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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 17 (2.462) Cidade do Vaticano quinta-feira 27 de abril de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!&!#!_! Francisco dedicou uma missa ao patriarca copta Tawadros II e transmitiu uma mensagem vídeo ao povo egípcio Consolação para os cristãos e fraternidade a favor do mundo islâmico A poucas horas da viagem ao Egito, o Papa Francisco trans- mitiu uma mensagem vídeo ao povo egípcio. «Com o cora- ção jubiloso e grato — disse — daqui a poucos dias irei visitar a vossa amada Pátria» onde Deus «fez ouvir a sua voz». O Pontífice disse que «se sente feliz por ir como amigo, como mensageiro de paz e como peregrino ao país que ofereceu amparo e hospitalidade à Sagrada Família». Depois de ter agradecido ao presidente da República, ao patriarca Tawa- dros II, ao grão-imame de Al-Azhar e ao patriarca copta ca- tólico que o «convidaram», e «todas as pessoas que traba- lharam e trabalham para tornar esta viagem possível», o Pa- pa exprimiu o desejo de que a sua «visita seja um abraço de consolação e encorajamento a todos os cristãos do Médio Oriente; uma mensagem de amizade e estima a todos os ha- bitantes do Egito e da Região; uma mensagem de fraternida- de e reconciliação a todos os filhos de Abraão, em especial ao mundo islâmico, onde o Egito ocupa um lugar de desta- que». E fez votos para que a presença do Pontífice «seja também uma válida contribuição para o diálogo inter-religio- so com o mundo islâmico e para o diálogo ecuménico com a venerada e amada Igreja copta ortodoxa». Francisco concluiu frisando que «o mundo, dilacerado pe- la violência cega» — que atingiu inclusive o coração do Egito — tem cada vez mais «necessidade de paz, amor e misericór- dia», assim como de agentes de paz e de pessoas corajosas que sabem aprender do passado para construir o futuro sem se fechar nos preconceitos». PÁGINAS 8 E 9 Na basílica romana de São Bartolomeu o Pontífice rezou pelos novos mártires Mortos unicamente por serem discípulos de Jesus Poluição luminosa D esapareceu a Via Láctea GUY CONSOLMAGNO NA PÁGINA 2 Aos sacerdotes Milani e Mazzolari Homenagem do Papa PÁGINA 7 Assembleia plenária da Cnbb Iniciação à vida cristã A partir de 26 de abril até 5 de maio realiza-se no santuário de Aparecida, Estado de São Paulo, a assembleia plenária da Cnbb, cujo tema princi- pal é «Iniciação à vida cristã». Parti- cipam mais de trezentos e setenta prelados. O arcebispo de Brasília e presi- dente da Cnbb, cardeal Sérgio da Rocha, esclareceu a exigência desta escolha, especificando que «a inicia- ção cristã se aplica a quantos estão para ser introduzidos na fé, sejam crianças, jovens ou adultos. É neces- sário prestar mais atenção à iniciação cristã, isto é ao catecismo em primei- ro lugar, mas também aos ritos, a partir do batismo que deve ser mais valorizado, preparado e vivido me- lhor». O secretário-geral da Cnbb, D. Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxi- liar de Brasília, afirmou que é neces- sária a presença de «cristãos ativos e animados, corajosos e misericordio- sos», a fim de radicar nos brasileiros o espírito evangélico que, através da sua consolidação, afastem as «ervas daninhas do egoísmo, da injustiça e da desigualdade social». FEDERICO JORIO NA PÁGINA 6 Legendário Sforza-Savoia, «Fuga para o Egito» (1476) Os cristãos perseguidos por causa da fé e com eles os refugiados em fuga das guerras foram recordados pelo Papa Francisco durante a litur- gia da Palavra em memória dos no- vos mártires, presidida na tarde de sábado, 22 de abril, na basílica ro- mana de São Bartolomeu na Ilha Tiberina. O Pontífice foi à igreja confiada à comunidade de Santo Egídio que conserva o memorial das testemu- nhas da fé dos séculos XX e XXI, pa- ra presidir à liturgia da Palavra. A sugestiva cerimónia foi caraterizada pelo testemunho da irmã do padre Jacques Hamel. Na homilia o Papa recordou que «há também tantos mártires escondidos, aqueles ho- mens e mulheres fiéis à força do amor, à voz do Espírito Santo, que na vida de cada dia procuram aju- dar os irmãos e amar Deus sem he- sitações». E atualizando a reflexão constatou: «Quantas comunidades cristãs são hoje objeto de persegui- ção!». A este propósito acrescentou ao texto preparado um longo pará- grafo improvisado, para contar a vi- cissitude de que tomou conheci- mento durante a visita a Lesbos, de uma mulher cristã degolada pelos terroristas por se ter recusado de lançar ao chão a cruz que trazia ao peito. Quem lha referiu foi o mari- do de fé muçulmana, testemunha ocular do atroz assassínio. No final da visita o Pontífice en- controu-se nos locais do andar su- perior da basílica com sessenta re- fugiados: vítimas do tráfico, meno- res não acompanhados, imigrantes, alguns dos quais chegaram à Itália graças aos corredores humanitários organizados pela comunidade de Santo Egídio. Comovido com as suas histórias, antes de se despedir, falou de novo improvisando sobre o drama das migrações. «Nós somos uma civilização que não tem filhos — disse — mas também fechamos a porta aos migrantes. A isto cha- ma-se suicídio». PÁGINA 3

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 17 (2.462) Cidade do Vaticano quinta-feira 27 de abril de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!&!#!_!

Francisco dedicou uma missa ao patriarca copta Tawadros II e transmitiu uma mensagem vídeo ao povo egípcio

Consolação para os cristãose fraternidade a favor do mundo islâmico

A poucas horas da viagem ao Egito, o Papa Francisco trans-mitiu uma mensagem vídeo ao povo egípcio. «Com o cora-ção jubiloso e grato — disse — daqui a poucos dias irei visitara vossa amada Pátria» onde Deus «fez ouvir a sua voz». OPontífice disse que «se sente feliz por ir como amigo, comomensageiro de paz e como peregrino ao país que ofereceuamparo e hospitalidade à Sagrada Família». Depois de teragradecido ao presidente da República, ao patriarca Tawa-dros II, ao grão-imame de Al-Azhar e ao patriarca copta ca-tólico que o «convidaram», e «todas as pessoas que traba-lharam e trabalham para tornar esta viagem possível», o Pa-pa exprimiu o desejo de que a sua «visita seja um abraço deconsolação e encorajamento a todos os cristãos do MédioOriente; uma mensagem de amizade e estima a todos os ha-bitantes do Egito e da Região; uma mensagem de fraternida-de e reconciliação a todos os filhos de Abraão, em especialao mundo islâmico, onde o Egito ocupa um lugar de desta-que». E fez votos para que a presença do Pontífice «sejatambém uma válida contribuição para o diálogo inter-religio-so com o mundo islâmico e para o diálogo ecuménico com avenerada e amada Igreja copta ortodoxa».

Francisco concluiu frisando que «o mundo, dilacerado pe-la violência cega» — que atingiu inclusive o coração do Egito— tem cada vez mais «necessidade de paz, amor e misericór-dia», assim como de agentes de paz e de pessoas corajosasque sabem aprender do passado para construir o futuro semse fechar nos preconceitos».

PÁGINAS 8 E 9

Na basílica romana de São Bartolomeu o Pontífice rezou pelos novos mártires

Mortos unicamentepor serem discípulos de Jesus

Poluição luminosa

D esapareceua Via Láctea

GUY CONSOLMAGNO NA PÁGINA 2

Aos sacerdotes Milani e Mazzolari

Homenagem do Papa

PÁGINA 7

Assembleia plenária da Cnbb

Iniciaçãoà vida cristã

A partir de 26 de abril até 5 de maiorealiza-se no santuário de Aparecida,Estado de São Paulo, a assembleiaplenária da Cnbb, cujo tema princi-pal é «Iniciação à vida cristã». Parti-cipam mais de trezentos e setentap re l a d o s .

O arcebispo de Brasília e presi-dente da Cnbb, cardeal Sérgio daRocha, esclareceu a exigência destaescolha, especificando que «a inicia-ção cristã se aplica a quantos estãopara ser introduzidos na fé, sejamcrianças, jovens ou adultos. É neces-sário prestar mais atenção à iniciaçãocristã, isto é ao catecismo em primei-ro lugar, mas também aos ritos, apartir do batismo que deve ser maisvalorizado, preparado e vivido me-lhor».

O secretário-geral da Cnbb, D.Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxi-liar de Brasília, afirmou que é neces-sária a presença de «cristãos ativos eanimados, corajosos e misericordio-sos», a fim de radicar nos brasileiroso espírito evangélico que, através dasua consolidação, afastem as «ervasdaninhas do egoísmo, da injustiça eda desigualdade social».

FEDERICO JORIO NA PÁGINA 6

Legendário Sforza-Savoia, «Fuga para o Egito» (1476)

Os cristãos perseguidos por causada fé e com eles os refugiados emfuga das guerras foram recordadospelo Papa Francisco durante a litur-gia da Palavra em memória dos no-vos mártires, presidida na tarde desábado, 22 de abril, na basílica ro-mana de São Bartolomeu na IlhaTib erina.

O Pontífice foi à igreja confiadaà comunidade de Santo Egídio queconserva o memorial das testemu-nhas da fé dos séculos XX e XXI, pa-ra presidir à liturgia da Palavra. Asugestiva cerimónia foi caraterizadapelo testemunho da irmã do padreJacques Hamel. Na homilia o Paparecordou que «há também tantosmártires escondidos, aqueles ho-mens e mulheres fiéis à força doamor, à voz do Espírito Santo, quena vida de cada dia procuram aju-dar os irmãos e amar Deus sem he-sitações». E atualizando a reflexãoconstatou: «Quantas comunidadescristãs são hoje objeto de persegui-ção!». A este propósito acrescentouao texto preparado um longo pará-grafo improvisado, para contar a vi-cissitude de que tomou conheci-mento durante a visita a Lesbos, deuma mulher cristã degolada pelosterroristas por se ter recusado delançar ao chão a cruz que trazia aopeito. Quem lha referiu foi o mari-do de fé muçulmana, testemunhaocular do atroz assassínio.

No final da visita o Pontífice en-controu-se nos locais do andar su-perior da basílica com sessenta re-fugiados: vítimas do tráfico, meno-res não acompanhados, imigrantes,

alguns dos quais chegaram à Itáliagraças aos corredores humanitáriosorganizados pela comunidade deSanto Egídio. Comovido com assuas histórias, antes de se despedir,falou de novo improvisando sobre odrama das migrações. «Nós somosuma civilização que não tem filhos— disse — mas também fechamos aporta aos migrantes. A isto cha-ma-se suicídio».

PÁGINA 3

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

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Poluição luminosa e tormentos dos astrónomos

D esapareceua Via Láctea

de TucsonGUY CONSOLMAGNO

Acontrovérsia sobre a nova ilu-minação das ruas de Romacom lâmpadas LED foi retoma-

da pela imprensa norte-americanacom artigos que saíram tanto em«The New York Times» como tam-bém no Smithsonian online(www.smithsonianmag.com), publi-cação do Smithsonian Institute deWa s h i n g ton D C. E chegou a tornar-se um tema de debate entre os nos-sos colegas astrónomos aqui em Tuc-son, centro mundial da astronomia,bem como sede geral da Internatio-nal Dark Sky Association( w w w. d a r k s k y. o rg ) .

A poluição luminosa é o tormentode todos os astrónomos. Quando asluzes das cidades se propagam nocéu, torna-se impossível observar asgaláxias e nebulosas ténues. O Ob-servatório Astronómico do Vaticanoposicionou o seu telescópio moder-no no Arizona, precisamente a se-guir à crescente poluição luminosanos arredores de Castel Gandolfoque, desde 1980, tornou impossíveisas observações a partir dos nossostelescópios ali instalados. E na reali-dade, nos anos trinta do século pas-sado já nos tínhamos transferido deRoma para Castel Gandolfo exata-mente pelo mesmo motivo, ou seja,para evitar a florescente iluminaçãodas ruas de Roma.

Não obstante disponha das nor-mas mais rígidas do mundo sobre ailuminação das ruas, também emTucson nos últimos cinquenta anoso aumento da população foi tãogrande que chegou a incidir sobremuitos dos telescópios instalados nasmontanhas circunvizinhas. Hoje énecessário construir telescópiosmaiores no deserto no norte do Chi-le ou em remotas ilhas vulcânicas si-tuadas no oceano Atlântico ou noPa c í f i c o .

No entanto, não só a astronomia éprejudicada pela imprudente instala-ção excessiva de luzes nas cidades. Amigração de animais interrompe-se.As tartarugas recém-nascidas naspraias localizadas nos arredores dasestruturas de férias iluminadas comholofotes não conseguem encontraro oceano e morrem. Em muitas cida-des os pássaros voam até morrer,volteando entre os arranha-céus ilu-minados. Além dos pássaros e dastartarugas, interfere-se também nociclo vital animal do homem: o sono

é dificultado pelo excesso de luzazul que, durante a noite, entra pe-las nossas janelas. Este representaum dos principais problemas ligadosao excesso de iluminação das ruascom lâmpadas L E D.

Paradoxalmente, estas luzes cinti-lantes nas cidades são quase inúteispara as exigências humanas. É evi-dente que a luz voltada para o chãopode ajudar quantos caminham equem guia um carro; mas há alguémque anda pelo céu? E todavia, mui-tas das luzes das nossas cidades es-tão voltadas para o alto, onde nãosão necessárias. Uma ruela ilumina-da dá a ilusão de segurança, mas narealidade a maior parte das luzes dasruas produzem sombras profundasnas quais os ladrões se podem es-conder impunemente. Entretanto, osgrafiteiros ficam felizes por ver osmuros que continuam a deturpar!

Muitas vezes, as iluminações dascidades são projetadas prestandomais atenção à sua aparência diurna

quando as estrelas e a lua permane-cem ocultas. Hoje, ao contrário, asnuvens baixas simplesmente refletema nossa iluminação humana, trans-formando uma noite nublada numdia mal iluminado.

E hoje em dia, quantas criançasviram a Via Láctea?

Uma história narrada pelos astró-nomos explica este problema. Em1992, quando em Los Angeles umtremor de terra ocorrido de madru-

crituras preferidos, mas o seu signifi-cado torna-se obscuro, se não tiver-mos uma experiência concreta da es-curidão... ou a capacidade de ver asestrelas que resplandecem nestas tre-vas.

A liturgia da vigília pascal começacom uma celebração da luz na noite,e a primeira leitura é a narração dacriação do universo no Génesis, como fiat: «Faça-se a luz!». Sem dúvida,a luz é algo bom. E pensamos na es-curidão como no inimigo desta luz.No entanto, o obscurecimento espi-ritual não é a mesma coisa que a es-curidão da noite. Na sua homilia davigília pascal na basílica de São Pe-dro em 2012, Bento XVI d e s c re v e umuito bem esta diferença: «A escuri-dão que verdadeiramente ameaça ohomem é a constatação de que, narealidade, ele é capaz de ver e inves-tigar as coisas palpáveis, materiais,mas não vê para onde vai o mundoe de onde o mesmo vem; para ondevai a sua própria vida; o que é obem e o que é o mal».

Se não conseguirmos ver a dife-rença entre o bem e o mal, então pa-ra que servem todas as outras luzesque temos, todos os frutos das nos-sas conquistas tecnológicas? As nos-sas luzes artificiais podem ser ex-traordinários sinais de progresso,sim; contudo, Bento XVI re c o rd o u -nos que «são uma verdadeira amea-ça para a nossa existência e para omundo em geral».

A luz criada por Deus infunde vi-da. E o que podemos dizer da luzque procuramos criar sozinhos, parasubstituir a luz de Deus? «Hoje po-demos iluminar as nossas cidades demodo tão deslumbrante que as estre-las do céu deixam de ser visíveis —observava ainda Bento XVI — e por-ventura não temos aqui uma imagemda problemática que diz respeito aonosso ser iluminado?».

C a ra v a g g i o«Vocação de São Mateus» (1599)

do que à sua utilidade noturna. Sen-tir-te-ias à-vontade na sala de estarem casa de um amigo, se todas asluzes elétricas estivessem desprovidasde uma proteção? Todavia, raramen-te pensamos em proteger as luzes dacidade, permitindo-lhes assim quebrilhem diretamente nos nossosolhos. Se conseguimos ver a fonteda luz, isto quer dizer que ela foimal projetada... e é mais provávelque nos cegue em vez de iluminar aru a .

Com efeito, os olhos humanosadaptam-se bem a baixos níveis deiluminação. Na realidade, a luz dasestrelas e da lua são suficientes parailuminar as nossas estradas. Comoastrónomo, visitei muitos lugares es-curos e remotos e consegui ver a mi-nha própria sombra inclusive só gra-ças à luz da Via Láctea. Em geral, asnoites mais escuras são as nubladas,

gada obrigou um milhãode pessoas a sair das pró-prias habitações e a per-manecer na escuridão, oGriffith Planetarium rece-beu numerosos telefone-mas de pessoas apavora-das. «Por que razão o sis-mo fez o firmamento pare-cer tão terrível?», interro-gavam-se. Obviamente, otremor de terra não provo-cara nada disto... simples-mente tinha danificado arede elétrica, apagando as

luzes da cidade. Um milhão de pes-soas viram — algumas pela primeiravez na vida — como é realmente océu.

Mas não é fácil mudar os nossoshábitos ligados à iluminação. Inclu-sive as luzes em volta da sede doObservatório Astronómico do Vati-cano em Castel Gandolfo são culpa-das de muitas das situações que aquidenuncio. Não obstante eu seja o di-retor do Observatório Astronómico,aprendi pessoalmente como é difícillevar o pessoal laico e os engenhei-ros do Vaticano a compreender a ne-cessidade de uma iluminação baixa,p ro t e g i d a .

Para além de todas estas questõespráticas, há também um preço espi-ritual a pagar pelos nossos maus há-bitos ligados à iluminação. A luz e aobscuridade são tema de muitas dasnossas orações e de trechos das Es-

A luz e a obscuridade são temade muitas das nossas orações edas Escrituras, mas o seusignificado torna-se confuso, senão tivermos uma experiênciaconcreta da escuridão

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Na basílica romana de São Bartolomeu na Ilha Tiberina o Papa rezou pelos novos mártires

Assassinadosunicamente por serem discípulos de Jesus

Os cristãos perseguidos por causa dafé, mas também os refugiados em fugade guerras foram recordados pelo PapaFrancisco durante a liturgia daPalavra em memória dos novosmártires, presidida na tarde de sábado,22 de abril, na basílica romana deSão Bartolomeu na Ilha Tiberina coma comunidade de Santo Egídio. Aseguir a homilia proferida peloPontífice.

Viemos peregrinos a esta basílica deSão Bartolomeu na Ilha Tiberina,onde a antiga história do martírio seune à memória dos novos mártires,dos muitos cristãos mortos pelasideologias loucas do século passado— e também de hoje — e assassina-dos unicamente por serem discípulosde Jesus.

gatou-nos do poder do mundo, dopoder do diabo, do poder do prínci-pe deste mundo. E a origem doódio é esta: dado que nós somos sal-vos por Jesus e o príncipe do mun-do não quer isto, ele odeia-nos esuscita a perseguição, que desde otempo de Jesus e da Igreja nascentecontinua até aos nossos dias. Quan-tas comunidades cristãs são hoje ob-jeto de perseguição! Porquê? Porcausa do ódio do espírito do mun-do.

Quantas vezes, em momentos difí-ceis da história, se ouviu dizer: «Ho-je a pátria precisa de heróis». Omártir pode ser considerado um he-rói, mas o aspeto fundamental domártir é ter sido «agraciado»: é agraça de Deus, não a coragem, quenos faz mártires. Hoje, do mesmo

que levam por diante a Igreja; aque-les que confirmam que Jesus ressus-citou, que Jesus está vivo, e confir-mam-no com a coerência de vida ecom a força do Espírito Santo quereceberam em dom.

Hoje, gostaria de acrescentar maisum ícone a esta igreja. Uma mulher.Não conheço o seu nome. Mas elaolha para nós do céu. Eu estava emLesbos, saudava os refugiados e en-contrei um homem de 30 anos, comtrês crianças. Olhou para mim e dis-se-me: «Padre, eu sou muçulmano.A minha esposa era cristã. Vieram ànossa cidade os terroristas, olharampara nós, perguntaram qual é a nos-sa religião, viram-na a ela com acruz e disseram-lhe que a lançasseao chão. Ela não o fez e degolaram-na diante de mim. Não sei se aquelehomem ainda está em Lesbos ou seconseguiu ir para outro lugar. Nãosei se foi capaz de sair daquele cam-po de concentração, porque os cam-pos de refugiados — muitos — são deconcentração, devido à grande mul-tidão que neles está concentrada. Eos povos generosos que os acolhemdevem levar em frente também estepeso, porque parece que os acordosinternacionais são mais importantesdo que os direitos humanos. Mas es-te homem não sentia rancor. Refu-giava-se no amor da esposa, agracia-do pelo martírio.

Recordar estas testemunhas da fée rezar neste lugar é um grandedom. É um dom para a Comunida-de de Santo Egídio, para a Igrejaem Roma, para todas as comunida-des cristãs desta cidade e para tantosperegrinos. A herança viva dos már-tires dá-nos hoje paz e unidade. Elesensinam-nos que, com a força doamor, com a mansidão, se pode lutarcontra a prepotência, a violência, aguerra e pode-se realizar com pa-ciência a paz. E então rezemos as-sim: Ó Senhor, faz de nós testemu-nhas dignas do Evangelho e do teuamor; infunde a tua misericórdia so-bre a humanidade; renova a tuaIgreja, protege os cristãos persegui-dos, concede a paz ao mundo intei-ro. A ti, Senhor, a glória; e a nós,Senhor, a vergonha (cf. Dn 9, 7).

Depois o Papa dirigiu as seguintespalavras aos refugiados assistidos pelacomunidade de Santo Egídio.

Uma palavra de saudação, e paravos agradecer tudo o que nos dais.Muito obrigado. O Senhor vosab enço e.

Por fim, diante da basílica, antes deconceder a Bênção o Pontíficedespediu-se dos fiéis com as seguintesp a l a v ra s .

Agradeço-vos a presença e a oraçãonesta igreja dos mártires. Pensemosna crueldade, a crueldade que hojeenfurece contra tanta gente; a explo-ração das pessoas... As pessoas quechegam em barcas e depois perma-necem ali, nos países generosos co-mo a Itália e a Grécia que os rece-bem, mas depois os tratados interna-cionais não deixam... Se na Itália seacolhessem dois, dois migrantes pormunicípio, haveria lugar para todos.Que esta generosidade do sul, deLampedusa, da Sicília, de Lesbos,contagie um pouco o norte. É verda-de: nós somos uma civilização quenão tem filhos, mas também fecha-mos a porta aos migrantes. Isto cha-ma-se suicídio. Oremos!

O cardeal Sérgio da Rochatomou posse do título de Santa Cruz na via Flamínia

Na manhã de domingo, 23 de abril, o cardeal Sérgioda Rocha, arcebispo de Brasília, tomou solenementeposse do título de Santa Cruz na via Flamínia. Naigreja romana da rua Guido Reni, o purpurado bra-sileiro foi acolhido pelo pároco estigmatino AndreaMeschi, que lhe apresentou o crucifixo para o beijoe a veneração. Em seguida presidiu à eucaristia,concelebrada pelo cardeal João Braz de Aviz, prefei-to da Congregação para os institutos de vida consa-grada e as sociedades de vida apostólica, pelo páro-co, pelo superior-geral e pelo provincial da congre-gação estigmatina, Maurizio Baldisseri e Gianni Pic-colboni. Entre os presentes, o embaixador do Brasiljunto à Santa Sé, Luiz Felipe Mendonça Filho. Di-rigiu o rito monsenhor Ján Dubina, mestre de ceri-mónias pontifício.

A recordação destas heroicas teste-munhas antigas e recentes confir-mam-nos na certeza de que a Igrejasó é Igreja se for Igreja de mártires.E os mártires são aqueles que, comonos recordou o Livro do Apocalipse,«vêm da grande tribulação, e lava-ram as suas vestes e as branquearamno sangue do Cordeiro» (7, 17). Elesreceberam a graça de confessar Jesusaté ao fim, até à morte. Eles sofrem,eles dão a vida e nós recebemos abênção de Deus pelo seu testemu-nho. E há também tantos mártiresescondidos, aqueles homens e mu-lheres fiéis à força mansa do amor, àvoz do Espírito Santo, que na vidade cada dia procuram ajudar os ir-mãos e amar Deus sem hesitações.

Se considerarmos bem, a causa decada perseguição é o ódio: o ódiodo príncipe deste mundo em relaçãoa quantos foram salvos e remidospor Jesus com a sua morte e a suaressurreição. No trecho do Evange-lho que escutámos (cf. Jo 15, 12-19)Jesus usa uma palavra forte e assus-tadora: a palavra «ódio». Ele, que éo mestre do amor, ao qual agradavatanto falar de amor, fala de ódio.Mas Ele queria chamar sempre ascoisas com o próprio nome. E diz-nos: «Não tenhais medo! O mundoodiar-vos-á; mas sabei que antes devós odiaram a mim».

Jesus escolheu-nos e resgatou-nos,por um dom gratuito do seu amor.Com a sua morte e ressurreição res-

modo podemos perguntar: «Do quetem necessidade hoje a Igreja?». Demártires, de testemunhas, ou seja,dos santos de todos os dias. Porquea Igreja levou por diante os santos.Os santos: sem eles, a Igreja não po-de ir em frente. A Igreja precisa dossantos de todos os dias, com uma vi-da normal, levada em frente comcoerência; mas também daqueles quetêm a coragem de aceitar a graça deserem testemunhas até ao fim, até àmorte. Todos estes são o sangue vi-vo da Igreja. São as testemunhas

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

Beatificado em Oviedo Louis Antoine Ormières

Como anjos da guarda dos pobresPara ter «como única regra o Evan-gelho» é preciso agir como os anjosda guarda: «ter asas e coragem», co-locando-se sem hesitação ao ladodos mais pobres para os resgatar emnome de Cristo. Eis a mensagem es-piritual de Louis Antoine Ormières,o sacerdote que o cardeal AngeloAmato, prefeito da Congregação pa-ra as causas dos santos, beatificouem representação do Papa na manhãde 22 de abril na catedral de Oviedo(Espanha).

Fundador da congregação do san-to anjo da guarda, francês de nasci-mento mas espanhol de adoção,«distinguiu-se pelo apostolado a fa-vor dos mais pequeninos, carentesde formação cristã e de educaçãohumana». Quando faleceu em Gi-jón, a 16 de janeiro de 1890, já tinhafundado oitenta e sete escolas naFrança e na Espanha. «Com efeito,era um educador nato — observou opurpurado — um homem de ação eserviço, com uma personalidade ricade fé, esperança e caridade, comuma preciosa gama de qualidadeshumanas, como bondade, gratidão,serenidade e amizade». E «nele amisericórdia de Deus tornava-se ter-nura pelos mais pequeninos, frágeis,pobres, inocentes».

«Existem muitos testemunhos dasua caridade: defende um homeminjustamente acusado de furto; ofe-

rece hospitalidade aos exilados daEspanha; suplica pessoas abastadaspara que ajudem um jovem que de-via tomar conta da família porque oseu pai tinha falecido; ocupa-se dasituação de miséria da mãe de doisirmãozinhos; encoraja com palavraspaternas uma religiosa gravementeenferma». Em síntese, «era realmen-te um homem de Deus, um verda-deiro santo», como recordou o seuprimeiro biógrafo, a ponto que «asua regra da vida era o Evangelho»e «a sua fé só se alimentava com apalavra de Deus, a Eucaristia e umadevoção filial a Maria», levando-o arepetir «muitas vezes o ato de entre-ga à Providência: fiat voluntas tua».

«A sua caridade era como umperfume que se diluía no próximo,sobretudo nos pobres, deserdados,necessitados, acrescentou o cardealAmato, recordando alguns episódiossignificativos da vida do novo beato,que não hesitou em pedir «para ir àparóquia de Comus, atingida poruma grave epidemia». Naquele con-texto difícil mostrou-se «tão genero-so na assistência aos enfermos que obispo lhe chamou “verdadeiro mártirda caridade”». Com efeito, «acorreuimediatamente em socorro de quan-tos estavam em dificuldade por cau-sa da epidemia de cólera, da guerra,do tifo, convidando as suas filhas es-pirituais a imitá-lo na ajuda aos infe-

lizes, exortando-as a «ter asas e co-ragem», segundo a expressão queera um pouco o seu lema.

«As virtudes são os elos da cor-rente de ouro da santidade; quempossui uma, possui também as ou-tras», explicou o purpurado. Por is-

so, «da grande fé do beato brotavamatitudes como a temperança, a man-sidão, a humildade». Pois bem, «sa-be-se que a humildade é o funda-mento de todas as virtudes, e o bea-to destacava-se pela sua humildade:no comportamento, na roupa, no en-sino». Para ele os títulos, como o decónego honorário, não tinham valoralgum e por isso nunca os usava.

Aprendeu a aceitar «os seus limi-tes sem perder a esperança, confian-do na misericórdia do Senhor: exor-tava as irmãs a ter pouca considera-ção por si mesmas e a contar sempree em tudo com a graça divina». Asfalhas, assegurava, «devem servir pa-ra nos humilhar, não para nos desa-nimar. E «segundo o exemplo deSão Francisco de Sales — evocou ocardeal Amato — a humildade tinhatransformado a sua índole arrojadanum comportamento manso e pa-ciente».

Louis Antoine tinha também«uma devoção especial por SãoFrancisco de Assis, porque levavauma vida humilde, simples e po-bre». Por isso, «exortava as irmãs aviver do próprio trabalho com digni-dade e na pobreza: com efeito, paraele pobreza significava vida de tra-balho, e disto era o primeiro que da-va o exemplo», sentindo «uma irre-sistível necessidade de trabalhar pe-los pobres, os quais ele socorria comgenerosidade, falando-lhes da bon-dade de Deus». Sentia-se particular-mente orgulhoso por serem «as suasirmãs conhecidas na Espanha comohermanitas de los pobres, dedicando-se sobretudo à educação e à forma-ção da juventude nas áreas rurais».

«O cher père, como lhe chamavam,era pobre, trabalhador e sempre de-dicado à vontade de Deus: este é osegredo da sua santidade», insistiu opurpurado. E esta é também «a pa-lavra que ele confiava às suas religio-sas, aos presbíteros, aos educadorese a todos os batizados, a fim de quetodos pudessem tornar-se autênticosdiscípulos de Cristo e benfeitores dahumanidade». Contudo, «a obra-prima do novo beato — re c o n h e c e uo celebrante — é a vitalidade e acontinuação do seu carisma no apos-tolado das suas filhas espirituais»,hoje ativas na Europa (Espanha,Alemanha e Itália), Ásia (Japão),África (Mali, Costa do Marfim) eAmérica (Venezuela, Colômbia,Equador, Estados Unidos, México,Nicarágua e El Salvador). «A suamissão — explicou o cardeal Amato— consiste em ser verdadeiros anjosda guarda do próximo carente deorientação e alívio, com uma atitudede simplicidade, fé humilde e con-fiante em Deus, generosidade no ser-viço e disponibilidade ao anúncio doreino de Deus mediante o testemu-nho coerente do Evangelho». Assim,a beatificação do fundador, concluiuo purpurado, «deve infundir hojenas irmãs do santo anjo da guardaconfiança e entusiasmo pela sua vo-cação para poder continuar, com re-novado impulso criativo, o seu pre-cioso apostolado na Igreja e nomundo, sobretudo nas terras onde aFace misericordiosa de Cristo aindaé desconhecida».

Num livro as meditações dos exercícios espirituais quaresmais para o Papa e a Cúria

Estar com Jesus

Durante a celebração em Oviedo

«O Senhor surpreendeu-nos mais uma vez.Descobrimos Deus numa luz nova: ele é deveras oúnico Absoluto. Experimentámos que os braços donosso Deus ainda estão abertos, que a sua paciêncianos espera sempre, para nos curar com o seu perdão enos nutrir com a sua ternura e misericórdia infinita».Este é um excerto da carta que o Pontífice escreveu aofranciscano Giulio Michelini para lhe agradecer osexercícios espirituais quaresmais pregados para a Cúriaromana, em Ariccia, de 5 a 10 de março. A leitura dofrade menor, escreveu o Papa Francisco, «partindo dodado exegético» abriu-se «ao mundo contemporâneo

através de referências literárias e de notícias daatualidade» e ajudou «a compreender emprofundidade o amor sem medida do Filho de Deuspor cada um de nós». Um caminho — lê-se na missiva— que levou «a redescobrir a dimensão contemplativana nossa vida de sacerdotes e bispos, privilegiando oencontro com o Cristo sofredor e moribundo,colhendo especialmente o sentido mais íntimo dosúltimos momentos da sua vida terrena e das suasúltimas palavras».A carta do Pontífice foi publicada integralmente novolume no qual o franciscano reuniu as meditaçõespropostas sobre o tema «Paixão, morte e ressurreiçãode Cristo segundo Mateus» (Giulio Michelini, S t a recon Gesù. Stare con Pietro, Assis, Porciúncula, 2017, 175páginas). O livro foi introduzido com um prefácio docardeal Gianfranco Ravasi. O padre Michelini,escreveu o presidente do Pontifício conselho para acultura, «é quase como uma concha marinha que estácheia e continuamente ressoa o som/voz do oceano dapalavra de Deus. De facto, como se descobriráimediatamente, o palimpsesto da sua meditação émarcado pelas palavras humanas através das quais apalavra divina ressoa». O pregador franciscano,explicou o purpurado, «irradia a mensagem evangélicana vida pessoal e eclesial declinando-a de váriosmodos». Um deles, acrescentou, «é introduzir — aolado dos padres da Igreja, dos grandes teólogos ebiblistas — uma espécie de exegese cultural pela qual avoz de alguns escritores não necessariamente cristãosou crentes faz brilhar o apelo do evangelista com umaluz inédita». Por exemplo, foi o caso da «confissão»do romancista francês Emmanuel Carrère no seu Reino,ou da invocação de Jesus na cruz à sua mãe terrena,antes de se dirigir ao Pai celestial, segundo o Judas doescritor judeu Amos Oz. Ou ainda dois testemunhosemocionantes: o grito dilacerante da mãe que osnazistas obrigam a sacrificar um dos seus dois filhos naEscolha de Sofia de Willliam Styron, e a dramática edesconcertante Me t a m o r f o s e de Kafka, relida segundo«uma original e forte aplicação espiritual».Ritu Singh, «Ressurrection»

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Mensagem pontifícia no bicentenário da congregação marista

Irmãos e educadores

No domingo da Divina Misericórdia o Santo Padre recordou João Paulo II

Primeira tarefa é o perdão

Gregorio Domínguez, ilustração para uma vida em banda desenhadade São Marcelino Champagnat (1986)

«A primeira tarefa» da Igreja é «anunciar operdão», frisou o Papa Francisco no domingo daDivina Misericórdia, durante o Regina caelicom os fiéis presentes na praça de São Pedro namanhã de domingo 23 de abril.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Nós sabemos que todos os domingos recordamosa ressurreição do Senhor Jesus, mas neste períododepois da Páscoa o domingo reveste-se de umsignificado ainda mais iluminador. Na tradição daIgreja, este domingo, o primeiro depois da Pás-coa, era chamado «in albis». Que significa isto? Aexpressão pretendia recordar o rito que cumpriamquantos tinham recebido o batismo na Vigília dePáscoa. A cada um deles era entregue uma vestebranca — «alba», branca» — para indicar a novadignidade dos filhos de Deus. Ainda hoje se fazisto: aos recém-nascidos oferece-se uma pequenaveste simbólica, enquanto os adultos vestem umaverdadeira, como vimos na Vigília pascal. E aque-la veste branca, no passado, era usada duranteuma semana, até este domingo, e disto deriva onome in albis deponendis, que significa o domingono qual se tira a veste branca. E assim, tirando aveste branca, os neófitos começavam a sua novavida em Cristo e na Igreja.

Há outro aspeto. No Jubileu do Ano 2000, SãoJoão Paulo II estabeleceu que este domingo sejadedicado à Divina Misericórdia. É verdade, foiuma boa intuição: quem inspirou isto foi o Espíri-to Santo. Concluímos há poucos meses o Jubileuextraordinário da Misericórdia e este domingoconvida-nos a retomar com vigor a graça que pro-

vém da misericórdia de Deus. O Evangelho dehoje é a narração da aparição de Cristo ressuscita-do aos discípulos reunidos no cenáculo (cf. Jo 20,19-31). São João escreve que Jesus, depois de seter despedido dos seus discípulos, lhes disse: «As-sim como o Pai me enviou, também Eu vos envioa vós». Dito isto, soprou sobre eles e acrescentou:«Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem per-doardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados» (vv.21-23). Eis o sentido da misericórdia que se apre-senta precisamente no dia da ressurreição de Jesuscomo perdão dos pecados. Jesus Ressuscitadotransmitiu à sua Igreja, como primeira tarefa, asua missão de levar a todos o anúncio do perdão.Esta é a primeira tarefa: anunciar o perdão. Estesinal visível da sua misericórdia traz consigo a pazdo coração e a alegria do encontro renovado como Senhor.

A misericórdia à luz da Páscoa deixa-se perce-ber como uma verdadeira forma de conhecimento. Eisto é importante: a misericórdia é uma verdadeiraforma de conhecimento. Sabemos que se conheceatravés de muitas formas. Conhece-se através dossentidos, da intuição, da razão e ainda de muitasoutras formas. Pois bem, pode-se conhecer tam-bém através da experiência da misericórdia, por-que a misericórdia abre a porta da mente paracompreender melhor o mistério de Deus e da nos-sa existência pessoal. A misericórdia faz-nos com-preender que a violência, o rancor, a vingança nãotêm sentido algum, e a primeira vítima é quem vi-ve estes sentimentos, porque se priva da própriadignidade. A misericórdia abre também a porta doc o ra ç ã o e permite expressar a proximidade sobre-tudo a quantos estão sozinhos e marginalizados,

porque os faz sentir irmãos e filhos de um só Pai.Ela favorece o reconhecimento de quantos têmnecessidade de consolação e faz encontrar pala-vras adequadas para dar conforto.

Irmãos e irmãs, a misericórdia aquece o coraçãoe torna-o sensível às necessidades dos irmãos coma partilha e a participação. Em síntese, a miseri-córdia compromete todos a serem instrumentosde justiça, de reconciliação e de paz. Nunca es-queçamos que a misericórdia é o remate na vidade fé e a forma concreta com a qual damos visibi-lidade à ressurreição de Jesus.

Maria, Mãe da Misericórdia, nos ajude a crer ea viver tudo isto com alegria.

No final da oração mariana o Papa recordou abeatificação, na Espanha, do sacerdote Luís AntónioRosa Ormières e saudando os vários grupos de fiéismanifestou apreço pela iniciativa da Cáritas daPolónia em apoio às famílias sírias provadas pelag u e r ra .

Estimados irmãos e irmãs!Ontem em Oviedo, na Espanha, foi proclamadoBeato o sacerdote Luís António Rosa Ormières.Tendo vivido no século XIX, consumiu as suastantas qualidades humanas e espirituais ao serviçoda educação, e por isso fundou a Congregaçãodas Irmãs do Santo Anjo da Guarda. O seuexemplo e a sua intercessão ajudem sobretudoquantos trabalham na escola e no campo educati-vo.

Saúdo de coração todos vós, fiéis romanos eperegrinos da Itália e de tantos países, em parti-cular a Confraria de São Sebastião de Kerkrade(Holanda), o Nigerian Catholic Secretariat e a pa-róquia L i e b f ra u e n de Bocholt (Alemanha).

Saúdo os peregrinos polacos e manifesto vivoapreço pela iniciativa da Cáritas da Polónia emapoio a tantas famílias na Síria. Uma saudaçãoespecial aos devotos da Divina Misericórdia reu-nidos hoje na igreja de Santo Espírito «in Sas-sia». Assim como aos participantes na «Corridapela Paz»: uma corrida que hoje parte desta Pra-ça e chegará a Wittenberg na Alemanha.

Saúdo os numerosos grupos de jovens, espe-cialmente os crismandos ou crismados — sois tan-tos! — das Dioceses de Piacenza-Bobbio, Trento,Cuneo, Milão, Lodi, Cremona, Bergamo, Bresciae Vicenza. E também a Escola «Masaccio» deTreviso e o Instituto «San Carpoforo» de Como.

Por fim, agradeço a todos os que, neste perío-do, me enviaram mensagens de bons votos dePáscoa. Retribuo de coração invocando sobre ca-da um e sobre cada família a graça do SenhorRessuscitado. Bom domingo a todos e, por favor,não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoçoe até à vista!

«Um novo início» a fim de «olhar com gratidãopara o passado, discernir o presente e abrir-secom esperança ao futuro», pediu o Papa Fran-cisco aos irmãos maristas por ocasião do XXII ca-pítulo geral que se celebra na Colômbia no bi-centenário da congregação.

Numa mensagem em espanhol enviada ao su-perior-geral Emili Turú Rofes, o Pontífice recor-da que estes dois séculos de atividade se torna-ram «uma grande história de dedicação a favordas crianças e dos jovens», acolhidos «nos cincocontinentes» e, sobretudo, bons cristãos», graçasao espírito de fraternidade que carateriza a famí-lia religiosa, a qual «transforma o outro em “ir-mão a mim caríssimo”».

Referindo-se em seguida ao carisma fundador

cuidar do terreno que lhe confiaram». De resto,recomendou com particular ênfase, «o terrenoque trabalhais e plasmais é “sagrado”».

Por fim, atualizando a reflexão, Francisco ma-nifestou a necessidade que a sociedade de hojetem de «pessoas firmes nos seus princípios, quepossam construir um mundo melhor para todose dar testemunho daquilo em que creem». So-bretudo a humildade e o serviço «são atitudesque o bom religioso e o educador devem trans-mitir com o seu exemplo». Só assim, conclui amensagem, «os jovens reconhecerão neste modode ser e de agir que há algo de extraordinário ecompreenderão que vale a pena não só aprenderaqueles valores, mas também e sobretudo inte-riorizá-los e imitá-los».

de São MarcelinoChampagnat, o Papafrisou que a tarefa doeducador é uma dedi-cação constante e re-quer sacrifício, atéporque «ser chamadoa cultivar exige antesde tudo que nos culti-vemos a nós mesmos».Portanto, recomendao Pontífice, o «religio-so-educador deve ocu-par-se do seu campointerior, dos seus re-cursos humanos e es-pirituais, a fim de po-der sair para semear e

Daniel Bonnel, «O perdão do pai»

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

Até 5 de maio em Aparecida a assembleia plenária da Cnbb

Iniciação à vida cristãde AparecidaFEDERICO JORIO

A partir de 26 de abril até 5 de maiorealizar-se-á no santuário de Apare-cida, Estado de São Paulo, a assem-bleia plenária da CNBB, cujo temaprincipal é «Iniciação à vida cristã».Participarão mais de trezentos e se-tenta prelados. Segundo o documen-to n. 45 do Conselho episcopal lati-no-americano, a iniciação à vida cris-tã é «o processo através do qual apessoa é introduzida no mistério deJesus Cristo e na vida da Igreja, pormeio da Palavra de Deus e da me-diação sacramental e litúrgica, queacompanha as transformações doscomportamentos fundamentais doser e do existir com os outros e com

o mundo numa identidade nova, co-mo pessoa cristã que segue o evan-gelho inserida numa comunidadeeclesial viva e de testemunho».

O arcebispo de Brasília e presi-dente da CNBB, cardeal Sérgio daRocha, esclareceu a exigência destaescolha, especificando que «a inicia-ção cristã se aplica a quantos estãopara ser introduzidos na fé, sejamcrianças, jovens ou adultos. É neces-sário prestar mais atenção à iniciaçãocristã, isto é ao catecismo em primei-ro lugar, mas também aos ritos, apartir do batismo que deve ser maisvalorizado, preparado e vivido me-lhor».

O secretário-geral da CNBB, D.Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxi-liar de Brasília, afirmou que é neces-

sária a presença de «cristãos ativos eanimados, corajosos e misericordio-sos», a fim de radicar nos brasileiroso espírito evangélico que, através dasua consolidação, afastem as «ervasdaninhas do egoísmo, da injustiça eda desigualdade social», que com-prometem muito a vida da comuni-dade brasileira. D. José Antônio Pe-ruzzo, arcebispo de Curitiba, será oresponsável de uma comissão espe-cial encarregada de redigir o docu-mento oficial que, sucessivamente,será publicado sobre a temática emquestão.

Durante os trabalhos, serão apro-fundados temas relativos à atual edelicada conjuntura política do paíse à situação do clero, 10 anos depoisda quinta conferência geral do epis-

copado latino-americano e do Cari-be realizada em Aparecida, em 2007.No Brasil está a decorrer a celebra-ção do ano mariano, iniciado porocasião dos 300 anos da descobertada imagem de Nossa Senhora deAparecida no rio Paraíba do sul e dacomemoração do centenário da apa-rição de Nossa Senhora de Fátima.Motivo pelo qual várias atividadesda assembleia se realizarão em sinto-nia com estes importantes eventosdo mundo católico. Entre os demaistemas de interesse da plenária, a re-flexão sobre a exortação apostólicaAmoris laetitiae, o caminho ecuméni-co, as novas formas de vida consa-grada e as novas comunidades e adécima quinta assembleia geral ordi-nária do sínodo dos bispos de 2018sobre o tema «Os jovens, a fé e odiscernimento vocacional».

Com base no programa organiza-

Relatório dos bispos brasileiros sobre os conflitos agrários

Em defesa dos homens e da terra

Promovida pela Repam

Indígenasnas Nações UnidasDe 22 de abril a 1 de maio, ospovos indígenas amazónicos Mo-setén (Bolívia), Munduruku e Ya-nomami (Brasil) e Kukama (Pe-ru) estarão presentes com a assis-tência da Rede eclesial pan-ama-zônica (Repam) no fórum perma-nente sobre as questões indígenasdas Nações Unidas, reunido emNova Iorque.

A iniciativa da Repam faz partede uma campanha ativada hátempos para a promoção dos di-reitos humanos. O organismoeclesial, como explica uma notadifundida pela própria Repam,atualmente está comprometidoem treze casos de defesa do terri-tório latino-americano na Colôm-bia, Equador, Peru, Bolívia e Bra-sil. Segundo a Repam, o queacontece nos territórios indígenasde diversos países é fruto de uma«política de superexploração dosbens naturais» que foi impostaem particular na região amazóni-ca, «concedendo vantagens a gru-pos privados e danificando grave-mente os direitos humanos e oecossistema».

Já no mês passado a Repampropôs à Comissão internacionaldos direitos humanos da Onuque considerasse a possibilidade,através do relator para os direitosdas populações indígenas, de pre-parar e publicar um relatório.Agora a delegação, guiada por D.Gustavo Rodríguez Vega, arcebis-po de Yucatán e presidente doDepartamento de Justiça e Soli-dariedade (Dejusol) do Conselhoepiscopal latino-americano (Ce-lam), conta com a presença doslíderes dos povos indígenas, quepoderão ilustrar pessoalmente osdesafios que enfrentam no territó-rio, inclusive durante vários even-tos que serão realizados em con-comitância com o fórum.

É preciso que as instituições e organismos estatais pres-tem mais atenção a fim de apoiar e defender a vida doscamponeses e das comunidades indígenas. Foi a solicita-ção do episcopado brasileiro no relatório de 2016 sobreos «Conflitos agrários», elaborado pela Comissão pasto-ral da terra. Um estudo do qual emerge com clareza queo ano passado — com 61 pessoas assassinadas duranteconflitos sociais em defesa da terra — será recordado co-mo «terrível»: 11 homicídios a mais em relação a 2015.Um dado recorde comparado com os últimos treze anos.«Este relatório não é um livro, ao Brasil não queremosapresentar dados, mas pessoas», afirmou D. LeonardoUlrich Steiner, secretário-geral da CNBB e bispo auxiliarde Brasília, ao apresentar o estudo na presença de jorna-listas, líderes sociais e parlamentares.

Há mais de trinta anos, exatamente desde 1985, aIgreja no Brasil, sobretudo através da Comissão pastoralda terra, chama a atenção da opinião pública e das insti-tuições sobre os conflitos que nascem por causa da mo-nopolização do território, da água e de muitos recursosnaturais.

Conflitos que acabam cada vez mais em sangue. Comuma tendência que parece irreprimível: 2015 já tinha sidoconsiderado um ano recorde com 50 homicídios.

Nesta perspetiva, D. Enemésio Ângelo Lazzaris, bispode Balsas e presidente da Comissão pastoral da terra,evidenciou a seriedade do trabalho de equipe realizadopelos autores do relatório para preparar a documentaçãoe elaborar a investigação. Mas, sobretudo, chamou aatenção para o estado de abandono em que se encon-tram as comunidades indígenas, os agricultores e os pes-cadores. «É necessário insistir mais — afirmou — paraque os direitos adquiridos por essas comunidades sejammantidos, confirmados e até ampliados». Neste sentido,

o relatório destaca também uma série de atos legislativose de governo que, segundo os bispos, a partir de 2015,resultariam em redução dos direitos já conquistados.

O trabalho da comissão episcopal da terra é coadjuva-do há tempos pela obra do Conselho indigenista missio-nário, órgão ligado à CNBB, que no seu útimo relatórioevidenciou exatamente o elevado nível de violência con-tra as populações indígenas e, em particular, os ataquescontra os campos das comunidades guaranis e kaiowás,no Mato Grosso do Sul.

CO N T I N UA NA PÁGINA 15

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Homenagem do Papaaos sacerdotesMazzolari e MilaniO Papa Francisco homenageará a memóriado padre Primo Mazzolari e do padreLorenzo Milani, indo no próximo dia 20de junho rezar junto dos túmulos dos doissacerdotes «incómodos», quedesempenharam um papel de primeiroplano no catolicismo italiano do pós-guerra. O que os igualava, além da opçãopreferencial pela Igreja dos pobres, erauma fecunda atividade de escritura — aliáso segundo colaborou com a revista«Adesso» fundada pelo primeiro — que osinseriu entre os autores mais vendidos naItália. A visita, que se realizará de formaparticular e não oficial — segundo quantofoi comunicado pela prefeitura da Casapontifícia — foi anunciada no domingo 23de abril pelo bispo Antonio Napolioni norespeitante aos lugares do pároco deBozzolo e na segunda-feira 24 pelo cardealGiuseppe Betori relativamente à parte queconcerne o prior de Barbiana.O Papa vai aterrar de helicóptero por voltadas 9h00 no campo desportivo deBozzolo, na província de Mantova e

Mensagem vídeo para a apresentação da opera omnia do prior de Barbiana

Crente apaixonado pela IgrejaA seguir, o texto da mensagemvídeo que o Papa Francisco enviouaos participantes na apresentaçãoda «Opera omnia di Don LorenzoMilani» (na coletânea «IMeridiani», publicada pela editoraMondadori), que teve lugar natarde de 23 de abril no âmbito daprimeira edição da nova Feira depublicações italiana «Tempo dilibri», hospedada no pavilhão daFera de Milão, em Rho.

«Nunca me revoltarei contra aIgreja, porque várias vezes porsemana preciso do perdão dosmeus pecados e, se tivesse deixa-do a Igreja, já não saberia ondeir procurá-lo». Assim escreve opadre Lorenzo Milani, prior deBarbiana, a 10 de outubro de1958. Gostaria de propor este ges-to de abandono à Misericórdia deDeus e à maternidade da Igreja,como perspetiva a partir da qualconsiderar a vida, as obras e o sa-cerdócio do padre Lorenzo Mila-ni.

Todos nós lemos as numerosasobras deste presbítero toscano, fa-lecido com apenas 44 anos, e re-cordamos com carinho especial asua Carta a uma professora, escritajuntamente com os seus jovens daescola de Barbiana, onde ele foipároco. Como educador e profes-sor, indubitavelmente ele percor-reu percursos originais, às vezestalvez demasiado avançados e,portanto, difíceis de compreendere de aceitar imediatamente. A suaeducação familiar — os seus paiseram não-crentes e anticlericais —habituou-o a uma dialética inte-lectual e a uma simplicidade quepor vezes podiam parecer ásperasdemais, quando não eram marca-das pela rebelião. Ele conservouestas características, adquiridasem família, inclusive depois daconversão, ocorrida em 1943, e noexercício do seu ministério sacer-dotal. Compreende-se, isto criouatritos e centelhas, assim comouma certa incompreensão com asestruturas eclesiásticas e civis, porcausa da sua proposta educacio-nal, da sua preferência pelos po-bres e da sua defesa da objeçãode consciência. A história semprese repete. Gostaria que ele fosserecordado sobretudo como cren-te, enamorado pela Igreja nãoobstante as feridas, e educador

apaixonado com uma visão da es-cola que me parece uma respostaà exigência do coração e da inte-ligência dos nossos adolescentes edos jovens.

Citando precisamente o padreMilani, foi com estas palavrasque me dirigi ao mundo da esco-la italiana: «Amo a escola porqueé sinónimo de abertura à realida-de. Pelo menos assim deveria ser!Mas nem sempre o consegue ser,e então quer dizer que é precisomudar um pouco a sua configu-ração. Ir à escola significa abrir amente e o coração à realidade, nariqueza dos seus aspetos, das suasdimensões. E nós não temos di-reito a recear a realidade! A esco-la ensina-nos a compreender arealidade. Ir à escola significaabrir a mente e o coração à reali-dade, na riqueza dos seus aspe-tos, das suas dimensões. E isto émuito agradável! Nos primeirosanos aprendemos a 360 graus, emseguida devagarinho aprofunda-mos uma área e por fim especiali-zamo-nos. Mas quando aprende-mos a aprender — é este o segre-do, aprender a aprender! — istopermanece para sempre, tornamo-nos pessoas abertas à realidade!Ensinava isto também um grandeeducador italiano, que era um sa-cerdote: padre Lorenzo Milani».Assim eu me dirigia ao mundoda educação italiana, no dia 10 demaio de 2014.

No entanto a sua inquietaçãonão era fruto de rebelião, mas deamor e ternura pelos seus jovens,por aquela que era a sua grei, pe-la qual ele sofria e combatia, paralhe oferecer a dignidade que, àsvezes, era negada. O seu desas-sossego era espiritual, alimentadopelo amor a Cristo, ao Evange-lho, à Igreja, à sociedade e à es-cola, que ele sonhava cada vezmais como «um hospital de cam-po» para socorrer os feridos, pararesgatar os marginalizados e des-cartados. Aprender, conhecer, sa-ber e falar com franqueza paradefender os próprios direitoseram verbos que o padre Lorenzoconjugava todos os dias, a partirda leitura da Palavra de Deus eda celebração dos Sacramentos, atal ponto que um sacerdote que oconhecia muito bem dizia deleque ele tinha feito «indigestão de

Cristo». O Senhor era a luz davida do padre Lorenzo, a mesmaque eu gostaria que iluminasse anossa recordação dele. A sombrada cruz estendeu-se frequente-mente na sua vida, mas ele sen-tia-se sempre partícipe do Misté-rio pascal de Cristo e da Igreja, aponto de manifestar ao seu dire-tor espiritual o desejo de que osseus entres queridos «vissem co-mo morre um sacerdote cristão».O sofrimento, as feridas padeci-das e a cruz nunca ofuscaram ne-le a luz pascal de Cristo Ressus-citado, porque a sua preocupaçãoera uma só: que os seus jovenscrescessem com a mente aberta ecom o coração hospitaleiro e re-pleto de compaixão, prontos parase debruçar sobre os mais frágeise para socorrer os necessitados,segundo o ensinamento de Jesus(cf. Lc 10, 29-37), sem considerara cor da sua pele, a língua, a cul-tura ou a pertença religiosa.

Deixo a conclusão, assim comoa introdução, novamente ao pa-dre Lorenzo, citando as palavrasque ele escreveu a um dos seusjovens. Ao jovem comunista, Pi-petta, que lhe dizia «se todos ospresbíteros fossem como o se-nhor, então...», o padre Milanirespondia: «No dia em que ar-rombarmos juntos a grade de umparque, instalado a casa dos po-bres na mansão do rico, recorda-te Pipetta, naquele dia hei detrair-te, naquele dia finalmentepoderei entoar o único grito devitória digno de um sacerdote deCristo: bem-aventurados os po-bres, porque deles é o reino doscéus. Naquele dia eu não estareicontigo, mas voltarei para o teucasebre chuvoso e malcheiroso,para ali rezar por ti diante domeu Senhor Crucificado» (Cartaa Pipetta, 1950). Então, considere-mos os escritos do padre LorenzoMilani com o afeto de quem o vêcomo uma testemunha de Cristoe do Evangelho que, conscientedo seu ser pecador perdoado,sempre procurou a luz e a ternu-ra, a graça e a consolação que so-mente Cristo nos concede e quenós podemos encontrar na nossaMãe Igreja.

Padre Lorenzo Milani

Padre Primo Mazzolari

diocese de Cremona. Em seguida, irá àparóquia de São Pedro onde estásepultado padre Mazzolari (1890-1959) epronunciará um discurso na igreja emrecordação do sacerdote escritor que foitambém um membro da resistência.Sucessivamente, sempre de helicópterochegará a Barbiana, município de Vicchio,província e diocese de Florença. Aaterragem está prevista no largo da igreja,de onde o Pontífice chegará ao cemitériopara uma oração, em privado, diante dotúmulo de padre Milani (1923-1967).Depois, Francisco encontrará na igreja osdiscípulos do autor da Carta a umap ro f e s s o ra . Por fim, após a visita à casaparoquial, nos ambientes onde funcionavaa célebre escola popular, o Papa transferir-se-á para o jardim adjacente ondepronunciará um discurso comemorativo napresença dos discípulos de padre Milani,de um grupo de sacerdotes da arquidioceseflorentina e de alguns jovens hóspedes dasresidências de acolhimento familiar.O regresso ao Vaticano está previsto nofinal da manhã.

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Os muçulmanos entre Francisco de Assis e Raimundo Lúlio

Para evitaro choque da ignorância

SARA MUZZI

Eem 1220 frei Francisco de Assisfoi ao Egito, onde se encontroucom o sultão al-Malik al-Kāmil —

sobrinho do mais célebre Saladino — e,numa primeira redação da regra paraos frades Menores, deixou algumas in-dicações para quantos deviam partir en-tre os sarracenos, ou seja, os muçulma-nos. Assim como ele e depois dele, ou-tros franciscanos chegaram a confron-tar-se com o islão, alcançando êxitosdiversificados, segundo a época e o ter-ritório. Na posteridade de São Francis-co de Assis, um papel especial foi de-sempenhado pelo leigo maiorquinoRaimundo Lúlio que, casado e pai deduas filhas, tinha três objetivos: dedicara sua vida ao anúncio do Evangelhoaté ao martírio, compor uma obra útilpara dialogar com os muçulmanos ecriar centros onde poder aprender alíngua e a cultura dos não-cristãos. Pa-ra alcançar estas finalidades atravessouvárias vezes o mar Mediterrâneo, che-gando a vários litorais, de Maiorca aNápoles, de Pisa a Tunes, de Jerusalém

a Génova, de Chipre a Messina: umverdadeiro «homem mediterrâneo»,além de europeu! E definia-se Christia-nus Arabicus. Se Francisco de Assis in-dicava que entre os comportamentos ater com os sarracenos estava o de «nãofazer disputas», Raimundo dá muitaimportância ao conhecimento recíprocoe à educação, como demonstra o se-guinte trecho de uma sua obra autobio-gráfica em que fala em terceira pessoa,ou seja, o Liber de participatione Chris-tianorum et Sarracenorum: «EnquantoRaimundo fazia tais reflexões, propôs-se ir ter com o nobilíssimo e virtuososenhor Frederico, rei da Trinácria (anti-go nome da Sicília) a fim de que ele,conhecido como fonte de devoção, jun-tamente com o altíssimo e poderoso reide Tunes, dispusesse que cristãos bempreparados e fluentes em língua árabe(bene litterati et lingua Arabica habituati)partissem para Tunes a fim de aí expora verdade da fé enquanto, por sua vez,sarracenos bem preparados fossem aoreino da Sicília para debater sobre asua fé com os sábios cristãos. Talvezcom este método, generalizado para omundo inteiro, pudessem estabelecer a

A Santa Sé face à destruição do património cultural das áreas de conflito

Um crime contra a humanidade«A tutela das riquezas culturais consti-tui uma dimensão essencial da defesado ser humano», afirmou o Pontíficeno passado dia 30 de novembro, navéspera da Conferência internacionalsobre a proteção do património culturalnas áreas de conflito, realizada a 2 e 3de dezembro em Abu Dhabi. Portanto,o Papa reafirmou que esta preservaçãorepresenta «uma nova etapa no proces-so de atuação dos direitos humanos».Foi a partir destas afirmações de Fran-cisco que o arcebispo Bernardito Auza,observador permanente da Santa Séjunto da Organização das Nações Uni-das, interveio a 19 de abril em Nova

Mensagem vídeo na véspera da visita ao Egito

Consolação e fraternidade

Andrzej Pronaszko, «Fuga para o Egito» (1921)

Apresentado o programa da viagem do Pontífice

Itinerário de paz

vistosas, a fim de angariar dinheiro pa-ra alimentar ações terroristas, ou des-truir grandes monumentos e venderfragmentos “a retalho” aos traficantes».

E se «Al-Qaeda contou com o apoiode ricos benfeitores para alimentar aspróprias atividades terroristas, o Estadoislâmico abriu o seu caminho rumo àriqueza saqueando, raptando e extor-quindo, e a pilhagem industrial de “an-tiguidades que derramam sangue” tor-nou-se uma parte central da sua estra-tégia económica, com o chamado “mi-nistério das antiguidades” que até con-cede licenças a quem escava para sa-quear, impondo uma taxação de 20-50por cento, e favorecendo uma rede decontrabando no mercado ilegal, commembros do crime organizado no mun-

«Paz» será a palavra-guia da décimaoitava viagem internacional do PapaFrancisco. Uma visita breve mas muitointensa que levará o Pontífice ao Egitonos dias 28 e 29 de abril. Densa designificados e desejada com veemência— ainda mais depois dos recentes aten-tados que mancharam de sangue oDomingo de ramos nas igrejas coptasde São Jorge em Tanta e de São Mar-cos em Alexandria — terá três motiva-ções de fundo: pastoral, ecuménica ede diálogo entre as religiões, eviden-ciou o diretor da Sala de imprensa daSanta Sé, Greg Burke, ao apresentar oprograma aos jornalistas acreditadosna manhã de 24 de abril.

«O Papa da paz no Egito da paz»recita o lema do encontro pelo qual hágrande expectativa não só por parteda pequena comunidade católica, mastambém dos coptas ortodoxos e domundo muçulmano. O Egito é o vigé-simo sétimo país que Francisco visita.Vai à convite do presidente al-Sisi, dosbispos católicos, do Papa copta Tawa-dros II e do grão-imame de Al-AzharMuhammad Ahmad al-Tavvib.

O Pontífice chegará ao aeroportodo Cairo por volta das 14h00 da sexta-feira, 28 de abril, e após uma breve ce-rimónia de receção transferir-se-á —num simples automóvel fechado: defacto, durante todo o dia não utilizarácarros blindados — para o palácio pre-sidencial para a visita de cortesia aochefe de Estado. Em seguida irá à re-sidência do grão-imame e depois deum encontro particular, irá juntamentecom ele a Al-Azhar para participar naconferência internacional sobre a pazorganizada pelo próprio xeque a fimde fazer ouvir a voz do islão modera-do contra as aberrações do fundamen-talismo. Está prevista também a pre-sença do patriarca ecuménico Bartolo-meu. Portanto, tratar-se-á de um mo-mento significativo no qual será evi-denciada a importância do diálogo en-tre as religiões para a defesa e a cons-trução da paz. O Papa Francisco ouvi-rá o pronunciamento de al-Tayyib eem seguida proferirá o seu discursoem italiano com tradução simultânea.

Depois dos trabalhos da conferên-cia, o Pontífice encontrar-se-á com asautoridades civis do país: juntamente

com o presidente al-Sisi estarão pre-sentes os membros do Governo, docorpo diplomático e representantes domundo da cultura.

Neste ponto, abrir-se-á a páginaecuménica da visita. Mais uma vez se-rá o ecumenismo do sangue a marcaro abraço entre os cristãos. Com efeito,o encontro com o Papa copta ortodo-xo Tawadros II no patriarcado será se-guido pela visita à vizinha igreja deSão Pedro. No passado mês de de-zembro a catedral copta foi o trágicocenário de um atentado no qual mor-reram vinte e cinco pessoas. Ali osdois deixarão flores e velas e rezarãojuntos por todas as vítimas do terroris-mo fundamentalista.

O dia concluir-se-á na nunciatura,onde Francisco será recebido por umgrupo de crianças da escola combonia-na do Cairo. Após o jantar, o Pontífi-ce saudará trezentos jovens que nessesdias chegam em peregrinação à capitalegíp cia.

Durante a viagem inteira o Papa se-rá acompanhado pelos cardeais Paro-

do inteiro. É uma estratégia de guerradeliberada e sistemática, que a Unescodefiniu oportunamente “purificaçãocultural” e que, segundo a Assembleiageral das Nações Unidas, com base nodireito internacional, equivale a um“crime de guerra”. O facto de acontecerno Médio Oriente, que é tão importan-te para a história da civilização e da re-ligião, torna-o ainda mais repugnante.Estudos recentes revelaram que, depoisdo petróleo, é o sistema de financia-mento mais lucrativo do Ei, estimadoem diversos biliões de dólares por ano,que alimenta ainda mais o terrorismo ea destruição cultural. O Fe d e ra l B u re a uof Investigation norte-americano afirmaque as violações relacionadas com asantiguidades se tornaram um dos cincoprincipais crimes a nível global».

Em segundo lugar, disse o arcebispoAuza, «o Papa Francisco sublinhou quea proteção dos tesouros culturais é umadimensão essencial na defesa da pessoahumana. Está em curso uma tentativa,por parte dos terroristas, de cancelar ahistória, de privar as pessoas das suasraízes e identidades, de afetar o seupassado, o seu futuro e a sua esperan-ça. É um ataque não só contra coisas,ainda que preciosas, mas também con-tra pessoas do passado, do presente edo futuro que o apreciam. É umaagressão ao ambiente cultural, educati-vo e religioso dos quais elas necessitampara o seu desenvolvimento integral».

E quando a 25 de setembro de 2015 oPapa Francisco foi à Assembleia Geral

Na obra de Clemente de Alexandria

Livro que nunca existiuEntre as obras de Clemente de Alexandria — que viveu dos meados do séculoII até ao início do III, primeiro grande intelectual cristão que soube confrontar-se com a cultura do seu tempo, tendo sido precursor de Orígenes — destacam-se por originalidade as Miscelâneas, em sete livros à cuja parte da tradição ma-nuscrita se acrescenta um oitavo (no qual estão incluídos escritos hoje conheci-dos com outros títulos em latim: as Eclogae propheticae, os Excerpta ex Theodotoe o celebérrimo Quis dives salvetur?, editados em 2011 pelas «Sources Chrétien-nes» aos cuidados de Carlo Nardi e Patrice Descourtieux). Com base em notí-cias de idade tardo-antiga e bizantina, desde o século XV debateu-se sobre asua efetiva pertença à obra. Agora Giuliano Chiapparini propõe na revista «Ae-vum» (90, 2016, pp. 205-238) que sejam atribuídos à outra obra clementina ca-racterística, as Hypotypóseis (oito livros encontrados só fragmentariamente) ostextos deste livro que por conseguinte nunca teria existido. Aliás, segundo o es-tudioso os quinze livros constituiriam uma única grandiosa obra, publicada emtrês partes e depois transmitida diversamente. (g . m . v. ) CO N T I N UA NA PÁGINA 10O Arco monumental em Palmira como se apresentava, visto do leste, em 2010

paz entre cristãos e sarracenos, de talmodo que nem os cristãos destruam ossarracenos, nem os sarracenos os cris-tãos». Um projeto deste tipo exigia ins-tituições que se ocupassem da formaçãode cristãos que quisessem partir entreos sarracenos: Raimundo propôs inde-fessamente às autoridades da sua épocaa fundação de escolas de especializaçãomissionária para a aprendizagem dosidiomas dos infiéis. Em 1276 obteve ainstituição do mosteiro de Miramar,onde treze frades Menores teriamaprendido o árabe, a teologia, a arte dacontemplação, a leitura do Alcorão e oconfronto com a cultura islâmica; em1311, o Concílio de Vienne (França) re-conheceu o seu compromisso com umdecreto que definia a constituição decátedras de línguas orientais nas princi-pais universidades cristãs. A preocupa-ção missionária concretizada na propos-ta ao rei da Sicília, nos últimos anos dasua longa atividade, foi representadapor Raimundo numa das suas primei-ras obras: o Livro do Gentio e dos trêsSábios, onde se explica qual é o melhormodo de dialogar sobre os credos.

Primeira viagem de Raimundo Lúlio a Tunes (Breviculum, 1307)

CO N T I N UA NA PÁGINA 10

«Estou verdadeiramente feliz por vir como amigo, comomensageiro de paz e como peregrino ao país que, há mais dedois mil anos, ofereceu refúgio e hospitalidade à SagradaFamília», frisou o Papa Francisco na videomensagemtransmitida pelas redes televisivas egípcias no final da manhãde 25 de abril, poucos dias antes da sua chegada ao Cairopara uma visita de dois dias, durante a qual se encontrarátambém com o «mundo islâmico, onde o Egito ocupa um lugarde destaque». Eis o texto da mensagem pontifícia.

Querido povo do Egito!Al Salamó Alaikum!A paz esteja convosco!Com o coração repleto de júbilo e gratidão virei, dentro depoucos dias, visitar a vossa querida Pátria: berço de civili-zação, dom do Nilo, terra do sol e da hospitalidade, ondeviveram Patriarcas e Profetas e onde fez ouvir a sua voz oDeus Clemente e Misericordioso, Omnipotente e Único.

Estou verdadeiramente feliz por vir como amigo, comomensageiro de paz e como peregrino ao país que, há maisde dois mil anos, ofereceu refúgio e hospitalidade à Sagra-da Família, quando teve de fugir das ameaças do rei Hero-des (cf. Mt 2, 1-16). Sinto-me honrado em vir à terra visita-da pela Sagrada Família!

Saúdo-vos cordialmente e vos agradeço por me terdesconvidado a visitar o Egito, por vós designado «Umm ilDugna» / Mãe do universo.

Agradeço vivamente ao Senhor Presidente da República,a Sua Santidade o Patriarca Tawadros II, ao Grão-Imã deAl-Azhar e ao Patriarca Copta Católico, que me convida-ram; e agradeço a todos e cada um de vós que me dais es-paço nos vossos corações. Obrigado também a todas aspessoas que trabalharam, e estão a trabalhar, para tornarpossível esta viagem.

Desejo que esta visita seja um abraço de consolação eencorajamento a todos os cristãos do Médio Oriente; umamensagem de amizade e estima a todos os habitantes doEgito e da Região; uma mensagem de fraternidade e recon-ciliação para todos os filhos de Abraão, particularmente aomundo islâmico onde o Egito ocupa um lugar de destaque.Faço votos de que possa ser uma válida contribuição tam-bém para o diálogo inter-religioso com o mundo islâmico epara o diálogo ecuménico com a venerada e amada IgrejaCopto-O rtodoxa.

O nosso mundo, dilacerado por uma violência cega, queferiu também o coração da vossa amada terra, precisa depaz, amor e misericórdia; precisa de obreiros de paz e depessoas livres e libertadoras, pessoas corajosas que saibamaprender do passado para construir o futuro sem se fecharnos preconceitos; precisa de construtores de pontes de paz,de diálogo, de fraternidade, de justiça e de humanidade.

Queridos irmãos egípcios, jovens e idosos, mulheres ehomens, muçulmanos e cristãos, ricos e pobres! Abraço-voscordialmente e peço a Deus Omnipotente que vos abençoee proteja o vosso país de todo o mal.

Por favor, rezai por mim. Shukran wa Tahiaí Misr /Obrigado e viva o Egito!

Iorque num encontro dedicado precisa-mente à proteção do património cultu-ral em risco por causa dos conflitos ar-mados.

A necessidade de o tutelar, disse Au-za, citando as palavras do Papa Fran-cisco, «é uma preocupação dramatica-mente atual. Nos últimos anos assisti-mos à destruição e à profanação desantuários em Mosul, Palmira, Tikrit,Timbuctu, Bamiyan e em muitos outroslugares. Vimos bibliotecas e arquivosdestruídos; manuscritos preciosos quei-

mados; coleções científicas danificadas;produções artesanais de valor inestimá-vel saqueadas; mesquitas, igrejas, mos-teiros, sítios arqueológicos e culturaisarrasados; e monumentos arquitetóni-cos, artísticos e históricos demolidospelas escavadoras ou dinamitados».

Tudo isto, continuou o representanteda Santa Sé, «fazia parte de uma estra-tégia coordenada, que previa duas par-tes: destruir para fins de propagandacélebres monumentos, esculturas e tem-plos que não era possível vender nomercado ilegal, como espetáculo inter-nacional para desmoralizar os oposito-res e recrutar novos membros; e, atrásda cortina de fumaça proporcionadapor estas atrocidades, saquear e venderantiguidades mais pequeninas, menos

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

Na era da velocidade

Declínio da capacidade de atençãoCRISTIAN MARTINI GRIMALDI

Acapacidade de atenção foi de-finida como «a quantidade detempo de concentração sobre

uma tarefa sem se distrair». E paramuitos estudiosos deste fenómeno averdadeira mercadoria rara do próxi-mo futuro não será o petróleo masprecisamente a atenção humana.

Um estudo recente revelou que asmúsicas pop estão cada vez mais ace-leradas, um aumento que caminhaao mesmo passo da diminuição daatenção dos ouvintes. As aberturasinstrumentais das canções reduzi-ram-se drasticamente nas últimastrês décadas e, em menor medida, otempo médio de duração das músi-cas de sucesso também diminuiu.

Hubert Leveille Gauvin, douto-rando em teoria musical na OhioState University, analisou as «topten» da parada musical americanaentre 1986 e 2015, descobrindo queenquanto em 1986 eram necessárioscerca de 23 segundos antes que avoz tivesse início, em 2015 a voz co-meça depois de uma média de cercade cinco segundos, uma diminuiçãode setenta e oito por cento. Em pou-cas palavras os artistas procuramcaptar a nossa atenção o mais rapi-damente possível, sabendo bem quea parte vocal no contexto de umamúsica é o instrumento para o fazer.

Uma das razões deste aumento develocidade consiste no uso do for-mato de acesso ao produto, neste ca-so o streaming, pensemos na rápidaascensão de Spotify e de outros sites

de streaming que permitem aos ou-vintes um acesso imediato a milhõesde músicas.

Outro dado proveniente exata-mente do Spotify demonstrou queos hábitos do ouvinte médio muda-ram no decorrer dos anos: porexemplo, hoje um em quatro ouvin-tes do Spotify passa de uma músicapara outra depois de apenas cincosegundos de escuta. Mas isto não selimita só à música, os vários sites destreaming revelaram que grande par-te dos filmes são saltados após pou-cos minutos de visão.

E se, por um lado, os psicólogosrecordam que na realidade são sufi-cientes apenas sete segundos parajulgar uma pessoa quando a encon-tramos pela primeira vez — mas nãose trata de um processo consciente,remonta às nossas raízes primitivas,seria como um instinto de sobrevi-vência — segundo os cientistas foiprecisamente a época dos smartpho-nes que encurtou a nossa capacidadede atenção. Numa palavra, não tan-to a internet em si, e portanto a ca-pacidade de aceder a qualquer «dis-tração» em poucos instantes, masexatamente aqueles aparelhos quetrazemos connosco onde quer quevamos.

Já um estudo britânico de há al-guns anos revelou que a pessoa mé-dia desvia a própria atenção entre osmartphone, tablet e computadorportátil 21 vezes no arco de uma ho-ra. É fácil deduzir que a capacidadede atenção humana diminuiu justa-mente por causa da presença cons-

por multitasking se entende a capa-cidade de desempenhar diversas ati-vidades contemporaneamente, é pre-ciso refletir também sobre a naturezaespecífica destas tarefas. De facto,cozinhar e, ao mesmo tempo, ouvirrádio e enviar e-mails é possível atépara pessoas que não pertencem àcategoria dos nativos digitais (comefeito, trata-se de tarefas que paraserem realizadas exigem um nível deconcentração médio/baixo) masprestar atenção a uma aula em classeé diferente. Dificilmente neste últi-mo caso se poderiam realizar ações«paralelas» sem comprometer aatenção à lição, e é por isso que emquase todos os países europeus, in-clusive na Itália, o uso do smartpho-ne durante as aulas é absolutamenteproibido. Se o multitasking fosse al-go efetivamente realista e não sóuma palavra da moda, então o usodestes instrumentos em classe nãodeveria constituir elemento de dis-

tração, como ao contrário todos osestudos neste campo demonstraram.

Há alguns anos o estudo da edito-ra Pearson, que entrevistou estudan-tes e professores em quatrocentas es-colas primárias inglesas, descobriuque os nativos digitais preferem pas-sar o tempo online em vez de ler umlivro, embora se trate de livros digi-tais (com efeito, também mudando osuporte de leitura a atenção exigidapara ler um livro permanece inaltera-da), este efeito é causado precisa-mente pela reduzida capacidade deatenção.

Compreende-se que tudo isto temuma lógica se considerarmos a mé-dia dos vídeos mais clicados no You-tube nos últimos dez anos: só quatrominutos, com um máximo de nove.Significa que para um professor con-seguir manter viva a atenção de umadolescente de quinze anos duranteuma lição de cinquenta minutos estáa tornar-se uma missão cada vezmais impossível.

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Crime contra a humanidade

das Nações Unidas, prosseguiu oprelado, falou «desta dimensão hu-mana fazendo referência à “d o l o ro s asituação de todo o Médio Oriente,do Norte de África e de outros paí-ses africanos, onde os cristãos, junta-mente com outros grupos culturaisou étnicos e também com aquelaparte dos membros da religião maio-ritária foram obrigados a ser teste-munhas da destruição dos seus luga-res de culto, do seu património cul-tural e religioso, das suas casas e ha-v e re s ”».

Os bens culturais, prosseguiu Au-za, «são um dos elementos funda-mentais de uma civilização, isto tor-na o aniquilamento deliberado depreciosos tesouros culturais quase se-melhante ao genocídio nas suas mo-tivações. A destruição do enraiza-mento histórico das pessoas tem co-mo objetivo a erradicação de umaparte essencial da sua humanidade.Por esta razão, a que estamos a en-frentar é muito mais que uma ques-tão cultural. É um crime contra ahumanidade através do empobreci-mento sistemático do patrimóniocultural do mundo. Penso que o ata-que à humanidade através da des-truição sistemática ou da comerciali-zação do património cultural foiilustrado com toda a sua barbáriepor quanto aconteceu a Khalid al-Asaad, máximo arqueólogo e histo-

riador sírio, que dedicara a própriavida a conservar os tesouros cultu-rais de Palmira. Com 82 anos foitorturado por um mês pelo Ei paraque revelasse a localização de sítiose objetos escondidos, antes de serdegolado e pendurado com a cabeçapara baixo a fim de chocar o mun-do. O ataque contra a sacralidadedo ser humano e a profanação doque ele ama caminham de mãos da-das. Destruir a cultura e aqueles quea apreciam faz parte do mesmo sa-dismo irreverente e desumanizador».Esta consciência, prosseguiu o arce-bispo, «deve solicitar uma respostafirme em todos os setores. Talvez te-nha existido um tempo em que acompra de antiguidades roubadaspodia ser racionalizada como crimesem vítimas, ou até como ação vir-tuosa, garantindo que artesanatosinestimáveis fossem resgatados econservados. Mas agora sabemosque a compra destas “antiguidadesensanguentadas” alimenta ações ter-roristas no mundo inteiro e encorajaoutras profanações do patrimóniocultural. É necessário pôr fim a estasituação».

«Isto leva-me — continuou o pre-lado — à terceira observação do PapaFrancisco: a tutela do patrimóniocultural deve ser considerada um no-vo passo fundamental na proteçãodos direitos humanos. Desde hámuito tempo existem princípios paraa proteção do património cultural

durante os conflitos armados, queremontam à Convenção de Haia de1899 e de 1907 e integrados pelosprotocolos de 1954 e de 1999, queexigem também a proteção da vidahumana. Mas é evidente que o Einão respeita estes tipos de princípiosde humanidade elementar. Felizmen-te, as Nações Unidas compromete-ram-se de forma concertada».

Depois de ter recordado quantofoi feito por organismos internacio-nais como, entre outros, as NaçõesUnidas, Unesco e Interpol, Auzareafirmou que ainda é necessário fa-zer muito mais. Com efeito, é evi-dente, como disse o Papa Franciscoa 30 de novembro, que a proteçãodo património cultural nas áreas deconflito é uma questão dramatica-mente atual. «É uma guerra não sócontra tesouros insubstituíveis —concluiu Auza — mas também con-tra quantos os preservaram, preser-vam e devem preservar para as gera-ções vindouras. Assim como existeuma responsabilidade de proteger aspessoas dos crimes contra a humani-dade, a meu parecer existe tambémo dever de defender a dimensão cul-tural de pessoas e civilizações contraa profanação atualmente em curso ede promover e proteger os direitoshumanos das pessoas à própria his-tória, identidade, meio ambiente, lu-gares de aprendizagem, culto, inspi-ração e assim por diante».

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

lin, secretário de Estado — com oarcebispo Becciu, substituto —Sandri, prefeito da Congregaçãopara as Igrejas orientais, e Koch,presidente do Pontifício conselhopara a promoção da unidade doscristãos. No Cairo unir-se-á a elestambém o cardeal Tauran, presi-dente do Pontifício conselho parao diálogo inter-religioso. Entre osprelados do séquito, estará pre-sente também um dos mais estrei-tos colaboradores do Pontífice,monsenhor Yoannis Lahzi Gaid,com funções de intérprete.

O sábado, 29 de abril, será de-dicado ao encontro com a peque-na comunidade católica, uma exí-gua minoria (0,28 por cento) quesofre discriminações diárias. Às10h00, no estádio da aeronáuticamilitar, o Papa celebrará a missafestiva do terceiro domingo dePáscoa, realizando um passeio pa-ra saudar os fiéis a bordo de umgolf car.

O Papa almoçará com quinzebispos egípcios e logo após irá aoseminário patriarcal para o encon-tro com os sacerdotes, religiosos eseminaristas. No final, prossegui-rá até ao aeroporto para regressara Roma.

Itineráriode paz

tante destes aparelhos.Mas se o desejo de es-

tarmos constantementeligados pode comprome-ter a atenção, há quemsugira que em troca po-deríamos ter ganhado al-go, ou seja, a capacida-de de multitasking.

Multitasking, assimcomo a palavra partilha,é outra daquelas expres-sões abusadas na era dacomunicação digital. Se

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Mensagem aos budistas para a festa do Vesakh

Das religiões um apeloà não-violência

Audiênciaaos príncipes de Liechtenstein

No dia 22 de abril, o Papa Franci-sco recebeu em audiência o príncipereinante Hans-Adam II e o príncipeherdeiro Alois do Principado deLiechtenstein, os quais sucessiva-mente se encontraram com o car-deal Pietro Parolin, secretário deEstado, acompanhado pelo monse-nhor Antoine Camilleri, subsecretá-rio para as Relações com os Esta-dos. Durante os colóquios cordiaisforam evidenciadas as boas relaçõesbilaterias entre a Santa Sé e Lie-chtenstein, e reconhecidos o papelhistórico da Igreja católica e o con-tributo positivo que ela continua aoferecer para a vida do país.Expressou-se apreço pelo compro-misso do Principado no âmbito in-ternacional, particularmente na tute-la dos direitos humanos.

«Cristãos e budistas: percorramos juntos o ca-minho da não-violência», eis o título da men-sagem que o Pontifício conselho para o diálogointer-religioso enviou aos budistas por ocasiãoda festa anual do Vesakh, durante a qual secomemoram os principais acontecimentos da vi-da de Buda. A festa do Vesakh/Hanamatsuride 2017 celebra-se em datas diferentes, segundoas várias tradições; este ano será comemoradanos países da Ásia oriental no dia 3 de maio ena maioria das nações de cultura budista a 10de maio. A seguir publicamos a tradução da ci-tada mensagem.

Prezados amigos budistas!Em nome do Pontifício Conselho para o

Diálogo Inter-Religioso, transmitimos-vos asnossas mais amáveis saudações, bons votos eorações por ocasião do Vesakh. Que estafesta infunda alegria e paz em todos vós,nas vossas famílias, comunidades e nações.

Este ano queremos refletir convosco sobrea urgente necessidade de promover uma cul-tura de paz e de não-violência. A religiãoestá na primeira página no nosso mundo,embora às vezes de maneiras opostas. En-quanto muitos crentes se comprometem afomentar a paz, outros exploram a religiãopara justificar os seus gestos de violência eódio. Vemos que às vítimas da violência ofe-recem cura e reconciliação, mas tambémtentativas de apagar qualquer vestígio e me-mória do «outro». Abre-se o caminho paraa cooperação religiosa global, mas tambémse assiste à politização da religião; há umaconsciência da pobreza endémica e da fomeno mundo, e no entanto continua a deplorá-vel corrida aos armamentos. Esta situaçãoexige um apelo à não-violência, uma rejei-ção da violência em todas as suas formas.

Jesus Cristo e Buda promoveram a não-violência e foram construtores de paz. Co-mo escreve o Papa Francisco: «O próprioJesus viveu em tempos de violência. Ensi-nou que o verdadeiro campo de batalha, on-de se defrontam a violência e a paz, é o co-ração humano: “Porque é do interior do co-ração dos homens que saem os maus pensa-mentos” (Mc 7, 21)» (Mensagem para o Diamundial da paz de 2017 «Não-violência: estilode uma política para a paz», n. 3). O Pontífi-ce ressalta também que «Jesus traçou o ca-minho da não-violência que Ele percorreuaté ao fim, até à cruz, através da qual esta-

beleceu a paz e destruiu a inimizade (cf. Ef2, 14-16)» (ibidem). Por conseguinte, «hoje,ser verdadeiro discípulo de Jesus, significaaderir também à sua proposta de não-vio-lência» (ibidem).

Caros amigos, o vosso fundador Budaanunciou inclusive uma mensagem de não-violência e paz, encorajando todos a «con-quistar aquele que está irado sem se irar, omalvado com a bondade, o miserável com agenerosidade, o mentiroso com a verdade»(Dhammapada, n. XVII, 3). Ele ensinou tam-bém que «a vitória gera inimizade, deixan-do os vencidos no sofrimento. Os pacíficos

presentes, causadas pela violência e pelosconflitos. Isto inclui a violência doméstica,assim como a violência financeira, social,cultural, psicológica e contra o meio am-biente, que é a nossa casa comum. É tristeque a violência gere outros males sociais;por isso, «a escolha da não-violência comoestilo de vida torna-se cada vez mais umaexigência de responsabilidade a todos os ní-veis» (Discurso do Santo Padre Francisco porocasião da apresentação das Cartas Credenciaisde alguns embaixadores, 15 de dezembro de2016).

vivem em paz, transtornando tanto a vitóriacomo a derrota» (ibid., X V, 5). Por isso, eleobservou que a conquista de si mesmo valemais do que a conquista do outro: «Nãoobstante possamos conquistar mil vezes milhomens em batalha, o vencedor mais nobreé, em última análise, aquele que se conquis-ta a si mesmo» (ibid., VIII, 4).

Não obstante estes nobres ensinamentos,muitas das nossas sociedades devem fazer ascontas com o impacto das feridas passadas e

Embora reconheçamos a unicidade dasnossas duas religiões, em relação às quaispermanecemos comprometidos, contudoconcordamos que a violência brota do cora-ção do homem, e que os males da pessoacausam males estruturais. Por isso, somoschamados a um empreendimento comum:estudar as causas da violência; ensinar osnossos respetivos seguidores a combater omal nos seus corações; libertar do mal tantoas vítimas como aqueles que praticam a vio-lência; formar os corações e as mentes detodos, especialmente das crianças; amar eviver em paz com todos e com o meio am-biente; ensinar que não existe paz sem justi-ça, nem verdadeira justiça sem perdão; con-vidar todos a colaborar para a prevençãodos conflitos na reconstrução das sociedadesfragmentadas; encorajar os meios de comu-nicação social a evitar e combater discursosde ódio e relatórios de parte e provocató-rios; fomentar as reformas no campo daeducação, para prevenir a deturpação e amá interpretação da história e dos textosdas Escrituras; e por fim rezar pela paz nomundo, percorrendo juntos o caminho danão-violência.

Estimados amigos, podemos dedicar-nosativamente à promoção no seio das nossasfamílias, assim como nas instituições sociais,políticas, civis e religiosas, um novo estilode vida em que se rejeite a violência e serespeite a pessoa humana. É com este espíri-to que vos reiteramos os nossos votos deuma pacífica e alegre festa do Ve s a k h !

Cardeal JEAN-LOUIS TAU R A NP re s i d e n t e

D. MIGUEL ÁNGEL AYUSOGU I X O T, MCCJ

S e c re t á r i o

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

Missas matutinas em Santa MartaSegunda-feira24 de abril

A fé é concretaO que significa viver realmente aPáscoa, o «espírito pascal»? Pergun-ta necessária, porque para o cristãohá o risco da «idealização», deesquecer que «a nossa fé é concre-ta». Na primeira missa celebrada emSanta Marta depois das festas pa-scais, o Papa traçou o percurso a se-guir: «Ir pelos caminhos do Espíritosem comprometimentos», testemu-nhando a verdade com coragem efranqueza.

Para compreender este programade vida é necessária uma «mudançade mentalidade», libertar-se dos la-ços do «racionalismo» e aderir à «li-berdade» do Espírito. Era isto queJesus explicava a Nicodemos no cé-lebre episódio evangélico da visitanoturna (Jo 3, 1-8), examinado peloPontífice para comentar a liturgiaho dierna.

Também o Pontífice refletiu sobrea resposta de Jesus: «O que significa“nascer do Espírito”? O que signifi-ca “nascer do alto: o vento sopra on-de quer; ouves o seu ruído mas nãosabes de onde vem, nem para ondevai. Assim acontece com aquele quenasceu do Espírito”». E frisou quenesta mensagem se sente «um ar delib erdade».

Contudo, é um discurso difícil e,«para o entender melhor, ilumina-nos a primeira leitura». No trechoproposto pela liturgia (At 4, 23-31)encontra-se «o fim de uma históriaque a liturgia sugeriu durante toda asemana da Páscoa. A história da cu-ra, por parte de Pedro e João, do co-xo que era levado todos os dias àporta do Templo, chamada “formo-sa”, para pedir esmola». A leituradeste episódio esclarece o discursode Nicodemos. O Papa explicou-o,relançando que «todo o povo queestava ali no pórtico de Salomão»,tinha «visto» e ficara admirado. Tra-ta-se exatamente «daquele sentimen-to — mais do que um sentimento:aquele estado de ânimo que a pre-sença do Senhor desperta em nós. A

Eis o detalhe que esclarece tudo.As «duas palavras», as mesmas comas quais João começa a primeira car-ta: «O que vimos e ouvimos». Trata-se, observou o Papa, da «realidadede um acontecimento, da realidadeda fé, da encarnação do Verbo».

Diante disto, «os chefes queremnegociar para chegar a compromis-sos». Mas os apóstolos «não cedema compromissos; têm coragem, têm afranqueza do Espírito». Uma «fran-queza que significa falar abertamen-te, com coragem». Portanto, «eis oponto: a firmeza da fé». Uma con-clusão que envolve cada cristão.Com efeito, o Papa recordou: «Àsvezes esquecemos que a nossa fé éconcreta: o Verbo fez-se carne, nãose fez ideia: fez-se carne». Não é poracaso que «quando recitamos o Cre-do, dizemos coisas concretas: “C re i oem Deus Pai, que fez o céu e a terra,creio em Jesus Cristo que nasceu,m o r re u . . . ”, são coisas concretas. Onosso Credo não diz: “Creio que de-vo fazer isto, isso e aquilo, ou que ascoisas são para isto...”: não! São coi-sas concretas». E a «solidez da fé»leva «à franqueza, ao testemunhoaté ao martírio, que é contrário aoscompromissos, à idealização da fé».Poder-se-ia dizer que para os douto-res da lei «o Verbo não se fez carne:fez-se lei». Para eles só era impor-tante estabelecer: «Deve-se fazer istoaté aqui, e não mais; deve-se fazeristo... E assim viviam presos nestamentalidade racionalista». Umamentalidade «que não acabou comeles». Com efeito, na história muitasvezes a Igreja «que condenou o ra-cionalismo, o iluminismo», também«caiu numa teologia do “pode-se enão se pode”, “até aqui, até ali”, eesqueceu a força, a liberdade doEspírito, este renascer do Espíritoque te dá a liberdade, a franquezada pregação, o anúncio de que JesusCristo é o Senhor».

Segundo esta chave de leitura,esclareceu o Pontífice, entende-setambém «a história das persegui-ções». Com efeito, na primeira leitu-ra lê-se: «Ergueram-se os reis da ter-ra, os príncipes aliaram-se contra oSenhor e contra o seu Cristo. Real-mente nesta cidade Herodes e Pôn-cio Pilatos, com as nações e com opovo de Israel aliaram-se contra oteu Ungido, o Senhor».

Eis então o ensinamento aindahoje atual: «Peçamos ao Senhor estaexperiência do Espírito que vai evem e que nos leva em frente, doEspírito que nos dá a unção da fé, aunção da solidez da fé». Voltam aressoar as palavras ditas a Nicode-mos: «Não te admires se eu te disse:“Tens de nascer do alto”. “O ventosopra onde quer; ouves o seu ruídomas não sabes de onde vem, nempara onde vai. Assim acontece comaquele que nasceu do Espírito”».Quem nasceu do Espírito «ouve avoz, segue o vento, segue a voz doEspírito sem saber onde acabará.Porque fez uma opção pela solidezda fé e o renascimento no Espírito».

Por isso o Papa concluiu comuma oração: «O Senhor nos conce-da a todos este Espírito pascal, parairmos pelos caminhos do Espíritosem comprometimentos, sem rigidez,com a liberdade de anunciar JesusCristo como Ele veio: na carne».

admiração. O encontro com o Se-nhor leva a esta admiração».

Diante disto os chefes, os sumossacerdotes, os doutores da lei«escandalizaram-se» e, conscientesde que o milagre foi público, inter-rogavam-se: «Que fazemos?». Acon-teceu o mesmo quando Jesus curouo cego de nascença. Portanto, ospresentes perguntavam-se: «Comofazemos para encobrir isto? Porqueo povo viu, crê, temos a evidência...Como esconder isto?». De resto,viam o coxo que, segundo a narra-ção, «dançava de alegria para lhesfazer entender que Jesus o tinha cu-rado». Os doutores da lei concorda-ram em chamar os dois apóstolos e«em dizer-lhes que deixassem de fa-lar, de pregar», mas quando lhesapresentaram «a proposta», Pedro —ele que «negara Jesus três vezes», re-spondeu: «Não podemos silenciar oque vimos e ouvimos. E... continua-remos assim».

Te r ç a - f e i r a25 de abril

Por Tawadros II

Poucas horas antes da viagem aoEgito, o Papa Francisco ofereceu«pelo meu irmão Tawadros II, pa-triarca de Alexandria dos coptas», amissa celebrada na capela da CasaSanta Marta. «Hoje é a festa de SãoMarcos evangelista, fundador daIgreja de Alexandria» disse o Pontí-fice, pedindo também «a graça queo Senhor abençoe as nossas duasIgrejas com a abundância do Espíri-to Santo».

Precisamente as palavras de Mar-cos «no final do Evangelho» (16, 15-20), propostas hoje pela liturgia, fo-ram o fio condutor da meditação doPapa: «Ide por todo o mundo e pre-gai o Evangelho a toda a criatura».Nesta exortação, explicou Francisco,«está a missão que Jesus atribui aosdiscípulos: a missão de anunciar oEvangelho, de proclamar o Evange-lho». E «em primeiro lugar Jesuspede para ir, não permanecer em Je-rusalém: “Ide por todo o mundo epregai o Evangelho a toda a criatu-ra”». É um convite vigoroso a «sair,ir».

De resto, observou o Papa, «oEvangelho é proclamado sempre acaminho: nunca sentado, sempre acaminho, sempre». Portanto, sair pa-ra ir «onde Jesus não é conhecido,onde Ele é perseguido ou desfigura-do, para proclamar o verdadeiroEvangelho». Como ouvimos no cân-tico da aleluia, «anunciamos Cristocrucificado, poder de Deus e sabe-doria de Deus». Precisamente «esteé o Cristo que Jesus nos envia paraanunciar».

Assim os cristãos são chamados a«sair para anunciar e nesta saída es-tá em questão também a vida, estáem jogo a vida do pregador: ele nãoestá seguro, não há seguros de vidapara os pregadores». A ponto que«se um pregador procurar um segu-ro de vida, não será um verdadeiropregador do Evangelho: não sai,permanece na segurança».

«Primeiro: ide, saí» insistiu oPontífice. Porque «o Evangelho, oanúncio de Jesus Cristo, se faz emsaída, sempre; a caminho, sempre».E «a caminho tanto físico quanto es-piritual e do sofrimento: pensemosno anúncio do Evangelho que fazemtantos doentes — muitos doentes! —que oferecem as dores pela Igreja,pelos cristãos». São pessoas que«saem sempre de si mesmas».

Mas «qual é o estilo deste anún-cio?» foi a questão proposta porFrancisco. «São Pedro, que foi exa-tamente o mestre de Marcos, é mui-to claro na descrição deste estilo: co-mo se anuncia o Evangelho?». Eis aresposta, reproposta hoje na primei-ra leitura (1 Pd 5, 5-14): «Revesti-vosde humildade». Sim, explicou o Pa-pa, «o Evangelho deve ser anuncia-do com humildade, porque o Filhode Deus se humilhou, se aniquilou:o estilo de Deus é este, não há ou-tro». «O anúncio do Evangelho nãoé um carnaval, nem uma festa quepode ser muito bonita mas não é oanúncio do Evangelho». É preciso

«Este fariseu era um homem bom.Inquieto, não entendia. O seu cora-ção estava na noite». Mas tratava-sede «uma noite diversa da de Judas,porque era uma noite que levava oprimeiro a aproximar-se de Jesus, eo outro a afastar-se». Foi ter com Je-sus para «pedir explicações» e rece-beu uma resposta que «não enten-de». Quase como se «Jesus quisessecomplicar a situação, pondo-o emdificuldade». Com efeito, responde:«Em verdade, em verdade te digo:quem não renascer do alto não po-derá ver o Reino de Deus». Nicode-mos pergunta: «Como é possível na-scer de novo?». Parece, observouFrancisco, «um pouco irónico, masnão é assim». Ao contrário, é aexpressão de um grande tormentointerior. Então, Jesus explica que setrata da «passagem de uma mentali-dade para outra» e «com muita pa-ciência e amor, ajuda este homem deboa vontade a fazer esta passagem».

Henry Ossawa Tanner, «Jesus e Nicodemos»

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Com a contribuição da Esmolaria apostólica

Praia equipadapara deficientes em Fiumicino

Concluídaa XIX re u n i ã odo Conselhode cardeais

O esboço da nova constituiçãoapostólica sobre a Cúria romanaestá a ganhar forma, mas por en-quanto não há datas acerca daconclusão do processo, anunciou odiretor da Sala de imprensa daSanta Sé, Greg Burke, encontran-do-se com os jornalistas na manhãde quarta-feira, 26 de abril, parareferir a respeito da XIX re u n i ã odos cardeais conselheiros.

Durante os trabalhos prosseguiuo debate sobre a Congregação pa-ra a evangelização dos povos, esobre o Pontifício conselho para anova evangelização. Foram estuda-dos também alguns textos a seremapresentados ao Papa relativos adois Pontifícios conselhos — diálo-go inter-religioso e textos legislati-vo — e aos três tribunais: Peniten-ciaria apostólica, Assinatura apos-tólica e Rota romana. Os encon-tros no Vaticano tiveram lugar de24 a 26 de abril, das 9h00 às12h30 e das 16h30 às 19h00, napresença do Papa Francisco, au-sente só na manhã de quarta-feiradevido à audiência geral.

Burke explicou que os cardeaisconselheiros estudaram nestes diastambém a seleção e sobretudo aformação do pessoal ao serviço daSanta Sé, quer leigos quer cléri-gos. A este propósito, participa-ram na reunião alguns oficiais esuperiores da Secretaria de Esta-do, do Conselho para a economia,e do Departamento do trabalhoda Sé Apostólica (Ulsa). Da Se-cretaria de Estado estavam presen-tes os arcebispos Becciu, substitu-to, Gallagher, secretário para asRelações com os Estados, ePa w łowski, delegado para as re-presentações pontifícias. Do Con-selho para a economia, além docardeal presidente Marx, interveioFranco Vermiglio, membro domesmo conselho. Da Ulsa, inter-vieram o bispo Giorgio Corbellinie Salvatore Vecchio. Outro tematratado foi a relação entre as Con-ferências episcopais e a Cúria ro-mana. Em particular, a atenção fo-calizou a descentralização. O car-deal Pell informou acerca do tra-balho da Secretaria para a econo-mia, por ele presidida, com espe-cial destaque à monitorização dobalanço do ano em curso. O car-deal O’Malley informou os conse-lheiros relativamente ao trabalhoda Pontifícia comissão para a pro-teção dos menores, com particularatenção aos programas de educa-ção globais, sobre a última reuniãoplenária e as visitas aos dicasté-rios.

A próxima reunião terá lugar de12 a 14 de junho.

«São Pedro na prisão Mamertinocom São Marcos (século XIX)

«humildade: o Evangelho não podeser anunciado com o poder huma-no, nem com o espírito de escalarou subir, não! Isto não é o Evange-lho!».

«Humildade», antes de tudo, co-mo recomenda vivamente Pedro nasua primeira carta. «Revesti-vos dehumildade». E explicou a razão des-te estilo: «Porque Deus resiste aossoberbos, mas concede a graça aoshumildes». «Para anunciar o Evan-gelho é necessário obter a graça deDeus, e para a receber é preciso terhumildade: o estilo do anúncio é es-ta proposta». Pedro acrescenta tam-bém estas palavras: «Humilhai-vos,pois, debaixo da poderosa mão deDeus, para que ele vos exalte notempo oportuno».

A humildade é necessária, afirmouo Pontífice, «precisamente porquelevamos a cabo um anúncio de hu-milhação, de glória mas através dahumilhação». E «o anúncio doEvangelho sofre a tentação do po-der, a tentação da soberba, dasmundanidades, de muitas mundani-dades que existem e nos levam apregar ou a recitar». Sim, explicou,«porque não é pregação um Evan-gelho diluído, sem vigor, um Evan-

gelho sem Cristo crucificado e res-suscitado». Precisamente «por issoPedro diz para vigiar: “O vosso ad-versário, o demónio, anda ao redorde vós como o leão que ruge, bus-cando a quem devorar. Resisti-lhefortes na fé. Vós sabeis que os vos-sos irmãos, que estão espalhados pe-lo mundo, sofrem os mesmos pade-cimentos que vós”».

«O anúncio do Evangelho, se forverdadeiro, sofre a tentação» repetiuFrancisco. «Se um cristão disser queanuncia o Evangelho, com a palavraou com o testemunho, e que nuncaé tentado», pode estar «tranquilo»que o diabo não se preocupa comisso «e quando o diabo não se preo-cupa é porque não lhe causamosproblemas, porque estamos a pregaralgo que não serve». Eis porque «naverdadeira pregação há sempre algu-ma tentação e até perseguição».

Por fim, reiterou o Papa, «estilode humildade, caminho — p orquesaímos — caminho de tentação, masa esperança» nunca deve faltar. Defacto, escreve Pedro: «O Deus detoda a graça, que vos chamou emCristo à sua eterna glória, depoisque tiverdes padecido um pouco,vos aperfeiçoará, vos tornará inaba-

láveis, vos fortificará». O Papaacrescentou: «será exatamente o Se-nhor quem nos resgatará, dando-nosforça, porque foi isto que Jesus pro-meteu quando enviou os apóstolos».Como descreve Marcos no trechoevangélico hodierno: «Os discípulospartiram e pregaram por toda a par-te. O Senhor cooperava com eles econfirmava a sua Palavra com os mi-lagres que a acompanhavam». Sim,afirmou Francisco, «será o Senhorquem nos confortará, nos dará forçapara ir em frente, porque Ele age anosso favor se formos fiéis ao anún-cio do Evangelho, se sairmos de nósmesmos para pregar Cristo crucifica-do, escândalo e loucura, e se fizer-mos tudo com um estilo de humil-dade, de humildade verdadeira».

«Que o Senhor — desejou o Papa— nos conceda esta graça, como ba-tizados, a todos, de empreender ocaminho da evangelização com hu-mildade, com confiança n’Ele, anun-ciando o verdadeiro Evangelho: “OVerbo fez-se carne”». «Isto é umaloucura, um escândalo». Portanto,evangelizar «com a consciência deque o Senhor está ao nosso lado,age em nosso benefício e confirma onosso trabalho».

O Papa ofereceu um contributo para apoiar o projetosocial a favor dos jovens portadores de deficiência queem Focene, no município de Fiumicino, frequentam acolónia de férias chamada «La Madonnina». Através doarcebispo esmoler Konrad Krajewski, Francisco doou àassociação obra de São Luís Gonzaga — Obra de amor,que gere a praia — a soma para pagar as despesas doaluguel anual.

Para os voluntários comprometidos nesta realidadebalnear, quem ali presta serviço redescobre a importân-cia do cuidado pelo outro, «a unicidade do ser humanoindependentemente se é deficiente ou não». Além disso,redescobre-se que cada indivíduo é «fonte de bem-estarpara o outro, se se puser à escuta das exigênciasalheias». No âmbito da colónia «La Madonnina», expli-cam, respira-se «um ar novo, uma atmosfera onde sesente “amor” que por sua vez gera outro “amor”, amorpelo próximo e amor pela vida».

Esta praia “esp ecial” localiza-se a poucos quilómetrosde Roma, na diocese suburbicária de Porto — Santa Ru-

fina, e está aberta a todos, porque desde 2o12 garante,quer pelas suas estruturas quer pelos funcionários, umacolhimento adequado às pessoas portadoras de defi-ciências.

A praia é gerida totalmente por voluntários, que ga-rantem um atendimento médico. Além disso, prestamserviço também pessoal especializado proveniente daFederação italiana de natação paralímpica, que garanteaos deficientes a balneação e a tutela da sua saúde.

Na origem do projeto está o compromisso a criar nãouma colónia «gueto», mas uma praia sem barreiras ar-quitetónicas nem mentais, onde todos possam desfrutardo mar e dos seus numerosos benefícios. Toda a praiaestá equipada com passarelas que permitem fruir auto-nomamente dos serviços.

Também os estrados consentem o acesso autónomoaos guarda-sóis e solários (adequadamente elevados),com a possibilidade de chegar até à beira-mar. O site doprojeto — www.spiaggialamadonnina.it — fornece diver-sas informações.

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

Generoso servidor da Igreja

Insigne jurista, protagonista da revi-são da Concordata entre a Itália e aSanta Sé — a ponto de ser conside-rado «o inventor do “8 per mille”»— e perito em questões financeiras, ocardeal Attilio Nicora pôs ao serviçoda Igreja uma vasta experiênciaamadurecida em primeira linha nocampo social. Inclusive como presi-dente da Cáritas italiana.

Cardeal a partir de 2003, presi-dente da Administração do Patrimó-nio da Sé Apostólica de 1992 a 2011e depois até 2014 primeiro Presiden-te da Autoridade de Informação Fi-nanceira, instituição competente daSanta Sé e do Estado da Cidade doVaticano para a luta contra a recicla-gem e o financiamento do terroris-mo. Depois do liceu iniciou os estu-dos de direito na universidade cató-lica do Sagrado Coração, formando-se em 1959. Entrou no semináriomaior da arquidiocese ambrosiana,foi ordenado presbítero a 27 de ju-nho de 1964 e obteve a licenciaturaem teologia, no outono do mesmoano, na Faculdade teológica de Mi-lão.

Enviado a Roma pelo arcebispoGiovanni Colombo para aperfeiçoaros estudos canónicos, foi aluno doPontifício seminário lombardo e daPontifícia universidade Gregoriana,onde obteve o doutoramento em di-reito canónico. Ao voltar para Milãoensinou tal matéria e direito público

eclesiástico no seminário maior, doqual se tornou reitor em 1970.

Nomeado por Paulo VI, a 16 deabril de 1977, auxiliar de Milão, foiordenado pelo cardeal Colombo,que lhe confiou a pastoral social e oapostolado dos leigos. Quando ocardeal Carlo Maria Martini se tor-nou arcebispo de Milão, D. Nicorafoi escolhido como pró-vigário-geral,ocupando-se inclusive das relaçõescom as instituições locais e regio-nais.

Em fevereiro de 1984 tornou-seco-presidente da parte eclesiástica dacomissão paritética ítalo-vaticana en-carregada de predispor no quadroda revisão da Concordata Lateranen-se, a reforma da disciplina concer-nente aos bens e entidades eclesiásti-cas. As conclusões alcançadas foramadotadas a nível de pacto com oProtocolo entre República italiana eSanta Sé, assinado em Roma a 15 denovembro de 1984 e entrou em vigorno dia 3 de junho de 1985. Em talcontexto foi atuada a reforma do «8per mille», que permite aos cidadãositalianos destinarem 0,8 por centodos impostos sobre a renda à Igrejacatólica.

Para seguir de perto a fase execu-tiva do novo desenho dos pactos, a11 de fevereiro de 1987 D. Nicora foiposto à disposição da presidência daConferência episcopal italiana (Cei),em Roma, com a qualificação de en-

carregado para os problemas relati-vos à atuação dos Acordos de 1984.

Nomeado presidente do comité daCei para os problemas das entidadese dos bens eclesiásticos, até 1995 foico-presidente da Comissão paritéticaItália-Santa Sé para a atuação danova Concordata. De 1990 a 1992desempenhou também o cargo dePresidente da comissão episcopal pa-ra o serviço da caridade e de presi-dente da Cáritas italiana.

A 30 de junho de 1992 João PauloII nomeou-o bispo de Verona, ondedesempenhou o seu ministério conti-nuando, ao mesmo tempo, a colabo-rar com a Cei e com a Santa Sé nanegociação das questões jurídicas re-lativas aos pactos.

A 18 de setembro de 1997, renun-ciando ao governo pastoral de Vero-na, voltou a Roma retomando atemplo integral o cuidado das ques-tões jurídicas canónicas e concorda-tárias junto da Cei, como delegadoda presidência, e assumindo a repre-sentação dos bispos italianos juntoda comissão dos episcopados da Co-munidade europeia, da qual em2000 foi nomeado vice-presidente.

No dia 1 de outubro de 2002 oPapa Wojtyła chamou-a à Cúria naqualidade de Presidente da Apsa,cargo que desempenhou até 7 de ju-lho de 2011. No ano seguinte, noconsistório de 21 de outubro, o San-to Padre criou-o e publicou-o car-deal, atribuindo-lhe a diaconia de

São Filipe Neri «in Eurosia», eleva-da «pro hac vice» a título presbiteralno dia 12 de junho de 2014.

O Papa Bento XVI, quando com omotu proprio de 30 de dezembro de2010 erigiu a Autoridade de informa-ção financeira (Aif), chamou o Car-deal Nicora para lhe presidir, perma-necendo em tal cargo até ao dia 30de janeiro de 2014. Além disso, apartir de 2007 até fevereiro de 2013,foi membro da Comissão cardinalí-cia de vigilância do Instituto para asobras de religião (Ior).

Protagonista de diversas assem-bleias sinodais no Vaticano, era atéagora cardeal legado para as basílicasde São Francisco e de Santa Mariados Anjos em Assis. E em nome doPontífice, em 2006 celebrou as exé-quias de monsenhor Pasquale Mac-chi, ex-secretário do beato Paulo VI.

Foi membro das Congregaçõespara os bispos e para a evangeliza-ção dos povos, e era ainda membrodo Pontifício conselho para os tex-tos legislativos, do supremo tribunalda Assinatura Apostólica, da Apsa,da Pontifícia comissão para o Estadoda Cidade do Vaticano e do Conse-lho de cardeais e bispos instituídona Secção para as relações com osEstados da Secretaria de Estado. En-tre os seus compromissos estava pre-sente também o de consultor ecle-siástico central da União dos juristascatólicos italianos, no âmbito daConferência episcopal.

Pela morte do cardeal Attilio Nicora

Pe s a rdo Santo Padre

Ao tomar conhecimento do falecimento do cardeal Attilio Nicora, legado pontifício para asbasílicas de São Francisco e de Santa Maria dos Anjos em Assis, o Pontífice enviou oseguinte telegrama de pêsames ao irmão do purpurado, doutor Carlo Nicora.

Tive conhecimento da triste notícia do falecimento do querido Cardeal Attilio Nicorae desejo exprimir ao senhor e aos seus familiares, assim como ao Arcebispo e aos ir-mãos da sua amada Igreja ambrosiana, as minhas sentidas condolências. Ele deixauma recordação cheia de estima e reconhecimento pelo precioso serviço prestado comcompetência singular quer à Igreja e à sociedade civil na Itália, especialmente no cam-po jurídico com a revisão da Concordata lateranense e a atualização do sistema deapoio económico à Igreja católica e de sustentamento do clero, quer à Santa Sé, comopresidente rigoroso e clarividente primeiro da Apsa e depois da Aif. À celeste interces-são de Maria Santíssima e de São João Paulo ii, que o nomeou para guiar a Diocesede Verona, criando-o depois Cardeal, confio as minhas orações de sufrágio pela sua al-ma sacerdotal, enquanto concedo ao senhor e a quantos choram o seu falecimento aBênção apostólica.

FRANCISCO

Telegrama análogo foi enviado também pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado.Igor Prokop, «Ressurreição» (detalhe)

Faleceu no dia 22 de abril em Roma, com oitenta anos, ocardeal Attilio Nicora, Legado Pontifício para as basílicasde São Francisco e de Santa Maria dos Anjos em Assis,Presidente emérito da administração do Património da SéApostólica (APSA), Presidente emérito da Autoridade de In-formação Financeira (AIF) da Santa Sé. Nasceu a 16 demarço de 1937, em Varese, na arquidiocese de Milão (Itá-lia). Recebeu a Ordenação sacerdotal a 27 de junho de1964. A 16 de abril de 1977 foi nomeado auxiliar de Mi-lão, tendo recebido a Ordenação episcopal no dia 28 demaio seguinte. A 30 de junho de 1992 São João Paulo II

nomeou-o bispo de Verona, ministério que exerceu até 18 desetembro de 1997. Foi nomeado presidente da APSA a 1 deoutubro de 2002: cargo que ocupou até 7 de julho de 2011.

O Papa Wojtyła criou-o e publicou-o cardeal no consistóriode 21 de outubro de 2003, atribuindo-lhe a diaconia deSão Filipe Neri «in Eurosia», elevada «pro hac vice» atítulo presbiteral a 12 de junho de 2014. No dia 19 de ja-neiro de 2011 com a instituição da A I F, foi nomeado o seuprimeiro presidente, deixando o cargo a 30 de janeiro de2014. Desde 21 de fevereiro de 2006 era Legado Pontifíciopara as basílicas de São Francisco e de Santa Maria dosAnjos em Assis. Na tarde de 24 de abril, no altar da Cá-tedra da basílica, o Papa presidiu ao rito da última «com-mendatio» e da «valedictio» no final das exéquias do car-deal. Francisco chegou no final da missa fúnebre celebradapelo cardeal decano, Angelo Sodano, o qual pronunciou ahomilia.

número 17, quinta-feira 27 de abril de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 20 de abrilO Senhor Cardeal Fernando Filoni,Prefeito da Congregação para aEvangelização dos Povos.

A 21 de abrilD. Luis Francisco Ladaria Ferrer, Se-cretário da Congregação para aDoutrina da Fé; o Senhor CardealGeorge Pell, Prefeito da Secretaria

para a Economia; e o Rev.do Pe. Eu-genio Romagnuolo, Abade da Aba-dia de Casamari, Abade Presidenteda Congregação Cisterciense de Ca-samari (Itália).Sua Ex.cia o Senhor Kenneth K. Fra-zier, Ceo e Presidente da multinacio-nal farmacêutica Merck e Msd Glo-bal, com o Séquito.

A 22 de abrilO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; e D. Carlos Maria Franzini,Arcebispo de Mendoza (Argentina).

A 25 de abrilOs seguintes Prelados da Conferên-cia Episcopal do Canadá, em visita«ad limina Apostolorum»: CardealThomas Christopher Collins, Arce-bispo de Toronto, com os AuxiliaresD. John Anthony Boissonneau, D.Vincent Nguyen Manh Hieu, D.Wayne Joseph Kirkpatrick e D. Ro-bert Michael Kasun; D. David Dou-glas Crosby, Bispo de Hamilton,com o Bispo Emérito D. AnthonyFrederick Tonnos, e o ex-Auxiliar D.Matthew Francis Ustrzycki; D. Ro-nald Peter Fabbro, Bispo de Lon-don, com o Auxiliar D. Jozef A. Da-browski; D. Gerard Paul Bergie, Bis-po de Saint Catharines; D. FrederickJ. Colli, Bispo de Thunder Bay; D.Terrence Thomas Prendergast, Arce-bispo de Ottawa e AdministradorApostólico de Alexandria-Cornwall,com o Auxiliar D. Christian Riesbe-ck e o Bispo Emérito de Alexandria-Cornwall, D. Eugène Philippe La-Rocque; D. Robert O. Bourgon,Bispo de Hearst e AdministradorApostólico de Moosonee; D. Mi-chael Mulhall, Bispo de Pembroke;D. Serge Poitras, Bispo de Timmins;D. Brendan Michael O’Brien, Arce-bispo de Kingston; D. Marcel Dam-phousse, Bispo de Sault Sainte Ma-rie; D. Daniel Joseph Miehm, Bispode Peterborough; e D. Scott Mc-Caig, Ordinário Militar para o Ca-nadá.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 21 de abrilDe D. Gianfranco Todisco, P.O.C.R.,ao governo pastoral da Diocese deMelfi-Rapolla-Venosa (Itália).

No dia 23 de abrilDe D. Peter J. Kairo, ao governopastoral da Arquidiocese de Nyeri(Quénia).

No dia 25 de abrilDe D. Eugeniusz Juretzko, O.M.I.,ao governo pastoral da Diocese deYokadouma (Camarões).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 20 de abrilBispo da Eparquia de Saint Nicho-las de Chicago dos Ucranianos(E UA ), D. Venedykt (Valery) Aleksiy-chuk, M.S.U., até esta data Auxiliarda Arquieparquia de Lviv dos Ucra-nianos (Ucrânia).Bispo Coadjutor de Telšiai (Lituâ-nia), D. Kęstutis Kėvalas, até hojeAuxiliar de Kaunas.

A 22 de AbrilEnviado Especial às cerimónias doVII centenário do enclave dos Papasem Avignon, de 23 a 25 de junho, oSenhor Cardeal Paul Poupard, Presi-dente Emérito do Pontifício Conse-lho para a Cultura.

A 23 de abrilArcebispo de Nyeri (Quénia), D.Anthony Muheria, até esta data Bis-

po de Kitui e Administrador Apos-tólico de Machakos.

A 25 de abrilNúncio Apostólico na Tanzânia, D.Marek Solczyński, até à presente da-ta Núncio Apostólico na Geórgia, naArménia e no Azerbaijão.Bispo de Yokadouma (Camarões), oR e v. do Pe. Paul Lontsié-Keuné, doclero de Bafoussam, até agora Reitordo Seminário Maior InterdiocesanoSaint Augustin de Maroua-Mokolo.

D. Paul Lontsié-Keuné nasceu a 25de agosto de 1963 em Balatchi (Ca-marões). Foi ordenado Sacerdote no dia17 de março de 1991.

Auxiliar de Münster (Alemanha), oR e v. do Pe. Rolf Lohmann, do cleroda mesma Diocese, até hoje Párocode St. Marien em Kevelaer e Reitordo homónimo Santuário Mariano eCónego não residente do Cabido daCatedral, simultaneamente eleitoBispo Titular de Gor.

D. Rolf Lohmann nasceu no dia 21de fevereiro de 1963 em Hamm (Ale-manha). Recebeu a Ordenação sacerdo-tal a 14 de maio de 1989.

A 26 de abrilNúncio Apostólico na Nigéria, D.Antonio Guido Filipazzi, ArcebispoTitular de Sutri, até agora NúncioApostólico na Indonésia.

Prelados falecidos

Adormeceu no Senhor:

No dia 19 de abrilD. Antun Bogetić, Bispo Emérito dePoreč e Pula (Croácia)

O venerando Prelado nasceu a 24de abril de 1922 em Premantura(Croácia). Foi ordenado Sacerdote nodia 29 de junho de 1946. Recebeu aOrdenação episcopal em 28 de abril de1984.

Início de Missãode Núncio Apostólico

D. Michael W. Banach, ArcebispoTitular de Memphis, na Guiné-Bis-sau (27 de outubro de 2016).

Na manhã de terça-feira 25 de abril, o Papa Francisco recebeu em audiênciaos bispos de Ontário em visita «ad limina Apostolorum»

Bispos canadensesem visita «ad limina»

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 6

tivo, exceto o domingo 30 deabril, os trabalhos serão precedi-dos por uma missa concelebradano santuário e transmitida pelasprincipais emissoras radiofónicase televisivas católicas locais. Ha-verá quatro sessões de trabalhopor dia, duas de manhã e duas àtarde. Às 15h00, três bispos serãoescolhidos para a conferência deimprensa sobre as temáticas naagenda, cujo porta-voz é D. DarciJosé Nicioli, arcebispo de Dia-mantina e presidente da comissãoepiscopal da pastoral para a co-municação.

Nos dias 29 e 30 de abril terálugar também o retiro dos bispos,durante o qual se celebrará a mis-sa especial dedicada a Nossa Se-nhora, e na noite de sábado 29será possível participar na pere-grinação com a procissão e a cele-bração mariana. Na quinta-feira,4 de maio, está prevista uma ses-são especial dedicada a Maria, ena sexta-feira 5 a cerimónia deencerramento.

A assembleia plenária assumeuma certa relevância não só emâmbito nacional, sobretudo se acontemplarmos à luz dos últimosdados do Anuário Pontifício de2017 e do «Annuarium Statisti-cum Ecclesiae» de 2015, segundoo qual o Brasil se coloca em pri-meiro lugar na classificação, com172 milhões de católicos batizadosresultantes no cenário mundial.

Relatóriodos bisposb r a s i l e i ro s

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de abril de 2017, número 17

O Papa voltou a falar da esperança

Alma migrante

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!«Eu estou convosco todos os dias, até ao fimdo mundo» (Mt 28, 20). Estas últimas pala-vras do Evangelho de Mateus evocam oanúncio profético que encontramos no iní-cio: «Ele chamar-se-á Emanuel, que signifi-ca Deus connosco» (Mt 1, 23; cf. Is 7, 14).Deus estará ao nosso lado todos os dias, atéao fim do mundo. Jesus caminhará ao nossolado todos os dias, até ao fim do mundo. OEvangelho inteiro está encerrado entre estasduas citações, palavras que comunicam omistério de Deus cujo nome, cuja identida-de é estar-com: não é um Deus isolado, masum Deus-com, de modo particular connosco,ou seja, com a criatura humana. O nossoDeus não é um Deus ausente, raptado porum céu remoto; ao contrário, é um Deus«apaixonado» pelo homem, tão ternamenteamante que chega a ser incapaz de se sepa-rar dele. Nós, humanos, somos peritos emromper vínculos e pontes. Ele, ao contrário,não! Se o nosso coração arrefece, o seu per-manece sempre incandescente. O nossoDeus acompanha-nos sempre, inclusive se,por desventura, nos esquecêssemos dele. Noponto que divide a incredulidade da fé, édecisiva a descoberta de que somos amadose acompanhados pelo nosso Pai, que Elenunca nos deixa sozinhos.

A nossa existência é uma peregrinação, umcaminho. Até aqueles que são impelidos poruma esperança simplesmente humana sen-tem a sedução do horizonte, que os leva aexplorar mundos ainda desconhecidos. Anossa alma é uma alma migrante. A Bíbliaestá cheia de histórias de peregrinos e via-jantes. A vocação de Abraão começa comesta exortação: «Deixa a tua terra» (Gn 12,1). E o patriarca abandona aquele recantode mundo que conhecia bem e que era umdos berços da civilização do seu tempo. Tu-do conspirava contra a sensatez daquela via-gem. E no entanto Abraão parte. Não nostornamos homens e mulheres maduros, senão sentirmos a atração do horizonte: aque-le limite entre o céu e a terra que pede paraser alcançado por um povo de caminhantes.

No seu caminhar no mundo, o homem nuncaestá sozinho. Sobretudo o cristão nunca sesente abandonado, porque Jesus nos garanteque não nos aguardará apenas no final danossa longa viagem, mas que nos acompa-nhará em cada um dos nossos dias.

Até quando perdurará a atenção de Deuspelo homem? Até quando o Senhor Jesus,que caminha connosco, até quando cuidaráde nós? A resposta do Evangelho não deixamargem a dúvidas: até ao fim do mundo!Passarão os céus, passará a terra, serão anu-ladas as esperanças humanas, mas a Palavrade Deus é maior do que tudo e não passará.E Ele será o Deus connosco, o Deus Jesusque caminha ao nosso lado. Não haverá umdia da nossa vida em que cessaremos de seruma solicitude para o Coração de Deus.Contudo, alguém poderia dizer: «Mas oque dizes?». Digo isto: não haverá um diada nossa vida em que deixaremos de seruma solicitude para o Coração de Deus. Ele

preocupa-se connosco, caminha ao nosso la-do. E por que faz isto? Simplesmente por-que nos ama. Entendestes isto? Ele ama-nos! E sem dúvida Deus proverá a todas asnossas necessidades, não nos abandonará notempo da prova e da escuridão. É precisoque esta certeza se aninhe no nosso espírito,para nunca mais se apagar. Há quem lhe dêo nome de «Providência». Ou seja, a proxi-midade de Deus, o amor de Deus, o cami-nhar de Deus ao nosso lado chama-se tam-bém «Providência de Deus»: Ele provê ànossa vida.

Não é por acaso que entre os símboloscristãos da esperança existe um do qual eugosto muito: a âncora. Ela exprime que anossa esperança não é vaga; não deve serconfundida com o sentimento mutável dequem deseja aperfeiçoar as situações destemundo de maneira irrealista, apostando uni-camente na própria força de vontade. Comefeito, a esperança cristã encontra a sua raiz

estamos certos de que a nossa vida tem asua âncora no céu, naquela margem ondec h e g a re m o s .

Sem dúvida, se confiássemos apenas nasnossas forças, teríamos razão de nos sentir-mos desiludidos e derrotados, porque omundo se demonstra muitas vezes refratárioàs leis do amor. Prefere frequentemente asleis do egoísmo. Mas se em nós sobreviver acerteza de que Deus não nos abandona, queDeus ama com ternura tanto a nós como aeste mundo, então a perspetiva muda ime-diatamente. «Homo viator, spe erectus», di-ziam os antigos. Ao longo do caminho, apromessa de Jesus «Eu estou convosco» le-va-nos a estar de pé, erguidos, com esperan-ça, convictos de que o bom Deus já age pa-ra realizar aquilo que humanamente pareceimpossível, porque a âncora está na praiado céu.

O santo povo fiel de Deus é um povoque está de pé — «homo viator» — e cami-nha, mas de pé, « e re c t u s » , caminha na espe-rança. E onde quer que vá, sabe que o amorde Deus o precedeu: não há região do mun-do que evite a vitória de Cristo Ressuscita-do. E qual é a vitória de Cristo Ressuscita-do? A vitória do amor. Obrigado!

No final da audiência, o Santo Padre saudouos vários grupos linguísticos presentes. Eis,entre outras, algumas das suas expressões.

Saúdo cordialmente os alunos e professoresde Carcavelos e de Porto Alegre e os fiéisda paróquia de Queluz e da comunidadeObra de Maria; saúdo também os Presiden-tes das Câmaras e os Coordenadores da Re-gião Vinícola da Bairrada, os ciclistas milita-res e civis e os restantes peregrinos de lín-gua portuguesa. Obrigado pela vossa pre-sença e sobretudo pelas vossas orações! ÀVirgem Maria confio os vossos passos aoserviço do crescimento dos nossos irmãos eirmãs. Sobre vós e vossas famílias desça aBênção do Senhor!

Dou as cordiais boas-vindas aos peregri-nos de expressão árabe, de modo especialaos provenientes do Médio Oriente! Carosirmãos e irmãs, recordai-vos sempre que anossa existência é uma peregrinação e que apromessa de Cristo e o amor de Deus, quenos precede, servem de ajuda para o nossocaminhar. O Senhor vos abençoe!

Transmito uma saudação especial aos jo-vens, aos doentes e aos recém-casados. On-tem celebramos a festa do Evangelista SãoMarcos. O seu discipulado nos passos deSão Paulo vos sirva de exemplo, amados jo-vens, para vos colocardes no sulco do Salva-dor; a sua intercessão vos sustente, estima-dos doentes, na dificuldade e na provaçãoda enfermidade; e o seu Evangelho breve eincisivo vos recorde, diletos recém-casados,a importância da oração no percurso matri-monial que empreendestes.

«A nossa alma é migrante. A Bíblia está cheia de histórias de peregrinos eviajantes», mas «no seu caminhar no mundo, o homem nunca está sozinho»,afirmou o Papa Francisco durante a audiência geral de quarta-feira 26 deabril, na praça de São Pedro, falando sobre a esperança que deriva dapromessa de Deus.

Yoram Raanan«Abraão diante das estrelas»

Representantes do ordinariato castrensee militares portugueses com o Papa Francisco durante

a audiência geral de quarta-feira

não na atração do futuro, mas na s e g u ra n ç adaquilo que Deus nos prometeu e realizou emJesus Cristo. Se Ele nos garantiu que nuncanos abandonará, se o princípio de cada vo-cação é um «Segue-me!», com o qual Elenos assegura que permanecerá sempre ànossa frente, então por que devemos recear?Com esta promessa, os cristãos podem irpor toda a parte. Inclusive atravessando asregiões de um mundo ferido, onde a situa-ção não é boa, nós estamos entre aquelesque até ali continuam a esperar. O salmo re-za: «Ainda que eu atravesse um vale escuro,nada temerei, pois estais comigo» (Sl 23, 4).Exatamente onde se propaga a obscuridadeé necessário manter acesa uma luz. Volte-mos à âncora. A nossa fé é a âncora no céu.Mantemos a nossa vida ancorada no céu?Que devemos fazer? Segurar a corda: ela es-tá sempre ali. E vamos em frente, porque