cinema, literatura. Depois vêm Dos-toievski e os seus Irmãos Karamazov,Steinbeck, Kipling e finalmente umfilme de Ken Burns dedicado à figurade William Segal. São comovedorasas palavras com que Scorsese comentaeste filme no final da entrevista, emais uma vez são tão verdadeiras epoéticas que não vale a pena procurarcomentá-las: «Há uma cena em queSegal nos convida, através da expe-riência da sua tranquilidade e medita-ção, a concentrar a nossa atenção noque é essencial, no que acontece pre-cisamente agora, entre uma respiraçãoe outra. Ser. Respirar. Aqui. Agora.Não consiste em tudo isto a graça?».(Andrea Monda)Ken Burns e William Segal em 1992

Page 7: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 4-11 de agosto de 2020, número 31-32

Um título mariano poliédricoReflexões sobre a primeira das três novas invocações das Ladainhas lauretanas

Antoniazzo Romano, “Virgem com o Menino” (1430-1508)

MICHELE GIULIO MASCIARELLI

A Congregação para o culto divino ea disciplina dos sacramentos anun-ciou a 20 de junho, a decisão deFrancisco de inserir três novas invo-cações nas Ladainhas lauretanas:Mater misericordiae, Mater spei, Sola-cium migrantium. O Pontífice acres-centou as três invocações acimamencionadas; aqui queremos ilustrare teologicamente comentar a primei-ra delas, a Mater misericordiae. É umtítulo poliédrico, ou seja, multifor-me, complexo, multifacetado, varie-gado, polimórfico, capaz de expres-sar com riqueza e argúcia de signifi-cados, além do mistério de Deus,também do homem, da sua históriae da sua cultura.

“Mater misericordiae”

um título antigo e atual

Como se pode ver na mais antigaoração mariana, Sub tuum praesidiumconfugimus, a Igreja, inspirada pelaEscritura, chama Maria com termosalusivos à misericórdia. Nesta céle-bre prece coral, Maria é apresentadacomo sinal de mãe misericordiosa:«Sob a tua misericórdia / refugiamo-nos, Mãe de Deus! / Não deixes deconsiderar as nossas súplicas nasnossas dificuldades. / Mas livra-nosdo perigo, única casta e bendita!»(G. Giamberardini, Il culto marianoin Egitto, Jerusalém, Studium Bibli-cum Franciscanum, 1975, volume 1,pág. 74).

Talvez tenha sido precisamente noperíodo patrístico avançado que, pe-la primeira vez, Maria foi chamada“mãe da misericórdia”, por Tiago deSarug. Este título propagou-se desdeaquela época, como que por umcontágio espiritual. Assim, reza-se ecanta-se que «ao Misericordioso éconveniente uma mãe de misericór-dia»: Romano, o Melodista (primei-ra metade do século VI) afirmou queMaria também amava «os estrangei-ros e os inimigos, porque era verda-deiramente a mãe da misericórdia, amãe do Misericordioso» (Testi ma-riani del primo millennio, Roma, CittàNuova Editrice, 1988-1991, volume 2,pág. 264).

Além do contexto de oração, o tí-tulo Mater misericordiae é utilizadotambém com uma intenção teológicamais aberta: por exemplo, por João,o Geómetra (final do século X), quedesenvolve um interessante raciocí-nio teológico, chegando à conclusãode que, por ter sido Maria misericor-diosa primeiro na vida e agora nocéu, «Aquele que ama imensamenteos homens torna-se ainda mais mise-ricordioso, Ele que a escolheu porcausa do amor que nutre pelos ho-mens, e que a constituiu não só co-mo mãe misericordiosa, mas tambémcomo mediadora e reconciliadoracom Ele» (ibid., pág. 966).

Muito mais tarde, à voz de Mariaune-se Teofânio de Niceia, que seexpressa desta forma: «Ela [Maria],na verdade e sem qualquer ficção, éa misericórdia divina, uma vez que écheia de bondade, misericórdia eamor entusiasta. [...] Porque ela éentranhas da misericórdia divina»

(Sermo in SS. Deiparam, M. Jugie,Roma, col. Lateranum 1, 1935, pág.194).

O título de Mater misericordiaenão demorou a difundir-se no Oci-dente cristão. Com este título Mariafoi invocada e venerada na grandevida monástica medieval: paradoxal-mente, apenas no século X, chamadosaeculum pessimum, ou também “sé-culo de ferro”, um monge, Odão deCluny, costumava invocar Mariacom o título muito suave de Ma t e rm i s e r i c o rd i a e (Vita Odonis Clun., II,20: pl 133, 72). Mais uma vez, comtraços largos, na grande época daEscolástica não faltavam a reflexãoteológica nem a atitude orante à Vir-gem Mãe. Por exemplo, Santo An-selmo de Aosta (m. 1109) declina-ana perspetiva da cooperação de Ma-ria na ótica da redenção, enquantoSão Bernardo insiste sobre o poderde intercessão materna de Maria co-mo advogada misericordiosa (In na-tivitate B.M.V., Sermo 7).

Também na era moderna, o títuloMater misericordiae se confirma tantona esfera teológica como na da pie-dade. São Lourenço de Brindisi cha-ma Maria “Mãe da Misericórdia”,para dizer que ela é “infinitamentem i s e r i c o rd i o s a ”; e Santo Afonso Ma-ria de Ligório apresenta Maria acimade tudo como a mãe com olhos mi-sericordiosos: Ela é «toda olhos, afim de nos amparar a nós, miserá-veis, nesta terra» (Le glorie di Maria,Valsele Tipografica, Materdomini,1987, pág. I, cap. I, pág. 221).

Por fim, mais uma vez com traçosrápidos e distantes, no nosso tempo,o título Mater misericordiae foi reite-rado, com especial solenidade, porSão João Paulo II em duas das suasencíclicas: Dives in misericordia e Re-demptoris Mater. Este título recebeuum novo impulso com o chamado“Missal Mariano Italiano” (1987) quededica oito formulários, de 39 a 46,à intercessão misericordiosa de Ma-ria. O formulário 39 traz de forma

explícita este título: “Virgem Mariarainha e mãe da misericórdia”.

Face a uma palavrasuave e inquietante

Quando se fala de misericórdia,como nesta ocasião da nova invoca-ção litânica Maria Mater misericor-diae, desejada pelo Papa Francisco,deparamo-nos com uma palavramuito suave (é a forma mais desejá-vel de amor) mas também complexa.Com efeito, sobre ela pesa uma his-tória de equívocos e incompreensões,a ponto de se poder falar de “miseri-córdia exilada” da nossa cultura, es-pecialmente porque prevaleceu aideia de que é considerada uma ati-tude fraca, renitente e até superfi-cial.

Certamente, misericórdia é umapalavra até perturbadora. Temos umsintoma disto quando vemos que foi“suspeita de ideologia” por KarlMarx, que vê nela uma presumívelantítese à justiça, ou até quandoFriedrich Nietzsche a define «a maisinsalubre das virtudes» (cf. F. Niet-zsche, L’Anticristo. Maledizione delcristianesimo, Milão, Adelphi, 1977,pp. 8-9).

Ao contrário, para os cristãos mi-sericórdia é uma palavra rica de pro-funda densidade misteriosa, que de-ve ser evidenciada tanto a nível gno-seológico como operacional, comofaz o Papa Francisco, na ótica doano jubilar da misericórdia (2015-2016) e, num certo sentido, dando-lhe a possibilidade de perdurar notempo. Ele confirma que a miseri-córdia não é oposta à justiça, não éa sua superação, mas a sua ultrapas-sagem. Assim, Maria não pode serconsiderada uma “Mãe da misericór-dia” em antítese à justiça divina.

Maria, mãe do Redentor

e “mãe do Juiz”

Misericórdia não é fraqueza, espe-cialmente em Deus, cujo amor infi-

a ela: «Recebe o que oferecemos,obtém o que pedimos, perdoa o quetememos, pois não encontramos nin-guém mais capaz do que tu, pelospróprios méritos, de aplacar a ira doJuiz, tu que mereceste ser a mãe doRedentor e do Juiz» (H. Barré, Priè-res anciennes de l’occident a la mère duSauveur. Des origines à sant Anselme,Paris, Lethieux, 1963, pág. 44). As-sim, pela sua existência pessoal, Ma-ria indica a conciliabilidade entremisericórdia e justiça. Pela sua parti-cipação no mistério da Cruz, ela éícone de Cristo como infinitamenteperdoador, ao passo que com o seuser imaculada e toda santa, é íconed’Ele como incorruptivelmente justo.

“Mater misericordiae”: um grande

título para uma grande Mãe

A grandeza da misericórdia estáimplícita no facto de sermos obriga-dos a ela, porque dela depende anossa salvação. «Precisamos sempre— afirma o Papa Francisco — de con-templar o mistério da misericórdia.É uma fonte de alegria, serenidade epaz. É uma condição da nossa salva-ção» (Bula Misericordiae vultus, 11 deabril de 2015, n. 2). Com o títuloMater misericordiae afirma-se queMaria é uma grande mulher porquea sua maternidade se refere a umarealidade de plenitude da misericór-dia. Pois nela tudo está contido: alei e os profetas dependem do amora Deus e aos irmãos (cf. Mt 22, 40).

De acordo com o Pontífice, «omistério da fé cristã parece encontrara sua síntese nesta palavra» (Miseri-cordiae vultus, 1). A misericórdia —embora seja uma palavra primária,central e final da história da salva-ção — cresceu na duna da indiferen-ça e do esquecimento: é um tema“imperdoavelmente negligenciado”,mas felizmente nas nossas últimasdécadas eleva-se uma intensa “invo-cação”, a ponto de se impor como«tema fundamental para o séculoXXI» (cf. W. Kasper, M i s e r i c o rd i a .Concetto fondamentale del Vangelo —Chiave della vita cristiana, Brescia,Queriniana, 2013, pp. 5-26).

Na misericórdia Deus manifesta-seplenamente e compromete a suahonra, que é a sua surpreendenteresponsabilidade. Segundo o méto-do inverso, poder-se-ia dizer que seDeus não exercesse a misericórdia,deveria ser temido porque seria umDeus irresponsável. Mas não é dadaesta hipótese, como diz o PapaFrancisco: «A misericórdia de Deusé a sua responsabilidade por nós»(Misericordiae vultus, 10). Portanto,na misericórdia há a semente de to-da a teologia cristã: tudo acontecedentro do seu arco, até o mistério deMaria, e portanto é grandioso afir-mar que a Mulher de Nazaré e Jeru-salém é a “Mãe” e que, consequente-mente, esta Mãe é colocada na or-dem do princípio.

Com a invocação Mater misericor-diae, inserida nas Ladainhas laureta-nas, o Papa Francisco deseja pedirao povo cristão que faça da miseri-córdia uma linha infalível no seu ca-

nito não justifica qualquerconceito simplista da vidacristã, dado que quer umamedida cada vez maior defidelidade: a misericórdia éo “có digo” exigente queconsidera parciais e insufi-cientes todos os nossoscomportamentos baseadosnas medidas mínimas do“que é devido”. No cristia-nismo não se dá um julga-mento sem misericórdia,nem uma misericórdia semjulgamento; por isso, «de-vemos manter em toda asua força a antítese justiçaincorruptível — perdão in-finito» (X. Tiliette, Labeatitudine della misericor-dia, in Communio [setem-bro-outubro de 1983], 11).

Maria, ao mesmo tem-po, é a mãe do Redentor,a mãe do Juiz, como Am-brósio Autperto — ummonge do século VIII emSan Vincenzo sul Voltur-no, nos arredores de Bene-vento – se expressa mara-vilhosamente, dirigindo-se CO N T I N UA NA PÁGINA 9

Page 8: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

número 31-32, terça-feira 4-11 de agosto de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Domenico Ghirlandaio“Nossa Senhora da Misericórdia”(Igreja de Todos os Santos, Florença)

minho sinodal rumo ao «Norte deDeus» (H.U. von Balthasar), que éo Céu.

Misericórdia e Maria“uma micro-história da salvação”

Chamando Maria com a expres-são original e densa «micro-históriada salvação» (Stefano De Fiores),pretende-se dizer que a Mãe doMessias brilha em filigrana em todosos caminhos de Deus, ou seja, nassuas formas de comportamento nahistória. Assim, para aprofundar a fi-gura da Virgem Maria, é necessárioexplorar a história da salvação, mastambém: olhando para a sua pessoae a sua participação na obra messiâ-nica de Jesus, pode-se ver o desígnioda história da graça com a qual oDeus trinitário salva os homens e to-da a criação.

Este desígnio sagrado mostra umarede abrangente de misericórdia, quepor isso, permeia toda a economiadas duas alianças, a ponto que é

possível dizer que “m i s e r i c ó rd i a ” éuma das palavras que melhor descre-ve a verdade do cristianismo: «Nãoé exagero dizer», escreve Rino Fisi-chella, «que com o conceito de mi-sericórdia se atinge uma das mais al-tas expressões da revelação cristã eao seu redor convergem os temascentrais da fé» (Sulla Teologia dellaM i s e r i c o rd i a , in Aa.Vv., M i s e r i c o rd i a .Volto di Dio e dell’umanità nuova,Milão, Edizioni Paoline, 1999, pág.119).

Com o seu título de Mater miseri-c o rd i a e , Maria lembra que partici-pou, e que ainda participa, numahistória de salvação cujo idealizadore primeiro sujeito é um Deus de mi-sericórdia, um Deus “empático” e“simpático”, Deus-Amor (cf. Jo 4,8). A misericórdia — recorda o PapaFrancisco — «tornou-se viva, visívele atingiu o seu ápice em Jesus deNazaré» (Misericordiae vultus, 1), que«nasceu de mulher» (Gl 4, 4): Jesusfoi gerado pela Virgem Mãe, que as-sim se tornou “Mãe de Misericórdia”ou Mãe do Misericordioso Redemp-tor hominis, que encarna ao máximo

a empatia e a simpatia do Pai pelohomem. Como Deus feito homem,Jesus aproxima Deus do homem e ohomem de Deus. Com esta duplaaproximação, Jesus prova que é o re-velador e o mediador de um Deusdos corações, ou seja, de um Deusde misericórdia que tem um coraçãoinclinado sobre os homens a fim deos salvar.

Com a Encarnaçãoque teve lugar na Mulher,

a misericórdiatorna-se história e cultura

No ventre de Maria, a misericór-dia de Deus entra nas veias da histó-ria salvífica. Nas Escrituras não ésimplesmente questão de um Deusque tem amor, mas de um Deus queé amor, aliás, que desde sempre émisericórdia: «A misericórdia faz dahistória de Deus com Israel uma his-tória de salvação. Repetindo cons-tantemente: “Eterna é a sua miseri-c ó rd i a ”, como diz o Salmo, parecequerer quebrar o círculo do espaço edo tempo para inserir tudo no mis-tério eterno do amor. É como se dis-sesse que não só na história, mas pa-ra a eternidade o homem estará sem-pre sob o olhar misericordioso doPai» (Misericordiae vultus, 7). A que-bra do espaço e do tempo do ho-mem ocorre no coração e nas entra-nhas da Virgem de Nazaré, quandose torna Mãe do Messias.

Contudo, Maria não é Mater mise-r i c o rd i a e só porque gerou o Filho mi-sericordioso, mas também porqueassumiu, como mãe messiânica, oprojeto trinitário de misericórdia me-diante os seus atos de cooperaçãocom o Filho salvador, e também fez

seu o plano divino na sua existênciapessoal, tornando-se modelo de mu-lher, irmã e mãe de misericórdia pa-ra todos. Como podemos ver, emMaria dá-se uma geometria parado-xal: mais do que qualquer outracriatura, ela mostrou que a imitaçãodo Deus misericordioso é em si mes-ma uma ascensão imitativa, que vaida base da experiência humana aoápice do mistério de Deus, e tam-bém que à perfeição da misericórdiado Pai se eleva, paradoxalmente, porum caminho horizontal rumo aos ir-mãos: «Misericórdia: é a lei funda-mental que habita no coração de ca-da pessoa, quando olha com olhossinceros para o irmão que encontrano caminho da vida» (M i s e r i c o rd i a evultus, 2).

Inserindo a invocação de Ma t e rm i s e r i c o rd i a e nas Ladainhas laureta-nas, o Papa Francisco quis recordar,entre outras coisas, a urgência damisericórdia de Deus para o nossotempo, que se apresenta, especial-mente aos mais fracos, com as man-díbulas abertas de um terrível tigrecínico. O princípio da misericórdia énecessário também para os dias futu-ros, que parecem incertos e muitasvezes ameaçadores. «A todos, cren-tes e distantes — o Papa deseja —possa chegar o bálsamo da miseri-córdia como sinal do Reino de Deusjá presente no meio de nós» (Miseri-cordiae vultus, 5).

Por fim, com a misericórdia, faz-se cultura. Maria, como mulher inse-rida na geografia e na história doshomens, com toda a sua humanida-de recorda-nos que a misericórdiadeve assumir os traços da concretu-de. Por conseguinte, cabe aos cris-tãos superar o distanciamento entrea misericórdia e a cultura. O PapaFrancisco lamenta «o esquecimentodo tema da misericórdia na culturados nossos dias» (Misericordiae vul-tus, 11). A preocupação do Papa de-ve ser compreendida e investigadacuidadosamente.

É inegável que existe um senti-mento de indiferença em relação àmisericórdia por parte da cultura,quer da cultura elevada quer da cul-tura entendida como vivência e co-mo paradigma sapiencial de vida.Neste último nível, o estridor entreas duas palavras é ainda maior: hojea regra fundamental subjacente aoscomportamentos é a mercantil do dout des e do do ut facias, do facio utdes e do facio ut facias, enquanto amisericórdia é colocada na perspeti-va do mistério do Deus trinitárioque recorda o princípio da paterni-dade e o problema do homem queevoca o da fraternidade, dois princí-pios que convergem no da gratuida-de.

Maria, mulher que vive dos donsde Deus desde o nascimento atéagora, que é a gloriosa no Céu, ad-moesta-nos amavelmente que a ma-triz extrema da vida é a gratuidade,o dom radical da misericórdia, cujarejeição é a única miséria insuperá-vel.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Mensagem aos jovens reunidos em Medjugorje

pessoa torna-se nova e recebe amissão de transmitir esta experiên-cia a outros, mas mantendo sempreo olhar fixo n’Ele, o Senhor.

Caros jovens, encontrastes esteolhar de Jesus que vos pergunta:«O que procurais»? Ouvistes a suavoz que vos diz: «Vinde ver»? Sen-tistes aquele impulso a iniciar o ca-minho? Destinai tempo para estarcom Jesus, para vos encher do SeuEspírito e estardes prontos para afascinante aventura da vida. Ide tercom Ele, ficai com Ele em oração,confiai-vos a Ele que é um peritodo coração humano.

Este bom convite do Senhor:“Vinde ver”, narrado pelo jovem eamado discípulo de Cristo, é tam-bém dirigido aos futuros discípulos.Jesus convida-vos a encontrar-voscom Ele e este Festival torna-seuma oportunidade para “vir e ver”.A palavra “vir”, além de indicar ummovimento físico, tem um significa-

do mais profundo e espiritual. Indi-ca um itinerário de fé cujo objetivoé “ver”, ou seja, experimentar o Se-nhor e, graças a Ele, ver o significa-do pleno e definitivo da nossa exis-tência.

O grande modelo da Igreja comum coração jovem, pronto a seguirCristo com vivacidade e docilidade,permanece sempre a Virgem Maria.A força do seu “sim” e daquele “fa-ça-se em mim” que ela disse ao an-jo impressiona-nos sempre. O seu“sim” significa entregr-se e assumirriscos, sem outra garantia que nãoseja a certeza de ser portadora deuma promessa. O seu «Eis a escra-va do Senhor» (Lc 1, 38) é o maisbonito exemplo que nos diz o queacontece quando o homem, na sualiberdade, se abandona nas mãos deDeus. Que este exemplo vos encan-te e guie! Maria é a Mãe «que velapelos filhos: por nós, seus filhos,que muitas vezes caminhamos navida cansados, carentes, mas desejo-sos que a luz da esperança não seapague. Isto é o que queremos: que

a luz da esperança não se apague.A nossa Mãe vê este povo peregri-no, povo jovem amado por Ela,que A procura fazendo silêncio nopróprio coração, ainda que hajamuito barulho, conversas e distra-ções» (Christus vivit, 48).

Queridos jovens, «correi atraídospor aquele Rosto tão amado, queadoramos na sagrada Eucaristia ereconhecemos na carne do irmãoque sofre. O Espírito Santo vos im-pulsione nesta corrida para a frente.A Igreja precisa do vosso ímpeto,das vossas intuições, da vossa fé»(ibid., 299). Na vossa corrida para oEvangelho, animada também poreste Festival, confio-vos a todos àintercessão da Bem-Aventurada Vir-gem Maria, invocando luz e forçado Espírito para que sejais verda-deiras testemunhas de Cristo. Poristo rezo e abençoo-vos, e peço-vostambém que rezeis por mim.

Roma, São João de Latrão,29 de junho de 2020

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Page 9: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 4-11 de agosto de 2020, número 31-32

O Dicastério para os leigos, a família e a vida relança o apelo do Papa aos jovens para que cuidem dos idosos

Não os deixeis sozinhosNa aliança entre as gerações há a recordação da avó Rosa e a relação com Bento XVI

MAU R I Z I O FO N TA N A

«Não os deixeis sozinhos!». Aten-cioso e preocupado, o Papa faz suasas dificuldades dos mais frágeis nes-te tempo marcado pela pandemia, epensa nos numerosos idosos que,nas redes do distanciamento social,correm o risco de precipitar na soli-dão e no abandono. Para os ajudaro Papa chamou os jovens, que consi-dera colaboradores privilegiados nes-ta obra, convidando-os a «fazer umgesto de ternura a favor dos idosos»,disse no Angelus de domingo, 26 dejulho, «especialmente os mais solitá-rios, nas casas e nas residências,aqueles que há muitos meses não ve-em os seus entes queridos. Caros jo-vens, cada um destes idosos é o vos-so avô!».

O apelo foi imediatamente reto-mado pelo Dicastério para os leigos,a família e a vida, que no seu site(www.laityfamilylife.va) lançou acampanha “Cada idoso é teu avô”.Uma iniciativa que, para envolverem maior medida as novas gerações,aposta também na difusão, em todosos canais sociais, do hashtag #sen-dyourhug «manda o teu abraço». Norespeito pelas normas de saúde emvigor nos vários países, trata-se doconvite muito concreto feito pelobispo de Roma: «Recorrei à fantasiado amor, fazei-lhes telefonemas, cha-madas em vídeo, enviai mensagens,ouvi-os e, se possível em conformi-dade com as normas médicas, ide

permitir, convidamos os jovens atornar ainda mais concreto o abraço,indo visitar pessoalmente os idosos».

O apelo de Francisco foi forte eao mesmo tempo confiante da partede quantos sentem e vivem um vín-culo profundo com as jovens gera-ções. Afinal de contas, ele mesmo sesente um avô a quem os netinhospodem recorrer a qualquer momen-to: como quando, durante a viagemàs Filipinas em janeiro de 2015, amultidão o chamou Lolo Kiko (“avôFr a n c i s c o ”) e ele disse várias vezesque se sente feliz com esta familiari-dade.

Sim, familiaridade. Com efeito, nabase desta solicitude está uma reali-dade que, desde o início do pontifi-cado, Bergoglio dispôs como centralno seu magistério, a da família. Ne-le, em particular, ressaltou constante-mente a importância de uma ponteentre as gerações, de uma aliança devida pela qual os jovens levam emfrente os sonhos dos idosos, e os ne-tos constroem o futuro sobre as raí-zes sólidas dos valores herdados dosavós. Perante uma sociedade queconsidera os idosos um fardo, umelemento improdutivo, um descarte,o Papa propõe incansavelmente a“riqueza dos anos” como um bemprecioso para a comunidade inteira.

Os idosos são a sabedoria da fa-mília, certamente não um peso inú-til; e mediante a sua experiência e asua memória, podem oferecer umacontribuição para a vida da socieda-de. Conceitos reiterados em váriasocasiões, nas homilias, nas cateque-ses, durante as viagens e as visitaspastorais, ou no recente Sínodo de-dicado aos jovens. Mas sem nuncaapostar em raciocínios teóricos.Quando Francisco fala desta relação,toca sempre a carne da vida, recordaanedotas, visualiza com palavras oque emerge da vida quotidiana. Eusa imagens concretas, como aquelaeloquente da árvore que, quando sedesprende das raízes, não cresce, nãodá flores nem frutos. «O que a árvo-re tem de florescido vem daquiloque tem de enterrado», disse no do-mingo passado, citando os versos dopoeta argentino Francisco Luis Ber-nárdez (1900-1978).

Quantas vezes o Pontífice se refe-riu, com discrição e ternura, ao rela-cionamento que o unia à queridaavó Rosa? À maneira como ela dis-tribuía pérolas de sabedoria e debom senso ao netinho; ao modo co-mo ela o ensinou a rezar? Numaocasião, explicou: «As palavras dosavós têm algo especial para os jo-vens. Também a fé se transmite as-sim, através do testemunho dos ido-sos, que fizeram dela o fermento daprópria vida. Sei isto por experiên-cia pessoal. Ainda hoje trago semprecomigo, no meu breviário, as pala-vras que a minha avó Rosa me deu

por escrito no dia da minha ordena-ção sacerdotal; leio-as frequentemen-te e fazem-me bem». E quantas ve-zes, transferindo essas imagens fami-liares para aquela que é a família daIgreja, Francisco falou de Bento XVI,o Papa emérito, como de um avôconfiável e sábio? «É como ter —disse numa entrevista — um avô sá-bio em casa!».

«Cada idoso é teu avô»: o apelodo Papa, na contingência de um pe-ríodo tão difícil para toda a socieda-de, faz renascer este tesouro e relan-ça aquela ponte entre as gerações,aquele nexo precioso entre raízes efuturo, que dá esperança à humani-dade. Porque — como disse o Pontí-fice em fevereiro passado, aos parti-cipantes no congresso «A riquezados anos», organizado precisamentepelo Dicastério para os leigos, a fa-mília e a vida — é preciso fitar osidosos «com um novo olhar», poistambém eles, como os jovens e comos jovens, «são o presente e o futuroda Igreja».

Dia dos trabalhadores rurais

Compartilhar osprodutos da terra

«Em nome do Papa Francisco etambém da minha parte, quere-mos manifestar a nossa alegriapelo bonito gesto de distribuiçãode alimentos que as famílias daReforma agrária no Brasil conti-nuam a fazer nestes tempos deCovid-19», escreveu o cardeal Mi-chael Czerny, subsecretário doDepartamento para os migrantese refugiados do Dicastério para oserviço do desenvolvimento hu-mano integral (Dsdhi), numamensagem enviada por ocasiãodo Dia dos trabalhadores rurais,celebrado no país latino-america-no no dia 25 de julho.

Agradecendo ao “Movimentodos sem-terra” (Mst) que distri-buiu mais de 2.500 toneladas dealimentos às famílias pobres, opurpurado salientou que «com-partilhar os produtos da terra pa-ra ajudar as famílias necessitadasnas periferias das cidades consti-tui um sinal do Reino de Deusque gera solidariedade e comu-nhão fraterna». A este propósito,recordando o episódio evangélicoda multiplicação dos pães e dospeixes, o cardeal Czerny acrescen-tou que «a partilha produz vida,cria vínculos fraternos e transfor-ma a sociedade», com a esperan-ça «de que este gesto se multipli-que e encoraje outras pessoas egrupos a fazer o mesmo».

O purpurado concluiu a men-sagem, desejando «que o EspíritoSanto vos proteja contra o vírus evos infunda coragem e esperançanestes tempos de isolamento so-cial!».

Um site por semana

Linhas-guia para a crise

FABIO BO L Z E T TA

«Expressar a preocupação e oamor da Igreja por toda a famíliahumana face à pandemia de Co-vid-19, especialmente através daanálise e reflexão sobre os desafiossocioeconómicos e culturais do fu-turo e a proposta de diretrizes paraos enfrentar». A Comissão do Vati-cano COVID-19 também está pre-sente online. O website, publicadono portal do Dicastério para o ser-viço do desenvolvimento humanointegral, recolhe as atividades doscinco grupos de trabalho (agir ago-ra para o futuro, olhar para o futu-ro com criatividade, comunicar es-perança, procurar diálogo e refle-xões comuns, apoiar para preser-

var) e dedica um espaço a reflexõesespirituais «que servem para que aalma encontre força e motivaçãopara ir jubilosa rumo ao futuro». Étambém possível subscrever o bole-tim informativo para receber sema-nalmente os resultados dos traba-lhos de investigação e de reflexãocientífica da Comissão sobre segu-rança, economia, ecologia e saúde.Entre os meios de comunicação so-cial do Vaticano, é enorme o esfor-ço de Vatican news, que emw w w.v a t i c a n n e w s .v a / i t / e v e n t s / c o -vid-19.html, publica uma recolhadiária e constantemente atualizadade notícias em “Especial Covid-19além da crise”.

w w w. h u m a n d e v e l o p -m e n t .v a / i t / v a t i c a n - c o v i d - 1 9 . h t m l

também visitá-los.Mandai-lhes umabraço!». Depois, osposts mais significa-tivos serão relança-dos pelo portal. Deresto, como se lênum comunicado doDicastério, nestesmeses muitas Confe-rências episcopais,associações e fiéis in-dividualmente, com«a fantasia doamor», encontraramo modo de transmitiraos idosos sozinhos aproximidade da co-munidade eclesial.Agora, acrescenta-se,«onde for possível,ou quando a emer-gência sanitária o

Page 10: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

número 31-32, terça-feira 4-11 de agosto de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

RenúnciaO Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

A 24 de julhoDe D. Salvatore Pappalardo, ao go-verno pastoral da Arquidiocese Me-tropolitana de Siracusa (Itália).

NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

No dia 24 de julhoArcebispo Metropolitano de Siracu-sa (Itália), o Rev.do Pe. FrancescoLomanto, do clero da Diocese de

Caltanissetta, até agora Docente eReitor da Pontifícia Faculdade Teo-lógica da Sicília «San GiovanniEvangelista», em Palermo.

D. Francesco Lomanto nasceu nodia 2 de março de 1962, em Musso-meli, Diocese de Caltanissetta, na Itá-lia, e recebeu a Ordenação presbiteralem 29 de junho de 1986.

No dia 27 de julhoDiretor da Direção de Saúde e Hi-giene do Governatorato do Estadoda Cidade do Vaticano, Sua Ex.cia oProf. Andrea Arcangeli, até esta dataVice-Diretor da mesma Direção. Anomeação entrará em vigor no dia 1de agosto.

No dia 29 de julhoBispo da Diocese de Balsas-MA(Brasil), o Rev.do Pe. Valentim Fa-gundes de Meneses, M.S.C., até àpresente data Superior Provincialdos Missionários do Sagrado Cora-ção da Província do Rio de Janeiro,com sede em Juiz de Fora-MG.

D. Valentim Fagundes de Meneses,M.S.C., nasceu a 22 de julho de 1953em Agualva, na ilha dos Açores, Dioce-se de Angra (Portugal). Estudou filo-sofia na pontifícia Universidade católi-ca de Campinas e teologia na pontifícia

Faculdade de teologia Nossa Senhorada Assunção, em São Paulo. Em 2 defevereiro de 1979 emitiu a profissão re-ligiosa na congregação dos missionáriosdo Sagrado Coração de Jesus e foi or-denado Sacerdote em 2 de julho de1982. Em seguida, desempenhou os se-guintes cargos: vigário paroquial(1983-1985) e depois pároco (1986-1988) de Pai Eterno e São José, nobairro Cidade de Deus no Rio de Ja-neiro; pároco em Salvador (1989-1991), da Imaculada Conceição emNova Iguaçu (1992-1996), de NossaSenhora das Dores em Floresta doAraguaia (1997-2001) e, sucessiva-mente, de Buen Pastor de Turubambaem Quito, no Equador (2002-2007).Voltou para o Brasil como vigário pa-roquial de Nossa Senhora do SagradoCoração em Contagem (2008), foi pá-roco de Nossa Senhora da Ajuda emMonte Formoso (2009-2011) e deNossa Senhora do Sagrado Coração emPraça Seca (2012-2014). Na sua con-gregação foi formador dos estudantesde filosofia em Belford Roxo (1992-1996) e no seminário menor, em San-tíssima Conceição do Araguaia (1997-2001), vice-provincial (2012-2014) edepois superior (2014-2020) da Pro-víncia do Rio de Janeiro. Além disso,desempenhou a função de conselheiroda Conferência dos religiosos do Brasilem Brasília-DF (1984-1988) e deprofessor de teologia pastoral no Insti-tuto filosófico e teológico Paulo VI, emNova Iguaçu (1992-1996).

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 19 de julho

D. Louis Dicaire, Bispo Titular deThizica, ex-Auxiliar da Diocese deSaint-Jean-Longueuil, no Canadá.

O saudoso Prelado nasceu em Mon-treal (Canadá), a 29 de agosto de1946. Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 20 de janeiro de 1974 e foi or-denado Bispo em 25 de março de1999.

A 24 de julho

D. Bernard Mosiuoa Mohlalisi, Bis-po Emérito de Maseru (Lesoto).

O ilustre Prelado nasceu na locali-dade de Ha’Malijeng, no Lesoto, a 16de março de 1933. Foi ordenado Sacer-dote em 14 de julho de 1963, para osOblatos de Maria Imaculada, e recebeua Ordenação episcopal no dia 7 de ou-tubro de 1990.

A 26 de julho

D. Rafael Barraza Sánchez, BispoEmérito da Diocese de Mazatlán, noMéxico.

O venerando Prelado nasceu emDurango (México), no dia 24 de ou-tubro de 1928. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal em 28 de outubro de 1951 efoi ordenado Bispo no dia 25 de janei-ro de 1980.

Apoio das congregações religiosas a quantos deixaram o norte do país devido à violência das milícias

Solidariedade face ao terror em Moçambique

ENRICO CASALE

Chegam apenas com as roupas queusavam no momento da fuga. Háterror nos seus olhos. Um medo pro-fundo que os abala. Viram as suasaldeias arrasadas. Os seus amigos eparentes mortos sem razão aparente.Conseguiram salvar-se, mas nadavoltará a ser como antes. São os re-fugiados que fogem da província deCabo Delgado para se refugiar naprovíncia vizinha de Nampula. Esta-mos no extremo norte de Moçambi-que onde, desde há três anos, as mi-lícias espalham o pânico entre a po-pulação local.

«Ninguém sabe quem são os au-tores destes ataques, explicou o pa-dre Arlain Pierre, haitiano, missioná-rio scalabriniano em Nampula. Pro-clamaram-se milicianos jihadistaspertencentes ao Estado islâmico. Al-guns analistas afirmaram que pode-ria ser um joguete na luta pelo con-trole dos poços de petróleo de que aregião é rica. Atualmente difundiu-sea tese generalizada de que são mili-cianos ligados ao tráfico de drogas.Talvez esta tese se aproxime da reali-dade, porque o norte de Moçambi-que poderia tornar-se uma área es-tratégica para o tráfico de drogasprovenientes da Ásia Central. É difí-cil dizer onde está a verdade».

Perante os ataques, o Estado re-forçou o contingente de soldados epolícias. A África do Sul e a Rússia

prometeram o apoio na luta contraas milícias. O próprio presidente Fi-lipe Nyusi pediu ajuda aos países vi-zinhos, falando desta ameaça comode «um perigo comum».

Os primeiros ataques foram orga-nizados na área rural da provínciade Cabo Delgado em 2017. Inicial-mente os milicianos visavam peque-nas aldeias. Atacaram-nas e matarambrutalmente homens, mulheres ecrianças. Incendiaram as cabanas eas colheitas. E no final, desaparece-ram e regressaram aos seus refúgios.Por dois anos, os principais alvos fo-ram as aldeias. Depois, este ano,houve o “salto de qualidade”. A 23de março, os rebeldes fizeram o seulance mais ousado, conquistando acidade de Mocímboa da Praia reti-rando-se em seguida. Dois dias maistarde conquistaram Quissanga, cemquilómetros a norte de Pemba. Estesataques demonstraram uma melhorcapacidade militar e, acima de tudo,foram perpetrados com armas maismodernas (em vez dos machetes efacas que foram utilizados no iní-cio). Já há mais de mil vítimas.

O terror espalhou-se por toda aprovíncia do norte. «O povo está as-sustado e foge das aldeias — obser-vou o padre Arlain — já há dois milrefugiados só em Namialo, e cente-nas aqui em Nampula. Fogem daviolência e da destruição que abalama província norte de Cabo Delgado

há vários meses. A situação é delica-da!».

Os refugiados chegam à provínciade Nampula em condições difíceis.Muitos escaparam à violência e fugi-ram de casa com o pouco que po-diam carregar. Por isso, falta tudo. Acomunidade de Nampula mobilizou-se e começou uma corrida de solida-riedade. As pessoas recolhem ali-mentos e roupas para doar à Cáritaslocal. Esta, por sua vez, distribui-osaos refugiados. «Estamos tambémmuito comprometidos como congre-gações religiosas — disse o padre Ar-lain — nós scalabrinianos trabalha-mos em conjunto com os combonia-nos, espiritanos, claretianos e os mis-sionários da Consolata. Entraram emcampo também religiosas de diferen-tes congregações. Foram acolhidas300 pessoas na paróquia da SantaCruz, dirigida pelos combonianos.Reunimo-nos periodicamente parafazer um balanço das necessidades edepois tomamos medidas para reco-lher o que for necessário».

A Igreja local trabalha em colabo-ração com a Defesa civil nacional,mesmo que nem sempre seja fácildistribuir a ajuda. Muitas pessoasque fugiram do norte são acolhidaspor familiares e amigos que vivemna província de Nampula. Estão es-palhados por todo o território e édifícil alcançá-los. «Infelizmente oufelizmente não há campos de deslo-cados onde concentrar ajuda e assis-

tência — explicou o padre Arlain — epor isso é necessário percorrer todoo território para levar o nosso apoioa estas pessoas».

Muitas delas, além da ajuda mate-rial, necessitam de apoio médico epsicológico. Foram submetidas atraumas muito severos. «Os testemu-nhos recolhidos — disse o missioná-rio — falam de violência sem prece-dentes. De milicianos que espancame matam membros de pequenas co-munidades. Desta forma, assim quepressentem um ataque, as pessoascorrem para se refugiar na floresta, àespera que os milicianos partam.São momentos de puro terror! Têmmedo de ser descobertas e elimina-das. Muitas vezes, entre outras coi-sas, quando regressam à sua aldeia,encontram as suas casas arrasadas,os seus bens destruídos ou rouba-dos, as suas colheitas saqueadas. Ochoque é enorme, especialmente nascamadas mais vulneráveis da popu-lação, os idosos e as crianças».

Há medo também na populaçãode Nampula. «Esta região — con-cluiu o scalabriniano — foi um doscentros da longa guerra civil travadaem Moçambique nos anos oitenta einício dos anos noventa. A memóriados combates e das privações aindaestá viva. Existe o medo de que anova violência chegue também aquie envolva a população local. Nin-guém quer precipitar num novo con-flito».

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......essencial para enfrentar a pobreza e o sofrimento deste mundo, especial-mente neste grave momento». Inspi-rando-se

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 4-11 de agosto de 2020, número 31-32

Sem trabalhofamílias e sociedadenão vão em frente

Novas formas de solidariedade para o pós-pandemia

ANGELUS

Com o gesto da multiplicação dos pães «Jesus pretende educar os seus amigosde ontem e de hoje na lógica de Deus», a «de se ocupar do próximo»: foi alição que Francisco tirou do Evangelho de domingo, 2 de agosto, comentadoda janela do estúdio particular do Palácio apostólico do Vaticano antes derecitar a prece mariana do meio-dia com os fiéis presentes na praça de SãoPedro — no respeito das medidas de segurança adotadas para evitar a difusãodo contágio de Covid-19 — e com quantos o seguiam através da mídia.

Com este gesto Jesus manifestao seu poder, não de uma forma es-petacular, mas como um sinal dacaridade, da generosidade de DeusPai para com os seus filhos cansa-dos e oprimidos. Está imerso na vi-da do seu povo, compreende o seucansaço, compreende os seus limi-tes, mas não deixa que ninguém seperca ou desfaleça: alimenta com asua Palavra e dá comida abundantepara o sustento.

Nesta narração evangélica perce-be-se também a referência à Euca-ristia, especialmente quando des-creve a bênção, o partir do pão, aentrega aos discípulos, a distribui-ção ao povo (v. 19). E deve notar-se quão estreita é a ligação entre opão eucarístico, alimento para a vi-da eterna, e o pão quotidiano, ne-cessário para a vida terrena. Antesde se oferecer ao Pai como Pão desalvação, Jesus ocupa-se da comidapara aqueles que O seguem e que,para estar com Ele, se esqueceramde tomar providências. Por vezes oespírito e a matéria estão em con-traste, mas na realidade o espiritua-lismo, tal como o materialismo, éalheio à Bíblia. Não é uma lingua-gem da Bíblia.

A compaixão, a ternura que Je-sus mostrou para com as multidõesnão é sentimentalismo, mas a ma-nifestação concreta do amor quecuida das necessidades das pessoas.E somos chamados a aproximar-nos da mesa eucarística com estasmesmas atitudes de Jesus: [antesde tudo] compaixão pelas necessi-dades dos outros. Esta palavra é re-petida no Evangelho quando Jesusvê um problema, uma doença ouaquelas pessoas sem comida.“Compadeceu-se delas”. A compai-xão não é um sentimento puramen-te material; a verdadeira compaixãoé sofrer com, assumir as dores dosoutros. Talvez hoje nos faça bemperguntar a nós mesmos: sintocompaixão? Quando leio as notí-cias sobre guerras, fome, pande-

mias, tantas coisas, será que sintocompaixão por essas pessoas? Seráque tenho pena das pessoas que es-tão próximas de mim? Sou capazde sofrer com elas, ou olho para ooutro lado ou digo “que se arran-jem”? Não esquecer esta palavra“compaixão”, que é confiança noamor providente do Pai e significapartilha corajosa.

Que Maria Santíssima nos ajudea percorrer o caminho que o Se-nhor nos mostra no Evangelho dehoje. É o caminho da fraternidade,que é essencial para enfrentar a po-breza e o sofrimento deste mundo,especialmente neste momento gra-ve, e que nos projeta para além dopróprio mundo, porque é um cami-nho que começa com Deus e re-gressa a Deus.

No final do Angelus o Pontífice rezoupelo «povo da Nicarágua que sofredevido ao atentado à Catedral deManágua», falou da indulgênciaplenária oferecida pelo “Perdão deAs s i s ” e desejou um relançamento doemprego sobretudo em vista do pós-pandemia.

Amados irmãos e irmãs!Estou a pensar no povo da Nicará-gua que sofre devido ao atentado àCatedral de Manágua, onde a mui-to venerada imagem de Cristo, queacompanhou e sustentou a vida dopovo fiel ao longo dos séculos, foigravemente danificada — quasedestruída. Queridos irmãos nicara-guenses, estou próximo de vós erezo por vós.

De ontem até à meia-noite dehoje comemora-se o “Perdão deAssis”, o dom espiritual que São

Francisco obteve de Deus atravésda intercessão da Virgem Maria. Éuma indulgência plenária que podeser recebida aproximando-se dosSacramentos da Confissão e da Eu-caristia e visitando uma igreja pa-roquial ou franciscana, recitando oCredo, o Pai-Nosso e orando peloPapa e pelas suas intenções. A in-dulgência também pode ser conce-dida a uma pessoa falecida. Comoé importante pôr sempre no centroo perdão de Deus, que “gera o pa-raíso” em nós e à nossa volta, esteperdão que vem do coração deDeus que é misericordioso!

Saúdo-vos com afeto a vós aquipresentes, Romanos — muitos! — eperegrinos: vejo ali os alpinos dePalosco, saúdo-os! Também muitosbrasileiros acolá, com as bandeiras.Saúdo todos, inclusive os devotosda Imaculada, sempre presentes.

E estendendo os meus pensa-mentos a todos aqueles que estãoligados, espero que durante esteperíodo muitos possam viver al-guns dias de descanso e contactocom a natureza, para recarregartambém a dimensão espiritual. Aomesmo tempo, espero que, com oempenho convergente de todos oslíderes políticos e económicos, otrabalho seja relançado: sem traba-lho as famílias e a sociedade nãopodem ir em frente. Rezemos poreste que é e será um problema dapós-pandemia: pobreza, falta detrabalho. E é necessária muita soli-dariedade e criatividade para resol-ver este problema.

Desejo a todos bom domingo. Epor favor não vos esqueçais de re-zar por mim. Bom almoço e até àvista!

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste Domingo apre-senta-nos o prodígio da multiplica-ção dos pães (cf. Mt 14, 13-21). Acena verifica-se num lugar deserto,onde Jesus se tinha retirado com osseus discípulos. Mas as pessoas vãoprocuram-no para o ouvir e ser cu-radas: de facto as suas palavras egestos curam e dão esperança. Aopôr do sol, as multidões ainda láestão, e os discípulos, homens prá-ticos, convidam Jesus a despedi-laspara que possam ir buscar comida.Mas Ele responde: «Dai-lhes vósde comer» (v. 16). Imaginemos osrostos dos discípulos! Jesus sabemuito bem o que está prestes a fa-zer, mas quer mudar a atitude de-les: não diz “despedi-os, que se de-senrasquem, que encontrem sozi-nhos de comer”, não, mas “o quenos oferece a Providência para par-tilhar? Duas atitudes contrárias. EJesus quer levá-los à segunda atitu-de, porque a primeira proposta é aproposta de um homem prático,mas não é generosa: “desp edi-os,deixai que vão, que se arranjem”.Jesus pensa de outra forma. Jesus,através desta situação, quer educaros seus amigos de ontem e de hojena lógica de Deus. E qual é a lógi-ca de Deus que vemos aqui? A ló-gica de cuidar do próximo. A lógi-ca de não lavar as mãos, a lógicade não olhar para o outro lado. Alógica de cuidar do outro. “Que searranjem” não faz parte do vocabu-lário cristão.

Assim que um dos Doze diz,com realismo: «Mas não temosaqui senão cinco pães e dois pei-xes», Jesus responde: «Trazei-moscá». (vv. 17-18). Toma essa comidanas suas mãos, levanta os olhos aocéu, recita a bênção e começa apartir e dá as porções aos discípu-los para distribuir. E esses pães epeixes não se esgotam, são sufi-cientes para satisfazer milhares dep essoas.